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Neise Marino Cardoso
A história das irmãs marcelinas:
Fundação do Colégio dos Anjos em Botucatu (1912)
UNISAL
Americana
2007
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Neise Marino Cardoso
A história das irmãs marcelinas:
Fundação do Colégio dos Anjos em Botucatu (1912)
Trabalho apresentado ao Programa
de Mestrado em Educação do
Centro Universitário Salesiano de
São Paulo, para obtenção do título
de Mestre em Educação, sob a
orientação da Profa. Dra. Mara
Regina Martins Jacomeli.
UNISAL
Americana
2007
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Cardoso, Neise Marino
C265h
A história das Irmãs Marcelinas: fundação do Colégio
dos Anjos em Botucatu (1912) / Neise Marino Cardoso.
– Americana: Centro Universitário Salesiano de São
Paulo, 2007.
113 f.
Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.
Orientadora: Profª Me. Mara Regina Martins Jacomeli.
Inclui bibliografia.
1. Congregação Marcelina. 2. Irmãs Marcelinas –
Botucatu (SP). 3. Colégio dos Anjos – Botucatu (SP) –
História. 4. Escolas particulares – Brasil. 5. Escolas
católicas – Brasil. I. Título.
CDD – 371.02098161Bo
Catalogação elaborada por Terezinha Aparecida Galassi
Antonio
Bibliotecária do Centro UNISAL – UE – Americana – 8/2606
COMISSÃO JULGADORA
Profa. Dra. Mara Regina Martins Jacomeli
Orientadora
Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes
Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL)
Prof. Dr. Luiz Bezerra Neto
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, por ter me dado forças, sabedoria e um
destino a ser cumprido.
Quero expressar meus agradecimentos a meus familiares mais próximos
que, nos últimos anos foram privados de um convívio qualitativamente melhor,
em razão da dedicação a preparação da dissertação
Em especial ao meu esposo Osmar, aos meus filhos Faedy e Dariane,
que tiveram paciência e souberam compreender a minha falta nos finais de
semana.
A superiora irmã Maria Terezinha de Almeida e à diretora irmã Marizete
Habowsky por haver-me dado a possibilidade de conhecer e melhor
compreender uma figura sacerdotal apostolicamente sábia, monsenhor Luís
Biraghi, e a Congregação das Irmãs Marcelinas, sempre perseverante na
atenção, no acolhimento e no serviço dos sinais dos tempos. E a todos que
direta ou indiretamente colaboraram comigo possibilitando deixar cair esta
pequena semente no sulco de quantos terão ocasião de ler estas páginas.
À minha orientadora professora doutora Mara Regina Martins Jacomeli,
pela compreensão e paciência, durante esse período.
Muito obrigada!
RESUMO
Esta pesquisa tem como tema central um colégio confessional instalado na
cidade de Botucatu, interior do estado de São Paulo: o Colégio dos Anjos. Em
1912, no início do regime republicano, esse colégio foi instalado na cidade,
presenciando e participando de importantes mudanças políticas e culturais
ocorridas no país, especialmente para a Igreja católica com o fim do padroado.
Durante seus noventa e seis anos de história o colégio desenvolveu, perante
os habitantes da cidade, uma imagem de qualidade e que oferece formação
integral. O objetivo desta pesquisa é compreender como o colégio construiu
essa imagem ao longo dos anos e que interesses estavam em jogo em sua
instalação e permanência em Botucatu, a fim de olhar para seu
desenvolvimento no campo material e simbólico. Desse modo, duas datas
delimitam este estudo: a instalação da Congregação em 1838 na Itália e a
instalação do Colégio dos Anjos em 1912.
ABSTRACT
This research has as central subject a confessional college installed in the city
of Botucatu, interior of the State of São Paulo: the College of the Angels. In
1912, at the beginning of the republican regimen, the college was installed in
the city witnessing and participating of important changes occured cultural
politics and in the country, especially for the Church catholic with the end of the
padroado one. During its ninety and six years of history the college developed,
before the inhabitants of the city, a quality image and that it offers integral
formation. The objective of this research is to understand as the college
constructed this image throughout the years and that interests were in game in
its installation and permanence in Botucatu, in order to look at for its
development in the material and symbolic field. In this manner, two dates delimit
this study: the installation of the Congregation in 1838 in Italy and installation of
the College of the Angels in 1912.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Monsenhor Luís Biraghi................................................................................................29
Figura 2: 1ª ala colégio em construção........................................................................................73
Figura 3: Grupo de alunas de 1919. Fazia poucos anos que as meninas recebiam educação
formal nas escolas .......................................................................................................................74
Figura 4: Ampliação do Colégio dos Anjos para acolher as alunas que chegavam de todos os
cantos do país..............................................................................................................................79
SUMÁRIO
Introdução .........................................................................................................1
Capítulo I O fundador da Congregação Marcelina: século XIX e o debate
educacional .......................................................................................................5
1.1 Panorama político, econômico e religioso........................................................... 5
1.2 As idéias educacionais e pedagógicas do século XIX....................................... 13
1.3 O ultramontanismo, liberalismo e o Colégio dos Anjos...................................... 17
1.4 Monsenhor Luís Biraghi e as irmãs marcelinas na construção do projeto
educativo ................................................................................................................ 26
Capítulo II A chegada das Irmãs Marcelinas em Botucatu e a fundação do
Colégio dos Anjos ..........................................................................................60
2.1 Uma leitura da situação brasileira, feita na época da vinda das marcelinas...... 60
2.2 A chegada da Congregação Marcelina no Brasil............................................... 67
2.3 Botucatu e as condições políticas, econômicas e sociais.................................. 79
2.4 A Igreja católica no município de Botucatu........................................................ 83
2.5 A presença da congregação presbiteriana em Botucatu e as questões históricas
............................................................................................................................... 89
Considerações Finais.....................................................................................95
Bibliografia ......................................................................................................99
Anexos...........................................................................................................105
1
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como tema central um colégio confessional
católico instalado na cidade de Botucatu, interior de São Paulo: o Colégio dos
Anjos. Pertencente à Congregação Marcelina, foi instalado na cidade em 1912,
no início do regime republicano, período repleto de mudanças no país,
especialmente para a Igreja católica, como fim do padroado. Durante seus 95
anos de história, o colégio desenvolveu, perante os habitantes da cidade, uma
imagem de escola de qualidade e que propicia uma formação integral.
O objetivo desta pesquisa é compreender como o colégio construiu essa
imagem ao longo dos anos em que interesses estavam em jogo em sua
instalação e permanência em Botucatu. Tendo como hipótese parte
fundamental dessa construção, duas datas significativas delimitavam este
estudo: a fundação da Congregação na Itália em 1838 e a instalação do
Colégio dos Anjos em 1912 no município de Botucatu. Desse modo, este
trabalho pretende contribuir com as discussões em torno do lugar social da
escola e da escolaridade na primeira metade do século XX e, em âmbito
específico, contribuir com o estudo para expansão das escolas católicas e sua
relação com a sociedade, com as famílias e com outras instituições.
O procedimento desta pesquisa baseia-se na análise da documentação
e a partir dela na compreensão das relações sociais daquela sociedade,
priorizando a instituição de ensino, que tinha como pressuposto formar
mulheres. A educação recebida na Primeira República foi diferenciada depois
da saída dessas meninas do lar para um colégio, e houve uma forte influência
da religião e da política nesse processo.
Para isso a necessidade de compreender as reformas da educação,
pois são elas que direcionam o ensino no estado de São Paulo. È essencial
tentar traçar um perfil da mulher na sociedade da Primeira República, perceber
como se esse processo de inserção da mulher no país, além de tentar
compreender a influência política em todo esse processo.
Tendo coordenado durante dez anos a Unidade II do Colégio dos Anjos
e tendo realizado, ali, um estudo, algumas observações levaram-me a refletir
sobre o modo como pais e professores se referiam à escola. Seus comentários
sobre esse espaço relatavam-no como uma segunda casa, onde carinho e
2
conhecimento se combinavam, onde se oferecia educação de qualidade. A
escola intrigava pelo fato de ser tão querida e por projetar sobre a cidade um
“sentimento de domínio”
1
.
Fundado no início do século XX, o colégio presenciou e participou dos
eventos ocorridos na sociedade da época com os ideais liberais democráticos
que fizeram a República. Nacionalismo e civismo impregnavam os discursos de
políticos e intelectuais na imprensa. Segundo esses ideais, para que a
modernidade se concretizasse no Brasil era preciso construir uma identidade
nacional civilizando as múltiplas raças que constituíam o país, disciplinando,
ordenando e controlando a força de trabalho. A educação foi vista como o meio
mais eficaz para isso. Ao mesmo tempo, a Igreja católica passava por um
período de institucionalização e federalização, em virtude do rompimento do
regime de padroado e da mudança de regime. Para que a política
expansionista da Igreja se concretizasse, seu alvo também era a educação.
O Colégio dos Anjos desempenhou, ainda, significativo papel na
formação de crianças, elementos diversos combinam-se nesse tema. Um
colégio privado confessional católico fixa-se, algumas décadas após a
Proclamação da República e o fim do padroado, numa cidade do interior do
estado, região de grandes fazendas de café e um dos centros de difusão de
ideais liberais e republicanos.
Seria interessante descrever meu primeiro dia na instituição, como forma
de expressar o “sentimento de domínio” que o colégio constrói.
As portas estão bem fechadas, encontro a campainha, toco. A atendente
abre então o hall. Um cartaz de boas-vindas me chama de irmã. Logo abaixo
desse cartaz um aparador com uma Bíblia aberta e um pequeno ramalhete
de flores artificiais. Atravesso o hall e estou em um ambiente com pouca luz,
semelhante a uma sala de espera. O direito é alto e nestas paredes
espaço para quadros onde estão as fotos. À minha esquerda uma imagem
de Nossa Senhora, à direita uma porta que leva a um corredor escuro e à
frente uma grande imagem de Cristo, iluminada por uma luz difusa que parece
vir do pátio. Os bancos são confortáveis. O pátio interno da escola parece
protegido pelo edifício de salas de aulas que o abraça. Conservam-se árvores
1
Palestra proferida pelo professor José Celso Vieira por ocasião do bicentenário do fundador
dessa escola.
3
no pátio: um ipê, uma mangueira, muitos vasos, bancos de cimento. Nos
corredores que me levam às salas de aula, cartazes nas paredes lembram com
se deve comportar um bom cristão. Os caminhos internos da escola são
escuros: no entanto, as salas de aula, iluminadas, apesar da luz indireta,
contrastam como o restante. Portas em folhas, altas janelas, um crucifixo em
cada sala de aula, flores, o sorriso de uma irmã. Tudo aconchegante, tudo
familiar e, ao mesmo tempo, tudo distante.
Como e por que este colégio foi instalado em Botucatu? Quem eram as
pessoas interessadas em sua instalação? Como, ao longo dos anos, o colégio
construiu a imagem de boa escola, imagem esta que perdura na memória da
população da cidade?
Busco, ao longo desta pesquisa, a origem dessa instituição e as
mudanças ocorridas em seu modo de apresentar-se. Mudanças essas que
acompanharam as discussões postas no campo educacional e que, por sua
vez, eram influenciadas pelas mudanças na economia e na política do país.
Conto uma história que construí a meu modo e com aquilo que
encontrei: cartas, notícias de jornais e fotos.
Tento aproximar-me mais da postura do colecionador do que daquela de
historiador moderno, conforme sugeriu Benjamim (GAGNEBIN, 1994). Assim,
busco singularidades, emoções e contradições daqueles que fizeram parte do
Colégio dos Anjos, tentando rememorá-lo. Busco a recuperação de dimensões
pessoais, psíquicas e sociais, singularidades expressas nas relações com esse
colégio e a articulação com a memória coletiva.
O texto da pesquisa estrutura-se em dois capítulos. No primeiro deles
apresentamos o contexto histórico-social da fundação das Irmãs de Santa
Marcelina e a história da vida e da obra do monsenhor Biraghi.
No segundo capítulo entenderemos a história da educação do município
de Botucatu, na época da fundação do colégio.
O texto, então, desenvolve-se pelo levantamento e pela análise de
fontes primárias e secundárias, referentes ao pensamento educacional do
período em análise, bem como do fundador da Congregação Marcelina.
Espero que esta pesquisa contribua para pensar o estado atual do
Colégio dos Anjos e da educação católica de um modo geral.
Parafraseando Gagnebin (1994, p. 19):
4
A exigência de rememoração do passado não implica
simplesmente a restauração do passado, mas também uma
transformação do presente tal que, se o passado perdido aí for
encontrado ele não fique o mesmo, mas seja ele também retomado e
transformado.
5
CAPÍTULO I
O FUNDADOR DA CONGREGAÇÃO MARCELINA: SÉCULO XIX E O
DEBATE EDUCACIONAL
1.1 Panorama político, econômico e religioso
Acredito que antes de adentrarmos a falar a respeito da obra elaborada
por monsenhor Luís Biraghi e da Congregação Marcelina, torna-se necessário
analisar, mesmo que previamente, a história da época em que o fundador
viveu, cresceu e viu seu sonho transformar-se em sua obra educacional.
Para tanto é preciso ter clareza que o século XIX foi um dos séculos
mais complexos; tal como os historiadores o delimitam, é o período
compreendido entre o fim das guerras napoleônicas e o início do primeiro
conflito mundial, chamado o “século das revoluções”, feitas em favor da
liberdade, da democracia política e social e da independência das unidades
nacionais, bandeiras do capitalismo.
As relações que a Europa mantinha com o resto do mundo nessa época
são causadas por sua expansão e suas tentativas de domínio do globo, e o
traço mais evidente é a freqüência de “choques” revolucionários. Grandes
foram os reflexos da Revolução Francesa no século XIX. Foi o modelo clássico
da revolução burguesa. Pôs fim ao absolutismo, mas manteve as
transformações implantadas dentro dos limites dos interesses burgueses,
dessa forma introduziu uma série de mudanças na Europa, que aderiu aos
ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade. Esses ideais,
acompanhados por proposta de liberalismo, que é uma corrente política que
6
abrange diversas ideologias históricas e presentes, proclamam como devendo
ser o único objetivo do governo a preservação da liberdade individual. Uma
excelente definição é a de Fernando Pessoa, que define o liberalismo:
A doutrina que mantém que o indivíduo tem o direito de pensar
o que quiser, de exprimir o que pensa como quiser e de pôr em
prática o que pensa como quiser desde que essa expressão ou essa
prática não infrinja diretamente a igualdade de qualquer outro
indivíduo. (DUARTE apud PESSOA, 2006, p. 7).
Outros ideais como a soberania popular e o nacionalismo, acabaram
tornando-se as características mais significativas do processo histórico
europeu, ao longo do século XIX.
A era napoleônica (1799-1815) atenderia ao anseio da burguesia,
consolidando e disseminando externamente as instituições criadas pela
revolução. Segundo Hobsbawm (1983), estavam prontos os alicerces para a
Revolução Industrial avançar e o regime burguês solidificar-se.
A Inglaterra desempenhou papel de transformações técnicas e
econômicas, que ficou conhecido como Revolução Industrial, tendo seu início
no século XVIII e seu apogeu no século XIX.
O processo de industrialização e urbanização ocorrido na Europa
ocidental na primeira metade do século XIX estruturou as duas classes
fundamentais da moderna sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado.
Ao mesmo tempo houve o surgimento de duas novas formas de pensamento
econômico e social: o liberalismo e o socialismo.
Entre 1815 e 1848, o mundo foi sacudido por três ondas revolucionárias.
A primeira de 1820 a 1824, a segunda de 1829 a 1834 e a terceira e maior
onda revolucionária, iniciada em 1848, ocorrendo em várias regiões da Europa
e trazendo à tona o nacionalismo para regiões como Alemanha, divididas em
muitos principados.
Segundo Hobsbawm (1983), as revoluções de 1848 tiveram como
estopim a última crise do período ligado ao mundo agrário: a indústria de
algodão sofreu um declínio entre 1830 e princípios de 1840, o que trouxe sérias
conseqüências sociais, agravando ainda mais as péssimas condições de vida
dos trabalhadores, as quais eram insuportavelmente desumanas.
7
O ano de 1848 é marcado pelo avanço das idéias liberais e
nacionalistas, pela consolidação da burguesia no poder e pela entrada no
cenário político do proletariado industrial, particularmente na França.
Na França, com a participação do proletariado urbano, o movimento
adquiriu características mais sociais, enquanto na Itália e na Europa central as
manifestações visavam à unificação e ao estabelecimento de governo
constitucionais.
No século XIX na Europa, a história da colonização não pode ser
separada da história da evangelização, ou seja, é nessa época que as antigas
ordens ressuscitam, criam-se novas ordens, para as quais se volta o interesse
da opinião católica.
Neste estudo, teremos também como objetivo a fundação das irmãs
marcelinas no Brasil em 1912, tentando verificar alguns aspectos relativos ao
universo feminino dentro da concepção de mulher no século XIX, seu diálogo
com o discurso político e modernizador vigente, sobretudo porque a instituição
foi fundada no país no início do século, com ações não isoladas de bispos, mas
com a articulação política cujo princípio se deu em Roma, dentro da
perspectiva de defesa da Igreja e do Estado.
Para trabalhar as relações entre a Igreja e o Estado no século XIX,
torna-se necessário levar em consideração algumas questões relativas às
idéias presentes no período.
O Brasil deveria procurar caminhos que lhe permitam superar tanto as
mazelas herdadas do Império como definir os contornos de sua identidade
republicana. Em seu início era necessário não apenas defender e garantir a
continuidade da República, mas também formar uma ideologia que permitisse a
todos se enxergar como cidadãos, responsáveis e empreendedores de uma
nova era. E para a consolidação a educação é chamada à cena para preparar
a população para essa nova realidade. Contudo, não permitiram à nascente
República colocar a difusão da educação no rol de suas realizações.
Xavier observa que:
No Brasil, entretanto, os limites da realidade concreta,
expressos na parca diversidade da atividade econômica nacional, na
simplicidade das formas de produção exigidas pelas formas de
dominação capitalista vigente e na extremada concentração de
privilégios, parecem ter-se imposto sobre as ilusões de ascensão
8
ocupacional via ascensão escolar. E os ideais liberais da escola
“redentora”, promotora de progresso individual e social, móvel do
desenvolvimento econômico, acabaram por se traduzir na acanhada
defesa da ampliação do sistema tradicional que produzia elites
dominantes. (XAVIER, 1990, p. 61).
Segundo Athayde (1931), é nesse contexto que a Igreja católica iniciou
um movimento de reação contra os princípios da República, em vista de seu
caráter laico; havia ainda muitos prelados e clérigos saudosistas da época
imperial, quando a instituição eclesiástica gozava de uma série de privilégios,
por ser o catolicismo a religião oficial do país.
Os republicanos acusavam-na de manter um posicionamento de total
inércia ante um dos problemas mais graves do país naquele momento, ou seja,
o combate ao analfabetismo do povo brasileiro. A esse respeito, Jorge Nagle
faz as seguintes colocações:
[...] a Igreja Católica foi acusada de não colaborar para o
combate ao analfabetismo apesar de possuir recursos e organização
para isso. Ainda mais, o Catolicismo no Brasil, como ocorreu em
outros países, foi culpado de ser um fator de analfabetismo, pois, nas
nações em que vingou, se encontram os maiores índices de
população analfabeta. Disso tudo, decorre o grande dever do
Catolicismo no Brasil: exercer, no máximo, o papel educativo que lhe
cabe, mas sem procurar enfraquecer e desvirilizar o povo brasileiro,
com o emprego de noções e teoria. (1976, p. 106).
Em contrapartida, os republicanos ganharam legitimidade pelo apoio,
quase incondicional, dos positivistas e liberais, cujas doutrinas obtiveram
grande aceitação nos estratos sociais das elites, as quais procuraram
incentivar o espírito cívico em torno do ideal republicano encontra posição ao
pensamento conservador da Igreja católica, que se apresentava contrária ao
processo de secularização da sociedade brasileira levada adiante pela Primeira
República.
De acordo com Cury (1984), percebe-se que o período republicano é
caracterizado pela luta ideológica entre liberais e católicos no Brasil, a qual se
propagou por todo o território, alcançando até mesmo as pequenas cidades do
interior do país.
Figueiroa (2004, p. 2) mostra claramente a razão da imensa influência
política que os vigários tinham nas freguesias e vilas do Brasil.
Para entender como se dava a relação entre a Igreja católica e o Estado
brasileiro, nos séculos anteriores à Proclamação da República, deve-se
9
considerar a existência de um antigo acordo, celebrado entre os reis da
Espanha e de Portugal com o Papado, chamado Padroado Régio. Esse
acordo, que remontava aos tempos da Reconquista da Península Ibérica,
conferia às coroas de Portugal e da Espanha a incumbência de divulgar a fé, a
religião e a estrutura da Igreja pelas terras descobertas.
Algum tempo antes da descoberta do Brasil, os papas Calixto III (1455) e
Xisto IV (1481) haviam concedido aos reis de ambas as coroas jurisdição
espiritual sobre as futuras terras conquistadas, incumbência que caberia, de
fato, à Ordem de Cristo, uma das três ordens militares às quais eram confiadas
as tarefas de propagação da fé. Tempos depois, em 1522, o papa Adriano VI
concedeu ao rei dom João III, de Portugal, o título de grão-mestre da Ordem de
Cristo.
Com a morte de dom Jorge, grão-mestre das Ordens de São Tiago da
Espada e de São Bento de Avis, o papa Julio III concedeu a mesma dignidade
(30 dez. 1551) ao rei, concentrando na Coroa Portuguesa o completo controle
das três ordens militares.
Assim, os reis portugueses estavam habilitados a criar e prover os novos
bispados, delimitar as jurisdições territoriais e autorizar a construção de igrejas
e conventos. Economicamente, recolhiam e administravam os dízimos,
responsabilizando-se, em compensação, pela manutenção do clero, que
passava, dessa maneira, a ser assalariado da Coroa.
Quando o Brasil se separou de Portugal, o padroado ficou cerca de
cinco anos sem aplicação plena, e foi restabelecido pela Constituição de 1824,
em seu artigo 5º:
A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a
religião oficial do Império. Todas as outras religiões serão permitidas
com seu culto doméstico ou particular em casas para isso destinadas,
sem forma alguma exterior de templo. (Figueiroa, 2004, p. 443).
Como a religião oficial do Estado brasileiro era a católica, o padroado foi
confirmado, por meio da bula Praeclara Portugaliae, do papa Leão XII. A partir
de então, as mesmas prerrogativas que antes eram dadas aos reis passaram
também ao imperador brasileiro.
Pelo “acordocabia ao imperador a condição de chefe da Igreja católica
no Brasil, e ao Estado brasileiro a obrigação de fazer expandir o catolicismo
10
pelo nosso território, tal qual o vinham fazendo os reis da Espanha e de
Portugal, desde os séculos XV e XVI.
Entre as obrigações do Império estavam providenciar as respectivas
dotações orçamentárias para que pudessem ser construídas e conservadas as
igrejas, os conventos e demais instalações eclesiásticas, dotar os templos e
sustentar o clero.
Essa complexa relação entre a Igreja romana e Estado brasileiro incluía,
também, as prerrogativas do imperador, regidas pela instituição do padroado,
que implicavam, entre outras coisas, a nomeação ou apresentação de clérigos
idôneos para ocupar cargos eclesiásticos. Assim, cabia ao Estado indicar
nomes de vigários.
Essas circunstâncias, instituídas pelo Padroado Régio, criavam entre os
vigários e o Estado uma relação complexa de convivência, invariavelmente,
determinando a prevalência do Estado sobre a Igreja, ao dar ao vigário uma
condição que mais se assemelhava à de um funcionário público.
Embora o acordo entre o papa e os reis no nosso caso, imperador
estivesse restrito apenas ao campo burocrático, a prerrogativa de escolher
nomes para ocupar cargos eclesiásticos de diferentes níveis acabava por
determinar essa prevalência política e, por que não dizer, ideológica.
Era o vigário que, no exercício de suas atribuições dentro das freguesias
ou vilas, controlava a vida religiosa, mas também a política e social. Ele tinha a
atribuição de organizar a lista de eleitores das vilas e freguesias, o rol da
população, e, chegado o momento das eleições, promovê-las dentro da própria
Igreja matriz, fazer seu escrutínio, ainda dentro do templo e com a presença do
juiz de paz e dele próprio, vigário. No final era cantado um hino de louvor, o “Te
Deum”.
Em vários casos, era na porta da matriz que o vigário deveria afixar a
lista do resultado: a lista dos eleitores inscritos e aptos a votar, a lista prevista
pela Lei do Recrutamento para a Guarda Nacional, o Rol da População Local e
outras. Os vigários colados
2
tinham correspondência direta com o presidente
da província e mantinham forte influência sobre a população, principalmente
em função das atribuições políticas que continuavam a acumular. Cabia ao
2
Vigário colado era um padre que cuidava da cidade na época em que a vila ou freguesia se
tornara província.
11
vigário, também, promover os mais variados assentamentos da população
local, incluindo registros de nascimentos, casamentos e óbitos, pois o Estado
não cuidava disso. Por muitos decênios esses assentamentos foram os únicos
a existir e tiveram valor legal, ou seja, eram reconhecidos pelo Estado em
todas as instâncias.
Com esses parâmetros, chegaram ao clero pessoas que buscavam tão-
somente o cargo, alimentadas pelas necessidades de sobrevivência e pelas
possibilidades de carreira e coisas desse tipo. Eram funcionários públicos,
ocupando cargos eclesiásticos, em alinhamento completo ao Estado e com
indisposição em seguir as orientações clericais. “Estavam vigário”. Eram os
regalistas
3
.
Figueiroa (2004, p. 2) mostra a necessidade de ocupar espaço nas
províncias, que nos preceitos regidos pelo padroado fez aparecer, dentro e fora
do clero, na sociedade de então, pessoas que praticavam o catolicismo como
algo muito mais social, no sentido de costume, do que uma religião cujos
adeptos acolhessem espontaneamente e aceitassem sua doutrina.
O vigário colado preenchia a mais destacada função dentro de uma
freguesia e recebia uma importância do Estado para manter-se. A ele era paga,
trimestralmente, a chamada “côngrua”, que girava em torno de 35$000 anuais
(trinta e cinco mil réis). Era uma espécie de salário, considerado pouco para a
época, e os vigários de paróquias regularizadas (freguesias, vilas ou cidades)
entravam numa chamada “Folha Eclesiástica Provincial”, cuja verba anual era
votada pela Assembléia de Deputados.
O vigário encomendado, ao contrário, não entrava na referida lista, e não
recebia a “côngrua”. A renda da sua paróquia, da qual deveria extrair seu
sustento e despesas com o patrimônio, vinha de contribuições diretas dos fiéis,
chamadas “direitos de estolas” ou “pés de altar”, também conhecidas como
“conhecenças ou benesses”, que nada mais eram do que donativos recebidos
por ocasião de batizados, casamentos ou encomendações de almas. Eram as
espórtulas ou estipêndios, dados, espontaneamente, pelos fiéis. Geralmente, o
3
“Regalismo é um conjunto de artigos e tendências que consideram o direito
dos reis (ou imperadores) sobre os negócios da Igreja, conhecido também por
galicanismo. Doutrina similar a essa é jansenismo”.
12
vigário encomendado era solicitado pelo povoado, que, com o pedido, se
atendido, assumia a responsabilidade de prover a permanência do vigário.
Pequenos povoados que não tinham, ainda, se transformado em
freguesia poderiam solicitar uma presença desse tipo de vigário. Seria uma
espécie de vigário residente.
Havia ainda o vigário da Vara Eclesiástica ou da Comarca, um outro tipo
de vigário, com atribuições relativas às decisões de princípios, cabendo ao
mesmo tomar as decisões relativas à conduta das pessoas, bem como juízos
referentes aos membros da própria instituição eclesiástica. Ainda de acordo
Figueiroa (2004, p. 4), segundo o regimento aprovado em 8 de setembro de
1704, o vigário da Vara atuava dentro de um órgão denominado Auditório
Eclesiástico e sua nomeação deveria ser feita pelo bispo ou arcebispo,
devendo jurar perante o chanceler da Igreja, que presidiria sua posse.
Necessitaria ser letrado, de preferência, mas na falta disso pelo menos
uma pessoa com prudência, virtude e de exemplar comportamento. Essas
exigências o colocavam numa posição acima do vigário colado, porém, ele
sempre deveria reportar-se ao vigário geral de sua diocese.
Os colaboradores da A Gazeta de Botucatu comunicam quais eram as
atribuições do vigário da vara da comarca:
[...] ser representante do bispo: receber denúncias e fazer
sumários dos sacrilégios consumados nos lugares sagrados: fazer
sumário contra clérigos das Freguesias sob sua jurisdição: proceder
contra pessoas desobedientes em qualquer matéria de seu ofício,
inquirindo testemunhas e fazendo autos; passar monitórios e dar
sentenças em causas sumárias de ão de até dez dias, ou
juramento de alma, até a quantia de dez dias, ou juramentos de
agravo para a Relação Eclesiástica; fazer sumários de testemunhas e
tirar depoimentos para casamentos de forasteiro; fazer sumários de
sevícias e ou de nulidade de matrimônio; reconciliar as Igrejas de sua
jurisdição que foram violadas; condenar até a quantia de uma pataca
os que trabalharem aos domingos e dias santos; aplicar as
condenações às fabricas das igrejas onde os culpados são fregueses
e se não quiserem pagar, serão evitados nos ofícios divinos; fazer
autos contra os que usurpam a jurisdição do bispo, sejam
eclesiásticos ou regulares; proceder contra qualquer pessoas que,
sem licença por escrito do bispo ou do seu promotor, tirarem esmolas
gerais ou particulares, celebrarem missas, pregarem ou levantarem
altar, ainda que sejam regulares; dar licença, com o grado as pessoas
sobre as quais pode haver dúvida; mandar pagar os ofícios, esmolas
de missas e ofertas que forem devidas aos clérigos: fazer com o juiz
ordinário todas as imunidades das igrejas e que os nelas asilados não
sejam retirados (salvo em custódia) antes de ser julgada a dita
imunidade. (A Gazeta de Botucatu, 6 abr. 2004, p. 2).
13
A respeito da influência política que os vigários possuíam no Brasil, é
importante registrar que, com certeza, esses fatos marcantes foram influências
nos acontecimentos futuros da história de Botucatu.
Traçado esse panorama a respeito da Igreja católica, torna-se
necessário dar continuidade à pesquisa, levando em consideração que, em
razão das conseqüências da Revolução Francesa e do avanço do liberalismo,
a Igreja católica passava desde meados do século XIX por um período de
reordenação de sua filosofia.
1.2 As idéias educacionais e pedagógicas do século XIX
Dando continuidade ao entendimento social e histórico do nosso objeto,
enfatizamos que desde o século XIX, a época napoleônica, se desenvolve um
processo bastante articulado no que diz respeito à instituição “escola”, embora
dividido em etapas não homogêneas e manifestado de forma diferente nos
vários países europeus e americanos.
De acordo com Cambi (1999), nessa época um crescimento social da
escola, um desenvolvimento na sua organização e também um papel
político forte. Estamos diante de uma escola muito distante daquela do Ancien
Regime (que tornou o ensino mais utilitário o sistema), que superou as
decisões entre as diversas iniciativas (Igreja e Estado e particulares) e renovou
a cultura escolar assumindo dessa maneira o aspecto disciplinar de controle de
sanção.
A escola passa a ser democrática, aberta às várias classes sociais,
enquanto o crescimento social se refere a uma extensão das classes inferiores.
um crescimento lento que atinge a escola elementar e popular nos diversos
sistemas.
Há uma escolarização das massas, por vezes por vias muito empíricas e
de validade duvidosa, como o ensino mútuo, que estendeu, porém, os
rendimentos da instrução às classes que eram até então excluídas. Em toda a
Europa foi-se delineando um sistema escolar destinado a todo o povo.
Na primeira parte do século, foram as escolas (privadas) de ensino
mútuo que asseguraram a cultura do povo. Somente na segunda metade, após
a regulamentação do trabalho infantil e a fixação da idade mínima para o início
14
do trabalho (aos 9 anos, na Inglaterra de 1833), é que se opera uma
escolarização mais difundida tendo em vista uma alfabetização de massa.
A Itália, na sua história da escola, antes e depois da unificação do país,
pode ser tomada como um caso exemplar desse desenvolvimento/
reorganização/ racionalização/ laicização que ocorre na escola oitocentista.
Segundo Cambi (1999), na Itália anterior a 1860 as condições escolares
são radicalmente diferenciadas: mais desenvolvidas e do ponto de vista escolar
a Itália é um mosaico; embora a dominação napoleônica, com a reorganização
das escolas segundo o modelo francês, tenha deixado alguns traços, diversas
são as legislações, diversas as tradições, diversos os modelos visados.
Depois de 1861 foi aplicada à Itália unida a Lei Casati. Promulgada para
o Piomonte em 1859, que ficava no interior da Itália, em 380 artigos organizava
o sistema escolar segundo os princípios liberais: delineava uma administração
centralizada com a tarefa de programar e controlar a vida escolar no seu
conjunto, dividia a instrução escolar em clássica e técnica, fixava os dois graus,
inferiores e superiores, da instituição elementar delegada às comuns e instituía
as escolas normais para a formação dos professores. A obrigatoriedade para o
grau inferior elementar continuou com grande invasão.
em 1877, com a esquerda no poder e Michele Coppino no Ministério
da Educação, foram promulgados os novos programas que tiveram uma marca
de tipo positivista; fixava-se então a obrigatoriedade até os 9 anos, eliminava-
se a religião das matérias de estudo e introduziam-se os “direitos e deveres do
cidadão”; A escola italiana laicizava-se.
As reformas escolares mais incisivas ocorreram apenas no fim do século
e nos primeiros anos do Novecentos; em 1896 o ministro Giantuarco instituía a
escola complementar feminina, trienal pós-elementar; em 1904, a Lei Orlando
fazia voltar o curso elementar a quatro anos, juntando a e classe, e a
obrigatoriedade aumentada para os 12 anos; em 1911, a Lei Dâneo-Credaro
avocou as escolas elementares ao Estado e instituiu um liceu moderno, jamais
instalado.
Só em 1923 Gentile renovou a escola italiana segundo o critério do
“voltar a Casati”, fechando todo espaço de mobilidade social e favorecendo
apenas o canal formativo do liceu, mas dando uma forma orgânica e estrutural
15
e culturalmente à escola italiana, com seu atualismo e sua concepção sobre
que a escola deve introduzir alunos e professores na religiosidade.
O século XIX assiste ao nascimento da pedagogia científica e da
pedagogia experimental, que tendem a separar-se da filosofia e a tornar-se
independentes da política para reconstruir o saber pedagógico em contato com
as ciências positivas, que tratam do homem, da sociedade, da renovação do
seu método e seu conteúdo pela adoção do paradigma científico, indutivo e
experimental, articulado em conhecimentos baseados em “fatos”.
Tanto a pedagogia como as outras ciências humanas e sociais foram
reestruturando-se em profundidade, assumindo assim a função de disciplina
“as ciências da educação”.
Segundo Cambi (1999, p. 447):
o pluralismo da pedagogia veio constituir um problema: devia
ser unificada, seja por meio de uma reflexão epistemológica, seja
mediante uma reflexão filosófica inspirada nos princípios da filosofia
positiva.
Um exemplo explícito dessa reformulação da pedagogia é representado
pelo sociólogo Durkheim, que terá sucesso tanto no século XX que estuda as
relações observáveis entre os diversos componentes de um sistema educativo
como a ideologia que o orienta, os fins pedagógicos que propõe, a sua
organização, os conteúdos culturais, a formação dos docentes. Depois de
Durkheim, também o historiador e sociólogo Max Weber, que enfrentou esses
problemas, delineando sobretudo diversos modelos de educação, nas
sociedades tradicionais, na capitalista e a centralidade da formação religiosa e
intelectual no âmbito da reprodução social.
A pedagogia experimental nasce como não valorativa, mas visa aos
aspectos objetivos e mensuráveis da experiência educativa submetida à
experimentação. Durante o século XX e particularmente nos últimos 90 anos,
teve um enorme desenvolvimento.
Vejamos agora alguns precursores dessa época: Pestalozzi, pelo estudo
rigoroso do método de ensino desenvolvido; Herbart, pelos destaques dados à
psicologia na escola e à experimentação de métodos; Wundt, que com seus
estudos de psicologia experimental toca também em problemas educativos: os
tempos de reação e a memória, a aprendizagem e a solução de problemas. De
16
acordo com Cambi (1999, p. 500), o aluno Binet, que com seu estudo sobre A
fadiga intelectual (1898) apresenta um quadro bastante convincente da
pedagogia experimental, baseada na observação e na experiência mediante
um estudo experimental.
por volta do fim do século que o trabalho de Dewey se destaca,
quando ele funda, em 1896, junto à Universidade de Chicago, a sua ‘escola-
laboratório, uma verdadeira escola experimental’ (Cambi, 1999, p. 501).
Para melhor explicitarmos a respeito de outros pensadores, podemos
dizer que existem diferenças de propostas educacionais. No caso, Dewey
defendia uma educação democrática no capitalismo. Vigotski pensava uma
educação que colaborasse para a construção de outra sociedade.
Dewey foi o pedagogo de sua época, um teórico orgânico de um novo
modelo de pedagogia, nutrido pelas diversas ciências da educação, o
experimentalista mais crítico da educação nova, que delineou inclusive suas
insuficiências e desvios, o intelectual mais sensível ao papel político da
pedagogia e da educação. O pensamento de Dewey difundiu-se no mundo
inteiro, alimentando debates e experimentações em vários países. Foi um
filósofo que desenvolveu a lição do pragmatismo americano, crítico
metodológico e ético-político, está ligado a idéias abertas, colocado como
instrumento na complexa dinâmica da experiência, individual e histórica.
Outro pensador que merece destaque é Vigostsky, que atribui
importância fundamental ao domínio da linguagem na educação e linguagem é
o meio pela qual a criança e os adultos sistematizam suas percepções e outras
formas de pensar. É pela fala que o homem defende seus direitos, manifesta
seu ponto de vista, participa coletivamente da construção de outra sociedade.
Diltheey foi o fundador do historicismo e teórico da autonomia das
ciências do espírito, reformulou uma pedagogia que se construía em torno do
conceito de Bildung, em chave antipositivista e desenvolvida no sentido cultural
e formativo. Ele elaborou uma pedagogia voltada aos princípios e às normas
absolutas, mas de valor histórico, segundo modelos culturais diversos, na base
dos quais está a psicologia.
De acordo com Cambi (1999), dois aspectos que devem ser
destacados de Diltheey: a capacidade de “reviver” a cultura e a vida espiritual
por parte do sujeito educando, que segundo o fundador das marcelinas se
17
preocupava em fundar a congregação, que era quanto ao tipo de ensino que
deveria ser ministrado, como por exemplo o estudo das ciências do espírito
(desde a arte até a história); o segundo aspecto é ao apelo ao desenvolvimento
formativo que leve em conta a síntese imanente, constantemente aberta e
renovada, que caracteriza a verdadeira vida espiritual e o enriquecimento
cultural por parte do sujeito e que deve exercitar-se numa relação estreita entre
indivíduo e cultura; a escola deve ser redefinida segundo essa finalidade
formativa.
Berguson e Sorel não são pedagogos de profissão, mas intérpretes
profundos das novas inquietações, inclusive educativas, que emergiam na
cultura e na sociedade do Oitocentos e nos primeiros anos do novo século.
Todos esses pensadores estão diante de modelos pedagógicos que terão uma
profunda incidência sobre o debate com impulsos crítico-radicais, ativistas,
utópicos da época estudada.
Além destes, Cambi (1999) cita e considera as influências de Decroly,
com seu método global. Considera as teorias de Claparede e Rousseau, com
suas defesas pela igualdade de condições para todos, e inclui as idéias de
Ferrierre e Montessori, adeptos do concretismo.
Estamos entrando em um clima de inquietudes, inovações, mas
sabemos ser também de sensíveis riscos.
1.3 O ultramontanismo, liberalismo e o Colégio dos Anjos
O chamado ultramontanismo e o liberalismo são fundamentais para
compreender as relações entre a Igreja e o Estado brasileiros no período
estudado e estão intimamente relacionados com a implantação das escolas
femininas mantidas pelas congregações católicas. Tendo traçado este
panorama político, econômico e religioso brasileiro, será feito um apanhado da
presença das congregações femininas estrangeiras no Brasil, focalizando o
território de São Paulo e, especificamente, a chegada da Congregação de
Santa Marcelina, em meados do século XIX.
O Colégio dos Anjos foi fundado para suprir a necessidade de
implantação de uma escola feminina confessional para a elite. Os anos iniciais
da instalação da escola foram cruciais para o seu desenvolvimento. O discurso
18
da implantação do colégio passa pelas discussões relativas à necessidade de
educação feminina enquanto preparação de “futuras mães e esposas”, aptas
ao desenvolvimento da nação brasileira.
As fontes para o estudo aqui pretendido são diversas. documentos
referentes ao colégio, como arquivos de jornais, a consulta aos documentos
particulares da referida congregação. Para pensar as questões do
ultramontanismo, pode-se recorrer aos documentos papais do século XIX,
disponíveis na internet, como as enclicas.
Segundo Manoel (1996), havia uma ambigüidade na oligarquia
brasileira, pois a nossa história imperial foi composta por uma “acomodação de
conflitos”. Enquanto na Europa, especificamente na França, a consolidação da
burguesia exigia um movimento revolucionário (Revolução Francesa), no Brasil
esse processo deu-se pelo acordo, pela ambigüidade e pela acomodação. O
projeto liberal no Brasil império foi completamente diferente dos demais lugares
do mundo.
Segundo Manoel (1996), por não representar um momento decisivo da
luta burguesa para superar o mundo aristocrático e rural, mas significando um
reordenamento da própria oligarquia ao redor de uma nova ordenação política,
não provocou exclusões e eliminações, mas cooptações e inclusões. Na esfera
religiosa e educacional a conciliação manifestou-se fortemente.
Ainda para esse mesmo autor, no Brasil do século XIX as idéias
católicas apresentavam uma concepção de sociedade, poder político e
relações familiares que eram convenientes à forma de vida da oligarquia
brasileira. Mesmo que a educação liberal reforçasse o caráter individualista e o
civismo como força para a implantação de uma “Nação”, a educação católica
não fugia aos interesses da oligarquia, que esta sempre ensinou ao católico
ser ordeiro, obediente e respeitador da ordem constituída.
A partir de 1850, quando os ideais do liberalismo ganharam maior força
no Brasil, as autoridades públicas passaram a defender a completa
liberalização do sistema escolar, retirando do Estado as responsabilidades pela
educação e transferindo tal responsabilidade para a iniciativa privada. que o
investimento das províncias na educação era muito pequeno, a solução
encontrada pela elite para educar suas filhas era contratar professores para
educar as jovens em suas próprias residências ou enviá-las para estudar nos
19
colégios internos. Tais colégios eram mantidos, na maioria das vezes, pelas
diversas congregações católicas que aqui chegaram na segunda metade do
século XIX. Segundo Manoel (1996), as primeiras freiras que chegaram com
esse intuito educacional no Brasil foram as irmãs de São José de Chamberry,
em São Paulo, no ano de 1859.
Dentro da própria Igreja católica havia uma divisão do clero: aqueles que
se identificavam com o Iluminismo e com o liberalismo, e aqueles
conservadores, que condenavam em bloco a modernidade. Esse clero
conservador assumiu o controle da Cúria Romana durante todo o século XIX e
boa parte do século XX. Esse movimento conservador recebeu a denominação
de ultramontanismo.
Segundo Manoel (1996), o catolicismo ultramontano interpretava o
mundo moderno como constituído de um imenso perigo para a salvação da
alma, porque se fundamentava na liberdade de pensamento e consciência,
liberdade social e liberdade política. Em outros termos, o mundo moderno
desenvolvia-se sem obedecer aos preceitos católicos e controle da Igreja.
O fortalecimento do clero ultramontano permitiu-lhe assumir o poder
interno da Igreja e impor essa sua visão como lida para todo o orbe católico.
Ancorados na idéia de ser a Igreja portadora da verdade, desde sempre
estabelecida e claramente definida no Concilio de Trento, os ultramontanos
julgaram que a salvação da sociedade em geral e do homem, individualmente,
dependia de recristianização do mundo, tarefa, portanto, da exclusiva
competência da Igreja.
O combate ao mundo moderno aconteceria pela censura da imprensa e
da edição de determinados livros e, principalmente, pelo investimento na
educação. A educação de meninas e jovens fazia parte dos conceitos
elaborados pela Igreja ultramontana, pois as alunas poderiam ser,
posteriormente, educadoras dos filhos e da sociedade, conforme os princípios
do catolicismo ultramontano.
Essa educação ocorreria nas escolas implantadas pelas diversas
congregações que aqui chegaram. Segundo Manoel (1996), a vinda das freiras
constituiu-se em uma etapa de um planejamento bem elaborado e em escala
mundial. A necessidade de implantação das escolas confessionais não se
restringia somente aos vultosos recursos financeiros arrecadados, mas
20
também em afastar os educandos das idéias modernas e das propostas de
ensino leigo. Particularmente no caso da educação feminina, o discurso
ultramontano ia ao encontro das ansiedades da oligarquia brasileira.
Esse discurso ultramontano vai sendo intensificado ao longo do século
XIX. Com a Proclamação da República (1889), a religião católica deixou de ser
oficialmente reconhecida no Brasil, cessando o regime de padroado, e a Igreja
ganhou mais liberdade com a sua dependência em relação ao Estado.
Segundo José Murilo de Carvalho (2003), a Igreja “ reapareceu” na
política quando surgiu em seu seio o movimento de reforma ultramontano
inspirado por Pio IX.
A sua participação tinha então um sentido totalmente diverso. Não era
mais a participação dos padres na política, mas uma tentativa de definir uma
política da Igreja diante do Estado. Essa tentativa levou ao choque da Questão
Religiosa.
Durante o Império o governo insistiu em não abrir mão do controle da
Igreja, pois além de ser ela um recurso administrativo barato, possuía grande
poder sobre a população, de que o governo indiretamente se beneficiava. Ao
ser proclamada a República, foi eliminado o clero da burocracia mediante a
separação da Igreja e do Estado
4
Como conseqüência dessa separação da Igreja com relação ao Estado
é considerável o aumento de dioceses. Ocorreu também um aumento
considerável de congregações religiosas que vieram para o Brasil,
principalmente após o advento da República.
Segundo Rosado-Nunes (1997), a partir de 1891, intensifica-se a vinda
de religiosas estrangeiras, em sua maioria francesas e italianas. Entre 1872 e
1920, 58 congregações européias estabelecem-se em terras brasileiras; outras
19 também são fundadas no Brasil por essa época. O trabalho educativo nos
colégios, o cuidado com os doentes, com as crianças e com os velhos em
orfanatos e asilos constituirão suas principais atividades.
Percebe-se que as congregações religiosas femininas que se instalaram
no Brasil a partir da segunda metade do século XIX tinham um caráter
educativo para a elite, mas também para as meninas pobres.
4
Os párocos recebiam na década de 1870 um salário equivalente ao do proletariado
burocrático.
21
E a romanização consistia num processo de expansão do catolicismo de
Roma sob a influência direta do papado. Por meio da encíclica Quanta cura e o
Syllabus errorum, a Igreja condenava os “erros modernos”, a saber: o
racionalismo, o liberalismo, o socialismo, o protestantismo, o espiritismo e a
maçonaria. Proclamada a infalibilidade papal pelo Concílio Vaticano I,
procurava-se centralizar a obediência a Roma. Diante da perda de território na
Europa, a Igreja reforçou sua presença em diversos países, entre eles o Brasil.
Dessa forma a autoridade romana seria resgatada para além da Europa.
No Brasil, a Igreja católica reestruturava-se, procurando estender igrejas
e seminários por todo o território nacional, atingindo grandes e pequenas
cidades. Sua construção institucional e federalização iniciaram-se no início do
século XX, logo após o fim do padroado e a mudança de regime. O rompimento
dos laços institucionalizados com o Estado gerou a necessidade de uma
organização interna e de uma expansão por todo o território nacional. A
urgência da expansão das instituições católicas revelava-se, diante da
expansão de outras religiões no país, com a liberdade de credo que
acompanhava a República:
A partir da segunda metade do século XIX, protestantes
americanos das mais diferentes confissões, que tenham elas
metodista, batista, presbiteriana, congregacionistas etc, entendiam
que, por ser o Brasil uma nação marcada pelo catolicismo romano,
carecia ela da iniciativa deles em levar a sua versão da mensagem
evangélica missionária. (BENCOSTA, 1996).
Ainda segundo as palavras de Bencosta, já em 1839 foi fundada a
primeira Escola Dominical Presbiteriana no Rio de Janeiro. Após a segunda
guerra, com a imigração de grupos do sul dos Estados Unidos para o Brasil, a
Presbyterian Church in the United States enviou missionários para a
manutenção da dos imigrantes e ampliação do número de adeptos. Grande
parte desses missionários foi encaminhada principalmente para o interior de
São Paulo.
Em 1869 os reverendos Morton e Lane iniciaram os projetos para a
instalação de colégios. Na cidade de Botucatu, durante muito tempo, ficou
conhecida pelo apelido de Escola Americana. Talvez porque tenha sido,
durante largo tempo, uma extensão do Colégio Americano de São Paulo.
Desde seu início, a escola botucatuense recebeu alunos das colônias de
22
americanos emigrados para o Brasil, bem como de alemães e descendentes de
outras nacionalidades. Também, talvez por isso, tenha sido conhecida como
“escola dos protestantes”. Como escola de formação multidisciplinar continuou
ligada ao Mackenzie College e à Escola Americana de São Paulo em 1914.
Senhor Lane, um dos inspiradores da escola protestante no Brasil, foi diretor
dos colégios de Botucatu, São Paulo e Campinas.
Os reverendos contavam com o apoio da elite, que buscava identificar-
se pela educação com as sociedades européias. E contaram também com o
apoio dos republicanos que atacavam a educação promovida pelo Império e o
ultramontanismo da Igreja católica.
Além da propagação de outras religiões no país, a Igreja católica
enfrentou também a maçonaria, que alcançou grande crescimento no início do
século XX no Brasil todo, principalmente no oeste paulista, passando por um
processo de “federalização” semelhante àquele que ocorria com a Igreja
católica. Assumindo em geral uma postura liberal e optando pelo ensino laico, a
maçonaria encarou sérios embates com a Igreja católica antes da Proclamação
da República. A chamada Questão Religiosa (1872) foi o mais importante e
impulsionou os maçons para uma ação, no Parlamento e na imprensa, contra a
Igreja.
Esta, ao condenar os erros modernos (encíclica Quanta Cura), colocava
entre eles a liberdade de consciência e, portanto, a liberdade de religião e a
ação secreta dos maçons. A fim de resolver a questão, as lojas maçônicas,
cindidas em duas obediências diferentes, uniram-se temporariamente. É fato,
também, que muitos maçons se uniam a protestantes e republicanos contra o
ultramontanismo da Igreja nas primeiras décadas da República, pois a encíclica
atingia a todos. A maçonaria esteve ligada também aos projetos abolicionistas
e propagaram ideais republicanos. Procurou também ocupar o vazio do Estado
com relação à educação, mantendo escolas laicas. Em certos momentos
aliadas, em outros inimigas, nos primeiros anos da República maçonaria e
Igreja colocavam-se em posições opostas.
De acordo com Meschiatti (2000), diante das novas dificuldades que a
Igreja necessitava enfrentar, ainda havia divergências internas e oposições de
dois grupos, especificamente em São Paulo, ante as necessidades de
mudanças: um deles a favor do reformismo liberal-regalista e outro pela
23
revitalização ultramontana. O primeiro deles colocava-se a favor do controle da
Igreja pelo Estado, defendia uma Igreja societária e a manutenção de uma
relação de coordenação com Roma. Esse grupo propunha, ainda, o presbitério
como função acessória junto ao governo da diocese e a abolição do celibato
clerial.
O segundo grupo tinha como objetivo a “espiritualização” do clero e o
desligamento dos problemas sociais e políticos, combatendo, ao mesmo
tempo, os princípios do liberalismo radical e as “idéias modernas”, buscando a
revitalização da Igreja na rigidez das normas fixadas pela Igreja de Roma.
Destaca-se, nesse período, o ataque dos ultramontanos contra o artigo da
constituição que defendia o ensino leigo nas escolas. Para Lustosa (1990), as
circunstâncias da infiltração oficial do “laicismo” na coisa pública precipitaram
os anseios, os interesses e as motivações de muitos padres e de muitos leigos
para a militância política.
Reconquistar espaços significava também encontrar novas formas de
manutenção da instituição. Diversos textos escritos no período retratam a
angústia pela qual passavam muitos religiosos. Entre esses textos está a carta
pastoral de dom Silvério Gomes Pimenta, bispo auxiliar de Mariana, intitulada
“Sem o auxílio do Estado como se manterá a Igreja?”.
Assim ele expressa suas aflições:
O Governo do Brasil não terá mais nenhuma relação coma
Igreja Católica e oxalá a indiferença pare aí! Nossa Igreja fica dora
em diante privada do minguado subsidio que o custo lhe prestava o
regime passado e com o qual mal se podia manter. (PIMENTA, 1891,
p. 82).
E, em seguida, exorta os católicos a manterem viva a Igreja:
Portanto, meus amigos, sustentem todos a RELIGIÃO.
Trabalhemos todos para que no Brasil e Estado e a Igreja se
entrelacem, como podem e devem fazê-lo, no interesse do povo e
para a salvação da pátria. O Estado dando à Igreja todo o prestígio,
toda a força moral, e procurando também infundir nos seus códigos,
nas suas leis, nas suas instituições, o sentimento cristão que fortalece
as almas, enobrece os corações e retempera aa raças; a Igreja, por
seu turno, dando ao Estado, como deve, em testemunhas de civismo,
a prova de que não tem a sua fé escravizada às cadeias do passado.
(idem, p. 100).
O prestígio mútuo entre as duas instituições serviria, mais tarde, para
formar uma rede de ampliação de poder em que ambas se fortaleceriam e se
24
apoiariam. No entanto, cabe ressaltar que nem todos os setores ou grupos da
Igreja assumiriam postura contrária à Proclamação da República e muitos,
descontentes com o Império, aplaudiriam o novo regime.
No ano de 1947 lançara pelas páginas do jornal Folha de Botucatu uma
campanha de recuperação da memória da história de Botucatu, que indicam
que a hegemonia da Igreja católica era questionada na cidade (DONATO,
1955, p. 307). Podemos então imaginar as angústias dos católicos no
município sabendo que o presbiterianismo ali se fazia presente com as
instituições e fundando escolas. Botucatu foi, também, região de grandes
fazendas e com numerosa população de escravos, o que nos faz supor que,
apesar da ausência do tema na historiografia local, religiões africanas também
marcavam presença significativa.
Nas terras de Botucatu, certamente existia algum tipo de expressão de
religiosidade. Um catolicismo não-oficial, mas popular, nômade e errante,
porque dessa forma viviam as famílias nessa região. Mas esses primeiros
habitantes não conseguiram manter a posse de suas terras e, tampouco, de
sua religiosidade. Em sua grande maioria foram expulsos por estranhos que
conseguiam títulos das terras. Junto com os grandes fazendeiros chegou a
religião oficial que servia à legitimação de seu poder. Por longo período o
catolicismo esteve intimamente ligado ao poder temporal dos fazendeiros.
Para Miceli (1979, p. 22), a política da Igreja era implementada via
estratégias diferenciadas, conforme o peso político e a contribuição econômica
para a manutenção do pacto oligárquico. “A estadualização do clero converteu
a igreja em espaço de encenação das solenidades de legitimação e ostentação
do poder oligárquico, quer por ocasião das festividades [...]” (ibidem), quer por
rituais de serviço com o timbre eclesiástico. Ao mesmo tempo a oligarquia
entregava à Igreja a responsabilidade pelo ainda incipiente setor educacional.
Dessa maneira a romanização no Brasil assumiu um estilo de mando
episcopal europeizado: pastorais, como instrumento de difusão das palavras de
ordem eclesiásticas, retiros e sínodos anuais, viagens a Roma para prestação
de contas, novos padrões litúrgicos para as solenidades de culto, divisão do
trabalho diocesano ajustada a essas mudanças.
25
A Igreja católica tinha uma grande preocupação com os novos espaços,
o recrutamento e a manutenção financeira tinham, portanto como uma das
principais via de solução a fundação de escolas católicas.
Ainda segundo Miceli (1979), como a educação foi laicizada, a religião
sumiu dos currículos e os governos, federais e estaduais, estavam proibidos de
subvencionar escolas religiosas. Nada disso, entretanto, impediu que a
prestação de serviços educacionais para as elites passasse a constituir a
diretriz-mor da política expansionista seguida pela organização eclesiástica.
Antes de darmos o fechamento deste capítulo, devemos mais uma vez
relembrar as mudanças ocorridas no município de Botucatu, do ano de 1909
em diante. Resta-nos agora apontar a direção que o trabalho deve tomar, para
continuar a tentativa de compreensão.
Ao assumir a diocese, dom Lúcio Antunes de Souza criou várias
paróquias. Logo em 1911 foi iniciada a reforma da Igreja local, dessa vez de
grandes proporções: a reforma da igreja durou 14 anos e contou com o auxílio
financeiro do povo e do conde Matarazzo, de quem o cônego era amigo
particular. Ainda sob sua responsabilidade, foram instituídas diversas
associações, como o Seminário e o Palácio Episcopal.
Dentro dos diversos impulsos em direção à revitalização da Igreja,
empreendidos por dom Lúcio, aqueles dedicados à formação de eclesiásticos
voltaram-se, em sua maioria, para o sexo masculino. Mas havia a necessidade
também de um colégio feminino. Foi então no ano de 1912 que o Colégio dos
Anjos foi fundado, três anos após sua chegada à cidade. Até 1923, dom cio
participou freqüentemente dos acontecimentos do colégio e foi, por muitas
vezes, homenageado pela escola, tendo sua foto nos álbuns de formaturas das
alunas.
Podemos supor, portanto, que a iniciativa de dom Lúcio Antunes de
Souza se deu a esses três fatores: a política de reestruturação e expansão da
Igreja católica em duas direções: a situação específica do campo religioso na
cidade de Botucatu e uma demanda da elite para educar seus filhos. O Brasil
apresentava-se como território favorável para a expansão do ultramontanismo
no início do século XX por apresentar níveis de ensino praticamente
inexplorados, o que poderia constituir bons negócios de recrutamento para
confissões religiosas.
26
Além dos interesses da Igreja, representados nesta história pelo
fundador monsenhor Luís Biraghi e pela congregação, a necessidade de
vermos um pouco da história dessa congregação da qual o Colégio dos Anjos
faz parte.
Até a data da fundação do Colégio dos Anjos havia somente quatro
escolas católicas na região: em Araras, Campinas, São Carlos e Sorocaba.
Já nos dez anos seguintes (1912-1922), o número de fundações de
colégios, escolas ou obras sociais católicas praticamente dobrou e esse
crescimento continuou acentuando-se nos dez anos seguintes, chegando a 12
fundações.
1.4 Monsenhor Luís Biraghi e as irmãs marcelinas na construção do
projeto educativo
Este subitem apresenta aquilo que apareceu nas cartas do fundador,
nas constituições das marcelinas. Interessa-nos, portanto, a imagem que o
colégio retransmitiu de si. Serviu-me como fonte as cartas do fundador, edições
comemorativas, em razão de ter sido essa narrativa o meio mais seguro de
conservar uma memória selecionada sobre o Colégio dos Anjos, aquele que se
transformou em sua história oficial.
Procuro trazer outros elementos e fontes para a discussão, fazer emergir
os conflitos, dificuldades e contradições que as pessoas ligadas ao Colégio dos
Anjos possam ter vivido. Dessa forma, focalizam-se momentos significativos de
mudança para a Itália, para o país e para educação.
Essa década e a década de 1930 representam os períodos de maior
expansão em números de escolas católicas. De 1913 a 1939, a congregação
fundou dez novas casas.
Bispo dom Lúcio Antunes de Souza acreditava que essa política
ultramontana poderia ter sido o impulso para a fundação Colégio dos Anjos no
município de Botucatu.
Vejamos um pouco da história dessa congregação da qual o Colégio dos
Anjos faz parte: diversas escolas foram fundadas nesse mesmo período, mas
organizaram-se de diferentes formas no decorrer de história, algumas com fins
sociais, voltadas para o atendimento de crianças carentes ou mesmo órfãs, e
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outras tornaram-se colégio pagos. Na época da fundação do Colégio dos Anjos
a madre Virginia, que era na ocasião a responsável pela congregação em
Milão, apreciou todas as dificuldades iniciais das irmãs. Mas apoiou todas as
suas iniciativas para que a congregação de fato fizesse história nessa cidade.
Iremos nesse momento tratar a respeito da Itália.
Até a primeira metade do século XIX, a Península Itálica era dividida em
diversas unidades políticas, independentes entre si, com rias regiões
submetidas ou sob influência de países vizinhos.
Diversos movimentos nacionalistas surgiram na península, visando à
unificação, primeiro com interesses isolados e posteriormente unidos com o
objetivo maior da formação de um estado nacional italiano.
Segundo os escritos de Marcocchi (2001), no século XIX, surgem
diversas congregações masculinas e femininas. Foi notável o crescimento em
Verona, Veneza, no Piemonte, na Lombardia, em especial Milão.
As congregações eram influenciadas pelos jesuítas e dedicavam a
educação às meninas pobres, as ursulinas de São Carlos no ano de 1838; as
marcelinas consagram-se à educação das meninas, de classe média,
pertencentes à classe burguesa, eram filhas de proprietários de terras,
artesãos, comerciantes, banqueiros, médicos, arquitetos, tabeliões e artistas.
Ainda o mesmo autor diz:
Biraghi, estando em Milão, sentia grande pesar em ver o grave
e generalizado dano feito à educação. Pensou poder fundar um
instituto de religiosas que unisse o método e as ciências requeridas
pelos tempos e pelas leis escolares ao espírito cristão e as práticas
evangélicas. (FERRAGATA, 1979, pp. 153-154, apud MARCOCCHI,
2001, p. 10).
Para manter o seu instituto dentro das exigências legais dos tempos e
para favorecer a preparação intelectual das irmãs, Marina Videmari decidiu que
algumas irmãs fizessem os exames de licenciatura, inserindo-se, assim, no
mecanismo de acesso da mulher à universidade.
O fundador das marcelinas escreveu muitas cartas às suas filhas
espirituais, com objetivo de encaminhar sobre as orientações, visando fundar
um instituto religioso dedicado à educação da juventude, principalmente a
respeito da vida interna do instituto. Essas cartas oferecem uma precisa e
vasta documentação a respeito do fundador, do contexto civil e eclesiástico no
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qual exerceu a sua atividade, referências à vida da Igreja milanesa, na qual
relatou as questões locais. A necessidade de conservar a memória histórica, de
classificar a autenticidade do próprio serviço à Igreja e à sociedade, resultou na
conservação em Milão no arquivo da Casa Geral das Irmãs Marcelinas.
Segundo os escritos de Parma (2002), a situação política em Milão na
primeira metade do século XIX esteve sob regime da Restauração, implantada
pela Aústria, cujo domínio fora restaurado, após a queda de Napoleão, sobre
as regiões anteriormente subjugadas pela França. O objetivo era normalizar a
vida civil e religiosa depois da tormenta revolucionária.
Ainda segundo essa autora, em relação à situação eclesiástica, com a
queda de Napoleão, também a Igreja ambrosiana teve sua restauração depois
do alarde em torno da bandeira da liberdade erguida por alguns patrióticos até
no seminário e na Praça do Duomo, durante a primeira e a segunda República,
depois da espoliação das mais belas igrejas, ordenada por Napoleão, de sua
intervenção na vida eclesiástica.
Biraghi foi um dos primeiros frutos da reforma dos seminários, tendo sido
ordenado por Gaisruck em 1825. Entre os anos de 1830 e 1840, Biraghi
escreve suas primeiras cartas às marcelinas; estava nessa época quatro
anos em Milão, no seminário, como diretor espiritual, a pedido do arcebispo
Gaisruck, para exercer o seu ofício.
Ao que parece, Biraghi tinha um temperamento diferente do arcebispo,
mas perseguiam o mesmo objetivo no desejo e na ação no âmbito de seu
ministério: o bem da diocese; a disciplina eclesiástica; a sólida piedade; a
adesão consciente a fé. Ambos estavam convencidos da importância da
instrução para o aperfeiçoamento humano e religioso da sociedade, graças a
um testemunho cristão mais eficaz, oferecido pelo clero culto do mundo
contemporâneo.
Os dois foram fiéis à Igreja de Roma e Biraghi, mesmo durante o
episcopado do arcebispo acusado não se sabe se com razão de
jansenismo, de extirpar a doutrina jansenista dos ensinamentos aos
seminaristas e introduzir nos seminários, pelo L’Amico cattólico, criado por
Gaisruck, a filosofia de Rosmini, que conheceu nas reuniões culturais na casa
do conde Mellerio.
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De acordo com Parma (2002), Biraghi freqüentou a aristocracia
milanesa, pela citação de pessoas nobres que aparecem em suas cartas de
1837 a 1842, como nomes de burgueses médicos, tabeliões, arquitetos,
artistas, por ele contatados, seja por interesses práticos do seminário, seja pelo
seu nascente instituto na cidade de Cernusco, pois eram em grande parte
parentes das alunas que freqüentavam o colégio.
Podemos citar alguns nomes como dona Luisa Casati, mãe do
presidente do governo provisório na Revolução dos Cinco Dias, no meio
artístico o do pintor Francesco Gonin, que tinha duas sobrinhas no colégio de
Cernusco.
Ainda segundo Parma (2002), as cartas de Biraghi dão-nos uma visão
panorâmica da vida eclesiástica diocesana, com inúmeras referências aos
sacerdotes das paróquias ligadas à Cernusco e Vimercate, que exerciam vários
cargos nos colégios das marcelinas. Percebe-se nas cartas que ele não faz
alusão à situação política contemporânea, além disso, está sempre
incentivando as religiosas a lerem os Anais da propagação da por ele
enviados ao colégio de Cernusco.
Parma (2002) ainda fala com muita propriedade: “que a história oficial
nunca poderá oferecer uma visão completa, mas suficientes para mostrar como
o caminho dos homens, mesmo os mais eleitos, passa através do quotidiano,
tão caro aos olhos de Deus” (Parma, 2002, p. 47).
Figura 1: Monsenhor Luís Biraghi.
Após 166 anos, as marcelinas têm o mérito de haver continuado o
ensinamento do fundador.
A afirmação a seguir é de Quarta (1991), que, como
se vê, corrobora as idéias anteriores:
A intenção do trabalho do autor não se apresenta como uma
“história” do instituto das marcelinas e, menos ainda como uma
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biografia do sacerdote, ambrosiano Luís Biraghi seu fundador. É
provável que a “história” mais geral daquele singular fenômeno de
floração de experiências religiosas de vida em comum, emergente da
restauração nos fins do século XIX. A intenção do autor é sem
dúvida, atípica: reler o projeto de Biraghi com os olhos de uma
moderna eclesiologia, lançar uma ponte ideal sobre um século e meio
de vivência educativa e institucional, reencontrar a origem propulsora
dessa fonte e canalizá-la para as margens severas de uma premente
atualidade. O que se escreveu antes do ensaio talvez possa deixar
perplexos aqueles que se apegam a uma metodologia historiográfica,
rigorosamente tradicional (Quarta, 1991, pp. 5-6).
Outra coordenada essencial que disciplina nossa pesquisa sobre essa
instituição ambrosiana é a peculiar relação entre os equilíbrios e as situações
sociais. Acreditamos que as marcelinas operam na sociedade e também pela
sociedade.
Após muita pesquisa e um estudo aprofundado, a figura do monsenhor
delineia-se marcada por duas características aparentemente contrastantes: a
simplicidade e a complexidade.
Simples em seu espírito, que o guia para opções essenciais, estáveis e
fecundas, enquanto complexos e amplamente articulados são seus interesses,
suas operações. Os cruzamentos mais significativos de sua existência
correspondem aos acontecimentos mais importantes da história do período.
Pode ser considerado um personagem emblemático, um interprete fiel e um
operador precioso de visão profunda.
O ano do nascimento de Biraghi coloca-se muito próximo da revolução
francesa e acompanha, num período de dez anos, uma série de experiências
políticas, culturais e religiosas, muitas vezes traumáticas. Por volta de 1796,
ocorre na Lombardia repressão violenta do exército republicano, com a
proclamação da República Cisalpina, verifica-se uma reestruturação política da
região. Pouco dura essa situação, porque após um ano voltam para a Itália o
austro-russos, enquanto se projeta a sombra de Napoleão. E no ano de
1802, proclama-se a República italiana. Em 1805 faz-se proclamar rei da Itália.
Enquanto isso, na igreja é eleito o papa Pio VII, que, em 1809, passa por
duro período de prisão. É nesse ambiente perturbado que inicia a infância de
Biraghi, o pequeno menino com certeza viveu e ouviu esses acontecimentos
ocorridos. Vendo sua postura quando adulto, percebe-se que registrou tudo,
esteve em contato com sua realidade e aguardava mãos hábeis que a
modelassem.
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Biraghi começou a amar seu tempo, porque sua mãe assim lhe ensinara.
Desde pequeno foi habituado a olhar o mundo com os ”olhos de Deus”.
Sua capacidade educativa foi sublimada e exaltada por sua profunda,
dotado de uma inteligência viva, de uma flexibilidade ativa, amante da
essencialidade e alheia a tudo o que é supérfluo, era atento aos sinais do
tempo. Depois de sua morte, dom Giuseppe Pozzi, seu contemporâneo, assim
recorda sua infância: “Menino dotado de inteligência pronta e fácil, de fantasia
vivaz e de memória tenaz, de sensibilidade mansa e delicada, de coração terno
e compassivo” (QUARTA, 1991, p. 27).
O início do seminário coincide com um período dramático para a igreja.
O papa Pio VII vai para o exílio, onde permanece até 1814. Os sucessos e
insucessos napoleônicos determinam contínuas incertezas políticas. O reino
italiano foi uma realidade de curta duração, na Lombardia restaurava-se o
governo austríaco que preparava dias difíceis para a igreja e para a sociedade.
O jovem sacerdote passa então por tempos difíceis, mas felizmente por ter
uma personalidade forte procura compreender qual era sua posição ante esse
caos e muito bem compreendera, e seguindo sua maneira de agir não recuará.
Em 1833, foi nomeado diretor espiritual do seminário maior de Milão, ele
concentra todo seu esforço na credibilidade para garantir a eficácia de sua
ação educativa. O diretor é aquele que mais diretamente modela, plasma a
lama de quem se entrega a seus cuidados. O cardeal Gaysruck confia os
futuros sacerdotes de sua arquidiocese a dom Luís Biraghi. E tinha dado
prioridade e destaque absoluto à obra de reabilitação, portanto de formação do
clero.
Jansenismo, josefinismo, novas doutrinas sociais e pedagógicas tinham
provocado um pluralismo ideológico associado a confusão e distorções. Era
mais que necessária uma disciplina e uma rigorosa ortodoxia. Biraghi garante
ambas. Prova disso é que o encargo que lhe foi conferido pelo cardeal
Gaysruck para redigir o Catecismo dos Ordenandos, publicado em 1837. É um
compêndio de dogmática, ascética, liturgia e patrística, redigido em forma de
perguntas e respostas e destinado aos candidatos do assim chamado “exame
de ordenação” e de cuja aprovação dependia a admissão às ordens sacras.
Quarta (1991) nos diz:
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Centenas de sacerdotes formaram-se pela edificante obra de
Monsenhor Luís Biraghi, entretanto, é certo que o clero milanês
conseguiu estruturar uma gloriosa tradição de doutrina e santidade,
de modo a poder assumir quase uma posição de liderança diante do
clero italiano. (Quarta, 1991, p. 30).
Podemos mencionar, mesmo que previamente, alguns nomes de
sacerdotes que passaram pelas mãos de Biraghi, que se tornaram educadores
exemplares e tiveram uma relação de estima e afeto pela pessoa de Biraghi.
São eles: monsenhor Giuseppe Marioni, dom Carlo Salerido, dom Carlo
Samartino, dom Biaggio Verri. Sabemos que por meio da educação é que
podemos viver a plenitude da vida, a educação é um ato de amor pleno.
Se para os outros as qualidades e as capacidades de Biraghi eram
motivo de estima, para ele representava apenas o compromisso de trabalhar
melhor e servir o próximo. Ainda para ele a humildade era a condição para
acolher os outros. De acordo com os materiais a que tivemos acesso, não
carta dirigida à madre ou às irmãs sem que ele não fizesse referência à virtude
de humildade.
Um marco significativo da morte de Biraghi é a Congregação das Irmãs
de Santa Marcelina. Nasceu no coração de monsenhor Biraghi, para servir à
Igreja e à sociedade.
Uma sociedade então sofrida e desorientada por causa da sucessão de
acontecimentos tornava difícil para as novas gerações distinguir os valores
ético-sociais e culturais que derivam inspirar a nova vida.
De acordo com Quarta (1991), dois outros fatores importantes
agravavam esse problema. A concomitância do papa favorecia a formação de
zonas de contradição entre fé e política. O impedimento do Estado pontifício à
realização das aspirações crescentes, em favor da unidade da Itália, tornava-
se, para muitos, obstáculo à adesão àquela fé que significava a aceitação da
Igreja como instituição do papa e, conseqüentemente, de sua inatacável função
política.
Da situação cultural provinha outra dificuldade para o problema religioso.
O racionalismo tinha induzido alguns mecanismos de rejeição diante de tudo
o que não fosse fruto da razão ou, pelo menos, por ela controlado. A devia
constituir necessariamente um alvo privilegiado. Entretanto, já estava em
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preparação aquela mentalidade positivista que dentro de alguns decênios teria
fixados os únicos valores na ciência e nos resultados de sua pesquisa.
Monsenhor Biraghi sofreu na pele os riscos e as contradições que
provinham de tal contexto histórico e, provavelmente, graças à sua
sensibilidade e à capacidade de uma observação atenta e diligente, terá
organizado três núcleos de considerações. Isto é: fragmentos daquela
riqueza, que infundiu no mundo o próprio ato originário da criação; essa riqueza
deve ser conhecida e o homem deve ter o direito e o dever de ser guiado, por
meio da instrução, para a descoberta dessas realidades e o homem deve
seguir os ensinamentos de Deus, que é seu destinatário, não só deve conhecer
o que germina no mundo, mas deve acolhê-lo para organizá-lo na unidade.
Ainda segundo Quarta (1991), essa obra pode ser fruto de uma
educação constante para aproximar-se da realidade humana e cósmica. Sobre
essas premissas ele coloca um projeto de trabalho muito útil, para auxiliar,
sobretudo, a infância e a juventude a viver bem o próprio tempo.
Nas palavras do fundador colhemos dados suficientes para intuir de que
espírito ele queria que suas Irmãs fossem dotadas. Ele as queria “santas e
cultas” e, por isso mesmo, “educadora”. Desnecessário salientar que
monsenhor Biraghi não é sociólogo nem cronista social, mas um sacerdote
apóstolo que elabora sinais e meios proféticos para a salvação dos irmãos e
para o advento do reino de Deus.
Dentro desse contexto deve ser interpretada a fundação de monsenhor
Biraghi.
A instrução e a educação são, entre outras tantas, as formas eficazes e
patentes de “santidade” escolhidas por monsenhor Biraghi para caracterizar a
“santidade” das irmãs marcelinas.
Ele não funda uma comunidade religiosa para educar. Santificar-se,
instruir-se e educar o as finalidades concomitantes, propositais, não
colocadas numa trajetória paralela, mas dispostas segundo uma relação lógico-
causal que estabelece a prioridade da santidade, com o ponto de base e de
desenvolvimento de todo processo.
Essa intenção às vezes é reforçada de modo implícito e explícito nos
escritos do fundador, na regra ou nas constituições e no diretório da
congregação.
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Segundo as constituições:
O fim do Instituto, segundo seu próprio carisma, é promover a
glória de Deus e a santificação de seus membros, mediante o
compromisso de tender à plenitude da vida batismal, pela profissão
dos conselhos evangélicos e pela observância destas constituições.
(QUARTA, 1991, p. 43).
No prefácio da regra aprovada em 1852 pelo cardeal Bartolomeu Carlos
Romili, lê-se o seguinte:
o fim para o qual, com a graça de Deus, foi instituída esta pia
Congregação, foi o de educar a juventude feminina, de cujo êxito na
formação cristã e civil depende, em grande parte, o bem da Igreja e
do Estado. A missão do educador é santa, difícil, e de tal forma que
exige muita habilidade, exemplos edificantes, desinteresse absoluto e
sacrifício contínuos. Eis porque se tornam oportunas as
Congregações Religiosas, que, propositalmente, se dedicam a tão
relevante ministério, unindo a piedade à ciência, na união de
esforços, no interesse do único bem. (ibidem).
É claro nesse texto que o fim da educação não é para ser entendido
num sentido exclusivo, mas num sentido que reforça e justifica o outro fim
principal da educação, isto é, a santificação de seus membros. Essa
interpretação é confirmada pelo que se logo em seguida: “A regra tem, pois
duplo objetivo: prover de modo de que as irmãs tenham todos os meios para se
conduzirem na perfeita vida religiosa e todos os meios para educarem as
alunas que lhes são confiadas, na sincera bondade cristã” (ibidem).
A definição da vida religiosa, no Capítulo III da mesma regra, revela a
sua dimensão fortemente educativa: “Que é a vida religiosa? É o cumprimento
dos conselhos evangélicos, é uma contínua tendência à perfeição, negação e
mortificação de nossa natureza corrompida, de tal forma que se forme em nós
o homem novo em Jesus Cristo” (ibidem).
A preocupação constante do fundador é de ancorar as marcelinas com a
oração, os exercícios de piedade e a prática dos conselhos evangélicos. Lê-se
no Capítulo III, número 10 das constituições “O espírito do Instituto haurido
nas fontes genuínas das origens e no espírito do Fundador é essencialmente
cristocêntrico” (ibidem).
A Congregação Marcelina teve um crescimento rápido desde os
primeiros anos, a ponto de surpreender o fundador. Multiplicou-se
fecundamente a presença das marcelinas na Itália e também no exterior.
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No Capítulo II das constituições está expresso o âmbito das finalidades
apostólicas do Instituto das Irmãs Marcelinas. Citêmo-lo textualmente:
As finalidades apostólicas do Instituto que a Igreja aprovou,
acolhendo-lhe o carisma - nos inserem no plano salvífico que Cristo
confiou à Igreja e nos fazem participantes de sua missão. Essas
finalidades nos convidam sempre no âmbito da ação indicada pelo
fundador em fidelidade ao carisma, à identidade e ao estilo proposto
por ele. (Quarta, 1991, p. 47).
Aos seguintes campos de apostolado:
em linha prioritária - segundo as indicações do Fundador- a
escolha para a fundação e instrução da juventude, quaisquer que
sejam a idade e condição, mesmo a menos favorecida, física e
intelectualmente; a catequese paroquiais; os hospitais, onde o
sofrimento humano pode ser confortado pela presença ativa da
caridade cristã; as obras de índole social (assistência, prevenção,
cultura, etc. (ibidem).
De acordo com o parágrafo anterior podemos tirar certas deduções e
mais ainda lançarmos mão dos escritos de Quarta (1991), que nos aponta
claramente essas deduções, Literalmente é assim que se expressa:
as obras das Irmãs Marcelinas não são para o social e sim
para as obras do apostolado.
a própria identidade, o próprio carisma é a “Santidade educativa”.
A amplitude do campo de apostolado, dentro do qual as
Marcelinas pode fazer germinar a profecia de suas obras desde a
escola à assistência, à prevenção, à reeducação, aos problemas
do mundo.
é verdade que toda obra apostólica é educativa, mas não é
verdade o contrário. Portanto, para não decair no genérico ou no
impróprio, o carisma da congregação das Marcelinas exige de
seus membros não que sejam santas e que sejam educadoras
capazes de fazer apostolado com as obras educativo-
educacionais, mas que tornem apostólicas essas obras.
a educação não é um conjunto de atos e de intervenções ou de
expedientes com fins determinado. É, antes, uma relação ativa,
promocional entre duas ou mais pessoas e é uma dimensão, uma
capacidade global das pessoas envolvidas no ato educativo e
dessas pessoas resulta a qualidade e a direção do processo
educativo. Com base nessa afirmação, a Irmã Marcelina não
pode apresentar senão uma educação cristã. Isso não significa
que garante a produção de cristãos, nem menos ainda, de bons
cristãos. Significa antes que a validade da proposta educativa é
cristã. Qual a amplitude utilizável de tal proposta é tarefa confiada
à liberdade e discreção do educando. Sem essa liberdade e
discrição, a pessoa não pode constituir sua individualidade, sua
identidade própria e autônoma.
a obra educativa das Irmãs Marcelinas sendo cristã por natureza,
desenvolve-se no mundo. Ela será então uma proposta nova para
o mundo e a novidade da proposta pode nascer da riqueza
infinita da fé: “Acima de todo o mal – está escrito na regra – figura
o pouco cuidado na formação da juventude nos princípios de uma
verdadeira e sólida religião cristã, na modéstia, primeiro
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ornamento da mulher, na humilde e severa moral do santo
Evangelho. No máximo consegue-se certa bondade aparente,
totalmente humana. Não procedais assim, filhas queridas. Os
sãos princípios, procurai hauri-los nos ensinamentos da palavra
de Deus e da Santa Igreja. (Quarta, 1991, pp. 47-48).
Monsenhor Biraghi precede, de um século, a Concilio Vaticano II e,
todavia, o estilo do seu espírito e de suas obras apresenta exata
correspondência com os conteúdos dos mais importantes documentos
conciliares. Então pode-se afirmar que para as irmãs marcelinas a fidelidade ao
seu fundador é correlata à fidelidade à Igreja, na sua perene atualização e
novidade.
Tivemos oportunidades de precisar bem o intenso relacionamento que
Biraghi estabelecera com seu tempo. Tal relacionamento jamais foi passageiro
e passivo, pois se caracteriza como fortemente ativo e promocional. A ele não
interessava conhecer seu tempo para o julgar, eventualmente, recriminá-lo,
mas para compreendê-lo, segurá-lo e nele imprimir sinal e inovação.
Para Biraghi a necessidade de estar atento aos sinais do tempo nascia
de dois fatores, um o seu amor pelo estudo, pela cultura e pela ciência, o outro
a sua função de diretor espiritual que lhe postulava capacidade para ajudar
outros a se orientarem no mundo, ao qual progressivamente se abria e com o
qual devia confrontar-se. Isso, além de modo como sempre fora educado para
saber transcurar seus inúteis desejos, a fim de estar mais pronto para perceber
as necessidades dos que lhe estavam ao lado.
Nesse sentido Quarta assevera:
O ponto privilegiado a uma observação completa, mas ao
mesmo tempo detalhada, sobre o entrosamento de Biraghi com seu
tempo é a fundação da Congregação da Irmãs Marcelinas. Esta é, de
fato, a projeção mais fiel de sua pessoa e, no tempo, a encarnação
do seu espírito. Seria um sinal profético naquele momento e, para ser
eficaz e significativo, necessitava definir-lhe a natureza, a colocação,
a orientação. (idem, p. 54).
Em termos modernos pode-se dizer que ele conduz um estudo do
ambiente e começa a examinar e convenientemente avaliar os vários fatores
que o caracterizavam. Vivia-se, na ocasião uma situação difícil e desorientada,
sobretudo entre os jovens. Sob sua experiência e sua institutiva disponibilidade
a tudo o que é novo e diferente, convergia a tensão conflitual de numerosas
incertezas e das típicas ambivalências daquele momento.
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As profundas transformações socioculturais e políticas de então,
enquanto de uma parte se abriam amplas perspectivas e ofereciam uma
excessiva possibilidade de escolha, de outra parte ainda não havia um meio de
fornecer sínteses convergentes para uma base sobre a qual se pudessem
elaborar critérios de escolha simples e eficaz. As causas dessas dificuldades
emergiam aos poucos, examinaremos os diversos pontos: aspectos culturais,
sociais e religiosos.
Segundo Quarta (1991), havia espalhado no ar os princípios
revolucionários e ainda não extinguira o eco dos tumultos da Revolução
Francesa. O romantismo, com sua dupla tendência (a leiga-irreligiosa e a
religiosa), sendo que a primeira lembra Tenca, Cattaneo, Romagnosi e a
segunda faz pensar em Manzoni, Rosmini, marcada por uma visão cristã da
vida, contribuía para reforçar a desorientação, a indiferença e o agnosticismo.
A especulação filosófica tecia sua trama entre o racionalismo e o
positivismo. O desabrochar das ciências demolia vagarosamente a velha
instalação cultural, pois tudo isso tornava necessária uma interferência
educativa capaz de fazer compreender e controlar essa transição.
Recorro aqui a uma passagem de Quarta:
De acordo com este contexto a escola assumia as
características de um lugar idôneo para os trabalhos próprios de uma
instrução qualificada. De fato neste período a escola era objeto de
cuidado, por parte de Napoleão que havia imposto sua reforma,
tornando-a leiga, por parte do governo austríaco tornara obrigatória à
faixa elementar. (1991, p. 55).
Em relação ao aspecto social a sociedade lombarda, naquele período,
apresentava evidentes sinais de transformação para uma estruturação mais
complexa. Mudava não sua composição conforme as classes, mas havia
trocas significativas também no interior de cada classe e assim, nas relações
entre elas.
Na nobreza, por exemplo, apenas uma minoria se abria a novas
mensagens culturais e procurava mediá-las com os amplos recursos
econômicos de que dispunha.
Nesse período abriam-se teatros, cafés, salas de recepções e centro
culturais. Além disso, cultivavam-se os estudos que preparavam para as
profissões liberais e para as artes. Assim a nobreza criava algo em comum
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com a nova classe que surgia, a burguesia formada de ricos proprietários de
terras, profissionais liberais, artistas e comerciantes.
Além da preocupação com a educação, Biraghi tinha grande interesse
pela história dos santos e dedicou esforços pesquisando a vida de muitos
deles. Ainda jovem traduziu para o italiano as confissões de Santo Agostinho e
mais tarde publicou diversas obras entre as quais se destacam os estudos dos
santos mártires Faustino, Calocéro.
Em 1863 publicou pela editora Pogliarie uma obra sobre a vida romano-
milanesa de Santa Marcelina, cujo texto foi compilado a partir de autênticos
documentos. Havia chegado o momento de dar o início a uma congregação
religiosa. Como mencionamos anteriormente, o primeiro nome lembrado foi
de Marina Videmari para que levasse sua idéia adiante.
Marina Videmari havia tomado essa decisão durante as férias de outono
de 1835. Quando Biraghi a convidou a colaborar em seu projeto, em 1837,
Marina não morava mais com sua família. Desde o ano anterior, encontrava-se
em Monza estudando e residindo na casa das irmãs Bianchi, que haviam
transformado sua residência em uma espécie de colégio para moças. elas
recebiam não apenas educação religiosa, como também aulas de prendas
domésticas e bordado.
Ao encontrá-la Biraghi foi claro, disse ter em mente um projeto que
poderia seguir adiante se ela também participasse dele. Sua proposta era
adquirir na cidade de Cernusco Sul Naviglio alguns metros quadrados de terra,
onde seria construído um educandário para 50 pessoas e 1 capela. Quando as
obras estivessem concluídas, Marina deveria mudar-se para lá com outras
moças que pretendessem consagrar-se a Deus e dirigir a casa. Seria então
uma congregação voltada à instrução e à formação moral e religiosa de
crianças e jovens.
Algo iria diferenciar a congregação das demais, o sistema de ensino, a
pedagogia deveria seguir as exigências oficiais, mas ser o mais familiar
possível, a fim de que as educandas tivessem o colégio como uma segunda
casa. Em outras palavras, as irmãs é que deveriam adaptar-se à vida das
alunas e não o contrário, como costumava acontecer.
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Biraghi decidiu ainda que a congregação tivesse como padroeira e
modelo Santa Marcelina, irmã de Santo Ambrósio e São Sátiro. Ela havia sido
responsável pela a educação de seus irmãos e de muitas jovens consagradas.
Iremos neste momento da pesquisa elucidar a respeito de Santa
Marcelina.
Essas informações foram retiradas do livro editado no ano de 1997 do
Colégio Santa Marcelina de São Paulo. 16 séculos falecia Santa Marcelina,
romano-milanesa filha de nobres, nascida em 327. Seu nascimento deu-se
durante o governo de Constantino, fundador de Constantinopla, capital do
Império Romano do Oriente. Foi em seu reinado que o catolicismo até então na
clandestinidade foi declarado religião oficial do Império.
Antes de completar 20 anos Marcelina perdeu também a mãe e tornou-
se responsável pela educação dos irmãos. A jovem foi batizada e abandonou a
riqueza do seu lar para dedicar a vida à religiosidade. Faleceu em 17 de julho
de 397.
Marina, apesar de saber que estava sendo convocada para uma tarefa
de grande responsabilidade, não hesitou em aceitá-la. Nos meses que se
seguiram Biraghi trocou intensa correspondência com ela, incentivando ainda
mais a persistir a idéia da fundação.
Em agosto de 1838, Marina Videmari obteve seu diploma de professora
e o registro de prática de ensino na escola municipal São Tomás em Milão. No
mês seguinte se encontrava em Cernusco acompanhada de quatro
companheiras que também se empolgaram com a proposta de Biraghi: Angela
Morgante, Cristina Carine, Giuseppa Caronni e Giuseppa Rogorine. Não
demorou muito e o trabalho iniciou-se, ganhando repercussão na cidade.
Nesse contexto, em 1848 Biraghi participou ativamente das lutas
políticas em prol da independência da Itália, então sob o poder do Império
Austro-Húngaro, assim como do movimento que se tornou conhecido como
“Rendição dos Cinco Dias”. Após isso, foi afastado do seminário do qual era
orientador espiritual pelo governo austríaco. Desde os anos de 1834, esteve
por 15 anos nesse cargo.
Após resistência por parte do governo austríaco, foi nomeado doutor da
Biblioteca Ambrosiana de Milão, onde integrou o grupo de estudiosos. Iniciava-
se então uma nova fase na vida de Biraghi. Amante da cultura e da pesquisa,
40
entendia que a biblioteca devia contribuir para a formação de um clero
estudioso, que pudesse colocar as riquezas da ciência e da sabedoria humana
a serviço da própria missão evangélica, e viveu intensamente a vida da Igreja.
A Itália concluiu sua unificação política na segunda metade do século
XIX e esse fato contribuiu para dificultar o seu desenvolvimento capitalista e a
sua participação na expansão dos seus domínios, pois a divisão do mundo
estava praticamente concluída e os mercados dominados pela França e
Inglaterra.
Podemos afirmar que esses obstáculos não impediram o brilho dos
movimentos nacionalistas de conseguirem a unificação da Itália.
Um aspecto a ser considerado relevante na pesquisa é a inserção da
mulher na sociedade européia e brasileira. Antes que o discurso pela educação
se expandisse com a República brasileira, a mulher era vista como um ser
ignorante que não necessitava mais do que uma educação voltada para o
polimento social. Segundo Galzeram (1998), em seus escritos a respeito do
almanaque de Campinas de 1878, a proposta de J. Góes é de que a mulher
adentre o campo das ciências, o que para Comte era a condição para adquirir a
verdade.
Foi no início do período republicano que se fundou o maior número de
escolas e as idéias sobre a educação feminina começaram a ganhar
importância. Mas, ao mesmo tempo, o lócus da mulher continuava a ser o
espaço privado do lar. De acordo com Galzerani (1998), a menina deveria
adquirir conhecimento, mas, ainda, deveria ser algo que a tornasse mais
“polida”, pois o fim último dessa escolarização era que ela soubesse educar
bem seus filhos para a pátria. No “Catecismo Positivista”, de Comte, a mulher
aparece como o “sexo afetivo”, o anjo tutelar doméstico e era nessa
perspectiva que os ideais republicanos pregavam que a educação feminina
deveria ser pautada.
Essa educação não se destinava a todos os grupos sociais. Para a
maior parte da população, o ensino feminino era inexistente ou restringia-se à
alfabetização. Aspiração de grupos elitizados, a educação da mulher voltada
para o polimento cultural e social, restringia-se em grande parte às escolas
católicas.
41
Acredito que mais marcante do que a identificação dos autores é a
caracterização da época em que essa forma de pensar tornou-se mais
relevante.
Percebe-se que a identificação dessa ideologia deu-se entre a época da
sistematização do positivismo e a emergência do sistema capitalista. Sabemos
que essa ideologia é uma resposta às conseqüências que esse sistema
acarretou na sociedade européia.
Os autores que internalizaram essa forma de pensar e que se
destacaram foram, além de Comte, Herbert Spencer e Saint Simon. Podemos
supor que a partir de uma matriz comum, cada um deles desenvolveu um
sistema de idéias peculiar.
Não resta dúvida de que predominância da cultura francesa nos meios
intelectuais brasileiros, em meados do século XIX, foi um dos fatores que
influenciaram algumas pessoas interessadas no positivismo.
Entretanto, não se pode dizer que nessa época o positivismo fosse uma
ideologia conhecida pela maioria da população brasileira, mas tivemos alguns
exemplos dessa situação, como Benjamin Constant no exército e Júlio de
Castilhos na política.
Para tanto é preciso ter clareza que o processo de consolidação da
divulgação do positivismo no Brasil ocorre com a fundação da Sociedade
Positivista no Rio de Janeiro em 1876.
A questão do ensino no positivismo está profundamente associada ao
papel desempenhado pela mulher na sociedade. A esta cabia designar os
caminhos pelos quais, na área da instrução/educação, deviam trilhar as
famílias. Era considerada usurpadora a atividade do governo de pretender
imiscuir-se na educação das crianças.
Quanto à instrução, no Brasil, é impressionante a ortodoxia doutrinária
do Apostolado Positivista; esta verifica-se de modo especial em relação à
resistência à obrigatoriedade do ensino.
No início da República, quando da decretação do ensino obrigatório no
Rio de Janeiro, assim se pronunciava o Apostolado Positivista:
Desde os tempos do Império, que o Apostolado Positivista fez
ver a monstruosidade política, moral e mental de semelhante projeto
retrógrado revolucionário. E desde os tempos do império que
declaramos estar dispostos a não admitir a ingerência do estado, sob
42
qualquer forma, na educação e na instrução que julgamos dever dar
aos nossos filhos e aos que estiverem sob a nossa solicitude
doméstica. (IGREJA E APOSTOLADO POSITIVISTA NO BRASIL,
1914, p. 2).
A argumentação é idêntica à dos católicos que defendiam como
atribuição inalienável dos pais a escolha do tipo de educação a ser ministrada
aos filhos. Apenas no caso dos positivistas a argumentação está associada à
concepção do abandono dos privilégios decorrentes dos títulos acadêmicos.
O processo de conflito/cooperação entre catolicismo e positivismo no
Brasil revela o importante papel desempenhado pelo positivismo no sentido de
garantir uma série de “direitos” à Igreja católica. Particularmente quando da
Proclamação da República, o trabalho dos positivistas (Demétrio Ribeiro e
Benjamin Constant) foi decisivo, no sentido de neutralizar o comportamento
“regalista” de alguns membros do Governo Provisório, principalmente Rui
Barbosa. Esse aspecto, repetidamente ressaltado pela literatura positivista,
atesta o papel histórico desempenhado por essa concepção de mundo, no
Brasil, para o reerguimento institucional da Igreja católica.
Em suma, a idéia-mestra do positivismo era a da “liberdade de ensino e
da liberdade profissional”. O pilar ideológico positivista, com relação à
educação, era o do ensino livre, o qual embasou, por exemplo, a Constituição
Estadual de 1891 no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, é digna de nota a
manifestação de Júlio Castilhos por ocasião de inauguração da Escola de
Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Segundo ele:
a fundação da Escola de Medicina e Farmácia não é somente
mais uma vitória do ensino livre segundo o vosso dizer, mas constitui
sobretudo mais uma irrefragável ratificação de um dos eminentes e
substanciosos princípios em que estreou a código constitucional rio
grandense. (CASTILHOS, 1981, p. 481).
Continua ainda Júlio Castilhos:
Não bastava a supressão do culto oficial, já consagrada na
Constituição Federal, que, aliás, confirmara o memorável decreto do
“Governo Provisório da República” sobre a denominada separação da
Igreja do Estado. Era indispensável eliminar também a ciência oficial
e, portanto, o ensino superior custeado pelo erário público. Se o
Estado não tem uma religião própria, também não pode ter uma
ciência sua ou privilegiada; não sendo religioso também não pode ser
cientista; proclamando e mantendo a plena liberdade de cultos, sem
subvencionar ou proteger qualquer deles, não pode logicamente
deixar de reconhecer e manter a completa liberdade espiritual,
43
abstendo-se favorecer quaisquer doutrinas, seja qual for a natureza
delas [...]. (idem).
Ainda segundo Castilhos, mais coerentes do que a Constituição Federal,
que abolindo a religião oficial tolerou a permanência de cursos de ensino
superior, ministrados em nome e por conta do governo da União, a lei magna
do Rio do Grande do Sul, facultou ao Estado apenas a manutenção do ensino
primário, leigo livre, deixando à iniciativa particular a instituição do ensino
superior, conferindo ao governo funções meramente temporais, únicas que lhe
são próprias facilitando assim a livre-concorrência das doutrinas
desembaraçadas de proteção oficial, destituídas de preferências arbitrárias e
odiosas, amparadas somente no seu respectivo valor ou na ação proselítica
peculiar a cada uma (idem).
A questão de fundo relacionava-se aos artigos da Constituição da
República de 1891 que, de certa forma, consagravam a práxis tradicionalmente
adotada em reformas educacionais, ao tempo do Império e que atribuíam aos
estados, municípios e à União competências “exclusivas” nos diversos níveis
de educação. Em princípio, cabia ao governo federal ocupar-se tanto executiva
como legislativamente apenas com o ensino superior, cabendo aos estados e
municípios os níveis secundários e elementares.
A principal reivindicação dos positivistas consistia em não aceitar a
intromissão do governo central nos estados sem prévia aquiescência deste. De
outro lado, propugnava o direito dos estados em legislarem sobre ensino na
forma que bem entendessem, sem prestarem conta ao governo central. Na
prática, defendiam que nem ao governo estadual cabia competência para agir
sobre a esfera da educação, uma vez que isso seria interferir na “liberdade
espiritual”, na liberdade de consciência. Cabia, portanto, à iniciativa particular,
agir de forma que melhor lhe conviesse nessa área. Era a assunção da máxima
positivista, tão cara aos republicanos positivistas: “ensine quem quiser, onde
quiser e como puder” (Tambara, 1995, p. 177).
De modo que, em termos de competência para gerenciar o ensino, o
positivismo foi ardoroso defensor do “ensino livre”. A questão do ensino deveria
depender da iniciativa particular. O importante era que fosse universalizado,
sem discriminação de forma alguma, o direito de estruturar estabelecimentos
de ensino da maneira como melhor aprouvesse a cada um. O prestígio de cada
44
estabelecimento de ensino vincular-se-ia à qualificação de seu trabalho, que
seria transferida a seus egressos. Inclusive, uma luta intensa foi desenvolvida,
principalmente pelos positivistas gaúchos, no sentido de eliminar os privilégios
acadêmicos. O diploma não deveria constituir-se em mecanismo de reserva de
mercado. As funções desempenhadas pelas pessoas deveriam ser avaliadas
segundo critérios objetivos e não poderiam depender de um diploma.
No final do século XIX e início do século XX, a educação não era
destinada a todos os grupos sociais. Para a maior parte da população, o ensino
feminino era inexistente ou restringia-se à alfabetização. Aspiração de grupos
elitizados, a educação da mulher voltada para o polimento cultural e social
restringia-se, em grande parte, às escolas católicas. Para Manoel, as ligações
entre o catolicismo conservador e segmentos aristocratizados da oligarquia:
Foram possíveis porque a oligarquia não prendeu, de fato, a
modernização prendeu, sim, avanços naquilo que pudessem
significar aumento de produtividade (máquinas, ferrovias, bancos,
trabalho assalariado) ou reordenações no âmbito político, mas não
via com bons olhos as novas idéias de liberdade, igualdade,
profissionalização feminina. O aliado dessa oligarquia conservadora
só poderia ser o catolicismo conservador. (MANOEL, 1996, p. 15).
Gomes (2006) mostra-nos as várias referências ao feminino, uma
importância especial aos valores e papéis que se expandem em torno desse
termo.
Ele afirma que em nossa cultura o caráter patriarcal do catolicismo e a
distinção que se estabelece entre mulher e homem é que tenhamos claro que o
eixo semântico pelo qual os termos adquirem sentido do discurso católico não
é o da diferença, mas o da salvação.
A Igreja católica tem perfeita noção de que defende valores eternos com
um poder temporal, e é a partir dessa contradição fundante que lhe permite, ao
impor regras mediante tal poder temporal, prever as condições de exceção pelo
valor eterno último que é a salvação.
Ainda de acordo com Gomes (2005), esse era o discurso que a Igreja
católica apresentava desde o século XIX, seja em relação à família, ao Estado,
à maçonaria e às diversas filosofias presentes naquele período.
Podemos dizer que nas duas frentes sociais do século XIX há uma
mudança do lugar da mulher na sociedade. Essa mudança não pode ser
45
negada pela Igreja católica, mas ao responder a essa novidade recorre ao seu
fundamento de salvação, ou seja, o caráter sagrado.
Outro entendimento do que vem a ser o papel da mulher na sociedade é
de Aries (1992, p. 48), até meados do século XIX havia na sociedade o
“monopólio do sexo”. As crianças do sexo feminino eram excluídas da
sociedade e obrigadas a comportarem-se como adultos desde muito cedo. Os
estudos históricos não privilegiam o olhar sobre as mulheres. Faz de conta que
as mulheres não existiam, é um comportamento que ajudava a construir a
história das mulheres como seres que não tinham identidade própria,
reforçando a visão da mulher como complemento do homem. Eva costela de
Adão.
Apesar da riqueza e o aumento crescente da produção historiográfica
sobre o assunto nas últimas décadas, as pesquisas tem-se voltado mais para
os séculos XVIII, XIX e XX, nos quais encontramos com maior freqüência
registros históricos que procuraram compreender o universo da sociedade da
época, enfatizando o papel das mulheres dentro da escola e as mudanças
ocorridas naquela sociedade a partir dessa nova função desempenhada pelas
mulheres.
Marc Ferro (1989) demonstra-nos a exclusão da mulher por dois
aspectos, ambos referentes ao lugar social das mulheres na história, voltados
para a vida cotidiana e longe dos centros de decisões e de poder, fato que as
tornava invisíveis em narrativas históricas centradas nos grandes eventos, que
ornavam o espaço público. O segundo aspecto refere-se à pura omissão de
consulta aos documentos que atestavam a presença das mulheres no espaço
público nas lutas sociais, como nas barricadas da Revolução Francesa.
Ainda segundo Ferro (1989), a pesquisa histórica recente revela a
participação de mulheres em momentos muito significativos da Revolução
Francesa; os documentos arquivados sobre o fato foram ignorados pelos
pesquisadores da historiografia clássica do movimento, sobretudo porque entre
esses historiadores o tema participação das mulheres na história era cercado
de preconceitos, o que impedia a construção de hipóteses de pesquisa corretas
para trabalhar com os documentos disponíveis. A visão dominante da história
limitava as investigações.
46
As mulheres valorizadas eram aquelas personagens que se
destacassem assumindo valores privilegiados pelo mundo masculino, como as
escritoras, artistas etc.
Margareth Rago escreve a respeito do papel da mulher na sociedade da
Primeira República. A autora mostra a preocupação daquela sociedade em
manter a mulher dentro de casa, cuidando do lar, dos filhos e do marido, a
preocupação existente em educá-la não era para que ela exercesse uma
profissão, mas sim para torná-la mais apta a exercer sua função essencial, a
carreira doméstica. A autora trabalha com o simbolismo construído com a
figura da mulher.
Certamente a construção de um modelo de mulher simbolizado
pela mãe devotada e inteira sacrifício, implicou sua completa
desvalorização profissional, política e intelectual. Esta desvalorização
é imensa porque parte do pressuposto de que a mulher em si não é
nada, de que deve esquecer-se deliberadamente de si mesma a
realizar-se através dos êxitos dos filhos e do marido. (RAGO, 1985;
BASTOS, 2006, p. 16).
Além dos aspectos já apontados Margareth Rago também analisa a
posição da mulher dentro dessa sociedade, mostrando que elas não eram tão
submissas assim; seus argumentos baseiam-se em muitas mulheres, muitas
delas anarquistas, que nesse período paralisavam fábricas, manifestavam-se
politicamente nas ruas da cidade, enfrentando a polícia armada, ocupavam
bondes e esbofeteavam outras companheiras, cobrando uma solidariedade de
classe.
São construídas duas imagens femininas que se contrapõem: de um
lado uma mulher submissa, que não sabe como lutar, e de outro uma figura
combativa, que sai às ruas e enfrenta sem reservas as autoridades públicas e
policiais.
Portanto, ao lado da tradicional representação da mulher submissa,
emerge uma outra figura feminina, simbolizada pela combatividade,
independência, figura, na opinião da autora, empenhada na luta pela
transformação de sua realidade cotidiana, apesar de todo discurso médico da
época no qual conduziam a mulher ao território da vida doméstica: o instinto
natural e o sentimento de sua responsabilidade na sociedade.
Mary Del Priore (1994) pretende contar a história das mulheres
enfocando-as pelas tensões e contradições que se estabeleceram em
47
diferentes épocas entre elas e seu tempo, entre elas e a sociedade nas quais
estavam inseridas.
Trata-se de desvendar as intricadas relações entre a mulher, o
grupo e o fato, mostrando como o ser social, que ela é, articula-se
com o fato social que ela também fabrica e do qual faz parte
integrante. (DEL PRIORE, 1994, p. 17).
Na análise de Louro (1994) parte da diferenciação do ensino ministrado
a meninos para o ministrado a meninas. Para ambos os sexos, os primeiros
ensinamentos consistiam em aprender a ler, escrever e contar, saber as quatro
operações e as noções da doutrina cristã, mas a partir daí começavam as
distinções: para os meninos a geometria e para as meninas noções de bordado
e costura.
No início do século XX um discurso ganhava a hegemonia e parecia,
segundo a autora, aplicar-se a muitos grupos sociais: “[...] as mulheres deviam
ser mais educadas do que instruídas” (LOURO, 1994, p. 18), ou seja, a ênfase
deveria recair sobre a formação moral, a constituição do caráter, considerando
suficientes, provavelmente, doses pequenas de instrução. Pois a mulher
precisa ser, segundo a mentalidade da época, em primeiro lugar, a mãe
virtuosa, o pilar de sustentação do lar, pois era ela a responsável pela
educação das gerações futuras.
O trabalho que essa autora pretende mostrar é que com o passar do
tempo as escolas irão formar mais mulheres do que homens. Os argumentos
da autora são relacionados ao processo de urbanização e industrialização pelo
qual ampliavam as oportunidades de trabalho para os homens; à identificação
da mulher com a atividade docente, que hoje parece a “muitos” natural e que
era alvo de discussões, disputas e polêmicas; e à atração das jovens para o
magistério por necessidade financeira ou por ambicionarem ir além dos
tradicionais espaços sociais e intelectuais, sendo cercadas por restrições e
cuidados para que sua profissionalização não se chocasse com a feminilidade.
Ela própria afirma: “Para muitos, a educação feminina não poderia ser
concebida sem uma sólida formação cristã, o catolicismo, que seria a chave
principal de qualquer projeto educativo”.
Portanto, Louro dá-nos uma visão de que a sociedade estava mudando
e a mulher também, permitindo com sua análise repensar a sociedade da
48
Primeira República, o impacto que tal mudança que começou mais
precisamente no século XIX causou na sociedade do inicio do século XX.
Louro (1994, p. 18) afirma: “Para muitos, a educação feminina não
poderia ser concebida sem uma sólida formação cristã, o catolicismo, que seria
a chave principal de qualquer projeto educativo”.
Rosado-Nunes (1997) retrata o papel das religiosas na educação das
jovens normalistas e os fatores que levaram as religiosas a estar à frente desse
processo. Para essa autora, fora as mulheres pobres, as freiras foram as
primeiras a exercerem uma profissão, quando ainda a maioria da população
feminina era “do lar”. O argumento da autora baseia-se no fato de que as
freiras, por serem religiosas, podiam ser professoras, enfermeiras ou
assistentes sociais, sem lhes ser exigidos nenhum tipo de diploma.
Ainda de acordo com Rosado-Nunes (1997), na segunda metade do
século XIX, religiosas e religiosos detinham praticamente o monopólio da
educação no Brasil: das 4.600 escolas secundárias existentes, 60% pertenciam
à Igreja. Com a análise de Rosado-Nunes um outro elemento aparece em
cena: as religiosas passam a ocupar lugar de destaque na direção das escolas
para mulheres, influenciando o comportamento das mulheres que estão
inseridas nessas instituições escolares.
Na cidade de Botucatu, local da minha pesquisa, vemos em 1914 a
inauguração do primeiro colégio católico. A sociedade da Primeira República é
uma sociedade extremamente conservadora. As mulheres recebiam
juntamente com a formação acadêmica uma formação religiosa.
Como dito, o contexto social da época exigia a inserção da mulher na
sociedade. Fazendo um paralelo com a Itália, as moças camponesas simples
trocavam seus lares pelos espaços das fábricas e como operários sustentavam
suas famílias, enquanto os homens iam para as guerras.
Com o passar do tempo, o trabalho feminino foi ganhando força e foi
sendo incentivado, os salários pagos a elas eram inferiores ao de um homem.
O papel da mulher nessa sociedade passa a ser mais presente e atuante,
necessitando formá-la não mais para os afazeres domésticos, mas também
para que pudesse desempenhar sua nova função social.
49
Na época toda educação estava nas mãos de senhoras e mestras
seculares, as quais, com aparência de métodos modernos e moderna ciência,
davam ensinamento vaidoso e superficial.
Biraghi vendo todo esse dano feito à educação dá uma resposta a isso.
A resposta de Biraghi as marcelinas para a educação da
mulher. A compreensão dos sinais do seu tempo amadurecera em
Biraghi a convicção de que, para devolver aos irmãos o sentido de
religiosidade da vida e do mundo, para não privar os jovens da
necessária experiência da esperança, exigia-se uma interna obra de
educação e instrução. Com uma intuição tanto mais feliz como
essencial opta pela educação da mulher, elemento fundamental da
família e, portanto da sociedade. Nesta escolha Biraghi se faz
intérprete genial e fiel das necessidades de seu tempo e sábio
administrador de seus recursos, indicador preciso de uma de ação
orientada para os verdadeiros e perenes interesses da sociedade
contemporânea e de todos os tempos.
Dotado de uma intuição profética própria dos gênios, dos
poetas e dos santos, um século e meio, ele afirmava que a mulher,
embora ainda numa subcondição social e cultural, devia constituir a
direção natural e eficaz para apressar o processo de regularização de
uma sociedade, à qual ele queria garantir um futuro mais humano e
possivelmente mais cristão. (QUARTA, 1991, p. 58).
Penetrando na profundidade da origem da vida, ele compreende a
função insubstituível da mulher além dos condicionamentos socioculturais de
seu tempo, no empenho de garantir a vida e sua qualidade e a escolha de
mulheres para que educassem outras mulheres na fidelidade aos valores
humanos e cristãos.
A escolha ele a fez, como vimos, após uma atenta análise das condições
da sociedade contemporânea, uma sociedade que vivia num embaraço político
social e religioso, embaraço que se refletia e, ao mesmo tempo, encontrava
seus pressupostos numa cultura confusa e desorientada, de vendavais
iluministas e positivistas que no primeiro momento, em vez de alargar,
reduziam o espaço e respiração da vida humana.
Todo projeto educativo de monsenhor Biraghi tem como objetivo
principal a família, a qual pretende favorecer cultivando-lhe o elemento
fundamental no plano afetivo e educativo, isto é, a mulher.
À mulher não devem ser restituídos cargos, competência, funções e
espaços de trabalhos, mas se lhe deve permitir recuperar sua identidade, o
sentido de sua existência e seu verdadeiro lugar, não só no seu relacionamento
com o homem, mas no meio de toda a comunidade humana da história de todo
50
o universo. O valor que a mulher assumiu em diferentes épocas e civilizações
provem certamente do fato de ela haver assimilado mais de uma função
cultural que não o seu específico valor, deduzido diretamente de seu
relacionamento com a vida.
Com o decorrer dos anos o poder passa da fecundidade da terra para a
força do homem e a mulher sofreu a mesma sorte da natureza e o homem
tornou-se seu senhor como se tornara o senhor da terra. A civilização humana
no seu decurso histórico oscilou mais vezes entre o pólo da natureza e o da
técnica, arrastando nisso o destino e a função da mulher, mesmo ausente na
organização da sociedade e nos campos da ciência, da técnica, da política e da
cultura.
Para Biraghi, a mulher não é um dos aspectos essenciais nos quais
se molda a realidade da natureza humana, mas é também, sobretudo, o
elemento-chave, o fator de síntese de toda a realidade humana, tanto na sua
dimensão individual como na familiar e social.
Com efeito, ele prevê uma educação espefica da mulher, a fim de que
se torne idônea para absorver seus misteres, qualquer que seja sua vocação
no estado conjugal, no celibato ou na vida religiosa. A vocação mais freqüente
da mulher é para o matrimônio, para a maternidade, segundo o fundador das
marcelinas.
A qualidade de vida da família depende muito do modo de ser da
mulher. Portanto, a importância que a família tem na vida social, com na
particular, justifica qualquer gênero de trabalho para torná-la capaz de garantir
as exigências da vida, no âmbito de suas competências.
E monsenhor Biraghi oportunamente preferência absoluta à
educação de jovens, visando à responsabilidade que deverão assumir nas
famílias que constituirão. Literalmente é assim que Quarta (1991) se expressa
no Capítulo VI da regra:
Ensinai-lhes que a mulher, como parte do homem e causa
primeira da ruína do mundo, deve manter-se humilde e dependente.
Ela foi destinada por Deus para a família e deve, com sua
providência, seu trabalho, ser os olhos, as mãos, o coração, a
consolação da casa. O brilho, a saúde, a moderação da família são
totalmente confiados ao seus cuidados, aqui é o seu campo e aqui
será a sua justa glória. Como agrada Versara, mulher de Abraão,
nobre e rica como uma princesa, à chegada de três forasteiros, tomar
três medidas de farinha para amassar-lhes alimentos e Rebeca, sua
51
nora, mão de Jacó, pegar dois cabritos para preparar saborosa
iguarias, como gostava seu pai! Tecendo elogios a mulher de valor, a
engrandece pela habilidade nos trabalhos, pela dedicação no fazer as
roupas e deixar bem vestida a família. Eis os exemplos que as
crianças devem ter diante dos olhos. Entre os trabalhos domésticos
preferem os mais úteis e necessários. (Quarta, 1991, p. 51).
Além do modelo atual que Biraghi escolheu da mulher caseira, sua
intuição se valoriza porque, fixando-se na educação da mulher, futura mãe, ele
valoriza o que considera verdadeiro progresso social e a importância de um
autêntico estilo de vida cristã.
Segundo ele, a educação da mulher tem em si mesma uma grande força
social, pela qual vai muito além de uma formação em nível individual. Um outro
aspecto que chama atenção do educador é que favorece a motivação
vocacional de base, sem a qual resulta ineficaz, qualquer que seja a educação.
De acordo com Quarta (1991), é necessário saber a que se aspira para
poder adotar os meios necessários e estar disponível a aceitar todos os
requisitos que a busca do objetivo reclama. A regra expõe esse tema quando
prescreve:
“Será bom encaminhar essas alunas a uma escola do estado.
Assegurá-las que as jovens, em seu tempo dependem de si mesmas,
se decidem para qualquer estado ou colocação que se de ordinário,
permanecendo ainda na família, consideram-se abandonas e se
entregam à melancolia e ao mau humor”. (QUARTA, 1991, pp. 59-
60).
Para desenvolver esse propósito educativo precisava escolher uma
forma de educação idônea. Nessa tarefa coloca-se como elo de união entre
tradição e inovação, entre o presente e o passado e incerteza do futuro. Antes
de decidir qual teria sido a configuração definitiva da sua congregação, olhou
em torno, para ver de que iniciativas educativas dispunham a sociedade e a
Igreja de Milão e procurou valorizar sua relativa eficácia.
Com relação a instituições educativas, a situação, pelo menos na
Lombardia, não era muito crítica, mas exigiam retoques oportunos para as
carências e melhorar a qualidade.
Considerado já o princípio que a instrução era um direito de todos;
muitas escolas públicas se abriram e ofereceram um ensino gratuito. A sua
postura era laicista e de fato não era a intenção, mas contribuía para
incrementá-la a discriminação da mulher diante da cultura.
52
A mentalidade da época, como se sabe, intensificava o acesso dos
homens à vida, aos serviços científicos - culturais, ao mesmo tempo em que a
mulher ficava em casa.
Naquela época a melhor forma encontrada para aqueles casos
encontrados em que a mulher quisesse instruir-se eram os mosteiros de
clausura, aos quais se anexavam às escolas e aos educandários. Biraghi faz
menção a dois mosteiros: o das salesianas em Santa Sofia, onde eram
educadas as jovens da aristocracia milanesa, e a do Guastalla, para jovens
mais pobres, porém da nobreza.
Não se deve esquecer os graves inconvenientes e as profundas
inovações que a escola particular religiosa da época havia suportado com a
supressão napoleônica nos institutos em 1810.
Começava os confrontos dos educandários anexos aos mosteiros de
clausura, porque o total desapego dos enclausurados podia influenciar
negativamente na formação das pessoas que depois deviam viver neste
mundo.
Essa observação tinha uma validade intrínseca, embora encontrasse
consenso tanto no campo religioso quanto no leigo. Biraghi, preocupado com a
educação dos jovens, procurou desenvolver um estilo mais moderno, para não
correr o risco de submeter a marginalização no setor sempre caro à caridade
da Igreja (educação). As escolas leigas, particulares e blicas, cada vez mais
se disseminavam.
Uma vez determinada a educação com uma perspectiva vocacional, que
para a mulher, normalmente, era a família (dona de casa ou não), é todavia a
sua sábia gestão que, de fato, se confia à comunidade familiar, porém, é
prevista a inclinação ao casamento, como ao estado religioso. Na regra vemos
que o espírito e obtenção de liberdade constitui um ato educativo. Mas
precisava estar atento com a proposta de uma educação cristã inspirada na fé.
É bom lembrar que a Igreja jamais descuidou dos pobres, então na
arquidiocese de Milão os jovens pertencentes a classes sociais pobres podiam
usufruir gratuitamente da instrução elementar a eles oferecida nos oratórios
festivos.
E as marcelinas estiveram atuantes nesses serviços em sua casa de
Vimercate, desde os primeiros momentos de sua abertura. nessa época
53
Biraghi desejava que funcionasse em cada colégio uma escola gratuita para os
jovens carentes.
Agora iremos analisar com mais precisão os percalços da opção
apostólica oferecida por Biraghi à sua congregação, tirando-os de um trecho da
regra por ele prescrita depois de haver revisto a orientação das famílias sempre
mais difundida, de não mais confiar a educação de duas filhas às
enclausuradas, a fim de que nenhuma nem de leve duvidasse de que a
alternativa que ele oferecera pudesse significar descrédito pela forma de vida
claustral.
Podemos evidenciar que as irmãs deveriam saber conduzir-se na mais
perfeita vida religiosa e todos os meios para educar as alunas, a elas
confiados, desde os trabalhos mais simples da família e os estados das jovens.
De acordo com a regra, acredito que seja pertinente explicitarmos os
objetivos do projeto apostólico e educativo elaborado por Biraghi nesse
contexto parecem convincentes as palavras de Quarta (1991, p. 67):
Segundo seus objetivos o empenho em santificar-se para poder
educar os alunos na bondade cristã é, portanto equipá-los, pelo
exemplo e pela doutrina, é sem dúvida indispensável a todas as
pessoas para que tenham uma visão e uma cultura da vida
fundadas na palavra de Deus por meio da fé.
A dimensão social, é para Biraghi um objetivo global portanto tem
cuidado especial com a família e para com a mulher, no período
do seu crescimento e de sua formação portanto a criança. A mãe
é a primeira educadora natural dos filhos, desde seu colo. Esta
verdade evidencia uma característica das instituições, mas que
as vezes esta é a uma intervenção precoce na obra educativa.
Estas são muitas vezes difíceis e não produtivas.
no tempo do Fundador a instrução não identificava com
educação, mas instrumento necessário. Porém as artes as letras
e as ciências e a técnica estão entre as formas ou áreas de
interesse do homem, vindas da sabedoria de Deus. Pois o ser
humano é instintivamente interessado nessa formas que o
realizam e o exprimem.
A regra, além de reconhecer o poder positivo da ciência, vem mostrar a
importância da função instrumental da transmissão dos relativos
conhecimentos mediante instrução. Como sabemos, a escola, no seu aspecto
didático, não pode e não deve enfraquecer a ação educativa. A instrução sem a
relativa educação arrisca-se a tornar mais confusa a situação dos indivíduos
54
que ainda não dispõem da capacidade de síntese e de habilidade de
discriminação e julgamento.
É bom que a instrução seja inserida num contexto educativo global.
Ainda hoje, fatores históricos culturais, políticos e socioadministrativos tornam
desenvolvida a organização e o controle da escola seja ela da esfera pública
ou privada.
De acordo com Quarta, a escola católica deve sempre tornar-se lugar de
formação integral pela assimilação sistemática e crítica da cultura, elaborar um
projeto educativo, intencionalmente dirigido à promoção total das pessoas e
conferir ao aluno a capacidade de revelar a dimensão ética e religiosa.
Ao assumir esses trabalhos de adequação e de atualização, significa
ser educado não para ver e compreender os sinais dos tempos, mas
também acolher sua mensagem que hoje é de quem é livre, disponível e
criativo.
Sabemos que analogias e contrastes entre o nosso tempo e a do
fundador, mas a nosso ver isso não é problema, porque com o passar dos
tempos muitas coisas mudaram. E as marcelinas continuaram com a fidelidade
ao fundador, à regra, às constituições e mais recentemente aos documentos do
magistério da Igreja.
O contexto social da Itália na cidade de Milão exigia a inserção da
mulher na sociedade. Assim, as moças camponesas trocavam seus lares pelos
espaços das fábricas e com seu salário de operária sustentavam suas famílias.
Biraghi, tendo essa visão de mundo, procura criar uma escola para
moças burguesas de famílias abastadas, que suprisse os inúmeros papéis e
funções a que a mulher era chamada a cumprir, oferecendo-lhe espaço para
uma experiência que congregasse a ciência a sólidos valores evangélicos, de
modo que garantisse a unidade familiar na perspectiva da fé.
Se o século XIX foi o século do triunfo da burguesia, com frontal
oposição ao absolutismo, das lutas de classes e de um ordenamento social, em
que a participação da mulher era restrita ao âmbito doméstico, o século XX foi
o século das crianças, das mulheres, das massas técnicas, das transformações
educativas.
Biraghi, percebendo a necessidade daquele tempo, construiu os pilares
da finalidade da sua obra educacional.
55
Paralelamente à atividade desenvolvida no seminário, na cidade e em
muitos encargos, movido pelo ardente desejo de influir sempre mais na vida
cristã dos fiéis, Biraghi, depois de dez anos de sua ordenação sacerdotal,
decidiu fundar um instituto religioso feminino, dedicado à educação e instrução
das jovens de condição civile, jovens da aristocracia e da alta e média
burguesia (POSITIO, 1995, p. 243).
No século XIX na Itália, na região da Lombardia, a instrução das classes
populares era realizada por muitas instituições religiosas, enquanto a instrução
e a educação masculina de todas as classes sociais estavam asseguradas pela
escola pública, pelos barnabitas e por outras congregações religiosas. Havia,
no entanto, um grande vazio no campo da educação das meninas de melhores
condições sociais.
As escolas italianas femininas, freqüentadas por jovens que pertenciam,
na maioria das vezes, à nobreza ou à alta burguesia, eram mantidas por
religiosas de clausura, como já dito.
Nessas escolas as estudantes permaneciam durante todo período da
infância e da adolescência. Recebiam instrução para tornarem-se aptas a
freqüentar a sociedade e viver nos mais refinados ambientes. Os professores
eram leigos, ou seja, não religiosos.
Biraghi criticou a situação dessas escolas, em razão do longo período de
permanência das estudantes em seus internatos. Isso era incompatível com a
finalidade de instituto. Desejava formar futuras esposas e mães de família.
Para que isso ocorresse, era necessário que as educandas mantivessem
estreito vínculo afetivo com seus familiares, não desconhecessem a realidade
da vida e participassem das preocupações e das alegrias da família. Tudo isso
exigia freqüentes retornos da educanda à sua própria casa. No colégio que
fundou, a aluna deveria encontrar educadoras capazes de seguir seu
desenvolvimento físico e psíquico, e não somente de guardá-las em função de
uma observância disciplinar.
Nesse contexto, percebeu a força da influência do racionalismo
iluminista, do progresso científico e das ideologias, muitas vezes,
desvinculadas da fé. Homem profundamente entrosado em seu tempo pensou
influir na sociedade por meio da educação cristã da mulher, que deveria tornar-
56
se capaz de responder, à luz da fé, às exigências culturais e científicas do
mundo moderno.
Ela deveria, também, aprender a comportar-se, segundo os princípios da
moral cristã, em uma liberdade mal entendida, nessa época, tinha uma visão
avançada do papel social da mulher, em relação aos homens da época.
Como foi dito anteriormente, naquela época a situação da escola, em
Milão, merecia especial atenção. Em virtude do temor de que a instrução
contribuísse para difundir na população novas idéias de independência e
patriotismo, nada mais se fazia para combater o analfabetismo e menos ainda
para manter, na escola pública, os bons professores, politicamente suspeitos.
De acordo com Marcocchiin (2002), as supressões josefinas e
napoleônicas haviam quase eliminado a presença da Igreja no campo da
educação e da instrução da juventude. Biraghi julgou urgente repropor em
Milão uma educação apoiada na perspectiva cristã.
As Irmãs Marcelinas surgiram na diocese e cidade de Milão, ainda não
havia institutos religiosos para educação da juventude. A educação estava nas
mãos de senhoras e mestras, as quais, com a aparência de métodos
modernos, davam um ensinamento vaidoso e superficial.
Depois da supressão geral das comunidades religiosas, em 1810, as
senhoras leigas apossaram-se da educação das meninas de famílias
abastadas da cidade de Milão. Essa educação era voltada para a aparência e
vaidade. Biraghi, percebendo essa situação em Milão, sentia grande pesar em
ver o grave dano feito à educação, e pensou como poderia fundar um instituto
de religiosas que unisse o método e as ciências, seguindo as leis escolares e
os ensinamentos cristãos.
Convencido de que a escola é o lugar privilegiado da educação, tendo a
instrução e a cultura como meios, Biraghi centrou nela a realização de seu
objetivo: a renovação cristã da sociedade. Disso tinha conhecimento, pois a
escola constituía seu próprio campo de ação. Os programas dos estudos do
seminário por ele seguido, como estudante e como docente, nada deixavam a
desejar aos das escolas públicas da época.
Sensível à necessidade de saber o que a nova geração havia herdado
do Século das Luzes, propõe-se a satisfazê-la, com profundidade, projetando
uma escola que respondesse a esse anseio. Ele estava persuadido de que a
57
nada tem a temer em relação à ciência, quando esta caminha à procura da
verdade. Por isso, a escola do seu projeto educativo deveria ser caracterizada
pela seriedade e profundidade dos estudos científicos.
Quanto aos programas de estudo das escolas dirigidas por suas
religiosas, Biraghi os queria conforme aqueles das escolas públicas. A jovem
educada na escola religiosa não poderia ser menos preparada do que a
educada na escola pública. Pelo contrário, a escola religiosa deveria ser
melhor, pois nela, além da sólida instrução, também se levava em
consideração a formação humana e cristã.
Biraghi elaborou seu projeto educativo durante um período de intenso
trabalho interior, entre os anos de 1835 e 1838, antes de traduzi-lo em ato, com
a abertura do colégio de Cernusco Sul Naviglio.
Esses documentos mencionados são as cartas de monsenhor Luís
Biraghi a suas filhas espirituais. Essas cartas estão conservadas no original
Arquivo Geral das Marcelinas, em dois pequenos fascículos em 1957 e 1967.
Ao todo são 1.033 cartas, quase todas escritas entre 1837 e 1879,
divididas em três grupos: 948 cartas à madre Marina Videmari; 82 cartas a
outras marcelinas e três cartas a alunas.
Em razão do grande número de cartas, pensou-se em editar uma
coleção em três volumes, segundo a ordem que se segue: volume 1: 342
cartas dos anos de 1837 a 1842; volume 2: 348 cartas dos anos de 1843 a
1849; volume 3: 343 cartas dos anos de 1850 a 1879 ( das quais 260 datadas e
64 não datadas).
Essas informações obtive tendo acesso ao volume 1 1837 a 1842,
organizado pela irmã Giuseppina Parma ( 2002), em ocasião das celebrações
do ano bicentenário do nascimento do fundador.
Nessa época, o desenvolvimento intelectual que vinha ocorrendo desde
o Renascimento deu origem a idéias de liberdade política e econômica,
defendidas pela burguesia. Os filósofos e economistas que difundiam essas
idéias julgavam-se propagadores da luz e do conhecimento, sendo, por isso,
chamados de iluministas.
O Iluminismo trouxe consigo grandes avanços que, juntamente com a
Revolução Industrial, abriram espaço para a profunda mudança política
determinada pela Revolução Francesa. O precursor desse movimento foi o
58
matemático francês René Descartes (1596-1650), considerado o pai do
racionalismo. Em sua obra Discurso do método, ele recomenda, para chegar à
verdade, que se duvide de tudo, mesmo das coisas aparentemente
verdadeiras. A partir da dúvida racional pode-se alcançar a compreensão do
mundo, e mesmo de Deus.
Segundo Faria (1993), as principais características do Iluminismo são:a
valorização da razão, considerada o mais importante instrumento para se
alcançar qualquer tipo de conhecimento; valorização do questionamento, da
investigação e da experiência como forma de conhecimento tanto da natureza
quanto da sociedade, política ou economia; crença nas leis naturais, normas da
natureza que regem todas as transformações que ocorrem no comportamento
humano, nas sociedades e na natureza; crença nos direitos naturais, que todos
os indivíduos possuem em relação à vida, à liberdade, à posse de bens
materiais; crítica ao absolutismo, ao mercantilismo e aos privilégios da nobreza
e do clero; defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de todos
perante a lei; crítica à Igreja católica, embora não se excluísse a crença em
Deus.
Segundo Lombardi (2003), até meados do século XIX a concepção de
educação continuava reduzida, exclusivamente, ao seu aspecto intelectual.
Pelo menos no plano de idéias educacionais essa situação começou a alterar-
se significativamente.
Não podemos deixar de mencionar a reivindicação positivista, por
exemplo, de educação intelectual, moral e física, expressão que,
emblematicamente, se tornou título de uma importante obra de Herbert
Spencer.
O fundador das marcelinas, preocupado em resgatar os verdadeiros
valores e observando a sociedade e, principalmente, as famílias, concluiu que
o remédio mais eficaz para todos os deslizes familiares seria solidificar a
“célula mater”, isto é, recompor e reestruturar a família. Desse modo, segundo
ele, a criança, ao nascer, receberia desde o berço o germe das virtudes, a
substância do Evangelho e o manancial do amor que futuramente verteriam em
valores morais, éticos e cristãos. Essa seria a primeira escola do filho. Depois,
ao freqüentar outras instituições de ensino, todo o início recebido frutificaria.
59
Seu saber intelectual se ampliaria conforme a evolução e exigência dos
tempos.
60
CAPÍTULO II
A CHEGADA DAS IRMÃS MARCELINAS EM BOTUCATU E A FUNDAÇÃO
DO COLÉGIO DOS ANJOS
2.1 Uma leitura da situação brasileira, feita na época da vinda das
marcelinas
Segundo Carvalho (2002), a partir da Constituição de 1891 a educação,
sobretudo a popular, veio sendo considerada pelos líderes republicanos fator
fundamental para que o novo regime político fosse consagrado. Ou seja,
segundo eles, os problemas nacionais somente seriam solucionados
fornecendo-se educação à população. Essas idéias eram baseadas na idéia de
que para que o indivíduo conseguisse se integrar numa sociedade ele
necessariamente teria de ser educado para isso. Apesar do entusiasmo
republicano inicial, o ensino acabou não sendo alvo de muita atenção, em
virtude do fato de que essa nova fase não chegou a alterar suficientemente as
estruturas de poder. Este acabou reforçado, nas mãos da oligarquia regional, e
nisso, quem não pertencia à camada dominante, mesmo tendo militado pela
República, passou a ser alvo de repressão, em razão de idéias consideradas
progressistas e de contestação ao poder vigente. A essa altura o entusiasmo
pela educação foi perdendo forças
5
.
no final do século XIX, o Brasil não havia organizado o seu próprio
sistema nacional de ensino, quando o acesso à escola (em virtude do contexto
das sociedades modernas que então exigiam o ingresso da população numa
cultura letrada) passava a ser considerado dever do Estado e direito de todo
cidadão. A universalização do ensino e a conseqüente erradicação do
analfabetismo não estavam entre as prioridades da União.
Segundo Saviani (2002), o Estado Nacional desobrigou-se desse dever,
sendo que durante todo o Império e a Primeira República a educação básica
esteve sob a responsabilidade das províncias e, posteriormente, dos estados
5
Nagle (1974, p. 2), ao formular as categorias “entusiasmo pela educação” e “otimismo
pedagógico”, esclarece que elas se referem à passagem do momento no qual é atribuída
grande importância à educação, criando uma atmosfera favorável a um amplo programa de
ação social em favor da escolarização, para outro em que ele será convertido, por “educação
profissional”, num “restrito programa de formação, no qual a escolarização era concebida como
a mais eficaz alavanca da história brasileira”.
61
federados. Ainda de acordo com esse autor, a preocupação com a questão da
educação em nível nacional só veio a acontecer após a Revolução de 1930.
A educação primária e secundária esteve sob a responsabilidade das
províncias e, posteriormente, dos estados federados (25). Cada estado, ao
colocar em prática as reformas do ensino, seguia uma orientação que não
condizia com a original. Daí não se conseguir visualizar um só sistema nacional
de educação.
No entanto, não se pode considerar a descentralização de poderes a
responsável nem pela falta de um plano nacional de ensino, nem pelos
problemas inerentes ao sistema escolar.
Na verdade, houve diversos outros fatores que contribuíram para tal
situação na Primeira República. Em contrapartida, afirmar que uma
centralização do poder resolveria tais problemas também não teria fundamento.
Uma outra questão em voga, em razão do advento da República, era a
separação entre Estado e Igreja.
A laicidade do ensino público foi estabelecida em detrimento do ensino
confessional, mantendo-se assim até a Constituição de 1934. Ou seja, a partir
da Proclamação da República.
A idéia era configurar uma nova mentalidade, moderna, por isso mesmo
laica e fundamentada na razão, a influência da religião deveria ser combatida,
pois se ligava ao tradicional, ao que se estava querendo suprimir. Justificava-se
a superação dovelho”, concepções e dogmas propugnados e perpetuados
pela Igreja católica e com as perspectivas otimistas que o “novo” prometia, uma
nova realidade social, cuja âncora seria uma educação de bases científicas e
filosóficas.
Apresentaremos a situação do país, anterior, durante e posterior à
chegada das marcelinas, a visão de nova realidade que as irmãs iniciaram
suas atividades educativas. Num momento histórico em que operavam
transformações políticas, sociais e econômicas.
Segundo Carvalho (1990, p. 22), na segunda metade do século XIX, as
idéias positivistas da Terceira República Francesa penetravam no país e
dividiram-se em duas grandes facções: os ortodoxos e aqueles que seguiam os
ensinamentos de Litte.
62
Esses últimos eram favoráveis ao parlamentarismo e comprometia-se
com questões importantes como a relação entre Igreja e Estado. Eram as
chamadas oportunidades. Os primeiros declaravam-se contra o
parlamentarismo e eram a favor da separação entre Igreja e Estado.
Aqui no Brasil, nesse período, a educação é marcada por influências
positivistas decorrentes da situação política que decorria o país da transição do
Império para a República, que foi caracterizada por conflitos de interesses
gerando conseqüentemente muita inquietação e incertezas quanto ao futuro da
nação.
Não se pode reduzir a um único autor a sistematização do positivismo.
De certa forma, essa concepção de mundo, com maior ou menor intensidade,
encontra-se no pensamento da filosofia em todos os tempos.
De acordo com Sodré (1973), ao aproximar-se o fim do século XIX o
aparelho de Estado se tornara obsoleto, não correspondia mais a realidade
econômica e política, transformando-se num trambolho. A República, quando
altera aquele aparelho de Estado, traduz o problema: caí o Poder moderador,
cai a vitaliciedade do senado, cai a eleição à base da renda, cai a nobreza
titulada, cai a escolha de governadores provinciais, cai a centralização.
O novo regime permite a participação no poder, embora
transitoriamente, da classe média, e há, com a mudança de regime,
claramente, uma luta em torno da política tarifária e cambial. As reformas
citadas na realidade, traduzem o que se processa em profundidade.
Nesse clima de muitas dúvidas e incertezas, o Brasil adota o sistema
presidencialista, baseado no modelo norte-americano, que, para Rui Barbosa,
era o modelo que mais se adequaria às características diversas do nosso país.
De certa forma, essa descentralização de poder atendia aos interesses
das camadas sociais existentes na época, agradando tanto aos liberais como
aos senhores do café, considerada a camada dominante que participava
diretamente do processo de transição.
Esse período, marcado por grandes divergências e instabilidades, seria
o precursor de uma “crise da República” ocorrida por volta de 1894. Sendo
assim, tornou-se inevitável um confronto armado entre a burguesia urbana
composta pelos militares, tais como Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, e
63
os donos de terra que detinham os meio de produção e que queriam também
participação no processo político brasileiro.
Paralelamente ao confronto político que ocorria na época, a organização
escolar, que recebia influência positivista, era difundida pelas idéias de
educação escolarizada.
Por volta de 1890, um outro fato que tem influência marcante no
processo de organização da escola; a Reforma Benjamin Constant, que tinha
como pressupostos a liberdade e a laicidade do ensino, respeitando o texto da
Constituição vigente. Eram atingidos diretamente com essas medidas o ensino
público primário e secundário no Distrito Federal e as instituições de nível
superior artística e técnicas em todo o Brasil.
A discussão sobre a educação do povo coloca-se de forma mais efetiva
a partir da década de 1870, quando se difundem no país diversas correntes de
pensamento vindas principalmente da Europa e dos Estados Unidos. Roque
Spencer Maciel de Barros (1959, p. 23) denomina esse movimento de
“ilustração brasileira”, o qual, no seu entender, se estende até por volta do
início da primeira grande guerra no século XX. Segundo suas palavras, “os
homens das décadas de setenta e oitenta se propõem realmente, a ‘ilustrar’ o
país a iluminá-lo pela ciência e pela cultura; a fazer das escolas ‘focos de luz’,
donde haveria de sair uma nação transformada”.
Paiva (2003) também observa o crescimento desse interesse ao anotar
o incremento das discussões sobre a educação nacional no Segundo Império,
indicando que a multiplicação de projetos de reforma do ensino coincide com
as duas últimas décadas do regime imperial, o que reforça as anotações de
Barros, demonstrando a importância do estudo desse período para a
compreensão das origens do processo de formação do sistema brasileiro de
ensino.
No entanto, essas propostas, no período imperial, não atingem muitos
resultados práticos, uma vez que a descentralização promovida pelo Ato
Adicional de 1834 limitava a atuação do poder central, agravada pela falta de
recursos e de vontade política de boa parte da elite. A esses entraves, para
melhor compreender as limitações da instrução, devemos acrescentar a
extensão geográfica do país, os problemas de comunicação, a pouca
significância da vida urbana etc.
64
A multiplicação dos debates e a tentativa de reforma da educação
imperial, no que os pareceres de Rui Barbosa se tornam peças-chave, marcam
os anos que precedem a República. Na análise da reforma do ensino primário,
em 1882, Rui Barbosa identifica o grande problema nacional:
Uma reforma radical do ensino público é a primeira de todas as
necessidades da pátria, amesquinhada pelo desprezo da cultura
científica e pela insigne deseducação do povo.
Essas observações de Rui Barbosa servem como mostra do empenho
pela educação que brotava nas mentes ilustradas do final do século XIX no
Brasil.
Embora o período seja rico nessas discussões, não devemos nos
esquecer que o fim último a ser alcançado nem sempre seria a inclusão da
população na participação política, pois essa mesma constatação da
deficiência instrucional significava, para diversas autoridades políticas, a
insuficiência do povo para a prática política. A instrução deveria cumprir,
portanto, antes da inclusão, o papel regenerador, preparador do povo para a
cidadania.
Essa preocupação com a educação popular aparece principalmente
como reflexo do movimento de organização dos sistemas de ensino que
ocorrem, no século XIX, na Europa e nos Estados Unidos.
A disseminação da industrialização no século XIX pelo ambiente
europeu gera a necessidade da formação de trabalhadores com uma base
mínima de escolarização, necessários para uma forma de produzir mais
complexa e que buscava insistentemente ganhos de produtividade.
Nesse momento, o Estado percebe nessa demanda uma porta de
entrada para promover a difusão dos prinpios ideológicos, a definição do
caráter do cidadão que se queria construir e também a formação de uma
mentalidade cívica, ou seja, a construção da nação e do sentimento de
nacionalidade.
Para dar conta dessa empreitada o Estado propõe-se a estimular e
controlar a expansão da instrução popular, até então dominada em boa parte
pela Igreja católica em diversos países europeus, formando os sistemas
nacionais de ensino.
65
Evidentemente, essa educação não estava voltada especificamente para
os interesses populares, pois para as elites dirigentes a educação do povo não
pode ser um assunto do povo.
Os dados estatísticos dessa época, em relação ao ensino primário,
apresentavam resultados de 1907 a 1912 e no Distrito Federal. Isso dificultava
sobremaneira a sistematização do ensino primário no Brasil, pois as
informações a ele eram truncadas e desencontradas.
A República, por conta de sua aproximação com as idéias liberais e com
os novos interesses econômicos que se afirmavam na realidade brasileira,
como os industriais urbanos, colocavam entre seus objetivos mais caros o
desenvolvimento da instrução popular, considerada o fundamento necessário
para a formação do povo e a prática da cidadania, que são o sustentáculo
numa ordem que se pretenda democrática.
Daí que, se a percepção das condições cívico - políticas da população
não era favorável, surge a crença de que, pela educação, seria possível
remodelar o povo, regenerá-lo para a prática política e para o trabalho. Além
disso, era crença de que a grande chaga nacional era a ignorância e que,
portanto, o restante de nossos males daí derivava. Sendo excluído esse
problema, pela educação, todos os outros também estariam encaminhados
para a solução.
Segundo Jorge Nagle (1977), a República recebe uma herança
caracterizada pelo fervor ideológico, pela sistemática tentativa de
evangelização: democracia, federação e educação constituíam categorias
inseparáveis apontando a redenção do país.
No entanto, apesar de todo esse “entusiasmo”, a República, em seu
início, pouco fez pela instrução popular, quase nada mudando a estrutura
educacional em relação ao tão criticado ensino imperial.
Entre outras coisas, porque não se enfrentou o problema central que
estava colocado desde o Ato Adicional de 1834 que, ao descentralizar o
controle sobre a educação elementar, abriu mão da possibilidade de formação
de alguma forma de organização nacional de ensino.
O poder transferido às províncias naquele momento e referendado em
interpretações posteriores garantia a essa autonomia, inclusive na condução
dos negócios da educação primária.
66
Apesar dos citados problemas de falta de vontade política e de
recursos, diferenças culturais etc., ao final do Império firmava-se o diagnóstico
nos projetos e discussões da necessidade de imprimir uma uniformização da
educação no país, o que só poderia ocorrer por ação do poder central.
No entanto, o advento da República, em vez de dar continuidade a essa
proposta, como seria de se esperar por conta de suas promessas
regeneradoras e de formação da nacionalidade por intermédio da educação,
acaba por estabelecer uma relação de continuidade, que se estenderá até o
final da Primeira República.
Instaurado o novo regime, o projeto de Constituição elaborado pelo
Governo Provisório previa a responsabilidade do Congresso Nacional na
“animação” da educação nacional, o que já seria um ponto de partida para uma
possível unificação.
No entanto, os interesses oligárquicos, travestidos de federalismo,
falaram mais alto e a descentralização que vigorara no Império avança pela
República. A Constituição de 1891, ao omitir-se sobre a questão da educação,
remete, tacitamente, sua responsabilidade para os estados. Dessa forma,
bloqueia-se toda a rica discussão precedente e retoma-se percurso tantas
vezes criticado. Ao longo da Primeira República não faltaram críticos a essa
situação. Sud Mennucci (1932, p. 48) critica duramente a atuação imperial, que
não teria tomado conhecimento das questões pedagógicas.
Além de manter a descentralização na direção da instrução primária, a
Constituição de 1891 reafirma o prinpio legal estabelecido ao final do Império
da negação do voto aos que não dominassem as primeiras letras, consagrando
o preconceito contra o analfabeto, considerado incapaz, o que motivará
diversas campanhas ao longo do tempo para a eliminação dessa chaga
nacional.
Segundo Paiva (2003), esse preconceito não existirá até o final Império,
não se colocando em dúvida a capacidade do analfabeto: somente quando a
instrução se converte em instrumento de identificação das classes dominantes
(que a ela têm acesso) e quando se torna preciso justificar a medida de
seleção (para o voto) é que o analfabetismo passa a ser associado à
incompetência.
67
O resultado dessa equação é uma escola primária altamente ineficiente,
incapaz de conter o crescimento do analfabetismo e muito menos de superá-lo.
A mesma Vanilda Paiva, utilizando-se de dados do parecer de Rui Barbosa, de
1882, e o boletim comemorativo da Exposição Nacional de 1908, que indicava
a existência no Brasil de pouco mais de 11 mil escolas elementares, 600 mil
alunos matriculados e 400 mil freqüentes, demonstra que esses dados
correspondem a cerca de 100% de crescimento em relação a 1882.
Ainda segundo Paiva (2003), considerando como sendo de 25 os últimos
anos do Império e as duas primeiras décadas da República, teríamos um
crescimento anual médio de 4%, o que realmente não permite presumir
qualquer mudança significativa no quadro, permitindo afirmar que, no que
concerne à educação popular, essas duas primeiras décadas da República não
diferiram das duas últimas do Império.
No entanto, apesar de todos esses problemas na República, é
necessário reconhecer que é após a sua implantação que começaremos a
perceber alguma preocupação efetiva com a instrução popular, notadamente
nos estados mais avançados economicamente, como São Paulo, que promove
sua reforma de ensino a partir de 1890, criando as escolas graduadas, que
acabarão por tornar-se o modelo que será seguido pelos outros estados
brasileiros no correr do século XX.
Segundo Dermeval Saviani (2004), foi somente com o advento da
República, ainda que sob a égide dos estados federados, que a escola pública,
entendida em sentido próprio, fez-se presente na história da educação
brasileira. Com efeito, é a partir daí que o poder público assume a tarefa de
organizar e manter integralmente escolas, tendo como objetivo a difusão do
ensino a toda a população.
2.2 A chegada da Congregação Marcelina no Brasil
No começo do século XX, precisamente em 1905, a Congregação das
Irmãs Marcelinas, 67 anos após sua fundação na Itália, durante o governo da
madre Maria Arquistapace, pensa numa possível expansão, pois acreditava
que ainda havia muito por realizar. Mas sempre ficava a pergunta: em que
68
país? A dúvida começou a desfazer-se após um encontro com o papa Pio X.
Ao conversarem sobre o assunto, o papa fez um pedido: ide para o Brasil.
Ir para o Brasil e instalar-se poderia ser de fato uma boa idéia, porém
uma decisão de tamanha responsabilidade não poderia ser tomada de
imediato. Afinal, muitas milhas separavam os dois países.
O Brasil ainda estava engatinhando seus primeiros passos rumo ao
desenvolvimento. As cidades brasileiras começaram a ganhar infra-estrutura. A
capital federal, ou seja, o Rio de Janeiro, passava em 1906 por remodelação,
ganhando iluminação elétrica, avenida, calçadões. Era, como diziam, um
pedaço da Europa no Brasil. São Paulo, por sua vez, via o progresso surgir
com as plantações de café. A industrialização expandia-se e seu carro-chefe
era o setor têxtil.
As irmãs recebiam essas informações na Itália, mas para elas não eram
suficientes. Pensavam em como estaria estruturada a vida religiosa no Brasil e
como seria a receptividade desse povo.
A madre-geral da Itália, a irmã Arquistapace, preocupada em que lugar
se instalar no Brasil, endereçou uma carta ao sacerdote Dunand, irmão de uma
marcelina italiana residente em Curitiba, no estado do Paraná, pois não podia
haver ninguém melhor do que ele para responder a questões que desafiavam a
madre-geral.
Nessa carta perguntou a ele qual o lugar ideal para fundar a
congregação no Brasil. Este, após breve estudo da situação das religiosas no
Brasil, aponta à madre o estado de São Paulo, na recém-fundada Diocese de
Botucatu, onde, até então, não havia nenhuma congregação religiosa feminina.
O sacerdote Dunand escreve ao bispo dom Lúcio Antunes de Souza, que era o
responsável pela diocese recém-fundada em Botucatu, que em resposta à sua
carta manifesta alegria em receber as irmãs marcelinas e promete dar-lhes
todo apoio possível.
A revista comemorativa dos 80 anos da Congregação Santa Marcelina
no Brasil do dia 15 de junho (1992, p. 15) consta nos arquivos da congregação,
que em 1912, guiada pela irmã Antonieta Valentini, então vigária-geral do
instituto, dirigiu-se a Botucatu. E a pequena cidade do estado de São Paulo foi
o berço brasileiro das irmãs marcelinas, em sua missão educativa cristã. A 7 de
março de 1912, ano do centenário do nascimento de madre Marina Videmari,
69
três religiosas marcelinas partem da Itália e vêm para o Brasil. São elas: irmã
Antonietta Valentini, vigária–geral, irmã Giuseppina Fantino e irmã Elisa
Varenna. Partem de Gênova no navio Príncipe Umberto, que atracará no porto
de Santos.
O bispo, dom Lúcio de Souza, aconselha a compra de um grande
terreno para a construção de um colégio. Depois de tudo pensado e calculado,
fez-se o contrato e a escritura da propriedade. As obras não demoraram a ter
início.
Segundo Penso (1988), as irmãs ficaram em residência alugada até que
uma parte da construção do colégio ficasse pronta. O Colégio das Marcelinas
foi o primeiro da cidade de Botucatu com internato para meninas e jovens. Até
então, a educação das crianças de sexo feminino era relegada a segundo
plano. Somente algumas famílias de posse contratavam professoras e estas
iam à casa para ministrar aulas e ensinar bons costumes. Portanto, o
surgimento das escolas das irmãs marcelinas era novidade pedagógica para o
lugar (PENSO,1988, p. 15).
O bispo dom Lúcio Antunes de Souza, bispo da recém-diocese criada
em 1907, é quem recebeu as irmãs marcelinas em Botucatu. As irmãs acharam
o clima da cidade ótimo. A região de Botucatu era muito rica pelas enormes
plantações de café.
Nessa pequena cidade de aproximadamente 30.000 habitantes, sendo
que 10.000 eram italianos, havia água, luz e algumas escolas do governo. No
comércio, se podia encontrar o necessário para uma vida normal e
confortável.
O surgimento do Santa Marcelina em Botucatu, conhecido no início do
século como Colégio dos Anjos, significou para a cidade uma revolução em
matéria de ensino. Para entender isso se deve revisitar a educação dirigida às
famílias que podiam manter seus filhos em escolas pagas, que funcionavam
em tempo integral. era uma tendência desde o final do século XIX, que
podia ser observada na cidade a constituição de escolas que mantinham
cursos abertos, chamados externatos, e mantinham conjuntamente uma
estrutura capaz de abrigar em tempo integral dia e noite alunos de ambos os
sexos. Existiram por essa época, com vida efêmera, o Colégio Varella, cujo
professor foi transferido da França para o Brasil, e também o Colégio São
70
Paulo e o Colégio Santana. Todos foram de iniciativa particular de professores
e mantiveram internato.
Naquela ocasião, os filhos de proprietários de fazendas eram
encaminhados para as capitais para prosseguir seus estudos. A maioria dos
alunos internos era das classes mais avançadas, além das primeiras letras.
De acordo com o artigo do jornal A Gazeta de Botucatu (FIGUEIROA,
1999), o Colégio dos Anjos foi a primeira iniciativa sólida para suprir essa
lacuna, nessa região, criando uma estrutura educacional adequada para
abrigar alunas em regime de internato, mais perto das fazendas e à beira do
vasto sertão paulista e brasileiro, desprovido de unidades de ensino. Disponível
para as famílias desejosas de dar educação secundária e superior às suas
filhas, o Colégio de Anjos foi inovador em matéria de ensino, integrando a
formação científica, de humanidades e comportamental.
Em Botucatu somou-se à ele o Seminário Diocesano, a Escola Normal,
todos mais ou menos criados na mesma época e dirigidos à educação mais
avançada que a formação das primeiras letras.
Ao lado do Ginásio Diocesano, o Santa Marcelina foi inaugurado no
Natal de 1912. Algum tempo antes, em serviço de preparação, um grupo de
irmãs da Congregação de Santa Marcelina, com sede em Milão, Itália e a
convite do senhor bispo dom Lúcio Antunes de Souza, havia transferido para a
cidade. Estavam trabalhando desde o segundo semestre daquele ano,
estreitamente próximas à direção da diocese, que havia designado o seu
vigário-geral, padre Pascoal Ferrari, para supervisionar a implantação do mais
novo educandário da cidade.
Durante todo esse tempo padre Ferrari, que havia deixado a reitoria do
Seminário Diocesano de Botucatu em fevereiro, dedicou-se à supervisão do
trabalho. Ajudou a iniciar a busca de alunas por meio de seus contatos com
publicações de editais que anunciavam o início das matrículas, em jornais da
cidade de toda a diocese, e ajudou a fixar os preços, encontrou o lugar
adequado para instalar o educandário em prédio provisório e orientou a irmã
Valentini, responsável pelo estabelecimento do pequeno núcleo de irmãs
marcelinas na cidade (A Gazeta de Botucatu, edição comemorativa aos 144
anos de Botucatu, 1999).
71
Ainda segundo esse mesmo artigo de jornal, as atividades do colégio iria
começar no mês de novembro e falava em estudos de jardim-de-infância, curso
elementar inferior, curso elementar superior, curso de aperfeiçoamento e
também de curso especial para ingresso as Escolas Normais, os conhecidos
exames de suficiência. E dava todos os preços para “pensão” das meninas
internas, normalistas e semi-internas, porque o Colégio dos Anjos também iria
abrir-se para as filhas das famílias da cidade que não necessitavam mantê-las
internas.
Segundo Penso (1998, p. 19), consta que além das disciplinas básicas
estavam incluídos nos programas estudos de língua portuguesa e sua
literatura, francês, italiano, inglês, aritmética, geometria, geografia, história,
ciências naturais, física e química, economia, ginástica, desenho, canto e
história da arte (p. 19).
A inauguração do Colégio dos Anjos não ocorreu em novembro, e sim,
como constava da propaganda, na véspera de Natal. O prédio escolhido foi
adaptado para receber as primeiras alunas e ficava ao lado do edifício que,
depois, seria construído próximo à esquina da Rua da Misericórdia, hoje Doutor
Costa Leite e Coronel Fonseca.
Foi construída uma capela, na qual o bispo dom Lúcio deu sua benção,
na presença das autoridades do município, jornalistas, professores entre os
quais o vereador coronel Moura Campos e o prefeito Antonio José de Carvalho
de Barros.
O Colégio do Anjos foi inaugurado na véspera de Natal de 1912. E
começou suas aulas em fevereiro de 1913. Em maio foi realizada a primeira
Eucaristia das alunas do colégio.
Consta anexa a carta da superiora Valentini à madre Acquistapace.
O trabalho prosseguiu durante todo o ano de 1913, com preparação para
a construção do prédio definitivo e com a consolidação da equipe que iria ficar
dirigindo o educandário, sob a direção da irmã Antonieta Valentini. Voltando da
Itália, irmã Antonieta trouxe com ela novas freiras marcelinas, dentre elas veio
a irmã Carmem Ortolina, designada pela alta direção da irmandade para ser a
diretora do novo Colégio dos Anjos.
Segundo o historiador botucatuense João Carlos Figueiroa (2004, p. 4),
no dia 8 de dezembro de 1913, menos de um ano após o início das aulas. As
72
irmãs convidam as famílias das alunas e a comunidade local para apreciarem a
primeira exposição dos trabalhos manuais executados no colégio, e para o
lançamento oficial da pedra fundamental. Um fato extraordinário para cidade, o
botucatuense fala aos presentes e em seguida o professor Raimundo Cintra
lavrou uma ata que foi assinada por todos. Mais de 50 assinaturas foram
colocadas ali e depois a ata foi colocada em uma urna, juntamente com
exemplares do Correio de Botucatu, de Levy de Almeida e Avelino Carneiro e
mais algumas medalhas de prata com a efígie de SS. Pio X, doadas por dom
Lúcio.
Encontra-se anexa a reportagem da festa do lançamento da primeira
pedra, publicada pelo jornal Correio de Botucatu:
Nos anos que se seguiram, apesar das dificuldades advindas com o
início da Primeira Guerra Mundial na Europa, o Colégio dos Anjos viveu um
período de crescimento. O número de alunas crescia, várias alunas vieram do
Mato Grosso, algumas delas se tornaram religiosas. Em 1915, as obras
estavam concluídas, a educação ministrada pelas marcelinas tornou-se um
sucesso na região. Cada vez mais chegavam novas alunas e o
estabelecimento nesse ano encerrou o ano com 150 alunas internas
aproximadamente.
A educação, nesse momento, dialogava com o discurso político, atendia
às suas necessidades, quais sejam: desenvolver determinadas aptidões para
apreender o discurso da ordem e alcançar o progresso. A escola celebrava a
política republicana pela divulgação de seu ideário, corporificando os seus
símbolos e valores.
Dentro desse discurso republicano percebe-se a presença das festas.
Estas corporificavam momentos de demonstrar o desenvolvimento, a técnica, a
ordenação das alunas, propondo homenagens às autoridades locais e
religiosas, integrando o universo escolar à comunidade local.
Como deveriam ser momentos de integração, o jornal local relata em
sua edição do dia 8 de dezembro de 2004 diversos detalhes, como por
exemplo: as principais cerimônias que aconteceriam dentro do Colégio dos
Anjos, ou que envolveria as irmãs da congregação.
Além da grandiosidade demonstrada pelas festas, a monumentalidade
do prédio também era relatada nos diversos editoriais. A arquitetura do prédio
73
também dialogava com o discurso republicano. O espaço escolar passava a
exercer uma ação educativa dentro e fora dos seus limites. Ele dialogava com
o espaço urbano. Ele recebia em seu interior diversos símbolos: o relógio, o
sino, as fitas, as cruzes etc.
De acordo com Nosella e Buffa (2002), a arquitetura, enquanto
expressão humana, nunca é arbitrária, casual, e sim uma linguagem orgânica
aos valores e possibilidades de uma determinada sociedade.
A arquitetura escolar no início do século XX tem de demonstrar
respeitabilidade, admiração, prestígio, labor e disciplina.
Assim, em Botucatu as religiosas de Santa Marcelina resolveram montar
um colégio modelo, moderno com grande escadaria de entrada, jardim bem
cuidado e parque imenso para recreio das meninas. O edifício bem arejado e
os dormitórios, com janelas para todos os lados, davam garantia para a boa
saúde das alunas.
Figura 2: 1ª ala colégio em construção. Fonte: Marcelinas 80 anos.
A imagem a seguir é das primeiras alunas do colégio
74
Figura 3: Grupo de alunas de 1919. Fazia poucos anos que as meninas recebiam educação
formal nas escolas. Fonte: Colégio Santa Marcelina (1927-1997).
As meninas entregues às freiras recebiam uma educação de qualidade,
sendo preparadas para serem futuras mães, integradas na sociedade moderna.
Esses papéis femininos demonstravam claramente o que seriam:
“ornamentos dos lares” e da sociedade, preparando para futuros papéis de
destaque no seio familiar e social, como boas mães e esposas. A educação
compreendia a transmissão do conhecimento e também de valores e normas.
O programa dos estudos compreende todas as matérias ensinadas nos
principais internatos da Europa.
As alunas entregues às irmãs marcelinas recebiam o ensino considerado
“completo” para a sua época, nos moldes europeus. Além de receber aulas de
educação física, compatível com o discurso higienista de sua época, tinham
também aulas de competências básicas de leitura, escrita e cálculo; diversas
matérias de natureza científica e aquelas de formação moral, cívica e
instrumental.
A educação física esteve presente desde o início do colégio, sendo
praticada ao “ar livre”, entre as diversas alamedas do seu imenso terreno,
espaço perfeito para os preceitos higienistas da época.
A idéia de civilidade presente tanto no discurso político quanto no
educacional no final do século XIX e início do XX, é responsável em intensificar
a necessidade de uma educação feminina. Durante o período colonial e
imperial brasileiro, as mulheres eram educadas no seio familiar. A educação
75
formal era permitida a poucas. Quanto mais reclusas estivessem, menos
tentações e menos conhecimento do mundo teriam e, portanto, melhores
esposas seriam para seus futuros esposos.
A necessidade inicial de educar formalmente as meninas não está
dentro de uma perspectiva de preparação e instrumentalização destas para
ganhar o seu espaço na sociedade. Continua ainda dentro da perspectiva de
prepará-las para o casamento, mas enquadra-se à necessidade de educá-las
nos moldes formais para capacitá-las dentro das novas regras do mundo
republicano.
Na realidade, o fim último da educação era preparar a mulher para atuar
no espaço doméstico e incumbir-se do cuidado com o marido e os filhos, não
se cogitando que pudesse desempenhar uma profissão assalariada.
Segundo Almeida (1998), a mulher educada dentro das aspirações
masculinas seria uma companhia mais agradável para o homem que transitava
regularmente no espaço urbano, diferentemente do período colonial com seu
recolhimento e distanciamento do espaço de sociabilidade.
O ensino feminino devia deixar as “distrações” e “entretenimentos” do
lar, lugar onde não seria possível realizar completamente a educação moral,
tão necessária para as adolescentes da época. A forma ideal seria deixá-las
totalmente fora do convívio familiar. Por isso, o Colégio dos Anjos começou a
funcionar com alunas internas e “semi-internas”.
Esse tipo de ensino era pregado pelo discurso ultramontano da Igreja
católica, em conformidade com os anseios liberais para definir o lugar da
mulher no novo espaço social que estava sendo estabelecido. O ensino
confessional, interno para as meninas ricas, ia ao encontro desses anseios.
A obra da Casa Berço da Congregação Marcelina na terra brasileira
iniciara-se na pequena cidade do interior paulista, Botucatu. Tempos depois, o
espírito marcelino espalha-se por todo o Brasil.
Um paralelo místico une Botucatu às marcelinas. A cidade de Botucatu
nasceu sob a proteção de Nossa Senhora das Dores de Cima da Serra, e a
congregação também nasceu sob os pés da Virgem das Dores, no Santuário
de Santa Maria Sul Naviglio, Cernursco, Itália, quando monsenhor Luís Biraghi
sentiu o impulso de fundar uma obra educadora e missionária.
76
Além dos interesses da Igreja, representados nesta história por dom
Lúcio e pela congregação, havia ainda o envolvimento das famílias.
Segundo Diniz (1973), com a nova onda de imigração no final do século
XIX do século XX, dessa vez por contrato direto com o governo, Botucatu
recebeu novos imigrantes, em sua maioria italianos. Muitos deles dedicavam-
se a atividades artesanais, contribuindo para o desenvolvimento do comércio
de serviços diversos na cidade.
Mesmo diante do discurso do progresso econômico da cidade, também
veria e ouviria uma outra Botucatu escondida atrás da fumaça e ruídos das
locomotivas e do sino da Igreja. Veria os primeiros habitantes a deixar suas
terras onde habitavam quando foram divididas em sesmarias, aqueles que
ficaram ou que chegaram depois, com seus bitos e suas religiões e a religião
oficial, o desenvolvimento da propaganda republicana convivendo com o
elevado número de escravos que permaneciam em algumas fazendas, os
imigrantes esperançosos, que acabavam enredados em um “sistema de
parceria”. Os carroceiros tinham muitas dificuldades em atravessar as ruas
esburacadas, mas iluminadas pela luz elétrica
6
. Um progresso aparente
envolvia a cidade como um nevoeiro e escondia seus contrastes em sua
história oficial. Podemos supor qual foi o papel da elite botucatuense e do
Colégio dos Anjos tinha uma forte influência na construção da imagem de
progresso da cidade.
Em 1875, o Brasil exerceu a liderança mundial na produção de café. Nas
décadas seguintes, os fazendeiros de Botucatu projetaram-se politicamente
para fora dos limites da cidade, atingindo o primeiro plano da política nacional
em alianças e luta a favor da monarquia, ou defendendo a implantação do
regime republicano, postura mais comum no período. Delineava-se o perfil do
coronel como “padrão” de elite política dominante na cidade, especialmente
durante a República Velha. O poder do coronel estendia-se para outras esferas
sociais, integrando-se em instituições beneficentes, clubes e associações
religiosas, ampliando a rede de laços de dependência pessoal.
6
Dean (1997) e Baptista (1994) demonstram como o progresso era algo aparente na cidade,
ou melhor, só acontecia nas grandes fazendas. Para a maioria da população, escravos e
imigrantes, ele não era real.
77
As idéias positivistas expandiam-se e ganhavam força, principalmente
àquelas de natureza conservadora e que apelavam para a tradição, como, por
exemplo, as referências ao papel da mulher e da família na formação de
cidadãos úteis á pátria. No entanto, faltava ao modelo de República a
identidade nacional.
A busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base
para a construção da nação, seria tarefa que iria perseguir a geração
intelectual da Primeira República (1889-1930). Tratava-se, na
realidade de uma busca das bases para a redefinição da República,
para o estabelecimento de um governo republicano que não fosse
caricatura de si mesmo. Porque foi geral o desencanto com a obra de
1889. (CARVALHO, 1990, p. 22).
Exemplo disso é que se assistiu, nos anos seguintes à Proclamação da
República, uma verdadeira disputa por definições de papéis, na luta pela
construção do mito fundador, pela versão oficial dos fatos. A República foi feita
por poucos. O povo em nada participou do movimento e criar símbolos heróis
tornava-se uma tarefa difícil, que não existia uma comunidade de sentido ou
imaginação. Como afirma Carvalho, “substituir um governo e construir uma
nação, esta era a tarefa que os republicanos tinham de enfrentar” (idem, p. 24).
Na busca de símbolos, os brasileiros apropriaram-se das representações
francesas da República, baseada na figura da mulher. Os símbolos eram
ridicularizados ou contrapostos a outros.
A guerra entre os símbolos em torno do cívico e religioso acabou por
fortalecer ambos no interior da lógica capitalista. Em Botucatu, comerciantes,
fazendeiros, pastores, eram maçons, mas também podiam ser vistos com
freqüência em atos e cerimônias religiosas. A década de 1930 foi o ápice desse
processo. Todos esses embates e lutas por representações e símbolos
influenciaram fortemente as escolas no período.
O início da República foi o período de esforço para a instrução elementar
para crianças e adultos, pregando a universalização do mínimo, o ensino
primário, e construindo-se um ideário liberal democrático em torno da educação
popular. O novo regime instituiu a necessidade de escolas, a educação popular
ganhou centralidade política e a escola passou a ser vista como meio para
equalização social. Intelectuais, jornalistas e políticos difundiam a idéia de que
a escola era solução para disciplinar, organizar e capacitar a força de trabalho.
Era também espaço privilegiado para difusão de um sentimento de pátria e
78
nacionalidade. Foi nesse período que a escola institucionalizou-se como
instrumento de seleção, determinando relações específicas dos sujeitos com o
mundo do trabalho e seu universo sociocultural.
A República começou determinada a implantar um sistema de ensino
que se adequasse à nova ordem social. Ao definir o ensino leigo, público,
integral, obrigatório e científico, a Primeira Reforma da Instrução Pública (1890-
1896) trouxe inovações para o campo educacional. Também na Primeira
República foram fundados diversos grupos escolares, o que, então, significava
a excelência em ensino público. A Constituição de 1891 apresentava forte
tendência à laicização e, em 1890, a Reforma Benjamim Constant havia
introduzido a laicidade no ensino público. As escolas particulares procuravam
alcançar o status e prestígio das escolas públicas, revendo e modificando seus
programas de ensino, que o fim do processo escolar, o ensino superior,
ainda estava nas mãos do Estado.
Na cidade de Botucatu, até o início do século XX, havia somente escolas
destinadas a grupos muito específicos, como para elite botucatuense ou para
população da classe média baixa. Na segunda metade do século XIX, os
presbiterianos criaram a Escola Botucatuense, que durante muito foi conhecida
pelo apelido de Escola Americana, como já dissemos.
Com a Proclamação da República, no início do século XX, proliferaram
os grupos escolares, e o Colégio dos Anjos insere-se nesse espaço em 1912,
entre a Proclamação da República e a Primeira Guerra Mundial.
A fundação dessa escola foi mais um dos símbolos que construíram as
representações do progresso da cidade e, especialmente, das famílias de elite.
O colégio, ao lado dos casarões, da diocese e do seminário, seria um dos
cartões de apresentação da cidade. A elite botucatuense precisava ser vista e
reconhecida como estimuladora da cultura, empreendedora e defensora do
progresso. O que estava em jogo era a ordenação da estrutura social da
cidade.
Apesar de receber somente meninas, o colégio era considerado na
região um modelo a ser seguido. Vale lembrar que ainda durante o Império
foram criados alguns internatos femininos em Sorocaba, Itú, Campinas, São
Carlos (A Gazeta de Botucatu, edição comemorativa aos 145 anos de
Botucatu, 2000).
79
Os anos se passaram e em 1917 o colégio, apesar das dificuldades, ia
crescendo, contava com 150 alunos, internas na maioria. Vejamos a seguir a
nova ala do colégio.
Figura 4: Ampliação do Colégio dos Anjos para acolher as alunas que chegavam de todos os
cantos do país. Fonte: Colégio Santa Marcelina (1927-1997).
Em 1921, fundava-se o Noviciado Canônico do Brasil, em Botucatu, e
novas vocações foram surgindo. Além do trabalho do colégio, as irmãs
dedicavam-se à preparação das crianças para a comunhão nas diversas
paróquias da diocese.
No ano de 1939, o senhor diretor-geral do Departamento de Educação
autorizou transferência da Escola Normal Livre de Pindamonhangaba para
funcionar anexa ao Colégio dos Anjos. Desde então, o colégio pôde outorgar
às suas alunas o diploma de professora.
2.3 Botucatu e as condições políticas, econômicas e sociais
Para entendermos a história da educação no município de Botucatu no
período é importante ressaltarmos que a ordem das marcelinas não foi a
primeira ordem a chegar na região de Botucatu.
Segundo Delmanto (1995), no ano de 1719, a Companhia de Jesus, por
intermédio do tenente Estandilau de Campos, superior da ordem no Brasil,
partia para a formação de duas fazendas, objetivando a sustentação do
Colégio de São Paulo em termos de alimentos e renda originada para
80
comercialização dos produtos: as sesmarias seriam a base para as fazendas
de Guareí e Botucatu.
A fazenda de Botucatu era voltada à pecuária, tendo uma população de
aproximadamente 20 pessoas. E com o tempo a fazenda foi crescendo, sendo
possível então ajudar comercializar o gado para todo o sertão.
Desde o início da fazenda havia muita perseguição do Marquês de
Pombal aos jesuítas, mesmo assim a fazenda tinha vida própria. Diziam ainda
os historiadores que os primeiros habitantes de Botucatu nasceram nas
fazendas dos padres jesuítas, como consta nos arquivos de Sorocaba, então
matriz de toda região.
Entre muitos nomes como prováveis fundadores ou benfeitores de
Botucatu, fora, é claro, a presença indiscutível dos jesuítas, Gomes Pinheiro e
Joaquim Costa, que segundo pesquisa do historiador Hernãni Donato (1955),
encontrou nos arquivos de Sorocaba, então matriz de toda a região, foram os
que doaram, consolidaram e incentivaram o povo a permanecer na fazenda de
Botucatu.
Por volta de 1846, o governador da província, Manuel da Fonseca Lima
e Silva, promulgava lei criando uma freguesia no Distrito de Cima da Serra de
Botucatu. Esse município está localizado na região centro sul do estado de São
Paulo.
Botucatu, como hoje é chamada, começou numa pequena vila, escura à
noite e sem água encanada. A luz tênue dos lampiões abrandava a escuridão,
e havia biquinhas de águas, geralmente à beira do ribeirão Lavapés.
Como bem nos diz os escritos de Donato (1955), nem bem se haviam
passado 20 anos desde o início das plantações de café, o município explodia
em crescimento, alimentado pela força, dos produtores de café. Entre eles os
maiores Cia. Lavoura e Colonização, que tocava duas unidades, Morro
Vermelho e Monte Selvagem, com 23 mil arrobas. Vinham em seguida João
Batista Conceição, Gafiré Guiínle S. Veloso e Vilas Boas e irmãos.
Com o crescimento urbano, novos desafios vieram, como, por exemplo,
aberturas de novas ruas, fazendo a ligação com os bairros mais distantes, e
crescia a concentração do comércio local nessas novas ruas. Dessa maneira o
centro da cidade desenvolveu-se, tendo como principal meio o comércio
voltado para as fazendas do setor sudeste e sul do município.
81
Em virtude desse crescimento os italianos começaram a deixar o campo
para morar e trabalhar na cidade.
Por volta dos anos de 1880, algumas conseqüências coincidiram no
Brasil e na Itália para que um número considerável de homens e mulheres,
excedentes no mercado de trabalho de sua pátria, visualizassem na América o
seu futuro ideal. Necessidade lá, precisão aqui, especialmente entre os
cafeicultores paulistas, tidos como mais avançados e mais bem informados.
Dessa maneira era necessário atrair trabalhadores, muitos se organizaram em
sociedades de imigração.
A recente unificação (1870) do reino italiano suscitara recomendações
econômicas, em certos casos agravando a desocupação laboral, a miséria na
Itália rural.
É preciso ter em mente que optar pelo Brasil daqueles dias traduzia o
desespero ou ignorância das condições a enfrentar.
Segundo Basbaum (1983), o Brasil foi dos países de imigração menos
aquinhoados, pois durante muitos anos os imigrantes evitavam o nosso país
não apenas por causa do clima e da febre amarela, mas também por causa da
escravidão. O braço imigrante não podia concorrer com o braço escravo.
Dizia-se que os europeus viriam substituir os escravos tanto no eito
quanto na senzala, nas correntes. Apesar das advertências esses novos
italianos vieram, preferindo o Brasil, Botucatu não o Canadá ou a Argentina ou
a Austrália que também os chamavam.
Segundo Donato (2000) em seu artigo na Gazeta de Botucatu, na edição
comemorativa de 145 anos, no ano da libertação dos escravos, os cafezais
atraíram 92.086 trabalhadores, sendo peninsulares 80.749. Na virada do
século, italianos e seus descendentes brasileiros compunham metade da
população da capital do estado.
A força cativante da sua adesão ao novo meio, o amor ao trabalho,
impressionaram as sociedades paulistana.
Neste contexto parecem convincentes as palavras de Kreutz (1991, p.
152):
Entre 1819 a1947, o Brasil recebeu 4.900.000 imigrante de
diversas etnias. Vários motivos levaram o governo brasileiro a
incentivar a imigração. A partir da programação da independência
tornou-se intensa a discussão sobre um desejado projeto de nação. A
82
elite política observava o rápido desenvolvimento que estava
ocorrendo no Estados Unidos que a décadas, vinham recebendo um
grande número de imigrantes. Era um exemplo a ser seguido. Seu
desenvolvimento era atribuído à imigração, enaltecendo-se a
pequena propriedade com fontes de virtudes. Outro motivo para
incentivar a imigração para o Brasil era a necessidade de ocupação
do espaço geográfico no sul, onde havia freqüentes conflitos de
fronteiras.
Vários autores afirmam que também houve motivação racial para
privilegiar a vinda de imigrantes europeus. Esses povos foram os favorecidos
na imigração para o Brasil, incentivava-se a formação de núcleos etnicamente
homogêneos. Cada família teria uma pequena propriedade, próxima a uma vila
na qual se organizava uma estrutura que favorecesse a vida comunitária.
Segundo Donato (2004, p. 262), em seu artigo à Gazeta de Botucatu na
edição comemorativa dos 145 anos, consta nos arquivos do estado que os
moradores do ano de 1865 da população botucatuense era de 500 pessoas.
Três dos nomes soam e estão grafados como se fossem de italianos: Bressan,
Pavan, Bressone. Outro nome, o de André João Klein, nome alemão sem
dúvida, sugere que nessa área não havia apenas mineiros e paulistas, mas
também europeus.
No ano seguinte, 1866, havia mais ou menos 10 famílias de americanos
sulistas que se instalaram na vila.
De acordo com artigo do jornal A Gazeta de Botucatu do ano 2000,
documentos da época mostram que o primeiro contrato de trabalho entre
patrão brasileiro e trabalhador italiano é de 29 de novembro de 1890. Quando
naquela ocasião foram contratados para cuidar do cafezal (A Gazeta de
Botucatu, edição comemorativa aos 141 anos de Botucatu, 2000).
Alguns italianos progrediram ao ponto de comprar escravos. No último
decênio do século XIX a cidade era um centro buliçoso de progresso regional e
de atração de imigrantes; por volta de anos de 1880, os italianos começaram a
ganhar e economizar para então adquirir terras e casas.
Então, em pouco tempo enriqueceram e, quando em 1911 se editou em
Turim publicação relacionando italianos proprietários e agrícolas no estado de
São Paulo, estes eram 18 em Botucatu. Na maioria urbanizada participavam do
surto do progresso geral e da cidade em particular.
83
2.4 A Igreja católica no município de Botucatu
Neste momento da pesquisa irei utilizar uma passagem de Figueiroa
(2004), que referencia o surgimento da Igreja católica no município de
Botucatu.
Assim que se criou a nova freguesia, o primeiro trio do poder local foi
formado pelo vigário colado, pelo subdelegado de polícia e pelo juiz de paz. O
vigário era o padre Joaquim Gonçalves Pacheco, que tomou posse em julho de
1849, e foi designado para atuar na matriz de Santana. Nasceu em 12 de
dezembro de 1823 no município de Sorocaba, sua família chegou a Sorocaba
por volta de 1800, procedentes de Borda do Campo (MG). Fez seus estudos ali
mesmo, além das primeiras letras, estudou latim, retórica e filosofia.
Em seguida transferiu-se com intuito de seguir e carreira eclesiástica.
Em 1848 foi ordenado sacerdote por D. Manuel de Monte Rodrigues de Araújo
na cidade do Rio de Janeiro.
Logo após sua ordenação foi para Botucatu, em menos de um ano foi
transferido para da cidade de Itapetininga, depois para Sorocaba, onde
permaneceu até morrer.
O subdelegado era João da Cruz Pereira e o juiz de paz era Claudino
Antônio Pereira. Eram então as primeiras e principais autoridades locais e
dividiam a responsabilidade de conduzir as coisas da nova freguesia.
Existia ainda o cartório de Manuel de Almeida Toledo, oficial da principal
repartição pública civil da nova freguesia, e também havia o comandante do
quartel da força policial, o tenente João Carlos de Souza Cananéia.
Excetuando o vigário, os demais constituíam o poder civil, representando
o Estado Imperial Brasileiro. Porém, pela vigência do padroado, era ao vigário
que cabiam as principais funções na condução da freguesia.
Por volta do ano de 1855 Botucatu ganhou sua condição de vila, o que
até essa data não era considerada. De acordo com os historiadores
botucatuenses Donato (2004) e Figueiroa (2004), Botucatu era freguesia da
Vila de Itapetininga, portanto freguesia do Alto da Serra, e deveria remeter-se à
sede do município de Itapetininga, que era a sede da Comarca Eclesiástica.
Sendo distante da sede, a freguesia de Botucatu reivindicou desde cedo
a existência de uma Vara Eclesiástica de Cima da Serra.
84
No ano de 1859, mais de 30 cidadãos locais colocaram sua assinatura
num abaixo-assinado e dirigiram uma representação ao bispo de São Paulo
com a finalidade de criar uma Câmara Eclesiástica.
O bispo da capital da província visitava o interior e São Paulo. O de José
Nogueira Jaguaribe diz que:
[...] o bispo D. Antonio achava-se em Sorocaba e ali despachou
a petição a 18 de fevereiro de 1859, autorizando o vigário a fazer a
justificação relativa a diligencia de casamento, mas não criou a
Câmara Eclesiástica. (A Gazeta de Botucatu, 2004, p. 4).
Assim é também como imagina dom Zione em seu artigo editado no dia
10 de abril de 2004 no jornal local, deve ter existido uma outra paróquia.
No início do século passado existia o desejo de ampliar as formas de
organização da Igreja pelo interior de São Paulo. Foi que ocorreu a criação
do bispado.
Segundo artigo do jornal A Gazeta de Botucatu, escrito por João Carlos
Figueiroa (2004, p. 4), a Igreja católica era dirigida por um bispo, o bispo de
São Paulo e da proncia do Paraná compunham uma diocese diferente, criada
algum tempo antes. Ambas subordinavam-se ao arcebispo do Rio de Janeiro.
O bispo de São Paulo, dom José de Camargo Barros, e o arcebispo do
Rio de Janeiro, dom Joaquim Arcoverde, combinaram, no início de 1904, pela
expansão dessa organização. A idéia era criar um arcebispado na capital de
São Paulo, com abrangência sobre a diocese e paróquias do Paraná. Foi então
o que aconteceu.
Um italiano que merece ser lembrado na historia de Botucatu é
monsenhor Pascoal Ferrari, natural da província italiana de Massa Carrara;
monsenhor Ferrari nasceu em Corvino (Toscana) em 3 de abril de 1853, e
foram seus genitores: Luis Ferrari e Teresa Ferrari.
Seus estudos foram feitos no Seminário de Castel Nuovo d‘Aste. Já
sacerdote, ordenado em 1879, e com 26 anos de idade, solicitou e obteve dos
seus superiores autorização para exercer o seu ministério sacerdotal na
diocese de São Paulo, conforme expressara por escrito em 14 de fevereiro de
1880.
No Brasil, o padre Pascoal Ferrari foi coadjutor, hoje diríamos vigário
paroquial, na Paróquia de Sorocaba, onde permaneceu por dois anos, sendo
85
transferido para a Paróquia de Bom Sucesso, que fica na cidade de Sorocaba,
onde permaneceu por três anos.
Em 1886 veio para Botucatu a pedido do padre João Lopes Rodrigues,
dada a escassez de sacerdotes, respondeu por várias paróquias durante longo
período; a cidade contava com aproximadamente 3.000 habitantes, e padre
Ferrari ressentiu-se da frieza com que foi recebido, em virtude em parte da
forte presença do protestantismo, e voltou para São Paulo.
Todavia, o bispo diocesano, dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho,
convenceu-o a voltar a Botucatu. O padre concordou e deu início ao seu
trabalho apostólico e ministerial. Ele fundou associações religiosas na cidade e
fora dela. No ano de 1888, começou a construção da nova Matriz de Santana
nos altos da cidade; a capela-mor foi benta em 1892, com a mudança da velha
igreja da praça da matriz velha (hoje Coronel Moura) para a praça da atual
catedral. Com esse feito obteve da autoridade diocesana de São Paulo o título
litúrgico de São Benedito, em substituição ao de Santana da velha igreja.
A igreja de Santana foi definitivamente transferida para a recém-
construída igreja no alto da cidade (na porta principal da atual catedral) e, como
dito, a velha matriz foi dedicada a São Benedito. Essa matriz foi a primeira
catedral de Botucatu.
Terminada a construção da nova matriz de Botucatu, o padre Ferrari não
parou. Ficou sabendo que o bispo de São Paulo tinha intenção de tornar o
bispado em um arcebispado e, assim, criar uma ou mais dioceses no interior
paulista. Várias cidades começaram a se mobilizar, no intuito de ser a sede do
novo bispado, entre elas Itu, Campinas e Botucatu.
A cidade de Botucatu não tinha tantos benefícios a oferecer como Itu e
Campinas, mas algo que muito iria influenciar na criação do novo bispado:
a
distância
.
Tanto Itu como Campinas estavam muito próximas da capital.
Botucatu não estava nem longe nem perto demais.
Padre Ferrari foi convidado pelo arcebispo do Rio de Janeiro, dom
Joaquim Arcoverde, e pelo bispo de São Paulo, dom José Camargo Barros,
para conferenciarem, tendo como sede a cidade.
Voltando a Botucatu, padre Ferrari começou a fomentar o interesse dos
chefes políticos, dos homens abonados e dos expoentes sociais e religiosos da
cidade. Depois de algum tempo, recebeu cartas com o parecer positivo do
86
arcebispo do Rio de Janeiro e do bispo de São Paulo e começou, então, a
organizar uma comissão pró-bispado de Botucatu. Isso aconteceu dia 3 de
julho de 1904, na casa do coronel Rafael de Moura Campos.
Em carta enviada ao bispo de São Paulo, o cardeal do Rio de Janeiro,
dom Arcoverde, comunicou que o papa Pio X havia determinado a criação da
Diocese de Botucatu.
O então bispo de São Paulo, dom José Camargo Barros, viajou para
Roma em 6 de maio de 1906. Entre os assuntos a tratar com o papa estava a
criação da nova Diocese de Botucatu.
No regresso, o navio naufragou no litoral da Espanha e o bispo morreu.
Assim foi por água abaixo o sonho do povo botucatuense paulista.
Um novo bispo tomou posse em São Paulo, dom Duarte Leopoldo e
Silva, no dia 14 de abril de 1907. Sua idéia era criar, em vez de uma única
diocese, cinco, compondo uma província eclesiástica. E foi isso o que ele fez.
Percorreu as cidades que haviam se candidatado a diocese e em 3 de
junho de 1907 chegou a Botucatu, juntamente com a comissão avaliadora. Eles
concordaram em incluir a cidade entre as novas sedes episcopais.
Devidamente orientado pelo diocesano paulista quanto ao
desmembramento do seu território diocesano, o padre Ferrari foi tomando
todas as medidas cabíveis para que a sede paroquial de Santana fosse o futuro
bispado. Organizou e presidiu a Comissão Pró-Bispado e viu coroados os seus
esforços com a criação da nova diocese em junho de 1908 e a nomeação do
primeiro bispo.
Nessas oportunidades o bispo de São Paulo e primeiro administrador
apostólico de Botucatu, no entremeio entre a criação da diocese e a posse do
primeiro bispo diocesano, dom Duarte Leopoldo e Silva, obteve da Santa Sé,
em 4 de junho de 1907, o título de monsenhor para o padre Pascoal Ferrari.
De acordo com fala de dom Zioni em 2000, o arcebispo de São Paulo
ofereceu nesse dia um jantar no Palácio Episcopal da Rua São Luís, aos
recém-nomeados monsenhores, Miguel Martins, Francisco de Campos Barreto,
Agnelo de Morais, João Alves de Siqueira e Pascoal Ferrari, fazendo-lhes a
entrega do título de Camareiro Secreto de Sua Santidade.
O padre Pascoal Ferrari, vigário da Matriz de Botucatu, foi chamado a
São Paulo para uma conferência com dom Joaquim Arcoverde e dom José de
87
Barros, ocasião em ficou decidido que a paróquia de Botucatu seria sede do
bispado.
Padre Ferrari voltou de São Paulo preocupado, precisava convencer as
elites locais da importância de ter na região um bispado e obter dela o
compromisso de total empenho no desenvolvimento da idéia. Mas havia a
exigência de montar uma forte infra-estrutura de manutenção do bispado,
incluindo a montagem de um patrimônio girando perto de 50.000$000
(cinqüenta contos de réis), entre outras coisas.
Padre Ferrari convocou para uma série de reuniões algumas pessoas
influentes na cidade, para expor confidencialmente o resultado da sua ida a
São Paulo. Dizia aos presentes da importância para a cidade da vinda do
bispado e que o município passaria a dirigir uma vastíssima região do estado e
com certeza espalharia para outros setores não religiosos.
Ao final das reuniões foi montada uma comissão para dirigir a luta pró-
bispado; segundo os escritos de Delmanto (1995), no ano de 1904, a 3 de
julho, acontecia a reunião da comissão pró-instalação do bispado na residência
do monsenhor Ferrari. Estavam presentes na reunião os senhores coronel
Antonio Cardoso do Amaral, o coronel Raphael Augusto de Moura Campos, o
coronel Amando de Amaral Barros e João Batista de Souza Aranha.
A comissão havia concordado com o padre e com as metas propostas.
Quase um ano depois, após longo trabalho dessas lideranças e do próprio
padre, a comissão estava preparada para entregar o patrimônio ao arcebispo
do Rio, como parte do acordo para fazer criar o bispado da cidade.
Ainda segundo esse mesmo autor, veio à Botucatu uma comissão
liderada pelo bispo de São Paulo, encarregado de formar os patrimônios dos
bispados que ficariam sob seu comando.
Um ano após a visita de dom Duarte Leopoldo, chegou a notícia da
capital: o papa Pio X, pela bula Diocesium Nimiam Amplitudinem, de 7 de junho
de 1908, elevou São Paulo à condição de província eclesiástica, promovendo
dom Duarte a Arcebispo Metropolitano e criando, assim, cinco novas
dioceses: Botucatu, Taubaté, Campinas, Ribeirão Preto e São Carlos do
Pinhal, e nomeando bispos: dom José Marcondes Homem de Melo para o
bispado de São Carlos do Pinhal; dom João Baptista Correa Nery para o
bispado de Campinas; dom Lúcio Antunes de Souza para o bispado de
88
Botucatu; e dom Alberto Gonçalves para o bispado de Ribeirão Preto e
governador do bispado de Taubaté, monsenhor Nascimento Castro.
Criado o bispado de Botucatu, recebeu uma vasta diocese; nela estavam
incluídas cidades exageradamente distantes e extremamente rurais e
litorâneas. Entre as cinco novas dioceses, Botucatu era a maior em extensão,
abrangendo praticamente a metade do estado de São Paulo.
A lista de cidades chegava a 53. No final do processo a comissão
apresentou a totalização do que havia reunido para dotar o patrimônio do
bispado: 194:647$950.
No mesmo dia, foi nomeado o primeiro bispo: dom Lúcio Antunes de
Souza, mineiro de Lençóis do Rio Verde, que era secretário do bispado de
Diamantina. Grande figura do clero, o ilustre prelado (título honorífico de
dignitário eclesiástico) foi sagrado em Roma no ano de 1908.
A festa da instalação do bispado aconteceu dia 25 de outubro de 1908.
O documento pontifício relativo à criação da diocese de Botucatu foi lido pelo
padre Humberto dos Santos, primeiro sacerdote nascido em terras
botucatuenses.
Em 1908 monsenhor Ferrari foi investido da dignidade e, em 1910 o
bispo diocesano o elevou a vigário-geral do bispado, cargo este que
monsenhor exerceu até a morte.
Monsenhor Ferrari faleceu em 21 de abril de 1919 na sua residência.
Foram 33 anos de sacerdócio num só lugar.
O historiador botucatuense Pinto (1955) reproduz na sua obra o
depoimento de pároco de Botucatu, o padre Salústio Rodrigues Machado,
descrevendo a personalidade do monsenhor Ferrari. “Era amigo do progresso e
a cujos esforços se devem em grande parte a criação da Diocese de Botucatu,
da qual chegou a ser Vigário Geral”.
E foi nesse contexto que Botucatu viu surgir o Colégio dos Anjos, que
objetivava formar as “moças” de sua sociedade local e regional.
89
2.5 A presença da congregação presbiteriana em Botucatu e as questões
históricas
De acordo com o jornal local de Botucatu, não existem registros precisos
sobre os primeiro fatos relativos, mas o líder dos emigrantes que se fixaram na
cidade era figura muito conhecida de todos eles. O major Robert Meriwether,
que viveu e criou grande descendência, imagina-se que tenha sido um dos
primeiros a propagar o culto presbiteriano na cidade de Botucatu. Os anais
presbiterianos, no entanto, atribuem a Domingos Soares de Barros o mérito de
ter-se transformado no propagador do culto evangélico e incentivador de sua
organização na cidade. Domingos, que era um maçon, travou conhecimento da
Bíblia na loja maçônica local, livro que servia para os votos e cumprimentos
maçons (A Gazeta de Botucatu, 9 abr. 2004, p. 14).
Ainda segundo essa mesma edição do jornal A Gazeta de Botucatu, na
cidade, naquela época, havia a ausência de Casa de Oração: “Se aparecesse
alguém em Botucatu que pregasse a doutrina da Bíblia, ele construiria uma
casa para aquele livro”. Respondendo a esse chamado o reverendo George
Chamberlain, fundador da escola Mackenzie em São Paulo, tomou
conhecimento dessa situação e durante uma de suas viagens a Lençóis
Paulistas, e aproveitando a curta distância entre as cidades, resolveu chegar a
Botucatu.
Do contato com Domingos Soares de Barros, feito durante um jantar,
incentivou-o a levar adiante sua proposta. Nasceu desse contato e do esforço
dele a primeira Casa de Oração presbiteriana de Botucatu. Segundo arquivos a
data dessa reunião é desconhecida, porém muito significava o fato de
considerar-se como sendo a data mais remota para a Igreja Presbiteriana de
São Paulo o ano de 1874. É desse ano a chegada do pastor Chamberlain ao
Brasil e da organização do Colégio Americano, e também a constituição da
primeira Casa de Oração na capital, marco comemorado no aniversário
paulistano.
Considera-se o ano de 1885 como sendo o ano da fundação da primeira
Congregação Presbiteriana na Serra de Botucatu. Porém, os primeiros
seguidores da doutrina em Botucatu estavam desde a segunda metade dos
anos de 1860, quando aportaram no Brasil os americanos procedentes de
90
várias cidades sulistas dos Estados Unidos, emigrados após a Guerra da
Secessão.
Acredito que seja pertinente fazer referência à questão do
protestantismo e da maçonaria no município de Botucatu, porque a instalação
do Colégio dos Anjos tinha a ver com a conquista de espaço religioso e político
da Igreja católica. Como enfatizei anteriormente, sabe-se que a maioria dos
habitantes, como por exemplo os políticos e fazendeiros, no início da vila de
Botucatu, eram dos credos mencionados anteriormente. necessidade de
compreender quem foram estes para dar prosseguimento à nossa pesquisa.
Um dos primeiros membros do Conselho da Igreja Presbiteriana em
Botucatu foi o reverendo João Ribeiro de Carvalho Braga, que se destacou na
vida social e política. Tinha grande influência sobre a comunidade e toda
cidade, tornando-se membro da primeira Junta Republicana de Intendentes de
Botucatu, indicado que foi para ocupar uma cadeira na Câmara Municipal, no
princípio de 1890. Teve uma atuação participativa e duradoura. Outro membro
é Domingos Soares de Barros, a quem a história atribui um papel especial na
organização dos presbiterianos locais. Fez parte do primeiro Conselho de
Diretor da Igreja, transformou-se em diácono. Participou do manifesto
resultante da Convenção Republicana, marco significativo para história
brasileira.
João Thomaz de Almeida participou também da Câmara de Vereadores,
foi secretário do jornal local O Correio de Botucatu e concomitantemente era
secretário da loja maçônica.
Vejamos agora algumas figuras que merecem destaque na
Congregação Presbiteriana local, segundo artigos do jornal A Gazeta de
Botucatu (9 abr. 2004, p. 14).
O primeiro nome é do major Robert Meriwether, que tem o seu nome
ligado indelevelmente à história da Igreja presbiteriana local. Isso porque foi um
dos primeiros entre eles a habitar o alto da Serra de Botucatu. Foi para com
o intuito de localizar propriedades para os imigrantes americanos que se
mudavam para o Brasil.
Ainda segundo o jornal mencionado (p. 18), consta que no livro
Pioneiros Americanos do Brasil existe uma carta dirigida a um responsável pela
emigração, então temporariamente localizado em Campinas, dando conta de
91
que iniciaria uma viagem de fronte da Serra de Botucatu, procurando dirigir-se
aos campos de Lençóis Paulistas. Estava fascinado pela terra e nessa carta,
que é datada de 6 de janeiro de 1866, acusava um grande frio em toda a
região.
Quando eclodiu a cisão entre o norte e sul americanos, o major alistou-
se no Exército Confederado, foi capitão da Companhia H, e durante quatro
meses participou de numerosas batalhas; em agosto de 1865 mudou-se para o
Brasil.
Fixado sobre o alto da serra, o major viveu o restante de seus dias em
Botucatu. Teve vários filhos e faleceu em 1906, sendo enterrado no cemitério
Portal das Cruzes.
O reverendo Erasmo Braga era considerado um dos mais cultos
pastores da Igreja presbiteriana do Brasil. Iniciou sua formação escolar e
religiosa em Botucatu e quando moço foi para a capital prestar exames à
academia de direito; fez também para o Instituto Teológico de São Paulo.
Talvez porque a vocação já lhe tocasse o coração, optou pelo instituto e
passados três anos se formou.
Seu primeiro trabalho foi em Niterói; além das atividades
evangelizadoras, encontrava tempo para dedicar-se ao magistério e à
imprensa. E a partir daí começou a editar livros didáticos, destinados à
educação infantil e ao educador em geral; em 1910 estava entre os fundadores
da Academia de Letras de São Paulo.
Um outro nome a ser lembrado é do doutor Vital Brasil, talvez o nome de
maior destaque, dentre tantos da comunidade presbiteriana local, à época
médico em início de carreira. Conforme anúncio no jornal O Botucatuense,
atendia em casa, em sua clínica, nas fazendas e em domicílio. Em 1898
mudou-se para São Paulo a convite de Adolfo Lutz e passou a compor a
equipe de pesquisadores.
Recorro aqui a uma passagem de João Carlos Figueiroa quando na
construção coletiva de um compêndio tentou resgatar e reatar a verdadeira
ligação que tinha com a tradição histórica da cidade de Botucatu, que para ele
e seus companheiros foi sem sombra de dúvidas uma contribuição valiosa
contra essa verdadeira crise de conformismo que muitas vezes envolve o ser
humano.
92
Segundo esse historiador, foi criado o Sínodo do Brasil e implantado o
que mais os pastores nacionais queriam, o seminário, a Igreja presbiteriana do
Brasil experimentou forte crescimento. Mas não cessaram as diferenças de
rumos a serem tomados, principalmente com os pastores norte-americanos,
que continuavam a investir em sua Escola Americana, a mesma que seria o
embrião da Universidade Mackenzie.
Os atritos chegaram ao máximo, principalmente com o educador Horace
M. Lane, trazido pelo reverendo Chamberlain ao Brasil, especificamente para
fundar a Escola Americana.
Desde a criação do Sínodo, além da questão do seminário teológico,
que era a meta dos pastores nacionais, outras questões acabaram por dividir
reverendos, presbíteros e membros da Igreja Sinodal. Aconteceu que as duas
missões continuavam a influir na tomada das decisões, até que se chegou à
questão da localização do seminário. A mIssão de Nova York o queria em São
Paulo, enquanto os missionários de Nasheville o queriam em Campinas, onde
também já tinham uma escola.
A questão maçônica surgiu em 1898, no jornal O Estandarte, editado
pelo reverendo Eduardo Carlos Pereira, que discutia a correção ou não de
evangélicos pertencerem à Igreja Sinodal ou mesmo as missões americanas e
fazerem parte de alguma loja maçônica. Na história da igreja em Botucatu, o
mais conhecido presbítero era o maçon e presbiteriano ao mesmo tempo
Domingos Soares de Barros.
Para concluirmos a respeito da história dos italianos, americanos e dos
protestantes do município de Botucatu, que sem sombra de dúvida foram
criativos, ousados e valentes, parecem convincentes as palavras dos
historiadores locais Delmanto (2004) e Figueiroa (2004), que apontavam como
fator de consolidação de expansão econômica os imigrantes italianos, seus
principais agentes. Naquela época muitos se transferiam das fazendas para a
cidade, onde iniciaram seus rendosos negócios; vale também para a expansão
da indústria de transformação local.
Alguns italianos se estabeleceram na cidade; no ano de 1884 foi a vez
de Alessio Varoli, que foi o pioneiro com a fábrica de bebidas. Depois vieram
outras conquistas, mas a empresa desenvolveu-se nacionalmente chegando a
93
produzir máquinas para as regiões de expansão cafeeira mundiais, inclusive a
África.
As transações de produtos e serviços foram e continuam sendo o maior
e mais silencioso desenvolvimento econômico de Botucatu. Vender, comprar e
trocar são atividades importantes, cruciais, perenes, que unem ao longo do
cordão do tempo as duas pontas visíveis da história de Botucatu.
Hernani Donato (1995) ensina-nos que na ponta atual da história da
cidade de Botucatu estavam os jesuítas, como dito. Notórios pastores da
Igreja, que além de arrebanhar almas tinham vários rebanhos para a venda e
troca. Foram tão hábeis comerciantes que a Companhia de Jesus acabou
virando uma verdadeira companhia comercial de porte transnacional. Rica,
influente e tentaculada, a companhia encheu os olhos de cobiça, primeiro os de
Pombal em Portugal e depois os da própria Igreja. Foi seu fim.
Quando os jesuítas se foram e chegaram os fazendeiros, Botucatu virou
a Boca do Sertão, o último ponto de civilização ocidental antes do verdor total
das matas, seus labirintos, bichos e índios. Era aqui que estava a derradeira
oportunidade de adquirir as provisões básicas para aventura e os parcos
produtos que a rudeza da época tornava disponível.
Com o café, Botucatu ganhou status de produtora, sem, contudo,
abandonar a prática comercial, que então tomava ares de urbanidade,
diversificando-se e sofisticando-se. Pelos trilhos da estrada de ferro ia o café,
mas também vinham produtos variados que eram vendidos para população da
cidade. Por esses mesmos trilhos vieram nossos antepassados com a mala
vazia de pertences e abarrotadas de esperanças.
Foi no comércio que muitos deles acharam o caminho para perseguir
seus sonhos. O comércio ainda se faz essencial para progresso da cidade,
continua empregando muitas pessoas.
São botucatuenses nativos ou por opção, que constroem e sustentam
suas vidas trabalhando direta ou indiretamente com as atividades comerciais.
Para a realização desta pesquisa tivemos acesso a jornais, livros, cartas,
documentos da congregação. Podemos dizer, pelas informações colhidas, que
o orgulho da comunidade botucatuense é sua própria gente, que se une por
uma boa causa, não fugindo às suas responsabilidades quando são chamados
para as causas sociais.
94
São pessoas que dão vulto às suas categorias profissionais, pela
dedicação, competência, sobretudo pela humanidade. Pessoas que ocupam
seus lugares na construção da história de seu município, com propriedade de
vida porque compartilham de um mesmo objetivo: a busca da felicidade
pessoal e coletiva nessa que um dia já foi chamada Princesinha da Serra.
Em busca de progresso e desenvolvimento, Botucatu consegue as suas
primeiras escolas e suas primeiras indústrias.
No início do século XIX, Botucatu se constituía em importante pólo
irradiador de cultura e na segunda metade dos anos de 1880 a imigração dos
americanos do sul, derrotados na Guerra Civil, proporcionou que Botucatu
passasse a ser importante sede do protestantismo, inclusive com escolas
criadas para atender à exigente clientela que tinha vindo de outra cultura e de
outra realidade.
Mesmo com a diminuição dos norte-americanos, no início de 1900,
Botucatu continuava com a forte presença dos protestantes e sua influência.
Esse parece ser um motivo pertinente para a criação da Diocese de Botucatu,
que teve no monsenhor Pascoal Ferrari o seu representante, sabendo motivar
os chefes políticos de então e, com diplomacia, até os protestantes quanto à
importância da criação de uma diocese.
Grande era a influência do protestantismo entre os moradores de
Botucatu, basta que se destaque a vinda para Botucatu do doutor Vital Brasil;
dentre tantos da comunidade presbiteriana local, seu nome foi sempre
lembrado com muito apreço trazido pela comunidade local que tinha a sua
escola.
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo procurei construir a história do Colégio dos Anjos com
olhar focado nas mudanças e permanências em sua imagem, nas estratégias
da elaboração dessas imagens e em sua comunicabilidade. Para isso, utilizei
várias fontes: seu discurso, documentos da congregação, notícias e anos
comemorativos do colégio. Esta história é uma dentre inúmeras possibilidades
do olhar, inicia-se com uma primeira imagem: um colégio que foi instalado na
cidade de Botucatu. Como dito no início da pesquisa as irmãs vieram a
convite do bispo de Botucatu, dom Lúcio Antunes de Souza, para cuidar da
formação intelectual e cristã das moças de Botucatu e região.
Apresento, a fim de olhar para essa imagem com maior atenção, o
Colégio dos Anjos em meio ao universo cultural do início do século XX, quando
as escolas eram vistas como um dos meios mais eficazes para a resolução dos
problemas sociais, como parte integrante do avanço cultural necessário aos
novos tempos.
No início da República o país vivia um momento de reordenação política
e econômica e ganhava ares de modernidade. As expansões culturais e
demandas de escolas por parte da elite encontraram respaldo na Igreja
católica, que passava por um período de reestruturação e expansão com o fim
do padroado. Uma das medidas tomadas pela Igreja, a fim de renovar e
ampliar seus quadros e difundir suas doutrinas era a fundação de escolas.
Difundidas com espaços culturais privilegiados, foi no início da década de
1930, com a organização do sistema nacional de educação, que as escolas
foram projetadas com maior força para fora de seus muros, expondo-se
publicamente. Mais uma vez, como no início do século, era exaltada nos
discursos políticos e culturais, saíam para desfiles e convidavam a população
para atividades internas. Eram, portanto, espaços privilegiados de sociabilidade
e cultura. Esses dois momentos, o início da República e a Revolução de 1930,
apresentam esforços para ampliação da rede de escolarização no país, sendo
maior a ampliação após a década de 1930.
Na cidade de Botucatu, região de grandes fazendas produtoras de café,
o status dado às escolas pela população não foi diferente. A cidade viveu, no
96
início da República, um período de grandes investimentos culturais. Era preciso
modernizá-la política, econômica e culturalmente. Assim, os emblemas da
cidade moderna eram estampados no centro de Botucatu: estação ferroviária,
luz elétrica, casarões, Igreja matriz, teatro, gabinete de leitura e um colégio
católico destinado às filhas ou aos filhos da elite. A segunda imagem: o colégio
bem-sucedido, um dos símbolos do progresso da cidade.
As fontes e o discurso produzidos no Colégio dos Anjos, durante o
período estudado, foram coerentes, ao longo da história, e dialogavam com os
ritos e discursos que a sociedade e a cultura do período acolhiam. Assim,
enquanto no início do funcionamento do colégio em Botucatu eram descritas
somente festas comemorativas, Eucaristia, após a década de 1930 um
aumento significativo na descrição de festas e desfiles cívicos. Estes últimos
aparecem em tal quantidade que acabam por deslocar as cerimônias religiosas
para o segundo plano. Acompanhando o momento político da construção da
identidade nacional, o colégio assume esse discurso e envolve-se na lógica
espetacular, mas sem abandonar seus projetos.
Os desfiles e as conferências eram os espaços onde as meninas, os
professores e as irmãs se apresentavam, mostrando os resultados do trabalho
desenvolvido no Colégio dos Anjos, sua filosofia, seu marketing. O caráter
público dos eventos favorecia a amplitude da divulgação. Expunha-se, em
consonância com os modelos difundidos no período, a figura da mulher
baseada no eterno feminino, mas, ao mesmo tempo, preparavam-na para
profissão, com conhecimento e competência, conforme divulgava o colégio. O
convívio social para o interior de seus muros. Dos eventos nas ruas ou das
conferências abertas à população, hoje as cerimônias que mais se destacam
são as chamadas atividades de palco e a casa aberta. O Colégio dos Anjos
continua construindo sua imagem no interior da cultura. As propagandas
publicadas no jornal A Gazeta de Botucatu na década de 1920 ofereciam
educação completa; em 2007, podemos ler em outdoors, nas principais
avenidas da cidade, o seguinte anúncio: “Entre tradição e qualidade, fique com
as duas. Colégio Santa Marcelina”.
Envolvido em um meio educacional no qual a venda do conhecimento
para aqueles que podem comprá-lo se tornou um espetáculo de venda de
imagem, o Colégio dos Anjos carrega tradição e qualidade e, ainda hoje,
97
desempenha papel significativo na educação em Botucatu. Em meio à
modernidade de colégios como Anglo, Objetivo, La Salle e Seta, instalados na
cidade, o colégio sobrevive e marca sua presença, aliado a seu tempo, ele
volta-se para o privado e adota a modernidade do campo educacional. A
tensão entre adequação a seu tempo, desejos e interesses de famílias e da
Igreja convivem nesse ambiente. Esta é a história de uma escola que absorveu
os acontecimentos culturais, em seus aspectos cívicos e religiosos. É a história
de como, em meio a eles e com sua ajuda, se construiu sua imagem
trabalhando contradições.
A minha pesquisa tem como fonte principal, como dito, conhecer a
história da congregação Santa Marcelina. No ano de 1939 o nome da escola foi
alterado, sendo atualmente Colégio Santa Marcelina. O nome foi alterado em
decorrência da reforma de ensino.
O arquivo da escola é muito rico em documentação; da fundação na
Itália e a vinda da Congregação para o Brasil até 1912, período desta pesquisa,
encontraremos: informativos, revistas comemorativas, cartas do fundador,
livros diversos. Além dessa documentação oficial produzida pela escola, todas
elas manuscritas, temos também algumas fontes impressas que são: alguns
exemplares do jornal A Gazeta de Botucatu, jornal que circulava na cidade.
A maior parte da documentação foi produzida com um caráter oficial,
portanto faz-se necessário compreender a finalidade da produção dessa
documentação.
Percebe-se que havia uma preocupação muito grande de possuir todas
as informações ligada à escola anotada, o que facilitou muito a pesquisa sobre
a instituição. Os jornais encontrados sobre a época retratada trazem notícias,
sendo a mesma uma instituição cuja função era formar as jovens da cidade na
doutrina cristã e na sua conduta, formando jovens prendadas.
A escola atendia na sua maioria à elite da cidade, pois a escola era
particular, quem possuía recursos financeiros poderia mandar suas filhas
para a instituição; percebemos a partir dessa análise mais aprofundada o perfil
da elite da cidade.
O jornal A Gazeta de Botucatu anuncia a abertura das matrículas no
inicio de 1913 para a escola recém-inaugurada na cidade.
98
Dessa maneira, concluímos este trabalho, esperando ter respondido à
questão teórica posta logo de início, sobre o porquê e a importância de analisar
a história da Congregação Marcelina para melhor entender a história de
Botucatu no início do século XX, pois sua instalação no município se
entrecruza com o momento econômico, político e cultural aí instaurado, de
acordo com estudiosos das sociedades contemporâneas, o que mais uma vez
sedimenta a idéia do porquê fazer história.
99
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Figura 5: Carta da superiora de Botucatu à madre Acquistapace na Itália. Fonte: Marcelinas 80
anos.
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Figura 6: Reportagem publicada pelo jornal local de lançamento da primeira pedra no dia 8 de
dezembro de 1913. Fonte: Marcelinas 80 anos.
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