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É comum que a sistematização e a codificação das leis visem a imposição de limites
ao poder monárquico. No entanto, a compilação das leis e das ordens emanadas dos
sucessivos monarcas e das cortes correspondeu a uma afirmação do poder real. No início da
época moderna, o aparecimento de códigos legislativos acompanhou a formação e o
fortalecimento das monarquias nacionais, destacando-se o pioneirismo português. Associadas
diretamente ao monarca que as promulgou, as chamadas Ordenações portuguesas constituíram
o corpo legal de referência para todo o Reino.
261
Em meados do século XV uma codificação de leis civis, fiscais, administrativas,
militares e penais, com a fixação de regras nas relações com a Igreja, foi concluída e
promulgada, sob o título de Ordenações do senhor D. Afonso V ou, simplesmente,
Ordenações Afonsinas.
262
Essa primeira codificação foi reformada durante o reinado de D.
Manuel e concluída em 1521 sob o título de Ordenações Manuelinas.
263
No início do reinado
de Filipe I, entre 1583 e 1585, os trabalhos preparatórios para uma outra sistematização
legislativa foram iniciados; contudo, por razões desconhecidas, as novas ordenações somente
entraram em vigor no início do reinado de Filipe II, quase uma década depois.
264
Publicada
com o pomposo título de Ordenações e leis do reino de Portugal, recopiladas por mandado do
muito alto, católico e poderoso rei Dom Filipe, o primeiro, a compilação constituiu o mais
bem feito e duradouro código legal português.
265
261
LARA, Silvia Hunold. (org.) Ordenações Filipinas: Livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 29.
Compiladas e ordenadas, as diversas leis regulamentavam a estrutura hierárquica dos cargos públicos, as
relações com a Igreja, a vida comercial, civil e penal dos súditos e vassalos. Acima de tudo, porém, estava o
monarca; ou, como expressa uma passagem das Ordenações Filipinas: “O rei é lei animada sobre a terra e
pode fazer lei e revogá-la quando vir que convém fazer assim”.
262
Ibid. p. 30. As regulamentações existentes nas Ordenações Afonsinas foram reunidas e ordenadas em cinco
livros: o primeiro ocupou-se dos cargos da administração e da Justiça; o segundo trata das relações entre o
Estado e a Igreja e dos privilégios e direitos do clero e da nobreza; o terceiro cuida basicamente do processo
civil; o quarto estabelece as regras para contratos, testamentos, tutelas, formas de distribuição e aforamento
de terras etc.; e o último estipula os crimes e suas respectivas penas. Essas Ordenações, entretanto, não
chegaram a ser impressas durante o tempo em que vigoravam, circulando sob a forma de cópias manuscritas
que demoravam a ser concluídas e traziam muitas vezes pequenas alterações.
263
Ibid. p. 31. As Ordenações Manuelinas seguem a mesma estrutura das Afonsinas, com algumas revisões e
atualizações. Entretanto, agora os textos aparecem escritos em nome do rei, como se dele sempre tivessem
emanado, diferentemente da anterior, que chegava a reproduzir textos publicados por outros monarcas.
Configura-se assim, sob o reinado de D. Manuel, a associação entre o monarca e sua lei, cujo poder se
expande à medida de suas próprias Conquistas: aqui, as penas de degredo incorporam Ceuta, São Tomé e
outras “colônias” da África.
264
Ibid. p. 33. No reinado de D. Sebastião, o jurisconsulto Duarte Nunes de Leão realizou uma compilação de
leis extravagantes e dos assentos da Casa de Suplicação, aprovada em 1569. Embora não houvesse intenção,
posteriormente essa obra ficou conhecida pelo nome de Código Sebastiânico.
265
Ibid. p. 34. Apesar de promulgado sob a égide do domínio de Castela, o texto das Ordenações Filipinas segue
a tradição legal portuguesa, tanto do ponto de vista formal como do normativo, com raras influências
castelhanas. Conserva, assim, a mesma divisão em cinco livros das Ordenações anteriores, igualmente
subdivididos em títulos e parágrafos. O livro I delineia as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e
oficiais da Justiça, com exceção dos ligados ao desembargo do Paço, cujo regimento, embora datado de 27
de julho de 1582, não foi incorporado às Ordenações. No segundo livro estão definidas as relações entre o