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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
Doutorado em Artes
CTRL+ART+DEL:
CONTEXTO, ARTE E TECNOLOGIA
Fábio Oliveira Nunes
São Paulo
2007
Tese apresentada à Área de
Concentração: Artes Plásticas da
Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção
do Título de Doutor em Artes, sob
a orientação do Professor Doutor
Gilberto dos Santos Prado.
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
Doutorado em Artes
CTRL+ART+DEL:
CONTEXTO, ARTE E TECNOLOGIA
Fábio Oliveira Nunes
São Paulo
2007
Tese apresentada à Área de
Concentração: Artes Plásticas da
Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção
do Título de Doutor em Artes, sob
a orientação do Professor Doutor
Gilberto dos Santos Prado.
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Assinatura dos membros da Comissão Julgadora
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
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7
Para os meus pais,
pelo apoio incondicional.
Para Soraya,
pelo companheirismo, dedicação e amor tão belos.
Para o amigo psitacídeo Feihnho,
saudades.
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AGRADECIMENTOS
Ao orientador e amigo Gilbertto Prado,
pelo convívio enriquecedor de todos esse anos.
Ao grande amigo, artista e pesquisador Edgar Franco,
pela parceria nos dois projetos práticos desta tese – Freakpedia e Vislumbres Pós-humanos – e
pela amizade sempre sincera.
Aos professores Omar Khouri, Milton Sogabe, Monica Tavares e Silvia Laurentiz,
pela solicitude, apoio e amizade em tantos momentos.
Aos artistas e pesquisadores Ana da Cunha e Andrei Thomaz,
pela fundamental ajuda com referências e sugestões.
Aos amigos de longa data, Diniz, Vivian e Alexandre
pelo apoio nos projetos.
Aos colegas do Grupo Poéticas Digitais da ECA-USP,
pelas discussões em torno dos novos meios.
Aos apoios financeiros da CAPES e da CPG ECA-USP,
na bolsa de doutorado e bolsas PAE.
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1 1
RESUMO
Este trabalho é uma reflexão sobre a produção artística em artemídia em que o contexto
em suas diversas esferas – social, público, tecnológico ou econômico – é parte fundamental
de sua proposta. Interessa-nos investigar em quais circunstâncias a arte tecnológica poderá
atuar em questionamentos do cotidiano e da própria tecnologia. Para tanto, este percurso
apóia-se inicialmente na teoria da Estética Relacional de Nicolas Bourriaud, aproximando-
se de diversas estratégias artísticas de intervenção ou desvio contra o uso homogêneo dos
meios. A pesquisa contempla também a análise de diversos trabalhos artísticos de autores
nacionais e estrangeiros, dentro do escopo assinalado, e resultou igualmente na elaboração
de dois projetos poéticos em desenvolvimento conjunto com o artista Edgar Franco, o site
Freakpedia e o Projeto Vislumbres Pós-humanos.
Palavras-chave: Artemídia; Arte-comunicação; Arte e tecnologia; Contexto social;
Cotidiano.
1 2
1 3
ABSTRACT
This work is a reflection about a new media art production which the context in different
forms – social, public, technological or economic – is elemental part proposition. Interest
us to explore what situations the technological art will act in quotidian questions and
technology. Therefore, this way is supported initially in Nicolas Bourriaud’s theory
Relational Aesthetics and also, in second moment, in several artistic strategies of
intervention or transgression against homogeneous media use. The research contemplate
analysis of national and foreign artworks, inside of scope marked, and resulted also in
elaboration of two practical projects in development with the artist Edgar Franco, the web
site Freakpedia e o Project Vislumbres Pós-humanos.
Keywords: Media art; Communication Art; Art and technology; Social context; Quotidian.
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SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
Lista de figuras ...........................................................................................................................................17
INTRODUÇÃO ...............…………………………………………………………………………………………21
Contexto ..............…………………………………………………………………………………………21
Tecnologia ..............……………………………………………………………………………………….22
Arte …………………..............…………………………………………………………………………….2Arte …………………..............…………………………………………………………………………….2�
CAPÍTULO 1 - O contexto inserido na arte ...................................…………………………………………….29
1.1 Dadaísmo .............…………………………………………………………………………………….�1
1.2 Conceitualismos .............…………………………………………………………………………….�4
1.� Arte postal .............……………………………………………………………..……………………�7
1.4 Beuys: arte como escultura social ..........…………………………………………………………40
1.5 Situacionismo ..............……………………………………………………………………………….42nismo ..............……………………………………………………………………………….42
1.6 Arte sociológica .............……………………………………………………………………………..46
1.7 Estética da Comunicação ..............…………………………………………………………………..51
1.8 Fred Forest ............…………………………………………………………………………………..56
1.9 Mídia e arte .............………………………………………………………………………………..59
1.10 Estética Relacional ................………………………………………………………………….....…611.10 Estética Relacional ................………………………………………………………………….....…61
1.11 Posturas tecno-relacionais .......................................................................................................68
CAPÍTULO 2 - Relações e mediação em rede ...........................................................................................7�
2.1 Censura na rede Internet .........................................................................................................77
2.2 Web 2.0 ..................................................................................................................................79
2.� Wikipedia: enciclopédia colaborativa .......................................................................................88
2.4 Produção em web arte ..............................................................................................................9�
2.5 Freakpedia: conceitos ..............................................................................................................97
2.6 Freakpedia: técnica e conteúdo ..............................................................................................10�
2.7 Ação e mediação ..................................................................................................................109
2.8 Web �.0 ................................................................................................................................114
CAPÍTULO 3 - Hegemonia cyborg ..........................................................................................................119
�.1 Cyberpunks .............................................................................................................................119
�.2 Cyborgs ..................................................................................................................................128
�.� Sociedade de controle .............................................................................................................1�0
�.4 Mercado e tecnociência ............................................................................................................1�4
�.5 Fluxos e desacelerações ..........................................................................................................14�
�.6 Emergência ............................................................................................................................147
�.7 A Aurora Pós-humana de Edgar Franco ..................................................................................152
�.8 Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................................................................156
CAPÍTULO 4 - Tecnologia e seus distúrbios ..............................................................................................167
4.1 Formas relacionais .................................................................................................................170
4.2 Reflexos e desvios ...................................................................................................................17�
4.� Ações de convivência ..............................................................................................................177
4.4 Ações ao monitoramento .......................................................................................................181
4.5 Ações intrínsecas .....................................................................................................................19�
4.6 Ações com modelos sociais ...................................................................................................20�
4.7 Outras ações ..........................................................................................................................212
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................217
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................22�
Artigos e livros ..............................................................................................................................22�
Matérias de sites, jornais e revistas ..................................................................................................2�1
Web sites ......................................................................................................................................2��
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01: A Fonte (1919), de Marcel Duchamp............................................................................................�4
Fonte: MINK, 1996.
Figura 02: Inserções em Circuitos Ideológicos (1970), de Cildo Meireles............................................................�6
Fonte: http://www.bbc.co.uk/collective/ (acesso em 07/10/2007).
Figura 0�: Evolução/Revolução (1971), de Julio Plaza ..............................................................................�9
Fonte: http://mac.mac.usp.br/exposicoes/04/plaza/ (acesso em 01/10/2007).
Figura 04: A revolução somos nós (1972), de Joseph Beuys .........................................................................41
Fonte: http://www.artnet.com/magazine/news/walrobinson/Images/walrobinson2-1-11s.jpg (acesso
em 02/10/2007).
Figura 05: História em quadrinhos (1967) de André Bertand e texto de Raoul Vaneigem ................................4�
Fonte: http://libcom.org/thought/situationists-an-introduction (acesso em 0�/10/2007).
Figura 06: Imagem da publicação situacionista Spectacular Times, em 1968 ...................................................44
Fonte: http://www.archive.org/download/SpectacularTimesImagespdf/images.pdf (acesso em
05/10/2007).
Figura 07: Página do jornal Folha da Tarde de 0�/10/197� .............................................................................47
Fonte: http://www.webnetmuseum.org/ (acesso em 20/09/2007).
Figura 08: Passeio Estético-Sociológico no Brooklin (197�) de Fred Forest .......................................................48
Fonte: http://www.webnetmuseum.org/ (acesso em 20/09/2007).
Figura 09: Farmácia Fischer (1975) de HerFischer ......................................................................................50
Fonte: http://www.mac.usp.br/projetos/arteconceitual/fischer.htm (acesso em 21/09/2007).
Figura 10: Hole in Space (1980) de Kit Galloway e Sherry Rabinowitz ..........................………………………….54
Fonte: http://www.ecafe.com/museum/hp_gy_1987/hp_gy_1987.html (acesso em 01/10/2007).
Figura 11: L’Oeuvre du Louvre (1990) de Paulo Laurentiz .............................................................................54
Fonte: ARANTES, 2005.
Figura 12: A torneira telefônica (1992) de Fred Forest .....................................................................................55
Fonte: http://www.webnetmuseum.org/ (acesso em 20/09/2007).
Figura 1�: Tecno-casamento (1999) de Fred Forest e Sophie Lavaud ................................................................57
Fonte: http://www.webnetmuseum.org/ (acesso em 20/09/2007).
Figura 14: Corpo na Rede (2002) de Fred Forest ..............................................................................................58
Fonte: http://www.webnetmuseum.org/ (acesso em 20/09/2007).
Figura 15: La D.S. (199�) de Gabriel Orozco ................................................................................................64
Fonte: http://www1.uol.com.br/bienal/24bienal (acesso em 22/09/2007).
Figura 16: Dolores from 10 to 10 (2002) de Coco Fusco ...................................................................................65
Fonte: http://channel.creative-capital.org/project_image_popup_70.html (acesso em 01/10/2007).
Figura 17: “Shop-drop” da artista Zöe Sheehan Saldaña ...................…………………………………………….66
Fonte: http://www.zoesheehan.com/ (acesso em 10/09/2007).
Figura 18: Smart Companion da Philips ...............………...………………………………………………………69
Fonte: http://www.research.philips.com (acesso em 12/09/2007).Fonte: http://www.research.philips.com (acesso em 12/09/2007).
Figura 19: Bienal do ano �000 (2006) de Fred Forest ...............................................................................74
Fonte: http://www.biennale�000saopaulo.org/ (acesso em 12/09/2007).
Figura 20: Site de relacionamentos Orkut ...................................................................................................81
Fonte: http://www.orkut.com (acesso em 10/10/2007).
Figura 21: Ambiente Second Life .................................................................................................................84
Fonte: http://www.cronopios.com.br/site/internet.asp?id=2452 (acesso em 05/10/2007).
Figura 22: Wikipédia (versão lusófona) em setembro de 2007 .......................................................................89
Fonte: http://www.pt.wikipedia.org (acesso em 17/09/2007).
Figura 2�: NÓISGRANDE (2006), organizada por Fábio Oliveira Nunes .......................................................91
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 24: Site Jodi (1994) ...........................................................................................................................95
Fonte: https://wiki.brown.edu/confluence/display/MarkTribe/Jodi (acesso em 0�/09/2007).
Figura 25: ONOS - On Operating System (1999) de Fábio Oliveira Nunes .....................................................95
Fonte: Arquivo pessoal.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 8
Figura 26: Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ..................................................................98
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 10/09/2007).
Figura 27: Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ................................................................104
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 20/09/2007).
Figura 28: Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ................................................................104
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 20/09/2007).
Figura 29: Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ................................................................107
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 14/10/2007).
Figura �0: Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ................................................................107
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 14/10/2007).
Figura �1: Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes .................................................................107
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 14/10/2007).
Figura �2: Alteração em Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ..........................................110
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 02/08/2007).
Figura ��: Alteração em Freakpedia de Edgar Franco e Fábio Oliveira Nunes ..........................................110
Fonte: http://www.freakpedia.org (acesso em 02/08/2007).
Figura �4: Cena do filme Metropolis (1927) de Fritz Lang ........................................................................122
Fonte: http://www.sas.org/tcs/weeklyIssues/2004-07-02/feature2/art/metropLg.jpg (acesso em
15/10/2007).
Figura �5: Cena do filme Frankenstein (19�1) de James Whale .................................................................124
Fonte: http://imdb.com/title/tt0021884/ (acesso em 16/10/2007).
Figura �6: Cena do filme Blade Runner (1982) de Ridley Scott ..................................................................126
Fonte: Imagem capturada de vídeo.
Figura �7: Cena do filme TRON (1982) de Steven Lisberger ...................................................................127
Fonte: Imagem capturada de vídeo.
Figura �8: Massacre Endeavor (2006) de Vivian Puxian ..........................................................................129
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura �9: Por um fio (1996) do grupo SCIArts ..........................................................................................1��
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2005/ ju296pag04.html (acesso
em 20/10/2007).
Figura 40: Cena do filme Laranja Mecânica (1971) de Stanley Kubrick ......................................................144
Fonte: Imagem capturada de vídeo.
Figura 41: Revolátil (2006) de Fábio Oliveira Nunes .................................................................................144
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 42: Delay n.2 ou Retardo n.2 (200�) de Fábio Oliveira Nunes .........................................................146
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 4�: O mito ômega (2006) de Edgar Franco ....................................................................................152
Fonte: http://www.mitomega.com.br (acesso em 28/08/2007).
Figura 44: Seres Extropianos do universo ficcional de Edgar Franco ..........................................................154
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 45: Seres Tecnogenéticos do universo ficcional de Edgar Franco ......................................................154
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 46: BrinGuedoTeCA (2006) de Edgar Franco ..................................................................................155
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 47: Logotipo e imagem de apresentação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ......................................157
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 48: Personagens do Projeto Vislumbres Pós-humanos .....................................................................159
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 49: Personagens do Projeto Vislumbres Pós-humanos. ..................................................................159
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 50: Personagem do Projeto Vislumbres Pós-humanos ......................................................................159
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 51: Descrição do sistema do Projeto Vislumbres Pós-humanos .....................................................161
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 52: Planta do espaço da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................16�
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 5�: Estudo em �D da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................164
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 54: Estudo em �D da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................164
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Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 55: Estudo em �D da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................164
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 56: Estudo em �D da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................165
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 57: Estudo em �D da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................165
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 58: Estudo em �D da ciberinstalação do Projeto Vislumbres Pós-humanos ...........................................165
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 59: Zombiac (2000) de Perry Hoberman .............................................................................................168
Fonte: http://www.perryhoberman.com/ (acesso em 10/10/2007).
Figura 60: Zombiac (2000) de Perry Hoberman ............................................................................................168
Fonte: http://www.perryhoberman.com/ (acesso em 10/10/2007).
Figura 61: Vestis (2004) de Luisa Paraguai Donati ......................................................................................179
Fonte: http://paginas.terra.com.br/arte/VESTIS/fotos.html (acesso em 10/10/2007).
Figura 62: Social Mobiles (200�) de Crispin Jones .......................................................................................180
Fonte: http://www.ideo.com/case_studies/social_mobiles/ (acesso em 15 /09/2007).
Figura 6�: Equipamentos vestíveis desenvolvidos por Steve Mann ........................................................18�
Fonte: http://www.wearcomp.org/mann.html (acesso em 11/10/2007).
Figura 64: Steve Mann atuando com o WearComp .....................................................................................18�
Fonte: http://www.wearcomp.org/mann.html (acesso em 11/10/2007).
Figura 65: Performance do grupo Surveillance Camera Players, em 2001 ....................................................184
Fonte: http://www.notbored.org/the-scp.html (acesso em 04/10/2007).
Figura 66: Spio (2004) de Lucas Bambozzi .................................................................................................187
Fonte: http://www.rizoma.net/interna.php?id=�48&secao=artefato (acesso em 15/10/2007).
Figura 67: Surveillance Vídeo Entertainment Network (2007) de Amy Alexander e outros ..............………..188
Fonte: http://deprogramming.us/ai/index.html (acesso em 20/09/2007).Fonte: http://deprogramming.us/ai/index.html (acesso em 20/09/2007).
Figura 68: Swipe (2002/2004) do Preemptive Media ...................................................................................191
Fonte: http://www.we-swipe.us (acesso em 12/09/2007).
Figura 69: Esc for Escape (2004) de Giselle Beiguelman ..........................................................................196
Fonte: http://www.desvirtual.com/escape/ (acesso em 15/10/2007).
Figura 70: Accept (200�) de Perry Hoberman ............................................................................................196
Fonte: http://www.perryhoberman.com/ (acesso em 10/10/2007).
Figura 71: Spore 1.1 (2004) dos artistas Douglas Easterly e Matthew Kenyon ............................................196
Fonte: http://swamp.nu/ (acesso em 04/10/2007).
Figura 72: GenTerra (2001) do Critical Art Ensemble .................................................................................201
Fonte: http://www.critical-art.net/biotech/genterra (acesso em 11/09/2007).
Figura 7�: Free Range Grains (200�/2004) do Critical Art Ensemble ......................……………………………201
Fonte: http://www.rizoma.net/interna.php?id=�00&secao=artefato (acesso em 14/10/2007).
Figura 74: Problemarket (2000) dos artistas Davide Grassi e Igor Stromajer ................................................204
Fonte: http://www.problemarket.net (acesso em 16/10/2007).
Figura 75: Mejor Vida Corporation (1998) de Minerva Cuevas ..................................................................206
Fonte: http://www.irational.org/mvc/espanol.html (acesso em 10/09/2007).
Figura 76: Carteira de estudante Mejor Vida Corporation (1998) de Minerva Cuevas .................................206
Fonte: http://www.edith-russ-haus.de/pix/system/cuervas_id.jpg (acesso em 16/10/2007).
Figura 77: FuckU-FuckMe (1998) de Alexei Shulgin ..................................................................................209
Fonte: http://www.cronopios.com.br/site/internet.asp?id=1776 (acesso em 15/10/2007).
Figura 78: RYT Hospital (1997/200�) de Virgil Wong ...............................................................................209
Fonte: http://www.rythospital.com (acesso em 10/09/2007).
Figura 79: CNNplusplus (2006) de Heidi Kumao e Chipp Jansen ..............................................................211
Fonte: http://www.cnnplusplus.com (acesso em 11/09/2007).
Figura 80: Telemadre.com (2002) do coletivo ‘Mmmm...’ ...........................................................................211
Fonte: http://www.telemadre.com (acesso em 04/10/2007).
Figura 81: Cozinheiro das Almas (2005/2006) do Grupo Poéticas Digitais ...................................................21�
Fonte: Imagem capturada do game.
Figura 82: F69 (2004) de Suzete Venturelli e Mário Maciel .......................................................................214
Fonte: Imagem capturada do game.
Figura 8�: Debugging Life (2006) de JLNDRR ........................................................................................214
Fonte: http://www.debugginglife.com (acesso em 19/10/2007).
2 0
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 1
INTRODUÇÃO
CTRL+ART+DEL. No universo da informática, a combinação das teclas CTRL+ALT+DEL
é empregada quando um computador (com alguma das versões do sistema Microsoft Windows)
ou um programa precisa ser abruptamente reiniciado da maneira menos ortodoxa: depois de
algum erro grave que impeça a continuidade de suas atividades. É a escolha derradeira e muitas
vezes arriscada – em que dados poderão ser perdidos ou avariados. Feita a escolha, o sistema
carregará todas as suas diretrizes novamente e esperaremos que, desta vez, enfim, a ordem
seja restabelecida. Uma ação de reinicializar, de reavaliação de suas próprias diretrizes.
Contexto
Se a vida contemporânea pudesse ter também uma combinação capaz de nos fazer reinicializar
nossos pontos de vista, certamente uma opção seria a confluência de três elementos: o
contexto, a arte e a tecnologia estas duas últimas fluindo em um mesmo conjunto em
função do primeiro elemento. A intenção parece despropositada se partirmos do princípio
otimista de que não condição a ser resolvida. Se acreditarmos realmente que o rumo das
coisas é o adequado, essa proposição não fará sentido algum. Assim, não há como negar um
pessimismo diante das circunstâncias atuais e uma descrença de que o cenário seja alterado
sem um elemento desencadeador.
Esse pessimismo nasce a partir da constatação de situações em que algumas premissas básicas
dos direitos individuais e coletivos estão, de algum modo, ameaçadas ou estão sujeitas a
práticas tendenciosas, mercantilistas, impositivas ou intrusivas. Essas práticas são perceptíveis
no cotidiano em termos concretos: na proliferação de câmeras de vigilância em todos os
espaços públicos, como parques, escolas, estabelecimentos comerciais ou até mesmo nas ruas;
na existência de tecnologias através de satélites capazes de localizar com exatidão qualquer
elemento do globo; nas ferramentas aparentemente inofensivas como os cartões de fidelidade
de supermercados e grandes magazines; na ameaça permanente de restrições de conteúdos na
rede Internet; na ávida necessidade das grandes corporações em manter um banco de dados
de seus clientes; no desvendamento do Projeto Genoma Humano por laboratórios ávidos em
desenvolver novos medicamentos.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 2
Evidentemente, esse sentimento pessimista não pode se estender para uma postura paranóica,
mesmo porque essas práticas atuam em um permanente mise-en-scène, onde cada ato é justificado
coerentemente dentro daquilo que é politicamente correto e, muitas vezes, estendido como
benefício para aquele que é oprimido – como quando temos câmeras de vigilância “para a sua
própria segurança”. Nestas práticas, não uma imposição assumida, mas uma estratégia de
permanente sugestão, pois o ato de consumir ainda presume a liberdade e o poder do cliente.
O domínio destas práticas é exercido por um sistema de forças de grande extensão com
ramificações em todas as áreas da vida. Não se trata de um sistema institucionalizado ou
da economia de mercado o capitalismo simplesmente. Muito menos de alguma ameaça
corporificada e concreta como nos enredos cyberpunks, mas de um conjunto de forças que está
pulverizado e atuante em cada aspecto do cotidiano. Não temos a opção de não fazer parte dele,
mas podemos trazê-lo à tona. Corporações multinacionais, globalização, o uso desmedido de
transgênicos não são mais do que decorrências do seu donio. Muito mais importante do que
atuar contra esta ou aquela empresacomo muitos ativistas realizarão atos em lanchonetes de
fast-food ou contra companhias de comunicação é tentar criar uma sensibilidade para lidar
com essa condição presente, atuando naquilo que o indivíduo percebe em seu cotidiano.
Tecnologia
Nestas circunstâncias, não podemos nos iludir com a premissa de que a tecnologia é sempre
benéfica a todas as pessoas: muito pelo contrário, a tecnologia está na mão daqueles que
detêm o poder e isso implica em intenções. É claro que há um lado positivo em grande parte
das vezes – que é o que justifica esta ou aquela aplicação –, mas que sempre atentar-se para
que caminhos essas tecnologias possam tomar. Ao contrário dos especialistas ou entusiastas
em geral – de alguns jornalistas deslumbrados com os avanços até educadores que vêem uma
revolução nos seus métodos –, os artistas devem sempre manter uma observação criteriosa ao
lidar com meios que estão impregnados de implicações sociais. A tecnologia como é recebida
no nosso cotidiano está inserida em um contexto ideológico da hegemonia: progresso, avanço,
inovação ou moda são alguns dos conceitos empregados para se fazer consumir ou crer que a
mais alta tecnologia é sempre a opção mais indicada.
Com a tecnologia, temos a instauração de novas operações sociais em que as relações
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não estão restritas às pessoas, pois com o surgimento de sistemas cada vez mais complexos,
nascem discursos maquínicos de maior “inteligência” e inserção no âmbito relacional. Os
robôs sociais (operando em ambientes de relações) são sintomáticos desta condição, bem
como os autômatos de linha de produção ou operadores de telemarketing com seus discursos
pré-determinados, numa via invertida (em que o humano toma uma consciência de máquina).
Essa hegemonia é assumidamente cyborg ao passo que pretende tornar simétricos, os
comportamentos da máquina e do humano.
Grande parte dos comportamentos maquínicos nasce de uma visão sistêmica, que é
fundamental para a organicidade do conceito de emergência e de sistemas complexos.
Ambos serão elementares na estrutura da chamada inteligência artificial, que por sua vez,
pode originar tanto aplicações positivas como fazer parte de sistemas de monitoramento cada
vez mais eficazes. O surgimento de uma consciência artificial cada vez mais próxima às
capacidades humanas – é um dos pontos de partida mais recorrentes na ficção científica, em
especial no Cyberpunk. O movimento anteviu o crescimento das redes de computadores, a
fusão homem-máquina, o poder incomensurável de grandes corporações internacionais e se
posicionou de maneira pessimista diante da possibilidade da falência de instituições como a
ética, a liberdade, a compaixão, a igualdade e outros preceitos da humanidade.
O cenário distópico do Cyberpunk parece dar forma ao pensar na atual tecnologia a partir de
fatos concretos como a substituição da mão-de-obra humana por equivalentes eletrônicos, a
presença multiplicada das câmeras de vigilância em espaços públicos, a utilização crescente
de dispositivos de monitoramento e identificação como códigos de barra e etiquetas RFID, a
visão onipresente dos satélites, a utilização da biotecnologia com finalidades gananciosas; e
das conseqüências destes fatos, o surgimento de novas formas como a permanente formação
de modelos, o fluxo informacional, a instauração de duradouras relações financeiras em
contrapartida a relações humanas cada vez mais transitórias, o pensamento corporativo
homogêneo, a eugenia provável, para citar algumas circunstâncias.
Arte
A proposição inicial das reflexões desta pesquisa é que caberá aos artistas dos novos meios
intervirem especialmente neste modelo hegemônico, desconstruindo o discurso homogêneo
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 4
e criando desvios estratégicos. Uma interferência que se propõe em ir além de devaneios
estéticos o deslumbramento da imagem digital e suas potencialidades para a imersão
em sua inserção social nas relações entre indivíduos e/ou máquinas. A tecnologia então é
pensada no interior de um contexto social, gerando ou intermediando relações. Esse percurso
será possível a partir das proposições da estética relacional, tratada por Nicolas Bourriaud
como uma teoria capaz de julgar as obras de arte em função das relações humanas que são
figuradas, produzidas ou suscitadas. Essa estética relacional conduz-nos a pensar no contexto
da produção artística (o centro de exposições, a cidade, o país ou relações mundiais) e em
trabalhos que minimizam sua autonomia artística. Ou seja, embora não possam simplesmente
ser julgados com base apenas em seu contexto, mas sim esteticamente e com base em
referenciais artísticos, ao mesmo tempo, estes trabalhos não devem ser desvinculados das
circunstâncias de relações em que foram concebidos.
Apesar do contexto desfavorável, é na apropriação das mesmas tecnologias da hegemonia
que a arte dos novos meios torna possível agir na contramão do estabelecido. Como
intervenção, distúrbio ou desvio seja qual for a definição o artista pode agir no sentido
de criar interstícios – espaços-entre – que não se enquadrarão dentro dos parâmetros
hegemônicos; um início de uma ação que não prega necessariamente o ataque mas sim uma
explicitação das circunstâncias. Bem, quando Bourriaud fala da rotulação da arte relacional
como uma forma de crítica suavizada, de se trazer também sua defesa para o âmbito desta
produção que poderíamos chamar de tecno-relacional: além do caráter social, essa produção
também é lida por suas referências históricas (com a história da arte) e por seus pormenores
estéticos (a produção, a visualidade, a linguagem envolvidas). O papel desta produção o
é atacar seus opositores, mas direcionar-se ao indivíduo deste contexto e fazê-lo desvelar
propósitos ocultos, pensar em outros modelos sociais com base em seu cotidiano cada vez
mais tecnológico.
É neste cenário, em que surgem duas produções de minha co-autoria (em desenvolvimento
conjuntamente com o artista Edgar Franco), que são germinais no decorrer destas idéias.
Uma delas é Freakpedia, que é uma enciclopédia digital desenvolvida com estrutura wiki a
qual permite uma produção colaborativa em seus verbetes, assim como acontece em outras
enciclopédias da Internet. A principal diferença da Freakpedia em relação às demais é sua
pretensão insignificante: são aceitas especialmente contribuições de verbetes caracterizados
por assuntos de pouca ou nenhuma relevância. Ou seja, tudo que não tiver importância
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nenhuma cabe no interior desta enciclopédia. E por extensão, ela mesma não almeja ter
nenhuma relevância e nem ser comparada com as demais. A Freakpedia deturpa o modelo
de relevância defendido pela conhecida Wikipédia: para os wikipedistas, somente aquilo que
for “relevante” deve ser digno de estar presente ali. Com esta concepção, desconsiderando
a possibilidade de ir além do paradigma enciclopédico tradicional, os editores reforçam o
ideário da mídia de massa e da hegemonia excluindo tudo aquilo que estiver distante do
repertório médio de wikipedistas, como produções alternativas e para reduzidos públicos. Essa
concepção acaba sendo um paradoxo em torno daquela que se auto-intitula “enciclopédia
livre” quando na verdade, apenas faz uso do chamado software livre (sem restrições de
direitos autorais).
Os equívocos da Wikipédia são também motivações importantes para se pensar na popular
Web 2.0 – em que as estruturas colaborativas passam a ser cada vez mais presentes. Sites com
grande penetração popular como Orkut e YouTube ou ambientes como o Second Life posicionam
o antigo “leitor” da web em um ativo produtor/gerenciador de conteúdos; um indivíduo
que não está apenas disposto apenas a buscar informações como também em produzi-las:
fotografias, vídeos, textos, diários eletrônicos (blogs) e até mesmo o preenchimento de extensos
perfis de preferências e círculos de amizade em sites de relacionamento, são exemplos desta
popularização.
Outro trabalho de minha co-autoria, que também é fundamental neste percurso, é o Projeto
Vislumbres s-humanos, uma instalação na qual o visitante ise deparar com as criaturas
oriundas do universo ficcional de Edgar Franco. O artista é influenciado pela produção
arstica em novos meios que lida com a figura do pós-humano, por movimentos s-
humanistas e pela ficção científica para criar um universo futuro povoado por seres mutantes
que possuem corpos híbridos de humano e/ou animal e/ou vegetal e/ou silício. Algumas
destas criaturas o dotadas de consciências e sentidos ampliados pela biotecnologia, robótica
ou telemática e, bem como, algumas criaturas abandonaram o plano sico, existindo
apenas como blocos de informação permanentemente percorrendo uma rede telemática
avançada deste mundo.
No projeto da instalação, cinco criaturas híbridas de Franco têm seus comportamentos
em relação ao visitante definidos por oscilações da bolsa de valores eletrônica NASDAQ.
Conforme empresas que lidam com robótica e com biotecnologia oscilam positivamente ou
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não, os seres irão ao encontro do visitante (sob a forma de uma projeção no interior de um
ambiente escuro) com menor ou maior hostilidade. Quanto maior o rendimento dos papéis
negociados por estas empresas, menos hostis as personagens serão com seus visitantes. O
Projeto Vislumbres Pós-humanos insere o indivíduo dentro de uma lógica sistêmica do mundo:
cada indivíduo consumidor é co-responsável pelos avanços tecnocientíficos, por suas escolhas
e por suas omissões, como o nível mais fundamental de um complexo sistema. Quando
optamos por esta ou aquela marca de alimentos, medicamentos ou equipamentos eletrônicos,
por exemplo, existe a cooperação junto a uma coletividade de um comportamento que será
traduzido em última instância em lucros ou prejuízos num sistema orgânico e autogerenciado
que é o mercado global.
Diversos artistas dos novos meios se propõem a esta empreitada em diferentes graus e
estratégias. Alguns se posicionarão no universo das relações humanas, outros atuarão nos
meios de comunicação e tecnologia, bem como, aqueles que serão implacáveis com o
monitoramento e ambíguos com a possibilidade de modelos sociais alternativos. Em todos,
porém, existe a ressonância de posturas notadamente conceituais em que a idéia é o
âmago.
Marcel Duchamp, dadaísta e pai dos conceitualismos, já traz no Ready-made, as implicões
do contexto em sua apreeno. A cada ato de descontextualizar, es implicado o contexto
que deixa de ter o objeto e aquele que o recebe. No conceitualismo, há um jogo entre
a condão do leitor na poética, o contexto e as estratégias de desmaterialização do
objeto, a fim de fazer restar prioritariamente iias. Essa incitação mental é a estratégia
fundamental para questionar contdos sociais e poticos, podendo ainda, fazer uso do
próprio contexto artístico para metaforizar outros valores. Um dos exemplos é a arte
postal que ao questionar a relação receptor/emissor e instaurando a colaboração, acaba
também atuando contra um pensamento hierquico, tipicamente disciplinar. E o mesmo
pode também ser aplicado em relação a aberturas participativas na arte, como em Lygia
Clark e Hélio Oiticica.
Na intersecção entre os novos meios e o conceitual, está a produção do artista Fred Forest que
desde seus tempos de arte sociológica, nos anos 70 do século XX, atua em um espaço mútuo
entre a investigação da linguagem e o apontamento do contexto social. Muitas vezes, parte
para a explicitação do “espetáculo da vida”. Suas propostas conduzem-nos a inquietações
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que geram novos espaços de relações e que conseguem desconstruir uma ideologia dominante
de maneira magnífica. Sem dogmatismos, pretensões universais ou discursos assumidamente
políticos.
O espaço de trabalho de artistas dos novos meios que busquem esse tipo de sensibilização
não acontecerá sob o discurso empoeirado e desatualizado das classes sociais ou da ação
contra o imperialismo ou ressuscitando os dinossauros de esquerda. Essas posturas se
tornam tão ultrapassadas quanto a própria noção de propriedade ou da presunção de um
poder constituído em forma concreta. Essa produção artística atua sem grandiloqüência,
quase apolítica em grande parte das vezes em que as utopias libertárias dão lugar a tentativas
microscópicas, restritas ou pontuais. Não é a intenção de mudar o mundo, mas de criar um
mundo de pequenos distúrbios. Assim, CTRL+ART+DEL seria a reflexão (sob a forma
de um ready-made retificado) que não propõe estabelecer uma nova ordem social, mas sim
almeja escancarar a ordem então colocada e fazer-nos questionar o porquê das coisas assim
funcionarem.
* * *
Este trabalho compõe-se de quatro capítulos que refletem em torno do contexto na produção
artística em novos meios. O primeiro capítulo, O contexto na arte, parte para a apresentação
de um percurso de diversos momentos artísticos em que o contexto social está presente,
como na acepção do Ready-made de Marcel Duchamp, nas produções que fazem uso de
conceitualismos, no Situacionismo e no coletivo de Arte Sociológica, entre outros. Por fim,
abordaremos a Estética Relacional de Nicolas Bourriaud e a proposta de inspiração em seus
pensamentos para abordar uma produção dos novos meios questionadora de seu contexto.
O segundo capítulo, Relações e mediação em rede, tem como argumento principal o site de web
arte Freakpedia. É em seu entorno que nascem reflexões em torno do indivíduo, seus poderes
e restrições na Internet, entre outras questões, como a postura da enciclopédia colaborativa
Wikipédia, como um espaço de censura e patrulhamento. o terceiro capítulo, Hegemonia
Cyborg, tem em sua essência o projeto Vislumbres Pós-humanos, que o finaliza. O capítulo
parte do Cyberpunk e do imaginário nele cultivado, para adentrar nuances de nosso contexto
social e tecnológico, trazendo as considerações de diversos autores – pontuando idéias sobre
sociedade, economia, tecnologia e inquietações contemporâneas –, além do trabalho do
artista Edgar Franco. O quarto e último capítulo, Tecnologia e seus distúrbios, é dedicado a um
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 8
mapeamento de alguns trabalhos de artistas nacionais e estrangeiros que lidam com o contexto
contemporâneo, propondo discutir a convivência, o monitoramento, a própria tecnologia e
modelos sociais. As formas relacionais de Bourriaud, bem como a idéias de artistas como
Steve Mann e o coletivo Critical Art Ensemble serão fundamentais neste último percurso.
Após os capítulos, há as considerações que fecham estas reflexões.
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2 9
Capítulo 1
O contexto inserido na arte
Marshal McLuhan, ao falar sobre os meios como extensão do homem, recorre ao mito de
Narciso para tentar explicar a fascinação do homem pela tecnologia. Vindo Narciso da palavra
grega narcosis, significando entorpecimento o fato de tomar como outra pessoa sua própria
imagem refletiva na água, tornou-se maravilhado por sua própria extensão. Sua percepção foi
tomada e criou-se um “sistema fechado” em si mesmo, tornou-se o servomecanismo de sua
própria imagem prolongada e repetida. Enfim, McLuhan nos traz a seguinte idéia: o homem
se torna fascinado por suas extensões em qualquer material que não seja o dele próprio.
quem diga que os homens se apaixonam por mulheres que reflitam sua própria imagem. Os
sentimentos de Narciso seriam bem diferentes se ele soubesse que ele via era, na verdade,
uma repetição dele mesmo (ao contrário do que nos é apresentado normalmente sobre o
mito, um caso de “auto-amor”). Ao mesmo tempo, um segundo paralelo é desenvolvido pelo
autor: em casos de choque como cair de alguns metros ou perder um ente querido o
sistema nervoso humano cria uma “auto-amputação”, desliga um ou mais sentidos com o
intuito de que o indivíduo não pereça. No caso da tecnologia, há um entorpecimento gerado
pela “auto-amputação” da consciência humana: as máquinas assumem para lidar com o
choque da guerra, da urbanização, da modernidade circunstâncias que explicitam nossa
fragilidade. Os indivíduos transformam-se em servomecanismos enfeitiçados com a máquina
tanto quanto Narciso com sua própria imagem. Ainda que já não caiba pensarmos nos meios
tecnológicos como nossa extensão frente a uma autonomia cada vez mais iminente essa
fascinação ainda persiste.
De um modo geral, a abordagem das exposições de arte e tecnologia reflete a fascinação diante
das conquistas tecnogicas, ecoada na imprensa de entretenimento. É recorrente a idéia de que a
produção em arte e tecnologia se nutre de um deslumbramento em torno do que a máquina pode
proporcionar. É certo que as novas possibilidades de produção de imagem, percepção, interação,
simulação, entre outras, envolvem artistas e teóricos em grande magnitude, desprovendo alguns
de um senso crítico mais apurado. Nisso, tornou-se comum a idéia de que a arte tecnológica
necessariamente está em função daquilo que uma inovação técnica o computador mais
poderoso ou o dispositivo mais recente, por exemplo pode proporcionar. Mas é necessário
pensar num outro sentido e apresentar as exceções a essa regra.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
3 0
Em oposição à fascinação tecnológica, em 2004, o Instituto Itaú Cultural, em São
Paulo, realizou o simpósio e exposição Emoção Art.ficial 2.0 com o tema “divergências
tecnológicas”, sugerido pelo artista Jeffrey Shaw, consultor do evento. O texto dos curadores
Arlindo Machado e Gilbertto Prado, dava corpo e voz ao que seria a expressão contrária
aos discursos apologéticos da tecnologia, apresentando uma produção artística em novos
meios, caracterizada pela insatisfação em relação aos discursos das benesses do progresso
científico, ou mesmo da promoção ao consumismo. Além disso, atenta-se para a condição
incômoda de um país como o Brasil, distante dos países verdadeiramente produtores high
tech, mantendo-se à periferia dos centros de poder e – especialmente em que o acesso aos
bens tecnológicos é muitíssimo restrito e excludente. O evento abordou uma postura na
produção artística dos novos meios até então com pouca visibilidade: o questionamento do
contexto tecnológico e social como a tônica do discurso. O espaço operatório dos artistas
com esta postura abarcou as diferenças e discórdias sociais, o espetáculo, o mercado, o
monitoramento, a política, a coerção social ou as relações tantas vezes conturbadas
entre homem e tecnologia. Esta abordagem contextual está presente em diversos momentos
artísticos. Faremos um percurso neste sentido até voltar às questões tecnológicas.
BOURRIAUD (2006, p. �0-�1) traz uma característica presente nos trabalhos artísticos
a partir dos anos 90 do século XX, que será muito importante no decorrer deste nosso
pensamento: a instauração de uma produção que não está livre de ideologias ou posições
políticas, onde o contexto social é parte fundamental. Para entender onde se situa essa
condição, primeiramente é necessário que voltemos ao tempo em que a obra de arte ainda
existia como uma “conexão” ao divino. A arte teve pretensões mais transcendentais,
atuando como meio entre os homens e as forças invisíveis que atuariam sobre a sociedade
humana, ainda sendo exemplar ao trazer uma natureza que representava a ordem divina,
facilitando a sua compreensão. Porém, a partir do Renascimento, essa ambição foi deixada
de lado e se passou a colocar o homem em relação com o mundo. Uma nova ordem de
relações em que a situação física do humano em seu universo ainda que com grande
influência do divino é apresentada, graças a novas proposições visuais, como a perspectiva
de Alberti ou mesmo o esfumato de Leonardo da Vinci.
A questão aberta pelo Renascimento seria “qual a nossa relação com o mundo físico?” e
se dirigiu primeiramente a totalidade do real, no sentido de automatizar a percepção, mas
depois foi direcionada para segmentos desta realidade, num percurso nem sempre linear
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3 1
de idas e vindas em torno do transcendente e da realidade. Então, se antes o artista se
ocupava da vinculação entre humanidade e divindade, depois entre o humano e o objeto,
desde algum tempo os trabalhos se direcionam para discutir as relações sociais em que o
artista focaliza o contexto, o universo de comportamentos que o seu trabalho suscitará
em seu público, bem como a formação de modelos sociais, que circunscrita não um
campo ideológico, mas também a novas formas estéticas em que predomina a relação.
O objeto artístico é pensado como elemento indissociável do seu contexto indivíduos
além do próprio artista e a sociedade e surgem novas formas como a performance, as
manifestações, as colaborações e outras situações em que são estabelecidos intercâmbios.
Em todos os casos, essas situações propõem uma abordagem que não é somente estética, é
também ora social, ora socializante.
É interessante observar que esses trabalhos terão como foco o seu contexto prioritariamente
e a conseqüente relação que podemos ter com ele. Não estamos evidentemente falando de
um contexto físico – como as invenções artísticas que surgem em função de uma proposta
in situ mas de um contexto mais geral, que parte da própria estrutura institucional da
arte, para as características sócio-econômicas e políticas desta sociedade que recebe o
objeto artístico, bem como os atores envolvidos em ambas as esferas (ibidem, p. 1�8).
Nesta situação os trabalhos não estão livres de uma ideologia, mas, ao mesmo tempo, não
se limitam apenas a “relevar” algo; não estão limitados na esfera social e se ocupam de
criar modelos simbólicos de seu tempo. Neste sentido, tem-se que observar, por exemplo,
a prática de vanguardas históricas como o Dadaísmo, em que o contexto é parte de um
complexo sistema de relações.
1.1 Dadaísmo
Até hoje, não um momento da história da arte que tenha conseguido aliar a estética
transgressora a uma abordagem social mordaz como o Dadaísmo. Diriam os seus
fundadores: “Dadá não significa nada”, “Dadá foi produzido na boca” o balbuciar
infantil os faz anárquicos, provocativos, desordeiros e experimentais. Não um plano
pragmaticamente definido ou o plano de não haver planos. Dadá é único e veio
do nada: a tabula rasa, conceito que recusa o passado, assim como os futuristas. Mas o
Futurismo embora tão arrebatador quanto se apresenta com uma paixão desmedida ao
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
3 2
progresso e à guerra, opção equivocada até mesmo para o Dadá mais nonsense. A formação
desse sentimento nonsense dadaísta é simultâneo ao advento da primeira guerra mundial,
deflagrada em 1914, tida como uma aberração do bom senso. Sendo brutal e desumana,
a guerra instigaria esse esvaziamento de sentidos: nada significamos, pois a exisncia se
esvazia de sentidos. Ao nada significar, o Dadaísmo alcaou um conturbado encontro
entre a arte e vida: não é a representação em jogo, mas sim a apresentação. Não há mais
porque representar este mundo: vamos desconstr-lo. O objeto arstico toma uma nova
forma em que o diálogo entre as coisas existentes nunca foi tão coeso. O Dadaísmo como
parte da arte moderna traz uma importante contribuição: fazer parte da realidade e implica
em tornar-se o mais “janelapara um outro mundo, mas aceitar-se também dentro dos
paradigmas que a realidade vivida nos impõe. Na acepção dos modernismos distancia-se da
idéia de representão como se pensava até então e se passa a colocar a experiência humana
no centro das atenções, partindo d para elementos “não-arsticos”, ou seja, imersos na
realidade (HAFTMAN apud SEDLMAYR, s/d, p. 166).
Mais do que refletir a própria falta de bom senso da primeira guerra, a indeterminação lógica
dadaísta abriu espaço para uma vívida experimentação de formas, de suportes, de linguagens
e mesmo, relações com o espectador. Ainda que distante de uma participação ativa, muitos
trabalhos vão induzir a uma provocação ao receptor da obra, denotando que esse sujeito
passa a ser pensado dentro da poética destas ações. a intenção de realizar um despertar
por meio do choque, do estranhamento naqueles sujeitos que teriam, por assim dizer, um
pensamento mediano alimentado pelo que estava até então estabelecido:
Dadá convidou à formação de mal-entendidos, provocou-os e apoiou toda sorte de confusões: por
princípio, por capricho, por oposição intrínseca. (...) Mas esta confusão era apenas um pretexto.
Nossas provocações, demonstrações e oposições constituíam tão-somente um meio de atiçar a raiva
no burguês filisteu e, através da raiva, induzi-lo a um despertar envergonhado (RICHTER,
199�, p.0�).
Seguindo por uma linha igualmente social, Hans Arp, um dos mais ativos nomes do
movimento, acredita que a escolha Dadá era tentar estabelecer uma nova ordem:
Buscávamos uma arte elementar, que pudesse curar o ser humano da loucura de sua época, e
procurávamos uma nova ordem que fosse capaz de estabelecer o equilíbrio entre o céu e o inferno.
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Sentíamos que haveria de surgir bandidos, os quais, no desvario do poder, iriam utilizar-se até
mesmo da arte para estupidificar seres humanos (ARP apud RICHTER, 199�, p.2�).
Se revoltar e interferir nos esquemas da própria existência, dominados pela moral burguesa e
pela inflexibilidade é o mote dos dadaístas e de grande parte da arte moderna especialmente
dos futuristas. Segundo FERRARA (1986, p.09), propõe-se um novo modo de vida:
A rejeição da antiga estética, sempre considerada nos seus aspectos mais ortodoxos, supõe a
destruição da antiga escala de valores, do antigo modo de vida à rigidez moral, a aristocracia,
a hierarquia social, é substituída pelo amoralismo, pelo operário, pela prostituta, pela fábrica,
colocados em igualdade de valor e oportunidade, sem prejuízo, evidentemente, daquelas visões
que o Romantismo, nos seus momentos de ruptura, tem de alguns desses temas como o operário,
a prostituta, o anti-herói, etc. .
A vida, especialmente sob o amparo das revoluções científica e industrial e no surgimento
de uma nova era econômica e política incluindo a Primeira Guerra combina uma
situação onde emerge um espírito de força, batalha e ameaça. Ainda que contrários à guerra,
os dadaístas incorporam um espírito de vanguarda termo este também de uso militar com
alarde e eloqüência. Seus delírios nonsense serão sempre incisivos, petulantes, mordazes, críticos.
Essa situação de enfrentamento é um dos maiores legados do movimento que alimentará
um espírito crítico que poéticas modernas e contemporâneas compartilharão; especialmente
aquelas que lançam mão de conceitualismos, onde a preponderância da idéia no sentido
de desmaterialização do objeto, vão referenciar diretamente ao Dadá.
Com a postura Dadá, o objeto artístico ganha um novo valor dado mais pela idéia ali implícita
do que pelo que está explícito e objetivamente visível. E isso é evidenciado especialmente
na produção do artista Marcel Duchamp, o maior inspirador da arte de conceitualismos do
século XX, dentre todos os Dadás. Ao descontextualizar um objeto do universo do prosaico,
como o seu célebre urinol de porcelana (Fonte, 1917), não é o elemento presente em si – uma
peça de finalidades sanitárias que conta, mas o contexto que o legitima enquanto objeto
artístico. O papel do artista aqui é deslocar o objeto de um lugar para outro, nascendo
a idéia de apropriação. O Ready-made não é mais a tentativa de representar o real e sim de
apresentar o real como tal. A apropriação, portanto, desloca o sentido de “criar” de algo
realizado manualmente como uma escultura ou pintura para algo que é fundamentalmente
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3 4
pensado. Criar então, pode ser também inserir um objeto em um novo cenário, considerando-
o como personagem dentro de novos papéis (BOURRIAUD, 2007, p.25). Essa predominância
da idéia é elemento fundamental para a construção de um conceitualismo.
Figura 1:
A Fonte
(1919) de
Marcel Duchamp.
1.2 Conceitualismos
Em regra, o conceitual implica num jogo entre contexto (artístico, social, político, um ou
todos reunidos), a condição do leitor na poética e as estratégias de desmaterialização do
objeto, a fim de fazer restar prioritariamente as idéias. Muitas vezes é o contexto em que esse
objeto é socializado que ferramentas de decodificação das mensagens, e isso é visto com
freqüência nas propostas duchampianas. Ao fazer sua escolha do urinol e apresentá-lo, o
artista explicita o espaço comum no qual o leitor e o objeto coabitam. Essa discussão passa
a ser possível a partir do momento que o objeto artístico passa a ser pensado como inserido
na realidade, como se sabe. A maneira insólita de que esse contexto é trazido cria um
desconforto intelectual que é típico das poéticas conceituais
1
.
1. Apontando os conteúdos programáticos comuns da Arte Conceitual (a histórica – produzida entre
1960 e 1970) e das poéticas de conceitualismos, FREIRE (1999, p.29) discorre sobre os elementos
presentes: “A existência da aura (ou sua ausência), o significado do contexto (no caso a exposição e/ou
4
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3 5
A idéia é eno, elemento impalpável e intangível, que não se agrega necessariamente a um
apelo formal comum: não há um estiloou elementos visuais que a identifique de antemão.
Com a iia, a mente é a morada da arte e não apenas o olho, como Duchamp iria criticar
aquilo que chama como arte retiniana”. Por outro lado, a idéia, desde os tempos mais
remotos, tende a ser fluida, pois se desprende de um objeto único e manufaturado. Daí, a
arte conceitual tenderá muitíssimo para a circulação, reprodutibilidade e transitoriedade
em contraposição a não de arte como mercadoria estanque e passivamente consumida.
um aspecto socializante dos conceitualismos que envolve rupturas na recepção e
veiculação artística, refletindo diretamente em pesquisas de novos modos de difusão em
meios e linguagem. Essa tendência socializante irá diretamente refletir em novos espaços
que o ocupados pelos artistas: a arte antes restrita ao domínio de galerias e museus,
passa a flertar situações insólitas dos elementos do cotidiano e da vida comum.
Mas a discussão do conceitualismo não se limita à linguagem e aos espaços de arte;
há uma produção que é ao mesmo tempo conceitual e politicamente inserida. Neste
sentido, temos o trabalho do artista brasileiro Cildo Meireles
2
, especialmente o trabalho
Inserções em Circuitos Ideológicos (1970), em que o artista imprime e distribui anonimamente
mensagens políticas contra a ditadura militar do Brasil, em notas de dinheiro e garrafas
de Coca-Cola. Em proximidade, vale lembrar também de Artur Barrio, conhecido por
seu interesse com as sobras, sobretudo ornicas e autor de “trouxas” ensangüentadas
que eram espalhadas pelas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Trabalhando
com a expectativa e temores das pessoas as trouxas eram verdadeiras incógnitas
macabras, com algo de cadavérico constituiu-se numa ação de forte cunho político e
museu) assim como o papel reservado ao artista se formulam em novas bases nessas poéticas conceituais.
A obra Conceitual quebra expectativas arraigadas e cria, muitas vezes, um desconforto intelectual ou em
alguns casos, até mesmo físico para o espectador. Freqüentemente, a participação a que nos referimos é
a atividade resultante desse incômodo. De qualquer maneira, seja através de intervenções no ambiente,
(dando a ver o contexto), seja através de projetos envolvendo a consciência do corpo, ou seja ainda nos
trabalhos envolvendo palavras (...) o que importa ressaltar é o predomínio da idéia sobre o objeto”.
2. Entre outros importantes eventos, o artista participou da exposição
Information
no MoMA (Museu de
Arte Moderna de New York) em 1970, considerada um marco na produção de arte conceitual. O curador
e crítico Paulo Herkenhoff fala sobre a produção de Meireles: “A obra de Cildo poderia ser descrita como
uma teoria poética da sociedade. Ela coloca questões que vão da política a ideais e estratégias. Examina
espaços e processos de comunicação, as condições do espectador, os legados da história da arte e o
espaço social do gueto - espaço freqüentemente evocado. O foco de sua arte pode abranger desde a
expansão econômica do capitalismo internacional a um pequeno gesto cultural de índios brasileiros”.
Texto retirado de: HERKENHOFF, Paulo. Um gueto labiríntico: a obra de Cildo Meireles. In: HERKENHOFF,
Paulo; CAMERON, Dan; MOSQUERA, Gerardo. Cildo Meireles. Tradução Len Berg; texto Jorge Luis Borges.
São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
3 6
social denunciando, nos anos 70, a hedionda vida proporcionada pela ditadura militar no
Brasil
.
Aliás, na América Latina, a produção arstica dos anos 60 e 70 do culo XX é
sensivelmente pautada pelo engajamento político em virtude da vida conturbada nos
regimes ditatoriais presentes em vários países. A supressão da liberdade de expressão
e dos direitos políticos individuais, aliada a sistetica perseguição a qualquer tipo de
manifestação com cunho potico contrário a estes governos, alimenta uma produção
compromissada com a crítica muitas vezes irônica e velada, onde as distinções entre
questionamento político e artístico se confundem de modo consciente. Ainda que o
momento justifique o acolhimento de mecanismos que a princípio tornassem as intenções
mais politizadas dos trabalhos artísticos difusas, essa situação contribuiu inicialmente
para explicitar grandes habilidades de crião e discursos de artistas e autores e, além
disso, tornou evidente o caráter questionador que a arte subvertendo ou não pode ter
com seu contexto.
3. Em texto da 23ª Bienal de São Paulo, o crítico Agnaldo Farias lembra também das experimentações
de Barrio com cerca de 500 sacos plásticos contendo sangue, pedaços de unha, saliva (escarro), fezes,
urina, ossos, igualmente dispersos no Rio de Janeiro. Assim como as trouxas, os sacos eram colocados à
curiosidade e à manipulação dos transeuntes anônimos. O texto pode ser visualizado no endereço: http://
www.uol.com.br/23bienal/universa/pubrab.htm (acesso em 21 de maio de 2006).
Figura 2:
Inserções em
Circuitos Ideológicos
(1970)
de Cildo Meireles.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
3 7
1.3 Arte postal
A ânsia de circulação e difusão pautada pelos conceitualismos terá seu ápice verdadeiramente
na Arte Postal, que foi bastante utilizada para distribuir pensamentos críticos em relação ao
momento político. A Arte Postal (ou mail art), surgida em meados dos anos 60, é o primeiro
movimento onde os trabalhos artísticos trafegam num círculo transnacional independente
(PRADO, 1994). Renegando o circuito tradicional
4
, os artistas lançam mão de técnicas de
reprodução como o xerox e criam um sistema paralelo, não-hierárquico, uma rede onde seus
personagens são tanto emissores quando receptores, insinuando criações coletivas onde é
possível determinar como antecedentes das experimentações colaborativas da rede Internet,
em trabalhos de web arte. Ao mesmo tempo, além de renegar o mercado da arte, a arte postal
será um caminho alternativo às estruturas restritivas dos meios de comunicação de massa,
tornando acessíveis as mais distintas faturas artísticas, de cadernos impressos até fotografias.
Sobre a Arte Postal, um dos seus maiores entusiastas, o artista uruguaio PADÍN (1988) diz:
Enquanto em outros lugares, a Arte Postal tende a banalizar-se e a se tornar comercial, em nossos
países, não podendo subtrair o condicionamento que nossas peculiaridades e tradições impõem,
quase naturalmente ela se constituiu em um instrumento de luta e denúncia somando-se ao tenaz
esforço de nossos povos por ascender a melhores e mais humanas condições de vida, em um marco
de paz e justiça social. Não obstante, ‘cada época tem sua própria linguagem’, as recentes gerações,
tomando os princípios na leitura crítica da Arte Postal e na aplicação de novos meios que o tempo
põe em suas mãos, saberão reciclar criativamente este fenômeno artístico internacional que não
conhece fronteiras nem imposições de qualquer tipo.
Padín, por conta da sua produção, foi preso no ano de 1975, juntamente com o artista Jorge
Caraballo, acusados do crime de “difamação e zombaria das forças armadas”. O artista
permaneceu dois anos em cárcere e quando foi libertado, o governo o proibiu terminantemente
de se corresponder por correio até o ano de 1984.
Nos anos 70, especialmente entre os países de situação política conturbada como ocorre
4. Com o passar dos anos, a arte postal passa a ser institucionalizada: os trabalhos até então
independentes passam a fazer parte da coleção de museus e galerias. No ano de 1981, a XVI Bienal de
São Paulo, que teve a curadoria geral de Walter Zanini, contou com uma curadoria de Arte Postal por
Julio Plaza.
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3 8
na América Latina a arte postal ganha fôlego político e surgem inúmeros trabalhos que
desafiam a perseguão dos regimes. Alguns dos artistas que participam deste movimento
o: Julio Plaza, Anna Bella Geiger, Regina Vater, Jorge Caraballo, Paulo Bruscky, Avelino
de Araújo, Daniel Santiago, L.M. Andrade, Leonhard Frank Duch, Odair Magallanes; da
Argentina, Edgardo Antonio Vigo, Horacio Zabala, Carlos Ginzburg, Graciela Gutrrez
Marx, Juan Carlos Romero, Luis Iurcovich, Luis Catriel e Luis Pazos; no Chile, Guillermo
Deisler; na Combia Jonier Man; na Venezuela, Diego Barboza e Dámaso Ogaz; no
Uruguai, Haroldo González e Jorge Caraballo e, por fim, no México, Santiago, Mathías
Goeritz, Felipe Ehrenberg e Pedro Friederick. Nos anos 80, outros nomes como: Regina
Braga, Gilbertto Prado, Roberto Keppler, Philadelpho Menezes, Alexandre Nobrega,
Tarcísio Silva, Teresinka Pereira, Lucio Kume e Hudinilson Jr, entre outros vários.
Sobre os trabalhos, uma grande variedade de poéticas e linguagens presentes. Em 1977, o
uruguaio Jorge Caraballo, difunde o seu trabalho Sem título, no qual em similaridade aos testes
universais de acuidade visual, propõe a leitura da frase: Are you a free man?”. Justapondo o
teste universal (composto de símbolo similar à letra E maiúscula em distintas posições) ao seu
“novo” teste com igual diagramação, o artista convida ao esforço de se enxergar a diminuta
palavra FREE (livre), suscitando a própria distância que esta por ventura está daquele que lê.
Pontuando a política externa, o artista Julio Plaza realiza Evolução/Revolução (1971), trabalho
composto de 10 imagens em que a figura sorridente do então presidente norte-americano Richard
Nixon mescla-se com a guerra do Vietnã. Há também publicações no gênero, como a Povis, de
J. Medeiros e Falves da Silva, revista do Rio Grande do Norte que entre os anos de 1969 e 1977
juntou e distribui os trabalhos enviados pelos artistas de todas as regiões do país. Assim como
outras publicações oriundas da arte postal, sua produção era artesanal e se aproximava muito da
idéia de livro de artista – tipo de objeto artístico difundido algumascadas mais tarde.
Além de questionar o próprio sistema social a opressão e censura política da época – a Arte
Postal também questiona o próprio sistema das artes
5
. Ao propor uma difusão que inicialmente
não ocorre através dos espaços tradicionais da arte, uma quebra não apenas na acepção dos
5. Percebe-se um viés utópico ao distanciar – ao menos num primeiro momento – do circuito e práticas
convencionais: buscar a democratização da arte. Sobre isso, a crítica Aracy Amaral, no texto do catálogo
da XVI Bienal de São Paulo (1981) opina: “(...) engajar-se na mail art é tornar-se
brother in mail
, pois a
estrutura da
mail art
não é hierárquica e a idéia geral parece ser a aquisição constante e contínua de
novos receptores-emissores para a inclusão na comunidade. A mail art democratiza a prática da arte, mas
não consegue superar o impasse da dialética quantidade-qualidade”.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
3 9
trabalhos, mas também o rompimento da relação fixa entre emissor e receptor, pelo caráter
colaborativo das redes instauradas. Algumas vezes, os trabalhos não possuem uma autoria
convencional: sua passagem pelos nós da rede, dilui a noção convencional de autoria ao
passo que as mensagens podem ser alteradas em qualquer momento. Ao mesmo tempo, não
há preocupações em torno de uma autenticidade idéia ligada às tradições e à permanência
física dos trabalhos – muito pelo contrário, os trabalhos são pensados para serem efêmeros e
fluidos.
Questionando igualmente o sistema social e das artes, em meados dos anos 50 emerge a
arte do Grafite (ou Graffiti) moderno, inicialmente um modo de rebeldia: no Brasil, seu
surgimento é uma forma de expressão contra a ditadura, sob a forma de palavras de ordem.
Mais adiante, o Grafite torna-se uma das mais subversivas formas de expressão, pela sua
essência intervencionista – em que se confunde com vandalismo. Assim como a Arte Postal,
o Grafite almeja uma democratização em suas mensagens, ao passo que suas produções serão
ostentadas em paisagens de grande fluxo populacional e nas periferias das grandes cidades.
Em geral, se desfruta da consciência de seu papel: sendo acessível às camadas mais pobres
da sociedade tanto na criação como na fruição, constitui-se na expressão artística menos
elitizada que se dispõe hoje.
Desde o Dadaísmo, então, observa-se uma produção artística que segue por um viés sociológico:
a consciência de que a produção está inserida num contexto social e econômico (o mercado
da arte, o espaço do museu, a relação do artista com o receptor, a arte elitizada) ou político
(guerras, regimes ditatoriais, censura) e absorve estas circunstâncias. Nesse sentido, se faz
necessária a aproximação de uma interessante definição do artista alemão Joseph Beuys sobre
a idéia da arte como “escultura social”.
Figura 3:
Evolução /
Revolução
(1971) de Julio
Plaza.
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4 0
1.4 Beuys: arte como escultura social
Beuys é considerado um dos mais influentes artistas da segunda metade do século XX.
É conhecido tanto pela sua participação ativa no grupo Fluxus
6
, como também é notório
pela sua maneira peculiar de encarar o mundo, sendo autor de declarações controversas
como: “tornar as pessoas livres é o objetivo da arte e ainda, “todo homem é um artista,
que pontuam as relões entre arte e vida social. Sua prodão artística direciona a uma
libertação do indivíduo através da arte, o primeiro ponto para uma mudança social,
conforme ele declara ao pensar a arte como escultura social: a arte não é somente
um artefato material, ela é acima de tudo, uma ação projetada para ter conseqüências
sociais.
As ações do artista estavam imersas num pessimismo crítico da humanidade. Em sua
performance Como explicar imagens para um lebre morta, de 1965, o artista com a cabeça
besuntada de mel e ouro em pó, coloca um cadáver de lebre no colo e permanece por três
horas seguidas falando com ele, enquanto o blico observa a ão através da janela.
Numa outra ação patrocinada por uma galeria nova-iorquina, denominada Eu gosto da
América e a América gosta de mim (1974), Beuys ao chegar de avião nos Estados Unidos,
se enrola em feltro (um dos materiais, assim como a cera e a gordura, recorrentes em
sua ptica), entra numa ambulância e parte para a galeria onde iria permanecer cinco
dias ininterruptos sob a companhia de um coiote típico animal norte-americano. Para
o artista, os animais estariam no ápice da evolução das espécies, já que seria o instinto,
a forma mais avançada do pensamento. Além disso, o homem seria o único ser que pede
justificativa para cada ato e para sua ppria exisncia, sendo que os animais estariam
desobrigados disso.
Além de seguir no sentido moderno do objeto artístico – como elemento que se relaciona no
universo dos existentes – o que, num certo sentido, implica numa ocupação social, Beuys vai
além e propõe uma mudança social por meio daquilo que a arte propiciaria. Em um dos seus
trabalhos, o artista traz seu auto-retrato (onde caminha em direção a quem o vê) e mais abaixo
6. No interior do grupo Fluxus (grupo que contou entre os anos 60 e 70 com a participação de Wolf
Vostell, Yoko Ono, Takato Saito, Nam June Paik, John Cage, entre outros vários artistas de diversos países),
Beuys foi responsável por performances que instauravam um universo mitológico e mágico, com o uso de
animais algumas vezes. O grupo tem grande importância em vívidas ações de experimentalismo, com o
uso de elementos do cotidiano muitas vezes.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
4 1
a frase A revolução somos nós” (1972) que dá título à obra. É o postulado para explicitar uma
revolução que deve se produzir a partir da condição individual. O contexto desta revolução
seria uma crise nos valores racionalistas – em especial, a ciência, a matemática, a tecnologia
bem como os produtos desta postura racionalista guerras, genocídios e alienação. O artista
então, cria sua filosofia particular como antítese desse universo, propondo a crítica desses
valores e o caráter emancipatório do indivíduo criador. Embora se considerasse como um
sucessor do legado de Marcel Duchamp, Beuys certa vez criticou a Fonte:
Ele o trouxe [o urinol] para dentro do museu a fim de estabelecer que é a transferência de um
lugar para outro que o transforma em arte. Mas estabelecer isto não o levou à conclusão – simples
e óbvia que todos os homens são artistas. Ao contrário, ele se elevou num pedestal dizendo, veja
como eu choquei a burguesia (BEUYS apud SEDDON, 2005).
O indivíduo comum estaria no centro de seu pensamento reformador: uma saída para a
crise dos valores presentes seria a ampliação da linguagem através do estranhamento, ou
seja, abrindo novas perspectivas de ação/comunicação, seria possível um enfrentamento
criativo do ser com o mundo (PRADA, 1995, p.120). Esta seria a única ação com capacidade
transformadora do contexto social, sendo que esta mudança dependeria muito menos de
projetos políticos totalizadores como o socialismo, rejeitado pelo artista e estaria ainda
mais distante da crítica pura ao aparato econômico, cultural ou tecnológico do poder. Essa
Figura 4:
A revolução
somos nós
(1972) de Joseph
Beuys.
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4 2
busca de uma nova sensibilidade é uma releitura dos preceitos dadaístas, especialmente no
que diz respeito ao “despertar” do homem comum, embora esteja aqui revestida com uma
pretensão mais clara do que no Dadá.
Por um lado, as idéias de Beuys ressoam com as preocupações das poéticas que incluem o
receptor como parte fundamental da obra: mesmo a Arte Postal, numa mesma época, buscou
romper a fronteira de criação tornando cada receptor de mensagens um potencial emissor.
Essa idéia de trazer o indivíduo para o centro da obra, oferecendo o status de criador a ele,
confunde-se com o próprio exercício de poder social por coincidência, a participação na
arte advém num momento em que a participação política e social (especialmente no contexto
brasileiro, em ditadura) passa por um momento de crise. Por outro lado, ao contrário de
Beuys que se volta para o indivíduo com a esperança de que ao mudar sua sensibilidade,
mudará também a realidade, muitos artistas seguirão em sentido contrário, voltando suas
forças para o seu contexto contemporâneo, com forte viés político e descrença. É o caso do
Situacionismo, do qual falaremos agora.
1.5 Situacionismo
Os situacionistas se constituem na fusão de participantes do Dadaísmo, do Futurismo e de
movimentos posteriores de vanguarda como Internationale Lettriste, o International Movement
for an Imaginist Bauhaus e a London Psychogeographical Association num mesmo movimento
denominado Internacional Situacionista, em 1957 na Itália. A essência ideológica do
movimento, alimento para o célebre livro A sociedade do espetáculo, de Guy Debord, é a de que
a sociedade consumidora do Capitalismo e as nações soviéticas do pós-guerra se constituem
num grande espetáculo de mistificação no qual o público seria forçado a assistir (DOWNING,
2002, p.98). Em outras palavras, imagina-se que a experiência real que implica numa
participação – estaria confiscada em função de uma vivência mediada por terceiros. Debord
fala da “irrealidade da sociedade real”:
Considerado em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de
produção existente. Não é um suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada.
É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares informação ou
propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos –, o espetáculo constitui o modelo
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
4 3
atual da vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha feita na produção,
e o consumo que decorre desta escolha. Forma e o conteúdo do espetáculo são, de modo idêntico,
a justificativa total das condições e dos fins do sistema existente (DEBORD, 1997, p.14).
Esta é a justificativa para os situacionistas realizarem contra-espetáculos provocativos,
com proximidades no intuito dadsta e futurista de escandalizar e romper com a situação
vista como alienação. Aliás, eles compartilhavam do mesmo niilismo dos das, de modo
especial na potica: enxergavam que tanto as políticas baseadas no sistema capitalista
quanto aquelas que abraram o socialismo estavam fadadas ao fracasso porque ambas
possuíam a mesma essência do pensamento burgs. Criticando não esse pensamento
como também aqueles que se opunham de modo formal e sistematizado a este mesmo
pensamento: é necessário ser radical. Um dos lemas mais difundidos do movimento era:
A humanidade sefeliz quando o último burocrata for enforcado nas tripas do último
capitalista”. E desse mesmo modo, se pensava a arte: ou ela se presta à revolução ou não
significa coisa alguma.
Figura 5: História em
quadrinhos (1967) apresenta
o ideário situacionista, com
desenho de André Bertand
e texto de Raoul Vaneigem.
As intervenções situacionistas ocorriam no “espetáculo da vida cotidiana” emões,
denominadas como détournement ou desvio que se realizavam sob a forma de um rearranjo
de formas visuais oficiais e estabelecidas, pervertendo o uso original ou subvertendo suas
funções. Os entusiastas então realizam provocações públicas como, por exemplo, instalar um
Papai Noel não-oficial numa loja de departamentos durante o período natalino distribuindo
presentes gratuitamente e o uso de grafite na modificação de avisos públicos. Parte da
produção em desvio era também difundida através da revista do grupo (produzida até 1969,
num total de 12 edições), além de outras publicações como o inglês Spetacular Times, onde
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
4 4
havia alterações em anúncios, quadrinhos, logotipos e, claro, textos engajados do movimento
7
.
A estratégia do desvio, em grande parte dos casos, tem proximidade com o conceito de Ready-
made do dadaísta Duchamp, mais exatamente ao que pode ser chamado de um Ready-made
retificado (ou ajudado), como o retrato de Mona Lisa de bigode em L.H.O.O.Q. (1919). E
também com a própria idéia de apropriação.
O legado propriamente artístico do situacionismo é pequeno, ainda mais se observarmos
que o suposto ineditismo de sua postura ainda se alimenta muito da rebeldia do Dadá, nos
primeiros momentos. Na primeira fase da Internacional Situacionista, o grupo se apresenta
como uma “frente revolucionária na cultura”. No número um da revista que levava o nome
do grupo, Debord anuncia estes “revolucionários culturais”:
Uma associação internacional dos situacionistas pode ser considerada como uma união dos
trabalhadores de um setor avançado da cultura, ou mais exatamente como uma união de
todos aqueles que reivindicam o direito a um trabalho que é impedido de existir pelas atuais
condições sociais. E essa associação deve ser considerada como uma tentativa de organização de
revolucionários profissionais na cultura (I.S., 2002, p.15).
Neste número da revista, os situacionistas declaram que não como existir uma “pintura ou
7. Porém, nem tudo que era produzido pelos situacionistas se baseava na apropriação ou intervenção:
havia também uma produção pictórica, em que se destaca Asger Jorn, que havia sido fundador do
movimento CoBrA, anos antes.
Figura 6: Imagem presente
na publicação situacionista
Spectacular Times
, em 1968.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
4 5
música situacionista”, mas sim é possível existir apenas o desvio como expressão propriamente
do movimento. Acima de tudo, o desvio é uma estratégia “libertária” para desmoralizar a
“razão” (o mesmo racionalismo criticado por Beuys) cultivada pelo sistema hegemônico que
busca formatar todas as relações e se impor aos indivíduos.
A agitação política francesa e a relação com grupos marxistas acabam tornando as discussões
artísticas mais raras, quando entre os anos de 1960 e 1961, todos os artistas da I.S. são
expurgados abruptamente (com exceção de Asger Jorn, que sai tranqüilamente). O objetivo
especialmente de Debord acusado de ditador pelos descontentes é transformar o grupo,
até então caracterizado de vanguarda artística em um movimento prioritariamente político.
Com o decorrer dos anos, então, o movimento passou a tender cada vez para a ação mais
efetiva e politicamente revolucionária. Suas ações passaram a ser cada vez menos irônicas e
zombadoras e cada vez mais dogmáticas. O movimento teve participação em um dos momentos
mais conturbados da história da França, em Maio de 1968. Uma de suas ações, um panfleto
menosprezando a figura do estudante francês deflagrou um episódio chamado “Escândalo
de Estrasburgo” que contribuiu para a revolta de estudantes e ocupação de universidades
francesas e uma greve geral que alcançou a participação de 10 milhões de trabalhadores.
A partir daí, o movimento se enfraquece e se finda no mesmo ano. O ideário situacionista
é referenciado como inspiração para movimentos posteriores como o punk, por exemplo.
As suas práticas de desvio também são inspiração para movimentos militantes jovens da
atualidade – a ironia muitas vezes é uma saída simpática aos engajados.
Seja partindo para o radicalismo político ou por uma visão mais subjetiva e intimista na tentativa
de uma mudança na cena de sua época, o intuito é buscar um lugar simbólico ou reinventado
em que os valores sejam outros, distantes do que é imposto pela sociedade, como o consumo
ou o racionalismo. BOURRIAUD (2006, p.15-16) recorre a Karl Marx para trazer a idéia da
arte como “interstício social”. O termo utilizado por Marx para determinar as sociedades de
troca que escapam do cenário capitalista em que privilegia o lucro, é empregado para pensar
espaços “entre” em que os intercâmbios são dados por condições mais abertas, num ritmo
distinto daquele que a sociedade impõe. As relações sociais entre humanos, num primeiro
momento estão cada vez mais condicionadas a espaços específicos e pré-estabelecidos,
como “zonas de comunicação” impostas. Segundo o autor, as relações estão cada vez mais
restritas por conta da crescente mecanização das funções sociais e surgimento de poderosas
ferramentas de comunicação: as máquinas substituem espaços de relações – de prazer ou de
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
4 6
conflito. A arte acaba desenvolvendo um projeto político quando problematiza essa situação,
quando se esforça em abordar a esfera relacional da vida. Neste sentido, que se destacar
o coletivo francês de Arte Sociológica (Art Sociologique), criado pelos artistas Fred Forest,
HerFischer e Jean-Paul Thenot, em que vemos novamente o elemento contextual como
fundador do diálogo artístico. O grupo não será tão “destruidor” quanto o situacionismo,
mas seguirá questionando convenções sociais com grande presença de conceitualismos.
1.6 Arte sociológica
O grupo surge em 1972 e se corporifica através de um manifesto publicado no jornal
francês Le Monde em 1974. A idéia era organizar ações que procurassem somar a teoria
sociológica da arte e a prática artística, explicitando elementos latentes destas relações e,
muitas vezes, usando métodos das ciências sociais como entrevistas, por exemplo. Dentre a
produção do grupo, vários trabalhos questionam situações estabelecidas no contexto artístico
e comunicacional. São vários trabalhos realizados por seus membros que colocam estas idéias
em prática. No Brasil, em novembro de 197�, o artista Fred Forest organizou uma obra-
acontecimento chamada Passeio Estético-Sociológico no Brooklin. Nessa ação o artista passeia
pelo bairro paulistano conjuntamente com um grupo de �0 pessoas, com estudantes e uma
equipe da TV Cultura de São Paulo, partindo para a contemplação das mais várias partes
do bairro: um açougue, um banco, uma igreja, um posto de gasolina, ruas, enfim, todos
os elementos urbanos são objetos de observação do grupo. O artista propõe uma espécie
de espetacularização da vida cotidiana, optando pela percepção estética para despertar uma
consciência daquele cenário. Em todos os espaços, o grupo interpelava o responsável pelo
lugar buscando conhecer sua condição sócio-econômica. Causando estranheza especialmente
naqueles que não compartilhavam do deleite proposto, a ação foi acompanhada pelos olhares
perplexos de uma viatura da polícia.
No mês anterior do mesmo ano, durante a 12ª Bienal de São Paulo, Forest realizou um passeio
tão insólito quanto o realizado posteriormente no bairro do Brooklin: com uma série de placas
em branco carregadas por várias pessoas, o artista realizou uma caminhada denominada como
O Branco invade a cidade, nas ruas do centro da capital paulista, amotinando milhares de pessoas
no percurso entre o Largo do Arouche e a Praça da Sé. Embora o acontecimento não tivesse
qualquer tipo de violência, o ato realizado em plena ditadura militar foi interpretado como
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
4 7
político, o que resultou na prisão do artista por algumas horas pelo DOPS (Departamento de
Ordem Política e Social). Como artista e estrangeiro, a prisão repercutiu negativamente nos
meios de comunicação internacionais da época. Ainda, numa outra ação que antecedeu o
passeio pelo centro paulistano, em 1972 Forest convenceu uma emissora de televisão francesa
a transmitir 60 segundos de branco durante um noticiário; antes disso, o artista havia alugado
uma página no jornal Le Monde, que fica em branco e sugere-se preenchê-la com qualquer
desenho ou comentários, para em seguida, ser enviada ao artista. Em 197�, o artista repete
a ação em diversos jornais brasileiros, como a Folha da Tarde, criando ressonância com sua
própria ação realizada no centro de São Paulo. Por ocasião de uma retrospectiva de sua obra
realizada no ano de 2006, no Paço das Artes, em São Paulo, a experiência é revivida com a
publicação da experiência no Jornal Folha de São Paulo no dia 1� de maio.
Em um texto de 1975, o filósofo Vilem Flusser relata sobre um outro trabalho de Forest
no qual participou como “ctico-observadortambém classificável sob a insígnia da Arte
Sociológica que uma prática metodologicamente ligada às ciências sociais, como
relatos, a observação pura e entrevistas, para fazer a obra emergir desta mesma metodologia
descontextualizada. O trabalho de Forest observado por Flusser chama-se “Vídeos caseiros
dos anos dourados”
8
(197�) e foi realizado em um asilo da cidade de Hyères, no sul da
França. A experiência consistia em mergulhar, na situação de proletários, idosos após uma
8. Na cronologia de trabalhos de Forest presente no site
Webnetmuseum
(http://www.webnetmuseum.
org), o trabalho também é referenciado como “Video – Third Age”. O outro título em inglês é “Home
Videos of the Golden Years”.
Figura 7: Página do jornal
Folha da Tarde do dia
03/10/1973. Nela, o artista
Fred Forest disponibiliza
um espaço em branco para
contribuições dos leitores.
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4 8
vida de pobreza e trabalho duro e daí trazer estas pessoas para uma situação menos passiva,
convidando-os a fazer algo que trouxesse alguma significação para o marasmo de suas
vidas. Na tentativa de fazer isso, o artista munido de seu equipamento de vídeo, primeiro
motivará os idosos através da captação de sua vida quotidiana e sua posterior exibição aos
próprios indivíduos gravados. Como se espera, a exibição gera a peculiar fascinação ao
vídeo, visto que ver a si mesmo gera a sensação de “ver-se de fora” e, com isso, causa um
novo envolvimento. Interessante estratégia para o passo seguinte: convencer os idosos a
aprenderem a manipular os equipamentos de vídeo para realizar suas próprias produções. E
assim aconteceu. Os anciãos tornam-se atores, cantores, dançarinos, palhaços e outras tantas
coisas, fazendo “filmes”
9
bem primários que se tornam mais do que uma tarefa: também
entretenimento. Daí, com as produções concluídas, uma espécie de festival fílmico realiza-
se com direito a competição e discussões acaloradas. Tudo é capturado em vídeo por Forest
– onde ao contrário do antropólogo, que vê e observa ao longe – interfere no meio social com
sua perspicaz lente do vídeo.
As palavras de FLUSSER (1975) traduzem os interesses do artista:
O propósito de Forest era de provocar os anciões a olharem-se, e fazê-los cessarem de olhar o
passado e o futuro (então: a morte). Ele queria forçá-los a olhar o presente, isto é, sua ‘realidade’.
9. Não seriam exatamente filmes, por serem produzidos em vídeo, obviamente, mas as tentativas dos
idosos se voltam para produzir algo “cinematográfico”, partindo dos cânones desta linguagem.
Figura 8: O
Passeio Estético-
Sociológico no Brooklin
de
Fred Forest acontecido em
1973, no bairro paulistano.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
4 9
Nesse caso, a ‘realidade’ era, evidentemente, a alienação do asilo, da realidade social. O propósito
de Forest era, então, don-quixotesco: aquela gente estava condenada a morrer na alienação do
conforto e do estupor; e Forest pretendia torná-los conscientes desta inevitável alienação, dirigindo
seus olhares sobre esta situação.
Essa tentativa de fazê-los despertar se aproxima muito das idéias de Beuys, sobre a arte como
“escultura social”, já que os idosos são incentivados a um olhar consciente sobre sua própria
condição degradante e presente justamente exercendo a criação. Mas, ao final da experiência,
são produzidos grotescos vídeos que acabam sendo uma metáfora da própria sociedade
ocidental fundamentalmente excludente para aqueles que não estão em seus desígnios.
Forest age como um arauto da grotesca sociedade tecnológica que estamos inseridos.
Mais adiante, Forest segue em direção a premissas mais comunicacionais: emblematicamente,
Forest em Arquitetura do presente (197�), propõe ao espectador observar seu próprio contexto
cotidiano, ao apresentar imagens captadas em tempo real da galeria no qual se encontra e
também da rua desta. Neste trabalho o artista suscita questões tanto de ordem mais social
como controle, invasão, relação público-privada, quanto questões mais próximas da linguagem,
como a representação e o tempo real. O trabalho foi realizado em Paris, inicialmente em maio
de 197� e mais tarde, em dezembro do mesmo ano, utilizando a Rua Augusta, em São Paulo,
quando coletou e expôs inúmeros artefatos díspares como um refinado sapato feminino, um
pacote de macarrão, um par de luvas de borracha e uma lata de sardinhas adquiridos na rua
em questão. Numa galeria, os objetos são apresentados para observação e vinte monitores
de televisão apresentam a rua em tempo real, através de uma câmera instalada em circuito
fechado. Uma verdadeira “autópsia” da Rua Augusta, como o trabalho foi chamado pela
imprensa na época. Forest, assim como foi buscado por Beuys e pelos situacionistas, procura
um espaço mútuo entre a investigação da linguagem e o apontamento do contexto social,
reincidente nesta demonstração do “espetáculo da vida”.
HerFischer, outro nome do Art Sociologique, escreveu um livro intitulado L’Histoire de l’art
est terminée (Paris, 1981) onde analisa a história das vanguardas como um movimento linear que
visa sempre à superação dos momentos anteriores, e ainda apresenta o que seria uma quarta
dimensão da obra de arte quando exposta, o seu contexto social que também a constitui
enquanto um objeto artístico. Além de sua produção teórico-crítica, Fischer também realizou
trabalhos artísticos que discutiam a instituição do museu. Em uma de suas realizações no
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
5 0
Figura 9: O artista Hervé
Fischer com sua
Farmácia
Fischer
em 1975, na Praça
da República, em São Paulo.
Brasil, no ano de 1975, instalou, na Praça da República, uma barraca denominada Farmácia
Fischer onde distribuía pílulas de poliuretano embaladas em saquinhos de plástico e prometia
cura para todos os males, desde pouco dinheiro a falta de amor. Sobre a obra, FREIRE (1999,
p.1��) diz:
A idéia de público de arte é (...) subvertida com esse projeto. A participão é parte inerente
do trabalho e a categoria ‘público’ é estendida para muito além dos setores convencionais. Os
passantes da Praça da Reblica tornam-se integrantes do trabalho artístico. (...) A consulta
rápida para sanar os males cotidianos com o cnico transforma-se em situação artística: as
pílulas, que servem à cura, despertam, nesse caso, a consciência dos desejos sufocados pelo
cotidiano repetitivo. A rua ou, nesse caso, a praça pública é o local privilegiado para o encontro
da arte com a política. Trata-se, segundo o artista, de um trabalho ‘profilático’, politicamente
engajado.
Jean-Paul Thenot, também do grupo, por sua vez, utiliza questionários para relacionar-se com
o público. Em um dos seus trabalhos, Sem título (1970/74), o artista apresenta reproduções de
“obras-primas”, como Les Moissonneurs (155�) de Brueghel e Vega-Pal (1969) de Vasarely, e
pede para que o público, através de diversas faixas de preço, diga qual é o seu valor. A relação
entre percepção da obra e literalmente acepção de valores, pontua o mercado da arte e sua
distância em relação ao senso comum econômico.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
5 1
Indo além do grupo francês, outros artistas que trabalham em uma direção parecida,
tornando notória esta “quarta dimensão” da obra o contexto nas mais diversas esferas.
Assim como Thenot, o alemão Hans Haacke, que também utilizou questionários em diversas
ocasiões. No trabalho Visitor Profile (1971-72), o artista propõe questionamentos sobre o
contexto político e social de sua época, com perguntas do tipo: “você considera que a bagagem
moral dos Estados Unidos está se enfraquecendo ou está se reforçando com o envolvimento
deste país com as questões da Indochina?”; e também “você acha que os negócios que visam
o lucro imediato são compatíveis com o bem comum?”.
1.7 Estética da Comunicação
Com o emergir de meios tecnológicos de comunicação mediando o dia-a-dia, o então artista
sociológico Fred Forest une-se ao teórico Mario Costa para a definição da Estética da
Comunicação em 198�. Depois deles, tornam-se também adeptos do movimento Horácio
Zabala, o artista Roy Ascott e o teórico canadense Derrick de Kerckhove, entre outros nomes.
Esse movimento seria proposto como:
Uma meditação filosófica de uma ordem geral sobre a nova condição antropológica e conseqüentes
novas formas de experiências estéticas possibilitadas pelas tecnologias de comunicação, e sobre as
novas direções nas quais as tradicionais categorias estéticas (forma, beleza, o sublime, gênios, etc.)
são conduzidas (COSTA, 1991, p.124)
Mario Costa diz que a tecnologia é elemento externo ao que é intrinsecamente humano,
quando comparada à técnica que, por sua vez, é inerente à figura do indivíduo criador. Os
resultados da técnica estão ligados ao artista, pois dele – e apenas dele – advém os resultados.
as tecnologias não são dependentes do homem o que é diferente das idéias dos meios
como extensão do homem, de Marshal McLuhan
10
:
A passagem das técnicas às tecnologias, na produção artística, constitui uma verdadeira e própria
10. McLUHAN (1971, p.61): “Com o advento da tecnologia elétrica, o homem prolongou, ou projetou
para fora de si mesmo, um modelo vivo do próprio sistema nervoso central”. COUCHOT (2003:93) parte
para uma outra definição da distinção entre tecnologia e técnica: a técnica passa a ser tecnologia a partir
do momento em que não é mais empírica, mas ”solidária” da ciência.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
5 2
mutação. As imagens, as palavras, o movimento, os sons são tecnologicamente produzidos e
tecnologicamente conservados e recriados. Tudo isso é subtraído ao corpo, deixa de ser um resultado
de suas operações. Com a passagem da técnica, como prolongamento do corpo, à tecnologia, como
suas funções separadas, o artista é posto diante de uma desapropriação do próprio corpo como
instrumento da arte, e a arte modifica profundamente a sua essência (COSTA, 1995, p.45).
O movimento propõe uma união entre a tecnologia e o humano, através da apropriação dos
meios de comunicação. Nesta confluência surgiria uma “mutação antropológica” nascida
de uma lógica própria a interação e uma nova fenomenologia dos acontecimentos e da
diluição das fronteiras entre “o que é ou não de si”. Nas palavras de COSTA (1991, p.125), a
indicação desta, uma mutação em curso:
O sujeito é também transformado através da Estética da Comunicação. O sujeito não é definido
através de seu rígido relacionamento entre o que é de si e o que não é de si, mas perde a casca e se
torna um campo corrente de energia.
A Estética da Comunicação é uma das primeiras teorias em torno de uma nova fenomenologia
de eventos em que a presença, a relação espaço-tempo e mesmo outras propriedades habituais
do objeto artístico, como o belo e a forma (tratados também no célebre O Sublime Tecnológico,
de Mario Costa) tomam novas condições. A proposta da Estética da Comunicação é
inicialmente exaltar a superação dos limites físico-temporais, que é alimentada pela própria
superação entre limites de humanidade e tecnologia.
Além disso, na introdução do livro Sublime Tecnológico, FABRIS (1995, p.07-11), ao abordar a
Estética da Comunicação, comenta as relações desta com algumas experiências das vanguardas
históricas e neovanguardas, apontando que o próprio Costa relaciona sua proposta com o
Futurismo, Dadaísmo e o Grupo Fluxus com a exploração do acontecimento; com a arte
conceitual e o fenômeno da desmaterialização; com a poética de obra aberta pelas possibilidades
de interação e assim por diante. E ainda, a própria concepção da Estética da Comunicação que,
baseada em dez princípios fundamentais, busca indiretamente re-configurar as linguagens
estabelecidas, um ideário que se configura como um manifesto, prática tipicamente modernista.
É certo que a própria inserção dos novos meios invariavelmente rompem com os paradigmas
da arte no domínio estético, e mais do que exaltar, a “Estética da Comunicação” anuncia os
propósitos desta quebra, mapeando a área fluída das novas tecnologias.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
5 3
rios trabalhos de arte-comunicação que irão apresentar essa nova fenomenologia,
trabalhando com Slow Scan TV, ligações por meio de satélites e/ou telemática
11
. Segundo
PRADO (1997a), o primeiro evento a reunir artistas com o uso das telecomunicações
por meio de uma conexão bidirecional via satélite, aconteceu no ano de 1977, através do
evento Send/Receive Satellite Network, organizado por Willoughby Sharp, Liza Bear e Keith
Sonnier, localizados na cidade de New York (EUA). Conectados a eles, estava o grupo
localizado em o Francisco (EUA), coordenado por Sharon Grace e Carl Loeffler. Os
artistas mantiveram-se conectados por três horas na primeira edição do evento e a ação foi
transmitida em emissoras de ambas as cidades. Ao contrário das facilidades que dispomos
hoje para transmissão de imagens em direto por meio da rede Internet, a transmissão fazendo
uso de satélites foi algo muitíssimo dispendioso e complexo. Um outro ato pioneiro, também
no ano de 1977, foi a abertura da Documenta de Kassel VI atras de uma performance
transmitida via satélite para TVs da Alemanha em que o artista Douglas Davis
12
convidava
os espectadores a passar através da tela nos seus últimos nove minutos(que dá título do
trabalho) que lhe restam. No mesmo trabalho foram apresentadas performances de Nam
June Paik e Joseph Beuys.
Uma das experimentações mais conhecidas, utilizando satélites, é Hole in Space (1980) de Kit
Galloway e Sherry Rabinowitz, que explicita muito bem essa nova fenomenologia que trata a
Estética da Comunicação. Tratou-se de uma conexão via salite em direto entre as duas costas
americanas, unindo duas praças públicas nas cidades de New York e Los Angeles. Atras de
telões instalados em cada um dos espaços, as pessoas presentes podiam se comunicar umas com as
outras, tornando, pouco a pouco, uma espécie de espaço de encontro entre parentes e conhecidos
distantes, que marcavam “encontros” atras desse vácuo espacial. Am dos salites, merecem
destaque também as utilizações artísticas de redes computacionais anteriores à rede Internet quando
a maioria delas eram redes efêmeras, construídas pontualmente para determinados eventos
1�
.
11. Da associação das telecomunicações com a informática, surge o termo telemática, que ainda hoje é
utilizado para designar trabalhos criados nas redes de computadores como a Internet.
12. É possível assistir a um trecho em vídeo da performance
The Last Nine Minutes
de Douglas Davis
através do endereço: http://www.youtube.com/watch?v=n-fhUb9wWmE (acesso em 01 de setembro de
2007).
13. Sobre arte telemática entre os anos 70 e 90, é indicado: PRADO, Gilbertto. Cronologia de
experimentações artísticas nas redes de telecomunicações. In: Trilhas, Instituto de Artes, Unicamp, Campinas,
n.6, pp.77-103, 1997a. Disponível em: <http://www.cap.eca.usp.br/wawrwt/textos/gilbertto3.html> (acesso
em 20 de junho de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
5 4
também experimentações em torno de dispositivos mais cotidianos (embora não o fossem
tão comuns anteriormente), como o aparelho de fax e o telefone. Uma das ações acontecidas
no Brasil ocorreu no carnaval de 1990, em 28 de fevereiro, quando um grupo de artistas
brasileiros capitaneados por Paulo Laurentiz, entre os quais podemos citar Anna Barros, Lúcio
Kume, Mario Ishikawa, Milton Sogabe e Regina Silveira, realizaram a partir de Campinas
(SP), o evento L´Oeuvre du Louvre. Tratava-se de uma transmissão via fax para o Museu do
Louvre de Paris, que procurava “invadir” com várias mensagens, o tão conhecido museu. A
ação realizada unidirecionalmente e também batizada de “invasões poéticas” suscitou um
espírito de provocação, ao realizar este “bombardeio” poético numa das instituições de arte
mais conhecidas do mundo.
No que diz respeito ao telefone, voltamos a Fred Forest. É através de uma performance utilizando
o aparelho que ele traz à tona um dos princípios da Estética da Comunicação: a relação entre
os meios e o tempo. No trabalho Celebração do Presente, realizado em 04 de maio de 1985, em
um programa de televisão realizado ao vivo na Itália, o artista inicia sua apresentação discando
um número que toca persistentemente aos olhos dos presentes no auditório. Repentinamente,
o artista se levanta e sai do estúdio, pega uma motocicleta, distancia-se do lugar de onde estava
e, para a surpresa de todos, atende ao seu próprio telefonema.
Figura 11: Trabalho de
Paulo Laurentiz no evento
L’Oeuvre du Louvre
,
acontecido em fevereiro de
1990.
Figura 10:
Hole in Space
de Kit Galloway e Sherry
Rabinowitz, acontecido em
1980, entre as cidades de
Los Angeles e New York,
EUA.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
5 5
Mais tarde, o telefone também seria protagonista em A torneira telefônica (1992), onde o
artista convida as pessoas a ligarem para um número de telefone divulgado por folhetos
e anúncios de jornal que está associado a um dispositivo físico instalado em uma galeria
que despeja água em um recipiente
14
. A ligação, porém, não é simplesmente local. O sinal
passa por New York, Tóquio para daí voltar a Paris, numa espécie de jogo entre os satélites
geoestacionados na órbita terrestre. Neste trabalho, o artista flerta com o conceito de rede,
que seria evidenciado em grande parte de sua produção adiante. O telefone esteve presente
também em outros trabalhos do artista muito anteriores à Estética da Comunicação, quando é
pensado como instrumento de expressão social: no mesmo ano de outras célebres ações como
Passeio Estético-Sociológico no Brooklin e, ainda, O Branco invade a cidade, o artista apresenta-se na
XII Bienal de São Paulo com 10 cabines telefônicas que possibilitam ao público a veiculação
de mensagens através do sistema de som da exposição. Assim como as outras ações da mesma
época, a ditadura militar se sente incomodada e tenta censurar o trabalho. Do mesmo modo
que o “branco” dos cartazes e dos jornais
15
, Forest literalmente dá a voz ao cidadão comum,
proporcionando espaços de livre manifestação.
14. Esta instalação interativa de Forest foi realizada em Turin, na Itália. Após 15.000 chamadas recebidas,
o balde transbordou, inundando o piso do espaço. Esse trabalho não só se relaciona com o conceito
de rede – aqui presente pelo uso da rede telefônica – como também pela ação colaborativa à distância,
que dá forma a uma situação fisicamente presente e coletiva. Em relação à idéia de rede, alguns autores
curiosamente referenciam ao fato de que o artista foi funcionário dos correios na Argélia (seu país de
nascimento), o que o teria dado um conhecimento intuitivo e prático sobre relações dessa espécie.
15. Ao lançar mão de vários meios, como o jornal, os cartazes e até a televisão – com seus 30 segundos
de branco – Forest inaugura a idéia de cross media (ou mídia cruzada) em que uma mesma ação se
dissemina simultaneamente sob a forma de uma trama que estrategicamente se expande em muitos
meios ao mesmo tempo.
Figura 12: Detalhe do
folheto de divulgação
do trabalho
A torneira
telefônica
(1992) de Fred
Forest.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
5 6
1.8 Fred Forest
Forest traz consigo muito mais do que o otimismo esboçado nas entrelinhas do movimento da
Estética da Comunicação. Ele consegue ir além dos meios comunicacionais como interface e/ou
suporte, abrindo a discussão sobre o espaço da comunicação em sentido pleno e contextualizado,
criando incômodos e estranhamentos muitíssimos conceituais. O fluxo não é dos meios, mas
da própria sociedade encapsulada nestes fluxos. Embora o artista assumidamente divida sua
produção em Arte Sociológica (nos anos 70 e começo dos anos 80) e a Estética da Comunicação
(toda a sua produção posterior), o que se é a união de premissas dos movimentos. Há, na
verdade, uma ampliação na noção de contexto para abarcar, além da questão social, econômica,
política, também o viés tecnológico. Os meios tecnológicos de comunicação também se fazem
presentes enquanto contexto. Um dos exemplos desta postura é a ação promovida pelo artista
em 1988, quando resolve mobilizar a cidade francesa de Toulon em torno de uma personalidade
fictícia chamada Julia Margaret Cameron. O trabalho Em busca de Julia Margaret Cameron é uma
tentativa de apresentar os limites tênues da mídia em torno daquilo que é ficção e realidade, e
seu poder de influência nos indiduos. O artista, baseado nos anúncios de pessoas procuradas,
cria uma situação que se desenvolve através de cartazes, panfletos entregues em locais públicos,
grafite e anúncios no dio e na televisão, produzindo um sentimento de suspense em torno
de uma personalidade que simplesmente desapareceu. O blico, por sua vez, é convidado
a participar enviando cartas ou mensagens telefônicas, relatando tal mistério o conteúdo é
apresentado em um museu da cidade. Ao final da ação, uma atriz contratada para fazer o
papel da procurada personalidade, apresenta-se em carro aberto, como se fosse um triunfante
retorno.
Emblemático desta condição de fluxo do cenário social é o trabalho A Bíblia Eletrônica (1991),
realizado durante a Guerra do Golfo, que apresenta um ambiente composto por 15 displays
com leds
16
iluminados que trazem comunicados sobre a guerra e trechos retirados ao acaso da
Bíblia, onde ambos se misturam, criando conflito e conexão entre as fontes tão diversas. No
mesmo ambiente, há seis toneladas de areia trazidas especialmente do Kuwait (país invadido
durante a guerra por tropas iraquianas) e um televisor que continuamente apresenta flashes
sobre os fatos ocorridos em alta velocidade.
16.
Leds
são diodos emissores de luz (do inglês
Light Emitting Diode
), minúsculas “lâmpadas”
amplamente utilizadas em dispositivos luminosos, na maioria das vezes, coloridos.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
5 7
Forest encara a sociedade presente em sua pedra fundamental, que são os meios, tornando-
os não apenas uma extensão desta sociedade, mas o seu próprio âmago. Nos meios, estão
contidas as intenções desta sociedade e, por conta disso, é o espaço de ação das visões
idealistas do artista; como quando se candidata para o cargo de presidente-diretor geral da
televisão pública da Bulgária, em outubro de 1991. Neste período, o país está sob um governo
stalinista, ainda com ressonâncias do antigo regime socialista e sob o apoio da antiga União
Soviética (URSS). Utilizando sempre indefectíveis óculos coloridos, Forest se lança em uma
campanha nacional defendendo uma programação televisiva mais “nervosa” e “utópica”,
uma “reforma” para uma televisão mais livre e interativa, como ele apresenta. A campanha é
apoiada pela oposição do governo que uma chance de desestabilizar os políticos da situação
e alcançar uma democratização mais plena. A ação se torna tão séria ao ponto até mesmo
de seu concorrente Ognan Saparev, ser obrigado a aceitar um debate ao vivo pela televisão.
Todos acabam tomando a farsa de Forest como verdadeira. Por conta disso, quando faz uma
carreata na cidade de Sofia, causando um enorme turbilhão e manifestações populares a favor
do candidato-artista, a ação acaba com Forest sendo obrigado a deixar o país, nos termos
impositivos de que sua presença já não é mais bem-vinda por lá.
Essa presunção dos meios como âmago da sociedade contemporânea também é presente
em seu próprio casamento, o Tecno-casamento (também referenciado como Ciber-casamento),
realizado em 1999 com a artista Sophie Lavaud. A iniciativa de realizar o primeiro casamento
através da Internet acaba sendo sintomática de uma sociedade que se vê por meio da
Figura 13: Imagens do
site do
Tecno-casamento
(1999) realizado entre os
artistas Fred Forest e Sophie
Lavaud.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
5 8
tecnologia, se fundindo e confundindo com a própria. Nesta situação, o enlace matrimonial
é também “um trabalho de arte colaborativa e interativa, e uma experimentação em uma
cerimônia on-line”, segundo o então noivo. Os artistas tiveram o evento transmitido através
de um site da rede, como também possuíam avatares que acompanhavam os movimentos de
seus correspondentes em carne e osso em um ambiente �D surrealista simultaneamente. A
Internet não só abrigava os espectadores da ação como também, alguns dos participantes do
casório – como as testemunhas. E como já seria esperado, o público podia felicitar os recém-
casados e até mandar flores on-line.
O artista não deixa também de observar as questões do poder do mercado no mundo
contemporâneo. Se antes da Estética da Comunicação ele realizou a ação Metro Quadrado
Artístico (1977), um dos seus trabalhos mais conceituais, onde ele vendia um espaço artístico
de 1m2, através da criação da Sociedade Civil Imobiliária do Metro Quadrado Artístico de um total
de 20m2 para criticar a especulação imobiliária e, por extensão, a artística também, agora
nos novos meios, mercado e meios se misturam. Muitas das produções migraram para a
Internet – algo natural para quem já vinha trabalhando com os conceitos de rede muito antes
desta própria se configurar e ele resolveu colocar a si mesmo como corpo fragmentado
e rede à venda por meio de cartão de crédito. Em Corpo na Rede (2002), Forest faz a venda
irônica e simbólica de partes do seu corpo através da rede, discutindo a transformação do
homem em mercadoria digital.
No decorrer dos anos, a discussão de Forest não estará somente posicionada sobre a instauração
de uma estética de fluxos e acontecimentos, mas se soma à investigação social trabalhada
Figura 14:
Corpo na Rede
(2002) de Fred Forest.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
5 9
desde o coletivo de Arte Sociológica nos anos 70. A visão social de outrora, que é minimizada
com o movimento idealizado com Mario Costa, passa a ser mais complexa; ora sutil, ora
irônica, ora investigativa, ora estética. O fato é que os meios passam a representar mais do
que dispositivos de fluxo mas contextos vivos e repletos de intenções sociais, econômicas,
políticas. Seu gesto é inquiridor, controverso e corajoso. Esta investigação social dos meios
está presente tanto quanto ele parte para um questionamento de mercado, ou quando parte
para um desvelar mais ideológico, de apropriação consciente dos meios. Ele é, sem dúvida, um
visionário nos desvios da artemídia e na abordagem ácida e contundente dos novos meios.
1.9 Mídia e arte
Ao agora, apropriar-se artisticamente dos meios contemporâneos, mais especialmente dos meios
de comunicação e entretenimento de massa, surge a definição de artemídia (ou media art), que
irá englobar desde o vídeo (a televisão) aos meios mais recentes, como tecnologias móveis (arte
wireless) e artes da rede (web arte). A denominação mídia é aplicável ao aparato eletrônico-
informacional da contemporaneidade, composta de jornais, revistas, televisão e sites noticiosos,
que colabora para uma visão de que esse gigantesco corpo e hegemonia são sinônimos. A
apropriação deste espaço que por si pelas suas finalidades singulares em relação à mass
media – já contribui para um ruído poético em meio a tantas vozes homogêneas.
É bom que se diga que o que temos não é apenas uma discussão de suportes instrumentais,
onde se espera o uso de dispositivos novos e condizentes com o seu tempo presente, mas
a eminência da discussão estética contemporânea em meios igualmente contemporâneos.
Porém, esses meios são produzidos com finalidades industriais para a produção massiva.
Mesmo as ferramentas mais específicas para produção são pensadas a partir de um uso
comum e convencional. Ao falar sobre as imagens limítrofes da produção contemporânea e
sua relação com os meios, MACHADO (2004, p.04) salienta:
Experiências (...) que lidam com questões essenciais da arte, como o estranhamento, a incerteza, a
indeterminação, a histeria, o colapso, o desconforto existencial não estão obviamente no horizonte
do mercado e da indústria, ambientes usualmente positivos, otimistas e banalizados. Algoritmos
e aplicativos são concebidos industrialmente para uma produção mais rotineira e conservadora,
que não perfura limites, nem perturba os padrões estabelecidos.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
6 0
Os artistas propõem a reinvenção dos meios que é alegórica de uma recusa de se submeter
à lógica dos instrumentos de trabalho e do projeto tecnológico instituído. Muito antes do
advento de meios mais recentes, podemos observar essa postura no vídeo brasileiro. A
geração denominada como “vídeo independente” em especial, os grupos TVDO (leia-se TV
Tudo) e Olhar Eletrônico realiza experimentações de linguagem e, ao mesmo tempo, inserem
problemáticas sociais em seus trabalhos. Essa geração produz paralelamente ao modelo
broadcasting da televisão comercial – ainda que se insira em meados dos anos 80 em diversos
programas da própria televisão. Suas produções se pautam pelo caráter outsider, apresentando
aquilo que não interessa ao meio massivo ou abordando de maneira completamente distinta,
causando estranhamento. É um exercício de reinvenção, concedendo absolutos poderes a si.
Como diria o artista e videomaker Tadeu Jungle: “Tudo Pode”
17
.
Em proximidade com a discussão das relações da arte com a mídia temos a artista
americana Dana Birnbaum em suas apropriações imagéticas da mass media em trabalhos
como Technology/Transformation: Wonder Woman (1978), que faz uma reciclagem televisiva
com as imagens da série televisiva Mulher Maravilha, editando um novo vídeo a partir das
transformações da heroína e Rio Videowall (1989) em que as silhuetas dos transeuntes num
espaço público, capturadas em um circuito de vigilância, são cobertas por imagens via satélite
da mundialmente famosa CNN.
Observamos que a artemídia faz uso constante de um tempo tipicamente situacionista:
o “desvio”. Sobre esta prática nos meios tecnológicos, Arlindo Machado nos traz com
clareza:
Como poderíamos entender esse “desvio” do projeto tecnológico original no diálogo com as mídias
e a sociedade industrializada? Ora, a artemídia é justamente o lugar onde essa questão encontra
uma resposta consistente. O fato mesmo das suas obras estarem sendo produzidas no interior dos
modelos econômicos vigentes, mas na direção contrária deles, faz delas um dos mais poderosos
instrumentos críticos de que dispomos hoje para pensar o modo como as sociedades contemporâneas
17. Tadeu Jungle sobre a TVDO – que além dele, incluía Walter Silveira, Ney Marcondes e Paulo Priolli:
“Tudo pode ser um programa de televisão. Tudo. O que acontecia, era. O que não acontecia, também
era. (...) Achávamos que podíamos tudo” (JUNGLE, 2007:203). Emblemático do seu próprio nome, a “TV
Tudo” encara toda a experiência da vida como televisão, tudo cabe no universo midiático. As experiências
de vida e mídia se somam, tornam-se uma só coisa.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
6 1
se constituem, se reproduzem e se mantêm. Pode-se mesmo dizer que a artemídia representa hoje
a metalinguagem da sociedade midiática, na medida em que possibilita praticar, no interior da
própria mídia e de seus derivados institucionais (portanto não mais nos guetos acadêmicos ou nos
espaços tradicionais da arte), alternativas críticas aos modelos atuais de normatização e controle
da sociedade (MACHADO, 2004, p.06-07).
Na artemídia podemos observar que uma confluência no sentido de entender a apropriação
e experimentação dos meios que culmina na transgressão estética como uma metáfora da
própria idéia de subversão social, visto que, a mídia por si é emblemática de uma posição
de hegemonia. A mídia possui um poder onipresente, estendido pelas teias do universo
eletrônico, especialmente pelo ciberespaço e, ao mesmo tempo, faz uso de uma linguagem
rotineira, pré-determinada e previsível, formatada para a média da população. Essas condições
constituem-se num evento de grandes proporções que não se limita aos meios e linguagens
em si, mas se confunde com a própria sociedade. Como bem é trazido por DEBORD (1997,
p.172), em seus Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo, em 1988, quando elabora a idéia
do Espetacular Integrado em que não não sabemos os limites de onde é sociedade e onde
é espetáculo, como também o espetáculo político-social (o poder espetacular concentrado)
e o espetáculo financeiro (o poder espetacular difuso) se fundem em um elemento. Mas
sobre a própria idéia da Sociedade do Espetáculo, BOURRIAUD (2006, p.106) observa que
a teoria situacionista, na ânsia de enquadrar a produção espetacular, ignora ao fato de que o
espetáculo que investe em primeiro lugar contra as formas de relações humanas, já que seria
uma “relação social entre pessoas mediadas por imagens” só poderá ser pensada e combatida
através de novos modos de relações entre pessoas. Esta é uma das premissas trazidas pela
idéia de uma arte relacional, que contraria idéias de uma produção artística autônoma da
realidade e conduz a uma prática que toma como ponto de partida teórico e prático, as
relações humanas e seu contexto social.
1.10 Estética Relacional
Bourriaud parte da concepção de que o artista é um indivíduo que “toma um trem em
movimento”, ou seja, que habita as circunstâncias que o presente oferece para transformá-lo
em um contexto de vida e, em seguida, torná-lo seu próprio universo de criação. Não seria
apenas uma questão perceptiva como é trazida por LÉVY (1998, p.40), que aponta que a arte
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
6 2
traduz os hábitos perceptivos induzidos por condições de vida, como o próprio Futurismo
seria impensável sem os meios de transporte rápidos ou sem o cinema. Segundo Bourriaud,
a modernidade contemporânea instaurou novas circunstâncias sociais, tão significativas que
partem para serem protagonistas de uma produção questionadora cada vez mais recorrente a
partir dos anos 90 do século XX. Essa produção é observada através do critério de coexistência
em que toda obra de arte cria um modelo de sua própria sociedade, seja transpondo o
âmbito do real ou se traduzindo nele. Digamos por exemplo, que uma produção artística seja
realizada com o apoio de um regime totalitário. Ela será estanque e fechada sobre si mesma
(especialmente sobre simetrias e padrões estéticos clássicos), não deixando que seja possível
ver além do que está posto, de “completar o que se olha” (ibidem, p.1�9).
O critério de coexistência é o ponto de partida para a Estética Relacional, que é uma teoria
baseada na análise de obras de arte em função das relações humanas que figuram, produzem
ou suscitam. A Estética Relacional aponta para o diálogo que se funda no elemento social.
Notadamente, essa teoria se fundamenta no materialismo (em especial, Louis Althusser que
escreveu “O materialismo do encontro”), que toma como princípio a idéia de que o mundo
não possui origem e nem sentido que o preceda, ou seja, a essência da humanidade seria
então a relação entre os indivíduos e suas formas sociais: “a essência humana é o conjunto
de relações sociais” (Marx). Assim também não existiria um “fim da história”, nem um “fim
da arte” que ambas existem em função de um contexto: falar em fim da arte é confundir
fim de jogo (game), com o fim de partida (play), numa metáfora trazida por Hubert Damisch.
Toda vez que muda o contexto, uma nova partida se anuncia e o jogo permanece (ibidem,
p.18). Como diria Duchamp, “a arte é um jogo entre homens de todas as épocas”. Diante
desta visão, o contexto toma uma importância que significa a perda da autonomia do objeto
artístico, cada vez mais distante da idéia da “arte pela arte”.
Na arte relacional, a discussão sobre as relações humanas é o ponto de partida mais freqüente
para apropriar-se do contexto. Seria possível, a partir delas, mapear nuances da nossa condição
presente, já que as relações entre indivíduos estariam cada vez mais subjugadas às imposições
da sociedade. Em um revival dos tempos em que se construíam banheiros públicos para que as
ruas da cidade permanecessem limpas, agora estariam também os espaços públicos cada vez
mais limpos de toda “escória relacional” através das novas ferramentas de comunicação. Os
espaços públicos deixam de ser lugares de encontro e tudo passa a estar submisso a espaços
pré-determinados, fechados e privados. As praças públicas das grandes cidades permanecem
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
6 3
vazias enquanto nas alas de alimentação de shoppings e casas de café, as pessoas se amontoam
em busca de alguma relação inter-humana. Os espaços de consumo tornam-se espaços
relacionais. De outro lado, emergem os contatos mediados pelas redes, instaurando novas
circunstâncias de relacionamento.
Neste contexto, a arte seria então, um espaço de explicitar relações. O mundo da arte é um
campo por excelência do diálogo, que cada obra de arte poderia muito bem se definir como
relacional à medida que nasce da negociação e disseminação entre numerosos emissores e
receptores
18
. Mas, indo além, é possível dar conta da especificidade da arte atual ao opor
as relações restritas ao campo das artes às relações mais abragentes em que se abarcam as
relações entre os indivíduos e os grupos, o artista e o mundo, e, em conseqüência, as relações
do espectador e o mundo. Assim, desde o Renascimento, surgem formas artísticas plenas
que advém de contextos (as manifestações, a performance, os encontros, a participação etc.)
intrinsecamente relacionais. Quando em 1965, Beuys propõe restringir o espaço da galeria
para somente ele e um cadáver de lebre – ficando todos os espectadores do lado de fora – é o
esboço de forma estética se tornando uma forma relacional.
Ainda que trabalhe em um sentido mais perceptivo, alguns trabalhos de Lygia Clark também
são exemplares no sentido de promover uma realidade relacional, nos quais se mantém uma
conexão entre pessoas para uma exploração sensorial compartilhada, como em Nostalgia do
Corpo (1965/1988), em que a artista elabora objetos com finalidades relacionais de descobrir a
si mesmo e ao outro. No trabalho da artista é a apreensão desta realidade vivenciada que levará
a uma transcendência do indivíduo, uma tomada de “consciência em torno da alienação em
que vive” (CLARK apud SPERLING, 2007).
Nos anos 90, a ação dos artistas da arte relacional se daria especialmente sob a criação de
modelos sociais simbólicos da condição social presente ou sob a abordagem de uma sociabilidade
peculiar. No Brasil, podemos identificar as premissas da arte relacional, por exemplo, em José
Leonilson. O artista expõe circunstâncias de relações em seus trabalhos, baseando-se nas
18. Além disso, como bem é trazido pela Estética da Recepção, há que se pensar neste “outro” que
se relaciona com o objeto artístico num sentido mais amplo, conforme PLAZA (2003, p.12), que cita a
Estética da Recepção, onde se destacam os teóricos da Escola de Konstanz (Jauss, Iser e outros), e traz a
idéia de uma transubjetividade: “O sujeito da produção e o sujeito da recepção não são pensáveis como
sujeitos isolados, mas apenas como social e culturalmente mediados, como sujeitos ‘transubjetivos’”.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
6 4
angústias do homem contemporâneo, tendo a si mesmo como parte deste contexto. Em seus
trabalhos, está uma tessitura do emocional e dos relacionamentos humanos, especialmente
em seus desenhos, bordados e instalações o “outro” freqüentemente questionado. Em seu
último projeto exposto após sua morte em 199� De bom coração/Da falsa moral, o artista
cria uma instalação no qual duas camisas costuradas em uma e mais duas camisas
justapostas em cadeiras, suscitando relacionamentos e intimidade. proximidade com o
trabalho do artista cubano Félix González-Torres, nas dualidades; as relações amorosas e a
necessidade do “duplo”, como em Untitled Perfect Lovers (1991) em que dois relógios marcam
a mesma hora e 24 affiches (1991), em que há duas almofadas sobre uma cama desfeita, ainda
com a marca dos corpos.
Indo além da investigação do “outro” neste espaço relacional, essa produção pode se direcionar
de modo mais contextual. Um exemplo mais implicado com o urbano está em Gabriel Orozco
conhecido por seu carro “individualista” na XXIV Bienal de São Paulo em 1998, o chamado
La D.S. (199�). O carro (um “recorte” em um famoso modelo da Citröen), onde é possível
permanecer apenas uma pessoa, é a síntese da individualidade das grandes cidades.
com uma discussão assumidamente política e social, o trabalho de vídeo e performance
de Coco Fusco, como em El ultimo deseo/The Last Wish (1997), sobre repatriados cubanos, ou
na discussão sobre a mulher latina e turismo sexual na performance Stuff (1996). Mais tarde,
Coco Fusco irá realizar trabalhos cada vez mais incisivos como o vídeo Dolores From 10 to 10,
apresentado em 2004, na exposição Emoção Art.ficial 2.0 no Instituto Itaú Cultural, sob a
forma de monitores de vídeo espalhados pelos andares do prédio, como aqueles de espaços
de vigilância em que apresenta um vídeo baseado em uma história real de uma funcionária
mexicana que foi coagida e presa em uma fábrica.
Figura 15:
La D.S.
(1993) de
Gabriel Orozco.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
6 5
Na recorrência do contexto, é possível também fazer uma aproximação da arte relacional
com a prática contemporânea do “shop-drop”. Alguns artistas realizam ações que consistem
em colocar réplicas ou produtos modificados no interior de lojas ou supermercados e assim
disponibilizarem seus trabalhos artísticos para serem comprados por qualquer pessoa sem que
esta pessoa tenha a consciência de que está levando um trabalho de arte. A prática, realizada
por artistas norte-americanos como Zöe Sheehan Saldaña
19
e Ryan Watkin-Hughes, acontece
da seguinte maneira: primeiro o artista compra o produto que será replicado ou modificado,
depois realiza a réplica (anexando a etiqueta do produto original) ou a modificação e a insere
no contexto do comércio nas gôndolas, cabides e prateleiras onde produtos similares. A
artista Saldaña ocupa-se especialmente da manufatura de bolsas, vestidos e roupas femininas.
Watkin-Hughes, da modificação dos rótulos de latas de sopas e outros alimentos. Em
Saldaña, uma interessante inversão que remete diretamente ao Ready-made: o produto
original (um objeto em série) é colocado para ser exposto no contexto do museu, enquanto
a réplica manufaturada é um objeto único (mas vendida como objeto em série) a ser
comercializada ao preço de seus similares industriais. O mais interessante nestes casos é
conceber que é o contexto que tanto legitima o produto como arte ou a arte como produto.
19. No site da artista é possível encontrar algumas imagens de seus atos “shop-drop”: http://www.
zoesheehan.com/ (acesso em 10 de setembro de 2007).
Figura 16: Imagens do
vídeo
Dolores from 10 to 10
(2002) de Coco Fusco.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
6 6
Embora esteja em permanente flerte com os conceitualismos, a arte relacional o significa
um retorno à “arte conceitual” – a histórica – já que não celebra a imaterialidade. Segundo
BOURRIAUD (2006, p.57) não existe uma primazia do processo de trabalho sobre os
modos de materialização da obra (exatamente o oposto da process art ou da arte conceitual,
que realiza uma sobrevalorização do processo mental em detrimento do objeto físico). É
uma produção em que cada objeto é um vetor de relações com o outro, em que pouco
importa se isso acontece por meio de uma ligação telenica ou de uma escultura.
Por outro lado, a arte relacional é vista por alguns como uma forma suavizada de arte
crítica, pois ao atuar em locais restritos como museus e galerias espos restritos ou
o ser suficientemente corrosiva ao apresentar um espaço social alienado, mercantilista,
inóspito e mecanizado, parece que o seu próprio sentido de questionamento social é mido.
Porém, há que se observar que essa produção deve ser lida a partir do seu pprio contexto
que é o arstico, tomando suas relões com a hisria da arte e especialmente levando em
conta o valor político da forma, o chamado critério de coexisncia (ibidem, p.10�). Ou
seja, ao contrário de uma produção mais militante, que extravasa a esfera arstica nas
inspirões do ideário situacionista de fim da arte” a arte relacional, por sua vez, não
tem objetivos sociais, mas sim, origem a produtos sociais ou formas de sociabilidade
distintas ou sintoticas, como parte da complexidade de um contexto. De certo modo,
seu valor social se mescla ao seu valor expositivo no bojo de um projeto acima de tudo
plástico.
Quando opta por ser relacional, a produção se distancia do risco de ser prioritariamente
referencial, ainda que faça uso do contexto que caracteriza essa função de linguagem,
Figura 17: Comparação
entre peça original e seu
equivalente de “shop-drop”
da artista Zöe Sheehan
Saldaña.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
6 7
conforme JAKOBSON (1995, p.122-127). Pois, ainda que o contexto esteja presente,
o artista se orientará pela mensagem como tal, “por ela própria”, laandoo de
estratégias conscientemente estéticas: é a função poética que predomina. Sob um prisma
de posturas frente ao contexto, essa prodão está taticamente posicionada agregando
os conceitualismos, em que a idéia se traduz em relações e posicionando-se diante da
discuso social, sem abdicar de seu primordial caráter ptico. Em grande parte das
vezes, a estratégia é criar a partir da arte como “interstício social” um espaçoentre” da
sociedade estruturas “micro-upicas”
20
e miticas do contexto social ou do cotidiano,
que substituirão as grandes utopias e esperanças revolucionárias de outros tempos. o
aberturas quase silenciosas no corpo social que destoam em objetivo e amplitude das
antigas posturas mais radicais.
Mas, ao abordar os novos meios, BOURRIAUD (2006, p.82) é ainda cético no que diz respeito
a traduzirem essa estética relacional:
A arte exerce seu dever crítico sobre a técnica a partir do momento em que pode deslocar suas
prerrogativas; por isso, os principais efeitos da revolução informática são visíveis hoje em artistas
que não se utilizam do computador. Pelo contrário, aqueles artistas que produzem imagens
“infográficas” (...) caem geralmente na armadilha da ilustração: seu trabalho é no máximo, um
sintoma ou engenhoca, ou pior, a representação de uma alienação simbólica do meio informático
e sua própria alienação dos modos de produção impostos.
O autor pode ter razão ao menos em parte: diversos artistas em arte e tecnologia que
possuirão uma postura apologética frente à tecnologia, prevalecendo o deslumbramento, a
premissa “dos avanços tecnológicos” na arte ou o caráter demonstrativo daquilo que se pode
realizar com os novos meios. Muitos não questionam o contexto social, político ou econômico
que se insere o dispositivo, o software, o meio etc., bastando a estes simplesmente utilizá-
los com fins estéticos. A existência desta produção que acaba representando esta “alienação
simbólica” é verdadeira. Uma produção de culto ao tecnológico e é desta que fala Bourriaud
mas que se observar também, a insurgência de trabalhos nos novos meios que irão se
20. Há uma inspiração no que GUATTARI (apud BOURRIAUD, 2006:35) já apresentava há mais de vinte
anos: “Assim como penso que é ilusório apostar em uma transformação da sociedade, também creio que
as tentativas microscópicas, como as experiências comunitárias, as organizações de bairro, a implantação
de uma creche em uma universidade, etc., jogam um papel absolutamente fundamental”.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
6 8
contrapor ao estabelecido, fazendo nascer questionamentos sociais e estéticos tão precisos
quanto da produção sem gadgets de que o autor analisa.
Ao mesmo tempo, há um saudosismo na opino do autor, em torno do uso de novas
tecnologias de comunicaçãoque instauram novas pticas relacionais, mas não excluem
definitivamente a comunicão cara a cara. E ainda: instauram novos comportamentos
que evidentemente dialogam com um contexto cada vez mais mecanizado. Na verdade,
com a eminência de dispositivos tecnogicos cada vez mais complexos, não podemos
mais falar apenas em relões humanas que o humano es cada vez mais renegado a
um plano secunrio. Como BOURRIAUD (ibidem, p.16) mesmo aponta a substituição
de pessoas reais por máquinas em serviços, como o de despertador telefônico ou do
caixa eletrônico, essas relações antes humanas são substituídas por relações efetivamente
tecnogicas.
1.11 Posturas tecno-relacionais
O aparecimento de robôs sociais é emblemático: casos como Setezoom
21
, software da
empresa brasileira Insite, uma “modelo virtual” com sistema de inteligência artificial com
capacidade de manter longos e espirituosos bate-papos via Internet; Smart Companion
22
, da
Philips, um “robô de mesa” que é capaz de entender o que é dito, responder às perguntas por
voz utilizando a Internet e conhecer o humor do seu usuário por expressões faciais; Aibo
23
,
um “animal robótico” lançado em 1999 pela Sony, que como um cãozinho chega à casa de
seu dono com comportamento de filhote e após algumas semanas é capaz de entender até 100
21.
Setezoom
é um “chatter robot” criado em 2001 para a Gessy Lever, em função da marca
Close-up
.
Possui um banco de palavras e incorpora conceitos existentes em uma conversa humana como “memória,
contexto, aprendizado e aparente elaboração de idéias a partir de um assunto”, como está no site de seus
realizadores. Há uma versão deste robô em: http://www.inbot.com.br/sete/ (acesso em 03 de setembro
de 2007).
22. A Phillips apóia e desenvolve uma série de pesquisas em torno de robôs sociais. Além do
Smart
Companion
, há também o
eMuu
– um robô emotivo, que demonstra suas “emoções”, com informações
disponíveis em: http://www.bartneck.de/work/researchProjects/socialRobotics/emuu/ (acesso em 08 de
setembro de 2007). Informações sobre o Smart Companion estão disponíveis em: http://www.research.
philips.com/password/archive/23/pw23_smartcompanion.html (acesso em 08 de setembro de 2007).
23. Mais informações sobre
Aibo
em: http://support.sony-europe.com/aibo/index.asp (acesso em 08 de
setembro de 2007). Sua produção foi descontinuada em março de 2006.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
6 9
palavras e reconhecer a voz e o rosto de seu dono. Além destes casos, há diversas pesquisas
em torno de interfaces mais humanóides, com o uso de expressões físicas em “rostos” com
pele sintética, bem como estudos sobre a sociabilidade humana e reconhecimento de padrões
humanos, com a intenção de criar robôs capazes de estabelecer relações “naturais” com os
indivíduos, com funções como recepcionar pessoas ou guiá-las por um caminho, entre outras
atividades sociais.
A técnica em seu caráter mais amplo, enquanto produtora de bens de produção é ideal para
apresentar as relações produtivas: por exemplo, podemos imaginar o advento da fotografia
como parte de um desenvolvimento científico e técnico que culmina no seu aparecimento;
seu surgimento é contemporâneo à necessidade de identificação de pessoas em larga escala.
Podemos dizer que cada época tem as máquinas que refletem diretamente um pensamento
inerente. A função da arte é se apropriar de cada uma das novas técnicas, estabelecendo uma
nova lógica que reverbera diretamente na própria sociedade que concebe sua máquina. Nas
palavras de BOURRIAUD (ibidem, p.82), mais especificamente sobre a tecnologia, podemos
pensar melhor nestas relações:
Podemos, sem dúvida, afirmar que a arte obriga a tomar consciência dos modos de produção e as
relações humanas produzidas pelas técnicas de sua época. A arte torna muito mais visíveis, esses
modos de produção, dando-nos a possibilidade de imaginar inclusive suas conseqüências na vida
cotidiana. A tecnologia interessa ao artista na medida em que pode colocar em perspectiva seus
possíveis efeitos; não está obrigado a condená-la como instrumento ideológico.
O instrumento ideológico de que fala o autor é a ideologia hegemônica que está encapsulada
Figura 18: O “robô
companheiro”
Smart
Companion
da Philips,
que reconhece expressões e
busca conteúdos para suas
conversas na rede Internet.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
7 0
na própria tecnologia. Quando falamos de tecnologia, estamos fazendo justamente a
distinção proposta por Mario Costa, quando propõe a Estética da Comunicação, em
que a tecnologia aos menos, a princípio é uma entidade autônoma na execução de
suas tarefas, desvinculada da ão do humano. Os artistas da Estética da Comunicação
buscaram justamente uma fusão do humano com as tecnologias em um otimismo que é
bem significativo nas reflexões de Roy Ascott –, mas o que temos observado é que essa fusão
está ocorrendo abruptamente através do poder da tecnociência
24
, em que não é a tecnologia
que está em função do humano, mas sim, o humano em função da tecnologia, promovendo
instâncias híbridas.
Homogeneização e padronização são algumas das propriedades desta ideologia que procura
transformar todas as instâncias da vida em produto consumível. É o chamado “Capitalismo
Mundial Integrado” (CMI) de Félix Guattari. GUATTARI (apud BOURRIAUD, 2006,
p.12�) acredita que esse novo capitalismo engendra um “imenso vazio da subjetividade”,
uma “solidão maquinal” que cessa ao alcançar a desertificação das relações diretas. Um
vazio que será preenchido ao se conceber um novo contato com o inumano, a máquina.
Diferentemente de outras técnicas concebidas até então, a tecnologia não é um reflexo
de um pensamento de seu contexto como também passa a definir seu próprio entorno de
relações.
A partir destas circunstâncias é que a apropriação arstica da ppria tecnologia poderá
originar estes mesmos “interstícios sociais”, previstos inicialmente na arte relacional fora
dos novos meios. Artistas dos novos meios serão capazes tamm de fazer esta abordagem
com implicões mais diretas a partir dos próprios meios. É uma situão em que cabem
as considerações de MACHADO (2002, p.155) sobre produzir arte em novas tecnologias,
como um espaço de objetivos paradoxos, em que a realização estética es atrelada ao
desvelar as verdadeiras intenções contidas no projeto tecnogico, seja de qual natureza
24. O termo é utilizado para definir a interdependência entre as técnicas e as ciências no saber
contemporâneo. Segundo ARAÚJO (1998, p.12-14), a tecnociência segue por duas perspectivas
aparentemente contraditórias: uma primeira na qual o saber contemplativo e discursivo dá lugar ao
método experimental e à modulação matemática na produção do conhecimento, ou seja, o que era
“teoria” dá lugar à “ação sobre a realidade”; em uma segunda perspectiva que minimiza a primeira: o que
realmente importa são as redes de relações entre os indivíduos, constantemente atualizadas e mantidas,
que “por definição não exclui os interesses políticos e econômicos”. Somadas, conferem um caráter
“operatório”, ramificado e onipresente em todos os campos do conhecimento.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
7 1
for
25
. Como é bem trazido pelo artista Steve Mann, trata-se de uma postura “reflexionista”,
como uma estratégia que toma a metodologia do “opressor” para mirar ao próprio. Assim,
esse corpo social é ampliado para além das relações humanas – entre os indivíduos – para a
instauração de relões híbridas homem e quina; máquina e máquina.
Essas relações implicam primeiramente no entendimento da tecnologia como parte da própria
ideologia dominante – e por conta disso, interessa a nós, conduzir a um desvio consciente. A
tônica que é trazida por Arlindo Machado na definição de “artemídia” é fundamental para
pensarmos não apenas no desvio da “mídia” – no sentido dos meios comunicacionais – mas
da tecnologia e da tecnociência. “O inimigo”, como é referenciado por Bourriaud, não está
restrito a um poder instituído ou financeiro, nem apenas está através dos meios que entorpecem
o indivíduo, como fora proposto por Guy Debord, em 1967. É uma condição acima de tudo
relacional e ramificada permeando campos e espaços dos indivíduos onipresentemente.
Através dos novos meios, esses modelos descritos por Bourriaud podem ganhar uma nova
dimensão, não somente simbólica, mas processual. A arte dos novos meios pode ser capaz
de instaurar essas pequenas interferências com uma complexidade mais intrínseca e precisa;
pode também dar origem a novas formas de comportamento, novos gêneros mercantis e
novos valores circunscritos num microcosmo. Indo em direção ao desvio no interior das
relações tecnológicas, se desperta consciências nas mutações ocorridas no corpo social. É o
desafio de realizar uma arte relacional que foca nas relações truncadas, latentes, codificadas
e monitoradas agora através das próprias tecnologias.
25. Sobre a produção artística em novas tecnologias, MACHADO (2002, p.155): “Essa atividade é
fundamentalmente contraditória: de um lado, trata-se de repensar o próprio conceito de arte, absorvendo
construtiva e positivamente os novos processos formativos abertos pelas máquinas; de outro, trata-se de
tornar também sensíveis e explícitas as finalidades embutidas em grande parte dos projetos tecnológicos,
sejam elas de natureza bélica, policial ou ideológica”.
7 2
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
7 3
Capítulo 2
Relações e mediação em rede
No Pavilhão da Bienal de São Paulo, ao mesmo tempo em que se realizava a 27ª edição
do megaevento das artes, o artista Fred Forest, separado da exposição internacional por
apenas uma parede e alguns poucos metros, criticava duramente o circuito artístico e a
estrutura arcaica das artes. Essa edição, acontecida em 2006, trouxe à tona a vida urbana
e os distúrbios sócio-culturais numa visível continuidade das propostas das duas edições
anteriores Iconografias Metropolitanas (2002) e Território Livre (2004) porém, trazendo uma
complexidade e uma abertura de posicionamentos bem mais dinâmicos e líquidos, além de
um compromisso mais denso com a vida real. A questão é: “como viver junto”? É uma das
edições mais políticas e, talvez por isso mesmo, traz pequenas lembranças de momentos dos
anos 70, em que artistas desafiavam a ditadura militar e hoje desafiam hordas de advogados:
um dos fatos noticiados durante a 27ª Bienal foi a censura ao grupo dinamarquês Superflex
1
e seu Guaraná Power, proibido de ser veiculado pela Fundação Bienal devido a receios sobre
possíveis contendas jurídicas com os advogados de uma marca de refrigerante. Outra restrição
com a mesma justificativa evitar complicações jurídicas também foi muito noticiada: a
interferência da fundação no trabalho com bloqueadores de celulares do artista brasileiro
Marcelo Cidade, que pretendia utilizar os aparelhos para restringir o uso dos telefones móveis
em todo o pavilhão, e permitiu-se instalar apenas um (e não quatro, como planejado), tornando
o trabalho completamente inócuo.
Proibições à parte, por ser o mais importante evento das artes plásticas na América Latina,
essa opção política criou visibilidade para um ativismo artístico cada vez mais crescente
sintomático de um contexto global onde existe desde a intolerância das diferenças até a
onipresença do mercado. Mas ao mesmo tempo, ao aglutinar muitas propostas neste sentido,
discute-se a própria essência desta produção, seu ideal estético e seus significados abrangentes
num contexto social; uma objetividade que pode ser facilmente confundida com a tirania de
um só discurso político e muitíssimo referencial. Estética e crítica poderiam viver juntas? Na
outra extremidade, porém, está Fred Forest, que com a impertinência de um grilo, proclama
1. Sobre o grupo, há informações no site http://www.superflex.net/ (acesso em 02 de agosto de 2007).
O grupo é conhecido também por sua Free Beer – uma cerveja de “código livre”, similar aos softwares
assim também chamados, sem restrições de autoria e tendendo à sua disseminação.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
7 4
uma “nova bienal numérica, planetária, participativa e verdadeiramente democrática”! Uma
bienal para anos futuros – mais precisamente para o ano �000.
A Bienal do ano 3000 de Forest é um site disponível através do endereço http://www.
biennale�000saopaulo.org/
2
e que possibilita que qualquer internauta insira imagens, deos
e textos diretamente nele, sem qualquer restrição ou filtro. Além do site, uma instalão
com acesso ao conteúdo on-line foi apresentada no MAC-USP do Parque Ibirapuera, que
se localiza exatamente no terceiro andar do prédio da Fundão Bienal. Alguns poucos
metros separam duas condições antagônicas de lidar com arte. De um lado estaria uma
“exposição antiquada, condicionada a conceitos obsoletos”, como o da idéia de curadoria
e da materialidade, por exemplo, e de outro, uma bienal na qual os artistas e os cidadãos
tomam o poder e exercem seu direito à palavra e à imagem, em toda liberdade de expressão”,
segundo o texto do pprio site. Sua inclinação conceitual é discutir o democrático”, um
viés político mais que perfeito diante do “como viver junto” da bienal fisicamente presente.
Uma bienal sem curadoria é também o sucumbir aos interesses de mercado, capazes de
manipular os critérios de qualidade artística, subjetivos para a grande maioria. Temos uma
bienal livre, portanto.
E, indo além, o artista procura questionar também a miopia da arte contemporânea em relação
ao imaterial e tecnológico. Para Forest, “o sistema da arte contemporânea continua focado
no objeto material, ao passo que bancos, máfia, militares etc. prosperam no meio virtual e
2. Acesso em 02 de setembro de 2007.
Figura 19: Imagem do
site da
Bienal do ano 3000
(2006) de Fred Forest.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
7 5
da informação”
. O sistema artístico estaria agarrado a conceitos do passado, negando-se a
aceitar aquilo que invade todas as dimensões do estético, do simbólico e do social.
Forest é reincidente ao implicar com a Bienal de São Paulo: desde 197� seria persona non
grata da Bienal com a ação O Branco invade a cidade, quando caminhou com cartazes em
branco pelo centro da cidade e com isso despertou a atenção da polícia e foi preso. Forest
resolve fazer sua própria exposição em 1975, a Bienal do ano 2000 uma exibição alternativa,
mas num espaço contíguo ao do evento, justamente no espaço do MAC-USP no Parque
Ibirapuera. Em 1975, participam diversos artistas como Amélia Toledo, Anésia Pacheco
e Chaves, Armando Canuto, sar Loureiro, Euclides Sandoval, Fábio Magalhães, Luiz
Carlos Homem da Costa, Gabriel Borba e Gastão de Magalhães, entre outros. O título
irônico é oriundo da idéia de que a Bienalconcorrente” seria apoiada pelo regime militar
e aquela, independente, seria então, de um tempo futuro. Forest questiona diretamente
o modelo de relações impostas, criando, em ambos os trabalhos, um modelo próprio um
sistema artístico original.
Ao analisar a produção artística de Forest, LÉVY (1995) irá nomeá-la como arte da implicação,
condicionando esta a uma arte “sem assinatura”:
A arte da implicação não constitui mais a obra no sentido clássico, até mesmo uma obra aberta ou
indefinida: ela faz emergir processos, ela quer abrir uma carreira a vidas autônomas, ela introduz
ao crescimento e à habitação de algum mundo. Ela nos insere dentro de um ciclo criativo, dentro
de um meio vivo do qual somos todos co-autores. Work in progress? Ela desloca o acento do
work em direção ao progress. Suas manifestações poderão ser relacionadas a momentos, a lugares,
a dinâmicas coletivas, mas não mais a pessoas. É uma arte sem assinatura.
Lévy acaba recorrendo no lugar comum da destruição do autor em função de uma multidão
de indivíduos que participam. Mas é bom que se observe que um indivíduo central neste
processo que é Fred Forest e que ele faz uso dos participantes como ferramentas ou
atores no interior de uma coletividade. Isso é muito bem apresentado por FLUSSER (1975),
especialmente no trabalho do artista no asilo em Hyères, em 197�, onde o que temos é a
3. Entrevista presente no texto Resistência nas artes plásticas, no site IBASE, no endereço: http://www.
ibase.org.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1539 (acesso em 02 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
7 6
transformação dos participantes (os idosos que produzem os vídeos, assistindo-os depois) em
ferramentas do seu discurso.
Essa idéia do participante como ferramenta é muito recorrente também no discurso de outros
artistas. Com grande proximidade ao trabalho de Forest em Hyères, em 2007 o catalão
Antoni Abad realizou uma instalação, no Centro Cultural São Paulo, em que motoboys
fotografam, gravam e publicam o seu dia-a-dia na Internet, através de celulares com câmeras
que os acompanham pela cidade. O projeto denominado Canal*Motoboy
4
acaba trazendo uma
visão com forte carga sociológica ao passo que os 12 motoboys não irão fazer algumas
experimentações mais líricas com a câmera, como também não deixarão de apontar os
problemas sociais de sua profissão normalmente exercida por jovens pobres da periferia
como o desrespeito no trânsito por motoristas, a falta de segurança nas ruas, a rapidez sobre-
humana nas entregas, a distância entre os extremos da cidade e a fatalidade dos acidentes. Os
motoboys não são autores plenos do trabalho, mas sim, partes de um discurso maior regido
por um autor que propõe um canal de criação.
Pensando na colaboração a Forest, cada participante passa a ser elemento de uma coletividade
que é direcionada pelo artista, importando muito menos o resultado individual de cada um
e sim sua inserção. O processo é o que realmente importa. Em outras palavras, há uma nova
figura do autor que se distingue obviamente da figura clássica e essa aproxima-se muito mais
de uma autoria procedimental, em que não objetos fechados e sim potencialidades. MURRAY
(200�, p.149), ao falar sobre narrativas em meios eletrônicos nos deixa isso mais claro:
Autoria procedimental significa escrever as regras pelas quais os textos aparecem tanto quanto
escrever os próprios textos. Significa escrever as regras para o envolvimento do interator, isto é, as
condições sob as quais as coisas acontecerão em resposta às ações dos participantes. (...) O autor
procedimental não cria simplesmente um conjunto de cenas, mas um mundo de possibilidades
narrativas.
4. O trabalho de Abad está disponível no endereço http://www.zexe.net (acesso em 01 de setembro
de 2007). No mesmo endereço, há outros trabalhos em proximidade ao apresentado em São Paulo, em
que grupos marginalizados ou excluídos também são dotados de celulares com câmeras e temos, on-line,
o resultado destas incursões: em 2005, prostitutas de Madrid transmitiam das ruas da cidade e em 2006,
imigrantes nicaragüenses em Costa Rica. Também em 2006, portadores de necessidades especiais de
Barcelona (Espanha) registram e publicam através de celulares, imagens sobre caminhos e obstáculos nas
ruas da cidade. O artista dá espaço a grupos sem presença ativa nos meios de comunicação de massa.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
7 7
E continuamos a congregar com as mesmas idéias de MURRAY (ibidem, p.150), sobre uma
banalização do papel do autor:
Os críticos contemporâneos estão atribuindo autoria aos interatores porque não compreendem as
bases procedimentais da composição eletrônica. O interator não é o autor da narrativa digital,
embora ele possa vivenciar um dos aspectos mais excitantes da criação artística a emoção de
exercer o poder sobre materiais sedutores e plásticos.
Mas LÉVY (1995) é muito mais feliz ao resumir a fórmula da arte da implicação com algumas
poucas palavras: “suscitar a obra em vez de impô-la”. A proposta que antecede qualquer trabalho
que busque a intervenção criativa de seus participantes nunca se resume ao que é imposto,
mas ao que pode existir em potencialidades.
Essa coletividade em rede não constitui status de autor, ainda que crie e exerça determinado
poder. Nas atuais condições da rede em que surgem estruturas fundamentalmente voltadas
à inserção colaborativa, há até agora, o papel do propositor, o autor dos procedimentos, que
poderá ser tanto um artista, um conglomerado mundial ou uma fundação sem fins lucrativos.
A rede oscila entre proporcionar ferramentas de relação ao indivíduo e destituí-lo de seu poder
quando preciso for. Há mecanismos cada vez mais presentes que visam realizar mediação na
rede. Da mediação à restrição há apenas um pequeno passo.
2.1 Censura na rede Internet
As redes telemáticas (em especial, a rede Internet) foram muitas vezes apresentadas pelos
entusiastas como verdadeiros paraísos da democratização e do poder do indiduo. Mais do que
nunca existiria a planificação de poderes, antes restritos na mão daqueles que detêm canais de
comunicação convencionais. A Internet surge por sua vez, sem qualquer pretensão democrática:
é uma rede estabelecida com fins militares, oriunda da Guerra Fria sob o nome de ARPAnet. A
ARPAnet surge no fim da década de 60, por conta da preocupação do departamento de defesa
(Darpa) dos Estados Unidos com um ataque nuclear massivo tempos de preocupações com
a ex-União Soviética (URSS). Cria-se, então, uma rede de computadores, descentralizada e
super-ramificada, capaz de manter conectados centros de inteligência militar. Em 1985, a rede
estava ligada a outras redes, agora com fins de pesquisa entre universidades americanas e
européias. Em 1991, a Internet chega ao Brasil, em universidades públicas e em 1994, começam
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
7 8
as primeiras tentativas de acesso comercial a Internet. A Rede Mundial de Computadores se
populariza no decorrer dos anos, sendo cada vez mais acessível ao cidadão comum o no
seu local de trabalho ou em sua residência, como também em agências de correios, estações de
mete trem, lanchonetes, cibercafés e lan houses.
Embora se apresente como tecnicamente livre, que está disposta para contribuições a qualquer
tempo, por qualquer usuário que pretenda dispor conteúdos, diversas instituições e governos
se preocupam em criar restrições de publicações e acesso. Entre os países mais recorrentes
nestas práticas está a China. É comum a polícia chinesa realizar blitzen em cibercafés, buscando
qualquer usuário que procure postar contra o governo ou visualizar conteúdos ilegais; sites que
falem sobre democracia, liberdade e direitos humanos, não são só bloqueados como também
estão proibidos de aparecer nas versões chinesas dos motores de busca mais conhecidos como
o Google e Yahoo!ambos já criticados pelo consentimento às práticas do regime chinês. E são
notórias as prisões constantes daqueles que buscam fazer qualquer tipo de denúncia fazendo uso
da rede. Porém, a prática de censurao é somente chinesa:o atualmente 25 países fazendo
varreduras na rede em busca de conteúdos “proibidos”, segundo pesquisa da organização
OpenNet
5
(mantida pelas universidades de Toronto, Oxford, Cambridge e Harvard). A tendência
é que não a censura em si, mas a tecnologia empregada nestes casos avance rapidamente.
Além disso, a censura não é realizada de modo igualitário em todos os países: na Coréia do Sul,
por exemplo, não se pode acessar nada sobre a Coréia do Norte; no quesito político, Mianmar
é ainda mais restritivo que seu maior país vizinho, a China; há que se lembrar também de Irã,
Omã e a Arábia Saudita, que fazem uma censura mais social, proibindo pornografia, sites de
apostas e conteúdo gay. Aliás, na China, a Wikipedia é bloqueada e no Paquistão, o Google.
Pelo seu caráter distribuído, a rede ainda inviabiliza um controle infalível: aos usuários mais
experientes é possível fazer uso de maneiras que se possa burlar algumas restrições.
países em que restrições mais brandas e o governo limita-se ao controle velado das
informações que navegam pela rede. Os Estados Unidos, temerosos desde o ataque de 11
de setembro de 2001, realizaram pressões em torno do site Google: em 2006, o governo
americano tentou obrigar o site a revelar os registros de busca de seus usuários, ato que foi
proibido pela justiça dos EUA. Por outro lado, segundo a agência EFE, o Yahoo! e a Microsoft
5. Para acompanhar o mapa da censura da Internet no mundo, acesse o site da OpenNet Initiative:
http://map.opennet.net/ (acesso em 01 de setembro de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
7 9
teriam colaborado com o governo, embora aleguem ter mantido o anonimato dos usuários.
Aliás, o ataque de 2001 ao World Trade Center, em New York, além de ser justificativa para
criar controles mais rígidos no tráfego internacional de pessoas, especialmente nos países
do hemisfério norte, também alimentou especulações em torno de uma instituição somente
comparável ao Grande Irmão do livro 1984, de George Orwell, o sistema Echelon
6
. Esse sistema
seria um poderoso e secreto modelo de interceptação mundial de telecomunicações financiado
pelo governo norte-americano e auxiliado por outros países como o Canadá, Nova Zelândia,
Reino Unido e Austrália, iniciado em 1948, hoje capaz de realizar varreduras em qualquer
meio eletrônico do mundo, filtrando conteúdos advindos de telefones celulares, telefones
fixos, mensagens de fax, transmissões de rádio e, claro, mensagens eletrônicas através da
Internet. Ao mesmo tempo em que se assemelha com mais uma lenda do mundo cibernético
– visto que estaríamos falando de uma entidade onisciente – é fato que governos, em especial
da Comunidade Européia, se preocupem e realmente investiguem a existência de tal sistema
de espionagem e controle. Mas acima das preocupações dos governos, deveria estar em jogo
o direito à privacidade e ação livre de cada cidadão do mundo.
Atualmente, a Rede Mundial de Computadores a Internet passa por um momento de
redefinição onde ocorre a emergência de sistemas que se baseiam prioritariamente na ação e
relação de seus participantes, que estabelecem redes de contato e partilha e que se sobrepõe em
relação ao uso até então estabelecido da rede: o acesso a informações pontuais e localizadas,
da mesma forma que consultamos outras bases de dados. A web não é mais uma base de
dados apenas, mas uma rede de relações dinâmicas e ativas, a também conhecida Web 2.0
7
.
2.2 Web 2.0
Web 2.0 é um termo banalizado como sinônimo de sites interativos que possibilitam a
participação dos indivíduos ou possuem conteúdo diferenciado como sites comerciais que
oferecem campos de comentários aos produtos que oferecem ou apresentam os mesmos
6. Sobre Echelon e a reação européia sobre sua possível existência: http://www.rizoma.net/interna.php
?id=192&secao=conspirologia (acesso em 01 de setembro de 2007). Texto de José Arbex Júnior, presente
também na Revista Caros Amigos, n. 41, de agosto de 2000.
7. Sobre Web 2.0 ver: http://webinsider.uol.com.br/index.php/2007/03/25/web-20-melhor-dizer-midia-
social-ou-midia-colaborativa/ (acesso em 03 de setembro de 2007); http://www1.folha.uol.com.br/folha/
informatica/ult124u20173.shtml (acesso em 02 de outubro de 2007); e também http://webinsider.uol.
com.br/index.php/2006/10/30/o-que-e-web-20/ (acesso em 10 de outubro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
8 0
conteúdos de uma página convencional no formato de um blog. Estratégias comerciais à
parte, essa nova versão da web – que não significa uma mudança técnica como o termo pode
sugerir e sim uma nova concepção de uso da rede posiciona o antigo leitor” da web em
um ativo produtor/gerenciador de conteúdos, um indivíduo que o está apenas disposto
apenas a buscar informações como também em produzi-las
8
. Ele mesmo se transforma em
informação acessível: as comunidades virtuais oferecem status de celebridades aos seus
freqüentadores. Nelas, o usuário preenche questões que mais parecem ter sido retiradas
de alguma revista de fofocas, como “cinco coisas sem as quais não consigo viver” ou “no
meu quarto você encontra”. Cada usuário possui um álbum público de fotos, no qual pode
expor sua intimidade e se relacionar. É a instauração de espaços virtuais de relação ativa e
permanente.
Ao contrário do modelo convencional da mass media que gere e fornece conteúdo imaginando
o receptor como figura passiva os sites que possuem maior visibilidade hoje prosperam ao se
ocuparem da criação de estruturas de participação e inserção dos seus usuários em sistemas
dinâmicos. Sites como YouTube
9
e Orkut
10
, ambos do conglomerado Google
11
, Flickr
12
do site
de buscas Yahoo!
1�
, MySpace
14
da Fox, Twitter
15
, Facebook
16
e os diversos provedores de blogs
8. É importante salientar que muito antes das discussões de Web 2.0, a produção em web arte já fazia
uso deste usuário-colaborador, através de diversas proposições colaborativas e também já lidava com
sociabilidades virtuais em ambientes multiusuário. O novo termo na verdade pontua a proliferação destas
idéias ao grande público alguns anos depois.
9. Site alimentado pelas colaborações em vídeo dos usuários: http://www.youtube.com (acesso em 01
de setembro de 2007).
10. Comunidade virtual, atualmente popular entre brasileiros: http://www.orkut.com (acesso em 01 de
setembro de 2007).
11. http://www.google.com (acesso em 01 de setembro de 2007).
12. Site colaborativo para imagens: http://www.flickr.com (acesso em 01 de setembro de 2007).
13. http://www.yahoo.com (acesso em 01 de setembro de 2007).
14. Comunidade virtual, atualmente popular nos EUA: http://www.myspace.com (acesso em 01 de
setembro de 2007).
15. Site colaborativo onde os usuários respondem ao “o que estão fazendo naquele momento”: http://
twitter.com (acesso em 30 de agosto de 2007).
16. Comunidade virtual, popular nos EUA: http://www.facebook.com (acesso em 03 de setembro de
2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
8 1
gratuitos, como Blogger
17
, também do Google, e Windows Live Spaces
18
, da Microsoft, existem em
função daquilo que os internautas têm a contribuir. São interfaces de veiculação/discussão do
que é produzido sob a forma de textos, fotos, vídeos e até a veiculação de si mesmos, através
das comunidades virtuais. Em muitos casos, o sistema possibilita a inserção de comentários e
discussões, tornando visíveis as ressonâncias das contribuições.
O site YouTube possibilita que qualquer usuário se cadastre e possa inserir vídeos de até 10
minutos de qualquer natureza, excetuando conteúdo adulto. Ainda que a empresa apresente
a interface como apenas para produções em que o internauta seja o autor, tentando com
isso desestimular a veiculação de produções com restrições de direitos autorais, uma grande
parte dos vídeos presentes é oriunda de imagens de programas de televisão e filmes e, ainda,
é certo que quase a totalidade dos vídeos publicados não possui autorização de veiculação
dos indivíduos gravados. Num dos episódios mais dantescos da Internet no Brasil, em 2006,
uma apresentadora de televisão foi flagrada em atos libidinosos em uma praia italiana com
seu namorado e o vídeo revelador foi justamente veiculado através do site de vídeos. A
apresentadora conseguiu que a justiça brasileira banisse o acesso a todo o conteúdo do site,
prejudicando milhares de usuários brasileiros por alguns dias
19
. A situação tornou evidente o
17. Plataforma para a publicação de blogs: http://www.blogger.com (acesso em 02 de setembro de
2007).
18. Plataforma para a publicação de blogs: http://www.spaces.live.com(acesso em 30 de agosto de
2007).
19. Inúmeros sites se utilizam da estrutura do
YouTube
para apresentar vídeos em suas páginas. A
censura irrestrita ao site tornou estes vídeos inacessíveis. Mais sobre esse episódio em “RCTV e Cicarelli:
proibido é mais gostoso?”: http://www.fabiofon.com/blog/?p=47 (acesso em 03 de setembro de 2007).
Figura 20: Página do site
de relacionamentos
Orkut
.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
8 2
despreparo das autoridades ao lidar com uma estrutura dinâmica e coletiva: são milhões de
vídeos e usuários conectados a todo tempo. Ao restringir pontualmente um ou mais vídeos,
em alguns instantes, eles estariam lá novamente, por iniciativa de outros usuários. Da mesma
forma que por ocasião da censura ao YouTube, o vídeo da apresentadora na praia reverberou
por sites similares da rede e sistemas Peer-to-Peer
20
, tornando a decisão judicial completamente
inócua. Ao mesmo tempo, o episódio abre precedentes para que outras ações restritivas
aconteçam – por motivos menos fúteis até.
Atualmente, o site YouTube possui um link para denúncias de conteúdos proibidos tornando
cada usuário, um delator em potencial e realiza sistematicamente varreduras para eliminação
destes mesmos conteúdos. Com a mesma política, o site de relacionamentos Orkut, que
esteve envolvido em 2006 com a acusação de conivência a atos discriminatórios e atos de
pedofilia por parte do Ministério Público Federal brasileiro, procura instigar os seus usuários
a denunciarem atos tidos como ilegais. A acusação implicaria na proibição ao acesso do Orkut
no Brasil – país que possuía mais de �0 milhões de perfis de usuários, em junho de 2007.
Assim como no YouTube, o Orkut também proíbe a publicação de conteúdos protegidos por
direitos autorais, embora possua a seguinte cláusula em seus Termos de Uso:
Ao enviar, publicar ou exibir quaisquer materiais no serviço orkut.com, você nos concede,
automaticamente, o direito irrevogável, perpétuo, isento de royalties, transferível, sublicenciável,
não-exclusivo e mundial para copiar, distribuir, criar trabalhos derivados, utilizar e exibir
publicamente tais materiais.
21
O site possui, desta forma, direitos irrestritos sobre qualquer produção que venha a ser publicada
através do site: discussões, poemas, textos, imagens ou mesmo as informações pessoais ali
presentes são legalmente propriedade do conglomerado Google, poder concedido por cada um
dos usuários presentes no serviço. A mesma apropriação, no entanto, não ocorre com os vídeos
20.
Peer-to-Peer
(Ponto a ponto ou P2P) é um sistema de compartilhamento de arquivos, onde os
usuários realizam trocas de arquivos dos mais diversos tipos, em tempo real. Ao contrário do download,
onde o usuário acessa um arquivo em um servidor, no P2P o usuário é, ao mesmo tempo, cliente e
servidor – ao mesmo tempo em que baixa os arquivos também os disponibiliza aos demais conectados no
sistema. Vários programas possibilitam o acesso:
Kaaza
,
Shareaza
,
eMule
e outros.
21. Disponível em: http://www.orkut.com/html/pt-BR/terms.orkut.html?rev=2 (acesso em 30 de agosto
de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
8 3
presentes no YouTube: cada usuário é autor (ou com direitos de) e responsável por suas
publicações em seus Termos de Uso. Como muitos vídeos são disponibilizados sem a anuência
de seus autores (muitas vezes grandes conglomerados de comunicação e entretenimento), o
site transfere toda a responsabilidade legal a seus usuários.
As discussões sobre direitos de autor na Web 2.0 se complicam ainda mais no uso dos
sistemas Peer-to-Peer, através de softwares como Kazaa, LimeWire, Shareaza, eDonkey e eMule.
Nestes sistemas, os desenvolvedores de software procuram se esquivar para que não sejam
responsabilizados pelo uso mais freqüente dos sistemas: o compartilhamento de conteúdos
protegidos por direitos autorais, como softwares, filmes e músicas. Porém, oferecem
ferramentas cada vez mais apropriadas para a prática, com anonimato e estabilidade. Como
os arquivos nas redes de compartilhamento são distribuídos por centenas e até milhares de
usuários dependendo da popularidade de cada arquivo a identificação e punição dos
envolvidos são dificultadas. Mesmo sendo uma prática ilegal, na maioria das vezes que
a comercialização ainda é incipiente, especialmente no Brasil o download de músicas em
MP�
22
alimenta um ávido mercado de CD Players de mesa e automotivos, celulares, câmeras
e portáteis que tocam o formato de áudio.
O termo Web 2.0 também é empregado para designar a popularização de comunidades virtuais
em plataformas �D, como Second Life
23
. Trata-se de um ambiente virtual multiusuário na Rede
Internet
24
, onde vários participantes passam a ter uma vida dupla: podem fazer passeios, ter
uma vida social ativa com festas e eventos sociais, ir ao banco, fazer compras em shoppings,
assistir a shows, comprar imóveis virtuais e até casar. O Second Life é também utilizado
entre as empresas da nova economia: grandes companhias disponibilizam eventos através
22. O formato de áudio MP3 se popularizou para downloads de músicas através da Internet por
conjugar qualidade de som e uma excelente compactação, tornando o arquivo mais rápido de ser
carregado. O mesmo fenômeno de mercado tem acontecido com formatos compactos de vídeo,
originando portáteis para a sua exibição.
23. Mais informações e download do programa no site: http://www.secondlife.com (acesso em 02 de
setembro de 2007).
24. Há ambientes virtuais multiusuário criados muito antes do conceito de Web 2.0, como
Activeworlds
(http://www.activeworlds.com – acesso em 30 de agosto de 2007) de 1997, por exemplo. No campo
da arte mídia, podemos citar o
The Distributed Legible Cities
(1998), do artista australiano Jeffrey Shaw,
inspirado no histórico
Legible Cities
e o brasileiro
Desertesejo
(2000), de Gilbertto Prado, acessível na
Internet através do endereço http://www.itaucultural.org.br/desertesejo (acesso em 03 de setembro de
2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
8 4
do mundo virtual, fazem cursos para funcionários e reuniões com funcionários fisicamente
distantes. Universidades, bancos, supermercados estão criando seus equivalentes virtuais
dentro deste mundo paralelo também. Embora os primeiros ambientes �D que possibilitam
o contato, a partilha espaço-tempo ou mesmo a construção de espaços na Internet seja bem
anteriores ao SL (que surge em 200�) a sua principal contribuição foi se aproximar do real
até nos quesitos mais pecuniários: o poder do dinheiro especialmente da moeda específica
do mundo, chamada de Linden Dollar é visível a partir do momento em que você resolve
mudar o seu visual, ou melhor, do seu avatar sua representação no mundo. Mas, o acesso ao
mundo é gratuito, quando evidentemente você não terá acesso a todas as frivolidades de uma
verdadeira sociedade de consumo.
E como é comum entre os meios, em que uma constante contaminação entre as linguagens
em que os novos meios modificam os anteriores. A idéia de um sistema baseado em conteúdos
e gerenciamento de usuários incentiva a produção de canais de televisão que são abastecidos
por vídeos produzidos por pessoas comuns. No Brasil, em 2007 foi instituído pelo Grupo
Abril, o canal por assinatura Fiz TV
25
que procura incentivar o envio de vídeos através do
site do canal. No site os vídeos são vistos por seus visitantes e conforme ganha popularidade
(sendo cada vez mais assistido), o vídeo poderá ser visualizado nas diversas seleções da TV.
programas que apresentam vídeos noticiosos ou jornalísticos (reportagens de todos os
cantos do país, flagras capturados por câmeras de celulares, denúncias), documentários,
25. O site oficial da emissora colaborativa: http://www.fiztv.com.br (acesso em 03 de setembro de
2007).
Figura 21: Um dos espaços
no ambiente
Second Life
,
chamado “São Paulo,
Jardins”, com grande
participação de brasileiros.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
8 5
clipes independentes e curtas em vídeo, por exemplo. O canal procura migrar as idéias desta
nova versão da web para uma “TV 2.0” onde sua essência é colaborativa e cada usuário
interfere diretamente na grade horária da emissora. A proposta está numa espécie de limbo
tecnológico, já que parte do pressuposto que os vídeos desejam o “reconhecimento” da TV –
como mídia mais convencional mas, ao mesmo tempo, se esquece que não sentido propor
uma seleção se tudo o que está na TV também pode ser visto pela web e que cada internauta
poderá fazer por ele mesmo, sua programação particular. E claro, ainda que pretensiosamente
colaborativa, a TV ainda pode possuir filtros inerentes aos próprios interesses do grupo que
controla o canal: é colaborativa, mas não é livre.
O otimista Pierre Lévy defende a idéia de que a Web 2.0 não representaria uma inovação,
que desde os anos 90 ele defende a idéia de uma “inteligência coletiva”: essa web
participativa que hoje se encontra massificada estaria definida nos primórdios da rede
26
.
Mas o que teríamos então é um surgimento de diversas aplicações em que a colaboração
torna-se mais evidenciada e comum. A colaboração torna visível um espaço comum em que
as pessoas envolvidas coabitam, como um modelo de sociabilidade, como objeto finito. Ao
contrário dos teóricos que defendem o fim da aura do objeto artístico (muito referenciada por
Walter Benjamin), BOURRIAUD (2006, p.72-74), por sua vez, ao observar a multiplicação
de estratégias participativas, acredita que na verdade teríamos hoje um deslocamento desta
aura para os meios que configuram essa forma coletiva. Num contexto maior, o autor observa
que estaríamos numa nova fase do projeto moderno: se durante séculos a modernidade se
dedicou a criticar o predomínio da comunidade sob o indivíduo – do anonimato que emerge
a figura da assinatura autoral justamente, hoje, uma proposição que é desconstruir o
individual, criar novos modos de “estar-junto”.
A colaborão irá se estender para além da publicão de conteúdos de pessoas comuns ou a
formação de comunidades virtuais: torna-se um novo pensamento presente tamm na produção
de softwares os softwares livres. A produção coletiva existe em contraposão aos direitos de
autor: o uso de seus programas não estará sujeito às políticas de propriedade intelectual. Eles são
produzidos por grande número de programadores, que configuram extensos grupos de trabalho.
Os entusiastas do software livre acreditam que o software, ao contrário de bens materiais
26. Opinião presente em entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo, em 14 de agosto de 2007.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
8 6
e como resultado do conhecimento humano, tende ao caráter fluido, sendo que limitações
comerciais e de propriedade são restritivas e completamente contrárias à natureza destas
produções. A difusão deve ocorrer sem limitações de qualquer espécie. Ao mesmo tempo, o
software livre acaba sendo uma resposta a grupos hegemônicos como a Microsoft, que está
presente em 97% dos computadores corporativos no Brasil, em dados de 2006, através de seus
populares e pagos sistemas operacionais, como Windows 98 e Windows XP
27
. Esse poderio
gera uma insegurança natural entre os usuários: o que pode fazer uma companhia que detêm
controle sobre a maioria absoluta de computadores do mundo? Nada que uma produção
cyberpunk não tenha pensado.
O primeiro incentivo das idéias colaborativas na produção de programas de computador
surge em 1969, por ocasião do desenvolvimento do sistema operacional UNIX, que ao
contrário dos sistemas proprietários, possibilitava a modificação de seu código-fonte por
qualquer usuário com conhecimentos em programação. Isso dá origem aos chamados
softwares open source – uma das premissas do chamado software livre. Em 1984, uma outra
iniciativa é fundamental: Richard Stallman cria o Projeto GNU
28
que seria o embrião do
sistema operacional GNU Linux e implica um caráter mais incisivo, criando os preceitos
do software livre. Em 1985, Stallman lança um manifesto anti-copyright intitulado “General
Public License”, que apresenta um modelo de licença a ser aplicada em cada programa, o
qual determina a ausência de direitos autorais e o incentivo para a redistribuição do mesmo.
Atualmente, vários softwares livres podem ser baixados gratuitamente na Internet para as
mais distintas aplicações muitos deles concorrendo com seus equivalentes comerciais.
Alguns destes softwares são desenvolvidos comunitariamente por diversos programadores –
muitas vezes em locais fisicamente distantes e disponibilizados em repositórios na Internet
para qualquer pessoa.
No universo do software livre, surge a estrutura wiki como elemento colaborativo e livre para
ação de uma coletividade. Permite a edição de páginas da Internet por qualquer internauta e
sua publicação instantaneamente sem qualquer tipo de revisões, filtros ou restrições prévias.
27. Segundo a Fundação Getúlio Vagas, em pesquisa realizada em 2006. É certo que esta proporção
deva ser ainda maior em computadores presentes nas residências brasileiras, visto que sistemas
operacionais livres ainda não possuem popularidade e acessibilidade suficientes. Fonte: http://www.link.
estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=9467 (acesso em 15 de agosto de 2007).
28. Site do projeto: http://www.gnu.org/ (acesso em 02 de maio de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
8 7
Tudo acontece por meio do seu navegador web, o que torna tudo muito simples. O espírito
é tornar cada leitor, um produtor em potencial, numa alternância constante destes papéis.
Aliás, cada colaboração está sujeita a edições de outras pessoas, em um permanente work in
progress. Todos são parceiros de uma construção coletiva e permanentemente mutante. Cada
internauta é também um revisor e espera-se que quanto maior o número de participantes de
uma comunidade com base em uma estrutura wiki, maiores as chances de que os conteúdos
presentes sejam vistos e alteráveis por um número maior de pessoas. Em outras palavras, o
controle de conteúdo é exercido por todos.
O termo wiki seria derivado de “Wikiwiki”, que em havaiano significaria “super-rápido”,
traduzindo a instantaneidade de sua edição. É também referenciado como WikiWikiWeb
e Wardswiki. O site Portland Pattern Repository
29
, produzido a partir de 1995 por Ward
Cunningham, toma para si o rótulo de primeira produção assumidamente em wiki. O site de
Cunningham é basicamente um repositório de inúmeros artigos, apresentados em páginas
muito simples (com um design típico dos primeiros anos da web), organizados por hipertexto.
também páginas pessoais uma lista com as pessoas presentes na comunidade. Ao final de
cada página, há um “edit page”, que abre um editor e torna o conteúdo editável. Segundo as
próprias páginas editáveis do site, ele nasce com o foco principal de discussão sobre “pessoas,
projetos e padrões no desenvolvimento de softwares” algo específico para programadores
que acaba dando origem a um repositório de assuntos ligados a tecnologia digital. A maior
parte das aplicações desta tecnologia está ligada a repositórios de informações sobre
determinado assunto abragente a uma comunidade envolvida, como tutoriais de softwares
ou linguagens de programação ou à criação coletiva propriamente dita, especialmente
verbal.
A maior contribuição desta tecnologia é tornar possível a implementação de sites em
que há a participação/edição/publicão direta e sem filtros, algo posvel mesmo para
aquele que não possui donio técnico para o desenvolvimento da interface. Em outras
palavras, a estrutura es pronta e cabe ao desenvolvedor apenas customizar seu
site. Há diversos programas wiki, a grande maioria gratuita, que pode ser baixada pela
Internet, personalizada e instalada em um servidor web. Porém, não uma “revolução”
neste sentido, sendo que muito antes da popularizão wiki, já existiam diversos sites
29. O site está disponível a partir do endereço: http://www.c2.com/ .
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
8 8
produzidos no contexto da web arte que previam esta publicão/ão direta, inclusive
indo até am do textual
�0
.
2.3 Wikipedia: enciclopédia colaborativa
Um dos mais famosos projetos colaborativos em wiki presentes na Internet é a Wikipédia
�1
,
desde 2001 mantida pela Fundação Wikimedia. Sua fama é tamanha a ponto de tornar-se um
sinônimo de wiki, como é abreviadamente referenciada. Trata-se de um sistema colaborativo
que tem por objetivo a manutenção de um banco de dados sob a forma de uma enciclopédia
virtual gratuita na rede, agregando todos os campos do conhecimento.
Em sua pretensão ambiciosa, faz-se recorrente pensar no mito da biblioteca universal como
fora pensado por Ted Nelson (LEÃO, 1999:21) o inventor do termo Hipertexto na
concepção do projeto Xanadu, no qual seria posvel trocar imagens, textos, sons ou filmes,
através da estrutura não-sequencial e conexões hipertextuais. A mesma fundão que
abriga a Wikidia possui também projetos irmãos como Wikicionário (dicionário aberto
em diversas nguas), Wikiquote (um repositório de citações de personalidades relevantes),
Wikilivros (reposirio de livros e conteúdos didáticos), Wikisource (textos com valor histórico,
sem restrões de autor), Wikimedia Commons (repositório central de imagens e conteúdos
multimedia para a utilização em todos os projetos nas mais diversas nguas), Wikispecies
(catalogão de espécies vivas), Wikinews (agência colaborativa de notícias) e Wikiversidade
(ambiente para formação universitária na web, utilizando conteúdos dos demais espaços da
fundação).
A manutenção da Wikipédia é realizada de modo coletivo, sendo que o sistema esaberto
30. Aqui no Brasil, podemos citar
Aller – Antologia Labiríntica
(1997), de André Vallias, que possui
momentos em que o internauta pode inserir textos no site, propondo uma criação coletiva. Disponível
em: http://www.refazenda.com.br/aleer/ (acesso em 02 de setembro de 2007). Indo além do texto, há
o site de criação colaborativa, em que o visitante pode inserir desenhos, garatujas,
Open Studio
(http://
artcontext.net/act/00/openStudio/ - acesso em 15 de agosto de 2007) de Andy Deck. Deck também
desenvolveu o site
Graphic Jam
(1999) com Mark Napier, atualmente off-line, que como o
Open Studio
,
possibilitava visualizar as inserções (ver o outro desenhando) em tempo real.
31. Está disponível através do endereço http://www.wikipedia.org, tendo sua versão em português
– referenciada neste trabalho, na maioria das vezes – no endereço http://www.pt.wikipedia.org.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
8 9
a colaborações em qualquer texto, por qualquer internauta
�2
, como é presumido pela
tecnologia wiki. É um espaço aberto, capaz de agregar inúmeros colaboradores e colaborações:
possui atualmente em suas versões, em mais de 200 línguas, mais de um milhão e meio
de verbetes, em comparação com a bicentenária Britannica, que possui 28 mil verbetes em
apenas uma língua. sua versão em português possui mais de 200 mil verbetes on-line.
Ao mesmo tempo, sua abertura irrestrita a colaborações é o principal motivo de polêmicas
em torno do site: os entusiastas acreditam que a facilidade de edição dos conteúdos agrega
valiosas informações, sendo que, por sua vez, os mais ticos observam que os conteúdos não
seriam confiáveis justamente porque qualquer pessoa algumas vezes sem imparcialidade
pode dispor informações que dificilmente podem ser checadas. E, além disso, o risco
permanente de vandalismo. Para manter a ordem” dentro da enciclopédia digital, alguns
usuários com privilégios acima dos demais, denominados administradores, que podem propor
o bloqueio de usuários e o apagamento de qualquer verbete. Os administradores policiam os
conteúdos em torno de um conjunto de normas definidas para um “padrão enciclopédico
que implica na recusa de informações pessoais nos verbetes, além de temas inéditos (que não
possuem outras referências), entre outras situações
��
.
Como o surgimento de uma nova página ocorre a qualquer momento, somente no decorrer
de acessos, os conteúdos serão encontrados e avaliados pelos administradores, seja em seu
32. Com exceções a páginas em que o acesso à edição é restrito, como, por exemplo, em verbetes que
abordam assuntos polêmicos.
33. Descrição sobre formatos recusados na enciclopédia presente em: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Wikipedia:O_que_a_Wikipedia_não_é (endereço com acentos – acesso em 15 de março de 2007).
Figura 22: Home page da
enciclopédia colaborativa
Wikipédia (versão lusófona)
em setembro de 2007.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
9 0
formato ou em razão de sua relevância no contexto enciclopédico. Se tido como algo pouco
importante, o verbete estará sujeito à eliminação.
A discussão em torno da relevância de conteúdos torna-se subjetiva a partir do momento em
que não existem critérios comuns aos editores lusófonos. Em uma situação ocorrida na versão
em português em que um usuário do estado da Bahia vê sua banda ser eliminada do sistema
e indaga aos administradores quais os critérios de relevância, percebe-se que os critérios são
pessoais: um deles acredita que a relevância estaria na quantidade de referências no site Google
e outro, muito mais presunçoso, diz simplesmente que como “afeito à área cultural da Bahia”,
simplesmente pelo fato de não conhecer a determinada banda, ela não é relevante
�4
. Ainda,
o caso de um verbete sobre um conhecido evento de arte e novas mídias, realizado em São
Paulo e no Rio de Janeiro que foi eliminado por conta de ser uma iniciativa desconhecida
destes avaliadores. Os organizadores do evento também tiveram seus verbetes biográficos
apagados. Ainda no campo das artes, até verbetes sobre o histórico dadaísta Kurt Schwitters
foram eliminados em 2007. Os administradores recebem diariamente inúmeras mensagens de
repúdio a eliminação de conteúdos presentes – conformando um tipo de censura freqüente.
Inclusive, entre os meses de fevereiro e março de 2007, também fui vítima de alguns atos
restritivos no mesmo momento em que várias personalidades, eventos e trabalhos de arte e
tecnologia foram eliminados da versão lusófona da enciclopédia virtual sob o argumento de
que não possuíam relevância suficiente para permanecer ali disponíveis. De minha autoria,
a revista digital-objeto NÓISGRANDE
�5
, foi eliminada sem uma discussão pertinente
em torno da permanência: entre um dos motivos alegados pelos administrados foi o fato
de que a revista que tem 70 unidades produzidas artesanalmente nada representava no
universo de milhões de habitantes de São Paulo. Não satisfeitos apenas com a eliminação do
verbete referente ao projeto, também foi apagado sob a justificativa de “personalidade não-
34. O texto referente aos critérios pessoais sobre relevância está presente em um espaço coletivo
de discussões na Wikipédia em português: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Café_dos_novatos
(endereço com acentos – acesso em 15 de março de 2007)
35. A NÓISGRANDE é uma revista digital-objeto organizada por mim e com a participação de Omar
Khouri, Paulo Miranda, Daniele Gomes, Diniz Júnior, Edgar Franco, Josiel Vieira, Letícia Tonon, Peter
de Brito e Vivian Puxian. Apresenta-se como um objeto de resina transparente que possui um mini-CD-
ROM em seu interior, com 10 trabalhos diferentes produzidos em Macromedia Flash. Foi lançada com 70
exemplares, discutindo a questão de objeto único (“noz” em resina, cada uma assinada pelo organizador)
e objeto infinitamente reprodutível (o CD-ROM). Foi lançada em 2006, na Casa das Rosas - Espaço
Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em São Paulo.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
9 1
enciclopédica” (sem nada mais, além destas palavras), o verbete referente ao poeta visual,
artista gráfico e organizador de publicações independentes Omar Khouri, que desde os anos
70 contribui ativamente para a pesquisa e produção em artes e poéticas da visualidade. Do
artista multimídia Edgar Franco - um dos participantes da NÓISGRANDE, assim como
Khouri foi apagado o projeto musical Posthuman Tantra, produção com vários álbuns
lançados, inclusive no exterior. O mais estarrecedor é que a eliminação é também uma
oportunidade de menosprezar os conteúdos presentes: o projeto de Franco foi tratado como
banda que lançou músicas apenas em CD-R, totalmente desprovido de mérito”, o que demonstra a
limitada interpretação destes indivíduos para qualquer expressão distante dos meios de massa.
Qualquer iniciativa independente voltada a um público restrito é vista com menosprezo
pelos administradores da enciclopédia.
Figura 23: Interface e
imagem do invólucro de
resina (destaque) da revista
digital-objeto NÓISGRANDE
(2006), organizada por
Fábio Oliveira Nunes.
Os critérios dúbios na Wikipédia tornam-se ainda mais evidentes pela presença de verbetes
sobre celebridades instantâneas oriundas de programas televisivos como reality shows e
dançarinas de grupos populares de forte apelo comercial, por exemplo, que permanecem sem
qualquer vestígio de eliminação. A presença de elementos especialmente ligados ao mainstream
televisivo faz-nos acreditar que o critério de relevância está baseado no reconhecimento
da mídia de massa o que exclui a comunidade acadêmica e científica e também todas as
manifestações de cunho alternativo e restrito, por conseqüência. Embora se autodenomine
como “a enciclopédia livre”, as manifestações tidas como underground como fanzines,
publicações de baixas tiragens ou bandas fora do establishment musical, estão certamente
sujeitas à exclusão por não serem “enciclopédicas”
.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
9 2
A Wikipédia não representa uma quebra no paradigma enciclopédico: observa-se uma inclinação
a basear-se nas mesmas premissas das enciclopédias tradicionais quando partem de uma lógica
“de alguns para muitos”, ou seja, partem do crivo de alguns editores. Os administradores
partem para uma seleção ainda mais problemática, visto que entronizam essa lógica excludente,
maximizada pelo desconhecimento dos assuntos tratados. Talvez seja possível alcaar um outro
patamar enciclodico se o caráter de relencia fosse substituído pela veracidade dos fatos:
somente aquilo que realmente existe ou existiu, passível de prova, faria parte deste repositório.
Com isso, dá-se a liberdade ao consulente no futuro realmente balizar a importância de cada
fato ou personalidade, em um distanciamento impossível para nós.
Após a popularização da Wikipédia, surgem diversos sites que fazem uso da estrutura wiki
também para agregar verbetes. Em um sentido de “aperfeiçoamento” da enciclopédia virtual
mais popular, surge a Citizendium
�6
(de “citizens compendium”, compêndio dos cidadãos,
em inglês), que procura agregar editores especialistas, de Larry Sanger, um dos fundadores
da própria Wikipedia. Aliás, ausência de especialistas na Wikipédia merece crítica, visto que
muitas eliminações estão calcadas em um desconhecimento pessoal de seus administradores.
Num sentido mais opositivo, o repositório brasileiro Desciclopédia
�7
que se destaca por
ser uma deturpação da seriedade e veracidade proposta por uma enciclopédia, ao trazer
verbetes humorísticos criados em colaboração. Curiosamente, no verbete sobre a Wikipédia
na Desciclopédia, em julho de 2007:
Wikipédia é um jogo online massivo de edições jogado por experts em redundância, ceticismo,
pseudociência, pedantismo, fazer hyperlinks, reverter artigos, exigir fontes confiáveis (ou seja,
que eles concordem com o conteúdo), verificação, e iniciar flamewars
38
súbitas pelo que é
enciclopédico.
a americana Conservapedia
�9
está voltada para uma comunidade com valores conservadores
36. http://www.citizendium.org/ (acesso em 20 de março de 2007).
37. http://desciclo.pedia.ws (acesso em 18 de março de 2007).
38. Termo empregado para a hostilidade em meios digitais, através de listas de discussão, bate-papos,
fóruns e outras ferramentas.
39. http://www.conservapedia.com (acesso em 15 de março de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
9 3
e explicitamente se opõe ao que ela chama como “erros”, “preconceitos” e “censura” da
Wikipedia em inglês. Logo na primeira página um link para uma extensa lista de tópicos
“negativos” sobre a concorrente famosa e “liberal”. Notadamente, a Conservapedia traz
inúmeras versões de verbetes com uma editoria mais uníssona ao seu público leitor: em algumas
situações, por exemplo, questiona a veracidade da teoria evolutiva de Charles Darwin.
Ainda fazendo uso da estrutura wiki, pode-se observar também experimentações artísticas
como as realizadas pelo coletivo italiano Wu Ming Foundation
40
, que através de seu endereço
na Internet propôs a criação de um romance colaborativo, assinado por uma entidade coletiva
denominada Luther Blisset.
As discussões fermentadas na Wikipédia suscitaram em uma parceria com o artista multimídia
Edgar Franco, através da qual juntos desenvolvemos um projeto artístico na Internet que se
vale das possibilidades da estrutura wiki e da crítica em torno dos conceitos de “enciclopédico
e “relevante”, trazidos à tona como elemento disforme e controverso. Esse projeto de web arte
foi batizado com o título de Freakpedia claramente uma referência à Wikipédia, que por sua
vez é uma contração do termo wiki com a palavra enciclopédia. Freakpedia substitui o wiki pela
palavra freak (do inglês, o mesmo que estranho, esquisito ou incomum), onde uma enciclopédia
que cultua o que nenhuma outra guarda, é no mínimo, muito estranho. Comentaremos sobre
esse trabalho mais adiante e antes disso, abordaremos agora o universo da web arte.
2.4 Produção em web arte
A produção em web arte necessariamente está ligada ao campo de significações que a
Internet em especial, sua interface gráfica, a World Wide Web
41
suscita, como também
às especificidades técnicas e conceituais que nela se inserem
42
. Tecnicamente falando, essa
40. http://www.wumingfoundation.com/english (acesso em 15 de agosto de 2007).
41. A World Wide Web – a chamada WWW – é a parte mais popular da Internet, muitas vezes se
confundindo com a própria rede. Chama-se assim a interface gráfica da rede, acessível através dos
conhecidos sites. Há outros serviços que estão fora da WWW, como os e-mails e o protocolo FTP (File
Transfer Protocol ) para transferências de arquivos, por exemplo.
42. Há um outro trabalho onde estas questões são abordadas de modo mais específico: http://www.
fabiofon.com/webartenobrasil (acesso em 03 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
9 4
produção é calcada na efemeridade: a tecnologia permanece em caráter de atualização
constante e deste modo a cada instante os trabalhos estão sujeitos a novos elementos em
sua visualização, tais como novos browsers ou plug-ins
4�
. Ao contrário de outros meios mais
tradicionais, a recepção técnica pode variar conforme as especificidades de cada equipamento
que se conecta ao trabalho, tornando-se impossível determinar com precisão a visualização e
funcionamento em cada computador visitante.
A efemeridade também está presente na própria permanência dos trabalhos à disposição
de seus visitantes: é natural que os sites se mudem de endereço na rede ou simplesmente
desapareçam, sem deixar qualquer vestígio. O efêmero está também naqueles trabalhos que
fazem uso do tempo real – do uso de imagens em tempo real através de câmeras para a rede
(webcams) – e que por conta de sua complexidade são instaurados em períodos determinados,
em função de eventos pontuais. Nestes casos, muitas vezes os sites possuem uma contrapartida
física como uma instalação ou um quiosque eletrônico.
O tempo simultâneo e coletivo da rede viabiliza a existência de espaços colaborativos de
participação mútua e conjunta entre os visitantes, seja através de dispositivos em espaços
fisicamente distantes, em instalações tais quais espaços virtuais, onde o visitante pode
ter indícios da presença de uma coletividade ativa ou, em alguns casos, a telepresença
instaurada. uma presença condicionada na poética do artista que pode tanto limitar-se a
simplesmente oferecer caminhos múltiplos de navegação ou estabelecer convites para ações
mais complexas, criativas e efetivas.
Ao mesmo tempo, grande parte da produção irá se pautar pela desconstrução dos paradigmas
do próprio meio, como foi exemplarmente realizado pelo site JODI, em 1994. JODI foi
heterodoxo em muitos sentidos: trazia páginas inclusive sua abertura com mensagens
de código-fonte, ícones sem qualquer sentido, imagens e elementos intermitentes, tudo sem
qualquer explicação – não havia qualquer texto ou sugestão do que realmente se tratava. Sem
nada que nos faça crer o contrário, a situação diretamente nos parece algum ataque de vírus
suscitando no usuário um temor daquilo que nós podemos chamar de contaminação de
seu “corpo virtual”, em última instância, o terminal. O conteúdo, prioritariamente estético
43.
Browsers
(programas navegadores como
Internet Explorer
e
Mozilla Firefox
, por exemplo) e plug-
ins (programas que funcionam a partir de outros com funções específicas, como
Shockwave Flash
, por
exemplo) podem determinar a visualização do trabalho, conforme foi planejado pelo artista ou não.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
9 5
Figura 24: Interface e o
respectivo (e esquemático)
código-fonte do site
Jodi
(1994).
desta produção dos artistas europeus Joan Heemskerk and Dirk Paesmans, contraria qualquer
proposição “bem-intencionada” da rede, onde os sites deveriam funcionar com clareza,
legibilidade e eficiência.
JODI funciona porque é, acima de tudo, pensado para ser visto através da rede por internautas
comuns. É o contexto tecnológico compartilhado por todos que está em voga. Aliás, com
uma lógica inspirada em JODI, em 1999, criei o site ONOS On Operating System, uma
experimentação produzida em Macromedia Flash na ainda incipiente Internet no país, em
que momentaneamente ocupava a tela cheia do terminal, fazendo com que o usuário-médio
se confundisse naquele momento, quase a totalidade dos computadores possuía apenas
os sistemas operacionais Microsoft Windows 95 ou Windows 98 com a semelhança entre a
Figura 25:
ONOS - On
Operating System
(1999) de
Fábio Oliveira Nunes.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
9 6
animação e a interface de seu sistema. Ora, ao propor isso, o interesse estava em estabelecer
momentos de desautomatização do indivíduo os botões, os “programas” estavam todos
desarticulados e sem qualquer função. Para completar, havia algumas telas que indicavam a
presença de um vírus elementos suficientes para um grande número de e-mails condenando
tal proposta. Essa desautomatização implica em fazer o usuário se distanciar do lugar-comum
de sua relação com a máquina e questionar o meio. Receio e anseio se confundem, invertendo
expectativas.
Mas indo além da questão estética, não se pode também esquecer que a web arte proporciona
um espaço em que os trabalhos são vinculados de modo independente, visto que não é
necessário que o mercado da arte aceite determinada produção para que ela venha a estar
disponível ao público. Os trabalhos são publicados e disponibilizados muitas vezes com
recursos próprios dos artistas, através de seus equipamentos ou aos que tem acesso. Não
realizam a produção como também utilizam a própria rede para divulgar por meio de e-mails,
blogs e/ou comunidades virtuais. É uma produção que acontece paralelamente ao circuito
artístico convencional
44
muitas vezes com pouca ou nenhuma participação em espaços
como galerias de arte e Bienais
45
.
De outro lado, porém, ainda que exista essa independência, é visível que os artistas que produzem
web arte buscam se aproximar das instituições artísticas e estas, por sua vez, vêm gradualmente
observando essa produção especialmente por suas fortes nuances contemporâneas: o ato de
estar em rede hoje é o que fora a invasão do vídeo (ou da televisão) em décadas atrás.
algumas questões neste jogo: os artistas ainda desejam alguma legitimação, muitas vezes por
motivações institucionais (universidades, escolas ou necessidades de realização de projetos);
os espaços que buscam discutir e difundir essa produção são muitas vezes segmentados,
44. Importante lembrar da arte postal como antecedente neste sentido: independente e transnacional
(PRADO, 1994).
45. A política da 27ª edição da Bienal de São Paulo, com o tema “Como viver junto” em 2006, teve um
único exemplar de uma produção em web arte. Trata-se do trabalho da dupla Young-Hae Chang Heavy
Industries (da Coréia do Sul, Young-Hae Chang e Marc Voge), que dialoga muito mais com o cinema
– pela narratividade e pela disposição sob a forma de créditos – do que com a própria rede. O trabalho
é baseado em textos que abordam o cotidiano, ora banal, ora político em Seul e o faz de modo inusitado
e criativo. Disponível em: http://www.yhchang.com/ (acesso em 01 de setembro de 2007). Vale lembrar
que na Bienal anterior, Território Livre (2004), o curador Alfons Hug declarou: “Acho que essa Bienal está
dando atenção a vários suportes, como o vídeo e a instalação, mas não a enxergo como lugar de novas
tecnologias. Isso cabe ao Itaú Cultural” (Folha de São Paulo, 15/07/2004).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
9 7
criando nichos restritos incursões mais pluralistas arriscam-se em descontentar tanto os
tecnológicos como os mais convencionais.
Divergências à parte, o desprendimento do mercado mesmo porque o caráter imaterial
e público da web arte dificulta sua comercialização e sua veiculação sem intermediários,
proporciona uma produção que consegue congregar ao mesmo tempo liberdade de produção
com acessibilidade ao seu público. Em outros meios, esses dois elementos simultâneos
seriam possíveis àqueles que possuem renome suficiente para que sua produção seja vista sem
restrições. O artista da web produz e veicula o que quer, mas também caberá a ele tornar-se
visível dentro dos infinitos labirintos da rede.
Uma das contribuições que nos interessa no universo da web arte é a realizada pelo artista
Antoni Muntadas em The File Room
46
. O artista sempre contribuiu especialmente para o
surgimento de um pensamento crítico em torno dos novos meios. Neste trabalho de 1994,
assim que a Internet foi tornada pública, ele estava lá questionando a tão esperada liberdade,
através do meio recém-criado. É uma produção de web arte que existe por meio da colaboração
em rede e que a discussão da censura, onde o artista propõe catalogar e disponibilizar
várias ações de repreensão a trabalhos artísticos de diferentes meios e épocas – possibilitando
também a contribuição de internautas para o enriquecimento do banco de dados. Com The
File Room, o artista propõe reconstruir uma história oficial das artes e por conseqüência,
emerge um espaço social e político. É no contexto deste tipo de produção na web e com viés
crítico – que se insere a Freakpedia, que abordaremos agora.
2.5 Freakpedia: conceitos
Celebrando o mesmo senso irônico dos situacionistas e de niilismo dos dadaístas, o objetivo
maior envolvido em Freakpedia é estabelecer um espaço colaborativo na rede Internet em que
são aceitas contribuições de verbetes caracterizados por abordagens de pouca ou nenhuma
relevância. Não se espera qualquer rigor enciclopédico. Aqui, assuntos e personalidades que
estariam distantes da importância ansiada em outras enciclopédias podem estar efetivamente
presentes.
46. http://www.thefileroom.org (acesso em 01 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
9 8
Na verdade, uma crítica celebrada que vai diretamente para a Wikipédia. um culto
generalizado por grande parte dos entusiastas da rede, em acreditar que a tecnologia wiki
representa uma revolução de uma coletividade frente a um sistema hegemônico. De certa
forma, esta tecnologia realmente pode ser capaz de criar estruturas menos rígidas e menos
restritivas, mas o exemplo com certeza não cabe para a enciclopédia tida como “livre”. Nela,
ainda que não exista o papel de um poder centralizador, há um pensamento hegemônico que
nada difere daquele exercido em espaços convencionais. Não uma mudança de valores e
paradigmas e sim a tentativa de reproduzir a lógica dominante em seus conteúdos.
A Wikipédia é cultuada em todos os nichos da sociedade. Como é uma fonte acessível muitas
vezes presente logo nos primeiros resultados dos programas de busca é utilizada desde o
Figura 26: A página
principal da Freakpedia em
setembro de 2007.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
9 9
aluno do ensino fundamental, que recorre ao site como fonte de referência para realização
de trabalhos escolares na íntegra, até o pesquisador em nível de pós-graduação, que pode ali
buscar referências gerais de assuntos que não são de sua área. Não é incomum presenciar
apresentações em congressos e teses que fazem uso da Wikipédia como fonte confiável.
até projetos governamentais de diversos países que estudam incentivar o seu acesso como
banco de dados. Porém, a grande maioria não percebe que o sistema não é restritivo estando
à mercê de uma elite de administradores – como é frágil na verificação de veracidade de seus
conteúdos: uma grande incapacidade dos administradores e wikipedistas em geral, em
acompanhar, por exemplo, datas e nomes referenciados nos verbetes
47
.
Diante da descrença na Wikipédia e, por conseguinte, na própria estrutura wiki, como
dispositivo incapaz de estabelecer o conhecimento dentro dos paradigmas convencionais
surge a Freakpedia. A estrutura wiki pode dar voz a uma coletividade desde que não seja
pensada como fonte de criação de estruturas de informação centradas na credibilidade e
confiabilidade. Caberia muito mais como a linguagem capaz de dar corpo a um repertório
coletivo, multilinear e democrático que não pode ser sofrer uma cisão entre o que é ou não
relevante. A estrutura wiki é mais propícia às subjetividades ao particular que é dividido
por todos. Com estas idéias, a Freakpedia se lança com um propósito conceitual definido
mas inesperado e mutante nas imagens e textos que advirão destes conceitos. Incorporar
a insignificância, o irrisório e sem relevância pode ser encarado como um ato de niilismo
nonsense, uma ironia diante da importância que todos nós e nossas criações almejamos
um dia. Mas acima de tudo, persiste a idéia de criar um espaço realmente livre, visto que a
liberdade definitivamente não é algo insignificante.
A figura incentivadora do trabalho tomado como nosso “Freakpatrono” é Kurt Schwitters,
dadaísta histórico do movimento em Hannover, Alemanha. Schwitters era um artista nas 24
horas do dia: cada bilhete de bonde, cada envelope, papel de embrulhar queijos, arames,
penas ou pano de chão, enfim, qualquer coisa tida como insignificante, como restos ou
47. Há o caso de internautas que tem como “hobby” colocar informações errôneas e auto-referentes
no interior de verbetes existentes na Wikipédia. Lá é possível que você configure entre os mais famosos
atletas, entre físicos ou astrônomos de grande relevância: esta ação pode causar um efeito em bola
de neve, no qual pessoas poderão realmente acreditar e perpetuar os erros. Sobre a confiabilidade da
Wikipédia, até mesmo um de seus fundadores, Larry Sanger, declara que “a Wikipédia ainda é muito útil e
foi um fenômeno interessante, mas chegamos à conclusão de que não é uma fonte totalmente confiável”.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u21947.shtml (acesso em 03 de
setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 0 0
lixo mesmo, estava gabaritada para fazer parte de seu repositório pessoal; suas produções,
como colagens e seu maior trabalho, a “Coluna de Schwitters” (ou
Merzbau
), existiam em
função da sua predileção por estas pequenas coisas. Como sua obra principal, a “Coluna de
Schwitters” que era algo no que trabalhou com ardor até os seus últimos dias na Alemanha.
Esse trabalho consistia na ocupação de um imóvel que possuía, criando um espaço em que
elementos eram acumulados no interior de concavidades Ali, formas côncavas e convexas
formavam um misto de obra de arte e museu, onde era possível encontrar unhas, pedaços
de gravata, dentadura, mechas de cabelo, objetos pessoais, entre outros vários elementos
de artistas amigos e conhecidos, como Piet Mondrian, Hans Richter, Hans Arp, Kazimir
Malevich e também de seus familiares. No decorrer dos anos, a obra ocupou um andar inteiro
do prédio onde a instalara até que o artista decidiu perfurar o teto para continuar sua expansão
vertical. Perseguido pelos nazistas, acabou tendo seu trabalho destruído por bombas. Tentou,
no entanto, criar outras Colunas na Noruega e também na Inglaterra, onde faleceu em 1948,
com sessenta anos de idade.
Suas produções constituem-se em uma ntese de sua vio muissimo particular do mundo e de
sua necessidade de aglutinar, catalogar e construir seu repositório pessoal a partir de pequenas
coisas, como é desejado que os participantes da Freakpedia tamm assim o façam; que
compartilhem do desejo de aglutinar suas subjetividades. Mas como se isso não fosse o bastante,
o artista não foi expurgado somente pelos nazistas em 19�7, como tamm pelos wikipedistas,
em pleno século XXI. Foram duas circunsncias: dois verbetes que levavam o seu nome e foram
sumariamente apagados da Wikidia Lusófona em 24 de julho de 2006 e novamente mais tarde,
em 17 de abril de 2007. Durante a elaborão deste trabalho, um outro verbete também sobre o
artista estava em vias de ser eliminado por acusões de violação de direitos autorais.
Como um apanhado geral das idéias trazidas em Freakpedia, 10 proposições iniciais foram
desenvolvidas para conduzir conceitualmente aqueles que participam do projeto:
1. Somos “freak” porque celebramos as pequenas coisas. Não à grandiosidade dos
acontecimentos e das pessoas Freakpedia está aberta a contribuições pequenas e sem
qualquer pretensão maior.
Esta enciclopédia se faz estranha por celebrar as coisas insignificantes, ao contrário de qualquer
outra publicação do gênero. O indivíduo não teve nenhuma relevância ao país? O fato simplesmente
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1 0 1
não alterou em nada a ordem mundial? Algo tão insignificante que não merece mais do que uma
dúzia de palavras? Não importa a profundidade nem seu tamanho em qualquer contexto o
contexto da Freakpedia é ser livre e isso é ser freak.
2. Não nos interessa a audiência nem a maioria – a irrelevância em Freakpedia está desde a
sua concepção: que mal existe em criar algo para irrisórios visitantes?
Também somos insignificantes: não pretendemos ter nem um décimo de leitores do que a
Britannica, a Encarta ou mesmo a Wikipédia possuem. A massificação é sempre vista com
grande relevância e isso é contra nossa política de completa irrelevância. A Freakpedia não foi
pensada para mais do que alguns participantes: insignificantes em número diante da multidão
presente na Internet.
3. Ser rejeitado em outros espaços por falta de relevância é um convite para estar aqui.
Este é também um lugar para os rejeitados por relevância: assumir sua irrelevância com
naturalidade é ser livre.
4. Qualquer coisa em que a importância seria mínima para a humanidade está no tamanho
certo para caber aqui.
Novamente, uma celebração da insignificância que reitera os preceitos do trabalho: o que importa
é o pessoal, o íntimo, invariavelmente visto como sem importância para um contexto maior – se
é que ele existe.
5. Qualquer intenção megalomaníaca deve encontrar outro espaço.
Desconsideram-se os assuntos, fatos e pessoas que querem transbordar significância. Ora, muito
cuidado, pois se estiverem na Freakpedia, serão invariavelmente insignificantes.
6. Ao contrário das demais enciclopédias, a Freakpedia está aberta ao novo e à inovação.
Tudo que inova, um dia já foi sem importância alguma.
Em contraposição à recusa da Wikipédia sobre ineditismos, vale salientar que grande parte dos
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1 0 2
administradores da famosa enciclopédia desconsidera a pesquisa acadêmica, enxergando cada
pesquisa como “mais uma entre muitas”. O especialista é desconsiderado por não lidar com
aquilo que já é massificado.
7. Celebra-se o direito de “nada-querer”, da improdutibilidade e de estar na contramão do
consumo.
O consumo, como senhor da contemporaneidade não atua com poderes dentro da Freakpedia. A
insignificância nunca interessou ao pragmático mercado, que diz “você é importante para nós”
ou “você é especial”.
8. A existência é constituída de momentos de duvidosa signicância e a Freakpedia é a
oportunidade de imortalizar esses momentos.
Tornar o insignificante também imortal é dar liberdade a ele, desligando-se da pessoa de seu
criador. As pessoas poderão morrer mais felizes após liberar o que existe de insignificante nelas.
9. Tudo que é assumidamente reconhecido, comprovado e abalizado pela maioria não tem
razão de existir na Freakpedia.
O insignificante não é a futilidade dos reality shows, dos programas de auditórios da TV ou
qualquer coisa que se classifique como cultura de massa. Ainda que isso seja insignificante, o que
é massivo não nos interessa: um mercado inteiro pela sua significância. E, além disso, a
cultura de massa é hegemônica, não precisa de nós.
10. A verdadeira liberdade não se rende ao desconhecimento das maiorias.
O desconhecimento não pode ser motivação para determinados temas não estarem disponíveis
ao grande público: se desconheça, aceite sua própria irrelevância. Não a imponha. A Freakpedia
pega a verdadeira liberdade, verdadeiramente livre dos limites obscuros e subjetivos da relevância.
Não há liberdade se não há uma consciência libertadora.
Estes critérios são propostos diante da comunidade colaboradora do projeto e estão sujeitos a
livres interpretações, usos e até alterações – afinal, estão dentro da estrutura wiki.
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1 0 3
2.6 Freakpedia: técnica e conteúdo
A participação do visitante começa a partir do acesso ao endereço http://www.freakpedia.
org – onde está disponível a versão beta do site. O primeiro passo é realizar a criação de uma
conta de usuário, ação possível através do link “Crie uma conta e participe”. Ali, o novo
usuário pode escrever o seu nome de usuário (login) e também criar uma senha pessoal. Esses
dados não identificam o usuário nome completo, endereço de e-mail ou qualquer outro
dado mais pessoal não são requisitados e são apenas indicativos de uma comunidade que
faz uso do site. É possível, por exemplo, que uma mesma pessoa crie quantas contas quiser
com nomes diferentes. Os dados definidos serão necessários a cada acesso, como acontece
em qualquer serviço pessoal na web (como e-mails, redes sociais e outros serviços). Ao se
logar
48
, o visitante passa a ter acesso a todas as áreas públicas do site, tornando visíveis as abas
“edite-me”, “histórico”, “criar” e “carregar”, quando estiver em uma página de verbetes. A
aba “visualizar” é a única disponível a todos visitantes, mesmo para aqueles que não estejam
registrados.
As abas possuem as seguintes funções:
Visualizar. Apresenta o conteúdo de cada verbete em sua última edição.
Edite-me. Ao ser acionada a partir de um verbete visualizado, carrega o editor em javascript,
que possibilita a edição do texto ali apresentado. algumas opções de formatação e a
possibilidade de edição através de HTML
49
para usuários avançados e, por fim, sugere-se
que os verbetes incluam um termo que os identifique dentro de das categorias propostas no
site
50
.
Histórico. Apresenta uma lista das alterações do verbete visualizado, apresentando a data e o
48. Termo corrente entre os internautas para o ato de inserir login (nome de usuário), password (senha)
e passar a ser identificado pelo serviço da web.
49. A HTML (abreviatura para a expressão inglesa
HyperText Markup Language
, que significa
Linguagem de Marcação de Hipertexto) possibilita que o usuário edite a página no seu código-fonte,
inserindo formatações que não estão disponíveis no editor padrão do site.
50. Atualmente, há as seguintes categorias: conceitos, seres, fatos, objetos e lugares. Com a inserção do
termo antecedido de asterisco (algo como *seres) acontece a indexação de cada verbete em uma ou mais
categorias.
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1 0 4
nome do usuário que realizou cada edição. Através do histórico é possível reverter o verbete
para edições anteriores ou apenas acompanhar o decorrer de edições de cada texto.
Criar. Cria um novo verbete, o qual pode ter conteúdos diretamente escritos no editor ou
copiados de outros lugares (utilizando a função colar do editor). Como na edição, sugere-
se que os verbetes incluam um termo que os identifique dentro de das categorias da
Freakpedia.
Figura 27: Página da
Freakpedia com as abas
disponíveis após o usuário
inserir nome e senha.
Figura 28: Editor em
Javascript da Freakpedia.
Através dele, os visitantes
podem criar novos
verbetes ou modificar os
existentes.
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1 0 5
Carregar. Torna possível fazer upload
51
de um arquivo on-line para uso em um verbete em que
qualquer imagem ou arquivo anexo com tamanho de até 500KB poderá ficar disponível: o
sistema gera um endereço web que pode ser utilizado no corpo do verbete a ser criado ou
editado.
Em determinadas páginas, não estarão habilitadas ou visíveis todas as abas por exemplo,
quando o visitante estiver criando um novo verbete somente estará disponível, além daquela
que se refere à ação de criar a aba “Carregar”. Da mesma forma, ao acessar a página de
verbetes recentes, apesar de todas as abas presentes, a que se refere à edição e ao histórico
estão desabilitadas. Aliás, a página de verbetes recentes é uma das mais simples maneiras de
acompanhar a criação e edição de novos textos, assim como o sistema de busca, presente em
todas as páginas do site.
A produção técnica do trabalho se baseia no software Speedywiki
52
, que por sua vez é baseado
na linguagem de programação PHP (também denominada como Pré-processadora de
hipertexto), utilizada amplamente na produção de web sites dinâmicos com o uso de banco
de dados, como é o caso deste site. Ao contrário de outras aplicações utilizadas na Internet,
como as páginas HTML e animações produzidas com Macromedia Flash que podem
ser vistas diretamente em um programa navegador off-line sem estar em um servidor ,
o conteúdo produzido em PHP poderá ser visto depois de instalado em um servidor, o
qual que poderá ser improvisado em uma máquina ou mesmo através da rede. O servidor
web por sua vez, terá que ter necessariamente suporte a PHP, caso contrário as páginas não
serão corretamente exibidas. O software Speedywiki foi escolhido devido a sua simplicidade
de instalação e formatação, bem como seu suporte a editor WYSIWYG (termo que advém
das iniciais em inglês da expressão “What You See Is What You Get”, ou traduzindo: “O
que você é o que você tem”), que se aproxima de um processador de textos ou um editor
de e-mails na web, quando se pode ver a formatação (tamanho da letra, cores, espaços etc.)
da mesma forma que será apresentada após a edição. Nem todos os softwares wiki, como o
próprio Mediawiki que é a “máquina” por detrás da Wikipédia, possibilitam essa condição,
51.
Upload
é a ação de enviar um determinado arquivo de um computador para um servidor conectado
à Internet, tornando o arquivo disponível a qualquer internauta na rede. É o contrário do termo
download, quando a partir da rede é possível “baixar” arquivos.
52. O programa e suas referências podem ser encontradas em: http://speedywiki.sourceforge.net/
(acesso em 01 de setembro de 2007).
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1 0 6
pois para editar verbetes na enciclopédia mais conhecida da rede é necessário o domínio de
“tags” (comandos) específicos o que sem dúvida dificulta o acesso a usuários leigos. O editor
utilizado na Freakpedia é o FCK Editor
5�
também gratuito assim como Speedywiki que
possui diversas opções de formatação e estabilidade superior ao editor original do software
wiki.
O primeiro passo ao adotar o programa wiki foi realizar a tradução de seus botões, cabeçalhos
e avisos apresentados ao visitante não para a língua portuguesa como também para a
situação específica deste trabalho. Isso feito, o segundo passo foi formatar um novo layout,
reformulando diversos elementos visuais. Originalmente, o programa não possuía animações
em Macromedia Flash compondo a página, como a maioria dos botões presentes no site e
nem o código de cores e formatação escolhidos para os elementos que não são editáveis.
Porém, a estrutura fundamental da página – as abas – foi mantida já que é algo habitual para
sites desse tipo: a própria interface da Wikipédia também faz uso das abas para o acesso às
funções mais específicas. Porém, ainda diversos bugs (defeitos) originários do Speedywiki
que estão sendo observados para posterior correção, tal qual a apresentação de algumas abas
em páginas nas quais não possuem qualquer função.
O terceiro passo foi realizar os testes necessários para a implementação do projeto, buscando
verificar sua compatibilidade com diferentes sistemas operacionais (Microsoft Windows,
Linux, Mac Os), programas navegadores (Microsoft Internet Explorer, Mozilla Firefox) e suas
respectivas versões. Por alguns meses, a versão alpha do site foi testada também em relação à
criação e inserção dos verbetes no banco de dados, como o sistema lida com um número maior
de elementos inseridos e se problemas nas edições sobrepostas em um mesmo verbete.
Destes testes, chegou-se à necessidade de utilizar um outro editor, distinto daquele presente
no próprio programa, visto que em diversas vezes foi apresentada instabilidade no navegador
Internet Explorer ao reeditar um verbete inserido. Uma das dificuldades presentes em
softwares gratuitos e pouco utilizados, como é o caso do Speedywiki é a pequena quantidade
de referências técnicas e a inexistência de suporte efetivo. outros programas gratuitos,
porém mais utilizados, que possuem fóruns de debates de questões entre seus usuários ou que
disponibilizam suporte pago, como é o caso do FCK Editor.
53. Referências e download do programa em: http://www.fckeditor.net/ (acesso em 01 de setembro de
2007).
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Figura 29: Um verbete da
Freakpedia em modo de
visualização normal.
Figura 30: Visualização do
histórico do verbete, com
nomes de usuários que
efetuaram alterações e datas
das ações.
Figura 31: Visualização
da lista de verbetes mais
recentes, com nome do
último usuário que efetuou
alterações e data da ação.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 0 8
Mas deixando a parte técnica de lado e voltando ao conteúdo da Freakpedia, originalmente
na página principal do site
54
está a apresentação daquele que é o patrono – nosso Freakpatrono
o artista dadaísta histórico Kurt Schwitters. Na página principal, a possibilidade de
navegação através de categorias do site conceitos, seres, fatos, objetos e lugares além do
destaque de alguns verbetes mais interessantes que sintetizariam a “filosofia freak” em seu
maior grau. Nos meses de julho a agosto de 2007, o destaque estava com verbetes como “O que
eu comi hoje?” – um relato pessoal sobre a alimentação de um dia – e “Pedaço de papel com
anotações desconexas” referenciando àquelas anotações que momentaneamente perdem
seu sentido ainda que as mantenha sob a mesa de trabalho ou próximo ao computador.
Além dos verbetes em destaque dezenas de outros que constroem um imaginário de
insignificâncias como A capacidade fecal dos coelhos”, A rodela vazia de fita adesiva”,
A caneta sem tinta”, “O papel de parede do apê da praia” e A gravidade e as formigas
tanajuras”, onde os títulos explicitam a condição sui generis de seus conteúdos. outros que
tomam temas universais ou coisas conhecidas e fazem visíveis uma condição ou opinião muito
pessoal – em uma excelente contraposição ao que se espera praticar em outras enciclopédias
como o caso de Amor”, “Arte”, “Cadeiras”, “Lâmpadas”, “Bancos” e Artista”. Há, por
último, uma terceira condição, onde estão aqueles que apresentam maior originalidade como
“Desverbete” e “Memória das ruas”. Excetuando conteúdos proibidos, como textos e imagens
protegidas por direitos de autor, qualquer tema é aceito, pois afinal, independentemente de
sua relevância ou não, torna-se diretamente irrelevante ao fazer parte da Freakpedia.
Nem todos os verbetes estão dentro exatamente da filosofia da proposta inicial em Freakpedia.
Um verbete presente na enciclopédia relatava, sob o subtítulo “utilidade pública”, uma
visitante preocupada com as reações de um conhecido remédio administrado como injeção.
A visitante publicou que as pessoas não deviam tomar o tal medicamento sob pena de reações
indesejáveis que ela mesma havia sentido. Além disso, a usuária também atentou para o fato
de que o remédio havia sido proibido em diversos países e que não havia estudos conclusivos
no que diz respeito aos seus malefícios. Dizia ela em destaque: “não o tome a não ser em caso
extremo!”. Em agosto de 2007, ao observar o acesso de muitos visitantes a partir de sistemas
54. Durante vários meses, a página principal da Freakpedia foi sua primeira página, porém, depois a
página principal passou a aparecer após um aviso sobre as circunstâncias dos conteúdos presentes no
site. O endereço da página principal – e editável – do trabalho é: http://www.freakpedia.org/freak/index.
php .
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 0 9
de busca utilizando o nome do remédio
55
, descobri que ao buscar o medicamento via Google,
o verbete presente na Freakpedia estava presente logo na primeira página de resultados. Ora,
sua presença na primeira página indicava que as pessoas estavam cada vez mais acessando o
verbete – o Google eleva sempre os resultados mais clicados.
Porém, no mesmo mês, o laboratório fabricante do medicamento – preocupado com a
repercussão do verbete nas vendas – enviou através de seu departamento jurídico uma
mensagem muito impositiva, ameaçando partir para uma contenda legal se o referido verbete
não fosse imediatamente retirado da Freakpedia, como em um trecho dizia:
Trata-se de opinião infundada e difamatória, motivo pelo qual deve ser, imediatamente, retirada
do ar, sob pena de serem tomadas as medidas judiciais cabíveis.
A retirada por possível difamação é uma das regras para retirar conteúdos da Freakpedia e o pedido
foi acatado, configurando a primeira eliminação por pressão de um poderoso grupo ecomico.
Qualquer um pode escrever o que quiser. E a regra vale também para a página principal. Aliás,
a página principal descrita anteriormente, refere-se à composição “original”, nos meses de
julho e agosto de 2007. Esta poderá ser alterada a qualquer tempo, por qualquer usuário, como
é sabido. E desde que siga os preceitos desta enciclopédia insignificante não deverá sofrer
interferências no sentido de reverter o que foi editado. Aliás, um fato interessante ocorreu na
madrugada do dia 02 de agosto de 2007 e nos fez questionar a liberdade e a abertura da ação
do visitante neste trabalho.
2.7 Ação e mediação
Concomitantemente à ação dos autores em diversas situações críticas aos editores da
Wikipédia
56
, nas quais havia suas referências e, por sua vez indiretamente, o acesso à
55. O site possui um sistema de estatísticas que mapeia os termos utilizados em motores de busca para
acesso à Freakpedia.
56. Ao mesmo tempo em que a Freakpedia foi desenvolvida, há vários textos produzidos pelos autores
disponíveis na web e até mesmo na própria Wikipédia, na página de discussão da exclusão da revista
digital NÓISGRANDE. Há também vários comentários em blogs e revistas da rede e um artigo presente
4
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 1 0
Freakpedia, algo inesperado aconteceu. Talvez como represália às opiniões e conteúdos
abordados pela Internet, o site trazia em sua página inicial, em substituição aos conteúdos
originais uma mensagem em letras graúdas e vermelhas que trazia o seguinte conteúdo:
Aviso: Esse (sic) site está sendo investigado pela Polícia Federal devido à (sic) um possível
envolvimento de seus autores com invasão de computadores e pornografia infantil. Todo o
conteúdo foi bloqueado até a conclusão da investigação.
nos anais do 6º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (Brasília, 2007). Todos os textos são críticos
à tão aclamada enciclopédia
wiki
. Um dos textos mais acessados foi
A Liberdade dos wikidiotas
, presente
na revista digital Cronópios – Literatura e arte no plural e que justamente neste período (julho/agosto de
2007) manteve-se entre os dez textos mais acessados no site: http://www.cronopios.com.br/site/internet.
asp?id=2269 (acesso em 30 de agosto de 2007).
Figura 32: Página de
entrada da Freakpedia
alterada com um aviso de
um falso “editor chefe”, em
02/08/2007.
Figura 33: Página de um
verbete da Freakpedia
alterada com um aviso de
“conteúdo vetado”.
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1 1 1
E por fim, a mensagem foi assinada por “Editor Chefe da Freakpedia”, algo no mínimo
curioso, como se esta fosse uma confissão de culpa tão direta. Seria evidentemente um
simples vandalismo como tantos que ocorrem diariamente na Wikipédia e esperados na
concepção do projeto se não fosse a atenção a um interessante fato: simplesmente todos
os verbetes foram substituídos pelo termo “conteúdo vetado”, com exceção de três verbetes
que possuem as referências sobre o projeto como objetivos e nomes dos autores. E esse fato
toma uma proporção ainda mais interessante ao saber que o usuário performático ocupou-
se durante quase uma hora e meia para alcançar o seu feito. Através do histórico de cada
verbete é possível acompanhar o árduo trabalho de editar os verbetes um a um, iniciado às
0:45h (horário oficial de Brasília, 22:45h no horário local do servidor), com a página inicial e
concluído às 2:08h (0:08h no horário local do servidor).
É bom que se reitere que este não é um ato cracker (ou hacker, como o termo foi popularizado),
pois o fato não envolve qualquer tipo de invasão, quebra de senhas ou qualquer problema de
segurança, muito pelo contrário: o usuário fez uso pleno das possibilidades procedimentais do
trabalho, das ferramentas de edição, da possibilidade de criação dos nomes de usuário (optando
pelo termo “admin”, reproduzindo o mesmo termo usado na administração do site) e da estrutura
estabelecida de verbetes recentes e uma página de abertura. Não uma transgressão técnica
– como uma invasão ao site – mas sim uma transgressão conceitual excepcional!
Uma participação mais integral, não se limitando a somente a alguns verbetes, mas sim
criando uma nova enciclopédia, onde todos os seus elementos estão bloqueados. É evidente
que o intuito do indivíduo não era criar uma nova roupagem conceitual ao trabalho, muito
pelo contrário, mas o fato é que a experiência amplia as possibilidades até então pensadas:
cada um pode se dar ao luxo de criar a sua própria enciclopédia insignificante, desde que
tenha paciência e tempo para formatá-la.
Essa circunstância faz pensar sobre a questão da mediação, especialmente em trabalhos
que veiculam instantaneamente os resultados destas mesmas ações, incorporando cada
participação automaticamente sem qualquer revisão ou filtro. O participante pode subverter a
lógica e extrapolar o campo de intervenção proposto. Normalmente, idealiza-se um interator
submisso à proposta artística dada, recatado, em dia com a sua moral e disposto a aceitar
aquilo que é proposto, um papel previamente determinado a ele. Mas e se o papel a ele
atribuído não é exatamente aceito?
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 1 2
O anonimato que os trabalhos de uma participação mais criativa na Internet oferecem está
muito além de algumas palavras ou participações com pretensões poéticas e “construtivas”.
Diferentemente de trabalhos que propõem participação em espaços expositivos logo sob
outro contexto, em que o sujeito pode ser observado e exposto fisicamente em sua ação – na
Internet, o participante desconhecido sente-se à vontade para realizar atos nem um pouco
pudicos, colocando palavras de baixo calão, inserindo imagens pornográficas, expressando
sua visão de mundo de modo estúpido, incitando transformar estes espaços de liberdade em
locais tão democráticos quanto portas de sanitários públicos. É uma condição que qualquer
artista que lide com participações criativas na rede terá que estar disposto a lidar. Cabem
as afirmações de PRADO (1997b, p.299) sobre o papel daquele que ele chama de artista
coordenador, o condutor do projeto:
Na rede, a função do artista coordenador, ‘condutor’ do projeto, é de convidar e de sonhar junto, de
colocar as peças geralmente sem a possibilidade de as escolher. O que é pretendido por uma simples
mudança de hábitos, o artista implicado como “condutor” de uma ação coletiva, o que quer dizer
capaz de levar em consideração os imprevistos desse ou daquele lugar, dessa ou daquela situação.
A condução dos trabalhos é necessária para a inicialização dos projetos. É preciso considerar as
conseqüências das escolhas iniciais, admitindo e mesmo desejando as radicalidades.
É interessante, de qualquer forma, que na necessidade do restabelecimento destas radicalidades,
o artista faça uso também das ferramentas disponíveis no trabalho, buscando não quebrar a
lógica inerente ao discurso. Muitas vezes, como aconteceu neste caso, embora a ação estivesse
dentre as possibilidades, ela diretamente impede a introspecção da poética do trabalho aos
próximos visitantescriando uma situação possível de ser encarada como real no “aviso” que
envolve “pedofilia” e “polícia federal”. Surge assim a necessidade de reverter o que foi feito –
sendo que um botão específico para isso, que na Freakpedia não apagará o que foi escrito, mas
sim irá sobrepor uma nova versão. Através do histórico é possível encontrar todas as alterações,
incluindo esta. Aliás, dois dias depois da ação, um outro usuário, agora com o sugestivo nome
“liberdade” reverteu a página inicial para a mensagem publicada anteriormente na entrada.
Esse fato determinou, então, a necessidade de inserção de uma página de aviso antes da gina
editável da Freakpedia, dando assim menor verossimilhança a qualquer informação disposta
na segunda página (a editável). O aviso constitui-se da informação de que “todo conteúdo
publicado foi produzido por usuários do site”. Mais do que preparar o visitante aos conteúdos
que o aguarda, a medida visa tornar-nos, os autores do site, cada vez menos censores.
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Nos casos específicos da Freakpedia, os entusiastas da estrutura wiki seriam unânimes em
afirmar que o problema está na baixíssima audiência do site. Explica-se: a manutenção de
sites com esta tecnologia somente terá sucesso a partir do momento em que cada internauta,
mais do que um leitor ou um editor seja também um censor ativo. O controle não é mais um
ato externo à relação do conteúdo e seu leitor esperado, mas sim está internalizado. Cada um
não poderá escrever como também poderá censurar aquilo que acredita não ser digno de
ser publicado. Assim, quanto maior a audiência de um site em wiki, maior será o número de
censores conectados a ele e, no caso de alguém atuando durante uma hora e meia, sua ação
seria revertida durante ou logo após o ato. É uma postura que faz sentido no interior de uma
Sociedade de Controle
57
, conforme Gilles Deleuze, que irá prezar cada vez mais o monitoramento
– e nada melhor do que fazer de nós mesmos, monitores de uma coletividade, onde todos se
relacionam e se vigiam mutuamente.
Isso nos faz pensar o seguinte: se a Internet foi muitas vezes referenciada como um local
onde não teríamos intermediários para direcionar os discursos individuais, onde cada um
poderia falar para todos, sem restrições, surge, então, a figura de uma moderação tão forte que
passa a estar encapsulada em cada participação, no caso da wiki. Sobre isso, o teórico crítico
WEISSBERG (2004:124) observa como emerge a figura do intermediário, muitas vezes, um
mediador que faz valer as regras daquele espaço. Em comunidades virtuais, há as regras que
ditam imposições aos novatos, como ter que ler as Questões mais Freqüentes (F.A.Q.) ou os
códigos de etiqueta e conduta, e se que ao contrário do que se desenhava nos primórdios da
rede, quando se pensava em um espaço de transparência perfeita e sem hierarquias, e ainda,
com censura muitíssimo enfraquecida, vê-se na verdade, justamente o surgimento de funções
mediadoras cada vez mais atuantes, vide os administradores da Wikipédia.
Porém, um salto nas funções mediadoras está sendo dado a partir das tendências que surgem
a partir de tecnologias “push”, programas que partem para a personalização da informação da
rede com o intuito de montar um noticiário individualizado e customizado. Essas tecnologias
esboçam o que pode ser chamado por automediação o aparecimento de agentes capazes
de realizar ações de filtragem –, evidentemente com autonomia para descartar o que sua
programação permitir. Em parte, eles existem em motores de busca, como o Google, e
57. No próximo capítulo deste trabalho abordaremos a Sociedade de Controle – e suas implicações
– em maior profundidade.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 1 4
nestas tecnologias de customização. No entanto, estarão cada vez mais presentes em todas as
relações virtuais:
Trate-se, pois, da esfera interpessoal (bilateral e de grupo) ou da comunicação automatizada,
a função mediadora renova-se mais do que desaparece, inscrevendo-se no contexto geral de
uma pretensão de alargamento dos espaços de autonomia individuais e coletivos. Se o projeto
inicial consistia em promover uma relação direta de todos com todos, o que ora se perfila institui
novamente, em torno da automediação, uma função separadora singular e prometedora
(ibidem, p.125).
A rede habitada por estes agentes de mediação, tende a desenvolver pensamentos e tecnologias
apropriadas para esta nova condição. Uma Web �.0.
2.8 Web 3.0
O próximo paradigma na relação entre o indivíduo da rede e o seu contexto será aquilo que
se antevê como uma chamada Web �.0 que está tão coberta de especulações quanto de
marketing que é o surgimento de uma rede habitada cada vez mais por entidades inteligentes.
Estas serão capazes primeiramente de sugerir ações para nós, os humanos. Hoje acontece
algo parecido, ao buscarmos palavras no motor de buscas Google. O site muitas vezes questiona
as nossas certezas perguntando se você não estaria equivocado ao pesquisar este ou aquele
termo, por não ser tão popular quanto isto ou aquilo. Muitas vezes também, esta sugestão
não está baseada em similaridades ortográficas para o termo “pierre leve”, o site sugere
“Pierre Lévy” – como também em contigüidades de termos frequentemente usados, partindo
do monitoramento especialmente dos usuários registrados.
Num segundo momento, conforme JOHNSON (2001, p.1�2) nos alerta é possível que
tenhamos agentes com responsabilidades cada vez maiores, capazes de limpar a lixeira de
nosso computador e realizar tarefas que demandam pequenas decisões. a eminência de
que estas decisões se tornem cada vez mais significativas, como o surgimento de entidades
inteligentes capazes de filtrar inúmeros candidatos a um determinado cargo, por meio apenas
de um formulário a ser preenchido na web ou agentes capazes de denunciar atos ilegais como
pedofilia, através da freqüência de determinadas palavras e uso de um vocabulário mais próximo
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1 1 5
daquele usado por uma criança e um adulto – ou qualquer outra função que invariavelmente
lide com uma quantidade exorbitante de dados. que se dizer que estes agentes podem
ser mais fiéis e atentos que qualquer outro censor. Essa função necessariamente estará presa
à lógica fragmentada deste pensar computacional, que tenderá a modular comportamentos
(estabelecendo uma lista de itens a ser quantificados), realizando uma perigosa equivalência
entre quantidade e qualidade. É necessário fazer que a complexidade da vida seja legível para
sistemas artificiais, para que daí seja possível atuar nele com consistência.
A sistematização da complexidade da vida para seres artificiais é um processo gradual. É
curioso, por exemplo, que no site de relacionamentos Orkut, cada indivíduo é incentivado
a qualificar todos os seus contatos chamados de “amigos” presentes em sua rede. Uma
destas qualificações é determinada pela média de ícones como carinhas sorridentes, cubos de
gelo e corações, respectivamente relacionados com o grau de confiabilidade, simpatia e sex-
appeal do indivíduo em questão. Assim, uma pessoa pode ser, digamos, 60% legal ou 80% sexy
dependendo da avaliação dos conhecidos presentes em sua rede. Esses dados “relevantes” são
apresentados com destaque em cada perfil para todos os usuários. O Orkut é especialista em
tentar normatizar as relações humanas – fornecendo ferramentas de agregar valor, como por
exemplo, para classificar os amigos em conhecidos, amigos ou melhores amigos – o que pode
ser feito mais pelo prazer de confinar pessoas a categorias do que por uma real praticidade.
Já no caso da Wikipédia, por exemplo, somente os usuários com mais de 45 dias de registro e
mais de 100 edições são promovidos a terem o direito de voto em casos de eliminações. Não
importará se suas edições tenham sido inconsistentes ou sem qualquer propósito positivo
elas são quantificadas e, no final, transformam-se em elementos qualitativos. Assim, para
oferecer poderes a esse usuário, não é necessário um ser humano essa quantificação facilitará
ao agente tomar a decisão, observando simplesmente a data de sua inserção no sistema e o
número de vezes que editou
58
.
No mesmo sentido de tornar o mundo humano legível para as máquinas, surge a discussão
presente de uma “web semântica” que visa tornar a rede atualmente voltada à interpretação
humana em interpretável também em sentido para as máquinas. A idéia surge nas visões
58. Esta é uma situação que atualmente ainda é hipotética, já que essa verificação ocorre ainda na
Wikipédia de modo manual por seus próprios administradores, mas é evidente que pela simplicidade de
critérios – numericamente acessíveis – a implantação de um agente para essa verificação será eminente.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 1 6
de Tim Berners-Lee o mesmo que criou o padrão WWW (World Wide Web), a interface
gráfica da rede, e tornou a rede mais amigável aos humanos. A tentativa agora é fazer o
mesmo aos agentes da rede:
A web semântica trará estrutura ao conteúdo significante das páginas da web, criando um
ambiente onde os agentes de software que vagueiam de página a página possam prontamente
realizar tarefas sofisticadas para usuários (BERNERS-LEE e col., 2001, p.01).
Se hoje um sistema de busca acontece pela similaridade do signo verbal a palavra pura e
simplesmente – em uma web semântica seria possível que o sistema fizesse uso de uma rede
de significados para aproximar daquilo que é requisitado. Digamos que eu procure por um
determinado software do qual não me lembro o nome; quero encontrar determinado serviço
numa região sem ser excludente o bastante para ir além dela se for preciso, enfim tarefas que
demandam muito tempo e pesquisa nos atuais sistemas de busca poderiam ser interpretadas
para além de suas palavras.
As definições de uma web semântica estão baseadas na tentativa de criar comandos capazes
de categorizar conteúdos, sendo que há várias linguagens em via de serem adotadas para esse
fim. Hoje, existem formatações que categorizam os elementos de uma página como títulos
e subtítulos, por exemplo – e estes comandos agiriam num mesmo sentido, trabalhando com
áreas do conhecimento ou meta estruturas capazes de conduzir a um universo de abordagem
do que é publicado na web. Os mais entusiastas desejariam ver tudo o que já está na rede, ser
inserido dentro destas novas definições, tornando possível um outro nível de manipulação
destes dados, sendo que na verdade, é a tentativa de tornar o contexto acessível de maneira
cada vez mais ampla para as máquinas e, por sua vez, abrir caminho para uma automatização
cada vez mais abrangente e totalizadora. Um processo no qual estamos cada vez mais como
figurantes, como bem nos situa BOURRIAUD (2006, p.28), ao pensar numa sucessora da
Sociedade do Espetáculo, a sociedade dos figurantes:
A emergência de novas técnicas como a Internet e a multimídia, indica um desejo coletivo de
criar novos espaços de sociabilidade e de instaurar novos tipos de transações diante do objeto
cultural: a ‘Sociedade do Espetáculo’ se sucederia então da sociedade dos figurantes, onde cada
um encontraria nos canais de comunicação mais ou menos truncados, a ilusão de uma democracia
interativa.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 1 7
A questão é que essa figuração que estamos exercendo em cada trabalho coletivo, em cada
participação anônima em função de uma coletividade, precisa ser questionadora – ou mesmo
crítica o suficiente para que não seja metáfora de uma figuração social. No universo do
ciberespaço, quando estamos proporcionando poderes a agentes fazendo-os capazes de
entender o contexto humano para que daí estabeleça relações cada vez mais plausíveis
sempre o risco de que exista alguma intenção latente, que nos observa ou manipula, na
exclusão provável de nossa própria significância e autonomia.
1 1 8
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 1 9
Capítulo 3
Hegemonia cyborg
Case estava com 24 anos. Aos 22, era cowboy, um gatuno, um dos melhores no Sprawl. Foi
treinado pelos melhores em si, McCoy e Bobby Quine, lendas no ramo. Operava com uma taxa
de adrenalina quase sempre alta, uma mistura de juventude e competência, com sua consciência
fora do corpo projetada na alucinação consensual da Matrix por meio de um deck cyberespacial
customizado. Um ladrão, trabalhando para outros ladrões mais ricos que forneciam o software
necessário para penetrar as paredes reluzentes dos sistemas corporativos, abrindo janelas para os
ricos campos de dados.
O trecho acima é uma das primeiras passagens do livro Neuromancer, do escritor norte-
americano Willian Gibson, onde é descrito seu personagem principal, Case, um sujeito
fora-da-lei que vive de invasões virtuais a exemplo do que comumente acontece hoje entre
hackers e crackers
1
. Neuromancer, lançado em 1984, é um dos maiores sucessos da literatura de
ficção científica do século XX e é sempre lembrado por trazer consigo um termo adotado por
teóricos de todo o mundo: ciberespaço. É a ficção de Gibson que cunha o termo para designar
o universo informacional percorrido pela mente de Case, através de seus decks; hoje utilizado
para designar a trama informacional que engloba a Internet, telefones, satélites e outros tantos
meios. Além disso, o livro é um dos melhores exemplares de uma corrente da ficção científica
chamada Cyberpunk, que até então estava confinada ao universo underground.
3.1 Cyberpunks
Na tentativa de enxergar melhor nossa contemporaneidade, a ficção científica – em especial,
o movimento Cyberpunk – nos parece bem conveniente. Além de lidar diretamente com um
1. Hacker e Cracker são denominações recentes e muito comuns para designar aficionados do universo
computacional. Ambos possuidores de grande conhecimento técnico, o hacker é um termo normalmente
utilizado de modo genérico para designar os fora-da-lei digitais, porém, na sua utilização correta, este
sujeito é aquele que age buscando “brechas” em sistemas e softwares mas sem promover qualquer
prejuízo alheio. Já o cracker, atua em causa própria, sendo então, segundo os hackers, os verdadeiros
delinqüentes do ciberespaço, não só violando sistemas mas também provocando danos, criando vírus,
usurpando informações, produzindo softwares para uso “pirata” e outras atividades tidas como ilegais.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 2 0
senso comum sobre as tecnologias, essa produção conduz a um mundo fictício decorrente
da nossa sociedade atual, em um esforço do autor de deslocar nosso mundo para aquilo que
ainda não é, através de idéias que possuam certa coerência em conceito. Conforme DICK
(apud GARCIA, 200�, p.111), no texto “Minha definição de ficção científica”, a produção
busca “um choque convulsivo na mente do leitor, o choque do desreconhecimento”. Esse
desreconhecimento – como um reconhecimento descaracterizado – fará com que o leitor
enxergue as diferenças (e por extensão, semelhanças) entre a nossa realidade e o contexto
então projetado.
De modo geral, o Cyberpunk anteviu o crescimento das redes de computadores, a fusão
homem-máquina, o poder incomensurável de grandes corporações internacionais e se
posicionou de maneira pessimista diante da possibilidade da falência de instituições como
a ética, a liberdade, a compaixão, a igualdade e outros preceitos da humanidade. Com esta
visão pessimista sobre a futura condição humana, os renegados deste “sistema” passariam
a tentar interferir em suas bases a fim de resgatar alguns destes preceitos, tentando alterar o
cerne desta nova sociedade distópica.
Esse sentimento temerário e pessimista em relação aos poderes dados à tecnologia não é
algo sem qualquer antecedência: como se sabe, o primeiro dos computadores, o famoso
ENIAC, criado em 1946 nos Estados Unidos, nasceu justamente com uma função bélica bem
definida: determinar com precisão gastos com artilharia e mantimentos na Segunda Guerra
Mundial. Embora funcionando apenas três meses depois do final da guerra, foi usado no
desenvolvimento do projeto da bomba de hidrogênio. Fora isso, mesmo o advento da rede
mundial de computadores aconteceu pelo temor sempre presente em tempos de Guerra
Fria: como é difundido, a Internet nasceu a partir da rede ARPAnet desenvolvida pelo
departamento de defesa dos Estados Unidos para ser uma estrutura ágil e interconectada de
comunicação durante todo o tempo, em caso de qualquer ataque soviético durante a Guerra
Fria. A rede ARPAnet permaneceu durante 1� anos nas mãos dos militares, quando em 1982
decidiu-se abrir a rede para fins científicos (interligando universidades americanas e mais
tarde, instituições de outros países) e criou-se uma rede paralela chamada de Milnet. Aliás,
avanços em outras áreas, como a realidade virtual, também foram possíveis pelos interesses
militares.
Mas voltando aos cyberpunks da ficção, suas idéias são difundidas simultaneamente ao
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 2 1
nascimento de uma visão heurística do papel da tecnologia. Se antes a tecnologia era vista
como o motor do mundo moderno matriz das benesses necessárias à vida humana –,
agora o crescimento tecnológico é também pautado por preocupações sociais, psicológicas e
ambientais especialmente. A análise dos impactos tecnológicos no mundo, nas instituições e
nas pessoas passa a ser visto com restrições, alimentando desconfianças.
Voltando no tempo, durante o século XIX, especialmente durante a Revolução Industrial,
passou-se a testemunhar o crescimento do capitalismo e dos avanços modernos, resultando
assim num crescimento do tráfego urbano, na distribuição de mercadorias em caráter
massivo e, claro, novos métodos de produção e novas situações de circulação (do advento
das escadas rolantes, divulgadas em 189� em Chicago, EUA até a estrada de ferro). Nesse
contexto, conforme GUNNING (2001:40), o corpo foi condicionado a uma velocidade dada,
gradativamente abandonando seu caráter mais estanque:
O drama da modernidade: um colapso das experiências anteriores de espaço e de tempo por meio
da velocidade; uma extensão do poder e da produtividade do corpo humano e a conseqüente
transformação deste por meio de novos limiares de demanda e perigo, criando novas formas
de disciplina e regulão corporais com base em uma nova observação (e conhecimento) do
corpo.
Nesta mesma época, alguns estudos especialmente de Gustav Fechner passam a entender o
corpo e sua percepção, em especial, a visão, como elementos possíveis de serem manipulados
e controlados, passando ao domínio do quantificável e do abstrato. Antes da década de 1870,
imaginava-se o sujeito perceptivo sob modelos clássicos e estáveis, conseqüentemente modelos
inalteráveis. Porém, a abstração da visão, trazida pelos impressionistas, como a própria ilusão
de movimento do cinema ou mesmo a fotografia, colaboram para uma percepção mais
fluida. Assim, passamos a entender a relação humana com o mundo como algo cada vez
mais customizável e modelável, abrindo espaço para novas experiências “modernizantes”. Em
outras palavras, a tecnologia passa a estar não apenas em função do homem como também,
o homem pode – em algum aspecto – se moldar à tecnologia
2
.
2. Essa idéia de moldar o ser humano é recorrente nas Sociedades Disciplinares, discutidas por Foucault,
como sintomáticas das práticas do século XVIII ao XIX. Uma escola, uma prisão e outros espaços de
confinamento buscam justamente moldar o indivíduo. Vamos ver isso com mais profundidade mais à
frente.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 2 2
Essa adaptação não ocorreria sem traumas. Especialmente quando surgem os primeiros
bondes e os primeiros automóveis a disputar o espaço com pedestres e carroças, passa a existir
um sentimento de choque – alimentado pelo sensacionalismo da imprensa de então:
O tema distópico dominante na virada do século destacava os terrores do trânsito da cidade grande,
em especial com relação aos riscos do bonde elétrico. Uma pletora de imagens representando
torrentes de pedestres feridos, pilhas de ‘inocentes massacrados’ e figuras de esqueletos regozijados
personificando a morte enfocaram os novos perigos do ambiente urbano tecnologizado. Jornais
sensacionalistas tinham uma predileção particular por imagens de ‘instantâneos’ de mortes de
pedestres. Essa fixação ressaltava a idéia de uma esfera pública radicalmente alterada, definida
pelo acaso, pelo perigo e por impressões chocantes mais do que por qualquer concepção tradicional
de segurança, continuidade e destino autocontrolado (SINGER, 2001, p.126).
Emblemático da discórdia entre homem e máquinas, um dos filmes precursores da ficção
científica no cinema, Metrópolis
de Fritz Lang traz a relação conturbada num futuro então
distante: no ano de 2026, a moderna e inóspita cidade-título, é palco de uma briga de classes,
onde de um lado estão os senhores da situação (a elite financeira) e de outro, o proletariado que
opera as máquinas e vive em galerias no subsolo da cidade, ilustrando situações de dependência
e o surgimento de verdadeiras hordas de autômatos; os próprios trabalhadores presos numa
rotina desgastante e infinitamente repetitiva. Há ainda, o robô como um trabalhador “ideal”:
aquele que não reivindica direitos e obedece caninamente o seu inescrupuloso criador. A
3.
Metropolis
(Alemanha, 1927). Direção: Fritz Lang.
Figura 34: Cena do
filme
Metropolis
(1927)
de Fritz Lang. Ao fundo,
o robô criado por seus
inescrupulosos mentores.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 2 3
idéia de que a máquina inevitavelmente seria a adversária natural do indivíduo, num universo
hipotético onde a técnica superaria o humano, foi sempre recorrente. Durante a revolução
industrial, era diante das máquinas que os trabalhadores passavam por situações desumanas,
como a longa jornada de trabalho e o perigo eminente de decepar membros ou se ferir no
exercício de suas funções – a tecnologia como insalubre companheira.
Fritz Lang posiciona o robô como uma entidade maldita, perfeita para os interesses dos
poderosos capitalistas da cidade, mas sem os sentimentos humanistas que os protagonistas o
casal Freder e Maria esbanjam por todo o filme. As máquinas estariam então desprovidas de
“alma” (assim como o benéfico homem de lata do clássico infantil O Mágico de Oz
4
não teria
um coração) o que seria preponderante em suas ações. Por outro lado, há o castigo daqueles
que criam o robô: ao dar existência à criatura, os representantes da técnica assumem uma
postura de deuses. Neste sentido, nada mais próximo do que Frankenstein
5
, que antecede o
filme (o livro foi publicado em 1818) e se constitui em uma das mais recorrentes imagens do
universo das histórias de terror.
Um dos temas principais trazidos em Frankenstein é o contexto de sua criação: o início da
Revolução Industrial que suscita o sentimento de que o homem pode superar a natureza
por meio da técnica – da ciência e da tecnologia. É notável que a postura da autora também
envolva algumas implicações religiosas, trazendo o castigo daquele que ousa instituir a vida
ou manipulá-la. Aqui o homem domina a técnica e por sua vez, a natureza através da técnica.
A briga entre criador e criatura é a grande questão em que se voltam os olhos dos cyberpunks:
a possibilidade de uma reviravolta em que o homem passe a ser dominado pela tecnologia
que criou.
O Cyberpunk se constitui em uma corrente da produção em ficção científica dos anos 80
4.
O Mágico de Oz
(Título original: The Wizard of Oz), EUA, 1939. Um dos filmes clássicos do imaginário
infantil, originário da adaptação do livro The Wonderful Wizard of Oz, publicado em 1900, por L. Frank
Baum.
5.
Frankenstein ou o moderno Prometeu
(Título original: Frankenstein and the Modern Prometheus),
foi publicado em 1818 por Mary Shelley. O romance aborda o estudante de ciências naturais Victor
Frankenstein que desvenda o segredo da geração da vida e origina um ser gigantesco, nascido em um
laboratório. O criador enoja-se com sua criação e a abandona. Mais tarde, quando a criatura mata sua
mulher, irá procurá-la para sua vingança. O livro originou inúmeras adaptações, inicialmente para o teatro
e depois para o cinema, sendo a primeira em 1910 e mais adiante em 1931, quando o monstro ganha os
aspectos físicos mais conhecidos atualmente como cabeça chata e parafusos no pescoço.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 2 4
Figura 35: Cena do filme
Frankenstein
(EUA, 1931)
de James Whale. O monstro
foi interpretado por Boris
Karloff e o seu criador (o Dr.
Henry Frankenstein), por
Colin Clive.
do século XX, que agrega aos valores do movimento punk, especialmente a crítica social e
o antiautoritarismo, no contexto do universo da tecnologia, antevendo um futuro sombrio,
de conflitos, revolta e totalitarismos, sendo especialmente pouco favorável ao ser humano.
Ao mesmo tempo, o Cyberpunk normalmente sinaliza sociedades futuras onde existem
seres cibernéticos pensantes – a chamada inteligência artificial sejam sob a forma de robôs
humanóides ou de entidades intrinsecamente virtuais, além de redes que se constituem
num mundo paralelo e autônomo e hibridismos entre o biológico e a robótica. No contexto
social, muitas vezes não há a figura do estado – há outros agentes reguladores como grandes
corporações capitalistas ou mesmo o domínio dos seres de inteligência artificial. Neste
sentido, a dissolução dos valores mais humanistas: as corporações agirão pelo lucro,
as máquinas pela conquista de poder e o indivíduo comum permanecerá insignificante
diante destas perspectivas. Nos enredos, ainda a recorrência de paisagens deterioradas,
personagens amorais, e claro, protagonistas engajados na missão de alterar a ordem social
até então estabelecida. É interessante notar que alguns protagonistas, como o próprio Case
de Neuromancer, congregam a mesma decadência do meio em que vivem e invariavelmente
quebram leis e regras de sua sociedade.
A fórmula recorrente, em grande parte das vezes, apresenta universos distópicos. As condições
desfavoráveis do momento presente são levadas aos seus extremos com o intuito de explicitar
o que está em questão. Para tanto, considera-se que até o tempo representado no enredo,
nenhum movimento que tenha se levantado contra a presente situação obteve significativo
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 2 5
sucesso e somos sempre levados à situação de conflito (seja direto, com implicações épicas,
seja indiretamente como contexto dado), de onde nasce o clímax de todo o enredo.
Neste sentido, podemos considerar a produção de escritores como Herbert George Wells
(1866-1946) como antecedentes fundamentais nessa ânsia por alterar os caminhos da
sociedade presente. H.G. Wells (como é sempre referenciado) é tido como um dos pais da
ficção científica moderna e é conhecido especialmente por sua produção fantástica em títulos
como A Máquina do Tempo (1896) e Guerra dos Mundos
6
(1898), sendo que por várias vezes, o
enredo se baseia em uma situação-limite e no questionamento da humanidade presente. Em
uma das suas obras mais conhecidas, A ilha do Dr. Moreau, de 1896, apresenta Dr. Moreau,
um cientista que manipula a criação de seres humanos a partir de animais, por processos de
vivisseção. O autor acaba tentando digerir de modo pessimista as conquistas das teorias
de Charles Darwin.
Considera-se como o surgimento do Cyberpunk, a publicação de The Shockwave Rider de John
Brunner, em 1975. Outros autores participantes do movimento além de Gibson são: Rudy
Rucker, Lewis Shiner, John Shirley e Bruce Sterling. No ano de 1982 é produzido o primeiro
filme que referencia a estética cyberpunk: Blade Runner
7
de Ridley Scott.
Cultuado e canonizado, o filme de Scott apresenta um futuro sombrio e inóspito, apresentando
várias nuances do Cyberpunk. Embora não possua um caráter socialmente engajado, Blade
Runner é uma das primeiras histórias a darem corpo ao futuro pessimista dos ciberlibertários:
sua atmosfera noir contribui para o caráter degradado que irá inspirar Neuromancer de Gibson.
Seus personagens estão imersos num mundo caótico, inteligível e degradado, mergulhados
numa estranha sensação que parece preceder o final dos tempos. Blade Runner se passa num
momento em que as grandes corporações possuem o domínio econômico, as cidades (a
exemplo da Los Angeles retratada) estão incomodamente populosas, violentas e poluídas, a
colonização espacial é vendida como oásis de uma vida melhor, a publicidade minimizando
6. O romance recebeu várias versões, sendo a mais conhecida, a irradiada por Orson Welles em 1938,
que através de sua leitura em uma emissora de rádio, causou grande pânico entre os cidadãos da cidade
de New Jersey (EUA) que acreditavam que a história era um verdadeiro alarme noticioso: acreditou-se
que a Terra realmente estava sendo invadida por forças alienígenas. Num mundo sem televisão, Welles
alcançou uma comoção impossível nos dias de hoje.
7.
Blade Runner
(EUA, 1982). Direção de Ridley Scott. O filme recebeu uma nova versão em 1992,
chamada de “versão do diretor”, com pequenas alterações e inclusões de cenas.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 2 6
as pessoas em sua magnitude e onipresença e, por fim, os indivíduos parecem tão desolados
quanto o espaço que dividem. Nesse contexto, o enredo está na busca em que o policial
Rick Deckard realiza em torno da eliminação de replicantes seres idênticos aos humanos,
criados pela Tyrell Corporation, que foram proibidos de viverem na Terra. Os replicantes foram
concebidos como “humanos mais que humanos” e são utilizados como escravos em colônias
fora da Terra, para a realização de trabalhos perigosos ou degradantes. São mais ágeis e fortes
do que seres humanos e tão inteligentes quanto estes e possuem, talvez pela própria formação
militar, uma inclinação à violência. Os andróides procurados por Deckard buscam seu criador
com o intuito de prolongarem sua existência, limitada a apenas quatros anos de vida. O roteiro
de Blade Runner foi baseado no romance “Do androids dream of eletric sheep?”(Andróides
sonham com carneiros elétricos? - 1968) de Philip K. Dick. Dick é também conhecido por
inspirar outros filmes através de seus textos, como o mais recente Minory Report
8
e a série
cinematográfica O Exterminador do Futuro
9
. Sua produção é pautada por um sentimento
paranóico especialmente em torno do capitalismo e das grandes corporações nele fundadas.
No mesmo ano que Blade Runner, surge o filme TRON
10
de Steven Lisberger, que iria seguir por
uma estética completamente distinta, ainda que flerte com o ideário do Cyberpunk. TRON é
uma das primeiras produções cinematográficas em computação gráfica, em que grande parte
da história se passa em um mundo virtual, povoado por “programas” que se apresentam
8.
Minory Report
é um conto do autor publicado em 1956, que deu origem ao filme homônimo de
Steven Spielberg, de 2002.
9.
O Exterminador do Futuro
(Terminator, EUA, 1984) foi inspirado em dois contos de Dick: Second
Variety (1953) e Jon’s World (1954). O filme recebeu duas continuações nos anos de 1991 e 2003.
10.
TRON
(EUA, 1982). Direção: Steven Lisberger.
Figura 36: Cena do filme
Blade Runner
(EUA, 1982)
de Ridley Scott. O replicante
Roy Batty esquerda,
interpretado por Rutger
Hauer) com seu criador,
Eldon Tyrell (Joe Turkel).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 2 7
como indivíduos. Esse mundo virtual é controlado por uma entidade maléfica chamada
de “Master Control Program” que terá seu poder abalado por Tron, indivíduo-programa
tido como “escolhido” que junto com o programador Kevin Flynn (arredado do mundo real)
darão fim ao poderio opressor de MCP. Sem o “tech-noir” de Scott, TRON traz um enredo
previsível, mas prima pelo universo construído em torno do virtual, bem como, pela questão
da imersão completa (aqui colocada como “digitalização”) do indivíduo num corpo virtual.
Em proximidade, temos O Passageiro do Futuro
11
, produzido 11 anos mais tarde, que a partir
das possibilidades de imersão, traz uma condição extrema: o indivíduo que opta por uma
vivência unicamente virtualizada, tornando-se uma entidade do ciberespaço
12
.
Nos anos noventa, fatores como a economia globalizada, o neoliberalismo na política, o
surgimento da Internet, bem como a hegemonia do capitalismo, segundo alguns especialistas
propiciam um sentimento de triunfo especialmente à vertente literária do movimento. A
“conquista” estaria na antecipação de elementos hoje presentes e corriqueiros, o que torna
aquilo que antes era extraordinário simplesmente prosaico. Na verdade, é mais certo que o
fim foi determinado por um esgotamento da fórmula repetida à exaustão do que pelo caráter
extraordinário que caracteriza evidentemente qualquer produção de ficção científica e não
os cyberpunks. Os ideais e a maneira pela qual eram colocados tornaram-se um grande lugar
comum: transformou-se em uma doutrinação que não tira o mérito inicial de problematizar
nosso contexto contemporâneo e a tecnologia. Ao mesmo tempo, a popularização do uso
dos computadores e das redes oferece fôlego extra a um grande número de produções
11. O
Passageiro do Futuro
(The Lawnmower Man, EUA, 1993). Direção: Brett Leonard.
12. O termo cunhado por Gibson, aqui presente como sinônimo de uma trama informacional na qual
estão presentes os meios de comunicação como televisão, telefone, Internet, entre outros.
Figura 37: Cena do filme
TRON
(EUA, 1982) de
Steven Lisberger.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 2 8
cinematográficas – produções milionárias – que se alimentam deste universo. Encabeçando a
lista temos Matrix
1�
e 13º andar
14
, entre as produções norte-americanas, e ainda, Akira
15
e Ghost
in the shell
16
, baseadas na linguagem do anime japonês.
3.2 Cyborgs
A figura do cyborg é imagem recorrente na ficção científica, determinando indivíduos
oriundos da simbiose homem-máquina. Mas ao mesmo tempo em que povoa o imaginário,
é também figura cada vez mais presente em nossa realidade vivida diante das próteses que
a medicina moderna concebe: a cada dia, temos notícias de que locomoção, sentidos e até
processos mentais podem ser restaurados ou ampliados por uso de dispositivos artificiais.
Mas, indo além do determinismo da matéria embora os limites entre o artificial (antes
mecânico ou eletrônico) e o natural do indivíduo estejam dissolvendo-se – podemos ampliar
esse conceito para comportamentos mais interpretativos. Os autômatos da linha de produção
industrial, que permanecem em ações repetitivas, ou os atendentes de telemarketing, que por
telefone agem por pré-formatadas e rígidas normas de relacionamento possuem também um
comportamento padronizado que não os distinguiria de máquinas. Aliás, desde a revolução
industrial, todas as atividades que envolvam processos objetivos estão mais cedo ou mais
tarde sujeitos à substituição de equivalentes tecnológicos. Ao ocupar o lugar de máquinas
que ainda não existem, são cyborgs. Na verdade, somos todos.
Como uma paródia desta condição, está o trabalho Massacre Endeavor de Vivian Puxian,
presente na revista digital-objeto NÓISGRANDE, por mim organizada em 2006. O trabalho
de Puxian, desenvolvido em Macromedia Flash, é um game subversivo baseado no básico ato
do clique. Ao começar o jogo, o ponteiro do mouse se transforma em uma mira, indicando
ao participante que sua missão é atirar (clicar) sobre a figura estranha (uma criança com
13.
Matrix
(EUA, 1999). Direção: Andy Wachowski, Larry Wachowski. O filme recebeu duas seqüências:
Matrix reloaded
e
Matrix Revolutions
, ambas em 2003.
14.
13º andar
(The Thirteenth Floor, EUA, 1999). Direção: Josef Rusnak. Lançado no mesmo ano queDireção: Josef Rusnak. Lançado no mesmo ano que
Matrix,
13º andar
também aborda a realidade virtual e a inteligência artificial.
15.
Akira
(Japão, 1989). Direção: Katsuhiro Otomo.
16.
Ghost in the Shell
(Japão, 1985). Direção: Mamoru Oshii.Direção: Mamoru Oshii.
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1 2 9
ares de peralta), como tantos outros games, mas com um importante diferencial: a cada tiro,
surgem mais três figuras iguais, conformando em um jogo em que o jogador nunca conseguirá
eliminar seus oponentes. A vitória não existe. O clique se torna um ato cada vez mais inócuo
à medida que seus oponentes vão preenchendo a tela, transformando o participante em um
estúpido autômato clicador. MACHADO (2002, p.149), ao fazer referência ao legado de
Vilém Flusser, fala sobre uma “estereotipia” oriunda das máquinas, onde a repetição conduz
inevitavelmente a uma homogeneidade e previsibilidade de resultados. A multiplicação de
modelos pré-fabricados, a homogeneização oriunda dos softwares comerciais onde se produz
imagens muitas vezes impessoais, apresentadas em eventos de design são elementos a serem
superados na tentativa de produção de imagens simbólicas. Esse comportamento maquínico
previsível alastra-se para além da máquina, conformando também comportamentos humanos
homogêneos.
Figura 38: Tela do trabalho
Massacre Endeavor
(2006)
de Vivian Puxian, presente
na revista digital-objeto
NÓISGRANDE.
Segundo HARAWAY (1994, p.24�-28�), o conceito está muito além deste comportamento
maquínico: na verdade, o cyborg estaria a subverter os dualismos presentes na cultura ocidental
como eu/outro, realidade/aparência, macho/fêmea, cultura/natureza, verdade/ilusão,
Deus/homem. O cyborg representa a dissolução de limites, propiciados desde o fato de que
“não fica claro quem faz ou é feito na relação homem-máquina” até a nossa simbiose com
tecnologias de comunicação, simulação e biotecnologias. Sua origem está na dissolução de
três fronteiras: a distinção homem-animal, a diferenciação entre organismo (ser humano)
e máquina e a distinção entre o físico e o não-físico. A primeira desaparece quando o
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1 3 0
humano passa à categoria de um animal que se diferencia dos demais pelo pensar. A teoria
evolucionista colabora para isso. Por um outro lado, o animal é humanizado passam
a existir movimentos de defesas dos direitos dos animais que figuram aquilo que antes
estava apenas restrito aos humanos. A segunda fronteira, entre organismo e quina é
quebrada quando as máquinas começam a ter certa autonomia qualidade antes apenas
dos seres orgânicos assim como os organismos tomam características da máquina, com
automatismos. A última fronteira é a imprecio entre aquilo que é físico e o-físico,
num desdobramento da segunda fronteira. A nanotecnologia e os avanços em sistemas
de realidade virtual conduz-nos para a dificuldade de identificar realidade e presença,
visibilidade e ubiidade.
3.3 Sociedade de controle
O habitat desse indivíduo é permeado por redes hegemônicas chamadas por HARAWAY
(ibidem, p.258) de Informática da dominação: onde temos a substituão de antigos
sistemas hierquicos do chamado patriarcado capitalista por estragias de controle do
capitalismo global. O pensamento da autora converge ao conceito de Sociedade de Controle,
de DELEUZE (1990, p.215), por sua vez antecedida pela Sociedade de Disciplina, de Michel
Foucault
17
.
Deleuze é um dos mais importantes pensadores do final do século XX, suas referências
partem de Nietzsche, Henri Bérgson, Spinoza, entre outros. Ao dar continuidade ao trabalho
de Foucault, o autor nos dá importantes ferramentas de leitura do mundo contemporâneo: se
anteriormente temos as sociedades disciplinares baseadas especialmente em instituições de
confinamento, como as prisões, as escolas, as fábricas, os hospitais, entre outros espaços de
limites bem definidos, passamos a viver num novo modelo em que o confinamento lugar
ao descentralizado, ao controle contínuo e comunicação instantânea.
17. DELEUZE (1990, p.219) situa na história – tomando por base os estudos de Foucault – três situações:
as Sociedades de Soberania (até o século XVIII), na qual apropriar-se é mais importante do que organizar
a produção, assim como decidir sobre a morte é mais importante que gerir a vida; as Sociedades de
Disciplina (do século XVIII ao XIX, com o apogeu no início do século XX), quando prosperaram os meios
de confinamento (fábricas, hospitais, escolas, prisões) onde o indivíduo vive sempre no seu “interior”; por
fim, as Sociedades de Controle (a partir da Segunda Guerra Mundial), que surgem na crise da condição
anterior.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 3 1
A sociedade presente, segundo DELEUZE (ibidem, p.216) marcaria a derrocada destes
espaços disciplinares que entram em profunda crise. Numa comparação de valores entre
ambas as situações, em alguns campos da vida, teríamos então:
SOCIEDADE DE DISCIPLINA
Plano do existente
Indivíduo: moldável
Arte: material
Saúde: cura
Direito: leis fixas
Ação: decorrente, após o fato
SOCIEDADE DE CONTROLE
Plano das potências
Indivíduo: modulável
Arte: processo/gesto
Saúde: prevenção
Direito: jurisprudência
Ação: antecipatória, monitora antes do fato
A partir daqui podemos observar que esse novo paradigma proposto age normalmente por
antecipação e na preocupação do que está por vir. Ao contrário de uma sociedade em que está
baseada no plano do que é existente, passamos ao plano daquilo que é potência que assim
como a própria idéia de virtual, é aquilo que possui condições ideais para existir, embora possa
não estar presente efetivamente no tempo ou no espaço. As potências estão onipresentes nas
mais variadas áreas do conhecimento e ações humanas: a saúde, por exemplo, antes restrita
à cura de doenças existentes, irá se precaver antes de sua existência. Há, inclusive, estudos
para que seja possível identificar maiores tendências de um indivíduo através de determinada
moléstia por base de seu código DNA. É a política da prevenção
18
. Do mesmo modo, as
ações em todos os campos do conhecimento especialmente aqueles que estão sob a mercê
de interesses de mercado como as bolsas de valores se pautarão pelo monitoramento em
todos os níveis, pois é esta ação que proporciona um fluxo informacional permanente para
a sua manutenção. O monitoramento é o maior emblema das Sociedades de Controle: estar
permanentemente observado, disponível para ser rastreado é tema recorrente na ficção
científica.
Embora se pense normalmente em câmeras e satélites, até mesmo sites da web são muitíssimo
úteis dentro destas circunstâncias. LEMOS (2007, p.277-29�) conta a história do “blogueiro”
18. O filme de ficção científica
Minory Report
(EUA, 2004. Direção: Steven Spielberg) ilustra essa idéia de
antecipação de modo extremo, trazendo uma sociedade onde a polícia age em função de premonições
mediúnicas de chamados “pré-cogs”: cria-se a possibilidade de evitar os crimes antes de acontecerem; são
presos aqueles vistos como criminosos em potencial, sem nada que prove sua culpa, exceto a premonição
anunciada. Ao mesmo tempo, o filme apresenta um futuro em que o indivíduo é reconhecido
(monitorado) onde quer que esteja.
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1 3 2
iraniano Hossein Derakhshan, que mora em Toronto, Canadá e foi barrado em sua entrada
nos Estados Unidos após o seu nome ser buscado através do site de buscas Google pelos
agentes da imigração. Ao receberem a página de resultados da procura, foram levados ao seu
blog
19
e constataram algumas críticas ao governo americano. Derakhshan acabou sendo
censurado e impossibilitado de entrar no país. Da mesma forma, é comum o uso de sites de
relacionamentos, como o Orkut, não para manter amigos, mas também para acompanhar as
relações sociais de outros usuários especialmente acompanhando os recados que permanecem
visíveis a todos os usuários, até que o emissor ou destinatário resolvam apagá-lo. Mesmo o
telefone celular também pode ser visto como parte desta cultura do controle, não pelo
fato de ser um dispositivo que torna seu usuário acessível praticamente a todo o tempo, mas
também por outras aplicações mais recentes: algumas operadoras comercializam serviços
de localização via celular em que é possível, por exemplo, que os pais de um adolescente
saibam exatamente onde ele está naquele momento e sejam avisados quando ele se desloca
por um percurso não previsto.
A produção do grupo brasileiro SCIArts
20
flerta freqüentemente com a questão do
monitoramento através de sistemas eletrônicos a partir do uso de câmeras, da apresentação
das imagens capturadas e sensoriamento. diversos casos como Por um fio (1996), em
que a instalação multimídia cria relações entre os outros trabalhos existentes na mesma
exposição, operando com os processos paradoxais da observação humana onde interagem
simultaneamente espaço virtual e realidade, imagens em tempo real e imagens pré-gravadas;
Entremeios (1997-2000), onde a criação de um sistema baseado em imagens e sensoriamento
do espaço presente, criando novas relações entre o público, os trabalhos e o espaço; e ainda Re-
trato (1998) que re-elabora a percepção visual humana, criando espelhos em que o observador
se vê de novas formas.
A idéia de monitoramento é evidenciada no conceito de Máquinas de Visão de VIRILIO (199�,
p.127-1�2), em que o ato de perceber estaria gradativamente sendo transferido para sistemas
19. Blog é um site da Internet que possui artigos organizados de forma cronológica, como um diário
virtual. O endereço do blog de Hossein Derakhshan é: http://www.hoder.com/weblog/ (acesso em 03 de
setembro de 2007).
20. SCIArts é uma equipe interdisciplinar que desenvolve projetos na intersecção entre Arte, Ciência
e Tecnologia. Em 2007, o núcleo do grupo é composto por Fernando Fogliano, Milton Sogabe, Renato
Hildebrand, Rosangella Leote, Gilson Domingues e Julia Blumenschein. Site: http://www.sciarts.org.br
(acesso em 30 de agosto de 2007). Em alguns trabalhos, o grupo conta com outros participantes.
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1 3 3
inteligentes, onde o computador passa a assumir a análise das imagens. Em outras palavras,
surge uma automação da percepção que não se resumiria simplesmente à onipresente
captura de imagens dos espaços das câmeras de vigilância que pululam em cada metro
quadrado urbano mas também à abdicação do homem ao exercício de percepção. Os
olhares tendem então a serem modelizados e padronizados a fim de tornarem-se aptos a
esse novo perceber.
As sociedades de controle impõem a modulação em substituição aos moldes. Em vez de tentar
modelar o indivíduo, acepção essa dada às prisões e escolas (típicas entidades disciplinares),
o que se procura agora é torná-lo um ente divisível, desintegrando a sua unidade. Numa
massa de trabalhadores, em que temos um corpo, passa-se a ter uma legião de indivíduos
rivalizando entre si, sob essa nova emulação. Numa outra dimensão, o próprio indivíduo
passa a se constituir de módulos e a conquista do desvendamento do Genoma Humano,
conduz para essa extrema divisão: visto que cada gene humano contingencia partes do corpo.
Os módulos são facilmente transferidos ao status de informação: como elementos numéricos,
podem ser processados por sistemas informáticos.
Em sites comerciais da Internet, vemos com freqüência a presença daquilo que é chamado por
JOHNSON (2001, p.1�1) de agentes. Os agentes possuem a capacidade de serem autônomos
Figura 39: Detalhe da
instalação
Por um fio
(1996) do grupo SCIArts,
apresentada no Paço das
Artes, em São Paulo. A
formação do grupo neste
trabalho foi: Fernando
Fogliano, Luiz Galhardo,
Milton Sogabe, Renato
Hildebrand e Rosangella
Leote.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 3 4
que podem aprender com determinada situão, processando novas informões com base em
seu banco de dados de experiências
21
. É um sistema de inteligência artificial, em outras palavras.
Num site de vendas de CDs, por exemplo, é esse agente que irá sugerir outros tulos além daqueles
que vo tiver escolhido, tendo por base a freqüência de escolhas similares. De uma maneira
bem simples, o sistema procura exatamente formar modelos permanentes e dimicos (seus
pametros são continuamente adaptados, conforme a entrada de dados) e aderir seus indiduos
a estes. Essa idéia se aproxima muito do estado de metaestabilidade que DELEUZE (1990,
p.221) descreve como uma ão em metasistemas, regulando a si mesmos a cada instante.
A questão da permanência está diretamente ligada também à idéia de controle. Além do
mapeamento contínuo das máquinas de visão ou dos agentes, o controle não está centrado
exatamente num exercício de poder rígido e explícito – como o termo pode sugerir – mas sim
no caráter permanente de suas instituições. Deleuze atenta para a substituição da escola pela
“formação permanente” e o exame pela análise continuada: a impressão de que nestas
sociedades nunca nada é terminado, numa constante sensação de estar em órbita, ad aeternum.
A busca da construção de relações cada vez mais vitalícias pelas corporações comerciais
também ilustra esse momento.
3.4 Mercado e tecnociência
RIFKIN (2001, p.79-92), exímio observador da nova economia, observa que toda a
experiência humana está sendo transformada em commodities
22
. Cada indivíduo passa a ser
visto em sua comercialidade” plena: todos os aspectos do seu ser podem ser convertidos em
dados para uma nova compra. Na era chamada pelo autor de “economia da rede” mantêm-
se vendedores e clientes em contato o maior tempo possível: as relações de commodity passam
21. JOHNSON (2001, p.132) irá contextualizar a ação dos agentes em interfaces computacionais: “Os
partidários do agente inteligente consideram essa alteração um enorme avanço do ponto de vista da
facilidade de uso: mais fácil do que manipular diretamente a lixeira, só deixar que alguém o faça para
nós. Parece bastante sensato, mas há perigos na cessão de controle adicional ao computador. O sentido
da revolução da interface gráfica original era dotar o usuário de poder – tornando-nos, o ‘resto de nós’,
mais hábeis, e não nossas máquinas”. O autor irá pontuar que a presença dos agentes significa certa
autoridade da máquina sobre a nossa vida baseada em interfaces.
22. Commodity designa mercadorias homogêneas especuladas em mercados “líquidos” (leia-se bolsas
de valores) como: café, ferro, soja, ouro, etc.
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1 3 5
a se estenderem infinitamente, onde mais importante do que vender é estabelecer duradouras
relações. Essas relações visam mais do que buscar o maior número de clientes possíveis (como
é pensado no capitalismo convencional), vender o maior número de coisas a um mesmo
cliente. Neste processo, a palavra-chave é enxergar o potencial de cada estilo de vida e para
tanto, criam-se modelos que se baseiam no cruzamento de informações como assinaturas de
periódicos, gastos com cartões de créditos e contas telefônicas, por exemplo. Cada indivíduo
passa a ser quantificado através de um número de “lifetime value” ou simplesmente LTV
2�
,
que representa potencialmente o seu consumo.
Com o LTV surge a necessidade de estratégias que mapeiem esse indivíduo. Nesse ponto,
um entrelaçamento de dados através de compras com cartões de fidelidade ou mesmo
com cartões de crédito, por exemplo pode permitir que as empresas recebam informações
atualizadas e detalhadas sobre o estilo de vida de cada cliente. Uma observação contínua aliada
a uma bem-resolvida tecnologia de modelagem – a exemplo do que já ocorre grosseiramente
com os agentes dos sites – pode prever desejos futuros de cada indivíduo, tornando-os muitos
mais suscetíveis aos apelos do marketing. Então, passa a existir uma ânsia das empresas a
uma nova mercadoria: a experiência vivida por cada indivíduo e em outras palavras, seu
modelo de consumo –, que é um ativo muitíssimo cobiçado. Uma das motivações para o
provimento de diversos serviços gratuitos na Internet é justamente esse. Ao ter acesso a suas
preferências, descritas em seus perfis pessoais de comunidades da rede
24
, grupos ou até mesmo
em conteúdos presentes em suas mensagens pessoais, é possível modular o indivíduo com
maior precisão
25
.
23. LTV ou “o valor ao longo de uma vida”, denominação usada no marketing desta nova economia
descrita por RIFKIN (2001, p.80). O autor cita o exemplo do revendedor de automóveis Carl Sewell que
estima que cada cliente que chega à porta de uma concessionária Cadillac representa um valor potencial
para a vida de mais de $322.000 dólares. Esse valor representa uma projeção do que o indivíduo pode vir
a gastar em automóveis durante sua vida e serviços relacionados a estes. O autor cita ainda, Mark Grainer,
da diretoria da TARP (Technical Assistance Research Programs Institute), que estima: um cliente médio
“fiel” de um supermercado vale mais de $3.800 dólares por ano.
24. Pensando nas informações inseridas constantemente por seus usuários no sistema, um serviço
de rede de relacionamentos virtuais, o Facebook (http://www.facebook.com), anunciou em agosto de
2007, sua intenção de inserir publicidade no site por meio das próprias preferências preenchidas pelos
usuários, numa tentativa de aumentar a renda do site. O site de e-mail gratuito do Google, o Gmail, utiliza
um sistema chamado Adwords em que o corpo da mensagem pessoal é verificado para a exibição de
anúncios coerentes ao seu conteúdo: se a mensagem fala sobre “vídeo”, por exemplo, surgem anúncios
sobre placas de captura, sites de vídeo e DVDs, empresas de comunicação, entre outros.
25. Alguns serviços gratuitos da Internet deixam nuances explícitas através dos contratos de adesão
firmados com seus usuários sobre a prática de coleta de informações pessoais através de conteúdos de
4
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 3 6
Com o caráter potencial em todos os campos do conhecimento, a informação – como
premissa básica para a formação contínua dos modelos toma uma força nunca antes vista.
As redes computacionais popularizadas nos anos 90 do século XX em especial, a Internet
viabilizam o fluxo contínuo de dados e dão forma ao Ciberespaço. Além disso, as redes
abrigam o mercado de capitais, onde o dinheiro freneticamente corre 24 horas por dia
conforme bolsas de valores fecham e abrem no decorrer das horas. A imaterialidade é a tônica
desse mercado das redes e a informação é o sangue que rapidamente corre em suas veias.
Segundo LASH (1999), o que está transformando a vida em commodities é a sua transformação
em informação. Antes de a definirmos, que ser feita uma distinção. Se partirmos da
Teoria da Informação, conforme PIGNATARI (2002, p.56), o conceito de informação se
relaciona ao conceito de entropia, discutido por Nobert Wiener, em que a informação seria o
avesso da tendência dos sistemas naturais em perder energia (entropia). Ao propor sistemas
organizados (mensagens), a informação opõe-se ao caos entrópico e é vislumbrada pelo
seu caráter improvável, novo e original. Porém, a noção de informação aqui empregada é
outra; já que Wiener se centra especialmente na transmissão de mensagens (GARCIA, 200�,
p.85) e não como um sistema operatório em que se definem estruturas de organização, que
é o que nos interessa aqui. Daí, a informação entendida por Lass se caracterizará por ser
comprimida, curta, veloz e efêmera; elementos estes que dificultam o exercício reflexivo. Ela
é uma fatura que se casa com a célebre frase de Marshall McLuhan: “o meio é a mensagem”.
Enquanto antigos modelos narrativos direcionam para um propósito e possuem um discurso,
a informação se caracteriza por um metadiscurso, onde suas propriedades intrínsecas como
brevidade, volatilidade e seu caráter extremamente indicial são explícitas. A mensagem
enquanto, elemento instigador do pensamento necessitando de tempo e espaço para sua
reflexão inexiste. Mais do que a mensagem, o que importa é alimentar o fluxo em ritmo
contínuo.
Os sites de notícias da Internet apresentam muito bem essa nova realidade. As matérias
presentes nestes noticiosos são editadas em poucos minutos, sem qualquer tempo de reflexão.
Talvez os mais entusiastas possam dizer que se deseja que o próprio leitor exerça esse poder
mensagens e sites visitados, por exemplo. Evidentemente, a prática deve se estender também por aqueles
que são pagos; já que não há uma política rígida e abrangente nesse sentido. Além dos serviços via rede,
instituições financeiras – que possuem o controle das movimentações de seus clientes – também são
visadas no monitoramento de práticas que indicam preferências de consumo.
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1 3 7
mas como seria possível se ele mesmo é alvejado por novas notícias a todo instante? No
sentido de um escoamento cada vez maior, inúmeras emissoras noticiosas de televisão inserem
permanentemente ao redor de suas imagens transmitidas, indicadores econômicos, informações
sobre temperaturas em cidades do mundo, além de notas e chamadas de menor relevância,
que dão forma a um sentimento de saturação, inviabilizando qualquer juízo de complexidade
sobre cada dado apresentado. Ao mesmo tempo, tudo é continuamente descartável: se um
artigo acadêmico possui a capacidade de gerar ressonância por anos (discussões e referências
bibliográficas, por exemplo), a informação está em função do agora, sendo predestinada a ser
obsoleta em alguns instantes.
O fluxo permanente da informação não se restringe à produção noticiosa ou na geração dos
modelos de controle. Sua onipresença repercute nos modos com que nos relacionamos com
todos os campos da vida: os modismos, a efemeridade de gêneros musicais na mídia, as
celebridades instantâneas da televisão. Na economia, por exemplo, ao contrário do capitalismo
convencional, RIFKIN (2001, p.9�-108) aponta para o surgimento de uma Era do Acesso (que
título a seu livro), onde a substituição da propriedade privada centrada no acúmulo de
bens – para dar lugar a um mundo em que se paga pelo valor de uso. Ou seja, se é necessário
acompanhar o ritmo contínuo do novo, passa a ser mais interessante não possuir algo, mas
acessar apenas. A palavra-chave para essa mudança é o leasing dos bens – sejam automóveis,
computadores ou casas onde o vínculo não estimula a contínua atualização como também
dá margens para enfrentar instabilidades
26
.
Mas voltando à idéia de que tudo passa a ser informação, o sociólogo e atento pensador sobre
as implicações sociais desse universo, GARCIA (200�, p.86) diz que o conceito de que “o
homem é a medida de todas as coisas” passa a não ter sentido:
Antes de mais nada, essa transformação corrói o referencial do humanismo moderno: o homem
não é mais a medida de todas as coisas, porque ao privilegiarmos o plano da informação, ao tomá-
la como referência última, passamos a valorizar o molecular, o infra-individual, comprometendo
a noção de indivíduo e questionando a de organismo.
26. Rifkin aponta para o fato de que 80% das empresas norte-americanas aderem ao leasing para o
uso de bens como computadores, móveis e veículos. Apesar de não ser uma nova prática econômica, as
empresas passaram a adotar a prática a partir dos anos 90, quando surge a permanente necessidade de
abandonar tecnologias obsoletas.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 3 8
O próprio organismo passa a ser visto como informação. E conforme Garcia nos alerta,
para um biotecnólogo “o ser humano reduz-se a um pacote de informações porque o que
interessa é o agenciamento de suas informações genéticas”. O mapeamento do Genoma
Humano
27
, projeto internacional iniciado no ano de 1995 e com sua primeira etapa
concluída, viabilizou uma nova propriedade nessa visão. Finalmente, o organismo humano é
completamente traduzido em um código, que assim como a informação jornalística será lido
em seus fragmentos. A pesquisa agora se concentra no seqüenciamento dos genes, a fim de
desvendar suas funções pontuais (áreas do corpo que se relacionam) e relações com doenças
(predisposições genéticas a determinadas patologias). Evidentemente, essa pesquisa trará
benefícios, mas talvez para segmentos restritos. Curiosamente, com o avanço do projeto, as
instituições científicas passaram a dividir a tarefa com companhias privadas, como laboratórios
e indústrias farmacêuticas, que se ocupam do seqüenciamento daqueles genes tidos como
mais interessantes comercialmente, restando às comunidades científicas dos governos, a
pesquisa dos demais. O interesse destas companhias é assinalado pelas inúmeras patentes
registradas. Informações sobre doenças como hipertensão, osteoporose e obesidade passam
a ter dono
28
.
Abrindo um parêntese: é interessante perceber que existe uma sina humana ao que
KERCKHOVE (199�, p.56) chama de “digitalização”. É uma tendência tipicamente ocidental
recorrer à estratégia quase automática do princípio de divisão até o menor denominador
possível. O alfabeto reduziu toda a língua e grande parte dos nossos sistemas de informação
a uma substância: a escrita. E toda língua ocidental passa a usufruir dos mesmos 24 ou 26
símbolos uniformes as letras. Com o computador, a “digitalização eletrônica” foi muito
além da redução realizada ao alfabeto. A uniformidade das unidades elementares obtidas
por digitalização é verdadeiramente extrema: todos os bits são semelhantes; somente sua
27. Mais informações sobre a pesquisa do Projeto Genoma Humano podem ser acessadas em http://
www.genome.gov/ (acesso em 01 de setembro de 2007).
28. GARCIA (2003, p.149) conta o ocorrido em 1976 com John Moore, americano portador de um
tipo raro de leucemia que foi se tratar na Universidade da Califórnia. Lá, foi tirado o seu baço, e sem o
seu consentimento, extraíram do órgão removido uma determinada linhagem de células que continha
informações preciosas sobre tipos de câncer; em 1984, as informações genéticas foram patenteadas e
vendidas para o laboratório suíço Sandoz; em 1990, o valor desses mesmos dados estava na casa dos US$
3 bilhões. Descobrindo o que ocorrera, Moore reivindicou na justiça o seu direito às células, alegando sua
propriedade sobre os seus “bens corporais”. Os advogados dos médicos que patentearam a linhagem
argumentaram que esta não se constituiria propriedade, já que não era uma parte dele que ele poderia
dispor. Ou seja, microscopicamente o indivíduo não mais existe. Passa a ser visto como um repositório de
informações, e como uma propriedade “sem dono”, pode ser comprada.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 3 9
ordem de aparição entre outros bits permite distinguí-los” (ibidem, p.57). Algo muitíssimo
parecido ocorre ao nos depararmos com o código genético que justaposto com o código
binário, percebemos que ambos são igualmente manipuláveis e infinitamente dispostos
à recombinação
29
. Na instância da informação, tanto um software quanto determinada
seqüência genética são resultantes de uma singular seqüência de seus respectivos códigos.
Mas voltando à propriedade intelectual, com a ascensão dos bens dessa natureza (especialmente
aqueles oriundos da pesquisa em tecnologia digital e biotecnológica), ocorre uma significativa
mudança de relações comerciais: a substituição da relação vendedor/comprador para
fornecedor/usuário. Observamos isso quando atentamos para os produtos desta nova economia:
o software comercial no qual escrevo neste momento este texto, apesar de tê-lo comprado o
me faz proprietário dele; quando pagamos por ele, pagamos pelo uso restritamente já que o
contrato também prevê que não posso realizar cópias daquilo que adquiri. O mesmo ocorre
com a biotecnologia. Os genes são comercializados, mas não são vendidos, são licenciados
apenas seus proprietários continuam sendo os mesmos por meio de suas patentes.
Em 1987, o escritório de patentes e marcas do governo norte-americano (chamado de PTO
Patent and Trademark Office) emitiu um decreto que declarou a possibilidade de registro de
patentes sobre os componentes dos seres vivos tecidos, células e genes desde que fossem
descritas suas funções e aplicações. Com isso, deu-se o pontapé inicial para uma troca de
valores em relação aos achados científicos: se antes, aquilo que passava a ser experimentado
e sabido era nomeado como “descoberta” como ocorrera com uma gama de elementos
químicos o status agora é de “invenção”. Antes desta data, era veementemente proibida
qualquer acepção de propriedade sobre “descobertas da natureza”. Mas a situação mudou, e
agora, segundo RIFKIN (2001, p.55):
Os genes e as células humanas, bem como os genes e as células de outras criaturas, foram
patenteadas, e os observadores da indústria predizem que em menos de 25 anos, grande parte
29. Essa “digitalização” é percebida também pelo artista Eduardo Kac, no seu trabalho de arte
transgênica,
Genesis
(1999). O artista justapõe três códigos – o alfabeto, o código morse e o código
genético – a partir de um trecho do livro Gênesis, do antigo testamento. A frase é traduzida para o
código morse e em seguida, transforma-se em código genético, por meio de uma chave léxica criada pelo
artista. É proposta a manipulação do código genético “bíblico”, realizada através de radiação ultravioleta
em bactérias presentes no espaço da exposição. Ao fim do evento, o artista realiza a tradução inversa,
passando de código genético, para morse e texto novamente.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 4 0
do patrimônio genético comum o legado de milhões de anos de evolução biológica terá sido
isolado, identificado e fechado na forma de propriedade intelectual, controlado, na maior parte,
por um punhado de empresas transnacionais gigantes da ciência da vida.
Nesta direção, especialistas indicam que uma das áreas mais suscetíveis a este novo modelo
será a agricultura. Diversas empresas transnacionais dedicam-se a produzir patentes sobre
sementes geneticamente modificadas, que implicam em novas condições para seu uso; ou seja,
se por milhares de anos, o agricultor fazia reservas de sementes para sua plantação em estações
propícias, na era da biotecnologia, uma das cláusulas relacionadas ao uso de determinadas
semestres patenteadas é a proibição dessa reserva para uso das novas sementes decorrentes da
colheita. Da mesma forma que é proibida a cópia de softwares comerciais ou de criar novos
softwares a partir de seus códigos-fonte – os direitos do agricultor passam a serem restritos à
aplicação numa só estação, ao uso apenas. A concentração das patentes agrícolas em poucas
mãos pode significar futuras situações sociais perturbadoras, que poderá envolver toda a
produção mundial de alimentos.
Ao mesmo tempo, a indústria cultural discute a adoção de dispositivos tecnológicos para
evitar a cópia e distribuição não-autorizada de sicas e filmes e a indústria da biotecnologia
segue em caminho parecido. Rifkin relata o caso da Terminator Techology, tecnologia
desenvolvida pelas empresas de genética agrícola que consistiria na ação de um “bloqueador”
da fertilidade das sementes oriundas da colheita “original”. As sementes nascidas das plantas
transgênicas não germinarão até que se borrife determinada substância – ao pagar pelo uso
das novas sementes que desativará o bloqueador”. Apesar de eficaz, o sistema obteve
uma negativa repercussão recusada por instituições agrícolas internacionais e por países
e foi deixado de lado até que se criem outras alternativas de proteção da propriedade
intelectual”, conforme dito pelas empresas propositoras da Terminator Techology. Mas o que
fica mais evidente desta situação, e que foi utilizado como justificativa para a aplicação
da referida tecnologia é que o sistema de leis e outras barreiras legais (institucionalizadas
ainda sob as Sociedades Disciplinares, na definição de Foucault)o dão conta daquilo que a
hegemonia almeja.
BARLOW (1998, p.11-15), coloca a questão presente da propriedade intelectual como o
desafio de vender vinho sem garrafas. Ao abordar a questão do copyright, Barlow coloca que
até então, havia a preocupação de registrar a propriedade não de idéias, mas da expressão das
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1 4 1
mesmas. As idéias e a natureza eram consideradas propriedades coletivas da humanidade.
Ou seja, um livro além de fisicamente presente e comercializável, é uma expressão da idéia
do autor – mas não a idéia em si, esta permaneceria universal. Os valores estavam, portanto,
na transmissão e não no pensamento transmitido. Porém, com a popularização das redes
digitais, as idéias não se condicionam mais à matéria. A informação é imaterial, está em
rede; e pelo seu próprio caráter fluido, parece escorrer por entre os dedos daquele que procura
controlá-la especialmente se este policiamento é ainda calcado em antigas premissas:
A propriedade intelectual sem limites é muito distinta da propriedade sica e já não se pode
protegê-la, deixando de lado essa diferea. Por exemplo, se seguimos assumindo que o valor
se baseia na escassez, como é o caso dos objetos físicos, criamos leis que o precisamente
contrárias à natureza da informão, cujo valor pode aumentar em muitos casos com a
difusão (ibidem, p.15).
A fluidez com que a informação percorre as redes acaba sendo um paradoxo: enquanto alimenta
um sistema que se baseia no controle voltado à formação permanente de modelos acaba
sendo desviada de planos hegemônicos que empresas transnacionais ou mesmo governos
por ventura tenham. Um dos maiores exemplos desse desvio é a explosão dos sistemas Peer-
to-Peer (P2P) na rede Internet. Os sistemas P2P possibilitam que os internautas acessem
arquivos de música, filmes e softwares, utilizando-se de uma rede de compartilhamento de
arquivos onde acessam arquivos disponíveis nos computadores de outros usuários, criando
redes descentralizadas e colaborativas, onde ao contrário dos arquivos de sites, não estão
estacionados em um servidor e sim, fluindo entre computadores que conectam e desconectam
nas redes. Grande parte dos conteúdos compartilhados nestas redes é protegida por direitos de
propriedade intelectual, fato que protagoniza freqüentes litígios entre usuários e instituições
em defesa dos direitos dos autores.
Igualmente apresentando-se como desvio no fluxo informacional, temos os vírus de
computadores. O vírus se apresenta como uma das maiores ameaças à manutenção da
economia de redes, visto que transforma o controle permanente em estado defensivo
constante, através da necessidade de contínua varredura dos sistemas de defesa (os programas
chamados de antivírus). Atualmente, grande parte das pragas virtuais se utiliza de estratégias
de engenharia social, em que o usuário muitas vezes se depara com e-mails aparentemente
remetidos por seus contatos reais. Em 2005, estima-se que num dia surjam mais de 50
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 4 2
vírus e variantes
�0
.Um dos mais conhecidos e temíveis vírus em 2000, além de ser um dos
pioneiros na sua disseminação maciça através da Internet é o ILOVEYOU (também conhecido
por Loveletter), que fingia ser uma carta de amor enviada ao usuário por um de seus contatos
reais. Alimentado pela carência afetiva e curiosidade de cada um que o recebia, o vírus em
cinco dias contaminou mais de 50 milhões de máquinas, resultando em prejuízos da ordem
de 10 bilhões de dólares.
Paradoxalmente, a existência dos vírus é empregada pelas grandes companhias de software
como justificativa para desestimular a pirataria de softwares, visto que uma cópia não-autêntica
pode conter códigos maliciosos. E mais: as pragas virtuais são justificativas também para uma
constante aquisição de novas versões de softwares, visto que versões mais antigas possuem
brechas que as tornam vulneráveis. E indo além, a própria estratégia invasiva dos vírus passa
a ser a tônica de ações comerciais realizadas por meio de SPAMs, Adwares e Spywares
�1
; essas
práticas revelam um submundo das redes, seja pela própria natureza infligidora ou por aquilo
que é normalmente objeto de anúncios, como equipamentos duvidosos para disfunções
sexuais, venda de títulos universitários e material pornográfico. Uma espécie de mercado
negro das redes. Mas mesmo estes desvios mais ocultos agem num mesmo fluxo contínuo
da informação, sendo que acompanham o desenvolvimento de dispositivos que exatamente
atuam contra a sua existência ou veiculação, procurando manter certa invisibilidade e passar
silenciosamente pelos filtros. Porém, o maior legado dos vírus e outros softwares tidos como
Malwares junto com a ameaça “hacker” é uma devastadora insegurança que macula e
questiona o senso comum sobre as tecnologias.
É importante observar até aqui que as circunstâncias trazidas dão forma a um contexto
social que em todas as esferas do humano prevalece o sentido de agregar valor econômico
30. Dados retirados de: http://info.abril.com.br/blog/machado/ (acesso em 12 de junho de 2006).
31.
SPAMs, Adwares
e
Spywares
são práticas, na maioria das vezes, empregadas por empresas de
tecnologia para flertar ou mesmo adquirir informações de seus clientes “em potencial”.
SPAM
define as
mensagens comerciais não-solicitadas, mormente enviadas por e-mail, eclodindo – em virtude de sua
grande quantidade – no incômodo da seleção entre mensagens pessoais do usuário;
Adware
é um
software normalmente incorporado em softwares distribuídos gratuitamente, que possui a função de
anunciar publicidade – muitas vezes não só durante o uso do software principal, mas por todo o tempo
que o usuário estiver on-line;
Spyware
(ou software espião) é um software que normalmente permanece
oculto na máquina do usuário enviando informações deste para terceiros, muitas vezes podendo
direcionar conteúdos publicitários. O último é enquadrado na mesma categoria dos vírus: são chamados
de softwares maliciosos ou
Malware
.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 4 3
indiscriminadamente. A hegemonia a qual nos referimos não está restrita a determinado grupo
econômico, empresa ou indivíduos. É uma condição que se circunstancia de acordo com o
poder onipresente do “mercado”. É o nosso “inimigo” que se encarna sob uma forma social,
generalizando todas as relações em relacionamentos entre provedor e cliente, do trabalho ao
afetivo interpessoal, passando pelo conjunto de contatos tácitos que determinam nossa vida
privada (BOURRIAUD, 2006, p.14). A partir deste contexto, a arte seria capaz de originar
formas indicativas deste momento através de estratégias relacionais que, por sua vez, atuariam
no mesmo espaço social de onde acompanhamos a ascensão destes preceitos contemporâneos.
Antes disso, porém, vemos também a aparição de posturas mais processuais, simbólicas da
informação onipresente.
3.5 Fluxos e desacelerações
Deleuze, a falar das Sociedades de Controle, observará a aparição de práticas artísticas mais
fluidas que privilegiam o processo. Em alguns casos, emergirá modelos que subvertem a
idéia dos fluxos informacionais e outras que lançarão mão destes mesmos fluxos para deles
emergir formas estéticas. De toda forma, a arte convida à reflexão do contexto desde que
instaure novas temporalidades e fluxos descontínuos em relação às premissas velozes da
contemporaneidade.
Inspirado na conhecida produção de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica
32
, que justamente
discute insubordinação e controle, produzi em 2006 o trabalho Revolátil, presente na revista
digital-objeto NÓISGRANDE, que viria a contribuir no decorrer do meu pensamento sobre
as questões até aqui tratadas. No filme de Kubrick, uma crítica ao controle da subjetividade
condensada na história de uma violenta gangue irlandesa num futuro indeterminado; e seu
líder, que é capturado e inserido num tratamento tido como revolucionário aos olhos do
governo na transformação de perigosos delinqüentes em homens de bem. Alex, o sujeito
em questão, é posto então num tratamento de choque em que suas práticas violentas são
visualmente impostas (com suas pálpebras presas, sem ter como fugir às imagens) sob o som
daquilo que para ele seria seu último refúgio de um deleite descompromissado e pacífico: a
Nona Sinfonia de Beethoven.
32.
Laranja Mecânica
(Título original: A Clockwork Orange), Inglaterra, 1971.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 4 4
Essa subjetividade é então manipulada, na tentativa de transformar Alex o ex-marginal
em alguém dócil e de “bons valores”, expurgando todos os desejos mais primitivos como
a raiva ou o desejo sexual, sob a forma de náuseas intensas que surgem quando estes desejos
são esboçados. A crítica de Kubrick se aplica a uma sociedade que se alimenta do espetáculo
à luz das considerações de Guy Debord visto que seu próprio “remédio” é espetaculoso.
Suas conquistas somente serão verdadeiramente capturadas por esse mesmo viés imagem
trazida ao final do filme de Kubrick, quando um circo midiático se forma em torno da figura
de Alex. Se o controle da subjetividade persiste sob a forma das Sociedades de Controle descritas
por Gilles Deleuze, neste início do século XXI, se fazem necessárias estratégias de pensar este
fluxo, que irão contrastar com a imposição de uma sensibilidade que nasce na era industrial,
calcada na superficialidade das relações e da percepção, no pensamento truncado e na
permanente expiração do tempo.
Figura 40: Cena do filme
Laranja Mecânica
(Inglaterra,
1971) de Stanley Kubrick.
Figura 41:
Revolátil
(2006), trabalho de Fábio
Oliveira Nunes presente
na revista digital-objeto
NÓISGRANDE.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 4 5
Não como negar que essa velocidade é um dos maiores legados que a Revolução Industrial
nos deixou: a onipresença do time is money, convergindo em meios de transporte cada vez
mais velozes, dos aviões aos trens-bala entre metrópoles. No plano dos meios eletrônicos,
o tempo o estana velocidade, como também no limite da própria instantaneidade
a velocidade ultrapassa o tempo da realidade, o nosso tempo vivido para constituir-se na
antevisão dos fatos, como nos chamados mercados futuros que fluem permanentemente
ao longo das 24 horas do dia, via rede. Ora, temos então uma configuração que é justamente
a concepção de informação de LASH (1999): a sobreposição constante, comprimida,
curta, veloz, efêmera e sem tempo para a reflexão. Acima de qualquer coisa, está o fluxo
informacional que se confunde, por sua vez, com a permanente necessidade de consumo
instaurada na sociedade presente. Canais televisivos de vendas e de notícias têm muito mais
em comum do que nos apresenta.
Revisto o contexto, um dos modos possíveis de resgatar a reflexão é através da arte e
nessa hipótese, uma das estratégias possíveis é ir num sentido avesso à aceleração dada,
propondo poéticas que não se sucumbiriam ao estado de saturação proposto pelos meios
e pela própria percepção contemporânea. Um desafio possível é criar ilhas de respiro, onde
prevaleça uma não-informação: esse foi o intuito do trabalho Revolátil. Quem o acessa se
depara com a contemplação do tempo, aqui representado no círculo de uma roda gigante
que permanentemente roda e que remete a diversas visões primitivas de desencadeamento
temporal em contraponto à linearidade em que o tempo é visto pelos ocidentais. Além da
roda que gira em torno de seu próprio eixo infinitamente assim como o próprio trabalho que
não possui um término – há logo abaixo o termo Ad Aeternum, grifado pela Nona Sinfonia de
Beethoven que acompanha o decorrer do tempo.
A produção de Revolátil é antecedida por Delay n.2 ou Retardo n.2
��
, trabalho de web arte
produzido por mim em 200� também com Macromedia Flash, que é simplesmente um gráfico
similar aos utilizados em situações de download e instalação de programas que se estende
por seis minutos. O gráfico “cresce” conforme o tempo e gradualmente também esvaece. Ao
fim, indica-se o término – sem que qualquer outro conteúdo seja apresentado – e numa outra
janela, os créditos. Tudo isso (ou melhor, apenas isso) com um trecho da música Xulunga
33. Referências sobre o trabalho: http://www.fabiofon.com/delay.html (acesso em 01 de setembro de
2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 4 6
(spirit dance), de Dead Can Dance, que é reproduzida repetidamente por toda a extensão
do tempo. Clicar? Interagir? Explorar? Nada aqui é possível. Nada aqui é “time is money”,
muito pelo contrio. É a recusa assumida do meio resumida em uma linha que metaforiza
a própria existência finita daquele que a vê. Trata-se de uma situação de confronto com o
interator, aqui tratado como espectador: instaura-se uma espera quase infinita fazendo com
que o sujeito questione a fluidez de tudo que passa a sua volta.
ARANTES (2007) idefinir uma Estética de Fluxos a partir das considerações de Zygmun
Bauman
�4
, que emprega os termos fluidez e liquidez para descrever as mutações da cultura
contemponea. Estaríamos em uma condição presente em que predomina aquilo que
é volátil, incerto, instável e passageiro, enfim. Um mundo flutuante. Em contraponto à
estética tradicional da arte clássica, onde o que temos é uma estética da transcendência – o
belo que transcende o mundo das idéias – originalmente fixa e imutável, surge uma estética
do tempo, ansiada pelo surgimento do cinema. Com o advento dos meios eletrônicos, cada
vez mais a arte se distancia de um objeto único e imutável: a Estética da Comunicação de
Mario Costa e Fred Forest é fundamental neste sentido, pontuando o fluxo comunicacional
no centro do processo artístico. Por fim, com a instauração dos fluxos informacionais na
sociedade, temos uma permanente aceleração que rompe com o tempo previsível e linear
e instaura o constante sentimento de tempo sem tempo”, que não es ligado a uma
pertinência física, mas a um fluxo de informações.
34. Referência da autora: BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Figura 42:
Delay n.2 ou
Retardo n.2
(2003), trabalho
de web arte de Fábio Oliveira
Nunes.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 4 7
Assim, uma Estética de Fluxos estaria não apenas nos artistas que fazem uso dos meios
informacionais para criação, mas na discussão da fluidez e dos fluxos de informação, inerentes
à sociedade midiática contemporânea:
É uma estética que pelo modo interativo e conversacional, deixa de funcionar de forma estável,
acabada e fixa, colocando nos fluxos de informação, seu acento principal. Fluxo entre as próprias
formas constituintes da obra e as da imagem sempre em processo entre inúmeros estados possíveis.
(ibidem, p.2�4)
Um dos projetos que fazem uso deste contexto é I-flux de Silvia Laurentiz e Martha Gabriel,
projeto ainda inédito que se apropria do fluxo de dados presentes na Internet e que cria uma
interessante metáfora: há um ser artificial “aquático” confinado que terá seu espaço de ação
definido pelo fluxo do ciberespaço. Quanto maior o fluxo de dados, maior a quantidade
de “água na qual esse ser poderá se locomover e mais tranqüilo também. Quanto
menor o fluxo de dados, menos “água” e o ser deverá se sentir acuado e limitado em seus
movimentos.
O fluxo é a forma disforme que toma a complexidade do mundo, devido ao fato de que
o mundo es sendo convertido em informação. Eno, tudo é fluxo. Mesmo o que já foi
um dia imutável. Dentre as várias formas que essa complexidade se apresenta, temos a
emergência; a qual é preponderante para o monitoramento informacional de coletividades.
3.6 Emergência
Os estudos em torno de sistemas complexos, algoritmos genéticos e emergência são importantes
elementos na construção de um aparato monitor, trazendo ressonâncias das questões das
Sociedades de Controle. Estabelecer modelos mediante monitoramento antecede à emergência
de padrões. A emergência é um conceito que extravasa os campos do conhecimento: ela
surge na própria observação da natureza (basta olhar para a organização das formigas e
determinados seres microscópicos). Está no nosso corpo (o cérebro e seus neurônios) e se
apresenta até mesmo no espaço habitado (a organicidade das cidades e das favelas). Nestas
situações, uma coletividade em sistemas que se constroem a partir de baixo ou nas palavras
de JOHNSON (200�, p.14) que assim define:
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 4 8
São sistemas bottom-up e não top-down. Pegam seus conhecimentos a partir de baixo. Em uma
linguagem mais técnica, são complexos sistemas adaptativos que mostram comportamento
emergente. Neles, os agentes que residem em uma escala começam a produzir comportamento
que reside em uma escala acima deles: formigas criam colônias; cidadãos criam comunidades;
um software simples de reconhecimento de padrões aprende como recomendar novos livros. O
movimento das regras de nível baixo para a sofisticação do nível mais alto é o que chamamos de
emergência.
Os sistemas complexos, durante muito tempo, foram puramente alvos de observação. Alguns
seres microscópios e formigas possuem um tipo de organização não-hierárquica, em que
uma comunidade gerida por todos e onde cada indivíduo possui uma função definida – uma
autogestão. Porém, com os avanços no campo dos algoritmos genéticos conceito trazido
entre os anos 60 e 70 do século XX, por John Holland em que se soma aprendizagem
e seleção natural, aliado às possibilidades de computadores mais poderosos a partir dos
anos 80 –, a observação da complexidade da natureza é seguida pela criação de sistemas
emergentes. Nestes se buscará simular uma coletividade em que seus elementos interagem
com seus semelhantes, respostas a estímulos externos à sociedade e especialmente surge
um macrocomportamento observável, sempre no sentido de baixo para cima (bottom-up).
Nestas coletividades sintéticas, as respostas são inesperadas e orgânicas; como ocorreria
em condições naturais. Softwares, games, música e outras aplicações darão corpo a essa
emergência artificial.
Diversos aplicativos conhecidos que simulam comportamentos estão de alguma forma ligados
à idéia de emergência. Os simuladores SimCity e The Sims
35
são exemplos muito claros das
possibilidades de entretenimento. No primeiro, o usuário é responsável pelo gerenciamento
de uma cidade; mas não é uma cidade estática como teríamos em jogos de tabuleiro, como
Banco Imobiliário (também conhecido como Monopoly), mas um conglomerado urbano vivo e
orgânico. A cidade é vista sob o prisma de um organismo. Conforme é gerenciada, responde
aos estímulos de modo inesperado: impostos, polícia, acidentes, trânsito, descontentamento
entre seus moradores, tudo isso faz parte de um complexo sistema no qual o jogador deverá
35.
The Sims
foi lançado oficialmente em janeiro de 2000 e foi desenvolvido pelo designer norte-
americano de jogos Will Wright, assim como
SimCity
, lançado em 1989. Ambos os jogos já possuem
diversas versões e/ou pacotes de extensão. Inicialmente a empresa responsável pelos jogos era a Máxis,
que foi adquirida pela gigante do ramo, a Electronic Arts (EA).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 4 9
mantê-lo em equilíbrio. o The Sims, do mesmo criador, é tão orgânico quanto: você tem
uma vida em suas mãos e o seu dever é proporcionar o sucesso pessoal, quando o ser que
você gerencia alcança os seus desejos. Os Sims irão se comportar das mais variadas maneiras
conforme as condições externas: comer, ir ao banheiro, se relacionar com outros Sims e fazer
compras são algumas das ações realizadas. Curiosamente, comprar é uma ação das que mais
proporcionam felicidade aos Sims e, caso contrário, eles podem até entrar em depressão. Outros
games como Black & White
36
– em que você é simplesmente um deus – também fazem uso de
um sistema complexo de regras e conseqüências, em que se observará um comportamento em
que você não determina diretamente. Ele gera-se espontaneamente.
Os sistemas bottom-up desempenham um papel que pode muito bem ser visto como
democrático. Afinal, convergem no sentido de dar voz e ação às maiorias. As reações e
escolhas de uma coletividade conformam-se diante dos estímulos diversos a que estão sujeitas.
No Brasil, é comum que as emissoras de televisão aberta na transmissão de programas ao vivo
acompanhem os níveis de audiência através de um monitoramento em tempo real, fornecido
pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). Esse monitoramento
minuto a minuto acompanha determinado universo de telespectadores pré-selecionados. Cada
um possui um dispositivo que envia ao instituto a informação de qual canal está sintonizado
(ou se o televisor encontra-se desligado). Assim, é possível que cada programa acompanhe
o comportamento da massa de telespectadores e ofereça estímulos: atrações são estendidas
ou retiradas abruptamente do ar conforme os índices oscilam para cima ou para baixo. Essa
audiência monitorada atua de baixo para cima, modifica conteúdos dos programas (o tempo
de cada atração, os assuntos mais recorrentes), o que não é sinônimo de uma programação
de qualidade. Aqui apenas se tem a necessidade de satisfazer aquela coletividade que pode
migrar para outro canal a qualquer momento.
Johnson sempre recorre ao exemplo dos agentes presentes em sites de livrarias para poder
exemplificar a formação de modelos por estes sistemas. Essa escolha, além de simples, revela
justamente o que vêm sendo progressivamente usado na tentativa de desvelar os desejos mais
íntimos de cada consumidor. É a tentativa de “ler mentes”. Em um site de venda de livros
e CDs, os agentes agem em três momentos. Inicialmente, monitorando as escolhas de cada
36. Game produzido pela Lionhead Studios e lançado em 2001, através de Electronic Arts e Feral
Interactive.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 5 0
indivíduo. Depois, fazendo uma comparão entre as escolhas de toda a comunidade e
com isso, identificando coincidências freentes o comportamento emergente. Se uma
parcela considerável de leitores compra um livro sobre o poeta concretista Augusto de
Campos e também se interessa pelos CDs do poeta e músico Arnaldo Antunes, os agentes
podeo determinar esse comportamento como emergente. Assim, num terceiro momento,
quando eu optar em comprar algo de Arnaldo Antunes, ele irá sugerir uma produção de
Augusto de Campos. O sistema não tem a informação de que há qualquer relação de
estilos ou tetica entre eles apenas observa os comportamentos da coletividade. Em
alguns casos, quando o visitante é identificado no site, esse comportamento consegue
ser ainda mais preciso, pois a comparação pode acontecer em outros níveis; entre as
escolhas de uma mesma pessoa, formatando o seu gosto e comparando as suas escolhas
com outras.
A emergência artificial incrementa os dispositivos de monitoramento, ao mesmo tempo em que
depende deles ou do fluxo informacional que advém deles. A cultura do controle instaurada
na sociedade presente torna a emergência cada vez mais viável, pois é do monitoramento cada
vez mais intrínseco ao indivíduo que são criados modelos capazes de prever ou antecipar atos
quando os simula. Esses dados monitorados interagem numa mesma coletividade, tornando
possível a criação de padrões que irão antecipar escolhas, tendências e desejos. Daí, nada mais
justo do que observar a apropriação das práticas de emergência em larga escala pelo mercado.
Os sistemas criados pelo mercado estão repletos de intenções. O próprio JOHNSON (200�,
p.101) dirá que nem todos os sistemas emergentes são bons:
Dependendo de suas partes componentes, e de como elas se juntam, os sistemas emergentes
podem trabalhar em direção a muitos tipos diferentes de objetivos: alguns admiráveis, outros
destrutivos. Os círculos de feedback da vida urbana criaram a grande maioria das comunidades
mais fascinantes e reverenciadas do mundo mas eles também têm uma parcela de culpa na
autoperpetuação dos ciclos de miséria no fundo das cidades. As favelas também podem ser um
fenômeno emergente, o que não é uma desculpa para nos resignarmos à sua existência ou descrevê-
las como parte da ordem natural das coisas.
Por outro lado, a emergência artificial pode ser lida como uma tentativa de emulação de um
espaço relacional, no qual um contexto é definido pelos padrões que emergem oriundos das
relações entre os elementos e as condições de seu entorno. Mas o que ainda se sobressai é o
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 5 1
pragmatismo destas proposições, engendrando um pensamento ainda predominantemente
lógico como é muito bem questionado por LAURENTIZ (2004, p.�87):
É fato a dominância do pensamento lógico simbólico em nossas vidas, nossas mentes trabalham
por categorizações, generalizações, protótipos, mapas, diagramas, e isto nos aproxima dos
processos computacionais. Mas, e nossas habilidades criativas, nossa sensibilidade para adquirir
novos conhecimentos, nosso raciocínio abdutivo, estariam sendo levados em consideração por
estes modelos?
A produção artística que faz uso de emergência necessita ser habilidosa para se livrar dos
propósitos típicos das poderosas técnicas de monitoramento, que buscam criar modelos dos
indivíduos e vêm progressivamente alcançando grande sucesso neste sentido. É necessário que
se problematize a emergência artificial no interior de um espaço social que é viabilizado por
ela, propondo soluções intervencionistas, partindo para a estratégia situacionista do “desvio”,
preconizado por MACHADO (2004, p.06-07) na apropriação realizada pela artemídia. O
desafio é criar sistemas capazes de desvirtuar o acompanhamento pragmático de fluxos,
comportamentos, reações e desejos, descaracterizando o pensamento entronizado através
dos sistemas hegemônicos.
O projeto de web arte Mito Ômega
�7
, iniciado em 2006 por Edgar Franco, se aproxima da
discussão em torno da emergência, ao lidar com um sistema evolutivo em que os elementos
interagem entre si, gerando mutações. O autor apresenta o hibridismo cultural como metáfora
da própria manipulação genética. Trata-se de um site com algoritmos evolutivos que convida
o participante para a participação na gênese de criaturas oriundas de mitos das mais diversas
partes do globo. Cada participante escolhe um mito e insere seu “DNA– representado pelo
seu nome que será decodificado e interferirá na mutação com a quimera virtual que está no
“limbo” do trabalho. Após um ano do início pleno das mutações no site, a última criatura
resultante será a síntese de todos os mitos, sendo assim, o mito Ômega. O autor defende a idéia
de que os mitos, como Yara (mulher com calda de peixe), Chupa-cabras (com características
de animais díspares como lagarto e cão) ou o famoso Minotauro (meio homem e meio touro)
são imagens híbridas que povoam o imaginário humano muito antes das possibilidades
37. O site está disponível em: http://www.mitomega.com.br . Em agosto de 2007, o site está em sua
versão alpha disponível, com restrições em alguns aspectos para as mutações.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 5 2
combinatórias de realizar quimeras reais, como temos hoje, através da manipulação genética.
Esse contexto está diretamente ligado à pesquisa artística de Franco; a qual apresenta um
universo pós-humano em que a hibridização alcança patamares fantásticos. Vamos falar mais
sobre o seu trabalho.
3.7 A Aurora Pós-humana de Edgar Franco
O termo pós-humano, a partir dos anos 90 do século XX, está ligado ao avanço tecnológico
e às proposições de incorporar o híbrido ao humano, especialmente no que diz respeito à
fusão homem-máquina, natural-artificial ou carne-silício, no aspecto físico com a adoção
de próteses artificiais, por exemplo ou no aspecto sócio-cultural, que definem a essência
humana. A discussão toma corpo especialmente com os avanços na tecnociência, no campo
da genética e da robótica, indicando que tudo pode ser traduzido para o campo da informação.
De um lado, códigos genéticos e de outros, binários.
É neste contexto que se encontra o universo ficcional do artista Edgar Franco, muito alimentado
pelas referências da ficção científica aqui apresentadas e também por meio de diversos
artistas que irão propor a revisão do humano, tais como: Stelarc, Eduardo Kac, Orlan, H.R.
Giger, Natasha Vita-More, Roy Ascott e outros mais. Movimentos pós-humanistas como o
The Extropy
�8
, que acredita numa futura perpetuação da existência através da transferência
38. Grupo americano formado por diversos pesquisadores e artistas, sob a denominação de Extropy
Institute, em http://www.extropy.org (acesso em 01 de setembro de 2007).
Figura 43: Seres em
metaformose em
O mito
ômega
(2006), trabalho de
web arte de Edgar Franco.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 5 3
da consciência para um chip de computador, bem como autores como a americana Donna
Haraway e Laymert Garcia, no Brasil, são fundamentais para se observar este momento.
Assim, os artistas, a ficção científica, os movimentos pós-humanistas e os fenômenos recentes
da tecnociência, especialmente na biotecnologia e na robótica, dão origem a um universo
futurista composto de seres pós-humanos, chamado de Aurora Pós-humana. A finalidade do
artista é utilizar este universo como ambientação a trabalhos artísticos em múltiplas mídias.
Na Aurora Pós-Humana de Franco, os pós-humanos podem ser criaturas mutantes que
possuem corpos híbridos de humano e/ou animal e/ou vegetal e/ou silício. Também têm
suas consciências expandidas por novos dispositivos perceptivos criados pelo avanço da
biotecnologia, robótica ou telemática. Outra categoria pós-humana corresponde aos seres que
abandonaram seus corpos de base carbônica e passaram a habitar um corpo robótico, ou ainda
que existem apenas como blocos de informação permanentemente percorrendo uma rede
telemática avançada, uma espécie de Internet/Inconsciente coletivo presente nesse mundo
ficcional, como metáfora hiperbólica do indivíduo num futuro estado de informação pura
�9
.
A sociedade, nesse futuro hipotético, estaria dividida em três espécies: os Tecnogenéticos, os
Extropianos e os Resistentes. Os Tecnogenéticos são frutos de hibridização entre humanos,
animais e ou vegetais permitidas pelo avanço biotecnológico (entre eles seres que possuem
mais membros, ou são hermafroditas, ou buscam formas mitológicas e totêmicas); os
Extropianos - organismos pós-humanos e não-biológicos; resultado do transplante (upload)
da consciência humana para máquinas/chips de computador (eles conseguem perpetuar
infinitamente sua “vida” através desse mecanismo); e finalmente os Resistentes - em menor
número e em extinção, são os poucos que ainda resistem à hibridização ou ao extropianismo,
são seres humanos no sentido tradicional.
Entre os Tecnogenéticos e Extropianos observam-se diferentes graus de relações sociais e fusões
híbridas. Mesmo dentro de um mesmo grupo, certa heterogeneidade: os Tecnogenéticos
podem se apresentar, por exemplo, como Radicais (que defendem a hibrização dos seres
como uma religião, transfigurando-se para imitarem a forma física de mitos arquetípicos
como Centauro, Sereia, Fauno etc., o avessos a qualquer preceito extropiano) ou Livres
39. Impossível não remeter à idéia de cérebro global, trazida por Roy Ascott, sob a idéia de um
Hipercórtex
, além de Pierre Lévy e outros teóricos que se alimentam da idéia de um cérebro coletivo e
global – vislumbrado pelo que a Internet pode ser um dia.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 5 4
(que aceitam algumas premissas extropianas e até pensam em aderir ao Extropianismo). Os
Extropianos por sua vez, podem assumir formas como Neófitos (aqueles que transferiram
sua consciência para um chip pouco tempo, mantendo características humanóides em
seu novo corpo ciborgue) ou Avançados (quando abandonam o corpo físico e passam a sua
consciência para a rede telemática extropiana, espécie de inconsciente coletivo da espécie)
40
.
Até agora, a maior parte das aparições dos seres da Aurora s-humana aconteceu nas prodões
multimídia de Franco, como as chamadas HQtnicas
41
e suas revistas de hisrias em quadrinhos,
40. Sobre a Aurora Pós-humana: FRANCO, Edgar Silveira. “Aurora Pós-humana: Universo Ficcional
Multimídia em Expansão”, in: DOMINGUES, Diana; VENTURELLI, Suzete (orgs.) Criação e Poéticas Digitais.
Caxias do Sul: Educs, 2005, p.61-72.
41. HQtrônicas é uma definição do próprio Edgar Franco para os produtos híbridos oriundos da
Figura 44: Classes de seres
Extropianos
do universo
ficcional de Edgar Franco.
Figura 45: Classes de seres
Tecnogenéticos
do universo
ficcional de Edgar Franco.
4
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 5 5
rias delas em prodão independente. O artista possui também um projeto de música dark
ambient, chamado Posthuman Tantra, que conduz a uma paisagem sonora para o seu universo.
O mais interessante, pom, é que o artista proe uma aproprião de seu universo por outros
criadores (FRANCO, 2005, p.70), que podem fazer uso desta estrutura com outros propósitos.
Isso é viabilizado pelo seu trabalho minucioso, traçando diversos pormenores ecomicos,
espirituais, religiosos, sociais, geográficos e tecnogicos, traçando um universo, que embora
seja aparentemente bizarro
42
, procura criar certa familiaridade; é uma estragia do autor, por
exemplo, suscitar valores universais questionadores da artificialidade desta nova condão.
Em uma de suas HQTrônicas, BrinGuedoTeCA, presente na revista digital-objeto
NÓISGRANDE, Franco apresenta-nos um playground de novos brinquedos e brincadeiras:
as crianças deste futuro ocupam-se em pervertidas práticas onde seres pós-humanos (talvez
desenvolvidos especialmente para esse fim
4�
) são torturados, mutilados ou apoderados
hipermídia e dos quadrinhos. O autor observará como se comportam os paradigmas da chamada “arte
seqüencial” em meio digital: FRANCO, Edgar. HQTrônicas – Do suporte papel à rede Internet. São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2004.
42. No trabalho
Vídeos caseiros dos anos dourados
(1973) de Fred Forest, no âmago da Arte
Sociológica, o artista propõe a idosos confinados em um asilo, a produção de vídeos que irão fazê-los
pensar sobre sua própria condição degradante. O resultado são vídeos grotescos, como um universo em
miniatura, retrato da sociedade ocidental. O bizarro no trabalho de Franco vai pelo mesmo sentido. É
prioritariamente alegórico.
43. Em uma de suas primeiras HQTrônicas,
Neomaso Prometeu
(2001), o autor traz um protagonista
que se mutila e se recompõe através de órgãos artificiais criados especialmente para esse fim. Não é
de se espantar que aqui estes seres sejam criados artificialmente só para o divertimento infantil, o que
certamente levanta uma interessante questão ética.
Figura 46: Uma das cenas
de
BrinGuedoTeCA
(2006),
de Edgar Franco, presente
na revista digital-objeto
NÓISGRANDE.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 5 6
sexualmente. O prazer da brincadeira infantil dá lugar ao prazer que atos de dominação e
crueldade podem oferecer. A perda da inocência dos pequenos seria um rito de passagem
necessário para fazer parte deste futuro: uma época em que ter um esrito imaculado não
faz sentido algum. Já em uma das suas prodões mais recentes, no segundo número do
álbum Artlectos e s-humanos
44
, o artista nos apresenta a história em quadrinhosPesadelo
Pós-humano em que um ser extropiano com traços femininos possui delírios de uma
condição biológica: o ser se oniricamente em uma existência em que possui nero
uma mulher), envelhece e finalmente, morre. Ao acordar do delírio, o ser comenta o ocorrido
com outro extropiano que é cético em sua posição: “Foram apenas memórias genéticas
ancestrais resgatadas por seu inconsciente univérsico; gêneros masculino’ e feminino’,
‘envelhecimento’ e ‘morte’ o conceitos hisricos que perderam o sentido para nós”. O
outro ser, no entanto, é enfático ao concluir com a simples afirmação: “Mas foi um belo
delírio”.
Em ambas as situações, ora pelo viés do bizarro, ora pela exaltação de valores universais
mais fraternos e por sua vez, “humanos”, o autor realiza um exercício questionador deste
contexto pós-humano: o que muito bem poderia ser lido como uma mera apresentação do
futuro concebido a partir dos prenúncios atuais é, na verdade, um pretexto para tornar visíveis
valores humanos hoje preteridos. Nesse aspecto, temos aqui o desreconhecimento buscado
por Philip K. Dick, o mundo atual num mundo em projeção. Quando o extropiano sonhador
fala que a existência humanizada é um belo delírio, estamos na verdade, vendo a clara posição
crítica do autor, que se colocará muitas vezes como um pessimista observador de um futuro
escabroso, inóspito e fatídico.
3.8 Projeto Vislumbres pós-humanos
Na tentativa de contrapor o contexto presente com a realidade futura, surge o projeto de
ciberinstalação Vislumbres s-humanos, de minha co-autoria, juntamente com Edgar Franco,
iniciado em 2006, e que resgata diversos pensamentos até aqui tratados. Atualmente, dada a
sua complexidade de produção, na qual envolve diferentes insncias, desde a programação de
um software responsável pelo gerenciamento do sistema, passando pela modelagem e animão
44. FRANCO, Edgar. Artlectos e Pós-humanos 2. Jaú, SP: SM Editora, 2007.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 5 7
emD e gravação em deo de atores, o projeto encontra-se em fase de busca de recursos que o
viabilizem.
Para definir os conceitos envolvidos no projeto, vamos voltar a RIFKIN (2001: 79-92) que nos
permite observar que toda a experiência humana (incluindo aí as relações entre pessoas) está
sendo transformada em commodities dispostas como bens a serem negociados em mercados
“líquidos”, como bolsas de valores. Cada indivíduo passa a ser visto em sua “comercialidade”,
quanto por seus hábitos de consumo que significam dados possíveis para empresas instigarem
uma nova compra como pela sua inclusão em bancos de dados de clientes, quando passa
a fazer parte de um patrimônio digno de grandes negociações. De fato, estamos imersos
em um mundo ditado pelo mercado financeiro em escala global: em cada escolha, em cada
compra feita, em cada site visitado ou cadastros preenchidos, cada indivíduo, como parte de
uma coletividade, interferirá em números quando as empresas com as quais se relacionam lá
estão. Da mesma forma, estas empresas suas conquistas e desígnios estão redefinindo este
mesmo indivíduo especialmente sob a insígnia da tecnociência.
Um dos mercados mais conhecidos e ativos do mundo, a NASDAQ
45
abriga especialmente
45. A bolsa eletrônica americana NASDAQ pode ser acompanhada através da URL: http://www.nasdaq.
com (acesso em 01 de setembro de 2007).
Figura 47: Logotipo e
imagem de apresentação
do projeto Vislumbres Pós-
humanos de Edgar Franco e
Fábio Oliveira Nunes.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 5 8
empresas tidas como da “nova economia”: empresas de tecnologias digitais que lidam
com redes, interfaces, robótica, nanotecnologia e outras aplicações, assim como empresas
de biotecnologia, que lidam com a manipulação genética, comercializando patentes para
a produção de alimentos ou aplicações médicas, por exemplo. Essas situações modificam
o status do humano. De modo mais intrínseco, são conhecidas as pesquisas em torno de
dispositivos intracorpóreos (como chips e próteses), oriundos de tecnologias digitais, como
também as pesquisas em torno da inteligência artificial (buscando interfaces mais próximas
do pensamento humano) e da robótica. Por outro lado, a manipulação genética apresenta-nos
ao universo dos clones, bem como de medicamentos, práticas médicas e mesmo alimentos aos
quais temos acesso em larga escala, como os transgênicos. Esse contexto da tecnociência
atual é parte inspiradora para o projeto Vislumbres Pós-humanos que tentará estabelecer um
paralelo poético que irá problematizar o status presente ao mesmo tempo em que instiga um
futuro inóspito.
Na prática, o projeto propõe apresentar a diversidade da Aurora Pós-humana de Franco nas
personagens presentes, incluindo no interior de uma sala escura cinco personagens deste
futuro pós-humano projetados em tamanho natural, que reagem à presença do visitante.
Propõe-se inserir metaforicamente o visitante numa certa situação de sociabilidade com esses
seres. Invoca-se, entre outras questões, a dificuldade de relações das diferenças fruto da
intolerância política, social ou religiosa tantas vezes encaradas como extrema hostilidade.
Ao mesmo tempo, propõe-se também a situação reversa nesse lapso temporal, um hole in time
em que a personagem do futuro olha ao seu passado (o visitante) com hostilidade, estranheza
ou indiferença.
Os seres presentes no espaço da ciberinstalação reagem ao visitante conforme as variações
da NASDAQ, que são, por sua vez, relacionadas a níveis pré-determinados que oscilarão da
indiferença a uma significativa hostilidade, respectivamente conforme os títulos de empresas
de tecnologias digitais ou biotecnológicas são valorizados ou apresentam queda. Em outras
palavras: quanto maior a queda, maior a hostilidade das criaturas.
Os seres pós-humanos projetados na ciberinstalação serão cinco. À esquerda e a direita de
quem entra no espaço, teremos duas projeções e mais uma, posicionada ao fim do corredor,
perpendicular às demais. Temos do lado esquerdo, primeiramente uma projeção de um
Extropiano Iniciado (um ser cibernético com formas distantes das humanas, chamado
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 5 9
Figura 48: Personagens
presentes no lado esquerdo
do espaço, Extropiano
iniciado e Gólem orgânico.
Figura 49: Personagens
presentes no lado direito
do espaço, Tecnogenético
avançado e Gólem de silício.
Figura 50: Personagem
presente ao centro do
espaço, uma menina híbrida
(Tecnogenética livre).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 6 0
de Ray-K
46
), seguido por um Golem orgânico de estimação (ser artificial, como um robô
de carne, chamado de Tay-Kong
47
); à direita, temos um Tecnogenético Avançado (sob a
forma de uma criatura híbrida congregando imagens arquepicas mitológicas, chamado
de Davanza
48
) e um Golem de Sicio (ser robótico com inteligência artificial, chamado
de JCN 9000
49
). Por fim, uma criança híbrida entre as tecnologias rotica e biológica
(chamada de Alice
50
). A inserção destas criaturas ocorre em um ambiente escuro, onde
a luz advém das projões que por sua vez o monocroticas e silenciosas. Essas
imagens projetadas serão realizadas em esdio e manipuladas através de animação �D:
praticamente todas as personagens (com exceção dos Golens), serão primeiro representadas
por atores devidamente maquiados, com aderos necessários e que teo sua imagem
manipulada por softwares �D para a criação de efeitos especiais, os quais dao maior
realismo a suas formas não-humanas.
Para o gerenciamento de seus comportamentos, será desenvolvido um software responsável
pela leitura de dados oriundos da bolsa eletnica. De modo mais detalhado, a menica
do projeto será a seguinte: primeiro, as empresas serão dividas em dois grupos, de um
lado aquelas que lidam com as tecnologias digitais (conteúdos ou tecnologias de redes,
dispositivos e hardwares, rotica, entre outros) e de outro, aquelas que lidam com a
biotecnologia (manipulação genética, indústria farmacêutica, produção de alimentos
transnicos, entre outros). Cada grupo, formado de quatro companhias, gera uma média
das variões de cada empresa. Essa dia de cada grupo é o fator preponderante para
46. Este ser extropiano tem seu nome inspirado no cientista e futurista norte americano, Ray Kurzweil.
Trata-se de um cyborg com um cérebro humano transplantado para um chip de silício, com um corpo
cibernético que flutua graças a tecnologias anti-gravitacionais.
47. Este golem orgânico tem seu nome inspirado na tailandesa Taikong Corporation, primeira a colocar
no mercado animais de estimação transgênicos, como peixes ornamentais fluorescentes. Possui partes
baseadas em corpos de símios, duas faces (uma mais próxima de um macaco e outra humanizada), tendo
um terceiro braço com estrutura semelhante a uma garra de escorpião.
48. Este ser tecnogenético tem seu nome inspirado na artista brasileira Priscilla Davanzo, que trabalha
com
body art
. Possui quatro braços e quatro mãos e apenas um grande olho na testa; possui um corpo
híbrido réptil.
49. Este golem de silício tem seu nome inspirado no computador autoconsciente HAL 9000 do filme
2001: Uma odisséia no espaço
(EUA, 1968), de Stanley Kubrick. Possui corpo bípede e face humanóide.
50. Alice possui pernas que são estruturas híbridas que incluem o DNA de mamíferos como gato,
canguru, hiena e répteis como salamandra, dragão de komodo e alguns lagartos; possui também dois
braços robóticos.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 6 1
Figura 51: Descrição
do sistema do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 6 2
o comportamento das respectivas criaturas mais próximas daquele universo, ou seja, os
seres Extropiano Iniciado (Ray-K) e Golém de Sicio (JCN 9000) correspondem ao grupo
das empresas de tecnologia digital, assim como, Tecnogetico Avançado (Davanza) e
Golem orgânico (Tay-Kong), ao grupo das empresas de biotecnologia. Por fim, a menina
brida (Alice) tem comportamento condicionado pela média de ambos os grupos.
A relação da média com o comportamento será o seguinte: conforme as médias sejam mais
positivas, as cinco criaturas presentes na instalação terão certa indiferença na presença do
visitante; conforme mais negativas, as cinco criaturas serão mais hostis. Os quatro níveis de
comportamento pré-determinados são os seguintes:
Nível 1 (Média positiva): muita indiferença;
Nível 2 (Média positiva): indiferença;
Nível � (Zero ou média negativa): pouca hostilidade;
Nível 4 (média negativa): grande hostilidade.
Cada personagem agirá dentro de sua especificidade sica e mesmo comportamental o
comportamento hostil de um Extropiano não se o mesmo de um Tecnogenético, por
exemplo. Pragmaticamente falando, conforme a média (ou médias, no caso da menina
brida), o sistema i selecionar um vídeo dentre as quatro possibilidades. Cada criatura
possui um banco de quatro vídeos correspondente a cada um dos níveis. A escolha dos
deos p-determinados se dá por oão mais tecnicamente apropriada neste momento:
seria ideal que os comportamentos fossem moldados com intensidades exatas às variações
da bolsa, mas como o processamento em tempo real com figuras com grande número de
polígonos, necessários para uma imagem com grande realismo, torna-se inviável neste
primeiro momento. O realismo é elemento chave da imersão e da verossimilhaa de
termos algum ser ali realmente presente. Assim, optou-se por um banco de comportamentos
pré-determinados.
Os vídeos, por sua vez, são acionados no espaço físico da instalação pelo visitante: cada
projeção das criaturas possuirá um sensor de movimento capaz de perceber a presença do
visitante em frente a cada um dos vídeos. O sensor de movimento início à exibição, fazendo
com que cada criatura “se aproxime” do visitante e passe a agir conforme as proposições do
sistema.
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1 6 3
Figura 52: Planta do espaço
da ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 6 4
Figura 53: Estudo em 3D da
ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
Concepção do espaço
externo.
Figura 54: Estudo em 3D da
ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
Corredor que antecede o
espaço de projeções.
Figura 55: Estudo em 3D da
ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
Na realização do projeto, os
desenhos serão substituídos
pelas imagens de atores e
seres modelados.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 6 5
Figura 56: Estudo em 3D da
ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
Na realização do projeto, os
desenhos serão substituídos
pelas imagens de atores e
seres modelados.
Figura 57: Estudo em 3D da
ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
Na realização do projeto, os
desenhos serão substituídos
pelas imagens de atores e
seres modelados.
Figura 58: Estudo em 3D da
ciberinstalação do
Projeto
Vislumbres Pós-humanos
.
Na realização do projeto, os
desenhos serão substituídos
pelas imagens de atores e
seres modelados.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 6 6
Uma inspiração que merece menção é o trabalho Tall Ships, do videoartista norte-americano
Gary Hill, apresentado em 1997 no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), que
realizou uma importante exposição chamada “O lugar do Outro”, sob curadoria de Marcello
Dantas. Esse trabalho, um dos mais significativos ali presentes, se apresentou como uma
espécie de “corredor polonês” em que o visitante tinha uma sala com grande comprimento
repleta de projeções de pessoas num total de 16 projeções. À medida que o visitante se
aproxima das imagens, a pessoa no vídeo também vai ao seu encontro, ficando ambas, cara a
cara. Essa instalação de Hill é como uma metáfora das próprias obras interativas explicitando
o encontro do “outro”. O “outro” em Vislumbres não é tão amigável quanto em Hill, nem sua
aparência e, certamente, nem seu comportamento.
O projeto parte de uma visão sistêmica da dinâmica global. Cada indivíduo consumidor é
co-responsável pelos avanços tecnocientíficos, por suas escolhas e por suas omissões, como
o nível mais fundamental de um complexo sistema. No meu cotidiano, quando opto por
esta ou aquela marca de alimento, quando resolvo iniciar um tratamento com determinados
medicamentos ou quando escolho equipamentos eletrônicos mais ou menos “inteligentes”,
estou criando junto a uma coletividade – um comportamento que será traduzido em última
instância em lucros ou prejuízos num sistema orgânico e autogerenciado que é o mercado
global. Neste sistema, a coletividade é formada por empresas que, por sua vez, também
são coletividades consumidores no primeiro nível e acionistas num segundo momento
determinam seus comportamentos: venda ou compra de títulos, fusões ou falências. Um
sistema vivo, parafraseando desenvolvimento, mutações ou morte.
Assim, os aspectos de emergência do contexto contemporâneo a observação dos padrões
que emergem do mercado global é o que rege a maneira pelo qual o indivíduo, o primeiro
elemento desta cadeia econômica, será recepcionado pelos seres híbridos. É a apropriação
dos comportamentos globais para comportamentos pontuais das quimeras aprisionadas no
contexto da instalação. Estas, por sua vez, além de personificarem aquilo que a tecnociência
vem conquistando rapidamente, apresentam-se como vislumbres de uma nova existência,
sendo esta a pós-humana.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 6 7
Capítulo 4
Tecnologia e seus distúrbios
O artista norte-americano Perry Hoberman, um dos pioneiros na artemídia, conhecido
especialmente por Bar Code Hotel (1994) instalão interativa onde os visitantes utilizam
um scanner sobre digos de barra distribuídos no espaço para criar personagens e definir
ações em um ambiente em realidade virtual propôs também alguns anos mais tarde,
trabalhos mais questionadores sobre a tecnologia. Especialmente em Zombiac (2000), embora
seja menos dico do que Bar Code Hotel, o artista propõe uma discussão mais densa. Este
trabalho consiste em uma instalação com diversos computadores, novos e antigos, alguns
com mais de vinte anos e outros bem mais recentes, distribdos pelo espaço. A tela de cada
monitor foi substituída por uma superfície translúcida de plástico que possui uma luz verde
embutida. Cada equipamento é dotado de diversos sensores de presença (movimento) e
de som bem como alto-falantes que emitem diferentes rdos, estando ainda montado
sobre uma plataforma giratória, podendo assim, mudar rapidamente sua face para qualquer
dirão.
Cada máquina, constituída da maneira mencionada, possui algoritmos e comportamentos
semi-randômicos que permitem que no meio desta multidão de computadores, uma ou mais
delas inicie uma “conversa”, emitindo ruídos e seqüências de emissão de luz verde. A partir
do momento que algum dos computadores inicie, os seus vizinhos giram a face para o monitor
ativo e passam a capturar seus flashes e sons, motivando-os a responderem imediatamente.
Daí, ao passo que os vizinhos dos vizinhos também captam emissões, instaura-se turbilhões
de conversas, que podem ser dos mais variados ritmos (nas palavras do artista
1
: diálogo,
argumento, bate-papo ou pequena conversa), iniciando e terminando de maneira inesperada,
criando grupos espontâneos em constante reconfiguração. O artista diretamente referencia o
comportamento de seus terminais como atitudes similares àquelas que são corriqueiras em
eventos sociais, como uma festa de abertura de exposição ou um coquetel, nas quais a ação
é pautada pelo caráter espontâneo e completamente imprevisível. As máquinas reproduzem
– dentro de suas limitações – um espaço relacional.
1. As considerações de Perry Hoberman sobre
Zombiac
e demais trabalhos, estão disponíveis em sua
página pessoal em: http://www.perryhoberman.com (acesso em 01 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 6 8
Mas é interessante ver também que as ações do sistema independem ao menos num primeiro
momento da contemplação ou da presença do visitante. As conversas se estabelecem e se
findam sem que haja a interferência de qualquer indivíduo. Porém, a partir do momento
que alguém adentra ao espaço das máquinas e passa por entre elas, conseqüentemente,
seus movimentos e sua localização podem ser capturados pelos sensores e os equipamentos
oferecerão alguma reação: som de vozes sintetizadas, arquivos de áudio adulterados ou
chiados de modem, flashes intermitentes de luz verde. Hoberman fala sobre o seu trabalho:
Numa primeira olhada, os visitantes talvez percebam um arranjo de workstations genéricas.
Então, à medida que os monitores trocam flashes um com o outro, a percepção de um estranho
Figura 59: Detalhe da
instalação Zombiac (2000)
de Perry Hoberman.
Figura 60: Visão da
instalação Zombiac (2000)
de Perry Hoberman.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 6 9
tipo de comunicação emerge. Finalmente, desviando-se através da instalação, os visitantes podem
ter uma sensação de algo próprio do homem (apesar da sensação ser um intruso) inteligentemente
ouvindo e direcionando, tentando comunicar, estabelecendo contato
2
.
Zombiac, num primeiro instante, se aproxima daquilo que COUCHOT, TRAMUS e BRET
(200�, p.��) chamam de interatividade endógena onde o artista “cria uma situação espaço-
temporal (microuniverso, cenas diversas etc.) na qual os objetos virtuais, realistas ou
imaginários mantêm entre si relações do tipo ‘emergente’, deixa os objetos desenvolver-se
mais ou menos livremente controlando sua autonomia”, que o sistema é, sob um aspecto,
autônomo, da mesma forma que outros trabalhos de arte e novas tecnologias que utilizam
seres de inteligência artificial e/ou algoritmos como, por exemplo, A-Volve (199�-1994) de
Christa Sommerer e Laurent Mignonneau ou Evolved Creatures (1995) de Karl Sims. Não
se pode deixar de observar que também uma interatividade exógena, quando o visitante é
introduzido e percebido mas ainda assim ele é apenas um elemento secundário neste espaço
relacional predominantemente tecnológico.
que se observar que o título do trabalho nos sinaliza para a intenção de pensar uma
“inteligência artificial” de maneira crítica: o nome Zombiac é apresentado pelo artista
como sigla de Zone Of Monitor-Based Inter-Amnesiac Contact, mas nós podemos também lê-
lo visivelmente como uma aglutinação das palavras Zombie (Zumbi) e Eniac esta última o
nome do primeiro computador criado, em 1946, que significa Electronic Numeric Integrator And
Calculator. Um trocadilho onde existe a intenção de explicitar um percurso de simulação do
pensamento e de comportamentos que se inicia em Eniac até as primeiras aparições que temos
hoje de sistemas complexos. Desde os primórdios, os computadores almejam complexidade.
São máquinas que anseiam amplos processos interpretativos que não estão restritos às suas
interpretações interiores (os cálculos), mas também abarcar suas relações com seus semelhantes
maquínicos
.
Enfim, neste espaço relacional tecnológico instaurado, quem então seriam os zumbis? Quem
2. Texto de apresentação do trabalho: http://www.perryhoberman.com/pages/zombiac/text.html
(acesso em 20 de janeiro de 2005).
3. Sobre esta questão, é interessante observar a idéia de “máquina semiótica” (a relação entre
computadores e o processo de interpretação – semiose), trazida por NÖTH (2001) referenciando à
semiótica pierciana.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 7 0
estaria alienado diante de relações que se passam como ininteligíveis? Neste trabalho,
uma simbologia muito importante: os anfitriões e mestres deste microcosmo são os terminais
eletrônicos: eles que ditam o contato, iniciam e findam relacionamentos e são eles que
inspiram uma comunicação aparentemente plausível. Nestas circunstâncias somos somente
intrusos ou menos ainda do que isso: somos elementos insignificantes, como figurantes de
um diálogo cada vez mais maquínico. Uma sociedade de figurantes, como fora pontuado
por BOURRIAUD (2006, p.28), que seria a nossa permanência em uma sociedade onde há a
ilusão de sermos realmente os senhores da situação.
No fundo, podemos bem observar que um deslocamento da própria idéia de autonomia.
Enquanto se discute a conquista desta propriedade pelas máquinas, aos indivíduos, ela vem
sendo gradativamente ameaçada, seja pelo surgimento de mecanismos de automediação, pela
ação intensiva de monitoramento e restrições, que estão atuando prioritariamente no campo
das relações humanas e definindo nosso contexto social.
Há a ilusão de que ao postar seu vídeo pessoal, acessar um ambiente multiusuário ou possuir
um perfil em um site de relacionamentos, nós estaríamos automaticamente no centro das
ações. Na verdade, os meios tecnológicos (em que cada um dos milhões de usuários colabora)
são os verdadeiros protagonistas. São como autores procedimentais numa readequação do
conceito de MURRAY (200�, p.149), aqui como condutores que escrevem as regras através
das quais agimos e prevêem como poderemos agir. Como em um game de grandes proporções,
seu sucesso depende de antecipar como as ações serão ou deverão ser desenvolvidas. Neste
sentido, mesmo as relações conduzidas a espaços de consumo ou transformadas com a ação
de uma lógica de mercado onipresente se relativizam.
4.1 Formas relacionais
Antes de continuar a discussão das relações humanas e tecnológicas, para melhor nos situar,
observaremos que os trabalhos em arte relacional justamente se ocuparão de um modus operandi
que se faz presente através da atuação nas esferas de relações humanas (BOURRIAUD, 2006
p.51). As obras expõem os modos de intercâmbios e o processo de comunicação em sua
dimensão de ferramenta que permite unir indivíduos e comunidades. Nesta pretensão, a obra
relacional se preocupará com os seguintes aspectos: o aspecto estético, onde o questionamento
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 7 1
é como “traduzir” os pensamentos de forma plástica ou material; o aspecto histórico, onde a
discussão sobre como a obra se inscreve no jogo de referências artísticas; e o aspecto social,
quando o artista procura encontrar uma posição coerente em relação com o estado atual da
produção artística e das relações sociais de seu contexto (ibidem, p.55).
Mas seguido destes três aspectos, inspirados na própria arte de conceitualismos, o autor
nos tratambém um questionamento mais propriamente voltado ao meio: “quais o os
modos de exibão razoáveis em relação ao contexto cultural e a história da arte tal como
se atualiza hoje?”. Ainda que ele se limite a observar a aparição de inúmeras poéticas
do deo ou que fazem uso do deo para a documentação essa questão esbarra na
apropriação de meios de comunicação ou meios tecnológicos picos do nosso tempo.
Ainda que BOURRIAUD (ibidem, p.82) seja um tanto restritivo à tecnologia muito
mais pela ideologia” que está nela impregnada do que tanto às possibilidades a serem
alcançadas e ainda que diga que os artistas da chamada “infografia” eso preocupados em
ilustrar uma posição do que questioná-la, é posvel, certamente, fazer um uso dissonante
do nosso contexto tecnológico e social através de estratégias que vão num sentido oposto
ao pensamento homogeneizado.
Mas antes de voltar às questões tecnológicas, vamos observar ainda as diferentes manifestações
da arte relacional. Nesta produção, é possível observar que as ações destes artistas se ocupam
basicamente em duas situações, as quais são a exploração de possibilidades de relações sociais
pré-existentes nos mais diversos contextos e a recriação de modelos sociais. Em ambas as
situações, podemos localizar quatro formas distintas em que a arte relacional se faz presente.
A primeira delas é em relação ao tempo: quando uma relação de compromisso com o
objeto artístico, como no caso da performance, uma estética de eventos. A segunda forma é
o espaço relacional interpessoal sob a forma de encontros: quando o trabalho artístico surge
como objeto que provoca e administra os encontros individuais e coletivos. A terceira forma
é o universo dos “contratos sociais”: quando os artistas fazem uso de um “marco relacional”
instituído para propor seus trabalhos. E por último, a forma sócio-profissional, onde surge
explicitamente a figura do “cliente”: quando o artista atua no campo real, instaurando
uma ambigüidade entre função estética e função utilitária. É bom lembrar que todas estas
formas serão permeadas por um sentimento comum em torno do contexto social presente
e suas implicações, em especial a “coisificação” das relações, ditada por um pensamento de
mercado.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 7 2
A primeira forma é visível especialmente na instauração de um regime de disponibilidade
diferente do que se realizava até então. Teoricamente, os trabalhos convencionais de pintura ou
escultura, quando expostos em um museu, estão permanentemente disponíveis à curiosidade
de um público geral. Com a instauração de novas práticas desde os modernismos em especial,
a performance o trabalho artístico passa a ser também indisponível em algumas situações
em que o trabalho se mostra em alguns momentos e para um público determinado apenas.
Depois, resta-nos a documentação por meio de vídeos, fotos ou relatos. Neste caso, se impõe
um compromisso de encontro em função do trabalho artístico, que necessariamente não é
um encontro com o público. BOURRIAUD (ibidem, p.�2) cita os ready-mades realizados por
Duchamp em função do tempo, quando “determinando de maneira arbitrária, que, em certa
hora do dia, o primeiro objeto que tivera em seu alcance será transformado em um ready-
made”. É o fato temporal que implica em relações com o contexto.
a forma das convivências é a mais recorrente. Nestes casos, uma obra pode funcionar
como um dispositivo relacional provocando e administrando encontros entre indivíduos e
coletividades (ibidem, p.��). A intenção do artista nestes casos é interferir nos limites de
intersecção da arte como dispositivo de ação do “como viver junto”
4
entre pessoas. uma
utilização dos esquemas relacionais pré-existentes, sendo que “estas obras constituem
micro-territórios relacionais fixados em densidade no socius contemporâneo” (ibidem, p.�7).
A terceira forma é a que se refere aos artistas que utilizam um forte marco relacional definido
a priori, especialmente sob a forma de “contratos” táticos ou não que regem o nosso
cotidiano. Há uma exploração das relações convencionadas seja no interior do próprio
contexto artístico, seja na relação entre o artista e a galeria de arte ou no contexto social,
como o matrimônio. A artista Alix Lambert, por exemplo, desenvolveu um trabalho chamado
Wedding pieces (1992) em que aponta os laços do casamento: em seis meses se casou com quatro
pessoas diferentes (três homens e uma mulher), das quais obteve o divórcio em tempo recorde;
a artista “se instalou no interior deste ‘RPG
5
para adultos’ que é a instituição do matrimônio,
4. No dia 10 de outubro de 2006, aconteceu um debate no Seminário Trocas, na Fundação Bienal de
São Paulo, que uniu em uma mesma mesa, Lisette Lagnado – curadora da política 27ª Bienal – e Nicolas
Bourriaud. A discussão do “como viver junto” (tema da exposição daquele ano inspirado em seminários de
Roland Barthes), da convivência, da colaboração, das parceiras foi a prerrogativa de ambos.
5. RPG é a sigla de Role-Playing-Game, uma espécie de jogo de interpretação de personagem onde os
jogadores personificam papéis e atuam em conformidade com um contexto proposto. Surge em 1974,
com o jogo norte-americano
Dungeons & Dragons
da empresa TSR e ganha popularidade – com outros
4
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 7 3
fábrica da transformação das relações humanas” (ibidem, p.�9). É importante assinalar que
os intercâmbios entre pessoas, no interior de uma galeria também são fundamentais para a
arte relacional: o próprio vernissage é também um dispositivo social, podendo ser direcionado
para fins mais estéticos. Uma referência neste sentido foi a L´exposition du vide (1958), de
Yves Klein, em que o artista se preocupa detalhadamente com todos os detalhes da rotina de
abertura de uma exposição, quando uma nova função sendo esta poética ao que abarca
o seu objeto: o vazio.
Por último, temos a forma sócio-profissional que é quando o artista atua no campo real,
instaurando uma ambigüidade entre função estética e função utilitária. Esta se distingue das
demais pelo fato de que enquanto as outras acontecem a partir de relações pré-existentes e o
artista se insere nestas relações para extrair formas aqui se produz modelos sócio-profissionais
que criam ambigüidades na relação provedor-cliente. Atuando com parâmetros de “mundos”
heterogêneos, temos universos que partem para um realismo operatório, modelizando uma
atividade convencional. Surgem então, “empreendimentos” artísticos, concebendo empresas,
produtos e relações de consumo. O objeto artístico é tomado pela economia reinante em
todas as áreas, deixando de lado seu próprio mercado.
4.2 Reflexos e desvios
Portanto, a produção em arte relacional se divide entre a exploração das possibilidades que
as práticas sociais instituídas realizam no contexto, através de convenções sociais, ritos,
compromissos ou formas mais amigáveis e em uma recriação operatória de espaços sociais –
que Bourriaud credita aos artistas que seguem na tentativa de realizar um “realismo operatório”
por meio de modelos de consumo. Essa recriação que opera sob parâmetros heterogêneos
questiona o seu “duplo” relacionando-se com o indivíduo e por sua vez, com o contexto
em questão. Ao propormos então, a extensão das considerações da arte relacional para uma
produção em novos meios, as discussões em torno do contexto e das relações estão permeadas
pelo poder que se dissemina através das tecnologias e de condições sociais que viabilizam a
transformação de todas as esferas da vida em commodities. A inserção da tecnologia implica
inúmeros títulos com temas medievais, misticismo, terror ou ficção científica – entre os adolescentes nos
anos 90.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 7 4
também em novas circunstâncias em que não se limitarão ao potencial uso de formas (a
convivência, os modelos), como é defendido pelo crítico francês, mas também para conteúdos
mais pontuais (o monitoramento, a tecnologia).
O coletivo Critical Art Ensemble (CAE) discorre sobre a estratégia da produção artística em
meios eletrônicos como um “distúrbio eletrônico”. Na definição do que seria a hegemonia, o
coletivo acredita que estamos diante de um poder nômade, capaz de permanecer invisível diante
dos indivíduos e, ao mesmo tempo, em constante movimentação através das redes. um
sentimento geral de que um sistema opressor, mas não é possível localizá-lo nem identificá-
lo com precisão (CAE, 2001, p.27). Os monumentos típicos de poder, como as instituições
governamentais (palácios, prédios estatais) ou os edifícios de grandes corporações, nesta nova
configuração de poder representam uma singela parte, praticamente insignificante e obsoleta.
O caráter fixo (ou sedentário, na contraposição ao nomadismo) torna estes monumentos
vestígios ocos do poder, pois não mais acompanham a flexibilidade e a velocidade das
mudanças. Mesmo a concepção da propriedade de bens como emblemática do poder, como
traz RIFKIN (2001, p.9�-108), é substituída pelo acesso (locação, terceirização) temporário
e fluído destes mesmos bens. O verbo “ter” no sentido de bens fixos não faz mais sentido
dentro da lógica corporativa de contínuas mudanças. Essa entidade onipresente capaz apenas
de ser sentida, mas nunca materializada parece ser digna de paranóia:
A ciberelite é hoje uma entidade transcendente que pode ser imaginada. Não se sabe se
unificaram seus objetivos programados. Talvez sim, ou talvez suas ações predatórias fragmentem
sua solidariedade, deixando trilhas eletrônicas comuns e pilhas de informação como única base
de unidade. A paranóia da imaginação é o fundamento para milhares de teorias conspiratórias
– todas as quais são verdadeiras. (CAE, 2001, p.27)
Esse poder nômade-invisível flui no interior dos espaços de informação. Não possui como base
um mundo físico e estático está permanentemente em ação, como o próprio mercado que
nunca pára. Neste contexto, o CAE (ibidem, p.��) defende a existência de meios de distúrbio
eletrônico capazes de desestabilizar a hegemonia presente ou ao menos criar provocações.
Inspira-se um tipo de resistência eletrônica que fará uso justamente dos meios em que o poder
hoje flui e usufrui. Da mesma maneira que observamos os heróicos hackers Case de Neuromancer
e Neo do filme Matrix, o CAE propõe uma tomada invasora e tática dos canais (em que a
informação emana) por especialistas de informática “engajados”. Uma tomada utópica, na
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1 7 5
verdade: a maioria dos especialistas de tecnologia ou da ciência não está preocupada com
questões políticas ou na complexidade social que o seu meio proporciona. Os especialistas
estão ocupados em questões de tecnologia e, no máximo, em ações favoráveis ao acesso livre
(os softwares livres), em discordância com algumas das grandes companhias de informática.
Ao mesmo tempo, uma questão existencial nesta proposta: “como podemos pedir para
que essa classe desestabilize ou destrua seu próprio mundo?” (ibidem, p.�4). Ora, no fundo
os especialistas são os encarregados diretos da instauração desta hegemonia no contexto
tecnológico. Como bem nos situa FLUSSER (2002, p.27) em sua Filosofia da Caixa Preta: “O
poder passou do proprietário para o programador de sistemas. Quem possui o aparelho não
exerce o poder, mas quem o programa e quem realiza o programa”.
É evidente que há excões: nem todos os especialistas em tecnologias eso completamente
entorpecidos pelas conquistas hegemônicas. Muitos io colaborar com ações táticas
ou artísticas contestatórias. Historicamente, poderíamos prever que a arte não estaria
distante destas condições, e ao contrário dos tecnólogos, os artistas podem realizar um
distanciamento para enxergar o que a tecnologia realmente pode representar. Assim, coube
aos artistas dos novos meios a responsabilidade de ajudar a estabelecer um discurso
crítico sobre o que es realmente em jogo no desenvolvimento desta nova fronteira
(CAE, 2001, p.�5). Ainda que hoje se acompanhe cada vez mais o surgimento de
ferramentas capazes de neutralizar posturas contrárias a um sistema hegenico como
bem observamos nos casos de censura e automediação (WEISSBERG, 2004, p.125) , o
espaço tecnogico é, ao mesmo tempo, permissivo a discursos dissonantes e o habitat
espontâneo da hegemonia
6
.
Retomando o âmbito de aspectos em que um trabalho de arte relacional se ocupa, sendo eles
o estético, o histórico e o social, podemos somar mais um elemento que interage diretamente
com os três anteriores ao que o próprio BOURRIAUD (2006, p.82) indica como “modo de
exibição”: a tecnologia; mas encarando inclusive, como parte de um novo modus operandi
não entre pessoas, mas também nas relações homem-máquina e máquina-máquina. Essa
produção em novos meios, ainda fundada em conceitualismos, manterá as mesmas propostas
6. Para o Critical Art Ensemble não faria mais sentido tentar atuar contra o poder a partir de referenciais
físicos já que os edifícios, as fábricas ou os edifícios governamentais são monumentos obsoletos e apenas
resquícios deste poder ali atuante; da mesma forma, a arte pública que se dissemina pelas ruas estaria
lidando com um espaço já descartado e insignificante: a própria ideologia de marginalizar estes espaços
– a rua como espaço inseguro – é sintomática.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 7 6
da arte relacional que trata Bourriaud, mas sem realizar concessões à ideologia dominante,
uma postura tecno-relacional, digamos.
Na tentativa de problematizar as tecnologias e, por extensão, o contexto social que em elas
se dissipam, uma estratégia recorrente aos artistas dos novos meios é a apropriação seguida
do desvio. Essa estratégia artística é recorrente entre as poéticas críticas dos novos meios,
constituindo em certa medida ao próprio conceito da artemídia em que os meios são tomados
a fim de discutir eles próprios (MACHADO, 2004). Essa produção proporciona um processo
de inversão de sentidos. O artista Steve Mann, com sua proposta do Reflexionismo, torna
isso muito evidente. Ele realiza ações a partir de espaços de vigilância (tais como shoppings
e cassinos), utilizando-se do seu computador vestível (wearable computer) dotado de um olho-
câmera e/ou conexão web para capturar em vídeo aqueles mesmos que se utilizam dos
equipamentos de vigilância. Essas imagens são tornadas públicas, invertendo a situação. Não
uma apropriação dos meios propriamente, mas de suas estratégias. O Reflexionismo é
colocado pelo artista como uma nova proposta filosófica e tática que toma a metodologia
tradicionalmente situacionista de apropriação das estratégias do opressor como primeiro
passo para avançar mirando, com a mesma metodologia, diretamente contra quem oprime
(MANN, 1997). Assim como os situacionistas propõem a ocupação e desvio de espaços em
que a hegemonia atuava naquele momento produzindo intervenções na publicidade ou
mesmo no interior de lojas hoje a proposta de desvio tecnológico propõe atuar nos novos
meios destituindo-os de suas intenções iniciais e convertendo-os. Essa inversão é um dos
princípios da chamada mídia tática, trazidos no manifesto “O ABC da Mídia Tática”, de
GARCIA e LOVINK (1997), que por sua vez, cita o artista polonês Krzystof Wodiczko que
afirma: “o caçado deve descobrir a maneira de se tornar o caçador”.
É bom que se reitere que a produção em que há a abordagem do contexto social e tecnológico
não abdicará de seu status artístico e poético ainda que possa ter pressupostos referenciais em
seus propósitos. Como já fora apresentado, uma produção relacional está incumbida de partir
também de referenciais estéticos e históricos conseqüentemente se preocupando em como
resolver esteticamente sua proposta e também como é realizado o diálogo desta produção
com os antecedentes artísticos. Cabe aqui, portanto, a observação de que esta produção quer
ser lida antes de tudo como arte. Essa diferenciação é necessária, que existe uma tênue
margem entre uma produção artística relacional que parte das relações do indivíduo com
o contexto e uma produção ativista que ataca diretamente o sistema hegemônico. Essa
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 7 7
produção ativista muitas vezes não almeja a definição como artística, não tendo, portanto, a
intenção de ser lida como objeto estético.
Portanto, não é a contundência da crítica em si que realmente interessa em uma produção
relacional. Como bem observa BOURRIAUD (2006, p.102), quem procure classificar
esta postura como uma crítica suavizada, enfraquecida, mas a questão primordial aqui é a
transposição de uma experiência de vida e relações, logo um contexto social, para o interior
de um universo poético. O seu conteúdo político não pode ser desvinculado de suas intenções
estéticas. Ao mesmo tempo em que não colabora para um projeto hegemônico, conforma um
espaço-entre, um interstício que dribla as intenções hegemônicas.
As posturas tecno-relacionais não serão oriundas de proposições dogmáticas contra o capital
ou contra a globalização necessariamente, mas acima de tudo em torno de experiências
vividas no cotidiano permeado pela tecnologia nos bancos, nos transportes públicos, nos
supermercados e claro, nos meios de comunicação – e de qual forma esta tecnologia interfere
nas relações, seja como parte delas ou como interlocutora, ou ainda como protagonista. É o
questionamento que parte do indivíduo e das suas relações com o seu contexto vivido e cada
vez mais tecnológico.
4.3 Ações de convivência
A popularização da colaboração que ocorre através da Web 2.0 é sintomática de uma
coletividade que busca integrar-se socialmente através das tecnologias. Se antes a Internet
fora pensada somente como um repositório de conteúdos, agora ela emerge como meio
comunicacional intrinsecamente coletivo. Os ambientes virtuais multiusuário são exemplos de
uma realidade relacional que é instaurada aos seus visitantes. Por exemplo, o trabalho Desertesejo
7
(2000/2002) de Gilbertto Prado, lida poeticamente com estas relações, proporcionando três
diferentes espaços – Ouro, Viridis e Plumas nos quais se explora primeiramente a dimensão
solitária da exploração do espaço construído em �D, depois com a apreensão da presença do
7. O trabalho pode ser acessado através do endereço http://www.itaucultural.org.br/desertesejo
(acesso em 16 de setembro de 2007). Uma versão sem a função multiusuário também pode ser acessada
em http://www.cap.eca.usp.br/desertesejo/ (acesso em 16 de setembro de 2007). Para mais informações
sobre
Desertesejo
, há um estudo anterior disponível em: http://www.fabiofon.com/webartenobrasil/
texto_partilha.html (acesso em 16 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 7 8
outro e por fim, acontece a efetivação do contato, quando cada interator poderá conversar
com os demais em tempo real via texto e ser visto através de uma representação no espaço
um avatar. Desertesejo pode ser lido também como uma metáfora das relações em rede: a
exploração solitária, quando buscamos conteúdos; o contato mediado por e-mails, fóruns e
outras interfaces onde o interlocutor não está acessível no presente; e as relações em tempo
real, a exemplo dos programas de mensagens instantâneas e bate-papos da rede. As redes
mediam as relações humanas, instaurando novas práticas: a procurada mobilidade das redes
é simbólica de uma necessidade presente de estar permanentemente conectado. Conforme
BAUMAN (2004, p.78), “estando com o seu celular, você nunca está fora ou longe, encontra-se
sempre dentro mas jamais trancado em um lugar”. É um estado de permanente fluxo, em
que se multiplicam as conexões interpessoais.
Essas conexões são possíveis por uma proliferação de gadgets que se inserem no espaço público,
como nos telefones celulares hoje alçados a equipamentos com inúmeras tarefas, reunindo
agenda eletrônica, MP�Player, câmera fotográfica, câmera de vídeo, gravador de som e
navegador web. Falar, como seu antecessor criado por Graham Bell, é apenas uma entre tantas
funções
8
. Para BAUMAN (ibidem, p. 84), as relações acontecidas no interior destes apetrechos
tecnológicos substituem as relações tête-à-tête – o que antes de ser bom ou mau, condiz com a
necessidade contemporânea do fluxo informacional, do instantâneo e momentâneo. As relações
através das tecnologias parecem (especialmente no âmbito dos relacionamentos afetivos) mais
seguras por pedirem menos envolvimento e exposição de seus envolvidos. Ao mesmo tempo, a
interface tecnológica surge como profilática para os relacionamentos ameaçados pelos perigos
e caos dos espaços públicos – ou pela crença nestes riscos (CAE, 2001, p. �2).
A artista brasileira Luisa Paraguai Donati desenvolve o trabalho Vestis – Corpos Afetivos
(iniciado em 2004), constituído de uma roupa capaz de captar a presença do outro, moldando-
se automaticamente conforme a percepção de espaços corpóreos. A artista parte da existência
de zonas corpóreas nas relações pessoais, convenções sociais muito sutis sobre o espaço de
mediação de um indivíduo com o outro. Nos encontros, as pessoas determinam contornos
territoriais que serão determinantes no contato, como quando mantemos maior proximidade
8. Em 2007, no Japão, os celulares também são utilizados como carteiras eletrônicas (em que seus
usuários podem pagar contas em lojas de conveniência ou máquinas de refrigerantes), como tvs em
miniatura (assistindo a programas de televisão digital) ou livro eletrônico. Também podem ser utilizados
como navegadores urbanos, apresentando a posição de seu usuário em um mapa da cidade onde se
encontra.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 7 9
física em relação a pessoas queridas e ficamos mais distantes a estranhos. A roupa da artista
é composta de arcos dinâmicos (ligados a micro-motores e sensores) que expandem ou
contraem em relação ao outro; um performer realiza a ação em um ambiente interagindo
com os espectadores que vêem os arcos alterar de tamanho frequentemente. Vestis faz-nos
perceber a dimensão deste espaço interpessoal e questionar como ele diretamente “influencia
os indivíduos, seus procedimentos, comportamentos, rituais, e a forma como percebem a si
próprios e o mundo” (DONATI, 2004).
O trabalho vestível é antecedido pelo site Intervalo
9
(2004) no qual a artista discute um
espaço interpessoal onde cada um possui uma “bolha invisível”, que é ampliada ou reduzida
conforme com quem e onde nos relacionamos. O web site procura reconstruir a questão
através de imagens da cidade de Plymouth, Inglaterra, revelando a percepção da autora sobre
as pessoas em um espaço público.
Essa percepção do “outro” em espaços de convivência é também a tônica do trabalho
desenvolvido em 200� pelo artista e designer britânico Crispin Jones que desenvolveu aparelhos
celulares-conceito chamados de Social Mobiles
10
. No total, foram desenvolvidos junto a uma
9. O site
Intervalo
está disponível através do endereço http://www.iar.unicamp.br/pesquisas/intervalo/
(acesso em 10 de setembro de 2007).
10. Através do site http://www.ideo.com/case_studies/social_mobiles/ (acesso em 15 de setembro de
2007) é possível ver documentação sobre os diferentes modelos de
SoMo
.
Figura 61: Performance
do trabalho
Vestis
de Luisa
Paraguai Donati.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 8 0
empresa londrina de desenho industrial, cinco diferentes modelos, todos voltados para o
celular como elemento social nas relações humanas. O conjunto dos aparelhos chama
sua atenção pelo seu aspecto low tech – hoje em dia, os aparelhos celulares são cada vez mais
compactos e com formas arredondadas. Os aparelhos de Jones mais parecem tijolos do que
aparelhos funcionais – há algo de irônico nisso e é só o começo.
Na tentativa de discutir o impacto dos celulares nas relações humanas, cada aparelho de Jones
recebeu uma “função” distinta. O SoMo 1 por exemplo, é um celular que choque elétrico:
ele irá descarregar uma corrente elétrica conforme o volume da voz do interlocutor (ou seja,
quanto mais alto a pessoa do outro lado da linha falar, mais choque o usrio levará). Esse
modelo, quando hipoteticamente utilizado em ambos os lados de uma conversa, incentiva os
dois a não serem intrusivos e manter um volume adequado a esposblicos. Já o SoMo 2 é o
celular para conversas silenciosas, quando o usrio pode com o próprio aparelho responder
economicamente às queses de seu interlocutor (com “ahamm”, “huuumm”, “uhuum” e
outros murmúrios monossibicos). O SoMo 3 é um aparelho em que o usuário o transforma em
Figura 62: Imagens dos
aparelhos
Social Mobiles
(2003). Acima, o
SoMo
1 (que choque) e em
seguida, o
SoMo
4 (que
possibilita comunicar por
toques na madeira).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 8 1
um instrumento musical toda vez que pretende discar um mero (sua forma assemelha-se a
uma corneta musical). O SoMo 4 é o mais arcaico de todos em sua proposta comunicacional: os
usrios podem se comunicar por batidas na madeira dos aparelhos, como se estivessem batendo
em uma porta. Por último, o SoMo 5 é o mais eficaz em casos de extrema perturbão em locais
blicos: tendo dois aparelhos SoMo, o usuário incomodado pode direcionar o seu aparelho para
o similar do usuário inconveniente e executar ruídos irritantes, retribuindo a perturbação.
Os aparelhos SoMo não estão necessariamente discutindo a tecnologia em si, mas o modo pelo
qual nos relacionamos atras dela: como aqueles que falam muito alto no telefone celular em
locais públicos ou os indivíduos que não diferenciam o espaço privado do público. Embora os
SoMo abordem uma utilização (voz) que nos aparelhos móveis esteja em declínio (conforme
o uso de mensagens de texto e outras funções), em grande parte dos países (De SOUZA,
2004b, p. 291-292), o trabalho problematiza as relações humanas e torna visíveis os ruídos
presentes nestas relações: sua intenção não é resolvê-los, mas sim torná-los explícitos através
de interessantes interferências conceituais. Por outro lado, como falar ao telefone é também
consumir, pouco importa às companhias de telefonia móvel ou aos designers responsáveis pelos
aparelhos convencionais qualquer tipo de ão no sentido de educar ao uso em função daquele
que não ser invadido pelas intimidades alheias – quando muito, as companhias incentivam o
uso de outras funções, que lhes garante uma rentabilidade tão grande quanto o uso de voz.
Estes trabalhos partem da idéia de que a tecnologia é elemento presente e atuante dentro
da convivência humana e que tanto os comportamentos humanos quanto os dispositivos
tecnológicos estão envolvidos em uma mesma relação sistêmica. Cabe ao artista aqui observar
como nos relacionamos por meio destes dispositivos ou como nossas relações podem ser
por eles capturadas. Porém, qualquer relacionamento através dos meios está sujeito a ser
interceptado ou monitorado, bem como as relações, deslocamentos ou espaços de um mundo
cada vez mais mapeado e sem privacidade. Há uma ameaça aos contatos pessoais, pois estes
deixam de usufruir da privacidade que lhes é peculiar.
4.4 Ações ao monitoramento
A justificativa de segurança nos espaços públicos faz com que o cidadão comum pouco se
importe se sua privacidade está sendo cerceada. As câmeras são vistas como capazes de
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 8 2
prevenir qualquer ato indesejado pela sua simples presença, tantas vezes indicada pela irônica
mensagem “sorria, você está sendo filmado”; é comum a instalação de câmeras-placebo
pelos espaços urbanos com forma de desestimular a desobediência e a criminalidade, como
foi reproduzido pelo artista Marcelo Cidade, na 27ª Bienal de São Paulo, quando instalou
câmeras de vigilância de papelão pelo pavilhão, nomeando como Direito de imagem (2006).
estimativas, porém, que existam hoje funcionando ao menos 700 mil câmeras de vigilância
espalhadas pela região metropolitana de São Paulo, em locais como shoppings, bancos,
universidades, edifícios, parques e na rua. Seus entusiastas acreditam que os dispositivos nas
ruas desencorajam desde assaltantes e punguistas a vendedores ambulantes e pessoas que
descartam lixo fora das lixeiras. É a construção de um espaço panóptico de grandes proporções
como foi pensado pelo inglês Jeremy Bentham no final do século XVIII, um modelo de
prisão em que sua arquitetura permitisse que os guardas observassem os detentos sem que
fossem vistos e que se transformou como denominação a todo sistema em que não se identifica
o poder que nos vigia (CAE, 2001, p.25).
Segundo o CAE (ibidem, p.�2), interessa ao poder hegemônico manter a percepção de que as
ruas são espaços cada vez mais deteriorados e perigosos, que esta situação atrai diretamente
“hordas de ingênuos” ao interior dos seguros e bem vigiados shoppings que se tornam
espaços relacionais em que a protagonista é a mercadoria. Ao mesmo tempo, a vigilância
ocupa a rua descaracterizando-a enquanto espaço democrático e livre, conforme Muntadas
11
,
“estamos perdendo o espaço público ou porque ele é privatizado, ou pelo uso das câmeras”.
O canadense Steve Mann é uma importante referência quando se aborda questões de
monitoramento. Suas pesquisas em torno de computadores vestíveis buscam uma estratégica
e latente simetria entre o indivíduo e os sistemas hegemônicos: Mann desenvolve um aparato
tecnológico contíguo ao corpo do indivíduo como resposta ao desmedido monitoramento dos
espaços urbanos. Chama-se de WearComp, um computador vestível (wearable computer) com
câmera, que pode ser operado com as mãos livres podendo assim seu usuário fazer outras
coisas. Da mesma forma que as câmeras de vigilância são muitas vezes ocultas como forma
de não intimidar os observados, o canadense, muitas vezes, dedica-se a modos de que sua ação
11. O artista catalão Antoni Muntadas fez estas observações à reportagem do jornal Folha de São Paulo
em 08 de dezembro de 2006, quando um grupo brasileiro de arte pública (EIA – Experiência Imersiva
Ambiental) realizou uma ação constituída de performances pensadas para espaços monitorados por
câmeras, com cartazes, máscaras e outros acompanhamentos no centro de São Paulo.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 8 3
passe também despercebida. O seu desejo é capturar esses espaços vigiados e para que isso
seja feito, toda discrição é necessária. Os dispositivos de captura do WearComp foram cada vez
mais se tornando menos visíveis e de elementos estapafúrdios (como uma câmera na cabeça)
tornaram-se parte do vestuário. A origem de sua postura é assumidamente situacionista:
Eu proponho o ‘Reflexionismo’ como uma nova estrutura filosófica para questionamento
dos valores sociais. A filosofia reflexionista apropria-se do movimento artístico situacionista,
em particular, um aspecto do Situacionismo chamado détournement, no qual os artistas
freqüentemente apropriam-se de ferramentas do opressor e então re-situa estas ferramentas em
perturbadores e desorientados modos. (MANN, 1997)
O Reflexionismo almeja realizar um espelhamento do aparato de monitoramento sobre os
indivíduos, fazendo com que seja possível que a sociedade confronte a si mesma ou veja
Figura 63: Evolução de
equipamentos vestíveis
desenvolvidos por Steve
Mann no decorrer dos anos.
Figura 64: Steve Mann
atuando com o
WearComp
em uma lanchonete.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 8 4
“seu próprio absurdo”. As aplicações do artista em torno desta idéia procuram percorrer os
espaços monitorados e seguir as pessoas responsáveis pela vigilância tornando explícita a
injusta posição daquele que é monitorado.
Em uma de suas performances realizadas, chamada de Maybe mera - Who’s Paranoid?
(1996), Mann entra com uma camiseta provocativa em estabelecimentos comerciais com o
seguinte texto:
Para sua proteção, uma gravação de vídeo sua e de seu estabelecimento pode ser transmitida e
gravada para lugares remotos. Todos os atos criminosos denunciados!
Além da camiseta, o artista põe-se a fotografar em espos em que a prática é proibida.
Em alguns casos ele realiza a ação acompanhado de um grupo todos com a mesma
camiseta com a intenção de realmente provocar as pessoas ali presentes, em especial,
os responsáveis pela segurança do local. Conforme DONATI (2005a, p.128),a principal
idéia era gerar uma refleo sobre as mídias que vêm instaurando seus controles pelo
exercício da dominação da informação”. Diante desta ão, cabe mencionar o coletivo
Surveillance Camera Players
12
, que realiza, desde 1996, performances voltadas às
meras em espos públicos de metrópoles, com cartazes normalmente apresentados
12. Mais informações sobre o coletivo em http://www.notbored.org/the-scp.html (acessado em 04 de
outubro de 2007).
Figura 65: Performance do
grupo Surveillance Camera
Players, nas ruas de Londres,
em 2001.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 8 5
em seqüências que vão questionar a ação de vigilância onipresente. Mas suas ações são
realizadas com simplicidade, sem revidar com a mesma estragia e tecnologia, como fará
Mann.
em uma ação posterior, mas utilizando a mesma camiseta algumas vezes, chamada de
Probably Camera - Who’s Paranoid?, Mann desenvolveu um dispositivo especial que possuía
uma câmera conectada a uma mochila presa nas costas de Mann, controlada remotamente
pela Internet através de uma conexão sem fio. As imagens capturadas iam diretamente para
um site. A câmera era colocada no interior de um domo (uma meia-esfera de vidro escuro)
que é tipicamente utilizada em espaços vigiados para esconder as câmeras de vigilância. O
artista então entra nos espaços e é interrogado por seguranças se em seu domo haveria uma
câmera. Mann, por sua vez, mostra-se ora evasivo, ora indeciso e pergunta o mesmo sobre os
domos do espaço.
Na ação No Camera, Mann realiza uma espécie metáfora do delay de vídeo em que primeiro
entrevista os responsáveis (gerentes e empregados) dos estabelecimentos e questiona as razões
da vigilância nos espaços, utilizando seu dispositivo vestível. Em seguida, o artista se retira e
logo depois retorna ao local em que os depoimentos foram gravados, agora com um televisor
em que apresenta a entrevista como se estivesse sendo exibida em um canal local. Algo
parecido é também realizado em Shotting Back, em que faz um meta-documentário quando
está, ao mesmo tempo, com seu dispositivo de câmera vestível e uma câmera extra, quando
também questiona as pessoas responsáveis pela vigilância. Conforme seu dispositivo vestível
é aprimorado, começa a fazer uso de novas situações, como em My Manager. Neste trabalho,
as pessoas através de sinal de rádio-teletipo (RTTY) poderiam ser suas “administradoras”,
quando remotamente escolhiam imagens para a criação de um documentário sobre os espaços
monitorados (ibidem, p.129).
É importante pensar que Mann atua no sentido de tornar visível a relação sem qualquer tipo
de confiança que os estabelecimentos impõem aos pprios clientes que os enriquecem.
Essa desconfiança torna insignificante qualquer tipo de afirmação típica destes espaços,
como você é especial para nós e outros lugares-comuns do gênero: nada mais do que
um circo de aparências. É interessante que os artistas operem em um espaço que escapa
do domínio deste mesmo monitoramento criando instâncias alternativas ou reflexivas. Há
posturas que podem ser vistas como bem mais radicais em relão ao monitoramento e
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 8 6
consumo, como do movimento Yomango
1�
, que proe realizar furtos em estabelecimentos
comerciais, o que além de ser crime em qualquer país, é algo compreendido e esperado
dentro das relações hegemônicas e, pior ainda, reforça o ideário do poder. O inusitado e
conceitualismos consistentes são estratégias fundamentais para tornar visível essa estrutura
opressiva e oculta.
O brasileiro Lucas Bambozzi também recorre à discussão dos espaços vigiados com o seu robô
Spio (2004), apresentado na exposição Emoção Art.ficial 2.0 no Instituto Itaú Cultural em
São Paulo, em que uma câmera é posicionada em um pequeno robô que captura e transforma
as imagens de seus próprios observadores e do espaço. MELLO (2006) nos relata que o
artista assim como Simone Michelin, com o trabalho ADA - Arquitetura do Afeto (2004) na
mesma mostra teve que entrar em negociação com a empresa responsável pela segurança no
espaço expositivo, pois seu trabalho interferia nas normas de segurança do local. O trabalho
de Michelin era ainda mais radical em sua proposta: transformar o que seria um “circuito
interno” de câmeras em um “circuito externo”, tornando o espaço interno da exposição
disponível para quem passa na rua. Bambozzi, por sua vez, também lida com as questões de
privacidade em outros momentos de sua produção: na instalação 4 Paredes, apresentada em
2002 no Paço das Artes, em São Paulo, o artista projeta situações privadas no interior de uma
janela. Conforme o visitante se aproxima da janela, as imagens são alteradas suscitando certa
invasão de um espaço restrito.
Cabe pensar de qual modo essas imagens capturadas são processadas. Muitas vezes, os sistemas
de monitoramento não são apenas acompanhados por humanos – como imaginamos, porém
não vemos –, mas também por sistemas baseados em tecnologias que reconhecem faces e
comportamentos suspeitos. Espaços de grande circulação como aeroportos ou shoppings
são os locais em que esse tipo de vigilância eletrônica pode ser utilizado. Esses sistemas
inteligentes são capazes de identificar idades aproximadas e sexo das pessoas monitoradas,
13. O Yomango (da gíria em espanhol, mangar: roubar) foi um movimento surgido na Espanha em
2003 que pregou a desobediência cotidiana. Eles acreditavam que “a desobediência é uma das melhores
maneiras das que dispomos para liberar-nos do pesado manto do controle” (YOMANGO, 2005). Além
da intenção de realizar furtos em estabelecimentos, produzia roupas com bolsos ocultos (para facilitar o
“roubo artístico”) e peças publicitárias de uma “anti-marca” em que propõe esse “modo de vida”. Mas nem
tudo era “mangar”: na ação Yopito, por exemplo, os performers, em grande número, levavam etiquetas
eletrônicas apenas e faziam os alarmes tocarem, demonstrando a truculência dos estabelecimentos.
Em 2007 o movimento foi desfeito. Há mais informações sobre movimento em sua página web que
permanece disponível atualmente em: http://www.yomango.net (acesso em 20 de setembro de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 8 7
Figura 66:
Spio
(2004) de
Lucas Bambozzi.
bem como para os locais onde estas pessoas olham
14
– o que torna possível mapear públicos
e seus pontos de atenção.
Neste sentido, o trabalho Surveillance Vídeo Entertainment Network (2007) é fundamental. Os
oito artistas britânicos
15
envolvidos no projeto colocam que se hoje é possível utilizar esses
sistemas de vigilância para detectarem criminosos e terroristas, porque não também utilizar
esses mesmos sistemas para detectarem possíveis astros do rock entre os transeuntes? Com
um tom muito divertido, SVEN consegue questionar o espetáculo da vigilância: trata-se de
um sistema em que as imagens de câmeras de vigilância são interpretadas por computadores,
através de algoritmos, examinando a possibilidade dos observados serem astros de rock,
analisando similaridades físicas, cores das roupas que estão vestindo e dos cabelos, entre outros
elementos. Uma vez que o sistema tenha identificado determinada pessoa como um autêntico
roqueiro o que não significa que o sujeito tenha que ter muitos atributos incomuns o
14. Neste sentido, em 2007, foi lançada uma câmera capaz de saber “a intensidade” do sorriso da
pessoa gravada, bem como para onde ela está olhando, entre outras funções; informações em http://
idgnow.uol.com.br/computacao_pessoal/2007/10/04/idgnoticia.2007-10-04.3311945574/ (acessado
em 04 de outubro de 2007). Antes, em 2005, uma empresa japonesa lançou um modelo de câmera
capaz de identificar faixa etária e sexo dos gravados – com mais de 70% de acertos – ideal para “ações de
marketing” conforme seus criadores; informações em http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2005/11/02/
ult34u139652.jhtm (acessado em 04 de outubro de 2007).
15. Os artistas de
SVEN
são Amy Alexander, Wojciech Kosma, Vincent Rabaud, além da colaboração de
Nikhil Rasiwasia e Jesse Gilbert. O site do projeto está disponível em http://deprogramming.us/ai/index.
html (acessado em 20 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 8 8
sistema passa a criar em tempo real um videoclipe com efeitos a partir das imagens captadas e
apresenta o novo “ídolo” em um monitor ou projeção. Os artistas de SVEN, além de realizem
o trabalho em espaços fechados, com os visitantes em espaços expositivos, também realizam
suas capturas em ruas movimentadas, através de uma “unidade móvel”, dotada com todos os
equipamentos do sistema.
Já os artistas do grupo Preemptive Media – Beatriz da Costa, Jamie Schulte e Brooke Singer
se preocupam com a questão da vigilância e do uso de tecnologias de monitoramento como
práticas passíveis de serem utilizadas com finalidades de lucro, distantes de qualquer fetiche
em relação à tecnologia. Em suas produções, o grupo busca reverter e/ou tornar visíveis
os elementos de uma nova “ecologia de consumo” mediada por invasões constantes de
privacidade.
Os trabalhos do grupo partem da idéia de que a vigilância concreta não está somente
nas câmeras espalhadas pelo espaço urbano, mas também em uma série de instrumentos
corriqueiros em supermercados e lojas de todos os segmentos, que são muitíssimo mais
específicos em suas informações. O trabalho Zapped! (2004/2005) insere-se na discussão da
implementação maciça e crescente da tecnologia de etiquetas de identificação por freqüência
de rádio (Radio Frequency Identification, ou RFID). Nos países industrializados, o uso da
RFID tem sido gradativamente empregado, pois permite a localização de objetos, animais
ou pessoas, podendo ser utilizado tanto no controle de crianças ou prisioneiros, como no
Figura 67: Painel com
imagens do trabalho
S u r v e i l l a n c e Vídeo
Entertainment Network
, ou
simplesmente
SVEN
(2007),
sendo respectivamente, a
imagem capturada pelas
câmeras de vigilância, o
astro de rock com maior
similaridade e o videoclipe.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 8 9
rastreamento de produtos comercializados
16
. Essa tecnologia consiste em etiquetas eletrônicas
com microprocessadores, podendo se apresentar sob a forma de um adesivo, cartões ou mesmo
como chip a ser aplicado sob a pele. Aliás, vários anos atrás, o artista brasileiro Eduardo Kac
realizou o trabalho Time Capsule (1997), que discutia o uso destes dispositivos eletrônicos para
controle de indivíduos. Time Capsule consistiu na implantação pelo artista de um microchip
para a identificação de animais em seu próprio tornozelo, contendo um número de controle
acessível a aparelhos de varredura específicos, quando conectados à Internet.
A tecnologia RFID é descendente das tecnologias de código de barras e tarjas magnéticas e,
assim como elas, antes restritas aos produtos de varejo nas lojas e cartões bancários, tende a
cada vez mais expandir para outras aplicações. Porém, diferentemente das demais tecnologias,
permite que cada etiqueta tenha uma identificação única e que seja lida a distância, inclusive
sem informar a captação de dados ao proprietário ou usuário do item. Os artistas do grupo,
porém, ainda não querem alimentar uma postura dogmática em relação ao “grande irmão”
– como no livro 1984 de George Orwell – que tudo poderia controlar:
A Preemptive Media não pretende contribuir para especulações a Orwell. O escopo cada vez
mais amplo da RFID não causará sentimentos generalizados de paranóia, se a tecnologia for
implementada de maneira conservadora e levando em conta a tendência humana a exercer controle
sobre os outros sempre que uma oportunidade se apresenta. (PREEMPTIVE MEDIA, s/d)
Voltando ao trabalho Zapped!, trata-se de uma série de ações que visam detecção e interferência
nos sistemas baseados em RFID. Em todas elas, há um sensor capaz de detectar um leitor de
RFID em seu raio de alcance uma das ações promovidas pelo grupo é o oferecimento de
cursos para a construção doméstica deste aparelho de detecção, um chamado Zapped Toolkit
17
.
16. No ano de 2007, em São Paulo, há um projeto para a implantação de etiquetas RFID para fins
de fiscalização em toda a frota de veículos do município, bem como para localização de veículos
roubados; cada carro recebe um chip que é lido por antenas espalhadas pela cidade. Desta forma, é
também possível rastrear os percursos de cada um dos milhões de veículos da cidade. Os passageiros
do transporte público paulistano, por sua vez, já podem ser rastreados pela tecnologia RFID: o cartão
utilizado para integrações também faz uso da mesma tecnologia e é muitas vezes pessoal – cadastrado
com dados de seu usuário –, sendo capaz de indicar quais meios de transporte foram utilizados e seus
deslocamentos cotidianos.
17. Em uma outra abordagem, o grupo propõe o uso de baratas Madagascar portando etiquetas
reprogramadas como forma de interferirem nos leitores: como os insetos são capazes de entrar em
pequenos espaços e se locomover com grande agilidade, podem ser interessantes ferramentas para
perverter o rastreamento habitual.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 9 0
Com este kit qualquer um estará apto a intervir neste tipo de sistema de monitoramento. Essa
idéia de difusão do desvio também é divida por Mann em uma opção no caso de um “fracasso
do Reflexionismo” (MANN,1997). O artista propõe que os seus dispositivos WearComp sejam
comercializados (que ele chama de desvio do desvio), para em seguida serem utilizados pelas
pessoas para realizarem a vigilância daqueles que as vigiam; é a proposta do Difusionismo.
Como na idéia da prisão panóptica de Bentham, trazida por Michel Foucault (apud MANN,
1997) em que não é necessário que o guarda esteja vigiando na torre (já que não é visto)
– apenas a idéia de ser vigiado já condiciona o prisioneiro – na ação deste hipotético exército
difusionista, o mais importante é que o sistema hegemônico também se sinta potencialmente
reconhecido e observado.
Também abordando os meios com precaução, o trabalho Swipe
18
(2002/2004) é uma
instalação sob a forma de um bar que parte da prática de requisição da carta de motorista
que nos Estados Unidos é empregado comumente como documento de identificação – para a
compra de bebidas ou cigarro em lojas de conveniência, supermercados e bares, como forma
de explicitar processos ocultos neste ato. Embora a prática seja justificada como medida de
disciplina, essa captura de dados nas mãos das mais distintas empresas podem possibilitar a
obtenção de lucro. A informação dos hábitos de consumo, por exemplo, como se sabe, é um
ativo financeiro importantíssimo para o estabelecimento de relações comerciais duradouras,
modelando desejos futuros.
Partindo então, do princípio de que os indivíduos no poder durante toda a sua existência
humana “sempre optaram pelo controle quando puderam”, os artistas do Preemptive Media
criam uma instalação na qual se transformam em atendentes deste bar em eventos especiais
como aberturas de exposições ou noites de gala, instalando um balcão com um leitor
utilizado com as mesmas finalidades de identificação de seus bebedores. O visitante então,
entrega sua carteira de motorista para leitura de seu código de barras e enquanto a bebida
19
é
18. O site do trabalho está disponível através do endereço: http://www.we-swipe.us (acesso em 12 de
setembro de 2007).
19. Quatro tipos de drinques eram servidos em
Swipe: The Patriot
,(O patriota) em referência ao
USA Patriot Act
do presidente George W. Bush, onde está institucionalizado que o FBI pode coletar
informações de clientes de livrarias, bibliotecas e Internet, bem como coletar informações bancárias e de
cartões de crédito sem necessidade de qualquer decisão judicial;
Cat Eyes
(Olhos de gato), em referência
ao pedido do governo americano em virtude dos ataques de 2001 para que cada cidadão seja “olhos e
ouvidos” do governo; CALEA (sigla de Ato para Assistência de Comunicações para Aplicação da Lei), ato
4
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 9 1
providenciada, um recibo é impresso e entregue ao visitante com dados que revelam as suas
preferências de compra, além de informações sobre moradia, renda, profissão e até filantropia.
Com isso, a prática que se passa por ser apenas trivial assim como pode acontecer com
os “cartões de fidelidade” das lojas é explicitada como uma prática de monitoramento e
dilaceramento da privacidade de modo silencioso e invisível. Conforme ZIMMERMANN
(2005), embora a imprensa aliada com a hegemonia dedique-se a criticar aqueles que praticam
a falsificação de identidades, o trabalho do grupo “sugere que o real caso de extração de
dados reside na interdependência crescente entre as corporações e o governo”. Swipe aponta
para a transformação destes espaços relacionais os bares em espaços de controle mediados
pela tecnologia: as relações interpessoais passam a ser facilmente vigiadas, que por meio
desta prática seria possível facilmente cruzar os dados de freqüentadores e saber o círculo de
relacionamentos de cada indivíduo nestes espaços.
Do europeu 0100101110101101.ORG
20
formado por Eva e Franco Mattes , em Vopos (2002),
os integrantes do grupo se dispõem a serem vigiados através de sistemas GPS
21
, com relatórios
de 1994 em que torna legal, a intercepção de conversas telefônicas; e por fim, MATRIX em referência ao
Total Information Awareness
(TIA), projeto abortado pelo congresso dos EUA em virtude de ameaçar as
liberdades individuais. Mais informações podem ser obtidas no site do trabalho.
20. O nome do grupo é também o endereço para seu site: http://www.0100101110101101.org (acesso
em 17 de setembro de 2007).
21. GPS é a sigla para Sistema de Posicionamento Global (
Global Positioning System
), é um sistema de
Figura 68: O trabalho
Swipe
(2002/2004), tendo
no balcão, os artistas do
Preemptive Media.
4
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 9 2
de deslocamentos geográficos disponíveis através de mapas no site, durante o decorrer de um
ano inteiro. No decorrer dos meses, o casal se desloca por inúmeras cidades do globo como
Valencia, Torino, New York, Courmayeur, Karlsruhe, Barcelona, Linz e Amsterdã. Todos os
deslocamentos eram passíveis de serem acompanhados em tempo real.
Trata-se de um “sistema de auto-vigilância” que torna visível um controle mundial exercido
basicamente por satélites norte-americanos que não são capazes de determinar as
coordenadas de cada elemento que dispõe de um receptor GPS, como também é capaz de
monitorar em tempo real, como uma câmera posicionada sobre nossas cabeças, tudo o que
acontece em qualquer parte. O site Google Maps
22
nos trouxe a possibilidade de visitar inúmeros
lugares do mundo sob o ponto de vista deste tipo de monitoramento. Enquanto trabalho de
arte, porém, Vopos perde muito de sua originalidade crítica hoje, pois pouco acrescenta diante
de serviços que apresentam esse tipo de localização comercializada em longa escala.
Os satélites de monitoramento tornam factível, a idéia de que não qualquer metro quadrado
da superfície terrestre que não esteja sujeito a vigilância. Em 2007, diversos sites noticiaram
algo no mínimo curioso: alterando algumas das configurações do site Google Maps é possível
ampliar as imagens oriundas dos satélites além do que normalmente é permitido e com isso
identificar faces e situações entre pessoas. Em alguns casos, até pessoas nuas em banhos de
sol, na aparente privacidade de seus terraços, podem ser vistas
2�
.
Desta forma, com o propósito de criar uma área de escape de todos os espaços vigiados – de
satélites aos microprocessadores das etiquetas RFID Usman Haque desenvolve o projeto
Floatables
24
(2005), que consiste em uma espécie de guarda-sol flutuante que se propõe ser
posicionamento por satélite, utilizado para diversas aplicações como na navegação ou localização de
pessoas, veículos ou aeronaves.
22. O Google Maps é um serviço atualmente gratuito fornecido pela empresa Google. O site
disponibiliza imagens via satélite de todo o mundo, com mapas e rotas de ruas de algumas cidades do
mundo. Assim, é possível ver imagens que possuem entre um a três anos (há uma defasagem entre
as diversas áreas do globo capturadas) de edifícios, ruas, campos, rios ou florestas de qualquer parte.
Disponível em: http://maps.google.com/ (acesso em 18 de setembro de 2007).
23. Sobre o chamado “super zoom” do Google Maps: http://blogoscoped.com/archive/2007-03-07-n12.
html (acesso em 01 de outubro de 2007) e também no endereço http://tecnologia.terra.com.br/interna/
0,,OI1462984-EI4802,00.html (acesso em 01 de outubro de 2007).
24. Mais sobre
Floatables
no site da empresa de Haque: http://www.haque.co.uk/floatables.php (acesso
em 20 de setembro de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 9 3
capaz de imunizar o seu usuário de todo tipo de monitoramento. A idéia é criar um “espaço
de ausência” diante da saturação de dados do espaço urbano, em que todo tipo de sinal
ou captura de dados não sejam capazes de encontrar o indivíduo ali protegido. O artista
questiona a existência de alguma privacidade diante deste aparato onipresente de controle
e a própria noção de espaço público, o qual para ele não seria um espaço aberto e livre a
todos, mas na verdade um espaço em que não existe mais privacidade (ao oposto do espaço
privado, onde o acesso seria restrito). De qualquer forma, a idéia é criar efêmeras zonas de
encobrimento, propondo espaços de ausência de captura de sons e leitura de cheiros ou calor,
bem como todas as emissões de radiofreqüência como telefones celulares, televisão, rádio ou
redes sem fio e leitura de posicionamentos via GPS. Do mesmo modo, Floatables criará um
“obstáculo embaçado” como padrão de camuflagem contra as câmeras de vigilância e uma
cobertura contra os satélites que capturam imagens.
Ao contrário do que possa inicialmente sugerir, o projeto não significaria isolamento ao
seu usuário. Essa proteção não atuaria no sentindo de interferir nas relações humanas; o
indivíduo permaneceria acessível e visível aos demais falando, sorrindo ou sentindo o cheiro
daqueles que estão próximos ou fora da proteção – apenas o monitoramento eletrônico seria
prejudicado. Como uma água-viva flutuante no ar (o projeto preque o aparelho permaneça
flutuando através de um sistema de ar quente como em balões), Floatables permaneceria em
constante movimento como forma de não ser apreendido e destruído pelas autoridades. Esse
embaçamento do espaço panóptico faz do trabalho uma espécie de ruído tecnológico nesta
rede de vigilância – como um vírus que proporciona uma valiosa invisibilidade.
4.5 Ações intrínsecas
Indo além do monitoramento gerido pela tecnologia, é possível simplesmente atacar a lógica
hegemônica na tecnologia em seu caráter mais intrínseco, partindo da ineficácia de seus
pressupostos funcionais do questionamento de sua funcionalidade programada. É uma
estratégia onde emana um distúrbio metalingüístico e onde as relações de poder são reveladas
como um código ao qual nunca temos acesso. O grupo 0100101110101101.ORG e o coletivo
EpidemiC
25
são adeptos de um desvelar tecnológico e ficaram conhecidos pela polêmica
25. O EpidemiC é um coletivo italiano que defende a utilização estética dos códigos-fonte e o uso
4
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 9 4
de terem realizado, em 2001, um vírus chamado de Biennale.py. O vírus, apresentado na
49ª Bienal de Veneza (de onde vem seu nome), é capaz de infectar programas escritos na
linguagem de programação Python, seja através de download de arquivos infectados ou acesso
destes arquivos infectados via disquete. Classificado por diversos especialistas como “artistas
irresponsáveis”, eles, por sua vez, se isentaram de qualquer insensatez, pois declaram ter
enviado avisos para companhias desenvolvedoras de programas antivírus – como a Microsoft
e a McAfee anteriormente ao seu lançamento no evento. O código fonte do vírus foi impresso
em camisetas vendidas por ocasião da exposição, bem como CDs com o vírus foram também
vendidos a colecionadores.
Também adeptos a contaminações virtuais e críticos de um culto ao artificial e tecnológico,
os membros do coletivo espanhol “Mmmm...
26
também fizeram uso de pragas virtuais para
questionar o apego tecnológico em contrapartida a um “desprezo pelo mundo natural”. O
vírus, chamado de Amazônia (2004), pretende fazer com que o computador infectado tenha os
pixels de seu monitor apagados gradualmente como garatujas, conforme o desmatamento na
floresta avance. Assim, as imagens da tela sofrem inferências conforme as árvores vão sendo
cortadas. A intenção de seus autores é fazer com que os usuários busquem o significado deste
apagamento e pensem sobre o seu papel “cúmplice” na devastação ecológica e dos perigos
que podem advir da selva. Podemos referenciar a vírus reais como o Ébola, que contaminou
pessoas como resultado da devastação de matas africanas.
Mas além dos vírus, o nosso cotidiano mediado por máquinas, o equipamento que
freqüentemente falha, os softwares repletos de erros de programação, as rotinas repetitivas
e inumanas ou as interfaces mal-resolvidas são algumas das justificativas para trabalhos
em que a metalinguagem se sobressai criticamente. FLUSSER (2002, p.15) disse que para
toda crítica em torno das imagens técnicas nascidas no interior de uma caixa preta quando
somente podemos assimilar seus inputs e outputs, com suas intenções ocultas deviam visar
ao “branqueamento” desta caixa. Os discursos metalingüísticos partem deste interior oculto
de sistemas de colaboração via rede para ações táticas. Mais informações no endereço: http://www.
epidemic.ws (acesso em 15 de setembro de 2007).
26. O coletivo Mmmm... é composto por Alberto Alarcón, Emilio Alarcón, Ciro Márquez, Eva Salmerón,
com a colaboração de Horacio Diez, em trabalhos de web. Além de intervenções artísticas, também
realizam trabalhos de design e objetos promocionais. Mais informações em: http://www.mmmm.tv/
(acesso em 04 de outubro de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 9 5
para torná-lo um espaço denso e ininteligível, como no conhecido site de web arte JODI, ou
mesmo em alguns trabalhos da artista brasileira Giselle Beiguelman, quando convida seus
visitantes a realizarem uma coleta dos erros tecnológicos, como no site <Content=No Cache>
27
(2000) e mais tarde em Esc for escape (2004) um projeto cross media (envolvendo diversos
meios como telões pela cidade de São Paulo, celular e Internet) trazendo um “bestiário”
com os erros mais comuns nos mais distintos equipamentos como caixas eletrônicos, DVD
Players, telefones etc. Da artista, também Desmemórias (2005), apresentado na Mostra
Cinético_Digital, no Itaú Cultural, em São Paulo, em que cria um filme interativo sobre os
vestígios tecnológicos de um passado recente.
Estes trabalhos estão buscando nos direcionar para nossas relações conturbadas com a
tecnologia e o contexto inóspito que pode surgir destas relações. No conjunto de trabalhos
de Accept (200�), Perry Hoberman reúne uma gama de trabalhos nos mais distintos meios
– antigos e novos – discutindo o contexto social e tecnológico que ele observa:
Um mundo com o poder cada vez mais crescente da tecnologia, onde nosso poder para fazer uso
criativo destas mesmas tecnologias está sendo ameaçado das mais variadas formas. Restrições e
vigilância estão diretamente ligadas ao software, hardware e redes que usamos diariamente em um
processo para tornar-nos um exército de, cada vez mais lucrativos e passivos, consumidores.
28
Accept se come, entre outros, dos seguintes trabalhos: Your Time is Valuable, trabalho
realizado a partir de um computador, sensor de presença e uma tela LCD na qual são
apresentados, a partir do momento que o visitante se encontra em sua frente, meros que
descrevem, em porcentagem, o quanto teria sido visto ou assistido em relação a outros
meios como o cinema; Art under contract, onde o visitante tem uma pequena caixa de metal
com visor fechado (com uma imagem em seu interior) que se abre rapidamente apenas
quando o indiduo aceita um contrato de licença do usrio final, similar àqueles
presentes ao instalar qualquer software, disponível a ser lido e aceito em um computador
ao lado da caixa; Ok/Cancel, série de imagens impressas onde apresentam onipresentes
janelas de sistemas operacionais (Windows 98, Macintosh OS X e outros) em insólitas
27. Disponível em: http://www.desvirtual.com/nocache/ (acesso em 12 de setembro de 2007).
28. Retirado do site do artista: http://www.perryhoberman.com/accept/html/info.html (acesso em 20
de janeiro de 2005).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 9 6
Figura 69: O trabalho
cross
media
da artista Giselle
Beiguelman,
Esc for Escape
(2004), com mensagem de
erro em telão da Av. Paulista,
São Paulo.
Figura 70:
My life in SPAM,
presente em
Accept
(2003)
de Perry Hoberman.
Figura 71:
Spore 1.1
(2004)
dos artistas Douglas Easterly
e Matthew Kenyon.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 9 7
situações; My Life in SPAM, série de imagens impressas, criadas através da superposição
de mensagens eletrônicas comerciais não-solicitadas – os chamados SPAMs – capturadas
desde 1998 a 2002, totalizando cerca de 6.000 mensagens; Total Information Awareness,
trabalho constitdo de duas versões, sendo que em ambas duas esferas mecânicas, sob a
imagem de olhos, rolam de um lado a outro, de cima a baixo, em todos os sentidos, como
“um olho que tudo vê”.
Essas ações operam em um território específico das tecnologias, intuindo um interator
inserido com profundidade neste contexto. Janelas de sistemas operacionais, indicadores de
download, mensagens de erro típicas ou comportamentos maquínicos inesperados terão
um completo sentido para aqueles que vivenciam essa tecnologia, ainda que somente como
usuários.
As ações intrinsecamente tecnológicas terão como pano de fundo, em última instância, o
poder de mercado. Hoberman trata disso quando fala da transformação de um exército
de “passivos e lucrativos consumidores”. Assim como é trazido no Projeto Vislumbres Pós-
humanos, cada vez mais uma interdependência entre seres naturais e prognósticos da bolsa
de valores, a vida transformada em commodities. Essa idéia também é compartilhada pelo
trabalho Spore 1.1
29
(2004) da equipe S.W.A.P. composto dos americanos Douglas Easterly
e Matthew Kenyon. Trata-se de um objeto híbrido, composto de uma muda de seringueira e
um dispositivo eletrônico (com conexão wireless para a Internet) que controla o fornecimento
de água para a sobrevivência do ser conforme as cotações da bolsa da rede americana de
lojas Home Depot; se as ações valorizarem, a planta é regada, mas se as ações perderem
valor, a planta não receberá água. Se caso ela morra por falta de água no período de um
ano, a multinacional troca o vegetal por outro sem qualquer custo. Não exatamente um
viés assumidamente crítico aqui que o projeto é apoiado e comercializado por uma rede
de lojas de produtos para casa (que aqui uma oportunidade de mostrar simbolicamente
o quanto seus investimentos podem crescer), mas não deixa de ser algo instigador de outras
leituras, especialmente porque a equipe de artistas possui uma série de trabalhos em que
atacam diretamente grandes empresas (como lanchonetes de fast-food) e é impossível não
compará-los.
29. Sobre o trabalho é possível acessar informações em http://swamp.nu/ (acesso em 04 de outubro de
2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
1 9 8
citado aqui por conta da proposta de distúrbio eletrônico, o coletivo norte-americano
Critical Art Ensemble (CAE) é um grupo originalmente constituído de cinco artistas – Steve
Barneys, Dorian Burr, Steve Kurtz, Hope Kurtz e Beverly Schlee que opera na intersecção
entre arte, tecnologia, produção tática e teoria crítica desde 1987. O coletivo possui uma
ampla produção bibliográfica com diversos títulos disponíveis em dezenas de línguas em todo
o mundo e também para download, através de seu site
�0
, tais como: Electronic Civil Disobedience
& Other Unpopular Ideas (1998) e Flesh Machine (1998). Entre os seus trabalhos, destacam-se
aqueles que lidam com a biotecnologia e ações táticas.
Vários anos atrás, o CAE desenvolveu uma série de anúncios publicados em jornais dominicais
de grandes cidades dos Estados Unidos, promovendo uma “tecnologia tão pura que sua
única função é existir” a Useless Technology
�1
(1994). O trabalho apresenta uma série de itens
apocalípticos ou utópicos que hoje se transformaram em completamente inúteis, somando
itens possíveis de serem utilizados no cotidiano a armamentos de controle do espaço e de
combate (da época da Guerra Fria) obsoletos. Na lista coisas como míssil teleguiado,
tosquiador de pêlos das narinas, raio laser para destruir mísseis inimigos, descascador de
frutas e legumes, míssil de energia nuclear, porteiro eletrônico sem fio, alarme anti-soneca
para motoristas, uma toalha elétrica, entre outros vários.
O grupo apresenta tantos produtos que um dia realmente foram comercializados por empresas
conhecidas como Panasonic, Sony e Goodyear como também os “produtos” do governo
norte-americano, sob a forma de um catálogo de ofertas igualmente antiquado. Esse catálogo
traz irônicas descrições de uso dos produtos como na experiência de “transcendentalismo
secular” do porteiro eletrônico sem fio ou no garoto-propaganda “Ron” (com a imagem do
ex-presidente Ronald Reagan ao telefone) na televenda de mísseis da época do fim da União
Soviética (URSS). Não um questionamento da futilidade daquilo que nos é oferecido dia-
a-dia como inovação tecnológica, como também equipara a inutilidade de bombas nucleares
e de tosquiadores de pêlos do nariz ambas sujeitas a premissas de mercado.
Um dos momentos mais graves do coletivo foi em 2004, quando um dos membros fundadores
30. Site do Critical Art Ensemble: http://www.critical-art.net (acesso em 10 de setembro de 2007).
31. Disponível através do endereço: http://www.critical-art.net/tactical_media/useless (acesso em 10 de
setembro de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
1 9 9
do CAE e professor da Universidade de Nova York em Buffalo, o artista Steve Kurtz foi acusado
e detido pelo FBI (Federal Bureau of Investigation) sob a acusação de “bioterrorismo”. No
mês de maio daquele ano, na cidade onde leciona e mora, a esposa de Kurtz sofreu um
ataque cardíaco em casa e o artista imediatamente chamou o serviço de emergência que é
mantido pela polícia. A esposa de Kurtz falece e os atendentes do serviço acabam atentando
para outra coisa: observam que a casa do artista possui diversos equipamentos científicos e
materiais biológicos; certamente inspirados pela retórica da “guerra ao terror”
�2
convencem-
se que ali haveria algum tipo de produção terrorista e, assim, acabam alertando ao FBI.
Esses materiais na verdade eram elementos de trabalhos de bioarte apresentados em diversas
galerias e museus de diversas partes do mundo, lidando com bactérias e microorganismos
inofensivos. Ao chegar, os agentes do FBI detiveram o artista e apreenderam não os
materiais biológicos como todos os equipamentos, livros, apontamentos, computadores e até
mesmo o corpo de sua esposa, para análises minuciosas dos investigadores. Com o temor de
que ali poderia ter sido desenvolvida algum tipo de arma biológica, todo o quarteirão onde se
encontrava a casa foi decretado como “área de risco” pelas autoridades de saúde locais. Uma
semana depois, as amostras biológicas foram verificadas como inofensivas para a saúde e o
artista foi reconduzido a sua casa e pôde, enfim, realizar o enterro de sua esposa. Entretanto,
o CAE, em seu site Defense Fund
��
(realizado para angariar doações para a defesa em juízo
do artista), aponta que o FBI se recusou a devolver materiais e equipamentos no valor de
10 mil dólares e até mesmo um livro no qual o artista estava trabalhando. O caso chegou a
inspirar o documentário Strange Culture (2007), de Lynn Hershman Leeson, apresentando a
situação como uma decorrência paranóica dos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11
de setembro de 2001.
Uma série de trabalhos do CAE confiscados pelo birô. Um deles foi GenTerra
�4
(2001), que
trazia uma forma inócua da bactéria presente no intestino humano E.Coli. Ao contrário do
32. “Guerra ao terror” é a denominação utilizada pela imprensa internacional às medidas do presidente
norte-americano George W. Bush por conta dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Um
de seus atos é proclamar que cada cidadão norte-americano seja “olho e ouvidos” de seu governo, em
virtude da segurança nacional. As implicações de suas medidas foram extremamente controversas, já que
culminam na interferência militar em outros países, além de restrições em torno das liberdades individuais.
33. Disponível através do endereço: http://www.caedefensefund.org (acesso em 10 de setembro de
2007).
34. Mais informações sobre o trabalho
GenTerra
em: http://www.critical-art.net/biotech/genterra
(acesso em 11 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 0 0
que se possa superficialmente imaginar de um coletivo artístico que se propõe a questionar a
biotecnologia, o CAE não acredita que os transgênicos devem ser sumariamente expurgados.
Ao contrário, acreditam que é necessário primeiro tornar as pessoas familiares com esse
assunto – para que passem a “usar mais a razão do que a emoção” ao analisar cada caso. Há
transgênicos que podem ser positivos e outros que são perigosos ou visam especialmente o
lucro. O coletivo não é, portanto, radicalmente contra as manipulações genéticas, assim como
um artista que lide com os novos meios não é radicalmente contra as tecnologias. É necessário
que se crie uma cultura de consciência em torno do que realmente pode ser perigoso e deve ser
evitado. Um exemplo disso é a proposta de GenTerra, em que performers de jalecos brancos e
computadores apresentam o contexto da produção transgênica aos visitantes, trazendo uma
série de casos positivos e negativos. Depois da explanação, os artistas criam meios para que
os visitantes possam manipular organismos geneticamente modificados in loco.
Um outro projeto também capturado pelo FBI foi Free Range Grains (produzido entre 200� e 2004
com colaboração de Beatriz da Costa e Shyh-shiun Shyu), em que os visitantes da exposição
eram convidados a testar os alimentos que se apresentam como isentos de modificações
genéticas. O espaço expositivo na Áustria foi transformado em um laboratório portátil
de testes de organismos geneticamente modificados, de produtos trazidos pelos visitantes ao
espaço. O trabalho tinha por objetivo examinar a relação entre os commodities alimentícios e
as restrições de importação de alimentos da União Européia. Embora existam barreiras em
torno de motivos econômicos com o intuito de instituir uma reserva de mercado é provável
que estas medidas de precaução não impeçam a entrada de produtos transgênicos nos países
da Europa. Para THOMPSON (apud MESQUITA, s/d), um trabalho conceitual como Free
Range Grain interfere nas premissas de como a tecnociência deveria atuar, deslocando suas
ações para um acontecimento social ou político – e não apenas de domínio científico – para,
no fim, trazer ao universo da arte:
Quando o Critical Art Ensemble insere suas próprias técnicas científicas caseiras no campo
dos alimentos geneticamente modificados, o faz a fim de desafiar o papel dos indivíduos, das
corporações e dos sistemas científicos que determinam as regras do jogo da biotecnologia.
No que diz respeito à biotecnologia, é obrigatório citar o artista Eduardo Kac. O artista é
muito conhecido pela polêmica envolvendo a coelhinha transgênica Alba, oriunda do trabalho
GFP Bunny. A origem de Alba acontece em 1998, quando surge o projeto GFP-K9, onde
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 0 1
Figura 72: Site do trabalho
GenTerra
(2001) do Critical
Art Ensemble.
Figura 73:
Free Range
Grains
(2003/2004) do
Critical Art Ensemble (com
colaboração de Beatriz da
Costa e Shyh-shiun Shyu).
GFP é a abreviatura de Green Fluorescent Protein e K-9 é referencial ao adjetivo inglês canino
(canine). Trata-se da inclusão de uma proteína de medusa (Aequorea Victoria) em um DNA de
um embrião canino, o que tornaria o cão fluorescente emanando luz verde ao contato
com certas condições do ambiente. Para justificar sua criação, o artista estabelece o cão
transgênico como uma próxima etapa na intervenção humana na existência canina. Desde
15.000 anos atrás, o homem vem selecionando lobos portadores de características imaturas
(processo evolutivo conhecido como neotenia) e mais modernamente através do controle de
acasalamentos (MACHADO, 2001) para criar um “ideário canino”.
Aparentemente, por não encontrar parceiros dispostos, o artista opta por uma versão com
um animal mais comum no contexto de laboratório – o coelho – e assim surge o GFP Bunny.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 0 2
Seguindo os mesmos procedimentos do projeto anterior: uma coelhinha albina torna-se
fluorescente ao encontrar-se em um ambiente com uma determinada iluminação (precisa-se
de um tipo de luz azul). Depois de nascida, o próximo passo seria a socialização da coelhinha.
Kac pretendia levá-la para morar com sua família, porém o laboratório francês que o auxiliou
na execução do projeto, simplesmente impediu sua retirada, alegando que o artista não
teria condições de cuidar do animal transgênico. O artista por sua vez, desenvolveu várias
manifestações em prol da Alba livre”, como forma de mobilizar a opinião pública. No seu
site
�5
, inclusive, é possível enviar e acompanhar inúmeras mensagens em prol da libertação
de Alba. De qualquer forma, uma considerável discussão envolvendo não a sociedade
científica – foi formada diante desse fato.
O mais interessante na questão é que, segundo o artista, o elemento central deste projeto
não é o ser em si – enquanto objeto de arte – mas a socialização da coelha, enquanto animal
de estimação transgênico, com uma família real. Ou seja, seria o universo relacional que se
forma entre as pessoas e o bichinho fluorescente o protagonista. Essa pretensão é deixada de
lado em outros projetos que são muito mais introvertidos neste sentido. Tanto a instalação
Genesis
�6
, apresentada em 2000 no Itaú Cultural em São Paulo, quanto o trabalho O Oitavo
Dia
�7
(2001), apresentam-se muito mais dispostos enquanto algo limitado ao contexto artístico
convencional distante do cotidiano e disposto à contemplação do que necessariamente
enquanto uma intervenção no contexto social.
Isso é algo importante quando se pensa na possibilidade de crítica implícita no trabalho
de Kac, pois coincidentemente, o seu trabalho mais significativo é aquele que permite essa
leitura mais relacional. Neste sentido, os demais estariam contidos muito mais naquilo que
a tecnologia proporciona do que nas questões que suscitam no cotidiano, tais como o que
representaria um ser geneticamente modificado dentro de um ecossistema convencional ou
35. O site do artista está disponível em: http://www.ekac.org (acesso em 03 de setembro de 2007).
36.
Genesis
(apresentada pela primeira vez na Áustria, em 1999) é uma instalação constituída de
bactérias transgênicas expostas a radição ultravioleta conforme a ação do visitante, através da Internet. As
bactérias são constituídas de código genético baseado numa “tradução” (alfabeto/Código Morse/código
genético) de uma passagem bíblica em que sugere uma autorização divina para a manipulação de todos
os seres da Terra.
37.
O Oitavo Dia
(2001) estabelece uma ecologia transgênica com plantas GFP, amebas GFP, peixes
GFP, camundongos GFP e um biorobô. Esses seres são confinados em um domo plástico, para a
observação dos espectadores.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 0 3
que novas formas de sociabilidades poderiam advir entre “convencionais” e “híbridos”. Uma
referência interessante neste sentido é o universo de Edgar Franco que justamente procura
problematizar no nível da ficção as relações sociais entre seres híbridos e uma minoria
propriamente humana. No mesmo sentido, as discussões do filme Gattaca
�8
na relação
de castas sociais entre os concebidos sob tecnologia genética (dito como superiores), e os
concebidos de modo natural (considerados inválidos e defeituosos).
Em comparação com o Critical Art Ensemble, Kac realiza uma tentativa implícita de
demonstração tecnológica que acaba superando um viés mais conceitual. Ainda que o coletivo
peque pelo excessivo didatismo nos trabalhos citados que é um problema ainda de grande
parte das ações que partem de referenciais bem determinados – suas ações conseguem atingir
mais a fundo o cotidiano, originando questionamentos mais diretos sobre as implicações da
biotecnologia. Kac traz a genética como um tipo de ferramenta ao lado dos bytes para
a construção de seu discurso artístico deificador, enquanto o CAE torna a biotecnologia
acessível em Gen Terra. O artista brasileiro, porém, é muito mais eficaz na justaposição da
biotecnologia e a tecnologia robótica, condicionando-nos a uma perspectiva do pós-humano
sob uma delimitada janela.
O CAE também merece menção por entender que as inspirações transgênicas se inserem
dentro de uma lógica de mercado: ora, os produtos transgênicos são defendidos por seus
produtores por proporcionar um lucro muito superior em relação ao convencional, da mesma
forma, o mapeamento genético, embora importante para novos tratamentos, pode originar
procedimentos avançados e de alto custo que podem estar distantes da maior parcela da
população por um longo tempo. Mais do que simplesmente apresentar esta nova condição, o
coletivo apresenta as motivações mais intrínsecas deste contexto.
4.6 Ações com modelos sociais
Para ainda utilizar a terminologia biotecnológica, alguns artistas dos novos meios irão
assumidamente “clonar” a lógica de mercado para dentro de seus projetos. Mas, felizmente,
não é uma clonagem por completo. Estes autores propõem criar entidades sociais ambíguas,
38.
Gattaca
(EUA, 1997). Direção: Andrew Niccol.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 0 4
modelos em que assume os valores do seu contexto e os reenvia à sociedade: mais do que
representar, em lugar de inspirar-se na questão social, se insere nela. Essas formas projetam
um espaço-tempo codificado e deslocado. Essa condição visa desvelar estruturas invisíveis,
oferecendo novos significados.
Na exposição Emoção Art.ficial 2.0, em 2004, os artistas Davide Grassi (Itália) e Igor
Stromajer (Eslovênia) propuseram um mercado flutuante em torno de problemas, surgindo
então a Problemarket
�9
(2000). Da mesma forma que uma bolsa de valores, os artistas
propõem que os problemas estejam sujeitos a investimentos mostrando o modus operandi
dos ambientes financeiros. Mais do que isso, o discurso dos artistas, também no mundo
real, em suas apresentações faz uso das corriqueiras práticas do universo corporativo,
seus jargões típicos, apresentações eloqüentes e clássicas roupas de homens de negócios. O
trabalho e as apresentações dos artistas – como ocorrido durante o simpósio da exposição em
São Paulo suscitam a maquiagem típica das grandes corporações e o mantra inquestionável
dos “resultados” a qualquer preço.
Antecedendo o empreendimento internacional da Problemarket, temos Etoy
40
, um grupo de
artistas suíços, existente desde 1994, que parodia as corporações transnacionais, a economia
globalizada e os lugares-comuns destas instituições, pois trabalha sob a forma de uma
39. Disponível em http://www.problemarket.net (acesso em 10 de setembro de 2007).
40.
Etoy
. URL: http://www.etoy.com (acesso em 02 de setembro de 2007).
Figura 74: Site da
Problemarket
(2000) dos
artistas Davide Grassi e Igor
Stromajer.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 0 5
companhia “líder no campo da arte contemporânea”, que está registrada como tal na Suiça.
Os artistas desenvolvem vários atos através da companhia, sendo especialmente ativos através
da web. Segundo o grupo, Etoy é “uma produção dentro da sobrecarregada área entre o falso e
o verdadeiro, entre o espetáculo e a funcionalidade, entre excluído e incluído, entre conteúdo
e aparência”
41
.
A atuação na contramão deste mundo homogeneizado das grandes corporações é algo sempre
muito desejável. Esse universo catequiza hordas inteiras de profissionais de administração e
marketing através de teorias que visam alinhar sucesso profissional e auto-estima do indivíduo
em um mesmo naipe. Converte-se a prosperidade nos negócios em elemento-chave para a
satisfação pessoal. As publicações sobre o sucesso no universo corporativo dividem espaço
com publicações de auto-ajuda, somando-se muitas vezes. Os valores da vida se confundem
com os de mercado e vice-versa.
Nesta convergência de valores, o trabalho da artista mexicana Minerva Cuevas realiza uma
interessante deturpação. Através da Mejor Vida Corporation
42
(1998), a artista disponibiliza
diversos elementos que subvertem o contexto social ou mesmo econômico. No site é
possível adquirir diversos “produtos” e “serviços” em busca de uma relação mais humana
simbolicamente representada por um asséptico aperto de mãos como sua marca. A referência
ao lugar comum do discurso contemporâneo das empresas que promovem o cuidado e a
atenção aos seus clientes parece aqui tomar um sentido muito mais sincero. Afinal, grande
parte dos seus serviços está voltada ao indivíduo no seu cotidiano diretamente contra o sistema
econômico e social e é natural que nestas circunstâncias seu trabalho esteja num limiar muito
impreciso entre a resistência e a ilegalidade.
Entre os serviços prestados pela Mejor Vida Corporation está a solicitação de cartas de
recomendação personalizadas e gratuitas excelentes para candidatos a vagas de emprego
que não possuem referências. Em algumas exposições, as cartas de solicitação não são
assinadas em nome da MVC, como também de galerias de arte que a abrigam. Um outro
41. Em “Corporate Operations Description”, disponível em http://www.etoy.com (acesso em 02 de
agosto de 2006).
42.
Mejor Vida Corp.
está disponível no endereço: http://www.irational.org/mvc/espanol.html (acesso
em 10 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 0 6
serviço é a afixação de códigos de barras trocados em diversos supermercados de grandes
redes mexicanas: o código de barra original de um produto é substituído por códigos referentes
a um produto de menor tamanho ou peso; da mesma forma, frutas e verduras podem ter
seu código de barra substituído como se tivessem um menor peso. A artista garante que a
prática é possível pela distração dos operadores de caixa que não irão conferir cada peso dos
itens comprados. Através do site, torna-se possível que qualquer cliente dos supermercados
listados também realize tal ato.
Gratuitamente ainda, há carteirinhas de estudante em que o indivíduo passa a ser “aluno”
Figura 75: Site da
Mejor
Vida Corporation
(1998) de
Minerva Cuevas.
Figura 76: Uma carteirinha
de estudante da
Mejor Vida
Corporation
(1998).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 0 7
e ganhar descontos em eventos culturais e passagens aéreas, por exemplo e até bilhetes para
o metrô de Cidade do México, distribuídos no site e também nas estações em horários de
pico. A Mejor Vida Corporation também realiza alguns serviços mais diretamente ligados com
o bem-estar coletivo: em horários de pico, a artista realiza a limpeza das plataformas do metrô
com enormes vassouras, incomodando os passageiros pelo pouco espaço lotado – de espera
dos trens. A artista esteve presente não na exposição Emoção Art.ficial 2.0, em 2004, como
também na 27ª Bienal de São Paulo, em 2006. Em um dos seus trabalhos apresentados no
pavilhão do megaevento das artes, estava uma performance registrada em vídeo, de um ator
travestido de Ronald McDonald personagem símbolo da rede de lanchonetes McDonald’s
que visivelmente alterado e perturbado aborda os clientes na loja incentivando-os a não
comprarem ou incomodando-os durante o lanche.
Cuevas propõe perverter instituições que representam o domínio econômico ou social
para o cidadão comum: seja a péssima qualidade de sistemas de transportes, os preços
abusivos de supermercados, cinemas e teatros ou a necessidade questionável de uma carta
de recomendações para conseguir um emprego. Neste contexto, a rede proporciona o
acesso a esses “bens” e “serviços”, do mesmo modo que outras empresas disponibilizam
seus shoppings virtuais. A artista, entretanto, não acredita que esteja fazendo uma “arte
política” como aquela realizada por Cildo Meireles em Inserções em Circuitos Ideológicos (1970),
quando o artista brasileiro divulga mensagens através de garrafas de Coca-cola, mas sim uma
apropriação dos espaços artísticos com finalidades de ativismo social: “uma coisa é utilizar
os elementos de um contexto social específico para produzir um objeto artístico e outra coisa
é fazer um projeto útil em termos sociais”
4�
. A recusa de Minerva Cuevas em apresentar suas
ações como artísticas é recorrente em grupos e coletivos espalhados pelo mundo. Muitas
vezes, uma subjetividade nesta categorização e mesmo falta de critérios entre o que está no
domínio do social e do que atua no domínio artístico prioritariamente. A Estética Relacional
é extremamente hábil justamente em delimitar o espaço da arte como aquele que parte de
premissas estéticas e também históricas no contexto da arte para daí também pensar
no contexto social. Cuevas pode não acreditar que o que produz é “arte”, mas utiliza-se de
estratégias que conduzem sua produção como tal. um projeto conceitual presente neste
modelo corporativo às avessas, que justamente dá acesso aos espaços de arte: há um universo
43. Em entrevista com Hans Ulrich presente no site da
Mejor Vida Corporation
: http://www.irational.
org/mvc/hans.html (acesso em 20 de setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 0 8
que reside na intenção do ato, o que necessariamente não implica em sua realização, ainda
que esta ação possa existir momentaneamente.
Em proximidade, podemos mencionar o célebre FuckU-FuckMe
44
(1998), do artista russo
Alexei Shulgin, que criou um site fake de comércio digital que divulgaria e comercializaria
drivers genitais capazes de proporcionar uma relação sexual efetiva entre o seu usuário e outro
usuário fisicamente distante, em que cada um copula diretamente com o gabinete da máquina
em que o dispositivo está instalado, em sincronizados movimentos. Esta seria nada mais,
nada menos do que “a última solução em sexo remoto”! Em um mundo telemático em que
milhares de pessoas se ocupam com o chamado sexo virtual, um dispositivo como esse parece
ser o intermediário perfeito para efetivar o que antes ficava entre a imaginação e os dedos no
teclado.
Em FuckU-FuckMe uma interessante relação entre o limite do possível que
tecnologicamente falando, um dispositivo como esse pode existir e o bizarro a cópula com
um terminal de computador. Daí, o artista discute intimidade, o mercado pungente do sexo
na Internet e a própria prática amoral da economia de mercado. O mais interessante é que por
não possuir qualquer aviso de que se trata realmente de um trabalho artístico, a possibilidade
de crença de que o excêntrico aparelho verdadeiramente exista: afinal, o site é tão profissional
e completo (incluindo até as famosas F.A.Q. – questões mais freqüentes dos sites comerciais)
que consegue criar uma ambigüidade entre ficção e realidade. Profundamente, Shulgin é aqui
um crítico extremamente perspicaz de uma tecnofilia levada aos extremos: no fundo, o “outro”
seria apenas um mero pretexto para realizar essa conjunção sem qualquer culpa.
No mesmo sentido de ambigüidade entre o real e o possível, estão também alguns trabalhos
de Virgil Wong. O artista e diretor de cinema norte-americano trabalha com as relações entre
a medicina contemporânea, a tecnologia e o corpo humano. Defende que se os projetos
atualmente desenvolvidos pelo departamento de defesa norte-americano obtiverem sucesso,
em pouco mais de 15 anos, teremos cérebros com implantes capazes de realizar telepatia e
telecinese, partes regenerativas do corpo e capacidade de viver por mais de 200 anos. Com
esta visão, o artista opera uma visão irônica e crítica desta situação. Wong trabalha em sites
44.
FuckU-FuckMe
, até 2006, estava disponível em http://www.fu-fme.com, atualmente não está mais
acessível através deste endereço.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 0 9
de instituições hospitalares, fato que o inspirou a criar o RYT Hospital
45
(1997/200�) em
que proporciona uma interessante sensação verossímil de algumas possíveis conquistas da
genética – como um homem que engravida – e a possibilidade de escolhas genéticas de bebês
“livres de câncer, Alzheimer ou doenças do coração”, enfim, “todos os milagres da medicina
moderna”. A ambigüidade entre ficção e realidade é proporcionada por imagens presentes no
site do trabalho que reproduzem as fictícias notícias e a soma com notícias reais das últimas
conquistas da tecnologia genética. Um de seus mais conhecidos feitos foi “a primeira gravidez
humana masculina” em que criou um mise en scène através de sites, fictícias notícias e um
documentário de um homem que teria engravidado por um dos “milagres” do RYT Hospital.
45. Disponível através do endereço http://www.rythospital.com/ (acesso em 10 de setembro de 2007).
Figura 77: Detaque das
F.A.Q. (Questões mais
freqüentes) do site
FuckU-
FuckMe
(1998) de Alexei
Shulgin.
Figura 78: Página do
“homem grávido” do
RYT
Hospital
(1997/2003) de
Virgil Wong.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 1 0
Através do site do projeto POP! The First Human Male Pregnancy
46
(1999/2002) (juntamente
com Lee Mingwei) era possível acompanhar o dia-a-dia do “grávido” e também opinar sobre
as possíveis conseqüências sociais desta “conquista científica”.
os artistas Heidi Kumao – uma das participantes do Preempective Media e Chipp Jansen
trabalham com a questão da ambigüidade de outra maneira: existe certa similaridade que
é quebrada quando o espectador se nutre de uma maior atenção. Esse tipo de trabalho possui
uma menor ambigüidade visto que é possível decodificar seus reais interesses. A produção em
questão lança mão de um formato que cria o seu próprio “canal” de notícias: o CNNplusplus
47
(2006). Trata-se de uma espécie de “readymade modificado” que se apropria de imagens em
tempo real da emissora noticiosa de tevê CNN (Cable News Network), alterando os elementos
presentes na tela e propondo utilizar essa versão em espaços sociais em que aparelhos de
televisão permanecem ligados como salas de espera de aeroportos, shoppings ou cafés.
Originalmente, a composição visual da tela do canal de notícias CNN possuía a divisão em
três áreas: uma barra inferior em que principais manchetes, fofocas de celebridades, resultados
esportivos e informações financeiras deslizam em um fluxo incessante; um quadro lateral
esquerdo com uma imagem e texto curto que se altera frequentemente; e por fim, a imagem
do apresentador do canal, apresentando as notícias uma a uma. Os artistas, então, resolvem
manter a apresentação imagem e som – do apresentador âncora e substituir as outras duas
partes: no quadro lateral esquerdo, o sistema possibilita que os visitantes do site, a partir
das 100 palavras mais ditas durante cada hora de programação da CNN, insiram imagens
através do sistema de busca de imagens do Google, sendo que a cada vez que o apresentador
da CNN falar uma das palavras mais ditas, automaticamente o sistema soma às palavras
escritas pelos visitantes do site e apresenta uma imagem resultante da busca
48
; na barra
inferior, são inseridas manchetes ativistas e críticas, como o número de mortos na Guerra
do Iraque ou custos de guerra, bem como é possível que o visitante insira sua própria notícia
46. O trabalho pode ser tanto acessado através do site do RYT Hospital, quanto também através do seu
endereço específico em: http://www.malepregnancy.com/ (acesso em 12 de setembro de 2007). O site
do artista está disponível em: http://www.virgilwong.com/ (acesso em 12 de setembro de 2007).
47. A documentação sobre o trabalho está disponível através do endereço: http://www.cnnplusplus.
com/ (acesso em 11 de setembro de 2007).
48. Esta soma poderia criar resultados curiosos. Se o apresentador da CNN falar, por exemplo, a palavra
“família” (presente entre as mais citadas) e o visitante adiciona no sistema o termo “simpsons”, logo na
tela da tevê aparecerá provavelmente a imagem dos personagens da série de animação –
The Simpsons
– oriunda da busca do Google, toda vez que “família” for proferida.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 1 1
através do site. Este “canal de notícias”, taticamente posicionado em locais de espaços sociais
onde o monitor televisivo é elemento que faz parte da paisagem, muitas vezes, elemento
sem atenção e mudo –, intui uma audiência desatenta que pode ser tomada de súbito por um
estranhamento.
Em contraposição aos grandes grupos de fast-food e comida delivery, o coletivo espanhol
“Mmmm...cria uma estrutura para aquela que seria o contraponto direto da alimentação
moderna: a saudável comida feita por uma mãe. Com o título de Telemadre.com
49
(2002), o
49. O trabalho está disponível através do endereço http://www.telemadre.com (acesso em 04 de
outubro de 2007).
Figura 79: Tela da
CNNplusplus
(2006) de Heidi
Kumao e Chipp Jansen.
Figura 80: Detalhe do site
Telemadre.com
(2002) do
coletivo ‘Mmmm...’.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 1 2
coletivo criou um espaço virtual de intercâmbio entre pessoas sozinhas que querem comer
bem (ou que não tem tempo para cozinhar) e mães desempregadas. Um site faz o intermédio
entre as telemães e telefilhos gratuitamente que negociam valores entre eles sobre a comida
que vai ser preparada e entregue. O site, com uma premissa muito simples, acaba propondo
uma solução concreta para problemas sociais a pessoa que pode se deliciar com uma
“comida de mãe” com tempero caseiro, composta de saudáveis ingredientes como verduras,
legumes e peixes e, do outro lado, senhoras que evidentemente ganham uma fonte de renda.
Curiosamente, a imprensa espanhola, na época, classificou a idéia como um “excelente
negócio”, ainda que os artistas não ganhem nenhum dinheiro nisso.
Assim como Minerva Cuevas, em Telemadre.com há uma interessante duplicidade entre ação
concreta e ação artística, pois consegue atuar com a mesma intensidade em ambos os contextos:
no social, evidentemente quando estabelece intercâmbios entre telemães e telefilhos e também
no âmbito artístico, quando expõe o trabalho e proporciona o envio de comida materna para
o interior de galerias de arte.
4.7 Outras ações
Indo além dos modelos sócio-econômicos, o desvio não se alimenta somente da ambigüidade
permanente ou circunstancial para sugerir outras posturas. A própria importação
destas formas gera um reconhecimento que é típico da paródia e da imitação. A idéia
da Freakpedia, citada aqui, nasce justamente por este viés: a importação do modelo de
enciclopédia livre como forma de questioná-lo diretamente. Não interessa somente o modelo
social em si, mas também o contexto social que advêm destas formas. Neste sentido, vários
nichos tecnológicos que podem ser atingidos, como seria o caso da indústria dos games, por
exemplo.
O game Cozinheiro das Almas
50
(2005/2006) do grupo Poéticas Digitais da ECA-USP, é um
exemplo neste sentido. Trata-se de um jogo em primeira pessoa baseado no livro O perfeito
50. Durante a produção do game, a equipe foi composta dos seguintes participantes: Gilbertto Prado
(coord.), Jesus de Paula Assis, Paula Janovitch, Lívia Gabbai, Luciano Gosuen, Tomas Sniker, Maurício
Taveira, Fábio Oliveira Nunes, Marcos Cuzziol, John-Philip Johansson, André Furlan, Gaspar Arguello e
Eliane Oliveira. Mais informações sobre o game
Cozinheiro das Almas
em: http://www.cap.eca.usp.br/
poeticasdigitais (acesso em 20 de outubro de 2007).
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 1 3
cozinheiro das almas deste mundo de Oswald de Andrade em que o visitante é lançado em um
único dia do ano de 1918, em São Paulo. Ao contrário das referências comerciais no gênero,
como o pioneiro Wolfenstein 3D
51
(1992) ou o popular Half Life (1998), chamados de games
“point and shot”, o jogador não terá inimigos belicosos e sim espaços a serem explorados
junto com personagens estranhamente congelados no tempo. A preocupação do grupo é
enfatizar a exploração com uma ambientação rigorosa dos espaços antigos e a narrativa
– propondo eventos sincrônicos durante o jogo.
Outra postura contrária aos cenários ideológicos da maioria dos games está em Game de Índio
(2005), dos artistas brasileiros Suzete Venturelli e Mário Maciel. Os artistas propõem um
universo na contramão da cultura da concorrência: matar, morrer ou ganhar solitariamente
não é fundamental aqui. Neste game, há um jogo indígena que só termina quando acontecer
um empate: o mais importante é que todos os participantes cheguem juntos depois de
percorrem um longo percurso. O game foi desenvolvido em programação Java para ser
jogado através de aparelhos celulares, podendo ser multiusuário. O projeto gráfico apresenta
a floresta do personagem Kuarupi. Logo no começo, o índio deverá carregar um tronco sem
cair atravessando adversidades e no decorrer do caminho recebe incentivo dos demais
51.
Wolfenstein 3D
– ou simplesmente
Wolf 3D
– é um game lançado em 1992 pela id Software,
em que seu enredo gira em torno de um soldado aliado dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Como
soldado, o jogador tem a seu dispor algumas armas como faca, pistola ou metralhadora giratória para
matar seus oponentes – nazistas – em um antigo castelo e conseguir ganhar o jogo.
Figura 81: Um dos
ambientes do game
Cozinheiro das Almas
(2005/2006) do Grupo
Poéticas Digitais.
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 1 4
corredores. Conforme as fases do game são transpostas, vê-se a necessidade de apoio mútuo
entre os jogadores – além da necessidade de conseguir salvar a floresta da ação predatória de
garimpeiros, posseiros e madeireiros. Conforme os artistas, este trabalho nos mostra uma outra
faceta possível entre as relações humanas onde “a violência e a disputa não são naturais no
humano, mas são desenvolvidas no indivíduo através da cultura formada numa determinada
sociedade” (VENTURELLI e MACIEL, 2005, p.1��). No lugar da disputa acirrada na
busca do “melhor”, a exemplo do ambiente corporativo –, temos um jogo que prega a ajuda
mútua.
Figura 82: Game
F69
(2004)
de Suzete Venturelli e Mário
Maciel.
Figura 83: Fórum de “bugs”
em
Debugging Life
(2006)
de JLNDRR.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 1 5
Há, além de Game de Índio, também dos autores, o game F69
52
(2004), apresentado na
exposição Emoção Art.ficial 2.0, que também contraria as narrativas competitivas dos
games convencionais, satirizando-as: apresenta como personagem principal um insólito
pênis eletrônico que lança esperma em robôs humanóides para alcançar uma cyborg. A
ligação com o caráter fálico das armas nos games em primeira pessoa de “point and shot” é
evidente. Os ambientes virtuais em que o jogador atua são revestidos por imagens eróticas e
pornográficas.
Até aqui enumeramos diversos aspectos do contexto contemporâneo e suas contrapartidas
artísticas como reflexos disformes, críticos ou ambíguos. A vida está com tal forma tecnológica
que ao contrário de criar modelos sociais, poderíamos a ela também aplicar o modelo tecnológico.
Se falhas, porque não corrigi-las? Os programas de computador costumam manter registros
de seus “bugs” (erros de programação) que são sempre necessários para rearranjos em versões
futuras. Conforme um novo software é lançado, é a partir de seu uso que seus utilizadores
irão perceber falhas e, caso possuam algum tipo denculo com a empresa desenvolvedora (os
chamados beta testers), poderão fazer um relato dos fatos em uma plataforma para esse fim,
similar aos fóruns da rede, em que cada bug é representado por um tópico que pode agregar
comentários. Bem, é partindo desta prática corriqueira entre os programadores de softwares
que o artista francês JLNDRR desenvolveu o site Debugging Life
5�
(2006), onde transforma seus
usuários em relatores de um grande programa chamado “vida”.
Com esta premissa, o site se propõe a ser um registro de todos os bugs possíveis deste
“programa”, com comentários de diversos relatores sobre possíveis maneiras de lidar com os
“erros” do cotidiano. E até agora, diversos casos, como “dinheiro insuficiente”, ou casos
mais específicos como o fato de bananas amadurecerem todas juntas (o que é um bug para
quem tem várias pencas no quintal). Como diz o autor, “agora que nós temos uma forma de
reportar estes bugs, é somente uma questão de tempo para a vida sair de sua versão beta”.
JLNDRR propõe uma utilização ready-made, descontextualizando um programa voltado
para o desenvolvimento de software, apropriado aqui como uma espécie de ferramenta para
52. O game
F69
pode ser baixado através do endereço: http://www.arte.unb.br/f69/ (acessado em 15
de outubro de 2007).
53. O site está disponível através do endereço http://www.debugginglife.com (acesso em 15 de
setembro de 2007).
F á b i o O l i v e i r a N u n e s
2 1 6
a discussão social da vida como se ela fosse um programa experimental ainda em fase de
testes.
Todos os exemplos aqui relacionados trazem uma visão questionadora da contemporaneidade
que nos faz cultivar certo otimismo, não diante da situação presente, mas das possibilidades
que a arte pode criar na discussão deste contexto. Embora falemos de distúrbios, a produção
nos novos meios que se origina nestes espaços relacionais não é apenas o cultivo do conflito,
mas na verdade, a busca de novos espaços de trocas em que a tecnologia e a ideologia
hegemônica, por extensão, não reinem em absoluto. Os distúrbios não se voltam ao indivíduo,
mas ao aparato tecnológico. Esse universo de preocupações com as negociações entre pessoas
e máquinas se aproxima dos intuitos de uma arte relacional que, conforme BOURRIAUD
(2006, p.55), não pretende voltar à “idade de ouro da Terra”, mas sim criar modus vivendi
que possibilitem relações sociais mais justas, modos de vida mais densos e combinações de
existência múltiplas e fecundas. Não é a representação de distantes utopias, mas a construção
de universos prodigiosos dentro do que seria apenas prosaico.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 1 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma produção tecno-relacional como referenciamos a um tipo de produção em novos meios
que parte das relações e do contexto tem a difícil tarefa de posicionar-se como mediadora
entre a profusão tecnológica e o alheamento do indivíduo, procurando sensibilizá-lo a fim
de que ele possa ter a consciência de sua verdadeira condição. Porém, as reflexões até aqui
desenvolvidas nos fazem verificar em quais condições esse sujeito está inserido em relação
ao contexto social e tecnológico. Os dois conceitos germinais que regem ambos os trabalhos
práticos destes estudos podem ser estendidos também a uma gradual relativização do indivíduo
em seu contexto: de um lado, a insignificância de Freakpedia e de outro, a conivência sistêmica
em Vislumbres Pós-humanos.
Uma das premissas da Freakpedia, além da pouca importância de seus verbetes é também a
própria insignificância de seus utilizadores. Não é a questão de menosprezar quem participa
do site. Muito ao contrário, é explicitar uma condição de seu contexto. Essa premissa está na
própria concepção de uma rede colaborativa – a base da chamada Web 2.0 – que, por sua vez,
está diretamente ligada a uma relativização do próprio autor. O primeiro ponto a ser observado
é que não uma co-autoria nos casos em que o artista abre um espaço de participação ou
inserção criativa – como nos modelos propostos por Fred Forest, tanto em seus espaços vazios
(ou cheios de branco) dispostos como convite à atuação livre ou mesmo na sua recente Bienal do
ano 3000 e sim uma autoria procedimental (MURRAY, 200�, p.149). É um autor procedimental
aquele que age como condutor que escreve as regras através das quais todos irão agir e também
prevêem como poderemos agir. Esses condutores são os verdadeiros e permanentes autores nos
espaços em que os demais colaboram. A própria Wikipédia salienta que seus colaboradores
devem abster-se de sentimento de posse em torno de verbetes. Nada ali pertence a quem escreve
cada linha de texto. Utiliza-se da dissimulação de acreditar numa filantropia intelectual em
que escreverei para o bem de uma comunidade de leitores – para que o usuário se abstenha dos
direitos de autor e transfira a guarda de suas criões para a enciclopédia colaborativa.
No modelo da Wikipédia, essa autoria procedimental está desde a concepção do que seria essa
“enciclopédia livre” e em uma série de prescrições obrigatórias aos que optam por participar
– que cada participante deve zelar pela coerência, pela imparcialidade, pelo princípio de boa
de quem escreve, pela relevância e que tudo que for escrito sob estes domínios pertence
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2 1 8
a essa coletividade. Esse modelo permite algumas situões curiosas: quando o artista
Edgar Franco propôs que seu verbete presente na versão lufona fosse apagado – fazendo
ele mesmo a excluo dos dados o conteúdo foi bloqueado e ele mesmo, sendo a pessoa
referenciada nos conteúdos, foi proibido de dar fim às informações. Em 2006, o artista Jaron
Lanier conhecido por suas pesquisas em realidade virtual declarou que no verbete a que
se refere a ele, durante algum tempo permaneceu como diretor de cinema” e apesar de
diversas alterações dele a informação equivocada foi constantemente revertida, como se
fosse algum tipo de vandalismo. A autonomia de poder eliminar determinada informação,
ainda que tenha sido quem a escreveu,o existe. o pode haver arrependimento para
aquilo que estiver disposto em domínio público: necessariamente, a efetivação dessa ão
dependerá de uma coletividade e das inteões deste grupo. Porém, há que se observar que
diante das grandes corporões de softwares, especialmente, o modelo de desenvolvimento
colaborativo o software livre ainda é o formato mais apto a esse enfrentamento.
Em uma outra plataforma também emblemática da Web 2.0, o Orkut impõe a seus
utilizadores a autoria sobre qualquer tipo de informação ali exposta. Dos gostos pessoais de
seus utilizadores às fotos de férias que dispõem dentro do site de relacionamentos, tudo está
sujeito aos interesses da corporação proprietária. Ora, o indivíduo ali nada mais é do que
parte de um banco de dados que está sendo alimentado a cada instante. Sua participação
é estrategicamente condicionada a um modelo homogêneo de inserção de dados, com o
requinte de perguntas comumente feitas a celebridades: “cinco coisas que eu não consigo
viver sem”, “no meu quarto você encontra”, além da célebre questão “quem sou eu?”. Essas
indagações animam ainda mais seus usuários a se enxergarem como celebridades de um novo
meio: muitos buscam ampliar cada vez mais sua rede de contatos, como forma de se tornarem
cada vez mais visíveis. Nestes espaços, há um jogo entre observar e ser observado.
Embora esses sujeitos vejam a si mesmos no interior de espaços como os sites de relacionamento
– que os trata enquanto celebridades, isso não significa que estes indivíduos sejam realmente
relevantes ou que detêm algum poder. Ao observarmos as ferramentas propiciadas por uma
Web 2.0, podemos nos condicionar a acreditar em uma “democratização” ou no “poder
ampliado” deste indivíduo. A rede nunca antes esteve tão disponível aos conteúdos pessoais:
seja sobre a forma de textos, vídeos ou no interior de um sistema multiusuário. Mas, na
verdade, somente passamos a atuar em um palco cibernético preparado para colaborações
homogêneas e com um aparato mediador e restritivo cada vez mais poderoso.
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 1 9
Os artistas preocupam-se com o aparato que nos monitora permanentemente (como as
ações de Steve Mann e do grupo Preeptive Media, por exemplo) e o atacam. A edição de
2007 do evento austríaco Ars Eletronica teve como tema justamente o “Goodbye Privacy”,
reverberando a Bienal de São Paulo em 2006, que trazia o contexto desta questão.
também o citado Emoção Art.ficial 2.0, em 2004. Porém, os indivíduos comuns estão
preocupados em ascenderem avidamente nestes sistemas e desejam imensamente grandes
acessos em suas páginas em que escancaram toda a sua vida privada. No contexto de mercado,
o mesmo acontece com os cartões de fidelidade em que os clientes optam em trocar seus
hábitos de consumo por descontos irrisórios ou brindes. A ação dos artistas é evidentemente
válida (e necessária), e muitas vezes se torna inócua se pensarmos que muitas pessoas não
estão preocupadas em serem vigiadas ou não no fundo, elas até divertem-se ao serem o
alvo destes sistemas de monitoramento. Aliás, ao se deparar com o Google Maps, um dos
comportamentos mais naturais é buscarmos o nosso entorno geográfico (nossa casa ou local
de trabalho) entre as imagens de satélite – queremos ver a nós mesmos enquanto observados.
Os indivíduos estão propensos a não encarar os sistemas de vigilância como invasores e muito
mais condicionados a procurarem a si mesmos no interior dos sistemas, como se somente
através deles, existíssemos.
No fundo, podemos bem observar que um deslocamento da própria idéia de autonomia.
Enquanto as pessoas estão expostas em inúmeros sistemas de monitoramento configurando a
Sociedade de Controle de Deleuze um movimento em contrário, em relação às máquinas.
Atualmente, uma das questões presentes é formatar dispositivos capazes de analisar o fluxo de
dados que advém do monitoramento. É natural pensarmos que estes sistemas lidam com uma
quantidade cada vez mais exorbitante de dados e como uma constante desde a Revolução
Industrial é necessário que estas informações sejam processadas com rapidez e eficiência.
uma série de equipamentos que se propõem a estar no lado oculto da câmera que observa:
câmeras capazes de distinguir gênero e idade de seus observados ou até mesmo capazes de
distinguir faces e comportamentos indicando possíveis sujeitos procurados ou alguém em
atitude suspeita. Essa automatização do monitoramento também é dada por interfaces cada
vez mais sociais: poder distinguir expressões faciais, por exemplo, serve para entender o outro
e formar algum tipo de juízo.
Simultaneamente, a conformação de um pensamento que é sistêmico: esse monitoramento
não é algo realizado individualmente, mas em uma coletividade. Os sistemas de emergência
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2 2 0
artificial são baseados na própria organicidade que existe entre os seres vivos e buscam
vislumbrar a incidência de padrões em um corpo que possui inúmeros indivíduos: as
recorrências de muitos se sobrepõem ao individual com uma lógica similar ao que é
colaborativo. Estes sistemas tendem a cada vez mais propor resultados homogêneos em
virtude de sua matemática sobre as maiorias, ameaçando assim como acontece no interior da
Wikipédia – tudo aquilo que for particularmente restrito ou peculiar. Assim como programas
de televisão que agem pela quantidade de sua audiência, tornando-se reflexo da sua maioria
de telespectadores, conforma-se uma ditadura das maiorias sobre as pequenas coisas.
Ao terem, as máquinas, cada vez mais o poder de ter conclusões de fazer juízos sobre um
humano nós transferimos a elas uma autonomia que enquanto indivíduos estamos
perdendo. Na acepção dos agentes, trazida por JOHNSON (2001, p.1�1-1�2), estes sistemas
têm capacidade de serem autônomos que podem aprender com as situações que lhe são
apresentadas, mas o que seria uma grande facilidade por exemplo, um agente capaz de
selecionar o que realmente interessa em sua caixa de e-mails pode também possuir mais
poder de decisão que seu próprio usuário. Um agente que possua algum tipo de intenção oculta
nos suscita a mesma paranóia típica dos Cyberpunks: nestas circunstâncias, quem controlaria
quem? Essa transferência de autonomia realmente se apresenta como uma espécie de prólogo
dos cenários recorrentes da ficção científica.
O elemento-chave destas circunstâncias é o mercado. Para ele, as fronteiras entre o humano ou
a máquina já foram quebradas desde que a mão de obra humana começou a ser substituída.
A máquina permanecerá como fiel encarregada como no enredo de Metropolis de Fritz Lang
enquanto sua ação representar lucro para o sistema hegemônico. O desejo permanente de
rentabilidade seria não a mola propulsora desta tecnologia, como também sua diretriz mais
fundamental. Em um cenário em que as máquinas exercem uma autonomia plena, será muito
mais fácil encontrar em seu íntimo os valores de mercado, do que valores mais comunitários
ou humanitários, pois esta é a sua origem.
Na tentativa de constituir distúrbios no interior da tecnologia, os artistas dos novos meios
alimentam soluções para esse futuro distópico. Quando os artistas optam por um discurso
destoante daquele que é o dominante e proporcionam produções em que a tecnologia está
presente, mas não é uma protagonista cristalizada no discurso, temos estratégias que se
contrapõem ao estabelecido. BOURRIAUD (2006, p. 82) pontua a tecnologia como impregnada
C T R L + A R T + D E L : c o n t e x t o , a r t e e t e c n o l o g i a
2 2 1
da ideologia hegemônica. Ele está certo se pensarmos em posturas deslumbradas, onde a
tecnologia é idolatrada ou apresentada sem questionamentos. As posturas tecno-relacionais,
por sua vez, estão ávidas em desconstruir o aparato deste pensamento hegemônico: querem
fazer com que as relações do cotidiano sejam o ponto de partida para uma nova tomada
social. O mercado global é desfigurado em seus propósitos mais escusos. As ações em que os
modelos sócio-econômicos são evidenciados escancaram essa face deformada. O desvio deste
pensamento hegemônico representa o questionamento de todas as relações até então sob a
forma de commodities. Enfim, essas produções podem ser capazes de ir numa contramão
desta relativização do indivíduo contemporâneo: podem fazê-lo pensar sobre sua própria
significância diante destes meios. Se ele é realmente importante dentro da lógica sistêmica do
mundo – e não apenas como cliente que alimenta um sistema – ou se na verdade ele é apenas
elemento transponível.
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