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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
ANA PAULA ANDRADE
DE VIDAS SECAS A MEMÓRIAS DO CÁRCERE: UM PERCURSO DE
NELSON PEREIRA DOS SANTOS
Franca
2007
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1
ANA PAULA ANDRADE
DE VIDAS SECAS A MEMÓRIAS DO CÁRCERE: UM PERCURSO DE
NELSON PEREIRA DOS SANTOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de História, Direito e Serviço
Social, como pré-requisito para obtenção do título de
Mestre em História. Área de concentração: História e
Cultura Política.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Kolleritz.
Franca
2007
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ANA PAULA ANDRADE
DE VIDAS SECAS A MEMÓRIAS DO CÁRCERE: UM PERCURSO DE
NELSON PEREIRA DOS SANTOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de História, Direito e Serviço Social, como pré-requisito
para obtenção do título de Mestre em História. Área de concentração: História e
Cultura Política.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: _________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Kolleritz – UNESP/FHDSS
1º Examinador: ______________________________________________________
Prof. Dr. Samuel José Holanda de Paiva - UFSCar
2º Examinador: ______________________________________________________
Profa. Dra. Márcia Regina Capelari Naxara – UNESP/FHDSS
Franca, 14 de março de 2007.
3
À
minha família;
Jean e Susani, com carinho.
4
AGRADECIMENTOS
Meus primeiros agradecimentos são dirigidos a Deus, por ter sido, e ainda ser, a força que me
sustenta todos os dias.
Também gostaria de agradecer à minha família: minha mãe Ana Luiza, minhas tias Cida,
Eurídes e Marilene; a Alberto, Juliana, Carlos, Larissa, Leonel e Paulo, pelas alegrias cotidianas, como
também por todo o apoio ao longo destes anos.
Um dia alguém disse que amigos são os irmãos que podemos escolher. Pensando nisso
agradeço a Alberto, Anita, Armínio, Carina, Christian, Cláudia, Dani, Fernanda F. Fernanda M.,
Giselle, Heloíse, Ísis, Ivanildo, Jorge Gonçalves, Kelly, Lene, Lívia Borges, Paulinho, Raimundo
Agnelo, Rosana, “Sr. Bonfim” e Tânia. Pessoas maravilhosas, com as quais eu pude contar sempre que
precisei. Diante disso, eu não poderia deixar de destacar toda a minha gratidão e carinho.
E por falar em gratidão e carinho, acredito que nem todos os agradecimentos poderiam pagar a
dívida que tenho com Jean e Susani. Todavia, eis aqui um singelo agradecimento por toda a
preocupação e apoio, bem como pelos agradáveis momentos compartilhados.
Também manifesto meus agradecimentos as professoras Márcia Naxara e Tânia Garcia, pelas
significativas contribuições na Banca de Qualificação e apoio após a mesma. No que se refere a
professora Tânia, eu ainda gostaria de lhe agradecer por ter me auxiliado a descobrir os filmes de
Nelson Pereira e, com isso, me abrir um mundo de possibilidades.
A Fernando Kolleritz, ou carinhosamente “o chefe”, agradeço pela generosidade e coragem
em ter aceitado a orientação deste trabalho, bem como por suas significativas contribuições ao longo
de todos estes anos.
Em continuidade, agradeço ao bravo Cadu que, corajosamente, não se intimidou diante da
árdua tarefa de corrigir este trabalho.
Além dos professores e amigos, outras pessoas, antes desconhecidas, também se fizeram muito
importantes ao longo da elaboração deste. Dentre elas, não posso deixar de destacar Giselle
Gubernikoff, os funcionários da Cinemateca Brasileira, do Centrro Cultural Banco do Brasil, do
Museu Lasar Segall e os funcionários da UNESP, em especial, Enide, Lurdinha, Márcio e Maysa.
À Capes, agradeço pelo financiamento.
E, por fim, sou grata ao Ronaldo, pelo amor, carinho e, sobretudo, paciência demonstrados.
5
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
(Jo Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina).
6
RESUMO
Cineasta engajado, Nelson Pereira dos Santos marca a história do cinema nacional como um
participante ativo de uma série de movimentos cinematográficos e como um dos mais
importantes cineastas do Brasil. Diretor de uma extensa lista de longas e curtas-metragens, o
ex-militante do PCB retomou, em dois momentos distintos e significativos de sua carreira,
duas obras do consagrado e reconhecido escritor alagoano Graciliano Ramos: Vidas Secas,
de 1938, e Memórias do Cárcere, de 1953. O trabalho ora proposto debruçar-se-á sobre os
dois filmes desse importante diretor, considerando como ponto de partida e prisma analítico
comuns o caráter de denúncia social e política indicado inicialmente nos livros escritos por
Ramos e retomado, por Santos, algumas cadas depois. Objetivamos compreender as
modificações de concepção cinematográfica, apresentadas em Vidas Secas (1963) e em
Memórias do Cárcere (1984), que entendemos estarem relacionadas às mudanças sociais,
econômicas e políticas do país, bem como as transformações pessoais de Nelson Pereira ao
longo dos 20 anos entre as duas películas.
Palavras-chave: Nelson Pereira dos Santos; Vidas Secas; Memórias do Cárcere; cinema;
cinema nacional.
7
ABSTRACT
The committed director Nelson Pereira dos Santos marks the history of the national movies as
an active participant of a series of cinematographic movements and as one of the most
important directors of Brazil. Director of an extensive list of long and short-metragem. The
ex-militant of PCB took it back in two significant and distinct moments of his career two
works already consecrated and recognized from the writer Graciliano Ramos: Vidas Secas, of
1938, and Memórias do Cárcere, of 1953. The work now proposed will bend over about the
two film from that important director, considering as the starting point and common analytic
prism the character of social and politic denunciation indicated initially in the books written
by Ramos and returned by Santos some decades afterwards, we are going to understand the
modifications on cinematographic conception, presented in Vidas Secas (1963) and Memórias
do Cárcere (1984) which is understood will be related to the economic and social country
changes as well as the Nelson Pereira personal changes during the 20 years between the two
films.
Key words: Nelson Pereira dos Santos; Vidas Secas; Memórias do Cárcere; movies; national
movies.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................9
CAPÍTULO 1 NELSON PEREIRA DOS SANTOS: UM RETRATO DO BRASIL.....................23
1.1Cinema brasileiro?..........................................................................................................................24
1.2 Nelson Pereira dos Santos: um retrato do Brasil ........................................................................31
CAPÍTULO 2 VIDAS SECAS: “UMA OBRA MUDA, UM FILME NU........................................65
2.1 Entre a ficção e a memória: a obra graciliânica e seus leitores..................................................66
2.2 Singularidade e técnica no livro Vidas Secas ...............................................................................72
2.3 O sertão de Graciliano no cinema de Nelson Pereira..................................................................76
2.4 A chegada dos retirantes de Nelson Pereira dos Santos .............................................................89
CAPÍTULO 3 MEMÓRIAS DE UM PAÍS CHAMADO BRASIL ..................................................95
3.1 Cadeia ..............................................................................................................................................96
3.2 Será que dessa vez o Memórias sai do papel? ..............................................................................99
3.3 O público também pode ser uma opção .....................................................................................106
3.4 Enfim no grande ecrã...................................................................................................................114
CAPÍTULO 4 DE VIDAS SECAS A MEMÓRIAS DO CÁRCERE: UM PERCURSO DE
NELSON PEREIRA DOS SANTOS.......................................................................122
4.1 Nelson Pereira e o engajamento sartriano .................................................................................123
4.2 Padrões de mudança intelectual para um cineasta brasileiro (1960 – 1984) ..........................126
4.3 Da agressão à sedução: Vidas Secas (1963) e Memórias do Cárcere (1984).............................138
CONCLUSÃO ....................................................................................................................................153
REFERÊNCIAS.................................................................................................................................159
FONTES..............................................................................................................................................169
ANEXOS..............................................................................................................................................177
ANEXO A - Filmografia de Nelson Pereira dos Santos..................................................................178
ANEXO B - Bibliografia de Graciliano Ramos...............................................................................186
9
INTRODUÇÃO
10
Desde muito cedo, o cinema denominado comercial e/ou industrial estabeleceu uma
intensa ligação com a literatura. A princípio, apoiou-se na estrutura oferecida pela narrativa
do romance realista, bem como em textos consagrados pela crítica e pelo público, numa
busca de, por um lado, garantir uma maior receptividade junto aos seus espectadores tendo
esses textos já sido testados anteriormente e, de outro, assegurar para si o reconhecimento e
o peso artístico, já inscritos nas obras literárias em que se inspirava. Uma vez que,
No início do século XX, o que é o cinematógrafo para os inteligentes, para
as pessoas cultivadas? “Uma máquina de embrutecimento e de dissolução,
um passatempo de iletrados, de criaturas miseráveis iludidas por sua
ocupação” (Georges Duhamel). Eles não se comprometem com ‘esse
espetáculo de idiotas’. [...] O filme é considerado como uma espécie de
atração de feira, o direito não lhe conhece mesmo o autor. Essas imagens que
se mexem são devidas a “máquina especial por meio da qual elas são
obtidas” (FERRO, 1976, p. 201, destaques do autor).
Como bem expressa o extrato do texto do historiador Marc Ferro, o cinema não passava de
um mero passatempo, estava distante de ser pensado como uma forma autônoma de
expressão, possuidora de uma linguagem com regras próprias.
No entanto, vários foram os realizadores e pensadores de cinema que, com o passar
dos anos, procuraram conferir àquela “atração de feira” uma espécie de status de nobreza e
despertar, sobretudo, o interesse daqueles que viam com desprezo aquela novidade bem
recebida entre populares.
O cinema poderia, então, deixar de ser uma bobagem ou brincadeira sem
conseqüências e tornar-se um veículo sério, capaz de transmitir mensagens,
idéias, apresentar personagens de estatura que, existindo anteriormente nos
livros, traziam consigo o carimbo de qualidade (MARQUES, 2002, p. 13).
E é a partir dessa experiência acumulada decorrente dos trabalhos de realizadores e
estudiosos como Griffith, Eisenstein, Diziga Vertov e outros de menor importância que o
cinema vai construindo uma linguagem própria, detentora de novas formas de narrar suas
histórias, por intermédio da imagem em movimento, e, desse modo, vai se separando das
estruturas da narrativa literária. No entanto, apesar da narrativa cinematográfica ter se
separado da matriz literária, a histórica ligação entre o cinema e a literatura não se esvaziaria a
partir da emancipação do cinema. Estabelecia-se, desde então, um frutífero diálogo entre
ambas as linguagens, fosse, como bem observou Aída Marques, por propósitos artísticos ou
expressivos, ou mesmo por intenções mercadológicas, com vistas para chamar a atenção do
espectador.
Apesar de a literatura ser apenas um ponto de partida, considerado como fixo uma
vez que partimos de duas obras de um mesmo escritor, com claro prisma analítico de
11
denúncia social e política, para analisar duas adaptações de um mesmo diretor –, convém
estabelecer, desde já, que ao trabalharmos com a dialógica cinema e literatura nos
aproximamos das proposições de autores como Randal Johnson, Hélio Guimarães e Ismail
Xavier, apresentadas na obra Literatura, cinema e televisão. Por intermédio de diferentes
ensaios, esses escritores questionam a insistência, por parte de alguns observadores, na
fidelidade da adaptação cinematográfica ao texto literário, uma vez que, tanto o cinema,
quanto a literatura, constituem linguagens diferentes, são, portanto, portadoras de seus
próprios códigos de expressão e interação com os seus receptores. Segundo Johnson, focar-se
na questão da fidelidade é algo irrelevante, um falso problema, porque se ignoram diferenças
essenciais entre os dois meios
1
. O autor propõe, então, outras formas de abordagem, como,
por exemplo, a de que “[...] uma obra artística [...] tem de ser julgada em relação aos valores
do campo no qual se insere, e não em relação aos valores de um outro campo”, e que “quando
um cineasta faz um filme, está respondendo [...] à questões levantadas ou possibilitadas pelo
próprio campo, em primeiro lugar, e pela sociedade ou outros campos, em segundo lugar”
(JOHNSON, 2003, p. 44). Concordando com Johnson, Guimarães ainda acrescenta que,
mesmo adaptando uma obra literária, o cineasta dialoga primeiramente com seu público e sua
época. Em face dessas proposições, levamos a relação entre o cinema e a literatura não em
função de uma fidelidade, mas na condição de um diálogo entre duas linguagens distintas.
Entendemos que há aí um prisma especial a ser trabalhado, o qual se refere aos teores
ideológicos da adaptação, visto que, conforme os casos de adaptações, há, quase que
necessariamente, acertos ideológicos que estão em função de alguns fatores, como o
momento da distribuição do filme, da história do cinema, do cineasta, da época e do seu
público, entre outros. Priorizamos assim o diálogo que o cineasta trava com sua época, a qual
ele não escolhe, e com o seu público que em parte, pelo menos, ele escolhe tendo em vista
que há vários gêneros de filmes.
1
Randal Johnson ainda acrescenta que “[...] enquanto um romancista tem à sua disposição a linguagem verbal,
com toda a sua riqueza metafórica e figurativa, um cineasta lida com pelo menos cinco materiais de expressão
diferentes: imagens visuais, a linguagem verbal oral (diálogo, narração e letras de música), sons não verbais
(ruídos e efeitos sonoros), música e a própria língua escrita (créditos, títulos e outras escritas). Todos esses
materiais podem ser manipulados de diversas maneiras. A diferença sica entre os dois meios não se reduz,
portanto, à diferença entre linguagem escrita e imagem visual, como se costuma dizer. Se o cinema tem
dificuldade em fazer determinadas coisas que a literatura faz, a literatura também não consegue fazer o que um
filme faz” (JOHNSON, 2003, p. 42, destaques do autor).
12
Novidade chegada ao Brasil poucos meses depois de sua invenção
2
, o cinema que se
desenvolveria aqui também não deixaria de lado a utilização de textos literários, mas, de
acordo com Cláudio Novaes, seguiria uma tendência internacional da indústria
cinematográfica do início do século XX. Segundo o autor, o interesse pela discussão sobre
cinema e literatura, no Brasil, se encontra nos escritos de A vida literária no Brasil, de
Brito Broca. Uma obra em que o autor, em linhas gerais, aponta as dificuldades de se ter
notícias acerca dos acontecimentos cinematográficos, do início do século XX, e notícias a
respeito das primeiras adaptações de clássicos da literatura nacional, como o “talvez” primeiro
longa-metragem Inocência, de 1915. Cláudio Novaes ainda continua:
Jean-Claude Bernardet cita algumas adaptações, anteriores a este filme
baseado no romance de Franklin Távora, no denominado período “artesanal”
do cinema brasileiro, compreendido entre os anos de 1896-1912. Mas
somente a paródia de O Guarani (1908) recorre a um grande clássico da
literatura nacional. Tanto Inocência, quanto O Guarani retornarão em várias
outras adaptações, inclusive no cinema contemporâneo dirigidos por Walter
Lima Jr. e Norma Benguell, respectivamente (NOVAES, 2003, p. 63,
destaques do autor).
Vários também foram os romances adaptados entre 1915 e 1925, dentre os quais pode-
se destacar, entre outros, A moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo, O mulato, de Aluísio
de Azevedo, A carne, de Júlio Ribeiro e Lucíola, Inocência, Iracema, A viuvinha, Ubirajara
e, mais uma vez, O Guarani, de José de Alencar.
Para além dessas adaptações do chamado primeiro período áureo do cinema
brasileiro
3
, as adaptações dos escritos de autores considerados como clássicos da literatura
nacional continuariam sendo realizadas ao longo da história do país, no entanto, obras de
escritores como Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos
seriam levadas para o grande ecrã a partir dos anos 60, em razão da grande identificação dos
diretores do período, sobretudo os cinemanovistas, com as idéias expressas nos textos desses
2
De acordo com Guido Bilharinho, “[...] em 8 de julho de 1896 [...] acontece a primeira sessão pública de
cinema no país de que se tem comprovação, em sala especialmente preparada, situada na Rua do Ouvidor, 57,
no Rio de Janeiro (BILHARINHO, 1997, p. 14). Na capital paulista, a primeira exibição ocorreria cerca de um
mês depois.
3
Acerca dos períodos em que costumeiramente se divide o cinema brasileiro, o crítico Jean-Claude Bernardet,
criticando a “invasão” do mercado cinematográfico brasileiro por filmes estrangeiros, dirá que “[...] a história
da produção cinematográfica no Brasil não se apresenta como uma linha reta, mas como uma série de surtos em
vários pontos do país, brutalmente interrompidos. São os chamados ciclos, de cinco ou seis filmes quando
muito; é Campinas, Recife, Cataguases, a Vera Cruz. Continua atualmente a euforia do Cinema Novo, que será
mais um desses surtos, candidato ao cemitério dos ciclos, se, desta vez, não conseguirmos conquistar o
mercado nacional. Os produtores independentes geralmente morrem de morte instantânea. [...] Diretores como
Nelson Pereira dos Santos ou Walter Hugo Khouri, que conseguiram, em dez anos, dirigir cinco ou seis filmes,
são casos únicos” (BERNARDET, 1976, p. 18, grifo do autor).
13
literatos, bem como pelas significativas leituras que escritores como Gregório de Mattos,
Euclides da Cunha e Castro Alves, entre outros, realizaram sobre o país. Segundo Santos,
“O cinema existente [até então] não expressava a nossa realidade, não tinha
representatividade cultural como a literatura dos anos 30 [...]. A literatura
havia dado uma expressão estética aos problemas do povo. Queríamos fazer
a mesma coisa com o cinema. Isto seria possível criando uma forma
própria de expressão, não usando uma preexistente” (SANTOS, 1981, apud
AVELLAR, 2007, p. 5).
E em busca por melhor expressar essa realidade brasileira, entendida como a de um
país subdesenvolvido, vários foram os cineastas que, atuantes nos anos 60, principalmente,
refletiram e buscaram novos caminhos para o cinema nacional. No caso dos cinemanovistas,
[...] isso se fez por meio de uma recusa aos padrões do cinema industrial
mais voltado para a reprodução das aparências, em que o naturalismo é a
convenção que estabelece limites muito claros para a discussão da
experiência social. Embora não se possa, em termos práticos, separar de
modo absoluto “cinema de autor” e determinados gêneros tradicionais
consolidados no mercado, sabe-se que [...] colocaram em discussão as
fórmulas usuais, inclusive determinadas formas de comédia popular, como a
chanchada, ou matrizes folhetinescas tradicionais que haviam alimentado os
melodramas do passado. Queriam uma dramaturgia liberta de clichês,
impulsionadora da expressão autoral, sem censuras do aparato industrial,
estimuladora de uma consciência crítica diante da experiência
contemporânea. Sem descartar as emoções e o divertimento, entendiam que
a dimensão política das novas poéticas exigia uma linguagem que deveria ir
além da transformação dos problemas em espetáculo, o que significava a
construção de uma linguagem capaz de “fazer pensar” (XAVIER, 2003, p.
129, destaques do autor).
Também partilhando deste ideário de defesa de uma arte nacional-popular, que
“fizesse pensar”, Nelson Pereira dos Santos vinha, desde algum tempo, contribuindo para a
formação do ideário cinematográfico que se apresentou no Brasil a partir dos anos 60.
Distanciando-se das chanchadas” gênero que vivia, na época, o seu apogeu –, o jovem
diretor, juntamente com outros contemporâneos, protagonizava uma proposta estético-
ideológica que tinha nítida preocupação social, cujos propósitos se distanciavam do simples
divertimento, ou mesmo de um puro esteticismo, além, é claro, de meras referências a autores
clássicos da nossa literatura – como se fazia até então.
De forma engajada, Pereira dos Santos, desde a juventude, se envolveria em vários
movimentos significativos na história do cinema brasileiro, como o dos cineclubes de São
Paulo, nos anos 40, os congressos de cinema, nos anos 50 e, é claro, o do Cinema Novo, do
qual é tido como o grande precursor embora caiba destacar que Santos não se envolveu
totalmente em nenhum desses movimentos, mas caminhou, por diversas vezes, em faixa
própria, passando ao largo das propostas desses grupos.
14
Leitor, durante a juventude, de escritores como Jorge Amado, José Lins do Rego e
Graciliano Ramos, entre outros, o diretor teve os seus primeiros contatos com o cinema e a
literatura desde muito cedo. Filho de pais “cinéfilos” embora na época não se tenha
consciência do que é ser cinéfilo –, ele adquiriu ainda na infância o hábito e o gosto pelo
cinema, que, segundo seu irmão Saturnino, ir as sessões de cinema era um autêntico ritual
que se realizava durante os finais de semana, num camarote alugado no Cine Teatro Colombo,
na região paulistana do Brás. Já o consumo e o gosto por literatura datar-se-ia, na informação
do próprio diretor, dos seus primeiro e segundo anos primários, no Colégio do Estado. E a
partir daí seria “[...] muito difícil diferenciar o cinema da literatura” (SANTOS apud
O’GRADY, 2005, p. 25). Depoimento esse que se sustenta em sua obra, que é, quase toda ela,
permeada por referências literárias, quando não esdiretamente ligada à literatura, como é o
caso de longas-metragens como Vidas Secas, El Justicero, Fome de Amor, Azyllo Muito
Louco, Tenda dos Milagres, Memórias do Cárcere, Jubiabá, A Terceira Margem do Rio e
Cinema de Lágrimas, ou de curtas-metragens como Um Ladrão e Missa do Galo, e no
trabalho como produtor de As Aventuras Amorosas de um Padeiro, para citar alguns
exemplos.
Por seu intenso diálogo com a literatura nacional, Nelson Pereira tornou-se, no ano de
2006, o primeiro representante do cinema a ocupar uma cadeira no espaço da Academia
Brasileira de Letras. Sua obra é, como bem observou Marcelo Ridenti, um paradigma da
busca das raízes do Brasil. Característica essa que não é exclusivamente sua, visto que
também se apresenta em vários artistas que se formaram entre 1945 e 1964-68, mas que
encontra na obra do diretor a unidade de quem produziu filmes durante os mais variados e
conturbados períodos da história nacional dos últimos decênios, dialogando com as discussões
em voga; uma façanha realizada por poucos diretores ao longo de toda a história do cinema
brasileiro.
Ao escolhermos dois de seus filmes, ou o cinema como principal documento de
pesquisa de uma história cultural, convém esclarecer que, levando-se em consideração as
proposições teórico-metodológicas do historiador e cineasta Marc Ferro, consideramos cada
filme como um produto, cujas significações não são exclusivamente cinematográficas, mas
também históricas, uma vez que entendemos que o filme “[...] vale pelo que testemunha, pela
forma com que o homem representa a si mesmo, [...] [não sendo apenas] um divertimento
como, geralmente, é visto no nível do senso comum” (MEIRELLES, 1989, p. 6). Contudo, no
que tange às intenções teórico-metodológicas propostas por Ferro, a releitura crítica realizada
por Eduardo Morettin, em Cinema e história: uma análise do filme os bandeirantes,
15
complementa a proposta do teórico francês e nos auxilia a delinear, melhor, nosso
direcionamento referente à relação cinema e história.
À princípio, Eduardo Morettin entra em concordância com Ferro no ponto em que entende
[...] que o cinema não é uma expreso direta dos projetos ideológicos que lhe dão suporte [...],
[pois] um filme apresenta, de fato, tensões próprias” (MORETTIN, 1994, p. 5). Mas, ao
prosseguir em seu diálogo com a proposta de Marc Ferro, o pesquisador brasileiro procura fazer
alguns reparosà metodologia criada pelo teórico francês, uma vez que entende que ao utilizar,
recorrentemente, palavras como “revelare “registrar”, Ferro acredita que uma realidade” pode
ser totalmente apreendida pelo cinema, “[...] como se o próprio filme [já] não exercesse um papel
de mediação com o social” (MORETTIN, 1994, p. 5). Além disso, ao compreender a “contra-
história realizada pelo cinema como um complemento à história realizada pela tradição escrita
4
e
que para se chegar a essa “contra-história”, atras do cinema, o pesquisador deve se ater aos mais
variados aspectos constituintes da obra como à sociedade que produz o filme, a própria obra e
recepção de crítica e de público, entre outras –, o teórico francês, para Eduardo Morettin, elucida
as relações entre cinema e história a partir de simples dicotomias como ‘explícito’ implícito,
aparente latente’ e ‘vivel’ não-visível’ [...] (MORETTIN, 1994, p. 6, destaques do
autor). Perspectivas que, para o pesquisador brasileiro, não elucidam satisfatoriamente as relações
entre cinema e história, uma vez que o mesmo não está preocupado em enxergar o filme, no caso
Os Bandeirantes, como um exemplo de “contra-história da época, mas visa recuperar a ação do
cineasta, numa película que subverte, ou não, as expectativas criadas em torno de si. Morettin
propõe, então, que esta ação do cineasta seja recuperada atras do exame da decupagem – alise
que para Marc Ferro é algo secundário. Eduardo Morettin procura então demonstrar que a análise
interna de um filme, em seu caso Os bandeirantes, aponta para o contexto histórico de sua
produção, “[...] a partir do arranjo das seqüências, da combinação entre imagem e som e de uma
rie de opções feitas ao longo de seu percurso(MORETTIN, 1994, p. 7). Logo, ao estudar o
filme enquanto meio de compreensão de sua época, Morettin entende que o pesquisador deve
tomar o próprio cinema como ponto de partida para suas reflexões.
À luz das reflexões realizadas por estes pesquisadores, entendemos que, tanto Vidas
Secas (1963), quanto Memórias do Cárcere (1984), dialogam
5
, cada um, com um momento
histórico do Brasil e o interpretam, no sentido de que, na época do primeiro filme, cineastas
4
Sendo o documento fílmico importante apenas para confirmar algo “[...] que lhe é exterior, ilustrando as teorias
fornecidas pelo exame da documentação escrita [...]” (MORETTIN, 1994, p. 6).
5
Neste sentido, ainda convém estabelecer que, valendo pela forma com que o artista representa a si mesmo em
cada época, o filme não é, por nós, considerado como uma mera reprodução da realidade, mas parte constituinte
desta.
16
como Nelson Pereira dos Santos, ao vivenciarem um período de grandes expectativas quanto
à revolução social, no Brasil, realizaram seus filmes almejando uma realidade a revolucionar.
Duas cadas depois, o quadro histórico do país já não era mais o mesmo; entre outras
mudanças, a chamada sociedade civil apresentava-se dividida em várias instituições como
sindicatos, associações de moradores e comunidades de base, entre outras –, possuía novas
perspectivas e participava, cada vez mais, do debate político; a crença na revolução, por parte
da intelectualidade considerada de esquerda, havia se dissipado; as próprias esquerdas
passavam por um processo de fragmentação, uma vez que se dividia entre os vários partidos
criados durante o período de abertura política; o país não era mais essencialmente rural,
mas, sobretudo, urbano e industrializado; as propostas cinematográficas não provinham
diretamente de um determinado grupo como aconteceu nos decênios de 60 e 70 –, mas se
apresentavam de forma individual. Em linhas gerais, pode-se dizer que mudados tanto o país
quanto Nelson Pereira, o modo de filmar deste diretor também se modificou.
A partir da comparação entre os dois longas-metragens aqui propostos, procuramos
identificar as perspectivas desse importante diretor nos dois momentos em que relê duas obras
do já celebrado escritor Graciliano Ramos. Para tanto, mobilizamos uma série de mudanças
sociais e culturais que entendemos que existe uma expectativa diferenciada por parte do
cineasta quanto à questão do público para as duas películas –, além de questões técnicas, as
quais compreendemos também estarem relacionadas às perspectivas do cineasta.
E em busca de uma melhor delimitação dos caminhos metodológicos a serem seguidos
neste estudo, principalmente no que tange às questões relacionadas à cnica cinematográfica,
ainda utilizamos algumas obras que contribuíram, substancialmente, em nosso trabalho, na
medida em que analisam procedimentos técnico-artísticos específicos do fazer
cinematográfico. Dentre essas, destacamos os referenciais estudos de Marcel Martin, A
linguagem cinematográfica, e de Rudolph Arnheim, El cine como arte.
Destarte, dialogando com vários pensadores
6
e, às vezes, discordando deles, Marcel
Martin, inicialmente, discorre acerca do que vem a ser uma linguagem, para, finalmente, concluir
que o cinema é um tipo de linguagem. Segundo o autor, [...] a linguagem falada é um sistema de
signos intencionais; [enquanto] a linguagem cinematográfica é um sistema de signos naturais,
mas escolhidos e ordenados intencionalmente (MARTIN, 1963, p. 12, grifos do autor).
Semelhantemente a Arnheim, Martin ainda continua seu estudo definindo e analisando
os procedimentos técnicos do cinema; todavia, as semelhanças entre os dois param por aí. Os
pesquisadores divergem, principalmente, no ponto em que Rudolph Arnheim, ao considerar a
6
Como Jean Cocteau, Alexander Arnoux, Jean Epstein, Lous Delluc e Cohen Séat.
17
experiência cinematográfica como irreal, “[...] se opõe a desenvolvimentos tecnológicos como
cor, fotografia tridimensional, som e tela panorâmica, que [para ele] reduzem o impacto do
cinema ao levá-lo cada vez mais em direção à experiência natural” (ANDREW, 1989, p. 38).
Para Martin o cinema é, por essência, “realista”, pois dá a impressão de realidade. Além disso,
o pesquisador mostra-se ser um grande defensor dos desenvolvimentos tecnológicos,
sobretudo do som. Em suas palavras,
Seria um absurdo querer estabelecer um prêmio entre o mudo e o falado.
Afirmo simplesmente que o som constitui uma contribuição muito
importante, cujo emprego inteligente enriquece consideravelmente as
possibilidades de expressão fílmica. E acho que existe uma estranha cegueira
na base da observação com que certos cinéfilos proclamam a decadência do
cinema depois do sonoro (MARTIN, 1963, p. 94, grifos do autor).
Apesar das significativas divergências existentes entre o pensamento de Marcel Martin e
de Rudolph Arnheim, ambos os pensadores entram num consenso ao estabelecer que a cnica é
um meio utilizado com o objetivo de se obter efeitos diferenciados que, intencionalmente,
proporciona ao espectador um melhor entendimento, ou diferentes sensações.
*
* *
Considerado, por muitos, como um dos mais importantes diretores do Brasil, uma
referência para o estudo do cinema brasileiro das últimas décadas, Nelson Pereira dos Santos
ainda trilha uma carreira de mais de cinqüenta anos de produção no meio cinematográfico e
também acumula uma rie de prêmios, críticas e elogios, por parte da crítica principalmente.
Professor universitário aposentado, sua vida e obra foi tema de uma biografia, escrita pela
jornalista Helena Salem, e de uma série de artigos e trabalhos acadêmicos
7
. Dentre esses
estudos, três trabalhos, principalmente, nos foram de grande valia para a reflexão de questões
como a das influências recebidas e elementos norteadores da obra de Nelson Pereira, da
7
Com temáticas bastante diversificadas, podemos destacar, dentre outros, O Cinema Novo no Brasil: influxos e
características (influxos do neo-realismo italiano no Cinema Novo brasileiro), de Ubirajara Calmon Carvalho
primeiro trabalho acadêmico a estudar a produção do diretor , Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos:
dois personagens do Cinema Novo, de Denise Reif Kroeff, O código e o texto (da teoria do cinema à análise
do filme Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos), de José Tavares de Barros, Rio 40 Graus, Rio
Zona Norte: o jovem Nelson Pereira dos Santos, de Hilda Machado, Cinema e imaginação: a imagem do índio
no cinema brasileiro dos anos 70, de Edgar Teodoro da Cunha, Índios na tela: a representação do índio no
longa-metragem brasileiro de ficção de 1968 a 1974, de Ana Lúcia Lobato Azevedo, O Rio de Janeiro no
cinema de Nelson Pereira dos Santos - Rio 40 Graus, Rio Zona Norte, Boca de Ouro, El Justicero: um estudo
sobre o cinema carioca, de Maria Elisa Coelho da Silva, Estudos cronotópicos em narrativas audiovisuais, de
Egle Muller Spinelli, Adaptações: conjunções disjunções transmutações (do literário ao fílmico e ao
televisual), Tese de Livre-Docência de Anna Maria Balogh, Nelson Pereira dos Santos: o senhor do tempo, de
Mário Reis, Imagens do cárcere: do texto literário à leitura, de Cristiano Monteiro Martinez, A obra literária e
cinematográfica de Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos: o cárcere como metáfora da sociedade e a
ficção como busca de libertação, de Sílvia Regina Paverchi e, por fim, a dissertação de Tânia Nunes Davi, A
democracia no Brasil é um intervalo comercial: autoritarismo, estética e representações em Memórias do
Cárcere (1953-1984).
18
adaptação literária para o cinema, bem como para a localização de artigos e críticas sobre os
filmes aqui estudados.
Destarte, ao tratar da influência do Neo-realismo italiano na produção cinematogfica
brasileira, a Tese de Doutorado de Mariarosaria Fabris – Aculturação brasileira do neo-realismo:
dois momentos estuda os dois primeiros longas-metragens de Nelson Pereira. Estabelece pontos
em comum entre as obras do movimento italiano e vários filmes do diretor brasileiro, além, é
claro, de ressaltar a sua ligação com o movimento cinemanovista. Embora faça distião entre os
caminhos percorridos pelo diretor e os seguidos pelos cinemanovistas, Fabris também não deixa
de destacar que[...] quem recapitula os seus destaquesRio 40º, Rio Zona Norte, Vidas Secas, O
Amuleto de Ogum e Memórias do rcere observa, de fato, a conexão entre o cineasta e
transições fundamentais do Cinema Novo” (FABRIS, 1994, p. 1, grifos do autor).
Mais adiante, recorrendo às palavras de Giuseppe De Santis, Fabris estabelece que,
embora o grupo italiano realizasse obras com temas nacionais, a sua “vocação popular” pode ser
questionada, uma vez que, em sua maioria
8
, os diretores neo-realistas camuflaram em suas obras
uma série de contradições ao, no caso de Vittorio De Sica e sare Zavattini, transferirem para o
proletariado questões e inquietações que não eram suas, mas de outras classes, como da burguesia,
por exemplo, ou mesmo se apoiarem nas obras de escritores que reforçaram, durante anos, o
distanciamento entre as classes populares e a intelectualidade italiana caso de Visconti ao se
inspirar em textos de Giovanni Verga. Foram produções que, após as temporadas de 1945-46
com seis filmes neo-realistas figurando nas listas dos dez maiores sucessos de bilheteria –, se
distanciaram do grande blico, em face do sucesso das produções hollywoodianas entre os
espectadores italianos, bem como, na informação de Vittorio Spinazzola,
[...] [da] “falência da operação neo-realista em seu aspecto programático
mais ambicioso e delicado: a vontade de levar a uma mudança radical nas
relações entre cinema e público’ inventando uma linguagem cinematográfica
que o grande público pudesse entender e por meio da qual adquirir uma
maior consciência nacional” (SPINAZZOLA, 1975 apud FABRIS, 1994, p.
33-34).
8
Para Fabris, entre os cineastas italianos do pós-guerra, talvez o único que tentou elaborar uma “épica ‘nacional
das camadas populares”, isto é, desenvolver um discurso que as via, ao mesmo tempo como protagonistas e
espectadoras, foi Gisuseppe De Santis, na chamada “[...] Trilogia da Terra: Trágica perseguição (Caccia
Tragica, 1947), Arroz amargo (Riso Amaro, 1948) e Páscoas Sangrentas (Non c’è pace tra gli Ulivi, 1949).
Enquanto outros diretores buscavam uma ‘ética da produção artística’, De Santis se dedicava a uma ‘ética do
mass medi’, e, nesse sentido, foi o que mais abertamente se envolveu com o fenômeno da difusão cultural de
massa, pondo-o frente à frente com a cultura popular ainda muito presente na sociedade italiana do pós-guerra.
Em seus filmes buscou o diálogo com o grande público e para tanto se valeu (às vezes, até excessivamente) dos
ensinamentos do cinema hollywoodiano, no qual o atraía a capacidade de criar o entertainment (FABRIS,
1994, p. 28, destaques do autor).
19
Impulsionado pela experiência neo-realista, e como ocorreu com estas produções, o
cinema brasileiro dos anos 60, principalmente o desenvolvido pelo grupo do Cinema Novo,
também indicaria um novo rumo para o cinema nacional. No entanto, diferindo das produções
italianas do pós-guerra, que em seu início ainda alcançaram algum sucesso junto ao público,
as produções cinemanovistas, desde o começo, mostraram a sua quase que
incomunicabilidade com o grande público brasileiro. Segundo Fabris,
Esses filmes também não conseguem dialogar efetivamente com o povo,
sobre cujos problemas sociais se debruçam, e correspondem muito mais às
escolhas culturais das forças progressistas do que contribui para a criação de
uma cultura nacional de caráter popular. O grande público, acostumado à
“suave crítica dos costumes” das chanchadas, em que a integração das
classes e a ascensão social eram a tônica, não se reconhecia nesses filmes
que lhe devolviam a imagem de um país subdesenvolvido de grandes
contrastes sociais (FABRIS, 1994, p. 201).
Foi uma produção que, segundo Jean-Claude Bernardet, embora tratasse de questões
referentes ao grande público, era assistida pela classe média
9
.
Em continuidade, também o estudo da socióloga Célia Tolentino O rural no cinema
brasileiro auxiliou nossas reflexões, sobretudo no que tange a relação entre Santos e o
momento histórico em que produziu Vidas Secas, como também quanto à questão da
adaptação do texto literário para o cinema.
Compreendendo a cinematografia engajada dos anos 60 como possuidora de um
“profundo romantismo rural”, cuja raiz estava assentada na “idéia de que o atraso era
condição determinante e fundamental a ser superado, pois todos os males econômicos, sociais
e morais eram dele advindos” (TOLENTINO, 2001, p. 135), a pesquisadora dedica parte de
seu estudo à análise da película Vidas Secas. Trata do diálogo travado entre os integrantes do
CPC e do Cinema Novo, estabelecendo a dialógica destas correntes cinematográficas com o
contexto histórico e com as idéias que permeavam o imaginário do meio cultural do período,
como, por exemplo, a convicção de triunfo da revolução social.
em sua análise da película Vidas Secas, Tolentino centra-se no estudo de algumas
seqüências e dos recursos técnicos escolhidos pelo cineasta para retratar, no efervescente
contexto histórico dos anos 60, a vida de milhões de brasileiros que, como a família do
vaqueiro Fabiano, se encontravam no ponto mais baixo da pirâmide social.
9
De acordo com Sérgio Santeiro, acreditamos que no que tange à definição conceitual de classe média”, esta “[...]
não é uma compacta e homogênea classe social, razão pela qual a terminologia sociológica prefere chamar a este
extrato intermediário de classes dias, passando de imediato a noção de que se come de diversos setores com
posição relativamente autônoma na estrutura social, cuja interação pode se tornar mais sólida em determinadas
circunstâncias históricas, mas que basicamente tem por característica a difícil homogeneização de seus elementos, ao
contrio da burguesia e do proletariado que, por estarem mais definidos objetivamente, ganham maior coesão social
em fuão de seus interesses melhor demarcados” (SANTEIRO, 1966, p. 167-169).
20
Para a pesquisadora, Nelson Pereira, neste filme, tratava “[...] de encontrar uma arte
verdadeiramente brasileira, que superasse a forma neo-realista de compaixão social e atingisse
o nível de uma discussão política. Um cinema politizado e politizador que fosse capaz de
representar o país na sua totalidade [...]” (TOLENTINO, 2001, p. 145).
Célia Tolentino ainda estabelece uma relação entre o pensamento de Graciliano Ramos
e o de Nelson Pereira dos Santos e, ao concluir sua análise, considera a leitura realizada por
Santos como um trabalho precursor de um olhar realista sobre o campo e distante de uma
leitura exótica sobre a realidade deste.
Por fim, a Dissertação de Giselle Gubernikoff, Cinema brasileiro de Nelson Pereira
dos Santos: uma contribuição ao estudo de uma personalidade artística, nos auxiliou na
coleta de informações sobre a produção do cineasta, uma vez que sistematiza mais de mil
documentos relativos ao diretor, além de trazer algumas entrevistas com o mesmo e com
outros realizadores e técnicos de cinema que conviveram com ele. Apesar de nunca ter sido
publicado, o estudo de Gubernikoff tornou-se uma referência para a localização de
documentos de, pelo menos, trinta anos da vida e obra do diretor.
Inserindo-se na vasta historiografia que trata do cineasta Nelson Pereira do Santos e de
sua obra, o trabalho ora proposto debruçar-se-á sobre dois filmes desse importante diretor
Vidas Secas (1963) e Memórias do Cárcere (1984) –, considerando como ponto de partida e
prisma analítico comuns o caráter de denúncia social e política indicado inicialmente nos
livros por Ramos e retomado por Santos algumas décadas depois. Objetivamos compreender
as modificações de concepção cinematográfica, apresentadas nesses filmes, que entendemos
estarem relacionadas às mudanças sociais, econômicas e políticas do país, bem como às
transformações pessoais de Nelson Pereira ao longo dos vinte anos entre as duas películas.
Para tanto, elegemos, como documentos principais, os dois filmes produzidos pelo
diretor. Como fontes secundárias, recorremos às obras impressas, ao roteiro de Vidas Secas
10
,
à única biografia existente acerca do diretor e textos críticos e informativos publicados em
periódicos do eixo Rio-São Paulo
11
. No que tange a esses textos críticos, convém estabelecer
10
No que se refere ao roteiro de Memórias do Cárcere, entramos em contato com a produtora do cineasta.
Todavia, segundo o mesmo, o referido roteiro não foi localizado.
11
No que tange à utilização desses textos, convém destacar a sua localizão em dois acervos públicos, o da Cinemateca
Brasileira e o do Museu Jenny Klabin Lasar Segall, e um privado, o da professora Prof Dr.ª Giselle Gubernikoff
docente da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo. Para nosso estudo, esses ts acervos
podem ser divididos em duas temáticas principais: os dois primeiros mais ricos na quantidade de recortes de periódicos
e informões sobre o filme Memórias do Cárcere e o terceiro em informões e recortes sobre o filme Vidas Secas. O
vasto acervo da professora Gubernikoff compõe-se de uma série de documentos e informões coletadas pela mesma,
como tamm doadas pelo próprio Nelson Pereira dos Santos, o qual, por volta dos anos 70, doou seu acervo pessoal à
referida professora, que na época redigia sua Dissertão de Mestrado e era orientada por Paulo Emílio Salles Gomes,
professor e amigo de Santos.
21
que não procuramos mapear a recepção das obras estudadas, mas, em face da dificuldade de
se localizar dados que aquilatassem o público alcançado, esses textos, somados aos outros
documentos, nos ajudam a, na medida do possível, designar os eventuais espectadores ideais
que Nelson Pereira tencionava alcançar, nos dois momentos em que recorre a textos de
Graciliano Ramos, e com que finalidade ele o fez. Uma vez que entendemos que, no caso de
Vidas Secas, o cineasta, acreditando na possibilidade e proximidade da revolução nacional-
popular, buscou meios que o auxiliassem na realização de um filme que incitasse os seus
espectadores a agir; da forma esteticamente exigente com que o longa-metragem foi realizado,
pode-se perceber que o operariado, ou qualquer espectador médio, não era um público
potencial para esta película. Vinte anos mais tarde e, portanto, inserido numa outra
conjuntura histórica, o cineasta buscaria novos meios de se dirigir à sociedade de então,
realiza um filme que, embora também possua claros prismas de denúncia social e política,
segue por outro caminho. Santos já não objetiva incitar os seus espectadores a agir, mas visa à
simpatia entre o seu pensamento e o da platéia, cujos códigos, nos anos 80, não estariam tão
distante assim dos televisivos. E, neste caso, a questão do público se apresenta como um
ponto importante, pois, sabendo explorar as diferenças entre o literato alagoano e o vaqueiro
nordestino e tendo consciência que também estava inserido no mercado, o diretor visou ao
maior público possível entre aqueles que poderiam se sentir interpelados pelo endereçamento
político do filme, a saber, uma classe média de exigências estéticas bastante variadas e
suficientemente abastada para pagar o ingresso.
O presente estudo se estrutura em quatro capítulos. No primeiro, aborda a relação e o
diálogo de Nelson Pereira, e de seus filmes, com os movimentos cinematográficos ocorridos
entre os anos 60 e 80.
Tendo como ponto de partida o romance homônimo e destacando elementos que
poderiam interessar ao cineasta no texto de Ramos, o segundo capítulo analisa a película
Vidas Secas. Apresenta como o jovem diretor, realizando a leitura de um Brasil dual leitura
realizada por Ramos e pactuante de uma série de perspectivas cinematográficas em voga
nos efervescentes anos 60, foi mais longe no sociologismo realista e militante do que o
literato alagoano. Idéia esta que se traduziu, paradoxalmente, numa estética cinematográfica
bastante exigente para os espectadores do longa-metragem.
Também mantendo como ponto de partida a obra literária em que se inspira, o terceiro
capítulo é dedicado ao estudo da película Memórias do Cárcere. Reflete como o cineasta, em
face de uma nova conjuntura histórica apresentada pelo Brasil dos anos 80 e dialogando
22
com as perspectivas cinematográficas desta época, realiza um filme que, integrando-se em
cânones, permite a integração do espectador.
Por fim, o quarto capítulo propõe uma comparação entre os dois filmes estudados.
Pretende perceber o deslocamento histórico das modificações de concepção cinematográfica,
ocorridas e intentadas por Nelson Pereira nos dois momentos em que adaptou, para o cinema,
duas obras de Graciliano Ramos.
23
CAPÍTULO 1
Nelson Pereira dos Santos: um retrato do Brasil
“Não posso nem quero dizer que estou fazendo
algo de novo. O termo é pretensioso demais. Diria
que é mais uma linguagem diferenciada. Não crio
o novo, simplesmente rompo com o anterior e é
possível que nesse rompimento algo de novo
surja”.
Nelson Pereira dos Santos, 1973.
24
1.1 Cinema brasileiro?
OMINIOGRAPHO Com este nome, tão hibridamente composto,
inaugurou-se ontem às duas horas da tarde, em uma sala à Rua do Ouvidor,
um aparelho que projeta sobre uma tela colocada ao fundo da sala diversos
espetáculos e cenas animadas, por meio de uma série enorme de fotografias.
Mais desenvolvido do que o Kinetoscopio, do qual é uma ampliação, que
tem a vantagem de oferecer uma visão, não a um só espectador, mas a
centenas de espectadores, cremos ser este o mesmo aparelho a que se o
nome de cinematógrapho. [...] Talvez por defeito das fotografias que se
sucedem rapidamente, ou por inexperiência de quem trabalha com o
aparelho, algumas cenas movem-se indistintamente em vibrações confusas;
outras, porém, ressaltavam nítidas, firmes, acusando-se em um relevo
extraordinário, dando magnífica impressão da vida real. [...] O espetáculo é
curioso e merece ser visto [...] (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1898 apud
MOURA, 1987, p. 16, grifo nosso).
A informativa matéria publicada no periódico carioca Jornal do Comércio, em 21 de
julho de 1896, descrevia a primeira projeção cinematográfica em terras brasileiras, como
também propagandeava a chegada daquela nova invenção. E apesar do Brasil não ter recebido
a visita de representantes dos irmãos Lumière, como ocorreu em outros países da Europa e
também nos Estados Unidos, não se pode deixar de notar que essa primeira apresentação
pública ocorreu poucos meses após a exibição inaugural em Paris, em 28 de dezembro de
1895. Na América Latina, o Brasil seria um dos pioneiros a inserir o cinema em seus hábitos
de lazer.
A escolha da cidade do Rio de Janeiro não se dava por acaso. Em fins do século XIX,
a então capital da República apresentava-se como o centro vital do país, em termos
econômicos, sociais, políticos e culturais; sua população aumentava, em grande medida, pela
chegada de migrantes de outros estados brasileiros e de imigrantes, sobretudo, europeus.
Abria-se, nas palavras de Roberto Moura, um setor médio que, direcionado aos brancos
instruídos, era motivado, principalmente, pela expansão do funcionalismo público e das
profissões liberais. Moura ainda acrescenta que:
[...] de outro lado aparecem empregos mais democráticos nas forças de
repressão da República, empregos para técnicos e para um proletariado
prioritariamente formado por estrangeiros na indústria. Surgem também
vagas para parte de um enorme número de migrantes negros e nordestinos
que chegavam à cidade, tanto nas obras públicas e na construção civil como
nos ofícios de rua ou nos subempregos oferecidos pelas casas burguesas
(MOURA, 1987, p. 13).
A essa gente de origens sociais bastante variadas destinavam-se as rias alternativas de
diversão que, cada vez mais rápido, expandiam o crescente mercado do entretenimento
daquela região. E apesar das companhias de canto lírico e operístico ainda continuarem a ser a
opção das elites imperiais, nas palavras de Moura, o mercado carioca se abriria para uma série
25
de atrações que iam desde apresentações circenses, com animais amestrados e mulheres
barbadas, à números de dança, música e novidades mecânicas, como os primeiros e variados
inventos cinematográficos
12
, cujas sessões itinerantes se garantiam por intermédio de
ingressos a preço acessível e eram consideradas como curiosidades em meio aos outros
espetáculos. Como bem se sabe, semelhantemente ao ocorrido em vários países da Europa,
também no Brasil a novidade cinematográfica foi, por muito tempo, considerada pelas elites
como um espetáculo passageiro, direcionado a incultos, e distante de uma noção de obra de
arte.
Segundo Júlio Bressane, este cinema carregava, desde já, o germe do
experimentalismo, uma característica que permearia boa parte da produção cinematográfica
do país. Eram filmes realizados por homens que se aventuraram na construção de um novo
tipo de entretenimento, cuja técnica era primitiva e estava longe de possuir uma linguagem
própria. O que se podia chamar de “técnica cinematográfica”, aos primeiros anos daquela
invenção, ainda residia no campo da experiência técnico-científica e, mesmo em termos de
cinema mundial, levaria alguns anos para possuir os seus próprios pensadores e teóricos.
Em geral, os primeiros realizadores de cinema, no Brasil, eram “italianos,
particularmente talentosos, dotados de habilidades manuais variadas, sobretudo técnicas, que
chegam em alguns casos a promover aperfeiçoamento no equipamento de que dispunham na
época e, até, a desenvolver inventos próprios” (LOBATO, 1987, p. 65). E apesar de, em sua
maioria, acreditarem que aquela atração seria comercialmente passageira
13
e pouco segura, os
pioneiros do cinema nacional fundaram as primeiras salas de cinema
14
, como o
Cinematógrafo Paris, em São Paulo
15
, ou o Salão Paris no Rio, na capital da república, e se
tornaram nossos primeiros produtores, técnicos e “cineastas”, caso de Paschoal Segreto,
Antônio Leal, Marc e Júlio Ferrez, Francisco Serrador, Vitor Maio, Alberto Botelho, Biase
Labanca e os irmãos Giuseppe, só para citar alguns exemplos.
12
Para mais detalhes, ver: MOURA, R. A Bela Época (primórdios 1912), Cinema Carioca (1912 1930). In:
RAMOS, F. (Org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art, 1987.
13
Em seu texto, Roberto Moura destaca que “quando o cinema ainda era comercialmente uma incógnita,
registrou-se a frase de um dos irmãos Lumière, ao receber de Méliès, que servia de intermediário, a oferta de
compra da patente do invento: ‘Meu filho, esse brinquedo científico terá poucos meses de sucesso’” (RAMOS,
F. 1987, p. 22).
14
Diferindo das primeiras sessões itinerantes de cinema, para as quais eram cobrados ingressos de baixo custo,
“[...] o preço de entrada num cinema [por volta de 1899] correspondia ao cobrado nos lugares mais modestos
dos teatros” (RAMOS, F. 1987, p. 21), o que, segundo Moura, tornava, desde já, difícil a aquisição do ingresso
pelas classes mais desfavorecidas.
15
Próxima ao Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo também passava por uma série de transformações e, como
na capital da República, desenvolveu um mercado de diversões, o qual era dominado pelos imigrantes
italianos.
26
Essas primeiras produções, como bem observou Roberto Moura, eram
costumeiramente associadas à mágica e à ilusão. Caracterizavam-se por filmagens, em geral,
descompromissadas; tinham por temática alguns fatos marcantes do dia-a-dia, como
assassinatos, incêndios, catástrofes naturais, eventos passeios e viagens de famosos e
presidentes e adaptações inspiradas em textos literários; eram, sobretudo, marcadas pela
inventividade técnica e estética de seus realizadores que, em sua maioria, visavam à exibição
em suas próprias salas de cinema
16
. Como bem se sabe, não se pode dizer que havia um
cinema nacional único, mas que, tateando como tecnologia e linguagem, na expressão de
Moura, o cinema chega rápido aos mais variados pontos do país. “A nica da história do
cinema brasileiro é a descontinuidade, os ciclos regionais isolados, de cinco ou seis filmes,
como o de Campinas, Recife e Cataguases, ou filmes isolados, de boa qualidade, mas
praticamente desconhecidos do grande público [...]” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 263).
Ao comparar este cinema que, no Brasil, ainda engatinhava, com o de países da
Europa e dos Estados Unidos, Guido bilharinho salienta que,
Enquanto no Brasil, como em todos os países periféricos, o cinema se faz,
então, em bases artesanais e não industriais e nem se estrutura e se organiza
o mercado exibidor o país, à época, enfrenta até mesmo a deficiência de
energia elétrica nos Estados Unidos e em alguns países europeus o cinema
se industrializa em grandes proporções e se lança à conquista, manutenção e
domínio de mercados em todo o mundo (BILHARINHO, 1997, p. 27).
O mercado brasileiro, bem como o de boa parte dos países terceiro-mundistas, que, a
princípio, era explorado apenas por empresários independentes, passa a ser um mercado
interessante e aberto aos filmes estrangeiros, sobretudo os estadunidenses. Sem a existência
de leis que protegessem o filme nacional, a concorrência com as produções estrangeiras levará
a quase extinção das produções nacionais, por volta da primeira década do século XX. Nos
decênios posteriores, essa concorrência será, por várias vezes, destacada pelos mais variados
integrantes do meio cinematográfico brasileiro como um empecilho à sobrevivência de um
“cinema nacional”.
Embora tateassem em termos de linguagem e técnica, alguns realizadores como
Antônio Campos, Gilberto Rossi, Arturo Carrari e José Medina, por exemplo, demonstrarão,
já nos anos 20, algumas preocupações práticas e teóricas “[...] nas construções de seus filmes:
os tipos de enquadramento e sua utilização, a técnica de interpretação, a adaptação de textos
literários, bem como as origens, o desenvolvimento e a função do cinema” (MACHADO,
16
Para mais detalhes acerca das características dos filmes brasileiros em seus primeiros anos ver: MOURA, R. A
Bela Época (primórdios 1912), Cinema Carioca (1912 1930). In: RAMOS, F. (Org.). História do cinema
brasileiro. São Paulo: Art, 1987 e BILHARINHO, G. Cem anos de cinema brasileiro. Minas Gerais:
Instituto Triangulino de Cultura, 1997.
27
1987, p. 104). No entanto, sem muitos recursos e possibilidades de experimentação, a maioria
das produções brasileiras da época se aproximaram e, sobretudo, se sustentaram nas
descobertas e perspectivas dos cinemas que se desenvolvia em alguns países europeus e nos
Estados Unidos.
De acordo com Rubens Machado, algumas condições e, de certo modo, a própria
expectativa que se tinha sobre o cinema nacional transformar-se-iam já aos primeiros anos da
década em pauta. “Após a guerra, impulsionado pelo cinema norte-americano, o sistema
exibidor se dinamiza e também se sofistica, atingindo agora as diversas classes sociais”
(MACHADO, 1987, p. 106). A inauguração do luxuoso Cine República, em São Paulo,
marca, segundo o autor, a transição do cinema como diversão barata e destinada,
principalmente, a incultos, para o apreciar das mais altas classes sociais. Após essa
inauguração, iniciar-se-á uma fase de incremento do circuito exibidor, através de reformas e
melhorias nas salas de exibição, bem como na criação de leis federais – de 1924 e 1928 que
regulamentariam a qualidade e a segurança dessas salas.
Dominado por produções francesas, italianas, dinamarquesas e estadunidenses, entre
outras, o mercado brasileiro torna-se cada vez mais fechado para os filmes nacionais, levando
vários realizadores do país a tentar “[...] competir explorando temas nacionais, provavelmente
a única diferença atraente no quadro de inferioridade técnica sentida pelo público. [...] Nosso
público não consegue se reconhecer nos filmes nacionais, num ciclo vicioso que e em
xeque a sua subsistência” (MACHADO, 1987, p. 107). Mas as tentativas de continuar
realizando cinema no Brasil não se limitariam apenas à temática; apesar de todas as
dificuldades enfrentadas pelos realizadores nacionais, tem-se, na segunda metade dos anos 20,
a criação do primeiro estúdio que, segundo Machado, merecia esse nome. Sediado em São
Paulo, o Visual Filme, desde a sua fundação, carregava a esperança de continuidade e
melhoria das produções nacionais. Na informação de Rubens Machado,
O industrial Adalberto de Almada Fagundes, maior fabricante de louças da
América Latina, investe na produção de posados [filmes de enredo], criando
a Visual Filme, com um estúdio da Barra Funda. [...] Pretendendo realizar
filmes em escala industrial, importou maquinaria e técnicos estrangeiros, ao
mesmo tempo em que procurava atrair grupos de investidores ligados ao
grande capital paulista, como os Matarazzo. Impressionou a crítica da época
com suas idéias sobre a realização cinematográfica e suas preocupações em
teorizar o cinema como uma forma de arte [...] (MACHADO, 1987, p. 110).
Todavia, depois da pouca repercussão alcançada por Quando elas querem (1925), primeiro
filme realizado, o estúdio ficou às traças, caindo, segundo Machado, no esquecimento do
próprio meio cinematográfico.
28
Apesar da não existência de um “cinema brasileiro” com características que
indicassem uma unidade –, mas sim de experiências circunscritas à algumas regiões do país,
os anos 30, como bem se sabe, marcarão o início da intervenção estatal na atividade
cinematográfica. Com o papel mais agressivo, assumido por Getúlio Vargas, na defesa da
indústria nacional, vários integrantes do meio cinematográfico acreditaram na possibilidade
de mudança do quadro em que o cinema se inseria até então. Além disso, a criação da
Cinédia
17
, bem como o fim do cinema mudo, fortaleceram essa crença de mudança, uma vez
que a empresa fundada por Adhemar Gonzaga apresentava um futuro promissor e o fim do
período mudo levou muitos realizadores a acreditarem na rejeição popular do sonoro cinema
estrangeiro, devido à incompreensão do idioma. O momento parecia favorável ao
desenvolvimento de uma indústria brasileira, fato que levou a muitos realizadores do país a
sustentarem os argumentos de seus filmes em idéias que expressassem, de algum modo, uma
identidade nacional. Neste sentido, a temática regional surgiu como um dos caminhos que
poderiam expressar os anseios e desejos dos realizadores em retratar a vida brasileira
18
.
No entanto, de acordo com Guido Bilharinho, fatos como a falta de domínio técnico
do som, sua inadequada utilização e o aumento dos custos das produções – que nem sempre se
pagavam tornaram dificultosa, ou mesmo inviável, a continuidade da produção em várias
regiões do país, fazendo com que esta se circunscrevesse, basicamente, às cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo. Na medida do possível, pode-se dizer que a produção de filmes nessas
duas regiões era diversificada; realizavam-se filmes musicais, históricos, dramas e comédias,
além de adaptações de obras literárias e peças teatrais. No que tange a técnica utilizada, esta
ainda se sustentava em descobertas e criações estrangeiras; todavia, não se pode ignorar,
nesta época, pretensões como as dos jovens intelectuais que integravam o Chaplin Club
19
, os
quais intentavam estudar o cinema como uma arte.
Como medida política para o campo cinematográfico, Vargas criaria, ao final da
década, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (1937), primeiro órgão oficial que se
destinava diretamente ao campo cinematográfico. Organizado por Edgar Roquete Pinto, o
INCE possuía uma “[...] função estritamente pedagógica, em sintonia com o que o presidente
17
Lançando mão da doação de 500 contos de réis feita por seu pai, Adhemar Gonzaga “[...] funda a Cinédia em
1930, e transforma o panorama da produção cinematográfica brasileira da época ao criar uma verdadeira
empresa nos moldes norte-americanos, trabalhando em palcos simultâneos, com equipamentos de qualidade e,
principalmente, mantendo funcionários e pessoal técnico em atividade permanente, sob regime de contrato que
incluía até seguro desemprego” (VIEIRA, 1987, p. 135).
18
Como bem se sabe, o cineasta mineiro Humberto Mauro pode ser destacado como um dos principais
realizadores da época, cujos trabalhos abordavam, em sua maioria, a temática rural.
19
Fundado em junho de 1928, o Chaplin Club era composto por jovens intelectuais como Plínio Sussekind
Rocha, Cláudio Melo, Almir Castro, Otávio Farias e Mário Peixoto.
29
definia como o papel principal do cinema fornecer um programa geral para a educação das
massas que valorizasse, principalmente, os aspectos variados e desconhecidos da cultura
brasileira” (VIEIRA, 1987, p. 149)
20
.
Se os anos 30 apresentaram algumas mudanças em relação às duas primeiras décadas
do “cinema brasileiro”, como o aperfeiçoamento das técnicas utilizadas, das salas de exibição,
ou mesmo o crescimento de uma necessidade de se aproximar o cinema de uma noção de obra
de arte, entre outras características, ninguém ignora que essas mudanças ainda se alicerçavam,
em grande medida, nas transposições para as produções nacionais de idéias e hábitos
estrangeiros.
Ainda distante de um estilo próprio e numa persistente tentativa de sobreviver num
mercado inundado por produções estrangeiras, a quantidade de filmes nacionais que se
produziu durante os anos 40 foi, na informação de Willian Meirelles, menor do que a
quantidade realizada nas décadas anteriores. Nos anos em pauta, a produção “nacional” se
circunscreveria, quase que exclusivamente, à capital da república. Além disso, o Estado,
apesar de suas propostas de intervenção no meio cinematográfico na década precedente –,
ainda permaneceria quase que de todo alheio aos acontecimentos que se referiam à indústria
cinematográfica do Brasil
21
.
No que tange a temática deste período, Guido Bilharinho salienta – além da ocorrência
de neros e temas tradicionais, como comédias, dramas, filmes policiais e históricos a
continuidade e o aperfeiçoamento de uma novidade já incubada nos anos 30, a “chanchada”
22
.
Gênero combatido enquanto proposta estética, por diversos intelectuais, estudiosos de cinema
20
De acordo com Willian Meirelles, “[...] nos seus trinta anos de existência o Instituto Nacional de Cinema
Educativo pouco contribuiu para a cinematografia brasileira, pois contando com poucos recursos financeiros e
uma equipe técnica reduzida, limitou-se a produzir filmes sem preocupar-se em incentivar a formação de
técnicos e especialistas em cinema educativo (MEIRELLES, 1989, p. 42).
21
Meirelles ainda destaca que “[...] o aparente descaso do Estado diante dos problemas levantados pelos
realizadores do cinema brasileiro, na realidade, era uma conseqüência da pressão que distribuidores
estrangeiros exerciam sobre o mercado. Muitas das tentativas para criar um indústria cinematográfica
nacional, economicamente viável, redundaram em fracasso por incorrer em um erro elementar: acreditar que
bastaria fazer bons filmes que estes entrariam normalmente no circuito distribuidor de produções
cinematográficas. Entretanto, a monopolização do mercado pelos estrangeiros era uma barreira intransponível.
Aos realizadores restava reivindicar o apoio do Estado através de leis que estimulassem e que protegessem a
produção nacional. [...] Por outro lado, no setor menos pressionado pelos estrangeiros o do cinema
educativo – o Governo Federal teve uma atuação mais efetiva. Desde 1929, vinha incentivando e promovendo
a formação de arquivos de filmes educativos para distribuição por empréstimo ou fornecimento de cópias, à
preços subsidiados, para estabelecimentos de ensino e entidades congêneres” (MEIRELLES, 1989, p. 40– 41).
22
Como bem se sabe, não um consenso entre os escritores do que viria a ser esse novo gênero de filmes.
Passando por definições que vão desde comédias populares com interpolações cantantes, na definição de Alex
Viany, à comédias populares e freqüentemente musicais, segundo Paulo Emílio Salles Gomes, ou mesmo
comédias de apelo popular, de acordo com Jean-Claude Bernardet, o ponto em comum é ser comédia de apelo
popular ou popularesco. Para mais detalhes, ver a discussão proposta por Guido Bilharinho em:
BILHARINHO, G. Cem anos de cinema brasileiro. Minas Gerais: Instituto Triangulino de Cultura, 1997.
30
e críticos, a “chanchada” garantiu, segundo Vieira, a permanência do cinema brasileiro no
grande ecrã ao longo dos anos 40 e 50, uma vez que alcançou grande sucesso junto às
camadas populares, principalmente.
Numa busca por aprimorar a técnica utilizada nos filmes nacionais, bem como de se
preparar pessoal especializado em cinema, ainda convém destacar, em fins dos anos 40, a
fundação de uma nova companhia cinematográfica, a Vera Cruz
23
. Pela primeira vez, no
Brasil, fundava-se uma companhia que contava com o interesse e apoio de vários intelectuais
e da elite financeira paulista. Com a sua criação, e de outras companhias que se criaram à sua
sombra, vários jovens interessados em cinema começariam a pensar na possibilidade e
viabilidade de criação de um “cinema nacional”; além disso, a Vera Cruz devolvia à cidade de
São Paulo um lugar de proeminência no cenário brasileiro de produção cinematográfica.
Se até fins dos anos 40 o movimento cinematográfico brasileiro limitou-se a
reivindicar medidas protecionistas junto ao Estado e demonstrou pouco empenho em discutir
as propostas para o que seria o filme nacional, o mesmo não se daria a partir da cada
seguinte. O cinema, que era até então um produto especialmente voltado para o consumo das
camadas populares, tornava-se, de acordo com Meirelles, uma produção cultural largamente
consumida pelas elites intelectuais, bem como pela burguesia. De acordo com o autor,
A fundação, aproximadamente, de uma centena de cineclubes no Brasil,
durante a década de 50, revela o interesse exercido pelo cinema,
principalmente, junto às classes médias e seguimentos da intelectualidade
acadêmica. Os filmes e debates promovidos por esses cineclubes eram,
especialmente, os chamados “clássicos” do cinemaos filmes de Revolução
Russa, os expressionistas alemães, os intimistas japoneses e suecos ou os
neo-realistas italianos. O filme brasileiro não era, sem dúvida, o foco das
discussões, mas esse movimento cineclubista acabou desempenhando um
importante papel na aglutinação e formação de grupos interessados em fazer
filmes e, também, na formação de uma certa consciência cinematográfica
(MEIRELLES, 1989, p. 48, grifo nosso).
Caracterizando-se por profundas rupturas com o passado, em várias áreas da esfera cultural,
como no teatro, na música e nas artes plásticas, estes anos seriam o palco de uma série de
23
Fundada oficialmente em 4 de novembro de 1949, em São Paulo, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi
idealizada como a possibilidade de se implantar, no Brasil, um cinema tão bem feito como o que se produzia fora
do país. Embora seus idealizadores admirassem o cinema europeu, tido como culto, o seu modelo de produção se
inspirava no exemplo hollywoodiano. Para concretizar esse projeto, foram chamados da Europa o cineasta
brasileiro Alberto de Almeida Cavalcanti, que por ter participado da Avant-garde francesa e do documentarismo
inglês ganhou renome internacional, e alguns técnicos estrangeiros como Chick Fowle, Oswald Haffenrichter,
Bob Huke, Ray Sturgess, John Waterhouse, Michael Stoll, entre outros, com os quais objetivava-se formar, num
futuro próximo, uma geração de técnicos brasileiros. Como já se sabe, a produtora teve uma existência curta
que fechou suas portas no final de 1953 e tumultuada, tanto econômica como artisticamente, foi o objeto de
uma série de críticas que monopolizavam diversas colunas de revistas e jornais, nos quais, em geral, considerou-
se como seu maior ponto negativo a contrária estratégia de construir um cinema nacional mantendo como ponto
de referência o padrão estrangeiro, aval de sua produção. Para mais detalhes ver: GALVÃO, M. R. E. Burguesia
e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. (Cinebiblioteca Embrafilme).
31
transformações também no campo cinematográfico. Em termos de qualidade e de diversidade,
superava-se, de acordo com Bilharinho, as décadas precedentes, como também se apresentava
uma maior preocupação e, principalmente, posicionamentos mais firmes de integrantes do
meio cinematográfico em relação ao mesmo. O autor ainda destaca o surgimento e a
configuração de duas propostas estético-ideológicas, que se distanciavam das chanchadas
que viviam, na época, o seu apogeu e eram distintas entre si. Uma primeira, de nítida
preocupação social que, estimulada pela experiência do neo-realismo italiano, seria
protagonizada por diretores como Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos, e uma
segunda, representada por Valter Hugo Khouri e Rubem Biáfora, a qual era influenciada pelas
obras de Igmar Bergman – de motivação psicológica.
Tanto Khouri quanto Pereira dos Santos serão responsáveis por uma vasta filmografia
ao longo das últimas décadas. No entanto, em face dessas considerações acerca do cinema
brasileiro” até os anos 50, no que tange a sua estruturação e definição de perspectivas
estéticas, procurar-se-á compreender como a obra de Nelson Pereira dos Santos – considerado
por muitos como um dos mais importantes cineastas do Brasil se insere no quadro das
produções nacionais, a partir de então, e qual a sua participação em algumas atividades
cinematográficas do período e, posteriormente, em movimentos cinematográficos, como o do
Cinema Novo.
1.2 Nelson Pereira dos Santos: um retrato do Brasil
Embora Nelson Pereira dos Santos não tenha sido o único cineasta brasileiro a
construir uma obra que, em seu conjunto, pode ser compreendida como um paradigma da
busca das raízes do Brasil – nas palavras de Marcelo Ridenti –, não se pode negar sua
persistência e grande desenvolvimento desta atitude numa carreira que já passa de mais de
meio século e que, de alguma forma, se confunde com a história do cinema brasileiro a partir
dos anos 50.
Paulistano, criado na região do Brás, Santos
24
ingressou cedo na vida escolar. Estudou
no Colégio Paulistano, onde concluiu o curso clássico e iniciou seu interesse por literatura. A
partir do ingresso no Colégio do Estado Presidente Roosevelt, em 1944, ele tem os seus
primeiros contatos com a política, que, segundo Luís Israel Febrot amigo de escola e
24
Nascido aos 22 de outubro de 1928, Santos era o filho caçula de Angelina Binari dos Santos uma dona de
casa descendente de italianos – e do alfaiate Antônio Pereira dos Santos. Com uma diferença de dois anos, em
média, seus três irmãos, por ordem de nascimento, são: Saturnino, Maria Antonieta e José Pereira dos Santos.
32
quem recrutou Nelson Pereira para o PCB –, “[...] o Colégio do Estado naquela época era um
celeiro de politização e de formação cultural das pessoas” (SALEM, 1987, p. 36). Politização
essa que se devia, sobretudo, à forte atuação, no colégio, do Partido Comunista, que estando
numa espécie de semi-clandestinidade que sua legalização ocorreria apenas em 1945
passava por uma reorganização “[...] através da iniciativa de grupos regionais que haviam
estado relativamente desarticulados” (RODRIGUES, 1981, p. 403).
Dedicado militante comunista, o futuro cineasta forjar-se-ia, intelectualmente, no
conturbado contexto político dos anos 40. Período em que o meio cinematográfico brasileiro
passava por uma certa estagnação, uma vez que a produção de filmes ficou basicamente
circunscrita à cidade do Rio Janeiro, nas mãos da Atlântida Cinematográfica. Internamente
25
,
ninguém ignora que na primeira metade dos anos 40, o Brasil passava pelo momento histórico
denominado de Estado Novo. Período em que, embora diversos adversários do governo de
Getúlio Vargas tenham sido presos, por não aprovarem o novo regime, houve certa liberdade
para se escrever acerca de alguns temas como, por exemplo, o da pobreza. Além disso, vários
intelectuais se colocaram a serviço do Estado, assumindo cargos públicos e se posicionando
como um grupo disposto a auxiliar o governo “[...] na construção da sociedade em bases
racionais” (PÉCAULT, 1990, p. 21).
Por intermédio do DIP e de outras organizações, [o Estado] penetra em todas
as atividades culturais, cinema, teatro, literatura, etc. Também nesse aspecto,
ultrapassa o simples projeto de controle ideológico. Juntamente com a
criação de associações profissionais, que era um esboço de um sistema onde
os intelectuais são incitados a voltar-se para o Estado com o fim de obter
apoio e recursos em nome da defesa da “cultura nacional”, e onde, com toda
naturalidade, julgavam [...] que os investimentos nessa cultura era uma
“questão de Estado” (PÉCAULT, 1990, p. 73, destaques do autor).
Como bem se sabe, com o fim do Estado Novo, o general Eurico Dutra é eleito como novo
presidente da república (1946) e inicia o período que ficou conhecido como democrático.
Uma época em que, finda a Segunda Guerra Mundial, as áreas de influência comandadas pela
União Soviética e pelos Estados Unidos passaram por um período chamado de Guerra Fria.
Aliando-se ao bloco chefiado pelos Estados Unidos, o governo Dutra decide romper relações
diplomáticas com a União Soviética, extinguindo, dessa forma, o PCB, em 1947, sob a
acusação de recebimento de auxílio financeiro de Moscou por parte desse. Santos, como
intelectual, militante comunista e artista, impregnar-se-ia de todo esse clima político-cultural;
seria, como bem definiu Helena Salem, “tudo isso, e a negação disso tudo”.
25
No cenário Internacional, como é sabido, estes anos são marcados pela Segunda Guerra Mundial, na qual o
Brasil passou, a partir de 1941, a apoiar as potências aliadas Inglaterra, Estados Unidos, União Soviética e
França – e enviar para a guerra, após 1944, as primeiras tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
33
Mesmo tendo desde muito cedo o anseio de fazer cinema, Nelson Pereira, em 1947
com dezoito anos, ingressaria na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.
Pois, segundo ele, “‘[...] ser estudante de direito significava [...] estar participando da vida do
país, defender as liberdades [...]’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 40). Em conseqüência,
sendo o Centro Acadêmico XI de Agosto um dos principais núcleos de discussão e
concentração da vida política estudantil de São Paulo, Nelson Pereira prosseguia, agora na
universidade, numa efetiva militância política. E, enquanto o Partido Comunista vivia seus
momentos finais de legalidade, Santos, juntamente com alguns companheiros, integravam o
Partido Acadêmico Renovador, o qual congregava boa parte da chamada “esquerda” da
faculdade.
Jovem versátil, o futuro diretor, além da militância e das aulas na faculdade, ainda
participava do Clube dos Artistas e Amigos da Arte grupo em que “[...] se desenvolvia uma
atividade mais ampla, ligada à pintura, literatura e poesia [...]” (SALEM, 1987, p. 47) –,
possuía uma forte ligação com as artes plásticas, por intermédio de seus amigos e pintores:
Luís Ventura e Otávio Araújo, e chegou a estar vinculado a dois grupos de teatro: um mais
amador, formado pelo pintor Aldo Cláudio Bonadei e Os Artistas Amadores, grupo
pertencente ao ator Paulo Autran, no qual Santos permaneceu até, aproximadamente, 1947. A
essas atividades ainda se pode somar o interesse e consumo intenso de literatura e cinema,
bem como a redação de poesias.
A participão em Juventude
26
documenrio partirio acerca dos jovens trabalhadores de
São Paulo marcaria a sua estréia no meio cinematográfico, em 1950. Embora o documenrio
tenha sido um filme amador, foi neste filme que Santos aprendeucnicas de montagem de filmes
atividade que realiza, posteriormente, em rias películas cinemanovistas, bem como em alguns
de seus pprios filmes. Entre 1950 e 1951, o jovem cineasta ainda realizaria um outro
documenrio como tarefa partiria. Direcionado para uma Campanha da Paz, o documentário
tratava da divio do trabalho, porém, não chegou nem mesmo a ser editado.
Referência quase que obrigatória para boa parte dos estudiosos de Cinema das últimas
décadas, Nelson Pereira dos Santos, segundo depoimentos de amigos, lia muito, “basicamente
todo tipo de livros”. Era admirador do trabalho de Jean-Paul Sartre e fortemente marcado pela
produção literária de intelectuais brasileiros como Machado de Assis, Euclides da Cunha,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e Guimarães Rosa, entre outros.
26
Realizada com a intenção de ser enviada para a Europa, para o Festival da Juventude de Berlim, a referida
película chegou a ir para o Festival, no entanto, uma vez enviada, a cópia nunca mais voltou ao Brasil.
34
Interessava-se, como boa parte dos jovens interessados por Cinema nos anos 40, pelo trabalho
do documentarista holandês Joris Ivens, um cultor do conteúdo fílmico e não da técnica
27
.
Apesar de seu grande interesse nas obras de vários romancistas da literatura brasileira,
sobretudo a dos anos 30, não se pode negar a sua predileção pelos escritos do escritor
alagoano Graciliano Ramos que, para Santos, diferia dos outros escritores no ponto em que:
“Nenhum outro dos nossos romancistas tinha tão grande senso de valores
dramáticos, nem uma penetração psicológica tão admirável e segura. Os
personagens que ele criou não eram títeres, criaturas inventadas, simples
sombras saídas da imaginação de um ficcionista. Eram, ao contrário, seres
vivos, de carne e osso, sangue e nervos, com reações lógicas e atos que
obedeciam, sempre, a motivações profundas. Não há tipos inconseqüentes ou
artificiais em seus livros. Por isso mesmo, eles seduzem a imaginação de um
cineasta, porquanto estão no plano dos personagens criados por um Tolstoi
ou um Dostoievski” (SANTOS, 1963 apud SALEM, 1987, p. 173 – 174).
Embora o escritor e o cineasta não tenham sido pessoalmente apresentados
28
, o fato de Ramos
ter pertencido ao PCB e, semelhante a outros intelectuais, relutar contra a rigidez partidária e
ideológica do Partido Comunista, aumentava a identificação do diretor com o literato, já que
ambos possuíam um posicionamento político menos dogmático.
Além das escolhas e influências recebidas pelo jovem Nelson Pereira dos Santos, o
contexto político-cultural dos anos 50 auxiliaria ao ingressante no meio cinematográfico a
construir e fortalecer suas concepções em relação ao tipo de cinema que se realizava no país,
até então, e o que se poderia realizar. Diferentemente das décadas predecessoras, o decênio
em pauta marcava o incremento da produção cultural brasileira. Assim, Nelson Pereira, que
estava ligado ao grupo da Fundamentos revista de cultura geral que agregava escritores que
se posicionavam em defesa de um cinema brasileiro, nacional e popular –, concebia como
cinema nacional àquele em que através da tela se pudesse reproduzir a vida, as aspirações do
“povo brasileiro”, fosse ele de qualquer região do país, que buscasse o progresso em meio a
todo o atraso e exploração no qual o país estava imerso. Jovem politicamente engajado,
Santos defendia, como tantos outros contemporâneos, um cinema que, através de uma parcela
de esforço de cada um, deveria “‘[...] ser encarado como mais um instrumento de luta, tão
27
Documentarista renomado na Europa, Ivens, que era amigo de Jorge Amado e de Moacir Scliar, era um
homem profundamente preocupado com o argumento fílmico. Como mostra o extrato: “‘[...] Nós devemos
procurar expressar, com toda a simplicidade, a vida profunda do povo, suas lutas, seus desejos, seus sucessos,
sua imensa sede de verdade’. Isso porque, para ele, os cineastas seriam ‘os historiadores de hoje’, calcados
na realidade presente, mas voltados para as perspectivas grandiosas, que os homens unidos realizarão
no futuro”. E finalizava: ‘nossos filmes devem ajudar a reforçar a confiança dos homens na luta por uma vida
melhor’ (IVENS apud SALEM, 1987, p. 59–60, grifo nosso). Tempos depois, Santos viria a utilizar essas
perspectivas em muitos de seus filmes.
28
A única aproximação entre ambos ocorreu quando Nelson Pereira dirigiu ao literato uma carta com intenções
de adaptar São Bernardo, mas que, diante das modificações propostas pelo cineasta, como o não falecimento
de uma das personagens, sua proposta foi de imediato refutada pelo escritor.
35
necessário quanto qualquer outro, no sentido de entender a nossa realidade e de procurar
transformá-la’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 139). Para o cineasta,
“Cinema brasileiro será aquele que respeitar, ainda que falho inicialmente de
técnica e de forma, a verdade e a realidade de nossa vida e de nossos hábitos,
sem preocupação maliciosamente evidente de pôr em relevo costumes que
não são nossos e cacoetes que estão sendo impingidos pelas múltiplas
manifestações desse cosmopolitismo desmoralizante que quer aprofundar
entre nós a confusão, a perversão e o espírito de derrota. Cinema brasileiro
será aquele que no curso das suas cenas e no desenrolar dos seus enredos
mostrar os pontos altos (que são muitos) da riqueza material, moral e cultural
que o nosso povo vem construindo dentro das mais adversas condições”
(SANTOS apud FABRIS, 1994, p. 65, destaque do autor).
A partir dessas concepções, Nelson Pereira proe um abandono de fórmulas consagradas
do Cinema, como a dachanchada que passava por um bom momento, em termos de mercado e
aceitão de blico ou mesmo de [...] matrizes folhetinescas tradicionais que haviam alimentado
os melodramas do passado [...]” (XAVIER, 2003, p. 129), e desafia àqueles que pretendem
construir um cinema nacional a olharem para a realidade do país, pois ‘[...] assim deixao de
resolver os problemas que lhes ime essa realidade com fórmulas apreendidas o sei onde e que
servem, tão somente, para lhes invalidar a interpretação. O importante é dizer alguma coisa digna do
homem e urge dizer essa alguma coisa do Brasil’ (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 139).
Perspectivas essas bem próximas à proposta do Neo-realismo italiano
29
.
consagrada em Cannes e em Nova York, a novidade “Neo-realismo” chegaria ao Brasil,
em 1947, como uma oposão [...] ao luxo, ao artificialismo, à banalidade e à redundância da
maioria das produções hollywoodianas, vistas como mero entretenimento [...]” (FABRIS, 1994, p.
38). Essa proposta empolgaria a muitos cineastas brasileiros, uma vez que permitia resultados no
mínimo satisfatórios, mais econômicos e, exigindo menos, poderia ser utilizada no Brasil. Conforme
Santos, [...] o neo-realismo, em ntese, nos disse: é posvel fazer cinema na rua; [...] a cnica
29
Originado na Itália, o movimento neo-realista teve como marco inicial a primeira exibição de Roma, cidade
aberta (1945), de Roberto Rossellini e durou pouco mais de três anos. Segundo Mariarosaria Fabris, sua
periodização não é um consenso por parte da crítica, que muitos consideram que esse movimento teve uma
curta duração ao se estender, como movimento, até 1948 e ter alguns prolongamentos, como que por herança
até 1952, com a produção de filmes como Umberto D, de De Sica e Dois vinténs de esperança, de Renato
Castellani. O consenso da crítica residiria, então, no não alcance dos anos de crise pelos quais o cinema
italiano passou entre 1955 e 1956. Como se sabe, o Neo-realismo abandonou a prática de utilização dos
cenários artificiais, corrente nos anos 30, e buscou integrar o homem à paisagem italiana do pós-guerra ao
mesmo tempo em que a redescobria e, desse modo, procurou apresentar problemas pelos quais a Itália passava
naquele período, como, por exemplo, a questão da guerra, da reforma agrária e do desemprego, entre outras.
Segundo Ismail Xavier, havia na experiência neo-realista uma intenção crítica, bem como um projeto de
cinema anti-burguês, que visava à denúncia e colocava-se, implicitamente, como um “filtro do real” na
expressão cunhada pelo crítico de cinema André Bazin. Partindo da banalidade dos fatos cotidianos, os
diretores neo-realistas produziram filmes cuja idéia principal era indicar que “[...] cada fragmento [da
realidade] representa o todo; o expressa (XAVIER, 1977, p. 59, grifos do autor). Além disso, esses cineastas
criam na possibilidade de se poder apreender uma verdade essencial sobre o homem ou a sociedade através de
uma percepção mais apurada do detalhe, do instante, nas palavras de Xavier.
36
poderá ser incipiente desde que o conteúdo do filme esteja ligado a uma cultura nacional ou
expresse, de qualquer modo essa cultura (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 159).
Influenciado pelas idéias neo-realistas e ainda um militante ativo no Partido
Comunista, o cineasta participará, diligentemente, de boa parte das discussões envolvendo a
questão cinematográfica não apenas nos anos 50, mas nas últimas décadas –, bem como da
criação da Associação Paulista de Cinema, fundada em março de 1951.
Embora a Associação fosse apenas um centro aglutinador de aficionados por Cinema,
e não uma associação corporativista, a sua proposta inicial era organizar o I Congresso
Paulista de Cinema, o qual foi realizado entre os dias 15 e 17 de abril de 1952. Nesse ponto,
cabe destacar que “[...] a participação dos militantes do Partido foi decisiva nesses encontros:
afinal, era a principal força organizada, a única com propostas articuladas” (SALEM, 1987, p.
74) no campo das artes. Acerca da temática desenvolvida no I Congresso Paulista, Willian
Meirelles ressalta o caráter nitidamente político do Congresso, bem como o fato de que,
dentre as diversas comunicações apresentadas,
[...] foram dominantes aquelas que apresentavam questões relativas ao
conteúdo de filmes. Nelson Pereira dos Santos apresentou o tema: “O
problema do conteúdo no cinema brasileiro”; Ortiz Monteiro, “Filme, forma
e conteúdo”; Leo Godoy Otero, “Dos argumentos no cinema” e Decio
Soave, “Argumento, sua importância dentro do filme. A ausência de bons
argumentos” (MEIRELLES, 1989, p. 57, destaques do autor).
Meirelles ainda diz que “[...] a temática do conteúdo no cinema brasileiro, que
dominou o debate no Congresso, não se constituía um fenômeno particular, mas era uma das
questões mais discutidas em todos os setores da produção cultural” (MEIRELLES, 1989, p. 57).
Pois, dessa forma, objetivava-se criticar o baixo nível da produção do Rio de Janeiro, limitada
às “chanchadas”, como também criticar a ausência de uma produção expressiva em São
Paulo. Para tanto, foram colocadas em discussão as possibilidades de se criar, em São Paulo,
um “verdadeiro” cinema nacional, o qual poderia viabilizar-se por meio da Vera Cruz, bem
como através das empresas que se criaram inspiradas nessa.
E indicando uma preocupação com a reserva de mercado de trabalho para a mão-de-
obra brasileira, nesse congresso ainda se procurou estabelecer uma definição do que era o
filme nacional, o qual foi definido, no anteprojeto estabelecido, como:
[...] todo e só aquele filme produzido em estúdios e laboratórios do Brasil, dirigido
por brasileiro nato, naturalizado, ou por estrangeiro residente há mais de três anos
no país; com argumento, diálogos e roteiros escritos por brasileiros; com 60% no
mínimo de capitais nacionais; falado em portugs; realizado com equipes
artísticas e cnicas compostas por pelo menos 2/3 de elementos brasileiros [...]
(VIANY apud MEIRELLES, 1989, p. 62, grifo do autor).
37
Dando seqüência às discussões iniciadas no congresso de São Paulo, aconteceu, na
cidade do Rio de Janeiro, o I Congresso Nacional de Cinema, em setembro de 1952. Dessa
vez, procurava-se enfatizar não apenas o teor dos filmes, mas, principalmente, as impressões
que os integrantes do meio tinham do mercado cinematográfico brasileiro, o qual era
monopolizado por distribuidores estrangeiros.
Embora nessa época São Paulo fosse considerado por muitos como “culturalmente
superior” com a Bienal
30
, o TBC
31
e a Vera Cruz será ainda no ano 1952 que Nelson
Pereira, em oposição à maioria de seus companheiros e amigos, alargará as estreitas relações
que o amarravam ao partido e a família e retirar-se-á de São Paulo para dar início a uma nova
fase de sua vida, agora no Rio de Janeiro, como assistente de direção de um filme de Alex
Viany: Agulha no Palheiro. Apesar dessa viagem não ter sido encarada pelo cineasta como
uma mudança definitiva, já que teoricamente duraria apenas o tempo das filmagens, ela
acabou se tornando.
Constantemente com problemas financeiros, Santos, logo depois de Agulha no Palheiro,
ingressou em um outro projeto, mais curto, agora como assistente de direção de Paulo Vanderley,
em Balança, mas o cai, um filme que se inspirou num programa humorístico e bastante popular
da dio Nacional e pretendeu transpô-lo para o grande ecrã. Contudo, o dinheiro acabou antes
mesmo do filme e, am disso, uma briga entre o diretor e o produtor ocasionou o abandono do
filme por ambos. O que fez com que a película fosse concluída mediante o esforço do
assistente de direção Nelson Pereira e do fotógrafo Mário Pas.
Dando seqüência às discussões em torno do cinema nacional, o ano de 1953 reservaria,
novamente na capital paulista, o II Congresso Nacional de Cinema, no qual se enfatizou,
basicamente, a necessidade de uma maior participão por parte do Estado nos problemas do
meio, como também se pretendeu garantir a sobrevivência da Companhia Cinematográfica Vera
Cruz, através de uma intervenção estatal. No entanto, ainda em 1953, a Companhia deu por
30
Inaugurada em 20 de outubro de 1951, a I Bienal internacional foi o resultado do trabalho do industrial
Francisco Matarazzo Sobrinho e da equipe do Museu de Arte Moderna criado por Matarazzo no ano de
1948 numa busca por realizar, em São Paulo, uma mostra internacional inspirada na Bienal de Veneza.
Apesar de toda a improvisação, a realização da I Bienal foi um evento bem sucedido, fato que possibilitou
reedições, cada vez mais elaboradas, da exposição em outros anos. Atualmente a Bienal Internacional conta
com mais de 50 anos de atividades e 25 edições. É o único evento brasileiro assinalado no calendário
internacional da arte e da arquitetura. Para mais detalhes ver o texto de Rosa Artigas extraído do Livro Bienal
50 Anos, São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 2001.
31
Como se sabe, o Teatro Brasileiro de Comédia foi fundado no final dos anos 40, em São Paulo, e é
considerado como o grande modernizador do teatro nacional. Organizado por Franco Zampari e por um grupo
de empresários de São Paulo, o TBC visava modificar a forma com que se fazia teatro até então, através da
mudança de repertório dos textos encenados, bem como da técnica empregada. Embora congregasse uma
sólida equipe de atores e técnicos com nomes como o de Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Tônia Carreiro,
Paulo Autran, Adolfo Celi, Luciano Salce e outros –, o TBC fecharia as suas portas no ano de 1964, devido a
constantes crises econômicas.
38
encerradas as suas atividades e, ao fechar as suas portas, indicou, segundo Fabris, que o era
apenas a Vera Cruz que tinha estado em crise, mas o pprio cinema em São Paulo.
Na capital da reblica, Nelson Pereira, sem trabalho e passando por diversas dificuldades
financeiras
32
, hospeda-se na casa do pintor Otávio Araújo para escrever o roteiro de seu primeiro
longa-metragem: Rio 40º, uma crônica sobre a cidade do Rio de Janeiro em um domingo de verão
que, permeada por influências neo-realistas – enredo crítico acerca da sociedade, bem como com
a utilização de atores não profissionais, entre outras caractesticas –, procura mostrar as aventuras
e desventuras de cinco garotos vendedores de amendoim e moradores do Morro do Cabuçú
por cinco pontos turísticos e consagrados como cartões postais do Rio de Janeiro.
Com este filme, Santos iniciava sua carreira como diretor e, desde já, dava os primeiros
passos em sua busca por apresentar as raízes do Brasil. Todavia, o seu primeiro longa-metragem,
assim como a vida pessoal de seu diretor, seria marcado por uma série de percalços, até o seu
lançamento em março de 1956. Obstáculos os quais iriam desde a falta de patrocinador
33
, de
dinheiro, material e tempo bom para as filmagens realizadas ao ar livre –, a a censura.
Embora alguns integrantes da equipe central de Rio 40º fossem militantes do Partido
Comunista e outros fossem apenas simpatizantes, não se podia negar que, em sua grande
maioria, eram de esquerda. Fato que indica, na informação de Helena Salem, que havia, de
certo modo, um espírito partidário permeando o grupo, como se pode perceber nas anotações
contidas no diário de produção de filmagem, no qual se encontram anotações referentes a
ações ou mesmo palavras próprias do vocabulário do partido como, por exemplo, a palavra
32
As dificuldades do cineasta somavam-se à nova gravidez de sua esposa, que retorna para São Paulo para ter
Ney, seu segundo filho, cujo nascimento ocorreria em 16 de janeiro de 1954.
33
Apesar de Santos ainda militar no Partido Comunista, o PCB não apoiou o projeto, pois, segundo o cineasta, o
Partido acreditava na necessidade de filmes populares apenas depois da “revolução social”, e diante de sua
insistência, em realizar o filme, ele foi “‘[...] rebaixado da Comissão de Cultura do Partido para a célula da
Lapa e de Santa Teresa[...]’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 86). Mas, no que tange ao não apoio do
partido, convém destacar que, na época, o jdanovismo ainda era a doutrina que orientava as políticas culturais
tomadas pelos PCs, inclusive o do Brasil. Segundo o cineasta Ipojuca Pontes, o jdanovismo, que em fins dos
anos 40 se tornou uma “doutrina internacionalizante”, objetivava, em linhas gerais, transformar o processo
cultural num instrumento para a luta de classes. Para tanto, as produções culturais deveriam seguir algumas
regras, como, por exemplo, representar a classe trabalhadora como o “agente histórico universal”, ressaltar os
valores dessa classe, manter a rivalidade entre “herói positivo” e “herói negativo”, acabar com formas de
entendimento “multilaterais” – já que o partido era o detentor do saber a ser considerado – e, por fim, destacar
que o único caminho era a Revolução Socialista. Depois da conferência dos partidos comunistas da Europa,
em 22 setembro de 1947, o “Relatório de Setembro” orientaria “o pensamento do comunismo internacional
perante a Guerra Fria”. Promovendo, dessa forma, uma radicalização das oposições entre os Estados Unidos e
a União Soviética. No Brasil, Pontes destaca que vários foram os intelectuais que apegados ao “Relatório de
Setembro”, se posicionaram “contra as mazelas do imperialismo ianque e seus lacaios”, dentre eles “[...]
personalidades como Alex Viany (codinome de Almiro Fialho), Nelson Pereira dos Santos [...], Moacir
Werneck de Castro e tantos outros tornaram-se ativos partícipes na luta ideológica “em prol do socialismo”
[...] (PONTES, I., 2002, destaques do autor). Para mais detalhes ver: PONTES, I. Jdanov está de volta. Mídia
sem máscara. Disponível em: http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=115.
39
“indisciplina”. Outro indício da influência do PCB era o cumprimento de várias tarefas
partidárias que, às vezes, conflitavam até mesmo com o próprio filme
34
.
Concluído, em meados de 1955, Rio 40º enfrentará a censura que alegará, dentre
outros fatores, a apresentação, única e excessiva de elementos negativos da cidade no filme.
Fato que, segundo os censores, entrava em consonância com os interesses pecebistas e servia
apenas a eles, pois contrastava, a todo o momento, o lado turístico da visão oficial do Rio de
Janeiro com a realidade cotidiana do povo, o que caracterizava “[...] uma postura
absolutamente subversiva para os anos 50 [uma vez que mostra] o favelado, o povo de no
chão, sem preconceito, vivendo seus dramas reais, falando a língua do seu próprio jeito (com
erros, gírias), o negro com alma de negro e na luta diária pela sobrevivência [...]” (SALEM,
1987, p. 96). Além do mais, a película foi considerada pelo coronel Geraldo Menezes Cortes –
responsável pela interdição do filme em todo o território nacional como ofensiva a países
estrangeiros e amigos, bem como aos deputados brasileiros, pois aparecia no filme um
americano dando esmola e um sírio explorando o pagamento da luz do morro, como também
“[...] a figura de um ‘coronel’ do interior, inculto e boçal, [que] apresentado como ‘deputado
federal’ significava ‘um achincalhe imperdoável à Câmara dos Deputados’” (CORTES, 1955
apud SALEM, 1987, p. 115). Enquanto a “chanchada” realizava uma crítica sutil a vários
costumes da sociedade brasileira, Rio 40º, numa nova proposta, apresentava de forma clara,
várias mazelas pelas quais esta mesma sociedade passava. Trazia às telas de cinema tipos
populares, sem ridicularizá-los por isso.
Cerca de sete meses após uma longa e árdua campanha nacional, e até mesmo
internacional
35
caso dos intelectuais franceses que, por carta, manifestaram o seu apoio ao
filme –, que mobilizou pessoas dos mais variados setores da sociedade, Rio 40º,
premiado
36
, foi liberado, alcançando sucesso de bilheteria nos primeiros dias do seu
34
Acerca dessas tarefas partidárias, Guido Araújo, continuísta de Rio 40º, destaca, entre outras atividades: a
colagem de cartazes, panfletagem e reuniões para discutir a situação política do país. “‘Na época da campanha
do Juscelino Kubitscheck para a presidência da República prossegue Guido sobretudo, eu, o Nelson e o
Valadão participamos intensamente. Nós íamos, junto com o Grande Otelo, fazer comícios-relâmpagos na
Cinelândia’” (ARAÚJO apud SALEM, 1987, p. 91).
35
Constituindo-se, talvez, como um dos mais importantes movimentos da intelectualidade nacional, a campanha
em prol da liberação do filme de Nelson Pereira deu-se basicamente na mídia impressa e arregimentou o
apoio dos mais variados setores da sociedade. Contudo, por mais que tenha existido essa grande mobilização,
o filme não alcançou o grande público, mas ficou restrito a uma pequena parcela da sociedade que podia ter
acesso a esse tipo de filme. Para mais detalhes acerca da censura e liberação de Rio 40º, ver os trabalhos:
GUBERNIKOFF, G. O cinema de Nelson Pereira dos Santos, uma contribuição ao estudo de uma
personalidade artística. 1985. 360 f, 2 v. Dissertação (Mestrado em Artes) Escola de Comunicações e
Artes Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985 e SALEM, H. Nelson Pereira dos Santos: o sonho
possível do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Recor, 1987.
36
1955 – Prêmio Governador do Estado de São Paulo; 1956 – Prêmio Distrito Federal, Prêmio SACI do jornal O
Estado de São Paulo e Prêmio Jovem Talento – Karlovy Vary – Tchecoslováquia.
40
lançamento. Porém, a euforia em relação ao filme durou pouco, uma vez que mesmo diante da
calorosa recepção, por parte da crítica, nem tantas pessoas viram o longa-metragem, pois,
segundo o cineasta, “‘[...] as pessoas achavam que o filme tinha sido proibido porque tinha
mulher nua, coisas incríveis. Então, saíam decepcionadas do cinema, dizendo que o filme era
ruim, um documentário’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 122).
Paralelamente a esses acontecimentos, Nelson Pereira, por conta de Rio 4, viajou para a
cidade de Paris para participar do Encontro Internacional dos Criadores de Filmes, promovido pelo
Partido Comunista Francês. Nesse Encontro, o jovem cineasta, am de viver algumas experiências
ricas, como participar de uma comissão integrada por Pierre Kast, teve a oportunidade de conhecer
algumas pessoas renomadas no meio cinematogfico internacional, como o diretor italiano Césare
Zavattini a quem tanto admirava e Pierre Kast, de quem se tornou amigo.
Em julho, Santos partiu da França para o Festival Karlovy Vary, na Tchecoslováquia,
e retornou, em seguida, para a cidade do Rio de Janeiro onde, diante de diversas novidades
para contar sobre o que vira nos meses em que esteve fora do Brasil, deu uma entrevista à
revista Para Todos na qual mencionou, implicitamente, o processo de “desestalinização em
andamento na Tchecoslováquia”
37
.
Ao falar na entrevista, em agosto, do que tinha visto e ouvido no exterior, Nelson
Pereira dos Santos foi repreendido pelos dirigentes do Partido e ameaçado de expulsão, pois o
PCB reconheceria, com certa relutância, o relatório Kruchev apenas em outubro do mesmo
ano. Desse modo, o diretor, que estava novamente na Comissão de Intelectuais do Partido,
nunca mais foi convidado para participar das reuniões do mesmo. E, segundo conta o cineasta,
embora nunca tenha saído, também não ficou, permanecendo, nesse caso, uma relação dúbia.
Já na segunda metade dos anos 50, e passada boa parte das agruras enfrentadas durante
as filmagens de Rio 40º, o jovem diretor, que “[...] trabalhava com esquemas comerciais, e
37
O relario Kruchev constatava e denunciava, por volta de fevereiro de 1956, no XX Congresso Comunista da União
Soviética, que ocorreu em Moscou, as diversas mazelas do stalinismo.Muitos militantes e dirigentes do PC brasileiro,
confundidos pela denúncia de Kruchev, recusaram-se a dar credibilidade ao relario, considerando-o como uma
invenção da CIA’. Durante aproximadamente nove meses, a direção do Partido guardou completo mutismo sobre o
assunto. Finalmente, um grupo denominado ‘Sidrio que reunia secretamente intelectuais e jornalistas que
trabalhavam na imprensa do PCB tomou a iniciativa, à revelia da dirão partidária, de começar a discutir o
problema do stalinismo (RODRIGUES, 1981, p. 423, destaque do autor). Reconhecendo com certa dificuldade, em
outubro de 1956, as proposições do Relatório, o Comitê Central do PCB permitiu o início de uma série de discussões
sobre o assunto. Essas discuses, na informão de Lncio Rodrigues, se estenderam rapidamente a todos os
aspectos da potica e da organização do Partido Comunista do Brasil. Contudo, diante dos rumos tomados pelas
discussões, o “grupo stalinista” – que chefiava o partido desde 1943 (Arruda, João Amazonas e Grais) – retomou o
controle da imprensa partidária e dos debates. E, [...] em abril de 1957, o Comitê Central, numa resolução
denominada Sobre a Unidade do Partido’, decidiu pelo encerramento dos debates no mês de maio” (RODRIGUES,
1981, p. 425, destaques do autor).
41
atores profissionais, rodando também em estúdio (da Flama Cinematográfica)” (SALEM,
1987, p. 132), parte para um segundo projeto: Rio, Zona Norte.
Película pensada, inicialmente, como parte de uma trilogia, que se somaria a Rio 40º e,
posteriormente, a Rio, Zona Sul que ficou apenas na idéia
38
–, Rio, Zona Norte foi imaginado a
partir de um episódio pessoal da vida de Nelson Pereira, no qual ele e alguns amigos foram de trem
para um batizado no surbio do Rio de Janeiro, a convite de Kéti. A partir desse passeio real,
pelas linhas férreas do surbio carioca, Santos criou toda uma narrativa que contava a vida de um
sambista – ficção inspirada na vida do sambista Zé ti – que, entusiasmado com a composição de
um novo samba dentro de um trem da Central, acaba caindo do trem e, enquanto é socorrido,
relembra partes da sua vida, como, por exemplo, a tentativa de gravar seus sambas, a partida da
companheira e a mesmo o presenciado assassinato do filho por pivetes.
Num esquema mais profissional, o qual comportava mesmo que precariamente
alimentação para a equipe, utilização de estúdio e de alguns atores profissionais, Nelson
Pereira iniciou as filmagens de Rio, Zona Norte, em janeiro de 1957. Também foi por esta
época que o diretor veio a conhecer o ainda iniciante no meio cinematográfico Glauber
Rocha. Recém chegado da Bahia, Rocha havia enviado para o escritório de Pereira dos
Santos um projeto intitulado Invasão, mas o encontro ocorreria apenas durante as filmagens.
Nasceria, dessa forma, uma grande amizade que duraria muitos anos e um companheirismo
que perpassaria o âmbito pessoal para chegar à cumplicidade no movimento do Cinema Novo.
Diferentemente do primeiro filme de Santos, que possa umarie de personagens e pouco
aprofundamento psicológico, Rio, Zona Norte
39
concentrava-se num único personagem e no seu
aprofundamento psicológico. Mas a nova rmula o angariou muitos admiradores. Em face do
sucesso alcaado por Rio 40º junto à crítica, Rio, Zona Norte foi fortemente atacado pelos críticos
brasileiros, que esperavam, de acordo com Nelson Pereira, um filme neo-realista, enquanto essa
película era para o diretor um trabalho mais psicogico do que neo-realista.
Em meio a tantas críticas, Santos, que trabalhava paralelamente no copidesque do Jornal
do Brasil, começa a escrever, em fins de 1959, o roteiro de um projeto mais audacioso e desejo de
algum tempo: adaptar o livro Vidas Secas, do escritor Graciliano Ramos. E, ao receber o convite
38
Em entrevista à Suzana Schild, Nelson Pereira dos Santos esclarece que “‘Rio, Zona Sul era a história de um
motoqueiro, filho de um homem de direita, que telefonava para o pai dizendo que ia se suicidar. O pai ficava
desesperado, mas não tinha como achar o filho. Depois de muitos amores e tal, o filho aparecia dizendo que o
suicídio era brincadeira’. Para assessorá-lo a desvendar os inferninhos e buracos da Zona Sul carioca,
Nelson teve a ajuda de Carlos Imperial: ‘Andei por todo lado com ele, pelos barzinhos, a noite de
Copacabana’. E por que renunciou ao projeto? ‘Vi que não tinha nada a ver comigo aquela história. Desisti.
Dei para o Ivan de Souza filmar, mas ele não fez’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 146, destaques do
autor).
39
Rio, Zona Norte recebeu, em 1958, o Prêmio Governo do Distrito Federal, o Prêmio Governador do Estado de
São Paulo e o Prêmio Hors Concours do Festival de Montevidéu.
42
do Festival de Monteviu para uma co-produção, Nelson Pereira parte para os arranjos das
filmagens de seu terceiro longa-metragem. No entanto, o filme não chegou a ser realizado naquele
peodo, pois, feitos os arranjos financeiros e técnicos, o cineasta, que estava provisoriamente
licenciado do JB, partiu com a sua equipe para a cidade de Juazeiro, no sertão baiano, onde
aconteceriam as filmagens de Vidas Secas, mas, no primeiro dia de trabalho, começou uma
chuva que se alongou por vários dias, fato que fez com que o rio o Francisco transbordasse e
alagasse a cidade. Assim, fez-se de tudo, menos o filme, e, para complicar a situação, a caatinga
árida enverdeceu, impossibilitando de vez o filme. Para o perder a viagem, que tantos
recursos materiais e humanos haviam sido mobilizados, o diretor decide filmar Mandacaru
Vermelho, um filme baseado em uma lenda inventada por ele mesmo, na qual:
Após uma luta fratricida num determinado monte do Nordeste, nascera um
mandacaru (um cactus vermelho), “e nunca mais ninguém passou por lá”.
Tratava-se de uma história de amor ingênua, com ares de faroeste, em que a
mocinha se apaixona pelo mocinho, mas não pode casar com ele, porque
está prometida para outro. Ela vive com a tia, os primos e um irmão. Foi,
aliás, essa mesma tia que assassinou os pais da jovem (por suspeitar que o
marido namorava a mãe da mocinha) [...]. Quando toma conhecimento de
toda a verdade sobre a morte dos pais, a mocinha decide fugir com o
mocinho (que trabalha na fazenda da tia), a fim de com ele se casar [...]. Ao
fim da história morrem todos, menos o mocinho e a mocinha, que
conseguem chegar à aldeia almejada [...] (SALEM, 1987, p. 148, destaques
do autor).
Embora as filmagens de Mandacaru tenham durado apenas dois meses, Nelson Pereira
passou mais algum tempo na Bahia, cerca de seis meses. E, de volta ao Rio de Janeiro, o
longa-metragem, que foi exibido em 1961, não obteve sucesso de bilheteria, tanto no Brasil,
quanto no Uruguai. O filme passou desapercebido tanto pelo público, quanto pela crítica, que
numa das poucas vezes que escreveu sobre a película análise de Cláudio Mello e Souza, do
Jornal do Brasil, de 11 de dezembro de 1961 considerou-o como um filme exótico, de
grande ingenuidade do diretor e desajeito dos atores.
Apesar da entrada na década de 60 não ter sido muito feliz para o jovem diretor, sem
desanimar, ele continuaria sua busca por realizar um cinema nacional que representasse o
país, seus costumes e não fosse, simplesmente, uma cópia desajeitada de hábitos
estrangeiros
40
. Como bem se sabe, estes seriam anos de grande efervescência no cenário
nacional e internacional. No Brasil, marcariam o início de um período em que os participantes
do meio cinematográfico se preocuparam, na informação de Ismail Xavier, em realizar um
40
Acerca do tipo de cinema almejado pelo diretor, Helena Salem destaca um desabafo do mesmo para sua
esposa Laurita: “‘Se não puder fazer o cinema que quero, prefiro ser jornalista a vida inteira, quero fazer um
determinado tipo de cinema, com um conteúdo de idéias’” (SANTOS apud SALEM, 1989, p. 140).
43
cinema realista, o qual visava à produção de conhecimento, que ia além das “estruturas
dramáticas de consolação” as quais trabalhavam com elementos, como encarnações do mal,
que atormentavam figuras do bem ou mesmo com “excessos sentimentais e lances de
suspense”, que tentavam indicar um “‘lado certo’ das ‘forças em conflito’(XAVIER, 2003,
p. 130). Tomando a dianteira, entre as outras artes, na reflexão sobre a realidade brasileira, o
cinema viveu, nesse período, uma fase de experiências mais aventurosas “[...] quando
encontrou novas formas de combinar ficção e documentário, conciliando os recursos do
cineasta moderno, consciente da linguagem, com a investigação de um universo social que
solicitava uma nova ótica para ganhar expressão mais conseqüente nas telas” (XAVIER,
2003, p. 130). Discutiam-se velhas rmulas de cinema, enquanto se buscava algo novo para
substituí-las.
Nessa tomada de consciência de rios cineastas nacionais, Nelson Pereira, mesmo não
tendo a pretensão de ser referência para um novo movimento cinematogfico, acabou sendo e
inaugurando, [...] de fato, um cinema muito mais preocupado como instrumento de expressão e
dencia social do que os musicais e as codias ligeiras” (RAMOS, F., 1989, p. 177). O
enfoque empregado em Rio 40º foi uma escie de divisor de águas do cinema nacional e, na
vio daqueles que integraram o grupo cinemanovista
41
, tornou-se um modelo.
Apesar de não ser a única perspectiva cinematográfica dos anos em destaque
42
, o
Cinema Novo acabou por se colocar como uma proposta de cinema nacional. Seus diretores
se inspiravam em algumas experiências européias, como a do Neo-realismo italiano e da
41
Dentre os principais integrantes do movimento cinemanovista pode-se destacar: Nelson Pereira dos Santos, Glauber
Rocha, Gustavo Dahl, Paulo César Sarraceni, Leon Hirzman, Carlos Diegues, Alex Viany, Joaquim Pedro de
Andrade, Ruy Guerra, Zelito Viana, Walter Lima Jr., David Neves, Eduardo Coutinho e Arnaldo Jabor.
42
Como bem se sabe, além de alguns diretores o ligados a um movimento espefico, como Walter Hugo Khouri, por
exemplo, havia nos anos 60 outras produções queo eram oriundas do Cinema Novo, todaviao se pode negar que
os anos em pauta foram marcados, sobretudo, por suas prodões. Além do mais, é largamente conhecida a rivalidade
e conees existentes entre o grupo do Cinema Novo e o do Centro Popular de Cultura da UNE – Uno Nacional dos
Estudantes. Embora, efetivamente, a única incuro cepecista no meio cinematogfico tenha sido Cinco vezes favela
que Cabra Marcado para morrer não chegou a ser concluído na época , não se pode negar a sua importância, uma
vez que o longa-metragem revelaria ts dos mais significativos cineastas do Cinema Novo Carlos Diegues, Joaquim
Pedro de Andrade e Leon Hirszman e sintomatizaria algumas das diferenças existentes entre os dois grupos. Em
artigo acerca do referido filme, Estevão Garcia, declara que o filme coloca em prática um dos princípios centrais do
CPC: “a instrumentalizão do cinema e da arte para difundir unicamente seus objetivos políticos. Ambos os
movimentos se aproximavam no que tange à idéia partilhada por rios intelectuais dos anos 60, de se colocarem
como intermediários das classes populares, no entanto seu principal ponto de ruptura se referia à visão cepecista de
que, como intelectuais, tinham a missão de criar uma cultura popular sustentada nas vies de seus ideólogos e,
simplesmente, repassá-la para o povo, o haveria, desse modo, a necessidade de se incorporar investigões de
linguagens do Novo Cinema que nascia. Em outras palavras, era o que Jean-Claude Bernardet definiu como “[...] a
tenncia do CPC de legitimar como verdade cienfica suas posturas ideológicas, o que de imediato conduzia a uma
atitude normativa e cerceadora da liberdade de crião artística” (BERNARDET, 1983, p. 146). Cerceamento este que
seria refutado pelos integrantes do movimento cinemanovista e que justificaria uma série de atritos entre os integrantes
dos dois grupos. Para mais detalhes acerca dessa discussão, ver: GARCIA, E. Cinco vezes favela. Contracampo:
revista de cinema. Disponível em <http://www.contracampo.com.br/64/cincovezesfavela.htm>. Acesso em 24/05/07;
BERNARDET, J. C. O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1993.
44
Nouvelle Vague francesa
43
, e veio, de certa forma, a ser o que podemos chamar de “versão
brasileira” desses. De acordo com Ismail Xavier, o movimento cinemanovista é caracterizado
basicamente pela
[...] busca de novas formas de representação capazes de dar conta dos
processos mais fundos de sua realidade específica. Isso se fez por meio de
uma recusa aos padrões do cinema industrial mais voltado para a reprodução
das aparências, em que o naturalismo é a convenção que estabelece limites
muito claros para a discussão da experiência social. Embora não se possa,
em termos práticos, separar de modo absoluto “cinema de autor” e
determinados gêneros tradicionais consolidados no mercado, sabe-se que [...]
colocaram em discussão as fórmulas usuais, inclusive determinadas formas
de comédia popular, como a chanchada, ou matrizes folhetinescas
tradicionais que haviam alimentado os melodramas do passado. Queriam
uma dramaturgia liberta de clichês, impulsionadora da expressão autoral,
sem censuras do aparato industrial, estimuladora de uma consciência crítica
diante da experiência contemporânea. Sem descartar as emoções e o
divertimento, entendiam que a dimensão política das novas poéticas exigia
uma linguagem que deveria ir além da transformação dos problemas em
espetáculo, o que significava a construção de uma linguagem capaz de “fazer
pensar” (XAVIER, 2003, p. 129, destaques do autor).
Raquel Gerber, recorrendo às palavras de Glauber Rocha, ainda acrescenta:
“Esses cineasta fizeram então discursos sobre a realidade brasileira mais
amplos, mas que não eram invenção deles. As origens desses discursos
estavam na literatura de 30 e na literatura social do Brasil de Gregório de
Mattos, o inconfidente mineiro, Euclides da Cunha, Castro Alves, Jorge
Amado, Graciliano Ramos e Oswald de Andrade. Além de ter ficado naquele
momento em cima da literatura internacional de esquerda, que era
basicamente Fanon (Os condenados da terra), Lukács, Marx [...]. Era uma
das múltiplas manifestações do janguismo que tinha, como diz Gustavo
Dahl, ambição não nacional, mas internacional, de fazer uma síntese do
neo-realismo italiano, do cinema revolucionário russo, dos espetáculos do
cinema americano, do desenvolvimento formal da Nouvelle Vague, com as
tradições do cinema brasileiro que eram poucas, mas também existiam [...]”
(ROCHA apud GERBER, 1977, p. 15, destaques do autor).
Santos era considerado como aquele que conservava o equilíbrio do grupo, era, nas palavras
de Carlos Diegues, “[...] um ídolo [...]” (DIEGUES apud SALEM, 1987, p. 187).
43
Como é sabido, a Nouvelle Vague francesa foi um movimento cinematográfico pós-1959, o qual agregava
alguns fenômenos inter-relacionados como, por exemplo, o surgimento de um grupo específico de críticos e,
posteriormente, de diretores e equipes, bem como a apresentação de um novo enfoque crítico para esses
filmes. O movimento francês privilegiaria algumas temáticas relacionadas a questões existenciais, a discussão
da liberdade individual numa sociedade repressora e os efeitos da memória e do tempo nas relações humanas,
por exemplo. E, nesse ponto, diferia do Neo-realismo italiano embora tenha sido influenciado por ele ao
interessar-se pouco pela situação social e política do país. Com uma apropriação mais formal do que
propriamente temática, os adeptos da Nouvelle Vague vieram a defender um cinema de autor e a liberdade
narrativa, através de obras de baixo custo. Para tanto, optaram pelas filmagens externas, a utilização de
câmeras portáteis, bem como de equipes pequenas, e produziram filmes como: Os incompreendidos, de
François Truffaut; Hiroshima, meu amor, de Alain Resnais; Os primos, de Claude Chabrol; Paris nos
pertence, de Jacques Rivette; O signo do leão, de Eric Rohmer.
45
Herdeiro das propostas e discussões realizadas nos congressos de cinema dos anos 50,
o grupo cinemanovista, de forma engajada e independente, buscava realizar uma leitura crítica
da sociedade brasileira de até então, além de “[...] educar o povo contra o mau gosto a que ele
foi levado pelo cinema americano, e de ajudá-lo a lutar contra o imperialismo”
(BERNARDET, 1983, p.71). Todavia, Fabris destaca que, assim como o Neo-realismo
italiano que estava na base da produção cinemanovista –, sua proposta não foi bem aceita
pelo grande público, uma vez que o povo não se reconhecia naquele tipo de filme que queria
apresentar a imagem de um país subdesenvolvido, com grandes contrastes sociais. Essa
produção cinematográfica que tentou fugir do modelo das chanchadas ficou isolada, pois
sendo produções das classes médias não sensibilizava
m o povo e sendo crítico era rejeitado pelas
próprias classes médias.
Apesar de preced
er, influenciar e participar como um dos principais formuladores do
movimento cinemanovista, Nelson Pereira estabeleceu com este uma relação bastante
peculiar. Por diversas vezes, segundo Helena Salem, o cineasta passou ao largo do
movimento, correu em faixa própria, em suma, desenvolveu uma trajetória que fora iniciada
anos antes. De acordo com Carlos Diegues, muito dos filmes de Nelson Pereira encontram-se
nos filmes do Cinema Novo, porém, no que tange aos seus filmes “[...] eles são nitidamente
anteriores a essa espécie de interpretação que se fez no cinema brasileiro na década de 60.
Como são anteriores, vêm sempre por um caminho inesperado” (DIEGUES apud SALEM,
1987, p. 160).
Dialogando com o movimento do Cinema Novo, além das várias discussões em voga
nos anos 60, Nelson Pereira dos Santos realizaria, depois de Mandacaru Vermelho (1961),
outros cinco filmes na década em questão. E entendendo como outros cineastas da época,
sobretudo os cinemanovistas que cinema popular seria aquele realizado para o povo e que
essa ligação poderia se dar através da linguagem utilizada, como bem destacou Jean-Claude
Bernardet, o cineasta adaptaria Boca de Ouro (1963), um longa-metragem que trazia, pela
primeira vez, um trabalho do teatrólogo Nelson Rodrigues às telas de cinema.
Considerado pela crítica Tati de Moraes como um bom exemplo de diálogo feito no
cinema, já que incorporava a linguagem popular – coloquial – das personagens com o singular
texto de Nelson Rodrigues, o filme narrava a história de um famoso bicheiro, Boca de Ouro
“dono” de Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro –, pela ótica de sua ex-amante Guigui, em
três versões diferentes, as quais, respectivamente, o descrevem como um homem cruel, depois
ingênuo e, por fim,
simultaneamente bom, mau, ingênuo e esperto.
46
Além de marcar o encontro entre o neo-realismo e a dramaturgia do teatrólogo, como
observou Xavier, Boca de Ouro foi, talvez, o primeiro grande sucesso comercial de um filme dirigido
por Santos. Porém, sendo um mero contratado, o diretor não pode usufruir financeiramente desse
sucesso.
Ainda em 1963,
o jovem cineasta retomará um antigo projeto e, de forma mais direta,
iniciará seu diálogo com a literatura, através da adaptação do romance social do escritor
alagoano Graciliano Ramos, Vidas Secas. Considerado por muitos como o ponto mais alto da
obra do diretor, Vidas Secas conta a saga de uma família de retirantes nordestinos num
período entre duas grandes secas que assolaram o nordeste brasileiro. Nesse filme, o jovem
cineasta “[...] recuperava a atualidade política da temática nordestina
44
, a discussão da
miséria, da fome, da situação marginal vivida pelas populações excluídas pelo pacto do
desenvolvimento econômico [...]” (HOLLANDA; GONÇALVES, 1986, p. 40). Bandeiras
explicitadas em diversos filmes do período, que naquele momento “[...] fixava-se a
orientação desmistificadora, [...] a perspectiva descolonizadora que oferecia à sociedade
brasileira o espelho áspero de seu miserabilismo cultural” (HOLLANDA; GONÇALVES,
1986, p. 40). Posição que, segundo Daniel Pécault, indicava a postura de parte dos intelectuais
brasileiros naquele momento, uma vez que não mais necessitando reivindicar para si um papel
de elite, esses intelectuais se colocaram ao lado das massas populares, almejando ser a sua
vanguarda. Mas estes ainda conservavam, no entanto,
[...] um papel político insubstituível: de um lado, [tinham] a missão de ajudar
o povo a tomar consciência de sua vocação revolucionária; de outro [cabia-
lhes] demonstrar, enquanto ideólogos, que o desenvolvimento econômico, a
emancipação das classes populares e a independência nacional são três
aspectos de um mesmo processo de libertação, ou seja, de um mesmo
“projeto” (PÉCAULT, 1990, p. 15, destaque do autor).
44
Durval Muniz de Albuquerque, em A invenção do Nordeste e outras artes, considera que a representação do
Nordeste no cinema, enquanto temática, iniciar-se-ia nos anos 50 com O canto do mar e O cangaceiro,
ambos de 1953 –, uma vez que nas décadas precedentes “[...] a educação do olhar, feita em grande parte pelo
cinema americano, rejeitava as imagens do próprio país na tela. A pesquisa da realidade nacional, de seus
problemas, que encontrava lugar em outras áreas das artes e da cultura, parecia não se adaptar ao cinema,
local de busca da pura ilusão (ALBUQUERQUE, 1999, p. 264). Mas, segundo o autor, ainda assim o
Nordeste que se via na tela era uma representação cheia de clichês e lugares comuns, que iam desde
representações de um povo, primitivo, subdesenvolvido e muitas vezes ingênuo, à de cidades tipificadas por
intermédio de ícones, como escadarias de igrejas barrocas que se tornavam palco de uma série de
“desencontradas manifestações da cultura popular”, ou seja, representava-se todo um universo de figuras
aparentemente separadas do racionalismo citadino. Mais adiante Albuquerque ainda complementa que o “[...]
olhar ‘urbano-industrial’ sobre o Nordeste começa a ser contestado com o surgimento do Cinema Novo,
que praticamente inverterá os pressupostos que regiam a produção cinematográfica industrial da Vera Cruz e
renegará a produção cinematográfica da Atlântida como alienada e pouco ‘séria’, colocando pelo avesso essa
visibilidade que tinha o mundo da cidade, da indústria e do burguês como referência. Um olhar educado pelas
cidades e, principalmente, pelo cinema americano” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 271, destaque do autor).
47
Da forma com que pensou e realizou a adaptação cinematográfica de Vidas Secas,
pode-se dizer que Nelson Pereira foi fiel tanto ao livro de Ramos, quanto às suas próprias
perspectivas e à posição da geração intelectual em que se inseria. Mas, diante de um mercado
nacional inundado por produções estrangeiras em especial as estadunidenses –, debilitado
no tocante a audiência para cinema de arte e, principalmente, para o cinema nacional, Santos,
da forma engajada com que realizou a adaptação do romance de Graciliano Ramos, alcançou
público restrito, não obtendo, desse modo, sucesso de bilheteria. Todavia, o cineasta quebrou
o certo silêncio dos críticos brasileiros em relação aos seus últimos filmes; Vidas Secas
45
(1963) foi enaltecido, tanto pela crítica nacional, quanto internacional, como o que havia de
melhor no cinema brasileiro. Além disso, com Vidas Secas, o diretor iniciava sua longa série
de trabalhos inspirados nas obras de intelectuais renomados da literatura nacional.
Entusiasmado com o sucesso alcançado, o diretor depois de montar Maioria
absoluta (1964), de Leon Hirzman – tentou dar início a um novo projeto, Memórias do
Cárcere, mas, diante do conturbado golpe militar brasileiro, em março de 1964, Santos
resolveu adiar o projeto.
por volta de 1965, alguns cinemanovistas, incluindo Santos, objetivando abrir caminhos
para suas produções, criariam a DIFILM Distribuidora de Filmes Brasileiros Ltda. Espécie de
cooperativa de cineastas
46
, a DIFILM, que terá Luís Carlos Barreto e Nelson Pereira dos Santos
como dois de seus principais articuladores, distribuía os filmes, adiantava dinheiro para os
produtores e financiava a comercialização. Além disso, os associados se reuniam constantemente
para discutir acerca de seus filmes, seus resultados, “‘[...] as produções que estavam indo para
frente, o mercado, a exportação, publicidade [...]’” (BARRETO apud SALEM, 1987, p. 205).
Mesmo tendo sido considerada como uma experiência muito rica e inovadora, a empresa
funciona nesses moldes até 1969-70 e a partir daí ficará apenas com Barreto. Pode-se dizer,
segundo Salem, que diversos fatores conduzirão ao esvaziamento da Distribuidora, como, por
exemplo, as crescentes intervenções estatais na indústria cinematogfica e tamm a crise que o
movimento cinemanovista enfrentaria nos anos 70.
Demonstrando grande versatilidade, Nelson Pereira, paralelamente aos seus trabalhos
no meio cinematográfico, ainda se envolveria no meio acadêmico. Passaria, a partir de 1965, a
ministrar a disciplina de Técnica e prática cinematográficas, no curso de Cinema da
45
Vidas Secas recebeu o Prêmio do OCIC e o Prêmio dos Cinemas de Arte em Cannes, em 1964; foi
considerado como o melhor filme na Resenha de Cinema de Gênova, em 1965, e ainda foi indicado, pelo
British Film Institute, como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca.
46
“Segundo L. C. Barreto, eram 11 os integrantes originais da DIFILM: NPS, o próprio Barreto, Cacá Diegues,
Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Sarraceni, Roberto Farias, Riva Farias, Leon Hirzman, Glauber
Rocha, Roberto Santos, e o americano Rex Endsley” (SALEM, 1987, p. 204).
48
Universidade de Brasília, juntamente com o também cineasta Paulo Emílio Salles Gomes e o
casal Lucilia e Jean-Claude Bernardet. Nos tempos em que passou na UnB, o diretor,
seguindo uma diretriz da faculdade, começou a filmar com seus alunos o documentário Fala
Brasília, que tratava das várias maneiras de falar existentes na cidade. Mas, antes mesmo do
filme ser montado, em decorrência de uma crise geral da universidade na qual quinze
professores foram demitidos e, em consideração a esses, duzentos e dez pediram demissão –,
Santos ficou novamente desempregado.
Como bem se sabe, a segunda metade dos anos 60 seria, para o grupo do Cinema
Novo, sobretudo, uma época de percepção de que a aceitação do público era necessária para a
continuidade de seus trabalhos. Além disso, a chegada dos militares ao poder explicitaria o
fim do clima de pré-revolução, no qual muitos cineastas acreditavam se encontrar. Numa
espécie de segunda fase, que se iniciaria por volta de 1965, os cinemanovistas passariam da
temática rural para a urbana, tendo o intelectual como o centro de suas análises. E embora não
tenham abandonado suas perspectivas de “conscientização do povo”, rios integrantes do
grupo reorientarão suas idéias, procurando realizar filmes que se inserissem no mercado e que
pudessem se pagar. Neste clima, Nelson Pereira, que estava novamente desempregado, realiza
uma comédia experimental, El Justicero. Um filme que narra as aventuras e os sucessos
imprevistos de um jovem da Zona Sul do Rio de Janeiro, El Jus, um verdadeiro boa-vida,
filho de um general. Servindo como um registro embora de forma implícita da situação
política e social do Brasil no período pós-golpe militar, El Justicero foi, nas palavras de
Salem, mais um filme-escola do que uma grande produção do cineasta, que foi realizado
numa produção extra-classe do diretor com alguns de seus ex-alunos da UnB. Lançado em
outubro de 1967 o filme teria vida curta junto ao público, pois, já em 1968, seria censurado, e,
tendo o seu negativo arrolado como prova processual para identificar o responsável por sua
liberação, esse foi perdido, sobrevivendo apenas uma cópia em 16mm.
Envolvendo-se, paralelamente, em vários projetos, Nelson Pereira, ao mesmo tempo em que
iniciava as filmagens de Fome de amor filme que começou antes mesmo de terminar El Justicero
, recebeu a proposta de filmar um documenrio para a Aliaa para o Progresso: Cruzada ABC,
uma pecula que buscava reforçar o domínio norte-americano nas Aricas após a Revolão
Cubana. Embora o documenrio caminhasse na contrao das posões políticas do cineasta, ele
decidiu aceitar a proposta. Mas, segundo Helena Salem, entregou como trabalho final um
documenrio que, implicitamente, se dirigia contra o seu contratante
47
.
47
De acordo com Helena Salem não se sabe o paradeiro desse documentário, pois devendo integrar a biblioteca
do consulado norte-americano, do Rio de Janeiro, a película simplesmente não se encontra lá.
49
Em continuidade, mesmo tendo achado fraca a novela na qual Fome de amor se inspirava
Hisria para se ouvir uma noite, de Guilherme Figueiredo –, Nelson Pereira, cuja vida financeira
ainda estava desestabilizada, começou a trabalhar nesse novo longa-metragem, o qual havia sido
proposto por Paulo Porto, eno associado da Herbert Richers. Pom, pouco tempo depois de ter
aceitado o projeto o cineasta foi convidado pelo Departamento de Estado para uma viajem aos
Estados Unidos, com o objetivo de visitar uma série de esdios cinematográficos e escolas de
comunicão, entre outros. Sem pensar muito, Santos encarregou Luís Carlos Ripper, seu ex-aluno,
de escrever o roteiro do filme e viajou para os Estados Unidos. Quando retornou, dois meses depois,
o cineasta encontraria tudo preparado por Paulo Porto, apenas à sua espera, mas, sem muito
entusiasmado para com o filme, decide entregar a dirão a Ripper ou a Porto. Em face da resposta
negativa de ambos o cineasta acaba dirigindo o longa-metragem.
Assim, iniciam-se, em junho de 1967, as filmagens de Fome de amor. Um filme que,
segundo Helena Salem, divergia muito do livro no roteiro escrito por Ripper e que era
reescrito, por Nelson Pereira, “todas” as manhãs antes de começarem as filmagens. O longa-
metragem centrava-se, basicamente, na vida de Felipe, um pintor medíocre que tem contatos
com militantes revolucionários latino-americanos, e, em Nova York, se aproxima de Mariana
jovem que estava envolvida com o marxismo-leninismo e as teorias revolucionárias para
extorquir-lhe dinheiro. Juntos, viajam para o Brasil, para uma ilha a qual Felipe diz ser de sua
propriedade e onde se encontra o casal Ula e Alfredo que, cego e surdo, tem em seu
cachorro Brutos o seu principal elo com o mundo. Felipe consegue uma procuração de
Mariana e vai roubando todo o seu dinheiro, enquanto faz amor com Ula. Em suas
considerações a respeito de Fome de amor, a jornalista Helena Salem o considera como:
[...] metarico, agressivo, poético, livre, questionador, quase um esrnio, um
grito, uma vio latino-americana. O imperialismo e a revolução, o
desenvolvimento e o subdesenvolvimento. A luta armada apenas se iniciava,
mas o filme a volta, registra e antecipa o isolamento da esquerda, o seu
desvario, a sua perplexidade, a sua derrota. Sempre sob uma ótica revolucionária
no conteúdo, na estrutura, na estética (SALEM, 1987, p. 214).
Filme que dialogava com as perspectivas cinemanovistas, que se referiam à análise do
intelectual de esquerda, Fome de amor acabou por conquistar a simpatia também de seu
diretor, que passou a considerá-lo como:
‘[...] uma transformação em termos de linguagem, de relação com o próprio
cinema. [...] Eu estava condenado a ser o cineasta sociólogo, clássico,
aquele padrão de Vidas Secas, e pelo fato de ter exercido isso eu tava
sentindo que era uma coisa superada, não era mais um instrumento apto para
transar a realidade social e emocional, não dava mais aquele tipo de
filme. Porque muita coisa tinha mudado’ (SANTOS, N., apud SALEM,
1987, p. 216 grifo nosso).
50
Lançado em junho de 1968, o longa-metragem, como outros filmes do cineasta, não
encontrou compreensão de grande parte do público, passando ao largo do mesmo. Já a crítica,
por sua vez, ficou dividida. De um lado encontravam-se aqueles que adoraram o filme caso
de Miguel Pereira, de O Globo, que chegou a considerá-lo como o melhor filme do ano – e, de
outro, aqueles que o detestaram como Salvyano Cavalcanti de Paiva, do Correio da Manhã,
que o considerou como um prolongamento desencantado de El Justicero (1967).
Ao final da década, paralelamente às suas atividades com o cinema e com algumas
políticas do meio, Nelson Pereira dos Santos retomaria a curta experiência da docência, que
fora desenvolvida alguns anos antes na UnB. Assim, propôs ao reitor da Universidade Federal
Fluminense um curso de Comunicação semelhante àquele em que trabalhou na Universidade
de Brasília e, em maio do mesmo ano, conseguiu ser designado como professor responsável
pelo setor cinematográfico da universidade
48
.
Por essa época, conm lembrar que já estava em vigor o Decreto do Ato Institucional n 5,
de dezembro de 1968. Ato promulgado pelo general Costa e Silva, o AI5, que durou a o ano de
1979, atribuiu ao Executivo poderes para fechar o Congresso, cassar mandatos, suspender direitos
políticos e demitir ou aposentar funciorios blicos, como também estabeleceu, na prática, a
censura aos meios de comunicão e o aumento da represo e perseguão dos opositores do
regime. Assim, boa parte das esquerdas foi colocada na clandestinidade e o meio cultural, que até
então conseguia ter certa liberdade de expressão dentro do regime, passava a ter maiores
dificuldades para se anunciar. Num período de supreso das liberdades, muitos artistas e
intelectuais, entre outros, foram presos. Alguns se exilaram, outros foram expulsos do país e ainda
outros escolheram ficar e atuar no Brasil muitos dos quais acabaram sendo presos, torturados ou
mesmo mortos. Nelson Pereira foi um desses que decidiu ficar no país, pom, o como um
militante engajado, mas, segundo Helena Salem, juntando quase tudo: o isolamento em Parati, o
desbunde, o trabalho e, como o poderia deixar de ser, também a política.
Exilado em Parati onde realizou quatro filmes –, o diretor, recorrendo novamente à
literatura, resolve falar daquela sociedade inserida num regime de ditadura militar
49
através de
Azyllo muito louco. Primeiro longa-metragem colorido do cineasta, Azyllo se inspirava e
48
Em fins de 1970, Nelson Pereira, almejando o cargo de professor titular da cadeira de Introdução à cnica da
Comunicação, participou de um concurso na própria UFF, cuja seleção compunha-se de prova escrita, aula e
comprovação de títulos. Sem nada organizado, Santos quase perdeu o concurso. Finalmente aprovado, Nelson
Pereira, que de acordo com as oscilações de sua situação financeira havia desenvolvido uma infinidade de
atividades ao longo dos anos, passa agora a investir também, como tantos outros cineastas, no campo da docência e
sem nenhuma inovação encontra, semelhantemente a outros intelectuais, um lugar na estrutura do Estado.
49
Como confirma, em entrevista à Helena Salem, dizendo que a escolha do conto devia-se a 1968, o golpe
dentro do golpe – referindo-se ao AI5.
51
dialogava, de forma bastante livre, com conto O alienista, do romancista Machado de Assis.
Ele narra a história de um padre, vindo da capital, que ao chegar à cidade de Serafim, no
século XIX, manda construir a “Casa Verde”, local onde passa a internar quase toda a
população em nome do bem desta. Lançado em 1971, o filme passaria ao largo do grande
público brasileiro, devido à sua linguagem metafórica, cheia de sutilezas e ironias, mas,
segundo Salem, seria bem recebido pela crítica internacional, principalmente pelos críticos de
Madri e Barcelona, os quais lhe concederam, no Festival de Cannes, o Prêmio Luis Buñuel.
No mesmo ano, o filme ainda receberia o prêmio do Festival de Brasília.
Como bem se sabe, o clima político de perseguição que se intensificara com a entrada em
vigor do AI5 favoreceria, em termos de novas perspectivas cinematográficas, o início de uma
rie de produções de um novo grupo de cineastas que, rotulados sob diferentes alcunhas como
Cinema Marginal, Udigrudie Cinema do Lixo –, realizariam um cinema irreverente, o qual
subvertia a linguagem cinematográfica e se desvinculava da opino da crítica, do gosto do
blico e de preocupações com a bilheteria. Embora tivessem pontos em comum com o
consolidado Cinema Novo – como, por exemplo, a utilização de orçamentos baixos e a noção de
autor , os marginais
50
estabeleceriam um diálogo de oposão com os cinemanovistas. “‘Menos
pudico que o CN, mais ousado no sexo, o cinema do lixo pode ter como alvo o grotesco do lazer
paulista [...] se desdobra na encenação escatológica, feita de vômitos, gritos e sangue, na
exacerbação do kitsch, no culto ao nero do horror subdesenvolvido’” (XAVIER apud
BILHARINHO, 1997, p. 113, grifo do autor)
51
. Ao refletir acerca da experiência “marginal”,
Inácio Araújo destaca que havia nessas produções uma recorrência que teria sido
premonitoriamente iniciada em O Bandido da luz Vermelha (1968):
[...] quem não pode fazer nada avacalha. Era uma senha para o cinema
nacional, para a impotência que se sentia frente aos estrangeiros, aos
exibidores, ao mundo em geral. Mas avacalha com jeito, diga-se, ninguém
queria mais ouvir falar de ligas camponesas, do CPC, do Brasil profundo e
rural. Nada disso. O cerne do país era mesmo o urbano. E nesse urbano a
figura privilegiada era o banditismo, a contravenção. Se havia uma arte (e
em geral não havia, a arte era outra futilidade), então ela seria dessa gente.
Não mais a manifestação coletiva (revolução), mas a revolta individual,
frágil, inútil, mas que significava um desejo de viver contra todas as
condições objetivas que o mundo propunha, contra o aprisionamento dos
50
Durando cerca de três anos e aparecendo, simultaneamente, em vários estados do Brasil, como Rio de Janeiro,
São Paulo, Minas Gerais e Bahia, o grupo chamado de marginal, teve entre seus principais diretores Ozualdo
Candeias, Júlio Bressane, Neville d’Almeida e Rogério Sganzerla. Am desses, Guido Bilharinho ainda
destaca outros nomes como o de José Silvério Trevisan, Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach Filho, Antônio
Lima, Julio Callasso, Paulo Bastos Martins, Álvaro Guimarães, André Luís de Oliveira, Carlos Alberto Ebert,
Ivã Cardoso, Roberto Cahané, Artur Omar, Guaraci Rodrigues, José Marreco, Teresa Trautman, Jorge
Mautner, Haroldo Marinho Barbosa e Silvio Lena.
51
Para mais detalhes acerca da temática proposta, também ver: PUPPO, E.; HADDAD, V. Cinema Marginal e
suas fronteiras: filmes produzidos nas décadas de 60 e 70. São Paulo: CCBB, [198-?].
52
desejo, contra a destruição de nossas utopias (ARAÚJO, [198-?], p. 7,
destaques do autor).
Também neste final de década, a criação da Empresa Brasileira de Filmes Sociedade
Anônima (1969) é relevante na decisão tomada pelo Estado de tomar para si o controle tanto
do campo cultural quanto de suas arestadas relações com as correntes cinematográficas do
período
52
. Embora neste início a Embrafilme ainda não se arrisque a cuidar de todas as etapas
da produção cinematográfica, “[...] pode-se depreender que se adotava uma decisão de
penetrar mais direta e agressivamente na produção cinematográfica, inaugurando uma fase
que rumava para a superação da simples mediação estatal anterior” (RAMOS, J., 1989, p. 90).
Delinear-se-ia, a partir de então, uma política mais voltada para a viabilidade econômica das
produções nacionais.
Em meio a essas poticas estatais, do início dos 70, e mesmo tendo alguns de seus filmes
produzidos pela Embrafilme, o grupo cinemanovista passará por uma rie de dificuldades para a
exibição de seus filmes que, de acordo com Salem, serão deixados de lado, na maioria das vezes
preteridos em relação às peculas estrangeiras ou mesmo em relação às chamadas codias eróticas
nacionais neochanchadas ou pornochanchadas, que inundavam o mercado brasileiro.
Neste início dos anos 70, Nelson Pereira colocaria em prática um novo trabalho, Como
era gostoso o meu francês. Um projeto engavetado desde o tempo em que o diretor concluía
El Justicero época em que, segundo Salem, o cineasta, diariamente, atravessava de barca a
passagem entre Rio e Niterói, observava a Ilha de Villegaignon e imaginava como seria o
litoral fluminense à época da invasão francesa. Continuando sua tentativa de apresentar,
cinematograficamente, as raízes do Brasil, o cineasta, numa postura antropológica, trazia para
o centro de seu trabalho o indígena. Para tanto, ele realizou toda uma pesquisa acerca das
52
Segundo JoMário Ortiz Ramos, em Cinema, Estado e lutas culturais (anos 50/60/70), pode-se dizer, de
forma resumida, que a participação mais efetiva do Estado no meio cinematográfico iniciou-se durante a
segunda metade dos anos 50, com as reivindicações que partiram dos congressos de cinema, os quais
forçavam uma discussão nacional em torno do cinema, objetivando uma maior participação estatal nos
problemas do meio. Alguns grupos, como o dos cinemanovistas (RJ), criam na concepção de neutralidade por
parte do Estado, bem como no dever estatal de proteger o cinema através de recursos e políticas que
auxiliassem os projetos dos cineastas, enquanto outros, como o do Cinema Marginal (SP), mantiveram-se
afastados das discussões que envolviam o Estado. Já o Estado, por sua vez, criou cada vez mais órgãos de
controle com políticas próprias como o Instituto Nacional de Cinema (INC) e a Embrafilme, entre outros
que nem sempre iam de encontro às aspirações dos cineastas. Ainda, segundo Ramos, pode-se destacar que o
grupo que mais se aproximou do Estado foi o dos cinemanovistas, os quais tiveram parte de sua produção
financiada pelo mesmo, como por poderosos indústriais, grandes banqueiros, ou mecenas eventuais.
grupos, como o dos marginais, por exemplo, procuraram seus financiadores entre fazendeiros, proprietários de
postos de gasolina e parentes ou amigos ricos, distanciando-se dessa forma do Estado, bem como de suas
propostas. Para mais detalhes ver: RAMOS, J. M. O. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60 e 70. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
53
aventuras do cronista alemão Hans Staden
53
, sua fonte de inspiração, bem como de boa parte
da literatura existente sobre o tema. E encarregou Luís Carlos Ripper de realizar o
levantamento etnográfico.
Diferindo de todos os filmes concluídos pelo diretor, até então, o novo longa-
metragem era narrado em tupi e possuía em suas falas diversos trechos de cronistas franceses
e portugueses da época tratada. Desse modo, o filme contava a história de um francês (Jean)
modificação com relação à nacionalidade de Staden, que era alemão –, cuja morte foi
decretada por Villegaignon. Conseguindo escapar, Jean é capturado pelos portugueses e,
posteriormente, pelos Tupinambás, que lutavam contra os lusitanos. Embora fosse francês,
povo considerado pelos Tupinambás como amigo, Jean não consegue convencer a tribo de sua
origem gaulesa e, dessa forma, tem sua morte determinada dentro de um prazo de oito luas.
Passando a viver os costumes da tribo, o francês acredita poder prolongar o seu prazo de vida,
porém, chegado o grande dia, Jean é comido e saboreado pelos indígenas.
Película que, segundo o próprio cineasta, também teve certa inspiração no livro
Caetés, de Graciliano Ramos, Como era gostoso o meu francês
54
visava, através de uma
relação dialética entre passado e presente característica recorrente na obra de Santos –, a
abordagem de algumas questões como, por exemplo, o choque entre duas culturas, a
antropofagia e mesmo às relações existentes entre desenvolvimento e subdesenvolvimento.
“Contudo, sofreu o corte da censura que não admitia a existência de imagens de atores nus
55
.
Logo após a sua liberação, foi assistido por milhares de brasileiros, revelando uma possível
conciliação entre arte e indústria” (CALDAS; MONTORO, 2006, p. 109). Mas,
posteriormente, o cineasta lamentaria:
“O público não se identificou com as minhas idéias. Identificou-se, por
exemplo, com o francês, o colonizador. Todo mundo lamentava a morte do
‘herói’. Não entenderam que o herói era o índio e não o mocinho, a tal ponto
53
Único ou pelo menos de que se tem registro cronista do Brasil colonial que viveu a experiência de ser
capturado pelos Tupinambás, Staden, intrometendo-se de tal forma na vida da tribo, teve, por diversas vezes,
a sua morte adiada até o dia em que foi salvo pelos franceses. E, de volta à Alemanha escreveu Viagem ao
Brasil, um livro que contava suas aventuras pelo país.
54
Como era gostoso o meu francês ganhou o Troféu Carmem Santos e o Prêmio de Melhor Filme do Festival de
Brasília escolhido por júri popular e, posteriormente, em 1973, e Nelson Pereira ganha da Air France o
Prêmio de Melhor Diretor.
55
Acerca desse episódio, o cineasta conta: “‘Eu peguei um avião e fui para Brasília falar com uma autoridade da
Polícia Federal. Daí ele me disse: ‘Aqueles homens com aqueles caralhos, não pode ser. Minha mulher, tudo
bem, porque bem servida, ah, ah, ah... Mas e a minha filha? Como vai ser com a minha filha?’ Eu não falei
nada, nunca consegui descobrir qual seria o problema daquela filha, se era virgem, mal casada, o quê. Não
disse nada, ele poderia ficar mais nervoso ainda’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 265). Com o filme
vetado em todo o território nacional e sem uma solução, Santos recorre a seu amigo Pompeu de Sousa que
o havia ajudado na liberação de Rio 40º. Sem escapar de alguns cortes, o filme foi liberado com censura
livre, em novembro de 1971, e lançado em janeiro de 1972, na cidade do Rio de Janeiro.
54
que estavam influenciados pelos bangue-bangues de John Wayne”
(SANTOS, 1977 apud SALEM, 1987, p. 267).
De acordo com Helena Salem, a crítica brasileira daria uma acolhida “mediana” ao filme e
consideraria como o seu ponto alto o caráter documental da narrativa. A boa acolhida viria,
mais uma vez, da França. Nas palavras da crítica Anne Head inglesa radicada em Paris –,
foi certamente o filme do cineasta que, juntamente com Vidas Secas, teve mais sucesso na
França, fazendo com que o público comparecesse as salas de cinema.
No que tange aos projetos dos cineastas destes primeiros anos do decênio em pauta,
Arnaldo Jabor esclarece que havia uma espécie de desorientação do meio cinematográfico
brasileiro. Enquanto o ciclo marginal se esvazia, o cinemanovista passava por uma fase de
reorientação de seus posicionamentos ideológicos.
“[...] Vive-se assim um momento de transição, a coesão do Cinema Novo
esfacela-se e a confusão toma conta de alguns cineastas [...]. Os antigos
cinemanovistas realizam filmes de passagem, caso de Quando o carnaval
chegar e Joana Francesa de Diegues, e do mal-sucedido Quem é Beta? de
Nelson Pereira, representativos da crise de um projeto. Os novos [...], se
perdem nas herméticas alegorias – caso de Jabor com Pindorama – ou
realizam filmes isolados, de difícil filiação a alguma linha, como o primeiro
longa de Antônio Calmon O capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil
(1971)” (JABOR apud RAMOS, J., 1983, p. 104, grifos do autor).
Embora fosse um cineasta renomado, um “nome” que dava alguma credibilidade se
estivesse nos créditos de um filme, Nelson Pereira dos Santos, como bem destacou Jabor, não
foi bem sucedido em seu décimo longa-metragem: Quem é Beta? Pas de violence entre nous.
Filme de ficção científica, Quem é Beta? narrava a história de Regina, uma mulher que
procura abrigo, e Maurice, que construíra seu abrigo em busca de achar o seu mundo perdido.
Posteriormente juntos no mesmo abrigo, Regina e Maurice passam a viver uma vida tranqüila:
eliminando como outros que também possuíam armamentos a maioria silenciosa dos
sobreviventes e assistindo à uma máquina criada por Maurice, a “vídeo-memória”. Até que
um certo dia chega Beta e, com a sua chegada, desequilibra toda a vida do casal. Porém,
passado algum tempo Beta resolve partir e deixa uma imensa saudade, principalmente em
Maurice que decide ir à sua procura e, encontrando-a, passa com ela um tempo. Mas a
saudade de Regina também lhe aperta o coração fazendo com que volte. Ao chegar, Maurice
encontra uma surpresa: Regina já se encontra com outro homem (Gama) e embora se espere o
embate Maurice trata bem a Gama e os três passam a viver juntos, ainda sentindo saudade de
Beta, que tempos depois retorna para a caverna, juntamente com uma mulher grávida,
passando, por fim, os cinco a viverem juntos na caverna.
55
Filme experimental que é, Quem é Beta? nasceu de um desejo de renovação e é,
talvez, um dos filmes mais agressivos do cineasta, no ponto em que há morte do início ao fim,
e se propõe, segundo Santos, ser uma leitura da realidade brasileira que saia do período
histórico que ficou conhecido como o “milagre econômico” época em que se acentuou a
polarização entre ricos e pobres. Lançada em junho de 1973, a película era esperada com
bastante entusiasmo por intelectuais, críticos e público. Porém, a sua acolhida foi desastrosa:
por parte do público, que chegou até mesmo a vaiá-la no cinema, e também por parte da
crítica, que sugeriu ter o cineasta uma queda para o gênero pornô Telmo Martino do Jornal
da Tarde, de São Paulo, sugere, num trocadilho com o tema do filme, que: “‘[...] Quem é
Beta? Não chega nem a ser uma boa pergunta’” (MARTINO apud SALEM, 1987, p. 277).
No tocante a produção cinematográfica da segunda metade dos anos 70, pode-se dizer
que esta “[...] sofreu mudanças basilares. A expansão do mercado foi significativa e pode ser
observada pelo aumento considerável de espectadores, saltando da casa dos 30 a dos 50-60
milhões de espectadores por ano” (CALDAS; MONTORO, 2006, p. 113). Por esta época, a
Embrafilme
56
, já sob a direção de Roberto Farias e tendo os seus recursos ampliados, devido à
extinção do Instituto Nacional de Cinema, daria mais um passo na direção de se construir, no
Brasil, uma indústria cinematográfica.
[...] é a partir de agora que a EMBRAFILME se introduzindo de fato no
sistema de co-produção, no qual assume o risco do investimento em projetos,
e ampliando o volume das operações de distribuição, modelará sua mais
ousada configuração, enquanto intervenção estatal na atividade
cinematográfica, já que a cumplicidade estabelecida na associação financeira
a um projeto e a responsabilidade requerida para sua comercialização
levarão para o interior da EMBRAFILME a absoluta gerência administrativa
do produto fílmico, até então delegada aos setores privados (AMÂNCIO,
2000, p. 44).
Também foi por volta desse período de mudança da Embrafilme que se criou o Concine
Conselho Nacional de Cinema órgão que, apoiando a Empresa Brasileira de Filmes, se
responsabilizava pelas normas e fiscalização das atividades cinematográficas, função
anteriormente exercida pelo extinto INC. Ainda segundo Amâncio, a partir desse novo
quadro de mudanças na Embrafilme, definir-se-á um perfil para os realizadores que seriam
beneficiados pela estatal que, em linhas gerais, priorizava “[...] a qualidade global do projeto
[...]” (AMÂNCIO, 2000, p. 45, grifo do autor). Nelson Pereira seria um dos diretores
beneficiados.
56
Para mais detalhes acerca do funcionamento da empresa e de suas políticas ver: AMÂNCIO, T. Artes e
manhas da Embrafilme: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro (1977 1981). Rio de Janeiro:
EDUFF, 2000.
56
Vindo de uma espécie de rompimento com a crítica, após Quem é Beta? (1973), o
diretor inicia uma de tentativa de abertura popular e, conseqüentemente, comercial de sua
obra. Assim, ainda em 1973, inicia O amuleto de Ogum, seu primeiro filme co-patrocinado
pela Embrafilme, o qual narra a história de um cego que, cercado por três bandidos, conta o
“causo” de Gabriel, um nordestino, protegido de Ogum, que depois de migrar para Duque de
Caxias (RJ) envolveu-se com um grupo de assassinos e malfeitores da Baixada e, para piorar
a situação, ainda teve um caso com Eneida, a mulher de Severiano – chefe do bando. Forçado
a reagir contra o grupo de Severiano, Gabriel, cujo corpo era fechado e protegido por Ogum,
consegue ficar vivo enquanto boa parte do bando e mesmo o seu chefe morrem. Por fim,
contado o causo de Gabriel, o cego, que reaparece ao final filme, é atacado pelos bandidos
os quais não gostaram da narrativa. Porém, assim como no causo de Gabriel, o orixá Ogum
também olha pelo cego Firmino que também não pode morrer e, dessa forma, reage e vence
seus agressores.
Procurando retratar a vida de uma parcela da população que, marginalizada
economicamente, vivia distante da cultura oficial, Nelson Pereira, que teve um pai maçom,
porém foi coroinha da igreja de São Francisco, resolveu freqüentar centros de Umbanda numa
busca por compreender melhor esse universo que pretendia retratar em todo o filme.
Segundo José Mário Ortiz Ramos, em O amuleto de Ogum o cineasta iniciava a
adoção de uma “nova” postura, que se distanciava das pré-noções acerca da realidade
brasileira e gerava uma nova noção da realidade que, sem a já desgastada visão sociológica
na qual se mostrava primeiro o fato e depois o resultado deste tão cara ao movimento do
Cinema Novo, apresentava o povo como detentor do conhecimento e não o diretor. Acerca
dessa fase Ramos ainda acrescenta:
A mudança [...] de um cineasta como Nelson Pereira dos Santos constituía
na verdade mais um indicador da crise e esfacelamento do projeto cultural
nacionalista dos anos 50-60, um questionamento da crença no rompimento
da “alienação” e “colonialismo” culturais, um projeto que delegava aos
intelectuais/artistas afinados com o nacional-populismo a tarefa de
impulsionadores-conscientizadores. Uma situação que vinha sendo
criticada e repensada desde o revés político de 64 [...] (RAMOS, 1983, p.
128-129, destaques do autor).
Mais adiante, José Mário Ortiz continua:
Assim, a proposta de O amuleto de Ogum não configurava uma ruptura,
pouco tendo de novidade, pois esta busca do “homem brasileiro” estava
latente no início do Cinema Novo, e é sistematizada posteriormente,
aparecendo de forma tensa em Macunaíma. A objeção que pode ser
levantada é que naquela fase, apesar de presente a preocupação em abordar
de forma menos direcionada e esquematizada a sociedade brasileira, ainda
não se abria mão da análise crítica anterior do cineasta. [...] num movimento
57
que ia da postura “sociológica” para a antropológica”, exorcizavam-se os
fantasmas do dirigismo paternalista e da inexistência de um novo projeto
nacional, duas realidades duras para um cineasta da formação de Nelson
Pereira [...] (RAMOS, 1983, p. 129, destaques do autor).
Lançado no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1975, O amuleto de Ogum foi aprovado
pela crítica que considerou o filme como uma ligação, acertada, entre o cinema e o povo e
redimiu, segundo Salem, o cineasta por Beta. Porém, não sendo tão bem apresentado, que
foi colocado em salas de filmes de arte, o grande público ignorou a existência do longa-
metragem, que recebeu os prêmios Coruja de Ouro, Kikito e Air France.
Em entrevista ao jornal opinião, em fevereiro de 1975, o crítico Jean-Claude Bernardet
afirmava que Nelson Pereira, em O amuleto de Ogum, “‘[...] se propôs a fazer um filme que
fosse uma visão popular da realidade. E esse filme, sendo popular, seria conseqüentemente
comercial’” (BERNARDET, 1975 apud SALEM, 1987, p. 295). Apesar disso, Nelson Pereira,
mesmo declarando sua preocupação com o mercado desde, pelo menos, 1965 – após o
sucesso internacional de Vidas Secas –, passou, segundo Salem, para a alegoria com um certo
hermetismo, dificultando a compreensão do grande público.
Também foi nesse período, que houve uma mudança significativa no meio
cinematográfico com a criação da Abraci – Associação Brasileira de Cineastas –, na cidade do
Rio de Janeiro, pois, até então, ainda não havia nenhuma entidade que congregasse e
representasse juridicamente os cineastas. Participando ativamente das políticas da Associação,
Nelson Pereira foi eleito o seu primeiro presidente e Leon Hirzman o primeiro secretário.
Segundo Hirzman, Santos “‘[...] teve uma participação muito importante naquele momento na
luta pela liberdade de expressão, para uma mudança mesmo no processo cultural e político do
país, sempre numa visão de obter uma nova correlação de forças’” (HIRZMAN apud
SALEM, 1987, p. 307).
Na seqüência de O amuleto de Ogum, o cineasta ainda realizaria a produção de um
filme de Waldyr Onofre, As aventuras amorosas de um padeiro, e iniciaria um novo trabalho:
Tenda dos milagres. Nesta película, que se inspirava no argumento do livro homônimo de
Jorge Amado
57
, o cineasta continuava uma busca por representar, cinematograficamente, “[...]
57
Helena Salem, através do depoimento de Jorge Amado, apresenta um dado interessante acerca da cessão de
direitos autorais do livro, que segundo a biógrafa, foi um “acordo de amigos”. Como relata o escritor: “‘O
Nelson passou em casa tinha ido à Bahia para lançar Amuleto , estávamos almoçando, ele me falou:
‘Sabe qual é a coisa que eu mais desejaria? Filmar Tenda dos milagres’. E eu respondi: porque você não
filma? ‘Não tenho dinheiro para te pagar, você é um autor muito caro’, ele me falou’. Jorge não vacilou: ‘Não
paga nada, filma’. Segundo o escritor baiano, em 1975, Nelson pagou 50 mil cruzeiros pelos direitos de
Tenda, praticamente nada, em relação aos 100 mil dólares pagos na época pela cessão de Pastores da noite
por Marcel Camus e os 20 mil dólares de Dona Flor e seus dois maridos, por Bruno Barreto” (AMADO apud
SALEM, 1987, p. 309).
58
as raízes negras da sabedoria popular” (RIDENTI, 2000, p. 102) – busca essa, que fora
iniciada em O amuleto de Ogum, continuada em Tenda dos milagres e depois retomada em
Jubiabá.
Em linhas gerais, Santos, nesse novo trabalho, rediscutia o tema da religião popular
atentando para o Candomblé como uma religião oprimida – e, de forma mais incisiva, discutia
alguns pontos acerca da questão racial e de uma possível manipulação da opinião pública
pelos meios de comunicação – já que foi por volta dos anos 70 que houve uma maior
expansão do mercado televisivo do Brasil.
Adaptado de forma livre, o filme narra a história de um mulato, capoeirista, tocador de
violão e pai de crianças de mães variadas, que, em vida, contestava as idéias racistas de uma
série de acadêmicos e que depois de morto foi mitificado pela sociedade de consumo.
Estreando ainda em fins de 1977, Tenda dos milagres angariou uma série de prêmios como
os de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz Coadjuvante do X
Festival de Brasília e o Prêmio de Melhor Filme Air France e foi recebido pela crítica com
relevante entusiasmo. Segundo Fernando Ferreira, do jornal O Globo, o filme era “‘[...] um
triunfo do cinema brasileiro, o filme mais importante da fase atual desse nosso cinema no
encalço da conquista decisiva do seu mercado’” (FERREIRA, 1977 apud FILME..., 08/78).
Poucos foram os pontos destacados como negativos, como mostra o extrato da crítica de
Bruna Becherucci, do Jornal da Tarde: “‘O que prejudica, levemente, é certa fartura de
personagens e de casos e a exploração repetida dos desfiles, das esplendorosas procissões,
garantia de sucesso no exterior, mas razão de cansaço para o expectador desafiado por
mais de duas horas de espetáculo’” (BECHERUCCI, 1978 apud FILME ..., 08/78, grifo
nosso). Posteriormente, com a película correndo o mundo, o cineasta decide acompanhar seu
filme única película que, em 1979, representava o Brasil no I Festival de Cinema Ibérico e
Latino-americano em Biarritz, na França.
De volta ao Brasil, que estava a caminho da abertura democrática, Nelson Pereira
dos Santos decidiu participar de um novo tipo de projeto desenvolvido pela Embrafilme: a
produção de programas piloto para a televisão, para o qual o cineasta realizou Nosso mundo,
um média-metragem para a TV Educativa que, de acordo com Salem, narrava as aventuras de
dois meninos perdidos na floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ainda segundo a biógrafa, o
cineasta dirigiu, para uma série de TV denominada “Contos brasileiros”, Missa do Galo, um
média-metragem baseado no conto homônimo de Machado de Assis, que embora fosse “um
bom filme” não chegou nem mesmo a ser exibido, repousando, desse modo, no arquivo da
Embrafilme que também resolveu arquivar os projetos-piloto.
59
E diante do surgimento de uma recém-nascida onda de produção de projetos
históricos, Santos resolve aproveitar a oportunidade para colocar em prática,
simultaneamente, dois antigos projetos: um primeiro inspirado no livro do Visconde de
Taunay: A retirada da laguna, para o qual escreveu o roteiro juntamente com Jayme Del
Cueto e Emmanuel Cavalcanti; e um segundo sobre o poeta romântico Castro Alves, para o
qual também escreveu o roteiro e direcionou boa parte de seus esforços. Nesse segundo
projeto o cineasta pretendia apresentar a vida do poeta desde os tempos de estudante do curso
de Direito no Largo São Francisco, em São Paulo, tendo como professor o grande orador do
Império, José Bonifácio, ao lado de homens como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Rodrigues
Alves, entre outros. Mas, “[...] apesar de toda a paixão, Castro Alves acaba não saindo do
papel. Projeto muito caro, possível num esquema de grande produção que Nelson não
consegue levantar na época” (SALEM, 1987, p. 322).
Assim, o diretor aproveitou a equipe que trabalharia no projeto sobre Castro Alves e
iniciou um novo trabalho, agora inspirado embora também fosse um filme de ficção na
trajetória da dupla de música sertaneja Milionário e José Rico. Iniciava-se, então, Estrada da
Vida, um filme que teve o seu roteiro escrito, inicialmente, por Chico Assis e, posteriormente,
reescrito por Santos ao longo das filmagens, que duraram até novembro de 1979. Época em
que, paralelamente ao filme, Nelson Pereira presidiu a recém fundada Cooperativa Brasileira
de Cinema (CBC) que, de acordo com Salem, fora criada por “[...] 40 cineastas, produtores e
técnicos, com o propósito de prestar assistência aos produtores audiovisuais [...]” (SALEM,
1987, p. 330). Embora tenha persistido por um bom tempo, a CBC não vingou, concentrou-se
basicamente na exibição e, cronicamente atolada em dívidas, vendeu gradativamente todos os
cinemas que possuía, ficando apenas com o Cine Ricamar.
Filme bem humorado, Estrada da vida estreou apenas em fevereiro de 1981, na cidade
de São Paulo, depois de ganhar o prêmio de Melhor Filme no Festival de Brasília, prêmio esse
concedido por júri popular. O filme foi um sucesso de bilheteria, principalmente nas cidades
do interior e, posteriormente, no Japão por ocasião de uma turnê da dupla. Contudo, a
crítica, juntamente com uma parcela da intelectualidade nacional, detestou o filme,
considerou-o como uma apologia ao capitalismo já que, mesmo com tantos problemas, a
dupla consegue “vencer” na vida –, um filme puramente comercial que não tratava da vida da
dupla, mas que tinha sido feito “para” a dupla – nas palavras do crítico Rubens Ewald Filho.
Mesmo em meio a tantas críticas, Santos, enquanto retoma um contato mais intenso
com a televisão ao dirigir o programa Cinema Rio, na TV Educativa no qual diversos
cineastas realizam pequenos filmes inspirados em diferentes aspectos da cidade –, ainda
60
anuncia, para breve, o início de um novo, mas também antigo projeto: Memórias do Cárcere.
Para o qual o cineasta refugiou-se em Campos do Jordão buscando isolamento para,
juntamente com seu assistente de direção Jayme Del Cueto, realizar um minucioso
levantamento acerca dos mais de 300 personagens do livro, elaborar o organograma do filme,
bem como o tratamento que seria dado ao roteiro. Porém, objetivando lançar a película antes
das eleições de 1982 segundo Salem – e estando com quase tudo pronto, ocorreu um
imprevisto: os produtores Dora e Luís Carlos Villas Boas desistiram do projeto fazendo
com que, sem condições para produzi-lo, Santos o engavetasse novamente. Mas, sem esperar
muito, o diretor retomou, em 1983, suas pesquisas acerca do livro de Graciliano Ramos.
Período herdeiro das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que se
processaram, principalmente, ao longo das cadas de 60 e 70, os anos 80 apresentaram-se,
segundo Marcelo Ridenti, como um período em que houve uma tendência ao refluxo das
idéias revolucionárias dos anos 60, uma vez que, em 80 se prosseguiu com as políticas
culturais iniciadas na década predecessora, dentre as quais:
[...] proliferava também a ideologia dos novos movimentos sociais, o culto
futurista do novo que não deixava de remontar à vaga anterior do novo, nos
anos 60 (Cinema Novo, Bossa Nova, Nova Objetividade Brasileira etc.), mas a
novidade agora o era mais recuperar e superar aspectos do passado para
afirmar novas idéias de povo e nação, mas assegurar uma postura classista,
especialmente dos trabalhadores urbanos. Nessa medida, temas como povo,
nação e cultura brasileira entraram em declínio [...] (RIDENTI, 2000, p. 356,
grifos do autor).
Embora a produção cinematográfica dos anos 80 ainda se encontrasse, de um lado,
vinculada ao Estado e, de outro, aos “comerciantes” da Boca Paulista, alguns cineastas como
Nelson Pereira dos Santos caminhariam para um menor enrijecimento de vanguarda,
buscando, cada vez mais, produzir obras que pudessem ser bem recebidas pelo grande
público. o Estado, atento aos novos tempos visto a popularização da tecnologia do vídeo,
a qual foi largamente incentivada pelos militares –, reciclou constantemente seus
posicionamentos para o campo cultural e, no caso do cinema, procurou investir em projetos
mais rentáveis comercialmente.
Numa época em que, por vários caminhos – desde reivindicações trabalhistas, de
preservação do meio ambiente, dos direitos políticos, dos negros e das mulheres, entre outros
–, um grande número de pessoas marcaram seu espaço e se fizeram presentes na luta pela
defesa e exercício da cidadania, o cinema dialogaria com essas questões do presente e,
segundo Ismail Xavier, apresentaria a permanência de um traço bastante próprio, a
permanência do arcaico dentro do moderno, uma vez que:
61
[...] quando procura ampliar suas referências e falar de Brasil como um todo,
quando preocupado com a identidade nacional, continua a se apoiar na
espessura forte do leque de experiências de seu mundo fora dos centros
urbanos. Ao representar a modernização como processo global, observa-a
dos seus pontos de fronteira, nos confins; e, quando mergulha na cidade, é
para nela apontar a presença essencial das figuras representativas das
correntes migratórias (XAVIER, 1985, p. 42-43).
Também dialogando com o presente, através da sua ligação com o passado, Pereira
iniciou, com trinta anos de experiência e vinte anos depois de Vidas Secas, as filmagens de
Memórias do Cárcere, um filme que trazia às telas os 10 meses em que o escritor Graciliano
Ramos esteve preso, durante o ano de 1936, sob o governo do Presidente Getúlio Vargas.
Lançado em 1984, Memórias do Cárcere foi um sucesso não de bilheteria, mas
alcançou o reconhecimento da crítica nacional, que o definia como um filme importante e
maduro, e internacional segundo a jornalista Anne Head, o longa-metragem talvez tenha
sido melhor acolhido do que Vidas Secas. Recebendo os Prêmios de Melhor Filme do Festival
de Cinema de Gramado, da Crítica Internacional, do Festival de Cannes, do Festival de
Tashkent (URSS), da Crítica Internacional da Índia, do Festival de Veneza, bem como o
Prêmio Coral de melhor filme do Festival do Novo Cinema Latino-americano de Havana –,
Memórias do Cárcere ainda melhorava a imagem de Nelson Pereira frente à crítica nacional
depois da experiência, realizada dez anos antes, com Quem é Beta?.
Trabalhando, mais uma vez, com a temática do negro outra questão em voga na
época –, o cineasta, em 1985, ingressou em um outro projeto inspirado num romance de
Jorge Amado: Jubiabá. Filme realizado com um orçamento mais largo – um milhão de
dólares, de acordo com Helena Salem –, Jubiabá narrava a história do romance entre uma
moça branca e loura e um jovem negro, órfão de mãe, filho de pai desconhecido, e protegido
pelo pai-de-santo Jubiabá. Findas as filmagens, o diretor decide montar o filme em Paris e,
enquanto finalizava a sua montagem, por volta de maio de 1986, anunciava os planos de
retomar o projeto acerca de Castro Alves “‘[...] para as comemorações do centenário da
Abolição da Escravatura, em 1988’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 351).
Enquanto o projeto não saia e com tantos outros na cabeça, Santos, já quase sem pouso
fixo, viajou à convite para diversos países apresentando e discutindo o seu trabalho. E, com
uma produção mais reduzida na década de 90, apresentará um novo filme apenas no ano de
1994: A terceira margem do rio, um filme que, inspirado em cinco contos do literato João
Guimarães Rosa, a saber: A terceira margem do rio, A menina de lá, Fatalidade, Seqüência e
Os irmãos Dagobé, conta a história de um homem de meia idade que deixa sua família e
amigos para viver isolado em um barco no meio de um rio, tendo o seu filho a lhe trazer,
62
costumeiramente, comida na margem. Certo dia o filho lhe traz a sua neta, uma menininha
com poderes mágicos.
Realizado numa época em que se iniciava, no Brasil, uma espécie de retomada do
cinema nacional depois do fechamento da Embrafilme, em 1992, e da extinção da Lei
Sarney
58
e era bastante alta a concorrência oferecida pelas produções estrangeiras no
mercado brasileiro, bem como a massiva popularização da TV e do vídeo cassete, o novo
trabalho de Nelson Pereira criou uma grande expectativa, que trazia às telas a junção entre
um literato da envergadura de Guimarães Rosa e a direção de um cineasta consagrado.
Contudo, lançado em fevereiro de 1994, A terceira margem do rio passou ao largo do grande
público e não emplacou junto à crítica nacional, que dedicou às suas críticas títulos de
insatisfação, como o de Carlos Heli de Almeida, do Jornal do Brasil: “o cinema que não
prazer” ou o de Luiz Carlos Merten: “Nelson se afoga no rio de Guimarães Rosa”. Realizado
numa co-produção franco-brasileira, o longa-metragem receberá o Prêmio Margarida de Prata
da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), em 1995.
No ano seguinte, por ocasião do centenário do cinema, o diretor ainda seria escolhido
pelo British Film Institute como um dos dezoito cineastas que contariam a história do cinema.
Para tanto, Santos resolveu adaptar o livro Melodrama: o cinema de lágrimas da América
Latina, de Sílvia Oroz. Intitulada como Cinema de Lágrimas, a nova película de Nelson
Pereira contava a história de um diretor, já consagrado e estável economicamente, que passou
boa parte de sua vida intrigado com o suicídio de sua mãe após assistir a um melodrama
mexicano. Aos 65 anos de idade, ele resolve solucionar esse mistério e contrata um estudante
de cinema para auxiliá-lo em sua procura pelo melodrama a que sua mãe assistiu. Nesse filme,
lançado ainda em 1995, o cineasta pôde contar com personalidades já conhecidas da televisão
como, por exemplo, os atores Raul Cortez e Cristiane Torloni, entre outros fato que
poderia render ao filme um aumento de público. Porém, o mesmo não foi bem recebido junto
à crítica e, como seu trabalho anterior, também passou ao largo do grande público.
em 1998, uma premiação ainda marcaria o reconhecimento do trabalho do cineasta
que, dentre tantas homenagens recebidas ao longo de sua carreira, é homenageado com o
Troféu Oscarito. Este também é o ano da publicação, pela editora Rocco, de seu livro Três
58
Segundo JoÁlvaro Moisés, a Lei Sarney consistia numa “[...] legislação de incentivo fiscal à cultura [...]. A
legislação era bastante liberal e apenas exigia, para viabilizar a captação de recursos privados para os projetos
culturais, que a instituição ou o produtor cultural solicitantes fossem previamente cadastrados pelo Estado,
deixando as negociações sobre valores, formas de captação e uso dos recursos ao mercado, sem interferência
do poder público” (MOISÉS, 2005, p. 3).
63
vezes rio, o qual congrega os roteiros de Rio 40 graus, Rio, Zona Norte e de O amuleto de
Ogum.
Interessando-se pela vida de intelectuais brasileiros, a próxima produção de Nelson
Pereira dar-se-ia apenas no ano de 2001, quando ele coordenou uma equipe de quatro
diretores para a realização de uma série para a TV acerca da vida do sociólogo Gilberto
Freyre e de seu livro Casa grande e senzala. Na série, buscou-se apresentar, através de uma
reconstituição, cenas da vida cotidiana, da vida na casa grande. Desse modo, a série, que fora
planejada para ser dividida em treze partes e, no final, devido à falta de recursos, foi reduzida
para quatro partes, tem um único narrador o professor Edson Nery da Fonseca amigo e
colaborador mais próximo de Freyre –, que une as quatro partes da série ao se situar como um
leitor entusiasmado do livro, que vai contando o que leu ao espectador.
Neste mesmo ano, Santos ainda dirigiu um curta-metragem que homenageava o
sambista Kéti. Em Meu compadre, Kéti, Nelson Pereira apresenta um grupo de amigos
que se reúne para uma roda de samba na casa do sambista, no bairro de Inhaúma, subúrbio do
Rio de Janeiro, enquanto se prepara na cozinha uma boa feijoada. Os sambistas evocam a
memória de Kéti, relembrando seus grandes sucessos e o homenageiam entre os
convidados estão grandes nomes da velha guarda da Portela e ex-parceiros de samba.
Três anos depois, em outubro de 2004, o diretor lança uma cinebiografia acerca da
vida e obra de um dos principais intelectuais do Brasil no século XX, Sérgio Buarque de
Hollanda. Para essa empreitada, o diretor contou com o apoio do clã dos Buarque de Hollanda
para resolver desde o cotidiano do patriarca, incluindo o modo como interagia com a família e
amigos, até um panorama cronológico de sua época. Embora tenha passado ao largo do
grande público, o filme ainda foi o vencedor do Prêmio Margarida de Prata, da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na categoria de melhor documentário.
Aos 79 anos de idade, Nelson Pereira dos Santos ainda se encontra na ativa. Foi eleito,
em março de 2006, para ocupar a cadeira do poeta baiano Castro Alves, na Academia
Brasileira de Letras, e, em abril, lançou o seu décimo oitavo longa-metragem: Brasília 18%,
uma trama política que, passando-se na capital da República, conta a história de um renomado
médico legista que é chamado para fazer a autópsia do corpo de uma mulher envolvida em um
escândalo político (Eugênia Câmara). Trabalho bastante esperado, já que o cineasta não
realizava um longa-metragem desde Cinema de Lágrimas (1995), Brasília 18%, que é
excessivamente permeado por referências de literatos no tocante aos nomes de suas
personagens –, não conquistou o reconhecimento da crítica nacional, que o considerou como
um fracasso, dada a uma “visão ingênua” por parte do cineasta acerca do universo político,
64
bem como de atuações pouco inspiradas e uma direção “no limite do desleixo”, nas palavras
de Ricardo Calil, do jornal Folha de São Paulo. Ainda segundo Calil: “[...] ‘Brasília 18%’ não
consegue se firmar como sátira, nem como suspense e muito menos como romance
sobrenatural três das vertentes nas quais a narrativa se divide” (CALIL, 2006, destaque do
autor).
Professor aposentado e com mais de 50 anos de carreira, Nelson Pereira pensa em
alguns projetos de aposentadoria, também do cinema conforme indicou em algumas
entrevistas concedidas no último ano. Assim, pretende um filme sobre a vida e obra do
músico Tom Jobim e outro sobre os cem dias do governo Lula. Porém, projetos que são,
não se encaixam mais no campo da história.
65
CAPÍTULO 2
Vidas Secas: “uma obra muda, um filme nu”
“Na arte o ideal não é procurar os caminhos mais
curtos, mas sim os caminhos mais belos”.
Aurélio Buarque de Hollanda, 1934.
66
2.1 Entre a ficção e a memória: a obra graciliânica e seus leitores
Ao refletir acerca da intelectualidade brasileira dos anos 20 a 1945, Sérgio Miceli
apresenta, como pilar de seu estudo, a existência de duas classificações de intelectuais:
aqueles que eram descendentes de famílias com graves dilapidações do patrimônio, e foram
identificados pelo autor como a maioria durante o período estudado, e os intelectuais que
possuíam ascendência especializada, há muito tempo, no desempenho dos encargos políticos e
culturais de maior prestígio. Segundo o autor,
[...] as disposões manifestadas pelos diferentes tipos de intelectuais em termos de
carreira parecem indissocveis da história social de suas famílias. Enquanto
escritores pertencentes aos ramos destituídos, às voltas com penosas
experncias de “desclassificão social, parecem bastante propensos a
investir nas áreas e gêneros mais arriscados da prodão intelectual (o
romance social e/ou introspectivo, as ciências sociais, etc.), os herdeiros da
fração intelectual da classe dominante se orientam para as modalidades de
trabalho intelectual mais renveis e gratificantes no campo do poder (pensamento
político, arrazoados e pareceres jurídicos, etc) (MICELI, 1979, p. 21, grifo nosso).
Como bem se sabe, os anos 30 foram uma época em que os ânimos nacionais ainda se
encontravam aquecidos por uma série de revoluções e reivindicações por parte das elites,
principalmente. E, neste efervescente contexto histórico, vários foram os literatos da chamada
Segunda Geração Modernista ou, simplesmente, Geração de 30, que se inseriram na
problemática proposta acima por Miceli caso, por exemplo, de Graciliano Ramos, José Lins
do Rêgo, Cyro Versiani dos Anjos e Érico Veríssimo, entre outros.
Dedicados principalmente ao romance como gênero literário, os modernistas de 30
associaram o cenário de mudanças políticas, sociais e econômicas que se delineava no Brasil
da recém nascida Segunda República ao momento em que as conquistas modernistas se
encontravam incorporadas aos padrões estéticos nacionais e fundaram uma estética que
discutia e se voltava, basicamente, para a denúncia de problemas sociais, como a seca, a
miserável vida nordestina, a exploração e o desajuste social e psicológico do homem
brasileiro. Na informação de Afrânio Coutinho,
A técnica era a realista, objetiva, os escritores buscando valer-se de uma
coleta material in loco, à luz da história social ou da observação de campo,
torna[vam] os seus romances verdadeiros documentários ou painéis
descritivos da “situação” histórico-social. Não foi difícil, num momento de
intensa propaganda de reforma social, como a década de 30, que os livros do
grupo constituíssem uma literatura engagée, de participação política, no
sentido de “expor” as mazelas do estado vigente como premissa necessária à
transformação revolucionária. Muitos desses escritores tornaram-se até
militantes políticos, vindo a constituir uma verdadeira literatura de esquerda
(COUTINHO, 1970, p. 218-219, grifo do autor).
67
E no que tange a esta sensibilidade potica que reunia boa parte da intelectualidade
considerada de “esquerda no denio em pauta, Albuquerque informa que o “apelo messnico do
marxismo, o chamamento ao sacercio e ao dogma que este implicavasatisfa essa gerão de
descendentes das oligarquias rurais, os quais foram, em sua maioria, relegados a uma classe dia
volúvel e alijada das decies poticas do país. Para esses intelectuais a revolução despontava como
um caminho possível, que acreditavam numa transformação eminente do mundo seja em qual
dirão for. É um momento de intenso sentimento de mudança e da necessidade de se antecipar a
elas, tentando dirigi-las num determinado sentido” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 185).
Embora não seja novidade que as mais diversas gerações de intelectuais brasileiros
procuraram, recorrentemente, estabelecer as bases de construção de uma identidade nacional,
pode-se dizer, de acordo com Durval Albuquerque, que sustentados, em grande medida, no
pensamento marxista, vários desses intelectuais também procuraram construir uma identidade
nacional. Identidade essa que tinha suas origens no nordeste do país
59
. E em face do incômodo
provocado pelas crescentes diferenças trazidas pela modernidade, entendida como a sociedade
burguesa, as imagens do presente tornaram-se o ponto de partida para a construção de uma
nova sociedade que, para muitos intelectuais dos anos 30, se estabeleceria num futuro
revolucionado; a democracia burguesa é em seus escritos denunciada como uma farsa, enfim,
constrói-se todo um pensamento e vocabulário que, sustentados no pensamento marxista
60
,
principalmente, ainda permeará o ideário de vários intelectuais das gerações seguintes.
59
Além das obras dos escritores modernistas, outros intelectuais também se propuseram a tratar dos elementos
constituintes dessa nacionalidade brasileira, como se pode perceber em O manifesto regionalista de 1926, escrito
pelo sociólogo Gilberto Freyre. Embora tenha sido publicado, na íntegra, apenas em 1952, as discussões que
fomentaram a escrita do dito manifesto datam da segunda metade dos anos vinte, quando rios intelectuais se
reuniram na cidade de Recife. Nas palavras de Freyre: “Procuramos defender êsses valores e essas tradições, isto
sim, do perigo de serem de todo abandonadas, tal o furor neófilo de dirigentes que, entre nós, passam por
adiantados e “progressistas” pelo fato de imitarem cega e desbragadamente a novidade estrangeira [...]. A
verdade é que não região no Brasil que exceda o Nordeste em riqueza de tradições ilustres e em nitidez de
caráter. Vários dos seus valores regionais tornaram-se nacionais depois de impostos aos outros brasileiros menos
pela superioridade econômica que o açúcar deu ao Nordeste durante mais de um século do que pela sedução
moral e pela fascinação estética dos mesmos valores. [...] Como se explicaria, então, que nós, filhos de região tão
creadora (sic), é que fôssemos agora abandonar as fontes ou as raízes de valores e tradições de que o Brasil
inteiro se orgulha ou de que se vem beneficiando como de valores basicamente nacionais?” (FREYRE, G.,
1952).
60
Ao refletir acerca da inserção da teoria marxista no Brasil, Durval Albuquerque declara que o marxismo se
introduzido no país pela produção discursiva de militantes ligados ao movimento operio e, posteriormente, por
intelectuais ligados ao Partido Comunista. [...] na década de quarenta o marxismo passa a fazer parte
sistematicamente do pensamento acadêmico e a produzir seus frutos”. Mais adiante o autor ainda escreve que “[...]
tanto no discurso dos militantes de esquerda como no saber acamico, gestado posteriormente, os enunciados e
conceitos marxistas surgem atravessados por enunciados e conceitos vindos do pensamento positivista e
evolucionista. Isso revela, na maioria dos casos, o desconhecimento do marxismo em suas fontes cssicas, bem
como diz do próprio caminho seguido por este pensamento no país, que empolgaintelectuais e militantes quase
sempre com passagens pelo naturalismo ou pelo anarquismo” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 186).
68
Dentre o grupo de escritores atuantes na geração modernista dos anos 30, Graciliano
Ramos
61
, que posteriormente foi considerado por muitos críticos como o maior romancista do
Brasil, depois de Machado de Assis, foi um escritor singular no movimento literário em que
se inseriu
62
. A sua obra veio a ser o que se pode chamar de uma literatura de protesto, uma
forma de manifestar contra as mazelas da sociedade brasileira. Uma reação contra um mundo
de normas constritoras que, se somando aos anseios dos outros romancistas do decênio de
1930, buscava a construção de uma visão crítica das relações sociais. Em consonância com a
literatura que estava sendo produzida, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos e em
outros países da América, a literatura regionalista do Brasil buscava, de acordo com Alfredo
Bosi, um retorno das consciências às suas fontes pré e antiburguesas.
Influenciados por uma noção de realismo crítico, boa parte dos romancistas da geração
de 30 tinham o romance como um exercício de inteligência. E para este exercício, o Nordeste
brasileiro apresentou-se como o espaço preferido desses escritores, uma vez que procuravam
denunciar “[...] o Nordeste decadente, as agruras das classes médias no começo da fase
urbanizadora, os conflitos internos da burguesia entre provinciana e cosmopolita (fontes da
prosa e da ficção)” (BOSI, 1974, p. 433). Ramos, expoente maior desse grupo, optou por um
grau mais elevado de despojamento em suas obras. Revelou em seu trabalho o seu modo de
ser, já que, de acordo com Antonio Candido, o literato alagoano emprestou, de si próprio, para
seus personagens, elementos tais como a meninice narrada em Infância, o conhecimento do
61
Nascido na pequena cidade de Quebrângulo, aos 27 de outubro de 1892, Graciliano Ramos foi o primogênito
de um casal sertanejo, da decadente aristocracia nordestina. Com uma infância dividida entre Buíque e
Viçosa, Ramos, desde muito cedo, praticou sua futura profissão de escritor, sendo antes dos doze anos o
redator de um jornalzinho em Viçosa O Dilúculo, órgão do Internato Alagoano de Viçosa. Estudou no
Colégio Quinze de Maio, em Maceió e, nestes tempos, contribuía com textos para alguns folhetins da cidade.
Fato esse que, na informação de Cristiane Silva, levará o Jornal de Alagoas a considerá-lo, por volta de
1910, como um dos literatos alagoanos. Dos anos em que dirigiu a Imprensa e a Instrução do Estado (1930
1936) data o início de sua amizade e proximidade com alguns escritores que formavam a vanguarda da
literatura nordestina, como Raquel de Queirós, José Lins do Rego e Jorge Amado. Aos quarenta e três anos de
idade Graciliano Ramos é preso e, sem nenhuma acusação formal contra si, é libertado depois de
aproximadamente dez meses de prisão. Época em que se muda, com a família, para o Rio de Janeiro e passa a
viver do trabalho de revisor em jornais, bem como de sua literatura. Embora tivesse o rótulo de comunista,
o literato alagoano filiar-se-ia ao PCB apenas no ano de 1945, onde atuaria na comissão de intelectuais do
partido. Aos sessenta anos de idade, Graciliano Ramos vem a falecer na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de
março de 1953. “Obras: Caetés, 1933; São Bernardo, 1934; Angústia, 1936; Vidas Secas, 1938; Brandão
entre o mar e o amor (em colaboração com Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Rachel de Queirós e Aníbal
Machado), 1942; Histórias de Alexandre, 1946; Infância, 1945; Dois Dedos, 1945; Histórias incompletas,
1946; Insônia, 1947; Histórias verdadeiras, 1951; Memórias do Cárcere, 1953; Viagem, 1953; “Pequena
História da República” (in revista Senhor, de março a abril de 1960; Histórias agrestes, 1960; Viventes das
Alagoas, 1962; Alexandre e outros Heróis, 1962; Linhas tortas, 1962” (BOSI, 1974, p. 450 – 45, destaques do
autor).
62
Graciliano Ramos é costumeiramente classificado na Segunda Geração modernista, porém, na informação de
Alfredo Bosi, a modernidade da obra graciliânica pouco tem a ver com a estética fundada pela Semana de
Arte Moderna de 1922, com a qual o escritor teve contato apenas à distância, através de jornais e revistas.
Ramos, ao invés de ter assimilado tendências modernistas, teria uma postura sobretudo crítica.
69
sertão, que dá a aspereza de seus personagens ou, sobretudo, as emoções e experiências
narradas nas Memórias do Cárcere. Na informação de Candido,
Dentro do próprio romancista, percebemos que o menino brutalizado de
Infância, o prisioneiro das Memórias do Cárcere, é alguém cheio de
violência reprimida e largos claros de abulia, para o qual a vontade é
condição de sobrevivência. A sua forma pessoal de manifestá-la é a oposição
ao mundo, a resistência interior às normas (CANDIDO, 1992, p. 63).
Escritor avesso a uma “à vontade” gramatical, presente nos textos dos modernistas da
Semana de 1922 e mesmo nos dos romancistas do Nordeste, Ramos ainda marcará sua
linguagem por uma “poupança verbal”, no dizer de Alfredo Bosi, ou como bem definiu
Antonio Candido: “Esse medo de encher lingüiça é um dos motivos da sua eminência, de
escritor que dizia o essencial e, quanto ao resto preferia o silêncio” (CANDIDO, 1992, p.
102). Dessa forma, Graciliano Ramos não valoriza propriamente a beleza das palavras, “[...]
mas a sua precisão, a sua capacidade de transmitir sensações e impressões com um mínimo de
metáforas e imagens, quase com o jogo e o atrito de vocábulos, principalmente de
adjetivos” (LINS, 1953, p. 142).
Homem que encontrou na literatura uma maneira de pensar e, por vezes, de denunciar
as contradições de sua época, Ramos rompeu com a “tradicional prepotência” do romance
brasileiro, a qual tendia a diminuir o leitor, que nesses romances era explícito o
paternalismo com que o leitor era tratado, elemento que justificava a sobrevalorização do
narrador. O literato recusou o estilo empolado e inaugurou, com o seu Paulo Honório
narrador de São Bernardo (1934) –, o diálogo do narrador com o leitor num mesmo nível, ou
seja, o seu narrador “[...] posiciona-se ao lado do leitor, com quem estabelece novo patamar
de solidariedade [...] não diminui o leitor, nem tampouco o despreza [...]” (LAJOLO;
ZILBERMAN, 2003, p. 48 - 49). Pois, para além da fruição literária, há que se pensar
também num consumidor literário, fato que faz com que seja necessário o estabelecimento de
uma parceria entre narradores e leitores numa busca por assegurar, de um lado, a leitura de
suas obras e, de outro, a vendagem das mesmas.
Embora, de acordo com Zilberman e Lajolo, seja possível perceber, desde o Brasil do
Rio de Janeiro de 1840, alguns traços necessários para a formação e o fortalecimento de uma
sociedade leitora, o mercado editorial brasileiro ainda se encontrava incipiente por volta dos
anos de produção e edição de grande parte da obra graciliânica. Segundo Sérgio Miceli,
nos anos 30 uma espécie de “surto editorial”,
[que é] [...] marcado pelo estabelecimento de inúmeras editoras, por fusões e
outros processos de incorporação que ocorrem no mercado editorial e,
sobretudo, por um conjunto significativo de transformações que acabaram
70
afetando a própria definição do trabalho intelectual: aquisição de rotativas
para impressão, diversificação dos investimentos e programas editoriais,
recrutamento de especialistas para os diferentes encargos de produção e
acabamento [...] mudanças na feição gráfica dos livros com o intento de
ajustar o acabamento das edições às diferentes camadas do público e,
sobretudo, empenho das principais editoras em verticalizar o processo
produtivo e diversificar suas atividades (MICELI, 1979, p. 78–79).
Todavia, ainda de acordo com Miceli, não se pode falar de um mercado editorial brasileiro,
nem mesmo nas capitais do Brasil, mas de um mercado que tendeu a se concentrar na região
centro-sul, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, estados que
comportaram as maiores tiragens e o conjunto das seis principais editoras do país
63
. As
significativas quantidades de “[...] obras de ficção, dos manuais de viver [...], de livros
infantis, etc, comprovam a existência de um público de leitores cujas preferências e escolhas
em matéria de leitura são relativamente independentes dos juízos externados pelos detentores
da autoridade intelectual” (MICELI, 1979, p. 87). Por outro lado, as transformações do
panorama editorial, também se deviam às mudanças pelas quais o sistema de ensino estava
passando.
A abertura das primeiras faculdades de educação, de filosofia, ciências e
letras, a criação de novos cursos superiores, a reforma dos currículos com a
introdução de novas disciplinas, os impulsos que recebeu o ensino técnico e
profissionalizante, de certo moldaram o ritmo e as feições que assumiu o
surto editorial (MICELI, 1979, p. 87).
Em fins dos anos 30, Graciliano Ramos, que desde a sua soltura, em janeiro de 1937,
fixou residência na cidade do Rio de Janeiro, passa a viver de seu ofício de escritor e a
conviver diariamente com a mais alta intelectualidade do período, no círculo de relações da
editora de José Olympio. Dentre os diversos nomes dos freqüentadores e trabalhadores da
livraria pode-se destacar os dos ministros Oswaldo Aranha e Gustavo Capanema e de literatos
como Aníbal Machado, Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Rachel de Queirós, Carlos
Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira e
Augusto Frederico Schimidt, entre outros.
Neste período de “[...] intensa concorrência ideológica e intelectual entre diversas
organizações políticas (integralismo, Igreja, forças de esquerda), o romance converteu-se em
móvel importante da luta em torno da imposição de uma interpretação do mundo social a um
público emergente” (MICELI, 1979, p. 92), era então o gênero de maior aceitação e de
comercialização mais rentável. E contando com essa rentabilidade, a editora de José Olympio,
63
Segundo Sérgio Miceli, as seis principais editoras, entre 1938 e 1943, eram: a Cia. Ed. Nacional/ Civilização
Brasileira (RJ), Editora Globo (Porto Alegre), Editora José Olympio (RJ), Editora Irmãos Pongetti (RJ),
Editora Francisco Alves (RJ) e Editora Melhoramentos (SP).
71
terceira maior no ranking das seis maiores do período, calcou boa parte de suas publicações
nas edições de romances, como também investiu em publicações de autores que detinham
poderes políticos “[...] inúmeros escritores pertencentes à ‘casa’ ocupavam postos de relevo
nos conselhos, institutos e outras instâncias do governo central” (MICELI, 1979, p. 89,
destaque do autor).
Longe de ter uma proximidade com os críticos literários do período, Graciliano
Ramos, em vida, teve dificuldades de edição. Publicando boa parte de sua obra pela Editora
José Olympio, Ramos possuía uma tiragem média de dois mil exemplares
64
para cada edição
inicial de seus livros. Clara Ramos indica que, em face do esgotamento das edições de rios
de seus livros e após a morte do escritor, a família do literato, encabeçada por sua viúva
Heloísa Ramos, decide, em 1960
65
, assinar um novo contrato com a Editora Martins, de José
de Barros Martins, com a prerrogativa de que o editor paulista reeditasse, pelos próximos dez
anos, as obras do escritor.
“Assim, em março de 1960, foi firmado um contrato para a reedição de toda
a obra, com uma tiragem mínima de 10.000 exemplares para cada título.
Fomos seus editores até 1975, época em que a redução do mercado para o
livro literário no Brasil tornou para nós essa atividade irrecuperável,
determinando a desativação de nossa empresa e obrigando-nos a rescindir
amigavelmente o contrato que mantínhamos com a família do grande
expoente de nossa literatura” (MARTINS apud RAMOS, C., 1979, p. 264).
Fato que faria com que, a partir de 1975, a Distribuidora Record S. A. passasse a editar a obra
de Ramos.
Escritor consagrado nacional e internacionalmente, Graciliano Ramos não desfrutará
da guinada, em termos quantitativos e financeiros, de sua obra, que a partir de finais dos anos
50 e, principalmente, da mudança de editora, terá o seu quadro de leitores ampliado. “Com o
sucesso de Memórias do Cárcere e a entrada de Vidas Secas nas escolas, a obra graciliânica
passa por reedições consecutivas [como se pode perceber no quadro a seguir], é traduzida,
estudada nas universidades brasileiras e estrangeiras” (RAMOS, C., 1979, p. 266).
64
Estimativa fornecida pela Editora Record, que atualmente é a detentora dos direitos de publicação da obra do
literato alagoano.
65
A biógrafa Clara Ramos conta que, “[...] em abril de 1945, José de Barros Martins, Sabedor de que Jo Olympio
tardava em aceder ao desejo de Graciliano Ramos e reeditar-lhe as obras, escrevera ao autor de Vidas Secas tomando
a liberdade de confirmar a proposta que lhe fiz por intermédio do nosso amigo Jorge Amado, para reedão de seus
livros esgotados, assim como para a publicão de seus novos trabalhos’. O editor propunha tiragens, numeradas, de
ts mil exemplares para as reedições, de quatro mil para os livros novos, e o pagamento de direitos autorais, na base
de 10% sobre o pro de capa de cada edição, da forma que melhor conviesse ao autor. Em carta de 17 de abril de
1945, o romancista manifestara sua preferência pelo antigo editor” alegando que seu blico era insignificante
(RAMOS, C., 1979, p. 262 263, destaque do autor).
72
Edições das obras de Graciliano Ramos
Livro Anos 30 Anos 40 Anos 50 Anos 60
Caetés 1ª - 1933 2ª - 1947 3ª - 1952, 4ª - 1953,
5ª - 1955
6ª - 1961, 7 ª - 1965, 8ª - 1969
São Bernardo 1ª - 1934, 2ª -
1938
3ª - 1947 4ª - 1952, 5ª - 1953,
6ª - 1955
7ª - 1961, 8ª - 1964, 9ª - 1967,
10ª - 1969
Angústia 1ª - 1936 2ª - 1941, 3ª -
1947, 4ª - 1949
5ª - 1952, 6ª - 1953,
7ª - 1955
8ª - 1961, 9ª - [196-?], 10ª -
1968, 11ª - 1969
Vidas Secas 1ª - 1938 2ª - 1947 3ª - 1952, 3ª - 1953,
4ª - 1955
5ª - 1961, 6ª - 1962, 7ª - 1962
8ª - 1963, 9ª,10ª e 11ª - 1964,
12ª e 13ª – 1965, 14ª e 15ª -
1966, 16ª, 17ª, 18ª e 19ª -
1967, 20ª e 21ª - 1968, 22ª e
23ª - 1969
Infância - 1ª - 1945 2ª - 1952, 3ª - 1953,
4ª - 1955
5ª - 1961, 6ª - 1967, 7ª - 1969
Insônia - 1ª - 1947 2ª - 1952, 3ª - 1953,
4ª - 1955
5ª - 1961, 6ª - 1965, 7ª - 1969
Memórias do Cárcere - - - 1953, 2ª - 1954,
3ª - 1954
4ª - 1961, 5ª - 1965, 6ª - 1969
Viagem - - 1ª - 1954, 2ª - 1955 3ª - 1961
Linhas Tortas - - - 1ª - 1962, 2ª - 1967
Viventes das Alagoas - - - 1ª - 1962, 2ª - 1967, 3ª - 1969
Alexandre e outros
heróis
- - - 1ª - 1962, 2ª - 1964, 3ª - 1966,
4ª - 1968, 5ª - 1969, 6ª - 1969
Intelectual atuante na política e, sobretudo, na literatura, Ramos morreu pobre e jamais
desfrutou, em vida, de grandes cifras de tiragens. Mas, ao conjugar o regional ao nacional,
produziu uma obra portadora de um discurso social incomparável e atual que, décadas depois,
seria retomado e levado à platéias do país e do exterior através dos trabalhos de cineastas
brasileiros como Leon Hirzman, que adaptou São Bernardo, e Nelson Pereira dos Santos, cuja
consagração se deu com a apresentação da família retirante de Vidas Secas e, anos depois,
viria a “libertar”, cinematograficamente, o literato alagoano que, morto, não pôde terminar de
escrever as suas memórias carcerárias.
2.2 Singularidade e técnica no livro Vidas Secas
Redigido sem um projeto antecipado, o romance Vidas Secas, originalmente O mundo
coberto de penas
66
, foi iniciado e concluído por Graciliano Ramos no ano de 1937, pouco
tempo depois de sua saída da prisão. Por esta época, o escritor passava por sérias dificuldades
financeiras e, em face destas necessidades que estava vivendo apenas de seu trabalho
As referidas datas de edições foram retiradas de consultas aos próprios livros, de pesquisas no acervo virtual
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, bem como dos livros: RAMOS, G. São Bernardo. 8 ed. São Paulo:
Martins, 1964 e RAMOS, G. Viagem. 5 ed. São Paulo, Martins, [197-?].
66
Segundo Clara Ramos, na biografia de seu pai, “[...] o título definitivo d’O Mundo coberto de penas surge
quando Augusto Frederico Schmidt ouve alguns capítulos, comenta:
– Que terrivelmente trágicas são essas Vidas Secas! (RAMOS, C. 1979, p. 129).
73
como escritor – vendeu vários contos a jornais
67
. “Alguns capítulos ele fez de maneira a poder
rachar no meio. Foi colocando aquilo a varejo em nosso pobre mercado literário. Depois
vendeu tudo por atacado, como o nome do romance” (RAMOS, C., 1979, p. 126).
Da forma maleável com que redigiu este livro resultado da reunião de treze contos
68
que, sem alterar o sentido da obra, possibilitam a sua reordenação de diversas maneiras
Graciliano Ramos não se mantinha financeiramente, mas inaugurava uma nova técnica de
romance no Brasil, o “romance desmontável”, definição dada por Rubem Braga e, ainda hoje,
aceita pela crítica literária. Acerca desse trabalho, o literato ainda acrescenta:
“Dediquei em seguida várias páginas aos donos do animal. Essas coisas
foram vendidas, em retalho, a jornais e revistas. E como José Olympio me
pedisse um livro para o começo do ano passado [1938], arranjei outras
narrações que tanto podem ser contos como capítulos de romance. Assim
nasceram Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra Baleia” (RAMOS,
1939 apud SILVA, 2000, p. 22).
Último livro de ficção do escritor, Vidas Secas conta a saga de uma família de
retirantes nordestinos num período entre duas grandes secas que assolaram o sertão do
Nordeste. Nessa obra, o literato insiste, mais uma vez, na não repetição de sua técnica e, para
tanto, a singulariza ao suprimir o diálogo e escrevê-la na terceira pessoa, sendo este o único
livro de Ramos inteiramente voltado para o drama social e geográfico de sua região.
A trajetória narrada da família de Fabiano é marcada por uma ação que não é
impulsionada ou condicionada pelo agir dos personagens, mas pelo clima e pela paisagem que
os oprime, brutaliza e condiciona seus pensamentos. Como que marcados por um eterno
retorno, caráter cíclico da obra, é a condição climática que conduz os rumos de suas vidas.
Característica que, segundo Célia Ferreira, indica a representação de uma sociedade estagnada
no espaço e no tempo e delineia, com bastante propriedade, a relação entre o homem simples
do campo, o poder demasiado do latifundiário e das outras autoridades locais. Pois, “[...] fora
desse universo fechado estão os ‘outros’, o patrão, o fiscal da prefeitura, o próprio soldado
amarelo, interlocutores que manejam a linguagem com certa eficiência, enquanto para os
integrantes da família de Fabiano seu domínio se mantém inacessível” (BARROS, 1997, p.
157, destaque do autor). Somado a isso, está o fato de que, diferentemente da cadela Baleia,
que na obra é psicologicamente mais humana do que a família já embrutecida pela terra –, o
67
Ainda de acordo com Clara Ramos, “[...] pela primeira vez Mestre Graça escreve profissionalmente, por
encomenda de Buenos Aires: seus sertanejos saem em La Prensa; depois nos jornais brasileiros; são
finalmente vendidos a José Olympio, acondicionados num volume” (RAMOS, C. 1979, p. 125) e publicados
já em 1938.
68
Dos quais o primeiro foi o conto chamado Baleia, atualmente nono capítulo do livro.
74
vaqueiro e seus familiares se distinguem do reino animal e vegetal pelo fato de possuírem
consciência de que não são gentes, embora o pretendam ser.
E foi através da pobreza da linguagem – elemento perceptível na quantidade de
monólogos interiores que o escritor alagoano recriou o degradante universo vivenciado pela
família sertaneja, deu-lhe equilibrados tons de aspereza e de rusticidade.
Conhecedor do lugar de onde fala e dominador de seu meio de expressão, Graciliano
ainda enriqueceu seu trabalho ao utilizar o recurso lingüístico proporcionado pela presença de
um narrador onipotente que, “‘[...] metendo-se na cabeça de todos os personagens, até de uma
cachorrinha, estabelece níveis deslizantes... nos quais freqüentemente, nos desequilibramos,
pois não sabemos muitas vezes quem fala’” (ARÊAS, 1988, p. 78 apud BARROS, 1997, p.
158). Recorre-se, pela primeira vez na obra graciliânica, a utilização de um narrador-
observador, o qual conhece muito bem o meio social que apresenta, como também os anseios
mais profundos dos personagens.
Partilhando de premissas de sua geração, no que tange ao desejo de construir um
futuro melhor, “[...] em Vidas Secas ele [Graciliano] se mostra mais humano, sentimental e
compreensivo, acompanhando o pobre vaqueiro Fabiano e sua família com uma simpatia e
uma compaixão indisfarçáveis” (LINS, 1953, p. 152). Esperança que ainda persiste mesmo
diante de toda a malfadada sorte dos personagens.
Embora seja verdade que a leitura crítica de uma obra não se sustenta se compreendida
como um simples reflexo das experiências pessoais de seu criador, não se pode deixar de
notar que reminiscências da vida particular de Graciliano Ramos forneceram material para a
redação dos contos referentes à história das secas vidas, de Fabiano e de sua família.
Recém saído do cárcere e passando por dificuldades financeiras, o literato alagoano
inspirou-se, segundo Clara Ramos, no sacrifício da cachorrinha Piaba – que presenciou,
quando menino, na fazenda de seu avô para escrever o primeiro conto da obra
69
e nono
capítulo do livro: Baleia. De uma infância cercada por empregados de seu pai, mulheres e
homens sertanejos, Ramos, ainda na informação da biógrafa, extraiu inspiração para outros
69
Acerca da redação deste conto, Clara Ramos ainda acrescenta: “Está o autor tão convencido da inconsistência
desse material apressado que, ao ler a morte de Baleia num suplemento literário dominical, considera,
desgostoso, os longes de pieguismo a que pode chegar um homem de bolsos vazios. Envergonhado, evita
comparecer na segunda-feira à Livraria José Olympio, onde fartamente encontrará os amigos. Não podendo
afastar-se definitivamente da rua Ouvidor, um dia de voltar e enfrentar o abraço exuberante de José Lins,
empolgado com a cachorrinha sonhadora. O autor das “pieguices” atrapalha-se, pensa tratar-se de gozação,
responde aos elogios com a palavra inconveniente que a amizade de José Lins autoriza. Dá-se, porém, que
outras pessoas, menos íntimas e menos exuberantes que o amigo, também se acercam para cumprimentá-lo.
[...] Graciliano Ramos descobre que sua história ‘ridícula’ por devotar-lhe o sentimento que ele esforça por
ocultar embaixo de uma reserva de concreto armado talvez não seja de todo inaproveitável” (RAMOS, C.,
1979, p. 123-124, destaque do autor).
75
personagens, como, por exemplo, o vaqueiro Fabiano, cuja matéria-prima utilizada na sua
elaboração proveio de traços de dois homens admirados pelo escritor: 1 seu avô materno
Pedro Ferro, que forneceu características físicas e sua resistência perceptível na fala do
escritor: “Em dias de matança trepava-me na porteira do curral, via meu avô derrubar a
machado, sangrar e esfolar uma novilha, aprumar-se no chão vermelho, as mãos vermelhas”
(RAMOS, G., 1974, p. 147); 2 o vaqueiro Amaro “[...] caboclo triste, encourado num
gibão roto [...](RAMOS, G., 1974, p. 25) o qual fornece, principalmente, o modo de vida.
Como exemplifica o extrato de Angústia:
Amaro vaqueiro era uma espécie de sol trepado num mourão. O laço que
girava em redor dele era a terra. De repente essa terra esquisita caia sobre a
novilha careta e prendia-lhe os chifres. Quando havia poucas reses o
exercício era brincadeira. Mas em tempo de pega o curral se enchia, os
cornos se chocavam, e mal se distinguia a cabeça do animal visado. O laço
rondava no ar uma eternidade, descia, passava perto do alvo, tornava subir.
Amaro aboiava, e os animais agitavam-se, batendo as pontas. Sentado no
último pau da porteira, eu tinha o coração aos baques e torcia
desesperadamente. As minhas mãos umedeciam-se de suor. Por que Amaro
não acabava logo aquilo? Subitamente o aboio estancava, o laço caía, o
zunido da corda continuava um instante no ouvido da gente. O animal estava
preso (RAMOS, G., 2003, p. 144 – 145).
Além da inspiração para personagens, as lembranças do escritor também inspiraram
alguns contos, como, por exemplo, O menino mais velho, no qual há uma grande proximidade
e quase transposição das falas e sentimentos expressos pelo menino Graciliano, aos seis anos
de idade questionando sua mãe, e pelo Menino Mais Velho ao indagar sinhá Vitória a respeito
do inferno. Em Infância, Graciliano Ramos descreve o acontecido da seguinte maneira:
O inferno era um nome feio, que não devíamos pronunciar. Mas não era
apenas isso. Exprimia um lugar ruim, para onde as pessoas mal-educadas
mandavam as outras, em discussões. E num lugar existem casas, árvores,
açudes, igrejas, tanta coisa, tanta coisa que exigi uma descrição. Minha mãe
condenou as exigências e quis permanecer nas generalidades. Não me
conformei. Pedi esclarecimentos, apelei para a ciência dela. Porque não me
contavam o negócio direitinho? Instada, condescendeu. Afirmou que aquela
terra era diferente das outras [...] quando minha mãe falou do breu derretido,
examinei a cicatriz do dedo e balancei a cabeça, em dúvida [...] _ A senhora
esteve lá? [...] _ Os padres estiveram ? [...] _ Os padres estiveram lá?
Tornei a perguntar. Minha mãe irritou-se, achou-me leviano e estúpido. Não
tinham estado, claro que não tinham estado, mas eram pessoas instruídas,
aprendiam nos seminários, nos livros. Senti forte decepção [...] e pratiquei
um ato de rebeldia: [...] _ Não nada disso. Minha mãe curvou-se,
descalçou-se o chinelo e aplicou-me várias chineladas. Não me convenci.
Conservei-me dócil, tentando acomodar-me as esquisitices alheias (RAMOS,
G., 1974, p. 92 – 95).
Em Vidas Secas, episódio semelhante, ao vivenciado pelo escritor, se passa com o
Menino Mais Velho:
76
Deu-se tudo aquilo por que sinhá Vitória não conversou um instante com o
menino mais velho. Ele nunca tinha ouvido falar de inferno e estava
estranhando a linguagem de sinhá Terta, pediu informações. Sinhá Vitória,
distraída, aludiu vagamente a certo lugar ruim demais, e como o filho
exigisse uma descrição, encolheu os ombros.
O menino foi a sala interrogar o pai [...]. Não obteve resposta, voltou a
cozinha foi pendurar-se a saia da mãe:
_ Como é?
Sinhá Vitória falou em espetos quentes e fogueiras.
_ A senhora viu?
Aí sinhá Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote.
O menino saiu indignado com a injustiça, escondeu-se debaixo das
catingueiras murchas, à beira da lagoa vazia (RAMOS, G., 1981, p. 54).
Dentro das possibilidades de ação e reação de Graciliano criança e do Menino Mais Velho
uma grande proximidade entre os acontecimentos vivenciados e a história criada.
Obra denunciante da pobreza sertaneja e, em parte, inspirada em reminiscências
pessoais de Graciliano Ramos, Vidas Secas
70
, que, a princípio, fora composto na forma de
folhetim e, portanto, se direcionava a um público letrado, cativo da forma escrita e do
próprio jornal –, ultrapassou a categoria de um livro circunscrito a um movimento literário e,
através da habilidade demonstrada por seu criador, se tornou uma obra universal, cuja
atualidade e identificação ideológica, por parte do cineasta Nelson Pereira dos Santos,
possibilitaram a sua transposição para o grande ecrã.
2.3 O sertão de Graciliano no cinema de Nelson Pereira
No plano humano, dentro do chamado flagelo da seca, o havia nada mais
de definitivo do que esse romance [Vidas Secas]. Eu não possuía a
capacidade de observação de Graciliano, nem seu poder de reconstruir a
realidade de uma forma sintética, pois ele era um homem do Nordeste que
dominava plenamente seu meio de expressão. Ele passa por cima do que
possa ser uma estorinha tola e avança fundo na questão. Ele não se restringe
à momentaneidade, mas tem a visão histórica que revelaria ainda com mais
ênfase em Memórias do Cárcere.
(Nelson Pereira dos Santos, 1986).
Pouco mais de duas décadas depois do lançamento do livro Vidas Secas, de Graciliano
Ramos, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, ao retomar essa obra, já consagrada, “[...] rendia
graças ao literato com quem se identificava politicamente, mas também dialogava com as
principais questões em debate nesses primeiros anos da década de 60(TOLENTINO, 2001,
70
Considerado, em 1962, pela Fundação Willian Faulkner (EUA), como o livro representativo da Literatura
Brasileira Contemporânea, o romance Vidas Secas foi publicado em diversos países, dentre os quais
pode-se destacar: Argentina, Polônia, República Tcheca, Rússia, Itália, Portugal, Estados Unidos, Cuba,
França, Alemanha, Dinamarca, Romênia, Hungria, Bulgária, lgica, Espanha, Turquia, Suécia e
Holanda. Para mais detalhes acerca da premiação das obras de Graciliano Ramos ver:
<http://www.graciliano.com.br/bibliogr.html>.
77
p. 145). Nas palavras de José Barros, o diretor equilibrou a inspiração em certos padrões ou
estilos da narrativa fílmica – como, por exemplo, o do Neo-realismo italiano – com as
exigências de adequação a um determinado momento histórico e cultural do país.
A referida película foi produzida num momento bastante propício da história do
Brasil, uma vez que, no âmbito político, discutia-se sobre a atuação das Ligas Camponesas
71
,
“[...] que saíam das páginas policiais dos jornais e ganhavam as páginas políticas
reivindicando reforma agrária [...] (TOLENTINO, 2001, p. 148–149), a ampliação do quadro
de leitores da obra graciliânica estava a pleno vapor, devido ao “[...] despejo no mercado
livreiro [de] milhares de volumes destinados a satisfazer a demanda da faculdade” (RAMOS,
C., 1979, p. 264) e colocava-se, no campo cinematográfico, o desafio a uma nova leitura de
temas como o da favela e do sertão, numa busca por representar o país na sua totalidade.
Destacaram-se, desse modo, produções como Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber
Rocha, Os fuzis, de Ruy Guerra e, é claro, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos.
Cineasta engajado, Santos apresentava, no ano de 1963, um tipo de cinema que, além
de político, também era politizador. Realizava um filme que, de maneira bastante peculiar,
não fazia concessões estéticas, mas era capaz de enfrentar a sociedade brasileira, mostrar-lhe,
na expressão de Hollanda, o espelho áspero do seu miserabilismo cultural.
E embora nos anos 60 a sociedade brasileira ainda não havia mudado o suficiente para
que o público de Nelson Pereira fosse maior que o dos leitores do livro de Graciliano Ramos,
“[...] o filme seria como um depoimento, algo como um retrato dessa realidade em curso, feito
para denunciar [...] [conferia] status de verdade tanto à ficção do escritor quanto à obra
cinematográfica” (TOLENTINO, 2001, p. 147, grifo do autor).
Película esteticamente engajada que é, Vidas Secas apresenta, desde as suas primeiras
imagens, uma intenção, por parte do cineasta, de homenagear um grande literato, com uma
adaptação “fiel”, como também de incomodar o seu espectador, retirá-lo de uma possível
passividade, através da denúncia da pobreza sertaneja. Como se percebe nas primeiras
imagens do filme:
71
As primeiras Ligas Camponesas surgiram por volta de 1945 como desdobramentos de pequenas
organizações reivindicatórias de foreiros e plantadores dos grandes engenhos de açúcar da Zona da Mata –,
sob a direção do Partido Comunista Brasileiro. Com a proscrição do PCB, no ano de 1948, houve um
esmaecimento do movimento, que ganharia matizes, na informação de Clodomir Moraes, apenas no início de
1955, de quando data a criação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco. A partir
desta época, as Ligas deixam de ser organizações e passam a ser um movimento agrário, com boa
receptividade e crescente apoio dos meios de trabalhadores rurais e urbanos. Com o lema “reforma agrária ou
lei na marra”, o movimento expandiu-se para diversos municípios do Pernambuco, bem como para outros
estados do Brasil e teve como seu presidente o deputado Francisco Julião. Diante da emergência do golpe
militar de 1964, o movimento camponês foi perseguido, desarticulado e seu principal representante, Julião, foi
preso e exilado.
78
Este filme o é apenas a transposição fiel, para o cinema, de uma obra
imortal da literatura brasileira. É antes de tudo, um depoimento sobre uma
dramática realidade social de nossos dias e extrema miséria que escraviza
27 milhões de nordestinos e que nenhum brasileiro digno pode mais
ignorar (SANTOS, 1963, filme, grifo nosso).
Uma espécie de alerta, o letreiro, de fundo preto e letras brancas, permanece na tela por cerca
de trinta segundos
72
, objetivando fixar a atenção do espectador em seu conteúdo e reclamar
deste uma atenção particular para as imagens que virão a seguir. Desse modo, Santos, desde o
início do longa-metragem, estabelece uma espécie de acordo com o seu espectador: o de “[...]
fazê-lo conhecer na linguagem cinematográfica os elementos do trabalho literário [–] cujo
destaque estava precisamente na concisão, na ausência de diálogos e de adjetivação,
descartando tudo o que não retratasse a vida dos personagens” (TOLENTINO, 2001, p. 146),
se ele, o espectador, assistisse a seu filme e atentasse para ele. Para tal empreitada, o
cineasta e sua equipe, que, nos anos 60, idealizavam espectadores motivados pelas idéias de
revolução
73
, criaram e recorreram a meios estéticos que viabilizassem a transposição, para a
tela, do caráter cíclico e fatalista apresentado na obra literária. Almejando, com toda esta
elaboração, influenciar o já efervescente contexto histórico do momento.
Um bom exemplo dessa criação estética é a luz, que “estourada”
74
e sem filtros revela
do início ao fim do filme o sofrimento dos personagens, que cansados, com fome, sem
pouso e sem nenhuma sombra para descansar, caminham, no início do filme, dentro do leito
seco de um rio, no qual a própria sombra de Fabiano indica o passar do tempo sob um sol
escaldante, cuja intensidade é cada vez maior. Numa cena dominada por uma luz tirana, como
bem definiu o cineasta Júlio Bressane, a sombra de Fabiano, indicada pela objetiva, é, a
princípio, grande e comprida, mas com o passar da viagem vai diminuindo cada vez mais, até
sumir por entre as pernas do vaqueiro. “A câmera na mão a mais perturbadora posição da
câmera de cinema trinca, racha a moldura do quadro, e o próprio quadro.
72
Tempo que, segundo Francisco Sanabria, não dever ser excedido em uma longa emissão de imagens para que a
atenção do expectador não se disperse. Para mais detalhes ver: SANÁBRIA, F. Información audiovisual:
teoría y técnica de la información radiofonica y televisiva. Barcelona: Bosch Comunicación, 1994.
73
Segundo Marcelo Ridenti, [...] em diversos momentos, ao longo dos anos 60, a revolução brasileira em suas
diversas acepções, em geral tomando como base principalmente a ação do camponês e das massas populares, em
cujas lutas a intelectualidade de esquerda estaria organicamente engajada – foi cantada em verso e prosa na sica
popular, nos espetáculos teatrais, no cinema, na literatura e nas artes plásticas” (RIDENTI, 2000, p. 43).
74
Em comparação ao trabalho de José Rosa profissional de renome que “[...] chegaria ao sertão com uma
proposta fechada: fotografar com filtros normais de luz, obedecer à leitura do fotômetro para regular o
diafragma da lente e, sobretudo, estabelecer uma dosagem equilibrada de tonalidades entre figuras e
paisagens” (BARROS, 1997, p. 162) o trabalho de Luiz Carlos Barreto repórter fotográfico que jamais
havia trabalhado em cinema era, para a época, uma proposta bastante inusitada, na medida em que Barreto,
na informação de JoBarros, ao desprezar as indicações do fotômetro, igualou os rostos dos personagens a
paisagem e criou um clima de sufocante exposição ao sol árido do Nordeste.
79
Desestabilizadores, [perturbam] a captação da luz, abalando a paisagem e expondo a nervura
sensível do desespero humano” (BRESSANE, 1998, p. 102-103). O rural que se quer
apresentar, e que se vê, é um rural atrasado e estéril, indicado pela ofuscante luz que oprime o
vaqueiro e sua família.
A luz que muito incomodou o espectador por sua presença, também o incomoda na
sua ausência, como na cena em que, à noite e preso, o vaqueiro se encontra ao fundo da cela,
arrastando-se pelas paredes:
[...]
433. –
[...] Fabiano quer encostar-se, mas sente as feridas.
434. –
Fabiano encostando-se à parede. Dá um murro [urro] de dor e um pontapé na
porta.
435. –
O carcereiro aparece.
436. –
Fabiano interrompe o grito, e sentado sobre as pernas geme baixinho.
437. –
Fabiano gemendo, range os dentes, sopra por cima do ombro, e lança
ofensas, olhando com o rabo dos olhos na direção da porta.
FABIANO: _ Safado, mofino, escarro da gente.
Cospe de lado [...] (ROTEIRO ..., 1970, p. 39).
A pouca luz que clareia a citada cena provém de uma pequena fogueira acesa no interior da
cela e da janela da mesma. Movimentando-se conforme se agitam as chamas do fogo, a luz,
como um recurso estético que, nessa cena, ganha consistência na sua associação aos
movimentos do ator, ao espectador boa parte da dimensão do sofrimento do vaqueiro que,
iluminado próximo ao chão, transmite ao espectador um sentimento de inquietação e dor.
Embora as cores tenham aproximado o cinema da realidade, Vidas Secas,
principalmente pelas condições técnicas de uma época em que havia poucos filmes coloridos
no Brasil, é uma película preta e branca, que se inspira em um livro com “descrições
coloridas”, como expressam algumas passagens do livro de Graciliano Ramos: “[...] na
planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes [...] [;] [...] olhou a catinga
amarela, que o poente avermelhava [...]” (RAMOS, G., 1981, p. 9 e 22). Mas, levando-se em
consideração as observações de Rudoph Arnheim, bem como da escola clássica, no tocante a
limitações técnicas neste caso a cor –, percebe-se que, ainda em busca de encontrar
maneiras de melhor expressar a idéia do literato alagoano, o artista de cinema pôde reverter
essa possível limitação em vantagens para si, que, na dependência do preto e do branco,
construiu efeitos particularmente vívidos e impressionantes, os quais intensificaram o
realismo das cenas. Assim, no início do filme uma cena em que o sol clareia quase que a
80
tela toda e, entrecortado pelos galhos secos das árvores, explicita a secura da região ao mesmo
tempo em que “depõe”, para o seu espectador, sobre mazelas de milhões de brasileiros.
também, no final da película, a seqüência de número cinqüenta e sete, na qual se pode
perceber a não limitação, mas uma maior expressão realista dessa seqüência, na qual um sol
enorme e intenso aponta por trás da caatinga, clareando boa parte da tela e pouco deixando
ver dos montes. Durando aproximadamente dezoito segundos, tempo de considerável
desconforto para o espectador, essas cenas possuem a luz como seu elemento central e, para
além de sua função de complemento, a iluminação vêm por auxiliar o cineasta na construção
de uma coerência narrativa, uma vez que, indicando a chegada da seca, marca para o
espectador o significado daquele brilho intenso, como também destaca o sofrimento
vivenciado não só pelo vaqueiro e por sua família, mas por tantas famílias do nordeste
brasileiro.
Ainda em busca por melhor expressar e assim denunciar a tamanha carência em que
vive boa parte dos sertanejos, Nelson Pereira, sem criar facilidades para sua platéia, não
vinculou o som à imagem simplesmente porque são associados na vida real, mas respeitou a
idéia central da história de Graciliano Ramos e, estrategicamente, procurou incomodar os seus
espectadores na medida em que apresentava uma situação de vida inusitada, com os recursos
que lhe cabia e não, talvez como se esperasse, com falas e ações que não eram próprias
daqueles personagens como ocorreu em tantos longas-metragens, sobretudo os que
trabalharam com o tema do Cangaço. Em Vidas Secas, Santos, como tantos outros intelectuais
atuantes nos anos sessenta, colocou-se ao lado das massas e, para tanto, apostou numa
apresentação em que som e imagem reforçaram-se mutuamente, exercendo cada um uma
função específica.
Destarte, a utilização do som, no longa-metragem, não se sustenta nos diálogos, mas
na caracterização de elementos, como o deslocamento do carro-de-boi, o barulho da chuva, o
de utensílios que batem no baú de folhas, o das pisadas na folhagem seca, o taramelar do
papagaio, o cantar do quinteto à entrada da cidade, do povo na igreja, entre outros. Por
diversas vezes, essas características são apresentadas por meio do recurso off e enriquecem o
jogo de montagem realizado pelo cineasta. Como exemplificam as cenas da festa na cidade,
nas quais enquanto o diretor retrata, já de noite, o sofrimento de Fabiano – dentro da cadeia –,
ele contrasta a aflição do vaqueiro com a alegre apresentação de um grupo musical, que
homenageia as autoridades locais ao invés de tratar igualmente a todos os presentes. Tem-se,
dessa forma, a utilização da canção como um contraponto entre a alegria dos participantes da
festa e a agonia do preso surrado, que não participa dos festejos.
81
Aliado ao som, o monólogo vem, de certa forma, por substituir os parcos diálogos.
Como exemplifica a seqüência a seguir:
SEQÜÊNCIA 54 CASA DO VAQUEIRO (COZINHA) INTERIOR
DIA
533. –
Fabiano está consertando a cama de varas. Sinhá vitória entra na cozinha, vai
derramar água no reservatório e fala olhando para a banda de Fabiano.
SINHÁ VITÓRIA: _ Nunca que vamos ter cama de gente.
534. –
Fabiano em primeiro plano, de frente para a câmara, e sinhá Vitória ao
fundo. A mulher acende o cachimbo e dá nova investida.
SINHÁ VITÓRIA: _ Era prá economizar... Hum! Hum! Já tinha comprado o
couro, já tinha comprado a madeira.
Solta uma baforada e, notando a indiferença de Fabiano, que é propositada
diz:
SINHÁ VITÓRIA: _ dinheiro tinha, mais foi tudo embora com jogo e
cachaça [...] (ROTEIRO..., 1970, p. 50).
Ainda criando e buscando meios estéticos que possibilitassem a transposição para o
cinema de um livro quase sem diálogos, mas rico em descrição, o cineasta calcou a sua
transposição num grande tratamento fotográfico
75
. E embora não tenha se prendido a uma
mera descrição do livro, Nelson Pereira valorizou em seu filme o espaço descritivo, uma vez
que “[...] Vidas Secas não pretende contar acontecimentos notáveis e complexos, ao contrário,
constrói-se de fragmentos nos quais, mais do que a narração dos eventos, encontramos
simplesmente sons, memórias esparsas e devaneios [...]” (BARROS, 1997, p. 157). Para tanto,
o diretor utilizou, basicamente, alternância de três planos: o primeiro plano, o plano médio e o
plano geral.
Através da utilização desses três tipos de plano em montagens expressivas
76
–, bem
como da angulação escolhida, Santos procurou descrever e selecionar para o seu espectador
detalhes e situações que denunciassem o mundo sertanejo. Assim, a seqüência em que o
cineasta apresenta a ida à festa na qual a família, trajada de forma diferente da habitual,
passa pelas dificuldades de não estar acostumada àquele tipo de vestimenta é um bom
exemplo das escolhas que ele fez em sua busca por denunciar o papel de tantos Fabianos,
sinhás Vitórias e meninos, mais velhos ou mais novos, na sociedade brasileira. Destarte, a
gravata aperta o pescoço do vaqueiro, os sapatos não lhes permitem caminhar direito, o sol
75
Em entrevista à Revista Manchete, Santos, ao falar do tratamento fotográfico, declarara: “‘Como a
luminosidade [do sertão] é intensa, sempre necessidade de se recorrer a filtros, e o resultado na tela, é de
uma beleza espetacular: uma fotografia com nuvens, muito brilho, com relevo, muito parecida com a
fotografia de Gabriel Figueiroa, é a caatinga que acaba se transformando num jardim; exótico, é verdade, mas
num jardim. E é difícil fazer os personagens sofrerem naquela paisagem aparentemente bela’” (SANTOS,
20/11/65 apud SALEM, 1989, p. 163–164).
76
Junção de planos que objetivam a produção de determinado efeito.
82
esquenta cada vez mais seus corpos dentro das novas roupas... Note-se, neste ponto, que a
própria vestimenta é participante de uma função estética dramática, é uma contribuição para o
efeito do conjunto artístico, bem como para a representação da também desconfortável
assim como as roupas –, posição social em que se encontra a família do vaqueiro. A câmera
acompanha, descreve tudo através de closes e planos gerais, nos quais o espectador pode
perceber desde o desconforto causado pelos trajes, até mesmo o próprio encantamento de
alguns personagens, como os dois meninos, que pouco conheciam o ambiente religioso.
Todos esses detalhes são apresentados ao espectador de forma descritiva, sem a utilização de
palavras que indiquem qualquer sentimento.
Colocando-se, recorrentemente, como uma espécie de “narrador-imagem”, a objetiva
não apresenta, como bem observou Dolores Papa, quaisquer possibilidades de explicações que
vão para além das experiências dos personagens, que a narração não se encarrega de saber
mais do que eles. Exemplo desse comportamento do narrador são as seqüências em que o
Menino Mais Velho e escuta, curioso condição sugerida pela imagem –, sinhá Terta
rezando sobre as costas de Fabiano que, machucado pelos golpes de facão, sentenciados pelo
capitão, está sentado no pilão. Ao fim da reza, Fabiano sai de campo vestindo a camisa e
deixa “[...] o menino sozinho, ainda maravilhado com as artes da velha. O garoto avança um
pouco, a câmera panoramiza, para enquadrá-lo juntamente com sinhá Vitória, e sinhá Terta. A
negra velha [...] despede-se e sai de casa” (ROTEIRO ..., 1970, p. 46). Daí por diante,
algumas seqüências são dedicadas à descrição dos pensamentos do menino, bem como à
explicitação, por parte de Santos, do mundo concreto vivido pelo garoto que, sem uma
resposta palpável acerca do que era o inferno e após uma punição por sua curiosidade, vai
para fora de casa tentar compreender ou achar elementos que exemplificassem o que era
aquela palavra de significado ruim, pois “[...] todos os lugares conhecidos eram bons: o
chiqueiro das cabras, o curral, o barreiro, o pátio, o bebedouro mundo onde existiam seres
reais, a família do vaqueiro e os bichos da fazenda [...]” (RAMOS, G. 1981, p. 56). A câmera,
que até então acompanhava o menino, coloca-se, a partir desse momento, como se fosse os
próprios olhos deste e, na direção em que olha, a objetiva apresenta o que ele vê.
Levando-se em consideração que “[...] no latifúndio do sertão, a relação entre o
vaqueiro e o patrão tem caráter mais distenso, admitindo o parentesco ou compadrio [e que] o
encurtamento das distâncias sociais liga-se à diferenciação de cultura [...]” (RAMOS, C.,
1979, p. 20), em Vidas Secas, Nelson Pereira dos Santos procurou, alegoricamente, indicar
para denunciar características constituintes da sociedade coronelística. Embora a diegese do
filme contribua, em grande medida, para a apresentação dos laços entre proprietários e sem
83
posses, algumas seqüências vêm por indicar a forma com que o cineasta representará essa
relação.
Inicialmente, quando o fazendeiro chega à fazenda e encontra novos agregados, firme
e seco, ele ordena a Fabiano que se retire de suas terras e se distancia, indo colocar o gado no
curral. Terminado o assentamento do rebanho, o dono da fazenda retorna para onde está o
vaqueiro e, novamente, manda-o embora. Fabiano, por sua vez, apresenta-se, na sua
simplicidade, como um bom trabalhador, o qual deseja uma paga razoável, que será aceita
pelo fazendeiro “Fabiano não estará necessariamente empregado, sua condição é de
agregado-parceleiro e os termos de sua contratação, traduzidos por um ‘pode ficar’, enunciam
a concessão, que o deixa a mercê da boa vontade do dono das terras” (TOLENTINO, 2001, p.
154, destaque do autor).
Imóvel, a objetiva registra, descreve tudo de sua posição acima da cabeça do
fazendeiro, que está de costas, em um plano médio, cujo centro apresenta o dono das terras
montado num cavalo ele está colocado numa posição superior a de seus pretensos empregados
–, Fabiano, no canto esquerdo, e sinhá Vitória e os dois meninos espremidos no canto da tela.
Encerrada com o sorriso de gratidão do vaqueiro, pelo trabalho conseguido, essa cena
principalmente pela marcação dos personagens – anuncia, desde já, a forma com que o
cineasta apresentará a relação entre proprietários e sem posses: participantes de uma estrutura
social fixa, cuja representação pode ser pensada a partir de um formato piramidal, no qual o
patrão se encontra no topo, juntamente com as outras autoridades locais, e os trabalhadores
localizam-se na base, restando o meio àqueles personagens que não se encaixam em nenhuma
das duas categorias, como, por exemplo, o soldado, o padre, o fiscal da prefeitura e outros.
A seqüência de número vinte vem a ser uma alegoria da relação entre patrões e
empregados. Correspondendo ao dia do acerto de contas pelo trabalho realizado por Fabiano,
a referida seqüência pode ser considerada como uma das mais representativas desse
relacionamento. Fabiano chega à cidade sentado em um carro-de-boi que, pequeno ao longe,
vai aumentando na medida em que se aproxima da câmera, a qual estava parada e agora passa
a segui-lo. O vaqueiro desce da carroça, coloca um saco branco nas costas e caminha em
direção a uma casa. Enquanto este se aproxima da casa, ouve-se, em off, o som de um violino.
Som que, no decorrer do plano, indicará o distanciamento cultural existente entre o
empregado e o patrão, que, em clara oposição ao seu subordinado, possui acesso à cultura.
Em continuidade, a mesma seqüência ainda destacará a ignorância do vaqueiro frente
à abstração da forma de pagamento, que comporta juros, algo desconhecido para o mundo
concreto daquele sertanejo e de sua família, como apresenta a descrição da seqüência:
84
Fabiano caminha lentamente, por um corredor, até chegar ao aposento em que o dono das
terras se encontra sentado, alimentando-se. Ao receber sua paga, que por ser pouca é fácil de
contar, o vaqueiro pede desculpas e, submisso, dirige-se ao fazendeiro:
_ Me descurpe, mas tem de menos. [Diz Fabiano recontando o dinheiro]
_ Tá certo. [diz o dono das terras depois de recontar o dinheiro]
_ O que a mulher disse é mais, tem erro na conta.
_ A diferença é dos juros. Não lhe emprestei dinheiro todo esse ano? Tem
erro não.
_ Eu não... Mas a mulher tem miolo, sabe fazê conta. Aqui tem de menos.
_ Sua paga está aí. Não tem mais nada pra receber.
_ Isso num ta certo. Sô nego não! [diz Fabiano num impulso de rebeldia]
_ Nego num tem nenhum aqui. Taí seu dinheiro. E se num quiser vai procurá
emprego noutro lugar. Cabra insolente num trabalha comigo [diz, irritado, o
patrão]
[tentando redimir-se Fabiano recua] _ Bem... bem... não é preciso barulho.
Foi palavra à toa. Me descurpe... Foi curpa da mulhé, patrão. Eu não sei lê.
A velha me disse: é tanto. Eu acreditei nela.
_ Está bem Fabiano. trabalhar. [conclui o patrão dando a conversa por
encerrada] (SANTOS, 1963, filme).
Sem possibilidades de reação, Fabiano reduz-se à sua simplicidade e falta de instrução e,
submisso, vai embora. É compreensível que Fabiano não entenda os juros de um ano de
empréstimos. Sua inserção no mundo do trabalho ainda não se pauta por uma relação
burguesa [...] essas idéias são parte de um corpus de pensamento do qual ele ainda está
alijado” (TOLENTINO, 2001, p. 157, grifo do autor).
As cenas que fundem os contos Cadeia e Festa representam um dos momentos mais
claros da forma com que Santos demarcará a estrutura social fixa de que os personagens de
Vidas Secas são integrantes. Após pisar no de Fabiano e por isso ser xingado, o Soldado
Amarelo conseguirá fazer com que o vaqueiro seja surrado, castigo imposto a meninos e,
portanto, uma humilhação a um homem. A inferioridade de Fabiano será, desse modo,
indicada no seu confronto com a condição de superioridade que o soldado se reserva.
Contudo, a mesma superioridade do soldado também será reduzida, já no dia seguinte, frente
à ordem do fazendeiro para que o vaqueiro seja solto. A alternância entre plongés
77
e contre-
plongés
78
destacará a marcação de onde e com quem está o poder, como mostra a seqüência
em que Fabiano, depois de surrado, está deitado no chão, gemendo. Seu rosto é enquadrado
pela objetiva, num plongé que vem por destacar o esmagamento moral do vaqueiro, cujo
rebaixamento ao nível do solo o transforma num joguete da fatalidade. Em oposição, tem-se,
77
Tomada realizada de cima para baixo.
78
“O contre-plongé (o sujeito é fotografado de baixo para cima, estando a objetiva abaixo do nível normal do
olhar) dá em geral uma impressão de superioridade, de exaltação, de triunfo, pois engrandece os indivíduos e
tende a enaltecê-los [...]” (MARTIN, 1963, p. 44).
85
na mesma seqüência, a cena em que, numa tomada de baixo para cima, a imagem do
carcereiro é enaltecida, colocada acima da do vaqueiro, que está cada vez mais humilhado,
reduzido à sua impossibilidade de se defender.
Através do episódio em que Fabiano toma contato com o bando de cangaceiros,
Nelson Pereira indica que poucos caminhos restam ao vaqueiro, como mostra a seqüência de
número quarenta e sete, na qual Fabiano e sua família se encontram com o bando de
cangaceiros, que está parado a beira do riacho para os animais beberem água. Tecnicamente
composta por closes e planos gerais, das pessoas e da paisagem que os cerca, a seqüência
descreve, com bastante propriedade, a dúvida do vaqueiro em deixar a família ou partir com o
bando, como exemplifica o trecho a seguir:
474. –
Surge a encruzilhada, onde começa o caminho da fazenda.
475 –
Fabiano Freia o animal, o rapaz chega junto dele e segura as rédeas.
[um dos cangaceiros diz: _ “O patrão paga bem, quer ir mais nóis?]
Mas o vaqueiro não desmonta logo [hesita].
476. –
Fabiano, indeciso, olha para onde está a família.
477. –
Sinhá Vitória, os dois meninos e Baleia alinhados ao longe da estrada.
478. –
Fabiano olha para o rifle, em seguida para a frente das estradas onde o grupo
de cangaceiros espera o companheiro. Fabiano olha para o rapaz.
479. –
Fabiano olhando para o rapaz, que está ¾ de costas para a câmera. Entrega-
lhe a arma e desmonta. O rapaz monta rapidamente e esporeia o animal, para
alcançar os outros cangaceiros.
480. –
Fabiano, a primeiro plano, despede-se com o olhar de seu companheiro. Ao
fundo a família está a sua espera.
481. –
O grupo do capitão retoma a caminhada (ROTEIRO ..., 1970, p. 44-45).
Parada, como se fosse o olhar do vaqueiro e de sua família, a câmera registra o distanciar do
bando que, em escala, vai diminuindo na medida em que caminha para fora do quadro e
indica a escolha do sertanejo. “Ainda que a época [de produção do filme] reclame o camponês
revolucionário, o narrador se mantém fiel aos ‘fatos’. Em 1942, os Fabianos ainda não
estavam organizados e naquele momento ainda acreditavam em governos [...]”
(TOLENTINO, 2001, p. 167, destaque do autor), uma vez que ainda estavam presos ao
sistema coronelista.
Os próprios episódios em que o filme se baseia se apresentam como ícones das
relações sociais do Nordeste. Livro e filme, se superficialmente comparados, possuem, em
linhas gerais, os mesmos capítulos, sem supressões ou mesmo acréscimos de partes. Contudo,
86
tendo-se em conta que, devido a sua estrutura, o livro fora classificado como um romance
desmontável, na película, Nelson Pereira aproveitar-se-á, com bastante propriedade, dessa
estrutura móvel para dar coerência à narrativa fílmica. Desse modo, apenas os contos
Mudança e Fuga primeiro e último contos, respectivamente são mantidos em sua
colocação original, as demais partes do livro estão dispostas na seguinte ordem: 2 O
Menino Mais Novo; 3 Fabiano; 4 Inverno; 5 Contas; 6 Festa; 7 Cadeia; 8 O
Menino Mais Velho; 9 Sinhá Vitória; 10 O mundo coberto de penas; 11 O soldado
amarelo; 12 Baleia
79
. A película é, tecnicamente, o que se pode chamar de um filme linear,
pois apresenta um desfilar de imagens que se ligam sem grandes rupturas, que dão ao
expectador a impressão de estar vendo unidades contínuas, embora um leitor mais atento de
Vidas Secas possa perceber, no filme, o início e o fim de cada conto.
Para além do núcleo central do filme, composto por Fabiano, sinhá Vitória e os dois
meninos, nota-se que as personagens secundárias estão colocadas, em Vidas Secas, de acordo
com a interferência na vida do vaqueiro e de sua família e, em geral, são utilizadas, pelo
cineasta, como ícones do atraso em que reside o sertão nordestino. Assim, a personagem do
fazendeiro ganha, no filme, um papel relativamente maior que o do livro, representa aquele
que possui acesso à cultura, bem como ao que há de melhor no sertão – como se pode notar na
seqüência de número quarenta na qual a apresentação de um grupo popular é destinada aos
principais líderes da região:
Vamos embora partir o boi meu nêgo.
Agora que vai sê dureza (vai boi).
E a turma do rio (vai boi)
é pra seu Zé Coutinho (vai boi).
Olho no coxão (vai boi)
é pra seu mané João (vai boi).
E pernil da alcatra (vai boi)
pra dona Zéfa Pirata (vai boi).
E o beiju do peito (vai boi)
é pra seu Luís, prefeito (vai boi) (SANTOS, 1963, filme).
O Soldado Amarelo e o fiscal da prefeitura o os representantes da lei, “são governo”, no
pensamento de Fabiano, e, apesar do sertanejo o ter clara consciência do sistema em que está
inserido, ele entende que não tem condições de se revoltar – ao menos que se insira num bando de
cangaceiros, possibilidade dispensada em função da família e, por isso, ele o questiona as
ações do Soldado Amarelo e nem do fiscal da prefeitura. Contudo, cineasta engajado que é,
Santos não perde a oportunidade de apresentar os dois personagens como representantes de um
79
Comparar com a disposição dos contos na obra impressa de Graciliano Ramos: 1 – Mudança; 2Fabiano; 3 –
Cadeia; 4 Sinhá Vitória; 5 O Menino Mais Novo; 6 O Menino Mais Velho; 7 Inverno; 8 Festa; 9
Baleia; 10 – contas; 11 O soldado amarelo; 12 – O mundo coberto de Penas; 13 – Fuga.
87
governo discriminatório, que faz diferea entre os que governam, caso do fazendeiro, e
discrimina aqueles que desconhecem seus próprios direitos, caso do vaqueiro e toda a sua família
– para o espectador do filme, os representantes de milhões de nordestinos. O diretor destaca essa
idéia, basicamente, em duas seqüências: 1 nas cenas em que, desgostoso com a desisncia de
Fabiano do jogo, o Soldado Amarelo procura meios para castigá-lo. Apresentando, desse modo, a
arbitrariedade da polícia; 2 Na seqüência em que Fabiano tenta vender a carne de porco:
enquanto o vaqueiro anda em direção a uma janela, que se abre com a sua aproximação, pode-se
notar, no canto da tela, a presença do fiscal da prefeitura, descontraído, conversando com o
Soldado Amarelo, que lhe mostrará, mais adiante, a ação do vaqueiro. Assim que Fabiano abre o
saco, o fiscal, com autoridade, lhe pergunta:
FISCAL: Já tem a guia do imposto?
306. –
Fabiano não sabe responder [e coagido coloca a carne no saco e segue em
frente, distanciando-se daquele que o questiona].
[...]
FISCAL: Pra vender, você tem que pagar imposto à prefeitura.
O soldado observa o vaqueiro [que procura por a carne a salvo, guardando-a no
saco].
[...]
FISCAL: (eff) o porco é seu?
Fabiano faz que sim.
FISCAL: (eff) É pra vender?
Fabiano repete a expressão.
[...]
FISCAL: Então tem de pagar imposto.
E vai retirando o recibo. Fabiano leva o saco às costas e, resvalando junto à
parede, desloca-se para o fundo do quadro, querendo escapar de mansinho.
FABIANO: Mas isto não é porco, não senhor...
310. –
Fiscal interrompe o movimento do recibo.
FABIANO: (eff) – Isto é pedaço de porco...
Fiscal perde a paciência.
FISCAL: Não interessa! Se vai vender, tem de pagar, seu cabra safado.
Está me desacatando?
311. –
Fabiano, de frente para a câmera, curvando-se submisso.
FABIANO: Me descurpe, seu moço. Pensei que podia dispor dos meus
troços. Não sabia do imposto.
[...]
FABIANO: Não sabia que a prefeitura tinha uma parte do meu cevado. Mas
como o senhor disse está acabado. Levo a carne prá casa; e dou para a
família (Tem). Posso comer a carne? Posso ou não posso?
314. –
Fabiano de costas para a câmera e o fiscal de frente. O funcionário bate o
pé, agastado. O soldado amarelo põe as mãos na cintura, enchendo o
peito, ameaçador (ROTEIRO ..., 1970, p. 26 – 27, grifo nosso).
88
Mais uma vez o vaqueiro se curva diante das autoridades, daqueles que julga serem
homens, diferentemente dele que é “um bicho”. Não é senhor de seu destino, apenas vive
fisicamente e, como bem destacou Tolentino, tem a esperança em engordar como engordam
os animais.
Diante da hierarquizada e distante
80
instituição eclesiástica, a rezadeira sinhá Terta
representa mais uma das facetas do atraso nordestino, é uma alegoria da crendice religiosa do
sertão. Mais próximas do povo, que vão de casa em casa, essas pessoas vêm por preencher
a lacuna deixada pela Igreja, uma vez proporcionam aos mais simples, semelhantes a eles
próprios, a esperança de que, através de rezas, seus pedidos possam ser atendidos – até
mesmo a cura, como no caso de Fabiano, pode provir dessas petições e rezas. Numa terra em
que cada um vende o que pode, a rezadeira também se torna um “profissional”, no ponto em
que se sustenta a partir das doações ofertadas por aqueles a quem ajuda com as suas artes
que se pretendem uma intersecção entre o material e o sobrenatural como mostra a cena em
que depois de rezar sobre as costas do vaqueiro “[...] a negra velha recebe um punhado de
farinha como pagamento, despede-se e sai da casa” (ROTEIRO ..., 1970, p. 46).
Embora tenha criado, para o filme, alguns personagens que não havia no livro, como,
por exemplo, o do cangaceiro preso e de seu bando, Nelson Pereira não inseriu o personagem
de seu Tomás da bolandeira, optou, como Graciliano Ramos, por apenas relembrá-lo nas falas
de Fabiano e de sinhá Vitória. Marcando, dessa forma, a inexpressividade da quantidade de
homens letrados no sertão, uma vez que a vida levada por tantos Fabianos e sinhás Vitórias só
pode acabar matando aqueles que não se acostumam a ela. Com isso, Santos reforçava
também a proposta de seu filme denunciando, de diversas formas, “[...] a dramática realidade
social de nossos dias e extrema miséria que escraviza 27 milhões de nordestinos” (SANTOS,
1963, filme).
Com a chegada da seca, a família lança-se, mais uma vez, numa caminhada sem um
destino certo. Seus passos são novamente embalados pelo ranger estridente de um carro-de-
boi, que depois de marcar momentos específicos do filme, como, por exemplo, o ponto alto da
seqüência referente à morte de Baleia, indica o reinício da vida cíclica da família sertaneja,
80
Geograficamente localizado numa região central, o templo religioso é por si distante da maior parte das
famílias sertanejas, que, em geral, moram em fazendas e vão com pouca freqüência ao centro. Este fato
contribui grandemente para que a relação entre fiéis e clérigos seja marcada, principalmente, por momentos
específicos: como festas e missas ou em situações de morte. Em busca de uma melhor apresentação dessa
situação, Santos, destacou o estranhamento e até incômodo da família de Fabiano dentro do templo religioso.
Assim, a objetiva registra e sugere a admiração dos meninos frente à grandiosidade e aos adereços do novo
ambiente, dando ao espectador a impressão de que o recinto é desconhecido das duas criaturinhas. O próprio
vaqueiro, desgostoso e incomodado com seus novos trajes, não consegue permanecer no templo, que por
ocasião da festa está abarrotado de fiéis. Até mesmo sinhá Vitória demonstra seu estranhamento ao se assustar
com o cantar do coro.
89
bem como de “milhões de brasileiros”. Assim, a família que, inicialmente, vem ao longe,
enquanto se passam os créditos do filme, agora, na sua parte final, não é registrada de longe,
mas vai para longe, recomeçando uma longa jornada, que também principia um novo ciclo.
Semelhantemente ao livro de Ramos e consoante às propostas do movimento
cinemanovista, o filme Vidas Secas não possui uma conclusão, mas acaba, como bem
observou o crítico Jean-Claude Bernardet, com uma expectativa, uma vez que destaca
problemas que vão para além das soluções dos personagens e alcança a própria sociedade,
cuja composição também é feita por aqueles que acompanham o desenrolar da história, na
sala escura de projeção.
Todavia, se para o livro de Graciliano Ramos houve de certa forma, nos anos 30, um
público letrado, cativo da forma escrita, o mesmo não se pode dizer, na década de 60,
quanto aos espectadores de Nelson Pereira dos Santos. A versão cinematográfica de Vidas
Secas não fazia concessões, era, semelhantemente a alguns filmes do período, esteticamente
engajada e elitizante. Segundo Bernardet, apesar de procurarem apresentar uma visão sobre o
povo brasileiro, paradoxalmente, estes longas-metragens não eram vistos pelas camadas mais
populares da sociedade e sim por uma elite intelectualizada. Explicitando, desse modo, a falta,
no Brasil, de blico largo para cinema nacional e, sobretudo, para as produções que se
pretendiam obra de arte.
2.4 A chegada dos retirantes de Nelson Pereira dos Santos
Uma das primeiras apreciações acerca do quarto longa-metragem de Nelson Pereira
dos Santos sairia no meio da seção de crônicas futebolísticas de um periódico carioca
81
, de 18
de agosto de 1963. Intitulada Eles viram e julgaram, a matéria era uma espécie de
chamariz para o filme, uma vez que trazia algumas opiniões pró-filme dos mais diversos
profissionais do meio cultural, como atores, escritores, críticos e diretores, e era finalizada
pela opinião de Heloísa Ramos, que dizia: “Se meu marido fôsse vivo, tenho certeza de que
ele se emocionaria vendo este filme tirado do seu VIDAS SECAS(RAMOS, H., 1963). A
partir de opiniões como a da viúva de Graciliano Ramos, o texto incitava seus leitores a “ver e
julgar” Vidas Secas, que em breve estaria nos cinemas do Rio de Janeiro.
81
Documento retirado do acervo pessoal da professora Giselle Gubernicoff, a referida matéria não contém
referências acerca do periódico de que foi extraída e nem o autor da matéria, porém, devido às informações
que contém pode-se identificar que essa provém de um periódico carioca, publicado em 18 de agosto de 1963.
90
Estreando em 22 de agosto, na capital carioca, o filme seria exibido em sete cinemas:
o Metro Passeio, o Metro Copacabana e o Metro Tijuca os três da empresa norte-americana
Metro Goldwyn Mayer – o Azteca, o Pax, o Ricamar e o Palácio. Todavia, a película
permaneceu pouco tempo em cartaz, cerca de duas semanas, na informação do produtor Luiz
Carlos Barreto, em depoimento à Helena Salem. Duas opiniões tentam esclarecer o porque do
filme ter ficado tão pouco tempo nos cinemas do Rio de Janeiro: uma primeira, de Barreto,
alega que Vidas Secas estava com “renda crescente”, mas que o boicote norte-americano ao
cinema brasileiro impediu a permanência do filme
82
, e uma segunda, de Herbert Hichers,
principal produtor do filme, o qual declarou, também em depoimento a Helena Salem, que:
Vidas Secas foi muito badalado, muito aplaudido pelos críticos, todo apoio,
que não foi um filme de sucesso junto ao público”. Inclusive, diz Richers,
ele “só se pagou porque recebeu um prêmio do Lacerda, que era governador
do Estado e se entusiasmou muito com o filme”. (Vidas Secas custou 18
milhões de cruzeiros, cerca de 60 mil dólares, e o prêmio foi de 20 milhões
[...]) (HICHERS apud SALÉM, 1987, p. 174 – 175, destaques do autor).
A versão de Hichers encontra sustentação na foto publicada pela Revista Desfile, de 8
de setembro de 1963, na qual pode-se perceber a pichação dos cartazes de Vidas Secas, com a
frase “Todo mundo ri”. A revista ainda trazia, no corpo de seu texto, o seguinte
esclarecimento e, de certa forma, nota de protesto:
Numa tentativa de desmoralização do cinema nacional, que apresentava uma
ofensiva, lançando no Rio, ao mesmo tempo, Vidas Secas, Seara Vermelha,
Gimba e O Cabeleira. Foram pichados os cartazes desses filmes
principalmente o de Vidas Secas – com a frase: “Todo mundo ri”. É
costume, realmente, o público dado a chanchadas ir ver filme nacional para
rir. Mas ninguém riu ao ver Vidas Secas. Os que não gostaram, muito
poucos, se queixaram de seu “realismo” ou “monotonia”. É que não
suportavam ver tão bem apresentada a vida de 20 milhões de brasileiros
(NORDESTE ..., 1963, p. 13, grifo nosso).
82
Idéia confirmada no texto de Ely Azeredo, de 28 de agosto de 1963, no qual o crítico declara: “Apesar da boa
e às vezes ótima recepção que vem tendo por parte do público ‘Vidas Secas’ deverá deixar o cartaz de todo o
circuito após as sessões de quarta-feira. O circuito dos Cines Metro se mostrou implacável em outros
momentos de sucesso do cinema brasileiro e não parece capaz de mudar a essa altura(AZEREDO,
1963, grifo nosso). A matéria Nordeste, da Revista Desfile, de 08 de setembro de 1963, ainda acrescenta que o
filme foi retirado de cartaz depois de uma semana, por motivos de programação.
91
Foto – Cartazes de Vidas Secas pichados
Fonte: NORDESTE: verdade na tela. Rio de Janeiro/São Paulo, Desfile, ano 1,
n. 1, p. 13, set. 1963.
Por uma ou outra razão, o fato é que, em suma, a película de Nelson Pereira dos
Santos não alcançou sucesso junto ao grande público. Mais de um mês depois de sua estréia
no Rio de Janeiro, o filme foi lançado na capital paulista em 26 de setembro de 1963, no
Festival de Cinema Arte do Brasil, organizado pela Cinemateca Brasileira –, mas, apresentado
como cinema de arte, não alcançou sucesso junto à maioria dos paulistanos.
Diversas foram as notas e os textos críticos publicados em periódicos, de grande e
média tiragem, do eixo Rio-São Paulo acerca do quinto longa-metragem de Nelson Pereira.
Dentre esses, pode-se destacar, no Rio de Janeiro, o Correio da Manhã, o Diário da Noite, o
Diário de Notícias, o Jornal de Letras, o Jornal do Brasil, O Jornal, a Tribuna da Imprensa,
a Revista O Cruzeiro, e, em São Paulo, o Diário da Tarde, a Folha de São Paulo, O Estado de
São Paulo, a Revista Desfile e a Revista Visão.
Embora os textos críticos tenham sido publicados em maior volume na cidade do Rio
de Janeiro, do que em São Paulo, suas características são semelhantes: ocupam, em geral, de
duas a três colunas, com algumas variações de tamanho da letra, possuem, na maioria das
vezes, pelo menos uma foto de alguma cena do filme – espécie de chamariz para a mensagem
em que se insere – e trazem títulos conclusivos, como: “Talento e seriedade em ‘Vidas Secas’,
do crítico Novais Teixeira, do jornal O Estado de São Paulo, “‘Vidas Secas’ não faz
concessões: mostra o Nordeste como ele é”, do periódico carioca Diário da Noite e
92
“Revelação que transcende os recursos documentários: ‘Vidas Secas’ (III)”, de Ely Azeredo,
do jornal Tribuna da Imprensa.
Sete anos depois da boa recepção crítica de Rio 40º, vários críticos brasileiros vieram a
enaltecer, dessa vez com maior intensidade, o novo trabalho do cineasta paulista. Nelson
Pereira foi considerado por aqueles que gostaram do seu trabalho, como também por quem
não gostou como um artesão, alguém que estava “[...] entre o profissional seguro de sua
linguagem e o amadorista tentando alcançar o estilo desejado”, na opinião de Pedro Lima, de
O jornal (25/08/63). Era um diretor a caminho de sua “maioridade autoral” e estava “na
plenitude de sua capacidade criativa, no domínio de sua expressão artística” (REIS, 28/10/63),
nas palavras do crítico do Diário da Tarde. José Lino Grünewald, do Jornal de Letras, ainda
completava: “Para Nelson Pereira dos Santos registramos o legado em termos de cinema e
cujo teor, já nessa altura, é respeitável – ainda mais quando se leva em conta o nosso
subdesenvolvimento na indústria cinematográfica” (GRÜNEWALD, 11/63).
Filme “excepcional”, na classificação do jornal Diário da Tarde 28/10/63 –, Vidas
Secas foi avaliado como “o melhor filme realizado no Brasil [...] um dos melhores
exemplares do cinema nacional” (NORDESTE ..., 1963, p. 13). Segundo José Carlos de
Oliveira, do Jornal do Brasil, nesse filme, “[...] a câmera com toda humildade se dedica a
reconstituir, passo a passo, a existência de cinco pessoas [...]. Tudo é triste e pobre,
brasileiramente triste” (OLIVEIRA, 26/08/63). É uma “obra social preocupada com uma
realidade brasileira, que traz como primeira conseqüência a afirmação de um cinema liberto,
genuinamente brasileiro, liberto das tendências que levam a explorar um folclore estilizado na
busca do exótico, portanto da falsificação e da mistificação”(REIS, 28/10/63), de acordo com
Moura Reis, do jornal Diário da Tarde.
O crítico Ely Azeredo, do periódico carioca Tribuna da Imprensa, foi um dos que mais
se entusiasmou em escrever sobre Vidas Secas. Opositor de Rio, Zona Norte, seis anos antes,
Azeredo escreveria, na coluna Cinema, quatro textos acerca do novo trabalho de Nelson
Pereira. Em crítica de 25 de agosto de 1963, Ely Azeredo declarava ser um “[...] outro Nelson
Pereira [...]o autor de Vidas Secas e dizia: “[...] hoje, ele [Nelson Pereira] nos a maior
expressão da humanidade brasileira no cinema, obra que um De Sica não se envergonharia de
assinar”. Dois dias depois do primeiro texto, o crítico prossegue sua reflexão ao criticar,
acidamente, o movimento cinemanovista, bem como os três primeiros filmes de Santos e, por
fim, conclui seu texto declarando:
93
“Vidas Secas” não surgiu de um ato de criação estanque. Esse filme que o
tempo talvez consagre como a primeira obra-prima do cinema brasileiro é
um marco sem dúvida por sua súbita estatura comprovada pela possibilidade
de paralelo com obras magnas do cinema universal como “ladrões de
Bicicleta, de De Sica & Zavantitini, e “Amor à Terra” (The Southerner) de
Renoir (AZEREDO, 27/08/63, destaques do autor).
Em continuidade, o crítico discorre, no dia vinte e oito do mesmo mês, sobre a
receptividade do filme junto ao público texto em que destaca e lamenta a saída, em breve,
da película. Por fim, Ely Azeredo, em 29 de agosto, estabelece uma proximidade entre as
pessoas de Nelson Pereira e de Graciliano Ramos e finaliza sua seqüência de artigos, sobre
Vidas Secas, elogiando a parceria fotográfica de Luiz Carlos Barreto e de José Rosa.
A fotografia foi um dos pontos favoráveis e constantes nas análises críticas sobre
Vidas Secas, contudo, esse foi um dos pontos que fizeram com que o crítico do Correio da
Manhã, Moniz Vianna, viesse a desgostar do novo trabalho de Nelson Pereira. Segundo
Vianna:
Do romance de Graciliano Ramos, assistimos a uma adaptação fiel até a
submissão [...] A submissão indica o respeito a uma obra importante, mas o
respeito se justifica até o ponto em que não interfere em prejuízo da
expressão própria da arte receptora senão o risco é análogo ao da
contrafação, o fenômeno oposto, ou maior, por força de sua natural carga
limitadora. A transcrição do romance, sem o equivalente visual das palavras
do mestre, não basta; implica, em última análise, na honestidade sem
imaginação, em tributo e não em transfiguração (VIANNA, 22/08/63).
Mais adiante o crítico ainda continua:
A homenagem funciona, o filme existe sem brilho, mais pelo reflexo de um
bom romance [...]. Com Vidas Secas, Nelson Pereira dos Santos estaciona
no nível do artesanato, não ousando ir mais longe. [...] O filme pára na
última frase do livro. E é a arte de Graciliano, ríspida, cortante, na qual seria
impossível acrescentar uma palavra sequer ou suprimir outra, que está
ressoando ao apagar-se a tela, muito acima de um filme que temendo violá-
la, acabou apenas retratando um de seus maiores romances. Um retrato, uma
superfície lisa como seria possível penetrar assim no drama do retirante e
revolvê-lo até descobrir-lhe a essência? (VIANNA, 22/08/63, grifo do
autor)
83
.
Embora os escritos contrários ao filme tenham sido minoria, o crítico do Correio da
Manhã não foi o único a desgostar do filme de Nelson Pereira. Pedro Lima, de O Jornal, de
25 de agosto do mesmo ano, apontava as diversas falhas do longa-metragem: “A fotografia
padece dos mesmos defeitos [...]. Tivesse Nelson Pereira dos Santos maior segurança no
83
Em depoimento à Helena Salem, Moniz Vianna diz: “‘Eu não gosto da minha crítica ao Vidas Secas. Era dura.
Talvez eu tenha sido até injusto com o Nelson, porque praticamente não elogiei os filmes dele. O Nelson foi
sempre marcado pela seriedade de propósitos’. Durante anos, Moniz Vianna foi acusado de ‘inimigo do
cinema brasileiro’, por suas críticas no Correio da Manhã” (VIANNA apud SALEM, 1987, p. 177).
94
cinema, e ele teria aproveitado mais os esforços de Luiz Carlos Barreto e José Rosa. [...]
Muito bonita a morte da cachorra, mas ainda prejudicada pelo som e pela extensão”. Mas,
por fim, Lima ainda validava o trabalho como um bom documentário. Carlos Heitor Cony,
do Correio da Manhã, declarava, em sua coluna Da arte de falar mal, que não havia
suportado o filme e que, por isso, saíra após os primeiros vinte minutos de sessão. E
acrescenta: “Não elogiarei ‘Vidas Secas’. É tudo” (CONY, 03/09/63).
Sem grandes concessões estéticas, orgulho de seus realizadores, a película Vidas Secas
foi bem acolhida também pela crítica internacional. O filme recebeu uma série de prêmios
nacionais e internacionais e confirmou os escritos críticos que o destacavam, no ano de seu
lançamento, como uma obra-prima, bem como um possível marco para o cinema nacional.
Desse modo, sustentado no discurso social de Graciliano Ramos, o quinto longa-metragem de
Nelson Pereira tornou mais acessível o livro de Ramos a aqueles que, porventura, ainda não
conheciam a obra literária, bem como fomentou e fomenta, até os dias de hoje, argumentos
para todos aqueles que se propõem a refletir e dissertar sobre temas como a condição de
existência de milhões de sertanejos, entre outros.
95
CAPÍTULO 3
Memórias de um país chamado Brasil
"Liberdade completa ninguém desfruta:
começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às
voltas com a Delegacia de Ordem Política e
Social, mas, nos estreitos limites a que nos
coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos
mexer”.
Graciliano Ramos, 1953.
96
3.1 Cadeia
Faria um livro na prisão. Amarelo, papudo, faria um grande livro, que seria
traduzido e circularia em muitos países. Escrevê-lo-ia a lápis, em papel de
embrulho, nas margens de jornais velhos. O carcereiro me pediria
explicações. Eu responderia: __ “Isto é assim e assado”. Teria consideração,
deixar-me-iam escrever o livro. Dormiria numa rede e viveria afastado dos
outros presos.
(Graciliano Ramos, 2003).
Ironia da vida ou não, o triste pensamento que tanto angustiou o personagem Luís da
Silva seria vivenciado por seu criador no mesmo ano de 1936
84
, época da prisão de Graciliano
Ramos e da publicação do romance Angústia.
Nada sobrou das notas que o escritor redigiu no cárcere; elas se perderam nas
transferências de prisão. Ficou apenas a promessa feita ao diretor suplente da Ilha Grande.
__ Levo recordações excelentes, doutor. E hei de pagar um dia a
hospitalidade que os senhores me deram.
__ Pagar como? Exclamou a personagem.
__ Contando lá fora o que existe na Ilha Grande.
__ Contando?
__ Sim, doutor, escrevendo. Ponho tudo isso no papel.
O diretor suplente recuou, esbugalhou os olhos e inquiriu carrancudo:
__ O senhor é jornalista?
__ Não senhor. Faço livros. Vou fazer um sobre a Colônia Correcional.
Duzentas páginas, ou mais. Os senhores me deram assunto magfico. Uma
história curiosa, sem dúvida.
O médico enterrou-me os olhos duros, o rosto cortante cheio de sombras.
Deu-me as costas e saiu resmungando:
__ A culpa é desses cavalos que mandam para aqui gente que sabe escrever.
(RAMOS, G., 1979, v. 2, p. 150).
Após hesitar por aproximadamente dez anos
85
, Graciliano Ramos, que no final dos
anos 40 já era um escritor maduro e conhecido nacional e internacionalmente, iniciou a escrita
de suas reminiscências sobre os dez meses e dez dias em que esteve encarcerado durante o
período do Estado Novo. E mesmo tendo consciência de que este seria um livro póstumo
84
A primeira edição de Angústia sairia pela José Olympio Editora, no ano de 1936, quando Ramos se encontrava
preso na Colônia Correcional de Dois Rios, em Ilha Grande. De forma bastante pessoal, suas Memórias
relatam a preocupação do escritor com a publicação desse livro, bem como sobre a festa de seu lançamento,
que ocorrerá ainda no presídio.
85
Segundo a viúva do escritor, Graciliano chegou a escrever, em 1945, três capítulos de suas memórias. No
entanto, “[...] ele não estava certo das soluções a utilizar no livro, e a leitura desse primeiro esforço não lhe
trouxe nenhum entusiasmo [...]” (SCHILD, 15/06/84). Em face de sua hesitação, Clara Ramos destaca que são
os amigos e antigos companheiros de prisão que estimulam e cobram a escrita do livro. “O velho Graça ia
protelando, afirmando com humor não restar tempo para realizar a obra. Sua elaboração custosa irá arrastar-se
por longo período de sonolência. Embora não se altere a quantia que mensalmente o escritor recebe da
editora, ele entrega a José Olympio apenas dois, às vezes um capítulo por mês. Heloísa procura tirar mestre
Graça da madorna, com ele firmando o pacto de trezentas palavras diárias, pelo qual o marido se compromete
a cumprir o limite mínimo estabelecido. Nos dias de moleza, porém, o pactuante inclui na contagem o artigo,
a preposição, o semantema que se combina com o outro vocábulo na palavra composta, o ponto, a vírgula, o
travessão (RAMOS, C., 1979, p. 180–181).
97
como observou Ricardo Ramos, filho do literato e também escritor –, Graciliano, que
naquela época se encontrava doente, empenhou-se na tessitura dessa obra resultada de um
trabalho lento, porém contínuo.
Inicialmente intitulado Cadeia, Memórias do Cárcere era um livro encomendado
pelo editor José Olympio, o qual pagava mensalmente ao escritor pelas partes que este
escrevia e depositava no cofre da José Olympio Editora. A obra dividir-se-ia em quatro
tomos: um primeiro “[...] concluído um ano depois de iniciado, a 28 de maio de 1947; o
segundo volume, começado no dia seguinte [e concluído] a 12 de setembro de 1948; o
terceiro, iniciado três dias depois, [...], estender-se-ia até 6 de abril de 1950” (RAMOS, C.
1987, p. 181). Acerca do quarto tomo, Clara Ramos ainda esclarece que este foi principiado
no mesmo seis de abril, contudo, seria deixado de lado em primeiro de setembro de 1951,
quando o desânimo e a doença conturbaram a vida do escritor.
Ao não encontrar no mundo do romance todos os recursos que procurava, Graciliano
Ramos, almejou, segundo Antonio Candido, uma introspecção memorialística. Passou, sem
qualquer subterfúgio da escrita ficcional para uma escrita calcada na experiência ou, se
preferir, da ficção para o gênero testemunhal. Acerca dessa mudança, Candido acrescenta:
Graciliano Ramos, porém, extravasou os limites do gênero [ficcional] e, cada
vez mais preocupado pelas situações humanas, substituiu-se ele próprio aos
personagens e resolveu, decididamente, elaborar-se como tal em Infância,
aproveitando os aspectos facilmente romanceáveis que nos arcanos da
memória infantil. A seguir, dando um passo a mais, rompeu amarras com a
ficção ao registrar a experiência de adulto, e realizou-se nas Memórias com
maestria equivalente à dos livros anteriores (CANDIDO, 1992, p. 66, grifo
do autor).
Com uma escrita que alterna tons de ironia, autocrítica e, por vezes, se mostra até
sentimental, suas reminiscências, acerca dos eventos de 1936, são o resultado de um processo
de descoberta do próximo como também de si próprio. Nessa obra, o romancista confronta, a
todo o momento, aquilo que considera ser a sua mentalidade burguesa, ou os valores
burgueses
86
que acredita ter adquirido ao longo de sua vida, como também o agir e o pensar
daqueles que dividiam o cárcere com ele. Observa indivíduos de várias classes e profissões e
86
Se inicialmente os medievalistas utilizavam o termo burguês para designar o habitante do burgo, o qual gozava
de certos privilégios, esta designação somar-se-á, já nos anos 30, a todo um vocabulário das esquerdas, que a
utilizavam para definir o indivíduo pertencente às classes médias, cujo trabalho não era manual e que
desfrutava de uma situação social economicamente confortável. Pejorativamente, o termo também seria
utilizado para se referir ao indivíduo que, por excessivos interesses materiais, não possuía grandeza e nem
abertura de espírito. Para Graciliano Ramos, o burguês é o homem que “[...] desperdiça a vida sem saber por
quê, que não tem ideais. É um simples explorador feroz, egoísta e cruel, desconfiado de todos. Um homem
submetido a uma miséria existencial. Um homem que só concebe as relações sociais como relações de
apropriação, apossando-se de terras, homens e mulheres” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 239).
98
procura localizar o lugar em que esses se encontram nas “[...] bainhas em que a sociedade os
prendeu” (RAMOS, 1979, v. 1, p. 35).
Falecendo em 20 de março de 1953, o literato deixa inacabado o registro de suas
memórias carcerárias, faltava uma última parte que trataria do momento em que ele foi solto,
como também uma revisão final. Diante dessa situação, Ricardo Ramos, seu filho mais novo,
escreve um posfácio à obra, no qual trata das idéias que seu pai trabalharia no último capítulo.
Ao se cogitar a publicação do livro, os dirigentes do Partido Comunista brasileiro
solicitaram uma cópia para exame e, desgostosos com o que leram, vetaram a publicação da
obra
87
. Mas sua família, ignorando o veto partidário, publicou as Memórias em fins de 1953,
pela José Olympio Editora.
No que tange ao lançamento do livro, Clara Ramos destaca que este agregar-se-ia às
denúncias e ao tumulto causado pela campanha encabeçada por Carlos Lacerda, na Tribuna
da Imprensa e na Rádio Globo, contra o presidente da Repúblicaque se suicidaria ainda em
agosto de 1954 –, pois, para além das memórias de um escritor de renome, o livro foi
considerado por muitos como uma “autopsia do período morto”. E desse modo tinha muito a
contribuir. Como expressa o depoimento do contista Austragésilo de Athayde:
“As Memórias são indispensáveis ao exato conhecimento de uma época
vivida por todos nós. Também parei nos cárceres da ditadura e senti o horror
das suas humilhações. Posso depor pela fidelidade da narrativa de
Graciliano, o mais veraz de nossos escritores. Os métodos infames do
sistema penitenciário brasileiro, vizinhos da Idade Média, foram descritos
com a força de um estilo dos mais polidos e nobres e com a mais perfeita
isenção e espírito de justiça” (ATHAYDE apud RAMOS, C., 1987, p. 252).
Obra referencial da literatura brasileira, Memórias do Cárcere é o resultado do
trabalho de um escritor que, com muita propriedade e conhecimento de sua técnica, deixou de
lado julgamentos os e fez de suas duras reminiscências carcerárias um trabalho singular,
registro de suas amadurecidas e últimas impressões acerca de um período da história brasileira
marcado por perseguições, prisões, torturas e humilhações dentro do sistema carcerário. Além
87
Acerca da atitude tomada pelo Partido Comunista, o historiador Jacob Gorender destaca que, a partir de 1950,
a direção do PCB se arrogará “[...] o direito de censura prévia da produção literária dos militantes intelectuais.
Como se sabe, os escritores submetiam-se obrigatoriamente à censura prévia na Extinta União Soviética e nos
demais países do Leste Europeu. Nos anos cinqüenta, exercia a função de censor-mor Diógenes de Arruda,
segundo personagem na hierarquia dirigente, stalinista distinguido por insolente ignorância. Com Arruda e
seus acólitos é que Graciliano irá defrontar-se nos últimos anos de vida” (GORENDER, 1995, p. 324).
Gorender ainda destaca que a recusa do PCB às Memórias do Cárcere se dará devido à “[...] ausência
completa de hagiografia. Os personagens não são mencionados com pseudônimos, mas recebem os nomes
verdadeiros e ninguém é apresentado como santo, destituído de defeitos ou imune às fraquezas e tentações. O
autor escreve sobre a bravura dos bravos e atribui coragem aos corajosos. Porém todos são seres com virtudes
e defeitos, figuras que não ultrapassam a condição do gênero humano [...]. Numa época em que a exaltação
hiperbólica estava na moda, o tratamento sóbrio ou mesmo irreverente dado a personagens conhecidos não
poderia deixar de irritar os dirigentes do partido” (GORENDER, 1995, p. 326).
99
disso, as importantes reflexões desenvolvidas por Ramos ultrapassaram a simples referência
aos já passados anos 30 e nutriram, mais de três décadas depois, a leitura que o já reconhecido
cineasta Nelson Pereira dos Santos propôs acerca da sociedade brasileira dos últimos tempos.
3.2 Será que dessa vez o Memórias sai do papel?
Se desde o final dos anos 70 a situação política do Brasil permitia
88
, minimamente,
a abordagem de temas como o da prisão e o mercado brasileiro, assim como as produções
nacionais, se encontravam aquecidos em face de medidas adotadas pela Embrafilme e pelo
Concine, como a co-produção e a obrigatoriedade de exibição e copiagem –, as mesmas
condições, no que tange à questão econômica, sobretudo, não vigorariam até o ano de 1983,
época, finalmente, das filmagens de Memórias do Cárcere. Vinte anos após a bem sucedida
experiência com a adaptação cinematográfica de Vidas Secas, o paulista Nelson Pereira dos
Santos, já um diretor consagrado no cenário nacional e internacional, recorria, mais uma vez,
ao discurso social de Graciliano Ramos e levava para as telas de cinema o último livro escrito
pelo literato alagoano.
Como bem se sabe, em inícios dos anos 80, o Brasil passava por uma espécie de
desaceleração econômica, que afetaria também o mercado do entretenimento. Foi um período
em que o cinema viveu uma grande redução de público.
O mercado total no país sofre retração no período de 1979-1985, crise que atingiu
tanto o cinema nacional, quanto o cinema estrangeiro. É elevado o número de salas que
desaparecem, principalmente no interior, onde os índices registram mais de 50% de
diminuição. Era o cinema brasileiro enfrentando, mais uma vez, sérias dificuldades. O país
passava por pressões políticas que propiciaram o fim do regime militar. Com isso houve o
afrouxamento da censura, a economia declinava após o “boom” do decantado “milagre
brasileiro”, e o cinema encontrava-se tradicionalmente marcado pelo erotismo (CALDAS;
MONTORO, 2006, p. 121).
88
Ao refletir acerca das produções e escolhas apresentadas nas obras de vários cineastas nos primeiros anos do
decênio de 1980, Luiz Carlos Borges destaca o distanciamento existente entre as perspectivas adotadas por
muitos integrantes do meio cultural nos “desbravadores e heróicos anos 60 quando boa parte da
intelectualidade considerada de esquerda colocou sua obra como um instrumento de transformações sociais e
acreditava que possuía a “missão de ajudar na determinação dos destinos políticos do país” e este momento
de abertura, no qual o “artista vai recuperando a sua liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que dele já
não se cobram, pelo menos com a insistência e a exclusividade de antes, os conteúdos e mensagens de cunho
explicitamente político, pode o cinema voltar-se para um amplo leque de possibilidades. Não faltam, assim,
obras de reflexão política, sempre tributárias daquela tendência primordial voltada para a marginalidade”
(BORGES, L. 1983, p. 59-60), caso, por exemplo, de filmes como Eles não usam black tie (1981), Pixote
(1981), Rio Babilônia (1982) e Pra frente, Brasil (1983), entre outros.
100
Diante desta situação ctica do mercado cinematográfico brasileiro, o décimo quarto
longa-metragem de Nelson Pereira, um desejo de longa data
89
, seria considerado como um
dos filmes mais caros do período em questão. Época que, diferentemente dos outros dois
decênios que a precederam, o apresentaria, coletivamente, nenhum “[...] espasmo
criador e nem grandes novidades. [...] Excluído o filme pornô, não se produz mais do que
metade dos filmes realizados nos anos 70. Contudo, proporcionalmente à essa prodão, é
expressivo o número de filmes de bom nível, conquanto quase só no drama [...]
(BILHARINHO, 1997, p. 129).
E é em meio às instabilidades do meio cinematográfico brasileiro que Nelson Pereira,
captando recursos através de uma parceria entre o produtor Luís Carlos Barreto, a Regina
Filmes sua própria empresa e a estatal Embrafilme, filma Memórias do Cárcere, um dos
poucos filmes debom nível” destacados por Bilharinho, ou, como bem observou Ortiz
Ramos, “[...] a mais lúcida e bem estruturada construção estética, num momento de maior
liberdade para a circulação de idéias políticas no cinema” (RAMOS, J., 1987, p. 445).
Em face desta nova incursão de Santos por outro texto de Graciliano Ramos com claro
ponto de vista analítico de denúncia social e política, procurar-se-á, através da análise da
película Memórias do Cárcere, compreender como o cineasta modificou suas concepções
fílmicas, bem como a sua forma de se dirigir ao público.
Iniciando suas modificações funcionais para a adaptar a obra impressa, que tem mais
de seiscentas páginas, Santos levou “[...] cerca de dois anos: enumerou e catalogou os
personagens com as suas características físicas e psicológicas num fichário, resumiu os
principais episódios de cada capítulo [...]. Chegou a fazer três tratamentos no roteiro [...]”
(SALEM, 1987, p. 339), enfim, fez um grande e cuidadoso trabalho de síntese, cujos
objetivos visavam não apenas o encaixe em certos padrões da narrativa fílmica, mas também a
captura do estilo seco e conciso do texto graciliânico, cujas singularidades são a precisão das
palavras e a economia da frase.
Esse medo de encher lingüiça é um dos motivos da [eminência de Ramos],
de escritor que dizia o essencial e, quanto ao resto, preferia o silêncio. O
silêncio devia ser para ele uma espécie de obsessão, tanto assim que quando
corrigia ou retocava seus textos nunca aumentava, cortava, cortava
sempre, numa espécie de fascinação abissal pelo nada o nada do qual
extraíra a sua matéria, isto é, as palavras que inventam as coisas, e ao qual
parecia querer voltar nessa correção-destruição de quem nunca estava
satisfeito (CANDIDO, 1992, p. 102 – 103).
89
Como já é sabido, Nelson Pereira tentou adaptar Memórias do Cárcere em 1963, logo após o término de Vidas
Secas, e em 1981. Mas é levado a adiar seus planos quando, inicialmente, delineia-se no Brasil uma nova fase
política, propiciada pelos eventos de 1964, e, posteriormente, pela falta de recursos, uma vez que os
produtores Dora e Luís Carlos Villas Boas desistem da produção do longa-metragem.
101
Nessa película, o diretor realizaria algumas mudanças em suas estratégias técnicas, as
quais diferenciaram Memórias dos outros filmes já realizados, por ele, até então. Dentre essas
mudanças, pode-se destacar, por exemplo, o acompanhar do roteiro sem maiores
improvisações
90
, trabalhar com um elenco composto, em sua maioria, por profissionais e fazer
questão de treinar a figuração, que girava em torno de setecentas pessoas algumas das quais
estiveram presas, juntamente com Ramos, na Casa de Correção do Rio. No que tange à
utilização, exclusiva, de atores profissionais, o cineasta ainda observaria em entrevista de
1984: “‘[...] desta vez não fiz como em meus outros filmes, eu quis somente profissionais.
Porque agora temos um elenco bom à disposição, e essa é uma contribuição dada pela
novela, que é um permanente exercício da arte de interpretar’” (SANTOS, 1984 apud
PEREIRA, E., 1984, p. 14).
Rapidamente, como uma espécie de resposta a toda a preparação e cuidado do diretor
para com o filme, o profissionalismo e empenho do ator Carlos Vereza se destacaria em meio
ao trabalho dos vários profissionais reunidos por Santos na construção de seu filme. Para
“viver” nas telas o escritor alagoano, Vereza, ainda sem muita experiência em cinema
91
,
passou a fumar três maços de cigarros por dia, leu toda a obra de Ramos e conversou
longamente com familiares e amigos do escritor, numa busca por compreender e se aproximar
do modo de ser e pensar do literato. Estratégia essa que, bem sucedida, lhe renderia um
desenvolto conselho da viúva do escritor: “‘Olhe, não fique tão parecido com o Graça porque
correrá o risco de eu me apaixonar por você’” (RAMOS, H. apud BONFIM, 24/07/83, p. 7).
E embora a película não se orientasse pela via do documentarismo de época não se
comprometendo, portanto, com datas, fatos ou personagens históricos –, a própria
personalidade e características físicas do escritor interessariam a Santos para a composição da
personagem de Graciliano que, psicologicamente, era um homem de temperamento rude,
agreste e “seco como um tronco do nordeste”, como atestam vários de seus conhecidos.
Fisicamente, Ramos era um indivíduo, branco, magro, de estatura mediana, meio calvo,
feições vincadas e ar cansado. Segundo Clara Ramos, não se pode dizer que era do tipo
aprumado, porque de fato se encolhia e lentamente arrastava uma perna, comprometida por
uma operação. Todavia era um homem elegante, fumante compulsivo e metódico, que
90
Fato que faz lembrar as filmagens de Fome de amor (1968), para as quais o cineasta reescreveu o roteiro
enquanto filmava a película.
91
Quando conseguiu o papel de protagonista em Memórias do Cárcere, o carioca Carlos Vereza, apesar de seus
vinte e quatro anos de carreira como ator, não possuía muita experiência em cinema. Iniciara sua carreira com
Oduvaldo Viana Filho no CPC, realizara alguns trabalhos em televisão e participara de alguns filmes como
Bravo guerreiro (1969), .Aleluia Gretchen (1976) e Vítimas do prazer (1977).
102
detestava rádio, telefones e campainhas
92
, características as quais foram bastante exploradas
pelo diretor e apresentam-se de forma exemplar na representação do ator.
O profissionalismo de Vereza não se resumiria apenas à recriação aproximada do jeito
de ser de Graciliano, mas o ator, em consonância com o definhar de seu personagem, ainda
emagreceria cerca de onze quilos, chegando a, na época das filmagens das cenas da Colônia
Correcional onde o literato se apresenta bastante debilitado –, gravar com um médico e a
bolsa de soro ao lado. Ao falar das caracterizações dos personagens, Heloísa Ramos,
“[...] incapaz de selecionar as cenas que mais lhe tocaram, cita ‘a forma de
olhar de Vereza, o seu modo de curvar os ombros, aquela impressão de que
se abstraía da realidade para tentar superá-la’, por exemplo. Ou Glória Pires,
com as mesmas covinhas que ela mesma tinha naquela idade” (RAMOS, H.
apud SCHILD, 15/06/84).
Realizado numa época em que, segundo Thomas Skidmore, a economia brasileira
causava graves preocupações, devido aos elevados índices inflacionários, os quais também
afetaram o mercado do entretenimento, Memórias do Cárcere foi realizado num clima de
super produção
93
, sem muito dinheiro para tanto – algo comum na carreira do cineasta. Assim,
o filme
[...] teve algumas tomadas em Maceió, sendo rodado depois numa estação de
bonde desativada em Campo Grande (no Rio, onde se construíram os
cenários do pavilhão dos primários e do porão do navio), num sítio também
em Campo Grande (a Colônia Correcional) e na própria Ilha Grande, ao
longo de pouco mais de quatro meses. As filmagens ocorreram na mesma
ordem do filme [...] e, de novo, o núcleo passou a morar junto [ação
recorrente na carreira do diretor] (SALEM, 1987, p. 340).
Nesse trabalho, embora Santos mantenha a idéia principal do livro, quando preciso, ele
procura meios para expressar sua idéia sem se prender, necessariamente, à forma com que os
eventos são narrados na obra impressa. Exemplo dessa maior liberdade é a última seqüência
92
Em texto intitulado “Auto-retrato aos 56 anos” e publicado no periódico carioca Jornal do Brasil, em junho de
1984, o auto-retrato do escritor alagoano é definido da seguinte maneira: “Nasceu em 1892, em Quebrângulo,
Alagoas; casado duas vezes, tem sete filhos; altura, 1,75; sapato, 41; colarinho, 39; prefere não andar;
não gosta de vizinhos; detesta rádio, telefone e campainhas; tem horror às pessoas que falam alto; usa óculos;
meio calvo; não tem preferência por nenhuma comida; não gosta de frutas, nem de doces; sua leitura
predileta: a Bíblia; escreveu Caetés com 34 anos de idade; não dá preferência a nenhum de seus livros
publicados; gosta de beber aguardente; é ateu; é indiferente à Academia; odeia a burguesia; adora crianças;
romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antonio de Almeida; Machado de Assis, Jorge Amado,
José Lins do Rego e Rachel de Queirós; gostava de palavrões escritos e falados; deseja a morte do
capitalismo; escreveu seus livros pela manhã; fuma cigarros Selma (três maços por dia); é inspetor de ensino,
trabalha no Correio da Manhã; apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo, tem cinco ternos de
roupa, estragados; refaz seus romances várias vezes, esteve preso duas vezes; é-lhe indiferente estar preso ou
solto; escreve à mão; seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano, José Lins do Rego e José Olympio; tem
poucas dívidas; quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas; espera
morrer com 57 anos – morreu com 60 anos” (SCHILD, 15/06/1984, grifos do autor).
93
Controversas são as informações lançadas em periódicos, principalmente que tratam do custo total de
Memórias do Cárcere. Os valores vão de 550 mil dólares, na informação de Helena Salem, até um milhão de
dólares, de acordo com o jornal Folha de São Paulo.
103
da película, na qual o escritor, finalmente, deixa a Colônia Correcional de Ilha Grande, no Rio
de Janeiro. Na falta de uma conclusão para o livro, ocasionada pelo falecimento de Ramos, o
cineasta cria um final para o seu filme: liberta o literato que, sem concluir as suas memórias,
deixara-se encarcerado. Nessa seqüência, Nelson Pereira apresenta um Graciliano bastante
magro e debilitado pelas péssimas condições carcerárias, que, mancando de uma perna,
caminha sob o olhar contente dos colegas da Colônia. Mais adiante, ao som da Marcha
Solemne Brasileira, ele caminha aliviado – sentimento sugerido ao expectador pelo esboço de
um sorriso para a liberdade, que é marcada pelo arremessar do seu chapéu para cima. Por
intermédio de um jogo de montagem, o chapéu de palha transformar-se-á, ao longe, numa
gaivota que voará livre, próxima a um navio em alto-mar. “A imagem é congelada e sobre ela
ressoam pela última vez os acordes [mais intensos] da ‘Marcha Solemne Brasileira’ (para
piano, orquestra e canhão) que o americano Louis Moureau Gottschalk (1829 – 1869) compôs
inspirado em nosso Hino Nacional” (AUGUSTO, 1984, p. 46, destaques do autor).
Essa mesma seqüência também é exemplo de algumas alterações que Santos, em
função da narrativa fílmica, realizou na ordem dos acontecimentos narrados no livro. Apesar
de o diretor ter procurado filmar na mesma ordem com que Ramos conta os eventos de 1936,
ele modifica a ordem do texto nessas cenas, uma vez que, na película, o literato sai da Ilha
Grande para a liberdade, e o filme se encerra. No livro, o escritor ainda não estará livre,
mas voltará para a Casa de Correção, no Rio de Janeiro.
Respeitando as convenções sobre a duração de um filme e mesmo por razões
econômicas, o cineasta – sem comprometer a estrutura da história contada por Ramos
realizou algumas sínteses na construção de seu roteiro, como, por exemplo, a redução dos
cerca de trezentos personagens da obra em aproximadamente cem e a fusão de várias
personalidades em alguns desses. Como explicita a informação do próprio diretor: “‘Vinte
capitães, eno, para cada um a gente tinha uma informaçãozinha. Agora, era possível fazer
dois daqueles vinte. Uma psicologia muito próxima’” (SANTOS apud MOSTRA ..., 1999, p. 78).
Em razão do seu não envolvimento com os acontecimentos de 1935/36, Nelson Pereira
declararia, em 1983, sentir-se mais livre para fazer o longa-metragem do que o próprio Ramos
quando escreveu o livro. E em face deste sentimento de liberdade o cineasta procurou garantir
para seu filme um caráter ficcional, numa busca por evitar o “documentarismo de época”, e
não manteve um compromisso biográfico para com as pessoas apresentadas na obra impressa.
Poucos foram os personagens que conservaram os seus nomes de batismo: Heloísa e
Graciliano Ramos, dr. Sobral, Cubano, capitão Lobo, Olga Benário, Luís Carlos Prestes e
Gelio Vargas, por exemplo. Segundo o diretor, “‘[...] os nomes que ficaram foram aqueles que
104
ficaram para a história. [...] Com os demais a gente podia ter um personagem mais significativo
para cada categoria de gente da prisão’” (SANTOS apud MOSTRA ..., 1999, p. 78).
Ainda realizando modificações funcionais, Nelson Pereira, que continuava com um
elenco numeroso apesar de ter reduzido a quantidade de personagens da obra literária –,
procurou representar a diversidade carcerária através do registro de uma infinidade de rostos
que, anônimos, não teriam em nenhum momento as suas histórias contadas, mas que no seu
anonimato contribuíam para o destaque das agruras carcerárias. No registrar desses
desconhecidos, Santos deu certo destaque a alguns personagens que, embora também não
tenham suas histórias apresentadas, não passam desapercebidos pelo espectador. É por
intermédio da imagem desses personagens que a platéia se familiariza com os novos cenários
apresentados, caso, por exemplo, de Mário Pinto, de quem não se sabe nada, além do que é
apresentado na tela não uma conversa, uma lembrança, nada que se refira a antes de sua
entrada no cárcere –, e do anarquista português, de quem não se sabe nem mesmo o nome.
Aparecendo no Manaos, caso de Pinto, e, posteriormente, na Colônia Correcional, eles
proporcionam ao expectador alguma familiaridade com o novo ambiente e seus personagens –
que quase todos são desconhecidos e contribuem, no seu quase anonimato, para com a
representação da diversidade carcerária que o filme procura apresentar, a qual é enfatizada nas
várias cenas em que a objetiva de Santos registra os rostos de vários prisioneiros, nas diversas
listas de chamada, realizadas no Pavilhão dos Primários e nos números de identificação dos
presos na Ilha Grande. Tem-se uma diversidade de vidas e testemunhos, mesmo que na
maioria das vezes anônimos, e uma preocupação do cineasta na transição de um ambiente
para o outro. Pois, se a estrutura literária comporta a apresentação, em grande quantidade, de
novos ambientes sem grandes preocupações em preparar o leitor para esse tipo de mudança
–, o mesmo não se dá com a forma fílmica que, na transformação de texto em imagem,
necessita de um maior cuidado na passagem de um ambiente para o outro, uma vez que o
espectador pode vir a se confundir com este tipo de mudança, chegando a perder o interesse
pelos fatos narrados ou não compreender o seu sentido.
Em continuidade, o diretor, preocupando-se com a caracterização de seus personagens,
traz para o grande ecrã homens que, oriundos dos mais diversos setores da sociedade, reproduzem
na sociedade carcerária as posões que ocupavam fora da prisão, uma vez que, segundo Dutra,
[...] o lugar social de origem dos personagens define o perfil de cada um”. Assim,
[...] enquanto em algumas celas se jogam carteado ou xadrez, noutras se dão
lições de teoria marxista, em outro lugar os militares praticam ginástica,
enquanto Graciliano, sozinho, anota e lê. Nessa mesma linha podem ser lidas
as diferenças sugeridas entre os aliancistas de colarinho branco, como o
105
chefe da Aliança de Alagoas e seu subserviente contínuo negro; entre os
robustos cadetes da Escola de Aviação e os populares nordestinos como
Soares e Mário Pinto, interpretados por Jofre Soares e José Dumont. Na Ilha
Grande, onde entram em cena delinqüentes e demais marginais, é expressivo
um diálogo, em perfeita fidelidade ao texto escrito, entre dois detentos
supostamente em igualdade de posições, e o espanto de um deles à revelação
do outro, através da pergunta: “__ Tu trabaia?” “__ Sim, sou padeiro”.
Responde o que perguntou: “Fala mais comigo não”. Diz categoricamente
pondo fim à amizade, reafirmando, na falta de um lugar político, o lugar
social que ele traz consigo, já introjetado (DUTRA, 2001, p. 158, destaques
do autor).
Também preso nessa rede social, Graciliano Ramos se distingue dos outros presos
através do que Ismail Xavier definiu, com bastante propriedade, como a marca da cultura.
Diferentemente do povo, que está ao seu redor, o escritor é constantemente registrado na
composição de seu ofício ele escreve, corrige, lê, relê... uma, duas, três... quantas vezes
forem necessárias. A escrita é o seu elo com o povo, como também a sua separação, já que ele
“olha” o povo, mas não será lido por este. Na Ilha Grande, Nelson Pereira apresenta esse elo,
que a escrita constitui entre o intelectual e o homem simples do povo, ao mostrar, por
exemplo, a seqüência em que Cubano passa a apresentar ao escritor presos que lhe contam
suas experiências e, com isso, contribuem para as anotações de Ramos. Nessa seqüência,
filmada em primeiro plano – recurso utilizado principalmente para a apresentação de emoções
–, o expectador identifica homens como Gaúcho, que pede para Ramos acrescentar no livro o
seu retorno da solitária; Paraíba, um “vigarista”, definição do próprio depoente, que fala das
armas psicológicas que ele e os de sua classe aplicam em seus crimes; um homem, do qual
se vê o ombro, que fala de sua prisão quando a polícia invadiu o sindicato; o beato nordestino
que, desiludido e revoltado, discorre acerca do seu desejo de voltar à sua terra, entrar num
bando e matar soldado na guerrilha. Tranqüilo, Ramos não opina ou interfere, apenas escuta,
compila o que virá a ser matéria-prima do livro e, posteriormente, do filme, a saber, o registro
da realidade de presos anônimos, que vêem na tessitura daquele livro uma possibilidade de
abandonarem o anonimato. De que é exemplo a fala de Gaúcho ao ser questionado por
Ramos: “__Você quer que eu mude o seu nome? / __ Mudar? Por quê? Eu queria que
aparecesse o meu retrato” (SANTOS, 1984, filme).
No desfilar dos personagens na tela, permanecem diálogos inteiros e indicações em
perfeita fidelidade ao texto literário, como, por exemplo, as falas de Gaúcho ao relatar seus
feitos, ou o capitão Lobo que não é estigmatizado como quem está do “outro lado”, ou seja,
como algoz, mas é destacado por suas qualidades humanas.
106
3.3 O público também pode ser uma opção
Ninguém ignora que além de a população brasileira ter quase duplicado
94
entre os anos
60 e 80, outra mudança significativa, para o período, também foi o elevado êxodo rural
apresentado
95
. Foram transformações que, em linhas gerais, resultaram do crescente processo
de urbanização e industrialização pelo qual o Brasil passou até então. Havia uma população
sobretudo jovem, embora desde os anos 60 os índices de envelhecimento tenham crescido,
urbana e letrada
96
em sua maioria, pertencente às chamadas classes dias, com acesso à
jornais e possíveis entretenimentos além da televisão. No mercado das diversões, a televisão
que, durante os anos 60, ainda engatinhava, apresenta-se agora em 80 como um importante
concorrente que consolidava, cada vez mais, o seu mercado junto às camadas populares,
principalmente, e apresentava profissionais preparados para atuarem neste meio. Em face
desse panorama que, grosso modo, diferencia significativamente o Brasil e os brasileiros
dos anos 60 e do decênio de 1980 –, Nelson Pereira dos Santos, um diretor experimentado
no meio cinematográfico, avança em suas estratégias e modificações na adaptação do texto
graciliânico, faz escolhas que visam torná-lo, de alguma forma, integrado à sociedade de
mercado. É bem verdade que, desde O amuleto de Ogum (1975), o diretor apresentava os
primeiros sinais de seu interesse por se aproximar do grande público e pode-se até dizer ele
alcançou certo êxito em Estrada da vida (1981) –, todavia, as escolhas que realizou para
narrar as memórias carcerárias de Graciliano Ramos, permitiram ao cineasta manter o
interesse tanto dos espectadores mais experientes, quanto dos espectadores médios.
94
Conforme dados do IBGE, havia no Brasil dos anos 60 cerca de 70.992.343 habitantes, contra 119.001.052
habitantes na década de 80.
95
Ainda, de acordo com dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, nos anos 60,
enquanto a maior parte da população residia em áreas rurais, cerca de 38.767.323, outras 31.303.034
moravam em áreas urbanas. no decênio de 1980, a situação se inverte bruscamente, chegando a cerca de
80.434.327 pessoas habitarem nas cidades e por volta de 38.573.725 residirem em áreas rurais. Para mais
detalhes ver tabelas 202 população residente por sexo e situação: rural e urbana e 1960 dados
demográficos, no site: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=t&o=1&i=P>. Tilman Ever, ao
refletir acerca dessa mudança esclarece que ela teria sido impulsionada, dentre outras razões, pelo contínuo
processo de industrialização pelo qual o Brasil passava nas últimas décadas (KRISCHKE, 1983, p. 89).
96
Refletindo sobre a situação educacional no país, Marly Rodrigues escreve que “[...] a baixa qualidade de vida
decorrente do crescimento econômico dependente e de políticas públicas ineficientes impede que crianças e
jovens das classes menos privilegiadas possam romper a cadeia da reprodução da pobreza” (RODRIGUES,
M., 1997, p. 56), crescendo desse modo os índices de analfabetismo dentro da própria década de 80. Todavia,
o historiador Boris Fausto esclarece que, embora o sistema educacional desta época ainda não atinja toda a
população, “houve um avanço na taxa de alfabetização entre 1950 e 1985. Segundo dados do censo de 1950,
53,9% dos homens e 60,6% das mulheres eram analfabetos. Essas porcentagens caíram respectivamente para
34,9% e 35,2%, de acordo, com o censo de 1980. A Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios (PNAD),
de 1987, indica que as taxas de analfabetismo caíram para 25,8 % entre os homens e 26,0% entre as
mulheres” (FAUSTO, 2004, p. 543).
107
Tendo em vista que, no decênio em pauta, tanto a força, quanto a autoridade do Estado
começavam a ser, minimamente, questionadas por vários setores da chamada sociedade civil
97
,
questionava-se também a “[...] eficácia dos regimes socialistas no que se refere à igualdade de
direitos e à livre expressão, bem como a ineficiência da centralização e disciplina exigidas pelas
organizações partirias, especialmente as de esquerda”(RODRIGUES, M., 1999, p. 10); a
mesmo a revolução nacional-popular, o idealizada alguns anos antes, deixava de ser a “única
saída para a solução das injustiças sociais. O filme de Nelson Pereira não passaria ao largo dessas
questões, mas, dialogando com essas perspectivas sociais, ampliaria a dimensão alegórica do texto
de Graciliano Ramos, pois levava para o grande ecrã uma representação dos acontecimentos de
1936 e, a partir desta, se referia ao Brasil e aos brasileiros das últimas décadas. Escolhia-se uma
tetica que, se adequando às mudanças apresentadas pela sociedade brasileira dos anos 80,
poderia se dirigir e interessar a uma parcela maior de espectadores, para Santos, um blico
urbano, jovem e leitor, que vivenciando um período de abertura política e consciente de seus
direitos sociais, recusava formas ditatoriais.
Prosseguindo em sua tentativa de conquistar a empatia desses espectadores para com o
seu longa-metragem, e também por questões econômicas, de escassez e, às vezes, sobra de
informações – como já se ressaltou anteriormente –, o diretor realizou várias fusões de
personalidades em alguns personagens. Estrategicamente, ele criará a partir dessas fusões
97
Em Estado e oposição no Brasil (1964 1984), Maria Helena Moreira Alves destaca que, depois de meados
dos anos 70, “[...] amplos setores de elite passaram à oposição [...]. Apesar do medo de novas ondas de
repressão, especialmente em São Paulo, as classes médias e superiores predominavam na organização e
fortalecimento da sociedade civil e nas negociações com o Estado pela adoção de medidas concretas no
processo de liberalização. Além disso, a oposição organizou-se verticalmente, valendo-se das estruturas
associativas e corporativistas existentes. A OAB e a ABI desempenharam papel decisivo na expressão das
opiniões de setores-chave das elites e no provimento de um quadro institucional para maior organização. Pelas
atividades de sua alta hierarquia e através da CNBB, a Igreja Católica tornou-se parte ativa da sociedade civil,
pressionando o Estado por maior liberalização(ALVES, 1984, 3 ed, p. 220). Dificultando a ação repressiva
do Estado, essa oposição das elites possibilitou a abertura de espaço para as Organizações de Bases –
organizações cívicas e independentes do Estado em financiamento e administração, as quais poderiam ser
seculares ou ligadas à Igreja. “As associações de moradores formavam-se, sobretudo, nos bairros pobres das
periferias urbanas” (ALVES, 1984, 3 ed., p. 227). Outro grupo que constituiu em importante força política,
tanto no campo, quanto na cidade, pós meados de 70, foi o “novo movimento sindical”, “[...] em 1977, este
movimento já acumulara suficiente força e consciência política para exercer efetivo impacto sobre o Estado,
começando a pressionar por transformações estruturais (ALVES, 1984, 3 ed., p. 240). Em continuidade, Alves
ainda acrescenta que, ao longo de 1980, foi-se fortalecendo a aliança entre as organizações de base, a Igreja,
os movimentos sindicais e os setores de oposição engajados na política formal. O número de trabalhadores em
greve caiu significativamente, em face da repressão bem como do temor de demissão. No entanto, “[...] as
greves de 1980 representavam um avanço: Em primeiro lugar, foram menos espontâneas e mais
cuidadosamente organizadas, com maior participação dos sindicalizados nas decisões sobre o movimento.
Além disso, visavam menos estritamente, de modo geral, às questões meramente econômicas, assumindo
nítida importância política. Tornavam-se cada vez mais comuns as reivindicações de estabilidade no emprego,
representação sindical nas fábricas, respeito dos direitos legais e cumprimento de contratos anteriores e
controle dos fundos governamentais por parte dos trabalhadores. O nível de consciência política dos
participantes ficou demonstrado por sua insistência na democratização do processo de trabalho” (ALVES,
1984, 3 ed., p. 263).
108
personagens ícones da sociedade brasileira, como, por exemplo, o do médico e chefe da
Aliança Nacional, Emanuel da Silva Cruz, interpretado por Nildo Parente, cuja personalidade,
atos e falas apresentados se originam de Sebastião Hora e Manuel Leal. Ícone representante
da burguesia como é indicado pela fala de Soares (Jofre Soares), ao chamá-lo de burguês e
cuspir no chão –, o personagem de Parente sintetiza boa parte das características repudiadas
por Ramos, como, por exemplo, ações e pensamentos considerados como pequeno-burgueses,
dos quais o escritor, oriundo de uma família burguesa, tanto procurou se desvencilhar.
Na maioria das vezes em que é retratado na tela, o personagem do dr. Emanuel
destaca-se pela forma alienada com que ele, ou a burguesia, vive na sociedade brasileira, uma
vez que acredita que, mesmo preso, poderá gozar de regalias e pequenos favores – como levar
um empregado consigo e ter a possibilidade de conversar com o governador da Bahia –, os
quais, brevemente, lhe serão retirados, chegando o médico a carregar pedras e a cavar buracos
na Colônia Correcional. Se, de um lado, o texto de Ramos, recorrentemente, condena e é
ácido para com àqueles que bem postos na vida não se envergonham de seus luxos e valores
burgueses, por outro lado, o filme de Nelson Pereira também não deixa de tratar desta
questão, todavia, o diretor, diferentemente de Ramos, não terá esse assunto como um dos fios
condutores de seu trabalho, mas, visando, em algumas horas, abordar vários aspectos da
história relatada pelo literato em mais de seiscentas páginas, ele restringirá esta questão às
seqüências em que o espectador observa as ações do chefe da Aliança Nacional Libertadora
de Alagoas. Fugindo de qualquer dirigismo dogmático que a sua formação intelectual pudesse
lhe permitir, Pereira dos Santos não procura meios que imponham, ao espectador, suas idéias
sobre a burguesia, mas, como bem observou o crítico do periódico Le quotidien de Paris: “É o
primeiro filme político que não é irritante ou demagógico e que deixa ao espectador a
possibilidade de escolher sua posição” (VARTUCK, 24/06/1984, p. 6).
Continuando suas modificações, o diretor, ao mostrar a relação de um autor com o
cárcere, ainda fala de uma memória que deixou de ser individual para ser coletiva através do
ato da escrita. “Sua escrita [de Graciliano] é o gesto de vida, é o que permite que sobreviva
em meio a condições de vida tão degradantes [...]. Sua escrita passa a ser de todos”
(CHNAIDERMAN, 1989, p. 50), como mostram, por exemplo, as cenas criadas por Santos,
nas quais, para não serem confiscadas pela polícia, as anotações de Ramos são escondidas
pelos presos em seus próprios corpos, dentro de calças e camisas. um acumpliciamento
entre os pobres e o letrado, uma estratégia que, em termos de endereçamento de público,
poderia gratificar aos espectadores mais exigentes e agradar a qualquer expectador médio.
109
No que tange à questão temporal do filme, Nelson Pereira, ao dirigir uma película que
pretende falar do Brasil, através de um episódio ocorrido nos anos 30, não se preocupou em
datar os acontecimentos, como Graciliano o faz por diversas vezes em sua obra. Bastou ao
diretor apenas informar ao seu espectador que o literato passou certos períodos em locais
diferentes, os quais podem ser identificados nos diálogos e cenários, mas não faz referências
ao tempo transcorrido. Não visando realizar um documentário, o diretor se distancia de
escolhas que o levem por esta via; assim apresenta apenas o ponto de partida do filme, a
saber, a época em que Ramos é diretor de instrução pública do Estado de alagoas, em “março
de 1936”, e inicia o filme com uma imagem textual, com a qual indica ao espectador o quadro
histórico em que a história se passa, bem como a importância da obra inspiradora do filme,
como se pode notar na primeira cena da película:
Em novembro de 1935, militares filiados à Aliança Nacional Libertadora
revoltaram-se contra o governo de Getúlio Vargas. A rebelião, facilmente
sufocada pelo Exército, provocou a aplicação de medidas constitucionais de
defesa da ordem política e social que suspendiam as garantias das liberdades
individuais de todos os brasileiros. Graciliano Ramos, um dos mestres da
moderna literatura brasileira, deixou desse episódio o testemunho humano
no qual se inspira este filme (SANTOS, 1984, filme).
Uma outra opção estratégica do cineasta, em busca de tornar seu filme mais atraente
para os seus espectadores, foi a escolha de cenas que, inspiradas em episódios narrados na
obra, poderiam vir a ganhar a empatia do espectador. Como por exemplo, a seqüência em que
o popular Mário Pinto, interpretado por José Dumont, começa a cantar, a partir do simples
sacolejar de uma garrafa vazia de água ardente, O canto da ema, de João do Vale,
Demóstenes Aires Viana e Alventino Cavalcante no livro, apenas um samba do qual o
escritor não conseguiu distinguir a letra. Aos poucos, outros presos vão aderindo à cantoria,
batem palmas, esquecem por um momento a difícil viagem a bordo do velho vapor e se unem
num momento de distração, além, é claro, de demonstração de força, que cantam num
momento bastante difícil de suas vidas. Poucos são aqueles que não aderem, caso do dr.
Emanuel, cujo ignorar do acontecimento é representado por um olhar de desprezo “capturado”
pela objetiva, e de Graciliano Ramos que, por timidez, não se envolve, mas admira de longe.
Música conhecida e bastante ritmada, o canto da Ema, da forma com que se une às imagens
no quadro, poderia vir a seduzir a platéia.
Em continuidade, se Graciliano Ramos, ao escrever suas memórias, confundiu autor,
personagem e narrador, Santos não o faz. Não utiliza o off na primeira pessoa, procedimento
bastante comum na adaptação cinematográfica de obras literárias, mas opta por um narrador
clássico, em terceira pessoa. Pois, com essa opção, o diretor aposta em deixar seu filme mais
110
prazeroso para a platéia, como exemplifica seu depoimento à Beatriz Bonfim, publicado ainda
durante as filmagens: “O fio condutor da narrativa não estará em primeira pessoa ‘ficaria
chatíssimo’” (SANTOS apud BONFIM, 24/07/83, p. 7). Assim, o cineasta “[...] busca
equivalências ao insistir em colocar a câmera na posição dos olhos de Graciliano Ramos
(Carlos Vereza) e, no corte, devolver a imagem do seu rosto que expressa a reação diante do
observado (às vezes temos o caminho inverso)” (XAVIER, 1984, p. 16, destaques do autor).
O mesmo recurso ainda é utilizado, com menor recorrência, em outros personagens.
A partir desta opção do diretor pela narrativa clássica, nota-se que alguns pontos,
facilmente identificáveis no livro e referentes aos apontamentos do literato acerca da forma
com que ele compreende as ações daqueles que estão ao seu redor, bem como a si próprio,
seus preconceitos e valores –, tendem a sumir na passagem da linguagem literária para a
cinematográfica, em decorrência da ausência de voz off em primeira pessoa. Assim, se na obra
impressa Graciliano, recorrentemente, deprecia sua própria imagem e de alguma maneira
“castiga” seu corpo ao se abster de alimentos e fumar incansavelmente sem se preocupar com
sua saúde que estava bastante debilitada, Nelson Pereira difere um pouco do escritor no
estilo e realiza uma espécie de positivação da personagem do literato, que em depoimentos de
amigos era lembrado como um homem bastante reservado; dos tempos no cárcere, o médico
Raul Karacick rememora que Ramos “‘[...] era calado e só conversava com uns poucos
amigos, entre eles o professor Hermes de Lima’” (KARACICK apud GONÇALVES FILHO,
1984). Homem “[...] seco como um tronco do Nordeste [...]”, ainda na definição de Karacick,
Graciliano Ramos é mostrado, no filme, como uma pessoa bem quista e admirada por muitos
de seus colegas de prisão. É um indivíduo calmo, de fala mansa, pausada, que dificilmente se
exalta e, por algumas vezes, chega até a esboçar um quase sorriso que, da forma com que o
cineasta constrói sua narrativa, parece ser “capturado” pela objetiva. Ao comentar a última
seqüência do filme, Heloísa Ramos observa que “‘Graciliano era seco e interiorizado demais
para um gesto como o de atirar o chapéu. Porém ficou lindo, o Nelson é um gênio’”
(RAMOS, H. apud PEREIRA, 20/06/84, p. 17). Para além da comoção e gratidão da viúva, ao
ver representado o seu falecido marido, sua observação mostra que apesar de Graciliano
Ramos ser considerado por seus conhecidos como um homem que tinha dificuldades em
demonstrar seus sentimentos, sendo por diversas pessoas considerado como seco
características que poderiam vir a criar um certo distanciamento entre o personagem e a
platéia –, Nelson Pereira realiza modificações que, em linhas gerais, abrem possibilidades
para a identificação e simpatia do espectador para com o personagem apresentado, um homem
de classe média, letrado e leitor de jornais como muitos dos espectadores do filme que
111
sofreu nos cárceres de um regime político. Ao comentar essa mudança realizada por Nelson
Pereira, Celso Amorim ainda acrescenta que, a resultante final das visões superpostas do
literato “áspera, seca e cheia de arestas” e do cineasta apresentação dos seres de forma
mais suave, como se o olho da câmera aparasse os traços mais angulosos – “[...] é uma radical
honestidade na aproximação dos personagens e situações, impregnada de uma simpatia não
menos profunda pelo destino do ser humano” (AMORIM, C., 1985, p. 31).
Também se referindo a esta questão da narrativa, ainda convém destacar que embora
Santos não utilize a voz off em primeira pessoa, e, dessa forma, suavize em comparação a
obra impressa os traços mais angulosos da forma com que o literato o mundo e os que
estão a o seu redor, o diretor não deixa de tratar de algumas das características pessoais do
escritor, como a sua aversão aos valores burgueses, todavia, nota-se que, no longa-metragem,
essas características não são encontradas na personagem do literato, mas são transferidas e
assim acentuam a caracterização de outros personagens aparentemente mais radicais que o
escritor –, como, por exemplo, o de Soares ou do operário comunista Desidério que, num ato
de repúdio ao Dr. Emanuel, cospe no chão e se distancia no momento em que o médico,
irritado com a cantoria de Mário Pinto, afasta-se do popular nordestino e vai cavar buracos ao
lado do operário.
Além da narrativa, também os movimentos da câmera se mostram estratégias que
auxiliam o cineasta no seu caminhar em direção à conquista do espectador de Memórias do
Cárcere. Ora parada, ora passeando mais livre, a objetiva busca “[...] desenhar um movimento
geral, o painel de experiências, em momentos de tensão, relaxamento, convulsão ou apatia
que envolvem a coletividade do cárcere” (XAVIER, 1984, p. 17). Ela a impressão, à
platéia, de que apenas observa os acontecimentos e, por vezes, indica as individualidades, cuja
união constituirá o corpo do filme. Assim, Santos trabalha com a sutileza, as cenas de amor
insinuadas, as individualidades capturadas nos registros de rostos desconhecidos, a tortura
evocada simplesmente pela imagem do machucado de Soares –, ou dos corpos
esqueléticos e machucados de outros presos, nunca a obviedade.
Prosseguindo com suas mudanças, Pereira dos Santos ainda trabalha com algumas
oposições, como, por exemplo, a existente na difícil relação intelectual/partido, representados
no personagem de Graciliano Ramos e nos de alguns militantes como o operário Desidério,
respectivamente. Duas seqüências expressam, com bastante clareza, a marcada oposição entre
esses dois grupos e suas reações aos acontecimentos: uma primeira, em conformidade com o
original impresso, que se refere ao momento em que o literato escuta e olha, estático, um
outro preso gritar que a revolução chegou. Note-se que, no que tange à vida particular de
112
Graciliano Ramos, o escritor filiar-se-ia ao PCB apenas em agosto de 1945
98
, ou seja, quase
dez anos depois dos eventos de 1936, e, no que se refere ao período de abertura política
época das filmagens –, boa parte da intelectualidade civil vinha de um longo período de
distanciamento ou de poucas possibilidades de atuação dentro das esferas do poder, como
também passava por uma época de reflexão e reorientação de suas concepções frente aos
acontecimentos históricos. São perspectivas que auxiliam a compreender as razões que
levaram Santos, nos anos 80, a optar por mostrar em seu filme um certo desconforto, por parte
da intelectualidade brasileira, quanto às idéias de triunfo da revolução nacional-popular, pois,
como bem se sabe, até o golpe de 1964 a revolução estava, de alguma forma, no horizonte de
uma certa esquerda bastante influente a do Partido Comunista, de Leonel Brizola e dos
integrantes das Ligas Camponesas, lideradas por Julião, entre outras
99
–, mas, em 1983, a
mesma idéia de revolução não estava na ordem do dia para a maioria da sociedade, apesar de
alguns continuarem falando em Socialismo. Até mesmo o Partido dos Trabalhadores que, nos
anos 80, propunha-se a representar os interesses das amplas camadas de assalariados
existentes no país, não enveredou pelo caminho intentado pelos militantes dos efervescentes
anos 60, mas se integrou ao sistema político de 80, enfatizando a necessidade da democracia e
das reformas sociais e políticas.
Uma segunda seqüência também trata da difícil relação entre intelectuais e partido e
faz uma crítica a este último, o qual é representado, em meio à diversidade carcerária, como
um grupo pequeno, caracterizado como ignorante, burocrático, composto por pessoas
despreparadas e, ao mesmo tempo, pouco modestas, que são a vanguarda. Idéias expressas
na seqüência em que, após concluírem uma carta a ser enviada ao Congresso Nacional, os
integrantes do Partido solicitam a ajuda do escritor:
98
“Com o fim da guerra [Segunda Guerra Mundial] e o início da redemocratização, Graciliano Ramos participa
das campanhas pela anistia dos presos políticos e [pela] promulgação de uma constituinte” (RAMOS, C.
1979, p. 166). Como bem se sabe, a eleição para a Assembléia Constituinte ocorrerá em 2 de dezembro de
1945, num momento em que a imagem antifascista e antibélica será muito forte. Neste pleito, o PCB, que
se encontra na legalidade, consegue importantes vitórias, como a formação de uma bancada de dezoito
vereadores na então capital da República, onde, entre outros, Luis Carlos Prestes recebe a maioria dos votos.
Também por esta época, o partido, que passava por uma fase de ampliação de seus quadros, ainda mobilizaria
a intelectualidade mais dinâmica do país, chegando a, em uma reunião ocorrida em abril de 1947, contar com
a presença de intelectuais de renome, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cândido Portinari, Oscar
Niemeyer, Álvaro Moreyra e José Siqueira, entre outros.
99
É bem sabido que além desses fatores ainda podemos encontrar, nos anos 60, outras razões que, de alguma
maneira, tornaram palpáveis as idéias de triunfo da revolução nacional-popular, como, por exemplo, uma
certa agitação das massas que estavam sob o comando das organizações de esquerda, a importância exercida
pelos movimentos cultural e estudantil, este último através da União Nacional dos Estudantes, algumas
sublevações civis como o citado movimento das Ligas Camponesas –, o surgimento e fortalecimento de
vários periódicos considerados de esquerda e, principalmente, a penetração do núcleo estatal pelas esquerdas
particularmente no Ministério do Trabalho e a presença de homens notadamente de esquerda junto a João
Goulart, etc.
113
DESIDÉRIO __Companheiro, nós vamos precisar de você, uma tarefa. Pra
corrigir isso aí [e entrega ao romancista uma folha dobrada. Ramos desdobra
o papel e, já no início de sua leitura, percebe um erro e inicia a correção, que
é rapidamente interrompida pelo militante]: DESIDÉRIO __ Péra, péra aí,
não pode mudar aqui não, que é isso?! Hã! Isso aqui tá discutido e aprovado,
tem que ser desse jeito mesmo. Você vai consertar os verbos e botar as
vírgulas.
RAMOS __Me desculpe, meu amigo, isso não tem o menor sentido, a
correção é indispensável.
DESIDÉRIO__ Bom, eu vou levar o seu palpite lá. Eles que decidem [e se
afasta. O literato olha, com ar de certa curiosidade, a realização de mais uma
reunião do partido, que agora se reúne para decidir se ele pode, ou não,
alterar o documento].
DESIDÉRIO__ Sua proposta foi aceita, continua. [Ao iniciar nova correção,
o escritor é mais uma vez interrompido por Desidério, ao que responde:]
RAMOS__ Meu amigo, se o senhor for reunir a célula para examinar cada
emenda, não acaba, é um absurdo. Infelizmente a redação está cheia de erros
e eu sou obrigado a riscar muito. Ora, vamos ser práticos: eu faço as
correções necessárias e depois o senhor reúne o seu pessoal e examina
tudo em bloco.
DESIDÉIRO __Vou falar com eles.
__ Eles concordaram, pode meter a cara.
[Ao retomar sua correção, o literato questiona]: __ Por exemplo, proleta quer
dizer proletariado ou apenas proletário? [Constrangido, diante da
impossibilidade de responder à tão simples pergunta, Desidério declara:]
__Faz do jeito que você quiser [e se afasta] (SANTOS, 1984, filme).
Embora não se fale, explicitamente, em Memórias do Cárcere, que o “partido” é o
Partido Comunista, pode-se identificar a alusão a este na linguagem utilizada “proletário,
companheiro, camarada, entre outros –, como também no momento histórico em que os
eventos se passam, uma vez que, até início dos anos 30, o PCB “[...] não passava de uma
pequena seita clandestina que tinha sua atuação voltada principalmente para trabalhadores
urbanos, procurando implantar-se nos sindicatos e influenciar uma intelectualidade jovem sem
prestígio nas altas rodas [...]” (RODRIGUES, L., 1981, p. 371). A respeito da pouca
preparação dos seus integrantes e da relação do PCB com aqueles que militavam em seu
favor, Rodrigues ainda destaca:
Desde o nascimento, a vida do Partido fora pontilhada por cisões, querelas
pessoais, mudanças sucessivas na atuação política e nas práticas a serem
seguidas. Além disso, o PCB não conseguia estabilizar seus quadros e,
principalmente, estabelecer uma continuidade na liderança, de modo a
assegurar a acumulação da experiência política. Jovens recém-ingressados na
organização ascendiam rapidamente na hierarquia partidária até a cúpula da
Comissão Central Executiva (mais tarde Comitê Central) e mesmo o Birô
Político, instância máxima do Partido. Logo depois, eram marginalizados ou
expulsos, substituídos por novos dirigentes, os quais, depois de criticarem os
antecessores, eram por sua vez destituídos e criticados, em geral por suas
características “pequeno-burguesas” (RODRIGUES, L., 1981, p. 377,
destaque do autor).
114
Por fim, a partir de seqüências alusivas aos relatos de Graciliano ou, em algumas
vezes, profundamente inspiradas em seu texto que Santos utiliza, na íntegra, diálogos da
obra literária –, Nelson Pereira alternou seqüências com picos dramáticos, como as cenas da
deportação de Olga Benário, ou a morte de Mário Pinto, espetaculares, como as cenas em que
os presos se unem na cantoria de O canto da ema, anedóticas, como as seqüências da Rádio
Libertadora, românticas e narrativas, como, por exemplo, as várias cenas em que a objetiva
narra o cotidiano prisional, com suas aulas e trabalhos, entre outros. Alternâncias as quais
animaram o ritmo do filme e minimizaram um possível enfado do espectador diante das mais
de três horas de duração desta película que retrata o monocórdico e claustrofóbico ambiente
prisional.
Após vinte anos transcorridos da primeira adaptação de um texto do literato alagoano
nos quais Santos realizou uma série de trabalhos no cinema e na televisão, como também
presenciou uma série de mudanças no país e na sociedade brasileira e em face das opções
realizadas em Vidas Secas, Nelson Pereira dos Santos dirigia, nos anos de abertura política,
um filme que, integrando-se em cânones, permitia a integração do espectador.
3.4 Enfim no grande ecrã
Chega, portanto, com um atraso de 20 anos, embora tenha sido válido todo
aprendizado que tive neste período conturbado da vida política brasileira.
(Nelson Pereira dos Santos, 1984).
Com estas palavras, impressas no kit de lançamento do filme Memórias do Cárcere, o
diretor Nelson Pereira dos Santos expressava, em meados de 1984, o seu alívio por,
finalmente, realizar esse trabalho, como também dava ao seu futuro expectador boas
esperanças acerca desse filme que, há um longo tempo, ele buscava meios para filmar.
Todavia, as expectativas criadas em torno desse novo trabalho de Santos não se
iniciaram a partir do texto do release, mas foram incentivadas desde meados de 1983, por
intermédio de algumas notas lançadas em periódicos, as quais acompanhavam e informavam
seus leitores acerca do andamento da realização do filme. Em geral, esses textos eram curtos,
não eram assinados e possuíam títulos que visavam à aproximação entre o livro e o filme,
como exemplifica o título da nota colocada no diário paulista O Estado de São Paulo, de 27
de maio de 1983: “Graciliano Ramos, do livro à tela”.
Lançado oficialmente no 37º Festival do Filme de Cannes, em maio de 1984, o
décimo quarto longa-metragem de Nelson Pereira dos Santos, que havia sido apresentado no
115
Brasil apenas em algumas sessões especiais como a realizada para a família do escritor –,
foi premiado antes mesmo de estrear no Brasil, com o Prêmio de Melhor Filme da Crítica
Internacional, em Cannes. Vários foram os textos que, redigidos da França por enviados
especiais, narravam para os brasileiros
100
os acontecimentos em Cannes, como também
destacavam a boa receptividade do filme junto aos participantes do evento. De que é exemplo
a matéria assinada pelo crítico José Carlos Avellar, no periódico carioca Jornal do Brasil:
Cannes Antes da projeção o clima era de festa. O público que sábado a
noite lotou o palácio da Croisete, antigo centro do Festival e atual sede da
quinzena de realizadores, aguardou a apresentação de Memórias do
Cárcere com a satisfação e o entusiasmo de quem está certo de que vai ver
um bom filme. [...] Muito aplaudido, Nelson foi pessoalmente
cumprimentado pelo Ministro da Cultura, Jack Lang, e abraçado pela viúva
de Georges Sadoul [a quem a quinzena era dedicada]. [...] Ontem, mais duas
projeções, uma pela manhã e outra à tarde, e um debate com jornalistas e o
público confirmaram o entusiasmo da primeira apresentação de Memórias
do Cárcere (AVELLAR, 14/05/84, grifos do autor).
A impressão de Avellar ainda é confirmada por Rubens Ewald Filho ferrenho opositor de
alguns filmes de Santos –, em texto ao Jornal da Tarde:
Mesmo descontando-se a presença entusiasmada dos brasileiros que vivem
em Paris, quem conhece a “Quinzena dos Realizadores” [a mais importante
exibição paralela do Festival de Cannes] (conhecida em inglês como
Director’s Fortnight) sabe que esses aplausos são fora do comum, prova de
que o filme realmente agradou, apesar de suas três horas de projeção
(EWALD FILHO, 14/05/84, destaques do autor).
A boa acolhida e “propaganda” pró-filme, realizada por vários periódicos brasileiros,
através das matérias sobre o 37º Festival, contribuiriam para o aumento, no Brasil, das
expectativas acerca do lançamento do filme de Santos. E embora Memórias do Cárcere não
tenha sido selecionado para a mostra competitiva, posição ocupada por Quilombo, de Carlos
Diegues, o filme marcou sua presença em Cannes, vindo a ser selecionado para outros
festivais destinados à comercialização, juntamente com Nunca fomos tão felizes, de Murilo
Salles
101
.
100
Em geral, essas matérias foram assinadas por seus autores e possuíam destaque nos cadernos culturais dos
periódicos, uma vez que ocupavam, em média, meia página e tinham fotos grandes de cenas do filme.
101
Além de Quilombo, de Carlos Diegues, Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira e Nunca fomos tão felizes,
de Murilo Salles, a Embrafilme ainda enviou outros quarenta e cinco filmes nacionais para Cannes, por
intermédio do Consórcio de Produtores e duas outras empresas internacionais de produção. Dentre esses
filmes, pode-se destacar: Tensão no Rio, de Gustavo Dahl, Agüenta coração, de Reginaldo Faria, Perdoa-me
por me traíres, de Braz Chediak, A difícil viagem, de Geraldo Moraes, Para viver um grande amor, de Miguel
Faria Jr., O trapalhão na arca de Noé, de Renato Aragão, Sagarana, de Paulo Thiago, O prisioneiro do sexo,
de Walter Hugo Khoury, Beijo no asfalto e Amor bandido, de Bruno Barreto, entre outros. Segundo
informações do jornal do I Festival Internacional de Cinema, TV e Vídeo do Rio de Janeiro, de 26 de
novembro de 1984, Memórias do Cárcere era, até então, o filme brasileiro mais vendido no mercado do I
Festival Internacional de cinema no stand da Embrafilme.
116
Película com três horas e sete minutos de duração
102
, Memórias do Cárcere, para além
de seu sucesso alcançado em Cannes, teria um esquema de comercialização diferenciado no
eixo Rio/São Paulo. Sem lançamento previsto para outros estados, o filme estreou no Rio de
Janeiro, em 18 de junho de 1984 e dois dias depois na capital paulista. Em sua primeira
semana de exibição, o longa-metragem teve seus ingressos a preços majorados em relação
aos outros filmes em cartaz –, censura para menores de 16 anos, lugares marcados e a
proibição de que espectadores entrassem depois do início da projeção, visto que não seria
projetado nenhum comercial antes do seu início. Os espectadores cariocas ainda teriam que
comprar suas entradas antecipadamente em uma das cinco agências bancárias do Banco
Nacional.
Acerca do lançamento no Rio de Janeiro, o texto de Débora Dumar, Um novo
merchandising para o filme, informava aos leitores do Jornal do Brasil:
Os três cinemas que passaram a exibir o filme desde ontem Art-Palácio,
Art-Copacabana e Art-São Conrado sofreram uma rigorosa inspeção dos
equipamentos de projeção e som para exibir uma cópia cara, cujo valor é
considerado “perto do absurdo” por Saturnino Braga, assessor do presidente
da Embrafilme, Roberto Parreira. Cada cópia das 15 que foram feitas custa
cerca de Cr$ 3 milhões e 500 mil. [...] em Copacabana e São Conrado, os
ingressos custarão Cr$ 3 mil durante a semana, e Cr$ 6 mil nos sábados e
domingos. Na Tijuca, serão equiparados aos ingressos mais caros, que foram
os de Fany e Alexander. [...] Os ingressos para os fins de semana são
numerados, e os que sobrarem estarão a disposição nas bilheterias, [...]
serão vendidos tantos ingressos quantas poltronas houver nos cinemas.
Copacabana tem 830, São Conrado, 355, e Tijuca, 1 mil e 100 lugares.
Devido à duração do filme, haverá três sessões, em vez de cinco [...]
(DUMAR, 19/06/84, p. 8, destaques do autor).
Já na capital paulista, o filme seria lançado apenas no Gazetinha, cinema sito à
avenida Paulista, e custaria um valor inferior ao do Rio, uma vez que, de acordo com Marco
Aurélio Marcondes, idealizador da comercialização e responsável pela coordenação do
lançamento, “‘[...] os paulistas vão menos ao cinema do que os cariocas [...]’”
(MARCONDES, 1984 apud DUMAR, 19/06/84, p. 8).
A matéria de Edmar Pereira, publicada nos periódicos paulistas O Estado de São
Paulo e Jornal da Tarde, ainda destacava, em 20 de junho de 1984, as mudanças realizadas
no Gazetinha, como também fornecia aos seus leitores, e possíveis espectadores, informações
sobre o filme, seus horários e preços, como se pode perceber no extrato:
102
Acerca da duração da película, Rubens Ewald Filho destacava em texto de maio de 1984: “Na verdade, o
filme tem cerca de três horas propositalmente. É que ele também será vendido como minissérie de quatro
capítulos para a televisão. Inicialmente, a versão para o cinema teria apenas duas horas. Agora, para o
mercado internacional, Nelson está disposto a fazer nova versão, com cerca de 20 minutos a menos, cortando
certas referências que ele considera regionais” (EWALD FILHO, 25/05/84, p. 17). No entanto, as negociações
com a TV não se consumaram.
117
Para assistir à Memórias do Cárcere o blico que for ao Gazetinha (na
avenida Paulista) pagará Cr$ 4 mil e Cr$ 6 mil (nos fins de semana este seo
pro único, com direito a lugares numerados) por cada um dos 600 lugares
deste cinema, que passou por ligeiras reformas para melhorar seu som e
projeção. Pode-se comprar ingressos antecipadamente para as seses até 48
horas antes. Fora deste prazo, compra-se na bilheteria para o mesmo dia.
Seses às 14h30, 17h45 e 21h (PEREIRA, 20/06/84, p. 17, destaques do autor).
Objetivando esclarecer os leitores cariocas acerca dos porquês deste lançamento tão
peculiar, o citado artigo de Débora Dumar, ainda apresentava algumas idéias de dois dos
realizadores do filme em termos de expectativa de público:
__A excepcionalidade do filme também pede uma relação excepcional com
o público – justificou Marco Aurélio Marcondes [...].
__ Pela primeira vez, um filme nacional teve um lançamento desses, porque
se quer dar a ele um caráter de evento explicou Saturnino Braga. __ A
pré-venda tem o objetivo de tornar a ida do público uma coisa mais
agradável, daí as reformas dos equipamentos, das telas acrescentou. O
lançamento do filme levará também à seleção de público, que a
Embrafilme acredita ser, no caso de Memórias do Cárcere, o das classes A
e B (DUMAR, 19/06/84, p. 8, grifo nosso).
Para além do espetáculo cinematográfico, teve-se, nos primeiros dias de estréia de Memórias
do rcere, um espetáculo à parte, o de seu lançamento, que de tão diferenciado que foi
desgostou ao diretor Nelson Pereira dos Santos, que, na época, se queixou dos elevados
preços dos ingressos, bem como da pouca funcionalidade de se ir a um banco para comprar
ingresso de cinema. No entanto, essas diferenciações duraram apenas uma semana e o longa-
metragem veio a ter uma boa receptividade junto ao grande público, ocupando, em termos de
bilheteria, o oitavo lugar no ranking dos filmes nacionais e estrangeiros de maior número de
espectadores, apesar de o ano em pauta ter sido considerado por muitos críticos como uma
época de crise do mercado cinematográfico nacional.
Filmes nacionais e estrangeiros de maior número de espectadores
Colocação Título Espectadores Lançamento
1 Os trapalhões e o Mágico de Orós 2.418.932 Jun – 84
2 A filha dos Trapalhões 2.327.372 Dez – 84
3 Gremlins 2.325.589 Dez – 84
4 Indiana Jones 2.211.054 Jul – 84
5 Caça fantasma 1.556.313 Dez – 84
6 Greystoke – A lenda de Tarzan 1.411.626 Out – 84
7 Bete Balanço 1.294.018 Jul – 84
8 Memórias do Cárcere 1.049.037 Jun – 84
9 Coisas eróticas – 2 988.622 Jul – 84
10 Última festa de solteiro 965.394 Out – 84
FONTE: MINISTÉRIO da cultura. Mercado de cinema apresenta sinais de estabilidade
nos primeiros meses de 85. Jornal da Tela, Rio de janeiro, 16 ago. 1985. p. 4.
118
Além das notas e textos informativos que realizavam, em 1984, uma espécie de
acompanhamento da trajetória do filme, havia textos que traziam informações sobre
Graciliano Ramos e a sua prisão em 1936. Vários foram os periódicos que trouxeram, em
seus cadernos culturais, críticas a respeito do décimo quarto longa-metragem de Nelson
Pereira. Dentre esses, pode-se destacar, em São Paulo, a Folha de São Paulo, o Jornal da
Tarde, O Estado de São Paulo e a Revista Visão e, no Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil, O
Correio do Povo e a revista Mulheres.
Publicados em maior quantidade na capital paulista, os textos críticos, tanto do Rio
quanto de São Paulo, têm em comum, principalmente, a sua diagramação, já que, em média,
ocupam entre uma e meia página de jornal, as letras dos títulos são grandes e chamativas e,
sem exceção, trazem estampada no mínimo uma foto de alguma das cenas do filme ou do
seu diretor. Estrategicamente, alguns periódicos publicaram matérias especiais sobre o
longa-metragem. Caso do Jornal do Brasil, cujo texto, de 19 de maio de 1984, era precedido
por uma grande foto da cena em que, encabeçados por “Graciliano Ramos” (Carlos Vereza),
os prisioneiros entravam no Pavilhão dos Primários. O texto ocupa o espaço de uma página
inteira, é dividido, quase que simetricamente, em quatro colunas, que são respectivamente
assinadas por quatro críticos, os quais analisavam aspectos variados do filme. Já O Estado
de São Paulo, em matéria de 20 de junho, trazia aos seus leitores uma crítica de meia página
e um suplemento literário – em formato tablóide, poucas fotos e letras miúdas – que
analisava a obra de Ramos, enfatizando as suas memórias carcerárias e o filme de Santos.
Depois de algumas experiências bem sucedidas junto à crítica nacional como Rio 40º
(1954), Vidas Secas (1963) e Tendas dos milagres (1977) e outros insucessos junto à mesma,
com Quem é beta? (1973) e Estrada da vida (1981), por exemplo, o cineasta paulista tornava a
ter um filme seu a figurar nas páginas culturais de vários perdicos e, mais do que isso, a
encontrar boa acolhida junto a novos e velhos conhecidos. rios daqueles que vinham
mantendo uma relação de amor e ódio para com os trabalhos de Santos e por que o dizer
com ele próprio deram o seu crédito a Merias do Cárcere, caso, por exemplo, do crítico
Rubens Ewald Filho, que embora achasse que o tamanho do elenco comprometeu, acerto
ponto, o resultado do filme e que o seu defeito mais marcante era a diferença de idades entre
Carlos Vereza e Glória Pires, o duvidava da entrada de Nelson Pereira para a história do
cinema e ainda acrescentava: Memórias do Cárcere “[...] é uma obra madura, de um cineasta no
auge de sua forma. [...] O prêmio da crítica [...] é apenas mais um reconhecimento para o
cineasta, considerado como o precursor do Cinema Novo e que, desde eno esteve na
vanguarda de todas as tenncias do cinema brasileiro [...]” (EWALD FILHO, 25/05/84, p. 17).
119
A mesmo Moniz Vianna, um dos poucos a se opor à Vidas Secas, afirmava: “Memórias é um
filme muito importante. O melhor de Nelson. É o Nelson como cineasta muito sóbrio, senhor da
linguagem’(VIANNA, 1984 apud SALEM, 1987, p. 344).
De “artesão”, que estava entre o profissional seguro e o amador que tentava alcançar
um estilo, na opinião cunhada por Pedro Lima, em 1963, Santos elevara-se, nas
considerações de muitos críticos dos anos 80, para a categoria de um profissional maduro,
dominador de sua linguagem, “um mestre do cinema”, na expressão entusiasmada de
Cremilda Medina, em texto ao O Estado de São Paulo, de 15 de maio.
Memórias do Cárcere era eternizado, nas páginas dos vários periódicos, como um
filme “fiel” à narrativa de Graciliano Ramos, mas que mantinha, “[...] ao mesmo tempo, sua
plena autonomia como obra de arte e recriação” (COELHO, 22/06/84, p. 13). Era
considerado um filme “[...] limpo, discreto, [que não procurava] nenhum brilho a não ser a
verdade interior dos personagens”, nas palavras de Rubens Ewald Filho (EWALD FILHO,
14/05/84). Alguns críticos ainda procuraram aproximar a narrativa da película ao estilo
literário de Ramos, de que são exemplo as palavras do crítico de O Estado de São Paulo:
O filme que Nelson Pereira dos Santos extraiu dos dois volumes em que
Graciliano, com a precisão inigualável e a absoluta secura de seu estilo,
conta a sua saga de homem privado da liberdade [...] narrado de forma lenta,
porém com grande intensidade dramática, sem nenhum rebuscamento ou
ornamento de linguagem, tão seco e direto como a escrita de Graciliano
(PEREIRA, E., 20/06/84).
As mais variadas cenas foram utilizadas para se destacar a beleza das imagens, como
exemplifica o texto de José Carlos Avellar ao se referir às cenas em que Mário Pinto (José
Dumont) inicia O canto da ema seqüência considerada por Edmar Pereira, do jornal O
Estado de São Paulo, como a “[...] mais empolgante do filme [...]” (PEREIRA, E., 20/06/84):
A cena tal como se passa na tela, é impossível de ser verdadeiramente
traduzida por escrito. Impossível, em termos mais amplos, de ser contada. A
gente pode ficar toda a vida e mais 100 anos dizendo o que se passa
enriquecendo a conversa com detalhes que estão lá, mas isso adianta pouco.
[...] A gente pode acrescentar um detalhe, e mais outro, [...] mas a cena não
se conta. Porque se trata de uma ação que ganha força e sentido apenas
quando aparece diante dos olhos do espectador.
Ganha foa por causa do olhar, ganha foa porque olhamos. Porque olhamos
com um olhar que é um pouco o de Graciliano e que é um pouco como o de quem
olha Graciliano assim como o escritor um dia (ao escrever, por exemplo,
Angústia e São Bernardo) olhou para Luís da Silva e para Paulo Honório.
Nelson Pereira dos Santos se coloca meio por dentro meio por fora da caba de
seu personagem. Pega as Memórias de Graciliano como o escritor pegou as
memórias de Ls e de Paulo, fazendo de seus personagens, ao mesmo tempo, co-
autores e personagens (AVELLAR, 12/05/84, destaques do autor).
120
Outro ponto comum entre as críticas era a idéia de que o cineasta não falava, em seu
filme, apenas dos anos 30 ou do pós-64, simplesmente, mas ia além, discutia sobre a
sociedade brasileira dos últimos tempos. Apresentava a prisão como um estado em que a
nação brasileira se encontrava, nas palavras de Avelar:
[...] como o específico da vida brasileira, uma forma de figurar a nossa
dependência, como sugestão de que um poder nos encarcera a todos, os que
vivemos nas celas e os que vivemos nos pátios da prisão, os que vivemos nos
tempos fechados ou nos tempos de abertura que se alternam” (AVELLAR,
16/07/84, p. 6).
Considerado por rcia Mendes de Almeida, crítica da revista carioca Mulheres,
como “[...] o mais belo filme que se fez no Brasil [...] (ALMEIDA, 1984), o longa-
metragem de Santos ainda seria considerado como o portador de um “impecável acabamento
técnico” que, de acordo com Edmar Pereira, muito se devia a direção de arte de Irênio Maia e
fotografia assinada por José Medeiros e Antônio Luiz Soares.
O elenco também não deixou de receber elogios, principalmente, o ator Carlos Vereza,
que desde as filmagens já vinha sendo elogiado pela forma dedicada e profissional com que se
preparou para interpretar o personagem de Graciliano Ramos. Lauro Machado Coelho, do
periódico paulista Jornal da Tarde, escreveria, em meados de 84:
Até mesmo um ator normalmente medíocre como Nildo Parente supera suas
limitações, fazendo um retrato perfeito do patético dr. Ismael [Emanuel],
chefe da Aliança Nacional Libertadora, que passa da empatia inicial ao total
desmantelamento psicológico. Glória Pires revela-se como Heloísa, um
personagem que, ao longo do filme, cresce e ganha notável espessura
humana. Mas o trabalho mais impressionante, o de Carlos Vereza, que, nos
menores gestos e inflexões, incorporou a figura de Graciliano (COELHO,
22/06/84, p. 13).
De uma forma mais geral, Edmar Pereira ainda resumia: “[...] todo o elenco de Memórias do
Cárcere é perfeito: nenhum outro filme brasileiro exibiu este nível de interpretação, com
veteranos e experientes profissionais colocados ao lado de estreantes, que absolutamente não
destoam” (PEREIRA, E. 20/06/84, p. 17, grifo do autor).
A trilha sonora também foi um dos pontos recorrentemente destacados pela crítica,
uma vez que, Nelson Pereira, ao optar pela Marcha Solemne Brasileira, de Louis Moreau
Gottschalk, no lugar de Charles Anjo 45, de Jorge Ben, agradou a maioria dos críticos, fez,
nas palavras da crítica do Jornal do Brasil, uma “[...] escolha [que] não poderia ser mais
feliz” (SCHILD, 19/06/84). De acordo com Helena Salem, a música de Jorge Ben dava um
clima diferente ao final do filme, pois cortava um pouco a solenidade que se pretendia
passar.
121
Porém, quando ainda em banda dupla, o filme foi mostrado com essa música
para algumas poucas pessoas (da Embrafilme e da própria produção) um
choque. “Nelson o agüentou, desbundou no final”, falavam. Todos se
arrepiaram, e daí, a pedido da produção, o diretor mudou: “minha proposta de
música não obteve quorum; então, como conseqüência, voltei para a solução que
homogeneizou a trilha sonora o Hino Nacional no começo e no final, é o
chamado retorno quadrado. Respeito o momento democrático que vivemos,
acho que a democracia se pratica na vida doméstica também, na educação para
aceitar a vida no plural. E admito isso numa prodão”. Enfim, o Hino, ao que
parece, agradou à grande maioria. Charles 45 seguramente iria gerar uma boa
polêmica (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 342, destaques do autor).
“Um dos melhores filmes do Brasil dos últimos tempos”, ainda nas palavras de
Schild, ou pelo menos um filme “vigoroso” e “inesquecível”, nos adjetivos da Revista Visão,
Memórias do Cárcere, sem dúvida foi um filme que entusiasmou, grandemente, a crítica
nacional e internacional de 1984. Recebeu os Prêmios de Melhor Filme, do Festival de
Cinema de Gramado, da Crítica Internacional, do Festival de Cannes, do Festival de
Tashkent – URSS –, do Festival de Veneza e Prêmio da Crítica Internacional da Índia.
Doze anos depois de seu lançamento, o longa-metragem principiou a seleção de
alguns filmes dirigidos por Santos, que seria lançada no ano de 1996. Em geral, a crítica
nacional apresentava e relembrava, aos seus leitores mais antigos, alguns dos aspectos mais
espetaculares do filme, como sua música e algumas seqüências. Todavia, diferentemente dos
críticos dos anos 80, que procuraram apresentar o filme como uma metáfora da sociedade,
passava-se, na segunda metade da década de 90, a apresentá-lo associado ao período militar,
associação que não é discutida em 1983. Como mostra o texto de Inácio Araújo:
“Memórias do Cárcere” era uma obra-prima em 1983, quando foi realizado,
e continua obra prima agora, quando é relançado – embora nem sempre pelas
mesmas razões. O mundo mudou. Em 83, havia um país ansioso por se
libertar da tutela militar, por eleições diretas e democracia. Na época, a
evocação das prisões de Graciliano Ramos, no primeiro governo Vargas, nos
remetia a uma espécie de destino nacional: o autoritarismo, a tortura, a
boçalidade do poder se destacavam com muita facilidade do conjunto. Hoje
para perguntar: mas isso tudo era tão essencial assim ao filme? De certo
modo, era. Essa tendência de reincidir no autoritarismo, a buscar a redenção
naquilo que o povo não é, não deixaram de existir. Mas hoje já não são
aspectos centrais do filme (ARAÚJO, I., 06/12/96, destaque do autor).
Exemplo característico da leitura que alguns críticos, da década de 90, realizaram
sobre o filme de Santos, o texto de Araújo entra em consenso com os críticos dos anos 80,
principalmente em sua definição do filme como uma obra-prima, um dos melhores filmes da
cinematografia brasileira. Resultado de uma espera de vinte anos, que permitiu ao cineasta
maiores recursos técnicos e financeiros para a sua realização, além de uma maior adequação
estética e ideológica a um público potencial.
122
CAPÍTULO 4
De Vidas Secas a Memórias do Cárcere: um percurso de Nelson Pereira dos Santos
“A aceitação pelo público é fator indispensável à
própria sobrevivência deste cinema
“responsável”. As “injunções econômicas” da
atividade cinematográfica obrigam a que se
procure a inserção dos filmes no mercado, onde
eles possam se pagar. Mas, para que sejam bem-
sucedidos no mercado, os filmes têm de fazer
concessões ao público, quer de ordem estética,
quer de ordem ideológica [...]”
Jean-Claude Bernardet, 1983.
123
4.1 Nelson Pereira e o engajamento sartriano
Mesmo que se considere que Jean-Paul Sartre não foi o inventor do conceito de
engajamento
103
, não se pode negar que foi a partir da radicalização de posições intelectuais e
literárias, propostas por ele na França do pós-guerra, que o referido conceito ganhou força e
expressão. Correu o mundo, influenciando uma série de intelectuais e escritores que se
forjaram durante os anos 40 e 50, principalmente. No Brasil, as idéias do filósofo francês não
seriam ignoradas, mas, semelhantemente ao ocorrido em outros lugares do mundo,
permeariam o pensamento de uma boa parcela da intelectualidade considerada de esquerda.
Apesar do repúdio do PC brasileiro à produção sartriana, que, dentre outras definições
entendia ser o escritor um burguês e individualista, o jovem cineasta Nelson Pereira dos
Santos também foi um dos intelectuais brasileiros a simpatizar e partilhar de alguns pontos do
pensamento desenvolvido pelo intelectual francês
104
. Principalmente da noção de
engajamento que, numa análise mais profunda da produção do diretor, pode ser identificada
como um elemento importante em sua obra.
De forma bastante sucinta, pode-se dizer que a noção de engajamento era concebida, por
Sartre, como uma tomada de conscncia por parte do escritor de pertencer ao mundo, constatar suas
mazelas e querer mu-las. Engajar-se possa, como bem observou Benoît Denis, a relevância de
uma decio de ordem moral na qual o indiduo empenha suas convicções íntimas e, por
conseguinte, o seu trabalho –, fazia parte de um projeto ético, no qual o escritor engajado pensa a
sua obra como portadora de [...] uma certa vio do homem e do mundo, e concebe, a partir disso,
a literatura [ou o seu trabalho] como uma iniciativa que se anuncia e se define pelos fins que
persegue no mundo. [...] Para ele [o escritor engajado], escrever volta a supor um ato blico no
qual ele empenha toda a sua responsabilidade (DENIS, 2002, p. 35, grifo do autor). Em outras
103
Segundo Bent Denis, o debate historiogfico sobre “[...] a noção de literatura engajada, assim como a de
engajamento, é, com efeito, suscetível de duas aceões que, no uso, são raramente distinguidas: a primeira tende a
considerar a literatura engajada como um fenômeno historicamente situado, que associam geralmente à figura de Jean-
Paul Sartre e à emergência, no imediato pós-guerra, de uma literatura passionalmente ocupada com queses políticas e
sociais, e desejosa de participar da edificão do novo mundo anunciado desde 1917, pela Revolão Russa; a segunda
aceão propõe do engajamento uma leitura mais ampla e flexível e acolhe sob a sua bandeira uma série de escritores,
que de Voltaire e Hugo a Zola, guy, Malraux ou Camus, preocuparam-se com a vida e a organização da Cidade,
fizeram-se os defensores de valores universais, tais como a justa e a liberdade, e, por causa disso, correram
freentemente o risco de se oporem pela escritura aos poderes constituídos” (DENIS, 2002, p. 17). A partir dessas
duas correntes, Denis opta por definir que “[...] a literatura engajada apareceu antes de tudo historicamente situada. Se
a sua fase de forte emergência data do fim da Segunda Guerra, o fenômeno cobre, entretanto, um peodo mais longo.
A queso do engajamento, com efeito, obsedou as gerões de escritores que se sucederam desde a Grande Guerra, ao
ponto que se pode considerar que ela esteve no centro do debate literário nosculos XX e que ela se constituiu no seu
eixo estruturante mais importante (DENIS, 2002, p. 19).
104
Tomando contato com a obra sartriana no curso de Filosofia, da Faculdade de Direito, Nelson Pereira, num
momento de crescente influência do existencialismo sartriano, chegou a contrariar uma diretriz do PC
brasileiro e escreveu na França, em 1949, um artigo sobre o filósofo.
124
palavras, engajar-se era uma forma de se posicionar frente às mazelas da atualidade, para que, a
partir disso, as pessoas sobretudo as classes trabalhadoras e menos favorecidas pudessem se
posicionar melhor. Perspectiva esta que, das mais variadas formas, foi intentada e perseguida por
vários cineastas atuantes no Brasil da cada de 60.
Iniciando sua carreira como assistente de dirão do crítico e cineasta Alex Viany
105
,
Nelson Pereira, quando adaptou o romance Vidas Secas, havia dirigido outros quatro filmes.
Dentre esses, Rio 40 graus e Rio, Zona Norte aspiravam, em suas origens, ao status de obra de
arte. Eles eram bons exemplos daquilo que Sartre, em sua noção de engajamento, acentuava e
definia como a “consciência renovada” que o artista engajado adquire de sua responsabilidade, ou
seja, “[...] o escritor, doravante, o tem que prestar conta a ninguém e se submete apenas à
jurisdição estética de seus pares; ele é livre para escolher seus temas e de lhes impor o tratamento
que decidiu; mais globalmente, o cabe se o a ele fixar o sentido do seu empreendimento”
(DENIS, 2002, p. 47). Ele tem conscncia de sua autonomia e, por isso, a reivindica. Destarte,
Santos, reivindicando sua autonomia, fez escolhas estéticas bastante específicas, as quais, na
cada de 60, associavam-se a todo um imaginário das esquerdas, bem como a um momento
histórico propiciatório à radicalização de idéias, cuja finalidade era apresentar, nas telas
cinematográficas, situações sociais que urgiam por ser denunciadas.
Ainda antes de realizar Vidas Secas, Nelson Pereira dirigiria outros dois longas-
metragens, Mandacaru vermelho e Boca de ouro, que apesar de também não se aproximarem
do que pode ser considerado um cinema industrial
106
, não seguem pela mesma linha de
105
Ctico, historiador e cineasta, Alex Viany foi um dedicado pensador e realizador do cinema brasileiro. Entre 1945 e
1948, trabalhou como correspondente em Hollywood e testemunhou o desenvolvimento cnico da indústria
hollywoodiana. No entanto, quando se deu a fundação da Vera Cruz (1949), o crítico se mudou para São Paulo, onde
passou a freentar as reuniões do grupo que girava em torno da Revista Fundamentos. Uma revista de cultura geral
que, entendendo que quase não havia cinema brasileiro antes da publicação de “Defesa do Cinema Brasileiro” de
Nilo Antunes –, possuía quatro escritores principais: “Carlos Ortiz, Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos e Rodolfo
Nani, cujos trabalhos, todos, o uma defesa de um cinema brasileiro, nacional e popular” (BERNARDET, 1983, p.
63).
106
Ao escrever A linguagem cinematográfica, publicada pela primeira vez em 1955, na França, Marcel Martin já
destacava, na época, que não mais se contestava o valor artístico do cinema, entretanto, não se podia
questionar o fato deste também ser uma indústria. Segundo o mesmo, “[...] é indispensável notar [...] que a
palavra ‘indústria’ compreende duas realidades sensivelmente diferentes. No primeiro sentido, designa uma
concentração de recursos técnicos em função da produção de uma dada categoria de bens de consumo,
enquanto, numa segunda acepção, uma indústria é também uma organização financeira dirigida por
indivíduos tendo objetivos interessados e agindo no quadro de uma dado sistema econômico e político”
(MARTIN, 1963, p. 10). No segundo sentido, descrito por Martin, é que se encaixam as críticas realizadas
pelos cineastas brasileiros ao cinema industrial, identificado, sobretudo, nas produções hollywoodianas.
Segundo Guido Bilharinho, há nessa vertente cinematográfica a predominância de um espírito utilitarista, o
qual é próprio da indústria e da ciência e tem o útil como o seu objetivo primordial. “O lucro é o fim a ser
alcançado, desenvolvendo-se, para isso, a técnica até onde for possível [...]” (BILHARINHO, 1996, p. 18,
destaque do autor). Mais adiante, o autor ainda acrescenta que, ao comercializar a técnica do cinema, essa
corrente cinematográfica é responsável pela produção em massa, a qual é condicionada e dirigida pelas
125
denúncia social apresentada nos dois primeiros longas-metragens
107
. Essa linha denunciativa
seria retomada tempos depois, na película Vidas Secas.
Filme que não fora feito para distrair ou agradar platéias, Vidas Secas destinava-se a
incomodá-las, pretendia estimular sentimentos de compaixão e indignação através da
denúncia da situação social de “milhões de brasileiros”, como lembra a sua primeira imagem.
Com isso, Santos e sua equipe esperavam levar seus espectadores ao abandono de seu
possível estado de passividade.
Havia no longa-metragem uma escolha estética que não procurava nenhuma
facilidade, era um filme feito para companheiros e iguais ou para poucos escolhidos. Como
indica o texto de Octávio Bonfim, publicado no jornal O Globo:
Para um cronista que o pode perder a perspectiva jornalística de seus
comentários, devendo orientar os leitores do jornal, é válida a questão se Vidas
Secas é ou o um filme popular, uma fita de cil aceitão pelo chamado
grande blico. Os pprios realizadores da pecula sabem, e orgulham-se
disso, que ela é difícil para as platéias indiferentes. Não; o recomendamos
este filme como divertimento ou passatempo. Trata-se de obra ria, de
significado humano e social, que se mais bem entendida pelo espectador de
qualidade. Entretanto, se o leitor não é daqueles q (sic) [que] para quem o
cinema o passa de um especulo inconseente, aconselhamos a que vá
assistir a este filme (BONFIM, O., 21/08/63, grifo nosso).
Se Vidas Secas não era um filme para um espectador indiferente, como apontava o
crítico em 1963, certamente o mesmo não ocorreria com Memórias do Cárcere. Vinte anos
haviam decorrido entre as duas adaptações, o país e mesmo o cineasta haviam se modificado.
E apesar de Santos não deixar de se apresentar como um artista engajado, o seu décimo quarto
longa-metragem seguiria por um caminho diferente, estava, em comparação à Vidas Secas,
mais integrado à sociedade de mercado. Como se pode notar no texto de Edmar Pereira,
publicado no periódico paulista Jornal da Tarde:
Muitos elogios, além dos prêmios, boas vendas para a Europa, um convite
para participar em novembro do Festival de Cinema de Nova York, a melhor
vitrina que qualquer filme pode ocupar, e um sucesso unânime junta à crítica
escolhas do grande público. Desse modo, o cinema-indústria torna-se mera diversão, pauta-se, na maioria das
vezes, pelo gosto duvidoso de espectadores leigos.
107
Os primeiros filmes do cineasta realizariam uma espécie de denúncia social, cuja singularidade residia, em
linhas gerais, na simplicidade dos diálogos e na pobreza voluntária dos meios cnicos empregados.
Características essas, bem próximas às da produção italiana chamada de Neo-realista. Também não se pode
esquecer que tanto a direção de Mandacaru Vermelho, quanto a de Boca de Ouro não foram projetos
anteriores do cineasta como aconteceu em boa parte dos filmes que dirigiu –, mas oportunidades de se
continuar pensando e, sobretudo, fazendo cinema no Brasil. É importante lembrar que duas situações
inesperadas permitiram a realização dessas duas películas: uma climática, quando uma intensa chuva
inviabilizou a realização de Vidas Secas e possibilitou as filmagens de Mandacaru, e outra financeira, quando
as dificuldades financeiras pelas quais passava o diretor lhe levaram a aceitar o convite de Jece Valadão para
dirigir Boca de ouro. Neste segundo caso, Santos era um contratado e não participava da produção financeira
do filme.
126
nacional, além do interesse do público, “aumentando a cada dia” (PEREIRA,
03/07/84, p. 14, destaque do autor).
Ao se comparar esses dois filmes produzidos em dois momentos bastante distintos
da história nacional e que retomam o caráter de denúncia social e política, proposto
inicialmente por Graciliano Ramos – convém perguntar o que levaria o cineasta Nelson
Pereira dos Santos a produzir dois filmes esteticamente tão diferentes, mesmo tendo como
ponto de partida obras de um mesmo escritor? É bem verdade que não podemos e nem mesmo
intencionamos esgotar o tema, no entanto, teceremos algumas reflexões neste sentido.
4.2 Padrões de mudança intelectual para um cineasta brasileiro (1960 – 1984)
Ninguém ignora que a década de 60 foi fortemente marcada por uma grande ebulição
no cenário nacional e mundial. Foi uma época de grandes manifestações culturais, que “[...] se
caracteriza[ram] pelo questionamento das posições culturais anteriores, pela inquietação, pela
indagação, pela procura de novos caminhos, novas propostas estéticas, tudo o que forneceria a
definitiva identidade desse período dentro do quadro de nossa história cultural” (BORGES,
1983, p. 16).
E apesar de alguns pesquisadores, como, por exemplo, Jean-Claude Bernardet, não
considerarem a existência de uma história do cinema brasileiro no sentido de uma linha reta
e evolutiva –, mas sim de alguns “ciclos”, marcadamente regionalizados e de curta duração,
não se pode dizer que o cinema que se desenvolveu no Brasil da década em pauta permaneceu
indiferente àquele momento de efervescência político-social e cultural, mas sim que se
diferenciou de todas as propostas que se tinha visto até então, uma vez que intencionava e
se construía como uma nova forma de olhar e refletir sobre si e sobre a sociedade brasileira de
então. Têm-se, pela primeira vez na história do cinema nacional, uma intenção partilhada por
vários cineastas independentes em conhecer, interpretar, revelar e recriar esteticamente a
realidade social do Brasil, numa busca por influenciar o contexto histórico do momento.
Tratava-se da emergência de uma geração que crescera e se forjara, intelectualmente,
nos dez ou quinze anos posteriores ao período histórico que ficou conhecido como Estado
Novo e que se encontrava bastante sensibilizada por questões referentes ao desenvolvimento e
à emancipação nacional. Esses jovens cineastas não estavam isolados, mas, segundo Luiz
Carlos Borges,
[Suas descobertas], [...] coincidia[m] com o que se fazia no resto do mundo
em termos de cinema naqueles anos 60, particularmente na Europa e no
Japão, constituindo-se um período de especial criatividade. Abordavam-se
problemas sociais, como Rocco e seus irmãos, de Luchino Visconti, e A doce
127
vida, de Fellini; temas políticos no limiar de se tornarem históricos, como
Kanal, do polonês Wadja, ou Guerra e humanidade, do japonês Cobaiaxe,
repensando, em termos cinematográficos, a guerra mundial finda poucos
anos antes; e questões pertinentes à própria linguagem do cinema, como O
ano passado em Marienbad, do francês Resnais, e praticamente toda a
filmografia de outro francês, Jean-Luc Godard (BORGES, 1983, p. 20,
grifos do autor).
A originalidade desses cineastas, diante do cinema que se fazia no resto do mundo, residia
“[...] exatamente no fato de representar a ‘fome latina’ e sua ‘mais nobre manifestação
cultural’: a violência” (HOLLANDA, 1986, p. 44, destaques do autor).
O momento era de luta
108
. Pode-se dizer que, aos primeiros anos da década, ainda
vigorava no horizonte de boa parte das esquerdas, em geral composta por estudantes, jovens e
intelectuais das classes médias, a confiança no triunfo da revolução nacional-popular uma
herança dos recém passados anos 50
109
, nos quais muitos intelectuais acreditaram na
possibilidade de aliança com o povo, geralmente identificado nas classes trabalhadoras e
pouco favorecidas. Como se pode perceber no depoimento de Alípio Freire:
“O sujeito básico, agente das transformações nesse nacional-popular, era o
camponês nordestino; de preferência o retirante, os pescadores naquelas
canções pioneiras todas. Supunha-se que a aliança retirante-favelado seria a
grande força motriz da História. [...]. Não era o pessoal do CPC. Existia
isso posto no conjunto da sociedade. Esses temas invadiram toda a arte, toda
cultura” (FREIRE apud RIDENTI, 2000, p. 21).
É bem verdade que, nos anos 60, havia outras produções além das denominadas
cinemanovistas, todavia, pode-se dizer que a época foi, sobretudo, marcada por filmes
dirigidos pelos cineastas do movimento ou, de alguma forma, ligados a este, caso, por
108
De acordo com o cineasta Arnaldo Jabor, havia, nos anos 60, “[...] um clima eufórico de realizações, de
esperança política e cultural [...]. Era a grande euforia de uma geração [...], uma esperança talvez ingênua,
infantil, de um país que ainda não tinha tido uma experiência política mais traumática [...]. Uma espécie de
impressão generalizada de que as coisas seriam fáceis de realizar no Brasil. De que a história se acomodaria
porque o bem teria um caminho livre e largo. [...] a gente conversava, nessa época, sobre como o mundo era
infeliz fora, (enquanto) nós, no Brasil, tínhamos uma chance, uma das chances privilegiadas da
humanidade, porque estávamos em condições de ser sujeitos da nossa História [...]. Havia a sensação de que
se ia fazer a História indolormente [...]. Em suma, nós estávamos iludidos” (JABOR apud BERNARDET,
1983, p. 134).
109
Luiz Carlos Borges, para citar alguns exemplos, lembra que foram nestes anos que Oscar Niemayer e
Lucio Costa projetaram o plano piloto da futura capital da República, “símbolo da era de modernização em
que o país ingressava”; iniciava-se uma renovação no teatro, a partir de peças como Eles não usam black-tie,
de Gianfrancesco Guarnieri, e da criação de grupos teatrais como o Arena e o Oficina; Guimarães Rosa, com
O grande sertão veredas, inovava o vocabulário convencional da literatura brasileira; Haroldo de Campos,
Décio Pignatari e Augusto Campos lançavam as bases para a poesia concreta; um grupo de jovens, dentre os
quais pode-se destacar João Gilberto e Tom Jobim, fundavam as bases do que depois se intitularia Bossa
Nova, marco inicial da moderna música popular brasileira, o qual, assimilando experiências jazzísticas,
influenciaria o próprio Jazz; compositores como Damiano Cozzella, Júlio Medaglia, Rogério Duprat, Gilberto
Mendes e Willy Correia de Oliveira, entre outros, expunham, no manifesto “Música Nova”, suas idéias
acerca da necessidade de atualização da música erudita, do Brasil, frente às invenções sonoras do século XX.
Para mais detalhes ver, BORGES, L. C. 1960 – 1980: o cinema à margem. Campinas: Papirus, 1983. (Coleção
Krisis).
128
exemplo, de Nelson Pereira dos Santos. Com esse movimento, têm-se, também pela primeira
vez, uma projeção coletiva do cinema brasileiro” ou, se preferir, das películas
cinemanovistas, principalmente no plano internacional. Na informação de Nelson Pereira
dos Santos, “‘[...] aquela frase do Deputado Evaldo Pinto, de que o cinema brasileiro não é
mais uma atividade divorciada das demais atividades culturais de nível mais alto do país, é
uma verdade absoluta. Assim, o Cinema Novo conseguiu transformar o cinema brasileiro
[...]’” (SANTOS apud BERNARDET, 1989, p. 143).
De forma independente e num clima de contestação e radicalização de posições, foram
produzidos filmes que, aos primeiros anos da década, realizaram, de forma engajada, uma
leitura crítica da sociedade brasileira de até então. Era toda uma filmografia que,
experimentando novas formas de combinar ficção e documentário, “[...] queria ir além da
compaixão, das estruturas dramáticas de consolação; queria produzir conhecimento”
(XAVIER, 2003, p. 130). A denúncia era feita para enfatizar a urgência das mudanças, as
escolhas destacavam o nosso subdesenvolvimento econômico, técnico e cultural. Dentre esses
filmes, pode-se destacar Aruanda (1960), do paraibano Linduarte Noronha, Cinco vezes
Favela (1962), de Marcos Farias, Carlos Diegues, Miguel Borges, Joaquim Pedro de Andrade
e Leon Hirshman, Vidas Secas (1963), do paulistano Nelson Pereira, Barravento (1961) e
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), do baiano Glauber Rocha, e Os Cafajestes (1962) e
Os Fuzis (1964), do moçambicano Ruy Guerra, para citar alguns exemplos significativos
de filmes que, englobados ou não no movimento denominado de Cinema Novo
110
, eram, em
geral, apreciados por um determinado grupo de espectadores, cuja composição básica era de
jovens, estudantes, profissionais liberais, intelectuais, artistas, amantes de cinema e
integrantes de algumas camadas das classes médias, ou seja, um público crítico que, em sua
maioria, já possuía algum tipo de identificação com as propostas apresentadas por aqueles
diretores.
Não havia na produção desses filmes, a princípio, uma preocupação em alcançar
grandes somas de bilheteria, mas, de acordo com Bernardet, fazia-se, por enquanto, um tipo
de cinema que “não tinha público”, além daquele cujos códigos eram afins com os desses
cineastas. Embora esse fenômeno de produzir sem se preocupar com o grande público não
fosse uma característica exclusiva do cinema, mas de todo um movimento “cultural e
110
Como bem se sabe, várias são as discussões que giram em torno da datação do movimento denominado
Cinema Novo. Neste sentido, cabe esclarecer que não destacamos os exemplos citados acima apenas por
serem filmes cinemanovistas uma vez que nem todos o são, caso, por exemplo, de Cinco vezes favela, que
foi feito por integrantes do Centro Popular de Cultura, ou de Aruanda, documentário que é considerado como
um dos precursores do movimento. A escolha desses exemplos justifica-se, simplesmente, na indicação de
películas que, ao início da década, propuseram “novas” abordagens da sociedade brasileira.
129
político” do meio artístico dos anos em pauta, o meio cinematográfico também partilhou
dessas idéias, como se pode perceber no extrato em que Jean-Claude Bernardet trata da
projeção do documentário Aruanda (1960):
Quando projetada, em sessão especial dedicada ao cinema brasileiro, num
liceu freqüentado pelos filhos da alta e média burguesia paulistana, a fita não
foi compreendida: viu-se uma fita mal feita e aborrecida, apesar de uma
linda música, e a dominante do debate que sucedeu à projeção foi: “Por que
mostrar sempre a miséria? O Brasil não é apenas isso”. A alta e média
burguesia não queria entender a fita, e daí? As coisas se fariam com ou
sem ela. Seria melhor que entendesse, pois assim pagaria entradas
(BERNARDET, 1976, p. 28, grifo nosso).
Apresentando o que seriam, no entendimento daqueles cineastas, as mazelas da
sociedade brasileira exploração do povo, suas mínimas condições de vida e, entre outras
características, o alheamento deste povo frente aos progressos da sociedade brasileira –, tais
filmes se inseriam numa situação bastante paradoxal: de um lado, eram feitos para o povo e
buscavam mostrar-lhe sua situação para, a partir daí, incitá-lo a reação. Mas, por outro lado,
aspirando ao status de obra de arte, esses filmes geravam em seus realizadores um certo
orgulho por não serem de cil acesso a um expectador comum, caso, por exemplo, de Vidas
Secas. De acordo com Carlos Diegues, outro ponto que também levou ao distanciamento entre
as produções desses cineastas e a grande massa foi o hábito desses espectadores a um certo
tipo de linguagem cinematográfica, a estrangeira
111
, como depõe o diretor:
“Eu passei meses filmando numa favela com os caras; pra não dizer os
caras’, os moradores da favela do Cabuçú. Quando terminei eu quis que as
primeiras pessoas a verem o filme fossem eles, os favelados [...]. Amigos
[...]. (Então perguntei): o que é que vocês acharam? Aí o diretor da escola de
samba virou-se e disse: ‘Ah!, muito legal... mas, pô, doutor, isso não é
cinema, cinema não é isso’. Então eu saquei pela conversa que pra ele
cinema era um homem em cima de um cavalo, uma mulher passeando pelo
Sena e coisa e tal. Havia realmente uma colonização visual, audiovisual [...]”
(DIEGUES apud BERNARDET; GALVÃO, 1983, p. 242, destaques do
autor).
Além da “colonização cultural” apontada por Diegues, Jean-Claude Bernardet destaca que, no
tocante ao público do interior, a situação é ainda mais crítica, uma vez que este, em sua
maioria, não tem poder aquisitivo para o consumo desse tipo de cultura, característica essa
que, também nos meios urbanos, pode ser estendida às populações de baixa renda. Mais
adiante, Bernardet ainda destaca que, além desses fatores, não houve grandes investidas em se
aproximar do povo, além da propiciada pelos circuitos comerciais.
111
Ao declarar que o cinema estadunidense adquiriu em nossa sociedade “[...] uma qualidade de coisa nossa, na
linha de que nada nos é estrangeiro”, Paulo Emílio Salles Gomes fortalece os argumentos de Carlos Diegues.
130
Com o passar do tempo, essa idéia de querer mudar o mundo sem se aproximar da
opinião pública mostrou-se incompleta, que, ao atingirem a apenas determinados grupos de
espectadores
112
, as produções desses cineastas ficaram isoladas e, por conseguinte,
desconhecidas por boa parte daqueles a quem se pretendia politizar. Segundo Bernardet, esses
cineastas perceberam, por volta da segunda metade dos anos 60, que “[...] a aceitação pelo
público é fator indispensável à própria sobrevivência deste cinema ‘responsável’”
(BERNARDET; GALVÃO, 1983, p. 246, destaque do autor) lembrança da perspectiva
sartriana. E embora não se abandone a idéia de conscientização do povo”
113
, os problemas
econômicos do fazer cinematográfico fazem com que “[...] se procure a inserção dos filmes no
mercado, onde eles possam se pagar. Mas, para que sejam bem-sucedidos no mercado, os
filmes têm de fazer concessões ao público, quer de ordem estética, quer de ordem ideológica
[...]” (BERNARDET; GALVÃO, 1983, p. 246).
É bem verdade que essa percepção não ocorreu repentinamente, mas pode-se dizer que
foi auxiliada pelo movimento de 1964, quando mostrou o quanto era ilusória a idéia daqueles
intelectuais de estar vivendo uma pré-revolução. “A euforia em que se vivera não era
justificada pelo contexto real. Percebeu-se [...] que o populismo não permit[ia] levar as
massas à revolução. Face a esta descoberta, o intelectual de esquerda brasileiro torna-se
‘perplexo’”(HENNEBELLE, 1978, p. 133, destaque do autor).
então, no trabalho dos cinemanovistas, uma reorientação de caminhos: passa-se da
temática rural para a urbana ou, como bem observou Ricardo Caldas, “[...] o cinema popular
se desloca do universo rural e da periferia para desenhar, no mundo capitalista, um desfile de
amarguras. Se o povo não é revolucionário como se desejava, a classe média era observada de
forma implacável” (CALDAS, 2006, p. 97). Apesar da mudança, ainda são mantidos os traços
mais agressivos da linguagem cinemanovista, bem como preceitos ideológicos relacionados às
convicções éticas e estéticas dos primeiros anos do movimento.
Por esta época, o meio cultural brasileiro passa por uma mudança de consciência no
que tange à questão da indústria cultural. Mudança essa, que se devia à crescente urbanização,
bem como ao “[...] desenvolvimento dos meios audiovisuais e [ao] boom da propaganda. O
mercado cultural e o da informação cresciam em importância e se transformavam em área
112
Em artigo publicado na Revista Civilização Brasileira, Gustavo Dahl, ao refletir sobre a existência de um
público para os filmes cinemanovistas, declara: “O Cinema Novo tem seu público (o grifo é do texto),
composto principalmente pela juventude, por estudantes, mas também por profissionais liberais, intelectuais,
artistas, fanáticos de cinema e até mesmo certas camadas da burguesia” (DAHL, dez/mar, 66/67 apud
BERNARDET, 1983, p. 238, destaques do autor).
113
É com freqüência que, segundo BERNARDET, esses cineastas, ao falarem de povo, confundam as categorias
povo e público.
131
privilegiada de interesses” (XAVIER, 1993, p. 16, grifo do autor), fato que levará ao aumento
da quantidade de traduções de livros clássicos de análise de cultura de massas, como também
à criação de rias faculdades de comunicação. No plano estético, a Tropicália passa a ser a
expressão da nova consciência. Vários cineastas se conscientizam da “[...] natureza mais
complexa do jogo de poder na sociedade moderna, ponto nuclear da crise das propostas de
uma arte política sustentada no ideário nacionalista dos anos 50 e início dos anos 60”
(XAIER, 1993, p. 16). Ainda segundo Xavier, esse direcionamento em relação ao movimento
Tropicália traz toda uma crítica direcionada ao populismo anterior ao golpe de 64 – “o
político e o estético-pedagógico” –, passa-se a realizar uma auto-análise do intelectual em sua
representação de experiência e derrota. Essa representação pode ser localizada em alguns
filmes, como, por exemplo, Terra em transe (1967) identificado por Xavier como aquele
que melhor trabalhou com a análise do intelectual face ao golpe e à revolução, O desafio
(1965), de Paulo César Sarraceni, O Bravo Guerreiro (1968), de Gustavo Dahl e Fome de
amor (1968), de Nelson Pereira dos Santos.
Xavier também destaca que, além dos filmes que visam à análise do intelectual, ainda
se pode destacar, nesta época, outros longas-metragens que, ao mesmo tempo em que se
inserem num movimento de cinema de autor, caminham em direção aos parâmetros de
comunicação vigentes no mercado, como, por exemplo, Brasil ano 2000 (1969), de Valter
Lima Júnior, Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade e O dragão da maldade
contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha. Era toda uma produção alegórica que
tinha como embasamento a tentativa de alcançar o público por intermédio do “espetáculo”. A
este respeito, Fernão Ramos acrescenta:
A idéia é cativar o público pelo espetáculo, através de uma narrativa que
encha os olhos do espectador com cenários grandiosos. Ao mesmo tempo, a
presença desta imagem “rica” permite que se mantenha de alguns
preceitos ideológicos quanto às convicções éticas e estéticas do primeiro
Cinema Novo. A produção cinemanovista no final da década de 1960 tem
como característica, portanto, essa preocupação constante de comunicação
com o grande público, sem abandonar completamente, no entanto, os traços
mais agressivos da “linguagem maldita”. Para inclusive entender a ruptura
havida com os cineastas que formaram o grupo do Cinema Marginal, deve-
se ter em mente que a guinada com a produção anterior ocorre
principalmente na questão da quantidade de recursos financeiros necessários
para a realização desses filmes e, decorrente daí, uma preocupação maior
com o retorno em termos de bilheteria (RAMOS, F., 1987, p. 372).
132
Apesar dessa tentativa de redirecionar alguns pontos de suas propostas, as produções
desses cineastas permaneceram distantes do grande público
114
, ou se preferir daqueles a quem
se pretendia politizar. Realizados por intelectuais provenientes das classes médias os quais
almejaram ser os intérpretes daqueles que, desprovidos de recursos financeiros e intelectuais
para se defenderem, permaneciam na condição de silenciados esses filmes passaram por
diversas vezes desapercebidos fora das rodas de especialistas e de amantes do cinema. Ao
refletir acerca desse resultado, Jean-Claude Bernardet destaca que é necessário desmascarar
uma “ilusão, não apenas cinematográfica: o cinema brasileiro não é um cinema popular: é o
cinema de uma classe média que procura seu caminho político, social, cultural e
cinematográfico” (BERNARDET, 1989, p. 157).
Além disso, é histórica a desigualdade existente entre a quantidade de brasileiros
espectadores de cinema nacional e a de espectadores que nutrem os circuitos comerciais. E,
no que tange a este tipo de cinema que se pretende arte, essas diferenças aumentam cada vez
mais. É bem verdade que, com o passar dos anos a quantidade de espectadores de cinema
nacional cresceu, no entanto jamais se superou as cifras conquistadas pelos filmes
estrangeiros. Como exemplifica o quadro criado por José Mário Ortiz Ramos:
Produção e mercado
Ano
Filmes
produzidos
Contratos
com a
Embrafilme
Filmes
estrangeiros
lançados
Número de
cinemas
Espectadores de
filmes brasileiros
(milhões)
Espectadores de
filmes estrangeiros
(milhões)
1967 44 - 25 829 - -
1968 54 - 21 - - -
1969 53 - 44 1.817 - -
1970 83 17 74 2.028 - -
1971 94 12 76 2.154 28.1 174.9
1972 70 30 68 2.648 31.8 160.5
1973 54 25 57 2.690 30.8 162.5
1974 80 38 74 2.676 30.7 170.6
1975 89 25 79 3.276 48.9 226.5
1976 84 29 87 3.161 52.0 198.5
1977 73 12 73 3.156 50.9 157.4
1978 100 22 81 2.951 61.8 149.8
1979 93 19 104 2.826 55.8 136.0
1980 103 13 93 2.365 50.7 114.0
1981 80 21 78 2.244 45.9 92.9
1982 85 23 80 1.988 44.9 82.9
1983 84 17 76 1.736 33.9 72.7
1984 90 22 108 1.553 30.6 59.3
1985 86 19 107 1.428 21.5 69.4
FONTE: RAMOS, J. M. O. O cinema brasileiro contemporâneo (1970 – 1987). In: RAMOS, F. (Org.). História do cinema
brasileiro. São Paulo: Art , 1987, p. 412.
114
Em História do cinema brasileiro, Fernão Ramos destaca a importância de se lembrar que o “[...] Cinema
Novo sofre durante a década de 1960 intensas cobranças ideológicas por sua opção estilística, tanto ao nível
de não obter contato com o povo devido à linguagem (e portanto não ser “político”), como também, a partir
de 1965, quanto ao fato de essa mesma linguagem ser responsável por sua marginalização no mercado. A
trajetória de boa parte da geração cinemanovista na década de 1970 será a manifestação de uma difusa
consciência, por ter abandonado suas intenções estilísticas radicais do início, fazendo supostas ‘concessões’
ao mercado” (RAMOS, F., 1987, p. 356, destaques do autor).
133
Segundo Ramos, o aumento do quadro de espectadores de cinema se deve, em grande
medida, às políticas governamentais que procuraram gerenciar a produção cinematográfica.
Com o INC, “[...] implementam-se medidas que apontam em duplo sentido: forçar a
produção, principalmente a marcada pelo nacionalismo, a entrar em contato com empresas
distribuidoras estrangeiras; procurar, ainda que timidamente, aquecer a dinâmica do mercado”
(RAMOS, J., 1987, p. 410). Alteram-se as leis de remessas de lucros, institui-se uma
premiação por renda e qualidade dos filmes e ainda se eleva a obrigatoriedade de produção de
66 dias (1969) para 112 dias, em 1975. Com a extinção do INC, aumentam-se as verbas e as
funções da Embrafilme, que passa a gerenciar também a questão da distribuição.
Se aos primeiros anos do regime militar, boa parte das produções culturais ainda
encontrava espaços abertos para se anunciar reconhecendo que a cultura poderia atuar em
benefício do poder, desde que controlada pelo Estado, os militares criaram algumas instituições
no sentido de administrar o meio cultural –, a entrada em vigor do Ato Institucional N.º 5, em
dezembro de 1968, muda a situação, uma vez que se intensifica a perseguição aos opositores do
governo, fazendo com que estes se vejam na necessidade de reorientar suas propostas, quando não
de deixar o país. “Através da censura, o regime impedia uma determinada produção cultural, ou
melhor, os produtos culturais contrários à sua ideologia e aos seus interesses, mas não a atividade
cultural como um todo” (PAES, 1997, p. 55)
115
.
Mas o clima político de perseguição que se intensificará já no final da década, também
propiciará as propostas de um novo grupo de cineastas que, domiciliados principalmente em
São Paulo, realizam trabalhos distintos, mas dialógicos com os filmes cinemanovistas. Apesar
da discordância de seus diretores
116
, essas obras foram definidas sob alguns rótulos como,
“Udigrúdi” avacalhação do cinema underground inventada por Glauber Rocha –, Cinema
do Lixo, lembrança da região paulistana em que esses cineastas se reuniam (Boca do Lixo),
115
Ainda na informação de Maria Paes, houve nestes anos um crescimento do parque industrial e do mercado de
bens materiais, o qual foi acompanhado pelo desenvolvimento da indústria da cultura e do mercado de bens
culturais. Lembrando Renato Ortiz, a autora entende que não havia nenhuma contradição que opusesse o
empresariado da cultura ao governo militar, pois “‘[...] não se pode esquecer que a noção de integração
estabelece uma ponte entre os interesses dos empresários e dos militares, muito embora ela seja interpretada
pelos industriais em termos diferenciados. Ambos os setores vêem vantagens em integrar o território nacional,
mas enquanto os militares propõem a unificação política das consciências, os empresários sublinham o lado
da integração do mercado’” (ORTIZ, R., 1988, p. 118 apud PAES, 1997, p. 55).
116
Além de discordarem de sua rotulação em um novo movimento cinematográfico, vários diretores que se
viram sob a alcunha de marginais discordavam da definição Cinema Marginal, no tocante à opção por se
marginalizar. Segundo Jean-Claude BERNARDET, tanto Bressane, como Sganzerla, principais representantes
da corrente, discordavam dessa definição, uma vez que “eles não faziam um cinema que queria ficar à
margem dos circuitos exibidores (atitude bem diferente do Underground norte-americano), mas um cinema
que, com raras exceções (O bandido da luz vermelha) foi marginalizado pelos circuitos e pela censura”
(BERNARDET, 1983, p. 1, destaques do autor).
134
ou Cinema Marginal, nome proposto por Cosme Alves Neto, então diretor da cinemateca do
MAM do Rio de Janeiro.
De vida bastante curta aproximadamente três anos, historicamente situados entre o
final dos anos 60 e os primeiros anos da década subseqüente
117
–, o Cinema Marginal possuía,
em seus primórdios, algumas ligações com o atuante movimento cinemanovista, no que
tange à utilização de orçamentos baixos e a noção de cinema de autor. Posteriormente, essa
ligação se daria no diálogo oposicionista estabelecido pelos marginais com os cinemanovistas.
Embora não possuíssem perspectivas tão claras como as do Cinema Novo, ou de
outros ciclos do cinema nacional – como a Chanchada ou a Bela Época –, este “conglomerado
heterogêneo de artistas nervosos da cidade, de artesãos do subúrbio”, na expressão cunhada
por Paulo Emílio Salles Gomes, propunham, basicamente,
[...] um anarquismo sem qualquer rigor ou cultura anárquica e tendiam a
transformar a plebe em ralé, o ocupado em lixo [...]. O lixo teve tempo, antes
de perder sua vocação suicida, de produzir um timbre humano único no
cinema nacional. Isolada na clandestinidade, essa última corrente de rebeldia
cinematográfica compõe de certa forma um gráfico de desespero juvenil no
último qüinqüênio (GOMES, P., 1980, p. 84).
Além disso, os marginais, diferentemente dos cinemanovistas, recusavam a idéia de um
projeto de cultura brasileira, não “falavam” em nome de nenhum grupo ou classe, não
tentavam diagnosticar a crise brasileira, avançavam em direção ao cinema moderno
118
,
utilizavam-se de personagens grosseiras e bizarras, trabalhavam com uma temática,
sobretudo, urbana. E, no que tange a sua aproximação com os espectadores, eles realizavam
“[...] um cinema absolutamente out, [...] alheio ao e desvinculado do gosto do público, da
opinião da crítica e da preocupação com a bilheteria” (BILHARINHO, 1997, p. 109, grifo do
autor).
Nestes inícios dos anos 70, os diretores ligados ao Cinema Novo caminhariam em
busca de uma amenização da agressividade de seus trabalhos, realizaram leituras de autores
como o teatrólogo Nelson Rodrigues em seus trabalhos que tratavam de aspectos
excêntricos da sociedade brasileira, bem como da psicologia social das classes médias –, o
117
De acordo com Guido Bilharinho, “[...] não consenso sobre a época exata em que surge. Para uns, é
deflagrado em 1967, ano de A margem, de Ozualdo Candeias, e de Cara a cara, de Júlio Bressane, este último
ainda cinema novo, mas, até certo ponto, transicional. [...] Ismail Xavier situa o cinema do lixo no período
entre 1969/73 (“Do Golpe Militar à Abertura: A resposta do Cinema de autor”, in O Desafio do Cinema, p.
19). O cineasta Carlos Frederico afirma, por sua vez, que, “precursores à parte, o cinema marginal
propriamente dito surgiu em 1970 [...] durou um momento e ele nunca foi mais que isso [...] e, como tal,
ele não deixou herança” (depoimento a Alberto Silva “Momentos do Filme Udigrudi”, in Jornal de Letras, n.
295, Rio de Janeiro, julho 1975)” (BILHARINHO, 1997, p. 109, destaques do autor).
118
Este cinema seria, em linhas gerais, caracterizado pela desorganização do tempo, do som e da imagem,
havendo uma dissonância, resultante da quebra da unidade. Os cortes são menos elaborados, procura-se
apresentar que há uma câmera narrando a história que se vê.
135
romancista Jorge Amado, em suas obras que também se aproximavam do exotismo popular.
Além disso, esses cineastas abandonaram a recorrente idéia de condensar o país, ou os seus
problemas sociais em uma imagem.
Cada vez mais determinado a garantir a “ordem”, o Estado procurou criar políticas
gerenciadoras também para o setor cultural. E, neste caso, o cinema não passaria ileso.
Mesmo sendo patente a falta de organização que cerca o aparecimento da
Embrafilme [setembro de 1969] [...] pode-se depreender que se adotava a
decisão de penetrar mais direta e agressivamente na produção
cinematográfica, inaugurando uma fase que rumava para a superação da
simples mediação estatal anterior. Agregava-se a um órgão autárquico uma
empresa (sociedade anônima), e passava-se a canalizar para esta os recursos
oriundos da exploração do filme estrangeiro no mercado nacional (a parcela
do imposto retido – lei da remessa) [...] (RAMOS, J., 1983, p. 90).
Enquanto nos anos 60 a questão nacional era pensada, de forma independente por
vários intelectuais e girava em torno da aliança de classes que se opunha à dominação
estrangeira –, a partir dos anos 70, o Estado passa a comandar “[...] a questão nacional,
elidindo obviamente a relação classe-nação, arvorando-se a guardião de uma comunidade
indivisa, seus interesses tomados como interesses de todos. O ‘nacional’ e a ‘realidade
nacional’ são vistos como dois todos harmoniosos(RAMOS, J., 1983, p. 93, destaques do
autor), os quais não se contrapunham à dominação estrangeira.
E apesar das pretensas tentativas de se aproximar de um mercado consumidor, tanto
cinemanovistas, quanto marginais estes mais ainda –, além de serem preteridos pelo Estado
que, na informação de Ramos, defendia uma produção indiscriminada, a qual absorvia
inclusive os filmes “eróticos” –, foram criticados, pelo secretário de planejamento do Instituto
Nacional de Cultura, por, segundo o mesmo, não possuírem uma visão comercial-industrial.
Crítica que, de acordo com Ortiz Ramos, expressava a “nova mentalidade” empresarial que
penetrava nos órgãos estatais.
As novas propostas estatais para o campo cinematográfico, bem como as diferenças
internas e dificuldades de produção, entre outras características, acabariam por esvaziar o
ciclo marginal na primeira metade da década. Como também auxiliariam na fragmentação
do grupo cinemanovista. De forma independente, alguns cineastas procuraram se posicionar
criticamente num diálogo com o estado, caso, por exemplo, de Carlos Diegues “[...] que
desacredita do caráter industrial que se dizia estar imprimindo ao cinema, e reage irado, e
mesmo confusamente, ao perceber a apropriação das bandeiras nacionalistas e cinemanovistas
pelo Estado” (RAMOS, J., 1983, p. 101).
136
Também Joaquim Pedro de Andrade integra, e aumenta, o grupo dos descontentes com
a situação em que se encontrava o cinema nacional. O diretor de Macunaíma não hesita em
ressaltar o dirigismo estatal, apresentado nas escolhas das obras a serem financiadas, bem
como nos cortes e proibições realizadas. Segundo Ramos, “[...] as fissuras e perplexidades no
bloco cinemanovista clarificam o processo que o cinema brasileiro atravessava naquele
momento, seus diálogos com o Estado e o mercado” (RAMOS, J. 1983, p. 103).
Como já se destacou, vários foram os órgãos gerenciadores que foram criados pelo
Estado, ao longo dos anos 70, para administrar o campo cinematográfico. Lançada em 1975, a
Política Nacional de Cultura era uma proposta que resultava da necessidade do Estado de
refinar e adequar seu controle político. Sustentada sob perspectivas de segurança e
desenvolvimento nacional, a PNC dava importância à cultura nas suas ligações com o
desenvolvimento econômico. Esta, possuindo uma concepção de cultura claramente
antropológica, na informação de Ortiz Ramos, associava a ampla conceituação de cultura com
a questão da nacionalidade.
E, no diálogo dos cineastas com essa proposta, Nelson Pereira, distanciando-se da via
largamente politizada do passado, concretiza, nas palavras de Ramos, o pretendido diálogo do
Estado com o “nacionalismo” do campo cinematográfico. O conhecido diretor realiza uma
trajetória de três filmes que retomam suas preocupações com a cultura popular, são eles: O
amuleto de Ogum (1975), Tenda dos milagres (1977) e Estrada da vida (1981).
Depois de uma fase experimental e mal sucedida, com Quem é Beta?, Santos
procurava se despir de pré-noções a respeito da realidade brasileira e, finalmente, construía
caminhos para se aproximar do grande público. Em texto crítico publicado no periódico
paulista O Estado de São Paulo, em 1 de fevereiro de 1981, Frederico Mengozzi destaca:
Nelson Pereira dos Santos é advogado, estudou sociologia e política, e
reconhece que a sociologia tem de vir antes do filme, “não dentro dele”.
Porém, se alguém tiver um mecenas para garantir, “tudo bem”. E se
retomaria, então, uma das características do Cinema Novo, quando apenas
uma elite assistia a esses filmes. Caminho que não interessa ao diretor de
“Estrada da Vida”. “A liberdade do artista surge no contato com o público.
Meu filme tem uma investigação mais jornalística que sociológica, as
reações são mais viscerais que lógicas. Vendo bem o filme, leituras para
todos os gostos. Ele tem a simplicidade de uma fábula [...]” (SANTOS apud
MENGOZZI, 01/02/81).
Embora não tenha se entusiasmado com o “filme-modão”, de Nelson Pereira, Rubens
Ewald Filho, na mesma página escrita por Mengozzi, também comenta sobre a mudança do
diretor:
137
A indiscutível verdade é que se “Estrada da vida” não fosse assinada por
Nelson Pereira dos Santos passaria inteiramente desapercebida, esnobada
pelos críticos e pela inteligentzia nacional. Parece que a melhor coisa que
resulta de “Estrada da Vida” é a constatação a que Nelson chegou de que “o
cinema deve ser o modão” (isto é, “a música que o povo gosta”). Isso
demonstra que ele retornou ao caminho certo, pode-se esperar de agora em
diante filmes de grande comunicação popular. Espera-se apenas que tenham
também maior empenho do que este (EWALD FILHO, 01/02/81, p. 33,
destaques do autor).
Se, em origem, os primeiros filmes do diretor apresentam pouca ou quase nenhuma
preocupação com questões referentes ao um endereçamento amplo, as palavras de Nelson
Pereira indicam, ainda nos anos 70, grandes mudanças em relação a seu pensamento no
tocante à questão do público. Houve um processo de mudança, uma atualização em seu
discurso, que bem se observa no período aqui estudado.
Na informação de Fernão Ramos, o cinema brasileiro chega aos anos de 1978-79 com
mercado e produção economicamente aquecidos, principalmente no que tange à comédia
erótica. Esse aquecimento se devia, principalmente, às obrigatoriedades de exibição e
copiagem, e a própria realidade econômica do país. Órfãos de projetos políticos, vários
cineastas que se ligaram aos movimentos do início dos anos 60 e 70, caminham agora em
faixa própria, buscando seu lugar ao sol.
À entrada na década de 80, tem-se um cinema oscilante, marcado por incertezas. “Os
gêneros, temas, movimentos e tendências que marcam as décadas anteriores são coisas do
passado. Coletivamente, não ocorre nenhum espasmo criador e nem grandes novidades
[...]. É expressivo o número de filmes de bom nível, conquanto quase no drama”
(BILHARINHO, 1997, p. 129).
Depois de um decênio marcado pelas vantagens econômicas e desenvolvimento do
setor cinematográfico, propiciados também pelo chamado “milagre econômico”, os novos
anos iniciavam-se sob o estigma de uma grave crise e diminuição vertiginosa de público e das
salas de cinema. O cinema pornô dribla a censura, é vendável e forte.
Politicamente, uma grande fragmentação das esquerdas que, em época de abertura
política, se divide sob a alcunha de diversos partidos. Neste clima, as organizações da
sociedade civil, como sindicatos, associações de moradores e comunidades de base, entre
outras, participam cada vez mais do debate político, bem como da tarefa de reorganização das
estruturas partidárias. Na pauta do dia, se apresentam temas como a questão da democracia,
da luta pelos direitos civis, sociais e culturais.
138
[No campo cinematográfico,] [...] paralelamente à miserabilidade
pornográfica, surgem também algumas obras com estatuto, ou pretensões, de
‘grande produção’. Os números só se agigantam na comparação com os
investimentos do cinema produzido no país. É o caso de QUILOMBO
(direção de Cacá Diegues, 1984), recaída do diretor na temática histórica e
grandiloqüente, consumindo cobiçados 1,5 milhões de dólares, e do louvável
O BEIJO DA MULHER ARANHA (direção de Hector Babenco, 1985), obra
nascida do infatigável desejo de se fazer um cinema de qualidade do diretor.
E até mesmo MEMÓRIAS DO CÁRCERE (direção de Nelson Pereira dos
Santos, 1984) entra no rol dos “primos ricos” de um cinema imerso em crise,
apesar de ter consumido 550 mil dólares. São filmes, às vezes
injustamente criticados por esta característica, que na verdade exibem a outra
face de um processo cinematográfico agudamente cindido (RAMOS, J.
1987, p. 440, destaques do autor).
Como se pode perceber, Nelson Pereira dos Santos, dialogando com as transformações
políticas, sociais, econômicas e culturais que se apresentavam aos inícios dos anos 80,
prosseguia em sua busca por representar, através de suas lentes, as origens do Brasil.
Intelectual da cultura, que tem a sua filmografia marcada pelo gosto em partir de escritos
significativos da história intelectual do país, o experimentado cineasta realizaria uma nova
adaptação de um texto de Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere. Um filme que, duas
décadas depois da bem sucedida adaptação de Vidas Secas, se inspirava na experiência
vivenciada por Graciliano Ramos durante o Estado Novo. Projeto antigo, o novo longa-
metragem apresentaria uma série de escolhas, as quais prosseguiam com as transformações
que vinham se apresentando na obra do diretor, e na sua comparação com Vidas Secas nos
permite buscar a compreensão de algumas destas diferenças e escolhas mostradas nesse
caminho entre os dois longas-metragens.
4.3 Da agressão à sedução: Vidas Secas (1963) e Memórias do Cárcere (1984)
Ao adaptar duas obras literárias que, escritas por Graciliano Ramos, eram prismadas
por um caráter de denúncia social e política, o conhecido diretor Nelson Pereira dos Santos
trilhou, durante os vinte anos que separaram as duas adaptações, um caminho que, em
consonância com as propostas cinematográficas em voga, tanto nos anos 60, quanto nos anos
80, passava de uma espécie de engajamento vanguardista para o que convencionamos chamar
de “integração” discreta na sociedade de mercado.
É bem verdade que, se observarmos mais de perto a obra de Pereira dos Santos,
podemos perceber que essa mudança não ocorreu repentinamente apresentando-se apenas
em seu décimo quarto longa-metragem –, mas processou-se de forma lenta e gradual. Como
139
se tem procurado apresentar aqui, pode-se dizer que ela foi parte de um processo de
transformações de objetivos do cineasta frente a várias mudanças, como do meio
cinematográfico, de sua vida, de público, de crítica e do próprio país, entre outras. A partir
dessas idéias, procura-se, por intermédio da comparação entre os filmes Vidas Secas e
Memórias do Cárcere, identificar mudanças ocorridas no trabalho do cineasta entre os vinte
anos que separam as duas adaptações cinematográficas.
Relembrando os apontamentos de Ismail Xavier, ao declarar que, “[...] em seu
icio, [os anos 60] traziam grandes expectativas em toda a América Latina, quando o
movimento da história em escala mundial parecia eleger como o epicentro de
transformações o chamado Terceiro Mundo, esfera em plena agitação revolucionária”
(XAVIER, 1993, p. 9), pode-se dizer que, em linhas gerais, todo o trabalho de Santos, em
Vidas Secas, não fazia conceses era esteticamente elitizante, mesmo que isso não fosse
algo tão claro para o seu diretor. Esse engajamento estético de vanguarda para vanguarda
se apresentava na pobreza volunria dos meios empregados que se referia ao nosso
subdesenvolvimento técnico –, na secura das paisagens e, entre outras características, na
desmunição quase que completa das personagens com seus parcos recursos financeiros,
intelectuais etc. O filme construía e se inseria numa perspectiva cinematográfica, cuja
vontade era a de ultrapassar as estruturas draticas de consolão, como também de
produzir conhecimento. Como exemplificam as palavras de Nelson Pereira ao se referir à
ambientação histórica de Vidas Secas:
O livro foi escrito em 1938 e eu datei a narrativa do filme em 1940,
1941 e 1942, porque, repara uma coisa: o que aconteceu em 1940? O que
estava acontecendo no mundo? A Segunda Guerra, os alemães estavam
invadindo a França, Hitler em Paris. Em 1941 a invao da ssia, Pearl
Harbor. Em 1942, a batalha de Stalingrado. O mundo inteiro em guerra e
ali, aquele sertão, sem a menor relação com o mundo, completamente
alijado do mundo que existe, do mundo conhecido (SANTOS apud
GUIMAES, M., 2003).
Vinte anos depois, o décimo quarto longa-metragem dirigido por Santos, Memórias do
Cárcere, chegava às telas de um Brasil mais urbano que, saindo de um longo período de
ditadura militar, colocava em voga questões como a da democracia, da luta pelos direitos
políticos e culturais, entre outros. Também o avanço dos meios de comunicação e,
principalmente da TV largamente incentivada pelos subsídios e concessões oferecidas pelos
governos militares –, permitia aos intelectuais do campo cultural vislumbrarem uma nova
realidade de público, visto que, com o desenvolvimento da televisão e a escassa quantidade de
técnicos na área, meios como o cinema e o rádio proporcionaram mão-de-obra e contribuíram
140
com a experiência que possuíam. Desde a década de 70, vários foram os profissionais do ramo
cinematográfico que, numa espécie de intercâmbio com o ambiente televisivo, acabaram por
transitar entre o cinema e a TV. O questionamento de Renato Tapajós, ao comparar o seu
documentário, Greve de março (1979), e uma edição do Globo Repórter, também realizada
por ele, é um bom exemplo da tomada de consciência de mercado, por parte dos intelectuais
do cinema: “‘A gente está fazendo filme para 250 mil pessoas, e os caras aqui [na Rede
Globo] têm trinta e cinco milhões, numa noite. O que nós estamos fazendo?’” (TAPAJÓS
apud RIDENTI, 2000, p. 326). A perspectiva de Tapajós não era algo isolado
119
no período,
mas, desde algum tempo, era a compreensão de que havia um mercado e que este poderia ser
conquistado, também, pelo cinema nacional. Partilhando deste pensamento, Santos, que em
1983 já havia feito um programa para a TV Manchete
120
, apresentou, em comparação à
primeira adaptação que fez de uma obra de Ramos, uma maior preocupação em ampliar o
mundo do diálogo com o seu espectador. Diferindo das estratégias utilizadas em Vidas Secas,
o diretor optou pela modificação nos meios técnicos, utilizou-se de um personagem central,
construiu uma história mais narrativa do que descritiva, trabalhou com atores profissionais
conhecidos pelo grande público, sobretudo o dos espectadores de TV, entre outras
características. Além de visar, e porque não dizer possibilitar
121
, uma maior simpatia dos
espectadores, essas estratégias não deixavam de dialogar, criticamente, com o momento
histórico em que o filme foi produzido, como também contribuíam para a sensibilidade
política das camadas ainda não alcançadas, bem como dos espectadores já esperados.
Tecnicamente comparadas, as duas películas diferem, já de início, em como abordar as
denúncias sociais e políticas com que pretendem trabalhar. Por um lado, Vidas Secas estiliza o
Nordeste, através de escolhas como a opção pelo preto e o branco, a poupança dos diálogos,
119
Consoante às mudanças e preocupações do meio cinematográfico brasileiro, Nelson Pereira dos Santos, desde
o sucesso alcançado com Vidas Secas, esboçava, com cuidado, uma preocupação em se “aproximar” do
mercado. Em matéria do Tablóide Última Hora, o cineasta dizia: “‘A filmagem de Vidas Secas em co-
produção [...] é fruto do ‘Encontro de Cineastas’ em Montevidéu, quando decidimos elevar o nível artístico de
nossa produção e filmar argumentos que revelem, com honestidade, a vida dos países da América Latina e, ao
mesmo tempo, ampliar nossos mercados’” (SANTOS, apud CINEMA ..., 26/12/59, p. 3, grifo do autor). Não
se pode esquecer que, desde os congressos de cinema dos anos 50 – dos quais Santos foi um dos participantes
mais ativos –, vários foram os cineastas e técnicos de cinema que defenderam a abertura de um espaço no
mercado cinematográfico do Brasil, o qual estava inundado por produções estrangeiras, sobretudo as
hollywoodianas. Havia, por parte desses cineastas, a defesa e crença de que, com o apoio subsidiário do
Estado às produções nacionais, elas poderiam ganhar seu espaço no mercado brasileiro. Além disso, também é
por volta da segunda metade dos anos 60 que os cineastas do Cinema Novo, juntamente com os diretores
ligados ao grupo, se darão conta do grande distanciamento entre a sua produção e o público que se pretendia
atingir – identificado na classe trabalhadora.
120
Em entrevista à Isa Cambará, em junho de 1983 antes do início das filmagens de Memórias do Cárcere , o
diretor, “[...] brincando, diz que vai ganhar dinheiro com televisão. Ele dirigiu o programa de inauguração da
TV Manchete e adorou o trabalho. Seus planos incluem vários projetos para a televisão: ‘agora, sou híbrido’”
(SANTOS apud CAMBARÁ, 1983, p. 78).
121
Uma vez que nossa referência comparativa é a obra Vidas Secas.
141
uma luz estourada
122
, seca, que incomoda e agride o espectador em algumas cenas, a luz
chega a clarear quase toda a tela por vários segundos –, uma fotografia possuidora de um
grande realismo e a singularidade de uma trilha sonora composta, basicamente, pelo ranger
estridente de um carro-de-boi. Do outro lado, Memórias do Cárcere – que poderia ter seguido
pelo mesmo caminho esteticamente engajado, já que o tema permitia tal tratamento estético –,
sem perder o seu caráter denunciativo, exige menos de seu espectador; procura caminhos que
possibilitem o seu interesse e, se possível, a sua simpatia para com a história narrada. Para
tanto, o cineasta se apóia em estratégias como a utilização da cor, a narração, mais do que a
descrição, construção de cenas animadas, ritmo interno dinâmico, insinuação do péssimo
tratamento e estrutura carcerária, entre outras. Numa época em que o mercado televisivo do
Brasil se consolidava, os códigos trabalhados pelo cineasta, em 1984, não se distanciavam
tanto assim dos códigos televisivos, os quais permitiam caminhar também em direção de
camadas ainda não alcançadas. Exemplos da maior insinuação, do que explicitação, dos maus
tratos no cárcere podem ser identificados em seqüências como aquela em que, depois de um
close up no machucado de Rodolfo Ghioldi, Graciliano Ramos, também registrado pelo
mesmo tipo de plano, lhe pergunta se ele não tem ódio “[...] dos indivíduos que o
machucaram [...], dos que governam [...], dos responsáveis por isso” (SANTOS, 1983, filme,
VHS 1). Calmamente, o secretário geral do PC argentino, diz que é um instrumento, que não
há responsáveis, pois todos são instrumentos. Apesar da conversa não enveredar propriamente
pela discussão da tortura, o curto diálogo não deixa de marcar os desmandos carcerários por
intermédio de cenas que podem sensibilizar a platéia. Em Memórias, pode-se dizer que o
cineasta se insere num consenso ideológico-político que não requer uma reflexão sobre as
necessidades de se alterar as estruturas sociais do país, apenas de refletir sobre elas.
Como já se salientou, a cor também é uma característica técnica que diferencia os dois
filmes. É bem verdade que, nos anos 60, não era comum filmar em películas coloridas
que estas eram mais dispendiosas e ainda em desenvolvimento, como bem observou Marcel
Martin, suas imperfeições prejudicavam a credibilidade do drama, dispersando a atenção do
espectador –, porém, havia essa possibilidade, também no Brasil. Mas, visando apresentar o
122
Ao falar de sua opção pela “lente nua” sem filtro –, o diretor declara que “‘[...] estourar a luz é uma decisão
de estilo. Não podia se corrigir o que se ia fotografar. Tínhamos de mandar o filme para o laboratório com o
aviso: ‘sem correção’, ‘revelar direto’, ‘revelar no tempo normal’. o laboratório se recusava. Conforme
faziam o teste, diziam: ‘não pode, tudo branco, errado, errado’. O Luís Carlos Barreto era fotógrafo
jornalístico e nós tínhamos um outro fotógrafo de cinema, José Rosa, que estava habituado a fazer aquela
fotografia industrializada, padronizada. Havia então uma certa dúvida, nessa invenção de estourar a luz, de
fazer a luz no rosto, sempre. Algumas cenas foram feitas dentro dos padrões convencionais, mas não foi muita
coisa não. A gente brigou e finalmente o laboratório começou a aceitar a luz estourada (SANTOS apud
GUIMARÃES, M., 2003, destaques do autor).
142
nosso subdesenvolvimento tanto do país, quanto do cinema que se desenvolvia aqui –,
Santos optou por trabalhar com a película em preto e branco. Desse modo, consegue um
barateamento da produção; aproxima-se de estratégias utilizadas por diretores neo-realistas
que, em tempos de orçamentos reduzidos, trabalhavam com produções de menor custo e se
opunham à produção hollywoodiana com seus altos orçamentos e cenários bem elaborados;
além de, com essa opção, valorizar “tragicamente”
123
o tema abordado naquele filme, cuja
intenção e apresentação não era a de mais um longa-metragem sobre o Nordeste, mas um
filme denunciativo da situação social do país. Já Memórias do Cárcere é um filme colorido.
Se ausência de cor prestigia esteticamente Vidas Secas, sua presença em Memórias não
desprestigia o longa-metragem, pelo contrário, pode ser compreendida como uma nova opção
do diretor, que se permite proporcionar um certo luxo ao seu espectador, apresentando seu
trabalho em cores, e, em termos de estratégia técnica, a cor, que de uma maneira bastante
geral está ligada à representação de emoções – como destacaram Stephenson e Debrix –, pode
auxiliar o diretor numa melhor representação das emoções dos personagens, dando um tom
diferenciado ao filme. Se bem ajustadas, elas podem envolver de forma mais eficiente a
platéia e auxiliá-lo em sua busca por ampliar o grupo de espectadores que poderá assistir a seu
filme tentativa que pode incluir também o espectador médio. Acerca da relação do
espectador comum com as inovações tecnológicas nas películas, Rudolph Arnheim ainda
acrescenta:
Los espectadores exigem en las películas la maior semejanza posible com la
realidad y por esto prefierem o filme tridimensional al chato, el em cores al
blanco y negro, el sonoro al mudo. Cada paso que acerca s el cine a la
vida real crea una sensación. Cada nueva sensación equivale a tener llenas
las salas de espetáculos. De aquí el ávido interés de la indústria
cinematográfica en estas inovaciones tecnológicas (ARNHEIM, 1971, p.57).
Esse maior realismo das cenas ainda é reforçado pelo uso simultâneo do som, o qual
permite, ao espectador de Memórias, “desfrutar” do olhar privilegiado que possui, que ele
pode ver, escutar e analisar tudo o que está se desenvolvendo diante de seus olhos sem
interferir ou sofrer conseqüências por estar na platéia da sala de projeção. Neste caso, é
suficiente, para o diretor, o interesse e a afinidade da platéia para com a história narrada. O
espectador de Vidas Secas também possui esse privilégio de apenas observar e poder analisar
a história de Fabiano e de sua família, no entanto, não se pode dizer que ele pode ter prazer no
123
Ao se referir aos problemas estéticos relacionados à cor, Marcel Martin escreve que “[...] ela parece se impor
aos filmes feéricos (Sadko), legendários (Robin Hood), exóticos (O Rio Sagrado), musicais (Sinfonia de
Paris), aos documentários e desenhos animados;
__ Mas certos assuntos aos quais o valor trágico do preto-e-banco parece convir particularmente
bem” (MARTIN,1963, p. 20, grifo nosso).
143
olhar privilegiado que possui, que, estrategicamente, no filme, esse olhar se torna uma
espécie de acusação, que parte do cineasta em direção ao seu público. Por um lado, Pereira
dos Santos apresenta a seu espectador a vida miserável que muitos brasileiros têm levado e o
informa sobre ela, mas de outro lado, lhe indica o quanto está estático diante da realidade
social do país. Como se pode perceber, não existem na construção do filme Vidas Secas
escolhas técnicas e estéticas que levem ao envolvimento da platéia para com a história
narrada, mas sim escolhas que o levam a, se possível, se revoltar e agir diante da situação em
que o país se encontra. Neste caso, sem se apoiar em recursos sonoros – já que poupa palavras
ou qualquer outro tipo de som o filme, nas palavras de Arnheim, chama a atenção do
espectador para as imagens e para a conduta e não perde ou tem seu significado reduzido, mas
denuncia com clareza a situação de milhões de brasileiros, a qual “nenhum brasileiro digno
pode ignorar”.
Também a escolha da trilha sonora mostra-se um ponto a se destacar na diferenciação
entre os dois trabalhos de Santos. Se em Vidas Secas o cineasta enfrenta seus espectadores,
optando por não utilizar uma música bonita ou comovente, mas sim o ranger seco e
melancólico de um carro-de-boi escolha que não envolve, mas distancia o espectador da
trajetória narrada –, em Memórias do Cárcere, o diretor opta por utilizar uma trilha sonora
que não pretende causar sentimentos que distanciem sua platéia, mas que prenda sua atenção,
que permita a identificação com as histórias contadas. É um “[...] recurso de grande efeito e
que de imediato nos insere no clima do filme” (ROCHA, H., ano IV, p. 6). Numa época de
luta pelos direitos civis, o espectador, ao escutar A marcha solemne brasileira, pode vir a se
identificar ou pelo menos ter alguma simpatia com o escritor preso. E logo desaprovar a
situação vivenciada pelo mesmo.
Outra mudança que pode ser compreendida como uma estratégia do diretor nos
diferentes endereçamentos dos dois filmes é a distinção existente entre os ritmos internos das
duas películas. A opção por planos longos imprimiu, em Vidas Secas, um ritmo lento
estética que se referia à divisão estrutural da sociedade brasileira, na qual o lavrador é super-
explorado e se encontra isolado de qualquer solidariedade social –, como também tornou o
filme um obstáculo a vencer para o espectador desprevenido, bem como ao público das
chanchadas ou mesmo o das produções hollywoodianas. Já em Memórias do Cárcere tem-se,
em comparação à Vidas Secas, um ritmo mais dinâmico, que é explicitado na escolha de
planos mais curtos, principalmente. Como se pode perceber, por exemplo, nas seqüências em
que o diretor sintetiza vários dias de estada no Pavilhão dos Primários: após a segunda visita
da esposa do escritor ao cárcere, Santos intercala uma série de cenas que sintetizam alguns
144
dias na prisão, idéia que pode ser compreendida dessa maneira devido às diferenças nas
imagens, como a mudanças das vestimentas, espaços físicos e dos assuntos tratados.
Embora seja grande e sobremodo difícil de se comparar a disparidade entre os planos
mais lentos de Vidas Secas que castigam seu espectador com tamanha lentidão rítmica e
os de Memórias, pode-se notar que os planos mais longos e, portanto, de ritmo mais lento de
Memórias do Cárcere são percebidos, principalmente, em algumas seqüências da Colônia
Correcional, quando a morosidade de algumas cenas pode produzir, para o espectador, uma
espécie de “experimentação” mesmo que visual e sem envolvimento da lentidão temporal
e do sofrimento vivido por Ramos. Sem grandes acontecimentos, a chegada à Ilha Grande é
uma seqüência exemplar para se tratar dessa lentidão. Ao som da música composta por
Gottschalk, o escritor e outros presos saem, bastante amarrotados e suados indicação da
péssima viagem realizada –, do porão de um navio para iniciarem sua jornada até a Colônia.
A princípio estão em grupo, mas a debilidade física de Ramos não lhe permite acompanhar os
outros presos, que seguem em frente e deixam o escritor para trás, acompanhado por três
oficiais. No caminho, trava-se um primeiro diálogo que é iniciado pelo chefe dos soldados, o
qual deseja saber qual o delito cometido pelo escritor. Apresentado de forma bastante
diferente dos outros carcereiros retratados ali, o soldado trata o literato com respeito, dá-lhe a
dignidade que logo ao adentrar os portões do novo cárcere lhe será retirada. O diálogo
prossegue, sob um sol escaldante, que em nada ajuda a locomoção de Ramos, cuja perna
ainda está machucada. Uma espécie de vertigem, sugerida pelo tremular da câmera, que se
coloca como se fosse o olhar do romancista, indica a dificuldade com que ele chegará à sua
nova prisão, que fica à “doze quilômetros de serra”, como indica o soldado. Poucas são as
seqüências tão lentas quanto a da chegada à Ilha Grande que, em comparação à Vidas Secas,
pode ser considerada como animada, por seu diálogo, pela paisagem etc. De forma geral, o
ritmo adotado no longa-metragem é dinâmico, capaz de prender a atenção do espectador
médio, mesmo com as suas três horas e sete minutos de projeção.
Ainda em busca de elementos que indiquem as mudanças históricas ocorridas entre os
dois filmes, pode-se destacar as formas como as duas histórias são apresentadas. Se Vidas
Secas se torna uma escolha mais exigente para o espectador, uma vez que conta sua história
por intermédio da descrição e é uma interpretação que parte de pré-concepções da realidade
brasileira, mostrando primeiro o fato e depois a interpretação de seu resultado – com o
objetivo de produzir conhecimento, característica comum entre os trabalhos produzidos por
integrantes do Cinema Novo –, Memórias do Cárcere segue por um caminho em que narra,
mais do que descreve, uma quantidade de episódios, os quais constituirão a história contada.
145
Nesse filme, Pereira dos Santos faz uma opção por narrar mais as dimensões psicológicas,
particulares dos personagens, do que fazer um filme sociológico. E, neste ponto, não se pode
esquecer dos apontamentos de José Mario Ortiz Ramos ao concluir que foi a partir de O
amuleto de Ogum, produzido em 1974, que Santos experimentou uma “nova” postura, a qual
visava ao distanciamento das noções pré-concebidas da realidade brasileira e procurava
mostrar o povo como detentor do conhecimento e não o diretor. Nessa “nova” postura, não
se visava, sobretudo, produzir conhecimento, pois, também não era mais o diretor quem
“falava” por intermédio de suas imagens, mas era a fase de se “mostrar” o conhecimento do
povo, pois é este quem fala”, através de suas ações que são apenas organizadas pelo diretor
no quadro.
E nessa “nova” forma de conduzir o trabalho, percebe-se que Nelson Pereira, no
tocante à questão do narrador, faz uma opção diferenciada para Memórias do Cárcere. Assim,
se o narrador de Vidas Secas tem um saber absoluto sobre tudo o que se passa com as
personagens e com o meio em que vivem, o de Memórias se limita a apenas apresentar o que
se passa, sem com isso, indicar saber além da história contada ou mais do que o espectador,
que assiste ao desenrolar dos acontecimentos na tela.
Em termos de imagens, é recorrente nos dois filmes a opção, básica, por planos de
conjunto e primeiros planos, todavia, a utilização dos plongés tomada de cima para baixo,
que reduz moralmente aquele a quem se olha – e contre-plongés – tomada de baixo para cima,
cuja função é engrandecer o indivíduo a quem se olha, enaltecendo-o apresenta-se
significativamente diferenciada em ambos os trabalhos. No quinto longa-metragem de Santos,
a utilização desses recursos indica uma condição. Como na seqüência em que depois de ter
sido surrado, Fabiano geme de dor e se encontra, mais uma vez, na condição de humilhado.
De que é exemplo o extrato:
[...]
434. –
Fabiano encostado à parede. um murro [urro] de dor e um pontana
porta.
435. –
O carcereiro aparece [e ordena ao vaqueiro que “cale a boca”]
436. –
Fabiano interrompe o grito, e sentado sobre as pernas, geme baixinho.
437. –
Fabiano gemendo, range os dente, sopra por cima do ombro, e lança ofensas,
olhando com o rabo dos olhos na direção da porta.
[...] (ROTEIRO ..., 1970, p. 39).
A utilização dos dois recursos é um forte indício, para o espectador, da condição de
humilhado e oprimido em que o vaqueiro se encontra. Estando num nível mais baixo de uma
146
pirâmide social, não lhe é permitido protestar contra os seus opressores, restando-lhe apenas o
silêncio. na película de 1984, o contexto é outro e logo as semelhanças se dissipam, o
cineasta se utiliza deste recurso, basicamente, para separar o olhar do narrador e o dos
personagens. Como exemplificam as cenas em que, ao discutir com Graciliano, o dr. Emanuel
o define como comunista. Neste caso, a utilização dos dois tipos de tomadas não indica um
choque de posições sociais como em Vidas Secas – já que tanto o literato, quanto o médico, se
encontram numa mesma condição, a de encarcerados –, mas sim a diferenciação entre o olhar
da câmera, quando exerce a função de narrador, e o olhar dos personagens, que se entreolham
a cada frase pronunciada.
Explorando bem as diferenças entre o vaqueiro Fabiano e o literato Graciliano, Nelson
Pereira, quando tratou do conflito entre personagens, reforçou os distintos endereçamentos de
seus dois filmes. Nos anos 60, ao acreditar na possibilidade e, principalmente, na proximidade
da revolução nacional e popular – crença, na época, partilhada por vários artistas e intelectuais
das esquerdas –, o cineasta inclui em Vidas Secas uma série de seqüências em que quase
conflito entre personagens – como na seqüência em que Fabiano discorda do fazendeiro
quanto ao valor da paga recebida, nas rápidas cenas em que para vender a carne de porco ele
tenta burlar a ordem do fiscal da prefeitura e no episódio com o soldado amarelo, entre outros.
A platéia deste longa-metragem “testemunha” uma série de mandos e desmandos diretamente
ligados à posição inferior em que Fabiano se encontra na estrutura social do país
124
. A
subserviência do vaqueiro torna-se penosa para o seu espectador que, diante deste filme em
que a luta de classes aparece com todo o seu peso, é munido de uma série de razões para se
incomodar com a situação representada na tela e, se possível, tentar mudá-la. É bem verdade
que, em Memórias do Cárcere, também existe a diferenciação social entre os vários
encarcerados, bem como entre os presos e seus carcereiros, todavia, diferindo da platéia de
Vidas Secas, os espectadores de Memóriasque, nos anos 80, vivenciavam um clima político
de discussão de questões como a da democracia e dos direitos civis –, “presenciam” não
apenas o choque entre diferentes, mas também entre iguais. Se em Vidas Secas as autoridades
locais da sociedade coronelística eram unidas e Fabiano não sabia se posicionar frente a seus
opressores logo o embate não se efetivava –, o mesmo não ocorreria com o intelectual
Graciliano Ramos. Ao longo de todo o filme o escritor despreza seus opressores; à saída da
Ilha Grande, ele efetiva um diálogo de enfrentamento com o diretor da prisão. um
124
Compreensão que Fabiano não chega a ter, mas que, num raciocínio ainda em estado bruto, é sintetizada na
frase “governo é governo”. Idéia que leva o vaqueiro a recuar no momento em que, finalmente, poderia se
vingar do soldado amarelo.
147
conflito entre dois iguais, no qual o escritor leva certa vantagem ao desestabilizar o diretor no
momento em que lhe avisa que vai escrever sobre os acontecimentos na colônia como o
diretor pôde muito bem perceber, saber escrever e o que se poderia escrever era algo perigoso.
Enquanto Fabiano não tem consciência do processo histórico em que está inserido, em
Memórias do Cárcere, além da postura consciente de Ramos, outros personagens sabem pelo
que lutam, combatem com suas atitudes a ditadura e, estrategicamente, contribuem para a
sensibilização de espectadores que também repudiem formas ditatoriais. Como na seqüência
em que, iniciada pelo carregar de um preso que passava mal, o popular nordestino Mário
Pinto, a partir do simples sacolejar de uma garrafa, inicia uma tímida e solitária canção que,
aos poucos, vai ganhando a atenção, adesão e força de mais vozes, as quais se unem a sua
melodia, chamando, desse modo, a atenção de passageiros e tripulantes da embarcação e
terminando num clima de vigoroso protesto. Se, no que tange a sua condição de encarcerados,
os presos nada podiam fazer por si próprios, a canção de amor
125
é convidativa a vários deles
para extravasar sua revolta diante da platéia, que se aglomera frente à porta de entrada para o
porão. Numa interpretação bastante vivaz, a canção O canto da ema surge como um sinal de
fortaleza, de desafio a aqueles a quem se repudiava com se pode notar na atitude de Soares,
que ao perceber que a música era apreciada por vários passageiros do navio, se levanta,
começa a cantar e gesticular com bastante intensidade.
A opção por uma narrativa clássica, também desponta como um importante elemento a
se destacar. Se no início dos anos 60, a narrativa barroca de Glauber Rocha, em Deus e o
diabo na terra do sol, maravilhava a uns, ao mesmo tempo em que chocava a outros, a
narrativa clássica de continuidade de Vidas Secas não era menos crítica ou deixava de
incomodar os seus espectadores. A naturalidade proporcionada por essa escolha auxiliava
Nelson Pereira a incitar os espectadores de Vidas Secas a despertarem de sua passividade e
agirem. Duas décadas depois, a opção pelo mesmo tipo de narrativa pode ser compreendida,
em Memórias do Cárcere, como uma estratégia que aproxima o cineasta do espectador, uma
vez que, se distanciando do cinema chamado de moderno, em que a montagem chamava a
atenção para si através da dissonância e quebra da unidade do som e da imagem, entre outras
características, o diretor pôde propiciar, de forma mais prazerosa para quem assiste ao seu
décimo quarto longa-metragem o que Ismail Xavier definiu, em O olhar e a cena:
125
“O canto da ema” “A ema gemeu no tronco do juremau/ Foi um sinal bem triste, morena/ Fiquei a
imaginar/ Será que é o nosso amor, morena/ Que vai se acabar?/ Você bem sabe, que a ema quando canta/
Traz no meio do seu canto um bocado de azar/ Eu tenho medo, morena, eu tenho medo/ Pois acho que é muito
cedo/ Pra esse amor se acabar/ Vem morena, vem, vem, vem/ Me beijar, me beijar/ um beijo, dá um beijo/
Pra esse medo se acabar” – (Ayres Viana, Alventino Cavalcante e João do Vale).
148
melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues, como o acordo estabelecido,
previamente, entre o blico e o diretor. Segundo Xavier, o espectador aceita e valoriza o
olhar cinematográfico devido ao usufruto do olhar privilegiado que o cinema lhe garante, é
uma
[...] condição prazerosa de ver o mundo e estar a salvo, ocupar o centro sem
assumir encargos, [ou seja] estou presente, sem participar do mundo
observado. [...] Salto com velocidade infinita de um ponto a outro, de um
tempo a outro. Ocupo posições de olhar sem comprometer o corpo, sem os
limites do meu corpo. Na ficção cinematográfica, junto com a câmera, estou
em toda parte e em nenhum lugar; em todos os cantos, ao lado das
personagens, mas sem preencher espaço, sem ter presença reconhecida. Em
suma, o olhar do cinema é um olhar sem corpo. Por isso mesmo ubíquo,
onividente. Identificado com esse olhar, eu espectador tenho o prazer do
olhar que não está situado, não está ancorado vejo muito mais e melhor
(XAVIER, 2003, p. 36).
Dessa forma, o espectador de Memórias do Cárcere pode olhar e, sobretudo, desaprovar as
práticas da ditadura representadas no quadro. A estratégia empregada é aproximar os
pensamentos da platéia com os do diretor, que os maus tratos sofridos pelas personagens
possibilita o partilhar de um sentimento comum, bem como a proximidade das idéias do
cineasta e de seu público.
No que tange aos orçamentos de ambas as películas, uma diferenciação
significativa. É bem verdade que não podemos avaliar muito de perto a questão, que se
tratam de variações financeiras existentes num distanciamento histórico de vinte anos. No
entanto, também é esse espaçamento temporal que nos permite pensar nesta questão sob o
ângulo do caminho construído por Santos que, nos anos 80, concebia a realização de uma
“grande produção”, algo impensado e não tão necessário nos engajados anos 60. Quando
filmou a trajetória do vaqueiro Fabiano e de sua família, Nelson Pereira, que já havia
realizado outros quatro filmes, ainda encontrava dificuldades na captação de recursos para
seus trabalhos. Segundo o produtor Luiz Carlos Barreto, o filme “‘[...] se pagou porque
recebeu um prêmio do Lacerda, que era governador do Estado e se entusiasmou muito com o
filme [...]’” (BARRETO apud SALEM, 1989, p. 175). Além das dificuldades na captação de
recursos, outro ponto importante a destacar é a influência das experiências neo-realistas no
Brasil, as quais mostraram possibilidades e estimularam muitos cineastas brasileiros a
realizarem filmes que se pretendiam obras de arte, mesmo com parcos recursos financeiros.
Vinte anos depois, alguns cineastas como Nelson Pereira dos Santos e o outros diretores
ligados ao movimento do Cinema Novo, principalmente, colhiam os frutos de uma luta
iniciada nos anos 50: o amparo estatal. Patrocinado pela Embrafilme, além de outros
149
produtores privados, o novo longa-metragem de Nelson Pereira dos Santos conta com um
orçamento de cerca de “550 mil dólares”, na informação de Helena Salem. Fato que
possibilita ao cineasta a trabalhar num clima de superprodução, característica evidenciada em
algumas escolhas, como a de uma equipe numericamente superior à de Vidas Secas,
investimentos em cenários
126
e vestimentas e opção por trabalhar com atores profissionais,
uma grande diferenciação em relação ao quinto longa-metragem, no qual o único ator com
experiência profissional era Átila Iório
127
. Apesar de não ser um dos filmes mais caros da
época, Memórias do Cárcere apresenta, em comparação à Vidas Secas, uma grande mudança
de perspectiva no que tange à direção de superproduções.
Inspirados em livros de época, como em conversas da figurinista Lígia Medeiros com
D. Heloísa Ramos, os figurinos de Memórias do Cárcere também marcam uma importante
diferenciação entre as duas películas e podem ser considerados como mais um artifício
cinematográfico utilizado pelo diretor em sua busca por envolver o público comum, uma vez
que, como bem observaram Stephenson e Debrix, o vestuário não procura ser uma cópia da
realidade, portanto, não visa simplesmente vestir bem ao elenco, mas é uma contribuição para
o conjunto artístico. Assim, se em Vidas Secas Nelson Pereira não precisou se distanciar
historicamente para recuperar o tipo de vestimenta utilizado pelos personagens, uma vez que
gibão e vestido de chita ainda faziam parte do vestuário sertanejo, em Memórias o mesmo não
acontece. Numa época em que a televisão brasileira, sobretudo a Rede Globo, consolidava a
estratificação de seu público, com programações divididas por faixa etária e áreas de
interesses, o décimo quarto longa-metragem do cineasta era um filme de época que, se
referindo ao decênio de 1930, poderia vir a exercer um certo fascínio sob o espectador
comum, que inseria seus personagens num outro momento da história nacional e fornecia
ao espectador referências acerca da moda, hábitos e costumes daquele tempo.
126
Em nota do periódico paulista Folha de São Paulo, de 14 de setembro de 1983, tem-se a informação de que
“somente no projeto do cenógrafo Irênio Maia, que recria o porão do navio, foram gastos cerca de Cr$ 30
milhões. ‘O investimento compensou’, diz o diretor Nelson Pereira dos Santos, ‘pois o maquinário reproduz a
água, constantemente batendo no porão, misturada a fezes e urina, onde se movimentam os 50 prisioneiros’”
(CAMBARÁ, 14/09/83, p. 29).
127
Segundo Helena Salem, o restante do elenco foi arregimentado pelo também desconhecido Jofre Soares. Ao
chegar em Palmeira dos Índios, Nelson Pereira tem “[...] uma feliz surpresa: Jofre Soares se desincumbira
com maestria em sua missão. O elenco estava todo escolhido, perfeito. E, o maior presente: dois meninos,
Gilvan (ou Piloco) e Genival, de aproximadamente cinco e sete anos, que até cantavam embolada, filhos do
dono de um hotelzinho local, absolutamente adequados para os personagens dos filhos de Sinhá Vitória e
Fabiano. Conta Jofre: ‘Quando Nelson escutou o Piloco e o Genival cantarem embolada, olhando para a cara
dele, nos olhos dele, ele, que é meio frio, senti assim como se eu tivesse descoberto a pólvora. O Nelson
começou logo a fumar muito, a beber, e eu pensei: parece que agradei. Quando a gente voltou para o hotel, ele
me disse: ‘Pô, marinheiro, você escolheu o meu elenco!’. Nelson decidiu que Jofre faria também o fazendeiro
do filme. E, finalmente, a cachorrinha Baleia seria comprada numa feira de mesmo, por mil cruzeiros, vira-
lata, claro, de nome original Piaba (nome de um peixe pequenininho)” (SALEM, 1989, p. 166).
150
Semelhantemente aos figurinos, os cenários de ambos os filmes não se diferenciam
apenas pelo tipo de história que narram, que uma é rural e a outra é urbana, mas pelo
investimento financeiro e tratamento estético com que cada cenário é apresentado. Para contar
a história de Fabiano e de sua família, Santos, com tomadas mais externas do que internas,
investe numa cenografia que explicita as diferenças econômicas e sociais entre as elites
coronelísticas e a paupérrima família sertaneja. De uma forma geral, pode-se dizer que a
natureza possui seus recursos próprios e se sustenta; o patrão, bem como os membros
localizados em postos mais altos da sociedade coronelística, como o padre e o delegado, entre
outros, também possuem seu sustento e algum luxo, enquanto a família de Fabiano reside em
uma casa emprestada, cujo mobiliário é escasso apenas o que é de grande necessidade,
como um fogão à lenha, uma mesa, um banco, uma cama de varas e, mesmo assim, tudo
construído de forma improvisada –, o restante de seus utensílios cabem no baú que, ao início
do filme, é carregado por sinhá Vitória em sua cabeça. A pobreza da família é evidente, e o
cineasta faz questão de destacá-la. Já na casa do fazendeiro, existem móveis, objetos
específicos, como uma garrafa de café, xícara, pires, papel, enfim, uma série de utensílios
supérfluos na habitação do vaqueiro. Nas seqüências da festa na cidade, os cenários
apresentam as fachadas de uma série de casas e estabelecimentos, representativos de uma
típica cidadezinha do interior, com algumas construções, portas e janelas grandes e largas,
casas de telha, ruas largas e sem qualquer tipo de pavimentação e uma igreja de alvenaria ao
centro.
Embora, em termos de tempo histórico, as duas histórias não estejam tão distantes
assim – já que, no filme, a narrativa de Vidas Secas se passa nos primeiros três anos da década
de 1940 e a de Memórias do Cárcere, na segunda metade do decênio de 1930 –, o tratamento
no cenário do décimo quarto longa-metragem de Nelson Pereira é outro, suas tomadas são, em
sua maioria, internas e ricas em detalhes para o espectador. Além disso, Memórias não é um
filme rural, mas urbano, uma característica que, mais próxima da realidade dos espectadores
do filme nos anos 80 –, também poderia vir a conquistar o seu interesse e simpatia, através
de uma série de detalhes que lhe apresentam traços dos anos 30. E diferindo da dura,
incômoda e atrasada realidade vivenciada por milhões de sertanejos no sertão nordestino,
como apresenta Vidas Secas, a primeira imagem não textual de Memórias do Cárcere é
luxuosa; longe do casebre onde vivia Fabiano, o espectador de Memórias o Palácio do
Governo de Maceió, local de trabalho de Graciliano Ramos, que recebe um oficial em seu
gabinete, uma sala clara, bem mobiliada e com ares suntuosos como o de um teatro municipal.
Até mesmo a casa de Ramos é muito diferente da de qualquer personagem de Vidas Secas,
151
devido à existência de energia elétrica, grande quantidade de móveis e adereços, como
quadros, cortinas e objetos de decoração, enfim, uma série de utensílios que contribuem para a
compreensão do espectador de que, naquela sociedade, Ramos era um homem importante. No
que tange à rápida apresentação da capital de Alagoas, vê-se construções de casas de alvenaria
com um certo estilo arquitetônico há, em relação à Vidas Secas, a permanência de uma
arquitetura que comporta grandes portas e janelas –, automóveis, uma praça decorada com
bancos, as ruas são pavimentadas, existem muros, em linhas gerais, há toda uma apresentação
minuciosa que distancia largamente os décors de Memórias e de Vidas Secas. Também nos
outros cenários utilizados, como o do porão do navio, do Pavilhão dos Primários e da Ilha
Grande, toda uma preocupação com detalhes que possam melhor expressar a situação
vivenciada por aqueles personagens. Exemplo dessa grande preocupação com os detalhes
pode ser encontrado nas seqüências do navio em que o maquinário cenográfico reproduz a
água que, misturada a fezes e urina, bate, constantemente, no porão onde se encontravam os
prisioneiros uma referência aproximativa dos apontamentos de Ramos. Enquanto as
locações de Vidas Secas se restringiram, quase que exclusivamente, à fazenda emprestada por
Clóvis Ramos, em Memórias do Cárcere, depois das tomadas de Maceió, Santos, na
informação de Salem, construiu o cenário do Pavilhão dos Primários e do porão do navio em
uma estação de bonde desativada, em Campo Grande, além de num sítio, também em Campo
Grande, e na própria Ilha Grande realizou as tomadas referentes à Colônia Correcional.
Como procuramos historiar, várias são as diferenças técnicas e estéticas que separam
Vidas Secas e Memórias do Cárcere. Sustentado no discurso social de Graciliano Ramos, e
construindo e pactuando com algumas das perspectivas cinematográficas de ambos os
períodos, o cineasta Nelson Pereira apresentou escolhas que indicam os diferentes
endereçamentos de seus filmes, bem como a sua busca por influenciar o momento histórico
em que produzia ambas as películas. Assim, pode-se dizer que em Vidas Secas, Santos
mesmo sem muita consciência – fez um filme para poucos, distanciou-se do espectador médio
e do grande público. Seu objetivo era, nos anos 60, incitar a todos os “brasileiros dignos”
128
a
mudar a situação de “[...] extrema miséria que escraviza 27 milhões de nordestinos e que
nenhum brasileiro digno pode mais ignorar” (SANTOS, 1963, filme). no segundo filme, o
diretor, compreendendo a existência de um mercado que pode ser conquistado também pelo
cinema, traz ao grande ecrã uma nova denúncia e, dessa vez, não incita seus espectadores a
agir, basta apenas assistir ao filme como sinal de repúdio, ou seja, haveria uma empatia
128
Ou seja, tanto o seu reduzido grupo de espectadores, quanto o povo, para o diretor localizado na classe
trabalhadora, principalmente.
152
imediata entre o público e o diretor, pois, em 1983, esses espectadores poderiam vir a se
identificar com um homem, intelectual classe média que sofreu injustamente.
153
CONCLUSÃO
154
Como bem se sabe, o debate político e estético do ebuliente contexto histórico dos
anos 60 seria significativamente marcado por uma série de propostas revolucionárias, fossem
elas, como bem observou Marcelo Ridenti, pessoais, políticas, econômicas, culturais, enfim,
propostas que caminhavam em todos os sentidos e com os mais diferentes significados.
Enquanto alguns se inspiravam na revolução cubana ou na chinesa, outros se
mantinham fiéis ao modelo soviético, enquanto terceiros faziam a
antropofagia do maio francês, do movimento hippie, da contracultura,
propondo uma transformação que passaria pela revolução nos costumes.
Rebeldia contra a ordem e revolução social por uma nova ordem mantinham
diálogo tenso e criativo, interpretando-se em diferentes medidas na prática
dos movimentos sociais, expressa nas manifestações artísticas e nos debates
estéticos (RIDENTI, 2000, p. 44).
Emergia uma geração de intelectuais que, forjada entre o período populista-
desenvolvimentista (1945-64), se encontrava bastante sensibilizada por questões referentes ao
desenvolvimento e à emancipação nacional.
O cinema, pela primeira vez na história do país, tomaria a dianteira de uma série de
discussões e ações do campo cultural. E, neste sentido, vários foram os integrantes do meio
cinematográfico sobretudo os ligados ao Cinema Novo que, ao realizarem, de forma
engajada, uma leitura crítica sobre a sociedade brasileira de até então, procuraram influenciar
o inquieto momento histórico brasileiro. Iniciava-se o que Ismail Xavier definiu como
“uma tendência do intelectual cineasta”, uma vez que estes profissionais procuravam ser cada
vez mais incisivos em suas propostas. “‘Até se cunhou a postura do cineasta que quer dar o
grande recado, que quer fazer um grande diagnóstico geral, como uma postura autoritária’”
(XAVIER, 1986 apud MORAES, p. 20).
Partilhante desta nova postura adotada por vários integrantes do meio cinematográfico
brasileiro caracterizada, principalmente, pela defesa de uma arte nacional-popular,
produtora de conhecimento –, Nelson Pereira dos Santos recorreria, nos anos em pauta, a um
texto do escritor alagoano Graciliano Ramos para representar, cinematograficamente, a
miserável vida levada por milhões de brasileiros; além de iniciar uma longa lista de filmes
inspirados em obras literárias.
Para além da profunda admiração e identificação de idéias do jovem cineasta para com
o celebrado literato, a escolha da obra Vidas Secas (1938) se daria justamente por seu
caráter de denúncia social e política argumentação bastante pertinente para alicerçar a linha
de trabalho que essa nova geração de cineastas queria produzir, bem como para se referir ao
efervescente contexto histórico dos anos 60, no qual, dentre as várias discussões e
perspectivas em voga, vigorava a crença na proximidade da revolução social, refletia-se sobre
155
a condição de subdesenvolvimento do chamado Terceiro Mundo e vinha à tona uma discussão
acerca de um velho tabu: a reforma agrária, uma discussão que era impulsionada,
principalmente, pela crescente atuação das Ligas Camponesas. Em entrevista à Helena Salem,
Santos ainda acrescentaria: “‘[...] Na época em que eu fiz Vidas Secas, não havia nenhuma
produção acadêmica que colocasse tão claramente a questão da população nordestina, nada
tão forte e tão direto’” (SANTOS apud SALEM, 1987, p. 173).
Fiel à idéia de Graciliano e realizando um trabalho que pretendia alcançar o status de
obra de arte, Nelson Pereira, a partir das escolhas técnicas que fez como a luz estourada,
ausência de trilha sonora, ou, entre outras, as morosas seqüências descritivas –, tornou seu
filme bastante exigente para os seus espectadores, sobretudo para o grande público. E é a
partir dessas escolhas que o diretor, em certa medida, já decidia a sorte de seu longa-
metragem no que se referia à questão dos espectadores, uma vez que ele não favoreceu a
representação das personagens para ganhar a empatia do grande público. Como bem expressa
a já citada crítica redigida por Octávio Bonfim: “Os próprios realizadores da película sabem, e
orgulham-se disso, que ela é difícil para as platéias indiferentes” (BONFIM, O., 21/08/63).
Duas décadas depois, Nelson Pereira dos Santos, mais experiente e já inserido em uma
nova conjuntura histórica, se inspiraria, outra vez, em uma obra de Graciliano Ramos,
Memórias do Cárcere (1953) também caracterizada por claras denúncias sociais e políticas.
Novamente fiel às idéias de Ramos apesar de em alguns momentos se permitir, em
comparação à Vidas Secas, uma maior liberdade –, o diretor realizou escolhas que, face à
adaptação do seu quinto longa-metragem, tornaram Memórias um filme palatável não apenas
para as platéias experientes, mas também para os espectadores medianos. Ainda em
comparação à Vidas Secas, pode-se dizer que o décimo quarto longa-metragem do cineasta
era um filme mais perto de ser divertimento.
Se Pereira dos Santos, nos anos 60, não fez concessões políticas
129
ao apresentar a vida
miserável levada pela família de Fabiano e, em concordância com as idéias já apresentadas
por Ramos na obra impressa, tem como um de seus temas centrais a submissão forçada,
herdada e incrustada na mente e no corpo do campônio nordestino –, na década de 80, ao
contrário, a personagem de Memórias é um escritor de talento, um homem com quem o
espectador é convidado a se identificar. Graciliano tem méritos, como a capacidade de julgar
semelhante à de seus espectadores –, de se situar e de situar a injustiça. Sobretudo ao
129
A utilização do presente termo justifica-se na idéia, destacada, de que o cineasta, tinha em mente um
público “ideal”, um público que se afinaria com uma leitura intransigente da realidade brasileira, a
revolucionar, e aceitaria uma estética “pobre” com cenas longas, silenciosas, etc.
156
escrever, ele luta, como indicam as suas palavras ao diretor da Ilha Grande: “Vou fazer um
[livro] sobre a Colônia Correcional. Duzentas páginas, ou mais. Os senhores me deram
assunto magnífico. Uma história curiosa, sem dúvida” (RAMOS, G., 1979, v. 2, p. 150). O
patamar de Memórias é próprio do gênero testemunhal, mostra-se, na maioria das vezes,
como um ato de resistência. Idéias essas que, em 1984, poderiam ser comungadas por
espectadores e diretores. Em boa medida, pode-se dizer que Nelson Pereira, ao almejar um
diálogo com a maior quantidade possível de espectadores e manter certa fidelidade ao texto de
Ramos, não precisou encontrar “todos” os caminhos da empatia entre o espectador e seu
filme, já que, frente às mudanças político-sociais e culturais apresentadas pela sociedade
brasileira do decênio de 1980, a personagem de Graciliano permite uma grande facilidade de
identificação e mesmo admiração, visto o seu talento e espírito de luta, características essas
que já estavam dadas a partir da escolha do livro.
Em finais dos anos 60, o crítico Jean-Claude Bernardet, ao analisar uma série de
filmes brasileiros produzidos entre os anos de 1958 e 1966 dentre eles Vidas
Secas –, observava que o cinema produzido por esta geração de cineastas que pretendia, com
seus filmes, participar da luta que se travava para a afirmação de sua classe e refletir sobre ela,
não era um cinema popular, mas um “[...] produto da classe média, sobre a classe média, para
o consumo da [própria] classe média” (SANTEIRO, 1968, p. 166). Apesar de Brasil em
tempo de cinema se ressentir quanto à questão conceitual, que a utilização do conceito
“classe média” acaba por homogeneizar um grupo bastante heterogêneo, não se pode ignorar
os significativos apontamentos realizados pelo seu autor no que se refere à questão do público
do período estudado. Assim, embora diretores como Nelson Pereira dos Santos e Glauber
Rocha, entre outros, transpusessem para o cinema problemas das classes menos favorecidas,
eles acabaram por, na maioria das vezes, passar ao largo do grande público, uma vez que, de
forma engajada, procuraram elevar seus trabalhos ao status de obra de arte. É bem verdade
que outros fatores também contribuíram para o isolamento dessas produções engajadas
como a situação econômica dos espectadores, que em muitos casos não possuíam condições
para pagar o ingresso, a difícil inserção no mercado nacional, inundado pelas produções
estrangeiras, e na concorrência com as próprias produções nacionais ainda se disputava
espaço com as “chanchadas”, a quase inexistência de leis que protegessem e apoiassem as
produções nacionais, entre outras todavia, nos anos 60, não se pode dizer que havia um
público para cinema nacional, sobretudo para cinema de arte, pois, segundo Jean-Claude
Bernardet, o país possuía uma mentalidade importadora:
157
[...] para o blico brasileiro, cinema é cinema estrangeiro [já que o existia
uma tradão cinematográfica brasileira] [...]. No setor da crítica
cinematográfica, o fenômeno é quase o mesmo. Os críticos pertencem a essa
elite que via cultura em produções estrangeiras, as quais, na maioria dos
casos, exigiam deles apenas um juízo acertado (BERNARDET, 1976, p. 20
22).
Se Bernardet conclui que, até meados dos anos 60, não havia espectadores para este
novo tipo de cinema, o crítico não deixa de indicar a urgência de se estabelecer o diálogo com
o grande público, perspectiva essa que apresentará os seus primeiros sinais em fins do decênio
de 1960 e inícios da década seguinte depois de frustradas as expectativas quanto à tão
profetizada revolução social. A partir daí, o cinema se apresentaria “‘[...] menos autoritário e
mais preocupado com o diálogo’” (XAVIER, 1986 apud MORAES, p. 20). Enquanto o país
se transformava, as chamadas classes médias se subdividiam cada vez mais, fato este que
permitia um maior diálogo entre cineastas e público, desde, é claro, que os cineastas notassem
a presença de espectadores na sala escura.
Consciente dessas mudanças e sabendo explorar as diferenças que distanciavam,
largamente, o campônio Fabiano do escritor Graciliano Ramos, Nelson Pereira dos Santos
poderia então se aproximar e, de certa forma, intentar o envolvimento de um maior grupo de
espectadores com o seu novo longa-metragem. Espectadores esses que, integrando uma classe
média de exigências estéticas bastante variadas e suficientemente abastada para poder pagar o
ingresso, poderiam se sentir interpelados pelo endereçamento político do filme.
Como bem destacou Jacques Aumont, é histórica a preocupação dos mais diversos
cineastas em “influenciar” seus espectadores
130
; essa preocupação apareceu direta ou
indiretamente nas obras de vários diretores, sobretudo nos filmes de Eisenstein. Intelectual da
cultura que é, Nelson Pereira dos Santos não pode ser definido como um cineasta
comercialmente apelativo ou mesmo que resolveu sê-lo a partir de um determinado momento
da sua história. Seus filmes não são comerciais – no sentido mais pejorativo da palavra –, eles
vão ao encontro de um certo tipo público que não vive de televisão e não tem simpatia por
injustiças sociais. Assim, pode-se dizer que foi com o passar do tempo, e com o desenrolar
das reflexões acerca da relação entre cinema e público, que o cineasta, como vários outros
diretores, percebeu o descompasso existente entre as expectativas dos cineastas atuantes nos
primeiros anos da década de 60 e a realidade mercadológica do país, ou se preferir,
130
De acordo com Aumont,“[...] é possível estimar, por exemplo, que Griffith era extremamente sensível à
influência que seus filmes exerciam. É claro que o final de Nascimento de uma nação (1915), com seu last
minute recue (“salvamento de última hora”), que ocupa uma parte enorme da narrativa, joga deliberadamente
com a angústia provocada no espectador pela forma da montagem alternada, com a intenção confessa de
forçar a simpatia pelos salvadores (a Ku-Klux-Klan)” (AUMONT, 1995, p. 228, grifos do autor).
158
interiorizou algo que não estava presente em 1963, a saber, a atenção a questões
mercadológicas. Mesmo não se orientando, exclusivamente, por questões de mercado, Santos
percebe que também está inserido neste, compreende que há um público ainda não alcançado,
cuja sedução pode se dar através de recursos cinematográficos de identificação e projeção.
Diante dessas proposições e como observara Alcides Ramos, em Canibalismo dos
Fracos: cinema e história no Brasil, ainda convém destacar que as intenções de um autor
podem ser melhor verificadas quando se acompanha o processo de construção de sua obra
indagando-se desde os textos básicos em que o artista se apoiou até, finalmente, a forma com
que ele os interpretou. Neste sentido, procurou-se ao longo deste estudo apresentar o novo
direcionamento ideológico ocorrido na obra de Nelson Pereira dos Santos, entre a realização
de Vidas Secas (1963) e Memórias do Cárcere (1984). Trabalhando com o prisma analítico
dos teores ideológicos da adaptação cinematográfica tendo em vista que estes estão em
função justamente do momento da distribuição do filme, da história do cinema, do cineasta,
da época e do seu público –, procurou-se mostrar que os meios técnicos utilizados medeiam a
mudança de abordagem ideológica realizada pelo diretor em relação ao blico. Intentou-se,
antes de tudo, contemplar a intelectualidade artística, bem como a análise dos meios
cinematográficos.
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177
ANEXOS
178
ANEXO A - FILMOGRAFIA DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS
131
ASSISTENTE DE DIREÇÃO
O SACI – 1951.
(Baseado no romance homônimo de Monteiro lobato)
Produção: Artur Neves, Hugo Nanni. Roteiro e direção: Rodolfo Nani. Fotografia: Ruy Santos.
Direção de produção: Alex Viany. Assistente de Direção: Nelson Pereira dos Santos. Música: Cláudio
Santoro. Montagem: José Canizares. Elenco: Paulo Matosinho, vio Nanni, Aristéia Paula e Souza,
Olga Maria, Otávio Araújo e Maria Rosa Ribeiro.
AGULHA NO PALHEIRO 1952.
Produção: Flama. Roteiro e Direção: Alex Viany. Fotografia: Mário Pagés. Assistente de direção:
Nelson Pereira dos Santos. Música: Cláudio Santoro. Montagem: Rafael Justo Valverde. Elenco: Fada
Santoro, Roberto Batalin, Dóris Monteiro, Jackson de Souza, Sarah Nobre, César Cruz, Helba
Nogueira, Hélio Souto e Carmélia Alves.
BALANÇA, MAS NÃO CAI – 1953.
Produção: Mauá Filmes. Direção: Paulo Vanderlei. Roteiro: Mário Brassini, Max Nunes e Paulo
Gracindo. Fotografia: Ruy Santos e Mário Pagés. Diretor de Produção Alex Viany. Assistente de
Direção: Nelson Pereira dos Santos. Montagem: Rafael Justo Valverde. Elenco: Paulo Gracindo,
Brandão Filho, Marlene, Herval Rossano, Sérgio de Oliveira, Mário Lago, Apolo Correia, Ambrósio
Fregolente e Wilson Grey.
DIREÇÃO (LONGAS-METRAGENS)
RIO, 40 GRAUS – (Realização: 1954-55. Lançamento: 1956).
Ficha Técnica Argumento, direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Assistente de direção: Jece
Valadão. Fotografia: Hélio Silva. Assistente de fotografia: Ketti e Ronaldo Ribeiro. Cenografia:
Julio Romito e Adrian Samailoff. Montagem: Rafael Justo Valverde. Trilha sonora: Radamés Gnatalli.
Músicas: Ketti, Táu Silva, Moacir Soares Pereira, José dos Santos e Amado Régis. Continuidade:
Guido Araújo. Produção: Nelson pereira dos Santos, Mário Barros, Ciro Freire Cúri, Luis Jardim,
Louis Henri Guitton e Pedro Kosisnk (Equipe Moacyr Fenelon). Distribuição: Colúmbia. Elenco: Jece
Valadão, Glauce Rocha, Roberto Batalin, Cláudia Moreno, Antônio Novais, Ana Beatriz, Modesto de
Souza, Ketti, Arinda Serafim, Artur Vargas Júnior, Elza Viany, Nílton Apolínário, José Carlos
Araújo, Haroldo de Oliveira, Escola de Samba portela, escola de Samba Unidos do Cabuçu.
131
Filmografia baseada nos trabalhos: PAPA, D. (Dir.). Nelson Pereira dos Santos, uma cinebiografia do
Brasil: Rio 40 graus 50 anos. Rio de Janeiro: Onze do Sete Comunicação (Catálogo Programa Diretores
Brasileiros CCBB e UFRJ); GUBERNIKOFF, G. O cinema de Nelson Pereira dos Santos uma
contribuição ao estudo de uma personalidade artística. 1985. 360 f, 2 v. Dissertação (Mestrado em Artes)
– Escola de Comunicação e Artes Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985; SALEM, H. Nelson
Pereira dos Santos: o sonho possível do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Recor, 1987.
179
RIO, ZONA NORTE – (Realização: 1957. Lançamento: 1957).
Ficha técnica Argumento, direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Fotografia: Hélio Silva.
Montagem: Rafael Justo Valverde. Música: Alexandre Gnatalli e Kétti. Produção: Nelson Pereira
dos Santos e Ciro Freire Cúri. Distribuição: Lívio Bruni. Elenco: Grande Otelo, Malu, Jece Valadão,
Maria Pétar, Paulo Goulart, Artur Vargas Jr., Iracema Vitória, Haroldo de Oliveira, Ketti, Ângela
Maria e Laurita Santos.
MANDACARU VERMELHO – (Realização: 1960. Lançamento: 1961).
Ficha técnica Argumento, direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Assistente de direção: Luís
Teles. Fotografia: Hélio Silva. Assistente de fotografia: Luís Paulino dos Santos. Montagem: Nelo
Melli. Música: Remo Usai. Assistente de produção: Ivan de souza e Mozart Cintra. Produção: Nelson
Pereira dos Santos e Danillo Treles. Elenco: Nelson Pereira dos Santos, Ivan de Souza, Sônia Pereira,
Miguel Torres, José Teles, Luiz Paulino dos Santos, Mozart Cintra, Enéas Miniz, João Duarte e Mira.
BOCA DE OURO(Realização: 1962. Lançamento: 1963).
Ficha técnica Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, baseado na peça homônima de Nelson
Rodrigues. Assistente de direção: Ivan de Souza. Fotografia: Amleto Daissé. Operador de câmera:
José Rosa. Cenografia: Cajado Filho. Montagem: Rafael justo Valverde. Sonorização: Jorge dos
Santos e Nelson Ribeiro. Produção: Jarbas Barbosa, Gilberto Perrone, Copacabana Filmes Ltda.
Produtor associado: Imbracine e Fama filmes. Distribuição: Herbert Richers Produções
Cinematográficas. Elenco: Jece Valadão, Odete Lara, Daniel Filho, Maria Lúcia Monteiro, Ivan
Cândido, Adriano Lisboa, Sulamith Yaari e Wilson Grey.
VIDAS SECAS – (Realização: 1962/63. Lançamento: 1963).
Ficha técnica Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, extraído do romance homônimo de
Graciliano Ramos. Fotografia: José Rosa e Luiz Carlos Barreto. Montagem: Rafael Justo Valverde.
Técnico de som: Geraldo José. Produção: Herbert Richers, Danilo Trelles, Luiz Carlos Barreto.
Distribuição: Sino Filmes. Elenco: Átila Ilório (Fabiano), Maria Ribeiro (Sinhá Vitória), Orlando
Macedo (sildado Amarelo), Jofre Soares (Fazendeiro), os meninos Gilvan e Genivaldo e a cachorra
Baleia.
EL JUSTICERO – (Realização: 1966. Lançamento: 1967).
Ficha técnica Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, extraído da novela As vidas de El
Justicero de João Bithencourt. Fotografia: Hélio Silva. Cenografia e figurinos: Luiz Carlos Ripper.
Montagem: Nelo Melli. Música: Carlos Alberto Monteiro de Souza. Som: Luiz Carlos Carneiro,
Geraldo José, Sidney Paiva Lopes. Assistente de produção: Mario Falaschi. Produção e distribuição:
Condor Filmes. Elenco: Arduíno Colasanti, Adriana Prieto, Márcia Rodrigues, Emmanuel Cavalcanti,
Álvaro Aguiar, Rosita Thomás Lopes, Selma Coronezzi, Emilson Fróes. Thelma Reston, Olga
Danitch, Octavio Bezerra.
180
FOME DE AMOR - Você nunca tomou banho de sol inteiramente nua? (Realização: 1967.
Lançamento: 1968).
Ficha técnica direção: Nelson Pereira dos Santos e Luiz Carlos Ripper, inspirado na novela História
para se ouvir de noite, de Guilherme Figueiredo. Fotografia: Dib Luft. Cenografia: Luiz Carlos
Ripper. Montagem: Rafael Justo Valverde. Música: Guilherme Magalhães Vaz. Som: Aloísio viana.
Produção: Herbert Richers e Paulo Porto. Produtor executivo: Paulo Porto. Distribuição: Herbert
Hichers. Elenco: Leila Diniz, Arduíno Colassanti, Irene Stefânia, Paulo Porto, Manfredo Colassanti,
Lia Rossi e Olga Danitch.
AZYLLO MUITO LOUCO – (Realização: 1969. Lançamento: 1971).
Ficha técnica direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, adaptação livre de O alienista, conto de
Machado de Assis. Fotografia e câmera: Dib Lufti. Cenografia e figurinos: Luiz Carlos Ripper.
Montagem: Rafael Justo Valverde. Música: Guilherme Magalhães Vaz. Assistente de direção: Luiz
Carlos Lacerda de Freitas. Continuidade: Carlos Alberto Camuyrano. Diretor de produção: Irênio
Marques Filho. Produção: Nelson Pereira dos Santos, Luiz Carlos Barreto e Roberto Farias.
Produtores associados: Roberto Castro, Medrado Dias, Cesar Thedim. Companhia produtora: Nelson
Pereira dos Santos/Produções Cinematográficas roberto Farias/Difilm. Distribuição: Ipanema Fimes.
Elenco: Nildo Parente, Isabel Ribeiro, Arduíno Colassanti, Irene Stefânia, Manfredo Colassanti,
Nelson Dantas, José Kléber, Ana Maria Magalhães, Gabriel Arcanjo, e Leila Diniz.
COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS – (Realização: 1970. Lançamento: 1972).
Ficha técnica – Argumento, direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Fotografia: Dib Lufti.
Operador de câmera: Dib Lufti. Cenografia: Régis Monteiro. Montagem: Carlos Alberto Camuyrano.
Som: Nelson Ribeiro. Música: José Rodrix. Assistente de direção: Luiz Carlos Lacerda de Freitas.
Assistente de câmera: Ronaldo Nunes. Continuidade: Raimundo Bandeira de mello. Vestuário: Mara
Chaves. Maquiagem: Janira Santiago, José Soares, Ren Boechat, Nilde Goebel, Hélio Fernando, Ana
Correia da Silva. Pesquisa etnográfica: Luiz Carlos Ripper. Diálogos em Tupi: Humberto Mauro.
Produção: Nelson Pereira dos Santos, Luiz Carlos Barreto, K. M. Eckstein, César Thedim. Assistente
de produção: Pedro Aurélio Gentil. Companhia produtora: L. C. produções Cinematográficas/Condor
Filmes. Elenco: Ana Maria Magalhães, Arduíno Colassanti, Eduardo Imbassahy Filho, Manfredo
colassanti, José Kleber, Gabriel Arcanjo, Luiz Carlos Lacerda de Freitas, Janira Santiago, Ana Maria
Miranda, João Amaro Batista, José Soares e Maria de Sousa Lima.
QUEM É BETA? – Pas de violence entre nous(Realização: 1972. Lançamento: 1973).
Ficha técnica – Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Argumento: Nelson Pereira dos Santos e
Gérard Lévy-Clerc. Fotografia: Dib Lufti. Cenografia: Luiz Carlos Lacerda de Freitas e Zanini.
Figurinos: Bigode e Cipó. Montagem e edição: André Delage. Técnico de som: Nelson Ribeiro.
Diretor musical: Paulo/Cláudio/Maurício. Assistente de direção: Luiz Carlos de Freitas. Assistente de
câmera: Antônio Luiz soares. Continuidade: Raimundo Bandeira de Mello. Produtor executivo: Ariane
Lopez Huici. Assistente de produção: Carlos Alberto Diniz. Produção: Regina Filmes/Dhalia Film.
181
Elenco: Frédéric de Pasquale, Sylvie Fennec, Regina Rosemburgo, Dominique Rhule, Noëlle Adam,
Nildo Parente, Isabel Ribeiro, Manfredo Colassanti, Arduíno Colassanti e Luiz Carlos Lacerda.
O AMULETO DE OGUM – (Realização: 1973-74. Lançamento: 1975).
Ficha técnica direção, adaptação, roteiro e diálogos de Nelson Pereira dos Santos, baseado no
argumento original de Francisco Santos. Assistente de direção: Luiz Carlos Lacerda e Tizuka
Yamasaki. Fotografia: Hélio Silva, José Cavalcanti e Nelson Pereira dos Santos. Cenografia e
figurinos: Luiz Carlos Lacerda de Freitas. Montagem: Severino Dadá e Paulo Pessoa. Música: Jards
Macalé. Efeitos especiais: Célio Coutinho. Som direto: Albertino Nogueira da Fonseca. Técnico de
som: Geraldo José. Produção: Regina Filmes e Embrafilme. Elenco: Jofre Soares, Anecy Rocha, Ney
Sant’Anna, Maria Ribeiro, Emmanuel Cavalcanti, Jards Macalé, Erley, Francisco Santos, José
Marinho, Antônio Carneiro, Waldir Onofre, Antônio Carlos Pereira, Flávio Santiago Russo, Olney
São Paulo e Clóvis Scarpino.
TENDA DOS MILAGRES – (Realização: 1975. Lançamento: 1977).
Ficha técnica Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, baseado no romance de Jorge Amado.
Adaptação e diálogos: Jorge amado e Nelson Pereira dos Santos: Fotografia: Hélio Silva. Trilha
sonora: Jards Macalé. Música: Gilberto Gil. Montagem: Raimundo Higino e Severino Dadá.
Cenografia: Tzuka Yamasaki. Figurinos: Yurika Yamasaki. Diretor de produção: Albertino Nogueira
da Fonseca. Som direto/guia: José Oswaldo de Andrade e Nonato Estrela. Assistentes de direção:
Agnaldo Azevedo e Emmanuel Cavalcanti. Assistente de fotografia: rgio Lins Vertis e Nonato
Estrela. Fotografia de cena: Rino Marconi. Continuidade: Ana Maria Miranda. Maquiagem e cabelo:
Antônio de Souza Pacheco. Assistente de cenografia: “Nil” e Marco Antônio Soares. Rouperira: Maria
Luísa Regis e Marina. Chefe de eletricista: Ulisses Alves Moura. Esletricistas: Arnold da Conceição e
Sandoval Teixeira Dória. Maquinistas: Geraldo Ferreira Tolentino, Edson Santos da Cruz, Sergipinho.
Motoristas: Caboclinho e Branco. Administração geral: Luís Fernando Noel de Souza. Diretor de
produção: Albertino N. da Fonseca. Produtor executivo: Ney Sant’Anna. Secretário de produção: José
Teixeira de Carvalho. Produção: Regina Filmes. Distribuição: Embrafilme. Elenco: Hugo Carvana,
Sônia Dias, Anecy Rocha, Wilson Jorge Mello, Geraldo Freire, Laurence R. Wilson, Severino Dadá,
Jards Macalé, Juarez Paraíso, Nildo Parente, Washington Fernandes, Emmanuel Cavalcanti e Guido
Araújo. Participações especiais: Jofre Soares, Menininha do Cantois e seu terreiro, Mãe Ruinhó de
Bogum, Mirinha do Portão e seu terreiro, Terreiro do Opô Afonjá, Mestre Pastinha, Caribé, Prof. Cid.
Teixeira, Jenner Augusto, Calazans Neto, Santi Scaldaferi e Merabeau Sampaio.
ESTRADA DA VIDA – Milionário e José Rico – (Realização: 1979. Lançamento: 1981).
Ficha técnica Direção: Nelson Pereira dos Santos. Roteiro: Chico de Assis. Fotografia: Francisco
Botelho. Montagem: Carlos Alberto Camuyrano. Música: Dooby Ghizzi. Som: Juarez Dagoberto.
Continuidade: Alice Osawa. Efeitos especiais: Luís Antônio Vallandro Keating. Still: antônio Carlos
D’Ávila. Assistentes de direção: Jayme Del Cueto e André Klotzel. Assistentes de produção: José
Reynaldo Cezaretto e Ricardo C. de Souza Dias. Assistente de câmera: José Roberto Eliezer. Assitente
182
de som: Marian Van de Vem. Assistentes de montagem: André Klotzel e Maria Neli Costa Neves.
Mixagem: Onélio Mota Costa . Abertura e letreiros: Júlio Xavier de Silveira e Ottomar Strelow.
Trucagem: Truca e Multimeios. Estúdio: Nel-Som Estúdios e Laboratório Ltda. Produtores: dora
Sverner e Luís Carlos Villas-Boas. Diretor de produção: Guilherme Lisboa. Laboratórios: Líder Cine
Laboratórios S. A. Produção: Vilafilmes Produções Cinematográficas Ltda. Elenco: Romeu J. Mattos,
José A. Santos, Nádia Lippi, Sílvia Leblon, José Raimundo, Turíbio Ruiz, Marthus Mathias, José
Marinho, José Reynaldo Cezaretto, Nestor Lima e Manfredo Bahia.
MEMÓRIAS DO CÁRCERE – (Realização: 1983. Lançamento: 1984).
Ficha técnica Direção, adaptação e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, da obra hom^9onima de
Graciliano Ramos. Fotografia: José Medeiros e Antônio Luiz Soares. Direção de arte: Irênio Maia.
Cenografia: Adílio Athos e Emily Pirmez. Figurinos: Lígia Medeiros. Montagem: Carlos Alberto
Camuyrano. Som: Jorge Saldanha. Diretor de produção: José Olinosi. Coordenador de produção:
Raymundo Higino. Assistentes de direção: Carlos Del Pino, Jayme Del Cueto, Ney Sant’Anna, Waldir
Onofre e Luelane Maria Loiola Corrêa. Câmera: César Elias. Assistentes de câmera: Sérgio Leandro,
Rui Barroso Medeiros, Andréa Del Canto, Celso de Souza. Produtora executiva: Maria da Salete.
Elenco: Carlos Vereza (Graciliano Ramos), Glória Pires (D. Eloísa), Jofre Soares, José Dumont, Nildo
Parente, Wilson Grey, Tonico Pereira, Ney Sant’Anna, Jorge Cherques, Jackson de Sousa, Arduíno
Colassanti, Tessy Callado, Stella Freitas, Ricardo Clementino, Procópio Mariano, Paschoal Villaboim,
Jayme Del Cueto, Rubens Abreu, Sandro Solviatt e Sílvio de Abreu.
JUBIABÁ – (Realização: 1985-86. Lançamento: 1987).
Ficha técnica Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Adaptação da novela de Jorge Amado.
Figurinos: Juan Carlos Berardi. Músicas: Batinha, Jorge amado, Armando Sá, Miguel Brito, Jairo
Simões, Zezinha Baiana. Assistentes de direção: Luelane Loyola Correa e Tide Guimarães.
Assistentes de câmera: Rui Medeiros e Jaime Medeiros. Assistentes de som: Rômulo Drumond e
Bruno Fernandes. Foto-Still: Vantoen Pereira Júnior e CristianaIsidoro. Administração: Anne Marie
Muskus, Márcia Sant’Anna, Antônio Oliveira, Bela Chaseliov, Maria Liberato, José Carlos de Jesus,
José Antônio Silva, Nelson Pereira dos Santos Filho. Figuração: Waldyr Onofre e Carlos Antônio
Couto. Eletricistas: Guido José da Silva, Valdeci Rodrigues da Silva, Ruben Ferreira Conceição, José
Jorge de Oliveira, Antônio Carlos de Almeida. Cenotécnica: Arnol Conceição, Paquetá, Antônio
Carlos Pereira, Guaracy Ubirajara do Carmo, Manoel Borges de Oliveira, José Mílton Batista.
Cenário: Marco Antônio Borges e Ana Nery de Oliveira. Contra-regra: Inaldo Silva. Figurinos: Márcia
de Azevedo e Edsoleda ddos Santos. Diretor de Arte: Juarez paraíso. Som Direto: Juarez Dagoberto e
Jorge Saldanha. Montagem: Yvon Lemière, Yves Charloy, Catherine Gabrielids, Sylvie Lhermenier,
Alain Fresnot. Script: Collete Batifoulier. Criação e produção musical: Gilberto Gil e Serginho.
Trombone: Liminha. Música: Gilberto Gil. Diretor Assistente: Ney Sant’Anna. Fotografia: José
Medeiros. Elenco: Grande Otelo, Antônio José Santana, Luís Carlos de Santana, Charles Baiano,
Tatiana Issa, Françoise Goussard, Romeu Evaristo, Betty Faria, Raymond Pellegrin, Zezé Mota, Ruth
183
de Souza, Jofre soares, Alexandra Marzo, Mário Gusmão, Lívia Machado, Eliana Pittman, Oscar da
Penha, Leonel Nunes, Jurema Penna e Márcia Sant’Anna.
A TERCEIRA MARGEM DO RIO (Realização: 1993. Lançamento: 1994).
Ficha Técnica - Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, baseado no conto homônimo do escritor
João Guimarães Rosa. Produtor executivo: Dora Svernor, Ney Santana. Diretor de fotografia: Gilberto
Azevedo, Fernando Duarte. Montagem: Carlos Alberto Camuyrano e Luelane Correa. Música: Milton
Nascimento. Elenco: Ilya Sao Paulo, Sonja Saurin, Maria Ribeiro, Mariane Vicentini, Barbara Brant,
Chico Dias, Henrique Rovira e Waldyr Onofre.
CINEMA DE LÁGRIMAS – (Realização: 1995. Lançamento: 1996).
Ficha Técnica – Direção: Nelson Pereira dos Santos. Roteiro: Nelson Pereira dos Santos e Silvia Oroz.
Produtor executivo: Roberto Feith. Diretor de fotografia: Walter Carvalho. Direção de arte: Silvana
Gontijo. Som: Juarez Dagoberto. Montagem: Luelane Correa. Música: Paulo Jobim. Wardrobe:
Silvana Gontijo. Elenco: Raul Cortez, André Barros, Cristiane Torlone, Cosme Alves Neto e Patrick
Tannus.
BRASÍLIA 18% - (Realização: 2006. Lançamento: 2006).
Ficha Técnica Direção: Nelson Pereira dos Santos. Roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Produção:
Maurício Andrade Ramos e Diogo Dahl. Elenco: Otávio Augusto, Othon Bastos, Carlos Alberto
Ricceli, Anselmo Vasconcelos, Carlos Vereza, Herbert Bijnr, Camilo, Beyilaqua, Ney Sant’Anna, Ilya
São Paulo, Ludy Montesclaros e Arnaldo Marques.
DOCUMENTÁRIOS, CURTAS E MÉDIAS-METRAGENS.
JUVENTUDE – Direção: Nelson Pereira dos Santos. 1950.
SOLDADOS DO FOGO – Direção, argumento e produção: Nelson pereira dos Santos. 1958
UM MOÇO DE 74 ANOS Direção: Nelson Pereira dos Santos. Fotografia: Luiz Carlos Saldanha e
Hans Bantel. Realização: Leon Hirszman e Waldyr Surtan. Narração de Alberto Cury. Som: Estúdio
Hélio Barroso. Laboratório: Líder Cinematográfica. 1965.
O RIO DE MACHADO DE ASSIS – Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Fotografia: Hélio
Silva e Roberto Mirilli. Trucagem: Lygia Pape & Romiti. Som: Estúdios Hélio Barroso. Narração:
Paulo Mendes Campos. 1965.
FALA BRASÍLIA Direção: Nelson Pereira dos Santos. Fotografia: Dib Lufti. Produção: MEC e
INCE. 1966.
CRUZADA ABC – Direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção: USIS. 1966.
ALFABETIZAÇÃO – Direção e argumento: Nelson Pereira dos Santos. 1970.
CIDADE LABORATÓRIO DE HUMBOLDT 73 Direção: Nelson Pereira dps Santos. Produção:
Universidade Federal do Mato Grosso e Regina Filmes. Direção de Produção: Cacá Diniz. Gerente do
plano: Pedro Paulo Lomba. Som direto: Sandoval Teixeira Dória. Assitência de Montagem: Severino
Dadá. Assistência de câmera: Ricardo Miranda. Narração: SamanthaLomba. Música: George André
Tavers, Aloysio Aguiar e Villa-lobos. Agradecimentos: Reis Velloso, Rangel Pires. 1973.
184
NOSSO MUNDO (“repórteres de TV”) Direção: Nelson Pereira dos Santos. Roteiro e diálogos:
Nelly Moreira. Produção: Embrafilme. Fotografia: Antônio Luís Soares. Elenco: Nildo Parente,
Helber Rangel, Waldyr Onofre e Washington Fernandes. 1978.
UM LADRÃO (insônia)Direção, adaptação e roteiro: Nelson Pereira dos Santos, baseado no conto
homônimo de Graciliano Ramos. Assistente de direção: J. C. Del Cueto. Fotografia: Jorge Monclar.
Assistentes de câmera: Carlos Monclar, Antônio Branco, Wively Coubert. Cenografia: LúciaMaria
Gutierrez. Elenco: Ney Sant’Anna, Wilson Grey e Nádia Lippi. 1981.
MISSA DO GALO Baseado no conto homônimo de machado de Assis. Roteiro e direção: Nelson
Pereira dos Santos. Fotografia: Hélio Silva e Walter Carvalho. Montagem: Carlos Alberto Camuyrano.
Música: Glauco Velasques, interpretação de Clara Sverner. Produção: Nelson Pereira dos Santos
Filho. Produtora: Regina Filmes. Co-produção: Embrafilme. Elenco: Isabel Ribeiro, Nildo Parente,
Olney São Paulo e Elza Gomes. 1982.
A ARTE FANTÁSTICA DE MÁRIO GRUBERDireção: Nelson Pereira dos Santos. 1982.
LA DRÔLE DE GUERRE – Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos.1986.
MEU COMPADRE, ZÉ KETTIDireção: Nelson Pereira dos Santos. Fotografia: Flávio Zangrandi
e Reynaldo Zangrandi. Montagem: Júlio Souto. Produção: Raquel Freire Zangrandi e Mauricio
Andrade Ramos. Co-produção: Videofilmes e Regina Filmes. Elenco: Colombo, Elton Medeiros,
Guilherme de Brito, Jair do Cavaquinho, Monarco, Nelson Sargento, Noca da Portela, Walter Alfaiate,
Wilson Moreira e Zé Cruz. 2001.
RAÍZES DO BRASIL – (Realização: 2003. Lançamento: 2004).
Ficha Técnica Direção: Nelson Pereira dos Santos. Roteiro: Nelson Pereira dos Santos. Produtores:
Márcia Pereira dos Santos e Maurício Andrade Ramos. Diretor de fotografia: Reynaldo Zangrandi.:
Sérgio Buarque de Hollanda, Chico Buarque, Sílvia Buarque, Miúcha, Maria Amélia, Cristina
Buarque, Zeca Buarque, Ana de Hollanda, Maria do Carmo de Hollanda, Sergito, Álvaro, Antonio
Candido e Paulo Vanzolini.
PROGRAMAS PARA A TV
CINEMA RIO – Direção e produção: TV Educativa. 1980.
O MUNDO MÁGICO Direção: Rede Manchete. 1983.
A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM – Direção: Rede Manchete. 1984.
CAPIBA – Direção: Rede Manchete. 1984.
EU SOU O SAMBA – Direção: Rede Manchete. 1985.
BAHIA DE TODOS OS SANTOS – Direção: TV Bahia. 1985.
SUPER GREGÓRIO – Direção: Rede Manchete. 1987.
CASA GRANDE & SENZALA Roteiro e direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção: Regina
Filmes, deo Filmes e GNT Globosat, Maurício de Andrade Ramos e Márcia Pereira dos Santos.
Música: Heitor Villa-lobos. Diretor de Fotografia: José Guerra. Editor: Júlio Souto. Narrador: Edson
Nery da Fonseca. Distribuição: Rio Filme. (2000-2001).
185
* Série dividida em quatro episódios:
I – O Moderno Cabral; II – A Cunha, Mãe da Família Brasileira; III – O Português, Colonizador dos
Trópicos; IV – O Escravo Negro na Vida Sexual e de Família do Brasileiro.
MONTAGEM
BARRAVENTO – (1961) de Glauber Rocha.
O MENINO DE CALÇA BRANCA - (1962) de Sérgio Ricardo.
PEDREIRA DE SÃO DIOGO – (1962, episódio de Cinco vezes favela) de Leon Hirszman.
MAIORIA ABSOLUTA – (1964) de Leon Hirszman.
CANTORES E TROVADORES – (1968) de Evandro A. Moura.
A NOVA ERA – (1985) de Nilo Sérgio.
PRODUÇÃO
O GRANDE MOMENTO – (1958) de Roberto Santos.
A OPINIÃO PÚBLICA(1965) de Arnaldo Jabor.
AS AVENTURAS AMOROSAS DE UM PADEIRO – (1975) de Waldyr Onofre.
A DAMA DA LOTAÇÃO – (1977) de Neville d’Almeida.
SONHEI COM VOCÊ – (1990) de Ney Sant’Anna
ATOR
MANDACARU VERMELHO – (1961) de Nelson Pereira dos Santos.
JARDIM DE GUERRA – (1968) de Neville d’Almeida.
186
ANEXO B - BIBLIOGRAFIA DE GRACILIANO RAMOS
1933 – CAETÉS (romance).
1934 – SÃO BERNARDO (romance).
1936 – ANGÚSTIA (romance).
1938 – VIDAS SECAS (romance).
1945 – INFÂNCIA (memórias).
1947 – INSÔNIA (contos).
1953 – MEMÓRIAS DO CÁRCERE (memórias) – obra póstuma.
1954 – VIAGEM (impressões sobre a URSS e a Tchecoslováquia) – obra póstuma.
1962 – LINHAS TORTAS (crônicas) – obra póstuma.
1962 – VIVENTES DAS ALAGOAS (crônicas) – obra póstuma.
1962 ALEXANDRE E OUTROS HERÓIS (Histórias de Alexandre, A terra dos Meninos Pelados
e Pequena História da República) – obra póstuma.
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