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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LEITURA E COGNIÇÃO
Lovani Volmer
O PAPEL DO NARRADOR
NO PROCESSO DA COMPREENSÃO LEITORA
Um olhar sobre as narrativas de um livro didático de português (LDP)
Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008.
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Lovani Volmer
O PAPEL DO NARRADOR
NO PROCESSO DA COMPREENSÃO LEITORA
Um olhar sobre as narrativas de um livro didático de português (LDP)
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da
Universidade de Santa Cruz do Sul.
Orientadora: Profª. Drª. Flávia Brocchetto Ramos
Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008.
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Bibliotecária : Muriel Thurmer - CRB 10/1558
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V926p Volmer, Lovani
O papel do narrador no processo da compreensão leitora : um olhar sobre as
narrativas de um livro didático de português (LDP) / Lovani Volmer; orientadora,
Flávia Brocchetto Ramos. - 2008.
98 p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade de Santa Cruz do Sul, 2008.
Bibliografia.
1. Compreensão na leitura. 2. Leitura. 3. Narrativa (Retórica). 4. Livros didáticos. I.
Ramos, Flávia Brocchetto. II. Universidade de Santa Cruz do Sul. Programa de Pós-
graduação em Letras. III.Título.
CDD: 808.3
COMISSÃO EXAMINADORA
Titulares
Profª. Drª. Flávia Brocchetto Ramos (Orientadora)
Profª. Drª. Nize Maria Campos Pellanda
Profª. Drª. Marinês Andréa Kunz
4
Ao Paulo, à Júlia e à Bethânia,
minha reenergização diária.
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AGRADECIMENTOS
- Ao Programa de Pós-graduação Mestrado em Letras da UNISC e à CAPES, pela
concessão da bolsa de estudos, sem a qual talvez esta caminhada não teria sido possível;
- ao Paulo, minha cara-metade, pela compreensão, pelo apoio incondicional, pelo amor e
carinho, por ter sido pai e mãe sempre que necessário;
- à Júlia e à Bethânia, nossas queridas filhas, que nem sempre compreenderam por que, por
um longo período, de quinta para sexta, a mãe tinha que “dormir na escola”;
- aos meus pais, que um dia, talvez sem muita consciência, permitiram-me alçar outros vôos e
respirar outros ares além dos de Chiapeta, minha querida terra natal. Essa foi uma pequena
grande decisão, pois deu outros rumos à minha vida;
- às minhas colegas, amigas, parceiras, irmãs de coração, Beth e Sabrine, pela compreensão,
pelo incentivo, pela sintonia, pelas palavras certas ditas na hora certa;
- à Mari, pela mulher batalhadora e de coragem que é, por sempre ter uma palavra de ânimo e
estar disposta a ajudar, não se esquecendo da transparência em suas atitudes e palavras.
Obrigada pelas dicas, pelos materiais e por acreditar no meu potencial;
- à Rosemari, carinhosamente, Rose, pelo seu precioso “olhar” e pela sua disposição, além do
empréstimo de materiais, não se esquecendo da indicação deste Mestrado;
- à Profª. Drª. Flavia Brocchetto Ramos, mais que orientadora, parceira, uma pessoa incrível,
sempre muito presente e motivadora, por quem tenho profunda admiração. Trocamos muito
nesse período, com o que cresci muito... Nosso sonho ainda há de se realizar;
- às minhas colegas de Mestrado e ao colega Roberto, pelas tantas leituras e discussões,
formais e informais, que tivemos no decorrer do ano de 2006, com as quais cresci e aprendi
6
muito;
- à Escola de Educação Básica Feevale Escola de Aplicação, na pessoa da diretora, Prof.
Cecília Mônaco, por todo o apoio e por sempre ter sido solícita no que diz respeito às trocas
de horários e substituições, além, é claro, das dispensas para participar de seminários;
- a todos os professores deste programa de pós-graduação, que muito contribuíram na minha
formação como professora e pesquisadora. Esta chama que se acendeu não se apagará jamais,
o que é mérito do trabalho aqui desenvolvido.
7
RESUMO
O narrador é um dos elementos estruturais da narrativa e tem sido amplamente estudado
quando se foca o processo de composição de uma obra, mas são raros os estudos sobre a
relação entre a sua atuação e a proposta de leitura veiculada no texto. Assim, esta dissertação
objetiva analisar narrativas a partir da atuação do narrador como um mediador de leitura, uma
vez que sua escolha constitui-se entre duas atitudes narrativas, não apenas entre duas formas
gramaticais. As narrativas estudadas estão inseridas no Livro Didático de Português (LDP)
Português para todos e a análise consiste em discutir o tipo de narrativa selecionada, a
atuação do narrador como um elemento que orienta o processo de leitura e as propostas de
exercícios apresentadas na exploração do texto, visando à instrumentalização do leitor
iniciante. Dessa forma, pretende discutir a atuação do LDP como um formador de leitor de
texto literário e ainda contribuir para a prática docente no que diz respeito às práticas de
leitura.
PALAVRAS-CHAVE: leitura literária - narrador mediação - processo de compreensão
textual
8
RESUMEN
El narrador es uno de los elementos estructurales de la narrativa y ha sido ampliamente
estudiado cuando se focaliza el proceso de composición de una obra, pero no son raros los
estudios sobre la relación entre su actuación y la propuesta de lectura vinculada en el texto.
Así, esta disertación tiene como objetivo analizar narrativas a partir de la actuación del
narrador como un mediador de lectura, ya que la elección de éste se constituye entre dos
actitudes narrativas, no apenas dos formas gramaticales. Las narrativas estudiadas están
inseridas en el Libro Didáctico de Português (LDP) Portugués para todos y el análisis
consiste en discutir el tipo de narrativa seleccionada, la actuación del narrador como un
elemento que orienta el proceso de lectura y las propuestas de ejercicios presentadas en la
explotación del texto, com el objetivo de instrumentalizar el lector iniciante. De esa forma,
pretende discutir la actuación del Libro Didáctico de Portugués como un formador de lector
de texto literario y todavía contribuye para la práctica docente en lo que dice respecto a las
prácticas de lectura.
PALABRAS-CLAVE: lectura literaria narrador mediación proceso de comprensión
textual
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11
1 LEITURA E CONHECIMENTO ...................................................................................... 14
1.1 O processo da compreensão leitora ................................................................................ 20
1.1.1 As estratégias do processamento textual ..................................................................... 22
1.1.2 A tipologia de perguntas de compreensão textual a serviço da compreensão leitora.. 25
2 TEXTO NARRATIVO ..................................................................................................... 30
2.1 A narrativa e seus elementos .......................................................................................... 36
2.1.1 Um olhar sobre o narrador: a perspectiva e a voz ....................................................... 37
2.1.1.1 O papel do narrador no processo de compreensão textual ....................................... 39
2.2 A diversidade de narrativas ............................................................................................ 43
3 AS NARRATIVAS NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS (LDP) ......................... 45
3.1 O livro didático (LD): uma breve contextualização ....................................................... 45
3.1.1 O livro didático de português (LDP) ........................................................................... 49
3.2 O lugar das narrativas no LDP ....................................................................................... 52
3.2.1 Analisando as narrativas .............................................................................................. 57
3.2.1.1 “Cardápio indigesto” ................................................................................................ 57
3.2.1.2 “Assalto” ................................................................................................................... 62
3.2.1.3 “Era dia de caça” ...................................................................................................... 66
3.2.1.4 “As serpentes que roubaram a noite” ....................................................................... 70
4 PROPOSTAS DE ABORDAGEM: FAZENDO DO LIMÃO UMA LIMONADA ......... 77
4.1 “Cardápio indigesto”....................................................................................................... 78
4.2 “Assalto”.......................................................................................................................... 80
4.3 “Era dia de caça”............................................................................................................. 83
4.4 “As serpentes que roubaram a noite”.............................................................................. 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 89
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 92
10
11
INTRODUÇÃO
Histórias fazem parte da vida dos seres humanos, do seu cotidiano, sejam elas do
mundo real ou do criado pelas palavras; essa narrativa de acontecimentos dispostos em uma
seqüência no tempo pode seduzir, fazer rir ou chorar... Conforme Eco (1994), numa história
sempre um leitor, ingrediente fundamental não do processo de contar história, como
também da própria história. Para Certeau (1994), o leitor, o desbravador dessas histórias, é um
caçador que percorre terras alheias. O caminho, contudo, pode ser trilhado com mais ou
menos autonomia por esse caçador, dependendo da liberdade que a instância produtora (o
autor) der ao leitor por meio da instância textual que assume a enunciação (o narrador); aquele
que escreve não é aquele que conta.
Nesse sentido, Bruner (1997) destaca a importância de se pesquisar acerca do texto
literário e das questões a ele relacionadas, tanto no que diz respeito à criação como à leitura e
à interpretação, além dos processos daí decorrentes. Quando o assunto é texto, caso o
pesquisador consiga aplicar sobre ele os mais poderosos instrumentos de análise literária,
lingüística e psicológica, poderemos entender tanto os mundos simbólicos que o autor cria
quanto o que faz uma história e o que a torna grande. Depois de caracterizado o texto em
termos de sua estrutura, seu contexto histórico, sua forma lingüística, seu gênero, seus
múltiplos níveis de significado e o resto, pode-se, ainda, desejar descobrir como e de que
maneira o texto afeta o leitor e os efeitos que produz, isto é, como esse processo ocorre.
Além disso, “para que ocorra a simbiose texto-leitor, o ato de leitura exige
procedimentos de análise, compreensão e interpretação que não se restringem à reconstituição
de uma mensagem, passível de esgotar-se na apreensão superficial de seus significados”
(SARAIVA & MÜGGE, 2006, p. 35), ou seja, o processo de leitura resulta da articulação
entre o leitor e o texto. A escola, por sua vez, é a instituição incumbida da responsabilidade de
promover o contato da criança com os livros e de contribuir para que os alunos se tornem
12
leitores autônomos e proficientes. Nesse sentido, sendo o professor o responsável pela seleção
do livro didático e, conseqüentemente, dos textos trabalhados em sala de aula, acreditamos
que um estudo mais aprofundado dos sinais textuais que permitem traçar, numa dada
narrativa, a figura do narrador e o seu papel no processo de compreensão textual possa ser de
grande relevância para a ação docente, tanto no momento da seleção do livro didático quanto
do estudo com textos narrativos.
Nesse ínterim, a presente dissertação, cuja origem está em discussões realizadas na
disciplina de História da Leitura, com base nos estudos de Lajolo e Zilberman (1996), que
focam a constituição do leitor nacional a partir da relação que o narrador estabelece com o
leitor via narrativa, via texto literário, quando percebemos que o narrador pode atuar como
mediador de leitura, pretende analisar o papel do narrador no processo de compreensão
leitora. As lentes serão direcionadas para a inserção da narrativa no LDP, no que se refere ao
tipo de narrativa selecionada, à atuação do narrador como elemento que orienta o processo de
leitura e as propostas de exercícios apresentadas na exploração do texto, visando à
instrumentalização do leitor iniciante. Dessa forma, almejamos contribuir com a prática
docente no que diz respeito à leitura, por meio do estudo do narrador e do papel por ele
desempenhado na narrativa, uma vez que a escolha do narrador constitui-se não apenas entre
duas formas gramaticais mas entre duas atitudes narrativas.
Pretendemos, pois, no decorrer do presente estudo, a partir da análise de um LDP,
responder às seguintes perguntas: Qual a proposta básica de ação interlocutória das narrativas
pragmática, ficcional ou informativa predomina no livro didático? Em que medida as
estratégias de processamento textual são respeitadas quando da seleção e abordagem de
narrativas no livro didático? O narrador é um elemento explorado no processo de
compreensão textual nas atividades de análise de narrativas propostas pelo livro didático?
Como as atividades de análise de narrativas propostas pelo livro didático elucidam o papel
previsto para o leitor?
A fim de responder a essas questões e explicitar a importância deste estudo, em um
primeiro momento, apresentaremos uma explanação acerca da leitura e do seu papel na
sociedade atual, a partir da lente de importantes pesquisadores da área. Além disso, este
primeiro capítulo abordará o processo de compreensão leitora, com o intuito de melhor
compreendermos as estratégias a serem adotadas quando se trata de leitura e cognição.
O capítulo seguinte envolve o texto narrativo, a narrativa e seus elementos, com
13
ênfase no narrador, foco de atenção do presente estudo, e no papel por ele desempenhado no
processo da compreensão leitora. Para tal, faremos uma retomada histórica do leitor na
literatura brasileira, a fim de melhor compreendermos o papel desempenhado por esse “ser de
papel” na tarefa de conduzir a leitura e, assim, auxiliar o leitor na compreensão do que está
lendo.
A seguir, o livro didático de português (LDP) é o foco de estudo e análise.
Inicialmente, para melhor compreendermos os processos por que o LDP passou para chegar
ao que temos hoje, apresentaremos uma síntese acerca do seu histórico no Brasil. No
momento seguinte, o olhar fixar-se-á nas narrativas presentes num LDP, tendo como base
Português para todos, de Terra e Cavallete (2004). No LDP em questão, as narrativas e as
propostas de análise, compreensão e interpretação serão analisadas com base no referencial
teórico apresentado anteriormente, abordando tanto os aspectos que constituem a sua história
como o seu discurso, uma vez que assim poderemos ter um olhar sobre os elementos que
constituem a obra e também sobre a forma como o narrador a conhecer ao leitor essa
realidade, visando à instrumentalização do leitor iniciante.
Por fim, tendo como base os textos analisados, serão apresentadas possíveis
alternativas pedagógicas, levando em consideração o processo de compreensão textual e
explorando a atuação do narrador.
14
1 LEITURA E CONHECIMENTO
“A leitura é como a vida, um jogo, cujo propósito consiste em
descobrir as regras que se modificam continuamente e
permanecem não-reveláveis”. (Bateson)
A cada momento de nossas vidas, produzimos leituras que se apresentam com os
traços discursivos da nossa necessidade. Essa prática é uma habilidade humana e, segundo
Paulo Freire (1997), precede a escrita - pode ser escrito o mundo que foi anteriormente
lido. Em outra obra, o autor destaca que a compreensão crítica do ato de ler não se esgota na
decodificação pura da palavra escrita, mas “se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”
e “[...] implica a percepção das relações entre o texto e o contexto” (FREIRE, 2001, p. 11), ou
seja, depois que se aprende a ler, se lê para aprender.
Assim como a escrita, a leitura é produção da experiência humana e, na atualidade, do
ponto de vista da aprendizagem, é prática valorizada na transmissão cultural. Ler não é uma
atitude passiva, não se reduz a simples decodificação de sinais gráficos, mas pressupõe uma
atividade de construção e reconstrução de sentidos, ou seja, “todo texto é uma máquina
preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho” (ECO, 1994, p. 9).
Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) definem a leitura como
o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação
do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o
autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação,
decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que
implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais
não é possível proficiência. (BRASIL, 1998, p. 69-70).
A leitura é “o próprio meio pelo qual o homem organiza o mundo, [...]: ler é realizar a
experiência de se pensar pensando o mundo” (YUNES, 2002, p. 25). Nesse sentido,
o ato de ler [...] é um ato de atualização e de despojamento do pensar e pensar-se
15
longe dos pré-juízos e pré-conceitos com que o senso comum ilude a maioria dos
alfabetizados de quaisquer linguagens em leituras prontas por antecipação, taxando
as demais segundo um juízo de falso e verdadeiro que não subsiste objetivamente,
pois que se levar em conta o sujeito que as produz e recebe e suas
circunstâncias. (YUNES, 2002, p. 39).
Segundo a autora, é preciso expandir a capacidade leitora dos indivíduos, o que “signi-
fica restituir-lhes a capacidade de pensar e de expressar cada vez mais adequadamente em sua
relação social, desobstruindo o processo de construção de sua cidadania que se dá pela consti-
tuição do sujeito, isto é, fortalecendo o espírito crítico” (YUNES, 2002, p. 54). Aprender a ler,
assim, é mais que adquirir uma habilidade, e ser leitor vai além de possuir um hábito ou ativi-
dade regular, uma vez que aprender a ler e ser leitor são práticas sociais que mediam e trans-
formam as relações humanas.
Reconhecendo que aquilo que é indispensável para nós é também indispensável para o
outro, podemos parafrasear Candido (1995), quando se manifesta acerca dos Direitos Huma-
nos e a Literatura, e considerar a leitura igualmente um direito humano. O autor considera que
são direitos do ser humano não apenas aqueles bens que asseguram sobrevivência física em
níveis decentes, tais como moradia, alimentação, vestuário, instrução, saúde, entre outros, mas
também os que garantem a integridade espiritual, como o direito à crença, à opinião, à arte e à
literatura
1
. Sendo a literatura a manifestação cultural de todos os homens em todos os tempos,
não há povo e não há homens que possam viver sem ela, pois
a literatura é o sonho acordado das civilizações. [...], ela é fator indispensável de hu-
manização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque
atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. [...] Cada sociedade cria as
suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impul-
sos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas [...]. Ela não corrompe
nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o
que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver. (CANDI-
DO, 1995, p. 243-4).
Fischer (1981), ao manifestar-se acerca da necessidade da arte para o ser humano, des-
taca que
o desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais do que um
indivíduo. Sente que pode atingir a plenitude se se apoderar das expectativas
alheias que potencialmente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que um ho-
mem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como
um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como
o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de
experiências e idéias. (FISCHER, 1981, p. 13).
1
Candido (1995) considera literatura “todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os
níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as
formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações”. (p. 242).
16
O texto literário pode, assim, exercer a função de uma construção de objetos autôno-
mos com estrutura e significado, ser uma forma de expressão, que manifesta emoções e a vi-
são de mundo dos indivíduos, ou, ainda, uma forma de conhecimento, mesmo que inconscien-
te. A produção literária, consoante Candido (1995), “tira as palavras do nada e as dispõe como
todo articulado. [...] A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primei-
ro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo” (p. 246).
Para Fischer (1981), a arte “capacita o ‘Eu’ a identificar-se com a vida de outros, capa-
cita-o a incorporar a si aquilo que ele não é, mas tem possibilidade de ser” (p. 19). Cosson
(2006) destaca, nesse sentido, que a experiência literária não só nos permite saber da vida pela
experiência do outro, mas também vivenciar essa experiência. “Ou seja, a ficção feita palavra
na narrativa [...] permite que se diga o que não sabemos expressar e nos fala de maneira mais
precisa o que queremos dizer ao mundo, assim como nos dizer a nós mesmos” (COSSON,
2006, p. 17).
A leitura, então, devido à coerência mental que pressupõe e que sugere, apresenta a ca-
pacidade de humanizar
2
, diferenciando o indivíduo entre os demais, facilitando a ele o reco-
nhecimento do mundo e dos outros e auxiliando no seu próprio reconhecimento diante do
mundo, ao antecipar experiências e expectativas. Para Mello (2002),
ler é antes de mais nada compreender, e compreender é ser. A linguagem revela a
experiência da vida, registra os sentidos simbólicos de que está impregnado o real.
Diante de um texto, o leitor não apenas decodifica signos: ao compreendê-lo, trans-
forma-o e transforma-se também. Por esse motivo, a leitura é uma atividade funda-
mental à formação do indivíduo (MELLO, 2002, p. 170).
Essa prática não é, pois, um ato solitário
3
, pelo contrário, envolve o diálogo com o in-
terlocutor, indivíduo possuidor de uma história individual e singular, que faz diferença quan-
do do seu encontro com o texto e que favorece o surgimento de inferências marcadas pela ati-
vação de um contexto, o qual abrange a sua memória cognitiva. Cosson (2006) destaca tam-
bém que compreender um texto não significa aceitá-lo, mas para que a atividade de leitura
seja significativa é preciso estar aberto para a multiplicidade do mundo e para a capacidade da
palavra de dizê-lo, ou seja, abrir-se ao outro para compreendê-lo. Assim sendo, “o bom leitor
2
Corrobora-se aqui o conceito de Candido (1995) acerca de “humanização”, ou seja, “o processo que confirma
no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa
disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o
senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”. (p. 249).
3
Larrosa (2003) considera a leitura um ato solitário, pelo fato de o leitor desligar-se da realidade, da vida e dos
outros, para recuperá-los de maneira diferente. O autor destaca que a leitura leva-nos a determinado tipo de
solidão e silêncio, de que necessitamos, pois falamos demasiadamente sem nada dizer, escutamos sem nada
ouvir, ou seja, precisamos fugir, de alguma forma, da velocidade do momento e da pressão das circunstâncias.
17
[...] é aquele que agencia com os textos os sentidos do mundo, compreendendo que a leitura é
um concerto de muitas vozes e nunca um monólogo. Por isso, o ato físico de ler pode até ser
solitário, mas nunca deixa de ser solidário” (COSSON, 2006, p. 27).
Giasson (2000), por sua vez, compara a leitura a uma orquestra sinfônica, ou seja, não
basta cada músico conhecer a sua partitura, é preciso, além disso, que todas as partituras se-
jam tocadas de forma harmoniosa pelo conjunto dos músicos. A autora destaca, ainda, que as-
sim como diferentes maneiras de se interpretar uma peça musical, diferentes maneiras
de se interpretar um texto, dependendo dos conhecimentos do leitor, da sua intenção e do con-
texto. Assim, o leitor “baseia-se em seus conhecimentos para interpretar o texto, para extrair
um significado, e esse novo significado [...] permite-lhe criar, modificar, elaborar e incorporar
novos conhecimentos em seus esquemas mentais” (COLOMER, 2002, p. 31).
O leitor, conforme Certeau (1994), caminhante em terras alheias, é, pois, a peça-chave
quando o assunto é leitura; é ele que atribui vida ao texto, sendo o seu significado modificado
com as várias leituras por ele realizadas e, de acordo com Smith (1989), relativo àquilo que já
sabe e àquilo que deseja saber: “Os leitores sempre lêem algo, lêem com uma finalidade; a lei-
tura e sua rememorização sempre envolve emoções, bem como conhecimento e experiência.
Em outras palavras, a leitura nunca pode ser separada das finalidades dos leitores e de suas
conseqüências sobre eles” (SMITH, 1989, p. 198).
Na produção de sentidos, então, o leitor desempenha um papel ativo, sendo as inferên-
cias um processo cognitivo relevante para esse tipo de atividade, uma vez que o texto é gerado
a partir dos significados atribuídos pelo autor e recontextualizado pelo leitor, que busca atri-
buir-lhe significado a partir de dados previamente existentes na sua memória, os quais são ati-
vados e relacionados às informações veiculadas pelo texto.
Essas inferências, por sua vez, podem ser, por exemplo, demarcadas através da atua-
ção do narrador em um texto, que pode dar mais ou menos autonomia ao leitor; quanto mais
incipiente o leitor, maior será a interferência do narrador no sentido de orientá-lo a guiar-se
pelo texto, pois o autor assim o fará para atingir seu objetivo enquanto produtor, “receoso de
que a leitura, à menor dificuldade, seja posta de lado” (LAJOLO & ZILBERMAN, 1996, p.
19). Desse modo, o leitor tem liberdade para construir sentidos, mas ele também é limitado
pelos significados trazidos pelo texto e pelas suas condições de uso, restringindo-se, por ve-
zes, aos limites ditados pelo narrador (CHARTIER, 2001).
18
Destaca-se, também, que, muitas vezes, se o leitor é ainda menos experiente, faz-se
necessária a figura de um mediador; o produtor não conclui a sua obra, isso somente se
com a recepção e com o significado atribuído a partir da leitura. Nesse sentido, cabe inferir
que os mediadores devem aproximar o leitor do texto, podem, no entanto, de acordo com sua
atuação, distanciá-lo, ao apresentar uma leitura inacabada e superficial, que não contribui para
a formação de um cidadão crítico e capaz de posicionar-se diante dos textos que recebe diaria-
mente.
Essa mediação, segundo Petit (2001), faz-se especialmente necessária na infância, fase
em que a leitura desempenha papel importantíssimo na construção do leitor, pois contribui
para a abertura do campo do imaginário, permitindo ao leitor decifrar sua própria experiência;
é o texto que o leitor, é ele que o revela. Essas idéias de Petit (2001) dialogam com as de
Kleiman (2004), que considera a leitura “uma atividade a ser ensinada na escola, não como
mero pretexto para outras atividades e outros tipos de aprendizagem” (p. 31).
Essa consideração de Kleiman (2004) remete-nos, mais uma vez, a Candido (1995),
pois o texto literário e, por conseguinte, a leitura, “pelo fato de dar forma aos sentidos e à vi-
são do mundo [...], nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição
da literatura é mutilar a nossa humanidade [...]” (CANDIDO, 1995, p. 256). Se assim o for, a
leitura deixa de exercer seu papel, sua função como direito que cabe a cada um de nós.
Ler é, assim, um ato de compreensão e alargamento de experiências essenciais ao
homem, ou seja, é a tentativa de o leitor construir significados para si, elaborando relações
entre seu conhecimento e as palavras inscritas no texto. Ler, “então, não é um processo
automático de capturar um texto como um papel fotossensível captura a luz, mas um processo
de reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e, contudo, pessoal” (MANGUEL, 1997,
p. 45).
Nesse sentido, cabe destacar Larrosa (2003), que faz referência ao papel libertador da
leitura:
[...] A fidelidade às palavras é não deixar que as palavras se solidifiquem e nos
solidifiquem, é manter aberto o espaço líquido da metamorfose. A fidelidade às
palavras é reaprender continuamente a ler e a escrever (a escutar e a falar). Somente
assim pode-se escapar, mesmo que provisoriamente, da captura social da
subjetividade, a essa captura que funciona obrigando-nos a ler e a escrever de um
modo fixo, com um padrão regular. Somente assim pode-se escapar, mesmo que seja
por um momento, dos textos que nos modelam, do perigo das palavras que, ainda
que verdadeiras, se convertem em falsas uma vez que nos contentamos com elas.
[...] Somente assim a educação manterá seu sentido original, que deriva de ex-
19
ducere, sua etimologia latina: conduzir para fora, fora do que é único, fora do
caminho traçado de antemão, fora do dito, do pensado, do interpretado.
(LARROSA, 2003, p. 628)
4
.
A atividade do leitor constitui-se, portanto, na realização de ligações e no
estabelecimento de suas relações, gerando sentidos que variam de acordo com o leitor e com a
natureza da interação, ou seja, a leitura exige do leitor um exercício de preenchimento dos
vazios deixados pelo autor e, no caso do texto narrativo, pelo narrador, que apela para as
reações do leitor para completar aquilo que iniciou, sendo o vazio constantemente ocupado
por projeções (ISER, 1979). Nessa perspectiva,
[...] cada momento da leitura representa uma dialética de protensão e retenção, entre
um futuro horizonte que ainda é vazio, porém passível de ser preenchido, e um
horizonte que foi anteriormente estabelecido e satisfeito, mas que se esvazia
continuamente, desse modo, o ponto de vista em movimento do leitor não cessa de
abrir os dois horizontes interiores do texto, para fundi-los depois (ISER, 1999, p.
17).
Muitas vezes, ainda, o essencial de um texto ou de um discurso está naquilo que ele
não diz, no seu suporte, formato, veículo, material. Jauss (1994) afirma, a esse respeito, que
uma obra apresenta “avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços familiares ou indicações implí-
citas” (JAUSS, 1994, p. 28). Nesse sentido, é preciso instrumentalizar o leitor, a fim de ele
perceber aquilo que nem sempre está explícito, o que é processo, ou seja, é “algo que se ela-
bora, cresce, se enriquece, se trabalha com cada encontro” (PETIT, 1999, p. 185)
5
.
Cabe destacar, ainda, Bordini e Aguiar (1993), para quem “a socialização do indivíduo
se faz, para além dos contatos pessoais, também através da leitura, quando ele se defronta
com produções significantes provenientes de outros indivíduos, por meio do código comum
da linguagem escrita" (p. 10). Ler é, assim, um ato de comunicação caracterizado pela relação
cooperativa entre o emissor e o receptor (RANGEL, 2005), sendo que a compreensão do texto
não depende apenas da identificação do significante isoladamente, mas do significado
inserido no texto como um todo; o que se compreende, por exemplo, não são as palavras em
sua disposição gráfica, mas o pensamento posto em movimento em campos semânticos pelo
jogo de várias sintaxes.
4
Tradução livre da autora: “[...] La fidelidad a las palabras es no dejar que las palabras se solidifiquen y nos
solidifiquen, es mantener abierto el espacio líquido de la metamorfosis. La fidelidad a las palabras es reaprender
continuamente a leer y a escribirnos de um modo fijo, com um patrón estable. Sólo así se puede escapar, aunque
que sea por un momento, a los textos que nos modelan, al peligro de las palabras que, aunque sean verdaderas, se
convierten em falsas una vez que nos contentamos com ellas. [...] Sólo así la educación mantendrá su sentido
original, el que se deriva del ex-ducere de su etimología latina: conducir afuera, afuera de lo que uno es, afuera
del camino trazado de antemano, afuera de lo ya dicho, de lo ya pensado, de lo ya interpretado”. (LARROSA,
2003, p. 628).
5
Tradução livre da autora: “algo que se elabora, crece, se enriquece, se trabaja con cada encuentro” (PETIT,
1999, p. 185).
20
1.1 O processo da compreensão leitora
O homem está sempre adquirindo conhecimento; as novas experiências vão sendo
adicionadas em sua memória, são assimiladas e podem transformar-se de acordo com as
situações.
Em linhas gerais, compreender um texto é construir o seu sentido, em cujo processo
não está envolvido apenas o ato de decodificação de grafemas em fonemas. Rojo (2002)
destaca que esse processo é “um ato de cognição, de compreensão, que envolve conhecimento
de mundo, conhecimento de práticas sociais e conhecimentos lingüísticos muito além de
fonemas” (ROJO, 2002, p. 3).
Para Bakthin (2006), a compreensão é um processo ativo, uma forma de diálogo; um
processo de decodificação, que não consiste na tarefa de reconhecer um sinal ou a forma
utilizada, mas em “compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua
significação numa enunciação particular” (BAKHTIN, 2006, p. 93). Para o estudioso,
compreender a enunciação de outra pessoa requer uma orientação específica do ouvinte em
relação a ela, sendo preciso que o interlocutor encontre o lugar dessa enunciação no contexto
de suas significações anteriores. No processo de compreensão, a cada palavra do outro
fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica; quanto mais
numerosas e substanciais elas forem, mais profunda e real será a nossa compreensão.
“Metaforicamente, Bakhtin diz que o significado ou o sentido de um enunciando é como uma
faísca elétrica, que se produz quando contato entre os dois pólos opostos” (SOUZA,
1995, p. 109).
Walter Kintsch, psicólogo austríaco radicado nos Estados Unidos, é um dos
precursores em pesquisas sobre como a organização macro e a microestrutural de um texto
são processadas pelos indivíduos. Até os anos 70, a psicologia da memória focalizava apenas
conjuntos de palavras isoladas, no máximo, frases. O pesquisador, nessa época, interessava-se
por representações de memória de frases, influenciado pela semântica gerativa. Em 1972,
porém, ele propôs que o texto deve ser o principal objeto de estudo experimental dos
psicólogos cognitivistas. De acordo com Kintsch (1998), devido aos limites da memória de
curto prazo
6
, um texto é processado por ciclos (que correspondem aproximadamente a uma
6
Memória de curto prazo é aquela que “dura poucas horas, justamente o tempo necessário para que as memórias
21
frase), nos quais a macroestrutura é extraída das proposições do texto original e mantida na
memória episódica
7
, junto com os itens finais do ciclo. As frases apresentadas no texto são
conhecidas como microestruturas. O ciclo seguinte altera as representações na memória
episódica, ocorrendo uma construção gradual do texto base, um processo de formação
dependente dos conhecimentos prévios do indivíduo, armazenados na memória episódica; o
texto é processado em segmentos que são integrados com o resto do texto que está em
processamento na memória de trabalho
8
. As representações textuais são sempre uma mistura
de texto e de modelo situacional, sendo que diferentes leitores podem formar diferentes
modelos situacionais, dependendo do seu conhecimento básico. Dessa forma, a própria
experiência anterior de leitura influi no modo pelo qual o leitor processa o texto, pois quanto
maior a sua prática de leitura, melhor vai lidar com os fatores derivados do texto. De acordo
com Kintsch (1998), a compreensão pode ser entendida como um processo que permite
elaborar a macroestrutura a partir de sua microestrutura, ou seja, representações textuais são
construídas seqüencialmente através de ciclos de processamento, nos quais os segmentos do
texto são integrados com o que está sendo processado na memória de trabalho.
Giasson (2000), ao fazer referência aos processos de compreensão leitora, destaca que
eles dizem respeito “ao recurso às habilidades necessárias para abordar o texto, ao desenrolar
das atividades cognitivas durante a leitura” (p. 32), mencionando que esses processos não são
seqüenciais, mas simultâneos. A estudiosa propôs uma classificação distinguindo cinco
grandes processos: os microprocessos, os quais servem para compreender uma informação
contida numa frase; os processos de integração, que têm como função efetuar ligações entre
as proposições ou as frases; os macroprocessos, que se orientam para a compreensão global
do texto, para as conexões que permitem fazer desse um todo coerente; os processos de
elaboração, que permitem aos leitores ir para além da tessitura, realizar inferências não
efetuadas pelo autor; e, por fim, os processos metacognitivos, que gerem a compreensão e
permitem ao leitor adaptar-se ao texto e à situação.
Koch & Elias (2006) afirmam que para o processamento textual contribuem três
grandes sistemas de conhecimento: o lingüístico, o enciclopédico e o interacional. O
de longa duração se consolidem” (IZQUIERDO, 2002, p. 27).
7
A memória episódica diz respeito “a eventos aos quais assistimos ou dos quais participamos” (IZQUIERDO,
2002, p. 22).
8
“Memória de trabalho é aquela que utilizamos, por exemplo, para lembrar a terceira palavra da frase anterior o
tempo suficiente para entender o resto da frase e o início da seguinte, mas que logo depois se perde para sempre”
(IZQUIERDO, 2004, p. 19), ou seja, persiste apenas por alguns segundos ou minutos além do fato ou evento a
que faz referência.
22
lingüístico diz respeito ao conhecimento gramatical e ao lexical, sendo responsável pela
organização do material lingüístico na superfície do texto, pelo uso dos elementos coesivos
para efetivar a remissão ou a seqüenciação lexical e pela seleção lexical adequada à situação
de uso. O conhecimento enciclopédico, por sua vez, é o conhecimento de mundo, ou seja, é
aquele que se encontra armazenado na memória de cada pessoa, podendo ser do tipo
declarativo proposições acerca de fatos do mundo - ou episódico os modelos-cognitivos,
através dos quais se levantam hipóteses, se criam expectativas, se produzem as inferências.
o conhecimento interacional refere-se às formas de interação através da linguagem e engloba
os conhecimentos do tipo ilocucional - permite identificar os objetivos que o falante pretende
atingir em determinada situação de uso da linguagem -, sendo do tipo comunicacional - diz
respeito à quantidade de informação necessária numa situação concreta para que o
leitor/ouvinte seja capaz de reconstruir o objetivo do produtor do texto -, metacognitivo - é o
conhecimento sobre os vários tipos de ações lingüísticas que permitem ao locutor assegurar a
compreensão do texto e conseguir a sua aceitaçãoe, ainda, do tipo superestrutural - permite
reconhecer textos como exemplares de determinado tipo ou gênero.
Na transmissão de informações, apesar da existência de outras formas de aquisição, a
linguagem escrita é um dos meios mais usados. Assim, a leitura ocupa um lugar de destaque;
aquilo que é escrito, o é para ser lido. Esse fato, no entanto, não é garantia efetiva de
conhecimento; é preciso que o leitor interaja com o lido, a fim de compreender o seu sentido
na totalidade, o que depende não de processos cognitivos, mas de uma série de fatores,
relacionados não apenas a fatores textuais e extratextuais.
1.1.1 As estratégias do processamento textual
Para tratarmos das estratégias do processamento textual, faz-se necessária uma
referência preliminar ao conceito do termo “estratégia”, que, conforme Reis & Lopes (1988,
p. 109), é usado “sempre que se concebe uma atitude ou conjunto de atitudes organizativas,
prevendo determinadas operações, recorrendo a instrumentos adequados e opções táticas
precisas, com o intuito de se atingir os objetivos previamente estabelecidos”. Iser (1999), por
sua vez, fazendo referência às estratégias textuais, destaca que elas organizam
simultaneamente o material do texto e as condições em que ele deve ser comunicado, ou seja,
envolvem a estrutura imanente do texto e os atos de compreensão daí suscitados no leitor.
23
Para Giasson (2000) uma estratégia consiste em saber não apenas como fazer, mas também o
que, por que e quando fazê-lo. Nesse sentido,
[...] a adoção de uma estratégia textual constitui uma atitude que mediatamente
interfere na construção do texto: optando por determinado modo e gênero literário,
perfilhando certos códigos em detrimento de outros, valorizando signos literários
específicos e levando a cabo articulações sintáticas adequadas, o autor investe no
processo de codificação da mensagem uma certa competência que solicita, como
termo correlato, a competência do leitor apto a corresponder às exigências da
estratégia textual instaurada. (REIS & LOPES, 1988, p. 110).
Os sistemas de conhecimento, então, concretizam-se através de estratégias de
processamento textual, que Koch (2005) divide em sociointeracionais, textuais e cognitivas.
As estratégias interacionais visam a fazer com que os jogos de linguagem transcorram sem
problemas, evitando o fracasso na interação, enquanto as textuais dizem respeito às escolhas
textuais que os interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a
produção de determinados sentidos. o processamento cognitivo de um texto vale-se de
diferentes estratégias textuais, desdobrando-se em hipóteses operacionais eficazes sobre a
estrutura e o significado de um texto ou fragmento; as estratégias cognitivas são estratégias de
uso do conhecimento, que depende, em cada situação, dos objetivos do usuário, da quantidade
de conhecimento disponível a partir do texto e do contexto, o que torna possível reconstruir
não somente o sentido intencionado pelo produtor do texto, mas também outros, muitas vezes
não previstos ou desejados por ele.
Kintsch (1998), ao abordar em seus estudos as estratégias de processamento cognitivo,
destaca as representações proposicionais, que têm por finalidade a representação do
significado, ou seja, a macroestrutura – a essência de um texto, o conjunto de proposições que
representam a estrutura global do texto, as macroproposições e suas relações de hierarquia - e
a microestrutura estrutura local de um texto, informações de oração-por-oração integradas
com a memória de longo prazo
9
; um conjunto de proposições atômicas que se transformam
em complexas. Na microestrutura, o processo de compreensão produz uma representação
mental de um texto, a memória de texto episódico, que é uma estrutura unitária, mas, para fins
analíticos, distingue-se em base textual unidades de informação derivadas do texto, obtidas
a partir da análise semântica do texto e de sua estrutura retórica - e modelo situacional
proposições geradas a partir do conhecimento prévio, elaborações de conhecimento e
conhecimento baseado na interpretação, sendo relativamente previsível. Em outras palavras, a
9
A memória de longo prazo leva tempo para ser consolidada, sendo a fixação definitiva suscetível a numerosos
agentes internos e externos, tais como adrenalina, corticóides, traumatismos, eletrochoques, dentre outros. Ela
diz respeito a tudo o que uma pessoa sabe e lembra. (IZQUIERDO, 2002).
24
base textual consiste em elementos e situações que são diretamente derivados do próprio
texto. É o que se obteria se um paciente psicológico ou um tipo de afásico traduzisse o texto
numa rede proposicional e, então, integrasse esta rede ciclo por ciclo, sem adicionar nada que
não estivesse explicitado no texto. O leitor precisa adicionar nodos e estabelecer ligações
entre tipos diversos de conhecimento e experiência, construindo estruturas coerentes, para
completar, interpretar o texto a partir de seu conhecimento e depois integrá-lo a esse
conhecimento prévio.
Assim, as inferências constituem estratégias cognitivas, por meio das quais o ouvinte
ou leitor, partindo da informação veiculada pelo texto e levando em consideração o contexto,
constrói novas representações mentais e/ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou
entre uma explícita e outra não explicitada no texto (KOCH, 2005). É esse processo que vai
permitir e garantir a organização dos sentidos elaborados pelo indivíduo na sua relação com o
texto. É a partir dele que o estabelecimento da relação entre as partes do texto e entre essas e o
contexto torna-se possível, fazendo dele uma unidade aberta de sentido.
Cabe destacar, ainda, Sanford & Garrod (1994), que dividem as inferências em
necessáriasaquelas indispensáveis à compreensão -, elaborativas aquelas suposições não
necessárias geradas no processo de interpretação -, progressivas que dizem respeito às
hipóteses realizadas antes que o texto o exija – e regressivas – aquelas hipóteses responsáveis
pela ligação entre as informações anteriores e as posteriores.
Conforme Marcuschi (1999), as inferências são processos que implicam a construção
de representação semântica baseada na informação textual e no contexto, traduzindo
justamente a capacidade de reconhecimento da intenção comunicativa do interlocutor, e mais
precisamente do autor, no caso do texto escrito, o que caracteriza o leitor maduro e, portanto,
crítico, questionador e reconstrutor dos saberes acumulados culturalmente.
A construção da macroestrutura citada por Kintsch (1998), por sua vez, dá-se por meio
de macrorregras, que reduzem e organizam a informação. Na primeira macrorregra,
denominada pelo estudioso de seleção, as proposições que não são uma condição de
interpretação para a outra podem ser apagadas, ou seja, deletadas ou eliminadas, mantendo-se
aquelas inter-relacionadas com outras. A generalização, segunda macrorregra, estabelece que
cada proposição que tiver conceitos englobados por um superconceito comum pode ser por
ele substituída. A construção é a última macrorregra e refere que uma unidade de informação
25
que é requerida pelo conjunto de uma seqüência de proposições pode ser substituída por
aquela seqüência. Com a aplicação dessas regras, as informações não são apenas suprimidas,
mas também integradas. A macroestrutura possibilita ao leitor compreender globalmente um
texto, dirigindo, também, a compreensão microestrutural.
1.1.2 A tipologia de perguntas de compreensão textual a serviço da compreensão leitora
Até pouco tempo, pensava–se que as habilidades da língua limitavam-se a falar-ouvir,
ler-escrever. Hoje, entretanto, sabe-se que isso não é suficiente, por isso, “precisamos
aprender a ver e representar, bem como interpolar algo entre a fala e a escrita, fazendo com
que esse contínuo fique ainda mais fluido” (MARCUSCHI, 2002, p. 51). Rangel (2002)
complementa esse pensamento de Marcuschi, destacando que
o que agora interessa é, antes de mais nada, a descrição e, em especial, o domínio de
funcionamentos próprios do texto; portanto, de recursos e de procedimentos de
construção e reconstrução das tramas lingüísticas capazes de, nas situações para as
quais foram trançadas, produzir os sentidos produzidos pelos sujeitos. (RANGEL,
2002, p. 17).
Nesse sentido, as perguntas de compreensão textual apresentadas ao aluno são de
suma importância, para ajudá-lo a compreender, interpretar, refletir sobre o texto e inferir a
partir dele ou apenas propor-lhe atividades mecânicas de cópia, não exigindo que estabeleça
relações intra e extratextuais, e, portanto, não permitindo o desenvolvimento dessas
habilidades e as competências em leitura implicadas no grau de proficiência que se pretende
levá-lo a atingir.
Marcuschi (2002) realizou um estudo acerca da tipologia das perguntas de
compreensão em LDP, que nos permite perceber o quanto o que é proposto ajuda o aluno a
desenvolver habilidades e competências em leitura ou não. O quadro abaixo sintetiza essa
análise.
Tipos de perguntas Explicitação Exemplos
1. A cor do cavalo
branco de
Napoleão
São P não muito freqüentes e de
perspicácia mínima, auto-respondidas
pela própria formulação.
Assemelham-se às indagações do
Ligue:
Lílian - Não preciso falar
sobre o que
aconteceu.
26
tipo: “Qual a cor do cavalo branco de
Napoleão?”
Mamãe - Mamãe, desculpe,
eu menti pra você.
2. Cópias São as P que sugerem atividades
mecânicas de transcrição de frases ou
palavras. Verbos freqüentes aqui são:
copie, retire, aponte, indique,
transcreva, complete, assinale etc.
Copie a fala do
trabalhador.
Retire do texto a frase
que...
Copie a frase corrigindo-a
de acordo com o texto.
Transcreva o trecho que
fala sobre...
Complete de acordo com
o texto.
3. Objetivas São as P que indagam sobre
conteúdos objetivamente inscritos no
texto (O que, quem, quando, como,
onde...) numa atividade de pura
decodificação. A resposta acha-se
centrada exclusivamente no texto.
Quem comprou a meia
azul?
O que ela faz todos os
dias?
De que tipo de música
Bruno mais gosta?
Assinale com um x a
resposta certa.
4. Inferenciais Estas P são as mais complexas;
exigem conhecimentos textuais e
outros, sejam pessoais, contextuais,
enciclopédicos, bem como regras
inferenciais e análise crítica para
busca de respostas.
uma contradição
quanto ao uso de carne de
baleia no Japão. Como
isso aparece no texto?
5. Globais São as P que levam em conta o texto
como um todo e aspectos
extratextuais, envolvendo processos
inferenciais complexos.
Qual a moral dessa
história?
Que outro título você
daria?
Levando-se em conta o
sentido global do texto,
pode concluir que...
6. Subjetivas Estas P em geral têm a ver com o
texto de maneira apenas superficial,
sendo que a R fica por conta do aluno
e não como testá-la em sua
validade.
Qual a sua opinião
sobre...?
O que você acha do...?
Do seu ponto de vista, a
atitude do menino diante
da velha senhora foi
correta?
7. Vale-tudo São as P que indagam sobre questões
que admitem qualquer resposta não
havendo possibilidade de se
equivocar. A ligação com o texto é
De que passagem do texto
você mais gostou?
Se você pudesse fazer
uma cirurgia para
27
apenas um pretexto sem base alguma
para a resposta.
modificar o
funcionamento de seu
corpo, que órgão você
operaria? Justifique sua
resposta.
Você concorda com o
autor?
8. Impossíveis Estas P exigem conhecimentos
externos ao texto e podem ser
respondidas com base em
conhecimentos enciclopédicos. São
questões antípodas às de cópia e às
objetivas.
um exemplo de
pleonasmo vicioso.
(Não havia pleonasmo no
texto e isso não fora
explicado na lição)
Caxambú
10
fica onde?
(O texto não falava de
Caxambú)
9. Metalingüísticas São as P que indagam sobre questões
formais, geralmente da estrutura do
texto ou do léxico, bem como de
partes textuais.
Quantos parágrafos têm o
texto?
Qual o título do texto?
Quantos versos tem o
poema?
Numere os parágrafos do
texto.
(MARCUSCHI, 2002, p. 54-5)
Cabe, ainda, destacar a forma como o PISA
11
- 2000 avaliou a leitura. O Programa
propôs três domínios - identificação e recuperação de informação, interpretação e reflexão -,
desdobrados em cinco níveis de proficiência cada um:
nível 1: localizar informações explícitas em um texto, reconhecer o tema prin-
cipal ou a proposta do autor, relacionar a informação de um texto de uso cotidi-
ano com outras informações conhecidas;
nível 2: inferir informações em um texto, reconhecer a idéia principal de um
texto, compreender relações, construir sentido e conexões entre o texto e outros
conhecimentos da experiência pessoal;
nível 3: localizar e reconhecer relações entre informações de um texto, integrar
e ordenar várias partes de um texto para identificar a idéia principal, compreen-
10
No original, consta Caxambú com acento.
11
PISA (Programme for Internacional Student Assessment) é uma avaliação internacional de habilidades e
conhecimentos de jovens de 15 anos, que visa a aferir até que ponto os alunos próximos do término da educação
obrigatória adquiriram conhecimentos e habilidades essenciais para a participação efetiva na sociedade, em três
domínios: Leitura, Matemática e Ciências.
28
der o sentido de uma palavra ou frase e construir relações, comparações, expli-
cações ou avaliações sobre um texto;
nível 4: localizar e organizar informações relacionadas em um texto, interpretar
os sentidos da linguagem em uma parte do texto, levando em conta o texto
como um todo, utilizar o conhecimento para formular hipóteses ou para avaliar
um texto;
nível 5: organizar informações contidas, inferindo a informação relevante para
o texto, avaliar criticamente um texto, demonstrar uma compreensão global e
detalhada de um texto com conteúdo ou forma não familiar. (RELATÓRIO
NACIONAL DO PISA-2000, p. 31).
O PISA considera, ainda, as habilidades associadas a cada um dos níveis, conforme o
Quadro 1, que apresenta as subescalas relacionadas às dimensões de identificação e
recuperação da informação, interpretação e reflexão.
Quadro 1 - Subescalas de Leitura
Nível Identificação e
recuperação
de informação
Interpretação Reflexão
1 Localizar uma ou mais partes
independentes de informão
explicitamente apresentada.
Tipicamente, a informação
requerida está apresentada
proeminentemente e
pouca ou nenhuma
informão competindo com
a informação requerida. O
leitor é explicitamente
direcionado a considerar os
fatores relevantes na questão
e no texto.
Reconhecer o tema principal ou o
propósito do autor em textos
sobre tópico familiar.
Tipicamente, a informação
requerida está apresentada
proeminentemente e pouca ou
nenhuma informação competindo
com a informação requerida. O
leitor é explicitamente
direcionado a considerar os
fatores relevantes na questão e no
texto.
Fazer conexão
simples entre
informões no texto
e conhecimentos
simples do cotidiano.
Tipicamente, a
informão requerida
es apresentada
proeminentemente e
pouca ou
nenhuma informão
competindo com a
informão
requerida. O leitor é
explicitamente
direcionado a
considerar os fatores
relevantes na queso
e no texto.
2 Localizar uma ou mais
partes de informação,
podendo ser necessário o
uso de inferência e a
Reconhecer a idéia central de um
texto, entendendo relações e cons-
truindo significados no contexto de
partes limitadas do texto quando a
Fazer comparões
ou diversas conexões
entre o texto e
conhecimentos
29
consideração de diversas
condições.
informão não está proeminente e
o leitor precisa fazer infencias
sicas. Efetuar comparação ou
contraste a partir de uma caracte-
stica apresentada no texto.
externos derivados da
experncia ou
atitudes pessoais.
3 Localizar e em alguns casos
reconhecer a relação entre
diversas partes de informa-
ção que contemplem múlti-
plas condições. Lidar com
informações concorrentes
ou com outros obstáculos,
tais como idéia oposta às
expectativas ou expressões
que contenham duplas ne-
gativas.
Integrar diversas partes de um
texto de modo a identificar uma
idéia central, entender uma relação
ou construir o significado de uma
palavra ou expressão. Comparar,
contrastar ou categorizar a partir de
diversas características. Lidar com
informões concorrentes ou
outros obstáculos textuais.
Fazer conexões,
comparações, dar
explicações, ou ava-
liar característica
presente em um tex-
to. Demonstrar en-
tendimento acurado
do texto em relação
a conhecimentos fa-
miliares ou conside-
rar conhecimento
menos familiar para
estabelecer relacio-
namento com o texto
em um sentido mais
amplo.
4 Localizar e organizar
diversas partes relacionadas
de informação.
Interpretar o significado de
nuances de linguagem em parte
do texto a partir de considerações
sobre o texto completo. Entender
e aplicar categorias em contextos
não familiares. Mostrar
entendimento acurado de textos
longos ou complexos, com
conteúdo ou forma que podem
ser não familiares.
Usar conhecimento
formalizado ou
blico para fazer
hitese ou avaliar
criticamente um
texto. Mostrar
entendimento
acurado de textos
longos ou
complexos, com
contdo ou forma
que podem ser não
familiares.
5 Localizar e organizar
diversas partes
profundamente relacionadas
de informação, inferindo
quais informações no texto
são relevantes. Lidar com
conceitos contra-intuitivos.
Demonstrar entendimento
completo e detalhado de textos
cujos conteúdos ou forma sejam
não familiares. Lidar com
conceitos contra-intuitivos.
Avaliar criticamente
ou construir
hipóteses a partir de
conhecimento
especializado. Lidar
com conceitos
contra-intuitivos.
(Fonte: Relatório Nacional do PISA-2000, p. 32)
As tipologias de perguntas apresentadas por Marcuschi (2002) e a forma como o
PISA-2000 avaliou a leitura oferecem-nos subsídios relevantes para analisarmos as atividades
propostas aos alunos a partir de textos. Se realmente esses elementos forem observados
quando da elaboração das questões de análise, compreensão e interpretação textual, com
certeza, resultados no processo de compreensão leitora dos alunos serão percebidos.
30
31
2 O TEXTO NARRATIVO
“A vida da gente parece um livro cheio de quase tudo:
tem aventura, romance, suspense, tragédia, comédia,
drama, terror, poesia, fantasia e até novela de vez em
quando”. (Ricardo Azevedo)
A narrativa está presente em todas as sociedades, em todos os tempos e lugares,
começando com a própria história da humanidade; tudo o que se conta é narrativo; da
conversa com os amigos ao filme que se vê, da receita da cozinha ao diário.
[...] não em parte alguma povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os
grupos humanos têm suas narrativas, e freqüentemente estas narrativas são
apreciadas em comum por homens de cultura diferente, e mesmo oposta; a narrativa
ridiculariza a boa e a literatura; internacional, trans-histórica, transcultural; a
narrativa está aí, como a vida. (BARTHES, 1971, p. 18).
De acordo com Larrosa (2003), na narrativa encontramos as formas lingüísticas e
discursivas com as quais construímos e expressamos nossa subjetividade. Como estamos
imersos em estruturas narrativas, a história de nossa vida depende do conjunto de histórias
que já lemos, vimos ou ouvimos, pois é a partir delas que aprendemos a construir a nossa:
Na aprendizagem do discurso narrativo e na participação em práticas discursivas
narrativas constituímos, aprendemos, melhoramos e modificamos tanto os vocábulos
que usamos para a autodescrição como os modos de discurso nos quais articulamos
a história de nossas vidas. É na forma de tratar os textos que existem que
adquirimos um conjunto de dispositivos semânticos [...] e um conjunto de
dispositivos sintáticos [...] para a autocriação, para narrar-nos no interior desses
dispositivos, para fazermo-nos e refazermo-nos através da construção e reconstrução
de nossas histórias. Assim, a história da história da vida é a história dos modos como
os seres humanos têm construído narrativamente suas vidas. E a história da história
de nossas vidas é a história das narrações que temos ouvido e lido e que, de alguma
forma, temos estabelecido relação conosco. (LARROSA, 2003, p. 618)
12
.
12
Tradução livre da autora: “En el aprendizaje del discurso narrativo y en la participación en prácticas
discursivas narrativas constituimos, aprendemos, mejoramos y modificamos tanto los vocabulários que usamos
para la autodescripción como los modos de discurso en los que articulamos la historia de nuestras vidas. Es en
nuestro trato con los textos que están ya ahí que adquirimos un conjunto de dispositivos semânticos [...] y un
conjunto de dispositivos sintácticos [...] para la autocreación, para narrarnos en el interior de esos dispositivos,
32
As narrativas podem vir a fazer parte da vida dos homens por suportes dos mais
variados, pois muitas são as formas de narrar; peculiaridades, no entanto, que se mantêm,
independentemente de ouvirmos uma piada ou lermos um romance, tais como a estrutura, as
personagens, o tempo, o lugar, a ação. Embora a identificação das partes essenciais da
narrativa possa variar entre os teóricos e, parafraseando Benjamin (1992), sem prejuízo do
papel fundamental que o narrar desempenha no orçamento geral da humanidade, são
múltiplos os conceitos nos quais se podem incluir as receitas das narrativas assim como
comuns diversos de seus elementos.
Genette (s/d) considera que história e narração existem por intermédio da
narrativa
13
. Ao defini-la, o autor apresenta três noções distintas para o termo. Primeiramente,
como aquilo que “designa o enunciado narrativo, o discurso oral ou escrito que assume a
relação de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos” (p. 23). Num segundo
sentido, a narrativa seria uma “sucessão de acontecimentos, reais ou fictícios, que constituem
o objeto desse discurso, e as suas diversas relações de encadeamento, de oposição, de
repetição, etc.” (p. 24). Por fim, Genette (s/d) conceitua-a como “o ato de narrar tomado em si
mesmo” (p. 24).
Quando o assunto é análise textual, o autor afirma que, dos três níveis, o do discurso
narrativo é o único que se oferece diretamente à análise textual, o qual é, também, o único
instrumento de que se dispõe no campo da narrativa de ficção, pois propicia o estudo das
relações entre narrativa e história, entre narrativa e narração e entre história e narração. Sendo
a narrativa uma produção lingüística que assume a relação de um ou vários acontecimentos, o
teórico em questão propõe três categorias de análise do discurso narrativo - o tempo, os
modos e a voz -, a serem explicitadas no próximo item deste capítulo.
Todorov (1977), por sua vez, define a narrativa como todo texto referencial que tenha
temporalidade representada. Assim, não se concretiza apenas no plano da realização estética
própria dos textos narrativos literários, mas desencadeia-se com freqüência e encontra-se em
diversas situações cotidianas e contextos comunicacionais, do mesmo modo que se resolve em
para hacernos y rehacernos a nosotros mismos a través de la construcción y la desconstrucción de nuestras
historias. Así, la historia de la historia de la vida es la historia de los modos en que los seres humanos han
construído narrativamente sus vidas. Y la historia de la historia de nuestras vidas es la historia de las narraciones
que hemos oído y leído y que, de algún modo, hemos puesto en relación con nosotros mismos”. (LARROSA,
2003, p. 618).
13
Genette (s/d) denomina história o significado ou conteúdo narrativo, a organização seqüencial do texto;
narrativa, o discurso ou texto narrativo em si; e narração, o ato narrativo produtor, ou seja, o conjunto da
situação real ou fictícia na qual toma lugar.
33
suportes expressivos diversos. Nesse sentido, podemos novamente fazer menção a Barthes
(1971), para quem
a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela
imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas essas
substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na
epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura,
no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinho, [...] na conversação. (BARTHES,
1971, p. 19).
Outro estudioso do assunto é Forster (1969), para quem uma narrativa tem um
elemento fundamental: a história, que suscita a curiosidade do leitor em saber o que
acontecerá depois. Isso é importante, pois o leitor vai mergulhando e se prendendo à história,
a fim de saber o acontecimento seguinte. O autor, o grande estrategista de uma narrativa, deve
levar em conta não uma boa história, mas o modo de dizer, ou seja, ter a sensibilidade para
escolher estratégias ao dizer, de modo que envolva o leitor.
Bourneuf & Ouellet (1976), ao abordarem a narrativa, enfatizam o elemento tempo e
fazem a distinção entre três tipos: o da aventura, o da escrita e o da leitura. O primeiro diz
respeito à história, ao que ela narra, ou seja, ao tempo dos acontecimentos, que pode ser
cronológico ou psicológico. O segundo relaciona-se ao tempo de escrita de uma obra; o
último refere-se ao leitor e à sua leitura, pois, com o passar do tempo, os modismos e a cultura
vão se modificando, e, desse modo, o ato de ler significa um risco, pois o desajuste entre
leitor e obra pode ser grande. Os referidos críticos também lembram que, ao escrever um texto
narrativo, o autor necessita fazer escolhas e entre elas a questão temporal é de suma
importância; é preciso haver coerência entre a narrativa e a compreensão do leitor, visto que
nem tudo está escrito. Os saltos temporais são permeados por lacunas e demonstram que,
durante certo período, não aconteceu um fato relevante que mereça ser explanado.
Reis (2003) define a narrativa de ficção como o “conjunto de textos literários
integráveis no modo narrativo” (p. 343). O autor destaca que a narrativa literária estrutura-se
em dois planos fundamentais: o da história relatada (o quê) e do discurso que a relata (como),
articulados no ato de enunciação, a instância da narração. O discurso narrativo é produto do
ato de enunciação de um narrador e dirige-se, explícita ou implicitamente, a um narratário.
Para Reis & Lopes (1988), ainda,
é ao nível do discurso que se detectam os processos de composição que
individualizam o modo narrativo: elaboração do tempo, modalidades de
representação dos diferentes segmentos de informação diegética, caracterização da
instância responsável pela narração, configuração do espaço e do retrato das
personagens, constituem os mais destacados aspectos da manifestação do discurso.
34
[...] A análise do discurso narrativo será constituída prioritariamente pela descrição
dos signos técnico-narrativos que estruturam os diversos âmbitos compositivos
mencionados [...]. (REIS & LOPES, 1988, p. 29).
Ao fazer menção à história e ao discurso, Reis & Lopes (1988) retomam Todorov,
para quem a história corresponderia à realidade evocada pelo texto narrativo (acontecimentos
e personagens) e o discurso, ao modo como o narrador a conhecer ao leitor essa realidade,
ou seja, um plano de conteúdo e um plano de expressão.
D’Onófrio (2006), ao manifestar-se acerca da narrativa, apresenta-a como “todo
discurso que nos apresenta uma história imaginária como se fosse real, constituída por uma
pluralidade de personagens cujos episódios de vida se entrelaçam num tempo e num espaço
determinados” (p. 53). O estudioso complementa o conceito de narrativa ao incluir o espaço
de um acontecimento, bem como o tempo. Segundo ele, o tempo e o espaço são componentes
sintático-semânticos e definem-se pelo ato a que estão conjuntos, além de terem uma função
dúplice e antitética, ou seja, são características naturais, mas também instauram o mundo do
imaginário, suspendendo as leis do real.
Para Adam & Lorda (1999), o ato de narrar é uma forma particular e completa de
enunciação, uma vez que sempre uma transposição dos acontecimentos do mundo real que
inspiram o relatado, ou seja, o que é narrado é feito de tal forma que parece real.
Há, pois, em toda narração, uma transposição dos acontecimentos da realidade que,
em graus diversos, inspiram o relatado. E existe também, por vezes, um uso
consciente da aparência autobiográfica para autenticar o mundo de ficção criado.
Essas estratégias relacionam-se estreitamente com as características particulares da
comunicação narrativa. (ADAM & LORDA, 1999, p. 157).
14
Essa posição de Adam & Lorda (1999) remete a Iser (1996), para quem a arte literária
tem um substrato de alta plasticidade, que desconhece qualquer tipo de constantes e
manifesta-se na reformulação do formulado como um meio que atualiza, nas formas da
escrita, o que, independente dele, permanece inacessível. O estudioso ressalta que se o texto
ficcional refere-se à realidade sem se esgotar nessa referência, então a repetição é um ato de
fingir, pelo qual aparecem finalidades que não pertencem à realidade repetida. Assim, o ato de
fingir ganha a sua marca própria, que é provocar, no texto, a repetição da realidade,
atribuindo, por meio daquela, uma configuração ao imaginário em efeito do que é assim
referido, ou seja, o que retorna ao texto ficcional é uma realidade de todo reconhecível, posta,
14
Tradução livre da autora: “Hay pues, en toda narración, una transposición de los acontecimientos de la
realidad que, en grados diversos, inspiran lo relatado. Y existe también, en ocasiones, un uso consciente de la
aparência autobiográfica para autentificar el mundo de ficción creado. Estas estratégias se relacionan
estrechamente con las características particulares de la comunicatión narrativa”. (ADAM & LORDA, 1999, p.
157).
35
entretanto, sob o signo do fingimento. Pelo reconhecimento do fingir, todo o mundo
organizado no texto literário transforma-se em um como se, o que significa que o mundo
representado não é propriamente mundo, mas que, por efeito de um determinado fim, deve ser
representado como se fosse. Nesse sentido, como se pode ser denominado de imaginário,
porque os atos de fingir se relacionam com o imaginário. O mundo relacionado no texto não
se refere a si mesmo e, por seu caráter remissivo, representa algo diverso de si próprio. Para
alcançar a determinação de uma figura irreal, o autor tem de se irrealizar. Revela-se aqui, de
novo, o modo característico do fictício: ser transgressão de limites. O mundo concebido é
apenas um mundo possível, de um lado, diferenciando-se daqueles mundos de cujo material
foi feito e, de outro, oferece uma marcação para uma realidade a ser imaginada.
Adam (1987), apoiando-se nas idéias de Todorov (1970)
15
, define a sua teoria e a
nomenclatura de seu modelo, que apresenta uma estrutura comum a todo texto narrativo
tradicional, embora muitas narrativas mais contemporâneas rompam com essa organização:
1) estado inicial (EI): é o início, o começo da história, caracterizado por apre-
sentar os actantes, o lugar e as circunstâncias numa situação estável, equili-
brada;
2) força transformadora (FT): introduz uma força que vai perturbar o equilíbrio
do estado inicial. Essa força gera o momento seguinte.
3) dinâmica da ação ou (DA): é caracterizada por apresentar situações narrati-
vas que ora pendem para a melhoria, ora para a degradação.
4) força equilibrante (FE): introduz uma segunda força que vai devolver à nar-
rativa a situação de equilíbrio, confirmando a melhoria ou degradação na
narrativa.
5) estado final (EF): apresenta as conseqüências possíveis e pertinentes ao que
foi estabelecido e apresentado anteriormente, sendo coerente com os quatro
momentos que o antecedem, restaurando o equilíbrio perdido, sem ser obri-
gatoriamente, igual ao estado inicial.
Giasson (2000) apresenta em seus estudos a “Gramática da Narrativa”, com estrutura
similar à de Adam (1987), e afirma que esta é intuitiva na maior parte dos leitores,
15
Para Todorov (1970), “a narrativa se constitui na tensão de duas forças. Uma é a mudança, o inexorável curso
dos acontecimentos, a interminável narrativa da “vida” (a história), onde cada instante se apresenta pela primeira
e última vez. É o caos que a segunda força tenta organizar; ela procura dar-lhe um sentido, introduzir uma
ordem. Essa ordem se traduz pela repetição (ou pela semelhança) dos acontecimentos: o momento presente não é
original, mas repete ou anuncia instantes passados e futuros. A narrativa nunca obedece a uma ou a outra força,
mas se constitui na tensão das duas, [...].” (TODOROV, 1970, p. 22).
36
desenvolvendo-se à medida que o leitor vai aumentando a sua bagagem de leitura. A autora
destaca, ainda, a partir de pesquisas realizadas, que as narrativas que seguem essa estrutura e
que respondem às expectativas das crianças são mais bem retidas por elas, mas que essas não
compreendem as narrativas do mesmo modo como os adultos, ou seja, incluem em seus
resumos informações literais, mas raramente incluem aquelas que tenham a ver com as
relações causa-efeito, como fazem os adultos. Segundo a autora, isso pode acontecer devido à
falta de experiência social das crianças, o que, mais uma vez, vem comprovar a importância
do conhecimento de mundo no processo de compreensão leitora.
Cabe, ainda, visando à instrumentalização e à conseqüente autonomia do leitor,
destacar as considerações de Françoise Revaz (1987) acerca da narrativa. A autora apresenta
uma visão mais micro acerca da temática e salienta que é preciso considerar também os seis
componentes que fazem com que um texto seja narrativo:
1) uma personagem constante (ao menos uma, individual ou coletiva);
2) predicados que definem a personagem: predicados qualitativos (ser) ou funcionais
(fazer), respectivamente, em um tempo;
3) uma sucessão temporal mínima;
4) uma transformação dos predicados pelo ou ao longo de um processo;
5) uma lógica singular, na qual o que após aparece causado por;
6) um fim-finalidade sob a forma de “moral”, avaliação explícita ou derivada.
A partir desses dados, é possível percebermos que uma simples sucessão temporal de
ações não chega a caracterizar uma narrativa, ou seja, relatar simplesmente as atividades que
foram realizadas durante o dia, sem que se consiga perceber, além da cronologia dos fatos,
uma lógica de ação, que designa as alternativas subjacentes a cada fato, e uma “moral”, uma
avaliação dos acontecimentos narrados que explicita a finalidade de a narrativa ter sido feita,
não significa produzir um texto narrativo, mas apenas descrever uma sucessão de ações.
Aspectos que caracterizam uma narrativa são muitos. Vilela e Koch (2001)
apresentam, ainda, três requisitos fundamentais para o desenvolvimento do texto narrativo,
quais sejam: a concisão, a clareza das idéias e a verossimilhança. O primeiro requisito
consiste em não dar mais informação do que a necessária, uma vez que o propósito da
37
narrativa é provocar emoções; o segundo deve deixar claro qual o centro de interesse da
história, pois é ele que unidade e movimento a todos os elementos da narrativa; o terceiro,
por sua vez, considerado como essência do texto de ficção, implica que os fatos, mesmo
sendo irreais, devem ser apresentados de forma que pareçam reais.
Por fim, cabe destacar que uma narrativa é tão complexa quanto rica de significações,
que se o leitor não for atento pode deixar de “viver” experiências fantásticas. Dessa forma, é
importante considerar tanto a história como o modo como todos os elementos de uma
narrativa estão dispostos, como o narrador vai os revelando durante a leitura, a fim de tornar a
leitura uma experiência criadora de mundos, de conhecimento.
2.1 A narrativa e seus elementos
De acordo com o Dicionário de teoria da narrativa (REIS & LOPES, 1988),
fundamentalmente, são três as dominantes que caracterizam o processo narrativo. Primeiro,
pauta-se numa atitude de variável distanciamento assumido por um narrador em relação
àquilo que narra, “assim se instituindo uma alteridade mais ou menos radical entre o sujeito
que narra e o objeto do relato, o que favorece a propensão cognitiva...” (p. 67). Segundo, o
processo narrativo revela uma tendência para a exteriorização, responsável tanto pela
caracterização e descrição de um universo autônomo (as personagens, os espaços, os eventos,
...) como pela tentativa de o narrador adotar uma atitude neutra frente a esse universo. Por
fim, instaura, ainda, uma dinâmica temporal, inerente à história relatada e defendida também
pelo discurso, uma vez que o próprio ato de contar representa tanto essa temporalidade, como
o inscreve no tempo.
Os elementos da narrativa, assim, particularizam-se em categorias, distribuídas por
níveis de inserção, que não existem isolados, mas em processo de interação: a personagem, o
espaço, o tempo, a ação, a perspectiva narrativa e a voz. São esses elementos que constituem
o significado ou conteúdo narrativo que é apresentado pelo discurso/história.
2.1.1 Um olhar sobre o narrador: a perspectiva e a voz
16
16
Sendo o narrador o foco do presente estudo, será abordado de forma mais aprofundada, diferentemente das
demais categorias, apenas apresentadas brevemente.
38
Assim como a poesia é feita de sons e silêncios, a narrativa ficcional é feita de “visão e
cegueira” (ECO, 1994); o que o narrador vê e deixa de ver está subordinado a uma visão mais
extensa e dominadora. a relação com o narrador pode levar o leitor a uma visão de mundo
que transpira da obra, aos valores veiculados, à sua ideologia.
A leitura feita pelos leitores depende, então, daquilo que é responsabilidade do
narrador, o que, segundo Silva (1999), torna-o uma autoridade: a voz do narrador tem a
função de representação, isto é, de produzir intratextualmente o universo diegético, e uma
função de organização e controle das estruturas do texto narrativo, tanto no nível de tópico
(microestruturas) como no transtópico (macroestruturas). Ou seja, a voz do narrador pode
desempenhar uma função de interpretação do mundo narrado e assumir uma função de ação
nesse mesmo mundo. Essa peculiaridade narrativa também pode ser respaldada por Bakhtin
(2002), quando define que o romance, um texto narrativo, é por natureza polifônico e
dialógico. O leitor recebe a palavra da voz do outro, essa palavra é também repleta de vozes
de outros e, inclusive, em seu próprio pensamento se encontra a palavra povoada de outras
vozes.
Segundo Benjamin (1992), a experiência que anda de boca em boca é a fonte de onde
os narradores vão beber. O estudioso destaca que entre os inúmeros narradores anônimos,
cujas experiências foram registradas como histórias, existem dois grupos, que se
interpenetram de múltiplas maneiras: o viajante, que vem de longe e, ao retornar das viagens,
conta as suas experiências; e o camponês, que revela o lugar onde vive, conhece as suas
histórias e tradições. Assim, o narrador é quem sabe, quem viu, quem viveu, ou seja, um
velho sábio que merece ser ouvido, porque sabe dar conselhos aos ouvintes. Além disso,
Walter Benjamin (1992) ressalta que
é comum a todos os narradores o à-vontade com que se movem pelos vários graus da
sua experiência, como quem sobe e desce uma escada. Uma escada que leva até às
profundezas da terra e se perde nas nuvens, é a imagem de uma experiência
colectiva para a qual, mesmo o choque mais violento de cada experiência individual
a morte não representa qualquer escândalo ou barreira. (BENJAMIN, 1992, p.
48).
Genette (s/d), ao referir-se aos modos da narrativa, afirma ser o “nome dado às
diferentes formas do verbo empregadas para afirmar mais ou menos a coisa de que se trata, e
para exprimir... os diferentes pontos de vista dos quais se considera a existência ou a ação” (p.
160). Isso quer dizer que a narrativa pode fornecer ao leitor maiores ou menores detalhes, de
forma mais ou menos direta e, assim, manter-se mais ou menos distante dos fatos narrados,
39
conforme a perspectiva adotada e o grau de presença da instância narrativa. As funções do
narrador, entretanto, não se esgotam no ato de enunciação que lhe é atribuído; como
protagonista da narração, ele é detentor de uma voz observável ao nível do enunciado por
meio de intrusões, vestígios mais ou menos discretos da sua subjetividade, que articulam uma
ideologia ou uma simples apreciação particular sobre os eventos relatados e as personagens
referidas.
Assim, o ponto de vista decidirá qual a voz. A visão do narrador determina a
perspectiva do que está sendo mostrado. Esse ponto de vista ou ângulo de enfoque assume
dois modos fundamentais: a) o narrador está fora dos acontecimentos narrados, ou seja, refere
aos fatos sem nenhuma alusão a si mesmo, é o clássico relato na terceira pessoa; b) o narrador
participa dos acontecimentos narrados, podendo assumir um papel protagônico, secundário ou
de mero testemunho presencial dos fatos. Nesses casos, o narrador identifica-se com uma
personagem, é o relato em que o narrador se situa, fala de si na primeira pessoa.
Genette (s/d), ao fazer referência ao sujeito fictício da enunciação, destaca a presença
de:
a) narrador autodiegético: o narrador da história relata as suas próprias experiências
como personagem central dessa história;
b) narrador homodiegético: veicula informações advindas da sua própria
experiência diegética; tendo vivido a história como personagem, o narrador
retirou daí as informações de que carece para construir o seu relato. Participou na
história, mas não como protagonista;
c) narrador heterodiegético: relata uma história à qual é estranho, uma vez que não
integra nem integrou, como personagem, o universo diegético em questão.
O pesquisador francês também estabeleceu distinção entre o modo narrativo e a voz,
estabelecendo uma diferença entre o narrador e a perspectiva por ele adotada, que pode
modificar-se sutilmente mediante, por exemplo, o uso do discurso indireto livre. Nesse
sentido, Genette (s/d) destaca:
a) perspectiva zero: o narrador não adota nenhum ponto de vista concreto e dá ao leitor
uma informação completa, potencialmente ilimitada quanto ao âmbito de alcance. Ambos são
oniscientes; sabem mais que qualquer personagem da trama;
40
b) perspectiva externa: as personagens são vistas apenas externamente; o leitor não
tem acesso aos seus pensamentos;
c) perspectiva interna: o narrador restringe a informação ao ponto de vista de apenas
uma personagem (perspectiva interna fixa) ou de várias (perspectiva interna variável).
Desse modo, o narrador situa as ações em um tempo e em um espaço, podendo ocupar
diferentes posições, adotar perspectivas diversas e também indicar suas atitudes, ou seja,
modalizar o seu relato (ADAM & LORDA, 1999). Os elementos lingüísticos responsáveis
pela modalização, entretanto, não constituem uma categoria homogênea, pois as narrativas
orais, por exemplo, podem contar com o apoio da entonação, de gestos e expressões faciais.
Na escrita, a tipografia permite a transcrição de muitos desses recursos, por meio do uso de
sinais de pontuação, interjeições, onomatopéias,... Além disso, o próprio ritmo do discurso
narrativo modaliza sutilmente o relato; a velocidade, a ordem ou a desordem dos fatos são
fatores relacionados com a importância que o narrador confere aos diversos episódios
narrados.
2.1.1.1 O papel do narrador no processo de compreensão textual
A exploração das virtualidades cognitivas, lúdicas e auto-reflexivas da língua,
conforme Saraiva & Mügge (2006), faz parte das primeiras fases da aprendizagem lingüística,
situando-se a origem da literatura, na medida em que também é uma experimentação
criativa das possibilidades da narrativa. Na narrativa, por sua vez, a análise estrutural deve
aliar-se à do processo de comunicação, destacando-se, nesse sentido, a análise do par narrador
leitor/narratário, cujas estratégias textuais são a contrapartida de situações culturais
históricas, nas quais a literatura brasileira encontra condições de existência.
A ativação da narratividade configura um cenário comunicativo específico, com
particulares implicações pragmáticas e solicitando estratégias ajustadas a esse cenário. Por
outro lado, de um ponto de vista semionarrativo, a definição de estratégias narrativas requer
um posicionamento que responda às exigências teóricas e metodológicas da narratologia, ou
seja, trata-se agora de postular a configuração de estratégias partilhadas pelos protagonistas da
comunicação narrativa: o narrador e o narratário, que não devem, de forma alguma, ser
confundidos com o autor e o leitor, respectivamente
17
. As estratégias narrativas, então, são, de
17
O narrador corresponde ao autor textual, entidade fictícia a quem, no cenário da ficção, cabe a tarefa de
41
acordo com Reis e Lopes (1988), procedimentos de incidência pragmática, acionados pelo
sujeito fictício da enunciação (narrador) e destinam-se a provocar junto ao narratário efeitos
precisos. Para atingir seus objetivos, o “ser de papel” opera com códigos e signos técnico-
narrativos, suscetíveis de serem sugeridos por imposições periodológicas, como certa
organização do tempo ou um destaque conferido ou não a determinadas personagens.
Benjamin (1992) destaca, ainda, que o que permite reproduzir a história contada por
um narrador não é o seu conteúdo, mas o relato, ou seja, a forma como o narrador a
conhecer essa história é que permite à memória reter o conteúdo. Assim, o ouvinte converte-
se em narrador.
Se é certo que leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais a escrita se
consolidou como código, existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a
leitura, enquanto prática coletiva, em sociedades de recorte burguês, onde se verifica no todo
ou em parte uma economia capitalista (LAJOLO & ZILBERMAN, 1996). Assim, a história
desse narrador é relativamente recente no Brasil; começou com a expansão da imprensa e
desenvolveu-se graças à ampliação do mercado do livro, à difusão da escola, à alfabetização
em massa das populações urbanas, à valorização da família e da privacidade doméstica e à
emergência da idéia da leitura como lazer.
Cabe destacar que o brasileiro é, ainda, um leitor em formação; se, na Europa, livros
publicados no século XVII (ou antes) textualizam o leitor, no Brasil, apenas no século XIX,
com a publicação de folhetins, os esforços nessa direção mostram-se visíveis. A forma como
autores e narradores do Romantismo brasileiro apresentaram-se diante do leitor é, pois,
sintomática dos cuidados tomados diante desse público incipiente; leitor principiante,
narrador permissivo e tolerante.
Ao lermos Memórias de um Sargento de Milícias
18
, de Manuel Antônio de Almeida,
por exemplo, deparamo-nos com um narrador que acompanha o leitor, é como se ele fosse um
bom aluno que vai acompanhando as pegadas designadas pelo mestre de leitura, o narrador. O
fato de o narrador fazer uso da terceira pessoa do plural inclui o leitor no texto, sem mesmo
que ele perceba; sem querer, está fazendo parte do discurso e emitindo juízo de valor acerca
disso ou daquilo.
enunciar o discurso, como protagonista da comunicação narrativa. O autor, por sua vez, corresponde a uma
entidade real e empírica. O narratário é uma entidade fictícia, conforme Barthes (1966, p. 19), um “ser de papel”
com existência puramente textual, a quem o narrador dirige-se de forma expressa ou implícita. O leitor, assim
como o autor, é real e empírico.
18
Exemplo de obra romântica brasileira.
42
E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa,
porque o menino de quem falamos é o herói desta história. (ALMEIDA, 1984, p.
04).
Passemos por alto sobre os anos que [...] (ALMEIDA, 1984, p. 05).
Toda esta cena que acabamos de descrever passou-se de manhã. (ALMEIDA, 1984,
p. 07).
[...] pois o leitor que o negócio não estava mal parado, e em breve saberá o
resultado de tudo isto. (ALMEIDA, 1984, p. 17).
Além disso, o narrador em Memórias de um Sargento de Milícias é consciente de que
a atenção do leitor é fugaz e recapitula os fatos, inclusive, indicando a parte do livro em que
mencionara tal episódio ou tecera tal comentário; ele orquestra antecipações e retrospectos
para aguçar ou lembrar o que se perdera no desenrolar da trama.
Cumpre-nos agora dizer alguma coisa a respeito de uma personagem que
representará no correr desta história um importante papel, e que o leitor apenas
conhece, porque nela tocamos de passagem no primeiro capítulo: é a comadre, a
parteira que, como dissemos, servira de madrinha ao nosso memorando.
(ALMEIDA, 1984, p. 15).
Os leitores estarão lembrados do que o compadre dissera quando estava a fazer
castelos no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo ofício que
exercia, isto é, daquele arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora
cumprir a promessa. (ALMEIDA, 1984, p. 17).
Dadas as explicações do capítulo precedente, voltemos ao nosso memorando, de
quem por um pouco nos esquecemos. Apressemo-nos a dar ao leitor uma boa
notícia: [...]. (ALMEIDA, 1984, p. 22).
Em Machado de Assis, julgamentos equivocados são desmentidos apenas pelo
narrador que, ao usar e abusar da onisciência, torna o leitor testemunha privilegiada, mas que
depende sempre do gesto tutelar do narrador, que o leitor, a seu próprio critério, toma o
bonde errado (LAJOLO & ZILBERMAN, 1996); cabe àquele, pois, corrigi-lo, direcionando-o
para a conclusão correta.
Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. (ASSIS, 1986, p. 11).
É o que vais entender, lendo. (ASSIS, 1986, p. 13).
Por falar nisto, é natural que me perguntes se, sendo antes tão cioso dela, não
continuei a sê-lo apesar do filho e dos anos. Sim, senhor, continuei. (ASSIS, 1986,
p. 125).
Antes de ir aos embargos, expliquemos ainda um ponto que ficou explicado, mas
não bem explicado. (ASSIS, 1986, p. 126).
Tudo acaba, leitor; é um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo o
que dura dura muito tempo. (ASSIS, 1986, p. 130).
A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina
de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um
abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo. (ASSIS, 1986, p. 132).
43
O narrador assume um tom professoral: lições e recomenda cautela ante as
seduções de poder da sociedade e da leitura; enquanto o narrador conquistou mais autoridade,
o leitor continua sendo julgado incapaz para andar com as suas próprias pernas. O narrador
precisa confiar que o leitor dispõe de determinado conhecimento para, por exemplo, entender
a intertextualidade e, mesmo que credite a este leitor domínio de pré-requisitos, considera o
parceiro imaturo, de conhecimento incipiente para dispensar a tutela daquele que desfia a
história.
De acordo com Lajolo & Zilberman (1996), apenas com Graciliano Ramos, no
Modernismo, é que será conferida certa maturidade ao leitor, que vai dialogar com o narrador,
ou vice-versa. Em São Bernardo, de Graciliano Ramos, por exemplo, a relação narrador-leitor
é de parceria, ou seja, o leitor é cúmplice do narrador, em primeira pessoa do singular. Por
vezes, narrador e leitor confundem-se; enquanto leitor, é possível “viver” emoções de
Honório, o narrador-personagem, apesar de, em muitos momentos, este deixar claro que está
contando a história, dirigindo-se diretamente ao leitor.
Se tentasse contar-lhes a minha meninice, precisava mentir. (RAMOS, 1991, p. 12).
Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons
e quais foram os maus. (RAMOS, 1991, p. 39).
Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me pareceu que mulher é
bicho esquisito, difícil de governar. (RAMOS, 1991, p. 59).
Graciliano Ramos, assim como Manuel Antônio de Almeida e Machado de Assis,
também faz questão de retomar aspectos mencionados, indicando, por vezes, ao leitor a
parte em que fizera tal comentário, com o intuito de, indiretamente, interrogá-lo acerca da
leitura que está fazendo, ou seja, o leitor lembra que isso foi dito? Esse recurso também é
usado para destacar aspectos relevantes no enredo ou, até mesmo, para o próprio Honório
justificar as suas atitudes, não parecer tão rude.
E recomecei a elaborar mentalmente a mulher a que me referi no princípio deste
capítulo. (RAMOS, 1991, p. 61).
Conforme declarei, Madalena possuía um excelente coração. (RAMOS, 1991, p.
104).
De acordo com Lajolo & Zilberman (1996), são estes dois papéis, o do narrador e o do
narratário, que mimetizam, na intimidade do texto, a natureza comunicativa da literatura e,
assim, o leitor prossegue seu périplo de aprendizagens; sempre novos ensinamentos à sua
espera, no avesso dos novos narradores.
19
19
No que diz respeito à literatura infantil e infanto-juvenil, os estudos nessa área são ainda muito incipientes.
44
2.2 A diversidade de narrativas
Na sociedade contemporânea, muitas são as formas de dizer, que variam conforme a
intenção e a necessidade de quem enuncia e têm influência direta no comportamento do leitor,
uma vez que este se porta de maneira diferente, conforme os textos que lhe são apresentados.
Platão, em A república (2000), distinguia dois modos de enunciar: a mimese
(imitação) e a diegese (simples relato). Numa perspectiva mais moderna, podemos citar Jolles
(1976), que, ao fazer menção aos modos de dizer, sugere a distinção entre formas simples e
cultas de narratividade. As primeiras dizem respeito às criações coletivas que brotam da
natureza humana, sem autor conhecido, é a voz de um povo que relata, em pequenas
narrativas, seus anseios e temores, como é o caso, por exemplo, do mito, da lenda, do conto
popular, dos provérbios, da anedota, entre outros. As formas cultas, por sua vez, são criações
individuais de arte, como a novela, o romance e a crônica. Destaca-se que, muitas vezes,
segundo o autor, dá-se a passagem de uma forma simples para uma culta, quando um autor,
por exemplo, confere uma veste de arte literária ao material já existente no cabedal cultural de
um povo.
Na atualidade, sob influência do mundo globalizado em que vivemos, os textos
narrativos, cujos elementos estruturais encontram-se não apenas na arte literária, conforme
visto, podem chegar até nós, leitores, das formas mais variadas - jornais, revistas, livros,
folhetos, cartões, outdoors, teatro, cinema, televisão, discos, CDs, rádio, Internet, pen drive,
entre outras -, sob diferentes linguagens verbal (oral/escrita), pictória, fotográfica,
cinematográfica, gestual, entre outras -, que, conforme Paulino (2003), interferem na
produção de significações. Essa mesma autora sugere que as narrativas apresentam àqueles
que as ouvem, lêem e vêem uma proposta básica de interação dominante, normalmente
misturada a outras, quais sejam: a pragmática, a ficcional e a informativa.
A proposta pragmática estaria presente nas narrativas que têm como fim interferir na
vida dos leitores, ouvintes e espectadores, de modo direto, intentando mudança de
comportamento. A ficcional, por sua vez, teria como objetivo despertar o imaginário dos
leitores/espectadores, produzindo mundos, encenados pela linguagem. a proposição
informativa, narraria algo para que o outro ficasse sabendo, procurando envolver
intelectualmente o leitor, o ouvinte, o espectador.
45
De acordo com Paulino (2003), as propostas básicas de ação interlocutória das
narrativas normalmente se misturam a outras. Os chamados paradidáticos, por exemplo,
procuram mesclar ou a pragmática ou a informativa à ficcional, não havendo, contudo, nessa
interação, lugar para o imaginário, ou seja, “trata-se de uma atitude pedagogizante, [...] que
tenta converter a narrativa artística em um artefato de utilidade imediata” (PAULINO, 2003,
p. 47), o que, para a autora, afasta os jovens da proposta ficcional propriamente dita.
Paiva & Maciel (2005) destacam também que as adaptações exigidas pelo processo de
escolarização e a transferência do texto para o livro didático, muitas vezes, alteram o texto
original, apresentando apenas fragmentos, com troca de palavras e mudança de estrutura, ou
seja, inserem histórias começando pela metade, com final alterado ou inexistente. Soares
(1999), a esse respeito, afirma ser necessário que essa mudança de seu suporte original
“obedeça a critérios que preservem o literário, que propiciem à criança a vivência do literário
e não uma distorção ou caricatura dele” (p. 42).
O acesso aos mais variados textos proporciona a tessitura de um universo de
informações sobre a humanidade e o mundo, o que gera vínculos entre o leitor e os outros
homens. A seleção dos textos que compõem o LDP, nessa perspectiva, passa a desempenhar
um papel importantíssimo, pois, muitas vezes, são os únicos textos com os quais o aluno
tomará contato em sua vida escolar, não esquecendo das abordagens propostas. Assim, cabe
uma análise mais crítica desses aspectos quando da escolha do LDP a ser adotado.
46
3 AS NARRATIVAS NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS (LDP)
[...] os professores não adotam livros didáticos; eles são
adotados pelos livros didáticos. (João Wanderlei Geraldi)
Julga-se necessário, num primeiro momento, apresentar brevemente como e em que
contexto surgiu o livro didático, essa obra, segundo Batista & Rojo (2005), produzida com o
intuito de “auxiliar no ensino de uma determinada disciplina, por meio da apresentação de um
conjunto extenso de conteúdos do currículo, de acordo com uma progressão, sob a forma de
unidades ou lições, e por meio de uma organização que favorece tanto usos coletivos, quanto
individuais” (p. 15), no seio da educação brasileira. Além disso, averiguar como se
transformou, em muitos contextos, num objeto indispensável para a efetivação do ensino-
aprendizagem, pois só assim, pela história e na história, acredita-se ser possível uma
compreensão crítica a esse respeito e, conseqüentemente, acerca do que hoje compõe esse
material.
3.1 O livro didático (LD): uma breve contextualização
O uso do livro como recurso didático no processo ensino-aprendizagem não é prática
nova. Aliás, não seria equivocado afirmar que, desde a invenção da imprensa por Johann
Gutenberg, no final do século XV, a educação passou a contar com a impressão de obras para
fins didáticos. No Brasil, a definição de “livro didático” deu-se pela primeira vez no Decreto-
Lei nº 1.006, de 30 de dezembro de 1938 – Art. 2:
Compêndios são os livros que expõem total ou parcialmente a matéria das
disciplinas constantes dos programas escolares [...] livros de leitura de classe são os
livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros também são chamados de
livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro didático.
(OLIVEIRA, 1980, p.12 apud OLIVEIRA et al., 1984, p.22).
Foi nessa época, pois, em que se buscou desenvolver no Brasil “uma política
47
educacional consciente, progressista, com pretensões democráticas e aspirando a um
embasamento científico” (FREITAG, 1993, p. 12), que se consagrou o termo “livro didático”,
entendido até os dias de hoje como sendo o livro adotado na escola, destinado ao ensino, cuja
proposta deve obedecer aos programas curriculares escolares.
O mesmo decreto supracitado, com o objetivo de regulamentar uma política nacional
do livro didático, criou a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), marcando, assim, a
primeira iniciativa governamental nessa área de política educacional. Vale lembrar que isso
ocorreu em pleno período de Estado Novo, ou seja, em um momento político autoritário que
buscava garantir, sobretudo, a Unidade/Identidade Nacional. À tal comissão, dentre outras
responsabilidades, cabia a tarefa de examinar, avaliar e julgar os livros didáticos, concedendo
ou não autorização para o seu uso nas escolas, isto é, controlar a adoção dos livros,
assegurando que eles atendessem aos propósitos de formação de um certo espírito de
nacionalidade, o que fez com que os critérios para as avaliações dos livros valorizassem
muito mais aspectos político-ideológicos do que pedagógicos. Oliveira (1984) destaca que
dos impedimentos estabelecidos pela CNLD para a utilização do livro, a maioria relacionava-
se à questão político-ideológica e apenas uma minoria dizia respeito à didática propriamente
dita; aspectos morais, cívicos e políticos sobrepunham-se, então, aos aspectos didático-
metodológicos.
Em virtude da “centralização do poder, do risco da censura, das acusações de
especulação comercial e de manipulação política, relacionada com o livro didático”
(FREITAG, 1993, p. 14), essa comissão solidificou-se apenas em 1945, via o Decreto-lei
8.460, que consolidou a legislação 1.006/38 e dispôs sobre a organização e o funcionamento
da CNLD. Nesse período e nos anos subseqüentes, muitas foram as críticas emitidas à
comissão, principalmente em relação à política, altamente centralizadora. Cabe destacar,
ainda, que, para piorar um pouco mais a situação, nessa época, o livro didático transformou-
se em um produto de mercado muito lucrativo, o que fez surgir, no complicado cenário
educacional, uma crescente especulação comercial.
Durante os anos 60, estabeleceu-se a criação da Comissão do Livro Técnico e do
Livro Didático (COLTED), pelo acordo MEC/USAID
20
, firmado em 06/01/67, com o
objetivo de tornar disponíveis gratuitamente cerca de 51 milhões de livros para estudantes
20
MEC/USAID é o nome de um acordo que incluiu uma série de convênios realizados entre o Brasil e os
Estados Unidos, a partir de 1964, durante o regime militar, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United
States Agency for International Development (USAID), com o objetivo de implantar o modelo norte-americano
no sistema educacional brasileiro. (DICIONÁRIO INTERATIVO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 2007).
48
brasileiros no período de três anos (FREITAG, 1993). Essa mesma autora destaca que o
acordo contava com farta disponibilidade financeira e propunha, ainda, um programa de
desenvolvimento que incluía a instalação de bibliotecas e cursos de treinamento para
instrutores e professores. A princípio, uma proposta decente para a política educacional
brasileira, mas muitos críticos da educação denunciaram que, por trás do acordo, havia um
controle americano das escolas brasileiras e dos livros didáticos, especialmente no que dizia
respeito ao conteúdo. Após muitos protestos, principalmente do movimento estudantil, e de
denúncias de irregularidades, a COLTED foi extinta, em 1971, quando a responsabilidade de
desenvolver o Programa Nacional do Livro Didático ficou a cargo do Instituto Nacional do
Livro (INL), criado pelo Decreto-lei 93 de 21 de dezembro de 1937. A esse programa
cabia “definir diretrizes para formulação de programa editorial e planos de ação do MEC e
autorizar a celebração de contratos, convênios e ajustes com entidades públicas e particulares
e com autores, tradutores e editores, gráficos, distribuidores e livreiros” (OLIVEIRA, 1984,
p.57).
Em 1976, o Decreto-lei 77.107 transferiu para a Fundação Nacional do Material
Escolar (FENAME) a responsabilidade do Programa do Livro Didático e sua política sofreu
nova redefinição. Freitag (1993) explica que a FENAME deveria
definir as diretrizes para a produção de material escolar e didático e assegurar sua
distribuição em todo território nacional; formular programa editorial; cooperar com
instituições educacionais, científicas e culturais, públicas e privadas, na execução de
objetivos comuns.(FREITAG, 1993, p. 15).
Ainda segundo essa autora, foi a partir dessa época que surgiu explicitamente a
vinculação da política governamental do livro didático com a criança carente; assim como
havia programas de assistência social para a distribuição de leite e merenda escolar, por
exemplo, os alunos passaram a receber livro didático gratuitamente.
No início da década de 80, o governo, por meio de uma política centralizadora e
assistencialista, passou à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) a incumbência de
gerenciar, dentre outros, o Programa do Livro Didático Ensino Fundamental (PLIDEF), o
que resultou, de acordo com Freitag (1993), em alguns problemas, tais como dificuldades de
distribuição do livro dentro dos prazos previstos, lobbies das empresas e editoras junto aos
órgãos estatais responsáveis e autoritarismo implícito na tomada de decisões pelos
responsáveis no governo. Por outro lado, a indústria livreira no Brasil proliferou, durante esse
período, de maneira excepcional. Quantidade, entretanto, não é sinônimo de qualidade;
49
muitos livros de qualidade duvidosa foram enviados às escolas, tornando evidente o descaso e
a falta de rigor com que haviam sido elaborados e avaliados. Esse problema tornou-se
especialmente grave quando atentamos para o fato de que, para muitos alunos, o livro
didático era o único livro com o qual tinham contato.
Diante disso, com o intuito de garantir uma política de regulamentação do livro
didático mais competente e eficaz, o governo, novamente por meio de decreto
21
, criou o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Estabeleceu-se, então, como meta do
Programa, o atendimento a todos os alunos de 1ª a 8ª série do Ensino Fundamental das escolas
públicas do país, com prioridade para Matemática e Comunicação e Expressão.
Em 1996, a FAE foi extinta e suas atribuições no que diz respeito ao PNLD ficaram a
cargo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com recursos oriundos,
principalmente, do salário-educação. Nesse período, deu-se a produção e a distribuição dos
livros didáticos de forma contínua e massiva; todos os alunos do Ensino Fundamental
passaram a receber livros didáticos de todas as disciplinas. A partir daí, o Programa
solidificou-se cada vez mais, principalmente, de acordo com Imenes e Lellis (1999), devido a
dois fatores:
primeiro, o processo articulou-se com a elaboração e a implementação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Esse vínculo vem conferindo ao livro
didático um papel importante na implantação de políticas educacionais [...].
Segundo, essa avaliação está tendo reflexos significativos no mercado de livros
didáticos. (IMENES & LELLIS, 1999, p.47).
Em 2004, através da Resolução 38/2004 do FNDE, foi implantado o Programa
Nacional do Livro Didático do Ensino Médio (PNLEM), que definiu o atendimento, de forma
progressiva, aos alunos das três séries do Ensino Médio de todo o Brasil. O PNLEM é
mantido pelo FNDE com recursos financeiros provenientes do Orçamento Geral da União e
do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (PROMED).
O PNLEM segue basicamente as mesmas regras do PNLD, que distribui livros aos
alunos do Ensino Fundamental, ou seja, assim que é publicado no Diário Oficial da União o
edital que estabelece as regras para a inscrição do livro didático, as editoras inscrevem seus
livros, que passam por uma primeira triagem para analisar se esses se enquadram nas
exigências técnicas e físicas do edital. A seguir, as obras aprovadas são encaminhadas para a
avaliação pedagógica, realizada por especialistas selecionados pela Secretaria de Educação
21
Decreto-Lei nº 91.542, de agosto de 1985.
50
Básica (SEB), órgão ligado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), responsáveis por
elaborar as resenhas dos livros aprovados, que passam a compor o guia do livro didático,
disponível na internet e enviado às escolas cadastradas no censo escolar. Quando esse
material chega às escolas, os professores analisam, escolhem os livros que serão utilizados,
devendo selecionar dois títulos, um em primeira e o outro em segunda opção, necessariamente
de editoras diferentes, e enviam o formulário, ou via correio ou via internet. A partir daí,
iniciam as negociações entre o FNDE e as editoras
22
. Findo esse processo, o FNDE firma o
contrato com as editoras e informa as quantidades a serem envidas a cada uma das escolas.
Quando inicia o ano letivo do ano seguinte, os títulos escolhidos devem estar nas escolas,
onde será distribuído um exemplar para cada aluno. Cabe destacar que o livro deve ser
reutilizado, no mínimo, por três anos consecutivos, beneficiando, dessa forma, mais de um
estudante.
3.1.1 O livro didático de português (LDP)
Para tratar do livro didático de português (LDP), faz-se necessário resgatar algumas
de suas características ao longo da história, uma vez que existem diferentes modos de
entender a linguagem e cada um constitui uma teoria que embasa as propostas dos livros
didáticos. Além disso, concordamos com Silva (1998), quando afirma que é “exatamente pela
história e na história da educação brasileira que podemos buscar uma compreensão crítica
sobre como esse objeto ganhou tanta força no contexto do nosso magistério, perdendo seu
caráter de meio para se transformar num fim em si mesmo nos ambientes formais de ensino”
(p. 44).
Os manuais ou gramáticas, como conhecemos hoje, não existiam antes dos anos 40.
Nos anos 60, de acordo com Fregonesi (1997), existiam dois tipos de materiais didáticos: uma
antologia, com coletânea de textos sem indicações metodológicas nem exercícios, e uma
gramática, com exercícios, elaborada especialmente para os alunos. Esse mesmo autor
destaca que os conteúdos programáticos que deveriam ser observados para a produção dos
livros didáticos foram inicialmente estabelecidos pela Portaria Ministerial 170, de
17/07/42, a qual estabeleceu o Programa Oficial de Língua Portuguesa. Em 1951, com a
reforma do ensino, a programação oficial passou a ser elaborada por professores do Colégio
22
Esse processo, conforme o art. 25 da Lei 8.666/96, combinada com os arts. 28 e 30 da Lei 9.610/98, não tem
licitação, pois os livros são escolhidos pelos professores.
51
Pedro II, no Rio de Janeiro, e, conforme a Portaria Ministerial de 02/10/51, deveria ser
adotada em todo o território nacional. Aos professores do Colégio cabia não indicar textos
de leitura e exercícios de linguagem oral e redação, mas também sugerir a metodologia a ser
utilizada (FREGONESI, 1997). Nessa época, ensinar a língua significava, basicamente,
ensinar teoria gramatical.
Em 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei 4.024,
de 10/12/61, os programas para o ensino de língua portuguesa tomaram um novo rumo: as
“Instruções” (Amplitude e Desenvolvimento do Programa de Português), que apresentavam
recomendações para o desenvolvimento de atividades relativas à expressão escrita e à
gramática expositiva, ficaram a cargo do governo.
As mudanças mais expressivas, porém, aconteceram a partir de 1971, com a entrada
em vigor da Lei 5.692, que alterou, inclusive, o nome da disciplina de língua portuguesa
para comunicação e expressão. Quanto aos conteúdos a serem trabalhados, o governo federal
estabeleceu que cada unidade da Federação deveria elaborar suas propostas de ensino. A
concepção que regia a maioria das propostas educacionais era a behaviorista; acreditava-se
que a aprendizagem acontecia por meio de numerosas e insistentes repetições. As práticas
pedagógicas priorizavam as estruturas isoladas; acreditava-se que, dessa forma, se estaria
desenvolvendo tanto a expressão oral quanto a escrita. Os livros didáticos, assim,
conquistaram o seu auge; os manuais traziam uma infinidade de exercícios com o objetivo de
fazer os alunos reproduzirem modelos, ao professor cabia apenas controlar a “aprendizagem”.
Vale ressaltar que essa proliferação do livro didático contou com total apoio e incentivo
governamental. Silva (1998) destaca que essa foi a forma encontrada “de impedir reflexão
política nas escolas e, ao mesmo tempo, de calar a voz dos professores” (p. 45), que apenas
exerciam a tarefa de instrutores, ou seja, a eles cabia dizer em que página os alunos deveriam
abrir o livro e quais exercícios deveriam realizar, ou melhor, quais modelos deveriam seguir.
Cabe destacar, ainda, a democratização do ensino, nos anos 60, o que aumentou
deliberadamente o número de alunos nas escolas. Com mais alunos, precisava-se também de
mais professores, que foram “rapidamente” preparados para exercer essa função, ou seja,
seguir uma cartilha, o livro didático. Nesse contexto surgem, então, os títulos organizados por
coleções de volumes, de acordo com um programa curricular, com conteúdos definidos por
séries, ou seja, cada volume corresponde a uma série específica.
A partir dos anos 80, os avanços em pesquisas na área da lingüística colaboraram, e
52
muito, para uma revisão nos objetivos do ensino da língua portuguesa. Com o surgimento de
novos paradigmas de análise da linguagem, que levam em consideração sua inserção em
contextos sociais e suas diversas formas de representação e manifestação, passou-se a rejeitar
o dogmatismo do ensino da gramática tradicional, totalmente descontextualizada e
fragmentada. Essas mudanças podem ser constatadas nos Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa (PCNLP), que se concentram nas atividades de produção e compreensão de
textos, visando a permitir a expansão das possibilidades do uso da linguagem, relacionadas às
quatro habilidades básicas: falar, escutar, ler e escrever (PCNLP, 1998).
Atualmente, os avaliadores dos livros didáticos que constarão no Guia têm como
referência básica o atendimento aos PCNLP, o que equivale a dizer que deveriam apresentar
um tratamento da língua voltado para uma concepção interacionista da linguagem. Com base
nesses critérios, Marcuschi (2007) destaca alguns aspectos a serem observados pelos autores
de livros didáticos de língua portuguesa:
a) adoção do texto como unidade básica de ensino;
b) produção lingüística tomada como produção de discursos contextualizados;
c) noção de que os textos distribuem-se num contínuo de gêneros estáveis, com
características próprias e são socialmente organizados, tanto na fala quanto na
escrita;
d) atenção para a língua em uso, sem se fixar no estudo da gramática como um
conjunto de regras, mas destacando a relevância da reflexão sobre a língua;
e) atenção especial para a produção e compreensão do texto escrito e oral;
f) explicitação da noção de linguagem adotada, com ênfase no aspecto social e
histórico;
g) clareza quanto à variedade de usos da língua e à variação lingüística.
Rangel (2002) menciona que esse “controle” pretende garantir que o livro didático
contribua para o alcance dos objetivos do ensino de língua portuguesa: o discurso, a língua
oral, a variação lingüística, a textualidade, as diferentes gramáticas de uma mesma língua,
dentre outros.
Nessa breve trajetória do livro didático, fica claro que a seleção desta ou daquela obra
53
permeia não questões voltadas ao processo de ensino e aprendizagem, mas também
políticas; o livro é uma mercadoria do mundo editorial, sujeito às influências sociais,
econômicas, técnicas, políticas e culturais, como qualquer outro produto que percorre os
caminhos da produção, distribuição e consumo. Esse fator, no entanto, de acordo com Freitag
(1993), nem sempre é observado pelos professores, ou seja, o conteúdo ideológico é
absorvido pelo professor e repassado ao aluno de forma acrítica; é como se o professor fosse
um mero porta-voz dos discursos veiculados pelos livros didáticos. Vale destacar, ainda, que,
muitas vezes, é a única referência para o trabalho do professor, passando a assumir até mesmo
o papel de currículo e de definidor de estratégias de ensino. Nesse sentido, Dionísio (2000, p.
125) afirma que o livro didático possui papel importante ao constituir práticas de leitura que
podem servir de “base de sustentação de outras práticas mais alargadas no tempo”.
Assim, se a escola se preocupar com a formação de um leitor proficiente, deverá
instrumentalizá-lo de forma a perceber as sutilezas da narrativa, do modo de narrar, da
natureza do fictício. A análise das narrativas presentes nos livros didáticos de língua
portuguesa, portanto, tem muito a contribuir, tanto no que diz respeito ao processo de ensino e
aprendizagem de cada aluno como na análise da ideologia presente. O narrador desses
textos, igualmente, desempenha papel decisivo; é ele quem mostra ou esconde as informações
do leitor.
3.2 O lugar das narrativas no LDP
O livro a ser analisado, Português para todos
23
, faz parte de uma coleção, composta
por quatro volumes, para alunos de a séries, e foi, em 2005, 2006 e 2007, o mais usado,
na rede municipal de ensino, em São Leopoldo
24
, na série. Os autores da coleção partem do
conceito de que “linguagem é forma ou processo de interação [...], o que significa que o
indivíduo, ao utilizar a linguagem, não quer apenas transmitir informações ou exteriorizar seu
pensamento; na verdade pela linguagem ele realiza ações e atua sobre o interlocutor”
(NICOLA, 2004, p. 7).
Nessa coleção, a proposta de ensino está organizada em três unidades temáticas
25
, cada
23
TERRA, E. & CAVALLETE, F. Português para todos: 5ª série. São Paulo: Scipione, 2004.
24
São Leopoldo é uma cidade do Vale do Rio do Sinos, no RS, com 212. 498 habitantes (população estimada em
01.07.06, segundo dados do IBGE) e com 1507 alunos matriculados na 5ª série, em 2007.
25
De acordo com Costa Val e Castanheira (2005), existe uma predominância nos LDP da organização em
unidades temáticas, o que, segundo as autoras, poderia ser alternado com outras possibilidades, tais como:
projetos de ensino, objetivos didáticos, gêneros ou tipos textuais, questões de reflexão gramatical.
54
qual com quatro capítulos. De acordo com o supervisor pedagógico da coleção, José de
Nicola, os manuais visam a proporcionar ao aluno o contato com uma imensa gama de textos,
oferecendo diversos gêneros textuais, retirados de diferentes suportes e com as mais distintas
finalidades, desde os textos literários aos não literários, incluindo textos verbais e não verbais.
As unidades são organizadas em seções, que seguem sempre a mesma lógica,
independentemente do gênero textual apresentado. Na abertura dos capítulos, são
apresentados textos curtos, tais como: pinturas, fotos, quadrinhos, gráficos, notícias,...,
seguidos da seção Para começo de conversa, que, segundo os autores mencionam, quando da
apresentação da obra, servirá de “motivação para [...] começar a pensar no assunto tratado.
[...] É um ‘bate-bola’, uma conversa ligeira para deixá-los (os alunos) prontos para as outras
atividades” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p. 8).
Hora do texto é a seção seguinte e apresenta o texto a ser lido. Em Expressão oral, os
alunos são desafiados a “exercitar a habilidade de expressar-se oralmente nas mais variadas
situações” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p. 9), sendo que a proposta sugere estabelecer
algum tipo de relação com o texto lido anteriormente. A seguir, vem a seção Expressão
escrita, que objetiva “refletir sobre o texto para compreendê-lo melhor”, através de “questões
relativas a sua estrutura, compreensão e interpretação” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p.
9). Estudo do vocabulário apresenta, segundo os autores, “atividades variadas e sempre
ligadas a situações concretas de uso”, com o intuito de “melhorar sensivelmente seu (do
aluno) vocabulário, possibilitando-lhe usar a linguagem com mais eficiência” (TERRA &
CAVALLETE, 2004, p. 9).
Em Gramática no texto, a seção seguinte, o aluno “entrará em contato com aspectos
gramaticais significativos presentes nos textos lidos. O objetivo dessas atividades é fazê-lo(a)
compreender que a gramática está presente nos textos e que saber manejá-la vai ajudá-lo(a) a
ler e escrever melhor” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p. 9). Para além do texto apresenta
“sugestões variadas de atividades de enriquecimento” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p. 9),
tendo como ponto de partida a temática apresentada pelo texto lido em Hora do texto. Além
dessas, há, ainda, Sugestões para leitura, que apresenta, com base na temática da unidade,
uma listagem de livros, em sua maioria, literários, o que vem a comprovar o que Cosson
(2006) destaca: “[...] nos livros didáticos, os textos literários ou considerados como tais estão
cada vez mais restritos às atividades de leitura extraclasse ou atividades especiais de leitura”
(COSSON, 2006, p. 21).
55
Conhecimentos gramaticais tem como objetivo “conhecer melhor um dos aspectos
gramaticais dominantes do texto” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p. 10), com o intuito de
tornar o aluno consciente dos mecanismos da língua para, assim, “ser um bom leitor e um
bom produtor de textos” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p. 10). A linguagem dos textos
objetiva “trabalhar com os diversos aspectos relacionados aos textos” (TERRA &
CAVALLETE, 2004, p. 10), levando em consideração que cada texto é construído de acordo
com a sua intenção. Em Produzindo texto, o aluno, finalmente, será convidado a escrever.
“Para tal atividade sempre haverá uma proposta diferente, adequada a uma situação de uso, a
fim de ajudá-lo(a) (o aluno) a sair-se bem em qualquer situação de escrita” (TERRA &
CAVALLETE, 2004, p. 11). Após a produção escrita, os autores propõem Exercitando a
crítica, que prevê a correção do texto por um colega, sugerindo que se o texto apresentar
problemas, seja refeito, pois o “objetivo é aprender!” (TERRA & CAVALLETE, 2004, p.
11). Por fim, Diário de bordo sugere que cada aluno relate, a seu modo, tudo o que julgar
importante/interessante na unidade trabalhada. Cabe destacar que, por vezes, algumas seções
mudam de ordem, mas elas sempre constam em todas as unidades.
No livro da série, as unidades temáticas são: a comunicação nos dias de hoje, o
mundo da imaginação e cenas do dia-a-dia. As unidades 1, 2 e 3 do livro em questão,
Português para todos, são compostas de 88
26
textos
27
, entre literários e não literários, verbais e
não verbais, conforme os gráficos abaixo.
GRÁFICO 1
26
Aqui foram considerados apenas os textos com alguma proposição de atividade.
27
O conceito de texto foi definido a partir de Chartier (2002), segundo o qual “nem todo texto é necessariamente
dado na forma de livro: as produções orais, os dados informatizados ou digitais são igualmente non book texts
que mobilizam os recursos da linguagem sem pertencer, no entanto, à classe dos objetos impressos. Mas, mais
ainda, textos que não supõem absolutamente a utilização da linguagem verbal: a imagem em todas as suas
formas, o mapa geográfico, as partituras musicais, o próprio território devem ser considerados como non verbal
texts. O que autoriza a designar como “textos” essas diversas produções é o fato de que são construídas a partir
de signos, cuja significação é fixada por convenções, e de que elas constituem sistemas simbólicos propostos à
interpretação. A linguagem verbal, escrita ou oral, não é a única a obedecer a um funcionamento semântico. Por
isso, a extensão da categoria de texto” (CHARTIER, 2002, p. 244).
56
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Textos com Proposição de Atividades
Total de te xtos com
pr opos ão de atividade s
TNL (te xtos não liter ários )
TL (textos liter ários )
OUTROS (outros tipos de
te xtos - entr e o literário e
o não lite rário - com o
charge s e tirinhas)
Como podemos perceber no gráfico 1, os textos não literários são maioria neste LDP.
Isso, possivelmente, deve-se ao fato de os autores explorarem gêneros textuais
28
diversos, em
consonância com o que consta no PCNLP, independentemente de serem literários ou não.
GRÁFICO 2
29
28
De acordo com Koch e Elias (2006), os gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional
e, além disso, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo. “Trata-se de entidades escolhidas, tendo em
vista as esferas de necessidade temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do
locutor, sujeito responsável por enunciados, unidades reais e concretas da comunicação verbal” (KOCH &
ELIAS, 2006, p. 107).
29
Com o intuito de poder visualizar a totalidade de narrativas em relação aos outros textos literários, elas não
foram categorizadas em gêneros textuais, o que consta no Gráfico 3.
57
0
5
10
15
20
25
30
35
Textos Literários
Total - TL
Poesia
Narrativas
Ao analisarmos o gráfico correspondente aos textos literários, chama-nos atenção o
expressivo número de poesias, textos, infelizmente, não muito freqüentes em LDP. Ao
observarmos as atividades propostas, entretanto, o gênero é pouco explorado, ou seja, a poesia
é submetida, no geral, a fins utilitários.
O gráfico 3 apresenta as narrativas presentes neste LDP. Se o professor que o adotou
trabalhar apenas os textos que ele contém, o aluno vai ler, durante o ano todo, apenas 14
narrativas, sendo que de 6, lerá somente fragmentos, utilizados para fins utilitários e não
explorados como ficção. Das demais narrativas, 8 estão completas, mas uma teve seu título
alterado “para fins didáticos”, outra aparece apenas como atividade de preenchimento de
adjetivos e uma terceira como atividade de cópia ortográfica, ou seja, na totalidade, são
analisadas apenas 5 narrativas completas neste LDP, sendo que uma não apresenta as seções
“Para começo de conversa”, “Expressão oral” e “Para além do texto”, pois não é o texto de
abertura do capítulo.
GRÁFICO 3
É importante salientar que os textos fragmentados são resultado da leitura do autor do
manual que fez os “cortes”, não possibilitando uma visão do todo, submetendo o texto a fins
utilitários. A seleção textual feita pelos autores dos LDP poderá determinar a relação que a
criança estabelecerá com o texto literário e, sobretudo, a relação que será estabelecida além
dos muros da escola (PAIVA & MACIEL, 2005).
0
2
4
6
8
10
12
14
As narrativas
Total de Narrativas
Narrativa fragmentada
com fins utilitários
Fábula completa
com fins utilitários
Conto
Crônica
Lenda
Mito
Anedota
58
Essa constatação dialoga com Chartier (1999), quando afirma que
todo leitor diante de uma obra a recebe em um momento, uma circunstância, uma
forma específica e, mesmo quando não tem consciência disso, o investimento
afetivo ou intelectual que ele nela deposita está ligado a este objeto e a esta
circunstância. (CHARTIER, 1999, p. 70).
Para fins de análise, serão usados os textos narrativos completos que apresentam
proposta de Expressão escrita, nome dado à sessão responsável pela compreensão textual.
Além dessa, serão analisadas as seções que introduzem o texto, Para começo de conversa e
Expressão oral, e as de transferência, Para além do texto, uma vez que, conforme visto no
embasamento teórico, é preciso preparar o leitor para aquilo que vai ler, a fim de ativar o seu
conhecimento prévio acerca do assunto. Além disso, as atividades realizadas pós-texto ajudam
a consolidar as informações que estão na memória de trabalho, permitindo ao aluno, por
exemplo, melhor compreensão do gênero explorado ou, ainda, dos elementos que compõem o
texto em questão.
Nos textos analisados, serão abordados os aspectos que constituem a sua história e o
seu discurso, uma vez que, assim, teremos um olhar sobre os elementos que constituem a obra
e também sobre a forma como o narrador a conhecer ao leitor essa realidade. Além disso,
analisaremos a inserção da narrativa no LDP, no que se refere ao tipo de narrativa
selecionada, à atuação do narrador como elemento que orienta o processo de leitura e às
propostas de atividades apresentadas a partir do texto, visando à instrumentalização do leitor
iniciante, tendo como balizador o referencial teórico apresentado.
3.2.1 Analisando as narrativas
3.2.1.1 “Cardápio indigesto”
O primeiro texto narrativo com proposta de análise textual chama-se “Cardápio
indigesto”, uma narrativa de Mário Goulart, e aparece apenas no capítulo 2 da primeira
unidade, cujo nome é “No restaurante”. A abertura do capítulo apresenta o cardápio de uma
lanchonete, no qual constam os produtos e seus respectivos preços, além de informações a
respeito de formas de pagamento e entregas.
As questões apresentadas em Para começo de conversa fazem, inicialmente, menção
ao gênero textual cardápio, tanto no que diz respeito aos seus elementos como a sua função
59
social. Além disso, faz-se referência a conhecimentos ortográficos (escrita de Xbúrguer) e,
inclusive, ao raciocínio matemático (dividir a conta com um colega e percentual a ser pago ao
garçom). Cabe destacar que as questões propostas exigem conhecimento prévio do aluno e
nenhuma resposta está no texto apresentado anteriormente. Essas questões iniciais realmente
preparam o leitor para o texto que segue, pois permitem-lhe fazer inferências, relacionar o seu
conhecimento de mundo com o proposto. Caso a informação apresentada seja nova, as
discussões prévias facilitam a construção de novos conceitos, o que ajuda na compreensão do
texto a ser lido. Neste caso, por exemplo, é imprescindível que o significado da palavra
“cardápio” esteja claro para o aluno, sob pena de não compreender o texto que segue.
A seguir, é Hora do texto.
Cardápio indigesto
30
Paula Nei, no restaurante, consultava o cardápio.
Quando chegou o garçom, pediu:
- Traga-me uns erros de ortografia.
- Não temos isso, freguês.
Paula Nei mostrou o cardápio:
- Como não têm, se a lista está cheia deles?
(GOULART, Mário. Livros dos erros – histórias equivocadas da vida real. Rio de Janeiro:
Record, 2001, p. 113)
Analisando os aspectos que constituem a história, trata-se de um narrador em
pessoa e, de acordo com os estudos de Genette (s/d), heterodiegético, com uma perspectiva
externa, pois as personagens são vistas apenas externamente. A ação toda se no passado e
acontece num restaurante, envolvendo duas personagens: Paula Nei e um garçom. No que diz
respeito ao discurso, o narrador apresenta a situação e as personagens assumem a voz, ou seja,
interagem, sendo que aquele se faz presente para auxiliar a compreensão do leitor as
personagens não dialogam o tempo todo; o narrador intervém para situar o leitor em relação à
continuação do diálogo, prevendo um leitor ainda incipiente. Quanto ao vocabulário, a
compreensão da palavra “indigesto”, no título, é importante para a compreensão da ironia
presente no texto, mesclando o assunto “restaurante” e a escrita com incorreções ortográficas,
pois auxilia o leitor a realizar a devida inferência quando Paula Nei solicita “erros
ortográficos” ao garçom. Quanto ao tipo de narrativa, trata-se de um texto ficcional, pois a
situação apresentada não é real, mas, revisitando Iser (1996), é como se fosse, pois é um
mundo produzido, criado pela linguagem, sem o intuito de mudar o comportamento do leitor
ou, então, ensinar-lhe algo. Cabe destacar, ainda, que o texto é acompanhado por uma
30
Os textos a serem analisados serão transcritos e não escaneados pelo fato de a análise estar centrada no texto
em si, não na sua disposição gráfica. Ao final de cada texto, consta a sua referência.
60
ilustração, que ajuda a identificar o sexo de Paula Nei, o que, de forma alguma, interfere na
compreensão da situação apresentada na narrativa.
Expressão oral é a seção, logo após o texto, que sugere aos alunos criarem, em duplas,
uma situação ocorrida num restaurante, assumindo um aluno o papel do garçom e o outro, o
do freguês. A atividade é dirigida, pois apresenta a situação-problema e a solução; aos
alunos cabe elaborar um diálogo coerente com essa situação. Essa atividade, além de
desenvolver a expressão oral, desenvolve também o imaginário das crianças. Contudo, se o
professor não explorar o texto anteriormente com os alunos, corre-se o risco de alguns
estarem representando essa situação sem ao menos entenderem por que as coisas não podem
correr bem no restaurante, uma vez que a proposta sugerida é decorrente do texto lido. Assim,
acredita-se que essa atividade, que é de transferência, deva ocorrer após as atividades de
análise e compreensão do texto. Nesta atividade, o professor pode explorar a importância que
tem o narrador num texto, pois, se os alunos apenas apresentarem o diálogo, sem representá-
lo em um contexto, como os demais colegas saberão onde estão, por exemplo?
Expressão Escrita é a seção seguinte. Aqui, são propostas dez questões de análise e
compreensão do texto, conforme segue:
Perguntas Tipo de
pergunta
31
Nível de
proficiência
32
Habilidade
33
1. Em que local ocorreu o
fato relatado no texto?
Quem são os personagens?
3 1
Identificação e
recuperação de
informações
2. Se o texto Cardápio
indigesto não fosse
ilustrado, você saberia da
mesma maneira o sexo de
Paula Nei, porque a fala do
garçom permite identificar
isso. Em que trecho isso fica
claro? Copie no caderno.
2 1 Identificação e
recuperação de
informações
3. O que são erros de
ortografia?
1 1 Reflexão
4. Ao responder à pergunta
de Paula Nei, o garçom diz:
Identificação e
31
Os números usados correspondem aos usados por Marcuschi (2002), quando dos seus estudos acerca da
tipologia das perguntas de compreensão em LDP, apresentados no item 1.2 deste estudo.
32
Os números a serem usados correspondem aos usados pelo PISA-2000, na avaliação das questões propostas
para a compreensão leitora, conforme apresentado no item 1.2 deste estudo.
33
As habilidades a serem descritas correspondem às usadas pelo PISA-2000, na avaliação das questões propostas
para a compreensão leitora, conforme apresentado no item 1.2 deste estudo.
61
“Não temos isso, freguês.”
O que o garçom quis dizer
com a palavra isso?
3 2 recuperação de
informações
5. Paula Nei diz para o
garçom: “Como não têm, se
a lista está cheia deles?”
a) O que Paula Nei quis
dizer com a palavra
lista?
b) A lista está cheia de
quê?
4
3
3
2
Identificação e
recuperação de
informações
6. Em restaurantes, após
examinar o cardápio, faz-se
o pedido.
a) O que normalmente se
pede?
b) Evidentemente, Paula
Nei não queria comer
(ou beber) erros de
ortografia. Por que,
então, ele fez esse
pedido?
3
4
2
4
Reflexão
Interpretação
7. Escreva em seu caderno a
palavra que completa
corretamente a seguinte
informação: Ao responder
ao pedido de Paula Nei, o
garçom foi
______________ (educado,
agressivo ou deselegante).
3 e 5 2 Interpretação
8. Para dizer ao garçom
“Como não têm, se a lista
está cheia deles?”, Paula
Nei, além de palavras usou
o quê?
3 2
Identificação e
recuperação de
informações
9. Normalmente os
cardápios são redigidos pelo
dono do estabelecimento e
não pelos garçons.
Pensando nisso, você acha
que a atitude de Paula Nei,
de fazer graça com o
funcionário, foi adequada?
6 2 Reflexão
62
10. Você foi almoçar em um
restaurante que um amigo
lhe indicou. Suponha que
tenha ocorrido uma dessas
situações:
a) a comida não estava boa;
b) a porção era muito
pequena;
c) não havia o prato que
você pretendia comer;
d) o preço era alto demais;
e) houve muita demora no
atendimento ao pedido.
Insatisfeito, você pretende
fazer uma reclamação. Para
quem você a faria e de que
maneira?
7 2 Reflexão
Ao analisarmos as questões propostas, percebemos que uma mescla no que diz
respeito aos tipos de perguntas propostas por Marcuschi (2002), havendo, contudo, uma
predominância das questões objetivas, ou seja, daquelas que indagam sobre conteúdos
objetivamente inscritos no texto. Em relação aos aspectos estruturais da narrativa, são
abordados apenas o lugar e as personagens, sendo que não referência a sua função na
tessitura narrativa; ao aluno cabe apenas, numa atividade mecânica, copiar a resposta do texto.
O narrador, responsável por situar as personagens no tempo e no espaço não é abordado em
nenhuma das questões propostas. No que diz respeito às habilidades, de acordo com o
proposto para análise pelo PISA-2000, todas são contempladas, havendo predominância de
questões de identificação e recuperação de informações, seguidas pelas de reflexão. As
questões de interpretação, que tem o texto como base para análise da sua tessitura e suas
relações intratextuais, aparecem em apenas dois momentos. Em relação ao nível de
proficiência, as questões concentram-se no nível 2, o qual se caracteriza pela inferência de
informações num texto, pelo reconhecimento da sua idéia principal, pela compreensão das
suas relações, pela construção do sentido e de conexões entre o texto e outros conhecimentos
da experiência pessoal. Cabe destacar que nenhuma das questões abrangeu o nível 5.
A última seção relacionada diretamente ao texto é Para além do texto e apresenta duas
propostas de atividades. A primeira sugere uma visita à cantina da escola, observando o que é
oferecido e o valor a ser pago, com o intuito de indicar a um colega da turma uma refeição
nutritiva e o seu respectivo valor. A segunda atividade propõe a elaboração, em grupos, de um
cardápio de restaurante ou lanchonete, a ser apresentado à turma, que elegerá “o mais
63
gostoso”. Levando em consideração que esse livro é cedido pelo Governo Federal às escolas
públicas e que o poder aquisitivo da maioria das crianças dessas escolas é baixo, a realidade
com a qual o texto pretende dialogar é, de certa forma, descontextualizada, pois a maioria das
escolas não tem lanchonete e o único lanche é o oferecido pela escola (sem esquecer que
crianças que permanecem na escola em função do lanche oferecido).
3.2.1.2 “Assalto”
No capítulo 3 da primeira unidade, “Na feira”, aparece a segunda narrativa completa
com atividades de exploração do texto, “O assalto”, de Carlos Drummond de Andrade. Antes
do texto propriamente dito, na seção Para começo de conversa, é apresentada uma história em
quadrinhos de Hagar, com propostas de análise textual, as quais têm como foco problemas de
comunicação.
A seguir, na seção Hora do texto, “Assalto” é apresentado na íntegra ao aluno.
Assalto
Na feira, a gorda senhora protestou a altos brados contra o preço do chuchu:
- Isto é um assalto!
Houve um rebuliço. Os que estavam perto fugiram. Alguém, correndo, foi chamar o
guarda. Um minuto depois, a rua inteira, atravancada, mas provida de admirável serviço de
comunicação espontânea, sabia que se estava perpetrando um assalto ao banco. Mas que ban-
co? Havia banco naquela rua? Evidente que sim, pois do contrário como poderia ser assalto?
- Um assalto! Um assalto! - a senhora continuava a exclamar, e quem não tinha
escutado, escutou, multiplicando a notícia. Aquela voz subindo do mar de barracas e legumes
era como a própria sirena policial, documentando, por seu uivo, a ocorrência grave, que
fatalmente se estaria consumando ali, na claridade do dia, sem que ninguém pudesse evitá-la.
Moleques de carrinho corriam em todas as direções, atropelando-se uns aos outros.
Queriam salvar as mercadorias que transportavam. Não era o instinto de propriedade que os
impelia. Sentiam-se responsáveis pelo transporte. E no atropelo da fuga, pacotes rasgavam-se,
melancias rolavam, tomates esborrachavam-se no asfalto. Se a fruta cai no chão, não é de
ninguém; é de qualquer um, inclusive do transportador. Em ocasiões de assalto, quem é que
vai reclamar uma penca de bananas meio amassadas?
- Olha o assalto! Tem um assalto ali adiante!
O ônibus na rua transversal parou para assuntar. Passageiros ergueram-se, puseram o
nariz para fora. Não se via nada. O motorista desceu, desceu o trocador, um passageiro
advertiu:
- No que você vai a fim de ver o assalto, eles assaltam sua caixa.
Ele nem escutou. Então os passageiros também acharam de bom alvitre abandonar o
veículo, na ânsia de saber, que vem movendo o homem, desde a idade da pedra até a idade do
módulo lunar.
Outros ônibus pararam, a rua entupiu.
64
- Melhor. Todas as ruas estão bloqueadas. Assim eles não podem dar no pé.
- É uma mulher que chefia o bando!
- Já sei. A tal dondoca loura.
- A loura assalta em São Paulo. Aqui é a morena.
- Uma gorda. Está de metralhadora. Eu vi.
- Minha Nossa Senhora, o mundo está virado!
- Vai ver que está caçando é marido.
- Não brinca numa hora dessas. Olha aí o sangue escorrendo!
- Sangue nada, tomate.
Na confusão, circularam notícias diversas. O assalto fora a uma joalheria, as vitrinas
tinham sido esmigalhadas a bala. E havia jóias pelo chão, braceletes, relógios. O que os
bandidos não levaram, na pressa, era agora objeto de saque popular. Morreram no mínimo
duas pessoas, e três estavam gravemente feridas.
Barracas derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva. Era preciso abrir um
caminho a todo custo. No rumo do assalto, para ver, e no rumo contrário, para escapar. Os
grupos divergentes chocavam-se, e às vezes trocavam de direção: quem fugia dava a marcha à
ré, quem queria escapar era arrastado pela massa oposta. Os edifícios de apartamentos tinham
fechado suas portas, logo que o primeiro foi invadido por pessoas que pretendiam, ao mesmo
tempo, salvar o pêlo e contemplar de cima. Janelas e balcões apinhados de moradores, que
gritavam:
- Pega! Pega! Correu pra lá!
- Olha ela ali!
- Eles entraram na Kombi ali adiante!
- É um mascarado! Não, são dois mascarados!
Ouviu-se nitidamente o pipocar de uma metralhadora, a pequena distância. Foi um
deitar-no-chão geral, e, como não havia espaço, uns caíram por cima de outros. Cessou o
ruído. Voltou. Que assalto era esse, dilatado no tempo, repetido, confuso?
- Olha o diabo daquele escurinho tocando matraca! E a gente com dor-de-barriga,
pensando que era metralhadora!
Caíram em cima do garoto, que soverteu na multidão. A senhora gorda apareceu,
muito vermelha, protestando sempre:
- É um assalto! Chuchu por aquele preço é um verdadeiro assalto!
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro:
Aguilar, 1973. p. 1246-7.)
O texto em questão é uma crônica, narrada em pessoa e no passado, cujo cenário
principal é uma feira. De acordo com os estudos de Genette (s/d), o narrador é
heterodiegético, pois não integra, como personagem, o universo diegético, e em relação à
perspectiva não adota nenhum ponto de vista concreto, dando ao leitor uma informação
completa, ou seja, sabe muito mais acerca dos acontecimentos que as próprias personagens da
narrativa. O discurso predominante no texto é o direto, ou seja, o narrador apresenta, sob a sua
ótica, as personagens, que interagem no decorrer do texto. Nesse aspecto, cabe destacar que o
leitor constrói as personagens pela voz do narrador, o que equivale a dizer que são assim sob a
visão e a crítica de quem conta a história. Nesse sentido, a voz do narrador é responsável
65
também pela perpetuação de estereótipos, tais como: a senhora que início à confusão é
“gorda”, o “diabo do menino” que faz o barulho que imita metralhadora é “escurinho”. Assim,
revisitando as idéias de Todorov (1970), não seria equivocado afirmar que, em “Assalto”,
temos várias histórias, pois cada nova personagem ocasiona uma nova história. A imagem,
contudo, que temos das personagens dessas várias histórias depende do narrador; somos,
como leitores, guiados por ele.
Quanto ao vocabulário, como o texto é de 1973, apresenta palavras possivelmente
desconhecidas para um leitor de série, em 2005, motivo pelo qual se apresenta o
esclarecimento de um vasto número de termos logo após o texto.
No que diz respeito ao tipo de narrativa, seguindo as propostas de Paulino (2003),
trata-se de um texto ficcional, pois a situação apresentada não é real, mas é como se fosse, ou
seja, trata-se, conforme Iser (1996), de uma realidade de todo reconhecível, posta, entretanto,
sob o signo do fingimento. Cabe salientar que as atividades propostas não exploram esse
imaginário, o que nos leva a crer que a narrativa, possivelmente, foi escolhida porque havia o
uso de muitos sinais de exclamação, assunto abordado na unidade e relacionado à entonação.
Logo após “Assalto”, vem a seção Expressão oral, que propõe a leitura oral do texto,
“observando as pausas e as melodias das frases”, estabelecendo relação direta com o assunto
“pontuação” abordado no capítulo anterior. Além disso, é sugerido ao aluno que pense em
outras situações em que a frase “Isto é um assalto!” poderia ser dita. Vale destacar que essa
questão deveria ter sido discutida no decorrer da leitura, uma vez que a entonação é
primordial para o desenrolar dos fatos narrados. Nesse sentido, essas questões caberiam a
qualquer outro texto e, neste momento, não contribuem para a sua compreensão.
Na seção seguinte, “Expressão escrita”, são propostas sete questões de análise,
conforme segue:
Perguntas Tipo de
pergunt
a
Nível de
proficiência
Habilidade
1. Qual o cenário em que se
desenrola a história? 3 1
Identificação e
recuperação de
informação
2. Que fato provocou o desenrolar dos
acontecimentos?
3 1 Interpretação
3. O que a senhora quis expressar
com a frase “Isto é um assalto”?
Em que sentido ela utilizou a
4 3 Interpretação
66
palavra assalto?
4. A frase dita pela senhora
provocou uma enorme confusão.
Por quê?
4 3 Interpretação
5. Você considera natural que as
pessoas tenham entendido a frase
dita pela senhora de outra
maneira?
6 2 Reflexão
6. Ocorreu comunicação entre as
pessoas que estavam no local dos
fatos?
5 3 Reflexão
7. Em que consiste o caráter cômico
do texto?
5 4 Interpretação
Direcionando nossa lente às questões propostas, verificamos que o narrador não é
citado em nenhuma das atividades, apesar de ser seu o papel de criar a expectativa acerca do
“assalto” no leitor; o próprio ritmo em que “o assalto” é narrado depende da sua atuação. De
acordo com Chartier (2001), os sentidos construídos pelo leitor são, por vezes, limitados pelo
narrador, exatamente o que acontece nesse texto. Se desconsiderarmos as intervenções do
narrador, o conhecimento de mundo do leitor possivelmente reportar-se-á a qualquer situação
de assalto; como o “ser de papel” contextualiza, no início da crônica, onde a personagem
que desencadeia a confusão se encontra, a produção de sentido se limita. Assim, se o leitor
não atentar à primeira frase do texto, a compreensão que terá do todo poderá ser bem diferente
daquela pretendida pelo autor, uma vez que, segundo Kintsch (1998), no processo de
compreensão textual, os segmentos do texto são integrados com o que está em processamento
na memória de trabalho. Nesse sentido, poderíamos dizer que a presença do narrador no
início do texto é estratégica, pois, tendo como referência os estudos de Koch (2005), objetiva
fazer com que os jogos de linguagem transcorram sem problemas. As inferências daí
derivadas é que vão permitir a organização dos sentidos elaborados pelo leitor na sua relação
com o texto. Além disso, nenhuma das questões faz referência ao discurso, ou seja, ao como a
história é contada. O texto não é explorado como ficção que é, mas, no geral, pretexto para
retomar ou antecipar pontos gramaticais.
Para além do texto, a última seção que “aborda” a narrativa, apresenta três questões,
cuja única relação com o texto é a palavra “feira”, seus vários sentidos e a variabilidade de
preços dos produtos no Brasil. Esse item, mais uma vez, não explora o imaginário, o
simbólico inerente à natureza da literatura, apenas a realidade.
67
3.2.1.3 Era dia de caça
“Era dia de caça”, texto de Marina Colasanti, consta na unidade 2 do livro, cujo título
é “O mundo da imaginação”. Na abertura do capítulo 5, intitulado “Era uma vez...”, a
imagem da tela “Carta branca”, de René Magritte, e a proposição de 2 questões, na seção
Para começo de conversa. Inicialmente é solicitado ao aluno que este explique o que percebe
de interessante na tela, o que, para um leitor ainda incipiente, é uma questão deveras ampla e,
por isso, uma pergunta “vale-tudo” - até porque o imaginário das crianças nessa idade é muito
fértil. Por outro lado, se o aluno não perceber nada de interessante, não poderá responder ao
proposto. A segunda questão pergunta ao aluno se o autor da tela teve a intenção de brincar
com a realidade. Mais uma vez, trata-se de uma resposta pessoal e, para uma criança de
série, igualmente ampla; o que vem a ser “brincar com a realidade” para quem ainda brinca
praticamente o tempo todo com a realidade?
A seguir, é Hora do texto.
Era dia de caça
O príncipe acordou contente. Era dia de caçada. Os cachorros latiam no pátio do
castelo. Vestiu o colete de couro, calçou as botas. Os cavalos batiam os cascos debaixo da
janela. Apanhou as luvas e desceu.
embaixo parecia uma festa. Os arreios e os pêlos dos animais brilhavam ao sol.
Brilhavam os dentes abertos em risadas, as armas, as trompas que deram o sinal de partida.
Na floresta também ouviram a trompa e o alarido. Todos souberam que eles vinham. E
cada um se escondeu como pôde.
a moça não se escondeu. Acordou com o som da tropa, e estava debruçada no
regato quando os caçadores chegaram.
Foi assim que o príncipe a viu. Metade mulher, metade corça, bebendo no regato. A
mulher tão linda. A corça tão ágil. A mulher ele queria amar, a corça ele queria matar. Se
chegasse perto será que ela fugia? Mexeu num galho, ela levantou a cabeça ouvindo. Então o
príncipe botou a flecha no arco, retesou a corda, atirou bem na pata direita. E quando a corça-
mulher dobrou os joelhos tentando arrancar a flecha, ele correu e a segurou, chamando
homens e cães.
Levaram a corça para o castelo. Veio o médico, trataram do ferimento. Puseram a
corça num quarto de porta trancada.
Todos os dias o príncipe ia visitá-la. ele tinha a chave. E cada vez se apaixonava
mais. Mas a corça-mulher só falava a língua da floresta e o príncipesabia ouvir a língua do
palácio.
Então ficavam horas se olhando calados, com tanta coisa para dizer.
Ele queria dizer que a amava tanto, que queria casar com ela e tê-la para sempre no
castelo, que a cobriria de jóias e roupas, que chamaria o melhor feiticeiro do reino para fazê-la
virar toda mulher.
Ela queria dizer que o amava tanto, que queria casar com ele e levá-lo para a floresta,
que lhe ensinaria a gostar dos pássaros e das flores e pediria à Rainha das Corças para dar-lhe
quatro patas ágeis e um belo pêlo castanho.
Mas o príncipe tinha a chave da porta. E ela não tinha o segredo da palavra.
68
Todos os dias se encontravam. Agora se seguravam as mãos. E no dia em que a
primeira lágrima rolou dos olhos dela, o príncipe pensou ter entendido e mandou chamar o
feiticeiro.
Quando a corça acordou, já não era mais corça. Duas pernase compridas, um corpo
branco. Tentou levantar, não conseguiu. O príncipe lhe deu a mão. Vieram as costureiras e a
cobriram de roupas. Vieram os joalheiros e a cobriram de jóias. Vieram os mestres de dança
para ensinar-lhe a andar. Só não tinha a palavra. E o desejo de ser mulher.
Sete dias ela levou para aprender sete passos. E na manhã do oitavo dia, quando
acordou e viu a porta aberta, juntou sete passos e mais sete, atravessou o corredor, desceu a
escada, cruzou o pátio e correu para a floresta à procura da sua Rainha.
O sol ainda brilhava quando a corça saiu da floresta, corça, não mais mulher. E se
pôs a pastar sob as janelas do palácio.
(COLASANTI, Marina. Uma idéia toda azul. São Paulo: Global, 1999, p. 35-40.)
O título do conto “Era dia de caça” foi adaptado, segundo os autores, para fins
didáticos, sendo que o título original não é mencionado. A narrativa acontece no passado e é
narrada em pessoa, ou seja, o narrador está fora dos acontecimentos narrados, é
heterodiegético, seguindo os estudos de Genette (s/d), pois não integra como personagem o
universo diegético. A história propriamente dita passa-se num castelo e na floresta que o
rodeia. Quanto ao discurso, cabe destacar que o narrador é a voz, a autoridade no texto, uma
vez que tudo sabemos sabe a partir de seu olhar, tanto no que diz respeito a aspectos físicos
quanto a psicológicos.
Cabe destacar, ainda, que a imagem que acompanha o texto diz respeito à cena em que
o príncipe pela primeira vez a corça, ou seja, aquela que era metade corça, metade mulher,
por quem se apaixona. Essa imagem não é meramente ilustrativa, pois ajuda o leitor a inferir o
que vem a ser uma corça, caso não o saiba, o que auxilia na compreensão textual.
No que diz respeito à diversidade de narrativas proposta por Paulino (2003), trata-se
de um texto totalmente ficcional, uma vez que apresenta um mundo criado pela linguagem, ou
seja, o mundo concebido é apenas um mundo possível, de um lado se diferenciando do mundo
de cujo material foi feito e, de outro, oferecendo uma marcação para uma realidade a ser
imaginada (ISER, 1996).
Logo após o texto, vem a seção Expressão oral, a qual sugere que os alunos reúnam-se
em grupos e contem histórias como a que acabaram de ler, definida pelos autores como “um
conto de fada moderno, um tipo de história em que a imaginação tem um papel muito
importante”. Além disso, solicita que os alunos contem como tomaram conhecimento dessas
histórias, o que permite ao professor conhecer um pouco da história de leitura de seus alunos.
Por fim, o redator de cada grupo apresenta os principais pontos à classe, com o que será
69
montado um painel. Essa atividade faz referência aos conhecimentos prévios dos alunos,
àquilo que conhecem de contos e por qual suporte. Atividades dessa ordem são de suma
importância, pois podem, inclusive, ser um motivador para a seção que se inicia, mas
deveriam ocorrer antes da leitura propriamente dita do texto, a fim de já preparar o aluno para
a leitura de um texto desse gênero; afinal lemos diferentes textos de diferentes formas,
conforme o gênero ao qual pertence.
Na seção seguinte, Expressão escrita, são propostas 13 questões, conforme segue:
Perguntas Tipo de
pergunta
Nível de
proficiência
Habilidade
1. Nos contos de fada, príncipes e
princesas, castelos, bruxas, fadas...
magia. Nesse conto não fadas nem
bruxas, mas quem faça o papel delas.
Quem são?
3 1
Identificação
e recuperação
de informação
2. Releia o conto procurando quando a
história aconteceu. O que você conseguiu
descobrir? Por que não é possível
descobrir mais?
3 e 8 1
Identificação
e recuperação
de informação
3. Toda história acontece num lugar (ou em
vários lugares). Essa história acontece na
floresta e no castelo. Crie uma tabela em
seu caderno, registrando, em uma coluna,
os elementos citados no texto que fazem
parte da floresta e, em outra, os
elementos que fazem parte do castelo.
2 1
Identificação
e recuperação
de informação
4. Os protagonistas da história são a corça-
mulher e o príncipe. Apaixonado por ela
desde que a viu, levou-a para o palácio. O
que você pensa sobre a forma como o
príncipe a capturou e a manteve no
castelo?
6 1 Reflexão
5. “[...] a corça-mulher falava a língua da
floresta e o príncipe sabia ouvir a
língua do palácio.” Que fato importante
essa passagem mostra?
4 2 Interpretação
6. Releia os parágrafos 9 e 10 e comente a
forma como os dois são construídos:
a) O que é interessante neles?
b) Moça e príncipe pertenciam a mundos
diferentes, por isso tinham valores diferentes.
O que é importante e belo para o príncipe? E
para a moça?
3
2
1
Interpretação
Identificação
e recuperação
de informação
7. “E no dia em que a primeira lágrima rolou
dos olhos dela, o príncipe pensou ter
entendido e mandou chamar o feiticeiro.”
70
a) Na sua opinião, o que essa passagem
revela a respeito do príncipe?
b) Na realidade, o que essa lágrima parece
revelar?
6
4
3
3
Reflexão
Interpretação
8. Na sua opinião, é justo manter uma pessoa
do nosso lado sem que ela queira, mesmo que
seja por amor?
6 1 Reflexão
9. A atitude da moça, ao fugir do palácio,
revela-nos o quê?
4 3 Interpretação
10. Como você explica o fato de a corça ter
se posto “a pastar sob as janelas do palácio”?
6 4 Interpretação
11. Como você classifica esse final: feliz ou
“realista? Explique.
6 3 Reflexão
12. Um conto de fadas tradicional terminaria
com o casamento das duas personagens. Na
sua opinião, esse seria o melhor desfecho
para a história? Explique.
6 3 Reflexão
13. Esse conto é formado por elementos
mágicos: a mulher-corça; sua transformação
em mulher por obra de um feiticeiro e depois
em corça, possivelmente com a ajuda da
Rainha das Corças; o amor entre a mulher-
corça e o príncipe. Trata-se de elementos que
pertencem ao mundo da imaginação. Apesar
disso, ele consegue nos emocionar e
envolver. Na sua opinião por que isso
acontece?
6 3 Reflexão
Ao ater-nos às questões desta seção, vamos perceber que vários tipos de perguntas
propostas, ora voltadas unicamente para o texto ora exigindo inferências. O que chama a
atenção, porém, é o número de questões “subjetivas”, que têm relação apenas superficial com
o texto, não tendo como testar a sua validade. É possível perceber, ainda, que elas procuram
enfatizar o novo gênero a ser explorado nesse capítulo, o conto. É esperado que o aluno
compreenda a partir do proposto o que vem a ser um conto e as suas características. As
questões, no entanto, não permitem ao aluno descobrir essas características, apenas extraí-las
do texto, uma vez que as explicações fazem parte da própria pergunta. Nesse sentido, não
se pode afirmar que o proposto ajuda o aluno a compreender melhor o texto nem tampouco
concluir o que vem a ser um conto. Além disso, o narrador, objeto de análise deste estudo, é
totalmente ignorado nas questões propostas, o que contribui para a percepção do aluno de que
este é apenas quem conta a história, não sendo lhe possível perceber que é seu o papel de
mostrar, esconder, criar expectativa no leitor. Mais uma vez, é possível constatar que o texto
foi escolhido seguindo uma ordem de conteúdos gramaticais, ignorando o gênero textual da
narrativa, a sua construção e a ficcionalidade.
71
A seção Para além do texto inicia com uma explanação teórica acerca de contos de
fadas, sugerindo ao final que os alunos releiam antigos contos de fada e que peçam, também,
aos pais e/ou avós que lhes contem alguns para, posteriormente, contá-los aos colegas. Essa
atividade, indiretamente, retoma a sugerida na seção Expressão oral, logo após o texto, e
antecipa a da Hora da história (seção seguinte), que sugere praticamente a mesma atividade,
apenas com dia e local marcados.
3.2.1.4 As serpentes que roubaram a noite
“As serpentes que roubaram a noite” é um mito escrito por Daniel Munduruku e
encontra-se no capítulo 6 do livro, intitulado “Mitos e lendas”.
Na abertura do capítulo, deparamo-nos com uma tela, representando o nascimento de
Vênus, a deusa do amor, acompanhada de uma breve explicação acerca da sua origem. Logo a
seguir, está a seção Para começo de conversa, que apresenta quatro questões referentes à
imagem, enfatizando o fato de as antigas civilizações criarem deuses para simbolizar
elementos da natureza.
Concluída essa seção, é Hora do texto.
As serpentes que roubaram a noite
Fazia pouco tempo que o mundo era mundo e que as garras da onça ainda não haviam
crescido e reinava a insatisfação. E isso porque a noite nunca chegava ela, que iria
permitir que pessoas e animais repousassem um pouco.
O sol brilhava sem parar nos céus e nenhum daqueles infelizes conseguia sequer tirar
uma pequena soneca! Os raios ardentes do sol queimavam tanto durante tanto tempo que
todos preferiam levantar. Apenas o papagaio continuava a protestar, mas tão alto, que toda a
floresta o ouvia, porém o sol pouco se importava com toda aquela gritaria e seguia brilhando
tão alegremente como antes.
Após um certo tempo, o papagaio ficou rouco, e os outros seres arrastavam-se como
sombras. No leito dos rios quase não se via uma gota d'água a correr.
Felizmente, um belo dia, os índios descobriram quem havia escondido a noite: as
serpentes! Elas eram os únicos seres que não tinham definhado, continuavam sadias e
passeavam com um arzinho zombeteiro, como se estivessem guardando na cabeça
pensamentos muito divertidos.
Então, os líderes da aldeia organizaram uma reunião para indicar aquele que deveria ir
falar com as serpentes para que elas libertassem a noite. A escolha caiu sobre o jovem Karu
Bempô por ser guerreiro valente e excelente corredor.
Karu Bempô, o mais valoroso dos guerreiros indígenas, foi falar com Surucucu, a
grande chefe das serpentes.
A morada de Surucucu ficava escondida no fundo da floresta virgem, embaixo das
72
folhas espalhadas pelo chão, e nem os macacos gostavam de se aproximar daquele lugar
misterioso.
- Quem se atreve a me incomodar? - gritou a serpente, erguendo a cabeça.
- Sou eu, Karu Bempô, o grande guerreiro respondeu o intrépido representante dos
índios e prosseguiu: - Dizem que as serpentes esconderam a noite, darei arco e flechas
como presente do meu povo.
- De que me serviriam o arco e as flechas? - riu Surucucu. - Não tenho mãos para
manejá-los. Meu rapaz, tens de me trazer outra coisa.
Após dizer essas palavras, ela deslizou por entre as folhas e desapareceu, e Karu
Bempô se viu sozinho.
Voltou à aldeia de mãos vazias, e todos ficaram quebrando a cabeça para descobrir o
que dar à serpente.
Finalmente, depois de muito pensarem, imaginaram que uma matraca contentaria a
serpente, pois é um objeto que agrada a todos, e nenhum animal possui um objeto desses.
Fizeram então uma matraca, cujo som era ouvido para além das planícies e das
montanhas. E Karu Bempô pôs-se novamente a caminho.
Dessa vez, Surucucu estava esperando-o.
- Sei que me trazes uma matraca disse ela. - Evidentemente, não é coisa que se
despreze, mas como vou usá-la? Não tenho mãos nem pés...
- Vou prendê-la na tua cauda – disse Karu Bempô, e imediatamente pôs mão à obra.
Mas que aconteceu? Ou a matraca tinha perdido a voz ou a cauda da serpente não era
suficientemente forte para balançá-la. Quando ela tentou chacoalhar sozinha, ouviu-se apenas
um ch-ch-ch-ch parecido com o ruído que as folhas secas fazem quando se espalham pelo
chão.
- Não, isso eu não quero. Mas, para que não digam que sou insensível, te darei, em
troca da matraca, uma breve noite declarou afinal a serpente. Deslizou para dentro do ninho
e retornou trazendo um saquinho de couro, que entregou a Karu Bempô.
- E que faremos se esta noite não nos bastar? - perguntou ele.
- Deves saber que uma noite longa custa muito caro: nem por dez matracas eu poderia
te dar uma – respondeu a serpente.
- Nesse caso, o que queres em troca?
- Conversei com as outras serpentes a esse respeito e decidimos que trocaríamos uma
noite longa por uma jarra cheia daquele veneno que teu povo coloca nas flechas.
- Mas que ireis fazer com esse veneno? - recomendou Karu Bempô.
Sua pergunta não recebeu resposta. Surucucu deslizou sob as folhas. A matraca presa à
cauda fez-se ouvir por um momento, e depois a serpente desapareceu.
Caminhando lentamente, Karu Bempô retornou à aldeia com o saquinho de couro.
Acalentava a esperança de que a noite curta seria suficiente para todos, mas em seu espírito
permanecia o receio de um novo encontro com a serpente.
Assim que os índios abriram o saquinho, o mundo foi invadido pelas trevas e todos
caíram num sono profundo, mas não por muito tempo. Passados alguns instantes, o sol voltou
a brilhar e expulsou a escuridão para trás das montanhas e despertou sem piedade aqueles
infortunados adormecidos.
Todo dia acontecia a mesma coisa, e logo ocorreu aquilo que Karu Bempô temia;
perceberam que uma noite tão curta não bastava para descansar e todos começaram a juntar
veneno – às vezes, apenas uma gota – para encher a jarra.
O jovem retornou à floresta pela terceira vez. Dessa vez caminhava com cautela, pois
tinha receio de tropeçar e deixar cair a jarra. Surucucu estava enfiada em seu ninho, e via-se
apenas sua cabeça. Ao lado dela havia um enorme saco, bem cheio.
Eu sabia que voltarias disse ela ao recém-chegado. - Vê, preparei um saco que
73
contém uma noite longa.
Karu Bempô entregou-lhe a jarra e perguntou, curioso:
- Escuta, por que as serpentes precisam de veneno?
- Porque somos pequenas e fracas respondeu Surucucu e precisamos ter presas
venenosas para nos defender... mas não tenhas medo: darei a cada serpente apenas uma
pequena quantidade de veneno, a fim de que não possamos fazer mal a ninguém...
- Mas é que... - estranhou o guerreiro, cético.
- Bem, estás com o saco. Deves levá-lo para a tua aldeia e abri-lo quando
chegares lá. Se soltares a noite cedo demais, a escuridão vai empedir-me de distribuir o
veneno a cada serpente como pretendo, e as conseqüências recairiam sobre todo o mundo...
Com essas palavras, ela se despediu e, sem tardar, convocou todo o povo das serpentes
e começou a distribuir o veneno. Surucucu foi a primeira a se servir...
Karu Bempô voltou para a aldeia, carregando a bolsa com todo o cuidado. Pensava no
que a serpente havia lhe dito e por isso não percebeu que o papagaio, excitadíssimo, voava
acima dele, gritando:
- Venham ver, ele está trazendo a noite, Karu Bempô está trazendo a noite longa!
Evidentemente, todos os que estavam podiam vê-lo com os próprios olhos. Os
macacos, loucos de alegria, saltavam no topo das árvores; o jacaré fazia ondas com o pouco
de água que ainda restava. A onça, impaciente, arranhou-se.
- Solta a noite agora mesmo, o que está esperando? - gritou ela, atirando-se sobre Karu
Bempô.
Antes que o jovem entendesse o que estava acontecendo, a onça arrancou a bolsa das
mãos de Karu Bempô, pulou para as urzes e abriu-a.
Uma densa escuridão caiu sobre a selva, surpreendendo a todos. Animais e pessoas
procuravam caminhos para voltar a suas casas e colidiam uns com os outros. Mas o pior foi
aquilo que ocorreu com as serpentes da chefe Surucucu: elas se atiraram sobre a jarra,
empurrando-se umas às outras, e cada uma delas passou nas presas tanto veneno quanto
podia. Em vão Surucucu tantava acalmá-las, dizendo que havia veneno suficiente para todas.
Por fim, acabaram derrubando a jarra.
Mas quando, ao final de uma longa noite, voltou o dia, todos puderam perceber as
conseqüências do que a onça havia feito: as serpentes tinham-se tornado inimigas poderosas e
audaciosas que, com suas presas envenenadas, matavam todos aqueles de quem se
aproximavam. Apenas o povo das Jibóias não foi atingido, e sempre avisava os índios com
sua matraca.
Depois desse episódio, as serpentes nunca mais foram amigas cada uma procura
viver sua vida, sem se preocupar com a dos outros.
Os Munduruku e os outros animais, por sua vez, adoraram ter conseguido a noite de
volta. Assim, podem descansar durante a noite para iniciar um novo dia mais dispostos e
alegres.
(MUNDURUKU, Daniel. As serpentes que roubaram a noite e outros mitos. São
Paulo: Peirópolis, 2001. p. 28-34.)
O texto em questão é narrado em pessoa; o narrador não participa dos fatos e não
adota nenhum ponto de vista concreto, mas dá ao leitor uma informação completa. Em relação
ao narrador, ainda, vale dizer que prevê um leitor incipiente, uma vez que, com o intuito de
este não se perder nos diálogos, na maioria das vezes, antes ou após a fala da personagem,
relata quem se manifestara/manifestará. No que diz respeito ao tempo, narra os fatos no
passado, mas sem especificar um tempo determinado. As personagens, por sua vez, são os
74
moradores da floresta, mas as atenções estão na cobra Surucucu, a grande chefe das serpentes,
e no índio Karu Bempô, o mais valoroso dos guerreiros indígenas. Quanto ao tipo de
narrativa, temos aí, de acordo com os estudos de Paulino (2003), mais uma vez, um texto
totalmente ficcional; é como se fosse real, revela um mundo produzido e encenado pela
linguagem, ou seja, é verossímil (ISER, 1996), sem o intuito de mudar o comportamento do
leitor. Em relação às imagens que acompanham o texto, cabe destacar que uma delas (são 5
no total) pode ajudar o aluno na compreensão do texto, uma vez que ilustra o momento em
que o índio presenteia a cobra com a matraca. Caso esse vocábulo seja desconhecido do
aluno, a imagem o esclarece. As demais ilustrações são meramente decorativas.
Logo após o texto, vem a seção Expressão oral. A atividade consiste em relatar aos
demais colegas uma história que tenha marcado a família ou o lugar onde vive, explorando,
portanto, a oralidade. A seguir, os alunos devem “conversar” com os colegas acerca da
importância ou não dessas histórias, se elas ainda existem nas cidades ou não. Aqui vai
depender da experiência que cada aluno tem como leitor ou ouvinte dessas histórias para se
posicionar a respeito do que foi questionado, pois, se não conhece e nunca ouviu falar, como
vai ver nelas importância ou não? Como adultos e letrados, sabemos do valor cultural dessas
histórias, mas, possivelmente, não é essa a leitura que uma criança de 5ª série faz. Além disso,
como a criança que mora na zona rural vai poder responder se essas histórias ainda existem na
cidade e vice-versa? A intenção de “conversar” sobre mitos e lendas é de supra-importância,
mas os autores não adequaram as questões ao universo dos estudantes brasileiros.
Expressão escrita é a seção seguinte.
Perguntas Tipo de
pergunta
Nível de
proficiência
Habilidade
1. Em que tempo ocorreram os fatos
narrados? Com que intenção o narrador diz
que naquela época a onça ainda não tinha
garras?
4 2
Identificação
e recuperação
de informação
2. Nesse tempo, os animais falam,
harmonia entre os seres. O desequilíbrio é
provocado pela ausência da noite.
a) Copie no caderno passagens do texto que
mostram esse desequilíbrio.
b) Releia o segundo parágrafo: num certo
momento, o sol é tratado como pessoa. Copie
essa passagem e indique as palavras que
caracterizam o sol dessa forma.
2
2
1
Identificação
e recuperação
de informação
3. Que fato fez os índios descobrirem que as
75
serpentes haviam roubado a noite? 3 1 Interpretação
4. Quando Karu Bempô inicia suas
negociações com a Surucucu, ele diz, após se
apresentar: “Dizem que as serpentes
esconderam a noite. Se me devolverem a
noite, darei arco e flechas como presente do
meu povo”. Observe que ele escolhe as
palavras: em vez de dizer que as serpentes
roubaram a noite, ele diz que elas a
esconderam. Ele também evita dizer o nome
de qualquer pessoa (“Dizem que as serpentes
escondem a noite”.). Por que ele faz isso? Na
sua opinião, ele é um bom negociador?
4 e 6 2 Reflexão
5. Releia todo o trecho em que Karu Bempô
negocia com a Surucucu.
a) De quantas entrevistas ele precisou para
conseguir o que queria? Que avanços
você notou em cada negociação?
b) Quando o guerreiro se aproxima da
serpente pela primeira vez, é recebido
com aspereza: “Quem se atreve a me
incomodar? gritou a serpente,
erguendo a cabeça”. Na segunda vez, a
recepção foi diferente, pois o
narrador informa: “Dessa vez, Surucucu
estava esperando-o”. Por que essa
mudança de comportamento?
3 e 6
5
1
2
Identificação
e recuperação
de informação
Interpretação
6. Surucucu é a representante das serpentes;
Karu Bempô, do povo indígena. Eles são
representantes porque têm valor e merecem
essa distinção. Por isso, não agem por conta
própria, mas em nome do seu povo. Copie do
texto passagens que justificam essas
afirmações.
2 2
Identificação
e recuperação
de informação
7. Com sabedoria e negociação, Karu Bempô
conseguiu aquilo de que todos tanto
precisavam: a noite. Porém, logo que
acordaram da longa noite de descanso,
perceberam o poder que as serpentes haviam
adquirido. Em outras palavras: conseguiram
uma coisa boa, mas, junto, veio uma ruim.
Que relação você entre esse fato e a
realidade?
6 2 Reflexão
8. Os mitos explicam a origem das coisas ou
por que as coisas são de determinada forma.
Além de explicar como o povo indígena
recuperou a noite, que outros fatos esse conto
esclarece?
3 2
Identificação
e recuperação
de informação
Ao focar as questões propostas, vamos, mais uma vez, comprovar os resultados da
76
pesquisa realizada por Marcuschi (2002) no que diz respeito ao tipo de perguntas de
compreensão que predominam nos LDP, ou seja, as objetivas, as cópias e as subjetivas.
Caberia a nós questionarmos se essas questões realmente ajudam a “compreender” e
“interpretar” melhor um texto. As questões de opinião realmente são importantes para
desenvolver o senso crítico do aluno, mas não contribuem para a compreensão e/ou a
interpretação do texto. Soares (2003) destaca que, em geral, os exercícios propostos pelos
LDs para análise de textos literários não conduzem à análise do que é essencial neles, ou seja,
“à percepção de sua literariedade, dos recursos de expressão, do uso estético da linguagem;
centram-se nos conteúdos, e não na recriação que deles faz a literatura; voltam-se para as
informações que os textos veiculam, não para o modo literário como as veiculam” (SOARES,
2003, p. 43).
Em relação às habilidades, a maioria das questões visa a identificar e recuperar
informações, sendo propostas apenas duas questões de interpretação. O nível de proficiência
exigido, por sua vez, situa-se no 2
34
, sendo que as demais questões todas situam-se no nível
1
35
. Cabe-nos, mais uma vez, questionar como os alunos melhorarão seu nível de leitura e
compreensão, se o que lhes é proposto não avança, ou seja, o nível de dificuldade é sempre
equivalente. O narrador, o ser de papel que nos conta a história e, no caso do mito, retomando
Benjamin (1992), um velho que sabe tudo e tem uma sabedoria a revelar, além do modo
sedutor de contar, mais uma vez não é mencionado em nenhuma das questões apresentadas.
Assim sendo, as questões propostas não instrumentalizam o leitor para a compreensão da
natureza da narrativa nem contribuem para a formação de um leitor proficiente
36
.
A última seção, Para além do texto, apresenta inicialmente um texto explicativo sobre
mitos e lendas e logo após duas propostas de atividades. A primeira sugere atividades muito
interessantes a partir do texto apresentado anteriormente; as 3 questões exigem do aluno a
leitura e a compreensão da árvore genealógica de Zeus, um gênero textual e uma temática
pouco familiar ao aluno. Apesar de as respostas serem objetivas, exigem uma análise crítica.
A questão seguinte sugere uma pesquisa sobre mitos e lendas e a sua apresentação em forma
de painéis, dramatizações...
34
O nível 2 corresponde a inferir informações em um texto, reconhecer a sua idéia principal, compreender
relações, construir sentido e conexões entre o texto e outros conhecimentos da experiência pessoal.
35
O nível 1 corresponde a localizar informações explícitas em um texto, reconhecer o tema principal ou a
proposta do autor, relacionar a informação de um texto de uso cotidiano com outras informações conhecidas.
36
De acordo com Soares (2003), as atividades propostas para o estudo de um texto literário visando à formação
de um bom leitor de literatura devem privilegiar a análise do gênero do texto, dos recursos de expressão e de
recriação da realidade, das figuras autor-narrador, personagem, ponto-de-vista, a interpretação de analogias,
comparações, metáforas, ou seja, o estudo daquilo que é textual e literário.
77
Com o intuito de retomar os textos ora analisados e abordá-los de forma a contemplar
o papel do narrador, respeitando tanto os elementos que constituem a história como o discurso
e as atividades prévias e pós-texto, serão apresentadas, no próximo capítulo, sugestões de
análise de texto, o que, de nenhuma forma, pretende esgotar as possibilidades.
78
4 PROPOSTAS DE ABORDAGEM: FAZENDO DO LIMÃO UMA LIMONADA
[...] se os livros didáticos publicados, adquiridos,
adotados e distribuídos neste país dessem conta do
recado, nós teríamos a melhor escola do mundo.
(Ezequiel Theodoro da Silva)
O presente capítulo, conforme exposto, pretende apresentar possíveis alternativas
pedagógicas, levando em consideração o processo de compreensão textual e a atuação do
narrador nesse processo. É de nosso conhecimento que a compreensão de um texto varia
segundo as circunstâncias de leitura e depende de vários fatores, motivo pelo qual se
apresentam aqui possibilidades, não receitas.
Retomando as estratégias de processamento textual, é de suma importância preparar o
leitor para aquilo que vai ler, a fim de que as devidas inferências sejam realizadas e seu
conhecimento prévio acerca do assunto ativado. As atividades de compreensão e
interpretação, por sua vez, devem abordar tanto aspectos relativos à história (o quê) como ao
discurso (como diz), dando conta das informações do texto e da construção textual, das
informações explícitas e implícitas, pois assim será levado em consideração o conhecimento
prévio do leitor e as “armadilhas” que o texto apresenta, ou seja, como está organizado e por
quê, quais as estratégias narrativas empregadas; nem tudo está dito e cabe ao leitor preencher
esses espaços. Concluída essa etapa, de acordo com o texto, parte-se para a etapa de produção,
com as relações estabelecidas pelo texto e seu contexto. Cabe destacar que os
procedimentos adotados não significam fazer o uso de uma “camisa-de-força”, mas estruturar
as ações didáticas com o intuito de atingir os objetivos preestabelecidos.
79
4.1 “Cardápio indigesto”
A) Atividade de pré-leitura
O professor solicita aos alunos que tragam cardápios. Esse material pode ser
conseguido diretamente nos estabelecimentos comerciais. Caso seja de difícil acesso para os
estudantes esse material, o professor pode confeccionar alguns cardápios fictícios, com
incorreções ortográficas ou não, e levar para os alunos, a fim de que conversem sobre esse
gênero textual:
Que informações constam no texto?
Para que servem essas informações?
Quem, no seu dia-a-dia, usa esses textos?
Onde encontramos esses textos?
Quem é o responsável pelas informações que constam no texto?
Esse texto tem um nome? Qual?
Quem já ouviu falar em indigestão. E em “cardápio indigesto”?
Obs.: explorar com os alunos o sentido de indigesto e levantar hipóteses sobre o que pode ser
um “cardápio indigesto”. Aqui deve ficar claro ao aluno que se trata de uma metáfora, o que
pode ser explicado pelo professor com uso de outros exemplos. A fim de “brincar” com as
palavras, os alunos podem pensar em algumas metáforas que já tenham ouvido ou, então, criar
algumas.
B) Atividades de exploração da história
Onde acontece o fato?
Quem são as personagens envolvidas?
Quem conta a história?
Esse alguém participa da história?
80
C) Atividades de exploração do discurso
Como vimos, nesse texto, alguém nos conta a história. Leia o texto, omitindo as
intervenções do narrador. A compreensão que temos do texto com a presença do
narrador é mesma? Qual é, então, a função desse elemento num texto?
O fato contado aconteceu ou está acontecendo? Como é possível saber isso?
Comprove com elementos do texto.
Como é o nome do freguês com quem o garçom fala? Isso é nome de homem ou
mulher? Explique.
Quando escrevemos, usamos de alguns artifícios para evitar repetições de palavras.
Isso acontece nesse texto? Caso sim, identifique os elementos que substituem e os
seus respectivos referentes.
“Erros de ortografia” é um prato do cardápio? Explique por que Paula Nei pediu
isso.
A partir da leitura realizada, explique o que vem a ser “cardápio indigesto”.
Que outro título poderia ter este texto? Por quê?
Qual o possível nível de escolaridade de Paula Nei? O que leva você a chegar a
essa conclusão?
D) Produzindo a partir do texto
Assumindo o papel de...
- Imagine que o garçom, ao chegar em casa, conte para a sua esposa o fato inusitado que
lhe aconteceu naquele dia. Como será que ele contaria essa história?
- Imagine que o freguês, ao chegar em casa, conte para a sua esposa o fato inusitado que
lhe aconteceu naquele dia. Como será que ele contaria essa história?
- Imagine que o freguês da mesa ao lado, chegando em casa, conte para a sua esposa o
81
fato inusitado que presenciara naquele dia. Como será que ele contaria essa história?
Escolha uma dessas três personagens e reconte a história a partir do seu ponto de vista.
Depois da atividade concluída, leia seu texto para os colegas.
Obs.: nessa atividade de socialização dos textos escritos pelos alunos, é de suma importância
chamar a atenção dos alunos para o fato de que a versão da história muda de acordo com
quem a conta, o que possibilitará a percepção do papel desempenhado pelo narrador; não
“certo” ou “errado”, mas pontos de vista diferentes.
4.2 “Assalto”
A) Atividade de pré-leitura
O professor apresenta inicialmente o título do texto “Assalto” e solicita aos alunos
que levantem hipóteses acerca do seu conteúdo. Após listar algumas hipóteses, o
professor diz que o texto não é jornalístico, ou seja, não foi retirado de um jornal,
mas de um livro. A informação seguinte é a de que o autor do texto é Carlos
Drummond de Andrade e que foi publicado em 1973. É pertinente, neste
momento, explicar quem foi Carlos Drummond de Andrade.
A seguir, o professor questiona os alunos se o fato de o texto ter sido publicado em
1973 e num livro muda algumas das hipóteses levantadas inicialmente.
O texto, então, é apresentado aos alunos sem o primeiro e o último parágrafos. O
professor lê o texto oralmente, com uma boa entonação, criando um ar de suspense
e curiosidade.
Lido o texto, o professor pergunta aos alunos quem eles pensam que gritou “Isto é
um Assalto!”, no início do texto. O professor vai apresentando os itens aos poucos,
sempre explorando a opinião dos alunos acerca da continuidade. Faz o mesmo com
o último parágrafo. É possível, também, deixar os alunos reescreverem
inicialmente um início e um fim à crônica para depois comparar suas produções
com a original.
82
B) Atividades de exploração da história
Onde acontece a história narrada?
Como é o lugar onde os fatos acontecem?
A história contada já aconteceu ou está acontecendo? O que permite concluir isso?
Quem participa da história?
Quem conta a história? Esse alguém participa da história? Retire um trecho que
comprove a resposta.
O que faz com que as personagens realmente acreditem que esteja acontecendo um
assalto?
Obs.: é importante trabalhar com a classe a estrutura do texto narrativo, conforme visto no
capítulo 2, além das características do gênero textual crônica.
C) Atividades de exploração do discurso
Se o dono da banca de chuchus tivesse contado essa história, a sua versão seria a
mesma? Por quê? (nessa questão cabe ao professor chamar a atenção dos alunos
para o fato de que o conhecimento que temos dos acontecimentos depende do
lugar que ocupamos na história, ou seja, do ponto de vista de quem conta).
Quando a gorda senhora grita: “Isto é um assalto!”, está referindo-se a quê?
Leia as frases abaixo em voz alta.
- Isto é um assalto?
- Isto é um assalto.
O sentido das frases acima é o mesmo daquele empregado no texto? Explique.
A fim de não repetirmos palavras quando escrevemos, fazemos uso de algumas
estratégias, entre elas fazer o uso de pronomes. A sua tarefa agora é descobrir que
palavras estão sendo substituídas pelos seguintes pronomes.
a) ele (l. 23):
83
b) eles (l. 27):
c) aqui (l. 30):
d) ela (l. 48):
e) eles (l. 49):
A língua é viva, está em constante transformação, ou seja, muitas palavras novas
vão surgindo com o passar do tempo, fazendo com que outras deixem de ser
usadas. Assim, como o texto lido foi publicado em 1973, há, possivelmente,
palavras que não usamos mais nos dias de hoje. Circule-as no texto e procure
pensar em que palavra usamos nos dias de hoje para dizer a mesma coisa. Caso
sinta dificuldade em encontrar um sinônimo, você pode conversar com seu colega
e/ou fazer o uso do dicionário.
Obs.: após a realização dessa atividade, é importante a socialização das palavras circuladas
pelos alunos. Se a turma sentir-se motivada, o professor pode, inclusive, dar continuidade a
essa atividade com pesquisa a ser realizada com familiares acerca das palavras que usavam na
época em que eram crianças e que hoje estão em desuso e com elas construir um “dicionário”.
O mesmo vale para diferentes palavras usadas em diferentes regiões do Brasil para designar a
mesma coisa.
D) Produzindo a partir do texto
O texto “Assalto” é propício para fazer muitas atividades divertidas. Que tal
dramatizarmos a história? Mas cada um deve estar caracterizado, senão não tem
graça. Então, vamos aos grupos!
Obs.: é importante que o professor permita aos alunos organizarem-se nos grupos com tantas
personagens quantas queiram representar, o que vale também para o narrador. Caso algum
grupo apresente narrador, é importante, após as dramatizações, que o professor questione o
seu papel e as implicações da sua intervenção.
No texto “Assalto”, aparecem muitas personagens. No lugar de qual delas você
gostaria de estar? Pois bem, agora você é este alguém...
84
Eu sou____________________
Sua tarefa agora é contar o fato, colocando-se no lugar da personagem que escolheu.
O que você viu? Onde estava? Como reagiu? Como os outros reagiram?
Obs.: após a escrita e a reescrita dos textos, é importante que eles possam ser socializados, ou
em pequenos grupos ou no coletivo. Cabe ao professor novamente avaliar com os alunos
como um mesmo fato pode ter tantas versões, que dependem sempre do ponto de vista de
quem está contando.
4.3 Era dia de caça
A) Atividades de pré-leitura
O professor apresenta aos alunos apenas as duas imagens que acompanham o texto
de Marina Colasanti e solicita que criem, a partir daí, uma história, cujo início seja
“Era uma vez...”. É interessante que essa atividade seja realizada em duplas, pois
os alunos podem ir discutindo acerca das possibilidades, dos rumos da história.
Depois que os alunos concluíram a produção do texto, eles poderão apresentá-lo à
classe. Após todos os textos lidos/apresentados, parte-se, então, para a leitura do
texto “Era dia de caça”.
B) Atividades de exploração da história
Onde e quando a história se passa?
Quem são as personagens principais da história? Caracterize-as, tanto física quanto
psicologicamente, a partir das informações contidas no texto.
As personagens fazem parte do “mundo real”? O que nos permite concluir isso?
De acordo com a sua resposta à questão anterior, que outros elementos do nosso
mundo podemos encontrar no texto? Explique.
C) Atividades de exploração do discurso
85
Qual a relação do título com a história que é contada?
Esse fato acontecia com freqüência ou foi a primeira vez? O que permite concluir
isso?
No terceiro parágrafo, temos a seguinte expressão: “Todos souberam que eles
vinham”.
a) Quem são “eles” a que o texto faz referência?
b) O que aconteceu para que todos, na floresta, soubessem que “eles” vinham?
Ainda no terceiro parágrafo, o texto diz que cada um se escondeu como pôde. O
que é possível deduzir desse comentário?
Por que o príncipe atirou na pata direita da “mulher”?
Por que, depois de tratarem do ferimento da “mulher”, puseram-na num quarto de
porta trancada?
O que, segundo o texto, impedia o diálogo entre o príncipe e a “mulher”?
Em sua opinião, por que a “mulher” deixou cair uma lágrima? O príncipe
interpretou corretamente esse acontecimento?
Quando a “mulher” juntou sete passos, com mais sete e mais sete, foi à floresta à
procura de sua Rainha. Quem era a “Rainha”? Por que a “mulher” a procurou?
Ao final, a corça pôs-se a pastar sob as janelas do palácio. O que essa atitude nos
revela?
Essa história foi contada por alguém que participou da história? Será que se a
“mulher” a tivesse contado seria exatamente assim? Por quê?
D) Produzindo a partir do texto
Como a história continuaria se a corça-mulher tivesse gostado da idéia de ser
86
mulher? Conte a história a partir do momento em que o feiticeiro transforma a
corça-mulher em mulher apenas. Não se esqueça de usar e abusar da sua
imaginação.
Como a história continuaria se o príncipe tivesse se transformado em corça-
homem? Conte essa história... Como ele seria? Onde viveriam? Como ficaria o
castelo? Teriam filhos? Não se esqueça de usar e abusar da sua imaginação.
Você já pensou em ser príncipe? E mulher-corça? Pois bem, você agora pode ser o
príncipe ou, então, a mulher-corça. Reconte a história “Era dia de caça”,
colocando-se no lugar de um deles. Como as rédeas da história estão nas suas
mãos, mude o que julgar necessário...
4.4 “As serpentes que roubaram a noite”
A) Atividades de pré-leitura
O professor conversa com os alunos acerca do horário de verão, se, no geral, as
pessoas vão dormir mais cedo ou não e por quê. Também pode averiguar se alguém tem
algum conhecido que trabalha à noite e precisa dormir durante o dia e como é essa rotina, se
ao dormir durante o dia, quando é claro, a pessoa consegue descansar tão bem quanto quando
dorme à noite, no escuro. O professor dirige a “conversa” para o fato de que à noite
descansamos melhor, que estamos em meio a essa cultura, rotina. Ao final, o professor
pergunta aos alunos como será que as coisas seriam se sempre fosse dia, ou seja, se nunca
escurecesse. Os alunos manifestam-se a respeito e, por fim, o professor diz que certa vez
fora assim, porque as serpentes haviam roubado a noite. O passo seguinte é a leitura do texto,
com muito entusiasmo e despertando a curiosidade dos alunos.
Outra possibilidade é conversar com os alunos acerca do “sol da meia-noite”. Eles
podem pesquisar onde é que esse fenômeno acontece e por quê. Além disso, se houver
oportunidade, conversar com alguém que esteve em um dos países ou, então, procurar
trocar mensagens, a fim de questionar acerca do cotidiano das pessoas, seu estado de
espírito,...
B) Atividades de exploração da história
87
A história se passa _____________________________________, onde moram
_______________________________________________________. Tudo corria bem
até que ________________________________________. Então,
____________________________________, mas não obteve sucesso. Como era
persistente, voltou e ________________________________________________.
Quando voltava, porém, acontece algo que ninguém esperava:
_________________________________________. Com isso,
__________________________________. Por
fim______________________________ ___________________________________.
Obs.: o professor pode propor aos alunos atividades de reconto, que podem acontecer em
duplas, em pequenos grupos ou mesmo no coletivo. Para tal, um aluno reconta a história lida
e os demais verificam se todos os elementos importantes da narrativa fazem-se presentes.
Caso isso não ocorra, alguém retoma o que faltou.
C) Atividades de exploração do discurso
No segundo parágrafo, que palavra o narrador usa para referir-se às pessoas e aos
animais? O que esse adjetivo revela?
Que sentido pode ser dado pela palavra “Felizmente”, usada pelo narrador no quarto
parágrafo, se até ali o texto fala da insatisfação de todos pelo fato de o sol brilhar dia e
noite?
O que a forma como a Surucucu recebeu Karu Bempô nos revela?
Ao se apresentar para a Surucucu, por que Karu Bempô explica que é “o grande
guerreiro”?
Se os índios tinham certeza de que as serpentes haviam roubado a noite, por que
Karu Bempô disse para a Surucucu: “Dizem que as serpentes roubaram a noite”?
O narrador inicia o décimo parágrafo com “Finalmente”. O que ele revela com essa
expressão?
88
Quando volta com a noite breve, conforme o narrador nos revela, Karu Bempô
caminha lentamente. O que essa atitude significa?
De acordo com o texto, as serpentes são desde sempre perigosas? Explique.
Quem são os Munduruku a que o narrador faz referência no último parágrafo?
Essa história revela-nos como os índios e os animais conseguiram a noite de volta.
Será que realmente foi assim ou essa é apenas uma história que nos conta como isso
aconteceu? Explique.
D) Produzindo a partir do texto
A história que acabamos de ler é contada por alguém que não participou da história.
Como será que a Surucucu contaria essa história? Será que a história teria esse título? Que tal
você se colocar no lugar da Surucucu e contar a história a partir do que ela e pensa? Não
esqueça que uma boa história deve ser planejada... Para cada item abaixo, escreva apenas
palavras ou expressões-chave.
- Como inicia? (Quem? O quê? Quando? Onde? Como?...)
- o que acontece de repente?
- como continua?
- o que acontece que muda os rumos da história?
- como termina?
Depois, a partir desses itens, redige o texto completo.
Os papagaios adoram falar... Que tal você dar uma de papagaio e contar a história do
seu jeito? Você pode participar da história ou apenas contar o que está vendo... Antes, porém,
vamos planejar a história. Para cada item abaixo, escreva apenas palavras ou expressões-
chave.
- Como inicia? (Quem? O quê? Quando? Onde? Como?...)
- o que acontece de repente?
- como continua?
- o que acontece que muda os rumos da história?
- como termina?
Depois, a partir desses itens, redige o texto completo.
E a onça, como seria a história segundo a sua versão? Afinal, ela foi a responsável
89
por abrir a bolsa antes da hora... Antes, porém, vamos planejar a história. Para cada item
abaixo, escreva apenas palavras ou expressões-chave.
- Como inicia? (Quem? O quê? Quando? Onde? Como?...)
- o que acontece de repente?
- como continua?
- o que acontece que muda os rumos da história?
- como termina?
Depois, a partir desses itens, redige o texto completo.
A narrativa que acabamos de ler conta-nos como algo que não era passou a ser.
Essas histórias são consideradas MITO. Que tal pesquisarmos e conhecermos outras histórias
assim? A pesquisa deverá ser entregue ao professor e apresentada aos colegas. Vale um
lembrete: a história não pode ser lida aos colegas, deve ser contada!
Obs.: 1) enfatizar aos alunos que o narrador do mito explica determinado fato pela
observação, pela vivência que teve, e todos acreditam na sua explicação, ou seja, o narrador é
o sábio;
2) o assunto pode ser expandido para lendas; muitas narrativas desse gênero a
serem estudadas, tanto gaúchas, como indígenas, africanas, universais...
Ao finalizar este capítulo, é importante mencionar que as atividades propostas tinham
como foco de análise o narrador e o seu papel no processo de compreensão leitora. No
entanto, como os textos não foram selecionados com esse objetivo, a abordagem ficou, em
alguns momentos, comprometida ou, então, limitada. Mesmo assim, as sugestões
apresentadas podem ser um caminho para um olhar mais apurado sobre esse ser de papel, que,
tal como um camponês ou como um viajante, parafraseando Benjamin (1992), tem o poder de
mostrar ou esconder, não apenas participar ou não do narrado.
Assim sendo, seria pertinente que, ao selecionar as narrativas a serem trabalhadas com
os alunos, o professor observasse o tipo de narrador e o seu papel no processo de
compreensão leitora, a fim de ir construindo, juntamente com os alunos, o verdadeiro papel
que ele desempenha nas narrativas.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As palavras vivem entre os homens; a ninguém pertencem com exclusividade e se é
verdade que depende de quem as diz para terem este ou aquele sentido, então é importante
conhecer quem as diz, controla e usa. Da mesma forma, quem as lê o faz com toda a sua carga
pessoal, atribuindo ao lido as marcas pessoais de memória, demonstrando, assim, ser a leitura
um ato social entre dois sujeitos: leitor e autor; é através da interação de diversos níveis de
conhecimento que o leitor consegue construir o sentido do texto.
Assim sendo, é o leitor que atribui vida ao texto, sendo o seu significado modificado
com as várias leituras por ele realizadas. O leitor tem liberdade para construir sentidos, mas
ele também é limitado pelos significados trazidos pelo texto e pelas suas condições de uso.
Nessa produção de sentidos, o leitor desempenha um papel ativo, sendo as inferências um
processo cognitivo relevante para esse tipo de atividade, uma vez que o texto é gerado a partir
dos significados atribuídos pelo autor e é recontextualizado pelo leitor, que busca atribuir-lhe
significado a partir de dados previamente existentes na sua memória, os quais são ativados e
relacionados às informações veiculadas pelo texto.
Candido (1995) destaca o papel humanizador do texto literário, que humaniza porque
faz viver, ou seja, possibilita o exercício da reflexão, a aquisição do saber, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, a percepção da complexidade do
mundo e das coisas. Analisando as narrativas apresentadas no LDP português para todos,
podemos inferir que estão integradas ao projeto proposto, o que, a princípio, parece ser
positivo. Essa “amarração”, entretanto, acaba guiando também a leitura do aluno, que é
realizada sob esse viés; a leitura, na maioria das vezes, acaba sendo pressuposto para
introduzir ou, então, retomar algo visto/estudado. Assim, acreditamos que os autores, ao
selecionarem as narrativas que integram essa obra, não levaram em consideração o papel
humanizador do texto literário nem o leitor, tampouco o processo de compreensão textual e o
91
fato de um aluno de série ser, ainda, no geral, um leitor incipiente, mas uma seqüência de
conteúdos preexistente.
Ainda em relação às narrativas, essas são, no geral, de natureza ficcional, ou seja,
propiciam ao leitor a vivência do literário. No que diz respeito às questões de compreensão e
interpretação propostas, entretanto, é possível perceber que privilegiam questões fundadas
exclusivamente no texto, não possibilitando ao aluno uma análise textual mais aprofundada
nem dos aspectos pertinentes à história nem ao discurso, de forma a instrumentalizá-lo para
perceber as sutilezas da narrativa, do modo de narrar, da natureza do fictício.
As atividades propostas, por sua vez, também não apresentam uma preocupação
prévia com as estratégias ou com o processo de compreensão leitora; caberiam nesse item
todas as questões que não dizem respeito à gramática e ao vocabulário, que estão em seções
separadas, e, assim, como é preciso perguntar algo, qualquer pergunta é válida. Marcuschi
(2002) destaca que é possível, também, que os autores de LDP não tenham muita clareza a
respeito do que são efetivamente perguntas de compreensão/interpretação textual.
O narrador, conforme Benjamin (1992), quem sabe, quem viu e quem viveu, pode ser
parceiro ou não do leitor e se o professor conhecer os aspectos que envolvem essa parceria
terá mais subsídios teóricos quando da seleção de textos/livro didático para indicar aos
alunos. Além disso, sendo o narrador invenção do autor, este pode projetar sobre aquele
certas atitudes ideológicas, éticas, culturais,..., não necessariamente de forma direta,
cultivando, ao invés, estratégias, tais como a ironia, a aproximação parcial, a construção de
um alter ego... No LDP analisado, entretanto, este “ser de papel” não é abordado em nenhum
momento como alguém que conduz a leitura, aliás, é figura ignorada no processo de análise e
compreensão textual.
Além disso, como a compreensão do texto não se de forma fragmentada não se
compreende o texto sem se entender o sentido das palavras empregadas-, pensamos ser
contraproducente separar a análise nas seções apresentadas, pois aspectos do vocabulário, por
exemplo, são importantes para a compreensão da Expressão escrita, assim como os elementos
da história e do discurso são determinantes para a Gramática no texto. O que a princípio
parece, de forma organizada, auxiliar para a efetiva compreensão textual por parte do aluno
pode prejudicá-la, uma vez que não processamos um texto de forma fragmentada.
Por fim, cabe salientar que não se pode afirmar que a promoção da distribuição e uso
92
de LDP de melhor qualidade nas escolas, com textos de atividades pedagogicamente
adequados para favorecer a autonomia do leitor possa, por si só, levar à formação de cidadãos
conscientes e participativos em diferentes espaços sociais. Por outro lado, se o LDP está na
sala de aula e nela ocupa um lugar significativo, é fundamental que continue a ser descrito,
debatido, avaliado, no esforço coletivo de, cada vez mais, ampliar a sua qualidade. É com
esse sentimento que se encerra o presente estudo.
93
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