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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Henrique Zeferino de Menezes
A CRISE DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO: DÍVIDA EXTERNA,
CONDICIONALIDADES E AS RELAÇÕES COM O FUNDO
MONETÁRIO INTERNACIONAL E O BANCO MUNDIAL (1974-1987)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de sob orientação do Prof. Dr. Reginaldo
Carmello Corrêa de Moraes.
Este exemplar corresponde à redação final da dissertação
defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em
26/02/2008
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes (orientador)
Prof. Dr. Sebastião Carlos Velasco e Cruz
Prof. Dr. Javier Alberto Vadell
Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto (suplente)
Fevereiro de 2008
Campinas, SP
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Título em inglês: The crisis of brazilian development: external debt,
conditionality and the relations with International Monetary
Fund and World Bank (1974-1987)
Palavras chaves em inglês (keywords) :
Área de Concentração: Relações Internacionais
Titulação: Mestre em Relações Internacionais
Banca examinadora:
Data da defesa: 26-02-2008
Programa de Pós-Graduação: Relações Internacionais
2
International Monetary Fund
Worl Bank
Debts, external - Brasil
Brazil – Foreign relations
Economic policy, 1974-1987
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, Sebastião
Velasco Cruz, Javier Alberto Vadell
Menezes, Henrique Zeferino
M524c A crise do desenvolvimento brasileiro: dívida externa,
condicionalidades e as relações com o Fundo Monetário
Internacional e Banco Mundial (1974-1987) / Henrique
Zeferino Menezes. - - Campinas, SP : [s. n.], 2008.
Orientador: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes.
Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Fundo Monetário Internacional. 2. Banco Mundial
3. Dívida externa – Brasil. 4. Brasil – Relações exteriores.
5. Política econômica, 1974-1987. I. Moraes, Reginaldo Carmello
Corrêa de. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.
(crl/ifch)
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RESUMO
Esse trabalho analisa a crise do desenvolvimento brasileiro precipitada com a crise
econômica e financeira internacional da década de oitenta. Buscamos apresentar os
efeitos das transformações nas relações internacionais sobre a crise do endividamento
brasileiro e o papel desempenhado pelas instituições internacionais Fundo Monetário
Internacional e Banco Mundial no processo de renegociação da dívida brasileira com os
bancos comerciais e na condução da política econômica brasileira para a manutenção
das transferências de recursos aos países desenvolvidos. Buscamos ainda enfatizar as
peculiaridades do modelo de desenvolvimento via endividamento do Brasil.
ABSTRACT
This work analyzes the Brazilian development crisis hastened with the economic and
financial international crisis in the 1980s. We aimed to show the effects of the
transformations in international relations in the Brazilian debt crisis; and the role played by
international institutions International Monetary Fund and World Bankin the process of
renegotiation of the Brazilian debt with commercial banks and in the driving of Brazilian
economics for the sustentation of international transfers of resources to the developed
world. We aimed to emphasize the peculiarities of the Brazilian model of development by
indebtness.
3
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todos que de alguma forma e em algum momento
colaboraram para a realização dessa dissertação.
Primeiramente, gostaria de agradecer ao professor Reginaldo Moraes pelos dois
anos de excepcional convivência e principalmente pela atenção dispensada como
orientador. As conversas, sugestões, críticas e apoio foram fundamentais para a
realização desse texto e parte fundamental das qualidades, que por ventura ele venha a
ter, divido com o professor.
Agradeço especialmente a minha família: meu pai, mãe e irmã, que sempre
apoiaram e incentivaram essa empreitada pela carreira acadêmica, que é tão tortuosa
quanto longa sua maturação. A eles meu afeto especial.
Agradecimento especial dedico também a meu tio Lúcio pela recepção em São
Paulo, companhia e apoio em todos momentos. Deixo um abraço também a seus amigos
que me receberam tão bem. Ainda em São Paulo, agradeço aos colegas de sala pelos
dois anos de convivência e a todos do San Tiago Dantas, professores e Giovana. À
CAPES pelo apoio financeiro.
Voltando ao tema da dissertação, agradeço também aos professores Reginaldo
Nasser e Carlos Eduardo Carvalho, Janina Onuki e Shiguenoli Miyamoto. Os dois
primeiros pelos comentários e críticas ao projeto em fase de reconstrução durante a
disciplina seminários de dissertação e os professores Janina e Shiguenoli pelas
contribuições fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa e escrita do texto
durante a qualificação. Agradeço também aos professores Javier Vadell e Sebastião
Velasco e Cruz pela disponibilidade de participar da banca de defesa, o que me deixa
extremamente honrado.
4
SUMÁRIO:
LISTA DE FIGURAS. ....................................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 7
CAPÍTULO I. O SISTEMA BRETTON WOODS: INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS E
HEGEMONIA NORTE-AMERICANA. ........................................................................................... 17
1.1. O Sistema Bretton Woods e suas Instituições Internacionais: FMI e BIRD. .............. 18
1.2. Instituições Internacionais e Hegemonia. .................................................................. 32
CAPÍTULO II. A CRISE INTERNACIONAL DA DÉCADA DE SETENTA E A RUPTURA DO
MODELO DESENVOLVIMENTISTA DE CRESCIMENTO COM ENDIVIDAMENTO. ................... 41
2.1. O Fim do Sistema Bretton Woods e a crise dos anos setenta ................................. 42
2.1.1. Estagnação e alta Liquidez Internacional. ...................................................... 52
2.2. A Crise Definitiva do Modelo Desenvolvimentista de Crescimento com Endividamento:
1979-1982. ...................................................................................................................... 57
2.2.1. Os choques de 1979 e o acirramento da crise internacional: elevação dos juros
e estagnação mundial. .............................................................................................. 59
2.2.2. A Ruptura do financiamento externo e a crise da dívida latino-americana. ..... 65
CAPÍTULO III. REORGANIZAÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA E AS INSTITUIÇÕES DE
BRETTON WOODS: CRISE E AJUSTE NA PERIFERIA ............................................................... 73
3.1. As Instituições de Bretton Woods diante da Crise da Dívida na América Latina. ....... 81
3.1.1. As causas da crise: fatores exógenos e endógenos do processo. .................. 85
3.1.2. Prognósticos e soluções para a crise: liberalização (ões), cortes e reformas. 89
CAPÍTULO IV. O DESENVOLVIMENTO DA CRISE BRASILEIRA: CRISE INTERNACIONAL,
TENTATIVA DE AJUSTE ESTRUTURAL E ENDIVIDAMENTO. ................................................... 93
4.1. O Ajuste Estrutural Brasileiro: a experiência do Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento .............................................................................................................. 93
4.1.1. Sentido Histórico: A Estratégia Ajuste Estrutural Brasileira. ............................ 96
4.1.2. Crescimento com Endividamento e vulnerabilidade externa. ........................ 106
4.2. Alguns Resultados: comércio exterior e endividamento externo ............................. 112
CAPÍTULO V. A CRISE DA DÍVIDA BRASILEIRA: RENEGOCIAÇÃO, CONDICIONALIDADES E
AS RELAÇÕES COM O FMI E BANCO MUNDIAL. .................................................................... 117
5.1. Da Experiência Heterodoxa ao Ajuste Voluntário, 1979-80 e 1981-82. .................. 120
5.2. Instabilidade, desequilíbrio e a volta do Brasil ao Fundo em 1983. ......................... 134
5.2.1. A Renegociação em 1983-84: os acordos com credores e FMI: ................. 138
5.2.2. O papel do financiamento do Banco Mundial ................................................ 151
5.3. Do Equilíbrio Externo com Instabilidade Interna à Crise Generalizada e Moratória em
1987. .............................................................................................................................. 157
5.4. A Crise do Endividamento Brasileiro e a Ruptura do Modelo de Desenvolvimento. 170
CONSIREAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 181
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA: ................................................................................................... 189
Livros e Artigos: .............................................................................................................. 189
Relatórios e Documentos ................................................................................................ 199
5
LISTA DE FIGURAS.
Tabela 1: Reserva de ouro e dívidas líquidas dos Estados Unidos em relação ao
estrangeiro (1960-1972).
Gráfico 1: Preço Médio Anual do Barril de Petróleo Cru
Gráfico 2: Preços reais dos produtos primários.
Tabela 2: Crescimento da produção e do comércio mundial 1979-1984. Em %.
Tabela 3: Evolução da Taxa de juros nominal e real.
Tabela 4: América Latina pós-crise e sob a gestão do FMI: comportamento de
determinadas variáveis relacionadas a divida
Tabela 5: Pauta de exportações brasileira (1973-1985) em US$ milhões.
Gráfico 3: Pauta de exportações brasileira (1973-1985) em US$ milhões
Gráfico 4: Importação brasileira de Petróleo e derivados: valor em US$ 100 e
volume em tonelada.
Tabela 6: Programa de investimentos do II PND 1975-1979. Em CR$. Bilhões.
Tabela 7: Dívida externa e Solvência brasileira. Em US$ milhões
Tabela 8: Principais Fontes de Recursos da Dívida Externa Brasileira: em %
Tabela 9: Balanço de Pagamentos do Brasil (1973 - 1979) em US$ milhões.
Tabela 10: Dívida externa e Solvência brasileira (1979-1987). Em US$ milhões
Tabela 11: Brasil: Balanço de Pagamentos
Tabela 12: Indicadores chave da economia mundial (1979-82)
Tabela 13: Projetos aprovados entre o governo brasileiro e bancos credores
Tabela 14: Condicionalidades (metas para o setor externo e interno) e resultados
obtidos
Tabela 15: Quadro comparativo: Acordos de Renegociação com os Bancos
Comerciais
Gráfico 5: Participação do Brasil no acesso aceso a Recursos do Banco Mundial
(1950-88) em %.
Gráfico 6: Banco Mundial: empréstimos aprovados ao Brasil (1975-1987) em US$
milhões
Tabela 16: Brasil: Dados Externos e Transferência de Recursos ao Exterior
6
INTRODUÇÃO
A década de oitenta do século passado ficou marcada pela crise econômica
generalizada no Brasil. Por um lado, houve uma reversão dos números históricos de
crescimento econômico e industrialização do país. Desde o final da Segunda Guerra
Mundial o Brasil passava por um surto de industrialização, urbanização, modernização e
crescimento ininterrupto, acelerado e a taxas muito maiores que as economias
desenvolvidas. Por outro lado, a década de oitenta também ficaria estigmatizada pelo
surto inflacionário que atingira marcas expressivas e à beira da hiperinflação e pela
severa deterioração dos níveis sociais.
Os motivos, as causas ou as culpas para essa catástrofe na economia, na política
e na sociedade brasileira, violentada pelo regime ditatorial de 1964, estão, de fato,
atrelados a uma série de fatores que extrapolam qualquer possibilidade de resenha e
mesmo a quantidade de páginas de uma dissertação de mestrado (caso fosse possível
resenhar todo esse processo). Dessa forma, iremos nos dedicar a uma análise desse
processo de crise tendo como premissa (e por se tratar de uma dissertação de relações
internacionais) uma leitura mais acurada dos fatores exógenos que desempenharam
papel determinante no desenvolvimento da crise econômica deflagrada em inícios dos
anos oitenta. Ou seja, relacionar os choques externos desencadeados no sistema
econômico internacional com o processo de crise no Brasil; as próprias relações dos
governos brasileiros com as estruturas e atores internacionais; e o papel desempenhado
pelas instituições internacionais multilaterais, privadas e públicas no desenvolvimento
das relações do país com o mundo exterior.
Os anos oitenta marcariam também o início de um processo de reestruturação da
economia brasileira e de reorganização de grupos sociais e políticos na direção do que se
convencionou denominar de reformas neoliberais. O Brasil, como um reformador
7
retardatário, ainda relutaria durante a década para implementar o receituário das reformas
pró-mercado e iniciaria verdadeiramente esse processo nos anos Collor, com a
abertura, e no governo FHC com as reformas institucionais, privatizações e liberalizações.
Entretanto, a década de oitenta representou uma ruptura no modelo de industrialização
calcado em políticas nacionais de incentivo, gerenciamento, investimento, direcionamento
e etc, abrindo caminho para a reestruturação profunda da economia brasileira.
Na virada dos anos setenta para a década de oitenta teria início uma fase de
desaceleração do crescimento econômico no país com efeitos deletérios para a
sociedade, a qual se estende até os dias atuais. Os motivos desencadeadores desse
processo, como salientado, são vários. O que se sabe é que o Brasil na década de
oitenta, como se diz, perdeu o “trem” do desenvolvimento. Ou teria sido arremessado para
fora dele?
Essa dissertação tem como objetivo fundamental apresentar uma análise da crise
do desenvolvimentismo brasileiro deflagrada na década de oitenta, direcionando o foco
da análise para os fatores exógenos do processo e seus efeitos na economia e política
nacionais. A crise da vida que acometeu os países da América do Sul, incluindo o
Brasil, e o processo de renegociação da dívida externa atrelada aos acordos com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), bem como a participação do Banco Mundial no
financiamento das contas externas brasileiras, condicionado a políticas de reformas
macroeconômicas, seriam os principais fatores deflagradores da crise.
Não se pretende desconsiderar alguns macro-fatores domésticos como a crise
fiscal provocada pelo processo de endividamento, a instabilidade resultante dos níveis
elevados de inflação, que diretamente acarretaram numa maior vulnerabilidade da
economia brasileira a choques internacionais. Entretanto, pretende-se demonstrar que o
caso brasileiro não representa perfeitamente o modelo apresentado pelas instituições de
Bretton Woods e por alguns analistas interessados em representações mais gerais da
8
crise, que focam fundamentalmente na idéia de crise/falência do modelo
desenvolvimentista de substituição de importações.
As inversões públicas e privadas em projetos de desenvolvimento e infra-estrutura
– energia, transporte, etc. e em setores produtivos bens de capital, insumos básicos à
produção industrial durante a década de setenta teriam promovido alguns resultados
positivos na economia brasileira, apesar do acréscimo acelerado do endividamento. Os
projetos do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, implementado em 1975, teriam
afetado definitivamente a matriz industrial brasileira, na tentativa de corrigir desequilíbrios
estruturais, e transformar a pauta de exportações brasileira. O governo de Ernesto Geisel
partira de um entendimento acerca das transformações nas relações internacionais
específico, de reordenação das relações produtivas e comerciais profundas. Essa
reordenação demandaria modificações também profundas da estrutura produtiva nacional
e seria financiada pelo capital do circuito privado internacional.
As transformações e rupturas nas relações internacionais, como as
desencadeadas na década de setenta, seriam resultado de opções políticas e estratégias
nacionais, na sua maioria, das grandes potências mundiais. O final dos anos setenta
representou com os choques dos juros e do petróleo a emergência de um cenário
adverso para as economias em desenvolvimento altamente endividadas. A estagnação
econômica global aprofundou a deterioração das relações de troca entre os países do
norte e sul e das contas externas das economias em desenvolvimento. A crise mexicana,
em 1982, precipitou a crise financeira mundial com o abrupto fechamento do circuito
privado de crédito aos países em desenvolvimento.
A crise econômica desencadeada no Brasil, que buscaremos apresentar ao longo
desse texto, fez com que o governo brasileiro se visse obrigado a retornar ao Fundo
Monetário Internacional no final de 1982 e a ter de contar com a maior participação do
Banco Mundial no financiamento de suas contas externas. Os choques globais, que
9
produziram efeitos diretos na economia brasileira, assim como o reescalonamento da
dívida perante o circuito financeiro privado internacional, mediada obrigatoriamente por
um acordo com o FMI, por um lado, e as condicionalidades “propostas” pela instituição,
por outro, teriam marcado definitivamente a saturação do projeto de desenvolvimento
nacional durante a década de oitenta. Os impactos das transformações no cenário
econômico global e os constrangimentos criados pelas instituições financeiras
internacionais para a implementação de políticas econômicas pelos governos brasileiros e
o volume de transferências de recursos ao exterior teriam sido responsáveis pelo
rompimento do ciclo desenvolvimentista brasileiro. Entretanto, a relação do Brasil com as
instituições em questão é extremamente peculiar, especialmente no que diz respeito à
não observância de prazos, metas de política econômica e critérios de desempenho
estipuladas pelo Fundo e que acabariam levando à ruptura do acordo estabelecido em
1983 e a situação crítica das contas externas brasileiras em 1986 acabariam
desencadeando na moratória de 1987.
Pretende-se também nessa dissertação demonstrar que as transformações nas
relações econômicas internacionais durante a década de setenta e oitenta teriam
repercutido diretamente nas instituições financeiras multilaterais. A entrada do capital
financeiro definitivamente ao centro do sistema capitalista mundial instrumento e
expressão do poder norte-americano – conduziram à crise do endividamento e
condicionaram os processos de renegociação. Os programas de ajuste estrutural do
Banco Mundial apesar de o Brasil não ter assinado um e as interferências do Fundo
na condução das políticas macroeconômicas dos países função não existente na sua
constituição – representam a transmutação das instituições, que, por sua vez, impactaram
na reorganização das economias dos países em desenvolvimento.
O Brasil, apesar das particularidades e de alguns resultados econômicos positivos
acabaria enquadrado no processo de renegociação, no qual se acentuariam as
10
transferências de recursos ao exterior e estagnação econômica. O endividamento
externo, as transformações nas relações econômico-financeiras internacionais, o
processo de renegociação da dívida e as condicionalidades do Fundo e do Banco Mundial
teriam sido determinantes na crise do desenvolvimento brasileiro.
A fim de discutir os termos e questões supracitados, a dissertação acabou ficando
dividida em torno de cinco capítulos que compõe a estrutura central do texto. Sendo
composta ainda por esta introdução e ao final seguem as considerações finais e
conclusões.
O primeiro capítulo tem como objetivo apresentar o processo de constituição do
sistema econômico do pós-guerra para apresentar de forma mais detalhada o nascimento
do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial e o processo de transformação das
relações financeiras na década de setenta. Tentaremos ainda demonstrar, através de um
arcabouço teórico rapidamente esboçado, a relação existente entre a emergência de uma
ordem internacional hegemônica e construção de regras e instituições internacionais. Ou
seja, demonstrar o papel desempenhado pelas instituições internacionais na conformação
de um ordenamento internacional e na constituição de padrões e normas de
relacionamento entre os países. A reconstrução do processo histórico de nascimento das
instituições internacionais em questão cumpre a função de apresentar as relações de
interesses nesse processo e as conseqüências relacionadas à estrutura, regras internas e
funcionalidade das instituições. A relação entre instituições internacionais e consolidação
de ordens hegemônicas revelaria essas questões, assim como abriria o tema da função
das instituições internacionais tanto no processo de retomada da hegemonia norte-
americana no final da década de setenta como na condução do processo de
renegociação da dívida externa e reinserção do mundo em desenvolvimento nas relações
internacionais.
11
No segundo capítulo buscar-se-á retratar o processo de desestruturação do
sistema Bretton Woods e o desencadeamento da crise internacional da década de
setenta. A crise desencadeada com o choque do petróleo e a estagnação das grandes
potências mundiais impactaram diretamente as economias em desenvolvimento. Essas
transformações, acompanhadas pela crise de produção e comércio internacionais, teriam
influenciado diretamente na política implementada pela Brasil nos anos de 1974-1979.
Busca-se ainda retratar a crise definitiva do modelo desenvolvimentista instaurado pelas
economias em desenvolvimento, com destaque aos países latino-americanos, baseado
em políticas econômicas governamentais e de substituição de importações. O segundo
choque do petróleo; a elevação dos juros internacionais, como resultado de modificações
na política macroeconômica norte-americana; e a crise mexicana de 1982 acabariam
marcando as transformações que levaram os países latino-americanos à crise da dívida
externa.
No terceiro capítulo serão retratadas as transformações ocorridas no seio das
instituições de Bretton Woods e de que forma elas acompanharam as transformações nas
relações internacionais apresentadas nos capítulos que o antecedem, assim como
discorrer sobre os efeitos derivados desse processo na condução das relações com os
países endividados nos anos oitenta. Buscar-se-á, inclusive através da retomada de
algumas questões teóricas, analisar o tratamento dado pelas instituições de Bretton
Woods à problemática da crise da dívida latino-americana. As transformações vivenciadas
nas organizações internacionais, com conseqüências nas premissas balizadoras de suas
atuações, assim como a própria emergência do neoliberalismo como opção de política
econômica serão temas nesse capítulo. Essas questões são fundamentais para se
compreender a relação teórica e estratégica das instituições de Bretton Woods com a
problemática da dívida externa e com os governos endividados.
12
Como apresentado no capítulo 1, as instituições internacionais desempenham um
papel fundamental na manutenção de uma ordem hegemônica, assim como agem na
realização de interesses das grandes economias (dos grupos hegemônicos). A
estabilização do ordenamento internacional pós-segunda guerra teria consolidado um
conjunto de regras, regimes e instituições internacionais condizentes com os interesses
norte-americanos de expansão internacional do sistema capitalista. As transformações
nas relações econômicas internacionais, por sua vez, iniciadas nos anos sessenta e a
emergência do ideário neoliberal como opção econômica viável anos depois teriam
implicado mudanças fundamentais nas políticas governamentais e nos entendimentos e
práticas das instituições de Bretton Woods. As premissas ideológicas do pensamento
neoliberal teriam passado a permear as concepções do Fundo e do Banco Mundial acerca
das opções de política e desenvolvimento econômicos. Essas premissas e pré-
concepções permeariam os entendimentos acerca das causas e dos prognósticos para a
solução da crise da dívida e conduziriam os programas de ajuste entre as instituições e os
governos endividados.
Essas modificações no seio das instituições seriam resultado não apenas de
supostas mudanças de percepções globalmente aceitas, mas de estratégias políticas
deliberadas, como a entrada de Anne Krueger à chefia econômica do Banco Mundial em
1982. O pensamento neoliberal, que saiu de sua quarentena durante a década de oitenta,
teria sido apropriado para a realização de interesses estratégicos das grandes economias
e se transformado em verdade econômica, inclusive através das próprias instituições de
Bretton Woods.
O objetivo, não desse capítulo, é o de apresentar como as transformações
políticas e econômicas nas relações internacionais influenciam as instituições
internacionais e de que forma se a interação dos países em crise com a economia
internacional. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, nesse caso específico,
13
funcionariam não como propagadores de idéias, mas atuariam na conformação das
economias em desenvolvimento aos interesses dos países industrializados. Essa
modificação no seio das instituições internacionais, por sua vez, balizaria os
entendimentos acerca das causas e, conseqüentemente, das soluções para a crise da
dívida. Os acordos e programas de financiamento e ajuste formulados pelas instituições e
implementados nos países endividados passariam basicamente pelas premissas
fundamentais da corrente liberal: liberalização comercial e de preços, austeridade fiscal,
corte de gastos, controle inflacionário. Ou seja, minimização do Estado.
Os interesses dos bancos comerciais internacionais maiores credores mundiais
– e as percepções das instituições financeiras sobre a crise dívida teriam condicionado as
relações dessas com os países endividados. Entretanto, o caso brasileiro, como
buscaremos apresentar ao longo dos capítulos seguintes, não condiz totalmente como
padrão discursivo adotado pelas instituições internacionais que relacionavam a crise do
endividamento à falência do modelo econômico adotado pelos países latino-americanos.
O Brasil implementara um programa de ajuste econômico peculiar com a aprovação do
Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, como apresentado no quarto capítulo, que
promovera uma aceleração da industrialização brasileira diante de um cenário de crise
econômica mundial, com uma significativa reestruturação produtiva e comercial do país,
baseando-se na captação externa de recursos. O plano teria alterado significativamente o
produto industrial brasileiro com conseqüências na pauta de exportações do país e,
financiado por recursos do sistema financeiro privado internacional, ampliado o
endividamento externo com efeitos diretos na vulnerabilidade externa do país.
No último capítulo pretendemos apresentar o processo de renegociação da dívida
externa brasileira no período que se estende da emergência da crise à moratória
decretada em princípios de 1987. Buscaremos considerar, especialmente, esse processo
de renegociação com os bancos credores brasileiros, explicitando a participação do
14
Fundo Monetário Internacional na implementação e supervisão do acordo ampliado de
financiamento e estabilização, assim como a relação com o Banco Mundial, no que se
refere à sua participação no financiamento das contas externas brasileiras. Buscar-se-á
demonstrar de que forma os impactos da crise global na vida externa brasileira (volume
e perfil do endividamento) e as condicionalidades impostas pelo acordo assinado como o
FMI para renegociação teriam funcionado como detonadores e catalisadores da crise
econômica brasileira.
O cenário de crise econômica generalizada e o padrão adotado pelo FMI para
condução de um processo de renegociação e estabilização teriam condicionado de forma
decisiva a política econômica brasileira a um processo de transferência de recursos reais
ao exterior, estrangulando a economia nacional e determinando as possibilidades e
espaços para implementação de políticas. O ajustamento, condicionado pelos acordos,
teria produzido custos determinantes para o processo de desenvolvimento nacional para
manter o pagamento integral dos juros e amortizações da dívida contraída.
Com o processo de redemocratização e com o bom desempenho das contas
externas do país no ano de 1984, novas possibilidades de negociação com os credores
brasileiros e de relacionamento com o FMI teriam sido abertas. Apesar da baixa
legitimidade e apoio, o novo governo civil contava com novas formas de sustentação para
iniciar uma política de desenvolvimento que não subordinasse as metas políticas
domésticas aos interesses do setor financeiro mundial. Fato esse que acabaria sendo
aproveitado pela equipe econômica chefiada pelo Ministro da Fazenda Dilson Funaro.
Entretanto as reviravoltas na economia brasileira pós-Plano Cruzado acabariam levando à
moratória. Episódio que será mais bem detalhado no quinto capítulo.
A década de oitenta representou para o Brasil um período de crise generalizada
(tanto dos números de crescimento e industrialização, como de desenvolvimento sócio-
econômico) e suscitou uma série de debates acerca das causas da crise, da forma de se
15
lidar com o processo de crise e de como proceder para superá-la e avançar no
desenvolvimento nacional. Os textos de economia, maior volume da produção sobre o
período, baseiam-se majoritariamente em temas como os impactos do endividamento
externo no déficit público; relação do déficit com a desaceleração do crescimento
econômico; eficiência das políticas macro e microeconômicas adotadas para lidar com os
desequilíbrios estruturais da economia, ou seja, as respostas notadamente econômicas à
crise; os efeitos das políticas adotadas na escalada da inflação e os efeitos dessa no
conjunto da economia nacional; por outro lado, alguns trabalhos buscaram ainda enfatizar
os equívocos tanto do FMI na implementação dos programas de ajuste, como do governo
brasileiro na condução da economia.
Ou seja, o debate sobre a crise da década de oitenta é extremamente longo e
perpassa uma grande quantidade de questões, além de se aprofundar em temas
altamente específicos, técnicos. O nosso objetivo, e por se tratar de uma dissertação de
relações internacionais, é o de apresentar um enfoque sobre esse período direcionado às
questões políticas que envolvem os governos brasileiros, os bancos credores do país e as
instituições internacionais. Buscaremos com esse texto nos adentrar num tema altamente
trabalhado por economistas, mas enfatizando as questões de natureza política, mais
especificamente os problemas relacionados à dimensão internacional, a qual teria
impactado a economia e a política brasileira de forma determinante nesse período.
16
CAPÍTULO I. O SISTEMA BRETTON WOODS: INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS E
HEGEMONIA NORTE-AMERICANA.
We have about 50 per cent of the world’s wealth but only 6.3
per cent of its population. Our real task in the coming period is
to devise a pattern of relationships which will permit us to
maintain this position of disparity without positive detriment to
our national security
(George Kennan, 1948)
Esse primeiro capítulo tem como objetivo dar os primeiros contornos do que se
pretende que venha a ser a dissertação. Ou seja, para que possamos demonstrar as
mudanças ocorridas na década de setenta e oitenta e suas conseqüências para a
economia mundial e brasileira, objetivamente, a emergência da crise da dívida, torna-se
imperativamente necessário apresentarmos o nascedouro do sistema econômico mundial
que se encontraria em mutação durante os anos setenta. E mais, para relatarmos as
relações entre o Brasil e o par FMI-Banco Mundial na década de oitenta, faz-se
necessário discorrer sobre a gênese das instituições internacionais provenientes do fim da
Segunda Guerra Mundial. Então, para tal, esse capítulo reservará um breve espaço para
uma leitura da emergência do sistema Bretton Woods e de suas instituições multilaterais,
a saber, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento.
Para uma leitura mais elucidativa das principais questões relacionadas à
reordenação das relações economias em Bretton Woods a estruturação de um
liberalismo e uma institucionalidade específicos e o definitivo posicionamento dos Estados
Unidos como potência hegemônica pretende-se abordar esses temas de forma analítica
através de um instrumental teórico propício.
Inicialmente será apresentada uma rápida explanação acerca da reestruturação da
ordem econômica com o fim da Segunda Guerra Mundial e suas repercussões na
estruturação e na funcionalidade das organizações internacionais dela derivada. Torna-se
17
importante ainda apresentar algumas questões teóricas, apesar de não ser esse um ponto
central na dissertação, para dar subsídios ao entendimento acerca do papel
desempenhado pelas instituições internacionais no processo de conformação e
consolidação da ordem econômica mundial. Sendo esse o conteúdo do segundo tópico
proposto para esse primeiro capítulo.
1.1. O Sistema Bretton Woods e suas Instituições Internacionais: FMI e BIRD.
A eclosão da Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos, especialmente a
destruição do continente europeu, principal teatro das batalhas, abriu caminhos para a
definitiva ascensão à posição de potência hegemônica por parte dos Estados Unidos.
Maior economia mundial alguns anos, detentora do maior poderio bélico e agraciado
pela tragédia e instabilidade na Europa, os Estados Unidos se posicionariam, desta vez,
como principal potência a gerenciar as relações internacionais
1
.
O final do conflito fez emergir uma nova estruturação das relações interestatais
que tinha, fundamentalmente, nos interesses e na posição exercida pelos Estados Unidos
suas principais características balizadoras. Esse processo de reestruturação das relações
internacionais se estabeleceu na esfera político-militar com a Conferência de São
Francisco, nascedouro das Nações Unidas, e em Bretton Woods, quando se consolidou
um novo arranjo para regular as relações econômico-financeiras internacionais. Por um
lado, estabeleceu-se um sistema de poder, liderança e governabilidade das relações
políticas – estendendo a idéia de política à problemática da guerra – que tinha por objetivo
a manutenção da paz mundial e da segurança dos países membros da nova sociedade
1
No interregno entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial nem Inglaterra nem os Estados
Unidos se comprometeram com o exercício de liderança mundial. A primeira por impossibilidade e
o segundo por desinteresse. O colapso do padrão-ouro; a crise de 1929; o individualismo norte-
americano na busca por políticas de bem-estar social; e ascensão do nazi-fascismo teriam
conformado uma realidade mundial não coordenativa, calcada na competitividade destrutiva.
18
de Estados, essa, por sua vez, calcada por uma série de novas características, direitos e
deveres. Por outro, a regência das relações financeiras e monetárias internacionais
passaria a partir de então, através do espírito” de Bretton Woods, pelo crivo da
racionalidade, não mais se recorrendo às políticas econômicas desestabilizadoras e
destrutivas de anos anteriores.
A nova ordem internacional, forjada antes mesmo do término da Segunda Guerra
Mundial, se caracterizaria pela emergência definitiva de uma potência hegemônica com
pretensões de exercer sua liderança através da consolidação de regras e normas
internacionais condizentes com o tempo e com seus objetivos, assim como pela
solidificação de mecanismos de enforcement que garantissem a estabilidade predefinida e
condicionassem a execução de políticas internacionais e nacionais.. A nova
institucionalidade criada a partir das reuniões fundacionais do pós-guerra teria a função
de dar sustentação às políticas e estratégias norte-americanas e de seus aliados que
por sua vez organizariam e compeliriam as relações entre as forças políticas e
econômicas nos e entre os Estados. O excerto que inicia o capítulo, proveniente de um
político de tal influência no período do pós-guerra como George Kennan, demonstra
nitidamente os interesses e pretensões internacionais norte-americanas
A participação ativa e preponderante dos Estados Unidos; a ênfase dada ao
multilateralismo e à regulamentação de todo sistema, através da constituição de regimes
e organizações internacionais
2
; o processo de reconstrução da Europa através do Plano
Marshall; e, evidentemente, a emergência do embate ideológico, programático e em
alguns momentos militar envolvendo Estados Unidos e União Soviética seriam as forças
2
John G. Ruggie (1992) apresenta uma visão dos Estados Unidos como quase de uma potência
benevolente e desinteressada na construção do sistema de ordenação internacional no pós-guerra.
Para uma visão crítica do exercício hegemônico norte-americano, ver Gill (1993) e Gowan (2003)
para o período de desestruturação do sistema Bretton Woods.
19
que condicionariam essa nova ordem emergente. Esses dois últimos pontos mereceram
destaque significativo na formulação das políticas externa e econômica norte-americanas.
As questões específicas acerca das relações político-militares, apesar de
representarem parte fundamental dessa nova estruturação internacional pós-guerra, não
dizem respeito diretamente aos objetivos dessa pesquisa, por isso nos restringiremos às
breves palavras acima. Focalizaremos especialmente as relações econômicas
internacionais, dando ênfase à nova institucionalidade criada, suas funções e objetivos.
As reuniões de Bretton Woods tinham por objetivo promover a reordenação do
sistema econômico internacional e a reestruturação das relações financeiras mundiais
após o término definitivo do conflito mundial. O sistema Bretton Woods representou a
emergência de uma ordem econômica internacional pautada pelo liberalismo econômico,
voltada para a livre circulação de bens e investimentos, assim como marcou a emergência
de um novo entendimento sobre o papel estatal no desenho de políticas de
desenvolvimento econômico. A nova estruturação do sistema financeiro promoveu ainda,
e principalmente, a consolidação legal da supremacia norte-americana. Os múltiplos
interesses dos Estados que se confrontaram e se conjugaram na formulação dessa nova
ordem espelham as complexidades e divergências num momento de instabilidade
internacional crônica. Debates tensos sobre a possibilidade de se executar novas e
severas punições sobre os países do Eixo; os erros e aprendizados da Liga das Nações
que reverberavam nas múltiplas negociações; as preocupações com os rumos da
economia mundial, ainda abalada pela economia de guerra das desvalorizações
competitivas dos anos vinte e trinta; e a própria depressão européia eram fatores que
condicionavam interesses de governos
3
e influíam nos debates.
3
O próprio governo brasileiro, segundo alguns analistas, teria participado abertamente do conflito
com o envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) com o objetivo de participar com maior poder
de barganha nas negociações do pós-guerra. O Brasil participou da conferência de Bretton Woods
com a seguinte delegação: Arthur de Souza Costa, Eugênio Gudin, e Roberto de Oliveira Campos.
20
Nos Estados Unidos vigoravam, desde o século XIX, correntes defensoras de um
internacionalismo ativo norte-americano e da expansão e fortalecimento do liberalismo
econômico
4
. Durante os preparativos para as reuniões de Bretton Woods, defensores
dessa corrente internacionalista e do livre-mercado exacerbado nos Estados Unidos se
confrontaram com adeptos de uma visão balizada pelo planejamento governamental,
proteção social e políticas de pleno-emprego. O livre funcionamento das forças do
mercado, políticas de liberalização comercial e a forma de regulação e funcionamento do
sistema financeiro balizaram os debates, que tinham como pano de fundo, entendimentos
distintos sobre a funcionalidade do planejamento estatal e sobre as vicissitudes do
mercado. Este embate no interior dos Estados Unidos, materializado no conflito entre
Departamento de Estado e Departamento do Tesouro, acabaria conformando os
resultados da conferência e de suas instituições, como será apresentado a seguir (Block,
1989; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).
O Secretário de Estado do então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano
Roosevelt, Cordell Hull, era um firme partidário do internacionalismo estadunidense aos
moldes wilsonianos e defensor assíduo do livre-mercado. Utópico, defendia que a
integração econômica mundial e a liberalização comercial geral e indiscriminada seriam o
caminho para a paz mundial. Apesar de seu utopismo não ser compartilhado totalmente
dentro do Departamento de Estado, a unanimidade pairava no reconhecimento da
necessidade de os Estados Unidos abrirem o mundo para o comércio e investimentos
norte-americanos
5
.
4
As intervenções norte-americanas na América Latina, sob o signo da Doutrina Monroe; a
intervenção nas Filipinas e o domínio em Cuba com a metamorfose da Emenda Teller em Emenda
Platt são exemplos da política internacionalista estadunidense no século XIX.
5
O tema do livre comércio será questão central nas negociações envolvendo Cordell Hull e o
Departamento de Estado. Sua preocupação com rumos do comércio internacional respaldará suas
pressões nas negociações em Bretton Woods e seu interesse na formulação de um regime
internacional de comércio.
21
Pelo lado da Secretaria do Tesouro, duas figuras predominaram: Henry
Morgenthau, o secretário, um político ortodoxo-conservador e vigoroso defensor do
planejamento estatal e da implementação de políticas sociais aos moldes do new deal
6
, e
Harry Dexter White, então assessor do Departamento, que acabaria destinado a chefiar a
equipe norte-americana nas negociações em Bretton Woods. White, segundo Fred Block
(1989), era um dos mais importantes defensores, dentro do governo norte-americano, do
planejamento econômico nacional
7
.
Cordell Hull acabou não conseguindo isolar o Departamento do Tesouro das
negociações internacionais de Bretton Woods e White, como mencionado, se tornou o
responsável pelas negociações financeiras internacionais dos Estados Unidos em New
Hampshire. Entretanto, suas concepções acerca da melhor estruturação das relações
econômicas internacionais se mantiveram submetidas a pressões de grupos privados
8
e
dos adeptos do livre-cambismo
9
, que insistiam na restauração da ordem comercial
multilateral aberta como base das negociações em Bretton Woods, assim como tinham de
passar pelo crivo do Congresso norte-americano.
6
“Mesmo sendo um homem rico e firme defensor do capitalismo, compartilhava a antipatia popular
dos anos trinta sobre Wall Street e as maga-corporações. Culpava, pelas dificuldades econômicas
vividas pelo país, o egoísmo dos intereses desses grupos, mas, ao memso tempo, acreditava que
o setor privado tinha a responsabilidade de corrigir as coisas.” (Block, 1989: 67 – tradução livre).
7
A influência de White no governo norte-americano e suas idéias vinculadas à participação estatal
na economia acabariam lhe rendendo problemas políticos sérios com o acirramento da Guerra
Fria. “Su posición en el ala izquierda del Nuevo Trato, su estilo personal aparentemente difícil, y su
influencia extraordinaria sobre la política económica exterior de los Estados Unidos durante gran
parte de la guerra explican en gran medida su dramática caída. En 1948 fue públicamente acusado
por Whitaker Chambers y Elizabeth Bentley de ser un agente comunista, y murió luchando por
limpiar su nombre” (Block, 1989:69)
8
Grandes instituições financeiras internacionais teriam influenciado nas negociações em Bretton
Woods e na própria elaboração do texto e dos acordos finais da conferência. Apesar de os
resultados finais não terem sido tão favoráveis assim para essas grandes corporações financeiras,
restou-lhes torcer para que o funcionamento do sistema não se perpetuasse. (Lichtensztejn e Baer,
1987; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).
9
Apesar de todas as discordâncias, os Departamentos de Tesouro e de Estado mantinham-se em
consonância sobre a necessidade de se incentivar a re-industrialização alemã, não repetindo o erro
do concerto europeu após a Primeira Guerra Mundial, uma vez que entendiam a Alemanha como
principal veículo de estabilização e crescimento europeu. Além disso, concordavam sobre a
necessidade de se abrir o Império britânico aos fluxos comerciais norte-americanos.
22
A proposta inicial esboçada por White na Conferência do Atlântico de Ajuda Mútua,
de fevereiro de 1942, compreenderia a criação de um banco internacional,
complementado por um fundo de estabilização, com amplos poderes e vasto aporte de
capitais para possibilitar a conciliação entre estabilidade mundial e políticas de pleno
emprego. O Banco funcionaria como catalisador dessas políticas de pleno emprego
enquanto o fundo manteria a estabilidade do balanço de pagamentos dos países com
problemas nas suas contas externas
10
. Os Estados com déficits externos poderiam manter
suas políticas de crescimento econômico sem que se vissem ameaçados por uma crise
de liquidez. Tornar-se-ia, assim, possível compatibilizar políticas de pleno emprego
mundial, estabilidade internacional e autonomia política nacional.
White entendia que essas instituições poderiam manter a estabilidade e o
crescimento internacional, enquanto promoviam (e deixariam promover) políticas
nacionais desenvolvimentistas. Além disso, impediriam a depressão, uma vez que
minimizariam a necessidade de realização de ajustes dolorosos para a preservação da
estabilidade monetária. Queria criar uma ordem monetária na qual os países poderiam
seguir de forma sistemática políticas de pleno emprego sem o perigo de esgotar suas
reservas internacionais” (Block, 1989: 76-7 – tradução livre).
Muito audacioso e muito oneroso para as contas dos Estados Unidos, como
averiguado pelo governo norte-americano, o plano passou por modificações e acabou
sendo reescrito no ano seguinte para servir de base negociadora na conferência. As
negociações entre White e John Maynard Keynes, representante do governo inglês,
passariam então a dar o tom dos debates assim como demonstrariam nitidamente os
10
Fred Block (1989) apresenta sucintamente a proposta. “Em suma, o banco seria um banco
central internacional com faculdades extraordinárias que seriam utilizadas para alcançar o pleno-
emprego mundialmente. Seria complementado por um fundo de estabilização, cujos recursos
ultrapassariam os US$ 5 bilhões, que seriam utilizados para prover crédito aos países com
dificuldades no balanço de pagamentos. No lugar de se verem obrigados a reduzir o desempenho
econômico, os países poderiam recorrer ao fundo para superar suas dificuldades, ao passo em que
melhoravam suas balanças de pagamentos” (p.76 – tradução livre).
23
interesses dos países em questão. Os resultados do acordo (especialmente as
características das instituições criadas), por sua vez, repercutiriam o poder norte-
americano.
O novo sistema partiria, necessariamente, de duas principais preocupações: a
busca pelo alcance do pleno-emprego através da desrepressão aos Estados na
elaboração de políticas econômicas nacionais e de uma redução das distorções regionais
ocasionadas pela guerra, também com conseqüências positivas no alcance do pleno
emprego; e a criação e manutenção de uma ordem econômica mundial estável e que
impedisse o retorno do nacionalismo econômico destrutivo do entreguerras. O
entrincheiramento das economias nacionais através de medidas protecionistas e
desvalorizações cambiais fora compreendido como um fator determinante para o
acirramento das tensões na Europa
11
.
Essas duas principais preocupações funcionariam como base das negociações,
uma vez que se tratava de concordância entre os principais envolvidos. Entretanto, os
interesses fundamentais que ancoravam os negociadores se distanciavam, uma vez que
refletiam os objetivos dos Estados. Para os ingleses, a preocupação em relação à
possibilidade de manutenção de políticas visando o pleno-emprego sedimentadas na
Inglaterra desde os anos trinta balizava os interesses e as propostas de Keynes. a
ânsia norte-americana se colocava na necessidade de construção de uma ordem
11
Essa junção entre liberalismo econômico com liberdade política dos Estados na elaboração de
políticas desenvolvimentistas é o que Ruggie (1986) denominou de embedded liberalism. Através
de um arranjo institucional adequado poderia se preservar a ordem econômica internacional sem
obstruir as políticas econômicas nacionais.
24
comercial aberta e que impedisse o retorno às desvalorizações competitivas
12
(Gilpin,
2002).
“À Inglaterra preocupava o eventual retorno ao padrão-ouro, e aos
Estados Unidos a volta do câmbio livre. Ingleses buscavam um arranjo
que lhes desse liberdade para adotar políticas que permitissem alcançar
e sustentar o pleno emprego. Americanos pretendiam regimes cambiais
organizados, que permitissem a expansão do comércio internacional e
tornassem ilegal o recurso a controles administrados contra suas
exportações” (Carvalho, 2004:56)
Essas diferenças acabariam refletindo nos debates acerca dos temas
fundamentais da conferência: a conformação das instituições, os mecanismos de ajustes
nas economias nacionais, a problemática cambial e o papel a ser desempenhado pelo
dólar internacionalmente.
As instituições propostas inicialmente por White se transmutaram. Mudou-se o
foco principal do Banco internacional para o Fundo de estabilização. O Banco passou a
ter um papel reduzido na proposta norte-americana assim como o seu aporte de capitais e
o fundo, por sua vez, passou a ser a principal instituição na proposta, mas com função
diferenciada e poder reduzido (Block, 1989; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002). Como
salientado, os Estados Unidos estavam interessados em manter uma ordem comercial
aberta e a construção de um regime de pagamentos com controles sobre as políticas
cambiais dos países, que disponibilizasse mecanismos de socorro em momentos de crise,
daria a estabilidade necessária. A proposta de Keynes, por outro lado, baseava-se
nitidamente nos grandes interesses da Inglaterra, devastada economicamente pela
12
A preocupação norte-americana se dava em relação à saúde futura da sua economia mundial. A
mobilização para a guerra, com elevação vertiginosa da produção industrial fazia necessário a
sustentação de políticas anti-deflacionárias para sustentar os níveis de demanda mundial. A
imperativa necessidade de um mundo aberto aos fluxos de comércio teria sido um dos fatores,
junto com a racionalidade negociadora de White que sabia da dificuldade em aprovar seus planos
no Congresso norte-americano, que minimizara a força da opção pelo planejamento econômico.
(Block, 1989).
25
guerra. A possibilidade de manutenção das políticas de desenvolvimento econômico pelos
governos nacionais deveria pautar as negociações, assim como a estabilização da ordem
econômica não poderia depender das vicissitudes da economia norte-americana.
A existência de uma instituição com o poder de gerenciar as crises financeiras
internacionais, de modo a dar autonomia política aos Estados nacionais também constava
nos interesses centrais da Inglaterra e na proposta de Keynes. A Clearing Union seria
uma câmara de compensações com grande volume de recursos para sustentar
temporariamente países com crises na balança de pagamentos, enquanto esses se
ajustavam. De acordo ainda com a proposta de Keynes o custo do ajuste deveria ser
dividido entre os países deficitários e superavitários. Países com grandes superávits
comerciais deveriam estimular o crescimento da demanda interna visando amenizar
crises na balança comercial de terceiros. Outro ponto central na proposta referia-se ao
provimento de liquidez internacional. A instituição a ser criada deveria se tornar
responsável por esse provimento, através da “emissão” de uma moeda meramente
contábil, que denominou de bancor, para impedir a dependência perante algum metal ou
papel-moeda específico
13
.
Apesar das divergências de interesses entre os representantes das duas principais
economias, a convergência se dava fundamentalmente no temor em relação ao retorno às
políticas das décadas de vinte e trinta. Buscava-se conciliar a estabilidade financeira
internacional com a autonomia política dos governos nacionais em manter políticas de
pleno emprego. A manutenção de um sistema financeiro baseado no câmbio fixo
interesse fundamental dos Estados Unidos mas que não desestabilizasse as políticas
domésticas, fazia necessária a existência de controles de capitais para barrar fluxos
13
Esse ponto era extremamente controverso, uma vez que ia de encontro aos interesses dos
Estados Unidos. O poder de senhoriagem conferiria aos norte-americanos capacidade de auto-
financiamento, assim como os tornariam responsáveis pela oferta de moeda internacionalmente.
26
financeiros desestabilizadores
14
15
. “Faced with a choice between creating a liberal order in
finance and building a system of stable exchange rates and liberal trade, policymakers in
the early postwar period generally agreed that free finance should be sacrificed”.
(Helleiner, 1994:5).
A diferença fundamental entre os planos se dava na forma de instrumentalização
do ajuste. A proposta de Keynes previa, como já salientado, um ajuste compartilhado com
os países com grandes superávits, assim como dava a possibilidade de se subordinar a
política cambial às preferências dos Estados. Entretanto, para os Estados Unidos essa
proposta ia diretamente contra sua posição de principal potência econômica com mega-
superávits – e evidentemente não teria sustentação interna.
A diferença entre os planos de Keynes e de White estava nas obrigações
que eles impunham aos países credores na flexibilidade das taxas de
câmbio e na mobilidade do capital por eles admitidas. O Plano Keynes
teria permitido ao país modificar suas taxas de câmbio e adotar restrições
cambiais e comerciais conforme necessário para compatibilizar o pleno
emprego com o equilíbrio na balança de pagamentos. O Plano White, em
contraste, previa um mundo livre de controles e de paridades fixas sob a
supervisão de uma instituição internacional com poder de veto sobre
mudanças nessas paridades. Para impedir que políticas deflacionárias
estrangeiras obrigassem os países a importar desemprego, a Clearing
Union de Keynes previa um grande volume de recursos para o
financiamento do balanço de pagamentos (sujeito a condições de
crescente rigor e taxas de juro punitivas) e substancial flexibilidade no
câmbio. Se os Estados Unidos registrassem persistentes superávits em
14
Tanto pata White como para Keynes, o controle dos fluxos de capitais de capitais era necessário
por duas razões: 1) o livre movimento de capitais especulativos não poderia ser motivo de
minimização da autonomia do estado de bem estar, protegendo-se as economias nacionais desses
fluxos desestabilizadores; 2) a crença de que uma ordem financeira internacional liberal não era
compatível com um sistema de taxas de cambio fixas e um regime multilateral de comércio liberal.
(Helleiner, 1996; Eichegreen, 2000)
15
Moraes (2006) sistematiza os principais instrumentos utilizados pelos Estados no controle da
conta de capitais: 1) Limites para a posse e a disponibilidade de moeda estrangeira. 2) Restrições
quantitativas limites sobre ativos externos e posições assumidas (dívidas, compromissos) no
exterior, por parte de instituições financeiras nacionais. 3) No plano doméstico, limites sobre
operações de bancos estrangeiros. 4) Limites quanto a ativos estrangeiros em portfólio (indivíduos
ou firmas) e investimentos diretos. 5) Sistemas de taxas de câmbio múltiplas (distintas taxas para
operações comerciais e financeiras, por exemplo). (p.21)
27
seu balanço de pagamentos, como ocorrera na década de 30, ficariam
obrigados a financiar a totalidade dos direitos de saque dos outros
países, o que totalizaria US$ 23 bilhões segundo o plano de Keynes.
(Eichengreen, 2000: 135)
Como resultado das negociações, acabou-se instituído o Fundo Monetário
Internacional com a atribuição de fiscalizar as políticas cambiais dos países membros e
dar suporte, mediante empréstimos de curto prazo, àqueles que enfrentassem desajustes
no seu balanço de pagamentos. O sistema de taxas de câmbio fixas permitiria ajustes não
maiores que 1%, a não ser sob condições específicas
16
. Paralelamente, foi criado o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)
17
que se estruturou a partir da
necessidade de se instituir um mecanismo para auxiliar os processos de reconstrução
européia e dar suporte ao desenvolvimento dos países do sul.
Quase opostamente ao defendido por Keynes, o Fundo não instituiu qualquer
forma de ajuste para as economias superavitárias. Sua impossibilidade de agir sobre
essas economias o acompanharia e, como salienta Carvalho (2000), daria a conotação
maléfica que a instituição adquiriu, especialmente após os momentos de crise
generalizada como a crise da dívida da década de oitenta, que será objeto de discussão
nessa dissertação. Na realidade essa foi uma estratégia deliberada norte-americana
18
,
assim como a permanência da paridade cambial vinculada ao ouro, mas com livre-
conversibilidade entre as moedas para as transações internacionais. Dessa forma, o dólar
16
O câmbio fixo, mas ajustável de Bretton Woods permitia oscilações de 1% até 10% em caso de
“desequilíbrio fundamental” e com o aval do Fundo. Entretanto, não se especificou o que seria um
desequilíbrio fundamental.
17
Atualmente, convencionou-se denominar de Banco Mundial o BIRD e as demais agências a ele
relacionadas criadas ao longo dos anos. São elas: A Associação Internacional de
Desenvolvimento (AID); Corporação Financeira Internacional (CFI); Agência Multilateral de
Garantias de Investimentos (AMGI); Centro Internacional para Conciliação de Divergências nos
Investimentos (CICDI). Vale ressaltar que o BIRD e a AID são as duas principais agências do
Banco Mundial e são aquelas ligadas diretamente às questões interestatais de desenvolvimento.
(Lichtensztejn e Baer, 1987; Coelho, 2002)
18
“Desta forma, os Estados Unidos ficaram desde o início a salvo de prestar contas de suas
políticas econômicas, enquanto todo o peso dos ajustes, geralmente depressivos, era
descarregado sobre os países que recorressem ao apoio do FMI por problemas derivados do
déficit na balança de pagamentos”. (Lichtensztejn e Baer, 1987: 31).
28
acabaria se estabelecendo como moeda circulante internacionalmente, aceita como
reserva cambial e paridade de troca
19
. Os governos nacionais se comprometeriam a
manter a paridade cambial estipulada na reunião. Esse sistema, como advertido por
Keynes, resultaria em poderes quase ilimitados para os Estados Unidos, enquanto, ao
mesmo tempo, colocaria a liquidez internacional fator determinante nos níveis de
crescimento e emprego condicionada à política econômica norte-americana. (Carvalho,
2000; Eichengreen, 2000; Helleiner, 1996).
Algumas transformações que se sucederam na política norte-americana acabaram
impactando diretamente as relações político-econômicas internacionais. A morte de
Franklin D. Roosevelt, em abril de 1945, e a entrada de seu vice, Harry Trumam
20
,
selariam uma interrupção na condução da política externa norte-americana, como
delineada por Morgenthau, e a vitória definitiva do Departamento de Estado. Fortaleceu-
se o ímpeto pela reconstrução européia, como já mencionado, a recusa pela aproximação
com a Europa Oriental, em especial a União Soviética, e a maior aproximação com a
Inglaterra. As instituições de Bretton Woods, ainda em constituição, seriam direcionadas à
realização de interesses imediatos dos Estados Unidos. O liberalismo econômico voltou
fortemente à cena, manifestando-se através do Departamento de Estado, especialmente
após a saída de Henry Morgenthau da Secretária do Tesouro dos EUA. O descompasso
entre os objetivos iniciais, insatisfatórios para os ingleses, e o que viria a desempenhar
o Fundo se manifestou na ratificação do acordo no congresso norte-americano. Criou-se
durante sua ratificação o National Advisory Council on International Monetary and
Financial Problems, que seria chefiado pelo secretário do Tesouro, e subordinaria os
19
Os Estados Unidos se comprometeram a manter a paridade fixa do dólar em relação ao ouro
(US$ 35 por onça), enquanto os demais países atrelariam suas moedas ao dólar.
20
Truman assumiu a presidência norte-americana no final da Segunda Guerra Mundial e
comandou o país em duas ações determinantes dos rumos políticos mundiais. A Conferência de
Potsdam – junto à Churchill e Stalin que definiu a reconfiguração político-estratégica da Europa – e
o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki.
29
técnicos norte-americanos do Fundo ao órgão. Em seguida, buscou-se estabelecer regras
para a concessão dos financiamentos do FMI aos países que passassem por problemas
no balanço de pagamentos condicionando-as a políticas de austeridade fiscal e monetária
(Block, 1989).
Já na primeira reunião das instituições de Bretton Woods, realizada na Geórgia em
abril de 1946, ficou clara a predominância dos interesses norte-americanos. Todas as
expectativas de Keynes em relação ao delineamento das atividades do Fundo foram
literalmente “atropeladas” pelos negociadores do governo norte-americano. A destacar a
candidatura de White para o cargo de diretor do Fundo, para assegurar seus interesses
expansionistas; o estabelecimento da cidade de Nova York como sede da instituição,
assegurando o distanciamento em relação ao governo dos Estados Unidos; e que os
diretores executivos do Fundo trabalhassem em regime parcial, mantendo certa
autonomia para instituição (Block, 1989). Todas as iniciativas de Keynes foram recusadas
e os Estados Unidos utilizaram de seu predomínio nos anos seguintes para assegurar
que o emprego dos recursos do Fundo corresponderia ao desenho multilateral norte-
americano” (Block, 1989:117 – tradução livre)
21
.
Sinteticamente, o Fundo Monetário Internacional delinearia um sistema monetário
internacional baseado na hegemonia do dólar padrão ouro-dólar assim como
estabeleceria novos padrões e códigos de conduta para as economias nacionais e
mecanismos para ajuste nos balanços de pagamentos dos países em crise cambial. O
Banco Mundial, nascido com a finalidade de financiar a reconstrução européia e prover
financiamentos de médio e longo prazos para o desenvolvimento, acabaria tendo sua
21
Outra questão que merece destaque nesse período é a convocação, em outubro de 1946 pelo
Conselho Econômico e Social da ONU, de um comitê preparatório para a instituição da
Organização Internacional do Comércio (OIC). Entretanto, esta acabou não se estabelecendo e,
em seu lugar, formou-se o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, sua sigla em inglês).
Para um entendimento mais detalhado sobre o nascimento da proposta e seu desfecho, ver
Velasco e Cruz, 2005.
30
participação global minimizada durante seus primeiros anos de existência.
22
Nos seus
primeiros anos o banco teve sua atuação extremamente reduzida. Seu aporte de recursos
e, conseqüentemente, o volume financeiro destinado ao continente europeu não
ultrapassou os US$ 800 milhões. Por outro lado, os países subdesenvolvidos ficaram de
fora de todos os empréstimos do banco até finais da década de cinqüenta. Somente a
partir desse momento que o Banco passaria a desempenhar papel importante no
financiamento para o desenvolvimento na periferia, a moldes norte-americanos, e na
década de oitenta a manter uma relação de poder incisiva sobre um conjunto significativo
de países (Lichtensztejn e Baer, 1987).
“O sistema monetário internacional se organizou em Bretton Woods
baseado no poder econômico, financeiro e político dos EUA, estendendo
internacionalmente a hegemonia de sua moeda e de suas políticas.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o FMI e o Banco Mundial mais do
que reguladores do sistema de relações internacionais foram
principalmente forjados como instrumentos dessa dominação norte-
americana. A grande diferença do passado inglês é que essa hegemonia
conseguiu legitimar-se em instituições e mecanismos multilaterais e até
hoje se projetam como de cooperação internacional”.(Lichtensztejn &
Baer, 1987: 34).
O trecho acima exprime sucintamente o cenário constituído a partir das
negociações em Bretton Woods: a hegemonia norte-americana atrelada ao seu poderio
fundamental, bélico e econômico; acompanhada pela constituição de instituições
multilaterais com a finalidade de estabilizar um cenário propício para a expansão
22
Com a emergência da guerra fria, os planos norte-americanos se adaptariam à nova situação
internacional. O Plano Marshall, instituído em 1947, representou um marco na política externa dos
Estados Unidos no período. O Plano de Recuperação Européia, seu nome oficial, e as demais
políticas de ajuda bilateral dos Estados Unidos injetaram aproximadamente US$ 46 bilhões de
dólares em empréstimos e programas de reconstrução. Fruto de um entendimento sobre os
perigos em torno do continente especialmente os relacionados às forças nacionalistas de
esquerda que emergiam na Europa e evidentemente os perigos em volta do fortalecimento da
revolução de outubro com a vitória na guerra o plano acabaria minimizando os impactos do
nascimento do BIRD.
31
econômica do país e de suas mega-empresas que se transnacionalizavam, além de
conferir legitimidade ao modelo e extrair “complacência” de seus cooperados.
1.2. Instituições Internacionais e Hegemonia.
O papel das instituições e regimes internacionais na estabilização de uma ordem
internacional, a funcionalidade destes na constituição de arranjos cooperativos, assim
como as razões e formas de sua emergência são questões que suscitaram debates
teóricos longos e às vezes extremamente complexos nas teorias de relações
internacionais desde o seu nascimento como disciplina. A estabilização dos debates no
campo das relações internacionais entre neo-realistas e neoliberais nas décadas de
setenta e oitenta pormenorizou as questões a ponto do quase imobilismo científico-
acadêmico.
A controvérsia entre ganhos relativos e ganhos absolutos e a possibilidade de se
formar arranjos cooperativos para a realização de objetivos nacionais fundamentariam o
debate entre essas duas principais correntes teóricas durante anos
23
. Instituições e
regimes internacionais seriam instrumentos eficazes para consolidar interesses comuns e
diminuir as incertezas nas relações entre os Estados, segundo os neoliberais, mas, de
acordo com as premissas do pensamento realista, a anarquia internacional e a própria
natureza dos Estados maximizadores de interesses egoístas imporiam
constrangimentos insuperáveis à cooperação internacional. Arranjos multilaterais, ainda
de acordo com a vertente realistas, espelhariam as relações de poder entre os países
24
. O
23
Na realidade o debate perpassa outras questões, como por exemplo, a problemática da anarquia
internacional e suas conseqüências para as relações interestatais, a prioridade de objetivos dos
Estados e etc. Entretanto, os dois pontos citados no corpo do texto são as bases de
fundamentação e discórdia entre as correntes.
24
Para uma leitura mais detalhada sobre o debate ver as sistematizações elaboradas, Baldwin,
2000; Grieco, 2000; Keohane, 2000.
32
debate neo-neo, como ficou conhecido, não esgota as abordagens teórico-metodológicas
em relações internacionais. Entretanto, serve como ilustração pertinente de como a
problemática das instituições nas relações interestatais se constituiu como centro dos
debates. A ruptura teórico-epistemológica dos anos oitenta, com a emergência de
abordagens críticas ao racionalismo cientificista do debate
25
incutiu novas possibilidades
de leituras acerca das relações internacionais e, conseqüentemente, das instituições e
organizações internacionais.
Não é o interesse, para a elaboração dessa dissertação, apresentar um debate
exaustivo sobre as correntes teóricas das relações internacionais, nem mesmo a defesa
inconteste de uma abordagem. Entretanto, compartilhamos uma apreensão acerca da
função das instituições internacionais na estruturação das relações entre os Estados e
partimos de certos pressupostos e entendimentos acerca das relações internacionais.
Compreendemos a necessidade de apresentar um esboço sobre o papel desempenhado
pelas instituições internacionais e que seja relativo à problemática da pesquisa aqui
apresentada. Dessa forma, pretende-se expor uma leitura referente à questão suscitada.
A emergência definitiva dos Estados Unidos como potência hegemônica após a
segunda guerra mundial se fundamenta na sua superioridade material bélico-militar e
econômica, que diz respeito aos seus aspectos produtivo, comercial e financeiro e na
estratégia de solidificação de uma visão político-ideológica própria acerca da nova
conformação das relações políticas e do funcionamento das relações econômicas
mundiais. A regência multilateral das relações internacionais com as peculiaridades da
institucionalidade do pós-segunda guerra mundial e a supremacia conceitual das forças
do mercado, aparando a liberalização comercial e a integração dos mercados nacionais,
conformaram uma base na qual se estruturariam as relações entre os Estados.
25
O texto de Robert Cox: Social Forces, States and World Orders publicado ainda em 1981 e a
obra de Alexander Wendt de 1987, The Agent-Structure Problem in International Relations Theory,
podem ser consideradas dois grandes marcos das propostas de crítica ao debate racionalista.
33
A concepção de hegemonia mundial retratada aqui aproxima-se do entendimento
da chamada teoria neo-gramsciana das relações internacionais, que consiste num ajuste
dos pressupostos filosóficos de Antonio Gramsci às relações internacionais. Como
ressaltado, não pretendemos esmiuçar as teorias, mas apenas ressaltar alguns aspectos
que condizem com os interesses dessa pesquisa.
Os conceitos formulados por Gramsci são derivados de uma visão historicista da
realidade, se esquivando de formulações meramente abstratas e tendentes a serem
aplicáveis a quaisquer situações inexoravelmente
26
. Seus conceitos derivam de uma
experiência histórica própria e são formulados para serem aplicados em situações
concretas. A aplicabilidade da obra teórica de Gramsci está na possibilidade de
mutabilidade de seus conceitos, que se adaptam à realidade em questão. Seus escritos
sobre a situação italiana durante o regime fascista e sua preocupação com relação à
adesão das classes proletária e camponesa ao regime renderam formulações conceituais
extremamente ricas na direção de um entendimento mais amplo sobre o Estado; sobre as
relações de força entre grupos sociais na construção de uma ordem política doméstica;
sobre o papel das idéias (ideologias) na conformação da ação política; e principalmente,
na formulação do conceito de hegemonia (Gramsci, 2004; Gruppi, 1991).
Diferentemente das formulações mais tradicionais na ciência política que
aproximam hegemonia de dominação ou força imperial, o conceito gramsciano de
hegemonia trata o fenômeno como a capacidade de exercer uma liderança moral por um
grupo ou classe social sobre os demais. Dirige-se os aliados e se exerce uma dominação
26
Robert Cox (1996) apresenta uma diferenciação pertinente entre o que ele denominou de
problem-solving theories e critical theory. As primeiras seriam aquelas que partem de abstrações
teóricas para a formulação de a prioris ahsitóricos. as critical theories são aquelas preocupadas
com os processos históricos de constituição e reconstituição das ordens internacionais
preocupação com a mudança. Não parte de pressupostos que dizem estruturar as relações entre
atores e desses com o sistema mundial.
34
sobre os opositores
27
. A disputa pela hegemonia se dá, assim, na sociedade civil
entendida no seu aspecto mais abrangente e a consolidação de uma forma de
compreender a realidade aceita como universal consolidaria uma ordem hegemônica. A
própria noção de poder se distingue das formulações teóricas do realismo e liberalismo.
Poder estaria relacionada à conjugação de consenso e força, assim como na figura mítica
do Centauro, apresentada por Maquiavel (Gramsci, 2004). Por sua vez, a hegemonia se
daria no momento em que o consenso prevalece. To the extent that the consensual
aspect of power is in the forefront, hegemony prevails. Coercion is always latent but is
only applied in marginal, deviant cases. Hegemony is enough to ensure conformity of
behavior in most of the time” (Cox, 1993. 52). A hegemonia como tratado aqui difere da
idéia corriqueira de power over. Trata-se do consenso, da relação de liderança moral e
intelectual, que se solidifica na dominação dos mecanismos políticos e coercitivos e da
constituição de instituições (Gill e Law, 1993).
“The movement toward hegemony, Gramsci says, is a passage from the
structure to the sphere of the complex superestructures, by which he
means passing form the specific interest of a group or class to the building
of institutions and elaborating ideologies. If they reflect a hegemony, these
institutions and ideologies will be universal in form. i.e, they will not
appear as those of a particular class, and will give some satisfaction to the
subordinated groups not undermining the leadership or vital interest if the
hegemonic class” (Cox, 1993: 57-8)
Como salientado, a perspectiva neo-gramsciana tratou de adaptar o
pensamento e os conceitos de Gramsci às relações internacionais, uma vez que o autor
italiano não de se debruçou diretamente sobre o tema. Uma ordem hegemônica
internacional se inicia com o transbordo das relações sociais internas do país hegemônico
27
A formulação do conceito de hegemonia em Gramsci parte de uma preocupação com a
estruturação política doméstica. Está diretamente relacionada à sua concepção expandida de
Estado, que além de contemplar as formas de produção, ou seja, a infra-estrutura, e a estrutura
político-institucional confere significativa importância às forças sociais relativas à sociedade civil.
Das disputas entre grupos domésticos pela construção de uma visão de mundo hegemônica se
daria a consolidação de uma aliança que alcançaria o poder político.
35
grande potência
28
além de suas fronteias. O modo de produção, as relações sociais e
as formas de compreender a realidade significados intersubjetivos e as imagens
coletivas compartilhadas sobre a ordem social dessa grande potência hegemônica
ultrapassam as fronteiras nacionais, interligando os meios de produção dos aliados e da
periferia,
“It is an order within a world economy with a dominant mode of production
which penetrates into all countries and links into other subordinate modes
of production. It is also a complex of international social relationships
which connect the social classes of the different countries. World
hegemony is describable as a social structure, an economic structure, and
political structural; (...) world hegemony, furthermore, is expressed in
universal norms, institutions and mechanisms which lay down general
rules of behavior for states ad for those forces of civil society that act
across national boundaries rules which support the dominant mode of
production” (Cox, 1993:62)
A forma de expressão mundial de uma ordem hegemônica, ou seja, os
mecanismos para que uma conjugação de forças domésticas se exprima
internacionalmente está na formatação de regras e normas internacionalmente aceitas
que condigam com os interesses hegemônicos da grande potência. Esses mecanismos
seriam as instituições internacionais. A construção de instituições internacionais a partir
da consolidação da uma nova ordem hegemônica internacional teria a função de fazer
expressar as normas ditas universais que facilitem a expansão da supremacia do Estado
em questão, assim como da própria ordem (Gill e Law, 1993; Cox, 1996).
As instituições internacionais que representam os interesses hegemônicos de uma
dada potência têm como função estratégica: expressar as regras que facilitam a expansão
da ordem hegemônica; legitimar ideologicamente as normas dessa ordem; co-optar elites
da periferia; e absorver idéias contra-hegemônicas. O exercício hegemônico sugere a
28
“O modo através do qual se exprime a condição de grande potência é dado pela possibilidade de
imprimir à atividade estatal uma direção autônoma, que influa e repercuta sobre outros Estados: a
grande potência é potência hegemônica, líder e guia de um sistema de alianças e pactos com
maior ou menor extensão.” (Gramsci, 2002:55)
36
necessidade de se conceder benefícios para grupos subordinados com o objetivo de
manter a aquiescência desses. No caso específico das instituições internacionais, essas
devem estabelecer princípios mínimos de maleabilidade para se ajustar a pequenos
interesses da maioria de países menos desenvolvidos. Além do mais, deve-se
estabelecer a coordenação com outras potências médias para a condução das obrigações
internacionais. Ou seja, são elas as responsáveis pela difusão ideológica e pela aceitação
por parte do conjunto de países integrantes da ordem mundial das regras, normas e
mecanismos de ação coordenada internacionais.Institutions may become the anchor for
such a hegemonic strategy since they lend themselves both to the representations of
diverse interests and to the universalization of policy” (Cox, 1996:99).
As ordens hegemônicas se estabelecem e sem mantém através da
fundamentação de uma conjugação e configuração específica entre capacidades
materiais o poder coercitivo fundamental com a imagem coletiva da ordem mundial
prevalecente (incluindo algumas normas e regras) e com um conjunto de instituições que
administram essa ordem mantendo algum certo semblante de universalidade.
As instituições criadas em Bretton Woods são o exemplo mais límpido da
institucionalização de uma ordem hegemônica. A hegemonia norte-americana assentou-
se fundamentalmente na defesa do liberalismo econômico um liberalismo diferente da
ortodoxia do período do padrão-ouro clássico
29
que permitia certa autonomia para que
os governos nacionais adotarem políticas desenvolvimentistas, assim como concedia
espaços maiores de ação, especialmente no que se refere a pequenas políticas de
desvalorização cambiais. A pax americana caracterizou-se por ser um período
hegemônico marcado pela alta institucionalidade. O FMI e Banco Mundial, enquanto
29
Arrighi (1993) e Cox (1993) vêem certa similaridade nos períodos hegemônicos inglês e norte-
americano. O poder militar desproporcional e a defesa do livre-mercado seriam as características
fundamentais dos dois períodos. Entretanto as diferenças são também marcantes. Especialmente
a grande rede de instituições criadas pelos Estados Unidos para legitimar e assegurar a sua
estabilidade hegemônica.
37
incorporavam os mecanismos para a supervisão e aplicação das normas estabelecidas
em Bretton Woods, assistiam e financiavam os países que se incorporavam às regras. It
commanded a wide measure of consent among states outside the Soviet sphere and was
able to provide sufficient benefits to the associated and subordinated elements in order to
maintain their acquiescence” (Cox, 1996:107).
Esse chamado compromisso com o embedded liberalism, fruto de uma percepção
estratégica das peculiaridades do momento ascensão de uma esquerda trabalhista
nacionalista na Europa e uma aversão completa à idéia de manter políticas recessivas
para sustentar a estabilidade monetária internacional funcionava como “válvula de
escape” para os interesses de grupos sociais e governos preocupados com o pleno-
emprego. As liberdades de ação intra-regime e as micro-possibilidades de agir de forma
não prevista nos acordos e a certa preocupação com liberdades nacionais e pleno
emprego são fatores favoráveis à coordenação estratégica, assim como à aceitação das
normas e regras por parte da periferia.
O interesse pelo não-retorno ao capitalismo nacional em escala global
condicionava a política econômica dos Estados Unidos, especialmente para o continente
europeu. Os governantes norte-americanos estavam mais preocupados com o
capitalismo nacional na Europa Ocidental que uma possível invasão do Exercito Vermelho
ou o triunfo de uma revolução socialista”, daí a necessidade de estabelecer vínculos
cooperativos com os governos europeus para que o nacionalismo intervencionista não
ascendesse como uma alternativa viável para a reestruturação do continente
30
(Block,
1989:24 – tradução livre).
30
Acesso a mercados, principalmente os europeus, e a recursos materiais na Ásia, assim como
preocupações com segurança e bem estar da população norte-americana se entrelaçaram na
formulação das estratégias do país. “A CIA study concluded in mind-1947: the greatest danger to
the security of the United States is the possibility of economic collapse in Western Europe (…)”
(Ikemberry 2001)
38
O desenho institucional das organizações criadas pós-1945 concedia, como
descrito acima, algumas possibilidades de ação para os países membros. Entretanto, as
ações norte-americanas suprimiram qualquer possibilidade de não direcionamento claro e
completo na direção de seus interesses. O Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial foram delineados para prover um ambiente para o exercício do liberalismo dos
países do primeiro mundo. O direcionamento das organizações para a realização dos
interesses hegemônicos dos Estados Unidos é nítido. O controle sobre as organizações é
ainda mais manifesto quando analisamos alguns pontos acerca do funcionamento interno
das mesmas. Mecanismos de controle são exercidos através do poder material no
sistema de votação por quota
31
e na conformação dos arcabouços teóricos das
instituições através do controle dos seus corpos técnico-burocráticos. O que acontece, na
realidade, é que as grandes economias acabariam pouco, ou nada, afetadas pelas regras
e mecanismos de controle que criaram (Babb, 2003; Joseph, 2000).
O sistema Bretton Woods formalizou e assentou definitivamente o exercício
hegemônico norte-americano, apesar de seu breve período de sobrevivência dentro das
regras acordadas. Seu desmantelamento se daria abruptamente, fruto de uma ação
unilateral dos Estados Unidos em 1971, apesar da predição dos equívocos e da evolução
desfavorável das relações econômicas e financeiras mundiais. em finais da década
sessenta iniciaria a exacerbação das contradições, iniciando seu declínio para na década
seguinte ser definitivamente destruído. Essas questões, como a própria reconstrução
desse percurso para o declínio e ruptura do sistema Bretton Woods e a subseqüente crise
econômica mundial dos anos setenta e seus impactos para as economias nacionais,
dando destaque especial para o caso brasileiro, serão tratadas nas páginas posteriores.
31
O sistema de votação proporcional às quotas de contribuição deu aos Estados Unidos, maior
contribuidor, poder de veto nas principais questões destinadas à deliberação.
39
40
CAPÍTULO II. A CRISE INTERNACIONAL DA DÉCADA DE SETENTA E A RUPTURA
DO MODELO DESENVOLVIMENTISTA DE CRESCIMENTO COM ENDIVIDAMENTO.
No segundo capítulo buscar-se-á retratar duas questões primordiais para
alcançarmos uma compreensão satisfatória dos objetivos propostos nessa dissertação.
Um primeiro ponto refere-se à crise econômica mundial desencadeada no início da
década de setenta do século passado e que repercutiu diretamente, mas com
acentuações distintas, no conjunto de economias nacionais que compõe o sistema
capitalista mundial. Daremos destaque ao processo de ruptura nas relações econômicas
internacionais, marcado e acentuado pelo fim do sistema Bretton Woods, em 1971, e pelo
choque de preços do petróleo com suas conseqüências de estagnação e inflação
mundiais. A estruturação do sistema capitalista nos moldes acordados em Bretton Woods
permaneceu em vigor por apenas poucos anos e a reestruturação do capitalismo, que se
inicia na década de setenta e se aprofunda definitivamente na década seguinte,
representaria o fim definitivo de um modelo de desenvolvimento e impactaria diretamente
às economias desenvolvimento.
Uma segunda questão, diretamente relacionada ao processo transformativo
salientado acima, se refere ao processo que culminou na crise do modelo de
desenvolvimento periférico baseado na utilização de recursos captados
internacionalmente para sustentar políticas industriais e de desenvolvimento econômico.
As estratégias econômicas dos países em desenvolvimento, especialmente os latino-
americanos, teriam promovido resultados e impactos distintos nas economias nacionais,
especialmente no que se refere à produção, comércio e dinâmica de endividamento. A
política de ajuste estrutural implementada no Brasil durante o governo Geisel, por sua
vez, também refletira diretamente na estrutura econômica brasileira impulsionando os
níveis de produto e comércio.
41
A estratégia brasileira de ajuste se pautou pelo financiamento externo dos déficits
comerciais e buscou manter os níveis elevados de investimento na expectativa de
reestruturar a matriz produtiva brasileira. Apesar de produzir resultados positivos em
termos de produção e comércio, a vulnerabilidade produzida com o alto endividamento a
fez sucumbir frente às transformações que pretendemos apresentar a seguir.
Pretende-se com esse segundo capítulo apresentar as crises desencadeadas na
década de setenta e na virada para a década seguinte, para, num momento posterior,
discorrer sobre os impactos internacionais derivados desse cenário de crise na
formulação da estratégia de ajuste da economia brasileira, materializada no Segundo
Plano Nacional de Desenvolvimento, e na emergência da crise da dívida no país.
Essa discussão inicial é ainda mais relevante na medida em que abre os caminhos
para uma leitura mais acurada da eclosão da crise da vida brasileira, uma vez que
reside nesse período parte fundamental do vultoso endividamento do país. Assim como é
fundamental para compreendermos o resultado diferenciado da economia brasileira na
década de oitenta fruto das inversões do plano de 1975. A crise do endividamento
brasileiro acabaria levando o Brasil novamente aos braços do Fundo Monetário
Internacional, ponto esse que receberá destaque na elaboração da dissertação.
2.1. O Fim do Sistema Bretton Woods e a crise dos anos setenta
Alguns analistas entendem que o sistema Bretton Woods continha, nos seus
acordos inaugurais, os germes que levariam a sua desestruturação. A curta duração do
sistema, nos moldes como estabelecido nos seus acordos, denotam sua
incompatibilidade com a realidade econômica e política mundiais. A predominância e o
exercício da liderança norte-americana, fator de impulso para a institucionalização da
42
ordem mundial pós-guerra, acabaria selando o próprio destino do sistema Bretton Woods:
sua desestruturação e a re-organização do sistema econômico mundial.
O sistema econômico inaugurado em Bretton Woods tinha na sua dependência em
relação ao dólar um dos pontos centrais e de maior controversa, como salientado no
debate entre Keynes e White. O provimento de liquidez internacional, questão
fundamental para sustentar os níveis de comércio e investimento desejáveis para o
período, dependeria da política econômica norte-americana. Seus vultosos superávits
comerciais, experimentados ininterruptamente desde o século XIX, aliados ao seu direito
de senhoriagem fariam do dólar instrumento fundamental na liderança mundial
estadunidense. Entretanto, o país assumiu uma quantidade de compromissos
provenientes de sua iniciativa própria de gerenciar as relações internacionais dentre os
quais, a manutenção da conversibilidade de sua moeda em ouro e o fornecimento de
liquidez que acabariam incompatibilizando, no futuro, esse exercício com os seus
interesses políticos internacionais e domésticos.
Os níveis crescentes do déficit no balanço de pagamentos dos Estados Unidos
com o acréscimo acentuado e não lastreado dos seus dispêndios externos seriam as
raízes da desestabilização do sistema. A grande emissão de dólares por parte dos
Estados Unidos para custear o exercício de sua hegemonia e sustentar sua política
doméstica acabariam desestabilizando as finanças internacionais e promovendo a
desconfiança sobre a capacidade dos Estados Unidos de manter os compromissos
assumidos. (Block, 1989; Gilpin, 2002).
Os saldos comerciais expressivos dos Estados Unidos mantidos por décadas e
acentuados após a segunda guerra mundial comprimiam a demanda internacional através
da diminuição da liquidez global. Isso acabava indo contra o desenvolvimento dos
interesses econômicos no país. A política norte-americana assumiu, então, a
responsabilidade de enfrentar o problema da ‘escassez de dólares’ (...); primeiro
43
mediante o Plano Marshall, em seguida, com a ajuda militar à Europa e ao Japão e,
finalmente, promovendo os investimentos das suas empresas no exterior” (Lichtensztejn &
Baer, 1987:40). Os programas de ajuda bilateral realizados pelo governo dos Estados
Unidos e os imensos investimentos produtivos das empresas norte-americanas no
exterior deram início à transformação no balanço de pagamentos do país na década de
1950, enquanto promoviam o aquecimento da economia mundial.
A posição privilegiada assumida pelos Estados Unidos, de provedor de liquidez e
emissor do papel-moeda aceito mundialmente, gerava dois grandes dilemas. Um
estritamente político e outro de caráter técnico-econômico. O general Charles de Gaulle,
que comandou o exército francês na Segunda Guerra Mundial e assumiu em 1958 o
governo da França, manteve uma oposição firme contra os privilégios concedidos aos
Estados Unidos. Crítico da assimetria proveniente desse desequilíbrio gerado pelo direito
de senhoriagem, de Gaulle iniciou uma campanha contra a posição norte-americana. Por
outro lado, o chamado Dilema Triffin salientava a contradição entre a emissão
indiscriminada de dólar por parte do governo norte-americano e a confiança no papel-
moeda. Os saldos em dólar no exterior maiores que as reservas em ouro mantidas em
Forte Knox colocavam em crise a conversibilidade e aumentavam as dúvidas em relação
ao compromisso norte-americano com a manutenção do sistema
32
. É interessante notar
que as pressões exercidas por de Gaulle na direção da conversibilidade em dólar das
reservas em ouro do governo francês corroboravam e fortaleciam as previsões de Robert
Triffin, uma vez que faziam aumentar ainda mais as preocupações e desconfianças diante
do poder de gerenciamento norte-americano.
32
Para uma leitura mais detalhada das inconsistências do sistema ver. Eichengreen, 2000; Gilpin,
2002; Block, 1989; Helleiner, 1996.
44
Tabela 1:
Reserva de ouro e dívidas líquidas dos Estados Unidos em relação ao estrangeiro
(1960-1972)
Ano
Reserva
de ouro
Dívidas
em
relação
ao setor
oficial
Dívidas
em
relação
ao setor
privado
Total de
dívidas
líquidas
1960 17,8 11,1 7,6 18,7
1961 16,9 11,8 8,4 20,2
1962 16,1 12,7 8,4 21,1
1963 15,6 14,4 9,2 23,6
1964 15,5 15,4 11,1 26,5
1965 13,8 15,4 11,5 26,9
1966 13,2 13,7 14,2 27,9
1967 12,1 15,6 15,8 31,4
1968 10,9 12,5 19,4 31,9
1969 11,9 12,0 28,2 40,2
1970 11,1 20,1 21,8 41,9
1971 10,2 47,7 14,4 62,1
1972 10,5 57,6 19,8 77,5
Fonte: Esteve, 1979: 71
A eclosão da Guerra do Vietnã (1964-1975) implicou custos elevadíssimos e
inesperados para o governo dos Estados Unidos. Inesperados, porque, no início do
conflito, esperava-se uma resolução rápida com a vitória norte-americana. Algumas
iniciativas de controle de capitais foram tomadas pelo governo na expectativa de amenizar
os impactos sobre o sistema monetário internacional dentre elas, a instituição das
Restrições Voluntárias a transferências de fundos ao exterior por parte de bancos e
empresas (Block, 1989). Entretanto, a partir de 1968, as reviravoltas no conflito acabaram
por desencadear ainda maiores dispêndios governamentais, resultando num abuso
indiscriminado do governo estadunidense, que ao manter sua política externa não se
atrelava a qualquer regra de conduta estabelecida em New Hampshire. Em 1968, os
Estados Unidos anunciaram a criação de dois mercados de ouro. Um formal, no qual o
metal seria negociado entre autoridades monetárias oficiais e outro mercado livre, sem a
45
paridade estabelecida em Bretton Woods. Iniciava-se o processo frontal dos Estados
Unidos de reverter a situação crítica de sua economia. De acordo com Fred Block (1989),
“os Estados Unidos não tinham o poder necessário para administrar
diretamente o sistema monetário internacional. Mas poderiam seguir
realizando suas metas, apesar de sua debilidade relativa, adotando uma
estratégia passiva de balança de pagamentos. Isso significava que os
Estados Unidos manteriam sua economia interna a um nível ótimo e
realizariam poucos esforços para controlar o déficit. Os demais países
teriam que ajustar, então, suas taxas de interesses e de câmbio para
impedir as entradas não desejadas de dólares” (p. 289 – tradução livre).
Os desequilíbrios internacionais ocasionados pela grande emissão de dólares por
parte Estados Unidos para sustentar sua liberdade política hegemônica durante toda a
década de sessenta reverberaram, como afirmado anteriormente, em maiores e
constantes desconfianças com relação à conversibilidade da moeda em ouro,
necessariamente assegurada pelo país. As políticas de contenção dos preços do ouro no
mercado internacional realizadas pelas principais economias mundiais
33
, na expectativa
de manter as paridades cambiais estipuladas nas reuniões de Bretton Woods, não
encontraram respaldo nos Estados Unidos que continuaram suas políticas expansionistas.
O déficit na balança de pagamentos dos Estados Unidos, que se tornara um problema
crônico a partir de meados da década de sessenta, se deteriorava ainda mais com o
início, após décadas, de uma reversão na balança comercial do país. O déficit comercial
norte-americano pode ser entendido como resultado de uma série de fatores, dentre os
quais se destacam: a recuperação econômica do continente europeu e a iniciativa de
formação do Mercado Comum Europeu; a concorrência com os produtos japoneses,
entendido por alguns como um resultado da estagnação do modelo produtivo nos Estados
Unidos; e principalmente, no entendimento dos Estados Unidos, a sobrevalorização do
33
O gold pool é o principal exemplo desse esforço coordenado das grandes nações
industrializadas que tinham o objetivo diminuir as pressões sobre o dólar. Consistia basicamente
num acordo através do qual os Estados se comprometeriam a não converter seus dólares e a
vender parte de suas reservas em ouro, num esforço para sustentar a paridade cambial.
46
dólar em relação às principais moedas internacionais
34
. Assim, quando os Estados
Unidos se negaram a subordinar outros objetivos econômicos e políticos à defesa do
preço do ouro em dólares, seus parceiros se mostraram menos dispostos a emprestar
apoio à moeda norte-americana
35
(Eichengreen, 2000:169).
Os Estados Unidos criaram por meio de seus déficits de balanço de pagamentos,
que passaram a englobar também a conta corrente no início dos anos 70, um
montante de dólares em circulação no sistema internacional que era considerado
excessivo pelos seus parceiros (...) que acumulavam esses dólares nas suas reservas
internacionais e passaram a questionar crescentemente o valor ou a paridade dessa
moeda (Carneiro, 2002: 51 grifo nosso). A situação se tornaria insustentável. As
estratégias coercitivas como as ameaças anteriores do então presidente John F.
Kennedy (1961-1963) de desestabilizar os sistemas de comércio e finanças internacionais
e coordenativas não deram os resultados esperados. Apesar da colaboração constante
de Japão e Alemanha na manutenção dos preços do dólar, esses principais
colaboradores do regime monetário de Bretton Woods nada puderam fazer.
Em agosto de 1971, o governo de Nixon, dando continuidade a sua política de
retomada da estabilidade econômica norte-americana, declarava a inconversibilidade do
ouro em dólar como nos moldes do acordo. O fim da conversibilidade foi acompanhada da
34
Como demonstra Fred Block (1989), os governos norte-americanos incentivaram a proliferação
dos investimentos governamentais militares e de desenvolvimento e privados no exterior no
intuito de mitigar a crise financeira na Europa e Japão, assim como estabelecer laços cooperativos
e um nicho para o desenvolvimento do sistema capitalista liberal. Apesar das iniciativas
governamentais para tentar minimizar o impacto do déficit, o equívoco básico se mantinha: o não
reconhecimento das contradições políticas e econômicas fundamentais na condução da política
externa e econômica do país. A redução dos déficits norte-americanos demandaria redução dos
seus gastos militares e o desincentivo à expansão da sua economia. Como conseqüência seria
absurdo que os Estados Unidos abandonassem suas ambições mundiais simplesmente para viver
dentro das regras de uma ordem monetária internacional configurada para a realização de suas
(da ordem) ambições”
35
Segundo Eichengreen (2000) o sistema Bretton Woods funcionou graças à cooperação entre as
grandes economias, entretanto, os processos de desconfiança em relação à posição norte-
americana e seu egoísmo em não subordinar parte de seus interesses minaram a possibilidade de
manutenção do próprio sistema.
47
imposição de sobretaxas às importações dada a situação periclitante do comércio
exterior norte-americano fazendo com que as grandes economias se vissem forçadas a
reajustar o valor de suas moedas. A equipe econômica do governo de Nixon voltava sua
atenção também ao problema da inflação nos Estados Unidos, acelerada com a política
externa e econômica desempenhada pelo país. Ainda no mesmo ano, buscou-se uma
certa ou possível restituição da estabilidade monetária e cambial internacional nas
reuniões do Smithsonian Institute de Washington.
A desvalorização do dólar, resultado das políticas adotadas pelo governo dos
Estados Unidos, e a revalorização de algumas moedas importantes iene, marco alemão
e outras assim como a estabilização de uma faixa maior para a flutuação cambial
(2,25%) foram algumas das iniciativas adotadas
36
. Entretanto, foi o ano de 1973 que
marcou o fim definitivo do sistema de câmbio fixo de Bretton Woods. Uma segunda
grande desvalorização cambial do dólar em fevereiro (que nesse momento passou a US$
42,22 por onça de ouro, uma elevação de mais de 20% em relação ao valor estipulado em
1944) e o choque do preço do petróleo no final do ano fizeram sucumbir os esforços em
torno da coordenação das políticas para a estabilização cambial. A partir desse momento,
a maioria das moedas nacionais passou para o sistema de câmbio flutuante
37
.
(Lichtensztejn & Baer, 1987; Block, 1989; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).
A ruptura com a conversibilidade do dólar pelo governo dos Estados Unidos em
1971 e desvalorização cambial seguinte são entendidas, por parte dos analistas, como
uma reação da economia norte-americana às pressões pela liberalização dos fluxos
financeiros e pela crise das contas externas. Entretanto, pode-se entender que tais
36
É válido ressaltar que todas essas medidas foram tomadas fora do âmbito do Fundo Monetário
Internacional, o que demonstra mais uma vez que as principais deliberações monetárias
internacionais eram realizadas independentemente pelas grandes economias mundiais.
37
Alguns países europeus ainda tentaram manter alguma disciplina cambial através da instauração
do Sistema Monetário Europeu. Para uma visão abrangente sobre o assunto, ver Eichengreen
(2000).
48
medidas foram resultado de uma nova percepção estratégica dentro do governo acerca
das possibilidades de ação e de exercício de poder dos Estados Unidos através da
utilização de suas capacidades financeiras
38
. O processo de liberalização dos mercados
de capitais e da integração global do sistema financeiro privado, como será apresentado
adiante, recolocariam os Estados Unidos no centro das relações econômicas mundiais.
(Gowan, 2003; Helleiner, 1994 e 1996)
“A estratégia de Nixon de libertar os mercados financeiros internacionais
era baseada na idéia de que, deste modo, livrava o Estado americano de
sucumbir suas fraquezas econômicas e fortaleceria o poder político do
Estado. Segundo Eric Helleiner, os funcionários do governo americano
entenderam na década de 1970 que um mercado financeiro internacional
liberado preservaria a posição financeira global privilegiada dos Estados
Unidos e compreenderam também que isso ajudaria a preservar o papel
internacional fundamental do dólar” (Gowan, 2003:50)
O desmanche formal da ordem monetária se deu com a aprovação da Segunda
Emenda do Acordo constitutivo do Fundo Monetário Internacional, delineada na
Conferência de Kingston, na Jamaica em 1976, e aprovado no México dois anos depois.
A segunda emenda legalizou a flutuação e suprimiu o papel do ouro. Ela obrigou os
países a defenderem taxas de câmbio estáveis ao incentivá-los a promover condições
econômicas equilibradas e autorizando o fundo a supervisionar as políticas de seus
membros (Eichengreen, 2000:189). A Conferência de Kingston não formalizou qualquer
outra proposta de ajuste monetário internacional.Em suma, (...) silenciou sobre aspectos
críticos de uma ordem monetária internacional, tais como os ajustes e a liquidez. Com
efeito, cada país ficava livre para determinar por si mesmo os assuntos monetários,
38
Segundo Peter Gowan, a elevação dos preços do petróleo compunha a estratégia norte-
americana de reassumir sua posição de destaque internacional enfraquecendo as posições do
Japão e Alemanha, principais defensores da reordenação financeira internacional. “(...) de acordo
com o embaixador do governo Nixon na Arábia Saudita na época, o principal objetivo político da
campanha de Nixon pelo aumento do preço do petróleo da OPEP era o de dar um golpe arrasador
nas economias japonesa e européia, ambas terrivelmente dependentes do petróleo do Oriente
Médio, e não o de transformar de modo decisivo os negócios financeiros internacionais” (Gowan,
2003:48)
49
independentemente de regras internacionais” (Gilpin, 2002:163). Terminava assim o
sistema Bretton Woods e optava-se pelo sistema de taxas flutuantes sem a construção de
um novo ordenamento para as relações econômicas e financeiras internacionais.
O choque internacional do petróleo colocava fim definitivo na incipiente tentativa
de re-orquestração das finanças internacionais e abria caminho para um período crítico
nas relações econômicas mundiais, especialmente para as economias em
desenvolvimento não exportadoras do bem. O primeiro choque do petróleo, como ficou
conhecida a elevação vertiginosa dos preços da commodity pelos países da OPEP
39
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo), alterou significativamente os níveis
de preço internacionais e impactou severamente o balanço de pagamentos dos países
não exportadores de petróleo. O embargo do fornecimento de petróleo aos Estados
Unidos e outras grandes economias como represália dos países árabes membros da
organização ao apoio dado à ocupação de territórios palestinos por Israel durante a
guerra do Yom Kippur deu início à crise. A subseqüente restrição do volume de petróleo
fornecido fez com seus preços alcançassem patamares extremamente elevados, como se
pode perceber no gráfico 1.
39
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo foi constituída na Conferência de Bagdá,
em Setembro de 1960. Participaram do encontro Irã, Iraque, Kwait, Arábia Saudita e Venezuela.
50
Gráfico 1
Preço Médio Anual do Barril de Petróleo Cru
Nota: Custo médio para importação de petróleo cru das refinarias norte-americanas.
Fonte: Cepal, 2001.
Os países em desenvolvimento foram os que sofreram os impactos mais violentos,
uma vez que o aumento do preço do petróleo resultou num aumento real dos preços dos
bens manufaturados, sem que, em contrapartida, os preços das commodities
acompanhassem esse processo inflacionário. Houve nitidamente uma severa
deterioração dos termos de troca entre os países majoritariamente exportadores de
commodities e a maior parte das grandes economias mundiais (Davidoff Cruz, 1999;
Carneiro, 2002 e Silva, 2003). Iniciava-se, assim uma fase nova das relações
internacionais. Por um lado, emergia um processo de estagnação e inflação mundial,
enquanto, por outro, os volumes de recursos financeiros privados se multiplicavam num
mercado financeiro offshore em expansão há aproximadamente uma década.
51
2.1.1. Estagnação e alta Liquidez Internacional.
A década de setenta representou assim uma séria inflexão nas relações
internacionais. O fim do sistema Bretton Woods e o choque internacional dos preços do
petróleo passariam a impactar e condicionar as políticas econômicas dos países membros
do sistema capitalista. O alavancamento do volume de fluxos financeiros nesse período
antes controlados pelos mecanismos citados e aceitos pelas regras acordadas em
Bretton Woods abria espaço para o fortalecimento de novos padrões de investimento
público e privado, novas formas de dependência econômica, assim como trariam o capital
financeiro-especulativo e suas agências para o centro das relações econômicas.
O cenário econômico que se constituiu a partir de finais de 1973 acabaria
representado como um momento de estagflação e caracterizado também pela ampla
liquidez internacional: acesso fácil e barato ao imenso volume de capitais depositados nos
bancos sitiados nas praças européias, especialmente a londrina.
A elevação vertiginosa dos preços do petróleo acabou ocasionando três grandes
processos. A primeira, de resultado mais esperado e quase óbvio, foi a deterioração da
situação das contas externas dos países importadores do bem. O sistema produtivo
capitalista dos países ocidentais era, naquela época e na sua imensa maioria,
dependente da manteria-prima. Evidentemente a proporção da dependência dessas
economias perante o petróleo é diversa, mas, em essência, se tratam de economias
petro-dependentes. A elevação dos custos com a importação de combustíveis provocou
reviravoltas drásticas na balança comercial de economias industrializadas e países em
desenvolvimento.
Concomitantemente à elevação dos custos com a importação do petróleo e como
resposta aos desbalanceamentos nas suas contas externas, as principais economias
mundiais iniciaram processos recessivos visando solucionar os déficits crônicos
52
resultantes da importação da matéria-prima. Além da desaceleração da economia, a
década de setenta representou o ressurgimento de algumas formas de protecionismos
nas grandes economias
40
. O Brasil, por exemplo, tomou iniciativas visando contestar esse
novo protecionismo, especialmente o norte-americano em relação aos produtos
brasileiros nos principais fóruns multilaterais. (Soares de Lima e Moura, 1982).
O terceiro impacto econômico relacionado ao choque do petróleo e que produziu
efeitos negativos especialmente nos países em desenvolvimento e nas economias
realmente periféricas – foi a inflação internacional com efeitos diretos no poder de compra
das importações desses países. O aumento dos preços do petróleo implicou a elevação
dos custos de produção das manufaturas no primeiro mundo, sem que o valor das
exportações de bens primários das economias não desenvolvidas acompanhasse essa
elevação. O processo recessivo no primeiro mundo e as práticas protecionistas
dificultaram ainda mais as exportações. Houve uma deterioração sensível nas relações de
troca entre os países industrializados e as economias exportadoras de agro-minerais
41
. O
gráfico 2 apresenta nitidamente a queda acentuada dos preços reais dos produtos
primários a partir de 1970 que se estendeu e se acentuou até finais dos anos oitenta.
40
A variação do volume de comércio internacional passaria de um crescimento médio de 9,1% no
período 1970-73 para 4,5% e 3,5% nos períodos 1974-78 e 1979-82 respectivamente. Vale
ressaltar que de um crescimento de 12,5% em 1973 alcançou-se apenas 5,0% em 1974 e em 1975
o volume comerciado decaiu -5,0%. Dados do Fundo Monetário Internacional citados por Langoni,
(1985).
41
As considerações apresentadas acima estão, apesar das diferenças de interpretação dos
autores, em: Lichtensztejn & Baer, 1987; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002; Soares de Lima e
Moura, 1982; Davidoff Cruz, 1999; Carneiro, 2002 e Silva, 2003.
53
Gráfico 2
Preços reais dos produtos primários
Nota: preços reais são preços nominais médios anuais em dólares, deflacionados pela
variação anual do índice do valor unitário das manufaturas (MUV), uma medida do preço das
exportações dos países industrializados para os países em desenvolvimento.
Fonte: Elaborado pelo autor com dados de: World Bank. Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial, 1988.
Basicamente, seriam esses os motivos reais que fizeram com que o período
posterior ao choque do petróleo ficasse conhecido como um momento de estagflação, no
qual se combinariam a recessão nas grandes economias – que através da implementação
de um receituário econômico ortodoxo, ajustariam suas contas externas minimizando os
custos de importações com um processo inflacionário internacional (Eichengreen, 2000;
Gilpin, 2002).
O choque internacional do petróleo fora responsável também pelo abastecimento
ainda maior do chamado euromercado de divisas. Os mega-superávits comerciais
experimentados pelos principais países exportadores de petróleo durante a década de
setenta eram canalizados para o sistema financeiro privado europeu. Esse volume
excessivo de reservas gerado nos grandes países exportadores de petróleo, que não
possuíam um mercado interno pujante e amplo o suficiente para receber tamanho volume
54
de divisas, passou a inchar ainda mais o bem abastecido euromercado. O processo de
desregulamentação do sistema bancário na Europa, a partir da década de cinqüenta, o
excesso de liquidez internacional proporcionado pelos imensos déficits de pagamentos
dos Estados Unidos por duas décadas, além da reciclagem desses dólares provenientes
da venda de petróleo criaram um ambiente financeiro internacional atraente para a
captação de grandes volumes de empréstimos para as economias em desenvolvimento
42
.
É importante ressaltar que o processo de liberalização e globalização financeira,
que proporcionou as condições para a elevação do volume de transações financeiras
privadas e, mais adiante, o endividamento dos países do terceiro mundo se deu através
de medidas políticas dos Estados interessados e era condizente com as estratégias
desses. Eric Helleiner (1994) mostra que a tradicional história sobre o processo de
globalização das finanças aponta para um processo passivo e desinteressado dos
Estados. Transformações tecnológicas e as pressões do próprio mercado financeiro
teriam impulsionado o processo de liberalização e desregulamentação do sistema
financeiro mundial. Os Estados, segundo tal perspectiva, teriam sido incapazes de barrar
as forças do mercado com a imposição de controles aos fluxos financeiros.
Entretanto o autor citado, Peter Gowan (2003), dentre outros, entendem essa
transformação de forma diferente. Segundo esses autores, o governo dos Estados
Unidos, por razões apresentadas anteriormente, tinha interesses na
desregulamentação das relações financeiras globais. Todas as tentativas coordenadas de
estabelecer arranjos para controlar os fluxos financeiros especulativos foram rechaçadas.
Os Estados Unidos não recusaram a formulação de qualquer política cooperativa, mas
42
A constituição desse vasto mercado financeiro privado na Europa tem suas origens na década
de cinqüenta. A extrema regulação do mercado financeiro norte-americano, aliada ao processo de
flexibilização das atividades bancárias na Inglaterra, a partir de 1958, fez com que uma quantidade
de bancos estadunidenses se transnacionalizasse e passasse a operar em Londres. Como
ressaltado, a reciclagem dos petrodólares e o volume de recursos provenientes dos déficits não
estruturais dos Estados Unidos, assim como os depósitos provenientes do bloco socialistas
abasteciam esse mercado financeiro off shore. (Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002; Moraes, 2006)
55
simplesmente aboliram seus mecanismos de controle de capitais em 1974 e forçaram
outros Estados a fazerem o mesmo
43
. Esse movimento relaciona-se nitidamente à
estratégia hegemônica norte-americana que revia alguns mecanismos para a retomada
definitiva da liderança internacional assentada no seu poder financeiro. Além de
demonstrar o início da passagem do keynesianismo declinante para a hegemonia
neoliberal nos Estados Unidos
44
, que relacionava a liberdade financeira e não interferência
governamental ao discurso da alocação ideal dos recursos, eficiência do mercado,
liberdade de escolha dos indivíduos e etc.
“Neo-liberal also took issue with the two reasons outlined at Bretton
Woods as justifying capital controls. First, they rejected the post-war
concern that speculative financial flows would disrupt stable exchange
rate arrangements by arguing strongly in favor of a floating exchange rate
system. Second, they did not sympathize with the Bretton Woods
architects´ commitment to national Keynesianism and the autonomy of the
welfare state. Instead, they applauded the way international financial
markets would discipline government policy and forces states to adopt
more conservative, ‘sound’ fiscal and monetary programs. (Helleiner,
1996:167)
Tentou-se apresentar rapidamente o cenário que se constituíra durante os
primeiros e conturbados anos da década de setenta. Por um lado, o choque de preços do
petróleo apontou para a desaceleração da economia mundial e elevação dos níveis de
inflação e deterioração dos termos de intercâmbio entre países industrializados e países
agro-exportadores. Por outro, o abandono de Bretton Woods e do sistema de taxas de
câmbio fixas representou o desaparecimento da disciplina financeira internacional e abriu
43
Estados Unidos e Inglaterra deram suporte para formação Euromercado em Londres. E em 1979
a Inglaterra também abolia seus mecanismos de controle de capitais e na década de oitenta o
mundo desenvolvido adotou a desregulamentação financeira.
44
“The (...) source of U.S financial liberalism in the early 1970s was a shift away from the keynesian
framework of thought that had informed the U.S policy-makers in the early post-war years toward a
‘neo-liberal’ position advocated by figures as Milton Friedman and Friedrich Hayek”. (Helleiner,
1996:167).
56
a porta para a vasta expansão do endividamento privado, nacional e internacional” (Gilpin,
2002:64).
A economia brasileira se comportou de forma extremamente peculiar durante todo
esse percurso de expansão e retração da economia mundial dos anos pós-guerra até o
colapso da década de setenta. O nacional-desenvolvimentismo latino-americano,
fundamentado em políticas governamentais de industrialização e substituição de
importações, passou pelo seu auge e declínio até ser totalmente enterrado nos anos
oitenta. O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento representou esse último suspiro
do desenvolvimento planejado e gerenciado pelo poder público no Brasil e proporcionou
resultados díspares, mas altamente significativos para a economia brasileira.
2.2. A Crise Definitiva do Modelo Desenvolvimentista de Crescimento com
Endividamento: 1979-1982.
A economia brasileira, assim como todos os países em desenvolvimento, é e
sempre foi extremamente dependente do cenário econômico internacional e suscetível a
mudanças no seio de suas relações políticas e econômicas. As transformações e rupturas
que incidem sobre as grandes economias mundiais, sobre os fluxos comerciais e
financeiros, preços e sobre as instituições e regimes internacionais impactam diretamente
a economia brasileira e as relações do país com o mundo. Uma leitura abrangente da
economia brasileira passa, necessariamente, pelo inter-relacionamento dos processos e
dinâmicas domésticas com a estrutura econômica internacional. O primeiro capítulo,
assim como as seções iniciais desse segundo tinham com um dos seus objetivos centrais
apresentar o cenário econômico internacional e suas transformações, com o objetivo de
prover subsídios para a análise da relação (de quase-dependência) entre o internacional e
o nacional na formulação e na condução da política econômica brasileira, assim como nos
resultados aferidos por ela. Essa seção busca retratar os choques econômicos que
57
acometeram o sistema capitalista a partir do ano de 1979, para, em seguida, tratarmos
dos impactos na economia brasileira.
Como apresentado anteriormente, o período entre a abrupta ruptura do sistema
Bretton Woods e finais do ano de 1978 foi caracterizado pela estagflação mundial e o
início da definitiva reestruturação do sistema capitalista mundial, acentuando-se sua
feição financista. Os processos de transnacionalização comercial, produtiva com a
expansão das empresas multinacionais desde os anos ulteriores às reuniões de Bretton
Woods e financeira acarretaram modificações fundamentais nas relações econômicas
entre os Estados. Os Estados Unidos, em 1971, quando a balança comercial começou
um processo de reversão, incidindo no déficit no balanço de pagamentos, suspenderam a
conversibilidade de ouro em dólar decretando o fim do contrato estipulado no pós-guerra.
O governo brasileiro, por sua vez, implementaria um plano de ajuste econômico peculiar,
como será trabalhado no capítulo quarto, que tinha o objetivo básico de readequar a base
produtiva do país e direcioná-la para uma inserção comercial adequada às
transformações internacionais, baseando-se na utilização maciça do endividamento
externo.
O ano de 1979 marcaria definitivamente o início do fim do experimento
desenvolvimentista brasileiro. Apesar das tentativas de se sustentar o crescimento
econômico nos anos posteriores, os constrangimentos internacionais, em especial a
deterioração das contas externas com a elevação dos juros internacionais, e o galope das
taxas de inflação conduziriam o Brasil à recessão. O ajuste iniciado em 1981, a ruptura do
financiamento externo com a crise mexicana e o subseqüente acordo com o Fundo
Monetário Internacional detonariam os números do crescimento do Produto Interno Bruto
brasileiro.
58
2.2.1. Os choques de 1979 e o acirramento da crise internacional: elevação dos
juros e estagnação mundial.
O fim da conversibilidade de ouro em dólar com a adoção de um sistema de taxas
de câmbio flutuantes pelas grandes economias mundiais, aliado ao processo de
transnacionalização e privatização do sistema financeiro mundial introduziram novas
características à dinâmica econômica mundial e à própria execução das políticas
econômicas nacionais. A relação determinante entre o nível de liquidez internacional e as
taxas de câmbio e o volume de recursos disponibilizados pelo circuito financeiro privado
para a captação de capitais para investimentos e rolagem da dívida dos países em
desenvolvimento passariam a influenciar na formulação dos objetivos dos Estados e na
implementação das políticas nacionais. O cenário financeiro global condicionaria inclusive
a própria operacionalidade das instituições de Bretton Woods e o acesso das economias
periféricas e centrais aos recursos e instrumentos de poder dessas, como será
apresentado no capítulo seguinte.
Nesse sistema de taxas de câmbio flutuantes, a posição exercida pelos Estados
Unidos de controle do sistema financeiro privado e maior responsável pelo provimento
de liquidez internacional colocaria as demais economias dependentes das políticas
fiscal e monetária norte-americanas. Os déficits externos, as políticas de apreciação ou
desvalorizações cambiais e a política de juros dos Estados Unidos passariam a impactar
diretamente o câmbio dos países e a liberalização de crédito para as economias em
desenvolvimento pelos bancos privados. Esse movimento se daria através do
enxugamento ou provimento de liquidez internacional através da política de juros. As
oscilações entre políticas expansionistas e recessivas adotadas pelos Estados Unidos e
seus impactos diretos na economia mundial demonstrariam o poder de auto-condução da
política econômica norte-americana e a definição “egoísta” dos interesses nacionais por
sobre os demais países do sistema internacional.
59
“A política errática seguida pelos Estados Unidos e as respostas
igualmente egoístas dos outros governos prejudicaram a estabilidade do
sistema monetário internacional. A adoção de taxas flexíveis estimulara
um movimento cíclico mundial de inflação e recessão. Os Estados Unidos
criavam alternativamente excesso e falta de liquidez no sistema, e os
outros países, em decorrência de seus próprios problemas estruturais,
respondiam de modo a agravar o problema. Nas palavras de Ronald
McKinnon, o sistema monetário internacional passou a funcionar ‘fora de
controle’. A política econômica do presidente Ronald Reagan e o seu
impacto no resto do mundo são o exemplo mais dramático desse
descontrole (...)” (Gilpin, 2002:167)
Os anos posteriores ao fim da conversibilidade e da paridade cambial fixa foram
marcados pela desvalorização do dólar para fazer frente aos imensos déficits norte-
americanos, que passavam a se constituir em grande escala de déficits comerciais. A
grande expansão monetária dos anos de 1976 e 1977 e a depreciação do dólar, ao
mesmo tempo em que impulsionavam os índices inflacionários mundiais, forçavam as
principais economias mundiais a aplicar políticas recessivas impulsionando a balança
comercial para a estabilidade (Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).
Entretanto, como se sabe, a racionalidade da economia encontra percalços e os
grandes acontecimentos políticos produzem efeitos que extrapolam os objetivos
inicialmente traçados e acabam impactando um amplo conjunto de áreas e campos da
política, cultura e da própria economia. Como por exemplo, as empreitadas dos povos
ibéricos pelos oceanos e a incorporação dos continentes americanos à economia-mundo
européia transformaram abruptamente todas as esferas da vida política, sócio-cultural,
religiosa e econômica na transição do medievo para a modernidade. As derrotas
chinesas nas guerras com o Ocidente no século XIX e a assinatura de tratados de
submissão com Inglaterra, Estados Unidos e França Tratados de Nanking, Wanghsia e
Whampoa respectivamente delineariam uma nova configuração de poder nas relações
60
internacionais e a derrocada e abertura do maior, mais abonado e fechado império
séculos.
A Revolução iraniana, iniciada em 1978, e a conseqüente queda do Reza
Pahlevi trariam conseqüências determinantes para a economia mundial e para os
processos desenvolvimentistas adotados por um grupo heterogêneo e amplo de países
45
.
A tomada do poder no Irã pelo o aiatolá Khomeini, com o desencadeamento da revolução
islâmica no país e a subseqüente guerra entre o país e o Iraque no ano de 1980,
produziriam o que ficou conhecido como o segundo choque do petróleo. O Irã era na
época o segundo maior produtor de petróleo do mundo, perdendo apenas para a Arábia
Saudita. O processo revolucionário iraniano e a guerra Irã-Iraque desencadearam um
pânico acerca da possibilidade de um novo e mais drástico desabastecimento
generalizado do produto, uma vez que, inicialmente, houve uma redução de 4 milhões de
barris por dia. Ou seja, 18% da demanda mundial do produto (CEPAL, 2001). A
desestabilização da maior região produtora de petróleo e as incertezas geradas no
mercado mundial
46
se materializaram na elevação vertiginosa dos preços do bem, que
alcançaram, em fins de 1980-81, a marca de US$ 35 por barril
47
.
O final da década de setenta, marcada pela crise monetária internacional e pela
desvalorização do dólar, ainda surpreenderia com o segundo choque do petróleo e as
reviravoltas na política econômica no final do governo de Jimi Carter. A nomeação de
Paul Volker para a presidência do Federal Reserve e as políticas econômicas adotada por
ele deram início ao processo de retomada do poder norte-americano de controle das
finanças mundiais, através da adoção de políticas monetárias fortes. Se existiam
45
O governo do Reza Pahlevi era de importância fundamental na política externa norte-
americana de contenção soviética na região.
46
De acordo com relatório da Cepal (2001), os efeitos nos preços do petróleo no final da década se
intensificaram ainda mais com la especulación en el mercado internacional del petróleo al
introducirse los mercados de futuros de este bien en las bolsas de Nueva York, The New York
Mercantile Exchange (NYMEX) y Londres, International Petroleum Exchange (IPE) (p. 23-4).
47
Para uma visão mais detalhada da elevação dos preços do petróleo a partir de 1979 sugerimos
retornar ao gráfico 1.
61
quaisquer dúvidas em relação às prioridades norte-americanas, elas foram eliminadas
com a nomeação de Paul Volker para o cargo de Presidente do Federal Reserve Board
(...) e com a vitória de Ronald Reagan nas eleições presidenciais de 1980(Eichengreen,
2000:195).
Os impactos do segundo choque do petróleo na economia norte-americana, que
tinha no produto o maior suprimento de energia desde o início da década de cinqüenta
48
,
foram drásticos, acentuando ainda mais os déficits estruturais do país. A decisão tomada
em outubro de 1979 de adotar uma política recessiva para amenizar os índices
inflacionários e conter a acentuação do déficit comercial tinha como pano de fundo a
estratégia de re-alinhar o mundo capitalista aos interesses norte-americanos. O
diagnóstico perpassava a percepção de perda de liderança hegemônica, visualizada na
autonomia do sistema financeiro privado que financiavam livremente investimentos e
projetos concorrenciais aos da economia norte-americana e na perda de
competitividade dos Estados Unidos na indústria de alta-tecnologia, perante grandes
economias industrializadas, e diante pequenos países exportadores de bens
manufaturados e agro-minerais
49
. (Tavares, 1985; Gilpin, 2002).
Durante a reunião do Fundo Monetário Internacional de 1979 buscava-se, mais
uma vez, estabilizar as relações financeiras e monetárias internacionais através da
coordenação das políticas das grandes economias. A manutenção da desvalorização do
dólar seria primordial para a implementação de um novo padrão monetário, entretanto,
como mencionado, Paul Volker deu início a uma reviravolta na política monetária norte-
americana elevando os juros nos Estados Unidos e diminuindo a base monetária, em
expansão até então, com a intenção declarada de conter a inflação. Como resultado,
48
Para detalhes sobre o peso do petróleo na produção de energia nos Estados Unidos ver Cepal,
2001.
49
Trata-se aqui inclusive do caso brasileiro. O aumento das exportações brasileiras de bens
manufaturados e da indústria extrativista implicou medidas protecionistas por parte dos Estados
Unidos.
62
houve uma supervalorização do dólar e a elevação dos juros internacionais (atrelados à
Prime Rate e à LIBOR) (Eichengreen, 2000). A partir desse momento e com a chegada de
Ronald Reagan à Presidência dos Estados Unidos tinha início a política que ficaria
conhecida como política do dólar forte, que resultaria no alinhamento dos demais países
capitalistas (e alguns não-capitalistas) e do sistema financeiro privado à política
econômica dos Estados Unidos
50
(Tavares, 1985; Eichengreen, 2000).
A política recessiva norte-americana colocada em prática através da diminuição da
base monetária nacional e da elevação dos juros, implementada a partir de 1979 e
acentuada até o ano de 1981, no governo Reagan, secou a liquidez internacional e
ampliou a valorização do dólar. A conseqüente elevação das taxas de juros internacionais
e a recessão global tornariam as demais economias mundiais subordinadas às políticas
norte-americanas. Como apresenta Maria da Conceição Tavares
“todos os países foram obrigados, nestas circunstâncias, a praticar
políticas monetárias e fiscais restritivas e superávits comerciais
crescentes, que esterilizam o seu potencial de crescimento endógeno e
convertem seus déficits públicos em déficits financeiros estruturais,
inúteis para uma política de reativação econômica” (1985:07)
A política de valorização do dólar e elevação dos juros internacionais resultaria em
efeitos mundialmente significativos com impactos distintos para as economias
desenvolvidas e o mundo em desenvolvimento. A migração dos imensos volumes de
capitais para os Estados Unidos, com conseqüências no mercado financeiro privado,
acabaria por levar as principais economias mundiais a adotarem políticas recessivas,
como descrito acima, além de iniciarem um processo de transformação tecno-produtivo
50
Durante o governo de Ronald Reagan outras medidas econômicas foram tomadas na direção de
conter a expansão da economia, assim como houve uma ampliação significativa dos gastos
militares com graves conseqüências no déficit orçamentário. A ampliação do déficit orçamentário,
conseqüentemente, fez com que as taxas de juros aumentassem ainda mais. A elevação dos juros,
por sua, ampliava os fluxos financeiros para os Estados Unidos, fazendo com que o dólar de
elevasse para patamares ainda maiores. Essa valorização se manteria constante até 1985, sem
que o governo norte-americano tomasse qualquer providencia para barrar a valorização (Tavares,
1985; Langoni, 1985; Eichengreen, 2000).
63
profundo. Por outro lado, as economias do sul, altamente endividadas, passaram a ter sua
conta de serviços financeiros ainda mais onerosas com a elevação dos juros, assim como
se iniciou o retrocesso no volume de recursos disponibilizados para seus investimentos e
rolagem de débitos contraídos. Deu-se início a um processo de reestruturação
macroeconômica e industrial profunda nas economias avançadas e abriu-se o caminho
para o colapso econômico generalizado do mundo em desenvolvimento (Tavares, 1985;
Teixeira, 1994; Eichengreen, 2000).
A exportação da recessão norte-americana para o resto do mundo aliada ao peso
dos déficits comerciais dos países não exportadores de petróleo se materializou
fundamentalmente nas políticas recessivas implementadas nas principais economias
mundiais, na queda dos níveis de comércio internacional e na perda ainda mais
significativa do valor das exportações dos países em desenvolvimento.
Esse processo recessivo se deu concomitantemente à reestruturação da matriz
industrial nos países de economia avançada, uma vez que se tornavam obsoletas as
grandes estruturas produtivas estabelecidas desde os anos trinta (Grifftih-Jones e Sunkel,
1990). A política econômica adotada nos anos Reagan fundavam-se na “reestruturação
passiva” da matriz produtiva e tecnológica os Estados Unidos sustentada pela captação
de recursos financeiros do sistema privado, que se tornavam dependentes das políticas
fiscal e cambial do país, e da transferência de recursos reais dos países endividados. As
importações de tecnologia pelos Estados Unidos, que dobravam seus déficits comerciais
anualmente entre 1982 e 1984, eram financiadas com a absorção de recursos para
formação de poupança, o que possibilitava essa absorção de tecnologia e reformulação
do parque produtivo sem custos (Tavares, 1985).
O período mais crítico de estagnação e recessão mundial derivadas das altas
inflacionárias, déficits comerciais e da política macroeconômica norte-americana,
especialmente após a entrada de Ronald Reagan, marcariam a ruptura definitiva do
64
consenso social e político inaugurado com o fim da Segunda Guerra Mundial. As políticas
de pleno-emprego e de bem-estar social seriam substituídas, com os programas políticos
conservadores da ultra-direita, pela ortodoxia monetarista. O modelo monetarista
neoliberal passaria a mediar as percepções dos agentes econômicos na tomada de
decisões e o retorno das tradições clássicas do liberalismo, acentuando as “virtudes” do
individualismo, da competitividade e do Estado mínimo
51
.
Tabela 2
Crescimento da produção e do comércio mundial 1979-1984. Em %
Fonte: UN, World Economic Survey, 1984. In. Griffith-Jones e Sunkel, 1990.
2.2.2. A Ruptura do financiamento externo e a crise da dívida latino-americana.
A crise da dívida externa latino-americana é apresentada como resultado de uma
série de acontecimentos, rupturas e estratégias de política econômica distintas. As
percepções dos analistas, instituições e governos sobre a emergência da crise no ano de
1982 se distinguem sensivelmente no que diz respeito ao peso conferido aos fatores que
conjuntamente teriam desencadeado a crise do sistema financeiro mundial e do modelo
de desenvolvimento com endividamento dos países do terceiro-mundo, em especial da
América Latina. É fato também que algumas análises ou leituras acerca desse processo
acabam por desconsiderar alguns elementos ou mesmo a fazer generalizações pouco
realistas, às vezes interessadas e até mesmo grosseiras. O final da década de setenta e
os primeiros meses da década seguinte teriam dado início a um processo de crise
51
As transformações nos Estados, governos e nas ideologias por detrás dessas transformações
serão mais detalhadas no capítulo 3.
65
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984
PIB países industrializados 4,0 3,1 1,2 1,5 -0,2 2,2 4,0
PIB países em desenvolvimento 4,1 5,0 3,2 1,6 0,5 0,0 3,5
Importações mundiais. 5,5 5,2 1,2 1,6 -0,7 0,6 4,0
econômica com impactos diretos nas economias mundiais. Por um lado, os países
altamente industrializados iniciaram processos de recessão para amenizar o peso da
conta petróleo, como discutido na seção anterior, enquanto, por outro, as economias
altamente dependentes dos fluxos financeiros privados se depararam com o pior cenário
imaginável: elevação dos preços do petróleo e dos juros, queda das exportações e dos
preços das commodities e diminuição e ruptura do financiamento externo para rolagem
das dívidas contraídas anteriormente.
A crise que acometeu as economias em desenvolvimento no ano de 1982
produziria efeitos generalizados nesses países, que se estenderiam dos níveis de
crescimento econômico às taxas de desenvolvimento humano e social, passando pelos
índices de inflação e déficit público. As visões sobre a emergência da crise da dívida
latino-americana na década de oitenta pode ser dividida, basicamente, em torno de duas
correntes, que enquadram respectivamente os entendimentos de credores e devedores
52
.
A primeira acentua a ineficiência das políticas econômicas implementadas por esses
Estados e o desperdício de recursos em programas ineficientes e equivocados. Além de
ressaltar a corrupção e a ineficácia dos governos na sua maioria militares. A segunda
corrente, representante dos grandes devedores, maior peso às transformações
sistêmicas elevação dos juros internacionais, quedo dos preços das commodities e
estagnação comercial e à política macroeconômica norte-americana (Sachs, 1989;
Haggard e Kaufman, 1992).
Apesar das interpretações distintas acerca dos fatores que impulsionaram o
desencadeamento da crise da dívida dos países latino-americanos, fatores sistêmicos se
interconectaram e aliados às deficiências produzidas no seio da grande maioria das
economias dos países em desenvolvimento detonaram a crise. Evidentemente, as
52
No grupo dos credores estão os bancos comerciais e os governos das economias avançadas,
em especial aquelas que sediam esses bancos; e as instituições multilaterais. Entre os devedores
estariam os governos com altas taxas de endividamento diante do circuito financeiro privado.
66
diferenças políticas e econômicas entre esses Estados implicaram resultados também
distintos. Esse ponto é merecedor de destaque, uma vez que essas diferenciações seriam
pouco retratadas nas análises generalistas muitas vezes realizadas por autores
estrangeiros e, certamente, os processos de desenvolvimento produtivo diferenciado
refletiram no tratamento interno à crise e nos resultados econômicos
53
.
Os choques globais pelos quais a economia internacional passou desde o final dos
anos setenta que impactaram as relações econômicas dos países em desenvolvimento e
contribuíram para a crise são na sua essência de natureza política. O encharcamento do
mercado financeiro privado e a transferência desses recursos para as economias em
desenvolvimento partem de uma premissa econômica clássica e da compreensão
ortodoxa norte-america prévia. Trata-se da concepção de que os fluxos privados se
transferem naturalmente para onde escassez de capital ou seja, para as economias
em desenvolvimento carentes de poupança doméstica e que esse capital privado pode
e deve se encarregar da imensa maioria dos fluxos de capitais necessários às economias
em desenvolvimento. Era natural e politicamente desejável que esses recursos se
direcionassem para as economias em desenvolvimento, mesmo em momentos em que os
juros reais se mantivessem abaixo da inflação. A não preocupação das grandes
economias avançadas; do Fundo Monetário Internacional, responsável pela supervisão
das contas externas dos países; e dos bancos privados em relação ao endividamento do
terceiro-mundo parte de uma visão estratégica de financiar as importações do mundo em
desenvolvimento provenientes dos excedentes produtivos do primeiro mundo, além de
submetê-los às condições do mercado.
53
Esse ponto se melhor detalhado no capítulo 5, quando daremos mais destaque ao processo
brasileiro. Os investimentos produtivos realizados pelo país durante a década de setenta teriam
sido responsáveis por uma mudança no comércio brasileiro com resultados positivos na balança
comercial. Diferentemente de outros países como Argentina e Chile.
67
O otimismo de inícios da década de setenta resultado da baixa inflacionária,
crescimento dos fluxos comerciais e expansão produtiva se arrefeceu a partir de 1973,
mas a opção pelo financiamento dos déficits do terceiro-mundo emergiu como solução
viável. Entretanto, o segundo choque do petróleo, a política macroeconômica norte-
americana e a queda drástica nos preços das commodities e dos fluxos comerciais
complementariam os choques exógenos, acentuando a crise econômica mundial. Essas
mudanças drásticas na direção da desinflação nas grandes economias e proteções da
economia nacional com elevação das barreiras protecionistas, atreladas ao aumento
vertiginoso dos custos de importação e da conta de serviços representaram o acirramento
da crise na periferia (Kahler, 1985, Sachs, 1989).
A situação crítica da economia mundial, acentuada a partir de 1979, era
nitidamente visualizada em alguns pontos. Na crise comercial, desencadeada pelo retorno
das barreiras tarifárias e pela queda do valor e do volume das exportações dos países em
desenvolvimento. Na deterioração vertiginosa das contas externas dos países em
desenvolvimento não exportadores de petróleo, resultado combinado de crise na balança
comercial e na conta de serviço de capitais
54
. E na deterioração da situação doméstica
com a aceleração da inflação e do déficit fiscal. (Kahler, 1985; Langoni, 1985; Sachs,
1989; Payer, 1999).
O desequilíbrio gerado pelas transformações nos anos oitenta dava sinais de uma
crise emergente do modelo de crescimento via endividamento externo, que se tornava
ainda mais enfático no ano de 1981 quando os juros reais no mercado financeiro privado
alcançavam veis inimagináveis, como se pode visualizar na tabela 3. Entretanto, o
entendimento das autoridades monetárias, dos governos e instituições multilaterais
55
era
54
O Brasil em 1979, como resposta à crítica situação das contas externas, decretou a
maxidesvalorização cambial de 30% com o objetivo de amenizar as perdas externas e de
competitividade das exportações do país.
55
Durante a reunião do Fundo Monetário de 1982, realizada em Toronto no Canadá, entendia-se
que não havia necessidade de estabelecer quaisquer ações especiais ou prover maior aporte de
68
de uma crise transitória. A economia mundial retornaria à plena funcionalidade e saúde
dos anos setenta com a retomada dos níveis de liquidez disponíveis no mercado
financeiro. Apesar da recuperação de algumas economias e da realização de ajustes para
retomada dos superávits comerciais e pagamentos do serviço da dívida
56
, os países em
desenvolvimento foram surpreendidos pela definitiva ruptura do financiamento externo
como resposta estratégica dos bancos de auto-proteção.
Tabela 3
Evolução da Taxa de juros nominal e real.
Ano Taxas de juros
Nominal (a) Real (b)
LIBOR PRIME RATE LIBOR PRIME RATE
1973 9,34 8,2 1,84 1,9
1974 11,17 10,8 -0,33 -0,2
1975 7,78 7,9 -3,32 -1,2
1976 6,24 6,9 -1,36 1,0
1977 6,43 6,9 -1,17 0,4
1978 9,16 9,2 1,66 1,5
1979 12,15 12,7 4,15 1,3
1980 13,99 15,5 4,89 1,7
1981 16,62 18,7 8,02 7,6
1982 13,58 14,6 6,48 8,0
1983 9,89 10,8 4,79 7,3
1984 11,21 12,0 6,71 7,4
(a) Média mensal da LIBOR – 6 meses, taxas anuais.
(b) Deflacionado pelo deflator do PNB dos países industrializados
Fonte: Banco Central.
“A desaceleração nas exportações e o aumento dos juros representaram,
desta forma, inversão total no comportamento dos parâmetros que
apontavam inicialmente para a viabilidade do modelo de crescimento com
endividamento (...). O que mais surpreendeu de certa forma foi o seu
esgotamento abrupto: justamente quando, a partir de 1981, o
ajustamento voluntário começa a ser implementado, inclusive com a
geração de excedentes na balança comercial, os eventos polonês,
recursos paras que as instituições financeiras multilaterais pudessem tratar da crise que se
aproximava. Entendia-se que se tratava de uma crise passageira, na qual os Estados deficitários
deveriam recorrer a ajustes recessivos. Relatórios do Fundo Monetário Internacional e do Banco
Mundial dos anos de 1981 e 1982 também apontavam nessa direção, uma vez que se referiam à
necessidade de se esperar o retorno dos níveis de fluxo de financiamento dos anos pré-1979.
56
O Brasil, por exemplo, em 1981 iniciou um programa de ajuste após tentativas de manter o
crescimento econômico através de políticas heterodoxas, como será retratado no capítulo 5.
69
argentino (Guerra das Malvinas) e, finalmente, mexicano abalaram o
mercado financeiro, levando ao virtual fechamento para um grande
número de países” (Langoni, 1985:20)
A completa ruptura do financiamento externo pelos bancos comerciais para os
países em desenvolvimento se deu definitivamente após a crise mexicana de agosto de
1982, quando o governo do maior tomador de recursos perante o sistema bancário
solicitou uma interrupção de 120 dias (estendida depois por mais 90) no pagamento de
juros e amortizações de sua dívida. A quebra da Polônia e os impactos negativos da
guerra das Malvinas somente acenderam as preocupações do sistema financeiro privado,
mas a abrupta radicalização se deu com a bancarrota mexicana, que foi prontamente
socorrido pelo governo norte-americano.
O fechamento do sistema bancário internacional indiscriminadamente para as
economias terceiro-mundistas deu início à crise da vida externa latino-americana. Isso
se deveu ao fato de que a deterioração das contas externas desses países, desde a
década de setenta, implicou o constante aumento da participação do refinanciamento de
dívidas e rolagem de atrasados financeiros na captação de recursos internacionalmente.
Se durante os primeiros momentos da formação do euromercado finais dos anos
cinqüenta e início da década de sessenta os recursos captados eram destinados à
formação de poupança externa para a realização de investimentos, com o decorrer dos
anos e, principalmente, após o primeiro choque do petróleo esses recursos passariam a
ser destinados à rolagem da dívida.
“Como as economias dos países desenvolvidos se estruturaram em torno
das exportações de excedentes para ao terceiro mundo durante quatro
décadas, e como os tomadores de empréstimos do terceiro mundo
estruturaram suas economias em torno da expectativa de um influxo de
capital líquido também durante longo tempo, quando foi definitivamente
alcançado o ‘ponto de equilíbrio’, no início dos anos 80, e a transferência
líquida tornou-se negativa, primeiro para a América Latina, depois para a
África e finalmente para o terceiro mundo como um todo, parecia como se
o mundo tivesse virado de ponta-cabeça e a água (o dinheiro é
70
sugestivamente chamada liquidez) estivesse subindo pela montanha (do
terceiro mundo para os desenvolvidos” (Payer, 1989:64).
O trecho acima descreve exatamente o que viria a ocorrer nos anos seguintes à
crise. Os países em desenvolvimento passariam da situação de tomadores de recursos
para a de financiadores das economias avançadas através do pagamento de juros e
amortizações. Esse processo de transferência de recursos ao exterior passaria a
condicionar essas economias de forma definitiva, assim como a compeli-las a ajustes
dolorosos para sustentar o pagamento do serviço de suas dívidas com recursos reais,
provenientes de superávits comerciais às custas da diminuição do produto e do
emprego
57
. A deterioração das relações econômicas externas e o processo de
transferência de recursos para o exterior durante os anos oitenta seriam os principais
fatores que determinaram a crise generalizada das economias latino-americanas durante
mais de uma década.
As opções de política econômica dos países em desenvolvimento altamente
endividados não se restringiam à ampliação do superávit comercial para manter o
pagamento integral do serviço da dívida. Em outros episódios de crise de pagamentos o
alívio e a renegociação em termos menos onerosos ou mesmo a suspensão dos
pagamentos quando não implementadas eram ao menos tomadas como opções viáveis.
A crise da década de oitenta foi marcada, entretanto, pela intransigência negociadora dos
bancos credores que contavam com o poder das instituições de Bretton Woods, com
papel mais destacado nesse momento do Fundo Monetário Internacional como afirma
Paulo Nogueira Batista Jr. (1987), na condução das políticas econômicas desses países
para a manutenção dos pagamentos e das transferências de recursos para os credores.
57
Transferência de recursos financeiros: remessas de divisas associadas à diferença entre a renda
liquida enviada ao exterior (sob a forma de juros, lucros, etc) e a entrada de líquida de capitais
(‘dinheiro novo’).Transferência de recursos reais: diferença entre o produto interno bruto e a
absorção doméstica agregada, ou seja, à diferença entre as exportações e as importações de bens
e serviços não-fatores. (Batista Jr, 1987; Payer, 1989)
71
As macro-transformações vivenciadas nos anos setenta e na década de oitenta
marcariam definitivamente a economia mundial. Os processos de reestruturação do
capitalismo com a ascensão do ideário neoliberal passariam a conformar as relações
entre os principais Estados e, conseqüentemente, implicaria modificações nas próprias
instituições internacionais. Essas passariam a desempenhar novo papel, condizente com
os interesses das principais economias e do reordenamento do sistema capitalista. Esses
interesses e ideais balizariam as relações dessas instituições com os países deficitários
nos anos oitenta, assim como abriram espaço para a definitiva emergência das reformas
orientadas para o mercado nos anos noventa.
Como buscamos destacar, a crise da dívida marcou uma nova fase nas relações
dos países em desenvolvimento com o sistema financeiro internacional agências
privadas, instituições blicas e multilaterais e deu início a um processo de
reestruturação do sistema capitalista mundial. E nesse processo, as instituições de
Bretton Woods desempenharam significativo na condução da adequação e sub-julgo da
periferia, através da utilização de suas prerrogativas: o poder do dinheiro e do discurso.
No capítulo seguinte buscaremos apresentar a atuação das instituições internacionais,
tanto no que diz respeito à condução de uma agenda de reformas liberalizantes, que se
basearia no interesse de manter o pagamento integral dos serviços das dívidas
contratadas e na reconfiguração do modelo capitalista latino-americano, como formatação
de um discurso condizente com as reformas orientadas para o mercado.
72
CAPÍTULO III. REORGANIZAÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA E AS INSTITUIÇÕES
DE BRETTON WOODS: CRISE E AJUSTE NA PERIFERIA
“Essa não é a primeira vez que os Estados Unidos ou instituições multinacionais muito
influenciadas pelos norte-americanos convencem-se de que possuem a chave para o progresso e
desenvolvimento de todos esses países cabeçudos, e por isso mesmo atrasados (...). Mas nunca
os latino-americanos ouviram mais sermões e repreensões do que nos anos 80, desta vez
segundo linhas muito diferentes: tratando das virtudes do livre mercado, da privatização e do
investimento privado externo e dos perigos da direção e intervenção governamental, bem como da
tributação excessiva, sem falar do planejamento.
(Albert Hirschman)
A crise mexicana de 1982 e o fechamento indiscriminado do sistema financeiro
privado às economias em desenvolvimento, fatos que atrelados ao cenário de
desaquecimento econômico global descrito anteriormente, acabariam desencadeando um
processo de crise financeira e recessão generalizada na periferia, em especial nos países
da América Latina. A crise do endividamento no continente, ao mesmo tempo em que
colocaria abaixo as políticas econômicas nacionais e os níveis de crescimento e
desenvolvimento da região, abriria espaço para uma “catarse” do modelo capitalista
periférico de direção nacional vigente décadas, assim como direcionaria essas
economias rumo ao modelo da ortodoxia liberal. A retomada de poder das instituições de
Bretton Woods nos anos oitenta, com a míngua de recursos financeiros quidos
mundialmente deu-lhes capacidade de desempenhar papel-chave nessa reordenação do
sistema capitalista global e na condução das relações entre o centro capitalista, suas
instituições financeiras e a periferia altamente endividada.
As políticas de ajuste orquestradas e implementadas pelas instituições Bretton
Woods nos anos oitenta teriam desempenhado papel fundamental nesse processo de
readequação da periferia às modificações vivenciadas nas relações econômicas
mundiais. O processo de integração da economia mundialmente e a rentabilidade do
braço financeiro da globalização sustentaram, através da atuação das instituições
financeiras multilaterais, parte dessas mudanças macro-estruturais na economia
73
internacional e nos países da periferia. A década de oitenta representou para os países
latino-americanos um momento de crise econômica e social generalizada, enquanto o
sistema capitalista e as economias desenvolvidas se reestruturavam definitivamente, com
a abertura e integração dos mercados financeiros e de bens e através das transformações
produtiva e tecnológica. Modificações essas que viriam a se concretizar definitivamente e
se institucionalizar na década de noventa.
Nesse capítulo buscar-se-á apresentar o papel desempenhado pelas instituições
de Bretton Woods na organização das relações credor-devedor durante o período de
renegociação das dívidas e na reorganização das relações econômicas internacionais na
década de oitenta. Partir-se-á do pressuposto de que o entendimento do Fundo Monetário
Internacional e do Banco Mundial acerca das razões do desencadeamento da crise dos
países latino-americanos e os interesses dos países credores em manter as
transferências de recursos via pagamento de juros e do passivo contraído teriam
condicionado de forma determinante os processos de ajuste. Os programas de alta
condicionalidade acordados entre os países endividados e as instituições de Bretton
Woods, condição obrigatória para reestruturação do passivo com os bancos credores e
contratação de novos empréstimos diante o setor financeiro privado e multilateral,
conduziram de forma decisiva, mas nem sempre idêntica, os rumos econômicos do
continente na direção da recessão aguda e do liberalismo exacerbado, que assistiríamos
nas décadas seguintes.
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, instituições irmãs criadas
com o fim das negociações para formatação do sistema Bretton Woods, nascem para
cumprir funções distintas na estruturação do sistema econômico internacional e atuar em
áreas não concorrentes nos Estados pertencentes ao novo ordenamento do sistema
capitalista ocidental. Por termos como clareza essa distinção, torna-se necessário
74
especificar, mesmo que brevemente, o porquê do tratamento conjunto dessas duas
instituições financeiras com caráter e objetivos diferentes.
Desde o início do funcionamento do sistema econômico lançado em New
Hampshire
58
, que tanto FMI como o Banco Mundial vêm desempenhando papéis
específicos e bem delimitados nas relações econômicas internacionais. Papéis esses que
são condizentes com os interesses das principais economias mundiais e com as
estruturas econômicas globais. E dessa forma, as instituições de Bretton Woods
59
estariam sujeitas a passar por modificações em suas funções, suas concepções técnico-
teóricas e na forma de se relacionar com os Estados membros de acordo com as
transformações nas órbitas financeira, produtiva e mesmo ideológica desencadeadas de
tempos em tempos no seio do centro do sistema capitalista mundial. Essas mudanças são
responsáveis pelas transformações e re-constituições nessas instituições, influenciando
decisivamente nas concepções acerca das funções, objetivos e, de forma mais prática,
nas políticas adotadas mundialmente, nos programas e projetos financiados e nas
condicionalidades atreladas a esses financiamentos.
A década de setenta do século passado foi marcante, mesmo que de maneira
distinta, para ambas as instituições e o período pós-crise inaugurou uma nova fase em
suas atuações, marcada pela cooperação, aproximação e divisão de funções, que se
baseariam em premissas semelhantes acerca dos rumos da economia mundial, da
relação Estado-mercado e sobre modelos de políticas de desenvolvimento. A crise
58
Como apresentado no capítulo 1, mudanças no posicionamento norte-americano acerca da sua
atuação perante o FMI, ainda nos primeiros momentos do pós-guerra, alterariam substancialmente
o caráter da própria instituição numa direção distinta do acordado em Bretton Woods.
59
Como exposto no capítulo 1, partimos do pressuposto de que a criação de instituições
internacionais é um fenômeno que corresponde diretamente às circunstâncias políticas e
econômicas históricas e de distribuição de poder entre os Estados. Com função de legitimar uma
ordem internacional, que corresponde aos interesses dos países financiadores desse
ordenamento, as instituições internacionais estariam sujeitas a sofrer transformações e a incutir
novas questões nos países membros, seja através da propagação de idéias ou da implementação
de reformas, de acordo com as alterações nas políticas e interesses das grandes potências.
75
econômica dos países periféricos e a emergência do ideário neoliberal nos Estados
Unidos e Inglaterra, principalmente, e nas próprias instituições de Bretton Woods
delineariam, através de suas próprias atuações, o conjunto de reformas implementadas
nos Estados latino-americanos e na reestruturação e do sistema capitalista.
A crise da dívida desencadeada em 1982 recolocou as instituições de Bretton
Woods no centro das relações internacionais e reabriu espaço para uma atuação incisiva
no seio do sistema financeiro mundial, que se basearia claramente em relações de poder
sustentadas pela suas capacidades de financiamento. O abrupto enxugamento do crédito
privado mundial e a necessidade de recursos financeiros dos países endividados
acabariam os colocando necessariamente atrelados ao FMI e Banco Mundial, assim como
dependentes dos recursos e do poder de financiamento dessas instituições. Essas, por
sua vez, se responsabilizariam ainda pela organização de um cartel de bancos credores
que disponibilizariam parte significativa dos novos recursos necessários para a
sustentação do sistema financeiro mundial
60
. A ortodoxia neoliberal incutida nessas
instituições e o manejo na direção da manutenção dos pagamentos e transferências de
recursos ao mundo desenvolvido desembocaria num projeto de uma nova estruturação
das relações econômicas globais e em novas práticas ensejadas por essas instituições.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e a formatação da ordem liberal calcada
na idéia de embedded liberalism que as relações econômicas globais passam por
transformações em suas principais áreas. Essas mudanças nas bases das relações do
sistema capitalista, com destaque para as liberalizações financeiras e das taxas de
câmbio, implicaram alterações no interior das instituições multilaterais, que responderam
60
A organização desse cartel cumpriria a função de minimizar os riscos de perdas por parte dos
bancos numa possível crise fundamental de um devedor, uma vez que os bancos teriam suas
expouseres diminuídas. Por outro lado, minimizava os riscos de uma debandada generalizada dos
bancos e a impossibilidade de se ter acesso aos seus recursos mesmo diante da implementação
de ajustes supervisionados pelo Fundo. Nesse caso o FMI agiu com indutor também da
participação dos bancos na tentativa de solução da crise dos anos oitenta.
76
às pressões dessas estruturas econômicas e dos interesses das grandes economias
mundiais. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, as instituições
multilaterais em questão, desde o seu nascimento vem sofrendo (ou promovendo)
mudanças nas suas formas de ação internacional, que, como afirmado, respondem a
essas alterações econômicas globais e de preferências dos atores privilegiados.
O Fundo Monetário Internacional foi criado como o objetivo de assegurar a
manutenção da estabilidade do sistema monetário internacional baseado em taxas de
câmbio fixas além de funcionar como agente estabilizador das contas externas dos países
membros em dificuldade, sem que esses necessitassem recorrer a políticas
recessivas drásticas
61
(grifo nosso). Buscava-se manter o equilíbrio entre a estabilidade
do sistema financeiro e a manutenção de políticas de pleno emprego, através da
concessão de empréstimos de curto-prazo para estabilização das contas externas de
países em déficit. O Banco Mundial, apesar da sua relativa irrelevância inicial, passou a
partir de meados dos anos cinqüenta a desempenhar papel significativo no financiamento
de projetos de desenvolvimento urbano-industrial em países desenvolvidos e
subdesenvolvidos
62
. Através da concessão de financiamentos de médio e longo prazos a
projetos de maturação mais longa, o Banco passara verdadeiramente a desempenhar
papel de agência de desenvolvimento e modernização de países e regiões
subdesenvolvidas (Block, 1989; Eichengreen 2000; Gilpin, 2002).
A literatura especializada divide a atuação dessas instituições ao longo do período
que vai do pós-guerra até o auge da crise (meados dos anos oitenta) em três grandes
momentos, que, de alguma forma, são quase-coincidentes temporalmente para ambas.
61
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Articles of Agreement of the International Monetary
Fund. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/index.htm.
62
Como salientado no capítulo inicial, o Plano Marshall e outros projetos-programas de ajuda
militar ou não norte-americanos acabariam por minimizar o peso e a importância da participação do
Banco no montante de financiamentos para reconstrução e desenvolvimento na Europa e no resto
do mundo.
77
(1) O primeiro momento seria aquele após o fim da Conferência de Bretton Woods até a
década de setenta
63
. (2) A década de setenta seria um período de transição dessas
instituições para o que viria ser (3) o terceiro momento, que se inicia com a crise da dívida
e a retomada decisiva de poder por parte do Fundo e do Banco.
Durante os primeiros anos de atuação, tanto o Fundo Monetário Internacional
como o Banco Mundial, cada um agindo à sua própria maneira, atuaram como
catalisadores da integração econômica mundial e expansão do capital norte-americano.
Os programas financiados pelo Banco Mundial partiam de um entendimento
“modernizador” das nações subdesenvolvidas e conciliavam a noção de crescimento
econômico, industrialização e urbanização com desenvolvimento econômico
64
. Os
financiamentos se centravam em grandes projetos de infra-estrutura como energia,
transportes, telecomunicações, assim como mais tarde, mineração e agricultura
65
(Mason
e Asher, 1973; Lichtensztejn e Baer, 1987; Gonzales, 1990). O FMI, por sua, concentrou
as condicionalidades de seus programas de estabilização acordados até finais da década
de sessenta essencialmente às questões macroeconômicas relacionadas ao setor externo
dos países em desequilíbrio. O papel central que seus primeiros programas de
estabilização
63
No caso do Banco Mundial uma etapa inicial que corresponde ao período no qual ele se
dedicou exclusivamente ao processo de reconstrução européia. Ainda no seu caso, a divisão na
virada dos anos sessenta e setenta é mais nítida e se com a entrada de Robert McNamara à
Presidência do Banco em 1968, quando se estabelece um processo de reformulação da agência e
de suas prioridades.
64
Como apresentado por Moraes (2006) essa visão era um entendimento quase padrão e
consolidado teoricamente nos Estados Unidos, o que refletia nas políticas estadunidenses
(Programa Ponto IV e Aliança para o Progresso, por exemplo) e das instituições multilaterais para
o Terceiro Mundo.
65
Os financiamentos nessas duas últimas áreas citadas teriam a função de otimizar os as
vantagens comparativas dos países do Sul a fim de ampliar a captação de divisas, para promover
o equilíbrio das contas externas e, principalmente, financiar as importações de bens
industrializados.
78
“(...) desempenharam nos países latino-americanos e em outros países
em desenvolvimento, inclusive naqueles de médio desenvolvimento, foi o
de abrir suas economias à expansão e integração do capital internacional
produtivo, especialmente o de origem norte-americana”. (Lichtensztejn e
Baer, 1987:113)
Tanto os projetos financiados pelo Banco como os programas de estabilização do
FMI partiam do princípio de que se fazia necessário adequar os países periféricos à
competitividade do mercado mundial, assim como criar condições para a entrada do
capital produtivo transnacional. Estabilidade financeira e acesso a investimentos estariam
diretamente relacionados às leis e dinâmica do mercado.
O segundo período citado da história das instituições de Bretton Woods foi
relativamente distinto do anterior e se caracterizou pelo enfraquecimento do Fundo e
reafirmação do Banco como agente promotor de políticas desenvolvimento econômico. O
fim do sistema Bretton Woods e a flutuação das taxas de câmbio colocaram abaixo um
dos objetivos fundamentais do Fundo: a manutenção das paridades cambiais. Por outro
lado, a liberalização das transações financeiras offshore e alta liquidez desse mercado
retirariam o Fundo de cena por aproximadamente uma década (Block, 1989; Eichengreen
2000; Carvalho, 2000; Gilpin, 2002). Os imensos volumes de recursos disponibilizados
pelo sistema de crédito privado sediado na Europa, caracterizados pelo baixíssimo custo
e inexistência de condicionalidades atreladas, restringiram as ações do Fundo àqueles
países incapacitados de utilizar as praças financeiras privadas. Ou seja, a concessão
empréstimos condicionados a programas de estabilização e ajuste ficaram subscritos aos
países de baixíssimo desenvolvimento que não asseguravam a confiança da comunidade
financeira internacional.
Os países em desenvolvimento, em especial os latino-americanos, encontravam
solução mais fácil e rápida para seus problemas de financiamento e para sustentar suas
políticas nacional-desenvolvimentistas (mal vistas pela ortodoxia “fundomonetarista”) no
79
mercado financeiro privado
66
. O vasto volume de recursos do euromercado e o fim das
paridades fixas destituíram o FMI de suas funções primordiais: a de “emprestador” de
curto prazo para ajustes nos países com desequilíbrios nas contas externas e de
fiscalizador das taxas cambiais dos países membros do sistema financeiro (Kahler, 1985;
Haggard e Kaufman, 1989; Stallings, 1989; Payer, 1989).
Na instituição vizinha, a entrada de Robert McNamara (04/1968-06/1981) na
Presidência do Banco alterou, mesmo que ligeiramente, o direcionamento da atuação e
dos financiamentos da agência
67
. Apesar da manutenção das concepções básicas
relacionadas às virtudes do livre mercado e da gestão doméstica direcionada à melhoria
das possibilidades de investimento externo, o Banco passou a reconhecer os
desequilíbrios sociais e humanos provenientes do modelo de industrialização
implementado e, inclusive, por ele incentivado. Durante a administração McNamara o
Banco ampliou o escopo de setores financiáveis, incluindo projetos relacionados à saúde,
alimentação, infra-estrutura básica, assim como passou a relacionar o problema do
desenvolvimento a questões sociais.
O terceiro momento, enunciado em outras passagens, se caracterizou pela
retomada do Fundo Monetário Internacional ao centro do sistema financeiro mundial,
assim como ampliou o poder da instituição e do Banco Mundial, inclusive com a criação e
utilização de novos mecanismos para direcionar as economias dos países endividados.
Essa retomada de poder foi acompanhada por uma espécie “revolução epistemológica”
no seio das instituições com o fortalecimento da ortodoxia liberal, que culminou em
66
O grupo de países mais desenvolvidos também colaborou para o enfraquecimento do Fundo e
para a o descrédito da instituição. Os principais acertos e decisões tomadas sobre os rumos do
sistema financeiro e monetário internacional (incluindo as tentativas de estabilizá-los ou criar novos
padrões cambiais) durante toda a década de setenta se deram fora da alçada do Fundo.
67
A partir de 1968, apenas países subdesenvolvidos passaram a recorrer aos recursos do Banco
Mundial. O Japão, em 1966, foi o último país desenvolvido a ter participação nos recursos
disponibilizados pelo Banco. Essa concentração demonstra basicamente o sucesso das iniciativas
norte-americanas de reconstrução da Europa e Japão, assim como reflete o endurecimento das
assimetrias econômicas e sociais entre os países do Norte e Sul.
80
mudanças técnicas efetivas (novos modelos de projetos e programas de financiamento),
retóricas (ascensão do discurso neoliberal) e nas relações do Fundo e do Banco com os
países endividados na América Latina.
3.1. As Instituições de Bretton Woods diante da Crise da Dívida na América Latina.
Os anos oitenta marcaram o fortalecimento do ideário neoliberal de forma global,
seja com a eleição de governos conservadores de direita nos Estados Unidos, Inglaterra e
Alemanha e com a inclusão de suas premissas nas publicações e ações das instituições
de Bretton Woods (Moraes, 2001). A estratégia do governo Reagan de retomada
hegemônica e direcionamento das relações econômicas internacionais nesse sentido,
como exposto no capítulo anterior, passou ainda pelo reposicionamento global do Banco
Mundial e pela inclusão no FMI de novos instrumentos de manejo das políticas
domésticas dos países-membros.
A entrada de Alden W. Clausen na presidência do Banco (06/1981), levando
consigo a teórica neoliberal Anne Krueger
68
para a função de economista-chefe da
instituição, representou uma ruptura na espinha dorsal do Banco após a saída do
economista desenvolvimentista Hollis Chenery
69
, que durante a gestão de McNamara
cumpria a função de Krueger. O Fundo Monetário Internacional, chefiado pelo francês
Jacques de Larosière (06/78-01/1987), exacerbou a ortodoxia nos discursos, relatórios e
principalmente nos programas de estabilização acordados com os países endividados. As
reformas neoliberais, ou seja, a minimização da interferência estatal na economia e a
apologia às virtudes do mercado se consolidaram nas premissas e ações do Fundo.An
68
A economista Anne Krueger é uma das principais teóricas neoliberais dos Estados Unidos e
formuladora da teoria do rent-seeking.
69
A comparação entre Chenery e Krueger, feita por Joseph Stiglitz e citada por Moraes (2003),
expressa bem a diferença entre os dois economistas e, que refletiria na condução das políticas do
Banco.Hollis Chenery, say, on the one hand, representing the modern evolution of the planning
approach, and Anne Krueger, say, on the other hand, focusing on the reliance of market
mechanisms" (Stiglitz, apud Moraes, 2003).
81
emergent ‘neoliberal’ consensus suggested that growth was best achieved by removing
government interference with markets. In keeping with this new philosophy, new varieties
of lending packages were introduced to supplement the tried-true stand-by arrangements”
(Babb, 2003).
Durante esse período, de reestruturação capitalista na direção das reformas
orientadas para o mercado e reformulação das visões e da atuação global das instituições
de Bretton Woods, FMI e Banco Mundial se aproximaram tanto ideologicamente como na
prática da condução de suas políticas. O compartilhamento de entendimentos e idéias
acerca de modelos de desenvolvimento mais apropriados à periferia levou a uma
significativa interface dos programas implementados e a uma cooperação funcional por
parte das instituições
70
. O fortalecimento da ortodoxia liberal e a crise na América Latina
desencadearam uma espécie revolução interna nessas instituições e a ascensão de uma
perspectiva clara e internamente coerente de que os problemas latino-americanos
estariam relacionados à desequilíbrios estruturais historicamente produzidos pela
interferência governamental na economia.
O novo enfoque das instituições sobre os problemas econômicos latino-
americanos, mais especificamente sobre a crise de pagamentos, se basearia
fundamentalmente nessa perspectiva: de existência de uma crise estrutural, que, por sua
vez, demandaria uma completa reestruturação nas instituições e políticas econômicas e
na forma de condução da economia nesses países. A ênfase que passaria a ser dada às
necessidades de ajustes/mudanças estruturais e profundas nas economias latino-
americanas estaria fundamentalmente relacionada à preocupação com o aumento da
competitividade das exportações dessas economias (entretanto, com destaque à
produção de bens para abastecer os mercados dos países desenvolvidos) e controle
70
Tema abordado por uma grande quantidade de autores, inclusive com concepções e visões
totalmente divergentes sobre o assunto, como: BERGSTEIN; CLINE; WILLIAMSON, 1986 e
STIGLITZ, 2002.
82
inflacionário. Os ajustes se direcionariam basicamente através de ações em múltiplas
áreas e nas instituições políticas domésticas à realocação e redirecionamento dos
investimentos e da produção; liberalizações comercial, financeira e de preços; e
minimização da ação e participação do Estado na economia e se materializariam nos
programas de financiamento criados e nas condicionalidades atreladas aos projetos e
programas financiados.
A implementação de programas de ajustamento estrutural pelo FMI e Banco
Mundial durante os anos oitenta teria se apoiado então, além das questões citadas,
nessa nova concepção de desenvolvimento trabalhada no seio das instituições e na
cooperação entre elas na elaboração, implementação e supervisão dos programas de
ajuste.
“Em princípio, havia uma divisão de tarefas. O FMI era obrigado a se
limitar a assuntos macroeconômicos ao lidar com um país, ao déficit no
orçamento do governo, à sua política monetária, à sua inflação, ao seu
déficit comercial e a seus empréstimos no exterior, e o Banco Mundial era
obrigado a se encarregar das questões estruturais, tais como: em que o
governo do país em questão gastava o dinheiro, as instituições
financeiras do país, seus mercados de trabalho, suas políticas
comerciais. Mas o Fundo Monetário adotava uma posição bastante
imperialistas acerca do assunto: que quase toda questão estrutural
poderia afetar o desempenho geral da economia e, assim, do orçamento
do governo ou do déficit comercial, ele acreditava que quase tudo estava
sob seu controle” (Stiglitz, 2002: 41)
No que se refere ao tema do desenvolvimento, as reformas estruturais, de acordo
com as premissas das instituições, se direcionariam a romper com impedimentos
estruturais que ocasionavam desequilíbrios nas contas externas dos países e barravam
as possibilidades de desenvolvimento da periferia. A excessiva participação do Estado na
economia via proteções e reservas de mercado às empresas nacionais; produção e
comercialização através de empresas governamentais; incentivos fiscais e subsídios;
83
políticas de preços domésticos e incentivos às importações de bens essenciais; e
controles salariais teriam criado sistemas produtivos, comerciais e de preços “viciados”,
irreais e, dessa forma, não competitivos.
Um dos pontos centrais dos programas de ajuste incentivados pelas instituições
buscava mover as economias latino-americanas na direção contrária ao descrito. De
economias voltadas para a produção e comercialização doméstica essas deveriam se
centrar na idéia de outward orientation. O direcionamento das economias para o mercado
externo, ou seja, os incentivos às exportações tinham como razão a estabilidade das
contas externas e a arrecadação de moeda transacionável para financiar as importações
de bens industrializados do mundo desenvolvidos. A partir da do momento de emergência
da crise da vida, as políticas de ajuste e incentivo às exportações passariam a contar
com mais um atrativo: a arrecadação de recursos para manter pagamento dos juros e
amortizações sem que se corresse o risco de um default generalizado. Nesse momento e,
partindo dos pressupostos levantados acerca das falhas estruturais das economias latino-
americanas, ambas as instituições passaram a focar suas atenções e ações às questões
de política doméstica. Os desequilíbrios externos, que culminaram na crise generalizada
de pagamentos da região, teriam sido repercutido graças a esses desequilíbrios
estruturais, ineficiências governamentais e gestão dos recursos captados
externamente. Os programas de ajuste estrutural financiados pelo Banco Mundial e as
condicionalidades dos programas de ajuste do Fundo passaram a se concentrar em
reformas domésticas em múltiplas áreas.
A partir de 1982, as funções do Fundo Monetário Internacional, instituição
formalmente e historicamente voltada às questões de política macroeconômica e
estabilidade no balanço de pagamentos, se voltaram a temas de política doméstica.
Enquanto o Banco Mundial passara a se preocupar também com os efeitos derivados das
estruturas econômicas internas nos desequilíbrios externos dos países. A partir desse
84
momento, como ressaltado ao longo do texto, as instituições de Bretton Woods passariam
a desempenhar papel chave nas relações internacionais, assim como no processo de
readequação dos países latino-americanos ao novo ordenamento econômico mundial.
Esse novo cenário para as instituições, baseado num fortalecimento de sua capacidade
de interferência nas políticas nacionais dos países endividados e na emergência de
concepções de política e economia calcadas pelo corrente neoliberal, determinaria as
formas de relação com os países em crise, assim como os modelos de ação para com
esses países.
3.1.1. As causas da crise: fatores exógenos e endógenos do processo.
Como salientado anteriormente, a atuação das instituições de Bretton Woods no
que se refere à problemática da crise da dívida na América Latina estaria relacionada à
concepção e ao entendimento das mesmas acerca dos fatores que levaram à situação de
crise na região. Uma análise da bibliografia mais importante sobre o tema deixa
transparecer, assim como descreveu Haggard e Kaufman (1989), a existência de dois
grandes blocos que compreendem a crise com resultado preponderantemente, mas não
exclusivamente, de fatores externos, por um lado, e o segundo bloco, que a trata como
determinada por questões de ordem interna, doméstica.
Os fatores exógenos dizem respeito basicamente às drásticas transformações
ocorridas na economia internacional que impactaram diretamente as variáveis
macroeconômicas dos países em desenvolvimento e condicionaram as possibilidades de
adoção de políticas econômicas e de ajuste às vulnerabilidades externas. os fatores
domésticos seriam aqueles que, de alguma forma, possibilitaram ou maximizaram
internamente os efeitos perversos dessas mudanças globais da economia internacional,
tais como, políticas econômicas equivocadas, alto grau de interferência estatal e má
gestão dos recursos captados externamente. São consideradas também as estratégias de
85
resposta à crise e o papel das instituições de políticas desses Estados. Em suma, as
visões e interpretações sobre a crise do endividamento e sobre os processos de ajuste e
reformas se dividem entre as que dão peso maior aos fatores exógenos, fatores
sistêmicos globais, e aquelas que compreendem as políticas e instituições domésticas,
assim como as preferências dos atores políticos, como variáveis e fatores mais incisivos
para a crise e insucesso econômico.
Apesar de se tratar de um consenso na literatura em economia política
internacional que determinados choques internacionais
71
resultaram na crise da dívida, as
visões sobre o seu desencadeamento e políticas para solucioná-la se distinguiam de
forma significativa. A crise da dívida externa latino-americana é apresentada como
resultado de uma série de acontecimentos, rupturas e estratégias de política econômica
distintas. As percepções dos analistas, instituições internacionais
72
e governos sobre
emergência da crise se distinguem sensivelmente no que diz respeito ao peso conferido
aos fatores que conjuntamente teriam desencadeado a crise do sistema financeiro
mundial e do modelo de crescimento com endividamento dos países do terceiro-mundo,
em especial da América Latina.
As visões dos analistas sobre a emergência da crise da dívida latino-americana na
década de oitenta pode ser dividida, em torno das duas correntes citadas, que enquadram
respectivamente os entendimentos de credores e devedores
73
. A primeira, que acentua a
ineficiência das políticas econômicas, o desperdício de recursos em programas
ineficientes e equivocados, além de questões como corrupção e a incapacidade dos
formuladores de políticas econômicas, se refere ao entendimento e ao discurso do Fundo
71
Seriem eles os choques apresentados no capítulo 2. O próprio processo que levou à ruptura
definitiva do sistema de crédito privado com a moratória mexicana são ainda considerados o
estopim da crise.
72
Especialmente o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.
73
No grupo dos credores estão os bancos comerciais e os governos das economias avançadas,
em especial aquelas que sediam esses bancos; e as instituições multilaterais. Entre os devedores
estariam os governos com altas taxas de endividamento perante o circuito financeiro privado.
86
Monetário Internacional e do Banco Mundial, com se pode perceber nos trechos citados
abaixo e retirados de publicações das instituições.
Analysis of the sources of the debt difficulties shows that a primary cause
in most countries has been inappropriate domestic policies and
inadequate debt management, which left countries seriously vulnerable to
the deterioration in world economic conditions that occurred from 1979.
Restructuring exercises link financial support by creditors to the
implementation by the debtor of domestic policies that can provide the
basis for a return to a sustainable payments position and more normal
debtor-creditor relation in the medium term. (IMF, 1985:03)
Tais mudanças [as do final da década de setenta] não tiveram apenas
efeitos adversos diretos, também puseram à mostra a falta de
sustentabilidade das políticas macroeconômicas que muitos países em
desenvolvimento haviam adotado nos anos 70 (World Bank. Relatório
sobre o Desenvolvimento Mundial, 1988:26).
A segunda corrente, por outro lado, dá maior peso às transformações sistêmicas: a
elevação dos juros internacionais, resultado das mudanças da política macroeconômica
norte-americana a partir de 1979; queda dos preços das commodities e estagnação
comercial. Os efeitos combinados de recessão global, impulsionada pelas principais
economias mundiais, com os choques de preços teriam criado um ambiente econômico
de crise insuperável às economias dos países periféricos, que se caracterizariam pelo
baixo perfil industrial e dependência de recursos líquidos externos
74
.
Quando da eclosão da crise, tanto FMI quanto o Banco Mundial, assim como uma
parte significativa dos analistas internacionais passaram a identificar as causas da crise
nos determinantes domésticos políticas econômicas, preferências políticas e
instituições. Assim como passaram a diagnosticar as soluções para a crise centrando-se
no restabelecimento das linhas de crédito internacional (entendimento da crise como uma
74
A apresentação desse debate pode ser encontrado em vários textos citados na referência
bibliográfica . Dentre eles Sachs, 1989; Rodrick, 1999; Haggard e Kaufman, 1992.
87
crise de liquidez), através da retomada da confiança do mercado. Esse processo se daria
através da implementação de programas de ajuste estruturais e redirecionamento da base
produtiva na direção de uma maior participação de produtos tradables para sustentar o
pagamento dos juros, enquanto não houvesse a regularização dos fluxos privados
voluntários (World Bank; Aghion e Ferreira, 1995)
Ou seja, as instituições de Bretton Woods centraram suas análises na idéia de
uma falência do modelo de substituição de importações devido às suas inconsistências
intrínsecas. Os choques internacionais teriam funcionado como desencadeadores de um
processo de crise e superação de uma estrutura econômica e política fadada ao
desequilíbrio. A participação incisiva do Estado na economia, especialmente no controle
de preços e interferências na política cambial e controle de importações; a gestão dos
recursos captados internacionalmente, com a implementação de políticas econômicas
ineficientes e na utilização equivocada desses recursos para a sustentação de níveis de
consumo externo elevados seriam os principais fatores de desequilíbrio econômico desse
modelo de desenvolvimento. As distorções nos níveis de preço domésticos e o acúmulo
de passivos externos com efeitos perversos no balanço de pagamentos e no manejo da
política fiscal, resultados desse conjunto de políticas econômicas, teriam determinado o
desencadeamento da crise das economias altamente endividadas.
As distorções internas seriam resultado das políticas econômicas implementadas
durante décadas nas economias periféricas e teriam desencadeado os desequilíbrios
sistêmicos que comoveram essas economias. As soluções para a crise do endividamento
e solução dos grandes desequilíbrios e inconsistências econômicas desses Estados se
dariam através da retomada do financiamento externo, interrompida definitivamente em
1982, e a elaboração e implementação de um amplo programa de ajuste estrutural e
reforma política e econômica.
88
3.1.2. Prognósticos e soluções para a crise: liberalização (ões), cortes e reformas.
As políticas de ajuste e estabilização implementadas pelas instituições de Bretton
Woods partem de uma lógica operacional que busca estabelecer meios para superar os
desequilíbrios externos e promover a estabilidade das contas externas. Compreendendo o
problema como determinado pelos desequilíbrios estruturais causados pela interferência
histórica do Estado na economia, os programas de reformas se concentraram em temas
básicos e “universais” como reformas, realocações, liberalizações, racionalização e etc.
O FMI, agência historicamente e formalmente especializada em prover recursos
para a estabilidade de contas externas passaria a atacar políticas governamentais
entendidas como ineficientes e inerentemente desestabilizadoras. Seus programas de
estabilização altamente condicionados abarcariam a adoção de medidas profundas nas
áreas cambial, monetária e fiscal. Partindo de objetivos básicos: estabilidade das contas
externas e controle inflacionário, se utilizaria de estratégias recessivas de política
econômica e de cunho ortodoxo para alcançar a estabilidade de preços e superávits.
Basicamente, o conjunto de políticas se baseava na expansão das exportações e
contenção dos efeitos nos níveis de inflação provenientes desse impulso exportador.
Política cambial: a desvalorização da moeda teria o objetivo de fortalecer setores
exportadores ampliando os superávits comerciais.
Política monetária e fiscal: o controle da expansão monetária e da expansão do
crédito e o controle dos gastos públicos teriam a função de conter a demanda
interna e os impactos inflacionários das desvalorizações cambiais. Outro ponto
importante para a contenção da demanda interna estaria na política de contenção
dos salários.
89
As condicionalidades impostas pelo FMI nos acordos feitos com países que fazem
uso de seus recursos são produto histórico e se relacionam com as situações concretas
do sistema econômico internacional e da instituição. Apesar de tal mecanismo não
constar formalmente no acordo fundador do FMI e nem se basear em premissas
econômicas predeterminadas
75
, as condicionalidades foram incorporadas às práticas do
Fundo em 1948, sob pressão norte-americana, e se inseriram definitivamente nos
quadros da instituição em 1956 com a formalização do acesso por etapas aos recursos do
Fundo, com possibilidade de interrupção do provimento desses (Kulgemas, 2006; Bueno,
2006; Babb, 2003).
“A análise das transformações históricas no papel do FMI aponta
claramente que o surgimento e a aplicação das condicionalidades são
determinados pelas mudanças na economia internacional. Se na década
de 1980, as condicionalidades estruturais conseguiram voltar as
economias periféricas para a geração de divisas em vista da dívida
externa, na década de 1990, responderam aos anseios dos fluxos de
capitais privados liberalização comercial, preços, cambial, tributária,
privatização, sistema financeiro, mercado de trabalho e benefícios sociais
mostrando-se um importante instrumento para o reforço da
subordinação e dependência dos países periféricos” (Bueno, 2006:31).
A criação, em 1974, do Extend Fund Facility seria parte de uma resposta da
instituição à minimização de sua participação global nas relações financeiras
internacionais e como forma de atacar, através de programas altamente condicionados,
os desequilíbrios estruturais provenientes das intervenções estatais na economia
76
. O
Extend Fund Facility, diferentemente dos acordos stand-by, teria a duração maior que o
75
Apesar da não existência explícita ou formal de um modelo econômico que se poderia denominar
de “fundomonetarista”, as condicionalidades exigidas historicamente pelo FMI se baseiam em
premissas semelhantes e que se assentam na ortodoxia liberal. Controle inflacionário e equilíbrio
no balanço de pagamentos via políticas recessivas (controle da demanda), são pontos
fundamentais e constantes nos acordos.
76
Foram criados em seguida o Structural Adjustment Facility (SAF, instituído em 1980), e o
Enhanced Structural Adjustment Facility (ESAF, em 1987)”
90
período tradicional de um ano, normalmente três anos, e contaria com meios mais
incisivos para fiscalizar as políticas implementadas pelos países.
O novo enfoque instituído no Banco Mundial e no FMI, de necessidade de ajustes
estruturais nas economias endividadas, as direcionariam para as exportações. Esse
modelo de política se daria através da implementação de políticas recessivas e da
desvalorização cambial, função cabal dos programas de ajuste estabelecidos pelo Fundo
Monetário Internacional, e da correção de preços e realocação de recursos produtivos,
funções que couberam especialmente ao Banco Mundial, mas que também compunham o
escopo de ação do Fundo. Apesar dessa pseudo separação de funções, ambas as
instituições se mantiveram voltadas a reformar os Estados latino-americanos e
redirecionar suas economias para a manutenção dos pagamentos dos juros devidos.
No caso específico do Banco Mundial, a introdução dos Policy-Based Loans (que
seriam os programas setoriais e os empréstimos para ajuste estrutural) traria o
componente da atribuição de implementação de políticas de ajuste condicionadas à
liberação de recursos. Esses programas teriam como função dar suporte a reformas
institucionais e econômicas nos países contratantes com ênfase em políticas de
liberalização comercial e de preços (preços justos), que compreendia fim de subsídios,
estímulos governamentais à produção e comercialização e proteções artificiais;
reestruturação administrativa e institucional, com objetivo de minorar a presença do
Estado na economia (o que incluía o incentivo às privatizações) e atacar os déficits
públicos; e na racionalização da alocação de recursos e dos investimentos.
Esse conjunto de políticas impostas pelas instituições de Bretton Woods aos países
latino-americanos, que se encontravam em situação de penúria econômica, funcionara
em duas mãos. Primeiramente, produziu uma estabilização emergencial que tinha o
objetivo de estabilizar a crise financeira global e evitar o “calote” generalizado. Mas, ao
mesmo tempo, iniciara o processo de reestruturação do modelo econômico
91
historicamente implementado no continente. Esses dois grandes objetivos resultaram em
uma gravíssima recessão sem que o problema do endividamento fosse solucionado. A
tabela 4, expõe algumas das principais variáveis macroeconômicas do continente, em
comparação com o período de desenvolvimento e industrialização do continente.
Tabela 4
América Latina pós-crise e sob a gestão do FMI: comportamento de determinadas variáveis
relacionadas a divida
69-80
(média)
1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987
Crescimento real do PIB 5,8 0,7 -1,0 -3,0 3,2 3,5 4,0 3,3
Crescimento per capita do PIB 33,3 -1,3 -3,2 -5,2 0,9 1,3 1,7 1,2
Taxa de inflação 34,3 59,7 68,4 106,3 129,3 150,3 86,5 97,7
Superávit fiscal - % do PIB -1,1 -3,2 -5,6 -5,1 -3,3 -3,1 -5,0 -4,1
Formação de capital - % do PIB 23,5 22,7 20,8 17,4 17,4 16,9 17.3 17,8
Dívida Externa - em US$ bi. 191,7 288,4 333,5 342,8 361,9 368,0 383,2 408,9
Crescimento nominal da dívida 20,7 22,1 14,5 2,8 5,4 1,7 4,0 6,5
Crescimento real da dívida 12,3 12,5 8,0 -1,0 1.5 -1,6 1,4 3,7
Serviço da dívida - % das
exportações 37,0 41,9 51,0 43,9 41,7 38,7 45,6 44,9
% dos serviços para pagmto de
juros 44,9 58,7 63,3 72,0 71,2 71,3 61,0 56,3
Fonte: FMI citado em Pastor, 1989.
92
CAPÍTULO IV. O DESENVOLVIMENTO DA CRISE BRASILEIRA: CRISE
INTERNACIONAL, TENTATIVA DE AJUSTE ESTRUTURAL E ENDIVIDAMENTO.
Nesse capítulo buscaremos apresentar o processo de transformação na economia
brasileira durante a década de setenta. Dar-se-á destaque à tentativa de ajuste estrutural
da economia brasileira empreendida nesse período com a aprovação e implementação do
Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. Assim como trataremos de enfatizar os
efeitos do plano na estrutura produtiva nacional, que repercutiram diretamente no
comércio exterior do país. Por sua vez, daremos enfoque ao percurso da aceleração do
endividamento externo do Brasil, resultado da estratégia de desenvolvimento baseada na
captação externa para sustentação dos níveis de investimento e poupança doméstica
requeridos para a continuação do processo de industrialização e ajuste da economia
brasileira. O aumento da vulnerabilidade do país a choques globais, resultado da
ampliação do volume de dívida também será objeto de análise.
4.1. O Ajuste Estrutural Brasileiro: a experiência do Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento
Para alguns economistas e historiadores econômicos, a problemática da
ampliação do endividamento externo durante a década de setenta, especialmente após a
implementação do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, estaria relacionada
meramente ao interesse político-estratégico de dar continuidade aos programas de
desenvolvimento nacionais e níveis de crescimento do período anterior. O crescimento
econômico, a industrialização do país, os grandes projetos da ditadura e o discurso
nacionalista estariam direcionados à sustentação ideológica do regime de 1964. De
acordo com essa leitura, o II PND seria um mero instrumento de continuidade dos
projetos nacional-desenvolvimentistas com o objetivo de prover legitimidade ao governo
93
brasileiro, especialmente a partir do no início do que seria a lenta e gradual transição para
a democracia. Apesar de correto, esse argumento é parcial e não abrange uma série de
peculiaridades do período, assim como acaba por desconsiderar pontos centrais do plano
e do próprio processo de endividamento. Essa insuficiência ou direcionamento da leitura
sobre o plano acaba levando também a interpretações pouco satisfatórias acerca dos
resultados alcançados e do próprio sentido histórico do projeto.
O general Ernesto Geisel (15/03/1974-15/03/1979) assume a presidência da
República num momento extremamente complexo e conturbado na política brasileira e
depara-se com uma situação econômica delicada. A repressão política e o rompimento
definitivo com qualquer espaço democrático
77
ainda vigente nos anos anteriores e o abalo
econômico ocasionado pela crise do petróleo, marcando o fim da maior experiência de
crescimento econômico do Brasil, condicionariam as decisões estratégicas e políticas
econômicas dos anos Geisel.
No que diz respeito às questões estritamente políticas, o governo Geisel articularia
um incipiente processo de transição para a democracia através do relaxamento gradual e
assistido de alguns mecanismos de repressão e de secção de direitos. As pressões
sociais e a reversão econômica iniciada com o fim do milagre econômico deram subsídios
para análises que conjugaram diretamente desrepressão política e o advento do II PND. A
diminuição dos níveis de crescimento econômico no ano de 1974, em comparação com
as taxas experimentadas no período 1968-73
78
, aliadas às repercussões negativas quanto
ao período pós-AI5 teriam, ainda de acordo com essa perspectiva, repercutido
77
O regime político e o arranjo institucional adotados no Brasil após o golpe militar de 1964
formaram durante anos um quadro paradoxal. Se por um lado o país se encontrava sob uma
ordem autoritário-militar, dado que eram as Forças Armadas, enquanto instituição, que controlavam
e dirigiam o sistema político nacional, por outro, instituições tipicamente democráticas continuavam
existindo, apesar de terem suas capacidades de ação e de realização efetiva de suas funções
extremamente reduzidas.
78
No período em questão, as taxas de crescimento do Brasil foram de 9,8%; 9,5%; 10,4%; 11,3%;
11,9% e 14,0%. Apesar da continuidade dos altos níveis os dois anos seguintes representaram
uma queda, marcando exatamente, 8,2 e 5,2%. (Giambiagi, 2005)
94
diretamente e decisivamente na estratégia de liberalização e transição política, assim
como na elaboração do II PND no final de 1974. A sustentação dos governos militares
estaria condicionada aos resultados econômicos e a política de flexibilização do regime e
ampliação dos direitos civis completaria a estratégia de angariação de apoio para a total
supervisão da distensão
79
(Skidmore, 1988; Mello, 1989). Como afirmou Eli Diniz (1985),
condensando o argumento acima, a sustentação do regime militar brasileiro não se devia
exclusivamente ao desempenho econômico. O projeto de distensão seria, segundo a
autora, “um projeto concebido pelos mentores do regime autoritário como forma de
recompor suas bases de apoio, desgastadas pelo longo período de restrições políticas
(...). (p. 334).
A aprovação do II PND no final de 1974 e sua implementação nos anos
posteriores representou a última grande experiência nacional-desenvolvimentista aos
moldes da tradição brasileira desde a década de trinta. O II PND se insere na história dos
planos desenvolvimentistas brasileiros, que tinham na ampla participação estatal na
condução de políticas e investimentos no setor produtivo, na articulação do governo com
o empresariado nacional e no recurso aos financiamentos advindos do exterior suas
bases de sustentação. O Plano consistia fundamentalmente num amplo conjunto de
79
Existe uma bibliografia vasta sobre o processo de transição para a democracia no Brasil e que
marcam o início do processo de transição controlada a partir da ascensão de Geisel à presidência
da República. Uma parte desse grupo de texto encontra-se destacada nas referências
bibliográficas. A estratégia de transição política assistida e monitorada articulada pelo governo
Geisel passava basicamente pelo controle do calendário eleitoral. As eleições de 1974 para
composição do legislativo federal e estadual e executivo estadualforam o primeiro compromisso.
A oposição teve acesso aos meios de comunicação em massa para a realização de sua
campanha. O MDB, oposição única da ARENA, teve desempenho extraordinário (Conquista 16
das 22 cadeiras do Senado Federal; 44% dos Deputados Federais e conquista, ainda, 16 governos
estaduais). Fato esse que, aliado às disputas internas nas Forças Armadas, contribuiu para a
reversão da proposta. Editou-se a chamada Lei Falcão em 1976, que estabelecia novas restrições
e limitações ao uso político dos meios de comunicação para as eleições municipais daquele
mesmo ano. Cassações de mandatos de deputados da oposição contribuíram para o
restabelecimento do processo. Após fechar temporariamente o Congresso, Geisel emite uma série
de decretos, conhecidos como Pacote de Abril. Estabeleciam-se eleições indiretas para
governadores e para 1/3 dos Senadores (os “Senadores Biônicos”) e redução da maioria
necessária, de 2/3 para maioria simples, para a provação de reformas constitucionais.
95
políticas, que tinha como objetivo a transformação da estrutura produtiva do país e
conseqüentemente a estabilização das suas contas externas. Como já salientado no início
do capítulo, o desempenho econômico e os níveis crescentes de industrialização e
emprego desempenhavam papel crucial na legitimação do regime autoritário, mas reduzir
o II PND a uma mera estratégia de legitimação do governo militar acabaria por minimizar
o debate sobre sua implementação quanto tanto desprover de sentido seus efeitos diante
um cenário de crise econômica generalizada.
4.1.1. Sentido Histórico: A Estratégia Ajuste Estrutural Brasileira.
O advento do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, num contexto
internacional de recessão econômica e taxas inflacionárias elevadas foi entendido por
uma série de analistas como mais uma estratégia de legitimação e sustentação do regime
militar às custas da irresponsabilidade financeira e debilidade futura do Estado. A
implementação de um programa anti-cíclico de crescimento no contexto em que fora
instituído o II PND seria, dentro desse mesmo entendimento, um mero retardo das
reformas necessárias e da realização de ajustes recessivos que por sua vez não
interessariam à equipe econômica do Presidente Geisel. A fuga para frente, como são
conhecidas as estratégias de impulso ao crescimento através de meios não
convencionais à teoria macroeconômica clássica, resultaria em distorções estruturais na
economia e, conseqüentemente, na necessidade de ajustes ainda mais dolorosos no
futuro.
Uma outra corrente de autores, com destaque para Antônio Barros de Castro e
Francisco Pires Souza
80
, entende o plano, sua implementação e suas realizações como
80
O próprio título do texto, que se tornara um marco da interpretação heterodoxa e otimista do
Plano “A Economia Brasileira em Marcha Forçada” (Barros de Castro e Souza, 1985) antecipa o
tom do entendimento dos autores sobre o processo de ajuste então implementado.
96
uma experiência de ajuste estrutural profundo na economia brasileira. Os investimentos
provenientes do plano, na leitura dos autores especificados, enquanto direcionavam a
base produtiva brasileira à industrialização intensiva tornando-a internacionalmente
competitiva funcionariam como solução definitiva às distorções nas contas externas do
país. Essa análise parte da premissa de que havia um entendimento governamental
específico acerca da situação econômica internacional. Ou seja, não se tratava de uma
crise econômica cíclica e rapidamente contornável, mas um processo de reestruturação
das relações produtivas e comerciais que demandariam ajustes profundos nas
econômicas não-desenvolvidas. Ajustes recessivos clássicos contemplariam objetivos de
curto prazo relacionados aos desbalanceamentos nas contas externas, mas deixando
ainda mais obsoleto o parque produtivo brasileiro. De acordo ainda com os autores, os
bons resultados na balança de pagamentos nos anos após a eclosão da crise da dívida,
mais especificamente nos anos de 1983 e principalmente 1984, teriam sido resultado das
inversões produtivas e das políticas de contenção das importações implementadas
durante o plano e não um mero resultado das políticas de recessivas colocadas em
prática a partir de 1981.
Longe da primeira interpretação sobre o plano (notadamente ortodoxa), mas
também não tão otimista em relação aos seus resultados, como a tese apresentada por
Castro e Souza (1985), uma terceira corrente mantém um interpretação menos entusiasta
acerca do II PND. Trata-se de uma interpretação crítica, principalmente em relação aos
resultados do plano no que diz respeito à diminuição da vulnerabilidade externa do país. A
articulação entre as esferas pública e privada, assim como a interpretação do governo
acerca da necessidade de incentivar a industrialização acelerada em setores específicos
da economia teriam produzidos resultados excepcionais no nível de produção e na
estrutura do comércio exterior do país. Entretanto, seus equívocos no setor financeiro
97
com a captação excessiva de recursos no exterior teriam acentuado, ao invés de
minimizar, as vulnerabilidades a choques externos do país.
81
Independente das interpretações sobre as intenções por detrás do plano,
objetivamente, o que se assistiu foi a tentativa do governo Geisel, através da continuação
dos projetos nacional-desenvolvimentistas, de manter taxas consideráveis de
crescimento. Para tal, a equipe econômica, através da utilização de mecanismos
antecedentes de captação de recursos no exterior, fez uso sistemático e profundo do
endividamento externo, assim como mobilizou o aparato governamental para a condução
e implementação do plano. O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento se insere
definitivamente dentro das principais diretrizes políticas do governo Geisel de
desenvolvimento econômico e segurança nacional, entendida segundo o governo como
uma estratégia autonomista.
O período de crise profunda nas relações econômico-financeiras internacionais e
diminuição do furor econômico do milagre brasileiro marcariam a entrada de Geisel,
condicionando as estratégias adotadas. Essa “recessão” seria resultado da crise do
petróleo e da totalização da utilização da capacidade ociosa da indústria brasileira durante
os anos do milagre. O “milagre econômico brasileiro”, que privilegiou basicamente a
produção de bens de consumo duráveis e a utilização exaustiva da capacidade ociosa
brasileira, se dera num momento de superaquecimento econômico mundial com demanda
e salários altamente elevados nas principais economias mundiais (Carneiro, 1990; Baer,
2003; Chami Batista, 1987; Hermann, 2005). A ruptura do sistema de Bretton Woods, o
choque do petróleo, a recessão econômica mundial e a necessidade de novos
investimentos para ampliação da capacidade produtiva brasileira colocariam a nova
81
Esse debate entre as correntes é apresentado por uma série de textos e livros. Para uma visão
mais detalhada e bem especificada ver Ricardo Carneiro (2002)
98
equipe econômica
82
diante do impasse apresentado nos parágrafos acima: implementar
uma política recessiva ortodoxa para conter o déficit externo ou incentivar a
industrialização brasileira e realizar um ajuste estrutural na economia.
A deterioração dos termos de intercâmbio entre as economias do norte e os países
agro-exportadores e o aumento vertiginoso dos preços de bens industriais
indispensáveis para a implementação do programa de desenvolvimento industrial
brasileiro impactaram a balança comercial brasileira de forma quase desastrosa. O
Brasil, apesar dos altos níveis de crescimento industrial experimentados durante
aproximadamente quatro décadas, em 1974, era ainda amplamente dependente dos
produtos primários na sua pauta de exportação. O café e outros produtos agrários eram
responsáveis pela parte mais considerável das exportações nacionais, mesmo após uma
industrialização e urbanização aceleradas. A tabela 2 e o gráfico 3, que apresentam a
pauta de exportação brasileira, expõem a dependência do país à produção de bens
primários, como ilustram a transformação que iria se operar na pauta de exportações ao
longo da década.
82
Antonio Delfin Netto, Ministro da Fazenda nos anos Médici, foi substituído por Mário Henrique
Simonsen com a entrada de Geisel na Presidência em 1974.
99
Tabela 5
Pauta de exportações brasileira (1973-1985) em US$ milhões.
Produto 1974 1975 1976 1977 1978 1979
1. Produtos Primários 5.036 5.437 6.509 7.432 6.433 7.027
1.1. Café 980 934 2.398 2.625 2.295 2.326
1.2 Tradicionais 2.153 2.322 1.584 1.837 1.880 2.197
Açúcar 1.322 1.100 306 463 350 364
Cacau 210 220 219 435 454 487
Minério de Ferro 571 921 994 907 1.028 1.288
1.3 Outros prod. Primários 1.903 2.181 2.526 2.969 2.258 2.503
2. Produtos Industrializados 2.720 3.024 3.238 4.410 6.049 8.058
2.1. Semimanufaturados 634 645 789 1.027 1.435 1.915
Ferro-liga bruto 49 48 79 80 125 168
2.2 Manufaturados 2.086 2.379 2.449 3.383 4.613 6.143
Caldeiras/ Instrum. Mecânicos 269 407 374 587 769 970
Prod. Siderúrgicos Manufat 72 69 77 101 214 446
3. Transações Especiais 195 209 381 278 177 159
D. Total (1 + 2+ 3) 7.951 8.670 10.128 12.120 12.659 15.244
Continuação
Produto 1980 1981 1982 1983 1984 1985
1. Produtos Primários
9.379 9.579 8.771 8.929 9.307 9.001
1.1. Café
2.773 1.761 2.113 2.347 2.856 2.632
1.2 Tradicionais
3.203 3.110 2.690 2.360 2.477 2.423
Açúcar
1.288 1.062 580 526 586 369
Cacau
292 241 215 283 249 361
Minério de Ferro
1.564 1.748 1.846 1.513 1.605 1.608
1.3 Outros prod. Primários
3.403 4.708 3.968 4.222 3.974 3.946
2. Produtos Industrializados
10.485 13.341 11.153 12.663 17.403 16.356
2.1. Semimanufaturados
2.091 2.097 1.399 1.807 2.776 2.725
Ferro-liga bruto
181 225 178 209 235 226
2.2 Manufaturados
8.394 11.244 9.756 10.856 14.627 13.631
Caldeiras/ Instrum. Mecânicos
1.382 1.546 119 1.092 1.396 1.590
Prod. Siderúrgicos Manufat
625 801 794 1.249 1.548 1.357
3. Transações Especiais
268 374 251 307 295 280
D. Total (1 + 2+ 3)
20.132 23.293 20.175 21.899 27.005 25.639
Elaborado pelo autor: Fonte. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Anuário Estatístico do Brasil. Rio
de Janeiro, Ed. Fundação IBGE, 1990.
100
Gráfico 3
Pauta de exportações brasileira (1973-1985) em US$ milhões
Elaborado pelo autor: Fonte. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Anuário Estatístico do Brasil. Rio
de Janeiro, Ed. Fundação IBGE, 1990.
A quadruplicação dos preços internacionais do petróleo em 1973-74, por outro
lado, também repercutiu drasticamente no balanço de pagamentos do Brasil (como
demonstrado no gráfico 4). A elevação do preço do petróleo e a dependência brasileira
perante o bem acabaria impondo um grande esforço financeiro para a sua importação,
através do financiamento externo, o que ampliaria ainda mais a necessidade de entrada
de recursos financeiros externos. Entretanto, o governo brasileiro, reconhecendo essa
dependência e vulnerabilidade, passaria a se dedicar a um impulso produtivo na área de
101
energia que complementaria um conjunto de áreas, sobretudo, a extração e refino de
petróleo.
Gráfico 4
Importação brasileira de Petróleo e derivados:
valor em US$ 100 e volume em tonelada.
Elaborado pelo autor: Fonte. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Anuário Estatístico do
Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Fundação IBGE, 1990.
O balanço de pagamentos do Brasil, de uma situação de superávit significativo em
1973, US$ 2,38 bilhões, marca em 1974 um déficit de mais de US$ 1 bilhão. A balança
comercial seria a grande responsável pela reversão do superávit no balanço de
pagamentos brasileiro, uma vez que registraria em 1974 um déficit de aproximadamente
US$ 4,7 bilhões. A importação de petróleo foi, com certeza, a grande responsável por
essa reversão e acentuação dos dispêndios externos do Brasil. O valor pago na
importação do bem superou, em 1974, US$ 2,8 bilhões e alcançou a marca de US$ 4
bilhões em 1978. Válido registrar que no ano de 1973 esse valor quase não ultrapassou
os US$ 710 milhões (Gráfico 4). A balança comercial manteria a sua tendência deficitária,
sendo contrabalanceada pelo aumento na captação de recursos externamente, através de
102
investimento estrangeiro direto e principalmente de empréstimos, como se pode verificar
no balanço de pagamentos apresentado ao final do capítulo (Tabela 9).
Diante da situação apresentada, três alternativas se colocavam: reduzir a
demanda interna mediante o ajuste recessivo clássico, expandi-la através do
endividamento externo maior ou comprimir o consumo em favor do investimento
(Carneiro, 2002; Fishlow, 1986). A opção pela segunda alternativa, mesmo atrasando
algum ajuste necessário, poderia solucionar os problemas estruturais das contas externas
do país ao mesmo tempo em que atenderia à estratégia de legitimação do regime militar.
Diante desse cenário, o governo brasileiro optou por elaborar uma resposta
peculiar à crise que se abatia sobre a economia mundial e à ruptura do processo
expansivo do milagre econômico. A implementação de um amplo programa anti-cíclico de
crescimento funcionaria como instrumento para a superação das distorções econômicas
internas herdadas do período antecedente, transformando a matriz industrial brasileira e
solucionando os problemas externos do país. Como descreveu Ricardo Carneiro o Plano
consistia em um amplo programa de investimentos cujos objetivos eram transformar a
estrutura produtiva e superar os desequilíbrios externos, conduzindo o Brasil a uma
posição de potência intermediaria no cenário internacional” (Carneiro, 2002: 55). Dando
continuidade aos processos de desenvolvimento implementados por governos anteriores,
o II PND traria, de acordo com os objetivos governamentais e como apresentado no
discurso do próprio Presidente Geisel, os requisitos necessários para adaptar o país à
crise internacional e produzir os resultados desejados pela equipe econômica.
“Não é menos certo, que drásticas mudanças ocorridas no cenário
mundial como a grave crise de energia (...) a instabilidade no sistema
monetário internacional, a inflação que se generaliza pelo mundo todo a
taxas alarmantes (...) determinarão sérias repercussões no panorama
nacional, sobretudo num ano de intensa atividade política como o ano de
1974, e que significativos eventos ocorreram na vida nacional”.
103
“Isso não significa abandonar o Primeiro Plano Nacional de
Desenvolvimento, ainda vigente para este ano, mas que, de fato, tratar-
se-á de completá-lo, prolongá-lo e de complementá-lo através do
Segundo Plano em elaboração, dentro de diretrizes análogas, porém
adequadas à presente situação e à sua possível evolução nos próximos
anos
83
O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, como mencionado
anteriormente, tinha como objetivo impulsionar o desenvolvimento capitalista no país e
readequar a estrutura produtiva às novas condicionalidades internacionais e domésticas.
Visava-se superar as vulnerabilidades externas do país solucionando os desequilíbrios
estruturais das contas externas mediante uma reestruturação estratégica da matriz
industrial brasileira. A correção dos desequilíbrios externos do Brasil, causados
essencialmente pelo choque do petróleo e a conseqüente estagnação internacional, se
daria através da elevação da oferta de bens manufaturados competitivos pela indústria
nacional, da substituição de importações em áreas sensíveis como matérias-primas
essenciais, dentre elas petróleo, e da contenção das importações
84
. A produção industrial
brasileira teria a função de abastecer o mercado interno num nítido modelo substitutivo de
importações, além de transformar a pauta de exportações, dando maior peso à
exportação de bens com maior valor agregado. No diagnóstico proposto pela equipe
econômica do governo Geisel sobre a economia nacional e seus rumos possíveis
estipulou-se a seguinte estratégia: aumento da participação da indústria pesada no
produto interno brasileiro; incentivo a produção de bens de capital; maior produção e
extração de insumos básicos necessários à produção industrial; pesquisas e produção
83
GEISEL, Ernesto. “Discurso na Primeira Reunião Ministerial. Brasília, 19 de novembro de 1974.
In. Resenha de Política Exterior do Brasil. Ano 01 n.01, p. 24, 1974.
84
No que se refere às políticas de contenção das importações, não foram tomadas medidas
drásticas como desaquecimento econômico ou grandes desvalorizações cambiais. O governo fez
uso de controles seletivos às importações e dentre outras questões retomou o nível das alíquotas
que haviam sido reduzidas antes do choque do petróleo e aumentou as tarifas para produtos
supérfluos. No que se refere à política cambial, o governo manteve a política de
minidesvalorizações com o intuito de regular os níveis de lucratividade com o comércio
internacional (Davidoff Cruz, 1999; Carneiro, 2002).
104
interna de fontes de energia alternativas e mesmo o incentivo à produção e refino de
petróleo; outros temas como a desconcentração regional e distribuição de renda também
compunham o plano
85
(Ministério do Interior, 1975; Chami Batista, 1987; Carneiro, 1990;
Carneiro, 2002).
O processo de desenvolvimento industrial no Brasil caracterizou-se pela
vertiginosa expansão desde os anos trinta, que se ampliou nos anos JK com a realização
do Plano de Metas, e durante o período do milagre econômico. Entretanto, na visão da
equipe econômica do governo Geisel, a independência externa do país e a verdadeira
ascensão ao primeiro mundo demandariam a correção de alguns desequilíbrios na matriz
industrial do país. A diminuição da dependência externa no que se refere à produção
energética e de bens de capital e tecnologia figuravam nos objetivos do governo. A
política do pragmatismo responsável, como ficou conhecida a política externa do período
Geisel, corroborava a prática independentista do governo, na medida em que, aliada aos
projetos desenvolvimentista, buscou novos e maiores nichos de ação política, comercial e
estratégica para o Brasil. O Brasil, através de sua política de diversificação das relações
exteriores, buscaria aproximar-se de áreas “não tradicionais” da diplomacia dos governos
militares, como por exemplo, África, Oriente Médio e países do bloco socialista, com
objetivos de ampliar sua participação comercial, assim como, estabelecer estratégias e
acordos nas áreas de tecnologias sensíveis, energia e etc
86
(Soares de Lima, 1982;
Lessa, 1995; Souto Maior, 1996).
O problema do financiamento externo também perpassava os objetivos lançados
pelo governo de Geisel. Para a sustentação de investimentos da envergadura desejada
fez-se uso sistemático da captação de recursos internacionalmente. O recurso ao
85
Os objetivos e metas do plano estão em MINISTÉRIO DO INTERIOR DO BRASIL. II Plano
Nacional de Desenvolvimento: Programa de Ação do Governo. Brasília, Serviço gráfico IBGE,
1975.
86
O acordo nuclear brasileiro com a Alemanha e a aproximação com os grandes produtores de
petróleo através da exportação de armamentos são exemplos dessas estratégias.
105
endividamento externo foi uma constante na história econômica do país, entretanto seu
aprofundamento nos anos setenta é nítido
87
. O Brasil, historicamente, possui déficits de
poupança doméstica e de mecanismos internos para a realização de investimentos
produtivos, fazendo necessário o recurso à captação de recursos internacionalmente.
Durante os anos setenta o Brasil se utilizou desse expediente de forma sistemática e
profunda, dadas as peculiaridades do momento.
4.1.2. Crescimento com Endividamento e vulnerabilidade externa.
A estratégia posta em prática a partir de 1975, com a implementação do II PND,
trouxe resultados significativos para a produção industrial, energética e de infra-estrutura
para o país. O crescimento do PIB manteve-se em patamares elevados. Apesar de
menores se comparados com o período anterior e mesmo em relação ao esperado pelo
governo, as taxas de 5,2% em 1975, 10,3% em 1976, 4,9% e 5,0% nos anos de 1977 e
1978, visto que alcançadas num período de estagnação econômica mundial, são
altamente satisfatórias. O produto interno bruto e o produto industrial brasileiro se
elevaram entre 1973 e 1978 acima dos 40%
88
. O primeiro alcançando Cr$ 3,5 trilhões,
enquanto o produto industrial variou de Cr$ 737,1 bilhões em 1973 para mais de Cr$ 1
trilhão em 1978, uma variação de 46%
89
. A tabela abaixo apresenta parte dos resultados
alcançados pelo programa, assim como delineia uma comparação com o que fora
previsto.
87
O processo de endividamento externo brasileiro tem raízes bem anteriores ao II PND. O governo
de Ernesto Geisel utilizou-se da estrutura legal existente para a captação de recursos
internacionalmente, especialmente a Lei n.4131, de 1962 e regulamentada pela n. 4,390, de 1964,
assim como a Resolução de n.63 de 1967.
88
No final do ano de 1976, nota-se uma desaceleração do crescimento. Essa redução do
crescimento é resultado de um ensaio contracionista através da elevação dos juros que tinha o
objetivo de controlar a inflação, que alcançava níveis elevados (Coutinho e Belluzzo, 1982).
89
Os dados retirados citados foram retirados do documento: Realizações do Governo Geisel
(1974-1978): Visão Global elaborado pelo IPEA.
106
Tabela 6
Programa de investimentos do II PND 1975-1979. Em CR$. Bilhões.
DISCRIMINAÇÃO PREVISÃO REALIZAÇÃO
Energia 532 505
Petróleo 153 170
Energia Elétrica 379 335
Insumos Básicos, Álcool, Mineração, Bens de Capital - 413
Insumos Básicos (Inclusive Álcool) e Bens de Capital - 365
Mineração (CVRD) - 48
Outras Áreas de Infra-Estrutura 393 389
Transporte (Ferrovias, Rodovias, Construção Naval e Portos) 252 245
Comunicações (Inclusive Correios e Telégrafos) 141 144
Desenvolvimento Social 1589 1966
Educação (Dispêndios da União e Estados) 357 348
Habitação (Inclusive Recursos dos Mutuários) 235 502
Previdência Social (Dispêndios) 649 635
Outros 348 588 (a)
Desenvolvimento Regional 180 235
Incentivos Fiscais, PIN/PROTERRA,transferências União-Estado 180 235
Programas Especiais - 42 (a)
(a) Com valores não Computados na soma
Fonte: INSTITUTO DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Realizações do Governo Geisel
(1974-1978): Visão Global. Brasília, Ed. IPEA, 1979.
Dentre os resultados materializados com plano, pode-se destacar a produção
energética, com destaque significativo para a produção de petróleo e energia elétrica,
tendo no projeto de construção da Usina de Itaipu o grande marco do governo. As áreas
de infra-estrutura, bens de capital e insumos básicos também receberam altos montantes
de investimentos. Ou seja, o plano contemplou áreas estratégicas para a economia
nacional, que, de alguma forma, haviam sido pouco privilegiadas e que compunham parte
fundamental do processo de reestruturação produtiva brasileira e de superação de
entraves produtivos derivados da crise do balanço de pagamentos (altamente
comprometido com importações substituíveis: destaque para energia e bens de capital e
insumos para produção).
107
Entretanto, outra questão se faria destacar também de forma significativa no
período, assim como suas conseqüências seriam determinantes para os desdobramentos
políticos e econômicos no Brasil. Trata-se da forma como o governo brasileiro fez uso
sistemático do endividamento externo para o financiamento de seus programas de
crescimento. O volume da dívida externa bruta acumulada se expandiu demasiadamente
nos quatro anos de implementação do Plano. De aproximadamente US$ 15 bilhões em
1973, a dívida alcançaria mais de US$ 50 milhões no período final do governo Geisel,
como se pode visualizar na tabela 7.
Tabela 7
Dívida externa e Solvência brasileira. Em US$ milhões
1973 1974 1975 1976 1977 1978
Dívida Externa Bruta 14.857 20.032 25.115 32.145 37.951 52.187
Reservas Internacionais 6.416 5.269 4.040 6.544 7.256 11.895
Dívida Externa Líquida 8.441 14.763 21.075 25.601 30.695 40.292
Div. Exter Liq/Exportações 1,36 1,86 2,43 2,53 2,53 3,18
In. Giambiagi, 2005.
Nesse momento duas questões se combinavam e davam a essa estratégia de
manter altos níveis de captação de recursos internacionalmente uma roupagem menos
assustadora e, na verdade, essa se apresentava como a melhor opção.
A primeira, que foi sinalizada anteriormente, mas merece consideração mais
detalhada, é a alta liquidez internacional do circuito financeiro privado mundial. O livre
acesso a esse mercado financeiro pelas economias em desenvolvimento durante a
década de setenta, incentivado pelo baixo custo e pela liberdade no emprego do capital,
acabaria levando a um altíssimo volume de recursos transacionados no período. Esse
momento marcou uma verdadeira substituição das agências governamentais de
cooperação ou bancos multilaterais de financiamento pelas grandes instituições privadas
de crédito no que se refere às concessões de empréstimos realizados ao Brasil. A tabela
108
8 apresenta as parcelas disponibilizadas pelos emprestadores desses recursos ao Brasil.
O governo brasileiro fez uso de um amplo volume de recursos que era disponibilizado
livremente pelos bancos comerciais com taxas de serviço de uso do capital extremamente
baixas no período
90
.
Tabela 8
Principais Fontes de Recursos da Dívida Externa Brasileira: em %
Fonte 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979
Fontes Oficiais 34,4 26,3 22,8 21,6 19,9 18,7 16,6 14,0 12,8
Financiamento de importações
por órgãos oficiais e
governamentais 20,5 17,3 16,3 17,1 16,5 16,0 14,5 12,8 11,8
Empréstimos do FMI e
programas de USAID 13,9 9,0 6,5 4,5 3,4 2,7 2,1 1,4 1,1
Fontes Privadas 61,0 70,0 73,9 75,8 78,1 79,3 79,0 80,1 80,8
Crédito de fornecedores 12,8 11,9 11,4 10,5 9,4 9,3 11,8 12,3 11,4
Empréstimos em moeda 48,2 58,1 62,5 65,3 68,7 70,0 67,2 67,8 69,4
Outros 4,6 3,7 3,3 2,6 2,0 2,0 4,4 5,9 6,4
Bônus - 0,6 1,1 1,0 0,8 1,1 3,8 5,5 6,0
Outros 4,6 3,1 2,2 1,6 1,2 0,9 0,6 0,4 0,4
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Adaptado de Baer (1987)
O segundo fator que tornava agradável, ou melhor, necessária a captação de altos
valores no exterior era a necessidade de se criar um nível razoável de poupança, uma vez
que o Brasil não dispunha de um sistema nacional de financiamento que fosse capaz de
90
Como apresentado na tabela de número 3, as taxas de juros reais da LIBOR e PRIME RATE
mantiveram-se, durante a década de setenta, em patamares extremamente baixos, alcançando
níveis negativos entre 1974-77.
109
assegurar os níveis de investimentos necessários, mesmo após as reformas do sistema
financeiro implementadas nos anos sessenta
91
. Esse volume de recursos foi usado, como
aponta Davidoff Cruz (1999), tanto na formação da necessária poupança externa para
sustentar os níveis de financiamento, como para financiar os serviços da dívida brasileira,
que nos últimos anos havia acrescido seu peso no balanço de pagamentos do país como
se pode perceber nos valores da conta de juros do balanço de pagamentos. Com o
objetivo de cobrir essas lacunas na economia, o Brasil se utilizou de uma série de
instrumentos para realizar essa captação de recursos no exterior. Dentre eles, as
resoluções e leis antecedentes ao período, citadas, que facilitavam a captação e
protegiam os captadores privados; as empresas estatais e bancos governamentais para a
captação pública direta; e mecanismos de re-empréstimo internamente.
Desde o início da década de setenta, o Banco Central Brasileiro passou a adquirir
cada vez mais responsabilidade sobre o processo de endividamento externo realizado
através da captação de crédito no mercado financeiro internacional por tomadores
privados. Inicialmente, esse envolvimento do Banco Central se dava através da
formalização de garantias relacionadas à segurança cambial e em relação a possíveis
variações nas correções monetárias. “A intenção última era de incentivar a contratação de
recursos de recursos externos, diminuindo os riscos embutidos nas operações de crédito
externo para tomadores privados” (Biasoto Jr, 1992:132).
Na expectativa de facilitar e dar mais segurança às captações externas foi criado
em 1974, por meio da circular número 230, o mecanismo de Depósito Registrados em
Moeda Estrangeira (DRME). De acordo com tal instrumento, os recursos captados no
exterior pelos agentes bancários nacionais e que ainda não tivessem tomadores finais no
país poderiam ficar depositados no Banco Central. A instituição monetária nacional ficaria
responsabilizada, enquanto o dinheiro permanecesse depositado, por arcar com os
91
Davidoff Cruz, 1999; Biasoto Jr, 1992.
110
custos do capital. Para ampliar ainda mais a quantidade recursos tomados externamente,
essa prerrogativa foi estendida aos tomadores diretos de empréstimos
92
, ou seja, o
tomador poderia fazer um depósito do contra-valor em Cruzeiros no Banco Central
equivalente ao que fora contratado internacionalmente.
Ambas as prerrogativas concedidas pelo Banco Central funcionaram durante a
década de setenta, juntamente com a utilização das empresas estatais, como forma de
incentivar e ampliar a captação de recursos externos, além de prover segurança aos
tomadores de recursos externos, uma vez que não havia grandes variações cambiais no
país, assim como as taxas de juros internacionais permaneciam constantes. Entretanto, a
partir de 1979, a DRME passou a transferir grande parte dos encargos do endividamento
externo para o Banco Central. E durante o período da crise do endividamento, as
facilidades disponibilizadas pelo Banco Central passaram a ser utilizadas com enorme
freqüência. Diante da expectativa de grandes variações cambiais como as ocorridas em
1979 e 1983 as duas maxidesvalorizações os tomadores de empréstimos utilizaram
das prerrogativas dadas pelo Banco Central para transferir para o próprio Banco suas
dívidas em dólares
93
.
92
Os empréstimos contratados durante esse período e que gozavam dos privilégios concedidos
pelo Banco Central se inseriam nas regras de captação reguladas pela Lei 4.131, para a captação
direta de empresas privadas e públicas. E pela Resolução no. 63, a qual concedia o direito de
repasse de recursos captados internacionalmente, via instituições financeiras sediadas no Brasil, à
terceiros.
93
Se durante a década de 70 as novas captações de empréstimos concentravam-se
crescentemente nas entidades do setor público, em especial nas empresas estatais, nos anos 80
foi o próprio Banco Central que se viu cada vez mais envolvido no processo. Com ao advento
desses depósitos, o Banco Central passou a ser o depositário de grande volume de recursos, tanto
ingressos novos como financiamentos de amortizações, que eram recursos novos apenas do ponto
de vista formal” (Biasoto Jr, 1992:122).
111
4.2. Alguns Resultados: comércio exterior e endividamento externo
O período do governo do Presidente Geisel marcou definitivamente a economia
brasileira. Por um lado o país assistiu à continuação dos projetos desenvolvimentistas que
impulsionaram uma re-adequação da matriz produtiva nacional, dadas as transformações
sistêmicas da ordem capitalista. Por outro, o Brasil quadruplicou seu endividamento
externo, tornando a economia brasileira mais vulnerável a oscilações internacionais. A
contratação desses recursos atrelados a juros flutuantes, indexados à LIBOR e PRIME
RATE, passou a onerar sensivelmente a conta financeira do balanço de pagamentos do
Brasil, especialmente no que se refere aos pagamentos dos serviços da dívida. Em 1978
o Brasil desembolsava mais de US$ 4 bilhões, o que representava quase um terço dos
recursos provenientes das exportações do país, como pode ser visualizado na tabela 9.
Apesar da administração do endividamento nesse período, as transformações
subseqüentes que acometeriam as relações financeiras mundiais demonstrariam essa
vulnerabilidade. O período que se inicia ao final do ano de 1979 e que se estenderia até
meados dos anos oitenta seria responsável pelo desenvolvimento da crise definitiva da
economia brasileira e o peso do endividamento externo fora, de todo modo, um dos
fatores fundamentais.
“A análise do endividamento externo da economia brasileira leva a
concluir pela crescente fragilidade da situação externa do país após
1974, mormente na sua dimensão financeira. Além do crescimento
acelerado da dívida, a deterioração é visível também na piora do seu
perfil com o crescimento das parcelas contratadas a juros flutuantes ou a
curtíssimo prazo. Após o Segundo choque de juros, em 1979, a
vulnerabilidade externa se estabelece de maneira definitiva” (Carneiro,
2002:96)
O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento tinha nas suas metas, como
aferido nos discursos de autoridades governamentais, o objetivo de transformação na
112
estrutura do comércio exterior do país. Buscava-se amenizar as relações de troca do
Brasil com o resto do mundo através da definitiva ascensão do país à condição de
potência industrial. Entende-se com isso a minimização do peso das importações,
principalmente, de matérias-primas, bens de capital e bens supérfluos
94
; a ampliação da
produção doméstica de energia, incluindo petróleo e derivados e fontes alternativas
95
;
aumento da produção de bens manufaturados, para abastecer o mercado interno e dar
competitividade às exportações brasileiras com bens de alto valor agregado. Ou seja,
tinha-se o objetivo de dar continuidade aos processos clássicos de substituição de
importações e, simultaneamente, operar um processo substitutivo das exportações
brasileiras (Silva, 2003).
A transformação na pauta de exportações brasileira, componente fundamental da
estratégia do governo, alcançou marcas significativas, como se pode perceber na tabela 5
e no gráfico 3. A participação de bens industrializados na pauta de exportações alcançou
a de bens primários em 1978 mantendo o crescimento continuamente, tanto no que se
refere ao volume exportado, como na sua participação relativa no montante exportado. A
busca pela ampliação das exportações brasileiras durante o governo Geisel se revestiu de
várias estratégias, algumas direcionadas à economia doméstica e outras mais específicas
das relações comerciais e diplomáticas. A transformação da matriz produtiva, por um
lado, combinada com uma estratégia política internacional condizente, por outro, seriam
responsáveis pelas superações das dificuldades financeiras internacionais vivenciadas
pelo país no período em questão.
94
É pertinente lembrar que a importação de bens de capital e matérias-primas essenciais não
sofreram alterações. Outra característica do controle às importações está relacionada à negativa,
por parte do governo, em tomar medidas mais drásticas, especialmente no que se refere à
desvalorização cambial.
95
A construção de Itaipu se insere na política de renovação das fontes energéticas brasileiras e
diminuição da dependência diante do petróleo. Assim como participou da estratégia brasileira de
maior aproximação com vizinhos do cone-sul
113
“Foi uma fase marcada pela resposta positiva do país aos desafios da
crise do petróleo, mas cujos custos foram o retorno da inflação como
fantasma a assombrar a política de crescimento, a acumulação da dívida
externa que iria condicionar a política econômica brasileira nos anos 80,
bem como a desestruturação do setor público brasileiro, tanto do ponto
de vista de sua capacidade financeira como de seu papel estratégico na
superação das restrições ao crescimento da economia na década
seguinte” (Carneiro, 1990:297).
O que se pode afirmar é que o setor externo desempenhou papel determinante na
condução da política econômica nacional durante a década de setenta. O financiamento
externo do suposto “desenvolvimento emancipatório” do Brasil, conduzido dentro de um
limite aceitável de déficit no balanço de pagamentos em alguns momentos, amenizara as
deficiências de financiamento interno do país. Por sua vez, a produção de bens de capital
e intermediários, assim como os incentivos à produção de energia, aliados a controles
seletivos de importações, assegurariam a estabilidade na balança comercial do país. A
política externa do governo Geisel também foi conduzida dentro das condições externas
específicas do momento e se direcionou a superar os constrangimentos políticos à
execução dos interesses econômicos do país. A diversificação das relações exteriores,
dando alento a interesses comerciais com a abertura de novos mercados aos produtos
brasileiros; a condução do acordo nuclear com a Alemanha; e as querelas com os
Estados Unidos no que se refere às imposições de medidas protecionistas contra
produtos brasileiros são alguns exemplos das estratégias da diplomacia brasileira durante
o governo Geisel.
O peso do endividamento externo contratado durante a década de setenta, que se
expandiria para dar conta dos altos valores pagos em juros e amortizações, ampliaria a
vulnerabilidade do país a choques externos. O final da década de setenta, como
buscamos demonstrar no capítulo 2, ainda reservaria algumas surpresas para os países
em desenvolvimento e os primeiros anos da década seguinte marcariam a detonação de
uma crise dramática para esses países, em especial os latino-americanos. O Brasil,
114
apesar dos investimentos produtivos realizados durante a década de setenta e os altos
níveis de crescimento, seria abalado pela crise do endividamento.
Tabela 9
Balanço de Pagamentos do Brasil (1973 - 1979) em US$ milhões.
Contas do Balanço de Pagamentos 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979
TRANSAÇÕES CORRENTES: -2085 -7504 -6999 -6426 -4826 -6983 -10708
1. BALANÇA COMERCIAL 7 -4690 -3540 -2255 97 -1024 -2839
Exportações 6199 7951 8870 10128 12120 12859 15244
Importações -6192 -12641 -12210 -12383 -12023 -13883 -18084
2. SERVIÇOS E RENDAS -2119 -2814 -3461 -4172 -4923 -6030 -7880
Serviços (fretes, viagens, etc...) -1027 -1541 -1451 -1589 -1500 -1770 -2320
Rendas (juros, lucros, etc...) -1093 -1274 -2010 -2583 -3423 -4261 -5580
3. TRANSFERÊNCIAS UNILATERAIS 27 1 2 1 0 71 11
CONTA DE CAPITAL E FINANCEIRA: 4111 6531 6374 8499 6151 11884 7624
Investimento Estrangeiro Direto 1146 1154 1095 1219 1685 2056 2210
Investimento em Carteira 261 140 96 419 720 929 840
Empréstimos (curto e longo prazo) 2410 5432 5381 5817 4011 8827 6107
Emprest. Regularização (FMI e outros) 0 0 0 0 0 0 0
Demais operações 292 -195 -198 1044 -285 73 -1333
4. ERROS E OMISSÕES 355 -68 -439 615 -611 -639 -130
5. SUPERÁVIT (+) OU DÉFICIT (-) 2380 -1041 -1064 2588 714 4262 -3215
In. Giambiagi, 2005.
115
116
CAPÍTULO V. A CRISE DA VIDA BRASILEIRA: RENEGOCIAÇÃO,
CONDICIONALIDADES E AS RELAÇÕES COM O FMI E BANCO MUNDIAL.
Na virada dos anos de 1982 e 1983 o Brasil se deparou com uma crise de
pagamentos sem precedentes após o fechamento do sistema financeiro privado de
crédito. A deterioração das contas externas desencadeada e acelerada a partir dos
choques de 1979 e a queda vertiginosa dos níveis de reservas internacionais do país
marcaram uma virada nas relações do Brasil com as instituições do sistema financeiro
internacional. Nos meses entre a crise mexicana e os primeiros dias do ano de 1983 o
governo brasileiro abriria negociações com os seus principais credores, visando uma
renegociação dos compromissos para o ano seguinte; iniciaria conversações com o
Fundo Monetário Internacional e realizaria um empréstimo-ponte através de um acordo
emergencial com o Tesouro americano, um grupo de bancos privados e BIS; e, em
seguida, formalizaria um acordo de financiamento ampliado com o FMI, emitindo sua
primeira carta de intenções em 06 de janeiro de 1983. A partir desse momento, o Fundo
Monetário Internacional e os principais bancos credores do Brasil passariam a
desempenhar papel determinante na condução das negociações da dívida externa
brasileira e na elaboração e implementação de políticas econômicas pelo governo do
Brasil.
Esses três atores governo brasileiro, FMI e Bancos Credores e em
determinados momentos os principais governos credores, através do Clube de Paris
96
,
passariam a se relacionar e se confrontar em negociações tortuosas sobre a política
96
O Clube de Paris é uma instituição informal não possui existência jurídica reconhecida que
reúne um grupo de países credores, na maior parte das vezes da OCDE, com a finalidade de
renegociar a dívida governamental de países em dificuldades financeiras. A mais importante
condição para um país pleitear negociação de sua dívida externa perante o Clube é a adoção de
um programa de estabilização com o FMI. Com isso, os países credores livram-se dos encargos de
supervisionar o desempenho econômico do país devedor, com o conseqüente ônus político (Banco
Central do Brasil, 2003).
117
econômica a ser seguida pelo Brasil e sobre a condução das negociações sobre a vida
externa brasileira. Esse processo se manteria de forma inconstante até que a
deterioração das contas externas brasileiras e novamente dos níveis de reservas, em fins
de 1986, levasse à suspensão em fevereiro de 1987 dos pagamentos de juros e
amortizações da vida brasileira para com os bancos comerciais. O Banco Mundial,
apesar de não desempenhar papel central na condução da renegociação da dívida e na
condução da política econômica brasileira nesse momento teve papel significativo no
financiamento das contas externas do país num momento de escassez generalizadas de
divisas.
Dos choques do petróleo e juros em 1979 à moratória de 1987 o governo brasileiro
adotou estratégias variadas para lidar com o problema da dívida externa. Desde os
primeiros meses do governo de João Batista Figueiredo (03/1979) o Brasil experimentou
variadas políticas para controlar o déficit nas contas externas e o surto inflacionário, até a
consolidação da ortodoxia e do controle da demanda com a assinatura do acordo com
FMI. A melhoria na situação das contas externas do Brasil em 1984, alavancada pelo
resultado positivo da balança comercial, a impossibilidade de controle dos níveis
inflacionários aos moldes tratados pelo governo militar e FMI e a entrada do novo governo
civil alteraram a forma do Brasil lidar com as instituições financeiras internacionais e a
forma de conduzir a política econômica do país.
A transição política teria dado novo ânimo ao governo, que passara a assumir uma
postura voltada à sustentação de políticas de desenvolvimento e crescimento. Entretanto,
o fracasso da tentativa de solidificação dos bons resultados das contas externas e de
controle da inflação com a implementação do Plano Cruzado e o discurso governamental
voltado para a superação dos entraves ao crescimento econômico acabariam levando ao
endurecimento das negociações com seus credores externos. Os desequilíbrios
econômicos domésticos e externos acabariam levando à moratória soberana de 1987.
118
Nesse capítulo busca-se apresentar esse teatro de negociações envolvendo os
governos de Figueiredo e José Ribamar de Araújo Costa – José Sarney – e as instituições
financeiras internacionais. Destaque maior será dado às grandes questões envolvendo a
problemática da crise da vida, das condicionalidades impostas pelo FMI para a
implementação das políticas econômicas pelo governo brasileiro e ao papel
desempenhado pelo Banco Mundial. Em relação ao Banco Mundial, buscar-se-á destacar
o seu papel como agente financiador das contas externas do Brasil além de incipiente
no caso específico brasileiro orquestrador de políticas econômicas e reformas liberais,
através de acordos de financiamento setoriais atrelados à condicionalidades
extremamente liberalizantes.
O capítulo não se dividirá exatamente nos marcos de sucessão presidencial,
apesar da coincidência (não aleatória) da saída do regime militar e entrada do governo
civil com transformações nas concepções e práticas relacionadas com a problemática da
renegociação da dívida. Os pontos de inflexão ocasionados pelas mudanças políticas e
de política econômica no Brasil serão salientados, mas o próprio foco central desse
trabalho conduz a uma leitura mais atenta à condução global e mais abrangente da
participação de FMI e Banco Mundial no processo de negociação da dívida externa
brasileira, financiamento e imposição de políticas econômicas ao país.
Inicialmente apresentaremos os impactos da crise de finais dos anos setenta na
economia brasileira e as tentativas de política econômica implementadas pela equipe de
Figueiredo: da tentativa fracassa de ajuste heterodoxo até o ajuste ortodoxo voluntário
implementado (e sentido nos níveis de crescimento) no período 1981-82. Na seção
seguinte buscaremos percorrer as principais questões referentes à formalização e
implementação do programa de estabilização imposto pelo Fundo Monetário Internacional
como condição para a renegociação da dívida com os bancos credores e Clube de Paris,
assim como apresentar o papel desempenhado pelo Banco Mundial como agente
119
financiador e proto-reformador das estruturas políticas e econômicas do Brasil.
Posteriormente buscaremos tratar das mudanças operadas na relação do Brasil com as
instituições financeiras internacionais com a entrada do novo governo civil, suas
ambigüidades e contradições internas e os principais fatores detonadores da moratória de
fevereiro de 1987. Ao final, na última seção do capítulo, trataremos mais da questão mais
específica da crise do desenvolvimento brasileiro, dando maiores atenções à problemática
da transferência de recursos ao exterior e ao incipiente processo de reestruturação da
economia brasileira.
5.1. Da Experiência Heterodoxa ao Ajuste Voluntário, 1979-80 e 1981-82.
Como retratado no segundo capítulo da dissertação, os choques de 1979, a
política do dólar forte implementada nos anos Reagan e a desaceleração das grandes
economias refletiram diretamente nos números globais da economia brasileira, assim
como impuseram novas restrições à condução da política econômica do novo governo,
que ascendia ao poder num momento político conturbado. A elevação das contas
petróleo e juros com a segunda crise de preços e ascensão dos juros contratados
impactou diretamente o balanço de pagamentos do Brasil e o processo de enxugamento
da liquidez global, juntamente com o aumento das desconfianças da comunidade
financeira internacional, passariam a condicionar direta e determinantemente as opções
políticas da equipe econômica do governo
97
. Como afirmaram Dionísio Carneiro e
Eduardo Modiano, do final de 1980 a meados de 1984, as linhas gerais da política
macroeconômica passaram a ser ditadas pela disponibilidade de financiamento
externo” (1990: 323).
97
Sobre os custos com importação de petróleo e aumento dos juros internacionais sugerimos voltar
ao gráfico 4 e tabela 3.
120
João Baptista Figueiredo assume então a Presidência da República num período
de crise econômica mundial e teria simultaneamente que lidar com um processo de
transição política extremamente desgastante para a decadente legitimidade e
autoridade do regime militar. Nesse momento, os campos de ação econômica, política e
social novamente se influenciavam mutuamente e incidiam sobre as decisões políticas e
de política econômica do governo. Da mesma maneira como os assassinatos políticos do
jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho dentro de quartéis militares
impactavam as relações políticas e sociais nos anos Geisel, as macro-transformações no
sistema financeiro mundial, as políticas protecionistas norte-americanas e o processo de
transição para a democracia, refletiam nas decisões tomadas por Figueiredo dentro do
Palácio da Alvorada.
nos primeiros momentos do novo governo, em 1979, fora aprovada a lei de
anistia que permitira o retorno ao Brasil de políticos, ativistas e intelectuais e/ou artistas
perseguidos, expulsos ou que fugiram do país durante os anos de maior intensidade das
restrições políticas e da censura. Nesse mesmo ano, fora implementada uma reforma
partidária estabelecendo o fim do bipartidarismo compulsório. A re-emergência do
multipartidarismo na política nacional implicara um avanço controlado dos esforços de
democratização, que, juntamente com o retorno de figuras políticas importantes ao país,
sustentou um novo ânimo à oposição. Entretanto, a multipartidarização funcionaria
também como uma estratégia dos governistas para dividir a oposição e impedir unificação
das forças de oposição através da votação em conjunto na sigla que abarcava a
totalidade da heterogênea oposição, o MDB. O ARENA, partido dos militares, acabaria se
convertendo em PDS; O MDB, partido que dividia a disputa partidária com os políticos
castristas incluiria em seu nome o termo partido, tornado-se o PMDB; foram criados
também o PDT, sob a liderança de Leonel Brizola; o PT que emergira dos movimentos
121
trabalhistas e grevistas do ABC paulista; O PTB; e o PP, constituído por um grupo
dissidente do PMDB
98
.
Pelo lado estritamente econômico, os primeiros anos do governo foram
caracterizados pela indecisão dos agentes políticos. Orquestrou-se inicialmente um ajuste
recessivo sob a tutela do Ministro do Planejamento Mário Henrique Simonsen, que tinha o
objetivo de estabilizar as contas externas do Brasil diminuindo a queima de reservas, e de
gerar um superávit comercial para o ano de 1981
99
. O programa consistia basicamente
numa desaceleração da economia brasileira através de um ajuste recessivo clássico.
Com a adoção de medidas políticas em diversas áreas buscar-se-ia, basicamente,
diminuir os níveis de crescimento e incentivar a superação dos desbalanceamentos
externos. As principais medidas se concentrariam na diminuição da demanda interna e
minimização dos déficits públicos, através da: a) ampliação das restrições à oferta de
moeda, controle dos gastos públicos e do endividamento externo, em especial das
empresas estatais
100
; b) retirada gradual dos subsídios às exportações; c) aceleração das
minidesvalorizações cambiais, existentes, como forma de compensar as perdas de
grupos exportadores; d) liberalização gradual das restrições às importações (Ministério do
Interior do Brasil, 1979; Fishlow, 1986; Bacha e Malan, 1988).
As medidas acima condensadas tinham o propósito de impor uma razoável
desaceleração econômica com efeitos diretos nos níveis de importação e exportação,
assim como, através do controle da oferta de moeda e do estímulo gradual das
importações, frearem a aceleração da inflação. Obviamente recessiva, as medidas do
plano de Simonsen sofreram ataques de quase todos os setores sociais e políticos do
98
Dada a proibição de formação de coligações partidárias nas eleições de iriam ocorrer em 1982, o
PP fundiu-se novamente ao PMDB, tornando-se partido oficial novamente, após o termino do
governo militar.
99
Os objetivos do Plano Simonsen foram delineados no III PND apresentado no ano de 1979.
100
Como salientado anteriormente, as empresas estatais constituíram-se como instrumento
fundamental da estratégia brasileira de captação de recursos externamente.
122
Brasil: trabalhadores, banqueiros, empresários e grupos políticos ligados ao governo. A
deterioração das relações econômicas internacionais e contínua elevação dos preços do
petróleo, que refletiam nos níveis de inflação doméstica, aliadas à impopularidade das
políticas adotadas e pretendidas estimularam a substituição de Simonsen e o abandono
prematuro do III PND.
Em agosto de 1979 Simonsen foi substituído da pasta do Planejamento por
Antônio Delfim Netto, que chefiava no momento o Ministério da Agricultura e tinha sido
responsável durante o governo Médici pela implementação do programa de crescimento
do período do “milagre econômico”. Ao assumir a chefia da equipe econômica em meados
do ano, Delfim Netto implementou uma política econômica de corte heterodoxo com a
revisão do III Plano de Desenvolvimento e adoção de uma série de medidas: o “pacote de
dezembro”. O Ministro passaria a ser também o responsável pelas negociações
relacionadas a divida externa brasileira.
Extremamente otimista, mesmo se não analisado no contexto em que fora
proposto de crise internacional generalizada, buscava-se um acerto nas contas externas
através da promoção de um surto exportador e da continuidade da captação externa. O
discurso de Delfim Netto citado abaixo exprime esse sentimento.
“Senhores, preparem seus arados e suas máquinas: nós vamos crescer
(...) nós temos que pôr fim nesta mania de ficarmos enrustidos dentro das
dificuldades, apresentando-as como desculpas para todos os problemas.
Precisamos encarar as coisas com um espírito diferente: temos que
produzir mais alimentos, mais manufaturados. Temos que dar emprego
para todos a fim de se esvaziarem as tensões sociais (...) nós vamos
crescer aceleradamente ao mesmo tempo em que conseguiremos
equilíbrio em nosso balanço de pagamentos e taxas de inflação
decrescente” (Delfim Netto apud Davidoff Cruz, 1999: 85)
Com o objetivo de ampliar as exportações, por um lado, e controlar a inflação, por
outro, o governo decretou a maxidesvalorização de 30% do Cruzeiro ainda em dezembro
123
de 1979 e buscou através do controle do crédito, ampliação da produção agrícola e de
energia assegurar os níveis inflacionários. Apesar do crescimento expressivo das
exportações no ano de 1980 (que de US$ 15 bilhões no ano anterior alcançou a marca
dos US$ 20 bilhões), os programas da política de Delfim Netto tiveram resultados
perversos, em especial no que se refere ao galope inflacionário que pela primeira vez
desde o pós-guerra alcançou a marca de três dígitos no ano de 1980
101
e ao aumento
da vulnerabilidade externa. As necessidades de financiamento se mantiveram elevadas e
não puderam ser contra-arrefecidas com a elevação das exportações
102
, impondo ao país
a necessidade de ampliar a captação externa num cenário de elevação do preço do
capital
103
(juros e spreads cada vez mais elevados). O governo terminou o ano de 1980
precisando de US$ 3 bilhões para fechar as contas do balanço de pagamentos, o que fez
ampliar o endividamento de curto prazo e a queda vertiginosa das reservas internacionais
depositadas no Banco Central.
“A insuficiência de recursos para fechar o balanço de pagamentos reflete
não a deterioração em geral das condições do crédito internacional
ocorridas no período, como, principalmente, a pressão exercida pelos
credores externos contra a política econômica heterodoxa posta em
prática pelo governo brasileiro desde meados de 1979 e considerada
agravadora dos desequilíbrios externos. Como conseqüência o
fechamento das contas pode ser realizado mediante a queima de
reservas internacionais e mediante a contratação de empréstimos de
curto prazo e de custos ainda mais elevados do que aqueles
prevalecentes no mercado internacional.” (Davidoff Cruz, 1999:32)
101
A maxidesvalorização de 12/1983 impactou diretamente o nível inflacionário. De uma inflação de
40,8 e 77,2% em 1978 e 1979, o ano de 1980 alcançou a casa de 110,2%.
102
Dado também que as importações ampliaram-se em proporção semelhante.
103
O setor público através do Banco Central e das empresas estatais que se colocava como
maior responsável pelo endividamento externo teve de ampliar ainda mais sua participação. A
desconfiança do setor privado nacional em relação à situação externa direcionaram-no à
minimização da utilização do endividamento, mesmo com as resoluções 432 e 230 do Banco
Central que permitiam aos tomadores privados realizar depósitos do contravalor em cruzeiros da
dívida externa no Banco Central, que se responsabilizaria pelos encargos financeiros.
124
A partir de meados de 1980 a situação econômica do país se deteriorava
sensivelmente. O déficit em transações correntes da ordem de US$ 13 bilhões ao final do
ano, as dificuldades crescentes de sustentar os níveis de financiamento externo e queda
das reservas impuseram uma mudança no direcionamento da política econômica de
Delfim Netto no sentido de contrair a produção e estimular a poupança interna, também
retratada no discurso do Ministro.
“Estamos vivendo um momento em que realmente é necessário aumentar
o nível de poupança interna. É muito simples: durante os últimos cinco,
seis anos, pudemos contar com volumes crescentes de poupança
externa. A atual situação do mercado financeiro mostra que não se pode
mais contar com esses recursos crescentes. Como é imperioso que
continuemos a crescer, existe uma saída: é realmente estimular a
poupança interna” (Delfim Netto apud Davidoff Cruz, 1999:107)
Tem-se a partir do final de 1980 a elaboração e implementação no Brasil de uma
política de ajuste ortodoxo, fortemente voltada para contração do crescimento que se
estenderia até o final do ano de 1984 e de correção de desequilíbrios decorrentes da
estratégia de 1979-80. O ano de 1981 acabaria sendo um marco na história econômica do
país, pois pela primeira vez, desde o pós-guerra, o país sofreria um decréscimo no PIB,
alcançando a ordem - 4,3%. A partir desse momento o Brasil aceitaria e implementaria o
receituário recessivo ortodoxo, inicialmente sem a presença do Fundo Monetário
Internacional. O período entre o final de 1980 e o final de 1982 foi marcado pela tentativa
de ajuste das contas externas do Brasil, que, por sua vez, teria resultados desastrosos e
resultaria no período mais crítico da história econômica do país, de estagnação dos
números de crescimento, deterioração do valor de compra do salário, encolhimento dos
gastos sociais e etc.
A política implementada a partir de 1981 objetivava restringir o crescimento
econômico através da contração da expansão do crédito e da demanda e incentivar as
exportações. Foram adotadas políticas monetárias e creditícias restritivas, como a) a
125
elevação das taxas de juros interna na ordem de 40 a 45%, resultando num aperto na
liquidez global; b) diminuição dos gastos públicos em inúmeras áreas, como investimento
produtivo, em infra-estrutura e social; c) implementação de ajustes fiscais e tarifários,
buscando a ampliação da arrecadação com aumento da carga tributária; d) alteração da
lei salarial, impondo perdas relativas do poder de compra dos salários; e) tentativa de
fortalecimento de atividades voltadas para exportação e produção de energia. Os
resultados negativos internamente decréscimo do PIB, declínio dos investimentos
públicos e privados e queda do produto real acabariam impulsionando um superávit
comercial, apesar de extremamente pequeno, no ano de 1981
104
, mas que não
conseguiria amenizar as perdas de reservas relacionadas à diminuição dos recursos
disponibilizados internacionalmente.
O aumento da dívida externa a partir de 1979 (de US$ 55,8 bilhões chegara a US$
85,5 bilhões no ano de 1982, como apresentado na tabela 10) estaria relacionado
essencialmente à rolagem dos juros da dívida contraída em períodos anteriores, mas,
fundamentalmente, ao endividamento de curto prazo e à taxas de custo elevadíssimas do
período 1979-80 (Carneiro e Modiano, 1990; Castro e Souza, 1984; Cardoso e Fishlow,
1989). O comprometimento do país com o pagamento de juros passou a onerar
demasiadamente as contas externas brasileiras como se pode aferir na tabela 11. O
pagamento de juros no ano de 1982 alcançou a marca de US$ 11,3 bilhões, o que
representaria mais de 50% do valor das exportações do país
104
Como se buscou argumentar no capítulo anterior e pretende-se aprofundar o tema nas seções
seguintes, o superávit de 1981 e a melhora na balança comercial brasileira não estariam
determinantemente relacionados às políticas recessivas do período 1981-84, mas à transformação
produtiva desencadeada na década anterior.
126
Tabela 10
Dívida externa e Solvência brasileira (1979-1987). Em US$ milhões
1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987
Dívida Externa Bruta 55.803 64.259 73.963 85.487 93.745 102.127 105.171 111.203 121.186
Reservas Internacionais 9.689 6.913 7.507 3.994 4.563 11.995 11.608 6.760 7.458
Dívida Externa Líquida 46.114 57.346 66.456 81.493 89.182 90.132 93.563 104.443 113.730
Div.Exter Liq/Exportação 3,03 2,85 2,85 4,04 4,07 3,34 3,65 4,66 4,34
In. Giambiagi, 2005
A situação de debilidade das contas externas, em especial de queda vertiginosa
dos níveis de reservas, alcançaria ponto crítico nos últimos meses de 1982 com as
maiores restrições financeiras internacionais e o aumento do valor pago com o serviço da
dívida. A crise definitiva do sistema financeiro privado internacional se daria em agosto de
1982, com o anúncio da moratória mexicana. No mês seguinte, que ficaria conhecido
como “setembro negro”, os bancos comerciais se fecharam definitivamente aos países
subdesenvolvidos numa resposta auto-defensiva em relação aos riscos deflagrados com
a iniciativa mexicana
105
. A crise do mercado financeiro privado se dera em decorrência de
uma série de fatores e fatos sucessivos, dentre os quais: a instabilidade política no oriente
médio, com efeitos diretos no mercado financeiro e no comércio de petróleo; a insolvência
da Polônia; as dificuldades de grandes empresas alemãs, canadenses e americanas; a
Guerra das Malvinas no Atlântico; e, com efeito de estopim, a moratória do México, em
agosto de 1982
106
.
O fechamento do sistema privado de crédito, frente à instabilidade financeira
global, passaria a demandar uma série de novas ações na esfera política internacional
nas instituições e mecanismos de governança das relações financeiras e por parte dos
105
Com essa iniciativa, o governo mexicano recebeu um pacote de ajuda norte-americano, com a
intenção de normalizar a relação do país com o sistema financeiro evitando uma extrapolação dos
efeitos da crise mexicana.
106
Essa cronologia da emergência da crise está baseada na leitura de parte significativa das
referências citadas ao longo do texto e contidas na seção final da dissertação: “referências
bibliográficas”.
127
países que caminhavam rumo ao default. Na reunião conjunta do Fundo Monetário
Internacional e Banco Mundial, realizada em setembro de 1982 na cidade de Toronto,
dois seriam os resultados aferidos. O primeiro, pouco proveitoso para as economias
endividadas, foi a baixa preocupação das instituições financeiras multilaterais e dos
principais países frente ao cenário financeiro mundial. Os países latino-americanos e o
governo brasileiro, representado pelo Presidente do Banco Central do Brasil Geraldo
Langoni, esperavam uma ampla participação das agências financeiras privadas e do
Tesouro norte-americano na condução de uma solução abrangente e definitiva para a
crise do sistema de crédito privado, com o aporte emergencial de vultosos recursos até a
normalização das relações financeiras mundiais. O segundo resultado, menos
interessante ainda, foi a criação de uma comissão composta, além das instituições
financeiras multilaterais, por Bancos Centrais de países desenvolvidos e bancos privados,
que interpretaram a crise como uma crise de liquidez passageira e rapidamente
contornável. Do objetivo inicial dos países endividados, como relatado no documento do
Banco Central brasileiro de 2003, de criação de um Fundo de Emergência abastecido
com US$ 25 bilhões para ajuda e normalização, a reunião terminou como um insucesso
categórico dos países em desenvolvimento e altamente endividados de se articularem e
alcançarem termos negociais favoráveis (Biasoto Jr, 1992; Belluzzo, Almeida e Biasoto Jr,
1991; Davidoff Cruz, 1999).
O Brasil nesse momento buscou articular uma estratégia de mão-dupla. Por um
lado, retoricamente, buscou enfatizar o discurso existente que tentava distanciar o país
da situação crítica vivenciada na região, afirmando as diferenças estruturais da economia
brasileira. Esse discurso baseava-se essencialmente na dinamicidade da economia
brasileira, na eficiência do comércio exterior que mantinha níveis crescentes de
exportações inclusive com participação maciça de bens manufaturados na pauta e em
uma política estável e coerente de minidesvalorizações cambiais. O entendimento do
128
governo brasileiro acerca da crise coincidia com os resultados da Reunião de Toronto:
crise de liquidez passageira e normalizável sem a necessidade de se recorrer a políticas
de reescalonamento mais severas. Dessa forma, e contando com aceitação internacional
do discurso governamental, a equipe econômica brasileira buscou evitar o
reescalonamento do passivo atrelado a um acordo de estabilização com o Fundo
Monetário Internacional, na expectativa de continuar operando no mercado de crédito
privado até a solução da crise. As políticas de ajuste implementadas no Brasil a partir de
1981 coincidiam com o receituário do Fundo quando da implementação de programas de
ajuste sob sua tutela. Além disso, o pagamento normalizado dos juros e spreads devidos,
altamente elevados, constituía, na concepção do governo, um atrativo da economia
brasileira. A possibilidade do país de honrar seus compromissos na situação em que se
encontrava correspondia às prerrogativas defendidas pela comunidade financeira
internacional, ou seja, o pagamento integral e sem alívio do que fora contratado, assim
como demonstraria o vigor da economia brasileira e a competência da equipe responsável
por sua gestão.
As palavras do Presidente do Banco Central na ocasião retratam essa visão
otimista e quase ufanista do governo brasileiro diante da periclitante situação econômica
mundial.
“Um setor de exportação dinâmico e diversificado, uma política cambial
realista e flexível e a garantia representada pela ênfase em empréstimos
de longo prazo, conferem ao Brasil graus de liberdade adicionais no
processo de ajustamento da economia ao novo conjunto de restrições
impostas pela crise mundial” (Langoni apud Belluzzo, Almeida e Biasoto
Jr, 1991:49)
A segunda mão ou o segundo caminho tentado pelo Brasil durante a Reunião de
Toronto condizia com a primeira estratégia, mas dava pistas de qual seria a estratégia
emergencial do país. Nesse momento, o país iniciou conversações com técnicos do FMI e
129
com os principais bancos credores com o intuito de evitar o reescalonamento e ampliar a
participação do Brasil no quase totalmente paralisado mercado de financeiro
internacional. Através de suas credenciais citadas, o governo esperava adiar ao
máximo a necessidade de recorrer ao Fundo para operar uma reestruturação de suas
dívidas frente aos bancos comerciais.
Uma questão de natureza política doméstica influenciava de forma significativa as
ações internacionais do país. As conversações com o FMI, mantidas de forma sigilosa, e
as negociações para aprovação de um acordo emergencial para o fechamento das contas
do ano de 1982 não poderiam reverberar em maiores desconfianças relacionadas à
capacidade política e administrativa da equipe do governo Figueiredo. As eleições de
novembro de 1982, que elegeriam governadores e comporiam o Colégio Eleitoral que
determinaria o próximo presidente da república, não poderiam ser contaminadas pelos
rumos das negociações internacionais, muito menos ter atrelado o governo militar a uma
instituição financeira notoriamente reconhecida e mal-vista pela introdução de políticas de
corte recessivo.
A gravidade da situação externa brasileira, acentuada ainda mais no último
trimestre de 1982 com a ampliação das necessidades de financiamento das contas
externas e praticamente desaparecimento das reservas, levaria o país à quase
bancarrota
107
. Basta dizer que, frente à paralisação dos empréstimos à América Latina,
fruto da regionalização dos problemas enfrentados com os créditos concedidos a
Argentina e México, produziu-se um déficit de US$ 8,8 bilhões no Balanço de
Pagamentos. Isto mesmo numa situação de balança comercial superavitária” (Belluzzo;
Almeida; Biasoto Jr, 1991:46). O déficit em transações correntes superior a US$ 16
bilhões ao final, como exposto na tabela 11 era composto em quase 70% por pagamento
107
Paulo Nogueira Baptista Jr (1983) apresenta de forma detalhada os rumos das reservas do país
no final de 1982, assim como aponta as divergências metodológicas na aferição do Banco Central
da capacidade de pagamentos internacionais do Brasil, que resultava numa visão ainda destorcida
(otimista) da realidade financeira do país.
130
de juros (US$ 11 bilhões), valor referente a quase 50% das exportações do país. Diante
de tal cenário, o governo acabaria forçado a anunciar, três dias após as eleições de
novembro, a realização de um acordo com o Fundo Monetário Internacional para a
reestruturação da dívida brasileira. Concomitantemente o governo aprovava o Programa
para o Setor Externo em 1983
108
que seria o documento base para as negociações com o
Fundo. Dada a emergência da situação, o Brasil formalizaria antes do término do ano um
acordo emergencial com o FMI que consistia num empréstimo-ponte na ordem de US$ 4
bilhões estruturados da seguinte maneira: US$ 1,5 bilhão seria proveniente do Tesouro
norte-americano a título de antecipação de saque do FMI; US$ 2,3 bilhões dos bancos
comerciais que representaram uma antecipação dos empréstimos contratados por
empresas estatais; US$ 500 milhões com o próprio FMI compensatory financing facility;
e mais US$ 500 milhões emprestados pelo Bank for International Settlements, BIS (Banco
Central, 2003; Belluzzo, Almeida e Biasoto Jr, 1991). A diferença entre o déficit no
balanço de pagamentos, superior o US$ 8 bilhões, e os recursos captados resultou em
queimas de reservas nacionais.
Esses recursos emergenciais cumpririam a função de estabilização de curtíssimo
prazo das contas externas do país. Entretanto, a formalização do acordo e implementação
de um processo de reestruturação da dívida externa com os bancos credores se daria
atrelado à assinatura de Acordo de Estabilização de alta condicionalidade com o FMI: um
Extend Fund Facility com duração prevista de três anos. Na reunião de 20/12/1982,
realizada no Hotel Plaza em Nova York com a participação dos Ministros da Fazenda e do
Planejamento Ernane Galveas e Antônio Delfim Netto, do Presidente do Banco Central,
Geraldo Langoni, e representantes de 125 bancos credores, o Brasil apresentou sua
proposta de financiamento para o ano de 1983. A aprovação da proposta consistia como
108
Extremamente e estrategicamente otimista, o documento previa um balanceamento das contas
externas do país via: aumento de 9% das exportações, redução abrupta, 17%, das importações,
resultando num superávit comercial no ano de 1983 de aproximadamente US$ 6 bilhões.
131
pré-condição fundamental para a implementação do acordo ampliado de reestruturação
da dívida com o FMI e a assinatura dos acordos de financiamento com os bancos
requeria, obrigatoriamente, a conclusão desse acordo com o Fundo. Já com o aval do FMI
e através do envio de um Telex no dia seguinte à comunidade financeira internacional, o
Brasil dava início a uma nova fase no relacionamento com a comunidade financeira
mundial e no tratamento da dívida externa. No Telex estavam estabelecidos o conteúdo e
forma do projeto a ser implementado pelo país e a comunidade financeira internacional
para o ano de 1983 e o seu formato acabaria se estabelecendo como uma espécie de
padrão para as negociações para os anos seguintes
109
.
A partir desse momento, o FMI passaria a desempenhar papel chave na relação
do Brasil com seus credores, assim como passaria a determinar as políticas econômicas
que seriam implementadas pelo governo sob risco de suspensão das parcelas dos
recursos (tranches) disponibilizados pelos bancos credores como estabelecido no acordo
firmando entre o Brasil e a comunidade financeira internacional. As condicionalidades
atreladas ao acordo de financiamento ampliado entre o governo brasileiro e o Fundo
Monetário Internacional comporiam um pacote de medidas de política econômica,
supervisionadas através do estabelecimento de metas, que atrelariam a disponibilidade
de liquidez para o Brasil e a credibilidade externa do país às prescrições do FMI. Essas
questões envolvendo a relação Brasil-FMI-Bancos Credores serão examinadas nas
seções seguintes, assim como o papel desempenhado pelo Banco Mundial como agente
financiador das contas externas do país.
109
O Telex enviado aos bancos credores está em: Banco Central do Brasil. Dívida Externa
Brasileira. Brasília, 2003.
132
Tabela 11:
Brasil: Balanço de Pagamentos (1982-1987) em US milhões:
Item 1982 1983 1984 1985 1986 1987
TRANSAÇÕES CORRENTES
-16311 -6837 45 -241 -5305 -1436
Balança Comercial
780 6470 13089 12486 8304 11172
Exportações
20175 21899 27005 25639 22348 26224
Importações
19395 15429 13916 13153 14044 15052
Serviços (líquido)
-17083 -13415 -13215 -12877 -13695 -12678
Juros
- 11353 -9555 -10203 -9659 -9327 -8792
Outros Serviços
-5730 -3860 -3012 -3218 -4368 -3886
Transferências Unilaterais
-8 108 171 150 86 70
CAPITAIS
7811 4173 6586 660 1620 -746
Investimento Direto (líquido)
991 664 1076 720 -263 531
Brasileiros
-379 -197 -47 -84 -142 -138
Estrangeiros
1370 861 1123 804 -121 669
Reinvestimentos
1556 695 472 543 449 617
Financiamentos
2595 4823 5953 5211 5153 2597
Estrangeiros
3186 4701 5119 4709 4610 2952
Brasileiros
-594 122 834 502 543 -333
Amortizações
-8098 -10061 -7816 -10160 -13126 -13503
Pagas
-8098 -4855 -2160 -2237 -3114 -3105
Refinanciadas (inclui C. de Paris)
- -5206 -5656 -7923 -10012 -10398
Empréstimos em Moeda
10827 8452 7612 4871 9574 9343
Curto Prazo
-788 -1850 -3367 -1880 758 152
Longo Prazo
11615 10302 10979 6751 8816 9191
Novos Ingressos
- 5997 6542 306 203 152
Intercompanhias
- 305 137 306 203 152
Bancos Brasileiros
- 0 0 0 0 0
Bancos Estrangeiros
- 5692 6405 0 0 0
Demais
- 0 0 0 0 0
Refinanciamentos
- 4305 4437 6445 8613 9039
Bancos Brasileiros
- - - 891 1293 1242
Bancos Estrangeiros
- - - 5554 7320 7797
Outros Capitais
-57 -400 -711 -525 -167 -326
ERROS E OMISSÕES
-368 -670 403 -405 56 -805
SUPERÁVIT (+) OU DÉFICT (-)
-8868 -3343 7034 14 -3629 -2987
FINANCIAMENTO
8868 3343 -7034 -14 3629 2987
Haveres a Curto Prazo
4542 24 -7027 457 3836 -1015
133
Obrigações - FMI
4259 776 1796 -63 -613 -1146
Obrigações de Curto Prazo
67 194 498 -408 406 545
Atrasados
- 2340 -2301 - - 4603
Bancos
- 2340 -2301 - - 3428
Clube de Paris
- - - - - 1175
Adaptado de Banco Central do Brasil, 2003.
5.2. Instabilidade, desequilíbrio e a volta do Brasil ao Fundo em 1983.
A crise desencadeada com a moratória mexicana com o fechamento do sistema
de crédito privado implicou a definitiva penúria das contas externas brasileiras e a
queima das reservas nacionais, ambas altamente comprometidas com a crise
desencadeada a partir de 1979. A irreversibilidade do quadro e a intransigência dos
bancos comerciais até finais de 1982 levaria o Brasil a realizar um acordo de
reestruturação da dívida externa e de financiamento com os bancos comerciais. Acordo
esse que se daria atrelado à assinatura de um acordo de estabilização com o FMI e que
passaria a vigorar já nos primeiros dias do ano de 1983.
Durante o biênio 1983-1984, o Brasil aprofundaria seu ajuste recessivo com efeitos
desastrosos para o crescimento da economia e níveis de desenvolvimento sociais, sem
que para o problema do endividamento e da aceleração inflacionária se avistasse no
mínimo uma luz no final do túnel. Antes de prosseguirmos na análise do processo
econômico implementado a partir da assinatura do acordo de estabilização com o FMI e
da reestruturação e financiamento com os bancos privados em 1983, faz-se necessário
apresentar algumas questões relacionadas à dinâmica operacional dos bancos e do
próprio Fundo para sustentar nossa argumentação nas páginas que seguirão.
Tratava-se de obrigação indiscutível e indispensável a assinatura de um programa
de estabilização com o Fundo Monetário Internacional para um país pleitear qualquer
134
negociação de reestruturação da dívida com os bancos comerciais e Clube de Paris.
Nesse período de crise financeira generalizada, a relação de cooperação do Fundo com
as instituições financeiras privadas se apresentou de forma altamente visível. De
instituição voltada a acudir países com problemas de desequilíbrio externo sem que se
precisasse incidir sobre os níveis de crescimento e emprego globais, como previsto nos
artigos de seu acordo de fundação
110
, o FMI passaria a atuar na contra-mão de suas
atribuições através da imposição de políticas recessivas para que os países endividados
pudessem (ou fossem obrigados a) manter o pagamento integral do serviço de suas
dívidas. As condicionalidades impostas nos programas tinham justamente o objetivo de
assegurar a realização dos objetivos macroeconômicos estipulados, que se centravam na
drástica contenção da expansão da economia.
O pagamento integral, o ajuste como obrigação exclusiva
111
dos devedores,
assim com o tratamento caso a caso são três outras características marcantes do modelo
de renegociação e reestruturação econômica dos anos oitenta. O alívio de dívida, prática
recorrente em períodos de crise generalizada, não entrou na agenda de negociações dos
anos oitenta. A imperiosa necessidade de estabelecimento de programas de ajuste nos
países devedores acabaria deprimindo os números econômicos internos e condicionando
as políticas econômicas ao pagamento do devido (Haggard e Kaufman, 1989). É
importante ressaltar que nos anos posteriores a crise da virada da década, uma parte
fundamental dos desequilíbrios externos dos países periféricos estava atrelados ao
cenário econômico-comercial dos anos setenta e oitenta. A estagnação nas grandes
economias e a queda vertiginosa dos níveis de comércio, visualizáveis na tabela 12,
assim como a deterioração dos termos de intercâmbio com a queda dos preços das
110
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Articles of Agreement of the International Monetary
Fund. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/index.htm.
111
O tema da impossibilidade do FMI “obrigar” os países superavitários a expandir seu crescimento
para promover alguma estabilidade nas contas de terceiros (países em déficit crônico) se mostrou
controverso nas reuniões para a constituição da instituição. Buscamos apresentar tal
problemática no capítulo inicial.
135
commodities e aumento da inflação no primeiro mundo tiveram impacto direto nas contas
externas dos países em desenvolvimento. A estagnação acentuada nos países
endividados e os recursos provenientes do desempenho exportador desses países
acabariam resultando num maior abastecimento dos bancos comerciais internacionais,
com a manutenção da transferência de recursos dos países do Sul para as economias do
Norte.
Tabela 12
Indicadores chave da economia mundial (1979-82)
Indicadores
1979 1980 1981 1982
Variação do comércio mundial (volume) 6.5 1.5 0.0 -2.0
Variação do PIB nos países industrializados 3.2 1.3 1 -0.2
Desemprego nos países industrializados 5.0 5.6 6.5 8
Inflação nos países industrializados 7.3 8.8 8.6 7.5
Variação do PIB PEDs* importadores de petróleo 4.2 5.0 2.2 2.0
Fonte: World Bank. World Development Report, 1983.
* Países em desenvolvimento.
O Extend Fund Facility, criado em 1974 com o objetivo de financiar programas de
ajuste estrutural em países deficitários, fora estruturado a partir da concepção de que o
desequilíbrio das contas externas na periferia estaria atrelado às inconsistências das
políticas econômicas implementadas nesses países. Portanto, tratava da implementação
de políticas visando atacar os desequilíbrios internos gerados pela presença e
interferência do Estado na economia. Essa interferência entendida como penosa ao
desenvolvimento e estabilidade se daria através da política monetária, da regulação das
atividades produtivas e preços, que produziriam efeitos diretos nas contas externas. As
condicionalidades impostas ao país teriam a função de introduzir os mecanismos
catalisadores (e mesmo de implementação) das reformas “sugeridas” e entendidas pelo
136
Fundo como positivas para o alcance do equilíbrio externo e desenvolvimento estável
(Joshep, 2000; Babb, 2003, Bueno 2006, Kulgemas, 2007).
O FMI, nesses casos, se utiliza de dois mecanismos, um para implementar o
receituário, e outro para acompanhar, supervisionar e avaliar as políticas adotadas pelos
países. Os objetivos ou metas de política econômica são exatamente os
compromissos realizados pelos países no que se refere à implementação de
determinadas políticas econômicas, estipuladas de acordo com os preceitos do Fundo e
acordadas via compromisso estabelecido mediante a emissão das famosas Cartas de
Intenções. Os critérios de desempenho, que podem ser considerados o ponto alto e
mais controverso dos acordos de estabilização, se referem aos números
macroeconômicos estipulados pelo Fundo para serem alcançados e seguidos pelos
países. Em Marques (1986), encontramos uma sistematização dos critérios de
desempenho utilizados pelo Fundo que seriam: tetos para necessidades de financiamento
e déficit operacional do setor público não financeiro; teto para o crédito doméstico líquido
das autoridades monetárias; teto para o déficit global do balanço de pagamentos (medido
pela variação nas reservas internacionais liquidas das autoridades monetárias); teto para
os desembolsos líquidos da dívida externa; piso para a taxa de desvalorização cambial.
No caso específico dos Extend Fund Facility, esses indicadores são estabelecidos para
um prazo de três meses com aferição detalhada pelos técnicos da instituição. A
tenacidade dos critérios e a relação direta do seu cumprimento com os desembolsos dos
recursos disponibilizados aos países davam a tal mecanismo o poder real de sanção ao
Fundo.
137
5.2.1. A Renegociação em 1983-84: os acordos com credores e FMI:
Nos últimos dias do ano de 1982 o Brasil anunciou o fechamento de um acordo
para implementação de um programa de ajuste com o Fundo Monetário Internacional e
que havia submetido à avaliação e tido aprovado pelos bancos credores um acordo
para implementação de um programa de financiamento e reestruturação da dívida para o
ano de 1983
112
. Esse programa era composto de quatro partes, que se denominaram
projetos. Cada um desses projetos seria coordenado por uma grande instituição financeira
estabelecendo valores, metas e critérios a serem a implementados e adotados pelas
agências durante o ano. Os 4 projetos estabelecidos no Telex enviado pelo governo
brasileiro compunham o acordo com os bancos credores e se tornariam uma espécie de
padrão para as negociações entre o Brasil e a comunidade financeira internacional nas
fases seguintes. A primeira fase, iniciada com as negociações do final de 1982, abarcaria
o ano de 1983, como apresentaremos adiante. em meados desse mesmo ano, sob as
pressões econômicas internas da insuficiência do acordo e das condicionalidades do
Fundo se daria início às conversações para implementação da Fase II, que
compreenderia o ano de 1984. Ao final de 1984, a situação se transformaria. O bom
resultado externo do país e a incapacidade de se ajustar internamente, como determinado
pelo FMI, colocaria a relação entre o Fundo e o governo militar em crise, que culminaria
no cancelamento do Acordo sem que fosse implementada a Fase III da negociação com
os bancos credores, que vigoraria já sob o governo civil.
112
O governo brasileiro interrompeu o pagamento de juros e amortizações nas primeiras semanas
do ano de 1983 como forma de pressionar a conclusão dos acordos com os bancos credores,
entretanto, tal medida não seria considerada como uma moratória.
138
No período de vigência do Extend Fund Facility entre Brasil e FMI o governo
enviou sete cartas de intenções
113
, solicitou dois waivers e três modificações de critérios
de desempenho, assim como teve suspensos os desembolsos por duas vezes. A
complexidade da relação demonstra, por um lado, a impossibilidade do país de se adaptar
às prescrições do Fundo
114
e a rigorosidade da instituição no estabelecimento de seus
parâmetros (Bacha, 1986; Marques, 1986; Oliveira, 1993).
O acordo da Fase I de negociações compreendia os 4 projetos acertados com os
bancos credores e a implementação do acordo ampliado com o FMI, que além de
coordenar as relações com os bancos comerciais se responsabilizaria por disponibilizar
recursos da ordem de US$ 1,7 bilhão, sob a condição, já enfatizada, de monitoramento da
política econômica nacional. A solicitação de acesso aos recursos do Fundo, descrito na
passagem que segue, e as condicionalidades estão expressas na documentação
referente ao acordo na Carta de Intenções enviada pelo Brasil em 06/01/1983 e no
memorando técnico de entendimento entre as partes
115
.
(...) o Governo do Brasil, pela presente, solicita acesso aos recursos
financeiros do Fundo Monetário Internacional no valor equivalente a
450% da quota do Brasil, ao ampara da primeira ‘tranche’ de crédito e no
âmbito de um acordo ampliado por um período de três anos. O Governo
do Brasil solicita também acesso máximo aos recursos financeiros do
Fundo, ao empréstimo compensatório para queda nas exportações e a
empréstimo para financiamento de estoques reguladores.
113
Cronologia das cartas: 06/01/1983; 24/02/1983; 15/09/1983; 14/11/1983; 15/03/1984;
28/09/1984; 20/12/1984; A sétima não chegou a ser avaliada pelo Fundo.
114
Alguns autores como Paulo Nogueira Baptista Jr, Edmar Bacha, Joseph Stiglitz, dentre outros,
afirmam também que a metodologia utilizada pelo Fundo era inapropriada para tratar da economia
brasileira, em especial no que se refere à problemática da inflação. Os próprios técnicos da
instituição não estariam aptos para compreender a dinâmica inflacionária do país. Entretanto,
essas questões, de caráter estritamente econômicos não serão tratadas nessa dissertação.
115
Os documentos citados e as demais cartas enviadas pelo Brasil ao Fundo Monetário
Internacional nos anos de 1983 e 1984 e os documentos emitidos pela instituição estão em:
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasil: Programa Econômico – ajustamento interno e externo
139
Os valores solicitados pelo Brasil ao FMI nas condições citadas seriam US$ 1,6
bilhão pelo Extend Fund Facility, US$ 50 milhões sob a forma de crédito de reserva de
segurança, US$ 460 milhões de empréstimo compensatório para queda das exportações
e US$ 280 milhões de reserva de estoque. Por outro lado, os projetos acordados com os
bancos comerciais seriam:
Tabela 13:
Projetos aprovados entre o governo brasileiro e bancos credores
Projeto 1: Novos empréstimos em Moeda, “dinheiro novo”.
Formalizado com o Acordo Credit and Guaranty Agreement em 25/02/1983.
Consistia na liberação de novos empréstimos na ordem US$ 4,4 bilhões para o Brasil
no ano de 1983, para pagamento de juros que venciam no mesmo ano. Esse projeto
seria coordenado pelo Morgan Guaranty e participariam dele 176 bancos credores. Os
recursos seriam liberados em 4 parcelas a tomadores internos, se privados
devidamente especificados pelo Banco Central do Brasil, nos meses de março,
junho, setembro, dezembro.
Projeto 2: Amortizações da Dívida de 1983.
Formalizado com o Acordo Deposity Facility Agreement em 25/02/1983.
O Projeto estipulava o refinanciamento das amortizações dos empréstimos de médio e
longo prazos devidos pelo Brasil (e agentes privados) com vencimento no ano de
1983. Coordenado pelo Citibank previa o refinanciamento de US$ 4,6 bilhões do total
de US$ 7,2 bilhões devidos pelo prazo de 8 anos.
Projeto 3: Linhas de Crédito de Curto Prazo Relacionadas ao Comércio linhas de crédito
interbancário relacionadas ao crédito comercial.
Não houve acordo formal. Os compromissos se deram através de um Commitment
Telex do Banco Central do Brasil.
Manutenção dos níveis de 30/06/1982 dos créditos comerciais ao Brasil, através da
renovação do valor para o ano de 1983. Valor alcançado de aproximadamente US$ 10
bilhões. Essas linhas tinham a função de fornecer crédito comercial ao país, através
de depósitos em bancos brasileiros operando no exterior, para financiar importações
brasileiras. Coordenado pelo Chase Manhattan.
140
Projeto 4: Linhas de Crédito para Bancos brasileiros no Exterior – linhas de crédito
interbancário.
Não houve acordo formal. Os compromissos se deram através de um Commitment
Telex do Banco Central do Brasil.
Manutenção das linhas de crédito interbancárias ao país. Rolagem de US$ 9,4 bilhões
de recursos aplicados em agências de bancos brasileiros operando no exterior.
Coordenado pelo Bankers Trust.
Elaborado pelo autor com dados de: Banco Central (2003); Brasil (1982); Bacha e Malan (1989);
Carneiro e Modiano (1990); Beluzzo; Almeida; Biasoto Jr (1991).
Um ponto central para a compreensão da relação entre os atores envolvidos nesse
processo de renegociação (FMI, bancos credores e governo brasileiro) e que corrobora a
idéia de uma cooperação entre o FMI e bancos privados está na condição estabelecida
entre a liberação das tranches do Fundo condicionadas à observância dos critérios de
desempenho com a liberação, por parte dos bancos, das parcelas do Projeto I. Por sua
vez, as 4 tranches do FMI, datadas para março
116
, maio, agosto e novembro de 1983
antecedem exatamente em um mês as datas estabelecidas com os bancos credores. Os
critérios de desempenho eram determinados assim para os meses de março, junho,
setembro e dezembro. O cumprimento das metas estabelecidas determinava a liberação
da parcela estipulada para o mês seguinte.
Os critérios de desempenho “acordados” entre FMI e Brasil passaram a impor
sérias restrições à economia brasileira. O acordo aprofundou ainda mais as metas
estabelecidas pelo Brasil no Programa para o Setor Externo no de 1983. Na Carta de
Intenções o governo brasileiro estabeleceria como metas a redução do déficit em conta
corrente do balanço de pagamentos para um máximo de US$ 7 bilhões, o que equivaleria
a 2% do PIB estipulado para o ano. Pelo lado doméstico o governo ainda se
116
O mês de março é exceção, pois trata-se do início do programa e momento de necessidade
emergencial de financiamento por parte do governo brasileiro para lidar com o volume de
atrasados que se acumulavam. Dada a baixa das reservas e o atraso na implementação do acordo
o Brasil, inclusive, suspendeu o pagamento de amortizações até o encerramento das negociações.
141
comprometeria a reduzir a inflação, ampliar a receita do Estado e a reduzir os gastos
públicos
117
. As metas acordadas são apresentadas no Memorando Técnico de
Entendimento, definindo as variáveis e o modelo de relacionamento entre o governo e a
instituição. No primeiro memorando foram estabelecidas metas e a forma de aferição que
prevaleceriam sem grandes alterações para o restante da negociação.
As dificuldades relacionadas à queda das exportações com peso real na balança
comercial nas primeiras semanas do ano de 1983 fez com que o governo brasileiro
abandonasse à política de desvalorizações graduais e impusesse uma nova
maxidesvalorização do Cruzeiro de 30%
118
em fevereiro. Com essa alteração fundamental
na política macroeconômica brasileira, as metas estabelecidas na carta de intenções
ficariam completamente comprometidas. Antes mesmo de o documento ser avaliado pelo
Fundo, o Brasil enviou um adendo, que configuraria a carta de intenções do Brasil
datada de 24/02/1983. Nessa segunda carta o governo avalia os efeitos da
maxidesvalorização e solicita uma nova avaliação dos objetivos de política
macroeconômica e novas metas
119
. Após a avaliação definitiva do acordo do adendo
foram assinados os Projetos I e II e liberados, em março, os recursos deles provenientes
e a primeira tranche do FMI. Entretanto, o Brasil encontraria problemas para materializar
os acordos dos Projetos III e IV, o que passaria a implicar em perdas de reservas e
atrasos nos pagamentos de juros. Nesse mesmo momento, o Brasil não conseguiria
atender as metas estabelecidas para os meses de maio e junho.
O não cumprimento das metas estabelecidas para o setor interno da economia
para o mês de março mais precisamente déficit orçamentário e criação de crédito
interno implicou a suspensão das próximas parcelas do desembolso total do Fundo,
117
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Op. Cit.
118
Juntamente com a maxi, o governo apresentou um pacote de medidas econômicas que previam
políticas de incentivo às exportações.
119
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Op. Cit.
142
sendo o primeiro deles previsto para o mês de maio. Como estabelecido no Acordo com
os bancos credores, os desembolsos do Projeto I também foram paralisados até que o
governo entrasse novamente em acordo com o Fundo e se comprometesse a retomar
plenamente o programa de ajustamento. O período que compreendeu a suspensão dos
recursos e a aceitação de um novo documento brasileiro foi marcado pela instabilidade e
aumento vertiginoso das transferências de recursos ao exterior. O pagamento dos juros e
amortizações passaria a depender exclusivamente dos saldos provenientes das
exportações brasileiras.
“No segundo semestre de 1983, as autoridades econômicas brasileiras
se convenceram do irrealismo de dois supostos presentes na estratégia
de negociação da crise da dívida. Em primeiro lugar, o monitoramento da
economia não seria, como se julgava, flexível no tocante aos critérios de
desempenho, o que passou a se constituir numa área de atrito constante
com o FMI e bancos credores. De outro lado àquela altura, estava
completamente desmentida a tese de que a paralisação do mercado
financeiro internacional seria temporária” (Belluzzo, Almeida, Biasoto Jr,
1991: 80)
Se pelo lado doméstico o Brasil não foi capaz de alcançar as metas estabelecidas
no acordo, no que se refere aos critérios estabelecidos para o setor externo da economia
os resultados forma positivos. O superávit comercial expressivo de US$ 6,5 bilhões ao
final do ano de 1983, ainda mais se comparado com os anos anteriores, possibilitou que o
país ampliasse, mesmo que irrisoriamente, as suas reservas cambiais. Apesar da melhora
na balança comercial não ter correspondido exatamente aos objetivos anunciados
melhoria das exportações foi menor que o esperado, enquanto as importações caíram
mais que o esperado esta representou certo alívio nas contas externas para retomada
das negociações.
Em setembro o governo brasileiro havia retomado as negociações com o Fundo
e no mesmo mês emitira a carta brasileira ao board do FMI, na qual buscava explicitar
as políticas que seriam empreendidas visando a realização das metas para o setor
143
doméstico
120
. Entretanto, as metas estabelecidas pelo Brasil se baseavam na aprovação
da nova lei salarial (Decreto-lei 2.045) que previa a desindexação salarial para outubro do
mesmo ano, mas que, apesar de lida no Congresso, acabaria vetada. Dessa forma fez-se
necessário a emissão de uma 4ª Carta em 14/11/1983, que saiu como um adendo à 3ª.
em meados do ano de 1983, havia mostras da insuficiência do programa estabelecido
com os bancos comerciais, tendo assim início novas conversações para o
estabelecimento da Fase II de negociações. Entretanto, durante esse processo de
divergências e incapacidade de formalização do acordo com o FMI, as negociações para
a implementação da Fase II, já iniciadas no meio do ano, se faziam prejudicadas.
Após a aceitação da proposta brasileira, foi possível lançar definitivamente as
negociações para a implementação da Fase II. Os termos fundamentais do acordo para o
ano de 1984 permaneceram semelhantes aos da Fase I, mantendo-se a proposta de
divisão dos 4 projetos acordados em 1983. Dadas as inconsistências da Fase I, algumas
alterações foram implementadas. Os mesmos projetos seriam renovados com valores
distintos.
Projeto A: Aporte agora de US$ 6,5 bilhões em recursos novos.
Projeto B: Refinanciamento de amortizações no valor de US$ 5,4 bilhões para o
ano de 1984.
Projeto C: Renovação das linhas de crédito comerciais de curto prazo no valor de
US$ 9,8 bilhões.
Projeto D
121
: Manutenção de US$ 5,4 bilhões em linhas interbancárias.
120
As mudanças nas políticas de preços e de salários (...) produzirão melhorias nas finanças das
empresas estatais (...). Para assegurar a realização dessas medidas [controle dos gastos públicos
e redução do déficit governamental], foi reforçado consideravelmente o controle da despesa e
modificada recentemente a legislação salarial”. A despeito de diversas modificações importantes
na lei salarial no princípio deste ano, o sistema de ajustamento salarial automático permaneceu
rígido, provocando elevação do desemprego e impedindo redução da taxa inflacionária. A fim de
permitir uma situação mais favorável à criação de empregos e possibilitar um substancial declínio
da taxa de inflação, o Governo baixou, em 13 de julho de 1983, o Decreto-Lei no. 2.045, que limita
o ajuste semestral de salários a 80% da inflação passada. Este Decreto-Lei foi lido no Congresso
em 16 de agosto de 1983 (Banco Central do Brasil. Op. cit).
121
Os Projetos III e IV que não foram formalizados durante a Fase I na segunda fase foram com os
acordos Trade Commitement Letter e Interbank Commitment Letter. de 27/01/1984.
144
As novidades no novo acordo se davam em duas áreas. Por um lado, buscou-se
ampliar os envolvidos nas negociações: a incorporação dos países credores, via
renegociação da dívida com o Clube de Paris; e a participação dos Eximbanks no
financiamento. Nesse mesmo sentido, o Brasil buscou trazer para o centro das
negociações outras instituições financeiras internacionais com capacidade de manter um
aporte de recursos ao país coube destaque nesse caso o Banco Mundial. Por outro
lado, as restrições às liberdades brasileiras foram ainda mais severas. Nessa nova fase, a
inter-relação entre as condicionalidades do Fundo e a liberalização dos recursos por parte
dos bancos se tornou ainda mais severa, uma vez que passaria a abranger os projetos III
e IV ou C e D.
122
A carta de intenções alterou alguns critérios estabelecidos nas negociações
anteriores, mas em dezembro houve descumprimentos de metas e novos atrasos, o
que impossibilitou a implementação da Fase II ainda no final de 1983. Somente após a
concessão de um waiver pelo Fundo para os critérios não cumpridos na carta e
aprovação de uma nova (5ª Carta) que os recursos passaram a ser disponibilizados em
março de 1984
123
.
A tabela a seguir apresenta uma sistematização das condicionalidades e dos
critérios de desempenho impostos pelo FMI ao Brasil e os resultados aferidos pela
instituição.
122
Passaria a haver a possibilidade de suspensão dos projetos 3 e 4 caso houvesse atrasos no
repasse dos valores do projeto 1. E caso os créditos previstos nos projetos 3 e 4 caíssem para um
valor menor a 90% do previsto os bancos do projeto 1 estariam desobrigados a continuar o
financiamento.
123
Em setembro o Brasil solicitou ao Fundo, através da emissão da 6ª carta de intenções, a revisão
de alguns pontos do acordo dado o descompassa nas pressões inflacionárias.
145
Tabela 14:
Condicionalidades (metas para o setor externo e interno) e resultados obtidos
124
Reservas Internacionais
125
em US$ bilhões
Período Cartas de Intenção Resultado
1a 2a 3a 4a 5a 6a Observado
1983
Março -1,5 -1,6
Junho -1,5 -1,8
Setembro -0,7 -3,1 -2,8
Dezembro 0 0 -3,2
1984
Março 0,1 1,7 2,7
Junho 2,7 4,2
Setembro 3,7 5,1 5,8
Dezembro 4,3 5,7 7
Crédito Doméstico Líquido em CR$ bilhões
Período Cartas de Intenção Resultado
1a 2a 3a 4a 5a 6a Observado
1983
Março 4050 6150 7415
Junho 4650 6950 9895
Setembro 5150 7550 5600 5417
Dezembro 5800 8300 3540 3540 6685
1984
Março 3300 5350 4365
Junho 4550 3105
Setembro 2800 1600 429
Dezembro -50 -859
124
As metas estabelecidas para o setor externo são compostas ainda pela variável empréstimo
externo. No que se refere às condicionalidades impostas ao setor público (metas estabelecidas
para o setor interno) um segundo requisito, o déficit operacional. Entretanto, optamos por expor
na tabela apenas as variáveis reservas internacionais e empréstimo para o setor público por as
considerarmos, juntamente com a variável crédito doméstico líquido, suficientemente ilustrativas da
evolução econômica e da relação do país com as metas estabelecidas. O déficit operacional,
ainda, só passou a integrar as variáveis a partir da 4ª Carta de Intenção.
125
A medição da variação na posição de reservas internacionais líquidas das Autoridades
Monetárias (Banco Central do Brasil e Banco do Brasil) funciona como variável de aferição do
objetivo global do balanço de pagamentos.
146
Empréstimo para o Setor Público em CR$ bilhões
Período Cartas de Intenção Resultado
1a 2a 3a 4a 5a 6a Observado
1983
Março 1200 2200 3578
Junho 3200 5000 8334
Setembro 5000 6600 14900 13263
Dezembro 7000 8800 19350 24600 22386
1984
Março 11750 11750 9686
Junho 23750 23648
Setembro 35500 44500 45466
Dezembro 67800 79328
Adaptado de Bastos (1985); Oliveira (1991) e BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasil: Programa
Econômico – ajustamento interno e externo
O cenário econômico em 1984 apontou melhoras significativas. O mega-superávit
comercial de US$ 13 bilhões do ano daria maiores poderes de manobra para o país. O
crescimento do Produto Interno Bruto em 5,7%, com crescimento industrial da ordem de
7%, acompanhado de um crescimento significativo das exportações e queda nas
importações foram resultado de uma série de transformações na economia internacional e
principalmente do processo de transformação produtiva brasileira. A recuperação do
crescimento econômico nos Estados Unidos e queda nos preços do petróleo, por um lado,
e a maior participação de bens industrializados de maior valor agregado na pauta de
exportações do Brasil aliado à excelente performance da produção de energia
domesticamente, com destaque para a extração de petróleo, por outro, impulsionaram a
estabilidade das contas externas no país a partir de 1984. Os ótimos resultados externos,
que incluem ainda o aumento das reservas internacionais (que alcançaram em 1984
quase US$ 12 bilhões) ultrapassaram as expectativas do Fundo, mas seus efeitos em
termos de confiabilidade foram minimizados com o descumprimento das metas para o
setor interno, mesmo com a alteração de alguns tetos.
147
No final do governo militar o Brasil iniciou conversações com o Bank Advisory
Commitee for Brazil
126
para dar processo a uma nova fase de negociação, desta vez
pautada por novos critérios. Dados os bons resultados externos do país e a melhora da
situação internacional com a queda dos juros, dos preços do petróleo e a politização do
tema da dívida com a criação do Consenso de Cartagena, o Brasil iniciaria negociações
visando uma reestruturação plurianual da sua dívida com os bancos credores aos moldes
do que ocorrera com o México. A Fase III das negociações se fundamentaria na
reestruturação de US$ 43,5 bilhões da dívida brasileira com vencimentos previstos entre
1985 e 1991. Sem a necessidade de entrada de novos recursos, solicitava-se a
renegociação dos débitos existentes com o Clube de Paris, a maior participação do Banco
Mundial no financiamento das contas externas do Brasil, assim como acesso progressivo
do Brasil ao mercado voluntário de crédito.
“A novidade não deveria, entretanto, representar mudança profunda nos
termos das negociações encaminhadas até então. As economias
endividadas deveriam arcar com o ônus da crise do endividamento e para
tanto, precisavam formular suas políticas econômicas internas tendo
como objetivo central gerar recursos para honrar o pagamento de juros e,
num segundo momento, uma parcela do principal da dívida.” (Belluzzo,
Almeida, Biasoto Jr, 1991:91)
A interrupção do Acordo com o Fundo, antes da avaliação da carta, que
continha os critérios para os três primeiros meses de 1985, ocasionado pelo não
cumprimento das metas estabelecidas para o final de 1984 e início de 1985 e outros
fatores impediram a continuação das negociações para a reestruturação plurianual. A
transição política, dado o baixo comprometimento do Presidente eleito Tancredo Neves
em assumir o programa de reestruturação estipulado por Pastore, e os contínuos
descumprimentos de metas estipuladas pelo FMI pelo governo brasileiro, que levaram
126
Grupo de bancos credores do Brasil criado com o objetivo de agilizar as negociações e dar um
padrão às relações do governo brasileiro para com os bancos,
148
inclusive à suspensão do acordo com o Fundo, dificultaram as negociações e fizeram com
que elas se mantivessem paralisadas até a entrada do novo governo.
A suspensão do acordo de financiamento ampliado com o FMI, os resultados
positivos das contas externas do Brasil em 1984 e a transição política abririam uma nova
fase nas negociações da dívida brasileira. A visível improdutividade das negociações
visando a solução do problema da dívida, que após quatro anos (dois sob a supervisão do
FMI) de recessão e transferência de recursos ao exterior fez aumentar o montante
devido sem que houvesse sinais de restabelecimento dos fluxos voluntários de crédito ao
país, levavam ao descontentamento interno e a debates sobre os rumos das negociações.
O ano de 1986 ainda reservaria novas reviravoltas nas negociações, algumas “vitórias” ao
governo brasileiro e, novamente, colocaria o Brasil numa nova encruzilhada que
desembocaria na moratória de 1987.
Tabela 15
Quadro comparativo
Acordos de Renegociação com os Bancos Comerciais
Itens Fase I
1983
Fase II
1984
Fase III
Minuta
1985
Acordo
1985-86
Dinheiro “novo” US$ 4,4 bi US$ 6,4 bi Nenhum Nenhum
Amortizações e
reescalonamentos
US$ 4,3 bi US$ 5,4 bi US$ 44,0 bi US$ 15,7 bi
Prazo de consolidação 1 ano 1 ano 7 anos 1 ano
Prazo Total 8 anos 9 anos Até 16 anos 7 anos
Carência 2,5 anos 5 anos 7 anos 5 anos
Pagamentos de
principal
Nenhum Nenhum US$ 10,4 bi Nenhum
Taxa de referência LIBOR ou
prime
LIBOR ou
prime
LIBOR LIBOR
Spreads 2 1/8% a.a. 2% a.a 1 1/8% a.a. 1 /8% a.a.
Flat fee (taxa fixa) 1 ½ % a.a 1% a.a. Nenhuma Nenhuma
Fundo Monetário
Internacional
EFF EFF EFF e
monitoramento
até 2000
Artigo 4o.
Adaptado de Banco Central do Brasil (2003). Dívida Externa Brasileira
149
5.2.2. O papel do financiamento do Banco Mundial
O Brasil, em relação ao continente americano, foi o país que contou com maior
participação nos recursos disponibilizados pelo Banco Mundial desde a década de
cinqüenta, quando os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos passam a ter
acesso aos recursos do Banco
127
. A forma de atuação do Banco Mundial e a própria
configuração de seus programas de financiamento responderam historicamente às
transformações nas relações econômicas e estratégicas internacionais, especialmente
dos Estados Unidos, principal mantenedor da instituição e com poder de veto nas
decisões do Banco. A relação do Banco Mundial com o Brasil se deu nos marcos das
transformações operadas e instituídas no seio do Banco desde os primeiros projetos
aprovados para o país. Na década de oitenta, a emergência de um novo modelo teórico-
ideológico nos enfoques e nas políticas do Banco resultariam em mudanças nas
concepções da instituição, como buscamos retratar no capítulo 3. Essas mudanças
implicariam modificações tanto nos setores financiáveis como nas relações do Banco com
os países.
No período de industrialização acelerada no Brasil e de maior crescimento
econômico, as áreas de infra-estrutura, em especial de produção e distribuição de
energia, transporte, insumos, agricultura e programas de incentivo à industrialização
foram amplamente privilegiados. Nas primeiras décadas de atuação do Banco, a questão
da modernização via industrialização e urbanização concentrou as concepções e ações
do Banco. Durante a execução do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, além
das áreas prioritárias citadas, o Brasil buscou atuar, através dos programas de
financiamento do Banco Mundial, em programas de integração de desenvolvimento
127
Como salientado no capítulo 3, as primeiras atividades do Banco Mundial se concentraram na
implementação de programas voltados à reconstrução européia.
150
regional. Programas como o POLA-AMAZONIA; Programas de Áreas Integradas do
Nordeste; Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal; Programa Especial de
Desenvolvimento da Região Geoeconômica de Brasília foram aprovados e
implementados na gestão Geisel (Gonzales,1990).
Gráfico 5
Participação do Brasil no acesso aceso a Recursos
do Banco Mundial (1950-88) em %
Fonte: MASON, ASHER, 1973, GONZALES, 1990; World Bank. Annual Report
A crise da dívida latino-americana inaugurou uma nova fase nas relações do
Banco com os países endividados, inclusive com o Brasil. Por um lado, uma nova
concepção relacionada ao próprio tema do desenvolvimento passaria a determinar as
políticas do Banco. Por outro, na área estritamente operacional da instituição, novos
modelos de programas seriam implementados para conceber os novos preceitos teóricos
da instituição, dando maior acesso do Banco às estruturas políticas e institucionais dos
países endividados. O entendimento sobre as causas da crise e do não-desenvolvimento
151
nas economias do Sul, como apresentado no capítulo 3, passaria a subsidiar teórico e
metodologicamente os programas do Banco.
A natureza estrutural da crise da dívida, desencadeada e a aprofundada pela
falência do modelo de industrialização latino-americano intrinsecamente desestabilizador,
na concepção do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, demandaria
políticas de ajuste estrutural para corrigir as inconsistências e artificialidades dessas
economias. A partir desse momento, as ações e programas do Banco Mundial se
concentrariam nesse sentido.
Também nesse momento, a facilidade e agilidade dos financiamentos de
desembolso rápido viriam a com a finalidade de atender as demandas por estabilidade
imediata dos balanços de pagamentos dos países que tiveram perdas com o fechamento
do sistema de crédito privado. Entretanto, os financiamentos do Banco Mundial passariam
a ser atrelados mais firmemente ao monitoramento da alocação e emprego desses
recursos, através dos programas de políticas setoriais e também com os programas de
ajuste estrutural
128
. Essas modalidades de empréstimos possibilitariam a maior
participação e possibilidade de monitoramento do Banco nas políticas dos países em
crise.
A captação dos recursos complementaria os financiamentos externos necessários
para o fechamento do balanço de pagamentos, no curto prazo, enquanto as
condicionalidades impostas operariam, segundo os argumentos do Banco, uma
reestruturação produtiva apropriada ao desenvolvimento sustentável. No segundo
semestre de 1982 institui-se o Programa de Assistência Especial, que consistia
justamente numa política de ampliação do financiamento e de intervenção política do
Banco nos países endividados.
128
Como afirmado, o surgimento dessas modalidades de empréstimos estão diretamente
relacionados à emergência da visão ortodoxo-liberal crítica do modelo de desenvolvimento
implementado pelos países em desenvolvimento durante décadas.
152
O Brasil, com o aumento das dificuldades de financiamento a partir do segundo
semestre de 1982 passaria a buscar acesso cada vez maior aos recursos disponibilizados
pelo Banco Mundial
129
. A assinatura de dois projetos setoriais em 1983 refletiria os
objetivos do país de minorar o peso das restrições externas nas contas do país. Os
programas setoriais cumpririam a função de amenizar as contas externas do país, mas,
simultaneamente, conduziria o Banco a uma posição de maior destaque na vida política
brasileira com a introdução de critérios de condicionalidades macroeconômicas e com a
indução de reformas institucionais. Os programas setoriais e os empréstimos para ajuste
estrutural
130
consistem em financiamentos com valores livres, mas altamente
condicionados. As condicionalidades se referem basicamente à a) políticas comerciais,
com incentivos à liberalização; b) política de preços (correção de preços relativos) com a
retirada ou minimização de subsídios; c) redefinição do papel do Estado na economia:
medidas de desregulação do mercado, privatizações e reformas institucionais.
A suspensão dos desembolsos da segunda tranche do FMI e conseqüentemente a
paralisação dos repasses dos bancos credores em meados de 1983, com o não
cumprimento das metas estabelecidas pelo FMI para o segundo trimestre do ano
colocaram o Brasil numa situação de liquidez crítica. A partir desse momento o Brasil
iniciou negociações com o Banco Mundial para a assinatura dos dois acordos setoriais
131
129
Como demonstrado no gráfico 5, o Brasil chegou a receber entre 10 e 13% dos recursos
disponibilizados pelo Banco no período 1983-86, ultrapassando o limite máximo permitido de 10%
de recursos aportados a um único país.
130
Foram criados no ano de 1980. Tratava-se de empréstimos para programas ao invés de
empréstimos para projetos os quais provêem recursos livres em divisas para países em
desenvolvimento com problemas estruturais no balanço de pagamentos. Para se candidatar a
esses empréstimos, os governos dos países membros devem reconhecer a necessidade de
formular e introduzir, com urgência, um conjunto de medidas integradas destinadas a ajustar a
estrutura das atividades produtivas de suas economias à situação externa marcadamente
deteriorada. Em essência, o objetivo dos empréstimos de ajuste estrutural tem sido o de apoiar um
programa de mudanças específicas de política e de reforma estruturais com o objetivo de
conseguir um uso mais eficiente de recursos...” (World Bank. Annual Report, 1980, citado em
Bacha, 1986)
131
Nas negociações para a implementação da Fase II de renegociação com os bancos credores, o
Brasil solicitou formalmente a maior participação do Banco Mundial no financiamento das contas
externas do país.
153
citados. Um voltado à promoção das exportações e o outro direcionado para o setor
agrícola. Os dois projetos seriam responsáveis por recursos da ordem de US$ 650
milhões, sendo metade disponibilizada no ano de 1983 e o restante ao longo da execução
prevista para terminar em 1987.
O primeiro programa (Export Development Project) assinado em outubro de 1983,
no valor total de US$ 353 milhões com maturação até 1987 tinha o objetivo de alterar o
regime de drawback
132
brasileiro. Buscava-se ampliar as exportações de manufaturas
brasileiras através da liberalização das importações sob o regime de drawback. As
condicionalidades impostas iriam ao encontro dos objetivos traçados pela instituição de
liberalizações e reformas. Os principais pontos, sistematizados por Gonzales (1990)
seriam: a eliminação da Lei de Similares Nacionais para as importações drawback;
independência destas importações do Programa Anual de Importações; concessão de
licenças automáticas para as importações elegíveis; redução do tempo de processamento
dos requerimentos de permissão das importações elegíveis. Além das reformas de caráter
institucional o Brasil deveria se comprometer em ampliar gradativamente suas
importações sob o regime de drawback.
O programa Setorial para a Agricultura foi subdividido em dois: O Programa do
Crédito e das Exportações, no valor de US$ 303 milhões e o Programa de Reforma do
Crédito e Comercialização, acordado em US$ 500 milhões. O primeiro assinado em
outubro de 1983 e o segundo em junho de 1986. As condicionalidades impostas ao país
iam todas na direção da crítica feita pelo Banco ao Programa brasileiro de subsídios a
agricultura e tinham o objetivo de eliminar no médio prazo esse programa.
132
O drawback é um mecanismo que isenta do pagamento de tributos e taxas, as importações de
itens destinados às atividades exportadoras, objetivando, com isto, garantir que a competitividade
do produto exportado não seja comprometida pela estrutura tarifária vigente
154
Gráfico 6
Banco Mundial: empréstimos aprovados ao Brasil (1975-1987) em US$ milhões
Fonte: MASON, ASHER, 1973, GONZALES, 1990; World Bank. Annual Report
O Brasil buscou ao longo dos anos após a crise aumentar a participação do Banco
Mundial no financiamento de investimentos no país, como se pode perceber no gráfico 6,
que apresenta o montante dos valores dos os projetos aprovados ao Brasil até 1987.
Juntamente com as dificuldades encontradas ao longo desse período para a
implementação de algumas políticas negociadas e para a captação desses recursos
133
, o
Banco Mundial acabaria responsável por uma quantidade de recursos relativamente baixa
para o tamanho das restrições externas impostas ao Brasil. Entretanto, seu papel foi
determinante em dois aspectos fundamentais. Por um lado representou uma certa vitória
do governo brasileiro no que se refere à pressão exercida nas negociações com o FMI e
bancos credores para uma maior participação do Banco no financiamento das contas
externas do Brasil
134
. Por outro, os recursos disponibilizados pelo Banco tiveram papel,
133
Em alguns momentos o Brasil, para não exceder os níveis de expansão monetária doméstica
acertada nas cartas de intenções com o FMI se viu impossibilitado de Recber os recursos
destinados pelo Banco, já que não poderia fazer uso desses internamente.
134
Não se deve esquecer que era interesse do Banco Mundial também ter maior participação
nesse financiamento e, conseqüentemente, interferir mais profundamente na política econômica
155
apesar de diminuto, no financiamento nas contas externas brasileiras e em 1983, ano de
aprovação dos acordos setoriais e de suspensão dos acordos do Projeto I e das tranches
do FMI, a participação do Banco teve um impacto razoável no montante do financiamento
externo ao Brasil.
5.3. Do Equilíbrio Externo com Instabilidade Interna à Crise Generalizada e
Moratória em 1987.
O processo político de transição para a democracia no Brasil é um tema, por si só,
altamente complexo e controverso. Inúmeras leituras sobre o processo de flexibilização
do regime militar orquestrado pela dupla Geisel-Golbery e de ascensão inevitável de
forças democratizantes na sociedade brasileira se confrontam. De todo modo, a eleição
de Tancredo Neves em um processo de negociação política no seio das instituições
políticas domésticas e de disputa com seu adversário, Paulo Maluf, selou o fim do regime
militar. Entretanto, o queparecia irônico, e mesmo um jogo amargo do destino, que após
o movimento das Diretas e da campanha nacional pró-Tancredo, era que coubesse ao
ex-presidente da ARENA e do PDS, e não a um político da oposição, conduzir a
democratização do país (Silva, 1990: 389). A morte prematura de Tancredo levou José
Sarney à Presidência. Ao assumir o cargo, Sarney herdou a equipe econômica
estabelecida no período de transição ainda sob a chefia de Tancredo.
A equipe que assumiria o comando das principais instituições econômicas do país
acabaria por encontrar um cenário de negociação externa conturbado após o rompimento
do acordo estabelecido com o Fundo Monetário Internacional e a paralisação das
negociações com os bancos credores, mas que ao mesmo tempo possibilitaria espaços
brasileira.
156
para ações mais autônomas. A heterogeneidade da equipe econômica estabelecida
implicaria logicamente em controversas sobre os rumos a serem traçado para o país e
impactaria também sobre as negociações externas do país trazendo dificuldades para a
formalização de quaisquer propostas concretas e inequivocamente aceitas.
As pressões sociais derivadas da inoperância das questões do tratamento do
endividamento, da aceleração da inflação e principalmente da estagnação econômica
vinda desde 1981 reverberavam na situação política, legitimidade e tomadas de decisão
do governo, que nascera com uma legitimidade contestada. O relacionamento com o
Fundo Monetário Internacional e a implementação de um novo acordo recessivo com a
instituição assumira posição de destaque nos debates sobre os rumos da economia
nacional. O Ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, assumira a chefia da pasta
econômica e implementara um plano de ação voltado para um controle gradual da
inflação através de uma política de austeridade fiscal e corte de gastos públicos.
No que se refere especificamente ao tratamento do problema davida externa, o
entendimento da nova equipe econômica era de que o Brasil deveria adotar uma política
de não confrontação com a comunidade financeira internacional. A política econômica
implementada dava sinais de caminhar na direção do padrão fundomonetarista de ajuste
ortodoxo. A realização de um novo acordo com o FMI, um acordo stand-by de 18 meses,
e a manutenção da forma de negociação herdada do plano Pastore” passariam tomar
força no Ministério da Fazenda e na Presidência do Banco Central. A estratégia adotada
de relacionamento não conflituoso retomava a tese da possibilidade do Brasil voltar a ter
acesso aos fluxos do mercado de crédito privado de forma voluntária. Dadas as
divergências e pressões internas, que resultaram na dificuldade de acerto com a
instituição, o Brasil firmou um shadow agreement, através do qual se comprometia a
promover uma política condizente com as premissas fundamentais de estabilidade e
austeridade do FMI, o que vinha ocorrendo, como proveria acesso total às informações
157
sobre a política econômica adotada e sobre os números macroeconômicos brasileiros
(Bacha e Malan, 1988; Belluzzo, Almeida e Biasoto Jr, 1991). Dessa forma,
“o Brasil não conseguiu formalizar os contratos resultantes da negociação
concluída com os credores e foi obrigado a adotar sete períodos de
interinidade (ínterim measures), de 01/01/1985 a 05/09/1986 (data de
efetividade do novo acordo), que nada mais eram do que acertos
transitórios com os credores de forma a permitir ao país manter em
depósito no Banco Central as obrigações de médio e longo prazos com
vencimentos no período e renovação das linhas de crédito dos projetos C
e D, de forma a garantir o capital de giro do país, evitando-se, assim,
vazamentos de linhas desses dois projetos, em conseqüência das
incertezas da negociação (Banco Central, 2003:41).
Essa forma de relação com o Fundo se mantinha, de uma certa forma, dentro do
estabelecido no relatório da Comissão do Plano de Governo (COPAG) elaborado para o
governo de Tancredo Neves no início de 1985. De acordo com o documento, o novo
governo não deveria atuar na direção de rompimento frontal com o Fundo
135
. Entretanto, o
documento deixava claro: a inoperância da forma de negociação herdada do regime
militar, assim como enfatizava o papel determinante dos choques externos no problema
do endividamento brasileiro; o peso das transferências de recursos do Brasil ao exterior
nos níveis de crescimento; e a necessidade do país alcançar um novo modelo de
negociação, que além de aliviar essas transferências, não determinasse as políticas
econômicas a serem implementadas pelo novo governo.
135
Alternativa no caso será rediscutir com o Fundo os termos das metas de ajustamento,
procurando não estabelecer metas realistas como introduzir novas condicionalidades (...). Esse
processo de renegociação deverá ser difícil, mas coloca-se como opção mais adequada do que a
simples ruptura com o FMI, com todas suas conseqüências negativas a curto prazo no tocante a
ingresso de divisas e aos entendimentos com os bancos credores (COPAG, 1985:05).
158
Apesar de se tratar de um trecho longo, cremos ser de extrema importância
apresentar literalmente parte de tais argumentos.
1. No fundamental, a atual crise do balanço de pagamentos do Brasil não se deve a
maltratamento dos empréstimos tomados no passado, ao contrário do que aconteceu em
outros países.
2. (...) não cabe ao país a exclusiva responsabilidade pelo montante atual da dívida: o que
devemos hoje ao exterior é pelo menos o dobro caso não tivesse ocorrido, a partir de
1979, a forte deterioração de nossas relações de intercâmbio e a violenta elevação das
taxas de juros (...);
3. (...) os encargos do ajustamento à nova situação mundial têm recaído exclusivamente
sobre nós (...).
4. Tal sacrifício [queda da renda nacional e emprego] representou a contrapartida da política
econômica contracionista destinada a assegurar a transferência líquida de bens e serviços
ao exterior mediante a contração da demanda global e uma política agressiva de
exportações.
5. No contexto da crise de balanço de pagamentos e da política de ajustamento praticada,
um custo adicional que merece ser ressaltado refere-se a supervisão da economia
nacional pelo Fundo Monetário Internacional. Tal supervisão, baseada em critérios e
objetivos estreitos, não retirou autonomia da política econômica nacional como foi
ineficaz quanto aos resultados perseguido de estabilidade de preços e ordenamento
financeiro.
6. Temos convicção de que o Brasil deve e pode melhorar as condições de negociação
de sua dívida externa. A política governamental referente à dívida externa desde 1980 foi
essencialmente passiva e não explorou todas as possibilidades de entendimentos mais
favoráveis ao país. (grifo do autor)
7. (...) não é admissível que um país pobre como o nosso transfira anualmente, durante
prazos longos, em torno de 4 por cento de sua renda nacional para o exterior. Do ponto de
vista social e político chegou-se ao limite de tolerância aos sacrifícios impostos pelo
declínio da renda por habitante e do emprego, simultaneamente com o declínio das
despesas sociais do governo, a contração dos investimentos e a desordem financeira e o
descontrole da inflação.
As discordâncias internas e a veemência pelo repúdio ao Fundo em parte
significativa da equipe econômica brasileira conseguiram fazer com que o governo
mantivesse as missões do FMI afastadas do país
136
. Os bons resultados econômicos e
comerciais do ano de 1984 e o apoio dado a uma nova política independentista por parte
do governo brasileiro passariam a sustentar a idéia de uma maior autonomia no processo
136
A oposição em relação ao novo acerto com o FMI se dera com mais veemência no Ministério do
Planejamento comandado pelo economista João Sayad e por políticos do PMDB.
159
de renegociação da dívida externa. Por outro lado, o fracasso da política gradualista de
contenção à inflação implementada por Dornelles, que não conseguiu frear a escalada
dos números inflacionários desde o início do ano de 1985, também contribui para o
enfraquecimento do Ministro. Sua posterior saída do Ministério da Fazenda e a entrada ao
cargo de Dilson Funaro, em agosto de 1985, fizeram emergir com força a concepção anti-
FMI e o fortalecimento de um novo impulso desenvolvimentista.
Os temas do desenvolvimento nacional e de autonomia e independência
internacional passaram a ecoar com mais vigor a partir desse momento. A sociedade
brasileira e o governo civil nesse momento, e apoiados pelos resultados da balança
comercial, retomaram o debate acerca dos modelos de política de crescimento econômico
e implementação de uma política industrial. O empresariado nacional, que ainda sentia os
efeitos das políticas recessivas e de ajuste dos anos anteriores, mantivera o apoio à
política brasileira de industrialização, assim como passaram a sustentar a plataforma do
governo de manter uma relação com o FMI e retomar o processo de renegociação com os
bancos comerciais de forma autônoma e soberana (Velasco e Cruz, 1997).
O Ministro Funaro, ao assumir a responsabilidade pelas negociações relacionadas
à dívida externa brasileira, passou a adotar uma posição mais enérgica e de
enfrentamento baseado na não submissão das políticas econômicas de sustentação do
crescimento a ajustes recessivos para a manutenção das transferências ao exterior.
Entretanto, deve-se ressaltar que inicialmente o ministro tomou uma posição mais
cautelosa em relação à comunidade financeira internacional visando não tencionar as
relações de forma precipitada.
O questionamento acerca das formas tradicionais de renegociação adotadas pelo
país e dos resultados aferidos ao longo de quatro anos de recessão acabaria levando
Funaro a liderar uma espécie de grupo de países endividados. O descontentamento do
Ministro e de outros governantes latino-americanos se faria expressar de forma mais
160
articulada a partir desse momento. A reunião anual conjunta do Fundo Monetário
Internacional e Banco Mundial, realizada em Seul em outubro de 1985, acabaria
representando um marco dessa postura autonomista do país acerca das negociações.
Assim como demarcaria a emergência de um novo cenário das relações econômicas
globais.
A reunião seria palco para a explicitação das discordâncias entre os países
desenvolvidos e a comunidade financeira internacional e para uma maior radicalização do
discurso do governo brasileiro. O Brasil se mantinha pressionado a acatar as
recomendações do sistema financeiro comercial e, dessa forma, deveria submeter uma
proposta para formalização de um acordo de estabilização com o FMI. Entretanto, como
descrito no trecho a seguir, a reunião serviria para a exacerbação da critica brasileira e
tentativa de se inaugurar uma nova fase de negociação, na qual o Fundo Monetário
Internacional não faria parte.
“Funaro assumiu posição de liderança no grupo dos países endividados,
defendendo o esgotamento dos processos de ajuste recessivos. A partir
da posição crítica às tradicionais estratégias de ajustes, o Ministro adotou
como palavra de ordem a sustentação do crescimento. E, quando as
pressões externas começaram a aumentar, reafirmou essa atitude,
defendendo a auto-determinação da política econômica. Essa postura
mais dura, liderada por Dilson Funaro, ganhou algum respaldo político
interno, principalmente por setores progressistas no âmbito parlamentar
(Baer, 1989:199).”
Por outro lado, a reunião acabaria marcada pela revisão da política norte-
americana para a crise, com a tentativa de estabelecer outros parâmetros para o tema do
endividamento externo. O governo norte-americano adotou um conjunto de medidas
visando reaquecer sua economia, o que ocasionou impactos diretos nos níveis globais de
produção e comércio. Ao mesmo tempo, o governo dos Estados Unidos passara a
assumir maiores compromissos com o tema específico da dívida, tendo no lançamento do
161
Plano Baker, pelo Secretário do Tesouro norte-americano, o ponto mais alto. O Plano viria
a se constituir como uma espécie de resposta à lentidão do problema da dívida do
terceiro-mundo e traria novas concepções para o tratamento do tema
137
.
Nas últimas semanas de 1985, o governo apresentou uma proposta ao comitê de
assessoramento dos bancos credores para retomar as negociações, mas sem que
houvesse a participação do FMI. Basicamente, a proposta consistia na a) manutenção
dos níveis estabelecidos nos Projetos III e IV (C e D); b) uma renegociação plurianual das
amortizações; c) redução dos spreads; d) e, como não haveria supervisão do FMI, o
governo se comprometeria fornecer as informações necessárias como estabelecido no
Artigo do Fundo
138
(tabela 15). A relutância por parte dos bancos comerciais e,
principalmente, do Clube de Paris em aceitar uma renegociação de tamanha importância
sem que o governo brasileiro implementasse um plano de estabilização com o aval e
supervisão do Fundo dificultou seriamente as negociações. O acordo acabaria sendo
postergado, estendendo as negociações para o ano seguinte.
O início do ano de 1986 seria marcado pelo entendimento do governo brasileiro
com os bancos comerciais e pela implementação de um plano heterodoxo de controle
inflacionário: o Plano Cruzado. No que se refere às questões relacionadas à dívida
externa, nos primeiros dias do ano o governo brasileiro retomaria as negociações com
os bancos comerciais, o que acabaria resultando no entendimento entre as partes. Esse
137
Como se percebeu mais tarde, o plano também não trouxera novidades substanciais nas
relações entre credor-devedor e, por conseguinte, não proveu resultados satisfatórios.
138
Section 1. General obligations of members. (i) endeavor to direct its economic and financial
policies toward the objective of fostering orderly economic growth with reasonable price stability,
with due regard to its circumstances; (ii) seek to promote stability by fostering orderly underlying
economic and financial conditions and a monetary system that does not tend to produce erratic
disruptions; (iii) avoid manipulating exchange rates or the international monetary system in order to
prevent effective balance of payments adjustment or to gain an unfair competitive advantage over
other members; and (iv) follow exchange policies compatible with the undertakings under this
Section. (INTERNATIONAL MONETARY FUND. Articles of Agreement of the International
Monetary Fund)
162
acerto foi entendido como uma vitória do governo e fortalecimento do novo modelo de
negociação. O acordo com os bancos acabaria sendo assinado formalmente em julho
desse mesmo ano e seria composto de três contratos: 1) Amendment 1 to the deposit
Facility Agreement dated as of January 27 1984. Trataria do reescalonamento das
parcelas de principal das obrigações de médio e longo prazos devidas às instituições
financeiras, com vencimentos em 1985 e manutenção em depósito no Banco Central até
15/03/1987 de US$ 9,5 bilhões. 2) 1986 Trade Commitment Letter. Manutenção de mais
US$ 9,5 bilhões em linhas de crédito; e 3) 1986 Interbank Commitment Letter.
Manutenção de recursos na ordem de US$ 5,3 bilhões em linhas de crédito interbancário
ao Brasil.
A estratégia brasileira de buscar uma negociação com os bancos e países
credores (através de negociações com o Clube de Paris) sem a participação do FMI
corrobora a concepção dos formuladores da política econômica brasileira de buscar uma
maior autonomia na condução da economia nacional e de enfatizar a necessidade de se
reformular o processo tradicional de negociação. De acordo com o entendimento
governamental, não poderia mais haver espaço para se subordinar a renda nacional, o
emprego e as exportações ao pagamento de juros e amortizações nos níveis exigidos
pelo sistema financeiro internacional. O país e a equipe econômica não poderiam se
manter condicionados à interesses externos. O novo governo civil, que encontrara uma
situação de maior estabilidade nas contas externas na virada dos anos 1984-85, e
apoiado por forças políticas domésticas, encontrava maiores espaços de manobra nas
negociações externas e na implementação de política econômicas internamente.
O relativo poder e autonomia do governo brasileiro, refletidos no sucesso da
estratégia de negociação externa, se minimizavam com o tormento representado pelo
surto inflacionário. A inflação viria a se tornar o maior problema a ser enfrentado. Sua
escalada, atingindo níveis inimagináveis (223,9% e 235,0% nos anos de 1984 e 1985;
163
65,0%, dados os efeitos do congelamento em 1986; e 415,8%, 1037,6%, 1782,9% nos
anos seguintes), passaria a afetar as decisões econômicas e a legitimidade do governo.
Com o impulso econômico do ano de 1984 e os incentivos provenientes de setores
sociais o Ministro Funaro anunciaria, em fevereiro de 1986, a adoção de um de ajuste de
preços heterodoxo. O Plano Cruzado surge então como forma de tratar, através de uma
política de choque a escala da inflação.
“as precondições que a economia oferecia eram consideradas
apropriadas: o produto industrial, impulsionado pelos bens de consumo
durável, crescera 9,2% durante os 12 meses anteriores a fevereiro; a
balança comercial acumulara um superávit de US$ 12,8 bilhões nos
últimos 12 meses; as reservas internacionais alcançavam em dezembro
US$ 11,6 bilhões, e US$ 4,7 bilhões nos conceitos do FMI e de liquidez
respectivamente; o déficit público em 1986 estaria praticamente
eliminado, com o resultado do pacote fiscal anunciado em dezembro de
1985; o preço do petróleo, que correspondia a 45% das importações
brasileiras, caía no mercado internacional; e o dólar norte-americano, ao
qual estava atrelado o cruzeiro, desvalorizava-se em relação às moedas
européias e ao iene” (Modiano, 1990: 357)
Por um lado, o plano cruzado estancou a aceleração inflacionária com o
congelamento dos preços no ano 1986. O aumento vertiginoso do poder de compra dos
salários, que não sofreram com o congelamento, aliados a uma diminuição dos impostos
às pessoas físicas, elevaram abruptamente a demanda interna. Essa expansão da
demanda, que impulsionava e estimulava o investimento produtivo em inícios de 1986 foi
ainda acompanhada por um crescimento significativo das exportações. Em contrapartida
o Brasil passaria a lidar com uma situação inesperada: o desabastecimento interno. Esse
estímulo às exportações na primeira metade do ano, que fecharia o ano com a marca de
US$ 25,6 bilhões, impulsionando o superávit comercial de mais de US$ 12 bilhões
139
,
entretanto, não correspondia ao aumento da demanda interna e ao superaquecimento da
economia e do consumo. Dessa forma, a partir de meados do ano e principalmente a
139
Esse valor extremamente expressivo somente superado pelo mega-superávit de 1984.
164
partir de setembro, respondendo a esse cenário econômico interno, o volume e o valor
das exportações brasileiras passaram a declinar fortemente. Com o objetivo de segurar os
níveis positivos das contas externas do país, o governo buscou implementar políticas
visando desaquecer a economia, com o objetivo de minimizar a queda das exportações
nacionais. O Plano Cruzado II, ou Cruzadinho, anunciado em outubro do mesmo ano,
tinha como objetivo desaquecer a economia doméstica a fim de sufocar o alto nível de
consumo e, com isso, diminuir as importações, também pressionadas por causa da crise
de abastecimento doméstico (Modiano, 1990; Castro, 2005).
O fracasso do plano e a persistência da deterioração das contas externas do país
acabariam, ao final do ano de 1986, colocando o governo brasileiro diante de um dilema
fundamental, que dizia respeito não só ao problema da estabilidade das contas externas e
ao processo de negociação com os credores. A política de negociação implementada a
partir de meados de 1985 e 1986, que buscava ampliar os espaços de autonomia
internacional do país, materializada na afirmação da não participação do Fundo Monetário
Internacional nas negociações com os bancos credores e Clube de Paris, se encontrava
numa encruzilhada. Os saldos comerciais brasileiros, em expansão desde 1983 e que
mantinham um superávit médio da ordem de US$ 1 bilhão por mês desde 1984,
afundariam vertiginosamente no último trimestre de 1986 até chegarem a se tornar
negativos.
A continuidade e aceleração do processo de transferências de recursos ao
exterior, com queima de reservas dada a insuficiência dos saldos comerciais colocaram o
governo diante da seguinte situação: retornar ao modelo negociador dos anos 1983-84,
que se fundava na aceitação das regras e do formato de negociação estabelecidas pelos
bancos credores e FMI ou manter a atuação mais agressiva e autônoma
internacionalmente (Batista Jr, 1988; Baer,1989; Belluzzo; Almeida; Biasoto Jr, 1991). Essas
duas opções refletiam concepções prévias dos agentes econômicos e sociais do Brasil
165
acerca da lógica implementada nas negociações e dos resultados possivelmente aferidos
pelas opções. Os defensores da forma convencional de negociação, destacando o
Presidente do Banco Central do Brasil Fernão Bracher e o embaixador do Brasil em
Washington Marcílio Marques Moreira, baseavam sua argumentação nas possíveis
represálias sofridas pelo Brasil dada a opção pela via agressiva
140
. Além disso,
acreditavam que o estabelecimento de um novo acordo com o FMI e a renovação do
acordo com os bancos credores dariam subsídios para o Brasil atravessar a crise e
retomar o acesso ao mercado de crédito privado.
Entretanto, depois de quatro anos e meio de crise, não era difícil perceber que os
mecanismos acionados para administrar o problema da dívida não estavam levando os
países devedores à solução alguma. Nem poderiam, pois não haviam sido concebidos
para solucionar seus problemas, e sim para assegurara determinados fluxos de
transferência de recursos para os credores (Batista Jr, 1988: 27). Partindo do
pressuposto da inoperância dos mecanismos tradicionais de negociação e da
necessidade do país não subordinar as políticas domésticas de crescimento econômico e
desenvolvimento à geração de superávits para honrar o pagamento do serviço da vida,
que a opção pela manutenção da política autonomista em relação ao problema do
endividamento externo ganhou força. Essa opção não respondia somente a pressupostos
técnicos e econômicos relacionados à melhor forma de renegociação do passivo
brasileiro. Estava relacionada também ao entendimento acerca do papel desempenhado
pelo Brasil no sistema internacional e a objetivos fundamentais de política externa do
país: relacionados também ao fortalecimento de entonações de caráter nacionais e
soberanos.
140
Maiores desconfianças em relação ao país, assim com o possível confisco de depósitos
nacionais em bancos brasileiros no exterior.
166
Mesmo após o Brasil obter nova vitória no seu modelo de negociação, com a
aprovação, em janeiro de 1987, de um acordo com o Clube de Paris sem a necessidade
de supervisão do FMI, a situação externa não dava sinais de melhora. A queima de
reservas aumentava e o governo brasileiro, relutante em voltar à forma tradicional de
negociação (empréstimo-ponte, acordo com o Fundo e negociação com os bancos
credores) decretou a suspensão dos pagamentos dos juros devidos sobre a dívida de
médio e longo prazos devidos aos bancos comerciais. A moratória brasileira foi
estrategicamente articulada para incidir sobre os credores privados e sobre as obrigações
de médio e longo prazos, não se estendendo à vida contratada de curto prazo e aos
agentes não privados – bancos centrais nacionais, instituições multilaterais.
Como se pode perceber nos documentos que expõe e anunciam a moratória
brasileira, essa tinha dois objetivos fundamentais. O primeiro deles e mais facilmente
visualizado consistia na “defesa” das reservas brasileiras, que, apesar da diminuição
vertiginosa, ainda se encontraram em níveis bem maiores que os de 1982
141
. A opção por
estancar a queima de reservas, de acordo com o discurso do Presidente Sarney e como
exposto no Telex enviado pelo Ministro Funaro, colocaria o Brasil em condições de
manter níveis mais autônomos de negociação, antes que se chegasse à total falta de
liquidez para manter a importação de bens básicos.
O segundo objetivo da moratória e, possivelmente, o objetivo mais importante
atrelado à decisão, era o de utilizá-la como uma forma de se estimular e pressionar a
comunidade financeira internacional na direção da constituição de uma nova fase e um
novo modelo de negociações com os países endividados, em especial com o Brasil. A
141
“O Brasil tem hoje reservas suficientes para atender importações por vários meses. Nossas
reservas líquidas e disponíveis (...) que são de US$ 3,962 bilhões. A situação é totalmente da de
1982. Ai, sem, naquela época houve um constrangimento de fato (...). O Brasil teve de recorrer ao
Fundo Monetário Internacional nas circunstancias bem conhecidas. Hoje isso não ocorrer. Temos
recursos suficientes e, com as medidas tomadas agora, preservaremos nossas divisas,
fortalecemos nossa posição de negociar”.
167
interrupção localizada dos pagamentos externos, além de reforçar a posição financeira do
Brasil com a minimização da queima de reservas, daria maiores subsídios à definição de
uma nova estratégia de negociação, que contemplasse uma simbiose entre a
reestruturação da dívida e a implementação de uma política nacional de crescimento
econômico. A viabilidade de um crescimento sustentado e que possibilitasse alguma
forma de relacionamento com o sistema de crédito privado, inclusive com a retomada dos
pagamentos, deveria passar necessariamente, de acordo com o governo brasileiro e
alguns analistas, pela minoração das transferências de recursos e estrangulamento
econômico. Esse ponto, central à equipe econômica desde a instauração da nova
república, em especial com a entrada de Funaro, está nitidamente expresso no Telex
enviado à comunidade financeira internacional e na citação abaixo.
A cornerstone of the Brazilian government’s policy is its commitment to
the promotion of economic growth and the consolidation of democracy.
Theses objectives are not compatible with massive out-ward transfer or
resources required by the debt-rescheduling model applied up to now.
A contínua queima de reservas e a ampliação das transferências de recursos ao
exterior, sem que, em contrapartida, o país tivesse acesso a novos recursos externos por
parte dos bancos privados e a busca de uma nova forma de negociação, pautada pela
soberania econômica e auto-condução das políticas econômicas levaram o Brasil à
decretar o moratória de fevereiro de 1987. As divergências internas entre o grupo de
Funaro e os defensores de uma negociação passiva, aos moldes anteriores, levaram a
embates intra-governamentais que acabariam levando ao enfraquecimento da posição
brasileira
142
.
142
Outro conjunto de críticas à estratégia se referia aos interesses por detrás da moratória.
Segundo alguns críticos, o Brasil buscava, na realidade, desestabilizar o sistema financeiro
internacional e instigar outros credores a uma ação coordenada de suspensão dos pagamentos. A
não realização desses objetivos teria colocado o governo numa nova encruzilhada, dessa vez
desamparada de novas estratégias.
168
A falta de apoio direto do Presidente, que se utilizou da moratória com instrumento
de legitimidade frente ao fracasso do plano de estabilização da inflação, após o início da
campanha de desmoralização da equipe econômica e da estratégia, acabaria levando à
renúncia de Funaro. A saída do Ministro, que foi acompanhado pela equipe que
formuladora a estratégia, deu espaço para uma reversão, tanto da forma de negociação
da dívida, como dos rumos e objetivos de política econômica, abrindo espaço para que
novas concepções econômicas ascendessem no país. Com a entrada no novo Ministro, o
então professor Luiz Carlos Bresser Pereira, e sua posterior substituição, o Brasil
retomaria os rumos traçados pela comunidade financeira internacional de
estrangulamento doméstico para acerto dos dividendos externos
143
. A retomada das
políticas de ajuste e ampliação das exportações e a retomada da aproximação com o
Fundo Monetário Internacional levariam o Brasil a retroceder nos esforços de inauguração
de uma nova fase de negociações.
143
Na sua entrada Bresser Pereira decretou uma minidesvalorização de 8,5% para ampliar o
esforço exportador do país para aumentar o volume de recursos disponíveis ao pagamento de
juros.
169
5.4. A Crise do Endividamento Brasileiro e a Ruptura do Modelo de
Desenvolvimento.
O modelo de industrialização adotado pelo Brasil, desde o seu grande surto de
modernização, crescimento econômico e urbanização, iniciado nos anos Vargas fundou-
se basicamente no binômio financiamento e planejamento estatais. O governo federal se
manteve responsável, por décadas, por prover os recursos necessários à industrialização
brasileira, assim como gerir os investimentos produtivos e atuar diretamente como agente
econômico. Essas duas molas-mestre: financiamento e gerenciamento estatais,
evidentemente, se dividem em outros mecanismos e estratégias, assim como se
diferenciaram no que se refere à sua profundidade e dependência perante outros fatores
ao longo do tempo. No caso específico do padrão de financiamento adotado, uma
peculiaridade do caso brasileiro foi relevante para o processo de desenvolvimento e crise
econômica nacional. O Brasil sempre foi dependente de recursos captados externamente
para sustentar seus projetos de crescimento econômico, uma vez que não contava com
um nível satisfatório de poupança doméstica nem com um sistema de financiamento
capaz de gerir os seus escassos recursos e estimular a captação internamente. Dessa
forma, o Brasil fez uso sistemático do sistema de crédito internacional: instituições
multilaterais de fomento, bancos comerciais e programas governamentais de ajuda, etc.
Com a crise econômica internacional desencadeada com o primeiro choque do
petróleo em 1973, o governo do Presidente Ernesto Geisel se depararia com uma
situação ímpar. Por um lado, a década de setenta inauguraria um cenário de estagnação
global com decréscimo da produção e comércio mundiais, enquanto no Brasil haveria
uma desaceleração do crescimento da economia, que vinha se expandindo a números
extremamente elevados alguns anos. Por outro lado, o sistema financeiro privado,
altamente abastecido e com custo de capital extremamente baixo, daria ao governo
opções e liberdades para implementar políticas econômicas expansionistas sustentadas
170
por esses recursos. Ao final de 1974 o governo brasileiro aprovou um plano de
crescimento econômico e incentivo à industrialização baseado na captação externa e
continuidade das políticas baseadas no gerenciamento estatal da economia. Essa opção
de política, materializada no Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, conduziria o
país a taxas de investimento e crescimento elevadas, mas com uma sobrecarga, ainda
administrada, do endividamento.
Os choques de 1979 e a última tentativa de manter o crescimento durante o
segundo delfinato, acirrariam a vulnerabilidade externa do país com a modificação do
perfil do endividamento: aumento das obrigações de curto prazo e a um custo mais
elevado. A moratória mexicana e o tratamento dado pelos bancos comerciais aos países
endividados, num cenário de crise econômica internacional, detonariam a crise do
endividamento no Brasil. Entre os anos de 1981 e 1983 o Brasil enfrentaria uma recessão
severa e a partir desse momento daria início a um processo de transferência de recursos
ao exterior inimaginável até para o maior dos pessimistas.
As políticas implementadas para estabilização das contas externas e o processo
de renegociação da dívida brasileira, conduzidos pelo Fundo Monetário Internacional,
levaram o país à recessão, estimulada e acompanhada para sustentar, através do
superávit comercial, o pagamento dos serviços da dívida brasileira. Os esforços nacionais
para ampliar as exportações às custas de uma séria recessão interna sustentaram os
pagamentos aos países desenvolvidos. O bom desempenho da balança comercial no ano
de 1984 e a transição política estimularam o novo governo civil, principalmente a partir da
entrada de Dilson Funaro no Ministério da Fazenda, a buscar uma nova forma de
negociação, mais assertiva e autônoma. A supressão do Fundo Monetário Internacional
no processo de negociação com os credores, a auto-condução da economia e o estímulo
ao crescimento econômico passariam a consistir as principais diretrizes do governo
brasileiro. Entretanto, as dificuldades encontradas na negociação com os bancos credores
171
e com o Clube de Paris
144
, altamente intransigentes em relação à necessidade de
formalização de um acordo de estabilização com o FMI, e os resultados negativos no
balanço de pagamentos nos finais de 1986 levaram à decisão de paralisar o pagamento
dos juros e amortizações aos bancos comerciais. A decisão se manteria, como
apresentado, até que uma nova forma de negociação fosse implementada.
O período que vai da tentativa de uma resposta não-recessiva pelo governo
brasileiro à crise internacional de início dos anos setenta até o desencadeamento da crise
da dívida e as tentativas de ajuste no Brasil marcam o processo de desenvolvimento da
crise econômica brasileira, que produziria reflexos por anos. O primeiro momento a
experiência de aceleração do crescimento com o II PND seria responsável por um novo
surto modernizador no país que produziria efeitos significativos na economia brasileira. A
partir do endurecimento do cenário econômico internacional em 1979, o Brasil rumaria à
recessão, passando a sofrer com as interferências do FMI na condução de sua política
econômica e na renegociação da dívida externa. Essa ruptura reforçaria a crise brasileira
com o processo de transferência de recursos ao mundo desenvolvido e abriria espaço
para a emergência de um novo modelo econômico no país.
A experiência de ajuste anti-cíclico experimentada durante os anos Geisel, ao
mesmo tempo em que impulsionou o processo de endividamento no país, foi marcada
pela expansão do produto nacional tendo resultados diretos na economia e no comércio
nacionais. Nesse momento, foram implementadas políticas de incentivo e investimento
em áreas específicas da economia, que ampliariam o dinamismo do país, fortalecendo
suas bases econômicas. Esse programa de industrialização era basicamente voltado a
redirecionar a matriz produtiva às novas condições econômicas sistêmicas e corrigir os
desequilíbrios herdados de períodos anteriores. As taxas de crescimento econômico
144
Apesar da intransigência, o Brasil conseguiu formalizar acordos tanto com os bancos comerciais
como o Clube de Paris.
172
experimentadas e o aumento dos investimentos, assim como uma significativa
transformação da pauta de exportações do país são exemplos do sucesso do programa.
Esse programa de investimentos seria responsável por uma redução permanente do
coeficiente de importações, que se observou com a recuperação da economia nos anos
seguintes” (Carneiro e Modiano, 1990:333).
O entendimento do governo brasileiro acerca da crise internacional, como
buscamos apresentar no capítulo anterior, direcionou o plano a corrigir os problemas
estruturais da economia brasileira com o objetivo de manter o crescimento econômico e
promover uma estabilidade estrutural. Os resultados da estratégia se materializariam
fundamentalmente: a) na continuidade do crescimento econômico, fator mais visível; b) no
volume de investimento e acréscimo da produção em áreas altamente sensíveis, tendo na
produção de energia, mais especificamente no petróleo, um dos fatores centrais; c) na
reestruturação da pauta de exportações do Brasil, com a maximização da participação de
bens de maior valor agregado.
Esses três pontos centrais dos resultados aferidos com o plano exerceram papéis
determinantes nos rumos da economia brasileira durante os anos de crise e impactaram
decisivamente no balanço de pagamento do país, via balança comercial. A minimização
dos custos de importação, com a substituição de bens que seriam produzidos
internamente, além da ampliação da produção de matérias-primas e energia, por um lado,
representaram uma folga nas contas externas do país. A produção interna de petróleo
possibilitou uma diminuição constante das importações a partir do início dos anos oitenta,
quando o preço do barril atingira suas maiores cotações. Mesmo com a retomada do
crescimento econômico a partir de 1984, o volume importado do bem se manteve a níveis
decrescentes. Por outro lado, os incentivos provenientes das políticas governamentais
pós-1975 e a maturação dos investimentos do plano possibilitaram também uma geração
de divisas através da expansão do volume das exportações brasileiras, mas,
173
principalmente, através de uma reconfiguração da pauta de exportações. O Brasil
passaria a contar, em finais da década de setenta, com uma maior participação de bens
industrializados no comércio exterior do país, o que diminuiria as incertezas provenientes
do mercado de commodities, dando maior a estabilidade para as contas externas do
país
145
. A estabilização das contas externas e os superávits comerciais dos anos oitenta,
assim como a própria capacidade de gerar divisas para honrar os compromissos externos
e manter níveis de reservas cambiais aceitáveis estariam diretamente relacionados com
as políticas implementadas nos anos setenta. A elevação vertiginosa dos gastos
brasileiros com o pagamento de juros e a queda dos preços das commodities após a crise
foram, dessa forma, contrabalanceados ou minimizados pela maior participação de bens
manufaturados na balança comercial do país.
“Com relação à capacidade de geração de divisas, de se concordar
com a principal tese de Barros e Castro e Pires de que o ajustamento
recessivo implementado com a crise externa não explica a maior parte da
performance da balança comercial alcançada nos últimos anos. A política
de diversificação da estrutura industrial da década de 70 e a política de
substituição de energia implantada com o segundo choque do petróleo
criaram bases para que a economia brasileira respondesse de maneira
relativamente dinâmica à crise dos anos 80” (Baer, 1989:190)
O fechamento do sistema de crédito privado indiscriminadamente aos países
periféricos a partir da crise mexicana fez aumentar de forma significativa o passivo
financeiro brasileiro, implicando o aumento constante da participação do refinanciamento
de dívidas e rolagem de atrasados financeiros na captação de recursos
internacionalmente. A crise econômica brasileira, a insustentabilidade das contas externas
e as condicionalidades impostas pelo acordo estabelecido com o FMI, enquanto
minimizaram as possibilidades de política econômica ao governo brasileiro, impunham
145
Os dados referentes aos investimentos do plano; à comercialização brasileira de petróleo; à
pauta de exportações e à balança comercial do Brasil estão expostos nas tabelas e gráficos
apresentados no capítulo anterior. Tabela 6, Gráfico 4, Tabela 5 e gráfico 3, Tabela 11.
174
uma severa recessão ao país e sustentavam o pagamento integral do serviço das dívidas
contraídas. Esse processo de transferências de recursos ao exterior condicionaria a
economia brasileira impondo severas restrições ao desenvolvimento nacional.
Como se pode perceber na tabela 16, o volume de recursos brasileiros que foram
enviados ao exterior no período 1982-86 se mantivera em patamares extremamente
elevados, alcançando nos anos de 1985 e 1986 mais de 40% do valor das exportações
brasileiras. A submissão da política economia e a recessão interna para cumprir com os
interesses do sistema financeiro privado acabariam produzindo efeitos altamente
desestabilizadores na economia brasileira. O Brasil foi impelido, através das
condicionalidades das instituições de Bretton Woods e do modelo de negociação com os
bancos credores, a desestimular o crescimento e direcionar economia às exportações
para manter essas transferências.
175
A equipe econômica do governo de José Sarney, mais especificamente após a
substituição de Francisco Dornelles por Dilson Funaro, buscou recolocar o país num rumo
de desenvolvimento econômico. A estratégia adotada pelo governo perpassava
fundamentalmente por três linhas principais. A primeira dela estava relacionada à
tentativa de minorar os constrangimentos econômicos do estrangulamento das contas
nacionais provenientes das negociações com os credores brasileiros e FMI. O
endividamento brasileiro produzira uma elevação drástica do déficit público, com a
estatização das dívidas do setor privado, e a forma tradicional de negociação estimulava
uma completa submissão dos objetivos econômicos nacionais ao pagamento dos juros e
amortizações. Uma segunda linha de ação do governo foi a de buscar conter o surto
inflacionário sem a adoção de um ajuste recessivo clássico. A experiência heterodoxa do
Plano Cruzado, assim como a tentativa de alcançar um modelo de negociação do passivo
176
Tabela 16:
Brasil: Dados Externos e Transferência de Recursos ao Exterior
Discriminação 1982 1983 1984 1985 1986
1. Juros líquidos 11.353 9.555 10.203 9.589 9.000
2. Outros serviços fatores 585 758 796 1.059 1.100
3. Lucros e Dividendos 939 839 496 627 500
4. Ingresso Líquido de Capitais 10.213 3.778 8.811 -732 -1.226
5. Transferência de recursos
financeiros (6 = 2+3+4-5) 2.664 7.374 2.684 12.007 11.826
6. Exportações de bens e serviços
não-fatores 21.432 23.197 28.529 27.346 26.760
7. Transferências / exportações
(7 = 5+6) em % 12,4 31,8 9,4 43,9 44,2
Fonte: Banco Central do Brasil. In. Batista Jr., 1987
externo mais autônomo, contava com o apoio popular e dos grupos empresariais
brasileiros. Nesse momento, retomaram-se também os debates sobre a necessidade e
possibilidade de o Brasil promover uma política mais abrangente e consistente de
industrialização. O que constituía a terceira linha de ação do governo.
Esses três pontos da estratégia governamental se interconectavam e eram
mutuamente dependentes. Durante os quatro anos de implementação do ajuste recessivo
no país, as taxas de crescimento mantiveram-se em níveis drásticos, com exceção do ano
de 1984 (-4,3% em 1981, 0,8% e -2,9% em 1982 e 1983). A recuperação da economia
nos anos de 1985 e 1986 deu maiores fôlegos para o acirramento da crítica ao modelo
até então adotado. A retomada dos fluxos comerciais mundialmente e o aquecimento da
economia norte-americana, associados à expansão da demanda interna e da utilização da
capacidade ociosa da economia brasileira (resultado do desaquecimento estimulado pelo
ajuste) estimularam a implementação de uma política econômica de corte heterodoxo
para a contenção da aceleração inflacionária, assim como dera maior autonomia ao
governo para tratar do tema das negociações exteriores e implementar uma política de
industrialização.
O tema do desenvolvimento e industrialização passaria a compor definitivamente a
agenda do governo brasileiro, assim como se colocaria como uma política fundamental
para a economia. Tanto nos relatórios preparatórios para a formação da política
econômica do governo de Tancredo, como nas discussões e implementação da Nova
Política Industrial, adotada já no meio de 1988, o tema era fundamental, uma vez que
177
“O resultado do ajustamento externo fora a pior recessão do pós-guerra,
acompanhada de aceleração da inflação, redução dos padrões de
consumo de boa parte da população e colapso dos níveis de
investimento. A queda no nível de atividade e na taxa de investimento
interrompera o processo de modernização tecnológica da indústria
brasileira; a conseqüente perda de competitividade do setor industrial
brasileiro colocava a possibilidade de expansão das exportações na
dependência exclusiva de desvalorizações inflacionárias de câmbio.
(Batista Jr, 1987:21)
A retomada do crescimento econômico a partir desse momento demandaria
políticas voltadas a incentivar o investimento, que não eram compatíveis com o volume de
transferências de recursos ao exterior. Daí a necessidade de se estancar a queima de
recursos para promover um cenário econômico palatável para os investimentos
produtivos. A tentativa de desvincular a renegociação da dívida externa das políticas
econômicas domésticas, objetivando conferir liberdade ao governo na implementação de
políticas de crescimento econômico, acabaria levando à moratória de 1987. O Plano
Cruzado fracassou em estabilizar a inflação e, ao mesmo tempo, o Brasil se deparara
com um novo desbalanceamento nas contas externas. As políticas adotadas, que tinham
justamente o objetivo de interromper o surto inflacionário e estancar as transferências de
recursos ao exterior acabaram produzindo efeitos contrários.
O fracasso da experiência heterodoxa, encabeçada pelo Plano Cruzado, e a
campanha contra a moratória de 1987 acarretariam numa mudança de rumo na economia
brasileira. As bases de sustentação do modelo “neo-desenvolvimentista” tentado durante
os anos de Funaro a frente da pasta econômica se ruíam e o discurso do governo
começava a se distanciar da heterodoxia e passava a entrar em maior sintonia com as
políticas sugeridas e apoiadas pelo governo norte-americano. As pressões sob o governo
vinham, a partir desse momento, dos planos externo e doméstico: empresariado nacional
178
e governo dos Estados Unidos
146
passariam a pressionar tanto o governo como as
próprias estruturas econômicas na direção da maior liberalização econômica (Velasco e
Cruz, 1997; Filgueiras, 2005). O Brasil passava a estreitar mais seus laços com o discurso
neoliberal.
146
Nesse contexto, o Brasil passou a ser alvo de pressões crescentes por parte dos norte-
americanos, que tomavam como questão principal, alvo privilegiado, a regulamentação da Lei de
Informática e as políticas de reserva de mercado.
179
180
CONSIREAÇÕES FINAIS
Essa dissertação teve como objetivo central, como destacada na introdução do
texto, realizar uma análise do processo de crise econômica no Brasil que se desencadeou
nos anos oitenta e rompeu com o modelo de crescimento do país. Sem nos
aprofundarmos nesse momento nas discussões apresentadas ao longo do texto, para
não torná-lo ainda mais repetitivo, nos restringiremos a algumas poucas palavras nessas
considerações finais, deixando-a num formato quase esquemático para podermos nos
atentar a algumas idéias que compreendemos serem mais relevantes.
As leituras do processo de crise da dívida brasileira e ajuste nos anos oitenta se
focaram, na sua maioria, nas principais questões macroeconômicas do processo. No caso
dessa dissertação, buscamos retratar os efeitos na economia brasileira provenientes das
transformações nas relações econômicas internacionais, assim como os
constrangimentos derivados de fatores exógenos e atores internacionais nas estratégias e
políticas econômicas adotadas no Brasil. O desenvolvimento econômico brasileiro se
baseou amplamente na condução estatal do processo de industrialização e na captação
externa como forma de amparar os investimentos numa economia com níveis de
poupança interna quase irrisórios. A estratégia implementada nos anos Geisel fundou-se
nesse mesmo binômio, mas partia de concepções específicas ao momento: superação
das vulnerabilidades externas do país provenientes de um processo de crise e
reestruturação do sistema capitalista. Essa leitura histórica é fundamental para se
compreender o processo de crise de endividamento, assim como os resultados
provenientes do processo de industrialização em marcha forçada experimentado pelo
país.
Como afirmado, buscamos realizar uma análise que se baseasse numa
observação dos impactos externos na economia brasileira e da relação do país com as
181
estruturas e atores internacionais. Em especial buscamos analisar a relação entre os
governos brasileiros e as instituições do sistema financeiro internacional. Em relação aos
bancos comerciais a análise se deu durante o período de expansão da captação externa,
mas, principalmente, a partir do processo de renegociação dos débitos quando da
paralisia dos fluxos privados. As instituições multilaterais, FMI e Banco Mundial,
mereceram destaque fundamental. A primeira por desempenhar o papel central na
orquestração da relação credor-devedor e na implementação de programas de
estabilização recessivos nos países que pleiteassem renegociar seus passivos com os
bancos privados. O Banco Mundial, apesar da participação diminuta na economia
brasileira, atuou como agente financiador da economia nacional.
A pesquisa no campo das chamadas ciências humanas sempre nos deixa espaços
abertos para suspeições e dúvidas. Isso se refere à própria natureza da pesquisa e do
discurso nessa área da ciência, onde reina a eterna síndrome da incompletude e da
impossibilidade de se trazer à tona uma suposta verdade dos fatos que externe a
compreensão humana. Mesmo com o distanciamento cronológico do objeto, mais
visivelmente verificado nos estudos históricos, e com a absorção de uma quantidade cada
vez maior de fontes, a irrefutabilidade é sempre impossível. Todo o debate sobre a própria
cientificidade da pesquisa nas ciências humanas sustenta a necessidade do rigor e do
método, mas sem que possam nos trazer respostas inequívocas e nos abster da
inevitável confrontação de idéias. A impossibilidade de alcançar a tal suposta verdade não
impede a pesquisa e as afirmações e nem deve as desestimular. Toda uma literatura
vasta sobre o tema não substitui e, pode até ser resumida, na idéia do matuto mineiro
Riobaldo
147
que exprime, de alguma forma, o sentimento da pesquisa acadêmica. Eu
quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa”. No caso específico desse texto, e
147
Da obra de João Guimarães Rosa. Grande Sertões: Veredas.
182
tendo como amparo a literatura e documentos consultados, desconfiamos de algumas
coisas.
Basicamente, nossas desconfianças se concentram em dois pontos específicos. O
primeiro ponto, que corroboraria o a priori teórico utilizado nessa pesquisa, se refere ao
papel desempenhado pelas instituições internacionais na estruturação das relações
internacionais. E o segundo ponto está relacionado diretamente ao caso brasileiro: à crise
econômica do Brasil e consiste na idéia de que o caso brasileiro não corresponderia ao
modelo desenhado pelas instituições de Bretton Woods e alguns analistas de crise do
modelo de substituição de importações, como o fator central, determinante, da crise
brasileira dos anos oitenta.
A forma como se deu a condução da renegociação da dívida externa dos países
latino-americanos, no caso específico do Brasil inclusive, reforça a tese de que as
instituições internacionais objetivamente respondem a interesses de grupos específicos e
esses interesses são historicamente mutáveis. No caso específico, elas corresponderiam
aos objetivos das grandes economias internacionais, responsáveis pela sustentação do
sistema financeiro internacional e das próprias instituições. Pode-se averiguar essas
questão mais especificamente na condução do processo de renegociação das dívidas
externas operacionalizado do Fundo Monetário Internacional. Por um lado, a instituição
passaria adentrar em temas não estabelecidos na sua constituição, além de conduzir
programas de estabilização diametralmente contrários ao estipulado nos seus acordos de
fundação: ou seja, manter a estabilidade dos países em crise sem que esses se vissem
forçados e diminuir seus níveis de crescimento e emprego. Por outro lado, a forma de
condução da relação credor-devedor espelha nitidamente a forma de cooperação entre os
bancos comerciais e a instituição. Essa cooperação se expõe nitidamente nas
negociações caso a caso, impedindo qualquer tentativa de fortalecimento da posição dos
183
devedores; nos custos dos ajustes impostos somente aos países em débito
148
; na
inexistência de qualquer possibilidade de alívio de dívida; e a relação estreita entre os
programas de ajuste do Fundo, atrelados a altas condicionalidades, com os desembolsos
dos empréstimos dos bancos privados. Esses fatos expõem claramente a funcionalidade
do FMI na manutenção das transferências de recursos dos países endividados ao Norte
através do pagamento dos juros e amortizações somente através dos esforços de
exportação.
O segundo ponto que queremos destacar se refere especificamente ao caso
brasileiro: ao processo de desencadeamento da crise da dívida brasileira e a forma de
renegociação. O Brasil é, quando comparado com os países latino-americanos, um
reformador retardatário. As reformas econômicas de caráter liberal implementadas na
América Latina, em alguns casos na década setenta, que se expandiram e
aprofundaram nos anos oitenta e noventa com a adesão à agenda de reformas do
Consenso de Washington passaram a ser definitivamente implementadas no Brasil a
partir dos anos noventa com a entrada de Fernando Collor e na gestão FHC. A relutância
brasileira e a tentativa de manutenção das políticas de desenvolvimento produziram
efeitos diferenciados na economia brasileira. Entretanto, o país acabaria instado a iniciar
um processo de ajuste profundo na sua estrutura econômica.
O início dos anos setenta marcou uma séria inflexão nas relações econômicas
internacionais desencadeando um processo de crise generalizada com impacto
significativo nas experiências de crescimento econômico dos países periféricos. As
súbitas transformações nas relações econômicas internacionais, a estagnação comercial
e a deterioração das relações de troca resultaram em um déficit nas contas externas
brasileiras da ordem de US$ 1,04 bilhão no ano de 1974. O principal fator
148
Essa questão, entretanto, é tema de discussão desde a criação do FMI. A instituição não possui
mecanismos para persuadir os países com superávits a alterarem suas políticas
macroeconômicas.
184
desestabilizador do balanço de pagamentos do Brasil foi a balança comercial, que de
superavitária em 1973 fechou o ano de 1974 com um déficit da ordem de US$ 4,7 bilhões.
O governo Geisel coincidiu com esse processo de desaquecimento econômico global,
mas acabaria responsável por uma transformação significativa na economia brasileira.
Nesse momento o governo brasileiro buscou incentivar continuação dos projetos
desenvolvimentistas com o objetivo de re-adequar a matriz produtiva brasileira à nova
estrutura das relações econômicas internacionais. A política de desenvolvimento e ajuste
econômico se fundara na captação de recurso externamente, através de uma política de
endividamento razoavelmente administrada e que ainda contava com um grau de
estabilidade. O endividamento, apesar de alto, não impactava de forma substancial na
economia como um todo.
Como buscamos enfatizar ao longo da dissertação, o Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento tinha objetivos claramente estabelecidos, no que se refere à
estabilidade externa. Em suas metas constavam: uma política de transformação da
estrutura produtiva, que incidisse sobre o comércio exterior do país. O incentivo à
industrialização e a ajustes estratégicos na economia promoveriam uma suavização das
relações comerciais do país através da: a) minimização do peso das importações de bens
industrializados, bens de capital e matérias-prima; b) incremento da produção de bens
manufaturados, com o objetivo de abastecer o mercado doméstico e aumentar a
competitividade e o valor das exportações brasileiras e; c) aumento da produção de
energia, incluindo petróleo e derivados, além de fontes alternativas. O governo buscou
manter e aprofundar o processo de substituição de importações e operar um processo
substitutivo das exportações brasileiras.
A captação de recursos internacionalmente foi operacionalizada com o objetivo de
implementar esse amplo programa de industrialização no país visando responder às
súbitas transformações na economia mundial e readequar o sistema produtivo e de
185
comércio exterior do país a esse novo cenário. Os resultados do Plano, no que se refere
às duas principais variáveis, produto industrial e comércio exterior, foram extremamente
positivos como se pode perceber nos dados extraídos de relatórios governamentais. A
transformação na pauta de exportações brasileira, componente fundamental da estratégia
do governo, alcançou marcas significativas, como se pode perceber na tabela de número
5 e no gráfico 3. A participação de bens industrializados superou a de bens primários
em 1979 mantendo o crescimento continuamente.
Entretanto, as transformações subseqüentes que acometeriam as relações
financeiras mundiais e o processo de submissão dos objetivos nacionais aos interesses
do sistema financeiro mundial implicariam a ruptura do modelo. O peso do endividamento
externo contratado durante a década de setenta e que se expandiria para dar conta dos
altos valores pagos em juros e amortizações no início dos anos oitenta ampliaria a
vulnerabilidade do país a choques externos. A ruptura do sistema financeiro internacional
em 1982 e o processo de renegociação da dívida marcariam a crise definitiva do modelo
de desenvolvimento brasileiro. A deterioração das relações econômicas externas e o
processo de transferência de recursos para o exterior durante os anos oitenta seriam os
principais fatores que determinaram a crise generalizada da economia brasileira durante
mais de uma década. As instituições internacionais de Bretton Woods, em especial o
Fundo Monetário Internacional, como afirma Paulo Nogueira Batista Júnior (1987), teriam
desempenhado papel determinante na condução das políticas econômicas desses países
para a manutenção dos pagamentos e das transferências de recursos reais para os
países do primeiro mundo.
O fracasso do modelo de negociação da dívida externa lançado com a nomeação
de Dilson Funaro para o Ministério da Fazendaque buscou estabelecer um processo de
negociação que não submetesse a economia e o crescimento ao pagamento de juros e
do Plano Cruzado marcariam o final do modelo de desenvolvimento nacional
186
experimentado por décadas no Brasil. As restrições impostas pela transferência de
recursos ao exterior e o fracasso da experiência heterodoxa condicionariam a economia
brasileira à recessão e impulsionariam a reversão de seus. Esse fracasso fortaleceu
grupos e interesses distintos dos que prevaleciam até então, acentuando o
direcionamento da economia brasileira ao liberalismo.
Buscou-se com esse texto apresentar o histórico da crise brasileira e o processo
de renegociação da dívida. O discurso acadêmico e político das instituições internacionais
relacionam a crise da década de oitenta à falência do modelo de industrialização via
substituição de importações. Entretanto, o Brasil experimentou durante os anos setenta
taxas de crescimento expressivas que redirecionaram a pauta de exportações do país
com resultados econômicos extremamente positivos, além de reverter parte da
dependência brasileira à importação de energia, matérias-primas e bens de produção. A
crise econômica internacional da década de oitenta teria sido minimizada sensivelmente
pela estratégia de crescimento via endividamento externo dos anos setenta, mas a
ruptura indiscriminada e generalizada do sistema financeiro internacional desencadeou
um processo de recessão e crise, aprofundado ainda mais com o processo de
renegociação orquestrado pelo FMI. A renegociação do passivo condicionada a acordos
de alta condicionalidade com o Fundo impossibilitara novas estratégias de política
econômica ou de renegociação com os bancos credores, além de submeter as políticas
nacionais aos interesses da comunidade financeira internacional.
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