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1
VANESSA DA ROSA
A INVISIBILIDADE DA MULHER NEGRA EM JOINVILLE: FORMAÇÃO E
INSERÇÃO OCUPACIONAL
FLORIANÓPOLIS
2006
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VANESSA DA ROSA
A INVISIBILIDADE DA MULHER NEGRA EM JOINVILLE: FORMAÇÃO E
INSERÇÃO OCUPACIONAL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós
Graduação em Educação da Universidade Federal
de Santa Catarina, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Célia Regina Vendramini
FLORIANÓPOLIS
2006
TERMO DE APROVAÇÃO
VANESSA DA ROSA
A INVISIBILIDADE DA MULHER NEGRA EM JOINVILLE: FORMAÇÃO E
INSERÇÃO OCUPACIONAL
Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do grau de Mestre em Educação, ao
Curso de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Banca Examinadora:
________________________
Profª Drª Célia Regina Vendramini
Orientadora
________________________
Profª Drª Vânia Beatriz Monteiro
Co-Orientadora
________________________
Dr. Marcelo Jorge de Paula Paixão
Examinador
________________________
Drª Joana Maria Pedro
Examinador
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS..................................................................................................................4
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS....................................................................................6
RESUMO...................................................................................................................................7
ABSTRACT ..............................................................................................................................8
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................9
1. TRABALHO, EMPREGO E INSERÇÃO OCUPACIONAL........................................17
1.1 O trabalho e sua dimensão histórica..................................................................................17
1.2 Inserção ocupacional e emprego........................................................................................19
1.3 Metamorfoses do mundo do trabalho e formas precárias de realização do trabalho.........21
1.4 A força de trabalho feminina.............................................................................................27
1.5 Mercado de trabalho e discriminação racial......................................................................34
1.6 Inserção ocupacional de mulheres negras .........................................................................39
1.7 Inserção ocupacional, escolaridade, discriminação racial e de gênero..............................42
2. NEGROS EM SANTA CATARINA: UMA HISTÓRIA MARCADA PELA
INVISIBILIDADE..................................................................................................................56
2.1 Imigrantes europeus e negros............................................................................................56
2.2 Educação para os negros....................................................................................................64
2.3 A participação dos negros na força de trabalho.................................................................66
2.4 Joinville: retrato do “esquecimento” de negros e negras no maior pólo industrial do
Estado
.......................................................................................................................................76
3
3. TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO OCUPACIONAL DE
MULHERES NEGRAS EM JOINVILLE
...........................................................................88
3.1 O campo de pesquisa..........................................................................................................91
3.2 As categorias de análise.....................................................................................................98
3.3 Apresentando as trajetórias..............................................................................................104
3.4 Aspectos comuns entre as entrevistadas..........................................................................118
3.5 As estratégias...................................................................................................................125
3.5.1 O concurso...................................................................................................................126
3.5.2 Aumento da escolaridade...........................................................................................128
3.5.3 O ingresso no magistério e na saúde.........................................................................130
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................135
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................141
ANEXO..............................................................................................................................14149
LISTA DE SIGLAS
ANPED- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ACT- Admição em Caráter Temporário
APAE – Associação de Pais e Amigos do Excepcional
CEI – Centro de Educação Infantil
CEJA – Centro de Educação de Jovens e Adultos
CNE/CP- Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno/DF
DIEESE- Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudo Sócio-Econômicos
FACINTER- Faculdade Internacional de Joinville
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FESC – Fundação Educacional de Santa Catarina
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IELUSC – Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus/Ielusc
IESVILLE- Instituto de Ensino Superior de Joinville
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSPIR – Instituto Interamericano Sindical pela Igualdade Racial
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPPUJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LPP/UERJ – Laboratório de Políticas Públicas – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NEN – Núcleo de Estudos Negros
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
PENESB/UFF- Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira/ Universidade
5
Federal Fluminense
PIA – População em Idade Ativa
PIB- Produto Interno Bruto
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (ligada ao governo do Estado de
São Paulo)
SEPPIR- Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SINE – Sistema Nacional de Emprego
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
UNIVILLE – Universidade da Região de Joinville
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 - Proporção de ocupados negros e não-negros em situações de trabalho vulneráveis
(1), segundo sexo Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 1998-2004 (em %)
....36
Tabela 2 - Taxa de participação, por sexo e cor Regiões Metropolitanas e Distrito Federal
Biênio 2001-2002 (Em %)
.......................................................................................................40
Gráfico 1 – Número médio de anos de estudo – evolução por cohorte....................................45
Tabela 3 - Características Educacionais da População Jovem segundo Cor do Indivíduo
(Em %)
......................................................................................................................................47
Tabela 4 - Distribuição dos ocupados segundo cor, sexo e escolaridade Regiões
Metropolitanas e Distrito Federal Biênio 2001-2002 (Em %)
.................................................50
Gráfico 2 – Mapa de Santa Catarina – destaque Joinville........................................................76
Gráfico 3 – Joinville Divisão por bairros .................................................................................93
Tabela 5 - Taxa de participação no mercado de trabalho da população negra e não-negra por
sexo e cor Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005 (em %)
..............119
Tabela 6 - Distribuição das mulheres negras e não-negras segundo posição na ocupação
Regiões metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2003-2004
.............................................122
Tabela 7 - Distribuição das mulheres negras e não-negras segundo posição na ocupação
Regiões Metropolitanas – Biênio 2003-2004
.........................................................................122
RESUMO
O presente trabalho visa analisar as trajetórias e estratégias de inserção ocupacional de
mulheres negras que atuam em centros de educação infantil da rede pública de Joinville e em
setores da área da saúde, identificando fatores sociais, culturais, políticos e econômicos que
influenciam na inserção. A intenção é diagnosticar aspectos preponderantes na inserção em
determinadas ocupações da saúde e da educação, articulando questões referentes à gênero,
raça, emprego e escolarização, em uma cidade que cultiva tradições germânicas. O trabalho
envolveu pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, sendo que os procedimentos
metodológicos adotados na pesquisa são de cunho qualitativo. Na análise das trajetórias e
estratégias de inserção ocupacional, estabelecemos como categorias de análise, além da
própria inserção ocupacional/emprego, questões referentes à raça/etnia, gênero e
escolarização. Quanto às estratégias, observamos que o concurso público, o aumento da
escolaridade e a inserção na área da saúde e da educação, são elementos centrais. Foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas, com sete mulheres negras que atuam em centros de
educação infantil do município de Joinville, postos municipais de saúde e uma maternidade
estadual. Tanto os centros de educação infantil, quanto os postos de saúde localizam-se em
bairros de periferia (Floresta, Itaum, Profipo), com exceção da maternidade, cujo bairro
(Bucarein) é próximo ao centro da cidade. Desta forma, pudemos observar que praticamente
todas as entrevistadas são de origem pobre, com dificuldades de prosseguirem com sua
escolarização por conta de questões econômicas e sociais o que as leva muitas vezes a
inserirem-se em cursos de graduação de pouca qualidade, mas com mensalidades mais
acessíveis. Das mulheres que não são concursadas, todas anseiam pela oportunidade de
ingressar no serviço público via concurso, vendo neste a esperança de estabilidade no
emprego. A pesquisa evidenciou que a inserção na educação e na saúde necessariamente não
se dá por opção e sim como uma forma de fugir do serviço doméstico e do serviço fabril,
além de indicar que todas em algum momento de suas trajetórias foram vítimas de
discriminação racial
Palavras-chave: mulheres negras, inserção ocupacional/emprego, raça, gênero e
escolaridade.
ABSTRACT
The present study is focused on exposing and analyzing the strategies and paths to insertion
employment used by African Brazilian women who work in children´s schools and at
healthcare centers of the public service in Joinville. This study investigates the social,
cultural, political and economical features which influenced this job market insertion
process. The study aims at the diagnoses of some important aspects of the employment
insertion in some educational and health areas of a city that cultivates German cultural
background. The chosen methodological approach was bibliographic and field research with
qualitative results. For the comprehension of the strategies and the paths of employment
insertion, besides the opportunity of insertion itself, issues due to race/ethnic group, gender
and formal education were taken into consideration. Concerning to the analysis of strategies,
the public examinations, the raise in educational level rates and the insertion in educational
and healthcare are focused and considered central aspects. Semi-structured interviews with
seven Afro Brazilian women who work in children educational centers in Joinville as well as
in healthcare Centers and a state Maternity Hospital. All these institutions are located in
suburbs away from downtown (Floresta, Itaum, Profipo) except the maternity hospital
(Bucarein) which is located near downtown. So, we can observe that all the women who
were interviwed are of poor origin with difficulties to go on with their studies because of
economic and social situation. Most of the time, this reality leads them to attend low quality
college courses, but with lower tuition. The women who participated of the interview and are
not government workers seek eagerly for becoming public service workers applying for a
position through public examinations, so that they can assure their stability in their jobs. This
research pointed out that the insertion in education or healthcare employment is not
necessarily a choice, but as a way to escape form domestic jobs and from positions at
industries as blue collar workers. Besides it points out the prejudice all of them have suffered
in one time or another in their lives.
Key words: African Brazilian women, employment/job market insertion, race, gender and
education.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é dar visibilidade à história do negro em Joinville, mais
especificamente às mulheres negras, com base em trajetórias de inserção ocupacional destas
e nas condições sociais, culturais, políticas e econômicas nas quais estas inserções se deram,
além de historicizar ao menos uma parte da vida dos excluídos da história, como diria
Michele Perrot.
A participação social do negro em Joinville, nos seus 155 anos de colonização, não
vem sendo abordada pela história oficial, assim como a de outros grupos sociais, a exemplo
dos indígenas e os povos sambaquianos.
Silva vem referendar esta idéia, expondo que:
É recorrente encontrarmos nos escritos sobre a história local uma íntima
relação com os fatos que registram o início – o nascimento – da
colonização, não levando em consideração os povos sambaquianos e
indígenas que aqui viveram, nem mesmo os brasileiros que já se
encontravam nas proximidades. Há uma espécie de mito fundador que
valoriza os registros a época, acerca dos primeiros imigrantes e seu
pioneirismo, contanto e recontando a história a partir de 1851 (2004, p. 22).
Entende-se a importância dos mitos para o processo de construção da identidade de
um povo, porém, nesta perspectiva, como fica a identidade daqueles que não foram e
continuam não sendo citados na história? No caso de Joinville, estes mitos estão carregados
de ideologias. Estas ideologias não estão desvinculadas de um projeto maior referente ao
processo de colonização do país. Juntamente com os movimentos abolicionistas e
republicanos, havia a tentativa de tornar o Brasil uma nação industrializada, com vistas ao
progresso e, sobretudo, uma nação “branca”, tendo como base os discursos sobre a
superioridade dos brancos, em detrimento à dos negros, muito constantes neste período.
Assim, uma das alternativas encontradas para o sucesso deste projeto era a imigração
européia, que traria além da força de trabalho qualificada, a possibilidade de miscigenação.
De acordo com Silva (2004), em Joinville, os escritos da cidade referentes à
colonização citam constantemente a presença dos alemães, pois esses constituíam um grupo
10
numeroso, presente em todas as atividades durante o processo de formação da colônia.
Esta situação contribuiu para que os mesmos fossem aos poucos “suprimindo as
diferenças com outros grupos germânicos, (re) produzindo uma ideologia calcada na
etnicidade. Sem falar ainda dos brasileiros, tratados costumeiramente pelos “de origem
como “lusos” ou “caboclos” (SILVA, 2004, p. 26).
Silva (2004) nos conta que a expressão “de origem” era utilizada pelos imigrantes
para diferenciarem-se de outros grupos étnicos e, principalmente, para reforçar sua etnia,
reafirmando a sua identidade e negando a outra.
No período de colonização, os valores positivistas se enraizaram com muita força
em Joinville, assim como em todo o Brasil. Os ideais de ordem e progresso, trabalho e
harmonia, sem uma interpretação mais profunda das diferenças sociais, estão presentes até
hoje na cidade.
Neste sentido, todo o sucesso da construção da colônia é atribuído ao imigrante, que
agrega simbolicamente as idéias de disciplina, organização e qualificação para o trabalho. A
cidade é vista como produto de um dos projetos mais bem sucedidos das companhias de
colonização, como indica Seyferth, ao falar sobre o movimento imigratório no Brasil.
A intensificação da imigração só vai acontecer após 1850, quando a
colonização passa para a responsabilidade dos governos provinciais e se
abrem as oportunidades para a iniciativa privada. Assim, ao lado da
colonização oficial, estimulou-se também a atuação das companhias de
colonização. Um dos exemplos mais bem-sucedidos de “colonização
particular” é o da colônia D. Francisca, hoje cidade de Joinville (SC),
fundada em 1851 pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo (...) (1990, p.
10).
A autora, quando fala em colonização oficial, refere-se a um decreto instituído por
D. João VI em 1808, que regulamentava a entrada de estrangeiros no Brasil e o acesso dos
mesmos à propriedade da terra, visando atrair para o país europeus que procuravam por
novas oportunidades na América.
É importante esclarecermos que não há intenção de minimizar a participação do
imigrante no processo de formação da cidade. O que se pretende, no momento, é fazer um
“recorte” na história de Joinville e analisar a presença de um dos grupos excluídos da
história oficial, neste caso, as mulheres negras.
Para tanto, nos propomos a fazer um estudo da inserção ocupacional de mulheres
negras no mercado de trabalho da cidade, tendo como universo de pesquisa duas escolas de
educação infantil da rede pública de Joinville (CEI’s), bem como dois postos de saúde e uma
11
maternidade estadual localizados em bairros de periferia da zona sul. A escolha deste
universo deve-se ao fato de se observar na cidade uma grande concentração de mulheres
negras atuando nas áreas da educação e da saúde, concentração esta que se dá, na maioria
das vezes, por conta da possibilidade de acesso via concurso público e pela estabilidade que
este representa. Assim, acreditamos ser relevante observarmos sob que condições sociais,
culturais, políticas e econômicas essas escolhas se deram, como as mulheres entrevistadas
construíram suas trajetórias de trabalho e como as características da cidade influenciaram na
busca por determinadas ocupações.
Nesta pesquisa, nos referimos a mulheres negras que vivem em Joinville e que
atuam na área da educação e da saúde. Entretanto, não deixamos de considerar a totalidade
social em que vivem estas e outras mulheres e homens, brancas e negras e, especialmente, as
relações sociais que impõem diferenças e oposições de classe, de cor e de gênero.
Os objetivos da pesquisa
O objetivo geral desta pesquisa é analisar as trajetórias e estratégias de inserção
ocupacional utilizadas por mulheres negras que atuam em centros de educação infantil da
rede pública e em setores da área da saúde de Joinville, identificando fatores sociais,
culturais, políticos e econômicos que influenciam na inserção.
Constituem-se em objetivos específicos os que seguem:
Analisar as trajetórias percorridas por mulheres negras em busca de inserção
ocupacional e os fatores sociais, culturais, políticos e econômicos relevantes neste
processo.
Diagnosticar fatores preponderantes na inserção em determinadas ocupações na área
da saúde e da educação, articulando questões referentes ao gênero, inserção
ocupacional/emprego e raça.
Identificar o grau de escolaridade das mulheres selecionadas, estabelecendo relações
com a inserção ocupacional e questões de gênero e raça.
Identificar as estratégias de inserção ocupacional utilizadas por mulheres negras que
atuam em três centros de educação infantil da rede pública de Joinville, dois postos
de saúde municipais e uma maternidade estadual.
12
Procedimentos da pesquisa
Este trabalho envolveu pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, tendo como
base as seguintes questões norteadoras:
Porque os negros/negras foram invisibilizados na história de Joinville e quais as
influências deste processo na inserção ocupacional das negras que atuam na educação
infantil e na saúde nos dias atuais? Como acontece a inserção ocupacional de mulheres
negras nos setores da educação e da saúde, em uma cidade tipicamente “alemã”? Qual a
diferença entre ocupação e emprego? Como se articulam as questões referentes à raça,
gênero e escolarização na perspectiva de inserção ocupacional de mulheres negras em
Joinville? Quais as estratégias utilizadas pelas mulheres negras para inserir-se no trabalho?
Quais os indicadores referentes às diferenças nacionais e regionais em relação à inserção
ocupacional de negros e brancos e quais fatores permeiam essas diferenças?
No sentido de responder a estes questionamentos, optamos pela pesquisa
qualitativa. Esta, de acordo com Zago (2003), pode possibilitar a compreensão da realidade a
ser estudada, entendendo-a como heterogênea, sem correr o risco de cair nos ditos
determinismos “sociologizantes” ou “psicologizantes”.
Para Triviños:
O processo de pesquisa qualitativa não admite visões isoladas, parceladas,
estanques. Ela se desenvolve em interação dinâmica, retroalimentando-se,
reformulando-se constantemente, de maneira que, por exemplo, a Coleta de
Dados num instante deixa de ser tal e é Análise de Dados, e esta em
seguida, é veículo para nova busca de informações. As idéias expressas por
um sujeito numa entrevista, verbi gratia, imediatamente analisadas ou
interpretadas, podem recomendar novos encontros com outras pessoas ou a
mesma, para explorar aprofundadamente o mesmo assunto ou outros
tópicos que se considerem importantes para o esclarecimento do problema
inicial que originou o estudo (1987, p.137).
Nesta direção, nos apoiamos também em Minayo (1994), quando afirma que a
pesquisa qualitativa responde a questões bem particulares, com realidades que não podem
ser quantificadas. A pesquisa qualitativa trabalha com um universo amplo de significados,
motivos, valores, aspirações, entre outros, o que veio colaborar amplamente com o processo
de entrevistas, bem como na análise dos dados coletados.
Na pesquisa empírica, privilegiamos a entrevista como instrumento de coleta de
dados, entendendo, de acordo com Zago (2003), que esta proporciona uma “melhor
aproximação da realidade estudada”. Entrevistamos sete mulheres negras, que atuam em
13
duas escolas de educação infantil da rede pública da cidade de Joinville, dois postos
municipais de saúde e uma maternidade estadual, de acordo com um roteiro previamente
estabelecido.
Estrutura da dissertação
No capítulo I, Trabalho, Emprego e Inserção Ocupacional, chamamos atenção para
a precarização do trabalho, muito presente na história das sociedades capitalistas. Atenta-se
para o subemprego, a terceirização do trabalho, a flexibilização, processos estes dos quais a
mulher vem sendo vítima, assim como os demais trabalhadores. De acordo com Mészáros
(2003), em 1994, as mulheres representavam 70% dos pobres do mundo. Antunes (1999-
2000) indica que em países de capitalismo avançado, 40% do total da força de trabalho,
atuando em condições precárias, é representada por mulheres. Para fundamentar melhor
estas questões, buscamos apoio nos estudos feitos por Hirata (1986) e suas reflexões sobre a
categoria trabalho e as relações de gênero na constituição da classe- que- vive- do- trabalho,
parafraseando Ricardo Antunes.
Ainda no capítulo I procuramos fazer uma análise sobre o trabalho em sua
dimensão histórica, a diferença entre inserção ocupacional e emprego, as metamorfoses do
mundo do trabalho, assim como as relações entre mercado de trabalho, discriminação racial
e gênero, além de elucidações sobre o que vem a ser raça e etnia e sua dimensão social. Para
tanto, foi expressiva a contribuição de Gonçalves e Silva (1995) com seus estudos sobre a
constituição da mulher negra na sociedade, os postos de trabalho ocupados pelas mesmas,
níveis de escolaridade e a atuação do Movimento Negro. Contamos também com as
pesquisas do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos -
Dieese, sobre a população negra do Brasil, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio - Pnad e as análises de Ricardo Henriques.
1
Neste sentido, a pesquisa realizada por Gomes (1995), presente em seu livro A
mulher negra que vi de perto, focada na construção da identidade da mulher negra e
professora, nos trouxe dados significativos, mostrando, como afirma Munanga, como é
difícil canalizar os conteúdos dessa identidade em processo, pois a mesma é construída com
bases nas relações conflituosas e dialéticas entre raças e classes, entre homens e mulheres no
contexto das relações de gênero.
1
Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Texto 807.
14
Arroyo, no prefácio da 1ª edição do livro de Gomes acrescenta:
Nilma mulher negra, professora, pesquisadora se aproxima do complexo
tecido social e cultural em que outras mulheres negras e professoras
constroem suas identidades e se tornam humanas. Se educam. Esse olhar
guiado por essa concepção radical dos processos educativos, confere
tonalidades novas à reconstrução das trajetórias de vida, às vivências tensas
na família, na rua, no trabalho, na infância e na escola. É relevante termos
pesquisas como esta sobre os tortuosos processos na formação humana,
sobretudo quando as trajetórias pesquisadas são narradas por mulheres
negras (1995, p. 14).
No capítulo II, Negros em Santa Catarina: uma história marcada pela invisibilidade,
fazemos uma reflexão sobre elementos referentes à história dos negros em Santa Catarina e
em Joinville, a colonização da cidade e o quanto esses processos colaboraram para a
invisibilização da participação do negro (a), tanto no período referido quanto nos dias atuais.
No capítulo III, Trajetórias e estratégias de mulheres negras em Joinville,
apresentamos a análise das entrevistas realizadas, as relações feitas entre a situação das
mulheres negras em Joinville com o contexto mais amplo. Apresentamos e refletimos sobra
as singulares trajetórias de trabalho de mulheres, constituídas em contextos sociais, culturais,
econômicos e educacionais, que (im) possibilitam a busca por diferentes estratégias para a
inserção ocupacional.
Os estudos presentes na Coleção Políticas da Cor, frutos de uma iniciativa do
Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira, do Laboratório de Políticas Públicas –
(LPP/UERJ), complementaram o trabalho com dados significativos a respeito da situação do
negro nas grandes regiões do país.
Com base neste cenário, buscamos tecer considerações sobre relações raciais em
Joinville, bem como a influência dessas relações na ocupação de postos de trabalho. Há
também a tentativa de exteriorizar uma parte da história de mulheres negras, pois sobre as
não-negras e descendentes de europeus há várias publicações
2
na região, o que reforça a
ideologia de que em Joinville não há negros.
Foi uma iniciativa tímida, mas entendemos ser importante retratar a história de
2
COLIN, Regina. Mulheres em Joinville. Joinville, SC: Letradágua, 2002.
SILVA, Janine Gomes da. Vivências de Mulheres em Joinville no Século XIX. In GUEDES, Sandra P. L. de
Camargo. Histórias de (I) Migrantes: o cotidiano de uma cidade. Joinville, SC: UNIVILLE, 1998.
SILVA, Janine Gomes da. Recôndito, espaços de sociabilidade: história das mulheres imigrantes de Joinville.
In. MORGA, Antônio. História das Mulheres de Santa Catarina. Florianópolis: Letras Contemporâneas.
Chapecó, SC: Argos, 2001.
SILVA, Janine Gomes da. Tensões, trabalhos e sociabilidades. História de mulheres em Joinville no séc. XIX,
Joinville, SC: UNIVILLE, 2004.
15
sujeitos que fazem parte da sociedade joinvilense, que são consumidoras, mães, chefes de
família, profissionais, que não aparecem na história oficial da cidade.
Como afirma Gomes (1995, p. 44), o resgate da cultura, a defesa da igualdade
social, econômica e educacional, com respeito às diferenças, só pode ser realizada se
acompanhada da devida contextualização histórica desse grupo étnico/racial e da construção
da memória.
CAPÍTULO 1
17
1. TRABALHO, EMPREGO E INSERÇÃO OCUPACIONAL
1.1 O trabalho e sua dimensão histórica
Pensar a categoria trabalho em nosso século e sua centralidade, ou não, implica
analisar as transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, bem como as
estratégias que os diversos sujeitos sociais vêm buscando para produzir sua existência, além
da análise de sua dimensão histórica e social.
De acordo com Aued (1999), o trabalho é um dos principais assuntos das
sociedades industrializadas, sendo peça principal da organização social. Por mais que
reconheçamos que esta característica é essencial em nossas vidas, a autora acentua que o
trabalho nos moldes que conhecemos hoje, remunerado e como principal meio de
sobrevivência individual, é algo relativamente recente, com cerca de dois séculos de
existência.
Considerando o caráter histórico do trabalho, retomamos inicialmente a concepção
ontológica do trabalho na perspectiva de Marx:
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a
natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona,
regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com
a natureza como uma de suas fôrças. Põe em movimento as fôrças naturais
de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos
recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando
assim sôbre a natureza externa, modificando-a, ao mesmo tempo modifica
sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e
submete ao seu domínio o jogo das fôrças naturais (1984, p. 202).
Marx entende o trabalho como uma atividade exclusivamente humana, intencional,
pensada e planejada mentalmente antes de sua execução.
Porém, o trabalho nessa dimensão, no sentido de edificar e libertar o homem,
praticamente extinguiu-se a partir da égide do capitalismo, do trabalho assalariado e da
18
divisão do trabalho, transformando a força de trabalho em mercadoria. O que percebemos
hoje é o trabalho que aliena o próprio homem, o trabalho que está somente a serviço do
capital e da produção de mais valia.
Marx salienta que:
A força de trabalho nem sempre foi uma mercadoria. O trabalho nem
sempre foi assalariado, isto é, trabalho livre. O escravo não vendia sua
força de trabalho ao possuidor de escravos, assim como o boi não vende o
produto de seu trabalho ao camponês. O escravo é vendido, com sua força
de trabalho, de uma vez para sempre, a seu proprietário. É uma mercadoria
que pode passar das mãos de um proprietário para as de outro. Ele mesmo é
uma mercadoria, mas sua força de trabalho não é sua mercadoria. O servo
não vende senão uma parte de sua força de trabalho. Não é ele que recebe
salário do proprietário da terra; antes, é o proprietário da terra que dele
recebe tributo. O servo pertence à terra e entrega aos proprietários frutos da
terra. O operário livre, pelo contrário, vende a si mesmo, pedaço a pedaço
(2004, p. 27).
O trabalho no decorrer da história sofre diversas transformações, passando de forma
de produção de subsistência ao trabalho assalariado. Este se torna imprescindível para o
capital, que só pode multiplicar-se quando trocado pela força de trabalho, criando,
conseqüentemente, o trabalho assalariado. Assim, cria-se o emprego e transforma-se a força
de trabalho em mercadoria.
Marx (1982), no Manifesto Comunista, afirma que para que a classe burguesa possa
dominar é necessário a acumulação de riqueza nas mãos de particulares, além da formação e
multiplicação do capital. A condição do capital é o trabalho assalariado, que assenta na
concorrência entre os operários.
De acordo com Aued (1999), há uma grande confusão entre trabalho
3
e emprego.
Os termos têm sido utilizados como se fossem sinônimos, além do que, estamos inseridos
em uma sociedade paradoxal, ou seja, que “produz mais, com menor emprego de
trabalhadores, isto é, com menor emprego de trabalho vivo” (p.15).
Não estar ocupado, na atual sociedade, é motivo de grande preocupação. “É cada
vez mais visível o tormento de quem está desocupado, pois os anos 90 do século XX rima
com estar desempregado. Estar nesta condição não é ter o tempo livre para o lazer, é tensão
3
De acordo com Aued (1999), atualmente há uma preferência pelo termo trabalho, ao invés de emprego, termo
que predominou durante todo o período após a Segunda Guerra Mundial. A mesma ressalta que esta mudança
não é apenas uma alteração léxica, mas sim resultado de um esforço em sintetizar o trabalho como algo além do
emprego, porque o mesmo é uma categoria natural (antropológica). “Está em todo tempo e em todo lugar,
assegura a realização pessoal e é o centro de todo vínculo social. O emprego assalariado confunde-se com o
trabalho. Trabalho é tudo, é vida, assim como o ar que respiramos” (p.16).
19
diante de um futuro incerto, é medo, sentimento de fracasso e sensação de ser descartável”
(Idem, p.16).
1.2 Inserção ocupacional e emprego
É comum, atualmente, uma grande confusão entre ocupação e emprego, sendo estes
dois conceitos utilizados, na maioria das vezes, como sinônimos. De acordo com Singer
(2003), emprego implica em assalariamento. É uma relação que só existe quando alguém ou
uma empresa “dá” emprego a uma pessoa. Na verdade o que ocorre não é uma relação de
doação. Não se trata de dar ou não emprego, mas sim de uma relação de compra e venda, em
que o emprego resulta de um contrato onde o empregador compra a força de trabalho do
empregado, ou seja, compra sua capacidade de produzir.
Por fôrça de trabalho ou capacidade de trabalho compreendemos o
conjunto das faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na
personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda a vez
que produz valores-de-uso de qualquer espécie. (...) Assim, a fôrça de
trabalho só pode aparecer como mercadoria no mercado, enquanto for e por
ser oferecida como mercadoria pelo próprio possuidor, pela pessoa da qual
ela é a fôrça de trabalho. (...) Ele e o possuidor do dinheiro encontram-se
no mercado e entram em relação um com o outro como possuidores de
mercadoria, dotados de igual condição, diferenciando-se apenas por um ser
o vendedor e o outro o comprador, sendo ambos juridicamente pessoas
iguais (MARX, 1984, p.187-188).
Uma das maiores características do capitalismo é o fato da força de trabalho ter
assumido a forma de mercadoria, passando o trabalho a ser assalariado. Assim, toda pessoa
que esteja empregada possui salário. Singer (2003) enfatiza que ocupação é toda a atividade
que proporciona sustento a quem exerce. O emprego assalariado seria uma forma de
ocupação, mas não a única. Todavia, como a falta de ocupação é chamada de desemprego,
“pressupõe-se implicitamente que a única maneira de alguém ganhar a vida é vender sua
capacidade de produção ao capital” (p.14).
No entanto, percebe-se que devido à falta de emprego, a população tem buscado
cada vez mais ocupações alternativas. Singer (2003) compara o mercado de trabalho
20
capitalista com os demais mercados, onde o cliente sempre tem razão. Neste caso, o cliente é
o empregador e a concorrência é sempre mais intensa entre os vendedores (empregados) do
que entre os compradores (empregadores). O cliente quer ser bajulado, porque o vendedor
depende dele. Isso acontece porque a oferta tende a ser maior do que a demanda, ou seja, há
mais pessoas querendo vender sua força de trabalho, do que emprego propriamente dito.
Assim, os desempregados
4
funcionam como reguladores do mercado,
desempenhando o mesmo papel das mercadorias que sobram na prateleira, ou seja, evitando
que os salários subam. São os chamados “exércitos industriais de reserva”, noção
desenvolvida por Marx (1984). Para o autor, a acumulação capitalista produz uma gama
trabalhadora supérflua que ultrapassa as necessidades de expansão do capital e por isso se
torna excedente.
Se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da
acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista, ela se
torna por sua vez alavanca da acumulação capitalista. (...) Ela constitui um
exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira
tão absoluta como se fosse criado e mantido por ele. Ela proporciona o
material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do
capital e sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do
verdadeiro incremento da população. Com a acumulação e com o
desenvolvimento da produtividade do trabalho que a acompanha, cresce a
força de expansão súbita do capital. (...) Nesses casos, grandes massas
humanas têm de estar disponíveis para serem lançadas nos pontos
decisivos, sem prejudicar a escala de produção nos outros ramos. A
superpopulação fornece-as. (...) As alternativas do ciclo industrial recrutam
a população excedente e se tornam os mais poderosos agentes de sua
reprodução (MARX, 1984, p. 733-734).
Singer afirma que:
É melhor falar em exército industrial de reserva do que em
“desempregados”, em primeiro lugar para que fique claro o importante
papel estabilizador que desempenham. Depois, porque o exército de reserva
(hoje mais terciário do que industrial) não se compõe apenas dos que são
vítimas do desemprego aberto, ou seja, dos que estão ativamente
procurando e solicitando emprego. (...) Ao lado dos desempregados ativos,
há um outro componente do exército de reserva. São os “pobres”, os
4
Por desempregados compreendemos aqueles indivíduos que por forças aleatórias à sua vontade, encontram-se
em situação de não trabalho. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio
Econômicos – DIEESE, o desemprego pode ser aberto ou oculto. No desemprego aberto, encontram-se as
pessoas que procuram emprego nos trinta dias anteriores à pesquisa realizada pelo DIEESE. No desemprego
oculto encontram-se as pessoas que buscam por estratégias de sobrevivência em atividades irregulares. No
desemprego oculto por trabalho precário, estão as pessoas que realizam trabalho precário não remunerado e que
procuram mudar de trabalho nos trinta dias anteriores ao da pesquisa, ou que não tendo procurado neste
período, o fizeram sem êxito até 12 meses atrás (DIEESE). No desemprego oculto por desalento estão as
pessoas que não possuem trabalho nem o procuraram nos últimos trinta dias antes da entrevista, por motivos
diversos, mas apresentaram procura efetiva nos últimos 12 meses.
21
socialmente excluídos, que se sustentam por meio de ocupações precárias.
Estes pobres são candidatos potenciais a emprego no setor formal da
economia, tão logo este expanda suas compras de capacidade de produzir
(SINGER, 2003, p. 13-14).
Historicamente, a população que vem formando o “exército industrial de reserva”
tem sido formada por negros, mulheres e pobres de forma geral, atuando geralmente nos
setores mais precarizados da economia.
1.3 Metamorfoses do mundo do trabalho e formas precárias de realização do trabalho
Vivemos um momento em que cada vez mais as condições precárias de trabalho se
expandem, crescendo o subemprego em todas as suas formas. Isso nos remete à análise mais
profunda sobre quem compõe a classe trabalhadora hoje e a atual divisão social e sexual do
trabalho, os modos de produção capitalista e seus impactos sociais.
De acordo com Antunes (2000), a década de 80 vivenciou diversas modificações no
mundo do trabalho, em sua estrutura, nas estratégias de inserção e nas formas de
representação sindical e política.
Algumas dessas mudanças ocorridas nos anos 80 dizem respeito ao avanço
tecnológico, à automação, à inserção da robótica e da microeletrônica que passam a ocupar o
espaço fabril, fazendo parte das relações de trabalho e produção do capital.
Neste contexto, o fordismo e o taylorismo perdem sua centralidade e passam a dividir
o espaço com novos processos produtivos, entre eles o neofordismo
5
, o neotaylorismo e o
pós-fordismo. Assim, a produção em massa é substituída pela flexibilização da produção e
pela especialização flexível, visando novas formas de produtividade.
Ensaiam-se modalidades de desconcentração industrial, buscando-se novos
padrões de gestão da força de trabalho dos quais os Círculos de Controle de
Qualidade (CCQs), a “gestão participativa”, a busca da “qualidade total”,
são expressões visíveis não só no mundo japonês, mas em vários países do
5
De acordo com Antunes (2000), os processos conhecidos como neofordismo, neotaylorismo e pós-fordismo
são decorrentes das experiências da “Terceira Itália”, na Suécia (na região de Kalmar, do que resultou o
chamado “kalmarianismo”), do Vale do Silício nos EUA, em regiões da Alemanha, entre outras.
22
capitalismo avançado do Terceiro Mundo industrializado (ANTUNES,
2000, p.24).
O toyotismo vai aos poucos substituindo o fordismo e as mudanças ocorrem também em
relação aos direitos do trabalho que são desregulamentados e flexibilizados dotando o capital da
munição necessária para atuar neste novo período. Desta forma, as conquistas históricas dos
trabalhadores, seus direitos, são ‘eliminados do mundo da produção’.
Apesar das radicais mudanças aqui mencionadas, é importante ressaltar que tanto o
fordismo quanto o taylorismo foram processos de trabalho que predominaram na indústria
durante praticamente todo o século XX.
Antunes explica que:
Entendemos o fordismo fundamentalmente como a forma pela qual a indústria
e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos
elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através
da linha de montagem de produtos mais homogêneos; através do controle dos
tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série
fordista; pela experiência do trabalho parcelar e pela fragmentação das
funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho;
pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela
constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril,
entre outras dimensões. (...) Compreendemos o fordismo como o processo de
trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria
capitalista ao longo deste século (2000, p.25).
Porém, Antunes (2000) deixa claro que o toyotismo ou modelo japonês é o
movimento que tem causado maior impacto nos modos de produção capitalista, pela
revolução técnica que operou na indústria japonesa e pela potencialidade demonstrada na
propagação de alguns pontos básicos que atingem uma escala mundial.
A crise vivida pelo capital, já nos anos 70, fez com que o mesmo buscasse
alternativas de recuperar o ciclo produtivo, bem como repor seu projeto de dominação da
sociedade. No toyotismo, a produção acontece de acordo com a demanda, sendo sua
produção variada e pronta pra atender ao consumo, que determina o que será produzido, ao
contrário do fordismo que se pautava na produção em série e em massa. O toyotismo se
estrutura com base no estoque mínimo e após a venda é que o estoque é reposto.
Desta forma, para atender às exigências do mercado, em tempo adequado e com
mais “qualidade”, faz-se necessário que a produção aconteça num processo flexível,
possibilitando ao operário operar várias máquinas, acabando com a relação estabelecida no
preceito de um homem para uma máquina, relação esta, típica do fordismo. “É a chamada
23
“polivalência” do trabalhador japonês, que mais do que expressão e exemplo de uma maior
qualificação, estampa a capacidade do trabalhador em operar com várias máquinas,
combinando “várias tarefas simples” (ANTUNES, 2000, p.34)”.
Assim, o trabalho passa a ser realizado em equipe, com trabalhadores operando
máquinas automatizadas. Ocorre a flexibilização do trabalho produtivo e da organização do
trabalho. A ‘horizontalização’ do toyotismo diminui a produção da empresa e a estende às
terceirizadas. “Desse modo, Kanban, just in time
6
, flexibilização, terceirização,
subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, eliminação do desperdício, gerência
participativa, sindicalismo de empresa, entre tantos outros elementos, propagam-se
intensamente” (Idem, p. 35).
O toyotismo implica não só na flexibilização da produção, mas também na
flexibilização do trabalhador. Os direitos são flexíveis, seguindo a tendência do mercado em
função das “necessidades” do consumidor. Estrutura-se com um número reduzido de
trabalhadores, multiplicando-os por meio de horas extras, contrato temporário, subempregos,
etc., partindo sempre de um número reduzido de trabalhadores.
De fato trata-se de um processo de organização do trabalho cuja finalidade
essencial, real, é a intensificação das condições de exploração da força de
trabalho, reduzindo muito ou eliminando tanto o trabalho improdutivo, que
não cria valor, quanto suas formas assemelhadas, especialmente nas
atividades de manutenção, acompanhamento, e inspeção de qualidade,
funções que passaram a ser diretamente incorporadas ao trabalhador
produtivo (ANTUNES, 2005, p.53).
Os efeitos do toyotismo evidenciam-se no mundo do trabalho por meio de situações
como a falta de regulamentação nos direitos dos trabalhadores, a fragmentação no interior da
classe trabalhadora, terceirização, precarização dos trabalhadores e enfraquecimento dos
sindicatos que chegam a ser aliados das empresas.
Essas transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho trazem
conseqüências que se apresentam mais em grupos socialmente desfavorecidos tais como
mulheres, negros e pobres. Todos esses compõe a atual classe trabalhadora, atuando nos
serviços precarizados, nos subempregos, na terceirização, entre outros.
Antunes (2005) utiliza a expressão classe-que-vive-do-trabalho para conferir
6
De acordo com Shiroma (1996), o sistema just in time, ou Kanban, cria diversas dependências. “Por um lado,
os operadores têm maior capacidade de interferir no fluxo da produção, podem parar a linha, sendo
trabalhadores polivalentes, flexíveis, deixam de ser tão facilmente substituíveis. Por outro lado, aumenta o
controle da gerência porque torna o processo de trabalho e o comportamento dos trabalhadores mais
transparente, na medida em que os erros são mais rapidamente identificados e os operários mais diretamente
responsabilizados”.
24
contemporaneidade ao conceito marxiano de classe trabalhadora, enfatizando-a no sentido
atual. A classe trabalhadora tem como núcleo central os trabalhadores produtivos (que
produzem mais valia), mas abrange também os trabalhadores improdutivos, que não
produzem mais valia, mas servem aos interesses do capital, possuindo assim um papel
central no interior da classe trabalhadora, sendo o proletariado industrial seu núcleo central.
A expressão ‘proletariado industrial’ é usada pelo autor para designar aqueles que
produzem mais-valia e a expressão ‘classe-que-vive-do-trabalho’ para englobar todos os
trabalhadores que vendem sua força de trabalho em troca de salário, entre eles os
assalariados do setor de serviços, o proletariado rural, o precarizado, part-time, os
terceirizados, ou seja, os trabalhadores da economia informal. Também inclui os
desempregados, “expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela
reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva na fase de
expansão do desemprego estrutural” (ANTUNES, 2005, p.103-104).
Compreender a classe-que-vive-do-trabalho de forma contemporânea possibilita
compreender que o mundo do trabalho vem sofrendo modificações importantes, entre essas,
o aumento considerável da inserção feminina no trabalho assalariado, fato este que de acordo
com Antunes (2005), atinge cerca de 40% da força de trabalho em países avançados, atuando
principalmente no trabalho temporário, precarizado e desregulamentado.
Na divisão sexual do trabalho, operada pelo capital dentro do espaço fabril,
geralmente as atividades de concepção ou aquelas baseadas em capital
intensivo são preenchidas pelo trabalho masculino, enquanto aquelas
dotadas de menor qualificação, mais elementares e muitas vezes fundadas
em trabalho intensivo são destinadas às mulheres trabalhadoras (e muito
freqüentemente também aos trabalhadores/as imigrantes e negros/as)
(Idem, p.105-106).
Para reiterar essa questão, o autor cita a pesquisa de Anna Pollert sobre o trabalho
no Reino Unido, indicando que são visíveis as desigualdades entre homens e mulheres. Lá,
os homens se atêm ao trabalho onde a presença de capital intensivo é maior, ou seja, em
máquinas mais avançadas. Já as mulheres atuam em áreas mais rotinizadas, onde a
necessidade de trabalho intensivo é maior.
Pochmann (1999) alerta que a atuação das mulheres em atividades menos
valorizadas que a dos homens também está relacionada à internacionalização da economia,
que é uma das grandes responsáveis pela exclusão social. O mesmo acentua que, embora a
internacionalização da economia leve a uma maior circulação de capital e mobilidade da
força de trabalho, este mesmo processo também reduz a possibilidade de mobilidade de
25
grande parcela da população, além de reduzir a solidariedade e comprometimento nacional,
colaborando para o desequilíbrio na repartição dos benefícios do processo econômico.
Pochmann ressalta que atualmente, “assiste-se à conformação de um padrão de
sociedade dual, entre aqueles que se encontram plenamente incluídos, por meio de uma
ocupação regular e de boa qualidade, e os demais, os precariamente incluídos (subemprego,
ocupações atípicas, parciais) e os excluídos (sem emprego por longa duração)” (1999, p.22).
Este dado revela a incapacidade de determinadas instituições como os sindicatos, os
partidos e o Estado, frente ao capitalismo. Imobilizados, são incapazes de fornecer amparo
aos que se encontram marginalizados, o que nos faz refletir sobre o funcionamento falho não
só do mercado, mas também das instituições sociais que são diretamente atingidas pela
situação econômica.
Tratou-se na verdade de intensas transformações da ordem econômica
mundial, das formas organizadas e das estruturas que sustentaram o
capitalismo do pós-guerra, com as economias nacionais articuladas em
torno de um Estado regulador e voltado ao bem-estar social ou de um
Estado desenvolvimentista. Ao capitalismo organizado do pós-guerra,
sobreveio sua desarticulação e ruptura. A acentuada concorrência
internacional, a débil capacidade de decisão dos Estados e a intensa
desregulamentação do capitalismo neste fim de século XX têm levado a
economia mundial em direção a uma crescente desordem (POCHMANN,
1999, p.27).
Pochmann indica que este movimento de modernização da economia é fruto de
mudanças estruturais, tecnológicas, produtivas e organizacionais e aconteceram em meio a
uma crise da ordem econômica internacional das instituições dos Estados e interesses
nacionais. Assim, as transformações sofridas pelo capitalismo favoreceram a instabilidade
econômica e o aumento das inseguranças no mundo do trabalho e do setor financeiro, devido
à dependência de fluxos internacionais de capitais. A globalização financeira, junto da
concorrência desregulada, favoreceu o abandono da ação pública no que diz respeito às
normas econômicas individuais, nacionais ou internacionais.
Segundo o autor, podemos observar mudanças na ordem internacional resultantes
do avanço tecnológico e mudanças organizacionais. “A reestruturação do capital realizada
em um quadro geral de globalização financeira, instabilidade econômica e de surgimento de
uma nova onda de inovações tecnológicas, produtivas e organizacionais rompeu com o
padrão da concorrência e com os instrumentos e mecanismos nacionais e internacionais que
antes o regulavam” (POCHMANN, 1999, p. 28).
Mantendo-se a concorrência e a competitividade, sendo essas atributos das empresas,
26
o que se vê é uma tendência a uma concorrência ‘predatória’, retirando dos Estados
nacionais a capacidade de elaboração de políticas públicas voltadas ao campo do emprego,
bem como políticas sociais que favoreçam a distribuição de renda. Porém, é justamente nos
Estados nacionais que se refletem os efeitos da competitividade empresarial. Assim, o
aumento do desemprego, da heterogeneidade do mercado de trabalho e da desigualdade,
impedem o crescimento sustentado e durável, ressaltando “outras formas de insegurança em
sociedades cuja sociabilidade esteve baseada no trabalho e ressurgem posições xenófabas e
nacionalistas a cujo potencial de barbárie já se assistiu no século XX” (Ibidem).
Antunes (2005) reforça que quanto mais aumentam a competição intercapitalista, a
concorrência tecnológica entre alguns países e a expansão de mercados financeiros dos
países tidos como imperialistas, maiores são o impacto e a desestruturação dos países que
estão subordinados ou excluídos desse processo, ou mesmo impossibilitados de competir por
falta de bases sólidas internas. Desta forma, cresce cada vez mais o número de países
excluídos do movimento de reposição dos capitais produtivos e financeiros, bem como do
padrão tecnológico necessário, repercutindo principalmente na questão do desemprego e na
precarização do trabalho. A divisão internacional do sistema do capital ocasiona a
desmontagem de regiões inteiras que vão aos poucos, sendo excluídas do cenário industrial
produtivo.
Toda essa destruição das forças produtivas e, conseqüentemente, do ambiente, fato
este que vem acontecendo em escala mundial, leva também a uma destruição da força
humana de trabalho, havendo cada vez mais pessoas atuando no trabalho precarizado e
muitas vezes à margem do processo produtivo. O avanço tecnológico, que poderia ocasionar
uma redução na jornada de trabalho, tem nos mostrado o contrário. Segundo Antunes (2005),
em países como a Inglaterra e o Japão, o avanço tecnológico tem propiciado o aumento da
jornada de trabalho, como forma de superação da crise
7
.
7
Quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência inter-capitais, mais nefastas são suas
conseqüências, das quais duas são particularmente graves: a destruição e/ou precarização, sem paralelos em
toda a era moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do meio ambiente, na relação
metabólica entre homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a
produção de mercadorias e para o processo de valorização do capital. (...) Desemprego em dimensão estrutural,
precarização do trabalho de modo ampliado e destruição da natureza em escala globalizada tornaram-se traços
constitutivos dessa fase de reestruturação produtiva do capital (Antunes, 2005, p.34).
27
1.4 A força de trabalho feminina
É certo que desde os tempos mais remotos a mulher exerce uma série de atividades.
Trabalhar, ela sempre trabalhou. Porém, sua inserção no mundo do trabalho como
assalariada começa a se dar de forma mais significativa a partir da Revolução Industrial e
desde então, a mulher vem buscando formas de inserção ocupacional, lutando para
sobreviver em uma sociedade patriarcal que, em muitos casos, ainda menospreza a força de
trabalho feminina das mais diversas formas. De acordo com Engels (1980), apud Nogueira
(2004, p.13), “a família individual moderna baseia-se na escravidão doméstica, franca e
dissimulada, da mulher, e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias
individuais”.
Sabe-se que o desenvolvimento industrial propiciou grandes questionamentos sobre
a atuação das mulheres no espaço fabril, tentando mostrar a inviabilidade da conciliação
entre fábrica e lar, fazendo com que neste período a mulher tivesse sua atuação profissional
limitada ao tempo que antecede ao casamento e a maternidade, e que posteriormente a esse
espaço de tempo, qualquer atividade profissional que tentasse exercer tornar-se-ia
impraticável, a não ser em casos que o marido estivesse impossibilitado de trabalhar.
Este fato acabou justificando a ocupação das mulheres trabalhadoras em empregos
de baixos salários e de pouca especialização, ao representar o artífice especializado
masculino como “trabalhador” exemplar.
Marx, ao analisar a presença da mulher no sistema fabril, afirma que:
Tornando-se supérflua a fôrça muscular, a maquinaria permite o emprego
de trabalhadores sem fôrça muscular ou com desenvolvimento físico
incompleto mas com membros mais flexíveis. Por isso, a primeira
preocupação capitalista ao empregar a maquinaria, foi a de utilizar o
trabalho das mulheres e das crianças. Assim, de poderoso meio de
substituir o trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se
imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando
todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e de
idade, sob o domínio direto do capital. O trabalho obrigatório para o capital
tomou o lugar dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado em casa,
para a própria família, dentro dos limites estabelecidos pelos costumes.
O valor da força de trabalho era determinado não pelo tempo necessário
para manter individualmente o trabalhador adulto, mas pelo necessário a
sua manutenção e à de sua família. Lançando a máquina todos os membros
28
da família do trabalhador no mercado de trabalho, reparte ela o valor da
fôrça de trabalho do homem adulto pela família inteira. Assim, desvaloriza
a fôrça de trabalho do adulto. A compra, por exemplo, de 4 fôrças de
trabalho componentes de uma família talvez custe mais do que a aquisição,
anteriormente, da fôrça de trabalho do chefe de família, mas em
compensação se obtêm 4 jornadas de trabalho em lugar de 1, e o preço da
fôrça de trabalho cai na proporção em que o trabalho excedente dos quatro
ultrapassa o trabalho excedente de um. Quatro tem de fornecer ao capital
não só o trabalho mas também o trabalho excedente a fim de que uma
família possa viver. Desse modo, a máquina ao aumentar o campo
específico de exploração do capital, o material humano, amplia, ao mesmo
tempo o grau de exploração. (...) Antes, vendia o trabalhador sua própria
fôrça de trabalho, da qual dispunha formalmente como pessoa livre. Agora
vende mulher e filhos. Torna-se traficante de escravos. A procura de
trabalho infantil lembra, às vezes, a procura de escravos através de
anúncios que costumávamos ler nos jornais americanos. (1984, p. 449 a
452).
Neste sentido, para Marx, a entrada da mulher na grande indústria e a conseqüente
divisão da força de trabalho por toda a família, fez com que o valor da força de trabalho
masculina fosse diminuído. Além disso, a maquinaria permite que todos, homens, mulheres
e crianças estejam a serviço do capital, pois este, em seu constante processo de
autovalorização, explora a força de trabalho de todos.
Parafraseando Nogueira (2004), a classe trabalhadora, formada por mulheres,
jovens, crianças e homens, reduziu-se à condição de mera força de trabalho vivo, em outras
palavras, objeto de exploração do capital, incentivando a competição, aumentando o ciclo
produtivo.
Marx ainda nos mostra que a maquinaria fez com que aumentasse de forma
considerável o número de trabalhadores, porque homens são substituídos por mulheres e, de
forma geral, adultos são substituídos por crianças. No entanto, as funções familiares
desempenhadas pelas mulheres, como cozinhar, costurar, etc., não podem ser totalmente
suprimidas. Isto faz com que estas tenham que buscar por mercadorias fabricadas,
aumentando consideravelmente o custo para a manutenção da família.
Thompson (1987) analisa a situação na Inglaterra, questionando que a afirmação
que a Revolução Industrial tenha colaborado para valorizar as mulheres como trabalhadoras
desaparece, quando verificamos as longas e exaustivas jornadas de trabalho a que as
mulheres eram submetidas, as moradias precárias, o número elevado de partos e a grande
taxa de mortalidade infantil. Em contrapartida, a oferta de empregos para mulheres lhes
conferia certa estabilidade financeira, proporcionando a independência feminina de parentes
e da assistência da igreja. Porém:
29
O status da mulher dependia de seu desempenho como dona de casa na
economia familiar, na administração e nas providências domésticas, na
preparação da cerveja e do pão, na limpeza e na criação dos filhos. A nova
independência, fruto do trabalho da indústria ou da dedicação integral ao
tear, que viabilizou as novas reivindicações era sentida ao mesmo tempo
como uma perda de status e de independência pessoal. As mulheres
tornaram-se mais dependentes dos patrões ou do mercado de trabalho, e
passaram a se recordar de um passado “dourado”, quando os ganhos
domésticos com a fiação, as aves e outras ocupações não exigiam o
afastamento de casa. (...) Todos os estágios do processo de especialização e
diferenciação industrial atingiram a economia familiar, afetando as relações
habituais entre marido e mulher, pais e filhos, e aumentando a distinção
entre “trabalho” e “vida”. Foi necessário esperar cem anos antes que esta
diferenciação trouxesse algum benefício para as trabalhadoras, na forma de
aparelhos que auxiliassem no trabalho doméstico. Enquanto isso, a família
era brutalmente separada todas as manhãs pelo sino da fábrica, com a
particularidade de que a mãe assalariada se sentia vivendo no pior lado dos
dois mundos, o doméstico e o industrial (THOMPSON, 1987, p. 307-308).
De acordo com Mészáros :
Seria um milagre se o “microcosmo” do sistema do capital fosse ordenado
segundo o princípio da igualdade real. Em seu conjunto, este sistema não
pode se manter sem reproduzir, com sucesso e de maneira constante, as
relações de poder historicamente específicas pelas quais a função de
controle se encontra radicalmente separada da, e de maneira autoritária
imposta sobre a, força de trabalho pelas personificações do capital, mesmo
nas variedades pós-capitalistas do sistema (2002, p. 268-269).
Ou seja, seria impossível, dentro do sistema capitalista, uma relação de igualdade
entre os gêneros, a não ser a igualdade da exploração, percebendo que homens e mulheres
foram expropriados dos meios de produção e transformados em força de trabalho a serviço
do capital.
Nogueira (2004) esclarece que, se de um lado a inserção da mulher no espaço
produtivo foi uma conquista, de outro lado, possibilitou a ampliação da força de trabalho,
intensificada por meio do trabalho feminino.
Pode-se complementar essa afirmação, com a abordagem de Mészáros:
A entrada em massa das mulheres na força de trabalho durante o século
XX, em extensão tão significativa que hoje elas já chegam a constituir a
maioria nos países de capitalismo avançado, não resultou em sua
emancipação. Em vez disso, apareceu a tendência de generalizar para toda
a força de trabalho a imposição dos salários mais baixos que as mulheres
sempre tiveram de se submeter; exatamente como a “concessão” legislativa
às mulheres, no caso da exigência de tratamento igual em relação à idade
da aposentadoria, resultou na elevação da sua idade de aposentadoria para
65 anos, em vez da redução masculina para 60 anos, como acontecia com
as mulheres” (2002, p. 272).
30
Na verdade, a mulher acumula diversas jornadas de trabalho. Atua no lar, no
cuidado dos filhos, na atividade ocupacional, vivendo em uma luta constante, conseguindo
alguns benefícios sempre a duras penas. As pesquisas continuam apontando uma
desvantagem significativa nos salários femininos, se comparados aos masculinos. Essa
desvantagem aumenta quando se trata dos negros, principalmente quando falamos das
mulheres negras.
Mészáros apresenta dados significativos em relação à situação da mulher no
mercado de trabalho, a partir da lógica capitalista:
A carga imposta pelo sistema do capital sobre as mulheres para manter a
família nuclear está se tornando cada vez mais pesada, e a situação delas no
espectro da pobreza está sempre mudando para pior, em vez de ser aliviada
como pretenderia a retórica da “oportunidade igual para as mulheres” e da
“eliminação de qualquer discriminação de gênero”. O fato preocupante
apontado pelas Nações Unidas de que em 1994 as mulheres constituíam 70
por cento dos pobres do mundo não é em absoluto surpreendente. Devido
ás determinações causais por trás desses números, a situação das mulheres
tende a piorar no futuro previsível. Com base nas tendências atuais, o
número espantoso enfatizado pelas Nações Unidas tem a probabilidade de
atingir os 75 por cento dentro de uma década, o que significa uma
proporção de 3 por 1 em relação aos homens que estão entre os pobres do
mundo (2002, p. 302-303).
Neste sentido, percebe-se que o esforço empreendido pela mulher para manter a
estrutura familiar está lhe saindo extremamente caro, o que nos faz questionar, como afirma
o próprio Mészáros, a emancipação tão perseguida por este segmento da população, dentro
do modo de produção capitalista. Para o autor, a situação da mulher tem piorado
consideravelmente, sendo que o discurso das oportunidades iguais, no capitalismo, é um
discurso inacessível, enfatizando que sem mudanças no modo de reprodução social não será
possível uma emancipação feminina que vá além das intenções da ideologia dominante.
“Sem o estabelecimento e a consolidação de um modo de reprodução sociometabólica
baseado na verdadeira igualdade, até os esforços legais mais sinceros voltados para a
“emancipação das mulheres” ficam desprovidos das mais elementares garantias materiais;
portanto, na melhor das hipóteses, não passam de simples declaração de fé (2002, p. 303).
Isso ocorre porque o capital se instaura sobre alicerces discriminatórios e alienantes.
A emancipação feminina está associada ao consumo que a inserção ocupacional pode
ocasionar. Essa é uma das questões que para Mészáros pode ser entendida como uma
contradição, porque se ao mesmo tempo o capital precisa do consumo e este pode ser
incentivado pelas mulheres, ao mesmo tempo precisa da família nuclear, que tem passado
31
por momentos intensos de instabilidade provenientes da inserção cada vez maior da mulher
no mundo do trabalho. “O capital depende da continuidade dessas mudanças e tende a ser
por elas enfraquecido” (idem).
A presença feminina no mundo do trabalho nos mostra, de acordo com Antunes,
que, “se a consciência de classe é uma articulação complexa (...), tanto a articulação entre o
indivíduo e sua classe, quanto àquela que advém da relação classe e gênero, tornam-se ainda
mais agudas na era contemporânea” (idem). Isso se dá devido ao fato de que, tanto homens
quanto mulheres formam a “classe que vive do trabalho”, o que a faz mais diversa,
heterogênea e complexa.
O autor evidencia que uma crítica ao capital, neste sentido, deve abarcar questões
referentes à exploração presente na relação capital/trabalho e homem/mulher, de forma que
por meio da luta pela constituição do gênero-para-si-mesmo, esteja também embutida a
emancipação do gênero mulher.
Essa emancipação, dentro da sociedade do capital, tem sido muito difícil, pois ao
mesmo tempo em que a mulher vem conquistando seu espaço no mundo do trabalho,
também vem servindo ao capital, com o rebaixamento do valor da força de trabalho, com os
subempregos, com a terceirização.
As mudanças no mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo têm contribuído
para acentuar as diferenças entre brancos e negros, homens e mulheres, no que diz respeito à
inserção ocupacional. Ricardo Antunes (2000), ao fazer uma análise dessa temática, sinaliza
para uma crescente desproletarização do trabalho industrial, fabril o que ocasionou uma
diminuição na classe operária industrial tradicional, mas que, ao mesmo tempo,
proporcionou um aumento do trabalho assalariado, principalmente no setor de serviços,
crescendo assim a presença do contingente feminino no mundo operário.
Há um aumento no desemprego estrutural, que de um lado diminui o operariado
industrial e fabril e de outro, faz crescer o subproletariado, ou seja, o trabalho precário, o
assalariamento no setor de serviços, abarcando um grande contingente de mulheres e
excluindo os jovens e os velhos. Essa subproletarização se efetiva por meio das formas
precárias de trabalho, incluindo o trabalho parcial, o temporário e o terceirizado, que estão
vinculados à economia informal.
Desse incremento da força de trabalho, um contingente expressivo é
composto por mulheres, o que caracteriza outro traço marcante das
transformações em curso no interior da classe trabalhadora. Esta não é
“exclusivamente” masculina, mas convive, sim, com um enorme
contingente de mulheres, não só em setores como o têxtil, onde
32
tradicionalmente sempre foi expressiva a presença feminina, mas em novos
ramos, como a indústria microeletrônica, sem falar no setor de serviços.
Essa mudança na estrutura produtiva do mercado de trabalho possibilitou
também a incorporação e o aumento da exploração da força de trabalho das
mulheres em ocupações de tempo parcial, em trabalhos “domésticos”
subordinados ao capital (...). Isso permite dizer que esse contingente tem
aumentado em praticamente todos os países e, apesar das diferenças
nacionais, a presença feminina representa mais de 40% do total da força de
trabalho em muitos países capitalistas avançados (...) (ANTUNES, 2000, p.
53-54).
Os estudos sobre a questão de gênero no mundo do trabalho realizados por Helena
Hirata (1995) apontam dados significativos. A autora ao analisar empresas do Japão, França
e Brasil pôde observar uma grande variedade na organização e gerenciamento da força de
trabalho, em função da divisão sexual. Segundo a mesma, nos estabelecimentos dos três
países, a função que cada trabalhador desempenha depende do tipo de máquina. O trabalho
manual e repetitivo é atribuído às mulheres, enquanto que para os homens destinam-se os
trabalhos que requerem conhecimentos técnicos. A autora acrescenta que nos três
estabelecimentos, os trabalhadores reconhecem as qualidades da força de trabalho feminina,
mas não as vêm como qualificações e que são evidentes as políticas discriminatórias em
relação ao sexo. Nas empresas japonesas as diferenças de remuneração são praticadas
abertamente.
No Japão, a introdução do taylorismo acontece mais cedo, por volta de 1912, na
indústria têxtil, sendo que neste período, para um conjunto de aproximadamente 200 mil
trabalhadores, 70% eram do sexo feminino. “O sistema de dormitórios de jovens operárias –
usual na França na mesma época – tornou possível um movimento de racionalização em que
o conjunto da jornada era considerado o tempo de sono, a toalete, o ato de vestir, o trabalho
da fábrica, o ato de se pentear, o de defecar, o banho, as aulas e o lazer, estritamente
medidos” (HIRATA, 2002, p.33).
De acordo com a autora, um dos motivos da taylorização nas indústrias que utilizam
o trabalho assalariado no Brasil, era a idéia de que a “natureza” da força de trabalho local era
sem iniciativa, preguiçosa e necessitava de supervisão constante para produzir com
eficiência. Assim, dois grupos industriais franceses introduziram técnicas tayloristas em
filiais brasileira. Um grupo atuava no ramo de equipamentos elétricos e outro no ramo têxtil.
O trabalho no Brasil é organizado em linhas de montagem cujo ritmo é determinado
por uma esteira rolante, onde cada operária realiza uma operação bem simples ou a
fabricação de uma determinada peça, em série. Dos 577 trabalhadores que atuavam nesta
33
fábrica em 1980, 286 eram mulheres, enquanto que na fábrica francesa, de um total de 875
trabalhadores, em 1981, 655 eram mulheres.
No Brasil, o regime de trabalho é extremamente autoritário. As operárias são
impossibilitadas de falar ou de fazer qualquer interrupção no trabalho. São duas permissões
de 10 minutos, para ir ao banheiro, uma antes da pausa de 30 minutos para o lanche e outra
depois. A fábrica brasileira abriu até um concurso em 1980, chamado de Jogos Olímpicos
Internos da Produção, fazendo cronometragens antes e depois do turno de trabalho, para
verificar o aumento da produção. Estes jogos ocasionaram um aumento sensível na
produção, bem como a descoberta de novas técnicas e métodos mais “eficazes”, o que gerou,
segundo o diretor da empresa, uma “competição sadia” entre as funcionárias.
O aumento da intensidade do trabalho é feito pelo emprego da força de trabalho
feminina jovem e hábil, diretamente ligada à produção comandada por homens que
controlam a disciplina e o conhecimento técnico. “Para um efetivo total de 1578 pessoas de
ambos os sexos na fábrica brasileira, em 1981, havia 497 operários e 870 operárias, mas
somente 19% das mulheres nas funções de controle (17 mulheres e 88 homens eram chefes e
contramestres)” (HIRATA, 2002, p. 37). Esta situação deixa evidente a divisão sexual do
trabalho, onde os homens atuam em funções de controle e ligadas a capital intensivo e as
mulheres atuam em funções rotineiras e de trabalho intensivo.
Hirata (2002) ressalta que tanto na fábrica francesa, quanto na brasileira, a maioria
dos trabalhadores encaixa-se na categoria dos não qualificados, porém, na França, somente
um homem encontra-se nesta categoria. A maior concentração é feminina, chegando a 99%.
No entanto, 4% das mulheres francesas são qualificadas e 8% delas atuam nas funções de
supervisão, técnicos e contramestres. No Brasil, a realidade apresenta-se de forma
diferenciada, possuindo apenas 1% de mulheres qualificadas e 2% atuando nas funções de
supervisão, contramestre e técnicos, sendo também uma mão de obra mais jovem. Mais da
metade destas mulheres tinha menos de 25 anos e eram solteiras, por preferência da gerência
que preferia contratar mulheres sem responsabilidades familiares.
Em relação aos salários, as diferenças também se mostraram acentuadas. Na França,
o salário mais alto equivalia a 5,6 vezes o mais baixo, enquanto no Brasil, o salário mais alto
equivalia a 22,6 vezes o mais baixo. “As diferenças entre as remunerações das mulheres e a
dos homens eram também mais altas no caso do Brasil: em média os homens ganhavam 2,2
vezes mais do que as mulheres enquanto na França eles ganhavam 1,4 vezes mais do que
elas” (HIRATA, 2002, p.54). Porém, em ambos os casos, os homens ganhavam mais que as
mulheres.
34
Embora na França os salários fossem mais altos, as diferenças variavam de acordo
com as diferentes categorias de trabalhadores, sendo estas maiores para as trabalhadoras não-
qualificadas. No Brasil, as mulheres que pertenciam a esta categoria ganhavam até 25% do
salário das francesas pertencentes a esta categoria. Nas categorias mais qualificadas os
homens no Brasil recebiam até 60% do que recebiam os franceses.
Assim, “cabe observar que os homens não-qualificados no Brasil ganhavam
relativamente mais que as brasileiras não-qualificadas. A situação das mulheres não-
qualificadas no Brasil manifesta os efeitos desvantajosos cumulativos da divisão
internacional do trabalho, da divisão social e da divisão do trabalho entre homens e
mulheres” (HIRATA, 2002, p.55).
É importante enfatizar que, embora as duas fábricas produzissem as mesmas
mercadorias, a produtividade, em grande número de tarefas, era maior no Brasil, mesmo com
um nível mais baixo de automação. Este fato se deve à maior intensidade de trabalho e
menores interrupções para descanso, além do ritmo ser mais intenso.
1.5 Mercado de trabalho e discriminação racial
Por meio do estudo realizado por Henriques (2001), em que busca fazer uma análise
econômica do bem estar das populações branca e negra, identificando o perfil da
desigualdade racial do Brasil ao longo dos anos 90, é possível visualizar a dimensão e a
evolução da desigualdade entre brancos e negros. Essa evolução é expressa em diversos
indicadores socioeconômicos das condições de vida da população brasileira. Os indicadores
envolvidos na análise de Henriques são: estrutura populacional, pobreza, distribuição de
renda, educação, trabalho infantil, mercado de trabalho, condições habitacionais e consumo
de bens duráveis, analisados nas cinco regiões do país.
Em relação ao mercado de trabalho, no que diz respeito ao grau de informalidade
em postos ocupados por negros e brancos no período de 1992 a 1999, é possível perceber
que o grau de informalidade entre trabalhadores negros é maior do que entre os brancos,
assim como o grau de assalariamento é sempre maior entre os brancos, indicando que existe
35
uma maior precariedade na distribuição da posição na ocupação entre trabalhadores negros.
Henriques (2001) alerta que o declínio na qualidade de postos de trabalho confirma-
se pelo declínio dos graus de industrialização e de modernização como um todo, atingindo os
dois grupos raciais. Porém, ao longo de sua análise, observa que o nível de precariedade dos
postos de trabalho é maior para os negros que para os brancos.
Em 1999, o percentual de brancos envolvidos na indústria de transformação é
de 12% e apenas 9% de negros. O índice de brancos ocupados na indústria de
transformação e nos serviços modernos é de 14,7% e de 9,9% para a população negra,
evidenciando que, apesar da evolução entre 1992 e 1999 manter a mesma tendência
para os universos analisados, “a piora relativa é mais intensa entre os negros, em
particular no que diz respeito ao grau de industrialização. Desse modo, o diferencial
entre brancos e negros no que diz respeito aos graus de industrialização e modernidade
dos postos de trabalho aumenta ao longo do tempo, em detrimento dos trabalhadores
negros” (HENRIQUES, 2001, p.39).
Estudos desenvolvidos a partir de informações coletadas pela Pesquisa de Emprego
e Desemprego – PED, realizados pelo convênio DIEESE/Sead/MTE/FAT e parceiros
regionais, nas Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
São Paulo e Distrito Federal, apresentam vários indicadores sobre a condição de inserção da
população negra e branca no mercado de trabalho, entre 1998 e 2004. Este trabalho indica
que, embora a situação econômica desfavorável neste período tenha atingido os
trabalhadores em geral, negros e negras apresentam maiores dificuldades de inserção
ocupacional e quando a conseguem, concentram-se em grande parte nos serviços
precarizados.
Observa-se que, mais de um terço dos trabalhadores de ambos os grupos
raciais, nas regiões pesquisadas, encontram-se em situação vulnerável de ocupação, ou
seja, assalariados sem carteira assinada, autônomos para o público, trabalhadores
familiares não-remunerados ou empregados domésticos. Os dados de 2004 indicam que
entre os trabalhadores negros é maior a proporção de ocupados em situações
vulneráveis, variando de 43,5%, em Salvador, a 32,3% no Distrito Federal. Já em
relação aos brancos que se encontram nessa situação, a proporção é de 36,5% em
Recife e 24,3% no Distrito Federal.
Em se tratando das mulheres ocupadas, é expressiva a proporção das que se
encontram na situação anteriormente descrita, sendo maior a presença de negras em formas
de inserção precarizadas. No ano de 2004, 50% das mulheres negras atuavam na economia
36
informal. No mesmo ano, na região metropolitana de Salvador, 53,1% das trabalhadoras
negras se encontravam em ocupações vulneráveis, diante de uma parcela de 27,5% de
homens brancos.
Tabela 1 - Proporção de ocupados negros e não-negros em situações de trabalho vulneráveis
(1), segundo sexo Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 1998-2004 (em %)
Cor e Sexo
Regiões e
períodos
Total Negra Não-negra
Total
Mulheres
Homens Total Mulheres Homens
Belo Horizonte
1998 35,8 40,3 50 33,4 31,1 35,6 27,9
2004 35 38,3 46,4 31,6 31,2 35,1 26,1
Variação 2004/1998
-2,2 -5 -7,2 -5,4 -2,9 -1,4 -6,5
Distrito Federal
1998 31,7 35,3 44,6 27,6 25,4 30,6 20,8
2004 29,7 32,3 41 24,7 24,3 27,7 21
Variação 2004/1998
-6,3 -8,5 -8,1 -10,5 -4,3 -9,5 1
Porto Alegre
1998 30,2 39,1 49,6 30,3 29 34,3 25,4
2004 29,7 36,4 47,5 27,2 28,9 33,2 25,7
Variação 2004/1998
-1,7 -6,9 -4,2 -10,2 -0,3 -3,2 1,2
Recife
1998 41,8 44,7 55,2 37,4 36,8 42,6 32,4
2004 41,1 43 50,9 37,1 36,5 40,8 33
Variação 2004/1998
-1,7 -3,8 -7,8 -0,8 -0,8 -4,2 1,9
Salvador
1998 42,5 45,9 54,9 38,5 29,1 31,6 27
2004 41,5 43,5 53,1 35,3 29,8 32,4 27,5
Variação 2004/1998
-2,4 -5,2 -3,5 -8,3 2,4 2,5 1,9
São Paulo
1998 33,1 40,5 51 32,7 29,7 35,5 25,7
2004 34,5 41 50,7 33,1 30,9 36,3 26,7
Variação 2004/1998
4,2 1,2 -0,6 1,2 4 2,3 3,9
Fonte: Convênio DIEESE/SEAD, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Nota: (1) Inclui os assalariados sem carteira de trabalho assinada, os autônomos que trabalham pra o público, os
trabalhadores familiares não remunerados e os empregados domésticos.
Obs.: a) Cor negra = pretos + pardos. Cor não-negra= brancos+ amarelos.
b) Os dados do ano de 2004 referem-se ao período de janeiro a setembro.
A pesquisa do DIEESE aponta que os rendimentos reais do trabalho urbano no
período de 1998 a 2004 tornaram-se um dos fatores mais proeminentes da queda da
qualidade da inserção ocupacional nas grandes metrópoles do país. Em São Paulo, no ano de
1998, o conjunto de ocupados ganhava em média R$ 1.365,00, passando a receber em 2004
37
cerca de R$962,00, ou seja, 29,5% menos. No mesmo período, ocorreu uma redução nos
rendimentos da população negra ocupada em todas as regiões investigadas pela PED,
variando entre 10,0% em Salvador e 25,5% em São Paulo.
Em todas as regiões estudadas, a remuneração dos negros mostrou-se menor que a
dos brancos. Em 2004, nas regiões metropolitanas de São Paulo e Salvador, o valor recebido
pelos negros correspondia à metade do recebido pelos brancos. Analisando-se a jornada de
trabalho desempenhada pelos dois grupos sociais, a pesquisa indica que as ocupações
desempenhadas pelos negros exigem uma jornada de trabalho maior, sugerindo uma maior
precariedade de inserção.
O rendimento recebido pelas mulheres, em todas as regiões, mostrou-se menor que
o dos homens em praticamente todas as regiões pesquisadas. Porém, quando comparamos os
rendimentos das mulheres negras com os dos homens brancos, fica evidente uma dupla
discriminação, associando raça e gênero. O rendimento por hora recebido pela mulher negra,
na região metropolitana de Porto Alegre, em 2004, não corresponde a mais que 60% dos
valores recebidos por homens brancos. Em Salvador, homens brancos neste período,
recebiam em média R$7,17 hora, enquanto as mulheres negras recebiam R$2,78 hora.
Henriques (2001), ao analisar a desigualdade de renda no país na década de 90,
constata que ‘nascer negro no Brasil é crescer pobre’, tendo em vista que os negros
representam 70% dos 10% mais pobres da população, sendo que entre o décimo mais rico da
renda nacional, somente 15% da população é negra. Considerados os centésimos da
distribuição de renda brasileira, observa-se que de cada dez pessoas do segmento mais pobre
da distribuição de renda, oito são negros. De cada dez pessoas participantes no último
centésimo da renda nacional, só uma negra.
Entre os mais ricos estão os brancos, sendo sua renda per capita média 20% maior
que a dos negros. Os brancos representam 85% da população do décimo mais rico da nossa
sociedade, apropriando-se de 87% da renda desse décimo. O contingente de brancos no
Brasil se apropria de 41% da renda de todo o país. Os negros que se encontram no extremo
mais alto da renda do Brasil representam apenas 15% da população do décimo da
distribuição e se apropriam de 13% da renda desse décimo, representando 6% da renda de
todo o país.
Em contrapartida, no extremo mais pobre da distribuição de renda, a metade mais
pobre da população se apropria de 12,5% da renda do país. No ano de 1999, entre os 50%
mais pobres havia 40% de brancos que se apropriavam de 5,5% da renda do país e 59,6% de
negros que se apropriavam de 7% da renda do país.
38
O reconhecimento de que a maioria dos negros pertence aos segmentos de
menor renda per capita e que os negros ricos são menos ricos que os
brancos ricos nos permite derivar uma clivagem socioeconômica que pode
traduzir-se em dois mundos: um “Brasil branco” mais rico e mais desigual
e um “Brasil negro”. Ao longo de toda distribuição, sem exceção, a renda
média dos brancos é maior que a renda média dos negros presentes no
mesmo quantil de suas respectivas distribuições (HENRIQUES, 2001,
p.20).
Considerando a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres, obtém-se um
quadro de extrema injustiça social, sendo o Brasil um dos países mais desiguais do mundo.
Tratando-se das desigualdades no mundo do trabalho, é importante citarmos o
trabalho realizado por Medeiros (2004). O jornalista faz uma análise do Mapa do negro no
mercado de trabalho, estudo realizado pelo DIEESE e pela Fundação Seade, em 1998, sob
encomenda do Instituto Interamericano Sindical pela Igualdade Racial – INSPIR, onde são
observadas profundas desigualdades entre brancos e negros no tocante à inserção no
mercado de trabalho, principalmente no que diz respeito às mulheres negras.
O relatório apresenta a situação dos trabalhadores negros em cinco grandes regiões
do país: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Distrito Federal, Recife e Salvador.
Do ponto de vista do rendimento, o Mapa nos mostra que, nas regiões
pesquisadas, os trabalhadores brancos ganham, em média, mais que o
dobro dos negros, e em todas elas – exceto Belo Horizonte – o rendimento
das mulheres brancas é maior que o dos homens negros. A mesma
desigualdade aparece nas taxas de desemprego, e com uma agravante: a
duração do desemprego é sempre maior para os negros, da mesma forma
que é menor para estes o tempo de permanência no emprego. Além disso,
os trabalhadores negros têm menor possibilidade de acesso a funções de
direção e planejamento, mas constituem uma proporção muito maior da
força de trabalho não-qualificada, alocados nas atividades de execução e
nas de apoio em serviços gerais. Em Salvador, por exemplo, o número de
trabalhadores negros em atividades não-qualificadas é quase três vezes
maior que o de brancos. Os negros também ingressam mais cedo que os
brancos no mercado de trabalho – o percentual médio das crianças negras
trabalhadoras de 10 a 14 anos é de quase 15%, mas alcança índices bem
mais altos em algumas cidades, como Salvador – e são os últimos a sair
dele. Além disso, a jornada de trabalho dos negros é de uma a duas horas
mais longa que a dos brancos: 44 horas semanais contra 42. Incluindo-se a
dimensão de gênero, constata-se que, com exceção do Distrito Federal e de
Porto Alegre, as mulheres negras recebem em torno de 30% do que recebe
o homem branco, e, com exceção de Belo Horizonte, as mulheres brancas
recebem rendimentos maiores que os homens negros. O número de negros
ocupados em trabalhos domésticos é quase quatro vezes maior que o
número de brancos. A população negra é também a que menos tem acesso
aos serviços e a que menos se apropria da riqueza que produz
(MEDEIROS, 2004, p.84)
39
1.6 Inserção ocupacional de mulheres negras
De acordo com boletim publicado pelo Dieese sobre inserção de mulheres negras no
mercado de trabalho no período de 2001-2002, as mulheres negras são a síntese da dupla
discriminação de sexo e cor na sociedade brasileira. Geralmente são mais pobres e se
encontram em ocupações mais precárias, com menores rendimentos e altas taxas de
desemprego.
O Boletim apresenta dados sobre as mulheres negras no mercado de trabalho nas
regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e
Distrito Federal por meio da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, realizada pelo
convênio Dieese/Sead/ MTE-FAT e convênios regionais. A análise da inserção de mulheres
negras no mercado de trabalho é feita de forma a verificar a qualidade desta inserção no
tocante a postos de trabalho ocupados e situações de desemprego, comparadas com outros
grupos populacionais, ou seja homens negros e não-negros e mulheres não-negras.
Este estudo nos revela o quanto tem sido desvantajosa a inserção das mulheres
negras no mercado de trabalho brasileiro. A nítida discriminação racial somada à falta de
igualdade entre os sexos tem colocado os negros em pior situação, em relação aos outros
grupos.
Quando analisado o conjunto da população em idade ativa (PIA) das seis regiões
abordadas pelo estudo, verificamos o quanto a população negra está distribuída de forma
desigual, revelando uma concentração de 46,1% de negras em idade ativa em Salvador,
18,3% em São Paulo e apenas 6,3% em Porto Alegre. O Dieese atribui este fato às raízes da
formação econômica e social brasileira, principalmente pela afluência da força de trabalho
para o Nordeste, no período colonial e pela ocupação européia nas regiões Sul e Sudeste do
país. O que há de comum nas duas regiões é que as mesmas apresentam mercados de
trabalho regionais onde as mulheres negras detêm as maiores taxas de desemprego e
permanecem por mais tempo desocupadas. Quando conseguem trabalho lhes são reservadas
ocupações de menor qualidade, status e remuneração.
Como característica marcante da inserção da população negra no mercado de
trabalho urbano nas regiões metropolitanas analisadas, está o maior engajamento relativo na
força de trabalho, quando comparado à parcela não-negra da população. Este fato é
identificado pela permanência de altas taxas de participação onde é refletida a intensidade
40
com que as pessoas negras com 10 anos e mais de idade incorporam à população
economicamente ativa.
Com exceção de Porto Alegre, onde no período analisado as taxas de participação
de negros e não-negros eram similares, nas demais regiões analisadas pela PED a presença
de negros na força de trabalho mostrou-se mais intensa, com destaque para o Distrito
Federal, onde a taxa de participação da parcela negra da população chegou a 64,9% da PIA,
sendo que a dos não-negros ficou em 61,9%, conforme se pode verificar na tabela a seguir.
Tabela 2 - Taxa de participação, por sexo e cor Regiões Metropolitanas e Distrito Federal
Biênio 2001-2002 (Em %)
Negros Não-negros
Regiões
Metropolitanas
Total Mulheres Homens Total Mulheres Homens
Belo Horizonte 59,1 51,5 67,4 57,8 49,0 68,2
Dist. Federal 64,9 58,4 72,2 61,9 55,6 70,0
Porto Alegre 57,7 52,1 64,3 58,1 49,1 68,0
Recife 53,5 44,2 64,1 52,8 44,1 63,9
Salvador 62,2 55,7 69,7 59,3 51,9 68,3
São Paulo 64,5 56,5 73,3 62,4 52,8 73,1
Fonte: Convênio DIEESE/Seade, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Obs.: a) Taxa de participação específica = 100 X (PEA com atributos específicos) / (PIA correspondente).
b) Dados com base na média do período de janeiro a junho de 2002.
c) Negros: inclui pretos e pardos. Não-negros: inclui brancos e amarelos.
Quando verificamos a questão do gênero, conseguimos esclarecer a tabela anterior,
verificando que as diferenças sexuais têm papel importante na associação entre a maior
necessidade de participar do mercado de trabalho e a realidade socioeconômica desfavorável
da maioria da população negra brasileira. A participação masculina apresenta taxas maiores
que as femininas, mas há diferenças na inserção produtiva quando são considerados os
grupos de cor a que pertencem.
Constata-se uma maior participação das mulheres negras em praticamente todas as
regiões analisadas. Esta diferença é mais intensa em Salvador e São Paulo, onde a presença
de mulheres negras é superior em 3,8 e 3,7 pontos percentuais à de não-negras.
As trabalhadoras negras, embora apresentem maior necessidade, mostram maior
dificuldade para obter ocupação. A pesquisa evidencia que a sobreposição discriminatória de
gênero e racial associada à crise econômica pela qual o país vem passando, atinge mais as
mulheres negras as quais apresentam índices mais elevados de desemprego entre os grupos.
Em São Paulo, o segmento das mulheres negras correspondia a 35,4% da força de
trabalho no período de 2001-2002, apresentando uma taxa de desemprego de 12,9 pontos
percentuais, superior a dos homens não-negros no mesmo período. Na Grande Salvador,
41
onde a maioria dos trabalhadores é negra também foi encontrada uma diferença de 15,3
pontos percentuais entre as taxas de desemprego para as mulheres negras (31,3%), para
16,0% entre os homens não-negros.
Comparando as taxas de desemprego entre as mulheres negras e as não-negras que
também convivem com taxas de desemprego mais elevadas que os homens não-negros, se
observa que em todas as regiões pesquisadas as taxas de desemprego total no segmento das
mulheres negras superou a encontrada entre as não-negras. As desigualdades da desocupação
foram mais evidenciadas em Salvador, com 9,1 pontos percentuais, em São Paulo e Porto
Alegre, onde a taxa de desemprego entre as mulheres negras excedeu a das não-negras em
7,4 pontos percentuais. Em Belo Horizonte e Recife as diferenças são menores. Apresentam
3,6 pontos percentuais nas duas regiões.
A maior exposição ao desemprego traz como conseqüência uma presença menor
das mulheres negras entre os ocupados, sendo que em todas as regiões investigadas pela
PED, independente da etnia, as negras estão em parcela menor entre os ocupados que se
encontram inseridos na PEA.
A pesquisa evidencia que a ocupação das mulheres negras concentra-se, em todas as
regiões, no setor de serviços. Nos anos de 2001-2002 este setor absorvia 41,6% das ocupadas
negras da Região Metropolitana de São Paulo e 57,8% das residentes no Distrito Federal.
Se compararmos com os demais setores de atividade econômica, o emprego
doméstico aparece como segundo setor mais importante na inserção ocupacional das
trabalhadoras negras, caracterizando-se pelos baixos níveis de produtividade e por exigir
menos requisitos de qualificação em relação a outros setores da economia. Além disso, provê
rendimentos baixos, próximos a um salário mínimo e freqüentemente desrespeita os direitos
trabalhistas.
Na região de Salvador, apenas 6,7% das mulheres não-negras encontram-se no
serviço doméstico, enquanto que entre as negras a inserção na ocupação doméstica atingiu
patamares superiores a 20%, alcançando nas regiões metropolitanas de Porto Alegre e São
Paulo as taxas de 33,6% e 30,0% respectivamente.
De acordo com o boletim do Dieese, as avaliações sobre a qualidade da inserção das
trabalhadoras negras entre os ocupados tomam como ponto de partida o fato de que o
assalariamento é a forma predominante de se engajar no mercado de trabalho urbano no
Brasil e também porque entre os assalariados as relações são formalizadas, sejam no setor
privado ou público, cenários estes que apresentam importantes diferenciações de cunho
sexual e racial.
42
Os homens, com maior intensidade, são absorvidos pelo setor privado, com carteira
de trabalho assinada, enquanto as mulheres atuam com mais freqüência no setor público.
Porém, a parcela negra dos trabalhadores encontra-se proporcionalmente mais concentrada
entre os trabalhadores sem carteira assinada, destacando-se a carreira pública como
alternativa de inserção ocupacional feminina, tanto pela natureza das funções que a
compõem, como as das áreas da educação e da saúde, como pela forma de ingresso,
geralmente por meio de concursos públicos. Mesmo assim, em todas as áreas investigadas, a
presença de negras no assalariamento público é inferior a de mulheres não negras.
Quando se avaliam as possibilidades de crescimento profissional, também fica
evidente a condição desfavorável de progressão no que diz respeito às mulheres negras. Das
regiões analisadas, a maior concentração de mulheres negras em cargos de chefia está no
Distrito Federal (11,9%), onde também há maior predominância do setor público. Porém, nas
outras regiões é menor a presença de negras em patamares mais elevados de progressão
profissional, como em Porto Alegre (3,5%) e em São Paulo (4,2%), sendo que,
independentemente dos traços regionais, todas as regiões apresentaram maior grau de
dificuldade para ascensão profissional enfrentado pelas mulheres negras, quando comparadas
às não-negras.
1.7 Inserção ocupacional, escolaridade, discriminação racial e de gênero
Ao analisarmos as transformações ocorridas no mundo do trabalho nos dias atuais,
sua dimensão histórica, bem como os processos de exclusão a que determinados grupos
sociais estão expostos, é de fundamental importância que compreendamos as relações
existentes entre trabalho e educação, percebendo que a atual sociedade ainda carrega de
forma veemente o discurso de que a educação é a redentora da humanidade e que para
alcançarmos postos de trabalho bem remunerados precisamos ter uma boa formação escolar,
como se a escola fosse o único espaço educativo da sociedade.
Alguns teóricos vêm se dedicando a esta análise, tais como Frigotto (2000),
Kuenzer (1998), Ciavatta (1998), Arroyo (1999), Gentili (1998), Mészáros (2005), entre
43
outros.
Frigotto (2000) afirma que na ótica das classes dominantes, historicamente, a
educação dos trabalhadores deve acontecer no sentido de prepará-los técnica, social e
ideologicamente para o trabalho, subordinando a função social da educação no sentido de
responder às necessidades do capital.
De acordo com Gentili (1998), a grande expansão dos sistemas educacionais,
principalmente a partir da segunda metade do século XIX, tem sido produto da difusão da
promessa da “escola como entidade integradora”. Os sistemas educacionais foram
considerados neste período, pelos grupos dominantes e também pelas massas, como uma
forma eficaz de integração social.
Porém, a crise capitalista dos anos setenta marcou uma desarticulação da tal
promessa integradora. A crise efetivou-se nos anos oitenta, junto com a revalorização do
papel econômico da educação e da disseminação dos discursos que enfatizavam a
importância produtiva dos conhecimentos, bem como do papel da escola na promoção da
competitividade econômica na era da globalização.
A promessa integradora da escolaridade estava fundada na necessidade de
definir um conjunto de estratégias orientadas para criar as condições
“educacionais” de um mercado de trabalho em expansão e confiança
(aparentemente incontestável) na possibilidade de atingir o pleno emprego.
A escola constituía-se assim, num espaço institucional que contribuía para
a integração econômica da sociedade, formando o contingente (sempre em
aumento) da força de trabalho que se incorporaria gradualmente ao
mercado. O processo da escolaridade era interpretado como um elemento
fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a
capacidade competitiva das economias e, conseqüentemente, o incremento
progressivo da riqueza social e da renda individual (BLAUG, 1975;
SCHULZ, 1973). A dimensão social e individual dos benefícios
econômicos decorrentes do processo de escolarização (...) obrigava a
pensar o planejamento educacional como uma atividade central na
definição das políticas do setor (GENTILI, 1998, p.80).
A promessa integradora delegava ao Estado não só a responsabilidade de
planejamento da educação, mas também a responsabilidade na captação de recursos
financeiros e distribuição de verbas voltadas à educação, contribuindo tanto para o aumento
da riqueza social, quanto para o aumento da renda individual. Desta forma, a desintegração
da promessa integradora foi justamente a ruptura dessas condições.
Gentili (1998) afirma que uma das causas da queda da promessa de integração via
escolaridade foi justamente a “privatização da função econômica da escola”. Passa-se da
integração em função das necessidades de caráter coletivo, para uma lógica privada,
44
direcionada pela ênfase nas competências individuais que cada um deve buscar no mercado
educacional, para atingir melhores posições no mercado de trabalho, restando agora ao
indivíduo e não mais ao Estado, a responsabilidade de conquistar ou não uma posição no
mercado de trabalho. Assim, “a garantia de emprego como direito social (...) desmanchou-se
diante da nova promessa de empregabilidade como capacidade individual para disputar as
limitadas possibilidades de inserção que o mercado oferece” (GENTILI, 1998, p.89).
Embora com toda a desintegração da promessa integradora da escola, grande parte
da população acredita que é via escolaridade que o indivíduo conquista os melhores postos
de trabalho. Porém, a realidade tem mostrado um quadro bem diferente do sonhado.
Kuenzer (1998) reforça que enfatizar a tese oficial de que a escolarização, junto
com alguma formação profissional, poderá conferir empregabilidade, é agir de má fé. Porém,
afirmar que não adianta lutar por uma educação melhor, “é mais do que matar a esperança,
eliminar um espaço importante para a construção de um outro projeto hegemônico” (p.69).
A autora alerta, no entanto, que este dilema seria uma falácia com raízes na falta de
clareza sobre a categoria trabalho, pautada na teoria do capital humano, que busca cada vez
mais estabelecer uma relação linear entre educação e emprego. Esta linearidade continua
existindo no discurso da relação entre reestruturação produtiva e educação e reveste-se de
lógica quando se entende a concepção de trabalho enquanto produção de mercadoria, “a
justificar a educação na perspectiva do investimento, agora não mais social, mais individual,
como condição de empregabilidade, que expressa poder para competir em um mercado com
oportunidades cada vez mais escassas” (Ibidem).
Assim, se por um lado, a reestruturação produtiva vem apontando para a
“educação” da classe trabalhadora, por outro lado, pensando nos padrões mínimos de
socialização, no disciplinamento para o trabalho, realmente há um aumento nas exigências
educacionais para a população.
As pesquisas que temos desenvolvido com trabalhadores que fazem o
discurso da qualificação e reconversão profissional mostram que, em uma
sociedade crescentemente excludente, os considerados em situação de risco
social não terão chance de emprego formal, têm baixa escolaridade, não
dominam os instrumentos básicos da ciência e da cultura, particularmente
no que diz respeito às habilidades de comunicação, e em grande número
não são brancos. Embora o modelo seja cada vez mais excludente e o
projeto político nacional reforce este caráter, em face do modo como se
insere no processo de globalização, não é negando a educação ou a
formação profissional a esta parcela da população a melhor forma de lutar
pela construção de outro tipo de sociedade (KUENZER, 1998, p.70).
45
A situação exposta por Kuenzer (1998), em que a mesma aponta que a grande
maioria das pessoas que tem baixa escolaridade e não domina os instrumentos básicos
da ciência e da cultura não são brancos, é reforçada por Henriques (2001). O mesmo
explicita que a média de escolaridade de um jovem negro, na faixa etária dos 25 anos, é
de 6,1 anos de estudo e a de um jovem branco, na mesma faixa etária, é de 8,4 anos de
estudo, gerando uma diferença de 2,3 anos entre os dois segmentos da população. Se
pensarmos que a escolaridade média da população brasileira é de 6 anos, essa diferença
é extremamente alta.
Henriques (2001) acentua que o mais preocupante desta situação é a evolução
histórica e a tendência de longo prazo da discriminação porque, embora a escolaridade dos
brasileiros tenha aumentado no século XX, o fato de um jovem branco ter 2,3 anos a mais de
escolaridade que um jovem negro, mostra que a intensidade dessa discriminação é a mesma
vivida pelos pais desses jovens e também de seus avós. Ou seja, a escolaridade, de forma
geral tem aumentado, porém a discriminação vem se mantendo estável nas diversas
gerações.
Ao analisarmos o gráfico a seguir, podemos perceber que a escolaridade de ambas
as raças, no período de 1929 a 1974, cresce, porém o padrão de discriminação racial, que se
expressa pelo diferencial de anos de escolaridade, continua estável.
Gráfico 1 – Número médio de anos de estudo – evolução por cohorte
Este gráfico nos faz refletir que a questão da igualdade e da inclusão, tão propalada
nos dias atuais, está muito longe de ser alcançada, até porque, dentro da lógica capitalista,
como acentua Mészáros, é preciso analisar “o tipo de igualdade viável para os indivíduos em
46
geral, e para as mulheres em particular, na base material de uma ordem de reprodução
sociometabólica controlada pelo capital, em vez de se discutir como se poderiam redistribuir
os recursos disponíveis nas presentes circunstâncias dentro das margens que se encolhem”
(2002, p. 273).
Tratando de educação, Mészáros afirma que:
Desde a mais tenra infância as pessoas aprendem por todos os meios
concebíveis que todos têm oportunidades iguais e que as desigualdades
com que se deparam não são o resultado de instituições injustas, mas de
seus dotes naturais superiores ou inferiores. Portanto, assegurar a
manutenção da gritante desigualdade e dos privilégios da educação, por
exemplo, é algo que “se deve buscar indiretamente, garantindo amplos
recursos para a subsistência da parte do sistema que atende à oligarquia,
deixando, ao mesmo tempo, faminta a parte que atende às classes baixas e
os trabalhadores. Isso garante a desigualdade na educação tão vitalmente
necessária para apoiar a desigualdade geral que é o coração e a essência de
todo o sistema”. Assim é possível sustentar a mitologia da igualdade – pelo
menos na forma da proclamada “igualdade de oportunidades” – e perpetuar
seu oposto diametral na ordem vigente sob o domínio do capital (2002, p.
273-274).
As pesquisas apontam que a igualdade de oportunidades está longe de alcançar a
população afro-brasileira. A “Lei Áurea” supostamente libertou os negros do país das garras
de seus senhores porém, escravizou-os em uma sociedade que não lhes deu oportunidades de
inserção social, pois a grande maioria dos negros e negras forros não possuía nenhum grau
de instrução e desta forma não puderam ser aproveitados nas indústrias que se estabeleciam
no país naquele período.
Para estimar a evolução entre 1992 e 1999 das condições de vida de brancos e
negros, expressas por meio de indicadores de desempenho de escolaridade de jovens e
adultos, Henriques (2001) faz a análise a partir de alguns dados, que retratam parte da
realidade escolar dos jovens brasileiros.
47
Tabela 3 - Características Educacionais da População Jovem segundo Cor do Indivíduo (Em %)
Ano
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999
Variação
Relativa
Brasil
Pessoas de 15 a 25 anos analfabetas 8,8 8,3 7,3 6,6 6,5 5,5 5,0 -42,8
Pessoas de 7 a 13 anos que não freqüentaram
a escola
12,0 10,1 8,7 7,7 6,1 4,6 3,6 -69,8
Pessoas de 14 a 17 anos que não freqüentam
a escola
35,8 33,3 29,3 26,5 23,2 20,1 18,3 -48,9
Pessoas de 18 a 25 anos que não freqüentam
a escola
79,1 77,0 75,0 73,6 72,7 70,1 68,4 -13,5
Pessoas de 8 a 14 anos que não concluíram a
1ª série do E. F.*
22,4 21,3 19,1 17,7 16,4 13,8 11,2 -50,0
Pessoas de 11 a 17 anos que não concluíram
a 4ª série do E. F.
41,9 40,9 37,1 34,7 33,1 31,0 27,4 -34,5
Pessoas de 15 a 21 anos que não concluíram
a 8ª série do E. F.
70,2 68,9 66,2 63,0 61,6 57,3 53,4 -23,9
Pessoas de 18 a 23 anos que não concluíram
o Ensino Médio.
83,6 83,0 81,1 79,5 78,0 75,7 73,2 -12,5
Pessoas de 18 a 25 anos que não concluíram
o Ensino Superior.
95,0 94,8 94,1 94,1 93,8 93,2 92,9 -2,2
Brancos
Pessoas de 15 a 25 anos analfabetas 4,5 4,1 3,7 3,3 3,1 2,7 2,6 -42,4
Pessoas de 7 a 13 anos que não freqüentaram
a escola
7,6 6,5 5,4 4,8 3,8 2,9 2,4 -68,0
Pessoas de 14 a 17 anos que não freqüentam
a escola
31,0 29,2 25,3 22,6 19,0 17,1 15,6 -49,7
Pessoas de 18 a 25 anos que não freqüentam
a escola
76,6 75,0 72,9 71,1 70,5 67,7 66,7 -12,9
Pessoas de 8 a 14 anos que não concluíram a
1ª série do E. F.
13,1 12,5 11,0 10,8 9,3 8,4 7,2 -45,5
Pessoas de 11 a 17 anos que não concluíram
a 4ª série do E. F.
29,3 27,8 24,8 23,0 20,8 19,9 17,7 -41,6
Pessoas de 15 a 21 anos que não concluíram
a 8ª série do E. F.
59,9 58,4 55,0 51,7 49,3 45,3 40,9 -31,7
Pessoas de 18 a 23 anos que não concluíram
o Ensino Médio.
77,2 76,1 73,5 71,6 69,2 66,6 63,1 -18,2
Pessoas de 18 a 25 anos que não concluíram
o Ensino Superior.
92,0 91,7 90,8 90,6 90,1 89,2 88,8 -3,5
Negros*
Pessoas de 15 a 25 anos analfabetas 13,4 12,8 11,3 10,3 10,1 8,6 7,6 -43,3
Pessoas de 7 a 13 anos que não freqüentaram
a escola
16,4 13,7 11,8 10,7 8,3 6,2 4,8 -70,8
Pessoas de 14 a 17 anos que não freqüentam
a escola
40,6 37,5 33,4 30,7 27,3 23,3 21,0 -48,2
Pessoas de 18 a 25 anos que não freqüentam
a escola
81,9 79,4 77,6 76,6 75,3 72,9 70,4 -14,0
Pessoas de 8 a 14 anos que não concluíram a
1ª série do E. F.
31,6 30,0 27,2 24,7 23,3 19,1 15,2 -52,0
Pessoas de 11 a 17 anos que não concluíram
a 4ª série do E. F.
54,3 53,8 49,5 46,8 45,2 41,9 37,5 -30,9
Pessoas de 15 a 21 anos que não concluíram
a 8ª série do E. F.
81,2 80,0 78,1 75,6 74,5 70,1 66,5 -18,1
Pessoas de 18 a 23 anos que não concluíram
o Ensino Médio.
90,9 90,8 89,8 88,6 87,7 86,2 84,4 -7,2
Pessoas de 18 a 25 anos que não concluíram
o Ensino Superior.
98,5 98,5 98,1 98,2 98,1 98,0 97,7 -0,7
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1992, 1993, 1994, 1995, 19996, 1997, 1998 e 1999.
Nota: * A população negra é composta por pardos e pretos. E. F= Ensino Fundamental.
48
A tabela 3 indica que no período de 1992 a 1999 ocorreu uma melhoria, tanto para
negros, quanto para brancos, no que diz respeito ao acesso à escola, traduzida na redução do
número de jovens de 7 a 13 anos e de 14 a 17 anos que não freqüentam a escola, diminuindo
também a quantidade de jovens de 8 a 14 anos que não completaram a primeira série do
ensino fundamental. Conclui-se que, em 7 anos, a proporção de jovens entre 7 e 13 anos de
idade que não freqüentam a escola, caiu pela metade.
Porém, quando analisado separadamente, o desempenho de jovens brancos e
negros, não se percebe a mesma homogeneidade. De acordo com Henriques (2001), a
melhora relativa entre os negros é maior somente nos grupos em que ocorre um aumento no
desempenho da média do Brasil, ou seja, nos grupos de 7 a 13 anos que não freqüentam a
escola e de 8 a 14 anos que ainda não completaram a primeira série do ensino fundamental.
Observa-se também que os negros apresentam, em todos os anos da série, um
desempenho inferior aos jovens brancos. Os níveis de freqüência à escola e os índices de
analfabetismo são piores entre os negros que entre os brancos. No ano de 1999, 8% dos
jovens negros são analfabetos e 3% entre os brancos. Entre os jovens brancos de 18 a 23
anos, 63% não completaram o ensino médio. No que diz respeito aos jovens negros, da
mesma faixa etária, a taxa é de 84%. Em relação ao ensino superior, em 1999, 89% dos
jovens brancos não haviam ingressado na universidade. Porém, entre os negros, 98% não
ingressaram na universidade.
Em relação à conclusão dos ciclos educacionais acima da quarta série, o
desempenho dos jovens brancos mostrou-se superior ao dos jovens negros por toda a década,
repetindo-se a mesma situação em relação ao analfabetismo e ao ingresso no ensino superior.
Henriques (2001) evidencia que a taxa de analfabetismo entre os brancos com mais de 15
anos, em 1999, é de 8,3%, e a dos negros, com a mesma faixa etária é de 19,8%. Em relação
aos analfabetos funcionais
8
, a taxa é de 26,4% para os brancos e 46,9% para os negros,
apontando para um diferencial de mais de 20 pontos percentuais, em 1999. Quase metade da
população negra com mais de 25 anos pode ser considerada analfabeta funcional, assim
como, em 1999, 75,3% de adultos negros não completaram o ensino fundamental, sendo que
o percentual de adultos brancos que não completaram o ensino fundamental é de 57,4%. O
autor alerta que em 1999, todos os indicadores de escolaridade dos negros mostraram-se
inferiores aos dos brancos em 1992.
Anteriormente, ao tratarmos sobre a questão do índice de desemprego entre as
8
A pesquisa realizada considerou analfabeto funcional o adulto com menos de quatro anos de escolaridade.
49
mulheres negras, observamos que há um alto índice das mesmas em situação de não
ocupação, se compararmos com o segmento não-negro da população.
De acordo com boletim do Dieese, que analisa a situação da mulher negra no
mercado de trabalho no biênio 2001-2002, algumas análises mais conservadoras, para não
dizer racistas, ainda tentam justificar a questão do desemprego pautando-se na questão da
incapacidade ou na dificuldade da população negra de se adequar aos requerimentos de
formação profissional. Essas concepções são frutos do período pós-abolição, muito utilizadas
para justificar o não engajamento dos negros na força de trabalho assalariada. Porém,
situações como estas ainda persistem em nosso país.
A pesquisa aponta que em todas as regiões analisadas, de forma geral, as taxas de
desemprego são menores entre as pessoas que completaram o ensino superior ou que estão
cursando, bem como entre aqueles que completaram o ensino médio e que o desemprego
aumenta entre aqueles que não concluíram o ensino fundamental.
Também fica evidente que as mulheres negras apresentavam taxas de desemprego
maiores que as verificadas para homens não-negros com a mesma escolaridade. Esta
desigualdade persiste em todos os níveis de escolarização e para as negras que concluíram o
ensino superior, as taxas de desemprego apresentavam-se maiores que as dos homens não-
negros, em média em 4,1 pontos percentuais.
Ao compararmos as taxas de desemprego femininas, verificamos o predomínio de
situações desfavoráveis na obtenção de trabalho para as mulheres negras, mesmo quando
apresentam o mesmo grau de escolaridade comparado ao das não-negras, o que revela uma
discriminação não só social e de gênero, mas também racial. Entre os contingentes femininos
que possuem ensino médio incompleto as desigualdades das taxas de desemprego entre
negras e não-negras são maiores. Em Porto Alegre, as mulheres negras com esta
escolaridade apresentaram taxas de desemprego na ordem de 38,6%, e as mulheres não-
negras, 29,2%. Estas taxas só se reduzem no segmento de trabalhadores que alcançou o
ensino superior completo. Nestes casos, em Belo Horizonte, as mulheres negras mantinham
taxas de desemprego de 1,5 pontos percentuais maiores que as não-negras, sendo que na
Grande Salvador as taxas de desemprego foram idênticas para os dois grupos (13,2%).
De forma geral, as diferenças entre a escolaridade dos dois segmentos da população
analisados ainda são bastante altas. As dificuldades de acesso à escola, bem como o ingresso
precoce no mercado de trabalho são determinantes na desigualdade nos níveis de
escolaridade entre negros e não-negros. Esta disparidade atinge todos os segmentos
populacionais e também manifesta-se no contingente feminino.
50
Em São Paulo, 49,3% das negras no período de 2001-2002 não haviam concluído o
ensino fundamental, enquanto 27,7% das não-negras encontravam-se nesta situação. Das
mulheres negras ocupadas e que concluíram o ensino superior completo, o índice era de
6,6%, sendo que das não-negras, 26,2% encontravam-se na mesma situação.
A tabela a seguir ilustra melhor esta situação:
Tabela 4 - Distribuição dos ocupados segundo cor, sexo e escolaridade Regiões
Metropolitanas e Distrito Federal Biênio 2001-2002 (Em %)
Cor e sexo
Negra Não-negras
Regiões Metropolitanas
e Distrito Federal e
Instrução
Total
Total Mulheres Homens Total Mulheres Homens
Belo Horizonte
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Analfabeto 1,7 2,1 2,3 2,0 1,0 1,2 (3)
E. F. Incompleto (1) 34,9 40,0 37,6 41,9 27,4 24,1 30,0
Ens. F. Completo 12,1 12,9 10,9 14,5 10,8 8,3 12,7
Ens. M. Incompleto 7,3 7,5 6,8 8,1 7,0 6,1 7,8
Ens. M. Completo 27,4 25,9 28,9 23,5 29,6 32,4 27,3
Ensino Superior (2) 16,6 11,6 13,5 10,0 24,2 27,9 21,4
Distrito Federal
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Analfabeto 2,1 2,6 2,4 2,6 1,5 1,2 1,8
E. F. Incompleto (1) 27,0 31,8 30,3 33,0 19,3 17,8 20,7
Ens. F. Completo 10,3 11,5 10,3 12,6 8,4 7,3 9,3
Ens. M. Incompleto 8,0 8,8 8,4 9,2 6,8 6,3 7,2
Ens. M. Completo 28,9 28,5 30,4 26,9 29,6 30,8 28,5
Ensino Superior (2) 23,6 16,8 18,3 15,5 31,5 36,6 32,5
Porto Alegre
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Analfabeto 1,2 2,7 3,0 2,4 1,1 1,1 1,1
E. F. Incompleto (1) 34,7 46,6 45,3 47,9 33,1 29,7 35,7
Ens. F. Completo 13,4 16,1 14,9 17,1 13,1 11,6 14,2
Ens. M. Incompleto 7,0 8,5 8,2 8,7 6,8 6,7 6,9
Ens. M. Completo 23,9 20,2 21,2 19,3 24,4 25,7 23,4
Ensino Superior (2) 19,8 5,9 7,4 4,6 21,5 25,2 18,7
Recife
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Analfabeto 6,2 7,2 7,0 7,4 4,2 3,8 4,5
E. F. Incompleto (1) 36,3 40,8 35,8 44,3 27,4 22,6 31,3
Ens. F. Completo 9,6 10,1 8,7 11,0 8,7 7,1 10,0
Ens. M. Incompleto 7,5 7,9 7,5 8,2 6,7 6,4 6,9
Ens. M. Completo 26,6 25,3 29,7 22,2 29,1 31,7 27,1
Ensino Superior (2) 13,8 8,7 11,3 6,9 23,9 28,4 20,2
Salvador
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Analfabeto 2,8 3,1 3,5 2,8 (3) (3) (3)
E. F. Incompleto (1) 31,9 34,8 31,4 37,7 14,7 11,9 17,1
Ens. F. Completo 9,7 10,3 8,3 12,1 6,2 5,1 7,1
Ens. M. Incompleto 7,9 8,4 8,1 8,7 5,0 3,9 5,9
Ens. M. Completo 31,6 31,1 34,6 28,2 34,6 35,6 33,7
Ensino Superior (2) 16,1 12,3 14,2 10,6 38,6 42,4 35,3
51
São Paulo
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Analfabeto 3,5 5,8 5,5 6,0 2,3 2,1 2,4
E. F. Incompleto (1) 34,4 46,1 43,8 47,9 28,5 25,6 30,6
Ens. F. Completo 12,5 14,0 13,1 14,6 11,8 10,2 13,0
Ens. M. Incompleto 7,2 7,8 7,3 8,1 6,9 6,6 7,1
Ens. M. Completo 25,1 20,8 23,6 18,7 27,2 29,3 25,7
Ensino Superior (2) 17,3 5,5 6,6 4,7 23,3 26,2 21,2
Fonte: Convênio DIEESE/Seade, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Notas: (1) Inclui alfabetizados sem escolaridade
(2) Inclui ensino superior incompleto e ensino superior completo
(3) A amostra não comporta a desagregação para esta categoria
Obs.: Negros: inclui pretos e pardos. Não-negros: inclui brancos e amarelos.
Silva (1995) alerta que grande parte das mulheres negras com dez anos de idade não
atinge quatro anos de estudos, segundo os dois últimos censos. Poucas chegam a freqüentar
o ensino superior e entre estas, grande número busca diploma de licenciatura,
encaminhando-se para o magistério como profissão. Este dado revela, de acordo com Gomes
(1995), que a entrada de mulheres negras para o magistério, profissão antes ocupada pela
mulher branca de classe média, também é uma forma de exclusão, percebendo a situação de
desvalorização dos professores, atualmente, e a baixa remuneração destes. Ou seja, as negras
passam a ocupar esse espaço porque as mulheres brancas, de classe média, conquistaram
outros postos de trabalho melhor remunerados.
Neste sentido, Medeiros (2004) aponta que as desigualdades raciais possuem um
viés de gênero bem acentuado, fazendo com que a pirâmide sociorracial brasileira seja
constituída da seguinte forma: homens brancos, mulheres brancas, homens negros e
mulheres negras, ressaltando que as negras recebem cerca de 35% menos do que recebem os
homens brancos. Medeiros cita o estudo realizado pela socióloga Peggy Lovel, professora do
Centro de Estudos Latino Americanos da Universidade de Pittsburg. A mesma trabalhou
com os censos do IBGE de 1960 a 1980 e conclui que:
As descobertas deste estudo indicam que as políticas orientadas para
melhorar fatores como a educação dos afro-brasileiros não irão, em si e por
si mesmas, eliminar os diferenciais de salário. Em vez disso, as
perspectivas de igualdade salarial no Brasil parecem depender de dois
fatores: pagamento igual para trabalho igual mais aumento do acesso a
recursos específicos como educação e ocupações mais bem remuneradas.
Essa conclusão é importante por duas razões. A primeira tem a ver com o
debate sobe a relevância de raça no Brasil. Muitas pessoas ainda sustentam
que raça não é problema no Brasil. Afinal, numa sociedade sem uma linha
de cor definida, como seria possível haver discriminação com base na cor
da pele? (...)
52
Ademais, grande parte do debate no campo das relações raciais no Brasil
gira em torno de pressupostos divergentes a respeito da relação entre cor,
classe e discriminação. A perspectiva “classe sobre raça” (...) sustenta o
tratamento desigual que parece basear-se na raça é, na verdade, resultado
de distinções de classe. (...) A raça exerce ela própria um efeito
independente no acesso de uma pessoa à educação, à renda, ao bem-estar.
As descobertas aqui apresentadas apóiam claramente essa última
perspectiva. Mulheres e homens negros de igual posição recebem salários
desiguais (...) (LOVELL, 1992, p. 94-95, apud MEDEIROS, 2004, p. 82-
83).
Embora a pesquisa de Lovell indique que um maior acesso à educação poderia
reduzir as diferenças entre brancos e negros, a mesma cita que mais do que uma questão de
instrução, a discriminação perante os negros tem um conteúdo específico que diz respeito à
raça, onde ainda predomina, mesmo que não de forma explícita, a teoria da inferioridade
racial, muito presente no período de transição do Império para República e durante todo o
período de escravidão no Brasil.
Como afirma Muller, “abolida a escravatura, não se cogitou na formulação de
políticas que integrassem os ex-escravos à sociedade nacional. Os primeiros anos da
República foram, então, um período de intensos debates sobre como deveriam ser os
caminhos da modernidade e do progresso do país” (2003, p.76).
Posteriormente, em outra pesquisa intitulada Raça e Gênero no Brasil, Lovell (1995
apud BRANDÃO 2003) aponta para o modelo “classe-mais-do-que-raça”, segundo o qual,
o problema racial se extinguiria no momento em que os negros galgassem patamares de
educação formal e de renda mais favoráveis” (p. 25).
Brandão (2003), em seu estudo sobre as desigualdades sociais e econômicas entre
brancos e negros no Brasil, mais especificamente na Baixada Fluminense, que foi o foco de
sua pesquisa, cita trabalhos realizados por Octávio Ianni, na década de 1960 e Lovell (1995).
Estes trabalhos afirmam que “a desigualdade racial não pode ser compreendida a partir das
características culturais, étnicas ou mesmo simplesmente raciais, mas sim no contexto
econômico, ou seja, na relação da força de trabalho com o capital na sociedade brasileira”
(2003, p. 25).
Brandão (2003) desenvolve uma crítica a Lovell (1995) e Fernandes (1998), que
acreditavam que as desigualdades raciais seriam diminuídas a partir do momento que os
negros conseguissem alcançar um nível de educação formal semelhante ao dos brancos, ou
que com a crescente urbanização e industrialização, com a expansão das estruturas
socioeconômicas capitalistas, os negros seriam inseridos no mercado de trabalho, vendo
53
neste caso, a industrialização e a urbanização como porta para a mobilidade social dos
indivíduos.
“Porém, ao contrário do que propugna a perspectiva industrialista, o que se verifica é
que os “pretos” e “pardos” da classificação do IBGE estão concentrados na agricultura, na
indústria de construção e na prestação de serviços, espaços laborativos que correspondem
aos piores salários e rendimentos” (BRANDÃO, 2000 p. 25-26). Fica evidente que o
preconceito e a discriminação racial são questões associadas à posição na estrutura social, ou
seja, são questões de classe.
Desta forma, os negros passam por várias desvantagens socioeconômicas que
implicam no seu bem-estar e na qualidade de vida, em média bem inferior a dos brancos.
Como afirma Brandão:
Trata-se aqui de uma desvantagem competitiva que é produzida e mantida
pela discriminação racial. Mais especificamente os afrodescendentes em
maior número proporcional que os brancos: nascem em áreas pouco
desenvolvidas, se originam de famílias mais pobres, possuem dificuldades
de realização escolar maiores em todos os níveis de ensino, se concentram
na perspectiva ocupacional em atividades desqualificadas e de baixo
rendimento (2000, p.27).
Gomes (1995) também cita a contribuição que tiveram os estudos de Florestan
Fernandes e Otávio Ianni, ao mostrar as desigualdades entre brancos e negros no Brasil,
partindo da análise dessas desigualdades no período pós-abolição. Ambos interpretaram as
diferenças existentes como herança do regime escravista, o que se tornava incompatível com
a sociedade competitiva e dividida em classes.
Neste sentido, citamos Fernandes (1978) que afirma que o negro foi marginalizado
devido ao seu passado escravista, sendo a capacidade do ex-escravo avaliada pela sua
inadequação aos sistemas de contrato de trabalho livre, o que permitiu que os europeus se
destacassem e ganhassem a concorrência na compra e na venda da força de trabalho.
Parafraseando Gomes (1995), este fato deixa evidente que a segregação social,
econômica e política do negro continuou mesmo depois da escravidão, tendo suas raízes na
própria escravidão e nos valores estabelecidos pela sociedade competitiva, pois o negro é
excluído tanto por ser escravo quanto por ser ex-escravo. Fica evidente então, que não se
pode resumir a desigualdade social no Brasil à questão de classe ou à questão de
escolarização.
Gomes (1995) acrescenta que é preciso realizar pesquisas que elejam a cor como
categoria central de análise para estudar as implicações sociais, econômicas e culturais do
54
negro no Brasil em relação à sua classe social e não somente à classe como um componente
isolado.
É o que tenta fazer o economista Paixão, (apud MEDEIROS 2003), em sua pesquisa
sobre o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, onde percebe uma acentuada diferença
entre os IDHs dos afrodescendentes, se comparado ao dos brancos, nas diferentes regiões do
país. Segundo o autor, nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, a população branca usufrui
de um elevado Índice de Desenvolvimento Humano, sendo que nas áreas urbanas da Região
Norte, a população branca apresenta um IDH quase alto. Apenas no Nordeste a população
branca apresenta um IDH médio. Porém:
No caso da população negra, não existe nenhuma região do país em que ela
tenha um IDH elevado. Marcelo Paixão acentua que nas Regiões sudeste,
Sul e Centro-Oeste, assim como nas áreas urbanas da Região Norte, o IDH
da população afro-descendente brasileira apresenta-se como médio. Para os
brancos brasileiros, essa classificação só é encontrada no Nordeste,
justamente a região mais pobre do país e onde os afro-descendentes
apresentam IDHs médio-baixos. Entretanto é necessário ressaltar que em
três Estados dessa região – Maranhão, Piauí e Alagoas – O IDH dos negros
é de nível quase baixo (MEDEIROS, 2003,p. 88).
A pesquisa indica que, mesmo que tenham se passado mais de cem anos de abolição
da escravatura, não existe nenhuma região do país em que os negros têm um IDH mais alto
que o dos brancos. “Assim sendo, nas regiões e Estados onde o IDH é mais baixo, a baixa
qualidade de vida (nível de bem-estar econômico, nível educacional e de longevidade)
penaliza de forma mais dura os afrodescendentes. Por outro lado, nas regiões mais
desenvolvidas do Brasil, os benefícios gerados pelo processo de desenvolvimento nas
últimas décadas foram mais favoráveis ao contingente branco” (ibidem).
Desta forma, percebe-se que ainda é grande o abismo entre negros e brancos, entre
mulheres negras e mulheres brancas, o que torna mais complexa a questão da inserção
ocupacional da mulher negra, pois se as mulheres de outras etnias passaram e passam pela
mesma problemática, a mulher negra tem seu fardo multiplicado, precisando afirmar-se não
só como profissional, mas também tendo que desmistificar todo um imaginário social, fruto
do período escravocrata, que a colocou como símbolo sexual e de promiscuidade, partindo
das relações estabelecidas entre senhores e escravas.
CAPÍTULO 2
56
2. NEGROS EM SANTA CATARINA: UMA HISTÓRIA MARCADA PELA
INVISIBILIDADE
Com o intuito de buscar as origens históricas das relações de trabalho, gênero e
raça, marcadas pela discriminação, elucidaremos a seguir alguns aspectos referentes à
participação do negro na construção do Estado de Santa Catarina e também do município de
Joinville.
2.1 Imigrantes europeus e negros
Falar sobre a história do (a) negro (a) em Santa Catarina, sua participação na
construção deste estado é mergulhar em um universo obscuro, tendo em vista a escassez de
fontes e a contraditoriedade das poucas encontradas. Todo o mérito na construção do estado,
de acordo com a literatura publicada, é atribuído aos imigrantes europeus que aqui chegaram
para colonizar as terras do Sul do país.
Não é nossa intenção opor os negros aos brancos imigrantes que deixaram suas
marcas na constituição de Santa Catarina, pois os mesmos também passaram por um
processo histórico de exclusão, assim como os negros, sendo expropriados de sua pátria, com
promessas de uma vida melhor, fugindo das dificuldades pelas quais estavam passando na
Europa, que sofria as seqüelas da Revolução Industrial. Como ilustra Teixeira (2000), “eles
escapavam das guerras e abandonavam a penúria e a opressão dos campos europeus em
busca de uma América nova e promissora. Tal como lhes prometiam os agentes
governamentais e os representantes das companhias de navegação e colonização: boa
acolhida, boas terras para se estabelecer, trabalho abundante e fácil colocação nas fazendas
de café” (p. 171).
57
Guedes afirma que:
Os imigrantes que vieram para o Brasil sabiam que uma vida nova somente
seria possível em locais onde não houvesse fome, desemprego ou guerras,
realidades pelas quais passavam a maioria dos países europeus na segunda
metade do século XIX. Sonhava-se com o paraíso: o local onde pudesse
reproduzir uma nova pátria sem os problemas políticos e econômicos pelos
quais estavam passando naquele momento e onde pudessem preservar a sua
cultura. Esse paraíso foi visualizado, por muitos, como sendo possível de se
concretizar no Brasil” (2000, p. 18).
Entende-se que muitos deles, ao chegarem no país, tiveram grande decepção com o
que encontraram. Muitos pensaram em voltar, mas nem todos conseguiram, pois a viagem
era longa e dispendiosa. Outros, porém, mesmo com os problemas a serem enfrentados,
preferiram levar adiante o sonho de uma vida nova.
Segundo Teixeira (2000), os navios de imigração eram muito parecidos com os
navios negreiros e as condições de viagem eram péssimas. Este fato é reiterado por Guedes,
que nos conta que as primeiras decepções sofridas pelos imigrantes foram durante a viagem,
tendo de enfrentar o medo da morte e principalmente, tendo de enfrentar a perda de seus
entes queridos durante o percurso.
A morte no mar era um enorme abalo nas tradições funerárias ocidentais. O
funeral e o sepultamento já se constituíam, na época, em um momento
sagrado para os cristãos. A separação definitiva de um ente querido só era
amenizada pela possibilidade de se visitar as tumbas nos cemitérios, onde o
contato seria novamente restabelecido. A memória e o culto aos mortos
eram fortemente marcados pela presença física do corpo em um local
determinado, de preferência em tumbas de família, em locais escolhidos e
preparados para isso. Sepultar os mortos no mar impedia o culto ao corpo
falecido. Essa era uma agressão imensurável ao direito privado sobre a
morte (GUEDES, 2000, p.23)
Esta foi apenas uma das dificuldades sofridas pelos imigrantes. Houve outras,
referentes à ambientação, ao desbravamento das matas para abertura de estradas, à saudade
dos parentes que ficaram na Europa, à doenças e, especialmente às condições de vida e
trabalho no Brasil.
Tanto quanto os negros, os imigrantes também foram usados para impulsionar o
crescimento econômico do país, pois a imigração estrangeira tornou-se objeto da política
imigrantista, “na qual intervinham o governo imperial, os governos provinciais e as
organizações do patronato (“sociedades promotoras da imigração”, associadas a companhias
estrangeiras de navegação e colonização)” (TEIXEIRA, 2000, p. 172).
58
De acordo com Paulilo (1998), que faz uma análise do movimento dos
trabalhadores rurais sem-terra em Santa Catarina, os imigrantes sofreram com a falta de
apoio oficial, refletida na falta de financiamentos, de estradas, de escolas e de proteção legal,
assim como sofreram com o tamanho reduzido dos lotes, sem falar nos que tiveram suas
terras confiscadas ou invadidas, ressaltando que o tipo de cultivo predominante era o
itinerante, devido à falta de recursos para recuperar a terra cansada. “Assentar qualquer
grupo ou reduzir seu espaço de ocupação significava, muitas vezes, reduzi-los à fome”
(p.89). Estes fatos acarretaram a migração de alguns grupos, além de uma certa
“caboclização” do colono estrangeiro que se vê obrigado a adotar os modos de vida do
caboclo, como forma de sobrevivência.
Outro dado relevante apontado pela autora é que, na verdade, no Brasil não havia
falta de força de trabalho, pelo contrário, havia força de trabalho excedente. O que sobressaía
era falta de um determinado tipo de força de trabalho.
Tanto havia excesso de população que foi possível a exploração da
borracha nos últimos decênios do séc. XIX. Para a Amazônia foram os
escravos libertos e desocupados. O romancista Josué Montello, em seu
livro “Os tambores de São Luís”, fala-nos do abandono e da miséria dos
negros livres e da nova escravidão amazônica. Nas regiões decadentes, o
fim da escravatura significou, para o patrão, o fim da responsabilidade com
relação à manutenção de seus trabalhadores, coisa que já não estava mesmo
conseguindo fazer. Soltou-os na rua. O ciclo da borracha faz uso, então, da
escravidão por dívida. A beleza do teatro de Manaus, construído em plena
selva, diz de quanta riqueza produziu essa “raça” tão despreparada
(PAULILO, 1998, p.89-90).
É pertinente neste sentido, trazermos à tona dados referentes à força de trabalho não
européia, ou seja, a do índio, do negro, do mestiço, pois foi o trabalho desse grupo que
possibilitou os ciclos econômicos mais relevantes para o país: o ciclo do açúcar, da borracha
e do ouro. Mas, como esta força de trabalho foi explorada de tal forma que quase ocasionou
sua aniquilação cultural, tornou-se comum, na época, atribuir a responsabilidade pelos
problemas econômicos, sociais e políticos do Brasil, a este grupo. Como argumenta Paulilo:
De novo, “o mal estava no homem...” Para que essa idéia não possa ser
posta em dúvida, e para que não se pergunte o que foi feito da riqueza
gerada, conta-se a história da imigração do ponto de vista da parte do
contingente europeu que conseguiu sobreviver e “prosperar”, legando ao
esquecimento os que se “acaboclaram” e os que se desesperaram
entregando-se à bebida e ao abandono (1998, p. 91).
É interessante citar, que devido à força do mito da superioridade européia em Santa
59
Catarina, há uma tendência a considerar a população sem terra como cabocla, admitindo-se
esporadicamente que, se algumas famílias “de origem” estão nesta situação, é devido a
fatores externos à sua capacidade, como: doenças, azar, orfandade precoce, entre outros, ou
seja, dissemina-se a idéia de que a grande maioria obteve sucesso.
Para colaborar com a desmistificação desta questão, Paulilo cita o trabalho realizado
por Anita Moser, onde a mesma examinou sobrenomes de 2.000 agricultores participantes de
45 assentamentos, detectando que em 1990, 33% dessa população era descendente de
alemães, italianos e poloneses. Neste sentido, se considerarmos que não era comum o uso do
nome da mãe pelos povos “de origem”, como fazem os brasileiros, o sobrenome europeu
pode ter desaparecido após algumas gerações, fazendo-nos crer que esta porcentagem pode
ser maior. É preciso considerar que:
Os açorianos chegaram a Santa Catarina setenta anos antes que a primeira
leva de alemães. Os caboclos estão aqui há cinco séculos, tendo, portanto,
uma história mais de duas vezes mais longa de exploração e exclusão. O
que se esquece é quando a Europa se viu com grande contingente de mão-
de-obra excedente, exportou-a. No Brasil, dada sua vastidão e os recursos
naturais ainda inexplorados, os excedentes foram vivendo e se
reproduzindo aqui e acolá. Os imigrantes e seus descendentes que não
“prosperaram” foram engrossando esses grupos, acaboclando-se e
desaparecendo da história oficial (PAULILO, 1998, p. 91).
É importante, para tecermos um panorama sobre a questão da imigração em Santa
Catarina, entendermos que foi D. João VI quem permitiu aos estrangeiros o acesso à
propriedade de terras, por meio de um decreto firmado em 25 de novembro de 1808, visando
atrair imigrantes em busca de novas perspectivas de vida.
O núcleo pioneiro foi a colônia de Nova Friburgo, Estado do Rio de
Janeiro, fundada em 1818 por imigrantes suíços. Na mesma época também
se estabeleceu uma colônia com imigrantes alemães na Bahia, denominada
Leopoldina, com péssimos resultados. Com o fracasso desta e de outras
tentativas com colonos alemães no Nordeste, as correntes imigratórias
passaram a se dirigir para o Sul do país, ou para São Paulo, a partir de
1824, data da fundação da colônia de São Leopoldo, próxima a Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul (SEYFERTH, 1990, p. 9).
Atribui-se o insucesso da imigração nos estados do Nordeste à falta de uma política
estruturada para tal finalidade. Paulilo (1998) referenda que Santa Catarina foi a primeira
província a iniciar um programa de imigração e até 1840 foi a única.
Em Santa Catarina, os primeiros imigrantes foram os açorianos, no século
XVIII. Os alemães chegaram já na década de 20 do século XIX, os
60
italianos a partir de 1875 e os poloneses a partir de 1882. A chegada dos
alemães se faz em três ocasiões diferentes. Há as colônias pioneiras, na
primeira metade do séc. XIX. Há os contingentes que chegaram quando o
governo brasileiro aumentou o incentivo, o que ocorreu a partir de 1870.
Depois disso, a colonização do Oeste do Estado por empresas particulares,
já no início do séc. XX trouxe novos imigrantes (PAULILO, 1998, p. 85).
O fim do tráfico de escravos, os movimentos abolicionista e republicano e a
necessidade de industrialização do país faz com que seja intensificada a campanha para a
imigração européia. Parafraseando Teixeira, havia uma articulação entre os interesses do
Estado e as necessidades da economia capitalista que se articulavam numa campanha comum
para atrair trabalhadores imigrantes. Essa política tinha objetivos dúbios, sendo o primeiro, a
captação de força de trabalho abundante e barata e o segundo, não tão explícito, mas não
menos importante, dizia respeito ao ingresso maciço de europeus, para fazer o
branqueamento da população.
Como discorre Teixeira:
Na verdade, essa era uma velha preocupação, no mínimo desde a época do
Marquês de Pombal e D. João VI, entre os séculos XVIII e XIX. Os dois
governantes, em mais de uma vez, manifestaram seu temor pela
“excessiva” miscigenação da população brasileira, o que punha em risco o
futuro da raça branca e até a segurança das áreas estratégicas, do Rio de
Janeiro para baixo. Daí o seu empenho em fomentar núcleos de
colonização européia: açorianos em Santa Catarina e Rio Grande (Pombal)
e suíços em Nova Friburgo, RJ (D. João VI) (2000, p. 172).
De acordo com Francisco (1992 apud GOMES 1995), o projeto de branqueamento,
visível nas políticas e na legislação sobre a imigração brasileira, foi também o resultado do
pensamento divulgado pelas elites, afirmando que o atraso do país era decorrente de sua
composição racial. Desta forma, o Estado brasileiro efetiva seu papel de regulador e
administrador social, redimensionando o problema racial por meio do branqueamento, na
tentativa de alcançar uma solução para o país que se apresentava cada vez mais mestiço.
Havia um grande desconforto nas elites dominantes do século XIX em relação à
mestiçagem no Brasil. Viajantes, ao passarem pelo Rio de Janeiro, espantavam-se com a
população do Estado, definida, como nos mostra Teixeira, como “multidão de macacos”. No
entanto, os fazendeiros e os políticos da época resistiam à “importação” de chineses para o
trabalho nas lavouras, por serem da raça amarela. Em São Paulo, era explícita a preferência
pelos trabalhadores brancos europeus. Havia até mesmo convergências de opiniões entre
abolicionistas (Joaquim Nabuco) e antiabolicionistas (José de Alencar). Ambos
61
concordavam que brancos e negros possuíam aptidões desiguais para a convivência e
aperfeiçoamento das relações sociais, sendo mais aptos os brancos.
Por meio da ideologia do branqueamento, milhares de negros no Brasil “são levados
a assimilar os valores e a cultura do grupo branco como legítimos, negando a herança dos
ascendentes africanos, desconsiderando a real contribuição da raça negra na formação da
sociedade e vivendo a construção de uma identidade étnico/racial fragmentada” (GOMES,
1995, p.83).
As necessidades da expansão capitalista cafeeira ajustam-se às preocupações
ideológicas e políticas, que visavam, com a vinda dos imigrantes europeus, a solução para os
problemas econômicos do país, pois os baixos salários que seriam pagos aos imigrantes
possibilitariam lucros que não podiam mais ser obtidos com a força de trabalho escrava.
Assim, substitui-se, gradativamente, a escravidão negra pela escravidão do branco europeu,
além de “recompor a base social e étnica de uma nação que, aos olhos de suas elites, corria o
risco de se tornar irremediavelmente uma “nação mestiça”. No seu movimento ascendente, o
capitalismo brasileiro substitui o regime formal do escravismo por um racismo informal –
espécie de racismo “à brasileira”, tão impregnado na vida social quanto mal disfarçado pela
retórica da democracia racial” (TEIXEIRA, 2000, p. 173).
Gomes (1995) exemplifica esta questão, reforçando que a transição do trabalho
escravo, para o trabalho assalariado é um marco na política de branqueamento do país. Este
foi um momento de muita ênfase na dicotomia entre o negro, visto como indolente e
atrasado, e o branco, visto como símbolo do trabalho civilizado.
O imigrante vem, então, não somente ocupar os espaços de trabalho vazios
e nos “enriquecer” com a sua qualificação, mas, também, fazer cumprir um
projeto político que visava à substituição de um tipo de trabalhador
considerado social e racialmente marginalizado e desqualificado – o negro
-, que nem mesmo havia participado da integração da nova fase da
economia brasileira, ou seja, o capitalismo dependente. Dessa forma, o
preconceito e a discriminação racial são dinamizados no contexto
capitalista. O capitalismo no Brasil, além de marcado pela exploração
econômica que está no seu cerne, ainda traz um aspecto marcante: a
subordinação racial (1995, p. 84).
Já durante o período que antecede a proclamação da República ocorreram diversas
discussões sobre os rumos que o país tomaria, pensando na possibilidade de construção de
uma nova sociedade que teria início com a passagem do trabalho escravo para o trabalho
livre. Em Santa Catarina essas discussões também estavam em alta.
Romão e Carvalho elucidam este fato:
62
Em Santa Catarina, no ano de 1885, já se aproximando a abolição da
escravatura, vamos encontrar, entre outras reflexões, a preocupação para
com o futuro da Província Catarinense, principalmente no que se referia à
transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Ou seja, naquele
momento não havia como fugir às transformações de ordem econômica que
estavam por vir com o fim da escravidão, fato que interferia diretamente
sobre os interesses políticos da época. Diante disso, intensificam-se as
discussões não só a cerca da abolição da escravidão, mas também em torno
da educação, que se apresenta como mola propulsora ao desenvolvimento
da Província (...) (2003, p. 47).
Para que entendamos mais profundamente como isso aconteceu, evidenciamos as
análises feitas pelas autoras sobre o Relatório da Província, onde em alguns parágrafos fica
explícita a preocupação de Santa Catarina com a educação dos ex-escravos e sua inserção no
mercado de trabalho, como se pode observar a seguir:
A transformação do trabalho agita em seus fundamentos mesmos a
sociedade brasileira entrega à atividade inteligente do homem livre as
grandes fontes de riqueza até agora exploradas pela força inconsciente do
escravo – tal é o problema da atualidade.
O escravo é ainda hoje o elemento principal da produção – é de mister,
pois, agir cautelosamente para não sacrificar os grandes interesses coletivos
(...).
(...) cabe agora a cada uma das províncias tarefa de cooperar na grande
obra da transformação do trabalho: - apressando a definitiva extinção da
escravidão, promovendo a educação popular, e auxiliando tanto quanto
possa os núcleos coloniais (ROMÃO e CARVALHO, 2003, p. 47-48).
Percebe-se que Santa Catarina também procurou justificar a vinda de imigrantes
europeus por meio do discurso de que o estado precisava de braços livres e mentes
“conscientes”, passando o trabalho escravo a ter um outro adjetivo, o de “trabalho
inconsciente”.
Citações como as anteriormente descritas marcaram o processo de exclusão sofrido
pelos negros no Brasil e reforçaram o mito da incapacidade intelectual desse segmento da
população que, sem instrução e escolarização não pôde ser aproveitado no processo de
industrialização do país, inserção esta que também não era de interesse das elites.
A movimentação em prol da proclamação da República e também da Abolição da
Escravatura, contribuiu para que a elite de Santa Catarina discursasse sobre a igualdade de
direitos aos cidadãos, inclusive dos negros, que deveriam ter as mesmas condições legais e
acesso que os brancos.
De acordo com Romão e Carvalho, neste período, vários jornais abolicionistas no
Brasil apontam para a preocupação em relação à instrução dos negros, ex-escravos, que
segundo estes, só seriam realmente livres se tivessem acesso à escolarização,
63
responsabilizando o Estado por esta tarefa. No entanto, tais apologias não saíram do papel.
Com o “fim da escravidão” e com a vinda de imigrantes europeus para o Brasil, a
exemplo de São Paulo e Santa Catarina, muitos negros continuaram na “escuridão”,
desamparados, largados à própria sorte: sem trabalho e sem perspectivas de educação. Os
discursos de integrar os ex-escravos à sociedade via educação não prosseguiram. As falas
tornaram-se voláteis, não se impregnaram na história do Brasil, perderam-se no ar (Idem, p.
49).
Este era um período em que o pensamento positivista teve muita influência no país,
principalmente entre a elite brasileira, que passou a usar palavras como ordem, progresso,
disciplina e civilização como metas a serem alcançadas a qualquer preço. Estas palavras
eram disseminadas entre a população por meio de organismos formadores de opinião, como
os jornais e por uma grande massa da elite dominante ideologicamente. Santa Catarina vai
construindo no imaginário popular a idéia de que é a região mais européia do Brasil,
negando a presença de outras etnias como os negros e os índios. Na historiografia oficial,
prevalece a contribuição dos imigrantes, em detrimento dos outros povos.
Como afirma Leite:
Na literatura sobre Santa Catarina, deparei-me com trechos, em sua maioria
de inspiração positivista, que explicam o sucesso econômico do Estado
sempre atribuindo-o exclusivamente à colonização com europeus,
superdimensionando o imigrante, ao invés de se deter pormenorizadamente
no conjunto de variáveis que o colocaram nessa posição privilegiada, seja
quanto ao acesso à terra, seja quanto aos processos produtivos que irão se
implantar ao longo de sua fixação no território. Ou mesmo, desconhecendo
o outro lado, o dos projetos fracassados, incorrendo com esta omissão
numa reafirmação da idéia de superioridade racial falaciosa (1996, p. 41).
Essa idéia busca se fundamentar justamente no passado colonial de Santa Catarina,
afirmando que a presença dos negros nesta região foi pequena, insignificante e,
conseqüentemente, sem grandes contribuições para o sucesso econômico da mesma.
Analisando o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, realizado em 2000, percebe-se que Santa Catarina possui uma população de
5.357.864 habitantes. Destes, 89,33% se auto-identificam como brancos e 518.973 pessoas
se auto-identificam pretos e pardos, ou seja, 9,68% da população.
Este dado colabora com a tese de que o estado de Santa Catarina, se comparado a
outros estados, é uma terra de brancos e que o número de negros aqui é insignificante, assim
como há tempos foi considerado insignificante o número de escravos encontrados aqui.
Divulga-se a impressão de que em Santa Catarina não houve um período de escravização de
64
negros, como no restante do país, pois nesta região, o período foi mais curto, sendo a relação
entre escravos e senhores mais amigável.
Reitera esta afirmação Ilka Boaventura Leite:
Este quadro assegurou para Santa Catarina, no cenário nacional, a imagem
não apenas de “Estado branco”, mas de “uma Europa incrustada no Brasil”,
de “superioridade racial”, de “desenvolvimento e progresso”. A estas
imagens soma-se também, uma particular importância, que é a de Santa
Catarina como o “lócus” de concretização do projeto imigrantista
implantado desde meados do século XIX, visando principalmente o
“branqueamento” do país (1996, p.38).
As medidas tomadas para viabilizar a vinda de imigrantes europeus para o Estado,
favoreceram a execução do projeto de branqueamento, contribuindo para a construção de
uma ‘identidade’ para o país que precisava buscar “signos de brasilidade, necessários à
consolidação da idéia de nação brasileira, de um país branco” (ibidem). Este fato se
evidencia principalmente no período de separação política entre Brasil e Portugal.
Aos poucos, os escravos foram sendo substituídos por imigrantes, sendo cada vez
mais discriminados e colocados à margem da sociedade, sem instrução, nem profissão,
embora o discurso veiculado em Santa Catarina neste período, fosse o de igualdade de
oportunidades a todos.
2.2 Educação para os negros
Segundo Romão e Carvalho, uma das metas prioritárias para modelar a sociedade
era a instrução do povo, com o objetivo de construir uma pátria mais “evoluída”, com
valores comuns e, conseqüentemente, de mais fácil controle social.
Assim:
Observamos o chamado das elites aos filhos das famílias menos abastadas
ao espaço escolar. Essa “preocupação” em conduzir o povo à escolarização
seria o desejo de normatizar, ordenar, homogeneizar as massas aos meios
de controle social, entre eles a escola, que se apresentava de forma mais
eficaz e direta. Nesse novo contexto os negros são considerados cidadãos.
Aparentemente eles vão estar “diluídos” na camada mais significativa da
65
população – os pobres. Ou seja, vão dividir espaços com os não negros,
mas igualmente pobres (2003, p. 50).
Além do mais, Santa Catarina implantou o mesmo modelo educacional de São
Paulo, sancionando em 1910 a Lei n° 846, que tratava da Reforma do Ensino Público. Essa
lei foi sancionada pelo então governador do estado, o coronel Vidal José de Oliveira Ramos.
A reforma fazia parte do projeto dos republicanos que percebiam na escola uma peça
importante na construção da sociedade. Os discursos populistas da época objetivavam atrair
pessoas das classes menos favorecidas da sociedade às práticas educacionais. Novamente, o
pensamento positivista é evidenciado nas palavras “pobres” e “ricos”, “igualdade” e
“progresso”, visando à formação de cidadãos e patriotas.
Os discursos visavam à integração das minorias, porém, na prática as ações não
aconteciam, porque o preconceito em torno da incapacidade do negro, em Santa Catarina,
ainda era muito presente.
Romão e Carvalho nos mostram que neste período a teoria da superioridade racial
prevalecia no País, sendo que:
O problema era o de reconhecer a capacidade dos negros. Vejamos. As
idéias racistas propaladas no país até a década de 40, traziam em seu bojo a
adesão ao pensamento sobre a inferioridade do continente africano e de
seus descendentes. O debate sobre raça trazia em si uma divisão que
determinava a divisão da categoria em raça superior (européia) e raças
inferiores (as não européias). O eurocentrismo pontuou não só o debate
como a definição de políticas para um país que se pretendia desenvolvido
aos moldes das civilizações européias (2003, p.53).
Parafraseando Romão e Carvalho, percebemos que estas idéias foram evidenciadas
em Santa Catarina, nas constituições estaduais que colocam como meta o estímulo à eugenia
e ao zelo pela higiene mental, atribuindo essa função social ao estado e ao Município. Desta
forma, o serviço de assistência social e a educação eram os responsáveis pelas ações
eugênicas que incluíam o saneamento da população inclusive na perspectiva racial
.
Alguns teóricos da época, como Afrânio Peixoto, defendiam que a educação para os
negros não alteraria sua “origem inferior”. Percebe-se que a Constituição catarinense
determina que a educação é um direito de todos, porém, deverão ter acesso a ela somente as
pessoa que “revelem vocação e capacidade” (Idem, p. 54). Sendo os negros vistos como
pessoas inferiores, conseqüentemente, não tiveram acesso à educação.
De acordo com Leite (1996), nem mesmo o ex-escravo, na maioria das vezes,
chegou a ingressar no mercado de trabalho assalariado que se abria, mantendo-se na
66
economia informal.
A crença era de que a partir da imigração, aos poucos, os negros fossem
desaparecendo por conta da mestiçagem, ocasionando uma espécie de vitória da raça branca,
tida como superior, sendo que negros e índios eram vistos como “selvagens”.
Munanga
9
(2004), citando o posicionamento de Marquis de Chatellux que compara
a escravidão da Antiguidade à escravidão da África, afirma que não é apenas o escravo que
fica abaixo do mestre, mas também o negro que fica baixo do branco, “o caminho para
acabar com a escravidão seria desembaraçar-se dos negros, através de casamentos mistos
sucessivos, até que a cor fosse totalmente limpa” (p.30).
Assim como afirmou Diderot (apud MUNANGA 2004), “nessa relação mais íntima,
o habitante ‘selvagem’ não tardaria a apreender as artes e os conhecimentos ocidentais”.
Isso significava, segundo Rodrigues (apud LEITE, 1996), que os povos selvagens,
postos em relação com os “civilizados, ou se tornavam iguais a estes últimos, ou se
extinguiriam” (p.39).
No entanto, o projeto de branqueamento foi mostrando-se cada vez mais
improcedente e o negro, que até então fora escravizado acabou sem qualificação profissional
o que serviu para comprovar a tese da superioridade racial.
Desta forma, o “embranquecimento, mais do que estatístico, procedia-se movido
pelos pressupostos ideológicos que necessitavam negar sua presença para construírem o
“vazio a ser ocupado pelos imigrantes” (LEITE, 1996, p.39).
2.3 A participação dos negros na força de trabalho
Para Leite, a idéia de Santa Catarina ser um Estado ‘branco’ foi reforçada durante
todo o século XX, por meio de pesquisas que não mostram a contribuição dos negros no
desenvolvimento da região, enfatizando apenas a participação dos imigrantes, sendo o negro
9
Kabenguele Munaga é doutor em Antropologia pela Universidade de São Paulo; professor de Antropologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Autor de vários trabalhos na
área de Antropologia da população negra Africana e Afro-brasileira, entre outros: Os Basanga de Shaba (1986);
Negritude, 2. ed. (1988); Estratégias e políticas de combate à discriminação racial (1996); A revolta do
colonizado, 3. ed. (1997).
67
‘invisibilizado na literatura’ científica, tanto porque não há intenção de mostrar a
participação destes, quanto para reafirmar uma suposta inexpressividade dos mesmos em
Santa Catarina.
Ainda de acordo com a autora, a noção de invisibilidade na caracterização do negro
foi utilizada pela primeira vez na literatura americana por Ellison (1990), para relatar a
manifestação do racismo nos Estados Unidos e principalmente para descrever a entrada de
ex-escravos e seus descendentes no mercado de trabalho assalariado, bem como as relações
sociais provenientes de sua condição e status.
Observa-se que:
Ellison procura demonstrar que o mecanismo de invisibilidade se processa
pela produção de um certo olhar que nega sua existência como forma de
resolver a impossibilidade de bani-lo totalmente da sociedade. Ou seja, não
é que o negro não seja visto, mas sim que ele é visto como não existente
(LEITE, 1996, p.41).
Esta mesma situação pode ser observada em Santa Catarina, sob um outro contexto,
mas com a mesma conotação, a de negação do “outro”, que neste caso é o negro. Assim, o
“sucesso econômico” do Estado é sempre atribuído à colonização do imigrante europeu, não
analisando as variáveis e os infortúnios que a política de colonização trouxe
tanto para os imigrantes, quanto para a população local.
Além disso, quando se trata da presença do negro em Santa Catarina, há
o mito de
que as relações entre escravos e senhores eram mais cordiais, pelo motivo dos mesmos
trabalharem lado a lado com os escravos, fato este que acontecia entre brancos pobres e
escravos negros, ou então de que, como eram poucos os negros no estado, as relações sociais
foram construídas de forma mais igualitária.
Se assim tivesse ocorrido, certamente não teríamos um índice tão elevado de
desigualdade racial no Sul do país. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – Pnad, realizada em 1999, sobre a incidência de pobreza e indigência na região
Sul, o índice de pretos pobres é de 40,9% e pardos pobres representam 45,8% da população.
No entanto, este número cai pela metade em relação aos brancos, sendo 22, 3% desta camada
social considerada pobre. O nível de indigência entre os pretos no Sul do país é de 15,5% e
entre os pardos, 18,5%. Em relação aos brancos, é de 7,8%. Esse quadro nos dá um
panorama da forma como foram construídas as relações entre negros e brancos no Estado.
Na verdade, a partir da análise do processo de colonização de Santa Catarina, pode-
se perceber que as relações sociais foram construídas pautadas em um grande preconceito
68
em relação aos negros.
De acordo com Pedro (1988), Santa Catarina não era um território muito atrativo
para os portugueses, porque suas terras não eram adequadas para as plantações de produtos
tropicais para exportação, além de não haver indícios de metais e pedras preciosas. Também
não viam possibilidade de implantar atividades subsidiárias significativas, como a pecuária e
os meios de transportes para outras regiões da colônia.
O atrativo no extremo Sul era o acesso a algumas fontes de lucro suplementares,
tais como o contrabando de metais preciosos vindos do Alto Peru, a captura de gado
espalhados pelas campinas do Rio Grande do Sul e o aprisionamento de índios a fim de
vendê-los como escravos. Esses atrativos não estavam no litoral, mas em regiões de difícil
acesso, por isso, para aproveitar esses recursos, fazia-se necessário povoar alguns núcleos
que possibilitassem a penetração portuguesa.
Essa situação foi importante para definir o tipo de colonização de Santa Catarina,
planejada de tal forma a atrair imigrantes europeus pela oferta de terras e outras facilidades.
Para garantir o sucesso da colonização, priorizou-se a vinda de casais imigrantes, pensando
na organização familiar da província.
No entanto, o governo português não demonstrou muito empenho na política de
colonização e a grande maioria das famílias que aqui chegou, ficou abandonada à própria
sorte, tendo de enfrentar as diferenças climáticas, doenças, falta de acesso às cidades mais
próximas, entre outras coisas.
Neste sentido, a presença dos negros, por um certo período, torna-se importante
para “ambientar” os imigrantes à nova situação. Porém, como nos mostra Romero (1880, p.
53, apud LEITE):
Depois de prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a
preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo. Será
quando já estiver aclimatado para tal resultado: de um lado a extinção do
tráfico africano e o desaparecimento constante dos índios, e de outro lado a
imigração européia (1996, p.39).
A citação de Romero revela a questão da ideologia do branqueamento a ser
viabilizada por meio da substituição dos negros pelos imigrantes, excluindo-o totalmente do
processo de colonização, abandonado-o à própria sorte, ou por meio da miscigenação.
De acordo com Nascimento
10
(1978, apud MUNANGA 2004), o branqueamento da
raça negra é uma estratégia de genocídio, que começou com o estupro da mulher negra e
10
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
69
originou os produtos de sangue misto, como o mulato, o pardo, o homem de cor, etc., sendo
que “situado no meio do caminho, entre a casa grande e a senzala, o mulato prestou serviços
importantes à classe dominante; durante a escravidão ele foi o capitão-do-mato, feitor, usado
noutras tarefas e confiança dos senhores e, mais recentemente, o erigiram como símbolo de
nossa democracia racial” (p. 101).
Além da questão do branqueamento e do mito da democracia racial, o interesse do
governo brasileiro estava voltado à exportação e Santa Catarina parecia não ter condições de
projetar o país no cenário nacional, fazendo com que a região durante o século XVIII tenha
sido considerada como terra de passagem.
Por isso, de acordo com Leite (1996, p.42), “a maioria dos autores tem atribuído ao
escravo uma participação “muito reduzida” nesse processo. Descartando qualquer
possibilidade de ter havido aí uma atividade econômica que exigisse um expressivo
investimento em escravos, ou que tivesse uma dependência irrestrita destes, procuram pôr
um ponto final sobre o assunto”.
De acordo com Pedro (1988) foi de forma subsidiária que Santa Catarina se
integrou ao processo geral de colonização do país, que tinha como meta a exportação para o
mercado internacional. Assim, a presença de escravos esteve atrelada à realidade onde
prevaleceu a produção de subsistência com pequeno excedente.
Este tipo de economia necessitava de um número de escravos pequeno, se
comparada a outros centros do país que estavam mais ligados à produção de valores para o
mercado mundial.
Pedro enfatiza que a entrada de negros em Santa Catarina fora, a princípio, como
escravos para uso doméstico e que teriam chegado junto com a elite burguesa e militar.
Tendo como base a questão da economia de subsistência da região, acredita-se que
a população de Santa Catarina não tivesse um comportamento aquisitivo de acumulação
burguesa, sendo assim, o escravo negro não se tornava objeto de acumulação de riqueza, mas
sim como demonstração de posição social.
A autora afirma que:
Tendo em vista as poucas razões para ostentação de riquezas, (...) a posse
de escravos deve ter representado, para muitos catarinenses, o
reconhecimento de posição social superior, que, de outra forma, tornava-se
difícil comprovar, em vista não só da preponderância da produção para a
subsistência como do contexto de complementaridade que a economia
catarinense representou desde a fase da colônia (1988, p.17).
70
A atividade que fez com que Santa Catarina passasse a participar do movimento de
acumulação a qual estava vinculada à colonização, foi a pesca da baleia. Esta era uma
ocupação que exigia grande concentração de capital e, conseqüentemente, envolvimento e
um maior número de escravos.
Leite (1996) indica que as armações baleeiras, não sendo enquadradas nas atividades
de grande porte, seu desenvolvimento e tempo de duração foram considerados relativamente
curtos para merecer uma análise do seu impacto na formação do Estado. Por não ser uma
atividade voltada à exportação, mesmo sendo importante para o abastecimento interno, foi
pouco discutida. Assim:
O parâmetro (...) foi a atividade exportadora, impedindo a avaliação de sua
dimensão no contexto local, o seu grau de dependência do trabalho escravo e
suas influências no processo de povoamento. Com exceção das reduzidas
menções feitas no estudo clássico de Ellis (1969, 1973), pouco se sabe sobre o
destino dos escravos empregados nessa atividade. Tomando-se como parâmetro
o tipo de economia das províncias do centro, e mesmo enfatizando o seu papel
secundário e efêmero, a autora enfatiza que “o negro representava capital
material e humano sobre o qual se assentava a indústria do óleo de baleia, tal
como sucedia com a do açúcar, em que o escravo era as mãos e os pés do
senhor do engenho” (Ellis, 1973, p. 310). A Armação de Nossa Senhora da
Piedade, erguida em 1740, foi a maior e a primeira a ser construída, seguindo-se
de Lagoinha, Itapocorói, Garopaba, Imbituba e Ilha da Graça. Com a decadência
dessa atividade, edifícios e terras, ferramentas e escravos da Armação de Nossa
Senhora da Piedade foram arrendados a Antônio Mendes Carvalho, último
administrador das feitorias. Em 1836 a Marinha os incorporou e, então, vendeu
ou alforriou em seguida os escravos (1996, p. 42-43).
A autora segue expondo, a partir dos estudos de Ellis (1969), que um grande
contingente de negros da Marinha sediada em Florianópolis formou nesta localidade um
reduto, ou território. Outros, por conta das viagens, fixaram-se no Rio de Janeiro, porém
continuaram a manter um vínculo local com os familiares que lá deixaram, alertando que o
mesmo aconteceu com Imbituba e Garopaba. A Armação de Nossa Senhora da Piedade
encerrou-se com a colonização alemã. Constata-se também que atualmente há muitos
descendentes residindo nas proximidades, alguns na periferia e outros na área rural. Porém, a
falta de pesquisas “capazes de reatarem os vínculos da população negra atual com o passado
apenas contribuem para torná-la mais invisível” (idem).
Mesmo com a pesca baleeira, a economia catarinense estava voltada à subsistência
e ao abastecimento do mercado interno, onde os habitantes, de acordo com Pedro (1988), ao
receberem dinheiro por seus serviços, preferiam realizar troca direta por roupas, sapatos e
outros produtos da região.
A pobreza gerada pela economia de subsistência impediu que brancos adquirissem
71
uma quantidade muito grande de escravos, obrigando-os muitas vezes, a trabalhar junto com
eles, lado a lado, envolvendo o branco em Santa Catarina diretamente no trabalho produtivo.
Embora a quantidade de negros em Santa Catarina fosse pequena, se comparada a
outras regiões do país, seu contingente em dados momentos mostrou-se bem expressivo. O
primeiro levantamento estatístico ocorreu com o senso de 1872, onde é possível ter uma
idéia aproximada do número de negros escravos no Estado.
Mortari e Cardoso (1999) indicam que Desterro, hoje Florianópolis, em 1810 tinha
3.384 homens livres, “transformados em brancos” e 1.689 escravos, correspondentes a 35%
da população total. Portanto, percebe-se que este número não era tão inexpressivo assim.
Observaremos a seguir que ele aumentou.
De acordo com Pedro (1988), em 1831, Santa Catarina tinha uma população de
49.949 habitantes. Destes, 23,99% eram escravos, ou seja, 11.984 pessoas. No mesmo ano,
Desterro possuía uma população de 7.207 habitantes, sendo que 2.895 eram escravos, ou
seja, 40,16%.
Mortari e Cardoso (1999) evidenciam que em 1850, a mesma cidade possuía uma
população de 20.016 pessoas e 3.978 cativos. Destes, 350 estavam vinculados à navegação
costeira e, em 1872, havia 3.359 escravos em Desterro, representando 23,91% da população,
1.076 eram matriculados como escravos domésticos. Acredita-se que boa parte destes eram
mulheres, que atuavam como cozinheiras, empregadas, amas, parteiras etc.
Esses dados deixam evidente a escravidão praticada em Santa Catarina, mesmo que
com um caráter urbano, onde os escravos eram empregados em serviços domésticos ou
carregamento e transporte de mercadorias.
Cabe lembrar que o projeto social de colonização de Santa Catarina era pautado na
criação de núcleos de imigrantes, assentados na pequena propriedade e no trabalho
assalariado, realizado pelo homem branco.
Por isso, “esta sociedade assim formada, vai permitir o isolamento destes grupos
imigrantes que, buscando autopreservação, dificultam as interelações com outros grupos,
sejam eles formados por negros ou não” (PEDRO, 1988, p.22).
Desta forma:
A vinda, no século XIX de alemães, italianos e poloneses, marcou, portanto
uma outra fase na história do povoamento catarinense. Estes imigrantes
europeus, num período de sessenta anos, vão quadruplicar a população
catarinense, e encontrarão uma sociedade já preparada para subjugar
elementos negros. É por isso que, ao se isolar, eles vão preterir, com mais
violência, aqueles que já eram alvo de preconceito pelos demais
componentes desta sociedade (ibidem).
72
Outro dado que reforçou o isolamento dos negros e seus descendentes por parte dos
imigrantes, é que estes já haviam sido expropriados de suas terras de origem, trazendo
representações da sociedade burguesa, pautada na superioridade racial do colonizador
europeu, tendo como base a noção de que o trabalho do branco livre era sinônimo de
progresso.
É importante ressaltar que, mesmo que em alguns períodos da história da
colonização de Santa Catarina o imigrante branco tenha trabalhado lado a lado com seu
escravo, isto não foi sinônimo de cordialidade ou igualdade, como citam muitos autores.
Podemos observar esta afirmação no depoimento de Hermann Blumenau, em sua
obra “Suedbrasilien”, publicada no ano de 1850 (apud HERKENHOFF, 1987):
A escravatura, esta instituição degradante da humanidade, infelizmente
também se encontra no Brasil e o número de escravos negros em todo o
País é bastante elevado, especialmente nas províncias do Norte, pois ali a
proporção, em muitos casos, chega a ser de um branco para dez negros. No
Sul, a porcentagem é menor, como na Província de Santa Catarina, onde,
numa população de cerca de 90.000 almas, há apenas 14.000 escravos, cujo
número não vem aumentando, mas antes diminuindo. De modo geral
porém, os negros são tratados com muita brandura, com mais brandura do
que em qualquer outro país, de modo que as condições ali pouco diferem
do relacionamento existente entre o empregador alemão e a criadagem e o
operário (p. 141-142).
Esta relação, porém, não livrou o negro dos maus-tratos, preconceitos e dificuldades
de inserção social.
Os relatos dos viajantes deixam, também, claro que a vida do escravo era
miserável. Andavam seminus e, em sua maioria, vestiam-se apenas com um
xale. As negras escravas, da mesma forma, andavam nuas, ou quando
muito, abrigadas por uma cinta larga que ia da axila aos joelhos. Mal
alimentados, dormiam pelas ruas. Os libertos mestiços possuíam uma vida
pouco diferenciada, vestindo-se de camisa e calça e uma pala à moda
espanhola. Os menos pobres usavam cartolas grandes, sugerindo, portanto,
uma forma de destacarem-se da condição de escravo (PEDRO, 1988, p.
29).
Este relato evidencia que à medida que a cor da pele clareia, como no caso dos
mestiços, o preconceito também fica mais brando, ressaltando a influência dos traços
fenotípicos nas representações racistas. Não são as raízes negras, o sangue, que ocasionarão
as manifestações racistas e sim a cor da pele.
Outro dado interessante referente à esta questão é que muitos dos mulatos, nesta
época, eram frutos de relações entre os senhores do engenho e negras escravas. Como nos
73
mostra Munanga:
Em Itapetinga, no Estado de São Paulo, apenas 4% dos mulatos eram
escravos contra 95% de pretos, em 1799. Os cálculos feitos por Herbert
Klein, a partir de diversos censos locais em cinco províncias brasileiras no
século XIX, mostraram que os mulatos totalizavam 76% dos homens livres
e menos de 20% dos escravos em quatro províncias e apenas 26% na
quinta. Em 1872, os mulatos constituíam 32% dos escravos e 78% dos
homens livres em todo Brasil (2004, p. 92).
No entanto, apesar de livres, esses mulatos não receberam a devida formação para
que pudessem produzir sua existência e de suas famílias de forma digna. Não tinham
escolaridade e muitos deles não tinham profissão.
Em Santa Catarina, o tratamento dado aos negros fica explícito nos jornais
catarinenses, como nos mostra Pedro (1988), principalmente no tocante às negras escravas.
Vejamos um anúncio publicado no Correio Catarinense, em 30 de março de 1873:
Quer se comprar uma escrava de 16 a 22 anos de idade que saiba cozinhar,
lavar e engomar, que seja sadia (p. 31).
Ou então:
Vende-se uma escrava parda de 23 a 24 anos, muito sadia, excelente
cozinheira, boa lavadeira, engomadeira, carinhosa, a quem pretender dirija-
se ao advogado Manoel D’Oliveira (p. 38).
Uma preta forra que sabe lavar e engomar perfeitamente cozinha e faz todo
o serviço de uma casa, quer prestar seus serviços a quem lhe abonar a
quantia de 700$000 réis. O tempo e as condições da locação de seus
serviços, nesta tipografia se dirá com quem pode tratar (p.38).
Também há o exemplo do Jornal “O Argos”, em 11 de julho de 1856 (apud Pedro
1988), onde um cidadão, dono de uma escrava que fugiu, faz denúncia ao delegado de
Laguna e fica incomodado com a atitude do mesmo perante a situação:
Ana, de 15 anos, a quem tratava como uma filha, em 03 de dezembro de
1855, evadiu-se. Dias após, ao descobrir que a mesma encontrava-se presa
na cadeia pública, dirigiu-se ao local para reclamá-la e solicitar que a
punissem. Porém, para sua surpresa o delegado não só negou-se a puni-la,
como desrespeitou o autor em frente à dita escrava. Ao voltar para casa a
mesma tornou-se insuportável e fugiu novamente. Ao revê-la, o autor
castigou-a com palmatória. (p. 31).
Percebe-se como os jornais colaboraram para estabelecer o preconceito em relação
aos negros, servindo como instrumento de ação política e ideológica, favorecendo as classes
dominantes, difundindo idéia e padrões de conduta.
74
Além destas situações, é possível verificar que os negros ficaram impossibilitados
de exercer funções mais qualificadas, sob pena de multa aos proprietários, como nos
mostram os registros da Câmara da Villa de Lages, em maio de 1845 (apud Pedro (1988):
Hé proibido a qualquer casa de negócio ter caixeiros escravos sob pena de
8$000 réis de multa (p. 33).
E assim, aos poucos vão se delimitando os espaços sociais de brancos e negros em
Santa Catarina, delineando-se as relações de dominação na região. Os negros foram
excluídos dos direitos e benefícios do estado que se formava. Como afirma Bitencourt
(1999), a inclusão destas pessoas nesse projeto de sociedade dava-se pelo poder de outros,
que decidiam quais os papéis eram a eles destinados. “A cidade dos sonhos burgueses não
era para eles” (p. 29).
O negro, neste contexto, não é impedido apenas de exercer funções mais
qualificadas, mas também de manifestar sua cultura, seus costumes, suas raízes. Tudo o que
é realizado por este povo é considerado exótico. Manifestações como o batuque, a música, a
dança, rituais religiosos eram vistos como ‘obras do demônio’, próprias de um povo sem
alma, que precisava ser ‘disciplinado’. Assim, o castigo seria uma forma de libertá-los desses
rituais e aproximá-los de Deus.
É fundamental destacar que, embora em um ambiente de opressão e expropriação
social, também ocorreram movimentos de resistência, como a fuga de negros, o assassinato
de senhores, organização de quilombos e a formação de irmandades, a exemplo da
irmandade de “Nossa Senhora do Rosário”, na cidade de Desterro.
Movimentos como os citados indicam o esforço dos negros em resistir contra a
dominação da sociedade branca, procurando recuperar a dignidade perdida, embora sabendo
que todas essas manifestações eram passíveis de punição.
Vale refletir que a campanha abolicionista em Santa Catarina teve uma conotação
diferente do restante do país. No estado, estabeleceu-se uma estreita relação entre
abolicionismo e imigrantismo, onde o progresso era entendido como branqueamento da
região e, conseqüentemente, do país.
Nesse contexto, “a escravidão passa a ser grande culpada de todos os males do país,
e parecia que com sua extinção, todos os problemas seriam minorados, ou até resolvidos”
(PEDRO, 1988, p. 56).
As ações abolicionistas aconteciam no sentido de encontrar no trabalho branco europeu
uma redefinição do trabalho e sua concepção como essência para o progresso do país.
75
Como referenda Pedro (1988), as campanhas abolicionistas em Santa Catarina,
foram um assunto “branco”, onde os negros foram excluídos destas discussões e onde a elite
procurou encobrir toda a forma de participação negra neste processo.
Revendo o discurso publicado pelos jornais da época, percebe-se uma campanha
abolicionista extremamente imigrantista, sem nenhuma preocupação com o negro (a) liberto
(a), condenado-o a ficar à margem do processo civilizatório. Essa preocupação, como já
citamos anteriormente, ficou só no papel. Na prática, nada se efetivou.
O imigrantismo, na verdade, fez parte de um processo de modernização onde o
branqueamento era condição essencial para o sucesso desse projeto.
É interessante referendar, como já fizemos no início, que em nenhum momento
tem-se a intenção de menosprezar a presença do imigrante europeu no Sul do país. É notória
a sua contribuição na colonização das cidades, porém, também é notória a invisibilidade
atribuída aos negros neste período e também nos dias atuais. O que se pretendeu neste
momento foi fazer um recorte na história da imigração para nos atermos à questão do negro
em Santa Catarina, levando em consideração o quanto sua presença tem sido negada na
história do Estado.
76
2.4 Joinville: retrato do “esquecimento” de negros e negras no maior pólo industrial do
Estado
Gráfico 2 – Mapa de Santa Catarina – destaque Joinville
Segundo dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville –
IPPUJ, o município tem a maior população e industrialização de Santa Catarina. Localizado
a Nordeste do estado, a cidade possui o maior Produto Interno Bruto – PIB industrial per
capita do país e ocupa o quinto lugar no ranking das exportações nacionais, com uma fatia de
5,52% do total brasileiro.
O discurso veiculado na mídia é de que o parque fabril do município, com mais de
1.500 indústrias emprega 58 mil funcionários e cresce em média 6,67% ao ano, sendo
responsável por cerca de 20% das exportações catarinenses.
Terceiro pólo industrial da região Sul, com volume de receitas geradas aos cofres
públicos inferior apenas às capitais Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR), Joinville está entre os
quinze maiores arrecadadores de taxas municipais, estaduais e federais. A cidade concentra
grande parte da atividade econômica na indústria – que gera um faturamento industrial de
77
US$ 14,8 bilhões por ano – com destaque para os setores metalmecânico, têxtil, plástico,
metalúrgico, químico e farmacêutico. O PIB per capita de Joinville também é um dos
maiores do país, em torno de US$ 8.456/ ano.
Mas como Joinville atingiu estes índices? Qual a sua história? Que pessoas
estiveram envolvidas em todo esse “crescimento econômico” e sob que condições sociais,
políticas e econômicas viveram? Qual a participação dos negros neste processo? Esses dados
referentes à história da cidade não são explicitados.
Joinville é tradicionalmente conhecida como “Cidade dos Príncipes”, por conta das
origens de sua fundação, sendo que as terras hoje pertencentes à cidade, teriam feito parte do
dote recebido pela princesa Dona Francisca, irmã de Dom Pedro II, filha de D. Pedro I, ao
desposar o príncipe francês François Ferdinand Philippe. Segundo Herkenhoff
11
(1987), fez
parte do dote uma grande área de terras, situada no norte da Província de Santa Catarina,
próximas ao Porto de São Francisco do Sul.
De acordo com Apolinário Ternes
12
, entre 1815 e 1848, a Europa passou por um
período de grandes transformações econômicas, sociais e políticas, frutos da Revolução
Francesa. Essas transformações afetaram várias famílias tradicionais da Europa, entre elas a
do rei Louis Philippe, pai do príncipe de Joinville.
Segundo Ternes:
Os dezoito anos de reinado de Luis Felipe são marcados pela crescente
corrupção administrativa, financeira e política. O regime apoiava-se na
burguesia financeira, representada por banqueiros, magnatas das ferrovias e
das minas de carvão e ferro e especuladores da bolsa, assim como em
grandes propriedades rurais (1981, p.28).
Havia uma grande dívida pública acumulada pelo governo de Louis Philippe, o que
evidenciava sua sujeição aos interesses da burguesia financeira.
11
Elly Herkenhoff nasceu em Joinville, em 15 de janeiro de 1906, descendente da família Herkenhoff,
representante da cultura Lutero-germânica na Joinville do início do século 20. Com sua irmã Rosa, elaborou o
“Método Roselly de Alfabetização de Adultos” e o “Método Roselly de Alemão”, ambos inéditos. Elly é autora
do volume I da coleção “Joinville Ontem e Hoje”, de 1981 e de “Nossos Prefeitos – 1869-1903”, de 1986. Em
1987, publicou “Era uma Vez um Caminho”. Em 1989, escreveu “Joinville – Nosso Teatro Amador – 1858-
1938”, tendo ainda colaborado em inúmeros artigos para os jornais “A Notícia”, “Brasil-Prost”, de São Paulo, e
para o Instituto Hans Staden. Traduziu textos e artigos do jornal “Colonie-Zeitug”, e centenas de documentos,
cartas e outros escritos do Arquivo Histórico de Joinville. Em 1999, lança “Imprensa Joinvilense”, seu último
livro, no antigo Clube Joinville, hoje Casa Sofia (Colin, 2002, p.68).
12
Nascido em Joinville, em 1949, é historiador é jornalista desde 1968, tendo desempenhado várias funções em
diferentes jornais do Estado. Em 1975, juntamente com o historiador e advogado Cyro Ehlke, publicou uma
sinopse da História de Joinville, em edição de luxo e em três línguas: Português, Inglês e Alemão. Obra já
esgotada. Em 1977, foi nomeado diretor do Arquivo Histórico de Joinville, cargo que voltou a ocupar por
alguns meses em 1979.
78
A oposição a esse fato era representada pela burguesia industrial, afetada pelas
medidas econômicas do rei, que aumentava constantemente os impostos, causando um
desequilíbrio orçamentário.
Reitera Ternes, dizendo que somente as “despesas extraordinárias dos últimos anos
do reinado de Luis Felipe atingiram a fabulosa soma de 400 milhões de francos anuais,
agravando o déficit orçamentário” (1981, p.29).
Esses fatores contribuíram com a queda do rei e o exílio da família real para a
Inglaterra, inclusive do príncipe de Joinville.
Em 1848, o príncipe estava na Argélia, onde era Vice-Almirante da Marinha
francesa. Segundo Carlos Ficker (1965), neste período a situação financeira do príncipe era
“desastrosa”. Isto o fez lembrar das terras no Brasil, como uma possível solução para os
problemas financeiros da família real.
O ano de 1848 foi um período que, segundo Ternes (1981), intensifica-se o
transporte de imigrantes, negócio este visto como excelente e que gerou a formação de várias
companhias de emigração, muitas delas ilícitas, que ludibriavam as pessoas com promessas
de uma vida maravilhosa fora do país, sendo que o objetivo real era a obtenção de lucros
exorbitantes. Para conquistar os imigrantes, ofereciam vantagens diversas e as melhores
condições de viagem, com promessas de uma vida nova em lugares paradisíacos.
Ações como essas deram origem à fundação da “Sociedade de Proteção aos
Immigrantes Allemães no Sul do Brazil”, que objetivava, além de proteger os imigrantes que
chegavam no país, desenvolver as relações comerciais com o Brasil.
Ternes (1981) revela que fazia parte desta companhia o senador Christian Mathias
Schroeder, que mantinha uma agência na Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro. O mesmo
senador cria, em 1849, a sociedade Colonizadora de Hamburgo, que objetivava colonizar as
terras do príncipe de Joinville, que no exílio, resolve negociar o dote recebido por Dona
Francisca, em 1° de maio de 1843, data de seu casamento, no Rio de Janeiro.
O contrato com a Sociedade Colonizadora de Hamburgo foi firmado em 5 de maio
de 1849 e em janeiro de 1850 o príncipe partiu com toda a família para Portugal e Espanha.
O senador Schroeder, como não conseguiu reunir os sócios da antiga Sociedade de
Proteção aos Imigrantes, e como dispunha de vários navios para atravessar o Atlântico,
encampou sozinho o projeto de emigração à “Colônia Dona Francisca”, posteriormente
denominada Joinville.
Ainda em 1849, o Tenente Coronel da Engenharia, Jerônimo Francisco Coelho
inicia a demarcação das terras do príncipe, que haviam sido escolhidas pelo Vice Cônsul da
79
França em Santa Catarina, Senhor Léonce Aubé.
Rodowicz indica que, além do Coronel Jerônimo Coelho:
Enviamos o engenheiro H. Günther ao Rio de Janeiro, para de lá se dirigir à
Colônia, o que só se verificou em maio de 1850, acompanhado de alguns
colonos. Fizeram-se diversas culturas e até colheitas, bem como a
construção de uma casa para o engenheiro, um armazém, algumas casinhas
para os colonos e uma casa maior para abrigar, ao chegarem, maior número
de colonos, até que lhes fosse dado destino definitivo. E assim uma picada
em direção às montanhas, o lugar de desembarque e o local para a futura
cidade de Joinville. Enfim, preparativos foram feitos para a recepção de um
número maior de colonos. Remetemos então, aos 10 de Dezembro de 1850,
com a barca “Colon”, diretamente destinados à Colônia, 124 colonos que,
em face de maus ventos, só foram ao mar nos primeiros dias de 51 (1992,
p. 15).
A data oficial da fundação de Joinville é nove de março de 1851, data da chegada
dos primeiros 124 imigrantes, amplamente divulgada nos livros sobre a história de Joinville
e nas escolas de todas as redes de ensino da cidade.
A tradição construída em Joinville trata a cidade como sendo tipicamente alemã,
porém os relatos nos mostram que dos primeiros imigrantes que chegaram, os alemães eram
os que estavam em menor número:
Assim, com a chegada destas embarcações, nada menos de três
nacionalidades chegaram à nascente Colônia. Alemães, em menor número;
suíços (falando um alemão quase incompreensível) e noruegueses, dos
quais, um pequeno número, embora sem falar, entendia o alemão.
Compreender-se-ia logo, que as diversas línguas dificultassem a divisão
das terras, mas assim não aconteceu, pois se formaram três núcleos, com
três picadas discriminatórias, partindo do local da futura cidade de
Joinville: em direção sudeste, a picada alemã; para oeste a dos suíços e a do
norte para os noruegueses (RODOWICZ, 1992, p.18).
Sabe-se, no entanto, que muitos desses noruegueses, em torno de 74, não tinham
nenhuma intenção de chegar em Santa Catarina, muito menos em Joinville. O projeto dessas
pessoas era de irem a São Francisco, na Califórnia e não São Francisco do Sul, como
aconteceu.
A literatura indica que, durante o trajeto à Califórnia, aconteceram alguns
problemas na embarcação que impediram a viagem e os imigrantes, diante do ocorrido,
optaram por vir para o Brasil.
De acordo com Herkenhoff em seu relato sobre a chegada dos imigrantes:
Foi ali que se estabeleceram os noruegueses, uma leva de imigrantes, todos
homens solteiros, desembarcados também a 9 de março de 1851,
80
procedentes do Rio de Janeiro. Pretendia o grupo ir a Califórnia, mas em
conseqüência de grave avaria no barco da Noruega, resolveram todos
“tentar a sorte” na Colônia a ser instalada na floresta virgem e tropical na
província de Santa Catarina. Poucos meses depois, quase todos eles
continuaram a sua viagem para a América do Norte, com exceção de
alguns, que aqui se radicaram (1987, p.10).
Diante deste fato, cabe-nos saber se houve realmente problemas com a viagem dos
noruegueses, ou estes foram ludibriados com promessas da Companhia Colonizadora, tendo
em vista que estas atitudes, conforme já analisamos, eram comuns para atrair os imigrantes
ao país, sem contar que há algumas controvérsias em relação à chegada dos noruegueses em
Joinville, a exemplo do que nos conta Apolinário Ternes.
Contrariando a informação de Herkenhoff (1987), Ternes (1981) afirma que, do
número de noruegueses que aqui chegaram, apenas 13 seguiram viagem para a América do
Norte. Os outros 61 permaneceram, pois não era muito simples retornar ao país de origem,
ou a qualquer outro, porque a viagem, além de cansativa e perigosa, onerava custos às
pessoas, custos estes que a grande maioria não tinha condições de arcar.
Examinando detidamente as listas dos passageiros que desembarcaram em
Joinville a 9 de março, é fácil perceber que a qualificação dos imigrantes
noruegueses, é superior aos alemães vindos com a barca “Colon”.
Efetivamente, os noruegueses possuíam qualificações técnicas superiores
aos alemães que, em sua maioria, eram “lavradores” apenas, enquanto entre
os noruegueses deparamos com médicos, tecelões, pedreiros, padeiro,
alfaiate, ferreiro e marceneiros (TERNES, 1981, p. 99).
Outro fato pouco divulgado é que antes da chegada da barca Colon, os idealizadores
do projeto de colonização da cidade já haviam estado na Colônia para preparar a chegada
dos imigrantes, e encontraram vários habitantes, em pontos isolados. Entre estes, estavam
vários índios e negros.
Conta Carlos Ficker (1965) que em 18 de maio de 1850, saiu da França um grupo
de nove pessoas a caminho de São Francisco do Sul, estando entre estes, o Vice-Cônsul da
França em Santa Catarina, Sr. Louis François Léonce Aubé e Herman Günther, conforme já
citamos, engenheiro incumbido de receber do representante do príncipe em Joinville, 8
léguas quadradas de terra.
A embarcação chegou em São Francisco do Sul três dias depois, no dia 21 de maio
e no dia 22, subindo o Rio Cachoeira, aportou no Porto de Bucarein, em Joinville.
Apolinário Ternes (1981, p.73) relata que Léonce Aubé encontrou, ao chegar na
Colônia, uma série de sesmarias, fazendas e caminhos, sendo estas fazendas distribuídas no
81
Bucarein/ Itaum. A maior destas pertencia ao Coronel Antônio Vieira, que possuía vários
escravos. O mesmo teria vindo para a Colônia em 1826.
De acordo com Ficker:
O Pôrto de Bucarein, ponto estratégico no lugar da confluência do Rio
Bucarein com o Rio Cachoeira, ficou dentro da medição das terras dotais
do Príncipe de Joinville, e ao mesmo tempo servia de pôrto de embarque
aos moradores do “Sítio Coronel Antônio João Vieira”, que ali se instalava
com a fazenda e muitos escravos, plantações e terras cultivadas, nas
margens do riacho Itaí-Guaçu, hoje Itaum. Como conhecedor da região, o
Coronel Vieira ofereceu os seus serviços e escravos, quando em 22 de maio
chegaram Léonce Aubé, engenheiro Guenter e demais membros da
expedição pioneira (1965, p.56).
Assim, percebe-se que a região já estava ocupada parcialmente, que a posse de
escravos era uma coisa comum e que posteriormente teve muita utilidade, tendo em vista que
os primeiros colonizadores precisariam desbravar matas, cortar árvores, etc.
Como elucida Carlos Ficker (1965, p.61), “preparar as terras cobertas de densa
vegetação tropical para a recepção dos imigrantes europeus, construir ranchos e casas de
alojamento e fazer as primeiras plantações em terreno pantanoso e úmido, exigia homens
fortes e trabalhadores rurais experimentados”, o que não era o caso das famílias que vieram
com o engenheiro Günther, que tinha a função de recepcionar os imigrantes. O autor cita
ainda o caso do jurista Evert Von Knorring, acompanhante do Sr. Güinther, homem de físico
delicado e saúde precária, que anos antes havia sofrido infecção pulmonar. É evidente que
este não seria o mais preparado para lidar com a terra, assim como os outros que estavam
com o engenheiro.
Segundo Rodowicz (1992), era obrigação do engenheiro preparar a terra para a
chegada das embarcações, evitando que a companhia colonizadora caísse em descrédito. No
entanto, não foi isso que ocorreu. Sr. Günther enviava constantes relatórios ao Sr. Schröeder,
dando a entender que estava trabalhando arduamente na Colônia. Porém:
O tempo para recebimento dos colonos aproximava-se e como o Sr. Eduard
Schröeder (filho do presidente da Soc.) em viagem de interesse de sua
firma, para Nova Orleans, estivesse de passagem pelo Rio de Janeiro,
resolveu dar uma vista por lá, a fim de ver o estado em que se achava a
Colônia. Isto em fins de janeiro de 1851. E em companhia de um amigo.
Dr. Köstlin, constatou, para seu espanto, que estava tudo por fazer. Só
encontrou uma simples picada que, partindo do local de desembarque, ia
até o edifício que servia de armazém, mais um rancho para recebimento dos
colonos, a casa de Günther e um casebre do colono que o acompanhou
(idem, p. 16).
82
Esta atitude do engenheiro Günther culminou em sua demissão, por gastos
excessivos, relatórios enganosos e propaganda tendenciosa na Europa. Tal fato acarretou
sérios problemas para o Sr. Schröeder, que tinha urgência em preparar a terra para recepção
dos colonos.
Sendo assim, percebe-se que uma das alternativas seria realmente a utilização dos
serviços prestados pelos escravos do Coronel Vieira, que já os havia colocado a disposição
da Sociedade Colonizadora. Como afirma Ficker (1965, p.61), “empreitaram-se brasileiros,
moradores da redondeza, que ofereceram os seus serviços”.
Subentende-se que os negros escravos da região não tiveram alternativa a não ser
cumprir ordens de seu patrão. Portanto, é notória a contribuição desses no processo de
adaptação dos imigrantes e na construção da cidade.
As dificuldades encontradas não eram poucas, insalubridade, doenças, mosquitos,
entre outras. As condições eram tão precárias que, após a chegada da primeira embarcação, o
Sr. Schröeder tentou impedir na Europa a divulgação de novos embarques, até que ele
mesmo desse um parecer favorável. No entanto, como afirma Rodowicz, seu pedido deve ter
chegado tarde, pois a barca “Emma&Louise” já havia saído, trazendo inúmeros suíços e
alemães à bordo.
Ficker revela que, posteriormente, em 1852, um jornal chamado “Jornal do
Commercio”, publicou a primeira nota sobre a Colônia Dona Francisca, sendo o artigo de
autoria do Coronel Vieira. O texto dizia que:
Não foi bem escolhido o local para assento do centro colonial, por ser
baixo e humido em demasia, quando a pouca distância para o sul havia
terreno levado e enxuto, mais azado para o fim, onde hoje está construída a
olaria, que foi indicada pelo Sr. Coronel Antônio João Vieira, e onde até
não falta a vantagem de porto próximo e commodo, que se acha a cousa de
300 braças do Rio Boqueirão. Não podem porém ser acusados deste erro,
que tem dado motivo a algumas queixas, nem o actual director, o Sr.
Eduard Schroeder, nem o Sr. Aubé, procurador do Sr. Príncipe de Joinville,
que nem estavão em S. Francisco na ocasião da escolha; mas sim o
primeiro administrador mandado pela empresa, que vendo á beira do
Caxoeira uma cabana cosntruida pelo Snr. Frontin, sem mais exame, e a
despeito dos conselhos e admoestações do Sr. Cel. Vieira, teimou em
construir ali as casas de deposito para recepção dos colonos. Esse primeiro
administrador desementio completamente a confiança que nelle se
depositava; e já não existiria nem o núcleo colonial se não tivesse ido á
colônia o Sr. E. Scroeder (1965, p. 116).
Este é mais um indício de que os colonizadores devem ter recorrido aos nativos que
se encontravam na colônia, pois além do Coronel Vieira, que habitava a região desde 1826,
83
juntamente com seus escravos, de acordo com Ficker (1965, p. 32), havia outras sesmarias
na colônia, como as de João Cercal, Luiz Dias do Rosário, Vicente Dias do Rosário e seu
irmão Francisco, Ana Afonso Moreira e José Cordeiro, formando as terras de Januário
d’Oliveira Cercal, vasta área entre o rio Cubatão e o Rio São Francisco, mais ou menos no
local onde hoje é o Campo de Aviação.
No Boa Vista, atual bairro da cidade, encontramos o nome de Agostinho Budal, do
lado oposto ao Rio Cachoeira e mais para o sul, as sesmarias de Antônio da Veiga e João da
Veiga, Manuel Gomes e Francisco da Maia.
Levando em consideração as características da região e as dificuldades para
transformá-la em cidade, entende-se que estas famílias que vieram para a Colônia, trouxeram
obviamente seus escravos para ajudar na construção das casas, nos desmatamentos, na
culinária, entre outras tarefas.
No entanto, a história deste povo não tem sido citada, sendo a fundação e
colonização de Joinville atribuída somente aos imigrantes europeus, gerando uma
invisibilidade sobre os negros que aqui estiveram, negando a presença dos mesmos no
território da colônia, dando a entender que os europeus venceram todas as dificuldades de
adaptação sozinhos, com no máximo, a ajuda dos componentes da Sociedade Colonizadora
de Hamburgo, na pessoa do Sr. Schröeder.
A autora Elly Harkenhoff (1987) observa que nos Livros de Registros da Paróquia
de São Francisco Xavier, de Joinville, há inúmeros assentamentos de batizados e
falecimentos de escravos pertencentes às famílias descritas por Carlos Ficker e outras não
mencionadas pelo historiador.
Segundo a autora:
Em todos os registros, cuidadosamente feitos pelo então vigário da
comunidade católica de Joinville, Padre Carlos Boergershausen, consta
sempre o nome do respectivo dono, evidenciando, que pelo menos boa
parte das famílias brasileiras estabelecidas possuía escravos em maior ou
menor número. Assim, encontramos entre os assentamentos de batismo
efetivados em 1865: Guilherme, filho de Maria, escrava de João Leite
Bastos; Josefa, filha de Maria, escrava de Gaspar G. de Araújo; Jorge, filho
de Escolástica, escrava de Januário de Oliveira Cercal. Em 1866: Manuel,
filho de Joana, escrava de Bento Budal Espíndola, Manuel, filho de Inácia,
escrava de Manuel Gomes de Oliviera. Ana, filha de Rita, escrava de Isabel
M. da Conceição (...) e assim por diante (1987, p.143).
Então se pergunta: onde está a história dessas pessoas? Desses negros e negras?
Que rumo tomou a vida desse povo? Seus descendentes, onde estão? Muito se sabe sobre os
84
europeus que chegaram à colônia. Muitos destes foram homenageados com nomes de ruas,
como é o caso do Sr. Aubé. Há no estado uma cidade com o nome “Schröeder”, outros
fundaram suas indústrias, como os Schneider, indústria esta que é tradição na cidade até os
dias atuais. Günter (mesmo com todo despropósito de suas ações) é nome de loja no centro
de Joinville. E os negros? As negras? Como viveram? O que passaram? O que construíram?
Voltando à questão da presença dos mesmos na Colônia, um dado relevante trazido
à tona por Herkenhoff refere-se aos registros de falecimentos feitos pelo Padre
Borgershausen, evidenciando que não só os batizados eram feitos na igreja católica, mas
também os sepultamentos de escravos eram efetuados no cemitério católico de Joinville.
Segundo os assentamentos do Padre Boegershausen, foram inumados, entre
julho de 1862 e abril de 1870, oito escravos, na maioria crianças de pouca
idade, além de Maria, de 18 anos, filha da liberta Joana Lourenço e Teresa,
“negra” liberta do defunto Agostinho Budal. É possível que um ou outro
tenha pertencido a famílias estabelecidas, não nos arredores da Colônia,
mas na própria “cidade” de Joinville, uma vez que, já nos primórdios de
nossa história, várias famílias brasileiras, oriundas de outras localidades,
aqui vieram fixar-se e, como era natural, trouxeram consigo seus escravos.
Também na zona rural encontramos, já nas primeiras décadas, nomes de
sitiantes brasileiros: no “Boehmerwald” (Floresta da Boêmia), na Estrada
dos suíços, na Estrada da Serra (HERKENHOFF,1987, p.144).
A autora segue mostrando que, como no restante do Brasil, os joivillenses também
aderiram à causa abolicionista, intensificando as campanhas pela libertação dos escravos,
que ficou ainda maior com a aprovação da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871.
Em 30 de março de 1887, o número de escravos matriculados na Coletoria de
Joinville era de 96, destes, 48 eram homens e 48 mulheres. Segundo Herkenhoff, havia ainda
24 forros não registrados, por conta das alforrias. O Kolonie-Zeitug (Jornal da Colônia)
noticiou neste período alforrias concedidas a vários escravos e escravas.
Outro dado interessante trazido à tona pelas historiadoras Janine Gomes da Silva e
Arselle de Andrade Fontoura é que alguns negros da cidade procuravam guardar dinheiro
para comprar a própria alforria. Foi o caso de Luiz:
Escravo de João Gomes de Oliveira, que possuindo a quantia em moeda
corrente para uma “ação de liberdade por arbitramento para indenização”,
procurou o poder público, no ano de 1887, para dizer que “... quer ser
declarado livre”. O preço da liberdade de Luiz deveria ser fixado e, o que
aconteceu com este escravo, morador da cidade de Joinville, não podemos
inferir (2005, p.24).
O Jornal Kolonie-Zeitung também traz registros de cerimônias que eram
85
organizadas para o consentimento das alforrias aos negros, muitas delas organizadas no
“Salão Kuehne”.
De acordo com Herkenhoff, algumas alforrias eram entregues sem nenhuma
concessão. Outras, porém, eram entregues mediante prestação de um ou dois anos de
serviços, por parte dos libertos.
No dia 13 de maio de 1888, os negros da cidade organizaram uma passeata pelas
ruas para comemorar a ‘libertação dos escravos’.
Merece destaque o fato de que os dados aqui levantados não chegam à grande
maioria da população, nem são trabalhados nas escolas da cidade, onde a história divulgada
entre os alunos é a de que Joinville é uma cidade de tradição germânica, fundada por
imigrantes europeus.
Como afirmam Silva e Fontoura (2005, p.22), costumeiramente a presença dos
afrodescendentes nesta cidade é pouco referenciada, pois a ênfase é dada aos imigrantes
europeus que aqui chegaram a partir de 1851. Assim, a maioria das peças publicitárias que
divulgam o município, bem como a historiografia local invisibilizam a presença dos
afrodescendentes.
Sendo assim, a questão da história dos negros e das negras torna-se um fértil terreno
a ser explorado, tendo em vista a escassez de informações.
De acordo com Cieslinki e Coelho (apud SILVA e FONTOURA, 2005), no final do
século XIX “existia em Joinville um povoamento luso-brasileiro, formado por 33
propriedades; e, na maioria destas, existiam escravos que desenvolviam diferentes atividades
agrícolas e domésticas, sendo que alguns proprietários contavam com 12, 18 e até 22
escravos para o trabalho em suas propriedades” (p.24).
No entanto, não se tem registro do destino dessas pessoas. Muito se sabe sobre a
história das famílias de imigrantes tais como a de Léonce Aubé, Jerônimo Coelho, Hermann
Günter, Schneider, entre outras.
Mas e as famílias formadas pelos negros? O que sabemos? Qual o destino da negra
Maria, que era escrava de João Leite Bastos? E a negra Josefa, que era filha de Maria,
escrava de Gaspar G. de Araújo? E a Escolástica, escrava de Januário de Oliveira Cercal?
Como era a vida dessas mulheres? Que histórias construíram? Onde estão seus
descendentes?
O censo demográfico de 2000 realizado pelo IBGE, indica que Joinville possui uma
população de 429.604 habitantes. Destes, 9413 se auto-identificam como pretos,
representando 2,19% da população e 22.025 pessoas se auto-identificam como pardas,
86
representando 5, 13% da população.
Se juntarmos o número de pardos e pretos, considerando-os como negros, teremos
em Joinville uma população de 31.348 pessoas afrodescendentes, cerca de 7,32% da
população total da cidade. Desse percentual 15.816 são mulheres, ou seja, 50,46% da
população afrodescendentes de Joinville.
Onde estão essas mulheres? Que postos de trabalho ocupam e como tem se dado
esta inserção?
Como citam Silva e Fontoura (2005), assumir a condição de negro na cidade de
Joinville não é tarefa fácil, com todo o imperialismo germânico existente, mas, talvez essa
seja uma das maneiras dessas pessoas dizerem que querem visibilidade. É o momento de
mostrar à população joinvilense, que a cidade abriga negros e negras. Se são em maior ou
menor número não vem ao caso. O fato é que eles existem, estão na cidade, possuem uma
história e colaboraram para a construção da mesma.
É interessante perceber que “a abolição foi proclamada, contudo os negros não
foram integrados à sociedade e a história da escravidão e dos afrodescendentes permaneceu
por muito tempo velada. Mas, esta história – uma história de opressão, dor, luta e resistência,
precisa, especialmente em Joinville, ser desvendada”. (SILVA e FONTOURA, 2005, p. 25).
CAPÍTULO 3
88
3. TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO OCUPACIONAL DE
MULHERES NEGRAS EM JOINVILLE
O objetivo deste capítulo é o de apresentar as trajetórias de sete mulheres negras
que atuam nas áreas da educação infantil e da saúde do município de Joinville, suas
estratégias de inserção ocupacional, bem como os fatores sociais, culturais, políticos e
econômicos que interferiram nas suas trajetórias. A intenção é de apresentar os fatores
preponderantes na inserção em determinadas ocupações, articulando questões referentes a
gênero, raça e escolaridade.
O recurso utilizado para a construção das trajetórias ocupacionais das mulheres
negras em Joinville, foi a entrevista. Estas foram realizadas com mulheres negras, que atuam
em Centros de Educação Infantil (CEI’s) da rede pública da cidade, postos municipais de
saúde e uma maternidade estadual, localizados em bairros da zona Sul da cidade sendo todos
de periferia, com exceção do bairro onde se encontra a maternidade.
Para mapearmos os locais das entrevistas, fizemos alguns contatos com pessoas
atuantes nas duas áreas de pesquisa, o que possibilitou verificar a concentração de negras
nesses locais, as ocupações que exercem e a possibilidade de realização das entrevistas.
A princípio, tínhamos a intenção de escolher alguns bairros da cidade onde a
concentração de negros fosse maior. Com o caminhar da pesquisa, percebemos que este não
era um dado relevante, pois os locais onde as negras estão trabalhando têm pouca relação
com a zona onde residem.
Caracterizamos este primeiro momento como fase exploratória da pesquisa (ZAGO,
1994). Foi um tempo em que nos dedicamos a fazer interrogações preliminares sobre o
objeto de pesquisa, questionando-nos sobre os pressupostos, sobre as teorias mais
pertinentes, se a metodologia era apropriada ou não, sobre questões operacionais, entre
outras.
A partir daí, iniciamos o trabalho de campo. Logo após os primeiros contatos com
os locais, selecionamos algumas mulheres que se mostraram dispostas a participar. Como as
entrevistas aconteceram no próprio ambiente onde trabalhavam, à medida que nos
89
tornávamos mais próximas das entrevistadas, outras mulheres, também negras, passaram a se
mostrar interessadas no assunto, querendo contribuir de alguma forma.
No total, foram sete mulheres, atuando em diferentes ocupações e com trajetórias
singulares. Apesar das diferenças, todas possuíam algo em comum: eram mulheres, negras,
de origem humilde, vivendo em uma cidade onde a história foi construída sobre alicerces
discriminatórios, pautados na ideologia do colonizador branco e europeu. Cidade onde o
negro, por representar uma parcela menor em relação ao número de habitantes da cidade e,
principalmente, devido ao preconceito racial, não tem história.
Neste sentido, as entrevistas trouxeram à tona informações de extrema importância
para análise das trajetórias. Concordamos com Neto (1994), quando afirma que por meio da
entrevista o pesquisador consegue recolher informações embutidas nas falas dos sujeitos
selecionados. “Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se
insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objetos da
pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada” (p.57).
No caso da pesquisa, as entrevistas foram transcorrendo de maneira tranqüila e aos
poucos as mesmas foram revelando dados extremamente significativos sobre a trajetória de
vida e processos de inserção ocupacional das mulheres. A entrevista, em alguns casos,
transformou-se em depoimento. Relatos marcantes, tristes, empolgantes que teceram a
história dessas mulheres. História essa, calada por muitos anos.
Como afirma Meksenas (2002), no depoimento o pesquisador seleciona sujeitos
significativos que narram suas experiências somente dentro do tema proposto. Esta narração
acontece por meio de entrevistas não-diretivas ou semi-estruturadas, como no nosso caso.
O fato de termos optado pela entrevista semi-estruturada, articulando perguntas
previamente formuladas com as informações abordadas livremente pelo entrevistado,
facilitou bastante nosso trabalho. A entrevista semi-estruturada possibilitou que a história de
vida tópica
13
também sustentasse nossos estudos, uma vez que tínhamos o objetivo de
analisar as trajetórias de inserção ocupacional das mesmas, percebendo quais os fatores
sociais, culturais, políticos e econômicos influenciaram esta inserção. Porém, em alguns
momentos das entrevistas, pode-se considerar que houve um deslocamento para o que
13
Segundo Neto (1994) a história de vida como estratégia de compreensão da realidade tem como principal
função retratar experiências vivenciadas, bem como definições fornecidas pelas pessoas, grupos ou
organizações. No caso da história de vida tópica, se focaliza apenas uma etapa ou determinado setor da
experiência em questão.
90
podemos considerar como história de vida
14
, onde as entrevistadas foram buscando na
memória, uma série de informações significativas que foram delineando suas trajetórias
ocupacionais.
Segundo Ferreira:
A análise de trajetórias possibilita investigar o vir a ser, ou seja,
compreendendo que a trajetória é um processo, percebe-se que, dentro de
um determinado trajeto existe a possibilidade de bifurcações. Por que o
sujeito é impelido a seguir um ou outro trajeto? Precisamos também
qualificar este trajeto e perceber como os fatos se apresentaram. A
percepção de como os fatos se apresentaram, muitas vezes, só acontece
durante as entrevistas, e nisso reside a importância delas, pois desse
processo pode resultar uma tomada de consciência (2004, p.15).
A análise de trajetórias torna-se importante em nossa pesquisa justamente por
possibilitar investigar que fatores levam um indivíduo a seguir por um caminho e não por
outro. Buscamos, portanto, qualificar esse caminho, analisando a forma como os fatos se
apresentam. Concordamos com Kofes (2001), no sentido de entendermos a trajetória como
“o processo de configuração de uma experiência social particular”.
Todas as entrevistas foram gravadas a partir de um roteiro previamente
estabelecido, tendo como eixo norteador as trajetórias em direção a uma ocupação, a busca
pela escolaridade e as relações raciais e de gênero presentes nestes percursos. As mesmas
aconteceram nos respectivos locais de trabalho das entrevistadas, com exceção de uma delas
que optou em conceder a entrevista na sua residência, alegando que ficaria mais à vontade.
No decorrer deste capítulo, poderemos observar que cada entrevistada apresenta
uma trajetória ímpar na busca de uma ocupação. Trajetórias marcadas por alegrias, tristezas,
dores, angústias, preconceitos, mas que mesmo as adversidades encontradas não as
impediram de galgarem seus caminhos em busca de uma vida melhor e de uma posição mais
digna que possibilitassem a realização destas mulheres como assalariadas e como cidadãs.
Ao analisarmos as trajetórias das entrevistas, concordamos com o observado por
Santana (2004) em sua pesquisa com professoras negras de Minas Gerais, onde “os
entrevistados compartilharam não só parte de sua história escolar e profissional, pontos de
vista sobre educação e relações raciais, mas, principalmente, partilharam fragmentos de suas
14
Para Meksenas (2002), na história de vida “trata-se de colher, por meio de gravação sonora ou filmagem, a
narrativa do sujeito pesquisado: o modo como ele reinterpreta seu passado por recortes mediados pelo acúmulo
de experiências adquiridas, por sua visão de mundo, por seus valores/projetos, tudo isso orientado por vivências
do presente. Ou seja, o passado nunca é descrito de modo a saber-se o passado, mas a partir de uma visão
particular e localizada de mundo (a do sujeito pesquisado) e com referência ao presente” (p. 125).
91
próprias vidas, fatos e sentimentos que estavam perdidos em suas lembranças e que a
entrevista trouxera à tona” (p.37).
Algo semelhante aconteceu conosco, onde as entrevistadas foram relatando
passagens de suas vidas, muitas vezes já apagadas na memória e que neste momento foram
revividas de uma maneira muito especial.
Analisar as trajetórias dessas mulheres foi uma das estratégias utilizadas para
compreendermos como essas negras de Joinville se constituíram como mulheres inseridas
em determinadas ocupações, bem como os percalços encontrados no decorrer da história de
cada uma delas. Assim, tentamos apresentar as experiências sociais de sete mulheres negras
ocupadas em setores da educação e da saúde.
3.1 O campo de pesquisa
Os bairros escolhidos para realização da pesquisa localizam-se na zona Sul da
cidade. São bairros de periferia e apresentam uma grande concentração de negros (as), talvez
por terem sido os locais onde se fixaram as primeiras sesmarias da colônia e, como
mencionamos no capítulo dois, cada dono de sesmaria vinha para Joinville com seus
respectivos escravos.
De acordo com Cunha (2003), “a região foi ocupada por volta do final do século
XVIII por famílias luso-brasileiras (...). Segundo o mapa elaborado em 1846 pelo engenheiro
Jerônimo Francisco Coelho, que demarcava as 25 léguas do dote do príncipe e da princesa de
Joinville, existiam várias sesmarias, com diversas construções (casas, olarias) nas regiões do
Boa Vista, Itaum, Bucarein e Cubatão (p. 120)”. É certo que cada luso-brasileiro que
chegava à colônia, trazia além de sua família, seus escravos. Coincidência ou não, até hoje
esses locais são os que têm maior concentração de negros, além do bairro Floresta, onde
também havia sesmarias e do Paranaguamirim, bairro que fica relativamente próximo ao
Itaum, conforme podemos observar no mapa dos bairros da cidade.
Apesar de serem bairros de periferia, a grande maioria deles possui uma estrutura
razoável. Todos têm terminais de ônibus interligados com outros bairros, escolas (embora a
92
demanda seja maior que o número de vagas disponível, no caso da educação infantil e do
ensino médio), bancos, farmácias, estabelecimentos comerciais diversos e uma quantidade
considerável de indústria. Esta estrutura, porém não é suficiente para garantir qualidade de
vida a boa parte da população. Como são bairros bem populosos, muitos moradores ainda
sofrem pela falta das condições mínimas de moradia.
93
Gráfico 3 – Joinville Divisão por bairros
fonte: www.tudojoinville.com.br
Tanto o Itaum, quanto o Profipo são bairros considerados “perigosos”, com um
índice elevado de roubos, assassinatos e pontos de venda de drogas. O Itaum fica próximo a
94
outros bairros e vilas bem carentes (Jardim Edilene, Estevão de Matos, Fátima, Morro do
Amaral, Ulisses Guimarães, Paranaguamirim), com uma grande concentração de terrenos
“invadidos”, ou seja, sem regulamentação, escritura, etc. e favelas, onde os moradores
convivem diariamente com a criminalidade, ausência de saneamento básico, de asfalto,
escola, etc. O Profipo, apesar de não fazer limites com bairros em situação tão precária,
também apresenta um alto índice de pobreza, miséria e falta de segurança.
É interessante observarmos que nenhuma das entrevistadas mora no bairro onde
trabalha. Porém, todas moram em bairros de periferia da zona sul, com exceção de uma que
mora na zona leste da cidade, no bairro Aventureiro, que também é periferia e fica próximo a
um dos bairros onde no início da colonização foi instalada uma sesmaria, o bairro Cubatão,
outro local de extrema pobreza. Esta atravessa a cidade toda para chegar à escola onde atua.
Frisamos que os bairros onde as entrevistadas residem (Petrópolis, Itaum, Paranaguamirim,
Aventureiro, Floresta e Km 4, Bohemerwaldt), ou foram sesmaria ou fazem limite com
bairros que foram.
15
Nos parágrafos que seguem, apresentaremos um breve histórico de cada bairro, assim
como algumas características dos locais selecionados para pesquisa.
O Bairro Itaum
As terras do Itaum foram delimitadas através da Lei nº 1.526, de 05 de julho de
1977. É um bairro grande, de perifeira, com uma população de 13.523 habitantes, localizado
na zona sul da cidade. A origem do nome deriva do pequeno rio Itaí Guaçu, afluente da
margem direita do Rio Cachoeira. A localidade remota da época da Colônia Dona Francisca.
Itaum significa corruptela, de Itá uma, que quer dizer pedra preta, ferro.
De acordo com IPPUJ, o bairro possui hoje 93 indústrias, 503 postos comerciais,
473 prestadores de serviços, 3 centros de educação infantil, dois postos de saúde, um PA 24
horas, uma escola estadual e 2 escolas municipais.
O Posto Municipal de Saúde Itaum
Localizado a Rua: Monsenhor Gercino, s/nº, no bairro Itaum, é um posto de saúde
15
Ver mapa dos bairros de Joinville.
95
relativamente pequeno, em se tratando de estrutura física, mas com um número considerável
de atendimentos. Pertence a Unidade Regional de Saúde Fátima, que compreende os bairros
Guanabara, Fátima, Itaum e Petrópolis.
Possui 36 funcionários, entre agentes e saúde, dentistas, auxiliares de enfermagem,
médicos (ginecologista, clínico geral e pediatra), enfermeiros, zeladores e agentes
comunitários. Deste número, 23 são mulheres. Destas, duas são negras, as duas que
trabalham como zeladoras, sendo que uma delas foi entrevistada. O horário de atendimento é
das 7h às 19hs.
O CEI Raio de Sol
No bairro Itaum também localiza-se o CEI Raio de Sol. O CEI é uma instituição
estadual, destinado à educação infantil e o critério para a matrícula é que a mãe seja
trabalhadora. A mensalidade, chamada de “colaboração espontânea”, é cobrada de acordo
com o salário que a mãe recebe.
Neste centro há 24 professoras. Destas, 11 são negras, sendo uma delas selecionada
para entrevista. A Unidade conta ainda com duas cozinheiras, três auxiliares de serviços
gerais, uma diretora geral e uma diretora adjunta. Possui atualmente 200 alunos
matriculados, de 3 a 5 anos. O CEI funciona das 6h e 30 min às 18h e 30 min.
O Bairro Floresta
O Floresta é considerado um bairro relativamente grande. Atualmente com 16.711
habitantes, de acordo com o IPPUJ, tem a origem do nome em decorrência do time de
futebol do mesmo nome, fundado em 1943, por iniciativa de moradores de moradores que o
chamaram de Floresta Futebol Clube. O nome foi adotado devido à densa mata que cobria a
região.
No decorrer do processo de colonização, a região que hoje compreende o Bairro
Floresta era conhecida por Estrada Santa Catarina e a partir da Estação Ferroviária era
demarcada como Km 1, Km 2 e assim por diante. Teve importante papel no
desenvolvimento e expansão da Colônia Dona Francisca.
O bairro também teve suas terras demarcadas por meio da Lei 1.526, de 05 de julho
de 1977. Conta com 133 indústrias, 621 pontos comerciais, 872 prestadores de serviços, 2
Centros de Educação Infantil, uma escola municipal e uma escola estadual.
96
O Posto Municipal de Saúde Floresta
Localizado a Rua Guararapes, s/n°, no bairro Floresta, da mesma forma que o Posto
Itaum, também é pequeno. Possui 36 funcionários, praticamente o mesmo número de
atendimentos do Posto Itaum, embora, o número de habitantes do bairro seja maior. Neste
posto trabalham 4 mulheres negras. Três delas atuam como serventes e uma ocupada como
técnica em enfermagem. Esta foi a selecionada para entrevista.
O Bairro Anita Garibaldi
De acordo com o IPPUJ, parte das terras onde está localizado hoje o Bairro Anita
Garibaldi pertencia a Carlos Schöroeder que, quando veio da Alemanha, comprou-as na
diretoria da Colônia. Posteriormente, cedeu parte das terras para que fossem abertas as ruas
Anita Garibaldi e Copacabana, que na época denominava-se Taratistrassse.
A Rua Anita Garibaldi era chamada de Kaisertrasse (Estrada do Imperador),
passando a adotar o primeiro nome a partir de 1930.
Atualmente o Bairro Anita Garibaldi possui 7695 habitantes e também teve suas
terras demarcadas por meio da Lei 1.526 de 05 de julho de 1977. Conta com 35 indústrias,
371 pontos comerciais, 598 prestadores de serviços e uma escola municipal.
Maternidade Darcy Vargas
A maternidade Darcy Vargas é uma instituição da rede pública estadual,
localizada à Rua Miguel Couto, nº 444, no Bairro Anita Garibaldi, próximo ao centro
da cidade.
Foi inaugurada na década de 40, em 25 de abril de 1947, para prestar serviços
obstétricos e neonatológicos para o município de Joinville, tornando-se posteriormente,
referência estadual no atendimento especializado: mãe, filho e família.
É uma unidade hospitalar de médio porte, apresentando capacidade efetiva de 132
leitos sendo 96 obstétricos, 42 neonatológicos (10 de UTI-Neonatal, 06 de Pronto
Atendimento, 06 triagem-extra), 20 leitos de apoio, além de 75 berços para alojamento
conjunto, contando com aproximadamente 540 funcionários. Destes, 400 são mulheres e 100
delas são negras. Estas estão distribuídas em diversos setores. São enfermeiras, técnicas em
97
enfermagem, algumas trabalham no setor administrativo, secretárias, serventes, etc.
salientando que a administradora geral da maternidade é uma mulher negra.
A unidade registra em média, cerca de 763 internações mês. Destas, 719 são
obstétricas e 44 neonatológicas. No complexo das Unidades Ambulatoriais de Alto Risco, há
uma média de 6.000 atendimentos, apontando-se como principais a emergência obstétrica, a
gestação de alto risco, a neonatologia de alto risco e o destaque para o serviço de excelência
já consolidado pela Unidade de Banco de Leite Materno, apresentando em média, 221 litros
coletados, 694 recém-nascidos atendidos e 1204 procedimentos realizados.
Já recebeu vários prêmios, entre eles o de Maternidade Número Um do País, em
pontuação por critérios de excelência e humanização. Em 2005 recebeu o IV Prêmio
Professor Galba de Araújo pela atenção humanizada ao parto e ao nascimento, prêmio
oferecido pelo Ministério da Saúde.
O Bairro Profipo
Se analisarmos o mapa da cidade de Joinville, observaremos que o bairro Profipo
não se encontra lá. Na verdade, o mesmo é uma extensão do bairro Santa Catarina, que se
subdivide em Profipo, Km 4, Km 7 e Km 11.
O bairro recebe o nome de uma das principais ruas da cidade, a Rua Santa Catarina,
extensão da Avenida Getúlio Vargas, antiga Katharinenstrasse. A Rua Santa Catarina é uma
das vias que dá acesso a São Francisco do Sul e às praias da região.
O Bairro Santa Catarina, assim como os demais, teve suas terras demarcadas pela Lei
1.526 de 05 de julho de 1977 e possui, atualmente, 9.438 habitantes.
O CEI Nossa Senhora Aparecida
O Centro de Educação Infantil Nossa Senhora Aparecida localiza-se no bairro
Profipo. A exemplo do CEI Raio de Sol, também é uma unidade estadual, destinada ao
público infantil, dando preferência de vagas para as crianças da região e mães trabalhadoras.
As mensalidades são calculadas de acordo com a renda dos pais. São 3% da soma do salário
líquido do pai e da mãe. Quem tem dois filhos matriculados, recebe desconto. Esta unidade
tem hoje 29 funcionários: 1 secretária, 2 diretores, 4 serventes, 2 cozinheiras e 20
professoras, das quais 5 são negras. Destas, 3 foram entrevistadas sendo que todas atuam
como professoras e nenhuma delas é efetiva na rede estadual de ensino. São todas
98
contratadas em caráter temporário. A unidade atende diariamente 105 alunos entre 3 e 5 anos
de idade.
3.2 As categorias de análise
Frigotto (1998) reforça a importância da teoria na compreensão e transformação da
sociedade, percebendo que as escolhas teóricas não são neutras ou arbitrárias. Desta forma,
optamos pelo materialismo histórico como uma “concepção ontológica e de realidade,
método de análise e práxis”, concordando com o autor quando o mesmo afirma que teoria
somente para explicar a realidade não faz sentido. É necessária uma reflexão profunda sobre
a realidade analisada, com intuito de criar estratégias para modificá-la.
Como indica Zago (2003, p. 292), “há uma relação dialética permanente entre a
realidade social identificada no trabalho de campo e o referencial adotado para a interrogar”.
Para a autora, a escolha da teoria se justifica pela necessidade proveniente da problemática
de estudo, pois é ela que nos leva a fazer determinadas perguntas sobre o social, bem como a
busca por formas apropriadas de respondê-las.
Desta forma, privilegiamos nesta pesquisa, três categorias de análise: inserção
ocupacional, raça/etnia e gênero.
Inserção ocupacional/emprego – entendemos, de acordo com Singer (2003), que ocupação
é toda atividade que proporciona sustento a quem a exerce. Neste sentido, o emprego
assalariado seria uma das formas de ocupação. Emprego implica em assalariamento. É uma
relação de troca, onde o operário vende sua força de trabalho ao capitalista, detentor dos
meios de produção.
Marx (2004) salienta que na relação de compra e venda o operário não pertence ao
capitalista e sim o número de horas de sua vida diária que este disponibiliza a quem as
compra. Neste sentido, o operário pode abandonar o capitalista quando quiser, assim como o
capitalista pode dispensá-lo quando quiser, quando o mesmo não oferecer mais os resultados
esperados. Porém: “o operário, cujo único recurso é a venda de sua força de trabalho, não
99
pode abandonar toda a classe dos compradores, isto é, a classe capitalista, sem renunciar à
vida” (p.28). Ele não pertence a um ou outro patrão, mas sim a toda a classe capitalista
cabendo a ele encontrar quem lhe queira, ou seja, encontrar um comprador para sua força de
trabalho.
Aued (1999) alerta o quanto à possibilidade de não estar ocupado nos dias atuais
gera um desconforto na maioria da população, até porque há uma grande confusão entre
emprego e ocupação, sendo que o fato de uma pessoa estar ocupada, não significa
necessariamente que ela esteja empregada, não significa que ela viva uma condição de
assalariamento. Para que este dado se concretize, de acordo com Marx (1984), é necessário
sobretudo que o trabalhador necessite vender sua força de trabalho e que o capitalista deseja
comprá-la.
Assim, no presente trabalho optamos pelo termo inserção ocupacional por
entendermos que a mulher ao longo da história da humanidade, vem desempenhando
diversas funções, ou seja, ela sempre esteve ocupada. Porém, a entrada da mulher como
trabalhadora assalariada é algo mais recente, datado do período da Revolução Industrial.
Além disso, inserção ocupacional nos parece ser o termo mais adequado por conta de grande
parte dos trabalhadores, especialmente mulheres e negras, estarem inseridos no mercado de
trabalho de forma precária, sem uma profissão e sem contrato de trabalho.
Raça/etnia - hoje ainda há uma grande polêmica em relação ao uso da palavra raça, em
detrimento da palavra etnia que, segundo os antropólogos, seria mais abrangente, por conta
de sua dimensão histórica e cultural, atrelada à prática social, principalmente no que diz
respeito à situação do negro na sociedade brasileira.
Porém, para Gomes (1995) o termo raça é que consegue demonstrar a verdadeira
dimensão do racismo existente em nossa sociedade, até porque, hoje, sociólogos e
antropólogos quando utilizam tal terminologia não o fazem no sentido de demonstrar
superioridade ou inferioridade racial, como de costume e como era feito originariamente. A
abordagem dos sociólogos baseia-se na dimensão política e social a que o termo se refere.
Segundo Levis Strauss, “quando procuramos caracterizar as raças biológicas através
de propriedades psicológicas particulares, afastamo-nos da verdade científica, quer
definindo-as positivamente, quer negativamente” (1993, p.328).
Para Strauss, o grande erro da antropologia é o de confundir a noção puramente
biológica de raça com as produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas.
O autor cita Gobineau, considerado por muitos o pai das teorias racistas, afirmando
100
que o mesmo não concebia a “desigualdade das raças humanas” de maneira quantitativa:
para ele, as grandes raças que contribuíram para a formação da humanidade atual, sem que
se possa dizê-las primitivas – branca, amarela, negra – não eram tão desiguais em valor
absoluto, como suas aptidões particulares.
Desta forma, precisa-se deixar claro que não há uma maior ou menor qualidade
entre as raças, como afirmava Gobineau, mas sim, diferenças entre elas. Diferenças essas
que devem ser respeitadas, observando que as mesmas se devem à “circunstâncias
geográficas, históricas e sociológicas e não a aptidões distintas, ligadas à constituição
anatômica ou fisiológica dos negros, amarelos ou brancos” (1993, p.329).
Já Maria Batista Lima, em sua pesquisa sobre Identidades Étnicas e Educação, opta
pela superioridade da categoria etnia em detrimento da categoria raça, alegando que etnia
possui um caráter político atrelado à construção histórica do grupo de afro-descendentes,
numa abordagem mais ampla que os critérios de língua ou fenotípicos.
Para a autora, “as etnias afro-descendentes brasileiras são, então, demarcadas pelas
raízes históricas sócio-culturais e políticas que marcam a formação populacional brasileira
no contexto do escravismo e do racismo” (2003, p.86).
Segundo Guimarães (1999), apud Lima (2003), a raça “é um conceito que denota
tão somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos
grupos sociais”.
Lima reconhece a contribuição que a categoria raça trouxe para os estudos sobre
afro-descendência, porém opta em seu estudo pela categoria etnia, por entender que o foco
de sua pesquisa está na “cultura ampla, transcendendo a questão do combate ao racismo”.
De acordo com a autora, “essa opção busca uma inserção nas questões da base
material e imaterial produzidas pelas populações” (2003, p.87).
Gomes, ao contrário de Lima, opta em sua pesquisa pela categoria raça, explicando
que em seu trabalho:
Raça não é usado com um sentido reduzido e tradicional, ou seja, que os
agrupamentos sociais com características biológicas semelhantes,
geralmente transmitidas por hereditariedade e que são visíveis a olho nu
como: a cor da pele, o tipo de cabelo, entre outros, são superiores ou
inferiores entre si. Abandona-se o determinismo biológico que perpassa o
termo e o redimensiona com uma perspectiva política. Entendo raça como
um conceito relacional, que se constitui historicamente e culturalmente, a
partir de relações concretas entre grupos sociais em cada sociedade (1995,
p.49).
A autora explica ainda que a categoria raça é facilmente aplicada à sociedade
101
brasileira, pois o imaginário social, ao referir-se ao negro, não dispensa suas características
fenotípicas.
Sendo assim, através de uma dimensão política, pode-se perceber que “a
discriminação existente em nossa sociedade não é somente étnico-cultural, mas possui uma
dimensão racial, porquanto os atributos físicos é que dão à pertinência racial dos indivíduos
e não sua origem étnica. Como a raça é construída social e diferencialmente, nota-se que,
fenotipicamente, muitos negros são considerados brancos no Brasil” (1995, p.50).
Lima (2003) cita a existência de duas categorias: a raça biológica e a raça social,
sendo a raça biológica uma manipulação ideológica, eurocêntrica, criada pelas classes
dominantes, migrando para a categoria raça social, sendo que ambos foram socialmente
construídos, estando atrelados um ao outro.
A autora aponta que os movimentos negros vêem a problemática da discriminação
racial de forma particular, não universalista, por isso apegam-se à questão da raça social,
quando poderiam ter optado por abandonar o conceito de raça, sendo ela social ou biológica
e “trabalhado a diferença pela teoria da dominação”.
Para Lima (2003), pensar sob a ótica da raça social negra, limita a construção de
políticas públicas fora da ótica dos combates aos racismos”. Por isso, acredita que a
categoria etnia é mais abrangente. “Essa abordagem atende melhor aos propósitos dos
negros, devido ao maior distanciamento dos biologismos do passado (...) e por ser mais
abrangente no acolhimento da diversidade das identidades afro-descendentes dos
dispositivos de base africana que vieram para o Brasil” (p.87).
De acordo com Sodré (1999), o conceito de raça é inviável se aplicado a seres
humanos. “Raça, que implica indivíduos com patrimônios genéticos diferentes, não existe (a
menos que se fale de raça humana). Hoje começa a ter curso a expressão “espécie humana”,
que é única e abrange todos os seres humanos (p.193).
Sodré afirma também que etnia ou etnizações são conceitos criados por grupos
dominantes, visando controle das contradições sociais, no movimento de construção do
Estado. Assim, é através da percepção que classifica, a partir das noções construídas de raça
ou etnia, as diferenças fenotípicas.
Falar-se de “raça” só é admissível como noção
culturalmente (e jamais biologicamente) marcada, donde a possibilidade da “relação racial”,
isto é, aquela caracterizada por dissemetria nas relações hierárquicas e simbólicas entre seres
humanos em virtude de diferenças fenotípicas” (1999, p.194). Desta forma, o uso da
categoria raça vem de encontro ao sentido com o qual é usado por Gomes (1995) em seu
estudo sobre as mulheres negras.
102
Para Sodré, a partir das relações hierárquicas, a raça se concretiza “no quadro das
relações de dominação entre atores sociais (...) e todo racismo desenvolve-se no quadro de
uma relação racial” (1999, p.194).
Gomes (1995), apesar de optar em seu trabalho pelo uso da categoria raça, não nega
a contribuição que o uso da noção de grupo étnico trouxe ao questionar a tradicional noção
de raça, acabando com o mito de raça superior ou inferior, porém acredita que devido ao fato
do negro brasileiro possuir uma tradição étnico-cultural pelo qual sofre discriminação, a
noção “redimensionada” de raça merece ser utilizada.
Munanga e Gomes (2004), alertam que o Movimento Negro no Brasil também tem
optado pelo termo raça, entendendo que seu significado esta relacionado às diferenças entre
grupos humanos sem, no entanto, atribuir qualidades positivas ou negativas a estes,
reconhecendo suas origens ancestrais e identidades próprias. O Movimento Negro alerta que
este tem sido o sentido social e político que diz respeito à história da população negra no
Brasil.
Além disso, esses grupos argumentam que, ao utilizarmos o conceito raça
negra no Brasil, com um sentido político, conseguimos com que as pessoas,
de um modo geral, entendam a que segmento da população estamos nos
referindo. Denunciamos o racismo, alertando a todos para o fato de que
aqueles classificados como negros (pretos, pardos, morenos e mulatos)
estão expostos a condições de vida, educacionais e salariais extremamente
desiguais quando comparados ao segmento branco da população brasileira
(MUNANGA e GOMES, 2004, p.175).
Como alertam os líderes do Movimento Negro, o preconceito no Brasil está
intimamente atrelado aos traços físicos da pessoa e a discriminação cultural vem junto com a
discriminação física, menosprezando tudo que é proveniente dos negros. O Movimento
acredita que pouco adiantaria lutar contra o racismo, negando as diferenças físicas existentes
entre as diversas pessoas. Assim, optam em utilizar o termo raça, sem necessariamente negar
a necessidade da utilização do termo etnia, porém com sua devida diferenciação, ou seja,
com a intenção de demonstrar que os indivíduos não nascem com “marcas” herdadas de seus
pais ou ancestrais, mas que as características de cada grupo são construídas, por processos
históricos e culturais.
Gênero – Conforme Pedro (1994), gênero é uma categoria de análise histórica que amplia o
conceito de papéis sociais, precisando a idéia de assimetria e de hierarquia nas relações entre
homens e mulheres. É relacional. O conceito de gênero possibilita a compreensão de que não
103
são as características sexuais que irão determinar o que é masculino ou feminino e sim as
relações sociais, as características de uma determinada sociedade, de um determinado
momento histórico. As questões referentes aos papéis desempenhados por homens e
mulheres estão enraizadas em relações de poder e dominação que se apropriam de caracteres
físicos para apontar o que é ‘função’ dos homens ou das mulheres.
Louro indica que:
O argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que
a relação entre ambos decorre dessa distinção, que é complementar e na
qual cada um deve desempenhar um papel determinado secularmente,
acaba por ter o caráter de argumento final, irrecorrível. Seja no âmbito do
senso comum, seja revestido por uma linguagem “científica”, a distinção
biológica, ou melhor, a distinção sexual, serve para compreender – e
justificar – a desigualdade social (1997, p. 20-21).
Portanto, é preciso demonstrar que não são as características sexuais e sim o que se
fala sobre elas, o que se constrói sobre elas que irá determinar o que é feminino ou
masculino. Compreender a relação entre homens e mulheres em uma sociedade, implica em
observar e entender o que se construiu sobre os sexos, o caráter das distinções baseadas em
sexo. Implica em compreender, segundo Louro (1997), a forma como as características
sexuais são representadas, como são inseridas nas práticas sociais e conseqüentemente
tornadas parte do processo histórico.
Não se trata de negar que o gênero se constitui em corpos sexuados. A biologia não
é negada, porém, enfatiza-se a construção social e histórica produzida sobre as características
biológicas. O conceito de gênero busca se referir à forma como as características sexuais são
compreendidas, como são levadas às práticas sociais e conseqüentemente, tornadas parte do
processo histórico.
Assim, pretende-se trazer o debate para o campo social, pois é nele que se
produzem as relações entre os sujeitos. Ressalta-se que as justificativas e soluções para as
desigualdades devem ser buscadas não nas diferenças biológicas e sim nas relações sociais,
na história.
Na medida em que o conceito afirma o caráter social do feminino e do
masculino, obriga aquelas/es que o empregam a levar em consideração as
distintas sociedades e os distintos momentos históricos de que estão
tratando (...) Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas
entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma
dada sociedade, ao considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos,
raciais, de classe) que a constituem (LOURO, 1997, p.23).
O conceito de gênero apesar de ser relacional, não deve no entanto ser entendido
104
como construção de papéis masculinos e femininos. Essas construções não passam de
imposições sociais, regras que a sociedade estabelece quase sempre de maneira arbitrária,
com a intenção de direcionar comportamentos e ideologias. O gênero deve ser entendido
como algo que faz parte da construção da identidade de sujeitos.
O presente estudo objetiva, entre outros fatores, demonstrar o quanto a
discriminação de gênero associada à questão racial tem influenciado na inserção ocupacional
de mulheres negras em Joinville.
3.3 Apresentando as trajetórias
Ao apresentarmos as trajetórias das mulheres entrevistadas, tomamos o cuidado de
mudarmos os respectivos nomes. Escolhemos alguns pseudônimos para identificá-las. No
momento da escolha, a exemplo de Santana (2004), optamos por nomes de algumas negras
que se destacaram na história do povo negro no Brasil, como uma forma de homenageá-las,
já que muitas delas são desconhecidas da maioria da população brasileira, principalmente a
catarinense, e também devido a pouca atenção dada à memória destas personagens.
Por conta da riqueza dos depoimentos e para não corrermos o risco de omitir
alguma informação ou de fazer recortes que fragmentem os depoimentos, transcrevemos as
entrevistas na sua totalidade, fazendo apenas alguns recortes quando as falas saíam um
pouco do eixo delimitado pela pesquisa. As entrevistadas são mulheres na faixa etária de 29
a 53 anos. As ocupações são de técnicas de enfermagem, professoras e serventes, algumas
concursadas e outras admitidas em caráter temporário (ACT). Em relação à escolaridade,
varia entre o ensino fundamental, médio, superior e pós-graduação.
Todas se auto-identificam como negras e fazem referência ao baixo nível de
escolaridade de seus pais, o que muitas vezes as motivou no prosseguimento dos estudos,
objetivando melhores condições de vida.
105
A história de Anastácia
Anastácia tem 40 anos e é natural de Joinville. Filha de pais negros, a mãe foi
costureira durante muitos anos e o pai era ferroviário. Atua como professora no CEI Nossa
Senhora Aparecida há doze anos. Divorciada, possui dois filhos e cursa Pedagogia à
distância, pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. No Ensino Médio, fez
magistério e começou a atuar como professora não por vocação, mas por necessidade.
Anastácia mora no Km 4 e trabalha no bairro Profipo, bairro próximo da sua casa. Utiliza
apenas um ônibus para ir e outro para voltar. Sua maior angústia é trabalhar como ACT
(admitida em caráter temporário), sem estabilidade.
Vejamos sua trajetória:
“Na verdade eu não escolhi a área da educação. Precisava trabalhar e na época foi o
que surgiu. Quando optei pelo magistério não tinha muita certeza se eu queria dar aula.
Depois precisei interromper o estudo porque engravidei, aos 16 anos e me casei. Quando
estava casada fiz várias tentativas de voltar a estudar, mas não consegui. Só depois de
divorciada é que pude retomar os estudos. Voltei a fazer magistério e fiz um curso adicional
para trabalhar com a educação infantil. Foi neste período que uma amiga me indicou para
trabalhar aqui no CEI, como auxiliar de professora. Depois de um tempo, passei de auxiliar
para professora. Hoje não têm mais auxiliares na unidade, só professoras. As auxiliares
foram dispensadas. E nessa história toda, estou aqui há 12 anos.
Apesar do tempo de serviço na mesma unidade, não tenho estabilidade. Todo final
de ano é uma angústia, porque a vaga vai para a escolha, na Secretaria de Educação do
Estado, e a gente corre o risco de não conseguir emprego ou então, de não voltar para o
mesmo local de trabalho.
Tinha uma época que estas vagas não iam para a escolha. A diretora só mandava se
tivesse vaga sobrando. Mas como a política muda todo ano, nunca se sabe o que vai
acontecer.
Antes de ingressar no magistério tive uma breve experiência como atendente em
uma lotérica, em Curitiba. Mas não era registrada na carteira. Ganhava por fora. Foi quando
descobri que estava grávida e meu marido me mandou parar de trabalhar.
Minha mãe estudou só até a quarta série. Trabalhou muito tempo como costureira
em uma fábrica da cidade. Meu pai era ferroviário e também só havia estudado até a quarta-
série. A mãe sempre me incentivou a estudar, embora dissesse que negro não servia para
determinadas profissões, principalmente as de maior prestígio. Mas acreditava que professor
106
nós poderíamos ser.
Uma vez fiz concurso para professor de 1ª a 4ª série, na Rede Municipal de Ensino.
Passei, mas quando fui chamada para assumir a vaga, não quis. Fiquei com medo. Todo
mundo dizia que o município era muito rigoroso e eu fiquei insegura. Achei que não iria me
adaptar. Hoje me arrependo. Teria estabilidade e agora que estou terminando a faculdade,
passaria a ganhar mais. Quando tiver concurso, farei novamente. Pelo menos é uma coisa
garantida.
Quando comecei trabalhar aqui no CEI, sofri um pouco de discriminação,
principalmente por parte das crianças. Me chamavam de negra, de gorda. Fiquei bem
assustada, não tinha experiência nenhuma. A diretora precisou interferir algumas vezes.
Depois eles foram se acostumando. Agora me sinto muito bem aqui. Somos uma família.
Quando fui fazer faculdade, senti muita dificuldade, principalmente com as provas.
Como o curso é à distância, as resposta das provas precisam ser muito bem elaboradas e eu
estava há um bom tempo sem estudar.
Em relação à questão financeira não tive muito problema porque o curso é
financiado pelo governo do estado. É específico para professores da rede estadual. Quando
começamos, pagávamos R$ 120,00 por mês, porque ocupávamos uma sala da UNIVILLE,
uma vez por semana. Depois, quando passamos para o prédio da UDESC, não pagamos mais
nada. O fato de precisarmos ir só uma vez por semana facilita bastante. Dá para estudar e
ainda dar uma atenção para a família.
Acho que há muitas mulheres negras na educação e na saúde por conta do nosso
passado. A escravidão ainda está muito presente entre nós. O negro não acredita que pode
fazer algo diferente. Acredito que tem medo e além do mais, as oportunidades não são
iguais. Pra gente é tudo mais difícil.
Eu não me imagino fazendo outra coisa que não seja dar aula. Acho que só tenho
jeito pra isso”.
A história de Chica da Silva
Chica da Silva é natural de Joinville, solteira e moradora do bairro Floresta. Aos 41
anos iniciou agora a Faculdade de Pedagogia à distância. A instituição freqüentada por ela
chama-se FACINTER (Faculdade Internacional de Joinville) e o curso é semi-presencial.
Não era a opção que mais lhe agradara, tendo em vista que havia passado em outro
vestibular para cursar o Normal Superior em uma faculdade onde o curso é presencial,
107
porém foi a que suas condições econômicas possibilitaram. Chica é professora ACT. Como a
grande maioria que se encontra nesta situação, sonha terminar a faculdade e se efetivar por
meio de concurso público. Quer ter uma vida mais estável e conseqüentemente, proporcionar
mais conforto para seus filhos. Hoje atua como professora de educação infantil no CEI
Nossa Senhora Aparecida.
Sua trajetória rumo à inserção ocupacional aconteceu da seguinte forma:
“Antes de entrar para o magistério tive várias outras ocupações. Trabalhei como
dama de companhia, como costureira em fábrica, fui líder de setor, doméstica. Nunca fiquei
muito tempo desempregada, mas os empregos eram sempre assim, ou na fábrica ou como
doméstica.
Minha mãe dizia que eu devia ser professora. Desde pequena eu cuidava dos filhos
dos vizinhos, quando eles precisavam sair ou ir trabalhar. Mas eu não queria ser professora.
Como não tive outras oportunidades, fui fazer magistério. Era isso ou a fábrica.
Comecei a lecionar, mas sempre como contratada. Nunca passei em concurso.
Trabalhei neste CEI por três anos, depois fui para outras escolas porque não consegui voltar
pra mesma vaga. Agora já estou aqui há quatro anos. Sempre como ACT, o que é muito
ruim. A gente nunca sabe se vai ter vaga no ano seguinte. Não dá pra fazer planos nem
assumir compromissos. Esta insegurança deixa a gente depressiva.
Minha mãe também é professora, aposentada. Mas começou como doméstica. Teve
que lutar muito para conseguir estudar. Já meu pai só fez as séries iniciais. Sempre trabalhou
em fábricas, na produção.
Hoje eu faço faculdade. Faço pedagogia à distância, na Faculdade Internacional de
Joinville - FACINTER. A gente tem aula uma vez por semana. Também fiz vestibular no
Instituto de Ensino Superior de Joinville – IESVILLE, onde passei. Lá as aulas são
presenciais, mas optei pela FACINTER. É mais em conta. A outra faculdade é muito cara.
Fui conquistando tudo com muita dificuldade, porque a gente não tem só o estudo para dar
conta. Tem outras coisas. É comida, ônibus, luz, água, roupa. Eu tenho dois filhos pra dar de
comer. A minha filha faz curso técnico de enfermagem e a mensalidade já é bem cara.
Imagina se ela fizesse a graduação em enfermagem. O curso é integral e a mensalidade é
altíssima. Eu não teria condições de pagar.
Por isso que eu acho que a questão da concentração de negras na educação e na
saúde tem a ver com a questão financeira. O poder aquisitivo dos negros é muito baixo, o
que influencia muito na hora de escolher uma profissão. A gente não tem condições de
freqüentar outros cursos.
108
Chega uma hora que você tem que optar. Não é fácil cursar o ensino superior. Isso é
para quem não tem outros compromissos, porque dispor de trezentos ou quatrocentos reais
por mês não é pra qualquer um. Faz falta! Eu dou graças a Deus que estou conseguindo
terminar. Estou no segundo ano. É um sonho que estou realizando.
Acho uma pena ter tão poucos negros no ensino superior. E não é por falta de
competência e sim de oportunidade, de dinheiro. Com a renda que se ganha fica quase
impossível fazer faculdade. As pessoas acham que negro só serve para ser pagodeiro ou
jogador de futebol e nós sabemos que tem tanto negro inteligente, com condições de estar
assumindo bons postos de trabalho. Eu nunca sofri situações de preconceito, assim,
abertamente. Pelo menos não me lembro. Mas não há dúvidas que para os negros tudo é mais
difícil. Só que não podemos nos acomodar por causa disso. Temos que continuar lutando.
Antigamente eu tinha vergonha de falar sobre os negros, sobre as questões da raça,
do que a gente gosta ou deixa de gostar. Agora não tenho mais! Falo abertamente. Acho que
não temos que ficar nos escondendo”.
A história de Clementina de Jesus
Clementina de Jesus tem 29 anos, é casada e tem uma filha. É moradora do bairro
Aventureiro, na zona leste de Joinville. No ensino médio, cursou magistério. Hoje, trabalha
na zona sul e toma quatro ônibus diariamente para poder chegar no CEI Nossa Senhora
Aparecida, onde trabalha como professora de educação infantil e mais quatro para voltar.
Apesar de admitir ser cansativo, não reclama da distância. Está muito feliz por ter
conseguido esta vaga, pois passou muito tempo desempregada, sem conseguir aula na rede
pública. Assim, teve que optar muitas vezes por “escolinhas” de fundo de quintal, sem
registro em carteira e conseqüentemente, sem contribuir com a previdência. Sua situação
como funcionária pública não é das melhoras. É admitida em caráter temporário (ACT) e
como as demais, não sabe se conseguirá trabalhar no próximo ano. Mas alimenta um sonho
de concluir a faculdade (Pedagogia à distância, pela UDESC) e passar em um concurso
público. Mas admite que se para sobreviver precisar voltar a ser doméstica, fará sem nenhum
problema.
Vejamos alguns elementos de sua trajetória:
“Este é o primeiro ano que trabalho neste CEI. Adoro o ambiente, os colegas de
trabalho, as crianças. Mas te confesso que não é fácil. Moro no Aventureiro, zona norte e
venho trabalhar na zona sul. Tomo quatro ônibus para vir e quatro para voltar. Não consegui
vaga em uma escola mais próxima da minha casa. Já havia trabalhado anteriormente de 1ª a
109
4ª série no estado, mas de uns anos pra cá não tinha mais conseguido vaga. Quando trabalhei
era sempre como substituta. Não era uma vaga propriamente dita o que dificultou bastante o
meu regresso. Já faz três anos que trabalho com a educação infantil. Foi minha opção. No
entanto, sempre em colégios particulares ou creches domiciliares. Como não conseguia vaga
na rede pública, tinha que trabalhar na particular que, em se tratando de educação infantil,
paga menos e às vezes nem registra a gente.
Aqui no CEI sou ACT. Já estou com aquela expectativa em relação ao ano que vem,
porque não dá pra saber se vou ter emprego ou não. Tenho medo, porque fiquei muito tempo
sem conseguir aula no estado Fazia inscrição para aulas excedentes e nunca era chamada. Ia
lá, telefonava e nada. Sem contar que já fiz vários concursos e nunca consegui passar. Mas
vou continuar tentando. Parece que no final do ano vai ter concurso para o município.
Também vou tentar em Araquari
16
. Se der certo eu vou, não importa a distância.
Quando eu comecei a trabalhar, foi como doméstica. Depois como babá. E assim fui
seguindo, até conseguir entrar para educação. Foi uma luta e ainda está sendo. Nós negros
sempre temos que lutar muito para conseguirmos o nosso espaço, o nosso trabalho. A cor da
pele ainda é motivo de impedimento prá gente alcançar certos postos de trabalho. Ainda
existe muito preconceito.
No período em que trabalhei de 1ª a 4ª série senti a discriminação bem de perto. A
diretora parecia que não gostava muito da gente. Não sei te dizer por que, mas a gente sabe
quando não é bem vinda. Já com os alunos corria tudo bem. Aqui no CEI nunca sofri
nenhum tipo de discriminação.
Minha mãe tem faculdade e pós-graduação. É professora, mas começou como
doméstica. Deu um duro danado para conseguir ingressar na carreira do magistério. Acho
que estou seguindo seus passos. Meu pai trabalhou na Tupy e lá se aposentou. Fez até a
segunda série e não estudou mais. Minha mãe sempre incentivou, mas ele não quis.
Se fosse para eu trabalhar em outra área, gostaria de ser terapeuta ocupacional.
Quero terminar a faculdade e fazer pós-graduação. Mas um dia irei fazer terapia
ocupacional.
Hoje é tudo muito sacrificado para mim. Às vezes eu desanimo e dá vontade de
jogar tudo pro alto. Este ano fiquei até surpresa quando o estado me chamou pra dar aula,
porque a última vez que havia dado aula na rede estadual foi há três anos. Também estava
preocupada com a faculdade, porque quando eu comecei, trabalhava no estado, só que no
16
Município próximo à Joinville.
110
ano seguinte não consegui mais vaga. Não sabia o que ia fazer, porque a Faculdade é paga
pelo governo e eu não estava mais na rede. Mesmo assim, continuei. Até agora não
aconteceu nada. Mas já ouvi dizer que eles vão chamar as pessoas que não pagaram e aí, não
sei onde vou arrumar dinheiro. É meu último ano. Só falta a elaboração do Trabalho de
Conclusão de Curso - TCC.
Meu marido trabalha na produção da Tupy. Ganha muito pouco. O serviço é
pesado, sujo. Adora quando a empresa pede “serão”, para poder ganhar um dinheirinho a
mais. Temos uma filha de nove anos para criar.
Acho que as mulheres negras atuam na educação e na saúde porque essas são as
oportunidades que nos são dadas e também por afinidade. Mas não podemos nos acomodar e
ficar lamentando. Temos que correr atrás. Eu se precisar trabalhar na limpeza novamente, eu
vou. Fazer o quê? Preciso criar a minha filha. Não posso desistir. O negro tem que lutar
muito para ter uma vida melhor. Mas eu adoro o que faço”.
A história de Dandara
Dandara é natural de Siderópolis, mas mora em Joinville há mais de 40 anos. Tem
52 anos, é casada e mãe de 3 filhos. Atua como técnica em enfermagem na maternidade
Darci Vargas, vaga que conquistou por meio de concurso público.Grande defensora da causa
do negro em Joinville, já sofreu na pele os mais variados tipos de discriminações. Uma das
formas encontradas para lutar por uma maior valorização do negro na cidade e mostrar que o
mesmo também tem competência foi o engajamento no meio político. Por convite de um
vereador, filiou-se a um determinado partido e trabalhou durante anos como secretária do
mesmo, fazendo várias articulações com outras instituições da cidade, promovendo fóruns,
debates, eventos culturais que envolviam as relações raciais em Joinville. Acredita que o
negro, apesar de todas as dificuldades, não deve desanimar. Deve continuar lutando e tendo
orgulho da sua cor, da sua contribuição na construção do país. Por coincidência, a rua onde
reside chama-se Martin Luther King, personagem do qual ela muito se orgulha, assim como
a maioria dos negros do Brasil e do Mundo. Por opção da mesma, a entrevista aconteceu na
sua residência. Ela achou mais conveniente e assim não seríamos interrompidas. Vejamos
como foi sua trajetória ocupacional:
“Foram tantas mudanças, tantos questionamentos em minha vida. Meu primeiro
emprego foi como babá. Durante cinco anos trabalhei como babá. Aí um dia eu me
perguntei: - Mas é isso que eu sempre vou ser? Vou ser só babá? Sempre vou cuidar do filho
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do branco? Está na hora de mudar!
Então, disse para minha mãe que não queria mais ser babá. Ela não concordou.
Disse que a gente sempre foi babá e empregada doméstica. Que a gente nunca ia ter chance
de fazer outra coisa. Aí eu disse a ela: - Não, eu vou dar a minha chance!
Minha mãe era semi-analfabeta e o meu pai também, assim como minha avó. Minha
mãe trabalhou anos como empregada doméstica e depois de algum tempo passou a trabalhar
na Cônsul, como auxiliar de expedição.
Quando concluí o antigo ginásio, novamente disse a minha mãe que eu iria dar aula.
Sabe o que ela me respondeu? – Meu Deus! Isso não tem lógica. Teu pai não vai gostar,
porque negro não tem esse tipo de profissão!
Mas eu fui. Fui para Curitiba, a convite de uma diretora, dar aula no MOBRAL.
Fiquei por um tempo. Depois decidi voltar e mudar a minha vida. Fui fazer o curso Normal,
antigo magistério, e fui trabalhar na empresa Tupy.
Neste período, procurei emprego em diversas repartições, mas não conseguia. Fiz
concurso para a receita federal, passei em primeiro lugar e quando fui chamada para assumir
a vaga, me disseram que não precisavam mais, que ficaria para uma outra época. Só que
nunca mais fui chamada. Na época eu não tinha consciência, mas hoje vejo que não fui
chamada porque sou negra.
Também prestei concurso para o SINE, que estava começando em Joinville. Passei
no concurso e posteriormente fui entrevistada pelo gerente. Este pediu que eu retornasse na
segunda-feira para assumir a vaga. Quando cheguei, havia outra pessoa em meu lugar, uma
pessoa branca. Só disseram que a minha vaga já havia sido preenchida.
Aí comecei a me revoltar. –Tem algo errado aí! Eu não queria mais ser babá, nem
doméstica, porém não via outra saída. Foi quando comecei a pensar em trabalhar na área de
saúde.
Antes de ingressar na saúde, dei aula em Itapocú (cidadezinha próxima à Barra
Velha). No terceiro dia que estava em sala de aula o diretor chegou e me disse o seguinte:
- A senhora não pode mais dar aula. Precisamos de alguém com mais experiência!
E o pior é que eu acreditei! Depois descobri que a pessoa que havia assumido a
turma não tinha nem o antigo ginásio. Porém, era branca. Aí comecei a entender que tudo
isso estava acontecendo comigo porque eu era negra. Que isso era discriminação.
Mas entendia que ficar chorando pelos cantos não ia resolver minha situação. Então
decidi ingressar na área da saúde. Foi nesta época que me casei e entrei na Empresa Tupy,
como auxiliar de produção. Fiquei lá seis meses e saí. Não tinha vocação. Quando meu
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segundo filho nasceu, fomos morar em Tubarão.
Lá, percebi que, no bairro onde eu morava, a maioria das pessoas era negra, e as
mulheres, ou atuavam como empregadas domésticas ou como lavadeiras.
Pensei: - Eu é que não vou ser empregada. Nem lavadeira. Peguei meus filhos e
voltei para Joinville. Disse pro meu marido: - Estou indo! Se tu quiseres, vem junto porque
as nossas crianças não vão ficar neste mundo pequeno. Eles vão estudar e eu vou trabalhar.
Em Joinville, consegui uma vaga no Hospital São José, não por concurso, mas por
contrato. Era atendente de enfermagem. Aí, descobri que podia ser mais. Fiz o curso de
auxiliar de enfermagem e gradativamente fui subindo de posto e cheguei a ser enfermeira
auxiliar III, nomenclatura usada para a chefia das auxiliares de enfermagem. Fiquei lá por 10
anos, sempre achando que eu podia ser mais.
Perdi meu filho mais velho, fiquei um ano em casa e depois decidi voltar a
trabalhar. Fui para Prefeitura, como auxiliar de enfermagem. Mas aí resolvi fazer o curso
técnico de enfermagem.
Ingressei na Maternidade Darci Vargas, que é estadual, por meio de concurso.
Consegui ser chefe de um dos setores da maternidade, mas tive muita dificuldade porque as
pessoas não me aceitavam. Não aceitavam uma negra em cargo de chefia. Esse preconceito
era aberto. Diziam que eu não passava de uma “tecnicazinha”. Isso tudo só me fez ver que
nós negros tínhamos que fazer o melhor possível dentro da nossa profissão.
Fiquei nove anos como líder do setor e aí resolvi entregar o cargo. Achei que já
tinha cumprido a minha meta, que era a de mostrar que o negro também tem capacidade.
Se ficarmos sentados, lamentando nosso passado e não avançarmos, vai repetir
sempre a mesma história. Os negros nasceram predestinados a ser serviçais. Mas podemos
mudar esta história. Minhas filhas, com 16 anos, também queriam ser babás. Eu não deixei.
Minha avó foi escrava, embora tenha negado este fato até o dia de sua morte. Mas
ela era filha legítima de escravos. Nasceu dois anos antes da abolição, em Criciúma. Meu pai
e minha avó tinham verdadeira idolatria pelos brancos. Não gostavam de negros. Acho que
queriam apagar o passado de sofrimento.
Quando entrei na Maternidade, fiz concurso para me firmar. O negro concursado
não tem como ser retirado do posto de trabalho. E eu já não era mais tão ingênua como em
tempos atrás, que fiz dois concursos e não ingressei.
Acho que ainda encontramos muitas negras atuando na educação e na saúde porque
ainda não abortamos aquela coisa de ser “ama”. Inconscientemente ainda somos ama.
Quando sou professor, ainda cuido do filho do branco. Parece uma necessidade. Está
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enraizado na gente. Também é a oportunidade mais digna que o negro tem para fazer o seu
trabalho, porque eu só posso ser aprovada em um concurso se eu tiver capacidade. Enquanto
é só um contrato, ainda sou desvalorizada.
Como todas as dificuldades que passei, mesmo assim adoro ser negra. Tenho
orgulho da minha raça. Ainda sonho, um dia, fazer faculdade de Psicologia”.
A história de Aqualtune
Aqualtune tem 34 anos, é natural de Joinville, casada, tem três filhos e é moradora
do bairro Petrópolis. Hoje, atua como técnica em enfermagem no Posto Municipal Floresta,
mas já lecionou antes. Saiu da educação por questões financeiras. Na época a área da saúde,
na função de oficial administrativo, pagava mais. Hoje é concursada pelo município de
Joinville. Faz faculdade de Pedagogia, mas sonha em concluir a graduação em Enfermagem,
curso que teve de desistir por não conseguir mais arcar com as mensalidades. Acredita que
Joinville é uma cidade extremamente racista e preconceituosa e que o negro para galgar
ocupações de maior status e mais bem remuneradas precisa estar todos os dias mostrando
que tem competência, e mesmo assim, não estará imune a situações de discriminação. Sua
inserção ocupacional se deu da seguinte forma:
“Eu era professora do Estado, no ano de 1986. Ganhava bem, porém era contratada
como ACT. Em 1987 houve uma queda no salário dos professores. Neste período uma amiga
informou-me que havia uma vaga para oficial administrativo (cargo hoje extinto) no
ambulatório do bairro Fátima. Pagavam três vezes mais do que eu ganhava como professora.
Aí entrei, bem novinha, com 17 anos. Neste período também ingressei na Faculdade de
Enfermagem, do Colégio Bom Jesus/Ielusc. Assim, migrei para a área da saúde a princípio
por questões financeiras. Depois descobri que tinha uma enorme vocação para a
enfermagem. Na Faculdade eu era a única negra na sala de aula e fiquei sendo a única por
muito tempo. Na época, a mensalidade correspondia a 70% do meu salário. Acabei
desistindo.
Fui muito bem recebida na área da saúde. Acho que eu já era predestinada a servir.
Senti mais dificuldade de aceitação na faculdade. Imagina uma negra pobre em uma
faculdade luterana/evangélica? Mas um dia pretendo terminá-la. Hoje curso a faculdade de
Pedagogia, que além de também gostar muito, é mais em conta.
Meu pai é economista. Doutorando pela Universidade de Lyon, na Espanha. Minha
mãe é diretora escolar, pós-graduada (especialização) em Psicopedagogia. Mas começou
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como empregada doméstica e foi conquistando seu espaço. É sempre assim. O negro pobre e
de cabelo duro sofre mais preconceito do que aquele que não tem os traços tão evidentes.
Minha mãe é paranaense e meu pai é de Florianópolis. Eu sou a ovelha negra da família, fugi
de casa para casar e porque queria ter minha independência.
No posto de saúde nunca sofri preconceito por parte da comunidade, mas sim dos
próprios funcionários. Existe uma diferença no tratamento dado a brancos e negros. Os
primeiros possuem mais regalias. A cobrança pelo bom desempenho na função também é
maior para os negros. A conduta é diferenciada. É um racismo velado. Não é aberto.
Abertamente eles não fazem nada, porque sabem que dá processo.
Acho que ficam de olho em mim porque sou uma boa profissional. As serventes
negras são mais bem tratadas porque não representam ameaça. Eles acham que elas são umas
coitadas, ignorantes. As “tias” da limpeza.
O negro sempre tem que se “esborrachar” para mostrar que tem competência. Não
pode falhar. Não pode cometer erros.
Eu acho que essa grande concentração de negras na educação e na saúde é por conta
da servidão, ainda presente no inconsciente do negro. Se pensarmos no significado das
palavras, veremos que, por exemplo, o significado de pedagogia é “aquele que guia”. Guia
quem, no nosso caso? O filho do branco. O servo que guia as crianças.
O negro em seu passado cresceu limpando escarro e “bunda” de criança, além do
cuidado com os adultos enfermos. Isso é histórico. Era o serviço que o branco não queria
fazer. É cultural. Mas graças a Deus que tem a saúde e a educação, porque senão, onde
estariam os negros? O que seria do negro se não fosse o concurso público?
Estou na enfermagem e gosto muito do que faço, mas quero voltar para educação.
Na saúde a gente tem que competir com os médicos. Acho que a ascensão na educação é
mais fácil”.
A história de Laudelina de Campos Mello
Laudelina tem 53 anos. Moradora do bairro Paranaguamirim, é casada e mãe de 3
filhos. Fez concurso, foi aprovada e atua como servente no Posto Municipal Itaum. Mas,
antes desta ocupação, teve várias outras, desde empregada doméstica até o serviço na
fábrica, onde foi vítima de grande discriminação. Apesar de ter concluído recentemente o
Ensino Fundamental e de saber que, para concluir o Ensino Médio não vai ser fácil, porque
além das dificuldades financeiras e da distância para chegar à escola, acredita que a idade
115
está pesando, mesmo assim, alimenta o sonho de ser juíza. Laudelina é mais uma entre tantas
outras mulheres negras que não optaram por trabalhar na área da saúde. Esta foi a vaga que
conseguiu e, por questão de sobrevivência e segurança, aceitou o desafio. Sua história
aconteceu da seguinte forma:
“Na verdade, eu não optei pela área da saúde. Não procurei por esta área. É que eu
fiz um concurso para servente e eles me colocaram aqui. As primeiras vagas que saíram
foram para a saúde. A gente não teve opção. Mas eu tive outros trabalhos antes deste.
O primeiro emprego que eu tive foi numa fábrica, como auxiliar de produção.
Fiquei três meses e me mandaram embora. Até hoje não sei o motivo. Fiquei mais de um ano
sem trabalhar. Era bem difícil conseguir emprego em Joinville.
Acho que eu não conseguia porque eu era sem “cabeça”. Não sabia procurar, nem
falar com as pessoas e nem com quem falar, bem como onde ficavam as fábricas. Achava
que era um milagre eu conseguir um emprego por causa da minha cor. Às vezes nem ia
procurar, de medo.
Uma vez um namorado me indicou para trabalhar em uma indústria de plásticos,
como servente. Também trabalhei três meses e fui dispensada. O maior tempo que fiquei em
uma empresa foi um ano e meio, como auxiliar de produção.
Trabalhei na Cônsul e lá eles só pegavam negros para trabalhar no setor de lã de
vidro. Aquela lã que vai por dentro da geladeira. Diziam que só negro servia para aquele
setor, porque a pele era mais resistente ao pó de vidro que a lã soltava. Dava alergia nas
pessoas. Eles diziam que no branco a lã dava ferida e no negro só coçava.
Consegui ficar cinco meses neste setor. Eu não tinha ferida, mas coçava demais. A
lã de vidro cortava a pele, embora eu trabalhasse com luva. Tive bronquite. Me mudaram de
setor, mas logo depois fui demitida porque faltava constantemente, ora por problemas de
saúde, ora pelos filhos que eram pequenos.
Sentia muita discriminação quando ia procurar emprego. Até conseguir a vaga era
bem difícil. Depois que estava empregada até que não era muito. Mas até conseguir...
Aqui no posto todo mundo me trata bem. Estou há 12 anos. Mesmo assim, sinto
uma certa discriminação no ar, no olhar das pessoas. Mas trabalho bem. Não tenho
problemas. Em um outro posto que eu estava a coisa era pior. Tinha uma chefe que não
gostava de negros. Vivia dizendo que o meu serviço não prestava. Falava abertamente: - Sua
negra! Me chamava de porca e tudo mais. Ela perseguia todo mundo, até gente branca. Mas
só eu que ela chamava de porca. Acho que ela tinha problemas psicológicos. O pessoal dizia
que ela tinha um tumor no cérebro.
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Quando eu comecei a estudar, quando era pequena, nossa casa era bem longe da
escola. Minha tia é que pagava o ônibus para mim. Quando ela não quis pagar mais eu parei
de estudar. Não queria ir a pé. Aí casei, tive filhos e não estudei mais. Fui terminar o 1° grau
agora há pouco tempo. Fiz por módulo, no CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos).
Queria continuar mas, estou achando muito “dificultoso”. Também tive muita
dificuldade na matemática. É muito chato estudar matemática. Eu também fico com dor de
cabeça. Tenho que trabalhar aqui, trabalhar em casa e já estou com essa idade! Não tenho
mais idade pra estudo. Além do mais, lá perto de casa não tem Ensino Médio. Teria que
gastar com ônibus e não tenho dinheiro pra isso. Meus pais nunca estudaram. Nem meu pai
nem minha mãe. Sei que eu me aposentaria melhor se voltasse a estudar. Mas se eu pudesse
voltar a estudar, queria ser juíza”.
A história de Luísa Mahin
Luísa Mahin foi a única professora concursada entrevistada da área da educação.
Ela trabalha nas duas redes públicas da cidade, a municipal e a estadual. De manhã, trabalha
com uma segunda série do ensino fundamental em uma escola do município. À tarde,
trabalha no CEI Raio de Sol, local onde nos recebeu para entrevista. Das candidatas é a que
se apresenta em situação mais confortável, em termos de estabilidade. Porém, alega que
começou a trabalhar bem cedo, aos 14 anos, como estagiária em uma escola. Natural de
Mafra, afirma que seus pais praticamente não estudaram, fizeram apenas o curso primário.
Seu pai era ferroviário e a mãe dona-de-casa. Optou pelo magistério por influência da irmã,
que também era professora. Apesar de ter iniciado a faculdade aos 16 anos, trabalhava
durante o dia todo para poder pagar as mensalidades do curso de Pedagogia. O curso foi todo
presencial. Anos mais tarde, fez pós-graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais. Luísa
está com 39 anos já atua há 23 anos no magistério. É casada e tem 3 filhos. Seu marido atua
no comércio. Sua inserção ocupacional aconteceu da seguinte forma:
“Para mim, foi meio complicado esta coisa de fazer segundo grau, sabe? A gente
não sabe muito bem que formação vai ter. Meus pais não tinham muitos recursos e eu acabei
imitando a minha irmã. Eu a tinha como referência na minha vida e ela era professora.
Assim, fui fazer magistério. Sou de Mafra, vim com 16 anos para Joinville e já entrei na
faculdade. Nesta época comecei a trabalhar na Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais – APAE. O trabalho nessa instituição marcou muito a minha vida. Fiquei lá
por três anos, de 1984 a 1987. Até hoje eu consigo lembrar o nome dos alunos da época.
117
Trabalhar lá é uma lição de vida. Muda totalmente o modo de pensar, tu vê o mundo com
outros olhos. Eu só saí da APAE por causa do salário. Era contratada pelo Estado e o salário
era muito baixo. Resolvi fazer processo seletivo para trabalhar na Fundação Educacional de
Santa Catarina – FESC, hoje extinta. Como o salário era bom e eu morava sozinha aqui em
Joinville, optei pela razão e não pelo coração. A necessidade falou mais alto e lá fui eu,
trabalhar na parte administrativa da instituição.
Aqui no CEI sou concursada pelo Estado. Na verdade não foi bem um concurso.
Quando a FESC fechou, o estado absorveu os funcionários da instituição e nos efetivou
automaticamente. Aí vim para cá, como coordenadora adjunta. Depois assumi a coordenação
geral. Diretamente, nunca senti discriminação. Fui coordenadora durante muitos anos, mas
nunca soube o que é ser discriminada pela minha cor. Nem na Faculdade.
Se não fosse professora, não sei o que seria. Às vezes tenho vontade de abrir um
negócio próprio, galgar outras coisas, pois já estou há muito tempo no magistério. Já estou
velha para educação infantil. Não tenho o mesmo pique. Queria fazer alguma coisa pra mim.
Ter um negócio meu, onde eu tivesse um horário flexível e pudesse dar mais atenção a
minha família. Eu acho que professor se doa muito para escola, para os alunos e sobra pouco
tempo para si, para família, para o lazer.
Meus pais fizeram só o curso primário. Apesar da pouca instrução, eram pessoas
muito politizadas, sábias, mas não tiveram condição de oferecer um bom estudo para seus
filhos, embora sempre nos incentivassem a estudar. Eu acredito que para você ocupar
melhores postos de trabalho, também precisa ter uma formação melhor. Eu comecei a
trabalhar com 14 anos. Era estagiária. Aos 16 eu tinha carteira assinada. Mas era muito cedo,
eu deveria estar só estudando nesta época. Só fiz faculdade porque trabalhava para pagar e
porque o curso de Pedagogia era um dos mais baratos da instituição.
Acredito que o negro, atuando na educação e na saúde, tem oportunidade de estar
trabalhando com o público, o que de certa forma é bom porque ele pode se mostrar e dizer:
“Olha, eu estou aqui”. “Eu também tenho capacidade”. Agora para assumir cargos melhores
fica um pouco difícil, por falta de oportunidade, eu acho. Vem aquela coisa desde os tempos
dos avós, do trabalho braçal, do trabalho doméstico, não tiveram oportunidade de estudar, de
conhecer coisas diferentes. Ficaram nesta vidinha e isto foi passando de geração em geração.
No meu caso, por mais que meus pais quisessem que eu tivesse um futuro brilhante, não
puderam me proporcionar isso.
Eu acho que aqui em Joinville as oportunidades não são iguais para negros e
brancos. E eu, por mais que não tenha passado por uma situação de discriminação, acredito
118
que isso só não ocorreu diretamente, porque indiretamente a gente sempre ouve uma
piadinha, com certeza.
Em um momento da minha vida, precisei sair da coordenação do CEI e passar a
atuar como professora. Esta transição se deu da seguinte forma: o tempo em que atuei como
professora foi na APAE. Depois já peguei a coordenação, aqui na instituição. Chegou um
período da minha vida que comecei a me questionar se eu realmente tinha vocação para ser
professora, porque o meu tempo de sala de aula havia sido muito curto. Aí resolvi prestar
concurso para o município, em 1997. Fui aprovada e em 1998 ingressei como professora, em
uma segunda série. Mas continuei na coordenação do CEI no período oposto. Só que chegou
um momento que não deu mais para conciliar os horários. Precisei optar.
No município, trabalhava no período matutino e o coordenador precisa estar
presente em período integral, ou seja, no mínimo 40 horas semanais. Então optei em
continuar no CEI, mas como professora, porque os professores trabalham 30 horas semanais,
das 13h às 18h. As outras 10h são para estudo e aí a gente faz à noite, duas vezes por
semana.
Aqui no CEI me sinto como um patrimônio. Isso aqui é o meu xodó. Já no
município acho que a gente se obriga a ter uma dupla personalidade. Nada é discutido. Tudo
vem pronto, vem de cima. Aqui tudo é resolvido em conjunto. É mais democrático e o fato
da maioria dos professores ser efetivos colabora muito para que a gente faça um trabalho
legal. Estou muito feliz aqui”.
3.4 Aspectos comuns entre as entrevistadas
Alguns pontos analisados durante a pesquisa revelam traços semelhantes nas
trajetórias das mulheres negras entrevistadas. Elencamos alguns deles:
Todas são mulheres negras;
Estão ocupadas em áreas da saúde e da educação;
Possuem a mesma origem social, ou seja, são pobres;
Seus pais possuem pouca ou nenhuma escolaridade;
119
Quase todas iniciaram suas trajetórias ocupacionais como empregadas domésticas ou
babás e foram galgando outras ocupações;
Inseriram-se na área da educação e da saúde não necessariamente por opção, mas
como forma de fugir de ocupações mais precárias, como a linha de produção da
fábrica ou o serviço doméstico;
São casadas e os cônjuges possuem pouca escolarização;
Residem em Joinville.
Todas, em algum momento de sua trajetória, sofreram discriminação racial.
Brandão alerta que, de forma geral, os negros no Brasil passam por variáveis
socioeconômicas extremamente discriminatórias, que se acumulam e ocasionam um bem-
estar e uma qualidade de vida inferior à dos brancos.
Trata-se aqui de uma desvantagem competitiva que é produzida e mantida
pela discriminação racial. Mais especificamente os afrodescendentes em
maior número proporcional que os brancos: nascem em áreas pouco
desenvolvidas, se originam de famílias mais pobres, possuem dificuldade
de realização escolar maiores em todos os níveis de ensino, se concentram
na perspectiva ocupacional em atividades desqualificadas e de baixo
rendimento (2003, p.27).
Assim, observa-se que a compreensão de questões raciais torna-se necessária para
entendermos os mecanismos de produção e reprodução da pobreza e da exclusão social no
Brasil. “Os níveis de segregação racial são indicadores de variáveis socioeconômicas tais
como local de residência e condições de habitação, acesso ao emprego formal e informal,
acesso a determinadas categorias ocupacionais, níveis educacionais, renda e mobilidade
social” (BRANDÃO, 2003, p.27).
O fato de praticamente todas as mulheres entrevistadas terem iniciado no mercado
de trabalho como empregadas domésticas é um aspecto analisado pelo Dieese
17
, em boletim
publicado em novembro de 2005. De acordo com o mesmo, o número de negras com idade
igual ou superior aos 10 anos de idade na PIA é muito maior do que o número de mulheres
não-negras na mesma situação. Ver tabela 5.
Tabela 5 - Taxa de participação no mercado de trabalho da população negra e não-negra por
sexo e cor Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005 (em %)
17
A mulher negra no mercado metropolitano: inserção marcada pela dupla discriminação.
120
Negros Não-negros
Regiões
Metropolitanas
Total Mulheres Homens Total Mulheres Homens
Belo Horizonte 61,0% 55,0 67,7 59,2 51,6 68,1
Dist. Federal 65,0% 59,3 71,4 63,3 57,3 71,1
Porto Alegre 58,1% 52,3 64,9 57,6 49,2 66,9
Recife 51,8% 43,1 61,9 50,8 42,1 61,8
Salvador 61,5% 55,3 68,7 61,0 53,5 70,1
São Paulo 64,6% 57,6 72,3 63,0 54,0 73,0
Fonte: Convênio DIEESE/Seade, e entidades regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
OBS: a) Cor negra= pretos + pardos. Cor não-negra=brancos + amarelos.
b) Taxa de Participação Específica = 100 x (PEA com os atributos específicos) / (PIA correspondente).
c) Dados apurados entre janeiro de 2004 e setembro de 2005.
Se compararmos estes dados com a pesquisa realizada pelo Dieese referente ao
biênio 2001-2002, poderemos observar que, com exceção de Recife e Salvador, a taxa de
participação das mulheres negras aumentou em todas as regiões, porém não de forma
significativa. Ainda assim, a questão do gênero continua persistindo quando nos referimos à
maior necessidade de participação no mercado de trabalho. A participação masculina
continua apresentando maiores taxas que a feminina, de maneira geral, aumentando a
diferença na inserção produtiva. Tanto as mulheres brancas quanto as negras apresentam
uma participação menor no mercado de trabalho, quando comparadas aos homens.
Num contexto em que o país vem enfrentando um baixo crescimento econômico, a
falta de oportunidade de trabalho é sentida com mais intensidade pelas trabalhadoras negras.
Mesmo na Grande Salvador, onde a maioria dos trabalhadores é negro, foi encontrada uma
diferença de 14,0 pontos percentuais (p.p.) entre as taxas de desemprego, sendo 29,2% para
as mulheres negras e 15,2% para os homens não-negros. Essa diferença também apareceu
nas demais regiões analisadas, sendo 11,6 p.p. em São Paulo, 11,0 p.p. no Distrito Federal,
10,2 p.p. em Belo Horizonte e 9,1 p.p. em Recife.
Nas seis regiões pesquisadas, mais de um terço dos trabalhadores encontram-se em
situações vulneráveis, ou seja, sem carteira assinada, trabalhadores familiares não-
remunerados ou empregados domésticos. No entanto, verificamos por meio da pesquisa do
Dieese que a proporção de trabalhadores negros que se encontra nesta situação é maior que a
de trabalhadores não negros.
No caso das mulheres negras, é maior sua presença em ocupações vulneráveis,
sendo que em Salvador, Recife e São Paulo o percentual passou os 50% das ocupações
preenchidas por mulheres negras. Ressaltamos que, de acordo com o Dieese, os maiores
percentuais de vulnerabilidade da mulher negra no universo dos trabalhadores ocupados é
121
explicado pela intensidade da presença das negras no emprego doméstico. Por ser esta uma
atividade tipicamente feminina e desvalorizada, caracteriza-se por baixos salários, elevadas
jornadas de trabalho e contratações ilegais, sem contribuições à previdência.
Além das situações levantadas, em todas as regiões pesquisadas os rendimentos por
hora, das mulheres de forma geral, são sempre menores que o recebido pelos homens. No
caso das mulheres negras, quando seus rendimentos são comparados aos dos homens não
negros, fica evidente a dupla discriminação, ou seja, de raça e gênero. Em todo o universo
pesquisado o rendimento hora da mulher negra corresponde a 61,2% do recebido pelos
homens não-negros.
Esses índices, quando confrontados com os apurados pelo Dieese no biênio 2001-
2002, revelam que praticamente não houve mudança nos últimos 3 anos no que diz respeito à
situação da mulher negra no mercado de trabalho, pelo contrário, a diferença entre os
rendimentos de mulheres negras e homens não-negros até aumentou. No conjunto das
regiões analisadas no período 2001-2002, o ganho das negras ficou, em média, 60% mais
baixo que o dos homens não-negros. Quando comparamos com os rendimentos das mulheres
não-negras verificamos que as negras ganham 41,1% menos.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT, em relatório
18
publicado em 2005,
analisa o quanto o trabalho doméstico tem um peso quantitativo em termos do total da
ocupação feminina no país. De acordo com a PNAD, 2001, ele representa 18,2% do total da
ocupação feminina no Brasil. Desagregando este dado por raça ou cor, verifica-se que 23,9%
das mulheres negras no Brasil são empregadas domésticas. O número de mulheres não-
negras na mesma função é de 14,1%.
De acordo com resultado do estudo realizado pela OIT (2005), o trabalho doméstico
tem sido a principal forma de inserção de mulheres negras no mercado de trabalho e em
todas as regiões da pesquisa (Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Brasília, Porto Alegre e
Recife) o peso do emprego doméstico na ocupação total das mulheres negras é pelo menos o
dobro que o seu peso no total da ocupação das mulheres não-negras. No caso de Salvador, é
mais que o triplo (22,1% de negras e 6,2% de não-negras). Ver tabela 6 e 7.
18
Trabalho doméstico e igualdade de gênero e raça: desafios para promover o trabalho decente no Brasil.
122
Tabela 6 - Distribuição das mulheres negras e não-negras segundo posição na ocupação
Regiões metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2003-2004
Posição na
Ocupação
Belo Horizonte Distrito Federal Porto Alegre
Negra Não-negra Negra Não-negra Negra Não-negra
Assalariados (sem
empregados
domésticos)
55,3 62,7 58,5 70,6 54,7 63,5
Empregado
Doméstico
24,7 12,3 24,3 12,3 32,1 13,3
Autônomo 16,1 17,4 12,5 9,9 10,9 14,1
Outros (1) 4,0 7,6 4,6 7,2 (2) 9,1
Total de Ocupados
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Convênio DIEESE/SEAD, MTE/FAT e entidades regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Nota: (1) empregador, trabalhador familiar e outras ocupações.
(2) A amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Obs.: Cor negra = pretos + pardos. Cor não-negra = brancos + amarelos.
Tabela 7 - Distribuição das mulheres negras e não-negras segundo posição na ocupação
Regiões Metropolitanas – Biênio 2003-2004
Posição na
Ocupação
Recife Salvador São Paulo
Negra Não-negra Negra Não-negra Negra Não-negra
Assalariados (sem
empregados
domésticos)
48,9 57,7 51,0 67,1 49,8 61,1
Empregado
Doméstico
22,3 1,6 22,1 6,2 29,5 13,1
Autônomo 22,8 21,7 22,4 16,9 17,8 17,7
Outros (1) 6,1 9,0 4,5 9,8 2,9 8,1
Total de Ocupados
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Convênio DIEESE/SEAD, MTE/FAT e entidades regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Nota: (1) empregador, trabalhador familiar e outras ocupações.
Obs.: Cor negra = pretos + pardos. Cor não-negra = brancos + amarelos.
Em relação à escolaridade, de forma geral, a maioria das trabalhadoras domésticas
possui o ensino fundamental incompleto. Porém, nas regiões de Porto Alegre, Recife e São
Paulo a parcela de domésticas não-negras que não terminou o ensino fundamental foi
superior a de negras. No entanto, são as negras que mais se concentram nesta atividade.
Na tentativa de fugir dos índices até então apresentados é que as negras de Joinville
vêm criando estratégias de inserção ocupacional, sendo que o aumento da escolaridade foi
123
uma das estratégias observadas em praticamente todas as mulheres entrevistadas, seguida da
participação em concursos públicos, tanto para a área da educação quanto para a área da
saúde.
A discriminação racial
“Trabalhei na Cônsul e lá eles só pegavam negros para trabalhar no setor de lã
de vidro... Diziam que só negro servia para aquele setor, porque a pele era mais
resistente ao pó de vidro que a lã soltava”.
O parágrafo acima é um trecho da trajetória ocupacional de Laudelina de Campos
Mello, que na sua busca por um posto de trabalho, constantemente foi vítima de preconceito
e discriminação. Situação semelhante também viveu Dandara que foi aprovada em dois
concursos e nunca assumiu a vaga.
Ao longo da pesquisa verificamos que esta é uma prática comum em Joinville, uma
cidade que vem ao longo dos anos tentando invisibilizar a presença dos negros e sua
participação no processo de desenvolvimento do município, alegando constantemente que a
quantidade de negros e negras existentes na cidade é muito pequena, justificando a ausência
de um período escravista.
No entanto, as dificuldades de inserção ocupacional apresentadas por algumas
mulheres negras negam tal afirmação, evidenciando que tais dificuldades são ocasionadas
por problemas econômicos e sociais, comuns a diversos segmentos populacionais do país e
que há também a discriminação por questões raciais.
De acordo com a pesquisa do Dieese, mesmo no setor público e com concurso, as
mulheres negras apresentam-se em condições desfavoráveis quanto às possibilidades de
crescimento profissional. Isto nos alerta que, além da dificuldade de inserção, também há
dificuldade em galgar espaços mais bem remunerados e de maior prestígio social. No biênio
2001-2002, em Salvador, apenas 8,9% das ocupadas chegaram a postos de chefia, enquanto
no caso das não-negras, o percentual foi de 26,2%. Em São Paulo essa diferença foi de
11,5%.
Como disse Dandara, a dificuldade de aceitação de negras em cargos de chefia
ainda é grande. “Não aceitavam negra em cargo de chefia. Esse preconceito era aberto.
Diziam que eu não passava de uma “tecnicazinha”.
O Dieese enfatiza que mesmo quando apresentam a mesma escolaridade das
mulheres não-negras, as negras encontram-se em situação de desvantagem, revelando que a
124
discriminação, além do cunho social e de gênero, também é racial.
Assim, torna-se ínfima a possibilidade de uma negra galgar cargos mais elevados.
Das regiões analisadas, a maior proporção de negras em cargos de chefia é o Distrito Federal
(11,9%), que ironicamente também é o lugar onde há uma pequena quantidade de negras no
setor público.
Praticamente todas as mulheres entrevistadas, em algum momento de sua trajetória
ocupacional sofreram alguma espécie de discriminação. Estes dados refletem bem a cultura
da cidade que insiste em cultivar suas “tradições” germânicas e trata os negros de forma
desigual, com ocupações selecionadas, como no caso da empresa que contratava negros para
trabalhar em um setor específico, por conta da suposta resistência da pele a um determinado
produto.
Como afirma Brandão (2003), “há um solapamento das expectativas e anseios dos
afrodescendentes, na medida em que é construído um estereótipo racial que aponta “o local
adequado” para estes na sociedade” (p.27).
A alternativa encontrada por estas mulheres para tentar ter uma ocupação um pouco
melhor foi a entrada no magistério ou na saúde. Como afirmou uma delas “era o magistério
ou a fábrica”. Essa escolha não se deu por opção ou vocação, mas sim por ser uma das
alternativas menos sofridas, na maioria dos casos.
Tal fato fez com que as mesmas, muitas vezes, internalizassem essas ocupações
como sendo “naturais”, como herança do passado escravista. “É a questão da servidão”. “O
negro nasceu para servir”. “Ainda não abortamos aquela coisa de ser ama.
Inconscientemente ainda somos ama”. Há um certo conformismo presente na fala das
entrevistadas, que parecem absorver características culturais, fortes na cidade e no país,de
forma geral, como sendo naturais, apesar de lutarem constantemente contra a discriminação.
Neste sentido, Brandão alerta que:
A cumulação de desigualdades socioeconômicas numa sociedade que se
afirma como uma “democracia racial” tem como efeito promover uma
aceitação do estereótipo por parte dos próprios afrodescendentes. Trata-se
portanto de um processo no qual este grupo racial, além do enfrentamento
cotidiano das práticas discriminatórias, precisa encontrar caminhos de
operação frente à violência simbólica que esconde tais práticas (2003, p.27-
28).
Fica evidente um reforço na imagem desfavorável dos negros na sociedade,
podendo fazer com que seja construída uma imagem negativa em relação a si mesmo,
impondo-se limites quanto às aspirações socioeconômicas. Também é comum que alguns
125
negros desconsiderem algumas situações onde a discriminação se faz presente, dando um
outro tom à discriminação sofrida, mostrando o quanto é difícil aceitar que foram vítimas de
racismo.
Nas entrevistas realizadas, quando questionadas se haviam ou não sofrido alguma
tipo de discriminação em suas trajetórias ocupacionais, a resposta imediata era sempre
negativa. Depois, iam pensando, trazendo à memória fatos marcantes de suas histórias e aos
poucos as situações apareciam. Havia certo cuidado em falar destas questões. Estava notório
o quanto era sofrido admitir tal realidade. Algumas precisaram passar por diversas situações
de discriminação, até perceberem que não estavam conseguindo ocupação por causa da cor,
como no caso de Dandara que passou em primeiro lugar em dois concursos, e nunca foi
admitida. Somente depois de algum tempo, quando foi dar aula em uma cidade próxima a
Joinville e acabou sendo substituída por uma pessoa com menos qualificação que ela é que
percebeu que estava sendo preterida por causa de sua cor. A desculpa que haviam dado era
que ela não tinha experiência. “E o pior é que eu acreditei! Depois descobri que a pessoa
que havia assumido a turma não tinha nem o antigo ginásio, porém, era branca. Aí eu
comecei a entender que tudo isso estava acontecendo comigo porque eu era negra”.
O momento deste relato foi constrangedor para a entrevistada pois toda esta
situação de discriminação fazia parte da sua história, da sua vida. Era uma parte dela, um
momento que ela queria apagar para sempre da sua memória.
Há também casos em que o próprio negro passa a negar que tenha passado por
situações de discriminação. Não quer admitir que em algum momento da vida ele foi
diminuído como pessoa por conta da sua cor. No caso da professora Luísa Mahin, que no
início da entrevista afirmou nunca ter sofrido discriminação, acabou reconhecendo que
sempre acontece uma piadinha ou outra, ou seja, a discriminação de forma dissimulada.
3.5 As estratégias
Algumas categorias de análise puderam ser isoladas ao apreciarmos as entrevistas
realizadas. As mesmas dizem respeito à busca incessante pelo concurso público, a uma
126
maior e melhor escolaridade, à dificuldade de inserção ocupacional intimamente ligada a
longos períodos de desemprego e quando ocupadas, à precarização dos postos de trabalho
onde se inserem, além da internalização e do conformismo no que diz respeito às funções
que desempenham. Este último ponto é bem nítido na fala das mesmas, que acreditam que a
situação poderia ser pior, não fosse a possibilidade de inserção ocupacional via concurso
público. A busca por maiores graus de escolaridade também é uma característica comum
entre as mulheres entrevistadas, sendo esta vista como uma forma de ascensão ocupacional.
Ressaltamos ainda as questões referentes à discriminação racial e de gênero. Assim,
isolamos três estratégias utilizadas pelas mesmas para garantirem sua inserção ocupacional:
o concurso público, o aumento da escolaridade e a inserção na área da saúde e da educação.
3.5.1 O concurso
Quando entrei na Maternidade, fiz concurso para me firmar. “O negro
concursado não tem como ser retirado do posto de trabalho”.
A fala de Dandara expressa claramente o quanto o concurso público representa uma
garantia de estabilidade no posto de trabalho ocupado. É a segurança, a certeza de que não
poderão ser demitidas a qualquer momento, o que não quer dizer que por isso, terão maiores
chances de conseguir posições melhores dentro da empresa em que se encontram.
Este dado vem confirmar a pesquisa do Dieese, citada em capítulos anteriores, onde
fica evidente que a carreira pública se destaca como alternativa de inserção ocupacional,
principalmente pelo fato do ingresso se dar por meio de concurso.
Como diz Aqualtune, técnica em enfermagem: “O que seria do negro se não fosse o
concurso público?”.
Esta parece ser a alternativa perseguida por todas as entrevistadas, tanto as que
atuam na área da saúde, quanto na educação. As que ainda não conseguiram aprovação nas
provas revelam todo o desconforto que os contratos por tempo determinado, a dita admissão
por caráter temporário (ACT) proporciona. Todas, incondicionalmente, revelam o desejo de
estabilidade. O risco de não conseguir vaga no próximo ano, de não voltar pra a mesma
127
escola (no caso das trabalhadoras da educação), a distância da casa até o emprego, a demora
no pagamento dos salários, que acontece geralmente em abril de cada ano, são alguns dos
fatores mais considerados no momento de se prestar um concurso. Porém há uma outra
agravante em meio a essas todas citadas: nem sempre o fato de fazer a prova é garantia de
aprovação. Muitas já tentaram diversas vezes e não foram aprovadas, com exceção de Luísa,
que entre as entrevistadas é a que aparece em situação mais estabilizada, justamente pelo
fato de ser concursada tanto pela rede municipal, quanto pela estadual.
Interessante também é o caso de Anastácia, 40 anos, professora de educação
infantil. A mesma arrepende-se de, após ter sido aprovada em um concurso da Rede
Municipal de Ensino, não ter aceitado a vaga para trabalhar em uma escola da cidade. Achou
que não iria atender às exigências da profissão, não iria se adaptar ao novo ambiente. A
insegurança e o medo de mudar da rede estadual para a municipal pesaram naquele
momento. Mas hoje, a dita “estabilidade” está fazendo falta. Revela que, apesar de trabalhar
há 12 anos na mesma instituição, não tem garantia de permanência na unidade escolar. Como
revela Chica: “A gente nunca sabe se vai ter vaga no ano seguinte. Não dá para fazer plano
nem assumir compromissos. Esta insegurança deixa a gente depressiva”.
A depressão e a insegurança são resultados da falta de estabilidade e da
precariedade das condições de trabalho. Todas as que trabalham como ACT não possuem
registro em carteira, não têm garantia de vagas, têm o contrato interrompido em dezembro e
irão receber seus salários novamente, se conseguirem aula, somente em abril, por conta da
burocracia no processo de admissão dos professores estaduais.
As trabalhadoras da área da saúde, apesar de não passarem pelos mesmos
problemas das que atuam na educação sob o regime de contrato temporário, também vêem o
concurso como uma segurança.
Apesar disso, a pesquisa do Dieese revela que a presença de negras no serviço
público ainda é pequena, quando comparada a mulheres não-negras, nas cinco regiões
analisadas (São Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte). Até mesmo no
Distrito Federal, local que concentra a alta hierarquia da União e onde as mulheres negras
absorviam, no período de 2001-2002, 22,9 % dos postos de trabalho, enquanto a proporção
de não-negras era de 32,4%, a presença de negras é considerada baixa.
128
3.5.2 Aumento da escolaridade
Quando comecei a estudar, quando era pequena, nossa casa era bem longe da
escola. Minha tia é que pagava o ônibus para mim. Quando ela não quis pagar
mais eu parei de estudar. Não queria ir a pé. Aí casei, tive filhos e não estudei
mais. Fui terminar o 1º grau agora, há pouco tempo. Fiz por módulo, no CEJA
(Centro de Educação de Jovens e Adultos).
O depoimento de Laudelina revela o quanto tem sido difícil buscar um grau de
escolaridade mais elevado. Problemas financeiros, distância da residência à escola, entre
outros aspectos, muitas vezes impedem que as mesmas prossigam seus estudos, ou faz com
que muitas optem por cursos mais baratos, mesmo que estes não correspondam aos seus
anseios profissionais e nem apresentem qualidade. Para todas, o aumento da escolaridade é
visto como forma de galgar melhores condições de trabalho. Neste sentido, a qualidade do
curso não importa, nem mesmo a área. Para elas, o que é relevante é fazer um curso superior.
Todas as mulheres entrevistadas, além de perceberem a escolaridade como forma de
ascensão e possibilidade de maior segurança no emprego, tiveram ou estão tendo
dificuldades financeiras para concluírem o ensino superior. Como afirma Santana, há um:
Enorme fosso existente entre os anos de escolaridade de pretos e pardos
comparados com o da população branca e que, apesar de todas as mudanças
ocorridas na educação ao longo dos anos, inclusive com a ampliação de
vagas nas escolas públicas do ensino fundamental, para os negros chegarem
a universidade eles têm de romper inúmeras barreiras que vão desde as
discriminações sofridas no interior da escola, até as dificuldades materiais e
financeiras para se manterem nos estudos (2004, p. 22-23).
Aqualtune precisou interromper a faculdade de enfermagem devido ao alto valor
das mensalidades, além do curso ser em período integral, inviabilizando a prática de
qualquer outro tipo de atividade. Como acredita na importância de um curso superior,
migrou para a Pedagogia, por ser um curso mais acessível economicamente. Porém, ainda
alimenta o sonho de concluir a graduação em enfermagem.
Anastácia e Clementina só estão cursando o ensino superior porque o mesmo é
financiado pelo estado de Santa Catarina e porque o curso é semi-presencial, possibilitando
desta forma que as mesmas conciliem atividades profissionais, acadêmicas e os afazeres do
lar.
Chica, também por questões financeiras, não pode optar por um curso presencial.
129
Optou por uma faculdade semi-presencial que, conseqüentemente, possui mensalidades
economicamente mais vantajosas, porém sem garantia de qualidade nos processos de ensino-
aprendizagem.
Dandara, atuando na área da saúde, nunca conseguiu ingressar numa faculdade de
enfermagem. Na cidade, só uma instituição oferece este tipo de curso. Trata-se de uma
instituição particular, luterana, com um custo alto e a presença de pouquíssimos estudantes
negros em todos os cursos, de forma geral. Mesmo assim tem o sonho de fazer um curso
superior. Vai tentar Psicologia, curso oferecido em uma instituição também particular, mas
com mensalidades mais acessíveis. Já Laudelina, apesar de só agora ter concluído o ensino
fundamental, na modalidade ‘Educação de Jovens e Adultos – EJA’, ainda alimenta a
esperança de ser juíza, mesmo sabendo que suas chances são pequenas.
A pesquisa do Dieese vem corroborar com esses dados, expondo que dificuldades
no acesso à escola, bem como o ingresso precoce no mercado de trabalho, são algumas das
razões do distanciamento do nível de escolaridade entre as mulheres negras e as não-negras.
Essa situação acontece em praticamente todas as regiões pesquisadas, sendo que em São
Paulo a diferença entre negras e não-negras ocupadas e com ensino superior é de 20,4%.
Outro dado relevante é que hoje, cada vez mais a escolaridade vem deixando de ser
condição para ascensão social. As entrevistadas vem buscando por este aumento, porém, a
qualidade dos cursos que correspondem as suas expectativas financeiras deixa a desejar. São
geralmente cursos à distância ou semi-presenciais, com carga horária e conteúdos reduzidos
e que dificilmente proporcionam uma progressão social e profissional. Como a qualidade é
precária, as dificuldades encontradas no meio ocupacional as impedem muitas vezes de
alcançar melhores postos de trabalho. Neste sentido, o curso superior só traz a possibilidade
de concorrer a um cargo melhor no caso de participação em um concurso público, mas não
consegue garantir a aprovação das mesmas, como é o caso de Clementina e Chica, que já
tentaram várias vezes, mas não conseguiram aprovação. O mesmo não aconteceu com Luísa,
que conseguiu fazer uma faculdade com um pouco mais de qualidade e conseqüentemente
conseguiu aprovação em um concurso do município.
130
3.5.3 O ingresso no magistério e na saúde
Eu não queria ser professora. Como não tive outras oportunidades, fui fazer
magistério. Era isso ou a fábrica.
Das entrevistas realizadas, pode-se observar que as mulheres que não ingressaram
na área da saúde, optaram pelo magistério e mesmo as que estão atuando na saúde, tiveram
uma passagem, mesmo que breve, na educação. Dandara deu aulas em Curitiba e Itapocu.
Aqualtune era professora e só migrou para área da saúde por questões financeiras, mas ainda
assim, pretende um dia voltar a dar aula.
De acordo do Gomes (1995), as mulheres negras, ao tornarem-se professoras,
rompem com um espaço de subalternidade destinado aos negros no Brasil, pois passam a
ocupar um lugar que embora não tenha status social, ainda é um local onde a população
negra está presente em pequena quantidade. Para a autora, a “escolha” pelo magistério
expressa um rompimento com a história de exclusão previamente estabelecida.
A chegada do magistério para a jovem negra é a culminação de múltiplas
rupturas e afirmações: a luta pela continuidade dos estudos – um fato que
até hoje se coloca como complicador na história das mulheres-; a busca por
uma profissão que lhe garanta um espaço no mercado de trabalho; a
perspectiva de atuar em uma profissão que lhe possibilite um outro espaço
de tempo para se dedicar a outro emprego ou conciliar as atividades
domésticas (GOMES, 1995, p.152).
Gomes (1995) indica que a entrada das mulheres negras no magistério culminou
com um processo de democratização da educação, processo que é fruto das lutas dos
movimentos sociais e da classe trabalhadora no sentido de busca de uma maior inserção
social, na busca pela educação e pela escola. Se analisarmos todo esse processo sócio-
histórico, verificaremos que os negros estão inseridos neste movimento e que mulheres
negras que até então eram analfabetas, por conta de situações sociais, políticas, econômicas e
raciais, visualizam uma oportunidade de acesso à escola pública. A expansão da escola
oportunizou o aumento de vagas nos cursos noturnos e profissionalizantes, onde o magistério
está incluído.
Porém, a entrada da mulher negra no magistério não significou a democratização da
escola e da educação para as classes populares. Quando a mulher negra entra neste campo, o
magistério que antes era tido como ocupação de mulheres brancas, já está bastante
131
desvalorizado, com remunerações baixas. O aumento do nível de escolarização de mulheres
brancas, de classe média faz com que as mesmas passassem a ocupar atividades melhores
remuneradas, o que ocasionou a abertura de um espaço para quem não possuía outra
perspectiva, como no caso das negras.
Assim, nota-se na fala das entrevistadas, que além do magistério propiciar certo
reconhecimento social e uma melhora na condição de vida, esta trajetória geralmente é
marcada por dificuldades muitas vezes decorrentes do pertencimento racial de cada uma. A
fala da professora Anastácia expressa bem este problema, quando diz que as crianças riam
porque ela era gorda e negra. Ou então o caso de Clementina, que sentia um tratamento
diferente na escola em que lecionava, por causa de sua cor. A discriminação ainda é muito
presente dentro das escolas e na maioria das vezes os professores não sabem lidar com a
situação.
Outra questão bem nítida nas entrevistas é que, na maioria das vezes, a entrada no
magistério não se deu por opção e sim como uma forma de fugir do emprego doméstico ou
do serviço fabril. O depoimento que abre este item deixa bem claro esta condição. Chica não
queria ser professora, mas não teve alternativa. Era o magistério ou a fábrica.
Neste sentido nos chama atenção o trabalho realizado por Silva (2000). A autora em
sua tese de doutorado fez uma análise das trajetórias escolares de mulheres negras na cidade
de Pelotas, no Rio Grande do Sul, no sentido de perceber as representações sobre os negros
na escola. Em uma das entrevistas realizadas, uma das mulheres afirmou que: “É melhor ser
professora do que passar o resto da vida na vassoura”.
A entrevistada afirmava que, mesmo que atualmente o magistério não seja muito
valorizado, que os salários sejam baixos e as condições de trabalho sejam precárias, ainda é
melhor do que passar o resto da vida como empregada doméstica. Esta afirmação também
esteve presente nos relatos das outras sete mulheres que foram selecionadas para a pesquisa.
Para todas, ser professora era uma forma de melhorar de vida.
Para Silva (2000), as professoras negras de Pelotas acreditam que o magistério é
uma das formas de sair do local historicamente designado às mulheres negras e representa
também um esforço para superar a discriminação de gênero e de raça da qual constantemente
são vítimas.
Santana (2004) também evidencia em sua pesquisa que para algumas mulheres
negras o magistério é a única possibilidade de não vir a ser doméstica ou ainda, uma
possibilidade de concluir o ensino médio, além de em alguns casos, ter aparecido como uma
escolha não pensada, feita por impulso ou por pressão da família.
132
Silva (2003), que analisa trajetórias de professoras negras em Araraquara, afirma
que a entradas das negras no magistério não fez com que essas mulheres saíssem da
condição social atribuída ao negro no Brasil. A autora acredita que as mesmas continuam
expostas aos estereótipos que colocam a raça como um estigma, como algo que está fixo no
corpo e que fica bem evidente por conta da cor da pele, tida como sinônimo de inferioridade.
A autora não nega que o magistério representa uma possibilidade de fugir do
serviço doméstico, da possibilidade de uma melhora nas condições sociais e econômicas
dessas mulheres. Porém alerta que mesmo ocupando um novo lugar, que não o doméstico,
continuam sendo vítima de preconceito e discriminação.
Este dado ficou bem evidente em nossa pesquisa. Praticamente todas as
entrevistadas passaram, em algum momento de sua trajetória ocupacional, por situações em
que foram discriminadas devido à sua cor. Como afirma Aqualtune, “o negro sempre tem
que se esborrachar para mostrar que tem competência. Não pode falhar, não pode cometer
erros”. As negras precisam primar pela qualidade do trabalho para não serem repreendidas
ou alvo de chacotas, de expressões como: “Só podia ser negro!” E ainda assim não estão
livres de discriminação. Desta forma, a “competência”, a qualidade do serviço prestado
também aparece como uma estratégia para não serem discriminadas.
O ingresso na área da saúde também aparece como oportunidade de ter uma
ocupação que as faça fugir do serviço doméstico. Aqualtune afirma que “é por conta da
servidão, ainda presente no inconsciente do negro”, que estar relacionada ao passado
escravista. “O negro cresceu limpando escarro e “bunda” de criança, além do cuidado com
os adultos enfermos”.
Como expõe Cruz (1994), mesmo que os escravos ou escravas que cuidavam dos
enfermos não recebessem a denominação de enfermeiros, as atividades desenvolvidas
tinham íntima relação com o que convencionalmente se entende por enfermagem.
Um olhar informal sobre a profissão nos mostra que há um contingente
significativo de pessoas negras atuando como auxiliares, técnicos e
enfermeiros, assim como relacionamentos tensos devido a uma estrutura de
poder calcada em ideologias discriminatórias. Ainda assim, em algumas
escolas de enfermagem, encontramos mulheres negras, doutoras,
professoras titulares (CRUZ, 1994, p.2-3).
É certo que o número de professoras doutoras nas escolas de enfermagem é bem
pequeno. Tendo em vista que a porcentagem de negros cursando o ensino superior no Brasil
é de apenas 2%, podemos verificar o quanto ainda é irrisório o número de negras doutoras e
133
atuando em escolas de enfermagem.
Como ficou explícito na pesquisa, hoje encontramos uma concentração de negras na
saúde, atuando como auxiliares de enfermagem e técnicas. Em se tratando de enfermeiras
graduadas esse número cai consideravelmente. O alto custo do curso e o fato do mesmo
acontecer em período integral impossibilitam a entrada do segmento negro da população. O
mesmo pode ser dito sobre os cursos de medicina e odontologia, que pelos mesmos motivos
da graduação em enfermagem, fazem com que a entrada dos negros fique cada vez mais
difícil.
A falta de materiais que divulguem o número de negras atuando nestes setores
também é um agravante. São raras as pesquisas que se dedicam à temática. Cruz (1994)
ressalta que “desconhecemos as pessoas negras que abriram as trilhas da profissão e como
isto foi feito. Desconhecemos também a história de vida de mulheres e homens negros no
que se refere à vocação, à ascensão social (ou não) e às relações étnicas no âmbito da
profissão e do sistema de saúde (p.3)”.
Os dados levantados por Cruz (1994) indicam que ainda há muito a se caminhar no
sentido de identificar a história de vida das enfermeiras negras, análises das representações
sociais referentes à profissão, bem como as situações de discriminação enfrentadas pelas
mesmas. O número de pesquisas referentes à temática ainda é ínfimo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
135
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após adentrar em alguns aspectos deste universo pouco explorado, que é o universo
dos negros (as) em Joinville, foi possível verificar o quanto é rica a história deste povo e o
quanto ainda há para ser desvendado.
O contato com as mulheres entrevistadas e a análise das trajetórias e estratégias
utilizadas em busca de ocupação nos fazem refletir sobre o quanto é difícil para as negras da
cidade (assim como do Brasil, de forma geral) fugirem de um destino que parece estar
“marcado” já no momento do nascimento: o trabalho doméstico.
Estar ocupada em postos de trabalho da área da educação e da saúde pode até
significar um conquista para muitas delas, porém não representa uma mudança muito
significativa na representação que a cidade tem sobre o papel do negro (a). A discriminação
ainda é grande. O tratamento despendido a elas nos setores de trabalho ocupados é
diferenciado e o espanto de algumas pessoas, quando encontram uma negra em cargos de
chefia, é notório.
Atuar na saúde e na educação em Joinville também significou a estas mulheres abrir
mão de muitas coisas, muitos sonhos, como por exemplo, fazer um bom curso de graduação,
falar um outro idioma ou atuar em outra área. Todas estas aspirações são abandonadas por
vários motivos, entre eles o racial, porque a cidade delimita o campo de atuação de negros,
assim como o espaço geográfico que os mesmos devem ocupar. Há também a questão
econômica, porque quando estão empregadas, suas ocupações não possibilitam acesso a
cursos de maior prestígio social. Conseqüentemente, o acesso a determinadas informações
também é limitado. Não há um aprofundamento intelectual, uma maior leitura de mundo e da
realidade da qual fazem parte.
A cultura da “ordem e do progresso” enraizada na cidade durante os 155 anos de
“fundação” ainda está bem presente no imaginário popular e acaba contagiando também o
contingente negro, que faz de tudo para incorporar os costumes “germânicos” e desta forma
ser aceito pela sociedade joinvilense.
Apesar da luta constante e das dificuldades encontradas, é bem presente na fala das
136
entrevistadas certo conformismo em relação à situação do negro (a) na cidade, assim como
acreditam que os postos de trabalho que ocupam são realmente os que os negros “devem”
estar ocupando, que é o melhor para eles e o que eles sabem fazer, como se não fossem
capazes de desenvolverem outras habilidades, de construirem outros conhecimentos e assim
galgarem postos melhores remunerados e de maior status.
Expressões como: “Ainda bem que existe a saúde e a educação para o negro
trabalhar”. Ou “O negro estando na saúde e na educação trabalha com o público... isto é
bom”, revelam uma baixa auto-estima, como se fosse “natural” o negro se concentrar nestas
áreas. O discurso é: “melhor isso do que nada...”
Nas entrevistas ficou visível um certo receio, por parte de algumas, em falar sobre
os negros, sua cultura, usos, costumes e tradições. Chica afirma que tinha vergonha de falar
das coisas da raça, do que gostava ou deixava de gostar. Parece que na cidade é “pecado”
tocar nestes assuntos. São tópicos que não devem ser trazidos à tona. A baixa auto-estima
fica expressa na vergonha que algumas sentem em falar das singularidades do segmento
negro. A questão do cabelo, dos trajes, da dança, folclore, religião. Preferem não tocar no
assunto porque acreditam que as pessoas não gostam de algumas destas tradições, não
entendem. Também é muito forte entre os próprios negros o sentimento de que “tudo que
vem do negro não presta”. Assim, melhor nem comentar com as pessoas. Vão se fechando
em um mundo próprio, sem expressar seus sentimentos e angústias. Sem denunciar o
preconceito e a discriminação dos quais muitas vezes são vítimas. Adotam essa postura na
maioria das vezes para não se expor ou por não saberem como lidar com a situação. Há
também a dificuldade em admitir que foram vítimas dessas agressões.
No entanto, durante o período de entrevistas, em praticamente todos os locais houve
uma grande mobilização das mulheres negras. Todas queriam participar, contribuir de
alguma forma, mesmo as que não foram selecionadas para a pesquisa. Foi possível verificar
uma ânsia em falar, em contar um pouco da sua vida, da sua história, sem ter medo de falar
“das coisas de negro”.
Durante o período de pesquisa, observamos que algumas ações vêm sendo
implantadas e implementadas no Brasil em prol da população negra. O ano de 2005 foi
instituído o Ano da Promoção da Igualdade Social. O atual governo sancionou em março de
2003 a Lei 10639/03 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB e
desta forma institui a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos africanos no
currículo do ensino fundamental e médio. A intenção é resgatar historicamente a
contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira.
137
Em 21 de março de 2003 também foi criada pelo Governo Federal a Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, além da instituição da
Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
Em 10 de março de 2003 o Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno/DF
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais
para o ensino de História e cultura da Afro-Brasileira e Africana, documento este que visa
nortear e estabelecer os conteúdos a serem trabalhados nas escolas, no sentido de resgatar a
contribuição no negro na formação da sociedade brasileira.
Em se tratando de mulheres negras, há diversas Organizações Não Governamentais
– ONG’s. Em São Paulo há o Instituto da Mulher Negra – Geledés e a associação Fala Preta.
Em Santos há a Casa de Cultura da Mulher Negra. São todas instituições engajadas em dar
visibilidade à mulher negra e sua participação social, assim como do negro de forma geral.
São ONG’s que contribuem na organização de eventos que abordem a temática do negro na
sociedade, publicações, denúncias de caso de racismo, de discriminação, de violência contra
a mulher, entre outros assuntos.
Em Florianópolis, contamos com a contribuição do Núcleo de Estudos Negros –
NEN, suas publicações e seu engajamento com algumas universidades no sentido de estar
promovendo discussões sobre a situação do negro no país, atuando na formação de
professores, articulando contatos com secretarias estaduais e municipais de educação, etc.
Há o Grupo de Trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação – ANPED, intitulado GT Afro-Brasileiros e Educação, que vem promovendo
vários trabalhos de pesquisadores de diversas universidades do país.
Medeiros (2004) enfatiza que o Brasil é signatário de convenções internacionais
como a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da ONU,
a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata da
discriminação no mercado de trabalho, e a Convenção para Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher, da ONU. Todas estas ações prevêem a adoção de
medidas que revertam as desigualdades das quais são vítimas determinados grupos sociais.
Em termos de políticas públicas, há ainda a questão das cotas para os negros nas
universidades brasileiras, medidas esta que vem causando polêmica nos mais diversos
setores da sociedade.
No entanto, quando analisamos a situação do negro (a) no país, percebemos que os
indicadores sociais continuam desfavoráveis a este segmento da população. Sua inserção no
mercado de trabalho, condições de moradia, escolaridade, continua se dando de forma
138
desigual, quando comparados com os grupos de pessoas não-negras.
Paixão (2003), que vem trabalhando com pesquisas
19
a respeito do desenvolvimento
humano da população negra, ao analisar o IDH desta, nas diferentes regiões do país, enfatiza
que nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, a população branca usufrui de um elevado
Índice de Desenvolvimento Humano e nas áreas urbanas da região Norte, a população branca
apresenta um IDH quase alto. Apenas no Nordeste a população branca apresenta um IDH
médio. Porém, no caso dos negros, não há nenhuma região do país que eles apresentem um
IDH elevado. Nas regiões sudeste, Sul e Centro-Oeste e nas áreas urbanas da região Norte, o
IDH da população negra é médio, sendo que para os brancos esta classificação só é
encontrada no Nordeste, região onde os negros apresentam IDH médio-baixo. No Maranhão,
Piauí e Alagoas o IDH dos negros é de nível quase baixo.
O autor alerta que, no que diz respeito à ocupação, os negros se concentram em
funções manuais e de menor prestígio social. Em São Paulo, no ano de 1998: “a inserção dos
ocupados negros nos diferentes setores e ramos de atividades econômicas é relativamente
maior nos serviços domésticos, na construção civil, na indústria têxtil, nos serviços de
limpeza, reformas e transportes, e menor em alguns ramos de atividades, como indústria
química e serviços especializados, creditícios, educação, saúde, administração e utilidade
pública” (Paixão, 2003, p.107).
Corroborando com Paixão, Henriques (2001) também deixou claro que pobreza no
Brasil tem cor. Em 1999, os negros representavam 45% da população pobre e 69% da
população indigente.
Analisando o Boletim Mulher e Trabalho
20
, publicado pelo IBGE em 2005, a partir
da pesquisa mensal de emprego do IBGE, concordamos com Henriques (2001) quando alerta
que o excesso de pobreza concentrado ente os negros vem se mantendo estável ao longo dos
anos, pois sete anos após os dados analisados por Paixão (2003) e seis anos após os dados
analisados por Henriques (2001), a situação do negro no país praticamente continua a
mesma, ou seja, não houve evolução.
A publicação reforça que a inserção da população no mercado de trabalho vem
ocorrendo de forma diferencial e desigual entre homens e mulheres e entre brancos e negros.
19
A análise que Paixão (2003) faz é do Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho, documento este
produzido pelo DIEESE e editado pelo INPIR, baseado em dados da PED, ao longo de 1998 em seis regiões
metropolitanas brasileiras, sendo elas: Porto Alegre, São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Brasília e Salvador.
20
O Boletim Mulher e Trabalho foi publicado pelo IBGE em dezembro de 2005. Faz uma análise do mercado
de trabalho nos meses de julho, agosto e setembro de 2005, nas regiões de Recife, Salvador, belo Horizonte,
Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
139
Mesmo com maior escolaridade, as mulheres, de forma geral, continuam se concentrando em
ocupações de baixa remuneração, com pouca exigência de qualificação e sem garantias
sociais, a exemplo do trabalho doméstico. As mulheres negras são as que estão em situação
mais precária no mercado de trabalho. O rendimento médio das mulheres pretas ou pardas é
de 1,8 salário mínimo, menos da metade do rendimento das mulheres brancas. Este dado é
reflexo da elevada proporção de mulheres pretas ou pardas no trabalho doméstico sem
carteira.
Em relação à escolaridade, Henriques (2001) já alertava que apenas 2% da
população negra no país freqüentava o ensino superior e que na ocupação de postos de
trabalho, mesmo com o mesmo grau de escolaridade, mulheres negras recebiam menos que
homens brancos e mulheres brancas, dado este que se conserva até hoje.
Pensando na questão das relações raciais e educação, das dificuldades encontradas
pelos professores em lidar com a história dos negros na sala de aula e na implantação da lei
10639/03, enfatizamos que, apesar da referida lei alterar a LDB, pouca coisa tem sido feita
em Joinville, principalmente no que diz respeito à rede municipal de ensino. Apesar de ter
promovido cursos aos professores da disciplina de História, do ensino fundamental e a
alguns professores da Educação de Jovens e Adultos, cursos financiados pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, não há um acompanhamento efetivo do
trabalho realizado pelos professores. A maioria das escolas continua trabalhando a temática
do negro no aspecto folclórico, limitando-se à comemoração do dia da consciência negra (20
de novembro) e alguns aspectos referentes à culinária, dança e religião.
Alguns professores, inclusive, acharam desnecessária uma capacitação com esta
temática. Alegavam que não “se deve falar dessas coisas” de escravidão, racismo, cotas,
porque isso poderia aumentar o preconceito.
A rede estadual de ensino parece estar mais mobilizada frente à implantação e
implementação da lei 10639/03. Em um dos CEI’s onde realizamos uma entrevista houve um
trabalho bem interessante sobre situações de racismo no interior do ambiente escolar. O
trabalho da professora foi publicado em alguns jornais de grande circulação da cidade e a
mesma recebeu vários convites para participar de fóruns e seminários sobre a implantação da
lei.
No entanto, este trabalho aconteceu há dois anos atrás e é o único que continua
sendo divulgado pela rede Estadual. Será que mais nada foi feito, desde então? E o trabalho
dos outros professores? Será que um trabalho é suficiente para dizer que a lei está sendo
implantada? Parece-nos que nas escolas este assunto ainda não é tratado com a importância
140
que merece. E no entanto, as situações de discriminação continuam acontecendo,
interferindo no desenvolvimento da auto-estima e valorização de crianças, professores, pais,
entre outras pessoas do segmento negro, que estão ligadas às instituições educacionais, direta
ou indiretamente. O negro (a) em Joinville ainda não encontra referência.
Assim, percebe-se que apesar de termos várias ações em andamento no país, de
forma geral, o que é muito positivo, as mudanças são bem morosas, quase imperceptíveis. O
negro continua com dificuldades de inserção ocupacional, de galgar maiores graus de
escolaridade e melhores condições de vida, enfim, há muito a se caminhar no sentido de
pagamento da dívida histórica que o país possui com este segmento da população, assim
como com os indígenas, com as mulheres, entre outros que sofreram ou ainda sofrem
discriminação.
Isto nos revela um quadro social caótico, de um país que construiu seus alicerces
em bases discriminatórias e preconceituosas que hoje atingem grande parte da população.
Além dos negros, outros grupos sociais menos favorecidos continuam sendo os que mais
sofrem com as desigualdades promovidas no país.
Parece-nos inadmissível, num país em que 45% da população é negra, não haver
nenhuma região onde os negros apresentem um IDH alto, que tenhamos apenas 2 % de
negros no ensino superior, que mulheres negras ainda tenham sua imagem associada à
promiscuidade, etc.
Se em grandes centros essas situações estão presentes e são difíceis de serem
dizimadas, em Joinville este quadro não se apresenta de forma diferente. Uma cidade que faz
parte do Estado “mais branco” do país e que insiste em afirmar que não existe negro no
município. Faz tal afirmação com tanta veemência que chega a delimitar postos de trabalho e
espaços geográficos para concentração dos negros.
Este “tradicionalismo fabricado” tem impedido muitas mulheres e homens negros
de concorrerem de forma igualitária com o segmento não-negro da cidade, sendo que os
postos de trabalho de maior prestígio, principalmente os cargos comissionados da esfera
pública, ainda se concentram nas mãos dos descendentes de famílias tradicionais da cidade
ou apadrinhados políticos, situação esta onde os negros estão ausentes.
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149
ANEXOS
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
Nome:
Idade:
Nacionalidade:
Endereço:
Filiação:
Estado Civil:
Número de filhos (se tiver):
Escolaridade:
Escolaridade dos pais:
Escolaridade do cônjuge:
Cor/raça:
Ocupação:
Ocupação dos pais:
Ocupação do cônjuge:
Tipo de contrato: concursada, contrato temporário (ACT), terceirizado.
Que motivos a levaram a procurar ocupação na área da educação/saúde?
Como se deu essa trajetória? Quais as dificuldades/facilidades encontradas?
Quais outros trabalhos já realizados antes do atual?
Como se deu sua trajetória em busca da escolaridade e ou formação?
Quais dificuldades/facilidades encontradas?
Que cursos já fez?
Teria interesse em trabalhar numa outra área ou setor?
Já sofreu algum tipo de discriminação/preconceito em seu local de trabalho? Qual?
Porque você acha que há tantas mulheres negras na área da educação e da saúde?
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