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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
ETNOFÍSICA
NA
LAVOURA DE ARROZ
BÁRBARA DA SILVA ANACLETO
Orientador: Renato Pires Dos Santos
Canoas, 2007.
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
ETNOFÍSICA
NA
LAVOURA DE ARROZ
BÁRBARA DA SILVA ANACLETO
Orientador: Renato Pires dos Santos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós -
Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da
Universidade Luterana do Brasil para obtenção do
título de mestre em Ensino de Ciências e
Matemática.
Canoas, 2007.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Responsável: Ana
Lígia Trindade CRB/10-1235
A532e Anacleto, Bárbara da Silva
Etnofísica na lavoura de arroz. / Bárbara da Silva Anacleto. –
Canoas, 2007.
. 87 f. : il.
Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) –
Universidade Luterana do Brasil, 2007
Orientação: Renato Pires dos Santos
Inclui apêndices e anexos
1. Educação –
ensino de Física. 2. Etnofísica. 3. Orizicultura.
I. Santos, Renato Pires dos. II. Título.
Dedico este trabalho a meus pais,
Baltazar e Soloni (in memorian).
Agradecimentos
Agradeço a Deus, por ter me dado forças pra não desistir, mesmo com tantos
obstáculos impedindo a minha conclusão deste tão desejado sonho.
A meus colegas de mestrado, em especial às amigas: Luciana, Flávia, Giovana e
Nilra, pela doce e carinhosa parceria nesta caminhada, cheia de alegrias, dores e
desafios.
A minha amiga e professora Marilaine, pois sem ela este trabalho não teria
começado. Numa aula de Modelagem Matemática surgiu à idéia de fazer algo novo,
conversa vai, conversa vem, surgiu o tema, Etnofísica na Lavoura de Arroz.Obrigada
Mari por ter acreditado em mim, sempre.
Ao professor Ubiratan D’Ambrosio, pelos seus valiosos conselhos, desde a
elaboração do projeto, até agora, momento da defesa pública.
A todos os professores do programa, em especial ao meu orientador, professor
Renato Pires dos Santos, pela paciência e direcionamentos. Obrigada professor, por
me ensinar a caminhar sozinha, a ser mais autônoma, menos acomodada e pelos
desafios, fazendo que eu atingisse este propósito com requinte.
Aos meus amigos, Ana Maria, Paula, Adriana, Denise, Murilo, Marco Antonio e
Marcelo e pelo apoio integral nesta caminhada, incentivando, ajudando e
“cobrando” o término deste trabalho.
A minha família, por acreditar em mim e em especial ao meu irmão Sandro e meu
Pai, Baltazar, pelo amor incondicional e por terem participado intensamente deste
projeto.
A minha mãe Soloni e ao meu irmão Luciano, ambos in memorian, pela força extra,
pelas inspirações, sonhos e boas lembranças... a ti, mãe, obrigada por ter sido a
minha primeira educadora e por deixar a herança do amor pela Matemática.
A Dona Yolanda Bins, ao senhor Erni Dutra e a todos os quinze trabalhadores rurais
que foram o cruciais para esta pesquisa.
A todos os que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta
pesquisa.
Não se sabe de onde provém a vontade
de sobreviver como indivíduo e como
espécie. Sem dúvida, está incorporada ao
mecanismo genético a partir da origem da
vida. Simplesmente constata-se que essa
força é a essência de todas as espécies
vivas. Nenhuma espécie, e portanto
indivíduo, se orienta para a sua extinção.
Cada momento é um exercício de
sobrevivência.
Ubiratan D’Ambrosio
RESUMO
Este trabalho, pioneiro no assunto no Brasil, teve a intenção de investigar a
Física de que os trabalhadores rurais pouco escolarizados se apropriam, na forma
de conceitos Físicos em sua prática diária, e a consciência que eles têm disto. Para
isto foi necessário ingressar no mundo rural, no cultivo do arroz, atividade agrícola
escolhida para a pesquisa, e com isso aprender a lidar com questões que vem
desde tabus históricos como o da mulher no campo, a o entendimento de cada
etapa da orizicultura e relacionar o conhecimento intuitivo de cada trabalhador com a
parte formal que é trabalhada nas escolas e universidades. Para investigar esta
questão Etnofísica, uma vez que é escassa sua bibliografia, apoiamo-nos num
referencial Etnomatemático e realizamos um trabalho exploratório de uma
metodologia Etnográfica. A pesquisa foi realizada na Granja Bins, em Capivari do
Sul - RS e os sujeitos foram 15 trabalhadores rurais, tendo a coleta de dados sido
feita entre novembro de 2005 e abril de 2006. O trabalho tem um caráter muito
importante para o ensino de Física, já que este sofre de graves problemas de
assimilação por partes dos educandos, mostrando uma nova abordagem para a
área, que se utiliza das concepções alternativas de cada um e os relaciona com os
conceitos formais, o que é a essência da Etnofísica
.
Palavras-chave:
Etnofísica – Ensino de Física – Orizicultura
ABSTRACT
This pioneer work in Brazil had the intention to investigate the Physics the less
educated rural workers appropriate, in the form of physical concepts in their daily
practice, and the awareness they have on this process. For that it was necessary to
enter into the rural world, into the rice cultivation, agricultural activity chosen for this
research, and to learn how to deal with issues that come from historical taboos such
as women in the grainfields, until the understanding of each stage of the crop, and
linking the intuitive knowledge of each worker with the formal one that is teached in
schools and universities. To investigate this ethnophysical question as its literature is
scarce, we looked for support in Ethnomathematics and did an exploratory work with
an ethnographic methodology. The research was done in Granja Bins in Capivari do
Sul-RS and the subjects were 15 rural workers, the data collection being made
between November 2005 and April 2006. As Physics teaching suffers from serious
assimilation problems from students’ perspective, this work is of great importance,
showing a new approach to the area, which relates the alternative conceptions to the
formal concepts, being the Ethnophysics essence.
Key-words:
Ethnophysics - physics studies - culture of the rice
ÍNDICE TABELA
Tabela 1: Importações e Exportações de Arroz....................................................23
Tabela 2: Escolaridade dos trabalhadores rurais sujeitos da pesquisa ............52
Tabela 3: Tempo de trabalho com o arroz.............................................................53
ÍNDICE FIGURAS
Figura 1: Rio Grande do Sul...................................................................................25
Figura 2: Palmares do Sul ......................................................................................26
Figura 3: Secretaria de Turismo de Palmares do Sul...........................................29
Figura 4: Produção de Arroz no Rio Grande do Sul por regiões ........................29
Figura 5: Semeadora a boi e trilhadeira ................................................................35
Figura 6: Yolanda Bins ...........................................................................................37
Figura 7: Semeadora Manual, com tração animal ................................................61
Figura 8: Semeadura do Arroz na Granja Bins .....................................................64
Figura 9: Abastecimento da Semeadora ...............................................................70
Figura 10: Esquema de taipa e nível de água. ......................................................75
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................12
1 DELINEANDO A PESQUISA.................................................................................16
1.1 PROBLEMATIZAÇÃO........................................................................................16
1.2 OBJETIVO DA PESQUISA.................................................................................16
2 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA ..................................................................18
2.1 HISTÓRIA DO ARROZ .......................................................................................18
2.2 LOCALIZAÇÃO E DADOS GERAIS DE PALMARES DO SUL.........................25
2.3 HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE PALMARES DO SUL .......................................26
2.4 ASPECTOS CULTURAIS DE PALMARES DO SUL..........................................30
2.5 GRANJA BINS....................................................................................................33
3. REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................................39
3.1 ENSINO DE FÍSICA, ETNOFÍSICA E ETNOMATEMÁTICA. .............................38
3.2 ETNOGRAFIA, PESQUISA ETNOGRÁFICA E METODOLOGIA......................48
4 RESULTADOS.......................................................................................................55
4.1 O PAPEL DA MULHER .....................................................................................56
4.2 A PRÁTICA DA SEMEADURA...........................................................................60
4.3 A CONSTRUÇÃO DAS TAIPAS ........................................................................71
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................83
APÊNDICE................................................................................................................87
APÊNDICE A – Entrevista.......................................................................................88
APÊNCIDE B – Roteiro das entrevistas sobre semeadura e entaipamento......97
ANEXO.....................................................................................................................99
Parecer sobre dissertação de Mestrado de Ubiratan D’Ambrosio....................100
INTRODUÇÃO
A agricultura ainda hoje desempenha no Brasil um papel muito importante na
economia, sendo a cultura do arroz uma das mais significativas no cenário agrícola.
O arroz é a terceira maior produção entre cereais, leguminosas e oleaginosas
(caroço de algodão, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho, soja, aveia, centeio,
cevada, girassol, sorgo, trigo e triticale), ocupando uma área de 3 710 164 hectares
tornando-se assim uma das principais culturas agrícolas do Brasil. No âmbito
nacional, destaca-se o Rio Grande do Sul, responsável por 49% da produção
nacional do arroz, tornando-se uma das mais importantes fontes de renda do
homem do campo, tanto para o produtor quanto para o trabalhador rural.
A população rural conhece desde cedo o cultivo do arroz. Muitos começam a
trabalhar ainda jovens nas lavouras, sendo eles mão de obra fundamental para
obtenção do produto final, aquele que recebemos em nossas mesas. Antigas
práticas agrícolas, passadas de geração em geração, ainda são utilizadas,
enquanto, aos poucos, vêm sendo aprimoradas com o uso da tecnologia. Um bom
exemplo são as construções de taipas
1
, necessárias para a irrigação do arroz, que
antigamente eram feitas manualmente e atualmente são realizadas com o auxílio de
maquinários especializados.
Reconhecendo a importância do arroz, que foi trazido ao Brasil junto com
Pedro Álvares Cabral, em 1500 e em 1587 ocupava terras na Bahia, em 1745 no
Maranhão, 1766 no Rio de Janeiro e que ao longo dos anos seguintes teve seu
cultivo difundido pelo país, tendo encontrado solo e condições ideais para o seu
1
paredes feitas com barro’, segundo o Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa.
13
cultivo na região Sul, esta pesquisa, pioneira no Brasil, tenta desvendar a prática
da cultura de arroz, buscando conhecer as técnicas utilizadas intuitivamente pelos
trabalhadores rurais no intuito de relacioná-las com a Física, usando como base
teórica a Etnomatemática para fundamentar uma pesquisa Etnofísica. Esta busca
investigar os conceitos físicos não-formais utilizados por um determinado grupo, no
caso, esta população rural específica, e relacioná-los a conhecimentos científicos,
estudados em escolas e universidades . O termo Etnofísica apareceu como
categoria na Antropologia no trabalho de Garfinkel com Menlovitz and Strodbeck de
1945, que VOTRE(1997) explica a derivação do termo: ”Garfinkel derivou o conceito
de etnometodologia da tradição de etnobotânica, etnofísica e etnomedicina. Etno
sugere que um membro dispõe do saber de senso comum de sua sociedade
enquanto saber do que quer que seja. Etnométodos então compreendem uma lógica
do senso comum. Etnometodologia para o autor corresponde a um raciocínio
sociológico prático, empregado pelos membros comuns da sociedade, observados
na gestão corrente de seus negócios cotidianos. Esse conceito forçou a uma revisão
sobre conhecimento prático e conhecimento científico” , e LABOR em 1993 se
utiliza do temo como uma área de conhecimento:
"De fato, podemos vê-lo [o antropólogo] passar, sem mudar seus
instrumentos de análise, da meteorologia ao sistema de parentesco, da
natureza das plantas à sua representação cultural, da organização política
à etnomedicina, das estruturas míticas à etnofísica ou às técnicas de caça."
(LABOR,1993).
No Brasil, o ensino de Física e das Ciências em geral é tratado de maneira
formal. Flávia Rezende (2005) fala de uma pesquisa de Jenkins onde essa
abordagem é classificada como ‘estreita’ por negligenciar outros tipos de pesquisa
em Educação em Ciências que o visam diretamente à melhoria da prática, e
também por impôr uma abordagem por demais técnica e instrumental do ensino e
aprendizagem.
Um dos problemas mais visíveis do ensino de Física é o currículo escolar, que trata
os conteúdos de maneira formal e desvinculada da realidade, trabalhado em
disciplinas partes de um todo, amplo, que chamamos Ciência. Da forma que é
estruturado o currículo hoje, a Física é totalmente fragmentada, separada as outras
14
ciências e dela própria, sendo dividida em três anos do Ensino Médio, cujos
conteúdos são trabalhados sem as relações existentes entre eles.
O ensino das disciplinas científicas tem se revelado, desde há
muito tempo, como uma prática pedagógica fragmentária, fundamentada
em pressupostos de segmentação entre os diversos campos das Ciências
Naturais e Exatas, os quais são transpostos para os currículos escolares,
consolidando-se desde o Primeiro Grau de ensino. (SILVA,1999).
Embora muito já se tenha avançado nesse sentido, muitos professores
ainda adotam livros com esse caráter e metodologia, alegando que o tempo é
restrito não cabendo outra forma de ensino. No entanto, o currículo norteia uma
forma de ação educativa e, portanto, ele deve ser elaborado visando à evolução
conceitual do educando - sua formação humana como um todo, como ser histórico e
social - e não reduzir o ensino de física a apenas uma mera aplicação de fórmulas
desvinculadas de seu contexto. D’Ambrosio fala sobre a importância do currículo no
sistema educacional, que tem um forte apelo político:
O currículo é organizado como reflexo das prioridades nacionais e do
interesse dos grupos que estão no poder. Muito mais que a importância
acadêmica das disciplinas, o currículo reflete que a sociedade espera das
respectivas disciplinas que o compõem. (2002).
O currículo deve atender as necessidades de uma sociedade, deve ser trabalhado
de uma forma geral, mas ao mesmo tempo específica. Como está descrito nos
parâmetros curriculares brasileiros, os PCNs, 1998, um dos objetivos do Ensino
Fundamental e Médio é “conhecer características fundamentais do Brasil nas
dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir
progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de
pertinência ao país[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural
brasileiro, bem como os aspectos socioculturais de outros povos e nações [...]”
agregado a isso um estudo histórico da atividade, da cultura, da historicidade de um
povo pode mudar a forma que o educando veja a o ensino A dimensão histórica
pode ser introduzida nas séries iniciais na forma de história dos ambientes e
invenções. Também é possível o professor versar sobre a história das idéias
15
científicas, que passa a ser abordada mais profundamente nas séries finais do
Ensino Fundamental. nos PCNs do Ensino Médio, os autores destacam que
“Elementos da história e da filosofia da Física tornam possível aos alunos a
compreensão de que uma ampla rede de relações entre a produção científica e o
contexto social, econômico e político”.
Assim, a Física deve ser contextualizada e relacionada a fenômenos
cotidianos, culturais e sociais. Uma aplicação clara de como isso pode e deve
acontecer é o meio rural. O senso comum dos trabalhadores rurais revela uma fonte
inesgotável de conhecimentos científicos. Contudo, o são percebidos desta forma
por eles nem tampouco pela escola. Os trabalhadores rurais têm de aprender física
de forma pragmática, enquanto a escola, ao não fazer uso destes conhecimentos e
necessidades, não proporciona o espaço necessário para desenvolver o currículo de
forma mais contextualizada. A Etnofísica nos ajuda a entender e estudar essa
diversidade cultural e histórica nos diferentes contextos, gerando novas abordagens
de tema, fazendo com que o educando se sinta parte do processo de ensino-
aprendizagem, e mais ainda, como partícipe da sociedade em que vive,
aproximando as relações entre o indivíduo, a instituição e o sujeito e o objeto de
estudo. Porém, como há literatura é escassa nesta área de conhecimento, utilizamos
a literatura sobre Etnomatemática como subsídio bibliográfico para esta pesquisa.
Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender
nos diversos contextos culturais (D’AMBROSIO, 1990) e, assim, ao estudarmos as
técnicas usadas nas plantações de arroz, procuraremos entender os fenômenos que
estão sendo analisados e fazer as ligações necessárias com ambas a Física e a
Matemática.
A Etnomatemática, assim como a Etnofísica, vem valorizar esses indivíduos
através de suas concepções alternativas acerca de um determinado assunto
utilizados em sociedade. Visto que na região pesquisada o arroz é fonte de riqueza
e, portanto, assunto predominante, esta pesquisa, apoiada pela Etnomatemática e
pela Etnofísica, valoriza esses indivíduos, através de seus conhecimentos intuitivos
sobre esta lavoura, procurando relacioná-los com o ensino dito científico,ou seja,
aquele que é trabalhado na escola de fora conceitual e formal, e mostrar como o
Ensino de Física pode ser trabalhado de forma a valorizar a individualidade de cada
aluno, assim como a região e a cultura na qual ele se insere.
16
1 DELINEANDO A PESQUISA
1.1 PROBLEMATIZAÇÃO
A pergunta que originou o interesse desta pesquisa foi: quais as concepções
espontâneas da Física usadas em senso comum pelos trabalhadores rurais no
cultivo de arroz?
É notória a importância da agricultura em nossas vidas. A essa prática milenar
se devem mudanças fundamentais no modo como a sociedade se organizou e
desenvolveu ainda nos primórdios da humanidade. Foi graças a ela e à necessidade
de desenvolver suas práticas, que o homem, na ânsia de prosperar, fez com que
muitos estudos se voltassem para o campo à procura de maior produtividade e, em
tempos modernos, com menos gastos e em tempo reduzido. Assim se impulsionou a
entrada de máquinas nas lavouras, obrigando muitos trabalhadores a abandonarem
o campo e irem em busca de um futuro melhor nos grandes centros. Os
trabalhadores rurais que permaneceram aprimoraram suas práticas e ajudaram os
donos a realizarem, com maestria, as suas colheitas. Mas muita coisa ainda não
mudou... Contudo, a importância do conhecimento dos trabalhadores rurais é ainda
fundamental, visto que por conta dele, por exemplo, não haja muitas vezes a
necessidade de mão de obra especializada vinda de fora da propriedade rural.
Mas como é possível que pessoas pouco escolarizadas executem atividades
que envolvem muito conhecimento formal? Responder esta pergunta foi o foco desta
pesquisa, que busca entender quais os conhecimentos os trabalhadores rurais,
especificamente os que trabalham no cultivo do arroz, têm e aplicam na prática
diária da lavoura, assim como estabelecer ligações com o conhecimento formal,
proposto na escola e universidades.
1.2 OBJETIVO DA PESQUISA
O objetivo desta pesquisa é investigar a Física de senso comum em ambiente
natural do cultivo do arroz pelos trabalhadores rurais do Rio Grande do Sul,
valorizando a cultura individual e coletiva existente nessa prática.
17
Como objetivos específicos, a pesquisa evidenciou:
1) Investigar como as pessoas pouco escolarizadas utilizam a Física no seu dia-a-
dia.
2) Averiguar as situações que são externadas às concepções físicas alternativas,
analisando o conhecimento não-formal apresentado pelas pessoas pouco
escolarizadas, fazendo ligações com o conhecimento formal, mostrando assim a sua
estreita interação.
3) Verificar se a prática arrozeira faz relações diretas ou indiretas com o
conhecimento formal, e se os sujeitos da pesquisa têm consciência disso.
4) Valorizar o trabalho rural, contextualizado na cultura arrozeira do cenário
agrícola, mostrando a sua importância regional, nacional e mundial.
18
2 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
2.1 HISTÓRIA DO ARROZ
O arroz, um alimento milenar, faz parte do cardápio de
da população
mundial, sendo que seu maior consumo e produção acontecem no Continente
Asiático. no cenário latino americano, o arroz responde pela produção de 25,8
milhões de toneladas, e o Brasil é responsável por cerca 50% desse volume. no
cenário nacional, o Rio Grande do Sul lidera a produção deste cereal.
Tem-se notícia do arroz por volta de 2800 a.C. na literatura chinesa, quando
um imperador da época semeava o cereal, em concorridos rituais hierárquicos, onde
o grão supremo, o arroz, era semeado pelo imperador, e os demais grãos eram
semeados subalternamente entre o restante da população. O arroz também é citado
em escrituras hindus, na Índia. O arroz tinha então um caráter religioso: desde
épocas remotas era utilizado em casamentos, como símbolo de fertilidade.
Diversos historiadores e cientistas apontam o sudeste da Ásia como o local
de origem do arroz. Na Índia, uma das regiões de maior diversidade e onde ocorrem
numerosas variedades endêmicas, as províncias de Bengala e Assam, bem como a
de Mianmar, têm sido referidas como centros de origem dessa espécie.
Duas formas silvestres são apontadas na literatura como
precursoras do arroz cultivado: a espécie Oryza rufipogon, procedente da
Ásia, originando a O. sativa; e a Oryza barthii (= Oryza breviligulata),
derivada da África Ocidental, dando origem à O. glaberrima. O gênero
Oryza é o mais rico e importante da tribo Oryzeae e engloba cerca de 23
espécies, dispersas espontaneamente nas regiões tropicais da Ásia, África
e Américas. A espécie O. sativa é considerada polifilética, resultante do
cruzamento de formas espontâneas variadas. Certas diferenças entre as
formas de arroz cultivadas na Índia e sua classificação em grupos, de
acordo com o ciclo, exigência hídrica e valor nutritivo, foram mencionadas
cerca de 1000 a.C. Da Índia, essa cultura provavelmente estendeu-se à
China e à Pérsia, difundindo-se, mais tarde, para o sul e o leste, passando
pelo Arquipélago Malaio, e alcançando a Indonésia, em torno de 1 500 a.C.
A cultura também é muito antiga nas Filipinas, e no Japão, foi introduzida
pelos chineses cerca de 100 1.C. Até a sua introdução pelos árabes no
Delta do Nilo, o arroz não era conhecido nos países mediterrâneos. Os
sarracenos levaram-no à Espanha e os espanhóis, por sua vez, levaram à
Itália. Os turcos introduziram o arroz no sudeste da Europa, de onde
alcançou os Balcans. Na Europa, o arroz começou a ser cultivado nos
séculos VII e VIII, com a entrada doa árabes na Península Ibérica. Foram
provavelmente os portugueses que introduziram esse cereal na África
Ocidental, e os espanhóis, os responsáveis pela sua disseminação nas
Américas. (Fonte: EMBRAPA).
19
Alguns autores, como Anselmi, 1985, apontam o Brasil como o primeiro país
a cultivar este cereal no continente Americano. O arroz era o “milho-d’água” (abti-
uaupê) que os tupis, muito antes de conhecerem os portugueses, colhiam nos
alagados próximos ao litoral. Consta que integrantes da expedição de Pedro Álvares
Cabral, após uma peregrinação por cerca de 5 km em solo brasileiro, traziam
consigo amostras de arroz confirmando os registros de Américo Vespúcio, que
trazem referência a esse cereal em grandes áreas alagadas do Amazonas.
Em 1587, lavouras arrozeiras ocupavam terras na Bahia e, por volta de
1745, no Maranhão. Em 1766, a Coroa Portuguesa autorizou a instalação da
primeira descascadora de arroz no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, e assim se
espalhou por todo o território nacional. A prática da orizicultura no Brasil iniciou-se
em meados do século XVIII de forma organizada e racional e, a a metade do
século XIX, o país foi um grande exportador de arroz.
A expansão do arroz nas Américas, se deve muito aos escravos africanos:
[...]a história do cultivo do arroz nas Américas sugere que o arroz
africano domesticado, Oryza glaberrima, pode ter servido como o arroz
inicial cultivado em muitas regiões ao longo da margem oeste da costa do
Atlântico; e que os escravos africanos do oeste, conhecedores das técnicas
inerentes a seu cultivo, tiveram um papel crucial na adaptação dessa
espécie nos diversificados ambientes do Novo Mundo. CARNEY, & MARIN.
1999
Atribuir o cultivo de arroz a algum povo é tarefa difícil, pois são raras as
documentações sobre esse cultivo, mas a sua introdução nas Américas é,
provavelmente, de origem africana, advinda dos escravos que dominavam esse
cultivo de arroz em pântanos na parte oeste da África.
Ele [Littlefield ] identificou como de origem africana o sistema de
cultivo do arroz em pântanos encontrado ao longo da parte superior da
costa da Guiné, onde grupos como os Baga aprimoraram método s de
dessalinização de solos férteis para o cultivo do arroz. Através do
fechamento de lotes com estacas ou diques e construindo pequenos
canais, os Baga puderam reter água nos seus campos e removê-la de
acordo com a gravidade das marés baixas (Littlefield, 1981: 80-98). [...]
posterior elaboração de estudo sobre a hipótese de Wood e Littlefield
sofreu pela rara documentação sobre a história do arroz durante o início
do período colonial e pelo fato dos relatos terem sido escritos
por aqueles que foram escravizados. Assim, os proprietários das
20
plantações alegaram ter sido eles os que experimentaram o cultivo do
arroz em vários ecossistemas, trabalho certamente realizado pelos seus
escravos. (CARNEY, & MARIN. 1999).
Por questão de subsistência, umas das práticas mais antigas realizadas pelo
homem sobre a natureza é a atividade agrícola. “A alimentação, nutri-se para
sobreviver, sempre foi a necessidade primeira de todo ser vivo” (D’AMBROSIO,
2002, p. 21).
As populações aumentam e surge a necessidade de instrumentos
intelectuais para o planejamento do plantio, da colheita e do
armazenamento, e, conseqüentemente, organização de posse de terra, de
produção organizada e de trabalho, fundando as estruturas de poder e de
economia ainda hoje prevalecentes. Surgem mitos e cultos ligados a
fenômenos sazonais afetando a agricultura. Faz-se necessário saber onde
[espaço] e quando [tempo] plantar, colher e armazenar. (D’Ambrosio, 2002
p.21)
A alimentação é sujeito e objeto de estudos diversos, que compreendem
desde sua cultura, história, manuseio e/ou preparo; desde o seu plantio aa sua
preparação em nossas casas. Sendo assim, utilizar a Etnomatemática e/ou
Etnofísica como base para um estudo sobre a cultura de um alimento é um
excelente meio de refletirmos sobre como a prática relaciona-se com o científico,
mesmo que de forma intuitiva, mas ainda assim presente.
O arroz é uma das culturas agrícolas mais antigas, muito conhecida por
antigas civilizações. Sua importância não foi unicamente nutricional, mas também
cultural. Ainda hoje o arroz é símbolo de fecundidade na Ásia, usado em cerimônias
religiosas, puro ou na forma da bebida típica, o saquê.
em Rice and self, de Ehmiko Ohnuki (1993), o arroz no Japão é
avaliado em toda sua complexidade política e cultural. A defesa econômica
da produção local de arroz está de acordo com as concepções míticas e
românticas que cercam esse alimento - símbolo chave do espírito japonês -
, de tal modo que esse livro é quase uma leitura do caráter nacional através
do estudo de um único alimento. (MINTZ,2001 )
Constatou-se a existência de um rito matrimonial, onde os nobres
japoneses celebravam os casamentos embrulhando garrafas de saquê,
bebida milenar japonesa à base de arroz, em papel dobrado em forma de
borboletas. Estas simbolizavam os noivos e a união entre eles, (GÊNOVA,
2001)., por VIEIRA,2004 p.3.
21
Assim como outros símbolos que povoam as crenças religiosas, como fala
Martins, 2005 p.1215, em inúmeras oportunidades, como o sal do batismo, os fogos
das festas religiosas, os anjos sobre os altares, o arroz também tem
seu espaço
ritualístico, como o arroz lançado aos noivos após a cerimônia
do matrimônio
simbolizando fertilidade, fartura e prosperidade.
O cultivo do arroz na América teria ocorrido em 1647, em terras pertencentes
aos Estados Unidos (ANSELMI, 1988). Alguns pesquisadores brasileiros, no
entanto, contestam essa informação: “Na América do Sul, o arroz foi introduzido
pelos espanhóis e, no Brasil, pelos portugueses por volta do século XVI, como
cultivo destinado à subsistência dos escravos e colonos que trabalhavam nas
grandes fazendas” (AZAMBUJA, 2002).
Ao arroz é um alimento e, como tal, tem a sua identidade associada aos
países asiáticos, como o Japão e a China:
Numa escala mais ampla, em Rice and self, de Ehmiko Ohnuki
(1993), o arroz no Japão é avaliado em toda sua complexidade política e
cultural. A defesa econômica da produção local de arroz es de acordo
com as concepções míticas e românticas que cercam esse alimento -
símbolo chave do espírito japonês -, de tal modo que esse livro é quase
uma leitura do caráter nacional através do estudo de um único alimento.
[...] Como as comidas são associadas a povos em particular, e muitas
delas são consideradas inequivocamente nacionais, lidamos
freqüentemente com questões relativas à identidade. Todos sabemos que
os franceses supostamente comem rãs e caracóis; os chineses, arroz e
soja; e os italianos, macarrão e pizza. Mas a espantosa circulação global
de comidas e a circulação paralela de pessoas levantam novas questões
sobre comida e etnicidade. Seria mais fácil mudar o sistema político da
Rússia do que fazê-los abandonar o pão preto; a China abandonaria sua
versão do socialismo mais facilmente do que o arroz. (MINTZ, 2001).
Tendo viajado por todo o mundo, o arroz foi incorporado a diversas culturas,
ganhando novas identidades. No Brasil, por exemplo, tornou-se parte fundamental
de nossa gastronomia ao se tornar ícone do prato típico mais popular e sinônimo de
brasilidade: o feijão com arroz, base de nossa alimentação de norte a sul do país.
22
a prática agrícola do plantio, além de antiga, é muito utilizada ainda hoje,
embora atualmente a tecnologia comece a imperar nas lavouras de arroz. Todavia, o
manejo da terra pelo homem ainda não foi superado pelas máquinas. Grupos de
lavradores ainda persistem com suas técnicas, conhecidas e repassadas por seus
antecessores, e mesmo que a tecnologia consiga substituir a mão de obra da grande
parte dos trabalhadores rurais, ainda existirá a agricultura familiar.
O homem rural tem uma relação íntima com a terra em que lida. O amor pela
terra e pelo seu manejo se revelou em todas as conversas que permearam este
trabalho. Muitos agricultores ainda usam a mão de obra rural em todo o processo do
cultivo de arroz, da construção das taipas, que servem para irrigar a lavoura, até a
colheita, embora hoje em dia quase a totalidade do arroz cultivado seja colhido com
o auxílio de colheitadeiras.
O arroz tem sistemas de cultivo diferentes, dependendo de cada tipo de solo
e região. “No Brasil, distinguem-se três sistemas de cultivo do arroz, classificados de
acordo com o suprimento de água: Sistema Irrigado, por inundação controlada,
Sistema de Várzeas Úmidas, inundação por precipitação pluviométrica ou
afloramento do lençol freático e Sistema Sequeiro sem inundação, e água
proveniente da precipitação pluviométrica” (FORNASIERI FILHO, 2003).
No Rio Grande do Sul, responsável por mais de 50% da produção de arroz no
Brasil, o sistema predominante é do Cultivo Irrigado. Nesse cultivo a irrigação deve
ser constante. Para isso, os condutos de água devem ser construídos com o máximo
cuidado e a participação do homem é essencial para que tudo tenha êxito. As
técnicas utilizadas são intercaladas - as tecnológicas e as manuais, trazidas de
geração em geração.
Essa prática agrícola embasada em novas tecnologias traz consigo uma
infinidade de conhecimentos científicos, submetidos a testes, avaliações e
pesquisas. Porém, estes conhecimentos ainda são desconhecidos pelo trabalhador
rural, que teve nenhum ou pouco acesso à formação escolar, mas que se vale da
Física, Matemática, Química e Biologia de forma intuitiva. Não obstante, “...para
que o homem possa praticar um bom manejo no solo agrícola, usufruindo-
o sem desgastá-lo excessivamente, é mister conhecer sobretudo as características e
23
propriedades físicas do solo que serve de suporte, fonte de alimento, ar, calor e
água às plantas que nele desenvolvem” (JORGE, 1985).
É dentro desse contexto que a etnomatemática vem desmistificar essas
práticas, conhecendo e entendendo o contexto cultural em que foram geradas e,
com isso, transformar-se num meio de ligação entre a ciência da escola e a ciência
do campo.
Embora o processo do cultivo de arroz seja o mesmo em sua estrutura
básica em toda a parte do mundo, percebem-se, em diferentes contextos sociais,
alguns detalhes que diferenciam cada grupo de trabalhadores na forma do manejo
do arroz. O estudo da etnofísica na lavoura de arroz procura entender de que
forma estas diferenças geradas por estes pequenos detalhes foram criadas,
investigando os conceitos intuitivos usados por esses grupos à luz dos conceitos da
Física.
Hoje o Brasil importa mais arroz do que exporta, mas os institutos
especializados em arroz e os estados produtores têm dado incentivos as seus
produtores para reverter esse cenário e colocar o Brasil de volta no cenário mundial
na comercialização do arroz.
Tabela 1: Importações e Exportações de Arroz.
Disponível em: http://www.irga.rs.gov.br/arquivos/20041014141646.pdf Acesso em
31/05/2007.
24
No Rio Grande do Sul, onde se encontra a metade da produção nacional de
arroz, acontece a Festa Nacional do Arroz, realizada no município de Cachoeira do
Sul, que é considerada a Capital Nacional do Arroz
Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, é apelidada como "Capital
Nacional do Arroz", pela alta produção desse grão no município. Também
a Fenarroz, feira na qual discute-se sobre a economia e a cotação do
arroz no mercado mundial. Cerro Branco, também no Rio Grande do Sul, é
chamada de "Capital Nacional do Arroz-semente". Mas a maior produtora
brasileira de arroz é o município de Uruguaiana, também do Rio Grande do
Sul. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Arroz. Acesso em
30/05/2007).
Aqui também se encontra um dos institutos de pesquisa do arroz mais
respeitados do mundo, o IRGA, Instituto Rio Grandense do Arroz, onde são
elaboradas pesquisas de melhoramento genético, rotação de culturas, impacto
ambiental, aproveitamento de recursos hídricos, rizipiscicultura (que consiste em
Avaliar técnicas, número e espécies de peixes adequadas ao sistema, objetivando o
seu uso na produção de sementes) entre outras, e ainda é responsável por dar
suporte técnico aos produtores, desde a semeadura até o armazenamento do arroz.
O IRGA foi criado em 1926, a partir do sindicato Arrozeiro do Rio Grande do
Sul, que defendia os interesses da categoria. Em 1938 foi transformado em Instituto
do Arroz do Rio Grande e em 1940 tornou-se entidade pública, sob o nome de
Instituto Rio Grandense do Arroz.
O IRGA tem um papel fundamental na produção do arroz no Estado. Ele
acompanha os produtores em tudo que diz respeito ao arroz e, se o Rio Grande do
Sul se tornou potência no setor agrícola, muito se deve ao IRGA, que desenvolveu,
desde a sua criação, pesquisas de melhoramento nas lavouras de arroz do Estado.
A história do IRGA mescla-se com o próprio desenvolvimento da
cultura de arroz em nosso Estado. Foi criado a partir do Sindicato
Arrozeiro do Rio Grande do Sul, entidade pioneira de representatividade de
classe, nascido em 12 de junho de 1926 e tinha por objetivo a defesa dos
segmentos da orizicultura. Para dinamizar a cultura no Estado, fazia-
se necessário o desenvolvimento da pesquisa e assistência técnica aos
lavoureiros.
(Disponível em : http://www.irga.rs.gov.br/index.php?action=instituto
Acesso
em: 20/05/2007).
25
2.2 LOCALIZAÇÃO E DADOS GERAIS DE PALMARES DO SUL
O Município de Palmares do Sul, localizado a 75 km de Porto Alegre, RS,
como ilustram as figuras 1 e 2, sendo esta última um mapa mais detalhado do
município, foi o local escolhido para que a pesquisadora realizasse sua pesquisa. O
acesso ao município pode ser feito através das rodovias RST101, ligando o
Município de Palmares do Sul a Capivari do Sul, Osório e Mostardas; através da RS
040, na divisa do município de Pinhal; pelaa RST 776 ligando a sede do município à
RST 101; e, também, através da RS 784, ligando o Balneário de Quintão a Pinhal
em trecho de 5 km. O total das Estradas Estaduais no Município soma 52 km,
aproximadamente.
Figura 1: Rio Grande do Sul
Palmares
do Sul
26
Figura 2:Palmares do Sul
Fonte: http://www.palmaresdosul.rs.gov.br
A população, segundo o Censo Demográfico do IBGE (2000), era formada por
10.854 habitantes. As terras que hoje compõe o município de Palmares do Sul
foram doadas através de sesmarias a imigrantes portugueses que comprovaram ao
Rei de Portugal ter condições de explorá-los promovendo a sua ocupação.
2.3 HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE PALMARES DO SUL
O nome Palmares veio da grande quantidade de butiatubas ou butiatuvas,
planta da família das palmáceas, encontradas naquela região. Pode-se afirmar que
somente ali existiam, visto que nas cidades vizinhas não foram encontrados
registros dessa planta. Segundo Cassola e Braga,
A presença de abundantes butiatuvas apenas ali, desaparecendo
esta vegetação em regiões circunvizinhas, supõe a ocupação periódica
deste local por índios guaranis que viajavam pela orla marítima, procurando
locais que se encontrasse alimento e também proximidade as águas doces.
27
Acampando, freqüentemente, no mesmo espaço, criou-se uma vegetação
característica, composta de butiazeiros, vegetação que cresce
esparsadamente formando os palmares.
(1998, p.7).
Dessa planta característica veio o nome de Palmar, Palmares. O município,
por muito tempo chamado apenas de Palmares, teve o termo “do Sul” acrescentado
em 1944, devido a uma ordem federal para cidades homônimas. Na época,
Palmares passou então a se chamar Emílio Meyer, embora por pouco tempo. Logo
depois voltou a receber o antigo nome, mas, por se situar ao sul do Brasil e do Rio
Grande do Sul, e para diferenciá-la de sua homônima, que em Pernambuco
havia um município chamado Palmares, passou a se chamar Palmares do Sul.
Palmares do Sul, assim como grande parte dos municípios que hoje formam
o litoral norte, pertencia a Santo Antônio da Patrulha. Nessa faixa litorânea também
existiam Conceição do Arroio (hoje Osório) e Mostardas. Em 1809, foi criado o
distrito de Palmares, pertencente à Conceição do Arroio, emancipando-se, pois, de
Santo Antonio da Patrulha. Assim ficou até o ano de 1982, quando Palmares do Sul
foi novamente emancipada de Conceição do Arroio, chamada de Osório pela Lei
Estadual n
o
7654 de 12 de maio de 1982 da Assembléia Legislativa do Rio Grande
do Sul.
Palmares do Sul, assim como a maioria dos municípios litorâneos gaúchos,
tinha como base econômica a pecuária bovina até por volta de 1886, quando alguns
fazendeiros e alguns imigrantes alemães oriundos de Torres passaram a usar
Palmares do Sul como rota de transporte de cargas e passageiros num pequeno
vapor chamado Mirim. Ganhando assim um porto, que acabou por mudar a
economia local e regional, Palmares entrava no cenário estadual:
O Porto de Palmares iniciou por volta do ano de 1886 por iniciativa
de empreendimento privado através do Vapor Mirim. Por volta do ano de
1895/1896 o comércio de navegação Porto Alegre-Palmares era intenso
através da firma dos irmãos Manoel e Luiz Pereira da Silveira, casados
com netas do Major Joaquim de Azevedo e Souza. Porém, o Porto de
Palmares teve iniciada a sua construção no início do ano de 1915, e só
foi inaugurado em 1919. O Porto do Rio Palmares entrava no esquema de
funcionamento do S.T.P.T. ( Serviço de Transportes Palmares do Sul -
Torres ), era o ponto de convergência e distribuição para Porto Alegre e Rio
Grande, de tudo o que era produzido no litoral norte gaúcho. Era, portanto,
28
um ponto estratégico para a economia de Palmares, Mostardas e todo
litoral até Torres. (
CASSOLA e BRAGA.1998, p.12).
Em 1919 começaram estudos para construir em Palmares uma estrada de
ferro. Em 1920 começou sua construção e em 1922 aconteceu sua inauguração,
impulsionando ainda mais a economia local.
A cultura arrozeira foi introduzida em 1930. Tudo era realizado de uma
maneira muito rudimentar, pois os recursos e tecnologia ainda eram escassos:
Estas primeiras lavouras de arroz eram quase que totalmente
efetuadas pela força braçal do homem. A safra do arroz começava com a
lavoura preparada em julho de um ano para terminar a colheita em julho do
ano seguinte.
(
CASSOLA e BRAGA 1998, p.7).
Palmares do Sul teve um bom desempenho na safra daquele ano, visto as
terras serem boas para a cultura do arroz, mas dois outros eventos foram
responsáveis por alavancar a produção no município: em 1940 deu-se a instalação
do IRGA, Instituto Rio Grandense do Arroz, no distrito de Granja Vargas,
pertencente a Palmares do Sul, distribuindo sementes e orientações para produtores
e trabalhadores rurais e, em 1945, a criação do Engenho de Palmares, que contava
com maquinários especializados trazidos de Porto Alegre. Somente em 1950 iniciou-
se a fase de mecanização das lavouras, utilizando tratores e outros implementos
agrícolas. Logo após
Em 1958 começou a nova etapa na evolução do cultivo do arroz, que
foram as colheitadeiras. De 1959 à 1966, Palmares teve colheitas
favorecidas pelo alto valor do arroz no mercado brasileiro. A esses fatores
positivos, na orizicultura palmarense em 1961, ocorreu à transformação do
antigo Engenho Palmares em Cooperativa de produtores. Palmares do Sul
tem agora na pecuária e na orizicultura a sua sustentação econômica.
(CASSOLA e BRAGA 1998, p.8).
Palmares também é conhecido por seu Eco-turismo. O município possui
quinze lagoas próprias para esportes náuticos, pesca e lazer e atende turistas tanto
no inverno quanto no verão.
29
Uma curiosidade é que a Secretaria de Turismo do município está localizada
à beira do rio Palmares; isto é, para se chegar até ela é preciso atravessar o centro
da cidade, como é visto na figura 3. Lá também é feito o atendimento ao eco turista.
Figura 3: Secretaria de Turismo de Palmares do Sul, no fundo o Rio Palmares.
.
Palmares do Sul não se encontra na região que mais produz arroz no Estado, como
mostra a figura 4, mas se destaca na região litorânea.
Figura 4: Produção de Arroz no Rio Grande do Sul por regiões
Fonte:Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul
http://www.scp.rs.gov.br/ATLAS/default.asp
.
30
2.4 ASPECTOS CULTURAIS DE PALMARES DO SUL
A população do município de Palmares do Sul, assim como na maioria dos
municípios do litoral norte, é formada por diversas etnias, diversas culturas, o que
contribui para que a diversidade cultural seja um dos pontos fortes do município.
Porém, inicialmente, antes de se tornar essa miscelânea cultural, Palmares sofreu
uma forte ascendência portuguesa. Estes contribuíram enormemente para a
formação da identidade local, e deixaram heranças diversas, como, por exemplo, na
arquitetura local. Um exemplo disso é uma ponte de pedra, hoje conhecida como
Ponte Velha, que começou a ser construída em 1848 e concluída foi em 1852.
A arquitetura é açoriana, com detalhes em arte e passadiço para
pedestres, supondo-se que a mão-de-obra tenha sido escrava. Com uma
extensão de 258 palmos de comprimento, possui três arcos em pedra de
cantaria, levantados sobre grades de madeira. (CASSOLA e BRAGA 1998,
p.17).
As primeiras famílias que residiram em Palmares do Sul chegaram
Por volta do ano de 1758, onde três propriedades basicamente
representavam quase 100% do território do hoje município de Palmares do
Sul. (CASSOLA e BRAGA 1998, p.14).
Todas de descendência portuguesa, como mostram estudos da árvore
genealógica das primeiras famílias realizadas pelas pesquisadoras.
Outra forte influência cultural no município é a cultura africana, trazida pelos
escravos:
Os escravos chegaram ao Rincão dos Palmares junto com as
primeiras famílias que aqui se estabeleceram. Sua procedência da África,
acreditamos, seja de Angola e Moçambique. Acreditamos que o eram
negros africanos puros mas sim descendentes nascidos no Brasil. Era
grande o número de escravos vindos do centro do País muitos
mestiçados com sangue indígena e branco do português. (CASSOLA e
BRAGA 1998, p.17).
Os escravos eram poucos e trabalhavam com a pecuária, com as plantações
para a subsistência das fazendas, e também como ferreiros ou seleiros. Alguns
31
eram tidos como membros das famílias, trabalhando e residindo nas casas grandes.
Os população negra aumentou com a chegada do arroz, em 1930,
Muitos negros, mestiços e mulatos migraram para Palmares vindos
de Santo Antônio da Patrulha e Osório para o início do comércio de
navegação no Rio Palmares e em maior número a partir de 1930 com a
lavoura orizícola. (CASSOLA e BRAGA 1998, p.18).
A religiosidade era latente entre os negros. Aqueles nascidos no Brasil
tinham no catolicismo sua religião predominante, herança da colonização
portuguesa. Porém a tradição dos reis negros, os QUICUMBIS, conhecida em toda
faixa litorânea, ainda se mantinha viva entre eles. Os Quicumbis de um lado, com a
sua tradição mais brasileira, e os Moçambiques, com uma cultura dita mais africana.
A principal festa religiosa dos negros ocorria no dia 26 de dezembro, na mesma data
da comemoração do dia de Nossa senhora do Rosário. Esta sobreposição - ou
sincretismo, como defendem alguns, é uma prova viva da miscelânea cultural que
Palmares demonstrava. Assim, o que se via era uma festa religiosa e negra ao
mesmo tempo.
Como meio de expressão de sua cultura em festas da Igreja em que
todos participavam restou apenas o terno de reis dos negros que em
Palmares são conhecidos como QUICUMBIS. Os negros junto com os seus
donos saíam de Palmares indo para Osório para esta festa. O canto dos
Quicumbis era cheio de misticismo religioso, como a quadrinha:
VAMOS NOS EMBORA
NÃO FICA NINGUÉM
A VIRGEM DO ROSÁRIO
E MARIA TAMBÉM
O dos Moçambiques negros africanos do Morro Alto era bem
diferente, como a quadrinha:
A CANOA VIROU
DEIXA VIRÁ
DE BOCA PRA BAIXO
DE FUNDO PRA O AR
Desde o levantamento do mastro, nove dias antes da festa, os
Quicumbis principiavam o seu batuque e cantoria. Eram formadas duas
alas de seis a oito membros cada uma, e a frente colocava-se o capitão
que era quem iniciava o canto e a dança. Utilizavam-se tambores e reco-
recos. Na véspera do dia da festa chegavam os Moçambiques. Eram
recepcionados pelos Quicumbis nos arredores da Vila ( Osório ). Se um
terno só chegava para atordoar imaginem o que não seria os dois a batucar
e berrar. (CASSOLA e BRAGA 1998, p.18).
32
Outra importante contribuição de Palmares do Sul para a cultura gaúcha
foi quando, entre 1950 e 1952, os tradicionalistas Paixão Côrtes e Barbosa Lessa,
tendo sido convidados para um baile no clube Palmarense, conheceram uma das
hoje mais famosas e conhecidas danças típicas do nosso estado, o Pezinho:
Ao comentarem com participantes do baile a respeito de suas
pesquisas sobre o folclore de nosso Estado, várias pessoas indagaram se
ambos conheciam a dança do Pezinho; Paixão Côrtes e Barbosa Lessa
surpresos responderam que não conheciam esta dança. De imediato foi
providenciada então uma demonstração aos visitantes executada por
meninas da família Alípio Azevedo.
AI BOTA AQUI, AI BOTA ALI
O TEU PEZINHO,
O TEU PEZINHO BEM JUNTINHO
COM O MEU
E DEPOIS NÃO VÁ DIZER
QUE VOCÊ JÁ ME ESQUECEU
E NO CHEGAR DESSE TEU CORPO
UM ABRAÇO QUERO EU
AGORA QUE ESTAMOS JUNTINHOS
DÁ CÁ UM ABRAÇO E UM BEIJINHO
Essa dança tipicamente açoriana, na época desconhecida do resto do Rio
Grande do Sul, mas que desde a colonização foi mantida viva em Palmares do Sul,
integrando negros e brancos num costume que atravessou gerações, persiste até
hoje como símbolo da cultura gaúcha.
Estas fortes tradições, aparecem na pesquisa em sua parte humana, nas
raízes dos indivíduos analisados, elas se agregaram no caráter de cada um,
evidenciados quando o assunto de volta para o lado pessoal. Certos costumes
açorianos, como os bailes, e africanos como os cultos aos reis negros, são
percebidos por eles em sua prática diária, pois quando acaba o dia, sempre
agradecem a Deus pelo excelente dia de trabalho, em seus lazeres e na festa do
final da colheita, uma festa simples, porém com muita dança típica e um forte apego
a religiosidade.
33
2.5 GRANJA BINS
A pesquisa foi realizada na Granja Bins, de propriedade de Yolanda Bins, que
reside em Cidreira, cidade onde moro. Ela foi uma das primeiras pessoas que meu
pai, oriundo da serra gaúcha, conheceu quando, 28 anos, mudou-se para .
Sendo assim, o desejo por conhecer mais profundamente a lavoura de arroz com a
possibilidade de pesquisar na fazenda de uma amiga da família, juntamente com o
fato de meu pai também conhecer o dono do arroz plantado lá, foi que me levaram a
escolher a Granja Bins para a pesquisa Etnofísica na Lavoura do Arroz.
A Granja Bins foi fundada em 1937 por Frederico Bins, que após longa
avaliação das terras da região, comprou várias propriedades de diferentes donos,
montando assim uma das maiores fazendas dali.
A fazenda foi criada para os quatro filhos de Frederico, Otto, Bruno, Ricardo e
Arthur Bins. Cada um ganhou uma parte na propriedade, mas a administração era
feita pelo senhor Frederico.
A fazenda foi planejada para o plantio de arroz desde o momento de sua
compra, que as terras dos Bins eram banhadas por dois rios, o Palmares e o
Capivari. Sendo a água fator essencial na orizicultura, a Fazenda tem localização
privilegiada, com duas fontes de água para irrigação.
Sabiamente a fazenda foi dividida em quatro partes e um rodízio era
realizado: em duas partes se plantava arroz, enquanto as outras duas
“descansavam”.
Toda a construção dos condutos que levavam água dos rios até a lavoura foi
feita ‘à pá’, por trabalhadores locais, segundo a proprietária da Granja Bins, “o
encanamento, o conduto foi feito todo à pá, mais de 10km, todo a pá”. Esses
condutos permanecem até hoje, nos mesmos lugares, porém, foram feitas
melhorias e aperfeiçoamentos para um maior aproveitamento da água com menos
perdas.
34
Em toda a extensão da fazenda eram plantados muitos eucaliptos que
serviam de combustível para o maquinário agrícola, que, na época, dependia de
lenha. Para puxar água dos poços, também eram utilizados motores à lenha. Por
volta de 1940, Frederico Bins encomendou uma “máquina para puxar água” da
Alemanha. Esta não mais precisaria de lenha, mas, devido aos eventos que levaram
ao início da Guerra Mundial, essa quina o veio direto aos portos gaúchos.
Antes percorreu vários países e outros estados brasileiros, até finalmente chegar
aqui somente após o final da guerra. Neste ínterim, existiam por cá o óleo diesel e
os motores movidos por ele. A Máquina acabou por ser vendida para uma fazenda
no nordeste.
Nos primeiros anos, a fazenda plantava arroz do tipo “japonês, 3.8 e bile
arroz”. Foi após a instalação do IRGA, que distribuía sementes de boa qualidade
para os produtores rurais, em Granja Vargas, distrito de Palmares do Sul, que a
fazenda passou a produzir espécies mais nobres de arroz.
O trabalho era todo manual, “tudo puxado a boi e semeado a mão”. Todo o
processo do plantio dependia dos trabalhadores rurais: da aragem da terra, que
tinha por finalidade deixar toda a terra “esfareladinha” para o plantio do arroz e era
feita com carro de boi ( “os bois iam puxando, abrindo a vala e eles iam semeando,
tudo a mão”), até a abertura dos condutos, que irrigavam o arroz. Para a colheita,
seu Frederico Bins mandava vir da serra gaúcha e do Vale dos Sinos um grande
número de trabalhadores rurais, garantindo assim que a colheita fosse mais rápida e
eficiente. Conta dona Yolanda: “vinham uns 400 homens, todos de caminhão pra
trabalhar no arroz”. O arroz erra cortado à foice, e depois colocado numa trilhadeira,
como é possível ver na figura 5. Esta máquina facilitava esta etapa, “eles colocavam
o arroz, separavam a palha e ensacavam tudo junto”. Como naquela época não
havia secador como atualmente, os homens faziam tudo na própria lavoura.
Figura 5: Semeadora a boi e trilhadeira
35
Fotos disponíveis em: http://www.fankhauser.com.br/empresa2.php Acesso em
03/06/2007).
Um costume da época era o pagamento dos salários no estilo de escambo
aos trabalhadores rurais. Ao chegar à fazenda, os trabalhadores recebiam um
cartão. Aos sábados o seu Frederico marcava um valor, relativo ao pagamento da
semana, no cartão. Esse valor variava conforme a produtividade de cada
empregado. Em posse do cartão, eles podiam consumir nas ‘vendas’ locais o
correspondente aquele valor em gêneros alimentícios. Ao final da colheita era
realizado o acerto de contas diretamente com o proprietário, seu Frederico.
Dona Yolanda conta que, somente após a colheita, e quando houvesse lucro,
lhes era possível fazer compras em benefício próprio, regra que era seguida de
forma muito rígida por toda a família. Embora a família tenha feito muitas conquistas,
fica evidente em sua fala o quanto isso foi, em muitos momentos, sinônimo de
sacrifícios.
Seu Frederico, para facilitar o ensacamento do arroz, mandou fazer 10
trilhadeiras puxadas a boi. No final da sua colheita, era de praxe emprestá-las aos
demais fazendeiros da região.
A primeira colheitadeira da região foi comprada pela família Bins, mais
precisamente por Osvaldo Bins, neto de Frederico. Este evento gerou uma enorme
preocupação em toda a família, pelo alto custo que representou. Felizmente, graças
ao fato de ser capaz de realizar o serviço de vários homens em um tempo muito
curto, o investimento foi logo quitado. Por conseguinte, os demais produtores e as
cooperativas que existiam na época também adquiriram o maquinário.
36
Após o término da colheita do arroz, seu Frederico conseguia gado
emprestado para comer as palhas do arroz e o inço que crescia. Por ser o solo muito
fértil, após o término da colheita plantas como o arroz vermelho, o capim arroz e
mais uma grande variedade de espécies de plantas sem valor comercial cresciam
rapidamente por toda sua extensão. Aos poucos seu Frederico foi comprando gado,
chegando a ter 900 cabeças, podendo assim intercalar a atividade da orizicultura
com a da pecuária.
Frederico Bins tinha quatorze irmãos. Dentre todos, somente ele envolveu-se
com a agricultura. Alguns retornaram para a Alemanha, uma vez que a família era
originária de lá; outros voltaram-se para a metalurgia; outros, ainda, para a política,
como foi o caso de Alberto Bins, irmão de Frederico, primeiro prefeito porto-
alegrense da Capital gaúcha. Frederico, após trabalhar em Butiá na criação de
porcos, interessou-se pelo arroz. Passou, então, a arrendar terras, guardando todo o
lucro até que, enfim, pudesse comprar as suas tão sonhadas terras. Isso ocorreu
quando, após plantar arroz por Campo Bom, Cachoeirinha e Butiá, adquiriu as terras
em Palmares, onde se estabilizou.
Frederico veio para esses campos disposto a prosperar. E conseguiu. A
Família Bins é muito conhecida por estas terras, com uma forte influência inclusive
na política Palmarense, onde o bisneto de Frederico, Luciano Bins, foi ,por duas
vezes, eleito prefeito.
Yolanda Bins, hoje com 86 anos (figura 6), neta de Frederico, atual
proprietária da Granja Bins, assumiu os negócios a cerca de 35 anos, quando seu
pai, Otto, faleceu. Durante os primeiros vinte anos sob sua administração, a fazenda
restringiu-se à criação de bovinos e ovinos. Somente 15 anos, quando suas
terras foram arrendadas por seu Erni Dutra, importante fazendeiro de Capivari do
Sul, a Granja Bins voltou a produzir arroz.
Figura 6: Yolanda Bins
37
Trabalhar na Granja Bins é motivo de orgulho para os trabalhadores rurais da
região, visto ser considerada uma fazenda tão importante na região, confundindo-se
com a própria história do desenvolvimento das cidades de Palmares do Sul e
Capivari do Sul, onde se localizam suas terras.
38
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 ENSINO DE FÍSICA, ETNOFÍSICA E ETNOMATEMÁTICA.
O ensino das disciplinas científicas tem se revelado, desde há
muito tempo, como uma prática pedagógica fragmentária, fundamentada
em pressupostos de segmentação entre os diversos campos das Ciências
Naturais e Exatas, os quais são transpostos para os currículos escolares,
consolidando-se desde o Primeiro Grau de ensino (SILVA,1999).
Muito freqüentemente os alunos passam a ver Ciências como apenas mais
uma disciplina no currículo escolar. No ensino médio, quando as Ciências Exatas se
dividem em Química, Física e Biologia, são percebidas com ainda maior parcimônia
por eles, que não raramente apresentam dificuldades de aprendizado e pouca
motivação. A falta de contextualização dos conteúdos elencados no currículo com as
realidades nas quais os alunos se inserem torna o processo de ensino-
aprendizagem mais difícil, pois não suscita a curiosidade nem o interesse genuíno
dos educandos. Aprender não significa apenas ser capaz de reproduzir aquilo que
foi visto na escola, mas, sim, saber aplicar o conhecimento construído, tendo ciência
de que o conteúdo trabalhado gerou ou foi gerado de uma situação real. Em outras
palavras, fazer com que esse educando interaja com o mundo, tornando-se um
pensador crítico e capaz de transpor barreiras, essa é a função da escola, dos
educadores e da sociedade.
Os educandos chegam à escola, principalmente no ensino médio,
impregnados de saberes intuitivos. Contudo, na escola esses modelos são ora
esquecidos, ora evitados. Assim, muitos alunos entram em choque com os
conhecimentos científicos apresentados através de uma abordagem teórica; e
acabam por não constituírem realmente um novo conhecimento para o aluno, que
desprovido de significação. Por isso a importância de desenvolver este processo
com o uso de representações da realidade, com trabalhos em laboratórios e de
campo. Lefebvre, 1983, fala que o trabalho com as representações é importante
porque estas estão presentes tanto nas atividades do indivíduo quanto no seu
discurso, e são formadas ao longo de sua história de vida, como resultado dos
conhecimentos adquiridos e de suas próprias vivências.
39
Mas o problema do ensino de Física não se restringe apenas ao âmbito
escolar na relação aluno-professor-conteúdo, mas, também, ao fato de que, no
âmbito universitário, uma enorme lacuna pedagógica no sentido de preparar os
futuros professores destes conteúdos para sua prática real. Ostermann e Rezende
(2005) dizem que muitos professores não procuram a pesquisa para instruir e
melhorar suas práticas e muitos acadêmicos se envolvem com os professores
apenas com o objetivo de gerar dados para seus trabalhos científicos. Assim, os
pesquisadores se limitam ao campo científico e os professores não usufruem das
descobertas para melhorar a sua prática, continuando a utilizar apenas os livros
didáticos para o planejamento de suas aulas.
A importância de um novo caminho para o ensino de Física é o que me leva a
pesquisar a Etnofísica, uma maneira de introduzir conhecimentos científicos através
de situações reais, impregnadas de conhecimentos intuitivos, criando,pois, uma
prática mais interessante e contextualizada da Física.
Toda a atividade humana resulta de motivação proposta pela
realidade na qual está inserido o indivíduo através de situações ou
problemas que essa realidade lhe propõe, diretamente, através de sua
própria percepção e de seu próprio mecanismo sensorial, ou indiretamente,
isto é, artificializados mediante propostas de outros, sejam professores ou
companheiros”(D’AMBROSIO, 1990).
A realidade é um fator essencial para o estudo de qualquer disciplina do
currículo. Todo conhecimento é gerado pela necessidade de entender o mundo em
que vivemos, mas isso não acontece assim na escola. Em uma pesquisa sobre
concepções intuitivas, Filho e Pacca (1997) falam sobre a dificuldade de os alunos
utilizarem os conceitos científicos em seu dia-a-dia; eles, mesmo após terem
aprendido de maneira científica os conteúdos de Física, continuam usando as
concepções intuitivas, embora mais elaboradas e demonstrando um pouco mais de
domínio cientifico, para resolver situações do cotidiano.
Isto demonstra a dificuldade com que a Física é percebida pelos alunos - ela
se mostra sempre desvinculada da realidade e, quando nos deparamos com
situações reais, não conseguimos relacioná-las com o conteúdo cientifico estudado
40
na escola.
Pierson e Hosoume, em pesquisa publicada em 1997, constataram que
muito se avançou sobre o Ensino de Física. Em 1991 apenas 25% das
pesquisas em Física eram voltadas para o cotidiano do aluno; em 1995 somavam
35%. Isto mostra o grande interesse por parte dos educandos sobre o seu público.
Destes 35% em 1995, os autores categorizaram a abordagem do cotidiano em 3
grupos: o cotidiano unicamente enquanto elemento de motivação; o cotidiano
enquanto o espaço onde o aluno constrói seus primeiros esquemas e modelos
explicativos e o cotidiano enquanto fornecedor de elementos para a seleção e
organização do conteúdo. Após uma análise aprofundada de anais, os
pesquisadores chegaram à conclusão de que a Física está diante de dois
movimentos simultâneos: um que parte de um trabalho de intervenção, buscando
propor inovações curriculares ou didáticas para os diferentes níveis de ensino e um
outro que parte da pesquisa, procurando organizar os elementos que levam, num
momento posterior, a propostas de intervenção, de inovações na prática curricular e
didática.
A Física que conhecemos hoje, pode ser vista como uma Etnofísica desde o
seu início, pois ela é um estudo aprofundado de fatos que emergiram em
determinadas culturas, em diferentes tempos.
Aikenhead(1999) afirma que a Física Newtoniana, a Física que
conhecemos, num certo sentido, é, também uma Etnofísica pois emergiu
de uma subcultura dentro da sociedade europeia, a partir do intercâmbio de
várias culturas, grega, romana, inglesa, etc. Destaca também
(Aikenhead,1999) que cada estudante vive e coexiste com várias culturas
identificadas por nação, linguagem, sexo, classe social, religião, etc., e que
sua identidade cultural pode chocar em um grau variável com a cultura da
Ciência Ocidental. Outra forma de dizer isto é que o estudante pode ter de
cruzar uma fronteira cultural (Aikenhead,1999) quando passa do seu
mundo quotidiano da ciência do senso comum para o mundo da ciência
oficial da escola, isto é, aprender ciência é um evento intercultural e
multicultural. (SANTOS, 2002)
Partindo da intervenção, a Etnofísica se volta para a interação do aluno com o
cotidiano, buscando modificações nas suas concepções intuitivas, reestruturando
seus modelos mentais dos acontecimentos que estão acostumados a presenciar.
Desta forma a Etnofísica transforma os conhecimentos intuitivos em conhecimentos
41
à luz da ciência, tão propagados pelas escolas e universidades, tendo como ponto
de partida um estudo das situações típicas de uma comunidade ou grupo.
O conhecimento humano evoluiu conforme a necessidade e as
situações em que desafiavam o modelo mental existente. Sendo assim
cada povo teve sua evolução conforme sua realidade natural, social e
cultural. Investigar práticas agrícolas em comunidades rurais nos traz a
riqueza da diversidade do conhecimento gerado pela necessidade de
resposta a problemas e situações distintas. (ANACLETO, SANTOS, 2006)
Por estar mais próxima de estudos de caráter multiculturais do que a Física e
porque o que nos interessa não se restringe somente aos conteúdos de caráter
científico, mas o conhecimento que o sujeito trás, como integrante e representante
de uma cultura inserida em um momento histórico-social, escolhemos a pesquisa
Etnofísica. Alguns estudos sobre Etnofísica semelhantes a este já foram feitos em
outros países, como por exemplo, o In Search of an American Ethnophysics (em
busca de uma Etnofísica americana) de Mechling (1977).
A Etnofísica busca a Física que usamos sem mesmo saber, aquela física
que crianças se apropriam de forma intuitiva em suas brincadeiras, em suas práticas
diárias, em simples movimentos que incluem velocidade, tempo, distância, numa
corrida de carrinhos, ângulos, lançamentos oblíquos, em jogos de voleibol, e tenta
relacioná-las com a Física “adulta”, “universitária”, escolar, onde mesmo entre
adultos escolarizados uma enorme discrepância entre ela em sua natureza real e
a formal, entre um ser urbano e outro rural.
“Não apenas uma oposição entre a Física das crianças e a do
adulto; parece haver uma diversidade nas crenças Físicas também como
entre diferentes culturas, a ponto de alguns pesquisadores serem levados a
conceber a Física ingênua psicológica como colapsando em uma massa
desestruturada de sistemas de crença que manifestam a variedade
ilimitada através do tempo e do espaço. Certamente se procurar
evidências para suportar uma visão destas, dada a riqueza de concepções
existentes da natureza da realidade em culturas diferentes, encontrar-se-á
indubitàvelmente. Muito trabalho valioso foi certamente feito na área do
que pode ser chamada de “etnofísica”, na multiplicidade dos sistemas
ingênuos de crença físicos que surgiram no curso da história do ser
humano e, talvez mesmo, dos animais.” (SMITH, 1995, p. 290-317)
É importante ressaltar que a interpretação da Física pelo sujeito, por sua
comunidade, por sua cultura também é foco de interesse deste trabalho. Por não
42
haver ainda suficiente bibliografia para sustentar o referencial teórico aqui
necessário, utilizamos, muitas vezes, a literatura relativa à pesquisa
Etnomatemática, que busca dar conta da pluralidade de conhecimentos matemáticos
com os mesmos desdobramentos acima mencionados.
Embora o conhecimento seja gerado individualmente, a partir de
informações recebidas da realidade, no encontro com o outro se dão
fenômeno da comunicação, talvez a característica que mais distingue a
espécie humana das demais espécies. Via comunicação, as informações
captadas por um indivíduo são enriquecidas pelas informações captadas
pelo outro. O conhecimento gerado pelo indivíduo, que é resultado do
processamento da totalidade das informações disponíveis, é, também via
comunicação, compartilhado, ao menos, parcialmente, com o outro. Isto se
estende, obviamente, a outros e ao grupo. Isso se estende, obviamente, a
outros e ao grupo. Assim, desenvolve-se o conhecimento compartilhado
pelo grupo .(D’AMBROSIO, 2002, p. 32).
Etnomatemática é um novo campo de pesquisa que tem mostrado grandes e
importantes implicações do cenário da Educação Matemática. As preocupações
socioculturais e de uma metodologia qualitativa no âmbito das ciências exatas são o
destaque do programa Etnomatemática, diz D’Ambrosio, 1990.
D’Ambrosio, em 1984, apresenta a Etnomatemática como uma nova área
qualitativa de pesquisa no segmento da Educação Matemática no Quinto Congresso
Internacional de Educação Matemática, que se realizou em Adelaide, Austrália, mas
o termo Etnomatemática, vem de antes, como relata Santos:
O termo ‘Etnomatemática’ foi criado em 1975, pelo matemático
brasileiro Ubiratan D’ambrósio para designar “a arte ou técnica (techné =
tica) de explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema),
dentro de um contexto cultural próprio (etno)”
31
(D’AMBRÓSIO, 1993) isto
é, seria “a união de todas as formas de produção e transmissão de
conhecimento ligado aos processos de contagem, medição, ordenação,
inferência e modos de raciocinar de grupos culturalmente
identificados”
32
(MTETWA, 1992). Mas naquela altura, D’Ambrósio terá
utilizado o prefixo etno com um significado mais amplo do que o restrito à
etnia, incluindo também qualquer grupo cultural identificável, tais como
grupos sindicais e profissionais, crianças de uma certa faixa etária, etc., e a
memória cultural, digos, símbolos, mitos e amaneiras específicas de
raciocinar e inferir presentes na Matemática praticada por categorias
profissionais específicas, em particular pelos matemáticos, a Matemática
escolar, a Matemática presente nas brincadeiras infantis e a Matemática
praticada pelas mulheres e homens para atender às suas necessidades de
sobrevivência
33
(KNIJNIK, 1996) SANTOS, 2002.
43
Já o termo Etno vem de 1945 quando Harold Garfinkel cunhou o termo
“Etnometodologia”: Isto aconteceu durante seu trabalho com Saul Menlovitz e Fred
Strodbeck em 1945. Ocorreu a Garfinkel, consultando “os arquivos cross-culturais de
Yale”, quando ele chegou às categorias “etnobotânica”, “etnofisiologia” e “etnofísica”,
de que o “etno” pareceu referir-se disponibilidade a um membro de um
conhecimento de senso comum de “o que quer que seja”. (GARFINKEL 1967)
O termo Etnomatemática, explica Ubiratan D’Ambrosio, não significa apenas
estudar a “matemática das etnias”, mas que palavra etnomatemática é uma junção
de palavras onde cada uma tem o seu significado:
... para compor a palavra etno matemática utilizei as raízes tica,
matema e etno, para significar que varias maneiras , técnicas,
habilidades (ticas) de explicar, de entender, de líder e de conviver com
(matema) distintos contextos culturais e socieconômicos da realidade
(etnos).(AMBROSIO, 2002, p. 70).
O programa de Etnomatemática que D’Ambrosio defende visa à humanização
do conhecimento científico, ou melhor, relaciona este conhecimento, que ele chama
de “universitário”, com o conhecimento “popular”. Cada povo, cada sociedade tem
suas características, suas especificidades, onde cada atividade realizada, mesmo
que inconsciente, aplica a Matemática em atividades rotineiras, com cálculos
básicos de como levantar, como e por onde andar, o tempo, etc. Muitos dos
conhecimentos intrínsecos a essas atividades que realizamos por instinto
atravessaram gerações sem sofrer alterações importantes, outras foram ampliadas
e/ou adaptadas em função de novas necessidades.
Um estudo etnomatemático é baseado na cultura do sujeito da pesquisa, seja
ele uma única família, ou uma comunidade inteira.
Etnomatemática é a matemática praticada por grupos culturais, tais
como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes
profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas, e
tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos
grupos. (D’AMBROSIO, 2002 p. 9).
44
Conhecer práticas rotineiras com uma visão científica é o que o programa
Etnomatemática busca, desvendando a Matemática do dia a dia, e é isso que
impulsiona os pesquisadores desta área:
O grande motivador do programa de pesquisa que denomino
Etnomatemática é procurar entender o saber/fazer matemático ao longo da
história da humanidade, contextualizando em diferentes grupos de
interesse, comunidades, povos e nações. (D’AMBROSIO, 2002 p.17).
O conhecimento de uma pessoa depende do meio em que ela vive; sendo
assim, a Etnomatemática não pode ser generalizada, pois as culturas são diferentes,
conforme onde estão localizadas, e estão em constante transformação, pois são
alteradas, ou não, com as interferências externas. Os costumes interferem no
conhecimento e no comportamento de um indivíduo. Conhecimento, comportamento
e realidade, portanto, estão inter-relacionados:
Todo indivíduo desenvolve conhecimento e tem um comportamento
que se reflete esse conhecimento, que por sua vez, vai-se modificando em
função dos resultados do comportamento. Para cada indivíduo, seu
comportamento e seu conhecimento estão em permanente transformação,
e se relacionam numa relação que poderíamos dizer de verdadeira
simbiose, em total interdependência. (D’AMBROSIO, 2002 p. 18).
Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender os
diversos contextos culturais (D’AMBROSIO, 1990), de tal forma que, ao estudarmos
as técnicas usadas, possamos fazer as ligações necessárias com as ciências em
geral, conhecendo e explicando os fenômenos que estão sendo analisados.
O cotidiano desvenda-se fonte inesgotável para qualquer pesquisa, seja ela
na área das Ciências humanas ou exatas, sociais, ou políticas, tornado-se um
campo profícuo de saberes, de técnicas, de cultura...
O cotidiano está impregnado dos saberes e fazeres próprios da
cultura. A todo instante, os indivíduos estão comparando, classificando,
quantificando, medindo, explicando, generalizando, inferindo e, de algum
modo, avaliando, usando os instrumentos materiais e intelectuais que são
próprios à sua cultura. (D’AMBROSIO, 2002 p. 22)
45
A Etnomatemática ainda tem um forte caráter político, priorizando o resgate
da dignidade cultural do ser humano e toda a sua ética.
“A estratégia mais promissora para a educação, nas sociedades que
estão em transição da subordinação para a autonomia, é restaurar a
dignidade de seus indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes.
Reconhecer e respeitar as raízes de um indivíduo não significa ignorar e
rejeitar as raízes do outro, mas, num processo de síntese, reforçar suas
próprias raízes” (D’AMBROSIO, 2002, p.42).
D’Ambrosio afirma que sem paz não haverá futuro, mais uma faceta da
Etnomatemática, que busca a ética em suas relações entre conhecimento e
sociedade. A Matemática se faz presente no desenvolvimento da sociedade, na sua
evolução, onde a ética deveria preponderar sempre, procurando desenvolver a
nossa cultura e qualificar as relações humanas.
A matemática, como uma forma de conhecimento, tem tudo a ver
com ética e, conseqüentemente, com a paz. A busca de novas direções
para o desenvolvimento da matemática deve ser incorporada ao fazer
matemático. Devidamente revitalizada, a matemática, como é hoje
praticada no ambiente acadêmico e organizações de pesquisa, continuará
sendo o mais importante instrumento intelectual para explicar, entender e
inovar, auxiliando principalmente na solução de problemas maiores que
estão afetando a humanidade
.
(D’AMBROSIO, 2002, p.71).
Knijnik fala da abordagem Etnomatemática, que constitui
(...) a investigação das tradições, práticas e concepções matemáticas
de um grupo social subordinado (quanto ao volume e composição de capital
social, cultural e econômico) e o trabalho pedagógico que se desenvolve com
o objetivo de que o grupo interpreta e decodifique seu conhecimento; adquira
o conhecimento produzido pela Matemática acadêmica e estabeleça
comparações entre o seu conhecimento e o conhecimento acadêmico,
analisando as relações de poder envolvidas no uso destes dois saberes
(KNIJNIK,1996,p.88).
A autora apresenta um caráter mais pedagógico na Etnomatemática. Ela o
usa o conhecimento matemático do grupo como motivação inicial, mas, sim, o
conhecimento matemático produzido dentro das práticas sociais, e defende que
estes devem ser introduzidos no currículo. A autora opõe-se à idéia de que a
46
realidade sirva apenas como exemplificação de conteúdos, outrossim, ela enfatiza
que
(...) buscando descrevê-los não sob um ponto de vista externo ao
contexto no qual são produzidos, de modo que seus valores e códigos, que
lhe dão sentido, e, por sua vez, dão significado aos seus modos de
matematizar, possam ser descritos dentro de sua própria lógica
(KNIJNIK,1996,p.14)
O trabalho investigativo e pedagógico é a visão de Knijnik para
Etnomatemática. Bello (2004) em consenso com o trabalho de Knijnik, diz que não
podemos esquecer do papel dos professores nesse processo de relações culturais,
pois ele
(...) está exposto a uma realidade de confronto entre diferences tipos
de saberes. Isto próprio da dinâmica do processo de ensino e de seus
efeitos/reflexos na aprendizagem. É nesse sentido que a Etnomatemática
expõe seu principal papel enquanto proposta direcionada a questões
pedagógicas num contexto político-cultural. E de alguma forma ela também
propõe um caminho de formação no qual se gere dialogo e discussão entre
os diversos tipos de saberes aqueles próprios de um contexto, a percepção
da realidade por parte do docente, os seus saberes pedagógicos e
inclusive aqueles sistematizados e organizados nas diferentes disciplinas
(BELLO, 2004, p. 379).
Assim, a Etnomatemática ultrapassa o seu caráter de pesquisa, no intuito de
procurar desenvolver e direcionar a ação pedagógica do educador, e abarcar o
domínio, sistematização e difusão do conhecimento de um grupo cultural, de uma
sociedade.
A Etnomatemática, assim como a Etnofísica, vem valorizar esses indivíduos
através de seus conhecimentos intuitivos utilizados em sociedade. Mas o que vem a
ser sociedade? “Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos (todos
diferentes) vivendo num determinado tempo e espaço, compartilhando valores,
normas de comportamento e estilos de conhecimento, isto é, cultura, e empenhados
em ações comuns. Não se pode retirar a individualidade de cada elemento da
sociedade, mas para se ter uma sociedade é necessário que os indivíduos tenham
comportamentos e conhecimentos acordados” (D’AMBROSIO, 1999).
47
“Cultura é o que vai permitir a vida em sociedade. Quando
sociedades e, portanto, sistemas culturais, se encontram e se expõem
mutuamente, elas estão sujeitas a uma dinâmica de interação que produz um
comportamento inter-cultural que se nota em grupos de indivíduos, em
comunidades, em tribos e nas sociedades como um todo. Os resultados
dessa dinâmica do encontro são as manifestações interculturais, que vêm se
intensificando ao longo da história da humanidade.” (D’AMBROSIO, 2002, p.
59.)
Ao investigar a Física e Matemática do senso comum, estamos conhecendo o
comportamento de uma sociedade, de cada indivíduo, valorizando-os como seres
humanos pertencentes a uma história e a uma sociedade maior. A Etnomatemática
e a Etnofísica não rejeitam a Matemática ensinada hoje em escolas e universidades.
“Não se trata de ignorar nem rejeitar os conhecimentos modernos. Mas, sim,
aprimorá-los, incorporando a eles valores de humanidade, sintetizados numa ética
de respeito, solidariedade e cooperação” (D’AMBROSIO, 2002, p.43).
A questão da realidade é essencial na Etnomatemática, porque a Matemática,
assim com as Ciências em geral, desenvolveu-se por questões de sobrevivência,
sofisticando o conhecimento do ser humano a fim de permitir seu desenvolvimento e
o de sua comunidade.
Em todas as espécies vivas, a questão da sobrevivência é resolvida
por comportamentos da resposta imediata, aqui e agora, elaborada sobre o
real e recorrendo a experiências prévias [conhecimento] do indivíduo e da
espécie [incorporada no código genético. (D’AMBROSIO, 2002 p. 27).
Etnomatemática, portanto, é um programa que nos faz refletir sobre a
Matemática, as Ciências, sobre a suas implicações para com o mundo, para a
cultura e para as atividades cotidianas. Em todas elas as bases histórica e
antropológica devem ser levadas em consideração, pois cada evento matemático
novo correlaciona-se a um momento histórico.
Etnomatemática, portanto, não serve apenas para a Matemática e sim para
quaisquer outras áreas do conhecimento.
Para D’Ambrosio (1990), “o enfoque se aplica igualmente às várias disciplinas
cientificas, da área de sociais, de linguagem, enfim, a todo o sistema escolar”, e,
portanto, o estudo de Física sob o enfoque de conhecer e explicar os fenômenos da
48
natureza pelo seu contexto histórico torna-se um excelente meio na prática do
ensino de Física. Além disso, oportuniza a interdisciplinaridade entre as ciências,
uma vez que foram separadas, assim como oferece aos alunos uma visão de
interculturalidade, essencial ao desenvolvimento humano:
As sociedades portanto os sistemas culturais se encontram, se
vêem mutuamente expostas e sujeitas a uma dinâmica de interação,
produzindo um comportamento intercultural entre grupos e indivíduos,
comunidades, sociedades. A interculturalidade vem se intensificando ao
longo da história da humanidade... Ainda dominadas pelas tensões
emocionais, as relações ente indivíduos de uam mesma cultura
(intracultural), mas sobretudo as relações entre indivíduos de culturas
distintas (Interculturais), representam o Potencial criativo da espécie.
(D’AMBROSIO, 1997, p.32,33).
Um enfoque etnomatemático sempre está ligado a uma questão
maior, de natureza ambiental ou de produção, e a etnomatemática
raramente se apresenta desvinculada de outras manifestações culturais,
tais como arte e religião. A etnomatemática se enquadra perfeitamente
numa concepção multicultural e holística de educação (D’AMBROSIO,
2002, p.44).
3.2 ETNOGRAFIA, PESQUISA ETNOGRÁFICA e METODOLOGIA.
Para desenvolver o projeto “Etnofísica na Lavoura de Arroz”, amparei-me na
metodologia Etnográfica, que segundo LeCompte (1984) tem três pressupostos
básicos: a entrevista, a observação e os instrumentos de pesquisa e análise do
conteúdo colhido junto aos sujeitos da pesquisa (questionário). Assim parti, com
uma visão etnográfica, para o ambiente de estudo, a lavoura de arroz.
Mas o que vem a ser uma pesquisa etnográfica? Etnografia, segundo o
dicionário da Língua Portuguesa, é a parte da Etnologia que tem por finalidade a
descrição da língua, raça, religião, etc., dos povos, bem como dos aspectos
materiais de sua cultura. Isto é, estudo dos povos e de sua cultura. Wielewicki
(2001) descreve vários conceitos de especialistas, e chega a um consenso de que
“(...) a etnografia descreve a cultura de um grupo de pessoas, interessada no ponto
de vista dos sujeitos pesquisados.” (Wielewicki, 2001, p.28).
49
Isto foi o que esta pesquisa Etnofísica na lavoura de arroz fez: buscou estudar
a Física que eles, os trabalhadores rurais, usam no seu dia-a-dia, partindo de
observação dentro do ambiente no qual os trabalhadores estão inseridos.
Mas para que um trabalho possa ser descrito como Etnográfico é necessário
que apresente algumas características, como:
a) uso de técnicas (associadas à observação participante, a
entrevista intensiva, analises de documentos que são características próprias
das pesquisas qualitativas), b) pesquisador como instrumento principal na
coleta e na análise dos dados, c) ênfase no processo e não nos resultados,
d) preocupação com o significado atribuído pelos sujeitos às suas ações, e)
envolve um trabalho de campo e finalmente outras características
importantes que são a descrição e a indução. (OLIVEIRA E GOMES, 2005)
O pesquisador etnógrafo se vê
diante de diferentes formas de interpretações da vida, formas de
compreensão do senso comum, significado variados atribuído pelos
participantes às suas experiências e vivências e tenta mostrar esses
significados múltiplos ao leitor (ANDRÉ, 2004, p.20).
Na pesquisa etnográfica, o pesquisador precisa estar completamente
integrado no grupo, isto é, participar intensamente de todo processo estudado. O
mais importante para o etnógrafo não é o resultado em si, mas, sim, todo o processo
que está sendo desenvolvido. O que destaca a etnografia de outras metodologias é
a presença do pesquisador no campo de estudo por um longo período e também o
fato de o pesquisador ser o instrumento principal em ambas a coleta e a análise dos
dados
,
o que concede à pesquisa um aprofundamento significativo na análise dos
dados. Oliveira e Gomes (2005) dizem que
Uma das vantagens consideradas é a possibilidade de fornecer uma
visão profunda, concomitante e integrada de uma realidade social
complexa, que é composta de muitas variáveis. Mas para fazer este tipo de
análise, o pesquisador precisa investir muito tempo, recursos e
disponibilidade interna, seja no trabalho de campo; que exige um tempo
longo; seja na interpretação, na descrição e na análise dos dados.
Outra vantagem é o fato de possuir certa capacidade de retratar
situações cotidianas sem precisar interferir na dinâmica natural do
ambiente a ser pesquisado. No entanto, exige longa permanência em
campo com a finalidade de conseguir uma aceitação pelos participantes,
50
além disso, requer tempo, habilidade e sensibilidade nos contatos e nas
relações de vínculos que vão sendo estabelecidas. É necessário
perspicácia para que o foco não seja desviado para coisas mais inusitadas
no contexto, em detrimento das explicações mais profundas que se
investiga.
Esta pesquisa tem um caráter exploratório, e devido ao tipo de cultura
investigada, que tem o seu plantio realizado de forma sazonal, isto é, em apenas
uma época do ano, fica impossibilitada a inserção total da pesquisadora no meio em
questão, assim como a investigação que deve ser feita sempre com os mesmos
indivíduos, porém, esses trabalhadores rurais trabalham por períodos, o que nem
sempre se consegue o mesmo grupo de trabalhadores rurais em duas safras
consecutivas, desta forma, a pesquisa apenas utiliza os passos básicos da
Etnografia se tornando um trabalho investigativo e não totalmente Etnográfico.
Quanto a essa metodologia, algumas questões éticas sobre a confiabilidade e
validade da pesquisa pesam sobre ela. Estamos acostumados, principalmente no
campo das Ciências exatas, a pesquisas quantitativas, com muitos dados
estatísticos. Porém, na etnografia isso não é possível, pois a pesquisa alicerça-se
em conversas dentro de um grupo fechado, formado por poucas pessoas, o que
possibilita ao pesquisador conhecer profundamente a sua prática e seus costumes.
Em resposta aos questionamentos éticos, a pesquisa etnográfica deve ser
toda registrada, caso se faça necessário provar sua legitimidade, através de fotos,
anotações, gravações de áudio e vídeo, sempre que possível. E segundo
Wielewicki (2001) o pesquisador deve prover evidências suficientes para convencer
a sua audiência, ou seja,
Precisa validar seu discurso perante os outros membros de sua
comunidade científica (...) a questão da representação esno centro das
discussões, quer afirmando-se que a pesquisa etnográfica deve
representar uma realidade existente, sendo assim, verdadeira, quer
afirmando-se que a representação é impossível, já que realidades sociais
são construídas discursivamente. (WIELEWICKI, 2001, p.30,31).
A pesquisa etnográfica educativa compilou numerosos estudos nos últimos
trinta anos. Ela hoje tem sua veracidade admitida, devido a importantes e
significativas pesquisas que fizeram uso da mesma.
51
Segundo os parâmetros da metodologia, uma pesquisa etnográfica pode e até
mesmo deve durar meses ou anos, sendo que a coleta de dados deverá ser
realizada após a total inserção do pesquisador junto à comunidade investigada; isto
é, após o pesquisador não mais ser reconhecido como um membro externo, e, sim,
um membro pertencente àquela comunidade. Amiúde, esta pesquisa, embora
assuma um caráter etnográfico, não se enquadra completamente neste requisito,
devido ao pouco tempo disponível para a coleta de dados. As lavouras foram
visitadas sempre aos finais de semana, quando pude participar de ‘tudo’ das
discussões iniciais da manhã sobre a divisão de tarefas a a conclusão das
mesmas - porém, não cheguei a ser vista como um membro da comunidade.
Ademais, seria impossível realizar a pesquisa em dois ou três anos, pois o arroz é
uma cultura sazonal, e em cada período mudam os trabalhadores rurais extras.
Assim, além das limitações de tempo de cunho pessoal e profissional, seria
realmente irrealizável, para mim, executar essa pesquisa como membro totalmente
pertencente à comunidade. Creio que o principal desdobramento desta situação se
revelou nas interações entre pesquisadora e pesquisados, onde se estabeleceram
relações amistosas, porém ainda formais. Devido a isso, essa pesquisa teve sua
análise um pouco restrita, mas em vários momentos, como podemos observar nas
conversas que aparecem na análise dos dados, o distanciamento do pesquisador e
pesquisado foi superado. Fundamentalmente, entretanto, a pesquisa seguiu os
passos acima mencionados, incorporando-se, destarte, à metodologia etnográfica.
Para alcançar este objetivo, inicialmente foi realizada uma revisão
bibliográfica no âmbito da Etnomatemática e da Etnofísica, assim como do cultivo,
produção e historização do arroz no mundo e no Brasil, em sites especializados
como o da EMBRAPA e Ministério da Agricultura, publicações e periódicos sobre o
assunto e uma vasta gama de livros de Física. Também foram realizados
contatos com técnicos e engenheiros.
A pesquisa ocorreu na Granja Bins, de propriedade de Yolanda Bins
abrangendo o cultivo de arroz, desde a preparação do solo (nivelamento, construção
das taipas de contenção de água, alisamento da terra, adubação) até a colheita,
transporte, secagem do arroz. A área de produção de arroz pesquisada é de 70
hectares, arrendada pelo senhor Erni Dutra. A fazenda se localiza no município de
Palmares do Sul, litoral norte do Rio Grande do Sul, uma das principais regiões
52
produtoras deste cereal no Estado, onde estão envolvidos diretamente no processo
de cultivo do arroz quinze trabalhadores rurais, sendo, portanto, esses os sujeitos da
presente pesquisa.
A pesquisa de campo se deu através de questionários, entrevista e
observação participativa, segundo os pressupostos da Etnografia.
o QUESTIONÁRIO
O questionário teve por objetivo inicial conhecer os trabalhadores rurais,
saber sua idade, grau de escolaridade, etc. e identificar as áreas de trabalho em que
eles têm percepção do uso de conhecimentos físicos.
A pedido do arrendatário das terras, os questionários foram respondidos no
escritório do mesmo, num dia de pagamento, pois, segundo ele, isso garantiria que
todos os trabalhadores efetivos estariam presentes, e eu poderia contar com a ajuda
da secretária e do próprio arrendatário das terras. Assim, esse primeiro contato foi
bastante formal. Ficou evidente o desconforto dos trabalhadores em responder as
perguntas de caráter mais pessoal. Por este motivo, algumas informações
precisaram ser resgatadas em momentos posteriores, quando eles se sentiam
mais à vontade comigo, e longe dos olhos do ‘patrão’.
O questionário constatou que a maioria dos quinze funcionários fixos não
tinham o Ensino Fundamental completo (conforme mostra a tabela 2), porém,
apresentavam uma grande experiência com o cultivo de arroz, como mostra a tabela
Tabela 2: Escolaridade dos Trabalhadores Rurais Sujeitos da Pesquisa.
Ensino
Fundamental
até 5ª série
Ensino
Fundamental
até 8ª série
Ensino
Fundamental
Completo
Ensino
Médio
Incompleto
Ensino
Médio
Completo
Técnico
Agrícola
Nº de
trabalha
dores
rurais
4 5 2 1 2 1
53
Tabela 3: Tempo de Trabalho com o Arroz.
Tempo de
trabalho com
arroz
Até 5 anos De 5 a 10 anos De 10 a 15
anos
Mais de 15
anos
Nº de
trabalhadores
rurais
3 4 4 4
o ENTREVISTA
As entrevistas seguiram um roteiro pré-determinado, onde a pesquisadora
investigou os conhecimentos de Física utilizados na prática diária do cultivo do
arroz, observando e questionando o porquê de cada passo e atividade realizada.
Apesar disso, as entrevistas acabaram por muitas vezes fugindo do assunto
específico ‘arroz’.
As entrevistas foram conduzidas durante as observações e nas horas de
descanso para o almoço. Como elas deveriam ser feitas de maneira informal, em
que não se caracterizasse um questionário, a fim de preservar a intensidade de uma
conversa informal, alguns cuidados foram observados no intento de não constrangê-
los. Uma pesquisa etnográfica deve passar despercebida pelos sujeitos, o que não
pôde acontecer nesta; então eles percebiam que estavam sendo pesquisados,
investigados, mas não puderam precisar quando ou como isto ocorreu.
o OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA
A observação participativa, ou participante, acontece quando o pesquisador
observa, participa, se insere no contexto e a coleta de dados formalmente só
acontece depois das interações, quando o pesquisador então anota tudo em um
diário, ou bloco de anotações, para posterior análise dos dados obtidos.
54
..a etnografia supõe um período prolongado de permanência no
terreno, cuja vivência é materializada no diário de campo, e em que o
instrumento principal de recolha de dados é a própria pessoa do
investigador, através de um procedimento geralmente designado por
observação participante. O contributo de Luís Fernandes (capítulo 1), ao
descrever em pormenor a organização do seu diário, é bem elucidativo das
diversas facetas e tipos de registo, mostrando como o etnógrafo é objecto
de processos de socialização local que o obrigam a evidenciar as suas
inseguranças e perplexidades e a relativizar as suas origens culturais. Ele
está dentro para compreender, mas ao mesmo tempo tem que estar fora
para racionalizar a experiência e poder construir um objecto científico
legítimo. Tem que se pensar a si próprio na relação com o outro.(CARIA, p.
5.)
A observação foi realizada durante todo o processo do cultivo do arroz, desde
a construção das taipas até a colheita, onde foi analisada cada técnica utilizada e,
durante o processo, a pesquisadora interrogou os trabalhadores para conhecer e
compreender os conceitos intuitivos de Física aplicados por esse grupo específico.
Visitei a lavoura para conhecer o ambiente da pesquisa, assim como os
sujeitos dela. Após estabelecer o que seria investigado, comecei as observações e
as entrevistas. Esta etapa foi divida em dois momentos: primeiro eu observava e
anotava e num segundo momento eu interagia com os trabalhadores. Devido à
forte resistência inicial dos sujeitos da pesquisa, os diálogos tinham lugar após
um certo período de tempo, em que observava as atividades nas quais estavam
envolvidos.
Os sujeitos de pesquisa que se mostraram mais dispostos a colaborar foram
os mais velhos, e é a partir das conversas com eles que os dados foram analisados.
55
4 RESULTADOS
O trabalho de pesquisa com o caráter exploratório ocorreu entre os meses de
novembro de 2005 e abril de 2006 , abarcando do tempo de semeadura ao da
colheita e secagem do arroz. Em alguns dias ocorreram as conversas, em outros,
foram feitas apenas observações a cerca do vivenciado, analisando o processo sem
muita interferência, pois os trabalhadores não se mostravam muito dispostos a
cooperar. Isto corroborou para que a análise dos aspectos sócio-culturais e
históricos dos sujeitos da pesquisa fosse minimizada, enquanto que a análise
relativa aos conhecimentos da Física envolvidos nas atividades ganhasse maior
destaque. Assim, o objetivo inicial da pesquisa, que era descobrir a Física que os
trabalhadores rurais usam na lavora de arroz foi atendido.
As conversas não foram muito longas, eles nunca ficavam sozinhos com a
pesquisadora, geralmente em duplas, olhavam muito desconfiados, respondiam
apenas sobre o arroz. Para respeitar a individualidade de cada ser, acatando a
vontade de falarem apenas sobre o arroz, a pesquisadora concentrou-se nesses
tópicos.
Os dados aqui analisados foram os que a pesquisadora considerou
pertinentes,
aqueles que nos momentos principais do cultivo do arroz deixaram
evidente a Física científica na forma de conhecimento popular e prático.
Procurei não interferir na rotina, dialogando sempre com os sujeitos que
estavam no momento de descanso, porque os que estavam na lida não poderiam
parar para responder as minhas indagações sem prejudicar o andamento do
trabalho. Aqui surgiu uma nova evidência inesperada, a barreira do preconceito por
encontrar uma mulher escolarizada inserida num meio totalmente masculino,
investigando sobre uma prática rural onde predominam pessoas com pouca
escolaridade. A pesquisa não tinha inicialmente o objetivo de analisar o papel
feminino no meio rural, mas como este se mostrou um fator importante e, até certo
ponto, delimitador da pesquisa, se justifica uma análise mais aprofundada deste fato,
assim como a prática da semeadura e a construção das taipas, pois nestas etapas
ficou mais fortemente evidenciada a concepção Física que era o objetivo principal da
56
pesquisa. A colheita, secagem e armazenamento do produto, poderão ser mais
amplamente explorados num próximo trabalho.
Analisar os resultados, as conversas, o que foi aprendido sobre o arroz, é
uma tarefa difícil, complexa, pois a literatura sobre o assunto é escassa, mas tento
fazê-lo de forma simples e clara, relacionando os conhecimentos populares com os
científicos.
4.1 O PAPEL DA MULHER
Estudando a cultura do arroz com uma visão etnográfica, deparei-me com
alguns problemas culturais.
É de conhecimento histórico a importância da mulher no campo, mais
precisamente na família rural do que na propriedade em si. A mulher ficava em casa,
cuidando dos afazeres domésticos e cuidando dos filhos. Quando estes estavam em
idade e tamanho adequados, partiam para o trabalho no campo junto com o marido,
fosse ele dono da propriedade ou apenas um empregado, num sistema patriarcal,
onde o marido - o senhor - detinha o poder sobre toda e qualquer decisão. A
mulher tinha um papel secundário na estrutura familiar.
[...] percebê-las historicamente como meninas/mulheres duplamente
humilhadas, ofendidas e aviltadas pelo sistema patriarcal. Em segundo
lugar, reconhecê-las como sujeitos, que, a exemplo dos homens/meninos,
trazem no corpo as marcas da dominação a que portam ao nascer, bem
como do que eu denomino de constrangimentos de classe social (pobreza,
fome, trabalho alienado etc.). Estas marcas de classe (pobreza, fome,
miséria) fundem-se, portanto, com os constrangimentos de gênero,
maculados historicamente pela dominação masculina patriarcal, forjando,
assim, múltiplas alienações e repercutindo de maneira insofismável sobre
suas identidades. SILVA, 2002.
Na vida rural, em especial no Rio Grande do Sul, onde os campos são
predominantemente planos e onde a pecuária predominava entre as atividades
rurais até 1970, não era muito comum a participação feminina para estes serviços. A
mulher não tinha lugar, pois estas tarefas eram consideradas estritamente
masculinas.
57
A região Sul caracteriza-se pela concentração da posse da terra
estrutura fundiária herdada do período colonial e, como conseqüência,
pela concentração da renda, por centros urbanos esparsos e pela reduzida
densidade da população rural. Ocupando um pouco mais da metade do
território gaúcho, a Região Sul possui uma área relativamente plana a
zona de campos –, onde predominam a pecuária e, a partir dos anos 1970,
as lavouras modernizadas e mecanizadas de arroz, soja e trigo.
(BRUMER,2004)
Estudos mostram que o sexo predominante no meio rural ainda é o
masculino, devido a uma emigração crescente de mulheres e jovens para os centros
urbanos. Isso tem graves implicações socioeconômicas e culturais para a sociedade
rural. Brumer (2004) fala que:
Nesse sentido, as informações disponíveis sobre a população rural
do Rio Grande do Sul apontam para duas questões problemáticas: a) o
aumento do número de homens celibatários no meio rural, com
conseqüências sobre o desenvolvimento de atividades produtivas
agrícolas, tendo em vista o importante papel desempenhado pelas
mulheres como mão-de-obra familiar não remunerada; b) a defasagem
entre o número de moças e o de rapazes, o que pode ‘forçar’ um número
maior de rapazes a emigrar, tendo em vista que raramente os jovens rurais
encontram parceiras originárias do meio urbano que se disponham a viver
no meio rural. É interessante destacar que a emigração rural, no Rio
Grande do Sul, é acompanhada, por um lado, por uma drástica redução da
taxa de fecundidade rural, que passou de 5,62 filhos por mulher de 15 a 44
anos, em 1970, para 3,78 em 1980, 2,78 em 1990 e 2,62 em 1995.9 Por
outro lado, o Estado é palco de um importante movimento de luta pela terra
que, com sua atuação, desde o final dos anos 70, tem obtido algumas
vitórias, em um plano de reforma agrária que assentou 5.790 famílias, em
mais de 100 mil hectares, entre 1978 e 1997.(P.10)
O que se pode perceber é que, ainda hoje, no meio rural, ao contrário do que
se verifica nos centros urbanos, a mulher ainda tem seus papéis sociais limitados.
Muitas tarefas ainda lhe são negadas, o que contribui e se justifica para uma
continuidade machista e uma visão patriarcal no âmbito familiar:
[...]pelas tradições culturais que priorizam os homens às mulheres na
execução dos trabalhos agropecuários mais especializados, tecnificados e
mecanizados, na chefia do estabelecimento e na comercialização dos
produtos; pelas oportunidades de trabalho parcial ou de empregos fora da
agricultura para a população residente no meio rural; e pela exclusão das
mulheres na herança da terra. [...]Em uma pesquisa realizada em Cruzeiro
do Sul (RS), Anita Brumer e Nádia Maria Schuch Freire verificaram que, na
divisão de trabalho que se estabelece entre os sexos, ao homem cabe
geralmente a exclusividade de desenvolver serviços que requerem maior
58
força física, tais como lavrar, cortar lenha, fazer curvas de nível, derrubar
árvores e fazer cerca. Também cabe ao homem o uso de maquinário
agrícola mais sofisticado, tal como o trator. À mulher, de um modo geral,
compete executar tanto as atividades mais rotineiras, ligadas à casa ou ao
serviço agrícola, como as de caráter mais leve. Entre as tarefas em geral
executadas pelas mulheres estão praticamente todas as atividades
domésticas, o trato dos animais, principalmente os menores (galinhas,
porcos e animais domésticos), a ordenha das vacas e o cuidado do quintal,
que inclui a horta, o pomar e o jardim. (BRUMER, 2004, p. 15) .
Realizar esta pesquisa num setor predominantemente masculino gerou
alguns contratempos. Os trabalhadores rurais jovens não foram receptivos, talvez
por se sentirem inferiorizados, uma vez que a maioria deles não teve acesso à
escola ou cursaram apenas as séries iniciais do Ensino Fundamental. Suas
respostas restringiram-se a frases básicas e simples, às vezes vagas, na maioria
das vezes apenas sim ou não.
PESQUISADORA: Vocês trabalham com o arroz há muito tempo?
SUJEITO E: Sim.
PESQUISADORA: Sempre com o seu Erni?
SUJEITO E: Sim.
SUJEITO F: Não.
PESQUISADORA: Trabalhava com quem antes?
SUJEITO F: Ih, um monte de gente.
PESQUISADORA: Vocês moram onde?
SUJEITO E: Capivari.
SUJEITO F: Também.
PESQUISADORA: Há muito tempo?
SUJEITO E: “Aham”.
59
PESQUISADORA: Desde que horas vocês estão de pé?
SUJEITO E: Desde muito cedo.
PESQUISADORA: Muito cedo tipo que horas?
SUJEITO E: Muito cedo.
PESQUISADORA: Muito cedo tipo umas 5 horas?
SUJEITO E: É.
os trabalhadores mais velhos se mostraram receptivos, explicaram o
processo, visitaram a lavoura e até ajudaram a pesquisadora durante a caminhada
na plantação, o que gerou algumas situações divertidas... Numa ocasião, enquanto
eu caminhava e os olhava, não percebi uma poça de lama na minha frente, o que
fez com que eu enfiasse os pés nela. Eles riram na mesa hora, e este acontecimento
acabou por ajudar a quebrar a barreira da formalidade entre nós.
(...)
PESQUISADORA: eu quero aprender um pouco mais sobre o arroz.
SUJEITO A: olhá é uma coisa, caminhá e participá é outra diferente (risos)
(...)
Após várias conversas improdutivas, permeadas por respostas evasivas, os
trabalhadores foram se acostumando com a minha presença. Em uma das visitas à
lavoura, no dia da semeadura, a proprietária da fazenda, de 86 anos, participou da
conversa, o que deu credibilidade e confiança ao meu trabalho, uma vez que a
proprietária tem um alto prestígio na região por ter crescido naquelas terras e
também por gerenciar a sua fazenda desde a morte de seu pai, há 35 anos.
Decorridos alguns dias, os trabalhadores estavam acostumados com a minha
presença. As diversas barreiras encontradas pela pesquisadora – o fato de ser
mulher, culta, ‘estrangeira’ - no campo foram vencidas com muita conversa,
humildade e persistência, e com a ajuda imprescindível da figura quase que
60
folclórica de Yolanda Bins e a vontade estóica de não se deixar abater por inúmeras
resistências culturais trazidas no decorrer de séculos de história.
PROPRIETÁRIA: Essa é a Bárbara, ela esta fazendo um trabalho sobre o arroz pra
escola.
Os dois senhores que se encontravam ali, se entreolharam desconfiados.
PROPRIETÁRIA: Eu conheço a Bárbara desde pequeninha, ela é filha do Tio Balta.
SUJEITO A: Se é filha do Tio Balta e conhecida da senhora, é gente boa.
Após ser apresentada por Dona Yolanda, por quem eles têm um respeito
enorme, a conversa seguiu mais tranqüila, o tom ficou mais suave, mas, mesmo
assim, ainda denotavam uma certa desconfiança. Eles também deixaram claro que
preferiam falar apenas sobre o arroz.
No meio rural o é muito comum a figura da mulher participando ativamente
do processo na lavoura. Mesmo a visita que foi feita ao IRGA, quando ainda se
estava estudando a possibilidade de exploração do tema, causou algum
constrangimento. As mulheres que estavam atendiam apenas serviços
burocráticos, de secretaria, enquanto que nas demais repartições da estação
experimental de arroz não havia mulheres. Quando da chegada da pesquisadora,
eles perguntaram “é tu a moça do arroz?” Apesar disso, se mostraram prestativos,
disponibilizando as informações sobre o arroz e seu cultivo, que foram essenciais na
delimitação da pesquisa.
4.2 A PRÁTICA DA SEMEADURA
No primeiro dia da pesquisa de campo, durante uma caminhada na lavoura,
um dos sujeitos da pesquisa, um senhor de cinqüenta e seis anos, que chamarei
de SUJEITO A, explicou como era feita a semeadura, falou sobre épocas
passadas, onde tudo era feito manualmente, e comentou sobre as vantagens da
tecnologia. Foi o primeiro contato com a lavoura, os sujeitos e objeto da pesquisa.
61
O dono da lavoura de arroz não se encontrava, mas tinha avisado os
trabalhadores sobre a minha presença. Depois de superado o primeiro impacto da
presença feminina, especialmente de uma mulher jovem, o SUJEITO A deu algumas
informações sobre a prática da semeadura de arroz, comparando inclusive com as
práticas manuais de plantio utilizadas antigamente.
PESQUISADORA: como o arroz é semeado?
SUJEITO A: ah, hoje é tudo muito moderno, tudo tem trator fazendo pela gente, a
gente cuida pra que de tudo certo, abastecemos as sementes, cuidamos onde
esta o rastro e um pra ir do lado, ih, assim é rapidinho.
PESQUISADORA: e como era feito antes?
SUJEITO A: antes era tudo muito puxado, dona, e muito demorado, pra fazer uma
quadra dessa, a gente levava semana fazendo, era tudo simples, mão tinha nada
dessa maquinada toda que tem hoje. O boi ia puxando, abrindo a vala e ia caindo à
semente, daí fechava a cava e pronto, tava plantado o arroz. (Na figura 7 mostra
uma semeadora de tração animal usada antigamente.)
Figura 7: Semeadora Manual, com tração animal.
Disponível em:http://agroecologie.cirad.fr/dmc/parts/invent.php?id=rogerio&lang=eng
Acesso em: 02/06/2007.
Uma das mais importantes etapas da cultura do arroz é a preparação do solo
para o plantio e o plantio em si.
62
Na preparação do solo, o terreno é arado, deixando o solo uniforme para o
plantio. Em um livro de recomendações técnicas fundamentadas em pesquisa
sobre o cultivo do arroz irrigado, do IRGA, em 1988, diz-se que a preparação do solo
por aragem visa principalmente o rompimento das camadas compactadas, a
eliminação e/ou ‘enterrio’ da cobertura vegetal.
Após essa primeira medida, acontece a semeadura do arroz.
Para que o arroz tenha um bom desenvolvimento e uma maior produtividade
precisa ser plantado em temperaturas quentes, segundo o livro com as
recomendações técnicas da pesquisa do arroz irrigado de 2005. Assim, para o
plantio do arroz atingir seu potencial produtivo, a temperatura deve estar entre os
24°C e os 30°C, e a radiação do solo elevada. Segundo técnicos do IRGA e o
“Projeto 10” desenvolvido por eles, os melhores meses para o plantio são novembro,
dezembro e janeiro, quando a radiação solar está mais elevada.
Mas a tradição de plantar o arroz durante os meses de setembro a outubro
ainda persiste em muitos lugares, inclusive na concepção do Sujeito A, que disse
estarem atrasados por semear em final de novembro.
PESQUISADORA: Pode-se plantar em qualquer época do ano o arroz?
SUJEITO A: Não, tem que plantar na época de calor, o pessoal daqui sempre planta
em outubro, nós que tamo atrasado, por que o arroz precisa de calor pra crescer, e o
dia tem que ta bom, como hoje, com a terra não muito úmida, nem muito seca,
senão o trator faz muito estrago na terra, ou levanta muito pó.
A Física está presente em todas as etapas do cultivo do arroz, como
podemos analisar pela importância do fator calor na cultura.
O solo tem uma capacidade de absorver a energia radiante,
procedente do sol, sendo que a quantidade absorvida depende da
intensidade da irradiação e respectiva inclinação solar e das características
e propriedades do solo, destacando-se a estrutura, textura, cor e
umidade.(JORGE 1985, p. 237)
63
Os trabalhadores rurais conhecem os processos e utilizam a sica mesmo
sem saber. Eles sabem que o solo é o principal elemento em qualquer cultura, seja
de arroz, soja, milho, ou feijão, mas não vêem como a ciência se relaciona com isso:
PESQUISADORA: A lavoura, então, tem alguma coisa de cientifico, e matemático,
de físico?
SUJEITO A: Não, tem muito é de prática mesmo.
A questão da radiação solar interfere diretamente na temperatura do solo, e é
um exemplo forte de Etnofísica. Eles não usam o nome radiação solar, mas sabem
que para plantar o tempo tem que estar quente e o solo não muito úmido e não
muito seco. Embora o Sujeito A atribua isso somente ao traçado do trator, muitas
outras questões físicas e intuitivas estão por detrás disso.
A temperatura do solo influi na:
a)Absorção da água;
b) Absorção dos nutrientes;
c) Produção de metabólitos;
d) Armazenamento de hidratos de carbono.
Sob o ponto de vista agronômico, além de ser essencial na germinação das
sementes, a temperatura condiciona o desenvolvimento radicular. (JORGE,
1985, p.237
).
O solo recebe energia direta do sol, porém o calor que incide sobre ele é bem
menor do que o que sai do sol. Jorge, 1985, fala que a sua incidência no solo
depende do ângulo entre a superfície do solo e o sol , influenciados pela latitude,
estações do ano, horas e dias, altitude, inclinação do terreno, e também da isolação
pelo ar, nuvens, vapor d’água, poeira etc.
Uma coisa que chamou a atenção era que a semeadura era feita com três
semeadoras que, de longe, pareciam passar uma no rastro da outra, como mostrado
na figura 8.
PESQUISADORA: a impressão que eu tenho é que eles estão um atrás do outro.
SUJEITO A: Não, eles tão um do lado do outro, olha bem e vão fazendo assim em
curvas, pra assim poupar tempo e óleo.
PESQUISADORA: Poupar óleo?
64
SUJEITO A: sim, moça, as quadra não o tudo quadrada, o tudo assim,
diferente, daí em curvas, eles fazem em menor tempo e gastando menos óleo do
trator.
Figura 8: Semeadura do Arroz na Granja Bins, em novembro de 2005.
Mais uma vez a Física se mostra presente, de forma intuitiva, no pensamento
do trabalhador rural, e não só a Física, como também a Matemática.
As formas geométricas parecem fazer parte do cotidiano do SUJEITO A.
Quando ele me explicou que as quadras não eram quadradas, demonstrou
conhecimento e ainda comparou com o campo em que estávamos, “é assim”, de
formato irregular, mas com leves curvas em seus limites. Por isso ele falou que em
curvas eles gastariam menos tempo, porque se eles plantassem em linha reta teriam
que voltar pra fazer os limites, passando assim novamente por terras já semeadas.
(...)
PESQUISADORA: E hoje, como vocês não se perdem, que não plantam mais em
linha reta?
SUJEITO A: daí vai de olho, mas não tem como se perde não, eles estão um do lado
do outro, tá vendo?
65
PESQUISADORA: a impressão que eu tenho que eles estão um atrás do outro.
SUJEITO A: Não, eles tão um do lado do outro, olha bem e vão fazendo assim em
curvas, pra assim poupar tempo e óleo.
PESQUISADORA: Poupar óleo?
SUJEITO A: sim, moça, as quadra não são tudo quadrada,são tudo assim, diferente,
daí em curvas, eles fazem em menor tempo e gastando menos óleo do trator.
PESQUISADORA: Hum...
SUJEITO A: se fosse em linha reta, depois ia te que volta pra fazer os canto, e
passar por cima donde já tinha plantado.
PESQUISADORA: Quanto tempo vocês levam pra plantar?
SUJEITO A: aqui nas terras da dona Yolanda, levamos uns 6 dias, se o tempo tiver
bom.
PESQUISADORA: e essa área aqui?
SUJEITO A: na velocidade que tá, hoje terminamos essa parte
.
(...)
Quando perguntado sobre o tempo que levariam para realizar a semeadura
na parte em que estávamos ele usou uma das mais conhecidas expressões da
mecânica clássica, d = v x t, distância é igual à velocidade multiplicado pelo tempo,
mesmo que de forma intuitiva. Assim ele calculou mentalmente a distância que a
semeadora teria que percorrer e relacionou com a velocidade, me dando uma
resposta em dias, ou seja, em tempo. Ao olhar a quadra, ele fez uma medição do
terreno, analisou a distância que a semeadora teria que percorrer, logo após ele
analisou a velocidade do veículo, e então chegou à resposta, buscando assim uma
representação, um cálculo mental, que satisfizesse a questão.
66
Moreira fala da diferença entre os físicos e os alunos. Cabe aqui citar os
nossos trabalhadores rurais, que podem até não dominar os conceitos, mas
encontram uma maneira funcional de lidar com eles.
Assim como os físicos constroem modelos da natureza, os alunos
também constroem seus modelos. Mas uma diferença básica: os
modelos físicos são modelos conceituais, isto é, modelos inventados por
pesquisadores para facilitar a compreensão ou o ensino de sistemas
físicos, são representações precisas, consistentes e completas de estados
de coisas físicos. Porém, os modelos dos alunos, ou de qualquer indivíduo,
inclusive os que criam modelos conceituais, são modelos mentais, ou seja,
modelos que as pessoas constroem para representar estados de coisas
físicas (bem como estados de coisas abstratas). Estes modelos não
precisam ser tecnicamente acurados (e geralmente não o são), mas devem
ser funcionais. Eles evoluem naturalmente. Interagindo com o sistema, a
pessoa modifica seu modelo mental recursivamente a fim de alcançar e
manter sua funcionalidade. (MOREIRA, 2001).
Eles nos mostram de maneira simples e resumida a sua visão dos
acontecimentos. Embora não os traduzam em linguagem científica, eles sabem bem
o que fazem, intuitivamente, mostrando à pesquisadora o porquê de cada passo.
Isto ocorreu desde os primórdios da humanidade: o ser humano aprende
através da observação dos seus atos, assim como da observação da ação e
reação do que eles praticam e, com essa análise, melhoram a sua prática diária,
desencadeando uma melhor percepção de seus atos e implementando suas
práticas.
As ciências naturais, a Física principalmente, têm suas estruturas
construídas sobre bases sólidas recobertas por uma malha teórica que liga
todos os elementos ao complexo total. É uma ciência empírica que,
naturalmente se apóia nos dados da observação e constrói sua estrutura
teórica por meio do método indutivo. [... ] Um princípio em Física, decorre
na maior parte dos casos, da observação direta do que ocorre na natureza,
ditado pelo encadeamento dos fenômenos e não é conseqüência de
nenhuma dedução lógica, o que significa que um princípio não se explica,
não se interpreta. (BAPTISTA, 2006)
Ao relacionar o gasto de óleo com a distância, ele faz uso ainda de outros
conceitos físicos como trabalho, força, potência, mesmo sem ser capaz de expressá-
los em linguagem teórica.
67
Podemos definir o trabalho de um motor, de um automóvel, de uma
semeadora, como o produto da força exercida sobre o corpo pela distância que o
corpo move na direção da força.
Trabalho = força X distância T = f X d
Assim como a potência, que podemos definir como trabalho realizado na
unidade de tempo.
Potência =
Ele relaciona conceitos de Física, calculando mentalmente, respondendo
quanto tempo eles levariam para terminar a quadra.
Questionado sobre o que a lavoura de arroz e a ciência possuíam em comum,
o sujeito disse que a tecnologia e a escola trazem novidades para a lavoura. Quando
indagado sobre Física, ele relacionou apenas a fenômenos físicos como tempo e
umidade e disse que na lavoura nada tem de científico ou matemático.
(...)
PESQUISADORA: Mas o que o senhor entende por física?
SUJEITO A: Olha, física pra mim é o tempo.
PESQUISADORA: Tempo?
SUJEITO A: Sim, quando chove, quanto quente, quando úmido, essas coisas
de física, as estações do ano.
PESQUISADORA: A lavoura, então, tem alguma coisa de cientifico, e matemático,
de físico?
SUJEITO A: Não, tem muito é de prática mesmo.
PESQUISADORA: e a escola e a tecnologia?
68
SUJEITO A: eles ajudam o nosso serviço, essa tecnologia toda nos ajuda a ganhar
tempo nas coisas com um tempo menor.
Analisar tais questões nos mostra uma preocupação geral com a produção da
lavoura. Eles têm prazos a cumprir, o que faz com que busquem estratégias práticas
de redução de tempo e também de gastos. Quanto maior o lucro que o produtor da
terra tem, maior será a recompensa no final da colheita, então buscar formas de
diminuir gastos durante todo o processo eleva a chance de lucros futuros. Cálculos
mentais de conhecimento empírico são assim revelados. A espera por uma
recompensa maior os motiva a analisar o que estão fazendo, procurando melhorar
suas práticas, tornando-as mais econômicas e mais rápidas, em sumo, mais
eficazes.
O comportamento se baseia em conhecimento e ao mesmo
tempo produz novo conhecimento. Essa simbiose de comportamento
e conhecimento é o que chamamos de instinto, que resolve a
questão da sobrevivência do indivíduo e da espécie. (D’Ambrosio,
2002, p.27)
Durante o abastecimento da semeadora com sementes e adubo, conforme a
figura 9, perguntou-se como eles faziam para calcular de quanto em quanto tempo
teriam que repô-las. Um dos sujeitos comentou que era fácil, pois cada uma das três
semeadoras que trabalham simultaneamente na mesma quadra (16 000 m
2
) “tem
que colocar uma vez só”, ou seja, para semear uma quadra é necessário abastecer
cada semeadora uma única vez. A cada vez que abastecessem a semeadora,
colocam 40 sacos de sementes para 70 de adubo. Questionado se era sempre essa
mesma quantidade de sementes e adubo, ele disse que não, que era conforme a
época do plantio: quanto mais chuvosa a época de plantio, menos adubo, quanto
mais seca, mais adubo. “Ás vezes 60 de semente e 40 de adubo na chuva”.
Questionado se o cálculo de abastecimento da semeadora nunca falhava, ele disse
que às vezes sim, “se o que puxando vai devagar, temos que colocar mais uma
ou duas vez semente”. Por outro lado, quando perguntado sobre o que acontecia se
colocasse muita semente, ele respondeu que, além de gastar demais sementes e
adubos, aumentando o custo de produção, a produção da quadra ficava
comprometida, pois muita semente na cava impedia o crescimento ideal do arroz.
69
PESQUISADORA: E hoje, como vocês não se perdem, que não plantam mais em
linha reta?
SUJEITO A: daí vai de olho, mas não tem como se perde não, eles estão um do lado
do outro, ta vendo?
PESQUISADORA: a impressão que eu tenho que eles estão um atrás do outro.
SUJEITO A: Não, eles tão um do lado do outro, olha bem e vão fazendo assim em
curvas, pra assim poupar tempo e óleo.
SUJEITO B: É fácil, eles trabalham junto na quadra.
(...)
PESQUISADORA: De quanto em quanto tempo vocês que repor as sementes?
SUJEITO B: tem que colocar uma vez só por quadra.
PESQUISADORA: Em cada semeadora?
SUJEITO B: sim.
PESQUISADORA: quantos sacos cabem em cada semeadora?
SUJEITO A: a gente coloca 40 sacos de semente e 70 de adubo.
PESQUISADORA: é sempre a mesma medida?
SUJEITO A: não, depende, às vezes 60 de semente e 40 de adubo na época de
chuva.
PESQUISADORA: Varia o adubo conforme o tempo?
SUEJITO A: Sim, mais chuvoso, a gente coloca menos adubo, mais seco, mais
adubo.
PESQUISADORA: O cálculo de abastecimento de vocês nunca falha?
70
SUJEITO A: Se o que ta puxando vai devagar, temos que colocar mais uma sou
duas vez semente.
Figura 9: Abastecimento da Semeadora
Analisando essas questões, verifica-se que os sujeitos usam a Física e a
Matemática, mas não as relacionam ao conhecimento cotidiano. Quando optam por
uma maneira curvilínea em vez de retilínea, uma vez que as quadras não têm forma
geométrica definida. Para a semeadura eles se apropriam de conceitos mais
requintados de área, relacionando vários conceitos de figuras geométricas assim
como o cálculo das mesmas, encontrando uma melhor solução pra o seu problema,
no caso, a semeadura da quadra. Fazem cálculos mentais sobre o tempo que
levarão para terminar de semear a quadra, envolvendo conceitos de distância,
velocidade e tempo, conceitos de mecânica na Física. Trabalham ainda com o
cálculo de combustível, pois quanto mais rápido andam, mais gastam, e, como o
abastecimento é feito em uma central que fica um pouco longe do local de pesquisa,
têm uma grande preocupação com isso. A aceleração é a taxa da variação da
velocidade pela unidade de tempo. Eles sabem que se acelerarem irão mais rápido,
mas também têm noção que irão gastar mais óleo devido a um maior trabalho do
motor, pois se W = F . d, e F= m.a, isto é, o trabalho é o produto da força pelo
deslocamento e força é o produto da massa pela aceleração, quanto mais acelerar,
mais gastarão óleo. Claro que isso é feito por eles de maneira muito intuitiva,
71
possivelmente por terem ficado sem óleo em momentos anteriores e se
questionarem sobre o porquê disto. Assim, eles acabaram evoluindo seus conceitos
físicos de uma forma que seja funcional para eles, como disse Moreira, citado
acima.
Mas para eles nada disto tem a ver com Física ou com Matemática.
Esperava-se que pouco ou nenhum conhecimento formal de Física fosse externado,
visto que os sujeitos da pesquisa têm pouca escolaridade, e não foram
apresentados a este conteúdo. Ao contrário, esperava-se que eles demonstrassem
maior familiaridade com a Matemática. Esta, com a qual eles tiveram contato nas
séries iniciais poderia ter sido de alguma forma relacionada ao contexto. Mas esta
hipótese não se revelou acertada, visto que para eles essas são questões práticas,
da lida diária deles e desvinculadas de um universo teórico.
Vivenciar uma plantação mostrou-se mais que apenas um estudo físico ou
matemático; representou a oportunidade de conhecer um pouco da cultura deste
povo, compreender o orgulho que sentem por plantar arroz e dizer que trabalham
com um determinado patrão. A herança arrozeira desta região faz com que eles
sintam-se valorizados, pertencentes a uma sociedade, a uma cultura. “Uma cultura
passa a ser vista como as relações entre a vida, a alma, a natureza, e suas
representações, entendidas como sendo idéias, língua, arte e obras, ciências,
concepções de um mundo”. (Amâncio, 2004, p.55).
4.3 A CONSTRUÇÃO DAS TAIPAS
Outro dado obtido na pesquisa foi durante a construção das taipas, que
servem para levar água para a plantação do arroz.
Para essa atividade, que é considerada crucial para o processo do cultivo do
arroz, é chamada uma empresa de fora que, com uma “máquina”– como dizem os
trabalhadores rurais , realiza um estudo minucioso da topografia do terreno,
analisando os desníveis do mesmo e mostrando os lugares onde devem ser feitas
as taipas, que irrigarão toda a lavoura, desenhando assim melhor o caminho que a
água deve percorrer para não inundar a lavoura e nem deixar que falte água para o
72
arroz. O objetivo das taipas na lavoura de arroz é manter o volume de água numa
altura constante. As taipas são feitas sobre as curvas de nível do terreno analisado.
Para o aproveitamento eficiente e racional destes solos ,
necessidade de condicioná-los, anteriormente ao cultivo, a um processo de
sitematização do terreno, que consiste na criação de um sistema funcional
de manejo que vai desde remoção de detritos vegetais, abertura de canais
de drenagem e irrigação, construção de estradas internas, regularização da
superfície do terreno, em nível ou desnível, entaipamento, até a construção
de estruturas complementares, conforme a necessidade de cada projeto.
(...) A sistematização do solo em desnível é feito normalmente com taipas
em curvas de nível. Visa uniformizar o solo transferindo das partes mais
elevadas para as depressões do terreno. No caso do arroz, a água de
irrigação é retida sobre a superfície do solo através de taipas em curva de
nível. (Sociedade Sul-Brasileira de Arroz Irrigado, 2005, p.41)
Para armazenar a água que vem dos rios é feito um canal, ou poço, aqui
chamados de condutos de água, que ficam na parte mais alta do terreno, mesmo
que imperceptíveis a olho nu.
SUJEITO C: em cima fica o conduto, quando as taipas tão prontas, daí se abre o
conduto, que inunda tudo. O arroz é da água, cresce na água.
PESQUISADORA: O que é conduto?
SUJEITO: É onde fica a água que vem do rio. Se puxa a água do rio pro conduto.
PESQUISADORA: É como se fosse um poço?
SUJEITO C: É.
PESQUISADORA: Lá em cima fica o conduto porque?
SUJEITO C: Porque em cima fica mais fácil de descer a água, já que ela é fininha e
branquinha.
PESQUISADORA: E se o conduto ficasse em outra parte, uma mais pra cá?
SUJEITO C: Daí é mais difícil, porque ela ia ter que subir, em vez de descer, e daí
complica né.
73
Analisando fisicamente, encontramos uma percepção totalmente intuitiva para
explicar a permanência do conduto na parte mais alta do terreno: a água desce
porque está em cima e, claro, tudo que está em cima desce O fenômeno se explica
pela Lei da Gravidade O conhecimento intuitivo desta determina nosso
relacionamento com o mundo acerca de nós de forma constante. É ela a
responsável, então, por fazer com que a água “desça”.
A força da gravidade é responsável pelos fenômenos da
precipitação, da infiltração e deslocamento das massas de água. TUNDISI.
A água é transportada por canais, um principal, o conduto, e outros
secundários, através das taipas. Segundo Anselmi (1988), os canais desempenham
bem suas funções quando construídos com declividade suficiente para o rápido
movimento da água sem causar erosão, com baixa permeabilidade das paredes
laterais e inferior, com capacidade adequada para inundar rapidamente o arrozal. A
seção transversal deve ser suficiente para reduzir ao máximo as perdas de água por
evaporação ou infiltração.
As taipas em uma lavoura de arroz são essenciais para toda a produção.
Segundo o “Projeto 10” do IRGA, que propõe um melhor aproveitamento da
lavoura sem desperdício de água, elas têm que ter bases largas, baixas e sem
‘leveiro’, isto é, sem aquele morro aparente. Questionados sobre as taipas, os
trabalhadores nos oferecem outra aula prática, sempre se referindo à importância
da atividade para a orizicultura.
PESQUISADORA: E hoje, então, é a construção das taipas?
SUJEITO C: Sim senhora, é o mais importante da lavoura, se isso é feito errado,
tudo pode se perder.
PESQUISADORA: Como assim se perder?
SUJEIRO C: As taipas seguram a água do arroz, se for feito errado, pode faltar água
numa parte e sobrar em outra, se sobra cresce muito inço e arroz ruim, se falta pode
perder até o arroz.
74
PESQUISADORA: Nossa!
SUJEITO C: É... é a parte mais importante da plantação de arroz.
PESQUISADORA: E como são construídas as taipas?
SUJEITO C: As taipas são morros que seguram a água, a água fica ali sempre da
mesma altura, nem muita baixa, nem muito alta, em todo campo.
Os sujeitos ainda falam mais sobre as taipas e os canais a qual ela guia.
PESQUISADORA: E a as taipas, elas têm um tamanho certo?
SUJEITO C: Sim, tem a entaipadeira que faz tudo sozinha, mas tem sim uma altura
certa pra isso.
PESQUISADORA: E que altura?
SUJEITO C: As taipas o são muito altas não, são assim (apontando pro morro de
terra onde a entaipadeira tinha acabado de passar na altura aproximadamente de
40cm).
PESQUISADORA: E elas saem sempre iguais?
SUEJITO C: Depende, depende do trator.
PESQUISADORA: Por quê?
SUJEITO C: Se ele vai muito rápido, a taipa não fica boa, ela fica esfarelenta e logo
desmorona, e se for devagar, ela fica muito dura, daí também não é bom. Tem que
ser no ponto. (risos)
Outro fator essencial é a irrigação. As lavouras de arroz, em sua maioria,
ficam em lugares com fartura de água. Caso isso o aconteça, é preciso muitas
vezes arredar água de alguma propriedade próxima. A Granja Bins tem duas fontes
de água. A água é decisiva na fase de crescimento do arroz. Caso tenha excesso,
75
pode gerar perdas na colheita, assim como se faltar. Sobre a altura ideal na
lavoura, eles nos respondem matematicamente com as mãos, e só depois, quando a
pesquisadora insiste, é que um deles faz um desenho sobre o que seria uma taipa e
a quantidade de água ideal entre elas.
PESQUISADORA: As taipas ficam perto umas das outras, então recebem a água
que vem do conduto e enchem estas valas, é isso?
SUJEITO C: É isso!
PESQUISADORA: Mas o canal fica todo cheio de água?
SUJEITO C: Não, tem que ter isso de água (mostrando com a mão o equivalente a
2/3 da altura da taipa que era de 40cm, aprox.), o resto é livre, porque tem as
chuvas também, senão transborda tudo.
SUJEITO D: Com muita água cresce muito inço ou também afogamos o arroz.
Quando questionados sobre as taipas, os sujeitos explicaram que o canal de
água não pode estar cheio, caso contrário podem “afogar” as mudas ou aumentar
muito as plantas daninhas do arrozal. Eles ainda indicaram com a mão o tamanho
do canal e o tamanho que estar cheio de água, o que correspondia a
3
2
do canal
coberto de água e
3
1
livre, impedindo assim que o canal transborde com as chuvas,
conforme a figura 10.
Figura 10: Esquema de taipa e nível de água.
76
O Rio Grande do Sul caracteriza-se pelo cultivo de grandes áreas de
arroz, onde predomina amplamente o sistema de cultivo em taipas de nível. A
irrigação, na grande maioria das lavouras, é pouco planificada, embora se
tenha o domínio da água. O irrigante coloca a água no ponto mais alto e a
conduz por gravidade, mantendo uma lâmina de água através das taipas
construídas com diferença de nível de 5 a 10cm. (Sociedade Sul-Brasileira de
Arroz Irrigado, 2005, p.71)
Dizem ainda que existia uma tabela, que antigamente era usada para calcular
o tamanho do canal conforme o tipo de solo, e que eles apenas construíam os
canais e taipas, pois sempre tinha alguém “estudado” para medir e verificar se o
tamanho estava adequado. Eles ainda comentam que sabem que “deve” haver algo
de matemático nisso, mas que eles não sabem usá-la.
PESQUISADORA: E como se sabe a altura ideal da água?
SUJEITO D: Antigamente eles tinha uma tabela, mas um estudado entendia. Na
tabela tinha tudo, a gente fazia as taipa, os canal e eles vinha olhá e vê se tava tudo
certo com essa tabela.
PESQUISADORA: Será que tem algo de matemático nisso tudo?
SUJEITO D: Ah, isso deve, mas não sei onde... eu não sei usá ela.
Ao qualificar a água como `branquinha e fininha`, e descrever seu movimento
dizendo que ela ‘corre devagarinho`, outros aspectos físicos emergem:
SUJEITO C: A água desce de lá, e inunda todo o arroz.
PESQUISADORA: E tem alguma velocidade específica?
SUJEITO C: Ah moça, ela corre devagarinho... (risos)
2
A este questionamento nota-se que, para eles, esta situação nunca se tornou
uma situação problema, por isto não tinham uma resposta que pudesse ser
amplamente analisada, pois o importante para eles é que ela desça, e como sempre
2
Este riso foi percebido pela pesquisadora como uma fuga da resposta. Era nítido que o entrevistado não tinha o
domínio científico do porquê do fato, então ele usou do riso uma forma de escapar da situação; em nenhum
momento foi notada alguma forma de constrangimento por partes dos sujeitos da pesquisa.
77
desce, não importa a velocidade, se a água o descer , é porque o conduto esta
vazio, e se não está, ela vai descer, independentemente da velociade.
Jorge (1985) nos fala sobre a importância da água e do solo em todo o
processo agrícola: “o homem percebeu, desde longo tempo, que sua convivência
com a água era de suma importância para a produção agrícola [...] o consumo da
água por comunidades vegetais (evapotranspiração) e a água percolada pelo perfil
do solo (drenagem interna) constituem duas importantes fases do ciclo hidrológico.”
Este autor esclarece ainda que a água “desce” por gravidade, e continua seu
percurso através de fenômenos físicos como a equação de Richards:
A água ainda nos permite um exame de suas propriedades Físicas, tais como
densidade e coeficiente de viscosidade, posto que eles falam que a água que irriga a
lavoura deve ser “branquinha e fininha”. Os adjetivos mencionados referem-se à
viscosidade da água; para a qual temos que “viscosidade é quando um fluído se
movimenta por escoamento laminar, como se fosse constituído de lâminas que se
deslizam umas sobre as outras.“ Jorge,1985.
Neste modelo, a força F necessária para a movimentação do fluído pode ser
expressa por:
, onde n é a viscosidade ou coeficiente de
proporcionalidade, A o as lâminas e dv/dx é o gradiente de velocidade de
deslizamento.
dx
dv
nAF =
78
Segundo Jorge (1985), a viscosidade, que é definida como a força por
unidade de área (F/A) para manter uma diferença de velocidade de 1 cm/s entre
duas lâminas paralelas separadas em 1cm, é, na realidade, uma propriedade que
mede a resistência do fluído ao deslizamento ou fricção interna. A viscosidade
depende da concentração de solutos e da temperatura. Os motoristas sabem disto e
por esta razão aquecem seus veículos antes de partir, para que o óleo circule
melhor lubrificando o motor.
A viscosidade pode ser representada por: poise
m
segkg
1,98
2
=
×
A Física dever ser investigada sempre em fenômenos naturais, sua
importância e aplicabilidade são infinitas, freqüentemente usadas mas não
reconhecidas como Física - algumas vezes ela é verbalizada como “Ciências”. O
conhecimento e o estudo da física contribuem para a evolução agrícola, tanto no
domínio das técnicas, assim como no melhor aproveitamento rural.
O senso comum dos trabalhadores rurais nos faz pensar em outras situações
em que usamos Ciência sem notar o seu caráter e nos faz refletir da importância dos
pequenos atos.
A historicidade de um povo, de uma cultura, são bases para a evolução
científica de uma nação e, por isso, investigar tais práticas nos faz perceber a
relação entre e a Física e a realidade. Muito mais do que apenas uma rotina, ainda
que de uma das principais culturas agrícolas do Brasil, esta pesquisa mostra a
importância científica da atividade rural, tornando-se um excelente instrumento na
prática do ensino de Física e, mais, de se tentar buscar uma interdisciplinaridade
entre as Ciências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa dissertação pode ser aplicada em estudos Etnofísicos, de ensino de
Física e na área de ensino de Ciências e Matemática, onde as reflexões sobre o
conhecimento científico e o conhecimento popular se revelam sempre presentes.
Encontrar uma maneira de tirar a Física dos livros didáticos e aplicá-la ao cotidiano
do aluno, da comunidade, ou da sociedade aquela em que estamos inseridos a fim
de relacionar esses conhecimentos é um dos maiores desafios do ensino de Física
hoje no Brasil.
Com base nos estudos que realizei posso afirmar que o Ensino de Física
muito já evoluiu, embora muito ainda possa avançar. Esbarrei em dificuldades
diversas, desde a necessidade de mudanças profundas nos profissionais da
educação, a uma reestruturação curricular nas escolas e universidades, assim como
uma nova postura do Estado em relação à Educação.
Em busca de uma reflexão sobre conhecimentos científicos e populares, me
inseri numa lavoura de arroz com uma pergunta em mente: qual a Física que eles
usam na lavoura de arroz mesmo sem saber?
Esta pesquisa visa uma reflexão dos conhecimentos e do cotidiano, buscando
idéias para a construção de um ensino mais pragmático, ou pelo menos, mais
inclusivo, seja no meio urbano ou no meio rural.
Para sanar o meu desejo de entender a lavoura de arroz sob a perspectiva
dos trabalhadores rurais, fui para Palmares do Sul, onde conhecia a proprietária
da fazenda e meu pai conhecia o dono do arroz, o arrendatário daquelas terras.
80
Caminhei, observei, participei e muito conversei com eles sobre o arroz. Mas,
também, muitas barreiras eu enfrentei. Por ser mulher, jovem e culta fui recebida
com um certo receio pelos trabalhadores, que não entendiam o porquê do meu
interesse neles nem tampouco pelo arroz. Enfrentar olhares, cochichos, respostas
evasivas foi complicado, mas muito engrandecedor para mim, como pessoa, como
estudiosa e como mulher.
Durante toda a pesquisa os trabalhadores não estiveram dispostos a
compartilhar sobre suas vidas pessoais, resumindo-se a falar sobre o arroz. Procurei
respeitar os limites por eles definidos, limitando-me a questioná-los sobre o que me
era permitido.
Investigar o trabalhador em sua prática rotineira revelou-se mais que apenas
uma simples tarefa de pesquisa: é pertencer a um ambiente onde a Matemática e a
Física estão presentes na realidade, ou melhor, elas o a realidade, as usamos
todo o tempo, desde a hora em que levantamos, até a hora que deitamos. O estudo
dos resultados associa conceitos físicos da mecânica à utilização de maquinário na
lavoura, assim como o uso de proporção, cálculos de áreas, estimativas na
produção do arroz.
Quanto aos meus objetivos específicos, descobri que aquelas pessoas pouco
escolarizadas utilizam a Física diariamente nas práticas do campo, através de
atividades que envolvem questões de mecânica, de temperatura, em relação a
tempo e estações do ano. Estas situações são externadas verbalmente de forma
bem espontânea, em todas as etapas dão cultivo de arroz, apenas quando eles são
questionados; do contrário, sua prática é o mecanizada e solitária que eles não
conversam sobre detalhes da produção. Isto se deve à restrição de tempo que eles
tem para cumprir cada etapa do processo. A prática arrozeira faz relações diretas e
indiretas com a Física, como observamos na análise dos dados, mas eles não têm
consciência disto, respondendo a minha questão inicial. Na prática, parecem usar e
conhecer muitos princípios utilizados pela Física, para a explicação da realidade,
mas não o conhecedores do jargão científico ou acadêmico próprio desta Ciência,
ora por não ter tido suficiente tempo de escolarização, ora por não ter encontrado no
81
ambiente escolar as ligações necessárias para que, tanto a Física quanto a
Matemática, pudessem ser reveladas como parte integrante de suas vivências.
Analisei os conhecimentos não-formais e fiz as devidas ligações com a Física
universitária, como diz D’Ambrosio, valorizando a cultura individual e coletiva
daquele grupo de trabalhadores rurais, cuja importância para a economia gaúcha é
tamanha que, sem a orizicultura, o Estado entraria numa crise agrícola e econômica
profunda.
Conversar, investigar, conhecer outra rotina, embora trabalhoso no início, e às
vezes até problemático, nos faz perceber e compreender o que é cultura, o que é
História, o que é individualidade e ao mesmo tempo coletividade, nos faz entender
cada gesto, cada ato, cada conquista e perceber que cada um tem seu próprio modo
de ver a realidade e que devem ser respeitados por isso. A experiência extrapolou
em muito a característica científica do projeto. Oportunizou aprendizados de caráter
humano extremamente ricos. Na troca com aquele grupo me foram oferecidos
momentos de reflexão sobre tolerância, respeito, ética, hierarquia, autoridade,
confiança e fraternidade que em muito agregam valor às análises aqui apresentadas
e transcendência às questões de cunho científico que as motivaram.
O cultivo do arroz, além de sua riqueza nutricional, revelou-se uma
inesgotável fonte de subsídios que podem ser trabalhados com a parte teórica da
Ciência. Por outro lado, como a Ciência não deveria estar desligada da realidade, a
Etnofísica nos mostra um caminho para esta aproximação entre teoria e práxis.
Assim, e visto ser este nosso entendimento sobre como deve ser o processo de
ensino-aprendizagem, acredito que somente ao trabalhar conceitos de forma
contextualizada para o educando, fazendo a ponte entre os conceitos teóricos
acadêmicos e suas vivências é que realmente promovemos Educação. Educar é
muito mais que transmitir conhecimentos, é aplicar na realidade o conhecimento
científico e social inerente a cada coisa.
Espero ter contribuído para que, num futuro próximo, outros professores e teóricos
percorram este caminho. Muitas outras questões se desvendam ao nosso redor,
seja na lavoura, na cidade ou no próprio ambiente escolar. São muitos os universos
82
a visitar, muitos os astros a desvendar, muitas fusões a promover, mas por que não
começar pedagogicamente, por um bom feijão com arroz?
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87
APÊNDICE
88
APÊNDICE A - Entrevista
89
PRÁTICA DA SEMEADURA DO ARROZ
Esta conversa aconteceu enquanto saíamos da frente da casa da Granja em direção
ao campo que estava sendo semeado. Participaram da conversa.
SUJEITO E: Sujeito de 35 anos, com o Ensino Fundamental Completo.
SUJEITO F: Sujeito de 40 anos, coma 6ª série do Fundamental.
E a PESQUISADORA.
Após 10 minutos de caminhada, se juntou a nós, a proprietária da Granja, Yolanda.
PESQUISADORA: Vocês trabalham com o arroz há muito tempo?
SUJEITO E: Sim.
PESQUISADORA: Sempre com o seu Erni?
SUJEITO E: Sim.
SUJEITO F: Não.
PESQUISADORA: Trabalhava com quem antes?
SUJEITO F: Ih, um monte de gente.
PESQUISADORA: Vocês moram onde?
SUJEITO E: Capivari.
SUJEITO F: Também.
PESQUISADORA: Há muito tempo?
SUJEITO E: “Aham”.
PESQUISADORA: Desde que horas vocês estão de pé?
SUJEITO E: Desde muito cedo.
PESQUISADORA: Muito cedo tipo que horas?
SUJEITO E: Muito cedo.
PESQUISADORA: Muito cedo tipo umas 5 horas?
SUJEITO E: É.
A conversa não fluía, as respostas secas e objetivas, e os rostos dos trabalhadores
me fizeram calar, não estavam dispostos a colaborar.
Foi quando a Dona Yolanda chegou, e começou a conversar.
90
PROPRIETÁRIA: Que coisa mais linda isso né.
PESQUISADORA: O que dona Yolanda?
PROPRIETÁRIA: Eles lavrando a terra e agora plantando.
Todos nós concordamos, os trabalhadores com a cabeça afirmando que sim.
Chegamos até o caminhão que estava estacionado com as sementes, lá,
encontramos outros dois trabalhadores, os que estavam conosco, foram em direção
a uma outra semeadora, em outro campo.
SUJEITO A, um senhor de idade, 56 anos, que tem o correspondente a quarta série
do ensino Fundamental.
SUJEITO B, um homem de 30 anos, que tem a 8ª série do Fundamental, juntos dele
estava o seu filho, de 14 anos, que cursa na 7ª série do Fundamental, e estava lá
ajudando o pai no domingo desta conversa.
Os olhares eram curiosos, mas desconfiados.
PROPRIETÁRIA: Essa é a Bárbara, ela esta fazendo um trabalho sobre o arroz pra
escola.
Os dois senhores que se encontravam ali, se entreolharam desconfiados.
PROPRIETÁRIA: Eu conheço a Bárbara desde pequeninha, ela é filha do Tio Balta.
SUJEITO A: Se é filha do Tio Balta e conhecida da senhora, é gente boa.
PESQUISADORA: Obrigada. O senhor pode conversar comigo um pouco?
SUJEITO A: Claro, o que tu quer saber sobre o arroz?
PESQUISADORA: o senhor trabalha com o arroz aqui há muito tempo?
SUJEITO A: Sim, há muito tempo, conheço o Erni desde criança. E desde moço
trabalhei com o arroz.
PESQUISADORA: Então o senhor vai poder me ajudar muito.
SUJEITO A: O que for sobre o arroz, eu te ajudo sim.
Deixando claro pelo tom de voz que falaria apenas sobre o arroz.
(...)
PESQUISADORA: eu quero aprender um pouco mais sobre o arroz.
SUJEITO A: olha é uma coisa, caminhá e participá é outra diferente (risos)
91
Enquanto eu caia numa vala...
(...)
(...)
PESQUISADORA: como o arroz é semeado?
SUJEITO A: ah, hoje é tudo muito moderno, tudo tem trator fazendo pela gente, a
gente só cuida pra que de tudo certo, abastecemos as sementes, cuidamos onde
esta o rastro e um pra ir do lado, ih, assim é rapidinho.
PESQUISADORA: e como era feito antes?
SUJEITO A: antes era tudo muito puxado, dona, e muito demorado, pra fazer uma
quadra dessa, a gente levava semana fazendo, era tudo simples, mão tinha nada
dessa maquinada toda que tem hoje. O boi ia puxando, abrindo a vala e ia caindo à
semente, daí fechava a cava e pronto, tava plantado o arroz.
PESQUISADORA: Mas então o trabalho era muito cansativo mesmo, imagina,
plantar arroz em toda essa terra aí, né.
SUJEITO A: é dona, era sim.
PESQUISADORA: E vocês não se perdiam no meio de tanta terra? Não plantavam
duas vezes no mesmo lugar?
SUJEITO A: É, as “veiz” acontecia, por isso que a gente plantava em linha reta, pra
não se perder, ia e voltava, daí não tinha erro.
PESQUISADORA: O senhor chegou a plantar arroz assim, dessa forma bem
manual?
SUJEITO A: só em casa, pra consumo da gente, eu já peguei com as semeadoras,
mas meu pai sim.
PESQUISADORA: Seu pai morava onde?
SUJEITO A: em Palmares.
(...)
PESQUISADORA: Pode-se plantar em qualquer época do ano o arroz?
SUJEITO A: Não, tem que plantar na época de calor, o pessoal daqui sempre planta
em outubro, nós que tamo atrasado [final de novembro], por que o arroz precisa de
calor pra crescer, e o dia em q ta bom, como hoje, com a terra não muito úmida, nem
muito seca, senão o trator faz muito estrago na terra, ou levanta muito pó.
(...)
92
PESQUISADORA: E hoje, como vocês não se perdem, já que não plantam mais em
linha reta?
SUJEITO A: daí vai de olho, mas não tem como se perde não, eles estão um do lado
do outro, ta vendo?
PESQUISADORA: a impressão que eu tenho que eles estão um atrás do outro.
SUJEITO A: Não, eles tão um do lado do outro, olha bem e vão fazendo assim em
curvas, pra assim poupar tempo e óleo.
SUJEITO B: É fácil, eles trabalham junto na quadra.
PESQUISADORA: Poupar óleo?
SUJEITO A: sim, moça, as quadra não são tudo quadrada,são tudo assim, diferente,
daí em curvas, eles fazem em menor tempo e gastando menos óleo do trator.
PESQUISADORA: Hum...
SUJEITO A: se fosse em linha reta, depois ia te q volta pra fazer os canto, e passar
por cima donde já tinha plantado.
PESQUISADORA: Quanto tempo vocês levam pra plantar?
SUJEITO A: aqui nas terras da dona Yolanda, levamos uns 6 dias, se o tempo tiver
bom.
PESQUISADORA: e essa área aqui?
SUJEITO A: na velocidade que está, hoje terminamos essa parte.
(...)
PESQUISADORA: E as sementes?
SUJEITO A: Ficam na parte de trás da semeadora, , é como se fosse o funil que
caia na vala antigamente, ela [semeadora] anda, abre as vala, e cai à semente por
um monte de buraco que tem lá e em seguida já fecha.
PESQUISADORA: E a quantidade de semente que cai?
SUJEITO A: ah, isso depende do que puxa o trator, tudo tem uma velocidade certa,
se ele for muito rápido, cai pouca semente, se ele for muito devagar cai muita
semente,daí se gasta mais semente e se perde na produção.
PESQUISADORA: Perde-se na produção?
SUJEITO A: Sim, por que quando tem muita semente, cria muito “inço”, e daí o
arroz bom se perde.
(...)
PESQUISADORA: E o que é Física?
SUJEITO A : O que é Física? Não sei...
93
PESQUISADORA: E Matemática, o que é?
SUJEITO A: Matemática é a parte das continhas, dos cálculos da escola, mas nós
também usamos a matemática aqui, né.
PESQUISADORA: Sim, e onde o senhor usa a matemática aqui?
SUJEITO A: Em tudo... (risos)
(...)
PESQUISADORA: Mas o que o senhor entende por física?
SUJEITO A: Olha, física pra mim é o tempo.
PESQUISADORA: Tempo?
SUJEITO A: Sim, quando chove, quanto ta quente, quando ta úmido, essas coisas
de física, as estações do ano.
PESQUISADORA: A lavoura, então, tem alguma coisa de cientifico, e matemático,
de físico?
SUJEITO A: Não, tem muito é de prática mesmo.
PESQUISADORA: e a escola e a tecnologia?
SUJEITO A: eles ajudam o nosso serviço, essa tecnologia toda nos ajuda a ganhar
tempo nas coisas com um tempo menor.
(...)
Quando a semeadoura veio abastecer de sementes, tivemos mais um momento de
conversa e outro trabalhador rural também participou do diálogo.
(...)
PESQUISADORA: De quanto em quanto tempo vocês que repor as sementes?
SUJEITO B: tem que colocar uam vez só por quadra.
PESQUISADORA: Em cada semeadora?
SUJEITO B: sim.
PESQUISADORA: quantos sacos cabem em cada semeadora?
SUJEITO A: a gente coloca 40 sacos de semente e 70 de adubo.
PESQUISADORA: é sempre a mesma medida?
SUJEITO A: não, depende, às vezes dá 60 de semente e 40 de adubo na época de
chuva.
PESQUISADORA: Varia o adubo conforme o tempo?
94
SUJEITO A: Sim, mais chuvoso, a gente coloca menos adubo, mais seco, mais
adubo.
PESQUISADORA: O cálculo de abastecimento de vocês nunca falha?
SUJEITO A: Se o que ta puxando vai devagar, temos que colocar mais uma sou
duas vez semente.
(...)
CONSTRUÇÃO DE TAIPAS
O Movimento na Granja Bins começou cedo, ao chegar lá, estavam
trabalhando com as entaipadeiras. O trabalho de nivelamento do terreno iria
começar.
Sujeito C: Homem de 45 anos, com a 6ª série do Ensino Fundamental.
Sujeito D: Homem de 40 anos , com o Ensino Fundamental completo.
(...)
PESQUISADORA: E hoje, então é a construção das taipas?
SUJEITO C: Sim senhora, é o mais importante da lavoura, se isso é feito errado,
tudo pode se perder.
PESQUISADORA: Como assim se perder?
SUJEIRO C: As taipas seguram a água do arroz, se for feito errado, pode faltar água
numa parte e sobrar em outra, se sobra cresce muito inço e arroz ruim, se falta pode
perder até o arroz.
PESQUISADORA: Nossa!
SUJEITO C: É... é a parte mais importante da plantação de arroz.
PESQUISADORA: E como são construídas as taipas?
SUJEITO C: As taipas são morros que seguram a água, a água fica ali sempre da
mesma altura, nem muita baixa, nem muito alta, em todo campo.
PESQUISADORA: Mas como se sabe onde tem que construir as taipas?
95
SUJEITO C: Olha, eu não sei, quem faz isso é esse pessoal daí [se referindo ao
pessoal de Porto Alegre que estava lá] eles trazem uma máquina e mostra onde a
entaipadeira tem que ir.
PESQUISADORA: Todo ano é assim?
SUJEITO C: Sim, todo ano o seu Erni trás eles.
SUJEITO D: Mas não foi sempre assim, antigamente tinha um nivelador manual,
mas quem fazia era o pessoal do IRGA, eles é q diziam onde faze as taipas.
PESQUISADORA: O senhor chegou a ver isso?
SUJEITO D: Não, mas a gente ouve falar, um conta aqui, outro ali...(risos)
(...)
PESQUISADORA: Mas como funciona as taipas?
SUJEITO C: Bom, as taipas servem pra irrigar o terreno, certo?
PESQUISADORA: Certo.
SUJEITO C: em cima fica o conduto, quando as taipas tão prontas, daí se abre o
conduto, que inunda tudo. O arroz é da água, cresce nágua.
PESQUISADORA: O que é conduto?
SUJEITO: É onde fica a água que vem do rio. Se puxa a água do rio pro conduto.
PESQUISADORA: É como se fosse um poço?
SUJEITO C: É.
PESQUISADORA: Lá em cima fica o conduto porque?
SUJEITO C: Porque em cima fica mais fácil de descer a água, que ela é fininha e
branquinha.
PESQUISADORA: E se o conduto ficasse em outra parte, uma mais pra cá?
SUJEITO C: Daí é mais difícil, porque ela ia que subir, em vez de descer, e daí
complica né.
PESQUISADORA: E a as taipas, elas têm um tamanho certo?
SUJEITO C: Sim, tem a entaipadeira que faz tudo sozinha, mas tem sim uma altura
certa pra isso.
PESQUISADORA: E que altura?
SUJEITO C: As taipas o são muito altas não, são assim (apontando pro morro de
terra onde a entaipadeira tinha acabado de passar na altura de aproximadamente
40cm.).
96
PESQUISADORA: E elas saem sempre iguais?
SUEJITO C: Depende, depende do trator.
PESQUISADORA: Porque?
SUJEITO C: Se ele vai muito rápido, a taipa não fica boa, ela fica esfarelenta e logo
desmorona, e se for devagar, ela fica muito dura, daí também não é bom. Tem que
ser no ponto. (risos)
(...)
SUJEITO C: A água desce de lá, e inunda todo o arroz.
PESQUISADORA: E tem alguma velocidade específica?
SUJEITO C: Ah moça, ela corre devagarinho... (risos)
Depois de um pouco de risos...
PESQUISADORA: As taipas ficam perto umas das outras, então recebem a água
que vem do conduto e enchem estas valas, é isso?
SUJEITO C: É isso!
PESQUISADORA: Mas o canal fica todo cheio de água?
SUJEITO C: Não, tem que ter isso de água (mostrando com a mão o equivalente a
2/3 d altura da taipas que era de 40cm), o resto é livre, porque tem as chuvas
também, senão transborda tudo.
SUJEITO D: Com muita água cresce muito inço ou também afogamos o arroz.
PESQUISADORA: E como se sabe a altura ideal da água?
SUJEITO D: Antigamente eles tinha uma tabela, mas um estudado entendia. Na
tabela tinha tudo, a gente fazia as taipa, os canal e eles vinha olha e vê se tava tudo
certo com essa tabela.
PESQUISADORA: Será que tem algo de matemático nisso tudo?
SUJEITO D: Ah, isso deve, mas não sei onde... eu não sei usa ela.
PESQUISADORA: Será que isso não poderia ser ensinado numa escola?
SUJEITO D: se for na ETA [Escola Técnica Agrícola, localizada em Viamão/RS]
ou outro lugar assim, que ensina agricultura.
97
APÊNDICE B – Roteiros das entrevistas sobre semeadura e entaipamento.
98
Os roteiros mencionados no texto, são apenas os assuntos que deveriam ser
abordados nas entrevistas, pois não se poderia preparar todo um questionário,
devido a respostas abertas sobre os assuntos, também não poderia prever o
andamento da mesma. Então, abaixo, listo os assuntos que seriam abordados nas
entrevistas.
Semeadura:
Tempo de trabalho com o arroz.
Localidade.
Família
Prática
Área de plantio, tempo previsto, técnica em si.
Abastecimento da semeadora.
Época de Plantio.
Relação com a Ciência.
Matemática e Física do Arroz.
Entaipamento:
O que é taipa?
Tamanho, altura e localização.
Utilidade e importância das taipas.
Irrigação da lavoura.
Nivelamento.
Água, conduto
99
ANEXO
100
UBIRATAN D'AMBROSIO
Rua Peixoto Gomide 1772 ap. 83
01409-002 São Paulo, SP e-mail: [email protected]
Telefone 0-**-11-3088.0266
Fax 0-**-11-3082.5437
PARECER SOBRE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
apresentado na
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRO-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
Candidata: Bárbara da Silva Anacleto
Orientador: Renato Pires dos Santos
Título: Etnofísica na Lavoura de Arroz
Data: 17/09/2007.
Horário: 14:00 horas
Avaliador: Ubiratan D’Ambrosio
Parecer:
A candidata submete uma dissertação sobre um tema de grande
relevância para o Ensino de Ciências e Matemática, particularmente Física. Como
estratégia pedagógica, a Etnofísica, assim como a Etnomatemática, insere o aluno
no processo de produção de seu grupo comunitário e social e evidencia a
diversidade cultural e histórica em diferentes contextos.
A opção de trabalhar com as relações entre o fazer e o saber na lavoura do arroz
está em sintonia com uma das tendências mais notadas no panorama internacional
da Educação Científica, que é procurar nas tradições e práticas populares e nas
profissões ligadas aos sistemas de produção as relações entre o conhecimento
científico e o conhecimento prático. A candidata resgata sistemas de conhecimento
que servem de apoio às práticas na produção de arroz.
A escolha da lavoura de arroz é muitíssimo oportuna, pois, como ela mostra na
dissertação, o cultivo do arroz é fundamental. Com a fusão de análises geográficas,
etnográficas, históricas e econômicas, Bárbara traça vários aspectos ligados ao
cultivo do arroz e examina o papel importante dessa produção na economia e nas
bases de sustento do povo brasileiro. Mostra como essa produção se insere na
ecologia política do país. Localiza sua pesquisa no Município de Palmares do Sul,
mas a dissertação deve servir de modelo para inúmeras outras dissertação que
serão feitas em outros regiões do país, focalizando outros sistemas de produção.
Antecipo que muitas dissertações de mestrado se orientarão por esta dissertação,
que, sem qualquer demora, deve ser publicada.
Este trabalho ilustra muito bem uma das mais importantes recomendações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, mostrando como ligar a Física e a Matemática a
fenômenos cotidianos, culturais e sociais. Focalizando o meio rural, a autora mostra
como o senso comum dos trabalhadores rurais é uma fonte inesgotável de
conhecimentos científicos.
101
Os elementos essenciais para uma dissertação de Mestrado estão muito bem
organizados. O trabalho é muito bem documentando, sintetizando os principais
aspectos da produção de arroz. A fundamentação teórica para a pesquisa é
atualizada e coerente. A metodologia é rigorosa. As entrevistas o muito bem
conduzidas e de grande interesse. Os depoimentos são muito ricos e poderão ser
exploradas para trabalhos posteriores, pela própria pesquisadora ou por outros que
se interessem em detalhar alguns dos aspectos estudados. A bibliografia é ampla e
adequada.
Comparado ao material apresentado para a qualificação, nota-se o cuidado da
autora em dar à dissertação o acabamento necessário para apresentação numa
linguagem precisa e interessante, ortográfica e gramaticalmente correta.
Parabenizo candidata e orientador pelo excelente trabalho.
CONCLUSÃO: Aprovo a dissertação, atribuindo o conceito máximo e a nota máxima
regimentais do programa. Recomendo sua publicação.
São Paulo, 17 de setembro de 2007
Assinado: Ubiratan D’Ambrosio
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