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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE DOUTORADO EM SOCIOLOGIA
A INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO:
UMA FORÇA DE TRABALHO SECUNDÁRIA?
Laís Wendel Abramo
São Paulo
2007
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE DOUTORADO EM SOCIOLOGIA
A INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO:
UMA FORÇA DE TRABALHO SECUNDÁRIA?
Laís Wendel Abramo
Orientadora: Prof. Maria Célia Paoli
São Paulo
2007
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia, do
Departamento de Sociologia, da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a obtenção
do título de Doutor em Sociologia
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Resumo
ABRAMO, Laís Wendel. A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força
de trabalho secundária? Tese (Sociologia) 327 p . Departamento de Sociologia,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2007.
A questão central desta tese é a discussão de como se constroem as
diversas representações sociais que contribuem à configuração das
desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Isso será feito
concentrando a análise no processo de constituição e reprodução da noção da
mulher como uma força de trabalho secundária.
Essa noção está presente no imaginário social, empresarial e sindical e das
próprias mulheres (que participam ou não no mercado de trabalho), assim como
nas concepções que embasam a formulação das políticas públicas. Marca a sua
presença em diversas correntes do pensamento analítico e está na base da
constituição de muitas instituições do mercado de trabalho. Resiste a muitas
mudanças objetivas – e cada vez mais evidentes - no comportamento de
atividade das mulheres e no seu desempenho laboral. O argumento central da
tese é que essa noção é cada vez menos adequada para representar as distintas
realidades da presença feminina no mercado de trabalho e que, além disso, é um
dos elementos sobre os quais se estruturam e se reproduzem as hierarquias
entre homens e mulheres e os padrões de discriminação e subordinação de
gênero no mercado de trabalho.
Palavras chave: Mulher, Gênero, Mercado de Trabalho, Políticas de Emprego,
Igualdade de Oportunidades.
Abstract
ABRAMO, Laís Wendel. Women in the labor market: a secondary workforce?
Thesis (Sociology) 327 p. Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
The main question of this thesis is the construction of different social
representations that contributes to the configuration of labor market inequalities
between men and women. The analysis shall focus on the process of
constitution and reproduction of the notion of women as a secondary workforce.
This notion is part of the social imaginary of business and unions, women that
are part (or not) of the labor market and also the theoretical ideas that inspire
public policies. It is so pervasive that it marks different trends of analytical
schools and social thought, impregnating the foundations of many institutions of
the labor market. It is so resilient that it resists historical and current
transformations –more and more evident- of women’s economic activities
patterns and their work behavior.
The central argument of this work is that the notion of women as secondary
workforce is less and less adequate for representing the different realities of the
women’s presence in the labor market, and moreover, it is one of the elements on
which are structured and reproduced the hierarchies between men and women
and the patterns of gender discrimination and subordination in the labor market.
Keywords: Women, Gender, Labor Market, Employment Policies, Equal
Opportunitties.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 4
Índice
INTRODUÇÃO
P. 05
CAPÍTULO 1: Reconstruindo uma noção: a mulher
como força de trabalho secundária
P. 21
CAPÍTULO 2: O ponto de vista empresarial: o
imaginário e as políticas de recursos humanos das
empresas relativas às mulheres no trabalho
P. 57
CAPÍTULO 3: Questionando imagens de gênero
P. 125
CAPÍTULO 4: A presença dos temas de gênero na
negociação coletiva
P. 179
CAPÍTULO 5: A experiência recente das políticas
públicas na União Européia: reprodução ou
superação da noção das mulheres como força de
trabalho secundária?
P. 219
CAPITULO 6: A evolução recente das políticas de
emprego e de igualdade de gênero no Brasil
P. 264
CONSIDERAÇÕES FINAIS P. 295
BIBLIOGRAFIA P.304
Introdução
Após três décadas em que se observa um crescimento constante dos
níveis de escolaridade e das taxas de participação feminina no Brasil e no
conjunto da América Latina, ainda persistem sérios obstáculos à inserção e
permanência das mulheres no mercado de trabalho em igualdade de condições
em relação aos homens. Em contextos de ajuste, reestruturação produtiva e
transformação nos paradigmas tecnológicos e produtivos, nos quais
desaparecem ou se desvanecem algumas das tradicionais barreiras à entrada
das mulheres no mercado de trabalho ou a certas funções e ocupações, alguns
destes obstáculos têm diminuído. Outros, entretanto, têm se reproduzido e,
inclusive, aumentado. As mulheres representam 42% da População
Economicamente Ativa no Brasil, já são mais escolarizadas que os homens, e
sua taxa média de participação é de 50,3%.
1
No entanto, persistem importantes
desigualdades de rendimento por hora trabalhada, e essas desigualdades são
ainda maiores nas faixas superiores de escolaridade. A taxa de desemprego das
mulheres é significativamente mais elevada que a dos homens, assim como a
sua presença nos segmentos informais e precários do mundo do trabalho
2
.
Essa situação de luzes e sombras que caracteriza a evolução do emprego
feminino e da magnitude e formas da desigualdade entre homens e mulheres no
mercado de trabalho nesse período de três décadas no Brasil e na América
Latina também é identificada por Maruani (2003) e Hirata (2003) em estudos
realizados nos países europeus.
Segundo Maruani (2003: 21) nesse período “conhecemos verdadeiras
mudanças, que, no entanto não são rupturas. São brechas decisivas; porém não
são definitivas. A feminização do mercado de trabalho é real, mas inacabada,
incompleta, tanto que se fez sob o signo da desigualdade e da precariedade. (...)
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 5
1 Nos estratos mais escolarizados de mais alta renda a taxa de participação das mulheres é muito superior a
essa média.
2
Ver a respeito Abramo (2004) e Abramo e Valenzuela (2006).
O afluxo das mulheres no mercado de trabalho, assim como o crescimento da
escolaridade feminina, marca uma reviravolta na história das mulheres – na história
das relações entre homens e mulheres. Os avanços certamente são avaliados em
termos de liberdade e autonomia.
As estagnações e os recuos se chamam subqualificação, subemprego, desemprego.”
Para Hirata (2003: 20): “embora mudanças e continuidades coexistam, o
deslocamento hoje das fronteiras do masculino e do feminino deixa intacta a hierarquia
social que confere superioridade ao masculino, hierarquia sobre a qual (...) se assenta
a divisão social do trabalho. Enquanto a “conciliação” entre vida profissional e vida
familiar, trabalho assalariado e trabalho doméstico for pertinente exclusivamente para
as mulheres, as bases em que se sustenta essa divisão sexual não parecem estar
ameaçadas em seus fundamentos”.
Se isso é verdade, e se o que interessa para a análise sociológica é
descobrir as relações sociais que configuram e reconfiguram os lugares de
homens e mulheres no mercado de trabalho, e as correspondentes relações de
desigualdade, hierarquia ou subordinação que os caracterizam, é fundamental
desvendar e descobrir os mecanismos que reproduzem essas diferenciações e
desigualdades, ainda que sob novas formas, e que fazem que o que esteja
ocorrendo seja um “deslocamento das fronteiras da desigualdade” (Maruani,
2003) e não a sua superação.
Para proceder a essa discussão, é necessário assinalar, em primeiro
lugar, que no processo de reprodução das desigualdades de gênero no mercado
de trabalho incidem diversos fatores. Em primeiro lugar aqueles de caráter
estrutural, vinculados aos determinantes mais gerais de uma ordem de gênero
(que inclui não apenas o trabalho como também todas as outras dimensões da
vida social) e de uma divisão sexual do trabalho que, ao mesmo tempo em que
conferem à mulher a função básica e primordial de cuidar do mundo privado e da
esfera doméstica, atribuem a essa esfera um valor social inferior ao do mundo
“público”, e desconhecem por completo seu valor econômico. Isso, para as
mulheres, não significa apenas uma limitação de tempo e recursos para investir
em sua formação profissional e trabalho remunerado, como também está
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 6
INTRODUÇÃO
fortemente relacionado a uma subvaloração (econômica e social) do significado
do seu trabalho e de seu papel na sociedade.
Os estereótipos de gênero, ou as representações sociais sobre os
homens e as mulheres no trabalho são elementos constitutivos dessa ordem de
gênero, assim como do processo de reprodução das desigualdades que
continuam sendo observadas e vivenciadas pelas mulheres trabalhadoras.
Esses estereótipos, que em geral desvalorizam a mulher como trabalhadora,
continuam tendo forte permanência, a despeito das significativas mudanças que
vêm ocorrendo em uma série de indicadores importantes do mercado de
trabalho.
A questão central da tese
A questão central da tese é discutir como se constroem as diversas
representações sociais (as diversas imagens de gênero) que contribuem à
reprodução das desigualdades entre homens e mulheres no mercado de
trabalho. Isso será feito concentrando nossa análise no processo de
constituição e reprodução da noção da mulher como uma força de trabalho
secundária.
A imagem da mulher como força de trabalho secundária é recorrente e
pervasiva. Está presente no imaginário social, empresarial e sindical, no
imaginário das próprias mulheres (que participam ou não no mercado de
trabalho), assim como no imaginário dos formuladores das políticas públicas.
Marca a sua presença em diversas correntes do pensamento analítico e da
literatura sobre o mercado de trabalho e esteve na base da constituição de
muitas instituições do mercado de trabalho.
Essa imagem resiste a muitas mudanças objetivas – e cada vez mais
evidentes - no comportamento de atividade das mulheres e no seu desempenho
laboral, assim como nas tendências de evolução do emprego e da própria
constituição do mercado de trabalho.
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 7
O objetivo principal desta tese é discutir a os processos de constituição e
permanência dessas imagens de gênero, e, em particular, a noção da mulher
como uma força de trabalho secundária. Interessa-nos examinar a partir de que
pressupostos, processos e mediações essa imagens se constroem, como
adquirem eficácia simbólica, como se legitimam, como se reproduzem e como se
transformam – ou não – no tempo.
3
Duas das perguntas que deverão ser respondidas ao longo desse
trabalho são: em primeiro lugar, que relação existe entre essas imagens e os
processos que elas pretendem interpretar e expressar? Que relação existe entre
a imagem da mulher como força de trabalho secundária e o seu comportamento
observável no mundo do trabalho, que pode ser captado, por exemplo, através
das estatísticas relativas às suas taxas de participação e ocupação, da análise
das suas trajetórias ocupacionais e da sua contribuição ao rendimento das
famílias? Que relação existe entre a imagem de que “as mulheres são mais caras
que os homens” e as cifras relativas aos custos salariais e não salariais
associados à contratação feminina e masculina? Que relação existe entre a idéia
de que as mulheres são mais indisciplinadas, menos produtivas, “faltam mais ao
trabalho” que os homens e as taxas de absenteísmo e níveis de produtividade e
desempenho de homens e mulheres?
Em segundo lugar, que relação existe entre as representações dos
diversos atores sobre as mulheres no trabalho (incluindo os formuladores de
políticas públicas) e as teorias que se estruturam sobre esses mesmos temas?
A resposta a essas perguntas será construída ao longo deste trabalho, a
partir tanto da literatura existente sobre esses temas como da pesquisa
realizada. A guisa de introdução ao tema, deve-se dizer, em primeiro lugar que
cada uma dessas imagens pode, com efeito, apresentar níveis de
correspondência com determinados fatos em determinadas situações. Mas, em
todos os casos (e em alguns discursos mais que em outros, algumas correntes
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 8
INTRODUÇÃO
3 É importante assinalar que, como será analisado no decorrer deste trabalho, essas imagens têm uma grande
eficácia prática, já que orientam a conduta de diferentes atores: empresários, as próprias mulheres, meios de
comunicação, formuladores e gestores das políticas públicas.
teóricas mais que em outras), inclui, sempre, também um conjunto de
preconceitos, estereótipos ou postulados “insensíveis ao gênero” que fazem
parte constitutiva dessas noções e, com freqüência, são os elementos que as
integram e lhes dão sentido. Um dos pontos interessantes a ser evidenciado e
analisado é justamente a recorrência e a pervasividade desses preconceitos,
estereótipos e postulados. De que forma eles aparecem e reaparecem, em
diferentes momentos e situações de emprego e trabalho, e através de
expressões diversas e distintos tipos de discursos, que podem ser captados
também através de diferentes ferramentas e instrumentais de análise.
Em segundo lugar, é necessário assinalar e reconhecer que a relação
entre os discursos dos atores (empresários, sindicatos, trabalhadores e
trabalhadoras, formuladores de políticas públicas), a teoria (os diversos
conceitos ou correntes teóricas que serão analisadas) e as instituições do
mercado de trabalho (políticas ou programas de emprego, aspectos da
legislação trabalhista e previdenciária, instituições de formação profissional)
não é simples. O(s) discurso(s) dos atores, o(s) discurso(s) teórico(s) e os
processos de conformação e transformação das instituições têm natureza
distinta, processos de construção, legitimação, propagação e evolução
distintos. Sua análise exige, portanto, abordagens também distintas, e o que não
pretendemos fazer é estabelecer entre eles qualquer relação simples de causa e
efeito ou de funcionalidade.
Mas é importante assinalar também que vários dos conceitos ou
abordagens teóricas que serão analisados participam em alguma medida da
construção dessas representações. Muitos deles não conseguem explicar
adequadamente a persistência da segmentação de gênero ou das desigualdades
de remuneração no mercado de trabalho, por exemplo, e acabam por reproduzir
uma visão preconceituosa sobre as mulheres, e que as desvaloriza enquanto
sujeitos políticos, econômicos e sociais, justamente porque não incorporam à
análise desses fenômenos um olhar sobre as relações sociais de gênero (são
insensíveis, ou “cegos” ao gênero).
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 9
Imagens de gênero
A noção das imagens de gênero é central nessa discussão, e estará
presente de várias formas nos diversos capítulos desta tese. Entendemos por
imagens de gênero as representações sobre as identidades masculina e feminina
que são produzidas social e culturalmente, e que determinam, em grande medida,
as oportunidades e formas de inserção de homens e mulheres no trabalho.
As imagens de gênero são elementos fundamentais na constituição de
uma ordem de gênero (que inclui não apenas o trabalho, como também todas as
outras dimensões da vida social) e de uma divisão sexual do trabalho que, ao
mesmo tempo em que conferem à mulher a função básica e primordial de cuidar
do mundo privado e da esfera doméstica, atribuem a essa esfera um valor social
inferior ao do mundo “público”, e desconhecem por completo seu valor
econômico. Isso, para as mulheres, não significa apenas uma limitação de tempo
e recursos para investir em sua formação profissional e trabalho remunerado,
como também está fortemente relacionado a uma subvaloração (econômica e
social) do trabalho da mulher e de seu papel na sociedade.
As imagens de gênero sobre os homens e as mulheres no trabalho são
elementos fundamentais, portanto, no processo de reprodução das
desigualdades que continuam sendo observadas e vivenciadas pelas mulheres
trabalhadoras. Como já foi assinalado, os estereótipos relativos aos homens e
mulheres no trabalho, que em geral desvalorizam a mulher como trabalhadora,
continuam tendo forte permanência, a despeito das significativas mudanças que
vêm ocorrendo em uma série de indicadores importantes do mercado de
trabalho.
As imagens de gênero são prévias à
inserção de homens e mulheres no
trabalho, ou seja, são produzidas e reproduzidas desde as etapas iniciais da
socialização dos indivíduos e estão baseadas na separação entre o privado e o
público, o mundo familiar e o mundo produtivo, e na definição de uns como
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 10
INTRODUÇÃO
territórios de mulheres e outros como territórios de homens
.
4
. Por sua vez, essas
imagens condicionam fortemente as formas (diferenciadas e desiguais) de inserção
de homens e mulheres no mundo do trabalho: tanto as oportunidades de emprego
quanto as condições em que este se desenvolve.
Por outro lado o trabalho (e, em especial, a divisão sexual e a segmentação
ocupacional de gênero existente no seu interior) é um locus importante de
reprodução dessas imagens. Estas, já no interior do mundo do trabalho, e sendo aí
constantemente reproduzidas, passam a ser um elemento fundamental da divisão
sexual do trabalho e da segmentação ocupacional existentes, constituindo-se em
um obstáculo à alteração dessa segmentação, inclusive em contextos marcados
por significativos processos de transformação na organização do trabalho e dos
paradigmas produtivos.
Em outras palavras: as imagens de gênero são um componente
fundamental das formas e processos através dos quais se estrutura a divisão
(sexual) do trabalho e a organização do processo de trabalho. Como tão bem nos
alerta Humphrey (1987), a divisão sexual do trabalho é um processo que não se
resume a alocar homens e mulheres em estruturas ocupacionais, perfis de
qualificação e postos de trabalho já definidos. Da mesma maneira que a
qualificação é uma construção social fortemente sexuada (Maruani, 1993), o
sistema sexo/gênero (e suas características de dicotomização, exclusão e
hierarquização) é uma dimensão fundamental do processo de constituição de
categorias que vão estruturar a definição dos postos de trabalho e dos perfis de
qualificação e competências a eles associados.
Sigamos o raciocínio de Humphrey (1987): a partir do momento em que
homens e mulheres ingressam no mundo do trabalho (concretamente em uma
empresa ou instituição), e mesmo antes disso, nos processos de recrutamento e
seleção que antecedem esse ingresso, eles e elas são imediatamente classificados
pelas gerências (e também por seus companheiros/as) de forma diferenciada (e
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 11
4
A separação entre esses dois mundos obedece aos mesmos princípios que estruturam o sistema sexo/gênero
no conjunto da sociedade: definição binária e dicotômica, hierarquização de um deles (o masculino) sobre o outro
(o feminino), supressão dos traços definidos como próprios do outro.
desigual) como homens e mulheres no trabalho, como trabalhadores e trabalhadoras.
Ao mesmo tempo, esses homens e essas mulheres redefinem em parte sua
identidade a partir dessa (nova) condição de trabalhador/a. Essas identidades,
assim redefinidas irão configurar expectativas e compromissos com o trabalho:
que tipo de trabalho esperam e se sentem aptos/as a realizar, que tipo de ordens e
de quem estão dispostos/as a aceitar, que tipo de remuneração, formas de
ascensão e promoção podem aspirar na sua vida profissional.
Essas classificações e identidades (que conformam as imagens de
gênero), produzidas originariamente fora e previamente à inserção dos
indivíduos (homens e mulheres) no mundo do trabalho, são nele reproduzidas e
(re)codificadas em termos das categorias próprias desse mundo, tais como os
tipos e graus de qualificação, força, destreza, disciplina, produtividade,
compromisso com a empresa,
“adequação” ao mundo da empresa e do trabalho,
etc.
Humphrey nos recorda que a sociologia industrial clássica sempre aceitou
o fato de que, quando homens e mulheres entram em uma fábrica, adquirem uma
identidade enquanto trabalhadores. O que não levou em consideração é que, ao
fazê-lo, eles e elas não abandonam as suas identidades de gênero. Estas,
evidentemente, sofrem redefinições e ajustes, relacionados à assunção e ao
desenvolvimento de novas práticas e expectativas relacionadas a situações e
experiências de trabalho e vida profissional. Mas continuam sendo um elemento
fundamental na configuração dessas identidades, assim como a moldar
expectativas e comportamentos no trabalho.
É necessário fazer ainda duas precisões. Quando nos referimos ao
imaginário sobre os homens e as mulheres no trabalho, é necessário considerar,
em primeiro lugar, que este imaginário está fortemente associado ao imaginário
sobre os homens e as mulheres na família e no conjunto da sociedade. É
impossível discutir uma dessas dimensões sem fazer referência à outra. Além
disso, existem aqui três âmbitos de discussão, inter-relacionados mas distintos.
O primeiro deles está referido ao imaginário social em geral, entendido como o
conjunto de visões de senso comum, mais ou menos estruturadas e
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 12
INTRODUÇÃO
racionalizadas, que possuem os indivíduos em geral, homens e mulheres, sobre
os seus lugares, papéis e funções, no trabalho, na família, na sociedade, na
esfera pública e na esfera privada. O segundo está referido ao imaginário
empresarial, ou seja, ao conjunto de noções, percepções e idéias que os
empresários têm sobre esses mesmos temas, e que são fundamentais porque
estão na base das suas decisões em relação à contratação, investimento em
capacitação, atribuição de tarefas e responsabilidades, definição de níveis de
remuneração e promoção de homens e mulheres (Abramo e Todaro, 1998).
O terceiro âmbito se refere ao conjunto de noções, percepções e idéias
que conformam o imaginário dos agentes políticos e formuladores de políticas
públicas, que estão na base das decisões que são tomadas nesse nível, e que
também afetam uma série de oportunidades e condições de vida e trabalho de
homens e mulheres.
A noção da mulher como uma “força de trabalho secundária”
A noção da mulher como uma “força de trabalho secundária”
estrutura-se em torno da idéia de que o movimento de entrada da mulher no
mercado de trabalho – assim como muitas características relativas à sua
permanência e ao seu desempenho no trabalho – estão determinados
basicamente pelos papéis que ela desempenha na esfera doméstica. Esses
papéis estão associados fundamentalmente às funções de cuidado a elas
assignadas pela ordem de gênero e pela divisão sexual do trabalho.
5
Segundo essa visão, o movimento de entrada das mulheres no mercado
de trabalho tende a ocorrer quando o homem, por definição o provedor econômico
principal ou exclusivo dos rendimentos da família, não pode cumprir de forma plena
ou adequada essa função, devido a uma situação de desemprego, diminuição da
sua remuneração, separação, falecimento ou outras causas. Sob essa ótica, a
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 13
5 Essa associação com a função de cuidado – e os limites que isso imporia a um “adequado” desempenho das
mulheres no trabalho - é um elemento constitutivo fundamental não apenas da noção da mulher como força de
trabalho secundária, como também de todas as outras imagens de gênero que serão analisadas no decorrer
deste trabalho.
inserção feminina no trabalho seria sempre débil, precária, eventual, instável e
secundária, e a mulher tenderia a se retirar da atividade econômica no momento
em que o homem conseguisse recuperar sua situação ocupacional e de
rendimentos. Esse tipo de concepção se encontra latente, por exemplo, nas
afirmações que justificam quando, havendo igualdade de funções entre um
homem e uma mulher, esta recebe uma remuneração inferior, a partir da lógica
de que ela “não necessita tanto do trabalho”, já que conta com um esposo para
manter a família. Até pouco tempo atrás, em muitos países, a desigualdade de
remunerações entre homens e mulheres era uma política explícita, que não
estava baseada em nenhuma evidência de que as mulheres eram menos
produtivas ou qualificadas que os homens, mas sim no pressuposto de que elas
“não necesitavam receber um salário para viver”, já que eram sustentadas pelos
seus maridos (Thomas, 2001).
Mas os dados relativos à evolução do emprego feminino no Brasil e em
várias regiões do mundo, indicam que essa imagem cada vez se distancia mais
da realidade. As taxas de participação e ocupação femininas têm aumentado
consistentemente nos últimos 30 anos, como também tem aumentado o número
de anos que elas dedicam ao trabalho remunerado, a continuidade das suas
trajetórias ocupacionais e a sua participação nos rendimentos familiares.
Também é crescente o número de mulheres “chefes de família”, condição na
qual elas, em geral, são as principais ou únicas provedoras (segundo os dados
do IBGE, 27% das famílias no Brasil são chefiadas por mulheres).
6
Também
aumenta a proporção de mulheres que não se retira do mercado de trabalho
quando tem filhos: é na faixa das mulheres casadas e em idade reprodutiva que
as taxas de participação feminina têm aumentado mais significativamente.
A hipótese central deste trabalho é que a noção da mulher como força de
trabalho secundária tem uma forte persistência social, ainda que os dados
indiquem que, se isso alguma vez foi asim, essa idéia cada vez corresponde
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 14
INTRODUÇÃO
6 Ainda que deva ser considerada também a importância da renda advinda das aposentadorias – muitas delas
recebidas também por mulheres - na composição dos rendimentos familiares, especialmente nas famílias
mais pobres.
menos à realidade. Além disso essa noção é também um dos elementos
importantes sobre os quais se estruturam e se reproduzem as hierarquias entre
homens e mulheres e os padrões de discriminação e subordinação de gênero no
mercado de trabalho.
Como argumenta Maruani (2003:22) se a preocupação com o lugar das
mulheres no mercado de trabalho não é algo novo, a forma de tratar a questão
evoluiu profundamente desde os anos 1960. Se as problemáticas de pesquisa
mudaram – e também os mecanismos e padrões de hierarquização e
subordinação – é, sem dúvida, porque a situação socioeconômica dos anos 1990
não tem muito a ver com a dos anos 1960: “A relação atividade profissional/vida
familiar não pode ser pensada hoje, quando as taxas de atividade das mães de
família se aproximam de 80%
7
, nos mesmos temos em que eram pensadas
quando essas taxas se situavam em torno de 40%”.
Uma das hipóteses básicas deste trabalho é justamente que, na fase
atual de configuração do mercado de trabalho e das famílias, que não se
caracteriza mais por um confinamento radical da mulher à esfera doméstica, a
noção da mulher como força de trabalho secundária tem um papel fundamental
nesse padrão de hierarquização, subordinação e discriminação. Essa é uma fase
na qual a evidência da presença das mulheres no mundo do trabalho não pode
mais ser negada. Nesse “deslocamento das fronteiras da desigualdade”, o que
parece estar ocorrendo é um processo de reconstrução das imagens de gênero (ou
dos estereótipos relativos a mulheres e homens no trabalho), a partir de uma
realidade na qual aumenta significativamente a presença das mulheres no
mercado de trabalho, assim como a importância dos seus rendimentos para o
bem estar – ou a superação da situação de pobreza - da família. Nesse imaginário
reconstruído (ou em processo de reconstrução), o lugar das mulheres deixa de ser
apenas a esfera doméstica e privada, e pode ser também a esfera produtiva e
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 15
7 Na França e em alguns países da Europa. Na América Latina essa taxa se situa em aproximadamente 50%
em média.
pública; o seu “destino” não é mais apenas aquele de ser mãe e esposa, mas
pode também ser o de uma trabalhadora.
Mas que trabalhadora? Ainda não é uma trabalhadora que tem os
mesmos direitos e o mesmo estatuto que um trabalhador do sexo masculino. Por
isso a sua qualificação como “secundária”, ou seja, “incapaz” de ter um
desempenho igual ao dos homens, e cujo trabalho não tem a mesma
importância, seja em termos da manutenção econômica de si mesma ou de sua
família, seja em termos de constituição da sua identidade pessoal, seja em
termos de reconhecimento social.
Como se constitui a idéia da mulher como força de trabalho secundária
A idéia da mulher como força de trabalho secundária estrutura-se, em
primeiro lugar, a partir da separação e hierarquização entre as esferas do público
e do privado e da produção e da reprodução. Em segundo lugar, em torno de uma
concepção de família nuclear na qual o homem é o principal ou o único provedor
e a mulher é a responsável principal ou exclusiva pela esfera privada (o cuidado
doméstico e famíliar), ou, no máximo, uma “provedora secundária”. Várias das
instituições do mercado de trabalho características do pós-Segunda Guerra
(algumas das quais existem até hoje, e entre as quais estão o salário mínimo e
alguns sistemas de aposentadoria e saúde) estão baseadas nessa idéia: uma
remuneração ou benefício que, recebido pelo “chefe da família” (uma pessoa, e
por definição o homem), seria suficiente para manter em condições adequadas o
trabalhador e sua família.
Nesse modelo, a inserção da mulher no trabalho é um aspecto
secundário do seu projeto de vida, da constitução de sua identidade e de suas
posibilidades reais, e ocorrre basicamente em duas situações. Quando o homem
(por definição o provedor principal ou exclusivo) não pode cumprir esse papel,
devido a uma situação de crise econômica, desemprego, diminuição de suas
remunerações, doença, incapacidade temporária ou definitiva ou outro tipo de
infortúnio. Quando se trata de uma família na qual a figura masculina está
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 16
INTRODUÇÃO
ausente (por morte ou separação) e a mulher assume o papel de provedora por
falta de outra alternativa.
Em consequência da atribuição desse papel ao homem, a inserção da
mulher no mundo do trabalho, quando ocorre, seria também, por definição, uma
inserção sempre complementar, eventual, instável. Em uma palavra, secundária.
As principais expressões dessa inserção “secundária” das mulheres no
mundo do trabalho seriam, em primeiro lugar, a existência de trajetórias
ocupacionais instáveis e interrompidas: as mulheres entrariam no mercado de
trabalho não devido a um projeto pessoal de maior alcance, mas sim devido a
uma “falha” do homem no cumprimento do seu papel de provedor.
Conseqüentemente, também tenderiam a abandonar a atividade econômica
(regressando à situação de inatividade) no momento em que isso fosse possível,
já que o seu lugar básico e essencial não é o mundo do trabalho, mas sim a
família, a casa, o universo doméstico.
8
Em segundo lugar, a pouca importância
da renda gerada pelo trabalho da mulher na conformação da sua renda pessoal
ou familiar; essa renda também seria, por definição, secundária, complementar,
instável, insuficiente tanto para sustentar um projeto de autonomia pessoal
quanto a sobrevivência e o bem estar da família. Em terceiro lugar, a idéia de que
o mundo do trabalho (e as relações que em torno a ele se constituem) não é um
lugar de constituição de identidade para as mulheres (ou, no mínimo, é um lugar
muito secundário nesse processo), e, muito menos, de geração de práticas
associativas, organizativas, coletivas. Essa imagem parece estar muito presente
em certos setores da dirigência sindical masculina e podem ter consequências
importantes nos rumos que tomam a prática e a ação sindical.
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 17
8 É importanter assinalar que parece haver uma semelhança entre essa imagem e aquela presente na fase
inicial da sociologia do trabalho na América Latina sobre “a classe operária nativa”, ou seja, aquela que não
estava composta pelos imigrantes de origem européia, mas sim pelos migrantes de origem rural. Nessa
imagem, a incorporação desses trabalhadores ao mundo urbano-industrial era caracterizada como incipiente
e frágil, e sua situação era vista por eles mesmos como algo indesejável, a qual estariam dispostos a
renunciar e abandonar (voltando ao campo – à sociedade rural tradicional) na primeira oportunidade que se
apresentasse. Além disso, essa suposta inserção frágil e instável impossibilitava a identificação desses
trabalhadores com a condição de operários industriais e, a partir daí, a estruturação de formas de
consciência, organização e padrões de ação coletiva “adequados” a essa condição (ver a respeito, Paoli,
Telles e Sader, 1997);
Finalmente (e isso tem uma forte presença no imaginário empresarial),
essa inserção secundária, eventual, instável, teria como consequência,
necessariamente, altos custos indiretos (associados à maternidade e ao cuidado
infantil) e um comportamento “pouco adequado” no trabalho, que se traduziria
em altas taxas de rotatividade e absenteísmo, um “baixo grau” de compromisso
com a empresa, na imposibilidade de fazer horas extras, trabalhar em turnos
noturnos e viajar, e que justificaria a exclusão das mulheres de determinados
postos e funções (organizados em sistemas de turnos)
9
e dos cargos superiores
na hierarquia das empresas.
A estrutura da tese
A tese se inicia com a apresentação do problema (Introdução) e, em
seguida, com a definição do seu o marco teórico. No Capítulo 1 se discute
basicamente de que forma a noção da mulher como força de trabalho secundária
aparece na literatura teórica econômica e sociológica sobre o mercado de
trabalho e como – e até que ponto – esse tema tem sido analisado e discutido em
algumas das correntes teóricas que se dedicaram a analisar o mercado de
trabalho.
O tema do segundo capítulo é a análise do imaginário empresarial
relativo às mulheres no trabalho e das políticas de recursos humanos das
empresas dirigidas à força de trabalho feminina e às relações entre os âmbitos
domésticos e do trabalho. A hipótese com que trabalhamos, e que deriva tanto
da literatura existente sobre o tema como da pesquisa desenvolvida, é que,
apesar da crescente aceitação, por parte dos empresários, de que as mulheres
também têm um lugar no mundo do trabalho (e que responde, por um lado, a
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 18
INTRODUÇÃO
9 O tema da exclusão das mulheres de determinados postos, funções e ocupações - que, evidentemente,
contribui para a segregação ocupacional e para a configuração de “territórios de homens” e de “territórios de
mulheres” no mundo do trabalho, e tem um poder tão grande na reprodução da situação de desvantagem e
subordinação das mulheres – tem uma larga trajetória na discussão da historiografia feminista. Nessa
discussão várias autoras se preocupam em analisar não apenas a ação empresarial ou do Estado, mas
também dos sindicatos e dos trabalhadores do sexo masculino (Humphries, Cockburn). É interessante
indagar que vigência teria hoje esse tipo de comportamento.
importantes mudanças culturais, e, por outro, ao significativo e constante
aumento das taxas de participação feminina no mercado de trabalho), esse lugar
continua sendo um lugar “secundário”. O elemento fundamental dessa
“secundarização”, é a idéia de que o papel e o lugar fundamental da mulher
continua sendo a esfera doméstica, a maternidade e a função de cuidado, e que
esse fato “sobredetermina” o seu desempenho como trabalhadora e tem como
consequência uma menor produtividade, menos eficiência, custos mais
elevados, comportamentos inadequados. Esses problemas justificariam, do
ponto de vista empresarial, o fato delas continuarem recebendo salários em
média mais baixos que o dos homens (apesar do crescente aumento dos seus
níveis de escolaridade), o baixo investimento realizado pelas empresas em
treinamento/formação da mão de obra feminina, a exclusão das mulheres de
certos postos e funções (especialmente aqueles se organizam em turnos), assim
como dos cargos superiores na hierarquia das empresas.
O terceiro capítulo pretende aprofundar a discussão sobre algumas das
imagens recorrentemente formuladas pelos empresários sobre as mulheres no
trabalho. Em especial duas delas: a de que os seus custos de contratação são
superiores aos dos homens e a que suas taxas de absenteísmo também são
mais elevadas. Apesar da dificuldade de contar com estatísticas sistemáticas
sobre esses dois temas, o resultado da pesquisa realizada indica que essas
imagens – apesar de sua recorrência - constituem basicamente mitos que não
resistem a uma análise mais cuidadosa.
No quarto capítulo se analisa de que forma os temas relativos aos
direitos das mulheres e às relações de gênero no trabalho têm sido tratados nos
processos de negociação coletiva, com o objetivo de verificar, em primeiro
lugar, qual têm sido a atenção e o grau de importância dados pelos sindicatos a
esses temas, assim como o grau de abertura ou resistência dos empregadores
em relação a eles. O segundo grande tema tratado nesse capítulo se refere a que
aspectos das condições da mulheres trabalhadoras e das relação de gênero no
trabalho têm sido considerados nos processos de negociação coletiva, que
avanços podem ser observados e quais os principais desafios que persistem.
INTRODUÇÃO
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 19
Esses avanços têm ou não contribuído para a valorização das condições da
mulher no trabalho? Em que medida e em que sentido? A negociação coletiva
está contribuindo a promover ambientes de trabalho menos discriminatórios e
mais favoráveis, seja aos direitos da mulher trabalhadora, seja àqueles relativos
a uma melhor distribuição das responsabilidades familiares entre homens e
mulheres e a uma maior possibilidade de conciliação entre a vida familiar e
laboral para trabalhadores de ambos os sexos? Pode-se estabelecer alguma
relação entre a negociação coletiva e a reafirmação e/ou o questionamento das
imagens e estereótipos analisados nos capítulos anteriores?
10
Finalmente, o objetivo dos dois últimos capítulos é analisar de que forma
as estratégias de promoção da igualdade de oportunidades têm incidido em
algumas áreas das políticas públicas (em especial as políticas de emprego e
inclusão social) na experiência recente da União Européia (Capítulo 5) e do Brasil
(Capítulo 6), com o objetivo de discutir até que ponto elas tem contribuido a
reforçar ou a transformar as noções que estiveram em exame ao logo dos
capítulos anteriores e em especial a dicotomia entre “provedor” e “cuidadora” e
a associação entre as mulheres e a força de trabalho secundária.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 20
INTRODUÇÃO
10 É necessário assinalar que, para fazer essa discussão, deve-se analisar não apenas os resultados das
negociações expressos nas cláusulas que constam dos acordos e convênios coletivos de trabalho, mas
também os processos de negociação, que envolvem a definição das pautas de reivindicação apresentadas
pelos sindicatos e as diversas formas de mobilização e organização das categorias.
CAPÍTULO 1
Reconstruindo uma noção: a mulher
como força de trabalho secundária
1.1.
Introdução
O objetivo deste Capítulo é discutir de que forma a noção da mulher como
força de trabalho secundária se constitui em algumas vertentes da teoria econômica e
sociológica sobre o mercado de trabalho.
A análise da literatura existente sobre o tema nos permite dizer que são as
teorias sobre a segmentação do mercado de trabalho (e em particular as teorias sobre
os mercados duais de trabalho) as que mais explicitamente formulam o conceito de
“força de trabalho secundária”. A elas daremos uma especial atenção. No entanto, é
necessário examinar também duas outras matrizes de interpretação para entender
muitas dos pressupostos sobre os quais se baseia a noção da mulher como força de
trabalho secundária. Em primeiro lugar a da economia neoclássica (e em especial as
formulações da “Nova Economia da Família”) e em segundo lugar a da economia
radical, de inspiração marxista.
Antes de entrar na discussão dessas duas matrizes teóricas é necessário, no
entanto, assinalar que a análise das características e evolução do comportamento de
atividade das mulheres, e das modalidades do emprego feminino, em relação tanto às
mudanças econômicas, sociais ou políticas gerais, quanto em relação às
transformações ocorridas nas famílias ou na evolução do status das mulheres, tem
estado presente em outras vertentes de estudos sobre as mulheres e o mercado de
trabalho, entre elas a historiografia social e a antropologia.
Borderías y Carrasco (1994) fazem uma interessante análise sobre as
aproximações históricas, sociológicas e econômicas sobre o trabalho das mulheres,
destacando, entre outras, as contribuições da historiografia. “Os estudos históricos
constituem a ‘pedra de toque’ de muitas das teorias econômicas e sociológicas sobre o
emprego”, afirmam as autoras (pg 54).
Um dos temas presentes nessa literatura se refere às repercussões do
processo de industrialização e de constituição do modo de produção capitalista na
divisão sexual do trabalho e na “consagração” da separação entre as esferas produtiva
e reprodutiva, vista por muitas das autoras analisadas, como uma “característica
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 22
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 23
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
fundacional do processo industrializador”. Essa discussão faz parte de outra, muito
mais ampla, sobre a transição do feudalismo para o capitalismo ou da manufatura à
indústria moderna.
Segundo as autoras, podem ser identificadas duas posições básicas em
relação à evolução do emprego feminino no processo de transição das sociedades
pré-industriais ao capitalismo industrial. A primeira afirma que teria havido um aumento
da participação das mulheres no mercado de trabalho durante o processo
industrializador (Pinchbeck, 1969; Boysin, 1972; Shorter, 1976); a segunda constata a
diminuição da atividade produtiva das mulheres, principalmente a partir de 1820
(Richards, 1974; Tilly y Scott, 1975). Para elas, um fator importante a ser considerado,
e que fortaleceria a segunda posição, é o aumento das taxas de natalidade que
caracteriza o período, prolongando significativamente o número e a freqüência das
gestações e o período de criação dos filhos pequenos. As autoras apontam também
que existem versões mais matizadas dessa polêmica, que apontam uma diminuição
das oportunidades de emprego para as mulheres durante 1750 e 1850, enquanto a
perspectiva a longo prazo configuraria a tendência contrária (Pinchbeck, 1930).
Mais recentemente, uma grande parte das pesquisas realizadas confirmariam
o declínio do emprego industrial das mulheres durante o século XIX, comparado com a
enorme importância que teve a mão de obra feminina nas indústrias modernas durante
o período da “proto-industrialização”, assim como nas manufaturas e nas primeiras
fábricas durante o século XVIII (Borderías e Carrasco, 1994: 53). As divergências se
situam principalmente nas explicações do porque dessa diminuição. Alguns autores a
associam à separação entre o espaço da produção assalariada e o da reprodução
(Clark, 1919); outros a mudanças demográficas (aumento das taxas matrimoniais e
antecipação da idade de casamento) (Snell, 1985); outros à diminuição da importância
das indústrias domésticas rurais (Richards, 1974), ou o papel dos sindicatos nas
retirada das mulheres do trabalho industrial (Hartmann, 1979; Walby, 1986).
Com efeito, um dos aspectos polêmicos dessa discussão se refere ao papel da
ação dos sindicatos e da intervenção estatal na paulatina institucionalização da
separação e hierarquização entre as esferas produtiva e reprodutiva, através da
criação de determinadas práticas e instituições. É nessa linha de argumentação, por
exemplo, que se insere a discussão feita por Humphries (1977) sobre o papel de
agentes e instituições tais como o Estado, os sindicatos, a Igreja e partidos políticos no
processo de “expulsão” das mulheres do mercado de trabalho (ou estabelecimento de
limitações à sua entrada). A instituição por exemplo, do “salário familiar” e das
primeiras leis que proíbem o trabalho de mulheres e crianças nas minas de carvão
(1842) é vista por esta autora como produto da resistência das famílias operárias à
diminuição dos seus níveis de vida durante a primeira industrialização. De qualquer
forma, o certo é que “a adiscrição prioritária dos homens à produção e das mulheres à
reprodução se consolidou como forma de divisão sexual do trabalho das sociedades
industrializadas, contribuindo, além disso, a delimitar novas formas de segregação
sexual dos mercados de trabalho” (Borderías y Carrasco, 1994: 56).
1.2.
A matriz neoclássica e a Nova Economia da Família
1.2.1.
A teoria neoclássica
As principais contribuições da teoria neoclássica para a análise do trabalho
das mulheres se referem basicamente ao tema da oferta de trabalho feminina (além
dos estudos sobre a discriminação na linha de Gary Becker).
A teoria neoclássica modifica substancialmente a análise clássica (Malthus,
Ricardo) que postulava que a oferta de trabalho estaria determinada pelo estoque de
população em idade de trabalhar e não incapacitada fisicamente. A teoria neoclássica
enfatiza a decisão do indivíduo de oferecer o trabalho como elemento central dessa
determinação, como parte da teoria da escolha do consumidor. O trabalhador decide
se quer ou não oferecer a sua força de trabalho a partir de uma função de utilidade
entre o ócio e a renda que ele espera receber com o seu trabalho. O trabalho aqui é
considerado unicamente um meio para conseguir um fim (a renda) e, de acordo à lei da
oferta e demanda que caracteriza os mercados em geral, as quantidades do bem
oferecido (trabalho) dependem do seu preço (Toharia, 1999:12).
Em outras palavras, os indivíduos maximizam a sua utilidade, de acordo com
as suas preferências, tomando decisões a partir de uma dupla restrição de tempo:
cada hora de trabalho remunerado implica num sacrifício do tempo de “ócio”
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 24
(entendido aqui como todos os usos do tempo que não entram dentro da categoria de
trabalho assalariado); por outro lado, o custo de oportunidade do ócio é o salário ou a
remuneração não recebida (o custo de não receber a remuneração correspondente à
utilização dessa mesma parcela de tempo no trabalho remunerado). A taxa de
participação no mercado de trabalho estaria, portanto, determinada pela quantidade de
trabalho que se está disposto a oferecer em troca de algum rendimento (salarial).
A teoria neoclássica, portanto, explica a participação no mercado de trabalho
(ou o comportamento de atividade dos indivíduos) a partir de uma relação entre os
salários (rendimentos do trabalho) e o “ócio”. O tempo total disponível para cada
pessoa em um determinado período é um dado e é o recurso escasso por excelência.
No caso da oferta de trabalho, um aumento do salário real oferecido no
mercado produzirá o chamado “efeito de substituição”, ou seja, a decisão do indivíduo
de querer trabalhar mais, já que aumenta o custo de oportunidade do ócio em relação à
renda advinda do trabalho. Mas pode também produzir o “efeito renda” no sentido de
querer consumir mais ócio (e, portanto, trabalhar menos), já que, com a mesma
quantidade de trabalho o aumento do salário real eleva o nível de renda. O resultado
desses dois efeitos determinará a pendente da curva de oferta de trabalho, que será
positiva se o “efeito substituição” for mais importante que o “efeito renda” e negativa no
caso contrário (Toharia, 1999: 13).
Para a teoria neoclássica, a divisão das atividades em atividades de mercado e
não mercado não se explica como conseqüência do costume, da prática, da divisão
sexual do trabalho, etc, mas sim a partir da busca racional da máxima utilidade, busca
essa que determina a alocação do tempo dos membros da família.
O modelo tenta explicar a taxa de atividade (isto é, o número de horas que
cada indivíduo está disposto a oferecer) a partir das variações da sua renda ou de
outras rendas. Dentro desse esquema, os baixos níveis de inserção das mulheres no
mercado de trabalho responderiam a uma decisão “racional” destas a favor do ócio.
1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 25
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
1 Vale notar que, nesse modelo, qualquer atividade realizada – por homens e mulheres - fora da esfera
mercantil é considerada “ócio”.
Como parte da tentativa de explicar por que as mulheres não se decidem a
oferecer seu trabalho em uma determinada etapa ou ao longo de toda a sua vida, se
formula o conceito de “salário sombra”. O “salário sombra” é o salário que a pessoa (a
mulher no caso) tem possibilidades de receber no mercado. O conhecimento do
indivíduo sobre qual poderia ser esse salário influencia a sua decisão de incorporar-se
ou não ao trabalho remunerado. Considerando que fatores tais como a experiência no
trabalho, a escolaridade e o status ocupacional fazem parte desse salário potencial, no
caso das mulheres (ou de determinados grupos de mulheres), esse poderia ser tão
baixo que não compensaria uma tentativa de inserção no mercado de trabalho, ou, em
outras palavras, que as induzisse a não tomar a decisão de oferecer a sua força de
trabalho) (Ben-Porath, 1973; Heckman, 1974, citados por Benería e Carrasco, 1994:
61).
Por sua vez, a teoria do capital humano, formulada também dentro da matriz
neoclássica, inclui entre os seus temas de discussão a tentativa de explicar
determinados aspectos das condições de inserção das mulheres no mercado de
trabalho. A teoria postula que o aumento da produtividade de cada trabalhador,
derivada da acumulação de capital humano, se traduz, em geral, em um aumento de
salários (ou outro tipo de compensações). Dentro desse marco de referência são
discutidas as diferenças salariais entre homens e mulheres, com o objetivo de
determinar se a explicação básica para essas diferenças pode ser encontrada nas
diferenças de produtividade (determinadas por sua vez pelas diferenças de capital
humano) ou na preferência das pessoas por determinados empregos (Mincer y
Polachek, 1974; Polachek, 1975). Esses autores argumentam, basicamente, que,
devido ao fato de que as expectativas das mulheres em relação à sua participação na
população ativa ao longo da sua vida são diferentes (mais reduzidas) das dos homens,
suas decisões em relação a investir em capital humano também diferem (são
menores). Ou seja, as mulheres acumulam menos capital humano porque tem uma
menor expectativa em relação às suas possibilidades de inserção no mercado de
trabalho, e por isso os seus salários são mais baixos.
Por outro lado, como qualquer capital, o capital humano também se deprecia e
a depreciação do capital humano reduz a produtividade dos trabalhadores. E isso
acontece com mais intensidade nos períodos em que os trabalhadores se ausentam do
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 26
local de trabalho. As mulheres, que já tendem a acumular menos capital humano
devido à menor expectativa de retorno do investimento feito, estão também sujeitas à
maior depreciação desse capital devido à sua tendência de se retirar do mercado de
trabalho (ou de diminuir a intensidade da sua presença nele) durante o período
reprodutivo (quando nascem os filhos ou quando esses são pequenos). Isso também
explicaria as diferenças salariais entre homens e mulheres.
2
1.2.2.
A Nova Economia da Família
A “Nova Economia da Família” surge a meados dos anos 60, com o objetivo de
dar resposta a uma série de problemas que não haviam sido bem resolvidos pela teoria
neoclássica, entre eles os determinantes do comportamento da oferta laboral feminina.
Até esse momento, a família havia sido tratada pela teoria neoclássica como
uma unidade de consumo e de oferta de trabalho, sem que fossem analisados (ou
colocados em questão) os seus mecanismos internos de decisão.
A Nova Economia da Família se integra dentro do paradigma neoclássico e,
fiel a essa tradição, estuda o comportamento dos membros da família usando o
instrumental metodológico e conceitual da microeconomia: as famílias são tratadas
como unidades de decisão que maximizam uma função de utilidade submetida a
restrições. Estende ao campo da família as ferramentas teóricas e conceituais da
economia neoclássica. Tentando ser conseqüente com o princípio do individualismo
metodológico, aborda a explicação dos comportamentos a partir dos indivíduos. A sua
grande novidade é considerar o trabalho doméstico como uma categoria econômica,
com o mesmo estatuto conceitual que o trabalho assalariado, postulando que as
atividades de mercado e as atividades domésticas se determinam mutuamente
(Borderías e Carrasco, 1994: 19, 32 e seguintes e 65 e seguintes).
O principal expoente da Nova Economia da Família é Gary Becker. Suas idéias
fundamentais estão nos trabalhos formulados entre 1965 e 1981, e foram seguidas por
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 27
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
2 Ainda sobre a teoria do capital humano ver Toharia (1999: pg 15 e seguintes) e Humphries e Rubery (1994).
um grande número de autores da mesma escola que, no fundamental, mantém o
núcleo teórico original. Atenção importante é dada à discussão sobre os determinantes
da participação das mulheres no mercado de trabalho e à “economia do matrimônio”,
através da qual se analisa a distribuição do tempo dos vários membros da família entre
o trabalho assalariado, o trabalho doméstico e o “ócio”. Isso significa reconhecer que o
tempo que não é dedicado ao trabalho no mercado não é necessariamente tempo
ocioso, o que não deixa de ser um passo importante para visibilizar o trabalho
desempenhado pelas mulheres na esfera reprodutiva.
As principais diferenças entre a teoria neo-clássica tradicional e a Nova
Economia da Família é, em primeiro lugar que nesta a função de utilidade a ser
maximizada não é definida em termos individuais, mas sim familiares: é a família em
seu conjunto que busca maximizar o seu bem-estar. Em segundo lugar, ela incorpora
um novo elemento que é a função de produção doméstica. Para a teoria neoclássica,
uma função de produção é um instrumento conceitual utilizado na análise da empresa,
que define a relação tecnológica existente entre os elementos que participam no
processo de produção (matérias primas, tipo de trabalho, etc) e o produto obtido. A
Nova Economia da Família adapta essa idéia ao âmbito doméstico, considerando a
família como unidade produtiva comparável a uma pequena empresa.
3
Essas formulações serão muito importantes, especialmente nos estudos sobre
as mulheres casadas.
4
Os trabalhos realizados a partir dessa perspectiva visam
identificar o efeitos de distintas variáveis sobre a distribuição do tempo de diferentes
membros da família: taxa de salário pessoal, salário do cônjuge, rendas não salariais,
número e idade dos filhos, escolaridade da mulher. Mas as conclusões gerais desses
estudos não discutem os pressupostos básicos da divisão sexual do trabalho segundo
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 28
3 De acordo com essa função de produção doméstica, a família combina os bens adquiridos no mercado com o
tempo de algum dos seus membros, para obter os chamados “bens domésticos”: cuidado de um filho,
alimentos preparados em casa etc. Segundo os seus autores, são esses bens produzidos em casa – e não os
adquiridos no mercado - que, uma vez consumidos, proporcionam satisfação aos membros da família.
4 Os mecanismos de alocação do tempo como um “recurso escasso” devem ser pensados a partir dos mesmos
critérios de eficácia que regem a empresa: custo do tempo, produtividade, especialização. Dessa maneira, a
variação em um dos fatores – por exemplo, a taxa salarial, ou da produtividade do trabalho doméstico –
repercute necessariamente em todas as atividades e portanto na distribuição do tempo dedicado a cada uma
delas.
os quais os homens devem dividir seu tempo entre o mercado de trabalho e o ócio e
mulheres entre o mercado de trabalho, o trabalho doméstico e o ócio.
De um ponto de vista da análise de gênero, as principais limitações da Nova
Economia da Família são as seguintes
5
: em primeiro lugar, a idéia que fundamenta a
análise da distribuição das tarefas no interior da família e que tenta explicar a divisão
de trabalho que existe no seu interior, tem origem na teoria do comércio internacional:
cada membro se especializa nas tarefas em relação às quais apresenta “vantagens
comparativas” e nisso se situariam os benefícios econômicos do casamento. Os
problemas começam ao tentar explicar de onde surgem essas supostas “vantagens
comparativas”, que inevitavelmente conduzem a que o homem se especialize no
trabalho remunerado para o mercado, e a mulher no trabalho doméstico. Uma das
tentativas de explicação é que os membros da família com menor salário potencial
alocam proporcionalmente mais tempo ao trabalho doméstico devido ao seu menor
custo-oportunidade, ou seja ao salário que obteriam se tivessem um trabalho
assalariado. Assim, é mais eficiente que as mulheres se especializem no trabalho
doméstico, já que, em geral, recebem no mercado uma remuneração inferior. No
entanto, simultaneamente, argumenta-se que os salários mais baixos das mulheres no
mercado de trabalho são o resultado de sua opção de permanecer em casa e cuidar
dos filhos, o que lhes impede de adquirir maior qualificação, dedicar-se mais ao
trabalho, “vestir a camiseta da empresa”, etc.... O argumento, portanto é circular: as
mulheres se especializam no trabalho doméstico devido a seus salários mais baixos e,
ao mesmo tempo, esses salários mais baixos são o resultado da maior dedicação das
mulheres ao lar e ao cuidado dos filhos, o que as impede de adquirir mais
escolarização e formação profissional.
Em segundo lugar, a Nova Economia da Família ao explicar a menor taxa de
atividade das mulheres em relação aos homens (em outras palavras, porque o homem
vai ao mercado de trabalho e a mulher não, ou, quando isso acontece, se dá em menor
proporção e intensidade) a partir da função de utilidade familiar, ou seja, de um cálculo
racional feito pela família do custo-oportunidade do trabalho remunerado de homens e
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 29
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
5
Esta crítica está baseada em Borderías e Carrasco, 1994.
mulheres. Ao fazer isso, parte do pressuposto de que a família é uma “unidade de
decisões racionais”, harmoniosa e sem conflitos internos. No entanto, uma das
contribuições importantes das teorias de gênero foi desmistificar essa idéia e chamar a
atenção para as relações de poder e o conflito de interesses existentes no interior da
família. A Nova Economia da Família não considera, por exemplo, que “a melhor
distribuição relativa dos tempos de cada membro da família” pode ser a melhor para o
homem e os filhos e não para a mulher. Tenta resolver o problema de como definir uma
“função de utilidade familiar” partindo de funções de utilidade diferentes para cada
membro da família recorrendo à idéia de “altruísmo”: supõe que o “chefe de família” é
altruísta, e, portanto, incorpora em sua própria função de utilidade as funções do resto
dos membros de sua família. Isso lhe permite justificar a utilização da função de
utilidade do chefe de família como função de utilidade familiar; mas essa pretensa
ausência de conflitos não reflete nada mais que uma diferença de poder entre os
cônjuges no processos de tomada de decisões.
Em terceiro lugar, não leva em consideração o contexto social no qual a família
se forma e se reproduz. Utiliza uma suposta racionalidade econômica para tentar
explicar as decisões e o comportamento familiar, esquecendo os mecanismos através
dos quais intervêm os interesses e o contexto social. Não leva em conta a influência
das normas sociais interiorizadas – erigidas em comportamentos “normais” ou
“naturais” - nas decisões das pessoas, como por exemplo a norma que exige que a
participação ativa das mulheres no trabalho assalariado não seja um impedimento
para a realização do que se supõe seja a sua obrigação fundamental: cuidar da casa,
da família e dos filhos.
A partir dessa perspectiva foram realizados uma série de estudos empíricos.
Em todos eles, a inserção das mulheres – especialmente das mulheres casadas - no
mercado de trabalho é vista como uma variável derivada de sua situação familiar e, em
particular, da maior ou menor capacidade do homem de cumprir “adequadamente” o
seu papel de “provedor”.
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 30
1.3.
As teorias da segmentação e dos mercados duais de
trabalho
As teorias da segmentação e dos mercados duais de trabalho surgem entre os
anos 60 e 70 nos EUA no terreno da sociologia e da economia do trabalho, tentando
dar conta das desigualdades existentes na sociedade americana. Partem de uma
crítica à economia neoclássica e à suposta “neutralidade” do sistema econômico na
criação e manutenção de empregos mal remunerados e de baixa qualidade: a baixa
remuneração de determinados grupos de trabalhadores se explicaria basicamente por
sua baixa produtividade.
6
Tentam enfrentar o problema do ponto de vista da demanda,
ou seja, argumentam que a oferta de “bons” e “maus” empregos está determinada pela
estrutura industrial e não pela oferta de trabalho de maior ou menor qualidade e
produtividade (Humphries e Rubery, 1994: 404).
Podem ser identificadas duas vertentes nos estudos sobre a segmentação dos
mercados de trabalho: a primeira, dos chamados institucionalistas, cujos principais
expoentes são Michael Piore, Peter Doeringer, Barron e Norris, que elaboram seus
principais estudos e formulações sobre esse tema entre os anos 1969 e 1980; a
segunda, a dos teóricos radiciais (Michael Reich, David Gordon e Richard Edwards),
que guardam uma relação importante também com os estudos de Harry Braverman
sobre a desqualificação. Esses autores não incorporam explicitamente uma
perspectiva de gênero nas suas formulações, mas influenciaram bastante os estudos
sobre as mulheres. O argumento que pretendo desenvolver aqui é justamente que a
ausência de uma perspectiva de gênero será uma limitação importante para uma
melhor compreensão das características e comportamento das mulheres no trabalho.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 31
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
6 A baixa remuneração das mulheres, por exemplo, se explicaria, na teoria neoclássica, por sua suposta menor
produtividade (seja devido a um menor investimento em capital humano seja devido à características quase
“inatas” tais como menor compromisso com a empresa, menor expectativa de permanência no trabalho
devido à primazia da vida doméstica e familiar ), por uma mobilidade imperfeita ou por discriminações que
distorcem o processo de maximização do lucro. Argumenta-se que o sistema econômico não teria nenhum
interesse direto nessas práticas, e que a sua eliminação melhoraria de fato sua eficiência (Humphries e
Rubery, 1994: pg 403).
E além disso, que terminará por “contaminar” com uma série de pressupostos uma das
noções importantes dessa construção teórica – justamente a noção da força de
trabalho secundária, assim como a associação direta das mulheres com essa noção.
1.3.1.
Os mercados duais de trabalho
Em texto publicado originalmente em 1975,
7
Michael Piore afirma que a
elaboração da hipótese sobre o mercado dual de trabalho, desenvolvida no começo
dos anos 70, era uma tentativa de “compreender os problemas laborais dos
trabalhadores desfavorecidos, em particular os negros dos núcleos urbanos
8
até
então atribuídos à situação de desemprego. Para o autor os problemas desses
trabalhadores eram resultado, principalmente, do seu confinamento a empregos
localizados no “setor secundário do mercado de trabalho”. As suas taxas de
desemprego passam a ser vistas mais como um sintoma da instabilidade dos postos
de trabalho característica desse setor e da elevada rotatividade da população ativa que
os ocupava, do que da sua incapacidade de conseguir um emprego (Piore, 1999a: 165
e 195).
1.3.2.
O conceito dos mercados de trabalho primário e secundário
A hipótese básica de Piore é que o mercado de trabalho está dividido em dois
segmentos essencialmente distintos, denominados setor primário e setor secundário
(Piore, 1999a: 194). Cada um desses segmentos se caracteriza tanto por elementos
relacionados à demanda de trabalho (tipo de tecnologia empregada) como à oferta de
trabalho (subculturas de classe) (Toharia, 1999: 24).
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 32
7 Texto publicado originalmente em 1975, com o título “Notes for a theory of Labor Market Statification”, in
Richard C. Edwards, Michael Reich y David M. Gordon (eds.) Labor Market segmentation, Lexington, Mass,
Lexington Books.
8 O autor faz aqui referência aos seguintes textos: “On the job training in a dual labor market” (Piore, 1969),
“Jobs and training” de Beer e Barringer, 1970; “ Internal labor market and manpower analysis (Doeringer e
Piore, 1971).
O “setor primário” caracteriza-se pela existência de postos de trabalho com
salários relativamente elevados, boas condições de trabalho, possibilidades de avanço
na carreira, procedimentos estabelecidos em relação às normas laborais e, acima de
tudo, estabilidade no emprego. Por sua vez, o “setor secundário” caracteriza-se por
postos de trabalho pior remunerados, com piores condições de trabalho e poucas
possibilidades de avanço na carreira; a relação entre os trabalhadores e os
supervisores tende a ser muito personalizada, o que deixa uma ampla margem para o
favoritismo; o emprego é instável, e a rotatividade da população trabalhadora é
elevada (Piore, 1999a: 194).
Na tentativa de precisar a sua formulação inicial, feita no começo dos anos 70,
Piore desenvolve, em texto publicado em 1975, a distinção entre um “estrato inferior” e
um “estrato superior” no interior do setor primário do mercado de trabalho. Cada um
desses segmentos do mercado de trabalho estaria, por sua vez, relacionado a uma
“subcultura de classe”: classe média (estrato superior do setor primário), classe
trabalhadora (estrato inferior do setor primário) e classe baixa (setor secundário)
(Piore, 1999a: 192).
9
1.3.3.
As causas da dualidade
Em texto publicado originalmente em 1980, Michael Piore afirma que o
dualismo no mercado de trabalho está relacionado nas suas origens com a
variabilidade e a insegurança existentes nas economias industriais modernas (Piore,
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 33
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
9 No entender de Piore o estrato superior do setor primário está formado por trabalhos profissionais e diretivos
(executivos); distinguie-se do inferior por ter salários e status mais elevados, assim como maiores
possibilidades de ascensão e promoção. Mas suas pautas de mobilidade e rotatividade se parecem mais às
do setor secundário; a diferença aqui é que essa mobilidade e rotatividade está em geral relacionada a
possibilidades de progresso na carreira, ao contrário do que ocorre com o setor secundário. Além disso, se
caracteriza pela falta de um conjunto elaborado de normas laborais e de procedimentos administrativos
formais. A educação formal é um requisito essencial para obter esse tipo de emprego e uma barreira de
entrada intransponível. Também existe nesses postos de trabalho mais segurança econômica e mais
possibilidades para desenvolver a iniciativa e a criatividade individuais (Piore, 1999a: 196-197).
1999b: 224)
10
. Segundo o autor, o dualismo original das economias modernas é aquele
existente entre o trabalho e o capital. O dualismo do mercado de trabalho surge quando
partes da população laboral começam a defender-se das incertezas e da insegurança
provocadas pela variabilidade da demanda, e os requisitos para a sua utilização
começam a ser previstos no processo de planejamento e tomada de decisões das
empresas. Nesse momento, o trabalho se transforma em algo parecido ao capital e o
dualismo original entre o capital e o trabalho se transforma em uma dualidade entre a
porção da população laboral que em certa medida compartilha a posição privilegiada
do capital e os demais trabalhadores, que continuariam funcionando como o “fator
residual da produção”.
11
Segundo Piore, a discussão realizada até esse momento apontava quatro
explicações para a existência de uma dualidade no mercado de trabalho (Piore,
1999b:225). A primeira delas é o incentivo que têm os empresários para considerar os
trabalhadores como capital quando fazem um investimento na sua formação. Nesse
momento os trabalhadores se transformam em um “fator quase-fixo” de produção, ou
em “quase capital”. Segundo essa visão, a dualidade surge na economia capitalista
porque é “eficiente”; o que se enfatiza são as possibilidades de formação dos
diferentes grupos de trabalhadores e, uma vez formados, a sua estabilidade e
compromisso com as empresas (teoria econômica do capital humano). A segunda
explicação é que certos grupos de trabalhadores conseguem impor aos empregadores
os seus esforços para escapar dessa situação de “fator residual” do processo produtivo
e garantir os seus postos e condições de trabalho. Nesse caso, a existência da
dualidade explica-se pelas restrições impostas aos empregadores, seja pela atividade
coletiva das organizações sindicais, seja pelos processos legislativos e políticos. A
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 34
10 Esse texto foi publicado originalmente em 1980, com o título “Dualism as a response to flux and uncertainty”,
cap. 2 de Michael Piore e Suzanne Berger, Dualism and Discontinuity in Industrial Societies, Cambridge
University Press. A edição utilizada nessa discussão é uma versão em espanhol desse mesmo texto (“El
dualismo como respuesta al cambio y a la incertidumbre”), publicada em Toharia, 1999 (2ª edição).
11 Nesse texto, Piore afirma que o trabalho é o fator de produção variável e, como tal, pode ser contratado e
despedido livremente de acordo à flutuação da atividade produtiva. O capital (as fábricas, as máquinas, o
equipamento) é o fator fixo, que não pode suportar o custo da sua prória paralisação (ou inatividade). Essa
diferença tem levado os empregadores a planejar de forma mais cuidadosa a utilização dos equipamentos e
do capital e dirigir o mais possível as flutuações aos setores da economia (ou às unidades produtivas dentro
das diferentes indústrias) que são intensivos em trabalho. Por isso o trabalho é considerada a “variável
residual” no planejamento e engenharia (Piore, 1999:223).
terceira explicação para o surgimento da dualidade é a existência de um “contrato
nacional de emprego entre os trabalhadores (ou grupos de trabalhadores) e seus
empregadores”, ou seja, um tipo de “pacto social” através do qual se produz uma
estabilização da variabilidade dos salários e empregos em troca da contenção da
demanda por aumento salarial. E a quarta explicação identifica o surgimento da
dualidade como um resultado dos esforços realizados pelos empregadores para dividir
o que de outra forma seria uma classe trabalhadora unida, impedindo assim a
revolução (visão dos economistas marxistas e radicais).
Para Piore, todas essas explicações situam a causa principal do dualismo na
organização da produção pelo lado da demanda, e as três últimas conferem
importância também ao poder político e econômico de determinados grupos de
trabalhadores (aqueles que conformam o setor primário). Mas, segundo o autor, é
necessário também explicar “....porque os postos do setor secundário estão
concentrados em certos grupos de trabalhadores e não em outros. Esta é uma parte
especialmente importante da análise quando, como ocorre no nosso caso, nos
interessam os trabalhadores menos favorecidos” (Piore, 1999b: 227).
É aqui que entra uma discussão muito relevante para o nosso problema de
pesquisa: as explicações que enfatizam o poder político e econômico dos
trabalhadores do setor primário como uma das causas do dualismo do mercado de
trabalho (seja na versão institucionalista, seja na versão “radical”, da economia
marxista), argumentam também que os trabalhadores do “setor secundário” seriam
débeis política e economicamente e teriam menos “aversão à instabilidade e às
incertezas e inseguranças inerentes ao setor secundário”:
“Certos grupos de trabalhadores, como as mulheres casadas, os jovens e os
imigrantes temporários, que têm um compromisso débil com o trabalho, e outros
interesses não relacionados com o trabalho, podem considerar que essas
características não são tão perturbadoras quanto os assalariados primários”
(Piore, 1999b: 227).
Ou seja, para Piore, duas características básicas dos trabalhadores ao setor
secundário seriam a sua menor aversão (ou maior capacidade de suportar) a
insegurança e a incerteza próprias da atividade econômica e portanto, da instabilidade
no emprego e o seu débil compromisso com o trabalho. E os portadores por excelência
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 35
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
dessas características seriam as mulheres casadas, os jovens e os imigrantes
temporários.
12
Por sua vez, Barron e Norris, em um texto publicado em 1976
13
, definem cinco
atributos principais que levariam um determinado grupo social a ser uma fonte provável
de trabalhadores secundários: a facilidade de demissão (voluntária ou involuntária); as
diferenças sociais do grupo em questão que o tornam facilmente identificável (tais
como a raça e o sexo); baixo interesse em capacitar-se e adquirir experiência; baixa
expectativa de retribuições monetárias elevadas; baixo nível de organização e baixa
probabilidade de desenvolver relações de solidariedade. Na opinião desses autores,
as mulheres têm todas essas características e essa é a razão pela qual estão insertas
preferencialmente no setor secundário (Borderías y Carrasco, 1994: 71).
A crítica feminista a esse tipo de visão é contundente: segundo Middleton
(1994: 219), por exemplo, Barron e Norris, apesar de sustentarem que a manutenção
de um mercado de trabalho secundário depende da disponibilidade de uma oferta de
trabalhadores dispostos a aceitar baixas remunerações, a insegurança e outras
características desfavoráveis do tipo de empregos existente nesses setor e que, na
Grã Bretanha, pelo menos, as mulheres constituem a principal categoria da força de
trabalho com essas características, esses autores se preocupam, mais do que o
habitual, em estabelecer uma distinção entre as características reais e as
representações estereotipadas, evitando o risco de dar simplesmente por suposto, por
exemplo, que as trabalhadoras empregadas no setor secundário carecem de hábitos
de trabalho estáveis (como afirmam Piore y Edwards) ou que as mulheres constituem
uma força de trabalho barata e não qualificada (na visão de Braverman). Mas, ainda
assim, as características, reais ou imputadas das trabalhadoras são vistas por eles
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 36
12 Haveria ainda duas posições entre os que enfatizam essa explicação. Por um lado os que consideram que
esse “débil compromisso com o trabalho” é um produto do próprio sistema (do mercado de trabalho, ou da
atividade econômica): os papéis sexuais, o racismo, a origem étnica, a juventude são categorias que, ainda
que não tenham sido criadas pelos empregadores, são, pelo menos, reforçadas e manipuladas por estes
com o objetivo de estabilizar e legitimar a estrutura econômica; por outro lado, os que o consideram como um
fator em grande medida exógeno, ou seja, que as características dos “trabalhadores secundários” são em
grande parte “acidentes” utilizados, mas não criados, pelo sistema econômico.
13 Barron, R.D., Norris, G.M. “Sexual divisions and the dual labor market”, en Leonard Barker, D. e Allen, S.
(eds.) Dependence and exploitation in work and marriage, London, Longman, 1976, citado por Borderías e
Carrasco, 1994.
como algo exógeno - e dado - ao funcionamento do mercado de trabalho: a origem da
“débil posição negociadora das mulheres” ou sua “baixa motivação para o trabalho”
estaria localizada no sistema familiar doméstico. Nesse sentido, não consideram o
gênero como um princípio de estratificação do mercado de trabalho.
Piore faz ainda a distinção entre o dualismo do mercado nacional de trabalho e
dos mercados de trabalho de setores e indústrias determinadas (Piore, 1999b: 227 e
seguintes) e examina vários estudos específicos
14
nos quais podem variar tanto os
segmentos da força de trabalho secundária e primária quanto as instituições que
promovem a segmentação do mercado de trabalho nesses dois setores duais, ou, nas
palavras do autor: “a grande variedade tanto de disposições institucionais que
separam o emprego seguro do inseguro, como do tipo de trabalhadores que se
encontram para ocupar os postos inseguros” (Piore, 1999b: 228). O autor considera
importante analisar, em cada caso, quais são as instituições concretas através das
quais se cria e se mantém essa divisão.
Cita, por exemplo, um estudo de Roger Cornu que identifica uma situação de
dualidade (emprego estável x instável, seguro x inseguro) no setor mineiro na França,
considerado, até então, como paradigma de uma população trabalhadora estável e
fixa
15
. A força de trabalho estaria dividida, nesse caso, entre uma população laboral
permanente (formada por homens adultos qualificados) e uma força de trabalho
não-qualificada e variável formada por mulheres, jovens do sexo masculino que ainda
não tinham cumprido o serviço militar, camponeses que trabalhavam a tempo parcial e
imigrantes (estrangeiros). Segundo o autor citado, nesse caso, a segmentação nesses
dois setores pareceria responder à necessidade que tinham os empresários de manter
uma mão de obra qualificada (conservar um capital humano específico). Mas também
poderia ser interpretada como um meio de controle empresarial da força de trabalho
(Piore, 1999b: 227).
No caso da Itália, a “força de trabalho secundária” estaria formada pelas
mulheres e pelos camponeses e migrantes do Sul do país. Esse é um processo que
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 37
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
14
Por exemplo sobre a indústria de aço dos EUA, a mineração e indústria têxtil na França e o comércio ambulante em Bogotá.
15
Roger Cornu, Mineurs cévenols et provençaux face a la crise des charbonnages (Aix-en-Provence, Laboratoire de economie
et sociologie du travail, maio de 1975), cap. 1, pgs 24-55.
começa nos primeiros anos do pós-Segunda Guerra, mas se intensifica depois do
“outono quente de 1969” (período de intensa mobilização e de fortalecimento do poder
sindical, no qual os trabalhadores das indústrias mais organizadas conquistam
importantes direitos). A partir daí se desenvolve um sistema para complementar a
produção realizada pela mão de obra industrial mais tradicional. Essa força de trabalho
secundária passa a ser empregada em pequenas e microempresas (onde as
condições de trabalho são piores e as dificuldades de sindicalização são maiores), ou a
domicílio, separada dos demais trabalhadores e sem condições de aceder aos direitos
conquistados pela “força de trabalho primária” (Piore, 1999b: 253).
No caso da França, o desenvolvimento do setor secundário poderia ser
explicado como uma das conseqüências das mobilizações sindicais do “maio de 1968”:
a tentativa das empresas retomarem a flexibilidade perdida com o aumento do poder
sindical nas grandes empresas. As três formas principais (ou três “instituições”
básicas, nas palavras de Piore) que provocam essa segmentação são o trabalho
temporário, a subcontratação e a descentralização (fragmentação) produtiva.
Mas a dualidade que surge depois de maio de 1968 na França não se explica
apenas pelo desenvolvimento dessas três instituições. Depende também, segundo
Piore, da “identificação e utilização de grupos da população trabalhadora que são
indiferentes às mudanças e incertezas do setor secundário ou que carecem de poder
político e coesão social para opor resistência às funções econômicas para as quais se
pede o apoio desse setor. O recurso a esse tipo de grupos especiais tornou-se
necessário sobretudo devido ao fato da a estrutura institucional que surgiu em 1968
não ter criado uma clara distinção entre as esferas do mercado de trabalho. Seu efeito
foi, mais que isso, aumentar a sensibilidade do sistema às diferenças existentes em
relação à resistência ou condescendência dos trabalhadores relativa aos esforços dos
empregadores para usá-los como fatores de ajuste residual no processo produtivo.
São quatro os grupos que constituiram a parte ‘acomodada’ da população trabalhadora
e que tornaram o setor secundário viável: os jovens, as mulheres, os imigrantes e os
camponeses” (Piore, 1999b: 242).
O autor afirma não serem muitas as evidências estatísticas desses efeitos:
entre eles a existência de mais trabalhadores eventuais que permanentes entre as
mulheres e os migrantes em uma comparação empresa por empresa (estudo do
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 38
mercado de trabalho de Compiègne, realizado pelo Centre d’etude d’emploi). A
hipótese de Piore é que, no período posterior a 1968 “....os empregadores buscaram
ativamente novas trabalhadoras, com o objetivo de fazer recair sobre elas as
mudanças e a insegurança às quais a mão de obra tradicional se opunham cada vez
mais”. As taxas de atividade feminina teriam aumentado em resposta a esses
“esforços ativos de recrutamento”, no mesmo período em que aumenta o desemprego
dos trabalhadores com mais experiência. Também teria aumentado a participação
feminina nos postos não qualificados e semi-qualificados da indústria (Piore, 1999b:
243).
No caso dos EUA, as estratégias empresariais que criaram uma “estrutura
dicotômica do mercado de trabalho” desenvolvem-se a partir das revoltas operárias
dos anos 30. Neste caso, as “instituições utilizadas para evitar os contratos
permanentes” foram: trabalho eventuais, subcontratação, demissão dos novos
trabalhadores antes do término do período de prova (antes de que pudessem adquirir o
status que advém do fato de ser um trabalhador permanente e membro do sindicato) e
a descentralização produtiva (a criação dos greenfields) mediante “o uso de
trabalhadores que têm elevada rotatividade e baixa propensão à sindicalização, como
por exemplo, as mulheres, os jovens e os negros” (Piore, 1999b: 251).
Em algumas indústrias, os próprios sindicatos teriam colaborado parcialmente
com essa estratégia, realizando acordos tácitos com os empregadores para permitir a
adoção de disposições laborais mais flexíveis em algumas plantas em troca de
garantias de que essas formas de subcontratação fossem limitadas e que as escalas
salariais sindicais fossem respeitadas. Isso, no entender de Piore, é mais fácil quando
a mão de obra está composta por “grupos de elevada rotatividade, dóceis e
relativamente débeis”. Uma vez mais, o autor assinala não haver “documentação
estatística dessas pautas institucionais”. Para ele, as disposições que introduzem
flexibilidade no sistema de relações industriais nos EUA dependeriam muito “de certos
setores da população ativa, concretamente das mulheres, dos jovens, das minorias
(sobretudo dos negros) dos trabalhadores rurais e ultimamente dos trabalhadores
estrangeiros, que estão mais dispostos a atuar como um fator de produção ‘residual’ ou
são menos capazes de opor resistências”. Piore identifica um declínio da população
ativa masculina adulta em detrimento de todos esses demais grupos no período do
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 39
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
pós-Segunda Guerra. Nos anos 60, por sua vez, teria começado o processo de
substituição dos trabalhadores negros, que começam a opor resistência aos trabalhos
inseguros e sem proteção, pelos “trabalhadores estrangeiros” (Piore, 1999b:252).
Todas as diferentes características dos distintos casos analisados
(evidenciando inclusive que pode haver um dualismo dentro do dualismo) não
questionam, para Piore, “nossa idéia original do dualismo econômico: a estruturação
do mercado é, em cada caso, uma resposta ao conflito entre a insegurança inerente à
atividade econômica e as pressões (de caráter estritamente econômico ou de caráter
social e político mais amplo) para que haja proteção e segurança” (Piore, 1999b:229).
Nos três casos analisados (EUA, França e Itália), existem elementos comuns: a
expansão ou desenvolvimento do setor secundário se produz em resposta a um
repentino ressurgimento da militância dos trabalhadores; dispositivos institucionais de
diferentes tipos atuam no sentido de produzir a distinção entre os dois setores; a mão
de obra para os postos secundários tende a basear-se, em grande medida, ainda que
não exclusivamente, em grupos e classes pré-industriais. Para o autor, é em parte a
existência dessas “classes” que permite o funcionamento das instituições que
promovem o dualismo e a expansão do setor secundário. “O capitalismo encontra
essas classes, não as cria”, apesar de que em alguns casos, existem “políticas de
emprego destinadas a criar uma mão de obra secundária (como, por exemplo, o
recrutamento de migrantes e mulheres com o objetivo de substituir a força de trabalho
tradicional)” (Piore, 1999b, pgs 251 e seguintes).
Os imigrantes (estrangeiros e internos), os trabalhadores rurais e as
mulheres são atraentes precisamente porque pertencem a outra estrutura
socioeconômica e consideram o emprego industrial como um aditamento
de seus papéis primários. Estão dispostos a aceitar trabalhos temporários
porque consideram o compromisso com esses trabalhos também como algo
temporário e são capazes de suportar as mudanças e a incerteza da economia
industrial porque tem atividades econômicas tradicionais às quais voltar” (Piore,
1999b: 254)
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 40
1.3.4.
As subculturas de classe e a força de trabalho segmentada (primária
x secundária)
Como já foi assinalado, as causas que explicam o surgimento do dualismo no
mercado de trabalho, para os autores institucionalistas, seriam basicamente duas. Em
primeiro lugar, o interesse dos empresários na estabilização dos trabalhadores mais
capacitados em determinadas funções. Em segundo lugar, a luta dos sindicatos por
garantir postos e condições de trabalho para determinados grupos de trabalhadores
(basicamente os trabalhadores do sexo masculino das indústrias tradicionais). O
resultado disso é que parte da força de trabalho consegue estar em uma situação
protegida da “incerteza”, passando a constituir um setor privilegiado no mercado de
trabalho (composto basicamente por homens brancos), diferente do setor “residual”,
constituído por mulheres, negros, jovens e imigrantes (Borderías e Carrasco, 1994:
69).
Baseando-se nos casos históricos dos EUA (revoltas operárias nos anos 30),
França (maio de 68) e Itália (“Outono Quente”, 1969) e traçando paralelismos entre
eles, Piore argumenta que o dualismo no mercado de trabalho é o resultado da
mudança e da incerteza inerentes a toda atividade econômica. A questão está em
como distribuir essa carga de incerteza. O que acontece, em cada um desses casos, é
que um forte movimento operário tem como resultado uma ampliação do seu poder e o
atendimento a uma série de reivindicações que, do ponto de vista dos empresários,
passam a constituir uma diminuição da flexibilidade na administração de suas
empresas. A partir daí, esses mesmos empresários adotam uma série de táticas, tais
como a subcontratação, o trabalho a domicílio, o trabalho temporário, a relocalização
industrial etc., que lhes permite recuperar a flexibilidade perdida. O resultado disso é a
ampliação do “setor secundário” do mercado de trabalho (Toharia, 1999: 27).
A discussão sobre as “subculturas de classe” surge na tentativa de explicar
porque certas categorias de trabalhadores são mais propensas que outras a ocupar os
postos de trabalho disponíveis no setor secundário, compondo assim a “força de
trabalho secundária”.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 41
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
As diferenças de sexo, idade, raça, são vistas como categorias que, ainda que
não tenham sido criadas pelo empresariado, são reforçadas e utilizadas para
estabilizar e legitimar a estrutura econômica. A segmentação do mercado de trabalho
obedeceria às estratégias dos empregadores, mas, por sua vez, os comportamentos
dos trabalhadores determinariam quem ocupa cada tipo de trabalho.
A hipótese de Piore é que as divisões do mercado de trabalho estão
fortemente relacionadas com “as distinções que se fazem na literatura sociológica
entre subculturas de classe média, classe trabalhadora e classe baixa” e, mais que
isso, apóiam-se nessas distinções. Assinala que as características dessas subculturas
variam de acordo ao ciclo de vida dos indivíduos, e o maior paralelismo que se
encontra entre elas e os segmentos do mercado de trabalho se dá durante a vida
adulta No modelo dos mercados duais de trabalho, haveria fundamentalmente três
tipos de trabalhadores, relacionados a cada um dos três segmentos do mercado de
trabalho (já que o setor primário se divide em segmento inferior e segmento superior).
Em cada um deles a demanda por trabalho está definida pela tecnologia, e a oferta
pelas subculturas de classe (Piore, 1999a:196-197; Piore, 1999b: 211).
A subcultura da classe trabalhadora (durante a idade adulta) se caracteriza por
um estilo de vida estável e rotineiro. A vida gira em tono a uma unidade familiar
ampliada e a um conjunto de relações com um grupo de companheiros que vem da
infância e da adolescência; os indivíduos tendem a definir-se a si mesmos a seus
papéis em função dessas relações. O trabalho é visto como um instrumento para obter
a renda necessária à manutenção da família e à participação nas atividades do grupo
de companheiros. A educação é um instrumento para conseguir o trabalho.
Essa subcultura seria coerente com as características do trabalho no
segmento inferior do setor primário, que também se define como estável e rotineiro. A
prioridade concedida à vida familiar permite à pessoa suprir a falta de interesse no
trabalho; por outro lado esse interesse, se existisse, poderia “distrair o trabalhador das
atividades familiares”.
A subcultura da classe média, por sua vez, tem as seguintes características: a
divisão entre a família, o trabalho e a atividade educativa é mais difusa e imprecisa; as
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 42
obrigações familiares se reduzem ao núcleo familiar e não abarcam a família ampliada;
isso diminui as possibilidades de conflitos entre a família e o trabalho.
16
Tanto o
trabalho quanto a educação são considerados – ao menos idealmente – como fins que
produzem satisfação em si mesmos, além de um meio de obtenção de renda. Os
indivíduos passam por períodos mais prolongados de escolarização, anterior à sua
entrada no mercado de trabalho, e sem relação imediata com a necessidade de obter
um trabalho e renda. O círculo de amizades muitas vezes é composto por colegas de
trabalho, com interesses profissionais comuns.
Essa subcultura estaria, portanto, bem adaptada para apoiar as pautas
laborais do segmento superior do setor primário do mercado de trabalho: a família
nuclear e as amizades profissionais facilitam a mobilidade geográfica e social e
permitem trabalhos de tipo intelectual e mais consumidores de tempo.
A subcultura de classe baixa teria as seguintes características: os homens (sic)
da classe baixa têm um conceito muito personalizado de si mesmos, separado e
independente de uma rede de relações com a família e os amigos. Por tanto, suas
relações tendem a ser voláteis, de curta duração e instáveis, e sua vida tende a estar
caracterizada por um esforço por escapar da rotina mediante a ação e a aventura. O
que aconteceria na classe baixa é uma prolongação, na etapa adulta, de um modo de
conduta que, entre a classe trabalhadora, está ligada à adolescência. Essa subcultura,
assim, parece estar adaptada às pautas de trabalho do setor secundário: é coerente
com o emprego errático do mercado de trabalho secundário.
Os jovens da classe trabalhadora e da classe média, segundo Piore, passam
por um período de aventuras e busca de ação na adolescência e no princípio da etapa
adulta, antes de se assentar na vida familiar rotineira, no emprego estável e, no caso
da classe média, na preparação para uma carreira profissional. Durante esse período,
têm características similares às dos trabalhadores das classes baixas: “não procuram,
e nem poderiam manter um compromisso com uma carreira. Os empregadores que
buscam empregados de carreira, não os contratariam”. Por tanto, estão forçados, se
querem trabalhar, a aceitar os tipos de trabalho existentes no setor secundário, e,
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 43
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
16
Essa análise, evidentemente, desconsidera totalmente a dimensão de gênero.
dentro do limite de certas restrições sociais e geográficas, esses jovens tendem a
compartilhar com os adultos da classe baixa muitos do empregos no setor secundário
(Piore, 1999b: 218).
Por sua vez, a migração também seria um fenômeno fortemente relacionado
com a existência da subcultura da classe baixa. Os sucessivos ciclos migratórios que
caracterizam a história dos EUA, fortemente marcados por componentes étnicos, seja
dos migrantes que procedem de comunidades agrícolas rurais da Europa, da América
Latina ou do Sul dos EUA, explicariam, em grande medida, o prolongamento desses
comportamentos típicos da adolescência durante a idade adulta. É como se a classe
baixa não conseguisse completar o processo de transição que caracteriza a classe
trabalhadora, seja porque não consegue um emprego estável, porque não se casa e
não forma uma família, ou pela falta de um grupo de amigos de apoio que já teriam uma
inserção mais estável no mercado de trabalho.
17
Nos primeiros estágios de qualquer nova migração, a comunidade étnica está
dominada pelo fluxo migratório, e esse fluxo impede a transição adulta a um ciclo de
vida rotineiro. Mesmo quando já há uma segunda geração de pessoas nascidas no
país, se o fluxo migratório continua, elas ainda são proporcionalmente poucas, e são
os migrantes mais recentes – que ainda constituem a grande maioria – que tendem a
determinar “o caráter da comunidade”. Só quando a parcela já estabilizada passa a ser
proporcionalmente maior que os migrantes recentes é que esses começam a
“predominar na atmosfera da comunidade étnica, cujos membros começam a passar
em quantidades importantes de uma subcultura de classe baixa a uma subcultura de
classe trabalhadora” (Piore, 1999b: 218).
A hipótese básica é portanto, que “...as dimensões da classe baixa e, portanto,
a oferta de trabalhadores para ocupar os postos de trabalho secundários, são uma
função da taxa de imigração dos grupos étnicos e raciais e do número de membros da
segunda e terceira geração desses grupos em relação à entrada de novos membros. A
medida que a corrente de novos imigrantes diminui, tanto em quantidades absolutas
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 44
17 “Dado que os empregadores tendem a julgar as pessoas em função das características que dominam entre
os grupos étnicos aos que estão ligados, o fato de pertencer a um grupo étnico que tem fama de mudar muito
de trabalho, devido a quantidade de migrantes que retornam ao seu lugar de origem, aumenta a dificuldade de
ser aceito em um emprego estável” (Piore, 1999b: 218).
como em relação com a segunda e terceira geração, deveria haver uma diminuição da
oferta de trabalhadores para os postos secundários e um aumento da oferta para os
postos de trabalho do segmento inferior do mercado primário” (Piore, 1999b: 219).
A transição está relacionada com a formação de uma família e com a
existência de postos de trabalho estáveis não apenas para o indivíduo, mas também
para um número significativo de membros do seu grupo de companheiros, suficiente
para que as normas dos grupos mudem e apóiem as mudanças dos estilos de vida do
indivíduo. O processo de migração e a presença na comunidade de grandes
quantidades de imigrantes recentes interrompe a transição porque impede a formação
de uma família, o desenvolvimento de grupos de companheiros e a manutenção de um
emprego estável (Piore, 1999b: 219).
1.4.
O questionamento da noção dos mercados duais de
trabalho e da mulher como força de trabalho secundária
1.4.1.
As perguntas
A primeira pergunta que deve ser feita se refere à pertinência dessa visão dual
sobre o mercado de trabalho e da caracterização dos dois setores básicos em que este
se dividiria como “setor primário” e “setor secundário”. Se a resposta a essa primeira
pergunta for afirmativa, a questão seguinte se refere à pertinência de projetar (tal
como feito na teoria sobre os mercados duais de trabalho) as características desses
mercados de trabalho aos trabalhadores neles inseridos. Ou seja, seria adequado
dizer que, além de um “mercado de trabalho secundário” (ou um “setor secundário” do
mercado de trabalho) existe uma “força de trabalho secundária”, com características
claramente constituídas e definidas e claramente diferenciadas daquelas que
comporiam o “setor primário” do mercado de trabalho? Essas duas coisas se
equivalem? Em outras palavras: a existência de um mercado de trabalho primário e um
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 45
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
secundário supõe que existe uma força de trabalho primária e uma força de trabalho
secundária, como dois conjuntos separados e claramente identificáveis?
Em terceiro lugar, se a resposta às duas perguntas anteriores é afirmativa,
seria pertinente a associação direta entre as mulheres e a força de trabalho
secundária?
Por último: quais seriam as conseqüências dessa associação entre as
mulheres e a força de trabalho secundária sobre as relações sociais que se
estabelecem no mercado de trabalho e, particularmente, sobre configuração do lugar
das mulheres no mundo do trabalho?
1.4.2.
As hipótese de trabalho
1.4.2.1. Mercados duais ou mercados segmentados e heterogêneos?
O primeiro questionamento a ser feito se refere à idéia de que existiria um
dualismo no mercado de trabalho, dividindo-o claramente em dois setores (o “primário”
e o “secundário”). Em minha opinião, essa formulação dual contribui pouco a entender
a realidade atual dos mercados de trabalho. Com efeito, uma das características dos
processos de revolução tecnológica, globalização e reestruturação produtiva, dos
novos encadeamentos e configurações produtivas é justamente a de criar formas de
organização da produção e das empresas, dos processos, mercados e relações de
trabalho muito diferentes das formas “típicas” de emprego e produção características
do taylorismo-fordismo e dos mercados de trabalho regulados do pós-guerra. Nesse
processo, as fronteiras entre o emprego e o desemprego, as formas assalariadas
“típicas” e “atípicas”, o emprego “formal” e o emprego “informal”, “dependente” e
“independente” estão hoje muito mais diluídas, são muito mais complexas e
diversificadas. Uma parcela muito grande da força de trabalho (e dos indivíduos que a
compõem, homens e mulheres) pode, ao longo de suas trajetórias ocupacionais,
transitar, em um movimento de ida e volta, e várias vezes, de uma situação a outra.
Assim, por um lado, se flexibilizam e se precarizam o que em um modelo
tipicamente fordista teria sido o lugar dos homens brancos e adultos (o típico setor
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 46
primário do mercado de trabalho, ou a típica força de trabalho primária, na concepção
de Piore, conformada basicamente pelos trabalhadores mineiros ou das indústrias
tradicionais). Por outro lado, a expansão da economia de serviços gera uma demanda
crescente por força de trabalho feminina. A composição das famílias se transforma,
diminui significativamente a taxa de fecundidade e há um rápido e intenso aumento da
escolaridade das mulheres, o que, ao lado da expansão dos movimentos feministas e
pelos direitos e igualdade das mulheres, incidirá fortemente no aumento da oferta
laboral feminina, em processos que são muito mais amplos e complexos do que
aqueles que o condicionam basicamente à situação das mulheres na família e, em
especial, ao cumprimento ou não do papel de provedor pelo suposto “chefe de família”
(por definição um homem).
O que caracteriza portanto o mercado de trabalho na fase atual não é uma
estrutura dual, mas sim uma grande heterogeneidade de situações e novos e
complexos processos de segmentação da estrutura produtiva e da força de trabalho,
onde certamente as dimensões de gênero e raça-etnia tem um papel central, mas que
não devem ser definidos em têrmos de dualidades e dicotomias.
Por isso mesmo é também muito problemático projetar as características dos dois
setores nos quais supostamente se dividiria o mercado de trabalho (“primário” e
“secundário”) à força de trabalho que nele tenderia a estar empregada.
1.4.2.2 A associação entre as mulheres e a força de trabalho secundária
Como foi visto na análise realizada sobre a teoria dos mercados duais, uma
das preocupações dos seus formuladores é explicar “....porque os postos do setor
secundário estão concentrados em certos grupos de trabalhadores e não em outros”
(Piore, 1999b: 227). Uma parte da explicação estaria pelo lado da demanda (o tipo de
tecnologia empregada) e outra pelo lado da oferta (o comportamento e as atitudes dos
diferentes grupos ou segmentos da força de trabalho, assim como as “subculturas de
classe”). Em outras palavras, a segmentação do mercado de trabalho obedeceria às
estratégias dos empregadores, mas, por sua vez, os comportamentos dos
trabalhadores determinariam quem ocupa cada tipo de trabalho.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 47
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
As características básicas dos trabalhadores do setor secundário (ou da força
de trabalho secundária), segundo essa teoria, são as seguintes: menor aversão (ou
maior capacidade para suportar) a insegurança e a incerteza próprias da atividade
econômica e portanto, a instabilidade no emprego; débil compromisso com o trabalho,
que se expressa em um baixo interesse em capacitar-se e adquirir experiência;
interesse apenas marginal pelo trabalho, independentemente de suas oportunidades
de emprego; baixa expectativa de retribuições monetárias elevadas; reduzido poder
político e econômico e baixa capacidade de resistir às condições mais desvantajosas
de trabalho; baixo nível de organização e baixa probabilidade de desenvolver relações
de solidariedade.
Haveria assim uma “feliz coincidência” entre a demanda e a oferta de força de
trabalho, que permitiria minimizar os efeitos negativos dessa segmentação, já que
alguns grupos sociais têm um interesse apenas marginal pelo trabalho,
independentemente de suas oportunidades de emprego e se contentam em ocupar os
postos de trabalho secundários e instáveis criados pelo sistema econômico
(Humphries e Rubery, 1994: 404).
As seguintes passagens expressam claramente essa visão:
“A existência de um emprego secundário não coloca, por si mesma, um problema
de política. Com efeito, este pode ser perfeitamente adequado para aqueles
trabalhadores para os quais o lugar de trabalho constitui um aspecto
secundário de sua vida.... O problema de política pública se coloca ante a
permanência e involuntária relegação ao mercado secundário de trabalhadores
com responsabilidades familiares de 1ª ordem” (Doeringer e Piore, 1971
18
, citado
por Humphries e Rubery, 1994: 404)
“Certos grupos de trabalhadores, como as mulheres casadas, os jovens e os
imigrantes temporários, que têm um compromisso débil com o trabalho, e
outros interesses não relacionados com o trabalho, podem considerar que
essas características não são tão perturbadoras quanto os assalariados
primários” (Piore, 1999b: 227).
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 48
18
Trata-se de Internal Labour Markets and Manpower Analysis. Lexington, Mass. Lexington Books, 1971.
“A mão de obra para os postos secundários tende a basear-se, em grande
medida, ainda que não exclusivamente, em grupos e classes pré-industriais. É
em parte a existência dessas ‘classes’ que permite o funcionamento das
instituições que promovem o dualismo e a expansão do setor secundário. O
capitalismo encontra essas classes, não as cria, apesar de que em alguns casos,
existem políticas de emprego destinadas a criar uma mão de obra secundária
(exs. recrutamento de migrantes e mulheres) (Piore, 1999b: 253-254).
“Os imigrantes (estrangeiros e internos), os trabalhadores rurais e as mulheres
são atraentes precisamente porque pertencem a outra estrutura socioeconômica
e consideram o emprego industrial como um aditamento de seus papéis
primários. Estão dispostos a aceitar trabalhos temporários porque consideram o
compromisso com esses trabalhos também como algo temporário e são capazes
de suportar as mudanças e a incerteza da economia industrial porque tem
atividades econômicas tradicionais às quais voltar” (Piore, 1999b: 254).
As mulheres seriam assim, no entender desses autores, uma, mas não a
única, das categorias que conformam a força de trabalho secundária. Vimos que, tal
como assinalado pelo próprio autor, a preocupação original de Piore, e uma de suas
inspirações básicas ao elaborar a teoria dos mercados duais de trabalho, é entender a
situação dos “grupos menos favorecidos”, com uma ênfase nos negros dos centros
urbanos dos EUA. No decorrer da análise também são considerados como grupos que
tendem a inserir-se no setor secundário do mercado de trabalho, os trabalhadores
rurais, os jovens e os migrantes.
19
As diferenças de sexo, idade, raça, são vistas como
categorias que, ainda que não tenham sido criadas pelo empresariado, são reforçadas
e utilizadas para estabilizar e legitimar a estrutura econômica.
Os problemas desse tipo de análise são muitos. No que se refere ao tema que
nos interessa principalmente nessa tese, ou seja, o da construção da noção da mulher
como força de trabalho secundária, é necessário assinalar que um ponto comum entre
os neo-clássicos e teóricos do capital humano e os do mercado dual de trabalho, é
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 49
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
19 Com efeito, referindo-se ao setor primário do mercado de trabalho, Piore afirma: “A tipologia geral
desenvolvida aqui também tende a ser uma descrição melhor dos postos ocupados pelos homens que dos
ocupados pelas mulheres e do emprego urbano industrial que dos mercados de trabalho rurais e, em
particular, pré-industriais” (Piore, 1999b: 200).
analisar as relações que as mulheres mantém com o emprego e o trabalho através
basicamente de fatores exógenos ao mercado de trabalho (basicamente sua posição
na família e seus processos de socialização, quando não características atribuídas à
“natureza feminina”) deixando de lado a influência que a própria estrutura da demanda
(as barreiras de entrada e os mecanismos de estratificação do mercado de trabalho)
gera nas atitudes femininas e nas suas possibilidades de acesso e permanência no
mercado de trabalho. Por outro lado, as atitudes masculinas frente ao trabalho são
analisadas a partir de elementos endógenos ao mercado de trabalho.
A associação entre a mão de obra feminina e a categoria “força de trabalho
secundária” se constrói a partir de vários pressupostos estereotipados sobre as
mulheres, tais como a idéia de que elas não estão interessadas e nem dispostas a
investir na sua formação profissional e nem em obter promoções, que têm baixas
expectativas e baixo compromisso com o trabalho, e que este tem um lugar secundário
na sua vida, na conformação da sua identidade e das suas práticas organizativas.
Todas essas idéias são muito mais supostos do que formulações teóricas consistentes
ou resultados empíricos de pesquisas realizadas. Como reconhece o próprio Piore em
mais de uma ocasião nos textos analisados, as evidências para as afirmações feitas
sobre as mulheres são na maioria do caso apenas indicativas e não têm relevância
estatística. Por outro lado, numerosas pesquisas têm questionado esses
pressupostos, apontando outros fatores – próprios tanto das formas de estruturação e
estratificação do mercado de trabalho como da relação entre o mundo produtivo e o
reprodutivo - que têm um poder explicativo muito maior para a dificuldade de entradas
das mulheres a postos de trabalho mais qualificados, regulares, estáveis.
20
Com efeito, segundo Borderías e Carrasco, 1994, a partir de meados dos anos
80 começa-se a fazer uma crítica à aplicação do conceito de mão de obra secundária
aplicado ao trabalho feminino, a partir de diversos argumentos e evidências empíricas,
entre eles os seguintes: a) em determinados setores, as mulheres têm menos
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 50
20 Por exemplo, em postos de trabalho de um determinado status as mulheres não são admitidas nos círculos
de relações sociais extra-laborais que são muito funcionais aos profissionais – homens – em busca de
promoção; em outros casos, as mulheres que tentam introduzir-se em ocupações tipicamente masculinas
encontram fortes resistências, não apenas pessoais e profissionais, mas também de toda uma cultura do
trabalho diferenciada com a qual tem dificuldades de identificar-se (Benería e Carrasco, 1994: 74).
oportunidades de promoção inclusive quando tem níveis idênticos aos dos homens de
responsabilidade e compromisso com o trabalho (Borderías, 1984); b) muitas das
ocupações “tipicamente femininas” no setor de serviços (enfermeiras, professoras)
não apresentam as características do mercado “secundário” e, pelo contrário,
requerem um alto nível de qualificação, formação e experiência e as trabalhadoras
costumam apresentar um alto nível de continuidade no emprego (Bradley, 1989); c) ao
contrário do postulado por essas teorias, a mão de obra feminina não funciona como
secundária ou substituta, mas como preferida pelos empregadores em muitas
ocupações (Bettio, 1986); d) não ocorre o suposto acoplamento entre as
características dos trabalhadores e trabalhadoras dos postos de trabalho secundários
e seus níveis de remuneração; pelo contrário, empregam-se trabalhadoras com baixo
status para realizar trabalhos que requerem capacitação e se espera que estas
manifestem uma forte predisposição para o trabalho, inclusive quando são mal
remunerados (Craig et all, 1983, citado por Humphries e Rubery: 405).
A nossa própria pesquisa, tal como será discutido em diversos capítulos dessa
tese, apresenta evidências que apontam para o mesmo sentido.
A outra idéia que está implícita aqui (e muito mais explícita na teoria
neo-clássica e na Nova Economia da Família, como já assinalado neste texto) é que o
movimento de entrada das mulheres no mercado de trabalho, o seu comportamento de
atividade, e a sua relação com o mundo do trabalho em um sentido mais amplo está
determinada basicamente pela sua posição na esfera doméstica e principalmente pela
sua relação com a capacidade ou não do “chefe da família” de desempenhar o seu
papel de provedor. Essa idéia se revela no texto acima citado de Piore (1999b: 254)
quando ele afirma que as mulheres (junto com os imigrantes e os trabalhadores rurais)
pertenceriam a “outras estruturas econômicas” e considerariam o emprego (industrial)
como um “aditamento de seus papéis primários”, estando por isso dispostos a aceitar
trabalhos temporários “porque consideram o compromisso com esses trabalhos
também como algo temporário e são capazes de suportar as mudanças e a incerteza
da economia industrial porque tem atividades econômicas tradicionais às quais voltar”.
A pergunta que se coloca aqui é a seguinte: no caso das mulheres, qual seria esse
“lugar” ao qual voltar? A esfera doméstica? A proteção do provedor masculino?
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 51
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Mas o questionamento da associação entre as mulheres e a força de trabalho
secundária é apenas uma parte do argumento que pretendo desenvolver nesta tese. A
outra é que essa associação constitui um importante mecanismo de reprodução da
desigualdade e dos padrões de discriminação de gênero no mercado de trabalho. A
visão das mulheres como força de trabalho secundária - que como vimos, está em
grande parte baseada em pressupostos estereotipados sobre a sua situação, seu
padrões de comportamento, suas atitudes e o seu desempenho laboral - contribui a
debilitar a sua posição e a confiná-las a um lugar subordinado no mercado de trabalho.
Nesse sentido é curioso pensar como, partindo de uma descrição (crítica) de
uma situação subalterna (subordinada, em desvantagem, mais vulnerável) – que é o
que explicitamente Piore pretende fazer quando estrutura a sua teoria sobre os
mercados duais de trabalho, preocupado com os problemas dos trabalhadores “menos
favorecidos” - essa conceitualização passa a contribuir para a reprodução de uma
posição desvantajosa e subordinada, ou seja, para os mecanismos e processos de
discriminação que tendem a manter a mulher em um lugar “secundário” no mercado de
trabalho.
Minha hipótese é que essa noção - presente tanto no imaginário empresarial e
social, quanto na teoria econômica e sociológica e em uma série de instituições do
mercado de trabalho – contribui a desvalorizar, hierarquizar, a debilitar, a
“secundarizar” a posição das mulheres no mundo do trabalho e na sociedade,
contribuindo a reforçar tanto estratégias empresariais quanto políticas públicas e
instituições que legitimam essa dualidade, inclusive em um momento em que as
próprias tendências sociais, culturais e de mercado tendem a rompê-la, em dois
sentidos. Seja através de processos que por um lado desregulam, flexibilizam, tornam
mais inseguros os trabalhos anteriormente definidos como seguros, estáveis, de boa
qualidade do “setor primário”, seja transformando significativamente – tanto em termos
quantitativos quanto qualitativos – o comportamento de atividade das mulheres e os
seus padrões de inserção no mercado de trabalho.
A noção da mulher como força de trabalho secundária – e principalmente a
associação mecânica e linear das mulheres com a força de trabalho secundária -
contribui, portanto, para a desvalorização e a “secundarização” do papel da mulher no
mundo do trabalho e, nessa medida, para a reprodução dos padrões de hierarquização
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 52
e dicotomização que sustentam as desigualdades de gênero. Analisar essa noção e
essa associação (seus fundamentos, mecanismos de reprodução e suas
conseqüências) permite entender a força dessa construção (seja no plano da teoria
econômica, seja das percepções sociais e empresariais) na produção e reprodução
dos mecanismos de discriminação, que opera basicamente através do mecanismo de
“confinar” a mulher a esse lugar secundário/secundarizado no mercado de trabalho.
Associa-se, portanto, as distintas realidades da mulher no trabalho a uma concepção já
determinada que resiste às mudanças objetivas, verificáveis inclusive através de cifras
e estatísticas referentes à inserção das mulheres no mundo do trabalho.
Em outras palavras: a mulher continua sendo considerada “força de trabalho
secundária” (pela teoria econômica, pelos empresários, por várias instituições do
mundo do trabalho e por formuladores de políticas públicas) apesar do aumento das
suas taxas de participação, da extensão e continuidade das suas trajetórias
ocupacionais, das suas jornadas de trabalho e da sua contribuição econômica – às
famílias, às empresas, à sociedade. Continua sendo considerada “mais cara” apesar
de não sê-lo; menos produtiva, a pesar de não existir nenhuma mensuração objetiva
minimamente confiável de produtividade desagregada por sexo.
É importante entender o peso que essa secundarização da mulher (esse
procedimento de torná-la secundária) tem na configuração das relações de gênero no
mundo do trabalho. O que pretendo argumentar é que a noção da mulher como “força
de trabalho secundária” é uma poderosa imagem de gênero e que, como tal, tem um
grande poder na configuração e reprodução das relações de gênero, entendidas como
princípios de estratificação do mercado de trabalho.
O questionamento da noção da mulher como força de trabalho secundária
permite também evidenciar a existência de uma forte (e complexa) disputa pelo sentido
do trabalho feminino e da mulher como trabalhadora (na empresa, na sociedade, na
família). A questão da maternidade é central na produção da imagem secundarizada
da mulher como trabalhadora (e no mundo público em geral). É essa diferença
intransferível entre homens e mulheres que as torna uma trabalhadora de “segunda
categoria”, que torna a mulher no trabalho um indivíduo sempre meio inadequado,
sempre meio fora do lugar.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 53
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
O impacto dessa maternidade biológica sobre o desempenho das mulheres no
trabalho é muito ampliado pelos estereótipos relativos ao desempenho de homens e
mulheres: a imagem dominante é a da existência de um “risco” permanente de
gravidez entre as mulheres trabalhadoras, desconhecendo o dado objetivo que o
número de filhos por mulher na força de trabalho vem se reduzindo significativamente
nas últimas décadas.
O outro mecanismo comum é a ampliação, nesse imaginário, do custo
monetário dessas características “femininas” da mulher trabalhadora. Quando enfim
se consegue produzir uma cifra tão objetiva quanto esse suposto cálculo racional,
21
o
argumento se desloca para algo que é cada vez menos “objetivo”, quantificável,
mensurável, mais subjetivo: a menor produtividade das mulheres, a “desordem”
provocada na produção por um suposto maior absenteísmo – sendo que nenhum
desses dois fenômenos é comprovado por cifras objetivas - até chegar aos “líos de
falda” e à falta de banheiros para as mulheres nos locais de trabalho, imagens e
recursos argumentativos muito comuns entre os empresários.
22
Mas o problema vai além da maternidade. O que singulariza as mulheres e que
“se gruda à sua pele” de maneira indelével não é só a maternidade biológica. É toda a
questão do cuidado, associada “naturalmente”, “essencialmente” e unilateralmente a
elas: o cuidado com os filhos, com a casa, com os idosos; com a reprodução da força
de trabalho, seja a masculina adulta (o marido, companheiro, o “homem da casa”, o
provedor) seja a inter-gerações (filhos e pais/mães, terceira idade). No cotidiano e no
tempo. “Decorrência” dessa diferença biológica que aparece como “natural” (mas que
obviamente é construída social e historicamente), essa seria uma força tensionando
sempre a presença da mulher no mercado de trabalho e empurrando-a sempre para o
universo privado da casa, da família, da maternidade, do cuidado.
O cuidado é um recurso natural esgotável, ou em vias de extinção. A frase é da
economista Nancy Folbre, proferida na sessão inaugural da Conferência da
International Association for Feminist Economics (IAFFE), Oslo, 2001, para chamar a
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 54
21
Este tema será desenvolvido no capítulo 3.
22
Este tema será desenvolvido no capítulo 2.
atenção sobre a resistência das mulheres a continuar assumindo unilateralmente os
custos da reprodução e as conseqüências sociais desse comportamento: o
“esgotamento” cotidiano e ao longo dos anos da mulher com a dupla/tripla jornada e a
dupla/tripla presença
23
. A forte diminuição da taxa de natalidade em alguns países
europeus seria uma expressão disso, ou seja, um reflexo da sensação compartilhada
por muitas de que a única possibilidade da “mulher moderna” para vencer no mundo
dos homens é abdicar/sacrificar a maternidade.
24
É importante lembrar, por outro lado, que essa imagem de homem como
provedor (e o padrão de exigência que se impõe para o homem no trabalho em termos
do tempo e do tipo da dedicação que é considerada “adequada” à empresa) é uma
imagem também dissociada: de um ser que só trabalha e que não é submetido às
“restrições familiares”. Que não tem tempo para a família, para a vida associativa,
política ou comunitária, para a vida subjetiva. E que só sobrevive porque há alguém (a
mulher) que cuida de tudo isso. Mas o que acontece quando essa mulher não está
mais só em casa? Quando essa mulher tem que se dividir entre a casa e o trabalho? O
que acontece com essa mulher e esse homem? O que acontece com o trabalho, a
empresa, a família?
Em suma, o que acontece com as relações de gênero e o padrão de
discriminação depois de três décadas de aumento persistente da participação da
mulher no mundo do trabalho e dos seus níveis de escolaridade e qualificação e onde
se observam mudanças qualitativas importantes no seu comportamento de atividade?
A hipótese é que o que ocorre não é nem a ruptura radical desse modelo, nem a sua
“reprodução simples”. Nesse contexto, que também é o contexto da globalização e da
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 55
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
23 A idéia da “dupla presença” (Balbo, 1994) enfatiza não apenas o tema da acumulação de duas jornadas de
trabalho (a dupla jornada), mas sim uma nova dimensão do trabalho feminino: a necessidade de assegurar
uma presença “simultânea” em ambas esferas. Essa categoria expressa a complexidade das práticas
materiais das mulheres que têm que fazer uma constante mediação entre trabalhos e culturas regidos por
lógicas distintas e chama a atenção para a “carga mental de trabalho” exigida pelo esforço de gerir e fazer
constantemente essa mediação (Borderías e Carrasco, 1994: 88).
24 Nos diversos países, existem diferentes legislações e diferentes sistemas de seguridade social e políticas
públicas que lidam de formas distintas com essa questão. Em alguns deles se avança no sentido da
promoção de um modelo de família e de inserção no mercado de trabalho caracterizado como de “dupla
carreira” ou duplo provedor, afastando-se portanto da dicotomia entre o cuidador e a provedora, ou entre
provedor primário e provedor(a) secundário(a) e em outros não. Discutiremos no Capítulo 5 a importância
que este tema tem hoje na agenda social européia.
reestruturação produtiva (e, portanto, de profundas mudanças na natureza das
empresas e dos processos de trabalho e das identidades societárias em geral) o que
ocorre é um processo ambíguo e contraditório, de rupturas e continuidades e de um
constante “deslocamento de sentidos” desse processo de “desqualificação” e
secundarização da mulher no trabalho e na sociedade.
Reconstruindo uma noção: a mulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 56
CAPÍTULO 2
O ponto de vista empresarial: o
imaginário e as políticas de recursos
humanos das empresas relativas às
mulheres no trabalho
2.1.
Introdução
O objetivo deste capítulo é analisar como o imaginário empresarial
concebe a presença das mulheres no trabalho e em que medida essas noções
estão relacionadas às políticas de recursos humanos das empresas dirigidas
tanto à força de trabalho feminina como à relação entre os âmbitos domésticos e
do trabalho.
O que interessa fundamentalmente é verificar como se estruturam as
imagens de gênero nesse âmbito: quais são os seus pontos de partida, seus
pressupostos e substratos, que lógica(s) contribuem para fundamentá-las e até
que ponto a idéia da mulher como uma força de trabalho secundária faz parte
desse imaginário. Também interessa analisar como essas imagens estão
relacionadas com as políticas de recursos humanos das empresas. Além disso,
será examinado como e até que ponto esse imaginário se reproduz e/ou se
transforma em contextos marcados pela modernização tecnológica e
reestruturação produtiva e por uma presença cada vez mais expressiva das
mulheres no mercado de trabalho, assim como por mudanças importantes do
seu papel na família e na sociedade.
O material empírico analisado evidencia a forte e recorrente influência
das imagens de gênero, assim como o seu caráter multifacetário e por vezes
fragmentado. Algumas dessas imagens se repetem muitas vezes, em diferentes
momentos, vários tipos de empresa (classificadas pelo seu tamanho, setor
produtivo do qual fazem parte, proporção de mulheres entre os empregados,
grau de modernização tecnológica e organizacional) não só no Brasil como em
um conjunto de países. Ainda que possam assumir distintas formas, os seus
substratos, em sua maioria, são comuns e também recorrentes. Podem aparecer
diretamente no discurso empresarial, de forma mais ou menos explícita, ou nas
concepções que embasam as práticas de recrutamento, seleção, promoção,
qualificação e treinamento das empresas.
Um aspecto importante dessa discussão é a relação que existe entre o
imaginário e as decisões empresariais relativas à força de trabalho feminina.
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 58
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 59
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Mais particularmente, as implicações que têm as imagens de gênero - e as
práticas que se estruturam a partir dela – nos padrões de subordinação e
discriminação das mulheres e de reprodução das desigualdades por elas
vivenciadas no mundo do trabalho.
A hipótese com que trabalhamos, e que deriva tanto da literatura
existente sobre o tema como de um conjunto de pesquisas próprias
desenvolvidas ao longo dos últimos 15 anos, é que, apesar da crescente
aceitação, por parte dos empresários, de que as mulheres têm um lugar legítimo
no mundo do trabalho, esse lugar continua sendo “secundário”. Essa crescente
aceitação está relacionada às intensas mudanças culturais relativas ao papel da
mulher na sociedade experimentadas nas últimas décadas, aos espaços
políticos conquistados pelos movimentos feministas e de mulheres e também ao
significativo e constante aumento das taxas de escolaridade e de participação
feminina no mercado de trabalho e da ampliação da sua presença em setores e
tipos de ocupação mais qualificados e de maior prestígio.
Mas, insistimos, apesar dessa aceitação, o lugar destinado às mulheres
no imaginário empresarial continua sendo um lugar “secundário” e
“secundarizado”. O elemento fundamental dessa “secundarização” - o substrato
que sustenta e que confere sentido à maioria dessas imagens - é a idéia de que,
apesar de todas as transformações ocorridas nas últimas décadas, o lugar
primeiro da mulher continua sendo a esfera doméstica, o seu papel essencial, a
maternidade, e sua função básica, o cuidado. Isso sobredetermina o seu
desempenho no trabalho e tem como conseqüência uma menor produtividade,
menor eficiência, custos mais elevados e uma permanente “inadequação”.
Esses problemas justificam, do ponto de vista empresarial, o fato de elas
continuarem recebendo salários em média mais baixos que os dos homens, o
baixo investimento realizado pelas empresas no seu treinamentoe formação e a
sua exclusão de certos postos e funções, particularmente dos cargos superiores
na hierarquia das empresas.
A base empírica dessa discussão está constituída por uma série de
pesquisas desenvolvidas no Brasil, Chile e outros países da América Latina, que
analisam a percepção empresarial sobre o desempenho de homens e mulheres
no trabalho, assim como as estratégias e políticas implementadas na área de
recursos humanos de diversas empresas, muitas das quais em processos de
reestruturação e modernização tecnológica e organizacional. O capítulo
consiste basicamente em uma releitura desse material a partir da
problematização aqui enunciada.
2.2.
Imagens de gênero e decisões empresariais
As imagens de gênero, tais como definidas na Introdução deste trabalho,
estão na base da formulação das políticas de recursos humanos das empresas,
no sentido de que influenciam fortemente, entre outras coisas, o grau e a
natureza do investimento que os empresários estão dispostos a fazer em seu
pessoal. A disposição de investimento dos empresários nos seus recursos
humanos é desigual conforme o gênero e está fortemente influenciada por essas
imagens. Em outras palavras, está influenciada pelo que pensam os empresários
sobre homens e mulheres trabalhadoras: seu valor, sua “utilidade” para a
empresa, seu potencial, suas limitações e, a partir dessas percepções, pela
avaliação da medida em que esses trabalhadores e trabalhadoras constituem
recursos humanos nos quais vale a pena investir, ou não, e em qual proporção.
Nesse sentido, as imagens de gênero guardam uma relação importante com as
políticas de recrutamento, demissão, treinamento, remuneração e promoção
dirigidas diferenciadamente a homens e mulheres.
As imagens referentes às mulheres trabalhadoras estão marcadas por
muitos mitos e preconceitos. Por exemplo, freqüentemente elas são associadas,
no imaginário empresarial, a altas taxas de absenteísmo, impontualidade e
rotatividade, sem que, na maioria dos casos, haja qualquer comprovação
empírica da validade de tais associações.
1
Os direitos relacionados à proteção
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1 Uma pesquisa realizada em 1991 pelo Instituto da Mulher da Espanha em 2 mil empresas localizadas em
vários setores industriais e de serviços, cujo objetivo era justamente investigar a associação entre as
mulheres e as altas taxas de absenteísmo, chega à conclusão de que essa relação não se verifica: não só não
existem diferenças significativas entre mulheres e homens quando se comparam condições de trabalho
da maternidade, tais como licença-maternidade, estabilidade da gestante,
salário maternidade, direito à creche e horários dedicados à lactância, são
relacionados diretamente a maiores custos da mão-de-obra feminina, em
circunstâncias em que, em geral, a maior parte desses custos é de
responsabilidade do Estado e não das empresas, e sem que existam avaliações
mais objetivas sobre a quantidade de horas de trabalho efetivamente perdidas
por essa razão ou sobre os efeitos que a interrupção do trabalho devido à
licença-maternidade possam ter sobre a produtividade das mulheres
trabalhadoras, mesmo considerando, o que é cada vez mais discutível, que as
mensurações de produtividade possam ser feitas de forma tão parcial e
individual.
2
Essas associações, assim como várias outras, têm um substrato
comum: uma imagem de mulher ligada ao seu papel de reprodutora e cuidadora,
portanto, atrelada ao âmbito privado e doméstico, que se superpõe à imagem da
mulher trabalhadora, definida no campo das relações, do mercado e do processo
de trabalho. A imagem originária da mulher na família, como mãe, esposa e dona
de casa, está sempre na base – e projetando a sua sombra – sobre a imagem da
mulher trabalhadora. Suas características fundamentais tendem a ser vistas
como barreiras e limitações a uma “adequada” inserção da mulher no mundo do
trabalho, em especial no mundo industrial, que continua sendo encarado como
basicamente masculino ou, na expressão de Oliveira, 1991, um “território de
homens”.
2.2.1.
Gênero e trabalho nas decisões empresariais
O gênero constitui um importante princípio de distinção das
experiências de trabalho. Essas experiências diferem significativamente entre
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semelhantes, como os resultados mostram, por escassa diferença, um maior absenteísmo por parte dos
trabalhadores de sexo masculino (Castillo, 1992). Esse tema será desenvolvido no próximo Capítulo.
2 Sem considerar, além disso, o fato de que esse raciocínio atribui à mulher todo o “custo” da maternidade e do
cuidado com os filhos, quando isso deveria ser algo socialmente compartilhado. Esse tema também será
discutido detalhadamente no próximo capítulo.
homens e mulheres, devido aos padrões de socialização e à posição que
ocupam uns e outras na sociedade, na família, no mercado de trabalho e no
interior das empresas. Por outro lado, as mudanças que se desenvolvem no
âmbito da produção são experimentadas de maneira diferente segundo o sexo
dos trabalhadores, e, por sua vez, as transformações que vêm ocorrendo nas
relações de gênero, na família e no conjunto da sociedade afetam o mercado de
trabalho e a organização da produção.
Os processos de tomada de decisões dos distintos agentes no mercado
de trabalho não são tomadas apenas a partir de critérios técnicos ou de
racionalidade substantiva, mas estão permeados por considerações de gênero.
Esses processos, diferentemente do que postula a economia convencional, são
realizados com informação e capacidade de processamento imperfeito em
relação às opções que enfrentam os agentes e assim como em relação a seus
possíveis resultados. Dessa forma, os agentes operam em um marco de
“racionalidade limitada”, no qual não necessariamente é possível obter a
maximização absoluta do lucro. Os critérios que são utilizados para se chegar a
uma solução satisfatória não são sempre conscientes nem pertencem a um só
campo de reflexão. Efetivamente, as decisões são baseadas em padrões
adquiridos e se orientam a partir de aprendizagens marcadas pela cultura na
qual estão inseridos os agentes.Isso explica por que, nos processos gerenciais
de tomada de decisão, continuam operando as rotinas, as resistências à
mudança, as inércias dos procedimentos estabelecidos e as imagens de gênero
dominantes.
Além disso, os empresários constituem um grupo heterogêneo, portador
de distintas experiências, que são determinadas, entre outros fatores, por suas
distintas inserções produtivas. Reagem, portanto, de formas variadas às
transformações na configuração das relações de gênero quando toma decisões
referentes aos seus recursos humanos, decisões essas que irão incidir na
quantidade e na qualidade das oportunidades de trabalho que se abrem para
homens e mulheres.
É necessário assinalar também que os processos de decisão
empresariais, assim como os dos demais atores políticos e sociais estão
marcados por distintas lógicas. No caso dos empresários coexistem a lógica da
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busca do lucro, da eficiência, da autoridade e do controle, que são parte do
processo de conformação dessa “racionalidade limitada”, e que, em cada caso
concreto, combinam-se entre si de maneiras diferentes. É importante identificar
a maneira pela qual operam essas lógicas, assim como a possível superposição,
complementaridade ou contradição entre elas, para entender os diferentes
mecanismos que podem estar reproduzindo os obstáculos à inserção das
mulheres no mundo do trabalho em igualdade de condições
com os homens.
3
Da mesma forma, é importante entender as formas concretas através das
quais as considerações de gênero incidem nas formulações das políticas de
recursos humanos das empresas. Quais as imagens de gênero que as permeiam
e estruturam? Até que ponto elas reproduzem a dicotomia e a hierarquização
entre o mundo público/produtivo e o mundo privado/familiar/doméstico,
associando as mulheres a este último? Que conseqüências concretas essa
dicotomização e hierarquização têm nas oportunidades e possibilidades de
acesso das mulheres ao emprego e a melhores condições de trabalho e
oportunidades de treinamento, enriquecimento e ascensão profissional?
Para começar a responder essas questões, é importante observar que as
percepções empresariais sobre o desempenho de homens e mulheres no
trabalho e as imagens que se configuram a partir delas muitas vezes se
constroem por comparação, quando não por oposição. Isso significa que essas
imagens freqüentemente se estruturam em termos dicotômicos e
hierarquizados. Ou seja, as mulheres são avaliadas por comparação com os
homens e a partir de critérios de “maisou “menos”, “com” ou “semdeterminadas
qualidades e atributos: mais ou menos caras, mais ou menos produtivas, mais
ou menos eficientes, mais ou menos comprometidas com o trabalho, com ou
sem capacidade de mando e decisão. Por trás dessas comparações o que está
presente, em geral, é a questão se vale ou não a pena contratar mulheres,
pagar-lhes salários equivalentes aos dos homens, investir no seu treinamento e
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3 Essa discussão foi feita anteriormente, e está mais desenvolvida em Abramo e Todaro, 1998.
formação, promovê-las, dar-lhes oportunidades para assumir cargos de
responsabilidade e posições de mando nas empresas e organizações.
As observações de Callejo e Martín (1994-95) também são úteis para
entender a estruturação do discurso gerencial relativo aos homens e às
mulheres no trabalho, Segundo esses autores, normalmente, o referente do
discurso gerencial sobre o mundo do trabalho é exclusivamente o homem. A
utilização de termos como “a gente”, “as pessoas”, “eles”, que poderiam ser
entendidos enquanto termos “masculinos extensivos”, ou seja, que englobam
tanto os homens como as mulheres, constitui, na realidade, um procedimento
discursivo que, ao evitar a referência explícita às mulheres, posterga a aparição
de procedimentos explícitos de exclusão ou rejeição. A exclusão do discurso evita
a exclusão no discurso, mas indica a reafirmação do mundo do trabalho como um
mundo masculino, e das linguagens no trabalho e sobre o trabalho como
linguagens masculinas.
Por meio desses procedimentos discursivos, que os autores denominam
de “sexismo inibido”, evita-se estabelecer explicitamente uma linha divisória
entre homens e mulheres no mundo do trabalho, e uma oposição entre os dois
coletivos. No entanto, uma vez que as mulheres aparecem em cena, torna-se
evidente o fato de que os referentes do discurso são exclusivamente os homens.
Nesse momento, os procedimentos de exclusão já não se realizam através da
simples omissão e se tornam explícitos, configurando o que os autores chamam
de um “sexismo argumentado”.
4
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4 O sexismo inibido ocorre quando é possível omitir o tema, ou seja, quando não há pressão para que se tome
posição em relação ao objeto social que causa o conflito, especificamente, neste caso, a mulher em postos de
responsabilidade no trabalho); aí, o principal mecanismo de inibição é a elisão: não falar do objeto social sobre
o qual se projeta a exclusão. O sexismo argumentado, por sua vez, aparece em situações nas quais os que
falam são obrigados a referir-se às mulheres ou às relações de gênero no trabalho. Neste caso, aparecem
explicitamente os estereótipos negativos sobre a mulher. Em geral, a argumentação se constrói em três
etapas: em primeiro lugar, a “observação” que se pretende objetiva e apresenta casos concretos, situações
individualizadas de mulheres no trabalho, como, por exemplo, uma executiva que não pôde ficar em uma
reunião até mais tarde porque não tinha com quem deixar os filhos; em segundo lugar, a generalização, isto é,
a passagem do “comportamento particular” ao “comportamento de gênero”, traduzida em enunciados como
“todas as mulheres são assim”; “isso sempre acontece”; por fim , a partir dessa generalização, se extraem
conseqüências, dentre as quais a de que as mulheres não podem dar à empresa a dedicação que o cargo
exige.
2.3.
Imagens de gênero em contextos de modernização
produtiva: resultados de pesquisas
O material empírico analisado neste capítulo deriva de uma série de
pesquisas desenvolvidas nos últimos 15 anos , coordenadas por mim ou das
quais participei ativamente, realizadas tanto no Brasil como em outros países da
América Latina, entre as quais três foram as mais importantes.
A primeira delas desenvolveu-se no começo dos anos 90, no Brasil,
Argentina, Chile, Colômbia e México. Seu objetivo principal era analisar o
impacto dos processos de modernização tecnológica e organizacional sobre o
emprego e as condições de trabalho. Entre os temas abordados estava a relação
entre a mudança tecnológica, as estratégias de reestruturação das empresas e o
emprego feminino. Seus resultados trazem elementos importantes para discutir
as imagens formuladas pelos empresários sobre as mulheres empregadas em
seus estabelecimentos, assim como a relação dessas imagens com as políticas
de recursos humanos dirigidas à mão-de-obra feminina.
5
O contexto geral dos cinco países considerados na pesquisa, com
exceção do Chile, se caracterizava por um elemento comum: estagnação ou
crescimento muito modesto do setor industrial durante os anos 80, tanto em
termos da produção, como, principalmente, do emprego. Nos primeiros anos da
década de 1990, no momento em que se realizava a pesquisa, foram
identificados três tipos de situações nos cinco países considerados: expansão
sustentada do produto e do emprego no Chile, e México; recuperação na
Colômbia e Argentina; forte crise, com queda do produto e do emprego no Brasil.
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5 Trata-se da pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e emprego nos anos
1990”, realizada entre 1992 e 1993 como parte do Projeto OIT (Organização Internacional do Trabalho)/ACDI
(Agência Canadense para a Cooperação Internacional), intitulada “Inovação tecnológica e mercado de
trabalho na América Latina”. Os dados que serão analisados provêm basicamente de um questionário
aplicado às gerências de um total de 270 estabelecimentos metal-mecânicos e 130 da indústria de
alimentação nos cinco países assinalados. No contexto da pesquisa foram realizadas também entrevistas em
profundidade e workshops de pesquisa-ação que contaram com a participação de gerentes e sindicalistas
desses setores.
Nos cinco países selecionados, a participação feminina no emprego
industrial havia aumentado ao longo dos anos 80, principalmente nos setores
mais dinâmicos em cada um dos casos considerados. Em 1990, a presença
feminina no emprego manufatureiro variava de 21,2% na Argentina a 33% na
Colômbia. No Chile, respondia por 23,6% do total dos trabalhadores industriais;
no México, 26,3%, e no Brasil 27,3%.
6
A expansão do emprego feminino na indústria manufatureira nesse
período, marcada por fortes processos de crise e ajuste estrutural, mas também
pela reconversão e modernização do aparato produtivo, questiona a idéia de
uma “expulsão” da força de trabalho feminina associada linearmente aos
processos de desenvolvimento industrial, acompanhados de um maior ou
menor grau de inovação tecnológica.
7
Em alguns países latino-americanos, essa
expansão esteve associada à entrada e ao crescimento das empresas
maquiladoras, principalmente no norte do México, na América Central e no
Caribe. Em outros, como é o caso do Brasil, não esteve relacionado a esse
fenômeno, ou sequer diretamente a uma estratégia de desenvolvimento
orientado às exportações. O grande incremento da participação relativa das
mulheres empregadas na indústria ocorreu durante os anos 1970, em um
contexto de forte expansão do emprego industrial total. Entre 1970 e 1980,
enquanto o volume de homens empregados aumentava 5,7% ao ano, o número
de mulheres aumentava 8,2%. Como resultado desse incremento, a participação
feminina nesse setor passou de 20% para 23%. Segundo os dados dos censos
demográficos, o número de mulheres empregadas na indústria aumentou 181%
ao longo da década, o que representa o dobro tanto da taxa de crescimento da
atividade feminina em geral (95%), como da incorporação da mão-de-obra
masculina à indústria (91%) (Humphrey, 1987).
8
A participação feminina no
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6 Elaboração própria a partir dos censos demográficos e industriais dos países.
7 Para o caso de Brasil, ver discussão a respeito realizada por Humphrey (1987).
8 No caso brasileiro, esse processo ocorreu em quase todos os setores industriais e não somente nos mais
tradicionais e nos anteriormente mais feminizados. Foi, inclusive, mais intenso nos setores mais dinâmicos da
indústria: apresentou-se superior, por exemplo, na metal-mecânica, na indústria química e de plásticos se
comparado ao das indústrias de alimentação, têxtil e confecção. Foi também relativamente mais significativo
na Região Metropolitana de São Paulo, a mais industrializada e modernizada do país (Humphrey, 1987).
conjunto do emprego industrial continuou aumentando até 1990, quando
alcançou 27,3% do total. Na metal-mecânica evoluiu de 7,7%, em 1970, para
15,4%, em 1990. Na alimentação, caracterizada por um nível superior de
participação feminina em 1970 (15,5%), as taxas de crescimento foram menores:
em 1990 as mulheres representavam 23% dos empregados.
9
A distribuição por sexo do pessoal empregado nos estabelecimentos
analisados na pesquisa não corresponde exatamente à que caracteriza o
conjunto dos setores considerados. Mas, em todos os casos, a proporção de
mulheres empregadas nos estabelecimentos da indústria da alimentação
pesquisados era sistematicamente superior à encontrada na metal-mecânica, o
que é coerente com sua distribuição setorial, com exceção do México.
10
A segunda pesquisa foi realizada entre 1998 e 1999 no Chile, com o
objetivo de analisar a percepção empresarial sobre o desempenho das mulheres
no trabalho. Seu objetivo central era tratar de identificar as opiniões dominantes
entre empresários/as e executivos/as chilenos/as a respeito de imagens
freqüentemente presentes no discurso empresarial a respeito das mulheres.
Noções que atribuíam ás mulheres um maior custo, maior absenteísmo,
maior taxa de rotatividade, menos eficiência, assim como um impacto negativo
da proteção à maternidade sobre a produtividade das empresas emergiam com
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O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
9 As cifras para os demais países são as seguintes: no Chile, em 1989, as mulheres representavam 7,2% dos
ocupados na indústria metal-mecânica e 25% na indústria de alimentação (Agacino e Rivas, 1995 e Wormald,
1995); na Comolbia correspondiam a 14,4% dos trabalhadores da metal-mecânica em 1990 (Guterman,
1995); no México em 1988 registrava-se a mais alta proporção de mulheres empregadas na indústria
metal-mecânica entre os cinco países considerados (26,2%), sendo também o único caso em que essa cifra
era superior à proporção de mulheres empregadas na indústria de alimentação (22%) (Censo Industrial de
1989), o que, sem dúvida, se relaciona à sua presença na indústria maquiladora.
10 As porcentagens médias de participação feminina nos estabelecimentos pesquisados da indústria da
alimentação eram as seguintes, em ordem crescente: 12% (México), 17% (Colômbia), 32% (Argentina), 33%
(Brasil) e 42% (Chile). O volume médio de mulheres empregadas nos estabelecimentos – critério importante
se pensamos na disposição empresarial de estruturação de políticas de recursos humanos dirigidas às
mulheres – era o seguinte: 76 (México), 123 (Colômbia), 134 (Chile), 137 (Argentina) e 397 (Brasil). No setor
metal-mecânico, tanto a participação média como o volume médio de mulheres empregadas por
estabelecimento eram significativamente inferiores. Em termos de participação, o único país que superava os
20% era o Brasil. Nos demais, essa cifra variava entre 7% e 12%. Chama a atenção a diferença entre esse
dado e a cifra de participação feminina no conjunto da indústria metal-mecânica no caso de México (26%).
Uma possível explicação é o fato de a pesquisa não ter abarcado as empresas maquiladoras da Região Norte,
responsáveis, em grande medida, pela significativa participação feminina no conjunto da metal-mecânica
nesse país. Em relação ao volume médio de mulheres empregadas, na Argentina e Chile esse índice era
inferior a 15; na Colômbia e México, situava-se entre 40 e 80; no Brasil, era próximo a 200.
freqüência de uma série de estudos realizados tanto no Chile como em outros
países da América Latina. No entanto, nenhum deles era conclusivo no que se
refere a quais eram efetivamente as opiniões dominantes entre os
empresários.O objetivo da pesquisa foi verificar quais são essas opiniões e de
quais fatores dependem, assim como verificar se é possível identificar
tendências gerais ou opiniões claramente majoritárias na conformação do
imaginário empresarial com relação a esses temas.
11
As hipóteses que a
orientaram foram basicamente as seguintes.
A primeira delas sugere que, apesar das resistências dos empresários
e/ou executivos a contratar mulheres terem como justificação importante o
suposto maior custo relativo da mão-de-obra feminina, seu discurso se constrói
em torno de argumentos que vão além dos que se poderiam definir como custos
mensuráveis em termos monetários. Como se pôde verificar, tanto nesta
pesquisa, como em Lerda e Todaro (1997) e também na pesquisa que serve de
base à discussão realizada no próximo capítulo desta tese, em geral os
empresários não contam com nenhum sistema de mensuração de custos do
trabalho desagregados por sexo, a partir do qual se pudesse sustentar em
termos mais objetivos tais opiniões. Por outro lado, ainda são minoria os que
têm sistemas mais elaborados de avaliação do desempenho e a produtividade de
seus trabalhadores e trabalhadoras.
12
A segunda hipótese considera que as condições para a incorporação de
mulheres à força de trabalho, assim como as percepções dos empresários a
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11 Como a maioria das pesquisas até então realizadas consistia em estudos de caso baseados em métodos
qualitativos, a estratégia adotada foi a aplicação de um questionário em uma amostra representativa de 203
empresas de distintos tamanhos, localizadas em diversas regiões do país em todos os setores produtivos:
agrícola, financeiro, eletricidade, gás e água, indústria manufatureira, transporte e comunicações, comércio e
serviços. Além disso, foram realizadas 17 entrevistas em profundidade a uma sub-amostra dessas mesmas
empresas, o que permitiu analisar aspectos qualitativos dificilmente captados por meio de um questionário
fechado. A pesquisa foi realizada como parte do projeto “Inserción laboral de las mujeres: el punto de vista
empresarial”, do Centro de Estudos da Mulher (CEM) de Santiago do Chile. O questionário foi auto-aplicado,
modalidade que em parte modifica a estrutura da amostra. Por isso, os resultados foram ponderados segundo
a estrutura por setor de atividade e tamanho do universo conhecido de empresas do país.
12 A porcentagem das empresas da amostra que contava com qualquer tipo de avaliação de desempenho é
inferior a 10% (8,6%). Era ainda mais baixa a porcentagem que media a produtividade de seus trabalhadores
(6%). Em nenhum caso, a avaliação de desempenho ou de produtividade incorporava o critério do sexo do
trabalhador. Entre as 17 empresas entrevistadas, só uma possuía um sistema de medição da produtividade
(em função do cumprimento de metas de produção de acordo com o cargo do funcionário).
respeito de seu desempenho laboral, variam segundo o tamanho da empresa, e
que seria provável encontrar maiores facilidades nas grandes empresas, devido
à sua maior flexibilidade para reorganizar os processos de trabalho e absorver
os eventuais problemas e custos derivados da contratação de mão-de-obra
feminina. A terceira hipótese é que os empresários que já contratam mulheres,
ou que se encontram em setores mais feminizados da atividade econômica,
tendem a adotar opiniões mais favoráveis com relação ao desempenho da
mão-de-obra feminina.
A terceira pesquisa foi realizada no Brasil no final dos anos 90. Seu
objetivo era analisar as condições de inserção de mulheres e negros na região
do Grande ABC paulista e desenhar um experimento de políticas públicas com o
objetivo de enfrentar as dificuldades para que essa inserção se desse em
igualdade de oportunidades com os homens e os brancos. Além de um
diagnóstico geral da situação do mercado de trabalho com base em uma amostra
expandida da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Fundação
Seade-Dieese, foram realizadas entrevistas em profundidade com os gestores
públicos da prefeitura de Santo André e workshops de pesquisa-ação com
gerentes e sindicalistas de empresas localizadas nos seguintes setores:
automotivo, químico, bancário e de supermercados.
13
2.3.1.
Imagens de gênero: as mulheres são mais indisciplinadas e
custosas; a formação e treinamento dos homens é mais importante
Como já foi assinalado, o que interessa resgatar, do material colhido
pelas diferentes pesquisas, é a visão gerencial sobre uma série de temas
relativos à mão-de-obra feminina, com o objetivo de, a partir desses elementos,
entender as imagens de gênero que permeavam, naquele momento, as relações
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O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
13 A pesquisa foi realizada como parte do Projeto “Gestão local, empregabilidade e eqüidade de gênero e raça”,
executado pela Prefeitura Municipal de Santo André, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap),
Instituto de Governo e Cidadania do ABC, Centro de Estudos de Relações Raciais no Trabalho (Ceert),
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal),
com o apoio financeiro da FAPESP.
de trabalho e as decisões gerenciais no interior dos estabelecimentos
pesquisados.
Na primeira pesquisa, o método utilizado para captar essas imagens foi
listar uma série de temas que freqüentemente aparecem como “problemas” no
discurso empresarial e indagar aos gerentes dos estabelecimentos pesquisados
sobre a sua importância tanto em relação ao conjunto do pessoal ocupado
quanto especificamente à mão-de-obra feminina. Esses “problemas” foram
classificados em dois tipos: os que dizem respeito ao disciplinamento da
mão-de-obra e a alguns aspectos das relações de trabalho; aqueles relativos à
qualificação e à escolaridade da mão-de-obra.
Em relação ao primeiro grupo foram incluídos os seguintes aspectos:
taxas de absenteísmo, de impontualidade e de rotatividade; grau de
conflitividade e de indisciplina, dificuldade de relacionamento com os
supervisores e com os/as companheiros/as de trabalho e grau de interferência
da vida doméstica no trabalho
14
. Ainda reconhecendo que se tratam de temas
bastante distintos, sabemos que, freqüentemente, eles se associam, no
imaginário empresarial, a uma avaliação da maior ou menor capacidade de
adaptação dos trabalhadores à disciplina e ao ritmo do trabalho, assim como a
sua capacidade de cumprir as exigências de eficiência e produtividade das
empresas. No que se refere especificamente às mulheres, esses temas estão
fortemente associados a uma imagem de relativa inadequação ou inadaptação
ao trabalho, que, como já se disse, é muito marcada pelo papel ocupado pela
mulher no âmbito da reprodução. No imaginário gerencial, muitas vezes, a
existência de problemas desse tipo entre as trabalhadoras de uma empresa seria
a evidência das limitações das mulheres para cumprir as exigências do mundo
do trabalho.
No segundo grupo de problemas foram incluídos os seguintes temas:
escassez de mão-de-obra qualificada, baixa escolaridade, dificuldade de
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Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 70
14 Essa questão foi incluída no questionário somente no bloco de perguntas relativas às mulheres. O objetivo
era avaliar em que medida esse tipo de formulação estaria presente no imaginário das gerências
pesquisadas, supondo-se que não apareceria associado aos homens, sendo considerado, quase que por
definição, um problema “especificamente feminino”.
adaptação a mudanças tecnológicas e organizacionais, dificuldade de assumir
responsabilidades e de tomar iniciativas e falta de interesse e/ou de incentivos
para capacitar-se.
Os resultados da pesquisa (tabela 1) indicam que dentre os cinco
problemas relacionados às mulheres trabalhadoras aos quais os empresários
atribuem maior importância, três estão associados diretamente à imagem de
uma mulher cuja relação com a vida doméstica e familiar limita o seu
desempenho no trabalho: altas taxas de absenteísmo, elevados custos indiretos
e “demasiada interferência da vida doméstica no trabalho”.
Essa imagem é reforçada quando verificamos quais são os cinco
problemas considerados mais importantes para o conjunto do pessoal ocupado:
três deles - escassez de mão-de-obra qualificada, dificuldade de assumir
maiores responsabilidades e dificuldade de tomar iniciativas - estão
relacionados à qualificação e às capacidades da mão-de-obra em um contexto
de mudança tecnológica, ou seja, a temas vinculados muito mais diretamente ao
exercício do trabalho e ao desenvolvimento das capacidades profissionais. O
único tema comum entre os dois grupos é o da “baixa identificação com os
objetivos da empresa”.
TABELA 1
Visão gerencial sobre os cinco problemas mais importantes relativos à mão-de-obra
feminina e ao conjunto do pessoal ocupado. Estabelecimentos selecionados da
indústria metal-mecânica e de alimentação (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México,
1992-93)
Mão-de-obra feminina
Absenteísmo
Elevados custos indiretos
Demasiada interferência da vida doméstica no trabalho
Baixa identificação com os objetivos da empresa
Falta de interesse para capacitar-se
Total do pessoal ocupado
Dificuldade para assumir responsabilidades
Dificuldade de comunicação com os supervisores
Dificuldade para tomar iniciativas
Baixa identificação com os objetivos da empresa
Escassez de mão-de-obra qualificada
Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e emprego nos anos 90”; Projeto Regional
“Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 71
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Na seção D deste capítulo voltaremos aos dados desta pesquisa para
analisar as políticas de recursos humanos existentes nas empresas da amostra
no período analisado.
2.3.2.
Os resultados da segunda pesquisa: territórios de homens e
territórios de mulheres
Os resultados da segunda pesquisa indicam que as opiniões dos
gerentes e executivos diferem bastante entre si. Essas diferenças por vezes se
relacionam ao setor, tamanho e porcentagem de mulheres na empresa, mas não
de forma direta ou linear, o que impede que se estabeleça alguma regularidade a
partir dessas variáveis.
15
Esses resultados permitem rever e afinar as hipóteses
iniciais, sugerindo que o caráter feminino ou masculino do trabalho se define
principalmente em ocupações e espaços de trabalho específicos, que acabam
por gerar verdadeiros territórios masculinos e femininos, e é essa delimitação que
fundamentalmente incide nas possibilidades de acesso de mulheres e homens
ao trabalho e na valorização diferenciada dos mesmos.
As opiniões dos empresários e executivos sobre homens e mulheres no
trabalho dependerão, portanto, do lugar que ocupam esses homens e essas
mulheres, das características dos postos de trabalho e das construções sociais
que indicam o que uns e outras devem ou podem fazer.
2.3.2.1. Maternidade e responsabilidades familiares: um “problema para as
empresas”
A pesquisa revela que a idéia subjacente no discurso empresarial é que a
maternidade e as responsabilidades familiares das mulheres causem problemas
para as empresas. Em decorrência disso, muitas vezes se afirma também que a
proteção à maternidade é excessiva. Posto que os custos diretos da
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 72
15 Nenhuma delas tomadas isoladamente permite explicar de maneira conclusiva as diferenças nas respostas,
uma vez que o tamanho da amostra não é suficiente para cruzar as distintas variáveis e chegar a definir
categorias mais precisas de empresas combinando as variáveis mencionadas.
licença-maternidade são assumidos pelo Estado por meio da previdência social,
a preocupação dos empresários deveria se voltar apenas para os possíveis
problemas de produtividade gerados pela adaptação das pessoas contratadas
como substitutas ao exercício dos cargos e funções das mulheres em
licença-maternidade. No entanto, mesmo assim, há evidências de que os
empresários, ao atribuirem ao trabalho feminino a característica de ser mais
custoso do que o masculino, não fazem essa diferença, e muitas vezes “se
esquecem” de que o custo monetário da ausência da mulher ao trabalho durante
a gravidez, o parto e a amamentação, está coberto pelo sistema de seguridade
social ou por fundos públicos e, portanto, não representa nenhum ônus direto
adicional para o empresário que decide contratar uma mulher.
16
A opinião de que a licença-maternidade seria um problema para a
produtividade concita a concordância de aproximadamente a metade (47%) dos
pesquisados. Considerando que esta é uma afirmação que se coloca
freqüentemente como uma verdade absoluta, é interessante verificar que a
concordância não chega à metade dos que responderam o questionário e que a
discordância chega a quase 30%.
É interessante analisar as diferenças observadas em relação a este tema
por setores produtivos. Em dois deles *financeiro e transportes e comunicações)
a porcentagem dos que concordam com a afirmação é insignificante, ou seja, a
grande maioria dos pesquisados não considera a licença- maternidade como um
problema para a produtividade das empresas. Nos setores de serviços e
comércio, caracterizados por uma alta porcentagem de mão-de-obra feminina e
no qual, por esse motivo, poderia esperar-se uma maior incidência de licenças
relacionadas à maternidade, quase a metade dos pesquisados (40% em um caso
e 46% no outro) tampouco considera que essas sejam um problema para a
produtividade (enquanto 31% e 43% expressam a opinião contrária). Por último,
em três setores (agrícola, eletricidade, gás e água, e indústria), a concordância é
amplamente majoritária, ou seja, uma porcentagem que varia de 75% a 98%
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 73
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
16 Esse tema será desenvolvido detalhadamente no próximo capítulo.
considera que a licença-maternidade afeta negativamente a produtividade das
empresas.
Essas respostas evidenciam o que foi dito anteriormente, ou seja, de que
não há uma relação clara entre o que supostamente se poderia esperar da
opinião dos entrevistados em relação à licença maternidade e as características
das empresas. Por exemplo, no setor agrícola, as conseqüências – se
houvessem – das licenças-maternidade deveriam ser mínimas, já que aí uma
grande proporção das mulheres tem contratos temporários, sem direito à
proteção à maternidade. Como explicar então, uma opinião tão negativa dos
entrevistados a esse respeito? No caso dos setores de eletricidade, gás e água, e
industrial, apesar do fato de a grande maioria dos pesquisados considerar que a
licença-maternidade afeta negativamente a produtividade, declara sua
preferência pela contratação de mulheres entre 25 e 40 anos, faixa etária na qual,
justamente, se concentra a vida reprodutiva. O mesmo ocorre no setor
financeiro, onde 95% preferem contratar mulheres nessa faixa etária. Mas, nesse
setor, a maioria não considera que a licença-maternidade tenha um efeito
negativo sobre a produtividade.
Também é relevante a diferença de opiniões a respeito de acordo com a
porcentagem de mulheres empregadas nas empresas. Naquelas nas quais a
participação feminina é mais elevada (superior a 40%), a proporção dos que
consideram que a licença-maternidade tem um impacto negativo na
produtividade é menor: 19% nas empresas que empregam entre 40 e 59%, e 33%
na empresas que empregam mais de 60% de mulheres. Por sua vez, nas
empresas com menos de 40% de mulheres, aumenta a proporção dos que
expressam essa opinião. Se as licenças afetam a produtividade, à primeira vista
se poderia supor que o problema seria mais acentuado nas empresas que
empregam uma maior porcentagem de mulheres, e não o contrário. Estaríamos
frente a uma inconsistência do discurso empresarial, revelando-se aqui mais a
presença de mitos que os resultados de uma avaliação objetiva dos efeitos das
licenças-maternidade sobre o desempenho das mulheres e a produtividade das
empresas? Ou, por outro lado, o que estaria ocorrendo é que as empresas que
contratam uma alta proporção de mulheres consideram que a sua produtividade
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 74
“específica” compensaria os “inconvenientes” provocados por uma proporção
mais alta de licenças-maternidade? Ou ainda que essas empresas, por
preferirem a mão-de-obra feminina, elaboram estratégias para enfrentar os
problemas que possam advir em conseqüência disso?
Por outro lado, ao mesmo tempo em que para o conjunto das empresas
pesquisadas, uma significativa porcentagem considera que a
licença-maternidade afeta a produtividade das empresas, apenas 20%
concordam com a afirmação de que a proteção à maternidade é excessiva, e quase
50% discordam dela. Isso revela que, ainda considerando que as
licenças-maternidade afetam a produtividade, isso não é visto pela maioria dos
pesquisados como razão para reduzir a proteção à maternidade.
As entrevistas em profundidade e o workshop permitiram precisar e
aprofundar as discussões sobre as situações que os executivos e empresários
consideram problemáticas para a produtividade e/ou perturbadoras da dinâmica
do trabalho. As situações que aparecem como as mais problemáticas são
justamente as relacionadas à maternidade e às responsabilidades familiares.
17
Os empresários assinalam que as “prolongadas ausências” devido às
licenças-maternidade, os obrigam a redistribuir a carga de trabalho entre os
funcionários, reorganizar turnos e buscar substitutos/as, o que implica
relacionar-se com novas pessoas e, muitas vezes, gera custos adicionais.
A opinião dos executivos sobre as mulheres grávidas é que elas são
trabalhadoras menos regulares e mais frágeis por diversos motivos: requerem
mais cuidados e atenção médica, faltam mais ao trabalho e muitas vezes pedem
troca de funções, especialmente as que desenvolvem atividades ligadas à
produção, já que não podem fazer turnos noturnos.
Um fator que parece incidir na percepção da licença-maternidade como
um problema para a produtividade é o caráter masculino e feminino socialmente
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 75
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
17 Um empresário afirma que as dificuldades das mulheres no trabalho “não se devem ao fato de serem
mulheres, mas sim à maternidade” e que, de fato, o mesmo não acontece no caso de mulheres solteiras ou em
idade não reprodutiva. No entanto, como reconhecido por uma empresária, os problemas associados à
maternidade são extensivos a todas as mulheres e se acredita que elas “são um problema devido à
maternidade”, sem considerar que existe uma maioria no mercado de trabalho que não está em idade
reprodutiva
atribuído a certas atividades econômicas e ocupações. Assim, as empresas que
contam com as menores porcentagens de mulheres entre seus empregados,
como é o caso da empresa gráfica, cuja porcentagem de mão-de-obra feminina é
a mais baixa da amostra, 4%, são as que se referem em termos mais negativos à
licença-maternidade, considerando-a como um problema para a produtividade,
já que ela pode desorganizar o trabalho, sobrecarregar o trabalho dos
companheiros ou exigir incorporar novas pessoas que requerem um tempo de
preparação o qual pode gerar custos monetários. Essa atitude em relação à
licença-maternidade pode ter efeitos negativos sobre as decisões de
contratação de mulheres. Por outro lado, naquelas empresas que contam com as
maiores porcentagens de mulheres (entre 40 e 60% e mais de 60%), a situação
parece ser muito menos problemática. Em algumas das empresas entrevistadas
com essas características, os empresários se referiam ao ao caráter previsível
das licenças e, mesmo quando manifestam uma opinião negativa em relação aos
efeitos da licença-maternidade sobre a produtividade isso não inibiria a
contratação de mão-de-obra feminina.
“Abusos” da legislação de proteção à maternidade
Outro elemento presente no discurso empresarial é a idéia de que o
comportamento de algumas trabalhadoras estaria marcado pela prática de
certos abusos: engravidar somente para poder gozar das licenças, ou a
“compra” de férias por meio de licenças médicas falsas.
18
A percepção de que
existiriam custos indiretos relacionados a situações conflitivas ou
perturbadoras de certa ordem no trabalho depende em medida importante do
nível ocupacional das trabalhadoras. Os empresários e executivos consultados
muitas vezes manifestaram a necessidade de distinguir o nível ocupacional das
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 76
18 Essa opinião foi expressa por exemplo por um executivo de uma loja de departamentos. É necessário
mencionar que, em geral os “abusos” atribuídos pelos empresários aos trabalhadores coincidem com más
condições de trabalho (baixas remunerações ou jornadas muito extensas) , especialmente em setores
caracterizados por ambientes de trabalho mais impessoais e em empresas que pecam pela falta de políticas
de recursos humanos.
trabalhadoras para se referir ao seu desempenho no trabalho ou aos seus custos
indiretos. Na opinião de vários deles esses “abusos” da legislação que protege à
maternidade tenderiam a ser cometidos nos níveis mais baixos da escala
ocupacional, geralmente relacionados com condições de emprego mais
precárias caracterizados por sistemas de pagamento por comissões, por
salários-base reduzidos e sem direito a férias . Por sua vez, nos cargos de maior
hierarquia eespecialização, os problemas estariam mais relacionados asas às
dificuldades para substituir as pessoas que se ausentam do trabalho devido à
licença-maternidade, motivo pelo qual se tende a redistribuir as suas tarefas
entre companheiros.
19
Estas diferenças no uso dos direitos de maternidade conforme o nível
ocupacional das trabalhadoras também foram mencionadas por Lerda e Todaro
(1997). As autoras descobriram que, nas empresas estudadas, as mulheres
profissionais não costumam utilizar todos os direitos legais e que, em
compensação, aquelas de níveis mais baixos o fariam com mais freqüência. Isso
sugere que o que está sendo considerado por alguns empresários e executivos
como um “abuso” das trabalhadoras menos qualificadas não é mais que o
simples exercício de um direito consagrado em lei.
Por outro lado, segundo os entrevistados estariam surgindo em algumas
empresas, especialmente aquelas modernas do setor de serviços e financeiro,
“novas atitudes” por parte de mulheres que ocupam cargos de direção: elas não
se desligam mais totalmente do trabalho durante as licenças-maternidade.
20
Na
opinião dos entrevistados, isso estaria refletindo um bom ambiente de trabalho e
uma “boa disposição” das mulheres.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 77
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
19 Essas diferenças também estão relacionadas às distintas possibilidades que as trabalhadoras de diferentes
grupos ocupacionais têm para de flexibilizar e acomodar seus horários: as mulheres situadas nos níveis mais
elevados da estrutura ocupacional teriam mais flexibilidade para, por exemplo, ausentar-se do trabalho para
assistir a uma reunião no colégio de seus filhos do que aquelas que se situam nos níveis mais baixos dessa
estrutura.
20 Segundo a entrevistada da empresa de informática, “Antes, as mulheres iam embora para a casa no período
da licença-maternidade, ficavam lá e esqueciam o que estava acontecendo no trabalho. Agora não, elas
querem permanecer informadas e totalmente atualizadas em relação ao que acontece no escritório, e tentam
ajudar nas coisas que podem.”Em outra empresa do setor financeiro, a entrevistada relata sua própria
experiência a respeito, e indica que esse tipo de atitude é freqüente entre as gerentes: “Eu mesma, quando
estive de licença-maternidade, levei o computador e trabalhei em casa (...); era muito confortável porque eu
era capaz de me conectar por telefone e podia também mandar e receber minhas mensagens (...)”.
Alteração da ordem sexual nos comportamentos de homens e mulheres
Outra situação que aparece no discurso dos entrevistados, ainda que
com freqüência muito inferior do que a anterior, é a idéia de que a incorporação
de mulheres em ambientes muito masculinos pode produzir uma alteração nos
comportamentos entre homens e mulheres, tais como assédio- sexual e/ou
infidelidade.
Isto aconteceria em indústrias com uma forte identidade masculina e
com baixas porcentagens de mão-de-obra feminina, como a gráfica e a
metal-mecânica, nas quais se assinala que a incorporação de mulheres
provocou - ou poderia provocar - sérios problemas de assédio sexual,
infidelidade e reclamações das esposas dos trabalhadores, sendo todos esses
fatores considerados como passíveis de afetar a produtividade.
Isso explica que, no caso de uma destas empresas, a maior parte das
mulheres que realizam tarefas de produção trabalha em recintos separados dos
homens. Esse é o caso das encadernadoras na empresa do setor gráfico, cujo
trabalho não é, a juízo do entrevistado, “de alta especialização, mas sim de muito
cuidado”, o que requer “dedicação e meticulosidade”. Por isso, a empresa utiliza
exclusivamente mulheres, subcontratadas de maneira temporária. O executivo
alega que, nos casos em que as mulheres trabalharam nos mesmos recintos que
os homens, produziram-se problemas tais como assédio sexual, infidelidade
21
o
que levou a empresa a reservar um lugar fora do recinto principal para as
encadernadoras que passaram a ficar isoladas, em um lugar onde ninguém mais
ia, apenas um homem encarregado de entregar e receber os materiais. A
caracterização do trabalho das encadernadoras como não-qualificado e seu
isolamento parecem ser expressão de uma cultura fabril que não mistura os
gêneros e que, como assinalado por outros autores, pretende a todo custo não
ser “efeminada”:
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 78
21
“Líos de faldas”, na expressão do entrevistado, o que poderia ser traduzido por “problemas de saias”.
“(...) nós temos algumas mulheres quase que em zonas isoladas; antes as
tínhamos aqui e ocorreriam coisas tão sérias como assédio sexual. Algumas
delas se atreveram a denunciar e aí foram mandados embora vários. Havia casos
de assédio sexual e também havia também garotas muito levianas, e aqueles que
as convidavam para sair tinham garantida uma noite tranqüila com as garotas e aí
vinham as reclamações das esposas”
A “solução” então foi isolar essas trabalhadoras. O que esses problemas
parecem expressar são as alterações de certa ordem de gênero nos espaços de
trabalho que os tornam “privativos” para um determinado sexo. A alteração
dessa ordem, supostamente provocada pela incorporação de mulheres em
determinados “territórios” masculinos, expressa a modificação de uma
“tradição” que reserva para os homens certos tipos de trabalho. O mesmo
entrevistado menciona a experiência de outra empresa do setor na qual haviam
ocorrido, como ele mesmo diz, “líos de falda” no momento em que foram
incorporadas mulheres como operadoras de máquinas de costura. Esse cargo
“é tipicamente de homens”, afirma o entrevistado, “pois o que me foi ensinado
foi que a operação de uma máquina de costura é um trabalho habitualmente feito
por homens; .. e quando entraram as mulheres, começaram a aparecer todos os
problemas colaterais, “líos de faldas” e coisas desse tipo”
2.3.2.2. Perfis de homens e mulheres no trabalho: virtudes femininas e defeitos
masculinos?
Na análise da informação coletada através das entrevistas
semi-estruturadas a empresários e executivos, sem perguntas fechadas que
estabeleçam parâmetros mais rígidos para as respostas, como acontece nos
questionários, aparecem uma série de elementos que ajudam a caracterizar as
imagens de gênero, na sua complexidade, caráter multifacetário e por vezes
ambíguo. Surgem, por exemplo, às vezes de forma espontânea, muitas
referências ao que são consideradas uma série de virtudes e defeitos dos
homens e mulheres no trabalho.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 79
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
O que chama a atenção à primeira vista é o fato de os executivos
associarem às mulheres trabalhadoras um número muito maior de virtudes que a
seus colegas do sexo masculino. E vice-versa, uma associação dos homens
com um número maior de defeitos. Sem embargo, é preciso analisar com mais
cuidado que tipo de virtudes e defeitos são atribuídos a cada um deles, e que
relação esses atributos poderiam ter com as oportunidades e condições de
trabalho para uns e outros.
As principais virtudes das mulheres seriam, no entender dos
entrevistados, a ordem, a meticulosidade e delicadeza, a disciplina, a tolerância
a trabalhos rotineiros, a eficiência, concentração e responsabilidade,
adaptabilidade e capacidade de estabelecer relações humanas, honradez,
compromisso e lealdade. E assinalam como defeitos a debilidade física, ou
“abuso”, em certas situações, de uma imagem de debilidade, a facilidade de
entrar em conflitos, a competitividade e a existência de uma certa violência
solapada entre elas.
Por sua vez, entre as virtudes atribuídas aos homens se desatacam sua
capacidade física, a “fortaleza de caráter” para enfrentar situações
problemáticas e o rigor e agilidade para mudar. Entre os defeitos, são
mencionadas a desordem, falta de meticulosidade e grosseria, impulsividade e
baixa tolerância a trabalhos rotineiros ou que requeiram permanecer no mesmo
lugar várias horas, menor capacidade de concentração e de “pensar em várias
coisas ao mesmo tempo”, menor responsabilidade e compromisso com os
objetivos da empresa, além de uma certa rigidez que dificulta a adaptabilidade a
diversas situações, assim como a agressividade que tende a surgir em grupos
de trabalhadores homens.
Como pode ser observado, muitas das virtudes e defeitos são definidos
por contraste, ou clara oposição, entre homens e mulheres: elas são
meticulosas e ordenadas, eles toscos e desordenados; elas têm maior tolerância
a trabalhos rotineiros, eles são mais impulsivos e com menor capacidade de
concentração; eles têm maior força física e elas são mais frágeis.
O que interessa é saber como os empresários valorizam essas
“diferenças” entre trabalhadores e trabalhadoras, e identificar a que tipo de
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 80
funções e ocupações essas características estariam habilitando homens e
mulheres. Para isso, foram analisados dados de duas fontes. Por um lado, as
informações sobre a composição por sexo da estrutura ocupacional das
empresas fornecidos através dos questionários. Por outro, nas entrevistas
semi-estruturadas, buscou-se aprofundar a visão dos empresários sobre as
características por eles associadas aos trabalhos desempenhados por homens
e mulheres.
Pode-se observar que, em geral, as virtudes masculinas se associam a
cargos que supõem exercício de poder, tomada de decisões, outorgam maior
status, por um lado, ou requerem maior força física e certa agressividade, por
outro; por sua vez, as virtudes femininas vinculam as mulheres, em grande
medida, com ocupações com pouco poder de decisão, menor qualificação, de
caráter mais rotineiro, estressantes, de grande minúcia e relacionadas com o
trato pessoal (tabela 2).
22
TABELA 2
Características das ocupações de homens e mulheres no conjunto das empresas
entrevistadas
Ocupações de homens Ocupações de mulheres
tomada de decisão
exercício de poder
inovação e improvisação
mais qualificados (habilidades aprendidas)
requerem força física, agressividade, domínio
de conhecimentos técnicos (por exemplo,
manejo máquinas em produção)
maior status
pouca tomada de decisão
pouco manejo de poder
repetitivos, estressantes
pouco qualificados (habilidades e destrezas
naturais)
leves, fáceis (na produção)
escasso domínio de conhecimentos técnicos
(exceção feita às costureiras)
pouco status
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 81
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
22 Essa caracterização de certos trabalhos como “femininos” ou “masculinos” já foi estudada em investigações
anteriores. Uma delas é a realizada por Canales e Soto (1998) em empresas do setor financeiro sobre os
critérios que determinam as decisões gerenciais sobre o emprego feminino. Os autores identificaram tipos de
cargos ocupados preferencialmente por homens e mulheres, descritos da seguinte forma: aqueles ocupados
por homens eram considerados cargos exigentes, e se caracterizavam por horários extensos, altos níveis de
estresse, competitividade, agressividade e contingência, exigindo capacidade de enfrentar riscos, manejar
grandes quantidades de dinheiro e ter um tratamento mais funcional. Tais cargos oferecem maiores
possibilidades de promoção e melhores remunerações, e, por isso, conferem maior status. Os cargos
ocupados por mulheres eram considerados normais, ou seja, eram realizados em horários estáveis e tinham
demandas menos sujeitas à pressão do tempo ou à competência, eram mais rotineiros e leves, em geral
voltados para a atenção ao público e mais compatíveis com as responsabilidades familiares. E,
evidentemente, conferiam menor status.
Parece evidente o peso da diferença de sexos na valoração feita pelos
empregadores do trabalho de homens e mulheres. Como afirmado por Maruani
(1993), os empregos e a sua valorização e qualificação não se definem de
maneira independente de quem os realiza. Ainda que homens e mulheres
realizem trabalhos similares e inclusive tenham perfis profissionais também
similares, o valor do trabalho de uns e outras é hierarquizado segundo o sexo
dos trabalhadores, e não a partir do conteúdo ou da importância de seus
trabalhos.
A diferença de sexos está presente no discurso empresarial como um
critério para hierarquizar e valorizar os trabalhos. Isso explica porque muitas das
habilidades e atitudes atribuídas às mulheres, que seguramente são muito
importantes para garantir a qualidade dos produtos e serviços, assim como a
eficiência e a produtividade das empresas, não se caracterizem como
qualificações profissionais, mas sim como atributos pessoais naturais, sejam
eles físicos ou psicológicos. Explica também porque a forma pela qual alguns
entrevistados nomeiam as trabalhadoras, independentemente de suas
qualificações e situações ocupacionais, expressam tanto uma associação com
imagens do âmbito doméstico, ao nomeá-las como “mães” ou “esposas”, como,
de forma freqüente, com o que Reygadas denomina o status não-adulto das
trabalhadoras ao nomeá-las como “meninas”, qualquer que seja sua idade.
23
Esses discursos sobre homens e mulheres no trabalho, e as imagens de
gênero a eles subjacentes, incidem nas decisões empresariais relativas à
contratação, promoção e capacitação de trabalhadores de um e outro sexo. O
caráter masculino ou feminino atribuído a certas ocupações é um elemento
central dessas imagens e do processo de configuração do que podemos
denominar verdadeiros territórios masculinos e femininos no trabalho.
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 82
23
Fala-se, por exemplo, das “garotas que vendem bônus [para atenção médica]”, de trabalhos atraentes para
“uma garota que tenha filhos e que cuide da casa”, da “garota que pedia mais licenças para cuidar de
seu bebê”)” (Reygadas, 1998).
2.3.2.3. Territórios de homens e territórios de mulheres
A configuração destes territórios masculinos e femininos, que marcam o
campo no qual se definem as características das ocupações ou funções
consideradas mais apropriadas para homens ou mulheres, é uma das formas de
expressar a percepção dos empresários sobre as identidades de gênero
associadas a trabalhadores e trabalhadoras. O que interessa analisar aqui é a
forma como os empresários caracterizam as distintas categorias ocupacionais a
partir destas imagens de gênero e, a partir daí, as definem como mais ou menos
apropriadas para mulheres ou homens. Além disso, também interessa saber
como essas definições incidem tanto na avaliação do desempenho de homens e
mulheres no trabalho como na reprodução da segregação por sexo que continua
caracterizando a estrutura ocupacional das empresas.
Cargos considerados “inconvenientes para as mulheres”
A maioria (60%) dos gerentes e executivos que responderam ao
questionário considera que existem cargos que não devem ser ocupados por
mulheres, enquanto que 40% pensam o contrário. Entre os cargos considerados
não adequados às mulheres, são destacados dois tipos de funções e
ocupações: mecânicos/motoristas/operadores de máquina/técnicos (51%), que
correspondem a trabalhadores mais qualificados da produção ou a ela
vinculados; e operários/auxiliares/carregadores/faxineiros/mineiros/trabalhos
pesados (47%), que correspondem a trabalhadores manuais menos qualificados
da produção.
Por sua vez, apenas 4% do total dos entrevistados consideraram que a
presença feminina era inconveniente nos cargos sujeitos a turnos e a trabalhos no
campo, o que contrasta com as informações das entrevistas realizadas no âmbito
da pesquisa, assim como em outras perquisas, nas quais se manifesta uma
oposição muito forte à entrada de mulheres nesse tipo de função.
24
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 83
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
24 Como se verá a seguir, na empresa gráfica entrevistada, por exemplo, a existência de turnos noturnos foi a
principal razão apresentada pelo gerente de recursos humanos para justificar a inconveniência da entrada de
Por outro lado, aparece uma resistência insignificante à entrada de
mulheres nas áreas de gerência e chefia: apenas 1% do total de entrevistados
considera que esse tipo de cargos seria inconveniente para as mulheres. Como
poderia ser isso explicado, considerando-se a fraca presença feminina nesse
tipo de cargo, ainda muito inferior à masculina inclusive em setores modernos
como o financeiro? Uma possível explicação seria a tendência à maior
especialização e profissionalização das funções de gerência e chefia nas
grandes empresas, o que aumentaria a permeabilidade de entrada das mulheres
em algumas dessas áreas especializadas, como, por exemplo, as gerências de
Recursos Humanos.
25
Analisadas as razões pelas quais a presença feminina é considerada
inconveniente em determinados casos, há dois elementos que se destacam. Em
primeiro lugar, é absolutamente irrelevante a porcentagem de entrevistados que
atribui essa inconveniência a razões técnicas, tais como falta de especialização ou
de preparação (apenas 1% do total refere-se a esse item). Em segundo lugar,
claramente, a razão mais importante é a capacidade ou exigência física (65%) que,
somada aos problemas de risco e segurança no trabalho (9,5%), é assinalada
pelos 75% dos entrevistados. Por ordem de importância aparecem, a seguir, as
razões culturais/tradicionais (17%) e, em uma porcentagem muito mais reduzida
(4%), os problemas de inadequação das mulheres para cumprir horários ou manter a
assiduidade no trabalho. Se relacionarmos esses dados com aqueles discutidos
anteriormente (tipos de cargos considerados inconvenientes para mulheres) e
relembrarmos que, em geral, se concentravam nas funções manuais e menos
qualificadas da produção, nas funções técnicas e mais qualificadas da produção
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
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mulheres na empresa, mesmo depois de ter passado por uma profunda mudança em sua base técnica.
Veja-se também o caso relatado em Abramo e Armijo (1994) sobre o grande esforço realizado pela gerente de
recursos humanos de uma empresa telefônica no início dos anos 1990 para possibilitar a entrada de uma
mulher a um cargo de “campo”, também considerado até então, altamente inadequado para a mão-de-obra
feminina.
25 Além disso, da mesma forma que a percepção de que numa determinada categoria ocupacional existe um
único cargo ou função considerado inconveniente para as mulheres poderia motivar os entrevistados a
afirmar que consideram inconveniente a presença das mulheres em toda essa categoria, teoricamente
poderia ocorrer também o contrário. Ou seja, bastaria que numa dessas áreas específicas das gerências e
chefias a presença feminina fosse aceita para que esta deixasse de ser considerada inconveniente na
categoria como um todo.
e nas funções de segurança e vigilância, poderemos considerar que o problema
da força física e dos riscos poderia explicar a inconveniência da presença
feminina em algumas dessas “áreas mais duras” (por exemplo, nas funções de
carregadores, mineiros, alguns tipos de trabalhos de auxiliares de produção e de
operação de máquinas. Por sua vez, as razões culturais poderiam explicar a
resistência em relação a cargos como mecânicos e motoristas. Mas a força física
e os riscos parecem não ter nada a ver com a resistência à entrada das mulheres
em cargos técnicos e em muitas das funções mais qualificadas da produção.
Por outro lado, aproximadamente a metade (55%) dos que responderam
o questionário afirmou que a idade é um critério para a contratação de mulheres
e 45% manifestou a mesma opinião a respeito dos homens. Ou seja, mesmo que
numa proporção não muito grande, os empresários reconhecem que a idade
pesa mais na hora de contratar mulheres do que acontece com os homens. No
entanto , praticamente em nenhum caso a preferência de idade recai sobre
maiores de 40 anos, tanto no caso dos homens, como no das mulheres.
26
Por sua vez, a maioria dos entrevistados considera que a situação
familiar não é critério de contratação nem para homens nem para mulheres. No
entanto, é significativamente superior a porcentagem que tem essa opinião a
respeito dos homens (70% contra. 59%). Em outras palavras: enquanto 22% dos
entrevistados consideram que a situação familiar é um critério de seleção das
mulheres, somente 4% pensam o mesmo a respeito dos homens. Entre os 22%
que consideram que a situação familiar é um critério importante para a seleção
das trabalhadoras, a preferência é claramente para as solteiras: 18%.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 85
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
26 Dos 55% que afirmaram que a idade é um critério de contratação importante para as mulheres, 29% preferem
as menores de 25 anos, e 26%, as que têm entre 25 e 40 anos, o que significa que, entre eles, não existe uma
tendência clara no sentido de preferir as mais jovens ou as adultas. Por sua vez, no caso dos homens, a
preferência recai massivamente nos trabalhadores adultos (entre 25 e 40 anos). Seria isso um indício da
existência de uma maior barreira para homens jovens do para mulheres jovens na entrada no mercado de
trabalho? Uma hipótese que poderia explicar a maior preferência pelas mulheres jovens seria a suposição de
que elas ainda não entraram plenamente na sua idade reprodutiva, o que seria também coerente com a
preferência demonstrada por aproximadamente um 20% dos entrevistados pela contratação de mulheres
solteiras, fato esse que de nenhuma maneira se mantém no caso dos homens, já que somente 1% dos
entrevistados afirmou preferir contratar homens solteiros.
O acesso de mulheres a cargos de direção: “o gerente puro, vamos dizer assim,
são mais os homens”
27
Vários estudos vêm assinalando a presença de significativas barreiras
para o acesso de mulheres aos postos gerenciais, as quais configuram
“obstáculos artificiais e invisíveis baseados em preconceitos psicológicos e
estruturais” (OIT, 1997) que limitam o acesso a cargos de alto nível e definem
certos padrões de inserção. Assim, se indica que as poucas mulheres que
acedem a esse tipo de cargos costumam estar concentradas em áreas como
recursos humanos, comunicação, administração, consideradas menos
estratégicas para a empresa em comparação com as de desenvolvimento de
produtos ou gestão financeira; e que suas oportunidades, em geral, se
concentram nos níveis inferior e intermediário da direção, e nos setores de
serviços, financeiro e administração pública.
Algumas teorias têm sido elaboradas para explicar a escassez de
mulheres em cargos de direção. Uma delas afirma que as “características
femininas” pressupõem uma desvantagem para as mulheres no ambiente
empresarial masculino. Outra indica que as mulheres enfrentam obstáculos e
impedimentos por causa dos preconceitos e estereótipos dos homens sobre
elas, e finalmente, se apontam as políticas e práticas discriminatórias de muitas
empresas como os motivos pela baixa presença feminina em postos de
gerenciamento como, por exemplo, a resistência ao acesso de mulheres a áreas
estratégicas ou a postos de trabalho considerados mais difíceis, que geralmente
são também os mais importantes para o desenvolvimento da carreira e para a
ascensão profissional (OIT, 1997).
Os resultados da pesquisa apontam no mesmo sentido. Apesar do fato
de que apenas 5,7% dos empresários que pesquisados considerou que as
gerências e chefias eram cargos “inconvenientes” para serem ocupados por
mulheres, na maioria das empresas estudadas, destaca-se o forte predomínio de
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 86
27 Expressão utilizada pelo executivo de uma instituição de saúde previdenciária (Isapre) entrevistado.
homens nas gerências e chefias de mais alto nível (“o gerente puro”). As mulheres
que acedem a postos de direção se concentram em subgerências e chefias de
níveis menores, especialmente em áreas de recursos humanos e pessoal. Os
entrevistados assinalaram que a escassez de mulheres na alta gerência se devia
a sua falta de motivação para ocupar esses cargos, já que elas não teriam tanto
interesse pelo status a eles associado, e prefeririam “guiar” ou “coordenar” em
vez de “mandar”.
Apesar dessa opinião, encontramos evidências da persistência de fortes
obstáculos ao acesso de mulheres a postos de comando, como, por exemplo, a
recusa dos trabalhadores a aceitar chefias femininas em empresas industriais
masculinizadas, ainda quando essas mulheres têm o perfil profissional
adequado ao cargo e conseguem estabelecer boas relações com as pessoas que
estão sob sua supervisão ou comando. Isso indica que as dificuldades
enfrentadas pelas mulheres não se explicam apenas por uma possível “falta de
motivação”. Se essa existisse, seria necessário investigar se não estaria
respondendo também à presença de sérios obstáculos e barreiras de acesso
sua incorporação a esse tipo de ocupações e níveis de mando. Nesse sentido, as
teorias relativas à escassez de mulheres em postos de direção citadas acima, na
prática não são excludentes e parecem responder a distintas dimensões do
problema.
Há certo consenso entre os entrevistados em atribuir às mulheres em
cargos de direção um estilo de comando mais democrático e horizontal que
tende à criação de redes. Afirma-se também que hoje, ao contrário do que teria
ocorrido anteriormente, as mulheres não deixam de ser “”femininas” ao assumir
esses cargos. Entre os executivos que manifestaram essa opinião estão
algumas das entrevistadas, dentre as quais hágerentes de recursos humanos de
empresas financeiras, de serviços, transporte e comunicações. Elas
mencionaram também que as mulheres costumavam ser mais eficientes durante
a jornada de trabalho, já que suas obrigações familiares não lhes permitem
continuar com o trabalho em casa. Eram também mais responsáveis, adaptáveis,
compreensivas e organizadas e com uma maior capacidade para estabelecer
relações humanas, pensar em várias coisas de uma vez e abordar as situações a
partir de pontos de vista distintos. Segundo essas executivas, grande parte das
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 87
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
características mencionadas são habilidades desenvolvidas pelas mulheres no
exercício dos papéis familiares, que, no âmbito do trabalho, tornam-se virtudes.
Alguns autores vêm denominando essas habilidades como “destrezas suaves”,
que transformariam as mulheres em “especialistas emocionais das relações”
28
e
que poderiam propiciar mudanças na cultura empresarial, tais como um melhor
rendimento do trabalho em equipe ou o incentivo de formas mais horizontais de
exercício do poder (Hola e Todaro, 1992). Essas destrezas passam a ser
elementos importantes em empresas mais modernas, cujo modelo produtivo
tende a se diferenciar do paradigma fordista, especialmente nos níveis de
direção.
29
Esta situação contrasta com aquela vivida em empresas do setor
industrial com uma alta porcentagem de homens, nas quais, ainda que tenham
ocorrido processos de incorporação de mulheres em cargos de direção que
mostram, portanto, que esses não são espaços impermeáveis, é onde se
manifestam as maiores resistências.
Setor industrial: “as mulheres em produção não choram”
30
Nas empresas industriais, geralmente, os ambientes são mais hostis. A
maior parte das mulheres que encontramos ocupando cargos de gerência e
chefia estava nas empresas tradicionalmente mais feminizadas, que são atêxtil e
a de confecções. No entanto, nas empresas historicamente “masculinas”,como
a mineira e a gráfica, também se registra um lento processo de incorporação de
mulheres nesses níveis, apesar da persistência de uma série de barreiras e
dificuldades.
Na empresa mineira,com somente 6% de mão-de-obra feminina, por
exemplo, uma mulher ocupa o cargo de chefe de bem-estar. Pela primeira vez
haviam sido nomeadas mulheres para cargos, até então, exclusivamente
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 88
28 Newman, 1995 e Osborne, 1993 apud Reygadas, 1998.
29 Hola e Todaro (1992) mencionam que a valorização de ditas destrezas pode proporcionar uma série de
mudanças na cultura empresarial, como a criação de ambientes de trabalho em equipe e de compromisso
com a empresa e seus objetivos, assim como mudanças para formas mais “humanas” no comportamento dos
homens que ocupam altos níveis nas empresas
30 Expressão utilizada por um entrevistado da empresa gráfica.
masculinos, como os de administrador de estabelecimento, supervisor de
explosões, secretária em estabelecimento de serviço, nos quais trabalham
somente homens, e assistência a clientes. Na opinião do entrevistado, a reação
dos trabalhadores tem sido positiva: “Eles têm se acostumado rapidamente e cada
vez parece menos estranho”.
Por sua vez, na empresa do setor gráfico estudada no contexto da
pesquisa,na qual 96% da mão-de-obra era masculina, pôde-se observar uma
forte resistência à incorporação de mulheres em cargos diretivos, especialmente
quando estes se localizam na produção. Nessa empresa, como parte de um
processo de profissionalização dos postos de direção, nomeou-se uma mulher
como subgerente de planejamento e controle da área de produção. Produziu-se
uma situação especialmente conflituosa, porque a função da subgerente era
planejar o trabalho de diversas áreas, o que implicava “entrar no terreno de muitos
chefes (...) que eram verdadeiras vacas sagradas”. O entrevistado assinala que a
profissional em questão tinha um alto nível técnico e era muito idônea para o
cargo, “(...) aberta e transparente, sabe como manejar a informação e dar autonomia
aos chefes para que resolvam sobre seu âmbito imediato”. Contudo, chefes e
trabalhadores reagiram com muita hostilidade à presença de uma mulher em um
“terreno que era de homens”. Essa reação se traduziu em ações hostis, tais como
danificar o seu carro, fazer ligações telefônicas para sua casa para molestá-la e,
inclusive, inventar e difundir pela empresa que ela teria uma relação amorosa
com um trabalhador. Segundo o entrevistado, os custos pessoais desta situação
para a subgerente eram muito altos. A rejeição de seus subordinados se
expressava em um questionamento de seus atributos pessoais “femininos” e
não de sua qualificação técnica; pelo contrário, o entrevistado destaca sua
idoneidade profissional para o cargo. O problema baseava-se , portanto, no fato
de se tratar de uma mulher em um terreno por excelência masculino. Nesse
“território”, uma condição necessária para exercer a chefia seria a “fortaleza de
caráter”, entendida como um atributo masculino que se manifesta na capacidade
de enfrentar emocionalmente situações problemáticas - nesse caso, a
hostilidade aberta dos subordinados, motivada justamente pelo que estaria
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 89
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
sendo considerado por eles como uma “intromissão” de uma mulher em um
território masculino.
O mesmo entrevistado observa que, como parte do mesmo processo de
profissionalização, ocorreram hostilidades também em relação ao subgerente
de produção. Mas as diferenças de sexo parecem adquirir aqui muita
importância. Além disso, devido a suas redes de inserção na empresa, o
subgerente contou com mais informação a respeito do tipo de trabalhadores , o
que lhe permitiu ter uma preparação melhor para enfrentar a situação. Assim, ele
teria, na opinião do entrevistado, uma “fortaleza de caráter masculina”, que lhe
permitiu “agüentar firme” as hostilidades e a rejeição dos trabalhadores. Por
outro lado, a subgerente:
“(...) chora com muita facilidade. Eu falo para ela: ’as mulheres não choram, as
mulheres em produção não choram’. Eu falei: ‘Você não pode chorar, porque,
se você fizer isso, você vai confirmar o estereótipo que se tem das mulheres; e
você está num cargo que já foi desejado por várias pessoas daqui, mas eles não
podem, e não poderão nunca, porque eles não têm a preparação acadêmica que
você tem’. Ela tem uma pós-graduação em Barcelona, ela está muito bem
preparada. Então eu falei: ‘não deixe que te vejam chorar’”.
Setor serviços e financeiro: mulheres trabalham mais em redes “por sua forma natural
de ser”.
As empresas de serviços e financeiras são aquelas onde se aprecia uma
maior abertura para incorporação de mulheres nas chefias e gerências, não
apenas na área de recursos humanos e serviços ao cliente, mas também em
áreas como a comercial, a de finanças, negócios da pequena e média empresa e
marketing.
Em geral, é atribuído às mulheres um estilo mais democrático,
horizontal, “em redes, pela sua forma natural de ser”, que contrasta com o estilo
mais hierárquico e vertical atribuído aos homens. Isso não significa que as
gerentes e chefas sejam mais brandas, já que também lhes é atribuída a
capacidade de definir limites e regras com clareza, podendo inclusive ser duras
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 90
e um pouco autoritárias; mas “não deixam de ser mulheres”, como acontecia antes
com aquelas poucas que chegavam a ocupar cargos diretivos.
Devido a esses características atribuídas às mulheres, ilustrados por
depoimentos do tipo“elas gostam de ter um papel de guia e de ajuda num nível que
não necessariamente significa de chefia, mas um nível de coordenação”, muitas delas
resistem a assumir cargos de direção. Nas palavras da entrevistada da empresa
de informática, “pela experiência que eu tenho aqui, não gostamos de conflitos
permanentes, preferimos o consenso”. Para elas, o cargo e o status não seriam tão
importantes como para o homem; para as mulheres é mais interessante “ter
tempo para poder cuidar da casa, dos filhos, do marido e do trabalho”, e trabalhar
estimuladas principalmente por um desejo de realização pessoal.
Como podemos ver, há diferenças importantes entre as opiniões dos/das
empresários e gerentes das empresas industriais e de serviços. Enquanto na
empresa gráfica enfatiza-se a “fortaleza de caráter” como uma condição
importante para o exercício de uma chefia da área de produção, nos setores
serviço e financeiro existe uma maior valorização de certas características
atribuídas às mulheres, que apontariam para a capacidade de construir relações
de confiança entre os trabalhadores e de trabalhar em redes. Essas mesmas
capacidades, também reconhecidas no caso da subgerente da indústria gráfica,
eram decodificadas, neste caso, como um sinal de suas dificuldades - ou
“debilidade de caráter” - para se relacionar com os operários. Como se trata de
uma gerência da área de produção, que é por excelência um “território de
homens”, numa empresa fortemente masculinizada, reforça-se o argumento das
dificuldades atribuídas às mulheres para ocuparem estes cargos.
A presença feminina na produção e nas áreas operacionais
Apesar da porcentagem significativa de mulheres em áreas de produção
nas empresas do setor industrial estudadas
31
, a visão dos executivos é que,
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 91
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
31 Segundo os dados da pesquisa, 73% das mulheres ocupadas nas empresas industriais foram classificadas
como operárias.
nessas áreas, estão concentrados os cargos considerados mais
“inconvenientes” para mulheres
32
, já que reúnem atividades que requerem mais
esforço físico e “sacrifício”, e que são realizadas muitas vezes em turnos
noturnos, em ambientes pouco gratos, “sujos”, com algum grau de
periculosidade. Por outro lado, a maior força física dos homens, associada à sua
“fortaleza de caráter” antes mencionada, os faria mais aptos para assumir estas
funções arriscadas e “sacrificadas”, tais como o manejo de maquinaria, o
transporte de materiais ou a manipulação de material delicado, funções essas
que, por sua vez, estão associadas a maior responsabilidade, maiores
remunerações e status.
33
Os trabalhos realizados pelas mulheres na produção são caracterizados
pelos entrevistados, na maior parte das vezes, como os mais simples e leves,
que não requerem grande força física, mas sim meticulosidade, atenção aos
detalhes, paciência e tolerância a tarefas repetitivas e que exigem permanecer
muito tempo no mesmo lugar. São trabalhos caracterizados como secundários,
que, mais que uma qualificação específica, requerem supostos atributos
femininos, que se concebem mais como destrezas naturais que como habilidades
adquiridas, talentos e não qualificações (Jensons, 1989), próprias da natureza
feminina e de sua relação com o âmbito doméstico. O entrevistado da empresa
de cerâmica afirma que a habilidade manual das mulheres para polir peças tem a
ver com “a manipulação da mamadeira, ou descascar cebolas, ou cozinhar”.
34
Também se assinala, em empresas de outros setores, que o trabalho de
mulheres em áreas operacionais, como o das operadoras telefônicas, requer “um
perfil mais psicológico que técnico”.
As entrevistas contém, assim, uma série de informações sobre a divisão
sexual do trabalho existente no interior das áreas de produção. Geralmente,
reserva-se aos homens a manipulação das máquinas, o que requer certa
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 92
32 Como vimos, aproximadamente 50% os pesquisados assinalam que tanto os trabalhos mais qualificados
quanto os menos qualificados da produção ou vinculados a ela são inconvenientes para as mulheres.
33 Como já foi previamente assinalado, as razões pelas quais os empresários entrevistados consideram que
existiriam cargos inconvenientes para ser ocupados por mulheres no setor industrial, referem-se, em 80% dos
casos, à capacidade/força física e aos riscos/perigos do trabalho.
34 Esse tipo de consideração, inclusive por parte das próprias mulheres ao referirem-se ao seu trabalho, foi
encontrado em várias pesquisas. Veja-se, entre outras, Rizek e Leite (1998).
especialização, supõe mais risco e responsabilidade e confere maior status,
especialmente nas empresas marcadamente masculinizadas. Na empresa têxtil,
por exemplo, os trabalhos desempenhados somente por homens são o cardado
(porque requer capacidade física e porque a manipulação das máquinas traz
consigo certos perigos) e o trabalho de tinturaria, devido à maior
responsabilidade e risco da tarefa: “Alguns trabalhos são mais importantes, não
podemos negar, porque se uma pessoa estraga a mistura sai tudo errado, porém,
se um cone é estragado, é somente um cone estragado, mas se a mistura sai
errada, são mil quilos ruins”.
Expressa-se aqui, por um lado, uma imagem de menor capacidade e
responsabilidade das mulheres frente ao desempenho de suas tarefas (elas
seriam menos confiáveis)
35
e, por outro, de desvalorização dos trabalhos por
elas realizados. Em contraste, a maior força física dos homens aparece
relacionada a uma maior “fortaleza de caráter”, que lhes permitiria assumir
trabalhos sacrificados, de alto risco e de maior responsabilidade.
Os aspectos menos positivos atribuídos aos trabalhadores homens
dizem respeito à sua menor meticulosidade, atributo considerado especialmente
importantes no caso da indústria de confecções. Ali, a “falta de delicadeza” e
uma maneira tosca de ser marginalizaria os homens de trabalhos delicados e
inclusive da manipulação de máquinas de alta precisão (como as máquinas de
costura na indústria de confecções).
36
Por outro lado, menciona-se o fato dos
homens serem considerados menos disciplinados, com menor capacidade de
concentração, de realizar simultaneamente varias tarefas e de permanecer muito
tempo num só lugar.
Vale notar que os trabalhos realizados na área operacional, técnica e de
manutenção de empresas de outros setores, tais como reparadores e
instaladores de líneas telefônicas, e maquinistas no setor de transportes e
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 93
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
35 ”Uma mulher poderia meter os dedos onde não deve”, afirma a entrevistada da empresa textil. Essa é, sem
dúvida, uma imagen infantilizada, e portanto desqualificadora, da mulher no trabalho.
36 O caso das costureiras se destaca dos demais pois é o único em que se reconhece certa especialização das
mulheres para o manuseio de máquinas descritas como muito sofisticadas.
comunicações, também são considerados como “territórios masculinos”, ou
seja, como “trabalhos técnicos que histórica ou culturalmente tem sido dominados
pelos homens”, segundo um empresário entrevistado do setor financeiro.
Esta forma de caracterizar o trabalho das mulheres tem relação direta
com o fato de que as fábricas continuam sendo, no imaginário dos empresários e
dos próprios trabalhadores, o território masculino por excelência, no qual se
exalta a força física, os trabalhos pesados e sacrificados. Isso não significa a
exclusão absoluta das mulheres do trabalho industrial
37
, mas define uma
inserção segregada a certos setores ocupações, muitas vezes em condições
precárias, que se expressa, entre outras coisas, no seu confinamento a postos de
trabalho caracterizados pela utilização de habilidades supostamente
relacionadas à esfera doméstica (Abramo e Todaro, 1997).
Para ilustrar este aspecto, é interessante mencionar o caso das
encadernadoras na empresa do setor gráfico, cujo trabalho não é, a juízo do
entrevistado “de alta especialização, mas sim de muito cuidado”, o que requer
“dedicação e meticulosidade”. Por isso, a empresa utiliza exclusivamente
mulheres, subcontratadas de maneira temporária”
38
Profissionais e técnicos
Nas empresas estudadas existe boa disposição para incorporar
mulheres nos níveis profissionais, inclusive naquelas que se caracterizam por
uma alta porcentagem de mão-de-obra masculina. É o caso da empresa de
mineração, que integrou mulheres profissionais em cargos exercidos, até esse
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 94
37 Com efeito, os dados globais para o Chile indicam que a porcentagem de trabalhadoras industriais sobre o
total das mulheres ocupadas (13,5%) não era, na ocasião, muito inferior à porcentagem de trabalhadores
industriais sobre o total de homens empregados (17,5%; dados do INE para 1997); a participação da
mão-de-obra feminina sobre o volume total de emprego do setor era de 27% e havia crescido 47% entre 1985
e 1997.
38 A empresa exigia explícita e exclusivamente mulheres para realizar essa função: “temos uma oficina onde
trabalham 20 meninas contratadas por meio dessa empresa; nós as chamamos para certas atividades e
quando se conclui o trabalho, elas vão embora. Quando precisamos novamente, chamamos o contratista, e
ele as traz de volta. É necessário esclarecer que a qualificação de “meninas” não tem nenhuma relação com a
idade das trabalhadoras, mas trata-se de uma forma bastante particular e generalizada de referir-se às
mulheres no trabalho.
momento, apenas por homens: uma engenheira civil como supervisora de
explosões, e uma química como administradora de uma planta produtiva.
39
As áreas técnicas, embora em muitos casos tenham um caráter
masculino, agrupam ocupações muito diversas que variam muito por setor. Por
isso é necessário diferenciar algumas situações. Em algumas empresas do setor
serviços, por exemplo, se observa certa abertura à entrada de mulheres. A
executiva da empresa de informática assinala que a primeira mulher que entrou
ao serviço técnico, 17 anos atrás, enfrentou muitas dificuldades porque se
tratava de “um mundo de homens”. No entanto, “isso foi mudando com o tempo,
ela construiu sua carreira, hoje é gerente do serviço técnico e agora há mais
mulheres ali”. Na mesma empresa de mineração foram incorporadas mulheres
analistas químicas ao trabalho de laboratório. No entanto, em empresas do setor
transporte e comunicações, a instalação e reparação de linhas telefônicas ou
vias ferroviárias ainda é um trabalho desempenhado exclusivamente por
homens.
Áreas administrativas
Como se poderia esperar, a mão-de-obra feminina predomina nas áreas
administrativas, desempenhando uma série de cargos considerados “típicos”
de mulheres: secretárias, contadoras, vendedoras e supervisoras, pessoal da
área de recursos humanos e, em alguns casos, de almoxarifado para inventariar
mercadorias. Nas funções menos qualificadas dessa área, como auxiliares de
limpeza, são empregados homens e mulheres, e nas funções de fechamento e
abertura de escritórios, trâmites bancários e segurança, os homens
predominam.
Nesses casos, o discurso empresarial destaca como habilidades
próprias das trabalhadoras a “capacidade de organização e ordem” e a “maior
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 95
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
39 Em termos agregados, a presença feminina no grupo de profissionais e técnicos vem aumentando
significativamente na América Latina, fenômeno que está associado ao aumento de suas taxas de
participação e de seus níveis de escolaridade. Em 1975, essa presença já chegava a mais de 50% nas zonas
urbanas de muitos países, entre os quais se destacam Chile, Costa Rica, México e Venezuela (Valdés e
Gomáriz, 1995).
estabilidade e responsabilidade”. Entre suas qualidades humanas, se menciona
uma maior honradez, compromisso, lealdade, fidelidade e “boa aparência”. Tudo
isso, no entender dos entrevistados, tornaria as mulheres muito mais aptas que
os homens para trabalhos administrativos de confiança e, especialmente, de
atenção ao público. O entrevistado da empresa que comercializava produtos
eletrônicos descreveu as mulheres como “mais finas, com mais tato; a boa
presença dá um ar especial, melhora o ambiente de trabalho, torna-o mais alegre”.
Novamente, da mesma forma que nas áreas produtivas, as referências
estão mais relacionadas a um perfil psicológico e às atitudes do que a
características profissionais ou técnicas de trabalhadores e trabalhadoras.
Cargos ocupados exclusivamente por mulheres ou homens
Alguns cargos, nas empresas analisadas, são ocupados exclusivamente
por homens ou por mulheres. Entre eles, os que mais chamaram a atenção são
os seguintes:
Operadoras telefônicas: “um perfil mais psicológico que técnico”
Nas duas empresas de comunicações, o cargo de operadoras
telefônicas, para as quais se exige ensino médio completo e cujo trabalho não
requer maior conhecimento, mas sim treinamento e muita “paciência’ para
realizar uma atividade bastante repetitiva, em lugares fechados, com altos níveis
de estresse, em turnos diurnos e noturnos, é desempenhado exclusivamente por
mulheres. Ainda que em uma delas se tenha pensado na possibilidade de
incorporar homens, até o momento da entrevista isso não havia ocorrido. Os
motivos pelos quais os empresários consideram que este trabalho é “feminino”
são os seguintes:
“As operadoras telefônicas devem ter muita paciência. Normalmente as
operadoras não são elogiadas, pelo contrário, elas são criticadas. Uma pessoa,
quando liga, normalmente está reclamando de alguma coisa. São poucos os que
lembram que a operadora é uma pessoa. O perfil é psicológico mais que técnico.”
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 96
Uma vez mais são as características pessoais atribuídas às mulheres – e
não qualquer razão de ordem técnica – que faz com que elas sejam consideradas
mais aptas para esse tipo de trabalho. São as suas habilidades, concebidas
como “naturais” e não como qualificações adquiridas (Jenson, 1989).
Comissárias de transporte terrestre: “gente jovem com boa presença”
Na empresa de transporte entrevistada, as comissárias são todas mulheres
jovens, “por razões de marketing”, assinala o entrevistado. O que se busca é gente
jovem, com “boa aparência” e condições para atender público. Isto é o que explica
a preferência por mulheres:
“Obviamente uma mulher cumpre, numa melhor medida, a função. É como a
aeromoça de um avião que tem que atender o cliente, ser atenta nos serviços que
presta a bordo. Iisso não signifique que o trabalho não possa ser realizado pelo
homem,mas do ponto de vista das relações humanas a presença da mulher é
mais bem vista”.
É interessante assinalar que o entrevistado afirma que, mais que uma
política da empresa, a distribuição de mulheres e homens em diferentes cargos
obedece a uma “distribuição natural”.
Operadores de Bolsa: “as mulheres dão azar”
Diferentemente do anterior, esse é um cargo ocupado tradicionalmente
somente por homens, porque, como afirma a entrevistada, “dá azar que uma
mulher entre na Bolsa”, “uma mulher não pode ir à Bolsa. (...) é como uma tradição,
sempre foi assim. Eu nunca ouvi falar de uma mulher como corretora da bolsa”. As
mulheres podem ser executivas de venda, mas não podem entrar na Bolsa.
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O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
As principais “limitações” das mulheres no trabalho
Ao lado da caracterização dos defeitos ou virtudes atribuídas pelos
empresários e executivos a homens e mulheres, outro elemento que ajuda a
entender a localização de cada um na estrutura ocupacional e a configuração de
territórios masculinos e territórios femininos na empresa é a suposta limitação das
mulheres para desempenhar certas ocupações.
Além da força física e do risco, que apareceram como as razões mais
importantes para justificar que determinadas ocupações sejam consideradas
inconvenientes para mulheres, se menciona sua suposta falta de disponibilidade
para trabalhar em turnos noturnos e viajar. É necessário analisar essas supostas
limitações, especialmente as duas últimas, tendo como referência a realidade de
alguns postos ocupados exclusivamente por mulheres nas empresas
estudadas. Estamos nos referindo aqui, por exemplo, às operadoras telefônicas
e enfermeiras, que durante o ano inteiro trabalham em turnos noturnos, e às
aeromoças e comissárias de transporte terrestre, cujo trabalho consiste
precisamente em viajar. A concentração de mulheres nessas ocupações, por um
lado, confirma muitas das tradicionais imagens de gênero, já que se tratam de
ocupações relacionadas à atenção ao público e cujos requisitos estão
relacionados a um perfil “mais psicológico que técnico”; por outro lado,
questionam claramente as limitações atribuídas às mulheres pelos executivos.
40
Essa inconsistência entre o discurso empresarial e algumas práticas
gerenciais indica que a atribuição de limitações às mulheres para desempenhar
determinadas funções é bastante relativa e casuística: aparece quando se
mencionam ocupações e territórios masculinos e desaparece nos casos
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 98
40 Quando se perguntou a uma executiva de uma clínica se havia dificuldade das enfermeiras para fazer turnos
noturnos, ela respondeu que isso não representava nenhum problema, porque “elas mesmas (...), quando se
preparam para essa profissão, sabem que têm que trabalhar em turnos”. Mesmo que reconheça que isso
pode gerar problemas na vida familiar (afirma que na área de saúde, a maioria dos homens e mulheres são
separados ou casados mais de uma vez), as enfermeiras “se arranjam (...) como se arranjaram a vida toda”. A
entrevistada destaca também que essas trabalhadoras se caracterizam por baixos níveis de absenteísmo e
um alto nível de responsabilidade. No caso das aeromoças, o entrevistado assinala que todas são mulheres
jovens “por razões de marketing, de boa presença” e condições para atender ao público.
contrários, ou seja, nas ocupações desempenhadas quase exclusivamente por
mulheres e associadas a atributos femininos. O que é importante considerar é
que, a partir desse discurso empresarial, expressão de identidades de gênero
rígidas e bastante tradicionais no mundo do trabalho, são tomadas muitas das
decisões que tendem a manter dinâmicas de segregação, discriminação e
desvalorização da mulher no trabalho.
2.3.3.
A mulher como força de trabalho secundária
Sintetizaremos, a seguir, as principais expressões do imaginário
empresarial que surgem do material analisado e que mais explicitamente
contribuem a reproduzir e a reforçar a idéia das mulheres como uma força de
trabalho secundária. Há várias evidências, por exemplo, de que muitos dos
empresários e gerentes entrevistados ou pesquisados consideram, a priori e sem
ter evidências concretas nesse sentido, que as mulheres não têm a
responsabilidade de sustentar economicamente as suas famílias, mas sim a de
cuidar das tarefas domésticas. Em torno desta concepção, articulam uma série
de argumentos relacionados ao comportamento e às expectativas das mulheres
no trabalho e frente a ele, e tomam decisões concretas que determinam em
grande medida as suas possibilidades de acesso ao emprego e as condições
nas quais este se exerce.
2.3.3.1. Homens provedores, salário feminino secundário, trajetórias
ocupacionais instáveis
Para alguns dos empresários entrevistados, a explicação para o fato de
as remunerações recebidas pelas mulheres serem inferiores deve-se basicamente ao
fato de que elas estão dispostas a ganhar menos que os homens. Por sua vez, isso
seria demonstrado pelo fato de que, habitualmente, elas não se preocupam em
negociar os salários e se conformam mais rapidamente com as primeiras ofertas
que lhes são apresentadas. Argumentam que essa atitude estaria relacionada à
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 99
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
centralidade da família nas suas vidas, o que significaria que, para elas, o
trabalho não é uma obrigação, como o seria para os homens; devido a isso, elas
estariam dispostas a ganhar menos, se isso significa a possibilidade de estar
mais tempo com a família.
Essa opinião expressa justamente a idéia de que o trabalho das mulheres
é secundário, adicional ou complementar ao trabalho principal, que, por definição,
seria uma responsabilidade masculina. As referências às mulheres separadas
confirmam essa idéia. Elas, sim, s]ao vistas como provedoras de suas famílias.
De fato, as mulheres separadas, as únicas que são reconhecidas como
provedoras, são descritas pelos/as entrevistados/as “como homens” e exemplos
quase emblemáticos de responsabilidade no trabalho, particularmente as que
têm filhos pequenos, que como principal sustento familiar são capazes de fazer
tudo pelos filhos. A elas se refere uma das entrevistadas nos seguintes termos:
“A mulher separada é muito mais responsável do que a mulher que tem marido em
casa ou filhos maiores. Se esta é demitida do trabalho, ou se ausenta um dia, não
acontece nada. Ao contrário, uma mulher separada que tem sua casa, se ela falta
e é descontada por isso, a sua renda vai diminuir.”
Se a função de provedora familiar não é considerada como parte dos
papéis atribuíveis às mulheres, como o seria o cuidado dos filhos, dos idosos e
as demais responsabilidades domésticas e familiares, se assume(sem
necessidade de comprovar o que se diz) que as suas trajetórias ocupacionais
são instáveis, fortemente sujeitas e subordinadas aos ciclos da vida familiar.
2.2.3.2. Limitações de tempo: a “indevida” interferência da vida doméstica no
trabalho das mulheres
A outra idéia que aparece diretamente associada à imagem da mulher
como força de trabalho secundária, e que é reiterada pelo discurso empresarial,
é a sua suposta dificuldade de dedicação à empresa, que se expressaria, entre
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 100
outras coisas, nas suas limitações para fazer horas-extras, viajar e trabalhar em
horários noturnos.
41
Essas imagens de imposibilidade contrastam com a realidade de algumas
ocupações nas quais normalmente, e há muito tempo, trabalha-se durante a
noite, e que são desempenhadas majoritariamente (quando não exclusivamente)
por mulheres, como por exemplo, as enfermeiras e as telefonistas, que, em uma
das empresas entrevistada trabalham em turnos diurnos e noturnos, 365 dias
por ano.
Outra dificuldade que, segundo os empresários entrevistados, teriam as
mulheres é a de viajar. Na sua opinião, essas limitações afetam negativamente
as possibilidades das mulheres para receber formação ou aperfeiçoamento no
estrangeiro, e, a médio e longo prazo, fariam com elas deixassem de aspirar os
cargos mais qualificados e mais altos na hierarquia das empresas.
Da mesma forma que a realidade do trabalho das enfermeiras e
telefonistas contradiz as supostas limitações das mulheres para trabalhar
durante a noite, o caso das aeromoças, por exemplo, uma ocupação que também
se caracteriza por importante presença feminina, questiona a idéia de que elas
não poderiam estar presentes em ocupações que impliquem viajar.
42
2.3.3.3. A eterna inadequação
A ênfase que essas “limitações” atribuídas às mulheres no trabalho
adquirem em alguns momentos no discurso empresarial contribui para
fortalecer uma imagem destas como trabalhadoras “problemáticas”, “pouco
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 101
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
41 Essa foi, por exemplo, a principal razão alegada por um empresário do setor gráfico para explicar porque não
havia nenhuma mulher contratada na área de produção de sua empresa.
42 Reforçando esse argumento, podemos citar um estudo realizado por Korn/Ferry International em 1992 sobre
as mulheres em cargos de direção nas empresas Fortune (1000 no setor industrial e 500 no setor serviços),
citado por Sarriés e Vicén (2006), que questiona a imagem de que as mulheres não trabalham horas-extra.
Segundo os resultados desse estudo, em 1992, as mulheres entrevistadas trabalharam uma média de 56
horas semanais, exatamente o mesmo número de horas trabalhadas pelos homens. Outra imagem
questionada pelo citado estudo refere-se à impossibilidade ou resistência das mulheres para transferir-se de
uma localidade a outra por razões de trabalho. Apenas 14,1% das mulheres entrevistadas haviam recusado
uma oferta ou oportunidade de transferência. Em estudo similar realizado em 1989, a porcentagem de
homens que haviam recusado ofertas similares era de 20%.
adequadas” ou “diferentes” em relação ao modelo de trabalhador, que, em geral,
é um modelo masculino, ou seja, um trabalhador “que tem quem cuide, por eles,
da família e do âmbito doméstico” (Arango e Viveros, 1996). Isso implica uma
série de pré-requisitos sociais, que se transformam em verdadeiras
“vantagens”, que permitem a estes trabalhadores homens desenvolver uma
trajetória ocupacional em melhores condições.
Daí a necessidade de reconhecer que as “limitações” atribuídas às
mulheres no trabalho – e uma série de dificuldades reais que elas enfrentam -
não estão relacionadas a uma certa “natureza feminina menos apta para o
trabalho remunerado”, ou com a sua suposta condição de “força de trabalho
secundária”, mas sim com o fato de que, devido à ordem de gênero e à divisão
sexual do trabalho que continuam predominando em nossas sociedades, elas
continuam arcando de forma unilateral com as responsabilidades domésticas e
familiares. Além disso, no contexto de economias e sociedades que não
incorporam ao conceito de atividade econômica o trabalho não-remunerado
dedicado ao cuidado das pessoas, os custos da reprodução social são
assumidos pelas mulheres, na forma de excesso de trabalho (a “dupla jornada”,
e/ou a “dupla presença”), remunerações inferiores ou não-recebidas ou
trajetórias ocupacionais menos satisfatórias.
2.3.4.
Em síntese
Os resultados dessas duas pesquisas indicam que as imagens de gênero
dominantes tendem a projetar sobre a figura da mulher trabalhadora uma outra
imagem de mulher, presa fundamentalmente à vida familiar e doméstica, que
limitaria a sua adequada inserção e desempenho no trabalho. Essa imagem,
independentemente de qualquer comprovação empírica da existência concreta
de uma série de problemas a elas associados e que supostamente as
justificariam, tais como altas taxas de absenteísmo e de rotatividade voluntária e
altos custos indiretos associados à maternidade, condicionam fortemente a
disposição de investimento dos empresários na parcela feminina de sua força de
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 102
trabalho, tanto no sentido de sua incorporação aos quadros da empresa, como
de seu desenvolvimento profissional.
Indicam também que, apesar de ser possível identificar algumas
tendências comuns no discurso empresarial sobre as mulheres no trabalho,
esse é, muitas vezes, ambíguo e contraditório. É ainda mais difícil é estabelecer
uma relação clara entre essas opiniões e quaisquer dos fatores definidos no
sistema de hipóteses, como o tamanho da empresa, setor produtivo,
porcentagem de mulheres empregadas. Em cada uma dessas categorias de
classificação, foram encontradas opiniões bastante diferentes. A conclusão a
que se chega é que, mais que obedecer ao setor ou ao tamanho das empresas
estudadas, o que explica principalmente a opinião negativa ou positiva,
favorável ou desfavorável, dos empresários a respeito das mulheres é uma
definição prévia das características das diferentes ocupações, que tem pouco a
ver com seus elementos técnicos ou organizativos, e muito mais com o caráter
masculino ou feminino socialmente atribuído a essas ocupações. Revela-se,
assim, a importância justamente das imagens de gênero como critério de
classificação das empresas (ou tipos de empresas) e inclusive das ocupações (e
tipo de ocupações no interior de cada empresa), como mais ou menos
adequadas para homens ou mulheres, definindo verdadeiros territórios
masculinos e femininos no mundo do trabalho.
Este passa a ser o critério principal para avaliar – e qualificar –, valorizar
ou desvalorizar o desempenho de homens e mulheres no trabalho. Exatamente o
mesmo argumento, ou a mesma característica atribuída a uma mulher
trabalhadora, aparece às vezes como virtude, às vezes como defeito ou
limitação, às vezes como possibilidade, outras vezes como impossibilidade de
exercer adequadamente uma função. O que faz, por exemplo, que o trabalho em
turnos noturnos seja considerado impróprio para s mulheres na indústria gráfica
e próprio nas empresas telefônicas ou do setor de saúde, onde elas se
concentram exatamente em ocupações caracterizadas, desde sempre, pelo
trabalho noturno e em turnos (operadoras telefônicas e enfermeiras)? A
diferença, no fundo, é o fato de que o trabalho de enfermeiras e operadoras
telefônicas é considerado próprio para mulheres, e o do operário da indústria
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 103
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
gráfica é considerado impróprio. As explicações para isso não se encontram no
terreno das competências técnicas, e sim em razões de ordem cultural e
histórica, que continuam reproduzindo-se, apesar das profundas mudanças
ocorridas nos últimos anos nas características técnicas dessas ocupações.
Outra conclusão do estudo é a força da imagem de que há habilidades,
vantagens e qualidades que são próprias dos homens e outras, diferentes, que são
próprias de mulheres. Isso talvez não fosse um problema se essas diferenças não
se convertessem em desigualdades. Ou seja, se, junto a essa sinalização das
diferenças, quase sempre identificadas por comparação ou oposição, não se
produzisse uma forte hierarquização das supostas virtudes e defeitos atribuídos
a homens e mulheres, incidindo significativamente nas possibilidades de uns e
outras de terem acesso ao emprego, a melhores remunerações e a cargos mais
valorizados.
2.4.
As políticas de recursos humanos dirigidas à mão-de-obra
feminina
Como já foi assinalado, as imagens de gênero estão na base de muitas
das decisões gerenciais relativa à mão-de-obra empregada (homens e
mulheres), em especial das políticas de recrutamento, seleção, treinamento e
formação, remuneração e promoção. A análise das políticas de recursos
humanos das empresas será feita, portanto, com o objetivo de verificar que tipo
de ação vinha se desenvolvendo – ou não – nas empresas pesquisadas, tendo
em vista uma maior valorização ou aposta no desenvolvimento das mulheres
como trabalhadoras, e a promoção da igualdade de gênero, e como estavam - ou
não – operando as imagens de gênero nessas ações concretas.
Partimos da hipótese de que, em geral, as estratégias de recursos
humanos das empresas nos contextos analisados se caracterizavam por um
paradoxo: por um lado, a valorização dos recursos humanos aparecia como
elemento central no discurso gerencial que tendia a articular-se a partir de
diferentes aproximações ao modelo da qualidade total. Por outro lado, nas
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 104
estratégias concretas aplicadas pelas empresas, constatava-se a reduzida
importância atribuída à gestão dos recursos humanos como fator de
produtividade e competitividade, assim como uma visão pouco articulada entre
as diversas dimensões dessa gestão, tais como políticas e programas de
treinamento, sistemas salariais, gestão da saúde e segurança ocupacional,
sistemas de participação dos trabalhadores etc.. No que diz respeito à
valorização das mulheres e à promoção da igualdade de oportunidades, as
políticas gerenciais eram, em geral, muito tímidas.
43
2.4.1.
As políticas de recursos humanos no começo dos anos 90
As medidas, iniciativas ou programas de recursos humanos dirigidos à
mão-de-obra feminina existentes nos estabelecimentos pesquisados no começo
dos anos 90 foram classificadas em dois tipos: (i) aqueles destinados a facilitar a
relação entre o exercício do trabalho remunerado e as responsabilidades
domésticas e familiares; e (ii) aqueles mais diretamente referidos às
possibilidades de acesso ao emprego e de desenvolvimento profissional das
mulheres.
Entre os primeiros, estão permissão de ausência para mulheres e
homens em caso de doença dos filhos, creche, licença-paternidade, programas
de treinamento dirigidos a familiares dos/as trabalhadores/as, afastamento
temporário com possibilidade de reincorporação, horário flexível e trabalho de
tempo parcial
44
. Entre os segundos, estão ações para aumentar o recrutamento
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 105
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
43 A base empírica desta análise provém basicamente de duas das pesquisas citadas no começo deste capítulo.
A primeira delas foi desenvolvida no começo dos anos 90, em empresas das indústrias metal-mecânicas e de
alimentação no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México (Projeto OIT/ACDI). A segunda, realizada no final
dos anos 90 nos setores automotivo e químico na região do Grande ABC paulista, no contexto do projeto
“Gestão local, empregabilidade e equidade de gênero e raça” (Prefeitura Municipal de Santo André, Cebrap,
Instituto de Governo e Cidadania do ABC, Ceert, OIT e Cepal).
44 É importante considerar que essas duas modalidades mais flexíveis de trabalhopodem representar formas
menos desgastantes de articulação entre a vida doméstica e o trabalho remunerado, por outro lado também
podem significar novas formas de precarização do trabalho, que tendem a afetar principalmente às mulheres.
Com efeito, em vários países da Europa, tem havido uma grande expansão do trabalho em tempo parcial,
de mulheres, para elevar a sua participação em programas de treinamento e
favorecer seu acesso a postos de trabalho melhor remunerados e a cargos de
maior responsabilidade hierárquica.
Analisando os programas existentes nas empresas, pode-se observar,
em primeiro lugar, que os únicos cuja freqüência de aplicação, em alguns casos,
alcançava a metade ou mais da amostra eram: falta justificada para mulheres e
homens em caso de doença dos filhos (na indústria de alimentação argentina e
metal-mecânica colombiana) e licença-paternidade (alimentação no Brasil e
metal-mecânica na Colômbia). Em segundo lugar, sistematicamente, a
freqüência de aplicação dos programas era superior na indústria da alimentação,
se comparada à metal-mecânica.
2.4.1.1. Primeiro Grupo de Programas: articulação entre a vida profissional e a
vida familiar
Na indústria da alimentação, os únicos programas do primeiro grupo que
eram aplicados com freqüência significativa (próxima ou superior a 30% dos
estabelecimentos) eram: faltas justificadas para homens e mulheres em caso de
doença dos filhos e licença-paternidade. Na metal-mecânica, essa proporção era
inferior e variava entre 20% (ausência justificada para homens em caso de
doença dos filhos) e 30% (os outros dois) (tabela 3).
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 106
forma de emprego em que se concentram amplamente as mulheres. Muitos autores, entre eles Maruani
(1991), chamam a atenção sobre os efeitos muitas vezes negativos dessa tendência sobre a qualidade do
emprego das mulheres e para as relações de gênero em forma mais geral, porque tendem a cristalizar a
tradicional divisão sexual do trabalho. Voltaremos a esse tema no capítulo 5.
TABELA 3
Porcentagem dos estabelecimentos com programas em aplicação, por setores. Total de
amostra, países selecionados (1) - 1992-93 (em porcentagem)
Programas Alimentação Metal-Mecânica
Articulação da vida doméstica-trabalho
Falta justificada mulheres no caso de doença de filhos 41 29
Falta justificada homens no caso de doença de filhos 28 19
Licença-paternidade 31 28
Creche 15 9
Tempo parcial 6 5
Horário flexível 6 6
Treinamento a familiares 14 11
Retirada com possibilidades de reincorporação 10 6
Acesso ao emprego e desenvolvimento profissional
Aumentar o recrutamento de mulheres 16 9
Favorecer acesso ao treinamento 25 15
Favorecer acesso a postos melhor remunerados 25 14
Favorecer acesso a postos de maior hierarquia 24 17
Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e emprego nos 90”; Projeto Regional
“Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI. (1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil,
Colômbia, Chile e México.
A falta justificada em caso de doença dos filhos era o programa mais
disseminado entre as empresas. No entanto, a sua freqüência de aplicação
continuava sendo baixa.
45
Em geral, o cuidado com os filhos doentes continuava
sendo pensado pelas gerências como uma tarefa muito mais feminina que
masculina, em especial no setor metal-mecânico. As diferenças mais
significativas quanto a esse aspecto foram registradas na indústria da
alimentação do Chile, onde o benefício para as mulheres existia em 43% dos
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 107
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
45 No caso do Chile esse era um direito garantido por lei e, como tal, deveria ser respeitado em todas as
empresas.
estabelecimentos e em apenas 7% deles para os homens, e na metal-mecânica
no Brasil e Chile.
46
A licença-paternidade assou a ser objeto de negociação coletiva em
alguns países da região, tendo sido, em alguns casos, transformado em lei.
47
No
entanto, segundo os dados da pesquisa, esse direito era aplicado por uma
parcela reduzida, próxima aos 30%, em média, das empresas e não era vigente
nem sequer na metade da amostra em nenhum país.
A existência dos serviços de creche, ou seja, a possibilidade de contar
com uma atenção adequada para os filhos durante o horário de trabalho, está
entre os fatores mais importantes no sentido de possibilitar uma melhor
inserção da mulher no mercado de trabalho. Em geral, a cobertura dos serviços
públicos é muito limitada e, por isso, a existência de creches nos lugares de
trabalho passou a ser objeto de negociação coletiva e de legislação em vários
países (Argentina, Brasil e Chile). Em contraste com essa necessidade,
reconhecida legalmente em vários casos, uma parcela muito reduzida de
estabelecimentos da amostra contava com serviços de creche, principalmente
na indústria metal-mecânica
48
.
Por sua vez, a flexibilização da jornada de trabalho através do trabalho
em tempo parcial e da jornada flexível, para os trabalhadores regularmente
empregados nas empresas, não parecia ser parte das estratégias empresariais
nos estabelecimentos da amostra. Em média, esses programas eram aplicados
em apenas 6% deles, nos dois setores. Os programas de treinamento para os
familiares dos trabalhadores também tinham uma incidência muito baixa, pouco
mais de 10% em média, com exceção da Colômbia, onde, nos dois setores,
alcançavam uma cifra próxima aos 40%.
Possibilitar às mulheres afastarem-se do emprego por um período de
tempo determinado - por exemplo, durante o restante do primeiro ano de vida de
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 108
46 Onde se estendia às mulheres em aproximadamente 30% dos estabelecimentos e aos homens em
aproximadamente 10%.
47 Argentina (2 dias), Chile (1 dia) e Brasil (5 dias), no momento de realização da pesquisa (1992-93).
48 Para o conjunto dos países, as cifras eram de 15% na indústria da alimentação e de 9% na metal-mecânica.
um filho após o término da licença-maternidade - com direito a
reincorporarem-se posteriormente, pode ser uma forma importante de ampliar
as alternativas de uma melhor articulação entre a vida doméstica e o trabalho
remunerado
49
. No entanto, o tema não é simples. Segundo Rial (1993), apesar de
existir, na Argentina, um estatuto legal que prevê essa possibilidade - o chamado
“estado de excedência” -,
50
na prática, quando utilizado pelas mulheres, seus
direitos de reincorporação eram freqüentemente desrespeitados.
De qualquer maneira, a freqüência de aplicação desse tipo de programa
nas empresas da amostra era bastante reduzida (igual ou inferior a 10% em
média), quando não inexistente, sendo ligeiramente superior somente na
indústria de alimentação da Argentina (22%).
2.4.1.2. Segundo Grupo de Programas: acesso ao emprego e desenvolvimento
profissional
Em geral, os quatro programas relacionados mais diretamente a
aumentar as oportunidades de acesso ao emprego e desenvolvimento
profissional das mulheres tinham uma freqüência de aplicação inferior àquela
dos programas até agora analisados. Isso indicaria que as políticas de recursos
humanos dirigidas à mão-de-obra feminina nas empresas, quando existiam, não
iam muito além de medidas isoladas destinadas a diminuir algumas das
dificuldades de articulação entre a vida doméstica e o trabalho remunerado. A
menor difusão dos programas do segundo grupo significa, portanto, que era
muito reduzida a disposição empresarial de ampliar o acesso de mulheres ao
emprego, assim como de investir no desenvolvimento profissional da
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 109
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
49 A extensão da licença-maternidade e a instituição de períodos mais ou menos prolongados de “licença
parental” (um tipo de licença que pode ser utilizado tanto pelas mães como pelos pais) tem sido uma tendência
importante nos países da União Européia, como o objetivo de promover uma maior conciliação entre a vida
familiar e o trabalho remunerado. Esse tema também voltará a ser analisado no capítulo 5.
50 O “estado de excedência” prevê o afastamento temporário do trabalho por um período de 3 a 6 meses, em
caso de nascimento (após a licença-maternidade) ou doença de um filho, com possibilidade de
reincorporação posterior na mesma função ou em função superior ou inferior, em um arranjo de comum
acordo entre o empregador e a trabalhadora. Os períodos de “excedência” não são computados como tempo
de serviço.
mão-de-obra feminina já empregada. A primeira evidência disso é que, em
média, nenhum dos quatro programas mencionados nesse grupo existia em uma
porcentagem superior a 25% dos estabelecimentos da amostra. No conjunto, o
menos aplicado era justamente o mais fundamental (ações para aumentar o
recrutamento de mulheres), ou seja, aquele que se refere à ampliação das
possibilidades de acesso das mulheres ao emprego.
51
Considerando as médias de aplicação dos outros três programas - ações
para aumentar a participação das mulheres nos programas de treinamento, para
favorecer seu acesso a postos de trabalho mais bem remunerados e a postos
hierarquicamente superiores , podemos observar um comportamento mais ou
menos similar entre os três, que existem em 25% dos estabelecimentos na
alimentação e em aproximadamente 15% na metal-mecânica.
Em síntese, os dados dessa primeira pesquisa evidenciam que as
políticas de recursos humanos dirigidas às mulheres eram muito limitadas e,
quando existentes, compunham-se basicamente de medidas destinadas a
diminuir as dificuldades de articulação entre a vida doméstica e o trabalho
remunerado. Como regra geral, apresentavam uma baixa freqüência de
aplicação, inclusive quando se tratava de direitos legalmente estabelecidos
(como, por exemplo, licença-paternidade, creches e falta justificada em caso de
doença dos filhos). Os programas destinados a aumentar a incorporação da
mulher ao mercado de trabalho e a promover seu desenvolvimento profissional
eram ainda menos freqüentes. É importante assinalar que várias dessas
políticas, no mesmo período, estavam sendo objeto dos processos de
negociação coletiva nos países considerados. Este tema será analisado em
detalhe no Capítulo 4.
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 110
51 Ações desse tipo eram implementadas, em média, por 16% das empresas da indústria de alimentação e por
9% da metal-mecânica. Só na indústria de alimentação do Chile e na metal-mecânica mexicana uma parcela
próxima a 30% dos estabelecimentos tinha essa preocupação, enquanto na indústria de alimentação do
Brasil, Colômbia e México essa porcentagem era próxima a 20%. Nos demais casos não superava os 10%. A
Argentina aparecia como o caso mais rígido no que se refere às possibilidades de aumento da participação
feminina no emprego.
2.4.2.
Políticas de recursos humanos no final dos anos 90 (setores
automotivo e químico na Região do ABC paulista, Brasil)
Em pesquisa realizada aproximadamente cinco anos depois dessa
primeira,no final dos anos 90, voltou-se a indagar sobre a existência de medidas,
ações ou políticas de recursos humanos voltadas para a valorização da mulher
trabalhadora e a promoção da igualdade de gênero. Manteve-se a mesma
classificação, em dois grupos básicos, utilizada na pesquisa anterior. O primeiro
grupo englobava as medidas destinadas a facilitar a relação entre o exercício do
trabalho remunerado e as responsabilidades domésticas e familiares, e o
segundo grupo, aquelas que se referiam mais diretamente às possibilidades de
acesso das mulheres ao emprego e de seu desenvolvimento profissional.
As medidas do primeiro grupo, por sua vez, foram separadas em três
tipos. Em primeiro lugar, aquelas que se referiam à observância do que está
previsto em lei: licença-paternidade, intervalos para o aleitamento,
creche/auxílio-creche para filhos de trabalhadoras
52
. Em segundo lugar, aquelas
que significam a ampliação dos direitos legais de proteção à maternidade:
licença à mãe adotante, estabilidade para mães adotantes, creche/auxílio-creche
para filhos adotivos e abono de faltas para mulheres no caso de doença dos
filhos. Em terceiro lugar, medidas que apontam para uma melhor distribuição
das responsabilidades familiares entre homens e mulheres: licença ao pai
adotante, estabilidade ao pai adotante, creche/auxílio-creche para filhos de
trabalhadoras e trabalhadores, abono de faltas para homens no caso de doença
dos filhos.
O segundo grupo de medidas se refere mais diretamente às
possibilidades de acesso ao emprego e às condições de trabalho: aumentar
recrutamento de mulheres, favorecer o acesso de mulheres aos programas de
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 111
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
52 A legislação brasileira prevê cinco dias de licença-paternidade, dois períodos diários de meia-hora para
amamentar o filho lactante durante seis meses, considerados como tempo de trabalho e remunerados
enquanto tal, e a oferta de serviços de creche ou a concessão de auxílio-creche às mulheres empregadas.
treinamento, a postos mais bem remunerados, a postos de comando e a
ocupações não tradicionalmente desempenhadas por elas, como forma de
superar a segmentação ocupacional. Também se procurou investigar a
existência de políticas mais gerais de valorização da diversidade e de promoção
da igualdade de oportunidades, tanto em termos de gênero, como de raça.
A outra diferença entre as duas pesquisas, essa de natureza
metodológica, é que esta segunda não foi baseada em questionários, mas sim
em entrevistas semi- estruturadas e em uma um workshop de pesquisa-ação na
qual foram recolhidas, além das opiniões dos gerentes, também as dos
sindicalistas.
53
2.4.2.1. Primeiro grupo de medidas
Direitos previstos em lei
Na visão dos gerentes entrevistados do setor automotivo, a obrigação
legal de conceder uma licença-paternidade era observada em todas as
empresas. Por outro lado, o direito legal a amamentar os filhos lactantes não
estaria sendo observado em 40% das empresas e, mais que isso, sua
observância era considerada inviável. Em relação aos direitos relativos à creche,
os gerentes entrevistados afirmaram que eles eram observados em 80% das
empresas e possíveis de serem implementados nas outras 20%.
Os sindicalistas entrevistados na mesma pesquisa concordavam com os
gerentes no que se refere à licença-paternidade, mas eram bastante mais
pessimistas em relação aos intervalos para o aleitamento - que, segundo eles,
não eram observados em um terço das empresas - e aos serviços de creche, em
qualquer das duas modalidades previstas por lei (creche própria nas instalações
da empresa ou auxílio-creche) que, de acordo com eles, existiam em apenas um
terço das empresas analisadas.
Por sua vez, segundo os gerentes das empresas do setor químico, a
licença-paternidade existia em 80% das empresas e, nos outros 20%, era
considerada inviável, apesar do Convenção Coletivo vigente na ocasião (1999)
reiterar a obrigação legal das empresas relativa à concessão dos cinco dias de
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 112
53 Para mais detalhes sobre a metodologia utilizada, ver Abramo, Leite e Lombardi , 2001.
licença-paternidade. Por sua vez, o direito legal a amamentar os filhos lactantes
existia em 60% das empresas, era considerado viável em 20% delas e inviável
nas outras 20%. Finalmente, o direito legal aos serviços de creche, reafirmado e
ampliado (para os filhos adotivos) na Convenção Coletiva, existia em apenas
20% das empresas, foi considerado viável em 60% delas e inviável nas outras
20%.
Ampliação dos direitos relativos à maternidade:
Segundo os gerentes entrevistados, a licença à mãe adotante existiria na
grande maioria das empresas do setor automotivo (80%) e seria considerada
viável nos outros 20%
54
. Por outro lado, os demais direitos relativos à adoção,
tais como estabilidade para adotantes e creche para filhos adotivos, não
existiriam em nenhuma empresa e eram considerados inviáveis na sua grande
maioria (80% delas).
55
Por sua vez, o abono de faltas para mulheres no caso de
doença de filhos existiria em 60% das empresas e seria considerado inviável nos
outros 40%.
Conforme já assinalado e conforme será analisado no capítulo 4, vários
desses temas estavam presentes nas pautas de reinvindicação apresentadas
pelo Sindicato dos Metalúrgicos à negociação coletiva. Alguns deles foram
negociados e incorporados à Convenção Coletiva de trabalho. Entre
eles,estavam a licença-maternidade de 30 dias a empregadas que adotam filhos
entre 0 e 6 anos e o abono de faltas para trabalhadores de ambos os sexos em
caso de internação de um filho.
Segundo os gerentes do setor químico, a licença à mãe adotante existiria
em um número menor (60%) das empresas. Sua instituição era considerada
viável em outras 20% e inviável nas restantes (20%). A estabilidade para
adotantes existia em 40% das empresas, era considerada viável em outras 40% e
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 113
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
54 Segundo os sindicalistas entrevistados, a incidência desse direito era mais limitada, atingindo apenas 50%
das empresas.
55 É interessante observar que, poucos anos depois da realização desta pesquisa (em 15 de abril de 2002), a Lei
n. 10.421 ampliou às mães adotantes o direito à licença-maternidade (cento e vinte dias às que adotam
crianças até um ano de idade, sessenta dias entre um e quatro anos e trinta dias entre quatro e oito anos) e ao
salário- maternidade.
inviável nos outros 20%. Os serviços de creche para filhos adotivos não existiam
em nenhuma das empresas, eram considerados viáveis em 80% delas e inviáveis
nos outros 20%. Por sua vez, o abono de faltas para mulheres no caso de doença
de filhos, segundo os gerentes, existiria na totalidade das empresas.
Na opinião dos sindicalistas entrevistados, no entanto, a licença e
estabilidade para a mãe adotante existiriam em apenas 25% das empresas, o
direito à creche para filhos adotivos existiria em 50% delas e o abono de faltas
para mulheres em caso de doença de filhos em todas elas.
É importante assinalar que a Convenção Coletiva vigente na ocasião
garantia sessenta dias de licença maternidade para mães que adotam filhos
entre 0-24 meses, assim como o direito à creche para filhos adotivos até a idade
de 2 anos e o abono de faltas em casos de internação e de consultas (um total de
24 horas no período de um ano).
Maior equilíbrio das responsabilidades familiares entre homens e mulheres
Segundo os gerentes entrevistados no setor automotivo, a licença ao pai
adotante existiria em 20% das empresas, o que é coerente com a visão dos
sindicalistas. Foi considerada uma medida possível de ser implementada em
40% das empresas e impossível nas outras 40%. O direito à creche para
trabalhadores de ambos os sexos não existia em nenhuma das empresas e foi
considerado inviável na sua grande maioria (80%). O abono de faltas para
homens no caso de doença de filhos, segundo os gerentes entevistados,
existiria em 60% das empresas, e foi considerado inviável nas outras 40%.
Por sua vez, segundo os gerentes do setor químico, a licença ao pai
adotante existia em 40% das empresas. Foi considerada uma medida passível de
ser implementada em outras 20% e impossível em 40% delas. O direito à creche
para trabalhadores de ambos os sexos não existia em nenhuma das empresas,
mas era considerado viável na grande maioria delas (80%). O abono de faltas
para homens no caso de doença de filhos, segundo os gerentes entrevistados,
existia em 50% das empresas, foi considerado viável em 17% e inviável nas 33%
restantes.
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 114
Segundo os sindicalistas entrevistados, tanto no setor químico quanto
no metalúrgico, duas das três medidas listadas que apontavam a um maior
equilíbrio na repartição das responsabilidades familiares entre homens e
mulheres (licença ao pai adotante e direito à creche para filhos de trabalhadores
de ambos os sexos) existiam em apenas 25% das empresas. A terceira delas,
abono de faltas para homens no caso de doença dos filhos existiria em 60% das
empresas.
Em síntese, conforme os gerentes entrevistados, as áreas de maior
resistência nas empresas metalúrgicas no sentido de implantar medidas
tendentes a favorecer a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres
eram: em primeiro lugar, a extensão do direito à creche para filhos adotivos e
filhos de trabalhadores homens e a estabilidade para adotantes (considerados
inviáveis em 80% dos casos no setor metalúrgico); em segundo lugar, os
intervalos para aleitamento (considerados inviáveis em 40% dos casos, apesar
de ser um direito consagrado em lei), a licença para o pai adotante e o abono de
faltas para homens e mulheres em caso de doença de filhos (também
considerados inviáveis em 40% dos casos).
Cabe ainda ressaltar que a disposição dos empresários expressa nessas
entrevistas contrasta com o pouco que foi aceito na negociação, embora não se
possa perder de vista que as entrevistas se restringiram ao setor automotivo -
que tem sido a vanguarda em termos de conquista de direitos, tendo em vista a
capacidade de organização dos trabalhadores do setor -, enquanto a negociação
coletiva abrange todo o setor metalúrgico. Esse tema será mais discutido no
capítulo 4.
Nas empresas do setor químico, as resistências declaradas eram bem
menores. Dentre as medidas mais freqüentemente (entre 30% e 40%)
consideradas inviáveis estavam: licença ao pai adotante e abono de faltas para
homens em caso de doença de filhos. As demais medidas listadas foram
consideradas inviávies por, no máximo, 20% das empresas.
Contrastando essas opiniões com o resultado das negociações
coletivas, tanto do setor metalúrgico quanto do químico, podemos ver, no
entanto, que, apesar de todos esses temas constarem das propostas da
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 115
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Convenção Coletiva apresentadas pelos sindicatos, poucas delas foram aceitas
pelos empregadores. No caso dos metalúrgicos, apenas a cláusula relativa à
ausência justificada (1 dia) em caso de internação de filhos foi incorporada à
Convenção Coletiva de Trabalho. No caso dos químicos, duas delas: o abono de
faltas para homens em casos de internação e consultas médicas de filhos, em
um total de 24hs/ano, e a creche para os empregados do sexo masculino em
determinadas circunstâncias muito precisas: no caso de serem viúvos,
divorciados ou separados judicialmente, detendo a guarda legal exclusiva dos
filhos, e desde que solicitado pelos interessados.
2.4.2.2. Segundo grupo de medidas
Igualdade de oportunidades de gênero
Setor automotivo
Segundo os gerentes do setor automotivo, em 80% das empresas da
amostra existia uma disposição favorável para ampliar as possibilidades de
acesso das mulheres ao emprego e de promover medidas destinadas, em geral,
a favorecer a igualdade de oportunidades de gênero. Além disso, havia também
uma preocupação com a melhoria das condições de trabalho das mulheres
contratadas: em todas elas existiriam medidas destinadas a favorecer o seu
acesso a programas de treinamento e, em dois terços, medidas dirigidas a
ampliar suas possibilidades de acesso a postos melhor remunerados e de
comando. Por último, em 60% das empresas existiriam também medidas
destinadas a favorecer as possibilidades de acesso das mulheres a novas
ocupações.
Medidas desse tipo eram consideradas viáveis no restante das
empresas, nas quais não estavam sendo implementadas, com exceção de uma
pequena porcentagem delas (25%), que considerava inviáveis a existência de
providências destinadas a favorecer as possibilidades de acesso das mulheres a
novas ocupações.
As opiniões dos sindicalistas, no entanto, eram bastante diferentes:
consideravam que em nenhuma das empresas existia qualquer medida
destinada a ampliar as possibilidades de acesso de mulheres ao emprego, e que
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 116
era muito reduzida a preocupação em melhorar as condições de trabalho das
mulheres empregadas. A exceção era relativa ao treinamento: reconheciam que,
em 40% das empresas, existiriam medidas voltadas a favorecer o acesso de
mulheres a programas de treinamento.
Segundo eles, estariam sendo reivindicadas, na metade das empresas da
amostra, a ampliação das possibilidades de emprego para as mulheres e
medidas gerais de favorecimento da igualdade de oportunidades. No entanto,
reconhecem que o próprio sindicato estava dando pouca atenção à
reivindicação de medidas destinadas a aumentar a presença das mulheres em
novas ocupações ou postos melhor remunerados ou de comando, o que estaria
ocorrendo em apenas um terço das empresas.
Setor químico
Os gerentes das empresas do setor químico também afirmavam haver
uma preocupação importante com a melhoria das condições de trabalho das
mulheres. Ainda que em apenas 20% das empresas existissem medidas
destinadas a “favorecer a igualdade de oportunidades de gênero”, existiria,
segundo eles, uma preocupação grande com a qualificação das mulheres
empregadas, já que, em 80% das empresas, existiam, segundo os entrevistados,
medidas destinadas a favorecer o seu acesso a programas de treinamento, com
a melhoria de seu acesso a postos mais bem remunerados (60%) e a postos de
comando (40%). A única área em que os gerentes afirmavam não existir
nenhuma medida de favorecimento das mulheres era aquela relativa à sua
possibilidade de acesso a novas ocupações; no entanto, consideravam viáveis a
sua implantação na maioria (60%) das empresas e inviável nas outras 40% Essas
foram as duas únicas medidas consideradas inviáveis pelos entrevistados.
Os sindicalistas, por sua vez, consideravam que em nenhuma das
empresas existiam medidas destinadas a aumentar o recrutamento de mulheres,
e que a preocupação em melhorar as condições de trabalho das mulheres
empregadas era muito reduzida, com exceção da questão do treinamento.
Reconheciam que, em 40% das empresas, existiriam medidas voltadas a
favorecer o acesso de mulheres a programas de treinamento; em 25% delas
existiriam medidas destinadas a favorecer o acesso de mulheres a postos
melhor remunerados e em nenhuma delas haveria medidas destinadas a
favorecer o seu acesso a postos de comando ou a novas ocupações. Por outro
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 117
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
lado, segundo eles, em 40% das empresas existiriam medidas destinadas a
favorecer, em geral, a igualdade de oportunidades de gênero.
Segundo a opinião expressa nas entrevistas, o esforço sindical se
concentrava em aumentar as possibilidades de emprego para as mulheres e em
medidas gerais de favorecimento da igualdade de oportunidades.
Como será analisado no capítulo 4, esse tema estava presente na pauta
apresentada pelo sindicato à negociação nesses anos, em duas propostas de
cláusula: proibição de qualquer prática discriminatória em função de gênero,
raça, cor, sexo, religião, opinião política, ou qualquer outra forma que tenha por
efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em
matéria de emprego ou profissão; reafirmação da Convenção nº 100 da OIT,
assegurando a aplicação a todos os trabalhadores do princípio da igualdade de
remuneração para a mão-de-obra masculina e a feminina por um trabalho de
igual valor.
2.5.
Considerações finais
A análise dos resultados desse conjunto de pesquisas evidencia a
presença de continuidades e mudanças no discurso empresarial sobre homens
e mulheres no trabalho: por um lado, a emergência de novas idéias; por outro, a
persistência de imagens tradicionais que, ao mesmo tempo, se originam e
reproduzem a segregação ocupacional por sexo existente no interior das
empresas, no mercado de trabalho e na sociedade.
As mudanças ocorridas no mercado de trabalho se refletem, ainda que
de maneira ambígua e incompleta, no discurso empresarial: eles reconhecem
que as mulheres têm direito ao trabalho remunerado; em alguns casos se
incentiva sua contratação, já que se considera que algumas das suas
características estão associadas positivamente aos novos estilos de gestão e às
características de certos tipos de funções e ocupações (Sarriés e Vicén, 2006).
No entanto, as resistências e as imagens tradicionais relativas aos
homens e mulheres persistem e se reproduzem. Os “atributos laborais” de uns e
outras continuam sendo valorizados de maneira distinta e desigual, o que se
reflete em distintas e desiguais oportunidades de acesso ao emprego,
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 118
remuneração, promoção e treinamento. O peso dos atributos pessoais
identificados com o feminino supera, freqüentemente, uma análise mais objetiva
de suas qualificações técnicas e suas características profissionais. Persistem
vários atributos negativos associados às mulheres, ou avaliações, (muitas
vezes taxativas) sobre suas impossibilidades e limitações que, além de não
estar comprovadas por informação sistemática ou registros estatísticos de
qualquer tipo, relacionam-se, mais do que com qualquer característica própria
das mulheres no trabalho, com determinadas formas de organização
empresarial que estão na origem desse tipo de problemas. Nesse sentido, é
importante assinalar que outras formas de organização da produção e do
trabalho, assim como outros estilos de gestão empresarial, que permitissem,
por exemplo, jornadas de trabalho menos intensas e extensas, trabalhos menos
repetitivos e rotineiros, a criação de um ambiente de trabalho mais “amigável”,
ou uma melhor conciliação entre a vida laboral e a vida doméstica, poderiam
contribuir para a eliminação de uma série de problemas de desempenho,
eficiência e produtividade atualmente existentes, tanto no caso das mulheres
como dos homens.
Permanecem também, como fica evidente no material analisado,
variadas formas e diversos mecanismos de desvalorização do trabalho feminino
em relação ao masculino e de atribuição de um papel secundário e
secundarizado à presença das mulheres no mundo do trabalho.
2.5.1.
Mulher e trabalho: novas idéias e velhos fantasmas
A análise dos resultados desse conjunto de pesquisas nos sugere
também que o imaginário empresarial está permeado por novas idéias e velhos
fantasmas. Isso quer dizer que, ao lado de idéias e noções mais permeáveis a
uma presença mais valorizada e mais eqüitativa das mulheres no mundo da
empresa e do trabalho, continuam existindo núcleos duros de resistência, que,
quando acionados, fazem (re)aparecer velhos fantasmas, os quais
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 119
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
desencadeiam reações que relativizam ou anulam o que parecia haver sido
aceito.
Como discutimos ao longo deste capítulo, o imaginário e os processos
de tomada de decisão dos atores sociais estão marcados por distintas
racionalidades (sempre “limitadas”), ou distintas lógicas que, em cada caso
concreto, podem combinar-se de maneiras diferentes entre si. No imaginário
empresarial, por exemplo, freqüentemente se superpõem (complementando-se
às vezes e outras vezes apresentando algum grau de incoerência e até
contradição) as lógicas da busca do lucro, da eficiência, da autoridade, do
controle.
Por sua vez, esse imaginário, assim como os discursos por meio dos
quais os distintos atores se apresentam a si mesmos e configuram seus campos
de interação social, não são estáticos. Pelo contrário, se constituem e se
transformam a partir de um complexo processo de avanços, retrocessos,
compromissos, resistências, negociações, oposições e aprendizagens, que, por
sua vez, dependem do contexto político, econômico, cultural, legal e
institucional no qual se movem. No caso em questão, a presença de outros
atores (sindicatos, governo, parlamento, movimento de mulheres) e a existência
de políticas e programas de igualdade de oportunidades e experiências de
negociação coletiva podem produzir mudanças importantes no imaginário
empresarial e influenciar o seu processo de tomada de decisões, induzindo a
aceitação de novas idéias, aplacando ou acirrando a existência de velhos
“fantasmas” etc.
Fazendo aqui um paralelo para tentar explicitar um pouco mais esse
raciocínio, retomo uma discussão sobre o comportamento empresarial no
processo de transição democrática brasileira de meados dos anos 1980
(Abramo, 1986). Foi possível observar, naquele contexto, que estava marcado
por um processo muito vigoroso de mudança na situação política do país e de
ressurgimento do movimento sindical, o aparecimento, no imaginário
empresarial, de várias novas idéias a respeito dos trabalhadores. Entre elas, a
aceitação da liberalização dos mecanismos de controle estatal sobre a ação
sindical, do direito de organização dos trabalhadores no interior das empresas -
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 120
até certo ponto - e da legitimidade das negociações coletivas, aspectos em
relação aos quais uma grande parcela do empresariado brasileiro havia se
oposto fortemente durante todo o período ditatorial. Contudo, alguns temas
continuavam sendo considerados inaceitáveis. Entre eles o direito de greve, a
possibilidade de organização de centrais sindicais e o direito à participação
política dos trabalhadores, ou seja, aspectos relacionados às possibilidades de
constituição e fortalecimento dos trabalhadores como sujeitos coletivos que
realmente pudessem ser tomados em consideração no cenário político. Ao
referirem-se a esses temas, os entrevistados revelavam concepções,
pensamentos e temores que, em muitos casos, haviam permanecido até então
encobertos, relativizando ou abandonando muitas das idéias que até aquele
momento haviam aparecido como novas em seu discurso.
56
Os temores dos empresários, no caso daquela pesquisa estavam
associados basicamente à concepção, que continuava subjacente ao discurso,
dos trabalhadores enquanto agentes potencialmente desagregadores da ordem,
que, sem o devido controle, abusariam irresponsavelmente dos direitos
“concedidos”, ameaçando a ordem estabelecida. Por isso, não podiam aceitar a
plena constituição de sua condição de sujeitos coletivos. Ao tocar esse “núcleo
duro”, parecia detonar-se algo no imaginário empresarial que fazia reaparecer
no discurso os argumentos que defendiam e justificavam a manutenção de uma
série de mecanismos de controle sobre a ação e as possibilidades de
organização dos trabalhadores.
57
Com base nessa discussão, podemos pensar se esse mesmo tipo de
mecanismo poderia estar operando no imaginário empresarial relativo às
mulheres no trabalho. Quais poderiam ser as novas idéias e os velhos fantasmas
presentes hoje em dia no discurso empresarial referente às mulheres
trabalhadoras?
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 121
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
56 Esse fenômeno parece similar ao analisado por Callejo e Martín (1994-95) quando se referem ao “sexismo
inibido” e ao “sexismo argumentado”, comentado no início deste capítulo.
57 O mesmo fenômeno foi observado por Campero (1989) ao analisar o comportamento empresarial no início da
transição chilena à democracia.
Como vimos no material analisado, é possível perceber nesse discurso,
em vários momentos e aspectos, os impactos de processos sociais tão
relevantes como o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, o
aumento de sua escolaridade - incluindo a superior - e as mudanças culturais
mais gerais ocorridas nas últimas décadas em relação ao seu papel na família e
na sociedade.
Em primeiro lugar, parece haver uma maior aceitação da idéia de que as
mulheres podem entrar no mundo do trabalho, seja porque elas necessitam fazê-lo,
por exemplo para o sustento econômico da família, seja porque elas têm direito ,a
por razões de ordem econômica, de autonomia pessoal, de projeto de vida etc..
Em suma, existiria uma maior aceitação da idéia de que o mundo da mulher não é
só a família ou a esfera doméstica.
Em segundo lugar, especialmente em setores/empresas mais modernas
e dinâmicas, parece existir uma maior permeabilidade à (ou a aceitação formal
da) idéia da igualdade entre os gêneros, o que dificultaria procedimentos
explícitos de discriminação. Em determinados âmbitos, inclusive, começa a ser
visto como “politicamente incorreto” discriminar em função do gênero e/ou da
raça das pessoas. Esse fato, evidentemente, é também em grande parte reflexo
do avanço na legislação antidiscriminatória e de promoção da igualdade
ocorrido nas últimas décadas.
Em terceiro lugar, também vem ganhado espaço a noção de que a
incorporação de mulheres à empresa em tarefas ou funções não tradicionais
pode significar, para esta, a aquisição de novas capacidades diferentes das que
são características dos homens, além de ampliar o universo de trabalhadores
entre os quais é preciso selecionar os mais dotados.
Quais seriam, então, os velhos fantasmas que seguiriam marcando sua
presença no imaginário empresarial? Por que continua sendo tão difícil aceitar a
idéia de uma presença igualitária das mulheres no mundo do trabalho? Por que
sistematicamente se reproduzem e reinventam mecanismos e formas de
desvalorização e desqualificação das mulheres enquanto trabalhadoras? Por
que continua sendo tão difícil avaliar o seu desempenho na empresa por meio de
critérios que levem em conta prioritariamente as suas qualificações técnicas e
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 122
profissionais, e não as características atribuídas a uma suposta natureza
feminina?
Por que a entrada e permanência das mulheres no mundo do trabalho em
igualdade de condições com os homens tende a ser percebida como uma
ameaça? Por razões que são principalmente de ordem econômica? Neste caso, a
que tipo de fatores estará relacionada essa ameaça? Algumas hipóteses são: os
supostos maiores custos associados à “condição feminina” (proteção legal à
maternidade, atenção aos filhos pequenos); os custos adicionais que poderiam
significar a supressão ou diminuição das desigualdades de gênero no trabalho:
eliminação do diferencial salarial entre homens e mulheres, equiparação das
oportunidades de capacitação e promoção etc.; as novas demandas que podem
ser formuladas pelos trabalhadores homens a partir de uma redefinição das
relações de gênero na esfera doméstica.
Ou estas ameaças estarão referidas principalmente a problemas de outra
ordem, tais como resistências culturais e necessidades de controle associadas
aos mecanismos de dominação existentes? Se é certo que, entre os empresários
latino-americanos, ainda existe resistência em aceitar a existência dos
trabalhadores enquanto sujeitos plenamente constituídos - e isso obedece a
uma lógica de poder historicamente estruturada -, podemos pensar que os
mecanismos de discriminação de sexo/gênero trazem importantes elementos de
diferenciação, segmentação e exclusão, que são bastante funcionais ao
fortalecimento dessa lógica de controle.
Para finalizar, deve-se destacar que não são apenas as mulheres as que
se vêem afetadas por uma forma de organização do trabalho que dificulta a
realização de qualquer outra atividade vital, assim como por uma forma de
organização social para a reprodução que põe obstáculos à vida profissional.
Também os homens, e a sociedade em geral, sofrem as conseqüências dessa
dissociação. Por isso, é possível esperar que a incorporação crescente das
mulheres ao trabalho remunerado, assim como a mudança nas relações de
gênero na empresa e na família, incida na organização e na cultura do trabalho
no sentido de superar essa dissociação, condição que cada vez mais se
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 123
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
evidencia como necessária para elevar a qualidade de vida, tanto de homens
como de mulheres, assim como, possivelmente, para melhorar
significativamente os níveis de produtividade das empresas.
O ponto de vista empresarial: o imaginário e as políticas de recursos humanos das empresas relativas às mulheres no trabalho CAPÍTULO 2
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 124
CAPÍTULO 3
Questionando imagens de gênero
3.1.
Introdução
O objetivo deste capítulo é aprofundar a discussão sobre algumas das
percepções, previamente analisadas no capítulo anterior, presentes no imaginário
empresarial sobre homens e mulheres no trabalho. Nossa atenção será focalizada em
duas delas, que têm particular importância nos processos e mecanismos de
desvalorização do trabalho das mulheres e/ou na sua caracterização como
trabalhadoras menos adequadas e problemáticas.
A primeira é a noção muito recorrente, não só no imaginário empresarial, como
também em parte da literatura sobre o mercado de trabalho, de que “as mulheres são
mais caras do que os homens” ou, em outras palavras, que os seus custos de
contratação e manutenção no emprego são superiores. A segunda é a noção de que as
suas taxas de absenteísmo são mais elevadas do que as dos homens e que isso
provoca problemas disciplinares e de ordenamento/continuidade dos processos
produtivos, afeta a produtividade das empresas e tem implicações sobre os seus
custos.
3.2.
A Questão dos Custos do Trabalho de Homens e Mulheres
A discussão sobre os custos do trabalho tem um papel fundamental na análise
do comportamento empresarial relativo à contratação de mão-de-obra e às condições
nas quais esta se realiza.
O debate sobre como e em que medida os custos do trabalho afetam o nível de
emprego tem uma longa história. Durante muito tempo, a questão dos custos do
trabalho foi pouco considerada pela teoria econômica. No período anterior à vigência
ou fortalecimento do Estado do Bem-Estar, dada a pouca importância atribuída às
regulações trabalhistas, a análise dos custos do trabalho se reduzia aos custos
salariais. Posteriormente, as regulações protetoras do trabalho foram consideradas
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 126
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 127
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
positivas, explícita ou implicitamente, para facilitar o funcionamento de um mercado
dinâmico com forte demanda de trabalho. O que importava era assegurar a oferta de
trabalho necessária para manter o crescimento econômico. Nessa situação, as
regulações trabalhistas, mesmo que implicassem custos não-salariais, não eram
vistas como maiores problemas, uma vez que se supunha que o crescimento dependia
da disponibilidade de mão-de-obra com renda suficiente para sustentar a oferta de
bens e serviços em um mercado relativamente fechado.
A partir dos anos 1980, aprofundam-se os processos de globalização, com a
crescente liberalização dos movimentos de capitais e de mercadorias, e a introdução
de tecnologias que permitem interconectar mercados financeiros em tempo real e
executar fases do processo produtivo em lugares geograficamente distantes. A
expansão da economia de mercado e o aumento da competividade (interna e externa)
— provocado, entre outros fatores, pela possibilidade de produzir a custos menores em
países que se encontram em processo de industrialização — favorecem uma nova
visão do custo do trabalho como a variável-chave da competitividade das empresas e
dos países. A questão dos custos não-salariais entra fortemente no debate, ao mesmo
tempo em que o Estado do Bem-Estar entra em crise. Diversos serviços estatais e
proteções trabalhistas, que até então eram considerados quase que garantidos,
inclusive por parte dos empregadores, passam a ser considerados como limitadores
do desenvolvimento eficiente das economias. Foram questionados não apenas os
benefícios trabalhistas a cargo das empresas, como também os financiados pelo
Estado, uma vez que a diminuição da carga tributária e a redução do gasto fiscal
ganham importância nas políticas econômicas.
A flexibilidade da produção, relacionada, entre outros fatores, à necessidade
de adaptação rápida às mudanças do mercado de bens e serviços, concentra maior
atenção sobre os custos do ajuste da dotação de mão-de-obra, tanto em termos de
flexibilidade externa ou interna, quanto numérica ou funcional
1
. Com relação aos
1 Flexibilidade externa é aquela que se baseia no mercado de trabalho, podendo assumir uma vertente
numérica, conforme varie o número de ocupados devido a demissões, contratos por tempo determinado,
temporários e eventuais, ou a vertente funcional, que subentende externalização e subcontratação de
atividades. A flexibilidade interna refere-se ao insumo de trabalho no interior da empresa, que em sua
vertente numérica implica mudanças na jornada e intensidade do trabalho, ao passo que a vertente funcional
está associada a polifuncionalidade, qualificação de pessoal, trabalho em equipe, salário variável etc.
(Yañez, Medel e Díaz, 2001).
custos do trabalho, a flexibilidade pode estar orientada para a redução dos custos
não-salariais, como no caso de contratos por empreitada ou por tempo determinado,
que diminuem os custos de demissão, assim como de outros que variam segundo as
normas de cada país. Chega-se, inclusive, a eliminar totalmente os custos
não-salariais, no caso extremo de elidir a assinatura de um contrato. Entretanto, o
resultado dessas medidas flexibilizadoras sobre a média dos custos de trabalho não
está predeterminado, já que dependerá também da evolução do custo dos salários
relativos em suas diferentes modalidades de contratação (Tokman e Martínez, 1999:
14-16).
Toda essa discussão tem sido feita, em geral, sem considerar a perspectiva de
gênero. Ou seja, sem avaliar os fatores que produzem –ou poderiam produzir –
diferenças de custos entre empregar homens ou mulheres. Tal como analisado no
capítulo anterior, a imagem dominante entre os empresários, assim como em parte
importante da literatura sobre o mercado de trabalho, é que as mulheres seriam “mais
caras” do que os homens, ou seja, seus custos de contratação e manutenção no
emprego seriam mais elevados do que os custos correspondentes à mão-de-obra
masculina e que esse seria um fator relevante para explicar as diferenças de
remuneração que continuam existindo entre homens e mulheres, apesar do aumento
consistente dos seus níveis de escolaridade.
Dentro dessa linha de argumentação, os custos mais elevados teriam sua
origem na existência de normas de proteção contempladas pela legislação trabalhista,
referente principalmente à maternidade e ao cuidado infantil (licença-maternidade,
horário especial durante o período de amamentação, proteção contra a demissão,
disponibilidade de creches e licenças para o cuidado de filhos doentes).
Com efeito, é muito freqüente a idéia de que os custos da mão-de-obra
feminina são superiores aos custos da mão-de-obra masculina, apesar de as
remunerações das mulheres serem, em média, bastante inferiores às dos homens.
Essa idéia constitui uma importante barreira para as possibilidades de acesso das
mulheres a mais e melhores empregos. Acredita-se que é mais caro empregar uma
mulher devido aos custos indiretos associados à sua contratação, em particular aos
dispositivos legais de proteção à maternidade e ao cuidado infantil. Outros problemas,
tais como uma suposta maior taxa de absenteísmo, limitações para fazer horas extras,
trabalhar em turnos noturnos ou viajar, relacionados às responsabilidades familiares
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 128
que continuam sendo assumidas principalmente pelas mulheres, também são
considerados fatores adicionais de custos.
O custo supostamente mais elevado associado ao trabalho feminino também
justificaria a desigualdade recorrente das remunerações das mulheres em
comparação com as remunerações dos homens. É uma ideía recorrente a de que os
menores salários das mulheres não se deveriam à existência de qualquer tipo de
discriminação, mas sim estariam relacionados à necessidade que as empresas teriam
de compensar esse custo supostamente maior de contratação, decorrente das normas
especiais que protegem o seu trabalho, especialmente a maternidade, e dos
“transtornos” causados pelas responsabilidades familiares.
Mas essas noções, muito freqüentes entre aqueles que tomam as decisões
relativas à contratação, treinamento, e promoção de homens e mulheres não estão
baseadas em cifras e estatísticas. No Brasil, assim como em muitos outros países da
América Latina, as cifras relativas aos diversos fatores que podem incidir direta ou
indiretamente nos custos do trabalho, assim como aquelas relativas às enfermidades e
acidentes profissionais, às ausências e licenças, em geral não existem ou não estão
disponíveis em forma desagregada por sexo. Por outro lado, esse tipo de afirmação
contribui para confundir as noções do custo social da reprodução e do custo direto para
as empresas do trabalho de homens e mulheres.
A pesquisa que serve de base a este capítulo foi realizada entre 2000 e 2001
em cinco países da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, México e Uruguai) com o
objetivo de contribuir com a elucidação dessas questões
2
.
3.2.1.
Antecedentes da pesquisa
Antes dessa pesquisa, haviam sido desenvolvidos no Chile alguns estudos
exploratórios (Todaro, 1996 e Lerda e Todaro, 1997), que permitiram demonstrar a
necessidade de aprofundar a análise dos custos do trabalho por sexo. O primeiro deles
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 129
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
2
Os principais resultados dessa pesquisa estão publicados em Abramo e Todaro (2002).
foi a termo, em 1995, durante o processo de preparação da IVª Conferência Mundial da
Mulher, em Pequim, e da implementação do primeiro Plano de Igualdade de
Oportunidades para as Mulheres, elaborados pelo Serviço Nacional das Mulheres
(Sernam) do Chile. Tinha como objetivo avaliar a possibilidade de uma mensuração
direta nas empresas dos custos do trabalho desagregados por sexo (Todaro, 1996).
Para entender as condições institucionais que estimularam e tornaram
possível a realização desse estudo, assinala-se que, desde 1993, o Instituto Nacional
de Estatísticas (INE) do Chile realiza uma Pesquisa de Remuneração e de Custos de
Mão-de-Obra, com uma amostra de aproximadamente 1.600 empresas das diferentes
regiões do país e que tem o objetivo de construir um índice mensal para analisar a
evolução dessas variáveis. No entanto, até o ano 2000, essa pesquisa não era
aplicada com uma desagregação por sexo
3
. O estudo acima mencionado aplicou em
duas empresas o questionário da pesquisa, solicitando informações por sexo, e
complementou essas informações com entrevistas em profundidade, na quais também
indagava sobre as licenças por motivos de saúde, acidentes e maternidade.
Em 1997, essa primeira pesquisa foi ampliada com o objetivo de cobrir um
maior número de casos e aprofundar a análise. Mesmo que o número de empresas das
quais se pôde obter informação quantitativa confiável só tenha chegado a cinco, o seu
tamanho, assim como a gama de setores abarcados, foi muito relevante para dar
projeção a esse tipo de estudo (Lerda e Todaro 1997).
Os resultados de ambos os estudos evidenciaram a dificuldade de obter
informações das empresas devido, basicamente, ao fato de que muitas delas não
dispõem de registros estatísticos referentes aos diversos componentes dos custos e
remuneraçao dos trabalhadores, desagregados por categoria profissional e por sexo e
em função da resistência de muitas delas em revelar esse tipo de informação. Além
disso, deram sustentação à necessidade de desagregar por sexo a Pesquisa de
Remuneração e Custos de Mão-de-Obra do INE, o que finalmente aconteceu em maio
de 2000.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 130
3 Nesse ano, pela primeira vez, a partir de uma solitação feita pelo Serviço Nacional da Mulher (Sernam), o
INE coletou informação desagregada por sexo.
3.2.2.
Metodologia e perguntas básicas da pesquisa
Em primeiro lugar, é necessário precisar o objeto da pesquisa. Ela se centra na
análise dos custos do trabalho do ponto de vista do empregador, ou seja, daqueles
componentes do custo do trabalho que são assumidos diretamente pelos
empregadores. Como tal, deveria incluir todos os custos envolvidos na manutenção de
uma pessoa em seu posto de trabalho e não só sua remuneração. O custo do trabalho
abarca, então, a remuneração pelo trabalho realizado, a remuneração por tempo
não-trabalhado (feriados e férias), os gastos de previdência social e de formação
profissional a cargo dos empregadores, o custo dos serviços de bem-estar e os gastos
de contratação (Todaro, 2005).
A medição do custo do trabalho por unidade de trabalho (por pessoa ocupada
ou por hora) é o padrão nesse tipo de estudo. Embora seja possível fazer diversos
agrupamentos, parece adequado, com o objetivo de evitar confusões e observar as
normas e práticas nos países abordados, considerar que esse custo é composto por
três grandes componentes: i) o salário corrente ou habitual, base de cálculo para os
custos restantes; ii) as remunerações que se pagam de forma diferenciada em certos
meses do ano (bônus de final de ano – como por exempo o 13º salário no Brasil - e
férias); e iii) os custos não-salariais. Em alguns estudos, os dois primeiros são reunidos
no conceito de custo “salarial”, reforçando a idéia de que são pagamentos recebidos
pelo trabalhador. Em outros, se englobam como custo “indireto” do trabalho aqueles
que se acrescentam ao salário habitual, enfatizando a idéia de que esse constitui a
base de referência para os restantes (Abramo et alli, 2005).
Os custos “indiretos” dependem muito da legislação vigente em cada país. A
lei não faz distinções de sexo em relação a esses custos, porque, em princípio, eles
são iguais para homens e mulheres. Em sua aplicação prática, entretanto, e devido à
segmentação ocupacional existente entre homens e mulheres, fator que influencia
fortemente o peso do emprego, do salário e de certas condições (como antiguidade e
outros), os custos “indiretos” podem ser significativamente diferentes por sexo em itens
tais como os seguros por acidente de trabalho, custo das férias e das demissões.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 131
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 132
Mas a legislação também contempla normas de proteção à mulher
trabalhadora, das quais resultam pagamentos por contingências distintas,
especialmente aquelas ligadas à maternidade e/ou ao cuidado infantil, que poderiam
encarecer sua contratação. Essas contingências podem ser financiadas de forma
direta pelas empresas, por um lado, ou pelos trabalhadores, por recursos da
seguridade social, e inclusive, pelos impostos, por outro.
Só no primeiro caso – quando esses benefícios são financiados diretamente
pelos empregadores – eles devem ser considerados como itens adicionais do custo
“não-salarial" do trabalho, mas somente sobre o emprego feminino e de acordo com o
seu montante e com a probabilidade de ocorrência de cada contingência. Esse tipo de
custo não existiria para um assalariado do sexo masculino e resulta, então, em um
custo diferenciado por sexo. Nos casos restantes, não se pode incluir nenhum custo
adicional por mulher trabalhadora, o que significa que não se geraria nenhuma
diferença de custo por sexo: em todo caso, este já estaria contemplado na contratação
de um trabalhador, independentemente de sexo.
Como o que interessa é destacar a diferença de custo entre contratar uma
mulher e um homem, focalizaremos a atenção nos fatores diferenciadores, deixando
de lado os componentes que representam custos neutros ou de incidência similar entre
trabalhadores de ambos os sexos.
Em princípio, as contribuicões dos empregadores à previdência social e outros
custos, tais como salário-família, e gratificações especiais de tipo educacional, por
casamento, nascimento de filhos, relacionadas a outros membros da família etc., são
neutros no que diz respeito ao sexo. Ainda assim, para evitar confusões, convém
deter-se brevemente nas gratificações concedidas por razões familiares pagas uma
única vez (como nascimento, casamento), de forma periódica (auxilio-educação) ou
em cada mês (como o salário-família). Todas elas se referem a situações próximas à
maternidade ou que incluem custos que, em geral, são associados às mulheres
trabalhadoras ou são pensados como mais tipicamente femininos. Entretanto, não é
assim. Todas essas gratificações e similares são recebidas por apenas um dos
trabalhadores de uma família que tem esse direito, seja homem ou mulher. De fato,
provavelmente, quando ambos os membros do casal trabalham, o homem é quem
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 133
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
normalmente recebe essas gratificações, por ser em geral a ele atribuída a condição
de “chefe da família”. Além disso, ainda é significativa a proporção de trabalhadores
homens com filhos que têm por esposa ou companheira uma mulher que não trabalha
remuneradamente; também nesses casos é o homem, desde que tenha um contrato
regular de trabalho, quem recebe esses benefícios. O mesmo tende a ocorrer em
situações de casamento ou nascimento de filhos.
A análise, portanto, concentra-se exclusivamente no custo do trabalho
feminino ou masculino por unidade de trabalho, seja por pessoa ocupada ou por hora
(ou outra unidade de tempo), e não sobre o respectivo custo por unidade de produto.
4
Dessa forma o estudo se concentra no cálculo do custo do trabalho das mulheres e sua
comparação com o dos homens, expressos em unidades de tempo (mês, semana,
hora) por pessoa ocupada.
5
O universo considerado na pesquisa abarcou assalariados de ambos os
sexos, do setor privado, excluindo o serviço doméstico.
6
Como apenas no Chile existe
uma pesquisa de estabelecimentos sobre custos e remunerações da mão-de-obra
com dados desagregados por sexo, a metodologia utilizada consistiu na realização,
nos cinco países, de cálculos e estimativas baseados em cifras oficiais (demográficas
e ocupacionais). Quando disponíveis, foram utilizados também registros relativos à
licença-maternidade. Além disso, no Chile e no México foi aplicado um questionário
especial em, respectivamente, cento e trinta e cinco e noventa e um estabelecimentos
4 Isso deve ser assim porque não existem índices de produtividade por sexo (produto por pessoa ocupada ou
hora), com os quais se poderia fazer a conversão de uma expressão do custo (valor por pessoa ocupada ou
hora) para a outra (valor por produto). A falta de sistemas para medir a produtividade por sexo, por sua vez,
impede que se chegue a alguma conclusão válida sobre a incidência do trabalho feminino na competitividade
das empresas, que é na realidade o tema central dos estudos de custos. De fato, respondendo à discussão
corrente sobre as vantagens competitivas, isso é, excluindo as que resultam da diferenciação do produto ou
de outras vias similares, elas se expressam no preço do produto e dependem, portanto, não apenas dos
custos, como também do rendimento produtivo do trabalho e dos restantes insumos que participam da
produção. Sem índices de produtividade de mulheres e de homens não é possível fazer essa aproximação.
5 Em geral, nos já citados estudos realizados na América Latina se utiliza o custo por mês normal e habitual de
uma pessoa ocupada, distribuindo nele a incidência média dos custos diferenciados ao longo do ano e em
outras circunstâncias, como a demissão. Os números relativos às horas trabalhadas no mês, reduzidas
também de forma proporcional pelo efeito das férias anuais e de outras licenças e feriados se não estão
incluídos no salário, permitem expressar esses custos também por hora de trabalho.
6
No Chile, os dados se referem ao conjunto dos assalariados do setor público e do setor privado.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 134
da indústria, comércio, setor financeiro e serviços. Na Argentina, Brasil e Uruguai,
foram realizados estudos em um grupo mais limitado de empresas.
7
Para efeito dos cálculos, foram incluídos unicamente os custos derivados das
respectivas legislações nacionais. Foram descartados outros possíveis componentes
de custos, derivados de processos de negociação coletiva ou de políticas especiais de
recursos humanos aplicadas em algumas empresas, com algumas exceções, como no
caso da aplicação da lei de creche na Argentina, que, por não estar regulamentada, só
é aplicada em algumas empresas, por iniciativas gerenciais ou como resultado de
negociação coletiva: neste caso, foram pesquisadas as convenções coletivas de
trabalho, com o objetivo de estimar a incidência dos custos associados a esse
benefício.
Para o conjunto dos cinco países foram consideradas as seguintes variáveis
para a análise dos custos do trabalho: os custos salariais diretos de trabalhadores de
ambos os sexos, os custos salariais indiretos (por exemplo, o décimo-terceiro salário
anual, férias e outras remunerações) e os custos não-salariais, entre eles, as
contribuições do empregador à previdência social, aqueles relacionados a demissões
e contratações, acidentes de trabalho e enfermidades profissionais. Dedicou-se
especial atenção, como se verá a seguir, aos custos não-salariais da proteção à
maternidade e ao cuidado infantil.
8
É necessário assinalar que alguns dos componentes aqui considerados são
normalmente incluídos em estudos sobre os custos do trabalho, ao passo que outros
ampliam o repertório de variáveis habitualmente usadas em sua determinação. Em
7 No caso da Argentina, as informações se referem a sete empresas, que ocupavam um número aproximado
de trinta mil trabalhadores, dos quais 33,3% (dez mil) eram mulheres. Essas empresas pertenciam aos
seguintes setores: agroindústria, indústria do fumo, bancos, transportes, telecomunicações, petróleo. No
Brasil, o estudo foi feito em oito empresas dos setores metalúrgicos e químico, que tinham, na época, um
total de 1.318 trabalhadores, dos quais 12% eram mulheres. Para uma apresentação detalhada da
metodologia utilizada na pesquisa, ver Abramo et alli (2005).
8 O cálculo do custo anual de cada um desses itens resultou da multiplicação da freqüência esperada de casos
em um ano pela duração média de cada prestação e pelo custo monetário por caso ou período.
Posteriormente, relacionou-se o resultado desse cálculo com a massa salarial feminina anual (das
trabalhadoras assalariadas registradas ou que recebem os benefícios correspondentes) para determinar sua
magnitude com relação a esta variável. Dessa forma, foi possível determinar o custo adicional representado
por esses componentes quando uma mulher é contratada. Considerou-se apenas o custo adicional que incide
diretamente sobre o empregador que decide contratar uma mulher, relativo às trabalhadoras registradas.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 135
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
geral, essas variáveis são mencionadas, mesmo que não quantificadas, somente
quando se discutem os custos do trabalho das mulheres, na medida em que a
responsabilidade sobre a reprodução é atribuída a elas. Nos estudos sobre custos do
trabalho realizados anteriormente na América Latina, não foi feita a diferenciação entre
trabalhadores e trabalhadoras. Mesmo quando foi considerado o conjunto dos
trabalhadores, homens e mulheres (Tokman, Martinez e outros, 1997; Tokman e
Martinez, 1999) os fatores mencionados não foram incluídos na análise. Entretanto,
tais fatores não deixam de estar presentes, uma vez que, em todos os países, pelo
menos 35% da força de trabalho sao constituídos por mulheres. É como se, no caso de
não diferenciar por sexo os trabalhadores, eles fossem somente homens e/ou aqueles
fatores de custo atribuídos às mulheres não tivessem nenhuma influência.
A introdução da análise de gênero traz à tona novos elementos nesse debate,
entre eles a pertinência das variáveis consideradas no cálculo dos custos de trabalho,
o que recoloca o tema da responsabilidade sobre a reprodução, tanto em termos de
gêneros, quanto dos atores econômicos envolvidos (indivíduos, famílias, empresas,
Estado). A primeira questão a ser discutida é se os custos derivados da maternidade e
do cuidado das pessoas devem ser considerados como custos do trabalho, como
ocorre atualmente no caso das mulheres trabalhadoras. A suposição implícita é a de
que esses custos não existem quando as mulheres não se incorporam ao trabalho fora
de casa. Mas o que acontece na realidade é que, nesses casos, os custos
mencionados são absorvidos pelo trabalho exercido pelas mulheres no âmbito
doméstico, ou não-mercantil, bem como pelo salário masculino, na suposição do
“homem provedor”, que teria de cobrir os custos da reprodução e do cuidado com a
família.
Um dos temas considerados nesta pesquisa se relaciona, portanto, com a
definição de quais seriam os custos da reprodução biológica, social e da força de
trabalho que devem ser considerados como custos do trabalho nas atuais
circunstâncias do mercado de trabalho e da configuração familiar. Há que considerar
que esses dois âmbitos vêm apresentando mudanças significativas, tanto em relação à
participação das mulheres na atividade econômica e no mundo do trabalho, quanto às
relações de gênero no interior das famílias, quanto à divisão de responsabilidades com
relação ao seu sustento material e às tarefas relativas à produção e à reprodução
social.
O objetivo da pesquisa não era, em princípio, demonstrar que os custos do
trabalho das mulheres são mais baixos, mais altos ou iguais aos dos homens, mas sim
recolocar a discussão sobre o tema em um terreno mais objetivo. Se os resultados dos
estudos indicassem que os custos de empregar mulheres não são superiores aos dos
homens, eles estariam contribuindo para debilitar a suposição habitual – e uma
poderosa imagem de gênero – de que o custo direto, para os empresários, da
contratação de uma mulher é superior ao da contratação de um homem. Estaríamos
também colaborando para descartar a hipótese de que o fato de as mulheres
receberem salários mais reduzidos poderia ser explicado pelos supostos maiores
custos não-salariais.
9
Poderíamos chegar a uma conclusão similar se o resultado da
pesquisa indicasse uma leve superioridade dos custos do trabalho feminino sobre o
masculino.
Se, ao contrário, o resultado da pesquisa indicasse que os custos do trabalho
das mulheres são superiores aos dos homens e estão vinculados ao papel que elas
têm na reprodução da sociedade, eles estariam contribuindo para questionar essa
imagem e para introduzir no debate critérios para a definição de políticas mais
eqüitativas em relação a essa matéria. Em qualquer um dos casos, os resultados da
pesquisa poderiam contribuir para a análise da forma pela qual os custos da
reprodução social são assumidos e distribuídos.
Os resultados da pesquisa suscitam, portanto, uma série de perguntas. Quais
devem ser as variáveis utilizadas no cálculo dos custos de trabalho e quais não? Por
outro lado, quem assume os custos advindos da reprodução biológica e social?Os
custos da maternidade devem ser considerados custos do trabalho das mulheres?
Quais os custos ligados à reprodução que estão efetivamente ligados ao trabalho, seja
das mulheres ou de trabalhadores de ambos os sexos? E quem deveria asumir
aqueles custos que de fato se relacionam com o trabalho?
Serão apresentados a seguir os principais resultados da pesquisa. Em
primeiro lugar, os componentes de custos associados à maternidade e ao cuidado
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 136
9 Para uma discussão sobre os determinantes das diferenças salariais entre homens e mulheres, ver Abramo
e Todaro (2002).
infantil. Em segundo lugar, os demais componentes dos custos sobre os quais foi
possível obter informação. Além dos dados obtidos diretamente com a pesquisa, serão
incorporadas as informações fornecidas pela análise da pesquisa de Custos e
Remunerações do INE chileno, realizada por Todaro (2000).
3.2.3.
Componentes de custos associados à proteção à maternidade e ao
cuidado infantil
Serão analisados, nessa parte do trabalho, os componentes dos custos do
trabalho associados à proteção à maternidade e ao cuidado infantil. As variáveis
consideradas nessa análise são as seguintes: licença-maternidade e
salário-maternidade, creche, interrupções da jornada de trabalho para amamentação
e/ou alimentação dos/as filhos/as, licença anual para prevenção do câncer
gênito-mamário e custos de substiuição das trabalhadoras que se ausentam do serviço
devido ao gozo da licença-maternidade.
3.2.3.1. Licença-maternidade
O primeiro elemento que costuma ser associado a um suposto “custo mais
elevado” das mulheres em relação aos homens é a licença-maternidade.
10
Nos cinco
países considerados na pesquisa, a licença-maternidade variava de doze semanas
(Argentina, México e Uruguai) a dezoito (Chile). No Brasil, a licença é de dezesseis
semanas. Por sua vez, a Convenção da OIT de Proteção à Maternidade (nº 183, 2000),
estabelece que a licença maternidade deve ser de, no mínimo, catorze semanas. Além
disso, as legislações dos cinco países estabelecem que as mulheres devem receber,
durante a licença- maternidade, um salário-maternidade que equivale a 100% do seu
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 137
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
10 Vimos, no capítulo anterior, de que forma a licença-maternidade pode estar associada, no imaginário
empresarial, a uma série d eefeitos negativos para a organização e a produtividade da empresa.
salário habitual. Também definem, com exceção do Chile, que as trabalhadoras têm
direito a receber assistência médica financiada pela previdência social, durante a
gravidez e o parto. A Convenção nº183 da OIT, por sua vez, também estabelece que
as mulheres devem receber assistência médica durante a gravidez e o parto, assim
como pelo menos dois terços de suas remunerações habituais durante todo o tempo
em que dure a licença-maternidade, recomendando o aumento progressivo dessa
proporção.
A pesquisa revela, em primeiro lugar, uma baixa incidência anual de gestações
entre as trabalhadoras assalariadas e, portanto, de licença-maternidade e outras
prestações a elas associadas.
Isso reflete a tendência à redução da taxa de fecundidade das mulheres nos
países analisados, que é ainda mais acentuada entre as integrantes da força de
trabalho. Em uma escala ascendente, a incidência anual de gestações entre as
trabalhadoras assalariadas é de 2,8% na Argentina, 3% no Brasil, 4,5% no Chile, 5,9%
no Uruguai e 7,5% no México.
11
Mas a principal explicação para o fato de os custos adicionais para o
empregadores derivados da legislação de proteção à maternidade e ao cuidado infantil
serem tão reduzidos não é principalmente de ordem demográfica. Ela está relacionada
justamente ao caráter da legislação nesses cinco países, assim como na grande
maioria dos países da América Latina. Essa legislação estabelece que os benefícios
médicos (assistência médica à gravidez e ao parto) e monetários (salário-maternidade)
associados à maternidade não são financiados diretamente pelos empregadores que
tomam a decisão de contratar uma mulher, mas sim por fundos públicos (no caso do
Chile) ou pelos sistemas de previdência social (nos casos da Argentina, Brasil, México
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 138
11 Esse dado foi determinado segundo os registros disponíveis para o ano 2000, ou estimado a partir da
combinação de cifras demográficas e ocupacionais. Quando o cálculo é realizado considerando apenas o
segmento de mulheres em idade reprodutiva – de 20 a 40 anos –, as porcentagens de assalariadas que
utilizam a licença-maternidade aumentam, como seria de esperar: 3,1% na Argentina, 3,4% no Brasil, 5% no
Chile, 7,7% no Uruguai e 8,4% no México.
e Uruguai).
12
Portanto, o custo direto do salário-maternidade não recai sobre os
empregadores que contratam mulheres.
Na Argentina, Brasil e Uruguai, os recursos necessários provêm da
contribuição paga pelos empregadores à previdência social, enquanto no México esse
custo é tripartite, ou seja, provém dos empresários, dos trabalhadores e de um
subsídio estatal. Nos quatro casos, as contribuições dos empregadores aos sistemas
de previdência social (que incluem as referentes à maternidade) não estão
relacionadas nem ao número nem à idade das mulheres que empregam, mas sim ao
número total de trabalhadores (de ambos sexos) registrados no sistema
previdenciário. Portanto, o custo direto do salário-maternidade não incide
diferencialmente nos custos do trabalho de homens e mulheres (ver tabela 1). Essa
forma de financiamento visa garantir um princípio fundamental: a proteção das
mulheres frente a uma possível discriminação associada à maternidade, consagrada
tanto nas legislações nacionais dos cinco países analisados como nas Convenções da
OIT de Proteção à Maternidade.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 139
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
12 Com exceção do Chile, onde os benefícios médicos associados à maternidade são financiados
exclusivamente pelas trabalhadoras.
TABELA 1
Países selecionados da América Latina - Sistemas de financiamento dos benefícios
associados à maternidade e ao cuidado infantil
BENEFÍCIOS
ARGENTINA BRASIL CHILE MÉXICO URUGUAI
Salário-
maternidade
Previdência
social
(contribuição dos
empregadores)
Previdência
social
(contribuição
dos
empregadores)
Estado, por
meio de um
fundo público
Previdência
social
(contribuição
tripartite)
Previdência
social
(contribuição
dos
empregadores)
Atenção
médica à
gravidez e ao
parto
Previdência
social
(contribuição dos
empregadores)
Previdência
social
(contribuição
dos
empregadores)
Sistema de
saúde
(contribuição
das
trabalhadoras)
Previdência
social
(contribuição
tripartite)
Previdência
social
(contribuição
dos
empregadores)
Creches
Empregador Empregador Empregador
Seguridade
social
(contribuição
dos
empregadores)
Não existe
Fonte: Elaboração OIT baseada na legislação dos cinco países.
Em quatro dos cinco países analisados (Argentina, Brasil, México e Uruguai), a
seguridade social financia também a atenção médica à trabalhadora durante a
gravidez e o parto, da mesma forma que o salário-maternidade. No Chile, por sua vez,
a assistência médica é prestada pelo sistema de saúde, que é financiado diretamente
pela contribuição das trabalhadoras filiadas ao sistema público e ao sistema privado.
Por outro lado, ainda que as prestações médicas e monetárias associadas à
licença-maternidade não impliquem custos diretos para os empregadores que
contratam mulheres, elas têm um custo, que é financiado da forma já indicada: com
recursos diretos do Estado (Chile), ou do sistema de proteção social através das
contribuições dos empregadores (Brasil, Argentina e Uruguai) ou em forma tripartite
(México). Levando isso em conta, calculou-se o “custo social” da licença-maternidade.
O resultado é que este tampouco é elevado: os benefícios monetários recebidos pelas
trabalhadoras assalariadas durante a licença-maternidade representam menos de 2%
da massa salarial feminina registrada, ou seja, a soma de todos os salários da força de
trabalho feminina assalariada em cada país: 0,7% na Argentina, 1,11% no México,
1,47% no Uruguai, 1,68% no Chile e 1,73% no Brasil. Como porcentagem da massa
salarial total de assalariadas (com e sem contrato de trabalho ou registro), estes custos
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 140
representam 0,56% na Argentina, 1,5% no Chile, 1,02% no México e 1,06% no
Uruguai. Por sua vez, como porcentagem da massa salarial do conjunto dos
assalariados registrados, homens e mulheres, os custos associados à maternidade
representam 0,22% na Argentina, 0,64% no Brasil, 0,58% no Uruguai, 0,43% no Chile
e 0,33% no México (tabela 2).
TABELA 2
Países selecionados da América Latina: “Custo social” dos benefícios associados à
maternidade e ao cuidado infantil (porcentagens)
EM RELAÇÃO À
ARGENTINA BRASIL CHILE MÉXICO URUGUAI
Massa salarial
feminina registrada
0,70 1,73 1,68 1,11 1,47
Massa salarial total
de assalariadas
(com e sem
contrato)
0,56 - 1,50 1,02 1,06
Massa salarial do
conjunto de
assalariados
registrados, homens
e mulheres
0,22 0,64 0,43 0,33 0,58
Fonte: Elaboração OIT, publicado originalmente no Panorama Laboral n. 7.
3.2.3.2. As creches
O outro custo associado à contratação de mulheres é o da creche. As
disposições legais referentes às creches, tanto em relação às características do
benefício, seu tempo de duração, sua cobertura e seu financiamento, são bastante
diferentes nos cinco países. No Brasil e no Chile, a lei estabelece que as creches
devem ser financiados diretamente pelos empregadores, sendo que no Chile apenas
em empresas que empreguem no mínimo 20 mulheres. Na Argentina, existe uma lei
similar, até agora não regulamentada, o que faz com que, na prática, esse benefício
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 141
Reconstruindo uma noção: amulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
não seja obrigatório. No entanto, ele é um tema bastante presente na negociação
coletiva (Berger e Szretter, 2002; Rangel, 2001; Novick et alii, 2002). No México, têm
direito à creche, em pricípio, todas as trabalhadoras que contribuem com a
previdência. No Uruguai, não existe nenhuma lei a respeito, e o tema está muito pouco
presente na negociação coletiva (Rangel, 2001, Marquez, 2002). Em termos de
duração do benefício, no Brasil, esse direito se estende até que a criança tenha seis
meses e, no México e no Chile, respectivamente a quatro e seis anos.
A cobertura obrigatória é, portanto, muito variável, mas a característica comum
entre os países analisados é que a cobertura efetiva é baixa, abarcando uma parte
reduzida inclusive, do emprego formal. Outra característica comum é que uma parte
importante do benefício não é coberto ou financiado pelas empresas, mas sim pelas
próprias trabalhadoras e outras fontes de financiamento social.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 142
TABELA 3
Países selecionados da América Latina - Legislação de proteção à maternidade
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 143
Reconstruindo uma noção: amulher como força de trabalho secundária CAPÍTULO 1
ARGENTINA
BRASIL CHILE
MÉXICO
URUGUAI
OIT
Licença-maternidade (semanas) 12 16 18 12 12 14
Salário-maternidade
100% do salário
vigente
100% do salário vigente
100% do salário
vigente
100% do salário vigente
Média dos últimos
seis meses
Mínimo 2/3
Atenção médica durante a gravidez
e o parto
Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Estabilidade durante a gravidez, a
licença-maternidade e um período de
reintegração ao trabalho
Até sete mesese
meio após o parto
Até cinco meses
após o parto
Até um mês
após o fim da
licença
Não está regulamentado
especificamente na
legislação*
Proteção relativa
(indenização
correspondente a seis
meses de salário em
caso de demissão)
Exceto por razões
não vinculadas à
gravidez, parto e
amamentação (ônus
da prova para o
empregador)
Proteção à saúde da gestante e seu
filho/a
Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Horário de lactância (uma hora
diária) sem desconto no salário
Até que o filho/a
tenha um ano
Até que o filho/a tenha seis
meses
Até que o filho/a
tenha dois anos
A lei não especifica a
duração**
Até que o filho/a
tenha seis meses
Segundo a legislação
nacional
Direito à creche
Lei não
regulamentada
Em todas as empresas, até
que o filho/a tenha seis
meses
Em empresas
vinte mulheres
e mais
Todos os filhos/as (de
quarenta e três dias a
quatro anos) de
trabalhadoras registradas
na previdência
Não está previsto na
legislação**
Não inclui
Licença para a mãe e o pai em caso
de doença grave de filho/a com
menos de um ano
Não Não Sim Não Não Não inclui
Fonte: Panorama Laboral 2000, nº 7. Elaboração OIT sobre a base da legislação nos cinco países.
* A legislação protege os trabalhadores de ambos os sexos contra demissões injustificadas.
** Nos contratos coletivos, o período varia de seis meses a um ano.
CUIDTIL
A legislação vigente atende de forma limitada às necessidades de cuidado de
filhos de trabalhadores, tanto nos cinco países considerados, quanto na grande
maioria dos países latino-americanos. Na Argentina e no Chile, a legislação exclui
desse direito todas as mulheres que trabalham nas empresas que tenham menos de
vinte mulheres empregadas - por definição, todas as microempresas e uma grande
proporção das pequenas empresas, que, em conjunto, concentram uma grande
parcela da mão-de-obra feminina. Segundo Berger e Szretter (2002) no estudo
realizado sobre a Argentina no contexto da mesma pesquisa, a existência dos
benefícios relativos à creche concentrava-se quase exclusivamente nas empresas de
mais de cinqüenta trabalhadores, que representavam, na época, 44,4% do emprego
feminino formal e 29,9% do emprego feminino total no país. Por sua vez, no México,
onde as normas incluem todas as mulheres filiadas à seguridade social,
independentemente do tamanho das empresas em que trabalham, existem sérios
problemas de cobertura (Rendón, 2002).
Nos cinco países considerados, o direito à creche continua sendo associado
apenas à mulher trabalhadora, e não a qualquer trabalhador – homem ou mulher – com
responsabilidades familiares. Isso, além de reforçar a tradicional e desigual
distribuição das responsabilidades familiares entre homens e mulheres, constitui um
fator que dificulta o acesso das mulheres, principalmente aquelas com menores
rendimentos, ao emprego. Com efeito, a inexistência de uma oferta suficiente e
adequada de creches continua sendo uma limitação muito importante para uma maior
inserção das mulheres mais pobres no mercado de trabalho, principalmente no
mercado formal de trabalho.
Em alguns países, registram-se algumas tentativas de avançar na superação
desses problemas. Em primeiro lugar, como já se assinalou, a negociação coletiva tem
conseguido garantir o cumprimento e a ampliação dos direitos legais, em muitos casos,
aumentando, por exemplo, o período de tempo ou a cobertura do direito à creche.
13
Em
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 144
13 Ver a respeito OIT, 2002, DIEESE, 2003 e Abramo e Rangel, 2004. Esse tema será tratado detalhadamente
no capítulo seguinte.
1995, foi aprovada no Chile uma lei que amplia esse direito às funcionárias dos centros
comerciais, independentemente do tamanho do estabelecimento em que trabalhem.
Além disso, modificou-se o limite mínimo de vinte trabalhadoras por estabelecimento a
vinte por empresa, ampliando assim substancialmente a cobertura nas empresas que
possuem vários estabelecimentos ou sucursais. Em dezembro de 2001, foi aprovado
pelo Senado um projeto de lei que estende o mesmo benefício a todos os centros
industriais e de serviço que têm uma administração comum, garantindo, assim, esse
direito a todas as mulheres que trabalham em pequenos estabelecimentos no interior
desses centros. No Paraguai, em 1996, aprovou-se uma lei que garante o direito à
creche a todos os trabalhadores, homens e mulheres, que trabalham em empresas
com cinqüenta e mais trabalhadores (Marquez, 1998).
14
Dessa forma, segundo a legislação vigente, as creches implicam um custo
direto para o empregador na Argentina, Brasil e Chile, tanto maior quanto mais
prolongada for a duração do benefício e quanto menor seja o limite mínimo de
trabalhadoras estabelecido para outorgar o direito, e com um risco crescente de
enfrentar esse custo quanto mais elevado o número de trabalhadoras contratadas
15
. É
assim que, quando uma empresa formal de maior porte presta esse serviço, o custo
pode ser significativo. Mas essa situação coexiste, no mesmo setor de atividade, com
um número muito grande de empresas cujo pessoal feminino não recebe o serviço ou
então o financia com seus próprios recursos, em alguns casos complementados por
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 145
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
14 O sentido da extensão do direito a trabalhadores de ambos os sexos com responsabilidades familiares é
muito importante. O problema é que apenas 7% da força de trabalho no total do país e 22% em Assunção
estão empregados em empresas desse porte.
15 É necessário assinalar que o custo real do benefício, para cada empregador, depende também de quantas
crianças o utilizem. O empregador é obrigado a oferecer o benefício (em alguns países apenas a partir de
certo número de mulheres contratadas), sempre e quando suas trabalhadoras tiverem filhos nas idades
definidas por lei e queiram utilizá-lo. Em muitos casos, as próprias mulheres optam por outras soluções de
cuidado infantil, como por exemplo, deixar os filhos ao cuidado de algum familiar ou de uma empregada
doméstica. Se as trabalhadoras não têm filhos que cumpram esses critérios, ou optam por outras alternativas,
seria possível, no limite, não haver nenhum custo para o empregador. Por outro lado, é necessário assinalar
que, para efeitos desse estudo, o cálculo do custo das creches foi realizado a partir dos preços de mercado
desse tipo de serviço em cada um dos países. É interessante observar, no entanto, que, no questionário
aplicado a empresas chilenas, detectou-se um custo real mais reduzido, que varia por setor de atividade,
provavelmente devido à existência de soluções menos custosas, como creches comunitárias ou auxílios
creche que cobrem apenas uma parte do custo real da creche.
recursos públicos ou sociais (ajudas do sindicato, subsídios de associações sociais
etc).
No México, por sua vez, o serviço é proporcionado pelo Instituto Mexicano de
Seguridade Social (IMSS), e financiado da mesma maneira que o salário-maternidade
e a assistência médica durante a gravidez e o parto. Ou seja, não implica um custo
adicional para o empregador que decide contratar uma mulher. Isso explica por que os
custos diretos para o empregador da proteção à maternidade e do cuidado infantil
sejam os menores no México entre os cinco países analisados. No caso do Uruguai,
como já se assinalou, esse benefício não está previsto na legislação e nem está
presente na negociação coletiva em forma significativa. Portanto, não representa um
custo a ser considerado no cálculo.
Os resultados da pesquisa indicam que os gastos relacionados à creche são o
principal componente dos custos diretos de contratação de uma mulher para o
empregador nos casos do Chile e da Argentina. Ainda assim, são bastante reduzidos:
correspondem, respectivamente, a 1,2% e 0,8% da remuneração bruta mensal das
mulheres. No Brasil, essa cifra é de 0,3% e, no México, esse item não constitui um
custo direto para o empregador, porque está coberto pela seguridade social, assim
como também o estão a assistência médica durante a gravidez, o parto e o
salário-maternidade.
3.2.3.3. Direito à lactância
A legislação dos cinco países estabelece o direito da mulher de realizar duas
interrupções diárias de meia hora cada uma na sua jornada de trabalho para
amamentar seu filho. Estabelece, também, que esse tempo deve ser considerado
como tempo de trabalho e remunerado enquanto tal. A duração desse benefício varia
em cada país: até que a criança tenha seis meses, no Brasil e no Uruguai, um ano, na
Argentina e dois anos, no Chile. No México, como a legislação não estabelece a
duração do benefício, nos contratos coletivos em geral negociam-se períodos de 6
meses a um ano. A Convenção 183 da OIT também estabelece esse direito, por um
período a ser definido pela legislação de cada país.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 146
Da mesma forma que em relação à creche, existem também muitos problemas
para que esse direito seja observado. Na verdade, ele tende a ser concretizado apenas
nos poucos casos em que existe uma creche no local de trabalho, garantindo com isso
a proximidade física entre a mãe e a criança durante a jornada de trabalho. Por causa
disso, muitas vezes essa disposição legal é simplesmente ignorada; em outros casos,
se negocia a redução de uma hora no começo ou no fim da jornada de trabalho da mãe
que está amamentando. Em vários países a redução horária é bastante generalizada,
especialmente entre as trabalhadoras menos qualificadas.
Durante o processo de revisão da Convenção 103 da OIT, concluído em junho
de 2000, muitos dos representantes empresariais e alguns dos governamentais
propunham a exclusão desse direito na nova convenção, argumentando justamente
que este implicaria um custo adicional na contratação das mulheres, custo este que
poderia significar, além de problemas para as empresas, maiores limitações a suas
possibilidades de contratação. No entanto, a maioria dos representantes de governo,
dos representantes dos trabalhadores e das agências internacionais especializadas,
tais como a Organização Mundial da Saúde e a UNICEF, defendiam a posição
contrária, usando como argumento a enorme importância da amamentação para a
saúde física e mental das crianças e das mães. Como já foi assinalado, a nova
Convenção de Proteção à Maternidade (N. 183, 2000) mantém o direito à
amamentação, tal como está estabelecido na Convenção 103 e na maioria das
legislações nacionais da América Latina.
Também nesse sentido os resultados da pesquisa podem contribuir para situar
em um terreno mais objetivo a discussão em torno da normativa e das políticas
públicas de proteção à maternidade e ao cuidado infantil e, num sentido mais amplo,
das políticas de promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Tais resultados mostram que o custo desse benefício é muito reduzido para o
empregador: representa menos de 1% da remuneração bruta mensal das mulheres
nos cinco países analisados: Brasil (0,8%), Chile (0,5%), Uruguai (0,2%) e Argentina e
México (0,1%).
No caso do Uruguai, existem duas particularidades importantes. Em primeiro
lugar, as trabalhadoras do setor bancário obtiveram, através da negociação coletiva, o
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 147
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
direito de usar meia jornada de trabalho para a amamentação durante seis meses a
partir do nascimento do filho, ou seja, durante quatro meses e meio após o final da
licença-maternidade. Em segundo lugar, a legislação estabelece que todas as
mulheres empregadas têm um dia anual de licença para a prevenção do câncer
gênito–mamário. Este fator foi também considerado no cálculo dos custos diretos para
o empregador de contratação das mulheres, e demonstrou ser ínfimo, já que
representa 0,3% da remuneração bruta das assalariadas.
3.2.3.4. Custos de substituição da trabalhadora durante a licença-maternidade
A pesquisa procurou também determinar os custos relacionados à substituição
de uma mulher que se afasta do trabalho durante a licença-maternidade. Como já foi
assinalado, essa licença tem uma duração que varia, nos países analisados, entre
doze e quinze semanas e seu financiamento provém diretamente do Estado ou do
sistema de previdência social.
Mesmo que a empresa não tenha que pagar o salário da trabalhadora ausente
em razão da licença-maternidade, pode admitir-se a hipótese de que essa ausência
tenha como conseqüência algum custo ou perda de produtividade para a empresa. Se,
durante a licença, o posto for coberto pelo mesmo custo do trabalho anterior e com
igual produtividade, o custo do trabalho por unidade de produto não muda com a
substituição. A substituição significa um custo mais alto se enfrentar uma situação em
que o custo por unidade de trabalho torna-se maior que o habitual, se a produtividade
do/a trabalhador/a substituto for menor ou se se combinarem ambas as coisas de
forma simultânea.
Nem sempre a substituição da trabalhadora em gozo da licença-maternidade
se faz por meio da contratação de outra pessoa. A pesquisa realizada nas empresas
indica que o posto temporariamente vago pode ser preenchido de vários modos. As
opções dependem de muitos fatores, entre os quais o grau de qualificação e
responsabilidade exigido na função e o papel que esse posto de trabalho desempenha
na organização.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 148
Uma das possibilidades de preenchimento do posto vago é que várias tarefas
exercidas nesse posto sejam realizadas de forma anticipada pela própria empregada
antes de entrar em licença, adiadas até seu regresso ou realizadas por seus
companheiros, em um intercâmbio que não envolve recompensa monetária, habitual
no ambiente de trabalho. Essa prática, por sua vez, não é necessariamnete prejudicial
aos outros membros do coletivo de trabalho, dentro de certos limites e desde que o
trabalho extra seja adequadamente remunerado ou compensado de alguma forma
segundo a legislação vigente em cada caso.
16
Uma segunda forma consiste em contratar uma suplente. Se a empresa
dispuser dos recursos para o salário e os outros custos, acrescenta-se apenas um
custo de entrada, que envolve recrutamento, seleção, treinamento, e eventuais perdas
produtivas, como custos muito relacionados com o grau de qualificação. Mas o custo
do substituto tende a ser mais baixo que o do titular, tanto no salário, já que não se
consideram outras remunerações, tais como as relativas a antiguidade, assim como
em alguns custos não-salariais dos contratos temporários que tendem a ser inferiores
aos dos trabalhadores com contratos permanentes.
Outra forma habitual de substituição é a promoção provisória de uma
trabalhadora de categoria inferior ao do posto vago. A suplente passa a receber o
salário da categoria superior enquanto dura a licença e reintegrando-se posteriormente
a seu posto e ao seu salário original. Esse regime de substituições está regulado pela
maioria dos convênios coletivos de trabalho, que chegam a admiti-las por períodos
inclusive mais extensos (seis meses) do que os da licença-maternidade. Pode se
imaginar um escalonamento de suplências entre distintas categorias de trabalho, até
que se tenha que apelar para a contratação externa para cobrir a vaga de nível inferior
com um mínimo de custos ou perdas produtivas, configurando outra forma de
substituição.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 149
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
16 O custo da hora extra é 50% superior à normal em dias úteis, o que faz que um salário habitual possa cobrir
dois terços da jornada, repartida entre o grupo de trabalho. Basta que o outro terço esteja dentro da primeira
modalidade, para que essa forma de substituição tenha um custo monetário semelhante ao da titular em
licença. O fato da substituição ser realizada pelos prõrpios companheiros de trabalho ainda tem uma
vantagem para a empresa, que é, na maioria dos casos, evitar perdas significativas de produtividade.
Como última modalidade, está aquela em que a substituição externa é
contratada por intermédio de uma agência de trabalho eventual. Nesse caso, a maior
parte do custo de contratação é coberta pela agência, mesmo que o custo do serviço
para a empresa usuária seja superior ao da titular. Uma estimativa razoável é a de que
se chegue a um custo da ordem de 20% acima do custo regular, sem perdas
produtivas. Mas isso ocorreria em certos casos e não pode ser generalizado.
Cada alternativa de substituição mencionada se adapta melhor a certas
situações ocupacionais do que a outras. De acordo com essas situações, cada
empresa selecionará a alternativa de menor custo ou conveniência.
Todas essas considerações evidenciam as dificuldades existentes para
determinar o custo da substituição. Não é possível dispor de medições de
produtividade por sexo que permitam estimar as eventuais perdas produtivas da
substituição, sempre em comparação com o rendimento normal da titular. Dada a baixa
freqüência de casos, a incidência seria pouco significativa.
Para o empregador, o problema da ausência da trabalhadora por causa da
maternidade não seria, portanto, de índole monetária, mas sim de organização do
trabalho. Mas esse mesmo tipo de problema também é ocasionado pelas ausências
derivadas dos acidentes de trabalho, outras doenças, pela atividade sindical, férias,
licenças para doacão de sangue, licenças de estudos e similares. Nesses casos, os
dias não-trabalhados são pagos pela empresa e geralmente se aceita que o custo de
uma licença dada se reduza ao salário pago durante a ausência. Esses custos, em
geral, já estão incluídos no valor do salário médio. A diferença é que, no caso das
ausências por maternidade, se dispõe de tempo para programar a substituição,
enquanto que nos outros a eventualidade é imprevisível. Tudo isso aponta para a
conclusão de que não se justifica imputar custos por perdas produtivas apenas a esse
tipo de licença, exclusivamente feminina, e não fazê-lo com as restantes, algumas
delas inclusive com viés masculino em seu uso, como as devidas às atividades
sindicais, em alguns casos às férias (quando a sua duração está vinculada à
antiguidade no emprego, como no caso do Chile) ou àquelas relacionadas aos
acidentes e enfermidades de trabalho.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 150
Dada a falta de elementos objetivos (carência de dados, provável baixo custo
relativo, substituição irregular) e a já mencionada assimetria de situações que levaria a
considerar o custo de substituição apenas dessa licença, decidiu-se, nessa pesquisa,
incluir na estimativa do custo de substituição da trabalhadora ausente por razões de
licença-maternidade, apenas os componentes do custo salarial pagos diretamente
pelo empregador à empregada durante a licença-maternidade e os que, pela mesma
razão, podem ser duplicados se o empregador contratar uma substituta: férias
proporcionais, 13º salário ou bônus desse tipo, além de outras prestações, como o
adicional por férias e o FGTS, no caso do Brasil.
É necessário, sem dúvida, ampliar a pesquisa sobre este tema, com
informação que provenha das empresas, sobre as modalidades que assume a
substituição da trabalhadora e seu peso relativo no tempo de trabalho, o custo de cada
uma delas comparado com o salário habitual e estimativas de eventuais perdas
produtivas. Essa análise deveria levar em conta também outras licenças e períodos de
descanso – legais ou estabelecidos por meio da negociação coletiva– para dispor de
termos de comparação adequados.
Em síntese, os resultados da pesquisa indicam que os custos monetários
diretos de substituição das trabalhadoras que usam essas licenças representam
menos de 0,1% de suas remunerações brutas: 0,06% na Argentina, 0,08% no Chile,
0,09% no Brasil e México e 0,0% no Uruguai. Nos quatro países, o cálculo inclui as
férias proporcionais ao período trabalhado, que devem ser pagas pelos empregadores
aos trabalhadores substitutos; nos casos do México e Brasil, foram considerados no
cálculo o décimo-terceiro salário ou bônus desse tipo, além de outras prestações,
como o adicional por férias e o FGTS, no caso do Brasil.
No caso do Chile, o estudo realizado junto a cento e trinta e cinco empresas no
contexto da pesquisa mostrou que, no caso das licenças de curta duração, em geral
não se realizam substituições, e o trabalho é realizado de distintas formas, a depender
das características do processo produtivo em questão, do tamanho da equipe na
seção/empresa, do período do ano etc. Em geral, nesses casos, o trabalho pode ser
adiado ou realizado por colegas. Quando as licenças são mais prolongadas, como no
caso das licenças-maternidade, pareceria evidente a necessidade de contratar um
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 151
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
substituto. Mas isso nem sempre acontece, como se detectou claramente na pesquisa
realizada que revelou que os dias cobertos pelos contratos de substituição
correspondiam a apenas 25% dos dias de licença-maternidade utilizados no mesmo
período, o que é uma cifra surpreendentemente baixa. Por outro lado, a hipótese de
que os 75% restantes sejam cobertos por meio de horas extras não está referendada
pela informação da mesma pesquisa. Ainda que pareça contrário ao senso comum, as
empresas pesquisadas declaram que os gastos com a contratação de substitutos e
com o pagamento de horas extras não chegam a 26% dos salários que deixam de
pagar durante as licenças-maternidade. Na verdade, há uma variação importante por
setor. No setor de comércio e serviços, a proporção entre o que as empresas deixam
de pagar e o que gastam com as licenças é menor, enquanto na indústria e no setor
financeiro, o gasto está abaixo dos 15% da economia que se faz ao deixar de pagar os
salários das mulheres que estão em licença-maternidade.
17
Na pesquisa realizada no México, obteve-se a informação de que, do total de
licenças-maternidade concedidas durante um ano, apenas em 52% dos casos a
ausência das trabalhadoras foi suprida com a contratação de um substituto ou
mediante o pagamento de horas extras. Permanece, então, a incógnita sobre a forma
de substituição do trabalho correspondente aos 48% restantes das licenças. Não é
possível saber se isso ocorre mediante a intensificação do trabalho de uma parte dos
trabalhadores, ou se se resolve com a contratação de trabalhadores/as não
identificados como substitutos diretos, o que poderia acontecer quando se trata de
postos que não requerem uma qualificação especial. Também não é possível saber em
que medida não há substituição, e os empregadores optam por uma “economia de
salário” acompanhada de uma diminuição correspondente da produção de bens e
serviços (Rendón, 2002).
Nas empresas mexicanas que realizaram substituições, a quantidade de
gastos efetuados para substituir as trabalhadoras com licença-maternidade foi
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 152
17 Não foi possível obter informação sobre produção e vendas das empresas nesse período que permitisse
comprovar se o fato de não substituir as trabalhadoras com licenças afetou a produção, ou se a decisão de
não contratar substitutos estaria relacionada a uma conjuntura específica de menor demanda por bens e
serviços, ou de excesso de estoques, no momento em que foi aplicado o questionário (Todaro, 2002).
semelhante ao valor dos salários que deixaram de ser pagos a essas trabalhadoras, ou
seja, não representaram um custo adicional. Por sua vez, as substituições de
trabalhadores com licença por outras causas, principalmente por doenças e acidentes
de trabalho, implicaram um gasto adicional de 29% no caso das licenças masculinas e
de 5% no das femininas. Isto se explica pelo fato de que as ausências por maternidade
são cobertas basicamente mediante substitutos contratados em horário normal de
trabalho, enquanto as ausências ocasionadas por outras causas, que são
inesperadas, freqüentemente têm que ser supridas com horas extras, cujo custo é,
pelo menos, o dobro do que se paga em horário normal.
Na Argentina, pode-se dizer muito pouco sobre o tema a partir dos resultados
dos estudos de caso, já que as respostas das empresas foram muito deficientes a
respeito. Ainda que a informação quantitativa seja claramente insuficiente, o estudo
fornece indícios significativos das modalidades de substituição utilizadas pelas
empresas. Em duas delas, quase todas as trabalhadoras que utilizaram a
licença-maternidade no período foram substituídas. Por sua vez, em um banco, onde
foram registradas, no ano 2000, 88 licenças-maternidade, existe um pool de pessoas
que realizam substituições, e, portanto, não se realizam contratos especiais com essa
finalidade (Schlaen, 2002).
Também no Brasil constatou-se que apenas uma parte das
licenças-maternidade (36% do total de dias) é coberta com a contratação de um
substituto. As práticas mais comuns para cobrir as ausências, prolongadas ou não, de
trabalhadores de ambos os sexos, consistem na distribuição das atividades de quem
se licencia entre os demais funcionários/as (o que tem como conseqüência a
intensificação do trabalho dessas pessoas) e o recurso às horas extras (Leite, 2002).
Em síntese, uma das conclusões mais interessantes da pesquisa em relação a
este tema é a evidência de que apenas uma parte dos recursos não utilizados no
pagamento das remunerações devido às licenças de pessoal, incluindo as de
maternidade, é utilizada para a contratação de substitutos. Devido a isso, se produz
uma economia para as empresas, dado que as licenças não são financiadas pela
própria empresa, mas pelo sistema de seguridade social ou diretamente pelo Estado. A
partir desse dado, se levanta a hipótese de que as tarefas que deixam de ser
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 153
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
realizadas pelas pessoas que se ausentam do trabalho devido às licenças são, em um
grande número de casos, realizadas não por um/uma substituto/a, mas pelos/pelas
colegas de trabalho, seja por meio de horas extras, seja simplemente agregando a
suas tarefas normais as tarefas adicionais durante a jornada normal de trabalho, o que
pode levar a uma significativa intensificação do trabalho. Um estudo mais sistemático,
eliminando a possibilidade de explicações conjunturais (como, no caso de Chile, a
circunstância de que a pesquisa foi aplicada em um período de relativa contração da
atividade produtiva), resulta de grande interesse para o tema da gestão de recursos
humanos e dos custos do trabalho.
Além disso, os resultados do estudo põem em evidência a necesidade do
registro regular e sistemático por sexo da informação estatística sobre licenças e
ausências pelos organismos públicos que produzem essa informação.
3.2.3.5. Em resumo: o custo adicional é reduzido e não explica as desigualdades
entre homens e mulheres
Em síntese, e como pode ser verificado na tabela 4, a soma dos custos
associados à maternidade e ao cuidado infantil representa uma cifra inferior a 2% da
remuneração bruta mensal das mulheres: 0,2% no México, 0,5% no Uruguai, 1,0% na
Argentina, 1,2% no Brasil e 1,8% no Chile. No México e no Uruguai, os custos da
creche não são assumidos diretamente pelo empregador que decide contratar uma
mulher, e isso explica o fato de essa cifra ser inferior nesses dois países. No México,
porque os serviços de cuidado infantil são proporcionados pela previdência social e
financiados pelo conjunto dos empregadores que contribuem para o sistema e não
apenas por aqueles que empregam força de trabalho feminina. No Uruguai, por sua
vez, não se registra nenhum gasto dos empregadores vinculados ao cuidado infantil
porque esse direito não consta da legislação vigente.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 154
TABELA 4
Países selecionados da América Latina - Custos diretos para o empregador
relacionados à proteção à maternidade e ao cuidado infantil, 2000
(Remuneração bruta mensal = 100)
ARGENTINA BRASIL CHILE MÉXICO URUGUAI
Remuneração bruta 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Custo da maternidade e
do cuidado infantil
1,0 1,2 1,8 0,2 0,5
Creche 0,8 0,3 1,2 0,0 0,0
Amamentação 0,1 0,8 0,5 0,1 0,2
Substituição 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0
Licença anual para
prevenção de câncer
gênito–mamário
0,0
0,0 0,0 0,0 0,3
Custo médio para o
empregador
101,0
101,2 101,8 100,2 100,5
Fonte: Elaboração OIT, publicado originalmente no Panorama Laboral n. 7.
3.2.4.
Outros custos associados à contratação de homens e mulheres
Serão acrescentados à análise outros componentes do custo do trabalho de
homens e mulheres: a contribuição dos empregadores à previdência social, o custo
dos seguros de acidentes e enfermidades do trabalho, indenização por demissão,
férias, 13º salário e outros bônus obrigatórios e contribuição dos empregadores para a
moradia dos trabalhadores (no caso do México).
Em princípio, esses custos são indiferenciados em relação ao sexo do
trabalhador/a. Entretanto, a própria estrutura da ocupação, caracterizada, entre outros
fatores, por uma forte segmentação de gênero, pode ter como consequência que
alguns deles, na prática, terminem tendo uma incidência diferente entre mulheres e
homens.
Dependendo da legislação e das práticas nacionais, existem dois custos nos
quais ocorre esse fenômeno com certa importância, como se verá a seguir: o custo de
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 155
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
férias e o dos seguros de acidentes e doenças de trabalho. Em relação às férias, em
três dos países considerados na pesquisa (Argentina, México e Chile), a duração do
período legal está determinada pelo tempo de serviço.
Por sua vez, o custo dos seguros de acidentes e doenças de trabalho varia por
atividade, de acordo com as respectivas probabilidades de acidentes e doenças de
trabalho. Nos países em que existe um sistema de seguro de riscos do trabalho, as
empresas pagam proporcionalmente uma porcentagem mensal sobre o salário
nominal que, com certas restrições, são proporcionais à probabilidade de ocorrência
desses infortúnios que corresponde a cada setor de atividade econômica e, inclusive, a
cada empresa. Esse é um custo que se computa entre os “não-salariais”. Embora o
custo por trabalhador seja uniforme entre gêneros, como no caso das férias, o custo
associado aos homens tende a ser mais elevado. Isso não resulta das normas legais,
mas da estrutura de emprego e salários de acordo com setores econômicos e das
taxas de probabilidade de acidentes a eles associados: os custos mais elevados se
situam geralmente nas atividades onde se concentra a mão de obra masculina
(construção, agricultura, mineração, transporte), enquanto que os menos elevados
(serviços, comércio e atividades financeiras) caracterizam-se por uma alta
porcentagem de emprego feminino.
Em outras palavras, em ambos os casos há um só regime de proporções e
alíquotas uniformes para mulheres e homens, mas as mulheres, por um lado,
apresentam em média menor tempo de serviço e, por outro lado, seu emprego se
concentra em atividades de menor risco. Essa distribuição de atributos determinam
diferenças por sexo nos respectivos custos, com um efeito inverso ao que se vem
considerando: aumentar o custo masculino, em lugar do feminino. Ainda que os custos
analisados não representem estritamente diferenças devidas à discriminação ou a
determinção de pagamentos especiais por sexo, as condições em que se segmenta e
segrega o trabalho produzem, em ambos os casos, diferenças apreciáveis de custo por
sexo, como pode ocorrer com as remunerações. Nesses casos, o maior custo seria
atribuível aos homens, pelas circunstâncias em que se desenvolvem essas situações
de trabalho.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 156
A rigor, haveria outros custos do trabalho que encarecem a contratação
masculina, mas eles têm pouca relevância quantitativa ou são também difíceis de
mensurar. Por um lado, cabe considerar o custo da demissão nos países onde as
empresas pagam indenizações por demissão sem sem justa causa. Tais indenizações,
com certas restrições mínimas e máximas, são proporcionais aos anos de serviço do
trabalhador despedido, e, portanto, o menor tempo de serviço das mulheres, que é
habitual nos países considerados, conduz a um montante médio de indenização
inferior ao de um homem. Não obstante, o efeito diferenciador provavelmente não é
significativo e, além disso, esse custo depende também de outros fatores de cálculo
complexo, ainda mais quando esse cálculo pretende ser feito por gênero (freqüência
de demissões, proporção de situções indenizáveis, salário dos demitidos). Por essas
razões, o custo de demissão poderia deixar de ser considerado.
Por outro lado, há outros custos que as empresas mantêm sob a forma de
benefícios sociais, pagos em espécie e licenças, que podem ter essas características.
Por exemplo, as licenças por atividades sindicais, que são utilizadas principalmente
por homens. Mas são de escasso peso numérico, por isso não foram incluídas no
cálculo. Ademais, muitos desses pagamentos já estão incorporados nos salários.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 157
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
TABELA 5
Países selecionados da América Latina - Componentes do custo do trabalho para o
empregador, por sexo, 2000
(Remuneração bruta =100)
NOTA: Ao fazer comparações entre países, há que considerar que a informação disponível e a forma de cálculo dos
diferentes itens podem variar. Para o caso do Brasil, ver Pochmann (2002) e Leite (2002). Para os demais países, ver
Abramo e Todaro (2002).
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 158
COMPONENTES
DO CUSTO
ARGENTINA
MÉXICO CHILE URUGUAI
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Remuneração
bruta
100,0 100,0 100,00 100,00 100,0 100,0 100,0 100,0
Contribuição dos
empregadores à
previdência social
17,90 17,90 8,78 8,78 17,9 17,9
Seguro de
acidentes e
enfermidades do
trabalho
1,62 1,17 2,06 1,64 3,27 1,95 s/d s/d
Contribuição para
moradia dos
trabalhadores
5,0 5,0
Indenização por
demissão
4,70 4,70 0,42 0,31 3,5 3,1 s/d s/d
Férias 1,06 1,00 6,56 6,52 3,98 3,67 4,8 4,8
13º salário e
outros bônus
obrigatórios
8,33 8,33 2,7 2,6 8,3 8,3
Creche 0,8 0 1,27
Amamentação/
alimentação do
filho/a
0,1 0 0,48 0,09 0,22
Exame
gênito-mamário
0,28
Custo médio para o
empregador
133,61
134,00
127,23
125,19 131,0 131,5
Custo adicional
das mulheres
0,39
0,92 -2,04
0,50
Entre os países considerados, o Chile é o que apresenta os custos mais baixos
devido ao fato de que, nesse país, os empregadores não contribuem à previdência
social, privatizada nos anos 70: o pagamento do salário-maternidade é financiado
diretamente pelo Estado. Por sua vez, a assistência médica durante a gravidez e o
parto é financiada direta e exclusivamente pelas trabalhadoras filiadas ao sistema de
saúde público e privado. Os demais gastos em saúde, incluindo as licenças por motivo
de doença, são cobertos pelo sistema de saúde, que é financiado pelas contribuições
dos trabalhadores de ambos os sexos. Os acidentes de trabalho e as doenças
profissionais contam com um seguro específico pago pelas empresas, o que acontece
também nos outros países. Por sua vez, dentre os quatro casos em que existem
contribuições patronais ao sistema de seguridade social, as mais reduzidas são as do
México. Possivelmente isso se deve ao fato de que o financiamento da previdência
social nesse país é tripartite, ou seja, inclui também as contribuições dos trabalhadores
e do Estado.
Registram-se grandes variações entre países também no que se refere aos
outros gastos. É possível que a disponibilidade de informação e as formas de cálculo
expliquem em parte este fenômeno. No entanto, tais somas também se devem às
diferenças existentes entre as legislações, que definem, por sua vez, distinções quanto
à natureza e à magnitude dos benefícios. Com exceção dos custos relacionados
diretamente à proteção à maternidade e ao cuidado infantil, os outros custos
não-salariais das mulheres, ou são iguais aos dos homens
18
, ou são inferiores.
19
Ainda que não tenha sido possível obter informação confiável em relação aos
custos empresariais relativos à capacitação de homens e mulheres para o conjunto do
universo estudado nos diferentes países, os resultados tanto do questionário realizado
nas cento e trinta e cinco empresas chilenas e noventa e uma mexicanas quanto dos
estudos de caso realizados na Argentina, Brasil e Uruguai indicam que eles são
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 159
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
18
Ccontribuição dos empregadores à previdência social; 13º salário e outros bônus obrigatórios;
contribuição para a moradia dos trabalhadores no caso do México; indenização por demissão no
caso da Argentina e férias no caso do Chile e do Uruguai.
19
Sseguro de acidentes e enfermidades do trabalho na Argentina, Chile e México; indenização por
demissão no Chile e no México, e férias na Argentina, Chile e México.
inferiores no que se refere às mulheres empregadas (Schlaen, 2002; Leite, 2002;
Todaro, 2002a). Esse dado estaria indicando, tal como evidenciado em várias
pesquisas, uma menor disposição dos empresários de investir na formação da
mão-de-obra feminina. Isso ocorre, seja porque em muitos casos essa mão-de-obra
tende a se concentrar nas ocupações menos qualificadas da estrutura ocupacional (e
que portanto não fazem parte dos grupos-meta dos progamas de formação e
treinamento das empresas), seja porque ela continua sendo vista, por uma proporção
importante de empresários e gerentes, como menos permanente, menos
comprometida com a empresa, mais propícia a abandonar o trabalho devido aos seus
ciclos de vida ou à situação ocupacional de seus maridos ou companheiros, mesmo
que muitas vezes isso corresponda pouco à realidade da trajetória ocupacional dessas
mulheres.
20
Equiparando as remunerações médias de homens e de mulheres (ou seja,
abstraindo o fato de que as remunerações das mulheres são em média inferiores às
dos homens) podemos verificar que, em três dos quatro países para os quais dispomos
de informação, os custos adicionais não-salariais das mulheres em comparação com
os dos homens em relação à sua remuneração bruta são os seguintes: 0,39% na
Argentina, 0,50% no Uruguai e 0,92% no Chile (ou seja, variam de aproximadamente
0,4% a 1%). No México, por sua vez, esses custos são 2% inferiores aos dos homens.
Isso se explica por dois fatores: em primeiro lugar, e tal como já se assinalou, porque,
no caso do México, a creche não significa um custo direto para os empregadores. Em
segundo lugar, por causa dos custos relacionados aos seguros de acidentes do
trabalho, que são bastante superiores para os homens em comparação às mulheres.
Esses custos adicionais são, portanto, muito reduzidos e de forma nenhuma
poderiam explicar a persistência das desigualdades de remuneração e entre homens e
mulheres na América Latina. Tampouco justificam a persistência das imagens de
gênero que atribuem às mulheres esse custo mais elevado.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 160
20
Ver, a respeito, Abramo, 1999.
3.2.4.1. Resultados de uma pesquisa realizada em empresas chilenas
21
Os resultados da pesquisa realizada por solicitação do Serviço Nacional da
Mulher do Chile sobre o tema dos custos do trabalho de homens e mulheres são ainda
mais eloquentes. Como já foi assinalado, esse estudo se baseia na análise dos dados
obtidos com a Pesquisa de Custos e Remuneração da Mão-de-obra, aplicada
regularmente pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) do Chile desde 1993 e que,
em maio de 2000, foi pela primeira vez, desagregada por sexo. Esses dados são,
portanto, diferentes dos utilizados na pesquisa comparativa, cujos resultados foram até
agora discutidos. Em primeiro lugar, porque provém de uma pesquisa de
estabelecimentos, na qual a informação é fornecida pela própria empresa a partir dos
seus registros e não de uma pesquisa domiciliar, na qual a informação é fornecida por
um membro da família. Em segundo lugar, porque se trata de uma pesquisa de
estabelecimentos dirigida especificamente à identificação dos custos e remunerações
da mão-de-obra que engloba um número maior de componentes de custos do
trabalho.
22
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 161
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
21
Todas as informações e a análise que seguem estão baseadas em Todaro (2005).
22 A pesquisa discrimina os seguintes 16 componentes do custo da mão-de-obra e da remuneração bruta: 1)
Salários base (fixo e por semana corrida); 2)Outros salários permanentes: inclui prêmios por antigüidade, por
realização de trabalho em lugares afastados e/ou adversos, por responsabilidade ou cargo, e pelo uso de
maquinarias, ferramentas ou instrumentos perigosos ou delicados, verbas por turnos diurnos ou noturnos
permanentes e outras bonificações ou verbas básicas e permanentes; 3) Ordenados e salários por funções
ocasionais do/a trabalhador/a; 4) Incentivos ou prêmios monetários; 5) Salário por tarefa, só para
trabalhadores/as do estabelecimento; 6) Pagamentos por horas extras; 7) Comissões por vendas; 8)
Reembolsos de gastos do trabalhador em razão do trabalho realizado; 9) Participações, gratificações e
pagamentos adicionais não mensais; 10) Pagamentos em espécie e gastos de moradia do/a trabalhador/a;
11) Subsídios repassados pelo empregador: salário-família e outros auxílios; 12) Pagamentos diretos ao
trabalhador/a pela previdência social: verbas para educação e/ou creche, por casamento, para transporte
para alimentação de lactantes, auxílio-funeral, pagamentos diretos quando o/a trabalhador/a deve se
ausentar por motivo de doença, maternidade, acidentes de trabalho ou doença profissional, e outros
pagamentos diretos; 13) Contribuições patronais por seguros para os/as trabalhadores/as; 14) Gastos dos
serviços de bem-estar e de capacitação do/a trabalhador/a que incluem: i) custos dos serviços de
alimentação, culturais, de assistência médica, de diversão, educação etc.; ii) capacitação e aperfeiçoamento:
reembolso de matrícula do trabalhador, honorários e outros pagamentos pelos serviços de instrutores
externos ou instituições de formação e despesas com material de ensino; exclui a parte recuperável através
do Sistema de Franquia Tributária (Sence); 15) Indenizações por término da relação de trabalho; 16) Outros
custos da mão-de-obra: gastos por conta do empregador com calçado e roupa de trabalho, com contratação
de pessoal e com transporte dos/as trabalhadores/as para e da residência ou lugar próximo. Os itens 1, 2, 3, 4,
5, 6, 7, 9, 10, 11 e 15 são componentes das remunerações totais. Nas remunerações habituais estão
incluídos os componentes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 10, isto é, aqueles que são pagos mensalmente em dinheiro
ou em espécie: os salários base, aqueles relativos ao desempenho de funções ocasionais, os
A pesquisa foi realizada a partir de uma amostra representativa de 1.010
empresas, a maioria das quais foi classificada como pequena ou média e estava
concentrada nos setores industrial, comércio e serviços à comunidade, sociais e
pessoais.
23
As mulheres repreentavam 36,5 do total de empregados das empresas da
amostra.
Os resultados mais importantes da pesquisa são os seguintes: devido ao fato
de que os principais componentes dos custos do trabalho são as remunerações, são
elas que explicam em maior medida as diferenças de custos entre homens e mulheres:
a sua remuneração média correspondia a 68,9% da remuneração média dos homens
(a diferença, portanto, superava 30%).
24
Quando são examinadas as remunerações por hora trabalhada, diminui a
distância entre homens e mulheres: a diferença cai de 31,1% para 27,2%, o que
equivale a uma diminuição de quase quatro pontos percentuais. Ainda assim, a
diferença é de praticamente 30%.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 162
incentivos e prêmios, os salários por tarefa, os pagamentos por horas extras, as comissões por vendas e os
pagamentos em espécie. Os itens 8, 12, 13, 14 e 16 são componentes do custo, mas não são
remunerações. O item 11 é, efetivamente, um componente das remunerações, porque é um
vencimento que os/as trabalhadores/as recebem, mas não faz parte do custo para o
empregador/a, já que este o recebe do sistema de previdência social e o repassa ao/a
trabalhador/a. Por isso, o custo total para o empregador/a é a soma das remunerações mais os
custos não-salariais antes mencionados, menos o item 11. A pesquisa também registra, por
grupo ocupacional, as horas pagas diferenciadas em horas ordinárias e horas extras. Isso permite
calcular os custos do trabalho por hora de trabalho.
23
As microempresas estão sub-representadas na amostra, se comparadas ao universo de
empresas do país. Por definição, a amostra da Pesquisa de Custos e remunerações não
contemplava empresas com menos de dez trabalhadores e, portanto, elas não tinham sido
incluídas na amostra. A razão pela qual, em maio de 2000, no momento da aplicação do
questionário desagregao por sexo, existiam empresas desse tamanho na amostra é que algumas
delas diminuíram de tamanho entre 1993 e 2000.
24
Mas tanto os valores absolutos das remunerações quanto a diferença entre homens e mulheres
variavam de maneira significativa de acordo com a sua posição ocupacional: os maiores
diferenciais de remuneração se encontravam entre as pessoas que ocupavam posições de
diretoria, nas quais as mulheres recebiam 37,3% a menos que os homens, e os menores, entre os
trabalhadores não qualificados, entre os quais elas recebiam 18,5%, em média, a menos que os
homens. Também se observa uma variação significativa por setores e por tamanho das
empresas. As remunerações médias aumentam à medida que aumenta o tamanho das
empresas, o que significa que a média salarial das mulheres é maior nas empresas de grande
porte. No entanto, as desigualdades salariais em relação aos homens, ao invés de diminuir,
também são superiores nessas empresas.
Mas o principal achado da pesquisa se refere à análise dos custos
não-salariais
25
: os resultados da pesquisa indicam que os custos não-salariais
das trabalhadoras são, ao contrário do que se costuma afirmar,
significativamente (29%) inferiores aos dos homens (tabela 6).
Conforme assinala Todaro (2005), é importante ressaltar que neste cálculo
estão incluídos aqueles componentes que seriam os causadores, segundo o discurso
acadêmico e empresarial e as imagens de gênero dominantes, dos custos
supostamente maiores do trabalho feminino. De qualquer forma, é importante destacar
que o montante em termos absolutos dos custos não-salariais representa uma
pequena parte do custo total ( próximo de 7%). Por isso, ainda que esses custos
fossem maiores para as mulheres, dificilmente eles poderiam compensar a grande
distância que se observa nos custos salariais, que, como vimos, são 31,1% inferiores.
A pesquisa não registra de maneira separada alguns custos que são de sinal
inverso para homens e mulheres e que são atribuidos a uns ou outras de acordo com
imagens de gênero dominantes. É verdade que o custo da creche, por exemplo, recai
sobre as mulheres (devido à legislação existente no Chile) e aumenta o custo
não-salarial do trabalho feminino. Mas outros gastos familiares, como, por exemplo, o
auxílio-escolaridade, que se outorga a apenas um dos pais, costuma ser destinado ao
homem, uma vez que em geral ele é considerado o provedor da família. Apesar disso,
esse tema, assim como outros componentes de custos associados aos homens, não
costuma ser considerado quando se comparam os custos do trabalho de homens e
mulheres. Por outro lado, também se incluem entre os custos não-salariais, outros
componentes propriamente relacionados ao trabalho, como os gastos de capacitação,
que a pesquisa tampouco registra separadamente, e que se presume que sejam
inferiores para as mulheres.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 163
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
25
Os custos não salariais incluem os reembolsos de gastos realizados pelo trabalhador em razão
do trabalho, os pagamentos diretos ao trabalhador pela previdência social (bonificações por
casamento, educação e/ou creche, deslocamento para alimentação de lactante, auxílio-funeral
etc.), as contribuições patronais por seguros para seus trabalhadores, os gastos de serviços de
bem-estar e de capacitação dos trabalhadores e os outros custos da mão-de-obra (calçado e
roupa de trabalho, transporte etc.); ou seja, são aqueles que representam um desembolso para o
empregador, mas que não fazem parte dos vencimentos que os trabalhadores recebem.
A diferença entre as remunerações de homens e mulheres continua sendo
muito alta (31,1% por mês e 27% por hora trabalhada), o que descarta, em primeira
instância, a hipótese de que as remunerações das mulheres são mais baixas para
compensar supostos custos não-salariais mais altos. No entanto, isso não elimina a
possibilidade de haver alguns custos que possam ser mais altos para as mulheres.
Mas o que fica claro nesta pesquisa é que há outros custos que são mais altos para os
homens e que, em média, os custos não-salariais das mulheres são, como já se disse,
significativamente inferiores (29%) para as mulheres.
Ao analisar os custos não-salariais por grupos ocupacionais, pode-se observar
que em nenhum caso os custos das mulheres superam os dos homens. As maiores
diferenças encontram-se no grupo de serviços pessoais e de proteção, e as menores,
entre os profissionais, os técnicos e a diretoria. O mesmo ocorre quando se analisa o
tema por setores. Nos empregos relacionados aos serviços financeiros concentram-se
os custos mais próximos; ali, a diferença por sexo é de apenas 5%. A maior diferença
se encontra em serviços à comunidade, sociais e pessoais, cujos custos não-salariais
não-salariais das mulheres são 34% inferiores aos dos homens.
Os dados indicam também que os custos não-salariais aumentam em termos
absolutos e diminuem as diferenças entre homens e mulheres à medida que cresce o
tamanho da empresa. Todaro (2005) levanta duas hipóteses para interpretar esse
dado. A primeira é que, nas empresas grandes, pode haver uma maior presença de
mulheres mais qualificadas e, conseqüentemente, gastos mais elevados de
capacitação e treinamento. A segunda é que, nesse grupo de empresas, pode existir
um número maior de estabelecimentos que tenham creches ou paguem o
auxílio-creche às suas funcionárias, já que é mais provável que haja mais de vinte
mulheres contratadas.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 164
TABELA 6
Custos não salariais mensais por sexo, segundo o tamanho da empresa
TAMANHO
EMPRESA
TRABALHADORES
%
CUSTOS MULHERES/
CUSTOS HOMENS
Homens Mulheres Total
10 a 49
31.779 21.429 27.512
67,4
50 a 199
45.963 32.668 40.297
71,1
200 ou mais
74.130 52.789 64.905
71,2
TOTAL 51.085 36.277 71,0
Finalmente, considerando os custos totais do trabalho por pessoa, por mês,
chega-se à seguinte cifra: o custo das mulheres equivale a somente 68,4% do custo
dos homens, ou seja, é 31,6% inferior (tabela 7).
TABELA 7
Custo médio total do trabalho por pessoa, por sexo
(pesos, abril de 2000
26
)
%
HOMENS
MULHERES CUSTO H/
CUSTO M
CUSTO TOTAL 758.077
518.400 68,4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 165
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
26
Isso é válido para qualquer informação em pesos da pesquisa.
3.3.
Absenteísmo masculino e feminino: um fator diferenciado
de custos?
Nessa última parte do capítulo, discutiremos outra imagem associada, com
muita freqüência, às mulheres: a de que o seu absenteísmo seria superior ao dos
homens e que essa seria uma outra evidência de seu comportamento pouco adequado
às necessidades da empresa, assim com de sua condição como força de trabalho
secundária.
O tema do absenteísmo é central na discussão sobre os custos do trabalho de
homens e mulheres. Freqüentemente, atribui-se a uma suposta maior incidência desse
fenômeno entre as mulheres – tanto em termos do número de ausências ou licenças
como de sua extensão – vários problemas vinculados a seu desempenho no trabalho,
que terminariam por ter efeitos negativos sobre sua produtividade e aumentariam os
seus custos (Todaro, Godoy e Abramo, 2001). Várias pesquisas realizadas na América
Latina indicam que essa é uma das imagens mais negativas associadas às mulheres
trabalhadoras e a responsável por uma boa parte da resistência empresarial para
contratá-las, capacitá-las e/ou promovê-las. No entanto, como já foi assinalado, não
existem – ou não estão disponíveis – estatísticas confiáveis sobre o tema do
absenteísmo desagregadas por sexo nos países latino-americanos. Por outro lado, é
um problema ainda mais complexo (tanto conceitual como empiricamente) medir a
incidência do absenteísmo na produtividade do trabalho, principalmente se
desagregada por sexo.
3.3.1.
As informações disponíveis
Examinando algumas fontes existentes nos cinco países nos quais a pesquisa
foi realizada, podemos observar que as pesquisas domiciliares, apesar da vantagem
de contar com uma cobertura ampla (pelo menos no setor urbano) e que se mantém ao
longo do tempo, em geral permitem apenas estimar o número de trabalhadores
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 166
ocupados ausentes no trabalho durante o período de referência. Essa informação tem
várias limitações. Por um lado, indica apenas o número de ocupados (desagregado por
sexo) que faltaram ao trabalho, mas não registra a duração das licenças; por outro
lado, a informação sobre as causas das licenças é também limitada e muito insuficiente
para os objetivos deste trabalho.
Outra fonte interessante para essa discussão é um estudo que foi realizado a
partir das pesquisas de emprego de doze países europeus mais os Estados Unidos, o
Luxemburg Employment Study (LES), e que utiliza o mesmo indicador das pesquisas
domiciliares realizadas na América Latina, ou seja, a porcentagem de assalariados que
se ausentaram do trabalho na semana em que a pesquisa foi realizada. Analisando a
taxa de absenteísmo devido às licenças por motivo de doença, o estudo chega à
conclusão de que, na maioria dos países, registra-se um absenteísmo feminino por
doença mais elevado que o masculino entre as pessoas de 20 e 54 anos e, por sua vez,
um maior absenteísmo masculino entre os 55 e 64 anos. Uma das conclusões do
estudo é que o sexo influencia as taxas de absenteísmo, mas também a idade, assim
como outros fatores vinculados aos mecanismos de proteção de que dispõem os
trabalhadores de ambos os sexos: segundo os autores, as taxas de absenteísmo são
maiores nos países nos quais as licenças por enfermidade são mais “generosas”
(Bliksvaer e Helliesen, 1997).
No estudo realizado sobre a Argentina por ocasião desta pesquisa (Berger e
Szretter, 2002), foram utilizados os dados da Pesquisa Domiciliar Permanente, a única
fonte disponível, para detectar o número de pessoas ocupadas que não havia
trabalhado na semana de referência, segundo uma série de causas, entre as quais se
destacam doenças, greve, licença, suspensão e similares. Essas causas de ausência
ao trabalho apresentam uma agregação pouco apropriada para este estudo, por não
serem tão específicas como se necessitaria. Segundo eles, a taxa de absenteísmo
feminino (3,2%) é levemente superior à masculina (2,6%). No entanto, se descontadas
as ausências relativas às licenças-maternidade – calculadas em 0,7% –, a diferença
entre homens e mulheres praticamente desaparece. Pode-se concluir, portanto, que
não existe espaço de significação numérica para indicar a existência de um
absenteísmo feminino específico, além daquele referido à licença-maternidade, e,
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 167
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
principalmente, que este não teria magnitude suficiente para constituir um custo em
sentido próprio capaz de introduzir uma diferença significativa na contratação regular
de homens e mulheres.
No caso do México, o Instituto Mexicano de Seguridade Social (IMSS) fornece
dados referentes a seus assegurados desagregados por sexo sobre o número de
licenças por doença, acidentes e maternidade e sua duração. Os resultados indicam
que, sem considerar os dias não-trabalhados por licença-maternidade, o absenteísmo
masculino (3,3 dias em média ao ano) é superior ao feminino (2,75 dias em média ao
ano). Essa diferença se explica devido à maior incidência de acidentes de trabalho
entre os trabalhadores do sexo masculino.
Por sua vez, há indícios, nas fontes correspondentes a estudos de cobertura
limitada, de que as ausências devido a acidentes de trabalho são mais freqüentes e
prolongadas entre os homens do que entre as mulheres. Acontece o contrário em
relação às doenças, se considerado o conjunto das enfermidades profissionais e
não-profissionais: as mulheres faltam mais ao trabalho do que os homens devido a
essa causa.
Também há indícios no sentido de que o comportamento de homens e
mulheres frente às doenças, profissionais ou não, é diferente. Segundo a observação
de alguns empregadores entrevistados de ambos os sexos, as mulheres tenderiam a
ter comportamentos preventivos mais freqüentes que os homens, assim como
recorrem à assistência médica em etapas mais iniciais de uma doença. Isso poderia
ocasionar licenças mais freqüentes, ainda que, possivelmente, de menor duração. A
informação disponível a respeito não permite, no entanto, afirmações conclusivas
nessa matéria.
Coloca-se também a hipótese, originada em estudos qualitativos, de que as
licenças das mulheres, escondem, muitas vezes, ausências devido às doenças dos
filhos. Um estudo exploratório desenvolvido durante a pesquisa realizada no Chile
indica que os pediatras consideram que a possibilidade de outorgar licenças
remuneradas para o cuidado de filhos doentes deveria ampliar-se até os dois anos,
sendo na atualidade possível apenas até um ano. Devido a isso, e com o objetivo de
assegurar o bem-estar das crianças cujas mães já não têm o direito à licença para
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 168
cuidar dos filhos, os médicos, quando consideram necessário, concedem as licenças
às mães, como se se tratasse de enfermidades próprias. Os pediatras que afirmam
não usar esse expediente suspeitam que médicos de outras especialidades poderiam
fazê-lo, dada a falta de soluções alternativas para o cuidado infantil (Rojas, 2001).
Também argumenta-se que o desgaste ocasionado pela dupla carga de
trabalho e responsabilidades familiares afeta a saúde das mulheres. Por outro lado, as
“enfermidades próprias”, ou seja, aquelas não definidas ou reconhecidas como
profissionais, poderiam incluir enfermidades provocadas pelas condições em que se
exerce o trabalho, ainda que não tipificadas como tais; isto ocorreria tanto no caso dos
homens, como no das mulheres, provavelmente de maneira diferente.
No caso do Chile, foram examinadas também outras duas fontes de
informação. Em primeiro lugar, as estatísticas sobre acidentes de trabalho, fornecidas
pela Superintendência de Seguridade Social, que estão desagregadas por sexo. Os
dados confirmam a idéia de que os homens sofrem mais acidentes de trabalho que as
mulheres: 11,4 acidentes para cada cem assalariados no caso dos homens, e 6,1 no
caso das mulheres. Isso se deve, em grande medida, e da mesma forma que no caso
do México, à maior concentração de homens em ocupações caracterizadas como de
alto risco. A duração média das licenças também é maior no caso dos homens (12,6
dias por licença) que das mulheres (9,9 dias).
Essa mesma fonte também registra dados desagregados por sexo sobre as
doenças relacionadas ao trabalho. Segundo eles, as mulheres perdem mais dias de
trabalho quatro dias de ausências para cada cem mulheres) que os homens (dois para
cada cem). A magnitude de dias perdidos por esse motivo seria, portanto, muito inferior
àquela causada pelos acidentes e, somando-se as duas, o absenteísmo masculino
total (14,6 dias no trabalhados por 100 trabalhadores) seria superior ao feminino (13,9).
No entanto, os dados referentes às doenças apresentam dois problemas. Por um lado,
a normativa é insuficiente para reconhecer esse tipo de enfermidades e deveria ser
atualizada; por outro, não considera as ausências devido às enfermidades não
reconhecidas como profissionais.
A outra fonte de informação sobre o tema, no Chile, é a Encuesta Laboral
(ENCLA, pesquisa realizada pela Direção do Trabalho, órgão de fiscalização do
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 169
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Ministério do Trabalho). Na pesquisa, feita em 1999, há informação disponível sobre o
número de licenças (porcentagem de trabalhadores, desagregada por sexo, que
utilizaram licenças), mas não sobre a duração delas. Também há informação sobre as
causas das licenças: doenças próprias, acidentes de trabalho, cuidado de filhos
doentes, ausências injustificadas, mas entre elas não está a licença-maternidade.
A partir desses dados, pode-se observar que existe uma estrutura de causas
de uso das licenças muito diferenciada por sexo. Tanto entre os homens quanto entre
as mulheres, ainda que com um peso maior entre estas últimas, a principal causa são
as doenças próprias. As ausências para cuidar de filhos doentes são mínimas no caso
dos homens e, por sua vez, constituem mais de 10% do total das licenças das
mulheres, embora no Chile, diferentemente dos outros quatro países analisados nesse
estudo, a lei preveja a possibilidade de licenças no caso de doença de filhos com
menos de um ano tanto para as mães como para os pais. Além disso, as ausências
injustificadas ou por licença do empregador têm um peso significativamente mais alto
no caso dos homens e, no seu conjunto, correspondem a mais da metade das licenças
masculinas.
O número total de licenças entre as mulheres é notavelmente mais elevado do
que no caso dos homens, no total e para cada uma das causas: significativamente, no
caso das doenças próprias e do cuidado de filhos, e levemente, no resto. No entanto, a
falta de informação sobre a duração dessas licenças não permite chegar a qualquer
conclusão sobre a magnitude real do fenômeno do absenteísmo entre homens e
mulheres.
Em síntese, e como as informações disponíveis eram muito insuficientes,
decidiu-se dar ênfase ao tema nas pesquisas realizadas no âmbito das empresas. Os
dados obtidos, ainda que não conclusivos, nos permitem trazer novos elementos à
discussão desse tema.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 170
3.3.2.
A pesquisa realizada no âmbito das empresas
O objetivo da pesquisa realizada nas empresas, tanto por meio dos
questionários aplicados no Chile e no México quanto dos estudos de caso realizados
na Argentina, Brasil e Uruguai, foi obter informação sobre o número de licenças e sobre
o número de dias não-trabalhados, desagregados por sexo, por tipo de licença e por
categoria ocupacional. Isso permite identificar a média de dias não-trabalhados pelos
homens e pelas mulheres em um período dado de tempo, assim como as principais
causas dessas ausências
27
.
No caso do Chile, foi aplicado um questionário a cento e trinta e cino empresas
da região metropolitana de Santiago, que empregavam 45.323 trabalhadores, dos
quais 18.687 (41,2%) eram mulheres. Os resultados obtidos indicam que os dias de
licença utilizados em média pelas mulheres em um período de doze meses nas
empresas pesquisadas superam significativamente as licenças dos homens: dezesste
dias anuais, ao passo que, no caso dos homens, a cifra é de cinco dias. As
licenças-maternidade e devido a complicações ligadas à gravidez representam sete
dias desse total de dezesste. Portanto, eliminando-se as licenças relacionadas à
gravidez, o número médio de licenças anuais utilizadas pelas mulheres (dez) é inferior
àquele utilizado pelos homens.
28
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 171
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
27
As causas especificadas foram: licença-maternidade/paternidade, enfermidades ligadas à
gravidez;,horas não-trabalhadas devido à amamentação/alimentação da criança, enfermidades
próprias, enfermidades de filhos e acidentes de trabalho.
28
É interessante mencionar também os resultados de um estudo realizado por Korn/Ferry
International, em 1992, sobre as mulheres em cargos de direção nas empresas Fortune (1000 no
setor industrial e 500 no setor serviços), citado por Sarriés y Vicén (2006), questiona vários
estereótipos freqüentes sobre as razões pelas quais as muheres têm acesso limitado aos postos
executivos. Entre eles, o de que entre elas as taxas de absenteísmo seriam mais elevadas.
Segundo o citado estudo, apenas um terço das mulheres entrevistadas haviam gozado alguma
vez algum tipo de licença. Quase dois terços desas licenças tiveram uma duração inferior a seis
meses, e 82% destas eram licenças–maternidade. Ainda que o direito esteja previsto na
legislação do país, não se registra o uso de licenças por doença dos filhos por parte dos homens;
no entanto, para as mulheres, esse item equivale a, em média, dois dias não-trabalhados por ano
Os dados dos estudos de caso realizados no Brasil referem-se a oito empresas
dos setores metalúrgico e químico (com um total de 1.318 trabalhadores, dos quais
12% são mulheres). Registra-se uma baixa incidência de ausências e licenças, mas
ambas são superiores para os homens, tanto no que se refere ao número de licenças
anuais concedidas em média por trabalhador (0,9 no caso das mulheres e 1,6 no caso
dos homens), como no que se refere à sua duração média (número de dias
não-trabalhados) ao ano por trabalhador (6,2 para as mulheres e 6,5 para os homens).
É muito baixa, nas empresas analisadas, a incidência de outros tipos de
ausência vinculadas ao cuidado infantil, inclusive entre as mulheres: 0,08 dias em
média ao ano por trabalhadora para amamentação; 0,09 por motivos de doença de
filhos. Vale assinalar que, ainda que esse direito não esteja previsto na legislação
brasileira, ele vem sendo conquistado, ainda que de forma limitada, por meio da
negociação coletiva nos setores produtivos nos quais estão localizadas as empresas
estudadas (metalúrgico e químico). (Abramo, Leite e Lombardi, 2001; DIEESE, 2003).
Também é muito reduzido o número de dias não-trabalhados devido a
doenças próprias (0,4 em média por trabalhadora); esse tipo de licença corresponde a
67% do total das licenças concedidas às mulheres, mas são de curta duração – em
termos de dias não-trabalhados, correspondem a apenas 6% do total. Por sua vez, os
acidentes de trabalho, no caso das mulheres, correspondem a apenas 1,6% do total
das licenças concedidas, mas são de longa duração e correspondem à metade do total
de dias não-trabalhados. A duração média das licenças por acidentes de trabalho das
mulheres (duzentos e vinte e sete dias) é inclusive significativamente superior à
duração das licenças-maternidade (cento e vinte dias por lei).
No caso da Argentina, os resultados do estudo indicam, em primeiro lugar,
uma baixa incidência de licenças anuais por trabalhador em igual proporção para
homens e mulheres: 0,2 licenças anuais em ambos os casos. Considerando o número
médio de dias anuais não-trabalhados devido a licenças, contudo, as mulheres
superam os homens: 3,8 dias por ano no caso delas e 1,1 dias por ano no caso deles.
Ou seja, considerando esse indicador, o absenteísmo das mulheres é superior ao dos
homens, e distribui-se da seguinte forma: 1,6 dias não-trabalhados em média por ano
devido às licenças-maternidade ou a complicações ligadas à gravidez, 0,5 dia
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 173
não-trabalhado por ano devido a doenças próprias e 0,1 a acidentes do trabalho. No
caso dos homens, registram-se 0,4 dia não-trabalhado por ano devido a doenças
próprias e 0,1 a acidentes do trabalho.
Em relação às causas das licenças, verifica-se que a grande maioria de
licenças concedidas, tanto no caso dos homens como no das mulheres, deve-se a
enfermidades próprias: 87% no caso dos primeiros e 75% no caso das segundas. Para
os homens, o segundo motivo de licenças são os acidentes de trabalho (13% do total).
Para as mulheres, a licença-maternidade (21%), e, por último, os acidentes de trabalho
(4,7%).
Considerando a duração das licenças, no caso das mulheres, a
licença-maternidade foi responsável por 72% dos dias não-trabalhados no ano. Os
demais se distribuem entre doença própria (21%), acidentes de trabalho (4,0%) e
licença para amamentação de filhos (2,4%). Para os homens, as enfermidades
próprias correspondem a 83% do total de dias não-trabalhados, e os acidentes de
trabalho, a 17%.
No Uruguai, o estudo de caso foi realizado em duas empresas, uma do setor
industrial (laticínios) e outra do setor de serviços (geração e transmissão de energia
elétrica). As duas empregam um total de 9.248 trabalhadores, dos quais 21% são
mulheres. A incidência de licenças e ausências é maior entre as mulheres (14,7 dias
por ano) do que entre os homens (8,8 dias não-trabalhados por ano). Para ambos os
sexos, o principal motivo das licenças são as doenças próprias (84,4% do total para os
homens e 63,3% para as mulheres). Em segundo lugar está a licença-maternidade no
caso das mulheres (22,5% do total) e os acidentes de trabalho no caso dos homens
(10,5%). Para as mulheres, o terceiro principal motivo de licenças são as doenças de
filhos (9,2% do total). Os dados apontam no mesmo sentido daqueles obtidos nos
outros estudos de caso realizados no contexto da presente pesquisa: uma baixa
proporção de licenças-maternidade (3,2 dias não-trabalhados em média por esse
motivo ao ano), e, em conseqüência, também de horas para amamentação. Por outro
lado, observa-se, também aqui, no total das licenças e ausências registradas, uma
proporção importante de dias não-trabalhados devido a acidentes de trabalho no caso
dos homens.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 174
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
O questionário também continha uma pergunta dirigida a detectar a opinião
dos empregadores e sobre as consequências das faltas ao trabalho sobre o
funcionamento das empresas, de acordo com o grupo ocupacional de que se trate, o
que traz elementos interessantes para ampliar a discussão sobre o tema das licenças:
no caso de Chile, aproximadamente 50% dos empregadores consideram que as
ausências dos trabalhadores (na magnitude em que ocorrem) não causam problemas
significativos para as empresas.
Como já foi assinalado, os dados sobre o absenteísmo, derivados tanto da
aplicação do questionário quanto dos estudos de caso, são insuficientes para chegar a
qualquer conclusão sobre o tema, mas fornecem indicações importantes sobre a
complexidade do problema e evidenciam a necessidade de realizar estudos mais
sistemáticos e de maior abrangência.
3.4.
Considerações finais: o cuidado é um recurso esgotável
Os resultados da pesquisa indicam que os custos monetários diretos para o
empregador associados à proteção da maternidade e ao cuidado infantil são muito
reduzidos: equivalem a menos de 2% da remuneração bruta mensal das mulheres
(tabela 4). Quando se analisa uma maior variedade de componentes de custos do
trabalho, essa diferença se reduz ou se inverte: o custo adicional de contratação das
mulheres passa a ser de apenas 0,39% na Argentina, 0,50% no Uruguai e 0,92% no
Chile. No México, por sua vez, a soma dos diversos componentes dos custos do
trabalho das mulheres é 2,04 inferior ao dos homens.
Os resultados da pesquisa realizada no Chile pelo SERNAM, a partir dos dados
da Pesquisa de Custos e Remunerações da Mão-de-obra do Instituto Nacional de
Estatísticas, são ainda mais eloqüentes. Essa pesquisa indica que, ao contrário do
afirmado pelo discurso acadêmico e empresarial dominante, assim como por uma
imagem de gênero que tem forte persistência, o custo total de contratação de uma
mulher é, em média, 31,6% inferior ao custo total de contratação de um homem.
Isso é resultado não apenas da persistência de uma significativa desigualdade nas
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 173
remunerações, que faz com que em média o custo salarial das mulheres seja 31,1%
inferior ao dos homens por mês e 27% por hora trabalhada. Mas também do fato de
que os seus custos não-salariais são 29% inferiores (Todaro, 2005).
Parece evidente, portanto, que não se justifica atribuir aos custos de proteção
à maternidade e ao cuidado infantil a persistência das desigualdades de remuneração,
assim como de outros mecanismos que dificultam o acesso das mulheres ao emprego,
à capacitação e a postos de maior responsabilidade e hierarquia.
Como já foi assinalado, a principal razão para que tais custos sejam tão
reduzidos não é de ordem demográfica, ainda que o número de casos de
licença-maternidade (e, portanto, também dos outros benefícios a ela associados) seja
de fato bastante pequeno, sobretudo se contrastado com outro estereótipo também
bastante freqüente: o de que as mulheres trabalhadoras em idade fértil estariam
sempre prestes a engravidar, constituindo por isso um “risco” muito elevado para os
empregadores que decidem contratá-las.
Os resultados da pesquisa evidenciam que a principal razão para que estes
custos sejam tão baixos para o empregador é justamente a existência de normas
protetoras aos direitos das mulheres trabalhadoras, especialmente aqueles
relacionados à maternidade. É a legislação trabalhista e previdenciária que determina
que os benefícios monetários associados à maternidade sejam financiados por fundos
públicos (Chile) ou pelos sistemas de previdência social (Argentina, Brasil, México e
Uruguai) e não diretamente por quem decide contratar uma mulher. Além disso, as
contribuições dos empregadores para esses sistemas não estão relacionados nem ao
sexo nem à idade dos trabalhadores que eles decidem contratar. Portanto, em relação
a esses aspectos, a contratação de uma mulher representa um custo adicional nulo
para os empregadores.
Portanto, não são os empregadores que sustentam os custos da reprodução e
os salários mais baixos das mulheres não estão justificados por custos supostamente
mais altos. Portanto não se justifica a persistência de mais uma imagem de gênero
desfavorável às mulheres, qual seja, a de que elas seriam “mais caras” do que os
homens. Mas, como acontece com freqüência com as imagens de gênero, tal como
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 175
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
discutido nos capítulos anteriores, elas têm uma permanência que resiste a muitas
mudanças objetivas, influenciando fortemente as práticas sociais.
Os resultados dessas pesquisas também indicam a necessidade de contar
com informação estatística permanente e confiável sobre custos do trabalho
desagregados por sexo, assim como sobre temas relacionados, tais como ausências,
licenças, doenças profissionais, acidentes de trabalho.
Além disso, indicam que a existência de políticas de financiamento das
licenças-maternidade e de cuidado infantil, assim como o seu caráter, são um
elemento-chave para eliminar – ou reforçar – possíveis fatores de discriminação das
mulheres no trabalho. O financiamento do salário-maternidade pelo Estado ou pelo
sistema de previdência social (como é o caso dos cinco países analisados e como está
estabelecido pelas Convenções e Recomendações da OIT de Proteção à
Maternidade) é um fator crucial para reduzir essa discriminação.
No entanto, as pesquisas também evidenciam que existem outros custos que
são assumidos diretamente pelas mulheres, tenham ou não filhos. É o caso, por
exemplo, dos custos de atenção médica no Chile. Ao mesmo tempo, as mulheres
continuam arcando quase exclusivamente com o trabalho de cuidado das pessoas
(tarefas domésticas, cuidado com os filhos e os membros idosos ou doentes da
família), o que provoca um maior desgaste físico e atenta contra as suas oportunidades
de desenvolvimento no trabalho.
3.4.1.
Custos do trabalho e reprodução social
Os custos da reprodução biológica, assim como daqueles relacionados à
responsabilidade e ao trabalho de cuidado das pessoas, que continuam sendo
atribuídos às mulheres e confinados ao âmbito não-mercantil, são tomados como um
dado na economia convencional e considerados bens gratuitos fornecidos pela
natureza. Isso significa que essas atividades continuam sem ser reconhecidas em
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 176
termos econômicos e ainda são pouco valorizadas socialmente.
29
Tampouco se
reconhece o esforço que essas atividades representam para as mulheres, esforço este
que se potencializa, por um lado, devido à falta de equipamentos públicos,
comunitários e sociais com os quais essa carga pudesse ser distribuída socialmente de
forma mais eqüitativa e, por outro, pela precariedade dos avanços que se observam
pelo menos nos países latino-americanos no sentido de uma melhor divisão dessas
tarefas entre homens e mulheres na esfera familiar.
A tensão provocada pela necessidade de conciliar esse esforço com as
crescentes exigências derivadas da maior participação das mulheres no mundo do
trabalho e da esfera pública em geral vem originando mudanças preocupantes no
comportamento reprodutivo das mulheres, com importantes repercussões
demográficas e sociais. O adiamento da maternidade ou a opção por não ter filhos são
algumas das manifestações desse comportamento.
30
Como foi dito na Introdução
desta tese, “O cuidado é um recurso natural em vias de extinção”. Essa frase,
frase proferida pela economista Nancy Folbre, chama a atenção sobre a resistência
das mulheres a continuar assumindo os custos da reprodução e sobre as
conseqüências sociais desse comportamento, que já vem tomando dimensões
preocupantes em alguns países europeus.
As mudanças na participação de mulheres e homens no mercado de trabalho e
na família, assim como as expectativas e necessidades econômicas e culturais que se
multiplicam na sociedade atual, entram em contradição com a organização de trabalho
predominante. Permanece o pressuposto da existência de uma divisão sexual do
trabalho não-mercantil, que supõe que sempre haja uma mulher no âmbito doméstico
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 177
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
29
Essa desvalorização se projeta sobre as ocupações majoritariamente desempenhadas pelas mulheres no
mercado de trabalho, também associadas às funções de cuidado, e vistas como uma extensão dos seus
“talentos”, habilidades e prediposições naturais (serviço doméstico, professoras do ensino básico,
enfermeiras etc). Esse mecanismo está na base da permanência da segmentação ocupacional que, por sua
vez, tem uma forte incidência na permanência de importantes diferenças de rendimento entre homens e
mulheres.
30
Está para ser estudado o efeito desse tipo de opção sobre a saúde reprodutiva da mulher. O adiamento da
maternidade a partir de certo ponto pode, evidentemente, provocar inúmeros distúrbios reprodutivos e
impedir ou dificultar a gravidez no momento em que as mulheres – ou os casais – decidem, finalmente, ter um
filho. Sem contar com dados sistemáticos a respeito, é possivel afirmar que a freqüência desse tipo de
problema vem aumentando significativamente, em especial em um segmento de mulheres mais
escolarizadas e com projetos profissionais mais definidos.
para as tarefas do cuidado e que coloca as mulheres na categoria de “trabalhador
anômalo” e assegura ao homem o lugar do “trabalhador normal”. Por sua vez, esse
paradigma do “trabalhador normal” é extremamente parcial e dissociado, já que supõe
um indivíduo que não tem uma vida pessoal para cuidar fora do trabalho remunerado e
que, portanto, deve ter disponibilidade total para este e nenhuma possibilidade ou
necessidade de realizar qualquer tipo de trabalho, esforço ou dedicação no universo
familiar.
Portanto, não apenas se requer uma redistribuição entre os sexos do trabalho
de reprodução e cuidado das pessoas, como também se faz necessário que o mundo
do trabalho leve em conta a vida extralaboral dos indivíduos, incorporando essa
dimensão na redefinição dos processos de trabalho e das políticas de recursos
humanos, tanto para as mulheres como para os homens. Isso poderia repercutir
positivamente na produtividade do trabalho e também na diminuição dos custos
monetários diretos associados à saúde, como demonstram estudos realizados em
alguns países
31
.
Facilitar a vida extralaboral – para trabalhadores de ambos os sexos – também
pode depender da organização dos processos de trabalho que, em muitos casos, é
possível reestruturar levando em conta as necessidades de flexibilidade dos
trabalhadores, o que contribuiria também para incluir os homens nas atividades
familiares sem prejudicar sua imagem no trabalho.
É importante sublinhar que o que deve ser levado em conta nessa discussão
não é só a reprodução biológica, como também a atenção que se presta à geração
seguinte em termos da formação cultural e cidadã em sintonia com as necessidades de
desenvolvimento tecnológico e produtivo, bem como de consolidação das sociedades
mais democráticas. Portanto, pode-se deduzir que levar em conta as necessidades da
vida familiar e pessoal nas políticas de recursos humanos e nas políticas públicas é um
fator importante de competitividade dos países.
Questionando imagens de gênero CAPÍTULO 3
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 178
31
Por exemplo, ver o livro Estrés y trabajo, de Ruddy Facci, especialista brasileiro em medicina do trabalho.
Facci assinala que cada trabalhador que sofre de estresse representa custos diretos e indiretos da ordem de
US$ 2 mil anuais, cifra que vem crescendo a cada cinco ou seis anos. Os custos se relacionam ao
absenteísmo, à perda de tempo e aos erros profissionais, entre outros (El Diario, Santiago, 17 de abril de
2002).
CAPÍTULO 4
A presença dos temas de
gênero na negociação coletiva
4.1
Introdução
A tendência histórica do sindicalismo brasileiro e latino-americano foi ter como
referência estratégica uma imagem do trabalhador branco, masculino, adulto,
industrial ou mineiro. Mais recentemente, entretanto, a sociologia do trabalho vem
chamando a atenção para esse tema e para as debilidades do movimento sindical no
sentido de incorporar, nas suas estratégias de ação, e como elemento de conformação
da sua identidade, a heterogeneidade da classe trabalhadora (Souza Lobo, 1991). Por
sua vez, as centrais sindicais brasileiras e internacionais também têm evidenciado
uma maior preocupação pela inclusão dos temas de gênero em sua ação
1
.
O estudo da forma pela qual os temas de gênero vêm sendo incorporados nos
processos de negociação coletiva revela que, nos países da América Latina, a
incorporação dos temas de gênero é um processo ainda incipiente, contrastando com
o que ocorre na Europa, Estados Unidos e Canadá. Entre os fatores que dificultam
essa inserção estão o processo geral de debilitamento da negociação coletiva (medido
tanto em números de acordos e convênios como em conteúdos) ocorrido em diversos
países latino-americanos nos anos 1990 e as dificuldades relativas à aplicação da
legislação trabalhista (Vega, 2004)
2
. Entre os fatores que podem facilitá-la estão os
avanços legislativos ocorridos nos últimos anos em matéria de igualdade de
oportunidades. Tais avanços tendem a eliminar as normas de caráter discriminatório
que ainda persistem em alguns países e incluem explicitamente a proibição de
discriminações fundadas no sexo (Vega, 2004)
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 180
1
Ver discussão a esse respeito em Rodriguez, 2006.
2
Segundo a autora, em muitos países da região, os serviços de fiscalização e administração do
trabalho contam com recursos materiais e humanos insuficientes e com sistemas de solução de
conflitos demasiado formais e pouco adequados. Para uma análise geral e recente do tema
liberdade sindical e negociação coletiva na América Latina, ver Vega, 2004.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 181
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Revela também que a maioria das cláusulas negociadas se refere
basicamente à proteção à maternidade e ao cuidado infantil. Isso poderia, por um lado,
ser visto como um fator que estaria fortalecendo a divisão tradicional de
responsabilidades entre homens e mulheres e a associação destas com a função do
cuidado. No entanto, observa-se também, em especial em algumas categorias mais
organizadas e avançadas sindicalmente, um tipo de ação que, por um lado, se dirige ao
tema mais geral da promoção da igualdade de oportunidades entre homens e
mulheres, envolvendo aspectos variados das situações de trabalho; por outro, à
conquista de alguns direitos que estariam apontando para uma maior distribuição das
responsabilidades familiares entre os trabalhadores de ambos os sexos, como por
exemplo, a ampliação da licença-paternidade, a estabilidade para o pai no caso de
nascimento de filho e a extensão do direito à creche também para os pais e/ou outros
trabalhadores com responsabilidades familiares.
O objetivo deste capítulo é analisar de que forma os temas relativos aos
direitos das mulheres e às relações de gênero no trabalho têm sido tratados nos
processos de negociação coletiva, de maneira a verificar qual têm sido a atenção e o
grau de importância dados pelos sindicatos a esses temas, assim como o grau de
abertura ou resistência dos empregadores em relação a eles.
Também interessa investigar quais aspectos das condições da mulheres
trabalhadoras e das relação de gênero no trabalho têm sido considerados nos
processos de negociação coletiva, quais avanços podem ser observados e quais os
principais desafios que persistem. Esses avanços têm ou não contribuído para a
valorização das condições da mulher no trabalho? Em que medida e em que sentido?
A negociação coletiva está contribuindo a promover ambientes de trabalho menos
discriminatórios e mais favoráveis, seja aos direitos da mulher trabalhadora, seja
àqueles relativos a uma melhor distribuição das responsabilidades familiares entre
homens e mulheres e a uma maior possibilidade de conciliação entre a vida familiar e
laboral para trabalhadores de ambos os sexos? Pode-se estabelecer alguma relação
entre a negociação coletiva e a reafirmação e/ou o questionamento das imagens e
estereótipos analisados nos capítulos anteriores? É necessário assinalar que, para
fazer essa discussão, deve-se analisar não apenas os resultados das negociações
expressos nas cláusulas que constam dos acordos e convênios coletivos de trabalho,
mas também os processos de negociação, que envolvem a definição das pautas de
reivindicação apresentadas pelos sindicatos e as diversas formas de mobilização e
organização das categorias.
Por fim, será examinada a relação entre o resultado da negociação coletiva e
as políticas de recursos humanos das empresas. É possível estabelecer uma relação
entre as pautas apresentadas pelos sindicatos às negociações, as cláusulas que
constam dos acordos e convênios e as ações ou programas de recursos humanos (ou
as políticas de diversidade) desenvolvidos pelas empresas?
Essa análise será feita a partir de pesquisa realizada no Brasil, comparada a
resultados obtidos em outros cinco países da América Latina (Argentina, Chile,
Paraguai, Uruguai e Venezuela)
3
. Foram analisados, além do contexto institucional no
qual se dá a negociação coletiva nos países considerados, os resultados das
negociações, expressos nas cláusulas que constam dos instrumentos coletivos
(acordos e convênios) pesquisados. Também se procurou analisar alguns outros
elementos dos processos de negociação, tais como as pautas apresentadas pelos
sindicatos às negociações e alguns elementos relativos à presença das mulheres nos
processos negociadores.
Para discutir esses últimos dois aspectos também foi feita uma pesquisa mais
detalhada no caso brasileiro, centrada basciamente nos setores metalúrgico, químico
e bancário.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 182
3
A pesquisa foi coordenada por mim e contou coma participação de vários pesquisadores e
pesquisadoras em cada um dos países selecionados. Seus resultados completos estão em
Abramo e Rangel, 2005.
4.2.
A presenção dos temas de gênero no resultado da
negociação coletiva: resultados de uma pesquisa
comparativa
4.2.1.
Amplitude e metodologia do estudo
Os estudos realizados nos seis países referem-se, de maneira geral, à
segunda metade dos anos 1990. Na Argentina, no Brasil e no Uruguai, o período
abrangido foi de 1996 a 2000. No Chile, de 1996 a 2001, no Paraguai, de 1998 a 2000
e, na Venezuela, o estudo se limitou a 2001. O número de acordos analisados por país
é muito variável e está relacionado tanto à disponibilidade de informação como a
algumas peculiaridades do sistema de negociação coletiva em cada caso. As
diferenças nos períodos considerados pela análise também estão relacionadas às
possibilidades e limitações dos dados disponíveis em cada país
4
.
4.2.2.
Os temas de gênero não estão ausentes nos processos de
negociação e sua importância não é pequena
A principal conclusão é que a presença dos temas de gênero nos resultados da
negociação coletiva é relevante. Nos seis países analisados, o número médio de
cláusulas por convênio analisado relativas à temática de gênero varia de 0,4 no
Uruguai a 8,1 na Venezuela. Em três países (Brasil, Chile e Paraguai), essa média
varia de aproximadamente 4,5 a quase 6 (tabela 1).
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 183
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
4
Para informações mais detalhadas sobre a metodologia da pesquisa, ver Abramo e Rangel, 2005.
TABELA 1
Negociação coletiva e igualdade de gênero. Média de cláusulas por convênio analisado.
América latina: países selecionados
Tipo de Cláusula
Argentina
(1996-2000)
Brasil
(1996-2000)
Chile
(1996-2001)
Paraguai
(1998-2000)
Uruguai
(1996-2000)
Venezuela
(2001)
Maternidade/paternidade
1.2 2.7 2.0 3.0 0.2 3.5
Responsabilidades
familiares
0.9 0.8 2.0 2.1 0.1 4.1
Condições de trabalho
0.0 0.7 0.5 0.2 0.1 0.1
Não-discriminação e
promoção da igualdade
0.1 0.2 0.0 0.5 0.0 0.3
Média 2.3 4.4 4.5 5.7 0.4 8.1
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
4.2.3.
Tipos de cláusulas consideradas
É necessário assinalar que o números de cláusulas negociadas é apenas um
dos indicadores da importância conferida pelos atores sociais ao tema dos direitos das
mulheres trabalhadoras e à igualdade de oportunidades em cada um dos países
considerados. Algumas características dos sistemas de negociação coletiva e das
tradições sindicais em cada um deles são fatores importantes para explicar, em parte,
essas diferenças. Todas elas têm incidência tanto no número de convênios
negociados em cada país como na quantidade de cláusulas existentes em cada um
deles. Entre essas características estão: a existência ou não da “ultra-atividade” (ou
seja, da necessidade ou não de renovar o convênio a cada ano), o âmbito principal no
qual se define a negociação (ramo de atividade ou empresa) e a opinião dos atores
sindicais sobre a necessidade e a pertinência ou não de reafirmar, por meio da
negociação coletiva, alguns dos direitos já estabelecidos nas legislações nacionais.
É, portanto, de extrema importância analisar os conteúdos das cláusulas
negociadas. Para efeito de análise, as cláusulas foram classificadas, segundo seus
conteúdos, em quatro grandes grupos. O primeiro grupo abarca os temas relativos à
maternidade/paternidade, ou seja, as cláusulas que se referem, por um lado, a
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 184
licença-maternidade, amamentação e saúde da mulher durante a gestação; por outro
lado, aquelas que promovem a responsabilidade e os direitos dos pais em relação ao
cuidado infantil: licença-paternidade, creches, licença para acompanhar os filhos em
casos de doença e os direitos relativos à adoção.
O segundo grupo refere-se às responsabilidades familiares pós-nascimento e
incluem licenças e gratificações relativas aos filhos e outros familiares (licenças por
mudança de residência, doença grave de outros parentes, gratificações de tipo
educacional, de saúde etc).
O terceiro reúne as cláusulas relativas às condições de trabalho:
remunerações, qualificação e treinamento, jornada de trabalho, segurança e higiene,
saúde da mulher (não relacionadas à gestação e à amamentação) e assédio sexual.
Por último, o quarto grupo refere-se à eliminação da discriminação e à
promoção da igualdade de oportunidades, em um sentido mais geral e programático, e
inclui tanto as cláusulas que reafirmam os princípios de eliminação da discriminação
por razões de sexo e outras, como as que buscam estabelecer planos e ações mais
integradas de promoção da igualdade de oportunidades em diversas áreas.
A maioria das cláusulas negociadas no conjunto dos países (54,6%) refere-se
ao primeiro grupo (maternidade/paternidade). Em segundo lugar, estão os temas
relativos às responsabilidades familiares (36,4%); em terceiro lugar, aqueles
relacionados às condições de trabalho (5,3%) e, finalmente, os relativos à
não-discriminação e à promoção da igualdade de oportunidades (3,7%) (gráfico 1).
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 185
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
GRÁFICO 1
Tipos de cláusulas de igualdade de gênero na negociação coletiva. América Latina:
países selecionados, 1996-2001 (emporcentagem)
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
4.2.4.
A relação entre a legislação e a negociação
Pouco mais da metade (55%) das cláusulas registradas e analisadas nesta
pesquisa representa um avanço em relação ao que está estabelecido na legislação
trabalhista de cada um dos respectivos países considerados (cláusulas
convencionais). As 45% restantes reafirmam os dispositivos dessa mesma legislação
(cláusulas legais) (tabela 2).
Como se pode observar na tabela 2, a presença das cláusulas legais se
concentra em três dos cinco países analisados (Argentina, Brasil e Paraguai) e nos
temas relativos à maternidade/paternidade e à não-discriminação. No Chile e no
Uruguai, esse tipo de cláusula é menos freqüente porque os atores sindicais, em geral,
consideram que não é necessário reafirmar nos convênios coletivos, o que já está
estabelecido na lei. Nos outros três países, considera-se a reafirmação muitas vezes é
importante para criar um instrumento que tenha como objetivo fortalecer e fiscalizar o
cumprimento da lei.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 186
56,1
62,6
44
51,7
49,7
43,8
54,6
38,9
17,8
43,7
37
23,1
51,5
36,4
1,8
15,6
11,9
3,4
22
1,5
5,3
3,2
3,9
0
7,9
5,2
3,3
3,7
0
10
20
30
40
50
60
70
Argentina Brasil Chile Paraguai Uruguai Venezuela Total
Maternidade/Paternidade
Responsabilidades familiares Condições de trabalho Não discriminação e promoção da igualdade
%
As cláusulas convencionais geralmente, referem-se à ampliação da cobertura
e do tempo de duração dos benefícios estabelecidos na legislação, mas também
existem aquelas que estabelecem novos direitos.
4.2.5.
Importância dos diversos tipos de cláusulas
Antes de analisar o conteúdo das cláusulas negociadas, é necessário fazer
algumas reflexões sobre o significado e a importância relativa delas para a promoção
dos direitos das mulheres trabalhadoras e do avanço da igualdade de oportunidades
entre homens e mulheres no trabalho.
Em primeiro lugar, é necessário considerar que as cláusulas mais importantes,
no sentido assinalado no parágrafo anterior, são aquelas que instituem novos direitos
em relação ao que está estabelecido na legislação. A reflexão sobre esse tema
também é necessária pelo seguinte motivo: o fato de que se registre, em um
determinado país ou setor produtivo e em um determinado período de tempo, uma
freqüência relativamente alta de determinado tipo de cláusula não significa,
necessariamente, um maior avanço em matéria de igualdade de oportunidades.
Existem casos, por exemplo, em que os temas mais negociados, e que se expressam
em um número relativamente alto de cláusulas, são a ampliação de um dia da duração
da licença-paternidade determinada pela legislação. Em outros casos, são muitos
freqüentes cláusulas que se referem à entrega, à mãe ou ao pai, de uma gratificação
por nascimento bastante limitada em termos monetários.
Por outro lado, algumas cláusulas que aparecem com menor freqüência nos
convênios analisados podem representar avanços muito mais importantes na
promoção da igualdade. Esse é o caso, por exemplo, daquelas que outorgam
estabilidade para o pai por ocasião do nascimento de um filho/a, que estendem o
direito de creche aos/às filhos/as dos trabalhadores homens ou, ainda, que definem a
necessidade de estabelecer ou implar um plano de igualdade de oportunidades na
qualificação e treinamento ou formas mais concretas de promoção da igualdade de
remuneração por trabalho de igual valor.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 187
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
As perguntas que surgem são as seguintes: como definir os tipos de cláusulas
mais importantes em um convênio coletivo? Que cláusulas representam maior avanço
no estabelecimento efetivo da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres?
São aquelas cláusulas sobre maternidade/paternidade ou aquelas relacionadas a
outras condições de trabalho (saúde e segurança ocupacional, formação profissional,
qualificação e treinamento)? Ou serão as cláusulas de promoção da igualdade de
oportunidades, mesmo que apresentem um caráter mais geral e programático e não
estejam acompanhadas de medidas concretas de promoção
5
?
As respostas não são simples, mas os resultados da pesquisa nos permitem
fazer várias considerações sobre a matéria.
4.2.5.1. Cláusulas de promoção da igualdade e a não-discriminação
Considerando que o objetivo principal da negociação coletiva, no que diz
respeito ao tema de gênero, é estabelecer um marco de referência que promova a
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no trabalho, pode-se
argumentar que as cláusulas sobre igualdade de oportunidades e não-discriminação
são, em uma primeira instância, as mais avançadas. Esse tipo de cláusula está
presente, muitas vezes, nos instrumentos coletivos de maneira meramente
programática, basicamente reafirmando o que já está estabelecido na legislação
nacional ou nas convenções da OIT relativas ao tema – Convenção sobre igualdade de
remuneração, 1951 (n° 100), Convenção sobre discriminação (emprego e ocupação),
1958 (n° 111).
6
É necessário, portanto, considerar que a inexistência, em um convênio
coletivo, de cláusulas sobre a igualdade de oportunidades e a não-discriminação com
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 188
5
Como se discutirá posteriormente, isso é o que ocorre na maioria das vezes no material analisado,
com algumas exceções, tais como os casos dos funcionários públicos na Argentina ou do setor
bancário no Brasil.
6 Em alguns dos países analisados (como Chile e Uruguai), os sindicalistas e os advogados trabalhistas
consideram, geralmente, que não é necessário repetir, nos convênios coletivos, o que já está definido na lei.
Vale assinalar, no entanto, que, no Uruguai, essa não é a opinião de mulheres sindicalistas entrevistadas no
marco deste estudo, as quais consideram que é positivo incluir cláusulas desse tipo nos convênios. Para mais
informações, ver Rangel, 2003 e Márquez, 2005.
esse caráter mais programático não significa necessariamente uma menor
consciência da importância do tema para os agentes que o negociaram. Isso porque,
como se assinalou, na maioria dos casos, as cláusulas existentes nos convênios
coletivos analisados limitam-se a reafirmar dispositivos da legislação trabalhista ou das
convenções da OIT.
Em poucos casos, as cláusulas desse tipo existentes nos convênios
analisados têm conseguido estabelecer mecanismos ou medidas mais concretas de
promoção de igualdade de oportunidades, tais como o estabelecimento de mesas
bipartites para a discussão, apresentação de propostas e monitoramento do tema ou a
avaliação e reformulação, em uma perspectiva de igualdade de oportunidades, das
políticas de qualificação e treinamento e dos sistemas de acesso ao emprego,
avaliação de desempenho, remuneração e promoção.
Mesmo assim, a presença das cláusulas relativas à promoção da igualdade de
oportunidades nos instrumentos coletivos é importante, na medida em que expressa o
resultado de uma discussão, entre sindicalistas e empresários, da importância dos
direitos e princípios fundamentais no trabalho, contribuindo assim para ampliar o
conhecimento e a legitimidade desses direitos e princípios e facilitando ações legais
nos casos em que eles não sejam observados.
4.2.5.2. Proteção da maternidade/paternidade
As cláusulas relacionadas à proteção da maternidade/paternidade são
também de grande importância, porque esse aspecto é básico e central, tanto para a
inserção das mulheres no mercado de trabalho em igualdade de oportunidades com os
homens, como para a promoção de um maior equilíbrio entre as responsabilidades
familiares de trabalhadores de ambos os sexos. Nesse grupo, estão incluídas as
cláusulas relacionadas à gestação, amamentação, parto, creches, proteção contra a
demissão da mãe ou do pai etc.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 189
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
TABELA 2
Negociação coletiva e igualdade de gênero. América latina: países selecionados, 1996-2001
Apresentação dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mundo do trabalho: uma força de trabalho secundária? | 190
Tipo de
Cláusula
Argentina (1996-2000) Brasil (1996-2000) Chile (1996-2001) Paraguai (1998-2000) Uruguai (1996-2000) Venezuela (2001) Total
a/
Legal
b/
Conven.
T Legal Conven. T Legal Conven. T Legal Conven. T Legal Conven. T Legal Conven. T
Lega
l
Conven. T
Maternida
de/
Paternida
de
63 37 100 32 68 100 34 66 100 38 62 100 0 100 100 44 56 100 50 50 100
Responsa
bilidades
Familiares
52 48 100 5 95 100 0 100 100 23 77 100 0 100 100 21 79 100 38 62 100
Condiçõe
s de
Trabalho
3 97 100 5 95 100 0 100 100 30 70 100 0 100 100 0 100 100 4 96 100
Não-discri
minação e
promoção
da
igualdade
47 53 100 94 6 100 0 0 0 96 4 100 56 44 100 100 0 100 68 32 100
a/ Legal: reafirmação do estabelecido na legislação.
b/ Convencionais: direitos, benefícios e condições derivadas da negociação coletiva
T: total
Fonte: Elaboraçãoprópria a partir dos dados da pesquisa.
A legislação de proteção da maternidade na América Latina, ainda que menos
avançada que aquela existente em alguns países europeus, geralmente, observa os
pontos centrais estabelecidos pelas convenções da OIT – Convenção sobre proteção
à maternidade, 1919 (nº 3), Convenção sobre proteção à maternidade (revisada),
1952, (nº 103), Convenção sobre proteção à maternidade, 2000 (nº 183): licença
remunerada pré e pós-parto, estabilidade durante a gravidez e em um determinado
período após o parto, intervalos para a amamentação considerados tempo de trabalho
e remunerados enquanto tal e proteção da saúde da mulher durante a gestação. No
entanto, ainda existem muitos problemas referentes ao cumprimento dessa legislação
em diversos países latino-americanos. São reduzidos, também, os avanços na
promoção do equilíbrio entre os trabalhadores de ambos os sexos no que se refere às
responsabilidades familiares, no espírito da Convenção 156 da OIT (como as licenças
que permitem aos pais exercer o dever de zelar pela saúde e educação dos filhos). É
evidente que essa é também uma área fundamental para a promoção da igualdade
entre os sexos e a eliminação da discriminação contra as mulheres no trabalho.
É, portanto, muito importante a inclusão desses temas na negociação coletiva
como uma como forma de criar um instrumento adicional, de caráter coletivo, para
facilitar a promoção e a fiscalização da legislação nacional, assim como para criar uma
barreira importante a possíveis tentativas de flexibilização desta legislação, as quais
são uma realidade em vários países da região
7
. Por outro lado, através da negociacão
desse tipo de cláusula pode-se também ampliar a duração desses direitos e benefícios
(aumentar, por exemplo, os dias de licença-paternidade, o prazo de estabilidade para
as trabalhadoras no período pós-parto ou o tempo em que os filhos têm direito a
creche), assim como a sua cobertura (por exemplo, instituindo a proteção contra a
demissão para as mães adotivas e direito à creche para os filhos adotivos. Por último,
trata-se também de um caminho de instituição de novos direitos, alguns deles
referentes aos pais, ou a trabalhadores de ambos sexos com responsabilidades
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 191
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
7 Como já assinalamos, este é um ponto polêmico: no Chile e no Uruguai, tanto os sindicalistas como os
advogados trabalhistas consideram que não tem sentido (não se deve) repetir nos convênios o que já está na
lei. Na Argentina, no Brasil e no Paraguai, por seu lado, se considera que esta reafirmação muitas vezes é
importante como forma de criar um instrumento que tenha como objetivo fortalecer e fiscalizar o cumprimento
da lei.
familiares, como, por exemplo, a instituição da licença-paternidade nos casos não
previstos pela legislação; da estabilidade para o pai no caso de nascimento de um filho;
de licença para a mãe ou o pai acompanhar filhos doentes; do direito a creche para
trabalhadores de ambos sexos.
Em relação a esse segundo grupo, pode-se hierarquizar também as cláusulas
de acordo com a importância: por exemplo, parece muito mais importante instituir o
direito a creche para os trabalhadores de ambos os sexos do que aumentar em um dia
a licença-paternidade prevista pela lei; em determinadas circunstâncias pode ser mais
importante instituir a estabilidade para o pai em caso de nascimento de um filho que
reafirmar a licença-maternidade nos termos definidos na lei etc.
4.2.5.3. Condições de trabalho
Outro grande bloco no qual se agrupam as cláusulas analisadas no presente
estudo é o das condições de trabalho, como aquelas relacionadas à saúde da mulher
(com exceção do período de gestação e amamentação); à saúde ocupacional (higiene
e segurança); à formação profissional, qualificação e treinamento; à política de
ascensão e remunerações; jornada de trabalho; assédio sexual etc.
O que se observa é que essa é uma área na qual se avançou muito pouco nos
países contemplados neste estudo. Devido à sua importância na determinação das
condições de trabalho de homens e mulheres e na reprodução das desigualdades
entre eles, esses são temas que deveriam ser considerados de uma forma muito mais
cuidadosa nos processos de negociação coletiva.
4.2.5.4. Responsabilidades familiares
As últimas tendências, tanto da legislação como da negociação coletiva,
incorporam alguns avanços no sentido de promover um maior equilíbrio das
responsabilidades familiares entre homens e mulheres. Em alguns países europeus
esses avanços têm sido mais significativos. Na América Latina, eles são ainda muito
tímidos. O objetivo dessas medidas é evitar que as responsabilidades familiares
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 192
continuem recaindo exclusiva ou principalmente sobre as mulheres e que as
responsabilidades familiares constituam uma causa de discriminação no emprego
para trabalhadores de ambos sexos.
Aqui foram classificados os distintos tipos de licenças especiais (excluindo as
referentes ao acompanhamento de filhos doentes, que já foram consideradas no grupo
maternidade/ paternidade), tais como licenças por mudança de residência, por
situação grave etc. e as gratificações especiais (de tipo educacional, por nascimento
de filho, relacionada a outros membros da família etc.). Porém é necessário analisar,
em cada caso, o significado concreto que pode ter cada uma dessas cláusulas para os
objetivos de promoção da igualdade de gênero no trabalho.
4.2.6.
Os conteúdos da negociação
4.2.6.1. Maternidade/paternidade e saúde da gestante
Das cláusulas negociadas coletivamente nos seis países, 54,6 % estão
relacionadas à proteção da maternidade e da paternidade. O Brasil é o país onde se
registra maior importância relativa dessas cláusulas (62,6%), seguido pela Argentina
(56,1%). No Paraguai e no Uruguai, essa proporção é de aproximadamente 50%,
enquanto no Chile e na Venezuela está em torno de 44% (gráfico 1).
Do total das cláusulas negociadas coletivamente em matéria de maternidade e
paternidade, 50% reafirmam aspectos que já estão definidos pela legislação
trabalhista dos respectivos países, enquanto a outra metade avança em relação a ela.
Os itens nos quais se observam mais progressos em relação à legislação são aqueles
relativos à adoção (quase a totalidade das cláusulas registradas), às creches (67% do
total) e à gestação (59%).
Mais da metade dessas cláusulas refere-se a dois itens: as
licenças-maternidade (30,1%) e paternidade (24,.7%).
Seguem, em importância, os temas relativos ao cuidado com os filhos doentes,
às garantias de adoção, à amamentação e às creches (cada um deles com 10%). Por
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 193
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
último, estão os aspectos relacionados à saúde da mulher durante a gestação (6,3%).
Essas proporções variam por países (tabela 3).
TABELA 3
Negociação coletiva e igualdade de gênero. Cláusulas sobre maternidade/paternidade.
América latina: países selecionados, 1996-2001 (em porcentagem)
Tipo de cláusula
Argentina
(1996-2000)
Brasil
(1996-2000)
Chile
(1996-2001)
Paraguai
(1998-2000)
Uruguai
(1996-2000)
Venezuela
(2001)
Total
Gestação 4.2 8.6 8.9 11.3 11.6 8.3 6.3
Trabalhos compatíveis 1.4 3.9 - 4.0 - 0.8 1.8
Exame pré-natal - 1.6 - - 10.5 6.7 1.2
Proibição de teste de gravidez - 0.4 - - - - 0.1
Diminuição da jornada 0.1 1.2 - - - - 0.2
Vestuário - - - - 1.2 0.8 0.1
Outros 2.7 1.6 8.9 7.3 - - 2.8
Licença-maternidade 35.4 9.8 12.5 25.8 26.7 44.2 30.1
Duração 12.1 6.6 - 15.2 - 20.8 11.2
Remuneração 6.2 - 12.5 6.0 23.3 20.8 7.4
Estabilidade 7.5 2.3 - 3.3 3.5 2.5 5.5
Outros 9.6 0.8 - 1.3 - - 6.1
Paternidade 26.0 14.8 39.3 27.8 26.7 21.7 24.7
Licença 26.0 12.5 39.3 27.8 26.7 21.7 23.0
Estabilidade - 2.3 - - - - 1.7
Outros - - - - - - -
Adoção 9.9 19.5 - 6.6 - 1.7 9.7
Licença para a mãe 5.2 10.9 - 6.0 - 0.8 5.4
Licença para o pai 4.2 1.6 - 0.7 - - 2.8
Estabilidade para o pai/mãe - 2.0 - - - 0.8 0.4
Outros 0.5 5.1 - - - - 1.1
Amamentação 9.2 6.6 1.8 15.9 17.4 6.7 9.4
Creche 5.4 22.7 28.6 4.6 9.3 11.7 9.4
Cuidado de filho doente 9.8 18.0 8.9 7.9 8.1 5.8 10.5
Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
100.0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 194
Os principais temas negociados nessa área são:
a) Licença-maternidade: reafirmação e/ou ampliação da duração dessa licença e da
estabilidade durante a gravidez e após o parto, assim como garantia de remuneração
integral durante vigência da licença;
b) Direitos relativos à paternidade: licença-paternidade (instituição da licença quando
essa não está garantida por lei, como no Uruguai e na Venezuela, e ampliação da
duração do benefício legal nos demais casos) e estabilidade para o pai por ocasião do
nascimento de um filho (Brasil);
c) Garantias para a adoção: licença-maternidade (de dois a 120 dias, no caso de
adoção de crianças com idades entre um mês e seis anos na Argentina, no Brasil e no
Paraguai); licença-paternidade (extensão aos pais adotivos da licença-paternidade
garantido aos pais biológicos de dois a cinco dias na Argentina, no Brasil e no
Paraguai); licença e estabilidade para a mãe e, em alguns casos, para o pai; em caso
de adoção de um filho (até cinco meses, Brasil); extensão dos benefícios de creche
para os filhos adotivos (Brasil)
8
;
d) Amamentação: ampliação do período diário destinado à amamentação
(considerado tempo de trabalho e remunerado enquanto tal) ou do tempo de duração
do benefício (Paraguai e Brasil); possibilidade de reduzir a jornada à metade durante
seis meses ou por períodos menores por razões de amamentação (Uruguai);
possibilidade de unir os dois intervalos diários de amamentação em uma hora (no
começo ou no final da jornada ou, ainda, à livre disposição da trabalhadora); entrega de
leite adicional durante o período de amamentação (Paraguai e Uruguai); possibilidade
de ampliar, por duas semanas, a licença maternal de acordo com recomendação
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 195
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
8
É necessário assinalar que, posteriormente à realização desta pesquisa, houve uma mudança da
legislação no Brasil, que estende aos pais/mães adotivos os direitos relativos aos pais/mães
biológicos.
médica e por razões de amamentação (Brasil); possibilidade de ampliação da
licença-maternidade em forma não remunerada por 90 dias depois de finalizada a
licença-maternidade (Brasil);
e) Creche: ampliação do tempo de duração do benefício, extensão para os pais,
melhoria do bônus ou da qualidade do serviço;
f) Gestação: proibição da exigência de prova de gravidez para admissão no emprego
(Brasil), abono das faltas da trabalhadora devido ao comparecimento aos exames
pré-natal (Brasil e Uruguai), mudança de função ou proibição da realização de
trabalhos incompatíveis com a saúde da mulher grávida, lactante ou do feto (todos os
países), diminuição da jornada de trabalho (Argentina e Brasil), entrega de vestuário
adequado e possibilidade de utilização de serviços de emergência médica (Chile,
Paraguai e Uruguai).
Os tipos de cláusulas que representam mudanças mais significativas em relação à lei
são:
ampliação da duração da licença-maternidade, incluídos os casos de
nascimentos múltiplos e de filhos com incapacidade (de seis a 36 dias adicionais,
no caso de Paraguai, por exemplo);
ampliação do tempo no qual a mulher grávida ou lactante está protegida contra a
demissão (de 30 a 120 dias depois do final da licença-maternidade ou até 258 dias
depois do parto – Brasil);
redução da jornada de trabalho da mulher grávida (até 30 minutos diários);
redução à metade da jornada de trabalho durante o período de amamentação (por
seis meses - Uruguai);
instituição da licença-paternidade nos casos em que não esteja prevista em lei
(Uruguai e Venezuela) e ampliação de sua duração nos demais casos (de um a
três dias adicionais);
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 196
estabilidade para o pai em caso de nascimento de um filho (de 30 a 90 dias -
Brasil);
garantia da integridade do salário durante a licença-maternidade (Chile e
Paraguai);
manutenção de benefícios (abono por incentivo de assiduidade e “quebra de
caixa”) durante a licença-maternidade (Argentina, Chile e Uruguai);
instituição do direito à creche nos casos em que não existe regulamentação legal
e ampliação da duração e/ou melhoria dos serviços nos demais casos (por
exemplo, até seis anos e onze meses, nos casos do Brasil e do Paraguai, onde a
legislação estabelece o benefício somente até os seis meses);
licença para acompanhar os filhos em caso de doença e obrigações escolares;
garantias relacionadas à adoção (licença, estabilidade para pai e/ou mãe por um
determinado período, creche).
Em resumo, pode-se dizer que, nas cláusulas sobre proteção à maternidade e
à paternidade, há dois avanços importantes relacionados ao que está estabelecido
pela legislação, ainda que diferenciados por países. Esses avanços referem-se à
ampliação da cobertura e do prazo de duração desses direitos e à instituição de novos
direitos.
Na maioria dos casos, o sujeito desses direitos é a trabalhadora, o que se
justifica, só em parte, devido às especificidades da função reprodutiva da mulher
(gestação, parto e amamentação). Em outros casos, a razão para que isso ocorra está
relacionada ao fato de que a mulher continua sendo considerada pelos atores do
sistema de relações trabalhistas como a principal responsável pelo cuidado infantil e
familiar. No entanto, ainda que relativamente pequena, observa-se a presença de
cláusulas que apontam para o equilíbrio entre homens e mulheres (pais e mães) no
que se refere ao cuidado infantil.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 197
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
4.2.6.2. Responsabilidades familiares
Do total de cláusulas registradas nos diversos países, aquelas relativas às
responsabilidades familiares de trabalhadores e trabalhadoras correspondem a
36,4%, mas referem-se a assuntos muito básicos e que representam avanços ainda
bastante modestos. A maioria (62,9%) trata de gratificações monetárias relativamente
reduzidas para gastos com educação, nascimento e saúde de filhos e outros parentes.
As restantes correspondem a licenças especiais, por exemplo, por acompanhar
familiares por razões de saúde e de mudança de residência. Não foram incluídas
nesse registro as licenças por casamento e falecimento (tabela 4).
TABELA 4
Cláusulas sobre responsabilidades familiares na negociação coletiva. América latina:
países selecionados, 1996-2001 (em porcentagem)
Tipo de cláusula
Argentina
(1996-00)
Brasil
(1996-2000)
Chile
(1996-2001)
Paraguai
(1998-2000)
Uruguai
(1996-2000)
Venezuela
(2001)
Total
Auxílios e bonificações 50.7 68.5 78.2 78.7 87.5 96.5 62.9
Auxílio educação 13.6 26.0 43.6 28.7 7.5 51.8 21.8
Auxílio natalidade 10.9 - 14.5 12.0 7.5 19.9 11.5
Auxílio familiar 11.2 1.4 7.3 32.4 20.0 9.9 12.6
Assistência médica p/ filhos/as 3.8 39.7 12.7 5.6 35.0 14.9 9.2
Outros 11.2 1.4 - - 17.5 - 7.8
Licenças especiais 49.3 31.5 21.8 21.3 12.5 3.5 37.1
Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
100.0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
A maioria das cláusulas consideradas nessa categoria se refere a aspectos
não previstos nas legislações dos países, enquanto que 38% reafirmam o que já está
definido pela lei. A maior parte das cláusulas desse último tipo está concentrada na
Argentina, no Paraguai e na Venezuela (tabela 3).
As principais cláusulas negociadas nesse grupo são:
a) Auxílios e bonificações: auxílios familiares, por nascimento, para assistência médica
e educacional (educação pré-escolar, material escolar, bolsas ou prêmios a alunos
com destaque e criação de bibliotecas).
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 198
b)Licenças especiais: por férias, mudança, exame e doença do trabalhador
(Argentina); para acompanhar filhos em caso de doenças ou atividades escolares e
para trabalhadores/as que têm dependentes com deficiência (Brasil); licenças
administrativas, por mudança, licença sem remuneração e por situação grave (Chile);
por motivos particulares, por obrigações legais e por motivos indefinidos (Paraguai);
por mudança (Uruguai) e para realizar trâmites pessoais tais como obtenção de
documentos de identidade e inscrição de filhos em institutos educacionais
(Venezuela).
4.2.6.3. Condições de trabalho
Somente 5.3% das cláusulas negociadas se referem às condições de trabalho.
Essa área é fundamental para determinar as condições concretas nas quais se exerce
o trabalho de homens e mulheres e os processos de reprodução ou superação das
desigualdades existentes entre eles. Os países que registram maior porcentagem de
cláusulas negociadas coletivamente nesse âmbito são Uruguai e Brasil, com 22% e
15,6%, respectivamente e o Chile tem uma proporção de 11,9%, enquanto na
Argentina, Paraguai e Venezuela, os porcentuais são iguaisl ou inferiores a 4% (tabela
5).
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 199
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
TABELA 5
Cláusulas sobre igualdade de gênero nas condições de trabalho incluídas na
negociação coletiva. América latina e Caribe: países selecionados, 1996-2001 (em
porcentagem)
Tipo de cláusula
Argentina
(1996-2000)
Brasil
(1996-2000)
Chile
(1996-2001)
Paraguai
(1998-2000)
Uruguai
(1996-2000)
Venezuela
(2001)
Total
Qualificação/treinamento 3.0 10.9 - - 21.1 - 9.8
Remuneração 3.0 - - - 55.3 - 13.4
Ascensão e promoção 12.1 - - - - - 2.4
Jornada de trabalho 18.2 9.4 6.7 - 5.3 - 9.1
Segurança e higiene 21.2 28.1 86.7 100.0 18.4 - 33.5
Saúde da mulher 24.2 28.1 6.7 - - 75.0 18.3
Aborto 24.2 14.1 - - - 50.0 11.6
AIDS - 10.9 - - - - 4.3
Prevenção de câncer
ginecológico
- 3.1 6.7 - - 25.0 2.4
Assédio sexual - 1.6 - - - 25.0 1.2
Revista pessoal 18.2 21.9 - - - - 12.2
Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
100.0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
Praticamente a totalidade (96%) das cláusulas referentes às condições de
trabalho representa um avanço em relação às legislações nacionais. O único país onde
essa proporção é menor é o Paraguai (70% do total).
As cláusulas relativas às condições de trabalho são pouco freqüentes e,
geralmente, referem-se a condições muito básicas e garantias mínimas. Observa-se
que é incipiente o número de cláusulas relacionadas ao ambiente de trabalho, saúde e
segurança ocupacional, introdução de novas tecnologias, aos ritmos e organização
dos postos de trabalho. É necessário assinalar que a baixa quantidade e diversidade
de cláusulas que compreendem esses aspectos não se verifica somente com os
conteúdos específicos de gênero ou com as condições de trabalho das mulheres; isso
ocorre com os trabalhadores de ambos os sexos.
Os principais temas negociados são os seguintes:
a) Segurança e higiene (corresponde a 33,5% das cláusulas relacionadas às
condições de trabalho): a maior parte das cláusulas se refere, como já se assinalou, a
assuntos muito básicos, como a entrega de vestimentas de trabalho; disponibilidade
de absorvente higiênico e analgésicos e o direito a exercer as atividades sentada se
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 200
isso for compatível com o trabalho (Brasil); existência de serviços sanitários separados
por sexo (Argentina, Paraguai); instalação de banheiros químicos e disponibilidade de
caixa de primeiros socorros (Uruguai). Aparecem também algumas cláusulas de
controle do levantamento de peso (para homens, mulheres e menores).
b) Saúde da mulher (18,3% das cláusulas negociadas): as principais cláusulas
relacionadas à saúde das trabalhadoras são a prevenção do câncer ginecológico e da
AIDS e a preservação da saúde da mulher em caso de aborto. Não se registram
cláusulas, com ou sem conteúdos específicos de gênero, relacionadas a enfermidades
profissionais provocadas pelas condições de trabalho, tais como as lesões por esforço
repetitivo (às quais as mulheres estão mais expostas que devido a maior concentração
delas em trabalhos manuais, rotineiros e repetitivos), contaminação e intoxicação por
produtos químicos, cansaço mental, estresse etc. Quase todas as escassas cláusulas
negociadas nesse âmbito foram encontradas no Brasil e na Venezuela. No Paraguai e
no Uruguai, elas estão totalmente ausentes. São registradas, também, algumas
poucas cláusulas relativas ao aborto: uma delas concede licença (de 20 dias até o
período legal da licença-maternidade) em caso de filho não nascido ou nascido sem
vida (Argentina); aborto espontâneo ou não provocado pela trabalhadora; ou quando o
filho nasce sem vida (Argentina); as outras estabelecem uma licença de duas
semanas, estabilidade (entre 30 e 90 dias) e garantia de salário para a trabalhadora
que sofreu um aborto legal (Brasil). Em relação à prevenção do câncer ginecológico, as
cláusulas negociadas são: exame papanicolau e mamografia das funcionárias com
mais de 40 anos, a cargo da empresa (Brasil); serviços médicos oferecidos pela
empresa para todos os trabalhadores, incluindo serviços de ginecologia (Chile). Vale
assinalar que, no Uruguai, as trabalhadoras têm o direito legal a um dia anual de
licença paga para realizar exames papanicolau e mamografia. No Brasil, sete
categorias profissionais incluíram, nos seus convênios coletivos, cláusulas
relacionadas à AIDS: proibição da exigência de exame de HIV nos processos de
contratação; assistência médica e estabilidade no emprego para os trabalhadores
soropositivos que apresentem doenças oportunistas; campanhas educativas de
prevenção da doença e constituição de comissão paritária, composta por membros
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 201
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
das entidades sindicais, para desenvolver campanhas de prevenção e
acompanhamento de trabalhadores soropositivos.
c) Remunerações (13,4% de cláusulas negociadas): as poucas cláusulas registradas
com esse aspecto têm como objetivo evitar possíveis efeitos negativos derivados do
gozo das licenças pagas e outorgadas pela empresa (licença-maternidade e
paternidade, para acompanhar os filhos doentes, lactantes, etc.), tais como a perda de
abono por incentivo de assiduidade.
d) Temas relativos à privacidade e/ou dignidade pessoal dos trabalhadores, como
controle, revista pessoal e assédio sexual (13,4% de cláusulas negociadas): na
Argentina e no Brasil, existem iniciativas para controlar a forma pela qual os
trabalhadores são submetidos à revista na saída da empresa, por meio da proibição
dessa prática ou do estabelecimento da realização da revista por uma pessoa do
mesmo sexo do/a trabalhador/a. Somente em dois países (Brasil e Venezuela),
registram-se cláusulas que têm como objetivo sancionar o assédio sexual.
e) Qualificação e treinamento (9,8% cláusulas): chama atenção a baixa freqüência de
cláusulas relativas à qualificação e treinamento dos trabalhadores, não somente
devido à importância do tema, mas também porque, em alguns países, se observa
uma crescente participação sindical nos fóruns bi e tripartites de discussão dedicados
a essa matéria. As poucas cláusulas encontradas estão concentradas em três países
(Argentina, Brasil e Uruguai) e, na maioria dos casos, se limitam a estabelecer
protocolos de intenção, sem contemplar medidas concretas que impliquem colocar em
prática algum benefício ou ação. Em algumas empresas da Argentina, foram incluídas
cláusulas que garantem a igualdade de oportunidades às trabalhadoras em caso de
vagas em categorias superiores, com exceção daquelas que demandem um esforço
físico que as mulheres não possam realizar.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 202
4.2.6.4. Não-discriminação e promoção da igualdade
Nessa última categoria, agrupam-se as cláusulas relativas à eliminação da
discriminação e à promoção da igualdade em um sentido mais amplo. Uma parte delas
aborda, especificamente, os assuntos de gênero; a outra parte tem maior amplitude,
incorporando também outras possíveis razões de discriminação, como a raça, a idade
e o estado civil. Algumas das cláusulas relativas ao tema da AIDS no Brasil (aplicadas
indistintamente a trabalhadores de ambos os sexos), analisadas anteriormente,
também podem ser consideradas como de caráter anti-discriminatório.
Apesar de se referir a dimensões estratégicas para a promoção da igualdade
de oportunidades, a freqüência de cláusulas com essas características é baixa:
apenas 3,7% do total apresentam uma porcentagem levemente superior (8%). No
Chile, o tema está ausente (tabela 6).
Pouco mais da metade (55,7%) das cláusulas negociadas nesse bloco
reafirma os dispositivos das legislações nacionais ou das Convenções nº 100 e nº 111
da OIT (sobre igualdade de remuneração, 1951, e sobre a discriminação no emprego e
ocupação, 1958, respectivamente), sem definir formas de controle das ações
discriminatórias. Referem-se, basicamente, à proibição de diferenças de salário,
exercício de função, critério de admissão, oportunidades de promoção e qualificação e
treinamento por motivo de idade, sexo, raça/cor ou estado civil.
As formas positivas de ação para a superação das desigualdades (tais como a
definição de planos de igualdade de oportunidades; a avaliação a reformulação, sob a
perspectiva da igualdade de oportunidades, das políticas de qualificação e treinamento
e dos sistemas de acesso ao emprego, avaliação de desempenho, remuneração e
promoção), apesar de presentes em algumas pautas de reivindicações apresentadas
pelos sindicatos durante a negociação coletiva, não foram objeto de nenhum acordo
com os empregadores, salvo em algumas experiências na Argentina, no Chile e no
Brasil.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 203
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
TABELA 6
Cláusulas sobre não-discriminação e promoção da igualdade na negociação coletiva.
América latina: países selecionados, 1996-2001 (em porcentagem)
Tipo de cláusula
Argentina
(1996-2000)
Brasil
(1996-2000)
Chile
(1996-2001)
Paraguai
(1998-2000)
Uruguai
(1996-2000)
Venezuela
(2001)
Total
Promoção da igualdade de gênero
44.8 31.3
-
26.1 55.6
44.4
40.0
Promoção da igualdade de gênero,
raça/etnia, estado civil, etc.
55.2 68.8
-
69.6 -
55.6
55.7
Cláusulas com conteúdos
Discriminatórios
- -
-
4.3 44.4
-
4.3
Total
100.0 100.0
100.0
100.0 100.0
100.0
100.0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
Examinando a situação em cada um dos países considerados, verifica-se que,
no Brasil, 20% dos instrumentos coletivos analisados incluem pelo menos uma
cláusula relativa à igualdade entre os sexos, ainda que a maioria delas se limite a
reafirmar as disposições legais
9
. Praticamente metade dos contratos se refere à
igualdade de remuneração entre todos os trabalhadores, enquanto dois deles
excluem, do conceito de diferenças salariais, os reajustes por mérito e salários de
trabalhadores com perda de capacidade de trabalho ou problemas de saúde. Os
demais contratos asseguram igualdade de oportunidades à mulher para competir em
postos de direção, igualdade de condições no trabalho, salário e ascensão funcional e
garantem que não haverá distinção de nenhuma natureza. No período de 1996 a 2000,
quatro categorias profissionais incluiram cláusulas desse tipo nos contratos, o que
indica uma evolução do tema no processo de negociação coletiva.
Na Argentina, a maioria das cláusulas registradas estabelece que não
deverão existir diferenças em relação à igualdade de oportunidades e aos salários
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 204
9
A Constituição Federal brasileira proíbe a diferença de salário, de exercício de função e de critério
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. A legislação trabalhista (CLT) define
que “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor (por trabalho de igual valor se entende
o trabalho que é realizado com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica entre
pessoas cuja diferença de tempo de serviço não seja superior a dois anos) prestado ao mesmo
empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo”.
recebidos pelas mulheres em igualdade de condições e com as mesmas capacidades
de trabalho que os homens.
Por sua vez, nos contratos coletivos analisados no caso do Chile, não foi
encontrada nenhuma cláusula de promoção da igualdade de oportunidades. No
entanto, a Associação Nacional de Empregados Públicos (ANEF) lançou um Plano
Nacional de Igualdade de Oportunidades para as mulheres trabalhadoras do setor
público
10
. As principais ações previstas no Plano são: favorecer os chefes de domicílio
que recebem salários mais baixos; fiscalizar as normas de proteção à maternidade e
criar clubes para crianças pré-escolares que não contam com lugares adequados para
ficar enquanto seus pais trabalham.
11
Em relação às experiências desenvolvidas no setor público se destaca
também a o Plano de Igualdade de Oportunidades e de Tratamento no Primeiro
Convênio Coletivo de Trabalho do Setor Público, assinado na Argentina em 1999.
Além de uma série de medidas de fortalecimento da proteção à maternidade (tais como
extensão da licença-maternidade por 100 dias, inclusive no caso das mães adotivas;
extensão de 10 dias de licença para cada filho nascido depois do segundo;
estabelecimento de uma licença de 30 dias para o pai adotivo; extensão da
licença-paternidade por cinco dias e incremento do dobro dos períodos de descanso
remunerado para a amamentação), observa-se a inclusão de outras medidas
inovadoras, dentre as quais o estabelecimento de mecanismos para garantir a
igualdade de oportunidades nos processos de seleção de pessoal.
No Paraguai, foram registradas seis cláusulas relativas à igualdade de gênero.
A maioria delas estabelece que esses princípios deverão ser aceitos e/ou efetivados e
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 205
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
10 Neste setor as mulheres representam 56% do total dos trabalhadores e se concentram na área
social (62%) enquanto os homens se encontram nos setores de infra-estrutura e produção (75%).
Com relação aos salários, elas ganham, em media, 30% menos que os homens e essa
desigualdade aumenta com a idade e a especialização.
11 Ademais, busca-se incorporar, nas políticas de cada ministério ações de igualdade de
oportunidades que contemplem a seleção de pessoal, as medidas necessárias para equilibrar a
proporção de mulheres nos postos de decisão, a geração de formas de qualificação e treinamento
em horas de trabalho, a revisão dos sistemas salariais, a elaboração de um sistema de informação
por sexo que permita avaliar os mecanismos que limitam a carreira funcional das mulheres, a
incorporação de soluções que garantam a não-discriminação e a criação de um sistema eficaz de
cuidado infantil.
que não serão admitidas discriminações por sexo (somente uma cláusula utiliza a
expressão “discriminação de gênero”). Duas das cláusulas (no setor de transportes)
deixam claro que esses princípios “não afetarão a diferença de salário derivada da
existência de uma escala” e outra deixa explícito que, apesar da igualdade de direitos
entre homens e mulheres, a maternidade será objeto de especial proteção.
Foram, também, registradas naquele país 16 cláusulas que fazem referência à
promoção da igualdade e à não-discriminação de gênero, raça e etnia. Todas elas
basicamente reafirmam o que já está definido na legislação. Chama a atenção uma
cláusula que, além de proibir a prática de discriminação de qualquer natureza, ampara
especialmente o trabalho das pessoas com limitações ou portadoras de deficiências
físicas ou mentais (sem informação de setor).
Por último, há quatro cláusulas sobre “igualdade”. A primeira estipula que os
sujeitos com responsabilidade de mando deverão respeitar em todo momento a
igualdade entre as pessoas (indústria de alimentos). A segunda, que os trabalhos que,
por sua natureza, exigem atenção permanente serão executados conforme uma
escala de turnos que assegure a igualdade de tratamento (setor elétrico). A terceira
determina que a ascensão do profissional se fará por concurso de méritos e em
igualdade de condições (petróleo). Finalmente, a última manifesta que as disposições
do convênio coletivo não poderão afetar ou limitar o direito de qualquer cidadão de ter
acesso ao emprego público em condições de igualdade (petróleo).
Na Venezuela, sete dos 34 convênios analisados se referem à igualdade de
oportunidades e/ou à não-discriminação. As cláusulas que abordam essa matéria o
fazem de maneira muito similar a algumas declarações legais. Em termos gerais,
assinalam a necessidade de realizar ações que garantam um tratamento digno aos
trabalhadores por parte de seus superiores; isto é, estão feitas com a intenção de
promover um ambiente de trabalho mais democrático, eliminando práticas autoritárias
e discriminatórias no trato de pessoal.
As cláusulas sobre igualdade de gênero e não-discriminação foram
introduzidas recentemente nas convenções coletivas da Venezuela. O fato da aparição
dessas cláusulas, ainda que de forma tão geral, representa um avanço por manifestar
uma preocupação com o tema.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 206
4.3.
Brasil: Estratégias sindicais e o resultado das negociações
em algumas categorias selecionadas
Nessa parte do capítulo serão analisadas algumas experiências de
negociação coletiva dos temas de relativos aos direitos da mulher e à promoção da
igualdade de gênero no caso do Brasil, em algumas categorias selecionadas. À
diferença da análise realizada até agora, serão examinados, além do resultado das
negociações, expresso nas Convenções Coletivas de Trabalho, também as pautas
apresentadas pelos sindicatos.
4.3.1.
Negociação coletiva nos setores metalúrgicos e químicos
4.3.1.1. Direitos relativos à maternidade/paternidade
Tal como analisado na primeira parte deste capítulo, assim como nos estudos
do Dieese (1997 e 2000) e de Siqueira e Oliveira (1999), alguns dos direitos básicos
relativos à maternidade/paternidade, consagrados na legislação brasileira, são
reafirmados através da negociação coletiva, tanto no caso dos Metalúrgicos do ABC
como dos Químicos de S.Paulo.
12
A necessidade desses sindicatos, que representam
duas das categorias com mais capacidade de organização no país, de reafirmar, esses
direitos tão básicos é um indicador importante dos problemas que ainda persistem no
que se refere à sua aplicação.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 207
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
12 Os direitos básicos consagrados na legislação brasileira com referência a esse aspecto são: 120
dias de licença maternidade, com gozo integral do salário; proibição de demissão desde a
confirmação da gravidez até 5 meses depois do parto; 2 períodos diários de meia-hora para
amamentação durante 6 meses (considerados como tempo de trabalho e remunerados com tal);
licença-paternidade de 5 dias; serviço de creche para os filhos das trabalhadoras; licença de 2
semanas em caso de aborto legal; garantia à gestante de transferência de função, sem prejuízo do
salário e demais direitos quando suas condições de saúde exigirem; permissão para a realização
de, no mínimo, 6 consultas médicas e demais exames complementares durante a gravidez.
A análise das reivindicações apresentadas por esses dois sindicatos à
negociação coletiva revela uma preocupação significativa com a ampliação dos
direitos relativos à maternidade. Entre elas estão:
ampliação do prazo de estabilidade para a trabalhadora grávida até 12 meses
depois de sua volta ao trabalho (a lei estabelece 5);
ampliação do período diário de aleitamento para 2 horas por dia (a lei estabelece
uma hora);
licença-maternidade à mãe adotante (120 dias em caso de adoção de crianças
até 7 anos de idade);
garantia de emprego e salário à mãe adotante por um período de 30 dias;
ampliação do prazo de duração do direito de contar com os serviços creche (até 6
anos) e sua extensão a os filhos/as adotivos/as;
ausência justificada ao trabalho para a mãe em caso de doença do filho/a;
licença e estabilidade de 12 meses para a empregada em caso de aborto;
proibição de testes de gravidez ou esterilidade para a admissão ao emprego ou
em qualquer outro período de vigência do contrato de trabalho.
abono de faltas (para trabalhadores de ambos os sexos) em caso de necessidade
de internação de um filho.
Também aparecem alguns itens dirigidos a aumentar os direitos relativos à
paternidade e a promover um maior equilíbrio entre homens e mulheres trabalhadoras
no que se refere ao cuidado infantil e às responsabilidades familiares, no espírito da
Convenção 156 da OIT sobre Trabalhadores com Responsabilidades Familiares:
extensão a 8 dias úteis, a partir da data do parto, da licença-paternidade prevista
em lei (5 dias corridos a partir da data do parto);
garantia de emprego e salário de 30 dias para trabalhador que se tornar pai
natural ou adotante;
ausência justificada para empregados de ambos os sexos em caso de internação
de filhos;
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 208
auxílio para filhos portadores de deficiências (empregados de ambos os sexos):
quota de acesso ao emprego para pais e mães com filhos portadores de
deficiências (1% do total dos empregados da empresa), além de reembolso das
despesas com o filho/a equivalente a 30% do salário;
auxílio escolar (empregados de ambos os sexos)
A análise das cláusulas dos acordos coletivos evidencia que muito poucas
dessas reivindicações foram aceitas pelos empresários. No setor metalúrgico, os
únicos itens que constam do acordo coletivo são:
estabilidade para a mulher grávida ou amamentando desde a notificação da
gravidez até 5 meses depois do parto;
extensão da duração do direito ao auxílio-creche (20% do salário normativo) até
os 6 anos de idade da criança;
licença de 30 dias a trabalhadoras que adotam crianças entre 0 e 6 anos de idade;
abono de faltas para trabalhadores de ambos os sexos em caso de internação de
um/a filho/a;
auxílio para filho ou filhos portadores de deficiências (trabalhadores de ambos os
sexos);
auxílio escolar (trabalhadores de ambos os sexos).
Os dois primeiros itens consistem somente a reafirmação de um direito legal já
existente.
No caso do setor químico, conseguiu-se avançar um pouco mais. Constam do
acordo coletivo os seguintes itens:
extensão da estabilidade à gestante até 7 meses depois do parto;
60 dias de licença-maternidade para mães que adotam crianças de até 24 meses;
extensão da duração do direito ao auxílio-creche (50% do salário normativo) até
os 24 meses de idade da criança, incluindo os casos de adoção;
garantia de emprego e salário de 30 dias em caso de aborto legal;
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 209
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
auxílio para filhos portadores de deficiências (trabalhadores de ambos os sexos):
reembolso de até 60% do salário normativo;
proibição de realização de testes de gravidez para admissão da mulher ao
emprego, ou de qualquer outro tipo de investigação comprovatória de
esterilização, salvo nos casos exigidos pela função.
Além disso, se reafirma o direito legal de 5 dias de licença paternidade e se
obtêm, mesmo que de forma ainda limitada, a justificação de ausência para mães e
pais em caso de doença de um/a filho/a em caso de internação e consultas (até um
limite de 24 horas por ano) e extensão do direito à creche para os pais que tenham a
guarda legal dos filhos ou, a pedido dos interessados, aos funcionários homens viúvos,
divorciados ou legalmente separados, sempre e quando esses sejam responsáveis
legais pela guarda dos filhos.
4.3.1.2. Medidas de melhoria das condições de trabalho das mulheres e de
promoção da igualdade de oportunidades no trabalho
A análise das reivindicações apresentadas pelos dois sindicatos para a
negociação coletiva mostra a existência de cláusulas de promoção da igualdade de
oportunidades nas seguintes áreas: acesso ao emprego; salários; formação
profissional; saúde e segurança ocupacional; assédio sexual; medidas gerais de
promoção da igualdade de oportunidades. Resumiremos, em seguida, as principais
reivindicações apresentadas em cada um desses itens:
a) Acesso ao emprego: O que os sindicatos pretendem é a proibição de qualquer
prática discriminatória nos processos de contratação ou promoção da mão-de-obra por
razões de sexo, raça, cor, idade, estado civil ou a circunstância de ter ou não filhos.
Como medidas concretas propõem a eliminação de qualquer conteúdo discriminatório,
incluindo a exigência de “boa aparência”, nos anúncios para candidatos ao emprego e
a garantia de que os testes de admissão ao emprego se baseiem somente na
qualificação e no conhecimento exigidos para o exercício da função.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 210
b) Salário: reivindica-se a garantia de salário igual a homens e mulheres para trabalho
equivalente, ainda que se avance pouco na proposição de medidas concretas que
possibilitem verificar, fiscalizar ou promover a aplicação desse princípio. O Sindicato
dos Químicos faz referência específica à Convenção nº 100 da OIT (1951) sobre a
remuneração igual para trabalho de igual valor.
c) Formação profissional: a análise das pautas revela uma preocupação dos sindicatos
de promover o acesso das mulheres a programas de treinamento e a ocupações
tradicionalmente não desempenhadas por mulheres através de solicitações ao Senai
13
no sentido de oferecer tais oportunidades.
d) Saúde e segurança ocupacional: reivindicação de exames gratuitos semestrais de
prevenção do câncer para trabalhadores de ambos os sexos e medidas de prevenção
das lesões por esforço repetitivo (LER) (intervalos mínimos de 7 minutos a cada hora,
acompanhados de exercícios preventivos e rotação de funções).
e) Assédio sexual: os sindicatos incluem entre suas reivindicações o tema do assédio
sexual no lugar de trabalho.
f) Medidas gerais de promoção da igualdade de oportunidades: os sindicatos solicitam
às empresas “o cumprimento integral” das Convenções nº 100 (igualdade de
remuneração para trabalho de igual valor), nº 111(não-discriminação no emprego e na
ocupação) e nº 138 (idade mínima) da OIT
14
.
A análise das reivindicações apresentadas pelos dois sindicatos à negociação
revela que a preocupação com a defesa dos direitos das mulheres trabalhadoras e a
promoção da igualdade de oportunidades no trabalho está presente. As convenções
da OIT constituem uma referência importante para os sindicatos, e fornecem
instrumentos capazes de reafirmar a legitimidade desses temas ante os empresários.
Também mostra que essa preocupação pela igualdade de oportunidades não se refere
apenas aos temas de gênero. Mesmo que menos desenvolvidas, começam a aparecer
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 211
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
13 O Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) é a principal instituição formação profissional e
técnica para os trabalhadores industriais no Brasil. É financiada pelas contribuições dos trabalhadores e
gerida pelos empresários do setor.
14 A Convenção 138 da OIT refere-se ao estabelecimento de uma “idade mínima” para a admissão ao trabalho.
Ao lado da Convenção 182 (de 1998) que se refere à erradicação das piores formas de trabalho infantil,
constituem as duas principais normas internacionais do trabalho relativas ao trabalho infantil.
também temas relacionados à eliminação da discriminação por outras razões, entre
elas a de raça. Essa preocupação ainda apresenta dificuldades para se traduzir em
medidas mais concretas dirigidas a promover a garantia e a aplicação desses
princípios gerais em várias áreas, entre elas a igualdade salarial, as oportunidades de
formação profissional, a saúde ocupacional, a organização do processo produtivo e as
inovações tecnológicas.
Por outro lado, a análise dos resultados da negociação evidencia que muito
poucos desses temas foram incluídos nos acordo coletivos, o que pode ser resultado,
por um lado, de uma baixa capacidade de negociação dos sindicatos, seja em termos
de sua priorização dos temas na mesa de negociação, seja em termos de capacidade
argumentativa dos sindicatos; por outro, pode ser resultado também da pouca
disposição empresarial a aceitá-los. De todos os temas apresentados pelos sindicatos
à negociação somente foram incorporados nos acordos, no caso dos metalúrgicos, o
compromisso da empresa de solicitar ao Senai oportunidades de formação (incluindo
instalações adequadas) ao pessoal de sexo feminino. No caso dos químicos, além de
algumas medidas básicas relativas à saúde e higiene das trabalhadoras e aos
benefícios da previdência social
15
, foi incluída uma cláusula referente à igualdade de
remunerações para trabalho igual.
4.3.2.
A negociação coletiva no setor bancário
Destaca-se a experiência da negociação coletiva no setor bancário (que, no
Brasil, tem caráter nacional). Em 1999 o tema da igualdade de gênero e raça foi, pela
primeira vez, definido como eixo da negociação coletiva. O convênio daquele ano
contém uma cláusula que determina a necessidade de realização de uma pesquisa
sobre o tema, por parte dos sindicatos, para abrir negociações. A pesquisa, realizada
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 212
15 Essas medidas são: a manutençao de absorventes higiênicos nas enfermarias e estojos de primeiros
socorros nas empresas que empregam mão de de obra feminina e manutenção da assistência médica,
hospitalar e odontológica oferecida pela empresa por um prazo máximo de 36 meses para os trabalhadores
que por qualquer motivo no estejam trabalhando temporáriamente por razões de saúde.
pelo Dieese, por solicitação da Confederação Nacional dos Bancários (CNB),
vinculada à Central Única de Trabalhadores (CUT), evidenciou as desigualdades de
gênero e raça existentes na categoria. A partir daí, foi instituída uma Mesa Temática
sobre Igualdade de Oportunidades no processo de negociação coletiva de 2000. A
mesa, com caráter bipartite, funciona desde então
16
. Destaca-se, ainda o Acordo
Marco que está sendo negociado entre a Union Network International (UNI) e o Banco
do Brasil. As negociações se iniciaram em 31 de janeiro de 2005 e esse documento faz
uma importante referência à declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no
Trabalho, de 1998, introduzindo também uma cláusula sobre o assédio sexual e moral
e criando comissões bipartites encarregadas de monitorar o cumprimento
17
.
Principais cláusulas do acordo:
“O Banco do Brasil respeitará, promoverá e tornará realidade o conteúdo da
Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da
mesma forma, promoverá os dez Princípios Universais previstos no Pacto Global;
O banco se compromete a desenvolver políticas que evitem o assédio moral e
sexual no local de trabalho, tendo políticas que eliminem suas causas e efeitos,
como também políticas de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres,
observando sempre a transversalidade de cor/raça e etnia;
O banco se compromete a garantir a ausência de discriminação no emprego, de
forma que todos os empregados gozarão de igualdade de oportunidade e de trato
independentemente de sua origem étnica, religião, opinião política, gênero ou
orientação sexual. Os trabalhadores e trabalhadoras receberão um salário de
igual valor por um trabalho equivalente.
Para melhor agilizar a aplicabilidade deste Acordo Marco em cada país, a
implementação das políticas aqui estabelecidas serão monitoradas por
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 213
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
16
Essa pesquisa foi publicada com o título “O rosto dos bancários: mapa de gênero e raça do setor
bancário brasileiro”, DIEESE/CNB-CUT, maio 2001. Para uma análise detalhada dessa
experiência, ver DIEESE, 2003 e Gebrim, 2005.
17
Ver Neide Aparecida Fonseca, apresentação feita no Seminário Promovendo a Igualdade Racial:
um diálogo sobre políticas, realizado em abril de 2005, em Brasília-DF.
comissões bipartites formadas por representantes dos sindicatos de base filiados
à UNI e dos trabalhadores”.
4.4.
Considerações finais
A negociação coletiva constitui um importante instrumento para a promoção da
igualdade de oportunidades no trabalho. Nos países da América Latina, a incorporação
das reivindicações de gênero à negociação coletiva é um processo ainda incipiente,
contrastando com o que ocorre na Europa, Estados Unidos e Canadá, onde as
cláusulas de promoção da igualdade de oportunidades são mais freqüentes em textos
de convênios coletivos. Entre os fatores que dificultam essa incorporação destaca-se,
em primeiro lugar, o processo geral de debilitamento da negociação coletiva (medido
tanto em números de contratos como em conteúdos) ocorrido em diversos países
latino-americanos nos anos 1990; em segundo lugar, os problemas relativos à
aplicação da legislação trabalhista nesses mesmos países (Vega, 2004); em terceiro
lugar, a menor cobertura relativa das mulheres nos processos de negociação coletiva,
devido ao fato de que elas estão sobre-representadas nos segmentos mais precários e
desregulados do mercado de trabalho; em quarto lugar, algumas das características
dos processos de negociação: a ainda escassa presença feminina nos quadros
dirigentes e nas instâncias negociadoras, tanto no setor empresarial como no setor
sindical, a resistência empresarial em aceitar a negociação dos temas de gênero,
aludindo, freqüentemente a fatores de custos que nem sempre estão baseados em
cifras e estatísticas
18
, a pouca experiência de representantes sindicais (de ambos os
sexos) para negociar com os empregadores cláusulas relativas à promoção da
igualdade de oportunidades e, ainda, a baixa priorização da matéria nas estratégias
sindicais e empresariais.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 214
18
Para a discussão sobre o custo dos benefícios associados à maternidade e ao cuidado infantil, ver
Abramo e Todaro, 2002, e Abramo, 2005.
Entre os fatores que podem facilitar o processo de negociação estão os
avanços legislativos em matéria de igualdade de oportunidades ocorridos na última
década, os quais eliminam as normas de caráter discriminatório que ainda persistem
em alguns países e incluem explicitamente a proibição de discriminações fundadas,
entre outros motivos, no sexo das pessoas. É necessário assinalar que, além deste
aspecto, o avanço da negociação dos temas de gênero depende também de avanços
legislativos e em matéria de inspeção laboral relacionados a outros aspectos das
relações de trabalho, assim como do efectivo cumprimento dos direitos à livre
associação e à negociação coletiva (Vega, 2004).
Apesar das dificuldades, as organizações sindicais de muitos países
latino-americanos têm feito esforços significativos na última década no sentido de
incorporar os temas de gênero em suas estratégias permanentes de ação. Isso se
reflete, em muitos casos, em uma maior presença do assunto tanto nas estratégias
negociadoras como nos resultados concretos da negociação coletiva. A análise das
demandas apresentadas pelos sindicatos à negociação coletiva revela, em muitos
casos, que existe uma preocupação com a defesa dos direitos das mulheres
trabalhadoras e com a promoção da igualdade de oportunidades no trabalho.
19
Por
outro lado, a preocupação com a igualdade de oportunidades em alguns países não se
refere somente aos temas de gênero. Ainda que menos desenvolvidos, começam a
aparecer também temas relacionados à eliminação da discriminação por outras
razões, como raça e etnia. Essa preocupação ainda apresenta dificuldades para se
traduzir em medidas mais concretas dirigidas à promoção da garantia e da aplicação
desses princípios gerais em várias áreas, entre elas a igualdade salarial, as
oportunidades de formação profissional, a saúde ocupacional, a organização do
processo produtivo e as inovações tecnológicas.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 215
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
19
As Convenções da OIT parecem ser referências importantes para os sindicatos, além de
configurar-se como instrumentos capazes de reafirmar a legitimidade da temática nos processos
negociadores.
O exame dos resultados da negociação (as cláusulas dos convênios),
realizado em seis países de América Latina na segunda da década de 1990, revela que
foram realizados avanços importantes, que se refletem especialmente nas matérias
relativas à proteção da maternidade e da paternidade. Em um quadro de debilitamento
da negociação coletiva que se verifica em vários países da região, devido, entre outros
fatores, aos processos de informalização e desregulação do mercado de trabalho, a
tendência geral tem sido de manutenção ou aumento do número de cláusulas relativas
aos direitos da mulher trabalhadora e à promoção da igualdade de gênero, assim como
de ampliação de seus conteúdos.
20
No entanto, ainda se observam importantes debilidades. Entre elas, a
dificuldade de negociar temas relativos às condições de trabalho e de ampliar os
conteúdos e o alcance dos temas negociados em relação às responsabilidades
familiares, em especial no que se refere à promoção das responsabilidades
compartilhadas entre homens e mulheres. No que diz respeito aos temas relativos à
não discriminação e à promoção da igualdade de oportunidades, os problemas são
vários: as cláusulas desse tipo são encontradas em um número ainda muito pequeno
de acordos e convênios; os conteúdos são ainda muito gerais; existem poucas
cláusulas dirigidas à definição e ao monitoramento concreto de medidas para garantir
temas tão centrais como a igualdade de remuneração, a igualdade de condições de
ascensão e de promoção ou a igualdade nas oportunidades de qualificação e
treinamento; existem poucas experiências de promoção, por meio da negociação
coletiva, de planos de igualdade de oportunidades que incorporem metas e
indicadores concretos e que possam ser monitorados.
É necessário notar que a relativa debilidade da incorporação dos temas de
gênero não é um problema específico, mas reflete os problemas gerais dos processos
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 216
20
Como foi analisado ao longo do capítulo, os principais temas que têm sido objeto de negociação e
representam avanços significativos em relação à legislação são: ampliação da duração da
licença-maternidade e do período de estabilidade durante a gestação e após o parto; instituição da
licença-paternidade e ampliação de sua duração; estabilidade para os pais durante um determinado período
por ocasião do nascimento de filhos; garantia de integridade do salário durante a licença-maternidade;
diversos aspectos relacionados ao cuidado dos filhos e à adoção e a reafirmação dos princípios de
não-discriminação e remuneração igual para trabalho de igual valor.
de negociação coletiva na América Latina. Não são somente as cláusulas relativas à
mulher ou às relações de gênero que estão ausentes nas negociações. Temas como a
formação profissional, saúde ocupacional, organização dos ritmos e formas de
produção e inovação tecnológica também quase nunca são incorporados. O que
ocorre é que, em geral, esses são tema pouco negociados para o conjunto dos
trabalhadores de ambos os sexos, considerando ou não a dimensão de gênero.
Outro aspecto importante a considerar na análise desses resultados é de que
fatores depende a debilidade ou fortaleza do processo de incorporação das demandas
de gênero na negociação coletiva. Entre eles podem estar os seguintes: maior ou
menor presença feminina na força de trabalho e na direção sindical; maior ou menor
capacidade de organização e representação dos interesses das mulheres e das
demandas de gênero nas estratégias e políticas sindicais; maior ou menor
sensibilidade empresarial frente ao tema; maior ou menor força e capacidade de
negociação de cada sindicato em geral.
Em síntese, a primeira conclusão deste estudo é que os temas relativos aos
direitos da mulher trabalhadora e à promoção da igualdade de oportunidades não
estão ausentes e a importância deles não é pequena nos processos de negociação
coletiva nos seis países analisados. A segunda conclusão é que é necessário avançar
muito mais para desenvolver o potencial da negociação coletiva como mecanismo de
combate à discriminação e de promoção da igualdade de oportunidades no trabalho.
Para que isso ocorra, é necessário, em primeiro lugar, que os temas de gênero sejam
tratados como de interesse estratégico para o conjunto dos trabalhadores e não
apenas para as mulheres. Em segundo lugar, é necessário promover e aumentar a
presença de mulheres nas instâncias de direção e negociação, tanto das organizações
sindicais como das organizações empresariais. Em terceiro lugar, é fundamental
desenvolver a capacidade propositiva e argumentativa dos sindicatos em relação aos
temas de gênero e da igualdade de oportunidades na mesa de negociação e promover
a sensibilização do setor empresarial na matéria. É de grande importância ainda
aumentar o conhecimento técnico tanto dos trabalhadores e sindicatos como dos
empresários e suas organizações sobre as desigualdades de gênero existentes em
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 217
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
empresas e setores produtivos, suas causas e conseqüências, assim como as
políticas capazes de superá-las.
Por último, é necessário assinalar que uma análise mais completa dos temas
de gênero na negociação coletiva e do seu potencial em termos da promoção da
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres não se esgota nos temas aqui
assinalados. Uma análise desse tipo deveria debruçar-se também sobre o conjunto
das cláusulas de cada instrumento coletivo, considerando, em cada caso, um possível
impacto diferenciado na situação de homens e mulheres, levando em conta, entre
outros aspectos, sua distribuição na estrutura ocupacional, na hierarquia e na escala
de remunerações das empresas. Por diversas razões, não foi possível realizar este
tipo de análise no presente estudo. Porém, sem dúvida este tipo de aproximação
deveria ser parte importante de uma agenda futura de investigação na matéria.
A presença dos temas de gênero na negociação coletiva CAPÍTULO 4
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 218
CAPÍTULO 5
A experiência recente das
políticas públicas na União
Européia: reprodução ou
superação da noção das mulheres
como força de trabalho
secundária?
5.1.
Introdução
O objetivo deste capítulo é discutir em que medida e de que forma algumas
áreas das políticas públicas têm avançado na superação da dicotomia que
caracterizou a estruturação dos Estados de Bem Estar nos países ocidentais entre a
função de “provedor” (atribuída aos homens) e a de “cuidadora” (atribuída às
mulheres).
Serão analisadas algumas políticas e estratégias que vêm sendo
implementadas na União Européia, em particular a partir da definição e adoção, em
1997, da Estratégia Européia de Emprego. No capítulo seguinte, analisaremos em que
medida esse tema tem sido tratado em algumas áreas de políticas públicas no Brasil,
focalizando especialmente o período 2003-2006.
O objetivo desta parte da tese não é, estritamente, fazer uma análise
comparativa entre as políticas de promoção da igualdade de gênero na Europa e no
Brasil. Interessa analisar a experiência da Estratégia Européia de Emprego porque o
resultado da pesquisa realizada indica que ela representa atualmente a experiência
mais avançada e articulada de incorporação de uma perspectiva de promoção da
igualdade de gênero em uma área fundamental das políticas públicas
1
. E também
porque, como se verá a seguir, alguns aspectos e instrumentos formulados e
implementados no âmbito dessa Estratégia contém elementos que incidem
justamente na dicotomia entre provedor e cuidadora e que questionam explicitamente
a noção da mulher como uma força de trabalho secundária.
Como se verá na análise realizada neste capítulo, isso não significa que essa
dicotomia tenha sido superada e que o direito das mulheres à igualdade de
oportunidades e tratamento tenha sido plenamente instituído nos países europeus. O
que a análise indica é que, em primeiro lugar, esse é um processo bastante
heterogêneo entre os diversos países que hoje compõem a União Européia. Em
segundo lugar, que é um processo complexo, contraditório, que, ao lado de conter
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 220
1
Essa é também a conclusão a que chega o recentemente lançado Relatório Global da OIT sobre o
tema da discriminação no mundo do trabalho, intitulado “Igualdad en el trabajo: enfrentar los retos
que se plantean” (OIT, 2007).
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 221
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
significativos avanços, caracteriza-se também pela existência de obstáculos,
insuficiências, fragilidades e contradições.
A análise estará centrada nos aspectos institucionais do tema, ou seja, em
alguns documentos e instrumentos de política definidos no âmbito da União Européia,
assim como no resultado de alguns processos de avaliação dessas mesmas políticas.
2
O interesse dessa análise para a situação brasileira e latino-americana consiste
justamente na possibilidade de entender algumas das dimensões de um processo
importante de instalação do tema da igualdade de gênero na agenda pública, de uma
forma que diga respeito não apenas à melhoria de um ou outro aspecto das condições
de vida das mulheres, mas que questione e coloque em discussão concepções,
mecanismos e formas institucionais que continuam relegando-as a uma posição
secundarizada no trabalho, na sociedade e na vida pública. A experiência européia
evidencia, ao mesmo tempo, que é possível avançar nessa direção, mas também as
dificuldades e obstáculos que persistem e se reproduzem para que esse avanço se
concretize e se estabilize.
3
Entender alguns dos diversos elementos que conformam
2
A União Européia passa a existir enquanto tal em 1993 e em 1997 – ano em que se inicia a
Estratégia Européia de Emprego, a principal política que será analisada nesse capítulo – era
integrada por 15 países (França, Bélgica, Itália, Luxemburgo, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca,
Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha, Holanda, Finlândia, Suécia e Áustria). Constitui o
desenvolvimento e a forma mais aprimorada de uma sucessão de acordos iniciada entre seis
países da Europa (França, Itália, Bélgica, Luxemburgo, Holanda e Alemanha Ocidental), que, após
a 2ª Guerra Mundial, estabeleceram laços econômicos, sociais e políticos. Em 2005, outros 10
países passaram a integrá-la, configurando o que hoje se conhece como a “Europa dos 25”. As
suas principais instâncias são: o Conselho de Ministros Europeus, cuja responsabilidade é fixar as
diretrizes gerais de políticas; o Parlamento Europeu, que representa os povos das nações, cujos
representantes são eleitos por voto direto desde 1989 e que tem funções consultivas e de controle;
a Comissão Européia que se responsabiliza fundamentalmente pela execução das políticas
comunitárias, isto é, garante a implementação e o respeito aos tratados, aprova, recusa, revê e
toma decisões sobre os atos normativos; a Corte Européia de Justiça, que garante o respeito aos
direitos e na interpretação e na aplicação dos tratados (Voets, 2000:21).
3
Evidentemente esse é um processo que não se resolve apenas no plano das políticas públicas,
ainda que elas possam ter um papel muito importante, em um sentido ou noutro. Tal como
discutido na apresentação e no Capitulo 1 deste trabalho, a desigualdade entre homens e
mulheres, e a construção de uma posição subordinada e secundarizada destas em relação
àqueles, é resultado de processos históricos e culturais muito mais complexos, que assumem
novas formas e dimensões na constituição da sociedade e do modo de produção capitalista e que
estão imbricados com a organização do trabalho e dos processos produtivos. Portanto, a sua
superação é algo que envolve processos que ocorrem (ou não) em todos esses níveis. Há uma
ampla bibliografia a respeito, internacional e nacional (parte dela já citada e discutida na 1ª parte
deste trabalho). Após haver discutido, na 1ª parte deste trabalho, alguns aspectos dessa
problemática tal como ela se apresentou nas primeiras fases do processo de industrialização e na
constituição do Estado de Bem Estar Social e depois, na 2ª parte, de que forma as imagens de
gênero, especialmente aquelas que marcam os processo de decisão empresarial no
essa experiência é importante para países como o Brasil (e vários outros
latino-americanos) que também - em maior ou menor medida - vêm desenvolvendo
uma experiencia de instalação do tema na agenda das políticas públicas.
5.2.
As políticas de emprego e as políticas de igualdade de
oportunidades na União Européia
A formulação e implementação de políticas de mercado de trabalho para
enfrentar as altas taxas de desemprego registradas na maioria dos países ocidentais
teve início há várias décadas. Nos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), as políticas para o mercado de trabalho
surgiram no meio da década de setenta, como medidas temporárias ou excepcionais
dirigidas a enfrentar os desequilíbrios gerados pela crise econômica desse decênio,
provocada pela elevação dos preços do petróleo. Não obstante, a persistência do
desemprego acabou por conferir um caráter estrutural e permanente a estas políticas,
a ponto de atualmente constituírem um instrumento primordial na obtenção dos
objetivos relacionados ao emprego (Mires, 2003).
Em relação ao tema que nos ocupa é importante assinalar que, desde o
princípio dos anos 1980, a OCDE inclui em suas diretrizes recomendações explícitas
para a promoção de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na
definição e execução das políticas de emprego e nas instituições do mercado de
trabalho. É interessante notar que, em declarações feitas em 1980, os governos dos
países da OCDE afirmavam o princípio da igualdade de oportunidades entre homens e
mulheres e, a partir desse princípio, o seu direito de ter acesso a um trabalho
remunerado, independentemente da situação do mercado de trabalho, ou seja,
não apenas nas situações marcadas por altas taxas de crescimento econômico e/ou
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 222
recrutamento, seleção gestão da força de trabalho (feminina e masculina) são uma parte constitutiva e
fundamental da problemática, o objetivo desses dois últimos capítulos é analisar as políticas públicas como
dois âmbitos possíveis de instituição, reafirmação ou fortalecimento dos direitos das mulheres. Apesar de
reconhecer a forte imbricação desse âmbito com os movimentos feminista e de mulheres, a análise dessa
dimensão não será objetivo desta tese.
oferta abundante de emprego.
4
Nessa mesma declaração, os governos se
comprometem a implementar políticas favoráveis ao emprego feminino.
No relatório da OCDE sobre as políticas de mercado de trabalho nos anos
1990 há uma crítica explícita à noção da mulher como força de trabalho secundária. Ao
analisar os obstáculos existentes à integração da mulher no mercado de trabalho em
igualdade de condições com os homens, o documento assinala especialmente o efeito
negativo do postulado segundo o qual a mulher, principal responsável pelos
cuidados domésticos e familiares, não pode dedicar-se totalmente ao mercado
de trabalho e, portanto, não está em condições de constituir mão de obra
permanente, o que influi para que continue sendo considerada como uma fração
não-essencial e secundária do mercado de trabalho. Esse postulado estaria
dificultando a superação desses obstáculos, entre os quais se destacavam a
persistência de uma importante segregação ocupacional e desigualdade de
rendimentos, desigualdades quanto aos mecanismos de proteção social, desigual
distribuição das responsabilidades domésticas e familiares; insuficiência de serviços
de apoio ao cuidado infantil, incidência de atitudes sociais e de estereótipos culturais
limitando a natureza e o tipo de trabalhos que as mulheres podem executar (OCDE,
1991)
5
É extremamente interessante que um documento dessa importância (um
relatório oficial da OCDE) reconheça a existência desse postulado e seus efeitos
negativos e afirme a necessidade de superá-lo para atingir o objetivo da inserção da
mulher no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. Tal como
discutido na primeira parte desta tese, esse é justamente o postulado que orientou (e
foi reforçado) por uma série de políticas e instituições do mercado de trabalho e, em
particular, pelas políticas de emprego.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 223
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
4 “(...) como membros iguais da sociedade, os homens e as mulheres deveriam ter as mesmas
possibilidades de acesso a um emprego remunerado, quaisquer que sejam a taxa de crescimento
econômico e a situação do mercado de trabalho.” (OCDE, 1991).
5 O relatório recomendava também que as políticas que vinham sendo implementadas pelos
países da OCDE com o objetivo de eliminar esses obstáculos não deveriam se limitar a programas
pilotos de curta duração e alcance limitado, mas deveriam ter maior alcance em termos de
objetivos e recursos a eles atribuídos e que seria necessário articular distintas ações em diversos
âmbitos: o ensino fundamental, os sistemas de formação profissional, o cuidado com filhos e a
infra-estrutura dos serviços públicos, os programas de informação e de intermediação de mão de
obra, programas de ação afirmativa que tentam modificar os sistemas de emprego, especialmente
no sentido de eliminar a discriminação e a ausência de igualdade de oportunidades que permeiam
as práticas tradicionais com relação ao acesso ao emprego e oportunidades de promoção,
utilizando, inclusive, medidas de “ação afirmativa” (OCDE, 1991).
5.2.1.
A Estratégia Européia de Emprego
5.2.1.1. A primeira fase da Estratégia Européia de Emprego: a igualdade de
gênero como um dos quatro pilares
No começo dos anos noventa, a integração européia avançava em diferentes
terrenos. No entanto, ainda não haviam sido formuladas estratégias coordenadas para
dar respostas às persistentes taxas de desemprego que se registravam nos Estados
membros. As políticas de emprego e de mercado de trabalho em nível europeu
funcionavam em um marco semelhante ao da OCDE, ou seja, em um esquema de
cooperação entre os governos. A aplicação das políticas de emprego era de exclusiva
responsabilidade dos Estados membros e o papel da Comissão Econômica Européia
era o de promover a cooperação entre os países, informando sobre as tendências e
perspectivas de emprego, realizando trabalhos analíticos e de pesquisa, sem contar
com uma base legal firmemente estabelecida para um trabalho supranacional (Mires,
2003).
A elevação dos níveis de emprego como um objetivo estratégico da União
Européia
O Tratado de Amsterdã de 1997 fortaleceu o papel das instituições européias
(o Conselho e a Comissão), ao mesmo tempo em que lhes conferiu novas tarefas e
instrumentos mais poderosos e integrou, de uma maneira mais estreita, o Parlamento
Europeu ao processo de decisões. Além de fortalecer o enfoque comunitário do
emprego, manteve o compromisso de obtenção de um alto nível de emprego como um
dos objetivos chaves da UE e declarou a política de emprego como uma missão de
interesse comum para a Europa. A partir desse Tratado, os Estados membros e a
Comunidade Européia assumiram o compromisso de trabalhar para desenvolver uma
estratégia coordenada a favor do emprego e promover a formação e a adaptabilidade
da força de trabalho, assim como a criação de mercados de trabalho capazes de reagir
diante das mudanças econômicas.
O Tratado de Amsterdã incorpora o princípio da “transversalidade” da política
de emprego (artigo 127), ao solicitar que se considere o impacto de todas as políticas
comunitárias sobre o emprego. Além disso, estabelece um processo de
monitoramento da aplicação da estratégia nos Estados membros (artigo 128), no qual
as políticas de emprego dos países passam a ser examinadas anualmente no
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 224
Relatório Conjunto sobre o Emprego estabelecido pela Comissão e o Conselho. Além
disso, a Comissão propõe e o Congresso adota anualmente Diretrizes para o
Emprego, em cujas bases os países desenvolvem Planos Nacionais de Ação para o
Emprego (PNAEs). Finalmente, a Comissão pode propor, e o Conselho adotar,
recomendações individuais para os Estados membros.
A construção dessa institucionalidade é um dos aspectos mais interessantes
da experiência européia, porque ela cria as condições para monitorar tanto os avanços
quanto os obstáculos na direção da consecução dos objetivos comunitários. Esse
monitoramento permite e supõe a análise das políticas e ações e seus resultados,
positivos ou negativos, tendo como referência os objetivos comuns e as metas –
inclusive quantitativas - que serão progressivamente definidas, assim como a
conseqüente reafirmação, desenvolvimento ou ajuste dessas políticas e ações. Esse
processo não é, evidentemente, apenas técnico ou tecnocrático. Como se verá a
seguir no que diz respeito ao objetivo de promoção da igualdade de gênero, cada um
dos seus momentos e etapas (definição e redefinição de diretrizes, formulação de
objetivos e metas, elaboração dos planos nacionais, etc) são também momentos,
terrenos e espaços de disputa - e negociação – de diferentes visões e perspectivas,
políticas e culturais, que tem por trás de si diferentes identidades, movimentos e
atores.
6
Essa dinâmica marca o desenvolvimento do tema que nos interessa, ou seja, a
evolução das políticas de gênero no âmbito da Estratégia Européia de Emprego.
Na Cúpula de Luxemburgo, realizada em novembro de 1997, a partir das
definições do Tratado de Amsterdã e em um contexto marcado por altos níveis de
desemprego nos países europeus, os Chefes de Estado adotaram um conjunto de
diretrizes de emprego para desenvolver uma política mais ativa de mercado de
trabalho, tendo como objetivo principal o aumento significativo, sobre bases
sustentáveis, da taxa de emprego na Europa, dando lugar à Estratégia Européia de
Emprego.
7
Na sua formulação inicial, a EEE se estrutura em quatro pilares básicos:
empregabilidade, adaptabilidade, emprendedorismo e igualdade de oportunidades.
Também se estabelece o princípio da transversalidade, que significa que o objetivo da
igualdade de gênero deveria, além de constituir um desses 4 pilares básico, deveria
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 225
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
6
Como já foi assinalado, meu objetivo não é fazer uma análise detalhada de todas as várias
dimensões que compõem esse processo, mas centrá-la no desenvolvimento do marco
institucional geral das políticas.
7
O aumento da taxa de emprego é entendido como o incremento simultâneo das taxas de
participação e a redução das taxas de desemprego.
estar plenamente integrado aos 3 outros pilares. Nesse marco passam a ser definidos
os Planos Nacionais de Ação para o Emprego (PNAE).
8
É necessário assinalar que os temas relativos à igualdade de gênero estiveram
de alguma forma presentes no processo de integração européia desde o seu início
9
.
Mas é a partir dos anos 70 que o tema ganha força na agenda comunitária. Nesses
anos, a principal preocupação consistiu na definição de um arcabouço legal, com a
adoção de diretrizes que deveriam ser aplicadas em todos os países membros da
então Comunidade Econômica Européia (CEE)
10
. Nos anos 80 afirma-se a convicção
de que grande parte dos obstáculos à plena igualdade entre homens e mulheres não
era de natureza legal, mas estava relacionada às concepções tradicionais sobre os
papéis que deveriam desempenhar homens e mulheres na sociedade.
A partir daí começam a ser formulados e implementados os planos de ação
para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
11
Embora tanto esse arcabouço legal quanto os planos de igualdade de
oportunidades definidos a partir de 1982 tenham tratado de vários aspectos relativos
ao mundo do trabalho, a diferença importante é o peso que o objetivo da promoção da
igualdade de gênero passa a adquirir com a adoção da EEE. A partir desse momento o
tema se instala como um dos 4 eixos centrais dessa estratégia. É importante notar que
essa definição ocorre dois anos após a realização da IVa Conferência Internacional da
Mulher convocada pela Organização das Nações Unidas (Beijing, 1995). Essa
Conferência se transformou em um marco na agenda internacional relativa à
promoção da igualdade de gênero e definiu, como pontos prioritários de seu programa
de ação, a constituição e o fortalecimento de mecanismos nacionais para promover a
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 226
8 O enfoque da transversalidade havia sido adotado pela Comissão Européia um ano antes
(1996), através da COM (96) 67 final. Por transversalidade entende-se a integração do objetivo de
igualdade em todas as políticas que tenham repercussões diretas ou indiretas nas mulheres
e nos homens, o que por sua vez significa que, no planejamento e na aplicação dessas políticas,
deve-se levar em conta as preocupações, necessidades e aspirações das mulheres, na mesma
medida em que se levam as dos homens (CEF, 2002).
9
Com efeito, o artigo 119 do Tratado de Roma que instituiu a Comunidade Econômica Européia em
1957 estabelece o princípio da igualdade de remuneração para homens e mulheres.
10
Entre 1975 e 1978 foram definidas 3 diretrizes (Diretriz 117 de fevereiro de 1975, Diretriz 207 de
fevereiro de 1976 e Diretriz 7 de dezembro de 1978), que se referem, respectivamente, à
remuneração igual para trabalho de igual valor, ao princípio da igualdade de tratamento para o
acesso ao emprego, formação e ascenso profissional e ao princípio da igualdade de tratamento na
proteção social (Voets, 2000:22).
11
Entre 1982 e 1995 foram adotados 3 Planos, ou Programas de Ação para a promoção da
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres: o primeiro para o período 1982-1985, o
segundo para o período 1986-1990 e o terceiro para 1991-1995 (Voets: 23 e seguintes).
igualdade entre homens e mulheres e a necessidade de incorporar esse objetivo nas
políticas públicas, entre elas aquelas dirigidas ao combate à pobreza e à promoção do
emprego.
Elevação da taxa de emprego das mulheres como parte constitutiva da meta
central da EEE
Entre as primeiras diretrizes definidas como prioritárias para a elaboração dos
Planos Nacionais de Ação para o Emprego está uma medida bastante importante: a de
tornar acessíveis às mulheres as medidas das políticas ativas de mercado de trabalho,
de uma maneira proporcional à sua participação no desemprego. Essa medida é
coerente com a concepção expressa no Relatório da OCDE de 1991 comentada
acima, e revela uma concepção bastante diferente da que havia predominado
tradicionalmente em relação às políticas de emprego, no sentido de orientá-las
prioritariamente - quando não exclusivamente - aos homens, na suposição de que eles
eram os chefes de família, e de que as mulheres, devido às suas responsabilidades
domésticas e familiares, não estavam em condições de constituir-se em mão de obra
permanente e nem de dedicar-se plenamente ao trabalho remunerado.
Com efeito, tal como assinala Rubery (s/d: 6) as políticas ativas de mercado de
trabalho na maioria dos países europeus haviam estado até então tradicionalmente
orientadas aos homens desempregados, com critérios de elegibilidade restritos às
pessoas que tinham tido anteriormente empregos ou que estavam buscando
ativamente um emprego. Muitas mulheres que estavam fora do mercado de trabalho
ou trabalhando em empregos informais e precários, mas que queriam trabalhar, não
eram classificadas como desempregadas e possíveis beneficiárias. A partir da
vigência da EEE, vários países começaram a modificar esses critérios de elegibilidade,
como, por exemplo, Alemanha, França, Bélgica e Áustria. Começaram também, a
partir daí, a estabelecer quotas mínimas de participação de mulheres (equivalentes à
sua participação no desemprego, ou na população economicamente ativa) nesses
programas (França, Alemanha, Grécia, Áustria e Espanha).
12
A primeira avaliação da EEE foi feita dois anos após a sua adoção, na reunião
de Chefes de Estado e Governo da União Européia, realizada em Viena em 1999. Essa
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 227
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
12 Além dessa medida, de grande relevância, as primeiras diretrizes da EEE definiam que uma
atenção especial deveria ser dada nos Planos Nacionais de Ação para o Emprego, a remover os
obstáculos que dificultavam o trabalho autônomo ou a atividade empresarial das mulheres e a
garantir que as mulheres pudessem se beneficiar positivamente das formas flexíveis de trabalho
(Ortiz, 1999).
primeira avaliação mostrou que, apesar de o tema da igualdade de gênero ter sido
assumido de forma geral pelos Estados Membros, um número relativamente reduzido
de novas medidas com esse objetivo havia sido adotado, a maioria delas com
orçamento limitado ou inexistente, e sem metas e indicadores definidos. A Comissão
reconheceu que o avanço até esse momento era “modesto e insuficiente”. O pilar da
igualdade de oportunidades estava menos desenvolvido nos Planos Nacionais de
Ação para o Emprego (PNAE) que os outros três, e isso se traduzia em um número
relativamente baixo de propostas efetuadas, e de recursos a elas destinados, ou numa
escassa definição de objetivos quantitativos. Além disso, diante da ausência de metas
concretas e quantificáveis, a avaliação das iniciativas políticas adotadas pelos PNAE
tornava-se muito difícil, quando não impossível. Dessa constatação derivou-se a
recomendação de reforçar a transversalização da dimensão de gênero em relação aos
outros três pilares, o que incluía a definição de metas baseadas em uma análise de
gênero, de modo que as desigualdades existentes pudessem ser corrigidas, assim
como a necessidade de incorporar uma perspectiva de gênero no acompanhamento e
monitoramento do conjunto das políticas definidas na EEE e não apenas naquelas
relativas ao 4º pilar (Ortiz, 1999).
No ano seguinte (2000), o Conselho Europeu reunido em Lisboa, define o
pleno emprego como objetivo prioritário a longo prazo para a economia européia e
traduz esse objetivo em metas ambiciosas relativas às taxas de emprego: elevar, até
2010, a taxa geral de emprego a 70% e a taxa de emprego das mulheres de 51% a
60%. Para isso o Conselho de Lisboa decide reforçar a EEE e instiga os Estados
Membros a aprofundar todos os aspectos da igualdade de oportunidades, incluídas a
redução da segregação no trabalho e a conciliação entre o trabalho e a vida familiar.
Como será discutido mais a frente, essa preocupação irá resultar na definição de uma
outra meta no Conselho de Barcelona (realizado dois anos depois) relativa à ampliação
da cobertura dos serviços de cuidado infantil.
O aumento das taxas de participação e ocupação das mulheres foi definido,
explicitamente, portanto, como um objetivo de política no marco da promoção da
igualdade de oportunidades e da obtenção da meta prioritária do pleno emprego.
A importância da definição dessa meta explícita de elevação da taxa de
emprego das mulheres – no mais alto nível de decisão política das instituições da
Europa comunitária - deve ser ressaltada. A meu ver ela expressa uma mudança
importante na concepção que orientou tradicionalmente a formulação das políticas de
emprego. Como já observamos, essas políticas estiveram, durante muito tempo,
voltadas fundamentalmente à redução da taxa de desemprego através da
incorporação dos homens desempregados ao mercado de trabalho, sem prestar
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 228
atenção a um contingente importante de mulheres definidas como inativas, mas que se
mantém nessa condição basicamente por falta de oportunidades de ocupação.
13
Para muitas dessas mulheres, a possibilidade de obtenção de um trabalho
remunerado equivale à possibilidade de superar a situação de pobreza (própria e de
suas famílias) e para todas elas é sem dúvida um fator importante – quando não
fundamental - de autonomia pessoal. Na concepção tradicional que orientou a
formulação e a implementação da maioria das políticas e programas de emprego em
vários países durante muito tempo, frequentemente o aumento da taxa de participação
das mulheres (principalmente em conjunturas de reduzida capacidade de geração de
empregos) era considerado um fator negativo, devido ao seu possível efeito de
pressão sobre a taxa geral de desemprego. E o fato de que, frequentemente, um
número significativo de mulheres, definidas como inativas, buscassem inserir-se
nesses programas (por exemplo, de empregos temporários ou de emergência) era
considerada como indesejável e explicada a partir de uma “falha” na sua capacidade
de focalização no grupo alvo – os chefes de família (no masculino) desempregados.
Por esse motivo é ainda mais significativo que a meta de ampliação da taxa de
emprego das mulheres tenha sido definida em uma conjuntura marcada por altos
níveis de desemprego, como a que caracterizava a Europa naquele momento.
Em março de 2001, o Conselho Europeu de Estocolmo, define objetivos
intermediários até 2005 para o cumprimento das metas relativas à taxa de emprego
(67% para a população em geral e 57% para as mulheres), assim como um novo
objetivo para 2010, relacionado à taxa média de emprego dos homens e mulheres de
mais idade (meta geral de 50%, sem considerar diferenças entre homens e mulheres).
Em março de 2002, o Conselho Europeu de Barcelona exorta à consolidação
da EEE e focaliza a sua atenção em um tema central para a possibilidade de
consecução das metas de Lisboa no que se refere ao aumento da taxa de emprego das
mulheres: ampliar a cobertura dos serviços de cuidado infantil (creches e jardins
infantis) a 33% para as crianças até 3 anos e 90% para as que têm mais de 3 anos de
idade. Dessa forma, ficam definidas as duas metas quantitativas principais que irão
orientar os objetivos de gênero nas diferentes fases da EEE, como se verá a seguir.
Como também se discutirá, a colocação dessas duas metas quantitativas no centro
dos objetivos relativos à igualdade de gênero na EEE terá efeitos positivos, entre eles o
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 229
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
13 Com efeito, 6,2% do total das mulheres em idade de trabalhar (e 3,7% dos homens) nos 25
Estados Membros da UE estavam definidos, em 2004, como “inactive but wish to work”, ou seja,
inativos que querem trabalhar. Em alguns países, como a Itália e Latvia, a porcentagem de
mulheres nessa situação chegava a de 14 ou 15% do total das pessoas em idade de trabalhar
(Fagan et al, 2006:577).
de manter o tema da igualdade de gênero na agenda do emprego e estimular a
elaboração e implementação de políticas concretas nos Estados Membros (Rubery et
al, 2004:618). Mas não estará isenta de problemas, por exemplo, a menor atenção
dada a temas tão fundamentais para a construção da igualdade de gênero tais como as
desigualdades de rendimento e a segregação ocupacional.
A Estratégia Marco Comunitária sobre a igualdade entre homens e mulheres
(2001-2005)
Além da EEE e seus mecanismos e instâncias de monitoramento e avaliação,
foram adotados no mesmo período uma série de outros instrumentos e normativas
comunitárias de grande importância para a promoção da igualdade de gênero no
mundo do trabalho. Entre eles estão a Agenda Social Européia (2000), a Estratégia
Marco Comunitária sobre a Igualdade entre Homens e Mulheres (2001-2005), as
Diretivas sobre a Igualdade de Tratamento (2002 e 2006), o Consenso Europeu para o
Desenvolvimento (2005)
14
e o Pacto Europeu para a Igualdade de Gênero (2006).
A Estratégia Marco Comunitária sobre a igualdade entre homens e mulheres
(2001-2005) avalia os avanços realizados a partir do Tratado de Amsterdã (1997) e,
em particular, a contribuição da EEE e dos Fundos Estruturais desde o princípio dos
anos 1990 à consecução desse objetivo.
15
A Estratégia Marco define-se como uma estratégia global que deve abarcar
todas as políticas comunitárias, seja aplicando medidas concretas destinadas a
melhorar a situação das mulheres na sociedade, seja através da integração do fator de
igualdade nas políticas existentes (transversalização)
16
.
Essa perspectiva mais integral expressa uma mudança importante em relação
à perspectiva anterior da ação comunitária sobre a igualdade de gênero, até então
baseada fundamentalmente em atividades compartimentadas e em programas
financiados mediante diferentes alocações específicas de recursos. A Estratégia
Marco define o objetivo de coordenar as distintas iniciativas e programas a partir de
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 230
14
O Consenso Europeu para o Desenvolvimento define a igualdade de gênero como um dos 5
princípios básicos das políticas para o desenvolvimento.
15
O Fundo Social Europeu (FSE), um dos instrumentos dos Fundos Estruturais, é a principal
ferramenta de apoio financeiro da União Européia para a Estratégia Européia de Emprego.
16
A combinação dessas duas estratégias: desenvolver ações específicas dirigidas à mulher e
promover a sua integração (trasnversalização) no conjunto das políticas ficou conhecida como o
enfoque dual.
critérios claros de monitoramento e avaliação, tanto em termos dos seus resultados
globais quanto daqueles que dizem respeito à igualdade de gênero, e se organiza em
cinco âmbitos de intervenção: a) a promoção da igualdade de oportunidades entre
homens e mulheres na vida econômica; b) o fomento da igualdade de participação e
representação; c) a promoção da igualdade de acesso e pleno desfrute dos direitos
sociais para homens e mulheres; d) a promoção da igualdade entre homens e
mulheres na vida civil; e) a promoção da mudança dos papéis e estereótipos
estabelecidos em função do sexo.
O objetivo operativo do primeiro âmbito da Estratégia Marco (relativo à vida
econômica) é justamente o de reforçar a dimensão da igualdade na Estratégia
Européia de Emprego, através, em primeiro lugar, do estímulo à revisão dos sistemas
tributários para reduzir os fatores que dissuadem a incorporação das mulheres no
mercado de trabalho
17
;
em segundo lugar, do estímulo ao acesso das mulheres às
políticas ativas do mercado de trabalho; em terceiro lugar, do fomento à
empregabilidade e ao acesso das mulheres ao emprego na área das tecnologias da
informação e em quarto, através do apoio ao aperfeiçoamento e coordenação dos
sistemas estatísticos nacionais para possibilitar um acompanhamento permanente e
sistemático dos resultados das políticas implementadas.
Além disso a Estratégia Marco recomenda melhorar a utilização dos Fundos
Estruturais para promover a igualdade e conceber estratégias para fomentar a
integração desse princípio em todas as políticas que tenham repercussão sobre a
situação das mulheres (política social, tributária, financeira, econômica, educativa, de
transporte e de pesquisa), assim como melhorar o equilíbrio entre homens e mulheres
no processo de tomada de decisões políticas. Destaca também a importância dos
mecanismos de monitoramento e avaliação dos resultados alcançados, o que supõe a
definição de metas e objetivos claramente quantificáveis e mensuráveis. Um dos
instrumentos fundamentais para que isso ocorra é o Relatório anual sobre a
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na União Européia,
elaborado pela Comissão das Comunidades Européias e apresentado ao Parlamento
Europeu, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê de Regiões. Como será
visto a seguir, esse relatório (assim como outros documentos do tipo e avaliações
sistematicamente realizadas pelas equipes de especialistas em gênero que se
estruturam para acompanhar a evolução de todo esse processo) terão um papel muito
importante no sentido de estar permanentemente colocando e recolocando o tema na
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 231
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
17
Esse tema será retomado na seção 2 deste capítulo.
agenda pública, chamando a atenção para a sua importância e tentando evitar o
enfraquecimento de sua visibilidade, reforçando os resultados positivos, apontando as
debilidades e fazendo uma análise permanente das políticas e propostas
implementadas de um ponto de vista de gênero.
18
Como exemplo da importância desses instrumentos, é interessante examinar
as principais conclusões do relatório de 2002 (Bruxelas, 5 de março de 2003) em
relação aos avanços na implementação da Estratégia Marco sobre igualdade de
oportunidades entre homens e mulheres. A primeira conclusão se refere à relevância
da estratégia dual (combinação de ações específicas dirigidas às mulheres com a
transversalização da dimensão de gênero nos outros 3 pilares da EEE), que teria tido
impactos positivos e continuava sendo chave para o aumento da taxa de emprego,
assim como para a melhoria da qualidade do trabalho das mulheres.
A segunda conclusão é que, apesar da evolução positiva da taxa de emprego
das mulheres e da diminuição das desigualdades observadas nesse plano em relação
aos homens, ainda faltava muito para que os objetivos definidos nos Conselhos
Europeus de Lisboa (2000) e Barcelona (2002), pudessem ser alcançados, em
especial naquilo que se refere à taxa de emprego das mulheres de mais idade
19
. O
relatório chama a atenção para o fato de que as razões da inatividade de homens e
mulheres são muito distintas – enquanto que para estes os fatores principais são a
educação e a aposentadoria, para aquelas esta se deve, em quase a metade dos
casos daquelas que têm entre 25 e 54 anos, às responsabilidades domésticas e
familiares. Assinala também que cada vez existe uma maior consciência de que o
aumento da taxa de participação feminina, apesar de ser importante, não conduz
automaticamente a uma redução das diferenças salariais entre homens e mulheres,
pois tais diferenças encontram-se relacionadas com as desigualdades que estruturam
o mercado de trabalho e, em especial, com a segregação ocupacional por sexo.
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 232
18
Os dois principais grupos previstos na institucionalidade da UE para acompanhar a
implementação da EEE são o EGGE (Grupo de Especialistas sobre Gênero e Emprego da
Comissão Européia) e o EGGSIE ( Grupo de Especialistas em Gênero, Inclusão Social e
Emprego).
19 Com efeito, entre 1997 (ano de adoção da EEE) e 2002, as diferenças entre as taxas de emprego
de homens e mulheres (gender employment gap) se haviam reduzido de 19,8 a 17,2 pontos
percentuais ; em relação às taxas de desemprego (unemployment rate gap)a diferença também se
havia reduzido (de 3,4 a 2,3 pontos porcentuais, mas as desigualdades de rendimentos não
haviam sido alteradas, permanecendo em 16 pontos porcentuais). A melhoria nos dois primeiros
aspectos é atribuída tanto ao aumento das taxas de participação das mulheres no mercado de
trabalho quanto ao efeito das políticas ativas de mercado de trabalho (European Comission,
Employment in Europe 2005, pg 124).
A terceira conclusão se refere à necessidade de reforçar as ações relativas à
consecução das metas de Barcelona (ampliação da cobertura e ao aumento de
qualidade dos serviços de creche). Assinala que muitos Estados Membros estão
ampliando os tipos de licença relacionadas à paternidade/maternidade e às
responsabilidades familiares, mas que é necessário dar atenção também à ampliação
e melhoria dos serviços para o cuidado de outras pessoas dependentes (como os
idosos), como um fator fundamental para a promoção da igualdade entre homens e
mulheres com relação ao emprego.
Destaca como principais desafios futuros a intensificação do
acompanhamento dos efeitos das políticas e o aumento da intervenção dos
interlocutores sociais. Propõe um enfoque generalizado de avaliação de impacto, que
deveria ser aplicado gradualmente a partir de 2003 em todas as novas iniciativas
importantes adotadas no marco da EEE. Recomenda explicitamente a necessidade
de manter uma cuidadosa vigilância sobre a adequada incorporação da dimensão de
gênero nessa avaliação de impacto.
20
Assinala também a necessidade de que a
aplicação dos recursos dos Fundos Estruturais estivesse acompanhada não apenas
de um compromisso geral com a promoção da igualdade de gênero, mas de objetivos e
indicadores concretos que pudessem avaliar melhor essa dimensão.
21
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 233
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
20
Em http://europa.eu.int/comm/press_room/presspacks/pdf/276-4en.pdf encontra-se a referência a esse
instrumento.
21 O Relatório aponta ainda que a integração da perspectiva de gênero havia estado mais presente
nos fundos dedicados à promoção das ações realizadas no marco da EEE do que em outras áreas
de política, tais como transportes, meio ambiente e desenvolvimento rural. De acordo com uma
avaliação realizada em junho de 2002 em Santander, Espanha (Terceiro Seminário Europeu sobre
a Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres nos Fundos Estruturais), somente alguns
poucos programas de aplicação dos Fundos nos Estados Membros haviam adotado uma
estratégia generalizada de integração da perspectiva de gênero. Ainda que muitos programas
tenham incluído compromissos gerais para abordar as diversas repercussões que poderiam ter as
atividades dos Fundos sobre as mulheres e os homens, a maioria carecia de objetivos claros e de
um plano de acompanhamento relativo à igualdade de gênero. Essa diferença no que se refere ao
direcionamento dos recursos dos Fundos Estruturais se comparamos as políticas e programas de
emprego com outras áreas das políticas públicas, é uma indicação da importância do objetivo da
igualdade de gênero ter sido definido como um dos 4 pilares constitutivos da EEE.
5.21.2. A segunda fase da Estratégia Européia de Emprego: a substituição dos
quatro pilares
Em dezembro de 2002 o Conselho Europeu, reunido em Niza, define a
necessidade de uma revisão em profundidade da EEE.
22
Na mesma ocasião, adota a
Agenda Social Européia, que reafirma a importância da igualdade de gênero como um
objetivo transversal e uma das orientações básicas para a formulação da política social
européia. A Agenda foi definida como o marco geral no qual deveria inscrever-se a
atuação da União Européia no âmbito social no período 2000-2005 e expressa o
compromisso dos Estados Membros com a consolidação e modernização do modelo
social europeu.
23
Reafirma os objetivos do pleno emprego e as metas de emprego
definidas em Lisboa, mas chama a atenção para a necessidade de dar mais atenção
ao tema da qualidade do emprego e de integrar as políticas econômica, social e de
emprego.
Para entender o movimento que leva à revisão da EEE e à substituição dos 4
pilares por 3 objetivos gerais (pleno emprego, qualidade e produtividade no trabalho e
coesão social), é necessário entender as mudanças ocorridas na situação do mercado
de trabalho nos 5 anos decorridos desde a adoção da EEE e a avaliação feita da
relação entre essas mudanças e as políticas adotadas. Não há, na bibliografia
analisada, uma visão única a respeito desses temas, e nem do significado das
mudanças produzidas a partir desse momento na EEE.
24
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 234
22 A síntese dessa avaliação pode ser encontrada na Comunicação da Comissão Européia ao
Conselho, ao parlamento Europeu, ao Comitê Econômico e Social e ao Comitê de regiões
intitulada “Balanço de 5 anos de aplicação da estratégia Européia de Emprego” (Comissão das
Comunidades Européias, COM (2002) 416, final, Bruxelas, 17/7/2002).
23
Esse modelo se caracterizaria pela existência de sistemas de proteção social de alto nível, pela
importância conferida ao diálogo social e pela preocupação com a “coesão social”, apoiada em
uma “base comum de valores”, que se sobrepõe à diversidade dos sistemas sociais dos estados
membros (Agenda Social Européia).
24 Além do balanço oficial da Comissão Européia citado na nota 22, nos basearemos também em
relatórios oficiais dos dois grupos de especialistas previstos na institucionalidade da UE com a
função de acompanhar a implementação das políticas de emprego e de inclusão social do ponto
de vista de gênero: o EGGE, Grupo de Especialistas sobre Gênero e Emprego da Comissão
Européia (European Commission’s Expert Group on Gender and Employment) e o EGGSIE,
Grupo de Especialistas em Gênero, Inclusão Social e Emprego (Expert Group on Gender, Social
Inclusion and Employment); também nos basearemos em artigos escritos por Jill Rubery, a
coordenadora do EGGE, e outros autores ou autoras (Rubery, 2000; Rubery et al, 2003; Rubery et
al, 1004; Rubery, s/d). A análise de Rubery et al (2003) tem como base a avaliação das anunciadas
mudanças na EEE que definem o término de sua 1ª fase, assim como dos Planos Nacionais de
Ação para o Emprego de 2002. Em Rubery et al (2004), os autores analisam a primeiro conjunto
dos PNAE elaborados segundo as novas diretrizes da EEE.
As análises em geral concordam ao apontar, como já indicado na nota 17, uma
melhoria substancial da situação de emprego na UE entre 1997 e 2002. Haviam sido
criados mais de 10 milhões de postos de trabalho, dos quais 6 milhões (60%) haviam
sido ocupados por mulheres. A taxa de emprego feminino se eleva de 50,6% a 54,9%
no período, o que tem como conseqüência uma redução na diferença entre as taxas de
emprego (de aproximadamente 20 a 17.2 pontos porcentuais) e de desemprego (de
3,4 a 2,3 pontos porcentuais – ou 12% a 9%) entre homens e mulheres. O número de
desempregados se havia reduzido em 4 milhões e a população economicamente ativa
havia aumentado em 5 milhões de pessoas.
25
A avaliação da Comissão Européia é de que essas cifras refletiam melhorias
de caráter estrutural, que se expressavam na redução do desemprego estrutural, em
um crescimento econômico mais intensivo em emprego e em uma maior capacidade
de reação do mercado de trabalho às mudanças econômicas e sociais. O balanço
afirma que é difícil saber com precisão até que ponto essas melhorias eram
principalmente efeito do crescimento econômico ou estavam relacionadas à aplicação
da EEE. Em todo caso, apontava uma evolução importante das políticas nacionais de
emprego, com uma “clara convergência em direção aos objetivos comuns
estabelecidos na EEE”, que teria introduzido uma mudança de orientação no enfoque e
na formulação das políticas nacionais, cujo objetivo deixa de ser a “gestão do
desemprego” e passa a ser a “gestão do crescimento do emprego”. Essa mudança se
expressaria em vários aspectos específicos, entre as quais se destacam a redefinição
das políticas de mercado de trabalho e do papel dos serviços públicos de emprego, que
passam a adotar um enfoque ativo e preventivo; a adaptação dos sistemas tributários e
de proteção social em alguns estados membros de acordo aos princípios de ativação,
ou seja, ao objetivo de estimular a entrada e permanência de um maior número de
pessoas no mercado de trabalho; a generalização da integração da dimensão de
igualdade entre homens e mulheres e adoção de várias iniciativas para reduzir as
desigualdades entre ambos os sexos, tais como o aumento da oferta de creches, tendo
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 235
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
25 Fonte: Eurostat, “Balanço de 5 anos de aplicação da estratégia Européia de Emprego” (Comissão
das Comunidades Européias, COM (2002) 416, final, Bruxelas, 17/7/2002: 16). A avaliação do
EGGE em 2002 vai no mesmo sentido, considerando que os principais avanços teriam ocorrido,
por um lado, na elevação da taxa de emprego das mulheres e na diminuição do “employment gap”
em relação aos homens; por outro, nas medidas destinadas a reconciliar o trabalho e a família, tais
como os serviços de cuidado infantil e licenças (maternidade, paternidade, parentais). O grupo de
especialistas chama atenção porém, para o fato dos avanços em relação à diminuição das
desigualdades de remuneração e da segregação ocupacional terem sido muito modestos quando
não inexistentes (Rubery et al, 2003: 478).
em vista uma melhor conciliação entre a vida familiar e a vida profissional.
26
Em relação
ao objetivo da promoção da igualdade de gênero, o documento reconhece que o
avanço ocorrido ainda era insuficiente. A tendência dos governos era considerar que a
redução na diferença entre as taxas de emprego e desemprego das mulheres se devia
principalmente ao crescimento econômico, mas em geral não haviam sido realizadas
avaliações do impacto das medidas aplicadas, tal como exigido pelas diretrizes da
EEE.
27
A avaliação realizada pelo EGGE aponta também o papel positivo da EEE no
sentido de estimular a criação e o fortalecimento dos mecanismos institucionais de
promoção da igualdade de gênero. Em 1997 - 2 anos após a realização da IV
Conferência Internacional da Mulher (Beijing, 1995) - não existiam, na maioria dos
estados membros da UE, mecanismos formais desse tipo, e os que existiam eram
muito débeis. Durante a primeira fase de implementação da EEE (1997-2002), quase
todos os Estados Membros passam a contar com algum mecanismo desse tipo na área
de emprego ou nas políticas públicas de maneira geral (ministérios, comitês
interministeriais, departamentos, unidades ou task forces). Também se consolidou,
nesse período, uma rede de agências e instituições dedicadas à promoção da
igualdade de gênero na Europa. Apesar disso, o envolvimento direto dessas
instituições na elaboração das estratégias e Plano Nacionais de Emprego era
analisado como ainda débil e fragmentado (Rubery, 2002; Rubery et al, 2003: 481;
Rubery, s/d:4).
O outro efeito importante da EEE teria sido o estímulo à integração da
perspectiva da igualdade de gênero nas políticas de emprego e na consolidação desse
tema como parte da agenda política européia. Mas o progresso realizado até esse
momento era avaliado como parcial, incompleto e com poucos resultados em termos
da qualidade do emprego das mulheres, devido à ênfase posta na meta quantitativa do
aumento da taxa de emprego. Assinala-se que o compromisso da Comissão Européia
era maior que o dos Estados Membros e que, apesar do papel catalizador da EEE, a
efetividade das suas orientações e das medidas propostas dependia muito de cada
situação nacional (Rubery, 2003: 478)
28
.
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 236
26
COM (2002) 416, final: pgs. 2 e 3.
27 COM (2002) 416, final: pgs. 15 e 16.
28
Essa posição relativamente mais avançada das instâncias comunitárias em relação ao
efetivamente implementado através dos Planos Nacionais de Emprego irá aparecer outra vez na
análise realizada na seção 2 deste capítulo relativa ao debate a respeito do “making work pay”
(“tornar o trabalho financeiramente atraente”).
Nesse mesmo ano foi feita também uma avaliação conjunta da 1ª fase da EEE
pela Comissão Européia e os estados membros, que por isso ficou conhecida como
uma “peer review”. Essa avaliação confirma a pertinência da inclusão da dimensão da
igualdade de gênero na EEE, basicamente a través de dois resultados importantes. O
primeiro deles, a confirmação direta de 7 estados membros (quase a metade dos 15
que nesse momento compunham a UE) de que as políticas nacionais de igualdade de
oportunidades haviam sido influenciadas pela EEE tanto em termos da criação de
instituições como do desenvolvimento de práticas que antes não existiam, tais como as
avaliações de impacto com uma perspectiva de gênero (os “gender impact
assessments”). O segundo, e talvez o mais importante, é a conclusão de que
“progressivamente o emprego foi transversalizado em outras áreas de políticas, tais
como as de inclusão social, educação, qualificação profissional, política fiscal e
políticas de família” (EC, 2002a:13). Segundo Rubery et all (2003) o desenvolvimento
dessa concepção mais integral foi favorecido pelo compromisso com a igualdade de
gênero e com a necessidade de transversalizar esse objetivo no conjunto da EEE. Isso
teria estabelecido, desde o começo, a necessidade de definir uma Estratégia de
Emprego que fosse além de um conjunto de medidas de políticas ativas de mercado de
trabalho, apontando para uma “novas formas de gestão das políticas públicas”
caracterizadas, por exemplo, pela cooperação interministerial
29
.
Apesar desses avanços, a avaliação aponta deficiências ainda muito
acentuadas em termos da transversalização da dimensão de gênero nos PNAEs. Em
poucos casos a análise de gênero havia sido considerada como um instrumento útil e
necessário à análise geral do mercado de trabalho e de seus dilemas, e estava ausente
da discussão de temas tão importantes como a questão do envelhecimento, da
inclusão social e das novas formas de organização do trabalho. O relatório aponta
também a existência de uma grande resistência em discutir, de uma perspectiva de
gênero, o tema das estruturas e sistemas de remuneração, especialmente no setor
privado (Rubery et al, 2003: 482/483).
Por outro lado, apesar da EEE ter estabelecido explicitamente, tal como
discutido no início deste capítulo, objetivos e procedimentos que apontavam no sentido
de romper a tradicional dicotomia entre “provedores” e “cuidadoras” e de promover as
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 237
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
29 EC (European Commission) (2202ª), Impact Evaluation of the European Employment Estrategy –
Technical Analysis, Brussels, supporting COM (2002/416)
famílias de “duplo provedor” (“dual–earners households”)
30
, a análise do relatório indica
a persistência e permanência de visões tradicionais e resistências a essas mudanças
na forma de pensar das pessoas e instituições encarregadas de fazer a avaliação dos
PNAEs. Com efeito, ao apontar a redução das barreiras de entrada do “provedor
secundário” ao mercado de trabalho como um dos efeitos das medidas de “incentivo ao
trabalho” adotadas no contexto de mudanças no sistema tributário e previdenciário, o
relatório expressa uma preocupação aberta com o “efeito negativo” que as políticas de
estímulo ao trabalho das mães poderiam ter em famílias com crianças. Afirmava que a
literatura internacional indicava a existência de efeitos contraditórios do trabalho dos
pais nas oportunidades das crianças, e que a remoção das “armadilhas tributárias”
para os “segundos provedores” não deveria ser feita às expensas das “necessidades e
oportunidades das crianças” (EC, 2002ª:129-30).
Esse ponto é enfatizado por Rubery et al (2003). Os autores manifestam sua
estranheza em relação a essa colocação, que estaria questionando explicitamente o
objetivo da EEE de promover famílias com “duplos provedores” (“dual-earner
households”). O comentário do peer review estaria expressando uma preocupação
com a noção de “mães trabalhadoras” baseada no pressuposto de que a
responsabilidade pelo cuidado infantil é das mães e que, portanto, os estímulos à sua
entrada no mercado de trabalho e à sua saída da condição de “segunda provedora” (ou
provedora secundária) deveriam ser controlados. Caso contrário, poderia ter um efeito
negativo sobre a situação das crianças.
Os impactos da redefinição da EEE sobre a política de gênero
Como já foi assinalado, na segunda fase da EEE, os 4 pilares anteriores
(empregabilidade, empreendedorismo, adaptabilidade e igualdade de oportunidades
para homens e mulheres) são substituídos pelos objetivos gerais do pleno emprego,
qualidade e produtividade no trabalho e coesão e inclusão social, acompanhados por
10 diretrizes
31
. A igualdade de gênero passa assim, de ser um entre 4 pilares, a ser uma
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 238
30
As metas quantitativas relativas às taxas de emprego das mulheres e de cobertura das creches e
jardins infantis, assim como os argumentos que as fundamentaram podem ser vistas a partir desse
prisma.
31 As 10 diretrizes são: 1) apoio às pessoas desempregadas e inativas na busca de emprego e na
prevenção do emprego de longa duração; 2) promoção do empreendedorismo; 3)promoção da
adaptabilidade; 4) promoção de mais e melhores investimentos no capital humano; 5) aumento da
oferta de emprego e promoção do “envelhecimento ativo”; 6) promoção da igualdade de gênero
em termos de emprego e remunerações; 7) combate à discriminação contra os grupos “em
entre 10 diretrizes, por sua vez subordinadas aos 3 objetivos centrais da EEE.
Mantém-se o compromisso com a transversalização do objetivo da igualdade de
gênero no conjunto da EEE, mas é necessário analisar mais detidamente as
conseqüências dessa mudança de orientação em relação ao tema que nos ocupa.
32
A primeira observação importante se refere à manutenção das principais
metas quantitativas definidas na primeira fase da EEE, relativas à elevação da taxa de
emprego das mulheres a 60% até 2010 e à ampliação da oferta de creches (a 33%
para as crianças de até 3 anos de idade e a 90% para as que têm mais de 3 anos).
Apesar disso, Rubery et al (2003:492) apontam três riscos na nova estrutura: em
primeiro lugar, a perda da visibilidade adquirida pelo tema da igualdade de gênero na
condição de um dos 4 pilares da EEE; em segundo lugar a “concorrência potencial”
entre as medidas e políticas de promoção da igualdade de gênero e a agenda
relacionada aos grupos “em situação de desvantagem” (Diretriz n. 7); em terceiro
lugar, apesar de haver semelhanças entre o conteúdo da nova diretriz n. 6 relativa à
igualdade de gênero e o antigo 4º pilar, a ausência de uma definição mais precisa do
significado da transversalização de gênero e das medidas necessárias à sua posta em
prática poderia dificultar (ou diminuir o estímulo) à tradução desse princípio nos
PNAEs.
33
Apesar disso, os autores chamam a atenção para os possíveis aspectos
positivos nessa mudança. A renovação do compromisso com uma “substancial
redução”, até 2010, das desigualdades de gênero em termos das taxas de emprego,
desemprego e remunerações (inscrita na Diretriz n. 6), ainda que não traduzido em
metas quantitativas precisas, poderia dar um novo ímpeto às iniciativas de promoção
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 239
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
desvantagem”; 8) “tonar o trabalho financeiramente atraente” (“making work pay”); 8) redução do trabalho
“não declarado”; 9)promoção da mobilidade ocupacional e geográfica.
32
Não há, evidentemente, uma resposta única em relação à pergunta se a mudança empreendida
em 2002 – e as novas mudanças que terão lugar em 2005, momento em que se produz uma nova
reestruturação da EEE – contribui ou não a fortalecer as políticas de igualdade de gênero,
especialmente no que se refere ao objetivo de avançar no sentido da ruptura da dicotomia entre
provedores e cuidadoras e dos provedores primários x provedores secundários. Além da nossa
própria leitura dos documentos oficiais disponíveis, essa análise estará baseada na discussão
realizada a respeito pelo EGGE e por Rubery et al 2003 e 2004.
33 Essa definição estava presente na versão anterior da EEE, principalmente após 1999, quando se
realiza a sua 1ª avaliação e se decide reforçar a orientação da transversalização nos outros 3
pilares. Incluía recomendações tais como a necessidade de realizar uma avaliação de gênero e de
incluir indicadores de igualdade de gênero em cada uma das outras diretrizes, assim como a de
dialogar permanentemente com os “gender equality bodies”. Continha também exemplos práticos
do que significa a equidade de gênero em cada uma das outras áreas de política, incluindo as
“estratégias de ativação” e de “prevenção do desemprego” e as reformas tributárias e
previdenciárias, promoção do empreendedorismo, adaptabilidade, formação ao longo da vida
(Rubery, s/d, pg 9).
da igualdade. Por sua vez, os três novos objetivos gerais da EEE eram particularmente
relevantes para a igualdade de gênero e permitiam uma fértil leitura a partir dessa
perspectiva: a consecução da meta do pleno emprego exigiria uma redução
substancial do desemprego feminino, assim como a redução do “employment gap”
entre homens e mulheres; a ênfase na questão da produtividade e da qualidade de
emprego abria espaço para uma maior preocupação com a qualidade do emprego das
mulheres – tema que havia sido colocado em segundo plano na 1ª fase da EEE devido
à ênfase conferida às metas quantitativas - e para a inclusão do conceito de equidade
de gênero como um dos fatores de definição da qualidade do emprego; por último,
abria-se um espaço importante para considerar as dimensões de gênero relativas aos
temas da inclusão e da coesão social. Além disso, alguns temas presentes em outras
diretrizes - tais como o foco nas pessoas inativas, no equilíbrio entre a vida e o trabalho
e na formação ao longo da vida – também eram muito relevantes para a promoção da
igualdade de gênero (Rubery et al, 2003: 493 e 2004: 605).
Por sua vez, a proposta de integração das políticas de emprego com as
políticas econômicas abria uma oportunidade de estender a orientação da
transversalização de gênero – já presente no campo da estratégia de emprego – a
outros âmbitos de gestão econômica e macro econômica da União Européia. O risco
disso é que os temas de emprego passassem a ser dominados pelos temas
macroeconômicos e que a abordagem mais econômica dos temas de emprego
pudesse entrar em conflito com os objetivos gerais de promoção da igualdade e da
inclusão social presentes até então na EEE.
A primeira avaliação dos Planos Nacionais de Ação para o Emprego na
segunda fase da EEE (seguindo as novas diretrizes) feita pelo EGGE, no entanto, é
que haviam predominado os impactos negativos. Segundo essa avaliação, o tema da
igualdade de gênero, com raras exceções, ficou confinado à Diretriz n. 6 e o objetivo da
transversalização teria perdido visibilidade. As oportunidades abertas pelas novas
diretrizes não teriam sido aproveitadas, e o foco das políticas teria continuado a ser
basicamente quantitativo (atingir as metas de emprego), com pouca ou quase
nenhuma incorporação dos temas relativos à qualidade do emprego (Rubery et al,
2004:609)
A falta de uma perspectiva de gênero no tratamento das outras diretrizes teria
restringido bastante a dimensão da igualdade nas políticas apresentadas. Por
exemplo: a nova atenção dada às pessoas inativas na Diretriz n. 1 (promoção de
medidas ativas e preventivas para os desempregados e inativos), deveria ter aberto
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 240
novas oportunidades para as mulheres, já que elas predominam nesses grupos; mas
na prática as políticas adotadas se concentraram nas pessoas com deficiências.
34
O mesmo ocorre em relação à Diretriz n. 5 (promoção do envelhecimento
ativo). A ausência de uma análise de gênero não questiona o pressuposto de que a
principal causa da baixa taxa de emprego para as pessoas mais velhas era uma
retirada precoce do mercado de trabalho e que, portanto, a forma de aumentar essa
taxa era evitar a retirada precoce. No entanto, em muitos países, o fator principal para
manter em um nível reduzido a taxa média de emprego das pessoas mais velhas era a
baixa taxa de emprego das mulheres, fenômeno que não podia ser explicado pela
retirada precoce do mercado de trabalho, mas sim pela dificuldade de reingresso após
o período de mais intenso trabalho reprodutivo (Rubery et al, 2004: 609). Tampouco se
observam avanços em relação à institucionalidade para a transversalização de gênero,
tais como o fortalecimento dos mecanismos nacionais e das estatísticas desagregadas
por sexo ou da realização análises dos resultados das políticas a partir de uma
perspectiva de gênero.
Mesmo em relação ao que os autores consideram o elemento mais positivo da
Diretriz n. 6 (a solicitação de que os estados membros definam políticas para atingir
uma redução substancial nas desigualdades de gênero em termos de emprego,
desemprego e rendimentos), os avanços são moderados. Apenas um país havia
definido metas específicas para reduzir as desigualdades de remuneração (Portugal) e
5 para aumentar a taxa de emprego das mulheres (França, Holanda, Áustria, Itália e
Grécia).
35
A Inglaterra definiu uma meta de emprego para os chefes de famílias
monoparentais (“lone parents”), categoria na qual predominam amplamente as
mulheres e em muitos países se havia avançado na oferta dos serviços de creche
(Rubery et al, 2004:616).
36
Os autores também analisam os Planos Nacionais de Ação sobre Inclusão
Social dos anos 2001 e 2003 e consideram que os avanços em termos da introdução
da dimensão de gênero haviam sido muito modestos, apesar da diretriz definida para a
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 241
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
34 É importante notar também que essa diretriz não continha uma orientação extremamente
importante e que estava presente na 1ª fase da EEE, qual seja, a de garantir a representação das
mulheres nas políticas ativas de mercado de trabalho em uma proporção que fosse pelo menos
igual à sua participação no desemprego (Rubery et al, 2004:612).
35
A Itália, apesar de ter definido uma meta específica para aumentar a taxa de emprego das
mulheres (46% em 2005) não desenvolveu nenhuma política ou programa nessa direção (Rubery
et al, 2004: 616).
36
Para uma análise detalhada dos avanços em relação à oferta de creches ver Fagan e Hebson,
2006.
segunda geração desses planos (a de 2003) de que isso deveria ser feito.
37
Com
exceção do caso da Suécia, considerado o único exemplo mais consistente de
transversalização da dimensão de gênero no Plano, nos poucos casos em que o tema
da igualdade de gênero era introduzido, raramente era considerado um objetivo em si
mesmo mas sim a sua utilidade ou funcionalidade para atingir outros objetivos, tais
como a eliminação da pobreza das crianças. Muito pouca atenção foi dada ao tema do
acesso das mulheres aos recursos e às medidas para superar esse problema.
Também se observou uma falta de consideração da perspectiva de gênero ao abordar
os temas da pobreza e da inclusão social. Mesmo quando as políticas ou programas
tinham impactos positivos em termos de gênero, na maioria dos casos havia uma falta
de interesse dos estado membros em identificar esses exemplos como “boas práticas”
(Rubery et al, 2004: 624)
38
.
5.2.1.3. A terceira fase da Estratégia Européia de Emprego: a tentativa de
aprimorar a integração das políticas de emprego e as políticas econômicas e
sociais.
Em 2005 a Comissão Européia promoveu uma nova reestruturação na EEE a
partir dos resultados do segundo relatório de um grupo de especialistas coordenado
por Wim Kok (ex Primeiro Ministro da Holanda). A principal mensagem desse relatório
foi a necessidade de focalizar mais a EEE e avançar na sua integração com as políticas
econômicas e sociais desenvolvidas no âmbito da UE.
A avaliação feita nesse momento pela Comissão Européia é que se havia
avançado no cumprimento dos objetivos de Lisboa em termos do aumento do emprego
e da diminuição do desemprego. No entanto, tanto o aumento da produtividade do
trabalho quanto a melhoria da qualidade do emprego continuavam estando aquém das
necessidades. A capacidade de resposta dos mercados de trabalho europeus aos
desafios da mundialização e do envelhecimento demográfico continuavam sendo
questões decisivas. Os relatórios nacionais de monitoramento da implementação da
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 242
37
Essa foi a conclusão tanto do EGGE (Rubery et al, 2003b) como no Relatório Conjunto sobre
Inclusão Social da Comissão Européia (CEC, 2003d).
38 Por sua vez, um documento do Advisory Committee on Equal Opportinities for women and men,
2004. (“Opinion on the Reccomendations to Stregngthen the implementation of the European
Employment Strategy”) em 2004 chamava a atenção para o fato de que as desigualdades de
gênero no mercado de trabalho demonstraram uma “extraordinária persistência e resistência à
mudança”. Reconhecia o fato de que a EEE havia sido um instrumento importante para promover
esse objetivo na área do emprego e recomendava fortemente que essa contribuição não
diminuísse ou se visse afetada pela reestruturação que estava em curso.
EEE evidenciavam que a aplicação das políticas havia se centrado principalmente no
objetivo de fazer com que mais pessoas se incorporassem e permanecessem no
mercado de trabalho e muito menos se havia avançado em relação aos objetivos de
aumentar a “adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas” (COM (2006) 815
final).
O resultado dessa avaliação foi a decisão de introduzir mudanças nos
mecanismos de monitoramento (“reporting”) e passar a fazer um único relatório (que
deixam de ser exclusivamente sobre emprego e passam a ter como referência um
“Programa Nacional de Reformas), baseado em um conjunto de diretrizes integradas
que combinassem as diretrizes relativas à política econômica mais geral com aquelas
relativas ao emprego, e que teriam validade até 2008 (CE, 2005).
39
Uma vez mais é necessário indagar quais foram (ou têm sido) as implicações
dessa mudança a trajetória dos temas de igualdade de gênero. Como já assinalado,
na primeira reestruturação da EEE, realizada em 2003, o pilar da igualdade de gênero
foi substituído por uma diretriz específica (Diretriz n. 6), aliada à manutenção do
compromisso pela transversalização. Na nova estrutura, inaugurada em 2005,
desaparece a diretriz relativa à igualdade de gênero. Mantém-se o compromisso
geral com o tema, que aparece em uma introdução geral na qual se diz que “A
igualdade de oportunidades e a luta contra a discriminação são essenciais para atingir
os objetivos propostos. Em toda a atuação empreendida, a integração das questões de
gênero e o fomento da igualdade entre os sexos deveria estar garantida”(CE,
2005/600). Além disso, permanecem alguns elementos específicos distribuídos entre
as diretrizes 17 e 24, que são aquelas relativas ao emprego. Por exemplo: da dentro do
objetivo geral de “atrair mais pessoas para que se incorporem e permaneçam no
mercado de trabalho, aumentar a oferta de mão de obra e modernizar os sistemas de
proteção social”, onde se situa a Diretriz n. 18 (“Promover um enfoque de trabalho
baseado no ciclo de vida”) faz-se referência explicita à necessidade de desenvolver
uma “atuação decidida para aumentar a participação feminina e reduzir as diferenças
existentes entre homens e mulheres em matéria de emprego, desemprego e
remuneração” e promover uma melhor conciliação entre a vida familiar e profissional e
uma oferta acessível de serviços de assistência infantil e cuidado de outras pessoas
dependentes (CE, 2005/600).
A Diretriz n. 19 (“Assegurar a existência de mercados de trabalho inclusivos,
melhorar a atratividade do trabalho e torná-lo mais remunerador para os que procuram
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 243
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
39
Ver Comissão das Comunidades Européias, 2005, para o conjunto das diretrizes.
emprego, incluindo as pessoas desfavorecidas e os inativos”) estabelece a
necessidade de “atacar as armadilhas” do desemprego, da pobreza e da inatividade,
através basicamente de dois meios: a implementação de políticas ativas de mercado
de trabalho (ajuda para a busca de emprego, formação e orientação ocupacional no
marco de planos de ação personalizados e prestação dos serviços sociais necessários
para favorecer a inserção no mercado de trabalho) e a revisão permanente dos
sistemas tributários e previdenciários, incluindo a sua gestão e condicionalidades,
“para que trabalhar seja rentável” (to make work pay) e para garantir níveis adequados
de proteção social.
Não há, nessa diretriz, uma definição clara do que seriam essas “pessoas
desfavorecidas” e nem qualquer referência explícita à situação das mulheres ou a uma
consideração desses problemas a partir de uma perspectiva de gênero. As análises
dos planos nacionais elaborados a partir dessas orientações indicam que, em muitos
casos, a ênfase não foi posta nas mulheres e sim nas pessoas com deficiências, nos
imigrantes e nas minorias étnicas ou nacionais. Por outro lado, segundo as novas
orientações e a diferença das fases anteriores da EEE, quando cada Estado Membro
estava obrigado a prestar contas anualmente ao que havia sido realizado em relação
ao conjunto das diretrizes, eles passam a ter mais liberdade de escolher em quais
diretrizes focalizar o seu esforço.
A avaliação do Grupo de Especialistas em Gênero, Inclusão Social e Emprego
(EGGSIE) sobre a supressão da diretriz específica de gênero é negativa. A análise da
primeira rodada de relatórios nacionais feitos sob essa nova forma
40
evidencia uma
menor ênfase em relação aos temas de gênero, que, com algumas exceções, não se
limita à redução dos esforços dirigidos à transversalização, mas se reflete também em
um menor uso de estatísticas desagregadas por sexo e do recurso à análise de gênero,
assim como de medidas específicas dirigidas às mulheres ou à promoção de gênero
no contexto das políticas nacionais de emprego (Fagan et al, 2006:573, Rubery et al,
2005a). Para os autores esse resultado aprofunda o que já havia acontecido nos
PNAEs de 2003 e 2004, elaborados segundo as diretrizes definidas em substituição
aos 4 pilares (vigentes entre 1997 e 2002). Apontam, por exemplo que, nos relatórios
de 2005, os Estados Membros deixaram inclusive de mencionar algumas iniciativas
positivas de promoção da igualdade de gênero que haviam sido implementadas,
devido ao fato disso não haver sido explicitamente solicitado nas novas diretrizes. Por
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 244
40
Relatórios do Programa nacional de Reformas. Os últimos relatórios relativos aos Programas
Nacionais de Ação para o Emprego (PNAEs) foram elaborados em 2003 e 2004.
outro lado, iniciativas ou medidas com impacto negativo sobre a igualdade de gênero
também não foram informadas e analisadas. Essa parece ser uma evidencia da
importância da existência de diretrizes específicas relativas ao tema de gênero e que
estabelecem mecanismos específicos e explícitos de prestação de contas
(accountability).
Contrastando com esses aspectos negativos, há evidências de avanços em
relação aos temas relativos ao cuidado infantil (metas de Barcelona) e ao
desenvolvimento das políticas de reconciliação entre a vida familiar e o trabalho
remunerado. No entanto, várias dessas políticas de reconciliação ainda partem do
pressuposto (e o reforçam) de que as mulheres são as cuidadoras primárias (primary
carers) e que a sua participação no mercado de trabalho poderia e deveria dar-se em
bases diferentes das dos homens. Novas modalidades de trabalho, tais como jornadas
flexíveis ou de meio tempo, mesmo em países onde havia pouca tradição nesse
sentido (como é o caso da República Checa), ou nos “mini-empregos (Alemanha)
foram analisados nesses relatórios como desenvolvimentos positivos, sem considerar
os impactos negativos que podem ter para a igualdade de gênero (tanto em termos do
seu impacto sobre os níveis de remuneração das mulheres como em termos da sua
proteção social). Por outro lado, na França foi proposta uma nova lei sobre igualdade
de remunerações que estabelece multas para as empresas que não negociem temas
relativos à igualdade, não promovam medidas para eliminar as desigualdades de
remuneração e não assegurem tratamento justo em relação aos salários e
remunerações para as mulheres com licença maternidade (Fagan et al, 2006: 575).
41
Mas a crítica geral de Fagan et al (2006) em relação à nova estrutura da EEE é
severa. Segundo esses autores, o efeito principal das mudanças introduzidas em 2005
evidenciaria que o “processo de Lisboa” vinha promovendo um enfoque estreito e
instrumental do tema da igualdade de gênero, visto mais como um meio para aumentar
a taxa global de emprego – e, dessa forma, aumentar a base tributária para os
sistemas de previdência social – do que como um meio de promover a igualdade de
gênero como um fim em si mesmo. A meta relativa à taxa de emprego das mulheres
teria tido um importante efeito catalisador sobre as políticas de gênero. Mas, a cada
nova rodada anual de avaliação de como isso vinha sendo implementado foi ficando
claro, no entender desses autores, que estava em curso um estreitamento
(empobrecimento) da agenda da igualdade de gênero e que esta consistia
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 245
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
41
Para mais detalhes sobre exemplos específicos de evoluções positivas e negativas do tema da
igualdade de gênero nos Estados Membros, ver Fagan et al (2006: 573/584).
basicamente em uma tentativa de aumentar a taxa de emprego das mulheres através
de medidas e reformas do lado da oferta de trabalho (políticas ativas de mercado de
trabalho, reformas aos sistemas tributários e previdenciários para tornar o trabalho
mais rentável) e da extensão dos serviços de creche, enfatizando cada vez menos os
temas relativos às desigualdades de remuneração e à qualidade do emprego. Essa
evolução evidenciaria o grande e complexo caminho a percorrer para transversalizar o
gênero no campo das políticas econômicas e sociais. A proposta dos autores (que
fazem parte do EEGSIE) é continuar a trabalhar com as diretrizes integradas tentando
reestabelecer uma diretriz específica para a igualdade de gênero e, ao mesmo tempo,
estabelecer um mecanismo claro e específico pra promover a transversalização no
conjunto das demais diretrizes (Fagan et al, 2006: 571)
42
.
Balanço geral dos avanços
Como já foi assinalado, ao lado dos mecanismos específicos de
monitoramento da EEE, uma série de outros relatórios e documentos continuam sendo
publicados sistematicamente com o objetivo de avaliar a situação geral do mercado de
trabalho e das políticas de promoção da igualdade de gênero.
43
A importância desses
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 246
42 Ainda segundo os autores, a “rationale” macroeconômica geral da promoção do emprego das
mulheres (aumento da taxa de emprego das mulheres) seria aumentar a base tributária e reduzir a
porcentagem da população dependente dos benefícios do Estado de Bem Estar. A Agenda Social
Européia (pg 7) afirma que mobilizar todo o potencial de emprego disponível é decisivo para
garantir a perpetuidade dos sistemas previdenciários.
43
Desde 1998, a Comissão de Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades publica
anualmente um documento intitulado “Emprego na Europa” que procura dar conta tanto da
evolução conjuntural do mercado de trabalho quanto de temas de fundo relativos ao seu
funcionamento. O cumprimento das metas estabelecidas na EEE é sempre uma referência central
dessa análise, entre elas aquelas relativas à igualdade de gênero. A partir de uma solicitação
realizada pelo Conselho Europeu de Primavera de 2003, passa a ser elaborado também,
anualmente, pela Comissão Européia, um relatório anual sobre a igualdade entre homens e
mulheres. O primeiro deles foi publicado em 2004. Todos esses documentos estão disponíveis em
http://ec.europa.eu/employment_social. A análise realizada a seguir está baseada principalmente nos dois
últimos desses relatórios (Report on equality between women and men 2005 e 2006, publicados
respectivamente em fevereiro de 2006 e fevereiro de 2007) (EC, 2006a e EC 2007) e no relatório
“Employment in Europe, 2006”. Em março de 2006 se aprova uma Comunicação da Comissão ao Conselho,
ao Parlamento e ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões (COM(2006) 92 final,
1/3/2006) intitulada “Plano de trabalho para a igualdade entre as mulheres e os homens 2006-2010” (A
roadmap for equality between women and men 2006-2010) que foi publicado em abril do mesmo ano pela
Comissão Européia (Directorate-Generale for Employment, Social Affairs and Equal Opportunities, Unit G1).
O objetivo desse Plano de Trabalho é identificar desafios e linhas de ação para que a UE possa alcançar a
igualdade de gênero através de sua política interna e externa, de forma coerente com os objetivos de
crescimento e criação de empregos.
mecanismos, é estar, constantemente, repondo o tema na agenda política e social,
tanto no âmbito comunitário como no dos países que conformam a UE, contribuindo a
evitar a sua diluição e enfraquecimento, avaliando os avanços e os obstáculos,
identificando os resultados – positivos e negativos - das medidas e políticas
implementadas e fazendo propostas de mudanças, ajuste e aprofundamento dessas
políticas, reafirmando ou redefinindo prioridades e propostas para enfrentar os novos e
velhos desafios.
Segundo os relatórios relativos à igualdade entre homens e mulheres dos anos
2005 e 2006, o compromisso da União Européia com a promoção da igualdade de
gênero e com o enfoque dual
44
continuavam sendo afirmados em documentos gerais
de grande importância, tais como a Agenda Social Européia para 2005-2010 e o
Consenso Europeu para o Desenvolvimento (2005).
45
A análise contida nesses documentos, assim como no “Plano de trabalho para
a igualdade entre as mulheres e os homens 2006-2010” evidencia avanços
importantes, entre eles o aumento do acesso das mulheres ao emprego, e, portanto, às
possibilidades de autonomia econômica. Assim como os avanços legislativos em
matéria de igualdade a nível comunitário (muitos dos quais incorporados às
legislações nacionais de vários Estados Membro) e o fortalecimento dos mecanismos
institucionais no âmbito da UE para acompanhar e monitorar esse processo. Destaca
também a importância das “contrapartes sociais” (organizações de empregadores e
trabalhadores) e do Parlamento Europeu nesse processo. Mas chama a atenção para
a persistência de elevados níveis de desigualdade entre homens e mulheres e para a
possibilidade de que essa desigualdade se agrave devido ao aumento da pressão
competitiva internacional no sentido da flexibilização do trabalho, que poderia afetar
mais as mulheres que os homens. Além disso indica que progressos feitos pelas
mulheres em algumas das áreas chaves definidas na Estratégia de Lisboa (como
educação e pesquisa) não têm se refletido adequadamente no mercado de trabalho, o
que significa “um desperdício de recursos humanos ao qual a UE não pode
permitir-se”. Enfatiza também o problema das baixas taxas de natalidade e da
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 247
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
44
Combinação de medidas especifica dirigidas às mulheres com a transversalização da perspectiva
de gênero em todas as ações empreendidas
45 Os mencionados relatórios não compartilham a posição crítica dos autores que vínhamos
discutindo até agora em relação à diluição do tema da igualdade de gênero nas novas diretrizes da
EEE. A opinião expressa através deles – que reflete a opinião oficial da Comissão Européia – é
que esse compromisso teria sido renovado nas novas diretrizes integradas para o crescimento e o
emprego (que passam a ser conhecidas como “a Estratégia de Lisboa renovada”). Apesar disso,
reconhecem que o tema tem sido insuficientemente tratado nos “Programas Nacionais de
Reforma”.
diminuição da população ativa, problemas considerados de grande relevância
na agenda social européia e ameaças ao papel político e econômico da UE (EC,
abril 2006).
Os documentos enfatizam a contribuição das políticas de gênero para o
crescimento e o emprego, chamando a atenção para o fato de que ¾ dos novos
empregos criados na Europa entre 2000 e 2005 foram ocupados por mulheres e que os
avanços no sentido do cumprimento das metas de emprego de Lisboa (taxa global de
emprego de 70% em 2010) devem-se em grande parte ao aumento constante das
taxas de participação e de emprego das mulheres.
Com efeito, a taxa de emprego feminina aumentou em 2005 pelo 12º ano
consecutivo, atingindo a cifra de 56,3%
46
. Em conseqüência, a diferença entre as taxas
de emprego de homens e mulheres (o employment rate gap) reduziu-se de 18,1 pontos
porcentuais em 1999 para 15,0 pontos porcentuais em 2005 (uma diminuição de 3,1
pontos porcentuais em 6 anos). Apesar da taxa de desemprego das mulheres (9,7%)
continuar mais elevada que a dos homens (7,8%) essa diferença também se reduziu.
Apesar da taxa de emprego das mulheres de mais de 55 anos (33,7%) ser bastante
inferior à taxa média de emprego das mulheres, ela também cresce em um ritmo
superior à dos homens. A avaliação do relatório de 2006 é que, se essas tendências
favoráveis forem mantidas, será possível atingir em 2010 a meta de uma taxa de
emprego feminina de 60% (EC, 2007:9)
Apesar desses dados positivos, os relatórios apontam a persistência de
problemas importantes em termos de segregação ocupacional, desigualdades nas
remunerações e na taxas de emprego e no acesso às decisões políticas e econômicas.
Com efeito, a segregação ocupacional continua sendo um traço característico
do mercado de trabalho europeu: mais de 40% das mulheres trabalham na
administração pública, e serviços sociais, de saúde ou educação (no caso dos homens
essa proporção é de 20%). Uma área de especial preocupação é a segmentação de
gênero no trabalho a tempo parcial, que corresponde a 32,9% da ocupação feminina e
a apenas 7,% da masculina. Esses dados refletem os diferentes padrões de uso do
tempo entre homens e mulheres e as grandes dificuldades que elas enfrentam para
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 248
46
O que representa um aumento de 2,7 pontos porcentuais em relação a 2000. No mesmo período,
a taxa de emprego dos homens manteve-se praticamente estável – sua taxa de variação positiva
foi de apenas 0,1 pontos porcentuais. Esses dados se referem aos 25 países que conformam
atualmente a UE. Considerando apenas os 15 que a conformam desde o início da implementação
da EEE, essa variação ainda é mais significativa: a taxa de emprego das mulheres atingiu em 2005
a cifra de 57,4% - 3,3 pontos porcentuais superior à de 2000 e 2,6 pontos porcentuais abaixo da
meta de 60% que deve ser atingida até 2010.
conciliar o trabalho e as responsabilidades domésticas. No caso das mulheres, a
participação no mercado de trabalho, assim como o número de horas trabalhadas, está
muito relacionada ao número e à idade dos filhos: para as que têm entre 20 e 49 anos,
ter um filho reduz a taxa de emprego em 15 pontos porcentuais, o que é uma cifra
extremamente significativa. No caso dos homens o efeito é contrário: 6 pontos
porcentuais de aumento (EC, 2007).
47
Por outro lado, os Relatórios indicam que, apesar da legislação que garante a
igualdade de remuneração, o diferencial entre homens e mulheres vem se reduzindo
muito lentamente nessa área.
48
Entre as razões que explicam esse fato, destacam-se a
discriminação direta e a persistência de desigualdades estruturais, tais como a
segregação ocupacional e os desiguais padrões de emprego, diferenças de acesso à
educação e qualificação e os sistemas de avaliação e remuneração marcados por
preconceitos e estereótipos de gênero.
O tema de um maior equilíbrio entre a vida e o trabalho para homens e
mulheres é destacado como um dos principais desafios a ser enfrentado pela UE para
avançar no objetivo da promoção da igualdade de gênero. A dificuldade de conciliar a
vida e o trabalho continua expulsando trabalhadores/as do mercado de trabalho e
contribui para a redução das taxas de natalidade, tema que é visto como um dos
grandes problemas da agenda social européia. Por isso se afirma a necessidade de
colocar em prática medidas que facilitem a “conciliação entre o trabalho e as
responsabilidades privadas para homens e mulheres” e que esse objetivo deve estar
sustentado por um compromisso político no mais alto nível e por instrumentos
institucionais adequados e efetivos.
49
A partir desse diagnóstico, a Comissão Européia define os principais desafios
e orientações para o aprofundamento das políticas de promoção da igualdade de
gênero, o que supõe a sua “plena integração” na Estratégia Européia para o
Crescimento e o Emprego (a “Estratégia de Lisboa renovada”). Em primeiro lugar,
recomenda a intensificação das iniciativas para continuar aumentando a taxa de
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 249
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
47 Por outro lado, o recurso ao trabalho a tempo parcial aumenta com o número de filhos no caso das
mulheres, o que não acontece com os homens: 1/3 das mulheres com 1 filho e 50% das que têm 3
ou mais filhos trabalha a tempo parcial. No caso dos homens não existe essa relação (EC, 2007).
48
De acordo com o Employment in Europe, 2005, as desigualdades de rendimentos entre homens e
mulheres (gender pay gap) teria se reduzido apenas um ponto percentual (de 16 para 15) entre
1997 e 2003 (European Commision, 2005).
49 O Relatório indica ainda que a participação das mulheres nos cargos de maior hierarquia nas
empresas continua sendo reduzida e que o risco da exclusão social é maior para elas que para os
homens em todos os estágios da vida: 20% mais elevado, por exemplo, entre as mulheres com
mais de 65 anos (EC, 2007:10).
emprego das mulheres (ou seja, para continuar perseguindo a meta quantitativa
principal da EEE desde o Conselho de Lisboa), e, ao mesmo tempo, para enfrentar
dois problemas de ordem qualitativa que, segundo as várias análises realizadas, não
haviam merecido a devida atenção, e continuavam mostrando uma grande resistência
à mudança: as desigualdades de remuneração e a qualidade do emprego das
mulheres. Recomenda-se atacar as causas estruturais das desigualdades de
remuneração, o que exige o desenvolvimento de ações em vários âmbitos: a plena
aplicação da legislação antidiscriminatória, o ativo envolvimento dos parceiros sociais,
a necessidade de enfrentar a segmentação ocupacional, aumentar o acesso à
educação e à formação profissional, eliminar as considerações de gênero que
intervém direta ou indiretamente nos sistemas de avaliação e remuneração, rever as
classificações das ocupações e profissões e combater os estereótipos de gênero. Em
relação à qualidade dos postos de trabalho propõe-se a promoção e disseminação de
padrões de emprego que valorizem as qualificações dos/as trabalhadores/as e ao
mesmo tempo garantam segurança no emprego, direitos e benefícios sociais.
A segunda idéia que merece destaque é a definição do objetivo de “obter o
mesmo grau de independência econômica para as mulheres e os homens” (EC, abril
2007). Essa formulação parece reforçar um dos objetivos iniciais da EEE no sentido de
promover as famílias de “duplo provedor” (Rubery et al, 2002a) e uma inserção mais
igualitária das mulheres no mercado de trabalho. Além da elevação da taxa de
emprego das mulheres, a proposta envolve o estímulo à sua qualificação e
empreendedorismo
50
por meio de uma maior e melhor utilização dos recursos dos
novos Fundos Estruturais
51
, assim como a realização, quando necessário, de reformas
nos sistemas tributários e previdenciários para “tornar o trabalho financeiramente
atraente” e capaz de garantir a autonomia econômica de pessoas e grupos que estão
em situação de inatividade, recebendo rendas muito baixas provenientes da
assistência social e-ou desempenhando o trabalho de cuidado não remunerado no
interior das famílias. Essas reformas deveriam apontar para a individualização dos
direitos relacionados ao sistema tributário e previdenciário, removendo os
desincentivos para que homens e mulheres entrem e permaneçam no mercado de
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 250
50 O documento destaca que as mulheres já constituem 30% dos empreendedores na UE, mas
continuam tendo maior dificuldade de começar o seu negócio e de ter acesso ao crédito e à
capacitação (EC, abril 2007).
51
Segundo uma análise realizada em 2006, o Fundo Social Europeu (um dos fundos estruturais da
UE) dedicou 6% do total de seus recursos entre 200-2006 para ações específicas de promoção da
iguladade de gênero (Impact Assessment document SEC (2006) 275).
trabalho, permitindo-lhes acumular individualmente os direitos e benefícios
previdenciários.
52
O terceiro tema de destaque é a promoção de uma efetiva reconciliação entre
o trabalho e a vida privada. O adequado equilíbrio entre a vida e o trabalho é
considerado uma condição para a redução da desigualdade de gênero e a melhoria
da qualidade do ambiente de trabalho, e também como uma contribuição importante
para enfrentar os desafios representados pelas mudanças demográficas. O relatório
estabelece claramente que, para ser efetivo, é necessário que esse equilíbrio seja
definido e promovido como uma política dirigida tanto às mulheres quanto aos
homens em todos os estágios de suas vidas, incluindo a juventude, tal como
definido no Pacto Europeu para o Emprego (COM (2005) 2006 final 30/5/2005). Afirma
a necessidade de que as instâncias comunitárias e os Estados Membros renovem seu
compromisso de prover serviços de cuidado para as crianças e outras pessoas
dependentes (como os idosos e as pessoas com deficiências) que sejam accessíveis e
de boa qualidade, e que estejam adaptados – em termos de localização e horários de
funcionamento- para as pessoas que trabalham em tempo integral, assim como a
necessidade de promover arranjos flexíveis de trabalho para homens e mulheres.
Estabelece ainda que o acesso aos serviços públicos, incluindo transporte, creches e
serviços de emprego devem ser adequados às pessoas (homens e mulheres) que
trabalham em tempo integral. Por último enfatiza a importância de combater
decisivamente os estereótipos de gênero e estimular os homens para que estes
assumam as suas responsabilidades na esfera familiar e doméstica.
O quarto tema destacado é a necessidade de fortalecer os mecanismos
institucionais de promoção da igualdade de gênero, dotando-os da necessária
independência, recursos e capacidades que garantam o seu efetivo funcionamento;
assim como a melhoria da elaboração, coleta e disponibilização de dados e
indicadores desagregados por sexo, e a realização de auditorias de gênero e análises
de gênero dos orçamentos e dos impactos das diversas políticas. Por último se
enfatiza a necessidade de combate à discriminação múltipla, particularmente contra as
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 251
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
52
A discussão sobre as propostas para “tornar o trabalho financeiramente atraente” (making work
pay), suas dimensões de gênero e o seu impacto na conformação de um modelo de família e de
inserção no mercado de trabalho caracterizados como de “duplo provedor”, superando as
dicotomias entre provedor e cuidadora ou entre um provedor primário e um provedor secundário
será realizada com mais detalhe na última parte deste capítulo. Como se verá os conteúdos
dessas reformas variam muito por país e vários deles não são coerentes com as orientações
traçadas pela Comissão Européia nesses documentos.
imigrantes e minorias étnicas, promovendo a igualdade de gênero nas políticas
migratórias e de integração.
5.2.2.
Os “Programas Nacionais de Reformas” e seu impacto sobre a
inserção da mulher no mercado de trabalho
Já foi assinalada, ao longo deste capítulo, a importância do objetivo, para a
Estratégia Européia de Emprego e, mais globalmente, para a agenda econômica e
social européia, do aumento da taxa de emprego e da proporção de pessoas em idade
ativa que entram e permanecem no mercado de trabalho. Esse objetivo obedece a
razões de duas naturezas distintas: por um lado, a de promover a inclusão e a coesão
social; por outro, a de responder a problemas de ordem macroeconômica, tais como o
aumento da base tributária dos regimes de proteção social (em especial
previdenciários) em um contexto de envelhecimento populacional, provocado, entre
outros fatores, por uma acentuada redução das taxas de natalidade que caracteriza os
países europeus.
53
Já foi discutido também que, nesse contexto, a adoção, no ano 2000, no mais
alto nível da institucionalidade comunitária, de uma meta explícita de aumento da taxa
de emprego das mulheres respondia, da mesma forma, a razões distinta ordem: por
um lado, ao objetivo de promoção da igualdade de gênero, a partir do pressuposto de
que as mulheres tem o direito - e portanto devem ter a oportunidade – de obter a sua
autonomia e independência econômica através do trabalho remunerado; por outro
lado, a razões econômicas, já que o aumento geral da taxa de emprego, e o objetivo
mais amplo do pleno emprego, tal como formulado a partir de 2000, no Conselho de
Lisboa, dependia em grande medida, do aumento da taxa de emprego das mulheres.
54
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 252
53
Como foi discutido na sessão anterior, um dos fatores que explica essa acentuada queda nas
taxas de natalidade nos países europeus é a dificuldade de conciliação entre a vida familiar e o
trabalho, que faz com que muitas mulheres adiem ou renunciem à maternidade.
54 Da mesma forma, o objetivo do aumento da produtividade e da qualidade do trabalho que
pudessem colocar a UE em uma posição de vanguarda na nova economia do conhecimento
dependia em grande medida de um adequado aproveitamento e aperfeiçoamento do potencial
produtivo das mulheres, contingente da força de trabalho, que, além de ser cada vez mais
numeroso, é também cada vez mais escolarizado e qualificado.
É nesse contexto que deve ser situado o debate sobre a proposta de “tornar o
trabalho financeiramente atraente” para as pessoas de baixa renda.
55
Esse objetivo é
parte integrante da EEE a partir de 2003 e dos “Programas Nacionais de Reformas”
que passam a ser implementados em vários países a partir de 2005 na 3ª fase da
EEE.
56
Deve ser situado também em uma discussão bastante mais ampla e complexa,
relacionada a algumas das características do estado de Bem Estar Social europeu,
particularmente no que se refere às chamadas “armadilhas” do desemprego ou da
inatividade, ou seja àquelas situações em que as políticas passivas do mercado de
trabalho (como o seguro desemprego) ou os benefícios da assistência social passam a
“valer mais a pena” para certos setores da população do que a busca ativa de
emprego, ou a sua inserção em certos tipos de empregos em geral instáveis, precários
e mal remunerados e com baixos níveis de proteção social.
A Comunicação da Comissão Européia – COM (2003) 842 final (30/12/2003)
intitulada “Modernização da Proteção social para criar mais e melhores empregos: um
enfoque geral que contribua a fazer com que trabalhar seja rentável” é um marco
fundamental na definição dos termos desse debate. Entre suas recomendações estão
a de incentivar a entrada e permanência das pessoas no mercado de trabalho,
mantendo um alto nível de proteção social, em especial para os trabalhadores de baixa
renda, através, entre outras medidas, da remoção de desincentivos financeiros e
outras barreiras a essa inserção nos sistemas de proteção social e da criação de
incentivos não financeiros, tais como maior flexibilidade horária e mais opções para a
reconciliação entre a vida e o trabalho (como por exemplo uma maior oferta de
creches). A Comunicação também chama a atenção para a importância do salário
mínimo nesse debate e para a necessidade de promover uma interação adequada
entre as políticas passivas e as medidas ativas relativas à busca de emprego e à
qualificação profissional, tomando o devido cuidado para que o reforço das
condicionalidades para receber os benefícios não coloque em desvantagem as
pessoas que correm sérios riscos de pobreza e exclusão social.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 253
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
55
A expressão em ingles é “making work pay”, traduzida oficialmente nos documentos da UE para o
espanhol como “hacer el trabajo rentable” e para o português – utilizado em Portugal - como “tornar
o trabalho mais remunerador”.
56
Corresponde à diretriz n. 8 da 2ª fase da EEE (2003) e à diretriz n. 18 da 3ª fase e da EEE
(2005-2008), assim definida: “Assegurar a existência de mercados de trabalho mais inclusivos,
melhorar a atractividade do trabalho e torná-lo mais remunerador para os que procuram emprego,
incluindo as pessoas desfavorecidas e os inactivos” (tradução oficial ao português utilizado em
Portugal da Decisão do Conselho de 12 de julho de 2005 relativa às Orientações para as Políticas
de Emprego para os Estados Membros (2005/600/CE). Diario Oficial da União Européia,
Bruxelas, 5 agosto de 2006).
5.2.2.1. A dimensão de gênero do debate
O objetivo dessa parte do capítulo é analisar de que forma as propostas de
reforma (dos sistemas tributários, previdenciários e de algumas políticas de mercado
de trabalho) que passam a ser realizados nesse contexto impactam as relações de
gênero e contribuem ao avanço das políticas de igualdade. Mais precisamente, até que
ponto contribuem para avançar na superação da dicotomia entre o “provedor” e a
“cuidadora” ou entre o provedor principal e o secundário que caracterizaram
tradicionalmente essas instituições.
57
O relatório que serve de base a essa análise indica uma insuficiente
consideração da perspectiva de gênero nas propostas de reforma da proteção social e
no debate sobre “tornar o trabalho financeiramente atraente” em 13 dos 20 casos
nacionais analisados. Assinala que o problema da queda das taxas de natalidade na
Europa é uma indicação muito importante das dificuldades de conciliação entre o
trabalho e a família, que atinge especialmente as mulheres e que essa é uma razão
suficiente para que essas reformas sejam analisadas e revistas de uma perspectiva de
gênero mais ampla do que a que costuma estar presente. Afirma que uma adequada
análise de gênero exige que sejam examinadas diferentes áreas de políticas e sua
integração, mostrando, por exemplo, que uma política de valorização do salário
mínimo pode ser mais efetiva que uma reforma nos sistemas de benefícios como
incentivo aos dois membros do casal (tanto o “primeiro” quanto o “segundo” provedor)
a entrar e permanecer no mercado de trabalho. Por outro lado, a existência de serviços
de apoio ao cuidado infantil e das demais pessoas dependentes pode ser muito mais
eficiente para estimular a entrada e permanência das mulheres – que constituem a
maioria das pessoas em situação de inatividade - no mercado de trabalho do que
incentivos tributários ou critérios de acesso mais rígidos para benefícios sociais ou
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 254
57 Essa análise está baseada fundamentalmente em Fagan et al, 2006 e no relatório de Colette
Fagan e Gail Hebson, intitulado “Making work pay” debates from a gender perspective: a
comparative review of some recent policy reforms in thirty European countries”, que, por sua vez
está baseado nos relatórios preparados pelos/as especialistas nacionais do EGGSIE que também
foram os/as responsáveis por fazer uma avaliação da transversalização de gênero dos primeiros
Planos Nacionais de Ação sobre Inclusão Social que estavam nesse momento sendo submetidos
pelos seus governos à Comissão Européia. O objetivo desses relatórios nacionais era fazer uma
análise de gênero do debate em curso na Europa relacionado à dinâmica da oferta de trabalho que
se expressa no objetivo de “tornar o trabalho financeiramente atraente”, presente em vários
processos recentes de reforma dos sistemas de proteção social e políticas de mercado de trabalho
a eles relacionados formulados com o objetivo de inserir grupos de baixa renda no mercado de
trabalho, tornando essa opção mais “rentável” que os benefícios da assistência social. Essa
análise pretendeu verificar se houve ou não uma incorporação da dimensão de gênero nas
mencionadas reformas e programas e qual o seu impacto sobre as relações de gênero (Fagan e
Hebson, 2006: Summary).
políticas passivas de mercado de trabalho, como, por exemplo o seguro desemprego.
58
O relatório chama a atenção para algumas questões que devem ser levadas
em conta de um ponto de vista de gênero na análise das reformas, tais como: os
padrões tipicamente masculinos de emprego são assumidos como se fossem a norma
para ambos os sexos ou os atuais padrões de inserção das mulheres no trabalho
também são levados em conta? As mudanças propostas promovem uma distribuição
mais eqüitativa de recursos entre homens e mulheres no interior da família? De onde
vem esses recursos e quem os recebe no interior da família? Também chama a
atenção para o fato de que quando os critérios de elegibilidade dos benefícios relativos
à situação de desemprego se tornam mais rígidos, podem penalizar
desproporcionalmente as mulheres, em primeiro lugar porque as suas trajetórias de
trabalho são mais instáveis e sujeitas à interrupção e elas estão mais que os homens
expostas a formas de trabalho precárias e informais. Em segundo lugar, porque as
mulheres com responsabilidades familiares, nas situações em que não há serviços de
creche disponíveis, podem ter mais dificuldade de ser consideradas como ativas na
busca de trabalho: muitas vezes o simples fato delas terem um marido ou companheiro
pode fazer com que sejam classificadas a priori pelos agentes públicos ou dos serviços
de emprego como dependentes, impedindo que recebam a mesma atenção do que
qualquer outra pessoa que esteja procurando ativamente um trabalho.
59
A conclusão mais importante do Relatório é a existência de uma contradição
entre as políticas e diretrizes definidas a nível comunitário e a realidade de muitos dos
países que compõem a UE. Apesar da promoção de modelos de família e de
inserção no mercado de trabalho baseados nos “duplos provedores” e na
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 255
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
58 Essa análise integrada é fundamental para identificar possíveis incoerências entre diferentes tipos
ou áreas de políticas: por exemplo, as políticas de combate à pobreza focalizadas nas crianças
podem aumentar o acesso das mulheres a recursos monetários, mas podem também reduzir a sua
integração ao mercado de trabalho se não estiverem coordenadas a outras medidas de política;
benefícios relacionados à mães desempregadas com crianças pequenas, embora muito úteis em
situações de emergência e extrema carência podem aumentar o tempo em que elas permanecem
fora do mercado de trabalho, dificultando assim o seu re-ingresso.
59 Os principais tipos de reformas implementadas analisadas nesse relatório são: introdução de
novos tipos de deduções ao imposto de renda dirigidas às pessoas de baixa renda (Bélgica,
França e Reino Unido); redução geral de impostos (Áustria, Islândia, Itália e Luxemburgo); reforma
aos sistemas de apoio ao desemprego (seguro desemprego e assistência social), com o objetivo
de tornar mais estritos os critérios de elegibilidade, reduzir o montante dos benefícios ou
estabelecer condições mais rígidas para a busca de emprego (Dinamarca, Alemanha, França,
Holanda, Áustria e Portugal); critérios mais estritos de elegibilidade para aposentadorias por
invalidez (Noruega); medidas de reconciliação trabalho-família (Espanha e Suécia); ampliação
dos subsídios para os serviços de creche com o objetivo de aumentar a oferta de trabalho das
mães, particularmente nas famílias de baixa renda (Suécia). Para uma análise em detalhe dessas
medidas ver Fagan e Hebson, 2006.
igualdade de condições e oportunidades entre homens e mulheres ser um
objetivo explícito de muitas das diretrizes e orientações do sistema comunitário,
incluindo as da EEE, a tendência de atribuir às mulheres o papel de força de
trabalho secundária (ou diretamente de “cuidadoras”) permanece e se reproduz
em muitos países da EU. O relatório evidencia também que essa característica
não é apenas um “resquício” de velhas políticas, mas sim uma tendência que
aparece e reaparece nas novas propostas de reforma dos sistemas de proteção
social e das políticas de mercado de trabalho:
“Em muitos países anda há aspectos na formulação das políticas que debilitam
os esforços de integração das mulheres no mercado de trabalho, construindo e
reforçando o seu papel como “segundas provedoras” que supostamente vivem
com um homem empregado que desempenha o papel de “provedor principal”. E
esse não é apenas um legado das velhas políticas desenvolvidas em eras
passadas, mas também uma característica presente em algumas das reformas
apresentadas no relatório” (Fagan e Hebson, 2006, sumário, tradução livre).
O foco na família como uma unidade indiferenciada contribui à não
consideração das diferentes trajetórias e oportunidades de homens e mulheres
durante o seu ciclo de vida. Muitas vezes as políticas de apoio à família na realidade
favorecem um modelo de casal onde existe um provedor principal ou exclusivo. Em
muitos casos podem ser observadas incoerências entre os sistemas tributário e
previdenciário e as políticas ou serviços de emprego. Na França, por exemplo, o
sistema tributário/previdenciário incentiva o modelo do “provedor principal”, enquanto
as políticas de mercado de trabalho são mais positivas no sentido de estimular a
participação das mulheres no mercado de trabalho. No caso da Dinamarca acontece o
contrário: o sistema tributário/previdenciário estimula um modelo de família e de
participação no mercado de trabalho caracterizado pelos “duplos provedores”, mas as
reformas recentes podem ter impactos negativos do ponto de vista de gênero.
O relatório aponta a existência de diferenças importantes entre os países da
UE em relação a todos esses aspectos e faz uma análise detalhada das reformas que
vem sendo implementadas. Em alguns deles, como Grécia e Itália, a cobertura da
proteção social para a população em idade de trabalhar é insuficiente e os debates
estão centrados em como ampliar essa cobertura. Em outros, que possuem sistemas
mais amplos de proteção social, as reformas recentes estão voltadas ao objetivo de
aumentar os incentivos para que desempregados, inativos e população de baixa renda
entrem e permaneçam no mercado de trabalho.
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 256
A partir das informações do relatório é possível agrupar os casos nacionais
analisados em 3 grupos. O primeiro, composto pelos países nos quais o sistema
tributário e previdenciário – combinado com a oferta de equipamentos e serviços de
cuidado infantil – promove a inserção de todos os adultos no mercado de trabalho, ao
invés de promover um modelo onde existe um provedor principal e um secundário.
60
O
segundo, composto por países nos quais o sistema tributário e previdenciário não cria
nenhum desincentivo particular para o emprego do “segundo provedor.
61
O terceiro,
formado por países nos quais existem desincentivos no sistema tributário e
previdenciário para o trabalho dos “segundos provedores”.
62
O exemplo mais paradigmático do primeiro grupo de países é a Suécia. Aí uma
combinação de vários fatores fez com que se atingissem altos níveis de participação
no mercado de trabalho das pessoas com responsabilidades de cuidado em relação a
crianças pequenas. Entre eles o investimento do Estado nas licenças maternidade,
paternidade e parentais, nas creches e em outros equipamentos sociais. Outros
fatores de igual importância são os investimentos realizados na escolaridade das
mulheres, a existência de um sistema tributário individualizado, a diminuição das
desigualdades de remuneração entre homens e mulheres devido particularmente a
uma política de salários solidária e à expansão do emprego no setor público.
Recentemente (2002) foi estabelecido um “teto” para o custo das creches, e isso
estimulou o aumento da oferta da força de trabalho feminina.
63
Como se verá a seguir, a individualização dos direitos e benefícios nos
sistemas tributários e previdenciários é um aspecto chave para a superação dos
modelos de família e inserção laboral baseados na dicotomia entre o provedor e a
cuidadora ou entre um provedor primário e um provedor secundário. A importância
desse fator para responder à realidade da presença crescente das mulheres no
mercado de trabalho e o estímulo à sua permanência em igualdade de condições em
relação aos homens está claramente expressa na “Resolução relativa à Seguridade
Social” aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho na sua 89ª sessão, em
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 257
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
60
Esse é o caso da Dinamarca, Finlândia, Suécia, Islândia.
61 República Checa, Estônia, Chipre, Hungria, Malta, Eslovênia, Eslováquia, Bulgária, Grécia,
Espanha, Itália e România. No caso desses últimos 4 países, o limitado apoio que o “provedor
secundário” e os filhos dependentes recebem “empurra” as mulheres para o mercado de trabalho,
ainda que em condições desfavoráveis e em desvantagem em relação aos homens.
62 Bélgica, Alemanha, França, Irlanda, Latvia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Áustria, Polônia,
Portugal, Inglaterra, Lituânia, Noruega.
63
Ver Fagan e Hebson, 2006 para mais detalhes sobre o caso sueco e dos outros países
classificados nesse primeiro grupo.
2001. Essa Resolução, que foi resultado de um amplo debate tripartite entre os
constituintes da OIT (governos, organizações de empregadores e trabalhadores), ao
definir o papel e a importância da Seguridade Social na promoção da igualdade de
gênero, ressalta que os sistemas de seguridade social baseados inicialmente no
modelo do homem como sustento da família estão cada vez menos adaptados às
necessidades de um grande número de sociedades”. Afirma também que as mulheres
devem ter acesso aos benefícios da seguridade social “por direito” próprio e não pela
sua situação familiar e conjugal (como filhas, esposas, viúvas) (OIT. 2002).
Em vários países do segundo grupo, a maioria das famílias não pode ser
mantida por um único provedor, o que “empurra” as mulheres para o trabalho
remunerado (esse é o caso principalmente da Grécia, Itália e Espanha). Na Itália
existem alguns benefícios monetários para as famílias de muito baixa renda, que têm
pouco impacto sobre a decisão dos seus membros no sentido de permanecer ou sair
do mercado de trabalho. Na Espanha não existe nenhum benefício especial para pais e
mães empregados em famílias de baixa renda; a maioria dos benefícios relacionados
às crianças estão dirigidos às famílias de baixa renda em geral e são bastante
reduzidos, com a exceção do pagamento de 100 Euros mensais (ou a dedução de
1200 Euros/ano no pagamento do imposto de renda) para mães empregadas com
filhos com menos de 3 anos). Esse é um incentivo para a permanência das mulheres
no emprego porque o benefício está relacionado à essa permanência.
64
A análise da realidade e das reformas empreendidas no terceiro grupo de
países, ou seja, naqueles nos quais existem desincentivos para o emprego do
“segundo provedor”, é importante para entender as várias formas e mecanismos
institucionais através dos quais se reproduz um modelo de família baseado em um
provedor e uma cuidadora ou em um provedor principal e um(a) secundário(a). O
relatório apresenta informações detalhadas e vários exemplos das formas pelas quais
os sistemas tributários ou previdenciários criam desincentivos para os “segundo
provedores” nas famílias de baixa renda com filhos dependentes em diferentes
sistemas nacionais, devido principalmente à falta de individualização dos direitos e
benefícios nesses sistemas. Essa análise evidencia que na maioria dos países ainda
existem elementos na formulação das políticas que desincentivam a entrada e a
permanência das mulheres no mercado de trabalho através do reforço do seu papel
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 258
64
Trata-se, portanto de um “in work benefit”, tal como definido por Fagan e Hebson, 2005. Para mais
detalhes, ver o já citado relatório.
como um “provedor secundário”, que supostamente vive com um homem que está
empregado e tem o papel de “provedor principal”. Vejamos alguns desses casos.
Na Bélgica o sistema de imposto de renda cria um desincentivo para o
“segundo provedor” de renda na família porque ainda não é completamente
individualizado e continua tendo como referência o “chefe da família”. Esse sistema
inclui uma distribuição do imposto a pagar entre o provedor principal (definido como o
chefe da família) e o(s) secundário(s), além de uma dedução por filhos dependentes
que está referida à pessoa que recebe a maior renda no interior da família. Esse
mecanismo tem o efeito de aumentar a renda e os incentivos para o trabalho do
“provedor principal”. Como resultado desse “coeficiente conjugal”, os maridos podem
reduzir o imposto a pagar se provam que as suas esposas têm um rendimento
pequeno ou nenhum rendimento, criando assim uma “armadilha da inatividade” para o
provedor secundário e reforçando o modelo de família centrado no provedor masculino
(Fagan et al, 2006:575). Por outro lado existe uma dedução adicional no caso das
famílias monoparentais que tem um efeito positivo sobre a equidade de gênero, porque
está dirigido a um grupo de pessoas de baixa renda composto fundamentalmente por
mulheres.
Na Alemanha a situação é mais complexa e, como se verá, existem aspectos
positivos e negativos do ponto de vista da igualdade de gênero nas mudanças
recentemente introduzidas. O sistema de pagamentos e deduções do imposto de
renda, da mesma forma que na Bélgica, estimula um “arranjo” familiar caracterizado
por um único provedor e desincentiva o provedor secundário a aumentar a sua renda.
Além disso, uma série de reformas foram introduzidas entre 2002 e 2005, visando
tornar mais estritos os requerimentos para a busca de emprego. Dentro do objetivo de
promover a “ativação” e a proporção de pessoas que entram e permanecem no
mercado de trabalho (que, como vimos, responde às diretrizes da EEE), essas
reformas reduziram o montante do seguro desemprego e da assistência social e
ampliaram os programas de qualificação e criação de empregos para os
desempregados com o objetivo de aumentar a pressão sobre esse grupo para que
aceitem os empregos disponíveis ou criem opções de auto-emprego. Além disso,
introduzem explicitamente a noção de que pais e mães desempregados com crianças
de 3 anos e mais passam a ser considerados disponíveis para o emprego, assim como
aqueles com crianças pequenas se houver disponibilidade de creches, o que é
coerente com as novas obrigações das agências públicas de emprego de ampliar os
serviços de creche. Dessa forma, alguns beneficiários da assistência social,
anteriormente definidos como “inativos”, passam a ser definidos como
desempregados. O efeito positivo para esse grupo (no qual seguramente há muitas
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 259
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
mulheres, ou elas são a maioria) é que ele passa a receber níveis mais elevados de
apoio financeiro e um melhor acesso às políticas ativas do mercado de trabalho, em
troca de uma maior obrigação de aceitar as ofertas disponíveis de emprego. As
mulheres que estão nesse grupo beneficiam-se de uma combinação de mais acesso
às creches, oportunidades de capacitação e de acesso a outras medidas ativas de
mercado de trabalho.
O efeito negativo das reformas, do ponto de vista da igualdade de gênero, é
que elas reforçam o componente “familiar”, expresso na “soma” de recursos de ambos
os membros do casal. Esse é o caso das mulheres que recebiam os benefícios do
seguro desemprego e da assistência social por direito próprio (derivados de sua
inserção anterior no mercado de trabalho) e que deixam de ser elegíveis para o os
programas de apoio à busca de emprego, capacitação e auxílio creche oferecidos
pelos serviços de emprego se o seu parceiro estiver empregado. Muitas mulheres na
Alemanha Oriental estão nessa situação. Outros programas de apoio às pessoas que
tentam se reinserir no mercado de trabalho foram desativados a partir de 2004 e isso
afetou principalmente as mulheres migrantes.
Na França, os principais desincentivos para o trabalho das mães estão, em
primeiro lugar, no sistema tributário (imposto de renda), no qual existe um “coeficiente
familiar” que desestimula o trabalho do “segundo provedor”; mas como 50% das
famílias está isenta do imposto de renda, isso não afeta as famílias de mais baixos
recursos. Em segundo lugar, em um sistema de subsídios (transferências de renda)
dirigidos às mães que tem dois ou mais filhos - ou pelo menos um filho com menos de 3
anos - com a condições de que elas não estejam empregadas, o que,
evidentemente, constitui um incentivo para que essa mães se retirem do mercado de
trabalho.
65
Efetivamente, segundo Fagan e Hebson (2006), a taxa de atividade desse
grupo de mulheres reduziu-se 15% entre 1994 e 1997, principalmente entre as menos
qualificadas em situações de trabalho mal remunerado e a tempo parcial. Estima-se
que aproximadamente 50% dessas mulheres teria permanecido no mercado de
trabalho se essa medida não existisse
66
.
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 260
65
As cifras em francês desses programas são APE e API (em inglês: parental childcare allowance e
single parent allowance).
66 Em 2003 esse benefício (340 Euros/mês) foi ampliado aos pais e mães com 1 filho durante 6
meses se eles decidissem parar de trabalhar ao final da licença maternidade ou parental e desde
que comprovem que trabalharam pelo menos 2 anos antes do nascimento. Essa medida foi
apresentada como uma medida de apoio à família, mas diz respeito basicamente às mães de
famílias de baixa renda e que têm empregos instáveis. Apesar de constituir um apoio importante às
mulheres nessa situação, o problema é o efeito que essas medidas podem ter no sentido de
aumentar a dificuldade posterior de reentrada dessas mães no mercado de trabalho após o
O sentido das reformas introduzidas na França é similar ao daquelas que têm
lugar na Alemanha: reduzir o apoio financeiro para os desempregados e aumentar as
exigências em termos de busca ativa de emprego. Por outro lado, aumenta o apoio
financeiro para os empregados de baixa renda através de outro programa, o PEE
(“Employment tax credit”), criado para reduzir a “armadilha do desemprego”. Esse
programa permite aos desempregados de baixa renda manter uma parte do seguro
desemprego por um ano a partir do momento em que conseguem um emprego, o que,
por um lado, significa um incentivo para os modelos de duplo provedor já que o acesso
de um membro da família ao beneficio não impossibilita o acesso de outro membro ao
mesmo benefício. Por outro lado, o fato do montante do incentivo diminuir a medida em
que aumenta o nível de renda do segundo provedor, pode desincentivar a procura de
trabalhos melhor remunerados ou jornadas mais extensas, criando ou reforçando
assim a “armadilha” do trabalho a tempo parcial.
Na Noruega existem dois incentivos importantes ao modelo de família com um
único provedor. O primeiro deles está inscrito no sistema tributário: quando apenas um
membro da família trabalha, esse único provedor tem direito a uma dedução extra no
imposto de renda em relação às famílias onde existem dois provedores. O segundo é o
subsidio (de aproximadamente 440 Euros, existente desde 1998) entregue para
crianças entre 1 e 2 anos de idade que não estão nas creches públicas ou subsidiadas.
Esse é um claro incentivo financeiro para que os pais (muito provavelmente a mãe)
abandonem o mercado de trabalho ou reduzam o número de horas trabalhadas. A
principal “rationale” desse benefício é aumentar o tempo que os pais passam com os
filhos, através da redução do seu tempo de trabalho. No entanto, o impacto dessa
medida até agora foi reduzido, tanto no sentido de diminuir a oferta de trabalho quanto
a procura pelas creches. Um pressuposto central dessa reforma é uma suposta
diferença de interesses existente entre as “mães trabalhadoras” e as “mães donas de
casa”. Mas essa distinção parece estar ultrapassada e não corresponder muito à
realidade, pois a escolha feita pela maioria das mães não é entre o mercado de
trabalho e a casa, mas sim entre diferentes estratégias de combinar o trabalho e
a vida doméstica, em especial o cuidado com os filhos.
Na Inglaterra, por sua vez, o sentido das reformas introduzidas foi o de
aumentar os incentivos para o “provedor principal da família” e reduzir aqueles
dirigidos ao “segundo provedor”, reforçando assim um modelo de família baseado em
um provedor principal e um secundário. No entanto o relatório assinala que existem
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 261
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
término do período em que elas recebem o subsídio. Para mais detalhes ver Fagan e Hebson, 2005 e Fagan
et. al, 2006: 575.
nessas reformas alguns aspectos positivos do ponto de vista de gênero. Por exemplo,
o Child Tax Credit: reconhece o “custo” da mater/paternidade. Trata-se de um
benefício, entregue às mães, introduzido em 2003, que consiste no pagamento de um
subsidio às famílias de rendas médias e baixas até que a criança tenha 16 anos, com
um adicional para as crianças que tenham até 1 ano. Por sua vez, o Childcare Tax
Credit (CTC) é um componente específico do Working Tax Credit, que tem objetivo
explícito de fazer com que o emprego seja financeiramente mais atraente para as
pessoas de baixa renda que a assistência social. Têm direito a ele todas as pessoas de
25 anos ou mais e empregados por pelo menos 30 horas semanais ou aqueles
empregados por pelo menos 16 horas semanais e que têm crianças dependentes ou
são portadores de deficiências. Para ter direito ao CTC, os “lone parents” devem
trabalhar 16 horas ou mais. Os casais têm direito a esse benefício quando ambos
trabalham 16 horas ou mais ou quando um trabalha 16 horas ou mais e o outro recebe
uma pensão por invalidez ou deficiência. O benef´cio cobre aproximadamente 70%
dos gastos com creches reconhecidas, até um máximo de 135 libras por semana para
uma criança e 200 por 2 ou mais. Esse benefício diminui na medida em que aumenta a
renda família.
Os dois tipos de benefícios são depositados diretamente na conta bancária do
“cuidador principal” (“main carer”), porque se considera que essa é a melhor forma de
fazer com que o subsídio chegue realmente às crianças. Isso significa uma
transferência de recursos para as mulheres que é considerável e positiva, já que elas
constituem a grande maioria desses “cuidadores principais”.
67
Os problemas dessas medidas, do ponto de vista da igualdade de gênero, é
que os subsídios relacionados ao cuidado infantil podem ser solicitados apenas
quando a pessoa está empregada e se ambos os membros do casal estiverem
trabalhando pelo menos 16hs por dia. A falta de disponibilidade de creches durante o
processo de busca de emprego pode ser uma séria limitação para as mulheres; por
outro lado, se a mulher encontra um emprego antes do marido, não pode ter acesso ao
auxílio creche e tem que confiar o cuidado das crianças ao marido desempregado e/ou
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 262
67 O Programa Nacional de Inclusão Social do Reino Unido 2003-2005 estima em aproximadamente
2 bilhões de libras esterlinas o que considera ser uma transferência de recursos dos homens para
as mulheres (pg 35, parágrafo 24). O outro impacto positivo dessa medida para as mulheres seria
aumentar as suas possibilidades de escolha sobre se e quando retornar ao trabalho. Outra medida
considerada benéfica para os trabalhadores/as com responsabilidades familiares é a seguinte: se
eles ou estão trabalhando, ou voltam a trabalhar, podem “reter” 10 libras por semana, o que é
considerado um incentivo para o trabalho, principalmente para as “mães sozinhas” (“lone
mothers”). Por outro lado o limite mínimo de 16 horas semanais de trabalho para continuar
recebendo o benefício estimula a busca de trabalhos a tempo parcial com jornadas mais extensas
em vez de jornadas mais curtas.
procurando emprego, o que também é complicado devido à freqüente resistência
masculina em cumprir esse papel. A forma mais efetiva de estimular a integração das
mulheres no mercado de trabalho seria disponibilizar o auxílio creche no momento em
que um dos dois encontra trabalho ou até mesmo antes disso, como uma forma de
apoiar a busca de emprego tanto de homens quanto de mulheres.
Por último, coerentemente com a afirmação, discutida no início desta seção,
de que o aumento da oferta das creches, uma política de valorização do salário mínimo
e o sistema de licenças maternidade, paternidade e parentais – a depender da forma
em que são concebidos, implementados e utilizados por homens e mulheres - são
fundamentais para o processo de “ativação” do emprego feminino, o relatório
apresenta também uma detalhada análise dos efeitos da ampliação da licença
maternidade e do estabelecimento da licença paternidade na integração das mulheres
ao mercado de trabalho. Chama a atenção no entanto, para o fato de que se as mães
gozam de longos períodos de licença e os pais não o fazem, isso pode reforçar o
lugar/status da mulher como “provedora secundária” e ter um impacto negativo sobre
as trajetórias ocupacionais das mulheres em termos de mobilidade e remunerações. A
curto prazo, e do ponto de vista da família, pode parecer sem sentido apelar para
serviços de cuidado infantil caros no lugar de usufruir de licenças mais extensas, mas
em termos de trajetórias mais amplas de vida e trabalho essas interrupções podem ter
efeitos muito negativos para as mulheres. Segundo as autoras, há 4 fatores chave que
determinam os impactos das licenças maternidade e parentais na integração e
reintegração de mães e pais no mercado de trabalho: o fato da licença ser ou não
remunerada; a duração e a flexibilidade das licenças; a existência ou não de
financiamento público ou subsídios para as creches; o grau em que os homens
também fazem uso das licenças.
68
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 263
A experiência recente das políticas públicas na União Européia: reprodução ou superação da noção das mulheres como força de trabalho secundária? CAPÍTULO 5
68
O Relatório contem uma apresentação e uma discussão detalhada tanto da oferta de serviços de
creche quanto das licenças maternidade, paternidade e parentais nos países da UE. A esse
respeito, ver também European Comission, 2005 (Reconciliation of work and private life: A
comparative review of thirty European countries) e Immervoll e Barber, 2005, sobre o mesmo tema
nos países da OECD.
CAPÍTULO 6
A evolução recente das
políticas de emprego e de
igualdade de gênero no Brasil
O objetivo deste capítulo é discutir a evolução recente das políticas de
promoção da igualdade de gênero no Brasil. Interessa analisar o desenvolvimento da
institucionalidade e dos mecanismos gerais de promoção do tema no âmbito do
governo federal, assim como algumas das políticas específicas que vêm sendo
implementadas no âmbito do trabalho, inclusão social e combate à pobreza.
1
As
questões gerais que se pretende responder são as mesmas que orientaram a
discussão do capítulo anterior: em primeiro lugar em que medida essas políticas e
programas têm contribuído para ampliar os direitos das mulheres e para valorizar sua
autonomia econômica e sua posição no mundo do trabalho e da sociedade. Em
segundo lugar, em que medida vêm ocorrendo mudanças nos paradigmas e
pressupostos básicos dessas políticas, especialmente quanto à reprodução ou
transformação da dicotomia provedor x cuidadora e da noção da mulher como uma
força de trabalho secundária.
Nessas considerações iniciais é interessante observar que nem sempre essas
duas dimensões andam juntas. A pesquisa realizada revela que é possível haver
situações em que a implementação de uma determinada política ou programa tenha
efeitos positivos significativos para as mulheres, por exemplo, no sentido de aumentar
sua autonomia econômica, ou aumentar sua capacidade associativa e organizativa, ou
a visibilidade do seu papel no mundo produtivo e do trabalho, ainda que nada disso
tenha sido definido como objetivo da política ou sem que tenha sido, no processo de
sua implementação, construído ou aplicado qualquer instrumento ou procedimento
com essa intencionalidade. Por outro lado, é possível haver políticas e programas que,
seja nos resultados concretos de sua aplicação, seja na sua própria lógica de
constituição continuem reproduzindo a dicotomia entre o provedor e a cuidadora ou
entre o provedor principal e o provedor(a) secundário(a), no marco de definições
estratégicas ou diretrizes mais gerais que explicitamente tentam promover um outro
tipo de modelo de família ou de inserção no mercado de trabalho baseado na idéia de
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 265
1 A fonte de informações dessa parte do capítulo consiste na documentação secundária disponível sobre o
tema, assim como um conjunto de entrevistas em profundidade realizadas com gestoras do governo federal
(Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Ministério de Minas e
Energia).
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 266
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
uma maior igualdade entre homens e mulheres ou mais diretamente do duplo
provedor.
2
A experiência brasileira, sob muitos aspectos, e como seria previsível, está
muito menos desenvolvida do que a experiência da União Européia analisada no
capítulo anterior. Como já foi assinalado, o objetivo de introduzir nessa tese a análise
da experiência européia não foi propriamente o de fazer uma comparação, mas sim o
de resgatar alguns aspectos que pudessem iluminar a compreensão do caso
brasileiro. Nesse sentido, os dois temas para os quais gostaria de chamar a atenção
nesse ponto da análise são, em primeiro lugar, a grande distância que existe entre os
avanços no sentido da construção de uma institucionalidade específica para a
promoção da igualdade de gênero e seus respectivos mecanismos de monitoramento
e accountability em um caso e noutro; e, em segundo lugar, para o fato de que, no
âmbito das políticas de emprego, não existe no Brasil propriamente uma estratégia –a
ser transversalizada com o tema da igualdade de gênero – mas sim uma série de
políticas e programas com âmbitos e escala bastante diversos e com um grau de
integração ainda bastante limitado.
Ainda assim, e como será analisado no decorrer deste capítulo, os avanços
observados nos últimos anos no Brasil são significativos, tanto no sentido da
construção dessa institucionalidade e da visibilização do tema na agenda das políticas
públicas, como em termos de uma série de políticas e programas que vem sendo
implementadas nas áreas de combate à pobreza e promoção do emprego e da
inclusão social que, ou são desenvolvidos com uma dimensão de gênero e com o
objetivo explicito de promover a igualdade ou ainda que n]ao o sejam, tem tido
impactos positivos em relação à ampliação dos direitos e à construção da cidadania
das mulheres..
2 Como analisado no capítulo anterior, esse parece ser o caso das contradições ou inconsistências que
existem entre algumas das diretrizes da Estratégia Européia de Emprego e as reformas dos sistemas
tributários e previdenciários que vêm sendo realizados em muitos países no contexto do objetivo de “tornar o
trabalho financeiramente atraente” para as populações de baixa renda (making work pay).
6.1.
A Construção de uma institucionalidade para a promoção da
igualdade de gênero
A discussão feita no capítulo anterior evidencia a importância da construção de
uma institucionalidade adequada para a promoção da igualdade de gênero,
principalmente se o que se pretende é a efetiva instalação e transversalização do tema
na agenda da pública, assim como o desenvolvimento de políticas e estratégias que
digam respeito não apenas à melhoria de um ou outro aspecto particular das condições
de vida das mulheres, mas que transformem concepções, mecanismos e formas
institucionais que continuam relegando-as a uma posição secundarizada no trabalho e
na sociedade. Evidencia também como esse processo é complexo e terreno de uma
disputa cultural e política – e por isso mesmo não é linear e está sujeito a altos e baixos,
idas e vindas, avanços, obstáculos e inclusive retrocessos. Envolve compromissos
políticos, mas também a capacidade de desenvolver e implementar instrumentos muito
concretos de monitoramento e gestão pública, que por sua vez supõem desde a
disponibilidade de estatísticas e indicadores e a mobilização de especialização técnica
e acadêmica adequada, até a sensibilização e capacitação dos gestores encarregados
de formular e implementar essas políticas. Envolve também a criação de mecanismos
de controle social e participação popular e a capacidade de diálogo e interlocução com
o movimento social organizado.
3
Os temas e processos que serão tratados nessa parte do capítulo são
basicamente os seguintes: a criação da Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, a realização da 1ª Conferência Nacional da Mulher e a elaboração do Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres e a forma como o tema da igualdade de gênero
tem sido tratado no Plano Plurianual de Investimentos (PPA 2004-2007).
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 267
3 Da mesma forma que no capítulo anterior, a análise neste capitulo estará centrada basicamente no âmbito
institucional. Isso não significa desconhecer o papel que os movimentos sociais organizados (de mulheres,
feministas, sindicais, de trabalhadoras rurais, etc.) tiveram e têm tido no sentido da instalação e manutenção
do tema na agenda pública. Essa dimensão não será aqui tratada apenas devido à necessidade de delimitar o
objeto de estudo.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 268
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
6.1.1.
A criação da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM)
Uma das características da participação política da mulher no Brasil tem sido a
sua escassa presença nos partidos políticos e em cargos eletivos (incluindo os
legislativos) e sua forte participação em movimentos e associações diversas. O
movimento feminista no Brasil surge nos anos 70, no contexto da luta contra a ditadura
militar. Esteve marcado, desde o seu começo, por uma tentativa de influenciar,
interferir e construir uma interlocução com o governo e agir no plano legislativo. A partir
da vitória da oposição nas eleições de 1982 em Minas Gerais, São Paulo e Rio de
Janeiro, o movimento passa a reivindicar e a construir espaços institucionais a nível
estadual, tais como as Delegacias Especializadas da Mulher e os Conselhos Estaduais
da Condição feminina. Em 1985 cria-se o Conselho Nacional de Direitos da Mulher
(CNDM), que terá um papel muito importante no debate constituinte e será muito ativo
até 1989.
4
A Constituição de 1988 contém avanços significativos no sentido da promoção
dos direitos da mulher e da igualdade de gênero: institui um marco normativo igualitário
para homens e mulheres no âmbito da sociedade conjugal, reconhece a violência
intrafamiliar como uma questão de governo, afirma o direito à livre escolha no âmbito
da reprodução e avança na garantia de direitos no âmbito do trabalho, incluindo o
trabalho doméstico, a mulher rural, a extensão da licença maternidade de 90 para 120
dias e a instituição da licença paternidade de 5 dias.
O CNDM começa a perder força durante o governo de José Sarney (sofrendo
pressões e restrições, o que leva à renúncia coletiva da sua presidência, diretoria e
colegiado) e perde autonomia administrativa e financeira durante o governo de
Fernando Collor de Mello (1990-1992). Durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002) continua a ser um órgão apenas consultivo, subordinado ao
Ministério da Justiça, sem orçamento próprio e com uma dotação de pessoal muito
reduzida. Apenas no último ano dessa gestão de 8 anos cria-se a SEDIM (Secretaria
4
Há uma ampla bibliografia a respeito. Ver, entre outros, Sarti (1998), Soares (2004) e Pitanguy (2004).
dos Direitos da Mulher). A sua titular passa, pela primeira vez, a ter status de ministra,
mas a Secretaria continua sendo subordinada ao Ministério da Justiça.
Em 2003, o governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva inaugura-se com
uma novidade: a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM),
diretamente vinculada à Presidência da República. Dois meses depois (março de
2003) em outro ato inédito, o Presidente cria a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, respondendo a uma forte pressão do movimento negro
no país. As titulares das duas secretarias têm status de Ministras. A missão das duas
secretarias passa a ser basicamente a de transversalizar as dimensões de gênero e
raça nas políticas públicas.
Com a criação da SPM, pode-se dizer que o Estado brasileiro estava apenas
começando a compensar um atraso considerável em relação à criação de uma
institucionalidade para a promoção da igualdade de gênero em relação ao que vinha
acontecendo no âmbito internacional – não apenas na Europa, mas também em vários
outros países da América Latina. Com efeito, principalmente após a realização da IV
Conferência Internacional da Mulher em Pequim (1995), e em um contexto de
transição e fortalecimento da democracia no Continente, mecanismos desse tipo
haviam sido criados e/ou fortalecidos em muitos países da América Latina.
Apesar da existência de uma série de problemas bastante comuns
enfrentados por esses mecanismos em relação à sua capacidade de influenciar a
agenda pública e mesmo a agenda interna de governo, de contar com orçamento e
dotação de pessoal adequados, de garantir a sua institucionalização e a interlocução
com os outros ministérios e com a sociedade civil organizada, podemos dizer que, em
muitos casos, os avanços haviam sido bastante mais significativos do que aqueles
ocorridos no Brasil. Podemos dizer assim que o que é algo inédito no quadro político
brasileiro, na verdade é um caminho que já vinha sendo trilhado há bastante mais
tempo em vários outros países latino-americanos.
5
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 269
5 A criação da SEPPIR por sua vez pode ser considerada ao mesmo tempo uma expressão e a criação de
novas condições para o desenvolvimento de algo que, aí sim, coloca o Brasil em uma posição de vanguarda
no contexto latino-americano, ou seja, o imbricamento da questão de gênero com a questão étnico-racial no
âmbito das políticas públicas. Tal como será analisado a seguir, os objetivos de promoção da igualdade de
gênero e da igualdade racial estarão relacionados, em importantes documentos e processos (tais como o
Na primeira configuração do ministério do presidente Lula, se registrava a
presença de 5 ministras mulheres,
6
o que também consistia um fato inédito, ainda que,
outra vez, pouco ousado em relação à experiências de outros países vizinhos.
7
A criação da SPM, ao lado da realização da I Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres e a elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres,
foram assinaladas, pelo conjunto das gestoras entrevistadas no contexto desta
pesquisa, como os principais avanços do primeiro mandato do presidente Luis Inácio
Lula da Silva em relação à promoção da igualdade de gênero. A criação da SPM foi
considerada uma resposta do governo a uma antiga reivindicação do movimento de
mulheres e um impulso fundamental para que o tema da igualdade de gênero fosse
colocado “de verdade” na agenda das políticas públicas. Nas palavras de uma das
entrevistadas, a criação da SPM “inaugura um novo ciclo em termos de políticas
públicas”:
Até então, havia no movimento de mulheres uma grande confusão entre o
que era uma política pública para as mulheres e o que era uma ação de controle
social. Até então a coisa funcionava naquele modelo dos Conselhos, sem equipe
e sem independência orçamentária. Portanto, criar a Secretaria e fazer essa
distinção clara entre o que é conselho, o que é um organismo estatal de
promoção da igualdade foi algo muito importante e um grande avanço em um
debate que vinha sendo feito há, pelo menos, duas décadas”.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 270
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Plano Plurianual de Governo – PPA, as conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres e de Promoção
da Igualdade Racial e os respectivos planos nacionais que delas emergem) com o objetivo mais amplo da
inclusão social e da redução das desigualdades sociais, indo além, portanto apenas de uma preocupação
específica com a situação das mulheres negras.
6 Ministra Emilia Fernandes (SPM), Ministra Matilde Ribeiro (SEPPIR), Ministra Benedita Silva (Ministério de
Assistência Social), Ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e Ministra Dilma Roussef (Minas e Energia). Vale
assinalar que 3 dessas 5 ministras eram negras.
7 Apenas a guisa de exemplo, vale mencionar que o primeiro gabinete presidencial do Presidente chileno
Ricardo Lagos (que havia tomado posse três anos antes, em março do ano 2000), era composto por 15
ministros, dos quais 5 (exatos 1/3) eram mulheres (Saúde, Educação, Planejamento, Serviço Nacional da
Mulher e Relações Exteriores; durante o seu mandato, a atual presidenta do Chile, Michele Bachelet deixa a
pasta da Saúde e assume a da Defesa).
6.1.2.
A inclusão dos temas de gênero no Plano Plurianual de Governo
2004-2007
A redução das desigualdades de gênero e raça é parte explícita do primeiro
megaobjetivo referido ao crescimento do produto e do emprego e ao combate às
desigualdades sociais do Plano Plurianual de Governo (PPA 2004-2007), elaborado
durante o 1º ano da gestão do Presidente Lula (2003)
8
. Entre os desafios associados a
esse tema estão a garantia do recorte transversal de gênero e raça na formulação e
implementação das políticas públicas, a democratização do acesso às informações e
divulgação dos indicadores de desigualdades sociais, com o recorte de gênero e raça e
o envolvimento da população na elaboração das políticas e implementação dos
programas sociais (OIT, 2005: 92)
9
.
A inclusão do compromisso com a transversalidade de gênero e raça nas
políticas públicas no documento que é a base para a elaboração da proposta de
orçamento nacional pode ser considerada uma novidade e um avanço importante.
Essa é também a opinião de Bandeira (2005:28) quando afirma que “O PPA 2004-2007
trouxe à tona uma perspectiva inovadora inclusiva na medida em que adotou, pela
primeira vez no país, na sua própria plataforma política de governo, o combate à
desigualdade via a viabilização da inclusão social, da equalização das oportunidades
(gênero, raça, etnia, orientação sexual e pessoas portadoras de necessidades
especiais) e da cidadania.”
Com efeito, segundo a análise de Bandeira (2005), no PPA anterior (que
correspondia ao período 2000-2003, o tema da igualdade de gênero aparecia de forma
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 271
8 . O PPA é um instrumento de planejamento instituído pela Constituição de 1988, que estabelece as
prioridades da ação de governo para um período de 4 anos. O PPA é a base para a elaboração da proposta de
orçamento nacional enviada anualmente pelo Presidente da República ao Congresso Nacional. Anualmente,
o Ministério do Planejamento publica um relatório sobre os avanços em cada um dos objetivos e ações
definidos no PPA, assim como ajustes no Plano, a partir de sugestões elaboradas por cada um dos ministérios
setoriais ou secretarias especiais da Presidência da República.
9 É importante notar que esses desafios não se referem apenas aos temas de gênero e raça, mas também aos
de etnia, geração, pessoa portadora de necessidade especial e orientação sexual.
muito indireta, através de uma diretriz que foi acrescentada pelo Congresso Nacional à
proposta enviada pelo governo: “promover os direitos das minorias vítimas de
preconceito e discriminação”
10
. Segundo a autora (Bandeira, 2005:28), havia apenas
dois programas dirigidos a mulheres (na área de combate à violência) e as ações
relativas às mulheres e às populações negras e indígenas eram muito limitadas quanto
ao seu alcance. Na sua opinião, essa problemática teve um foco muito restrito na
estratégia política do governo anterior e as ações desse período foram desarticuladas,
pontuais e descontínuas, sem qualquer estratégia de articulação e integração
institucional.
No PPA elaborado durante o primeiro ano do governo do Presidente Lula e que
passa a estar vigente em 2004 o número de programas referidos às mulheres ou com
enfoque de gênero (exclusivo, ou relacionado à questão étnico-racial) continua sendo
muito reduzido: 9 em um total de 374 programas. Mas há aqui duas importantes
novidades. A primeira delas é que pela primeira vez se assume um compromisso com
a necessidade de garantir o recorte transversal de gênero e raça na formulação e
implementação das políticas públicas. A segunda é que, também pela primeira vez, há
uma participação significativa da sociedade civil no processo de elaboração do PPA
11
.
A partir da participação ativa de organizações feministas nesse processo afirmam-se
três idéias importantes. A primeira delas é que o PPA deveria conter, mais que políticas
específicas para as mulheres, “um enfoque de igualdade de gênero nas políticas
públicas”. A segunda é a necessidade de existir indicadores claros – tanto de processo
quanto de impacto - que reflitam as perspectivas de gênero e raça para que os
programas e políticas possam ser avaliados adequadamente. E a terceira é a
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 272
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
10 O documento enviado pelo governo ao Congresso nacional continha 4 diretrizes: consolidar a estabilidade
econômica com crescimento sustentado; promover o desenvolvimento sustentável voltado para a geração de
emprego e oportunidades de renda; combater a pobreza e promover a cidadania e a inclusão social;
consolidar a democracia e a defesa dos direitos humanos (Bandeira e Vasconcelos: 2002: 50).
11 Foram realizados ao todo 27 fóruns regionais no ano de 2003 para discutir a proposta do PPA 2004-2007,
organizados pela Secretaria Geral da Presidência e pela sociedade civil. Esse processo de mobilização
resultou em um documento que sintetizou as diretrizes da sociedade civil e foi apresentado publicamente ao
governo federal. Desse processo participaram várias organizações feministas (entre elas a AGENDE,
CFEMEA, SOS Corpo, Associação das Mulheres Brasileiras) que apresentaram, na 2ª Oficina de Articulação
para Intervir no PPA 2004-2007 (setembro de 2003), um documento intitulado “Estratégias para
transversalizar a perspectiva de promoção da igualdade de gênero”. Para uma descrição mais detalhada
desse processo, ver Bandeira (2005), Jornal FEMEA (no 122, Brasília, março de 2003) e AGENDE ( 2003).
necessidade de desenvolver um processo sistemático de capacitação dos servidores
públicos nos temas de gênero e raça, assim como a alocação de recursos necessários
à realização desse processo.
12
Um dos resultados dessa discussão foi a inclusão no PPA de dois programas
com o objetivo de promover a transversalização de gênero e raça nas políticas
públicas, o primeiro deles sob a responsabilidade da SPM e o segundo sob a
responsabilidade da SEPPIR.
13
Além disso forma incluídos alguns programas
específicos voltados às mulheres, entre os quais se destacam para o tema que nos
interessa o programa Igualdade de Gênero nas Relações de Trabalho e Incentivo à
Autonomia Econômica das Mulheres no Mundo do Trabalho.
Pode-se observar aqui uma versão, ainda que embrionária, do “enfoque dual”,
que caracteriza a definição das políticas de gênero na União Européia: a definição do
compromisso com a transversalização (e a existência de dois programas com esse
objetivo explícito), aliada a políticas e programas específicos para as mulheres (e a
população negra) em áreas definidas das políticas públicas, ainda que em um número
e alcance ainda muito limitados.
A existência dos dois programas voltados explicitamente para o objetivo da
transversalização, além de ser uma evidência de um compromisso maior do que
aquele assumido por governos anteriores com a promoção da igualdade de gênero e
raça, contribui para tornar esses temas muito mais visíveis como objetivos de governo
e parte também do seu compromisso com a redução das desigualdades sociais.
Apesar, evidentemente, de ser grande a distância entre essa definição e a efetiva
consideração do tema nas diversas áreas das políticas públicas e na ação concreta
dos ministérios “finalísticos”, um dos seus resultados importantes é a existência
também inédita - de um capítulo dedicado especialmente aos avanços alcançados no
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 273
12 O documento citado na nota anterior no qual estão sistematizadas essas propostas. critica a meta prevista no
PPA, de capacitação de apenas 160 gestores federais em 4 anos, e propõe que essa meta inclua pelo menos
os gestores dos 374 programas constantes do PPA (Bandeira, 2005: 27).
13 Gestão da Transversalidade de Gênero nas Políticas Públicas, cujo objetivo é coordenar o planejamento e a
formulação de políticas setoriais e avaliar e controlar os programas na área de igualdade de gênero e Gestão
da Política de Promoção da Igualdade Racial, cujo objetivo é o mesmo em relação às políticas de promoção
da igualdade racial. Cada um desses dois programas, por sua vez, envolve um conjunto de diferentes ações.
Para obter informações sobre essas ações, ver BRASIL, 2006d.
objetivo da transversalização nos relatórios anuais de avaliação do PPA. Podemos
dizer que isso equivale ao início de um processo de monitoramento mais sistemático
sobre o tema.
No entanto, contraditoriamente, a falta de indicadores específicos de gênero
nos diversos programas implementados pelos diversos ministérios é um grave
problema. Como se verá a seguir, uma série de programas e ações desenvolvidos em
diversas áreas das políticas de emprego e inclusão social (no âmbito, por exemplo, do
Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério do Desenvolvimento Agrário) nesses
4 anos simplesmente não aparece nos relatórios setoriais do PPA. Além de ser um
fator negativo em termos da visibilidade das ações efetivamente desenvolvidas, essa
ausência de indicadores dificulta o processo de avaliação e análise dos resultados
obtidos, assim como das limitações e dificuldades dos programas implementados.
6.1.3.
A I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres
A I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres foi realizada em
Brasília em julho de 2004. Foi convocada pelo Presidente da República e organizada
pela SPM e pelos movimentos de mulheres e feministas representados no Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher. Foram realizadas Conferências Estaduais
preparatórias nos 27 estados da federação e em aproximadamente 2 mil municípios. A
SPM calcula que cerca de 120 mil pessoas participaram desse processo de
preparação. Durante 3 dias em Brasília reuniram-se 1.787 delegadas governamentais
e da sociedade civil.
O objetivo principal da Conferência era definir, de forma participativa, as
diretrizes para a construção de um Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. A
realização de conferências nacionais em diversas áreas das políticas públicas foi um
instrumento de gestão utilizado no primeiro mandato do Presidente Lula com o objetivo
tanto de abrir um espaço de participação para a sociedade civil organizada na
elaboração e monitoramento das políticas públicas, quanto de reforçar a legitimidade
do processo de construção dessas políticas.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 274
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
No discurso inaugural da Conferência, o Presidente Lula faz referência ao
tema da violência doméstica, ao programa de Documentação da Trabalhadora Rural,
ao PRONAF-Mulher
14
e ao Bolsa Família, chamando a atenção para o fato de que 93%
de todos os recursos transferidos pelo programa até aquele momento haviam sido
entregues às mulheres. Assinala que o objetivo do Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (PNPM), cujas diretrizes seriam discutidas na Conferência, é estabelecer um
conjunto de ações permanentes, envolvendo “todos os ministérios e outros órgãos do
governo federal” e não apenas a SPM (BRASIL-SPM, 2004a: 27).
As discussões durante a Conferência foram realizadas em 20 grupos de
trabalho, a partir de um documento intitulado “Propostas de Diretrizes para uma
Política Nacional para as Mulheres”. Esse documento afirma o papel do Estado na
promoção da igualdade de gênero e na modificação da divisão sexual do trabalho,
assinalando que a existência de uma política de gênero é uma condição essencial
para atingir o objetivo da igualdade de gênero. Enfatiza a necessidade de ampliar a
oferta de equipamentos sociais e serviços correlatos e caracteriza a violência de
gênero como uma violência estrutural e histórica que expressa a opressão das
mulheres como uma questão de saúde pública (BRASIL-SPM, 2004a:9).
15
As demais idéias-força desse Documento são as seguintes: a igualdade de
gênero é definida como um aspecto fundamental da luta contra a desigualdade social e
está fortemente relacionada a outras dimensões da igualdade: raça, etnia e livre
orientação sexual. As mulheres devem ser vistas e consideradas como sujeitos de
direitos e sujeitos políticos, no espírito da Constituição de 1988, e não “apenas como
apêndice da família ou recurso poupador de investimentos públicos”. A ampliação do
acesso e participação das mulheres nos espaços de poder é vista como um elemento
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 275
14
Linha específica de financiamento para as mulheres do Programa Nacional de Agricultura Familiar.
15 Além de uma colocação geral inicial em torno à “natureza, princípios e diretrizes da Política Nacional para as
Mulheres na perspectiva da igualdade de gênero, considerando a diversidade de raça e etnia”, o documento
se estrutura em 5 eixos temáticos: a) enfrentamento da pobreza: geração de renda, trabalho, aceso ao crédito
e à terra; b) superação da violência contra a mulher: prevenção, assistência e enfrentamento; c) promoção do
bem-estar e da qualidade de vida para as mulheres: saúde, moradia, infra-estrutura, equipamentos sociais e
recursos naturais; d) efetivação dos direitos humanos das mulheres: civis, políticos, sexuais e reprodutivos; e)
desenvolvimento de políticas de educação, cultura, comunicação e produção do conhecimento para a
igualdade (BRASIL-SPM, 2004a).
fundamental da democratização do Estado e da sociedade, e a Política Nacional para
as Mulheres pretende ser uma “estratégia de longo alcance no sentido da
democratização do Estado”. Sua efetivação e institucionalização exigem a criação de
organismos executivos de articulação e implementação de políticas indispensáveis à
formulação de políticas integradas e à construção de uma coerência nas ações de
Estado; em outras palavras, a criação de organismos similares e correspondentes à
SPM no primeiro escalão dos governos federal, estadual e municipal com poder
político, administrativo e orçamentário. O documento define também a necessidade de
criar mecanismos institucionais que ampliem a participação popular e o controle social,
para assegurar e garantir a construção de relações democráticas do Estado com o
movimento feminista e de mulheres. Faz referência à necessidade de considerar a
grande diversidade de situações existente entre as mulheres e as condições
diferenciadas - e desiguais - que existem entre elas em termos de raça/cor, etnia,
idade, orientação sexual, etc. Os princípios orientadores da Política Nacional das
Mulheres definem-se como: igualdade na diversidade, equidade, autonomia das
mulheres, laicidade do Estado, universalidade, justiça social, participação cidadã,
transparência e e solidariedade (BRASIL-SPM, 2004a: 104-105; BRASIL-SPM, 2007:
17).
A importância da I CNPM foi ressaltada pelas gestoras entrevistadas na
pesquisa:
“A realização da 1ª Conferência é uma expressão do esforço do governo do
Presidente Lula por democratizar e tornar mais participativo o processo de
construção dessa política pública. Além das três instâncias de governo (federal,
estadual e municipal), os movimentos sociais também participaram do esforço de
realização da Conferência. Isso também contribuiu para “mudar o ciclo”
16
e definir
mais claramente qual é o papel do Estado e o papel dos movimentos sociais. A
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 276
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
16 A entrevistada se refere aqui à mudança de ciclo no seu entender representada pela criação de um
organismo estatal com a função explícita de elaborar e promover políticas públicas de promoção da igualdade
de gênero.
grande diferença e o grande avançoaqui é que as políticas para as mulheres
passam a ser feitas com recursos da própria União.”
17
É a primeira vez no país que um governo promove a realização de duas
grandes conferências que tratam da questão de gênero e raça
18
. Não é fácil
propor esses dois debates. É um ato muito corajoso em um país que tem uma
dívida tão grande com as mulheres e os negros, com a questão de gênero e a
questão de raça. O presidente Lula teve muita coragem de convocar as duas
Conferências e de se expor nelas.
6.1.4.
O Plano Nacional de Política para as Mulheres
O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) foi elaborado a partir
de 239 diretrizes aprovadas na I CNPM. Está composto por 199 ações, organizadas
em 5 eixos (ou capítulos): autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania;
educação inclusiva e não-sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos
reprodutivos; enfrentamento da violência contra as mulheres; gestão e monitoramento.
O Plano foi elaborado por um Grupo de Trabalho Interministerial que se reuniu
durante três meses após o término da I Conferência Nacional, tendo envolvido, ainda,
o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e coordenadorias e secretarias
de políticas para as mulheres de estados e municípios. Foi lançado no dia 8 de
dezembro de 2004 e deve ser executado até 2007, quando será realizada uma nova
Conferência Nacional, conforme diretriz aprovada na primeira Conferência.
19
Possui
um Comitê de Articulação e Monitoramento, coordenado pela SPM e composto por
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 277
17
Este tema será retomado no decorrer deste capítulo.
18 A entrevistada se refere aqui à I CNPM e à I Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial, realizada em julho de 2005.
19 A realização da 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres está prevista para o mês de agosto de
2007.
representantes de onze ministérios e secretarias especiais, além da representação da
sociedade civil através do CNDM.
20
O PNPM é apresentado pelo Presidente da República, Luis Inácio Lula da
Silva (BRASIL-SPM, 2004b:11) como parte do compromisso assumido pelo governo
de enfrentar as desigualdades de gênero e raça”. Nas palavras do presidente, o Plano
“expressa o reconhecimento do papel do estado como promotor e articulador de ações
políticas que garantam um Estado de Direito, e o entendimento de que cabe a ele, e
aos governos que o representem, garantir políticas públicas que alterem as
desigualdades existentes em nosso país”; afirma ainda que “... a construção dessas
políticas deve ser feita em permanente diálogo com a sociedade e com as instituições
que a representam”.
A apresentação do PNPM pela Ministra Nilcea Freire, por sua vez, caracteriza
o Plano como “um conjunto de políticas públicas articuladas” que representariam uma
inovação na gestão pública. E anuncia os pontos básicos da estratégia de
implementação do Plano: em primeiro lugar, articular as ações do governo de federal;
em segundo lugar, desenvolver um processo de pactuação com os governos estaduais
e municipais
21
; em terceiro lugar, estimular a expansão e fortalecimento de organismos
de políticas para as mulheres nos Estados e Municípios, com funções similares às da
SPM no governo federal.
22
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 278
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
20 As atribuições desse Comitê são: acompanhar e avaliar periodicamente o cumprimento dos objetivos, metas,
prioridades e ações definidas no PNPM e promover a articulação entre os diferentes órgãos de governo
responsáveis pela implementação do Plano.
21 Como resultado dessa estratégia, em 2005 foram assinados 112 pactos (6 com governos estaduais e 106
com municípios de 16 estados, localizados nas 5 regiões brasileiras); até o final de 2006 a SPM contabilizava
um total de 215 pactos assinados com governos estaduais e municipais ( BRASIL-SPM, 2006a:17;
BRASIL-SPM, 2007:19).
22 . A proposta da SPM é que esses mecanismos sejam institucionalizados e estejam vinculados diretamente
aos gabinetes dos prefeitos e/ou governadores. Como resultado dessa estratégia, o número de organismos
de políticas para as mulheres nos executivos estaduais e municipais passou de apenas 13 em 2003 para 125
até o final de 200. Também foi criado o Fórum de Organismos governamentais de Políticas Públicas para as
Mulheres, que tem se reunido regularmente em nível nacional e em encontros regionalizados, como forma de
facilitar o fortalecimento da institucionalidade de gênero e consolidação das políticas para as mulheres
(BRASIL-MPOG, 2006d: 96; BRASIL-SPM, 2006a:17; BRASIL-SPM, 2007:19).
Essa estratégia é coerente com a definição da missão da SPM de
transversalização da dimensão de gênero nas políticas públicas. Em documento de
avaliação dos resultados do PNPM referidos ao ano de 2005, a Secretaria explicita
essa estratégia, reafirmando a idéia de que a sua existência não substitui a ação dos
ministérios setoriais e não os desobriga a persistir na incorporação da perspectiva de
gênero. Sua principal função não é executar as políticas, mas sim articulá-las e
assessorar os ministérios setoriais para que a dimensão de gênero seja nelas
efetivamente considerada. Quando executa seu orçamento, através de programas que
estão sob a sua responsabilidade, produz um efeito demonstração das possibilidades
e formas diferenciadas de execução das políticas públicas. Essa é também a situação
que espera obter quando apóia o fortalecimento de órgãos do executivo nas esferas
estadual e municipal, alcançando um feito propagador intra e entre esferas
(BRASIL-SPM, 2004b:97)
É interessante notar também que a integração da questão de gênero com a
questão étnica racial é parte integrante desse processo. E se reflete não apenas na
existência de ações e objetivos relacionados às mulheres negras e indígenas no
PNPM e no PNPIR (Plano Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial),
como também em um diagnóstico comum sobre a centralidade das desigualdades de
gênero e raça na configuração da matriz da desigualdade social do Brasil (Abramo,
2004; OIT, 2005) e sobre a importância do entrecruzamento dessas duas dimensões
da discriminação e da desigualdade na situação das mulheres negras.
6.1.4.1. Os objetivos, metas e prioridades do PNPM em relação à igualdade no
mundo do trabalho
Concentraremos a análise no primeiro capítulo do PNPM (“Autonomia,
igualdade no mundo do trabalho e cidadania”) que reúne objetivos, metas, prioridades
e ações relacionadas ao mundo do trabalho e aos direitos das mulheres à
documentação, à propriedade, à infra-estrutura urbana e rural e à habitação. Estão
previstas neste capítulo ações de atendimento prioritário para as mulheres em
programas já implementados pelo governo federal nos âmbitos da qualificação
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 279
profissional, incentivo à geração de emprego e renda e inserção no mercado de
trabalho, inclusão das trabalhadoras rurais e incentivo à sua produção, acesso à terra,
participação e cidadania, ações de fiscalização dos direitos trabalhistas das mulheres,
ampliação dos direitos e melhoria das condições de trabalho das trabalhadoras
domésticas, entre outras (BRASIL-SPM, 2006a:25).
O 1º Capítulo do PNPM se compõe de cinco objetivos, seis metas e cinco
prioridades, em torno às quais se definem e estruturam as ações a serem
implementadas. Os cinco objetivos são: promover a autonomia econômica e financeira
das mulheres; promover a equidade de gênero, raça e etnia nas relações de trabalho;
promover políticas de ações afirmativas que reafirmem a condição das mulheres como
sujeitos sociais e políticos; ampliar a inclusão das mulheres na reforma agrária e na
agricultura familiar; promover o direito à vida na cidade com qualidade e acesso a bens
e serviços públicos.
As 6 metas (todas elas com uma expressão quantitativa) são: a) adotar
medidas que promovam a elevação em 5,2% na taxa de atividade das mulheres entre
2003 e 2007; b) manter a média nacional em, no mínimo, 50% de participação das
mulheres no total de trabalhadores capacitados e qualificados atendidos pelo PNQ e
nos convênios do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com entidades que
desenvolvam formação profissional; c) conceder crédito a 400 mil mulheres
trabalhadoras rurais no período 2005 e 2006; d) documentar 250 mil mulheres rurais no
período 2004 a 2007; e) conceder 400 mil títulos conjuntos de terra no caso de lotes
pertencentes a casais e a todas as famílias beneficiadas pela reforma agrária entre
2004 e 2007; f) atender 350 mil mulheres nos projetos de Assistência Técnica e
Extensão Rural e de Assistência Técnica Sustentável entre 2004 e 2007.
Além disso, existe uma outra meta quantitativa importante para o tema que
nos ocupa, que é a de aumentar em 12%, entre 2004 e 2007, o número de crianças
entre 0 e 6 anos de idade freqüentando creche ou pré-escola.
23
As 5 prioridades,
acompanhadas das respectivas ações, são as seguintes. A primeira delas é a
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 280
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
23 Este tema não está colocado no capitulo 1 do PNPM referido ao trabalho e à autonomia econômica, mas sim
no capítulo 3, referido à “educação inclusiva e não sexista”.
ampliação do acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Está composta de 7
ações, referidas principalmente ao atendimento prioritário das mulheres – ou
equivalente à sua participação na população economicamente ativa - nas políticas
ativas de mercado de trabalho (intermediação e qualificação de mão de obra,
qualificação de jovens) e nas ações de fiscalização do trabalho. Também contempla
uma ação referida a um público alvo específico (capacitar mulheres quilombolas com
vistas à geração de emprego e renda) e o apoio aos estados e municípios na
construção de equipamentos sociais, para facilitar a inserção e permanência das
mulheres no mercado de trabalho (creches, restaurantes e lavanderias públicas).
24
A segunda prioridade é a promoção da autonomia econômica e financeira das
mulheres por meio do apoio ao empreendedorismo, associativismo, cooperativismo e
comércio. Está composta por 27 ações, que se referem principalmente ao apoio
técnico e financeiro (concessão de crédito) a projetos de geração de trabalho e renda,
tais como cooperativas, associações e empreendimentos inseridos na lógica da
economia solidária, com foco nas famílias chefiadas por mulheres. Além disso,
destacam-se ações relativas à elaboração e implementação de planos de
desenvolvimento territorial com enfoque de gênero, ao atendimento prioritário das
jovens na linha de financiamento do Jovem Empreendedor do PROGER e à inclusão
dos quesitos sexos e cor/raça no sistema de operação do PRONAF.
25
A terceira prioridade é a promoção de relações de trabalho não
discriminatórias, com equidade salarial e de acesso a cargos de direção. Está
composta por 18 ações
26
, que se referem principalmente ao fortalecimento da
negociação coletiva como meio de promoção dos direitos das mulheres e da igualdade
de gênero; à capacitação de sindicalistas e agentes fiscalizadores do MTE em relação
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 281
24 A execução dessas ações está sob a responsabilidade dos seguintes ministérios: Trabalho e Emprego
(MTE), Desenvolvimento Agrário (MDA), Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), além SPM e da
SEPPIR. Ver lista completa das ações relativas a este e às outras prioridades em BRASIL-SPM (2006).
25 A execução dessas ações está sob a responsabilidade da SPM, MDS, MTE e MDA, com destaque para o
MDA, responsável, isoladamente ou em conjunto com a SPM e o MTE, por 19 ações, o que significa uma
ênfase importante nas mulheres trabalhadoras rurais.
26 Sob a responsabilidade da SPM, SEPPIR, Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), MTE e MDA,
com destaque para o MTE, responsável isoladamente ou acompanhado pela SPM, SEPPIR e SDH, por 12
ações.
aos princípios relativos à igualdade de gênero e à não discriminação, incluídos aqueles
que constam de tratados e convenções internacionais (especialmente as Convenções
100 e 111 da OIT); à fiscalização de empresas privadas e os órgãos governamentais e
à mediação de conflitos em relação a esses mesmos temas; à realização de
campanhas para a prevenção do assédio sexual; ao estabelecimento de metas
percentuais de participação de mulheres no preenchimento de cargos em comissão do
grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS), inclusive nos de mais alta
hierarquia
27
; à realização de campanhas de valorização dos trabalhos considerados
femininos e à elaboração e implementação de um processo de certificação de
empresas e instituições que respeitam os direitos das mulheres.
A quarta prioridade é a garantia do cumprimento da legislação no âmbito do
trabalho doméstico e o estímulo à divisão das tarefas domésticas. Está composta por
12 ações,
28
referidas basicamente à ampliação dos direitos e melhoria das condições
de trabalho das trabalhadoras domésticas, incluindo revisão e divulgação da
legislação, realização de campanhas e capacitação de servidores das Delegacias
Regionais do Trabalho (DRTs), campanhas contra o trabalho infantil doméstico e
inclusão das trabalhadoras domésticas infantis como público alvo do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Finalmente, a quinta prioridade é a ampliação do exercício da cidadania das
mulheres e do seu acesso à terra e à moradia. Está composta por 12 ações
29
,
concentradas nos seguintes temas: fortalecimento e implementação do programa de
Documentação da Mulher Trabalhadora Rural e da titulação conjunta da terra nos
programas de Reforma Agrária; capacitação de conselheiros municipais de
desenvolvimento sustentável em gênero, reforma agrária, agricultura familiar e
etno-desenvolvimento; apoio a programas de urbanização de favelas, com especial
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 282
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
27 Esse objetivo já estava previsto no Programa Nacional de Ações Afirmativas no Âmbito da Administração
Pública Federal, instituído pelo Decreto Presidencial n. 4.228/02 durante o governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso.
28 Sob a responsabilidade da SPM, SEPPIR, MTE, MDS, e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MPOG).
29 Sob a responsabilidade da SPM, SEDH, SEPPIR, MDA, Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente
(MMA) e Ministério de Minas e Energia (MME),
atenção às mulheres chefes de família; incentivo a ações integradas entre o governo
federal, governos estaduais e municipais para promover o saneamento básico e o
acesso à água, objetivando assegurar moradia em ambientes saudáveis e o estímulo à
eletrificação das comunidades rurais, dando prioridade a serviços e equipamentos que
incidam diretamente na vida das mulheres.
Vale assinalar que o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial,
elaborado a partir da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial,
realizada em julho de 2005, ou seja, um ano após a I Conferência das Mulheres,
também incorpora vários temas e linhas de ação relativas às mulheres negras e/ou ao
cruzamento do tema de gênero e raça. Entre elas a promoção das Convenções 100 e
111 da OIT, a transversalização das dimensões de raça, gênero e juventude nas
políticas públicas de trabalho, renda e empreendedorismo, formação profissional,
programas de emprego de emergência e micro-crédito, e a estruturação de um sistema
de indicadores de raça e gênero para a avaliação e monitoramento das políticas
públicas de geração de emprego e renda e combate à discriminação racial e à pobreza.
Para implementar essas diretrizes, o Plano Nacional de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (PNPIR) prevê o desenvolvimento de políticas especiais, sob forma
de ações afirmativas.
30
6.1.4.2. Os avanços na implementação do PNPM e da política de
transversalização de gênero
Em avaliação realizada em 2007 (aproximadamente 2 anos e meio depois do
lançamento do PNPM), a SPM reafirma o seu caráter como “um plano de governo” e
não apenas da Secretaria de Políticas para as Mulheres, e considera que:
“...a implementação do plano foi um aprendizado tanto para o governo quanto
para a sociedade. Este reorientou a atuação da SPM e estreitou a sua relação
com outros ministérios e com governos estaduais e municipais. Essa interlocução
trouxe para o centro dos debates a questão da igualdade de gênero e sua
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 283
30 Para mais detalhes relativos a esse tema ver Sardenberg (2006).
importância para a consolidação da democracia e para o desenvolvimento
econômico em bases sustentáveis e socialmente referenciadas” (SPM, 2007:
17).
A SPM considera que é mais fácil avaliar os resultados do PNPM em relação
às ações “relacionadas com o atendimento às necessidades de ordem prática”, e muito
mais difícil fazê-lo no que se refere às ações relacionadas às “necessidades
estratégicas das mulheres”, relacionadas a mudanças no comportamento, na cultura e
no imaginário coletivo, já que nesse plano as mudanças são mais lentas e complexas e
os resultados podem ser observados apenas a médio e longo prazo (BRASIL-SPM,
2007: 19).
No capítulo referido ao mundo do trabalho, as ações e programas destacados
na avaliação da SPM são os seguintes: aqueles relacionados às trabalhadoras rurais
(documentação da mulher trabalhadora rural, concessão de crédito e assistência
técnica, capacitação de gestores/as e fortalecimento do protagonismo das mulheres
trabalhadoras rurais no desenvolvimento territorial); os Programas Pró Equidade de
Gênero, Luz Para Todos, de Incentivo à Autonomia Econômica das Mulheres
(capacitação em temas de gênero dos agentes de crédito, executado diretamente pela
SPM), e de capacitação dos gestores públicos (executado em parceria com a OIT
31
e
outros ministérios); a criação da Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades
de Gênero e Raça no Trabalho; os programas desenvolvidos pelo MTE de aumento da
participação as mulheres na qualificação profissional (PNQ), na intermediação de mão
de obra e nos programas dirigidos à promoção do emprego de jovens; os programas
dirigidos às trabalhadoras domésticas
32
e a construção de creches em 1.300
municípios, com capacidade de atender a mais de 1,5 milhão de famílias, no contexto
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 284
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
31 Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e
Geração de Emprego (GRPE).
32 Plano Setorial de Qualificação (PLANSEQ Trabalho Doméstico Cidadão) e campanha Nacional de
Valorização e Formalização do Trabalho Doméstico, lançada em 2006 sob a coordenação da SPM, com a
sanção da Lei n. 11.324 (19/7/2006);
dos Programas de Saneamento ambiental do Ministério das Cidades (SPM, 2006a e
SPM, 2007)
33
O cumprimento das metas do PNPM
Como já foi assinalado, o Capítulo do PNPM referido ao mundo do trabalho,
define 6 metas de caráter quantitativo. A primeira delas consiste em adotar medidas
que promovam a elevação em 5,2% da taxa de atividade das mulheres até 2007. Já
que em 2003 essa taxa era de 50,7%, o cumprimento da meta significaria chegar a
2007 com uma taxa de atividade de 54,2%. O Relatório da SPM (SPM, 2006a)
considera factível cumprir essa meta, já que entre 2003 e 2004 teria havido uma
elevação de 1,7% na taxa de atividade das mulheres.
34
Chama a atenção o fato, em especial à luz da experiência da União Européia
analisada no capítulo anterior, as razões pelas quais a meta do PNPM para o emprego
das mulheres foi definida em termos de aumento da taxa de atividade e não da taxa de
ocupação. A explicação é que a avaliação feita na ocasião pelo Comitê Gestor do
Plano é que o aumento da taxa de ocupação estaria “fora da governabilidade” do
PNPM, enquanto este poderia ter uma incidência no aumento da taxa de participação
através de outras ações previstas, tais como o aumento da cobertura das creches.
A segunda a meta do PNPM neste capítulo se refere à inserção das mulheres
em uma das mais importantes políticas ativas de mercado de trabalho, que já vinha
sendo executada pelo MTE - a política nacional de qualificação social e profissional
(PNQSP). A meta estabelece a manutenção da média nacional de um mínimo de 50%
de participação das mulheres no total de trabalhadores capacitados e qualificados
atendidos pelo PNQ e pelos convênios do MTE com entidades que desenvolvam
formação profissional. Essa porcentagem é levemente inferior à participação feminina
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 285
33 Para mais detalhes ver BRASIL-SPM (2006a: 26 a 32) e SPM, 2007. Alguns desses programas serão
analisados com mais detalhe neste capítulo.
34 Segundo a PNAD a taxa de atividade das mulheres era de 51,6% em 2004 e de 52,9% em 2005. Isso significa
que entre 2003 e 2005 houve um aumento de 4,3% na taxa de atividade das mulheres. Esses dados se
referem à população de 10 anos e mais.
na PEA em 2003 (50,7%). Os dados tanto de 2005 como de 2006 indicam que essa
meta já foi ultrapassada, já que a porcentagem de participação das mulheres nesses
programas era, em 2005, da ordem de 56% e, em 2006, da ordem de 58%.
35
As outras quatro metas se referem às trabalhadoras rurais: documentação
básica, titulação conjunta da terra, crédito e assistência técnica. Esse fato não deixa de
chamar a atenção e reflete a importância do trabalho desenvolvido pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário nesse âmbito. Em relação à meta de conceder crédito a 400
mil mulheres trabalhadoras rurais no período 2005 e 2006, a SPM indica que no Plano
Safra 2004/2005, 322 mil mulheres teriam tido acesso as linhas de crédito do
PRONAF, o que representa 80% da meta e indica que também nesse caso a meta
estabelecida pelo PNPM deveria ser alcançada. Por outro lado, 199 mil mulheres
haviam sido beneficiadas até 2006 pelo programa de Documentação da Mulher
Trabalhadora Rural, o que representa 79% da meta a ser atingida até 2007 (250 mil
mulheres). Segundo os dados do MDA, até 2006 haviam sido concedidos 385 mil
títulos conjuntos de terra nos lotes pertencentes a casais e a todas as famílias
beneficiadas pela reforma agrária, o que representa 96% da meta de 400 mil até
2007.
36
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 286
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
35
SPM, 2006a:26 e Sistema de Acompanhamento PNPM, site SPM visitado em 7/4/07.
36 Não foi possível obter os dados relativos ao cumprimento da meta de 350 mil mulheres atendidas pelos
projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural e de Assistência Técnica Sustentável até 2007 e nem à
meta de aumentar em 12%, entre 2004 e 2007 o número de crianças entre 0 e 6 anos de idade freqüentando
creche ou pré-escola (capitulo 3 do PNPM).
Quadro resumo sobre o cumprimento das metas do capítulo 1 do PNPM
Meta Último dado disponível Avaliação SPM
Aumentar em 5,2% a taxa de atividade
das mulheres entre 2003 e 2007
(chegar a 54,2%)
4,3% de aumento (2005)
Factível de ser
atingida
Manter a média nacional de no
mínimo 50% de participação de
mulheres na qualificação profissional
58% (2006)
Cumprida e
ultrapassada
Concessão de crédito a 400 mil
trabalhadoras rurais entre 2005 e
2006
322 mil no Plano Safra
2004/ 2005 (80% da meta)
Factível de ser
atingida
250 mil mulheres rurais
documentadas entre 2004 e 2007
199 mil em 2006 (79% da
meta)
Factível de ser
atingida
400 mil títulos conjuntos da terra
concedidos entre 2004 e 2007
385 mil em 2006 (96% da
meta)
Factível de ser
atingida
350 mil mulheres atendidas nos
projetos de Assistência Técnica e
Extensão Rural
Sem informação Sem informação
Aumentar em 12%, entre 2004 e 2007
o número de crianças entre 0 e 6 anos
de idade freqüentando creche ou
pré-escola
Sem informação
Sem informação
Fonte: elaboração própria, com base no Sistema de Acompanhamento do PNPM
No Relatório de Avaliação Anual do PPA relativo ao ano de 2005, a SPM
aponta as principais restrições que teve que enfrentar para a consecução dos objetivos
traçados. Em primeiro lugar, a “falta de uma cultura de planejamento pautado pela
dimensão de gênero”, o que faz com que ainda seja reduzida a sensibilidade dos
gestores públicos com relação à perspectiva de gênero no planejamento e
implementação das políticas públicas; em segundo lugar, a reduzida dimensões da
SPM em comparação com a complexidade da sua missão, o que se reflete na falta de
recursos humanos (equipe pequena e falta de servidores de carreira) e na insuficiência
de recursos orçamentários para a implementação de ações demonstrativas visando
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 287
sensibilizar os diferentes setores da administração pública
37
(BRASIL-MOPG, 2006d:
96).
Na verdade, para analisar os avanços e obstáculos na implementação do
PNPM, é necessário voltar a discutir as limitações do PPA em termos do nível em que a
preocupação com o tema foi incorporado tanto em termos de planejamento quanto de
recursos orçamentários. Como já foi assinalado, apesar do tema da igualdade de
gênero estar presente como um objetivo no PPA, vinculado, ao lado da promoção da
igualdade racial ao tema mais geral do combate ás desigualdades sociais e á exclusão,
essa incorporação foi incipiente e insuficiente.
38
Não apenas o número de programas
dirigidos às mulheres ou com dimensão de gênero, assim como a sua dotação
orçamentária é limitado, como praticamente não existem indicadores de mensuração e
avaliação dos resultados com essa perspectiva.
Uma das conseqüências desse problema é o fato de que, apesar de terem sido
desenvolvidos, ao longo dos anos, pelos diversos ministérios setoriais, uma série de
programas e estratégias focalizadas nas mulheres ou ao objetivo de incorporar o
enfoque de gênero às suas políticas, esse esforço não está adequadamente refletido
no PPA. É é notável a ausência de indicadores concretos, nos relatórios setoriais
elaborados anualmente para prestar contas e medir as ações realizadas pelos
diversos ministérios, inclusive aquelas que constam do PNPM. Devido a isso, uma
série de programas e ações que vem sendo efetivamente desenvolvidos por diversos
ministérios não essão refletidos adequadamente nos relatórios do PPA .
39
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 288
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
37 A SPM indica que já haviam sido feitas várias solicitações ao MOPG para suprir essa deficiência (MOPG,
Caderno 26).
38 A avaliação da SPM é que não existia na época em que o PPA foi elaborado, “uma cultura de planejamento
que incorporasse a perspectiva de gênero, conjugada com o conceito da transversalidade” (BRASIL-SPM,
2006: 98).
39 No relatório que trata das ações do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que é responsável por 4 das 6
metas do 1º capítulo do PNPM e por um grande número de ações do Plano, não há nenhum indicador que
considere a questão de gênero, o que contrasta fortemente com o trabalho desenvolvido pelo Ministério
nessa área. Na avaliação setorial realizada pelo MTE, por sua vez, o único indicador relativo ao tema da
igualdade de gênero se refere ao Programa Nacional de Qualificação Social e Profissional (PNQSP): “número
índice da cobertura relativa da população de mulheres”. O índice previsto ao final do PPA (2007) é 1,35 e o
índice apurado em 2005 foi de 1,26, o que foi considerado alto pelo relatório de avaliação. A única outra
referência ao tema que consta desse relatório é a seguinte: se assinala o “alto grau de desigualdade nas
oportunidades de trabalho, emprego e renda que caracterizam o mercado de trabalho” e se faz referência aos
grupos sociais submetidos à discriminação de gênero e raça/etnia (MOPG, 2006c: 49). Também nesse caso,
Na avaliação da SPM, o PNPM funcionou como uma “cunha” no PPA. O
raciocínio é o seguinte: a realização de qualquer planejamento, concretizado em um
plano de ação, exige recursos orçamentários. Conforme a lógica do uso do dinheiro
público, só é possível executar ações previstas anteriormente nos instrumentos de
planejamento. Se esses instrumentos (no caso o PPA) não foram construídos sob a
perspectiva de gênero, é justo afirmar que a implementação do PNPM no período
2005-2006 exigiu uma “releitura” do PPA e um reconhecimento das possibilidades e
adequações dos programas e ações existentes. Ou seja, exigiu dos gestores dos
ministérios responsáveis pelas ações do PNPM um esforço para encontrar no PPA
ações que fossem compatíveis com as enunciadas no PNPM e que tivessem recursos
disponíveis. Através desse recurso, no ano de 2005 foi possível obter um volume de
recursos correspondente a apenas 26,5% das ações definidas pelo PNPM como
prioritárias para esse ano (BRASIL-SPM, 2006: 96 e seguintes).
Por outro lado, a inclusão no PPA de dois programas, um voltado à
transversalização de gênero e outro à transversalização de raça nas políticas públicas
foi um elemento importante para suprir em parte o problema da falta de indicadores e
da precária visibilidade do trabalho realizado por diversos ministérios no âmbito da
promoção da igualdade de gênero e raça.
Na avaliação realizada em 2006 (referida ao ano de 2005), além do caderno
26, dedicado às Secretarias Especiais (Aqüicultura e Pesca, Direitos Humanos,
SEPPIR e SPM), no Caderno 1, que contém a avaliação geral da execução do PPA,
bem como os parâmetros das avaliações setoriais, realizadas pelos diferentes
ministérios, há uma seção dedicada especialmente à “avaliação da transversalidade”.
Como já assinalado, a importância desse fato não é menor, já que é um fator de
visibilidade do tema entre aqueles em relação aos quais o governo tem que prestar
contas anualmente
40
.
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 289
esse único indicador está longe de refletir o trabalho realizado pelo MTE no período em relação ao tema da
igualdade de gênero.
40
A análise que se segue está baseada em BRASIL-MPOG, 2006a.
O objetivo da seção intitulada “avaliação da transversalidade” é “avaliar a
inserção do enfoque transversal na construção e gestão de políticas e programas no
exercício de 2005”, assim justificado:
O governo federal assumiu como um compromisso o princípio da
transversalidade de gênero e raça, abrangendo pessoas com deficiência, crianças,
adolescentes e jovens, entre outros cidadãos, na formulação e desenvolvimento das
políticas públicas, incluindo-se aí todos os setores de atuação e segmentos de poder
(BRASIL-MPOG, 2006a: 59).
É interessante notar que o tema da transversalidade nesse documento,
confirmando o enunciado do texto do PPA, aparece diretamente vinculado ao objetivo
global e estratégico do governo de redução das desigualdades sociais. Com efeito,
entende-se por transversalidade “uma forma de institucionalização de uma cultura de
planejamento, gestão e avaliação que considere essas perspectivas no âmbito das
políticas públicas, envolvendo os diversos setores da sociedade, com o objetivo de
reduzir as desigualdades existentes. A transversalidade é uma forma de atuação
horizontal, não hierárquica, que busca construir políticas públicas integradas, por meio
de ações articuladas”.
O documento postula que, “dada a sua amplitude e abrangência, a gestão
transversal deve se configurar em prioridade política para ser efetiva”. Aponta a
necessidade de “superar a condução das políticas públicas de forma setorial, pois
estas tendem a enfrentar determinados problemas existentes na sociedade de modo
fragmentado e superficial, em função da divisão da administração pública em setores”.
Afirma que a dimensão de gênero deve estar presente na análise das
desigualdades sociais brasileiras, bem como ser contemplada na formulação e
implementação das políticas públicas. Destaca como fatos marcantes na
implementação dessa perspectiva, a criação da SPM e da SEPPIR, a realização das
duas Conferências Nacionais (de Políticas para as Mulheres e de Promoção da
Igualdade Racial) e os respectivos Planos Nacionais elaborados a partir dessas
Conferências.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 290
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Nas conclusões da avaliação repete-se a premissa da análise, ou seja, a
necessidade de que esses temas estejam presentes tanto no diagnóstico das
desigualdades que marcam a sociedade brasileira, quanto na formulação das políticas
destinadas a combatê-las.
41
Além disso, argumenta que as ações de redução das
desigualdades e de inclusão social “devem permear amplo conjunto de áreas ou
setores de governo, ultrapassando o tratamento setorial das políticas públicas a partir
do princípio da transversalidade” e que ...”o presente relatório evidencia avanços para
a gestão pública em determinadas áreas, dado que alguns ministérios incorporaram o
enfoque transversal em suas políticas” (MPOG, 2006a: 73).
42
O problema da ausência de indicadores adequados para medir os avanços na
trasversalização de gênero e raça de alguma forma é reconhecido quando o
documento do Ministério do Planejamento afirma que a avaliação setorial não foi capaz
de demonstrar efetivamente como os ministérios estão refletindo esse enfoque nos
programas e ações do PPA. Apesar disso, a avaliação teria evidenciado “uma
incipiente cultura de planejamento na problematização e na abordagem transversal
desses temas”. Considera-se que a inclusão dessas temáticas no processo de
elaboração do PPA ainda é insuficiente para atender às especificidades de cada tema.
Como o próprio governo reconhece, o resultado disso é a existência de programas e
ações governamentais abrangentes e universais que não levam em consideração os
papéis socialmente diferenciados e, em conseqüência, os impactos das políticas sobre
cada grupo específico da sociedade. Tais deficiências geram uma grande dificuldade
de mensuração e avaliação dos resultados da ação governamental orientada no
sentido de promover a equidade (BRASIL-MOPG, 2006a: 74).
A gestão transversal, além disso, é vista como um dos grandes desafios para a
administração pública. É considerada um importante instrumento de aperfeiçoamento
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 291
41 O documento assinala também que, além das dimensões de gênero e raça, a partir de 2005 foram incluídos
os temas de criança e adolescente, juventude e pessoa com deficiência.
42 O relatório aponta que dos 28 ministérios que realizaram a avaliação setorial em 2005, 16 contemplaram o
tema racial e 15 o de gênero. A maioria desses ministérios possui ações no PPA voltadas a esses temas. Em
2004, 41 programas e 239 ações do PPA consideraram o tema gênero na sua concepção e/ou
implementação, o que representa 11% do total de programas avaliados no ano; em 2005 essa quantidade
aumentou para 46 programas e 344 ações (12% do total). Os ministérios que mais se destacaram foram:
MDA, Cidades, Esporte, Meio Ambiente, MTE, Secretaria Especial de Agricultura e Pesca, SPM e SDH.
do planejamento e gestão das políticas públicas, pois possibilita o recorte do público
alvo e indica o nível de atendimento de grupos específicos; requer uma atuação
integrada por parte dos ministérios, evitando sobreposições ou fragmentações e
promovendo a complementaridade de programas e ações governamentais, e
permitindo um melhor dimensionamento da atuação governamental e a identificação
de eventuais lacunas.
O documento assinala também que o desafio desse momento em diante seria
“influenciar o planejamento dos programas e ações nos diversos setores, de forma a
que os temas transversais estejam presentes no desenho, implementação,
monitoramento e avaliação das políticas públicas. Conseqüentemente será possível,
inclusive, a análise do orçamento e do gasto público, sob a mesma ótica, bem como a
avaliação do impacto dessa atuação sobre as condições de vida de públicos
específicos” (BRASIL-MOPG, 2006a: 74).
6.1.5.
Considerações finais
A análise realizada nos permite tecer algumas considerações gerais sobre os
avanços e debilidades das políticas implementadas no Brasil no período recente. Em
primeiro lugar, é importante assinalar os avanços na construção de uma
institucionalidade para a promoção da igualdade de gênero no âmbito do governo
federal, assim como na disseminação de organismos desse tipo na esfera estadual e
municipal. Os marcos mais importantes desse processo foram a criação da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres e da Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, diretamente vinculadas à Presidência da República,
tendo suas titulares status ministerial, a criação de organismos desse tipo em vários
estados da Federação e municípios, a realização da I Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres e a elaboração – assim como os esforços de
implementação - do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
Deve-se ressaltar o fato de que, com essas iniciativas o Estado brasileiro, por
uma lado, estava respondendo em parte a reiteradas reivindicações do movimento
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 292
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
feminista e de mulheres. Por outro, não estava senão compensando um atraso
considerável existente nesse aspecto entre o Brasil e não apenas as experiências mais
avançadas registradas em países europeus, mas também aquelas que, principalmente
após a realização da IV Conferência Internacional da Mulher em Beijing (1995) – ou às
vezes mesmo antes disso – vinham sendo desenvolvidas em países latino-americanos
vizinhos.
O significado dos passos dados na construção dessa institucionalidade
governamental, além ser o de contribuir para a visibilidade do tema na agenda pública,
é também o de evidenciar uma maior disposição do governo e do Estado em atuar
sobre a desigualdade existente e para reconhecer a desigualdade de gênero (ao lado
da desigualdade racial) como eixos estruturantes dos padrões de desigualdade social
no Brasil, chamando para si a responsabilidade de elaborar políticas públicas nessa
direção e desenvolver os mecanismos para a sua implementação. Contribuíram
também para delimitar melhor os diferentes papéis do governo, do Estado e dos
movimentos sociais no que se refere à defesa e à promoção dos direitos das mulheres
e da igualdade de gênero, dando passos assim, para, nas palavras de uma de nossas
entrevistadas, “mudar o ciclo” de uma história que vinha sendo construída nesse
terreno ao longo dos últimos 30 anos.
Mas ao mesmo tempo em que é importante assinalar esses avanços, é
importante também reconhecer a sua incipiência e insuficiência. A discussão
desenvolvida ao longo deste capítulo em relação ao Plano Plurianual de Governo (PPA
2004-2007) e ao Plano Nacional de Políticas para as Mulheres ilustra bem essas
insuficiências. É necessário ressaltar a importância do fato de, por primeira vez, o
combate às desigualdades de gênero e raça aparecer como um objetivo importante do
plano estratégico de governo, que orienta a elaboração do orçamento do governo
federal, vinculado ao objetivo maior da redução das desigualdades sociais. Mas isso
não significa que esse planejamento estratégico tenha sido feito com uma perspectiva
de gênero. O número de programas é reduzido, assim como a sua dotação
orçamentária. Além disso, faltam indicadores capazes de permitir um adequando
acompanhamento dos resultados dos programas e ações que vêm sendo
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 293
implementados pelos diversos ministérios e secretarias especiais da Presidência da
República.
Esse fato, evidentemente coloca limitações para a implementação do PNPM.
Mas a importância desse Plano deve ser ressaltada justamente por ser um exercício de
gestão da transversalidade, já que ele não se caracteriza por ser um plano da
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, mas sim um plano que, coordenado
por ela, visa integrar as ações de vários ministérios setoriais a partir de objetivo, metas
e prioridades definidos a partir de um amplo processo de discussão que teve lugar na I
Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 294
A evolução recente das políticas de emprego e de igualdade de gênero no Brasil CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessas considerações finais gostaria de me concentrar em uma reflexão sobre
o que está mudando em relação à presença feminina no mercado de trabalho, e qual é
o alcance efetivo das mudanças que – sem dúvida – vêm ocorrendo.
Espero ter sido convincente, ao logo dos capítulos que conformam essa tese, na
argumentação construída a respeito da recorrência das imagens de gênero que
relegam a mulher a uma posição secundária no mercado de trabalho, quando não a ele
estranha e inadequada. E sobre como isso acontece apesar de todas as cifras que
revelam e reiteram, não apenas no Brasil como em muitas outras partes do mundo,
que suas taxas de atividade e ocupação vêm crescendo, que seus níveis de
escolaridade aumentam em forma muito significativa e já são superiores aos dos
homens na força de trabalho, que as suas trajetórias ocupacionais são mais longas e
menos interrompidas, que uma grande parte delas trabalha jornadas de ao menos 40
horas semanais e que é significativo e crescente o seu papel na manutenção do bem
estar das famílias e na superação da situação de pobreza de um número muito
importante delas.
Espero também ter evidenciado de que forma essas imagens, presentes em
vários tipos de discursos, de diferentes atores, em diferentes construções conceituais
e institucionais e em diferentes momentos constituem um elemento importante de
reprodução do padrão de hierarquização do masculino sobre o feminino, dos homens
sobre as mulheres e da discriminação dessas últimas no mundo do trabalho e na
sociedade.
Tal como discutido nos capítulos 2 e 3, a análise dos resultados do conjunto de
pesquisas que conformam o material empírico desta tese evidencia, com efeito, a
presença de continuidades e mudanças na conformação das imagens de gênero no
discurso empresarial. As mudanças ocorridas no mercado de trabalho se refletem,
ainda que de maneira ambígua e incompleta, nesse discurso. Amplia-se o
reconhecimento do direito das mulheres ao trabaho, seja como forma de realização e
autonomia pessoal, seja como forma de contribuir – cada vez com maior fequência em
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 296
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 297
CONSIDERAÇÕES FINAIS
forma significativa, quando não exclusiva – à superação da situação de pobreza ou à
manutenção do bem estar de suas famílias.
No entanto, as resistências ao exercício pleno desse direito, assim como as
imagens tradicionais relativas aos homens e mulheres no trabalho persistem e se
reproduzem. Os “atributos laborais” de uns e outras continuam sendo valorizados de
maneira distinta e desigual, o que se reflete em distintas e desiguais oportunidades de
acesso ao emprego, remuneração, promoção e treinamento. O peso dos atributos
pessoais identificados com o feminino supera, freqüentemente, uma análise mais
objetiva de suas qualificações técnicas e suas características profissionais.
Observa-se a persistência de vários atributos negativos associados às
mulheres, assim como formas e mecanismos diversos de desvalorização do trabalho
feminino em relação ao masculino e de atribuição de um papel secundário e
secundarizado à presença das mulheres no mundo do trabalho.
Outra idéia que emerge desse conjunto de pesquisas e reflexões diz respeito
tanto às formas de reprodução quanto aos mecanismos de questionamento e
desconstrução dessas imagens. Nesse sentido, a disponibilidade de dados e
indicadores desagregados por sexo e da capacidade de realizar sistematicamente
análises de gênero examinado e reexaminando os diversos âmbitos da presença
feminina no mundo do trabalho – assim como a sua articulação com a esfera doméstica
e da reprodução – são cruciais. Além de iluminar os diferentes aspectos da condição
feminina no trabalho e de examinar idéias pré estabelecidas que muitas vezes
carecem de qualquer comprovação empírica, é importante assinalar que esses
procedimentos são fundamentais, cada vez mais, para entender a dinâmica geral das
diversas realidades que conformam os processos e os mercados de trabalho.
É importante reafirmar aqui a idéia de que as relações de gênero são princípios
de estratificação do mercado de trabalho e que a consideração da perspectiva de
gênero nos estudos sobre o trabalho contribui não apenas a entender a situação
específica das mulheres e as relações de gênero no trabalho, como também a própria
dinâmica e as características gerais de configuração do mercado de trabalho, incluindo
as suas dinâmicas de oferta e procura, emprego, desemprego, precarização,
hierarquização e segmentação. Ou, nas palavras de Maruani (2003):
Estudar a evolução do lugar dos homens e das mulheres no mercado de
trabalho não é dedicar-se à sociografia de uma categoria de mão de obra à parte
– as mulheres. É ter meios para identificar as mudanças estruturais que
produziram as transformações da população ativa. É analisar as lógicas sociais
que subentendem as recomposições do mundo do trabalho. Em termos de
desemprego e precariedade, de subemprego e superqualificação, as mulheres
não são específicas. Elas são sintomáticas dos movimentos que agitam o
mercado de trabalho. São reveladoras de fenômenos de conjunto. A situação
delas não é particular, é significativa. Aprofundando a análise das diferenças de
sexo no mercado de trabalho, não se contribui apenas para o acúmulo de saberes
sobre a atividade feminina, participa-se também do progresso geral dos
conhecimentos sobre o mundo do trabalho. E é exatamente essa idéia que ainda
é difícil de admitir, mas que urge aceitar. Para que a variável “sexo” deixe de ser
mal vista e as lógicas de gênero estejam no cerne da reflexão sobre o trabalho e o
emprego.
Em síntese, nos três primeiros capítulos dessa tese pretendemos elucidar os
pressupostos que fundamentam a noção das mulheres como força de trabalho
secundária e, em termos mais gerais, alguns dos processos de desvalorização da
mulher no mundo do trabalho, assim como alguns dos seus mecanismos de
reprodução, conferindo uma ênfase especial ao papel, força e persistência das
imagens de gênero. Nos últimos três capítulos a intenção foi analisar alguns dos
caminhos e instrumentos a partir dos quais podem se dar a ampliação dos direitos das
mulheres e a (re)valorização do seu papel no trabalho e na sociedade.
Foram selecionados dois âmbitos – entre os muitos possíveis – para essa análise: o
âmbito da negociação coletiva e o da formulação e implementação das políticas
públicas.
O capítulo 4 evidencia a importância da negociação coletiva para a promoção
da igualdade de gênero no trabalho, ainda que no Brasil, assim como nos demais
países da América Latina analisados, a incorporação das reivindicações de gênero a
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 298
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 299
CONSIDERAÇÕES FINAIS
esses processos ainda seja incipiente, se contrastada por exemplo com o que ocorre
na Europa, Estados Unidos e Canadá.
Apesar disso, o exame dos resultados da negociação coletiva em seis países
de América Latina na segunda metade da década de 1990 revela que foram realizados
avanços importantes, que se refletem especialmente nos direitos relativos à proteção
da maternidade e da paternidade. Em um quadro de debilitamento da negociação
coletiva que se verifica em vários países da região, devido, entre outros fatores, aos
processos de informalização e desregulamentação do mercado de trabalho, a
tendência geral tem sido a de manutenção ou aumento do número de cláusulas
relativas aos direitos da mulher trabalhadora e à promoção da igualdade de gênero,
assim como de ampliação de seus conteúdos. Através desses processos tem sido
possível não apenas estabelecer mecanismos coletivos que contribuem a reforçar a
aplicação de direitos previstos na legislação trabalhista de cada país, como também
ampliá-los (em termos de sua duração e cobertura), assim como instituir novos
direitos, alguns deles relacionados a uma maior divisão das responsabilidades
domésticas, familiares e de cuidado entre homens e mulheres.
Por ultimo nos capítulos 5 e 6 foi analisada a evolução recente das políticas de
emprego e de promoção da igualdade de gênero na União Européia e no Brasil. Essa
análise revela, como era previsível, uma grande diferença entre um caso e o outro,
principalmente no que se refere à grande distância que existe entre os avanços na
construção de uma institucionalidade específica para a promoção da igualdade de
gênero e seus respectivos mecanismos de monitoramento e accountability. Assim
como no fato de que, no âmbito das políticas de emprego, não existe no Brasil
propriamente uma estratégia –a ser transversalizada com o tema da igualdade de
gênero – como sim ocorre na União Européia, mas sim uma série de políticas e
programas com âmbitos e escala bastante diversos e com um grau de integração ainda
bastante limitado.
Mais uma vez é necessário repetir que minha intenção não foi fazer
estritamente uma análise comparativa entre as duas situações, mas sim entender os
processos que estão se desenvolvendo em cada um desses casos, sempre com o
objetivo de discutir, em primeiro lugar, a medida em que essas políticas e programas
têm contribuído para ampliar os direitos das mulheres e para valorizar sua autonomia
econômica e sua posição no mundo do trabalho e da sociedade. Em segundo lugar, em
que medida vêm ocorrendo mudanças nos paradigmas e pressupostos básicos dessas
políticas, especialmente quanto à reprodução ou transformação da dicotomia provedor
x cuidadora e da noção da mulher como uma força de trabalho secundária.
Como foi assinalado, é interessante observar que nem sempre essas duas
dimensões andam juntas. É possível haver situações em que a implementação de uma
determinada política ou programa tenha efeitos positivos significativos para as
mulheres, por exemplo, no sentido de aumentar sua autonomia econômica, sua
capacidade associativa e organizativa, ou a visibilidade do seu papel no mundo
produtivo e do trabalho, ainda que nada disso tenha sido definido como objetivo da
política em questão ou sem que tenha sido, no processo de sua implementação,
construído ou aplicado qualquer instrumento ou procedimento com essa
intencionalidade. Por outro lado, é possível haver políticas e programas que, seja nos
resultados concretos de sua aplicação, seja na sua própria lógica de constituição
continuem reproduzindo a dicotomia entre o provedor e a cuidadora ou entre o
provedor principal e o provedor(a) secundário(a), no marco de definições estratégicas
ou diretrizes mais gerais que explicitamente tentam promover um outro tipo de modelo
de família ou de inserção no mercado de trabalho baseado na idéia de uma maior
igualdade entre homens e mulheres ou, mais diretamente, de um duplo provedor.
Esse parece ser o caso, por exemplo, das contradições ou inconsistências que
existem entre algumas das diretrizes da Estratégia Européia de Emprego e as
reformas dos sistemas tributários e previdenciários que vêm sendo realizados em
muitos países no contexto do objetivo de “tornar o trabalho financeiramente atraente”
para as populações de baixa renda (making work pay).
Mesmo sendo a experiência européia mais avançada, a análise feita mostra
como esse é um processo complexo, cheio de idas e vindas, fortalezas e debilidades,
momentos nos quais a presença do tema adquire maior ou menor visibilidade na
agenda pública, se reforça ou se dilui, evidenciando que se trata de um terreno de
disputa política, social, cultural, do qual participam e no qual se enfrentam, negociam
ou dialogam, vários atores e instituições. Apesar da análise ao longo desta tese ter se
concentrado nos marcos institucionais mais gerais desses processos, é necessário
ressaltar, uma vez mais, a importância dos movimentos sociais, feministas e de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 300
mulheres, sindicais, de trabalhadoras rurais, que tiveram o papel histórico de colocar o
tema na agenda política das sociedades e que continuam presentes como atores
dinâmicos desses processos.
As experiências analisadas parecem indicar que não há contradição entre
universalização e políticas afirmativas, assim como a importância da estratégia dual
que combina ações e programas específicos dirigidos à mulheres trabalhadoras (e
alguns grupos em especial desvantagem, ou especialmente discriminados no interior
dessa ampla categoria) com o objetivo mais geral da transversalização do tema e dos
princípios da igualdade de gênero no âmbito geral das políticas públicas.
Na verdade poderíamos dizer que existem três níveis que devem ser
combinados e trabalhados simultaneamente. O primeiro deles é a garantia do acesso
das mulheres às políticas públicas já existentes (como por exemplo, as políticas ativas
de mercado de trabalho e políticas de acesso ao crédito produtivo), como forma de
garantir a efetiva universalização, ou democratização, dessas políticas através da
inclusão um contingente muito importante da população que, devido à sua condição de
gênero (associada à sua condição social) está excluída dessas políticas por diversos
motivos. Seja devido às barreiras formais ainda existentes nos mecanismos de
implementação dessas políticas, seja devido às dificuldades adicionais de acesso
enfrentadas pelas mulheres derivadas da sua condição de gênero, seja, em alguns
casos, ao grau de extrema exclusão em que vivem determinadas populações, como é
o caso do grande contingente de mulheres trabalhadoras rurais que não tem
documentação civil básica e que por isso está excluída da possibilidade de acesso aos
benefícios de qualquer política pública, incluindo aquelas dirigidas aos setores mais
carentes da população. Uma das formas de atingir esse objetivo é, por exemplo, definir
metas de acesso das mulheres às políticas de emprego que sejam equivalentes à sua
participação na população economicamente ativa.
Mas isso não basta. Em segundo lugar, para garantir o efetivo acesso das
mulheres a essas políticas gerais ou universais é necessário também criar programas,
ações e estratégias diferenciadas (específicas) a elas dirigidas e que tenham como
objetivo enfrentar ou compensar as dificuldades adicionais por elas enfrentadas devido
à sua condição de gênero.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 301
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em terceiro lugar, é necessário promover a transversalização do tema de
gênero no conjunto das políticas públicas, o que, no seu sentido mais amplo e mais
completo, supõe, na maioria das vezes, incluir modificações nas políticas universais no
sentido de incluir o objetivo da igualdade como um eixo estruturante.
Mais desenvolvida, teorizada e experimentada no caso da União Européia e bastante
incipiente no caso do Brasil, trabalhar simultaneamente nesses âmbitos parece ser
realmente o melhor caminho para avançar na promoção efetiva da igualdade de
gênero.
Por último, gostaria de chamar a atenção também para a importância da
formação e qualificação dos gestores públicos e da existência de especialistas que,
individual ou coletivamente, acompanham esses processos. Esse é outro dos temas
bastante enfatizados na experiência da União Européia, que inclui coletivos desse tipo
entre os seus mecanismos institucionalizados de monitoramento e avaliação.
O que pretendo dizer é que a capacidade de fazer análises de gênero, de construir e
implementar instrumentos e metodologias para transversalizar o tema nas políticas
públicas, parafraseando Jane Jenson, é uma “skill” e não um “talent”, uma qualificação
e não apenas um talento. Isso quer dizer que não basta existir uma sensibilização geral
em termos de gênero, uma adesão geral ao princípio da igualdade entre os homens e
as mulheres. São necessários conhecimentos específicos (e complexos) sobre as
teorias de gênero e sobre o acervo de conhecimentos já existente no que se refere à
relação entre essas teorias e as teorias sobre o emprego e o trabalho; sobre o que
significa uma política de promoção da igualdade de gênero e o que significa
transversalizar o princípio da igualdade e os temas de gênero nas políticas públicas em
distintas experiências históricas; sobre como elaborar um orçamento de gênero e
como construir indicadores para monitoramento e avaliação das políticas públicas e
qual é a experiência acumulada e as boas práticas em várias áreas de políticas
concretas, tais como as políticas ativas de mercado de trabalho, de acesso ao crédito,
promoção de microempresas, qualificação profissional. É necessário também,
evidentemente, al~em de tudo isso, o poder e a capacidade de implementar essas
mudanças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 302
E isso é assim porque a transformação de realidades, concepções e estruturas
(concretas e simbólicas) tão complexas e arraigadas como as que estivemos
analisando ao longo dessa tese exigem mais do que compromissos e diretrizes gerais.
Exigem, como foi dito, a sensibilidade, a convicção, a qualificação e o poder e, além
disso, um trabalho cotidiano e persistente – eu diria até mesmo insistente- de homens e
mulheres, jovens e adultos, nas famílias, escolas, locais de trabalho, empresas,
sindicatos, associações de moradores, partidos políticos, parlamentos, ministérios,
secretarias, etc, com o objetivo de construir uma cultura e procedimentos, formas de
organização familiar, do trabalho da vida privada e da vida pública, que sejam capazes
de efetivamente romper esse secular processo de desvalorização, subordinação e
secundarização da mulher no mundo do trabalho e na sociedade, sentando as bases
de novas formas de convivência mais igualitárias entre homens e mulheres.
Laís Wendel Abramo A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? | 303
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