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CINTIA AVILA BLANK
A TRANSFERÊNCIA GRAFO-FÔNICO-FONOLÓGICA L2 (FRANCÊS) - L3
(INGLÊS): UM ESTUDO CONEXIONISTA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Católica de
Pelotas como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Letras.
Área de concentração: Lingüística Aplicada
Aquisição, Variação e Ensino
Orientadora: Profª. Drª. Márcia Cristina Zimmer
Pelotas
Fevereiro de 2008
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Ao Deividi e à Sabine.
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AGRADECIMENTOS
À CAPES, pela bolsa de Mestrado que possibilitou a realização desta pesquisa.
À Profª. Drª. Márcia Cristina Zimmer, pela orientação dedicada e pela importante
contribuição na minha formação acadêmica. Que a relação de confiança e amizade que se
iniciou através da elaboração deste trabalho se mantenha.
À competente Profª. Drª. Carmen Lúcia Barreto Matzenauer, coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Letras da UCPEL, agradeço por todo o apoio institucional.
Aos professores do Curso de Mestrado, em especial à Profª. Drª. Aracy Ernst e ao Prof.
Dr. Vilson José Leffa.
À Profª. Drª. Isabella Mozzillo (UFPEL), pela estimada ajuda na difícil tarefa de
selecionar informantes para esta pesquisa.
À Profª. Drª. Marie-Agnès Cathiard (Université Stendhal - Grenoble III), à Profª. Ms.
Ana Maria Cavalheiro (UFPEL/Université de la Sorbonne Nouvelle - Paris III) e à Raquel
Llama (Concordia University), pela importante colaboração com materiais de pesquisa.
À Profª. Drª. Eleonora Albano (UNICAMP), pela atenção dispensada aos dados
coletados neste estudo.
À Andréia Rauber (Nuance Communications International) e ao Ricardo Bion (Scuola
Internazionali di Studi Avanzati), pelo grande auxílio nas questões envolvendo o uso do
programa Praat.
Ao Magnun Rochel, bolsista de iniciação científica da UCPEL, pela imensa dedicação
e disponibilidade em auxiliar no processo de levantamento dos dados.
Ao Prof. Ms. Hélio Bittencourt (PUCRS), pela gentileza prestada ao analisar
estatisticamente os dados utilizados nesta pesquisa.
Ao participante desta pesquisa, pela colaboração fundamental para a realização desta
dissertação.
Aos meus pais, Walter e Carolina, minha especial gratidão por nunca terem medido
esforços para que eu alcançasse os meus objetivos.
RESUMO
As pesquisas na área de língua estrangeira apresentam uma forte tendência em
investigar a relação entre a L1 e a L2, deixando de lado a explicação dos processos de
transferência que podem ocorrer quando da aprendizagem de mais de uma língua estrangeira.
No presente estudo, tem-se por objetivo analisar a transferência de padrões grafo-fônico-
fonológicos da L2 para a L3, através de uma abordagem conexionista. Para tanto, um estudo
de caso foi desenvolvido, contando com um sujeito adulto do sexo masculino falante nativo
do português brasileiro, falante de francês como L2 em nível avançado e falante de inglês
como L3 em nível pré-intermediário. A partir do objetivo geral estipulado acima, procurou-se
investigar: se a assimilação vocálica durante a tarefa de recodificação leitora em L3 ocorreria
em direção às características vocálicas (F1, F2 e duração) da L1 ou da L2 do sujeito; e se o
efeito exercido pela ortografia da L2 suscitaria a transferência grafo-fônico-fonológica da L2
para a L3. Os dados coletados para verificar o primeiro objetivo desta pesquisa, obtidos
através da gravação de tarefas de recodificação leitora nas três línguas faladas pelo sujeito,
foram analisados acusticamente com o programa Praat (versão 4.4.2.2). Os resultados da
análise acústica das vogais apontam para a criação de categorias híbridas entre a L1 e a L2
para as vogais da L3 do sujeito. Já para os dados relativos ao segundo objetivo, obtidos
através da aplicação de uma tarefa de acesso lexical na L2 e na L3 do sujeito, fez-se uso do
programa E-Prime em conjunto com uma Serial Response Box. Para o teste de acesso lexical,
além de uma forte transferência grafo-fônico-fonológica da L2 (francês) para a L3 (inglês),
foram encontrados também indícios de transferência grafo-fônico-fonológica da L3 sobre a
L2. Os resultados alcançados estão em consonância com a visão conexionista a respeito do
processamento dos sistemas de memória, que funcionariam de forma colaborativa,
possibilitando a interação entre o conhecimento prévio da L1 e da L2 (mais consolidados) e o
conhecimento novo da L3 (menos estabilizado).
ABSTRACT
The research in the area of second language acquisition presents a strong tendency to
investigate the relationship between an L1 and an L2, leaving out the process of transfer
which can occur when one is learning more than one foreign language. The present study
aims at analyzing the transfer of grapho-phonic-phonologic patterns of an L2 into an L3 in a
connectionist perspective. For that purpose, a case study was carried out with one male adult
Brazilian Portuguese native speaker, who speaks French (L2) in an advanced level and is
learning English (L3) in a pre- intermediate level. Therefore, the main goals of this research
were: 1) to investigate whether the vowel assimilation in the L3 would happen towards the
vocalic characteristics (F1, F2 and duration) of subject’s L1 or L2; and 2) to assess whether
the effects produced by the L2 orthography would cause L2-L3 grapho-phonic-phonologic
transfer. The data relative to the first objective of this research was obtained via naming tasks
performed in the three languages spoken by the subject, whose productions were analyzed
acoustically with the aid of Praat (version 4.4.2.2). The results regarding the acoustic vowel
analysis suggest the creation of hybrid categories between the L1 and L2, which were
assimilated by the L3 vowels of the subject. As for the data concerning the second goal,
obtained by a lexical access task in the participant’s L2 and L3, the software E-Prime was
used together with a Serial Response Box. For the lexical access task, apart from grapho-
phonic-phonologic transference from the L2 (French) into the L3 (English), evidence of
grapho-phonic-phonologic transference from the L3 into the L2 were also found. The results
obtained are in consonance with a connectionist view of the processing of memory systems,
which would work in a collaborative way, which would enable the interaction between
previous knowledge from the L1 and the L2 (more consolidated), and the knowledge of a new
L3 (less stabilized).
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................
12
2 PARADIGMAS SOBRE A COGNIÇÃO: EMBATES TEÓRICOS ............
15
2.1 Os paradigmas simbólico e conexionista ...................................................... 15
2.2 Conexionismo e aquisição da linguagem ...................................................... 18
2.2.1 O paradigma conexionista, a aquisição da L2 e a noção de período crítico ..
20
2.2.2 A aquisição da L3 ..........................................................................................
22
2.3 A transferência do conhecimento lingüístico da L1 para a L2 ...................
26
2.3.1 A transferência grafo-fônico-fonológica da L1 para a L2 .............................
28
2.3.2 A transferência fonético-fonológica da L1 para a L2 ....................................
31
2.4 Aprendizagem de L2 e L3 e sistemas de memória .......................................
39
2.4.1 A visão de Paradis ..........................................................................................
41
2.4.2 A visão de Ullman ......................................................................................... 42
2.4.3 O modelo HipCort .........................................................................................
43
2.4.4 Transferência interlingüística L2-L3 e sistemas de memória: uma
problematização conexionista .................................................................................
45
2.5 O conhecimento fonético-fonológico ............................................................. 48
2.5.1 Produção das vogais: a visão da fonética acústica .........................................
49
2.5.2 O sistema vocálico do inglês norte-americano ..............................................
54
2.5.3 O sistema vocálico do francês padrão ............................................................
56
2.5.4 O sistema vocálico do português brasileiro ...................................................
59
2.5.5 Estudos sobre a produção e a percepção de vogais do inglês por aprendizes
brasileiros ................................................................................................................
62
2.5.6 A assimilação vocálica e a transferência grafo-fônico-fonológica L2-L3:
uma problematização conexionista .........................................................................
65
3 OBJETIVOS E MÉTODO ................................................................................
72
3.1 Objetivos e hipóteses .......................................................................................
3.1.1 Objetivos específicos .....................................................................................
72
72
3.1.2 Formulação das hipóteses ..............................................................................
73
3.2 Método ............................................................................................................. 73
3.2.1 Tipo de pesquisa, população e amostra ......................................................... 74
3.2.2 Seleção da amostra .........................................................................................
74
3.2.3 Instrumentos utilizados na amostragem .........................................................
75
3.2.4 Levantamento e computação dos dados obtidos na amostragem .................. 75
3.2.5 Instrumentos da pesquisa ...............................................................................
76
3.2.6 Procedimentos de testagem ............................................................................
79
3.2.7 Levantamento e computação dos dados .........................................................
81
3.2.8 Procedimentos de análise estatística ..............................................................
85
4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...................
86
4.1 A relação entre as características das vogais do português, do francês e
do inglês .................................................................................................................
86
4.1.1 Descrição dos resultados relativos à primeira hipótese .................................
88
4.1.2 Discussão dos resultados relativos à primeira hipótese .................................
107
4.2 O efeito exercido pela ortografia na transferência grafo-fônico-
fonológica L2-L3 ...................................................................................................
114
4.2.1 Descrição dos resultados relativos à segunda hipótese ..................................
115
4.2.2 Descrição dos resultados relativos à terceira hipótese ...................................
117
4.2.3 Discussão dos resultados relativos à segunda e terceira hipóteses ................
121
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
128
5.1 Relação entre os resultados obtidos na discussão dos dois objetivos da
pesquisa ..................................................................................................................
128
5.2 Limitações do estudo e futuros direcionamentos para a pesquisa em L3 ..
133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
136
ANEXOS ................................................................................................................
143
Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .....................................
143
Anexo B – Entrevista ..............................................................................................
144
Anexo C – Teste de recodificação leitora em língua inglesa ..................................
145
Anexo D – Teste de recodificação leitora em língua portuguesa ...........................
146
Anexo E – Teste de acesso lexical ..........................................................................
147
Anexo F – Teste de recodificação leitora em língua francesa ................................
148
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Médias dos valores de F1 e F2 para homens (PETERSON;
BARNEY, 1952) e médias dos valores de duração para as vogais orais
(monotongos) do inglês norte-americano (PETERSON; LEHISTE, 1960) .........
55
Quadro 2 Médias dos valores de F1 e F2 para homens (MARTIN, 2007) e
médias dos valores de duração para as vogais orais do francês (di CRISTO,
1980) .......................................................................................................................
57
Quadro 3 Médias dos valores de F1 e F2 para homens (BEHLAU et al., 1988)
e médias dos valores de duração para as vogais orais do português brasileiro (de
FAVERI, 2001) .......................................................................................................
61
Quadro 4 – Dados coletados durante a entrevista com o sujeito ............................
76
Quadro 5 – Escores obtidos pelo sujeito nos testes de proficiência .......................
76
Quadro 6 Descrição das etapas da pesquisa e dos instrumentos utilizados na
sua implementação ..................................................................................................
80
Quadro 7 Vogais selecionadas para análise e número de ocorrência de cada
uma por língua ........................................................................................................
82
Quadro 8 – Pares de vogais comparados entre as línguas ......................................
83
Quadro 9 Tempo de reação para as palavras apresentadas por blocos e
classificação quanto ao tipo de palavra utilizada no teste de acesso lexical ...........
84
Quadro 10 Estatística descritiva dos valores de F1 e F2 (em Hertz) produzidos
pelo sujeito para as vogais do inglês .......................................................................
88
Quadro 11 Valores de duração para as vogais produzidas pelo sujeito e para as
vogais do inglês padrão (PETERSON; LEHISTE, 1960) .....................................
91
Quadro 12 Estatística descritiva dos valores de F1 e F2 (em Hertz) produzidos
pelo sujeito para as vogais do francês .....................................................................
92
Quadro 13 Estatística descritiva dos valores de F1 e F2 (em Hertz) produzidos
pelo sujeito para as vogais do português ................................................................
95
Quadro 14 Distâncias euclidianas para F1 e F2 das vogais do francês e do
inglês produzidas pelo sujeito .................................................................................
99
Quadro 15 Distâncias euclidianas para F1 e F2 das vogais do português e do
inglês produzidas pelo sujeito .................................................................................
99
Quadro 16 Estatísticas descritivas para duração (em segundos) para as três
línguas analisadas (português, francês e inglês) .....................................................
105
Quadro 17 – Distâncias euclidianas entre português/inglês e francês/inglês para a
duração das vogais produzidas pelo sujeito ............................................................
106
Quadro 18 Comparação dos resultados para o tempo de reação (ms) por bloco
de apresentação .......................................................................................................
115
Quadro 19 Comparação dos resultados obtidos para a leitura de palavras do
inglês por bloco de apresentação ............................................................................
116
Quadro 20 Comparação das palavras do inglês por tipo e bloco de
apresentação ............................................................................................................
117
Quadro 21 – Comparação inglês-francês por corpo de palavra, considerando-se o
bloco de apresentação das palavras inimigas do francês (1º bloco) .......................
119
Quadro 22 – Comparação inglês-francês por corpo de palavra, considerando-se o
bloco de apresentação das palavras inimigas do francês (2º bloco) .......................
120
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Modelo simples de produção do schwa .................................................
50
Figura 2 Variações na configuração do tubo uniforme de acordo com
diferentes vogais
..........................................................................................................................
51
Figura 3 modelo do trato vocal mostrando os nós (N) e antinós (A) e seus
efeitos sobre os dois primeiros formantes ...............................................................
53
Figura 4 – Plotagem das vogais orais do inglês por Peterson e Barney (1952) ......
56
Figura 5 Plotagem das vogais orais do francês padrão (MARTIN, 2007) e das
vogais orais do inglês padrão (PETERSON; BARNEY, 1952) ............................
58
Figura 6 Plotagem das vogais orais do português padrão (BEHLAU et al.,
1988) e das vogais orais do inglês padrão (PETERSON; BARNEY, 1952) ..........
61
Figura 7 – Plotagem das vogais do inglês produzidas pelo sujeito e das vogais do
inglês padrão (PETERSON; BARNEY, 1952) .....................................................
89
Figura 8 Plotagem das vogais da língua francesa produzidas pelo sujeito e das
vogais do francês padrão (MARTIN, 2007) ...........................................................
93
Figura 9 – Plotagem das vogais do inglês produzidas pelo sujeito e das vogais do
francês produzidas pelo sujeito ...............................................................................
93
Figura 10 Plotagem das vogais do português produzidas pelo sujeito e das
vogais do português padrão (BEHLAU et al., 1988) .............................................
96
Figura 11 Plotagem das vogais do inglês produzidas pelo sujeito e das vogais
do português produzidas pelo sujeito ......................................................................
97
Figura 12 Distâncias euclidianas (F1) entre português/inglês (PB-US) e entre
francês/inglês (FR-US) para os pares de vogais analisados ...................................
100
Figura 13 Distâncias euclidianas (F2) entre português/inglês (PB-US) e entre
francês/inglês (FR-US) para os pares de vogais analisados ...................................
100
Figura 14 Plotagem das vogais das três línguas produzidas pelo sujeito
(português, francês e inglês) ...................................................................................
101
Figura 15 Vogais das três línguas produzidas pelo sujeito (português, francês e
inglês) e vogais do inglês padrão (PETERSON; BARNEY, 1952) .......................
102
Figura 16 Distâncias euclidianas (duração) entre português/inglês (PB - US) e
entre francês/inglês para os pares de vogais analisados .........................................
106
Figura 17 Tempo de reação para os três blocos de palavras lidas no teste de
acesso lexical ..........................................................................................................
116
12
1 INTRODUÇÃO
Aprender uma língua, seja ela materna (L1) ou estrangeira (L2), é uma tarefa que
demanda um tempo considerável, devido à complexidade desse processo. A aprendizagem de
uma L2, no entanto, apresenta algumas especificidades em relação à aprendizagem de uma L1,
já que um código lingüístico previamente estabelecido no sistema cognitivo do aprendiz (o da
L1) encontra-se muito bem estruturado quando da sua aquisição
1
. Com isso, no momento em
que se depara com a L2, uma tendência, por parte do aprendiz, em apoiar-se no
conhecimento prévio que traz consigo da sua L1 tanto para compreender como se estrutura a
nova língua, como também para produzi-la.
O conexionismo, paradigma de estudo da cognição que vem se destacando no campo
da pesquisa em L2, caracteriza-se por estudar a aquisição da linguagem como um processo
construtivo e guiado por dados. Tal processo é baseado em universais da estrutura cognitiva e
guiado pela investigação da natureza dos mecanismos cognitivos que subjazem à
aprendizagem dos processos fonológicos, semânticos e sintáticos. Uma vez que é enfatizado o
processo de desenvolvimento da aquisição da linguagem, e não o seu estado final, o
conexionismo defende a emergência da linguagem (MacWhinney, 2002). Nesse sentido, o
ambiente recebe um papel de destaque no processo de aprendizagem de uma língua.
Dentro da perspectiva conexionista, a transferência lingüística é vista como a chave
para a comunicação entre as redes de neurônios, subjazendo qualquer tipo de aprendizagem
através da aplicação do conhecimento prévio a novas situações de aprendizagem. De acordo
com MacWhinney (2007), tanto a L1 como a L2 estão ancoradas na mesma arquitetura
neuronial. Assim, a transferência lingüística pode ser explicada como resultado da
transferência de informações entre redes neuroniais, as quais são guiadas nessa tarefa
levando-se em conta, dentre outros fatores, aspectos relacionados à qualidade e à quantidade
do input entre a L1 e a L2, que refletem o grau e o tipo de experiência lingüística do aprendiz.
1
Não se faz, aqui, diferenciação entre os termos ‘aquisição’ e ‘aprendizagem’, como propugnado por Krashen
(1982). Os termos serão usados de forma intercambiável, com o devido respaldo de Ellis (1994). Também não
será feita uma distinção entre os termos ‘língua estrangeira’ e ‘L2’. Chama-se a atenção, porém, para o fato de o
termo ‘L2’ servir tanto para designar o aprendizado de qualquer língua estrangeira (seja L2, L3, L4 etc) quanto
para tratar, especificamente, daquela aprendida após a língua materna (L1), ou seja, a segunda língua aprendida.
13
Em suma, o conexionismo assegura um papel importante ao conhecimento prévio e à
experiência na construção de novas representações lingüísticas.
Quando se trata de transferência lingüística, logo se pensa na relação de dependência,
ou de interdependência, entre a L1 e a L2. Inúmeras são as pesquisas preocupadas em discutir
a natureza desse processo. Porém, trabalhos destinados à investigação de questões
concernentes à transferência de padrões lingüísticos entre duas ou mais línguas estrangeiras
ainda são escassos. Pouco foi investigado quanto à suposição de que a última língua adquirida
por um aprendiz exerceria uma maior influência sobre a próxima a ser aprendida. Percebe-se,
diante disso, que essa lacuna pode ser perfeitamente preenchida por uma abordagem de
natureza psicolingüística, sobretudo em se considerando um arcabouço teórico conexionista.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a
transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos da L2 para a L3, desde uma perspectiva
conexionista. Para tanto, um estudo de caso foi desenvolvido, contando com um sujeito nativo
do português brasileiro falante em nível avançado de francês como L2, e em nível
intermediário de inglês como L3. A partir do objetivo geral mencionado acima, procura-se
responder a dois questionamentos mais específicos. O primeiro deles destina-se a averiguar
em que sentido as vogais orais do inglês (L3) são assimiladas: ou em direção à L1 (português)
ou em direção à L2 (francês) do sujeito, debruçando-se sobre a transferência fonético-
fonológica L1-L2-L3. O segundo, por sua vez, procura verificar o efeito exercido pela
ortografia na transferência grafo-fônico-fonológica L2-L3, o que pode ser explicado tanto
pelo efeito de recência da leitura em L2 sobre a leitura em L3 quanto pelo tempo de reação
para a leitura de palavras contendo corpos grafêmicos semelhantes em francês e em inglês.
A presente pesquisa está dividida em cinco capítulos, sendo três deles centrais. No
referencial teórico, pretende-se apresentar os princípios básicos do paradigma que ancora a
presente reflexão, tendo-se em vista, sobretudo, as concepções que dele se originam para o
âmbito da aquisição de segundas línguas. Com isso, são levadas para o centro da discussão
questões atinentes à transferência de padrões da L1 para a L2 e, por fim, da L2 para a L3.
Busca-se defender, assim, a existência de uma complementaridade entre os sistemas de
memória hipocampal e neocortical -, de maneira que essa complementaridade enseje uma
maior transferência de padrões da L2 para a L3. na apresentação do estudo empírico são
descritos os experimentos utilizados na coleta de dados, bem como os procedimentos
realizados quando da análise dos mesmos. Por fim, são comentados os resultados obtidos
através da análise dos dados coletados, de forma que possam ser discutidos e fundamentados
de acordo com os pressupostos trabalhados no referencial teórico. Ao concluir-se esta
14
pesquisa, suas limitações serão expostas e direcionamentos para investigações futuras sobre o
tema serão sugeridos.
Com este recorte, espera-se contribuir para a área de aquisição de L3, buscando
esclarecer se a L2 do aprendiz analisado é a responsável por desempenhar um papel mais
atuante do que a sua L1 em possíveis transferências em direção à L3. Da mesma forma,
pretende-se contribuir para fazer avançar a discussão sobre modelos neuro e psicolingüísticos
de integração entre os três sistemas lingüísticos nos sistemas de memória, buscando
evidências contra a questão da dicotomia L1-L2 propugnada por Paradis (1994, 2004), e
procurando uma convergência maior entre memórias declarativas e procedurais do que a
proposta por Ulmann (2001). Propõe-se, com isso, utilização do modelo HipCort
(MCCLELLAND et al., 1995) para uma explicação de natureza psicolingüística de questões
relativas à transferência grafo-fônico-fonológica.
15
2 PARADIGMAS SOBRE A COGNIÇÃO: EMBATES TEÓRICOS
Neste capítulo, serão abordadas, primeiramente, as principais diferenças entre os
pressupostos defendidos por dois paradigmas que investigam a cognição humana, a saber: o
paradigma simbólico, de grande influência na área da Lingüística, e o paradigma conexionista,
que ampara a presente pesquisa. Na segunda seção deste capítulo, a noção de aprendizagem
da linguagem será discriminada entre os dois filões teóricos, para que depois se possam
apresentar a visão conexionista de aquisição de L2 e um levantamento daquilo de que se
dispõe a respeito de aquisição de L3. Na terceira seção, serão traçadas considerações gerais
sobre a transferência lingüística, o que abrirá caminho para que se abordem, na seqüência,
alguns aspectos sobre a transferência grafo-fônico-fonológica, bem como sobre a
transferência fonético-fonológica. Já na quarta seção, será discutido o papel da memória na
aprendizagem de línguas. Partindo-se das concepções de Izquierdo (2002, 2004) sobre o tema,
serão apresentadas as visões de Paradis (1994, 2004), Ullman (2001) e McClleland et al.
(1995), sendo que esta última será utilizada numa proposição de base conexionista sobre o
fenômeno da transferência envolvendo duas nguas estrangeiras (L2-L3). Por fim, na quarta
seção, lançar-se-á mão da fonética acústica para apresentar as características dos três sistemas
vocálicos envolvidos nesta pesquisa, quais sejam: o sistema do português, o do francês e o do
inglês. A partir disso, será feito um levantamento dos principais estudos que procuram
investigar as dificuldades enfrentadas por brasileiros no momento em que estão aprendendo o
sistema fonético do inglês como L2. No desfecho da seção, o processo de assimilação
vocálica será apresentado com base nos pressupostos advindos de três temas-chave
desenvolvidos ao longo deste capítulo: o arcabouço conexionista sobre a aprendizagem e a
memória, a transferência grafo-fônico-fonológica e a relação entre a L2 e a L3.
2.1 Os paradigmas simbólico e conexionista
O conexionismo, paradigma de pesquisa que se serve dos achados da neurociência
numa tentativa de simular, em ambiente computacional, a aprendizagem feita por redes
neuroniais no rebro, é usado para explicar a maneira como são processadas as informações
16
no cérebro, tendo em vista o esclarecimento de questões relativas ao comportamento e suas
bases cerebrais (SEIDENBERG; ZEVIN, 2006). Tendo suas origens nos anos 50 e 60, esse
paradigma não foi devidamente reconhecido na época, tanto em conseqüência das inúmeras
restrições tecnológicas e matemáticas de então (MINSKY; PAPERT, 1969), como em razão
do grande sucesso explicativo creditado ao paradigma simbólico. Nos anos 80, com o maciço
progresso na área das ciências da computação e da matemática não linear, o conexionismo
ressurge, oferecendo uma nova visão acerca dos processos envolvidos no desenvolvimento da
cognição. Desde então, várias concepções outrora consagradas nas bases do paradigma
simbólico vêm sendo repensadas e discutidas, promovendo um acalorado debate entre
teóricos de ambas as filiações.
O paradigma conexionista refuta vários pressupostos defendidos pelo simbólico.
Primeiramente, pode-se destacar a importância que cada teoria dá aos componentes biológicos
e ambientais para o desenvolvimento da cognição. Enquanto o conexionismo atribui um papel
de destaque ao ambiente, o paradigma simbólico minimiza essa importância, alegando que,
em termos de aquisição da linguagem, o input ambiental seria demasiado pobre para ensejar a
exemplificação de todos os aspectos nucleares do conhecimento lingüístico, ou
demasiadamente rico, o que permitiria generalizações impossíveis de serem efetuadas por
uma criança. Além disso, a maneira como ambas as teorias se constituem é bastante distinta.
O conexionismo caracteriza-se por estabelecer suas bases teóricas através dos conhecimentos
da neurociência, ao passo que o paradigma simbólico parte de fundamentação teórica
tipicamente cartesiana, ancorada na lógica formal e na visão formalista de mente, para lançar
hipóteses. Tal fato parece ficar bem evidenciado se for observado que, nas teorias de cunho
simbólico, recorre-se a uma hipotetização da mente para que se possam explicar os processos
cognitivos (POERSCH, 2004). no conexionismo, procura-se pautar todo o processamento
cognitivo em termos de cérebro, retirando-se a mente
2
, essa contraparte não-física postulada
pela visão cartesiana que impregna o cognitivismo.
Além das diferenças teóricas elencadas acima, chama a atenção, da mesma maneira, o
fato de o conexionismo opor-se categoricamente à visão simbólica estipulacionista. Enquanto
na teoria simbólica o processamento é localizado, ou seja, estipula-se que a arquitetura da
mente é composta de um sistema de compartimentos módulos responsáveis por funções
distintas, na ótica conexionista, toda operação se através de processamentos distribuídos
2
Para Poersch (2004), a mente seria tão-somente o conjunto dos processos envolvidos na cognição.
17
entre diversas regiões do cérebro, trabalhando simultaneamente para produzir cognição.
Assim, o conexionismo defende que:
O conhecimento declarativo da língua e do mundo, bem como o conhecimento
procedimental das diversas habilidades, são codificados no cérebro não em forma de
símbolos prontos e em lugares determinados mas como elementos atomizados e
distribuídos em pontos diferentes conectados entre si. O processamento não ocorre
serialmente como na teoria da informação mas em paralelo, isto é, diversos
processos ocorrem simultaneamente (POERSCH, 2004, p.7).
Inspirado na arquitetura das redes neuroniais, o processamento distribuído em paralelo
(doravante PDP) é um dos principais princípios da teoria conexionista. Para essa abordagem,
que destaca a importância de fatores biológicos e ambientais para o desenvolvimento da
cognição, todo o tipo de informação é processado no cérebro através das redes neuroniais. Os
neurônios, células nervosas que compõem essas redes, comunicam-se entre si, transmitindo
impulsos elétricos. Conforme mostram os estudos neurocognitivos, as redes neuroniais são
modificadas de acordo com a atividade sináptica estabelecida entre os neurônios. Quando
determinados subconjuntos de neurônios são mais estimulados do que outros, esses padrões
de atividades elétricas mais fortes são impressos com mais intensidade, mudando o peso entre
as conexões neuroniais (MCCLELLAND et al., 1995). Essa atividade seria, no vel da
microcognição, responsável pela base da formação da memória e do aprendizado. Como as
sinapses acontecem simultaneamente em diversas partes do cérebro, de forma gradual e
contínua, como explicam Seidenberg e Zevin (2006), o conexionismo denomina esse
funcionamento PDP. Aprender, nessa perspectiva, não resulta somente da mudança de estados
mentais do cérebro, mas também das experiências que o indivíduo sofre à medida que o
mundo se transforma sob a sua ótica.
É com base na premissa de que várias redes neuroniais são modificadas
concomitantemente graças à atividade sináptica dos neurônios que se considera o sistema
nervoso como dotado de grande plasticidade e flexibilidade. Da mesma forma, dúvidas acerca
da dominância do hemisfério esquerdo no que tange à faculdade da linguagem começaram a
surgir no campo da neurociência. À guisa de exemplificação, pode-se citar, entre as várias
pesquisas que discutem a especialização cerebral para a linguagem, um estudo desenvolvido
por Newman et al. (2004). Os pesquisadores apontam que o hemisfério direito tem uma
responsabilidade maior do que se imaginava no que tange à compreensão da linguagem, mais
especificamente no que se refere ao processamento discursivo, que pacientes com lesões
nesse hemisfério apresentam uma grande dificuldade para conectar e integrar conceitos
18
semanticamente distantes. Scherer (2007), em seu estudo comparativo envolvendo bilíngües
com proficiência intermediária na L2 e bilíngües idosos, destaca o papel colaborativo que os
hemisférios direito e esquerdo podem desempenhar em tarefas de processamento discursivo
com diferentes níveis de complexidade. MacWhinney (2002), por sua vez, também chama a
atenção para algumas pesquisas que enfatizam a capacidade adaptativa do cérebro. Embora se
saiba que o hemisfério esquerdo detém a preferência para a localização da fala no momento
do nascimento, pesquisas apontam que a dominância pode mudar para o hemisfério direito
quando houver uma incapacidade do primeiro em executar essa função (ZANGWILL, 1960).
Como no conexionismo não existem esquemas explícitos de representação, visto que
se refuta a visão simbólica clássica de que os conceitos e o conhecimento estariam
armazenados apenas e tão-somente em uma região cerebral específica, atribuem-se as suas
propriedades ad hoc à capacidade de tais informações emergirem no momento em que se
necessita delas. Segundo Zimmer e Alves (2006, p. 106) tal processo é possível, visto que os
neurônios, ao produzirem (ou reproduzirem, no caso da recordação) um determinado padrão
de atividade elétrica, codificam os conceitos. Cabe destacar, também, a resistência e
plasticidade das redes conexionistas quando da ocorrência de possíveis danos em sua estrutura,
já que, sendo suas operações realizadas caracteristicamente de forma distribuída e em paralelo,
suas propriedades emergentes ficam resistentes a destruições localizadas. O mesmo não pode
ser dito do processamento de informação simbólica. Como esse modelo é tipicamente local e
seqüencial, sempre que houver uma perda de símbolos ou de regras, haverá um prejuízo
irremediável para o processamento de uma tarefa.
A partir das exposições acima, dedicadas a explorar em caráter preliminar alguns
conceitos básicos sobre o paradigma conexionista e suas diferenciações do paradigma
simbólico, pode-se partir para uma discussão a respeito das contribuições do conexionismo
para o campo da aquisição de L2. Porém, antes disso, parece necessário avaliar, ainda que de
maneira sucinta, o modo como a aquisição da linguagem é concebida pelo referido paradigma.
2.2 Conexionismo e aquisição da linguagem
No que tange especificamente ao campo de aquisição da linguagem, o conexionismo o
entende como a aquisição de qualquer outra capacidade cognitiva humana. Com isso, faz-se
desnecessária a postulação de um dispositivo especial como o DAL (dispositivo de
Aquisição da Linguagem) que explique de que forma a linguagem é aprendida:
19
Ao invés de especificada geneticamente, a linguagem humana é vista como fruto da
interação entre a estrutura da linguagem do aprendiz e das restrições inerentes à
comunicação quando da expressão de conteúdos cognitivos não-lineares através de
um canal linear: o trato articulatório-auditivo humano (ZIMMER; ALVES, 2006, p.
107).
Na verdade, existe uma relação intrínseca entre o desenvolvimento da linguagem e o
desenvolvimento de outras capacidades cognitivas humanas, sendo, dessa forma, a interação
entre esses processos o fator desencadeador da aprendizagem de uma dada língua. Por
entender a linguagem em meio a esse processo de interação, o conexionismo segue uma
orientação emergentista de aquisição da linguagem (BATES, 1999; N. ELLIS, no prelo),
dispensando questões consideradas centrais pelo paradigma simbólico, como a proposição de
mecanismos inatos para que a linguagem se estabeleça no indivíduo. A existência de uma
Gramática Universal que seria parte da dotação biológica da espécie humana e responsável
por explicar como a linguagem é aprendida – e a de um Dispositivo de Aquisição da
Linguagem – supostamente estabelecido em alguma parte do cérebro e fornecendo às crianças
um conhecimento inato da língua a que estarão expostas são construtos que não encontram
lugar no novo paradigma.
Outras assertivas características do paradigma simbólico, como o fato de este
menosprezar o papel da experiência na aquisição da linguagem, de procurar explicar apenas o
estado final do fenômeno lingüístico e de defender a existência de um período crítico para a
aquisição da linguagem, são igualmente refutadas pelo conexionismo. Logo, essas idéias
defendidas por Chomsky (1965) e seus sucessores só encontram sustentação num plano
meramente especulativo, haja vista não serem corroboradas por nenhuma pesquisa de cunho
neurobiológico.
Da mesma forma, como já apontado acima, não se partilha, no paradigma conexionista,
da idéia simbólica de que o input seria demasiado pobre para que as regularidades lingüísticas
fossem todas exemplificadas, ou de que ele seria extremamente rico, oferecendo
generalizações impossíveis de serem efetuadas por uma criança. Como para esse novo
paradigma a aquisição é vista em termos de desempenho e não de competência, como
postulou Chomsky (1965) –, torna-se possível extrair as regularidades lingüísticas através de
fatores estatísticos e probabilísticos presentes num determinado input lingüístico. Assim,
parece correto afirmar que a experiência do indivíduo com a língua desponta como fator
primordial para a sua aquisição. Cumpre ressaltar, por fim, que o escopo do conexionismo
recai sobre o processo de aquisição da linguagem, já que há uma preocupação em descrever as
20
etapas dessa aquisição, e não somente o seu estado final, posição assumida pela vertente
simbólica.
A estipulação de um período crítico para a aquisição da linguagem também é um
pressuposto que desfruta de opiniões bastante antagônicas entre os dois filões teóricos aqui
tratados. Como é notável a aplicação desse conceito no âmbito de aquisição de L2, ele será
aprofundado na seção seguinte.
2.2.1 O paradigma conexionista, a aquisição da L2 e a noção de período crítico
O paradigma conexionista defende que o processo de aprendizagem em geral subjaz a
todas as faculdades cognitivas humanas, ou seja, depende das regularidades contidas no input
a que o aprendiz é exposto, bem como dos universais da estrutura cognitiva (MacWHINNEY,
2001), isto é, do desenvolvimento cognitivo geral do ser humano. Assim, é a partir da
percepção dessas regularidades que se tanto o reforço como o enfraquecimento das
conexões numa rede de neurônios. Tendo em vista essa noção de aprendizagem, faz-se
importante questionar, então, de que maneira o período crítico para a aquisição de uma L2 é
visto por essa teoria.
Não a idéia de que o cérebro perderia sua plasticidade após certo estágio
maturacional, mas também a de que aprendizes adultos estariam incapacitados de adquirir
uma L2 com alto nível de proficiência são vistas como extremamente aceitáveis pelo
paradigma simbólico. Porém, com a discussão e revisão dessas concepções por vários
pesquisadores da área do conexionismo e das neurociências, novas explicações estão sendo
propostas. Seidenberg e Zevin (2006), por exemplo, defendem que adultos conseguem atingir
um nível elevado de proficiência numa L2, ainda que haja uma redução na plasticidade
cerebral com o aumento da idade. Por conseguinte, os autores não acreditam que essa perda
na plasticidade se deva à existência de um período crítico para a aquisição de uma L2. Antes,
essa limitação seria creditada à própria aprendizagem. Ainda segundo os autores, a
aprendizagem cria algumas mudanças neurobiológicas que reduzem a plasticidade cerebral,
ou seja, à medida que o indivíduo desempenha uma tarefa num alto nível de proficiência, essa
habilidade pode interferir no aprendizado de outras tarefas. Assim, ao fazer menção à
aprendizagem de uma L2 em idade tardia, deve-se considerar a proficiência desse sujeito em
sua L1, que esse conhecimento elevado da língua materna acaba refletido na aprendizagem
da L2. Tal fato vem encontrando respaldo pela teoria conexionista, que o tem explicado com
21
base no “Paradoxo do Sucesso” (SEIDENBERG; ZEVIN, 2006). Dessa forma, é possível
estabelecer que aprender a desempenhar uma tarefa num alto grau de proficiência pode ser
uma condição negativa para o aprendizado de outra tarefa semelhante, visto que há um
entrincheiramento
3
no sistema cognitivo do aprendiz. Porém, apesar de presumir-se uma
perda na plasticidade cerebral devida à própria aprendizagem, é possível que os efeitos do
entrincheiramento de um conhecimento prévio sejam revertidos, tendo-se em vista que o
conhecimento adquirido é amplamente sistematizável, o que permite que ele seja representado
de maneira que ocorra uma generalização. Logo, é possível aprender novos padrões
lingüísticos a partir do reinstanciamento dos padrões já existentes.
Em suma, pode-se afirmar que é essa capacidade de realizar generalizações que
desempenha um papel fundamental na efetivação do aprendizado de novas línguas (e do
aprendizado, em geral), não sendo, dessa forma, a diminuição da plasticidade cerebral o fator
responsável por eventuais dificuldades na aprendizagem. Cabe destacar, também, que fatores
não-lingüísticos influenciam de maneira expressiva na aquisição de uma L2, que condições
relacionadas ao ambiente, ao tempo de exposição à língua e ao comportamento do indivíduo
em relação à aprendizagem podem guiar o desempenho nessa tarefa.
MacWhinney (2002) considera que a aprendizagem de uma língua se através da
interação entre três aspectos: o input, que fornece os dados necessários para a aprendizagem
da língua; o contexto, que pode ser controlado ou natural, propiciando maiores ou menores
oportunidades de exposição ao input; e o aprendiz, que desempenhará com mais ou menos
sucesso a tarefa de aprendizagem da língua dependendo de suas diferenças individuais em
atenção e automatismo, por exemplo. Em seu modelo de aprendizagem, denominado Modelo
de Competição (Competition Model), MacWhinney (2001) assevera que a linguagem
desenvolve-se através da aprendizagem e da transferência. No processo da aprendizagem, o
aprendiz é apresentado ao insumo, o que pode levá-lo a perceber, ou não, as pistas lingüísticas
que o auxiliarão a realizar generalizações e a levantar hipóteses sobre o funcionamento da
língua. As pistas lingüísticas, que podem ser de natureza fonológica, sintática, morfológica,
semântica ou pragmática, competem entre si no momento em que são expostas no input,
acarretando a necessidade de o aprendiz fazer algumas escolhas no momento em que se
depara com tarefas de compreensão ou produção na língua-alvo. Para MacWhinney (2002),
3
Zimmer e Alves (2006, p. 113) esclarecem que o entrincheiramento pode ser explicado pelo fato de os
aprendizes adultos de uma L2 apresentarem sistemas cognitivos largamente empregados na resolução de outros
problemas incluindo, em particular, a compreensão e a produção de língua materna. A criança, por sua vez,
provavelmente alcança um melhor desempenho porque seu sistema cognitivo o está, ainda, totalmente
entrincheirado no conhecimento da L1.
22
crianças que aprendem uma L2 antes da puberdade alcançam um maior vel de proficiência
nessa tarefa do que adultos simplesmente pelo fato de a criança ter o conhecimento da sua L1
menos entrincheirado nas redes neurais no momento da aquisição. O adulto, por sua vez,
precisa lidar com um conhecimento lingüístico prévio muito mais entrincheirado em suas
redes.
Uylings (2006), usando uma outra via para explicar a aquisição de uma L2 em idade
tardia, defende que o período crítico não existe para a aprendizagem em geral, uma vez que a
plasticidade de elementos do circuito cerebral que são necessários para executar essa
habilidade, como a sináptica e a dendrítica, não declina em função da idade. Assim,
considerando-se o fato de não haver uma perda da plasticidade cerebral para estruturas
implicadas no aprendizado de uma L2, bem como o fato de o conhecimento, como um todo,
ser amplamente generalizável, pode-se concluir que essas características da organização
cerebral favorecem, em indivíduos bilíngües e multilíngües, a ocorrência de transferências de
um sistema lingüístico para outro. Na próxima seção, serão apresentados alguns pressupostos
pertinentes para a área de aquisição de L3, levando-se em consideração a possível relação de
transferência entre a L2 e a L3.
2.2.2 A aquisição da L3
Ao observar com atenção o foco dos estudos em aquisição da linguagem, não se tem
muita dificuldade em encontrar trabalhos consagrados à pesquisa sobre a aquisição da L1 e da
L2, ou sobre o modo como ambas as línguas interagem em indivíduos bilíngües. Porém,
quando se parte para um questionamento acerca de como as línguas previamente aprendidas
(não a L1, mas também a L2) podem influenciar a aquisição de uma seguinte (L3), poucas
respostas podem ser obtidas. Mesmo assim, é possível contar com o desenvolvimento de
alguns modelos teóricos destinados exclusivamente a dar conta de questões pertinentes à
aquisição de uma L3, assim como se pode observar o esforço de alguns teóricos em
redirecionar seus modelos sobre o bilingüismo para abarcar, da mesma forma, a questão do
multilingüismo. Para este trabalho, é importante fazer referência aos achados de alguns
pesquisadores precursores no estudo de L3, de maneira que se possam levar em consideração
tais descobertas no momento da análise dos dados desta pesquisa.
Uma das primeiras pesquisas a ganhar vulto no campo de aquisição de L3 foi a de
Ringbom (1987), que observou, num grupo de finlandeses falantes de sueco como L2 e
23
aprendizes de inglês como L3, uma preferência relevante em recorrer ao sueco, sua L2, e não
ao finlandês, sua L1, no momento de produção da fala em inglês (L3). Ringbom destaca,
dessa forma, a necessidade premente de estender o foco das pesquisas em L2 para abranger a
influência de outras línguas que não a materna no aprendizado de uma subseqüente. Thomas
(1988), por sua vez, observou em sua pesquisa que bilíngües que aprendiam uma terceira
língua pareciam ter uma sensibilidade para a tarefa de aprendizagem lingüística mais
desenvolvida, o que os ajudava a melhorar seus desempenhos quando da aprendizagem formal
da L3. os monolíngües relatados em seu estudo, que estavam aprendendo sua primeira L2,
apresentavam, no entanto, uma performance inferior na aprendizagem dessa tarefa.
Após o desenvolvimento de mais pesquisas que continuavam apontando a influência
da L2 na aprendizagem da L3, bem como o papel facilitador que a aprendizagem de uma
língua estrangeira desempenhava na aprendizagem de uma próxima, teve início a construção
de um marco teórico para a aquisição de L3. Com isso, puderam-se elencar alguns fatores que
pareciam contribuir de maneira expressiva para que a transferência interlingüística se
estabelecesse no sentido L2-L3.
O primeiro fator relacionado aqui, considerado por vários pesquisadores como o
decisivo para que a L2 influencie com mais peso durante a aprendizagem de L3, é a distância
tipológica observada entre as línguas (HAMMARBERG, 2001; CENOZ, 2000). Para Cenoz
(op.cit), esse fator pode determinar a escolha de uma certa língua como fonte principal de
influência. Nesse sentido, a influência da L2 será mais notada se essa língua for
tipologicamente mais próxima da L3 do que a L1. Kellerman (1983) foi um dos primeiros a
destacar o papel da tipologia como fator relevante na transferência L2-L3. No entanto, sua
abordagem, denominada “psicotipologia”, destacava o papel do aprendiz para a identificação
da distância entre as línguas. Para o autor, muitas vezes a percepção do aprendiz não
corresponde, necessariamente, à distância tipológica real. Assim, o surgimento de uma
percepção psicotipológica é visto como fruto do desenvolvimento da competência
metacognitiva e da consciência metalingüística do aprendiz. Sikogukira (1993) acredita que o
estilo e o ambiente de aprendizagem podem estar relacionados com esse efeito de
“similaridade psicológica” que o aprendiz credita a duas línguas, pois, segundo o autor, se
duas línguas forem aprendidas da mesma forma, em situações semelhantes e com base num
mesmo método, elas influenciarão marcadamente uma à outra.
O segundo fator apontado como significativo para o estabelecimento da transferência
L2-L3 é o grau de proficiência do aprendiz na sua L2. De acordo com Hammarberg (op. cit.),
24
um nível elevado de proficiência na L2 pode favorecer a influência dessa língua sobre a L3,
sobretudo se a L2 do aprendiz tiver sido adquirida e utilizada num ambiente natural, e não
num contexto formal de aprendizagem. No entanto, observa-se que, à medida que o vel de
proficiência na L3 vai aumentando, o aprendiz não encontra mais tanta necessidade de
recorrer a sua L2 para desempenhar seus objetivos comunicativos na L3.
O efeito de recência também é citado como um fator relevante da transferência L2-L3.
Hammarberg (op. cit.) é assertivo quanto a serem as influências de uma L2 mais notadas na
produção de uma L3 se aquela língua tiver sido usada recentemente. Como a L2 recebe uma
grande demanda de ativação à medida que se vai desenvolvendo, ela acaba ficando mais
acessível ao aprendiz de L3. O efeito de uso recente, segundo o autor, pode ser propiciado por
qualquer contato com a L2, seja ele evidenciado em termos de produção ou de percepção.
As transferências L2-L3 podem ser desencadeadas também pelo status que o aprendiz
atribui à L2. Esse status é explicado por Williams e Hammarberg (1998) com base em dois
fatores: primeiro, pela possibilidade de haver mecanismos diferentes de aquisição tanto para a
L1 como para a L2. Dessa forma, no momento do uso de uma L3, o mesmo tipo de
mecanismo ativado pela L2 será ativado para aquela língua, excluindo a L1 desse processo.
Segundo, pela necessidade que possui o aprendiz de bloquear o acesso à L1, já que ela possui
um status de língua não-estrangeira. O aprendiz apóia-se na L2, então, por ela possuir um
status de língua estrangeira em oposição à L1. Nessa perspectiva, há uma tentativa do
aprendiz de L3 em contornar os efeitos da L1, língua materna, com o uso mais evidente da sua
L2.
Cabe fazer referência, também, ao modelo de aquisição de L3 desenvolvido por de Bot
(2004). Em sua teoria denominada Modelo de Processamento Multilíngüe (The Multilingual
Processing Model), de Bot faz duas considerações que se mostram bastante relevantes para
esta pesquisa. No que compete à questão do acesso lexical, o autor defende que as línguas
aprendidas pelo trilíngüe sempre são ativadas simultaneamente, o que acaba gerando uma
competição constante entre elas tanto no momento da produção quanto da percepção
lingüística. Entretanto, isso não implica que todas as palavras de todas as línguas do trilíngüe
tenham as mesmas chances de serem ativadas. Para de Bot (op. cit.), a língua que for ativada
com mais freqüência tenderá a sobrepujar as demais. O modelo de de Bot prediz igualmente
uma competição, no nível fonológico, entre as formas semelhantes das línguas do trilíngüe.
Por fim, de Bot afirma que a proficiência lingüística do trilíngüe determinará não o tempo
25
necessário para que uma palavra seja identificada ou produzida, mas também os erros que ele
irá cometer ao ativar de forma indevida a pronúncia de uma palavra.
Alguns trabalhos no campo de aprendizagem de L3 tendo como escopo a transferência
fonética podem ser citados. Num estudo que testou um grupo de ganeses, falantes nativos do
dialeto acano, que tinham aprendido inglês como L2 e francês como L3, Haggis (1973) notou
que a língua que mais influenciou a produção do francês (L3) foi a L1 dos sujeitos. Por outro
lado, Singh e Carroll (1979) fornecem uma contra-evidência para esses resultados, atestando
que no grupo de falantes nativos de indiano arrolados em sua pesquisa havia uma preferência
maior em transferir do inglês (L2) do que do indiano (L1) para a produção oral de francês
(L3). na pesquisa desenvolvida por Llisterri e Poch (1986), que destacava a transferência
das vogais em falantes nativos de catalão que tinham por L2 o espanhol e por L3 o francês,
observou-se uma maior influência da L1 dos sujeitos na produção oral em L3. A justificativa
dos autores foi que a maior proximidade que os sistemas vocálicos da L1 e da L3
apresentavam determinou que a transferência ocorresse nesse sentido, e não da L2 para a L3.
Numa pesquisa mais recente, Llama et al. (2007) analisaram o papel da tipologia e do
status da L2 nas transferências de ordem fonológica
4
e lexical em direção à L3. Dois grupos
de trilíngües foram testados: falantes de inglês ou de francês como L1, de inglês ou de francês
como L2, e de espanhol como L3. Todos os participantes da pesquisa demonstraram
proficiência avançada na L2, e iniciante-avançada ou intermediária-baixa na L3. Após a
aplicação dos testes, que previam a leitura de palavras e um teste de vocabulário tanto na L2
quanto na L3 dos sujeitos além de um teste de descrição de figuras somente na L3 –, os
pesquisadores entenderam que o status da L2 parecia desempenhar uma influência maior
sobre o VOT da L3 do que a tipologia entre essas línguas. Quando a língua inglesa era a
língua materna dos participantes, os padrões de aspiração dessa língua eram transferidos para
o francês (L2), língua que não possui essa característica. Porém, quando os sujeitos eram
falantes nativos do francês, ao invés da falta de aspiração na L1 dificultar a sua realização no
inglês (L2), era possível observar que os sujeitos conseguiam aspirar as plosivas de maneira
satisfatória. Dessa forma, os resultados indicaram ser mais difícil para os falantes de inglês
como L1 não aspirar as plosivas na L2 do que para os falantes de francês como L1 aspirá-las
na L2. Na L3 dos sujeitos testados, o espanhol, foi possível constatar a presença significativa
de aspiração nas plosivas produzidas, apesar de essa ngua não apresentar a característica
analisada (assim como no francês). Em face do exposto, é defendida pelos autores a criação
4
Os pesquisadores analisaram padrões de aspiração (VOT voice onset timing) em palavras iniciadas pelas
consoantes surdas /p/, /t/, /k/ nas três línguas-alvo do estudo.
26
de um valor intermediário, ou seja, híbrido para a L2 (francês ou inglês), que está localizado
entre os valores da L1 e da L2. Esse valor criado para a L2 seria, então, transferido para a L3.
Levando-se em consideração os principais achados do campo de investigação da L3 e
os resultados de algumas pesquisas envolvendo o aprendizado de L3 num nível fonético,
pode-se constatar a necessidade imperativa de que mais pesquisas sejam realizadas, com o fim
último de colaborar para o avanço do estado da arte nesse campo de pesquisa. Além disso,
ressalta-se a falta de trabalhos que tenham como norte uma abordagem conexionista. Na seção
2.4.4, destinada a traçar algumas considerações sobre a relação entre a transferência L2-L3 e o
papel da memória, pretende-se articular os pressupostos aqui expostos sobre a aquisição de L3
para enriquecer a discussão sobre o tema. Por ora, faz-se importante apresentar um panorama
geral sobre a questão da transferência interlingüística L1-L2.
2.3 A transferência do conhecimento lingüístico da L1 para a L2
A transferência
5
de padrões da língua materna para a língua-alvo já ocupou papéis
bastante antagônicos em meio aos estudos que versam sobre a aquisição da L2. Para o
arcabouço teórico de inclinação behaviorista, a transferência era entendida como uma
interferência de velhos hábitos (L1) na aquisição de novos (L2). Quando se iniciava o
processo de aquisição de uma L2, por conseguinte, era chegada a hora de abandonar os velhos
hábitos. Para a Hipótese da Análise Contrastiva (LADO, 1957), construída sob essa
perspectiva, a transferência era vista como indissociável do processo de aprendizado de uma
L2: tudo o que se aprendia em L2, e a maneira como se aprendia, dependeria, em última
instância, da influência exercida pela L1 do aprendiz (RUIZ, 2001). Acreditava-se que a
dificuldade ou facilidade na aprendizagem era determinada por fatores lingüísticos, ou seja,
em termos de diferenças ou semelhanças entre o sistema de língua materna e a L2
6
. Quanto
aos erros, esses indicavam o fracasso do aprendiz em estabelecer as associações corretas entre
estímulos e respostas. Era premente, pois, evitar a sua ocorrência, procedendo a sua
erradicação.
5
A transferência é tratada como um fenômeno que ocorre quando o aprendiz de uma L2 faz uso de seu
conhecimento lingüístico e de suas habilidades comunicativas prévias (sejam as de sua ngua materna ou as de
qualquer outra ngua que conheça) tanto na hora de adquirir conhecimento novo na L2 como ao produzir e
processar mensagens na referida língua (RUIZ, 2001).
6
Cabe referir aqui que a Hipótese da Análise Contrastiva explicava a ocorrência da transferência sem fazer
menção ao aprendiz de L2, que era visto como um fator externo a esse processo.
27
para a corrente da Hipótese Criativa (DULAY; BURTON, 1974), influenciada pela
teoria gerativista, paradigma de pesquisa subseqüente, a importância dos estudos sobre
transferência interlingüística foi limitada ao mínimo, ou até mesmo negada. A transferência
de aspectos da L1 em direção à L2 dar-se-ia quando os recursos lingüísticos do aprendiz na
L2 não lhe permitiam efetuar seus propósitos comunicativos. A transferência era vista, então,
como uma estratégia de uso da língua. Para a aquisição de L1, postulava-se que a própria
programação inata do indivíduo para adquirir a língua era a responsável maior pelo processo
criativo de interiorização lingüística. Já a aquisição de L2 passou a ser entendida como a
criação de um sistema lingüístico próprio (Interlíngua) que possuía regras distintas tanto da
L1 quanto da L2, apesar de constituir-se mediante processos similares ou idênticos aos
subjacentes à aquisição da língua materna.
Como conseqüência da adoção hegemônica dessa visão durante duas décadas, não
foram produzidas explicações para os erros de transferência gerados pelo contato entre a L1 e
a L2 (interlingüísticos), que o foco dessa abordagem recaía sobre os erros gerados dentro
do próprio sistema da L2 (intralingüísticos). Com isso, várias explicações sobre o processo de
transferência nascidas no bojo do behaviorismo não foram suplantadas até o início dos anos
80, época em que a transferência reassume um papel de destaque na agenda de pesquisadores,
que passaram a entendê-la como fundamental no processo de aprendizagem da L2.
Atualmente, numa perspectiva conexionista, a transferência de padrões da língua
materna para a estrangeira é encarada sob a luz mais favorável de uma estratégia de
aprendizagem inerente ao processo de aquisição da L2. O fato de o cérebro possuir uma
estrutura interconectada que funciona através da transferência de informações parece ter
implicações primordiais para a teoria de aquisição de L2 (MacWHINNEY, 2002). Quando a
aprendizagem de uma L2 inicia-se, o aprendiz inaugura essa tarefa com um sistema
neurolingüístico muito bem organizado (L1). Com isso, a aprendizagem de L2 começa
sofrendo uma forte influência das estruturas da língua materna (ELLIS, no prelo). Para
desvincular-se dessa influência, no entanto, o aprendiz acaba, com o tempo, construindo
ligações diretas entre os sons e os significados da L2, reestruturando conceitos previamente
existentes na L1 até que algum grau de automatismo na L2 seja estabelecido. Nesse sentido, a
forte associação inicial entre a L1 e a L2 vai-se desfazendo, ainda que alguma transferência
entre essas línguas sempre seja observada, o que se justifica pela própria natureza interativa
do sistema cognitivo do aprendiz (MacWHINNEY, 2002).
A noção de transferência, no conexionismo, está fortemente atrelada ao conceito de
entrincheiramento (ZIMMER, 2004, 2008; ZIMMER; ALVES, 2006; SEIDENBERG;
28
ZEVIN, 2006; MacWHINNEY, 2006). Segundo MacWhinney (2006), quando uma tarefa é
praticada muitas vezes, pode-se esperar que ela seja automatizada ou entrincheirada. Quanto
mais essa tarefa for praticada, mais profundo será o entrincheiramento e mais difícil será
variar ou bloquear o uso dessa habilidade. Espera-se que o entrincheiramento ocorra nas redes
neuroniais quando um padrão de alta freqüência for apresentado continuamente aos dados de
treinamento do input. MacWhinney (2006) observa que, num sistema simples, que pode ser
comparado com a aquisição de um único sistema lingüístico, o entrincheiramento pode
bloquear maciçamente o recurso a supergeneralizações e o acesso a respostas rápidas.
Segundo MacWhinney (2002), o entrincheiramento pode ocorrer com ênfases
diferentes entre os vários aspectos da linguagem. Um efeito mais forte de entrincheiramento
pode ser observado no output fonológico, e um mais brando, na área lexical, onde a
aprendizagem de novos itens parece ocorrer sem maiores problemas. Na fonologia, a
transferência desses padrões articulatórios entrincheirados da L1 costuma produzir um
sotaque estrangeiro na L2, uma vez que os aprendizes tratam os novos sons da L2 como se
eles fossem compostos das mesmas unidades articulatórias da L1. Com os avanços nas
pesquisas nessa área, entretanto, tem-se observado que esses efeitos do entrincheiramento dos
padrões articulatórios da L1 sobre a L2 podem ser revertidos. As próximas duas seções
apresentarão alguns preceitos teóricos que procuram explicar a ocorrência de dois tipos de
transferência que estão intrinsecamente relacionados a essa dificuldade que os aprendizes
demonstram de realizar de forma adequada os sons da L2: a transferência grafo-fônico-
fonológica e a transferência fonético-fonológica.
2.3.1 A transferência grafo-fônico-fonológica da L1 para a L2
Para que a capacidade de leitura numa dada língua se estabeleça considerando-se o
sistema alfabético que lhe é próprio é preciso que se consiga reconhecer uma
correspondência entre seus grafemas e fonemas, a despeito da possibilidade de essa
correspondência apresentar algum nível de inexatidão. Sabe-se que o aprendiz de L2 carrega
consigo um já bem sedimentado conhecimento prévio a respeito da sua L1. Com isso, pode-se
dizer que a correspondência instaurada entre grafemas e fonemas para a leitura em L1 será
ativada quando da recodificação leitora em L2. Assim, quando se pretende analisar a
transferência entre sistemas fonológicos diferentes, é preciso levar em conta o sistema de
escrita das línguas em questão, haja vista que seus sistemas grafêmico e fonológico vão
refletir a estrutura fonética e fonológica dessas línguas.
29
Odlin (1989) é assertiva ao considerar que quanto maiores as semelhanças entre dois
sistemas de escrita, menor é o tempo necessário para que os aprendizes de L2 desenvolvam
habilidades de codificação e decodificação nesta língua. Nesse sentido, os aprendizes de L2
começariam a aprender o novo sistema alfabético através das semelhanças entre os dois
sistemas de escrita envolvidos. Contudo, ao mesmo tempo em que essas semelhanças
auxiliam na tarefa de leitura em L2, elas também podem causar obstáculos, pois, segundo
Zimmer (2004, 2007), a interatividade entre os sistemas grafêmico e fonológico da L1 e da L2
pode levar o aprendiz a uma produção desviante daquela tida como alvo na L2.
As transferências grafo-fônico-fonológicas podem ocorrer tanto pelo contato entre
dois sistemas fonológicos diferentes, como também por diferenças entre os princípios dos
sistemas alfabéticos da L1 e da L2. Esse tipo de transferência pode ser conceitualizado como
uma propensão, durante a fala ou leitura oral em L2, de atribuir aos grafemas que compõem
as palavras da L2 a mesma ativação fonético-fonológica que tais grafemas reforçariam
durante a fala ou a leitura oral na L1 (ZIMMER; ALVES, 2006, p. 120). Em algumas
línguas, como o inglês e o francês, percebe-se que a correspondência grafo-fônico-fonológica
é menos transparente, uma vez que os sistemas ortográficos dessas línguas são mais
profundos. Já em línguas como o português e espanhol, por exemplo, que apresentam uma
maior correspondência grafo-fônico-fonológica, existe uma maior possibilidade de que o
aprendiz utilize o sistema fonológico como auxílio na leitura de palavras.
Compreender como o sistema de escrita é mapeado para o sistema fonológico durante
a leitura em voz alta de palavras tem sido uma questão amplamente debatida por
pesquisadores da área da psicolingüística e da neuropsicologia. Em modelos simbólicos que
se ocupam do estudo da correspondência grafo-fônico-fonológica, por exemplo, tenta-se
explicar o processamento de palavras de acordo com a formalização de dois mecanismos. De
acordo com o “sistema simbólico de rota dupla”, haveria um mecanismo responsável pelo
processamento de palavras regulares e não-palavras, denominado “rota não-lexical”, e um
outro, que seria responsável pelo processamento de palavras-exceção, denominado “rota
lexical”. Em suma, a rota não-lexical conteria o conhecimento sobre o conjunto de regras
específicas da relação entre as letras e sons da língua (correspondência grafema-fonema); e a
rota lexical armazenaria o conhecimento específico sobre a pronúncia de palavras que
representam exceções às regras gerais de pronúncia da língua (COLTHEART et al., 1993). A
proposição de duas rotas separadas para dar conta do processamento de palavras regulares e
palavras-exceção está alicerçada em evidências de que esses dois mecanismos podem ser
30
danificados de maneira independente. Dessa forma, nota-se que a rota lexical pode ter sido
danificada quando a leitura em voz alta de palavras-exceção for feita de acordo com as regras
específicas de correspondência grafema-fonema da língua. Já a leitura de não-palavras e de
palavras regulares é seletivamente preservada, o que indica a ocorrência de dislexia de
superfície. Por outro lado, pode-se observar um dano na rota não-lexical quando a leitura em
voz alta de não-palavras for impossibilitada. Com isso, permanecem acessíveis os
mecanismos requeridos para a leitura de palavras, tendo-se um exemplo de dislexia
fonológica (COLTHEART et al., op. cit.).
O conexionismo, em contrapartida, postula a existência de apenas um sistema,
denominado “rota simples”, que daria conta do processamento de todas as palavras. Essa
definição é sustentada pela maneira como o sistema conexionista aprende, a saber, através do
ajuste de pesos em conexões entre unidades, de forma sensível a como a estrutura estatística
do ambiente influencia o comportamento da rede, seja ele cerebral ou computacional. Não
cabem, nesse modelo, proposições de ordem dicotômica que separam elementos regulares
daqueles que não o são. O conexionismo defende a existência de uma rota única na qual todos
os elementos constituintes do processamento da leitura coexistem dentro de um mesmo
sistema. O mapeamento grafema-fonema, então, está relacionado intrinsecamente à maneira
como a rede processa esse conhecimento. Como o processamento é entendido pelo
conexionismo como dependente das regularidades contidas num determinado input, as
palavras de alta freqüência costumam ser reconhecidas de forma mais rápida e adequada do
que as palavras de baixa freqüência. Segundo Zimmer (2004), o efeito da experiência das
redes com as palavras, relacionado ao fator freqüência, atua com mais ênfase sobre as
palavras-exceção do que sobre as palavras regulares, por estas seguirem as regras de
correspondência grafema-fonema da língua. Nota-se, dessa forma, que a recodificação de uma
palavra regular é menos dependente da experiência prévia com essa palavra, sendo mais
importante nesse caso a relação de semelhança dessa palavra com outras que apresentem a
mesma correspondência grafema-fonema, gerando um efeito de consistência.
Em seu modelo de “rota simples”, Seidenberg e McClelland (1989) resolveram os
conflitos entre corpos grafêmicos
7
de palavras sem recorrer a mecanismos de natureza distinta.
O problema foi resolvido, por esse modelo, de acordo com interações cooperativas e
competitivas baseadas em como tais corpos relacionam-se a todos os outros conhecidos em
termos de mapeamento grafo-fônico-fonológico. Por conseguinte, ao invés de estabelecer-se
7
O corpo grafêmico de uma palavra corresponde, na palavra escrita, à rima da palavra fonológica, consistindo,
basicamente, de vogal e consoante(s).
31
uma distinção entre palavras regulares e irregulares, utilizou-se um contínuo que compreende
quatro graus de consistência
8
: palavras regulares consistentes, palavras regulares
inconsistentes, palavras ambíguas e palavras exceção.
Os resultados obtidos nas simulações conexionistas desenvolvidas por Seidenberg e
McClelland (1989) corroboram a performance obtida por humanos na tarefa de recodificação
leitora. Na comparação entre humanos e redes, observou-se que: as palavras regulares são
pronunciadas com mais rapidez do que as palavras-exceção; as palavras de baixa freqüência
de pronúncia regular são pronunciadas com mais rapidez do que as palavras-exceção de baixa
freqüência (considerando-se o efeito da interação entre freqüência e consistência); existe uma
consistência na correspondência grafo-fônico-fonológica para a recodificação de não-palavras.
Com essa consonância entre o desempenho das redes e dos humanos, o modelo de “rota
simples” sustenta-se com mais respaldo, confirmando, assim, a premissa de que a resposta a
qualquer input está condicionada à experiência da rede.
Ao tratar-se da transferência grafo-fônico-fonológica, é imperativo mencionar um
outro tipo de transferência, a fonético-fonológica, que ambas possuem uma relação muito
próxima, sendo, por vezes, quase impossível identificar a ocorrência de uma ou de outra entre
adultos. Na próxima seção, serão apresentados alguns modelos teóricos que procuram explicar
de que maneira interagem os sistemas fonéticos da L1 e da L2.
2.3.2 A transferência fonético-fonológica da L1 para a L2
Ao tratar-se da transferência de aspectos fonético-fonológicos entre duas línguas, vem
à tona a questão do sotaque estrangeiro observado na produção da fala de aprendizes de L2.
Esse tipo de sotaque, considerado como uma transferência indevida de aspectos articulatórios
da L1 para a L2, caracteriza-se como o produto da ativação de padrões acústico-articulatórios
semelhantes ou idênticos aos da L1 ao invés dos da L2, fato esse justificado pela
impossibilidade do aprendiz em tratar os novos itens lexicais como diferentes daqueles
encontrados na sua L1.
8
Zimmer (2004) relaciona esse contínuo aos vizinhos ortográficos e fonológicos de cada palavra. De acordo com
a autora, as palavras regulares consistentes podem ser definidas como aquelas cujos corpos grafêmicos e suas
respectivas pronúncias seguem as correspondências grafo-fônico-fonológicas da língua, assemelhando-se com
um grande número de palavras amigas. As palavras regulares inconsistentes, por sua vez, são explicadas como
aquelas que possuem um grande número de palavras amigas e algum número de palavras-exceção. Já as palavras
ambíguas apresentam corpos grafêmicos que podem ser associados tanto à pronúncia de palavras amigas quanto
à de inimigas. Por fim, as palavras-exceção são classificadas como aquelas que possuem um número imenso de
palavras inimigas e um número ínfimo de palavras amigas.
32
No momento em que começa a adquirir um novo sistema lingüístico, o aprendiz de L2
costuma deparar-se com inúmeras dificuldades para superar os efeitos do conhecimento
fonético-fonológico da sua L1 sobre a fala incipiente em L2, o que parece estar relacionado
com uma forte tendência em haver um certo grau de transferência entre esses dois sistemas
distintos. Nesta seção, apresentar-se-á a visão teórica de três pesquisadores influentes na área
da transferência do conhecimento fonético-fonológico da L1 para a L2. Partir-se-á da visão de
Kuhl (1993, 2000) e Kuhl et al. (1997), responsável pela difusão do Modelo do Ímã da Língua
Materna, passando-se pelo Modelo da Assimilação Perceptual, proposto por Best (1995) e
Best et al. (2001) até se chegar à abordagem do Modelo de Aprendizagem de Fala (FLEGE,
1980, 1995, 2002), que servirá para fundamentar os achados relacionados à primeira hipótese
da pesquisa empírica, detalhada no segundo capítulo deste trabalho.
Os três modelos mencionados acima problematizam a questão da transferência
partindo da discussão do papel da percepção e da produção para a aquisição dos sons da fala
em L2. O modelo denominado Ída Língua Materna (Native Language Magnet), proposto
por Kuhl (1993), está fundamentado nos resultados de uma série de pesquisas envolvendo
crianças nos seus primeiros anos de vida. Segundo esse modelo, a partir dos 6 meses de
gestação, o feto começa a aprender os sinais sonoros da fala. Após o nascimento, à medida
que a criança vai adquirindo mais experiência com o conhecimento perceptual das categorias
de sons da sua L1, esses sons vão sendo amplamente mapeados, criando-se uma espécie de
rede ou filtro complexo através do qual a língua materna pode ser percebida.
Segundo Kuhl (2000), para que se estabeleça uma representação da fala, as crianças
focam a sua atenção, preliminarmente, em apenas um tipo de informação perceptual, a saber,
a informação auditiva. Mais tarde, elas passam a estabelecer conexões entre o que elas
escutam e os gestos articulatórios que elas vêem para cada som da fala. Essa ligação entre o
input auditivo e o visual parece ser um forte índice da relação intrínseca entre a percepção e a
produção, visto que as crianças começam a modelar sons e gestos guiadas por essas pistas
acústicas e gestuais, numa tentativa de ajustar as fronteiras acústicas entre as categorias de
sons, bem como seus gestos articulatórios, por intermédio do feedback que recebem dos
adultos. De acordo com o modelo do Ída Língua Materna, as categorias de sons da fala
estão organizadas de acordo com protótipos entendidos aqui como os melhores
representantes de instâncias de sons que desempenham a função de ímãs perceptuais. Tais
ímãs, que são considerados como o resultado da percepção e representação das crianças para o
input da L1 (KUHL, 1993), exercem uma influência notória sobre seus vizinhos similares,
atraindo-os em sua direção.
33
Para a aquisição de L2, o modelo prediz que a codificação inicial de padrões da L1
entrará em conflito com os novos padrões em aprendizagem, que estes não estão de acordo
com os bem estabilizados filtros mentais mapeados para a L1. Por conseguinte, haveuma
dificuldade considerável para o estabelecimento da aquisição da L2, visto que o mapa criado
para a L1 (bem estabilizado) diferencia-se notavelmente daquele requerido para as demais
línguas. Nesse sentido, os sons da L2 considerados similares serão interpretados com mais
dificuldade, sendo atraídos em direção a uma categoria da L1; os sons que não guardarem
nenhuma semelhança com os protótipos da L1, por sua vez, não serão afetados por esse efeito
de atração, sendo, portanto, mais facilmente discriminados. Dessa forma, é possível
estabelecer que a aprendizagem fonética da L1 restringe a percepção de sons da L2; por isso,
o modelo ora abordado credita ao conhecimento prévio parte importante das dificuldades
inerentes à aprendizagem de categorias novas de sons, excluindo, assim, motivações
relacionadas à perda de plasticidade cerebral de seu centro de discussão.
Evidências de que é possível reverter os efeitos da atração perceptual advêm dos
estudos interessados em investigar a língua modificada
9
que a mãe dirige a seu filho ainda
bebê (KUHL, 1997). Ao falarem com seus filhos, as mães tendem a aumentar
consideravelmente seu espaço vocálico, exagerando, dessa forma, as pistas acústicas
necessárias para a percepção das vogais. Diante disso, a distância entre as vogais também é
aumentada, o que acaba reduzindo possíveis sobreposições entre categorias de sons diferentes.
Transferindo essa prática para a aprendizagem de uma L2, Kuhl et al. (1997) elenca três
fatores que podem contribuir para a minimização dos efeitos restritivos previstos pelo filtro
perceptual da L1: a recepção de pistas acústicas necessárias para a aprendizagem das novas
categorias de forma exagerada – assim como fazem as mães com seus bebês –; a exposição do
aprendiz a uma ampla gama de diferentes interlocutores; e uma maciça experiência auditiva.
Com uma conjunção entre os fatores supramencionados, é possível que se chegue, então, a
superar as restrições perceptuais previstas pela L1.
Já o modelo proposto por Best (1995), denominado Modelo de Assimilação Perceptual
(Perceptual Assimilation Model), defende que a discriminação dos sons da fala em L2
depende de como e se esses sons serão assimilados perceptualmente pelos fonemas da L1. No
que concerne à relação entre a percepção e a produção, nota-se uma ligação estreita entre
essas duas instâncias, sendo o objetivo último da percepção da fala a identificação dos sons
9
Tal maneira de falar é conhecida como baby talk ou, numa tradução livre para o português, “manhês”. Cabe
notar que também se considera a participação de outros parentes na prática dessa língua modificada com os
bebês.
34
produzidos. A aprendizagem é entendida como o efeito da interação do aprendiz com o
ambiente, pois a informação acústica que os ouvintes recebem e a resposta articulatória que
eles produzem reforçam-se mutuamente, uma produzindo input e feedback para a outra
(BEST, 1995).
O conceito-chave para o Modelo de Assimilação Perceptual é o termo “constelações
gestuais”, que pode ser definido como sólidas combinações de múltiplos gestos de fala que
são específicos de uma determinada língua, a despeito de haver uma grande quantidade de
sobreposição, entre línguas, de gestos e constelações encerrados nos seus espaços
fonológicos individuais, ao menos no nível segmental
10
(BEST, 1995, p.193). Nessa
perspectiva, os segmentos não nativos são caracterizados como aqueles cujos elementos
gestuais não condizem exatamente com nenhuma constelação nativa. Dessa forma, a
similaridade ou diferença dos sons da L2 em relação aos da L1 denotará quais são
potencialmente mais difíceis ou mais fáceis de serem percebidos. Com isso, os sons da L2
mais similares aos da L1 apresentarão maior dificuldade de discriminação, enquanto que os
sons mais distintos dos da L1 serão mais facilmente discriminados. Best et al. (2001) elencam
uma série de padrões de assimilação passíveis de determinar o grau em que os sons da fala da
L2 são discriminados. À guisa de exemplificação, pode-se prever que, quando dois sons da L2
forem assimilados por duas categorias diferentes na L1, uma ótima percepção será ativada. Ao
contrário, quando o aprendiz associa duas categorias de sons diferentes na L2 a uma mesma
categoria na L1, uma baixa capacidade perceptual será promovida. Cumpre destacar que o
Modelo de Assimilação Perceptual aposta que, à medida que a aprendizagem da L2 vai-se
desenvolvendo, mediante exposição a um input adequado, pode haver uma reorganização dos
padrões de assimilação estipulados previamente.
O último modelo a ser apresentado, denominado Modelo de Aprendizagem da Fala
(Speech Learning Model), desenvolvido por Flege (1995), procura explicar como os sons de
uma L2 são percebidos pelos falantes não-nativos, focando sua atenção principalmente no
estágio final de aprendizagem de uma L2, ao contrário dos modelos previamente apresentados,
que dirigem sua atenção para o estágio inicial. Para tanto, é levada em consideração a
habilidade de discriminação fonética de falantes-ouvintes não-nativos que, influenciados pelo
aumento da idade, apresentam as categorias de sons da sua L1 amplamente fortalecidas, o que
10
No original: There is usually a great amount of overlap among languages in the gestures and constellations
contained within their individual phonological spaces, at least at the segmental level.
35
acaba dificultando a percepção dos sons de uma nova língua. Com base na performance
perceptual do aprendiz, Flege também acredita ser possível prever a sua performance oral
11
.
Para Flege (2002), pouca atenção tem sido dada a aspectos motores e articulatórios
implicados na aprendizagem de uma L2. Segundo o autor, a obtenção de uma pronúncia
adequada na L2 está intrinsecamente relacionada com a capacidade do aprendiz de realizar
ajustes articulatórios sutis, mesmo para sons que compartilhem funções similares tanto na L1
quanto na L2. Para um aprendiz de L2 adulto, essa aprendizagem tende a ganhar uma posição
de grande complexidade. Ao partir para a aprendizagem da L2 com um sistema articulatório
bem estabilizado, esculpido pela aprendizagem da L1, é preciso que esses hábitos
articulatórios previamente sedimentados sejam modificados, para que se possa, então,
produzir os sons da L2 de acordo com as normas fonéticas desta língua. O fato de, muitas
vezes, não se notar uma significativa melhora na pronúncia desses aprendizes pode ser
creditado não só a componentes fisiológicos da pronúncia, mas, sobretudo, aos métodos
selecionados para coletar e analisar esses dados.
Um número muito grande de pesquisas aborda os sons produzidos pelo aprendiz de L2
com base numa visão categórica, ou seja, como entidades discretas que são produzidas de
forma correta ou não
12
. Na visão de Flege (1980), todavia, tal abordagem é permeada por uma
forte tendência dos ouvintes humanos de perceber os sons da fala através de categorias
fonêmicas da sua L1, fato que acaba comprometendo a percepção dos sons produzidos,
fazendo com que o progresso na pronúncia pareça muito mais lento do que na verdade é.
Flege (1980) defende que os sons da fala produzidos pelo aprendiz de L2 devem ser
entendidos como fazendo parte de um continuum de aproximações que se encaminham em
direção aos sons foneticamente corretos desta ngua. Dessa forma, a produção de fala dos
bilíngües tardios
13
deve ser caracterizada como o output de um sistema fonético relativamente
11
Cabe frisar a relação intrínseca entre a percepção e a produção de sons na L2, haja vista que, ao não identificar
corretamente um som da L2, o aprendiz passa a produzi-lo com a mesma limitação. O importante, porém, é não
se perder de vista que a superação dessa influência das categorias de sons da L1 sobre as da L2 pode ser
alcançada através de exposição extensiva ao input autêntico da L2. Com isso, novas categorias de sons da L2
podem ser formadas e uma percepção quase nativa pode ser ativada, modificando gestos articulatórios até
mesmo em bilíngües tardios.
12
Comumente, utiliza-se o recurso à transcrição fonética, baseado na análise de oitiva, para representar um som
produzido por um falante. Não obstante sua importância e usabilidade para o estudo da pronúncia em L2, esse
método de coleta de dados padece de profundas restrições (BERTI, 2006). Como o número de transcrições de
categorias é limitado, enquanto a fala é contínua, o pesquisador não está apto a transcrever com confiabilidade
todas as variantes fonéticas produzidas por um aprendiz. Igualmente, o seu comprometimento com as categorias
de sons da sua L1 influenciará fortemente no seu julgamento quando da atribuição de categorias aos sons da fala
da L2.
13
Flege (1995) classifica os bilíngües em duas categorias, a saber: bilíngües precoces, que são aqueles que
aprenderam a L2 antes dos 5-6 anos de idade, e bilíngües tardios, considerados aqueles que aprenderam a L2
depois dessa idade, já sendo alfabetizados.
36
sólido que se distancia tanto daquele produzido na L1 quanto na L2, compondo, de fato, um
sistema de interlíngua
14
.
A principal premissa do Modelo de Aprendizagem da Fala refere-se ao fato de que os
processos e mecanismos que as crianças utilizam quando estabilizam o sistema de sons da L1
permanecem intactos durante toda a vida do indivíduo, mantendo-se acessíveis inclusive
quando da aprendizagem de uma L2. Contudo, isso não implica dizer que os bilíngües tardios
apresentarão, necessariamente, proficiência na L2 semelhante àquela demonstrada pelos
bilíngües precoces, nem tampouco que sua proficiência possa ser comparada com a de um
falante nativo. A principal razão para isso reside no fato de os aprendizes tardios de L2
continuarem a fazer uso maciço da sua L1, o que, provavelmente, acaba influenciando em
seus desempenhos na L2. Conforme Flege (2002), o sistema fonético da L1 desenvolve-se
vagarosamente durante a infância, num processo que culmina com a chegada da adolescência.
Assim, à medida que as categorias fonéticas da L1 se desenvolvem, mais chances terão de
assimilar perceptualmente as vogais e consoantes presentes na L2. Isso porque se acredita que
os sistemas de sons da L1 e da L2 existem num espaço fonológico comum e, dessa forma,
passam a influenciar um ao outro.
Mesmo tendo disponíveis as mesmas condições que uma criança quando estabiliza o
sistema de sons da sua L1, o aprendiz tardio de L2, conforme admite Flege (2002), nem
sempre cria novas categorias de sons. A tendência é que o aprendiz tardio identifique uma
vogal ou consoante da L2 como sendo similar a uma categoria estabilizada de vogal ou
consoante da L1. Tal ocorrência é explicada a partir da postulação de um mecanismo
denominado “categorização por equivalência”, que tende a prevenir a criação de novas
categorias de sons para a L2, igualando-os aos da L1. No entanto, o funcionamento desse
mecanismo depende, em grande parte, da distância fonética percebida entre os sons da L2 e da
L1. A hipótese defendida pelo Modelo de Aprendizagem da fala assevera que, quanto mais
distantes foneticamente os sons da L1 e da L2 forem percebidos, mais facilmente serão
criadas novas categorias para os sons da L2.
A partir da relação de proximidade ou distância entre as categorias de sons da L1 e da
L2, Flege (2002) propõe dois mecanismos específicos através dos quais os subsistemas
fonéticos dessas duas línguas podem interagir: o mecanismo de assimilação categórica e o
mecanismo de dissimilação categórica. Espera-se que os sistemas fonéticos da L1 e da L2
14
O termo interlíngua (Selinker, 1974) foi cunhado para descrever o sistema da L2 de um aprendiz. De acordo
com esse conceito, supõe-se que a existência de uma interlíngua depende de o output na L2 do aprendiz refletir
uma competência que é reorganizada em estágios sucessivos durante o processo de aprendizagem, aproximando-
se apenas gradualmente da competência lingüística de um falante nativo da L2.
37
interajam por meio do mecanismo de assimilação categórica quando houver um bloqueio na
formação de novas categorias. Dessa forma, os aprendizes de L2 podem, inicialmente,
produzir os sons da fala da L2 como se estes fossem correspondentes aos sons da fala da L1;
assim, o aprendiz de L2 parece impelido a julgar, indefinidamente, as instâncias de uma
categoria da L2 como semelhantes a uma categoria pertencente à L1, por não perceber
nenhuma diferença entre a produção de ambas. Nesse caso, não nenhuma modificação na
produção dos sons. Por outro lado, espera-se que os sistemas fonéticos interajam através do
mecanismo de dissimilação categórica se os sons da L2 diferirem perceptualmente dos sons
da L1. Nesse processo, é esperada a ocorrência da estabilização de uma nova categoria de som
para a L2.
Cumpre ressaltar que, mesmo havendo um bloqueio de categoria, isso não impede que
a aprendizagem fonética se estabeleça, pelo menos para os bilíngües tardios que possuem a
sensibilidade de perceber as diferenças fonéticas subcategóricas entre a L1 e a L2. Quando
não houver a formação de uma nova categoria, no entanto, haverá uma tendência dos
bilíngües a desenvolverem uma categoria “fundida” da L1 e da L2. A referida categoria
assumirá, então, as propriedades dos sons da fala da L1 e da L2 que são distintos
foneticamente, mas percebidos como semelhantes. Com base nessa categoria fundida, será
identificado e produzido o som da fala da L1 e da L2 equivalente em termos de percepção.
Para melhor explicar a influência da L1 na percepção de sons da L2, Flege (1995)
classifica os sons da L2 como sendo novos, similares ou idênticos, estabelecendo três critérios
para determinar cada um deles. O primeiro critério corresponde ao uso do próprio mbolo
fonético utilizado para transcrever os sons da fala. Se um símbolo fonético utilizado para
representar um som tanto na L1 quanto na L2 coincidir, classifica-se o som da L2 como sendo
similar ou idêntico ao da L1. Já o segundo critério aponta que, em sendo um som representado
pelo mesmo símbolo fonético em ambas as línguas, podem ser consideradas duas
possibilidades: 1) se as propriedades acústicas do som da L2 não diferirem das do som da L1,
então o som será considerado idêntico; 2) se as propriedades acústicas diferirem
significativamente, o som será considerado similar. No caso de o som da L2 não ser
identificado com nenhum som da L1, ele será considerado novo. Por fim, o terceiro critério
aposta no julgamento perceptual dos falantes nativos. Assim, o som da L2 será considerado
idêntico se o ouvinte nativo não notar nenhuma diferença entre o som da L1 e da L2; similar,
se houver uma discriminação do som da L1 e da L2; e novo, se o som da L2 for entendido
como não pertencendo ao sistema da L1.
38
Ao admitir que os aprendizes tardios de L2 mantêm intactos os mecanismos que
subjazem à aprendizagem de novas categorias de sons, Flege (1995) abre caminho para que se
rediscuta o papel da idade e do input na aprendizagem de L2. Em que pese a muitos
pesquisadores que defendem a existência de uma limitação na aprendizagem de L2 com o
passar da idade motivada por restrições maturacionais (JOHNSON; NEWPORT, 1989) –,
Flege (1995) mostra-se cauteloso em aceitar tal proposição, alicerçando seu pensamento em
estudos que evidenciam a capacidade de alguns indivíduos em alcançar uma proficiência em
L2 muito próxima à de um falante nativo, mesmo tendo aprendido tal língua após o suposto
período crítico (BIRDSONG, 1992; WHITE; GENESEE, 1996). Ademais, alguns estudos
evidenciam um desempenho diferente de um nativo para bilíngües precoces que começaram a
aprender uma L2 bem antes do dito período crítico. Nas produções orais desses sujeitos, foi
possível constatar um sutil acento estrangeiro (FLEGE et al., 1997; GUION et al., 2000).
Na verdade, Flege (2002) percebe que há uma confusão de variáveis tipicamente
relacionadas à idade, mas que são, de fato, responsáveis por efeitos de idade. Assim, a
qualidade e a quantidade do input parecem estar no centro de tal confusão, bem como a
crescente influência do sistema fonético da L1 na aprendizagem da L2 com o aumento da
idade. Em estudo comparando diferentes grupos de bilíngües tardios que diferiam em tempo
de residência nos Estados Unidos
15
, Flege e Liu (2001) constataram que o tempo de residência,
tomado isoladamente, não garante progressos sólidos na aprendizagem da L2. Segundo os
autores, o que motivou uma melhora satisfatória no nível de proficiência dos sujeitos
observados foi a imersão plena num ambiente de fala da L2. O que parece ocorrer com os
bilíngües tardios é que eles não recebem um input adequado na L2, diferentemente do que
acontece com os bilíngües precoces. Geralmente, as crianças são matriculadas em escolas
onde suas interações são, freqüentemente, com falantes nativos de inglês. os bilíngües
tardios costumam realizar suas práticas profissionais em ambientes onde a grande fonte de
interação verbal chega em sua L1. Por isso, os efeitos de idade observados em outros estudos
podem não ter sua decorrência advinda de fatores relacionados à perda da plasticidade
cerebral com o avanço da idade. Antes, tais efeitos podem estar relacionados com os
contextos nos quais as línguas são aprendidas e usadas com o passar da idade.
Considerando-se os modelos teóricos acima apresentados, cabe destacar suas
similaridades e particularidades mais relevantes. Primeiro, verifica-se uma consonância entre
eles ao entenderem a necessidade de haver uma semelhança determinante entre as categorias
15
Todos os sujeitos aprenderam inglês como L2 nos Estados Unidos.
39
de sons da L1 e da L2 para que se instaure a transferência. Igualmente, observa-se o papel de
destaque conferido à experiência lingüística prévia na moldagem da percepção e produção de
fala na L2. É patente a idéia de que a percepção das categorias de sons da L1 influencia a
produção de sons da L2. Dessa forma, nota-se que a memória exerce um papel fundamental
no processo de aprendizagem, haja vista sua responsabilidade no que tange à integração dos
conhecimentos em aquisição ao conhecimento prévio.
Para uma melhor compreensão da maneira como os sistemas de memória organizam
os diferentes sistemas lingüísticos, faz-se necessário oferecer uma visão basilar a respeito das
diferentes concepções de que se dispõem sobre o tema.
2.4 Aprendizagem de L2 e L3 e sistemas de memória
Nesta seção, o sistema cognitivo responsável pela memória e aprendizagem será
apresentado através das colocações de Izquierdo (2002, 2004) e, a seguir, encaminhado para o
âmbito da aquisição de L2, considerando-se as posições divergentes defendidas por Paradis
(1994, 2004), Ullmann (2001) e McClelland et al. (1995).
Para Izquierdo (2002, p. 9), memória é a aquisição, a formação, a conservação e a
evocação de informações. Na sua percepção, a aprendizagem é facultada pela capacidade do
sistema cerebral em gravar comportamentos e acontecimentos na memória. Com isso, toda
vez que uma informação aprendida é lembrada, ela é evocada pela ativação de padrões
específicos codificados nas redes neuroniais. Ainda segundo o autor, o fato de cada um
possuir um conjunto único de memórias traz à tona o conceito de individualidade.
As memórias podem ser estudadas de acordo com várias classificações, que focalizam
sua forma, função, conteúdo, duração. Quanto ao seu conteúdo, as memórias podem ser tanto
declarativas quanto procedurais. De acordo com Izquierdo (2002), as declarativas são aquelas
que podem ser relatadas, possuindo uma dimensão temporal. Podem referir-se tanto a eventos,
sendo denominadas episódicas; como a conhecimentos gerais, denominando-se semânticas.
Cumpre mencionar que as memórias semânticas podem ser lembradas por meio da memória
episódica. Já as procedurais ou memórias de procedimentos referem-se àquelas memórias em
que há o envolvimento de capacidades ou habilidades motoras (ou sensoriais), que geralmente
são classificadas como hábitos. Esse último tipo de memória dificilmente é esquecido, haja
vista que a sua aprendizagem é permanente em função da prática.
40
Uma outra classificação procura dividir esses tipos de memória como sendo explícitas
ou implícitas. As de procedimento seriam aquelas adquiridas de forma implícita, pois são
processadas de uma maneira mais automática e sem a consciência do aprendiz. as
memórias explícitas seriam aquelas adquiridas com uma plena intervenção da consciência,
sendo equivalentes à memória do tipo declarativa. Izquierdo (2002), entretanto, rebate essa
posição, lembrando que muitas memórias semânticas são adquiridas de maneira inconsciente,
como é o caso da língua materna. Portanto, parece equivocado afirmar que todas as memórias
explícitas sejam declarativas, pois se estaria procedendo a uma simplificação um tanto forçada.
(ZIMMER et al., 2006).
No que tange à dimensão temporal, as memórias podem ser consideradas como de
duração curta, longa ou remota. Segundo Izquierdo (2004), as memórias implícitas podem
ficar disponíveis por toda a vida, ao passo que as explícitas podem durar alguns minutos ou
até mesmo algumas décadas. As declarativas de longa duração, por sua vez, levam mais
tempo para serem consolidadas e podem sofrer a influência de vários fatores relacionados a
traumas ou a experiências diversas que tenham sido evocadas por outras memórias. Graças a
essa sensibilidade das memórias a vários agentes externos ou internos, observa-se a existência
de um período de tempo necessário para que cada tipo de memória seja incorporado ao
sistema. Assim, as lembranças passam por um processo de consolidação, que permite a sua
evocação em períodos de tempo mais longos.
Nesses termos, a memória de curta duração é aquela que permanece à disposição por
poucas horas, o tempo exato para que as memórias de longa duração se consolidem. o
processo de consolidação da memória de longo prazo é bem mais elaborado, pois, para tal, é
necessário o envolvimento de uma série de processos metabólicos, que ocorrem em áreas
hipocampais e outras estruturas cerebrais, chegando a levar o tempo de oito horas. As
memórias remotas, por fim, são entendidas como as memórias de longa duração que são
armazenadas por meses ou até anos.
Um outro tipo de memória classificada pela literatura, a memória de trabalho,
corresponderia a um tipo de memória muito breve que seria a responsável por gerenciar as
informações que estão sendo processadas no exato momento em que elas se apresentam. É
através desse gerenciador que são reconhecidas informações que fazem parte da memória
ou são “guardadas” novas informações, caso sejam consideradas pertinentes. Izquierdo (2002,
p. 31) também destaca que, apesar de as memórias serem passíveis de classificação, tal idéia
não deve ser considerada de maneira estanque, já que a maioria delas constitui-se de misturas
41
de memórias de vários tipos e/ou misturas de memórias antigas com outras que estão sendo
adquiridas ou evocadas no momento. Para o paradigma conexionista, o fato de as memórias
influenciarem umas às outras poderia ser explicado de acordo com o processamento de
distribuição em paralelo (PDP) das redes neuroniais, que estão aptas a ativar várias
informações concomitantemente.
Tendo-se em vista os pressupostos acima, parte-se agora para um levantamento das
principais idéias desenvolvidas sobre o tema para a área da aquisição de L2. Serão
apresentadas as visões de Paradis (1994, 2004), Ullman (2001) e, por fim, a visão que ampara
o presente trabalho, desenvolvida por McClelland et al. (1995).
2.4.1 A visão de Paradis
Paradis (2004) faz uma distinção categórica entre os fenômenos implícitos e explícitos
da linguagem. Para ele, os conhecimentos explícito e implícito seriam dissociados quanto a
sua natureza, que são processados em áreas distintas do cérebro. Nesse sentido, Paradis
assume uma posição homóloga à de Krashen (1982) quanto à impossibilidade de uma L2 ser
adquirida em período tardio, sustentando tal colocação através da dicotomia entre aquisição e
aprendizagem. A aquisição, então, corresponderia ao conhecimento da língua materna, que
seria de natureza implícita
16
; a aprendizagem, por sua vez, corresponderia ao conhecimento de
uma L2 aprendida em período tardio, que seria de natureza explícita. Em suma, a L2 jamais
poderia ser adquirida, visto que estaria sempre disponível como um conhecimento explícito.
Paradis admite que, em certos momentos, é possível que o aprendiz de L2 imagine que
internalizou alguma regra que antes era tida como explícita. Contudo, essa noção
corresponderia apenas a uma ilusão, pois, na realidade, o que foi internalizado refere-se tão-
somente a procedimentos computacionais que permitem a produção de sentenças, as quais
podem ser descritas de acordo com uma regra que está explícita. um falante nativo, no seu
entendimento, não teria consciência acerca do conhecimento explícito que está subjacente às
regras da língua, uma vez que ele se limita a usar a sua intuição, quando do julgamento de
aceitabilidade ou não de uma construção da língua. Para explicar como um aprendiz tardio de
L2 consegue desenvolver, num determinado momento, um nível considerado satisfatório de
fluência e acurácia em suas produções na L2, Paradis admite que tal melhora não depende
somente do processamento e monitoramento mais rápido da produção. Para o autor, esse
16
Paradis (2004) destaca que primeiro o aprendiz de L1 recebe um conhecimento implícito, para depois
desenvolver algum conhecimento metalingüístico sobre essa língua.
42
resultado também pode estar relacionado a uma mudança gradual da dependência do
conhecimento metalingüístico para o desenvolvimento de uma competência implícita. Porém,
cabe ressaltar que não se admite a conversão de um conhecimento em outro, pois se acredita
que ambos possuem naturezas distintas. Em outras palavras:
[...] a aplicação controlada de uma regra explícita é substituída pelo uso automático
de procedimentos computacionais implícitos (regras explícitas e procedimentos
implícitos sendo de uma natureza diferente e tendo conteúdos diferentes)
17
(Paradis,
2004, p. 36).
Além de não haver possibilidade de o conhecimento explícito transformar-se em
implícito, Paradis (2004) também postula que não é possível haver nenhum tipo de interação
entre esses dois conhecimentos. A seguir, será apresentada uma outra visão acerca da relação
entre sistemas de memória e aquisição de L2.
2.4.2 A visão de Ullman
A visão de Ullman (2001), embora admita uma posição bastante semelhante à de
Paradis (1994), guarda algumas especificidades. A princípio, pode-se observar que ambos os
modelos admitem a importância de dois tipos de memória para o processamento lingüístico, a
saber, a declarativa e a procedural. Porém, Paradis (1994) defende que todo o conhecimento
lingüístico da L1, seja gramatical ou lexical
18
, é dependente da memória procedural, ao passo
que Ullman (op. cit.) acredita numa distinção no processamento desses dois tipos de
conhecimento lingüístico, que seriam processados por sistemas de memórias distintos. Assim,
o conhecimento gramatical da L1 seria dependente da memória procedural, enquanto que o
conhecimento lexical estaria relacionado à memória declarativa, mesmo para a L1. No que se
refere à L2, ambos os teóricos entram em acordo novamente, assumindo que, nesse caso, o
conhecimento gramatical dependeria mais da memória declarativa e, o lexical, da memória
procedural. A dependência maior da memória declarativa para aspectos gramaticais é
justificada, aqui, com base no aumento da idade de exposição à L2.
17
No original: [...] the controlled application of an explicit rule is replaced by the automatic use of implicit
computational procedures (explicit rules and implicit procedures being of a different nature and having different
contents).
18
No que diz respeito às funções das palavras, Paradis (1994) admite que o léxico possa depender mais da
memória declarativa do que da implícita; porém, ao contrário do modelo declarativo/procedural projetado por
Ullman (2001), esse léxico não envolveria seus aspectos gramaticais.
43
Ullman (op. cit.) salienta que, com o aumento da proficiência na L2, o sistema
declarativo pode começar a ser menos ativado, apontando para um maior envolvimento da
memória procedural nesse processo. Com isso, pode haver uma via de convergência entre os
sistemas declarativo e procedural. Nesse sentido, o modelo de Ullman (op. cit.) também
apresenta similaridades com uma outra visão, a conexionista, uma vez que esta defende a
possibilidade de complementaridade entre esses dois tipos de conhecimento. Uma outra
semelhança destacada reside no fato de o modelo declarativo/procedural considerar ambos os
tipos de conhecimento como amparados por um circuito de domínio geral, embora seja
refutada a idéia de que tal circuito possa ligar esses conhecimentos com base numa
distribuição anatômica ampla, como preconiza o conexionismo. Na próxima seção, a visão
adotada pelo conexionismo para explicar o funcionamento dos sistemas de memória será
apresentada.
2.4.3 O modelo HipCort
A visão conexionista, com base no modelo HipCort (MCCLELLAND et al., 1995),
advoga que os dois sistemas de memória, hipocampal e neocortical, interagem, sendo ambos
os responsáveis pela formação da memória e da aprendizagem. De acordo com os autores,
quando indivíduos são expostos a uma dada experiência, esta é representada, no sistema
neocortical, por padrões amplamente distribuídos na atividade neural. Mesmo se considerando
que a referida experiência leve a pequenas mudanças adaptativas nos pesos das conexões
neuroniais, é defendido que tais mudanças não seriam suficientes para ensejar o desempenho
de uma série de tarefas, tais como a aprendizagem rápida e a atividade de associações
arbitrárias, que, para tais processamentos, é necessário o envolvimento do sistema
hipocampal. Por isso, o modelo HipCort admite que a aprendizagem e a memória são
formadas a partir de mudanças substanciais nos pesos das conexões entre os neurônios no
sistema hipocampal, que é extremamente rápido e possui um mecanismo de aprendizagem
praticamente instantâneo. Assim, as informações são levadas tanto no sentido do sistema
hipocampal para o neocortical, como também do neocortical para o hipocampal, através de
caminhos bidirecionais que traduzem os padrões de atividade de um sistema para o outro. Os
autores desse modelo, porém, fazem uma advertência importante. Em suas palavras:
44
[...] não admitimos que o sistema hipocampal receba uma pia direta do padrão de
ativação distribuído sobre as regiões de mais alto nível do sistema neocortical; ao
invés disso, a representação neocortical é considerada como sendo re-representada
num formato comprimido sobre um número muito menor de neurônios no sistema
hipocampal
19
(McClelland et al., 1995, p. 423).
Em suma, a aprendizagem parece ter um mecanismo de consolidação extremamente
lento e gradual. Para que uma experiência qualquer seja aprendida e uma memória criada, é
preciso que essa experiência seja apresentada ao sistema hipocampal repetidas vezes,
proporcionando pequenos reajustes nos pesos das conexões. Dessa forma, um traço de
memória será gerado, podendo ser reativado de maneira explícita pelo reinstanciamento das
sinapses hipocampais no neocórtex. Com base nesse funcionamento, pode-se explicar por que,
muitas vezes, os aprendizes de L2 conseguem desempenhar com destreza uma tarefa quando
em ambiente monitorado, mas, com o passar do tempo, esquecem o que foi aprendido. Como
o sistema hipocampal possui uma característica de aprendizagem rápida, os aprendizes
conseguem produzir as formas-alvo, ainda que a exposição ao input necessário para o seu
aprendizado tenha sido baixa. Porém, tal informação aprendida via sistema hipocampal não
consegue gerar um traço de memória substancial, caso não haja uma prática constante do que
for explicitado. É através dessa prática que os padrões da L2 podem tornar-se um
conhecimento mais independente do sistema hipocampal e mais relacionado ao sistema
neocortical. Para que tal processo ocorra, entretanto:
[...] o papel da freqüência do input e de seu processamento é fundamental, pois o
neo-córtex opera lentamente através de pequenos incrementos nas forças de conexão
entre suas sinapses para deslindar a estrutura complexa de conjuntos de experiências
lingüísticas, auxiliando a associação de novos insumos com itens codificados no
córtex, que formam o conhecimento prévio. Essa aprendizagem poderia ser
qualificada como implícita, pois advém de mudanças sinápticas muito pequenas para
ensejar a ativação explícita do conhecimento (ZIMMER et al., 2006, p. 167).
Através da forma como os dois sistemas de memória interagem, é possível também
explicar o fenômeno da transferência, que ocorre quando o conhecimento prévio do aprendiz,
incluída sua língua materna, difere dos ou se parece muito com novos padrões
apresentados que estão em aquisição. Assim, esses padrões mais estabelecidos no neocórtex
competem com os padrões característicos do novo conhecimento (mais dependente do sistema
19
No original: We do not assume that the hippocampal system receives a direct copy of the pattern of activation
distributed over the higher level regions of the neocortical system; instead, the neocortical representation is
thought to be re-represented in a compressed format over a much smaller number of neurons in the hipocampal
system.
45
hipocampal), em função de estarem mais consolidados no sistema cognitivo do aprendiz, ou
seja, por estarem entrincheirados. Na próxima seção, serão feitas algumas articulações entre a
questão da transferência L2-L3 e o papel da memória nesse processo.
2.4.4 Transferência interlingüística L2-L3 e sistemas de memória: uma problematização
conexionista
Considerando as predições do modelo HipCort (MCCLELLAND et al., 1995), que
admite uma complementaridade entre os sistemas de memória hipocampal e neocortical
indicando, por conseguinte, possibilidade de interação entre conhecimento implícito e
explícito – e os pressupostos referentes à transferência de padrões lingüísticos da L2 para a L3,
podem-se estabelecer algumas relações importantes para a formulação de uma abordagem
conexionista desse processo.
É bastante plausível argumentar que, em indivíduos trilíngües, assim como nos
bilíngües, os três sistemas lingüísticos estão em constante interação, uma vez que não se parte
aqui do pressuposto de que a existência de centros funcionais especializados no
processamento de algumas facetas da linguagem implique a existência de módulos
exclusivamente dedicados, no cérebro, ao processamento de línguas (e padrões de línguas),
como é proposto por modelos de inspiração simbólica, como o de Paradis (2004), ou mesmo
os de cunho mais híbrido, como o de Ullman (2004). Contudo, não se despreza a existência de
mecanismos diferentes de processamento para a memória de curto e de longo prazo
(IZQUIERDO, 2002, 2004), mecanismos esses que ensejam o armazenamento de algumas
informações em sítios de consolidação mais antigos, como fatos remotos da infância de uma
pessoa, ou conhecimento de uma língua materna e, quiçá, de uma L2 que tenha sido vivida em
contexto de imersão por um tempo significativo para o aprendiz. Esses tios podem muito
bem coexistir com um mais recente para a L3 através de conexões cooperativas e
competitivas – com forças de ativação e reinstanciamento distintas.
Apesar de geralmente o conhecimento da L1 apresentar-se mais entrincheirado no
sistema cognitivo do aprendiz do que o da L2, a teoria de aquisição de L3 apresenta alguns
aspectos que podem favorecer um maior envolvimento da L2 em possíveis transferências em
direção à L3. Articular tais pressupostos para uma visão conexionista de aprendizagem e
transferência pode auxiliar para uma compreensão desse fato.
46
Quando a L2 e a L3 dos sujeitos apresentam uma maior semelhança entre seus
sistemas lingüísticos, pode haver uma tendência de a transferência instaurar-se no sentido L2-
L3, que os sistemas de memória poderão reconhecer uma associação mais forte entre esses
padrões, se comparados com os da L1. Seguindo-se a orientação de Kellerman (op. cit.),
também é possível que os aprendizes de L3 atribuam a essa língua uma semelhança com a L2
que, na verdade, não é tão evidente. De fato, às vezes não são as semelhanças entre os
sistemas das línguas as responsáveis por fornecerem ao aprendiz uma impressão de
similaridade: se as duas línguas tiverem sido aprendidas no mesmo ambiente de aprendizagem,
isso também pode contribuir para desencadear essa impressão, uma vez que os sistemas de
memória podem relacionar o contexto de aprendizagem da L3 àquele conhecido para a L2,
indicando que é chegado o momento do uso da L2.
A identificação das línguas com base no estabelecimento de um status dicotômico (L1
ou L2) também parece estar relacionada ao grau de similaridade conferido a elas. A
estipulação de mecanismos diferentes para a aquisição da L1 e da L2 (WILLIAMS e
HAMMARBERG, 1998) pode ser explicada pelo conexionismo com base na existência de
sítios de consolidação mais antigos para a L1 e para a L2 do que para a L3, como mencionado
acima. Embora o sítio de consolidação da L1 seja mais antigo, o da L2 pode ser mais ativado
durante o uso da L3, visto que o aprendiz pode tentar contornar o acesso à L1 por esta possuir
um status de língua não-estrangeira, ao contrário da L2.
o efeito de recência, citado por Hammarberg (2001), também pode ser discutido
com base no funcionamento dos sistemas de memória. O conexionismo explica esse efeito
através da importância que credita ao conhecimento prévio do aprendiz. Uma vez que esse
tipo de conhecimento constitui-se num fator determinante na aprendizagem, é possível que a
correspondência da L2 seja mais transferida do que a da L1, em razão de ser o conhecimento
lingüístico mais recentemente adquirido pelo aprendiz. Nessa direção, o reinstanciamento de
padrões da L2 que vêm sendo trabalhados pelos sistemas hipocampal e neocortical pode
influenciar mais na aquisição de uma L3, devido ao fato de terem sido os últimos a passarem
por um período de consolidação. Assim, haveria uma tendência dos referidos sistemas a
continuarem aplicando os padrões que algum tempo estão sendo aprendidos e reforçados.
Com isso, é possível que aprendizes de L3 sejam mais influenciados pelo conhecimento da L2
no momento da produção em L3, apesar de a L1 ser mais ativada e estar mais consolidada nos
sistemas de memória.
47
Outro fator importante para a ocorrência da transferência L2-L3, e que parece servir a
todos os outros aqui citados, é a proficiência do aprendiz na sua L2. Um alto nível de
proficiência pode contribuir tanto para que se identifiquem similaridades entre duas línguas
sejam elas mais ligadas ao sistema da língua ou a razões de cunho mais subjetivo como
também para que o efeito de recência se apresente com mais ênfase, haja vista o fato de esse
conhecimento lingüístico prévio ter sido o último a ser ativado pelos sistemas de memória.
Cabe destacar, por fim, a contribuição que a teoria de de Bot (op. cit.) traz para uma
abordagem conexionista de aquisição de L3. Ao entender que todas as línguas aprendidas são
ativadas simultaneamente, ou em paralelo, como diriam os conexionistas, de Bot acredita na
existência de uma competição entre elas, seja durante uma tarefa de percepção ou de produção
lingüística. Essa idéia de competição entre os elementos lingüísticos está em consonância com
os pressupostos teóricos que MacWhinney expõe em seu Modelo de Competição (2001).
Para a tarefa de acesso lexical, de Bot (op. cit.) aponta que a apresentação de palavras
contendo elementos similares entre as línguas aprendidas pelo trilíngüe gera não só a ativação
de diferentes pronúncias para esses elementos, mas também um aumento considerável no
tempo necessário para que essa forma seja identificada e produzida como correspondendo a
uma dessas línguas. Uma tarefa de acesso lexical que costuma ser aplicada a aprendizes de L2
é a leitura em voz alta de palavras que possuem corpos grafêmicos semelhantes em línguas
diferentes. Nesse caso, a competição entre as correspondências letra-som conhecidas para um
determinado corpo de palavra costuma gerar uma dificuldade maior para que essas palavras
sejam pronunciadas de acordo com a pronúncia da língua-alvo, além de uma demora maior
para que a palavra consiga ser lida. Jared e Kroll (2001) analisaram em bilíngües inglês-
francês o efeito provocado pela leitura em voz alta de palavras contendo corpos grafêmicos
semelhantes nessas duas línguas. Em seu estudo, as pesquisadoras destacam que a leitura
prévia de uma palavra francesa contendo um corpo grafêmico semelhante em inglês não
aumenta significativamente o tempo requerido para a leitura posterior de uma palavra em
inglês contendo esse mesmo corpo, como também prejudica a sua pronúncia adequada.
Segundo N. Ellis (2007), as questões acerca do acesso lexical em bilíngües podem ser
entendidas com base na idéia de que memórias são passíveis de sofrer interferência se a dica
utilizada para ativá-las for associada a uma outra memória. Com isso, chama-se a atenção
para o fato de as memórias não sofrerem influência apenas da passagem do tempo, mas,
sobretudo, da aprendizagem de novas experiências que, pelas semelhanças, venham a
concorrer com aquelas quando de sua ativação. As diferentes pronúncias para corpos
48
grafêmicos semelhantes em línguas diversas são, portanto, um exemplo de dicas ativadas em
paralelo no momento em que se lê em qualquer uma das línguas que se conheça. O fato de
essas dicas estarem em constante interação acaba trazendo à tona a competição das diferentes
formas conhecidas para um mesmo item, que não se pode inibir a ativação de um desses
conhecimentos semelhantes.
Como a noção de transferência neste trabalho está relacionada com os aspectos grafo-
fônico-fonológicos, cumpre mencionar alguns pressupostos teóricos sobre a análise acústica
da fala, para que se possa, na seqüência, apresentar uma breve noção a respeito dos sistemas
vocálicos das três línguas aqui implicadas.
2.5 O conhecimento fonético-fonológico
A fonética e a fonologia são consideradas, tradicionalmente, como distintas,
competindo à primeira o estudo das propriedades físicas dos sons da fala e à segunda, o
estudo dos conjuntos de representações dos sons distintivos na língua, num nível cognitivo.
Com isso, apenas esta última estaria relacionada ao campo da Lingüística. Para este trabalho,
o conhecimento fonético-fonológico de uma língua é entendido como a integração entre o
conhecimento a respeito da percepção e da produção dos sons da fala. Assim, em
conformidade com Albano (2001), não se faz uma distinção categórica e estanque entre
fonética e fonologia.
Nesta seção, primeiro será apresentado um breve apanhado a respeito de duas teorias
que têm como escopo a área da fonética acústica, a saber, a Teoria Acústica da Produção da
Fala e a Teoria da Perturbação, tendo-se em vista suas contribuições para o estudo das vogais
orais. Em seguida, não os sistemas vocálicos das três línguas abordadas neste estudo
(português, francês e inglês) serão apresentados, dando-se ênfase para as vogais orais, como
também serão expostos alguns estudos sobre a percepção e a produção das vogais do inglês
por aprendizes brasileiros, para que se possa ter uma dimensão mais real a respeito das
principais dificuldades encontradas na aprendizagem dessa língua. Por fim, o processo de
assimilação vocálica será explicado em relação à transferência grafo-fônico-fonológica e à
maneira como interagem os sistemas complementares de memória.
49
2.5.1 Produção das vogais: a visão da fonética acústica
O estudo a respeito das características das vogais faz-se importante para que se possa
compreender seus mecanismos de produção e percepção, de forma que o papel que tais
elementos desempenham no sistema de uma dada língua seja reconhecido. A análise acústica,
desenvolvida com a finalidade de explicar os dados de produção da fala, vem contribuindo de
forma essencial para um melhor conhecimento das características dos sistemas vocálicos,
encontrando base teórica em dois modelos: na Teoria Acústica de Produção de Fala, ou Teoria
Linear Fonte-Filtro, e na Teoria da Perturbação.
A Teoria Acústica de Produção de Fala, desenvolvida por Fant (1970), procura
explicar como as ondas de sons são geradas e modificadas para que se obtenham os sons da
fala. Seu principal objetivo consiste em relacionar uma propriedade acústica específica a um
correlato articulatório. Também conhecida como Teoria Linear Fonte-filtro, baseia-se num
modelo matemático linear, o que pressupõe uma independência entre a fonte de energia e o
filtro (trato vocal). Dessa forma, o sinal de fala radiado (ou energia de saída) é considerado
como o produto da fonte de energia e do ressoador (ou filtro).
A referida teoria, não obstante seu cunho um tanto redutor, já que traça uma separação
entre fonte e filtro – que na realidade interagem –, foi a responsável pelos progressos
alcançados pela fonética acústica ao longo de três décadas, explicando com mais de 90% de
rigor as análises envolvidas na área (BERTI, 2006).
A Teoria Fonte-Filtro primeiro foi utilizada para realizar uma simplificação do trato
vocal humano, representando a produção de um tipo de vogal específica da fala humana,
correspondente ao schwa, considerada uma vogal central média. Nesse modelo, a vogal em
questão é representada através de um aparato que consiste de um vibrador (membrana elástica
com um corte estreito no meio) acoplado a um tubo reto. Por vibrador entende-se uma fonte
de energia acústica que se propaga através do tubo, sendo sua função desempenhar o papel
das pregas vocais. Já o tubo é o ressoador
20
(filtro), utilizado para representar as estruturas
supraglóticas do trato vocal. Esse aparato é denominado de tubo uniforme fechado de um lado
e aberto do outro.
20
Cabe lembrar que o ressoador não é responsável pela geração de energia sonora; ele apenas responde à energia
que recebe (KENT; READ, 1992).
50
Figura 1 Modelo simples de produção do schwa: tubo reto transversal fechado em um lado (por uma
membrana vibradora que simula as pregas vocais) e aberto do outro (correspondendo à abertura bucal) (Kent;
Read, 1992, p. 15).
Uma excitação na membrana, resultando na produção de energia sonora (ondas
sonoras), irá fazer com que o tubo uniforme funcione como um ressoador ou filtro,
desencadeando um fenômeno físico denominado ondas estacionárias
21
. Essas ondas
apresentam máximos e mínimos de pressão em pontos fixos no espaço. Em se considerando
um tubo uniforme (fechado de um lado e aberto do outro), as ondas estacionárias que melhor
se propagam em seu interior terão seus máximos de pressão na extremidade fechada, e seu
mínimo de pressão na extremidade aberta, gerando um comprimento de onda que equivale a
quatro vezes o comprimento do tubo. Assim, o comprimento do tubo será o responsável por
determinar as freqüências de ressonância: quanto maior for o comprimento do tubo, menores
serão os valores das freqüências de ressonância. Por conseguinte, quanto menor for o
comprimento do tubo, maiores serão os valores das freqüências de ressonância. Com isso,
podem-se explicar as diferenças nas freqüências de ressonância do trato vocal de uma criança
e de um adulto: possuindo a criança, aproximadamente, metade do comprimento do trato
vocal de um adulto (ao redor de 8,75cm), suas freqüências de ressonância resultam muito
mais altas.
Além de ser utilizado para representar a produção da vogal schwa, o modelo de tubo
uniforme também pode ser estendido para dar conta da representação das demais vogais,
através de variações que podem ser feitas na configuração do tubo. Tais variações podem ser
visualizadas na figura 2.
21
A propagação de ondas sonoras em um filtro (tubo) é diferente das condições de propagação no ar atmosférico,
pois, ao encontrar uma parede dura, o som tende a refletir-se, ou seja, viajar em direção oposta, mantendo a
mesma freqüência e amplitude do som propagado. Assim, a onda refletida de mesma freqüência e amplitude da
onda propagada, ao encontrar esta última, soma-se a ela, formando uma onda estacionária. Portanto, pode-se
dizer que um corpo entra em ressonância quando se forma uma onda estacionária.
51
Figura 2 Variações na configuração do tubo uniforme, de acordo com diferentes vogais (figura reproduzida de
KENT ; READ, 1992, p. 17).
As diversas configurações do tubo uniforme para as diferentes vogais baseiam-se nas
diferentes constrições realizadas pelos articuladores dentro da cavidade oral, tanto no sentido
vertical quanto horizontal. De acordo com as ilustrações acima, pode-se perceber que a vogal
/i/, por exemplo, apresenta uma região constrita perto da abertura labial e uma região
expandida próxima à laringe e à faringe (representada na figura 2 por uma constrição na parte
anterior do tubo). a vogal /a/ apresenta uma região constrita na porção faríngea e uma
região expandida próxima à abertura labial. Por fim, pode-se visualizar que a vogal /u/
apresenta uma região constrita na parte posterior da cavidade oral, acompanhada de uma
protrusão e um arredondamento labial, percebidos na figura 2 através da constrição nas partes
posterior e anterior do tubo.
As freqüências de ressonância são modificadas de acordo com as diferentes
constrições no trato vocal (representadas no modelo ora descrito pelas constrições do tubo
ressoador). Com a análise dos resultados acústicos das duas primeiras freqüências de
ressonância das vogais (também chamadas de formantes
22
: F1 para o primeiro formante e F2
para o segundo formante), pode-se constatar que as freqüências dos dois primeiros formantes
(F1 e F2) estão relacionadas com as dimensões da articulação das vogais (vertical e
horizontal), indicando uma correspondência articulatória. Para a freqüência de F1, nota-se que
esta é inversamente proporcional à altura da língua. Assim, as vogais altas apresentam uma
freqüência de F1 baixa. A freqüência de F2, por sua vez, está relacionada com o avanço da
língua no sentido antero-posterior do trato vocal, o que faz com que a freqüência de F2
aumente à medida que a posição da língua se move para a frente. Cabe referir, igualmente, a
22
Na literatura da fonética acústica, as ressonâncias são referidas como formantes. Um formante é um modo
natural de vibração (ressonância) do trato vocal. Teoricamente, um número infinito de formantes, mas para
propósitos práticos geralmente são utilizados somente os três ou quatro primeiros formantes mais baixos. Cada
formante pode ser descrito por duas características: freqüência central (freqüência do formante) e largura de
banda (uma medida da largura da energia no domínio da freqüência, ou uma medida da taxa de amortecimento
no domínio temporal) [KENT; READ, 1992, pp. 18-20].
52
importância dos lábios para a produção das vogais. Um efeito de arredondamento dos lábios
acaba por abaixar
23
todas as freqüências dos formantes, haja vista que tal arredondamento
aumenta o comprimento do trato vocal, diminuindo as freqüências dos formantes.
A teoria da Perturbação, desenvolvida por Chiba e Kajiyama (1941 apud KENT;
READ, 1992), modela os efeitos das constrições do trato vocal sobre as freqüências de
ressonância, ou seja, sobre as freqüências dos formantes. Tal teoria mostra-se importante,
especialmente, para predizer os valores das freqüências dos formantes em potencial.
Em se comparando os pressupostos da Teoria da Perturbação aos da Teoria Linear
Fonte-Filtro, é correto afirmar que, enquanto a Teoria Fonte-Filtro fornece respostas mais
quantitativas, a Teoria da Perturbação procura explicar seus achados com base numa
abordagem mais qualitativa. Porém, ambas as teorias assemelham-se ao utilizar um modelo
de tubo para representar o trato vocal.
Segundo a Teoria da Perturbação, as variações na velocidade volumétrica durante a
ressonância num tubo (ou trato vocal) irão refletir o modo como as partículas individuais
vibram em várias posições desse tubo. É sabido que, em algumas posições, a vibração das
partículas será máxima, apresentando valores nimos de pressão, e, em outras, a vibração
das partículas será mínima, o que possibilitará que a pressão atinja um valor máximo (KENT;
READ, op. cit.).
Dois conceitos acústicos são, então, estabelecidos através dessa relação entre a pressão
do ar e a velocidade. As regiões que facultarem à vibração das partículas sua amplitude
máxima serão denominadas regiões de máximo de velocidade volumétrica. Assim, quando a
pressão do ar encontra-se no mínimo e a velocidade no máximo, ali haverá um antinó. Já as
regiões onde as partículas apresentarem uma amplitude mínima serão denominadas regiões de
mínimo de velocidade volumétrica. Como a pressão do ar está no máximo e a velocidade no
mínimo, ali estará um nó.
Cada uma das ressonâncias produzidas no trato vocal é constituída por nós e antinós,
sendo o F1 formado por um nó e um antinó, o F2 por dois nós e dois antinós, o F3 por três nós
e três antinós e assim por diante. Kent e Read (op. cit.), a título de exemplificação, descrevem
o ressoador de um tubo como flexível o bastante para que possa ser comprimido em vários
pontos ao longo de sua extensão. Com isso, cada constrição local do tubo produzida por uma
compressão é uma perturbação. Dependendo do local onde esta compressão é feita, se
23
Segundo Kent e Read (1992), não é somente o arredondamento dos lábios o responsável pelo abaixamento de
todas as freqüências dos formantes. O mesmo pode ser conseguido também com a constrição dos lábios, sem que
haja a protrusão destes, e através do abaixamento da laringe. Ambas as ações aumentam, da mesma forma, o
comprimento do trato vocal.
53
próxima a um ou a um antinó, haverá um efeito diferente da perturbação na freqüência do
formante. Segundo os autores, estipula-se que uma constrição no tubo próxima a um máximo
de velocidade volumétrica abaixa a freqüência dos formantes; uma constrição no tubo
próxima a um mínimo de velocidade volumétrica aumenta a freqüência do formantes.
Com o propósito de melhor exemplificar as relações acima traçadas, a figura 3 será
usada como apoio para explicar os efeitos das constrições nos dois primeiros formantes das
vogais /i, a, u/.
Figura 3 modelo do trato vocal mostrando os nós (N) e antinós (A) e seus efeitos sobre os dois primeiros
formantes.
No que se refere à vogal /i/, esta possui uma constrição na região palatal (próxima ao
B), acarretando uma freqüência de F2 alta. Já a vogal /a/, que possui uma constrição na
região faríngea (próxima ao antinó C), apresenta a freqüência de F2 abaixada. A vogal /u/, por
sua vez, tem uma constrição na região labial (próxima ao antinó A), favorecendo que tanto a
freqüência de F1 quanto a de F2 sejam abaixadas. Além dessas relações esboçadas a título de
exemplificação dos efeitos das constrições no trato sobre as freqüências dos formantes para
determinadas vogais, é possível destacar, outrossim, diversos efeitos decorrentes dessas
constrições executadas no trato vocal. É sabido que, com uma constrição labial (próxima à
região de um antinó), tem-se um efeito de abaixamento das freqüências dos três primeiros
formantes. Uma constrição perto da laringe (região de um nó), no entanto, facultará um
aumento das freqüências dos três primeiros formantes. Em se considerando uma constrição na
54
região palatal, observa-se um efeito de aumento na freqüência do segundo formante; porém, o
mesmo formante apresenta um efeito de abaixamento quando ocorre uma constrição na
faringe. Já os valores do terceiro formante abaixam-se mediante uma constrição nos lábios, no
palato e na faringe.
Na próxima seção, os três sistemas vocálicos que interessam a esta pesquisa serão
apresentados, dando-se ênfase às vogais orais de tais sistemas. Algumas relações
24
entre os
três sistemas serão efetuadas, levando-se em conta as teorias acústicas ora apresentadas.
2.5.2 O sistema vocálico do inglês norte-americano
Quando se faz um levantamento a respeito das vogais do inglês americano e de sua
classificação, fica clara a dificuldade que os pesquisadores enfrentam para entrar em acordo.
Seguindo a visão de Ladefoged (1993), bem como a orientação de Zimmer et al. (no prelo),
considera-se o sistema vocálico norte-americano
25
como contendo 9 vogais orais fixas ou
monotongos (/i/, /I/, /E/, /Q/, /A/, /ç/, /U/, /u/, //). Quanto aos aspectos articulatórios, essas
vogais podem ser classificadas da seguinte forma:
[i] vogal oral, alta, anterior, não-arredondada;
[I] vogal oral, alta, anterior, não-arredondada;
[E] vogal oral, média, anterior, não-arredondada;
[Q] vogal oral, baixa, anterior, não-arredondada;
[A] vogal oral, baixa, posterior, arredondada;
[ç] vogal oral, média, posterior, arredondada;
[U] vogal oral, alta, posterior, arredondada;
[u] vogal oral, alta, posterior, arredondada;
[] vogal oral, média, central
26
, não-arredondada.
24
As relações aqui apresentadas limitam-se aos pares de vogais que serão analisados na produção oral do sujeito
nas três línguas.
25
Ainda de acordo com Ladefoged (1993), o sistema vocálico do inglês norte-americano também apresenta seis
ditongos (/eI/, /oU/, /aI/, /aU/, /çI/, /ju/).
26
A vogal // foi classificada como central, seguindo-se a orientação de Ladefoged (1993).
55
Os pares de vogais /i/-/I/ e /u/-/U/ apresentam uma ligeira diferença em relação à altura,
sendo o primeiro membro de cada par um pouco mais alto que o segundo. Também cabe
referir que os primeiros membros de cada par o mais longos do que os segundos. Dessa
forma, a duração das vogais caracteriza-se como um fator distintivo no inglês, ao contrário do
que se pode perceber no português e no francês. Contudo, é preciso que se considere,
igualmente, o fato de as vogais /i/ e /u/ serem tensas, ou seja, ocorrerem em sílabas abertas e
fechadas, ao passo que as vogais /I/ e /U/ são frouxas, isto é, ocorrem apenas em sílabas
fechadas. Considerando-se o exposto, pode-se salientar as dificuldades que os aprendizes
brasileiros apresentam para distinguir não somente as vogais destacadas acima, mas também
outros pares de vogais, como /E/ - /Q/ e /ç/ - /A/, que possuem graus de altura diferentes e
acabam tendo suas pronúncias neutralizadas pela produção das vogais /E/ e /ç/ do português,
respectivamente
27
.
Um dos trabalhos mais citados sobre a análise acústica das vogais do inglês norte-
americano foi realizado por Peterson e Barney (1952), que mediram a freqüência fundamental
e os três primeiros formantes para as vogais dessa língua. Abaixo (quadro 1), serão
apresentados os valores médios para homens
28
dos dois primeiros formantes encontrados por
esses autores, bem como a média de duração das vogais do inglês norte-americano, obtida
através de um estudo de Peterson e Lehiste (1960).
Vogal F1 F2 dur (s)
/i/ 270 2290 0,2070
/I/
390 1990 0,1610
/E/
530 1840 0,2040
/Q/
660 1720 0,2840
/A/
730 1090 0,2650
/ç/
590 920 0,2500
/U/
440 1020 0,1630
/u/
300 870 0,2350
//
640 1190 0,1810
Quadro 1 - Médias dos valores de F1 e F2 para homens (PETERSON; BARNEY, 1952) e médias dos valores de
duração para as vogais orais (monotongos) do inglês norte-americano (PETERSON; LEHISTE, 1960).
27
Na seção 2.4.5, as dificuldades que o sistema fonético do inglês norte-americano apresentam para os
aprendizes brasileiros serão discutidas.
28
Optou-se por apresentar somente os valores das freqüências (F1 e F2) e de duração das vogais para homens,
levando-se em consideração o fato de o sujeito informante desta pesquisa ser do sexo masculino.
56
Os valores de F1 e F2 encontrados por Peterson e Barney para as vogais orais do
inglês norte-americano encontram-se abaixo, numa figura criada no programa Praat (figura 4).
Figura 4 – Vogais orais do inglês por Peterson e Barney (1952).
Para que se possam contrastar as características das vogais orais do inglês com as do
francês e as do português, serão apresentados, nas próximas seções, os inventários fonéticos
dessas duas línguas. Cabe ressaltar que não se pretende estipular, através das comparações a
serem traçadas, uma distinção categórica entre as línguas aqui cotejadas. Espera-se apenas ter
uma referência a respeito das diferenças entre as características vocálicas do inglês e do
francês, bem como do inglês e do português.
2.5.3 O Sistema vocálico do francês padrão
O sistema vocálico do francês padrão possui 10 vogais orais, as quais estão
distribuídas em 4 graus de abertura. Além de 4 vogais anteriores (/i/, /e/, /E/, /a/) e de 3 vogais
posteriores (/u/, /o/, /ç/), o francês também possui 3 vogais arredondadas (/y/, /O/, /ø/). Em
termos de altura, anterioridade da língua e posicionamento dos lábios, as vogais orais do
francês podem ser definidas como se segue:
[i] vogal oral, alta, anterior, não-arredondada;
[e] vogal oral, média-alta, anterior, não-arredondada;
[E] vogal oral, média-baixa, anterior, não-arredondada;
57
[a] vogal oral, baixa, anterior, não-arredondada;
[u] vogal oral, alta, posterior, arredondada;
[o] vogal oral, média-alta, posterior, arredondada;
[ç] vogal oral, média-baixa, posterior, arredondada;
[y] vogal oral, alta, anterior, arredondada;
[O] vogal oral, média-alta, anterior, arredondada;
[ø] vogal oral, média-baixa, anterior, arredondada.
As durações das vogais não possuem um caráter distintivo no francês. Por outro lado,
o arredondamento dos lábios é uma característica diferenciadora das vogais. Na seqüência,
são expostos os valores médios de F1, F2 e duração para as vogais orais do francês. Os
valores médios de F1 e F2 para homens foram obtidos de Martin (2007) e, os de duração,
seguem os estipulados por di Cristo (1980) (quadro 2).
Vogal F1 F2 dur (s)
/i/ 250 2250 0,1090
/e/ 420 2050 0,1240
/E/
590 1770 0,1380
/a/ 760 1450 0,1380
/u/ 290 750 0,1090
/o/ 360 770 0,1240
/ç/
520 1070 0,1380
/y/ 250 1750 0,1090
/O/
350 1350 0,1240
/ø/
500 1330 0,1380
Quadro 2 Médias dos valores de F1 e F2 para homens (MARTIN, 2007) e médias dos valores de duração para
as vogais orais do francês (di CRISTO, 1980).
Na plotagem abaixo (figura 5), são comparadas as vogais orais do inglês (PETERSON;
BARNEY, 1992) e as do francês padrão (MARTIN, 2007).
58
Figura 5 Vogais orais do francês padrão (MARTIN, 2007), em marrom, e vogais orais do inglês padrão, em
preto (PETERSON; BARNEY, 1952).
Uma comparação entre os valores de F1 e F2 descritos para as vogais do inglês e do
francês pode ser interessante para que se possa prever uma tendência nas suas produções tanto
no plano vertical quanto horizontal. No plano vertical (F1), comparando-se a vogal /i/ do
inglês com a vogal /i/ do francês, observa-se um valor de F1
29
um pouco menor para a vogal
francesa /i/ (250) em relação à vogal /i/ do inglês (270). Isso indica que, embora a vogal
francesa seja ligeiramente mais alta, essa diferença de altura é muito sutil, o que pode acabar
dificultando a diferenciação entre ambas. O mesmo acontece na comparação da vogal /u/ do
inglês com a vogal /u/ do francês, que a vogal /u/ do francês apresenta uma freqüência de
F1 um pouco mais baixa (290) do que a vogal /u/ do inglês (300). Porém, na comparação
entre a vogal /i/ do francês e a vogal /I/ do inglês a diferenciação é bem mais clara, pois o
valor de F1 da vogal francesa (250) é significativamente menor do que o da vogal inglesa
(390). Assim, a vogal /i/ do francês estabelece-se como a mais alta. A distinção entre a vogal
/U/ do inglês e a vogal /u/ do francês também é mais evidente, visto que os valores de F1 são
mais distantes (/U/= 440; /u/= 290). Nesse caso, a vogal francesa também é a mais alta.
Já para as vogais /E/ e /ç/ do inglês e /E/ e /ç/ do francês, a comparação de seus valores
de F1 indica que a vogal /E/ é mais alta no inglês, ao passo que a vogal /ç/ é mais alta no
francês. Nesses casos, embora exista uma diferença razoável entre os valores de F1 para as
vogais cotejadas entre as línguas (inglês: /E/= 530, /ç/= 590; francês: /E/= 590, /ç/= 520), essa
diferença pode não ser suficiente para impedir possíveis dificuldades tanto para a produção
29
Cabe lembrar que o valor de F1 é inversamente proporcional à altura da vogal. Assim, quanto menor o seu
valor, mais alta é a vogal.
59
quanto para a percepção desses pares de vogais como distintos. A vogal /E/ do francês
também apresenta um valor de F1 um pouco mais destacado (590) daquele observado para a
vogal /Q/ do inglês (660). Mesmo assim, essa diferença em relação à altura pode não ser
muito bem percebida pelos aprendizes de ambas as línguas.
Numa comparação das vogais no plano horizontal (F2), tomando-se os pares de vogal
/i/ e /I/ do inglês e a vogal /i/ do francês, nota-se que a vogal /i/ do inglês é a mais anterior
dentre as três. Mesmo assim, é importante mencionar que as diferenças nos valores de F2 não
são muito significativas, pelo menos para as vogais /i/ e /i/ das duas nguas (francês: /i/=2250;
inglês: /i/= 2290; /I/= 1990). A vogal /E/ do inglês também possui uma posição de articulação
mais anterior em relação à vogal /E/ do francês, assim como a vogal /U/ do inglês, que se
apresenta mais anteriorizada tanto em relação à vogal /u/ do inglês como em relação à vogal
/u/ do francês. Quanto aos valores de F2, salienta-se que uma pequena diferença entre a
vogal /E/ do francês (1770) e a do inglês (1840), assim como entre a vogal /u/ dessas duas
línguas (francês: /u/= 750; inglês: /u/= 870). entre a vogal /u/ do francês e a vogal /U/ do
inglês, a diferença é um pouco mais marcante (/U/= 1020).
A vogal /ç/, por sua vez, ocupa uma posição mais anterior no francês, quando
comparada à vogal /ç/ do inglês, sendo os valores de F2 para essas vogais sensivelmente
destacados um do outro (francês: /ç/= 1070; inglês: /ç/= 920). Por fim, pode-se dizer, ao
contrastar-se a vogal /Q/ do inglês e a vogal /E/ do francês, que esta última apresenta-se
ligeiramente mais anteriorizada em relação àquela, que os valores de F2 dessas duas vogais
estão bem próximos (francês: /E/= 1770; inglês: /Q/= 1720). No que compete à duração,
observou-se que o inglês possui os valores mais longos para todas as vogais aqui analisadas
entre as duas línguas.
Na próxima seção, o sistema vocálico do português brasileiro será apresentado, de
modo que se possam alargar as comparações feitas até o presente momento para dar conta das
diferenças entre o sistema vocálico do inglês e do português padrão.
2.5.4 O sistema vocálico do português brasileiro
O sistema vocálico do português brasileiro apresenta 7 vogais orais tônicas, ou seja,
acentuadas, com 4 graus de altura diferentes (/i, e, E, a, ç, o, u/). Em posição átona, têm-se 5
60
vogais em posição pré-tônica (/i, e, a, o, u/) e 3 em posição pós-tônica (/i, a, u/) (ALBANO,
2004). Devido ao grande número de variações dialetais no Brasil, as vogais médias /e/ e /o/,
quando aparecem em posição pré-tônica, podem ter suas pronúncias equivalentes a /E/ e /ç/
ou /i/ e /u/, respectivamente. Tal pronúncia pode ser observada com freqüência em algumas
regiões do nordeste do país, onde se pode ouvir a palavra colégio” sendo pronunciada como
[Kç’lEZiw]. Também, em certas regiões do sul do Brasil, pode-se ouvir as vogais /e/ e /o/
figurando em posição pós-tônica, a despeito de a configuração clássica não predizer a sua
ocorrência. Um bom exemplo disso, dado por Oliveira (2007), pode ser observado na palavra
“leite”, que comumente é pronunciada como [‘lejte] no estado do Paraná.
As características articulatórias das vogais podem ser definidas em termos de altura,
anterioridade da língua e posicionamento dos lábios. A partir desses critérios, podem-se
descrever as vogais orais tônicas do português brasileiro da seguinte forma:
[i] vogal oral, alta, anterior, não-arredondada;
[e] vogal oral, média-alta, anterior, não-arredondada;
[E] vogal oral, média-baixa, anterior, não-arredondada;
[a] vogal oral, baixa, central, não-arredondada;
[ç] vogal oral, média-baixa, posterior, arredondada;
[o] vogal oral, média-alta, posterior, arredondada;
[u] vogal oral, alta, posterior, arredondada.
Na área da fonética acústica, ainda são poucos os estudos descrevendo as vogais do
português brasileiro. Aquino (1998), ao estudar as vogais tônicas e pós-tônicas do português
brasileiro por meio das medidas de F1, F2, F3, F4 e duração, verificou que a consoante
precedente interfere mais na vogal s-tônica do que na nica, ou seja, a vogal s-tônica
sofre interferência em sua duração e em todos os formantes, ao passo que a vogal tônica
apenas sente os efeitos da vogal precedente no que diz respeito à duração e ao F3. Ainda
sobre a duração das vogais, sabe-se que, no português brasileiro, assim como no francês, esse
fator não implica uma distinção entre as vogais, diferentemente do que ocorre no inglês. Por
esse motivo, poucos estudos costumam focalizar essa questão. Como para este trabalho serão
confrontados os dados de F1, F2 e duração produzidos por um informante do sexo masculino
nas 3 línguas aqui pesquisadas, importa apresentar as médias de freqüência para homens das
vogais de F1 e F2 propostas por Behlau et al. (1988 - corrigido), assim como as médias de
61
duração para as vogais do português brasileiro evidenciadas no estudo de de Faveri (2001)
(quadro 3).
Vogal F1 F2 dur (ms)
/i/ 398 2456 0,0830
/E/
699 2045 0,1160
/e/ 563 2339 0,1190
/a/ 807 1440 0,1070
/ç/
715 1201 0,1260
/o/ 558 1122 0,1040
/u/ 400 1182 0,1030
Quadro 3 – Médias dos valores de F1 e F2 para homens (BEHLAU et al., 1988) e médias dos valores de duração
para as vogais orais do português brasileiro (de FAVERI, 2001).
Após a exposição das médias, a figura gerada no Praat confrontando as vogais orais
do português e do inglês padrão poderá ser analisada (figura 6).
Figura 6 Vogais orais do português padrão (BEHLAU et al., 1988), em cinza, e vogais orais do inglês padrão
(PETERSON; BARNEY, 1952), em preto.
Levando-se em consideração as freqüências (F1 e F2) e o valor de duração das vogais
orais do português e do inglês, é possível que se estabeleçam algumas diferenças entre essas
duas línguas. Uma análise do plano vertical (F1) demonstra que as vogais representadas pelos
mesmos símbolos fonéticos nas duas línguas apresentam uma altura mais elevada no inglês.
Contudo, é preciso destacar que algumas vogais cotejadas apresentam valores muito próximos,
dificultando uma distinção ampla de suas características de altura. Os valores de F1 para as
vogais /i/ do português (398) e /i/ do inglês (270), por exemplo, são mais distantes do que os
62
observados para as vogais /i/ do português e /I/ do inglês (390). Isso indica que a produção do
/i/ do português e do /I/ do inglês apresenta uma sutil diferença em relação à altura.
Para a vogal /u/ do português (400), nota-se que, apesar de ela se apresentar mais alta
do que a vogal /U/ do inglês (440), sua altura não chega a ser maior do que a da vogal /u/ do
inglês (300). a vogal /ç/ possui valores de F1 bem mais distantes, tendo o /ç/ do português
um valor médio de 715 Hz, e o do inglês um valor médio de 590 Hz. As vogais /E/ do
português e do inglês também apresentam valores bem destacados, sendo a vogal inglesa mais
alta (530 Hz) do que a portuguesa (563 Hz).
No que diz respeito ao plano horizontal (F2), a comparação entre todos os pares de
vogais analisadas indica uma tendência maior das vogais do português de serem mais
anteriores do que as do inglês. Os valores de F2 analisados apontam para uma diferença
considerável entre os pares de vogais cotejados. Por fim, na análise da duração das vogais,
pôde-se verificar que todas as vogais do inglês apresentam valores bastante superiores em
relação aos encontrados para as vogais do português, o que indica que o inglês possui suas
vogais mais longas.
Procurou-se destacar, acima, as principais diferenças em termos de altura,
anterioridade e duração das vogais orais do francês e do português em relação às vogais do
inglês. Para atender aos objetivos desta pesquisa, foram confrontados apenas os pares de
vogais que servirão para a análise dos dados neste trabalho.
Na próxima seção, serão apresentadas algumas pesquisas que investigam como as
vogais da língua inglesa são percebidas e produzidas por aprendizes brasileiros.
2.5.5 Estudos sobre a produção e a percepção de vogais do inglês por aprendizes
brasileiros
fortes evidências da importância da percepção da fala para a sua produção
adequada. Rauber et al. (2005) investigaram a influência do conhecimento das vogais do
português brasileiro
30
sobre as vogais do inglês, com base na análise dos dados de percepção e
produção de 16 mulheres alunas de um curso de pós-graduação de Santa Catarina
31
. A média
de idade das participantes foi de 27,3 anos, sendo todas classificadas num nível de
30
Foram consideradas na pesquisa as sete vogais orais do português brasileiro (/a/, /E/, /ç/, /e/, /o/, /i/, /u/) e as
onze vogais orais do inglês (/i/, /I/, /e/, /E/, /Q/, //, /A/, /ç/, /oU/, /U/, /u/).
31
As alunas participantes da pesquisa encontravam-se matriculadas tanto em vel de mestrado como de
doutorado.
63
proficiência elevado
32
e com experiência de ensino de língua inglesa superior a 5 anos. Os
resultados obtidos no teste de produção indicam que, embora as participantes tenham sido
consideradas como altamente proficientes em inglês, utilizaram em demasia o sistema
vocálico da sua L1 para pronunciar as vogais da L2, sobretudo para a produção das vogais /Q/,
/A/ e /U/ do inglês, que foram igualadas, respectivamente, às vogais /E/, /ç/ e /u/ do português.
Para os resultados obtidos no teste de percepção, ainda que se esperasse a ocorrência de
dificuldades na identificação das vogais /I/, /Q/, /A/, /U/, esse fato não foi confirmado para a
vogal /I/, provavelmente porque, de acordo com Rauber et al. (2005), esta vogal difere
consideravelmente de /i/ e /eI/ tanto em F1 como em F2. Por fim, realizando um cruzamento
entre os resultados obtidos através do teste de percepção e de produção, observou-se uma
forte relação entre ambas as instâncias, sendo que a percepção parece preceder a produção,
uma vez que os contrastes de vogais mais bem identificados pelas participantes foram
produzidos com valores de F1 e F2 distintos dos encontrados nas vogais da L1.
Bion e Batista (não publicado) compararam, numa pesquisa, a produção das vogais
anteriores do inglês por alunos brasileiros com a distância perceptual necessária para que
fossem percebidos contrastes vocálicos envolvendo essas vogais. Um total de 13 alunos (11
mulheres e 2 homens com idades entre 18 e 32 anos) foram testados, sendo a grande maioria
aprendizes iniciantes matriculados no curso de Letras/Inglês de uma universidade de Santa
Catarina. Os resultados dos testes apontam que, dos 13 sujeitos analisados, apenas 3
produziram alguma distinção entre os pares de vogais testados. Já nos testes de percepção,
obteve-se um resultado melhor, com 11 sujeitos percebendo as diferenças em pelo menos um
dos contrastes avaliados. Dessa forma, Bion e Batista admitem que, em seu estudo, não pôde
ser traçada uma relação significativa entre os dados obtidos nos testes de percepção e
produção, tendo em vista o fato de que alguns sujeitos perceberam, mas não produziram as
distinções, ao passo que outros conseguiram produzi-las sem, no entanto, percebê-las.
Em outro estudo, ainda destinado a comparar a percepção e a produção das vogais do
inglês por aprendizes brasileiros, Bion et al. (2005) coletaram dados de 17 brasileiros
aprendizes de inglês como L2 e de 6 falantes de inglês como L1. Dois experimentos foram
propostos: um destinado a obter dados a respeito da produção oral dos brasileiros para as
vogais /i/, /I/, /e/, /E/, /Q/ do inglês, bem como das vogais /i/, /e/, /E/, /a/ do português
brasileiro, e um outro aplicado para coletar os dados referentes à percepção das vogais
32
O estudo não indicou como o nível de proficiência das participantes foi comprovado.
64
supramencionadas do inglês. Na análise dos resultados de produção, percebeu-se que algumas
vogais da L2 dos sujeitos são mais passíveis de serem produzidas com valores similares aos
de vogais encontradas na L1. Os valores de produção mais próximos entre a L1 e a L2 dos
sujeitos foram encontrados para as vogais /i/-/i/, /e/-/e/, /E/- /E/. as vogais /E/-/Q/ e /i/-/I/
produzidas para o inglês evidenciaram uma proximidade de valores de F1 e F2 muito grande,
indicando uma forte dificuldade na produção adequada dessas vogais. No que diz respeito ao
teste de percepção, os resultados apontaram que os falantes de inglês como L1 começaram a
distinguir os pares de vogais utilizados no experimento a partir do quinto membro do contínuo,
depois de eles terem reconhecido o estímulo como diferente em mais de 50% de suas
apresentações. Os aprendizes de inglês como L2, por sua vez, começaram a distinguir os
contrastes de vogais em pontos diferentes do contínuo, sendo que alguns participantes
reconheceram as vogais como sendo as mesmas até o final de suas apresentações. Mais uma
vez, não se observou uma relação significativa entre os resultados obtidos nos testes de
percepção e produção. Segundo os autores, a possível variação no nível de proficiência dos
sujeitos escolhidos pode ser um dos fatores implicados nesse resultado. Porém, o estudo ora
resenhado não informa maiores detalhes a respeito dessa variável.
O último estudo a ser apresentado, desenvolvido por Rauber (2006), investigou a
relação estabelecida entre a percepção e a produção das vogais do inglês
33
por 18 falantes
considerados proficientes em inglês como L2, a maioria alunos de cursos de mestrado e
doutorado de uma universidade em Santa Catarina. Para tanto, dois testes foram aplicados: um
de produção, utilizado para medir os dois primeiros formantes das vogais do inglês dos
aprendizes; e outro de percepção, no qual os participantes deveriam identificar as vogais do
inglês apresentadas em estímulos sintéticos. Além dos aprendizes de inglês como L2, falantes
monolíngües do inglês e do português também participaram dos dois testes, com vistas a
fornecer dados comparativos entre os três grupos. Os resultados obtidos nos testes de
percepção e produção apontaram que a distância euclidiana
34
entre os três pares de vogais do
inglês /i/-/I/, /E/-/Q/, /U/-/u/ foi significativamente maior para os monolíngües do inglês do
que para os aprendizes de inglês como L2, indicando uma dificuldade por parte dos
aprendizes brasileiros em produzir e perceber essas vogais de forma nativa. Por outro lado,
observou-se que os pares de vogais mais bem percebidos pelos aprendizes de inglês como L2
33
Foram selecionadas as seguintes vogais: /i, I, e, E, Q, , A, ç, oU, U, u/.
34
A distância euclidiana é uma medida de dissimilaridade. Por isso, quanto menor for a distância calculada entre
dois pontos quaisquer, mais próximos eles estarão.
65
também foram os que obtiveram um melhor nível de produção, fato esse que evidenciaria a
relação intrínseca entre a percepção e a produção dos sons.
Com a explicitação de alguns estudos que demonstram a relação entre a percepção e a
produção das vogais inglesas por aprendizes brasileiros, pode-se ter uma idéia das principais
dificuldades encontradas por esses aprendizes quando se deparam com a aprendizagem de tais
elementos. Na próxima seção, será abordado um dos processos de transferência a que
recorrem os aprendizes brasileiros quando da aprendizagem de língua inglesa, a saber, o
processo de assimilação vocálica. Para tanto, além da apresentação de alguns estudos que
destacam esse processo, serão feitas algumas considerações sobre o tema, tendo-se em vista a
sua relação com a incidência da transferência grafo-fônico-fonológica e o papel da memória
nesse desfecho.
2.5.6 A assimilação vocálica e a transferência grafo-fônico-fonológica L2-L3: uma
problematização conexionista
Durante a tarefa de leitura numa dada L2, rios processos de transferência podem
ocorrer, dependendo das diferenças nas correspondências grafo-fônico-fonológicas
observadas entre os sistemas em jogo. Um desses processos, a assimilação vocálica, tem sua
importância destacada pelo fato de todas as palavras conterem vogais e, caso essas vogais
tenham sua pronúncia deturpada, essa pronúncia não equivalente à padrão da língua nativa
pode levar não somente à produção de um sotaque estrangeiro, mas também a possíveis falhas
na comunicação.
Zimmer e Bion (2007) conceituam a assimilação vocálica como um tipo de
assimilação do conhecimento fonético-fonológico da L1 para a L2, que pode ocorrer em
relação a características espectrais, acarretando uma mudança na qualidade vocálica, bem
como a características ligadas ao tempo de duração das vogais. Fatores relacionados à
mudança da qualidade vocálica costumam ser desprezados, já que existe uma grande variação
desse aspecto entre os próprios falantes nativos do inglês dependendo da região onde vivem
ou de seu país de origem (JENKINS, 2001; WALKER, 2001). A diferença na duração das
vogais do inglês, por outro lado, está presente em todos os dialetos, sendo que as vogais
longas do inglês são consideradas longas em relação a praticamente todas as vogais das
línguas conhecidas (ZIMMER, 2004). Porém, Zimmer (2004) enfatiza a necessidade de não
66
se negligenciarem os aspectos relacionados à qualidade das vogais, visto que tal característica
também pode acarretar mudanças que alteram distinções lexicais.
Exemplos de transferência interlingüística resultando no processo de assimilação
vocálica são fornecidos por Zimmer et al. (no prelo). Em seu livro, que faz uma apresentação
detalhada de vários processos de transferência produzidos por brasileiros aprendizes de inglês
como L2, os autores citam o caso das vogais [i] e [I] do inglês, que costumam ter sua
pronúncia neutralizada pela produção do [i] do português brasileiro, assim como as vogais [u]
e [U] do inglês, que também apresentam sua pronúncia neutralizada pelo [u] do português. Ao
oferecerem uma explicação psicolingüística para a ocorrência desse processo de assimilação,
os autores afirmam que o aprendiz de L2 costuma transferir a correspondência grafo-fônico-
fonológica de sua L1 em direção à L2 por estar a conversão daquela língua mais
entrincheirada em seu sistema fonológico. Os autores chamam a atenção, ainda, para o fato de
esse processo acontecer não apenas durante a leitura em voz alta em L2, mas também durante
a fala, pois os padrões grafo-fônico-fonológicos da L1 também estão entrincheirados na
representação que os aprendizes fazem das palavras da L2. Assim, separar os efeitos da
transferência grafo-fônico-fonológica dos efeitos da transferência fonético-fonológica parece
ser uma tarefa difícil e nem sempre possível. Um bom exemplo de transferência grafo-fônico-
fonológica levando em conta o processo de assimilação vocálica é apresentado pelos autores
considerando as palavras inglesas ‘other’ e ‘mother’. Ao invés de produzir a vogal ‘o’ de tais
palavras utilizando a vogal [] do inglês, nota-se que os aprendizes, em sua grande maioria,
recorrem ao uso da vogal [ç] para produzi-las, o que parece estar fortemente relacionado com
a presença da letra ‘o’ nessas palavras, a qual, em português, pode ser lida como [o] ou [ç],
mas jamais como [], até mesmo porque essa vogal não figura no inventário fonético do
português brasileiro. Já no caso em que os aprendizes utilizam a pronúncia da vogal [i] do
português brasileiro para produzir tanto o [i] como o [I] do inglês, entende-se que há a
ocorrência de ambos os tipos de transferência, que atuariam inseparadamente (ZIMMER et al.,
no prelo). A explicação para isso reside no fato de os aprendizes não perceberem as diferenças
fonéticas entre o [i] e o [I] do inglês, o que impede a criação de uma nova categoria fonética
para a produção desses sons. Por conseguinte, os padrões grafo-fônico-fonológicos da L1
acabam sendo mantidos.
Zimmer (2004) analisou, entre outros processos de transferência produzidos por
brasileiros aprendizes de inglês como L2, o caso da assimilação vocálica na recodificação
67
leitora de não-palavras e palavras da língua inglesa. Ao analisar os dados obtidos na leitura de
palavras, comprovou-se que a incidência desse processo varia em função do nível de
proficiência
35
dos sujeitos na L2, assim como de fatores relacionados à regularidade e à
freqüência das palavras apresentadas aos sujeitos (palavras regulares de alta freqüência,
palavras regulares de baixa freqüência, palavras-exceção de alta freqüência, palavras-exceção
de baixa freqüência). Como esperado, a taxa de uso desse processo foi decaindo à medida
que a proficiência dos sujeitos analisados aumentava, o que parece estar em conformidade
com a grande quantidade de instrução de caráter explícito que os aprendizes recebem sobre as
distinções em duração das vogais do inglês. Zimmer (2004) também destaca que a ocorrência
do processo mostrou-se mais presente no grupo de palavras de baixa freqüência do que no
grupo de palavras de alta freqüência. para a leitura de não-palavras, nota-se que o recurso
ao processo de assimilação vocálica aumentou consideravelmente ao comparar-se seu uso
pelos sujeitos durante a leitura de palavras. Segundo Zimmer (2004), parece que uma
tendência maior, por parte dos sujeitos, a recorrerem ao mapeamento grafo-fônico-fonológico
da sua L1 durante a leitura de não-palavras.
O que esses resultados indicam, então, é que uma maior possibilidade de ativação
das principais formas prototípicas da conversão grafo-fônico-fonológica da L2 quando os
sujeitos decodificam as palavras do inglês. Nota-se, também, que o nível de proficiência em
língua inglesa desempenha um importante papel para que haja uma diminuição no recurso à
assimilação vocálica, dado que sujeitos mais experientes possuem um maior conhecimento
prévio a respeito da correspondência grafo-fônico-fonológica dos mais variados tipos de
palavras. Porém, o fato de os sujeitos recorrerem mais à correspondência grafo-fônico-
fonológica da sua L1 quando da leitura de não-palavras indica que a ausência de exemplares
conhecidos do repertório lexical da L2 pode fazer com que os sujeitos ativem a
correspondência mais prototípica do português brasileiro no momento de executar essa tarefa.
Com isso, possíveis problemas na diferenciação de correspondências grafo-fônico-fonológicas
entre duas nguas podem ser originados não por motivos relacionados a uma aproximação
dos dois sistemas vocálicos em questão, que ocupariam, de acordo com a orientação de Flege
(2002, 2003), os mesmos espaços fonológicos. A falta de conteúdo semântico observado nas
não-palavras despontaria como outra causa atuante para que os sujeitos ativassem mais o
conhecimento grafo-fônico-fonológico da sua L1.
35
Os sujeitos foram classificados em 4 níveis de proficiência: sico, pré-intermediário, intermediário e
avançado.
68
Com vistas a esclarecer mais detalhadamente se a alta taxa de uso da assimilação
vocálica durante a leitura de não-palavras estaria relacionada com a falta de ativação lexical
nesses itens, Zimmer e Bion (2007) propuseram duas tarefas de recodificação leitora: uma
contendo 55 não-palavras, todas muito similares a palavras encontradas no léxico da língua
inglesa, implicando uma maior interatividade semântica, e outra contendo 13 palavras da
língua portuguesa, idealizada com o intuito de obterem-se os valores dos formantes
produzidos para as vogais da L1 dos sujeitos. Para realizar os testes, 15 brasileiros falantes em
nível avançado de inglês como L2 foram selecionados. O vel de proficiência exigido
justificou-se pela necessidade de que os sujeitos fossem capazes de acessar um bom nível de
conhecimento semântico para associar as não-palavras às palavras a elas semelhantes na L2.
Com a análise dos dados, pôde-se constatar que os sujeitos não foram capazes de estabilizar
diferentes categorias prototípicas para as vogais da L1 e da L2, o que indica que os sons da
L2 estavam sendo percebidos de acordo com os protótipos da L1 dos sujeitos. Zimmer e Bion
(2007) corroboram, assim, a pesquisa de Zimmer (2004), pois acreditam que tal fato tenha
ocorrido não somente pela grande dificuldade que os aprendizes têm em separar os mapas das
categorias de sons da L1 e da L2, mas igualmente pela falta de conteúdo semântico nas não-
palavras, o que contribuiu para que os sujeitos ativassem seu conhecimento fonético-
fonológico da L1 com mais intensidade.
No que compete à transferência grafo-fônico-fonológica envolvendo três línguas e o
recurso à assimilação vocálica, os conhecimentos gerados tanto por modelos destinados a
explicar a transferência fonética entre duas línguas como aqueles gerados por teorias
interessadas no desenvolvimento da L3, em particular, podem ser mobilizados de forma a
servir de base para a proposição de uma visão de cunho conexionista para esse processo.
Ao buscar uma explicação psicolingüística para a ocorrência do processo de
assimilação vocálica, considera-se o fato de o aprendiz transferir a correspondência grafo-
fônico-fonológica das vogais de sua L1 em direção às da L2 por estar a conversão daquela
língua mais entrincheirada em seus sistemas de memória. Esse entrincheiramento, por
conseguinte, pode ser percebido durante a leitura em voz alta em L2, bem como durante a fala,
que os padrões grafo-fônico-fonológicos da L1 também estão entrincheirados na
representação que os aprendizes fazem das palavras da L2 (ZIMMER et al., no prelo).
Quando se imagina o conhecimento de três sistemas lingüísticos, em vez de dois, pode-se
prever a existência de dois sistemas de correspondência grafo-fônico-fonológica interagindo
no mesmo espaço fonológico quando da aquisição do terceiro. Assim, além das transferências
69
nas correspondências grafo-fônico-fonológicas entre as vogais dos dois sistemas previamente
aprendidos (e talvez não completamente, o que é o caso para o sistema de vogais da L2),
também o sistema da L3 fará parte desse processo, que será inserido nesse mesmo espaço
fonológico onde interagem a L1 e a L2. Dessa forma, seguindo uma orientação conexionista
que prediz que os padrões mais reforçados entre as sinapses influenciam outros que ainda
necessitam de mais reforço para serem consolidados, entende-se que o sistema vocálico da L3
deverá superar as influências de dois outros sistemas mais entrincheirados para que possa se
estabilizar. A fim de entender o motivo pelo qual as transferências grafo-fônico-fonológicas
que geram a assimilação vocálica na L3 poderiam ser originadas na L2, e não na L1, apesar de
esta língua ser a mais consolidada nos sistemas de memória, pode-se recorrer a alguns
pressupostos elencados pelas teorias de L3 que foram redimensionados para um enfoque
conexionista na seção 2.4.4.
O que a teoria de L3 chama de efeito de recência, muito relacionado à noção de
conhecimento prévio estipulada pelo conexionismo, pode favorecer a ocorrência de
transferências no sentido L2-L3, que a L2 configura-se no conhecimento lingüístico mais
recente a passar por um processo de consolidação nos sistemas de memória. Dessa forma, o
conhecimento da correspondência grafo-fônico-fonológica da L2 tende a ser transferido com
mais freqüência durante a leitura em L3, o que pode afetar a ativação do conhecimento das
vogais, gerando o processo de assimilação vocálica entre a L2 e a L3. O fato de a L2 ser a
língua estrangeira em que o aprendiz possui mais exposição a materiais escritos favorece a
ativação das características de qualidade e duração das vogais dessa língua no momento da
leitura em L3, língua em que o aprendiz possui menos experiência na conversão grafema-
fonema.
Os sistemas de escrita alfabéticos envolvidos na codificação grafêmica de cada vogal
pertencente a diferentes sistemas fonológicos parecem exercer uma influência muito grande
para que se instaure o processo da assimilação vocálica durante uma atividade de leitura em
L2 ou em L3. Ao ler numa L3 e ao se deparar com o mesmo alfabeto que conhece para a
representação dos sons da fala na L1 ou na L2, o aprendiz pode ativar a correspondência
grafo-fônico-fonológica para uma vogal, por exemplo, de acordo com as representações mais
entrincheiradas que ele conhece para ela, seja a da L1 ou a da L2. Para que a correspondência
de uma dessas duas nguas seja a escolhida durante o processo de competição, o aprendiz
pode apoiar-se em suas impressões a respeito do grau da proximidade que atribui a elas em
relação à L3, conferindo talvez à L2 uma maior semelhança pelo fato de ela possuir um status
70
de língua não-materna. Assim, a L2 pode transferir para a L3 a correspondência grafo-fônico-
fonológica de suas vogais mesmo que sua correspondência não seja a mais semelhante, o que
está relacionado com a noção de psicotipologia, responsável por ativar esses efeitos de
semelhança.
Ao se redirecionar a teoria do Í da Língua Materna (KUHL, 1993) para a
aprendizagem de L2 e L3, pode-se especular que um comprometimento neuronial maior com
a L2 do que com a L3 possa fazer com que os aprendizes filtrem os sons da L3 de acordo com
as categorias mais semelhantes numa outra língua estrangeira, a L2, criando uma espécie de
“filtro da língua estrangeira”, que atuaria toda a vez que uma nova língua fosse aprendida. É
digno de referência, igualmente, que autores como Flege (2002) e MacWhinney (2002)
indicam que o grau de semelhança entre as línguas possui uma grande responsabilidade para a
ocorrência de transferências. Assim, línguas tais como o espanhol e o português, o francês e o
inglês são passíveis de transferir mais padrões vocálicos entre si, por exemplo, principalmente
se elas forem aprendidas como L2 ou como L3 por um falante nativo de japonês, cuja L1 não
guarda semelhanças com as demais línguas adquiridas.
Cabe frisar, entretanto, que as transferências surgidas pela identificação de
semelhanças entre as línguas podem apresentar não apenas efeitos facilitadores para a
aprendizagem, mas também alguns obstáculos. Segundo Flege (2002), em havendo uma
identificação contínua dos sons da L2 com instâncias de fonemas e alofones da L1 gerada
por um alto grau de semelhança entre os sistemas sonoros –, a formação de novas categorias
de contrastes será bloqueada. Entretanto, se for notada uma diferença muito grande entre os
padrões sonoros de ambas as línguas, é esperada uma diferenciação entre essas produções,
com a criação de novas categorias de contraste. A não criação de uma categoria de contraste
na L3, por exemplo, pode implicar o recurso à assimilação vocálica durante uma tarefa de
leitura nessa língua, caracterizando a ocorrência da transferência grafo-fônico-fonológica
envolvendo a participação da L2 e da L1, ou de uma dessas línguas de maneira mais
destacada.
É importante referir, já que se está seguindo uma noção de aprendizagem conexionista,
que a aprendizagem de L3 pode sofrer os efeitos tanto da transferência de padrões da L2
como da L1, que não se pode destituir um sistema lingüístico do processo de aquisição de
um novo (FLEGE, 2002). Acredita-se, no entanto, que a influência da L2 – ou da L1 sobre
a L3 pode ser diminuída através de uma exposição adequada ao input da L3, uma vez que as
capacidades cognitivas necessárias para a aquisição dos sons da fala perduram por toda a vida
71
do aprendiz. Dessa forma, à medida que o nível de proficiência em L3 do aprendiz vai-se
desenvolvendo, e à medida que as correspondências grafo-fônico-fonológicas dessa língua
vão sendo reinstanciadas para o neocórtex, através de um trabalho repetitivo realizado no
sistema hipocampal, é possível que categorias de sons mais próximas dessa língua, e mais
distantes daquelas conhecidas para a L1 e para a L2, sejam criadas. Não se espera, com isso,
que a influência das correspondências grafêmicas dos demais sistemas fonético-fonológicos
seja bloqueada, visto que não possibilidade de separação entre eles, mas sim que haja o
desenvolvimento de categorias mais equivalentes às da L3, ou até mesmo híbridas entre as
três línguas, assim como é proposto para a L2.
Com a apresentação dos pressupostos teóricos que servem como norte para o
desenvolvimento desta pesquisa, pode-se passar para a apresentação da metodologia aqui
utilizada.
72
3 OBJETIVOS E MÉTODO
Levando em consideração a revisão da literatura, pretende-se, neste capítulo,
estabelecer o objetivo geral e as hipóteses da pesquisa empírica. Além disso, pretende-se
apresentar o método utilizado na sua implementação, descrevendo os critérios de seleção da
amostra, de coleta, de levantamento e computação dos dados. Para tanto, este capítulo
encontra-se dividido em duas seções principais, que descrevem os objetivos e as hipóteses da
pesquisa (3.1); o método utilizado na sua implementação e os procedimentos aplicados (3.2).
3.1 Objetivos e hipóteses
Em consonância com a revisão da literatura, esta pesquisa tem como objetivo geral
investigar o processo de transferência grafo-fônico-fonológica do francês (L2) para o inglês
norte-americano (L3) por um falante nativo do português brasileiro (L1).
3.1.1 Objetivos específicos
A partir do objetivo geral formulado acima, foram estabelecidos os seguintes objetivos
específicos:
1) Analisar se a assimilação vocálica durante a tarefa de leitura oral de palavras em
inglês (L3) ocorre em direção às características (F1, F2 e duração) das vogais do português
(L1) ou das vogais do francês (L2). Acredita-se que, por ter sido a língua estrangeira mais
recente a passar por um período de consolidação nos sistemas de memória, a L2 transferirá
seus padrões para a L3 de forma mais destacada que a L1.
2) Examinar o efeito exercido pela ortografia na transferência grafo-fônico-fonológica
L2-L3. A influência da ortografia pode ser explicada: pelo efeito de recência da L2 sobre a
leitura ou produção oral da L3, medido pelo tempo de reação, conforme será operacionalizado
na segunda hipótese deste estudo; e também, mais especificamente, pelo tempo de reação para
73
a leitura oral de palavras em inglês que compartilhem corpos grafêmicos com palavras do
francês. Imagina-se haver um efeito de recência da leitura de palavras da L2 (francês) sobre a
leitura imediatamente posterior de palavras na L3 (inglês). Contudo, tal efeito de recência
deve estar ligado a uma transferência grafo-fônico-fonológica da L2 para a L3. Acredita-se
que essa transferência pode ser motivada pela ativação dos corpos grafêmicos do francês
durante a leitura de palavras em inglês contendo esses mesmos corpos grafêmicos. Espera-se
testar isso através da operacionalização da terceira hipótese, exposta na seção 3.1.2, abaixo.
3.1.2 Formulação das hipóteses
Em conformidade com os objetivos acima especificados, foram formuladas três
hipóteses; a primeira está relacionada ao primeiro objetivo, e a segunda e a terceira hipóteses
contemplam o segundo objetivo:
1) A assimilação vocálica durante a tarefa de nomeação de palavras na L3 (inglês)
ocorre em direção às características (F1, F2 e duração) das vogais da L2 (francês) do sujeito.
2) O tempo de reação para as palavras do primeiro bloco do inglês é
significativamente menor do que o tempo de reação para a leitura de palavras da língua
inglesa do segundo bloco, apresentadas posteriormente à leitura de itens lexicais do francês.
3) As palavras do segundo bloco do inglês que apresentam corpos grafêmicos
semelhantes aos das palavras da língua francesa apresentadas no bloco anterior demandam um
tempo de reação significativamente maior do que aquele necessário para ler as palavras
inimigas do francês no primeiro bloco de inglês.
Uma vez estabelecidos os objetivos e formuladas as hipóteses, pode-se partir para a
explanação do método utilizado para implementar esta investigação.
3.2 Método
Esta seção tem por objetivo relatar os procedimentos empregados na realização do
experimento. Para isso, serão descritos o tipo de pesquisa, o processo de amostragem utilizado
74
para selecionar o participante, os instrumentos utilizados na pesquisa, bem como os
procedimentos de aplicação dos mesmos.
3.2.1 Tipo de pesquisa, população e amostra
A investigação empírica foi do tipo pesquisa de campo, realizada com um sujeito
(estudo de caso) de forma transversal. Os dados foram coletados de um adulto do sexo
masculino, nativo do português brasileiro, falante de francês como L2 e de inglês como L3.
Esse sujeito apresentou proficiência alta em francês como L2 e intermediária em inglês como
L3.
3.2.2 Seleção da amostra
Os seguintes critérios foram considerados para a seleção do informante:
a) o sujeito deveria ser falante nativo do português brasileiro;
b) o sujeito deveria comprovar proficiência avançada em francês como L2;
c) o sujeito deveria comprovar proficiência intermediária ou pré-intermediária em
inglês como L3;
d) o sujeito não poderia ter conhecimento de outras línguas estrangeiras que não as
investigadas aqui;
e) o sujeito deveria assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
f) o sujeito faria um teste de nivelamento, para que fosse possível comprovar em que
nível de aprendizagem da língua francesa e inglesa se encontrava.
É importante mencionar que esta pesquisa iniciou com um número total de 3 sujeitos,
que foram selecionados de acordo com os critérios elencados no item 3.2.2. Porém, o número
final da amostra, 1 sujeito, deveu-se ao fato de dois sujeitos terem desistido de participar do
estudo.
75
3.2.3 Instrumentos utilizados na amostragem
Foram utilizados os seguintes instrumentos para a seleção da amostra:
a) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, documento que fornece informações
resumidas sobre a pesquisa desenvolvida e que requisita o consentimento do participante
quanto ao uso de dados coletados para a pesquisa mediante a sua assinatura (Anexo A).
b) Entrevista com o sujeito, com a finalidade de constatar se as informações fornecidas
encontravam-se em conformidade com os requisitos da pesquisa (Anexo B).
c) Testes de nivelamento, para estabelecer em que estágio de aprendizagem da língua
francesa e inglesa encontrava-se o sujeito. O teste de nivelamento utilizado para o francês foi
o DALF (Diplôme Approfondi de Langue Française); para o inglês, optou-se por uma versão
resumida do TOEIC
36
(Test of English for International Communication). Ambos os
instrumentos possuem validade internacional. A prova de francês consistiu de 25 questões
16 de compreensão oral, que valiam um total de 25 pontos, e 9 de compreensão escrita,
também valendo 25 pontos. As questões apresentadas nos testes de língua francesa possuíam
pesos diferentes, que variavam de 1 a 3. Já a prova de língua inglesa consistiu de 100 questões
41 de compreensão oral e 59 de estrutura. Todas as questões dos testes de língua inglesa
tinham o mesmo peso (1). O informante dispunha, em média, de 50 minutos para completar
cada teste. Esse instrumento foi aplicado pela própria pesquisadora com o sujeito.
3.2.4 Levantamento e computação dos dados obtidos na amostragem
A entrevista foi utilizada para levantamento de dados relativos à idade, grau de
instrução do informante e, principalmente, tempo de estudo da língua francesa e inglesa.
Também serviu para verificar se o sujeito tinha conhecimento de outra língua estrangeira que
não as contempladas neste estudo, o que implicaria sua exclusão da pesquisa de acordo com
os critérios estabelecidos no item 3.2.2. As informações coletadas na entrevista durante a fase
de amostragem encontram-se abaixo (quadro 4).
36
Como houve uma diminuição no número total das questões do teste de proficiência em língua inglesa,
realizou-se um cálculo (regra de três simples) para determinar a porcentagem proporcional ao número de
questões utilizadas no teste aplicado ao sujeito.
76
Suj. Idade Sexo Escolaridade LM (língua
materna)
Tempo de
estudo L2
(francês)
Tempo de
estudo L3
(inglês)
Vivência
em países
de língua
estrangeira
25 masc. 3º completo Português 4 anos –
curso
superior
1 ano –
curso
superior em
andamento
Não
Quadro 4 – Dados coletados durante a entrevista com o sujeito.
Os resultados dos testes de compreensão oral e escrita (e estrutura) obtidos pelo
participante desta pesquisa podem ser observados no quadro 5. Para ser considerado aprendiz
em nível avançado de francês, o sujeito deveria ter um número de acertos igual ou superior a
70% em cada prova. Já para ser considerado aprendiz em nível pré-intermediário de inglês, o
sujeito deveria ter um número máximo de acertos de 63% na prova de compreensão oral e de
44% na prova de estrutura.
Sujeito Escores nos testes de francês Escores nos testes de inglês
compreensão
oral
% compreensão
escrita
% compreensão
oral
% estrutura
%
18 72 20 80 21 51 28 47
Quadro 5 – Escores obtidos pelo sujeito nos testes de proficiência.
A partir dos escores obtidos, pôde-se classificar a proficiência do sujeito em francês
como avançada em ambas as habilidades testadas. Em inglês, o sujeito foi classificado como
pré-intermediário, na habilidade de compreensão oral, e intermediário, no teste de estrutura.
Na próxima seção, serão apresentados os instrumentos utilizados nesta investigação.
3.2.5 Instrumentos da pesquisa
Foram utilizados os seguintes instrumentos para a realização da pesquisa:
a) teste de recodificação de palavras na ngua inglesa, adaptado de Zimmer (2004)
(anexo C). Esse instrumento foi utilizado com a finalidade de averiguar se a assimilação
vocálica durante a leitura de palavras da língua inglesa ocorreria em direção aos valores de
77
duração e dos formantes da L1 ou da L2 do sujeito. A tarefa que originalmente contava com
um total de 20 não-palavras e 44 palavras da ngua inglesa sofreu algumas adaptações para
que se enquadrasse aos propósitos desta pesquisa. Como a este trabalho interessa investigar o
processo de transferência grafo-fônico-fonológica levando em consideração somente as
vogais orais das palavras da língua inglesa, as não-palavras e as palavras contendo vogais
nasalizadas foram excluídas do instrumento. Com isso, contou-se com um total de 14 palavras
da língua inglesa. Para esta pesquisa, optou-se por apresentar os itens lexicais vinculados a
frases-veículo (say xxx again). Cada frase-veículo foi disposta 5 vezes de forma aleatória
durante a apresentação em arquivo do tipo powerpoint.
b) teste de recodificação de palavras em língua portuguesa, adaptado de Zimmer e
Bion (2007) (anexo D). Esse instrumento teve por finalidade obter os valores dos formantes
(F1 e F2) e de duração do sujeito para as vogais da sua língua materna, com o intuito final de
cotejar tais valores com os obtidos para a língua francesa (L2) e para a língua inglesa (L3). Da
mesma forma como se procedeu no teste de recodificação leitora de Zimmer (2004), algumas
adaptações referentes à escolha das palavras foram feitas. O teste, que inicialmente contava
com um total de 31 palavras, sofreu uma redução para 28 palavras, devido ao fato de 3
palavras apresentarem vogais nasais. Entre as palavras apresentadas, encontram-se tanto
dissílabas quanto trissílabas, que podem ser classificadas como substantivos e verbos
conjugados no imperativo afirmativo. Como se tratava da leitura de palavras na língua
materna do sujeito, optou-se por apresentar as palavras em arquivo do tipo powerpoint ao
sujeito apenas uma vez, mas ainda com o cuidado de inseri-las em frases-veículo (a última
palavra é xxx).
c) teste de acesso lexical com palavras da língua inglesa e francesa, adaptado de Jared
e Kroll (2001) (anexo E). Esse instrumento foi utilizado com a finalidade de testar se o tempo
de reação para a leitura oral de palavras em inglês (L3) seria afetado pelo conhecimento da
correspondência grafo-fônico-fonológica do francês (L2). Utilizou-se o referido teste também
com o intuito de analisar os valores de duração e dos formantes produzidos para a leitura de
palavras contendo vogais orais da língua francesa. A tarefa consistiu da nomeação de 60
palavras da língua inglesa e vinte palavras da língua francesa. Foram utilizados três tipos de
palavras da língua inglesa: palavras não-inimigas, cujos corpos grafêmicos são consistentes
em inglês, mas não existem em francês (ex: BUMP); palavras inimigas do francês, cujos
corpos são consistentes em inglês (ex: BAIT), mas são pronunciados de forma diferente
78
quando aparecem nas palavras francesas (ex: FAIT); e palavras inimigas do inglês, cujos
corpos são inconsistentes em inglês (ex: BEAD) e inexistentes em francês.
As palavras utilizadas no experimento descrito acima foram escolhidas de maneira que
a freqüência de suas amigas em inglês fosse baixa e a freqüência de suas inimigas fosse a
mais alta possível, caso tivessem inimigas. Os vizinhos grafêmicos e fonológicos do inglês
para cada palavra experimental foram buscados entre todas as palavras monossilábicas
listadas no banco de dados de Kuc(era e Francis (1967). Tais vizinhos foram divididos entre
amigos e inimigos. Um vizinho era considerado amigo se o corpo da sua palavra fosse
pronunciado da mesma maneira que na palavra-alvo; um vizinho era considerado inimigo se a
pronúncia dessa palavra conflitasse com a da palavra-alvo. Os 3 tipos de palavras foram
igualadas o máximo possível em termos de freqüência, tamanho, letra inicial e freqüência da
média somada de amigas do inglês. Tais palavras foram organizadas com o auxílio do
programa E-Prime
37
(Psychology Software Tools Inc.), que foi utilizado em conjunto com
uma Serial Response Box
38
(Psychology Software Tools Inc.), dispositivo que permite que
seja medido o tempo de reação do sujeito para a leitura de palavras. Para a apresentação aos
sujeitos, as palavras foram organizadas em um arquivo do tipo powerpoint contendo a
seguinte ordem de apresentação: um primeiro grupo com 30 palavras da língua inglesa, um
segundo grupo com as 20 palavras da língua francesa
39
e, por fim, as 30 palavras restantes da
língua inglesa. Cumpre frisar que, no que se refere a seus três tipos, as palavras da língua
inglesa envolvidas no experimento foram apresentadas de forma misturada e equivalente entre
os dois grupos criados para a apresentação aos sujeitos. Para a obtenção dos valores de
duração e dos formantes das vogais do francês, foram escolhidas 12 palavras (todas
apresentando vogais orais) dentre as 20 utilizadas no teste de Jared e Kroll (Anexo F), sendo
que tais palavras foram organizadas separadamente em arquivo do tipo powerpoint e
apresentadas de forma aleatória 5 vezes cada uma em frases-veículo (le dernier mot est xxx),
da mesma forma que se procedeu no teste de Zimmer (2004). Para que a leitura das palavras
em inglês não interferisse no desempenho do sujeito para a leitura das palavras do francês que
37
O programa E-Prime é um aplicativo muito utilizado na área de psicolingüística, devido a sua flexibilidade e
confiabilidade para a elaboração de experimentos e coleta de dados. Mais informações sobre o programa podem
ser obtidas na página: http://www.pstnet.com/products/e-prime/.
38
A Serial Response Box constitui-se num equipamento que geralmente é acoplado a um computador e utilizado
em conjunto com o programa E-Prime. Dessa forma, é possível obter dados precisos sobre o tempo de reação
para alguma tarefa. O equipamento é capaz de detectar respostas tanto por voz como pelo acionamento de
alguma tecla no computador ou na própria caixa. Informações mais detalhadas a respeito desse produto podem
ser obtidas na página: http://www.pstnet.com/products/SRBOX/default.htm.
39
As palavras da língua francesa com os mesmos corpos grafêmicos apresentados nas palavras do inglês foram
buscadas no banco de dados BRULEX (CONTENT, MOUSTY e RADEAU, 1990).
79
seriam utilizadas para a obtenção dos valores de duração e dos formantes das vogais orais
nessa ngua, a gravação da leitura dessas palavras do francês foi feita uma semana após a
realização do teste na íntegra.
3.2.6 Procedimentos de testagem
Os testes foram aplicados durante os meses de setembro, outubro e novembro no
laboratório de línguas da Universidade Federal de Pelotas e numa cabine isolada
acusticamente cedida por uma fonoaudióloga. Todos os testes foram realizados em dias
diferentes, para que não houvesse interferência de uma atividade sobre a outra. Após ter
assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ter respondido à entrevista e
realizado os testes de proficiência, o sujeito foi convidado a gravar o teste de recodificação de
palavras na língua inglesa (Zimmer, 2004) em sala isolada acusticamente. Antes de começar a
gravação do teste, a pesquisadora explicou ao informante que muitas das palavras
apresentadas eram conhecidas, enquanto que outras não eram muito freqüentes. Após essa
explicação, o informante podia proceder à leitura dos itens. Para a gravação, o sujeito utilizou
um fone de ouvido com microfone ligado a um laptop. A produção do sujeito foi coletada
através do programa de áudio Audacity
40
e salva em arquivo digital do tipo wav, para que,
então, fosse analisada através do programa Praat versão 4.4.2.2.
Para o teste de recodificação de palavras em língua portuguesa (Zimmer e Bion,
2007), o sujeito também foi convidado a gravá-lo em sala com isolamento acústico e recebeu
as instruções cabíveis para o procedimento da leitura na tela do computador. A gravação da
produção do sujeito foi realizada do mesmo modo como se procedeu no teste de recodificação
leitora de Zimmer (2004).
Para o teste de acesso lexical com palavras do inglês e do francês (Jared e Kroll,
2001), o sujeito foi convidado a realizá-lo no laboratório de línguas da Universidade Federal
de Pelotas. Para tanto, foram dadas instruções ao sujeito para que lesse as palavras
apresentadas, que se encontravam divididas em três blocos (inglês, francês, inglês), da
maneira mais rápida possível, mas sem descuidar da pronúncia. O informante foi avisado
previamente de que deveria ler tanto em inglês como em francês. A coleta desses dados foi
40
O programa de áudio Audacity permite a gravação e a visualização de ondas sonoras. Com isso, é possível
editar os dados de áudio, excluindo ou adicionando elementos de acordo com as necessidades do usuário. O
programa pode ser obtido de forma livre na internet.
80
feita através do programa E-Prime e de uma Serial Response Box acoplada a um laptop. Com
isso, foi possível obter o tempo de reação do sujeito para as palavras supramencionadas.
Em data posterior, o sujeito gravou apenas as 12 palavras da ngua francesa
selecionadas do teste de acesso lexical em sala com isolamento acústico, recebendo as
instruções cabíveis para a realização de tal tarefa. A gravação da produção oral do sujeito
também seguiu os mesmos parâmetros utilizados nos testes de recodificação de palavras em
inglês e em português. Uma idéia mais detalhada a respeito das etapas cumpridas pelo sujeito
no decorrer desta pesquisa pode ser obtida com a visualização do quadro abaixo (quadro 6).
Quadro 6 – Descrição das etapas da pesquisa e dos instrumentos utilizados na sua implementação.
Fases Instrumentos utilizados Período
1. Seleção da amostra
1. Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido
2. Entrevista
3. Prova de proficiência em língua
francesa
4. prova de proficiência em língua
inglesa
5 de setembro
5 de setembro
10 de setembro
17 de setembro
2. Coleta de dados 1. Teste de recodificação de
palavras em língua inglesa
(ZIMMER, 2004)
2. Teste de recodificação de
palavras em língua portuguesa
(ZIMMER e BION, 2007)
3. Teste de acesso lexical com
palavras em inglês e francês
(JARED e KROLL, 2001)
4. Teste de recodificação de
palavras em língua francesa
(JARED e KROLL, 2001)
9 de outubro
18 de outubro
19 de novembro
27 de novembro
81
A próxima seção tratará de explicar a maneira como os dados utilizados nesta pesquisa
foram organizados.
3.2.7 Levantamento e computação dos dados
As palavras recodificadas pelo sujeito, tendo como base os testes adaptados de
Zimmer (2004), Zimmer e Bion (2007) e Jared e Kroll (2001) (para as palavras do francês),
foram analisadas através do programa Praat. Antes de rodar os scripts para que os valores de
F1, F2 e duração fossem automaticamente medidos, as vogais orais das três línguas foram
segmentadas manualmente através da onda sonora visualizada no referido programa. Para
selecionar adequadamente o tempo de duração, o início e o fim de cada seleção foram
aproximados do cruzamento zero, ou seja, do ponto em que a onda sonora cruza uma
amplitude zero. Para a obtenção dos valores de F1 e F2, outros procedimentos de segurança
foram adotados. Apesar de ser amplamente usado para a medição de formantes, as análises
feitas no Praat através do LPC
41
podem fornecer resultados inexatos, devido a uma escolha
errada nos parâmetros de medida. Assim, é preciso que se defina previamente o número de
formantes que serão observados e os seus valores máximos, dependendo do sexo dos
participantes. Embora tenham servido para a análise dos dados somente os dois primeiros
formantes, foram selecionados para a visualização no Praat os quatro primeiros, sendo que a
freqüência máxima foi estipulada em 4000 Hz. Para que fossem obtidos os valores de F1 e F2
das vogais, seguiu-se a orientação de Rauber (2006), cujos scripts foram adaptados para esta
pesquisa, de medir 40% da porção central de cada vogal.
Após a adoção dos procedimentos destacados acima, as vogais orais de tais
experimentos puderam ser plotadas (em Hertz) e os seus valores de F1 e F2, obtidos. Para a
análise dos dados, foi criado um arquivo de dados para cada língua, apresentando os valores
de F1, F2 e duração para cada vogal lida pelo sujeito. As vogais das três línguas analisadas
estatisticamente receberam um símbolo especial, que posteriormente foi trocado para o
símbolo fonético correspondente (conforme o Alfabeto Fonético Internacional IPA). Apesar
de terem sido coletados dados referentes às vogais //, /A/ e /´/ do inglês e /a/, /e/ e /o/ do
português e do francês, esses dados não foram utilizados na análise. Duas palavras que
apresentaram um processo de transferência grafo-fônico-fonológico em suas vogais também
41
O LPC (Linear Predictive Coding) é um método que permite uma representação precisa do trato vocal,
possibilitando a visualização e a análise do espectro de um sinal quanto a suas qualidades acústicas.
82
foram excluídas da análise acústica
42
. Portanto, essas vogais não figuram no levantamento dos
dados. Abaixo são apresentadas as vogais selecionadas para análise e seu número total de
ocorrência em cada língua (quadro 7).
Vogal Língua
Símbolo utilizado na análise
estatística
Símbolo correspondente
no Alfabeto Fonético
Internacional
US FR PT
@
Q
5
E
E
5 15 4
i i
15 10 5
I
I
9
oh
ç
5 10 3
u u
5 5 4
U
U
10
Totais
64 60 28
Quadro 7 Vogais selecionadas para análise e número de ocorrência de cada uma por língua.
Com base no levantamento das vogais que figuram neste estudo para cada língua,
estabeleceram-se relações de comparação entre as vogais do português e do inglês e do
francês e do inglês. Abaixo, seguem os pares de vogais cotejados entre duas nguas, com os
símbolos utilizados na análise estatística e suas correspondências de acordo com o Alfabeto
Fonético Internacional (quadro 8).
42
As palavras excluídas da análise acústica foram “the” e “stop”. Apesar de não terem sido analisadas
acusticamente, durante a seção destinada a descrever os resultados levantados para a primeira hipótese (seção
4.1) desta pesquisa uma menção é feita aos processos de assimilação que sofreram essas palavras (nota 43).
83
Vogais comparadas entre o português e o inglês
(P-I)
Vogais comparadas entre o francês e o inglês (F-I)
P-I P-I F-I F-I
E-@
E-Q
E-@
E-Q
E-E
E-E
E-E
E-E
i-i i-i i-i i-i
i-I
i-I
i-I
i-I
u-u u-u u-u u-u
u-U
u-U
u-U
u-U
oh-oh
ç-ç
oh-oh
ç-ç
Quadro 8 – Pares de vogais comparados entre as línguas.
para o teste de acesso lexical de Jared e Kroll (2001), utilizou-se o programa E-
prime em conjunto com uma Serial Response Box, permitindo, assim, que o tempo de reação
do sujeito para a leitura das palavras em inglês fosse comparado com aquele obtido na leitura
das palavras em francês. Após a coleta, os dados passaram por uma análise feita pelo próprio
programa, que fornece um levantamento, por bloco de apresentação, do tempo que o sujeito
levou para começar a ler cada palavra a partir do momento em que ela foi exposta na tela do
computador. Abaixo são expostos os tempos de reação do sujeito por tipo de palavra e por
bloco de apresentação (quadro 9).
84
Francês
Inglês 1 tempo/ms
tempo/ms tempo/ms
Inglês 2 tempo/ms
stump 1008,00 swift 898,00
wrench 740,00 brisk 725,00
fawn 781,00 burn 689,00
spurt 831,00 froze 442,00
drip 748,00 stitch 823,00
gulp 740,00 dusk 740,00
trick 763,00 grudge 490,00
poke 676,00 winch 542,00
broach 690,00 grunt 540,00
bump 677,00 posh 692,00
strobe 613,00 robe 766,00 sept 639,00 swept 1316,00
vein 904,00 plein 727,00 fait 663,00 bait 1201,00
fringe 828,00 linge 658,00 crâne 731,00 bane 832,00
stale 803,00 sale 735,00 chaud 625,00 fraud 762,00
died 717,00 pied 839,00 mode 675,00 strode 793,00
grape 678,00 pape 944,00 dix 664,00 fix 820,00
trance 712,00 lance 667,00 rouge 629,00 gouge 820,00
pier 772,00 hier 608,00 rire 622,00 hire 1032,00
braise 964,00 chaise 571,00 soin 614,00 groin 813,00
bang 771,00 sang 651,00 rond 687,00 pond 962,00
steak 742,00 sweat 798,00
wreath 150,00 breast 806,00
foes 676,00 bead 835,00
spook 558,00 frost 701,00
dough 662,00 sew 868,00
gull 725,00 doll 754,00
couth 763,00 glove 674,00
pear 704,00 wool 933,00
broth 726,00 brood 721,00
beard 654,00 pint 844,00
Quadro 9 Tempo de reação para as palavras apresentadas por blocos e classificação quanto ao tipo de palavra.
Em verde, as palavras não-inimigas, cujos corpos não existem em francês e são consistentes em inglês; em
vermelho, as palavras inimigas do francês, cujos corpos de palavras são similares em inglês e francês; e em azul,
as palavras inimigas do inglês, cujas pronúncias são inconsistentes de acordo com a própria língua. Em preto, as
palavras da língua francesa apresentadas entre os dois blocos de palavras da língua inglesa.
85
A partir desses dados, foi possível comparar o tempo de reação das palavras por tipo
(inimigas do inglês, inimigas do francês, não inimigas), bloco de apresentação e corpo de
palavra.
A próxima seção tratará de explicar os procedimentos de análise estatística utilizados
no tratamento dos dados.
3.2.8 Procedimentos de análise estatística
Com a finalidade de interpretar as características das vogais a serem analisadas (o que
corresponde à primeira hipótese desta pesquisa) foram calculados a média e o desvio padrão
das medidas acústicas (F1, F2, duração) das vogais produzidas para cada uma das três línguas
faladas pelo sujeito. Também se calculou a distância euclidiana entre as medidas acústicas das
vogais de línguas diferentes. Assim, obteve-se a distância euclidiana entre pares de vogais do
português e do inglês, e do francês e do inglês. As vogais comparadas entre essas línguas
foram apresentadas no quadro 8.
Para a interpretação dos dados obtidos no teste de acesso lexical (o que corresponde à
segunda e terceira hipóteses desta pesquisa), foram calculados a média e o desvio padrão para
o tempo de reação das palavras do inglês divididas tanto por bloco de apresentação como por
bloco de apresentação e tipo de palavra; a média e o desvio padrão para as palavras do francês;
a média, o desvio padrão e o coeficiente de variação, por bloco de apresentação, para as
palavras do inglês e do francês que possuíam corpos grafêmicos semelhantes. Também foi
aplicado o teste t de student para a comparação dos tempos de reação das palavras do inglês
divididas por bloco de apresentação e por bloco de apresentação e tipo de palavra.
No próximo capítulo, proceder-se-á à análise dos dados e à discussão dos resultados
obtidos.
86
4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo, os dados coletados com o propósito de testar os objetivos traçados
nesta pesquisa serão apresentados e discutidos, com base numa análise qualitativa e
quantitativa. A divisão do capítulo apresenta duas seções principais (uma endereçada a cada
um dos objetivos estipulados), que descrevem os dados coletados e lançam explicações para
os resultados encontrados, em conformidade com a fundamentação teórica que norteia a
presente pesquisa.
4.1 A relação entre as características das vogais do português, do francês e do inglês
O primeiro objetivo desta pesquisa era verificar se a assimilação vocálica durante a
tarefa de nomeação de palavras em inglês (L3) ocorreria em direção às características (F1, F2
e duração) das vogais do português (L1) ou do francês (L2). De acordo com a hipótese
operacionalizada para esse objetivo, esperava-se que as vogais do inglês tivessem suas
características assimiladas com maior ênfase pelas vogais do francês, L2 do sujeito.
Antes de se proceder à descrição e à discussão dos resultados obtidos para a primeira
hipótese, é preciso mencionar um fato evidenciado durante a análise dos dados coletados.
Ressalta-se que o instrumento adaptado de Zimmer (2004) ensejou tanto produções que
indiciaram claramente a transferência grafo-fônico-fonológica como transferências de
natureza fonético-fonológica. Embora esses dois tipos de transferência sejam extremamente
interligados, alguns casos em que o sujeito fez uma transferência grafo-fônico-fonológica não
puderam ser analisados. Isso ocorreu principalmente devido ao fato de se ter utilizado a
análise fonético-acústica para investigar a assimilação vocálica. Dessa forma, partiu-se do
pressuposto de que o falante tinha em mente uma representação fônico-fonológica parecida
com a da vogal-alvo, mas, em algumas ocasiões, parece que a representação grafêmica o
induziu literalmente a “trocar” algumas vogais. Na análise de duas palavras, observou-se que
87
o alvo fonético-fonológico do sujeito era totalmente distinto do alvo contido nessas palavras-
chave
43
.
Como este estudo abrange a análise das vogais de três línguas diferentes, várias seriam
as formas de confrontar os resultados obtidos para cada língua. Nesta pesquisa, optou-se por
dar uma maior ênfase aos dados advindos da L3 do sujeito, inglês, que esta é a língua foco
da presente análise. Dessa forma, a produção do sujeito em inglês será confrontada com as
demais línguas envolvidas na pesquisa, ou seja, com o francês (L2) e com o português (L1).
Não haverá, portanto, uma análise que contemple diretamente as diferenciações entre os
dados do francês e do português.
Apenas para que se tenha uma idéia do estágio de desenvolvimento da interlíngua do
sujeito para a produção das vogais orais do inglês, os dados obtidos para essa língua serão
confrontados com aqueles descritos em estudos envolvendo falantes nativos. Da mesma forma
proceder-se-á com a L1 e a L2 do sujeito, que se faz necessário analisar de que forma as
vogais produzidas nessas línguas se assemelham ao esperado para falantes nativos. Porém,
ressalta-se que a produção do sujeito para a L1 e a L2 será considerada ideal, visto que essa
produção representa exatamente o que o sujeito entende como sendo padrão para essas línguas
(principalmente para a L1). É a partir da sua produção nessas línguas que se espera identificar
as transferências ocorridas em direção à L3.
Quanto à análise de F1, F2 e duração, esta será feita de forma mais pontual quando da
comparação entre as distâncias euclidianas obtidas para os pares de vogais entre as línguas,
sendo esta a análise central para a verificação da hipótese testada. Os valores médios de
duração serão comentados individualmente apenas para o inglês produzido pelo sujeito, sendo
que tais valores serão comparados àqueles estipulados para o inglês padrão. Para que se possa
avaliar, então, a proximidade das vogais inglesas em relação às vogais das outras duas línguas
mencionadas neste estudo, os resultados referentes a essa questão serão descritos na seção
4.1.1 deste capítulo.
43
As duas palavras que sofreram o processo de transferência grafo-fônico-fonológica foram “the” e “stop”. Na
primeira palavra, o sujeito pronunciou a vogal “e” de acordo com a correspondência grafema-fonema da sua
língua materna, ou seja, produzindo o fonema /e/, sendo que o esperado para a língua inglesa seria a produção do
fonema /´/. na segunda palavra, ao invés de pronunciar o fonema /A/ da ngua inglesa para ler a vogal “o”, o
sujeito produziu o fonema /ç/, que obedece a correspondência grafema-fonema da sua língua materna. A
ocorrência da transferência grafo-fônico-fonológica é explicada aqui com o devido respaldo de Zimmer (2004),
que assevera que esse tipo de transferência se deva ao fato de o aprendiz de L2 atribuir aos grafemas da L2 a
mesma ativação fonético-fonológica utilizada para a fala ou leitura oral na L1. Dessa forma, o aprendiz parece
não perceber as diferenças fonéticas entre os fonemas das duas línguas, o que acaba impedindo a criação de
categorias fonéticas para os sons novos da L2.
88
4.1.1 Descrição dos resultados relativos à primeira hipótese
Os dados coletados para as vogais produzidas pelo sujeito informante fornecem uma
visão panorâmica acerca dos valores médios de F1, F2 e duração das vogais investigadas nas
três línguas contempladas neste estudo
44
. A partir desses dados brutos, as vogais produzidas
para o inglês puderam ter seus valores confrontados àqueles obtidos para as vogais do francês
e do português. Tal comparação foi realizada através do cálculo da distância euclidiana para
os pares de vogais de nguas diferentes. Com a visualização dessas distâncias em gráficos
gerados pelo programa Praat, pôde-se deduzir se a produção de vogais do inglês foi mais
influenciada pelas características das vogais do francês ou do português.
Em primeiro lugar, antes de se traçar uma relação entre as vogais produzidas para o
inglês e as produzidas para as demais línguas envolvidas neste trabalho, cabe comparar a
produção do sujeito para as vogais do inglês com os valores estipulados por Peterson e Barney
(op. cit) (quadro 1) como referência para essas vogais entre falantes do inglês norte-americano.
Espera-se, dessa forma, ter uma idéia geral do quão próximo ou distante o sujeito encontra-se
da forma considerada padrão para a produção dessas vogais. No quadro abaixo (quadro 10),
os valores de F1 e F2 produzidos pelo sujeito para as vogais orais do inglês serão
apresentados.
F1 F2
Língua Vogal
Mín. x. Média
Desvio-
padrão Mín. Máx. Média
Desvio-
padrão
Inglês
Q
633 669
648,80
16,27 1852 1965
1.902,80
47,47
E
629 668
650,00
15,17 1782 1956
1.834,60
70,93
i 246 324
274,60
18,88 1418 2549
2.184,80
315,26
I
275 361
307,78
34,13 2154 2382
2.268,00
71,91
ç
583 644
602,80
24,06 956 1185
1.111,00
95,04
u 339 355
345,80
7,69 753 799
776,00
17,64
U
266 361
309,20
27,63 932 1179
1.068,00
87,57
Quadro 10 Estatística descritiva dos valores de F1 e F2 (em Hertz) produzidos pelo sujeito para as vogais do
inglês.
A análise do quadro acima pode ser feita em termos de média e de desvio-padrão.
Primeiro, é importante analisar os desvios-padrão para cada vogal. Observa-se que a vogal
que menos variou em sua pronúncia, tanto em F1 quanto em F2, foi a vogal /u/ (F1: DP= 7,69
Hz; F2: DP= 17,64 Hz). Para as demais vogais, nota-se uma variação desequilibrada entre F1
44
Como explicado na seção 3.2.7, foram selecionadas apenas as vogais orais dos três experimentos aplicados ao
sujeito. Os pares de vogais analisados através do cálculo da distância euclidiana também foram apresentados na
mesma seção mencionada acima.
89
e F2. Após a vogal /u/, as vogais /E/, /Q/ e /i/ são as que evidenciaram os menores desvios-
padrão para F1, respectivamente. Já para F2, as vogais que menos variaram em pronúncia,
após a vogal /u/, foram /Q/, /E/ e /I/. As vogais que mais variaram em F1 foram /ç/, /U/, /I/,
respectivamente, e as vogais que mais variaram em F2, /U/, /ç/ e /I/, respectivamente. A figura
abaixo, além de possibilitar a visualização do desvio-padrão para cada vogal (elipses), permite
que se compare, com base nas médias, o espaço acústico ocupado pelas vogais produzidas
pelo sujeito em relação ao posicionamento das vogais descritas por Peterson e Barney (op. cit.)
para o inglês padrão.
Figura 7 Vogais do inglês produzidas pelo sujeito, em vermelho com desvio padrão (elipses), e vogais do
inglês padrão, em preto (PETERSON; BARNEY, 1952).
Em relação à altura (F1), nota-se que as vogais da interlíngua do sujeito que mais se
aproximaram às do inglês padrão foram /Q/, /ç/ e /i/. Para as demais vogais, no entanto, a
distância de altura é mais destacada. As vogais /E/ e /u/ da interlíngua do sujeito foram
pronunciadas mais baixas do que o alvo, enquanto que as vogais /I/ e /U/ da sua interlíngua
foram pronunciadas mais altas do que o alvo. A vogal /I/ foi pronunciada numa altura muito
próxima à do /i/ padrão do inglês, assim como o /U/ da sua interlíngua, que está muito mais
próximo do /u/ do inglês padrão do que da vogal-alvo desta língua. Dessa forma, fica visível a
dificuldade que o sujeito possui para diferenciar a altura dos pares de vogais /i/-/I/ e /u/-/U/, o
que pode ser motivado tanto por uma transferência intralingüística das vogais do inglês como
também por uma transferência interlingüística, envolvendo as vogais das outras línguas
aprendidas pelo sujeito. No entanto, tal suposição poderá ser esclarecida quando da
90
comparação da produção em inglês do sujeito com as demais línguas em estudo, a ser
apresentada mais adiante.
Por ora, o que surpreende ao se analisar a produção do sujeito é o fato de ele ter
produzido a vogal /Q/ numa altura correspondente à da vogal-alvo, ao invés de tê-la
pronunciado mais próxima à vogal /E/ do inglês padrão, o que seria mais esperado. O mesmo
pode ser observado para a vogal /E/ produzida pelo sujeito, que também teve sua altura mais
aproximada à da vogal /Q/ do inglês padrão. Assim sendo, as vogais /Q/ e /E/ produzidas pelo
sujeito foram pronunciadas no mesmo espaço fonético, o que aponta para uma falta de
diferenciação entre ambas no plano vertical. Como a vogal /Q/ foi pronunciada numa altura
adequada, nota-se que a vogal /E/ teve sua produção abaixada em função da altura da primeira.
No plano horizontal (F2), que mapeia a anterioridade, as vogais da interlíngua do
sujeito que mais se aproximaram das vogais-alvo do inglês foram /E/ e /U/. A vogal /u/ do
sujeito apresentou uma posteriorização um pouco maior em relação à vogal-alvo, e as vogais
/I/, /Q/ e /ç/ tiveram sua produção mais anteriorizada do que as vogais correspondentes no
inglês padrão. Mais uma vez, observa-se que as vogais /Q/ e /E/ produzidas pelo sujeito
ficaram muito próximas no plano horizontal, sendo a vogal /Q/ ligeiramente mais anterior do
que a vogal /E/. Já a vogal /I/ produzida pelo sujeito apresentou-se numa posição muito
próxima à do /i/ padrão do inglês, indicando que a dissociação dessas duas categorias ainda
não está formulada.
Com a análise de F1 e F2 das vogais produzidas pelo sujeito, tendo-se como referência
os valores descritos por Peterson e Barney (op. cit.) para as vogais do inglês padrão, nota-se
que nenhuma das vogais analisadas apresentou uma aproximação total de suas características
em relação às vogais-alvo do inglês. Enquanto algumas vogais ficaram mais próximas do
padrão em F1, outras se assemelharam mais em F2. Dessa forma, não foi possível estipular
plenamente quais vogais do sujeito estariam mais próximas da produção esperada para o
inglês norte-americano. Esse fato merece destaque na análise, evidenciando a necessidade de
se verificar, também, o comportamento das vogais do inglês do sujeito diante das vogais das
demais línguas abarcadas por este estudo.
Se a figura 7 for analisada somente com base na produção do sujeito (deixando de lado
o posicionamento adequado das vogais do inglês padrão), pode-se referir que alguma
distinção, mesmo que nima ou até mesmo equivocada, foi produzida para os pares /i/-/I/ e
91
/u/-/U/, o que já não pode ser observado para as vogais /Q/ e /E/, que ocuparam praticamente o
mesmo espaço acústico. Cabe referir, portanto, que mesmo que o sujeito não tenha
conseguido chegar a uma aproximação exata daquela esperada para as vogais do inglês,
alguma diferenciação dentro da sua própria produção começa a ser esculpida, pelo menos para
os pares /i/-/I/ e /u/-/U/. É digno de nota, também, que o sujeito não apresentou uma variação
muito elevada para a produção das vogais analisadas, que as elipses encontram-se bastante
próximas aos valores médios expostos para cada vogal (figura 7).
Confrontando-se, por fim, os valores médios de duração para as vogais do inglês
padrão (PETERSON; LEHISTE, 1960) com os obtidos para a interlíngua do sujeito, temos o
seguinte quadro:
Valores de duração
Vogal Inglês padrão (s) Inglês do sujeito (s)
/i/ 0,2070 0,0875
/I/
0,1610 0, 0671
/E/
0,2040 0,1210
/Q/
0,2840 0,0880
/ç/
0,2500 0,0781
/U/
0,1630 0,0708
/u/
0,2350 0,0562
Quadro 11 Valores de duração para as vogais produzidas pelo sujeito e para as vogais do inglês padrão
(PETERSON; LEHISTE, 1960).
A produção do sujeito para a duração das vogais do inglês ficou bem abaixo do
padrão estipulado. Mesmo assim, se forem considerados apenas os valores de duração
produzidos pelo sujeito, é possível notar que existe alguma distinção entre as vogais /i/-/I/,
visto que a primeira vogal foi produzida um pouco mais longa do que a segunda. para as
vogais /u/-/U/ dessa língua, os valores indicam que o sujeito está produzindo as duas de
maneira invertida: a vogal longa possui o menor valor médio de duração, ao passo que a vogal
curta apresenta um valor médio de duração maior. O mesmo fato pode ser descrito para as
vogais /E/-/Q/ do inglês, já que a vogal que deveria ser mais longa entre as duas (/Q/)
apresentou a menor média de duração. Vai-se confirmando, diante disso, a dificuldade que o
sujeito possui em diferenciar as vogais /u/-/U/ e /E/-/Q/, o que pode estar ligado à maneira
92
como essas palavras são escritas na língua inglesa e ao conhecimento incipiente que o sujeito
possui sobre as correspondências grafo-fônico-fonológicas nessa língua.
Após a comparação realizada entre os valores das vogais do inglês produzidas pelo
sujeito com os valores esperados para essa língua, pode-se passar a uma confrontação entre os
valores obtidos para as vogais da L3 (inglês) e da L2 do sujeito (francês). Porém, cabe
analisar, primeiramente, as características das vogais da L2 do sujeito tendo-se como
referência a pronúncia canônica esperada para nativos da língua francesa do sexo masculino
(MARTIN, op. cit.). No quadro abaixo (quadro 12), são descritos os dados levantados para as
vogais da língua francesa produzidas pelo sujeito.
F1 F2
Língua Vogal
Mín. Máx. Média
Desvio-
padrão
Mín. Máx. Média
Desvio-
padrão
Francês
E
497 616
583,33
28,63 1902 2203
2.042,33
96,68
i 199 296
259,00
27,72 1160 2392
1.923,50
450,79
ç
501 703
607,50
56,16 825 1787
1.110,40
261,68
u 270 552
344,20
118,42 862 2344
1.365,00
587,60
Quadro 12 Estatística descritiva dos valores de F1 e F2 (em Hertz) produzidos pelo sujeito para as vogais do
francês.
Comparando os dados de F1 e F2 levantados para o sujeito no quadro 12 com os
esperados por um falante nativo (descritos no quadro 2), percebe-se que as vogais do sujeito
que mais se aproximaram às do francês em relação à altura (F1) foram /i/ e /E/. A vogal /i/
produzida pelo sujeito ficou um pouco mais baixa do que a vogal-alvo, e a vogal /E/, um
pouco mais alta. as vogais /ç/ e /u/ aproximaram-se menos das vogais-alvo francesas,
ficando ambas mais baixas em relação ao esperado para um falante nativo. Para F2, notou-se
que, com exceção da vogal /i/, as demais vogais produzidas pelo sujeito ficaram mais
anteriorizadas do que o esperado. A vogal que mais se aproximou do alvo foi /ç/, e a que mais
se distanciou, /u/.
Abaixo, é possível verificar o posicionamento das vogais produzidas pelo sujeito,
tendo-se como referência a colocação das vogais descritas por Martin (op. cit.) para o francês
padrão.
93
Figura 8 Vogais da língua francesa produzidas pelo sujeito, em azul, e vogais do francês padrão, em marrom
(MARTIN, 2007).
Deve-se comentar que, como observado para as vogais do inglês do sujeito, não houve
uma aproximação das vogais do sujeito com as do francês padrão que englobasse tanto F1
como F2. As vogais do sujeito aproximam-se do francês padrão ou em F1 ou em F2; nenhuma
vogal evidenciou uma aproximação significativa envolvendo as duas características (F1 e F2).
Após essa breve análise das características das vogais do francês do sujeito em relação
às do francês padrão, podem-se considerar os dados descritos no quadro 12 para comparar os
valores médios de F1 e F2 das vogais do francês e do inglês produzidas pelo sujeito (figura 9).
FIGURA 9 Vogais do inglês produzidas pelo sujeito, em vermelho, e vogais do francês produzidas pelo sujeito,
em azul. As elipses indicam o desvio-padrão para cada vogal.
Com a análise dos valores médios de F1 e F2 produzidos pelo sujeito para as vogais do
francês e do inglês, e com o auxílio da figura 9, que mostra a colocação das vogais de ambas
as línguas no espaço acústico, pode-se notar, primeiramente, que as vogais produzidas para o
94
francês apresentam uma variação de pronúncia muito superior àquela observada para as
vogais do inglês do sujeito. No que se refere ao posicionamento das vogais (considerando-se
os valores médios de F1 e F2), a figura 9 aponta a vogal /ç/ como a que mais teve sua
produção aproximada entre as duas línguas, que as vogais de ambas estão sobrepostas.
Considerando o eixo de F1, as vogais /Q/ e /E/ do inglês foram produzidas de forma bem
destacada em relação à vogal /E/ do francês, ficando mais próximas da vogal francesa na
relação anterioridade/posteridade. Para as vogais /i/ e /I/ do inglês, nota-se que ambas ficaram
a uma altura próxima a da vogal /i/ francesa, mas a uma distância razoável em termos de F2.
Porém, chama-se a atenção para o fato de a vogal /i/ tanto do francês quanto do inglês
compartilharem uma área de variação considerável em relação ao eixo horizontal (F2). Já para
a produção média das vogais /u/ e /U/ do inglês, verifica-se que suas médias aparecem
destacadas daquela produzida para a vogal /u/ do francês para F2, estando mais próximas em
F1. No entanto, essa vogal do francês apresenta uma variação tão extensa em sua pronúncia
que acaba sobrepondo-se a toda a produção das vogais /U/ e /u/ e parte da produção da vogal
/i/ do inglês. As três vogais do inglês citadas acima foram abarcadas tanto em altura como em
anterioridade/posterioridade. Em suma, considerando o posicionamento tanto em F1 quanto
em F2 das vogais de ambas as línguas, conclui-se que, à exceção da vogal /ç/ do inglês, as
demais vogais analisadas dessa língua não se aproximaram de maneira uniforme das vogais
do francês. É preciso que se observe, também, de que forma as vogais do inglês se
aproximaram das vogais do português produzidas pelo sujeito.
A próxima comparação a ser realizada compreende a produção do sujeito para as
vogais do português e do inglês. No entanto, assim como se procedeu com as demais nguas
analisadas neste estudo, a produção do sujeito para a língua portuguesa será primeiramente
comparada com aquela descrita para monolíngües desse idioma (BEHLAU et al., 1988).
Abaixo (quadro 13), poderão ser observados os dados produzidos pelo sujeito para o
português levantados através de estatística descritiva.
95
F1 F2
Língua Vogal
Mín. Máx. Média
Desvio-
padrão
Mín. Máx. Média
Desvio-
padrão
Português
E
589 680
619,00
41,96 1897 2007
1.953,50
45,54
i 264 314
290,80
22,13 1863 2225
2.129,60
152,09
ç
586 619
598,33
18,01 957 996
975,67
19,55
u 301 367
325,00
28,88 1059 1378
1.249,25
142,00
Quadro 13 Estatística descritiva dos valores de F1 e F2 (em Hertz) produzidos pelo sujeito para as vogais do
português.
De acordo com os dados do quadro 13, que mostram os valores de F1 e F2 das vogais
do português do sujeito, e com base no quadro 3, que descreve os valores médios de F1 e F2
para monolíngües da língua portuguesa, pode-se observar alguma diferença entre os dados
coletados para ambos os sistemas vocálicos. No que se refere aos valores médios de F1, as
vogais que mais ficaram próximas do esperado para um falante monolíngüe do português
foram /E/ e /u/, apresentando-se ligeiramente mais altas do que o esperado. As demais vogais
produzidas pelo sujeito também apresentaram-se numa altura superior ao calculado para o
português padrão, porém evidenciaram uma distância da vogal-alvo mais pronunciada. A
vogal que mais se distanciou do esperado foi /ç/.
Observando-se os valores de F2, notou-se uma tendência do sujeito a posteriorizar as
vogais produzidas, com exceção da vogal /u/, que apresentou uma sensível anteriorização em
relação à vogal-alvo. Essa vogal também foi a que mais se aproximou do esperado em termos
de F2. a vogal que mais se distanciou do esperado em termos de F2 foi /i/. Com a figura
abaixo, tem-se uma melhor visão do posicionamento das vogais do português produzidas pelo
sujeito e por monolíngües dessa língua, de acordo com os valores médios de F1 e F2
calculados para os dois sistemas.
96
Figura 10 Vogais do português produzidas pelo sujeito, em verde, e vogais do português padrão, em cinza
(BEHLAU et al., 1988).
As diferenças encontradas entre os valores de F1 e F2 do sujeito e os valores médios
reportados por Behlau et al. (1998) podem ser explicadas de acordo com duas formulações. A
primeira formulação é de ordem sociolingüística: os valores obtidos por Behlau et al. (1998)
não foram obtidos de falantes do Extremo Sul do Brasil, o que pode justificar a discrepância
encontrada entre as médias apresentadas para o português padrão no quadro 3 e as médias
obtidas pelo sujeito para a sua ngua materna. A segunda formulação é de ordem
psicolingüística: talvez o fato de falar duas (ou mais) nguas estrangeiras desestabilize o
espaço vocálico da L1 do falante multilíngüe. É claro que a segunda formulação merece a
estipulação de uma hipótese a ser verificada num estudo à parte, com mais sujeitos, sobre a
transferência da L2 (e da L3) sobre a produção das vogais da L1; mas é importante que fique
registrada aqui essa possibilidade. Destaca-se também o baixo índice de variação dos valores
de F1 e F2 das vogais da língua portuguesa produzidas pelo sujeito. O fato de a língua
portuguesa ser a ngua materna do sujeito, com a qual ele costuma ter um maciço contato
diário, pode explicar a baixa variação na pronúncia das vogais dessa língua. O
posicionamento das vogais do inglês e do português produzidas pelo sujeito poderá ser
visualizado na figura 11.
97
Figura 11 Vogais do inglês produzidas pelo sujeito, em vermelho, e vogais do português produzidas pelo
sujeito, em verde. As elipses indicam o desvio-padrão para cada vogal.
No que se refere à localização das vogais do português e do inglês no plano vertical e
horizontal (F1 e F2), nota-se que algumas vogais do inglês produzidas pelo sujeito ficaram
próximas às produzidas para o português. As vogais /i/ e /I/ do inglês aproximaram-se
bastante da vogal /i/ do português, a qual, em termos de altura (F1), ficou numa posição
intermediária entre as duas vogais do inglês. Em relação ao grau de anterioridade/posteridade
(F2), a vogal /i/ do inglês apresentou uma variação que abarcou toda a extensão ocupada pela
vogal /i/ do português, enquanto que a vogal /I/ sobrepôs-se ao /i/ do português numa área
mais delimitada. a vogal /U/ do inglês encontra-se muito próxima à vogal /u/ do português
no que compete à altura, apresentando uma pequena sobreposição também em relação ao eixo
horizontal (F2). Para a vogal /u/ do inglês, observa-se que, apesar de ela estar localizada a
uma altura muito semelhante à da vogal /u/ do português, encontra-se a uma distância
considerável desta no plano horizontal. As vogais /Q/ e /E/, por sua vez, foram levemente
abarcadas pela vogal /E/ do português no que se refere à altura, mas somente a vogal /Q/
apresentou uma sobreposição, ainda que nima, em relação ao grau de
anterioridade/posterioridade. Por fim, destaca-se que as vogais /ç/ de ambas as línguas
ficaram muito próximas em altura, embora não tenham produzido uma variação que se
sobrepusesse no plano horizontal, que a variação da vogal do português ficou mais
posteriorizada.
Se forem analisados os desvios-padrão para as vogais das três línguas do sujeito
apresentados nas figuras 7 (para o inglês) , 9 (para o francês) e 11 (para o português), nota-se
que as vogais do português, seguidas pelas vogais do inglês, apresentaram uma variação bem
98
inferior do que a observada para a língua francesa. Cumpre, no decorrer deste trabalho, avaliar
por que as vogais da língua francesa apresentaram uma variação muito superior a das vogais
do inglês, que se esperava que a língua mais proficiente do sujeito evidenciasse categorias
fonéticas mais bem estabelecidas (ainda que não estivessem de acordo com as da língua-alvo)
do que as da língua mais incipiente, o inglês.
Até o presente momento, as comparações entre as vogais analisadas nesta pesquisa
estavam sendo feitas apenas com os valores médios e os desvios-padrão encontrados para
cada categoria vocálica. Foram comparados os valores estipulados para o inglês, o francês e o
português padrão com a produção do sujeito para essas línguas, a fim de que se pudesse
analisar de que forma as vogais em estudo estavam sendo produzidas, e, depois, a produção
em inglês do sujeito foi comparada tanto com a sua produção em francês quanto em português.
Porém, para que se possa ter uma visão mais ampla acerca de qual ngua estaria
influenciando com mais ênfase a produção das vogais da língua inglesa do sujeito, cabe
realizar mais uma comparação, considerando a produção do sujeito para pares de vogais nas
três línguas contempladas nesta pesquisa. Para dar conta dessa análise, considerada central
para a hipótese trabalhada, serão utilizados os valores das distâncias euclidianas de F1, F2 e
duração calculados para os pares de vogais analisados, e figuras ilustrativas, para que se possa
ter uma melhor visualização dessas distâncias. Abaixo, figuram os quadros 14 e 15, que
mostram os valores obtidos para as distâncias euclidianas entre o francês e o inglês, e entre o
português e o inglês. Na seqüência, são apresentadas as figuras 12 e 13, que expõem os
resultados das distâncias euclidianas para as duas comparações entre línguas de forma
separada para F1 e F2. Uma visão mais geral a respeito do posicionamento das vogais das três
línguas e das distâncias entre elas pode ser vislumbrada logo após, na figura 14.
99
F1 F2
Distâncias
Pares de
vogais
Dist.
Euclidiana
Dist.
Padronizada
Dist.
Euclidiana
Dist.
Padronizada
Francês - Inglês
E - Q
65,47 10,1% 139,53 7,3%
E - E
66,67 10,3% 207,73 11,3%
i - i 15,60 5,7% 261,30 12,0%
i - I
48,78 15,8% 344,50 15,2%
u - u 1,60 0,5% 589,00 75,9%
u - U
35,00 11,3% 297,00 27,8%
ç - ç
4,70 0,8% 0,60 0,1%
Quadro 14 – Distâncias euclidianas para F1 e F2 das vogais do francês e do inglês produzidas pelo sujeito.
Com a apresentação das distâncias euclidianas para F1 e F2 entre os pares de vogais
do francês e do inglês, passa-se para a visualização dos valores obtidos para a distância
euclidiana entre os pares de vogais do português e do inglês (quadro 15).
F1 F2
Distâncias
Pares de
vogais
Dist.
Euclidiana
Dist.
Padronizada
Dist.
Euclidiana
Dist.
Padronizada
Português - Inglês
E - Q
29,80 4,6% 50,70 2,8%
E - E
31,00 4,8% 118,90 6,5%
i - i 16,20 5,9% 55,20 2,5%
i - I
16,98 5,5% 138,40 6,1%
u - u 20,80 6,0% 473,25 61,0%
u - U
15,80 5,1% 181,25 17,0%
ç - ç
4,47 0,7% 135,33 12,2%
Quadro 15 – Distâncias euclidianas para F1 e F2 das vogais do português e do inglês produzidas pelo sujeito.
As distâncias entre os pares de vogais analisados apontam tendências de aproximação
tanto do português em relação ao inglês, como também do francês em relação ao inglês. Para
que se tenha uma idéia mais clara a respeito das comparações realizadas entre as línguas, os
gráficos abaixo (figuras 12 e 13) apresentam os valores obtidos tanto para F1 como para F2
para os pares de vogais do português e do inglês, e do francês e do inglês.
100
0
10
20
30
40
50
60
70
80
E - @ E - E i - i i - I u - u u - U oh - oh
PB - US
FR - US
freqüência (Hz)
Figura 12 Distâncias euclidianas (F1) entre português/inglês (PB-US) e entre francês/inglês (FR-US) (E= E,
@= Q, i= i, I= I, u= u, U= U, oh= ç).
0
100
200
300
400
500
600
700
E - @ E - E i - i i - I u - u u - U oh - oh
PB - US
FR - US
freqüência (Hz)
Figura 13 Distâncias euclidianas (F2) entre português/inglês (PB-US) e entre francês/inglês (FR-US) (E= E,
@= Q, i= i, I= I, u= u, U= U, oh= ç).
Na análise de F1, os pares /i/-/i/ e /u/-/u/ apresentaram as menores distâncias na
comparação francês/inglês. Já na análise de F2, o par /ç/-/ç/ foi o que apresentou uma
distância expressivamente menor entre o francês e o inglês.
A distância euclidiana para os pares de vogais /i/-/I/, /u/-/U/, /E/-/Q/ e /E/-/E/ foi menor
para o português e para o inglês, tanto em altura quanto em anterioridade/posterioridade. Já
para os pares /i/-/i/ e /u/-/u/, embora a distância entre o francês e o inglês tenha sido menor no
eixo vertical (F1) (francês/inglês: /i/-/i/= 5,7%, /u/-/u/= 0,5%; português/inglês: /i/-/i/= 5,9%,
/u/-/u/= 6,0%), o plano horizontal (F2) apresentou valores muito menores entre o português e
101
o inglês (português/inglês: /i/-/i/= 2,5%, /u/-/u/= 61,0%; francês/inglês: /i/-/i/= 12,0%, /u/-/u/=
75,9%). O par de vogais /ç/-/ç/, apesar de ter ficado numa mesma posição no eixo de F2 para
o francês e o inglês, apresentou valores praticamente idênticos de distância para o eixo de F1
nas duas comparações entre línguas (português/inglês, francês/inglês). Com base na figura
abaixo (figura 14), pode-se visualizar as vogais das três línguas comparadas no espaço
acústico.
Figura 14 Vogais das três línguas produzidas pelo sujeito (português, em verde; francês, em azul; e inglês, em
vermelho).
Apesar de o português ter-se aproximado em F1 e F2 para alguns pares de vogais, a
comparação das distâncias euclidianas entre as três línguas deve ser interpretada com cautela,
que pares importantes, como /i/-/i/ e /u/-/u/, aproximaram-se mais na relação
português/inglês em apenas uma das características em análise. Para que se tenha uma visão
mais geral do posicionamento das vogais do sujeito no espaço acústico, mais uma última
comparação será feita, considerando, além das três línguas citadas acima, o posicionamento
das vogais do inglês norte-americano descrito por Peterson e Barney (op. cit.).
102
Figura 15 Vogais das três línguas produzidas pelo sujeito (português, em verde; francês, em azul; e inglês, em
vermelho), e vogais do inglês padrão, em preto (PETERSON; BARNEY, 1952).
Numa análise geral da figura acima, podem ser visualizados quatro grupos distintos
envolvendo as vogais em estudo. Um grupo abarca as vogais /i/ e /I/, outro as vogais /u/ e /U/,
um terceiro as vogais /E/ e /Q/, e um último as vogais /ç/ produzidas pelo sujeito para as três
línguas. Nota-se, porém, que as vogais /I/, /U/ e /E/ do inglês padrão ficaram bem destacadas
das vogais produzidas pelo sujeito para os grupos de vogais /i/, /I/, /u/, /U/ e /E/,
respectivamente. A vogal /u/ produzida pelo sujeito para o inglês apresentou-se a uma posição
de altura e de posterioridade muito próxima ao considerado padrão para essa ngua,
distanciando-se bastante das outras vogais aglomeradas nesse grupo, o que leva a pensar que o
sujeito começa a criar uma categoria própria para essa vogal do inglês. Mesmo assim, cabe
observar que as vogais /u/ do francês e do português produzidas pelo sujeito e a vogal /u/ do
inglês padrão possuem uma altura muito semelhante. Assim sendo, o que parece indicar a
criação de uma nova categoria para essa vogal é o fato de ela ser a única a estar mais
posteriorizada, tal como o esperado para o inglês padrão.
para a vogal /U/, é notável que o sujeito tenha conseguido produzi-la de modo
diferente da vogal /u/ do inglês, realizando-a num espaço acústico mais anterior, assim como
o esperado para essa vogal na língua inglesa padrão. No entanto, houve uma grande influência
da vogal /u/ do português e do francês na sua colocação em termos de altura.
No grupo de vogais que concentra a produção das vogais /I/ do inglês e /i/ das três
línguas, é possível notar uma ligeira distinção entre os pares de vogais /i/-/I/ produzidos pelo
sujeito para a língua inglesa em termos de altura. Entretanto, como foi mencionado
anteriormente, a vogal /I/ foi realizada mais anteriorizada do que o esperado. Considerando,
103
então, a configuração apresentada para essa vogal, não se pode afirmar que uma categoria
esteja sendo formada, até mesmo por que sua colocação está muito próxima à das demais
vogais produzidas pelo sujeito para esse grupo. Na análise da vogal /i/ produzida para o inglês,
observa-se que ela não se apresentou num espaço vocálico mais definido, embora esteja
próxima em relação à altura da vogal-alvo dessa língua. Porém, cabe destacar que as vogais /i/
do português e do inglês também foram produzidas pelo sujeito a uma altura muito parecida.
A vogal /i/ do francês foi a que mais se distanciou do agrupamento, destacando-se
visivelmente no eixo de F2.
Como mencionado na análise da produção das vogais do inglês do sujeito, não
houve uma distinção suficiente entre as vogais /Q/ e /E/ dessa língua, que ambas as vogais
apresentaram apenas uma diferenciação mínima em relação ao grau de
anterioridade/posterioridade. Com a análise da figura 15, percebe-se que o sujeito produziu
tais vogais mais baixas do que o /E/ do português, do francês e do inglês padrão, e mais
posteriores em relação ao /E/ do português e do francês. Através dessa configuração, pode-se
aventar a possibilidade de o sujeito ter percebido que a vogal /Q/ é mais baixa e mais posterior
do que as demais, o que pode ter contribuído para o abaixamento e posteriorização tanto da
vogal /Q/ quanto da vogal /E/ produzidas para o inglês. No momento em que tenta produzir a
vogal /Q/, focando sua atenção para as características dessa vogal, o sujeito acaba abaixando
também a vogal /E/, criando uma produção indissociável para as duas vogais. Destaca-se, da
mesma forma, que a vogal /E/ ficou estabelecida numa posição bastante adequada para o
esperado para essa vogal no que compete F2. a vogal /Q/ ficou distante da vogal padrão do
inglês em termos de F2, uma vez que se apresentou mais próxima à vogal /E/ do português.
Não se pode perder de vista, por fim, que ambas as vogais produzidas para o inglês, /Q/ e /E/,
encontram-se entre a vogal /E/ do português e /Q/ do inglês na relação
anterioridade/posterioridade, assim como também na relação de altura.
Para o grupo das vogais /ç/ distribuídas no espaço acústico, nota-se que as vogais do
francês e do inglês do sujeito ficaram exatamente no mesmo local, tanto em termos de F1
quanto de F2. Porém, é importante referir que a altura entre as vogais dos quatro sistemas
analisados (considerando-se o inglês padrão) é muito semelhante. Dessa forma, as vogais do
104
francês e do inglês do sujeito se destacam das demais (português do sujeito e inglês padrão)
de maneira bastante visível por estarem mais anteriorizadas
45
.
Tendo-se comparado a distância euclidiana para F1 e F2 dos pares de vogais das três
línguas abarcadas por esta pesquisa, e tendo-se comparado essas distâncias com o
posicionamento esperado para as vogais do inglês norte-americano padrão, cumpre examinar
ainda a distância para duração encontrada entre os mesmos pares de vogais. Antes disso,
porém, serão examinados os valores descritivos de duração para cada língua, de forma que se
possam comparar as médias apresentadas para as vogais das três línguas (quadro 16).
45
É importante destacar, com base na figura 15, que, em termos de média, a vogal /ç/ produzida pelo sujeito para
o inglês apresenta-se de forma muito semelhante àquela produzida para o francês, o que parece ser um forte
indicativo da ocorrência da transferência L2-L3, ainda mais se for considerado o fato de a vogal /ç/ produzida
pelo sujeito para a sua L1 ter ficado bem mais próxima da vogal-alvo inglesa (pode-se observar, de acordo com a
figura 14, que as vogais /ç/ produzidas para a L1 e para o padrão da L3 ficaram localizadas em direção oposta ao
que pode ser visto para a L2 e para a L3 em termos de F2). Uma explicação para o fato de a vogal /ç/ ser a única
a evidenciar uma transferência tão acentuada no sentido L2-L3 pode ser dada, considerando-se que tal vogal é a
única em análise a não fazer parte de um par tenso-frouxo. Ao que parece, a presença do par pode ter levado o
aprendiz a identificar melhor algumas das características das vogais, ainda que ele não consiga notar a existência
de duas vogais (como na produção de /Q/ e /E/). Já no caso da vogal /ç/, o sujeito não consegue formar uma nova
categoria de distinção na L3, produzindo a referida vogal de maneira semelhante ao modo como ele a produz na
L2. Apesar de haver esse forte indicativo de transferência grafo-fônico-fonológica da L2 em direção à L3
envolvendo as vogais /ç/ do francês e do inglês, é preciso destacar que a vogal francesa em análise apresentou
um alto nível de variação (desvio-padrão). Dessa forma, embora importantes para um melhor entendimento da
colocação das vogais /ç/ da L2 e da L3 do sujeito, os resultados obtidos com relação à media das vogais
analisadas devem ser interpretados com certa cautela.
105
Duração(s)
Vogal Mín Máx Média Desvio-padrão
Inglês
Q
0,0827 0,0922 0,0880 0,0047
E
0,1115 0,1265 0,1210 0,0058
i 0,0536 0,1338 0,0875 0,0277
I
0,0536 0,0926 0,0671 0,0125
ç
0,0708 0,0879 0,0781 0,0064
u 0,0408 0,0708 0,0562 0,0113
U
0,0521 0,0901 0,0708 0,0115
Francês
E
0,0601 0,1029 0,0843 0,0130
i 0,0450 0,0718 0,0597 0,0087
ç
0,0761 0,1126 0,0873 0,0128
u 0,0590 0,0772 0,0654 0,0078
Português
E
0,0658 0,0874 0,0794 0,0095
i 0,0440 0,0791 0,0589 0,0152
ç
0,0606 0,0764 0,0682 0,0079
u 0,0380 0,0595 0,0511 0,0094
Quadro 16 – Estatísticas descritivas para duração (em segundos) por língua.
Observando-se os dados do quadro 16, nota-se que as vogais do português foram as
que obtiveram os menores valores médios para a duração. Todas as vogais analisadas nessa
língua são mais curtas do que suas correspondentes em francês e em inglês. Na comparação
entre a L2 e a L3 do sujeito, as vogais do inglês que apresentaram os maiores valores foram
/E/ e /i/, e as vogais do francês que se mostraram mais longas foram /ç/ e /u/.
Com a análise dos valores brutos, pode-se apresentar os valores de distância euclidiana
calculados para os pares de vogais de línguas diferentes (quadro 17).
106
Português – Inglês Francês – Inglês
Distância
euclidiana
Pares de
vogais
Dist.
Euclidiana
Dist.
Padronizada
Dist.
Euclidiana
Dist. Padronizada
E - Q
0,0086 7,1% 0,0038 4,3%
E - E
0,0416 34,4% 0,0367 30,3%
i - i 0,0286 32,6% 0,0278 31,7%
i - I
0,0082 12,2% 0,0074 11,0%
u - u 0,0051 9,1% 0,0092 16,4%
u - U
0,0198 27,9% 0,0054 7,7%
ç - ç
0,0098 12,6% 0,0092 11,8%
Quadro 17 Distâncias euclidianas entre português/inglês e francês/inglês para duração das vogais produzidas
pelo sujeito.
O cálculo da distância euclidiana entre português/inglês e francês/inglês aponta que as
línguas produzidas com os valores de duração mais próximos foram o francês e o inglês. As
durações foram notavelmente mais próximas entre essas línguas para os pares de vogais /E/-
/Q/, /E/-/E/ e /u/-/U/. Já para os pares /i/-/i/, /i/-/I/ e /ç/-/ç/, as distâncias entre o francês e o
inglês foram ligeiramente menores do que as encontradas para o português e o inglês. O único
par de vogal comparado que apresentou uma menor distância entre o português e o inglês foi
/u/-/u/. Para que se tenha uma idéia mais clara das distâncias entre os pares de vogais
comparados entre as línguas, o gráfico abaixo (figura 16) apresenta as médias obtidas para
duração.
-
0,005
0,010
0,015
0,020
0,025
0,030
0,035
0,040
0,045
E - @ E - E i - i i - I u - u u - U oh - oh
Duração (s)
PB - US FR - US
Figura 16 Distâncias euclidianas (duração) entre português/inglês (PB - US) e entre francês/inglês (FR - US)
(E= E, @= Q, i= i, I= I, u= u, U= U, oh= ç).
107
Na próxima seção, os resultados ora apresentados poderão ser discutidos de acordo
com a fundamentação teórica desenvolvida nesta pesquisa.
4.1.2 Discussão dos resultados relativos à primeira hipótese
Considerando os resultados descritos para a primeira hipótese desta pesquisa, que
previa que a assimilação vocálica durante a tarefa de nomeação de palavras em inglês (L3)
ocorreria em direção às características (F1 e F2 e duração) das vogais da L2 do sujeito, pode-
se dizer que a hipótese mencionada foi parcialmente confirmada, pois não só a L2 do sujeito
influenciou a produção das vogais da L3, mas também a sua L1.
Se forem tomados em conjunto os resultados da análise das distâncias euclidianas de
F1 e F2 para os pares de vogais, pode-se notar que houve uma tendência híbrida para a
produção da L3, que a produção nessa língua apresentou características tanto das vogais da
L1 quanto da L2 do sujeito. Para as características de F1 e F2, apesar de as distâncias terem
sido menores entre o português e o inglês na comparação de quatro pares de vogais (/i/-/I/, /u/-
/U/, /E/-/Q/, /E/-/E/), não houve uma mesma tendência para F1 e F2 na comparação dos pares
/i/-/i/, /u/-/u/, que se pôde observar uma maior aproximação entre o francês e o inglês para
F1 e entre o português e o inglês para F2 nesses pares. O par /ç/-/ç/, que apresentou uma
distância menor entre o francês e o inglês para F2, evidenciou valores semelhantes tanto na
comparação entre o português e o inglês quanto na comparação entre o francês e inglês para
F1. Dessa forma, nota-se a hibridez na constituição dessa categoria de vogal na língua inglesa
do sujeito, que ela é formada tanto por características da sua L2 (para F1 e F2) quanto da
sua L1 (para F1).
Somando-se os resultados encontrados para as distâncias euclidianas de F1 e F2 entre
os pares de vogais com os resultados obtidos na comparação dessas distâncias para duração, a
proposição de categorias híbridas para as vogais do inglês produzidas pelo sujeito ganha mais
sustentação. Ao contrário do que se observou para as distâncias calculadas para F1 e F2, que
apontaram uma tendência mais forte de assimilação vocálica das características do inglês pelo
português, os valores encontrados para duração apontaram uma maior semelhança entre o
francês e o inglês, que, dos sete pares de vogais cotejados, seis evidenciaram distâncias
menores entre o francês e o inglês produzidos pelo sujeito. Dessa forma, pode-se constatar
que a análise conjunta das três características observadas nas vogais da língua inglesa (F1, F2
e duração) apontou que nenhuma vogal apresentou todas as suas características assimiladas
108
por apenas uma das nguas previamente adquiridas pelo sujeito. Assim sendo, este estudo
apresenta resultados que estão em conformidade
46
com os achados de Llama et al. (op. cit)
sobre a hibridez, que se percebe características tanto da L1 como da L2 do sujeito na sua
produção em L3
47
.
A proposição defendida por Flege (2002) em suas pesquisas em L2 de que categorias
fundidas para a L1 e a L2 seriam formadas quando da impossibilidade de geração de novas,
devido a uma grande similaridade entre dois sons de línguas diferentes, também pode ser útil
para a explicação dos resultados encontrados nesta pesquisa. Ao levar em consideração a
possibilidade de uma tendência híbrida para a produção de sons de dois sistemas distintos, a
constatação de Flege (2002) para o campo de L2 pode ser redirecionada para a inclusão,
igualmente, da L3 como fazendo parte desse sistema híbrido. Porém, ressalta-se que, como
seus achados são oriundos de pesquisas envolvendo sujeitos que vivem num ambiente natural
de exposição à L2, é esperado que a L2 interfira na produção de L1 por ser aquela língua mais
utilizada pelos bilíngües do que esta. Na pesquisa ora apresentada, não foram levadas em
conta possíveis mudanças na L1 do sujeito, visto que suas duas outras línguas são utilizadas e
aprendidas em contextos formais, ou seja, não um contato exaustivo com as categorias de
sons da L2 e da L3 que permita uma influência tão profunda na sua L1. Dessa forma, as
conclusões de Flege servem à explicação dos resultados desta pesquisa por considerarem a
formação de um sistema “fundido” (ou híbrido) entre línguas diferentes, o que pode muito
bem ser válido para o contato entre quaisquer sistemas de sons aprendidos por um sujeito, e
não somente para a relação L1-L2. Nesse sentido, os dados analisados apontam uma tendência
que está em consonância com os achados desse autor, já que a L3 do sujeito apresenta
características tanto da sua L1 quanto da sua L2. Por considerar, na formação de uma L2,
características não da L1, mas também da própria L2 do sujeito, Flege evidencia a
possibilidade de uma aproximação dos padrões da interlíngua do sujeito também em direção à
língua-alvo de sua aprendizagem. Com base na análise dos dados abordados, também se pode
46
Os resultados desta pesquisa encontram sustentabilidade no trabalho de Llama et al. (2007) para a proposição
de categorias híbridas na L3, formadas tanto por características da L1 quanto da L2. Outros achados do estudo,
como a idéia de que o status da L2 determinaria com mais ênfase as transferências em direção à L3, não são
corroborados pela presente pesquisa, que não tinha por mérito responder a esse tipo de questionamento.
47
No estudo de Lama et al. (2007) os autores fizeram uma comparação direta entre a L1 e a L2 dos participantes
antes de investigar as características da L2 em relação à L3. Nesta pesquisa, apesar de não se terem calculado as
distâncias euclidianas para as vogais da L1 e da L2 do sujeito, constatou-se a presença de características tanto da
L1 quanto da L2 na produção em L3 através da comparação entre a L1 e a L3 e entre a L2 e a L3. Dessa forma,
não se pode afirmar se a L2 do sujeito possui características tanto da L1 quanto da língua-alvo, assim como foi
observado na pesquisa de Llama et al.; mesmo porque tal análise não faz parte do escopo deste trabalho. A
presente pesquisa corrobora o estudo desses autores, então, na medida em que as características da L1 e da L2
estão presentes na constituição da L3, alvo-final das duas análises.
109
esperar que o mesmo aconteça para a L3 do sujeito, já que, ao se observar a figura 14, nota-se
que a colocação de suas vogais para a L3 não está tão longe assim do que seria esperado pela
língua padrão, apesar de alguns desvios em sua produção serem observados.
De acordo com Hammarberg (2001), a L2 será notada com mais ênfase na produção
de L3 principalmente se um nível elevado de proficiência na L2 for conquistado num
ambiente natural de aprendizagem. No caso do sujeito informante deste estudo, apesar de sua
proficiência ter sido considerada avançada em francês como L2, seu contato com essa língua
foi oportunizado somente num ambiente formal de ensino, sendo que, desde que concluiu a
graduação no curso de Letras-Francês, sua prática com a L2 vem sendo extremamente
limitada. Dessa forma, o alto nível de proficiência constatado na L2, tão-somente, não foi
suficiente para inibir completamente os efeitos da língua materna do sujeito na sua produção
oral em L3. O esperado efeito de recência, apontado pelo mesmo autor como um fator
importante para a ativação maciça da L2 no momento da produção em L3, também não pôde
entrar em cena com mais ênfase para que o aprendiz de L3 requisitasse mais a L2 do que a L1.
Como a L2 não vem sendo ativada pelo sujeito de forma significativa, não ficou tão acessível
durante a produção de L3. Assim, não a L2, mas também a L1 serviram de fonte para a
ocorrência da assimilação das características das vogais da L3.
Como a L2 e a L3 do sujeito foram aprendidas no mesmo contexto, isto é, num mesmo
ambiente formal de ensino, poder-se-ia esperar um efeito de psicotipologia associando
fortemente as duas línguas por esse motivo. Porém, ao que parece, o efeito de psicotipologia
identificado entre a L2 e a L3 não foi tão forte quanto aquele observado entre a L1 e a L2 do
sujeito, que parece ter havido uma associação mais proeminente entre estas últimas devido
ao fato de ambas pertencerem à mesma família lingüística, qual seja a das línguas latinas.
Levando em consideração o fato de o português e o francês terem criado uma forte associação
por pertencerem à mesma família lingüística, pode-se aventar a possibilidade de o sujeito não
ter conseguido estabelecer categorias muito sólidas para os sons da sua L2. Apesar de não ser
o foco de análise desta pesquisa, cabe destacar, como mencionado no decorrer da análise
dos dados, que a L2 do sujeito foi a língua que mais variação apresentou na pronúncia de suas
vogais. Tal variação de pronúncia deve ser considerada, pois pode estar evidenciando uma
falta de monitoramento do sujeito para a produção nessa ngua, ocasionada, talvez, pelo
efeito de segurança que a alta proficiência pode ter-lhe transmitido. Ao variar tanto em
pronúncia na L2, o sujeito acabou abarcando em sua produção nessa língua características
vocálicas que compõem parte do inventário fonético da sua L1, o que fez com que tanto a L1
quanto a L2 gerassem padrões híbridos a serem transferidos para a L3.
110
Segundo o modelo HipCort, os padrões mais entrincheirados são ativados mais
facilmente, pois se apresentam consolidados no sistemas de memória neocortical. Para que
ocorra a consolidação de uma memória, por conseguinte, é necessário que um padrão
aprendido seja apresentado repetidas vezes ao sistema hipocampal com freqüência alta, até
que um traço de memória seja reinstanciado ao sistema neocortical. Nesta pesquisa, a
produção analisada apresenta evidências de consolidação para os padrões vocálicos da L2,
que na produção de L3 do sujeito também foi possível identificar características produzidas
por ele para aquela língua. Porém, os aspectos apresentados pelos teóricos de L3 citados nesta
pesquisa como importantes para que a transferência se estabeleça com mais força da L2 para a
L3 não puderam ser amplamente verificados através dos dados coletados do informante, visto
que a relação do sujeito com a sua L2 não cumpriu com alguns requisitos necessários para que
se observassem os efeitos arrolados da L2 sobre a L3. O que pode ter dificultado um maior
acesso à L2 durante a produção de L3 foi a falta de contato freqüente com a língua francesa.
Dessa forma, imagina-se que o sujeito não venha ativando os padrões lingüísticos da sua L2
nos sistemas de memória de maneira satisfatória. A baixa exposição à freqüência e ao input da
L2, então, parecem ser os motivos que mais contribuíram para um acesso mais equilibrado da
L1 (língua mais entrincheirada) nas transferências em direção à L3, o que conferiu à produção
do sujeito nesta língua uma característica híbrida entre a L1 e a L2. Esse fato é interessante,
pois destaca o papel do contexto de ensino-aprendizagem da L2: talvez um estudante que
tivesse aprendido a L2 em contexto de imersão por muito tempo não apresentasse tamanha
hibridez, e a hipótese aqui apresentada tivesse sido plenamente corroborada. É necessário,
assim, que se testem sujeitos cuja L2 tenha sido aprendida em contexto de imersão, para que
se possam comparar os resultados com os deste estudo.
O fato de os sistemas de memória terem ativado padrões tanto da L1 quanto da L2 do
sujeito na sua produção em L3 não deve ser encarado como um fator negativo para a
comprovação da primeira hipótese deste estudo. Antes, essa configuração apenas indicia a
interação constante entre os padrões lingüísticos aprendidos pelo sujeito, e a impossibilidade
de separação entre os conhecimentos lingüísticos. Assim como se pretendia verificar uma
interação entre a L2 e a L3, o mesmo também poderia ser esperado para a L1 e a L2, já que se
parte do pressuposto de que as línguas aprendidas dividem um espaço comum nas redes
neuroniais. Nesses termos, chama-se a atenção para a visão de MacWhinney (2007), que
defende a existência de uma arquitetura neuronial única para a L1 e para a L2, responsável
pelo processo de transferência de informações entre os sistemas lingüísticos. De acordo com o
Modelo de Competição de MacWhinney (2001), o aprendiz de línguas precisa escolher entre
111
pistas previamente expostas nos insumos lingüísticos com que teve contato no momento em
que procura compreender ou produzir na língua-alvo. Dependendo da qualidade e do input
acionado para cada um dos sistemas em jogo, espera-se que uma língua possa ser mais ativada
do que a outra, servindo como fonte, então, para possíveis transferências. Apesar de o autor
não fazer menção à aprendizagem de três línguas, pensa-se que seus achados teóricos podem
englobar igualmente essa área de pesquisa, abrindo espaço para que se considere a L3 na
mesma arquitetura neuronial construída para a L1 e para a L2, e admitindo que as pistas
lingüísticas que geram a competição entre duas línguas competem da mesma forma ao se
incluir mais um sistema lingüístico nesse processo. No entanto, no âmbito da L3, é preciso
redimensionar o modelo de MacWhinney para que conta também da possibilidade de
ativação conjunta de várias pistas de línguas diferentes, que, por não conseguirem se destacar
de maneira evidente no momento em que competem, acabam gerando categorias na língua-
alvo que podem conter características de todos os sistemas envolvidos.
De acordo com o paradigma conexionista, que defende um processamento em paralelo
e distribuído para as operações realizadas entre as redes neuroniais, e com a visão de
Izquierdo (2002), que destaca a capacidade das memórias de se misturarem umas às outras, ou
seja, de memórias antigas serem associadas a outras mais recentes, ainda em estágio de
aquisição, pode-se explicar com excelência a formação das categorias híbridas para a L3
observadas nesta pesquisa. que as três línguas estão propensas a serem ativadas
simultaneamente pelas redes neuroniais, suas características podem ser misturadas umas às
outras, de maneira que esse contato entre elas origine uma produção híbrida na língua menos
entrincheirada, tal como pôde ser observado para a L3 envolvida neste estudo, o inglês.
Mais uma vez, pode-se citar Flege (2002) para dar suporte à proposição de categorias
híbridas na L3, pois da mesma forma que o conexionismo advoga uma interação entre todas
as línguas aprendidas nos sistemas de memória, esse autor defende, com base em seus estudos
na área da fonética, uma ampla interação entre os sistemas fonéticos dos bilíngües, não sendo
possível a destituição de algum desses sistemas no momento da produção oral numa das
línguas aprendidas. Em conformidade com esse posicionamento, acredita-se que as
características da L1 e da L2 do sujeito foram transferidas de forma equilibrada para a sua L3,
compreendendo a relação entre as três línguas de acordo com um continuum de aproximações
que se encaminham em direção aos sons foneticamente esperados para a L3 (FLEGE, 1980).
A idéia adotada por esta pesquisa sobre a relação entre fonética e fonologia também pode ser
mobilizada para alicerçar a proposição de categorias híbridas na L3, que também se
imagina a existência de um continuum entre a percepção e a produção do sujeito para as
112
línguas que ele conhece. Esse continuum pôde ser evidenciado através das distâncias
calculadas para as características (F1, F2 e duração) das vogais produzidas pelo sujeito, já que
foram encontrados, nas suas produções em L3, indícios tanto da sua L1 quanto da sua L2. As
categorias formadas para a L3, então, são consideradas como o produto da gradiência entre as
línguas analisadas.
Ao se levar em conta os resultados de F1, F2 e duração obtidos através do cálculo das
distâncias euclidianas entre as vogais, os quais evidenciam a criação de categorias híbridas
para a L3, é importante observar que a assimilação vocálica observada nesta pesquisa ocorreu
durante a tarefa de leitura de palavras. Nesses termos, é possível argumentar, de acordo com
os resultados obtidos, que o sujeito não conseguiu estabilizar de maneira adequada diferentes
categorias para as três línguas no mesmo espaço fonológico (ZIMMER, 2004; FLEGE, 1995).
Com isso, o mapeamento grafema-fonema para as vogais do inglês (L3) vem sofrendo a
influência das correspondências grafo-fônico-fonológicas aprendidas para a L1 e a L2. Porém,
cabe frisar, como referido ao longo desta seção, que o sujeito apresentou em sua produção
para as vogais da L3 algumas evidências de aproximação da correspondência ideal do inglês
norte-americano. Se os dados produzidos para os pares de vogais /i/-/I/, /u/-/U/ e /Q/-/E/ forem
analisados levando-se em conta apenas a produção em inglês do sujeito, pode-se notar a
ocorrência de transferências intralingüísticas originadas entre esses pares, o que é um forte
indicativo de que a aprendizagem dos padrões da L3 começa a esboçar-se, apesar da
influência da L1 e da L2. No momento em que começa a generalizar o conhecimento grafo-
fônico-fonológico na L3, o sujeito acaba confundindo os contextos em que um ou outro
elemento do par deveria ser utilizado. Tome-se como exemplo, primeiramente, o par de
vogais /Q/-/E/. É possível notar que as duas vogais foram pronunciadas muito próximas uma
da outra, o que impediu o estabelecimento de uma diferenciação entre ambas. Tal fato parece
indicar a possibilidade de o sujeito estar aprendendo a correspondência grafo-fônico-
fonológica para a vogal /Q/, o que faz com que ele produza, de forma muito semelhante,
também a vogal /E/ do inglês, generalizando o conhecimento necessário para a distinção entre
as duas categorias.
para a produção dos pares /i/-/I/ e /u/-/U/ do inglês, também se pode identificar a
ocorrência de transferências intralingüísticas, já que uma categoria de cada par parece estar
num posicionamento bastante próximo ao esperado para a outra categoria. Entre as vogais /i/ e
/I/, observa-se que a primeira se encontra mais próxima da vogal padrão, o que parece indicar
que a vogal /I/, produzida bem mais alta e anteriorizada do que o esperado, está tendo sua
113
correspondência grafo-fônico-fonológica assimilada pela da vogal /i/. Para as vogais /u/-/U/,
nota-se que a segunda foi produzida bem mais alta do que o esperado, ficando muito próxima
da altura produzida para a vogal /u/ da interlíngua do sujeito, que parece se aproximar
satisfatoriamente do esperado para a língua padrão. Essas evidências, consideradas em
conjunto com os resultados encontrados para a duração desses pares de vogais, parecem
corroborar a ocorrência de transferências intralingüísticas entre esses pares de vogais (além
das mencionadas transferências interlingüísticas, que evidenciam características da L1 e da
L2 na produção de L3). Dos três pares analisados, o único par em que o sujeito produziu de
forma correta a distinção de duração foi /i/-/I/. Para os demais, as vogais que deveriam ser
mais curtas foram pronunciadas mais longas (/E/ e /U). Dessa forma, fica patente a confusão
que o sujeito faz na hora de produzir as distinções entre esses três pares de vogais, o que pode
estar relacionado às correspondências grafo-fônico-fonológicas que ele atribui às mesmas, já
que as palavras lhe foram apresentadas de forma escrita.
O fato de as vogais do inglês do sujeito terem apresentado desvios-padrão menores do
que os observados na produção em francês parece bastante curioso, já que se poderia imaginar
que a L2, por estar mais entrincheirada nos sistemas de memória, evidenciaria categorias mais
estabilizadas do que as da L3. Porém, como se acredita que a produção de L2 variou
demasiadamente em decorrência da falta de monitoramento adequado nessa língua, explica-se
a pronúncia mais uniforme para as vogais da língua menos entrincheirada por uma
necessidade maior que o sujeito possui em monitorar a sua produção na L3, prestando mais
atenção na articulação da sua produção, devido à pouca experiência que ele tem com o novo
sistema lingüístico. Ressalta-se, contudo, que a baixa variação não implica que o sujeito esteja
produzindo as vogais-alvo de maneira adequada. Esse fato parece indicar, pois, uma tendência
de que a língua menos entrincheirada seja produzida de maneira mais controlada pelo
aprendiz. Nesse sentido, estima-se que, no início da aprendizagem da sua L2, o sujeito tenha
apresentado semelhante comportamento de monitoramento maior das formas-alvo, que foi
decaindo à medida que a proficiência nessa língua foi aumentando. Para o inglês, acredita-se
que a mesma tendência possa ser seguida.
Finaliza-se a discussão da primeira hipótese levantada por esta pesquisa com a idéia de
que a produção em L3 do sujeito apresentou características tanto da sua L1 quanto da sua L2
(demonstrando, também, alguma aproximação do que seria esperado para algumas vogais do
inglês padrão). A proposição de categorias híbridas para a L3 do sujeito foi sustentada pelos
dados arrolados, que evidenciaram, inclusive, o fato de o sujeito estar começando a adquirir
114
também as características encontradas nas vogais da L3. Esses resultados estão de acordo com
a visão conexionista de aquisição de L2 e com a orientação de Flege (2002), na medida em
que se acredita na interação entre os conhecimentos lingüísticos, seja nos sistemas de
memória ou num espaço fonológico comum, e na reversão dos efeitos de um sistema
lingüístico sobre o outro. Mesmo que os efeitos dos sistemas previamente adquiridos sempre
sejam notados em algum grau na produção numa nova língua, evidencia-se, com este estudo,
a capacidade que o sujeito possui de aprender novos padrões lingüísticos.
O fato de não ter sido comprovada uma influência una da L2 do sujeito sobre as
características das vogais da sua L3 não desabona a primeira hipótese prevista para esta
pesquisa, pois os resultados encontrados mostram uma riqueza muito maior em termos de
processos que podem ocorrer quando se trabalha com três sistemas lingüísticos. Apesar de ser
uma análise complexa e que ensejaria uma possibilidade muito ampla para a confrontação
entre os dados obtidos para as três nguas, a opção adotada neste trabalho parece ter
cumprido com os propósitos de averiguar em que sentido a assimilação vocálica poderia
ocorrer. Na próxima seção, na qual se investigam os resultados obtidos para a segunda
hipótese a ser trabalhada, outros indícios sobre a relação entre a L2 e a L3 poderão ser
observados, o que contribuirá para que se estabeleçam considerações mais sólidas no fim
deste estudo.
4.2 O efeito exercido pela ortografia na transferência grafo-fônico-fonológica L2-L3
O segundo objetivo desta pesquisa procurava examinar o efeito exercido pela
ortografia na transferência grafo-fônico-fonológica L2-L3. A apresentação das palavras ao
sujeito deu-se em três blocos, obedecendo à seguinte ordem: 30 palavras em inglês (primeiro
bloco do inglês), 20 palavras em francês (bloco do francês), 30 palavras em inglês (segundo
bloco do inglês). Parte das palavras em inglês de ambos os blocos exibiam corpos grafêmicos
semelhantes aos encontrados nas palavras do bloco em francês (sendo denominadas inimigas
do francês). O experimento utilizado para testar o objetivo mencionado, de autoria de Jared e
Kroll (2001), foi selecionado para dar conta da segunda e da terceira hipóteses deste trabalho.
A segunda hipótese previa que o tempo de reação para as palavras do inglês apresentadas ao
falante antes da leitura de palavras da língua francesa seria significativamente menor do que o
tempo de reação para a leitura de palavras da língua inglesa apresentadas posteriormente à
leitura de itens lexicais do francês. A terceira hipótese, por sua vez, previa que as palavras do
segundo bloco do inglês que continham corpos semelhantes aos das palavras da língua
115
francesa
48
apresentadas no bloco anterior suscitariam um tempo de reação maior do que
aquele necessário para ler esse mesmo tipo de palavra no primeiro bloco de inglês (antes da
leitura em francês). Os dados obtidos foram analisados através de estatística descritiva, o que
forneceu as médias, o desvio-padrão e o coeficiente de variação para o tempo de reação dos
blocos de palavras, bem como através da aplicação do teste t de student para a comparação
entre os tipos de palavras apresentadas nos diferentes blocos de palavras apresentadas ao
sujeito. Na próxima seção, serão descritos e discutidos os resultados obtidos para a análise
dessas hipóteses.
4.2.1 Descrição dos resultados relativos à segunda hipótese
Com os dados coletados através do programa E-Prime em conjunto com a Serial
Response Box, obteve-se o tempo de reação para a leitura de cada palavra apresentada ao
sujeito (quadro 18). A partir desses dados, foi possível estabelecer uma comparação entre as
médias de reação para as palavras apresentadas em cada bloco, a fim de se avaliar a segunda
hipótese. No quadro 18, são apresentados esses valores.
Bloco de apresentação n
Mínimo
(ms)
Máximo
(ms)
Média
(ms) Desvio-padrão
Inglês 1
30 150 1008 725,87 143,85
Francês
20 571 944 685,75 86,98
Inglês 2
30 442 1316 795,53 183,01
Quadro 18 – Comparação dos resultados para o tempo de reação (ms) por bloco de apresentação.
Na figura 17, pode-se visualizar o gráfico gerado pelo programa E-Prime para
representar o tempo de reação das palavras lidas nos três blocos de palavras apresentadas ao
sujeito.
48
Essas palavras do inglês já foram denominadas no capítulo anterior de inimigas do francês, pois apresentam
corpos grafêmicos iguais aos das palavras em francês utilizadas no experimento, mas que possuem
correspondências grafo-fônico-fonológicas diferentes das dessas palavras.
116
voicetest.RT:Mean by Block and wordtype
0,00
500,00
1000,00
1500,00
2000,00
english1 english2 french
wordtype
voicetest.RT:Mean
Figura 17 - Tempo de reação para os três blocos de palavras (considere-se que o bloco de palavras francesas foi
apresentado entre os dois blocos de palavras inglesas).
Os dados do quadro 18 demonstram que o bloco de palavras que obteve a menor
média para o tempo de reação foi o francês (685,75), ao passo que o segundo bloco de
palavras do inglês foi o que atingiu a média mais alta (795,53). Além disso, o maior desvio-
padrão também pode ser observado para o segundo bloco de palavras do inglês (183,01). Para
complementar a análise desses dados, além do cálculo das médias e do desvio padrão, um
teste t de student foi aplicado para comparar os resultados obtidos entre os dois blocos de
palavras. Os dados dessas análises podem ser observados no quadro 19, que apresenta o
levantamento estatístico para as palavras do inglês divididas por blocos.
Total de palavras do inglês
Momento n
Média
(ms)
Desvio-
padrão Valor de p
Bloco 1
Antes FR 30 725,87 143,85 0,107
Bloco 2
Depois FR 30 795,53 183,01
Quadro 19 Comparação dos resultados obtidos para a leitura de palavras do inglês por bloco de apresentação.
Dividindo as palavras do inglês apenas por bloco de apresentação, observa-se um
aumento na média e no desvio-padrão das palavras lidas no segundo bloco (depois das
palavras francesas), o que parece apontar para uma maior dificuldade de leitura dessas
palavras. Porém, apesar de o tempo de reação ter aumentado para a leitura de palavras nesse
bloco, a diferença encontrada entre os dois grupos de palavras não foi significativa (p= 0,107).
Portanto, a busca de uma influência da leitura prévia das palavras em francês sobre o segundo
bloco de palavras do inglês develevar em conta a possibilidade de que o efeito de recência
talvez esteja ligado à transferência grafo-fônico-fonológica. É preciso, então, analisar os
dados obtidos na leitura de palavras do inglês, levando dois fatores em consideração: o tipo de
117
palavra lida (não-inimigas, inimigas do francês e inimigas do inglês) e o bloco de sua
apresentação (antes ou depois da leitura em francês). Essa análise será avaliada na descrição
da terceira hipótese deste trabalho.
4.2.2 Descrição dos resultados relativos à terceira hipótese
A terceira hipótese formulada previa que as palavras do segundo bloco do inglês que
continham corpos grafêmicos semelhantes aos das palavras da língua francesa apresentadas
no bloco anterior suscitariam um tempo de reação maior do que aquele necessário para ler as
palavras inimigas do francês no primeiro bloco de inglês. No quadro abaixo (quadro 20), os
dados relativos à divisão das palavras do inglês por tipo e bloco de apresentação podem ser
visualizados. Os três tipos de palavras do inglês utilizadas no experimento foram apresentados
de forma equivalente entre os dois blocos de apresentação, como se pode notar na terceira
coluna do quadro 20 (10 palavras de cada tipo foram apresentadas em cada um dos dois
blocos).
Tipo de palavra
Bloco de
apresentação
n
Média
(ms)
Desvio-
padrão
Valor de p
Não-inimigas
Antes FR 10 765,400 98,032 0,074
Depois FR 10 658,100 149,226
Inimigas do francês
Antes FR 10 776,200 104,855 0,033*
Depois FR 10 935,100 190,931
Inimigas do inglês
Antes FR 10 636,000 180,398 0,022*
Depois FR 10 793,400 81,043
* diferença significativa ao nível de 5%.
Quadro 20 – Comparação das palavras do inglês por tipo e bloco de apresentação.
Observando de maneira geral o tempo de reação para os diferentes tipos de palavras, e
considerando o bloco de suas apresentações (antes ou depois do francês), constatou-se que as
palavras inimigas do francês apresentaram a maior média de tempo de reação tanto para as
palavras lidas antes do francês quanto para as palavras que foram lidas depois do francês. Tal
fato indica que essas palavras foram as que demomaram mais tempo para começarem a ser
lidas pelo sujeito. Numa análise mais específica, comparando-se os resultados relativos às
palavras não-inimigas, é possível perceber que o tempo de reação para esse tipo de palavra
diminuiu no segundo bloco de apresentação, indicando que não houve nenhum tipo de
influência da leitura das palavras do francês apresentadas entre os dois blocos. Esse resultado
118
já era previsto, uma vez que as palavras não inimigas possuem corpos grafêmicos consistentes
em inglês e inexistentes em francês. A ativação da correspondência grafo-fônico-fonológica
dessas palavras, portanto, não acarretou muitas dificuldades para o sujeito.
nas palavras inimigas do francês, cujos corpos são consistentes em inglês, mas
apresentam correspondências grafo-fônico-fonológicas diferentes em francês, observou-se um
aumento significativo no que compete ao tempo de reação para sua leitura. As palavras desse
tipo apresentadas antes das palavras do francês que possuíam corpos grafêmicos semelhantes
atingiram uma média de tempo de reação de 776,200 ms, enquanto que as demais palavras
desse tipo apresentadas após o bloco de palavras do francês atingiram uma média de tempo de
reação de 935,100 ms, evidenciando um aumento significativo no tempo requerido para a
leitura (p= 0,033). O desvio padrão para essas palavras apresentadas no segundo bloco
também foi superior àquele encontrado no primeiro bloco, o que indica uma possível
influência da correspondência grafo-fônico-fonológica do francês durante a leitura em inglês.
Os resultados obtidos para a leitura de palavras inimigas do inglês também
evidenciaram um aumento significativo no tempo de reação. Quando apresentadas no
primeiro bloco, essas palavras alcançaram uma média de 636,000 ms, ao passo que a média
de tempo de reação para a leitura desse mesmo tipo de palavra no segundo bloco chegou a
793,400 (p= 0,022). Esses resultados podem ser explicados com base no fato de esse tipo de
palavra apresentar uma inconsistência na correspondência grafo-fônico-fonológica de seus
corpos, o que acaba gerando uma maior dificuldade para a sua leitura. Nesse caso, então, a
influência no aumento de tempo de reação não pode ser creditada diretamente ao francês,
visto que os corpos grafêmicos contidos nas palavras apresentadas nesse grupo não existem na
referida língua. Mas é possível que, de alguma forma, a leitura em francês tenha colaborado
para que o tempo de reação aumentasse no segundo bloco de palavras inimigas do inglês, já
que, ao ter de lidar com a inconsistência dos corpos grafêmicos em inglês após a leitura de
itens lexicais em francês que competiam em sua correspondência grafo-fônico-fonológica
com outras palavras da língua inglesa, acrescentou-se mais um grau de complexidade na
tarefa de leitura das palavras inimigas do inglês.
Para complementar a análise dos dados referentes ao tempo de reação, é importante
comparar o desempenho do sujeito na leitura das palavras que possuíam corpos grafêmicos
semelhantes nas duas línguas. Para tanto, foram consideradas somente as palavras em francês
e inglês (inimigas do francês) que compartilhavam corpos grafêmicos. As palavras em inglês
foram separadas por bloco de apresentação e comparadas àquelas que tinham corpos
semelhantes em francês (apresentadas entre os dois blocos de palavras do inglês). Conforme
119
pode ser observado no quadro 21, as palavras inimigas do francês apresentadas no primeiro
bloco, ou seja, antes das palavras em francês contendo os mesmos corpos grafêmicos,
atingiram uma média para o tempo de reação de 776,2 ms. Essa média, quando comparada
àquela obtida na leitura posterior de palavras em francês contendo os mesmos corpos
apresentados nas palavras em inglês (inimigas do francês), apresenta um pequeno declínio
(716,6 ms), o que poderia indicar que não houve influência da leitura prévia dos corpos
grafêmicos em inglês na leitura posterior em francês. Porém, para que essa constatação possa
ser verificada de maneira mais segura, é preciso que se comparem os valores obtidos para as
palavras do francês que tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro em inglês com aqueles
obtidos para as palavras do francês que tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro nessa
língua. Abaixo, pode-se comparar o desempenho do sujeito tanto na leitura das palavras
inimigas do francês apresentadas no primeiro bloco quanto na leitura das dez primeiras
palavras do francês, que tiveram seus corpos grafêmicos previamente lidos no referido grupo
de palavras do inglês (palavras inimigas do francês).
Média Desvio-padrão CV
Inglês (inimigas do francês
apresentadas no 1º bloco)
776,2 104,85 13,5%
Francês
716,6 111,94 15,6%
Quadro 21 Comparação inglês-francês por corpo de palavra, considerando-se o bloco de apresentação das
palavras inimigas do francês (1º bloco).
no quadro 22, onde se podem ver os dados relativos às palavras inimigas do francês
apresentadas depois da leitura das palavras em francês que compartilhavam os mesmos corpos
grafêmicos, pode ser observado um aumento bastante destacado entre as médias dos dois
grupos de palavras. Enquanto as palavras do francês apresentadas previamente atingiram um
valor de 654,900 ms, as palavras inimigas do francês lidas na seqüência atingiram uma média
de 935,100 ms. O desvio-padrão e o coeficiente de variação das palavras inimigas do francês
(DP=190,931 ms; CV=20,4%) também foram superiores aos obtidos para o tempo de reação
das palavras em francês (DP= 36,434 ms; CV= 5,6%).
120
Média Desvio-padrão CV
Francês
654,900 36,434 5,6%
Inglês (inimigas do francês
apresentadas no 2º bloco)
935,100 190,931 20,4%
Quadro 22 Comparação inglês-francês por corpo de palavra, considerando-se o bloco de apresentação das
palavras inimigas do francês (2º bloco).
Se os dois grupos de palavras inimigas do francês forem comparados, é possível
perceber que o segundo grupo apresentado (depois da leitura em francês) continua
evidenciando a maior média de tempo para a leitura (1º grupo= 776,2 ms; grupo= 935,100
ms). O maior desvio-padrão e o maior coeficiente de variação entre os grupos de palavras
cotejados também pode ser observado para o segundo bloco de palavras inimigas do francês
(1º grupo: DP= 104,85 ms; CV= 13,5%; grupo: DP= 190,931 ms; CV= 20,4%). para as
palavras do francês, embora todas tenham sido apresentadas no mesmo conjunto (entre os
dois blocos de palavras do inglês), percebe-se que as que tiveram seus corpos grafêmicos
lidos primeiro em inglês atingiram uma média mais alta (716,6 ms) do que aquelas que
tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro em francês (654,900 ms). O desvio-padrão e o
coeficiente de variação para as palavras em francês que tiveram seus corpos grafêmicos lidos
primeiro em inglês (DP= 111,94 ms; CV= 15,6%) também foram superiores aos das palavras
que tiveram os corpos grafêmicos lidos primeiro em francês (DP= 36, 434; CV= 5,6%). Dessa
forma, apesar de o tempo de reação evidenciado para as palavras do francês que tiveram seus
corpos grafêmicos lidos primeiro em inglês apresentarem uma média menor do que a das
palavras inimigas do francês apresentadas no primeiro bloco, não se pode dizer que não houve
alguma influência da leitura prévia desses corpos em inglês na leitura posterior em francês.
Tal fato fica comprovado, que, nas palavras do francês que tiveram seus corpos lidos
primeiro nessa língua (654,900 ms), a média de tempo de reação foi menor do que a das
palavras em francês que tiveram seus corpos lidos primeiro em inglês (716,6 ms).
Na próxima seção, serão discutidos os resultados relativos à segunda e terceira
hipóteses desta pesquisa.
121
4.2.3 Discussão dos resultados relativos à segunda e terceira hipóteses
Embora o tempo de reação para as palavras do primeiro bloco de inglês tenha sido
menor do que aquele obtido no segundo bloco de inglês, esse valor não foi significativo
estatisticamente. Dessa forma, a segunda hipótese desta pesquisa não pôde ser confirmada. O
fato de as palavras não-inimigas terem apresentado um tempo de reação reduzido no segundo
bloco pode ter colaborado para aproximar as médias entre os dois blocos do inglês. Ressalta-
se que a apresentação de tais palavras no experimento não dificultava a realização da tarefa de
leitura, que elas não eram influenciadas nem pela correspondência grafo-fônico-fonológica
do francês, nem pela inconsistência dos corpos grafêmicos do inglês. O efeito da ortografia
sobre o tempo de reação pôde ser mais bem destacado, então, quando foram considerados o
tipo de palavra lida e o bloco de sua apresentação. Nesse sentido, a terceira hipótese lançada
nesta pesquisa pôde ser amplamente corroborada, que se constatou um aumento
considerável no tempo de reação para a leitura de palavras em inglês (inimigas do francês)
que tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro em francês. Tal resultado, obtido de um
sujeito trilíngüe, está em consonância com os achados da pesquisa de Jared e Kroll (2001),
que aplicaram o mesmo experimento utilizado para testar a hipótese ora discutida com
bilíngües inglês-francês.
É preciso mencionar, igualmente, que a análise dos dados forneceu outras evidências
importantes que merecem ser discutidas e explicadas nesta seção. Além de se constatar uma
influência da leitura das palavras em francês com corpos grafêmicos semelhantes aos do
inglês sobre a leitura posterior das palavras inglesas ditas inimigas do francês (o que
comprovou a hipótese levantada nesta pesquisa), também pôde ser observada uma influência
no sentido inverso. Cabe referir, igualmente, que não as palavras inimigas do francês
apresentadas no segundo bloco da língua inglesa evidenciaram um aumento significativo no
tempo de reação, mas também as palavras inimigas do inglês (aquelas que não possuíam uma
consistência na correspondência grafema-fonema de seus corpos de acordo com a própria
língua inglesa), que a média do tempo de reação para a leitura dessas palavras no segundo
bloco da língua inglesa aumentou significativamente. Diante dos resultados arrolados, cumpre
discuti-los de acordo com os pressupostos teóricos que servem de base para esta pesquisa.
A tarefa de leitura de palavras contendo corpos grafêmicos semelhantes tanto em
inglês quanto em francês forneceu indícios, através dos resultados analisados, de que duas
línguas podem ter sua correspondência grafo-fônico-fonológica ativada ao mesmo tempo,
principalmente se houver uma semelhança entre os corpos grafêmicos apresentados nessas
122
línguas. Ao se utilizarem palavras com corpos grafêmicos compartilhados entre duas línguas
diferentes, é natural que a correspondência grafo-fônico-fonológica não coincida, o que acaba
dificultando a tarefa de leitura desses itens. De acordo com o Modelo de Processamento
Multilíngüe (de BOT, op. cit.), a apresentação de palavras contendo elementos similares entre
línguas diferentes provoca tanto a ativação de diferentes pronúncias para esses elementos,
como também um aumento significativo no tempo necessário para que um item similar seja
identificado e produzido de acordo com uma das línguas ativadas. No caso do teste aplicado
ao sujeito informante desta pesquisa, uma competição entre a correspondência grafo-fônico-
fonológica das palavras apresentadas nas duas línguas dificultou o acesso a essa
correspondência nos corpos de palavras que haviam sido lidos numa das línguas,
aumentando o tempo necessário para a ativação da correspondência adequada. De Bot (op. cit.)
defende em seu Modelo de Processamento Multilíngüe uma visão muito parecida com a que
MacWhinney (2001) expõe em seu Modelo de Competição, que se podem entender as
diferentes correspondências grafo-fônico-fonológicas dos corpos grafêmicos semelhantes
entre duas línguas como pistas que competem entre si quando apresentadas no input.
Para esta pesquisa, que segue uma orientação conexionista de aquisição da linguagem,
o aumento no tempo de reação para a leitura dos corpos grafêmicos que haviam sido lidos
numa das línguas apresentadas fornece evidências que sustentam a premissa de que os
padrões aprendidos para diferentes línguas interagem amplamente, estando distribuídos nas
redes neuroniais em pontos diferentes que se conectam entre si (SEIDENBERG; ZEVIN,
2006). A idéia de que as redes neuroniais processam os padrões aprendidos de forma
distribuída e em paralelo é admitida por esta pesquisa, que acredita que as diferentes
correspondências grafo-fônico-fonológicas conhecidas para um mesmo corpo grafêmico são
ativadas em conjunto. Dessa forma, pode-se fazer referência a N. Ellis (2007), que sustenta,
com base em suas pesquisas, que a possibilidade de interação entre as dicas lingüísticas (que
são ativadas em paralelo) e a impossibilidade de inibição de um conhecimento concorrente
favorecem a competição entre as diferentes formas conhecidas para um mesmo item
lingüístico.
Analisando o aumento no tempo de reação para as palavras inimigas do francês lidas
no segundo bloco da língua inglesa, credita-se esse aumento à dificuldade que o sujeito
encontrou para contornar o acesso à correspondência grafo-fônico-fonológica que acabara de
ativar para a leitura das palavras da língua francesa que possuíam os mesmos corpos que
seriam lidos conforme a correspondência grafo-fônico-fonológica do inglês. Observou-se,
dessa forma, uma forte influência do conhecimento grafo-fônico-fonológico da L2 (francês)
123
sobre a L3 (inglês). Essa influência da correspondência grafo-fônico-fonológica da L2 sobre a
da L3, além de poder ser explicada através dos pressupostos teóricos que vêm sendo
desenvolvidos ao longo desta seção, também encontra sustentação na proposição formulada
por Hammarberg (2001) sobre o efeito de recência. Nesse sentido, as palavras inimigas do
francês lidas no segundo bloco de inglês (depois das palavras em francês) podem ter sofrido
um forte efeito da ativação prévia da correspondência grafo-fônico-fonológica das palavras do
francês, o que dificultou a pronta ativação da correspondência grafo-fônico-fonológica da
língua inglesa.
A alta proficiência do sujeito na L2 desponta como outro fator determinante para a
observação de uma influência mais destacada da correspondência grafo-fônico-fonológica da
L2 sobre a da L3 (HAMMARBERG, 2001), visto que o conhecimento da correspondência
grafo-fônico-fonológica do francês está mais estabilizado no sistema cognitivo do aprendiz.
Para explicar, então, por que as palavras inimigas do francês apresentadas no primeiro bloco
(antes da leitura em francês) evidenciaram uma média de tempo de reação menor do que as
apresentadas no segundo bloco, acredita-se que o fato de os corpos grafêmicos em francês
ainda não terem sido ativados através da leitura em voz alta contribuiu para que o efeito de
recência se pronunciasse com menos ênfase. Mesmo assim, considera-se a possibilidade de
que tenha havido alguma influência da correspondência grafo-fônico-fonológica do francês na
leitura dessas palavras inimigas do francês apresentadas no primeiro bloco. Porém, essa
influência pode ter se manifestado de uma forma muito sutil, pela baixa ativação da ngua
francesa no momento da leitura em língua inglesa. O fato de o sujeito ter sido informado da
ordem em que as palavras seriam apresentadas no experimento (palavras em inglês, palavras
em francês, palavras em inglês) também pode ter colaborado para que houvesse um
monitoramento maior da pronúncia durante a leitura do primeiro bloco de palavras do inglês,
o que minimizou os efeitos do conhecimento grafo-fônico-fonológico do francês sobre a
leitura das palavras inimigas dessa língua.
Como se chamou a atenção no momento da análise dos dados, importa esclarecer que
não foi somente a correspondência grafo-fônico-fonológica do francês que influenciou na
leitura posterior das palavras inimigas do francês apresentadas no segundo bloco da ngua
inglesa. Sem perder de vista que a influência da L2 sobre a L3 foi notavelmente superior,
deve-se referir, igualmente, um efeito mais brando da correspondência grafo-fônico-
fonológica das palavras inimigas do francês lidas no primeiro bloco da língua inglesa (antes
das palavras em francês) sobre as palavras da ngua francesa cujos mesmos corpos
grafêmicos tinham sido lidos primeiro naquela língua. Diante disso, pode-se argumentar, com
124
mais ênfase, tanto a favor de um funcionamento neuronial que faculta a interação entre
diferentes sistemas lingüísticos, quanto de um efeito de recência que interfere de forma
expressiva quando pistas lingüísticas concorrentes – como as diferentes correspondências
grafo-fônico-fonológicas para os corpos de palavras semelhantes do francês e do inglês são
apresentadas num curto período de tempo. Em suma, entende-se que o aumento no tempo de
reação para a escolha entre diferentes correspondências grafo-fônico-fonológicas pode
ocasionar tanto uma influência da L2 sobre a L3, quanto da L3 para a L2 (com menos força),
o que configura a ocorrência de transferência bidirecional. Nesse sentido, essa descoberta
apresenta uma consistência com o modelo de memória aqui escolhido, já que o modelo
HipCort prevê ativações bidirecionais (do hipocampo para o neocórtex e do córtex para o
hipocampo) durante a formação e evocação de memórias. Esse fato está totalmente em
consonância com os pressupostos e modelos conexionistas de leitura oral, como o de
Seidenberg e McClelland (1989), em que a multidirecionalidade entre os diferentes níveis de
ativação (fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático) é uma
constante.
Por fim, importa referir a ocorrência de um outro tipo de transferência que influenciou
o tempo de reação na leitura de palavras inimigas do inglês (aquelas que apresentavam
correspondências grafo-fônico-fonológicas inconsistentes de acordo com a própria língua).
Ao se comparar o tempo de reação entre as palavras inimigas do inglês apresentadas no
primeiro e no segundo bloco da língua inglesa, observou-se um aumento de tempo
significativo para as palavras lidas no segundo bloco. Esse aumento não pode ser creditado à
leitura de palavras do francês entre os dois blocos, haja vista não haver nenhuma semelhança
entre os corpos grafêmicos veiculados entre essas palavras. Assim, acredita-se que a
inconsistência na correspondência grafo-fônico-fonológica dessas palavras foi o que
dificultou a leitura desses itens, desencadeando um processo de transferência intralingüística,
no qual as pistas que concorriam para a ativação pertenciam ao mesmo sistema lingüístico, o
inglês.
Além de ter de escolher entre a correspondência grafo-fônico-fonológica de duas
línguas para nomear as palavras inimigas do francês, o sujeito teve de optar, durante a leitura
das palavras inimigas do inglês, entre as correspondências grafo-fônico-fonológicas que
conhece para os corpos grafêmicos inconsistentes veiculados nas palavras dessa ngua. A
interação desses dois conhecimentos nos sistemas de memória do sujeito (conhecimento
grafo-fônico-fonológico da L2 e da L3) pode ter causado uma transferência entre eles,
dificultando o pronto acesso à correspondência requerida para cada língua. Segundo Zimmer e
125
Alves (2006), o aprendiz de L2 costuma transferir para os grafemas dessa língua a ativação do
conhecimento fonético-fonológico que aprendeu para a L1, uma vez que a correspondência
grafo-fônico-fonológica da língua materna está mais entrincheirada nos sistemas de memória.
Conforme os dados analisados nesta seção, e direcionando as asserções dos autores
citados acima para o campo da L3, pode-se presumir que o sujeito tenha ativado de forma
destacada, durante a leitura das palavras inimigas do francês veiculadas no segundo bloco, a
correspondência fonético-fonológica atribuída aos corpos grafêmicos lidos previamente em
francês, por estar a correspondência grafo-fônico-fonológica das palavras da L2 mais
estabilizada nos sistemas de memória. para as palavras inimigas do inglês expostas no
segundo bloco, o fato de elas apresentarem correspondências grafo-fônico-fonológicas
inconsistentes parece ter favorecido a ativação de mais de uma representação fonético-
fonológica conhecida para os itens da língua inglesa, o que provocou um incremento no
tempo de reação necessário para a leitura. Como o conhecimento da L3 encontra-se menos
estabilizado nos sistemas de memória, é possível que ainda haja uma confusão no momento
da atribuição das correspondências adequadas. No entanto, destaca-se que a dificuldade
observada para a leitura de uma palavra inconsistente pode ser minimizada, à medida que o
sujeito adquire uma maior experiência com a correspondência grafo-fônico-fonológica desse
tipo de palavra (ZIMMER, 2004).
Ainda sobre as palavras inimigas do inglês, cabe mencionar que o fato de o sujeito ter
de controlar a ativação da correspondência grafo-fônico-fonológica da língua francesa durante
a leitura de palavras no segundo bloco pode ter contribuído, ainda que de forma mínima, para
dificultar ainda mais a tarefa de leitura dessas palavras inimigas do inglês. Com isso, além de
haver a concorrência entre pistas intralingüísticas para a leitura dessas palavras, havia, da
mesma forma, uma concorrência de pistas interlingüísticas, já que palavras inimigas do
francês também foram lidas nesse segundo bloco do inglês. Apesar de não influenciar
diretamente a leitura dos corpos grafêmicos das palavras inimigas do inglês, a leitura de
palavras inimigas do francês no segundo bloco pode ter trazido uma maior complexidade para
a leitura de palavras nesse bloco. Da mesma forma, é possível que a leitura de palavras
inimigas do inglês no segundo bloco tenha tornado mais complexa a tarefa de leitura das
palavras inimigas do francês nesse bloco, já que o sujeito teve de enfrentar as mesmas
dificuldades intra e interlingüísticas citadas acima. Se os resultados obtidos para a leitura de
palavras não inimigas forem observados, notar-se-á que o tempo de reação para essas palavras
no segundo bloco decaiu. Nesse sentido, argumenta-se que o fato de essas palavras não
apresentarem corpos inconsistentes de acordo com o esperado para a língua inglesa fez com
126
que a leitura dessas palavras não fosse penalizada pela ativação de pistas que suscitavam os
efeitos da correspondência grafo-fônico-fonológica do francês e das diferentes
correspondências grafo-fônico-fonológicas do próprio inglês.
Ao se investigar como o tempo de reação pode ser influenciado pelo tipo de palavra
lida e pelo bloco da sua apresentação, concluiu-se, nesta pesquisa, que as palavras do inglês
que tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro em francês foram as mais afetadas pela
divergência entre as correspondências grafo-fônico-fonológica das duas línguas. Após as
palavras que compartilhavam corpos grafêmicos semelhantes, as inimigas do inglês
apresentadas no segundo bloco podem ser destacadas pelo aumento acentuado no tempo de
reação. Por fim, observou-se que as palavras do francês que tiveram seus corpos grafêmicos
lidos primeiro em inglês sofreram um leve efeito de aumento no tempo de reação quando
comparadas às palavras do francês que tiveram seus corpos lidos primeiro nessa língua.
Diante desses resultados, argumenta-se a favor de uma ampla interação entre os sistemas
lingüísticos nos sistemas de memória, interação essa que pode evidenciar de forma mais
notada as características de uma língua sobre as demais, de acordo com o nível de
consolidação (o que está atrelado ao nível de proficiência) e de ativação prévia de cada uma
(o que está relacionado ao efeito de recência).
A L2, língua mais entrincheirada nos sistemas de memória do sujeito, transferiu de
maneira mais notável a correspondência grafo-fônico-fonológica de suas palavras para a L3,
língua menos estável. O fato de o sujeito ter lido palavras com corpos grafêmicos semelhantes
entre as duas línguas primeiro em inglês e de o tempo de reação para essas palavras ter sido
menor do que aquele encontrado para a leitura desse mesmo tipo de palavra no segundo bloco
indica a grande influência que a leitura das palavras em francês (L2) entre os dois blocos
exerceu para esse resultado. Sendo a L2 a língua estrangeira mais consolidada e recentemente
ativada pelos sistemas de memória, seus padrões lingüísticos foram transferidos de forma
destacada no segundo bloco da língua inglesa, o que fornece indícios para que se defenda um
envolvimento do conhecimento mais reinstanciado pelo sistema neocortical, o da L2, sobre o
da L3, mais relacionado ao sistema hipocampal. Porém, como os sistemas de memória
trabalham de forma colaborativa, levando informações tanto do sistema neocortical para o
hipocampal quanto do hipocampal para o neocortical, os padrões lingüísticos mais
relacionados ao sistema hipocampal (o da L3, nesta pesquisa) também podem influenciar de
alguma forma o conhecimento mais atrelado ao neocórtex (o da L2). Esse fato pode ser
evidenciado se forem comparados o tempo de reação para a leitura das palavras em francês
(L2) que tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro em inglês (L3) com aquele necessário
127
para ler as demais palavras do francês que tiveram seus corpos grafêmicos lidos primeiro
nessa língua. De acordo com o modelo HipCort, o sistema hipocampal não recebe uma cópia
direta do conhecimento que está mais relacionado ao neocórtex. Antes, considera-se que a
representação dos padrões neocorticais é reinstanciada num formato comprimido, atingindo
um número reduzido de neurônios no sistema hipocampal (MCCLELLAND, et al., 1995).
Diante disso, explica-se por que a influência da L3 sobre a L2 não foi tão destacada quanto a
observada no sentido da L2 para a L3.
No próximo capítulo, serão feitas as considerações finais desta pesquisa, de maneira
que se possa fornecer uma visão geral dos resultados discutidos nos dois objetivos analisados.
128
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No capítulo de conclusão ora apresentado, pretende-se retomar as motivações que
originaram a realização desta pesquisa, procurando traçar uma relação entre os resultados
obtidos através dos objetivos investigados. Para tanto, este capítulo encontra-se dividido em
duas seções: a primeira apresenta um apanhado geral a respeito das implicações teóricas
pertinentes aos principais achados deste trabalho; a segunda, por sua vez, expõe as limitações
deste estudo e propõe algumas sugestões que podem ser adotadas futuramente para fazer
avançar a pesquisa na área de aquisição de L3.
5.1 Relação entre os resultados obtidos na discussão dos dois objetivos da pesquisa
A realização desta pesquisa foi motivada pela curiosidade que se tinha a respeito dos
processos de transferência que poderiam surgir do contato entre três sistemas lingüísticos,
sobretudo no que diz respeito à transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos. Levando-
se em consideração não o fato de a investigação em L3 ainda ser considerada recente, mas
também a falta de estudos na área que contemplassem a ngua portuguesa e se baseassem
num arcabouço teórico conexionista, observou-se a possibilidade, através deste trabalho, de
contribuir para o desenvolvimento e a ampliação desse novo campo.
Para atender ao objetivo geral estipulado nesta pesquisa, dedicado a investigar o
processo de transferência grafo-fônico-fonológica da L2 (francês) para a L3 (inglês) por um
falante nativo do português brasileiro (L1), lançaram-se dois objetivos específicos. O primeiro
destinava-se a esclarecer se a assimilação vocálica durante a tarefa de nomeação de palavras
em inglês (L3) ocorreria em direção às características (F1, F2 e duração) das vogais do
português (L1) ou das vogais do francês (L2). Esperava-se, diante desse objetivo, que a
assimilação vocálica durante a tarefa de nomeação de palavras em inglês (L3) ocorresse em
direção às características das vogais da L2 do sujeito. Através da abordagem metodológica
escolhida para alcançar esse fim, a análise fonética acústica, chegou-se a um resultado que
corroborou parcialmente a hipótese operacionalizada. Ao invés de uma influência una da L2
sobre a L3, pôde-se constatar a criação de categorias híbridas para a L3, já que foram
129
encontradas características tanto da L1 quanto da L2 do sujeito na sua produção para as
vogais da L3. Tal resultado está em conformidade com a idéia de que as línguas aprendidas
interagem amplamente nos sistemas de memória, podendo transferir padrões entre elas
dependendo do nível de consolidação de cada uma.
Se a opção metodológica para a análise da primeira hipótese tivesse sido outra,
baseada na transcrição dos sons de acordo com símbolos fonéticos previamente estipulados,
talvez não se tivesse chegado aos mesmos resultados encontrados, visto que os dados
coletados teriam sido classificados de acordo com categorias sonoras já existentes, listadas
nos inventários fonéticos dos sons das línguas. Dessa forma, não se teria a possibilidade de
observar características de mais de uma língua nas produções investigadas, pois a
classificação na análise de oitiva é categórica, isto é, dicotômica: ou o som é considerado
como pertencente a uma determinada língua ou não.
Ao adotar a análise acústica para o estudo da transferência das vogais da L3, não se
negligenciou totalmente o fato de essa abordagem também apresentar limitações em seus
recursos de uso. Para que os dados sonoros possam ser investigados por esse método, é
preciso que não haja um desvio muito acentuado entre a produção do sujeito e o padrão
esperado para essa produção. Se forem observadas trocas vocálicas muito discrepantes numa
produção oral, como ocorreu neste trabalho com as palavras “the” e “stop”, em que o sujeito
produziu as vogais-alvo como /e/ e /ç/, respectivamente, fugindo totalmente da
correspondência padrão esperada para elas, esse material deve ser excluído da análise acústica
e analisado de forma qualitativa, a partir do método tradicional. Outra alternativa seria
analisar esse material estatisticamente, a partir de vogais-alvo diferentes da vogal-padrão.
Nesta pesquisa, o primeiro tipo de procedimento foi observado, que as palavras em que o
sujeito trocou radicalmente a vogal-alvo foram excluídas da análise acústica e comentadas à
parte através da análise de oitiva (ver nota 43). Chama-se a atenção, assim, para a
possibilidade de integração entre os dois métodos de análise, que podem contribuir
mutuamente para a investigação da produção dos sons da fala.
Lembrando que o experimento utilizado para analisar a assimilação vocálica na
produção de L3 foi adaptado de Zimmer (2004), ressalta-se que essa pesquisadora não
utilizou uma abordagem acústica para a interpretação dos dados de sua pesquisa, apesar de ter
mencionado a necessidade futura de proceder-se dessa forma. Diante disso, cabe referir que
esta pesquisa complementa e amplia a análise realizada por Zimmer (2004) destinada ao
130
campo da L2, visto que emprega seu experimento de recodificação de palavras em língua
inglesa na área de pesquisa de aquisição de L3.
Quanto ao segundo objetivo contemplado nesta pesquisa, este procurava averiguar o
efeito exercido pela ortografia na transferência grafo-fônico-fonológica L2-L3. Para analisá-lo,
foram formuladas duas hipóteses, que correspondem à segunda e terceira hipóteses
trabalhadas neste estudo. Com a segunda hipótese, esperava-se que o tempo de reação para as
palavras apresentadas no primeiro bloco do inglês fosse significativamente menor do que o
tempo de reação para as palavras lidas no segundo bloco do inglês. Essa hipótese seria
explicada pela baixa ativação do conhecimento grafo-fônico-fonológico do francês durante a
leitura no primeiro bloco do inglês e pela alta ativação desse conhecimento do francês durante
a leitura do segundo bloco do inglês. Apesar de o tempo de reação no primeiro bloco do
inglês ter sido menor do que o do segundo bloco da mesma língua, essa diferença não foi
significativa, o que foi explicado na discussão dos resultados para essa hipótese com base no
fato de as palavras o-inimigas veiculadas no segundo bloco terem apresentado uma
diminuição no seu tempo médio de reação. Essa análise demonstrou que não é simplesmente o
fator recência na produção da L2 que influi na produção da L3. Deveria haver algo mais,
relacionado ao papel específico da ortografia das palavras na L2 e na L3 que competiram pela
ativação grafo-fônico-fonológica na produção oral de L3. Partiu-se, então, para a formulação
de uma hipótese mais específica, direcionada a investigar a relação entre o tipo de palavra lida
em cada bloco de apresentação.
De acordo com a terceira hipótese formulada nesta pesquisa (também relacionada ao
segundo objetivo), esperava-se que o tempo de reação para a leitura oral de palavras em inglês
(L3) que possuíssem corpos grafêmicos semelhantes aos das palavras do francês seria
significativamente maior quando a leitura dessas palavras da língua inglesa fosse feita após a
das palavras da ngua francesa apresentando corpos grafêmicos semelhantes entre as duas
línguas. Tal aumento no tempo de reação estaria atrelado a um efeito de transferência grafo-
fônico-fonológica elicitado por meio da leitura das palavras em inglês cujos corpos
grafêmicos estivessem presentes também nas palavras lidas em francês. Com a utilização
do programa E-Prime em conjunto com a Serial Response Box, além de corroborar-se
amplamente a hipótese levantada, outros achados importantes também relacionados ao efeito
da ortografia foram verificados. Constatou-se um aumento significativo no tempo de reação
para a leitura de palavras inimigas do inglês apresentadas no segundo bloco da língua inglesa,
assim como um leve aumento no tempo de reação para as palavras da língua francesa que
tiveram seus corpos grafêmicos lidos previamente no primeiro bloco da língua inglesa (na
131
apresentação das palavras inimigas do francês). Essa última constatação pôde ser feita através
da comparação do tempo de reação para as palavras do francês que tiveram os corpos
grafêmicos lidos primeiro em inglês com o tempo de reação para as palavras do francês que
tiveram os corpos grafêmicos lidos primeiro nessa língua.
Em suma, os resultados apresentados indicam mais do que a influência do efeito de
recência da língua mais proficiente (L2) sobre a língua mais incipiente (L3). Eles sugerem um
papel poderoso da relação intrincada entre os sistemas grafo-fônico-fonológicos das duas
línguas pesquisadas no segundo objetivo. Dessa forma, não só o fato de o aprendiz ter
recodificado ou falado a L2 recentemente pode ter contribuído para o estabelecimento da
transferência no sentido L2-L3, mas também o tipo de vocabulário que esse aprendiz leu ou
falou na L2, o qual pode ensejar uma maior transferência intralingüística devido a alguma
semelhança de origem grafo-fonêmica que ative a transferência grafo-fônico-fonológica.
Evidências a favor de um funcionamento colaborativo entre os sistemas de memória
hipocampal e neocortical também foram demonstradas através da identificação de processos
bidirecionais de transferência (bem como de processos de transferência intralingüística) que
se acredita serem possibilitados pela maneira como os padrões lingüísticos se organizam nas
redes neuroniais: de forma integrada e distribuídos em paralelo.
Analisando em conjunto os resultados obtidos nas três hipóteses investigadas, entende-
se que o presente trabalho alcançou metas que superaram as expectativas previstas. Apesar de
não se ter comprovado totalmente a primeira hipótese, os resultados obtidos apontaram para a
ocorrência de um processo muito mais rico e complexo do que se havia imaginado
inicialmente. para a segunda e terceira hipóteses, o fato de a segunda não ter sido
confirmada sugere que muito mais do que um mero efeito de recência colaborando para o
aumento no tempo de reação da leitura oral em L3. A terceira hipótese, mais específica aos
interesses desta pesquisa, foi amplamente corroborada, indicando, inclusive, a incidência de
outros processos de transferência que não faziam parte da meta de análise deste trabalho, mas
que também puderam ser observados. Ao constatar-se a criação de categorias híbridas para a
L3 – categorias estas que levam em conta aspectos da L1 e da L2 (e possivelmente do
conhecimento em construção da própria L3) –, e ao identificar-se a influência do efeito da
correspondência grafo-fônico-fonológica da L2 sobre a L3 (além de uma influência
intralingüística ensejada pela inconsistência de padrões grafo-fônico-fonológicos de uma
mesma língua), vislumbra-se uma tendência homogênea entre os resultados encontrados.
Tanto a criação de categorias híbridas envolvendo três línguas quanto a influência que
o sistema grafo-fônico-fonológico de uma língua estrangeira pode exercer sobre o tempo de
132
reação para a ativação de uma outra são resultados que estão em consonância com a visão
conexionista de aquisição de L2. Em ambos os casos, ressalta-se a capacidade dos sistemas de
memória de interagirem, estabelecendo conexões cooperativas e competitivas que indicam a
força com a qual as línguas serão ativadas e reinstanciadas fator que se mostra dependente
da freqüência de exposição ao input de cada língua aprendida. Apesar de uma transferência
maior dos conhecimentos mais entrincheirados no neocórtex ser notada em direção aos
padrões menos estabilizados do hipocampo, também os conhecimentos do hipocampo
influenciam os do neocórtex, promovendo a integração de padrões novos de aprendizagem
aos estabilizados previamente. Essa interação entre conhecimento novo e conhecimento
prévio denota uma via de relação entre os conhecimentos implícitos (neocorticais) e explícitos
(hipocampais) da linguagem, visão que é válida tanto para a L1 quanto para as demais línguas
adquiridas, não importando a idade em que o indivíduo tenha sido exposto a elas.
Diante desse posicionamento, refuta-se, neste trabalho, proposições de natureza mais
estanque, como a de Paradis (1994), que defende a impossibilidade de interação entre
conhecimentos implícitos e explícitos, levando a uma distinção entre aquisição (L1) e
aprendizagem (L2). Além disso, defende-se o funcionamento de um modelo de memória mais
interativo do que aquele proposto por Ullman (2001), de natureza mais híbrida. Para o seu
modelo, apesar de se esperar que os conhecimentos implícitos e explícitos sejam amparados
por um circuito de domínio geral, o que possibilitaria um maior envolvimento da memória
procedural (implícita) na aprendizagem de L2 à medida que o nível de proficiência nessa
língua fosse aumentando, acredita-se que esse circuito não enseja uma relação entre os
diferentes conhecimentos de acordo com uma distribuição anatômica ampla. Nesse sentido,
Ullman (2001) advoga que os conhecimentos lexical e gramatical tanto da L1 quanto da L2
são processados por sistemas de memória distintos
49
, posicionamento que vai de encontro aos
pressupostos conexionistas, que alegam uma interação ampla entre os padrões lingüísticos nos
sistemas de memória.
Acredita-se que os resultados obtidos através da análise dos experimentos aplicados
complementam-se, fornecendo evidências que estão em consonância com a visão conexionista
defendida ao longo desta pesquisa. Ressalta-se, pois, a capacidade de interação entre
diferentes línguas, e entre os conhecimentos provenientes dos sistemas neocortical e
hipocampal, o que foi verificado nesta pesquisa tanto numa tarefa de decisão lexical, como
49
Cabe lembrar que Ullman (2001) defende que o conhecimento gramatical da L1 estaria relacionado à memória
procedural, enquanto que o conhecimento lexical estaria atrelado à memória declarativa. Para a L2, o autor
acredita que o conhecimento gramatical seria dependente da memória declarativa, ao passo que o conhecimento
lexical dependeria da memória procedural.
133
numa tarefa de produção oral. Não se pode deixar de observar, no entanto, que as conclusões
deste trabalho devem ser interpretadas com cautela, uma vez que são o produto de um estudo
de caso. Na próxima seção, tratar-se-á de mencionar as principais limitações da pesquisa
desenvolvida, o que abre caminho para a proposição de novos trabalhos na área de L3 que
possam vir a fortalecer os achados aqui descritos.
5.2 Limitações do estudo e futuros direcionamentos para a pesquisa em L3
Desde o momento em que se direcionou o foco desta pesquisa para o estudo da
transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos da L2 para a L3 (tendo como foco principal
a análise da produção em L3), soube-se das dificuldades a serem enfrentadas para a sua
realização. Além de não se dispor de material de consulta explorando a língua portuguesa
como fazendo parte de um processo de transferência envolvendo três línguas, também se
mostrou difícil o acesso a trabalhos em L3 envolvendo outras línguas, devido ao fato de as
pesquisas na área não circularem de maneira ampla no contexto brasileiro. Acredita-se que
uma explicação para essa dificuldade que se encontrou para a consulta de pesquisas na área se
deva ao fato de não se possuir uma cultura plurilíngüe no país. De maneira geral, pode-se
dizer que uma pequena parcela da população tem acesso à aprendizagem de línguas
estrangeiras, o que acaba reduzindo o número de línguas que são aprendidas no país a apenas
uma, quando da sua ocorrência.
Em face disso, observa-se não somente a falta de interesse da comunidade de pesquisa
brasileira para com a investigação na área de L3, mas também a grande dificuldade para a
seleção de sujeitos que, ademais da sua língua materna, tenham o conhecimento de mais dois
sistemas lingüísticos. Julga-se, pois, que a principal limitação desta pesquisa encontra-se no
tamanho de sua amostra. No início da pesquisa, contava-se com três sujeitos que cumpriam
com as especificações requeridas pela mesma. Entretanto, em razão dos testes aplicados terem
de ser realizados em dias diferentes, o que é extremamente importante para que se consigam
resultados mais refinados, dois dos participantes acabaram retirando seu consentimento para a
participação da pesquisa, pois não dispunham do tempo necessário para a realização de todas
as atividades. Chama-se a atenção, então, para que se execute uma pesquisa no campo da L3
com uma amostra maior de sujeitos, o que talvez possa ser possível se forem recrutados
sujeitos em mais de uma cidade.
Além disso, como foi referido na discussão da primeira hipótese, é importante que se
delineiem estudos em que os participantes tenham aprendido sua L2 num contexto de imersão,
134
para que se observem possíveis diferenças em relação a este estudo no que tange à
predominância de assimilação de características espectrais vocálicas da L1 ou da L2 na L3, ou
se confirme realmente a hibridez aqui observada. Seria interessante, da mesma forma,
investigar a transferência da L3 ou da L2 sobre a L1, o que foi comentado na discussão da
primeira hipótese desta pesquisa.
Quanto à metodologia empregada na pesquisa, observa-se que, na tarefa de
recodificação leitora de palavras nas três línguas, algumas adaptações tiveram de ser feitas
nos experimentos escolhidos, para dar conta do objetivo final de analisar apenas as vogais
orais. Dessa forma, o mero de palavras utilizadas, por vezes, mostrou-se bastante reduzido,
comprometendo uma apresentação maior das vogais analisadas em contextos diversos. É
importante que se amplie o número de palavras contendo vogais orais, de forma que se
equilibre o número total de apresentação para cada uma. Nesse sentido, pode-se chegar a
resultados ainda mais significativos.
No que compete ao teste de acesso lexical, destaca-se que as palavras utilizadas não
foram analisadas acusticamente, o que poderia ter sido relacionado diretamente com os
resultados obtidos para o tempo de reação, trazendo resultados supostamente mais completos
para a análise da segunda e terceira hipóteses. Porém, optou-se por utilizar outros testes para
analisar as características acústicas das vogais produzidas pelo sujeito nas suas três línguas,
até porque o fato de existirem, no teste de acesso lexical, palavras em inglês e francês com
corpos grafêmicos concorrentes deveria causar uma confusão no momento da leitura em L3
50
,
sobretudo. Uma suposta análise acústica dos dados obtidos através do teste de acesso lexical
teria de dar conta dessas possíveis transferências grafo-fônico-fonológicas, o que seria
metodologicamente inviável. quando se tratou especificamente de coletar os dados a serem
analisados acusticamente, tomou-se o cuidado de realizar os testes referentes a cada uma das
três línguas (L1, L2 e L3) em dias diferentes, justamente para evitar, ou pelo menos amenizar,
a influência de uma língua sobre a outra.
Ainda no que se refere ao teste de acesso lexical desenvolvido por Jared e Kroll (2001),
uma possibilidade de ampliá-lo seria o desenvolvimento de uma outra tarefa complementar
que contivesse palavras tanto em português quanto em inglês, para que se pudesse ter uma
idéia mais clara de qual língua influenciaria mais no tempo de reação para a leitura em L3: a
L1 ou a L2.
50
Pensa-se que a L2 do sujeito, por estar mais consolidada, tenderia a influenciar mais sua L3 do que esta,
aquela – mesmo que ambas as línguas não fossem ativadas na mesma ocasião.
135
Por fim, cumpre mencionar que o fato de esta pesquisa estar direcionada a investigar
como se a interação entre três línguas nos sistemas de memória abre caminho para que se
pense numa metodologia mais voltada para o escopo da neurociência. Nesses termos, o
desenvolvimento de experimentos que possam ser testados com equipamentos utilizados por
essa área de pesquisa, como a tomografia cerebral computadorizada, por exemplo, parece ser
o encaminhamento natural para o tipo de pesquisa ora apresentada, que fornece evidências
mais sustentáveis para os questionamentos aqui propostos.
136
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ZIMMER, M. C.; SILVEIRA, R.; ALVES, U. K. Pronunciation Instruction for Brazilians:
Bringing Theory and Practice Together. Cambridge Scholars Publishing. No prelo.
143
ANEXOS
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Por favor, leia o parágrafo a seguir e assine na linha abaixo, indicando que você entende a natureza
desta pesquisa e que você consente em participar da mesma.
A pesquisa da qual você vai participar é de natureza psicolingüística e tem como objetivo estudar a
transferência de algumas estruturas da L2 (segunda língua aprendida) para a L3 (terceira língua aprendida) entre
falantes do português brasileiro. Vale salientar, ainda, que este não é um teste de inteligência, mas sim um
instrumento de avaliação de determinadas estratégias que aprendizes de L3 desenvolvem durante o processo de
aprendizagem dessa língua.
Nesta pesquisa, você irá realizar três tipos de testes. O primeiro tipo de teste tem a finalidade de
classificar seu nível de compreensão oral e seu conhecimento estrutural nas duas línguas estrangeiras
contempladas por este estudo, quais sejam, o inglês e o francês. Os testes a serem aplicados são o TOEIC, para o
inglês, o DALF, para o francês. O segundo teste consiste na leitura em voz alta de alguns itens nos dois idiomas
supramencionados, e também na sua língua materna, o português. O terceiro teste tem por objetivo fazer algumas
medidas de memória, também através da leitura de itens lexicais (em inglês e francês). Todas as atividades serão
gravadas.
Sua participação é livre e voluntária. Os participantes desta pesquisa terão seus nomes mantidos em
sigilo quando da divulgação geral dos dados, em dissertação de mestrado e em artigos científicos.
Pelo presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, declaro que autorizo a minha participação
neste projeto de pesquisa, pois fui informado, de forma clara e detalhada, livre de qualquer forma de
constrangimento e coerção, dos objetivos desta pesquisa e dos testes a que me submeterei, todos acima listados.
Fui, igualmente, informado:
* da garantia de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a qualquer dúvida a cerca dos
procedimentos, riscos, benefícios e outros assuntos relacionados com a pesquisa;
* da liberdade de retirar meu consentimento, a qualquer momento, e deixar de participar do estudo, sem que isto
traga prejuízo à minha pessoa;
* da garantia de que não serei identificado quando da divulgação dos resultados e que as informações obtidas
serão utilizadas apenas para fins científicos vinculados ao presente projeto de pesquisa;
O Pesquisador Responsável por este Projeto de Pesquisa é Cintia Avila Blank (fone xxx xxxxxxxx). O
presente documento foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma com o voluntário da pesquisa e outra
com o pesquisador responsável.
Data __ / __ / ____. ________________________________________________________________
Nome e assinatura do Voluntário
144
ANEXO B – ENTREVISTA APLICADA AO SUJEITO COM RESPOSTAS
ENTREVISTA
Por favor, responda às seguintes questões:
a) Idade: 25 anos Sexo: masculino
b) Grau de escolaridade: ( ) 2º grau ( ) 3º grau incompleto ( X) 3º grau completo
( ) pós-graduação
c) Sua língua materna (todas as línguas que você falava antes dos seis anos de idade): Português.
d) Quantas línguas estrangeiras você fala? Duas. Quais? francês e inglês.
e) Em qual ordem você as estudou? francês, inglês.
f) Com que idade você começou a estudar cada um dos referidos idiomas? francês: 21 anos; inglês: 25
anos.
g) Se você fosse somar todos os períodos em que estudou as línguas referidas, qual seria o tempo total de
estudo formal (escola, cursinho, intercâmbio, etc.) para cada língua? francês: 4 anos na universidade;
inglês: 2 anos na escola e 1 ano na universidade.
h) Você já morou em algum país de língua estrangeira? Não. Qual? - . Por quanto tempo? -
i) Você saberia especificar a variante que você emprega em cada língua estrangeira? francês: parisiense;
inglês: norte-americano.
j) Com que freqüência você fala as línguas estrangeiras estudadas?
Francês: 1) diariamente ( ) 2) freqüentemente ( ) 3) só em aula ( ) 4) raramente (X)
Inglês: 1) diariamente ( ) 2) freqüentemente ( ) 3) só em aula (X) 4) raramente ( )
Muito obrigada pela sua participação!
145
ANEXO C TESTE DE RECODIFICAÇÃO LEITORA EM LÍNGUA INGLESA
(ZIMMER, 2004) E TRANSCRIÇÕES CONSIDERADAS PARA AS PALAVRAS (IPA)
DE ACORDO COM A PRONOUNCING DICTIONARY OF AMERICAN ENGLISH
(KENYON E KNOTT, 1953)
Palavras da língua inglesa Transcrição
fact
/fQkt/
with
/wID/
see /si/
foot
/fUt/
does
/dz/
put
/pHUt/
slip
/slIp/
bus
/bs/
peel
/pHil/
deed /did/
spook
/spHuk/
doll
/dçl/
pear
/pHEr/
the
//
stop
/stAp/
146
ANEXO D TESTE DE RECODIFICAÇÃO LEITORA EM LÍNGUA PORTUGUESA
(ZIMMER E BION, 2007) E TRANSCRIÇÕES CONSIDERADAS PARA AS
PALAVRAS (IPA)
Palavras da língua portuguesa
data
/dat´/
seta
/sEt´/
bêta
/bet´/
cota
/kçt´/
gota
/got´/
sita
/sit´/
escuta
/iskut´/
bata
/bat´/
teto
/tEtu/
teta
/tet´/
rota
/rçt´/
boto
/botu/
brita
/brit´/
puta
/put´/
rata
/rat´/
beta
/bEt´/
chupeta
/Supet´/
vota
/vçt´/
roto
/rotu/
Rita
/rit´/
bruta
/brut´/
pata
/pat´/
reta
/rEt´/
preta
/pret´/
côto
/kotu/
fita
/fit´/
fruta
/frut´/
libra
/libr´/
147
ANEXO E – TESTE DE ACESSO LEXICAL (JARED E KROLL, 2001)
Palavras utilizadas no teste
Inglês- 1º bloco Francês Inglês- 2º bloco
stump robe swift
wrench plein brisk
fawn linge burn
spurt sale froze
drip pied stitch
gulp pape dusk
trick lance grudge
poke hier winch
broach chaise grunt
bump sang posh
strobe sept swept
vein fait bait
fringe crâne bane
stale chaud fraud
died mode strode
grape dix fix
trance rouge gouge
pier rire hire
braise soin groin
bang rond pond
steak sweat
wreath breast
foes bead
spook frost
dough sew
gull doll
couth glove
pear wool
broth brood
beard pint
148
ANEXO F TESTE DE RECODIFICAÇÃO LEITORA EM LÍNGUA FRANCESA
(JARED E KROLL, 2001) E TRANSCRIÇÕES PARA AS PALAVRAS (IPA) DE
ACORDO COM DICTIONAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE – LEXIS (2001)
Palavras da língua francesa Transcrição
robe
b
sale sal
pied pje
pape pap
chaise
SEz
sept
sEt
fait
fE
chaud
So
mode
mçd
dix dis
rouge
{uZ
rire
{i{
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Milhares de Livros para Download:
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