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Posso, nesse momento, recuperar e enunciar objetivos. Pretendo, como já disse, (1)
situar e comentar os diferentes modos sintomáticos de relação fala-leitura-escrita instaurados
em quadros afásicos, conforme abordados na literatura neurológica e neuropsicológica
(Goldstein, Luria, Hécaen e Goodglass); (2) apresentar e discutir os efeitos desse raciocínio na
Clínica Fonoaudiológica; (3) procurar discernir esse tipo de raciocínio de outro a que me filio;
(4) discutir questões clínicas relacionadas à implementação de procedimentos que envolvem,
além da fala, também leitura e escrita. Para isso, trago Zazetsky (um paciente de Luria), o
Caso X (paciente de Fonseca, 2002); Mirela e Josué Xaves, atendidos por mim. Meu olhar
está voltado para possíveis efeitos terapêuticos que possam ter advindo da implementação de
propostas clínicas envolvendo a introdução de atividades de leitura-escrita com pacientes
afásicos. Quando faço referência a tais efeitos, sustento-me na assunção de que sempre que
houver ampliação da “habilidade lingüística”, haverá afetação subjetiva, não previsível ou
antecipável, ou seja, a clínica testemunha que transformações numa modalidade de linguagem
produzem mudanças na relação do sujeito com o outro e outra relação com a linguagem.
Gostaria, acima de tudo, que as discussões deste trabalho, que mergulha nos mistérios das
afasias, pudesse ser tomado como um esforço de contribuição para a discussão teórica e
clínica sobre o assunto. Essa esperança ou desejo tem assento no que assinalou Freud. Diz ele
que em situações patológicas ou sintomáticas as operações que perpassam a “normalidade”
ficam mais nítidas, mais “apreensíveis”. Além do mais, manifestações sintomáticas não
tornam o afásico “menos humano” - é o que espero.
Antes de passar ao primeiro capítulo, devo anunciar que o solo teórico que norteia esta
pesquisa, e as reflexões sobre a escrita dos autores que foram mencionados acima, é aquele
que dá reconhecimento à ordem própria da língua, ou seja, às leis de referência interna da
linguagem (SAUSSURE, 1916) e à sua articulação na fala/escrita (JAKOBSON, 1954, 1960;
BENVENISTE, 1962, 1970). A influência da reflexão desses autores assim como a
interpretação de suas obras, aqui assumida, vêm da leitura feita por De Lemos (1992, 1997,
2002 e outros) e, principalmente, daquela que vem sendo realizada, na seqüência, no âmbito
do Projeto Integrado (CNPq 522002/97-8), hoje Grupo de Pesquisa CNPq, “Aquisição,
patologias e clínica de linguagem”, coordenado por Maria Francisca Lier-DeVitto, no LAEL-
PUCSP. Trata-se de uma linhagem que tem, em J-C Milner (1978, 1987, 2002), sua fonte. De
forma sucinta, dá-se reconhecimento à Lingüística Científica – à ordem própria da língua,
conforme presente no estruturalismo europeu e o programa gerativista de Chomsky (ficamos
com a primeira tendência). Persegue-se, como desdobramento desta opção teórica, a
compatibilidade entre concepção de língua (de Saussure) e de sujeito. Nessa direção,