99
ligando no momento em que ele é feito. Ou seja, que outras dimensões do corpo ele põe em movimento? Então, ao fazer
aquilo, o que o cara sente? Como ele se sente? O que ele pensa daquilo que ele faz? Como ele se vê, fazendo o exercício? Uns
exemplos caricatos: O cara fala assim, Ah, eu me sinto meio infantil fazendo tal coisa. Isso fala de um modo como ele lida
com o corpo, e com as dimensões do corpo, porque essas dimensões se atualizam, por exemplo, numa ação de fazer um
exercício físico. Do outro lado, a mesma coisa, quando do contrário, estamos conversando sobre uma lembrança dele, sobre
um sonho, sobre uma história que ele está contando, sobre uma marca psíquica, não é? De falar assim: Quando eu era
pequeno minha mãe me falou tal coisa e isso retorna, eu acho que tem a ver com o meu problema. E aí tentar ver o que essas
coisas que ele vê, ou que ele lembra, se ele por exemplo, relaciona com coisas que acontece no corpo físico. Então como que
esse sintoma muscular e tal, se liga a essa lembrança. E se liga de muitos modos, desde de coisas que fala assim: “Ah, isso
tem a ver, sei lá, com o fato de eu travar a mandíbula quando eu durmo. Então de ter uma dor aqui, acho que isso tem a ver
com a minha tensão, ou com a minha insegurança.” A gente quando está falando disso, manejando isso na clínica, que não é
só falar sobre, mas é intervir a partir daí, quer dizer, fazer ligações, produzir discursos; produzir formas, interpreta mesmos.
Então, na verdade é uma produção de sentidos em torno dos sintomas e do tratamento que implicam, que envolvem
dimensões do corpo; dimensões físicas, psíquicas, lingüísticas, afetiva assim por diante. Então é nessa direção que eu tenho
pensado corpo. Quando eu falo de corpo eu estou falando desse complexo de coisas, não só de uma face, mas dessas
múltiplas faces. E fico caçando inclusive nas minhas pesquisas os modos de articular de mostrar como que essas coisas são
articulações, como essas coisas se imbricam de fato. Elas não são apenas uma roupinha, ou uma articulação metafórica, eu
não estou falando de metáforas. Eu não estou fazendo metáfora do corpo quando eu falo do corpo como um símbolo. Eu
estou falando de que isso é empírico. É assim que o corpo funciona. O corpo humano funciona. Uma palavra, um enunciado
é uma ação, ou pode ser uma ação tanto quanto uma ação física do braço, da cabeça. Um suspiro, ele é uma ação afetiva
tanto quanto uma ação respiratória. São ações corporais em dimensões diferentes, mas imbrincadas, articuladas de
funcionamento do corpo. Então uma imagem, uma lembrança, uma emoção é uma afecção do corpo. Ela não paira pelo
corpo. Então a dimensão básica que subjaz a isso é pensar o corpo não de maneira dualista. Pensando:”O corpo é uma coisa,
o psiquismo, alma é outra coisa.” O psiquismo nada mais é do que um modo de funcionar. Um tipo de registro, ou de um
conjunto de registros de funcionamento corporal. Funcionamento corporal, redes neuronais são capazes por exemplo, de
reter imagens. Essas imagens retidas não só criam trilhamentos cerebrais, etc, como funcionam emocionando, excitando,
deprimindo. O corpo, e são imagens do corpo. Do corpo no corpo. E que se produzem na relação entre um corpo e o outro.
Na relação entre os corpos. O corpo do homem nessas múltiplas dimensões diferente de muitos outros animais, dos
mamíferos e tal, ele nasce pouco adaptado. Ele é pouco determinado geneticamente quando comparado a outros animais. E
por conta disso mesmo, na psicanálise a gente fala de estado de desamparo. E aí esse corpo se molda, se esculpi na
experiência da vida. Então ele se produz nesse entre-corpos, aliás que é o nome da minha tese de doutorado. No entre-
corpos é justamente essa idéia de que o corpo continua se construindo, que o corpo humano nunca está pronto nessas várias
dimensões; e que ele continua se construindo na experiência. Essa experiência se faz no limite entre o corpo próprio de um
sujeito e o corpo do outro, e o corpo das coisas do mundo. Então nessas relações e nessas experiências que ele continua se
moldando, se esculpindo e produzindo, criando e recriando o corpo. Daí as mudanças que o corpo vai operando ao longo
da vida, tanto aquelas que só biologicamente dariam, mas que mesmo assim implicam todas as dimensões do corpo, que
dizer, a gente não pensa a mesma coisa hoje que pensava a uma semana; há uma semana pode não perceber muita
mudança mas, se perguntar e há um ano? E há cinco anos atrás? Você fala, não penso nada! Mas você não pensa essas
mesmas coisas? Você não tem a mesma pele? Você já trocou múltiplas vezes? Os cabelos? O mesmo tamanho? A mesma
acuidade visual, auditiva pode ter melhorado ou piorado, não importa. Você tem outros, E por que você não tem? Porque
houve mudanças em vários níveis, em várias faces do teu corpo,mas também dos contextos com os quais você se relaciona.
Então você já não afeta o outro como você afetava quando era criança. Mas também não é mais afetada pelo outro como
você era afetada quando era criança. Então os encontro, esse entre, portanto, também vai se moldando em função das novas
paisagens, dos novos contextos que eu encontro entre os corpos que vão produzindo. E corpos entendidos, de novo, não
apenas como instâncias físicas. Também como instâncias físicas, que, aliás, é o esteio básico fundamental.
Kátia: você considera que o fonoaudiólogo deva trabalhar com o corpo também? Como é isso?
S2: Claro que sim. Porque eu acho que o fonoaudiólogo ganharia mais se ele trabalhasse com o corpo não apenas de
um modo mecânico, não como um adestrador físico de certas dimensões do corpo, posturais, respiratórias articulatórias,
motoras orais, enfim. Não que isso não seja importante, porque eu acho que é. Eu acho que tem um trabalho de treinamento
e até de adestramento do corpo como há para os esportes, como há na Educação Física, na fisioterapia, etc. E que acho que
tem mesmo, quer dizer, tem um uso que pode ser disciplinado do corpo pra produção oral, pra respiração, pra postura, etc.
que contribuem pra comunicação, pra linguagem. E mesmo pra superação, e pra enfrentamento dos quadros
sintomatológicos, dos transtornos. Então eu não desprezo, muito pelo contrário eu acho que ele é fundamental. Mas eu acho
que ele seria mais rico se ele pudesse ser visto em perspectivas; que dizer, se ele pudesse ser tomado justamente nessas
interfaces com essas outras dimensões do corpo que eu acabei de referir. E não apenas como um trabalho de adestramento
motor oral, articulatório, respiratório, postural que seja.
Kátia: você acha que ele é pouco visto na Fonoaudiologia em uma abordagem mais ampla como você tem colocado?
S2: Acho. Acho que o mais comum é a gente pensar o corpo pela aparência do corpo. Então, o corpo se dá a ver, a
ouvir de maneira imediata, pela sua dimensão exterior e física. Então é comum, já foi comum na área, acho que agora