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MARCELO TADEU PAJOLA
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO:
UM ESTUDO SOBRE O PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO DE
PONTES DE MIRANDA.
Piracicaba, SP
2008
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2
MARCELO TADEU PAJOLA
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO:
UM ESTUDO SOBRE O PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO DE
PONTES DE MIRANDA.
Orientador: Prof. Dr. EVERALDO TADEU QUILICI GONZALEZ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação (Mestrado em Direito) da Universidade
Metodista de Piracicaba – UNIMEP, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em Direito,
sob orientação do Professor Doutor Everaldo Tadeu
Quilici Gonzalez.
Núcleo: Estudos de Filosofia e História das Idéias
Jurídicas.
Piracicaba, SP
2008
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Dados para catalogação:
PAJOLA, M. T. Aspectos fundamentais do fenômeno jurídico:
um estudo sobre o pensamento jusfilosófico de Pontes de
Miranda. Universidade Metodista de Piracicaba, 2008. Dissertação
(Pós-Graduação, Curso de Mestrado em Direito). Orientador:
Professor Doutor Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez.
1. Pontes de Miranda; 2. Fundamentos do fenômeno jurídico ; 3.
Positivismo e neopositivismo; 4. Filosofia brasileira.
4
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO: UM ESTUDO SOBRE
O PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO DE PONTES DE MIRANDA
Autor: Marcelo Tadeu Pajola
Orientador: Prof. Dr. Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez
BANCA EXAMINADORA
29/02//2008
___________________________________________
Prof. Dr. Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez
(Orientador - Presidente)
___________________________________________
Prof. Dr. Victor Hugo Tejerina Velázquez
(Membro)
___________________________________________
Prof. Dr. Alessandro Jacomini
(Membro Convidado)
5
DEDICATÓRIA
À minha mãe:
Áurea Nachbar Pajola,
que me deu o dom da vida e me nutriu com amor infinito; que me educou e edificou
em meu ser as três colunas que sustentam minha existência: a ética e a moral, o
amor a Deus e ao próximo, e a humildade;
Ao meu pai:
Santino Pajola,
exemplo de dignidade a ser seguido, que me ensinou que o homem
deve ser honesto e justo consigo e com o próximo, devendo sempre
pautar seus atos movido pela boa-fé;
À minha esposa:
Silvana Regina Rossini Pajola,
que me fez descobrir o significado da palavra amor;
que me faz acordar todos os dias com a certeza de que
tenho uma virtuosa companheira na mais absoluta
plenitude; que está ao meu lado para qualquer tipo de
situação e que me deu duas filhas maravilhosas;
Às minhas filhas:
Isabella e Chiara,
que vieram ao mundo para transbordar a
vida de nossas famílias de felicidade e
demonstraram compreensão e paciência
nos momentos de ausência familiar
durante o tempo em que me dediquei ao
Curso de Mestrado;
DEDICO ESTE TRABALHO.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, trino e triúno, onipotente, onisciente e onipresente, em quem busco refúgio
para as minhas dificuldades e com quem compartilho minhas felicidades; meu eterno
refúgio e cúmplice.
Ao Professor Doutor Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez, pelo estímulo, pela
generosidade em compartilhar seu vasto conhecimento com seus discípulos, e
principalmente pela orientação durante o desenvolvimento da presente dissertação de
conclusão de curso.
Ao Professor Doutor Victor Hugo Tejerina Velazquez, pelo exemplo de vida e pelo
primoroso trabalho realizado enquanto Coordenador do Curso de Mestrado em Direito
da UNIMEP.
Ao Professor Doutor Alessandro Jacomini, pelo pronto valhacouto, pelo incentivo ao
exercício da pesquisa e pelo aceite em participar de minha banca de defesa pública de
dissertação de Mestrado.
À minha sogra, Antonieta Aparecida Bellan Rossini, pelo apoio incondicional e pela
assistência na educação de minhas filhas.
Ao Professor Doutor Silvio Carlos Bray, pela imprescindível contribuição à finalização
deste trabalho.
Ao Mestre Sérgio Dagnone Júnior, amigo e irmão despretensioso, que me apresentou
ao Direito e sempre me incentivou aos estudos jurídicos.
Ao amigo Dr. Luiz Carlos Cerri, pelo apoio e incentivo recebidos no dia-a-dia do
exercício do Direito forense.
Ao Mestre Renato Toller Bray, amigo e filósofo do Direito, pela sua grandiosa
contribuição na realização desta pesquisa.
Ao Mestre Ricardo Bittar Hajel Filho, novo amigo e exemplo de que a erudição é
tarefa árdua.
À Juíza de Direito, Dra. Cíntia Andraus Carretta, pela ética e imparcialidade no
exercício da magistratura, e pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
Aos juízes de Direito Sidnei Antonio Cerminaro e Cláudio Luis Pavão, pelo auxílio
incondicional e por serem exemplos de que o estudo do Direito é perene.
Aos professores e funcionários da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP,
pelos anos de convivência, em especial a Sueli Catarina Verdichio Quilles e Dulce
Helena dos Santos, secretárias do Programa de Pós-Graduação da UNIMEP, pelo
carinho e dedicação no atendimento ao alunado.
A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para o meu sucesso na consecução
deste trabalho e que, por motivo de falha de memória, não foram contemplados nestes
agradecimentos.
Como Pontes de Miranda, acredito na predição de Epicuro, de que a amizade é o único
caminho para a felicidade.
7
RESUMO
Genericamente, o presente trabalho se propõe a resgatar o estudo sobre um
pensador nacional de grande importância para a Filosofia do Direito no Brasil, pouco
pesquisado, muito incompreendido e quiçá mal interpretado, como resposta ao
colonialismo cultural jurídico que assola a Academia Jurídica Brasileira, não só nos
tempos atuais, como também em seus primórdios. Especificamente, o trabalho tem
por objetivo demonstrar que além dos aspectos do fenômeno jurídico explicitamente
analisados por Pontes de Miranda no tomo III de sua obra Sistema de Ciência
Positiva do Direito (mecânico, biológico, sociológico, ideológico e técnico), outros
aspectos também por ele foram abordados de forma implícita nos tomos I, II e IV da
referida obra (psicológico, político e gnosiológico), os quais são reputados
igualmente importantes para a compreensão do fenômeno jurídico, ou seja, para o
estudo científico do Direito. Finalizando, procuramos identificar a corrente
metodológica adotada, seguida e influenciadora de Pontes de Miranda.
Palavras-chaves: Pontes de Miranda; Fundamentos do fenômeno jurídico; Positivismo e
neopositivismo; Filosofia brasileira.
8
ABSTRACT
Generically, the present work if considers to rescue the study on a national thinker of
great importance for the Law Philosophy in Brazil, little searched, very misunderstood
and perhaps badly interpreted, as reply to the legal cultural colonialism that
devastates the Brazilian Legal Academy, not only in the current times, as well as in
its origin. Specifically, the work has for objective to demonstrate that beyond the
aspects of the legal phenomenon explicit analyzed by Pontes de Miranda in tome III
of its workmanship System of Positive Science of the Right (mechanic, biological,
sociological, ideological and technician), other aspects for it had also been boarded
of implicit form in tome I, II and IV of the related work (psychological, politician and
gnosiological), which we repute equally important for the understanding of the legal
phenomenon, that is, for the scientific study of the Right. Finishing, we look for to
identify the methodological chain adopted, followed and influential of Pontes de
Miranda.
Keywords: Pontes de Miranda; Foundations of the juridical phenomenon; Positivism
and neopositivism; Brazilian philosophy.
9
[...] cedo cheguei à convicção de que as civilizações mais
dependem do Direito do que dos outros processos sociais
de adaptação. É o Direito que as estrutura, sem as peiar e
sem as empurrar para abismos. Se tanto quis e quero
contribuir para o Direito foi e é porque me convenci de que a
nossa civilização somente se pode conservar, se
mantermos a tradição jurídica, alterando-a quando
estivermos persuadidos de que é preciso que se altere.
(Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda )
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................. 13
1 O CIENTISTA DO DIREITO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO INTELECTUAL DE PONTES DE MIRANDA..........................
21
1.2 Na Velha República (1889 a 1930): momento histórico em que Pontes
de Miranda escreveu a obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”...
23
2 OS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO: ANALISE
DO TOMO III DA OBRA SISTEMA DE CIÊNCIA POSITIVA DO DIREITO.....
32
2.1 Sobre o aspecto mecânico...................................................................32
2.2 Sobre o aspecto biológico................................................................... 41
2.3 Sobre o aspecto sociológico............................................................... 47
2.4 Sobre o aspecto ideológico................................................................. 54
2.5 Sobre o aspecto técnico.......................................................................60
3 OUTROS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO...... 69
3.1 Sobre o aspecto psicológico............................................................... 69
3.2 Sobre o aspecto político.......................................................................75
3.3 Sobre o aspecto gnosiológico............................................................. 78
3.4 Outros aspectos implícitos na obra de Pontes de Miranda.............. 81
4 PONTES DE MIRANDA: POSITIVISTA OU NEOPOSITIVISTA?............... 83
4.1 Positivismo e o neopositivismo: breve quadro comparativo........... 83
4.2 Pontes de Miranda: autodeclaração e crítica......................................88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 102
ANEXOS........................................................................................................106
Anexo 1 – Curriculum Vitae de Pontes de Miranda
Anexo 2 – Relação de obras de Pontes de Miranda
11
INTRODUÇÃO
A idéia de produzir a presente dissertação surgiu da necessidade de se
promover um estudo acerca do pensamento jusfilosófico de Francisco Cavalcanti
Pontes de Miranda, pensador nacional de grande importância para a Filosofia do
Direito no Brasil; o filósofo em questão foi pouco pesquisado e muitas vezes
incompreendido (quiçá mal interpretado), devendo-se considerar que ele fornece
solução para diversas dúvidas que permeiam o Direito brasileiro, podendo tal
pensador ser interpretado como resposta ao colonialismo cultural jurídico que assola
a academia jurídica brasileira, desde seus primórdios até os tempos atuais.
Além disso, este trabalho tem objetiva demonstrar, além dos aspectos dos
fenômenos jurídicos explicitamente analisados pelo autor em questão (mecânico,
biológico, sociológico, ideológico e técnico), no tomo III de sua obra “Sistema de
Ciência Positiva do Direito”, outros aspectos por ele abordados nos tomos I, II e IV
da referida obra (psicológico, político e gnosiológico), os quais se considera
igualmente importantes para a compreensão do fenômeno jurídico, ou seja, para o
estudo científico do Direito.
O incentivo para levar a efeito tal empreitada também surge do privilégio que
o autor da presente dissertação de conclusão do Curso de Mestrado em Direito teve
de conhecer, quando do Curso de Bacharelado em Ciências Jurídicas, o Professor
Doutor Artur Dibeux, que propiciou a introdução aos pensamentos do autor objeto de
estudo; Diubex foi tão contagiante em sua exposição que as anotações sobre sua
primeira aula na disciplina “Introdução ao Direito”, ministrada em três de agosto de
1991 e que abordou o tema “Processos de Adaptação Social: Teoria de Pontes de
Miranda” estão guardadas com apreço até hoje para o autor da presente
12
dissertação; isso porque os dois semestres em que aquela disciplina foi ministrada
gerou um profundo interesse pelo tema, sendo esta dissertação a materialização do
que se conseguiu apreender do vasto e portentoso conhecimento jurídico-filosófico
de Pontes de Miranda.
Após consultar aproximadamente 1.618 livros e despender dez anos de
observações e pesquisas, Pontes de Miranda publicou pela primeira vez, em 1922,
os dois volumes de sua obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, pela Editora
Borsoi, em comemoração ao Centenário da Independência do Brasil, sendo que, no
ano seguinte, esta primeira edição já estava totalmente esgotada; a segunda edição
da mesma obra só ocorreu cinqüenta anos depois, pela mesma editora, mas em
quatro volumes, tendo em vista as comemorações do Sesquicentenário da referida
Independência. A pedido do autor o texto foi mantido de forma fiel ao inicial, mas
Pontes de Miranda, atendendo a solicitação de seus inúmeros amigos e
admiradores, acrescentou um último capítulo intitulado “De 1922 a 1972”. Para o
desenvolvimento da presente dissertação foi utilizada a segunda edição, reeditada
em 2005 pela Editora Bookseller.
Ainda a respeito dessa importante obra, convém destacar que ela representa
a síntese do pensamento de Pontes de Miranda sobre o fenômeno jurídico, já que foi
por meio dela que o autor desenvolveu sua visão a respeito da Ciência do Direito,
fato que, por si só, justifica a escolha de tal filósofo como objeto de estudo da
presente pesquisa, embora outras obras do mesmo autor tenham fornecido
importantes subsídios, sendo que nelas Pontes de Miranda trata especificamente
dos temas Psicologia, Política, bem como Teoria do Conhecimento, respectivamente
nos livros “À Margem do Direito”, “Introdução à Política Científica” e “O Problema
Fundamental do Conhecimento”.
13
Uma vez exposta a delimitação na produção científica de Pontes de Miranda,
que se faz absolutamente necessária em função da magnitude da produção
científica do autor objeto de pesquisa, materializada em 144 volumes e impossível
de ser abordada com toda profundidade numa simples dissertação de mestrado,
deve-se ressaltar que a presente pesquisa configura-se importante para o universo
acadêmico, haja vista que em seu desenvolvimento foi possível notar o desprezo
que existe pelos juristas nacionais, em detrimento, sobretudo, dos europeus.
Nesta fase inicial deste trabalho ainda cabe destacar que, em janeiro de 1984,
no Campus da Universidade Estadual de Maringá, estado do Paraná, foi realizado o
“II Encontro Nacional de Filosofia do Direito”, em homenagem ao Centenário de
Hans Kelsen. Desse importante evento resultou a publicação da obra “Estudos de
Filosofia do Direito: Uma Visão Integral da Obra de Hans Kelsen”, coordenada por
Luiz Regis Prado e Munir Karam, produção científica que permitiu a perpetuação das
conferências lá apresentadas, bem como das provocações feitas aos expositores.
Dentre elas, chama atenção a conferência proferida por Djacir Menezes, sob
o tema “Kelsen e Pontes de Miranda” e maior destaque ainda evocou o debate
proposto por Miguel Reale, logo após a apresentação a referida conferência, por não
concordar com o enaltecer destinado a autores estrangeiros em detrimento dos
pensadores pátrios. Para tanto, Miguel Reale demonstrou que Pontes de Miranda
tinha muito mais cabedal científico-jurídico para trabalhar com as propostas do
interdisciplinar “Círculo de Viena” do que Hans Kelsen, razão pela qual este jurista
acabou afastando-se de tal “Círculo” para fundar, com a colaboração de Schreier e
Kaufmann, a “Escola Jurídica de Viena”. Desse episódio é possível notar a
importância do estudo acadêmico das obras de Pontes de Miranda, já que no
decorrer desta dissertação o leitor poderá observar tratar-se de um erro manter os
14
autores nacionais no ostracismo, privilegiando-se autores estrangeiros. Destaque-se
aqui que, enfaticamente, o esteio intelectual de Pontes de Miranda permitiu-lhe
enfrentar com tranqüilidade os desafios do fisicalismo filosófico de Rudolf Carnap,
pertencente ao “Círculo de Viena”, recusado por Hans Kelsen em função de sua
formação kantiana.
Diante do pouco até aqui exposto, observa-se que são desnecessárias
maiores delongas para justificar a investigação proposta neste trabalho e que, em
termos de atualidade, acredita-se que o pensamento jusfilosófico de Pontes de
Miranda ainda se faz presente na Filosofia do Direito contemporânea.
Entretanto, dando continuidade a este mote introdutório, enfatiza-se a Teoria
da Autopoiése de Niklas Luhmann, elaborada a partir dos estudos realizados pelos
pesquisadores chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, biólogos que se
empenharam na construção de uma concepção biológica de vida, dedicados a
explicar o fenômeno da força vital; desenvolveram, portanto, a teoria retro citada
visando dar solução às pesquisas. Isso, por si só, é prova de que a Ciência Jurídica
não está hodiernamente imune às contribuições das ciências naturais, sobretudo
num mundo caracterizado pela pós-modernidade, onde se exige o desenvolvimento
da Ciência do Bio-Direito.
No que diz respeito à metodologia de Pontes de Miranda, há que se destacar
que ela sofreu significativo rigor por parte do autor, principalmente quando da
concepção de sua obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, a qual ainda se
mantém atual, ou seja, como proposta plenamente válida e atual para se combater o
extremo normativismo jurídico que se alastrou pelas nações nas quais o Direito foi
engendrado e em muito influenciado pelo sistema jurídico romano-germânico. Para
se ter uma idéia, Pontes e Miranda deixa claro no prefácio de sua obra qual sua
15
pretensão ao escrever o “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, ou seja,
demonstrar que há um Direito passível de ser investigado pelos rigorosos e
inflexíveis métodos científicos.
Assim, o autor adota o método científico experimental-indutivo e o segue à
risca dentro de sua lógica, impondo a interpretação dos dados coletados
objetivamente, com total desprezo às opiniões preconcebidas e a qualquer princípio
a priori. Portanto, insta expor que se trata de um pensador brasileiro que não
desprezou a interdisciplinaridade para construir sua Teoria Científica sobre o Direito,
possuindo uma visão rica do fenômeno jurídico.
Nesse sentido, Pontes de Miranda expõe que:
No direito, se queremos estudá-lo scientificamente, como ramo
positivo do conhecimento, quase todas as sciencias são convocadas
pelo scientista. A extrema complexidade dos phenomenos implica a
diversidade do saber [...]. Nas portas das escolas
de direito devia
estar escrito: aqui não entrará quem não fôr sociólogo. E o sociólogo
supõe o mathematico, o phisico, o biólogo. É
flor de cultura.
1
(grifo do
autor).
Ao observar o universo pelos diversos métodos das ciências, sobretudo das
ciências naturais, naturalisticamente, portanto, Pontes de Miranda notou que tanto
no mundo orgânico como no inorgânico há manifestações de fenômenos jurídicos.
Nesse contexto está presente uma série de aspectos, a saber: o aspecto mecânico,
o biológico, o sociológico, o ideológico e o técnico. Numa primeira instância, tais
aspectos foram identificados de plano no Tomo III da obra “Sistema de Ciência
Positiva do Direito”.
Contudo, na medida em que a pesquisa foi amadurecendo, em última instância
foi possível identificar outros aspectos implícitos no conjunto da referida obra, a saber: o
1
Apud MACHADO NETO, Antonio Luiz. História das idéias jurídicas no Brasil. São Paulo: Grijalbo,
1969. p.186-187.
16
aspecto psicológico, o político e o gnosiológico, aspectos estes que se relacionam com
o fenômeno jurídico e que podem igualmente ser considerados fundamentais.
Tal posicionamento leva a entender que, para a explicação dos fenômenos
jurídicos, o jurista deve emprestar o saber derivado de quase todas as ciências, sem
distinção, pois sem a interdisciplinaridade o pensador se torna incompleto, tendo em
vista que os fenômenos sociais são extremamente complexos, o que confere a Pontes
de Miranda uma visão sistêmico-organicista e uma concepção finalista-culturalista
acerca do Direito.
Quanto à metodologia utilizada nesta dissertação, entendeu-se como melhor
opção a adoção do método hermenêutico, cuja origem etimológica da palavra acredita-
se estar em Hermes, o deus que buscava trazer à luz as coisas ocultas. Assim se
comporta o hermeneuta, buscando resolver as contradições e obscuridades de um
texto. Contudo, um conceito mais profundado do assunto pode ser encontrado em
Antonio Carlos Leite Brandão, quando o autor explica que:
Ermeneia significava, originalmente, a expressão de um pensamento
e evolui para "hermenêutica" - ou ars interpretandi, desenvolvida
pelos gramáticos de Alexandria - entendida como a explicação e
interpretação desse pensamento. Em São Tomás de Aquino ele
aparece para estabelecer a verdade ou falsidade de uma oração
enunciativa. Já em Spinoza ele se dirige não para captar a verdade
de uma frase ou de um texto, atribuição reservada à lógica, mas à
captura do seu sentido, uma vez que há frases e textos, como a
poesia e o objeto artístico, que são impossíveis de serem
demonstradas, mas que têm um sentido. Tanto na filologia clássica,
na exegese da Bíblia ou na História da Arte, o que importa é restituir
e salvar o sentido. Ora, o que se assiste nesse salto em direção ao
sentido é uma nova amplitude conferida ao procedimento
hermenêutico aplicando-o não ao discurso descritivo da natureza
(sujeito ao critério da verdade ou da falsidade), mas à interpretação
das Sagradas Escrituras e aos discursos expressivos da Arte, das
ciências do espírito e das ciências humanas. Nesses discursos, o
que está em jogo é a existência e o salvamento do sentido.
2
(grifo do
autor)
2
BRANDÃO, Antonio Carlos Leite. Introdução à hermenêutica da arte e da arquitetura. Disponível
em: <http://www.arq.ufmg.br>. Acesso em: 5 dez. 2007.
17
Dessa forma, entende-se que o método hermenêutico preocupa-se com a
compreensão do mundo, buscando desmistificar conceitos a priori. Ressalte-se que,
entre os constitucionalistas, atualmente muito se tem aplicado o método
hermenêutico nos casos de conflitos entre normas e princípios constitucionais. No
fim das contas, o que se visa é a razoabilidade ou proporcionalidade.
Na filosofia habermasiana, por exemplo, a hermenêutica ocupa uma função
crítica e denuncia as falhas do realismo jurídico, do juspositivismo e do
jusnaturalismo, o que leva a compreender que o método hermenêutico ocupa a
função compreensiva dos fenômenos que circundam o mundo.
Para compreender o pensamento de Pontes de Miranda foi aplicada a arte da
interpretação. Em determinados momentos apresentou-se a necessidade de olhar
para o fenômeno jurídico “segundo os olhos” do autor e, objetivamente, buscar
compreender a linguagem do autor. Por outro lado, isto é, subjetivamente, buscou-se
conhecer sua vida interior e exterior e amparando-se em Marília Andrade dos Santos
foi possível detectar que:
Apenas por meio dos escritos de alguém se pode conhecer seu
vocabulário, bem como seu caráter e suas circunstâncias. O
vocabulário e a história da época de um autor funcionam como a
totalidade a partir da qual seus escritos devem ser compreendidos
como algo particular e vice-versa.
3
Portanto, a hermenêutica metodológica preocupa-se com o caminho trilhado
pelo intérprete, ou melhor, com o processo de interpretação utilizado. A contribuição
desse método revela-se importante, pois o ser é trazido à luz e, assim, o
pesquisador preocupa-se com o que pensa e sente a respeito do objeto investigado.
3
SANTOS. Marília Andrade dos. A legalidade do aborto de anencéfalos sob o prisma da hermenêutica.
Disponível em: <http://br.monografias.com>. Acesso em: 5 dez. 2007.
18
A autora retro citada enriquece o assunto ao expor que:
Suas impressões são imprescindíveis para que se possa buscar a
interpretação. No que respeita à participação do intérprete na
interpretação realizada pelo método da Hermenêutica Filosófica,
interessante colacionar a explicação feita pelo professor Luiz
Rohden, que clarifica a interação entre o objeto e seu intérprete: “[…]
há um sujeito que joga e é jogado; não observa apenas, mas
também é afetado pelo processo de conhecer que envolve sentido e
significado.” Assevera, ainda, que a Hermenêutica, enquanto
filosofia, não se prende aos trilhos da interpretação casual linear nem
à mera análise de textos ou proposições. Nela, ética e linguagem
caminham de mãos dadas, uma vez que o modo de interpretar
implica discernir suas implicações (pessoais e sociais). Arraigada na
finitude humana, a hermenêutica filosófica não se separa desta sua
condição. Daí por que a historicidade e a linguagem assumem os
papéis de protagonistas do pensar filosófico pautado por uma medida
de racionalidade apropriada ao modo de ser humano.
4
Desde já é importante alertar ao leitor que a presente pesquisa não se propôs
a uma análise da evolução do Direito nacional pelo método histórico, nos moldes
traçados por Savigny, mas teve a intenção de demonstrar que Pontes de Miranda
descobriu fatores empíricos, presentes no fenômeno jurídico e próprios do seu
tempo. Em outras palavras, foi empreendido um mergulho epistemológico na obra
“Sistema de Ciência Positiva do Direito” para dela extrair, a partir de sua análise
objetiva e pela hermenêutica, as colunas basilares de sustentação do pensamento
jurídico-filosófico do autor. As colunas que se apresentam como constantes na
estrutura do fenômeno jurídico, detalhadas nas considerações finais deste trabalho,
revelam que o pensamento jurídico-filosófico de Pontes de Miranda não está
vinculado a nenhum momento de relevância histórica, mas apenas e tão somente ao
mister da ciência: o de descrever e explicar os fenômenos jurídicos de maneira
empírica.
4
SANTOS. Marília Andrade dos. op. cit.
19
Feitas essas considerações introdutórias, cumpre neste momento esclarecer
que esta pesquisa foi desenvolvida em quatro capítulos distintos, mas intimamente
interligados.
Num primeiro momento será feita uma abordagem a respeito de Pontes de
Miranda enquanto cientista do Direito, de sua formação intelectual e da “Velha
República”, ou seja, um resgate histórico sobre o período compreendido entre a
Proclamação da República (1889) e o advento do Estado Novo (1930), período que
abrange desde o nascimento de Pontes de Miranda até a publicação de seu livro
“Sistema de Ciência Positiva do Direito”; o leitor notará que não houve um
aprofundamento de um historiador, mas que se procurou trazer à lume os fatos
marcantes desse período, os quais certamente influenciaram o autor aqui
pesquisado.
No segundo capítulo serão analisados os aspectos do fenômeno jurídico
identificados de pelo autor no Tomo III da obra retro citada, isto é, os aspectos
mecânico, biológico, sociológico, ideológico e técnico.
Já, no terceiro capítulo, leva-se ao conhecimento do leitor os aspectos por
identificados como implícitos nos conjunto da obra, a saber: o psicológico, o político
e o gnosiológico.
No quarto capítulo e último capítulo buscou-se identificar a corrente
metodológica adotada, seguida e influenciadora de Pontes de Miranda.
Para encerrar o presente trabalho, será apresentado nas considerações finais
o que foi possível apreender acerca do autor, o que se desconhecia e o que foi
acrescentado pelo estudo da sua obra, como contribuição para o universo
acadêmico no resgate deste importante ícone do pensamento jurídico nacional e
mundial.
20
Posta a necessária introdução do árduo trabalho aqui desenvolvido, insta
agora convidar o leitor a conhecer um pouco daquilo que se aprendeu a respeito do
pensamento jurídico filosófico de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.
21
1 O CIENTISTA DO DIREITO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO
INTELECTUAL DE PONTES DE MIRANDA
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda nasceu em 23 de abril de 1892, na cidade
Maceió, estado do Alagoas; desde muito jovem se interessou pelo estudo da ciência dos
números, influenciado pelo pai, Manoel Pontes de Miranda, bem como pelo avô paterno,
Joaquim Pontes de Miranda, ambos destacados professores de Matemática. Fato
interessante é que o apreço por essa área das Ciências Exatas foi adquirido na infância e
perdurou por toda a vida de Pontes de Miranda, o que levou o matemático Godel em certa
ocasião a lhe dirigir a seguinte pergunta: “Por que você perde tempo com a lei?”
5
A partir dos 13 anos de idade, Pontes de Miranda tinha por hábito, depois das
aulas no colégio, refugiar-se num convento de frades franciscanos, localizado na vila
Engenho do Mutage, nos arredores de Maceió; as visitas eram tão freqüentes que
os religiosos não tardaram em providenciar um leito para o adolescente passar a
noite. Foi nesse profícuo convívio com os capuchos (ou capuchinhos) que o autor
objeto de estudo aprendeu os idiomas latim, alemão e grego; também foi no mesmo
convento que ele foi iniciado ao estudo da Filosofia, tendo como parâmetro aquela
adotada pelos monges, ou seja, a nominalista
6
. Tal corrente da Filosofia havia
influenciado, em tempos remotos, a formação jurídico-política na Inglaterra
(Universidade de Oxford), em Portugal (Universidade de Lisboa), na Áustria, bem
como em muitos outros países, que souberam oportunamente absorver as
repercussões da teoria e da prática da bondade de São Francisco de Assis.
7
5
ALVES, Vilson Rodrigues. Pontes de Miranda. Revista Isto É. Disponível em: <http://www.terra.com.br>.
Acesso em: 5 dez. 2007.
6
FREYRE, Gilberto. A propósito de frades. Disponível em: <http://bvgf.fgf.org>. Acesso em: 5 dez.
207.
7
Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região. O Patrono. Disponível em: <http://www.trt19.gov.br>.
Acesso em: 5 dez. 2007.
22
Ainda muito jovem, aos quatorze anos de idade, Pontes de Miranda
matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, por meio da qual iniciou os
primeiros contatos com o pensamento de Augusto Comte e com as idéias
disseminadas pela Escola do Recife. Em 1911 ele já estava graduado e no ano
seguinte foi publicada sua primeira obra, intitulada “À Margem do Direito”, que pode
ser enquadrada como um ensaio no área da Psicologia Jurídica. Desde então, foi
um ciclo ininterrupto de publicações, cessando apenas com o falecimento do autor,
em 22 de dezembro de 1979.
De todas as suas obras, as de maior destaque foram “Sistema de Ciência
Positiva do Direito” (1922) e “Tratado de Direito Privado”, sendo fato curioso esta
última consumiu quinze anos de trabalho (1955 a 1970), mas o resultado final
explica tanto tempo despendido, já que é reconhecidamente a obra mais extensa
escrita por um único autor, composta de trinta mil páginas, distribuídas em sessenta
volumes.
Porém, o período que mais interessa ao presente trabalho é aquele
compreendido entre 1912 e 1937, principalmente em função de, nesse espaço de
tempo, terem sido publicadas as obras “À Margem do Direito” (1912) e, em especial,
o “Sistema de Ciência Positiva do Direito” (1922) e “O Problema Fundamental do
Conhecimento” (1937).
Apesar do destaque dado às obras retro citadas, é preciso ressaltar que
Pontes de Miranda produziu uma vasta bibliografia, mas fugiria ao escopo deste
trabalho apresentá-la aqui de forma mais detalhada, motivo pelo qual se optou pela
sua inclusão, bem como do currículo do autor, em forma suplementar, o que pode
ser consultado respectivamente nos anexos 1 e 2 ao final desta dissertação.
23
1.2 Na Velha República (1889 a 1930): momento histórico em que Pontes de
Miranda escreveu a obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”
Para iniciar este tópico, nada mais eficaz do que amparar-se nos
conhecimentos de Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez, para quem “todo pensador, por
mais imparcial que pretenda ser, é incapaz de se desvencilhar do momento histórico
a qual pertence. Ao mesmo tempo em que faz história, é feito por ela.”
8
; este
pensamento levou à pretensão de dissertar sobre o contexto histórico em que vivia
Pontes de Miranda.
Na época histórica em que foi proclamada a independência do Brasil,
especificamente na segunda década do Século XIX, duas correntes políticas
disputavam o poder no âmbito do Estado brasileiro. A primeira delas era o
liberalismo, inspirado no movimento político-filosófico vigente na Europa desde o
Século XVIII, e que, como plataforma do Partido Liberal, aqui se apresentava como
proposta de superação da ordem colonial. Já, a segunda corrente diz respeito ao
conservadorismo, adotada, obviamente, pelo Partido Conservador, formado por
políticos que se mantinham leais ao imperador e que advinham de setores
oligárquicos de diversas regiões do Brasil.
Vale registrar que o liberalismo no Brasil do Século XIX convivia
confortavelmente com o instituto da escravidão e com o poder imperial, de natureza
monárquica e patrimonialista, o que representa uma contradição.
Antonio Carlos Wolkmer contribui para o assunto quando afirma que:
Ao conferir as bases ideológicas para a transposição do status
colonial, o liberalismo não só se tornou componente indispensável na
vida cultural brasileira durante o Império, como também na projeção
das bases essenciais de organização do Estado e de integração da
8
GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici. A filosofia do direito na idade antiga. Rio Claro, SP: Obra
Prima, 2005a. p.16.
24
sociedade nacional. Entretanto, o projeto liberal que se impôs
expressaria a vitória dos conservadores sobre os radicais, estando
dissociado de práticas democráticas e excluindo grande parte das
aspirações dos setores rurais e urbanos populares, e movia-se
convivendo e ajustando-se com procedimentos burocrático-
centralizadores inerentes à dominação patrimonial. Trata-se da
complexa e ambígua conciliação entre patrimonialismo e liberalismo,
resultando numa estratégia liberal-conservadora que, de um lado,
permitiria o “favor”, o clientelismo e a cooptação; de outro,
introduziria uma cultura jurídico-institucional marcadamente
formalista, retórica e ornamental.
9
O arcabouço jurídico construído durante o Império, tanto no aspecto
legislativo quanto no aspecto institucional, surgiu de uma composição possível entre
essas duas ordens políticas predominantes; em outras palavras, o resultado foi a
construção de uma estrutura e de uma ordem jurídica legalista-formal, que
fundamentou o perfil de nossa cultura jurídica: o bacharelismo.
Assim, após a Independência e a criação dos dois primeiros cursos jurídicos
no Brasil, o Estado e o Direito representavam os dois lados de uma mesma moeda,
ou seja, uma ordem econômica conservadora, que excluía o povo brasileiro de
qualquer participação na construção da vida política e jurídica nacional.
Uma consulta em Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez permite entender que:
O Estado Imperial, fundado nessa ordem econômica contraditória, de
perfil conservador-liberal, consolidou-se também em decorrência da
cultura jurídica nacional que propiciou a criação de dois cursos
jurídicos e que formou uma nova categoria de agentes: os bacharéis.
Formados para desempenhar funções burocráticas e políticas junto
aos aparelhos de um Estado oligárquico, patrimonialista e
conservador, foram personagens fundamentais para a consolidação
e manutenção do Estado monarquista brasileiro. Daí dizer-se que,
durante o Império brasileiro, advieram não apenas duas Faculdades
de Direito, mas, sobretudo, a construção de um arcabouço jurídico
composto por uma Constituição, vários códigos e inúmeras leis, que
até então inexistiam no país.
10
9
WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.79.
10
GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici; et. al. O culturalismo da escola do Recife. Anais. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2006. p.201-202.
25
Portanto, conclui-se que, no aspecto cultural, o bacharelismo representou um
verdadeiro sustentáculo à oligárquica ordem imperial brasileira, pois a implantação
em 1827 das duas Faculdades de Direito no Brasil, uma em São Paulo e outra em
Olinda (depois transferida para o Recife), preparou toda uma geração de bacharéis
com a missão e responsabilidade de gerenciar a vida político-jurídica e burocrática
do Estado brasileiro. Vale destacar que as vindouras gerações de juristas
representaram o conteúdo e a essência da vida político-cultural do Império.
O projeto de construção de um Estado nacional, com suporte no
bacharelismo, teve como objetivo atender, por um lado, às prioridades econômicas,
ideológicas e políticas de uma ordem oligárquica e, por outro, reproduzir um modelo
econômico fundado em idéias e ideais jurídico-políticos de um pesudo-liberalismo.
O autor retro citado explica que:
Foi graças a esse novo ator, o bacharel em Direito, que se iniciou
todo um processo de construção de um arcabouço jurídico e
legislativo, a começar pela elaboração de uma Constituição Imperial,
de forte conotação liberal, e uma série de Códigos e Leis que
edificaram a ordem jurídica e política monárquica parlamentar.
11
De toda a legislação que se produziu nesse período, a mais maquiavélica
talvez seja a “Lei de Terras”, de 1850, posto que impedia inúmeras formas de
acesso e ocupação das terras por parte da maioria da população e, assim, mantinha
intocável a estrutura agrária oligárquica e latifundiária no Brasil.
Todavia, por volta da metade do Século XIX, a Escola do Recife tornou-se o
cenário de um acontecimento cultural, jurídico e político de considerável
originalidade, e que viria a influenciar toda uma geração de juristas: o culturalismo
jurídico.
11
GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici; et. al. op. cit. p.202.
26
O mesmo autor ainda leciona que:
Esse movimento culturalista, inaugurado por Tobias Barreto e
enriquecido pela contribuição de toda uma geração de juristas, como
Sílvio Romero, Vitoriano Palhares, Martins Junior, Artur Orlando e
Clovis Bevilacqua, entre outros, representou um marco significativo
para a história do Direito brasileiro, por constituir-se num primeiro
movimento genuinamente nacional, de criação de novas concepções
do pensamento jurídico-filosófico, ao mesmo tempo em que combatia
idéias e instituições retrógradas e conservadoras, como a escravidão e
a monarquia, desencadeando lutas em defesa de direitos individuais,
de liberdades públicas e da causa abolicionista e republicana.
12
Aparentando ser a salvação para tão discrepante desnível social, a
Proclamação da República, na prática, conseguiu acabar com a esperança dos
excluídos, pois o povo foi mantido fora do processo de decisão política, já que
mulheres e analfabetos ficaram impossibilitados de votar; Paulo Sérgio Pinheiro
explica que, muito embora o número de eleitores em relação ao Império tenha
aumentado em cerca de quatrocentos por cento, tal incremento mostrou-se
insubsistente em relação à população como um todo.
13
Em 1920, foi um realizado um censo no qual apurou-se que o índice de
analfabetismo atingia 75,5% da população brasileira, o que permite apreender
facilmente que houve a participação de apenas e tão somente 1,8% da população
brasileira nas eleições de 1922; para agravar a situação, o voto opcional e aberto,
portanto não secreto, denota a evidente manipulação dos eleitores pelos poderosos
e influentes de qualquer localidade.
14
As vantagens prometidas como forma de se fomentar e de se justificar a opção
pela transmutação da forma de governo de Monarquia para República não foram
cumpridas e cedo manifestou-se o desapontamento da população, pois o poder não foi
12
GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici; et. al. op. cit. p.202.
13
Apud LIMONGI, Dante Braz. O projeto político de Pontes de Miranda. Rio de Janeiro: Renovar,
1998. p.15.
14
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.15.
27
distribuído entre a sociedade como um todo, mas permaneceu exclusivamente nas
mãos dos ruralistas, dos comerciantes e de seus aliados políticos; também obtiveram
projeção sócio-política os cafeicultores e sua clientela, fortificando o “coronelismo”.
É possível afirmar que a Constituição de 1891 assegurou maior autonomia
aos municípios, propiciando a instalação no Brasil do que se passou chamar de
“política do café-com-leite”, caracterizada pela sucessão presidencial de forma
alternativa entre políticos dos estados de São Paulo e Minas Gerais; para tanto,
basta recordar que, dentre onze eleições presidenciais realizada à época, nove
candidatos eleitos eram provenientes de um desses estados. Entende-se, assim,
que a democracia foi “importada” por uma aristocracia rural e semi-feudal, que tratou
de acomodá-la tanto quanto possível aos seus direitos e privilégios.
15
Para Pontes
de Miranda, a Proclamação da República não passou de uma parada de força, onde
se alterava o protagonista do, mas não o elenco.
16
De acordo com Charle A. Hale
17
, no período que antecedeu e sucedeu a
Proclamação da República, o pensamento de Auguste Comte ganhou a simpatia dos
militares; logo após a referida Proclamação, em 15 de novembro de 1889, segundo
Dante Braz Limongi:
[...] seguiu-se a disputa entre positivistas e liberais, explicitando, no
palco da política nacional, suas maiores divergências: autoritarismo
versus constitucionalismo; governo condutor do processo de
desenvolvimento contrapondo-se ao laisse faire liberal.
18
Os positivistas interpretavam as propostas dos liberais na condição de teorias
abstratas e fórmulas jurídicas que nada mais haviam feito do que provocar
15
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p.19.
16
Apud LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.16.
17
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.16.
18
Ibidem. p.16-17.
28
revoluções e desordens; tal posicionamento tinha uma ideologia, que era justificar a
opção deles por um governo forte e de coalizão, com o objetivo de incorporar o
proletariado à sociedade moderna.
19
Enquanto os positivistas seguidores de Comte advogavam pelo
prolongamento do governo provisório a fim de que fosse instalada uma ditadura
republicana vitalícia, apoiada pelo povo e assistida por tecnocratas, visando colocar
a sociedade em ordem e rumar para o progresso econômico, a eles se opunham os
liberais, que contavam com o apoio de Rui Barbosa na defesa de um curto período
experimental da ditadura para, logo a seguir, convocar a Assembléia Nacional
Constituinte. Venceram os liberais, não tendo os positivistas a oportunidade de se
fazerem representados na Constituição de 1891, que acabou adotando como
modelo (por influencia dos liberais), o padrão dos Estados Unidos da América.
Assim, de acordo com o autor retro citado:
As três primeiras décadas do século XX foram marcadas pela
crescente crise do Estado liberal, incapacitado para atender às novas
demandas nascidas do crescimento e do desenvolvimento do país,
do processo de urbanização e da industrialização nascente.
20
Em 1903, eclodiu no Rio de Janeiro a primeira greve geral do país, sendo
que, em 1906 e 1907, greves gerais foram deflagradas em São Paulo, tendo esta
última alcançado o direito à jornada diária de trabalho de oito horas. Nesse período,
o movimento operário era conduzido pelos anarquistas, que trouxeram da Europa o
movimento anarco-sindical, que vislumbrava associações e sindicatos de
trabalhadores como entidades com potencial para fomentar as lutas sociais. Já,
19
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.17.
20
Ibidem, p.18-19.
29
os comunistas só vieram a se fazer representados no Brasil em 1922, com a
fundação do seu partido.
Ainda na visão de Dante Braz Limongi:
A classe trabalhadora urbana, que crescia em dimensão e
expressão, em meio à mistura de imigração, emigração e
industrialização incipiente, seria cortejada por vários movimentos e
pensamentos em disputa no país. De uma parte a Igreja Católica
buscou, sem alcançar maior êxito, conquistá-la. Também o
socialismo não obteve resultados, incapaz de constituir, no Brasil, um
movimento de massas. Quanto ao anarcosindicalismo, predominante
durante algum tempo, teve duração passageira, porque era um
movimento com origem estrangeira e muito perseguido pelo
Estado.
21
Como já informado, o governo, incapaz de gerir a crise social, usava de seu
aparato militar para reprimir os movimentos operários, até que um número
considerável de intelectuais passaram a reclamar uma nova postura do Estado. Os
liberais defendiam a tese de que os problemas da nação se resumiam à falta de
observância das normas constitucionais e legais.
Contudo, para Wanderley Guilherme dos Santos:
Nada havia de errado com a Constituição, nem com a doutrina, e
apenas os homens deviam ser responsabilizados pelo que faziam
[...]. Essa idéia constituiria a espinha dorsal da agenda dos políticos
liberais até 1930: eleições honestas, afastamento dos políticos
corruptos, liberdade para que o mercado político pudesse operar
como devia. Não deveria surpreender a ninguém, entretanto,
encontrar muitos dos que aderiram a este tipo de liberalismo pedindo
ao Estado que sustentasse os preços do café, ou ao Governo que
apoiasse a economia açucareira.
22
Boris Fausto
23
identifica dois descontentamentos manifestados após o término
da Primeira Guerra Mundial, e que iriam repercutir negativamente para o Brasil: do
21
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.23.
22
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas
Cidades, 1978. p.91.
23
Apud LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.26.
30
exército, que fez eclodir o movimento conhecido como “Tenentismo”; e da classe
média, que não conseguia se fazer representar junto ao poder constituído.
Dante Braz Limongi explica que:
Nessa fase, a crença de Pontes de Miranda no potencial da ciência
faz com que ele enalteça os homens de ciência e queira reservar-
lhes a posição de liderança, senão de proeminência, na sociedade.
Aí se faz presente a tese da política científica, positivista, de corte
marcadamente autoritário, com indisfarçável tendência para a
tecnocracia. Essa inclinação, não democrática, partia de uma
premissa que depois se demonstrou falsa, a da neutralidade
científica. Seus defensores acreditavam não apenas que a ciência
fosse neutra, como, principalmente, que a ciência - e os cientistas -
estariam aptos a oferecer à humanidade o melhor caminho.
24
Em 1922, ano da primeira publicação da obra “Sistema de Ciência Positiva do
Direito“, de Pontes de Miranda, três acontecimentos de repercussão nacional e até
internacional ocorreram no Brasil, a saber:
a) a Semana de Arte Moderna em São Paulo, em busca de uma identidade cultural
nacional;
b) a fundação do Partido Comunista brasileiro pelos antigos líderes anarquistas; e
c) a Revolta dos Tenentes no Forte de Copacabana, do estado do Rio de Janeiro,
que reivindicavam renovação nacional e justiça social.
O “dogma da política científica” era a matriz positivista que dava suportes às
supracitadas idéias, comuns naquela época, mas Pontes de Miranda não abraçou
todo o ideário positivista em voga, pois discordava da centralização e da proposta de
Comte, segundo a qual os Estados não poderiam contar com mais de três milhões
de habitantes, bem como do repúdio à democracia, que para ele havia se tornado
inexorável.
24
LIMONGI, Dante Braz. op. cit., p. 59.
31
Pontes de Miranda também critica os excessos do Poder Legislativo, cujos
membros acreditam ser oniscientes, onividentes e onipresentes, mas conclama que
tal mister (a produção de leis) não pode caber a um órgão não técnico, sob pena de
suas decisões, divorciadas da pesquisa científica, constituírem uma outra forma de
arbitrariedade: o despotismo das assembléias; tal proposta coaduna-se com o
“Princípio da Diminuição do Quantum Despótico” proposto pelo autor.
25
Ressalte-se que a economia dos anos vinte foi marcada por um período de
estabilidade que se estendeu até 1929, ocasião em que ocorreu a queda das ações
na Bolsa de Valores de Nova Iorque (também conhecida como crash de 1929) e fez
desencadear uma crise sócio-econômica mundial sem precedentes.
Por fim, insta expor que no Brasil, a partir de 1930, os positivistas finalmente
chegam ao poder com a “Era Vargas”, ocasião em que se implementou o “Estado
Novo”, propiciando o entrelaçamento do fascismo europeu com o autoritarismo
positivista.
Eis, assim, uma breve apresentação do contexto histórico no qual o autor
objeto de estudo do presente trabalho estava inserido.
25
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. Rio
de Janeiro: Forense, 1981. p.119.
32
2 OS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO: ANÁLISE DO
TOMO III DA OBRA SISTEMA DE CIÊNCIA POSITIVA DO DIREITO
No capítulo anterior foi significativamente explicitado que a obra “Sistema de
Ciência Positiva do Direito”, de 1922, juntamente com o compêndio “Tratado de
Direito Privado”, foram as publicações de maior destaque de Pontes de Miranda,
mas neste capítulo é o Tomo III daquela primeira obra que serve de subsídio para
entender, segundo o autor, os aspectos mecânico, biológico, sociológico, ideológico
e técnico do fenômeno jurídico, o que será feito a seguir.
2.1 Sobre o aspecto mecânico
Pontes de Miranda, ao abordar o aspecto mecânico do fato social envolvendo
o Direito, traz à tona questões interessantes como, por exemplo, a história da
humanidade e a conciliação das forças essenciais.
Outros assuntos relevantes são igualmente tratados com afinco, a saber: a)
quantitatividade e fisiologia; b) transformações sociais; c) quantitatividade e
qualidade; c) homem e vida social; d) algo de invariável no Direito; e) adaptação
social e medidas jurídicas; f) vida social do homem e dos outros animais; g)
relatividade do Direito; h) igualização; e) atividade conservadora e atividade
revolucionária; e f) elemento moral no Direito.
Para o autor em questão, a história da humanidade resume-se na composição
de duas forças essenciais e eternas, quais sejam: o indivíduo e o organismo total.
26
Para ele, é o Direito que integra o reino das alternativas capazes de promover tal
26
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. Campinas,
SP: Bookseller, 2005b. p.81.
33
composição. Do mesmo modo, o Direito promove a demonstração da naturalidade
do fato jurídico e do fenômeno observável pela ciência, ressaltando o autor a
existência de uma variabilidade de fórmulas para a resolução dos conflitos existentes
nas relações jurídicas.
Pontes de Miranda ainda observa que, dentre os infinitos meios existentes
para se harmonizar os interesses individual e coletivo, os menos perfeitos são
proporcionalmente eqüivalentes aos mais instáveis, ao passo que a meta
abstratamente almejada procura soluções cada vez mais perfeitas e estáveis; isso
“porque a estabilidade depende da perfeição e esta do equilíbrio, forma física da
justiça. Logo, não podem ter o Direito e a evolução social outro desígnio, outra
finalidade, senão a crescente realização do justo, forma social do equilíbrio.
27
(grifo
do autor).
Daí a preocupação do autor com a crescente realização do justo, uma vez
que esta é a finalidade última do Direito, mesmo porque o conceito de justiça para
ele, nessa dimensão, revela-se como sendo uma forma social do equilíbrio.
Para tanto, Pontes de Miranda empresta conceitos da mecânica e da física
para tentar explicar a conciliação das forças essenciais, exemplificando a questão da
seguinte forma:
Imaginemos dois sistemas cujas resultantes gerais respectivas se
encontrem em sentido oposto e uma delas exceda à outra. O Direito
intervém para estabelecer o equilíbrio, isto é, a equivalência das
duas resultantes gerais, uma em sentido positivo e a outra em
sentido negativo.
28
Portanto, eis a inegável importância do Direito no estabelecimento do
equilíbrio entre as forças do indivíduo e as forças do organismo social; Pontes de
27
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.81.
28
Ibidem. p.82.
34
Miranda chegou a demonstrar esta relação de forças por meio de sistemas
matemáticos e físicos, acreditando que a subordinação do indivíduo ao organismo
social nada mais é que o traçado da única evolução empenhada pelo homem nas
circunstâncias atuantes (contatos psicológicos e produção de alimentos) dentro de
limitado espaço de ação (as ações são desenvolvidas em relação a um dado
território).
Para tratar da existência da família, o autor retro citado ampara-se em pontos
e linhas da geometria, demonstrando sua inclinação às orientações empíriocriticistas
e entendendo que:
Para a existência da família, em vez das forças individuais ab, cd, ef,
etc. (abstratas, pois que delas falo como falaria de pontos e linhas,
na geometria), será preciso outro sistema de forças, cuja resultante
seja igual à daquelas (perfeição do grupo familiar, tão difícil como o
gás perfeito, o triângulo absoluto etc.), ou, se desigual, corrigida pelo
Direito e outros meios sociais de emenda dos defeitos de adaptação
do homem à vida social. Assim, há diminuição de egoísmo individual
em todos os núcleos da família, porque o indivíduo é instrumento da
força positiva e da negativa, o que lhe divide a atividade. A pátria
exige a mesma divisão da energia e o decrescimento do egoísmo
família, - como a humanidade implica, não à extinção, mas o
equilíbrio entre as forças do organismo total e as do núcleo
imediatamente inferior, que são as pátrias. Apenas com famílias e
nações são formas intermédias, a verdadeira composição de
energias para serem equilibradas efetua-se entre os indivíduos e o
último conjunto a que se atingiu.
29
A aplicação da Geometria no campo da mecânica social representa o grau
máximo de abstração, de apriorismo e de generalidade, isto é, mera expressão
simbólica das relações físicas e sociais concretas. Com isso Pontes de Miranda quer
demonstrar que a explicação dos fenômenos jurídicos pode ser realizada por
intermédio de esquemas e símbolos emprestados de uma linguagem matemática,
repleta de teoremas, acreditando que:
29
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.84.
35
É com palavras que se descrevem os fatos, mas em todos os verbos,
como em todos os adjetivos, há algo de já percebido e de determinado
que não basta à descrição de certos fenômenos que se operam de
maneira diferente da elaboração filológica ou discursiva. Seria absurdo
negar ao cientista a faculdade, se não o direito ou mesmo o dever de
procurar outros meios mais eficazes, menos incompletos, talvez ainda
mais determinados ou menos determinados, de expressão, como o
sinal algébrico, a figura geométrica, as composições mecânico-
geométricas, as analogias físico-químicas, biológicas, econômicas,
psicológicas etc.
30
Logo, Pontes de Miranda não considera o emprego de símbolos como algo
ilegítimo para a representação do fenômeno jurídico, pois, conforme as suas
palavras “não se conclua daí que seja ilegítimo ou sequer dispensável o uso de tal
expediente.”
31
Nessa dimensão, o Direito passa a ser indispensável para o processo
mecânico vital, considerando-se que o sistema de organização humana possui uma
forma interior de convivência externada pelo fenômeno jurídico; ainda que todos os
homens procedam num tipo de comportamento autômato, nenhum desses estão
imunes ao coletivismo integral, além do que as transformações provam que é
necessária a vida em comunidade, posto que o homo sapiens necessita da
intervenção coletiva.
Convém aqui registrar um importante pensamento de Bertrand Russel,
quando afirma que no futuro tudo se reduzirá ao estudo da física, mas não se pode
ter certeza no presente trabalho de que Pontes de Miranda tenha sido influenciado
por aquele autor; entretanto, pode-se assegurar certamente de que seu nome não
foi esquecido, tendo em vista as várias referências a Bertrand Russel encontradas
na obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito” como, por exemplo, a questão de
que:
30
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.87.
31
Ibidem. p.91.
36
A concepção da unidade da ciência não é incompatível com a visão
de pluralidade, de mosaico, de fragmentário, que nos dá a realidade.
Certamente, é aos pedaços que temos que estudar o mundo, porque
é a experiência que no-lo mostra esfacelado com ela mesma.
32
Dando a necessária continuidade ao assunto e, no que tange à condição
existencial humana, convém reproduzir o valioso posicionamento de Pontes de
Miranda, a saber:
Na própria defesa imediata da vida, mudam as necessidades do
homem; o que lhe era imprescindível no passado, é de sua menos
importância que a vida moderna provoca no organismo humano, pois
que a civilização cria moléstias, porém eram maiores os perigos de
outra natureza que a cada momento eliminavam o homem primitivo.
Em dois séculos há quase completa diferença de índice demográfico
no que concerne à colocação estatística da causa mortis; E dir-se-á o
mesmo quanto à duas ou três zonas do mesmo país, diversas quer
em clima e circunstâncias materiais, que em grau de civilização. Ora,
há uma porção de regras jurídicas que antes eram precisas
substituem-se outras, que nem se quer, às vezes, poderiam ser
suspeitadas, e, sensivelmente, muitas que necessárias e latentes,
quase evidenciadas nos fatos, não são percebidas pelos legisladores
ou por outros quaisquer fatores da elaboração legislativa. Os
médicos dos séculos passados desconheciam a origem de certos
males, como os de hoje ignoram a de outros que os de amanhã terão
por elemento de simples e corriqueira prática.
33
A partir de uma análise antropológica, Pontes de Miranda aborda a questão
da mutabilidade constante do fenômeno jurídico; também é de fácil absorção a
analogia que faz entres os médicos e os juristas, pois se aqueles desconhecem os
futuros males (vírus, bactérias, protozoários causadores de doenças desconhecidas
pela ciência), os juristas também desconhecem qual será a norma do futuro.
Assim, percebe-se que, em sua essência, essa questão é puramente
cronológica, pois o tempo é vinculado às transformações no mundo jurídico, haja
vista que a norma perde a sua força vinculante diante das transformações sociais;
além disso, nesse mesmo esquema de comparação, a ciência médica
32
Apud PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.33.
33
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.93.
37
constantemente enfrenta o desafio de identificar métodos no combate aos
microorganismos, tendo em vista a capacidade de mutação dos vírus, a exemplo dos
retro vírus.
Seguindo sua análise antropológica, Pontes de Miranda recorre
freqüentemente à idéia de que nunca se pode esquecer o lado social do homem e,
quanto à ciência, afirma o autor que ela possui um fundamento social: um contínuo e
outro heterogêneo; porém, no que diz respeito ao Direito, Pontes de Miranda alerta
para não se esquecer de que ele é forma e que, também, abrange toda a matéria
social. Para o autor:
Não é ele somente a diferença entre as duas correntes, positiva e
negativa, da organização social. Se alguma coisa o pode
representar, geometricamente, é o conjunto de forças vivas e
opostas, mais o que é de mister para o equilíbrio; não há confundir o
Direito e a função do Direito: o simples fato de coexistirem os dois
elementos essenciais (indivíduo e organismo total, egoísmo e
altruísmo), tem por íntimo processo o sistema jurídico.
34
Observa-se aqui que o autor toca novamente na questão do binômio indivíduo
e organismo social; aparentemente esse é o elemento invariável do seu pensamento
e freqüentemente aparece no seu discurso; no entanto, introjeta nova questão
quando trata da função do Direito e, mais adiante, quando se refere ao termo
sistema jurídico.
A partir dessa análise, entende-se que o Direito possui, na visão do autor, um
ofício funcionalista no âmbito de um sistema jurídico interno, mas quanto à
imutabilidade no Direito, Pontes de Miranda assim professa:
A questão de saber se há algo de imutável no Direito pertence à
metafísica e não à ciência positiva do Direito; como não pertence à
história natural conhecer o que é invariável no homem e sim o que
34
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.94.
38
variou e o que não variou durante lapso de tempo que abrange as
épocas que nos ministram espécimes suscetíveis de indagações.
35
Sob essa ótica, a ciência positiva do Direito não deve se ocupar da
investigação da imutabilidade do Direito; tratando-a como objeto de análises
metafísicas, Pontes de Miranda se afina com o espírito científico de Augusto Comte;
acrescente-se aqui que, para esse importante autor brasileiro, nem tudo muda, nem
tampouco existe elemento invariável, contentando-se com uma postura bem mais
cômoda: o relativismo. Isso pode ser observado quando Pontes de Miranda explica
que:
O que a ciência nos mostra é a aparição de instituições e o
desaparecimento de outras, a inversão dos seus fins, as
modificações acidentais e essenciais, a contradição do próprio
conceito jurídico em duas fases diferentes da evolução humana; mas
isto não prova que tudo mude, nem tampouco que haja elemento
invariável, que seja para o cientista algo de irredutível e essencial. A
postura mais cômoda é a do relativismo: para nós, que conhecemos
o homem e o vemos igual a si mesmo, e o animal igual aos animais,
o que podemos afirmar são a constante animal e a constante
humana, a que devem corresponder Direito Animal e Direito
Humano.
36
Por outro lado, o mesmo autor admite algo de invariável no Direito quando
professa que:
Se existe algo de invariável no homem, há-o também no Direito;
porém, como existe algo de comum e invariável entre os homens e
os outros animais, há de haver no Direito partícula independente das
variações humanas. Percebeu-o o próprio Tomas de Aquino, na
diferença, que lhe aprouve frisar entre a lei natural, a divina e a
humana.
37
Pontes de Miranda também aponta outra questão interessante, pois numa
sociedade perfeita não há necessidade de lei imposta, nem mesmo de imposição
35
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.95.
36
Ibidem. p.95.
37
Ibidem. p.96.
39
coercitiva da norma jurídica; tampouco é preciso a criação dos órgãos legislativo e
judiciário, o que não faz dele em absoluto um anarquista, mas de que o Direito é
anterior ao Estado e deste não depende.
É latente a originalidade do esforço de Pontes de Miranda na construção de
uma filosofia científica com a vitalidade de construir um pensamento novo, isto é,
pessoal, denominando toda a extensão do conhecimento possível de sua época.
Salta aos olhos de quem vê sua opção pelo modelo lógico-matemático.
Sobre o assunto, Silvio de Macedo coloca que:
[...] sua opção pelos modelos lógico-matemático e naturalístico,
constituem a ciência em seu maior nível de rigor e possível isenção,
a possível neutralidade científica, adverte sempre que a filosofia não
pode restringir sua base numa única ciência, sendo sua função
compreensiva e não extensiva [...] o pensar de Pontes de Miranda já
contempla diversas áreas da realidade e discerne numa visão
pluralista, apesar de reconhecer maior perfeição metodológica dos
modelos lógico-matemático e naturalista.
38
Por outro lado, este mesmo autor aponta que Pontes de Miranda possui o
rigor e a sistematicidade dos modelos matemáticos e naturalísticos, numa busca
incessante de alocar tais saberes às ciências sociais como, por exemplo, a
matricização do espaço social. Também assevera que o jurista alagoano empresta o
paradigma do neopositivismo, pois na época da publicação da obra “Sistema de
Ciência Positiva do Direito”, o autor buscou um “sistema de maior rigor e
objetividade.”
39
Todavia, comentário diverso foi empregado por Miguel Reale quando, em
nota de rodapé, ensina que:
Infenso a todo teleologismo, Pontes de Miranda declara que a
jurisprudência é ciência do ser, segundo dois critérios inamovíveis: o
38
MACEDO, Sílvio de. História do pensamento jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,
1997. p.133.
39
Ibidem. p.134.
40
do determinismo e o da unidade da ciência. Felizmente, sua
admirável obra dogmático-jurídica bem pouco se subordina a tais
pressupostos, em que pese o emprego de uma terminologia
inspirada na linguagem da física.
40
O mesmo autor ainda entende que os objetos sobre os quais recaem o
pensamento científico dependem de demonstrações das conseqüências. Tais
objetos pertencem à lógica e à Matemática. Ambas são ciências ideais ou de objetos
ideados, “e o que caracteriza os objetos ideais é o fato de serem sem serem no
espaço e no tempo.”
41
Arrematando o assunto, Miguel Reale identifica que:
Existem autores que se colocam numa atitude naturalística,
sustentando que o fato jurídico é um fato da mesma natureza e
estrutura dos chamados fatos físico-naturais. No Brasil ninguém leva
tão longe esta doutrina como um pensador de grande mérito, Pontes
de Miranda, cuja obra fundamental Sistema de Ciência Positiva do
Direito, publicada em 1922, representa uma vigorosa expressão do
naturalismo jurídico. Essa atitude, no entanto, ao paradoxo de
apresentar o Direito como fenômeno não peculiar ao homem, mas
comum ao mundo orgânico e até mesmo aos sólidos inorgânicos e
ao mundo das figuras bidimensionais, por significar apenas um
sistema de relações e de conciliação ou composição de forças.
42
É preciso compreender que a intenção de Pontes de Miranda foi a de sempre
buscar a objetividade da Ciência do Direito, já que viveu num período de expansão
das ciências naturais, sendo que o fenômeno da sociabilidade, condição do fator
jurídico, origina-se no aspecto físico, enfim, nos processos de reunião da matéria
inorgânica.
Também não se deve perder de vista que se está novamente diante de uma
visão mecanicista, que transporta o receptor para além dos horizontes do elemento
40
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1978. p.182.
41
Ibidem. p.183.
42
Ibidem. p.182.
41
vivo. É o que Djacir Menezes trata como “tropismo imanente do espírito
matematizante.”
43
2.2 Sobre o aspecto biológico
Quanto ao aspecto em referência, Pontes de Miranda atribui duas temáticas
significativamente interessantes. A primeira versa sobre o Direito em relação ao
processo fisiológico, ao passo que a segunda trata da moral, do Direito e da seleção
natural.
Estreita é a relação do Direito com o processo fisiológico, posto que existe um
conjunto de fatores interativos; o fenômeno é complexo, já que exige envolvimento e
penetração entre os indivíduos em todos os sentidos. O mais importante nesse
processo fisiológico e social é a obtenção de uma unidade funcional, sendo que tal
unidade proporciona o necessário equilíbrio. Há que se entender que,
evidentemente, num espaço onde eclodem ações também surgem efeitos colaterais,
ou seja, simplesmente reações.
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda exemplifica a questão da seguinte
forma:
Se o indivíduo ameaça a ordem social, formam-se movimentos
envolventes que neutralizam os efeitos. À lei arbitrária responde o
organismo social com vários meios de lhe dificultar, abrandar ou
obstar a execução dos dispositivos. Os desequilíbrios são corrigidos,
para que a vida persista. A natureza é mãe, como se diz no romance
Nixchen da senhora Hans von Kahlenberg: cura e cicatriza
eternamente.
44
43
MENEZES, Djacir. Tratado de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 1980. p.245.
44
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.132.
42
Se essa perspectiva de unidade funcional for utilizada como ponte de partida,
verificar-se-á que as interações são muito complexas; com efeito, nota-se que os
povos tateiam e ensaiam, adotando um comportamento costumeiro e de criação de
regras jurídicas.
45
Porém, torna-se interessante compreender que o Direito é sempre um
fenômeno de adaptação, ou melhor se expressando, o Direito é sempre adaptativo;
isso significa dizer que as regras jurídicas emanam do ambiente de onde são
construídas, no processo interativo e visando o equilíbrio do corpo social. Ainda de
acordo com o autor retro citado e objeto de estudo do presente trabalho:
Retoma-se aqui o caminho que antes se deixou, para, adiante, o
desprezar por outro. O fenômeno quase se ajusta ao observado nos
infusórios pelo biologista Jennings; mas seria suscetível, igualmente, da
interpretação de Loeb e da de Rabaud. Quer realizado mecanicamente,
quer com a consciência, que é algo de previsão, é sempre adaptativo o
Direito, e a diferença entre as fases por que passou e entre as
categorias de fontes não é diversa da que existe entre os seres vivos. O
movimento é a vida; e as árvores, pela renúncia a ele, empregam-se na
inconsciência, - o costumeiro é a forma vegetal do Direito. Quando o ser
se afervora, se desloca e avança, os obstáculos crescem, os riscos
multiplicam-se, e à medida que se esvai o torpor, a ação se torna a
regra: surge a inteligência, a invenção, o acerto consciente. O impulso
interior não continua somente a energia da vida, mas a da civilização, a
da ciência, a das altas criações da intelectualidade. As fontes jurídicas
têm correspondentes em todos esses estados: a “lei” é a forma, não
animal, mas humana, superior, do Direito. Todavia, como procedimento
de intensidade e de eficiência para os atos inteligentes, de maneira que
a lei oscila em torno de certo ponto de indiferença e vai do máximo
possível de utilidade ao máximo possível de desproveito. Não acerta por
ser lei; pode acertar pela atuação benéfica que acaso tenha na
economia do corpo social.
46
(grifo do autor).
A questão da moral do Direito e da seleção natural também foi objeto de
análise por parte de Pontes de Miranda, já que representam um processo de
adaptação, bem como de seleção. Um fator a ser considerado é que o homem
possui uma vocação inata para destruição dos seres viventes; daí a necessidade da
45
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.133.
46
Ibidem. p.132-133.
43
moral e do Direito para reprimir os instintos humanos destrutivos. Assim pensa o
autor, numa perspectiva pessimista, mas há que se considerar que o homem é um
ser passível de erros e que possui uma natureza débil, já que é capaz de promover a
eliminação da própria família humanae.
Em matéria de direito das sucessões, Pontes de Miranda discute a dimensão
da seleção natural, comunicável ao Direito, ao explicar que:
Quando o Direito designa o filho mais velho para a sucessão,
substitui a seleção interna por outro processo, artificial, que viciará o
círculo familiar: em vez da atividade seletiva, que daria o papel de
chefe ao irmão que mais valesse, introduz o Direito o automatismo
do privilégio, que, se, pelas circunstâncias, for útil, será menos do
que fora de esperar da designação espontânea. Como corretivo ao
artificialismo, que pode errar e pôr a direção da família em mãos
inábeis, surgem as substituições, os morgados, etc.
47
Não se pode omitir que duas importantes questões são debatidas por Pontes
de Miranda: a solução pelo método científico e a questão do individualismo. Para o
autor, o individualismo é uma espécie de variante atômica do antropocentrismo,
comprometendo a adaptação do homem à vida social.
Se o ser biológico não for compreendido como massa unitária de substância
viva, todo o organismo social será afetado em razão da divisibilidade do conjunto do
organismo. O organismo vivo, por sua vez, possui coeficientes especiais de força e
de caracteres porque a atividade vital é o produto das prestações de trabalho dos
elementos morfológicos. Assim, se o corpo social não se adaptar ao organismo,
corre o risco de ser prejudicado; daí a importância do Direito e da moral para reprimir
o indivíduo desajustado.
48
47
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.147.
48
Ibidem. p.147-148.
44
No que se refere à solução pelo método científico, Pontes de Miranda trata da
discussão entre a moral e o Direito, entendendo que primeira tem sido mais eficaz
que o segundo, tendo em vista que ela é muito mais espontânea; logo, menos
arbitrária. Dessa forma:
Sempre que a moral fica a serviço de outro fato social (o religioso,
por exemplo), crescem-lhe as possibilidades de erro, porque o
sentimento ou a razão começa a querer normas adrede elaboradas.
Ora, tal elaboração somente poderia ser admitida se entregue a
rigoroso método científico, que lhe fosse a garantia da eficácia e da
inocuidade.
49
Este mesmo autor, ao tratar do processo de adaptação social, abrange a
Economia, a religião e a moral como formas desse processo. A Economia busca
atender às necessidades imediatas do indivíduo e tem a utilidade como substrato, ao
passo que a moral transcende o indivíduo e atende às necessidades não
diretamente sensíveis no indivíduo, afetando apenas a coletividade. Já, a religião
busca apenas a abstração e aspira uma forma de adaptação dependente da
abnegação do escrúpulo, enfim, do processo ultra-sensível da fé.
Nesse sentido, Pontes de Miranda explica que:
Segundo esse critério de extensão, poderíamos considerar o Direito
como o mínimo ético, porém nada teríamos explicado. Como
atividade empírica e imediata relativa à ordem social e aos bens da
vida, o fenômeno jurídico pode não ter por conteúdo o elemento
moral e então pecaria o conceito. O que mais o caracteriza é
intensidade do interesse do alter ou do socius no ato ou na omissão
do ego: não se trata de ato ou omissão que realize no indivíduo o
fenômeno de adaptação, como se dou a esmola ou se respeito a
senhora que passa, mas de relação de recíproca adaptação entre
dois, três ou mais homens [...] por isto mesmo, se miudeássemos os
assuntos que constituem o objeto da biologia, não se poderia excluir
da lista dos fatos por ela estudados o fenômeno jurídico. A indagação
biológica traz a vantagem de explicar pelo conhecido o fato
desconhecido, o que constitui expediente assaz fecundo da
elaboração científica.
50
49
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.147.
50
Ibidem. p.159.
45
Este mesmo autor ainda acredita que a ciência somente pode ser construída
com relações constantes, apoiadas em fatos concretos, pois a ausência de um
substrato real impede a elaboração de qualquer matéria científica. Esta é a
vantagem do estudo da Biologia, pois o método dos naturalistas é o mais seguro,
tendo a capacidade de garantir a credibilidade nas pesquisas e nos resultados.
Dessa forma:
Pela indução, conseguimos conhecer o que é constante nos fatos e
não há como negar que as normas jurídicas descrevem o que se dá
nos fenômenos jurídicos, isto é, nas relações sociais [...] é o primeiro
grau da exploração científica; depois, e somente depois, é que
podemos pretender a corrigenda dos defeitos de adaptação,
atividade de que empiricamente abusaram os despotismos, mas a
que deverão as sociedades o mais admirável dos processos de
desenvolvimento e harmonia.
51
Sobre a vida, ele entende que a mesma sempre existiu, antes mesmo da
criação da Biologia; porém, não se pode negar a grande contribuição dos estudos
biológicos à vida humana. Com efeito, as ciências da natureza contribuem
significativamente para melhorar os organismos, pois trabalham no processo de
alteração do meio, bem como no processo de fortalecimento do indivíduo.
Tal autor ainda acredita que:
O Direito que vive no povo é cheio de imperfeições, inutilidades e
intervenções inoportunas. A vida também é assim. Durante a semana
em que dedico alguns minutos matinais ao meu jardim, os
progressos são facilmente notados: a inteligência humana levou-lhe
recursos que são ignorados pelo organismo vegetal. A ciência
jurídica positiva pode, na vida dos homens, fazer os mesmos
aperfeiçoamentos e milagres.
52
51
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.160.
52
Ibidem. p.160.
46
Promovendo a continuidade ao assunto, há que se expor que o Direito é
ciência natural como qualquer outra e não há impedimento para a utilização do
método das ciências naturais no campo do Direito, pois somente como ciência
natural é que o Direito é digno das cogitações, do tempo, do zelo e da dedicação de
espíritos contemporâneos.
Para corroborar tal pensamento, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda
explica que:
Como cientista, e somente como cientista, com o único método que
convém à ciência, o determinismo, vejamos o que se produz na
história ocidental, da Galiléia à Rússia e ao Alasca, ao sertão
brasileiro, às bordas chilenas do pacífico, às cidades e campos da
Austrália e da Nova Zelândia, é a variação da idéia, e melhor
diríamos, do expediente adaptativo, em função do meio. Sob o
envoltório grego, ou a exteriorização católica, ou a reforma
protestante, ou sob outras múltiplas conformações que apresentam,
o cristianismo é o resultado religioso de determinado povo em
determinadas condições de meio, leva consigo algo que é humano e
universal e elemento que varia segundo as variações dos termos do
complexo biológico organismo x meio.
53
Não obstante, coerente se torna reproduzir a seguir a crítica feita por Djacir
Menezes em relação ao pensamento de Pontes de Miranda, a saber:
Firmadas as premissas, não podemos aceitar, como em 1935, as
analogias mecânicas ou biológicas como aspectos do Direito,
porque, captando os aspectos mecânicos ou biológicos do equilíbrio,
omitem-se as notas essenciais do processo - precisamente as que
advém dos fatores realmente humanos. Não quer isto dizer,
invocando a conotação da racionalidade e da consciência,
regridamos a interiorização subjetivista para recair nas indagações
metafísicas clássicas.
54
Silvio de Macedo acredita que Pontes de Miranda tece críticas às posições
clássicas e modernas, pois é possível identificar em suas obras uma investida contra
o biologismo, que implica em exclusividade e não em complementaridade. Isso
53
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.162-163.
54
MENEZES, Djacir. op. cit. p.247.
47
significa que o jurista alagoano se opunha ao particularismo de Haeckel, pois ao
lado do fenômeno jurídico temos outros aspectos que lhe afetam. Assim, o biológico
e a vida, também entra na composição do fenômeno jurídico.
55
Assim, é possível acreditar que, nessa posição de ver na linguagem da ciência
biológica um complemento e não a solução para a pesquisa jurídica, Pontes de Miranda
certamente aceitaria a Teoria da Autopoiese como acessória para a explicação do
fenômeno jurídico. Sobre esta Teoria de Niklas Luhmann pode-se, por exemplo, dizer que
sua elaboração deve-se aos estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela,
constantes na obra "De maquinas y seres vivos", publicada em 1973; estes dois autores,
pesquisadores chilenos e biólogos, empenharam-se na construção de uma concepção
biológica de vida, dedicando-se a explicar o fenômeno da força vital; desenvolveram,
portanto, a chamada Teoria Autopoiética para dar solução às pesquisas.
Isso é prova de que a Ciência Jurídica não está, hodiernamente, imune às
contribuições das ciências naturais, sobretudo num mundo pós-moderno, onde se
exige o desenvolvimento da Ciência do Bio-Direito.
Portanto, a proposta de unidade da ciência de Pontes de Miranda permanece
atual, pois a Teoria Autopoiética é uma prova de que o Direito pode ser
perfeitamente pesquisado pelos métodos das ciências naturais como, por exemplo, o
da Biologia.
2.3 Sobre o aspecto sociológico
Quanto ao aspecto sociológico, Pontes de Miranda trata de questões como o
mecanismo social do Direito, a concepção mecânica, a inexistência da sociedade
55
MACEDO, Silvio de. op. cit., 1997. p.140.
48
sem o indivíduo, o egoísmo e a subordinação da política humana ao conjunto da
ciência.
Em seu discurso, o autor introduz a idéia de que a concepção mecânica não
suprime o indivíduo, nem o organismo total. Existem teorias que desprezam o
indivíduo, assim como concepções que recebem a Teoria do Organismo Vivo ou
Social; porém, depois compreendido o mecanismo social do Direito, adquire-se uma
visão mais esclarecedora, aquela que leva ao convencimento da falsidade e dos
vícios que ambas as teorias carregam.
Tal fenômeno ocorre porque se trata de teorias unilaterais, posto que ora
focam apenas o indivíduo, ora concentram-se apenas no organismo total. Logo, não
há sociedade sem o indivíduo, assim como não há o indivíduo “isento dos fios
sociais, que o entrelaçam e penetram.”
56
Portanto, o indivíduo, como suplemento dos
demais seres, penetra no tecido social.
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda analisa as primitivas formas sociais
de modo convincente, demonstrando completa erudição ao afirmar que:
Nas primitivas formas sociais, os círculos, muito pequenos, os
constrangiam, a despeito do coeficiente individual, que era brutal e
inculto. Como nas sociedades animais, preponderava, quase
exclusivamente, a lei da espécie, como se vê entre as abelhas,
térmites e formigas. Na antiguidade há exemplos humanos; ainda em
Esparta podemos encontrá-lo; e em Roma, ao tempo dos reis e da
república, diz Horácio: Privatus illis census erat brevis, Commune
magnum.
57
Em relação ao modo de produção capitalista, este autor o considera como um
sistema individualista e egoísta, pois não coloca o indivíduo como fim, mas como
56
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.165.
57
Ibidem. p.165-166.
49
meio.
58
A observação dos males produzidos pelo individualismo ibero-americano é
importante para que tome ciência dos erros nas quais freqüentemente se incorre.
Daí a defesa que Pontes de Miranda faz de um tipo de Sociologia que
esclareça a realidade de duas categorias importantes: indivíduo e sociedade.
Também é tarefa desta área de saber analisar a expressão de tais categorias como
forças que devem ser equilibradas pelas vias científicas.
O período social individualista corresponde ao movimento ideológico do
socialismo científico, já que tal movimento nasce como resposta aos desequilíbrios
praticados pelo individualismo ibero-americano. Na visão Pontes de Miranda:
Procuram-se os melhores meios possíveis para regular as relações
entre os indivíduos entre si e entre os indivíduos e a sociedade. É a
diretriz positiva da ciência que coincide com a aplicação do
fenômeno sócio-jurídico nos corpos bi e tridimensionais
(acomodações dos triângulos entre si e no tocante ao triângulo ou
círculo envolvente). O processo para se conseguir tal harmonia é a
socialização em proveito dos indivíduos; e o meio é a adoção de
métodos rigorosamente científicos na administração, na revelação do
Direito e no aplicar as regras jurídicas. Na primeira fase é o
socialismo das raças ou divisões mais ou menos puros; na segunda
o individualismo; na terceira as distribuições sociológicas dos
homens, aparentemente no sentido do utilitarismo imediato, mas na
essência, para o fortalecimento do mais largo círculo social: a
humanidade.
59
Adicione-se a este pensamento o fato de que as sociedades
morfologicamente se apresentam como blocos que, por sua vez, se dividem em
camadas, todas elas compostas do mesmo elemento humano; cada camada se
diferencia da outra pela coesão, pelo peculiar agrupamento das unidades do
elemento que as constitui. Portanto, é a densidade que denota a lei da constância.
A rigorosa aplicação dos métodos científicos permite, tanto ao sociólogo
quanto ao jurista, estudar a estrutura íntima das camadas sociais superpostas, que
58
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.166.
59
Ibidem. p.166-167.
50
se afastam entre si, mas insuladas, resistem à percussão.
60
Conhecida a morfologia
social, pode-se quantificar as formas provisórias e as definitivas, mas somente duas
formas são reconhecidas por Pontes de Miranda como essenciais e definitivas, tanto
para a vida social quanto para o Direito, a saber: o indivíduo e a universalidade
humana. As demais configurações, como a horda, a tribo, a fratria, a cidade, o feudo,
o matriarcado, o patriarcado, a maior parte das leis, e o próprio Estado são formas
secundárias, provisórias, transitórias, sujeitas a mutações.
Os mais importantes elementos de criação e de alteração do Direito
correspondem as três necessidades vitais: a alimentação, a proteção física e a
conservação da espécie, que são tratadas pelo jusfilósofo alagoano como “lâmpadas
perenes da vida animal”. Tome-se como exemplo o fato de que os grandes
carnívoros da idade antiga devoravam muitos homens primitivos; a saída para o
problema foi a utilização de armas para fins de compensar a inferioridade física e
biológica da ação física do homem. Assim, o Direito pode ser considerado um meio
de proteção artificial do corpo, com tendência às adaptações.
61
Na ordem da natureza existem muitos defeitos, assim como na ordem social,
e como exemplo pode-se citar o roubo, a embriaguez, a mendicância, entre outros.
Pontes de Miranda acredita que:
Não podemos afirmar que o homem somente possa viver em
sociedade; em sociedade é que ele poderá perpetuar-se, mas o
homem perdido nas selvas, que conseguiu lá viver dez ou quinze
anos, não é inconcebível, nem impossível. Logo que convive,
começa o fato social da solidariedade, sem o qual seria impraticável
a vida social. Principia também o Direito, que é forma interior da
convivência, e, pois, sociologicamente “necessidade”, como, para a
geometria o valor de dois retos, que devem ser somados, os ângulos
do triângulo, ou para a química, ou de que o corpo a misturado ao
corpo b produza o corpo c. É na indústria que o homem consegue o
máximo de poder, mas conhecemos sociedades animais que são
superiores à indústria primitiva, isto é, instrumentos de contornos
60
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.53-54.
61
Também se presta a corrigir defeitos na adaptação.
51
naturais aproveitados em estado bruto com melhoramentos
escassíssimos que os sobpõem à pedra talhada das indústrias
paleolítica e neolítica.
62
Pontes de Miranda distingue dois tipos de espécies; uma em sentido
concreto, correspondente à totalidade das coisas, e outra a espécie humana, que
possui uma dimensão subjetiva. Porém, o individualismo comete um erro quando
concebe o homem concreto como algo desvinculado historicamente da espécie, isto
é, com a sociedade. A ciência recomenda que se deva estudar o homem na
sociedade e não a sociedade no indivíduo, pois, segundo o autor:
A maioria dos motivos, princípios das forças - que dirigem, produzem
e, não raro, constituem a realidade geral em que se dá a subsunção
dos atos individuais - e das representações coletivas, preexiste e
subsiste em relação aos membros do grupo e às gerações. À medida
que se coordenam dados e materiais, acentuam-se as uniformidades
e o método comparativo é o que se impõe. Foi o que, na
antropologia, fizeram Taylor, Frazer, Hartland e Andrew Lang.
63
Sobre a estrutura do corpo social, deve-se entendê-la como um corpo
integrado de massa inorgânica, orgânica e psíquica. Os movimentos físicos,
psicofísicos e psíquicos também se encontram nos domínios que antecedem ao
social, isto é, estão presentes no mundo orgânico e inorgânico, assim como no
mineral.
Pontes de Miranda também entende que a economia política concedeu um
legado ao Direito, qual seja, a aplicação da Matemática ao fenômeno jurídico, já que
a aplicação de axiomas matemáticos no Direito é indispensável à integração
científica do conhecimento, e acaba por justificar a opção, a escolha, a adoção pelo
autor do método indutivo no estudo desta área de saber.
62
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit. 2005b. p.169.
63
Ibidem. p.170.
52
Ressalte-se que a Matemática não tem por único objeto a realização de
cálculos numéricos, pois nem tudo pode ser expresso por símbolos algébricos; ela
também é usada para identificar relações entre grandezas que numericamente não
podem ser sopesadas, entre funções.
Beccaria é apontado pelo autor objeto deste estudo como um dos fundadores
da economia pura; fato curioso, pois na academia jurídica ele é conhecido por
integrar a Escola Clássica de Direito Penal, e famoso por sua obra “Dei delitti e delle
pene”. Cita também o nome de Schumpeter responsável pelo fortalecimento de
investigações econômicas pelo critério matemático.
Pontes de Miranda também destaca o pensador alemão Emílio Durkheim,
atribuindo-lhe a criação de uma regra metodológica composta de algumas variantes.
Tal regra consiste em tratar os fatos sociais como coisas; considerada como método
da normalidade, generalidade e evolução, tem como finalidade observar, comparar e
classificar os fatos sociais. O jurista e filósofo alagoano explica que, quanto às
variantes do referido método, foram estabelecidas três formas, a saber:
a) para determinado tipo social, que se considere em determinada
fase do seu desenvolvimento é normal o fato social quando se
produz na média das sociedades da mesma espécie, consideradas
na fase correspondente da sua evolução; b) podem ser verificados os
resultados do método precedente em se mostrando que a
generalidade do fenômeno depende das condições gerais da vida
coletiva no tipo que se escolheu ou estuda; c) é necessária a
verificação quando o fato diz respeito à espécie social que ainda não
cumpriu a evolução integral.
64
É interessante expor que o autor trata o mundo social como algo que a todo o
momento reflete o grau do conhecimento humano, mas não esclarece se a
mensuração do conhecimento humano é feita em quantidade ou qualidade. Se for
64
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.173.
53
admitido que Pontes de Miranda jamais se contradisse em relação ao método por
ele adotado, surge então a obrigação de se admitir que essa mensuração só pode
ser levada a efeito em termos de quantidade. Ele se posiciona de maneira muito
curiosa quando faz apelo ao uso de bons métodos na análise dos fenômenos e dos
aspectos relacionados, direta ou indiretamente, ao fenômeno jurídico. A esse
respeito, adotou o seguinte entendimento:
Até aqui a razão individual ou coletiva, desapercebida de métodos
científicos, pouquíssimo fez em benefício dos grupos sociais, isto é,
realizou apenas o que lhe era possível como conteúdo da própria
função biológica da consciência, a cada momento escravizada pelos
impulsos indisciplinados de toda a sorte; mais ainda: com as nossas
fantasias, com o nosso empirismo e sobretudo com a nossa
ignorância apoiada em culturas inúteis, em vez de auxiliarmos, temos
prejudicado a própria defesa e iniciativa inconsciente das
sociedades; com o uso de bons métodos, com a pesquisa objetiva,
dar-se-á o contrário: acima da ação dos agregados sociais, para
conservação e o progredimento. Estarão a inteligência individual e a
coletiva a prover sabiamente à harmonia e ao engrandecimento
geral. Hoje é muito difusa e complicada a matéria social, mas as
novas convicções e a doutrina, elementos da ciência, depois de
exteriorizadas e inseridas na vida social, passam à categoria de
valores, de fatos, de substâncias, e como tais são melhor entendidas
pela inteligência, que presidiu à sua elaboração, do que os outros,
anteriores à intervenção dela e consistentes em ensaios do instinto,
em tateamento e heterogeneidades embaraçantes, como são certas
utopias e erros.
65
Pontes de Miranda também menciona Jellinek, estudioso responsável pela
atribuição de dois princípios. O primeiro diz respeito à força de aplicação do Direito,
segundo o qual o Direito só pertence à ordem jurídica e é realmente Direito apenas
quando se aplica; Direito, que não mais se aplica ou que ainda não se aplicou não é
Direito. O outro se refere à relatividade dos fins do Estado: os fins deste variam em
função das condições sociais; quanto maior é o interesse solidário, mais é o Estado
chamado a satisfazê-lo.
65
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.174.
54
A respeito do pensamento de Jellinek, Pontes de Miranda concluiu que:
[...] a solidariedade é grandeza dinâmica, que se modifica conforme
as circunstâncias (lugar, tempo, povos, etc.,), por isto mesmo a
fórmula se submete quanto ao seu conteúdo político, as influências
do momento e às condições gerais do estado de cultura do povo ou
do círculo social composto de povos.
66
Até aqui é possível entender que vai ganhando corpo a concepção
funcionalista culturalista do fenômeno jurídico.
2.4 Sobre o aspecto ideológico
No que diz respeito ao aspecto ideológico, Pontes de Miranda explora o
universo filosófico helênico para tratar das necessidades como causas e da evolução
da metafísica jurídica. As necessidades como causas possui um fundo ideológico, já
que as necessidades econômicas, morais, religiosas, políticas, jurídicas, artísticas e
científicas plasmam as idéias dos homens.
A presença das necessidades como causa no universo helênico foi muito
intensa para Pontes de Miranda, uma vez que os gregos eram apaixonados pela
idéia de harmonia auferida na realidade cosmológica. Para o autor:
A simplicidade e a beleza embriagavam as almas gregas. A fé
inextinguível dos geômetras pitagóricos na unidade da ciência pela
razão mesma de ser perfeita, levava-os à cata de acontecimentos e
de indícios da integralidade harmoniosa do universo. Daí a surpresa
que lhes trouxe a verificação de extensões incomensuráveis nas
mais simples figuras. Segundo escólio antigo, conta-nos certa
legenda simbólica que o autor da teoria dos incomensuráveis foi
afogado em naufrágio punindo o céu aquele que exprimiu o
inexplicável e que desvendou o que deveria ficar oculto para
sempre.
67
66
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.175.
67
Ibidem. p.186.
55
Se a filosofia pitagórica contribuiu para a filosofia da matemática com a idéia
de que todas as coisas são compostas por números, revelando, pois, que o número
é uma essência ideal, por outro lado a filosófica pitagórica é obscura para o autor,
entendendo o mesmo que tal obscuridade se dá:
[...] pela falta de documentos autênticos, pela incoerência de certos
textos indiretos; mas parece que a obscuridade serviu ao seu caráter
misterioso e vago, à sua convicção entusiástica e requintada. Ao
contrário das outras escolas de filósofos gregos, públicos e livres, a
de Pitágoras devia ter sido reservada e seleta.
68
Nessa dimensão, o pensamento pitagórico é ideológico, pois todas as coisas
e os fenômenos só podem ser explicados matematicamente. Sendo assim, sem o
número não se podia conhecer ou pensar sobre algo no universo. A verdade nasce
com número, segundo a interpretação de Pontes de Miranda sobre o pensamento
ideológico pitagórico.
O autor alagoano tratou também da evolução da metafísica jurídica,
apoiando-se em importantes filósofos gregos como, por exemplo, Pitágoras,
Heráclito, Protágoras, Platão, Aristóteles e Sócrates.
No volume III da obra ora em estudo, Pontes de Miranda indica que Pitágoras
chamou a Justiça de igual múltiplo de si mesmo. Contudo, no volume I da mesma
obra, o autor afirma que Pitágoras chamou o Direito de igual múltiplo de si mesmo.
Isso denota que aparentemente o jurista alagoano fez confusão entre o Direito e a
justiça, uma vez que não há que se falar em emprego de tradutores nas obras de
Pontes de Miranda, todas escritas e narradas na língua portuguesa.
Para os gregos, Direito e justiça representam os lados opostos de uma
mesma moeda, não havendo praticamente distinção ambos. Talvez seja por este
68
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.186-187.
56
motivo que o autor fez o emprego das expressões num sentido unívoco, embora
grafadas de modo diferente no idioma grego.
Voltando à questão da evolução da metafísica jurídica, sob o aspecto
ideológico, Pitágoras adota uma postura diferente daquela acolhida por Aristóteles,
já que, para este, o número aludido por aquele seria explicado pela idéia de que a
justiça é a reparação e não o igual múltiplo de si mesmo. De fato, a idéia de justiça
para Pitágoras possui uma base objetiva e axiomática, já que o mundo e o elemento
justo são explicados por cálculos matemáticos.
Contra a base objetiva, defendida pelos pitagorianos em relação à idéia de
Justiça, está Heráclito, da cidade grega de Éfeso. Para tal pensador, o real não
existe, mas apenas o vir a ser, ou seja, o ser não pode ser considerado como uma
realidade objetiva, pois está em constante movimento. Pontes de Miranda
compactua com essa idéia, entendendo que o objeto apreendido não é imutável,
mas é perene em seu movimento, uma vez que “só existe uma coisa constante e
real, que é a mudança, a inconstância.”
69
O mesmo autor, interpretando o pensamento de Heráclito, afirma que:
Assente a realidade da variação, nega-se a do mundo. Trata-se,
como se vê, de teoria que implica a mesma negação no terreno
filosófico, no lógico e no ético: portanto, no social e no jurídico. De
tudo que se disse resulta, para a filosofia do Direito, puro niilismo.
Mas os sistemas filosóficos raro ou talvez nunca são conseqüentes.
Para o ser, o evolucionismo negaria toda a filosofia; e Heráclito não
procedeu assim. Para ele, o indivíduo é o todo da harmonia, por isto
mesmo que aquele concorre para esse e desse deriva a vitalidade
daquele. A impiedade, violação daquela harmonia pelo ato do
indivíduo, é moral e juridicamente a grande ofensa. É preciso, pois,
confiar na razão geral; quando estamos de acordo com ela, está
conosco a verdade. Erramos, quando nos entregamos à opinião
individual. É fácil imaginar as conclusões a que poderia levar tal
filosofia. Porém, não vejamos na razão geral a opinião geral dos
tempos modernos; não tratava de razão dos homens, mas do Todo;
era físico-ético, e não político o sentido. E aquela sujeição do
indivíduo não deixava de ser fecundo. O Direito tornava-se algo de
69
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.188.
57
sagrado; tanto assim que é de Heráclito a frase: O povo deve lutar
por sua lei, como por suas fronteiras. Como bem se vê de tudo isso,
Heráclito não foi propriamente o negador; negador foi Górgias, que
desenvolvia longos argumentos para provar que o ser não é.
70
Pontes de Miranda ainda identifica certa coincidência entre a filosofia de
Heráclito e aquela dos evolucionistas (Darwin e Spencer), uma vez que o sistema
filosófico pré-socrático e o evolucionista negam a permanência das coisas, a
estabilidade. O autor demonstra significativa convicção em tal posicionamento ao
afirmar que “a verdade não está com Pitágoras, nem com Heráclito, mas com os
dois.”
71
Após os pré-socráticos surgem os sofistas, pensadores niilistas, que
representavam o espírito de transição na filosofia grega e que viam certa relatividade
nos fenômenos. Pontes de Miranda discorre sobre Protágoras, comentando, nos
seguintes termos, a afirmação de que o homem é a medida de todas as coisas: “As
coisas são o que parecem ser a cada um de nós; de modo que somos a medida de
todas elas, das que são, enquanto são, e das que não são, no que não são. O
homem é o critério ou regra da verdade e da falsidade das coisas.”
72
Na metafísica de Aristóteles, o estagirita repugnou a idéia de que na ordem
moral cada um faz o que lhe apraz e de que o fim do indivíduo está nele mesmo.
Protágoras dizia que o homem é a medida de todas as coisas, o que importa dizer
que cada coisa é realmente o que parece, individualmente, a cada um de nós; desse
pensamento resulta a inevitável confusão entre ser e não ser, entre o bem e o mal e
as outras coisas designadas por nomes opostos entre si.
70
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.188-189.
71
Ibidem. p.189.
72
Ibidem. p.190.
58
Para Pontes de Miranda, a Teoria da Relatividade do Conhecimento,
defendida pelos sofistas, a exemplo de Protágoras, não produziu a ciência moderna,
mas o pensamento medieval. Também contribuíram para a Idade Média o Idealismo
Socrático, o Platônico e o Aristotélico.
Aqui é possível discordar de Pontes de Miranda em relação aos sofistas, pois
a Teoria da Relatividade do Conhecimento se faz muito presente no pensamento
filosófico moderno, e mesmo no pós-moderno, uma vez que num mundo plural e
complexo não há espaço para o absoluto, mas a verdade é construída pelo ethos de
um povo situado em dado momento histórico. Na visão do jusfilósofo alagoano
existe certo encadeamento no pensar grego - Pitágoras, Heráclito, Protágoras,
Sócrates -; em todos está a verdade.
Para Protágoras, as leis e as verdades não são absolutas, são humanas, uma
vez que o homem é a medida de todas as coisas, sendo certo que os que se
conhecem sabem o que lhes convém e os que não se reconhecem não sabem os
que lhes falta, nem o que são. Daí pode-se extrair duas questões interessantes: a
de que o conhecimento está ligado ao interesse ou conveniência; e a de que o
conhecimento sobre algo no mundo depende muito mais do sujeito cognoscente do
que do objeto conhecido.
O homem que se conhece e que domina a arte de parir as idéias é o
verdadeiro filósofo para Sócrates. Dessa forma, o homem justo e virtuoso é o que
possui o espírito crítico de auto-conhecimento, bem como aquele que é capaz de
reconhecer sua própria ignorância.
Diferentemente do pensamento idealista de Platão (cuja fonte do saber está
em Sócrates), Pontes de Miranda cuida do pensamento realista de Aristóteles que,
responsável por dar nova feição à moral socrática e platônica, designa o homem
59
como ser social. Pontes de Miranda acredita que havia um espírito científico na
pessoa de Aristóteles, podendo-se ver nele um dos maiores precursores da
concepção psicomecânica da vontade. Interpretando Aristóteles, o autor entende
que o estagirita concebe o Estado como meio necessário ao desenvolvimento
humano e à cultura; conseqüentemente, o fim do Estado é a felicidade dos animais
políticos que o compõem.
Quanto ao pensamento político aristotélico, Pontes de Miranda afirma a
existência de três formas legítimas de governo, ou seja, a monarquia, a aristocracia
e a “política”; também acredita na existência de apenas três formas tirânicas: a
tirania, a oligarquia e a democracia.
73
Contudo, há que se discordar do autor quanto à interpretação do pensamento
político aristotélico, tendo em vista a necessidade de se considerar os seguintes
fatores:
a) o termo “política”, empregado na tradução por Pontes de Miranda, significa
república;
b) a democracia não representa uma forma de Estado, mas unicamente um regime
de governo; e
c) a república pode ser desvirtuada e desembocar numa demagogia.
Em outras palavras, as três formas de governo concebidas por Aristóteles são
a monarquia, a aristocracia e a república; suas respectivas antíteses são a tirania, a
oligarquia e a demagogia.
74
Promovendo as linhas finais desse raciocínio, para Pontes de Miranda os
caminhos ideológicos levam a conclusões desanimadoras; não há confiança na
ideologia, mas na ciência, sobretudo na ciência positiva. Não se pode confiar no
73
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.193.
74
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1992. p.94.
60
individualismo ou mesmo no socialismo ideológicos, mas a confiança advém do
conhecimento direto das realidades, dos fatos. Nesse sentido, para Pontes de
Miranda as construções ideológicas são metafísicas e não se ajustam ao verdadeiro
espírito científico, que repousa na direta observância dos fatos.
2.5 Sobre o aspecto técnico
A vida é sentida por Pontes de Miranda
75
como matéria social e assimilada
como uma “grande massa infinitamente complexa.” Os processos necessários para
a existência do ser-indivíduo se apresentam como “linhas mais ou menos sinuosas
de adaptação”, sendo a religião como a mais perceptível; a moral também é outra
linha de fácil percepção, manifestando-se pela idéia de paz, de ordem e de
coordenação dos instintos; quanto ao Direito, convém registrar a seguinte afirmação:
“...mais recuada quer conter e suster o desordenado da massa social dos fatos,
tratar os homens como fato e como fato entender a situação deles, os seus laços e
as suas possibilidades, - é o Direito.” Todas essas linhas de adaptação constituem
um mecanismo eficaz para reprimir os impulsos do ser indivíduo.
Sob essa ótica, a ciência aparece como meio hábil para reconhecer o
fenômeno jurídico, bem como a maneira própria de se investigar o “jurídico”. Como
instrumento de pesquisa e de apreensão da realidade, a ciência se manifesta como
técnica e esta, por sua vez, representa mais um aspecto pelo qual se revela o
Direito.
Nesse sentido, Pontes de Miranda explica que:
Quando falamos em técnica não damos ao termo a acepção do
elemento exterior, lógico, do Direito, nem a elaboração pelos juristas,
75
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.267-268
61
contrariamente à dos fatores políticos (criação pelo povo), conforme
Savigny, nem, precisamente, a de arte jurídica, mas o conjunto de
meios para procurar e fixar as regras jurídicas (técnica legislativa) ou
interpretá-las e aplicá-las (técnica exegético-executório).
76
De fato, cabe razão ao autor, uma vez que a técnica do Direito se apresenta
como um instrumento que se destina à busca e ao estabelecimento de normas
jurídicas. Buscar e estabelecer normas: eis a finalidade do técnico. Porém, como
viabilizar a procura e a fixação das normas jurídicas? Qual o posicionamento de
Pontes de Miranda quanto a esta questão? Infelizmente, o autor não responde a
essa indagação, limitando-se apenas a tratar da questão a partir de comentários
feitos em relação aos seguintes pensadores: Jhering, Kohller, Stammler, Rolin,
Krabbe, Gény, E. Cuq, Saleilles, Dugit e Hauriou.
Entretanto, considera-se relevante a análise que Pontes de Miranda faz ao
pensador francês Gény, a saber:
Muitos ou alguns podem alcançar o mesmo objetivo; tem-se,
portanto, que escolher é só a vontade pode realizar tal escolha. Mas
vontade entra aí como em tudo. Não será escolha o trabalho da
ciência, a fixação do indicativo? Descobrir a lei científica terá outro
sentido senão o de escolher o que mais proximamente explique os
fatos? O próprio material da indução é escolhido. De tais
considerações, que vem em bom ensejo, bem se tira que prepondera
o conhecimento ou pelo menos deve preponderar, isto é - exprime a
intervenção dele. Certo, técnica é ramo, parcela ou seção da ação
humana e, por vezes, os elementos religioso, moral etc., passam à
frente do que traz a razão. Mas a Gény, que assim objeta, podemos
responder: a força da crença, do ético, do econômico, que nos
demais sistemas seria elemento atendível ao lado do jurídico (ciência
e técnica), segundo a investigação científica que defendemos [...] são
fatos, são processos de adaptação, que tem por si a presunção
oriunda, se não da utilidade (finalismo), pelo menos da naturalidade
delas e ajustamento às condições essenciais da vida. As práticas e os
expedientes tradicionais têm a seu favor o serem movimentos de
adaptação social, para os quais a ciência deve manter alguns critérios:
a) respeitá-los, porque não há mais probabilidades de serem errados
ou, pelo menos, por serem biológicos devemos presumi-los acertados
e, se são perniciosos, já se provocou a reação; b) contaminá-los e
destruí-los quando provada a perniciosidade deles [...].
77
76
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.267-268.
77
Ibidem. p.271-272.
62
Com isso, o autor quer dizer que quando se faz ciência opta-se por algo. O
cientista deve assumir uma postura coerente com o seu método e fiel a
determinados critérios como, por exemplo, respeitar as práticas e os expedientes
tradicionais comprovados, já fixados pela ciência, e destruir o objeto de investigação
quando contaminado ou quando for provada sua perniciosidade.
Porém, não responde o autor em quais casos um objeto de análise científica
se apresenta como pernicioso; pode-se presumir que seja aquele que põe em risco a
coerência e a objetividade das investigações como, por exemplo, os elementos
ideológicos ligados à religião e à moral, portanto, metafísicos, e que se apresentam
perniciosos e comprometedores da investigação científica, eis que interferem na
neutralidade, na objetividade e na coerência metodológica. É de se acreditar que
assim vislumbra o jurista alagoano.
As relações sociais num sistema capitalista mantêm sua estabilidade por meio
das relações contratuais mantidas pelos indivíduos. Logo, o contrato é o resultado
de uma técnica jurídica e produz um equilíbrio das forças sociais. O lucro auferido
pelo indivíduo corresponde à perda geral, da qual participa aquele que conseguiu o
aumento indébito. Exemplifique-se com o caso do operário que, após ser despedido
de uma indústria, passa a ter certo incômodo na sua rotina diária, podendo até ser
levado à prática criminosa. Na visão de Pontes de Miranda:
Sem recurso, sem trabalho, o operário recorre a outro, depois a
muitos, mais tarde a indivíduos, que não são os inseridos no conjunto
harmônico, e sim espíritos que têm a si mesmos como fim e vivem da
ociosidade, que é o crime, mas o crime em sentido sociológico e não
apenas técnico e policial, a criminalidade que abrange parte das
cadeias e parte dos salões, grande trecho das colônias de
delinqüentes e palácios, castelos, grupos políticos, administrações de
indústria, etc. Mais tarde, com as leituras que lhe aumentam o valor
intelectual e, pois, moral, o operário recorre a outros processos
violentos mais semelhantes aos do patrão; a ruptura do contrato; e
63
temos a mentira das moléstias, o desvio de mercadorias, a parede.
No dia em que a fazem os empregados das estradas de ferro a
repercussão é como a ondulação vibratória: o operário, que contava
com o comboio, não no tem; o dono da casa de refeições, que
compra aos mesmos fregueses sofre o prejuízo de lhe faltarem
alguns gêneros naquele dia e dos recebe não tirar nem o lucro,
porque não vieram à fábrica os empregados. Toda trama de
contratos e quase-contratos como que se desune e embaraça.
Naturalmente, a sociedade retomará os trilhos em que deslizava,
mas o prejuízo ficou e, no conjunto das condições econômicas,
morais, políticas, jurídicas; tudo isto se conta.
78
Daí se extrai que o contrato é responsável pelo equilíbrio social quando
evidentemente mantido, pois existe uma interdependência fática entre as relações
contratuais, haja vista que o prejuízo de uma das partes tem o condão de reverberar
nos indivíduos que se sujeitam a outros laços contratuais.
Sobre o assunto, o autor retro citado aponta uma única solução: a
socialização do capital e do trabalho; isso quando afirma que:
A única solução é tornar mais dependente, menos individual, o tecido
do contratualismo vigente, o que importa socializar, em parte ou
gradualmente, o capital e o trabalho. Certamente, são muitas as
fórmulas propostas, mas nenhuma delas tem por si a verdade; são
instrumentos com os quais o corpo social procura a linha de
adaptação: aqui, a tentativa de cooperação; ali, a de sindicato;
adiante, a de grandes serviços executados pelo Estado, etc. Depois,
vêm as retificações, novas tentativas, e assim sucessivamente, até
que socialize as forças sociais, sem o que o perceba o homem [...]
até chamas aviva o fogo.
79
Pontes de Miranda acredita que a técnica sempre se pôs a serviço do
racionalismo, pois este acredita na intervenção racional derivada da vontade
humana como meio de escolha de fins, capaz de estabelecer e prever as funções
dos institutos jurídicos e das regras. Cabe aqui a seguinte indagação: possuiria a lei,
como expressão da técnica, vontade? A técnica é confundida com vontade; porém,
há que se retirar o elemento subjetivo da técnica.
78
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.287-288
79
Ibidem. p.289.
64
Para o jurista alagoano a Lei pode ser identificada como energia, força e
direção, haja vista que:
[...] objetivamente, é fenômeno de energia a lei, porém não energia
ou vontade individual do legislador, nem coletiva ou generalizada,
mas, simplesmente força, porque excluído o aparato político não se
sabe donde veio, nem se pode reconhecer, na tecedura
constitucional dos povos modernos, o filão volitivo dos parlamentos,
das assembléias, dos congressos: de modo que, na interpretação do
Direito, entra a lei, com tinta que se vai combinar com outras e não
como a com que se terá de colorir toda a tela, o que seria o velho
erro de a crer o elemento suficiente, o único material de construção.
Para maior precisão e clareza, digamos que a lei escrita será tratada
como certa fase intercalar na vida da regra jurídica, posterior à
elaboração indutiva, que pode ser obra do próprio legislador e
anterior à adequação aos fatos, quando o juiz dotado de
conhecimentos científicos terá de ajustar não o texto legal ao caso,
mas a regra encaixada na lei à categoria de real, que é o fato da
causa. Neste caminho não se nos deparam as dificuldades, que
inçam o campo das pesquisas de vontade subjetiva e decorrentes da
divergência sobre qual seja o sujeito de tal vontade.
80
Com isso o autor alerta quanto ao perigo de identificar o redator do texto com
os votantes do projeto de lei. São vontades distintas que não se confundem: uma
coisa é o órgão coletivo, outra é o indivíduo, real autor da lei. Nesse sentido, os
textos escritos pressupõem a formação da terminologia, a distribuição dos intuitos
em categorias, classes e séries, a preponderância de certas opiniões. Com efeito,
não se pode afastar o reconhecimento da vontade, tal elemento estranho, que
muitas vezes é a água que vai encher todo o jarro vazio do texto legal.
Salutar se torna aqui buscar amparo em Pontes de Miranda para entender
que:
Há dispositivos iguais no Direito Francês e no Brasileiro, que, com
toda razão se interpretam diferentemente num e noutro país, com
alguns brocardos latinos na paremiologia judiciária. Não dizem
exatamente o mesmo na Alemanha e no Brasil e com mais forte
razão ao continente europeu. Com o racionalismo que o domina, e
nos povos anglo-saxões, impregnados de empirismo. Nada mais
vicioso, estéril e improdutivo, como os moinhos que rodam sem
80
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.295-296.
65
grãos, do que interpretar o texto segundo eles mesmos, com que
Stampe, ainda que com isto se complete; São obrigados os juristas
mais circunspectos, a confessar a necessidade de temperamentos
ao princípio da vontade do legislador antigo, exceções que as vezes
contestam o princípio, ou a manter, em teoria, a postura dogmática,
mas adotar, na prática, outros critérios, o que constitui não prova da
insinceridade deles, que são quase todos, mas da traição dos fatos
da vida a quem venda os olhos para os não ver.
81
O autor quer dizer com isso que, quando se fala em vontade do legislador ou
da lei, deve-se reconhecer o valor metafórico, pois em vez de vontade poder-se-ía
dizer direção, tendência, sem o inconveniente de estar implícito em “vontade” o
elemento gerador. Seria de bom grado que os juristas entendessem objetivamente o
vocábulo, com a frieza suficiente para eliminar a subjetividade. Pontes de Miranda
complementa a idéia ao explicar que:
[...] desde o momento que se pronuncia a palavra vontade sem a
imunização de noções subjetivas, desvirtua-se a norma,
individualiza-se (vontade do legislador) o fenômeno jurídico e quiçá
somente o político (se nada contém de juridicamente atuante), mercê
de singular racionalismo, ou se volta a concepções animísticas e se
atribui à lei o ato de volição. É admirável que vejam na regra jurídica
vontade de alguém ou de alguma coisa, juristas que não insistam
impor os costumes das classes das fontes do Direito: posto que
aproximadamente se lhes dê expressão, ainda os mais inconscientes
- muitos há que não apresentam nenhum traço de vontade, salvo no
sentido objetivo que admitimos, isto é, como sinônimo de direção, de
força, de regra.
82
(grifo do autor)
Portanto, o autor entende que a lei não possui “vontade”, pois ela chega aos
olhos do magistrado como um simples texto objetivo que necessita de uma
interpretação. No fim das contas, também não nega o poder dos juizes de fazer valer
o Direito por intermédio de sentenças judiciais, pois a lei continua a ser feita pela
“ciência, pelo costume e pela interpretação do juiz.”
83
81
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.298.
82
Ibidem. p.298-299.
83
Ibidem. p.306.
66
Pontes de Miranda também critica o mal burocratismo do Poder Legislativo,
pois a pretensão de reduzir o Direito à lei demonstra a exaltação do ideal
burocrático. No momento em que ela é feita, passa a compor um sistema de forças
sociais, jurídicas, mecânicas e ideológicas.
A evolução da vida social é dinâmica em relação à lei feita abstratamente,
mera construção racional, inflexível, perene, que em pouco tempo torna-se
desatualizada. Daí a necessidade do intérprete fazer uso de uma hermenêutica
evolutiva, destinada a ajustar a norma descompassada com as exigências de uma
realidade social em constante transformação.
Com efeito, é indispensável que o jurisconsulto ou magistrado atue durante a
aplicação da norma com flexibilidade e plasticidade, de modo a atualizar a norma
proposta pelas assembléias em relação ao Direito fato, concreto, que compõe o
tecido social resultante do processo de constante adaptação.
Nesse sentido, Pontes de Miranda leciona que:
Na própria ordem política, o que mais distingue as duas funções é a
índole geral, para o futuro, do produto legislativo, e a índole
individual, para o presente, do produto judiciário; aquele é
permanente, esse momentâneo. Observados tais caracteres da
função especial do juiz, evidentemente se atenua a importância da
objeção: o juiz decide para casos particulares, o que diminui em
extensão a eventual injustiça, e, em intensidade, porque o
interessante é o natural e vigilante fiscal dos julgamentos.
84
Para Pontes de Miranda
85
, não basta o conhecimento da lei, pois ela não é o
conteúdo efetivo da ciência jurídica, “como o documento constitui simples elemento
de cognição indireta e não o conteúdo efetivo da história.” Ele entende que existe
uma diferença entre os que interpretam a lei e pretendem construir a ciência de
84
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.307
85
Ibidem. p.307-308.
67
raciocínio dos que revogam a indagação jurídica por meio da análise, da indução e
da experiência. Também explica que:
O Direito realidade é o ‘dado’; esboça-o e às vezes o desfigura o
legislador; jurisconsulto e juiz avivam-lhe os traços, dão-lhes as
cores, elementos concretos que não podiam ser obtidos pelo
processo abstrativo do formulador da lei. As assembléias não
impõem, propõem; a liberdade delas no fazer a lei, o arbítrio de
impor, é relativa e em parte contraditória, como a liberdade do preso
de passear na célula. Em toda a ordem natural, o que se “impõe” é a
realidade, o “dado” é um “imposto”; e qualquer negação disto implica
a negação do determinismo universal, da ciência e da filosofia. Os
fenômenos sociais que determinam a necessidade e a produção da
norma jurídica são impessoais, conquanto por vezes, heterogêneos e
complexos; porém, na lei há o fato de uma ou de mais de uma
consciência, e portanto, o coeficiente do eu, que o torna não inserível
no mundo exterior, se em estado bruto, quer dizer no estado de
abstração. No aplicar a regra jurídica há de o juiz desbastar a pepita,
eliminar aquele coeficiente que se interpõe entre a matéria, de que
se induz, e a matéria para que se deduz. Não pode deixar de cansar,
de desfibrinar, de decompor, de esgotar a receptividade social, a
fúria de legislar que domina os povos.
86
No intuito de concluir este capítulo, convém aqui registrar outras conclusões
feitas por Pontes de Miranda
87
em relação aos problemas da burocracia legislativa, a
saber:
a) pelo hábito de legislar, legislam demais os congressos;
b) na pletora legal está a prova da inconsciência dos processos de legislar;
c) ninguém escolhe o advogado e o elege médico de certo povoado, ou o
mineralogista para ser carpinteiro, mas é assim que se escolhem e se fazem
legisladores;
d) as leis não têm formas visíveis como as cadeiras e as cômodas, que há todos
pudessem denunciar a mão inexperta e pesada que pretendeu imitar a fina obra
de marcenaria;
86
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.166.
87
Ibidem. p.166-167.
68
e) na redação das leis, nota-se a influência do “estado oficial”, do estilo das
secretarias e comissões: frio, duro, ridículo de prudência, sem nervo e sem
sangue, de certa brancura otimista, e de certa simetria fanática, que tira ao
preceito toda naturalidade, toda a vida, toda a simpatia que lhe era mister para o
contato com os fatos e com os espíritos; e, finalmente,
f) de tão seco algebrismo, provém, muita vez, o mau êxito de algumas leis; são
assaz vivas as realidades sociais para que as pudéssemos expressar por meio de
letras convencionais.
69
3 OUTROS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO FENÔMENO JURÍDICO
O leitor foi cientificado no capítulo anterior sobre os aspectos mecânico,
biológico, sociológico, ideológico e técnico do fenômeno jurídico; isso no contexto do
Tomo III da obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, de Pontes de Miranda.
No entanto, existem outros aspectos de grande importância e que também
merecem destaque para um melhor entendimento da visão do autor na referida obra,
motivo pelo qual o presente capítulo irá abordar aqueles que dizem respeito aos
aspectos psicológico, político, gnosiológico, entre outros implícitos na obra “Sistema
de Ciência Positiva do Direito”.
3.1 Sobre o aspecto psicológico
Por meio de seus estudos, Pontes de Miranda identificou o fundamento
psicológico do Direito a partir do pensamento juspsicológico alemão. Entre os
pensadores consultados pelo autor objeto de estudo do presente trabalho estão
nomes como, por exemplo, Wilhelm Wundt, Ernst Zitelmann, Georg Jellinek e Georg
Simmel.
Tal afirmação pode ser comprovada em Djacir Menezes, quando o autor
afirma que:
Seu pensamento ruma a horizontes largos, que só a ciência alemã
lhe facultaria, - Savigny, Puchta, Zitelmann, Rumelin, Bekker, Eduard
Meyer, Anton Menger, Sternberg, Windisheid, Ehrlich, Kantorowitz.
Seria longo arrolar as fontes de reflexões que lhe estimulam o
trabalho. Reconhece ele a propósito das fontes do Direito: “É à
Alemanha que se deve todo o esforço neste ramo da ciência jurídica
e somente a pouco mais de meio século começaram alguns
70
escritores franceses, aliás, raros, a cogitar do assunto, sem novidade
de vistas, nem de resultados.”
88
No que diz respeito ao pensamento de Wilhelm Wundt, há que se entender
que este autor definia o Direito como produto natural da consciência, levando-se em
conta os sentimentos como fonte perene; também discordava da concepção do
Direito Natural e fazia divisão entre os caracteres (Inhaltsmerkmale) do Direito em
externos e internos. Para Wundt, o Direito e a justiça dependem da vontade,
sentimento responsável pela criação da ordem instituída e, quanto ao primeiro,
conferia outra definição: tratava-o como Direito Positivo Concreto e não Natural.
Além disso, conferiu fundamento psicológico não só ao Direito, estendendo-o
também à moral, haja vista que, de acordo com Pontes de Miranda:
Os conceitos morais variam com as condições históricas; não podem
ser determinados a priori; nem ao acaso se tecem as concepções
éticas: são produtos da cultura coletiva; o fim geralmente excede os
efeitos intentados (é heterogonia dos fins), pois que os indivíduos
representam e são parte de mais largos movimentos e círculos mais
dilatados do que individual. Pela moral, coloca-se o homem em
harmonia com a evolução geral e tal prosseguir evolutivo é a meta dos
fenômenos éticos, que pode ser alcançada, não individualmente, mas
pelo povo (estoicismo coletivo-psicológico, völkerpsychologischer
Stoizismus). Em vez do secundum natura vivere dos estóicos, postulou
a confirmação das vontades com o desenvolvimento da cultura.
89
Todavia, o domínio moral, no pensamento de Wundt e segundo análise do
autor retro citado, abrange a humanidade, a sociedade, o Estado e principalmente a
personalidade. Ao Direito objetivo Wundt, Pontes de Miranda o reduziu ao conjunto
de direitos particulares e deveres, que são tratados como Direito conforme a vontade
moral coletiva, considerando-se que:
A punição é reação natural desta, reação especial, com fim
retributório e reformatório, porém não idêntica a ele. Ao Estado
88
MENEZES, Djacir. op. cit. p.248.
89
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.53.
71
reconhecia funções de ordem, unidade, economia, posse social e
cultura. Podemos chamar o princípio de Wundt ao da heterogonia
dos fins.
90
Pontes de Miranda também estudou o pensador alemão Ernst
Zitelmann, quando trata do fundamento
psicológico do Direito. Para o famoso
representante do estado de Alagoas, nenhum outro pensador estudou a vontade, a
razão e a consciência com tamanha dedicação, utilizando o filósofo alemão de alto
critério para análise desses elementos independentes, mas que se entrechocam;
isso porque:
A vontade é operação interior; em si mesma, não é consciente, nem
inconsciente, pois que pode ser de uma espécie ou de outra,
segundo se acompanha ou não de percepção do próprio conteúdo.
Utiliza tais dados no que interessa substancialmente, à teoria do
negócio jurídico. Se, na filosofia social, é escasso e mofino o cabedal
que trouxe Zitelmann, não podemos dizer o mesmo quanto à
investigação científica, como havemos de ver noutro lugar.
91
O pensamento juspsicológico de Georg Jellinek não passou despercebido aos
olhos de Pontes de Miranda, uma vez que foi outro jurista alemão brilhantemente
estudado pelo autor alagoano. No entendimento de Jellinek, são falsas imagens as
analogias existentes entre a figura do Estado e das sociedades animais, pois são
realidades diferentes que se formam por outros motivos, jamais podendo ser
equiparadas ao fenômeno que se reconhece de Estado; conclui-se, daí, que se
existem sociedades de animais (Tiergesellschaften) é porque não existem Estados
de animais (Tierstaaten).
Entretanto, Pontes de Miranda
92
critica o pensamento de Jellinek, pois este
peca pela “mal velada nota do antropocentrismo na ciência geral do Estado.” Leve-se
90
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.53.
91
Ibidem. p.53-54.
92
Ibidem. p.54.
72
em conta também que o pensador alemão considera o Estado como necessidade
histórica, ou seja, como algo inexistente fora do contexto humano e que “vive” e
manifesta-se apenas por meio de ações humanas, de modo que aquela necessidade
histórica somente pode ser psicológica. Acrescente-se a isso o fato de que o homem:
Como sujeito de Direito, tem vontade, e tal vontade não é ficção, pois
que existe por força daquela mesma necessidade lógica pela qual a
pluralidade de homens, permanente e unificada (einheitliche
Mehrheit), tendente, com forças comuns, à consecução de fins entre
si conexos, se nos apresenta como união - quer dizer: corresponde à
idéia que, na linguagem vulgar, se exprime pela palavra unidade.
93
Para sintetizar o pensamento de Jellinek, Pontes de Miranda assim se
manifesta:
O Estado é, para Georg Jellinek, organização dominante, dotada de
vontade poderosa e atuante. Na sua esfera de ação apenas entram
as exteriorizações da vida solitária dos homens. As grandes
manifestações psíquicas, de cuja existência e ação dependem
importantes modificações históricas no aspecto do povo, decerto se
submetem, ainda que indiretamente, à ação dele, porém são
produtos de forças inconscientes: criam-se independentemente do
Estado religiões, nacionalidades e classes; pode protegê-las,
favorecê-las, em seu desenvolvimento ou atividade. Todavia não as
pode criar.
94
Ao analisar a sociedade moral e a consciência coletiva, Pontes de Miranda
confere um tratamento interessante aos pensadores Georg Simmel e Gabriel Tarde.
O primeiro tratou a questão do valor e da significação social, bem como promoveu
um profundo estudo ao problema cultural da propriedade. O segundo, por outro lado,
conferiu um tratamento especial ao fenômeno da imitação e também interpretou a
ética e a responsabilidade criminal como fator de semelhança social, pondo em
destaque a importância da imitação consciente e da assimilação subconsciente.
93
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.54.
94
Ibidem. p.55.
73
Gabriel Tarde, por meio de pesquisas no âmbito da criminologia, associou a
lógica como um fenômeno psicológico, o que acabou repercutindo nos estudos de
Baldwin; este, por sua vez, desenvolveu sério estudo das analogias entre a vida
mental de um indivíduo e a vida mental da sociedade. Igualmente explorou o tema
das analogias entre as ações egoístas e solidárias (altruísticas), tecendo
comparações entre as sanções pessoais e sociais.
Pontes de Miranda anui com a existência de uma consciência e uma
inconsciência coletivas, como se a massa de homens, portanto, um conglomerado
de pessoas reunidas em dado espaço territorial, possuísse uma consciência
independente da individual. Exemplo disso é o interessante comportamento do
público espectador que participa dos jogos de futebol nos estádios. Muitos são
movidos pelo espírito coletivo de exaltação no momento de um gol; de fato, a euforia
contagia a mente do indivíduo e o faz agir muito mais pela emoção do que pela
razão; abandonam as pessoas seus freios morais e, não raras vezes, promovem ou
estimulam a prática de atos de violência ou vandalismo, os quais, por ausência de
coragem, jamais seriam levados a efeito de forma solitária em seus lares ou durante
suas atividades laborais.
Interpretando o pensamento de Baldwin, o jurista alagoano afirma que
“constitui-se o sentimento do eu pela imitação do alter; meu sentimento do alter com
elementos do meu sentimento do eu: ego e alter são, pois, essencialmente sociais:
cada um é o socius e cada um criado por imitação.”
95
Outro pensador importante e que entrou no âmbito dos estudos de Pontes de
Miranda foi Georg Adler, para quem as ilusões na vida política e social são
95
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.58.
74
importantes para o indivíduo, chegando a afirmar que erro e aparência exercem
grande função nos movimentos sociais e na história da civilização.
Aqui é possível opinar no sentido de que o comportamento de Adolf Hitler
buscou iludir o povo alemão por meio da introdução de elementos estéticos e
apelativos no Estado germânico; movidos pelo erro e pela aparência, muitos judeus
foram dizimados nos campos de concentração e extermínio, ao mesmo tempo em
que o povo alemão agia num mesmo espírito coletivo, qual seja: a criação de um
Estado soberano e imperial.
Vale ressaltar que todos esses pensadores recém apontados tiveram por
objeto de estudo grandes questões da psicologia social, a saber: psicologia das
massas, a natureza psicológica da causalidade social, além do fator sócio-
psicológico ao lado do individual na formação da moral. Para Pontes de Miranda:
As idéias e sentimentos coletivos são espalhados em todo o corpo
social; todavia, bem que difusos na sociedade, não deixam de ter
origens e realidade próprias. São, através dos tempos, lenta e
progressiva criação das consciências individuais. Uma vez refletidas,
separam-se, sobrevivem-lhes e impõem-se às novas gerações.
Opera-se comunicação pela tradição, pela transmissão hereditária ou
imitativa, pelo ensino, pela cultura intelectual e moral, pela prática da
vida. Os sentimentos e as crenças, que constituem a consciência
social, desenvolvem força superior à dos impulsos das consciências
individuais, de que provêm e têm efeitos diferentes. A doutrina
psicológica francesa cristaliza-se em Lassaulx, L. Aucoc e A. Pillet.
96
Este mesmo autor ainda promoveu brilhante estudo acerca da formação dos
organismos jurídicos e, para tanto, apoiou-se em questões da Psicologia Jurídica;
chegou a utilizar a teoria psicofísica da formação dos organismos jurídicos para fins
de justificação científica da criação de um ente jurídico, haja vista a afirmação de
que:
96
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.59.
75
Todos sabemos que, em física, uma vibração que se desenrola mais
e mais e se propaga em ondulações luminosas, sonoras ou elétricas
mantém uma progressão decrescente de energia até o instante que
se torne inapreciável ou se lhe aze o ensejo de encontrar, em
condições de reproduzi-la, um corpo que a imite ou que a absorva. O
fato, sem grandes variantes, observa-se na formação dos Direitos.
Como todas as ciências, a psicologia jurídica pressupõe um fato
privativo para a sua existência, possuindo nas condições pré-
estabelecidas para a repetição, além do que é necessário aos corpos
físicos, uma nova partícula, individuante, de reprodução passiva – à
vontade.
97
Isso permite entender que Pontes de Miranda utiliza o método das ciências
naturais para explicação dos fenômenos jurídicos, combinando habilmente
elementos físicos com os psicológicos para justificar a formação dos direitos.
Não obstante, estabeleceu com rigor científico a diferença entre a vontade
psicológica e a vontade jurídica, alegando que “enquanto a primeira consiste na
expressão única de desejar, a segunda exige uma condição essencial, um elemento
particular e exótico, que a individua, e envolve por igual, uma espécie de capacidade
potencial, - o poder querer.”
98
3.2 Sobre o aspecto político
Ao iniciar a abordagem deste tópico específico, preliminarmente é salutar
expor que Pontes de Miranda faz uma crítica ao poder público brasileiro,
demonstrando indignação em face da avareza no que tange à concessão de
benefícios aos cidadãos menos favorecidos; critica, igualmente, os dispêndios de
menor utilidade social em setores não prioritários, ao mesmo tempo em que censura
a falta de bom senso e responsabilidade na administração da coisa pública,
apresentando como exemplo a corrupção nos setores públicos, dando relevo aos
97
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. À margem do direito. Campinas, SP: Bookseller, 2004. p.111.
98
Ibidem. p.111.
76
aproveitamentos ilícitos de recursos públicos por empresas da iniciativa privada.
Para o autor:
[...] a melhor indústria é o tesouro; [...] a despeito da vigilância de
alguns presidentes, os programas [...] logo se tornam função dos
interesses de certos capitalistas. É tão bem organizado o assalto
mensal e anual ao erário público que há consorcium para as
concorrências [...].
99
Essa ácida crítica do jurista alagoano contra um status quo perverso e
pernicioso também é identificada por Dante Braz Limongi, quando ele coloca que:
A essa altura Pontes de Miranda já demonstrava angústia e
sofrimento com a situação de miséria em que viviam imensos
contingentes de nossa população, indagando: “que nos vale vicejar e
florir se ao nosso lado, nas próprias cidades, vivem os nossos irmãos
no nervosismo da miséria, que o clima agrava e exaspera?” Ele
propõe, então, entre outras medidas, o serviço militar obrigatório, a
proteção aos operários em situação de dispensa e de invalidez e as
limitações ao direito de herança. Propõe também a melhor repartição
da terra e a tributação das áreas não cultivadas de modo a operar
sua progressiva desapropriação. Defende, ainda, a intervenção do
Estado com medidas legislativas e superintendendo a produção e o
consumo, as minas, a imigração e a colonização, a saúde e o
ensino.
100
Não se pode omitir que as críticas de Pontes de Miranda coadunam
perfeitamente com a atual situação do Estado brasileiro, mergulhado numa crise das
instituições políticas e jurídicas, tendo em vista os escândalos de corrupção
denunciados constantemente pelos meios de comunicação de massa, haja vista as
habituais instalações de comissões parlamentares de inquérito para apuração de
quebras de decoro parlamentar decorrentes de ações ímprobas perpetradas por
agentes públicos.
Nunca se viu, na história do Brasil, um volume tão significativo de operações
praticadas pela Polícia Federal, quer seja na obtenção de provas de atos criminosos
99
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2004. p.111.
100
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.71.
77
visando o indiciamento de indivíduos que compõem geralmente os níveis mais
elevados do tecido social, quer seja nas apreensões de recursos financeiros
desviados do poder público ou aferidos ilicitamente.
Se Pontes de Miranda fosse vivo nos dias atuais, sua angústia e sofrimento
seriam ainda maiores com a onda de corrupção que assola a República Federativa
do Brasil, mas já em sua época, preocupado com a situação de miséria que atingia a
grande massa de cidadãos brasileiros, propôs uma série de medidas para contornar
as mazelas decorrentes da corrupção, da distribuição de renda injusta e da má
gestão da coisa pública.
No âmbito dos direitos sociais e/ou trabalhistas, fez a defesa de operários em
situação de invalidez ou de dispensa imotivada e, na seara da tributação, defendeu
limitações ao direito de herança, medida aparentemente equivalente à taxação sobre
grandes fortunas, dispositivo constitucional este sem aplicabilidade prática, em
função da subjetividade do termo “grandes fortunas”.
Dessa forma, é possível entender que, ao mesmo tempo em que Pontes de
Miranda invoca a intervenção do Estado a dirimir as desigualdades sociais,
paradoxalmente vai de encontro ao princípio da diminuição do quanto despótico. No
que diz respeito à corrupção, o autor prescreve que:
[...] o homem que logra entrar nos corpos que legislam é
moralmente, socialmente, mero usurpador. O sociólogo somente o
pode ver e tratar como parasito. Urge, pois, que assim seja,
politicamente. A fórmula da verdadeira democracia não é o governo e
a legislatura de quaisquer representantes do povo; mas a eliminação
do voluntarismo, do subjetivismo político, que é despótico, e a
escolha de técnicos que possam ser meros instrumentos da
passagem do indicativo da ciência ao imperativo da legislatura e da
administração. Nos países que não proveram de tal maneira e
enquanto não no alcançarem, o ideal da boa política dos partidos
nacionais e locais não devem ser senão este.
101
101
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.336.
78
É muito interessante a equiparação que este autor faz dos políticos inatos ao
exercício dos mandatos públicos em relação aos seres do reino animal da família
dos parasitas; adentrar aos corpos que legislam e usurpar um cargo público é
moralmente e socialmente reprovável para ele, motivo pelo qual entende a
verdadeira democracia como aquela legislada e governada por pessoas
tecnicamente aptas ao exercício de seus mandatos, reprovando veementemente o
voluntarismo de “qualquer” representante do povo.
Assim, entenda-se que o “qualquer” representante do povo é o imperito, o
incompetente, o usurpador e o oportunista, que é eleito para o exercício de uma
função nobre, posto que é responsável pela administração da “colméia”.
Visão elitista? Talvez! Mas com certeza o autor prega a idéia de otimização
da Administração Pública e de eficiência pela técnica.
3.3 Sobre o aspecto gnosiológico
Apesar de não recomendável no desenvolvimento de qualquer tipo de
trabalho científico, a abordagem deste sub-item pode ser iniciada com o seguinte
questionamento: como é construído o pensamento para Pontes de Miranda?
No entendimento do jurista alagoano, a percepção é o que determina a
construção do pensamento e seu método fornece uma resposta para os problemas
fundamentais do conhecimento, qual seja: a percepção adquirida na experiência
vivida, ou melhor, o homem conhece os objetos através de suas experiências
sensoriais, manifestando-se o autor sobre o assunto da seguinte forma:
79
[...] sabemos que sob o influxo de Ernest Mach, Richard Avenarius e
Cornelius o positivismo filosófico científico fez da percepção o
elemento único a que se liga a noção do mundo real e considerou o
objeto como construído pelo pensamento.
102
Pontes de Miranda também acredita que as principais correntes filosóficas
falharam na medida em que foram incapazes de responder o que acontece no
processo de construção do pensamento, uma vez que “nem o nominalismo, nem o
positivismo, nem o idealismo, nem o pragmatismo conseguem traduzir o que
efetivamente se passa com o conhecimento. Tampouco o realismo, o empirismo, o
neo-espinozismo, ou outras quaisquer atitudes unilaterais.”
103
Uma das preocupações deste autor em relação ao problema envolvendo o
conhecimento é a questão da verdade. Para ele, a ciência prega a necessidade de
que o conhecimento alcance o ser (ou vice-versa), bem como defende construções
verídicas no que tange ao pensamento, isto é, que a ciência “apresente
pressupostos suficientes de funcionalidade em relação ao pensamento mesmo e em
relação ao ser.”
104
Com efeito, entende-se que Pontes de Miranda intenta fazer com a Teoria do
Conhecimento uma espécie de depuração de partículas estranhas presentes tanto
no ser como no objeto ou fenômeno da ciência a ser estudada, haja vista que o ser
cognoscente (ou sujeito) deve eliminar de si todas as influências subjetivas que
possam atrapalhar a observação do ser conhecido ou objeto, que também possui
uma veste a ocultar sua verdadeira identidade.
Assim, o sujeito cognoscente deve eliminar de si a partícula “sub” e tornar-se
um ser puro para atingir a perfeição máxima possível na observação do objeto
102
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O problema fundamental do conhecimento.
Campinas, SP: Bookseller, 2005a. p.265-266.
103
Ibidem. p.266-267.
104
Ibidem. p.267.
80
conhecido, do qual deve ser extraída a partícula “ob”, reduzindo-se ambos à fórmula
purificada jeto-jeto, ou melhor, ser-ser; nesse contexto, Pontes de Miranda afirma
que “vê-se o objeto; mas no ver há algo de subjetivo, que é o conteúdo da visão e
constitui a linha de contado que mais ou menos se ajusta, porém não se confunde
com a do objeto.”
105
Configura-se exercício de reflexão significativamente interessante a distinção
que Pontes de Miranda faz entre o objeto e o “pensado”; isso se for considerado que
jamais o “pensado” pode ser assemelhado ao objeto, em função da total distinção
existente entre ambos.
Some-se a isso a concepção de que o pensamento diz respeito a um ato, a
uma ação cognitiva do sujeito, ao passo que o “pensado” refere-se ao conteúdo do
próprio pensamento. Complementando a questão, Pontes de Miranda explica que:
Se o pensado pode permanecer sem o objeto é porque a relação não
é o objeto, e o pensado (conteúdo do pensamento) não é o objeto: o
que o primitivo via no Sol deixou de ser sem que o Sol - objeto da
relação - deixasse de ser e a mulher que vi, e morreu, deixou de ser,
sem que a mulher (conteúdo do meu pensamento) deixasse de ser.
Posso falar de um amigo, sabendo ou não sabendo ter falecido, o
que diferencia a imagem do pensamento e o objeto.
106
O mesmo raciocínio pode ser aplicado no campo do Direito, já que existe
diferença entre a imagem que fazemos da justiça e a aplicação desta na realidade
dos fatos. Interessante que a construção do “dever ser” é um ato puramente
cognitivo, pois todo o homem idealiza um padrão de conduta ou acredita num tipo de
justiça idealizado; isso permite entender que o pensado não pode ser idêntico ao
objeto, principalmente quando está envolvida a construção de uma ciência jurídica.
105
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.69.
106
Ibidem. p.94-95.
81
Portanto, o objeto de análise jurídica (simplesmente o fenômeno jurídico)
pode apresentar uma existência objetiva, mas o ato de pensar o fenômeno
transmuda o objeto para a dimensão subjetiva do pensamento. É por isso que cada
corrente do pensamento jurídico reflete sobre o fenômeno de acordo com a visão
subjetiva da realidade analisada.
Assim, para Pontes de Miranda é praticamente impossível o homem conhecer
a coisa em si, já que o ato cognitivo é limitado e a percepção das coisas pelos
sentidos é restringida pelo próprio conhecimento.
Um jurista realista, por exemplo, que tem como objeto de estudo a justiça (e o
estudo sobre ela é metafísico, transcendental) certamente terá uma idéia do justo
numa perspectiva relativa; já, um idealista, poderá ter uma noção de justiça no
campo do absoluto, como algo que transcende tempo e espaço.
3.4 Outros aspectos implícitos na obra de Pontes de Miranda
Um dado interessante a ser exposto é que o autor em epígrafe também
promoveu estudos no campo da Geografia, estabelecendo, segundo Dante Braz
Limongi, o princípio da “crescente dilatação dos círculos sociais”, fenômeno somente
analisado anteriormente a ele, e de forma parcial, pelo geógrafo alemão Friedrich
Ratzel, que se tornou conhecido pelos seus estudos no campo da
antropogeografia.
107
Entretanto, Pontes de Miranda foi mais além no campo da Geografia do que a
idéia equivocadamente mantida pelo senso comum de que esta ciência diz respeito
107
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.51.
82
apenas ao estudo da superfície terrestre, uma vez que, ainda segundo Dante Braz
Limongi:
[...] numa época em que a geografia estava voltada quase que
exclusivamente par a descrição dos acidentes físicos, Pontes de
Miranda já falava da geografia humana, como falava da geografia
botânica e da geografia animal.
108
O autor retro citado ainda explica que, de igual forma, Pontes de Miranda
também discorreu sobre o campo de pesquisa da Ecologia, entendendo-a como a
ciência que se presta ao estudo das relações entre os organismos humanos e o
meio em que vivem.
109
Contudo, sob pena de desvirtuar o objeto da pesquisa, esses aspectos
(geográfico e ecológico) não serão abordados neste momento com a merecida
profundidade, o que não impede que futuramente se possa retomá-lo, talvez num
esquema de continuidade dos estudos em nível de pós-graduação.
108
LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.40.
109
Ibidem. p.40.
83
4 PONTES DE MIRANDA: POSITIVISTA OU NEOPOSITIVISTA?
O leitor não precisará de um grande poder de observação para perceber que
este capítulo é relativamente curto, mas tal brevidade tem sua explicação. Ocorre
que, até o momento, é perceptível que a abordagem feita a respeito de Pontes de
Miranda tem uma conotação mais voltada aos seus feitos e às suas obras, sendo
mínima a visão da ideologia apresentada pelo jurista alagoano.
Sendo assim, esta última fase da abordagem teórica irá conduzir o leitor à
diferenciação entre o positivismo e o neopositivismo, bem como apresentar a
autodeclaração e crítica de Pontes de Miranda.
Não obstante, também prepara o terreno para a necessária incursão na
conclusão pessoal do autor desta dissertação a respeito da pesquisa como um todo.
4.1 Positivismo e o neopositivismo: breve quadro comparativo
Por volta do final do século XVI, tem início uma oposição ao espírito
metafísico e teológico comum à época; as indagações de natureza científica
começam a apresentar seus primeiros sinais de vida, tendo destaque os trabalhos
filosóficos de Bacon, Descartes e Galileu, que lançaram as sementes daquilo que no
futuro (início do século XIX) viria a ser chamado de “positivismo clássico”.
João Cruz Costa descreve o momento histórico vivido por tais filósofos ao
afirmar que:
No século XVI o campo da observação humana se alargara. Tanto a
concepção do mundo moral como a do mundo físico sofreram, a partir
desse século, consideráveis modificações. Um grande número de
fatos foi explicado. Fatos esses que o passado não conhecera e que,
nem talvez suspeitara. Os descobrimentos marítimos dos portugueses
e dos espanhóis, revelaram ao velho mundo novos mundos; as novas
84
contribuições que as ciências naturais trouxeram para o conhecimento
do homem, determinariam uma ruptura decisiva com os velhos moldes
culturais. Uma cultura nova, de base experimental e de tendência
crítica repontara com o renascimento. Esta orientação nova, crítica e
experimental do século XVI, sempre atenta à continuada experiência,
desenvolver-se-ia principalmente no século XVII.
110
O desenvolvimento das idéias anti-teológicas e anti-metafísicas (conquista do
liberalismo europeu) lançou, portanto, as bases do positivismo clássico no início do
século XIX. A busca pela verdade dependia do método positivista, não tendo
validade científica as teorias e enunciados teológicos ou metafísicos, o que permitiu
que o cientificismo deixasse um grande legado para a história da Filosofia: a
oposição aos fundamentos filosóficos da metafísica.
Assim, o positivismo passa a dominar o pensamento filosófico enquanto
método no século XIX, pois partia da premissa de que o único caminho para a
explicação e apreensão dos fatos decorre apenas e tão somente da experiência.
Não se pode negar o fato de que o fundador do positivismo foi Augusto
Comte, já que ele contribuiu com a idéia de que a razão humana é incapaz de
conhecer o absoluto, pois o cientista só tem acesso aos fatos percebidos pelos
sentidos. A filosofia positivista por ele desenvolvida se deve em grande parte aos
estudos que o pensador empreendeu sobre os filósofos da Grécia “antiga”, em
especial Aristóteles e os pré-socráticos.
Nesse sentido, Augusto Comte é enquadrado no chamado positivismo
clássico, por ele fundado e considerado a primeira forma de positivismo; no âmbito
desse “tipo” de positivismo surgiram certas derivações, como o darwinismo social
111
,
110
COSTA, João Cruz. Augusto Comte e as origens do positivismo. São Paulo: Grijalbo, 1951. p.7-8.
111
BRAY, Silvio Carlos. Considerações sobre o Método de Interpretação Funcionalista na Geografia.
Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro, SP: AGETEO, 1980. p.33-34: segundo este autor, são
considerados darwinistas sociais porque retiravam os modelos e teorias das ciências biológicas e
naturais para explicar a sociedade.
85
de base organicista-fatalista-finalista, considerando que tudo tem um começo, um
meio e um fim. Aqui se destaca o nome de Spencer.
Posteriormente, surge o movimento que viria a ser denominado funcionalismo
culturalista
112
; de base funcional organicista, pregava que os elementos que fazem
parte do sistema social devem ser considerados com interligação entre si.
113
Nessa
fase do pensamento filosófico europeu destaca-se o nome de Durkheim, que
demonstrou a importância do fato social no universo jurídico.
Já, no período de transição entre os séculos XIX e XX, entra em cena o
empiriocriticismo, tendo Ernst Mach como seu principal representante.
Quanto ao neopositivismo, ele surge na história da Filosofia como uma
derivação dos fundamentos do positivismo clássico e do empiriocriticismo. Segundo
Nanci Maziero Trevisan
114
, possui as seguintes matizes:
a) positivismo lógico e empirismo lógico ligados ao “Círculo de Viena”, expressos
por Carnap, Schilick, Frank, Neurath, dentre outros;
b) atomismo lógico, tendo como representantes Russel e Wittgenstein;
c) filosofia analítica, Wittgenstein;
d) pragmatismo, tendo como representante Dewey.
É importante frisar que o positivismo clássico aparece na história da Filosofia
como uma corrente que combate o idealismo clássico alemão que, até então,
dominara o pensamento europeu da época.
112
BRAY, Silvio Carlos. op. cit. p.33-34: o autor entende que são considerados funcionalistas
culturalistas porque rompem com os darwinistas sociais, demonstrando que os fatos são fatos sociais;
portanto, não se vinculam à teorias biológicas e naturalistas. Tem forte influência empirista no sentido
de que o cientista social, por meio da pesquisa dos fatos sociais, irá construir a sua realidade.
113
Ibidem. p.33-34.
114
TREVISAN, Nanci Maziero. Positivismo e pós-positivismo. Revista Acadêmica do Grupo
Comunicacional de São Bernardo. São Bernardo do Campo, SP: UMESP, jan.-jun. 2006.
Disponível em: <http://www.metodista.br>. Acesso em: 30 nov. 2007.
86
Augusto Comte enunciava a marcha progressiva do espírito humano e
entendia que existem três estados que buscam explicar o mundo: teológico,
metafísico e positivo. A este autor também se deve a divisão das ciências entre
concretas e abstratas, sendo as primeiras a mineralogia, a botânica e a zoologia; já,
as abstratas são a Matemática, a Astronomia, a Química, a Física, a Biologia e a
Sociologia.
Sob a ótica do pensamento de Augusto Comte pode-se entender que:
No estado positivo, o espírito humano reconhecendo a
impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a
origem e o destino do universo, e a conhecer as causas íntimas dos
fenômenos, para se entregar unicamente a descobrir, pelo uso bem
combinado do raciocínio e da observação, as suas leis efetivas, isto
é, as relações invariáveis de sucessão e semelhança. A explicação
dos fatos reduzida então, aos seus termos reais, não é, daqui em
diante, mais do que a ligação estabelecida entre os diversos
fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número os
progressos da ciência tendem cada vez mais a diminuir.
115
Até o momento é possível entender quais são os fundamentos do positivismo
clássico, mas há que se expor que quanto ao neopositivismo, trata-se de uma nova
corrente filosófica de viés positivista, tendo sua origem no “Círculo de Viena”. O que
caracteriza o neopositivismo é sua capacidade de criticar o positivismo clássico no
que tange à questão da rejeição do binômio “verdadeiro” ou “falso”.
Sobre o assunto, Augusto N. S. Triviños explica que:
O neopositivismo [...] não acha que o conhecimento metafísico deva
ser rejeitado porque seja falso, mas porque suas proposições
carecem de significado. E esta é uma das muitas diferenças que se
podem estabelecer entre o positivismo clássico e o neopositivismo,
especialmente pelo que está representado pelo Círculo de Viena, o
denominado positivismo lógico.
116
115
COMTE, Augusto. Importância da filosofia positivista. Lisboa: Inquérito, 1939b. p.20.
116
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1987. p.37.
87
Já, para Nanci Maziero Trevisan:
O pós-positivismo ou neopositivismo manifestou-se, em alguns
momentos, como uma evolução da filosofia positivista, em outros
como uma crítica ou dissidência de alguns pensadores aos preceitos
positivistas. Surgido no século XX o neopositivismo foi uma corrente
filosófica de matriz empirista e que considera que a grande tarefa da
filosofia é a análise da linguagem, acabando com os pseudos-
problemas filosóficos. Uma das formas mais conhecidas atualmente
desta corrente é a filosofia analítica. O neopositivismo defende a
adoção do método científico nas ciências sociais, preferindo modelos
experimentais com teste de hipóteses, tendo como objetivo último, a
formulação de teorias explicativas de relações causais.
117
Outra importante questão que merece destaque é a influência exercida pelo
neopositivismo em muitas mentes no início do século XX, numa perspectiva
diferente da proposta pela escola positivista clássica. Um exemplo disso é a divisão
que os neopositivistas fazem no que se refere às ciências, a saber: a) as
experimentais - formadas por proposições factuais; e b) as lógico-matemáticas -
constituídas por proposições analíticas.
Sobre o assunto, a autora retro citada explica que:
As proposições lógicas e matemáticas, destituídas de conteúdo, não
são mais do que regras para a utilização dos símbolos e a ordenação
das proposições. As experimentais ou factuais são as empiricamente
verificáveis: isto acontece se elas são traduzíveis em proposições de
caráter empírico.
118
Não se pode omitir a contribuição fornecida à filosofia da ciência pelo
positivismo e pelo neopositivismo, motivo pelo qual salutar se torna estabelecer um
paralelo entre ambas. Para isso, nada mais eficaz do que apresentar o seguinte
quadro:
117
TREVISAN, Nanci Maziero. op. cit.
118
Idem.
88
TABELA COMPARATIVA ENTRE O POSITIVISMO E O PÓS-POSITIVISMO
Questão Positivismo Pós-Positivismo
Objetivo Explanação: predição e controle.
Natureza do
conhecimento
Verificar hipóteses, fatos e
leis.
Hipóteses não falsificadas. Fatos ou
leis prováveis.
Acumulação do
conhecimento
Acúmulo de “blocos de conhecimento” acrescentados ao “edifício
do conhecimento”. Ligações de causa e efeito.
Critérios de qualidade
Marcos convencionais de “rigor”. Validade interna e externa.
Confiabilidade e objetividade.
Valores Excluídos: influência negada.
Ética Extrínseca.
Voz
“Cientista desinteressado” informante de tomadores de decisão e
de agentes de mudança.
Técnico e quantitativo. Técnico quantitativo e qualitativo.
Treinamento
Teorias substantivas.
Acomodação Comensurável.
Hegemonia No controle das publicações, financiamento, promoção e carreira.
Fonte: TREVISAN, Nanci Maziero. op. cit. Disponível em: <http://www.metodista.br>. Acesso em: 30 nov. 2007.
4.2 Pontes de Miranda: autodeclaração e crítica
Antes mesmo de um maior aprofundamento no tópico em questão, vale
destacar que Pontes de Miranda se auto declara neopositivista ao afirmar que:
Não escondemos, não diminuímos a nossa admiração pela obra de
Auguste Comte. Conhecêmo-la, e não há que menosprezá-la quando
se conhece tão sensata, tão sólida e tão fecunda construção
sistemática. Sobretudo, a parte metodológica. Se quiséssemos
classificar a própria filosofia que há nesta obra, não seria possível
deixar de reputá-la positivista, porém neopositivista: apenas
incorporamos o Direito ao conjunto das Ciências, o que na época em
que escreveu, não podia fazê-lo o filósofo francês.
119
Diante dessa afirmação, surge a necessidade de promover o seguinte
questionamento: seria Pontes de Miranda realmente um neopositivista? Não teria o
119
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit. 2005b. p.19.
89
jurista alagoano se equivocado quando fez essa afirmação, levando-se em conta
que o neopositivismo aparece com o “Círculo de Viena”, em 1922?
A resposta aparentemente é negativa na primeira pergunta e positiva na
segunda. Isso porque o “Círculo de Viena”, organizado informalmente em Viena
(Áustria) e formado por um grupo de filósofos e cientistas, teve início em 1922,
encerrando-se em 1936. Assim, obtém-se o argumento bastante sólido de que
Pontes de Miranda não poderia ser enquadrado como um neopositivista, pois
quando a obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito” fora publicada iniciava-se as
discussões no referido “Círculo”.
Contudo, Cescon defende tese oposta ao expor que:
Do ponto de vista filosófico diz-se que Pontes de Miranda se iniciou
como naturalista para depois se notabilizar como expoente, no Brasil,
do positivismo lógico, ou neopositivismo, desenvolvido pelo Círculo de
Viena. Essa corrente de pensamento alcançou projeção no final dos
anos 20, defendendo a ciência unificada, a utilização do método lógico
de análise e a sua aplicação às ciências empíricas.
120
(grifo do autor)
Antonio C. Villaça, em leitura diversa e sem negar, contudo, a presença do
neopositivismo em Pontes de Miranda, explica que tal pensador “...se interessava,
antes de tudo, pelo Direito e pela Sociologia...”, além do que “... intuiu e realizou na
perspectiva do neopositivismo: a conciliação entre humanismo e ciência ou entre
ciência e liberdade.”
121
Embora existam diferentes pontos-de-vista sobre o assunto, o que pode ser
considerado um impasse quanto à temática colocada, ainda é possível lançar dúvida
sobre outra questão: o autor pode ser considerado um “positivista clássico”
propriamente dito, ou seja, um comteano?
120
Apud LIMONGI, Dante Braz. op. cit. p.31-32.
121
VILLAÇA, Antonio C. Pontes de Miranda: o filósofo em desenvolvimento. Jornal do Brasil. Rio de
Janeiro, 22 mar 1977.
90
Aqui se entende que não, pois, não obstante ter reconhecido o mérito do
sistema filosófico de Augusto Comte, Pontes de Miranda considerou como teológico-
metafísico o trabalho daquele pensador, o que representa uma crítica significativa e,
portanto, uma divergência filosófica, manifestando-se a respeito da seguinte forma:
Se há muito que admirar nas suas idéias políticas, foram escassos
os conhecimentos históricos e etnográficos de então, de modo que
também ele permaneceu no estado metafísico. A divisão do poder
temporal e espiritual é reminiscência teológica. A religião, que
fundou, tem dogmas, ritos, hierarquias, santos: continua teológico-
metafísico, como as demais religiões. Ninguém, que se ache a par
dos desenvolvimentos da ciência experimental sustentará hoje que
sejam fundamentais, na ordem em que as colocou, as seis ciências
(Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia) e
menos ainda que sejam independentes os cinco capítulos da Física
(peso, calor, acústica, óptica, eletrologia), correspondentes aos
sentidos e mais ao da eletricidade e do magnetismo, cujo
descobrimento predizia. Puro antropomorfismo!.
122
Outro questionamento que se faz necessário para entender o posicionamento
de Pontes de Miranda é o seguinte: poderia este autor ser considerado um pensador
influenciado pela corrente funcionalista culturalista?
Primeiramente é preciso expor que, para Pontes de Miranda, o Direito
funciona como um processo de adaptação social; ademais, a obra “Sistema de
Ciência Positiva do Direito” é inteiramente interdisciplinar e nela se pode identificar
uma visão sistêmica organicista, pois todos os aspectos são importantes para o
funcionamento do sistema jurídico. Além disso, a Ciência, sob o viés funcional
cultural, atua como mera prestadora de serviços aos indivíduos que compõem a
sociedade, isto é, devendo servir aos interesses do Estado.
Pontes de Miranda utiliza de forma rígida o método empírico-indutivo das
ciências biológicas e naturais, valendo aqui registrar o entendimento de Clóvis
Bevilaqua sobre o assunto:
122
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.20.
91
[...] desenvolveu uma série de trabalhos filosóficos em meio ao
ambiente intelectual pernambucano, contribuindo fortemente com
sua personalidade intelectual, principalmente no primeiro período de
sua vasta produção.
123
Por outro lado, Pontes de Miranda não pode ser considerado um darwinista
social, haja vista não utilizar as teorias retiradas das ciências biológicas e naturais
para explicar o fenômeno jurídico. O autor situa-se mais próximo do funcionalismo-
culturalista, uma vez que faz uso fundamentalmente da rigidez da abordagem
empírica e indutiva do método das ciências biológicas e naturais. Portanto, a
naturalização do fenômeno jurídico encontra-se exclusivamente na sua crença
metodológica
Ressalte-se aqui que o autor objeto de estudo também recebeu influência do
filósofo austríaco Ernst Mach, cujas obras
124
filosóficas e científicas contribuíram
para com o pensamento científico do século XX; os primeiros livros de Mach contém
os fundamentos de uma nova teoria filosófica: o positivismo empirocriticista, sendo
que este autor defendeu uma concepção positivista, seguida por Pontes de Miranda,
na qual nenhuma proposição das ciências naturais é admissível se não for passível
de verificação empírica.
Os rigorosos critérios de verificação que Mach utilizou conduziram à
eliminação não só dos conceitos metafísicos da física teórica (como éter, substância,
123
Apud. MACHADO NETO, L. A. op. cit. p.187.
124
Cf. Die geschichte und die wurzel des satzes von der erhaltung der Arbeit (A História e a Origem
do Princípio da Conservação da Energia), de 1872; Die Mechanik in ihrer Entwicklung (A Ciência da
Mecânica), de 1883; Beiträge zur Analyse der Empfindungen (Contribuição à Análise das Sensações),
de 1886; Die Principien der Wärmelehre (Princípios da Termologia), de 1896; e Erkenntnis und Irrtum
(Conhecimento e Erro), de 1905.
92
espaço e tempo absolutos, etc.), mas, também, dos conceitos de moléculas e
átomos (ou seja, da hipótese que afirmava a existência de um elemento estrutural
básico da matéria). Seguindo a linha de pensamento formulada por David Hume, o
autor em questão negava-se a se pronunciar sobre a natureza da realidade (se
psíquica ou física) para permanecer no plano fenomênico. Para ele, todas as
afirmações empíricas (incluindo as científicas) poderiam ser reduzidas a afirmações
sobre as sensações.
O caráter de qualquer lei científica é apenas o descritivo e a escolha entre
hipóteses igualmente plausíveis e relativas ao mesmo fato seria uma questão de
economia de pensamento. A visão positivista de Mach foi utilizada posteriormente
como uma das fontes do positivismo lógico, elaborado pelo “Círculo de Viena”.
Como último e necessário questionamento é preciso indagar: teria Pontes de
Miranda se rendido à metodologia proposta pelo “Círculo de Viena”, após 1936?
Embora essa possa ser uma janela para o prosseguimento desta pesquisa, a
princípio é possível acreditar que não, pois o próprio autor admite essa negativa
quando, ao reeditar a obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, em 1972,
acrescentando o capítulo final “De 1922 a 1972”, assim manifesta-se: “O que
escrevêramos em 1922 e repetimos na 2.ª edição continua sendo o que pensamos e
consta de toda a obra. Não encontramos trabalhos posteriores que pudessem
afastar as nossas convicções.”
125
Como foi apurado que Pontes de Miranda, embora tenha se autodeclarado
neopositivista - por entender que a simples elevação do Direito à condição de
ciência separada da Sociologia já representasse uma novação metodológica em
relação positivismo clássico -, sua pretensão carecia de fundamento e de
125
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., 2005b. p.333.
93
antecedente lógico; isso se for considerado, como dito, que o “Círculo de Viena”,
idealizador do neopositivismo, iniciou suas atividades em 1922, quando a obra
“Sistema de Ciência Positiva do Direito” fora publicada.
A questão posta, ou seja, se o autor posteriormente teria aderido ao
neopositivismo, restará, como provocação e estímulo ao prosseguimento desta
pesquisa.
94
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que toda e qualquer produção possa ser considerada científica, há que
apresentar certas conclusões a respeito do objeto pesquisado. Esta dissertação não
se configura exceção, motivo pelo qual se apresenta nos próximos parágrafos as
seguintes considerações finais.
Os primeiros contatos de Pontes de Miranda com o saber devem-se
exclusivamente:
a) ao seu pai e avô paternos, dos quais herdou o apreço pela Matemática; e
b) aos frades franciscanos, com os quais tinha afinidades e com quem aprendeu os
idiomas latim, grego, alemão, além de ser introduzido à Filosofia, de viés
nominalista, sendo que apenas a partir de seu ingresso na Faculdade de Direito
do Recife é que tomou contato com o pensamento comteano.
Quanto ao momento histórico, o autor conviveu com duas ordens ideológicas
tensas: de um lado os conservadores monarquistas; de outro os liberais
republicanos. Também viveu também a época do bacharelismo (um sustentáculo à
ordem imperial oligárquica) e, ainda, conviveu lado a lado com o “coronelismo”, que
centralizava o poder político e permitia que as tomadas de decisões fossem
arbitrárias e despóticas, posto que excluíam grande parcela da população no
processo político e eleitoral. Vivenciou, ainda, a chamada “política do café-com-
leite”, um tipo de aristocracia rural com contornos semi-feudais.
Em sua época, Pontes de Miranda assistiu in locu as críticas tecidas pelos
positivistas contra os liberais; era o período em que os positivistas seguidores de
Comte advogavam o prolongamento do governo provisório a fim de que fosse
instalada uma ditadura republicana vitalícia, apoiada pelo povo e assistida por
95
tecnocratas. Os positivistas alegavam que as propostas dos liberais eram
equivocadas, fonte de revoluções e desordens, objetivando-se incorporar à
sociedade moderna o proletariado.
Enfim, durante o período em que Pontes de Miranda escrevia o que se
entende neste trabalho como sua principal obra, ou seja, “Sistema Positivo da
Ciência do Direito”, o Estado liberal sofria uma grande crise, pois estava
incapacitado de atender às novas demandas nascidas do crescimento e do
desenvolvimento do país, do processo de urbanização e da industrialização
nascente. Não obstante, nesse período ocorreram greves nos estados do Rio de
Janeiro e São Paulo, ou seja, nos dois principais pólos econômicos do país; era a
época dos movimentos anarcosindicalistas e os intelectuais conservadores
reivindicavam posturas enérgicas do Estado contra este movimento.
Sintetizando, em 1922, ano de publicação da obra retro citada, três
acontecimentos de repercussão nacional e internacional marcaram a época, a saber:
a) a Semana de Arte Moderna em São Paulo, com vistas a buscar uma identidade
cultural nacional;
c) a fundação do Partido Comunista Brasileiro pelos antigos líderes anarquistas; e
d) a Revolta dos Tenentes no Forte de Copacabana, estado do Rio de Janeiro, que
reivindicavam renovação nacional e justiça social.
Entenda-se que Pontes de Miranda vivenciou tais momentos históricos, o que
repercutiu na construção de seu pensamento jusfilosófico e na busca de uma
solução científica para o equilíbrio entre os interesses dos indivíduos e do organismo
social, repudiando qualquer interferência infundada ou tendenciosa do poder político,
a fim de se promover a diminuição do quantum despótico.
96
Quanto ao aspecto mecânico, Pontes de Miranda entende que o fenômeno
jurídico é uma forma social do equilíbrio e que o fim do Direito é a justiça. Neste
prisma, o autor trabalha com as idéias de: conciliação de forças essenciais e
equilíbrio entre as forças do indivíduo com as forças do organismo social; o Direito
tem a função, portanto, de buscar o equilíbrio, o que significa justiça.
O autor utiliza-se de esquemas e símbolos emprestados da linguagem
matemática, física e mecânica para explicar o fenômeno jurídico, por entender que a
articulação escrita é limitada para tal mister.
Na visão desse importante filósofo alagoano, o Direito é indispensável para o
processo mecânico vital, pois o sistema de organização humana possui uma forma
interior de convivência, externada pelo fenômeno jurídico e, ainda que todos os
homens procedam num tipo de comportamento autômato, nenhum deles estará
integralmente imune à coletividade. Quanto ao aspecto biológico, Pontes de Miranda
identifica o fenômeno jurídico como um processo fisiológico e social, que tem por
escopo a obtenção de uma unidade funcional, sendo que tal unidade é o fator que
garante o equilíbrio. Num espaço onde eclodem ações, aparecem os efeitos
colaterais, simplesmente reações. Logo, a ameaça ao corpo social, produz reações.
O Direito também é um fenômeno de adaptação, o que implica afirmar que as
regras jurídicas devem se adaptar ao ambiente onde são construídas, num processo
interativo que visa o equilíbrio do corpo social; numa perspectiva pessimista, Pontes
de Miranda entende que a criatura humana possui uma forte inclinação para a
destruição.
Assim, o Direito e a moral funcionam como “freios” necessários para a
garantia do equilíbrio do corpo social. O organismo vivo, na visão do jusfilósofo
alagoano, possui coeficientes especiais de força e de caracteres, haja vista que a
97
atividade vital é o resultado das prestações de trabalho dos dados morfológicos.
Com efeito, se o organismo não se adaptar ao corpo social, corre o risco de ser
afetado; daí a importância do Direito e da moral para repressão do indivíduo
desajustado.
Quanto ao aspecto sociológico, Pontes de Miranda considera o sistema
capitalista como um modo de produção individualista e egoísta, pois não coloca o
indivíduo como fim, mas como meio. O autor defende um tipo de Sociologia que
busca equilibrar a relação indivíduo e sociedade, sem que um anule o outro.
Nesse sentido, a sociedade não pode oprimir o indivíduo, como também este
não pode ser desprovido de “freios”, sob pena de afetar o corpo social como um
todo. Na visão do autor, os mais expressivos elementos de criação e de alteração do
Direito correspondem as três necessidades vitais: a alimentação; a proteção física; e
a conservação da espécie; tais necessidades são tratadas pelo jusfilósofo alagoano
como “lâmpadas perenes da vida animal”.
Como exemplo pode-se citar o fato de que os grandes carnívoros da idade
antiga devoravam muitos homens primitivos. A saída para o problema foi a utilização
de armas a fim de compensar a inferioridade física e biológica da ação do homem
em comparação aos referidos carnívoros. Assim, conforme o entendimento de
Pontes de Miranda, o Direito pode ser considerado um meio de proteção para o
corpo (social), com tendência a se adaptar aos novos fenômenos que surgem com a
evolução (ou involução) da organização social.
Quanto ao aspecto ideológico, o autor explora o universo filosófico helênico
para tratar das necessidades como causas e da evolução da metafísica jurídica,
recorrendo aos clássicos da literatura filosófica grega, a saber: Heráclito, Protágoras,
Platão, Pitágoras, Sócrates e Aristóteles.
98
No que tange ao aspecto técnico, Pontes de Miranda entende que a ciência,
como forma de apreensão da realidade, manifesta-se como técnica e apresenta-se
ao cientista como um instrumento de pesquisa; quando o cientista promover a
pesquisa, ele acaba optando por algo (exemplo: eleição do método indutivo ou
dedutivo). Por outro lado, o cientista, ao fazer ciência, deve assumir uma postura
coerente com o seu método e ser fiel a determinados critérios, podendo ser citado
como o exemplo o ato de respeitar as práticas e os expedientes tradicionais
comprovados e já fixados pela ciência, bem como destruir o objeto de investigação
quando contaminado ou quando for provada sua força potencialmente perniciosa.
Os elementos ideológicos ligados à religião, à moral, portanto, metafísicos,
podem comprometer a investigação científica. Assim, Pontes de Miranda não nega a
existência de interferências nos fatores: neutralidade, objetividade e coerência
metodológica. Para ele, o cientista deve estar sempre atento às interferências. O
modo de produção capitalista, por exemplo, exige técnicas especializadas, como a
celebração de contratos (expressos ou tácitos). Para Pontes de Miranda existe uma
interdependência fática entre as relações contratuais, haja vista que o prejuízo de
uma das partes tem o condão de reverberar nos indivíduos que se sujeitam a outros
laços contratuais, mas aponta o autor uma única solução: a socialização do capital e
do trabalho.
No universo jurídico, a técnica sempre se pôs a serviço do racionalismo e
Pontes de Miranda acredita na intervenção racional derivada da vontade humana
como meio de escolha de fins, capaz de estabelecer e prever as funções dos
institutos jurídicos e das regras.
Considerando-se a Psicologia, o autor alagoano pôde identificar o fundamento
psicológico do Direito a partir do pensamento juspsicológico alemão, tendo por base
99
teórica nomes como os de Wilhelm Wundt, Ernst Zitelmann, Georg Jellinek e Georg
Simmel.
Quanto ao aspecto político, Pontes de Miranda teceu críticas ao poder público
brasileiro, demonstrando indignação em face de sua avareza no que toca à
concessão de benefícios aos cidadãos mais necessitados. Também criticou
igualmente os dispêndios de menor utilidade social em setores não prioritários, bem
como repudiou a falta de bom senso e o exagero de irresponsabilidade na
administração da coisa pública, apresentando como exemplo a corrupção nos
setores públicos que promove relevo aos aproveitamentos ilícitos de recursos
públicos pelos seus membros e por empresas particulares.
Escândalos atuais como o “mensalão”, o uso ilegal dos “cartões corporativos”
e o empréstimo de dinheiro público através do BNDES para socorrer portentosa
emissora de TV do endividamento, demonstram, de um lado, a atualidade da
advertência do autor e, de outro, que o abuso por parte dos atores do poder público
brasileiro parece ser crônico.
No campo tributário, por exemplo, defendeu limitações ao direito de herança,
medida que aparentemente equivalente à taxação sobre grandes fortunas,
dispositivo constitucional sem aplicabilidade prática em função da subjetividade do
termo “grandes fortunas”; propôs, também, a racionalização da repartição das terras
no Brasil, bem como à tributação das áreas não cultivadas de modo a operar sua
progressiva desapropriação.
Não obstante, apresentou a verdadeira democracia como sendo aquela
legislada e governada por pessoas tecnicamente aptas para o exercício de seus
mandatos, pois reprovou veementemente o voluntarismo de “qualquer”
representante do povo.
100
No que diz respeito ao aspecto gnosiológico, no entendimento do jurista
alagoano a percepção é o que determina a construção do pensamento; seu método
apresenta uma resposta para os problemas fundamentais do conhecimento, qual
seja, a percepção adquirida na experiência vivida, ou melhor, o homem conhece os
objetos através de suas experiências sensoriais, devendo despir-se de qualquer
conhecimento a priori ou subjetivo, assim como despir o objeto de qualquer pré-
conceito para que a relação do conhecimento ocorra de (sub)jeito para (ob)jeto, isto
é, de jeto para jeto.
Quanto ao quadro comparativo constante no sub-item 4.1 do presente
trabalho, conclui-se sobre a existência de diferenças entre o neopositivismo e o
positivismo. Foi possível identificar que o positivismo é dividido em: clássico ou
propriamente dito; darwinista social; funcionalista culturalista; e empiriocriticista. No
que toca ao neopositivismo, considera-se que ele aparece na história da Filosofia
como uma derivação dos fundamentos do positivismo clássico e do
empiriocriticismo, apresentando as seguintes vertentes: positivismo lógico;
empirismo lógico; atomismo lógico; filosofia analítica; e pragmatismo. Embora
Pontes de Miranda se auto declarar neopositivista, acreditando em tal hipótese por
ter emancipado do Direito da Sociologia, chegou-se a conclusão de que ele se
aproxima muito mais do positivismo clássico, de matiz funcionalista culturalista,
assim como do positivismo empírico-criticista de Ernst Mach, do que propriamente
do neopositivismo do “Círculo de Viena”. Também é importante frisar que Pontes de
Miranda considerou o trabalho de Augusto Comte como sendo teológico-metafísico,
o que representa uma crítica significativa e, portanto, uma divergência filosófica. Há
quem o repute darwinista social e até mesmo um neopositivista lógico.
101
Contudo, não poderia o autor ser um darwinista social, pois não utiliza apenas
(e de forma absoluta) as teorias retiradas das ciências biológicas e naturais para
explicar o fenômeno jurídico. Pontes de Miranda se aproxima muito mais da visão
funcionalista-culturalista, com forte apelo da mecânica, da Física e da Matemática.
Também não poderia ser um neopositivista lógico, pois o “Circulo de Viena” é
formado quando o autor finda a obra “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, ou
seja, em 1922.
Portanto, passado certo tempo de análise do autor objeto de estudo, conclui-
se que Pontes de Miranda é um agente dotado de idéias próprias; porém,
influenciado pelo positivismo clássico, de matiz funcionalista culturalista, como,
também, pelo positivismo empiricocriticista de Ernst Mach.
Como não existe positivismo e sim “positivismos”, pode-se considerar que
Pontes de Miranda deu ensejo ao “positivismo pontiano”, ou “positivismo
mirandiano”, caracterizado, dentre outros aspectos, pela utilização da linguagem das
várias ciências para explicar o fenômeno jurídico, por acreditar na falibilidade e na
insuficiência do emprego exclusivo da linguagem verbal escrita para explicar as
diversas nuances do fenômeno jurídico.
102
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__________. Introdução à sociologia geral. Campinas, SP: Bookseller, 2003.
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Bookseller, 2005a.
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Paulo: Saraiva, 2001.
106
ANEXOS
Anexo 1 – Currículu Vitae de Pontes de Miranda
Anexo 2 – Relação das obras de Pontes de Miranda
107
Anexo 1 – Curriculum Vitae de Pontes de Miranda
126
Bacharel em Direito pela Faculdade do Recife, em 1911.
Membro do Instituto dos Advogados do Brasil, 1918.
Membro Correspondente do Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo, 16
de dezembro de 1919.
Conselheiro da Delegação Brasileira à V Conferência Internacional Americana,
1923.
Juiz de Órfãos, 1924.
Prêmio de erudição da Academia Brasileira de Letras, 1924, Introdução à
Sociologia Geral.
Prêmio Único da Academia de Letras, 1925, A Sabedoria dos Instintos.
Prêmio Pedro Lessa (Academia de Letras), 1925.
Professor honoris causa da Universidade Nacional do Rio de Janeiro, 1928.
Delegado do Brasil à V Conferência Internacional de Navegação Aérea, 1930.
Conferencista na Kaiser Wilhelm-Stiftung, Berlim, 1930.
Membro da Comissão de Reforma Universitária do Brasil, 1931, e da Comissão
de Constituição, 1932.
Chefe da Delegação do Brasil, em 1932, na Conferência Internacional
Navegação Aérea, na Haya.
Professor de Direito Internacional Privado na Académie de Droit Internacional de
la Haye, e Chefe da Delegação do Brasil, 1932.
Desembargador do Tribunal de Apelação e Presidente das Câmaras de Apelação
até 1939.
Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe, 1939.
Embaixador em comissão, 3 de novembro de 1939; na Secretaria, de 4 de
dezembro de 1939 a 10 de janeiro de 1940; designado para Bogotá, 1940-1941.
Chefe da Delegação do Governo Brasileiro à XXVI Sessão da Conferência
Internacional do Trabalho, reunida em Nova Iorque, 25 de setembro de 1941.
Representante do Brasil no Conselho Administrativo da Repartição Internacional
do Trabalho, em Montreal, 29 de agosto de 1941; no posto, de 15 de setembro
de 1941 a março de 1943.
Professor honoris causa da Universidade Federal do Recife, 26 de outubro de
1955.
Ordem do Tesouro Sagrado do Império do Japão, Primeiro Grau, 1958.
Medalha comemorativa do Centenário de nascimento de Clóvis Beviláqua, 4 de
outubro de 1959.
Prêmio Teixeira de Freitas (Instituto dos Advogados Brasileiros), 1961.
126
Disponível em: <http://www.trt19.gov.br/mpm/secaopatrono/curriculum.htm>. Acesso em: 2 jan.
2008.
108
Ordem do Mérito Jurídico Militar (Superior Tribunal Militar), 1966.
Medalha Monumento Nacional ao Imigrante, Caixas do Sul, 1966.
Professor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo, 1966.
Comenda de Jurista Eminente, Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul,
1969.
Professor Honorário da Faculdade de Direito de Caruaru, 26 de maio de 1969.
Grã-Cruz do Mérito da Única Ordem da República Federal da Alemanha, 1970.
Professor honoris causa da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do
Sul, 8 de agosto de 1970.
Professor honoris causa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 11 de agosto de 1970.
Titular Fundador da Legião de Honra do Marechal Rondon, 5 de maio de 1970.
Sumo Título de Mestre do Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 19
de setembro de 1970.
Professor honoris causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 12 de
agosto de 1971.
Prêmio "Munis Freire" de Pernambuco outorgado pela Associação dos
Magistrados do Espírito Santo, 12.08.1974.
Prêmio "Medalha Osvaldo Vergara" outorgado pela O.A.B., Seção do Rio Grande
do Sul, 06.11.1974.
Professor Emérito da Faculdade de Direito de Olinda PE, 15 de maio de 1977.
Prêmio Medalha do Mérito Visconde de S. Leopoldo, Olinda, PE., em 15.05.1977.
Professor honoris causa da Universidade Federal de Alagoas, 1978.
Prêmio Medalha do Mérito Artur Ramos outorgado pelo Governador de Alagoas,
março de 1978.
Imortal da Academia Brasileira de Letras, 8 de março de 1979.
Membro Benemérito do Diretório Acadêmico Rui Barbosa.
Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul.
Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.
Membro da Ordem dos Advogados do Brasil.
Membro da Academia Brasileira de Arte.
Honra ao Mérito, Faculdade de Direito da Pontífica Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Grau de Grã-Cruz (Ordem Albatroz) Museu de História, Sociedade Cultural
Tradicionalista.
Membro da Association of Symbolic Logic.
Membro da Academia Carioca de Letras.
Membro da Academia de Artes.
109
Membro da Academia de Letras de Teresópolis.
Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Membro da Academia Brasileira de Letras.
Cidadão Honorário de Minas Gerais.
Juiz dos Testamentos (Provedoria e Resíduos).
110
Anexo 2 - Relação das obras de Pontes de Miranda
127
1. A ação rescisória contra as sentenças.
2. A acção rescisória.
3. A margem do direito.
4. A moral do futuro.
5. A sabedoria da inteligência.
6. A sabedoria dos instintos.
7. Anarquismo, comunismo, socialismo.
8. Ao réz da vida.
9. Begriff des wertes und soziale anpassung (Tradução: Conceito de valor e
adaptação social).
10. Betrachtungen, moderne welt (Tradução: Reflexões, mundo moderno).
11. Brasilien, rechtsvergleichendes handwörterbuch, hHerausgegeben von Dr. Franz
Schlegelberger (Tradução: Pequeno manual de direito comparado publicado
pelo Dr. Franz Schlegelperger).
12. Centro de inércia e valores sociais de estabilidade.
13. Ciência do direito.
14. Comentários à Constituição Final de 10 de novembro de 1937.
15. Comentários à Constituição da Rep. e. u. do Brasil - Tomos I e II.
16. Comentários à Constituição de 1946.
17. Comentários a Constituição de 1967.
18. Comentários ao código de processo civil.
19. Conceito e importância da unitas actus no direito brasileiro.
20. Condições exigidas a uma boa teoria do tetemismo.
21. Da promessa de recompensa.
22. Das obrigações por atos ilícitos.
23. Democracia, liberdade, igualdade.
24. Dez anos de pareceres.
25. Die zivilgesetze der gegenwart (Tradução: as leis civis da atualidade).
26. Direito à assistência.
27. Direito à educação.
28. Direito à subsistência e direito ao trabalho.
29. Direito de família.
30. Dos títulos ao portador, manual do código civil brasileiro.
127
Disponível em: <http://www.ipm.al.org.br/obras.htm>. Acesso em: 2 jan. 2008.
111
31. Embargos, prejulgados e revista no direito processual brasileiro.
32. Epiküre der weisheit (Tradução: epicurismo da sabedoria).
33. Escala de valores de estabilidade.
34. Fontes e evolução do direito brasileiro.
35. Fontes e evolução do direito civil brasileiro.
36. Garra, mão e dedo.
37. História e prática do arresto ou embargo.
38. História e prática do habeas corpus.
39. Inércia da matéria social no "discours de la méthode" de descartes.
40. Inscrição da estrela interior.
41. Introdução à política científica ou os fundamentos da ciência positiva do direito.
42. Introdução à sociologia geral.
43. Kant e a cultura geral.
44. La conception du drcit international privé d´après la doctrine et la pratique au
Brèsil.
45. La créantion et la personnalité des personnes juridiques en droit international.
46. Locação de imóveis e prorrogação.
47. Los principios e leyes de simetria en sociología.
48. Método de análise sóciopsicológica.
49. Nacionalidade de origem e naturalização no direito brasileiro.
50. Natura giuridica della decisione di incostituzionalità.
51. Nota prévia sobre uma lei da evolução social.
52. O acesso à cultura como direito de todos.
53. O diálogo do livro e do desenho.
54. O problema fundamental do conhecimento.
55. O sábio e o artista.
56. Obras literárias, prosa e poesia.
57. Os fundamentos atuais do direito constitucional.
58. Os novos direitos do homem.
59. Penetração.
60. Poèmes et chansons.
61. Preliminares para a revisão constitucional, em à margem da história da
República.
62. Princípio da relatividade gnosiológica e objetiva.
63. Questões forenses.
64. Rechtsgefühl und begriff des rechts (Tradução: sentimento e conceito de direito).
112
65. Rechtssicherheit und innerliche ordnung (Tradução: segurança jurídica e ordem
interna).
66. Sistema de ciência positiva do direito.
67. Sociologia esthetica.
68. Subjektiismus und voluntarismus im recht (Tradução: subjetivismo e
voluntarismo no direito).
69. Tratado das ações.
70. Tratado de ação rescisória.
71. Tratado de ação rescisória das sentenças e de outras decisões.
72. Tratado de direito cambiário.
73. Tratado de direito de família.
74. Tratado de direito internacional privado.
75. Tratado de direito predial.
76. Tratado de direito privado.
77. Tratado dos testamentos.
78. Uberwachung der banken, auslandsrechdsrecht, blätter für industrie ind handel.
79. Unidade e pluralidade de tutela.
80. Unsymmetrie und liebespaar.
81. Unsymmetrie und liebespaar (Tradução: dissimetria e casal de amantes).
82. Utopia e realidade.
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