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DAGMA CIBELE EID
Miguel Llobet: Canciones Catalanas para
violão
(1899-1927)
São Paulo
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Música, Área de Concentração Processos de Criação
Musical, Linha de Pesquisa Técnicas Composicionais e
Questões Interpretativas, da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a
orientação do Prof. Dr. Edelton Gloeden.
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i
DAGMA CIBELE EID
Miguel Llobet: Canciones Catalanas para
violão
(1899-1927)
São Paulo
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Música, Área de Concentração Processos de Criação
Musical, Linha de Pesquisa Técnicas Composicionais e
Questões Interpretativas, da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a
orientação do Prof. Dr. Edelton Gloeden.
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ii
AGRADECIMENTOS
À minha mãe Elisa Eid por ter me encaminhado aos estudos de música na
minha tenra idade e ao meu pai, Jorge Eid, por ter proporcionado boas condições para
me dedicar aos meus estudos.
Aos meus professores de violão Márcia Braga, Edson Lopes, Paulo Porto
Alegre e Giácomo Bartoloni pela confiança no meu trabalho e incentivo.
À alaudista e professora Carin Zilling por sua orientação e incentivo nos
meus estudos de alaúde.
Ao violonista e Dr.Robert Phillips por compartilhar sua pesquisa a respeito
do compositor abordado aqui.
Ao violonista italiano Stefano Grondona, cujo contato proporcionou dados
valiosos que me motivaram a prosseguir a pesquisa.
À violonista e amiga Ana Maria de Souza pela efetiva ajuda na formatação e
realização deste trabalho.
Ao colega Gedson Bravim pela troca de informações valiosas que resultaram
na idéia deste projeto.
Ao colega coordenador da área de violões do Conservatório Dramático e
Musical de Tatuí Adriano Paes por seu apoio.
À professora Maria Tereza Bryg por sua orientação na língua inglesa e ao
catalão Jose Portoles por sua preciosa ajuda na aquisição de materiais essenciais para a
pesquisa e na revisão dos textos em catalão.
Ao meu orientador Edelton Gloeden pela paciência e atenção dedicada a este
projeto.
iii
O, Llobet, lleno de sol, amor de Espana!
Artista lleno de púrpura y de oros!
Guitarra que da el clavel, la flor extraña
Regada por la sangre de los toros!
Flor de gitanos, flor que amor recela!
Amor de sangre y luz, pasiones locas!
Flor que transciende a clavo y a canela,
Roja cual las heridas y las bocas!
(Rubén Darío)
iv
RESUMO
As Canciones Catalanas para violão de Miguel Llobet pertencem ao campo
do folclore musical catalão, cuja tradição é milenar. Portanto, buscamos na história da
música e na etnomusicologia catalã as informações a respeito da origem de tais
melodias usadas na obra do compositor catalão. Ao penetrarmos neste universo
localizamos os textos inseridos nas melodias que ajudam a reconhecer o significado
delas, estabelecendo assim novos elementos de interpretação para esta coleção de
versões de canções tradicionais catalãs para violão. Consultamos o cancioneiro
tradicional catalão e encontramos as melodias em sua forma primitiva, junto com seus
textos em catalão, que foram transcritos e traduzidos para o português.
A pesquisa das Canciones Catalanas enfatiza que tais transcrições
representam um marco para a literatura do violão do século XX. Os procedimentos
técnicos e expressivos usados nestas transcrições contribuíram para o instrumento entrar
numa nova fase idiomática e influenciou outros compositores a escreverem para violão.
Analisar o papel das canções tradicionais catalãs no início do século XIX possibilitou
traçar a personalidade artística multifacetada de Llobet cuja biografia final ainda não se
encontra publicada. Os resultados que encontramos ajudam a posicioná-lo como uma
figura extremamente importante para história do violão. No entanto, sua produção foi
sufocada por uma série de tragédias ocasionadas pela guerra civil espanhola e algumas
obras foram esquecidas.
O reconhecimento progressivo do legado deixado pelas atividades de Llobet
tem gradativamente fomentado uma pesquisa que vem resgatando tais obras. Portanto,
esta dissertação pretende dar sua contribuição neste processo a fim de completar um
capítulo essencial na história do violão.
v
ABSTRACT
The Canciones Catalanas for the guitar by Miguel Llobet belong to the
Catalan folklore music area, whose tradition is millennial. However we search in the
history of music and Catalan etnomusicology the information about the origin of such
melodies used in the works of the Catalan composer. When we enter this universe, we
find the texts which are inserted in the melodies that help recognise the meaning of
them and establish new elements of interpretation for the collection of Catalan
traditional songs for the guitar. We have consulted the Catalan traditional Cancioneros
and we have found the melodies in their primitive forms with their texts in the Catalan
language transcribed and translated into the Portuguese language.
The research about Canciones Catalanas emphasizes the statement that they
are a mark in the literature of the guitar from the twenthieth century. The technical and
expressive procedures used in these transcriptions contributed towards the entrance of
the instrument into a new idiomatic phase and influenced other composers to write for
the guitar. To analyse the function of the traditional melodies in the beginning of the
nineteenth century, propitiates the possibility to trace Llobet´s manifold artistic
personality, whose final biography has not been published yet. The results helped to
give him a position as an extremely important figure for the history of the guitar.
However, his production was stifled by several tragedies brought about by the Spanish
Civil War and some of the works fell into oblivion.
The progressive recognition of the legacy left by Llobet´s activities has been
gradually promoting a research and thus rescuing his works. However, the present
dissertation intends to give a contribution to this process so as to complete an essential
chapter in the history of the guitar.
vi
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................................1
1- REFERÊNCIAS HISTÓRICAS DA CANÇÃO TRADICIONAL CATALÃ ......6
2-MIGUEL LLOBET: SEUS PREDECESSORES E CONTEMPORÂNEOS ......26
3-MIGUEL LLOBET Y SOLÉS (1878-1938) ............................................................42
4 – MIGUEL LLOBET E A TOTALIDADE DE SUA OBRA..................................65
5- CANCIONES CATALANAS – ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS .......................................................................76
5.1 – MIGUEL LLOBET: CANCIONES CATALANAS .................................................87
5.1.1.Plany ........................................................................................91
5.1.2. La filla del marxant (1899) .....................................................93
5.1.3. El testament d´Amelia (1900) .................................................98
5.1.4. Cançó del Lladre (1900) .......................................................107
5.1.5. El Rossinyol (1900) ..............................................................115
5.1.6. El fill del rei (1900) ..............................................................120
5.1.7. L´hereu Riera (1900) ............................................................125
5.1.8. El mestre (1910) ...................................................................133
5.1.9. La nit de nadal (1918) ..........................................................146
5.1.10. La filadora (1918) ..............................................................153
5.1.11. La pastoreta (1918) ............................................................157
5.1.12. La Presó de Lleida (1920)...................................................163
5.1.13. El Noi de la Mare (s.d.) ......................................................169
5.2 – CANCIONES CATALANAS RECÉM-DESCOBERTAS ....................................174
5.2.1. L´Anunciació ........................................................................180
5.2.2. L´hostal de la Peira ..............................................................183
vii
5.3 – OUTROS COMPOSITORES E SUAS ABORDAGENS ...................................187
5.3.1. Els tres tambors ....................................................................191
5.3.2. El cant dells ocells ................................................................199
5.3.3. El bon caçador ..................................................................... 209
5.3.4. La ploma de perdiu .............................................................. 215
5.3.5. Els Estudiants de Tolosa ...................................................... 219
5.3.6. Muntanyes del Canigó ..........................................................222
5.3.7. Catarina d´Alió .................................................................... 227
5.3.8.La gata i el belitre .................................................................231
Conclusão ...............................................................................................................235
Referências Bibliográficas ..................................................................................... 238
ANEXOS ............................................................................................................... 246
ANEXO A – Partituras ...........................................................................................247
ANEXO B – Entrevista com Stefano Grondona ....................................................270
ANEXO C – Programas de Recital realizados no II Encontro Internacional de
Violonistas de Tatuí ................................................................................................273
1
INTRODUÇÃO
A pesquisa acerca das Canciones Catalanas harmonizadas por Miguel
Llobet (1878-1938) teve início quando entramos em contato com a música da Idade
Média e do Renascimento através dos estudos de alaúde, da experiência adquirida na
participação de conjuntos de música antiga e na atuação no ensino e execução de violão.
O trabalho com a música dos Cancioneiros Ibéricos levou-nos a temas
antigos, que remontam há séculos, e por fim, ao Cancioneiro Catalão, cuja tradição é
milenar.
Outra forte influência que nos aproximou da memória catalã foi a audição do
grupo catalão La Capella Reial de Catalunya da gravação intitulada Cançons de la
Catalunya Mil-lenária, Planys & Llegendes (Astrée, 1977), que nos conduziu a uma
outra visão da interpretação da música tradicional catalã. O repertório nos chamou a
atenção, pois incluía temas utilizados pelo compositor e violonista catalão Miguel
Llobet (1878-1938) em suas Canciones Catalanas, estudadas durante a nossa formação
musical como violonistas, tanto na execução como no ensino delas. Isso nos remeteu a
um interesse em desvendar este passado histórico e a procurar respostas para a
interpretação deste repertório, tanto para prática num conjunto de música antiga quanto
na execução destas versões românticas para violão.
As Canciones Catalanas de Llobet tornaram-se obras consagradas no
repertório violonístico, tanto para a execução em recitais quanto para a formação dos
violonistas. Tal coleção elaborada no início do século XX, época decisiva para a
afirmação do violão, que ainda não ocupava seu espaço no cenário musical, chegou a
ser gravada tanto de maneira fragmentada quanto integralmente por importantes
músicos como Andrés Segovia, Julian Bream, John Williams, David Russel e Stefano
2
Grondona, entre outros. Em nenhuma destas gravações há a citação das letras nem
mesmo seus significados. Conhecer seu texto contribui, no mínimo, para a definição de
novos elementos de interpretação.
Um dos fatores que nos chamou a atenção foi justamente o rico conteúdo do
texto das canções que estão ausentes nas publicações e nos registros que envolvem o
repertório violonístico e, em particular, os arranjos de Llobet.
Dividimos nosso trabalho em cinco capítulos:
No capítulo 1 trataremos de um breve histórico da canção, onde
delinearemos alguns elementos que vieram, mais tarde, a influenciar as canções
utilizadas na obra de Llobet. Quando estudamos a música antiga, reconhecemos alguns
temas nos Cancioneiros do século XVI, no trovadorismo, e até mesmo no canto
litúrgico. Incluímos neste capítulo, o movimento de música nacional espanhola no
século XIX que marcou presença no renascimento da cultura do país, através dos
trabalhos de intelectuais catalães, onde o emprego da canção popular é bastante
valorizado. O violão ressurge, da mesma maneira, pelas mãos de violonistas catalães,
que reunidos com violonistas de outras regiões da Espanha, criaram um movimento
semelhante, utilizando canções populares.
No capítulo 2, comentaremos a geração de violonistas catalães que precedeu
Llobet e que ajudaram a construir a importante escola de violão moderna, bem como
seus contemporâneos. Acreditamos que o conjunto da obra de Llobet foi decisivo para a
evolução da técnica violonística, mas esta figura tão importante ainda não teve seu
destaque merecido dentro do cenário musical. Portanto, reservamos um capítulo, o
número 3, para comentar a personalidade marcante e a importância da obra de Llobet,
especialmente as Canciones Catalanas, bem como as possíveis causas da perda de
algumas obras.
3
O capítulo 4 abordará a questão da totalidade da obra de Llobet. Os
catálogos realizados precisam ser revistos, pois recentemente, foi descoberto um
arquivo com obras inéditas. Entre elas, novas transcrições de canções tradicionais
catalãs, aumentando assim o número das treze canções já editadas. O responsável pela
pesquisa inédita é o violonista italiano Stefano Grondona (1958), que registrou estas e
outras obras inéditas em recentes gravações.
O material explorado por Llobet nesta coleção pertence ao terreno da
tradição folclórica catalã, de origem bastante antiga. As canções originaram-se de
maneira espontânea e anônima, e foram transmitidas através da tradição oral. Graças ao
poder que a música exerce sobre a memória coletiva, as melodias das canções
tradicionais puderam ser conservadas no decorrer dos séculos. O pesquisador que se
ocupa em registrar o texto de uma canção ajuda a preservar, portanto, a música
tradicional, pois foi exatamente graças ao fato da música estar intimamente ligada à
poesia que as canções populares sobreviveram. De fato, a música ajuda-nos a lembrar
uma poesia na íntegra quando cantarolamos a melodia inserida em seu texto e somos
remetidos a ele.
Apresentar o texto das canções torna-se indispensável para formar o corpo
musical que estamos propondo, de texto e melodia indissociáveis, para incorporar o
significado que tem o folclore para a cultura nacional de qualquer povo. Assim, no
capítulo 5, comentaremos alguns aspectos históricos e sociais ligados ao folclore catalão
– suas lendas, histórias, costumes, bem como a tradução das letras das melodias para o
português. Ao abordar as letras das melodias, incluímos a transcrição monofônica das
canções na sua forma original.
Apesar do folclore catalão não ser difundido entre outras culturas, incluindo
a nossa, e de não termos, a priori, um compromisso de conhecê-lo a fundo, quando
4
lidamos com estes temas em quase toda a nossa vida profissional, sentimos a
necessidade de penetrar neste universo.
Temos o nosso próprio folclore musical para ilustrar o quanto tais melodias
folclóricas estão presentes na alfabetização infantil, no cotidiano de pessoas de diversas
classes sociais e inseridas, inclusive, na obra de compositores eruditos brasileiros
consagrados.
Examinando o material bibliográfico para este trabalho, podemos estabelecer
certo paralelo com o que vimos em Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que utilizou as
músicas do folclore brasileiro nos seus cantos orfeônicos, cuja finalidade também era
social, e para compor suas grandes obras. Procuraremos analisar, no caso de Llobet, a
finalidade de usar melodias folclóricas em sua obra para violão.
O repertório de canções folclóricas presentes na obra de Villa-Lobos
exemplifica o quanto a letra está associada à sua melodia e presente na memória
coletiva de um povo que valoriza sua identidade. De fato, quando ouvimos a obra
instrumental das Cirandas
1
de Villa-Lobos, das quais a canções populares Terezinha de
Jesus, O Cravo Brigou com a Rosa, Fui no Itororó, Nesta Rua e A Canoa Virou (1926)
fazem parte, é inevitável não cantarolarmos, mesmo que mentalmente, as letras de suas
melodias.
A partir de uma reflexão sobre a importância de pesquisar as letras das
melodias catalãs, e reuni-las num trabalho para posterior consulta, foi o que nos
motivou a procurar as canções que Llobet escolheu para suas versões em coletâneas de
música folclórica espanhola, especialmente a catalã. O trabalho de Joan Amades
2
,
musicólogo catalão, serviu de base para a pesquisa, pois constitui o trabalho mais
1
VILLA-LOBOS, H. Coleção de 16 peças para piano sobre temas. Rio de Janeiro: Editora Arthur
Napoleão Ltda, 1968 (partitura).
2
AMADES, J. Folk-lore de Catalunya, cançoner. Barcelona: Editorial Selecta, 1951.
5
importante e completo sobre o assunto, citado em diversas publicações de música
tradicional catalã.
Llobet explorou temas populares antigos de forma inusitada, modernizando-
os e tornando-os extremamente importantes para o instrumento entrar numa nova fase
idiomática. Portanto, esta pequena coleção de treze peças tem uma grande importância
dentro do repertório violonístico, sendo muito executadas e gravadas pelos mais
importantes violonistas e fazendo parte da formação dos estudantes de violão de toda a
parte.
Citaremos, ainda, outros compositores e violonistas importantes para o
posicionamento do violão, que também exploraram temas tradicionais catalães,
seguindo o modelo deixado por Llobet.
A música que recorre a tais temas ficou registrada na história do violão. No
entanto, os violonistas em geral não identificam a sua origem e não conhecem o texto
original das canções catalãs encontradas na música antiga. Portanto, a pesquisa das
letras e sua tradução visam oferecer elementos para uma melhor compreensão dos temas
explorados por Miguel Llobet.
6
1. REFERÊNCIAS HISTÓRICAS DA CANÇÃO TRADICIONAL
CATALÃ
A Espanha é um país de diversas culturas, com características diferentes em
cada região. A variedade de estilos musicais resulta em diferentes aspectos da canção
popular espanhola, sendo necessário delimitar tais diferenças regionais, em função dos
diversos grupos étnicos que se estabeleceram na Península Ibérica ao longo da história.
Muitos adotam o modelo musical da região andaluza – o flamenco - para
exemplificar a canção popular espanhola, esquecendo-se e relegando a um segundo
plano outras modalidades cancionísticas como a galega, a asturiana, a vasca, a
salmantina, a burgalesa, e finalmente, a catalã, objeto do nosso estudo.
A música tradicional da Catalunha se distingue da música tradicional da
região andaluza, por sua distinta colonização
3
, não tendo tanta influência dos cantos
carregados de lamentos vindos da cultura árabe, embora alguns elementos contidos na
tradição musical espanhola às vezes se confundam. Notamos isso ao considerar os
primeiros documentos musicais da Espanha, encontrados dentro da igreja.
A Catalunha, liberada do julgo mulçumano, adotou o rito romano em seu
repertório litúrgico, mas alguns códices monásticos catalães do século XI conservam
traços da cultura árabe, indicando assim possíveis ocorrências de elementos árabes na
música litúrgica desta região (LIVERMORE, 1974, p. 69).
Os elementos populares, por sua vez, muitas vezes se confundem com os
elementos religiosos. A música de caráter popular se associava em algumas ocasiões a
certos atos relacionados com o culto religioso. Podia influenciar a confecção das missas,
3
Sobre o tipo distinto de colonização que a Catalunha sofreu, vale citar que durante meados do século
XII, os catalães foram chamados de los francos, no poema de El Cid, devido à influência francesa na
região (DUFOURCQ, p. 175).
7
e muitas vezes letra e música eram tiradas de fontes populares que tinham relação direta
com a dança. A dança era praticada tanto nos átrios das igrejas, quanto em seu interior
(SUBIRÁ, 1953, p. 88).
A tradição oral estava fortemente arraigada à implantação do canto litúrgico.
Os monges sabiam de memória a estrutura dos ofícios religiosos, de maneira que, assim
como as melodias populares, eram de extensão pequena e de fácil memorização. A
difusão dos cantos litúrgicos acontecia durante as peregrinações religiosas feitas pelos
fiéis, onde o povo tinha a oportunidade de cantar e dançar, dando origem às canções de
traços manifestadamente populares.
A influência do canto gregoriano se manifesta de maneira muito forte na
canção catalã (ANGLÉS, 1954, p. 421), e pouco em outras regiões da Espanha. Em
contrapartida, o uso dos sistemas modais dentro do sistema diatônico, que foram
gradualmente cromatizados pela intervenção das escalas orientais pouco influenciou a
canção tradicional catalã.
Segundo a afirmação de vários especialistas, a canção popular é uma das
manifestações mais antigas da cultura popular. O musicólogo Francesc Baldelló (1887-
1977) comenta a influência da música litúrgica na canção popular, como veremos
efetivamente no capítulo que descreve as canções. O povo, que assistia às funções
religiosas dos grandes monastérios - onde era executado o canto gregoriano - assimilava
suas melodias e as transformava numa nova manifestação artística. A única influência
que a população recebia vinha da música ouvida na igreja (BALDELLÓ, 1926, vol. 2,
p. 357).
Os monastérios tiveram participação definitiva na difusão da música na
Catalunha, e suas relações com os grandes centros litúrgicos franceses levam alguns
8
teóricos a afirmar que a história da música na Catalunha pertence mais à história da
Europa que à da Espanha (DUFOURCQ, 1965, vol. 1, p. 176).
Santa Maria de Ripoll, um monastério beneditino fundado em 888 é uma
referência para a história da cultura musical catalã. Trata-se de um grande centro
musical onde se desenvolveram as transformações da canção caracterizada por alguns
elementos populares. Suas relações culturais com outros monastérios, especialmente os
da França, foi uma das causas do florescimento artístico da música na Catalunha. No
que se refere à produção musical, identificam-se nos seus códices, a influência dos
monastérios franceses de Fleury, de Saint Germain des Pres, de Cluny, Moissac e Saint
Martial de Limoges (ANGLÈS, 1954, vol. 2, p. 1888). Os monges beneditinos no
monastério de Ripoll inventaram, no século X, uma notação musical neumática típica
conhecida como notação catalã, cujos traços recordam os neumas mozárabes (figura 1).
Este sistema de notação propagou-se por várias regiões da Catalunha, chegando a
ultrapassar os Pirineus, penetrando até na França, tal a força da cultura musical da
escola de Ripoll (DE LA CUESTA, 1983, p. 225).
A partir do século XIII, surgem outros monastérios, e com isso, a
possibilidade de criar e conservar mais códices.
O monastério de Las Huelgas (Burgos), fundado por Alfonso VIII de
Castilla entre os anos 1180-1187, foi um centro musical de primeira ordem, como
podemos ver pelo célebre códice musical com polifonia religiosa do século XIII - o
Códex Musical de las Huelgas, uma das antologias mais ricas da música medieval
européia. Trata-se de uma coleção de 186 obras: 28 organa para missa, 31
benedictamus, 31 prosas, 59 motetes, 32 conductus e 1 credo (o mais antigo de seu
gênero).
9
Figura 1. Notação catalã criada no século X
Como veremos adiante, uma das canções usadas nas adaptações para violão
de Miguel Llobet, possui uma melodia que se assemelha com uma das melodias que
figura neste códice de Burgos (LIVERMORE, 1974, p. 81). Portanto, podemos supor
um intercâmbio também entre as escolas monásticas de Burgos e Ripoll em relação à
cultura musical.
10
Ainda comentando a importância dos monastérios na cultura musical catalã,
inserimos o monastério de Montserrat situado na montanha que lhe dá o nome, a 35 km
da capital Barcelona. Exerce profunda atração no povo, que por séculos tem subido à
montanha em peregrinação. Também representa a primeira escola de música de toda a
Europa, de onde saiu um bom número de maestros que ocuparam importantes posições
na Península Ibérica. Seu antigo e valioso arquivo musical desapareceram no século
XIX por ocasião da invasão das tropas napoleônicas (1811). O documento musical mais
antigo conservado no monastério é o Libre Vermell de Montserrat, chamado assim
devido à cor da capa que recebeu ao ser recuperado e encadernado com uma capa
vermelha.
Trata-se de uma coleção de cantos e danças religiosos dos séculos XIII e
XIV em homenagem à santa padroeira da Catalunha – a virgem de Montserrat. Suas
melodias foram concebidas com a finalidade de edificar os peregrinos que tinham que
subir 2.910 degraus para ver a virgem negra – a “moreneta” - encontrada
milagrosamente nas montanhas. Tal circunstância faz das canções contidas no Libre
Vermell um conjunto de melodias populares, pois foram cultivadas em ambiente
doméstico, fora da igreja, apesar de seu tema religioso.
São dez melodias – oito com texto em latim (O Virgo Splenders, Stella
Splenders, Laudemus Virginem, Cuncti Simus, Polorum Regina, Maria Matrem,
Splenders Ceptigera e Ad Mortem Festinatus) e duas com texto catalão (Los Set Goyts e
Imperaytrix de la Ciutat Joiosa).
Los Set Goyts
4
é uma dança em círculo, que possivelmente deu origem à
popular sardana
5
e consequentemente influenciou as canções populares posteriores,
4
Goyts ou “goigs” (gozos) são manifestações típicas catalãs e pertencem ao terreno da música popular.
Possuem uma sucessão de estrofes (cobles) e um estribilho (refrany) que se repete ao final de cada uma
delas. Sua finalidade é louvar divindades religiosas, ocasião intimamente ligada à dança. Esta melodia
representa a mais antiga do gênero, que foi usado por diversos compositores durante os séculos seguintes.
11
inclusive algumas que estudaremos na pesquisa. Outro aspecto peculiar nesta coleção, é
que o mesmo povo que dançava durante a noite no monastério de Montserrat diante do
santuário da virgem, dançava durante o dia em praça pública. Tal fato comprova como
os elementos populares podiam conviver no ambiente religioso. Desta maneira, entre os
variados textos musicais encontramos uma dança com um título em seu cabeçalho:
Ballada dels goigs de Nostra Dona en vulgar cathalan, a ball rodon (Baile dos gozos
de Nossa Senhora em catalão vulgar, em baile de roda) (SUBIRÁ, 1953, p. 88).
5
Dança típica da Catalunha na qual um grupo reúne-se ao ar livre, formando uma roda. As pessoas
entram livremente no círculo de bailarinos e são integradas pelos outros sardanistas. Participam todos que
têm interesse nesta espécie de baile social (BUADES, 2006, p.269). A sardana pode se apresentar como
sardana llarga com grande quantidade de bailarinos e sardana corta, sem grande acúmulo de pessoas. A
banda que tradicionalmente acompanha a sardana é chamada de cobla.
12
Imperaytrix de la Ciutat Joiosa é um canto de contemplação à virgem que
significava, para os peregrinos, o reconforto e a absolvição para executarem a última
melodia Ad Mortem Festinatus, que constitui uma dança de traços profanos – a dança da
morte (LIVERMORE, 1974, p. 82). Algumas melodias inseridas no Libre Vermell
indicam o processo de desvinculação da igreja, trazendo elementos populares em seu
texto e melodia, uma vez que algumas delas eram destinadas à dança.
Esta coleção de melodias populares, com tema religioso, marca o
aparecimento da canção popular, como percebemos no comentário de D. Gregório
Estrada: “O Livre Vermell de Montserrat constitui uma das amostras mais antigas e
impressionantes do folclore medieval europeu”.(RUBIO, 1983, p. 109)
As Cantigas de Santa Maria são uma coleção de canções monódicas em
homenagem à Maria, escritas pelo rei espanhol Alfonso X, o Sábio (1252-1284) e seus
trovadores, copiadas entre 1275 e 1280. Evoca uma antiga tradição espanhola – a de
entoar temas com acompanhamento de instrumentos a fim de contar uma história que
recitavam – os chamados romances
6
. As 417 canções possuem melodias de vários tipos:
trovadorescas, romances velhos, e aires religiosos cantados por peregrinos em suas
procissões (LIVERMORE, 1974, p. 73). É mais uma amostra de que elementos
religiosos e populares se confundiam, pois possui uma lírica religiosa com texto vulgar.
A maior parte das cantigas se baseia em fatos do tempo do rei Afonso X e
sua família, em lendas locais e principalmente anedotas milagrosas. Outras narram
histórias lendárias de caráter universal, então muito em voga na Europa. Não
encontramos nenhuma cantiga com texto catalão, mas como veremos adiante,
encontramos elementos que vieram a influenciar, mais tarde, a canção tradicional catalã.
6
Forma tradicional na Espanha, influenciada pelo canto gregoriano e pela lírica trovadoresca, que usava
canções para narrar estórias criadas pelo povo e continuadas pelos músicos profissionais no século XIV
(BARGALLÓ, 1983, p. 38).
13
14
O El Cant de la Sibil-la era muito praticado na Catalunha, sobretudo no
monastério de Ripoll. Primeiramente era cantado em latim e com melodia gregoriana,
no século X, e depois, no século XII, se cantava com texto vulgar. Esta coleção de
música, cujo repertório tradicional era usado para certas festividades, é metade litúrgica,
metade popular (DUFOURCQ, 1965, vol. 1, p. 175). Tal prática ilustra bem como o
profano e o religioso conviviam bem dentro do contexto histórico, uma vez que o canto
gregoriano e outros elementos autônomos se fundiram para formar linhas melódicas
medievais.
Ainda na Idade Média, encontramos algumas melodias de caráter popular
que surgiram a partir de um movimento realizado por músicos ambulantes, que
difundiam sua arte por diversas regiões da Europa.
Na primeira metade do século XII surgem no sul da França os trovadores,
poetas-músicos, que cantam seus versos em língua d´oc (dialeto com o qual a Catalunha
manteve importantes relações lingüísticas) com importantes ramificações na Catalunha
– lugar preferido de muitos trovadores, em cujas cortes encontraram ajuda efetiva - o
que favoreceu a criação de canções por parte de seus próprios habitantes
7
(DE LA
CUESTA, 1983, p. 291). Os trovadores se ocupavam de cantar os chamados romances,
gênero incorporado pela canção e recorrente em diversas melodias catalãs. Encontramos
uma melodia trovadoresca muito semelhante a uma canção tradicional catalã, como
veremos adiante.
As fontes que temos das obras dos trovadores, a maioria de autoria anônima,
são os Cancioneiros.
7
Algumas músicas que sobreviveram são de trovadores catalães como Ponç de la Guardia (1154-1188),
Guillem de Berguedá (1138-1192), Guillem de Cabestany (1212), Guillem de Cervera (1259-1285),
Huguet de Mataplana (1185-1213), Formit de Perpiná, Guillem Ramón de Gironella, Pere Salvatge,
Berenguer de Palou (1164) e Ponç d´Orfatá (1184-1246).
15
Os cancioneiros ibéricos mais conhecidos são: Cancionero Musical de
Montecassino (1480-1500), Cancionero Musical de la Colombina (1490), Cancionero
Musical de Barcelona (1500-32), Cancionero Musical de Palácio (1505-1520),
Cancionero Musical d´Elvas (1550), Cancionero de Upsala (1556), Cancioneiro
Musical de Medinacelli (1569), Romances y letras a tres voces (1600), Cancionero
Musical de Casanatense (1620), Cancioneiro de Segovia, Cancionero Musical de
Sablonara (1625), Cancionero de Valladolid (1650).
São coletâneas de música polifônica na forma de villancicos
8
, o que denota o
desenvolvimento da polifonia de maneira contundente, já no século XVI. Os temas
contidos nestes cancioneiros são em sua maioria profano, mas encontramos também
temas religiosos.
Rafael Mitjana (1869-1921) descobriu o Cancioneiro de Upsala conservado
na Biblioteca da Universidade de Upsala, na Suécia editado no México em 1944 - uma
coleção de 54 villancicos, na maioria com temas profanos, e poucos religiosos,
intitulada Villancicos de diversos autores a dos y a tres y a quatro y a cinco bozes
agora nuevamente corregidos (Venice, 1556), mais conhecida com o nome Cancioneiro
de Upsala (Cancionero del Duque de Calabria). Neste cancioneiro figuram quatro
canções com texto catalão – no. 23, no. 24, no. 35 e no. 45. A primeira, no. 23 utiliza
em seu texto a poesia de Ausias March e foi usada posteriormente pelo mestre catalão
Felipe Pedrell (cuja importância destacaremos a seguir) em sua obra de teatro lírico
espanhol Los Pirineus (MITJANA, 1944, p. 67).
8
Forma poética e musical espanhola derivado do poema lírico medieval que era musicado para dança e
ligado a temas rústicos e populares, extensivamente cultivado na música secular polifônica nos séculos
XV e XVI, aparecendo anteriormente nas Cantigas de Santa Maria. Possui características semelhantes à
canção popular, como a forma ABBA, o refrão e a base em temas poéticos do cotidiano. O villancico é
semelhante ao romance e à canção, possuindo cada um apenas tamanhos diferentes de refrão. No século
XVII, o villancico religioso tornou-se mais difundido e a forma popular foi deslocada para o romance. A
partir do século XIX, villancico significa simplesmente “canção de natal”.
16
Outro villancico com texto catalão é o de no. 24:
17
No villancico de no. 45 encontramos um tema religioso:
A polifonia profana sobressai tanto quanto a música religiosa na Catalunha,
terreno em que os nomes de Joan Brudieu (1520-1591) e Mateo Flecha, o Velho (1483-
1553) figuram entre os primeiros compositores catalães a escrever madrigais
9
de caráter
popular.
Joan Brudieu foi maestro de capela e publicou uma coleção de dezesseis
madrigais profanos no De Los Madrigales del muy reverendo Joan Brudieu maestro de
capilla dela sancta yglesia de La Seo de Urgel a quatro bozes (Barcelona, 1585). Seus
9
Partituras dos séculos XVI e XVII sobre versos seculares.
18
temas, na maioria, são populares e os textos de dois deles são baseados na poesia do
poeta catalão Auzias March, citado acima.
Mateo Flecha, o Velho tem uma produção religiosa que se perdeu, mas sua
Ensaladas – espécies de “poutpourris” de madrigais integrados com diferentes
elementos – foram publicadas em Praga (1581) pelo seu sobrinho e homônimo Mateo
Flecha, o Jovem (1520-1604), as quais foram adaptadas por alguns vihuelistas.
Uma das melodias do Cancionero de Upsala – a no. 35 - é atribuída a Mateo
Flecha no livro Orphenica Lyra (Lira de Orfeu-1554) do vihuelista Miguel de Fuenllana
(RUBIO, 1983, p. 91).
O trabalho dos vihuelistas na Espanha é digno de nota, pois se trata de um
dos fenômenos musicais mais importantes para a música instrumental polifônica do
século XVI de toda a Europa e foi publicado na forma de livros e tratados. Tais
publicações incluíam obras de outros músicos espanhóis, e nelas era evidente o hábito e
19
arranjar e entabular as obras vocais. Tal repertório polifônico, que teve sua fase áurea no
século XVI, foi fortemente explorado e estavam presentes nos livros de vihuela
10
- um
dos instrumentos responsáveis por sua difusão. Os principais tratados de vihuela e as
composições destinadas a este instrumento contêm uma infinidade de motivos
tradicionais – villancicos, romances e canções populares da época são tratadas
magistralmente por Luys Milán (Valencia, 1535-36), Luys de Narváez (Granada, 1538),
Alonso de Mudarra (Sevilla, 1546), Enríquez de Valderrábano, (Valladolid, 1547)
Miguel de Fuenllana (Sevilla, 1554) e Diego Pisador (Salamanca, 1552). Poderíamos
citar muitíssimos autores que se abasteceram das fontes de música tradicional.
No século XVII a vihuela cedeu lugar à guitarra
11
, que passou a ser usada
para acompanhar canções e danças populares (PUJOL, 1960, p. 240).
O primeiro tratado sobre guitarra espanhola foi publicado em 1586, em
Barcelona, pelo médico e músico catalão Joan Carles Amat: Guitarra española y
vandola em dos maneras de guitarra castellana y cathalana de cinco órdenes
12
. Este
breve método, em catalão, trata de modo especial de melodias populares e nele
encontramos instruções bastante precisas para afinar a guitarra e para realizar
acompanhamentos (figura 2).
10
O termo vihuela designa um instrumento musical de 6 cordas, das quais 5 são duplas, em forma de oito
(o alaúde tem a forma de pêra) que pode ser de arco, ou de mano, afinada como o alaúde. Na Idade Média
a vihuela de mano era dedilhada e a vihuela de pua com plectro. A tablatura era o meio de notação gráfica
da música para instrumentos de cordas dedilhadas do século XVI. Existem basicamente três tipos de
tablaturas: a italiana, a francesa e o sistema alfabeto. A maior parte da música publicada na Espanha
usava o sistema italiano, que consistia em um pentagrama com cada linha representando cada ordem do
instrumento e o traste a ser usado era indicado com números sobrepostos nas linhas. A vihuela pode ser o
instrumento mais antigo que pode ser relacionado com violão. Modo de execução ponteado.
11
Semelhante no formato com a vihuela, um pouco menor e com afinação diferente, mais próxima ao
violão e com um par de cordas a menos do que a vihuela de seis cordas. Modo de execução rasgueado e
ponteado. Era o instrumento preferido, junto com a vihuela, para acompanhar o gênero romance
(BARGALLÓ, 1983, p. 137).
12
Ordenes em espanhol, ordem em português, course em inglês são os termo usados para designar os
pares de cordas dos instrumentos antigos de cordas dedilhadas, com literatura escrita a partir de 1508 até
o final do século XVIII. São eles: alaúdes, guitarras renascentistas, guitarras barrocas e vihuelas. As
tablaturas foram utilizadas aproximadamente até o final do século XVIII.
20
Figura 2. Tratado catalão de guitarra do século XVI
Os polifonistas espanhóis representam a melhor fase musical da Espanha,
nos séculos XVI e XVII. Seus trabalhos alcançaram um grande desenvolvimento na
música em relação a outros países da Europa, mas depois desta fase, houve uma
decadência na música espanhola
13
.
A decadência da música espanhola ocorreu nos séculos seguintes. Enquanto
a arte musical se desenvolvia em outros países europeus, a Espanha estacionou até
ocorrer o renascimento da música nacional no século XIX, fenômeno chamado de
“Renaixença” na Catalunha. O impulso intelectual criado com este movimento consiste,
sobretudo, numa difusão progressiva da consciência autônoma política e cultural entre
13
“(...) Desde la invasión napoleónica, las luchas políticas que con frecuencia turbaban el orden nacional
adormecieran la música autóctona, y sólo canciones ligeras o de carácter patriótico aparecían como tímida
expresión lírica de um pueblo que había enriquecido otrora la música universal (...)” (PUJOL, 1960, p.
45).
21
os catalães. A valorização da língua nativa, uma nova economia e a formação de
correntes políticas próprias impulsionam tal revolução onde figuram importantes nomes
de intelectuais resultando no aumento da produção cultural catalã.
No campo da música, com a liderança de Felipe Pedrell (1841-1922), o
pioneiro da musicologia espanhola, iniciou-se o movimento nacionalista, que buscava
na música antiga um dos elementos da renovação da cultura musical.
A atuação de Pedrell teve reflexos decisivos na Catalunha. O movimento
musical ocorrido no período de Pedrell favoreceu a criação de uma escola nacional - a
escola catalã. Foi a mais importante da Espanha, pois o interesse por música não
pertencia somente a uma minoria, mas sim a quase toda a população. A música coral
baseava-se na tradição folclórica e junto com a sardana inspirou a autonomia cultural
catalã. As sociedades coral envolviam todas as classes sociais, que se dirigiam às
instituições criadas com a finalidade de divulgar o repertório regional. Os orfeões
cumpriram seu papel social, pois eram “uma grande família”. Do ponto de vista
musical, contribuiu de maneira decisiva para a renovação musical espanhola. Foram
criadas novas salas de concerto, escolas de música, o que possibilitou o surgimento de
novos cantores (SOPENA, 1958, p. 62).
As primeiras corporações orfeônicas surgiram na Catalunha, onde a música
vocal florescia, abrindo terreno para ser praticada por toda a Espanha. O iniciador do
movimento coral catalão foi José Anselmo Clavé (1824-1874). Em 1845, dirigiu a
sociedade “La Aurora” - núcleo inicial que serviu de base para a criação de outras
sociedades musicais, sobretudo, de música coral. Lluís Millet (1867-1941), aluno de
Pedrell, fundou em 1891 o Orfeu Catalá junto com os compositores Amadeo Vives
(1871-1932) e Enrique Morera (1865-1942) que também fundou o coral Catalunya
Nova (DUFOURCQ, 1965, vol. 2, p. 211).
22
Algumas destas instituições perduram até hoje e se ocupam ainda em
divulgar a música folclórica, como por exemplo, o coral Orfeo Catalá, cuja atuação foi
decisiva para o movimento nacionalista e fomentou a produção de uma literatura
musical baseada fundamentalmente em elementos folclóricos:
This choral society became the heart and the state of a genuine artistic
tradition. Whilst encouraging the performance of folksong it also
revived the great works of the Golden Age and commissioned new
choral works. The importance of vocal music to the Catalan nationalists
can be explained by their concern to preserve their own language. It
was response to the literaly renaixença (PAINE, 1989, p. 21).
Paralelamente a atividade coral, com a mesma finalidade de valorizar a
música folclórica espanhola, foram criados grupos de violões aliados a outros
instrumentos da família de cordas dedilhadas e pinçadas. Um exemplo disso foi o
movimento das Estudiantinas, como ficou conhecido, que unia diversos estudantes de
diversas especialidades e classes sociais. Tais agrupações surgiram no início do século
XIX ligadas à música popular e com o tempo, sua presença nas festas populares era
habitual
14
. Na sociedade formada por Clavé, foi organizada uma estudiantina que
associava guitarras (violões), mandolinas
15
, bandurrias
16
e outros instrumentos
populares (SUBIRÁ, 1953, p. 651). A Estudiantina Española era uma destas
agrupações dirigida por Eugenio Arredondo. Em 1878, a Estudiantina Fígaro, dirigida
por Domingo Granados, tocou nos principais teatros da Europa (NAVARRO, 1993, p.
139). Em 1897, foi criada a Estudiantina Universitária, composta por bandurrias,
alaúdes, violinos, violões e instrumentos de percussão, dirigida por Juan Antonio Pujol
14
Tais agrupações já existiam em 1808, conforme um dado histórico encontrado durante manifestações
cívicas do dia 2 de Maio, onde homens, mulheres e crianças participavam num coral acompanhado por
guitarras e bandurrias. Junto com a guitarra tradicional se usavam outros instrumentos (...) Em 20 de
Outubro de 1892, o tenor Gayarre foi acompanhado com a mesma formação e em 1894, um coral de
Clavé se reuniu a trezentos instrumentos que formavam uma estudiantina (NAVARRO, 1993, p. 80).
15
Instrumento da família do alaúde, caixa de ressonância em forma de pêra e de tessitura aguda. Esteve
muito em voga no século XVIII, e suas quatro ordens são afinadas iguais ao violino. Tem geralmente 16
trastes e se toca com pua.
16
Instrumento de cinco ou seis cordas duplas que se toca com plectro com caixa de ressonância em forma
de pêra com seis ou sete trastes.
23
(RIERA, 1974, p. 20). Em outra região da Península, na Universidade de Coimbra
(Portugal), onde a prática de música tradicional efervescia, temos o registro de que foi
criado um movimento semelhante
17
(figura 3).
O repertório destas estudiantinas era formado basicamente por músicas
populares, e incluía canções tradicionais catalãs estudadas nesta pesquisa. No mesmo
formato, se insere o Lira Orfeu – importante grupo musical do qual Llobet foi co-
fundador - que tem papel importante em suas adaptações de canções catalãs, como
veremos adiante.
Figura 3. Estudiantina da Universidade de Coimbra
Alguns nomes que pertenceram à geração de músicos nacionalistas como
Albeniz e Granados, exploraram abundantemente temas folclóricos. Outros nomes
usaram inclusive os mesmos que Llobet, em seus arranjos e transcrições indicando
assim e que mostram o ambiente folclórico que alimentava as produções desta geração.
17
NERY, R.V. Para uma História do Fado. Lisboa: Edição Público, 2004, p. 113.
24
Isaac Albéniz (1860-1909) e Enrique Granados (1867-1916), discípulos de
Felipe Pedrell e filhos da Catalunha, mas apesar disso, escreveram pouca música catalã.
A obra de Albéniz foi escrita principalmente para piano. O contato com
cancioneiros ibéricos (sobretudo o Cancioneiro do Palácio) e com Pedrell resultou em
trabalhos baseados cada vez mais no folclore espanhol (GROVE, vol. 1, p. 203),
principalmente o andaluz. Inserido neste repertório estão algumas peças que fazem
referência à Catalunha: para piano solo, a Suíte espanhola op. 47 (1886) – 2º.
movimento denominado Cataluña
18
- e Capricho Catalán
19
; além da produção para
orquestra a Suíte Popular Catalonia (1899), Escenas Sinfônicas Catalanas (1889) e a
obra originalmente escrita para orquestra Cataluña que junto com outras obras de
música típica andaluza, ajudaram a dar corpo e vida para a escola nacional.
Granados dedicou sua obra ao piano e à música vocal. Estava fortemente
atraído à tonadilla, à arte espanhola do período clássico e aos compositores românticos
como Grieg, Schumann e Liszt, os quais influenciaram sua produção, como vemos em
suas Escenas Românticas (sem data) e a ópera Goyescas (1911) baseada em impressões
dramáticas de seu pintor favorito Francisco Goya (1746-1828).
Llobet manteve contato com esses dois importantes compositores, como
veremos mais adiante.
Albeniz e Granados exploraram, sobretudo, o folclore andaluz, considerado,
naquele momento, a arte mais nacional da Espanha. A música popular andaluza, com
seus acentos característicos, se tornou uma grande escola musical através da
sensibilidade de compositores catalães. A música catalã, por outro lado, possui outras
18
ALBENIZ. I. Suíte Española op. 47. Transcribed and Fingered for Guitar by Manuel Barrueco.
Bewin- Mills Publisher Corp., 1981; ALBENIZ, I. Suíte Española no. 2, Cataluña für 2 Gitarren
bearbeitet von Hans-Gerhard Fey. Berlin: Edition Margaux, 1989 (partituras).
19
ALBENIZ, I. Capricho Catalán. Trasncribed by Balaguer. Shawnee Press, s.d. Transcrição para
violão (partitura).
25
características que procuraremos comentar nesta pesquisa, através da investigação da
canção tradicional.
Quando observamos o transcurso histórico da canção, percebemos que
alguns elementos se perpetuaram. O costume de narrar fatos históricos, lendas e a
religiosidade caminham juntos. De fato, perceberemos tais elementos nas canções
tradicionais catalãs comentadas nesta pesquisa. Também levantaremos as possíveis
origens dos temas usados na obra para violão de Llobet, à medida que traçamos o
histórico das canções.
26
2. MIGUEL LLOBET: SEUS PREDECESSORES E
CONTEMPORÂNEOS
Quando falamos do ressurgimento da escola nacional espanhola, notamos
que foram músicos catalães que iniciaram o movimento que elevou o nível da música de
seu país.
Da mesma maneira, o violão ressurgiu pelas mãos de violonistas catalães.
Podemos dizer que existe um capítulo essencial no século XIX e XX na história do
violão que passa obrigatoriamente por nomes importantes independentemente das
correntes estéticas às quais estavam inseridos. Numa linha cronológica temos: Fernando
Sor (1778-1839), e os discípulos de Francisco Tárrega (1852-1909) - Miguel Llobet,
Domingo Prat (1886-1944), também aluno de Llobet, Daniel Fortea (1882-1953), e
Emilio Pujol (1886-1980)
20
.
Fernando Sor estudou no monastério de Montsserrat, onde adquiriu uma
base teórica sólida para se dedicar de forma autodidata ao violão, pois foi o primeiro
grande compositor a escrever de maneira especial para o instrumento, pois vinha de uma
fase de transição dos instrumentos de cordas duplas para os instrumentos de cordas
simples, criando novas concepções técnicas. Suas obras constituem uma referência
obrigatória para os violonistas
21
. Sor foi o primeiro violonista a valorizar temas
populares catalães. Sua obra coral Crits del Carrer
22
, que faz alusão aos gritos dos
20
Embora Tárrega e Fortea sejam valencianos, ambos se estabeleceram em Barcelona e se integraram ao
círculo musical deste grande centro artístico da Catalunha. Além disso, a delimitação política, geográfica
e lingüística desta região em relação à Catalunha, é assunto de intermináveis debates políticos e
movimentos separatistas.
21
Um estudo mais específico sobre o violão deste período e do pensamento de Fernando Sor está contido
no seu Méthode pour la Guitare, de 1830. Há uma tradução em português realizada por Guilherme de
Camargo (CAMARGO, 2005).
22
Esta obra é citada por Brian Jeffery com o título Draps i Ferro Vell (1861), e se encontra em quatro
versões: duas versões para 4 vozes e piano, uma versão para 3 vozes e pequena orquestra e outra versão
para 4 vozes e quarteto de cordas (JEFFERY, 1977, p. 9).
27
vendedores ambulantes, foi cantada diversas vezes pelo coral Orfeo Catalá. Durante o
período que passou em Paris escreveu um ballet sobre o tema catalão de Ventafocs
(AMADES, 1951, p. 17). As obras Fantasia op. 54 bis, para dois violões, e Folias de
Espagne op.15 (a), para violão solo, também citam temas populares
23
.
Domingo Prat estudou com Llobet de 1898 a 1904, passando a receber a
orientação de Tárrega regularmente após a ida de Llobet a Paris. Em 1907, se estabelece
definitivamente em Buenos Aires. Funda uma academia de violão onde se formam os
concertistas mais destacados da época, entre eles, Maria Luisa Anido (1907-1996). Prat
foi um dos responsáveis pela vinda de Llobet à América do Sul. No campo da
investigação histórica, nos deixou uma obra de grande valor – o Diccionario de
Guitarras, Guitarristas e Guitarreros (...), editado em 1934 e reeditado em 1986, nos
Estados Unidos e no Japão
24
.
Daniel Fortea (1882-1953) era valenciano, mas passou boa parte de sua
vida artística em Barcelona. Fundou a Biblioteca Fortea (figura 1) pela qual publicou
suas obras originais e transcrições. Os violonistas espanhóis devem a esta biblioteca a
condição favorável de terem suas obras editadas. Possui publicações de obras de
concerto e composições para violão de caráter didático, poético e folclórico (PUJOL,
1960, p. 167).
Emilio Pujol iniciou seus estudos em sua terra natal – Granadella,
província de Lérida - e estudou com Tárrega. Em 1898 já realizava apresentações junto
com a Estudiantina Universitária, onde tocava bandurria, seu primeiro instrumento.
Atuou como musicólogo, concertista, compositor e pedagogo.
23
JEFFERY, B. Fernando Sor. Composer and Guitarrist. Londres: Tecla Editions, 1977, p. 155 et. seq.
24
PRAT, D. Diccionario de Guitarristas. Columbus, Ohio: Editions Orphée, 1986.
28
Figura 1. Edição de uma canção tradicional catalã de Llobet pela Biblioteca Fortea
No campo da musicologia, teve influência direta de Felipe Pedrell. Seu
interesse pelo passado histórico ficou evidente em suas pesquisas do repertório do
século XVI para instrumentos de cordas dedilhadas – guitarra, alaúde e principalmente,
vihuela. Foi o primeiro violonista do século XX a realizar um concerto de vihuela,
numa cópia deste instrumento realizada pelo luthier espanhol Francisco Simplicio
(1874-1933). Como compositor Pujol seguiu o modelo deixado por Tárrega e como
transcritor, seguiu os passos de Llobet, como veremos mais adiante nas adaptações de
canções tradicionais catalãs que também realizou. Como pedagogo, escreveu Escuela
Razonada de la Guitarra – uma obra que contém orientações inéditas para professor e
aluno - baseado em suas experiências nas áreas em que atuava. Miguel Llobet foi um
grande incentivador para a realização desta obra, dividida em quatro volumes (RIERA,
1974, p. 98).
Após a morte de Sor, o violão se encontrava decadente em toda a Europa,
incluindo a Espanha. Como observou Emilio Pujol:
29
La guitarra, entonces, era tenida por instrumento de limitados recursos.
Desacreditada y manoseada por gentes incultas y de baja condición,
sólo se la consideraba adecuada para rasguear en ella simples aires
vulgares, acompañar toscamente canciones callejeras, o para unirla a
otros instrumentos congéneres en rondas y serenatas de pintoresco
tipismo. Como si fuese un instrumento al margen de la música,
excluído del concepto general del arte, no podía ofrecer al artista un
medio idóneo para el desarollo de sus faculdades, ni la utilidad práctica
que brindaba la más humilde profesión. (PUJOL, 1960, p. 39)
Francisco Tárrega veio a ser um ponto de partida para melhorar a imagem do
instrumento. Curiosamente, foi incentivado pelos seus professores do Conservatório de
Madri a estudar piano – instrumento que gozava de grande popularidade na época - pois
não existia curso de violão. Sua formação pianística o levou a realizar diversas
transcrições para o violão, a fim de mostrar as possibilidades de tocar no instrumento os
grandes clássicos dentre as obras de concerto para piano, quartetos, trechos orquestrais e
trechos de ópera. Podemos atribuir suas renovações ao pensamento musical que
adquiriu através de seus estudos de piano.
A única referência de seu tempo era a obra de Julian Arcas
25
(1832-1882), de
quem sofreu influência. Portanto, teve que forjar sua própria técnica, influenciada pelo
ambiente musical que o cercava (piano e instrumentos de cordas), criando assim o que
chamamos de “Escola de Tárrega”
26
. Apesar de não ter deixado escrito a definição de
sua escola, passou seus conhecimentos de forma oral a seus discípulos já citados, e a ele
são atribuídas mudanças na técnica de execução que foram seguidas por mais de um
25
Arcas é o principal representante do violão que sucedeu Sor e Aguado. Sua atividade como concertista
abrangeu toda a Espanha e parte da Europa, principalmente no período de 1860-70. Como compositor,
deixou 30 obras originais, a maioria de caráter folclórico. Arcas teve uma influência decisiva nos
trabalhos do luthier Antonio Torres e nas alterações que o violão sofreu neste período, em seu tamanho e
estrutura. Pode ser considerado pioneiro na realização de adaptações de obras de piano para violão, e
muitos gêneros musicais que integravam seu repertório foram adotados mais tarde pelos violonistas.
Arcas pode ser considerado o introdutor do nacionalismo no violão ao explorar temas regionais. Estava
atento aos acontecimentos políticos de sua época e tinha afinidades com o movimento de independência
cubano que teve repercussão no governo espanhol e influenciou sua obra para violão ao utilizar temas
populares cubanos (GRONDONA, 2004, encarte de Cd).
26
Não se sabe em que período Tárrega recebeu conselhos ou orientação de Arcas, mas ambos utilizavam
uma técnica de mão direita semelhante conforme narra Pujol na biografia de seu mestre (PUJOL, 1960, p.
224) O conceito da existência de uma escola sistematizada por Tárrega vem sendo discutido por diversos
violonistas. Falaremos a respeito da polêmica difusão deste conceito mais adiante.
30
século. Suas inovações, do ponto de vista instrumental, especificavam claramente suas
intenções musicais e exploravam as possibilidades timbrísticas do violão.
Tárrega deixou obras de valor permanente na literatura para violão:
predominando a peça de caráter nas formas de dança de salão, estudos, transcrições,
trêmolos e os admiráveis Prelúdios, onde encontramos a influência de Schumann e
Chopin. No Preludio no. 2 podemos notar o uso de timbres e harmonias pouco
convencionais na obra de Tárrega, em homenagem à seu querido discípulo Miguel
Llobet, que tinha uma concepção diferenciada de seu mestre ao compor suas obras,
como veremos adiante. O interesse de Tárrega pelos clássicos o levou a realizar
excelentes transcrições de obras de Bach, Mendelssohn, Albeniz, Granados, entre
outros, linha seguida depois por Llobet, que levou adiante as técnicas de composição e
transcrição vindas de Tárrega.
Fernando Sor, Francisco Tárrega e Miguel Llobet são citados por Jaime
Pahissa (1955, p. 117) por serem os principais responsáveis em elevar o prestígio do
violão. No entanto, existe um período em que outros nomes figuraram no cenário
violonístico, mesmo que timidamente.
Pouco se sabe a respeito deste período, por isso reservamos um espaço para
falar dos violonistas catalães pouco conhecidos que marcaram presença no século XIX.
Segundo Mangado (1998, p. 19-24), esta fase pode ser dividida em dois períodos:
Primeiro Período (1814-1840) e Segundo Período (1840-1939):
31
José Viñas y
Díaz (1823-
1888)
José Brocá y
Codina
(1805-1882)
Juan Nogués
y Pon (1875-
1930)
Antonio
Alba (1870-
?)
Joaquín
Casanovas
(1862-?)
Miguel Más
(1846-1923)
Domingo
Bonet (1841-
1931)
José Hugas
y Roig
(1837-1877)
Jaime Bosch
(1826-1895)
Segundo
Período
(1840-1939)
Jaime Bruno
Berenguer
(1ª. metade do
século XIX)
Narciso
Bassols
(?)
Buenaventura
Bassols
(?)
Domingo
Daydí
(1830)
José Ferrer
(1835-1916)
Primeiro
Período
(1814-1840)
32
Alguns nomes desta geração ainda pouco conhecida participaram da
sociedade musical Lira Orfeo (figura 2). Esta sociedade foi criada em 1º. de Outubro de
1898 pelo violonista catalão Pedro Lloret Blanch (1874-?) com a ajuda de outros sócios
fundadores, entre eles, Miguel Llobet. Integravam o corpo docente desta sociedade:
Pedro Lloret, Domingo Prat e o próprio Llobet – que exerciam a atividade de
professores de violão – além de outros nomes como Baldomero Caldera (1856-1929),
Domingo Bonet e Juan Bas – professores de instrumentos de plectro – e Manuel Burgés,
José Barberá, José Aznar e Salvador Bártoli – como professores teóricos.
Figura 2. Sociedade Lira Orfeo
Os alunos tinham aulas de solfejo, harmonia, história do instrumento e
recebiam orientações que lhes proporcionavam uma técnica depurada de execução
clássica. A sólida formação musical que os alunos desta sociedade recebiam fica
evidente no comentário da violonista Rosa Lloret (1909-?), filha de Lloret e discípula de
Llobet:
33
Todos ellos, com verdadero altruismo, daban las lecciones por las
noches, de 9 a 1 hasta las dos de madrugada, individualmente e en
grupos de 15, 20 y hasta 25 alumnos dos y tres veces a la semana, y
además uma classe de conjunto cada 4 días. También se preocupaban
de la cultura teórico-artística de los alumnos, mediante uma numerosa
serie de conferencias relacionadas con el de la música en particular, se
obsequiaba a los socios protectores con selectos y variados conciertos
íntimos en los que tomaban parte como solistas los maestros de la
escuela (MANGADO, 1998, p. 91).
Lira Orfeo, também conhecida como Els Lirons, teve uma curta duração
devido a diversos problemas entre os sócios fundadores e ao estabelecimento de Llobet
em Paris em 1905. Tal importante iniciativa para o violão em Barcelona acabou em 2 de
Dezembro de 1907, nove anos depois de sua fundação. Por ela devem ter passado mais
de 500 alunos.
As atividades da Lira Orfeo foram determinantes para o ensino do
instrumento de forma mais sistematizada, uma vez que o violão durante o século XIX
não encontrava espaço para ser divulgado e ensinado nas escolas de música. Antes da
sociedade Lira Orfeo, encontramos algumas classes de violão e instrumentos de plectro
embora não estivessem oficialmente integradas nas instituições.
Toda la actividad de la enseñanza de la guitarra durante el siglo XIX, se
impartía en dos ámbitos de la vida barcelonesa, las academias privadas
de música y las classes particulares que algunos maestros de dicho
instrumento proporcionaban. Hasta que en la ultima década del siglo
XIX las instituciones de la ciudad decidieron instaurar este servicio en
sus centros (MANGADO, 1998, p. 89).
O centro mais antigo de ensino musical em Barcelona era o Conservatório
Superior de Música del Liceo, fundado em 1837 com o nome de Liceo Dramático de los
Aficionados, conhecido popularmente como Liceo. Outro centro importante era o
Conservatório Superior de Música de Barcelona, fundado em 1886 com o nome de
Escola Municipal de Música. Os primeiros professores de violão nestes dois principais
centros de música foram os discípulos de José Brocá. Miguel Más foi o primeiro a
exercer a função de professor de violão e instrumentos de plectro, seguido por Juan
34
Nogués y Pon, na Escola Municipal. Domingo Bonet (de 1897 a 1898) e José Ferrer (de
1898 a 1901) foram os primeiros professores do Liceo, seguidos por Joaquin Casanovas
que ocupou o cargo até ser substituído por Graciano Tarragó
27
(1892-1973), em 1933.
Vale citar também algumas casas que serviam para reunir os diletantes, onde
se tocava e discutia violão.
A Ca´ls Guitarrers (Casa dos Violonistas) existia em 1892 e oferecia o
ambiente ideal para os aficionados pelo violão, pois reunia os professores e violonistas
mais importantes da época (PUJOL, 1960, p. 119).
A Casa Llibre em Barcelona, por sua situação estratégica, reunia vários
artistas (RIERA, 1974, p. 47). Nestas ocasiões era muito comum ocorrer o costume que
é muito popular até hoje entre os espanhóis – a tertúlia
28
.
Neste contexto, o violão se estabelecia gradualmente na sociedade como
instrumento de concerto e conquistava seu espaço nas cadeiras das escolas de música da
Catalunha.
As contribuições de Antonio Torres (1817-1892) marcaram grandes
transformações na arte de lutheria do violão
29
estabelecendo novos padrões estéticos. A
construção de um novo violão, com mais sonoridade, um timbre de maior qualidade e
contornos mais harmoniosos, ofereceram condições para sua evolução e este modelo foi
adotado pelos construtores que o sucederam, na Espanha e no resto do mundo. Torres
27
Tarragó foi aluno de Casanovas antes de ocupar o cargo de professor do Liceo e possuía algumas
deficiências em sua formação como violonista (MANGADO, 1998, p. 90). Não tendo suas necessidades
musicais atendidas por seu professor, foi procurar a orientação dos discípulos de Tárrega e teve de
escolher entre Pujol e Llobet. A respeito de sua decisão, comentaremos mais adiante, para tentarmos
delinear a personalidade e a concepção musical de Llobet.
28
A tertúlia consiste em que outros escutem mesmo que o locutor não tenha a mínima idéia do que es
falando. O importante é saber falar alto numa espécie de torneio para decidir quem tem o pulmão mais
forte ou quem fala a maior besteira. Os assuntos podem ser os mais variados: arte, política, esportes,
história, ciência, etc (BUADES, 2006, p. 32). Llobet pode ser reconhecido como um verdadeiro
tertuliano, como veremos adiante, para delinear sua personalidade engajada em acontecimentos políticos
e sociais que pode tê-lo motivado a escrever as canções tradicionais catalãs.
29
Para mais informações sobre lutheria histórica realizada na Espanha recomendamos o trabalho de
GRONDONA, S.; WALDNER, L. La Guitarra di Liuteria. Master Pieces of Guitar Making. L´officina
del libro, 2001.
35
era andaluz, mas enviava a maioria de seus violões, para a região da Catalunha, que
representava o grande centro de música culta para violão. Julián Arcas foi o primeiro a
utilizar um violão Torres e tornou-o conhecido através de suas atuações. Na ocasião em
que Tárrega ouviu Arcas pela primeira vez, ele usava um modelo que ficou conhecido
como “La Leona”
30
, por ser considerada a melhor de todas existentes (PUJOL, 1960, p.
35). O “novo violão” surgiu principalmente pelas mãos de Torres, e em breve o
monopólio que era mantido pelos catalães gradualmente deixou de existir, tendo seus
modelos espalhados pela Europa, através das atividades de concertista de Tárrega,
Llobet e Pujol. O violão de Torres era o preferido de Llobet (figura 3), que o apresentou
mais tarde para o luthier alemão Hermann Hauser I (1882-1952), talvez o primeiro
construtor fora da Espanha a adotar o modelo Torres.
Figura 3. Miguel Llobet com um violão Torres de 1859
30
Cf. STEFANO GRONDONA. La Guitarra de Torres. Appassionato, 2000 (Cd). O violonista Stefano
Grondona usou este violão histórico nas gravações deste Cd.
36
Não podemos deixar de mencionar o violonista andaluz Andrés Segovia
(1893-1987), que com sua carreira de quase oitenta anos continua a fascinar estudantes,
profissionais e amadores. Segovia ainda é considerado como a personificação do
violonista-intéprete por várias gerações de violonistas e teve um papel decisivo no
desenvolvimento do violão. Além de transformá-lo num instrumento de prestígio
através de seus concertos nas salas mais importantes do mundo, ajudou a ampliar o
repertório com obras por ele comissionadas a outros compositores como: Federico
Moreno Torroba (1891-1982), Joaquin Rodrigo (1902-1999), Alexander Tansman
(1897-1986), Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968), Manuel Ponce (1882-1948) e
Heitor Villa-Lobos (1887-1959). O conjunto deste repertório foi dedicado a Segovia,
por isso é conhecido hoje como repertório segoviano. O próprio Segovia teve uma
pequena incursão como compositor e algumas de suas obras também utilizaram canções
tradicionais catalãs, como veremos adiante.
Segovia divulgou o violão, levando-o às melhores salas de concerto do
mundo, após Llobet refinar a arte do violão tanto nos aspectos da composição, da
transcrição e da execução.
As informações que encontramos sobre a formação de Segovia não oferecem
dados precisos. Afirmava ser autodidata, embora reconhecesse ter sido um discípulo
indireto de Tárrega. Em sua biografia, fala de seus encontros com Llobet, com quem
mantinha uma relação de amizade. Destes encontros, espécies de classes de violão,
podemos concluir que Llobet teve influência sobre a formação de Segovia.
Llobet causou uma forte impressão em Segovia, quando se conheceram em
1914. Segovia narra esta ocasião em sua autobiografia:
No other guitarist I had heard, I told him, had made me forget the
limitations of the guitar or revealed the scope of its potencial (...) I
assured him I agreed implicitly with his technique and would follow it
relentlessly, no matter in how difficult the path ahead for me (...) In
spite of the difference in our ages, Llobet and I became good friends
37
and, in time, the results o four relationship were happy ones for me. My
attitude towards him was one of admiration for the artist and affection
for the friend. Once he had tested my technique and capacity of
expression, his esteem for me was probably increased by my profound
determination to broaden the guitar´s repertoire and raise the
instrument´s prestige. I was in every sense a friend! (SEGOVIA, 1976,
p.100 e 102).
O impacto resultou em diversas sessões de concerto particulares e uma
relação de amizade entre os violonistas. Embora Segovia não admita, Llobet pode ter
representado para ele a figura de orientador.
Purcell publicou uma foto (figura 4) onde Llobet está tocando num círculo
de amigos. Entre eles, outro discípulo de Tárrega, Abade Corelle, Juan Parras (aluno de
Segovia), o luthier Enrique Garcia, Alfred Cottin, Francisco Rizo (filho de Tárrega) e
finalmente, Segovia, sentado à sua direita e não só estava atento à sua execução, como
levou um de seus alunos para o concerto íntimo (PURCELL, 1989, vol. 1, p. viii).
Figura 4. Llobet rodeado pelo “grupo de admiradores”
Phillips afirma que Llobet teve uma influência direta na formação de
Segovia: “The Llobet was mentor to María Luisa Anido, José Rey de la Torre and
38
Andrés Segovia, three of the most important guitarrists of the first half of twentieth
century, must be considered relevant.” (PHILLIPS, 2002b, p. 4) Podemos concluir a
evidência disso ao analisarmos as gravações realizadas por Llobet
31
e Segovia
32
, onde
percebemos a influência do estilo de Tárrega em ambos os violonistas (PURCELL,
1989, vol.1, ii). Segovia, obviamente, teve contato com a técnica de Tárrega através dos
discípulos de Tárrega, principalmente de Llobet (figura 5).
Figura 5. Fotografia histórica (c. 1918): Segovia, Fortea, Llobet e Pujol
O próprio Segovia, numa passagem em sua autobiografia, narra que Llobet o
convidou para ir a sua casa a fim de orientá-lo na execução de algumas composições
suas (SEGOVIA, 1976, p. 106). Com as informações encontradas na autobiografia de
Segovia, podemos posicionar a figura de Llobet na formação de Segovia e atribuir o
devido crédito ao violonista catalão ao influenciar gerações de violonistas importantes.
Uma fotografia (c. 1924) publicada por Purcell nos faz acreditar que Segovia estava
muito interessado na carreira de Llobet como concertista. Nesta foto ele aparece ao lado
31
MIGUEL LLOBET. The Guitar Recordings 1925-1929. Chanterelle Historical Recordings (Cd).
32
Andrés Segovia 1927-1939 Recordings, volume 1 e 2.
39
do violonista catalão em meio a outras personalidades como Alfred Rondorf, Heinrich
Albert, Hermann Hauser I e os membros da Munich Guitar Society (figura 6).
A polêmica relação entre Segovia e Llobet é um capítulo importante da
história do violão. Emilio Pujol numa nota biográfica a respeito de Llobet no prefácio
de primeira edição da obra Le Tombeau de Claude Debussy, que falaremos mais
adiante, comenta que Segovia estava entre seus estudantes. Hector Garcia, detentor de
parte do arquivo com obras e documentos de Pujol, responde esta questão numa carta
para Robert Phillips:
De acuerdo con anécdotas contadas a mí por el maestro Emilio Pujol,
Andrés Segovia le pidió tomar lecciones de él. El Maestro Pujol declino
de la petición y recomendó a Segovia que tomará lecciones de Miguel
Llobet quien aparte de la ayuda musico-instrumental, podría ayudarlo a
darse conocer a través de los contactos que Llobet, por ser el
guitarrista-concertista más conocido, tenía en toda Europa (...) Pujol le
prometió que hablaria con Llobet y que estaba seguro que debido a la
amistad entre ellos, este accederia a la petición. Asi fué, y Segovia
comenzó a recibir lecciones de Miguel Llobet, unas cuatro o cinco. Al
cabo de las mismas Llobet le informo a Pujol que él havia accedido a
tomar a Segovia como estudiante, pero dada la rebeldia de Segovia a
seguir las indicaciones de Llobet, este se verá obligado a terminar las
clases con Segovia. (GARCIA, 2002 apud PHILLPS, 2002b, p. 85)
Figura 6. Llobet com a Munich Guitar Society após um concerto
40
Não sabemos até que ponto Llobet influenciou Segovia. Mas examinando
depoimentos de seus contemporâneos e alguns episódios relatados pelo próprio Segovia,
somos cada vez mais levados a crer que tal influência é um fato.
Trataremos agora de comentar a geração de discípulos de Llobet,
representados na figura dos irmãos Regino (1896-1981) e Eduardo Sainz de la Maza
(1903-1982), Maria Luisa Anido (1907-1996), Luise Walker (1910-1998) e José Rey de
la Torre (1917-1994).
Os irmãos Sainz de la Maza iniciaram seus estudos com Daniel Fortea em
Madri, mudando-se em seguida para Barcelona a fim de continuar seus estudos com
Llobet. Regino tornou-se mais conhecido por sua carreira de concertista internacional,
enquanto que Eduardo tornou-se um respeitado professor de violão.
Maria Luisa Anido foi uma prodigiosa violonista argentina. Seu primeiro
concerto se deu em 1918, quando tinha apenas 11 anos de idade.
Transcreveremos aqui um comentário de Llobet feito em 1919:
Maria Luisa Anido fué para mi una revelación. La impressión que me
produjo no se borrará jamás de mi mente, pues en realidade es algo que
sobrepasa todo lo imaginable. Ver uma nina de once años venciendo y
dominando las más grandes dificultades sin el menor esfuerzo, cual
podría hacerlo el más consumado de los concertistas, es cosa que causa
assombro, y lo más admirable en ella, quizá, y que sen duda alguna
constituye el más preciado de los dotes, es la rica intuición musical que
revelan sus interpretaciones, la mayoría de ellas altamente artísticas. A
pesar de las sensacionales noticias que de elle tenía por la prensa de
Buenos Aires, a raiz de sus primeras audiciones y muy especialmente
por su eminente maestro Domingo Prat, tuve, al oírla, la sensación de lo
increíble. Desconcierta el pensar qué es lo que podrá hacer esa
maravilhosa criatura cuando esté en plena madurez. (PRAT, 1986, p.
30)
Podemos encontrar dados importantes sobre Llobet nos depoimentos desta
célebre violonista em forma de entrevistas. Sobre estes dados falaremos adiante.
41
Luise Walker, violonista austríaca que recebeu orientação de Llobet durante
suas idas à Viena. Realizou intensas atividades como concertista na Europa, Rússia e
Estada Unidos e como compositora.
José Rey de la Torre, violonista cubano, também foi um menino prodígio do
violão. Mudou-se para Barcelona em 1932 com a finalidade de estudar com Llobet, com
quem estudou durante dois anos e meio. Sua carreira de concertista teve grande sucesso
nos Estados Unidos, onde se estabeleceu em 1939. Várias obras de compositores
importantes foram escritas para ele. Entre estes, Julian Orbón, José Ardevol e Joaquín
Nin-Cumell. Podemos tirar algumas conclusões sobre a concepção técnica e musical de
Llobet dos relatos de Rey de la Torres a respeito da orientação que recebeu de seu
mestre e discutiremos isso mais adiante.
No Brasil temos um violonista que estudou com Llobet – o uruguaio Isaías
Sávio (1900-1977) (PHILLIPS, 2002b, p. 9; DUDEQUE, 1994, p. 103) - que colaborou
na difusão da escola de violão espanhola quando se estabeleceu no país em 1931.
As atividades dos discípulos de Llobet tiveram destaque no cenário musical
e ajudaram a difundir a importância de seu mestre para a história do violão e sua nova
linguagem estética, temas que discutiremos adiante.
42
3. MIGUEL LLOBET Y SOLÉS (1878-1938)
Neste capítulo vamos procurar analisar a personalidade de Miguel Llobet
como compositor, transcritor, professor, artista plástico, concertista e intelectual bem
como comentar a sua importância na história do violão e sua contribuição para
posicionar o violão dentro de uma nova linguagem estética com a adaptação das
Canciones Catalanas, entre outras obras.
Falaremos sobre a vida de Llobet a fim de contextualizar sua obra no tempo,
considerar as influências que recebeu a partir de suas relações com outros compositores
e violonistas e delinear algumas facetas de sua personalidade com base em algumas
informações biográficas encontradas
33
.
Miguel Llobet y Solés nasceu em 18 de Outubro de 1878 em Barcelona,
capital da Catalunha. Filho de pai escultor, Llobet mostrou disposição para a pintura,
mas foi pela música seu maior interesse. Além do violão estudou violino e piano na
Escola Municipal de Música de Barcelona e sua paixão pelo violão começou quando
ganhou o instrumento de um tio. Ao contrário de Tárrega, Llobet em sua juventude teve
condições mais favoráveis. Em 1889, Llobet assiste um concerto de Antonio Manjón
(1866-1919)
34
e impressionado com o instrumento, decide dedicar-se completamente,
33
Para mais dados biográficos a respeito de Miguel Llobet, recomendamos a leitura de autores como:
PRAT, D. Diccionario de Guitarristas. Columbus, Ohio: Editions Orphée, 1986; PURCELL, R. Miguel
Llobet Guitar Works, 5 volumes (partitura); TONAZZI, B. Miguel Llobet, Chitarrista
dell´Impressionismo. Ancona: Bérben, 1966 e STEFANO GRONDONA (encarte de Cds).
34
Antonio Manjón é uma figura ainda pouco estudada que ainda precisa ser desvendada. Estudou com um
discípulo de Aguado em sua terra natal, Jaén, embora seja possível afirmar que era considerado um
autodidata. Devemos a ele o método mais completo de instrumentos com mais de seis cordas. Os
primeiros anos de sua carreira foram muito difíceis, devido à falta de apoio e a perda da visão, aos 13
anos. Seus programas de concerto revelam uma personalidade nada comum para o mundo violonístico de
sua época, pois incluía obras dos grandes compositores como Beethoven e Schumann. Este fato o coloca
numa posição curiosa em relação à Tárrega, que apenas um pouco mais tarde realizou as transcrições
destes compositores. A impressão que deixava em seu público era inesquecível e as críticas de seus
concertos eram sempre as melhores. A este importante e pouco conhecido violonista é atribuído o fato de
Llobet ter abandonado sua carreira promissora de artista plástico para se dedicar aos estudos de violão,
após ter assistido um de seus concertos. Cf. RAPHAËLLA SMITH. Antonio Jimenez Manjón 1866-
1919 (Cd); MANJÓN, A. Collected Works. Chanterelle, 1996 (partitura).
43
estudando com Magín Alegre (?-?)
35
, um nome com poucas referências, e depois, com
Francisco Tárrega
36
.
Miguel Llobet é uma figura extremamente importante na história do violão,
mas ainda não teve seu merecido destaque. Apesar das informações citadas acima,
Llobet ficou um tanto esquecido e sufocado entre as notoriedades de Tárrega e Segovia.
Procuramos identificar, portanto, os fatores que contribuíram para o esquecimento da
totalidade da obra de Llobet, o atraso das edições de suas obras e arquivos perdidos.
A guerra civil espanhola
37
(1936-39) colocou uma espécie de cortina na
produção musical e intelectual desta etapa em toda a Espanha e Llobet foi um dos
autores que ficou neste ostracismo latente. A maioria de suas obras começou a ser
editadas somente a partir da década de 60. Além disso, a bibliografia que temos não é
suficiente para classificar esta figura tão importante para o violão.
Esta insuficiência nas publicações a respeito de Llobet traz a necessidade de
analisarmos sua posição na história do violão de maneira contextualizada, a partir de
suas relações com outros nomes importantes do cenário violonístico de sua época.
No capítulo 2 citamos alguns nomes pouco conhecidos dos violonistas que
sucederam a Sor. Os dois períodos onde figuram tais nomes foram pouco investigados.
A partir de Tárrega temos mais informações sobre os acontecimentos na Catalunha.
Temos os ensaios biográficos tanto de Tárrega como de Pujol. No entanto, falta um
35
Prat revela que Magín Alegre era compositor e guitarrista modesto que se viu obrigado a se dividir em
duas profissões, visto pertencer a uma época em que o violão era pouco difundido. Era comerciante e
professor de violão. Seus discípulos foram Pedro Lloret, o próprio Llobet, José Tey, Tomás Prat e outros.
Realizava reuniões animadas em sua casa onde recebia seus alunos para tocar obras dos violonistas da
época como Brocá, Viñas, Arcas e outros. Julián Arcas dedicou a ele a célebre “Jota Aragonesa”. No ano
de 1892 foi organizada uma sociedade de violão de efêmera existência cujo conselheiro era o Senhor
Magi, como era conhecido. Apesar de sua modéstia, foi decisiva a sua participação na formação de uma
geração de violonistas.
36
Seu primeiro contato com Tárrega se deu na Casa dos Violonistas (Ca´ls Gitarrers) citada no capítulo 2
(RIERA, 1974, p. 119).
37
A guerra civil pode ser interpretada como o episódio mais cruel e sangrento do processo de
modernização espanhol. Entre as causas diagnosticadas desta guerra encontra-se um complexo conjunto
de sentimentos nacionais (BUADES, 2006, p. 171). Os catalães possuem um forte sentimento nacionalista
que os levou a lutar por sua autonomia lingüística, literária e musical, além de sua autonomia econômica,
social e política através de uma forte campanha anarquista (figura 1).
44
livro biográfico mais completo sobre Miguel Llobet, o que dificulta comentarmos sua
vida artística e social de maneira definida. Mas podemos ter certeza que sua influência
desencadeou perspectivas de um futuro para o violão que Andrés Segovia soube
aproveitar e aumentar.
Figura 1. Cartaz anarquista que fomentou a propaganda política durante a Guerra Civil Espanhola
Examinando o escasso material bibliográfico que tivemos acesso, nos
sentimos cada vez mais atraídos pela obra deste extraordinário violonista, bem como
por sua personalidade. Segundo Pahissa (1947, p. 121) Llobet era amável e bom. Anido
comenta a respeito da personalidade contraditória de Llobet, seu virtuosismo, embora
um pouco acomodado:
(...) una persona que era más camarada que otra cosa. Como guitarrista
era de una facilidade natural y un virtuosismo que pocas veces he visto
en mi vida. Llobet no estudiaba casi nada, no pasaba de una hora, pero
siempre estaba pensando en música (...) Llobet era un hombre muy
libre en sus cosas aunque era metódico en su forma de vida, en sus
horas de comida y todo; pero no sé, tenía esa facilidade natural que lo
hacía estudiar poco o casi nada. Es decir: entre concierto y concierto
45
(diez dias, por ejemplo) él se limaba las uñas para no estudiar, aunque
siempre estaba pensando en la guitarra (...). (HELGUERA, 2001, p. 12)
Grondona comenta que as três facetas de Llobet como intelectual,
concertista e compositor também eram um tanto contraditórias (informação verbal)
38
.
Este conjunto de informações ajuda a identificar os problemas que dificultam uma
definição da obra e da personalidade de Llobet.
Sabemos que Llobet manteve relações com figuras importantes do cenário
musical, dentro e fora da Espanha. Seu contato com Albéniz, Granados e Falla o levou a
transcrever obras destes grandes compositores, o que fez com que aprimorasse ainda
mais no campo da exploração timbrística tendo Tárrega como referência.
Vimos que Llobet começou a carreira muito jovem, encontrando condições
mais favoráveis do que seu mestre Tárrega. Seu primeiro concerto público foi em 1901,
no Conservatório de Valencia, e neste mesmo ano em outros conservatórios importantes
da Espanha. Seu contato com Ricardo Viñes (1885-1943)
39
o levou a Paris (1904),
onde realizou seu primeiro concerto fora da Espanha. Este contato foi muito importante,
pois foi Viñes que o introduziu neste novo mundo e possibilitou o convívio com a elite
musical francesa. Este ambiente musical na França certamente o influenciou na
concepção de algumas de suas obras. Suas turnês pela Europa o colocaram em centros
musicais onde manteve relações com compositores célebres como Debussy, Ravel,
Fauré, Dukas e Stravinsky.
Devido ao pouco espaço que o violão encontrava em Barcelona
40
, Llobet se
viu motivado a mudar-se para Paris (1904). Na Espanha, seus concertos limitavam-se às
sociedades particulares, e muitas vezes não recebia nada além de um agradecimento.
38
Entrevista realizada durante o II Encontro Internacional de Violonistas de Tatuí, SP, no dia 22 de Abril
de 2007 (Anexo B).
39
Pianista espanhol divulgador das obras de Albeniz e Granados e da música moderna francesa. Era
amigo de Debussy, Ravel e Falla.
40
Domingo Prat afirma que “Barcelona tinha aversão ao violão (...)”. (PRAT, 1986, p. 184) Antes de se
mudar para Paris, Llobet conhece Concepción Jacoby, que passa a ser sua protetora. Com o auxílio desta
senhora, consegue certa notoriedade tocando em várias partes da Espanha.
46
Existe uma contradição em sua biografia a respeito do período em que permaneceu na
França. Purcell afirma que Llobet residiu em Paris até 1910 (PURCELL, 1989, vol. 1, p.
iii, partitura), enquanto que Tonazzi relata seu retorno a Paris em 1910 (TONAZZI,
1966, p. 12). Existem alguns detalhes biográficos confusos a respeito de Llobet, como
sua residência durante a Primeira Guerra Mundial
41
e as datas de algumas Canciones
Catalanas, como veremos adiante. Tais contradições em dados cronológicos também
dificultam definir a vida e a obra de Llobet.
O catálogo de suas obras realizado pelo autor já citado Bruno Tonazzi, junto
com a publicação mais recente de Ronald Purcell e a integral que vem sendo realizada
por Stefano Grondona (em vários Cds) nos dão apenas uma idéia da obra do violonista
catalão. As dificuldades ocasionadas pela guerra civil espanhola e o fato de Llobet não
se mostrar muito preocupado com o registro e a difusão de sua produção levaram à
perda de algumas obras
42
. Algumas obras que não foram publicadas se encontram em
poder do violonista Fernando Alonso. Sobre este valioso arquivo falaremos adiante.
Llobet tem mais transcrições do que obras originais, a exemplo de seu
mestre Tárrega, basicamente situadas na música clássica (Mozart, Beethoven da 1ª.
fase), na música romântica (Mendelssonh, Schumann, Chopin, Tchaikovski) e na
música espanhola de seus contemporâneos (Villar, Valverde, Albeniz, Granados, Falla,
Lopez Chavarri, Mitjana). Llobet usa em suas obras procedimentos usados
anteriormente por Tárrega, mas com a influência francesa absorvida pelo convívio com
Viñes, procurou novas possibilidades timbrísticas para o violão. Pujol comenta que
enquanto Tárrega pensava no quarteto de cordas, Llobet procurava dar um sentido de
41
Mangado afirma que Llobet viveu nove anos em Paris (MANGADO, 1998, p. 94); Purcell afirma que
neste período Llobet se estabeleceu na Argentina (PURCELL, 1989, vol. 1, p. iv), e tanto Purcell (1989,
vol. 1, p.iii, partitura) como Gladstone (GLADSTONE, 1957 apud YATES, 1999, p. 7) afirmam que em
1910 Llobet realizou sua turnê pela América do Sul passando pelo norte do Brasil.
42
Maria Luisa Anido fala a respeito de mais uma faceta de Llobet - a de improvisador. En algunas
reuniones en mi casa preguntaba “qué quieren oír? Denme tres notas”. Se las dábamos y decía: “qué
quiéren escuchar, una romanza, un tema variado o una mazurka?” Con esas tres notas pensaba un poco e
improvisaba maravilhas. Nunca escribía nada. (HELGUERA, 2001, p. 12)
47
orquestração para suas obras, como veremos adiante. Suas Canciones Catalanas
denotam tal sentido de orquestração, utilizando efeitos de timbres bastante sofisticados.
Portanto, a transcrição ocupava um lugar importante na obra de Llobet e foi com as
Canciones Catalanas realizadas entre 1899 e 1927, que ele consagrou-se nesta arte,
explorando novos timbres e utilizando harmonias sofisticadas.
A importância do trabalho de Tárrega deu-lhe o título de “pai do violão
moderno”, por ter sido o responsável pela criação de uma nova escola.
43
No entanto, a
obra de Llobet deixou um legado vital para posicionar o instrumento dentro de uma
nova linguagem. O sentido musical que Llobet confere ao som do violão supera as
dimensões formais das obras para o instrumento solista de seu tempo. Isso justifica o
fato de Llobet ser chamado de “pai do violão moderno” por alguns pesquisadores e
violonistas como Robert Phillips (2002a, p. 31) e Stefano Grondona (informação
verbal)
44
.
De fato, Llobet seguiu os passos de seu mestre Francisco Tárrega, a quem é
atribuída criação de uma escola violonística, mas como discípulo, Llobet elevou os
ensinamentos que recebeu principalmente no que diz respeito à concepção sonora e
experimentação de timbres. Tárrega não costumava especificar indicações de mão
43
Segundo Ophee, o responsável pela difusão deste conceito foi Emilio Pujol quando intitulou sua
Escuela Razonada de la Guitarra basada en los princípios de la técnica de Tárrega, onde pela primeira
vez aparece o nome de Tárrega ligado a uma escola violonística (OPHEE, apud PHILLIPS, 2002b, p. 32).
Há muita contradição do que se chama de “escola de Tárrega”. Em seu Dicionário, Prat discute a
“pretendida escola de Tárrega”. Cita Miguel Llobet e outros discípulos, cada um com a sua maneira
particular de execução de mão direita e maneira diferente de segurar o instrumento. Com tanta
diversidade entre os discípulos de Tárrega, Prat questiona a denominação “escola”. Pascual Roch foi o
primeiro a escrever uma obra didática inspirada na técnica de Tárrega. Em seu método se refere ao
violonista como “el maestro de regras fijas”. Portanto, Prat novamente rebate e defende que não existe
uma técnica precisa e definida. Vale lembrar que Tárrega não registrou sua escola e técnica violonística,
passando seus ensinos de forma oral. (PRAT, 1986, p. 317) Pujol lamenta as críticas de Prat a respeito de
seu mestre e chama suas afirmações de “gratuitas, tendenciosas e carentes de fundamento”. (PUJOL,
1960, p. 220) No Brasil temos os métodos no de Atílio Bernardini, Osvaldo Soares e Sodré que ajudaram
a difundir o conceito sobre a escola de Tárrega entre nós.
44
Entrevista realizada durante o II Encontro Internacional de Violonistas de Tatuí, SP, no dia 22 de Abril
de 2007.
48
direita em suas edições
45
, enquanto que Llobet indicava com detalhes a maneira de
execução de ambas as mãos, bem como a terminologia que orientava o posicionamento
da mão direita. Seu estilo de escrita era mais elaborado, e isso fica evidente quando
revisou algumas adaptações realizadas anteriormente por Tárrega. Ronald Purcell
comenta brevemente como isto se deu: “Harmonic beauty in his transcriptions. He
follows the procedure set by Tárrega but with more vigour.” (PURCELL, 1989, v. 1, p.
iv)
Não há dúvida de que Llobet avançou alguns passos na harmonização
previamente utilizada pelos compositores anteriores. O crédito por composições
originais e o emprego de dissonâncias é atribuído a ele. “He had a more modern and
advanced conception of the guitar than Tárrega (...) (sic) Thus his arrangements are
more artistically satisfying to the discerning ear, though they are more difficult to play.”
(APPLEBY, 1962 apud PHILLIPS, 2002b, p. 18)
Segundo Juan Riera, “foi Llobet quem rompeu com o classicismo romântico
tradicional da escrita violonística utilizada desde Tárrega” (RIERA, 1974, p. 160).
Tonazzi refere-se a Tárrega como responsável pela conclusão de um período
na história do violão, enquanto que a Llobet o início de uma nova fase para o
instrumento (TONAZZI, 1966, p. 30).
No entanto, Tonazzzi vai além quando afirma reconhecer em Llobet um
violonista-compositor impressionista: [...] nella letteratura della chitarra costituisce il
primo esempio impressionistico” (TONAZZI, 1966, p. 33). No entanto, tal afirmação
vem sendo alvo de objeções por parte de alguns pesquisadores. Phillips ao comentar
aspectos da música impressionista, quanto ao emprego de dissonâncias, afirma:
“[...]This is not far removed from Llobet´s use of voice leading, in which the harmonic
45
Cf. TÁRREGA, F. The Collected Guitar Works. Espanha: Chanterelle Verlag, 1992. 2 vol (partitura).
49
function is superseded by step and half-step movements of the voices, and may well
contribute to the confusion (PHILLIS, 2002b, p. 23). Grondona também não concorda
com tal afirmação (informação verbal)
46
.
O fato de Llobet se relacionar com nomes importantes ligados às novas
correntes estéticas de sua época pode ter influenciado sua obra. No entanto, é necessário
colocar tais influências de maneira mais cuidadosa, como o comentário de Purcell:
(...) his arrangements of the Catalan folksong tunes (acting as linear
vehicles) gave him the opportunity for harmonic experimentation, and,
by listening to the works of the impressionists and expressionists, to
explore on the guitar, colour effects, such as harmonics, pizzicato,
placement of right-hand (sul tasto or sul puente) and left-hand
fingering, without destroying the original intent of the composer. His
application of these techniques is diligently notated in his own
compositions and arrangements. Through the performance of these
works on concert tours Llobet shed new ligth on the guitar as a viable
musical instrument demanding to be a part of the mainstream of the
contemporary music. (PURCELL, 1989, vol. 1, p. iv)
As experimentações harmônicas realizadas por Llobet após seu contato com
os impressionistas não o posicionam como compositor desta corrente estética, pois os
procedimentos utilizados não o distanciaram de sua concepção inicial como compositor.
Com essa “nova luz” Llobet indicou o caminho para o violão tomar parte a música uma
linguagem diferenciada.
Trataremos agora de comentar o tratamento violonístico que Llobet deu às
suas peças. Sua escrita explorava efeitos de orquestração pela forma que explorava os
timbres, ao tratar cada corda do violão de maneira distinta, como se cada corda fosse um
instrumento diferente. Como comentamos acima, tal concepção o diferenciava de seu
mestre.
Pero apesar de su profunda admiración por Tárrega, su maestro, el
sentido estético de Llobet no era el mismo; difería por razones de
natural concepción, diferencias de edad y circunstancias de ambiente. Y
46
Informação concedida em entrevista realizada em 22 de Abril, em Tatuí. Como exemplo de harmonia
baseada no impressionismo, podemos citar o Preludio en Mi Maior, segundo Phillips (2002b, p. 23) e
Grondona.
50
mientras Tárrega, enamorado de la pureza del cuarteto clásico en su
homogênea variedad, hubiera hecho de las seis cuerdas de su
instrumento una sola unidad, Llobet, atraído por la diversidad de
timbres de la orquestra, hubiera hecho de cada cuerda uma guitarra.
(PUJOL, 1960, p. 140)
Os efeitos coloridos usados por Llobet através da combinação de pizzicatos,
o uso de harmônicos e sua técnica de mão direita, proveram uma nova gama de sons que
aumentaram as possibilidades técnicas e artísticas do instrumento, consideradas hoje
como elementos naturais das escolas de composição e interpretação.
Tais elementos estão evidentes em suas Canciones Catalanas, como
veremos adiante.
O interesse pela obra de um autor tão importante como Llobet é recente
47
,
tanto em relação a textos quanto a gravações. O texto mais importante, enquanto Llobet
ainda estava vivo, se encontra na publicação de Domingo Prat, seguido das primeiras
publicações pós-morte nos anos 60, pela União Musical Espanhola, pelo pequeno livro
de Bruno Tonazzi, e mais recentemente, a primeira edição integral feita pela editora
Chanterelle, com textos de Ronald Purcell (1989, 5 volumes)
48
. Os registros sonoros
devem ser citados, especialmente o realizado pelo próprio Llobet
49
, um dos violonistas
pioneiros no processo de gravação elétrica e de seus registros de algumas de suas
versões das canções catalãs - El Testamento d´Amelia, Cançó del Lladre, La Filla del
marxant e Plany - que posteriormente tomaram parte em gravações e programas de
violonistas de renome como Andrés Segovia, Narciso Yepes, Alirio Dias, John
Williams, Julian Bream e outros.
Vemos que a partir da primeira compilação da integral das gravações pela
Chanterelle, como vimos acima, iniciaram-se somente nos anos 90 as gravações
47
Na publicação do Dicionário de Prat, o autor comenta a necessidade de mais publicações, considerando
apenas a Romanza (1896), de influência chopiniana, que havia sido publicada pela Biblioteca Fortea. Prat
desconsidera a importância das Canciones Catalanas, por não serem consideradas obras originais. Sobre
tal concepção falaremos adiante.
48
Esta publicação contém ricas informações não encontradas em nenhuma outra.
49
LLOBET, M. The Guitar Recordings 1925-1929. Chanterelle Historical Recordings (Cd).
51
integrais da obra de Llobet, e que a cada nova edição fonográfica vão sendo reveladas
novas obras e novas transcrições.
Mencionamos assim, por ordem cronológica, as gravações de: Michael
Tröester, Lorenzo Michelli e Stefano Grondona
50
.
Notamos neste percurso o interesse por uma obra que vem sendo
paulatinamente revelada como uma das referências mais importantes da história do
violão.
A produção de peças e adaptações de Llobet ajudou a aumentar o repertório,
numa época em que as obras originais eram escassas. Portanto, Llobet pode ser
apontado como um dos responsáveis por alterar a condição geral do violão, como
intérprete-compositor dentro de uma tradição secular e por incentivar compositores não
violonistas a escreverem para violão, como veremos adiante.
Como vimos acima, a atuação de Llobet como compositor e arranjador
indicam algumas diferenças com a atuação de seu mestre Tárrega. Com sua atuação
como professor ocorre o mesmo. Tárrega não registrou sua “escola”, nem possuía uma
metodologia concreta e descrita ao passar seus ensinamentos aos seus alunos. O próprio
Llobet conta que seus estudos se baseavam em observar como Tárrega tocava e depois
experimentar a técnica em sua casa: “Cosi, più que impararla, io sperimentavo la mia
técnica sull chitarra”. (TONAZZI, 1966, p. 12). Emilio Pujol, outro discípulo de
Tárrega, descreve assim a metodologia de seu mestre: “La técnica la aprendían sus
alumnos trabajando frente a él, copiando sus procedimientos y empezando por los
ejercicios fáciles (...)”. (PUJOL, 1960, p. 239)
Llobet se preocupava mais em estabelecer uma metodologia. Notamos este
fato no relato do virtuoso cubano José Rey de la Torre (1917-1994), que foi aluno de
50
MICHAEL TRÖESTER. Tröster plays Miguel Llobet. Thorofon Classics Digital, 1998; LORENZO
MICHELLI. Miguel Llobet Guitar Music. Naxos, 2004; STEFANO GRONDONA. RESPUESTA.
Stefano Grondona Plays the Guitar Works of Miguel Llobet. Stradivarius, 2006b (Cds).
52
Llobet. Seu primeiro procedimento foi orientar seu aluno a parar de tocar as peças que
faziam parte de seu repertório desde seus dez anos de idade e se dedicar exclusivamente
às obras didáticas (PHILLIPS, 2002b, p. 21).
Anido nos conta que Llobet se preocupava com a didática ao tratar seus
alunos de maneira individual e sua disposição em resolver problemas técnicos: “Un
maestro extraordinário, de uma maravilhosa bonhomía, muy humano y alegre, hacía
muy amenas las clases, estudiaba el alumno y si tenía algún problema con los trinos, le
escribía un ejercicio para trinos.”(HELGUERA, 2001, p. 12)
A concepção musical de Llobet denota uma preocupação com a sonoridade e
a musicalidade. Notamos isso quando encontramos um dado sobre um episódio
interessante que aconteceu envolvendo Tarragó, Pujol e Llobet. Tarragó sentiu a
necessidade de procurar a orientação dos discípulos de Tárrega a fim de solucionar
alguns problemas técnicos. Para encontrar tal solução, decidiu interpretar uma
transcrição de J. S. Bach e se apresentou primeiramente a Pujol, depois para Llobet:
De buena mañana, Tarragó se presentó en casa de Pujol, interpretando
dicha obra, Pujol ao ver esta digitación, que se repetia varias veces le
dijo con buenas palabras: que era incorrecta, aconsejánole que la mejor
manera de solucionar este problema técnico era realizar uma nueva
transcripción en outro tono, teniendo muy en cuenta que no se volviese
a producir esta situación. Tarragó salió de su casa poco convencido de
su respuesta.
Ao cabo de unos dias fue a casa de Miguel Llobet, interpretándole la
misma obra, éste ni se inmuto al ver la digitación que realizaba, y le
dijo que había tocado la obra musicalmente muy bien. Tarragó al ver
que no decía nada sobre la digitación que hacia servir em varios pasajes
de la obra, le pregunto a Llobet que opinaba sobre esta cuéstion, y
Llobet le respondió, suena bien y con naturalidad, si usted lo encuentra
factible y correcto, pues adelante. Tiene que tener en cuenta Tarragó
que, siempre que uma digitación no afecte al desarollo musical de la
obra, y se produzca con toda naturalidad, por muy intrincada que pueda
parecer a simple vista, no debemos rechazarla, sino ao contrario. Con la
guitarra, debemos intentar siempre explorar y encontrar nuevas
soluciones a los problemas técnicos que el futuro nos depare. Como
estamos suponiendo, Tarragó escogió para ampliar sus estudios de
guitarra a Miguel Llobet (MANGADO, 1998, p. 90).
53
Como veremos adiante, Llobet manifestava a mesma preocupação com a
sonoridade em sua obra, e isso se evidencia, inclusive, em suas Canciones Catalanas.
Embora no relato de Rey de la Torre possamos notar certa preocupação de
Llobet com obras didáticas em seu ensino, no relato de Tarragó, ao contrário, Llobet
não menciona técnica nem didática. Isso confirma a personalidade contraditória de
Llobet, citada anteriormente. Sua única contribuição no campo pedagógico foi a revisão
dos Estudos op. 60 de Matteo Carcassi
51
.
A carreira de Llobet como compositor e intérprete ficou voltada para o
violão, mas sabemos que em sua juventude, estudou violino e piano na Escola de
Musica de Barcelona. Sua formação pianística certamente influenciou suas concepções
renovadoras em sua obra para violão. Llobet também tinha uma forte vocação para artes
plásticas e revelou suas ecléticas capacidades expressivas através de seus desenhos e
pinturas
52
. Podemos encontrar alguns de seus desenhos, que mostram sua preferência
por caricaturas. Destacaremos os rostos de Tárrega (figura 2) e Maria Luisa Anido
(figura 3).
No perfil multifacetado de Llobet encontramos outra faceta – a de
intelectual. Miguel Llobet era freqüentador da Casa Llibre, citada anteriormente, e pode
ser chamado de um verdadeiro tertuliano. Reunia-se periodicamente junto com Emilio
Pujol, o violinista Mariano Perelló, o compositor Agustín Grau, o diretor de orquestra
José Sabater, Matilde Cuervas e outros para discutir os assuntos mais diversos. Às vezes
o francês Carol Berard, de passagem em Barcelona, se reunia ao grupo, pois gostava de
envolver-se nas polêmicas sobre arte com o objetivo de apenas “tertuliar”:
51
CARCASSI, M. Estudos op. 60. Editorial Lemoine, Paris, s.d (partitura).
52
Sobre sua disposição natural para a pintura, temos o relato de um curioso episódio que confirma isso.
Em Paris, durante um almoço de Llobet com o editor J. Rowies e em meio a conversas sobre violão e
violonistas, Rowies lhe pergunta como seria a figura de Tárrega, já que ele não o conhecia pessoalmente.
Então, Llobet pede um pedaço de papel e tira um lápis do bolso para desenhar a fisionomia de seu mestre
em questão de minutos (PUJOL, 1960, p. 140). No arquivo de pertences de Llobet que se encontra em
poder de Fernando Alonso, constam algumas pinturas a óleo (PHILIPS, 2002b, p. 10).
54
Figura 2. Caricatura de Francisco Tárrega feita por Llobet
Figura 3. Caricatura de Maria Luisa Anido feita por Llobet
55
Lo más gracioso era que tanto Berard como Llobet, dos habladores
incorrigibles, acaparaban la atención de los contertulios y los que
estaban en el secreto, observaban con maligno deleite como se
desarrollaban en cada reunión los lances de un torneo que, por tratarse
de quienes se trataba, chisporroteaba de vivo ingenio. (RIERA, 1974, p.
47)
A tertúlia, como vimos anteriormente, estava ligada a diversos assuntos. Não
podemos desconsiderar que os catalães são conhecidos como um povo que sempre lutou
pelos seus ideais e autonomia dentro da Espanha. Os acontecimentos políticos e sociais
na Catalunha no período em que Llobet viveu foram marcantes na história desta região.
Esta passagem contribui para notarmos que Llobet não estava alienado aos
acontecimentos políticos e sociais de sua época. Percebemos isso ao analisar as
melodias das Canciones Catalanas que escolheu para compor suas transcrições.
Notaremos mais adiante o quanto tais melodias estavam ligadas ao movimento
nacionalista e algumas delas relacionadas ao sentimento patriótico da Catalunha. O fato
de estas canções estarem ligadas ao movimento nacionalista no início do século XIX de
maneira contundente nos leva a crer que Llobet não desapercebeu a importância de tais
melodias no contexto social da Catalunha. O efeito que elas exerciam nas multidões,
atraindo a massa para as agrupações orfeônicas citadas no capítulo 1, pode ter levado
Llobet a usá-las em sua obra para violão com a finalidade de elevar o prestígio do
instrumento atraindo mais público a seus concertos.
Uma outra faceta que podemos notar em Llobet é a de musicólogo,
resgatando o passado histórico da Catalunha uma vez que usou melodias tradicionais
antigas nas suas adaptações das Canciones Catalanas. Discutiremos a origem de tais
melodias no capítulo 5.
Pode-se considerar que Llobet foi um grande concertista, pioneiro ao realizar
extensivas turnês internacionais resultando nas melhores críticas publicadas nos meios
de comunicação mais importantes dos países em que atuava:
56
Paris: “Pureness of taste which is never sacrificed to sheer virtuosity”;
Alemanha: “Music, today, tends to be getting noisy like the machines and steam
engines. Llobet contrasted thi with his beauty of sound and intimacy of performance.”;
Barcelona: “The Casals of the guitar”; Buenos Aires: “Temperament is vigorous and
quality of interpretation unchallenged”, “Greatest figure on the guitar today.”
(PURCELL, 1989, v.1, p. iv, partitura)
A notoriedade da carreira de Segovia sufocou a importância de Llobet como
concertista internacional, pois realizou extensivas apresentações antes até de Segovia.
Tocou por toda Europa, EUA e América do Sul. Devemos atentar para este fato, pois a
importância dos concertos que Llobet realizou não pode ser desconsiderada, além de
contribuir com novas obras para o repertório:
To Miguel Llobet Soles to given the credit for bringing the classic
guitar into the modern musical world of international concert tours, for
contributing new works to the repertoire, both original as well as
transcribed; for the presenting to the public in performance the new
works of such composers as the Falla, Villa-Lobos, Ponce and others;
for teaching the pedagogical principles of Tárrega; and, of utmost
importance, for have made the first eletric recordings of the classic
guitar. (PURCELL, 1989, vol. 1, p. v, partitura)
Apesar da repercussão de seus concertos, notamos certa comodidade em seus
programas (figura 4 e 5), pois alguns deles eram realizados em parceria com outros
músicos. Este fato se harmoniza com as conclusões que tiramos dos relatos de Anido,
sobre a acomodação de Llobet em comparação à ousadia de Segovia: “(...) Segovia
siempre siguió una línea de trabajo intensa, muy metódica, en ese aspecto Llobet
era...(sic) se puede decir silvestre?”. (HELGUERA, 2001, p. 12)
57
Figura 4. Programa de concerto de Llobet e a soprano Nina Varésa
Figura 5. Programa de concerto de Llobet e a soprano Greta Torpadie
58
Na América do Sul, passou grande período na Argentina, onde formou o duo
com Maria Luisa Anido, cujo repertório consistia inteiramente em arranjos do próprio
Llobet
53
. Este duo, ativo até meados de 1930, veio a ser parte da história dos grandes
duos de violão, que temos como referência principal desde Sor-Aguado, Llobet-Anido
(figura 6), Pujol-Mathilde Cuervas, Presti-Lagoya, Sergio e Eduardo Abreu e Sérgio e
Odair Assad.
Figura 6. Duo Llobet-Anido
Os contatos de Llobet no período em que passou em Paris incluíram o
importante compositor espanhol Manuel de Falla (1876-1946), que resultou em mais
benefícios para a literatura de violão (figura 7).
Llobet, com sua insistência junto a Manuel de Falla, contribuiu para o início
de uma nova produção de um repertório para o violão. A Homenaje pour le Tombeau de
Claude Debussy
54
foi uma das primeiras obras escritas originalmente para violão, por
um compositor não-violonista. Foi publicada pela primeira vez na Revue Musicale de 01
53
MIGUEL LLOBET. The Guitar Recordings 1925-1929. Chanterelle Historical Recordings (Cd).
Inclui três faixas gravadas pelo duo Llobet-Anido.
54
PURCELL, R. Manuel de Falla. Homenaje pour le Tombeau de Claude Debussy. Londres:
Chanterelle Verlag, 1989. Vol. 5 (partitura). Revisão e digitação de Miguel Llobet. Com este fato, Purcell
justifica na introdução o motivo desta obra de Falla ter sido incluída na série devotada à obra de Llobet.
59
De Dezembro de 1920
55
, junto com outras obras de importantes compositores como
Dukas, Roussel, Malipiero, Goosens, Bartok, Fl. Schmitt, Stravinski, Ravel, e Erik
Satie, todas dedicadas a Debussy. Pahissa narra como se deu a concepção desta
importante obra:
(...) Debussy had died. One day, at a concert, Falla bumped into Henri
Prunières, who told him he was going to devote na issue of his Revue
Musicale to Debussy an asked Falla towrite na article. Falla would have
preferred to make a musical contribution. (...) In the end he wrote the
article and the composition (...) which would satisfy both the Revue
Musicale and Llobet (...)”. (SPAIN, 1996, p. 133)
Esta importante obra, que foi um marco na literatura para violão, teve sua
estréia em 24 de Janeiro de 1921, executada numa harpa-alaúde por Marie-Louise
Casadessus, e finalmente executada por um violonista em 2 de Dezembro de 1922 –
Emilio Pujol
56
.
Suzanne Demarquez faz uma análise desta obra que se tornou célebre entre
os violonistas:
La pieza de Falla es un canto fúnebre, un trenó simbólico, tan frecuente
en la poesia española, influído por el espíritu musical del amigo
perdido. Su armonía se basa esencialmente en la cuarta fundamental del
acorde típico – tan bello! – de la guitarra, mi, la, re, sol, si (...) En esa
cuarta, el autor sitúa una corta frase rítmica, suerte de lamentación
sorda y amarga que resuena como um toque de animas a lo largo de la
obra (...). Los recursos especiales del instumento son hábilmente
explotados en fora de arpegios, de acordes ampliamente abiertos, de
gamas em glissandi, de trazos en punteado y de armónicas a la
octava.(DEMARQUEZ, 1968, p. 122)
Depois de inaugurada a nova fase de compositores não violonistas, com a
obra de Falla, Segovia continuou a comissionar peças para o violão de maneira intensa.
55
Ibid. p. 4.
56
DEMARQUEZ, S. Manuel de Falla. Barcelona: Nueva Colección Labor, 1968, p. 123. Uma
informação apontada pelo violonista Stefano Grondona discorda destes dados, pois indica que Llobet
estreou esta obra em 13 de fevereiro de 1921, em Burgos e se encarregou de sua publicação. Grondona
não deixa de comentar a importância desta obra – a única escrita pelo célebre compositor espanhol –
graças à influência da figura artística de Llobet. Nem Segovia, posteriormente, conseguiu atrair Falla para
escrever outra obra para violão (GRONDONA, 2006a, encarte de Cd).
60
Figura 7. Foto em Paris onde aparecem Falla (ao centro) e Llobet (à direita) entre outros
As obras comissionadas ou dedicadas a Llobet não se destacam pela
quantidade, mas sim por sua qualidade. Esta peça é indicada como sendo “a mais
significativa composição para violão do século XX (...) uma obra emblematicamente
rompedora da evolução do repertório para violão, já que até aquele momento não se
acreditava que um compositor pudesse escrever com tanto êxito para um instrumento
sem saber tocá-lo”. (GRONDONA, 2006b, encarte de Cd)
Outro compositor que travou contato com Llobet e escreveu para violão foi
Paul Hindemith (1895-1963). Compôs um Rondó para trio de violões (1925), mas não
sabemos se essa obra tem ligação direta com o violonista catalão.
Esteve no repertório de Llobet (figura 8) uma misteriosa Danse brésilienne
de Heitor Villa-Lobos (PURCELL, 1989, p. xi). Esta peça pode ser a Valsa Concerto
no. 2 (Valsa Brilhante - 1904) citada num relato de um encontro entre Villa-Lobos e
Segovia, que teria sido dedicada a Llobet. (CARVALHO, 1988, p. 170). Trata-se de
uma obra inacabada de 122 compassos e 3 páginas catalogada pelo museu Villa-Lobos,
no Rio de Janeiro.
61
Figura 8. Programa de concerto realizado em Berlim em 1928 onde aparece uma obra de Villa-Lobos
62
A passagem de Llobet pelo Brasil é um tanto incerta, mas alguns acreditam
que foi nesta ocasião que Villa-Lobos conheceu Llobet (1910). Sobre as relações de
Llobet e Villa-Lobos precisamos analisar o arquivo que está nas mãos de Fernando
Alonso, cuja descoberta falaremos adiante. Alguns acreditam que esta valsa teria sido
corrigida de maneira drástica pelo próprio Llobet, colocando assim em dúvida a autoria
de Villa-Lobos (informação verbal)
57
.
Como veremos adiante, Llobet sentiu-se atraído pela obra de Villa-Lobos ao
realizar suas adaptações para duo de violões. Da mesma maneira, podemos levantar a
hipótese que Villa-Lobos estava atento à escrita violonística de Llobet. Os exemplos
mais contundentes são o Preludio Original (1912) e a Respuesta (1922) que podemos
relacionar com o Estudo no. 6 (1929) e o Estudo no 11 (1929), respectivamente.
Trecho do Preludio-Original de Llobet
57
Entrevista com Stefano Grondona realizada no II Encontro Internacional de Violonistas, em 22 de Abril
de 2007, em Tatuí.
63
Trecho do Estudo no. 6 de Villa-Lobos
Trecho da Respuesta de Llobet
64
Trecho do Estudo no. 11 de Villa-Lobos
Llobet se dispôs a abandonar a vida agitada de suas turnês para retirar em
sua cidade natal, Barcelona. A Espanha encontrava-se em guerra e Llobet se encontrou
numa situação econômica difícil. Mangado comenta que Llobet morreu em
conseqüência da tristeza que a guerra civil espanhola lhe causava e de uma miocardite
(MANGADO, 1998, p. 97). Pahissa narra sua impressão nos seus últimos encontros
com Llobet: “Yo le encontre algunas veces durante el primer año de la guerra, 1936-37,
caminando por las calles de Barcelona, desorientado, anonadado, vencido, sin ánimo
para nada. El 22 de febrero, del año seguinte, 1938, Miguel Llobet murió.” (PAHISSA,
1947, p. 121).
65
4. MIGUEL LLOBET E A TOTALIDADE DE SUA OBRA
Como vimos no capítulo anterior, a importância da obra de Miguel Llobet na
história do violão vem sendo paulatinamente revelada através de pesquisas realizadas a
partir da década de 60. No entanto, existem algumas lacunas com respeito à totalidade
da obra de Miguel Llobet comparando o levantamento realizado por Bruno Tonazzi
(1966), Ronald Purcell (1989), e mais recentemente, Stefano Grondona (2006).
Tonazzi catalogou um total de 95 produções (algumas não publicadas) entre
composições originais, transcrições para violão solo, transcrições para duo de violões,
transcrições para canto e violão e revisões (TONAZZI, 1966, p. 44).
Purcell publicou nos cinco volumes Nueva Collección Llobet: 11
composições originais para violão solo, 16 temas folclóricos (entre estes as 13 canções
tradicionais catalãs), 10 transcrições para violão solo, 12 transcrições para duo de
violões e 2 composições originais para violão solo. Segundo Purcell, a produção de
Llobet foi catalogada em 25 composições originais, e suas adaptações cerca de 75
títulos (PURCELL, 1989, vol. 1, p. iv, partitura), totalizando um número de 100
produções.
Antes do contato com o trabalho do violonista Stefano Grondona, nos
chamou a atenção um artigo da revista Soundboard que trazia a citação de um arquivo
inédito de obras de Llobet redescobertas, nas mãos de Fernando Alonso, mas o acesso a
elas ainda não havia sido possível. A expectativa era que este arquivo revelasse mais
obras e que estas causariam o renascimento do violão no século XX e talvez
posicionasse Llobet como o pai do violão moderno (PHILLIPS, 2002a, p. 31).
A descoberta deste arquivo ocorreu diante de uma série de casualidades,
abrindo possibilidades de surgir ainda mais obras perdidas. Trataremos de narrar como
66
se deu o ressurgimento deste arquivo com base nas informações encontradas em
Mangado (1998) e Grondona (2006a, encarte de Cd):
A última filha de Llobet, Miguelina, faleceu em 1987, em Barcelona. Vivia
no apartamento onde seu pai viveu nos últimos dez anos de sua vida, no quarto andar de
num edifício da Rua Layetana. O apartamento foi completamente limpo, com todos os
pertences de Llobet, incluindo livros e partituras, que estranhamente, não foram
encaminhados a alguma biblioteca por Miguelina, antes de falecer. Os violões de Llobet
haviam sido doados anteriormente para o Museu da Música de Barcelona, mas seu
arquivo musical havia sido esquecido.
Os parentes próximos recolheram apenas os bens que julgaram ter mais
valor, entregando vários pertences de Llobet a um cigano. Tais pertences incluíam
algumas partituras, fotos, postais, desenhos e pinturas feitos pelas aos de Llobet e uma
maleta que era usada em suas turnês. O cigano ofereceu esses objetos numa casa de
música de Barcelona, provavelmente a Casa Sor, cujo proprietário é o violonista
Fernando Alonso. A aquisição do arquivo se deu através de uma intuição de Alonso de
que poderiam ser importantes. Na década de 70, Alonso e Anido realizam um concerto
em homenagem ao histórico violonista, e a partir deste evento, Alonso passa a se
interessar por seu trabalho. Tal interresse o levou a pesquisar sobre a vida de Llobet,
finalmente chegando ao arquivo musical esquecido, que estava aos cuidados de uma
antiga amiga da família - Anita Aguila – cuja professora de piano era a esposa de
Llobet. Após alguma insistência, a senhora concorda que as obras estariam em melhores
mãos se ficassem com Alonso. Estavam num depósito protegidos apenas por um
plástico, preciosos manuscritos que descreveremos adiante.
Com a descoberta e a revelação do arquivo de Alonso, o catálogo final da
totalidade da obra de Llobet deve ser revisto. Grondona, com a colaboração do detentor
67
do arquivo tem revelado tais obras inéditas através de gravações realizadas a partir de
2006, e ainda podemos aguardar novas pesquisas.
Grondona narra como teve acesso a esse arquivo que resultou na gravação
deste patrimônio musical:
La preciosa colaboración de los últimos diez años con Fernando há
favorecido mis insistentes anhelos hacia tales descubrimientos, para ir
hacia las potencialidades musicales que estaban en este legado. Y no
solo para hacer uma simple y justa apología de um personaje que
merece respeto, reconocimiento y gratitud, por tan largo tiempo
negadas por sensibilidades enfocadas en otras direciones, sino también
para que el contenido de tanta energia pudiera desembocar en un
acontecimiento musical de nuestro tiempo que provea lo que hoy dia
demasiadas veces falta en las experiências: la emoción (...) El
entendimiento entre Fernando y yo, ha hecho possible realizar estas
interpretaciones, ofrecidas ao público precisamente en el momento en
el cual se está procediendo al traspaso de este fondo al Museu de la
Música de Barcelona. Además, este material se conservará en la ciudad,
tan amada por el Maestro, la cual se está progresivamente
sensibilizando, predisponiéndose finalmente a compreender la
importancia de um compositor, cuya personalidad, a través de la
guitarra, la representa en una fuerte imagen y em su mejor perfil
musical modernista. (GRONDONA, 2006a, encarte de Cd)
Ainda não é possível realizar um catálogo definitivo da obra de Llobet, uma
vez que mais obras vêm sendo descobertas. Para mais informações devemos aguardar a
publicação deste arquivo. O número de obras citadas por Purcell e o catálogo de
Tonazzi fornecem apenas uma parte do patrimônio musical deixado por Llobet, pois a
recente pesquisa de Grondona vem revelando gradualmente a existência de mais obras.
Abordaremos agora os trabalhos dos três pesquisadores, para uma comparação dos
levantamentos realizados até a formatação desta pesquisa.
Catálogo realizado por Tonazzi:
Composições publicadas
Romanza (1896)
Estudio (1899)
Estudio Capricho (1899)
Mazurka (1901)
Variaciones sobre un tema de Sor (1908)
Scherzo-Vals (1909)
Respuesta (1922)
68
Prélude original (sem data)
Preludio em ré maior (1935)
Preludio em lá maior (1935)
Preludio em mi maior (1935)
Estilo popular criollo (sem data)
La filla del marxant (1899)
Plany (1899)
Lo Rossinyol (1900)
El Testament d´Amelia (1900)
Lo fill del rei (1900)
L´Hereu Riera (1900)
Cançó del lladre (sem data)
El Mestre (1910)
La filadora (1918)
La nit de Nadal (1918)
Composições Inéditas
Jota
Triste (sobre um tema popular argentino em mi maior)
La Pastorela (melodia popular catalã)
L´Emigrant (melodia popular catalã)
Transcrições publicadas para violão
Isaac Albeniz Cadiz (serenata)
Granada
Sevilla (revisão de uma transcrição de
Tárrega)
Torre Bermeja
Joh. Sebastian Bach Preludio (da suíte IV para cello)
Sarabanda (da Partita I para violino)
Bourrée
Ludwig van Beethoven Largo (da sonata no. 4)
Andante (da sonata no. 10)
Allegretto (da sonata no. 14)
Andante (da sonata no. 23)
Sonata
Georges Bizet Fragmento de L´Alesiana
Federigo Bufaletti Mazurka
Fréderic Chopin Preludio n. 8
Preludio n. 9
Noturno no. 2
Enrique Granados Danza española no. 5
Danza española no. 10
Dedicatória
La Maja de Goya
Edward Grieg Melodia norvegese (da Ballata no. 24)
Felix Mendelssohn Romanza senza parole
W. A. Mozart Andante (Don Giovanni)
Anton Rubinstein Romanza
Robert Schumann Picollo pezzo
69
Revérie
Il primo dolore
Coral
Marcha militar
Preghiera del bambino
Joaquin Valverde Clavelitos
Rogelio Villar Danza española
Richard Wagner Fragmento de Parsifal
Transcrições inéditas para violão
Isaac Albeniz Córdoba
Oriental
Cécile Chaminade Air de ballet
Manuel de Falla Romanza del pescador (El Amor brujo)
Canción del fuego fatuo (El Amor brujo)
Enrique Granados Danza española no. 7
W. A. Mozart Ária
Rogelio Villar Canción Leonesa
Danza Castellana
Transcrições publicadas para duo de violões
Isaac Albeniz Bajo de la Palmera
Evocación
Castilla
Rumores de la caleta
Louis Claude D´Aquin Lê Cou-Cou
Enrique Granados Danza española no. 6
Danza española no. 11
Eduardo Lopez Chavarri Leyenda del castillo moro
P. I. Tchaikovsky Humoreska
Felix Mendelssohn Romanza senza parole no. 20
Romanza senza parole no. 25
W. A. Mozart Minuetto (da sinfonia no. 39)
Transcrições inéditas para duo de violões
Julián Aguirre Huella
Johannes Brahms Danza ungherese no. 5
Manuel de Falla Danza del molinero (El sombrero de tres
picos)
Pantomina
Danza ritual del fuego (El Amor brujo)
Cubana
Pascual de Rogatis Chacarera
Transcrição para canto e violão
Manuel de Falla Siete canciones populares españolas
Revisões e digitações
Alfonso Broqua Milongueos e Ritmos camperos
(Evocaciones Criollas)
Matteo Carcassi 25 Estudos Op. 60
Manuel de Falla Homenaje le Tombeau de Debussy
Agustin Grau Corranda
Carlos Pedrell Betsabé
70
Adolfo Salazar Romancillo
As obras para violão solo publicadas citadas no catálogo de Tonazzi estão
publicadas pela Unión Musical Española (U.M.E). La Pastoreta, o título correto, ainda
não havia sido publicada. Foi publicada somente em 1969 pela U.M.E. A coleção das
Diez Canciones Catalanas foi publicada em 1964 pela U.M.E. El Noi de la Mare foi
publicada em 1975.
Grondona gravou uma das obras inéditas para violão solo que figuram no
catálogo de Tonazzi – Canción del pescador (Romanza del pescador)
58
.
Obras publicadas por Ronald Purcell:
Composições originais para violão
Romanza (1896)
Estudio en mi mayor (1899)
Estudio Capricho (1899)
Mazurka (1901)
Variaciones sobre un tema de Sor, Op. 15 (1908)
Scherzo-Vals (1909)
Prelude-Original (c. 1912)
Preludio em mi mayor (1916)
Respuesta (1922)
Preludio em la mayor (1935)
Preludio em mi mayor (1935)
Estilo
Preludio
Temas folclóricos
Plany (1899)
La filla del marxant (1899)
El Testament d´Amelia (1900)
Canço del lladre (c. 1900)
Lo Rossinyol (1900)
Lo fill del rei (1900)
L´Hereu Riera (1900)
El Mestre (1910)
La Nit de Nadal (1918)
La Filadora (1918)
La Pastoreta (c. 1918)
La Preçó de Lleida (c. 1920)
El noi de la mare
Leonesa (c. 1910)
58
STEFANO GRONDONA. HOMENAJE. Stradivarius, 2006a (Cd).
71
Estilo popular argentino no. 1 (c. 1910)
Estilo popular argentino no. 2 (c. 1910)
Transcrições para violão
Isaac Albéniz Cadiz (Serenata no. 4 da suíte Espanhola
Oriental (Cantos de Espanha, Op. 232, no
2)
Sevilla (Sevillanas da suíte espanhola)
Torre Bermeja (Serenata, Op. 92, no. 12)
Enrique Granados Danza Española no. 5 (Andaluza, Op. 37)
Danza española no. 7 (Valencia, Op. 37)
Danza española no. 10 (Triste, Op. 37)
Dedicatória (Cuentos de la Juventud, Op.
no. 1)
La Maja de Goya (Tonadilla)
Joaquin Valverde Clavelitos (Zambra Gitana)
Transcrições para duo de violões
Louis Claude Daquin Le Cou-Cou
Isaac Albéniz Rumores de la Caleta (Malagueña, no. 6)
Castilla (Seguidillas, no. 7, Suíte Española)
Bajo de la Palmera (Canciones de España,
Op. 232)
Evocación (Suíte Iberia)
Enrique Granados Danza Española no. 6 (Rondalla
Aragonesa)
Danza Española no. 11 (Zambra)
Eduardo Lopez-Chavarri Leyenda del Castillo Moro (Cuentos y
Fantasias)
Felix Mendelssohn Romanza sin palabras, no. 20, Op. 53
Romanza sin palabras no. 25, Op. 53
W. A. Mozart Minuetto (Sinfonia no. 39)
Peter Tchaikovsky Humoresque, Op. 10, no. 2
As composições originais para violão estão publicadas na Nueva Colección
Llobet (PURCELL, 1989, vol. 1, partitura), com exceção das peças Preludio e Estilo,
que estão publicadas separadamente (PURCELL, 1992, partitura). Os 16 temas
folclóricos se encontram publicados no volume 2, as transcrições para violão solo no
volume 3 e as transcrições para duo de violões no volume 4 (PURCELL, 1989,
partitura).
A canção popular Leonesa figura no catálogo de Tonazzi debaixo da autoria
de Rogerio Villar (1875-1937), não de Llobet e foi gravada por Grondona debaixo da
72
autoria do mesmo. Portanto, Purcell pode ter publicado equivocadamente esta canção
popular debaixo da autoria de Llobet.
Grondona gravou o Estilo no. 1 e 2 citados no catálogo de Tonazzi debaixo
da autoria de P. M. Quijano, além de Estilo (PURCELL, 1992, partitura) debaixo do
título Estilo Popular Argentino no. 3, autoria também atribuída a Quijano. Gravou
também as obras Mazurka de Severina de E. Bufaletti (1862-1936) Danza Española de
Rogerio Villar que pode se referir à mesma Danza Castellana citada no catálogo de
Tonazzi
59
.
Purcell inclui mais três canções catalãs em sua edição das Treze Canciones
Catalanas, aumentando assim o número de canções catalãs editadas anteriormente
como Diez Canciones Catalanas catalogadas por Tonazzi – La Pastoreta, La Presó de
Lleida e El Noi de la Mare.
No entanto, uma nova pesquisa revela que o número das canções tradicionais
catalãs utilizadas na obra de Llobet pode aumentar ainda mais. Trata-se da pesquisa
realizada pelo violonista italiano Stefano Grondona
60
.
No capítulo 2, falamos da importante sociedade de instrumentos de cordas
dedilhadas e de plectro – a sociedade Lira Orfeo – da qual Llobet fez parte. Entre as
disciplinas oferecidas aos estudantes estavam as aulas de grupo de instrumentos. Llobet
foi o fundador e diretor artístico de um grupo que reunia tais instrumentos, seguindo o
modelo das estudiantinas citadas no capítulo 1. Tal grupo levava o mesmo nome da
sociedade catalã.
As atividades do grupo catalão Lira Orfeo estão emergindo graças à pesquisa
de Grondona à frente do quinteto de violões Nova Lira Orfeo. Este grupo faz referência
59
STEFANO GRONDONA. RESPUESTA. Stradivarius, 2006b (Cd). Neste registro sonoro o violonista
intitula a obra publicada por Purcell (1992, partitura) Estilo como Estilo Popular Argentino no.1, e o
Estilo Popular Argentino no. 3 (PURCELL, 1989, vol. 2, p. 19, partitura) como Estilo Popular Argentino
no. 1. Portanto, notamos uma variação nos títulos das canções populares argentinas.
60
STEFANO GRONDONA. HOMENAJE Stradivarius, 2006a (Cd).
73
ao grupo catalão que se reunia na sociedade catalã. Foi formado em 2002 a fim de
difundir a coleção inédita das obras de Llobet para esta formação que ressurgiu apenas
recentemente. O grupo Lira Orfeo original reunia mandolinas espanholas, violões,
alaúdes, e um arquialaúde. A formação do grupo Nova Lira Orfeo inclui apenas violões.
Além das treze canções editadas (PURCELL, 1989, v. 2, partitura), existem
mais três adaptações de canções populares realizadas para este grupo – La Filla del
marxant (usada anteriormente na adaptação para violão solo), L´Anunciació (na
Catalunha mais conhecida como La Mare de Deu) e L´hostal de la Peira, entre outras
adaptações.
Obras inéditas encontradas na pesquisa realizada pelo violonista Stefano
Grondona:
Transcrições para Lira Orfeo
Rafael Mitjana Seguidillas
W. A. Mozart Menuet de D. Joan
Serenata de D. Joan
L. van Beethoven Menuet
F. Chopin Preludi
F. Mendelssohn Romança
Romança
R. Schumann Coral
Romança sense paraules
Canção tradicional catalã La Filla del marxant
L´Anunciació
L´hostal de la Peira
Isaac Albéniz Granada
Uma obra de Manuel de Falla não citada nos catálogos de Tonazzi e Purcell
aparece entre as demais na pesquisa de Grondona. Trata-se de Medianoche – uma
transcrição para duo de violões. Dentre as obras inéditas não editadas, existe ainda uma
74
outra transcrição para duo de violões - a canção popular brasileira Therezinha de Jesus
(1918), baseado na versão pianística de Heitor Villa-Lobos (informação verbal)
61
.
O conjunto das peças que vem sendo reveladas denota o mesmo sentido de
orquestração citado no capítulo anterior. A sofisticação da obra de Llobet revela o
domínio que este grande artista possuía do instrumento:
Las intuiciones de Llobet, los artifícios colorísticos más próprios de lo
instrumental, nos ofrecen acceso al profundo conocimiento que él tenia
de la guitarra. Y era este de deslumbrante magnitud, abierta
imaginación y entusiática creatividad; cada digitación está
rigurosamente indicada, y comunica una conciencia expresiva y
meticulosa al preferirla a otras que pudieran ser tambien interesantes
soluciones alternativas. Estas obras nos permiten ahora revelar uma
nueva luz de la imagen moderna de tal personaje. Su brillantez artística
e intelectual había quedado demasiado reprimida por los melancólicos
colores de su última decada de vida y su desaparición, que habian
desvirtuado su auténtico perfil. (GRONDONA, 2006a, encarte de Cd)
Algumas obras publicadas de Llobet merecem ser destacadas pelo uso de
elementos inovadores do ponto de vista harmônico. Sua Romanza (1896) está numa
tonalidade pouco usual até então – dó menor; a Mazurka (1901) utiliza acordes de sexta
napolitana; o Scherzo-Vals (1909) utiliza harmonias muito próximas da influência
francesa; observamos em sua Respuesta (1922) o uso de tons inteiros; e o Preludio em
Mi Maior (1935) pode ser considerado sua obra impressionista pelo emprego de
dissonâncias mais marcadas, como acordes aumentados.
Poderíamos destacar diversas particularidades na obra de Llobet que
posicionam o violão dentro da linguagem do século XX. No entanto, iremos enfocar a
nossa pesquisa em suas Canciones Catalanas, onde notamos que Llobet estava
preocupado em valorizar a cultura de sua terra natal. Curiosamente, notamos a ausência
de elementos hispânicos de caráter andaluz em suas obras originais, enquanto que nas
61
Informação obtida no II Encontro Internacional de violonistas de Tatuí realizado em 19 a 22 de Abril
de 2007. Para a nossa surpresa, no dia 22 de Abril, o recital do duo Grondona-Mondiello revelou a
existência desta obra inédita (há um registro em DVD).
75
obras de outros catalães como Albeniz, Granados, Malats e Pujol, eram comuns
(GLOEDEN, 1996, p. 56).
O fato de existirem obras desconhecidas nos permite analisar a personalidade
artística de Llobet sob uma visão mais modernista.
Aguardamos a publicação e difusão das obras inéditas recém-descobertas de
Llobet, pois este patrimônio musical é valioso e precisa ser difundido.
76
5. AS CANÇÕES TRADICIONAIS CATALÃS – ASPECTOS
HISTÓRICOS, SOCIAIS E TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS
O conjunto da obra de Miguel Llobet foi essencial para a história do violão.
Com suas Canciones Catalanas tornou-se mestre na arte da transcrição e ajudou a
posicionar o violão no século XX. No entanto, ao observar que o material usado na
concepção destas célebres adaptações pertence ao terreno do folclore catalão, cuja
tradição é milenar, nos sentimos motivados a buscar as informações a respeito destas
melodias.
O contato com as gravações realizadas pelo grupo catalão La Capella Reial
de Catalunya foi o ponto de partida para o início da pesquisa, pois citavam algumas
canções usadas por Llobet como El fill del rei, La Filadora, Cançó del Lladre, El
Mestre, e El Testament d´Amelia. Tal realização fonográfica incluiu as letras das
canções, gravadas numa concepção coerente com a origem das melodias. A pesquisa
contida nesta gravação nos motivou a encontrar as outras melodias usadas na obra para
violão de Miguel Llobet e percebemos que outros compositores, talvez influenciados
pelo próprio Llobet, também exploraram temas tradicionais catalães em sua obra.
Incluiremos as canções usadas na obra de tais compositores na pesquisa, junto com
outras canções tradicionais inéditas que vêm sendo gradativamente reveladas à medida
que o interesse pela totalidade da obra de Llobet aumenta.
A tradição musical catalã é permeada por uma série de fatos históricos e
lendas que ajudam a criar o contexto onde tais melodias foram concebidas, de forma
anônima pelo povo e transmitidas oralmente. Procuramos incluir as narrações de tais
fatos na pesquisa para ajudar a desvendar o significado das melodias adaptadas para
violão e sua origem.
77
A pesquisa sobre a origem e a tradução dos textos das canções escolhidas se
baseará na compilação realizada pelo musicólogo Joan Amades, citado em diversas
publicações sobre folclore catalão.
A publicação de Purcell trazia uma versão monofônica da canção El Mestre
(PURCELL, 1989, vol. 2, p. iv)), com parte da letra original em catalão traduzida para o
inglês. Isso também nos motivou a transcrever outras melodias tradicionais catalãs e
traduzi-las para o português.
Decidimos partir para uma tradução livre para entendermos o conteúdo
destes textos ou para ver se há uma relação entre os arranjos de Llobet e os textos ou se
são meramente arranjos engenhosos para violão.
As Canciones Catalanas são produto da tradição oral. Portanto, pequenas
variações nos títulos, nas letras e nas melodias podem ocorrer como aponta os trabalhos
musicológicos contidos na obra Observaciones, apendix i notes al “romancerillo
catalán” de Manuel Mila i Fontanals (PUJOL, 1926). Trata-se de uma pesquisa de
78
campo realizada em 1923 nas diversas comarcas da Catalunha que mostra a grande
variedade de versões que podem resultar de uma mesma melodia tradicional.
As canções comentadas nesta pesquisa são:
Plany (1899); La filla del marxant (1899); El Testament d´Amelia (1900);
Cançó del Lladre (1900); Lo Rossinyol (1900); Lo fill del Rei (1900); L´hereu Riera
(1900); El Mestre (1910); La Nit de Nadal (1918); La Filadora (1918); La Pastoreta
(1918); La presó de Lleida (1920); El noi de la Mare (s.d.); L´Anunciacó; L´hostal de la
Peira; Els tres Tambors; El Cant dels ocells; El bon caçador; La ploma de perdiu; Els
Estudiants de Tolosa; Muntanyes del Canigó; Catarina d´Alió; La gata i el belitre.
A Catalunha, como nação mediterrânea, incorporou a cultura da Europa
Central durante suas relações comerciais e políticas que acontecia desde o período
medieval. Desenvolveu uma identidade política muito forte devida a suas lutas por
independência dentro do império espanhol, passando de província a uma nação
independente graças à personalidade do povo catalão. Tal personalidade resultou no
cancioneiro tradicional catalão, com suas canções de características muito próprias,
fugindo um pouco do domínio árabe das melodias andaluzas.
Percebemos traços de uma personalidade guerreira em algumas das canções
que estudaremos. O uso de tonalidades menores confere um ar melancólico a quase
todas as melodias, uma tristeza que alguns atribuem à série de calamidades cívicas e
militares que acometeram o povo catalão nos séculos XVII e XVIII, depois de
sucessivas derrotas. O tema de morte e o ambiente de crueldade é recorrente nas
canções La Presó de Lleida, El Testament d´Amelia e La Filla del Marxant. Na El
Mestre encontramos conotações bélicas, como veremos adiante.
Os catalães, graças ao trabalho dos folcloristas, e à sua identidade de nação
lutadora, conservaram suas raízes musicais e cantam as canções tradicionais de sua terra
79
desde sua infância. Muitas das canções que comentaremos são familiares a toda criança
que nasce em território catalão.
As canções tradicionais catalãs geralmente servem a um objetivo ligado a
um trabalho ou a uma ação. As canções que estudaremos estão classificadas por
Amades da seguinte maneira:
Cançó de bressol (canção de ninar); cançó de dansa (canção de dança); cançó
d´aplec (canção de celebração); cançó de filadora (canção de fiadora); cançó de puntaire
(canção de bordar); cançó de tasca (canção de trabalho ou designação); cançó
d´espellonar (canção da colheita); cançó de traginers i de cami (canção de viajante e
marcha); cançó de Nadal (canção de Natal); cançó de caçador (canção de caçador);
cançó de pescador (canção de pescador); cançó de messes (canção de plantio); e cançó
de cosidora (canção de costureira).
As canções de ninar são numerosas. Trata-se de um tipo de repertório
tradicional pelo qual todos passam, desde a infância, embalados por pais e avós. O
embalo do berço fazia os bebês dormirem junto com as melodias que adotavam o ritmo
da ação de balançar o berço. Suas melodias são curtas e se repetem até fazer a criança
dormir. Deste bloco pertencem a canção El noi de la Mare, e L´Anunciació (La Mare de
Deu) e El Cant dels ocells. Estas canções tinham um valor prático de espantar maus
espíritos do lado dos bebês que eram embalados ao som desta canção que se destinava a
fazê-los dormir. O ritmo era embalado pelo movimento do corpo da mãe ao balançar o
berço ou ao segurar o bebê no colo. O musicólogo e compositor Felipe Pedrell afirma
lembrar-se da canção que sua mãe costumava cantar para ele e seus irmãos dormirem –
Comte l´Arnau (AMADES, 1951, p.66).
Muitas canções estão ligadas a costumes tradicionais. Dançar, por exemplo,
além de um costume constitui uma necessidade. “O baile constituía um ambiente
80
favorável para a criação de canções que correspondiam ao sentimento coletivo do
povo”. (AMADES, 1951, p. 180)
A melodia era mais uma vez assimilada e adaptava-se plenamente às
necessidades da massa, e passava a fazer parte do corpo de costumes da comunidade,
transformando-se em tradição.
As canções adaptadas por Llobet que representam as canções de dança são:
La Filla del Marxant, L´hereu Riera e El Rossyniol.
Algumas danças têm relação com o texto das melodias através dos
movimentos de sua coreografia. L´hereu Riera é um exemplo disso. A lenda narrada
pelos seus versos faz alusão a um jovem enamorado que, enquanto reza pelo
restabelecimento da saúde de sua amada, em seu leito de morte, dança em torno de
bastões posicionados no chão em forma de cruz. A dança típica feita com bastões é
tradicional até hoje na Catalunha, conhecia como ball de bastó (baile de bastões).
O costume de dançar reunia o povo num tipo de festa que os catalães
chamam de “aplecs” (figura 1). A maioria dos “aplecs” é realizado ao ar livre, perto da
natureza, ao redor de santuários ou capelas situados em lugares despovoados no alto da
montanha. Tal costume está ligado aos rituais de origem litúrgica, pois os cumes das
montanhas são santificados, segundo as crenças religiosas (AMADES, 1951, p. 176).
Atualmente os “aplecs” são uma reunião para dançar a popular sardana, dança típica da
Catalunha. A sardana é uma dança de roda, de caráter social. Como vimos no capítulo 1,
os peregrinos que cantavam e dançavam as canções do Libre Vermell de Montserrat,
nos séculos XIII e XIV, já praticavam uma dança deste tipo – o ball rodó (RUBIO,
1983, p.109). As canções que representam esta categoria de entretenimento são: El
Mestre e La Pastoreta.
81
Figura 1. Aplecs
O costume de cantarolar alia-se à necessidade de trabalhar para tornar o
trabalho menos monótono e cansativo. Assim, comentaremos as canções que são usadas
para trabalhos artesanais e trabalhos agrícolas.
Os povos da Europa tinham canções especiais para realizar o trabalho de
fiar. La Filadora é uma das canções mais cantadas com esta finalidade, para acabar com
a monotonia do trabalho repetitivo. A ação de pisar na roca de fiar era cadenciada pelo
ritmo da canção, o que ajudava a estabelecer o movimento dos fiadores e tornava o
trabalho mais interessante (AMADES, 1951, p. 705).
La Ploma de Perdiu se insere no repertório de canções para acompanhar o
trabalho artesanal de bordar. Diferentes do trabalho de fiar, os movimentos ao bordar
são variados e não se requer cantar as melodias com métrica, pois a ação de bordar é
arrítmica. A tradição de bordar reunia muita gente, especialmente as mulheres, por isso
a preferência por temas galantes e amorosos era maior enquanto o trabalho era realizado
(AMADES, 1951, p. 745).
As canções de trabalho se originaram a partir da necessidade de estabelecer
uma harmonia nos movimentos ao trabalhar, como vimos acima, para acabar com a
monotonia da repetição da ação e tendem a regular o movimento do corpo de acordo
82
com o ritmo do trabalho que se realiza. A canção mesura o tempo, ajuda na ação do
corpo e contribui para a perfeição do trabalho. As canções desta categoria se aplicam
aos mais variados tipos de profissão: ferreiro, carpinteiro, alfaiate, padeiro, pintor,
marinheiro, ceramista, sapateiro, tecedor, etc. São aplicadas também a trabalhos
domésticos: amassar, cozinhar, lavar, etc. Para cada tipo de designação, encontramos
diversas melodias tradicionais que estão reunidas no trabalho de Amades, e El Fill de
Rei representa uma canção que descreve o movimento de remar. Catarina d´Alió
representa outra canção de trabalho – o de lavar roupas.
Os trabalhos realizados no campo são os mais típicos dos que se movem ao
som de canções características e bem apropriadas. O tipo de trabalho possui ações que
adotam um ritmo mais lento ou mais acelerado, dependendo do caso.
As canções de colheita se inserem nesta categoria e para exemplificá-la
temos as canções Cançó del Lladre, La Presò de Lleida e El Testament d´Amelia. O
trabalho reunia homens e mulheres e o costume de narrar contos e cantar melodias era
comum. No fim do dia, o dono da colheita servia seus trabalhadores com frutas secas
com vinho e se dançava ao som das mesmas melodias. Tal costume deu origem à festa
“La Revellosa” e “La Vinotxa”. As mulheres tinham preferência pelos temas amorosos,
e os homens preferiam os temas de caráter histórico (AMADES, 1951, p. 585). De fato,
como veremos adiante, as três melodias que se inserem nesta categoria narram alguns
fatos históricos incrementados pelas lendas criadas pelo povo.
As canções de marcha eram cantadas pelos viajantes e contrabandistas com a
finalidade de se ocuparem enquanto percorriam os bosques e montanhas. Assim, não
sentiriam o passar das intermináveis horas de viagem. Els tres Tambors é uma canção
de marcha (AMADES, 1951, p. 638).
83
Algumas canções citadas servem para dois objetivos quando entramos no
universo de canções natalinas. El Desembre Congelat representa a canção de Natal, que
todo o povo tem o dom de cantar, por isso dentro do cancioneiro tradicional as canções
de natalinas são bastante numerosas (AMADES, 1951, p. 261).
El Bon Caçador evoca a mais antiga tradição – a do homem caçador e está
diretamente ligada com o ato de caçar. As canções desta categoria, semelhantes às
canções de ninar, caracterizam-se por frase musicais curtas que se repetem até o caçador
atingir seu objetivo – capturar a caça (AMADES, 1951, p. 396).
A arte de pescar se insere na mesma categoria da tradição de caçar, pois se
baseia no mesmo princípio – o de capturar animais. Portanto, diferencia-se por seu
procedimento mecânico, exigindo mais tempo e preparação das ferramentas usadas na
pesca. Portanto, as canções de pescar podem ser mais longas (AMADES, 1951, p. 402).
Estas são representadas por Els Estudiants de Tolosa e Muntanyes del Carnigó.
Os povos da Europa mediterrânea consideram o trabalho agrícola, pois é
vital para alimentar suas famílias. Os rituais envolvidos na cultura catalã vêm de
civilizações muito antigas, e muitas crenças e práticas foram herdadas dos povos de
cultura clássica, uma boa parte relacionada a canções associadas, por sua vez, à dança
(AMADES, 1951, p. 486). As canções de plantio são representadas pela canção
L´Hostal de la peira.
As canções de costureira servem para o mesmo objetivo das canções de
fiadora – dar movimento ao trabalho. As costureiras tinham preferência pelas melodias
longas e tranqüilas (AMADES, 1951, p. 721). La Gata i el belitre representa esta
categoria de canções.
Ao pesquisarmos os aspectos históricos e sociais das canções, localizamos
suas letras e consideramos importante transcrevê-las junto com a melodia para facilitar
84
sua leitura dentro do contexto folclórico, onde melodia e poesia seguiram juntas. A
principal fonte destas melodias com texto é o cancioneiro folclórico de Joan Amades,
mas procuramos localizar também outras fontes.
Quanto às origens das canções encontramos certa nebulosidade, visto que
foram concebidas em circunstâncias que dificultam identificar com precisão sua origem.
Seus autores são anônimos, e sua difusão era realizada através da transmissão oral. Um
fato que contribui para a conclusão de que as canções são muito antigas são os
elementos do canto gregoriano presentes em sua estrutura. O sistema modal antigo
maior e menor, sem grande uso de cromatismo, indica que as melodias conservaram sua
forma antiga. De fato, uma das características da canção popular catalã são as antigas
modalidades gregas.
As referências históricas da canção popular citadas no capítulo 1
possibilitarão levantar algumas hipóteses sobre a origem dos temas harmonizados por
Llobet no início do século XX.
À medida que constatamos os livros e os códices é possível identificar a
origem de alguns temas usados por Llobet e por outros compositores violonistas e não-
violonistas. Encontramos no canto gregoriano algumas melodias que serviram de base
para a concepção de alguns temas que caíram no gosto popular. O canto litúrgico e a
canção popular têm algumas coisas em comum: ambos possuem melodias simples e são
de estrutura diatônica; suas melodias não passam de uma oitava (BALDELLÓ, 1926, p.
359).
Os trovadores criavam melodias que se difundiam por toda a parte com sua
arte ambulante e apesar de poucas melodias terem sobrevivido, podemos identificar
duas delas no cancioneiro catalão que foram utilizadas na obra de Llobet, como veremos
adiante.
85
É curioso comentar o folclore de outro povo, que não o nosso.
Ao traduzir as letras das canções, nos ativemos ao cancioneiro compilado
por Amades, visto que as canções sofrem variações devido à sua natureza popular e ao
sistema de transmissão oral durante séculos. Algumas delas possuem mais variações do
que outras, sendo possível encontrar algumas diferenças de uma versão para outra,
principalmente literárias (PUJOL, 1926, 3 vol.). Durante a pesquisa, foram encontradas
algumas destas variações que não foram incluídas. Priorizamos, portanto, a forma mais
difundida e mais recente. Para isso, nos baseamos no trabalho de Amades e algumas
referências fonográficas, uma vez que o folclore catalão não é familiar para nós,
brasileiros. Portanto, simplificaremos a escolha das estrofes para realizar a tradução,
citando apenas as estrofes mais cantadas pela população. Algumas canções possuem uns
textos mais extensos, que narram cenas do cotidiano. De fato, muitas canções estão
ligadas a lendas, e algumas vezes, a fatos históricos ocorridos durante a Idade Média.
A tradução é livre e se deteve na idéia principal do texto. Separamos as
estrofes mais conhecidas visto que algumas letras são demasiadamente longas, e por
isso difíceis de serem memorizadas pelo povo. Como citamos anteriormente, nosso
objetivo não é fazer uma tradução literária, mas uma tradução que dê aos violonistas o
entendimento destes textos para que isso possa dar mais subsídios para uma
interpretação.
A pesquisa destaca o trabalho de Miguel Llobet, mas incluiu outros
compositores que, seguindo a linha de Llobet, realizaram suas adaptações para violão de
canções tradicionais catalãs. Alguns seguiram diretamente, outros indiretamente, como
veremos adiante.
Decidimos incluir as canções tradicionais catalãs usadas na obra de outros
compositores, pois acreditamos que a importante coleção das Canciones Catalanas de
86
Miguel Llobet motivou outros violonistas a usarem temas tradicionais na realização de
versões criativas para violão, procedimento iniciado por Llobet.
As canções descritas nesta pesquisa são:
Compositores Canção Publicação
Miguel Llobet Plany Chanterelle
La filla del marxant Chanterelle
El Testament d´Amelia Chanterelle
Cançó del Lladre Chanterelle
El Rossinyol Chanterelle
El fill del Rei Chanterelle
L´hereu Riera Chanterelle
El Mestre Chanterelle
La Nit de Nadal Chanterelle
La Filadora Chanterelle
La Pastoreta Chanterelle
La Preço de Lleida Chanterelle
El noi de la Mare Chanterelle
L´hostal de la peira não publicada
L´Anunciació não publicada
L´Emigrant não publicada
La filla del marxant não publicada
Emilio Pujol Els tres tambors Ricordi Americana
La ploma de perdiu Max Eschig
El cant dels ocells Ricordi Americana
Andrés Segovia La ploma de perdiu Bérben
Els Estudiantes de Tolosa Bérben
El noi de la mare Bérben
El Desembre Congelat Bérben
Narciso Yepes Catarina d´Alió Schott
Muntanyes del Carnigó Schott
Federico Mompou El bon caçador EMEC
El cant dels ocells EMEC
Francisco Casanovas La gata i el belitre Schott
87
5.1. Miguel Llobet: Canciones Catalanas
A coleção das Canciones Catalanas de Llobet representa a espinha dorsal,
criando uma das mais monumentais obras para violão de sua época (informação
verbal)
62
. As Canciones Catalanas são “o ponto de partida” de um novo futuro para o
violão (GILARDINO, 1972 apud PHILLIPS, 2002b, p. 29).
No capítulo 3, falamos sobre a superioridade de Llobet em relação à Tárrega,
evidentes em suas versões das Canciones Catalanas, principalmente no estilo de escrita
usada da canção tradicional El Mestre, como veremos adiante. El Testamento d´Amelia
também é citada como uma das mais originais adaptações realizadas por Llobet, por sua
ousadia em usar uma melodia tão simples de maneira tão apurada (RIERA, 1974, p. 14).
Reconhecidas num processo criativo até então não exploradas no repertório
para violão, procuraremos discutir aqui tal processo juntamente com a importância de se
conhecer o texto das melodias que serviram de material para Llobet elaborar esta
coleção de arranjos. Através do conhecimento dos textos e uma breve análise de
técnicas de elaboração, procuraremos definir se Llobet conservou a idéia da letra,
tonalidade, o tipo de harmonia que utilizou, bem como levantar hipóteses a respeito de
sua intenção em atrair mais público para seus concertos de violão. Notamos em
capítulos anteriores o quanto a sociedade catalã estava engajada em valorizar sua cultura
autônoma, e isso se manifestou na difusão de um repertório de melodias populares que
interessava a todas as classes sociais. Portanto, como veremos adiante, algumas
melodias usadas por Llobet estavam inseridas neste contexto político-social.
As Canciones Catalanas adaptadas para violão por Miguel Llobet são:
62
Entrevista concedida por Stefano Grondona em 22 de Abril de 2007, em Tatuí.
88
Plany (1899); La filla del marxant (1899); Cançó del lladre (c.1900); El
Testamento d´Amélia (1900); El Rossinyol (1900); El fill del Rei (1900); El Mestre
(1910); L´hereu Riera (1900); La nit de natal (1918); La Filadora (c. 1918); La Presó de
Lleida (c. 1920); El Noi de la Mare.
Todas elas estão publicadas pela Chanterelle Verlag (1989)
63
.
Primeiramente foram editada as Diez Canciones Populares Catalanas pela
Union Musical Española (UME) em 1964. La Pastoreta foi publicada pela UME em
1969 e El Noi de la Mare em 1975. La Presó de Lleida foi publicada somente em 1989
junto com as outras.
As canções que Miguel Llobet usou em suas versões estão entre as mais
populares do folclore, segundo citações de diversos folcloristas catalães, como por
exemplo, Joan Amades e Milá y Fontanal. De fato, encontramos diversas referências
fonográficas destas melodias que também estão incluídas na coletânea das Les Cent
Millors Cançons Populars (AMADES, 1948)
64
.
Seus arranjos destas canções folclóricas são de uma maestria incomparável,
explorando a capacidade tímbrica do violão ao máximo, utilizando harmonias
influenciadas pelos compositores impressionistas (DUDEQUE, 1994, p. 82). A escrita
idiomática usada por Llobet não é inédita, mas seu trabalho oferece algo de novo. A
maneira que ele explora o timbre é o seu diferencial: “Altro aspetto assolutamente
nuovo della sua scrittura è la continua ricerca di timbre diversi.” (TRASI, 1994, p. 25
apud PHILLIPS, 2002b, p. 35)
Phillips destaca o elemento timbre principalmente nas canções El Mestre e
Cançó del Lladre:
63
PURCELL, R. Miguel Llobet Guitar Works. 16 Folksongs Settings. Chanterelle Verlag, 1989.
Nueva Colección Llobet, vol. 2.
64
Não foi possível encontrar nenhuma referência bibliográfica das canções publicadas no período das
atividades de Llobet como compositor. Portanto, não sabemos quais as fontes que Llobet usou para as
suas versões, mas a maioria delas conserva a mesma tonalidade usada na compilação de Amades.
89
He describes the shifting of melody lines to inner voices or to other
strings, wich on the guitar criates new timbral effects, the combined use
of harmonics and natural sounding notes, the subtle altering of
figurations of the accompaniment, and the changes in harmony as
techniques as that Llobet uses. (PHILLIPS, 2002b, p. 35)
Seu estilo de escrita comentado no capítulo 3 mostra que Llobet se sentia
atraído pelos diversos timbres da orquestra, ao explorar efeitos contrastantes em cada
corda. El Testament d´Amelia é um exemplo disso, como veremos adiante.
A relevância desta coleção de obras nos motivou a questionar as afirmações
de alguns especialistas a respeito da originalidade das Canciones Catalanas. Prat
desconsidera as canções tradicionais por considerar relevante apenas as obras originais
para o instrumento. Em seu Diccionario cita apenas a Romanza como única obra
editada, desconsiderando assim os arranjos das Canciones Catalanas, por talvez não
fazer idéia do que elas representavam em sua época. Prat critica inclusive o repertório
do duo Llobet-Anido, por conter apenas arranjos e não conter obras originais (PRAT,
1986, p. 185).
Se os procedimentos técnicos e musicais utilizados por Llobet nesta coleção
podem ser considerados inovadores, acreditamos que podemos considerá-las como
obras autorais. Llobet se apropriou de temas populares, de autorias anônimas,
originárias do povo, mas atribuiu sofisticação através de sua escrita e não usou apenas
os elementos folclóricos, mas também de sua criatividade e da prática musical de sua
época, a exemplo de Mompou e Villa-Lobos. Tais compositores tiveram sua autoria
reconhecida, assim como outros compositores que usaram temas folclóricos de seu país
– Ponce, Falla, Albéniz, Stravinsky, Grieg, Bartók, Dvorak, entre outros.
As Canciones Catalanas foram concebidas em épocas e momentos criativos
diferentes, o que nos leva a crer que podem ser o resultado do contato com diversos
compositores. Destacaremos as canções El Testamento d´Amelia, El Mestre, Cançó del
90
Lladre, El noi de la Mare como bons exemplos de obras autorais, por seu nível de
sofisticação e criatividade.
Como cometamos, música e poesia são indissociáveis. Quando combinadas,
numa obra instrumental como os arranjos de Llobet, criam um novo tipo de
sensibilidade no ouvinte e no executante. O acompanhamento musical de uma canção
baseia-se nas palavras, e imprimem assim, o sentimento atrelado à melodia. Iremos
analisar assim, como Llobet concebeu suas versões para violão, se conservou o sentido
das letras das canções, que procuraremos traduzir. As informações contidas na pesquisa
a respeito da origem destas canções irão recuperar os textos originais das canções, além
de estabelecer elementos importantes para uma nova interpretação desta representativa
obra.
91
5.1.1. Plany
65
Plany é um gênero da poesia trovadoresca usado para lamentações fúnebres.
Pode ser cantada para lamentar a morte de um amigo ou lamentar a destruição de uma
cidade pela guerra. Nesta versão, o tema é a destruição da Catalunha como nação, e a
tristeza do povo catalão, subjugado por domínios estrangeiros é descrita em seu texto
transcrito em parte abaixo, junto com a tradução para o português. As lutas por sua
autonomia política e pela conquista de sua língua ficam evidentes mais uma vez.
Catalunya, en altre temps,
Ella sola es governava
i en feien les seves lleis
en sa llengua i no cap altra.
Plora, plora, Catalunya,
que já no et governes ara!
Des de ja fa massa temps
estrangers són que la manen,
i en llengua estranya es fa lleis
que a la nació són contraries.
Plora, plora, Catalunya,
ja que et doblegues encara.
65
Não foi possível localizar e transcrever a parte monofônica desta melodia. Consultamos o violonista
Stefano Grondona, que declarou também não encontrar nenhuma informação sobre Plany. Parte da letra
desta canção foi encontrada na internet, única fonte disponível. (RC, Relats em Català . Disponível em:
http://www.relatsencatala.com/rec/Controller?rp_action=view_relat&rp_relat_id=367934
. Acesso em: 6
Janeiro 2008).
Catalunha, em outros tempos
Sozinha governava-se
e fazia suas próprias leis
em sua língua e não em outra.
Chora, chora Catalunha,
que já não te governas agora!
Desde há muito tempo
estrangeiros são os que mandam
e em língua estranha se fazem as leis
que são contrárias à nação.
Chora, chora, Catalunha,
ainda te ajoelhas.
92
93
5.1.2. La filla del marxant
Llobet escreveu duas versões para esta canção, ambas realizadas em 1899 –
ano pleno de atividades para Llobet, com numerosas atuações como solista e diretor
musical. A versão para violão solo está incluída no Miguel Llobet Guitar Works
(PURCELL, 1989, vol. 2, partitura), mas existe uma versão para grupo de instrumentos
de cordas dedilhadas, feita especialmente para o Lira Orfeu, sociedade musical que
Llobet ajudou a fundar um ano antes. Esta versão, ainda não editada, encontra-se no Cd
Homenaje, uma gravação realizada por Stefano Grondona e violonistas convidados
66
.
Domingo Prat incluía esta canção em seus programas de concerto
(MANGADO, 1998, p. 114).
A adaptação realizada por Llobet usou a mesma tonalidade que aparece no
cancioneiro popular catalão, bem como em arranjos-coral – Mi Maior – o que mostra
sua popularidade dentro da tradição musical catalã, sofrendo poucas variações, tanto
melódicas como literárias.
O tratamento timbrístico que comentamos no capítulo 3 evidencia-se nesta
adaptação, onde Llobet combina harmônicos e notas naturais atribuindo o sentido de
orquestração que tanto utilizou na coleção das Canciones Catalanas.
66
STEFANO GRONDONA. HOMENAJE Manuel de Falla, Miguel Llobet and their world. Stefano
Grondona, Maria José Montiel, Laura Mondiello, Nova Lira Orfeo. Stradivarius, 2006a (Cd).
94
Quanto ao texto, possui uma carga bastante dramática. Podemos afirmar que
Llobet, ao usar o recurso do baixo ostinato, usado normalmente para sustentar um
sentimento, ajudou a criar a tensão necessária para esta melodia de textura linear. O
andamento sugerido por Llobet – Andante ma non troppo – apóia o sentido da letra,
bem como o andamento sugerido por Amades – semínima pontuada = 52. A tonalidade
usada na versão de Llobet é a mesma que encontramos na transcrição do cancioneiro
tradicional (AMADES, 1951, p. 358). Outra referência sugere o andamento semínima
pontuada = 56 em 6/8 (PUJOL, 1926, vol. 2, p. 127).
Para uma maior compreensão do sentido dramático desta canção,
recomendamos a audição do registro sonoro da soprano Victoria de Los Angeles
67
.
Copyright 1951 by Amades
67
Cançons Tradicionals Catalanes. Collins Classic, 1992 (Cd).
95
Existem fortes sentimentos por trás do sentido que esta canção adquiriu
através das gerações. A letra se refere ao papel das mães em educar bem suas filhas. Era
muito cantada pelas mães que tinham a intenção de proteger suas filhas de coisas ruins.
O musicólogo Amades (AMADES, 1951, p. 360), em sua compilação de
melodias populares catalãs, constatou que esta canção era cantada, em sua maioria, por
mulheres. Quando acabavam, quase sempre, colocavam a culpa de seus problemas em
suas mães, e é desta aflição que a letra da canção fala. As mães, por sua vez, se
defendiam dizendo que não eram responsáveis pelo que acontecia com suas filhas,
sentindo tristeza pela culpa que lhes eram imputadas. As mulheres que a cantam sentem
cumplicidade à protagonista da canção.
A letra original é bastante extensa. Narra o enforcamento da mulher do
marxant, por ter arruinado a vida de sua filha. A tradição que permeia esta canção faz
referência à epidemia da peste, e o período de fome que assolou a Catalunha
68
,
indicando que pode ter tido sua origem no século XVII.
Embora o povo catalão tenha uma preferência por temas trágicos, existem
mulheres que não conseguem cantar esta canção sem lacrimejar e associar o seu
sentimento à dor tanto da mãe como da filha.
Encontramos uma referência, além de Amades, no arranjo para coro de
Jaime Pahissa, realizado em 1941, com texto em espanhol (PAHISSA, 194-, p. 2,
partitura) e no arranjo de Ribó (s.d., partitura)
69
.
Incluímos neste capítulo parte da extensa letra da canção de dança La Filla del
Marxant (A Filha do Comerciante) junto com a tradução livre para o português:
68
Tal época de desolação durou um período de 20 anos dentro do reinado de Felipe IV, de 1621 a 1625.
69
Cf. ANEXO A, p. 247 e 248.
96
La filla del marxant
diuen que és la més bella
no és la més bella no
d´altres n´hi há sense ella.
La birondón!
La birondón, quina donzella!
La birondón!
Quan ella va a sarau
se´n posa boniqueta
el faldellí vermell
enribetat de negre.
La filla del marxant
já no dansau lleugera
el cinturó no us clou,
el faldellí us curteja.
Voleu venir amor?
sereu deslliuradeta
A dintre l´hort del rei
n´hi ha una fontaneta.
A filha do comerciante
dizem que é a mais bela
não é mais bela não
as outras são bonitas como ela.
La birondón!
La birondón, que donzela!
La birondón!
Quando ela vai ao sarau
se enfeita
com o saiote vermelho
de ornamentos negros.
A filha do comerciante
já não dança ligeira
o cinto não fecha,
e a saia se encurta.
Queres vir amor?
serena sem medo
dentro da horta do rei
tem um pequenina fonte.
Tota nina que hi beu
de rosa es fa poncella
anem hi Don Joan
que jo hi voldria beure.
Ai, nines del meu temps
de mi preneu exemple!
Mares, no deixeu mai
les filles festegen.
(AMADES, 1951, p. 359)
Toda menina que dela bebe
pode ser desabrochada
Vamos Don Juan
que eu queria beber dela.
Ai, mocinhas da minha idade
vejam meu exemplo!
Mães, não deixem nunca
suas filhas namorarem.
97
98
5.1.3. El Testament d´Amelia
Este tema está entre os mais tocados pelos violonistas. Explora de forma ampla
a tessitura do instrumento, mostrando suas possibilidades tímbricas à maneira de Tárrega.
Uma das técnicas herdadas de Tárrega é a melodia apresentada em naipes
diferentes – o tema principal surge ora no soprano, ora no baixo. Para exemplificar, temos
um trecho de sua mazurka Marieta:
Trecho de Marieta de Francisco Tárrega.
99
Nessa adaptação Llobet segue os passos de Tárrega ao explorar a tessitura do
violão. No entanto, Llobet vai mais além na exploração de timbres, o que coloca esta versão
dentro do status de obra autoral.
Llobet utiliza este procedimento à maneira de Tárrega, mas não fica restrito a
ela, explorando timbres de maneira mais sofisticada, embora harmonicamente seja uma
obra simples.
No capítulo 3, discutimos as inovações que Llobet realizou no campo
timbrístico do violão ao explorar diferentes timbres em cada corda para dar um sentido de
orquestração às suas peças. El Testament d´Amélia é um bom exemplo de como Llobet
explorou isso, pois combina harmônicos naturais e artificiais com notas naturais que
ocorrem primeiramente entre os compassos 17 a 24:
Por aplicar tais procedimentos inovadores no refrão e descrever uma melodia
folclórica de forma tão expressiva, acreditamos que El Testament d´Amelia deve ter o status
de obra autoral. Embora seja uma das mais tocadas, o que os violonistas não sabem é o
clima de tragédia que permeia a narrativa desta canção, uma das mais tristes da coleção.
100
Para uma compreensão de seu sentido dramático, recomendamos a audição do
registro sonoro da soprano Visctoria de Los Angeles
70
do coral Orfeo Catalá
71
e do grupo
catalão La Capella Reial de Catalunya
72
.
Esta canção também figura entre as mais conhecidas e difundidas por todo o
domínio da língua catalã – Valencia, Maiorca e Catalunha. Sua origem, portanto, é sueca,
onde seu sentido é um pouco diferente: as donzelas cantam seu infortúnio de serem
abandonadas por seus amantes por causa da guerra. Mas na Catalunha, seu sentido é mais
cruel: a amargura de uma filha contra a mãe que rouba seu marido.
Sua melodia de textura linear é muito triste e possui um duro ar de melancolia
descrito na tonalidade de ré menor. O refrão exala um profundo lamento quando diz “Ai,
que el meu cor se´m nua” (Ai, meu coração está se despedaçando), enfatizando a dor da
protagonista.
O andamento proposto por Llobet é Andante expressivo. Portanto, cabe ao
violonista usar de especial expressividade para descrever tamanha dor. Amades sugere o
andamento semínima = 73 (AMADES, 1951, p. 594).
Referências geográficas concretas “Set castells tinc a França” (Tenho sete
castelos na França) e nomes de pessoas ligadas à nobreza “Don Carles, germà meu” (Don
Carles, meu irmão) dão certo realismo à canção.
Muitas versões começam sem citar o nome da protagonista, Amélia, e sim com
“malalta”. Acredita-se que o adjetivo “malalta”, neste caso, origina-se de Mahalta, nome
feminino muito comum durante a Idade Média, que resultou nas variações catalãs de
70
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons. Collins
Classic, 1992 (Cd).
71
ORFEO CATALÁ. Chansons Traditionnelles de Catalogne. Harmonia Mundi, 1992 (Cd).
72
LA CAPELLA REIAL DE CATALUNYA. Cançons de la Catalunya mil-lenària. Planys e Llegendes.
Astrée, 1977 (Cd).
101
Mafalda, Malta i Matha, nome que possuíam algumas princesas da dinastia catalã, como a
condessa Mafalda de Calábria, esposa do conde Ramon Berenger. Também se chamava
Mafalda a terceira filha de Ramon Berenger III e de Dolça de Provença, que ficou
conhecida por ser uma mãe malvada.
A história tem um elevado conceito desta dama, mas a lenda não tem tanta
estima por ela. É possível, inclusive, que tal maldade lendária tenha originado esta canção,
pois alguns supõem que Amélia podia ser filha de um rei catalão (e não de um rei francês,
como diz a letra da canção).
Embora seja muito conhecida não oferece muitas variações quanto ao seu texto.
No entanto, é cantada com uma grande variedade de melodias, geralmente cheias de
melancolia (PUJOL, 1926, vol. 3, p. 63, 174 e 354).
Uma marca registrada desta melodia é despertar um senso de justiça a favor da
protagonista com frases de compaixão pela filha que teve o marido roubado pela sua
própria mãe. A mãe, como não poderia deixar de ser, é maldita por seu ato cruel
(AMADES, 1951, p.595).
Encontramos uma referência desta tradicional canção no arranjo para coral
(MARRACO, 19--, p. 33, partitura)
73
.
Uma outra fonte de pesquisa mostra que é possível reconhecer em alguns
fragmentos melódicos desta canção, elementos do canto gregoriano – no 1º. Modo (Protus
auténtic). – tônica: ré, dominante: lá – o que confirma o que comentamos no capítulo 1
sobre a influência do canto litúrgico na canção tradicional catalã (PUJOL, 1926, vol. 2, p.
368):
73
Cf. ANEXO A, p. 249.
102
103
Copyright 1951 by Amades
104
Para uma melhor compreensão do contexto em que se insere, segue a tradução
livre da letra da melodia El Testament d´Amelia (O Testamento de Amélia). Amélia, que
morreu de tristeza.
Amelia està malalta,
la filla del bon rei,
comtes la´n van a veure,
comtes i noble gent.
Ai, que el meu cor se´m nua
com um pom de clavells.
També n´hi va sa mare
quan já no hi há remei.
- Filla, la meva filla,
de quin mal us queixeu?
- Mare, la meva mare,
bé prou que ho sabeu.
Metzines me n´heu dades
que em nuen el cor meu;
- Filla, la meva filla,
d´això us confessareu,
quan sereu confessada
el testament fareu.
Amélia está doente,
a filha do bom rei,
condes vão vê-la,
condes e a nobreza.
Ai, meu coração está se despedaçando
como um ramo de cravos.
Sua mãe também vai
quando já não há mais remédio.
- Filha, minha filha,
de que mal se queixa?
- Mãe, minha mãe,
a senhora bem sabe.
Pois tem me dado remédios
que acabam com meu coração;
- Filha, minha filha,
disto tereis de confessar-vos,
depois de confessar
deve fazer o testamento.
- Mare, la meva mare
ja em tinc fet testament;
del testament que he fet,
goig d´ell vós no n´hareu.
Set castells tinc a França
tots set en poder meu,
quatre els deixo a don Carles,
don Carles, germà meu.
Um d´ells el deixo als pobres
perquè en preguin a Déu,
i els altres dos que resten
a la mare de Déu.
Totes les meves joies,
les d´or i les d´argent,
quan jo en sigui morta,
als argenters dureu.
- Mãe, minha mãe
já fiz o testamento;
o testamento que fiz,
não lhe trará nenhum benefício.
Sete castelos tenho na França
todos em meu poder,
quatro deixo a don Carles,
don Carles, meu irmão.
Um deles deixo aos pobres
para que rezem por mim a Deus,
e os outros dois restantes
à mãe de Deus.
Todas as minhas jóias,
as de ouro e as de prata,
quando eu já estiver morta,
aos ourives levareis.
105
De les joies petites
a l´encant les vendreu,
dels diners que us en donin
sant oli en comprareu.
Per fer cremar les llànties
Nit i dia fareu,
que la gent quan les vegin
per mi preguin a Déu.
- Filla, la meva filla,
i a mi què em deixareu?
- Mare, la meva mare,
us deixo el marit meu.
Perquè el tingueu en cambra
bem tancat com já feu,
perquè tendres carícies
a la cara li feu.
(AMADES, 1951, p.594)
As jóias pequenas
a senhora as venderá,
do dinheiro que vos derem
óleo santo comprará.
Para queimar as lamparinas,
noite e dia,
que as pessoas quando as virem
orem por mim a Deus.
- Filha, minha filha
e para mim, o que deixará?
- Mãe, minha mãe,
à senhora meu marido lhe deixo.
Para que o tenha no quarto
bem trancado como já fez,
porque suave carícias
em sua face lhe fez.
106
107
5.1.4. Cançó del Lladre
Cançó del Lladre é outra das canções mais tocadas nos programas de violão
e gravadas por diversos violonistas importantes. O próprio Llobet a incluía em seus
programas de concerto a partir de 1927. Grondona discute a data de sua concepção.
Aparentemente pertence ao período em que Llobet produziu poucas obras, devido às
suas intensas atividades como concertista:
De hecho, desde el período comprendido entre el año 1922 [...] y el año
1935 [...] (con la excepción de los doce compasses del Preludio em mi
mayor y de la Cançó del Lladre, cujas fechas están todavia en
discusión), no nos han llegado actualmente otras composiciones del
Maestro. Lástima! (GRONDONA, 2006b, encarte de Cd)
Llobet combina harmônicos naturais e artificiais na estrutura de textura
contrapontística nos compassos 24-27:
Desta maneira, mostra seu domínio técnico e seu amplo conhecimento do
instrumento, como comentamos anteriormente. Notamos que nesta versão Llobet usa a
mesma tonalidade encontrada no cancioneiro tradicional catalão.
108
Para uma compreensão de seu texto e significado, recomendamos a audição
do grupo catalão La Capella Reial de Catalunya (1977, Cd) e da soprano Victoria de
Los Angeles
74
.
Como comentamos no capítulo 1, existe uma relação entre as Cantigas de
Santa Maria de Alfonso X (figura 2) e as Canciones Catalanas. Alguns musicólogos
75
afirmam reconhecer esta melodia na Cantiga no. 419 – Des quando Deus sa madre
(AMADES, 1951, p. 49).
Segundo a lenda popular, muitos ladrões famosos ao se encontrarem presos e
a caminho da forca para pagar sua culpa, sentiam-se arrependidos de sua conduta e
improvisavam uma canção que descrevia sua vida, uma espécie de autobiografia
musical. A lenda também conta que o cantarolar das melodias era um costume ou
entretenimento dos presos. Algumas canções que se tornaram populares tiveram sua
origem dentro das celas.
As canções de ladrão baseadas em fatos históricos e incrementadas pela
fantasia popular são muito freqüentes no cancioneiro catalão.
74
LA CAPELLA REIAL DE CATALUNYA. Cançons de la Catalunya mil-lenària. Planys e
Llegendes. Astrée, 1977. CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with
Geoffrey Parsons. Collins Classic, 1992 (Cds).
75
Uma transcrição do musicólogo Higino Anglés indica a mesma relação entre as duas melodias. Apesar
do ritmo diferente, podemos constatar a semelhança esquemática entre ambas (PUJOL, 1926, vol.1, p.
294).
109
Os fatos históricos indicam que sua origem pode remontar ao feudalismo.
Durante o século XV ocorrem lutas entre bandos em conseqüência das guerras entre as
facções dos Nyerros e Cadells
76
. Como comentamos anteriormente, o povo catalão é
conhecido por sua personalidade guerreira. As lutas políticas fomentadas por grupos são
recorrentes nesta canção: Algunos han remido por cosa política fomentar sus
parcialidades por hallarse poderosos en los acontecimientos civilles: con este motivo
han conservado siempre entre si los dos famosos bandos de Narros (sic) e Cadells (...)
(MELO, 1904, p. 71).
As lendas contêm alguns personagens míticos. Na região de Olot, o bandido
conhecido por Tiro cantava uma melodia triste que era ouvida por toda a comunidade
enquanto aguardava o dia de seu julgamento. Com o seu canto ele esperava comover o
povo, que se convenceu e que ele não merecia ser enforcado. Assim, graças à melodia,
ele é perdoado de seu crime.
No século XVII, o mítico bandido Joan de Serralonga é assunto de versos e
canções populares (LA CAPELLA REIAL DE CATALUNYA, 1977, encarte de Cd).
Cançó del Lladre pode datar do século XVII e representa uma apologia aos
feitos dos ladrões de época, convertidos em lenda popular.
76
Nyerros eram os membros de um dos bandos em que estava dividida a nobreza catalã no final do século
XVI. O bando rival eram os cadells, com quem travavam luta frequentemente. Os nyerros defendiam os
direitos dos senhores feudais, enquanto que os cadells defendiam os cidadãos. Amades compilou os
versos de uma canção popular dedicada a bandos, que recorda as lutas comandadas pelo senhor de Nyer e
Cadell – ambos senhores de castelos de Cerdanya: “Els cadells deixo hereus/ que sabran de governar,/ de
moia i de l´Estany,/ de tona i de Motmany,/ de Vic e Sant Julià/ Santa Eugènia i de Seva,/ Centelles i
Tradell.” (AMADES, 1951, p. 631)
110
Figura 2. Fac-símile da Cantiga de Santa Maria no. 419 de Alfonso X.
111
Copyright 1951 by Amades
Para uma melhor compreensão do significado desta canção tradicional, segue
a letra e sua tradução livre para o português:
Quam jo n'era petitet
festejaba i presumia,
espeardenyablanca al peu
i mocador a la falsia.
Adèu, clavell morenet!
Adèu, estrella del dia!
I ara, que ne sóc grander,
m'he posat a mala vida,
Me só posat a robar,
ofici de cada dia.
Vaig robar un traginer
que venia de la fira,
li prenguí tots els diners
i la mostra que duia.
Quando eu era jovem
cortejava e presumia,
spardenya
77
branca no pé
e lencinho na cintura.
Adeus, cravo escurinho
Adeus, estrela do dia.
Agora que eu cresci,
ingressei na má vida,
comecei a roubar,
ofício de cada dia.
Roubei um viajante
que vinha da feira,
peguei todo o seu dinheiro
e a amostra que carregava.
77
Tipo de calçado com sola de cânhamo.
112
Quan he tingut prou diners,
he robat també una nina,
l'he robada amb falsedat,
dient que m'hi casaria.
La justicia m'ha pres
i en presó fosca en duia.
La justicia m'ha pres
i em farà pagar amb la vida.
(AMADES, 1951, p.631)
Quando tive dinheiro suficiente
roubei também uma donzela
roubei-a com falsidade
dizendo-lhe que com ela me casaria.
A justiça me pegou
e me levou para a cela escura.
A justiça me prendeu
E me fará pagar com a vida.
113
114
115
5.1.5. Lo Rossinyol
O artigo definido masculino na língua catalão é El. Llobet preferiu usar o
artigo Lo nesta, e em outras canções, como veremos adiante. Considerando a origem das
canções tradicionais catalãs, produto da tradição oral, discrepâncias nos títulos, letras e
melodias podem ocorrer.
O tema de El Rossinyol é recorrente em outras canções populares. A mais
conhecida é encontrada em diversas discografias catalãs (AMADES, 1951, p. 450):
Copyright 1951 by Amades
No entanto, o tema que Llobet utilizou em sua adaptação, realizada em 1900,
é outro. Na compilação de Joan Amades, encontramos esta melodia com o nome de La
Cançó del Rossinyol (AMADES, 1951, p. 361).
116
Copyright 1951 by Amades
O arranjo de Llobet imprime uma textura contrapontística, transformando
uma melodia tão singela numa peça de considerável dificuldade de execução em
andamento usado para caracterizar o movimento de dança - Allegretto. Ao executá-la, é
possível cantar quatro das cinco estrofes que traduzimos. Na segunda e quarta estrofe,
Llobet brinca com a tessitura, levando a melodia principal a trocar de naipes. Muda a
tessitura para uma oitava mais grave que dura quatro compassos (compassos 8 a 11),
volta para a tessitura inicial por mais um compasso e meio (compassos 12 e 13), na
metade deste compasso retorna novamente para a tessitura mais grave (compassos 13 e
14) para na metade do próximo retomar a tessitura inicial (compasso 14 e 15).
117
O andamento sugerido por Amades é semínima = 96, que afirma que esta
pode ser a mais moderna canção do cancioneiro catalão, e embora jovem, é cantada com
diversas melodias de dança, sobretudo no ball pla
2
. Tanto é assim que, uma variante
pallaresca (de Pallars – comarca da Catalunha) desta dança de praça é chamada de ball
pla del rossinyol.
Na festa de Santa Coloma de Farners se usa esta canção para um baile ao
meio-dia no qual escolhiam quem seria o diretor da festa. As pessoas solteiras se
reuniam numa taverna para beber vinho enquanto um dançarino praticava a dança diante
da garrafa ao som da canção. Se a dança acabasse sem derrubar a garrafa, o dançarino
bebia um trago de vinho e começava outra dança. Ao fim da diversão, quem dançava
mais vezes sem derrubar a garrafa era eleito o vencedor do jogo.
Encontramos publicações sobre esta dança ilustrada com pequenos rouxinóis
sobre uma árvore.
2
Baile de duas duplas que passeiam no salão e vão realizando movimentos graciosos enquanto dançam.
118
O mais antigo cancioneiro conservado, o Cancioneiro de Cambridge, contém
uma canção trovadoresca atribuída a Fulberto de Chartres (1028) de nome Au Rossignol
(DUFOURCQ, p. 93, vol. 1)
A tradução livre de La Cançó del Rossyniol (A Canção do Rouxinol) segue
abaixo:
El rossinyol, prenent-me la fresca,
sobre d´um roure se posa a cantar;
ell ne dicta uma cançoneta
per les donzelles poder-ne alegrar.
Si el rossinyol allí molestar-lo
algú intenta, com solem dir,
luego ell canta la seva amoreta
i, repetint-la, els diu així:
- Vós, donzelleta que anant a la plaçauma
Cistella de flors ne portau,
Vostres mirades per a mi són falses,
I, el rossinyol, vós no l´enganyau.
Quan són promesos, já són
entesos;
L´afició los fará casar,
El rossinyol amb aquella alegria,
Antes de dia se posa a cantar.
El rossinyol per a tots canta
i més alaba els bons casats,
i els que sou així al contrari
sempre vos canta dasgraciats.
(AMADES, 1951, p.361)
O rouxinol, tomando um ar fresco,
Sobre um carvalho começa a cantar;
ele canta uma pequena canção
para alegrar as donzelas.
Se alguém lá tentar
incomodá-lo, como costumamos dizer,
logo ele canta sua canção de amor
e repetindo-a, ele diz assim:
- Donzela que vai a praça
Uma cestinha de flores leva,
vossos olhares para mim são falsos
pois ao rouxinol não podes enganar.
Quando estão prometidos, já estão de
acordo;
O empenho os farão casar,
O rouxinol com aquela alegria,
Antes do dia começa a cantar.
O rouxinol canta para todos
e louva mais os bem casados,
e aos que são assim ao contrário
sempre vos canta desgraças.
119
120
5.1.6. Lo fill del Rei
Uma das canções populares mais conhecidas do cancioneiro catalão. O título
desta canção foi também alterado por Llobet que usa o artigo Lo, da mesma forma na
canção mencionada anteriormente.
Apesar de sua grande difusão, oferece poucas alterações, tanto literárias quanto
musicais. Sua origem pode remeter ao século XV.
Joan Amades a classifica entre as canções de trabalho, especialmente o de
transporte comercial pela água. Os navegadores, enquanto cumpriam seu curso, cantavam
esta canção com um ritmo lento e cadencioso adequado ao movimento de seu trabalho
(AMADES, p. 685).
Tipo de canção nostálgica, muito característica das terras catalãs. A melodia
revela um ar de lástima, saturado de melancolia como demonstra o refrão mes ai!
(recorrente também em El Testament d´Amelia e El Mestre).
Manifesta similaridades com a canção francesa El petit castell (O pequeno
castelo), de origem remota, uma vez que foi utilizada por Adrian Willaert em 1536. (LA
CAPELLA REIAL DE CATALUNYA, 1977, encarte de cd).
O arranjo de Llobet atribui maior movimento à melodia. Através de um
acompanhamento na voz intermediária baseado em semicolcheias que começa na forma de
ostinato e caminha para uma textura contrapontística, ele cria um efeito especial. O
andamento indicado é Andante, o que não deixa de nos remeter ao ritmo cadenciado dos
navegadores da tradição catalã.
121
A melodia repete duas vezes, o que indica que Llobet imaginou apenas duas
estrofes da poesia inserida nesta melodia antiga.
Amades sugere o andamento semínima pontuada = 48.
Copyright 1951 by Amades
122
O desventurado galã é personificado pelo filho do rei da França. Esta alusão
histórica é freqüente nas canções e lendas encontradas por toda a Catalunha.
Recomendamos a audição do grupo catalão La Capella Reial de Catalunya que
inclui o texto da canção
78
.
Segue a tradução livre da canção El fill del Rei (O filho do Rei) para o
português:
78
La Capella Reial de Catalunya. Cançons de la Catalunya mil-lenària. Planys e Llegendes. Astrée, 1977
(Cd).
Si n´eren tres ninetes
mes ai!
Vora um torrent.
L´uma em treina bugada,
mes ai!
l´altra l´estén,
que mes ai!
L´altra em cull violetes
per fill del rei,
El fill del rei passava
amb um pom d´or;
Tira uma pedra enlaire,
toca l´amor;
toca-la ben tocada
al mig del cor.
- Si t´he fet mal, moreta?
- Un xic i poc,
um xiquet i no gaire
al mig del cor.
Si t´he fet mal, moreta,
bé es curará:
prou barbers n´hi ha a França
per a curar.
I si aquests no ho basten,
d´altres hi há
Prou diners n´hi há em bossa
per a pagar.
Eram três mocinhas
mes ai!
Perto de uma torrente
Uma delas lava roupas sujas
mes ai!
a outra as estende,
que mes ai!
A outra colhe malvas
para o filho do rei,
O filho do rei passava
com um ramalhete de flores dourado;
Atira uma pedra no ar,
acerta o amor;
acerta direitinho
no meio do coração.
- Se te fez mal, mourinha?
- Um pouquinho sim,
um pouquinho e não muito
no meio do coração.
- Se te fez mal, mourinha,
vai se curar bem:
tem muitos barbeiros na França
para curar.
E se estes não bastarem,
existem outros
Tem dinheiro suficiente na bolsa
para pagar.
123
A l´hortelet del meu pare
una herba hi há
que cura d´amoretes:
´neu-la a cercar.
Mentre són a cercar-la
sent tocar a morts.
La Marieta é morta.
Deu la perdó.
(AMADES, 1951, p. 684)
Na hortinha do meu pai
tem uma erva
que cura de amor:
é só ir buscar.
Enquanto está a buscá-las
escuta o sino da igreja tocar.
Marieta está morta.
Deus a perdoe.
124
125
5.1.7. L´hereu Riera
O arranjo de Llobet usa a mesma tonalidade da melodia que encontramos no
cancioneiro tradicional catalão de Amades – Lá Maior, enquanto que os arranjos corais
de Pahissa, Jordá e Morera usam a tonalidade de Sol Maior. Llobet também trabalha
aqui com troca de naipes. Podemos, desta maneira, imaginar o diálogo que ocorre entre
o galante e sua amada durante as mudanças de tessituras.
Trata-se de uma melodia muito viva, descrita em andamento Allegro Vivo na
adaptação de Llobet, em compasso ¾. No cancioneiro de Amades (1951, p. 362) a
melodia encontra-se em compasso 6/8 e o andamento sugerido é semínima pontuada =
60. Uma outra referência traz outra letra e melodia recolhida na década de 20 nas
comarcas da Catalunha de andamento semínima =108, escrita em 4/4 (PUJOL, 1926,
vol. 2, p. 116).
Outra diferença se encontra no refrão Tra-la-ra-la. Llobet usa outra
articulação para o violão – de três semínimas (em compasso ¾), ao invés de duas
colcheias e duas semicolcheias (em compasso 6/8).
O texto desta canção é extenso, mas a adaptação de Llobet para violão
explora o tema de maneira breve. Cita apenas duas estrofes usando textura
contrapontística e repete o refrão duas vezes cada vez que é apresentado. A primeira
estrofe (compassos 1 a 21) está numa tessitura mais aguda, a segunda mais grave
(compassos 22 a 42). Outro recurso usado por Llobet é o glissando:
126
No compasso 1:
E nos compassos 32 e 35:
A lenda que permeia esta canção resultou numa narração consideravelmente
longa, que descreve o baile, os bailarinos, a figura do galante Riera, sua amada e seu
sofrimento diante de sua moléstia. O arranjo de Llobet possui apenas duas das inúmeras
estrofes que podemos encontrar nesta canção. Portanto, é uma peça muito mais breve do
que a tradição catalã sugere.
Seu tema tem relação com uma dança muito popular na Catalunha – o ball
de bastons (baile de bastões). Trata-se da dança tradicional catalã mais antiga e ainda é
dançada até hoje nas festas de tradição popular, onde o uso de instrumentos rústicos é
muito comum (PAHISSA, 1945, p. 152). As primeiras referências datam do século XII,
no reinado de Berenger IV, que realizava banquetes e durante a festa fazia o baile de
bastões (figura 3).
127
Figura 3. Baile de bastões (ball de bastons)
Originalmente, é um baile dançado apenas por homens, no entanto, a partir
dos anos 60, a figura da mulher tornou-se presente, e atualmente participa ativamente.
Apenas em algumas regiões se conserva a exclusividade masculina no baile.
Historicamente, sempre se bailava acompanhado por instrumentos musicais
como a gralla (figura 4), flaviol (sopro), timbal (percussão), e atualmente, violinos,
acordeons e flauta doce.
Figura 4. Gralla.
128
O baile de L`hereu Riera constitui um dos documentos mais interessantes da
cultura popular catalã. O protagonista chama-se Paulo Riera e na maioria das versões a
moça chama-se Cecília.
Segundo a lenda, Riera era um solteiro que se ajoelhava ao pé de uma
imagem de Cristo perto da cama de sua estimada Cecília, que se encontrava doente,
pedindo com muito fervor que ela fosse curada.
Seu pedido é atendido, e ele, atira-se ao pé da imagem e com muita alegria
faz uma cruz no chão e dança em volta dela. Deste gesto espontâneo e cheio de gratidão
deriva-se a dança que é coreografada diante de dois bastões colocados no chão, em
forma de cruz.
O baile chegou até a geração atual sofrendo algumas alterações. Inicialmente
era dançado por apenas um bailarino, no máximo dois. Com exercícios engenhosos, o
bailarino tinha que dançar sobre a cruz, feita de dois bastões, de preferência bem
entrelaçados, para dificultar os movimentos. Colocavam-se os bastões diante de um
vaso de vinho no chão, propenso a tombar. O desafio era não derrubar o vaso, nem os
bastões, nem gota de vinho alguma. Se o bailarino fosse virtuoso, aumentava a
dificuldade com mais vasos de vinho, no máximo quatro, que eram colocados em cada
extremidade da cruz. Aquele que causava o tombamento do vaso ou de alguma gota de
vinho estava fora do concurso.
Também servia para os viajantes e pastores que visitavam as tavernas não
pagarem o vinho que bebiam, em troca de se dançar com seus próprios cajados ou
instrumento de trabalho. Se não derrubasse o vaso, podia comemorar o feito bebendo o
resto do vinho, mas se tocasse no vaso ou nos bastões, o prêmio era cancelado debaixo
de muitas risadas.
129
Esta canção é uma das encenadas no teatro rústico durante o carnaval,
protagonizada por um folião que dança diante de uma cruz que lembra a imagem de
Cristo e, fazendo analogia à lenda, invoca sua ajuda para ser atendido.
É interessante notar que as variações desta canção fazem referência à antiga
lenda de Riera: “El ball dels baston/Qui el ballarà/Que el balli Riera/Que el sap ben
ballar.”(AMADES, 1951, p. 362)
Este baile se encontra em outras regiões da Europa, sobretudo no norte da
Escócia, onde participam tanto homens como mulheres, mas sempre de maneira
individual.
A dança também é difundida entre os soldados, por isso, pode ter sua origem
cavaleiresca durante o feudalismo. Quando um senhor feudal vencia seu inimigo numa
luta, retornava à sua casa e fazia um baile diante dos vassalos como sinal de seu triunfo
e humilhação de seu inimigo. No entanto, no lugar de usar bastões, dançava sobre duas
espadas (AMADES, p. 362).
O tema de L´hereu Riera foi explorado pelo compositor valenciano Vicent
Martin i Soler no início do segundo ato de sua ópera Uma Cosa Rara (1786) e é
mencionada na ópera Don Giovanni de W. A. Mozart.
Encontramos três referências além de Amades, no arranjo de Jaime Pahissa
para coro a duas vozes (PAHISSA, 1941, p. 12, partitura), no arranjo para coro a quatro
vozes de Lluís Jordá (JORDÁ, 19--, p. 8, partitura) e no arranjo para coral a quatro
vozes (MORERA, 190-, partitura)
79
.
Como referência fonográfica recomendamos a soprano Victoria de los
Angeles
80
e o coral Orfeo Catalá
81
que gravaram esta canção.
79
Cf. ANEXO A, p. 250, 251 e 252.
80
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 1992 (Cd).
81
ORFEO CATALÁ. Chansons Traditionnelles de Catalogne. Harmonia Mundi, 1992 (Cd).
130
Copyright 1951 by Amades
A letra e a tradução livre para o português de L´hereu Riera (O herdeiro
Riera):
Per a Sant Antoni
grans balles hi há
Per a Sant Maurici
tot el poble hi va
Tralarala, tralarala, traralala-lalá
Tralarala, tralarala, traralala-lalá
Si n´hi há tres donzelles
són de l´Empordá;
l´uma diu a l´altra:
- I a tu, qui et traurá?
Anem, donzelletes,
anem a ballar,
que l´hereu Riera
ens hi fará entrar.
No dia de Santo Antônio
há grandes bailes
No dia de São Maurício
todo mundo vai dançar.
Tralarala, tralarala, traralala-lalá
Tralarala, tralarala, traralala-lalá
Vão três donzelas
que são de Empordá
uma diz a outra:
- Quem a tirará para dançar?
Vamos donzelas,
vamos dançar
que o herdeiro Riera
nos fará entrar.
A fe h´ereu Riera,
bé pots ben ballar,
que la teva aimada
a la mort n´está.
Com certeza o herdeiro Riera
pode bem dançar,
pois a sua amada
à beira da morte está.
131
- Perdonim, senyores
que me´n tinc d´anar,
que la meva aimada
a la mort n´está.
- Com te va, Cecília?
Cecília, com va?
- tinc um fred i febre
que em cuida matar.
Tinc uma germana
t´hi podràs casar
les joies que porto
li podràs donar.
Já en diu al Sant Crist
que a la cambra hi ha:
Ai Déu, que m´ajudi,
si em vol ajudar;
- Perdão, senhores
tenho que me retirar
porque minha noiva
está a beira da morte.
- Como está, Cecília?
Cecília, como está?
- sinto frio e tenho febre
que quer me matar.
Tenho uma irmã
com quem poderá se casar
as jóias que tenho
poderá dar-lhes.
Já pedi a Santo Cristo
que está no quarto
Ai, Deus me ajude,
se quiser me ajudar.
Torneu-me l´aimada,
que a la mort n´está.
I a les set setmanes
já se´n van casar.
(AMADES, 1951, p. 362)
Traga de volta minha amada
Que está à beira da morte
E há sete semanas
Já se casaram.
132
133
5.1.8. El Mestre
Discutimos no início deste capítulo sobre o reconhecimento das Canciones
Catalanas como uma coleção de obras autorais, por sua sofisticação e importância na
literatura escrita para violão no início do século XX. Um bom exemplo disto é esta
canção intitulada El Mestre que destacamos entre as versões que merecem ter seu status
de obra autoral reconhecido.
Trata-se da adaptação mais elaborada de Llobet, e a preferida de figuras
como Emilio Pujol: “Harmonically, one of the most advanced works of its time for the
guitar” (PURCELL, 1989, vol. 2, p. iv, partitura); e Andrés Segovia, em sua
autobiografia, comenta sua impressão ao ouvir esta canção interpretada pelo próprio
Llobet anos antes: “The effective orchestration of its tone colour and its delicious
dissonances play on the plaintive character of that folk theme”. (SEGOVIA, 1976, p.
100). De fato, uma breve análise desta canção tradicional indica como Llobet expandiu
as possibilidades técnicas do violão. Segundo a opinião de Pujol, El mestre “marks the
point of departure towards new territories containing within itself the seeds of later
coloristic effect on the instrument. Thanks to Llobet the guitar displayed a new aesthetic
term it awoke to colour and polyphony.” (JONES, 1998, p. 24)
El Mestre foi escrita em 1910, fase de maturidade musical do compositor. Os
elementos usados por ele nesta canção marcam uma nova fase para a sua escrita
violonística, como o uso de timbres e harmonias mais ousadas, que começam a se
distanciar do estilo chopiniano de suas primeiras obras.
A maneira que Llobet explora o uso de harmônicos artificiais inseridos numa
textura contrapontística nos faz concluir que ele expandiu a técnica usada anteriormente
por seus antecessores.
134
As canções tradicionais usam invariavelmente se desenvolvem dentro de
modalidades sem o uso de cromatismo, como constatamos em comentários de
musicólogos especialistas em folclore catalão:
“Es opinió correntement admesa, que les nostres cançons populars es
desenrotllen dintre modalitats completament diatóniques, amb exclusió de tot
cromatisme, i que aquest, el cromatisme, quan apareix em alguma cançó, denota o bé la
influencia exótica d´alguna modalitat oriental, o de la música artística (...)”
82
. (PUJOL,
1926, vol. 2, p. 171)
Acreditamos que a esta canção poderíamos atribuir o status de obra original
pelo emprego de cromatismos em diversos trechos, que na versão tradicional não
encontramos.
Na Introdução de seus volumes Nueva Colección Llobet Purcell discute a
importância das Canciones Catalanas, principalmente El Mestre. Como vimos,
providenciou uma transcrição monofônica da melodia original e a letra junto com a
tradução para o inglês e foi esta citação que nos motivou a pesquisar as demais canções
utilizadas nesta coleção de adaptações
83
.
Apesar de não indicar a mudança de caráter no refrão, pode ser interpretado
de forma mais rápida e enérgica, como notamos nas versões para coral, na versão da
soprano catalã Victoria de los Angeles e algumas gravações de violonistas.
82
É fato que as nossas canções populares desenvolvem-se dentro de modalidades totalmente diatônicas,
com a exclusão de todo cromatismo, e que, quando este aparece em alguma canção, denota bem a
influência exótica de alguma modalidade oriental ou da música artística (tradução da autora).
83
Purcell cita o trabalho de Joan Amades como referência para a pesquisa de outras melodias catalãs.
135
A balada é cantada com um refrão expressivo que usa palavras sem
significado que soam como instrumentos de percussão. Segundo Purcell (1989, vol. 2,
p. iv), o refrão faz referência aos lamentos medievais mouriscos, que vieram mais tarde,
a influenciar a música flamenca, cuja técnica violonística é baseada no uso de
rasgueados. Neste trecho notamos o uso do único rasgueado na obra original de Llobet
que marca a figura do amante no diálogo entre ele e a donzela, sugerindo assim o
mesmo efeito percussivo que a versão original propõe. Na cadência deste trecho
(compasso 18), Llobet anota um ritenuto para anunciar a expressão mes ai!, (compasso
19 e 20) usada em outras canções para denotar profundo lamento, como vimos
anteriormente.
Depois, Llobet modifica o refrão, transpondo sua tonalidade através de
harmônicos, fazendo uso de cromatismos e do elemento surpresa, modulando sem
preparação (compasso 36):
136
Outro procedimento usado por Llobet que denota sua concepção orquestral é
a melodia explorada de maneira expressiva na 4ª. corda (compasso 24) criando um
efeito dramático de tenor solo e, logo em seguida, aplica um contraste para responder ao
tenor em pizzicatos (compassos 30 a 32).
El Mestre tornou-se a canção catalã preferida na Europa, através das
performances de Llobet. Pode ser uma da preferidas de Llobet também, pois incluiu
entra as canções catalãs que gravou no registro pioneiro que citamos anteriormente.
Quanto ao título, uma correção de Rey de la Torre na partitura (figura 5) a
partir da observação do manuscrito de seu professor, nos faz crer que Llobet preferia
usar Lo, em vez do artigo definido masculino El da língua catalã, assim como vimos
anteriormente nas canções Lo Rossyniol e Lo fill del Rei.
Figura 5. Página com o título da canção El Mestre com anotações de Rey de la Torre
Bruno Tonazzi (1966, p. 33) afirma reconhecer traços impressionistas na
obra de Llobet. Se existe alguma relação de Llobet com o impressionismo, é nesta
137
expressiva adaptação, realizada em 1910, período em que se estabeleceu em Paris,
reduto dos maiores impressionistas de sua época.
Comentaremos agora os aspectos sociais e as lendas que permeiam esta
canção. Esta é uma das canções de romaria e festa mais típicas, divulgadas e
permanentes devido às peregrinações religiosas por toda a Catalunha, a partir do século
XVIII. Possui uma diversidade de melodias com sentido diferentes, por isso é cantada
tanto de uma forma alegre como de uma forma triste.
Entre a escassa documentação de música trovadoresca, duas delas são
parecidas com outras duas que se encontram no cancioneiro catalão e foram usadas por
Llobet
84
. Joan Amades (1951, p. 49) notifica que esta canção é interpretada e dançada
com melodias alegres e reconhece sua melodia numa das raras melodias trovadorescas
que chegaram até nós, do trovador Pèire Cardenal (1180-1278).
Higino Anglès afirma que o trovador Giraut de Borneill (1775-1220)
também cantava uma melodia semelhante – No puesc sofrir qu´a la dolor – usada
anteriormente na canção de Cardenal - Ar tal puesc yeu lauzar d´amor (1210-1230) - e
declara: “Esta melodia é um exemplo de como o folclore musical pode perdurar durante
séculos.” (PUJOL, 1926, vol. 1, p. 293)
Variantes originárias de terras piemontesas e valencianas mesclam-se com
outras procedentes da França, Alemanha, Portugal e Dinamarca. Na Catalunha são cerca
de dez variantes, todas elas procedentes de várias regiões.
84
A outra canção é a Cançó del Lladre, como vimos anteriormente.
138
Encontramos uma interessante conotação bélica e histórica nesta canção. Ela
mantém uma relação poética com Mambrú
85
, uma versão catalã de uma canção de
origem francesa que exalta as vitórias do general francês Malborough no princípio do
85
A canção de origem francesa é popular por toda a Europa. Faz referência ao general inglês Mambrú, ou
Marlborough, ascendente de Winston Churchill. Na guerra entre a Inglaterra e a França, na primeira
metade do século XVIII, o general Mambrú obteve muitas vitórias que lhe renderam grande fama e
popularidade, passando a ser respeitado por uma parte da Europa e hostilizado por outra.
Quando Mambrú morreu, a Inglaterra dedicou-lhe honras fúnebres muito solenes. Os franceses, sofrendo
os grandes estragos da guerra, sendo feridos e perdendo suas tropas, cheios de desprezo pela Inglaterra
fizeram a canção em tom de paródia. As circunstâncias tornaram-na muito popular durante o século
XVIII. Era uma das canções preferidas de Mme. Poitrine, dama de leite de um dos filhos da rainha Maria
Antonieta (1755-1793) e de Luis XVI (1754-1793), que a cantava para fazer o bebê dormir. A canção
caiu nas graças de todo o reino, que passou a aprender a cantá-la. Devido ao aspecto servil existente na
realeza, as damas da corte seguiam os costumes da rainha, e a partir delas, o costume se espalhou por toda
a nobreza, e através da burguesia, chegou até o povo. O nome de Marlborough tornou-se amplamente
conhecido e divulgado. Fernando Sor também explorou este tema na sua obra op. 28 Variations sur
Malbrough se´n va-t-en guerre (Cf. ANEXO A, p. 267).
139
século XVIII. O texto da canção Mambrú foi recolhido por Amades, e consta no seu
cancioneiro (AMADES, 1951, p. 481):
Copyright 1951 by Amades
A França de bons pares
mira al cel,
mira enllà,
mira em terra,
Ha nat um bell infant.
Al cap de los tres dies
lo van a batiar.
El rector ja en demana:
- Com s´ha d´anomenar?
- Mambrú – los padrins diuen.
- Manbrú, doncs, se dirá.
Als cinc anys a l´escola
l´en fan estudiar.
Quan els quinze anys complia
un mestre n´era já.
Llavors totes les armes
va aprendre de jugar,
i, per valent, tan jove,
cavaller el van armar.
Quan els vint anys complia
li parlen de casar
amb uma hermosa dama
de grans habilitats.
Na França de bons pais
olha o céu,
olha lá,
olha a terra,
nasceu um belo menino.
No fim de três dias
levam-no para batizar.
O padre pergunta:
- Como ele se chamará?
- Mambrú – dizem os padrinhos.
- Mambru, então, se chamará.
Aos cinco anos o fazem ir a escola
para estudar.
Quando completava quinze anos
já era um mestre.
Então todo tipo de armas
aprendeu a usar,
e por ser valente e tão jovem
cavaleiro se tornou.
Quando completou vinte anos
lhe falaram para casar
com uma formosa dama
de grandes habilidades.
140
El dia de les bodes
una carta arribà:
el Rei, amb esta carta,
l´envia a demanar.
Mambrú se´n va a la guerra;
no sé quan tornará,
si tornarà per Pasqua
o per la Trinitat
1
.
Les festes són passades:
Mambrú no ha pas tornat.
La dama es fa en finestra
per veure se vindrá.
Ja en veu venir dos patges:
vestits de dol ne van.
- Ai, patges, los meus patges,
quina nova em portau?
- Dama, la triste nova
massa us farà plorar:
Mambrú n´és mort en guerra,
n´és mort i soterrat.
Malmés d´un cop de llança
el vérem expirar.
(AMADES, 1951, p. 183)
A relação entre El mestre e Mambrú é literária. Seu tema é “O retorno do
amante” e narra uma donzela enamorada de seu professor, aleijado por causa da guerra.
No jardim de seu pai, ela sonha com o retorno de seu amado.
Expressa profunda tristeza e angústia lembrando o estilo dos mouros no
período medieval. Desta maneira, o refrão dramatiza o sofrimento dos amantes
separados pela guerra, embora em algumas versões ela seja interpretada de maneira
alegre. O amante retorna depois de vários anos e duvida da fidelidade de sua amada. Na
lenda, o soldado amante retorna irreconhecível por estar gravemente machucado em
conseqüência das batalhas. No texto, a donzela ouve a voz de um pássaro e reconhece
seu amado quando o pássaro diz: “farina blanca per vós e per mi”. A partir disso, eles
começam um diálogo que pode ser notado na adaptação de Llobet. Ao apresentar o tema
em tessituras diferentes, é possível imaginar a conversa entre a donzela (que tem início
no compasso 1) e o pássaro (início no compasso 24), que faz a voz do suposto amante.
1
Festa litúrgica que se celebra no domingo, 50 dias depois da Páscoa.
No dia do casamento
uma carta chegou a ele:
o Rei, com esta carta,
manda-lhe se apresentar.
Mambrú foi para a guerra;
não sei quando voltará,
se voltará na Pácoa
ou para a Trinitat.
As festas já passaram:
Mambrú não voltou.
A dama está esperando na janela
para ver se ele voltará.
Chegaram dois emissários:
enlutados.
- Ai, emissários, meus emissários,
que notícias me trazem?
- Dama, a triste notícia
lhe fará chorar.
Mambrú morreu na guerra
está morto e enterrado.
Atingido por um golpe de lança
o vimos expirar.
141
Voz da donzela:
Voz do pássaro:
Copyright 1951 by Amades
A conclusão do texto não fornece nenhum detalhe de como acaba a história e
deixa no ar se o final é feliz ou não, o que pode ter levado Llobet a concluir sua versão
na dominante:
142
Llobet preferiu captar o sentimento de incerteza em seu arranjo, que soa
melancólico (PURCELL, 1989, vol. 2, p. iv).
A tradução livre da letra de El Mestre (O Mestre):
El pare i la mare
no em tenem sino a mi
me´n fan anar a l´escola
A aprendre de llegir.
Mês, ai!, ara tom
Patantom, xiribiriclona
Tumpena, tumpí.
Mes, ai!,ara tom
Patantom xiribiriclom.
El mestre que m´ensenya
s´ha enamorat de mi;
me´n diu: - No et facis monja
que et casaràs amb mi.
Jo li´n faig de resposta
que no el sabre servir.
- Tu faràs com les altres,
quan em veurás venir:
M´hi posarás la taula,
M´hi posarás pa i vi,
a cada cap de taula
um brot de llessamí.
El mestre va a la guerra
A servir el rei Felip,
m´ha dit que tornaria
Quan será el bruc florit.
Me´n ve una gran tristesa;
a l´horta jo n´aní,
a l´horta del meu pare,
Si n´hi ha un tarongí.
La soca n´és de plata,
les branques són d´or fi;
a la branca més alta,
hi canta el francolí
2
;
2
Pequeno pássaro colorido.
Meu pai e minha mãe
têm somente a mim
me colocaram na escola
para aprender a ler.
Mês, ai!, ara tom
Patantom, xiribiriclona
Tumpena, tumpí.
Mes, ai!,ara tom
Patantom xiribiriclom.
O professor que me ensina
apaixonou- se por mim
me disse: - Não vá para o convento
pois você se casará comigo.
Eu respondi
que não saberia servi-lo bem
- Tu farás como as outras fazem
quando me ver retornar.
Você colocará a mesa para mim,
me servirá pão e vinho,
e em cada ponta da mesa
um ramalhete de jasmin.
O professor vai à guerra
servir o rei Felipe,
ele me disse que retornará
quando as flores se abrirem.
Uma grande tristeza me tomou
eu fui para o jardim
e no jardim de meu pai
existe uma laranjeira.
Sua base é de prata
seus galhos de ouro fino
lá no galho mais alto
está cantando um francolí;
143
El francolí já canta
I amb son llenguatge diu:
- Què pagaríeu, senyora,
que el mestre fes venir
- En pagaria Tolosa
La meitat de París
- Tolosa no n´és vostra
I París no és per mi.
T´en daria uma fonteta
que en fa anar tres molins,
l´un mol pebre i canyella,
l´altre um sucre fi,
l´altre farina blanca
Per vós e per a mi.
(AMADES, 1951, p. 183)
O francolí canta
E com sua linguagem diz:
- O que pagaria, senhora,
para seu amado voltar?
Eu pagaria Toulouse
e metade de Paris.
- Toulouse não é sua
E Paris não é para mim.
Eu te daria uma pequena fonte
que faz funcionar três moinhos,
um pouco de pimenta e canela,
outro de açúcar fino
outro de farinha branca
para você e para mim.
144
145
146
5.1.9. La Nit de Nadal
(El Desembre Congelat)
Llobet usa como título principal para esta adaptação La Nit de Nadal. No
entanto, ela surge no cancioneiro tradicional com o seu título secundário El Desembre
Congelat, e é mais conhecida por esse título.
La Nit de Nadal possui uma outra melodia, como podemos notar (AMADES,
1951, p. 227):
Copyright 1951 by Amades
El Desembre Congelat é uma das canções de Natal mais difundidas e apresenta
um grande número de variações, tanto literários como melódicos. Encontra-se nos libretos
de canções natalinas sem indicação de autor (AMADES, 1951, p. 223).
Foram encontradas diversas informações sobre esta canção.
147
Sua melodia já era cantada na França do século XVI, aplicada a uma canção de
taverna que celebra o vinho - Quan la mer Rouge apparut. É muito provável que a
adaptação tenha sido feita durante o século XVIII, época em que prevalecia a moda
francesa na Catalunha (AMADES, 1951, p.223).
Também no século XVIII, aparece pela primeira vez na coleção Nouveau livre
de Noels pour l´orgue (1745), do compositor e organista Louis Claude Daquin
86
(1694-
1772) (ANGLÈS, 1954, p. 87).
O tema foi usado pelo compositor e diretor de orquestra catalão Joan Lamote de
Grignon (1872-1949) em seu oratório La Nit de Nadal (1906) para vozes e orquestra
(SUBIRÁ, 1953, p. 809).
El Desembre Congelat foi arranjada por Jordá (19--, partitura) para voz e
piano
87
, e gravada pela soprano Victoria de los Angeles junto com seu texto
88
.
A música litúrgica influenciou a melodia popular, como vimos anteriormente. O
musicólogo Baldelló, ainda, afirma encontrar fragmentos desta melodia no canto
gregoriano - Kyries e Sanctus no 5o. modo gregoriano – Tritus Auténtic. (BALDELLÓ,
1926, vol. 2, p. 386).
86
Llobet fez um arranjo para duo de violões de uma obra de Daquin - Le Cou-Cou (PURCELL, 1989, vol. 4,
p. 2).
87
Cf. ANEXO A, p. 253.
88
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons. Collins
Classic, 1992 (Cd).
148
Llobet usou uma textura linear ao adaptar esta canção para violão e insere uma
coda em formato de um côro no final da peça.
149
150
A tradução livre de El Desembre Congelat (O Dezembro congelado):
El desembre congelat
Confós se retira.
Abril, de flors coronat,
tot el món admira.
Quan en un jardí d´amor
naix una divina flor.
d´una rosa bella
fecunda i poncella.
El mes de maig ha florit,
sense ser encara,
un lliri blanc y polit
de fragrància rara,
que per tot el món se sent,
de llevant fins a ponent,
Tota sa dolçura
I olor, amb ventura.
O frio Dezembro
despede-se confuso.
Abril coroado de flores,
admirado por todo o mundo
Quando em um jardim de amor
nasce uma divina flor.
de uma rosa bela
de botão fecundo.
O mês de Maio floresceu,
não completamente ainda,
um lírio branco todo formoso
de rara fragrância,
que pode ser sentida por todos,
do oriente ao ocidente,
toda sua doçura
e odor com ventura.
Arribaren els tres Reis
amb gran alegria.
adorant el Rei del cel
en una establia,
oferint-li tres presents,
que són: or, mirra i encens,
a la Mare pia,
la Verge Maria.
Amb contentament i amor
celebren el dia,
puix que el diví Senyor
naix amb alegria.
Si no tenin més tresor,
oferím-lhe el nostre cor,
tota la finesa
de nostra fermesa.
(AMADES, 1951, p. 223)
Chegaram os três Reis
com grande alegria.
adorando o Rei do céu
num estábulo,
oferecendo-lhe três presentes,
que são: ouro, mirra e incenso,
à piedosa mãe,
a Virgem Maria.
Com contentamento e amor
celebram o dia,
pois o divino Senhor
nasce com alegria.
Se não temos mais nenhum tesouro,
ofereçamos-lhe nosso coração,
todo o valor
de nossa fé.
151
152
153
5.1.10. La filadora
Classificada como uma canção usada para conferir ritmo ao trabalho de fiar,
pode ser encontrada também como canção infantil, muito utilizada nas escolas como
música para brincar e alfabetizar. Seu texto é simples e já na primeira estrofe faz alusão à
tradição têxtil catalã, muito popular no país. As canções infantis também participam das
condições em volta do trabalho, servindo assim, para os dois objetivos.
Conhecida popularmente por “La gandula” (A preguiçosa) conta a estória de
Maria, a filha do tecedor que não gostava de fiar. Na noite de Natal, enquanto todos faziam
festa, ela fazia mal o trabalho que era levado com muita qualidade o ano inteiro. Nesta
noite, Maria encontra seu galante pretendente e “tece” seu futuro amoroso.
O tecido que resultava do trabalho de fiar doméstico tinha qualidade superior ao
industrial, apesar de ser chamado de “trapo de casa”.
O costume de fiar era comum na Europa, e o povo tinha o hábito de cantarolar
melodias para espantar a monotonia deste trabalho. As canções giravam em torno do
movimento que se fazia com os pés ao pisarem no pedal, imprimindo assim o ritmo e, para
não parar, trocava-se constantemente o fio.
A dança que se originou deste costume também levou o nome de “La Gandula”
e fazia parte, junto com a canção, do programa de teatro rústico que se fazia durante o
carnaval. Enquanto um par girava, um personagem que simulava ser o tecedor observava
Maria tecer da sua maneira e com movimentos exagerados, satirizava a cena que arrancava
risos da platéia. A música da gandula passou a ser associada à comédia e, mais uma vez, o
cotidiano é transformado em arte (AMADES, 1951, p. 705).
154
Llobet realizou esta adaptação em 1918 usando a tonalidade de Mi Maior e
andamento Allegro scherzando. No cancioneiro tradicional ela aparece na tonalidade de Fá
Maior escrita em ¾ e com andamento sugerido semínima pontuada = 63.
Copyright 1951 by Amades
O caráter de dança é bem descrito nesta adaptação de Llobet. O ritmo constante
do acompanhamento reforça a idéia do sentido do texto e da dança.
Uma outra referência que encontramos desta canção está no arranjo para coro a
quatro vozes de Lluís Jordá (19--, p. 10, partitura) e no arranjo de Marraco (19--, p. 9,
partitura)
89
.
Como referência fonográfica recomendamos a soprano Victoria de los
Angeles
90
.
Seguimos com a tradução livre de La Filadora (A fiadora):
89
Cf. ANEXO A, p. 254 e 255.
90
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons. Collins
Classic, 1992 (Cd).
155
Um pobre pagés
tenia uma filla,
tenia quinze anys
I encara no fila.
Traralá, la, la, la
primfila, primfila
Traralá, la, la, la
primfila i se´n va.
La Nit de Nadal,
que és nit d´alegria,
pren filosa i fus,
dóna un tomb per vila.
N´encontra el galant
El qui ella volia:
- D´on veniu, Joan?
- On aneu, Maria?
Traralá...
Què em farem, del drap,
formosa Maria?
Què em farem, del drap,
- Llençols i camises
- Traralá...
Del que ens quedará
pararem botiga:
cap més no n´hi haurá
tan bem proveida
Traralá...
(AMADES, 1951, p. 705)
Um pobre camponês
tinha uma filha,
tinha quinze anos
E ainda não sabia fiar
Traralá, la, la, la
Fia fininho, fia fininho
Traralá, la, la, la
Fia fininho e pode ir embora.
A noite de Natal,
é noite de alegria,
pega a roca e fia,
dá uma volta na vila.
Ela encontra o rapaz
o que ela queria
- De onde vem, João?
- Onde vai, Maria?
Traralá...
Que faremos do retalho?
Formosa Maria?
Que faremos do retalho?
- Lençóis e camisas.
Traralá...
Do que sobrar
abriremos uma loja
não haverá outra
tão bem provida.
Traralá...
156
157
5.1.11. La Pastoreta
A adaptação desta melodia foi realizada durante o último ano da Primeira
Guerra Mundial (1918)
91
, período em que realiza turnês na América do Sul: Uruguai, Chile,
Bolívia e Argentina.
Llobet explora algumas possibilidades técnicas neste arranjo. Grondona afirma:
La Pastoreta é um verdadeiro tratado de como movimentar a mão
esquerda.”(informação verbal)
92
Popularíssima, muito dançada e cantada, inclusive no repertório infantil. Apesar
de sua grande difusão, não oferece variação de texto e melodia.
Como vimos anteriormente, esta melodia se classifica na categoria de canções
de celebração, onde o povo se reúne para festejar e dançar a sardana. Nestes bailes, é
comum a presença de uma banda formada de instrumentos típicos - a cobla. A cobla é
formada pelos seguintes instrumentos: flaviol (caramillo), tamboril, tiples (xirimias) de
tessitura aguda, tenoras de tessituras centrais e graves, cornets, fiscornos (flugelhorns),
trombones e mais recentemente baixo. Outra fonte de pesquisa cita a gralla (dulzaina),
gaita, flaviol e tamboril usados na sardana mais antiga. O mesmo músico toca o flaviol e o
tamboril. O flaviol é um instrumento agudo tocado apenas com três dedos da mão esquerda,
enquanto tocava o pequeno e sonoro tamboril com a mão direita (figura 5). A gralla entoava
o tema principal da dança e o flaviol ornamentava a melodia (PAHISSA, 1945, p. 148).
La Pastoreta é dançada com a sardana curta, sem acumulação de bailarinos que
a dança original tipicamente possui. A estrutura melódica da sardana curta combina
91
Grondona afirma que a data de sua concepção foi 1905, em duas ocasiões diferentes – uma em Paris (Abril)
e outra em Barcelona (Agosto) (GRONDONA, 2006a, encarte de Cd).
92
Entrevista concedida em 22 de Abril de 2007, em Tatuí.
158
colcheias e semínimas marcadas pelo tamboril em 2/4. O flaviol anuncia o começo da
dança com uma breve melodia em 6/8 (PAINE, 1989, p. 59).
Figura 6. Músico tocando o flaviol e o tamboril
No arranjo de Llobet é possível marcar os baixos com a função de tamboril, uma
vez que seguem marcando o ritmo em 2/4 enquanto a melodia se desenvolve.
Como vimos no capítulo 1, a música religiosa influenciou a melodia popular. O
musicólogo Francesc Baldelló (PUJOL, vol. 2, p. 385), reconhece esta melodia no canto
gregoriano, 5º. Modo (Tritus Auténtic) – tônica: fa, dominante: do.
159
Uma outra referência que encontramos está no arranjo para voz e piano de Lluís
Jordá (JORDÁ, 19-- p. 5, partitura)
93
.
93
Cf. ANEXO A, p. 256.
160
Copyright 1951 by Amades
161
A tradução livre da letra de La Pastoreta (A Pastorinha):
Que li donarem,
a la pastoreta
Que li donarem
per anar a baillar?
- Jo li donaria uma caputxeta
i a la muntanyeta la faria anar.
A la muntanyeta no hi neva
i no plou
i a la terra plana tot el vent ho mou.
Sota l´ombreta, l´ombreta, l´ombrí,
flors i violes i romaní.
- Què li donarem,
a la pastoreta?
Què li donarem
por anar a ballar?
- Jo li donaria unes arracadetes.
- Jo li donaria unes faldilletes.
- Jo li donaria unes sabatetes.
- Jo li donaria una cotilleta.
- Jo li donaria una camiseta.
(AMADES, 1951, p. 189)
Que daremos
à pastorzinha
- Que daremos
para ela dançar?
- Eu lhe daria um chapeuzinho
e à pequena montanha a levaria.
Na pequena montanha não neva
nem chove
e na terra plana o vento tudo movimenta.
Debaixo da a sombra,
Flores, malvas e alecrim.
- Que daremos
à pastorinha?
Que daremos
para ela dançar?
- Eu lhe daria um par de brincos.
- Eu lhe daria umas saias.
- Eu lhe daria uns sapatos.
- Eu lhe daria um espartilho.
- Eu lhe daria uma camiseta.
(AMADES, 1951, p. )
162
163
5.1.12. La Presó de Lleida
Adaptada em 1920, Llobet mais uma vez explora o timbre e a troca de
naipes. O tema inicia no baixo em harmônicos e acompanhamento em acordes de
textura linear.
Depois de expor o tema repete mudando a textura, usando acordes na região
da tonalidade principal – ré menor – para descrever a melodia (compasso 19).
O procedimento dos baixos em harmônicos também foi utilizado por
Agustin Barrios (1885-1944). Não sabemos até que ponto Llobet estabeleceu contato
com Barrios, mas notamos uma forma de escrita semelhante na El Sueño de la
Muñequita
94
.
Segundo Amades (1951, p. 598), esta melodia é uma das preferidas e mais
difundidas do cancioneiro catalão. Portanto, sua grande difusão faz com que o texto
ofereça uma grande diversidade de variações nos detalhes sem alterar o argumento. Sua
melodia pode ser interpretada de modo melancólico, mas adapta-se muito bem à dança.
94
Cf. STOVER, R. (org). The Complete Works of Agustin Marrios Magoré, vol. 1 e 2. Pacific: Mel
Bay, 2003. vol. 1, p. 134 e 135. Vol. 2, p. 211 a 213 (partitura).
164
Outra fonte de pesquisa indica variações de texto, melódicas e de andamento
(PUJOL, 1926, vol. 2, p. 128 e p. 141).
Seu texto descreve uma lenda que ocorre na cidade de Lleida (Lérida),
cidade natal de violonistas representativos como Domingo Bonet e Emilio Pujol.
Na maioria das versões a protagonista encontra-se na prisão de Lleida, mas
outras apresentam regiões da Catalunha como Toledo e Tortosa, e nas versões
maiorquinas, Nápoles. Nenhuma das versões especifica o tipo de delito cometido pelos
criminosos, mas há uma referência de incêndio em Garriga (região de vegetação típica
“garric”), Conflent e Roselló – comarcas da Catalunha perto dos Pirineus – no verso:
“Ai, filla, Margarida/Aixó no pot ser/Han cremat la Garriga/Conflent i Roselló//.”
95
(La
Presó de Lleida, AMADES, 1951, p. 597)
Como vimos anteriormente, os criminosos que se encontrava encarcerados
tinham o costume de cantar melodias para espantar a melancolia, e possivelmente, para
encantar alguns ouvintes com a finalidade de serem absolvidos.
Nesta canção, a filha do barão pede que um dos criminosos seja poupado da
punição, cativada pelo encanto de uma canção que os incendiários cantavam na prisão
de seu pai: “Canteu, canteu, els presos/ canteu-ne la cançó/ canteu, canteu, els presos/
que me´n captiva el so/.”
96
(La Presó de Lleida, AMADES, 1951, p. 597)
Sabendo que morreria pendurado numa forca, pede que seja pendurada junto
com ele. Já que não pode salvar aquele que a conquistou com a bela canção, prefere a
morte do que deixá-lo: “Ai, pare, lo meu pare/ no em mateu l´aimador/ Ai, pare, lo meu
pare/ Pengeu-me´n a mi i tot”.
97
(La Preso de Lleida, AMADES, 1951, p. 597)
No entanto, o barão não se comove e, ao se aproximar o Santo Domingo,
todos seriam enforcados. Antigamente, por respeito à Páscoa, não se realizavam
95
Ai, filha, Margarida/Assim não pode ser/Queimaram a Garriga/Conflent e Roselló.
96
Cantem, cantem, presos/Cantem a canção/Cantem, cantem, presos/que o som me cativa.
97
Ai, pai, meu pai/não mate o amado/Ai, pare, meu pai/Pendure-me junto com eles.
165
enforcamentos até que se passassem os dias santos – a Quaresma. Assim, o barão avisa
que o dia propício para a punição aproximava-se e a justiça não poderia esperar mais:
“Dels presos que allá canten/ digau, què em fareu vós?/S´acosta el sant diumenge/ els
penjaram a tots”.
98
Muito curioso é o pai da donzela fazer cordas muito resistentes para
serem utilizadas no enforcamento dos presos. Este detalhe mostra que ele se certificou
de que não se fizessem cordas fracas: “Ai, filla, Margarida/ Será el primer de tots/ les
cordes són filades/ que ens costen a pes d´or.”
99
(AMADES, 1951, p. 597)
Alguns encarregados de confeccionarem cordas, naquele tempo, faziam
cordas que não eram suficientemente fortes para agüentar o peso de um corpo. No
momento em que se pendurava o corpo do criminoso, a corda arrebentava, salvando o
indivíduo da morte. Acreditava-se que os inocentes eram salvos assim, com o
rompimento da corda por providência divina. A pena era encarada como um erro da
justiça e o criminoso era absolvido e restituído à sociedade. Quando era da vontade do
povo que o preso fosse poupado, era usada uma corda falsa, para satisfaze a vontade da
opinião pública. Os familiares ofereciam cordas falsas a fim de salvar os seus.
Tudo isso deu origem ao refrão Amargar la corda a casa del penjat
(Esconder a corda na casa do pendurado), equivalente a esconder o delito na própria
casa do criminoso.
Portanto, para que os presos não fossem salvos, o barão da canção vigiou
pessoalmente a confecção da corda que enforcaria os incendiários de sua prisão – a
Prisão de Lérida.
A letra original desta canção é extensa. Portanto, com base em fontes
fonográficas, selecionamos uma parte de suas estrofes para a tradução livre para o
português:
98
Dos presos que lá cantam/diga, que vos fará?/Se aproxima o Domingo/serão todos enforcados.
99
Ai, filha Margarida/Será o primeiro de todos/as cordas estão prontas/que custaram peso de ouro.
166
A la ciutat de Lleida
n´hi ha una presó,
de presos mai ni manquen
petita, bonica,
prou n´hi há porta el baró,
lireta, liró.
Cent i cinquanta presos
canten una cançó,
la nina se´ls escolta,
petita, bonica,
de dalt del mirador,
lireta, liró.
Canteu, canteu, bons presos,
d´aqui us en trauré jo,
aniré a veure el meu pare,
Petita, bonica,
recaptaré el perdó,
lireta, liró.
Ai, pare, lo meu pare,
jo vos demano un do.
Ai, pare, lo meu pare,
petita, bonica,
les claus de la preso,
lireta, liró.
Ai, filla Margarida,
demá els penjaré a tots,
Ai, pare, lo meu pare,
petita, bonica,
pengeu-me m´hi a mi i tot,
lireta, liró.
I a cada cap de forca
poseu-hi un ram de flors,
perqué la gent quan passi,
petita, bonica,
sentin la bona olor,
lireta, liró.
(AMADES, 1951, p. 597)
Na cidade de Lérida
existe uma prisão,
lá nunca faltam presos
pequena, bonita,
muitos são levados pelo barão,
lireta, liró.
Cento e cinqüenta presos
cantam uma canção,
a menina os escuta,
pequena, bonita,
do alto do mirante,
lireta, liró.
Cantem, cantem, bons presos,
que vou tirá-los daqui,
irei falar com eu pai,
pequena, bonita,
conseguirão o perdão,
lireta, liró.
Ai, pai, meu pai,
vou pedir-lhe um favor.
Ai, pai, meu pai,
pequena, bonita,
as chaves da prisão
lireta, liró.
Ai, filha, Margarida,
amanhã serão todos enforcados,
Ai, pai, meu pai
pequena, bonita
enforca também a mim,
lireta, liró.
E no alto de cada forca
ponhamos um ramo de flores,
para que as pessoas ao passarem,
pequena, bonita,
sintam bem o seu perfume,
lireta, liró.
167
Copyright 1951 by Amades
Encontramos uma outra referência desta melodia no arranjo de Ribó, para
coro a quatro vozes (s.d., partitura)
100
.
100
Cf. ANEXO A, p. 257.
168
169
5.1.13. El noi de la mare
El Noi de la Mare é uma das canções mais executadas pelos violonistas.
Trata-se de uma melodia simples e curta de estrutura diferente das demais
encontradas nos cancioneiros. Possui versos sem estribilho.
Encontramos muitos exemplos fonográficos desta canção, e de diversas
versões para violão, devido à sua grande popularidade, como veremos adiante. Apesar
de ser classificada como canção de ninar, pode ser encontrada em coletâneas de canções
de Natal.
Llobet ao adaptar esta canção para violão, sentiu a necessidade de inserir
uma segunda parte (compassos 9 a 18), possivelmente para estabelecer um contraste.
Diferente de outras adaptações preferiu conservar a simplicidade da harmonia das
melodias folclóricas, usando acordes sem dissonâncias.
170
Tal intervenção na melodia tradicional coloca El Noi de La Mare entre as
versões que merecem ter seu destaque como obras autorais, e não apenas meros arranjos
para violão.
A edição de Purcell (1989, vol. 2, p. 17) não especifica o ano de sua
produção, mas parece ter sido concebida em meados de 1918
101
.
Uma das canções de ninar mais conhecidas e difundidas pode-se dizer que
tem feito dormir muitas gerações de crianças. Conhecida também como “Tam-pa-tam-
tam”, ou ainda “Que li darem”, oferece algumas variações na letra sem alterar o
sentido.
O título “Tam-pa-tam-tam”, ocorrente na terceira estrofe da canção é devido
a este som descrever o movimento do balançar do berço enquanto o bebê é embalado
pelas mãos da mãe
102
. Tal movimento sugere um andamento cadenciado e calmo, no
ritmo do acalanto do bebê, mas se alterarmos o andamento temos uma melodia de
dança, usada para outra finalidade.
O título “Que li darem” surge do fato de possuir semelhança com uma Ave
Maria de três partes do Codex de las Huelgas – manuscrito medieval copiado no início
do século XIV, no monastério de Santa Maria la Real de las Huelgas (LIVERMORE,
1974, p. 80), citado anteriormente como referência histórica da canção tradicional
catalã. Catalunha adotou esta melodia como tema de Natal, devido à sua ligação com
tema religioso. A letra desta canção, como veremos, destaca a mãe de Jesus e o seu
filho, bem como as oferendas que os fiéis desejam levar até o menino por ocasião de seu
nascimento.
101
STEFANO GRONDONA. RESPUESTA. Stefano Grondona Plays the Guitar Works of Miguel
Llobet. Stradivarius, 2006b (encarte de Cd).
102
Palavras assim, sem sentido, são característica das canções de ninar. Uma espécie de onomatopéia.
Palavras monossilábicas aparecem em outras canções de ninar. Os “non-nons”, por exemplo, fazem
referência à hora apropriada para crianças irem dormir – a “nona” hora.
171
Possivelmente foi uma das canções natalinas que servia para fazer uma
dança em círculo nas igrejas nas madrugadas de Natal, durante a fervorosa alegria do
ofertório, no qual os devotos se expressavam livremente, dançavam abundantemente,
umas vezes “al cancell” (dentro) e outras vezes “al presbiteri” (fora). O libreto das
canções, publicado pelo construtor de imagens Joan Llorens, leva uma nota ao pé da
página dizendo que, ao cantar do coro, seria necessário erguer os braços e dar voltas em
torno de si mesmo, indicando o costume de se dançar. Provavelmente ao difundir-se,
tornou-se tradicional o costume de o povo dançar ao cantá-la na frente do menino Jesus
no presépio (AMADES, 1951, p. 10).
Para comprovar que as melodias tradicionais catalãs ajudaram a impulsionar
o movimento nacionalista no século XIX, na Espanha, citaremos o nome do maestro
Antonio Nicolau (1858-1933) que está vinculado à arte coral que comentamos no
capítulo 1, e seu poema coral El Noi de la Mare (SUBIRÁ, 1953, p. 807) e o de Lluís
Millet, que também usou esta melodia em sua obra (LIVERMORE, 1974, p. 335).
Encontramos referências adicionais desta canção no arranjo para coro a
quatro vozes (JORDÁ, 19--, p. 3, partitura) e no arranjo para voz e piano de Pahissa
(PAHISSA, 19--, p. 14, partitura)
103
.
Como referência fonográfica recomendamos a soprano Victoria de Los
Angeles
104
e o coral Orfeo Catalá
105
.
103
Cf. ANEXO A, p. 258 e 259.
104
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 199 (Cd).
105
ORFEO CATALÁ. Chansons Traditionnelles de Catalogne. Harmonia Mundi, 1992 (Cd).
172
Copyright 1951 by Amades
A tradução livre da letra de El Noi de la Mare (O filho da virgem) segue
abaixo:
Que li darem
a n`el noi de la mare?
Que li darem que li sapiga bó?
Li darem panses amb unes balances
Li darem figues amb un paneró.
Que li darem ao fillet de Maria?
Que li darem ao formós infantó?
Panses i figues i nous i olives
Panses i figues i mel imató.
Tam, patantam que les figues són
verdes
Tam, patamtam que já maduraran?
Si no maduren el dia de Pasqua,
Maduraran en el Dia del Ram.
(AMADES, 1951, p. 9)
Que daremos
ao filho da Virgem?
Que lhe daremos, que ele goste?
Lhe daremos uvas passas com balances
Lhe daremos uvas e figos num cestinho.
Que daremos ao filhinho de Maria?
Que daremos ao formoso menino?
Passas, figos e nozes e azeitonas
Passas e figos e coalhada com mel.
Tam, patantam os figos estão
verdes
Tam, patantam já amadureceram?
Se não amadurecerem no dia da Páscoa,
Amadurecerão no Dia de Ramos.
173
174
5.2. Canciones Catalanas recém-descobertas
No capítulo anterior falamos do arquivo que contém obras inéditas de
Miguel Llobet. Entre tais obras, encontramos as adaptações das canções catalãs não
incluídas na edição das treze Canciones Catalanas para violão solo (PURCELL, vol. 2,
1989, partitura). São as canções L´Anunciació (mais conhecida como La Mare de Deu),
L´hostal de la Peira e uma outra versão de La Filla del Marxant para conjunto de
cordas dedilhadas e plectro.
Foram concebidas para um grupo catalão formado em 1898 e pelo qual
Llobet era responsável. Lira Orfeu era uma sociedade de música criada para a formação
de um grupo de instrumentos de cordas dedilhadas - violões, mandolinas espanholas,
alaúdes e um arquialaúde.
Tais obras, ainda não editadas, encontram-se registradas no Cd Homenaje
gravado em 2006 por Stefano Grondona e o grupo Nova Lira Orfeu, composto por seis
violões, como mencionamos anteriormente. A formação usada na realização destas três
peças indica que ela foi escrita para seis vozes, pois Grondona procurou respeitar as
partes escritas pelo autor, dentro das possibilidades do violão
106
.
Para las versiones aquí presentadas he respectado básicamente las
partes que Llobet había escrito, sin multiplicar los instrumentistas, que
se han mantido al mínimo efectivo. He querido respetar aquel espíritu
coral en nombre del cual este repertorio había nacido, además evitando
rigurosamente reducir el número de instrumentos, aun donde hubiera
sido posible concentar en uno las partes de dos o más. (STEFANO
GRONDONA, 2006a, encarte de Cd)
A pesquisa de Grondona indica que podem ser encontradas ainda mais duas
canções tradicionais catalãs na obra de Miguel Llobet: Els Segadors e L´Imigrant.
Numa nota explicativa, sugere a possibilidade de mais obras serem reveladas:
106
As partes graves do arquialaúde e as partes agudas realizadas originalmente por alaúdes e mandolinas
tiveram de ser adaptadas à tessitura do violão de seis cordas.
175
El material sobre Llobet que, en tiempos más recientes, está poco a
poco emergiendo, consignándonos nuevos detalhes sobre a vida del
Maestro, podría todavia reservar muchas sorpresas, con consecuentes
revisiones del cuadro histórico en el cual enfocar su figura. En
particular, las fechas de composición de las canciones catalanas podrían
sufrir unos cambios. Por el momento, no tenemos a cuanto está ya
tradicionalmente asumido, únicamente corregido en unos puntos com
las nuevas, pero parciales, informaciones de las que disponemoss. Un
más rico cuadro interpretativo de la obra musical de Llobet, y um perfil
más completo de un tan importante personaje, será posible cuando
todas las fuentes estén a nuestra disposición. Aún sería más bienvenido
el descubrimiento de otras composiciones y arreglos de Llobet, de los
cuales se supone la existencia por su inclusión em los programas de los
conciertos del Maestro. En cuanto al tema de las canciones catalanas,
sobretudo nos referimos a dos títulos que esperamos puedan emerger:
Els Segadors y L´Emigrant. (STEFANO GRONDONA, 2006b, encarte
de Cd)
Diante da possibilidade de surgir mais duas canções catalãs inéditas,
decidimos incluir a tradução das letras de suas melodias. Não sabemos ainda as datas de
concepção destas versões para violão, mas sabemos que pertencem a um período de
grandes manifestações políticas na Catalunha. As duas canções mencionadas possuem
forte apelo político, mostrando o engajamento de Llobet em tais assuntos, da mesma
forma que o violoncelista Pablo Casals (1876-1973), como veremos adiante.
Els Segadors converteu-se no Hino Nacional da Catalunha, e foi oficializado
em 1993
107
. Sua origem data da Guerra dos Segadores
108
, que ocorreu no século XVII.
A história de luta pela autonomia como nação, bem como de sua própria língua, fez dos
catalães um povo conhecido por sua força e personalidade. Tal fato contribuiu para a
formação de uma personalidade única que resultou no folclore típico destas terras e um
hino próprio.
107
Durante o período de ditadura, o hino Els Segadors ficou proibido de ser cantado na Catalunha. Com a
proclamação da República em 14 de Abril de 1931, diversas personalidades políticas desejavam um hino
nacional menos belicoso. Por ocasião de uma comemoração civil, o coral Orfeo Catalá cantou a canção El
Cant del Poble, composta por Amadeo Vives e baseada na canção de Clavé, El Xiquet de Valls. O público
presente pediu calorosamente por Els Segadors, que se converteu no hino oficial da Catalunha. (XTEC,
http://www.xtec.es/serveis/crp/a8903084/docs/himne1.pdf
. Acesso em: 18 Novembro 2007).
108
A Guerra dos Segadores ocorreu durante o reinado de Felipe IV (1605-1665). A luta começou em 7 de
Junho de 1640 com a entrada dos segadores em Barcelona, que todos os anos costumavam entrar na
cidade para a contratação de “la siega”. A partir de 1641, Catalunha instaurou a república catalã debaixo
da proteção do rei da França e, a partir desta data, entrou num período de lutas contínuas até o Tratado
dos Pirineus firmado entre Espanha e França (MANGADO, 1998, p. 126).
176
Este hino se baseia numa canção tradicional antiga. Sua letra atual é de 1899
e foi escrita pelo poeta Emilio Guanyavents que utiliza elementos de tradição oral
presentes numa pesquisa musicológica realizada anteriormente por Milá y Fontanals
(1818-1874)
109
. Francisco Alió (1862-1908) compôs o hino em 1892 baseando-se na
versão tradicional. Foi harmonizada por diversos compositores como Enric Morera,
Amadeo Vives, Lluís Millet e outros. Não sabemos qual versão Llobet usou em sua
obra para violão, a versão tradicional ou a versão atualizada de seu tempo. Inserimos
aqui a versão atual do hino da Catalunha.
109
A obra que tivemos acesso (PUJOL, 1926, 3 vol.) baseia-se nesta pesquisa musicológica Romancerillo
Catalán (1882) de Milá y Fontanals.
177
Recomendamos a gravação da soprano Victoria de los Angeles
110
que cita a
versão atual de Els Segadors.
Para ver a versão tradicional, recomendamos a consulta da obra de Francisco
Pujol (1926, 3 vol.) e a audição do grupo catalão La Capella Reial de Catalunya
111
.
Seguimos com a tradução livre da letra do hino nacional da Catalunha Els
Segadors para o português:
Catalunha, triomfant,
tornará a ser rica i plena!
Endarrera aquesta gent
tan ufana i tan superba!
Bon cap de falç!
Bon cap de falç,
défensors de la terra!
Bon cap de falç!
Ara és hora, segadors!
Ara és hora d´estar alerta!
Per quan vingui un altre
juny
esmolem ben bé les eines!
Bon cap de falç!...
Que tremoli l´enemic
en veient la nostra ensenya:
com fem caure espigues
d´or,
quan convé seguem
cadenes!
Bon cap de falç!...
110
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 1992 (Cd).
111
CAPELLA REIAL DE CATALUNYA. Cançons de la Catalunya mil-lenària. Planys e Llegendes.
Astrée, 1977 (Cd).
Catalunha, triunfante,
Tornará a ser rica e plena!
Por detrás desta gente
Tão ufana e tão soberba!
Bom golpe de foice!
Bom golpe de foice!
defensores da terra!
Bom golpe de foice!
Agora é hora segadores!
Agora é hora de estar alerta!
Para quando chegar o outro
junho
Amolem bem as ferramentas!
Bom golpe de foice!...
Que trema o inimigo
Mostraremos a nossa bandeira:
Como fazemos cair as espigas de
ouro
Quando convém ceifamos as
correntes!
Bom golpe de foice!...
178
L´Emigrant fez parte do repertório folclórico dos corais do início do século
XIX. Amadeo Vives, nome ligado ao coral Orfeo Catalá usou esta melodia em sua obra
e afirmou que “el orfeó contiene e resume toda la entraña romántica de la ciudad de
Barcelona.” (FERNANDES-CID, 1973, p. 94) Durante o período de ditadura na
Catalunha, L´Emigrant substituiu Els Segadors nos eventos cívicos.
Segue a tradução livre de L´Emigrant (O Emigrante) para o português:
Dolça Catalunya,
pàtria del meu cor,
quan de tu s'allunya
d'enyorança es mor.
Hermosa vall, bressol de ma infantesa,
blanc Pirineu,
marges i rius, ermita al cel suspesa,
per sempre adéu!
Arpes del bosc, pinsans i caderneres
112
,
cantau, cantau,
jo dic plorant a boscos i riberes:
adéu-siau!
¿On trobaré tos sanitosos climes,
ton cel daurat?
Mes ai, mes ai! ¿on trobaré tes cimes,
bell Montserrat?
Enlloc veuré, ciutat de Barcelona,
ta hermosa Seu,
ni eixos turons, joiells de la corona
que et posà Déu.
Adéu, germans: adéu-siau, mon pare,
no us veuré més!
Oh! si al fossar on jau ma dolça mare,
jo el llit tingués!
Oh mariners, lo vent que me'n desterra
que em fa sofrir!
Estic malalt, mes ai! tornau-me a terra,
que hi vull morir!
112
Espécies de pássaros.
Doce Catalunha,
pátria do meu coração,
quando de tu se afasta
de saudades se morre.
Formoso vale, berço da minha infância
branco Pirineu,
Margens e rios, santuários suspensos
Para sempre, adeus!
Harpas do bosque, pinsans e caderneres,
Cantem, cantem
Eu digo chorando a bosques e florestas
Adeus!
Onde encontrarei os climas tão saudáveis,
teu céu dourado?
Mes ai! onde encontrarei teus cumes,
belo Montserrat?
El lugar algum, cidade de Barcelona,
tão formosa,
nem estas colinas, jóias da coroa
que Deus te coloca.
Adeus, irmãos: adeus, meu pai,
não os verei mais!
Oh!se no túmulo onde jaz minha doce mãe,
eu tivesse o meu leito!
Oh marinheiros, o vento que me desterra
que me faz sofrer!
Estou doente, mes ai!levai-me de volta,
que quero morrer!
179
A letra desta canção descreve o profundo sentimento dos catalães que se
viram obrigados a deixar sua terra natal devido ao período de entraves políticos no
século XIX. Llobet deixou seu país para viver um período em Paris e sabemos também
que passou algum tempo na Argentina, justamente durante o período de grandes
dificuldades na Catalunha que o impossibilitaram de exercer suas atividades artísticas.
Embora não tenhamos acesso a nenhuma publicação que descreva alguma
declaração de Llobet sobre o assunto, acreditamos que ele estava atento aos
acontecimentos políticos de sua época, e sofreu os efeitos deste período em sua vida
artística. Os fatos políticos e sociais que envolvem estas duas canções não escaparam à
sensibilidade deste importante compositor e intelectual, pois utilizou as melodias
inseridas neste contexto em suas Canciones Catalanas.
Tais obras ainda não foram publicadas. Portanto, precisamos aguardar a
disponibilidade deste arquivo inédito para mais informações a respeito da totalidade da
obra de Llobet.
180
5.2.1. L´Anunciació (La Mare de Deu)
Grondona afirma que esta melodia tradicional catalã foi usada na obra de
Llobet e está entre os arquivos ainda não desvendados. Ainda não temos acesso a esta
partitura. Portanto, é necessário aguardar a publicação do arquivo inédito de Llobet para
analisarmos o sentido musical desta obra e sua amplitude orquestral. Sabemos que ela
foi escrita em seis partes e está registrada no Cd Homenaje
113
, executada pelo sexteto de
violões Nova Lira Orfeo.
Entre as canções de ninar, é uma das mais cantadas quando pesquisamos o
cancioneiro infantil. A primeira estrofe é comum em todas as versões, mas depois, pode
variar bastante.
Sua popularidade ajudou a impulsionar o movimento do renascimento
espanhol “La Renaixença”, citado no capítulo 1. Lluis Millet usou o tema em sua obra,
junto com outras melodias tradicionais catalãs (LIVERMORE, 1974, p. 335).
113
STEFANO GRONDONA. HOMENAJE Manuel de Falla, Miguel Llobet and their world. Stefano
Grondona, Maria José Montiel, Laura Mondiello, Nova Lira Orfeo. Stradivarius, 2006a (Cd).
181
Um manuscrito incompleto encontrado na paróquia de Santa Maria de
Betlem comprova mais uma vez a influência do canto litúrgico na canção tradicional.
Este manuscrito data do século XIX, escrito em 3/8 e de tonalidade moderna (PUJOL,
1926, vol. 2, p. 403).
Destacaremos os poemas corais La Mare de Deu (SUBIRÁ, 1953, p. 807) de
Antonio Nicolau (? -?), o que denota mais uma vez a popularidade das melodias
tradicionais catalãs usadas na obra de Llobet.
182
Encontramos no arranjo de Jordá (19--, p. 2, partitura) para piano e voz
114
uma referência para conhecer melhor seu texto com andamento Andante. Amades
sugere o andamento semínima =58 (1951, p. 8).
Encontramos outra referência na tonalidade de fá menor, com variação
melódica e literária (PUJOL, 1926, vol. 2, p. 113).
Como referência fonográfica recomendamos a soprano Victoria de Los
Angeles
115
.
114
Cf. ANEXO A, p. 260.
115
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 1992 (Cd).
La maré de Déu
quan era xiqueta
anava a costura
a aprendre de lletra,
amb son coixinet
i la cistelleta.
Em um libret d´or
Aprenia lletra;
Els àngels cantaven:
“Garindó dindeta”.
Filava finet
i teixía beta,
cosia vestits
per´nà endreçadeta.
(AMADES, 1951, p. 8)
A mãe de Deus
quando era criança
costumava costurar
aprender a escrever,
com seu travesseiro
e a cestinha de costura.
Num libreto dourado
Aprendia as letras;
Os anjos cantavam
“Garindó dindeta”
Fiava fininho
e tecia fitas,
costurava vestidos
para ir bem vestida.
183
5.2.2. L´Hostal de la Peira
Llobet adaptou esta canção para o grupo Lira Orfeo anteriormente citado.
Trata-se de um arranjo que se encontra no arquivo de Alonso, que em parceria com
Stefano Grondona, t
184
em revelado gradualmente as obras inéditas de Llobet. O Lira Orfeo era
formado por violões, mandolinas, alaúdes e arquialaúdes. Como vimos anteriormente, a
pesquisa de Grondona foi realizada com um grupo de seis violões o que mostra que este
arranjo foi concebido para seis partes, uma vez que Grondona afirma ter respeitado o
arranjo original, apenas adaptando-o para as possibilidades do violão de seis cordas.
Encontramos uma referência desta canção no arranjo para coral de Morera
(190-, partitura)
116
e uma transcrição monofônica em tonalidade diferente (fá menor) e
com pequenas variações no texto literário. Texto musical descrito em 3/2 com a
sugestão de andamento mínima =54 (PUJOL, vol. 2 , p. 110).
Esta melodia também pode ser reconhecida no canto gregoriano (PUJOL,
1926, vol. 2, p. 366):
116
Cf. ANEXO A, p. 261.
185
Juntando a primeira frase com a última, temos uma melodia gregoriana bem
característica:
No cancioneiro de Amades (1951, p. 515) ela surge junto com a sugestão de
andamento semínima = 100.
Copyright 1951 by Amades
Segue a tradução livre para o português de L´hostal de la Peira (A Pensão da
Peira):
186
A l´hostal de la Peira
olá,
Dames hi van anar,
dames hi van anar.
Já em truquen a la porta,
olá,
Já em responen: - Qui hi há?
Som unes pobres dames;
Si ens voleu allotjar?
- Obre la porta, noia,
I deixa-les entrar.
Diuen a la mestressa:
- Que hi há para sopar?
- Hi há cargols amb ceba,
Samfaína i bacallá.
(AMADES, 1951, p. 515
Na pensão da Peira
olá,
Damas foram,
damas foram.
Já chamam na minha porta,
olá,
Já respondem: - Quem é?
Somos pobres damas,
Pode nos alojar?
- Abre a porta, menina
E deixe-as entrar.
Dizem à dona de casa:
- Que tem para jantar?
- Tem caracóis com cebola,
Refogado de verduras e bacalhau.
187
5.3. Outros compositores e suas abordagens
Como citamos anteriormente, temos exemplos de outros compositores
violonistas e não violonistas que usaram melodias tradicionais catalãs para compor
suas obras. Entre os violonistas, Emilio Pujol, Andrés Segovia, Narciso Yepes (1927-
1997), e entre compositores não-violonistas, Federico Mompou (1893-1987),
Lleonard Ballada Ibáñez (1933), Franscisco Casanovas (1899-?)
117
, e o já citado
compositor mexicano Manuel Ponce.
As outras canções tradicionais da Catalunha que foram usadas por
compositores que seguiram a mesma linha de Llobet, são:
Els tres Tambors , El bon Caçador, El Cant dels Ocells,La Ploma de
Perdiu, Els Estudiants de Tolosa, Muntanyes del Carnigó, Catarina d´Alió, La Gata
i el Belitre e Canción Galega.
Sobre as atividades do violonista catalão Emilio Pujol, comentamos
brevemente no capítulo 2. Falamos sobre os campos em que ele atuava, inclusive
como compositor e concertista. Uma observação dos cinco programas característicos
de Pujol mostra que ele incluía as canções de Llobet em seus concertos, e ele próprio
também realizou transcrições de outras canções populares (RIERA, 1974, p. 81).
Possui uma obra Cançò de Bressol (Canción de Cuna)
118
considerada a obra “mais
espontânea, correta, delicada e violonística” como aponta o Diccionario de Domingo
117
Outros compositores da escola modernista basearam suas obras em temas tradicionais catalães:
John W. Duarte (1919), Toru Takemitsu (1930), e Leo Brouwer (1939) são compositores conhecidos
que também usaram temas catalãs em suas obras. J. W. Duarte em sua Variations on a Catalan folk-
song utiliza a canção Cançó de Lladre. Takemitsu em sua obra para oboé d´amore, violão e orquestra
Vers, l´arc-em-ciel, Palma cita a canção tradicional catalã La Filadora .Brouwer selecionou as
melodias El Noi de la Mare e El Mestre em sua obra Retrats Catalans. Cf. TAKEMITSU. To the edge
of dream. Takemitsu played by John Willians. Esa-Pekka Salonen London Sinfonieta. Sony Classical,
1989; JOHN W. DUARTE. Variations on a Catalan folk-song, Sonatinette, English Suíte,
Musikones. Guitar Music, Antigoni Goni. Naxos, 2001; EDUARDO FERNÁNDEZ. English
Chamber Orchestra. Arnold, Chappell, Brouwer. London, 1990 (Cds).
118
PUJOL, E. Canción de Cuna. Paris: Max Eschig (partitura).
188
Prat (PRAT, 1934, p. 253). Sua Festívola
119
é baseada na dança popular catalã – a
sardana.
Andrés Segovia, como vimos no capítulo 2, teve grande importância na
história do violão. A influência de sua personalidade como intérprete atraiu diversos
compositores a escrever para violão, resultando na formação de um repertório
moderno. Como compositor, deixou algumas obras e se apropriou de alguns temas
populares catalães em algumas adaptações
120
.
Além de Pujol, Segovia também utilizou a melodia popular La Ploma de
Perdiu, uma canção usada em ocasiões que reuniam pessoas para o trabalho de
bordar, como descrevemos anteriormente. Segovia também adaptou a canção Els
Estudiants de Tolosa, e seguindo o exemplo de Llobet, realizou outras adaptações
sobre El noi de la Mare e El Desembre Congelat
121
.
Narciso Yepes, violonista espanhol, criou em 1964 um violão de dez
cordas na intenção de ampliar o repertorio antigo e moderno e explorar novas
possibilidades de tessitura e textura. Realizou versões das canções tradicionais
catalãs Catarina d´Alió e Muntanyes del Carnigó gravadas pelo próprio
compositor
122
.
O compositor catalão Federico Mompou faz parte dos “Grupo dos
Quatro” – Mompou, Adolfo Salazar, Oscar Esplá e Roberto Gerhard (PAINE, 1989,
p. 66) - compositores modernistas espanhóis e teve como seus principais mentores
os compositores franceses do “Grupo dos Seis”. Sua obra está repleta de elementos
folclóricos de sua terra natal. Seu amor pela cultura popular catalã é evidente no ciclo
119
PUJOL, E. Festívola. Paris: Max Eschig (partitura).
120
SEGOVIA, A. 23 Canciones Populares de distintos países. Ancona: Bèrben Edizioni Musicali,
s.d. (partitura).
121
Cf. ANEXO A, p. 268 e 269 e ELIOT FISK. World Première Recording. Segovia Canciones
Populares. Music Masters Classics, 1996 (Cd).
122
Musique Catalane Narcyso Yepes, guitare. Deutsche Gramophon (Lp).
189
de Canções e Danças
123
para piano. São 15 obras, uma para órgão (no. 15) e uma
para violão (no. 13), dedicada a Narciso Yepes. Nesta obra ele usou o tema
tradicional catalão El cant dels ocells (Canção), usado também por Pujol, e El Bon
Caçador (Dança).
Explorou duas das Cantigas de Santa Maria, de Alfonso X, na Canción y
Danza no. 10 sobre dos Cantigas de Alfonso X El Sabio
124
, e na Suíte Compostellana
original para violão (1962).
Mompou usou os temas catalães em sua obra para piano com padrão
estético muito próximo aos utilizados por Llobet. Alguns temas coincidem,
inclusive
125
. Criou uma nova linguagem baseada, no entanto, em temas antigos
submergidos da tradição da Europa Central.
Lleonard Ballada Ibáñez, compositor catalão, tem uma extensa produção
musical interpretada por orquestras européias e americanas. Suas obras têm sido
estreadas e gravadas por Narciso Yepes, Eliot Fisk, Angel Romero e John Willians.
Sua obra para violão está catalogada em treze peças, entre elas, Four Catalan
Melodies (1978): La Pastoreta, Els Tres Tambors, El Noi de la Mare e La Mare de
Deu
126
.
Francisco Casanovas (1899-?), flautista catalão, também se tornou
conhecido por suas atividades pedagógicas. Realizou uma adaptação de uma canção
catalã para violão – La gata i el belitre – gravada pelo violonista Narciso Yepes
127
.
123
Cf. JORDI MASÓ. Frederic Mompou. Piano Music Volume 1. Cançons i Danses. Charmes
Scènes
d´enfants. NAXOS, 1997 (Cd).
d´enfants. NAXOS, 1997; STEPHEN HOUGH. Piano music by Federico Mompou. Hypérion, 1997
(Cds). MOMPOU, F. Cancion y Danza. Madrid: Union Musical Española, 1924, 1926, 1928
(partitura).
124
Adaptada para violão pelo próprio compositor.
125
El Noi de la Mare (Canção no. 3), L´hereu Riera (Dança no. 7), El Testament d´Amelia (Canção
no. 8), La Filadora (Dança no. 8), Cançó del Lladre (Canção no. 14).
126
Não foi possível ter acesso às partituras.
127
Musique Catalane Narciso Yepes guitare. Deutsche Gramophon (Lp).
190
Manuel Ponce, compositor mexicano faz parte do grupo de compositores
que escreveram obras comissionadas por Segovia, citados no capítulo 2. Usou uma
canção tradicional catalã em sua Canción Gallega y Alborada
128
. Sobre este título
temos duas hipóteses: o título pode ser um equívoco ou pode existir uma versão
galega de El Noi de la Mare (que não conhecemos). Possivelmente Ponce escreveu
esta canção por sugestão do Segovia que já tocava uma versão própria muito próxima
da versão de Llobet.
A repercussão das Canciones Catalanas de Llobet levou outros
compositores a realizarem adaptações para violão, seguindo a mesma linha de
Llobet. Percebemos isso claramente em Pujol, Segovia e Yepes. Não sabemos se
Mompou teve contato com Llobet, mas notamos um padrão estético muito
semelhante entre suas obras Cancion y Danza no. 3, 7, 8 3 e 14 e Canciones
Catalanas.
Decidimos incluir na pesquisa a transcrição monofônica das demais
canções tradicionais encontradas no cancioneiro catalão, junto com a letra e a
tradução para o português, salientando a importância da obra de Llobet ao influenciar
outros compositores violonistas e não-violonistas.
128
OTERO, C. Manuel Ponce Y la Guitarra. México: Fondo Nacional para Actividades Sociales,
1981.
191
5.3.1. Els tres tambors
Esta canção foi utilizada na obra de Emilio Pujol e foi dedicada a Miguel
Llobet.
Sua primeira audição foi realizada em 21 de fevereiro de 1934, em
Barcelona, pelo próprio autor, Emilio Pujol. Apesar de ser mais conservador que
Llobet, como vimos no capítulo 3 no episódio relatado por Tarragó, realizou uma
adaptação de uma canção tradicional catalã, onde transcendeu a linguagem moderna
usada por Llobet. Trata-se de uma canção catalã escrita pela primeira vez com duas
tonalidades sobrepostas – Ré e Mi bemol. Riera estabelece uma comparação desta
adaptação com a adaptação de El Mestre realizada por Llobet, considerando-a “mais
atrevida [...], e um marco no desenvolvimento histórico do violão” onde se insere a
coleção de adaptações de Llobet. Pode ser considerada como peça “sinfônica, pois
cada tambor está representado em forma tonal e polifônica distintas.” (RIERA, 1974,
p. 160)
Dentro da tradição catalã é uma das canções mais populares e, segundo
Joan Amades, “uma das mais bonitas e vibrantes do cancioneiro catalão”. Narra a
história de uma donzela que se enamora de um soldado, personificado por um
tambor. Este tema já era recorrente no século XII, o que mostra que sua origem é
bastante antiga (AMADES, 1951, p. 49). Não oferece muitas variações textuais. Na
maioria das versões a donzela é qualificada de filha de Ruan, que pode se referir ao
duque de Ruan, capitão das forças protestantes que lutaram contra os católicos
durante a Reforma. O rei da Inglaterra ajudou os huguenotes
129
, e em seu exército
129
Membros da Igreja Protestante Reformada da França, durante os séculos XVI e XVII.
192
existia um tambor histórico e lendário que rejeitava a filha do capitão porque esta não
servia para um filho do rei.
A Reforma ganhou terreno entre o povo justamente com a ajuda das
canções introduzidas nas cerimônias. Lutero, líder da Reforma Protestante, era poeta
e músico e teve uma genial intuição ao musicar os textos cerimoniais de maneira a
ser de fácil memorização, como uma canção popular. Os corais luteranos constituíam
um veículo eficiente, pois contava com a participação ativa da comunidade. Seu texto
e melodia eram indissociáveis (MASSIN, 1997, p.290).
Como referência fonográfica recomendamos a audição da soprano
Victoria de Los Angeles
130
.
Outra referência que encontramos desta canção marcial está no trabalho
de José Subirá, que comenta a grande popularidade deste romance cheio de
onomatopéias que imitam o som bélico de um tambor. É cantado por toda a
Catalunha, tanto em sua forma primitiva, como em harmonizações corais
131
. Surge
também nos cancioneiros da Bélgica (SUBIRÁ, 1953, p. 692).
A canção é cantada em outras línguas e dialetos e também aparece no
cancioneiro francês e italiano. Sua melodia é cantada de modo vibrante, com ar de
marcha que convida a caminhar com ânimo. Pujol sugere o mesmo caráter com a
anotação Tempo di Marcia.
Os pastores a usavam para conduzir o rebanho. O líder ia à frente e
cantarolava o primeiro verso e os acompanhantes respondiam os versos seguintes
enquanto o líder usava o som de um chicote para conduzir o rebanho à marcha. Na
compilação que consta no cancioneiro catalão encontramos o andamento semínima =
100 (AMADES, 1951, p. 641).
130
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 1992 (Cd).
131
Cf. ANEXO A, p. 262.
193
Copyright 1951 by Amades
Segue a tradução livre de Els Tres Tambors (Os Três Tambores):
Si n’eren tres tambors,
venien de la guerra,
i el més petit de tots
porta un ram de rosetes.
Ram, ram, pataplam!,
porta un ram de rosetes.
La filla del Ruan
n´ha sortit a la finestra:
–Tambor, el bon tambor,
si em vols dar una roseta?
Ram, ram, pataplam!,
si em vols dar una roseta?
– Donzella que l’haurà
serà l’esposa meva;
no us donaré jo el ram
que a vós no us pugui prendre.
Ram, ram, pataplam!,
que a vós no us pugui prendre.
Haviam três tambores,
vindos da guerra
e o menor de todos
carregava um ramo de rosas
Ram, ram, pataplam!,
Carregava um ramo de rosas.
A filha de Ruan
saiu na janela:
- Tambor, bom tambor,
quer me dar uma rosa?
Ram, ram, pataplan!,
q
uer me dar uma rosa?
A donzela que ganhar
será a minha esposa
não posso te dar o buquê
a menos que eu possa tê-la
Ram, ram, pataplan!,
a menos que eu possa tê-la.
194
M’haveu de demanar
al pare i a la mare;
si el sí vos volen dar,
per mi, res no es pot perdre.
Ram, ram, pataplam!,
per mi, res no es pot perdre.
.
- Vine, vine, tambor
ma filla será teva.
- No en sento grat por vós
tampoc ne sento d´ella,
Ram, ram, pataplan!,
tampoc ne sento d´ella.
Que allá em meu país
n´hi há que són més belles:
més hermosa i gentil
n´és la meva promesa.
Ram, ram, pataplan!,
n´és la meva promesa.
(AMADES, 1951, p. 641)
Venha, venha, tambor
minha filha será tua
- Não sinto afeição por vós
nem sinto por ela,
Ram, ram, pataplan!,
nem sinto por ela.
Lá no meu país
há moças mais belas:
a mais bonita e gentil
é minha prometida.
Ram, ram, pataplan!,
É minha prometida.
- Você deve pedir
ao meu pai minha mãe;
se eles consentirem,
nada posso perder.
Ram, ram, pataplan!
Nada posso perder.
195
196
197
198
199
5.3.2. El Cant dels Ocells
Esta canção foi usada na obra para violão de Emilio Pujol e possui duas
versões
132
.
O pianista Federico Mompou também usou o mesmo tema na Cançó no. 13 para
violão solo.
Embora na tradição catalã represente uma canção de ninar, cantada com várias
melodias que se adaptam ao ritmo do balançar do berço, tornou-se canção símbolo de
patriotismo, a melodia de celebração da Redenção e expressa sentimentos por diversas
espécies de pássaros, símbolo de liberdade.
Tal melodia ganhou diversos arranjos através dos anos e simboliza o
renascimento do folclore catalão. Alguns afirmam encontrar uma metáfora nos pássaros,
cujas vozes se juntaram para ecoar uma mensagem de um passado distante, onde
encontramos tais melodias tradicionais, e trazidas ao presente, com a sonoridade dos
violões que trouxeram sua voz de volta.
Durante um período de ditadura na Catalunha, El Cant dels ocells se converteu
num símbolo nacional, quase um hino patriótico, devido às apresentações do célebre
violoncelista Pablo Casals, que costumava encerrar seus concertos com uma adaptação
desta canção para piano e violoncelo.
Seu texto raramente oferece variações.
Possui umas modulações curiosas que são surpreendentes numa canção popular,
que, de modo geral, não costumam usar elementos de surpresa.
132
As duas versões se encontram no volume 4 da Escuela Razonada de Emilio Pujol (PUJOL, 1954).
200
Copyright 1951 by Amades
201
Como referência fonográfica, citamos a cantora espanhola Victoria de Los
Angeles
133
e o grupo catalão e o coral Orfeo Catalá
134
, que gravaram esta canção com texto.
Outra referência encontrada é o arranjo para piano e voz de Lluís Jordá (19--, p. 18,
partitura) e no arranjo para a mesma formação de Joaquin Nin (1924, p. 27)
135
.
A canção segue descrevendo as várias espécies de pássaros que cantam em
homenagem ao nascimento de Jesus, que segundo a letra da canção, ocorreu na primavera:
“L´Estiverola diu:/ no és hivern ni és estiu/ sinó és primavera”. (AMADES, 1951, p. 13)
A tradução livre de El Cant dels Ocells (O Canto dos Pássaros) segue abaixo:
133
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons. Collins
Classic, 1992 (Cd).
134
ORFEO CATALÁ. Chansons Traditionnelles de Catalogne. Harmonia Mundi, 1992 (Cd).
135
Cf. ANEXO A, p. 263 e 264.
202
Al veure despuntar
el major lluminar
en la nit més ditxosa,
els ocellets, cantant,
a festejar-lo van
amb sa veu melindrosa.
L´Aliga imperial
va pels aires volant,
cantant amb melodia,
dient: _ Jesús és nat
per treure ´ns pecat
i dar-nos alegria.
Respon-li lo Pardal:
- Esta nit és Nadal,
és nit de gran contento.
el Verdum i el Lluer
diuen cantant també:
- Oh, que alegria sento!
Quando vemos despontar
a luminária maior (lua)
na mais jocosa noite
os passarinhos, cantando,
vão festejar-lhe
com sua vozes angelicais.
A águia imperial
vai voando pelos ares
cantando com melodia
dizendo: - Jesus nasceu
para acabar com o pecado
e nos dar alegria.
Responde-lhe o Pardal:
- Esta noite é Natal,
noite de grande felicidade.
o Verdum e o Lluer
dizem cantando também:
- Oh, que alegria sinto!
Cantava o Passerell:
- Oh, que hermós i que bell
és l´infant de Maria!
I lo alegre Tord:
- Vençuda n´és la mort:
ja naix la vida mia.
Cantava el Rossinyol:
- Hermós és com un sol,
brillant com uma estrella.
la Cotxa i el Bitxac
festegen el manyac
i sa mare donzella.
Cantava el Reietó
per glória del Senyor,
inflant amb biçarria;
el Canari segueix:
la música pareix
del cel gran melodia.
Cantava el Cotoliu:
- Ocells, veniu, veniu,
A festejar l´aurora.
O Passerel cantava:
- Oh, que formoso e belo
é o filho de Maria!
E o Tord alegre:
- A morte está derrotada!
nasceu minha vida.
O Rouxinol cantava:
- É formoso como um sol,
brilhante como uma estrela.
a Cotxa e o Bitxac
festejam o doce menino
e sua virgem mãe.
O Reietó cantava
pela glória do Senhor,
inflando com orgulho
o Canário segue:
a música parece
uma grande melodia celestial.
O Cotoliu cantava:
- Pássaros venham, venham,
festejar a aurora.
I lo Merlot, xiulant,
anava festejant
a la millor Senyora.
E o Merlot, assoviando,
seguia festejando
à melhor Senhora.
203
L´Estiverola diu:
no és hivern ni és estiu,
sinó que és primavera;
perqué há nat uma flor
que pertot dóna olor,
que el cel i la terra.
Canta el Francollí:
- Ocells: qui vol venir
a glossar melodia,
a veure el gran Senyor
amb son gran resplendor
dintre d´uma establia?
Cantava el Puput:
- Esta nit há vingut
el Rei de cels i terra.
la Tórtora i Colom
admirem a tothom,
cantant sense tristesa.
Pigots i Borroners
se´n pugen pels fruiters,
cantant amb alegria;
la Guatlla i el Cucut
molt de lluny han vingut
per contemplar el Messias.
Cantava la Perdiu:
- Me´n vaig a fer lo niu
dins d´aquella establia,
per a veure l´infant
com està tremolant
en braços de maria.
La Garsa, Griva i Gaig
diuen: - Ja ve-lo Maig.
Respon la Cadernera:
- Tot arbre reverdeix,
tota planta floreix
com si fos primavera.
Cantava lo Pinsà:
- Glória avui, festa demà,
sento gran alegria
de veure el diamant
tan hermós i brillant
als braços de Maria.
A Estiverola diz:
não é inverno nem verão,
ms sim primavera;
porque nasceu uma flor
que exala seu odor por toda parte,
pelo céu e pela terra.
O Francollí canta:
- Pássaros: quem quer vir
cantar a melodia,
e ver o grande Senhor
com seu grande resplendor
dentro de um estábulo?
A Puput cantava:
- Nesta noite veio
o Rei dos céus e da terra.
a Tórtora e pomba
admiraram a todos,
cantando sem tristeza.
Pigots e Borroners
pousam nas árvores frutíferas,
e cantam com alegria;
a Guatlla e o Cucut
vieram de muito longe
para contemplar o Messias.
A Perdiz cantava:
- Vou fazer o ninho
dentro daquele estábulo,
para ver o menino
como está tremendo
nos braços de Maria.
A Garsa, Griva e Gaig
dizem: - Já está chegando Maio.
Responde a Cadernera:
- Toda árvore brota,
toda planta floresce
como se fosse primavera.
O Pinsà cantava:
- Glória hoje, festa amanhã,
sinto muita alegria
de ver o diamante
tão formoso e brilhante
nos braços de Maria.
204
El Xot i lo Mussol,
al veure eixir lo sol,
confosos se retiren.
El Gamarús i el Duc
diuen: - Mirar no puc:
les resplendors m´admiren.
(AMADES, 1951, p. 13)
O Xot e o Mussol,
ao verem o nascer do sol,
confusos se retiram.
O Gamarús e o Duc
dizem: - Não posso olhar:
seu resplendor me surpreende.
205
206
207
208
209
5.3.3. El Bon Caçador
Este tema foi utilizado na obra para violão Dança no. 13 da série de Canções e
Danças para piano do compositor catalão Federico Mompou.
Ritmicamente, se concentra pelas terminações femininas, característica na obra
de Mompou (PAINE, 1989, p. 101) e na poesia na língua catalã (BARGALLÓ, 1983, p.
127).
Na tradição cancionística apresenta uma grande diversidade de variantes
literárias e melódicas. Outra referência indicou tais variações – uma descrita em compasso
2/4 e outra em compasso 6/8 (PUJOL, 1926, vol. 2, p. 120)
No final do século passado, se bailava em volta de uma pedra durante uma
forada
136
típica realizada na segunda-feira depois da Páscoa. Colhiam-se flores e ervas
aromáticas e medicinais do campo que eram colocadas na pedra e o povo dançava um ball
rodó (dança de roda) em volta dela ao som desta canção.
Há uma versão melódica desta canção que se adapta ao ritmo do trabalho dos
ferreiros ao cantarolarem a canção enquanto martelavam. O refrão, completamente alienado
ao sentido do argumento da letra, faz alusão à ação de usar a bigorna.
Esta canção faz parte do repertório representado no carnaval, especialmente em
Alt Berguedá. Os atores dançam o ball rodó ao som da mesma canção.
Como vimos anteriormente, as canções de caça caracterizam-se por frases
curtas. Assim, observamos a estrutura melódica de El Bon Caçador, notamos a ocorrência
de frases de três compassos:
136
Comida campestre preparada especialmente para diversão do povo.
210
Copyright 1951 by Amades
211
Recomendamos a referência fonográfica na obra da soprano Victoria de los
Angeles
137
para uma melhor compreensão do texto.
Segue a tradução livre de El Bom Caçador (O bom caçador):
Una matinada fresca
vaig sortir par ´nar a caçar,
no em trobo perdiu ni guatlla
per a poder-li tirar,
Si em tira l´amor i em toca,
si em toca bé em tocarà.
Sinó uma pobra pastora
que em guardava el bestiar:
Já la´n trobo adormideta
a la vora d´um canyar.
De tan boniqueta que era
no la goso despertar.
En cullo un pom de violes
i al pit les hi vaig tirar.
Les violes eren fresques:
la pastora es despertà.
Quyan em fou despertadeta
tots els colors trasmudà.
(AMADES, 1951, p.400)
137
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons. Collins
Classic, 1992 (Cd).
Uma fresca manhã
saí para caçar,
não peguei perdiz nem codorniz
para poder atirar.
Se atirar no amor e acertar,
se atirar bem acertará.
Havia uma pastora
que cuidava do gado:
Estava adormecida
ao lado de um canavial.
De tão bonita que era
não quis despertá-la.
Colhi um ramo de flores
e coloquei em seu peito.
As flores eram frescas:
a pastora despertou.
Quando acordou
ficou com o rosto corado.
212
213
214
215
5.3.4. La Ploma de Perdiu
Esta canção foi utilizada na obra de Andrés Segovia
138
e Emilio Pujol
139
com
caráter didático, longe da sofisticação das adaptações de Llobet.
Pujol sugere o andamento Vivace e Segovia Allegretto. Na versão catalã é
cantada com ares de dança e faz parte dos encontros sociais ao ar livre – os “aplecs” citados
anteriormente - com a finalidade de comer, cantar e dançar a típica sardana.
Classificada como canção de bordar, suas letras fazem referência direta ao
trabalho artesanal, junto com temas amorosos e galantes. Também faz parte de cancioneiros
de diversas terras francesas
140
, por onde é cantada principalmente por bordadeiras.
Uma outra referência desta canção, além de Amades, encontra-se no
Romancerillo (PUJOL, 1926, vol. 1, p. 273).
Encontramos uma referência fonográfica que inclui o texto da soprano Victoria
de los Angeles
141
.
O texto de La Ploma de Perdiu (A Pluma de Perdiu) com tradução livre para o
português segue abaixo:
138
SEGOVIA, A. 23 Canciones Populares de distintos países. Ancona: Bèrben Edizioni Musicali, s.d.
(partitura).
139
PUJOL, E. Deuxième Triquilandia. Bibliothéque de Musique Ancienne et Moderne pour Guitare. Paris:
Editions Max Eschig, 1962 (partitura). Cf. STEFANO GRONDONA. Lo Cant dels Ocells. Stradivarius,
2000 (Cd).
140
O título usado por Pujol está em francês: La Plume de Perdreau. Segovia chamou simplesmente de
Catalana.
141
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons. Collins
Classic, 1992 (Cd).
216
Copyright 1951 by Amades
Seguimos com a tradução livre de La Ploma de Perdiu (A Pena da Perdiz):
Si n´hi havia tres ninetes,
lumberdigodí digodon don dondeta,
lumberdigodí digodeta don,
que totes tres brodaven seda,
lumberdigodí lumberdigodon,
lumberdigodí digodeta don.
El fill del rei s´hi passejava.
Já els demana um bri de seda.
- Què em voleu fer, del bri de seda?
- El vull per fer una llaçadeta.
- Per què en voleu la llaçadeta?
- Per a agafar una perdiueta.
- Per què en voleu la perdiueta?
- Per a arrencar-li una plometa.
- Què en voleu fer, de la plometa?
- Hi vull escriure una carteta.
- Què em voleu fer, de l´amoreta?
- Vull em fer-li una abraçadeta.
(AMADES, 1951, p 760)
Haviam três meninas,
lumberdigodí digodon don dondeta,
lumberdigodí digodeta don,
todas três bordavam seda,
lumberdigodí lumberdigodon,
lumberdigodí digodeta don.
O filho do rei passeava.
Ele encomenda uma peça de seda.
- Que fará com a peça de seda?
- Quero fazer uma laçada.
- Por que quer fazer uma laçada?
- Para capturar uma perdiz.
- Para que quer uma perdiz?
- Para arrancar-lhe uma pena.
- Que fará com a pena?
- Quero escrever uma cartinha.
- Que fará com seu amor?
- Vou dar-lhe um abraço.
217
218
219
5.3.5. Els Estudiants de Tolosa
Segovia usou este tema em caráter didático. Foi gravada pelo violonista
Stefano Grondona.
142
Devido à sua popularidade na França, os eruditos franceses têm feito dela
tema de estudo, e acreditam que foi originada num corretivo que alguns estudantes
levaram por terem caçado em lugar proibido. Outros opinam que canta um episódio da
guerra dos Trinta Anos, ocasionada pelo efeito das lutas religiosas entre os estudantes
calvinistas e os estudantes católicos (AMADES, 1951, p. 405).
Era muito cantada em trabalhos monótonos e lentos, a canção preferida dos
“espardenyers” (artesãos que faziam as “espardenyas” citadas na Canção do Ladrão).
Também era entoada durante trabalhos pesados como, por exemplo, os estivadores da
região de Ebre.
Esta canção era apresentada durante o carnaval em algumas regiões da
Catalunha (Alt Berguedá) junto com uma espécie de brincadeira teatral: as pessoas
formavam uma roda, e quem sabia cantar melhor entoava a melodia que, à medida que
ia descrevendo os personagens e cenas, alguns faziam o papel dos atores, dançando e se
movendo de acordo com a letra da canção (AMADES, 1951, p. 406).
Amades sugere como andamento para execução desta melodia semínima =
60. Encontramos a referência de uma variação desta melodia que sugere o andamento
semínima = 76, descrita em compasso quaternário (PUJOL. 1926, vol. 2, p. 112).
Como referência fonográfica, recomendamos a audição da soprano Victoria
de Los Angeles
143
.
142
STEFANO GRONDONA. Lo Cant dels Ocells. Stradivarius, 2000 (Cd).
143
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 1992 (Cd).
220
A tradução livre de Els Estudiantes de Tolosa (Os estudantes de Tolosa) para
o português é a seguinte:
Copyright 1951 by Amades
A la vila de Tolosa
n´hi há tres estudiants
que en segueixen els estudis
per a ser-ne capellans.
Si n´encontren tres ninetes,
tres ninetes molt galants,
Comencen a tirar xanxes,
xanxetes vénen i van.
El mès petit que hi havia,
els en há allargat les mans.
Les ninetes són traidores,
justicia van demanant.
(AMADES, 1951, p. 404)
Na cidade de Tolosa
existem três estudantes
que estão seguindo seus estudos
para se tornarem padres.
Encontraram três mocinhas
três mocinhas muito gentis,
começaram a fazer gracejos,
que vem e vão.
A mais novo dos três
extendeu-lhes as mãos
As mocinha são traidoras
e pediram por justiça.
221
222
5.3.6. Muntanyes del Canigó
Narciso Yepes adaptou esta melodia tradicional para violão
144
.
O fundador do importante coral Orfeo Catalá, Luís Millet citado no capítulo
1, profundamente comprometido com o sentimento popular e influenciado por Pedrell,
escreveu a obra Los Pirineos que faz referência a esta melodia popular (LIVERMORE,
1974, p. 335), além de Pahissa (19--, p. 17, partitura) e Jordá (19--, p. 12, partitura)
145
.
A influência do canto litúrgico na canção tradicional catalã, que comentamos
anteriormente, é recorrente neste tema, segundo a afirmação de alguns musicólogos
(PUJOL, 1926, vol. 2, p. 386).
144
Musique Catalane Narcyso Yepes, guitare. Deutsche Gramophon (Lp).
145
Cf. ANEXO A, p. 265 e 266.
223
Copyright 1951 by Amades
Segue a tradução livre de Muntanyes del Canigó (Montanhas do Canigó):
Muntanyes del Canigó
Fresques són i regalades,
Sobre tot ara a l´estiu,
Que les aigües són gelades.
Montanhas do Canigó
São frescas e agradáveis,
Especialmente agora no verão
Quando as águas são geladas.
224
Tres mesos m´hi vaig estar,
Sens veure persona nada,
Sinó un trist rossinyolet
Que a l´eixir del niu cantava.
Ell canta quan el sol surt
Rosa fresca i regalada.
- Rossinyol, bon rossinyol,
Deu te dó bona volada.
(AMADES, 1951, p. 422)
Estive lá por três meses
Sem ver ninguém,
Exceto um triste rouxinolzinho
Que cantava ao deixar o ninho.
Ele canta ao nascer do sol
Rosa fresca e delicada
- Rouxinol, bom rouxinol,
Deus te dê um bom vôo.
225
226
227
5.3.7. Catarina d´Alió
Classifica-se como canção de trabalho (cançó de tasca) e descreve a ação de
lavar roupas (cançó de rentadora). Em termos gerais, as canções com tema de lavadeiras
são cantadas com caráter de dança que se encaixam no ritmo de lavar roupas com os
pés. Este costume faz alusão a um tipo de dança muito freqüente entre as lavadeiras.
Também é muito difundida na França e típica entre as lavadeiras. (AMADES, 1951, p.
700).
Recomendamos a audição da soprano Victoria de los Angeles
146
, para uma
melhor compreensão de seu texto.
Copyright 1951 by Amades
146
CANÇONS TRADICIONALS CATALANES. Victoria de Los Angeles with Geoffrey Parsons.
Collins Classic, 1992 (Cd).
228
Segue a tradução livre de Catarina d´Alió (Catarina de Alió):
Catarina, l´amor,
de matí s´és llevada,
n´agafa el rentador,
el rentador i la banca.
La dolça dama d´Alió,
Oh, lai lá! Oh, lai lá!
Sota el pont d´Alió
va rentar la bugada,
ja en passen tres galants
que l´han salutada.
La dolça dama d´Alió...
Ja en diu el més grandet:
- Ai quina gentil dama!
Respón el mitjancer:
Jo la tingués en cambra!
La dolça dama d´Alió...
(AMADES, 1951, p. 700)
Catarina, amor,
levanta de manhã cedo,
pega o lavador,
o lavador e o banquinho.
A doce dama de Alió,
Oh, lai lá!oh, lai lá!
Debaixo da ponte Alió
senta para lavar roupas,
três rapazes galantes passam
e a cumprimentam.
A doce dama d´Alió...
O maior disse:
- Oh que gentil dama!
O do meio responde:
Se eu pudesse tê-la em meu quarto!
A doce dama de Alió...
229
230
231
5.1.8. La Gata i el Belitre
Esta canção foi adaptada para violão por Francisco Casanovas
147
. O violonista
Narciso Yepes, que também realizou adaptações de melodias tradicionais catalãs, gravou
esta versão junto com outras adaptações de Llobet, Segovia e Mompou
148
.
Possui melodia igual a uma canção de caçador – La Capta del Llop (AMADES,
1951, p. 399). Traduzimos livemente La Gata i el Belitre (A gata e o Selvagem):
Copyright 1951 by Amades
A tradução livre de La Gata i el Belitre (A gata e o Selvagem):
De la gata i el belitre
jo us diré lo que há passat:
s´ha perdut alguna cosa,
no sé qui l´haurá trobat,
Si será lo gos o el gat,
que la nyigo, nyigo, nyigo;
Si será lo gos o el gat,
aquell que no haurá trobat.
(AMADES, 1951, p. 741)
147
CASANOVAS, Francisco. La Gata i el Belitre. Disponível em: http://dirk.meineke.free.fr. Acesso em: 23
Novembro 2007.
148
Musique Catalane Narcyso Yepes, guitare. Deutsche Gramophon. (Lp).
Da gata e o selvagem
vou dizer a vocês o que passou:
alguma coisa tem se perdido,
não sei quem a terá achado,
Se será o cão ou o gato,
que a nhigo, nhigo, nhigo;
se será o cão ou o gato,
a
q
uele o terá achado.
232
233
234
235
CONCLUSÃO
Procuramos neste trabalho localizar os elementos da escola nacional catalã,
depois os elementos da escola do violão e notamos que os violonistas catalães do século
XIX e XX são as principais referências da historia do violão naquele momento.
O período em que as adaptações das Canciones Catalanas de Llobet foram
concebidas foi decisivo para a afirmação do violão, desde o início do século XX até hoje,
como o conhecemos atualmente, depois de algumas transformações realizadas num período
anterior a Miguel Llobet. Neste momento histórico oportuno de processo evolutivo, Llobet
teve uma participação importante como compositor, arranjador e concertista. Notamos
também em sua personalidade as facetas de intelectual, musicólogo e artista plástico. Esta
característica multifacetada de Llobet o fez um artista muito interessante e difícil de
classificar, além da falta de uma documentação mais completa a respeito de sua obra e vida
artística. Enquanto não se escrever uma biografia documentada sobre Llobet a história do
violão nunca estará completa.
Ao levantarmos as informações da origem destas canções tradicionais,
percebemos a faceta de musicólogo de Llobet, pois ao utilizar melodias antigas em sua
obra, resgatou um passado histórico.
Vimos que alguns temas usados podem datar do século XII, período dos
trovadores e do século XIV, quando os monastérios impulsionavam a evolução da música
caracterizada por diversos elementos populares. Algumas das canções históricas e lendárias
datam do século XVI e durante o século XVII e XVIII foram produzidas um grande
número delas.
236
A pesquisa da possível origem das canções, junto com a inclusão dos textos e
sua tradução para o português oferece novos elementos de interpretação aos violonistas,
pois conhecer seu contexto histórico e literário contribui para formar uma concepção mais
completa do sentido das melodias.
Vimos também o quanto tais melodias estavam ligadas ao movimento
nacionalista que revolucionou a cultura catalã. Llobet pode ter usado as melodias
tradicionais para impulsionar o estabelecimento do violão como instrumento de concerto,
pois eram extremamente populares e atraíam o público, assim como o movimento coral
impulsionado pela cultura musical tradicional, atraía grandes massas para as instituições
orfeônicas.
Sua atividade como concertista serviu de modelo para Segovia levar adiante o
movimento do violão de concerto. Apesar de toda controvérsia que Segovia criou em torno
de si e sua trajetória, acreditamos que o contato de Segovia com Llobet o tenha mostrado as
novas possibilidades que o violão oferecia, mudando o perfil de intérprete de Segovia.
Além de algumas melodias estarem ligadas ao movimento social catalão, outras
estavam relacionadas com a situação política da Catalunha que no período de Llobet
passava por diversas transformações. Não sabemos ainda até que ponto Llobet estava
engajado politicamente em tais acontecimentos, pois não temos nenhuma declaração escrita
por ele ou outros autores sobre isso. Estamos na expectativa de encontrar nas duas versões
citadas Els Segadors e L´Emigrant algumas pistas de seus ideais políticos.
Com as Canciones Catalanas Llobet iniciou uma espécie de tratamento de
música folclórica que não existia no repertório violonístico que estava voltado para
transcrições de obras clássicas, fantasias e pout-pourris que exploravam temas de óperas
famosas. Além disso, podemos afirmar que ele foi o primeiro a mostrar as possibilidades
237
expressivas do violão e sua complexidade abrindo o caminho para outros compositores
escreverem para o instrumento de forma sofisticada.
O trabalho de Llobet vem sendo reconhecido, o que tem levado muitos a dar o
crédito a ele por uma nova linguagem do violão. A música de Tárrega estava posicionada
na linguagem do século XIX e a música de Llobet ajudou a posicionar o violão no século
XX.
Acerca de sua originalidade, maior sensibilidade para nuances harmônicas e
exploração de timbres, acreditamos que a coleção das Canciones Catalanas merece ter seu
status de obras originais. Muito além de meros arranjos para violão, foi um marco na
literatura para violão do século XX.
O reconhecimento da importância das Canciones Catalanas e do conjunto da
obra de Llobet tem motivado alguns pesquisadores a desvendar o universo deste importante
violonista catalão. Graças à pesquisa do violonista italiano Stefano Grondona, obras
inéditas vêm sendo reveladas através de suas gravações citadas na pesquisa, e mais
informações a respeito de traços dos diferentes momentos criativos de Llobet podem ser
fornecidas.
Diante da possibilidade do surgimento de mais obras, aguardamos a publicação
do patrimônio musical que Llobet deixou para o violão. Este fato abre campo para outras
pesquisas a respeito do legado musical de Miguel Llobet.
238
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Salonen London Sinfonieta. Sony Classical, 1989. 1 Cd (60: 26 min.), digital, estéreo.
SK 46720
Lp
Musique Catalane Narcyso Yepes, guitare. Deutsche Gramophon. Lp, estéreo 2530273.
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Acesso em: 6 Janeiro 2008).
245
XTEC, Serveis Educatius. Disponível em:
http://www.xtec.es/serveis/crp/a8903084/docs/himne1.pdf. Acesso em: 18 novembro
2007).
Partituras disponíveis na internet:
CASANOVAS, Francisco. La Gata i el Belitre. 1 partitura. Violão. Disponível em:
http://dirk.meineke.free.fr. Acesso em: 23 Novembro 2007.
246
ANEXOS
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ANEXO A – Partituras
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ANEXO B - Entrevista com Stefano Grondona
Dagma: Muitos violonistas brasileiros, estudantes e profissionais, executam as
Canções Catalãs de Miguel Llobet, mas não conhecem sua origem e o texto delas.
Como é na Europa?
Grondona: Os violonistas europeus também não sabem nada a respeito das canções, o que
elas dizem e as consideram como simples peças fáceis. Mas não é verdade. Por exemplo,
La Pastoreta representa um verdadeiro tratado de como movimentar a mão esquerda!
Alguns não valorizam as transcrições, mas o que Llobet tem de especial está nestas
canções, ao mesmo temo simples e elaboradas. O que Llobet fez com as canções é
maravilhoso!Explorou temas do folclore, adaptando-os para o violão de maneira
extremamente expressiva.
La Presó de Lleida, El testamento d´Amelia são melodias muito antigas, de uma longa
tradição, mas os violonistas não tem conhecimento disso. Uma fonte de pesquisa
importante sobre a tradição destas melodias é o livro de Joan Amades – Folklore de
Catalunya. Acho importante que os violonistas saibam mais sobre as Canções Catalãs. Elas
não são simples obras, como muitos as consideram.
Dagma:Você tem algum dado sobre a canção Plany?
Grondona: Não consegui nenhuma informação sobre esta canção.
Dagma: A carreira de Miguel Llobet, bem como sua obra para violão, não tiveram
tanto destaque quanto Tárrega e Segovia. A que você atribui este fato?
Grondona: Acredito que isso se deve ao período difícil que a Espanha enfrentava com a
Guerra Civil, que colocou uma espécie de cortina sobre tudo o que estava sendo realizado
naquele momento, na Catalunha. Llobet não ficou imune aos efeitos sócio-políticos de seu
271
tempo e não conseguiu sobressair-se como Tárrega e Segovia. Segovia era um leão,
diferente de Llobet. Muito mais decidido e objetivo quanto ao que pretendia em sua
carreira. Acredito que tanto Llobet quanto Arcas ficaram sufocados entre a notoriedade de
Tárrega e Segovia.
Dagma - Qual a sua opinião sobre a possibilidade de Segovia ter feito aulas com
Llobet?
Grondona - Llobet, além de virtuoso, era um intelectual. Realmente uma figura muito
importante. Por isso Segovia foi para Barcelona para encontrar Llobet. Segovia é resistente
em afirmar isso, mas em sua biografia ele cita que observou Llobet na realização de alguns
trechos musicais, algumas soluções técnicas, talvez. Para mim isso é ter aulas.
Dagma - Podemos dizer que a escola moderna de violão que conhecemos iniciou-se na
Catalunha?
Grondona - Sim, podemos. Embora os catalães não tenham consciência disso. Não se toca
violão diferente lá, do que no resto da Europa. Mas os grandes intelectuais e músicos se
encontravam nesta região: Sor, Arcas, Tárrega obviamente, Llobet e Pujol.
Torres era andaluz, mas enviava seus instrumentos para Catalunha. Era lá onde estava o
centro de música erudita para violão. Outro luthier importante foi Enrique Garcia.
Dagma - Você gravou uma série de obras inéditas de Llobet. Pode nos contar como foi
encontrar este tesouro?
Grondona - Fernando Alonso (violonista e proprietário da Casa Sor, em Barcelona)
encontrou este arquivo na casa de uma antiga amiga da família de Llobet, ex-aluna de piano
de sua esposa. Graças a um entendimento entre mim e Alonso e uma colaboração ao longo
de dez anos, foi possível realizar as gravações deste patrimônio musical. São novas
adaptações de canções tradicionais catalãs (L´Anunciació e L´hostal de la Peira, além de
272
uma nova adaptação de La Filla del Marxant) para grupo de violões. Llobet era o
responsável por um grupo chamado Lira Orfeu. O grupo era formado por violões,
mandolinas, alaúdes e um arquialaúde. Tais adaptações foram feitas para este grupo, entre
outras (Mozart, Beethoven, Chopin, Mendelssohn, Schumann, de Falla e Albeniz).
Dagma - Uma curiosidade é a suposta relação que Llobet teve com Villa-Lobos e sua,
também suposta, Valsa-Concerto, dedicada a Llobet. Tem alguma informação sobre
esta obra?
Grondona - Isso é algo não esclarecido. Existem algumas anotações na partitura do próprio
Llobet, algumas “correções”, o que coloca em dúvida se realmente ela foi escrita por Villa-
Lobos.
Dagma - Um artigo da revista Soundboard cita Llobet como sendo o “pai do violão
moderno”, título dado anteriormente a Tárrega. O que você acha disso?
Grondona - Acredito ser correto. Tárrega foi o responsável pela criação de um novo
conceito, mas foi Llobet, que conferiu ao violão um perfil mais modernista, e sua obra
transcendeu as possibilidades do violão já exploradas. Estou muito satisfeito por estar
ajudando a sensibilizar o público a reconhecer a importância deste artista de tantas facetas,
que precisam ser descobertas.
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ANEXO C - Programas de Recital realizados durante o II
Encontro Internacional de Violonistas de Tatuí
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