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ANGÉLICA GIOVANINI MICHELETTI LESSA
MISSA FERIAL DE OSVALDO LACERDA
UMA ANÁLISE INTERPRETATIVA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
SÃO PAULO - 2007
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ANGÉLICA GIOVANINI MICHELETTI LESSA
MISSA FERIAL DE OSVALDO LACERDA
UMA ANÁLISE INTERPRETATIVA
Dissertação apresentada à Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de Mestre em
Música.
Área de Concentração: Musicologia
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva
Ramos
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
SÃO PAULO - 2007
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Folha de aprovação
Angélica Giovanini Micheletti Lessa. “Missa Ferial de Osvaldo Lacerda: uma análise
interpretativa”. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Música. Área
de Concentração: Musicologia.
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Ramos
Data de aprovação: _____/____/ 2007
Banca Examinadora
____________________________
Prof.( ª ) Dr. ( ª )
Instituição:
____________________________
Prof.( ª ) Dr. ( ª )
Instituição:
____________________________
Prof.( ª ) Dr. ( ª )
Instituição:
____________________________
Prof.( ª ) Dr. ( ª )
Instituição:
____________________________
Prof.( ª ) Dr. ( ª )
Instituição:
DEDICATÓRIA
Aos meus pais,
Catarina e Tarciso,
que muito fizeram e
fazem por mim.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Ramos, que, como orientador, muito contribuiu para meu
aprendizado.
À Profª Suzana Cecília Igayara, pela atenção e apoio durante a realização deste trabalho.
A todos os professores que participaram de minha formação.
Ao compositor Osvaldo Lacerda, pela disponibilidade e delicadeza em me receber, fornecendo
informações preciosas a respeito de sua obra.
Aos meus pais, Catarina e Tarciso, pelo muito que fizeram e ainda fazem por mim.
Aos meus queridos Gustavo e Enrico, por estarem sempre ao meu lado.
RESUMO
O objeto deste trabalho é a Missa Ferial de Osvaldo Lacerda, sobre a qual se fará uma
análise musical. Composta entre os meses de fevereiro e março de 1966 trata-se de uma missa
escrita para coro misto – SATB - a capella para ser cantada nos dias comuns do calendário
litúrgico da Igreja Católica Romana. A Missa Ferial, que data do período em que o compositor
Osvaldo Lacerda atuou como membro da Comissão Nacional de Música Sacra, é a primeira de
suas quatro missas que apresentam elementos da cultura brasileira agregados à música sacra
católica, de acordo com as determinações do Concílio Vaticano II. O primeiro capítulo desta
dissertação analisa os aspectos freqüenciais da missa: a melodia, o contraponto entre as vozes e o
elemento harmônico em cada uma das partes que compõem a obra. Já o segundo capítulo trata
dos aspectos referentes ao timbre e à graduação de intensidade sonora no decorrer da missa. O
terceiro capítulo deste trabalho analisa o aspecto rítmico e a utilização deste na construção da
obra como um todo.O quarto capítulo relata apontamentos para uma possível performance da
Missa Ferial a partir da utilização de todo o desmonte analítico na construção de uma concepção
interpretativa da obra. O estudo de cada um desses elementos que formam a obra foi
desenvolvido a partir do referencial de análise do Marco Antonio da Silva Ramos, da utilização
de bibliografia específica sobre análise musical, e do estudo sobre documentação referente à
música sacra depois do Concílio Vaticano II, principalmente os documentos da Comissão
Nacional de Música Sacra. Tem-se, ainda, como referência de estudo da obra, a entrevista inédita
realizada com o compositor - encontra-se como apêndice deste trabalho. Para melhor
compreensão das constâncias rítmicas da música brasileira, buscou-se a coleta de dados a partir
de dados de pesquisa realizada por Villa-Lobos. Este trabalho, portanto, fornece subsídios para
novos parâmetros interpretativos.
Palavras-chave: Análise Interpretativa - Missa Ferial - Osvaldo Lacerda - Canto Coral SATB-
Música Brasileira
ABSTRACT
The musical analysis of the Missa Ferial Osvaldo Lacerda is the objective of this study.
This mass was written between the months of February and March of 1966 and was intended for
a mixed chorus(SATB) which was to be sung, a capella, on the common days of the liturgical
calendar of the Roman Catholic Church. The Missa Ferial was composed at the time when the
composer was an acting member of the National Commission of Sacred Music. It is the first of
his four masses that represent the union of Brazilian cultural elements with sacred Catholic
music, in accordance with the resolutions of the Vatican Council II. The first chapter of this
dissertation analyzes the frequent aspects of the mass in relation to: the melody, the counterpoint
between voices, and the harmonic element in each of the parts that makes up the overall structure
of the mass. The second chapter deals with aspects dealing with timbre as well as the graduation
of sonorous intensity throughout the piece. The third chapter of this study analyzes the aspect of
rhythm and the application of these rhythms within the composition’s construction in its whole.
By means of an analytical dissection of the Missa Ferial, the fourth chapter presents
interpretative annotations for the possibility of a performance of this work. The analysis of each
of these elements that are embodied within the structure of this composition, was made possible
by the application of the guidelines developed by Marco Antonio da Silva Ramos through the
utilization of his documented study on musical analysis, as well as the study of the
documentation referring to sacred music according to the Vatican Council II, and principally the
documents from the National Commission of Sacred Music. It must be mentioned as well, in
reference to the study of the composition, an interview made with the composer himself(of which
can be encountered in the appendix of this study). In order to better understand the rhythmic
constancies of Brazilian music, a collection of data was taken and analyzed from the research of
Villa-Lobos. This study may hopefully provide groundwork for new interpretive perspectives.
Key-words: Interpretation Analysis - Mass Ferial – Osvaldo Lacerda - Choral Sing SATB
Brazilian Music
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1 - OS ASPECTOS FREQÜENCIAIS: MELODIA,
CONTRAPONTO E HARMONIA NA MISSA FERIAL ..................................... 16
1.1. Kyrie ........................................................................................................................ 16
1.2. Sanctus ..................................................................................................................... 40
1.3. Benedictus ............................................................................................................... 56
1.3.1. Fugato ............................................................................................................. 56
1.3.2. Alegre ............................................................................................................. 63
1.4. Agnus Dei ................................................................................................................ 77
CAPÍTULO 2 - OS ASPECTOS RELATIVOS AO TIMBRE
E ÀS INTENSIDADES ..................................................................................... 85
2.1. Kyrie ........................................................................................................................ 85
2.2. Sanctus ..................................................................................................................... 91
2.3. Benedictus ............................................................................................................... 97
2.3.1. Fugato ........................................................................................................... 97
2.3.2. Alegre ........................................................................................................... 99
2.4. Agnus Dei .............................................................................................................. 104
CAPÍTULO 3 - FIGURAÇÕES RÍTMICAS NA MISSA FERIAL .................... 108
3.1. Da Utilização das Constâncias Rítmicas ............................................................... 108
3.2. As Figurações Rítmicas nas Construções Temáticas ............................................ 112
3.2.1. Kyrie ............................................................................................................ 112
3.2.2. Sanctus ........................................................................................................ 115
3.2.3. Benedictus ................................................................................................... 120
3.2.3.1. Fugato ............................................................................................ 120
3.2.3.2. Alegre ............................................................................................. 121
3.2.4. Agnus Dei .................................................................................................... 122
3.3. Da Utilização das Figurações Rítmicas na Missa Ferial ....................................... 123
CAPÍTULO 4 - A MISSA COMO UM TODO:
APONTAMENTOS PARA UMA POSSÍVEL PERFORMANCE ..................... 126
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 133
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 135
APÊNDICE........................................................................................................140
ANEXO..........................................................................................................................149
9
INTRODUÇÃO
“Tudo vem de algum lugar”, raciocinava Haroun, “portanto”,
não é possível que estas histórias sejam feitas assim, só de ar.”
(Salmon Rushdie)
1
Este trabalho tem como objetivo uma análise estético-estilística da Missa Ferial, obra do
compositor brasileiro Osvaldo Lacerda. Tal análise se dará através do levantamento de dados
sobre o compositor e sua obra, além do estudo abrangente dos elementos que formam a missa, na
busca de uma concepção interpretativa embasada.
Sem pretender realizar uma biografia, será fornecido, a seguir, um breve relato de sua
trajetória de vida, uma vez que se acredita ser de alguma utilidade para a compreensão tanto de
seu caminho profissional quanto dos traços definidores de sua obra.
O compositor Osvaldo Lacerda nasceu na cidade de São Paulo em 23 de março de 1927.
Seus estudos musicais iniciaram-se aos nove anos de idade, com a professora Ana Veloso de
Resende (piano) e, posteriormente, aperfeiçoou-se com Maria dos Anjos Oliveira Rocha e José
Kliass. No período de 1945 a 1947 estudou harmonia com Ernest Kirskie e, de 1952 a 1962, foi
aluno do renomado compositor Camargo Guarnieri. Complementou seus estudos nos Estados
Unidos da América em 1963, onde fez estágio como bolsista da John Simon Guggenheim
Memorial Foundation, de Nova Iorque.
Osvaldo Lacerda sempre teve grande atuação na vida musical de nosso país, através da
valorização da música brasileira, levando ao conhecimento do público composições e
compositores brasileiros. Foi diretor e fundador da Sociedade Artística de São Paulo (1949-
1
Rushdie, Salman. Harun e o Mar de Histórias.Companhia das letras. Trad. Isa Mara Lando, 2201. Harun and the
sea of stories. ISBN – 85-7164-767-4.
10
1955); criador da Sociedade Pró-Música (1961-1966); consultor junto à Comissão Nacional de
Música Sacra (1966-1970) - fato este de enorme relevância para a compreensão da Missa Ferial;
integrou o corpo docente da Escola Municipal de Música de São Paulo (1969-1992). Atuou
como professor na Escola Santa Marcelina. Foi membro fundador do Centro de Música
Brasileira (dezembro de 1984); participou do encontro anual de compositores da América Latina
–“Sonido de las Américas” (de 05 a 14 de abril de 1996 na cidade de Nova Iorque). Atuou como
assistente do compositor Camargo Guarnieri como professor de Harmonia, Contraponto e
Análise, tendo por alunos, entre outros, Raul do Valle, Almeida Prado, Sérgio Vasconcelos
Corrêa, Nilson Lombardi e Lina Pires de Campos. Desenvolveu importante carreira como
professor, não só institucionalmente, mas também em sua casa. Nesse trabalho como professor
possui três obras didáticas: o método “Curso Preparatório de Solfejo e Ditado Musical”; e os
livros “Compêndio de Teoria Elementar da Música” e “Regras de Grafia Musical”.
Osvaldo Lacerda compôs para diversos meios de expressão musical, e dentre suas obras
constam composições instrumentais, orquestrais e vocais. Em todas as diferentes formas de
expressão, o seu estilo se confirma em um nacionalismo, feito de extenso conhecimento da
música brasileira, aliado a um sólido domínio das técnicas de composição. O compositor
escreveu quatro missas, que são: Missa a Duas Vozes (1966); Missa Ferial – SATB - (1966);
Missa Santa Cruz – SATB + congregação (1967); Missa a Três Vozes Iguais (1971).
A Missa Ferial, objeto de reflexão deste trabalho, é uma obra de solidez técnica que
agrega, a uma linguagem erudita de construção harmônico-contrapontística, heranças folclóricas
e populares da música brasileira. Sua riqueza tímbrica trabalhada a partir da exploração de
diferentes texturas na criação de diversas ambiências sonoras, aliada à utilização de processos e
fórmulas tipicamente brasileiras em cada um dos elementos de sua construção, fazem-na
possuidora de importante densidade musical.
A obra em questão data do período em que o compositor atuou como consultor junto à
Comissão Nacional de Música Sacra (1966-1970). Naquela ocasião, a música sacra brasileira
passava por um processo de aculturação, pois o Concílio Vaticano II tinha, como um de seus
desideratos, a agregação de formas e elementos composicionais folclóricos e populares à música
sacra, para que esta “...expresse melhor a alma de nosso povo em suas celebrações litúrgicas”
11
(Música Brasileira na Liturgia pág. 7). Este órgão de assessoramento do Secretariado Nacional de
Liturgia reuniu músicos convidados de todo o Brasil para reflexão sobre as questões musicais
propostas pelo Sacrosanctum Concilium aplicadas à realidade brasileira. Foram realizados quatro
Encontros Nacionais de Música Sacra, a saber: Valinhos – SP (1965); Vitória – ES (1966); e dois
no Rio de Janeiro (em 1967, ainda Estado da Guanabara e em 1968 na cidade do Rio de Janeiro –
RJ).
A Missa Ferial é a primeira das quatro missas acima citadas que apresenta a agregação
dos elementos folclóricos e populares da música brasileira. Tal agregação nada mais é, segundo o
próprio compositor, que o resultado de pesquisas e do conhecimento por ele adquirido através do
estudo de obras folclóricas e, portanto, de sua familiaridade com os elementos que formam as
constâncias da música popular brasileira, pois ele já se utilizava destas constâncias em suas
composições. A agregação destes elementos à música sacra deu-se após as transformações
estabelecidas pelo Concílio Vaticano II.
Escrita entre os meses de fevereiro e março de 1966, a Missa Ferial foi uma sugestão do
Padre José de Almeida Penalva, como exemplo de composição deste gênero musical dentro do
processo de aculturação estabelecido pelas leis que regiam a criação artística sacra. O Kyrie desta
missa foi composto no Festival Internacional de Música do Paraná deste mesmo ano, e o coro -
formado por participantes do curso, executou a primeira parte da obra. Posteriormente, o
compositor escreveu as demais partes e apresentou-as à Comissão Nacional de Música Sacra, por
ocasião do II Encontro Nacional de Música Sacra, realizado entre 30 de junho a 7 de Julho de
1966. A sua primeira audição deu-se em 23 de outubro do mesmo ano, na cidade de Curitiba,
cantada pelo Coro da Sociedade Pró Música de Curitiba, regido pelo Padre José de Almeida
Penalva. A autorização para a sua execução pública foi concedida pelo Padre José Geraldo de
Souza, membro representante da Comissão de Música Sacra do Departamento Regional de
Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), conforme se mostra abaixo:
12
OSVALDO LACERDA
13
A Missa Ferial, como o próprio nome já diz, é uma obra que pode ser executada durante o
ato litúrgico nos dias feriais (não santos), de acordo com o calendário litúrgico da Igreja Católica.
A obra é formada pelas seguintes partes fixas da missa romana: Kyrie, Sanctus – Benedictus,
Agnus Dei.
No conjunto das missas escritas por Osvaldo Lacerda, a Missa Ferial tem papel próprio,
pois:
é a sua única missa composta para coro a quatro vozes a capella
é aquela que possui maior complexidade técnica (no dizeres do próprio autor, foi
composta para ser executada por um coro profissional
2
);
é uma obra de solidez técnica composicional, adquirida, segundo Osvaldo Lacerda,
através da escola do compositor Camargo Guarnieri;
como se verá no decorrer das análises desta dissertação, está presente na Missa Ferial
preocupação do compositor em relação à questão tímbrica, com a finalidade de criar
ambientes sonoros, seja a partir do contraste entre as diferentes texturas, seja na utilização
dos elementos na participação da construção da obra como um todo.
A escolha da Missa Ferial como objeto de estudo de pesquisa deste trabalho ocorreu por
se tratar de uma obra que, embora possua denso valor artístico, é pouco divulgada. O foco deste
trabalho estará no levantamento e na análise dos elementos que formam a obra e das questões
estético-estilísticas pertinentes à realização de uma análise interpretativa.
A análise estilística da
Missa Ferial será realizada a partir de reflexão sobre os dois artigos de Osvaldo Lacerda
3
. Em
ambos os artigos o compositor relata, através de exemplos musicais de suas quatro missas, o
processo composicional de agregação de elementos populares e folclóricos brasileiros a este
gênero musical. Em seu artigo “Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular
Brasileira e seu Aproveitamento na Música Sacra”, o compositor elenca os elementos musicais
2
Lacerda, Osvaldo de. Em entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2007. Cf. anexo A.
3
Lacerda, Osvaldo de. Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005.
14
que representam constâncias na música popular brasileira:
“As constâncias da música popular podem ser de ordem rítmica, melódica,
harmônica, polifônica, tímbrica e formal”.
4
A análise desta obra, portanto, será realizada em cada um destes elementos, em particular
através dos exemplos utilizados pelo próprio compositor e através do referencial de análise
desenvolvido pelo Professor Doutor Marco Antônio da Silva Ramos em sua tese de livre-
docência
5
.
A construção analítica será embasada, também, a partir da reflexão sobre entrevista
realizada com o compositor.
6
Ainda como referência ao momento histórico em que vivia a música sacra no Brasil, é
importante ressaltar que serão utilizados artigos de autoria de membros da Comissão Nacional de
Música Sacra, já que estes, assim como o próprio compositor, encontravam-se imbuídos do
propósito de aculturação da música sacra nacional.
7
Este trabalho, portanto, compreende a análise estético-estilística de cada um dos
parâmetros referidos pelo compositor, bem como de suas relações com as informações adquiridas
a com as informações coletadas por meio de pesquisas, cuja finalidade é a fundamentação teórica
deste trabalho.
O primeiro capítulo apresenta uma análise dos aspectos freqüenciais que
compreendem a melodia (de caráter modal), a harmonia e o contraponto na construção da obra. A
estrutura de cada parte da missa também será focada como parte integrante dos aspectos
freqüenciais, devido à relação que mantém com o desenvolvimento melódico.
Após a análise pormenorizada de cada um destes elementos e de suas relações
quanto ao emprego das constâncias em particular, será apresentado um esqueleto harmônico, no
4
Lacerda, Osvaldo de. Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular Brasileira e seu Aproveitamento
na Música Sacra. In Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 64.
5
RAMOS, Marco Antônio da Silva. Referencial de Análise Reformulado. 2003. 104 f. volume 2. Tese de livre-
docência - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 38-74.
6
Lacerda, Osvaldo de. Em entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2007. Cf. anexo A.
7
Possuem artigos publicados com a colaboração dos compositores membros da Comissão Nacional de Música Sacra,
da qual Osvaldo Lacerda fazia parte: Amaro C. Albuquerque; Nicola Vale; José Geraldo de Souza; José Alves de
Souza.
15
qual se poderá ter uma visão mais abrangente dos referidos elementos na construção de cada
trecho da obra.
O segundo capítulo trata dos aspectos relativos ao timbre e às intensidades, que
serão analisados em cada parte da missa em particular; trata também da relação dos referidos
elementos na construção de cada trecho em que se subdividem as quatro partes da obra.
O terceiro capítulo da dissertação destaca o aspecto rítmico na construção da
Missa Ferial quanto ao emprego das constâncias, na escolha das figurações rítmicas na
representação dos acentos do texto litúrgico e na construção temática de cada parte da missa.
O próximo capítulo aborda a construção da obra como um todo. Isso se dá a partir
da reflexão sobre as conclusões de cada aspecto anteriormente estudado, através de apontamentos
que sugerem uma leitura interpretativa para uma possível performance.
A entrevista com o compositor, apresentada em anexo, teve como principal
objetivo a coleta de novos dados sobre a obra, bem como sobre o compositor e seu pensamento
musical. Nela, Osvaldo Lacerda relata suas considerações acerca do Nacionalismo, e aborda
diversos outros assuntos, como a escola de composição de Camargo Guarnieri, do período em
que atou como consultor junto à Comissão de Música Sacra, da Missa Ferial em particular, das
demais Missas, do seu processo composicional, da interpretação das obras de compositores
brasileiros por intérpretes brasileiros, o Centro de Música e, finalmente a respeito das aulas com o
compositor Guarnieri e da influência deste no seu processo composicional.
Pretende-se que este trabalho possa, de alguma forma, contribuir para a divulgação
da obra e de criação de uma base teórica de referência para novos parâmetros interpretativos.
16
CAPÍTULO 1
ASPECTOS FREQÜENCIAIS: MELODIA, CONTRAPONTO E
HARMONIA NA MISSA FERIAL
1.1 KYRIE
A estrutura do Kyrie é realizada na forma tradicional de recitação do texto litúrgico:
Kyrie eleison / Senhor tende piedade de nós (cantada três vezes)
Christe eleison /Cristo, tende piedade de nós (cantada três vezes)
Kyrie eleison / Senhor, tende piedade de nós (cantada três vezes)
Portanto, apresenta forma A-B-A com a subdivisão ternária em cada uma das partes.
Do texto litúrgicoSenhor, Tende piedade de nós - têm-se as três frases que compõem a
primeira sessão do Kyrie. Estas formam uma sentença cujo tema inicial é desenvolvido por
aumentação: do compasso 1 ao 3 há a primeira apresentação temática; do 3 ao 6 é construída a
primeira repetição variada; do 6 ao 12 nota-se a segunda repetição variada.
O tema anacrústico confiado ao contralto inicia-se na nota si; após alcançar uma terça
menor ascendente, este retoma a nota si com a execução de arpejo menor ascendente em posição
fundamental; do grau conjunto entre as notas fá sustenido e mi tem-se uma quinta descendente
que retorna à nota si. Do desenvolvimento melódico a partir do compasso 3,
observam-se
alterações intervalares que alcançam o seu ponto culminante no compasso 8. A esta frase
associam-se motivos melódicos que conduzem ao final desta sessão.
17
A forte caracterização brasileira nessa sessão do Kyrie é resultado do emprego modal
como uma das constâncias populares utilizadas na sua construção. Este procedimento é relatado
pelo compositor, em artigo de sua autoria:
“O emprego de constâncias nordestinas na música sacra não provoca,
via de regra, reações contrárias, uma vez que a melódica do Nordeste
costuma apresentar um sabor modal, que a faz entrosar naturalmente
com a música sacra tradicional”.
8
Mais à frente, em duas ocasiões, Osvaldo Lacerda fala especificamente sobre o emprego
modal neste trecho da missa:
“A melodia confiada aos contraltos encontra-se no modo dórico (I),
que, como todos sabem, freqüenta regularmente o folclore nordestino”.
9
“O modo dórico é também encontradiço no folclore nordestino e nortista.
Utilizei-o em melodia própria, mas da maneira como costuma aparecer no
folclore, no Kyrie da Missa Ferial”
10
.
8
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In: Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 121.
9
Lacerda, Osvaldo de. Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular Brasileira e seu Aproveitamento
na Música Sacra. In: Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 65.
18
Em outro artigo seu, intitulado “Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular
Brasileira e seu Aproveitamento na Música Sacra”, o compositor cita a mesma sessão do Kyrie
como exemplo de adequação das constâncias à música sacra:
“Neles, usando algumas constâncias melódicas de nosso folclore e refutando o
emprego das constâncias rítmicas, creio ter chegado a um brasileirismo mais
íntimo e sutil do que se tivesse seguido o processo inverso”
11
.
Dado o caráter declamatório, no entanto, observa-se a existência da polirritmia na
construção melódica desta sessão. Sobre este aspecto em particular, Padre José Geraldo de Souza
faz a seguinte afirmação:
“Entendemos por este termo não tanto a simultaneidade
de ritmos, aliás, encontradiços em nossa música folclórica
(especialmente acompanhada de instrumento de percussão),
como a existência, numa mesma linha melódica, de
fragmentos rítmicos de medida diferente ”
12
.
10
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In: Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p.118.
11
Lacerda, Osvaldo de. Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular Brasileira e seu Aproveitamento
na Música Sacra. In: Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 65.
12
Souza, Pe. José Geraldo. Elemento de Rítmica Musical no Folclore Brasileiro. In Música Brasileira na
Liturgia.2.ed. São Paulo: Paulus, 2005.(grifo nosso)
19
A valorização do elemento melódico na agregação da constância popular, o caráter
monódico, e a indicação de tempo - à vontade - caracterizam este trecho da missa como um
recitativo.
No compasso 13 inicia-se a segunda sessão - Cristo, Tende piedade de nós - período que
se estende até o compasso 27. Do compasso 13 ao 17 ocorre a apresentação temática; do 18 ao 21
a primeira reapresentação temática é realizada a partir de variantes; no compasso 22 tem-se a
segunda reapresentação temática, que se estende até o 27, no qual termina a segunda sessão.
A segunda sessão do Kyrie abre com um tema em forma de cânone, iniciado pelas vozes
masculinas: este tema, assim como o primeiro, possui forte presença de terças maiores e menores
que são unidas por graus conjuntos.
20
Pode-se observar que as vozes caminham paralelas no desenvolvimento de contraponto de
primeira espécie, uma vez que o compositor se permitiu transgredir as leis de construção do
contraponto em função do resultado sonoro. O movimento paralelo das vozes em terças
caracteriza mais uma das constâncias empregadas por Osvaldo Lacerda: as terças caipiras, que
são relatadas em artigo de sua autoria como processos polifônicos:
“A polifonia sacra nacional pode, também, ser reforçada e
enriquecida pelo emprego de processos polifônicos próprios
da nossa música popular, processos estes que existem, são
tipicamente brasileiros e já têm sido aproveitados, com maior
21
ou menor êxito, pelos compositores de música erudita profana”.
13
Mais adiante continua:
“...Terças caipiras - incluindo-as entre os nossos processos
polifônicos, tenho em mente o sentido amplo da palavra
“polifonia”, que é o de “música em mais de uma voz”, e
não no seu sentido mais usual e restrito que é o de “música
em contraponto”. Este, obviamente, não existe, quando uma
segunda voz se limita a acompanhar a primeira, seja em terças
ou em qualquer outro intervalo”.
14
Ainda no conjunto das constâncias empregadas pelo compositor neste trecho, tem-se a
utilização de diferentes modos na condução melódica das quatro vozes, a saber:
Soprano: possui a condução melódica escrita no Modo Dórico sobre si.
Contralto: apresenta melodia escrita sobre o Modo Jônio sobre ré
15
.
13
Lacerda, Osvaldo de. Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular Brasileira e seu Aproveitamento
na Música Sacra. In: Música Brasileira na Liturgia.2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 78.
14
Idem. Ibid., p.79.
15
Este nada mais é do que a escala de Ré Maior. Optou-se por referir-se ao modo devido à construção linear da obra.
22
Tenor: nos três primeiros compassos, esta voz apresenta a sua condução melódica escrita
no Modo Jônio sobre ré. A partir do compasso 16 apresenta direcionamento melódico para a
volta ao Modo Dórico sobre si com a polarização da nota si natural. No compasso 17 a nota
sustenido é um cromatismo de caráter harmônico.
Baixo: tem sua construção melódica no Modo Jônio sobre.
23
A partir do compasso 18, a utilização de contraponto de primeira e segunda espécies entre
as vozes de direcionamento melódico variado, resulta na escuta do conjunto, na volta ao caráter
heterofônico.
Quanto ao emprego modal nestes quatro compassos, tem-se:
Soprano: Modo Dórico sobre si:
24
Contralto: Modo Jônio sobre ré:
Tenor: Modo Dórico sobre si:
Baixo: Modo Jônio sobre ré:
25
Como resultado do emprego modal tem-se a formação de diferentes tetracordes na
construção melódica das vozes:
Soprano : na linha melódica tem-se a formação do segundo tetracorde descendente
do Modo Mixolídio sobre mi, como observado no compasso 20:
Tenor: no compasso 18 há o segundo tetracorde descendente do Modo Dórico sobre si:
Baixo : no compasso 20 ocorre o primeiro tetracorde do Modo Mixolídio sobre mi:
26
No compasso 22 verifica-se a reapresentação do segundo tema, que é realizada de forma
literal pelas vozes femininas que iniciam o cânone, enquanto que as vozes masculinas executam a
mesma melodia apresentada na segunda sessão escrita de forma retrógrada.
Os compassos 25, 26 e 27 retomam a homofonia dos compassos 16 e 17 através do
emprego de contraponto de primeira espécie entre as quatro vozes, com pequenas alterações na
condução melódica. A relação de terças em movimento paralelo entre as vozes é realizada em
diferentes momentos, como forma de variedade no processo composicional, conforme se constata
abaixo:
27
Como compositor contemporâneo que é, Osvaldo Lacerda não deixa de ter uma escuta
harmônica. Esta, porém encontra-se submetida à preocupação do compositor na criação de
diferentes ambientes sonoros. Portanto, a segunda sessão é marcada pela presença do elemento
harmônico, que confere a este trecho do Kyrie variedade e caráter tímbrico no resultado sonoro.
A harmonia no Kyrie é relativamente estática: circunscreve-se nas regiões de T, Ta, Tr, S,
Sr, D e D da dominante. O que confere variedade às funções são as posições das notas das tríades
nas quatro vozes e as notas de acréscimo. O compositor utiliza as vozes em posição fechada e
aberta, caracterizando cada trecho pelo resultado sonoro quando alcança as diferentes funções.
Percebe-se um movimento paralelo entre as vozes, conseqüência natural do tratamento
modal, com o uso de terças, sextas, quartas e quintas. Segundo artigo publicado por Wladimir
Silva, na Revista de Música e Artes Piano Class, este procedimento caracteriza uma das
constâncias da música folclórica e popular brasileira:
“O ambiente harmônico é marcado pelo paralelismo polifônico
em terças e sextas – algumas vezes em quartas e quintas – e o
uso de uma progressão harmônica diatônica fundamentada na
relação tônica (subdominante) dominante.”
16
16
Silva, Wladimir. Os Modos na música Nordestina, p. 3. Encontrado no site www.pianoclass.com.br.
28
Nos compassos 14 e 15, o elemento harmônico está escrito na mesma região de tônica
onde as notas de acréscimo e a inversão da tríade fundamental garantem variedade no resultado
sonoro:
Os compassos 16 e 17 possuem a harmonia na região de Ta; S; Sr e uma única função de
D da Tr que se direciona para uma resolução no primeiro tempo do compasso 18. A resolução, no
entanto, é diluída pela utilização da fundamental e da terça do acorde escritas em oitavas
paralelas, respectivamente nas vozes masculinas e femininas:
29
A partir do segundo tempo do compasso 18 nota-se uma sucessão de Dominantes - D e D
da Dominante - com pequenas resoluções. Este trecho tem como resultado sonoro a suspensão:
No compasso 21 o elemento harmônico é escrito na região de S: este caminha para a
reapresentação temática no compasso 22 com uma cadência Plagal:
30
Do compasso 22 ao 24, a harmonia se restringe à região de T e Tr:
Os compassos 25 e 26 apresentam as funções de Ta, Tr, S e D com o direcionamento para
a conclusão na T no compasso 27:
31
O compasso 28 tem um acorde de Ta que representa o final da segunda sessão de caráter
harmônico contrapontístico e o início da linearidade da terceira sessão:
32
A terceira sessão se inicia no compasso 27 para as vozes graves, e no 28 para as agudas,
apresentando as três repetições nos seguintes compassos: do 28 ao 32 tem-se a reapresentação do
primeiro tema, na forma de variante executada pelas vozes graves e a realização de contracanto
pelas vozes agudas; do 32 ao 38 nota-se a segunda frase que apresenta o desenvolvimento
melódico das vozes sobrepostas; do 38 ao 45 há a terceira frase, condução para a cadência final
do Kyrie. Esta parte da missa é mencionada pelo compositor em artigo de sua autoria:
“...Na terceira parte deste Kyrie, o tema do início
é repetido pelos contraltos (com dobramento
à 8ª pelos baixos) e a ele se sobrepõe um contracanto nos
sopranos (com dobramento à 8ª pelos tenores)”.
17
O tema executado pelas vozes graves é uma variante do motivo que compõe o tema que
abre o Kyrie:
Tema terceira sessão (vozes graves)
Primeiro tema
Já as células musicais desenvolvidas pelas vozes agudas estão presentes na construção
musical da segunda sessão:
17
Lacerda, Osvaldo de. Constâncias Harmônicas e Polifônicas da Música Popular Brasileira e seu Aproveitamento
na Música Sacra. In: Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 77.
33
Nesta sessão, a polifonia está bastante evidente na condução melódica das vozes
dobradas: os dois temas sobrepostos apresentam constâncias populares que se agregam na
construção da polifonia. Este procedimento é relatado pelo compositor como polifonia nacional:
“O emprego de constâncias melódicas brasileiras nas duas ou mais vozes que
constituem uma obra polifônica, já empresta, é claro, caráter nacional à
polifonia”.
18
Da utilização modal como constância popular brasileira tem-se o emprego de um único
modo na condução da variante do primeiro tema, que é executada pelas vozes graves, enquanto o
contracanto é realizado pelas vozes agudas, ambos no mesmo modo: Modo Dórico sobre si até o
compasso 42 no primeiro tempo.
18
Idem. Ibidem, p. 76.
34
Na terceira sessão, com a dobra das vozes, tem-se a formação dos seguintes tetracordes:
Compasso 32 - vozes agudas:
35
Compasso 34 - vozes graves:
Compasso 37 - vozes graves:
A partir do compasso 42, a construção melódica do Soprano, Contralto e Tenor é mantida
no Modo Dórico sobre si com a utilização de cromatismo. A Linha melódica realizada pelo
baixo, no entanto, é escrita a partir do emprego do segundo tetracorde do Modo Frígio sobre si
em movimento descendente.
36
Esses três últimos compassos apresentam o desenvolvimento de contraponto de
primeira espécie entre as quatro vozes. A partir do compasso 43, portanto, tem-se a formação de
blocos sonoros representados por uma sucessão de acordes maiores e menores, que caminham em
movimento paralelo, determinando diferentes centros tonais no direcionamento harmônico da
cadência que encerra esta parte da missa: Ré Maior (Tr); Dó Maior com sétima (Dominante da
região harmônica de Fá Maior); menor (que nada mais é do que a Tr do acorde de Dó maior);
Si Maior (acorde de T do centro tonal predominante desta parte da missa). Este procedimento de
alternância de centros tonais em decorrência do emprego modal na condução melódica possui
diferentes terminologias utilizadas pelos pesquisadores e compositores, cujos termos são
relacionados em anexo do livro “O Modalismo na Música Brasileira”
19
.
Ainda nestes mesmos compassos finais, observa-se um uníssono das vozes femininas na
nota fá sustenido, enquanto que as masculinas executam a nota si. Portanto, as quatro vozes
evitam a tônica do modo utilizado. Osvaldo Lacerda se apodera, aqui, de uma das constâncias
que estão presentes na música folclórica brasileira, sobre a qual ele faz a seguinte referência em
19
Paz, Ermelinda A. O Modalismo na Música Brasileira. Brasília: Editora MUSIMED, 2002.Anexo 6.
37
um dos seus artigos:
“Muitas melodias brasileiras evitam terminar na tônica, preferindo fazê-lo nas
outras duas notas da tríade do 1º grau, isto é, na terça e na quinta.”
20
Ermelinda Paz, em “O Modalismo na Música Brasileira”, também se refere à mesma
constância da música popular brasileira:
“Assinalamos ainda ao fato de que alguns autores, ao proceder a análise de melodias
modais, prendem-se em demasia à nota final para explicar seu tipo de estrutura. Esses estudiosos,
todavia, parecem não atender para uma importante observação feita por Mário de Andrade em
Ensaio sobre a música brasileira à página 48, quanto a uma tal repugnância pela fraqueza crua da
tônica, assimilando o fato comum de a frase terminar em outros graus da tríade (em especial a
mediante ou dominante).”
21
20
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 119-120.
21
Paz, Ermelinda A. O Modalismo na Música Brasileira. Brasília: Editora MUSIMED,2002, p. 33.
38
39
40
1.2 SANCTUS
O tema que abre a primeira sessão do Sanctus inicia-se com um arpejo em oitavas entre as
quatro vozes e, a partir do compasso 2, o direcionamento melódico das quatro vozes é diverso,
com a forte presença de graus conjuntos.
A construção melódica destes quatro primeiros compassos apresenta o emprego do Modo
Mixolídio sobre (a nota lá bemol executada pelo baixo no terceiro compasso nada mais é do
que um cromatismo de caráter harmônico).
Os primeiros compassos apresentam desenvolvimento de contraponto de primeira espécie
entre as quatro vozes, com a audição de funções harmônicas pertencentes a dois centros tonais:
no segundo compasso verificam-se funções pertencentes a Maior; no terceiro o centro tonal
passa para Si b Maior e, no quarto, retoma Fá Maior.
41
No compasso 5 tem-se a apresentação do segundo tema pelo soprano, enquanto as demais
vozes realizam contraponto. O tema apresentado pela voz aguda feminina tem sua construção a
partir de motivos melódicos do segundo tema do Kyrie:
42
As linhas melódicas das quatro vozes caracterizam-se, neste trecho, pelo emprego de dois
modos sobrepostos: Mixolídio sobre fá (nas vozes agudas) e Jônio sobre fá (nas vozes graves).
43
Estes compassos encontram-se na região de Fá Maior. No compasso 10 observa-se a
presença de um acorde diminuto, que resulta do emprego modal na construção melódica.
44
Do compasso 11 ao 20, o compositor reapresenta os dois temas com pequenas alterações
melódicas: a alteração na condução melódica do soprano é realizada no compasso 13 com a
realização de motivo melódico variante do apresentado no compasso 3, enquanto que o tenor
executa outra variante melódica do mesmo motivo no compasso 12. Esses quatro compassos
caracterizam-se, portanto, pela linearidade. Quanto ao emprego modal na reapresentação
temática, tem-se:
Soprano e Tenor: mantidos em Mixolídio sobre fá
Contralto e Baixo: escritos em Jônio sobre fá
45
No compasso 15 as vozes masculinas retomam o tema em intervalo de terças, enquanto no
16, o contralto realiza motivo melódico que conduz ao desenvolvimento do contraponto entre as
quatro vozes até o compasso 20. Esses cinco compassos apresentam as seguintes regiões
harmônicas:
46
Portanto, a estrutura cíclica desta parte da missa determina o desenvolvimento melódico a
partir de pequenas alterações na condução das vozes.
No compasso 21, o Tenor executa um recitativo no Modo Lídio que introduz a mudança
do emprego modal do contralto para o mesmo modo, e direciona a condução melódica das vozes
para a cadência final da primeira sessão:
O elemento harmônico dos últimos compassos apresenta as seguintes funções na
condução para a cadência final desta primeira sessão:
47
A segunda sessão do Sanctus abre com tema executado pelo soprano com o
desenvolvimento do motivo melódico das quatro colcheias presentes no primeiro tema desta parte
da missa. A estrutura de todo o Sanctus caracteriza este trecho como um único tema –
apresentado no início – trabalhado a partir do processo de variação. A estrutura se dá não
somente no desenvolvimento melódico, mas também através do tratamento de diferentes texturas
(este procedimento será discutido no capítulo 2).
O contraste se dá através da forte caracterização brasileira, que não está presente
unicamente no emprego modalModo Mixolídio sobre fá, mas também no arpejo de sétima
diminuta que constrói a linha melódica do soprano; na alteração de andamento - poco stringendo;
poco rallentando - nos inícios e términos das frases; na articulação e na graduação da dinâmica
que reforçam o caráter melódico e a acentuação do texto litúrgico. Em artigo de sua autoria, o
compositor relata este procedimento composicional de aculturação:
“É evidente que o simples uso dessas escalas não
basta para dar caráter nacional à melodia. O que o faz
é o emprego de fórmulas e processos melódicos
caracteristicamente nossos e que podem ou não se conjugar
com as referidas escalas.”
1
1
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In. Música na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005,
p.118.
48
Outro recurso de variedade é o emprego do Modo Misto Maior na construção melódica do
contralto: trata-se de dois tetracordes de modos diferentes na formação de um novo modo misto.
A melodia possui a quarta aumentada e a sétima abaixada, o primeiro tetracorde do Modo Lídio e
o segundo do Modo Mixolídio. Esta é uma das ocorrências melódicas do nosso folclore, conforme
descrição de Osvaldo Lacerda:
“A sétima abaixada e a quarta aumentada podem
coexistir na mesma melodia”.
2
Ermelinda Paz refere-se a este modo como um dos mais ocorrentes no folclore do
Nordeste brasileiro:
“Todavia, José Siqueira e O Sistema Modal na música
folclórica do Brasil, às páginas 3-4, estabelece que os modos
mais utilizados no Nordeste são: I Modo Real (Mixolídio);
II Modo Real (lídio) e o III Modo RealMisto Maior
(mescla de lídio e mixolídio), além do I Derivado (frígio),
2
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In. Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 117.
49
II Modo Derivado (dórico) e III Modo Derivado – misto menor
(mescla de frígio e dórico)”.
3
O que dificulta a identificação modal da linha melódica deste naipe é também o fato de a
melodia iniciar-se na quinta nota da escala, outro procedimento de agregação folclórica já
mencionada.
Já o Tenor e o Baixo dividem os dois tetracordes do Modo Eóleo sobre fá, que se encontra
escrito em toda a sessão. A presença de cromatismos dificulta a caracterização modal.
3
Paz, Ermelinda A. O Modalismo na Música Brasileira. Brasília: Editora MUSIMED, 2002, p. 32-33. (grifo nosso)
50
Do início desta segunda sessão (compasso 25) ao 31, as vozes masculinas e o contralto
caminham paralelamente em contraponto de primeira espécie, cuja condução melódica se
caracteriza pela presença de graus conjuntos. Os blocos sonoros resultantes do movimento
melódico das vozes graves e do contralto conferem sustentação harmônica para o
desenvolvimento melódico do soprano. Este procedimento aproxima ainda mais o universo da
música popular brasileira, caracterizando este trecho da missa como uma melodia acompanhada.
O elemento harmônico caracteriza-se por apresentar dois centros tonais que se alternam:
Maior e Lá b Maior. A oscilação entre estes dois centros tonais resulta do emprego modal nas
quatro vozes e da presença do cromatismo nas vozes masculinas, como já mencionado quando da
análise da condução melódica: Modo Mixolídio sobre Fá no soprano; Modo Misto Maior no
51
contralto; Modo Eólio no tenor e baixo.
Ao observar-se a análise harmônica deste trecho, nota-se a presença, no compasso 27, das
notas e ré naturais. Estas não pertencem à escala de Lá b Maior: são cromatismos resultantes
do emprego modal na construção melódica do soprano.
52
A partir do compasso 31, o direcionamento melódico das vozes retoma a linearidade com
a realização de linhas melódicas pelo soprano e o contracanto pelo contralto, enquanto que as
vozes masculinas são excluídas:
No compasso 34 com anacruse, o soprano realiza linha melódica com direcionamento
para a cadência final do Sanctus, ao passo que as demais vozes executam motivos melódicos que
53
entrecortam a melodia da voz aguda feminina e determinam o elemento harmônico dos dois
últimos compassos.
54
55
Como se pode observar no esqueleto harmônico do Sanctus, a nota mi b, resultante do
emprego modal na condução melódica, desempenha importante papel como nota comum de
diferentes funções presentes nos dois centros tonais, que se alternam na construção do elemento
harmônico desta parte da missa: (D) em Fá Maior e D na tonalidade de Lá b Maior.
56
1.3 BENEDICTUS
1.3.1 Fugato
O Benedictus possui tema anacrústico desenvolvido na forma de fuga. A construção
melódica que, até então, tinha a presença dos arpejos, é substituída por uma condução em que os
saltos são compensados pela utilização de graus conjuntos, apresentando a seguinte estrutura: do
início ao compasso 52 apresentação temática das quatro vozes e, a partir daí, tem-se o
direcionamento para o Alegre.
A apresentação temática principia com o tenor, sendo executada no primeiro grau da
escala (“sujeito”); no compasso 40 com anacruse entra o contralto com a execução do tema a
partir do quinto grau (“contra-sujeito”); o baixo inicia o tema no compasso 46 com anacruse
também no quinto grau e, finalmente, o soprano entra no compasso 49 com anacruse, desta feita
com a apresentação temática no primeiro grau da escala.
57
58
59
Observa-se o desenvolvimento de contraponto de primeira, segunda e terceira espécies
entre as vozes em toda a apresentação temática. Há, abaixo, alguns compassos que exemplificam
as diferentes espécies de contraponto utilizadas neste trecho da missa.
Primeira espécie:
Segunda espécie:
60
Terceira espécie:
A partir do compasso 46 com anacruse, este trecho da missa apresenta elemento
harmônico que se circunscreve nas regiões de T, S, D, Tr. Sr e D da dominante. Assim como nas
demais partes da missa, a variedade harmônica dá-se a partir da posição das notas nos acordes e
das notas de acréscimo, o que acaba por diluir as resoluções das funções. Do compasso 46 ao 54,
o centro tonal está definido na região de Mi b Maior. Pode-se observar a presença de acordes
diminutos alcançados através de movimento paralelo das vozes.
61
62
No compasso 55 tem-se acordes pertencentes à região de b Maior (T – D – Tr – D)
que cadenciam para o acorde de Fá Maior na elisão com o Alegre. Através da alteração do
acorde menor (fá menor) para maior (Fá Maior) o compositor desloca o centro tonal para a
referida tonalidade que abre a próxima parte da missa.
63
1.3.2 Alegre
O Alegre inicia-se a partir da elisão da sessão anterior com a apresentação de uma
melodia infinita trabalhada nas quatro vozes. Osvaldo Lacerda refere-se a este tipo de melodia:
Melodias como essas, que possuem, no dizer de Mário de Andrade,
um “caráter fogueto, serelepe, que não tem parada”, são também freqüentes
em nossa música instrumental, como acontece nas partes de flauta, clarineta,
de cavaquinho e de outros instrumentos que executam choros, valsas, maxixes
etc.
4
4
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In. Música Brasileira na Liturgia.2.ed.São Paulo: Paulus,
2005, p.119.
64
Este trecho da missa se caracteriza como o desenvolvimento do tema apresentado na
sessão anterior – Fugato. O compositor utiliza o caráter como contraste entre as duas partes,
devido ao conteúdo semântico do texto. O tema executado pelo soprano está escrito sobre dois
modos: o primeiro tetracorde do Modo Lídio e o segundo do Modo Mixolídio (Modo Misto
Maior).
65
O contracanto realizado pelo contralto também se encontra no mesmo Modo Misto Maior,
e o que difere é que a sua melodia é iniciada na quinta nota da escala:
66
O tenor possui, nos dez primeiros compassos, uma melodia formada por cromatismo que
alcança, no compasso 67 com anacruse, o tema escrito no Modo Mixolídio sobre fá. A sua
condução melódica se mantém neste mesmo modo até o final do Alegre.
67
A condução melódica do Baixo nos dez primeiros compassos encontra-se escrita sobre o
segundo tetracorde do Modo Eólio sobre fá. No compasso 66, a nota ré natural introduz o Modo
Mixolídio sobre fá, no qual será escrita toda a linha melódica deste naipe até o final do Alegre.
68
69
As notas repetidas presentes na condução melódica do contralto e das vozes masculinas
também constituem uma constância melódica da música popular brasileira agregada à construção
musical desta parte da Missa Ferial. Em artigo de sua autoria, o compositor menciona esta como
uma das características encontradas na música folclórica brasileira:
“O folclore brasileiro é rico em melodias que apresentam notas
repetidas, como acontece, por exemplo, na embolada.”
5
Do desenvolvimento melódico das vozes tem-se a formação de acordes, cujas funções se
alternam com o encontro de notas que constituem a condução linear da melodia de cada naipe.
Portanto, o elemento harmônico é descontínuo e circunscreve-se em diferentes centros tonais:
5
Lacerda, Osvaldo de. A Criação do Recitativo Brasileiro. In. Música Brasileira na Liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus,
2005, p.119.
70
Maior; Si b Maior; Lá b Maior. Esta constante mudança de centro tonal deriva do cromatismo
desenvolvido pelas vozes masculinas e o contralto do início do Alegre até o compasso 66, assim
como do emprego de diferentes modos na construção melódica das quatro vozes. Neste trecho,
tem-se a preponderância de funções de S dos referidos centros tonais e da tonalidade de
maior.
71
A partir do compasso 67 o centro tonal de Lá b Maior deixa de existir, o que enfatiza a
relação de quarta entre as duas tonalidades – Fá Maior e Si b Maior – caracterizando uma
modulação para a S.
72
73
No compasso 90 há um direcionamento harmônico para a região de Fá Maior, através da
alternância das funções de D e T escritas sobre a nota fá.
74
Nota-se também a presença de acordes diminutos em diferentes momentos na construção
do elemento harmônico nesta parte da missa: compassos 76 e 79 (lá; dó; mi b; sol); compassos
90 e 94 (si; ré; fá).
75
76
77
1.4 AGNUS DEI
A última parte da Missa Ferial inicia-se com tema apresentado pelo contralto, escrito no
Modo Dórico sobre si. Durante os oito compassos da apresentação temática, o tenor executa um
contracanto formado por um único motivo musical que sofre variações.
78
Observa-se a presença de tetracordes na construção melódica das duas vozes:
Contralto:
Tenor:
A partir do compasso 9 com anacruse, o mesmo procedimento é realizado, desta
feita com o tema confiado ao baixo, enquanto que o soprano realiza contracanto formado por
células musicais variantes do apresentado pelo tenor:
79
Observa-se a presença dos mesmos tetracordes:
Estes doze primeiros compassos, portanto, caracterizam-se por sua absoluta linearidade.
A partir do compasso 13 as vozes caminham em contraponto de primeira espécie na continuação
da frase iniciada pelo baixo, e formam blocos sonoros que apresentam as seguintes regiões
80
harmônicas:
A partir do compasso 14 tem-se a utilização de diferentes tetracordes e seqüências de
escalas na construção melódica das vozes: o soprano, no compasso 15, apresenta as cinco notas
do Modo Jônio sobre escritas descendentemente, e da nota si do compasso 15 para o 16 há o
segundo tetracorde do Modo Jônio sobre si também escrito descendentemente; o baixo, no
compasso 15, apresenta o segundo tetracorde do Modo Jônio sobre sol escrito descendentemente:
81
O elemento harmônico destes três compassos se circunscreve nas regiões de T, S, e D:
No compasso 17 com anacruse, o direcionamento melódico caminha para a
reapresentação de motivos musicais das diferentes partes da obra que são executados nos quatro
naipes no compasso 21, enquanto o elemento harmônico é conduzido para a cadência final da
obra:
82
Observa-se que o elemento harmônico aqui também apresenta funções maiores e menores,
que se alternam na construção de regiões harmônicas. No compasso de 13 ao 15 tem-se a região
de Ré Maior; o compasso 16 é todo escrito na região da Tr (si menor); do compasso 17 ao 21
retoma-se a região de Ré Maior; o compasso 22 está em Sol Maior; já no compasso 23 há os
acordes de Fá Maior; Dó Maior com a quarta acrescentada que se direcionam para a conclusão
sobre Si Maior no compasso seguinte.
Uma análise da construção musical desta parte da missa resulta na seguinte estrutura: do
83
início do Agnus Dei até o compasso 15 tem-se a apresentação temática com variações; a partir do
compasso 17 com anacruse inicia-se a codeta. Esta apresenta a função de coda de toda a Missa
Ferial: a sua construção se dá a partir da utilização de material temático derivado, adequado a
uma harmonia cadencial.
Tal procedimento é relatado por Arnold Schoenberg, em Fundamentos da Composição
Musical, como as principais características de uma coda:
“O material temático é, em grande parte, derivado
dos temas prévios e este reformulado de maneira a
adequar-se à harmonia cadencial, e é finalmente liquidado.
Muitas codas provêm da repetição final do tema principal
que se torna, de fato, parte delas.”
1
1
Schoenberg, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. 2 ed., São Paulo: EDUSP, 1993. Tradução: Eduardo
Seicman. Título do original em inglês: Fundamentals of Music Composition.
84
85
CAPÍTULO 2
ASPECTOS RELATIVOS AO TIMBRE E ÀS INTENSIDADES
Serão focados aqui o timbre e as diferentes graduações de intensidade, uma vez que estas
últimas contribuem para o tratamento tímbrico da Missa Ferial.
O timbre, pensado a partir das texturas, é componente essencial do processo
composicional de Osvaldo Lacerda. Ele utiliza as texturas como eficiente instrumento de
expressão musical do conteúdo semântico do texto, ao mesmo tempo em que representam
elemento de variedade na construção musical da obra.
A esse respeito, afirma o compositor:
Cada voz tem o seu colorido especial, então deve se fazer
aparecer este ou aquele para se obter um contraste, se não fica
sempre o mesmo pano de fundo, que não rende, não é desejável.”
2
Portanto, as diferentes ambiências na Missa Ferial resultam da utilização das vozes e da
construção musical ora monódica ou polifônica, ora heterofônica ou homofônica.
2.1 KYRIE
O Kyrie está dividido em três sessões de diferentes ambiências. A primeira – que vai do
início da obra ao compasso 12 – é um recitativo escrito em modo menor que traduz com grande
expressividade o caráter de súplica do texto litúrgico. Aqui, o recurso tímbrico está diretamente
associado à construção melódica e à própria escolha do naipe responsável pela execução.
A graduação de intensidade, sempre ligada aos movimentos ascendente e descendente da
melodia, contribui nesta parte da missa para trazer certa memória do canto gregoriano.
2
Lacerda, Osvaldo de. Em entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2007. Cf. anexo A.
86
Já na segunda sessão, que se inicia no compasso 13, há uma mudança de textura, com a
participação das quatro vozes em construção polifônica. Esta sessão também apresenta
ambiências diferentes que a subdividem: até o compasso 15 as vozes apresentam um trabalho
heterofônico; no 16 e 17 tem-se uma construção homofônica com a utilização de contraponto de
primeira espécie; e a partir do compasso 18 retoma a heterofonia entre as quatro vozes. Nos
compassos 16 e 17, o elemento harmônico alia-se à textura homofônica do trecho como mais um
recurso tímbrico.
Do compasso 13 ao 15 a graduação de intensidade associa-se ao desenvolvimento
melódico de cada uma das vozes e encontra-se nas regiões de mf; mp e p. O cânone executado
entre as vozes masculinas e femininas possui a indicação como um eco; nos compassos 16 e 17 a
graduação de intensidade alia-se ao rubato indicado com clara intenção de reforçar a súplica
expressa pelo texto litúrgico. A volta à heterofonia no compasso 18 é marcada pelo contraste da
indicação de dinâmica f súbito.
87
No compasso 19, a partir do segundo tempo, o procedimento homofônico que fora
trabalhado nos compassos 16 e 17 é evitado como recurso tímbrico de utilização das vozes, em
busca da referida variedade. A indicação de intensidade é reduzida a partir do 21.
88
No compasso 22, a diminuição de intensidade iniciada no 21, alcança a indicação de mp
para as vozes femininas e de p para as masculinas. Esta variação de intensidade apresenta dupla
função: expressiva por se associar ao movimento descendente das vozes e estrutural ao se
direcionar a volta ao segundo tema, retomando a ambiência apresentada nos compassos 13 ao 15.
A variedade tímbrica na volta ao segundo tema é marcada pelo emprego das vozes
femininas no início do cânone e pela graduação de intensidade que agora está em função da
condução melódica descendente e não mais como uma resposta em forma de eco (de mp para p).
A retomada da homofonia nos compassos 25 e 26 têm como forma de variedade a associação da
graduação de intensidade a partir do direcionamento da linha melódica do soprano.
89
A terceira sessão apresenta uma nova textura como recurso tímbrico: a dobra das vozes.
A graduação de intensidade acompanha o direcionamento melódico de cada uma das vozes
dobradas na construção da polifonia.
Tal procedimento acontece do início da terceira sessão – compasso 27 - com a indicação
de p para as vozes graves e pp para as agudas e permanece até o compasso 41, sendo que
apresenta ponto culminante no compasso 35 (f para todas as vozes). A partir do compasso 37,
verifica-se uma gradual diminuição da intensidade sonora que se encontra associada à execução
de motivos melódicos nas duas vozes dobradas, que se direcionam para a reapresentação temática
das vozes graves no compasso 29 com anacruse, com a mesma indicação de intensidade sonora
apresentada no início desta sessão.
90
A construção homofônica do compasso 42 ao 45 de caráter tímbrico é procedimento
estrutural que se caracteriza pelo direcionamento para a cadência final do Kyrie. O compositor se
utiliza deste recurso em todos os finais das sessões e das partes que compõem a missa. A
graduação da intensidade, por sua vez, é conduzida a partir do desenvolvimento melódico das
vozes para um mf no segundo tempo do compasso 43 e novamente para pp no acorde final do
Kyrie.
91
2.2 SANCTUS
O Sanctus apresenta uma ambiência solene conseguida através da utilização das oitavas
entre as vozes na construção do tema que abre a segunda parte da obra. É neste trecho da missa
que a graduação de intensidade alcança seu ponto culminante. Têm-se as seguintes indicações
nos quatro primeiros compassos: f; piu f; ff. Este procedimento, associado à utilização das vozes,
reflete com fidelidade o conteúdo semântico do texto litúrgico.
Mais uma vez, o elemento harmônico resultante do encontro entre as vozes é tratado aqui
como recurso tímbrico e confere variedade na construção musical.
92
A partir do compasso 5, fica clara a intenção do compositor de utilizar as vozes como
recurso tímbrico na construção de diferentes texturas, já que o desenvolvimento melódico desta
sessão se resume nas diversas formas de reapresentação temática como observado no capítulo 1.
A graduação de intensidade do compasso 5 ao 15 associa-se aos movimentos ascendente e
descendente das linhas melódicas e encontra-se nas regiões de mf e f . Já no compasso 16 tem-se
a primeira redução de graduação sonora para mp, que se estende até o 17. Neste compasso a
intensidade está em função da reapresentação temática e mantém-se nas regiões de mp (17) e mf
(do 18 ao 20).
93
É no compasso 21 que o recurso tímbrico de textura se torna mais evidente, pois há uma
quebra na densidade musical com o contraste entre o caráter homofônico, resultante do encontro
das linhas melódicas das quatro vozes com o monódico do recitativo realizado pelo tenor. Aqui a
graduação de intensidade encontra-se associada aos movimentos ascendente e descendente da
linha melódica e varia de mf a f.
94
A volta das quatro vozes no compasso 23 caminha para a cadência final desta sessão, e
tem como indicação de intensidade sonora mp – mf – mp.
A partir da análise efetuada, conclui-se que a graduação de intensidade de toda esta sessão
se encontra diretamente ligada ao desenvolvimento melódico e, como este, determina toda a
estrutura desta parte da missa; conseqüentemente, ambos desempenham função tímbrica e
estrutural.
Na segunda sessão do Sanctus tem-se uma ambiência de forte caracterização do nordeste
brasileiro, conseguida através do emprego modal, das figurações rítmicas, das graduações de
intensidade, alterações de andamento, dos sinais de articulação e da acentuação do texto litúrgico.
95
Todos esses elementos estão presentes na condução melódica das quatro vozes, mas em especial
na melodia confiada ao soprano. Como observado no capítulo 1, do compasso 25 ao 31, esta
sessão caracteriza-se como uma melodia acompanhada e, conseqüentemente, a graduação de
intensidade está em função do desenvolvimento desta textura: as vozes masculinas e o contralto
permanecem nas regiões de p; mp; mf; já o soprano possui sua intensidade sonora entre mf e f.
Do compasso 32 com anacruse ao 33, a graduação de intensidade acompanha o
desenvolvimento das diferentes linhas melódicas realizadas pelo soprano e pelo contralto numa
textura polifônica, cuja intensidade sonora varia de mf para mp.
Quando da volta das quatro vozes no compasso 34 com anacruse, há um contraste na
graduação de intensidade com a indicação de f subito para todas as vozes que se direcionam para
o final desta sessão com a gradual diminuição da intensidade sonora.
96
97
2.3 BENEDICTUS
2.3.1 Fugato
O Fugato (Benedictus) contrasta com o tratamento tímbrico da sessão anterior a partir da
utilização das vozes na construção da fuga, da melodia intimista escrita em modo menor e da
graduação de intensidade que acompanha o direcionamento melódico e está circunscrita nas
regiões de p a mf. Um recurso bastante importante utilizado no Fugato é o emprego das vozes na
apresentação temática: o compositor vale-se do timbre de cada voz em particular como forma de
variedade.
Há também, nesta parte da missa, o tratamento tímbrico das diferentes texturas musicais:
polifonia mais heterofonia até o compasso 49; polifonia mais homofonia (em sua maioria) no 50
e 51 com aumento da densidade vertical e da graduação de intensidade sonora; a partir do
compasso 52, há diluição da densidade vertical com direcionamento para o final do Fugato e
conseqüente diminuição da graduação de intensidade de mf (compasso 53) para p (compasso 56).
98
99
Para a última frase do texto do Benedictus, o compositor partiu de uma elisão das vozes
extremas em construção musical de ambiência bastante alegre, que expressa muito fielmente a
exclamação de júbilo do texto litúrgico: Hosana nas alturas.
2.3.2 Alegre
Apesar da ocorrência da elisão acima mencionada, optou-se pela separação de subitens
“Fugato” e “Alegre” nesta análise, por se considerar tal procedimento didaticamente mais
adequado.
O timbre no Alegre está em função da construção polifônica: o compositor faz valer o
timbre da cada voz em particular, em ambos, apresentação e desenvolvimento temáticos, ou
mesmo na execução de contracanto.
100
A graduação de intensidade associa-se ao direcionamento melódico e à apresentação
temática (quando da execução do tema pelas vozes agudas a indicação de intensidade está em f e
mf, enquanto que as demais vozes encontram-se entre mp e mf). Deste fato decorre que, do início
do Alegre ao compasso 66, as vozes masculinas e o contralto apresentam variações de
intensidade em função das ondulações melódicas executadas por estas vozes, enquanto a
apresentação temática realizada pelo soprano fica em evidência
.
101
A partir do compasso 67 com anacruse, tem-se um maior desenvolvimento melódico e
rítmico na execução do contracanto nas diferentes vozes, o que resulta em gradual aumento da
intensidade sonora também para estas vozes e não somente para a responsável pela apresentação
temática (de mf a f).
102
Do compasso 78 ao 89 verifica-se a indicação de mf para as vozes agudas e mp para as
graves. Este procedimento relaciona-se com o tratamento melódico e rítmico das quatro vozes:
enquanto o soprano e o tenor apresentam linha melódica mais contínua, o contralto e o baixo
realizam motivos melódicos e rítmicos na construção do contracanto.
103
No compasso 90 tem-se a indicação mp para todas as vozes. Tal indicação possui caráter
estrutural, pois se associa ao direcionamento melódico das vozes para a cadência final do Alegre.
104
Dado o desenvolvimento polifônico deste trecho e o caráter ininterrupto da apresentação e
desenvolvimento temáticos, no Alegre, o tratamento tímbrico encontra-se diretamente ligado ao
desenvolvimento melódico de cada uma das vozes e na participação destas na construção musical
desta parte da missa.
2.4 Agnus Dei
O Agnus Dei retoma a variedade a partir de diferentes texturas na sua construção musical
através da utilização das vozes, ora na criação de uma ambiência polifônica de absoluta
linearidade (início da apresentação temática), ora a partir de uma construção homofônica entre as
vozes, ainda que mantida a independência das mesmas (compassos 13; 14; 15); e a heterofonia (a
partir do compasso 16 ao 22).
Como procedimento relacionado ao perfil composicional de Osvaldo Lacerda, a utilização
das vozes na apresentação temática do início do Agnus Dei reflete o emprego de cada voz em
particular na construção tímbrica deste trecho da missa.
A graduação de intensidade é fixa na região de mp para todas as vozes durante os treze
primeiros compassos. As variações que existem estão em função das ondulações melódicas. A
partir do compasso 14 -do segundo tempo - tem-se um aumento na graduação de intensidade com
a indicação de mf para todas as vozes com direcionamento para o compasso 17 com anacruse,
105
onde tem-se a dinâmica em f, que é mantida até o compasso 21. No 22 observa-se uma gradual
diminuição da intensidade sonora, que varia de mf a pp no acorde final da obra. Este
procedimento apresenta função estrutural, já que demarca o início da codeta no compasso 17 e o
direcionamento para o final da missa a partir do 22.
106
107
Em toda a Missa Ferial a graduação de intensidade está diretamente relacionada à
condução melódica das vozes na expressão do conteúdo semântico do texto litúrgico. Este, por
sua vez, determina a construção musical da obra ao associar-se à exploração das texturas na
formação das diferentes ambiências presentes em toda a missa.
108
CAPÍTULO 3
FIGURAÇÕES RÍTMICAS NA MISSA FERIAL
3.1 DA UTILIZAÇÃO DAS CONSTÂNCIAS RÍTMICAS
Assim como as constâncias melódicas, as rítmicas também conferem à obra sacra um
caráter popular. Estas são encontradas nos mais diferentes ritmos de danças e canções folclóricas
brasileiras e têm sido objeto de estudo de diversos pesquisadores, como: Villa-Lobos (1951),
Mário de Andrade (1962), Pe. José Geraldo de Souza (1966), Oneyda Alvarenga (1982),
Ermelinda Paz (2002), Osvaldo Lacerda (2005), Wladimir Silva (2005).
Em Canto Orfeônico, Villa-Lobos refere-se aos principais ritmos da música brasileira
através de tabela desenvolvida pelo próprio compositor
3
:
Uma observação atenta da tabela acima demonstra que todas as figurações rítmicas
apontadas por Villa-Lobos estão presentes na construção musical da Missa Ferial. Osvaldo
Lacerda se apodera destes ritmos mais ocorrentes na música popular para a criação de figurações
rítmicas que mais se aproximem da inflexão popular do texto litúrgico. Estas são escolhidas de
acordo com o número de sílabas das palavras, com o acento tônico e com a construção do
conteúdo semântico do texto escrito. Uma mesma célula rítmica é empregada para representar
3
VILLA-LOBOS, Heitor. Canto Orfeônico. 2ª ed., São Paulo: Irmãos Vitale, 1951.
109
diferentes palavras que possuam as mesmas sílabas e acento tônico. A inflexão de cada uma das
frases é garantida através da ligação entre as células rítmicas que formam as palavras. Sobre este
procedimento, que nada mais é do que a chamada prosódia musical, o compositor faz a seguinte
consideração:
“A prosódia musical...Tem de encaixar as palavras de maneira
coerente ao ritmo. Especialmente ver onde caem as partes fortes
da palavra. Às vezes, até que é expressivo contrariar, mas isso é raro.
Às vezes eu não sigo muito a prosódia em benefício de um maior
entendimento por parte do ouvinte, entende?”
4
A tabela abaixo demonstra o agrupamento dos ritmos mencionados por Villa-Lobos na
construção de parte das figurações rítmicas que representam as palavras e expressões da Missa
Ferial , seja na sua forma original ou na de variantes.
Palavras ou Expressões
Figurações Rítmicas
Variantes Unitários
Senhor Kyrie
Cristo; Santo
(palavras com o mesmo
número de sílabas e acento
tônico)
Kyrie
Sanctus
4
Lacerda, Osvaldo de. Em entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2007. Cf. anexo A.
110
Palavra ou
Expressões
Figuras Rítmicas
Tende piedade
de nós
Kyrie
Contrariado => Variantes
Sincopado => Variantes
111
Palavras ou Expressões
Figurações Rítmicas
Santo é o Senhor
Variantes - Unitário
Sanctus
A construção temática de cada uma das partes da missa ocorre da união entre as
representações rítmicas das palavras e expressões.
112
3.2 AS FIGURAÇÕES RÍTMICAS NAS CONSTRUÇÕES TEMÁTICAS
3.2.1 Kyrie
A primeira sessão do Kyrie apresenta as seguintes figurações rítmicas na sua construção
temática:
Por se tratar de um recitativo, o compositor utiliza figuras que representem a inflexão da
linguagem falada e expressem o caráter de súplica do texto litúrgico. Em artigo de autoria do Pe.
José Geraldo de Souza, tem-se a descrição do caráter oratório como uma das ocorrências rítmicas
brasileiras:
“Em nossa riquíssima arte rítmica, que é indiferentemente tética
ou anacrústica notamos, principalmente:
a) Independência da melodia - ritmo livre
Possuímos um ritmo musical livre, oratório, discursivo, que é,
provavelmente, a maior característica rítmica nossa. Uma linha
melódica, muita vez livre, de caráter fundamentalmente prosódico ”.
1
1
Souza, José Geraldo de. Elementos de Rítmica Musical no Folclore Brasileiro. In. Música Brasileira na Liturgia.
2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p.47.
113
Na segunda sessão, as figurações rítmicas são reagrupadas na formação de um novo tema:
A partir do compasso 18 as figurações rítmicas serão utilizadas para a representação
temática de forma variada e estarão presentes nas quatro vozes:
Nos compassos 19, 20 e 21 aparecem as mesmas figurações rítmicas empregadas na
construção melódica do soprano e do baixo, enquanto o tenor e o contralto realizam as mesmas
figuras musicais no desenho melódico.
114
A partir do compasso 22 tem-se a volta ao segundo tema, que é realizada com o
suprimento da pausa para as vozes femininas, enquanto as masculinas executam as mesmas
figurações de forma retrógrada.
A terceira sessão caracteriza-se pelo aumento da densidade rítmica através da polirritmia,
que passa a acontecer também no sentido vertical. Este procedimento composicional é mais uma
agregação dos elementos que caracterizam a música popular brasileira, conforme citado em artigo
sobre as constâncias rítmicas da música brasileira:
“ Entendemos por este termo não tanto a simultaneidade
de ritmos, aliás, encontradiços em nossa música folclórica
(especialmente acompanhada de instrumento de percussão),
como a existência, numa mesma linha melódica, de
fragmentos rítmicos de medida diferente ”
2
.
O aumento da densidade rítmica decorre da liberdade das duas linhas melódicas
sobrepostas: estas já apresentam ritmos de medidas diferentes na sua construção.
2
Souza, José Geraldo de. Elemento de Rítmica Musical no Folclore Brasileiro. In Música Brasileira na Liturgia. São
Paulo: Paulus, 2005, p. 49. (grifo nosso)
115
3.2.2 Sanctus
Os primeiros cinco compassos do Sanctus apresentam o seguinte conjunto de figurações
rítmicas:
Tais figurações serão utilizadas de forma estreita na construção da primeira sessão do
Sanctus. Algumas delas
116
estão presentes na segunda sessão do Kyrie. A figuração rítmica de
quatro colcheias é nova no conjunto da missa e traz variedade à construção temática. No
compasso 16 adquire uma nova função, de ponte, ao ligar os dois temas na reapresentação dos
mesmos. Portanto, a primeira sessão do Sanctus apresenta as mesmas figurações rítmicas até o
compasso 24:
117
118
119
A segunda sessão do Sanctus apresenta as seguintes figurações rítmicas na sua construção
temática:
Neste trecho tem-se um aumento na densidade rítmica com o predomínio da figuração
. Há um estreitamento das barras de compasso a partir do emprego desta figuração e de
variantes rítmicas das quatro colcheias que estão presentes nas quatro vozes.
A sua construção rítmica possui elementos que demonstram um ponto de contato com o
baião nordestino: a dança aqui é mais caracterizada pelos acentos rítmicos conseguidos a partir
das articulações do que propriamente pelo uso direto de figuras musicais. O que se apresenta,
através da citada melodia, é o gênero baião como estilo. Ainda que não explicitado, o baião se
impõe a quem o ouve pelo modo, pelas curvas melódicas e até pela relação ritmo-andamento
escolhidos por Osvaldo Lacerda.
As outras vozes realizam células rítmicas presentes na condução melódica do soprano de
forma literal ou na forma de variantes. Vale ressaltar a presença da sincopa e de ritmos
sincopados na construção musical do contralto e das vozes masculinas. Acerca desta
característica rítmica em particular, Pe. José Geraldo de Souza faz as seguintes observações:
... É comum, outrossim, em nosso folclore musical, um movimento melódico,
aparentemente sincopado, desprovido de acentos rítmicos(...)Poder-se-ia explicá-lo, talvez,
assim: um frasear rítmico-melódico, com leves antecipações e retardamentos agóticos, que
grafamos, até, com ligaduras através das barras divisórias do compasso.”
3
3
Souza, José Geraldo de. Elementos de Rítmica Musical no Folclore Brasileiro. In Música Brasileira na Liturgia.
2.ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 48.
120
3.2.3 Benedictus
3.2.3.1 Fugato
O tema anacrústico que abre o Benedictus, apresenta as seguintes figurações rítmicas na
sua construção:
121
Enquanto da apresentação temática em forma de fuga as demais vozes realizam células
variantes na construção do contracanto (compasso 37 com anacruse ao 52 ).
Após a exposição temática em todas as vozes, tem-se, a partir do compasso 52, a diluição
da densidade rítmica sugere o alargamento das barras de compasso com o direcionamento para a
cadência final do Fugato.
3.2.3.2 Alegre
No Alegre, o trabalho rítmico toma maiores proporções para a caracterização de uma
melodia que se aproxima de gêneros musicais populares como a embolada, o maxixe e o choro.
Muito mais, novamente, pelo caráter, do que pelas escolhas rítmicas.
É bastante surpreendente e informativo, no desenrolar da obra, que, em uma parte rápida
em compasso ternário se remeta à memória, pela construção melódica, gêneros eminentemente
binários do folclore brasileiro, como os acima mencionados. Tal recurso é utilizado em função
do conteúdo semântico do texto, e se trata de uma exclamação de alegria e júbilo.
122
As figurações rítmicas que serão utilizadas na construção das quatro vozes em todo o
Alegre estão presentes no tema executado pelo soprano. Elas são empregadas de forma literal ou
na de variantes, como se verifica abaixo:
3.2.4 Agnus Dei
O Agnus Dei apresenta tema com as seguintes figurações rítmicas:
Estas serão utilizadas até o compasso 20. No 21 e no 22 verifica-se a reapresentação do
tema inicial da obra, com a participação de variantes rítmicas que compuseram o primeiro e
segundo temas do Kyrie:
123
3.3 DA UTILIZAÇÃO DAS FIGURAÇÕES RÍTMICAS NA MISSA FERIAL
As figurações rítmicas na Missa Ferial são elementos unificadores de cada um dos temas
apresentados nas quatro partes que formam a obra. Os temas são construídos a partir do
reagrupamento das figurações rítmicas, seja na sua forma original ou na forma de variante.
A seguir, tem-se uma tabela que demonstra a participação das figurações rítmicas na
criação temática e suas relações na construção da obra como um todo:
124
125
126
CAPÍTULO 4
A MISSA COMO UM TODO: APONTAMENTOS PARA UMA POSSÍVEL
PERFORMANCE
A Missa Ferial, de Osvaldo Lacerda, apresenta uma unidade composicional construída
através da utilização dos elementos unificadores rítmicos e melódicos retirados das constâncias
populares.
Todas as figurações rítmicas apresentadas na primeira sessão do Kyrie são empregadas na
construção dos temas e seus desenvolvimentos no decorrer da Missa, seja de forma literal ou na
de variantes.
A utilização rítmica a partir das constâncias populares tem, em sua predominância, o
emprego das tercinas. O Alegre, - Hosana que sucede o Sanctus - está escrito em 3/8 e é o único
movimento inteiramente ternário da missa. O pulso rápido ainda traz a sensação ternária, ao
contrário dos movimentos em 3/2 que se alternam em função da acentuação do texto. A
preponderância do compasso binário com a predominância da figuração rítmica das tercinas e
suas variantes, é que caracterizam, de forma macro-estrutural, a presença do “três” como
elemento unificador. Por se tratar de uma obra sacra, poder-se-ia interpretar esta presença
unificadora do pulso ternário como uma possível alusão ao conceito de perfeição da música
medieval (“tempus perfectus”), como uma sugestão à Santíssima Trindade.
Outro aspecto rítmico de unificação da obra são os acentos conseguidos através da métrica
dos compassos em todos os finais de sessões ou partes: estes apresentam como constância a
ocorrência do ritmo unitário - palavra utilizada com o mesmo sentido que lhe conferiu Villa-
Lobos.
4
Já o elemento unificador melódico, como citado anteriormente, apresenta-se a partir do
emprego modal: apesar de cada modo conferir um caráter específico às diferentes partes da
missa, a ambiência modal é uma constante na obra. Há a preponderância dos seguintes modos,
em cada uma das partes da Missa Ferial: Kyrie (Modo Dórico sobre si); Sanctus (Mixolídio sobre
4
Cf. capítulo 3, item 3.1: Da Utilização das Constâncias Rítmicas.
127
fá; Modo Misto Maior sobre fá; Eólio sobre fá); Benedictus: Fugato (Dórico sobre fá); Alegre
(Modo Misto Maior: mescla Lídio e Mixolídio sobre fá); Agnus Dei (Dórico sobre si). Ao
olharmos para a questão harmônico-modal da obra, que é tão importante e definidora na
construção musical, é possível que sejam extraídas algumas leituras que serão expressas a seguir.
Inicialmente, observe-se o quadro abaixo, contendo a relação das partes da missa e a utilização
modal a cada passo:
KYRIE { DÓRICO sobre SI
SANCTUS { MIXOLÍDIO sobre FÁ
{ LÍDIO + MIXOLÍDIO (MISTO MAIOR) sobre FÁ
{ EÓLIO sobre FÁ
BENEDICTUS { DÓRICO sobre FÁ
ALEGRE DO BENEDICTUS { LÍDIO + MIXOLÍDIO sobre FÁ
AGNUS DEI { DÓRICO sobre SI
A partir do quadro exposto é possível constatar-se que o ambiente modal se impõe e se
preserva não somente através da utilização dos referidos modos, mas também pela aplicação
sistemática destes sobre as notas FÁ e SI, que dada a relação de trítono entre elas, não definem
processos polarizadores de natureza tonal.
Deve-se observar, no entanto, o que aconteceria se estes modos fossem utilizados em suas
posições originais:
KYRIE { DÓRICO seria RÉ
128
{ MIXOLÍDIO seria SOL
SANCTUS { LÍDIO + MIXOLÍDIO seria FÁ + SOl
{ EÓLIO seria LÁ
BENEDICTUS { DÓRICO seria RÉ
ALEGRE DO BENEDICTUS { LÍDIO + MIXOLÍDIO seria FÁ + SOL
AGNUS DEI { DÓRICO seria RÉ
Da análise da tabela acima pode-se observar uma relação predominante de quintas entre
SOL e RÉ. Com exceção do DÓ, que não aparece, haveria o ciclo das quintas: FÁ; [DÓ]; SOL;
RÉ; com núcleo de polarização tonal bem definido. Este, portanto, é evitado a partir da
transposição dos modos sobre exclusivamente SI e FÁ.
O perfil geral da obra, no entanto, não apresenta uma preocupação direcional importante
e, embora sua construção seja predominantemente linear, ela não parece querer chegar a algum
lugar preciso: o Kyrie possui função de apresentação temática que será desenvolvida a partir da
utilização dos motivos melódicos e rítmicos e seus variantes; o Sanctus possui, na sua primeira
sessão, uma forma cíclica de apresentação a partir da utilização de diferentes texturas como
variedade composicional; sua segunda sessão, ainda que represente a variação máxima dos
elementos anteriores, apresenta pequenas ondulações que se caracterizam mais como resultado da
condução melódica do que propriamente como direcionalidade construtiva; o Benedictus também
se caracteriza pela apresentação temática nas diferentes vozes na construção da fuga, cuja
condução melódica se dirige para a elisão com o Alegre que, por sua vez, é um momento de
brilho trazido pelas escolhas de pulso, compasso e andamento. O Agnus Dei contrasta com a parte
anterior por retomar a calma e a idéia de apresentação temática nas diferentes texturas, que, a
partir da codeta, (que representa a coda de toda a missa, como visto anteriormente) conduz as
quatro vozes para a cadência final da obra.
Observa-se, portanto, que a Missa Ferial apresenta duas partes de baixa direcionalidade
construtiva que são ligadas pelo contraste do brilho súbito representado pelo Alegre.
129
Este perfil se impõe a partir de alguns procedimentos realizados por Osvaldo Lacerda
quando da construção da obra. A unidade, como já vimos, é mantida a partir do emprego de
constâncias da Música Brasileira no âmbito melódico e rítmico, que se unem de forma variada na
construção das ambiências pouco direcionais. Também o emprego das variações de intensidade
reforça o caráter pouco direcional, construído sobre pequenos cumes que acompanham a
condução melódica das vozes.
A construção melódica, mesmo considerando a afirmação de Osvaldo Lacerda de que se
trata de uma missa para ser executada por músicos, não explora extremos das tessituras nas
quatro vozes. As tessituras parecem ter sido escolhidas em função das texturas na criação das
diferentes ambiências presentes na obra.
Osvaldo Lacerda não está preocupado em desenvolver uma grande linha discursiva. Como
já foi visto, parece muito mais interessado em explorar as referidas ambiências a partir da
utilização das constâncias rítmicas e melódicas de todas as regiões do Brasil. É como se
navegasse em um grande “Mar de Melodias”, um grande “Mar de Histórias”, parafraseando
Haroun, do autor Salman Rushdie.
Partiu-se, portanto, desta visão da obra em sua totalidade para, em linhas gerais,
desenvolver-se uma sugestão de leitura interpretativa. Sabe-se, contudo, que esta se trata de uma
sugestão e, como tal, está sujeita a outras releituras.
“ A atividade do intérprete frente a uma obra escrita é sempre a de enfrentar um enigma.
Sua interpretação traz uma tentativa de solução para o enigma, porém ele nunca poderá dizer que
encontrou a solução definitiva.”
5
“...Portanto, a peculiaridade da música reside no fato de que há esse fenômeno do som e
de que a música significa coisas diferentes para muitas pessoas diferentes- algo poético,
matemático, sensual, o que seja.”
6
Daí segue a presente leitura para uma possível interpretação.
5
RAMOS, Marco Antônio da Silva. Referencial de Análise Reformulado. 2003. 104 f. volume 2. Tese de livre-
docência - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 45.
6
Barenboim, D.; Said, E. W. Paralelos e Paradoxos: reflexões sobre música e sociedade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003. Página 119.
130
No Kyrie observa-se como indicativo para uma interpretação a realização das diferentes
ambiências em que se subdividem as três partes que o compõem: sua primeira sessão, através da
proximidade com o cantochão gregoriano, revestido de certa brasilidade, o que permite uma
liberdade quanto ao andamento e a realização da graduação de intensidade a partir dos
movimentos ascendente e descendente da melodia; já a segunda sessão se restringe às indicações
metronômicas e suas alterações identificadas pelo compositor, tendo como foco principal da
interpretação o direcionamento melódico das quatro vozes no desenvolvimento do contraponto; a
terceira sessão possui maior desenvolvimento dos temas apresentados anteriormente, mas ainda
se caracteriza pela exploração da nova ambiência (a realização da polifonia com diferentes
indicações de graduação de intensidade e a valorização do tema variante executado pelas vozes
graves). Até então, nota-se como principal característica interpretativa da obra a criação de
ambiências, cujo direcionamento construtivo é pulsante e está presente nas três partes em que se
divide o Kyrie.
O Sanctus contrasta com o Kyrie a partir de uma melodia que expressa o conteúdo
semântico do texto: reflete mais uma adoração, o reconhecimento da grandiosidade divina. A
primeira parte do Sanctus, como visto anteriormente nos capítulos 1 e 2, possui motivos musicais
derivados do segundo tema apresentado no Kyrie, trabalhado a partir de variação, e possui ponto
culminante na segunda sessão. Portanto, a interpretação da primeira sessão desta parte da missa
ainda reflete a busca pela criação de ambiências no direcionamento melódico para a apresentação
das diferentes texturas. Já a segunda sessão, por apresentar maior caracterização brasileira, e sua
estrutura se aproximar da melodia acompanhada, a interpretação pede a realização melódica da
voz feminina com maior ênfase em relação às demais vozes. Observa-se que o compositor, dado
o seu conhecimento do instrumento coral e de técnica de canto, utilizou região de mais brilho
para o soprano, mantendo as vozes masculinas e o contralto em regiões médias. Como Osvaldo
Lacerda é bastante minucioso quanto às indicações de caráter, alterações de andamentos,
graduações de intensidade e articulações, estes deverão ser respeitados.
Novo contraste se dá a partir da melodia intimista apresentada no Benedictus, que se
aproxima do caráter da primeira parte da obra, ainda que o texto litúrgico não represente uma
súplica. A proximidade se dá através da utilização do modo menor e da criação de diferentes
ambiências a partir da exploração de texturas. O caráter tímbrico de cada voz está presente em
toda a obra na forma de solos de naipe, mas em particular na apresentação temática desta parte da
131
missa. Como a graduação de intensidade e o emprego modal se mantêm na condução melódica
das apresentações temáticas do início do Fugato ao compasso 48, poder-se-ia definir como um
dos focos interpretativos deste trecho a busca do equilíbrio sonoro de cada uma das vozes na
execução do tema. A partir do compasso 49 com anacruse, com a entrada do soprano, tem-se uma
mudança de textura que se reflete no gradual aumento da intensidade sonora que acompanha a
densidade. O Alegre, ponto culminante de toda a obra, apresenta direcionalidade construtiva que
se dá do compasso 57 ao 83, levando, assim, para o final desta parte da missa. Dada esta estrutura
e a construção melódica do Alegre - embora existam regiões em que a graduação de intensidade
seja maior - a interpretação deverá conduzir à contenção de energia para uma explosão no
referido compasso e seu direcionamento para a conclusão da obra. Portanto, o caráter pulsante e
ondulante da obra se apresenta mais uma vez.
O Agnus Dei poderia ser interpretado como o retorno à calma e ao caráter apresentado na
primeira parte da missa até o compasso 17 com anacruse. A partir deste, ainda que não indicada,
poder-se-ia iniciar um stringendo que teria a volta in tempo do compasso 21, com direcionamento
para a cadência final da obra, respeitando a indicação de andamento do compositor. Esta
liberdade de alteração de andamento estaria ligada ao procedimento de repetição intensa das
células melódicas e rítmicas e à função deste trecho, já que estes compassos representam de
forma macro-estrutural o início da coda de toda a missa.
Sobre este aspecto em particular gostaríamos de citar o maestro Barenboim em um de
seus diálogos públicos registrados em “Paralelos e Paradoxos”:
“Mas acho muito importante lembrar que a experiência musical, o ato de produzir música,
significa levar os sons a um estado de interdependência constante – em outras palavras, significa
que não se pode separar nada, porque o andamento tem a ver com o conteúdo, com o volume, etc.
E, portanto, tudo é relativo e está sempre ligado ao que veio antes, ao que vem depois e também
ao que acontece simultaneamente.”
7
Quanto às respirações marcadas pelo compositor em toda a obra, devem ser realizadas de
modo a melhor expressar o conteúdo semântico do texto escrito. Estas se encontram associadas às
7
Barenboim, D.; Said, E. W. Paralelos e Paradoxos: reflexões sobre música e sociedade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 120.
132
mudanças de texturas na construção das diferentes ambiências e, por isso, apresentam caráter
estrutural.
Uma característica interessante na obra analisada é que esta possui um único silêncio
coletivo, representado pela pausa do compasso 36 quando do início do Benedictus. As demais
indicações de pausa ou respiração ora se apresentam como um alargamento entre as barras de
compasso, ora na participação das vozes na construção da polifonia.
A descrição dos procedimentos composicionais utilizados por Osvaldo Lacerda pode ser
resumida nas palavras do próprio compositor, que assim se refere ao citar a técnica de
composão de Camargo Guarnieri:
... Agora, quanto ao processo da composição, ele fez duas comparações
muito interessantes. Ele disse que uma composição – e ele fazia o gesto
referente a esse conselho - ele disse: “tem que ser como um carretel de
linha, você vai puxando o fio e ele vai saindo... sem quebra e sem nó,
tem que ser liso do princípio ao fim, essa é uma verdadeira composição”.
E, em segundo lugar, “lembre-se que a composição não se faz assim de
repente , um movimento inteiro, vai aos poucos...E isso está sintetizado
na própria palavra compor: é só trocar a ordem das sílabas “com-por”
fica “por com”, por uma coisa com a outra.
8
8
Lacerda, Osvaldo de. Em entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2007. Cf. anexo A.
133
CONCLUSÃO
A partir da análise estético-estilística da obra de maneira abrangente, buscou-se uma
atitude em que fosse possível utilizar todo o desmonte analítico como elemento para a construção
de uma leitura interpretativa realmente individual da Missa Ferial.
Conseguiu-se identificar as constâncias melódicas e rítmicas sobre as quais está
construída a obra. Cercou-se a questão melódica, a partir do estudo do emprego modal em cada
uma das partes que compõem a missa e da relação existente entre elas, chegando-se à
compreensão da sistematização na qual se apresentam os modos na construção melódica da Missa
Ferial. Quanto ao aspecto rítmico, foi possível colocar lado a lado as entrevistas de Osvaldo
Lacerda e a tabela de constâncias rítmicas, organizada por Villa-Lobos. A partir daí criaram-se
subsídios suficientes para a interpretação da obra através da identificação das mesmas
constâncias na composição da missa.
As questões harmônicas, decorrentes do emprego modal, foram estudadas em cada uma
da partes e chegou-se a uma análise que demonstra que uma grande coerência está presente na
obra como um todo.
Os aspectos tímbricos foram analisados em função das diferentes texturas na criação das
ambiências que se apresentam na construção da missa e foi possível concluir que, dada a
importância na participação da composição da obra como um todo, tais aspectos permitem a
divisão da Missa Ferial - do ponto de vista da utilização do timbre - em três grandes partes: A - B
– A. Estas se dividem de acordo com o espírito, o caráter resultante da utilização dos elementos
que as formam, em que há uma primeira parte na qual predomina uma ambiência de calmaria
com ondulações melódicas na representação de pequenos cumes (Kyrie; SanctusBenedictus);
uma segunda parte caracterizada pelo contraste, como um mar agitado (Alegre); e a volta à
calmaria a partir do recontraste onde novamente observa-se o caráter de ondulações melódicas
com foco principal na construção de diferentes texturas com condução para o final da Missa
Ferial (Agnus Dei).
134
Buscou-se, através da identificação e do estudo dos elementos que compõem a obra, fazer
uma leitura mais abrangente que permitisse a elaboração de uma nova síntese, de uma concepção
interpretativa da missa. É a nossa leitura. Outras virão, necessariamente.
“Haroun costumava pensar que seu pai era um malabarista,
pois cada história, era na verdade, uma porção de histórias diferentes
entremeadas uma na outra e Rashdie as mantinha todas sobre controle,
uma espécie de rodamoinho estonteante, e nunca se atrapalhava.”
9
9
Rushdie, Salman..Harun e o Mar de Histórias.Companhia das Letras. Trad. Isa Mara Lando, 2201. Harun and the
sea of stories. ISBN – 85-7164-767-4.
135
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volume 2. Tese de livre-docência - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
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WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das Músicas. 2ª ed., São
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PESQUISAS NA INTERNET
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www.pianoclass.com.br. Data da pesquisa: 12/09/2005.
Fonte de pesquisa:
http://www.vatican.va/. Data da pesquisa: 01/08/2006.
REVISTAS (PERIÓDICOS)
CADERNO DE MÚSICA. Camargo Guarnieri: Meio Século de Nacionalismo. São
Paulo. n. 7. p. 8-10., junho/1981.
ARTIGOS
ANDRADE, Carlos de; CAVALCANTI, Nestor de Hollanda; CAMPOS, Haroldo de;
KIEFER, Bruno; LACERDA, Osvaldo de; MIRANDA, Ronaldo; NEJAR, Carlos;
NOBRE, Marlos; SETTI, Kilza; WIDMER, Ernest.O Texto Literário e a Música.
Caderno de Música. São Paulo.n. 9. p. 4., julho/1982.
140
APÊNDICE
141
Entrevista cedida por Osvaldo Lacerda a mim, Angélica Giovanini Micheletti Lessa, em
23 de fevereiro de 2007. Ocorrida na residência do compositor, situada na cidade de São Paulo –
S.P.
Angélica Giovanini Micheletti Lessa
Qual é, para o senhor, a mais significativa contribuição da escola nacionalista para a Música
brasileira?
Osvaldo Lacerda
Eu acho o Nacionalismo a posição normal, natural... Então, ser nacionalista é ser um compositor
brasileiro. O fato é que os melhores e mais conhecidos compositores brasileiros, a partir de Villa-
Lobos pra cá, de Ernesto Nazaré pra cá, estão todos seguindo o Nacionalismo.
A.G.M.L.
Gostaria de saber dados relevantes sobre a Escola de Composição do compositor Camargo
Guarnieri.
O.L.
Em primeiro lugar, ele é o único compositor que realmente formou uma escola de composição.
Podemos também citar Guerra Peixe, no Rio de Janeiro, que teve seus alunos; mas assim, uma
escola constituída e reconhecida, foi Camargo Guarnieri, que é um excelente compositor e
também excelente professor sob todos os aspectos.
A.G.M.L.
Qual o senhor acredita ser a maior influência do compositor Guarnieri nas suas obras?
142
O. L.
Se tem influência na minha composição? Antes de mais nada, é preciso desfazer uma crença
errada a respeito do ensino de Camargo Guarnieri. Ele não forçava os alunos a escrever música
com caráter brasileiro, era exatamente o contrário. Eram compositores que já escreviam música
brasileira e que procuravam, com Guarnieri aprimorar a sua técnica. Foi o que aconteceu comigo
por exemplo.
A.G.M.L.
A Missa Ferial data do período em que o senhor atuou como consultor junto à Comissão
Nacional de Música Sacra. Este foi um convite? Gostaria que o senhor falasse sobre esse período,
os Encontros realizados pelos membros dessa Comissão.
O. L.
O chamado Conselho Vaticano II, por ocasião do Papa... agora me foge o nome... Que Papa que
foi? João XXIII. E esse conselho pediu aos compositores sacros que escrevessem no idioma
local, portanto em português no Brasil. E também que os compositores refletissem através de sua
música sacra as características musicais do seu povo, da sua nação. É por isso que se formou a
Comissão Nacional de Música Sacra. E eu freqüentei, na qualidade de professor, aqueles Cursos
Internacionais de Música do Paraná, que aconteceram de 1965 a 70 e depois mais dois anos em
seguida. E foi aí que eu entrei em contato com o Pe. Penalva, que me informou da existência
dessa Comissão Nacional de Música Sacra e me convidou a escrever uma missa com caráter
brasileiro. Foi então que eu escrevi a Missa Ferial e daí resultou que fui convidado a integrar esta
Comissão na qualidade de... eles nunca definiram qual era a minha posição, mas seria de um
consultor de música brasileira. Foi aí que eu fiz algumas composições para dar exemplo aos
padres, não é? Aliás, foi então que eu entrei em contato com Padres, Frades, Freiras e Bispos.
Foi interessante!
143
A.G.M.L.
A Missa Ferial foi composta por sugestão do Pe. Penalva, como exemplo de aculturação da
música sacra, certo? E as demais missas: Santa Cruz; Missa a Três Vozes Iguais e a Missa a
Duas Vozes?
O.L.
A Missa Ferial me pegou assim de surpresa, vamos dizer. No entanto, depois que eu me
enquadrei na Comissão Nacional de Música Sacra, continuei esta atividade escrevendo músicas
fáceis. Essas missas não exigem um coro de grande capacidade e também pedem a participação
do povo, que era um dos desideratos dessa Comissão. Então, em todas elas têm pequenos trechos
facilmente decoráveis, em que o povo pode participar da entoação da missa.
A.G.M.L.
O senhor pensou num coro em especial quando compôs a Missa Ferial?
O.L.
Não, não pensei em um coro em especial, pensei na música, simplesmente.
A.G.M.L.
A Missa Ferial, assim como as demais obras, possui uma lógica composicional, em que todos os
elementos musicais contribuem para a unidade. Seria este um fator importante dentro do seu
processo composicional?
O.L.
Bom, você pode, quando compõe para coro, pensar só harmonicamente e por no soprano a
melodia principal, e fazer acordes. Porém, as minhas missas são escritas como devem ser escritas:
polifonicamente, não é? Então, todas as vozes participam. Eu dou assim uma... vamos dizer “uma
colher de chá” para cada uma sempre, não é?
144
A.G.M.L.
Também na Missa Ferial percebe-se a construção de diferentes ambiências em todas as partes
que a compõem. Estas refletem uma preocupação de caráter tímbrico?
O.L.
Cada voz tem o seu colorido especial, então deve se fazer aparecer este ou aquele para se obter
um contraste, se não fica sempre o mesmo pano de fundo, que não rende, não é desejável.
A.G.M.L.
O emprego modal, para o senhor, também tem um caráter tímbrico?
O.L.
É... Eu não vejo tímbrico, propriamente, eu vejo mais melódico. O timbre não depende de você
usar o modal ou tonal, ou seja, lá o que for.
A.G.M.L.
Em artigo publicado no Livro Música Brasileira na Liturgia, o senhor refere-se à utilização
modal como uma agregação do folclore brasileiro, característica do aspecto melódico da sua
composição. Existem outras ocorrências empregadas pelo senhor na construção melódica? O
senhor poderia detalhar um pouco mais este processo?
O.L.
Eu não faço isso, vamos dizer, conscientemente, porque, alargando, ampliando um pouco a
resposta, eu acho que a qualidade essencial do compositor é a independência. Então eu nunca me
sujeitei a este ou aquele esquema harmônico, que foi coisa muito comum no século vinte. Se me
dá na telha escrevo no modo mixolídio, no dia seguinte eu posso escrever no modo frígio e,
depois, no outro dia, escrever tonal com tônica e dominante e posso escrever atonal. Entenda-se
por atonal sem tonalidade definida e não dodecafônico, que é uma técnica por demais infantil e
superada.
145
A.G.M.L.
Do estudo da Missa Ferial em particular, eu percebi que o senhor faz cantar cada voz. Este seria
mais um dos processos que refletem o seu perfil composicional? Acho que o senhor já chegou até
a responder esta pergunta, não é?
O.L.
Exatamente.
A.G.M.L.
Essa seria uma linearidade? O senhor constrói em linhas?
O.L.
Não. Dar o mais possível linhas melódicas agradáveis de cantar, não é? Que tenham um certo
sentido dentro do conjunto. Isso é polifonia tradicional, não tenho lá mérito nenhum nisso.
A.G.M.L.
Como o senhor trabalha prosódia musical?
O.L.
A prosódia musical... Tem de encaixar as palavras de maneira coerente ao ritmo. Especialmente
ver onde caem as partes fortes da palavra. Às vezes, até que é expressivo contrariar, mas isso é
raro. Às vezes eu não sigo muito a prosódia em benefício de um maior entendimento por parte do
ouvinte, entende?
A.G.M.L.
Sim. Como o senhor vê a interpretação das obras brasileiras pelos intérpretes brasileiros,
atualmente?
146
O. L.
Essa é uma das razões pelas qual nós fundamos o Centro de Música Brasileira, em São Paulo. Já
com 22 anos de idade, sempre propugnou pela difusão e preservação da boa música brasileira. É
preciso por na cabeça dos intérpretes que a música brasileira é boa e que merece ser divulgada.
Agora, a culpa eu ponho mais nos professores que tinham a obrigação de estudar a história da
música brasileira e procurar conhecer e fugir do repertório muito batido. É isso que nós tentamos
fazer nesse Centro de Música Brasileira; e já conseguimos, com muito êxito, convencer muitos
intérpretes de que vale a pena tocar música brasileira. Porém, convém frizar que nós não somos
absolutamente contra a execução de música estrangeira. Isso seria um absurdo, não é? É só
chamar a atenção para o que nós temos de bom. Eu acho que ainda falta muito nesse sentido. E
posso dizer, por exemplo, uma coisa muito desagradável: é que ainda existe o chamado
“complexo de colônia” que o brasileiro tem e não há meios de largar. É achar que só o que vem
do estrangeiro é que é bom. É por essas e por outras que os nossos intérpretes quando vão ao
exterior tocam só Villa-Lobos, porque sabem que Villa-Lobos é reconhecido no estrangeiro.
Estrangeiro disse “amém” pra a música de Villa-lobos, então nós podemos tocar. Em vez de
divulgar outros bons compositores que temos, basta citar Camargo Guarnieri, Franscisco
Mignoni, Lorenzo Fernandes, Alberto Nepomuceno, e muitos outros.
A.G.M.L.
Professor Osvaldo Lacerda, o senhor acredita que existe uma necessidade e uma falta por parte
dos intérpretes de música brasileira do conhecimento da música de raiz, da música folclórica e de
todas as constâncias e ocorrências para se colocar a partir da interpretação musical?
O.L.
Ah, sem dúvida. Porque o intérprete musical brasileiro está totalmente alienado da verdadeira
música brasileira, tanto sobre o aspecto folclórico como também popular e erudito. São
ignorantes, com raras exceções - tudo tem exceção, eu estou falando de uma maneira geral. Já eu
tenho o maior respeito pela boa música popular autêntica, com raízes, agora a música popular
atualmente não me agrada. A questão para mim está em duas preposições: a música popular
anterior, a de raízes, é música do povo e a música popular atual é música para o povo, feita por
televisões, e canais de televisão, criação de ídolos, onde o que prepondera é o dinheiro, ganhar
147
muito dinheiro... e com isso a arte popular está balançando seriamente. Por exemplo, a música
popular brasileira é MPB. Se você vai examinar mais de perto é a música do burguês de
Copacabana e a música do baiano carnavalesco. E as outras regiões tão ricas, como a música
caipira autêntica - não essa música sertaneja que é uma mentira - a música caipira autêntica do
sudeste; a riquíssima música do nordeste, isso não é música popular brasileira? Então, a música
do norte, a música do sul. Começa por aí que é uma grande mentira essa MPB. Então eu acho que
o intérprete brasileiro está, repito, totalmente alienado da nossa autêntica cultura musical. Com
exceções.
A.G.M.L.
Professor eu gostaria que o senhor me falasse um pouco sobre o processo de composição do
compositor Guarnieri. Como eram as aulas, a técnica que ele usava?
O.L.
Eu acho que essa pergunta me leva a achar interessante contar as aulas inaugurais que eu tive
com o Guarnieri. Em primeiro lugar ele disse que composição é a mesma coisa que o estudo de
instrumento. Se o pianista, ou violinista – seja lá quem for - parar de praticar a técnica um dia,
depois ele, pra recuperar este dia perdido, vai ter que estudar dois dias. A mesma coisa na
composição. Você não pode compor só quando vem uma grande inspiração. Se você não está
com inspiração, não tem nenhuma idéia, você pega uma melodia, preferivelmente brasileira, e faz
um contraponto, um contraponto a duas ou três vozes, mas todo dia. Esse é um grande conselho
que ele me deu. Outro conselho que ele deu foi o seguinte: ele disse: “com referência à crítica,
você use aquele provérbio, dizem que é árabe: ‘os cães ladram, mas a caravana passa’. Ponha isso
na cabeça. Em segundo lugar, quando você começar a aparecer, uma porção de gente vai ajudar
você – intérpretes, não é? - para depois dizer, se você ficar famoso: ‘olha, foi eu que ajudei ele no
começo’,etc e tal. Mas quando você começar a se firmar, vai desagradar muita gente e aí você vai
levar tiro de tudo quanto é lado.” Eu perguntei para ele: “Então, maestro, o que é que eu devo
fazer?” Ele disse assim: “Você deve subir tão alto de forma que você fica olhando, lá de cima,
essa palhaçada toda” (risos...). Agora, quanto ao processo da composição, ele fez duas
comparações muito interessantes. Ele disse que uma composição – e ele fazia o gesto referente a
esse conselho - “tem que ser como um carretel de linha, você vai puxando o fio e ele vai saindo...
148
sem quebra e sem nó, tem que ser liso do princípio ao fim, essa é uma verdadeira composição”.
E, em segundo lugar, “lembre-se que a composição não se faz assim de repente , um movimento
inteiro, vai aos poucos...E isso está sintetizado na própria palavra compor, é só trocar a ordem
das sílabas e compor fica ‘por com’, por uma coisa com a outra”.
149
ANEXO
(A partitura digitalizada a seguir encontra-se no catálogo de obras e foi editada pela Ricordi
Brasileira).
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
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