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Espaço e tempo na dinâmica das relações de trabalho
entre empresa-matriz e profissionais-consultores um
estudo exploratório.
Diana dos Santos Johnson
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto COPPEAD de Administração
Mestrado em Administração
Orientadora: Ursula Wetzel, D. Sc.
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
2007
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Espaço e tempo na dinâmica das relações de trabalho entre empresa matriz e
profissionais-consultores um estudo exploratório.
Diana dos Santos Johnson
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em
Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Administração.
Aprovada por:
________________________________ Orientadora
Profª. Ursula Wetzel, D. Sc. (COPPEAD/UFRJ)
________________________________
Profª. Denise Fleck, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ)
________________________________
Profª. Maria José Tonelli, D. Sc. (FGV/EAESP).
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Johnson, Diana dos Santos.
Espaço e tempo na dinâmica das relações de trabalho entre empresa matriz e profissionais-
consultores um estudo exploratório./ Diana dos Santos Johnson. Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPEAD, 2007.
vii, 117 f.: il
Dissertação (Mestrado em Administração) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
Coppead de Administração, Rio de Janeiro, 2007.
Orientador: Ursula Wetzel
1. Espaço e tempo. 2.Administração Teses. I. Wetzel, Ursula (Orient.). II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pós Graduação em Administração. III. Título.
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RESUMO
JOHNSON, Diana dos Santos. Espaço e tempo na dinâmica das relações de
trabalho entre empresa-matriz e profissionais-consultores um estudo exploratório
Dissertação (Mestrado em Administração) Instituto COPPEAD de Administração,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.
O estudo do espaço e tempo no trabalho vem sendo apontado por teóricos como
uma linha de pesquisa que precisa ser mais aprofundada na medida em que
contratos de trabalho mais flexíveis se tornam mais comuns, impulsionados pelos
avanços tecnológicos da atualidade. Este trabalho investiga a dinâmica e o
significado do espaço e do tempo para profissionais-consultores que trabalham na
empresa cliente, longe de sua empresa-matriz.
Para o presente estudo, uma pesquisa qualitativa foi realizada através de entrevistas
em profundidade com 15 profissionais de diversas empresas de consultoria no
Estado do Rio de Janeiro.
Posteriormente, é feita uma análise das implicações do tempo e espaço à luz dos
depoimentos de profissionais-consultores que, pela própria característica de sua
função, se encontram fisicamente distantes de sua empresa.
Em uma análise inicial, os resultados indicaram que as implicações das questões de
espaço-tempo se alteram na medida em que esses profissionais amadurecem e se
desenvolvem na carreira. Porém, a riqueza dos depoimentos gera muitos
questionamentos e, assim, abre um vasto campo de para futura pesquisa em uma
categoria profissinal muito pouco estudada.
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ABSTRACT
JOHNSON, Diana dos Santos. Espaço e tempo na dinâmica das relações de
trabalho entre empresa-matriz e profissionais-consultores um estudo exploratório
Dissertação (Mestrado em Administração) Instituto COPPEAD de Administração,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.
Space and time issues have been identified by many theorists as a research area
that requires further attention, as flexible work contracts become an even more
common phenomenon due to recent technological advances. This study sets out to
verify the dynamics and the meaning of space and time to consultants who work at
the client company rather than their own.
The qualitative data has been collected by way of in-depth interviews with fifteen
consultants from a number of diverse consulting firms located in the state of Rio de
Janeiro. Subsequently, an analysis is made of the implications as regards time and
space, of the opinions and experiences of these professional consultants, who, by
definition, spend most of their time physically absent from their employing company’s
premises.
Initial impressions indicate that the impact of time and space considerations changes
as professional consultants mature and develop throughout their careers.
Nevertheless, the richness and depth of the material collected leaves many questions
unanswered, and so opens up a wide field for further study of a professional category
on which very little research has been carried out to date.
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AGRADECIMENTOS
Embora uma dissertação seja, pela sua finalidade acadêmica, um trabalho individual,
há contribuições de natureza diversa que não podem nem devem deixar de ser
mencionadas. Por essa razão, desejo expressar os meus sinceros agradecimentos:
Aos meus pais, Peter e Maria, pelo estímulo e apoio incondicional desde a primeira
hora; pela paciência e grande amizade com que sempre me ouviram e sensatez com
que sempre me ajudaram.
À Profª. Ursula Wetzel, professora e orientadora, pela abertura de espírito revelada
desde a primeira aula de Relações do Trabalho, que logo me abriu a porta que
rapidamente me encaminharia para o tema desta dissertação. Pela disponibilidade
revelada e pelas críticas e sugestões relevantes.
À Profª. Maria José Tonelli e à Profª. Denise Fleck, pela participação na banca
examinadora da defesa desta dissertação.
Aos consultores entrevistados que, mesmo muito ocupados, doaram um pouco de
seu tempo para a concretização deste estudo, não colocando restrições ao acesso
das informações.
E, por fim, aos colegas do Mestrado pela excelente relação pessoal que criamos e
que espero não perder. Em especial à Equipe de Recolocação: André Moura,
Leonardo Siqueira, Renata Maia e Thiago Cruz pelo profissionalismo exemplar, pelo
apoio nos momentos de trabalho intenso, pelas conquistas e, claro, pela amizade.
7
SUMÁRIO
PARTE 1 O PROBLEMA....................................................................................................9
1.1. OBJETIVOS......................................................................................................................9
1.2. INTRODUÇÃO.................................................................................................................9
1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO.........................................................................................12
1.4 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA...................................................................................13
1.5 DEFINIÇÃO DE PROFISSIONAIS-CONSULTORES...............................................13
PARTE 2 - REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................15
2.1 A QUESTÃO DO ESPAÇO...........................................................................................15
2.1.1 O ESPAÇO PESSOAL......................................................................................................17
2.1.2 O ESPAÇO ORGANIZACIONAL.......................................................................................24
2.1.3 O ESPAÇO DO CONSULTOR............................................................................................30
2.2 A QUESTÃO DO TEMPO.............................................................................................33
2.2.1 O TEMPO OBJETIVO E O TEMPO SUBJETIVO ..................................................................35
2.2.2 O TEMPO NO TRABALHO...............................................................................................36
2.2.3 O TEMPO DO CONSULTOR.............................................................................................39
2.3 A QUESTÃO DA IDENTIDADE...................................................................................43
2.4 ESPAÇO, TEMPO E IDENTIDADE..............ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
PARTE 3 - METODOLOGIA................................................................................................46
3.1 COLETA DOS DADOS........................................................................................................47
3.2 SELEÇÃO DOS SUJEITOS ...................................................................................................48
3.3 BREVE PERFIL DOS ENTREVISTADOS...............................................................................49
3.4 TRATAMENTO DOS DADOS..............................................................................................51
3.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO................................................................................................52
PARTE 4 - DISCUSSÃO DE RESULTADOS...................................................................53
4.1 ESPAÇO...........................................................................................................................53
4.1.1 A QUESTÃO DO ESPAÇO NO CLIENTE “ZERO ESPAÇO,?”.......................................54
4.1.2 A QUESTÃO DO ESPAÇO NA CONSULTORIA “TÁ CHEIO? VOCÊ VAI PRA CASA............55
8
4.1.3 A QUESTÃO DO ESPAÇO PESSOAL UM LUGAR SEM ESPAÇO.....................................59
4.1.4 A QUESTÃO DO DESALOCADO O DESEMPREGADO EMPREGADO..............................64
4.1.5 A QUESTÃO DA MOBILIDADE TEM QUE ESTAR DISPOSTO A ISSO,?”......................66
4.2. TEMPO............................................................................................................................71
4.2.1 A QUESTÃO DO TEMPO NO CLIENTE SE É FERIADO PARA ELE, É PARA MIM..............71
4.2.2 A QUESTÃO DAS LONGAS JORNADAS DE TRABALHO EXTREMAMENTE INTENSO.......73
4.2.3 A QUESTÃO DO TEMPO NO ESCRITÓRIO “O QUE EU ESTOU FAZENDO AQUI?” ............74
4.2.4 A QUESTÃO DO TEMPO PESSOAL FICA TUDO MUITO SEM TEMPO ............................76
4.2.5 A QUESTÃO DOS DIVERSOS TEMPOS “A GENTE TEM TEMPOS PARALELOS...................79
4.2.6 A QUESTÃO DO GERENCIAMENTO DO TEMPO CADA DIA É UMA SURPRESA..............81
4.3. IDENTIDADE..................................................................................................................83
4.3.1 IDENTIDADE ORGANIZACIONAL “EU FALO QUE NÃO TRABALHO LÁ...........................84
4.3.2 IDENTIDADES PROVISÓRIAS - "EU SOU CLIENTE OU SOU CONSULTORIA?”......................84
4.3.3 O NETWORKING “NINGUÉM ME CONHECE!”...............................................................87
4.3.4 A IDENTIDADE NO CRACHÁ “VOCÊ ESTÁ ROTULADO ALI...........................................89
4.4 O FUTURO NA CONSULTORIA.................................................................................90
4.4.1. ALAVANCAGEM NA CARREIRA UM PROFISSIONAL BEM COMPLETO........................90
4.4.2 A QUESTÃO GÊNERO “A SUPER MULHER.................................................................93
4.4.3 CICLO DE VIDA E DE CARREIRA CHEGA UMA HORA QUE CHEGA!” .............................95
4.4.4 CICLO DE VIDA E ESPAÇO-TEMPO.................................................................................98
PARTE 5. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................100
PARTE 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................111
PARTE 7 GLOSSÁRIO...................................................................................................116
9
PARTE 1 O PROBLEMA
1.1. Objetivos
Esta pesquisa aborda uma situação bastante atual e comum no “mundo da
consultoria” em que profissionais trabalham em um ambiente que não é a sua
empresa de origem
1
, mas alocados na empresa de clientes, portanto inseridos em
seu espaço e seu tempo. Assim, o estudo busca entender:
a) as relações de trabalho entre a organização e os profissionais-consultores
que se encontram física e temporalmente distantes;
b) como as questões de espaço e tempo são interpretadas e vividas por essa
categoria profissional e;
c) quais as implicações que esta relação à distância provoca em sua vida
pessoal e profissional.
1.2. Introdução
O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por uma série de
invenções que transformaram o mundo e a sociedade. A hierarquia piramidal era a
forma organizacional típica do início do século XX e as empresas eram descritas
através de um organograma que estabelecia para cada unidade: direitos, deveres,
relacionamentos, área de atuação, funções ou especialidades. Tudo isso de forma
rígida e estática, definindo uma única trajetória social para os seus agentes,
centrada na ordem coletiva e na organização racional (VIEIRA, 2003).
1
Os termos empresa-matriz, empresa de origem, empresa-mãe são, para efeito deste estudo, equivalentes.
10
Cada empresa atendia basicamente a uma determinada geografia, cujo sentido do
tempo era regulado pelo ritmo das máquinas produtivas e dos turnos sucessivos e
ininterruptos. O tempo linear passa a disciplinar as relações de trabalho e a
organizar cada vez mais o tempo das cidades (THOMPSON, 1991 apud TONELLI,
2002).
Na busca pela hegemonia econômica e política, as corporações capitalistas
passaram a buscar a extrapolação do seu local de atuação instalando-se em outras
regiões, mercados e nações. Muda então o conceito de espaço: os “lugares-locais”
extrapolam fronteiras e tornam-se “lugares-globais” (VIEIRA, 2003).
A partir do início da década de 80, surge outro fenômeno, baseado no avanço da
tecnologia e dos meios de comunicação. O mundo torna-se informatizado,
globalizado e o avanço tecnológico, somado ao crescente acesso à informação,
muda os conceitos tradicionais de tempo e espaço.
O tempo não tem mais relação com a natureza nem com o relógio. Ele passa a ser
velocidade, a de consumir, processar, responder, acessar e usar informação. Um
“tempo sem tempo” onde não interessa mais dia ou noite, nem as horas e os
minutos, apenas o “já”, aquilo que se consegue fazer agora e em qualquer lugar
(HARVEY, 1993).
Imerso em velocidades nunca antes vistas, o homem passa a envolver-se em
relações instantâneas, “sem tempo”, ou melhor, em “tempo real”. Estaríamos
dominados pela sincronicidade, pela instantaneidade e pela velocidade (TONELLI,
2002). O espaço pós-moderno é virtual, um “lugar do não-lugar” marcado por
estados de presença e ausência (CASEY, 1997).
11
Desta forma, não se pode falar em forma organizacional certa quando o tempo não
pode ser mais encarado de forma linear e o espaço de atuação das empresas
ultrapassa as fronteiras geográficas. Cada corporação tem o seu tempo e o seu
espaço de acordo com a leitura e o uso que faz de seus recursos e da informação de
que necessita.
Assim, imersas nesse mundo da velocidade, as empresas buscam uma “sonhada
flexibilidade” (ROUSSEAU, 1995) por meio de modelos menos rígidos e que
permitem maior autonomia individual. Em decorrência, surgem inúmeras estruturas,
tais como organizações em rede, por equipes, horizontalizadas, descentralizadas,
distribuídas e modelos híbridos, cada uma procurando resolver os dilemas impostos
por fatores associados a custos, qualidade, velocidade de chegada no mercado,
poder de compra, tendências dos consumidores, tecnologia, dentre outros fatores
(VIEIRA, 2003).
Influenciadas por esta nova realidade organizacional, as relações de trabalho
sofreram profundas transformações, proliferando diversas formas de contrato
psicológico (ROUSSEAU, 1995). O perfil antigo do funcionário em tempo integral,
com carteira assinada e contrato de trabalho de longo prazo, passa a coexistir com
novos acordos de trabalho tais como a terceirização, trabalho temporário ou em
tempo parcial e prestação de serviços.
Classificadas nesta última modalidade, as consultorias apresentam uma nova
conotação de tempo e espaço, uma vez que seus profissionais exercem sua função,
não no tempo e no espaço tradicional de suas empresas-mãe, mas dentro do cliente.
Sem uma definição de seu próprio tempo e espaço, essa categoria profissional
12
passa a “pertencer” a vários lugares, de tempos em tempos, sempre na lógica de
projetos.
Segundo Harvey (1993), as ordenações simbólicas do espaço e do tempo fornecem
uma estrutura para a experiência mediante a qual aprendemos quem ou o que
somos na sociedade. Dito em outras palavras, os referenciais de tempo e espaço
são fundamentais para o nosso senso de identidade pessoal - quando e onde
nascemos, quando e onde nos graduamos, onde vivemos e trabalhamos. Assim, é
necessária a reflexão sobre os impactos que essas novas ordenações têm sobre a
noção de identidade deste profissional.
1.3 Relevância do Estudo
As organizações contemporâneas defendem o discurso de que o profissional ideal é
aquele que se adapta rapidamente, está sempre motivado, sempre aprendendo e
possui um alto comprometimento com as metas e o sucesso da empresa para a qual
trabalha.
Diante dessas expectativas, como ocorrem as questões de tempo e espaço para
profissionais-consultores vinculados espacialmente e temporalmente a outras
organizações, culturas e práticas que não são as de sua empresa-mãe?
Uma melhor compreensão do fenômeno espaço-tempo aqui pesquisado fornece
subsídios para que as organizações possam conduzir de forma mais eficaz sua
relação com essa categoria profissional que considera de vital importância por estar
presente na “casa” do cliente.
O estudo realizado é também relevante por apresentar uma contribuição teórica,
pois poucos estudos foram feitos sobre profissionais-consultores (BLOOMFIELD e
13
DANIELI, 1995). Na literatura, o pouco encontrado tem foco restrito, voltado em sua
maioria ao aconselhamento de gerentes na contratação de empresas de consultoria.
Profissionais-consultores tendem a aparecer somente em pesquisas relacionadas a
casos de implementação tecnológica de sucesso (BEATH, 1986).
1.4 Delimitação da Pesquisa
O estudo delimita-se aos profissionais-consultores que prestam seus serviços nos
clientes de sua companhia, em sua maioria, outras organizações de grande porte.
Não haverá aprofundamento em questões organizacionais, tais como cultura e clima
das empresas de origem e empresas-cliente mencionadas na investigação, uma vez
que o objetivo é explorar as implicações do distanciamento físico e temporal do
empregado com sua empresa-mãe.
Além disso, não serão pesquisados profissionais de outras categorias nem mesmo
quaisquer profissionais das empresas-cliente mencionadas. As questões de gênero
e idade não serão investigadas em separado, tendo suas implicações mencionadas
no contexto geral do estudo.
A proposta do trabalho é exploratória e não se almeja esgotar o assunto, mas gerar
um maior entendimento sobre o fenômeno espaço-tempo intrínseco à categoria
profissional em estudo.
1.5 Definição de Profissionais-consultores
A consultoria é um serviço independente, imparcial, temporário, de esforços
conjuntos e de aconselhamento. Pretende prover o cliente contratante de
instrumentos para dinamização de seus negócios (IANNINI, 1996).
14
Segundo Milan Kurb (1986) entende-se por consultoria um serviço que auxilia os
administradores a analisar e resolver problemas de ordem prática e a difundir as
melhores práticas de uma empresa para outra.
Já Schein (1977) trata a consultoria como um conjunto de atividades desenvolvidas
de forma a ajudar o cliente a perceber, entender e atuar sobre fatos que ocorrem em
seu ambiente.
O relacionamento entre empresa-cliente e o profissional-consultor é afetado por uma
série de posturas, premissas, valores e comportamentos. O sucesso do trabalho
prestado depende muito do esforço conjunto das partes, onde os objetivos e as
expectativas precisam ser medidas e atendidas.
O trabalho do consultor se inicia quando uma situação é, a priori, considerada
inadequada e/ou insatisfatória e é capaz de ser melhorada (IANNINI, 1996).
O consultor se expõe à empresa-cliente, pois passa a conviver com seus
funcionários e a estar fisicamente presente no ambiente organizacional. Ele se
envolve e se compromete com objetivos de negócios e com um escopo previamente
definido, com um prazo para análise, planejamento, execução e acompanhamento
do projeto. E, dependendo da complexidade de sua função, sua permanência junto
ao cliente pode variar de poucos meses até alguns anos.
Por sua natureza temporária, o profissional-consultor acumula conhecimentos de
inúmeras situações, contextos e problemas organizacionais, dotando-o de uma
capacidade de solucionar as mais diversas questões por experiência em outras
semelhantes.
15
Neste sentido, Miles e Snow (1996) relacionam essas práticas de trabalho dos
consultores às características das novas relações de trabalho da Era Pós Industrial.
Os autores observam que a carreira de consultor é caracterizada pela participação
em projetos multifuncionais em diferentes empresas, onde a flexibilidade, a
adaptação e a rapidez nas mudanças são conceitos-chave.
PARTE 2 - Referencial Teórico
2.1 A Questão do Espaço
“O espaço pode ser entendido como uma ausência de
presença, um vasto vazio, ou algo onde alguém pode se
perder. Alternativamente, pode ser pensado de forma
coletiva, onde nós, no passado e no presente o
preenchemos de significados, ou o dispensamos por
nossa ausência” (ALTHUSSER, 1971 apud FISCHER
1997).
Um ambiente pode ter uma vista, quatro paredes, chão e teto, mas nada nos diz a
seu respeito, a não ser que saibamos os símbolos que ele contém ou representa
(ALTHUSSER, 1971 apud FISCHER, 1997).
Uma olhada rápida na teoria clássica da Administração nos mostra a importância do
conceito de espaço. Na gestão científica, o que fez Taylor a não ser reorganizar ou
espaço, dividindo-o em células individuais? Henry Ford também redesenhou seu
uso, criando relações entre espaços e seus ocupantes. Nessa época, as
organizações gastavam grandes somas redefinindo socialmente seus espaços da
linha de produção à montagem ao perceberem sua influência no comportamento
humano e nas suas interações.
16
Historicamente, os estudos de espaço restringiam-se às conseqüências negativas de
certos fatores do ambiente na produtividade dos trabalhadores de Hawthrone
(MAYO, 1933 apud FISCHER, 1997). Posteriormente, Herzberg (1971) enfatiza o
ambiente como sendo a causa da satisfação ou insatisfação da força de trabalho e
os estudos de psicologia organizacional passam a tratar de questões como
estrutura, poder e relações internas (MINTZBERG, 1986 apud FISCHER 1997).
A questão do espaço também volta à tona com os estudos de ergonomia que tratam
da estação de trabalho e dos elementos físicos do ambiente, descrevendo-o como
uma interação dinâmica com o sujeito (SPERANDIO, 1984).
Fischer (1997) retoma o assunto ao tratar espaço como um conceito integrador da
dinâmica social. Indivíduos fazem do espaço um local de interações, interpretações
e simbolismos de sua vida cotidiana. Sua análise permite ver como indivíduos
aceitam, usam, investem ou rejeitam seu trabalho, utilizando-o como âncora para
criar ou recriar sua identidade.
Para Harvey (1993) “o espaço é tratado tipicamente como um atributo objetivo das
coisas que pode ser medido e, portanto, apreendido”. O espaço apresenta uma
dimensão material e objetiva oriunda de fenômenos da natureza - determinado
espaço pode ser chamado de solo, rio, mar etc. Este é considerado o aspecto
objetivo do espaço.
No entanto, o espaço também pode ser explicado socialmente: “a nossa experiência
subjetiva pode nos levar a domínios de percepção, de imaginação, de ficção e de
fantasia que produzem espaços e mapas mentais da coisa supostamente real”
(HARVEY, 1993). Para o geógrafo Souza (1997), a transformação do espaço
material em espaço social ocorre através do trabalho social do homem:
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Palco das relações sociais, o espaço é, portanto, um palco verdadeiramente construído,
modelado, embora em graus muito variados de intervenção e alteração pelo homem, das
mínimas modificações introduzidas por uma sociedade de caçadores e coletores (impactos
ambientais fracos) até um ambiente construído e altamente artificial como uma grande
metrópole contemporânea (fortíssimo impacto sobre o ambiente natural), passando pelas
pastagens e pelos campos de cultivo, pelos pequenos assentamentos etc (SOUZA, 1997).
Em outra vertente, o da psicologia ambiental, Lewin (1951) apud Fischer (1997)
descreve o indivíduo como sendo parte de um sistema onde os comportamentos
dependem do ambiente onde ele interage e se expressa. O ambiente pode ser
entendido como um espaço de atuação com propriedades não-métricas, capaz de
determinar o comportamento do indivíduo.
Barker (1968) define espaço de forma objetiva, como o contexto ou sistema de
simulação que produz, facilita ou induz qualquer comportamento específico. Nesse
sentido, espaço e comportamento se tornam conceitos interdependentes.
Desta forma, muitas organizações se preocupam com a questão do espaço físico
porque já se deram conta que o espaço é socialmente construído. O homem
costuma delimitar seu espaço e considera-o como um objeto social. Questões de
poder podem ser manifestadas em termos espaciais através de inclusão, exclusão,
confinamento ou decoração privilegiada. Assim, vemos que o espaço, quando sofre
a interferência humana, deixa de ser neutro (KOMPAST e WAGNER, 1998).
2.1.1 O Espaço Pessoal
O espaço pessoal pode ser definido como sendo aquele que circunda o indivíduo e
cujo propósito varia de acordo com fatores culturais e psicológicos (HALL, 2000).
Não tendo como limite o nível da pele, ele se expande ou se retrai dependendo da
18
imposição dos limites que configuram um campo de ação e assim, não pode ser
invadido por outros sem causar algum tipo de reação de defesa.
Hall (2000) assemelha o espaço pessoal a uma bolha que envolve o indivíduo
representando sua esfera de privacidade. Dessa forma, esse espaço tem como
funções: servir como um sistema de defesa, regular a privacidade e expressar
diversidades culturais.
No que tange à privacidade, Fischer (1997) salienta a correlação entre as
características do espaço no ambiente de trabalho e o sentimento de privacidade
dos profissionais. Portas, paredes e divisórias, por exemplo, são objetos marcantes
que delimitam a percepção de um espaço individual.
O Conceito de Território
Diversos autores (ARDREY, 1966; LORENZ, 1970; HALL, 1997 apud FISHER,
1997) acreditam que o ser humano possui um instinto de território. A questão da
territorialidade é particularmente interessante, por entendermos que ela é um
mecanismo que regula a fronteira entre “nós” e os “outros” e implica uma
personalização e uma democratização do espaço (ALTMAN e CHEMERS apud
FISHER, 1997).
Fischer (1997) define territorialidade como um fenômeno de demarcação ou criação
de fronteiras, que tem como objetivo demonstrar controle e propriedade do espaço.
Quando essas fronteiras são violadas, ocorrem manifestações de defesa. Isso
ocorre porque a modificação dos ambientes de trabalho interfere nas questões de
diferenciação e qualificação dos espaços onde o indivíduo desenvolve as suas
atividades diárias (QUEIROZ, 2004).
19
A diferenciação, como é dada pela escolha, definição, marcação, construção ou modificação
de lugares, é determinada pelo tipo de divisão que é configurada nesse espaço uma
divisória alta ou baixa, uma parede ou mesmo a ausência de uma divisão estando
submetida ao processo de demarcação de território. Por outro lado, a qualificação do espaço
se dá pelo envolvimento do lugar com as atividades humanas, e assim, passa por um
processo de definição da privacidade; processo no qual o indivíduo cria raízes e estabelece
as suas conexões individuais (QUEIROZ, 2004).
Altman (1980) sugere a existência de três tipos de território: primário, secundário e
público. O território primário é utilizado apenas por indivíduos ou grupos específicos,
como as residências familiares. Possui um ocupante permanente, ao qual é atribuído
o domínio daquele território; exerce também a função de refúgio, e poderia equivaler
ao espaço privado. O território secundário é caracterizado como semipúblico, como
as organizações empresariais. Não é totalmente privado nem totalmente público; ele
se presta à utilização de um ou mais grupos, segundo normas próprias de conduta e
de acesso. E, por último, o território público é aquele acessível a todos, como um
parque municipal ou uma rua.
Goffman (1988) apud Fischer (1997) indica que a definição de territórios pode
ocorrer de três formas:
a) a marcação no centro de um território, que indica que o espaço está ocupado;
b) a marcação entre dois espaços, funcionando como fronteira e;
c) a presença de objetos como uma marca pessoal.
O ato de indicar a pessoalidade do espaço denota uma defesa de intimidade. O seu
estabelecimento surge a partir de fronteiras invisíveis do “eu” da pessoa que
demarcou o seu espaço social (SOMMER, 1973).
Esse conceito de espaço pessoal, utilizado pelo autor, refere-se não somente aos
processos por meio dos quais as pessoas marcam e personalizam os espaços que
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habitam, mas também à zona carregada emocionalmente em torno do indivíduo. Em
suma, o espaço pessoal possui duas funções: constituir um sistema de defesa e
regular a intimidade (FISCHER, 1997). Assim, o homem confere valores a um
espaço no qual lhe é permitido certa privacidade.
Hediger (1965) apud FISCHER (1997), parte das observações do comportamento
dos animais e define território como uma zona de proteção e de defesa ao mesmo
tempo. Observando espécies em cativeiro, notou que restrições de espaço criam
desorientação, perda de capacidades e muitas vezes, um grau de confusão tão alto
capaz de trazer conseqüências físicas graves, como por exemplo, a recusa em se
alimentar.
Aplicado ao comportamento humano, também notamos a presença de um instinto
territorial. Altman (1980) define territorialidade como um mecanismo de regulação da
fronteira entre um indivíduo e outro, criando identidades e demarcações de espaço,
como forma de demonstração de poder e/ ou controle.
Segundo o mesmo autor, o comportamento humano integra a percepção, uso e
proteção de zonas e objetos que não necessariamente são de posse legal, mas
apenas uma apropriação através de demarcações e simbolismos. Assim, a criação
de um território pode ser entendida como uma reação à presença alheia, uma
resposta a fatores externos ou um meio de satisfazer necessidades emocionais.
Para Malmberg (1980) territorialidade é expressa através de laços emocionais fortes
ou fracos que indivíduos ou grupos possuem com diferentes espaços. Proshansky
(1976) define a territorialidade como o exercício do poder sobre determinado espaço.
21
Assim, um indivíduo que ocupa e controla determinado espaço tem como tendência
adotar um comportamento de dominância territorial. E, dependendo da necessidade
de privacidade, as reações de defesa no caso de “invasões” podem se dar de
diferentes formas. Por exemplo, a forma como você reagiria a uma invasão de sua
casa é distinta daquela que teria se alguém ocupasse um lugar na mesa do
restaurante já reservado em seu nome. Por mais que representem invasões ou
entradas não autorizadas, ambos são dotados de diferentes significados, com graus
distintos de afeto e, conseqüentemente, formas de defesa distintas.
Outra forma de proteção do espaço se dá através de demarcações. Esses limites
indicam a presença e a existência de um “dono”. Para isso, diversos objetos podem
servir como evidência de posse: objetos pessoais, sinais, placas, avisos etc. Fischer
(1997) afirma que todos esses exemplos demarcam espaço e que, ao fazer isso,
revelam parte da identidade do ocupante.
A respeito dos objetos ou marcas dispostos no espaço, Baudrillard (2001) apud
Vergara e Vieira (2005) os agrupa em três categorias: os objetos funcionais - de
consumo -, os objetos não funcionais como as obras de arte e as antiguidades, e os
objetos meta-funcionais como, por exemplo, os equipamentos eletrônicos.
Os funcionais podem ser organizados em duas estruturas: a de ambiência, que
combina cores, texturas, formas e materiais, e a de arranjo, que leva em
consideração a disposição e a combinação dos objetos, de forma que o espaço
transmita valores sociais. Para o autor, a primeira desvenda aspectos relacionados
ao estilo de vida do indivíduo e a segunda, aspectos de hierarquia e poder.
Inferimos então que, o tipo de organização dada ao espaço é conseqüência de
julgamentos e escolhas que refletem valores e atitudes culturais e subjetivas do seu
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ocupante. Segundo Rapoport (1977) apud Altman (1980), a personalização é a
maneira humana de definir território, como se o espaço fosse uma extensão de nós
mesmos. Demarcamos nosso território para expressar que aquele é o “nosso
espaço” e, por conseguinte, para fazer com que ele expresse também quem nós
somos.
O autor também sugere que, assim como há espaços físicos que nos dão a
sensação de “casa”, outros não nos dão esta mesma sensação do lar. Os espaços
podem ou não refletir o indivíduo através de seus símbolos e demarcações,
dependendo de como se aproximam ou não do seu conceito de lar. E, na atual
condição das relações de trabalho, onde o espaço se torna fragmentado e em
dinâmica transformação, a demarcação ou mesmo a apropriação são formas
encontradas para dar ao indivíduo a mesma sensação de estabilidade e segurança
proveniente do seu lar.
O Espaço e o Aprendizado
A idéia de que, o que se aprende tem relação com o local, com a interação entre as
pessoas e com o momento, tem sido preconizada por autores como Fróes Burnham
e Young (2000). Para eles, o processo de formação acontece em múltiplos espaços,
assim como são diversas as aprendizagens que ocorrem em cada um.
Sabemos que para viver em um determinado espaço, é preciso conhecer seus
objetos, sua localização, seus meios de transporte, as distâncias envolvidas etc.
O sistema cognitivo humano é uma estrutura cuja principal função é explorar
diretamente movimentos e atividades em um dado ambiente com o propósito de
aumentar o conhecimento do mesmo e de seus componentes e satisfazer
23
necessidades (NEISSER, 1976). Através dele aprendemos a nos adaptar a
diferentes localidades. A literatura indica duas formas de aprendizado:
a) exploração - Helson (1964) apud Fischer (1997) afirma que é através das
descobertas dos componentes de um novo ambiente que indivíduos adquirem
conhecimento, assim como se tornam capazes de descrevê-lo segundo suas
próprias impressões;
b) apreensão do valor simbólico o ambiente e seus objetos carregam
significados e, o que um determinado ambiente representa para um indivíduo
se baseia em elementos cognitivos e emocionais que parecem influenciar seu
comportamento.
Assim, através da exploração do espaço e de seus símbolos, a percepção de um
indivíduo sobre seu ambiente advém de associações com experiências anteriores e
valores sociais (NEISSER, 1976). Para Fischer (1997), essa percepção do ambiente
se reflete em um processo específico pelo qual o espaço é percebido e reconstruído
mentalmente.
Assim, o usuário precisa perceber o ambiente que vivencia como sendo ajustado
para o desenvolvimento de suas atividades. Ao se apropriar do espaço, o sujeito,
através de um conjunto de símbolos e signos, busca humanizá-lo, modificá-lo, a
partir da sua própria concepção e percepção daquele espaço. Ao transformá-lo,
segundo suas necessidades e desejos, afirma Malard (1993) apud Fischer (1997), o
usuário busca encontrar, ou não, sua identidade nos diversos lugares em que vive.
O ato de personalizar um espaço proporciona uma sensação de privacidade e
autonomia, na medida em que, circundado de seus objetos e demarcações, o
24
indivíduo e se sente “em casa” e seguro. Neste sentido, a sensação de liberdade se
dá quando, na vontade de estar sozinho, um espaço só pra si, proporciona silêncio,
calma e um refúgio.
Assim, como se pode perceber, o espaço, antes considerado um background
passivo das ações humanas é, na verdade, peça ativa e participante.
2.1.2 O Espaço Organizacional
É fato que cada empresa tem seu próprio estilo de ocupar espaço. Em essência,
qualquer atividade precisa de um local para ser executada e, desta forma, o espaço
em si é uma matéria-prima importante para o trabalho.
Fischer (1997) distingue quatro tipos de espaços de trabalho:
a) espaço de produção - é a matriz da produção industrial. Composto de
diversas sessões de trabalho e maquinaria onde as etapas produtivas são
realizadas. Neste ambiente, o local ocupado pela máquina é o centro do
trabalho do indivíduo, pois naquele espaço ele realiza e controla suas
atividades diárias;
b) espaço do escritório é aquele reservado às atividades administrativas e
de processamento. Totalmente integrado à produção na Era Industrial, hoje é
um local cada vez mais separado da esfera produtiva;
c) espaço de trânsito - destinado à circulação das pessoas entre as estações
de trabalho para as demais áreas da empresa e para as entradas e saídas.
Com o advento das preocupações da Ergonomia e Medicina do Trabalho,
esses espaços tiveram que ser redesenhados possibilitando e encorajando os
25
profissionais a circularem de tempos em tempos como forma de obter um dia-
a-dia saudável, sem riscos para a saúde. Hoje, percebe-se uma mudança
gradual onde qualquer obstáculo físico que constitua uma barreia à
comunicação é posto abaixo: paredes, portas e divisórias. Nesse novo layout,
outros objetos servem como marcadores e limitadores de espaço: artefatos
pessoais como fotografias, plantas, divisórias baixas, telas de computador etc.
Nesse contexto, a questão da privacidade ganha outra importância uma vez
que há menos espaço pessoal e pouca diferença entre as estações de
trabalho.
d) espaço social trata-se daqueles locais diferentes que não estão ligados
diretamente ao espaço de trabalho, mas podem antecipá-lo ou ser sua
continuação. Nesses ambientes acontecem os rituais de passagem e
metamorfoses de identidades: mudança de roupa para trabalhar, a locomoção
para o trabalho etc. É uma transição simbólica de um mundo para o outro, da
casa para o trabalho.
Após estas quatro distinções, o autor ainda caracteriza outros tipos de espaço. Uma
abordagem se refere ao espaço imposto: indivíduos ou grupos são obrigados a
ocupar determinados lugares dentro da organização, designados para o exercício da
função prescrita. Cada profissional tem seu lugar “marcado”, um ambiente pré-
determinado no qual ele vai ter que atuar e se adaptar.
Logo, o espaço passa a ser uma forma de delegação de atividades com espaços
autorizados e não autorizados. Na estrutura do trabalho, há uma correlação entre o
espaço designado, o tipo de equipamento utilizado e a posição hierárquica do
indivíduo dentro da organização.
26
Assim, o espaço na organização é também um indicador de escala social. Cada
profissional tem um espaço específico determinado para si, o que indica seu nível de
poder e o seu status na companhia.
Para Fischer (1997) existe um mapa de poder em toda empresa: “dependendo do
espaço que um indivíduo ocupa, ele ou ela pode se mover com maior ou menor
liberdade em um raio mais ou menos extenso”. Muitas vezes, nas companhias
modernas, uma promoção é acompanhada de uma mudança de lugar físico e o
funcionário passa a ocupar um espaço maior e mais valorizado.
Além disso, a posição do indivíduo na hierarquia mais ou menos define a permissão
de entrar em determinados ambientes na organização, mais uma vez transformando
o conceito de espaço em um meio de diferenciação.
O Território de Trabalho
Ao sairmos da idéia do conceito de espaço do indivíduo para o espaço na
organização, podemos voltar à idéia de território.
Nas organizações, cada estação de trabalho é um território e, portanto, pode ser
considerado o resultado da transformação de um espaço físico em um espaço
psicológico (FISCHER, 1997).
A configuração lógica desse espaço tem conseqüências diretas na comunicação e
na interação entre os profissionais.
Nas estações sedentárias, inúmeras variáveis estabelecem uma relação entre a
organização espacial e restrições específicas, dependendo do grau de comunicação
e a disposição dos layouts. Desta forma, encontramos diversas configurações nas
27
empresas, resultantes da concepção do espaço por engenheiros que “pensavam ser
esta a melhor forma de adaptar as atividades que ali serão realizadas”.
Nas estações móveis, pouco vistas no passado, mas que hoje aumentam em
número, vemos menor variedade de layout. Como os profissionais que podem
ocupar essas áreas não passam todo seu tempo de trabalho neste ambiente, essas
estações se configuram de forma padronizada, contendo apenas os aparatos
tecnológicos - recursos como a fiação para acesso à Internet, micro-computadores,
telefone etc - necessários à atividade passageira que ali possa ser executada.
Ao se apresentarem como espaços “sem-dono”, nesses ambientes, não
encontramos as demarcações de território, mencionadas anteriormente. Em geral,
são espaços destinados a receber uma categoria profissional que passa grande
parte do seu tempo fora da empresa-matriz, como no caso dos consultores (MAZZA,
2003).
Assim, as organizações de hoje, menos fixas e rígidas que no passado, precisam
ajustar seu layout às novas formas e relações de trabalho. Seu desafio é criar e
adaptar seus espaços aos funcionários fixos e àqueles que estão boa parte de seu
tempo fora, em clientes.
Um aspecto facilitador dessa flexibilização do ambiente de trabalho é o avanço das
tecnologias de comunicação. Bradley e Woolding (2000) acreditam que o principal
motivo da mudança nas questões de espaço nas organizações modernas pode ser
atribuído aos avanços das tecnologias de informação e de comunicação.
Hoje, uma mudança significativa diz respeito ao hardware, agora mais portável e
barato, permitindo que um número maior de empregados se torne uma espécie de
28
funcionário móvel trabalhador que pode operar de qualquer geografia
(ROBERTSON, 2000).
A grande diferença prende-se ao fato de que os lugares não só existem fisicamente,
em um mundo real e em localidades fixas e as empresas podem alugar espaços de
trabalho para atuar em qualquer tempo e de qualquer lugar (BRADLEY e
WOOLDING, 2000).
Fischer (1997) destaca, ainda, que essas novas tecnologias transformam o espaço
no trabalho: cada vez há menos papéis circulando e uma menor necessidade de
arquivos físicos. Novos objetos e equipamentos estão presentes alterando o
ambiente e seu sistema de comunicação.
Em decorrência deste desenvolvimento tecnológico, os indivíduos passam a
pertencer a diversas redes, equipes e ambientes, conectados direta e indiretamente
a diferentes organizações, em tempos e lugares diferentes (BRADLEY e
WOOLDING, 2000).
Além disso, as organizações modernas tornam-se verdadeiras redes de
relacionamentos networking nas quais as pessoas interagem, tornando
necessária uma visão mais dinâmica dos recursos do espaço.
O Simbolismo de Poder
O símbolo de poder está gravado no espaço (FISCHER, 1997). Ele é expresso não
somente por questões de tamanho, mas também pelo grau de acesso que possibilita
para espaços alheios. Dependendo do local de trabalho em que o profissional está,
terá mais ou menos mobilidade.
29
Além de seu caráter demarcador, os objetos presentes no local de trabalho também
denotam símbolos de poder. Profissionais que trabalham com um tipo de máquina
qualquer recurso ou equipamento eletrônico não enxergam o objeto de forma
separada, mas acabam trazendo-o para si, para seu dia-a-dia, seu domínio e
“posse”.
Assim, o local de trabalho muitas vezes ganha o nome de quem o ocupa essa é a
mesa da fulana, essa é a sala do ciclano e isso determina o grau de poder que o
mesmo exerce dentro daquele espaço no qual as atividades designadas precisam
ser executadas.
Vale ainda destacar que o mecanismo de identificação com um espaço não só se
restringe a indivíduos, mas também a grupos. O local de trabalho pode ser parte da
identidade de vários “nós aqui da empresa ZZ”.
Fischer (1997) afirma que a dimensão de poder pode ser relacionada ao
comportamento humano em seus territórios de atuação. A forma como os indivíduos
se “encaixam” nos espaços nunca se limita pelo tamanho do espaço em si, mas pela
zona de influência que os mesmos constroem ao seu redor.
O autor ainda destaca que, através de envolvimentos múltiplos, um indivíduo tende a
“domesticar” o ambiente ao ser redor, transformando-o em uma zona de influência,
que se traduz, de certa forma, em poder.
A estação de trabalho é um bom exemplo deste envolvimento. Ao fazer parte do dia
de trabalho, tende a ser encarada como um local que tem um dono e precisa ser
caracterizada de acordo com quem a ocupa (Fischer, 1997).
30
Assim, segundo Fischer (1997), ao entrar em um novo ambiente, toda forma de
integração passa pelo reconhecimento dos espaços. Os indivíduos mapeam os
locais em que circularão e ocuparão e passam a se identificar com aquela zona de
influência pessoal.
Adquirir conhecimentos sobre o território, para um novato, é um ritual de entrada
naquele grupo. Permite ao profissional entender o funcionamento do trabalho e, ao
mesmo tempo, avaliar a forma de integração social da qual participará.
2.1.3 O Espaço do Consultor
A palavra mobilidade está na ordem do dia e parece ser um sinal dos novos tempos.
Na vida do consultor não é diferente, pois encontra a sua legitimidade em um mundo
de mutações, instabilidades e incertezas, exigindo respostas adaptáveis, mutáveis,
ágeis e flexíveis. “Mexa-se” é o mote desta nova ordem (FREITAS, 2002).
Segundo Freitas (2002), as empresas de consultoria, mais que quaisquer outras
instituições modernas, têm uma extraordinária capacidade de ler e interpretar
cenários e, a partir deles, adaptar os seus planos e ações, capitalizando em seu
benefício aspirações e angústias que emanam, de maneira difusa, do corpo social.
A mobilidade, no sentido amplo, é conceituada como sendo a capacidade, a
disposição e o desejo que um indivíduo tem de mudar geograficamente e de interagir
com diferenças em relação à sua cultura, profissão, empresa, cargo e saberes; ou
seja, a abertura a experiências novas, que confrontem os limites dos seus
conhecimentos e de suas certezas culturais (FREITAS, 2002).
31
Em países emergentes como o Brasil, não raro as oportunidades de mobilidade,
especialmente se ofertadas para fora do país, são consideradas como um prêmio,
uma distinção, um luxo, um upgrade. Somente nos últimos anos os estudos sobre
mobilidade geográfica do profissional começaram a levantar, de forma mais
contundente, a existência de problemas de adaptação (FREITAS, 2002).
Bourdieu (1964, 1970, 1972, 1980, 1994) apud Freitas (2002) sustenta a tese de que
a mobilidade representa nos dias atuais a configuração de um novo capital no
mundo profissional. Para o autor, a definição de capital cultural no que diz respeito à
mobilidade, se dá por três formas distintas:
a) o estado incorporado, ou as disposições duráveis: refere-se ao que o
individuo já traz consigo ou foi adquirido como o desejo de aventura, gosto
pelo desafio, curiosidade, atração pelo estrangeiro, tolerância à ambigüidade
e respeito às diferenças;
b) o estado objetivado: produto do acesso a informações, domínio de
tecnologias eletrônicas, aprendizado de idiomas e imersões culturais,
desenvolvimento da capacidade de lidar com múltiplos cenários formais e
informais;
c) o estado institucional: incentivado, fornecido e sustentado pela escola e
formação profissional, pela valorização da participação nas redes de
relacionamento e pelos perfis de recrutamento definidos pelas organizações.
No caso dos profissionais-consultores e em linha com Bourdieu (1964) apud Freitas
(2002), não raro encontramos exemplos de profissionais que se hospedam em
cadeias de hotéis internacionais para não sofrer com a mudança do conforto de
32
casa; comem em restaurantes típicos de sua terra natal para não mudar o hábito
alimentar; que se cercam de toda a segurança para desfrutar a viagem sem sofrer
nenhum tipo de incômodo com o “estranho” e, principalmente, para não enfrentar o
risco de ser considerado “estrangeiro”.
Ou seja, parece que um indivíduo extremamente dependente do conforto e das
facilidades de casa poderá ter dificuldades em enfrentar situações para as quais as
suas proteções habituais não tenham muita validade. Parece mesmo que ocorre
uma inversão: quanto mais confortável e arraigado o indivíduo está, mais dificuldade
ele terá em enfrentar situações que requerem novas disposições.
No limite, o que é valorizado é a capacidade de o profissional ser um nômade
múltiplo. Em um mundo de mutações, de múltiplas identificações, de uma pluralidade
de trocas e interações, de rápida difusão, de encontros e desencontros e de
novidades a aprender e a experimentar; a mobilidade se destaca como um novo
valor. Ela pode ser vista como uma resposta inovadora às questões colocadas pela
atual necessidade de entender, interagir e integrar diferentes pessoas, grupos e
organizações (FREITAS, 2002).
E, para o consultor, esta mobilidade é a base desta forma de nomadismo, que casa
perfeitamente com as necessidades das consultorias carentes de profissionais
altamente qualificados, ávidos por novos conhecimentos, novos lugares e
experiências.
Mais que um pré-requisito ou uma exigência, a mobilidade passa a ser estimulada
para ser um desejo, uma vontade, um projeto próprio de mudar sempre, aprender
sempre, e buscar o novo (FREITAS, 2002).
33
2.2 A Questão do Tempo
Assim como todas as questões relacionadas a espaço, o controle e o gerenciamento
do tempo sempre foram cruciais para as organizações. Stalk e Hout (1990) vêem o
tempo como o principal ativo competitivo para as empresas de hoje. Exemplos de
processos gerenciais e métodos relacionados ao conceito de tempo são muito
conhecidos: método just-in-time, tempo flexível, reengenharia, estudo dos tempos e
movimentos, gestão do tempo, prazos, pontualidade, rapidez e eficácia, entre outros
(BLUEDORN e DENHARDT, 1988).
Nas sociedades industriais, o tempo sempre foi considerado um recurso escasso. O
mesmo precisava ser economizado e gerenciado eficazmente - assim como no
famoso dizer: “tempo é dinheiro”. O uso extremo do conceito pode ser visto na
gestão científica de Taylor com o estudo dos tempos e movimentos (TONELLI,
2002). Somado a isto, tempo é usualmente citado como recurso importante, muitas
vezes uma variável crucial na qualidade da tomada de decisão e nos processos de
planejamento empresarial (BROWN e EISENHARDT, 1997).
Os múltiplos usos do conceito tempo são um reflexo da nossa perspectiva Ocidental
imbuída no conceito Newtoniano no qual o tempo é visto como cronológico, linear,
universal, objetivo, unidirecional, constante, irreversível, mensurável, separado da
distância ou do espaço, com início e fim definidos (GHERARDI e STRATI, 1988).
Este conceito linear do tempo e os métodos tradicionais de gestão de empresas e de
recursos humanos geraram resultados inquestionáveis nas sociedades neoliberais.
34
O conceito reinou em uma sociedade economicamente estável, onde competidores
comerciais eram ainda poucos em número e a tecnologia não havia alcançado o
auge de seu crescimento exponencial.
Mas, o ambiente complexo de hoje apresenta uma ameaça ao conceito Newtoniano
de tempo. A tecnologia, em específico a Informática, torna esse conceito um tanto
relativo. Cidades estão apenas a alguns fax e e-mails de distância; territórios
comerciais, políticos e sociais estão se tornando interdependentes no nível das
operações globais, as influências culturais estão cada vez mais fluidas. Incertezas,
ambigüidades, paradoxos e até o próprio caos (NONAKA, 1988 apud GHERARDI e
STRATI, 1988) são termos familiares nas publicações e discussões do nosso
cotidiano.
Assim, as organizações são agora caracterizadas por múltiplos valores, atividades e
estruturas, envolvendo uma noção de tempo relativa, multidimensional, complexa e
simbólica. Como exemplo, vemos a criação de declarações empresariais como as
missões, visões, projetos desafiadores, cenários imaginários, modelos de
entendimento das necessidades dos clientes, treinamentos contínuos e projetos de
inovação.
Hall (1977) apud FISCHER (1997) comenta que as organizações estão se baseando
no que ele chama de tempo policrônico o tempo P- em oposição ao tempo
monocrônico de Newton. No tempo P, nada é totalmente estável já que tudo se
encontra em um fluxo de mudança. Para o autor, é o tempo da abstração, da
intangibilidade, agilidade, virtualidade onde o “tudo” ou o “nada” ocorre
simultaneamente, de forma imprevisível.
35
2.2.1 O Tempo Objetivo e o Tempo Subjetivo
A literatura aponta uma polarização da dimensão tempo em duas vertentes
contrastantes: o tempo objetivo, mensurável, quantificável, divisível e homogêneo, e
o tempo subjetivo, relativo, contextual e orgânico (HASSARD, 2001 apud MELLO,
2002; TONELLI, 2002). As pessoas poderiam tanto experimentar o tempo como um
evento social ou baseado em horas cronometradas (WESTENHOLZ, 2006;
NOGUEIRA, 2003).
É justamente essa diferença entre o tempo interpretado de maneira objetiva - como
algo real e concreto - e subjetiva - essencial e abstrato - que torna o tema tão
complexo e tão estudado por diversos autores, de diferentes áreas do conhecimento.
Para Clark (1982), o tempo objetivo é independente do homem e é visto em linha
com o pensamento Newtoniano de linearidade, tendo como base a metáfora do
“tempo de relógio”. Este tempo, sincronizado e linear, se associa com o tempo das
máquinas da Era Industrial, onde o mundo era visto de uma forma mecânica e
calculável. Essa concepção, contudo, não abarca inúmeros outros tipos de
produção, cujas tarefas são centradas em acontecimentos e eventos, exigindo um
ritmo próprio para seu desenvolvimento (ex: profissionais liberais, pesquisa e
produção científica e intelectual, serviços de atendimento e outros).
A concepção qualitativa do tempo, por sua vez, não se adequaria a essa
abordagem, por entender que o tempo não é necessariamente homogêneo e linear,
mas decorrente de uma rede de significados subjetivos. Esse tempo subjetivo seria
um produto das normas, crenças e costumes de indivíduos ou grupos. Neste caso, o
tempo passa a ser construído socialmente (CLARK, 1982).
36
Essa distinção do tempo objetivo e subjetivo já era, de certa forma, discutida nos
tempos da Grécia Antiga através dos conceitos chronos e kairos. Para os estudiosos
gregos, chronos representaria o tempo sucessivo, medido pelo cronômetro e kairos,
o tempo das intenções, das atividades humanas e da oportunidade (JAQUES, 1998
apud NOGUEIRA, 2003).
Nogueira (2003) propõe um meio de superar essa aparente dicotomia entre as duas
perspectivas, através de um conceito que ele denomina de “estruturação temporal”.
O autor sugere que as pessoas nas organizações lidam com o fator tempo através
de estruturas temporais que elas próprias elaboram e reproduzem em suas práticas
cotidianas. Ou seja, as pessoas agem rotineiramente conforme estruturas temporais
previamente construídas para organizar a continuidade de suas atividades diárias.
Por esse ponto de vista, o tempo pode ser interpretado como um evento subjetivo ou
baseado em horas cronometradas, dependendo do tipo de estrutura temporal que é
colocada em prática naquele determinado momento. Essa perspectiva aceita a
existência de diferentes noções de tempo, percebidas e relacionadas a diferentes
esferas e níveis da vida, do mundo, da sociedade e do próprio indivíduo.
2.2.2 O Tempo no Trabalho
No decorrer do século XIX, o tempo do relógio passa a disciplinar as relações de
trabalho e organizar cada vez mais o tempo das cidades (THOMPSON, 1991;
HASSARD 2001). O estudo de Taylor (1987), com sua proposição do uso racional
do tempo, é a representação, por excelência, da regulação das atividades humanas
no trabalho dentro dessa concepção linear (TONELLI, 2002).
37
Mesmo que muitas culturas possam ainda hoje manter relações distintas com a
dimensão tempo; o tempo linear, passível de controle e medição, passou a ser uma
das características mais importantes dentro das relações no capitalismo industrial
(THOMPSON, 1991; LASH e URRY, 1994 apud TONELLI, 2002).
Ao final do século XIX, tendo incorporado o espírito do mecanismo do relógio para
controle do tempo e, com base na crença de que as tecnologias podem criar e
operar sob leis imutáveis, o trabalho, tanto na Europa como nos Estados Unidos,
passou a ser administrado cientificamente (TONELLI, 2002).
O foco na produtividade alcançou grande desenvolvimento, com a incorporação das
ciências do trabalho (RARBINBACH, 1992; HIRSCHHORN, 1981 apud TONELLI,
2002). Estamos diante de um tempo controlado e organizado.
O tempo do trabalho industrial passa a regular também as outras relações humanas,
estendendo seu domínio para outras dimensões da vida o do âmbito pessoal, das
relações familiares, do lazer, das religiões e define a movimentação das pessoas e
das mercadorias nas cidades (e também fora delas), regulando seus fluxos
(RARBINBACH, 1992; HIRSCHHORN, 1981 apud TONELLI, 2002).
Sob a perspectiva temporal, a relação do tempo com o trabalho se deu pelo salário
recebido em troca do esforço dedicado ao trabalho. O horário “comercial” foi criado
como forma de padronizar os dias “trabalháveis” e a jornada de 8 (oito) horas diárias.
Toda e qualquer extrapolação dessas horas para o horário livre era rigorosamente
compensada sob a forma de remunerações extras.
Mas, a partir da segunda metade do século XX, a organização do trabalho começa a
mudar com o aparecimento de novas tecnologias. Encontramo-nos diante da
38
possibilidade de eliminação do trabalho físico, substituído por imagens, comunicação
e sistemas cibernéticos (RARBINBACH, 1992 apud TONELLI, 2002).
Hoje, dificilmente conseguimos abrir o jornal e não encontrar algo relacionado com
tempo e trabalho. Desde o maior número de serviços 24 horas até a expansão do
horário part-time e novas formas de horário flexível.
Os novos tipos de trabalho estão se popularizando e o trabalho regular, de segunda
a sexta das 08 às 17h, não é mais o único padrão visto em todas as empresas.
Agora, os padrões se transformaram tanto com o incremento de longas horas de
trabalho, como com diferentes tipos de flexibilidade no trabalho (HARDILL e GREEN,
2003).
Em relação aos funcionários, o trabalho pode se tornar flexível em relação a
contrato, tempo ou localização (GIBSON 2000 apud HARDILL e GREEN, 2003). Os
recursos humanos nas empresas vêm experimentando, nos últimos anos, cada vez
mais acordos de trabalho alternativo. Com a comunicação eletrônica, não é mais
necessário que todo o pessoal da empresa esteja concentrado em um único tempo e
lugar (FISCHER, 1993).
Mesmo que ainda não haja consenso sobre a extensão dessas mudanças e suas
implicações, já está claro que o tempo dedicado ao trabalho na sociedade de hoje
em muito se diferencia do passado. Estamos na economia 24x7, no tempo do flexi-
time. Vivemos uma mudança na concepção do tempo do trabalho que tem levado a
novos modelos de comportamentos e exigência de novas habilidades a serem
exercidas incluindo aí a criatividade, o empowerment, a flexibilidade: o tempo
passa agora a ser descrito como um tempo de simultaneidade e instantaneidade.
39
E apesar dessa “nova” forma de percepção temporal, muito influenciada pelo avanço
tecnológico que suprime distâncias e faz com que as informações estejam
disponíveis a qualquer lugar, quase que instantaneamente; hoje, o tempo volta a ser
medido/cobrado precisamente. “O tempo, com o passar do tempo, se tornou uma
commodity” (ZERUBAVEL, 1981 apud YAKURA, 2002).
2.2.3 O Tempo do Consultor
O conceito linear do tempo e sua transformação em commodity, características da
sociedade moderna, bem como sua compressão progressiva faz com que as
organizações influenciem fortemente a forma como os indivíduos constroem suas
referências temporais, através de cronogramas, prazos, ritmos, regras de
pontualidade e agilidade na resposta (YAKURA, 2002)
O tempo commodity é comum no contexto dos consultores que, comprimidos pelo
ritmo acelerado da vida bem como pelas pressões regulatórias das demandas
institucionais, tendem, inúmeras vezes, a abrir mão de controle de seu tempo
próprio, tentando sincronizar-se à multiplicidade de demandas dos clientes que
precisam atender (LEWIS e WEIGERT, 1981).
Em função do cliente “da vez” a rotina diária tende a ser completamente preenchida
e sincronizada com viagens, apresentações, diagnósticos, reduzindo a abertura para
a espontaneidade, criatividade, novidade e convivência entre pares.
Assim como advogados, por exemplo, e outros profissionais, o trabalho do consultor
é medido no que se chama de billables, que na sua tradução mais se aproxima de
“tempo de alocação”. Sistemas de alocação ajudam a legitimar os serviços de
consultoria assegurando uma taxa uniforme de dinheiro/hora. Tudo se baseia na
40
idéia de que o tempo é dinheiro, tanto para profissionais-consultores quanto para
seus clientes.
As horas de consultoria podem variar de centenas até milhares de reais dependendo
de fatores como: experiência do consultor, o tipo de trabalho contratado, o tamanho
do cliente ou até mesmo a localização geográfica do projeto e a necessidade de
deslocamento físico.
Além disso, as fronteiras entre consultor e cliente são até certo ponto indefinidas,
uma vez que os mesmos são encorajados a entrar no dia-a-dia do cliente e trabalhar
a seu lado. A empresa e o tempo do cliente acabam se tornando, de certa forma, a
própria empresa e tempo do consultor (YAKURA, 2002).
A cada semana, em dias previamente acertados, consultores divulgam as horas
gastas na execução de suas atividades em uma planilha de controle de tempo.
Geralmente, cada cliente é registrado em colunas separadas por códigos - por
projeto ou área geográfica - e ao lado, o número gasto de horas por dia de trabalho
(YAKURA, 2002).
A mesma autora, em seu estudo sobre o tempo dos consultores revela que, mesmo
sendo uma atividade rotineira e operacional, o sistema de alocação é de tal
importância na avaliação da performance do consultor que os mesmos não se
queixavam de seu caráter obrigatório.
O registro das horas trabalhadas varia conforme o escopo do projeto. Raramente
coincidem com o número exato de horas trabalhadas no cliente, que incluem horas
extras, stand by pelo celular, tempo gasto com e-mails enviados de casa e até as
horas gastas no transporte até o cliente, no caso de projetos fora de sua cidade.
41
Também em sua pesquisa, Yakura (2002) percebe que o reporte de horas é um
tema comum na conversa entre consultores. Dicas são passadas aos consultores
menos experientes e, muitas vezes, para se manterem dentro do orçamento do
projeto, alguns líderes diminuem o número de horas divulgadas e solicitam à equipe
um reporte parcial, de forma a não comprometer o contrato e o valor acordado com o
cliente. Para o consultor, esta situação, por vezes é muito insatisfatória, pois sua
performance é medida pelo percentual anual das horas cadastradas no sistema o
que, em muitos casos, não reflete a realidade do trabalho prestado ao cliente em
determinado projeto.
A performance é o resultado geral do sistema de billing, pois apresenta tanto a
organização como um todo (total de horas de consultoria prestada). Assim, segundo
Yakura (2002), para o consultor é essencial estar alocado em projetos que lhe
possibilitem ter o maior número de horas trabalhadas em cliente, pois o tempo
divulgado no sistema é “sinônimo” de trabalho executado.
Desta forma, o tempo ideal de um consultor é o seu tempo em clientes.
Periodicamente, líderes recebem um relatório de suas equipes para visualizar quais
recursos estão disponíveis/desalocados e decidir sobre novos times, mudanças de
equipe, demissões ou contratações.
2.2.4 O Tempo de Trabalho versus o Tempo Pessoal
Como vimos, o mundo do trabalho passou por muitas transformações. Domenico de
Masi (1999) afirma que existem mais de mil nomes para designar a fase em que
vivemos atualmente. Embora as denominações mais comuns se refiram à Revolução
da Informação, elas vão desde a Sociedade do Capitalismo avançado até a Terceira
42
Onda ou ainda a Era da Descontinuidade. O fundamental é que vivemos importantes
transformações no mundo do trabalho.
Atualmente, ao se falar em trabalho, falamos em casa também. O estilo de vida
moderna, que associa calma, tranqüilidade e tempo a uma maior qualidade de vida
tem um preço: a confusão entre a vida pessoal e profissional.
A ausência de limites que definam os espaços entre vida profissional e vida
doméstica, é uma estranha e perigosa mistura. A invasão exagerada do trabalho na
vida dos profissionais, aumentando a jornada diária, e em alguns casos, colaborando
para a exaustão gerada por horas contínuas e ininterruptas de esforço físico e
psíquico.
Outro fator a destacar é o aproveitamento do tempo livre ou tempo de ócio. Ao levar
trabalho para casa possibilidade permitida pelo avanço tecnológico que o
possibilita escolher onde, como e quando trabalhar - surge outro problema na vida
do profissional: o que fazer quando não estamos trabalhando?
O progresso técnico logo nos permitirá delegar às máquinas quase todo o trabalho físico e
parte do trabalho intelectual. Mas o homem terá sempre o monopólio das atividades criativas,
e a escola deve prepará-lo para esta tarefa. No entanto, há uma nova matéria a ser estudada:
como viver bem o tempo livre (DE MASI, 1999).
Diversos autores (ROTONDO, CARLSON e KINCAID, 2003) fazem distinção entre
os conflitos trabalho-família e família-trabalho. O primeiro significa a interferência do
trabalho na vida familiar e o segundo, a influência das características da família na
vida profissional.
Parasuraman et al (1997) exemplificam estes conflitos a partir do controle de tempo.
Quanto mais tempo o indivíduo dedicar ao trabalho, menos tempo terá para dedicar
43
à família, havendo interferência do domínio profissional no domínio familiar e
aumentando desta forma o conflito trabalho-família. Por outro lado, quanto mais
tempo dedicar à família, menos tempo terá para o trabalho, aumentando neste caso
o conflito família-trabalho.
Ainda reafirmando a distinção entre os dois tipos de conflito, Noor (2002) conclui
que, quando empregamos tempo e energia extras em qualquer um dos lados -na
família ou no trabalho - em contrapartida, afetamos negativamente o outro.
Contudo, os mesmos autores mostram que, de forma conflitante, as pessoas em
geral tendem a diminuir mais as responsabilidades com a família do que com o
trabalho. Isto porque os empregados acreditam que haverá conseqüências negativas
em maior intensidade se negligenciarem mais a vida profissional do que a familiar.
2.3 A Questão da Identidade
Stuart Hall (2000) em seu livro: A identidade cultural na pós-modernidade sugere
que as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até
então visto como um sujeito unificado.
No que se refere à identidade pessoal, a perda de um “sentido de si” estável é
chamada pelo autor de “deslocamento do sujeito” e constitui o que podemos chamar
de “crise de identidade” (HALL, 2000).
Para entendermos como essa crise se dá, examinamos as três concepções de
identidade distintas expostas por Hall (2000):
44
a) sujeito do Iluminismo: baseado em um indivíduo totalmente centrado,
unificado, dotado de capacidades da razão, consciência e ação. Permanece o
mesmo ao longo de sua existência e seu centro é sua própria identidade
como pessoa;
b) sujeito sociológico: baseado na crescente complexidade do mundo
moderno e na idéia de que o interior do sujeito não é auto-suficiente, mas
formado na relação com outras pessoas. Logo, a identidade se forma pela
interação entre o “eu” e a sociedade, costurando o sujeito à estrutura;
c) sujeito pós-moderno: baseado no fato de que o sujeito, previamente único e
estável, está se tornando fragmentado, composto não de uma única, mas de
várias identidades.
Partindo desta última concepção, vemos que o próprio processo de identificação,
através do qual nos projetamos, tornou-se provisório. A identidade na pós-
modernidade passa a ser móvel, formada e transformada continuamente em relação
às formas pelas quais somos representados nos sistemas culturais que nos rodeiam.
Portanto, ao assumir identidades diversas, em uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de possíveis papéis, com os quais se identifica temporariamente, o sujeito
pós-moderno, entra no que Hall (2000) denomina “crise de identidade”.
Outro aspecto desta crise se dá pelo dinamismo da modernidade. Giddens (1991)
apud Hall (2000) indica que à medida que diferentes áreas do globo são postas em
conexão, profundas transformações e novas combinações de espaço-tempo criam
uma nova lógica, repleta de novas identidades.
45
Segundo Marc Augé (1994), esse excesso de espaço, paradoxalmente, constitui-se
pelo encolhimento do mundo, que provoca a produção de “não-lugares”
aeroportos, vias expressas, salas de espera, centros comerciais, estações de metrô
etc, por onde circulam pessoas e bens. Os não-lugares, produtos da
contemporaneidade, se opõem à noção de lugar antropológico - identitário,
relacional e histórico - designado como o espaço onde vivemos, celebramos nossa
existência, residimos, trabalhamos; ou seja, os locais que compõem nossa
identidade individual. Através dos não-lugares se descortina um mundo provisório e
efêmero, comprometido com o transitório e com a solidão; resultantes de uma época
que se caracteriza pelo excesso factual, superabundância espacial e
individualização das referências.
Essas novas características temporais e espaciais resultantes da compressão de
distâncias e escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes a ter efeito
sobre as identidades.
Além da questão da identidade pessoal do sujeito da pós-modernidade, efeitos e
mudanças significativas também podem ser vistos nas formas de identidade
organizacional, definida por Machado-da-Silva e Nogueira (2001), como a resultante
de uma representação compartilhada dos membros de uma organização e daqueles
com quem ela interage.
Segundo Albert e Wheten (1985) apud Machado-da-Silva e Nogueira (2001), a
identidade organizacional compreenderia as crenças partilhadas pelos membros
sobre o que é (a) central; (b) distintivo e (c) duradouro na organização.
Nas palavras desses autores, o critério de centralidade aponta as características
vistas como essenciais; o critério da distintividade aponta os elementos que
46
distinguem uma organização das outras com as quais poderia ser comparada; e o
critério de continuidade temporal ressalta as características estáveis no tempo.
Esses três critérios seriam, cada um, necessário e, em conjunto, suficientes para
definir a identidade organizacional como um conceito científico.
Elsbach (1994) apud Machado-da-Silva e Nogueira (2001) expõe em seus trabalhos
que a identidade de uma organização reflete seus atributos centrais e
diferenciadores, incluindo seus valores essenciais, cultura, modos de desempenho e
de ação e seus produtos.
Para o autor, no nível dos indivíduos, a identidade organizacional é resultante do seu
esquema cognitivo ou da sua percepção dos atributos essenciais e diferenciadores,
de sua situação e posicionamento no contexto e na comparação com outras
organizações.
Eventos externos e situações ambientais que refutem, desafiem ou coloquem em
questão essas características definidoras da identidade organizacional, podem ser
entendidas como ameaças, levando inclusive a uma consciência ou mais clara
percepção desses atributos definidores desta identidade (FIOL, 1991; ELSBACH e
KRAMER, 1996; GIOIA e THOMAS, 1996; ALBERT e WHETTEN, 1985 apud HALL,
2000).
PARTE 3 - Metodologia
Creswell (1998) define a pesquisa qualitativa como um processo de busca do
entendimento de um fenômeno de forma interpretativa e destaca alguns motivos
para a escolha deste tipo de pesquisa. O primeiro ocorre quando a pergunta da
pesquisa geralmente começa com “como” ou “o quê”, na tentativa de descrever uma
47
situação ou acontecimento, diferentemente da pesquisa quantitativa, que tem como
objetivo comparar grupos e variáveis. O segundo surge quando o tópico precisa ser
explorado, pois as variáveis não são facilmente identificáveis e as teorias disponíveis
sobre o assunto têm que ser desenvolvidas. E finalmente, o terceiro aparece quando
os indivíduos que são o foco do trabalho precisam ser analisados em seus
respectivos ambientes naturais.
A escolha pela pesquisa qualitativa para o presente estudo deu-se pelo fato de este
tratar de fatores humanos e sociais, cujo tema é atual e apresenta necessidade de
desenvolvimento.
Ratifica-se que o principal objeto de trabalho é a percepção dos indivíduos diante de
determinada situação vivida por eles cotidianamente. Assim, pode-se enquadrar este
estudo dentro da abordagem construcionista, ou seja, realidades socialmente
construídas e específicas a determinado tempo e espaço (GUBA e LINCOLN, 1994;
SCHWANDT, 1994).
A presente pesquisa pode ser classificada quanto aos fins como uma pesquisa
exploratória e descritiva (VERGARA, 2003), buscando descrever ou expor
características dos grupos estudados.
Quanto aos meios de investigação, pode ser classificada segundo Vergara (2003)
como uma pesquisa de campo, pois foram realizadas entrevistas semi-estruturadas,
em profundidade.
3.1 Coleta dos Dados
Realizou-se a coleta de dados por meio de 15 entrevistas em profundidade com
profissionais-consultores de diferentes idades, especialidades e níveis hierárquicos.
48
Os entrevistados são de ambos os gêneros, moradores do Estado do Rio de Janeiro,
todos com nível superior e experiência mínima de dois anos em consultoria
empresarial.
O uso de gravador, devidamente autorizado pelos entrevistados, mostrou-se de
grande utilidade na realização das entrevistas, permitindo concentração nas
respostas oferecidas e a inserção de perguntas adicionais no decorrer da fala dos
entrevistados. Procurou-se fazer com que os profissionais falassem livremente sobre
os assuntos abordados, criando-se, assim, a oportunidade para a emergência de
questões não previstas originalmente nos roteiros.
As entrevistas foram realizadas com data marcada, e a partir da autorização dos
entrevistados, os depoimentos foram gravados e posteriormente transcritos. O
tempo médio despendido para cada entrevista girou em torno de 45 minutos.
Por já ter trabalhado em consultoria, a participação da pesquisadora nesse tipo de
entrevista foi importante, pois a partir de sua sensibilidade prática (STRAUSS, 1987)
pôde aprofundar questões não antecipadas durante o encontro.
A motivação para o estudo se explica, em grande parte, pelo interesse da
pesquisadora em entender as implicações de se trabalhar fora da empresa-matriz,
na maior parte do tempo em clientes, à luz dos conceitos de tempo e espaço.
3.2 Seleção dos Sujeitos
O presente projeto de dissertação tem como objeto de estudo, profissionais-
consultores de cinco consultorias situadas na região sudeste do Brasil, todas do
mesmo segmento de atuação no mercado, consideradas, portanto, razoavelmente
concorrentes.
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Os participantes foram selecionados por conveniência e contato pessoal em diversos
níveis das organizações criando uma amostra bastante diversa.
A condição de a autora ser ex-consultora e aluna do Mestrado do COPPEAD e, de
ter acesso à rede de relacionamento da própria turma, facilitou o encontro com os
profissionais desta categoria. Um outro facilitador foi o fato de residir em uma grande
cidade que concentra profissionais em diversos setores e atividades.
3.3 Breve Perfil dos Entrevistados
E1 Profissional de 28 anos, sexo masculino, solteiro, consultor há quatro anos em
uma grande empresa de consultoria no Rio de Janeiro na área de CRM (customer
relationship management). Esteve presente em inúmeros projetos, sendo muitos
deles fora de sua cidade.
E2 Profissional de 33 anos, sexo masculino, casado, gerente sênior de sua
divisão, consultor há seis anos. Participou de inúmeros projetos na área de Petróleo
e Gás, grande parte fora do país.
E3 Profissional de 27 anos, sexo masculino, casado, consultor há três anos e meio
na divisão de Finanças. Trabalhou anteriormente em auditoria e, na consultoria, boa
parte de sua experiência se concentrou em um grande projeto na cidade do Rio de
Janeiro.
E4 Profissional de 26 anos, sexo masculino, solteiro, consultor há três anos e
meio. A consultoria foi sua primeira experiência e boa parte de seus projetos foram
fora de sua cidade.
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E5 Profissional de 23 anos, sexo feminino, solteira, consultora há dois anos e
meio. Sempre atuou na área de Marketing de grandes empresas e, hoje na
consultoria, trabalha na cidade do Rio de Janeiro.
E6 Profissional de 27 anos, sexo feminino, consultora há três anos. Começou na
mesma empresa em outra área e posteriormente se interessou pela consultoria
entrando através de um Programa Trainee para a divisão de Setor Público.
E7 Profissional de 29 anos, sexo masculino, solteiro, consultor há três anos e
meio. Com formação técnica e, fascinado pela docência, optou por um mestrado e
ingressou no ramo de Consultoria. Hoje, saiu da consultoria e está trabalhando em
outra área da mesma empresa.
E8 Profissional de 30 anos, sexo masculino, casado, consultor há quatro anos.
Ingressou na consultoria como trainee e hoje está na Divisão de Outsourcing.
E9 Profissional de 28 anos, sexo masculino, solteiro, consultor há três anos. Com
formação técnica, iniciou sua carreira como desenvolvedor JAVA. Ingressou na
consultoria por um Programa Trainee.
E10 Profissional de 31 anos, sexo masculino, casado, consultor há quatro anos.
Iniciou sua carreira em uma grande empresa na área de revendas e, em seguida,
ingressou na Consultoria.
E11 Profissional de 32 anos, sexo masculino, solteiro, consultor há mais de 10
anos. Iniciou sua carreira como consultor (pessoa jurídica) antes de ingressar em
uma grande empresa do ramo.
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E12 Profissional de 29 anos, sexo feminino, solteira, consultora há quatro anos.
Iniciou sua carreira em uma grande empresa do setor de Telecomunicações.
E13 Profissional de 27 anos, sexo feminino, solteira, consultora há dois anos.
Iniciou sua carreira em Banco na divisão de atendimento a clientes.
E14 Profissional de 38 anos, sexo feminino, casada e consultora há 11 anos. Tem
formação técnica em Engenharia e iniciou sua carreira como Professora de Inglês.
E15 Profissional de 35 anos, sexo masculino, casado, consultor há 12 anos. Tem
formação técnica em Engenharia e iniciou sua carreira na Consultoria.
3.4 Tratamento dos Dados
As gravações das entrevistas foram transcritas para documentos em Word. Com o
auxilio do software Atlas Ti. 4.2., cada entrevista foi analisada e categorizada de
acordo com o referencial teórico. Nesse processo, mostrou-se a importância de
material bibliográfico previamente compilado e coerentemente articulado. Além
disso, outras categorias não previstas inicialmente emergiram da fala dos
entrevistados e foram igualmente consideradas.
Assim, as categorias resultantes da primeira etapa do processo de codificação
foram: Acesso no Cliente, Alavancagem de Carreira, Ambiente no Cliente, Carreira
do Consultor, Desalocado, Desvantagens de Viajar, Disponibilidade em Viajar,
Distância da Empresa, Espaço do Consultor, Espaço Pessoal, Espaço no Trabalho,
Espaço em Viagens, Estágio de Vida, Futuro da Consultoria, Gestão de Pessoas,
Identidade, Identidade Organizacional, Mulher na Consultoria, Tempo no Cliente,
Tempo do Consultor, Tempo pessoal, Tempo Trabalho, Tempo em Viagens,
Território, Trabalho do Consultor e Vantagens de Viajar.
52
Em um segundo momento, com a releitura dos trechos destacados, as categorias
foram agrupadas em categorias mais abrangentes para que as análises fossem
escritas. Assim, aquelas categorias relacionadas à viagem (Vantagens e
desvantagens, Distância da empresa, Tempo e espaço em viagens) foram
agrupadas no conceito “mobilidade”; Acesso e Ambiente no cliente formaram a
categoria Espaço no Trabalho; os temas Gestão de pessoas, Carreira, Trabalho do
consultor e Estágio de vida foram agrupados na categoria Futuro na Consultoria e,
por fim, as questões da mulher na consultoria foram denominadas “Questões de
gênero” e abordadas em separado por terem sido muito representativos nas falas
dos entrevistados.
Em seguida, com a ajuda do software, todas as transcrições - mantido o discurso
original com o objetivo de melhor ilustrar as percepções - da mesma categoria foram
relidas e as melhores falas foram selecionadas de forma a ilustrar o tópico em
análise.
3.5 Limitações do Método
Quanto às limitações, o estudo qualitativo apresenta, em geral, dificuldade de
generalização no que diz respeito aos seus resultados. Seu caráter indutivo pode
elucidar interpretações subjetivas quanto aos resultados, conclusões e implicações
acadêmicas e práticas.
No que se refere ao grupo pesquisado, é preciso também tomar cuidado com
generalizações. Devido ao fato de a maioria dos respondentes possuir um alto nível
de renda e de educação formal, as conclusões deste estudo não devem ser
estendidas a outras classes sociais.
53
Como a amostra é inteiramente composta por profissionais-consultores também não
é recomendável estender esses resultados para os profissionais de outras
categorias.
PARTE 4 - DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Neste capítulo, apresentamos os resultados do processo de pesquisa, isto é, como,
a partir da análise das entrevistas realizadas, conseguimos enxergar as questões
mais relevantes sobre espaço e tempo na categoria dos profissionais-consultores.
A partir da análise das entrevistas e a fim de facilitar a compreensão da
interpretação, os pontos de conteúdo mais significativos foram organizados em
grandes temas. Alguns trechos dos discursos dos profissionais foram aqui
reproduzidos, tendo sido as suas falas fielmente transcritas. É importante lembrar
que os temas, embora apresentados separadamente para facilitar o entendimento,
na prática estão entrelaçados.
Os cinco grandes temas que podemos depreender do discurso dos entrevistados
serão apresentados a seguir. Os principais tópicos identificados foram (1) Espaço,
(2) Tempo, (3) Identidade e (4) O Futuro na Consultoria.
4.1 Espaço
Para os profissionais-consultores a questão do espaço no trabalho está diretamente
ligada à característica de sua função como consultor - um profissional que passa a
maior parte de seu tempo representando sua empresa no cliente.
54
4.1.1 A Questão do Espaço no Cliente “Zero espaço, né?”
Os depoimentos indicam que o fato de terem sido contratados para estar em clientes
transfere a questão do espaço dentro de sua empresa-matriz para uma necessidade
de espaço dentro cliente.
Dependendo do projeto você consegue o seu "canto" no cliente. Eu tenho uma mesa com um
armário aqui no cliente, posso me organizar como quiser aqui. Acho que isso depende do
cliente e, como vou à minha empresa poucas vezes, não preciso realmente de nada lá. (E6)
E, no cliente, o consultor fica sujeito à disponibilidade de espaço, tendo que, muitas
vezes “abrir mão” de conforto para realizar suas atividades e cumprir as atividades
do projeto em que está alocado.
Eu não tenho espaço na empresa, mas às vezes tenho um espaço assim no cliente. Alguns
não têm estrutura capaz de atender confortavelmente todos os consultores, depende do
tamanho do projeto. Mas eu já estive em cliente em que eu tinha mesa, três gavetas, dividia um
ramal às vezes, tinha um só meu, mas também já fiquei quatro a cinco meses trabalhando
numa mesa de reunião sem nada. Outros três meses, eu ficava sentado entre duas mesas,
sabe, quando elas se encontram? Notebook ficava bambo, mesas com alturas diferentes,
compartilhando gavetas com outras pessoas. (E1)
Muitas vezes, os depoimentos parecem indicar que o consultor é relegado a uma
posição secundária dentro do cliente.
Então, eles separam um espaçozinho para você, o mínimo possível, talvez em uma sala de
reunião, talvez em uma mesa ao lado lá, encaixada em algum determinado lugar... (E10)
Você trabalha com espaço mínimo, você mal tem um espaço para ter um mouse... (E13)
Espaço meu no cliente? Pior ainda! Não temos nem cadeira e, muitas vezes, temos que andar
para cima e para baixo com um notebook na mão. (E7)
E, em outros relatos, é uma questão de sorte ter boas acomodações nos clientes:
Eu te digo que eu tenho tido sorte, eu acho que pelo menos, sei lá, setenta, setenta e cinco por
cento das vezes consegui ter acomodações decentes, dentro do cliente.(E2)
55
A precariedade do espaço no cliente pode chegar a situações extremas, como
ausência de infra-estrutura mínima de trabalho ou soluções que obrigam o profissional
a trabalhar em locais inadequados como corredores ou lanchonetes.
Eu estava em projeto em BH e era um local alugado, num prédio... Assim, terrível. Estava fora
do padrão de local, de segurança ou coisas assim. Então, o banheiro, era muito ruim, o ponto
de rede tinha que ser compartilhado. Algumas vezes, telefone você não tinha, a mesa você
tinha que solicitar. Então, isso acontece. (E3)
Zero espaço né? Tem lugares em que você mal senta. Se tiver cadeira, divide com 10
pessoas. Eu já sentei no corredor (risos) sério, no corredor da empresa. Botaram lá um
mesão pra gente, dividia com várias pessoas. Em outro, não tinha lugar nem ponto de rede
pra todo mundo, eu ia trabalhar na lanchonete, no sofazão com o notebook no colo. E isso é
pior que corredor porque pelo menos no corredor tinha mesa. (E12)
4.1.2 A Questão do Espaço na Consultoria “Tá cheio? Você vai pra casa”
Quando se trata do espaço de trabalho dentro da consultoria, ou seja, dentro de sua
empresa de origem, os entrevistados deixam claro que um espaço fixo é
considerado desperdício.
Eu não vou ter um escritório fantástico porque o meu staff não vai ficar aqui. Se o meu staff
ficar aqui, isso significa que ele não está debitando horas... Eu não quero que ele ache o meu
escritório bom, porque eu não quero que ele fique aqui. E eu também não tenho mesa e
estação de trabalho para todo mundo porque trinta por cento, quarenta, cinqüenta por cento
do meu staff vai estar sempre alocado em algum outro lugar. (E2)
Assim, o espaço de trabalho dentro da própria empresa passa a ser algo
“desnecessário” uma vez que o ideal é passar a menor parte de seu tempo no
escritório.
No escritório temos um problema que é a falta de espaço, nenhuma consultoria tem espaço
físico para poder abrigar todos os consultores, a força de trabalho. Chega uma hora que você
vai pro escritório, tá cheio? Você vai pra casa. (E1)
56
...[o consultor] ele entende isso e aí também não se importa muito com isso. Porque ele fica
tão pouco tempo dentro do escritório, que logicamente, não faz sentido ele ter um lugar para
ele, especificamente. O profissional tem que ter consciência que ali é um espaço
momentâneo dele, que é um período de tempo que vai passar. (E15)
Mas, alguns depoimentos relatam que o fato de ter que ir para casa quando o
escritório não tem espaço para o profissional, gera desconforto já que o consultor
deveria trabalhar no cliente, ou no escritório, mas não em casa.
Aí a pessoa trabalha de casa... Isso é bom para a empresa porque diminuem alguns custos.
Mas, perde alguma coisa, digamos, a produtividade, perde um pouco a produtividade porque
você não está em cima, não tem supervisão, fica disperso em casa, faz outras coisas. (E7)
Lembre que espaço também é custo, né? E então o que aconteceu? Você vai ficar em casa.
E pensei: home office? Vão me pagar para eu ficar em casa? É, vão me pagar para eu ficar
em casa e aí sim é uma coisa que choca mais. Você fala: eu estou entrando aqui, estão me
pagando e eu estou indo para casa? Sim, quem não tem a visão do todo pensa o seguinte:
‘Vou ser demitido agora porque não faz sentido eu ficar em casa. Vou ficar em casa? Por
quê? Porque não tem espaço para todo mundo, não dá para ficar aqui.’ (E15)
Em um dos depoimentos o consultor menciona que o fato de estar em casa requer
uma justificativa para todos a sua volta que não estão acostumados com sua
presença.
No mínimo esquisito, no mínimo esquisito. Por mais que as pessoas falem: ‘Não, fica
tranqüilo que isso é um momento, já vai sair o projeto... Só estamos esperando’. Você chega
em casa e a tua mãe fala: ‘Ué, não vai trabalhar hoje?’. O porteiro chega: ‘Ué, não vai
trabalhar hoje?’. O cachorro olha assim para você e pensa: ‘O que esse cara está fazendo
aqui?’. (E15)
Porém, apesar de ser a característica dessa categoria profissional, o fato de estarem
boa parte do tempo fora do escritório, seja em cliente seja desalocado em casa, gera
algumas conseqüências ruins quando se trata de desenvolvimento na carreira e
networking.
57
Tudo que eu falei para o desalocado quando você está em casa é a mesma coisa para o
projeto, você está longe da operação. Por mais que você faça parte do core business da
empresa que é a consultoria, que é vender serviços, você não sabe os bastidores da mesma
forma, você não sabe das fofocas... você se afasta das pessoas que estão no escritório, você
deixa de fazer o seu relacionamento, você deixa de participar da política da empresa e isso é
prejudicial em vários sentidos, você não consegue saber o que está acontecendo com a
empresa, os projetos que estão sendo vendidos. (E1)
E, às vezes, é até difícil, você vai para um projeto fora, você perde toda aquela rede de
conhecidos que você tinha aqui dentro.(E8)
O termo “rede” apareceu em muitos depoimentos e, apesar de não constar da
revisão de literatura, precisa ser analisado mais a fundo, uma vez que a distância
entre consultor e empresa-mãe gera conseqüências prejudiciais à carreira.
Castells (1999) define redes como estruturas abertas capazes de se expandir de
forma ilimitada, integrando novos nós, desde que consigam comunicar-se dentro da
rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação como,
por exemplo, valores ou objetivos.
Assim, a empresa pode ser vista como uma rede dinâmica e estrategicamente
planejada de unidades. Segundo o mesmo autor, o desempenho de uma rede
dependerá de dois de seus atributos fundamentais: a) a conectividade, que é a
capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre seus participantes
e; b) a coerência, na medida em que existem interesses em comum entre seus
componentes.
[Ficar no escritório] foi importante pra eu conhecer muita gente, inclusive de outros setores,
da consultoria, fiz muitos contatos, conheci o mundo, sabe? (E6).
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Vale ainda citar a visão de Boltanski e Chiapello (1999), que relatam que, num
mundo reticular, a vida social é apresentada como uma multiplicação de encontros e
de conexões temporárias, sempre renováveis.
No caso da consultoria, os projetos têm um início e um fim, se sucedem e se
substituem, recompondo, pela força das prioridades e das necessidades, os grupos
ou equipes de trabalho. Assim, a alocação em um novo projeto depende de uma
certa visibilidade e da manutenção dos contatos. Isto explica, em certa medida, o
desconforto dos consultores em ficarem longe do escritório. Se, por um lado, o
projeto em curso forma uma rede de profissionais conhecidos, por outro, o consultor
fica distante da rede dos profissionais que estão no escritório:
Você não sabe os bastidores da mesma forma, você não sabe das fofocas... você se afasta
das pessoas que estão no escritório, você deixa de fazer o seu relacionamento, você deixa
de participar da política da empresa e isso é prejudicial em vários sentidos, você não
consegue saber o que está acontecendo...(E1)
Para Boltanski e Chiapello (1999), em um mundo reticular, não estar na rede pode
significar a invisibilidade e a exclusão. O temor de perder contatos e, por
conseqüência, não estar visível, não ser lembrado para o próximo projeto - está
presente na fala de alguns dos entrevistados:
Você perde networking e fica na mão de alguns poucos profissionais que também estão com
você no cliente. (E7)
E às vezes é até difícil, você vai para um projeto fora, você perde toda aquela rede de
conhecidos que você tinha aqui dentro.(E8)
Eu acho que estando longe, você perde conhecimento das pessoas, os contatos. Eu
praticamente não conheço. Eu passei a conhecer gente da [minha empresa] só hoje! (E12)
Diante deste cenário, o consultor acaba “dando um jeitinho” de não perder esse
precioso contato e as novas oportunidades que podem surgir na companhia
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enquanto ele não está no mesmo espaço das interações e dos relacionamentos
profissionais.
Dá seu jeito [sic] de estar presente, você não precisa estar o tempo todo, o que eu faço é
tentar ficar um tarde, invento alguma coisa, vou lá pegar meus comprovantes de despesa,
faço questão de pegar um livro, levar as notas lá, marcar uma conversa com meu mentor no
escritório, sempre tento fazer coisas que me obriguem a ir ao escritório. (E1)
A questão de acesso à rede da empresa no cliente era bem mais restrita, então para me
aproximar do "mundo XX [da empresa]”, eu tinha que conectar de casa e tal. Eu conectava
sempre que possível e tentava manter algum contato com as pessoas do meu convívio. Acho
que só assim consegui me posicionar de uma maneira satisfatória quando saí do cliente. (E4)
4.1.3 A Questão do Espaço Pessoal “um lugar sem espaço”
Fischer (1997) define territorialidade como um fenômeno de demarcação ou criação
de fronteiras, que tem como objetivo demonstrar controle e propriedade do espaço.
Os profissionais-consultores deixam claro que não possuem nada próprio dentro do
escritório, mas quando podem, se apropriam de determinados objetos para tentar
criar um vínculo pessoal com aquele espaço de trabalho.
Não, tem coisa que dá para deixar [no cliente], tipo caderno, tipo um fluxo de rede mais
esticado lá é seu. Fluxo de rede é uma coisa, de território. Territorial e oportunista... E a sua
cadeira. Pronto é só isso. (E13)
O que pode ser utilizado para a demarcação de território é, via de regra, um objeto
necessário para o trabalho como, por exemplo, um ponto de rede, artefato essencial
para que o consultor possa se conectar com seu laptop. Mesmo que o trabalho de
consultor seja temporário, o código de marcação do espaço é entendido e respeitado
por todos:
60
A gente chega no primeiro dia [no cliente] e parece que todo mundo marca um território, você
senta ali e fica. Eu tenho o meu lugar, fulano também e realmente aquele lugar passa a ser
da pessoa, mesmo sem ter nada escrito, engraçado né? Tipo, onde fulaninha senta? Ela
senta ali. Todo mundo passa a saber. E isso eu não sei por que, talvez porque a gente se
apega àquele cantinho e fica aquele espaço sendo seu. (E12)
Se você pegar, se quiser dar uma volta hoje aqui no mobility, você vai ver onde está o fulano,
a ciclana. Tem um pessoal ali, que está sempre ali, sempre na mesma posição. Quando você
vier aqui, daqui a um mês, vai estar todo mundo na mesma posição. As pessoas buscam
realmente: ‘Vou procurar sempre sentar aqui, porque esse lugarzinho aqui eu gostei, tem
janela, tem não sei o quê’. E essas pessoas sempre sentam ali. (E8)
Essa questão da territorialidade é particularmente interessante, por entendermos
que se trata de um mecanismo que regula a fronteira entre “nós” e os “outros” e
implica uma personalização e uma democratização do espaço (ALTMAN e
CHEMERS apud FISHER, 1997).
Quando questionados sobre o espaço no trabalho, o conceito de territorialidade não
se expressa pelo fato de que, muitas vezes, um espaço no trabalho não existe. Nas
entrevistas, em geral, os consultores relatam que não possuem o “tradicional”: mesa,
cadeira, objetos de trabalho, típicos de um ambiente de trabalho na Indústria.
Meu espaço na minha empresa hoje? É uma pasta suspensa aonde minhas
correspondências que chegam são depositadas, toda comunicação que a empresa quer fazer
ela coloca ali. Hoje, o único espaço que eu tenho é essa pasta suspensa. Eu não tenho
gaveta, armário, nada a não ser isso. (E1)
Hoje em dia, a única coisa que assim, teoricamente pertence a mim e ao mesmo tempo
pertence à empresa, é o meu laptop, que vai com você para todos os lugares. (E3)
Não é de se estranhar, portanto, a percepção, presente em alguns relatos, de que a
única coisa que pertence ao consultor, que é “dele mesmo”, é a sua profissão e a
sua competência profissional. Como não há um espaço na empresa que o identifique
61
- um espaço onde os outros possam enxergar a sua existência - o consultor passa a
depender exclusivamente da qualidade de seu trabalho.
Não tenho um espaço meu e nada é meu. Meu mesmo? Só meu nome... (pausa longa) e
meu trabalho. E só. Quando tenho uma mesa que fica comigo um tempo eu levo porta-
retratos, coisas que enfeitam a mesa, entende? Procuro também personalizar meu notebook,
deixar fotos nele, adesivos e telas de descanso personalizadas... é o jeito! (E7)
A impossibilidade de levar fotos ou lembranças da família pode causar
constrangimentos na medida em que as pessoas queridas não entendem a falta de
espaço a que estão sujeitos. O uso de objetos de identificação é limitado, pois não
podem ocupar um espaço e, assim, devem ser tão portáteis quanto o próprio
consultor.
Eu sinto falta, quer dizer, de uma mesa, de um mínimo de um espaço... Até minha mulher já
falou assim: ‘Vou te dar uma foto minha para você colocar na sua mesa’. Aí eu falo: ‘Mas eu
não tenho mesa’. Isso é uma coisa que às vezes você pensa. Você fala: ‘Será que é bom ter
um lugar meu, um espaço onde eu possa colocar foto, minha cadeira?’. (E3)
Então tem gerente, você passa na estação de trabalho do cara e tem foto de família, dos
filhos, tem porta-retrato com isso, tem o presente que o filho deu, que a mulher deu... E cria
aquele ambiente, pois você quer minimamente ter alguma coisa aqui que o remeta a família,
a casa, ou alguma coisa dessa natureza. Eu, pessoalmente, não tenho isso. (E2)
Considerando os tipos de território mencionados por ALTMAN (1980), vemos que o
primário que remete às residências familiares tende a ser reconstituído no
secundário que são as organizações empresariais. No caso dos consultores
entrevistados, o território secundário é temporário quando não inexistente.
De uma forma geral, os relatos indicam um desconforto com essa “falta de espaço”
dentro do escritório, visto tanto pelo ângulo das relações pessoais - família, amigos -
quanto pelo da ergonomia e do conforto.
62
Você não vai chegar ali e ficar sentado na sua mesinha, você não vai ter teu espaço, a tua
mesa, o teu armário... É uma coisa que é diferente mesmo. E hoje em dia tem muita
insatisfação com isso. (E8)
Ambiente de trabalho? Se você tem uma cadeira confortável, uma mesa numa altura
confortável, iluminação decente, a tua produtividade é bem maior. Acho que se você tiver
ergonomia e iluminação... Obviamente que você tem que ter ponto de rede, né? Eu não estou
entrando nesse mérito...É, acho que isso é uma coisa muito importante. E olha, precisa ter
janela. Trabalhar em ambiente fechado é um horror. (E2)
Em alguns casos o consultor relata o desejo de ter uma continuidade. Como tudo é
temporário, o espaço no escritório, cada projeto e os espaços no cliente; o consultor
deseja ter “coisas fixas” com as quais ele possa sentir certa segurança, estabilidade.
Eu acho fundamental eu ter um ramal que posso passar pras pessoas me encontrarem.
Saber que vou chegar no meu local de trabalho e minha mesa vai estar me esperando. Saber
que eu posso até mesmo deixar algum material na gaveta ou sobre a mesa para continuar
trabalhando nele no dia seguinte. É uma questão de conforto e praticidade. (E4)
Tendo em vista esse cenário, os consultores acabam criando outras soluções para a
falta de espaço pessoal, uma forma de poder “ter suas coisas”. Neste sentido, o
consultor segue a mesma estratégia do caramujo, leva sempre a casa nas costas,
com tudo que vai precisar ali.
Minha mochila é praticamente a minha mesa, está tudo que eu preciso lá dentro. Tem meu
caderno, tem meu estojo com canetas que eu deixaria numa mesa comum, pasta de dente,
escova que a gente deixaria no armário. (E12)
Eu tenho minha pasta, chamo a de escritório móvel. Uma pasta que tem fio pra tudo,
carregador de celular, fios para conexão de computador, caderno, todos os tipos de caneta,
tudo anda comigo. Principalmente quando estou em um lugar sem espaço, minhas coisas de
escritório estão na minha pasta, no meu móbile office, meu durex, tesoura, caneta de flip
chart.(E1)
Mala, mochila com laptop, tento levar o máximo de arquivo digital, para não levar nada
impresso porque é muito pesado para ficar carregando por aí. (E2)
63
Há que se notar, ainda, que essa característica temporária do espaço, cria, para
alguns, sentimentos de abandono, uma sensação de desligamento da companhia;
como se o fato de possuir um espaço estivesse relacionado com o fato de ter um
emprego. Ou seja, ter um espaço seu se traduz na sua empregabilidade.
É aquela coisa meio "demissionária", você vai para o cliente, adeus espaço na [minha
empresa], estou sendo demitido daqui e estou indo para o cliente XPTO. E é como funciona
mesmo. Eu quando fui para cliente, eu tinha armário, eu tinha ramal, tinha tudo. Quando eu
voltei, eu não tinha nada, o meu ramal tinha sido dado para outra pessoa... E eu falei: ‘Vem
cá, não era meu ramal esse?’. ‘Ah não deu a maior confusão e entregaram para outra
pessoa’. ‘Ah tudo bem, eu peço outro’. Fiquei dois anos sem ramal. Você volta, é como se
você tivesse sido demitido e recontratado. É esquisito. Ás vezes dá um nozinho na cabeça, é
muito engraçado. (E14)
O estado “empregado/desempregado” não se relaciona apenas com a posse de um
espaço, mas também com a característica do trabalho do consultor, pois ele está
sempre “pingando de projeto em projeto”, tendo que ficar algumas vezes à espera de
um novo projeto, dentro do escritório.
Para outros, a inexistência de um espaço pessoal acaba gerando um sentimento de
desapego. Os consultores, com o tempo passam a se acostumar com essa condição
e mesmo que possivelmente insatisfeitos, passam a não mais se importarem.
Já me acostumei a não ter esse tipo de coisa. Não consigo me imaginar, ver minha mesa
com aquela coisa de latinha pra caneta. Como é o nome? Porta-caneta? Primeira coisa que
se faz quando arranja um trabalho é ir à papelaria e comprar aqueles negócios de escritório,
e eu não consigo ver isso. Tá tudo na minha bolsa.(E1)
Para você ter um armário, é meio complicado. Você está cada hora em um lugar e não tem
como você... Ah... Isso aqui é meu, vamos marcar. Você passa a não se importar com essas
coisas.(E3)
Eu me desapeguei com essa coisa de ficar, ter mesa, ter coisas na minha mesa. Agora sou
totalmente desapegada a isso. (E12)
64
4.1.4 A Questão do Desalocado “o desempregado empregado”
O status “desalocado” que significa “não estar em projeto” é um adjetivo que parece
incomodar bastante o consultor, dando-lhe uma sensação de abandono e rejeição:
Esse sentimento de abandono eu tenho quando estou sem projeto, e sem previsão de
alocação. Aí sim me dá sensação de abandono. Você se sente só, ninguém te procura. Você
não se acha importante. É ruim. (E10)
Desalocado é o cara que está totalmente sem projeto. Como a gente fala, ele não está
cobrando do cliente, o taxímetro tá correndo e a consultoria tá pagando seu salário. E aí você
pode fazer any coisas, pode ficar em casa trabalhando remoto; fazendo alguma apresentação
para o sócio que pediu porque sabe que você tá desalocado; você pode fazer treinamento já
que você tem X horas por ano fiscal para fazer; você pode estar pesquisando qualquer coisa,
ou pode fazer nada. Isso em casa ou no escritório. (E1)
Esse status foi citado por todos os entrevistados como sendo o pior período para um
consultor. O paradoxo ocorre pelo fato de que o espaço do escritório - ao contrário
do que seria considerado “normal” tradicionalmente - não lhe pertence, o consultor
não é “bem visto” se estiver no escritório.
É complicado, ficar desalocado nesse tipo de trabalho, é como se estivesse desempregado.
Eu sinto assim. É muito ruim, porque na realidade, você não está acostumado com isso.
Porque como você vivencia muito mais o trabalho no cliente do que fora, pra gente é uma
coisa muito estranha porque toda vez que eu estou desalocado eu me sinto como se tivesse
desempregado, me sinto, tipo, é, sem nenhum objetivo.(E3)
O fato de o consultor estar sem projeto faz com que sua presença passe a ser
notada por aqueles que estão no escritório e, como o perfil deste profissional requer
que ele esteja em cliente para que a consultoria tenha retornos financeiros, o fato de
estar no escritório torna-o uma pessoa “mal vista”.
Como a gente fala, ele não está cobrando do cliente, o “taxímetro está correndo” e a
consultoria está pagando seu salário.(E1)
65
Aí você fica um tempo no escritório até as pessoas se acostumarem com a sua presença e aí
você vai fazer um cursinho de, desses on-line. (E8)
Assim, por mais que seja um período no qual o consultor possa usufruir os
benefícios da estrutura da sua empresa, ele é pressionado por uma meta de
alocação em cliente, fora do escritório.
Você tem uma pressão por alocação, que é refeita. E quando você está desalocado, você
tem uma taxa de alocação e sua taxa de alocação cai. E essa tava de alocação é atrelada a
bônus e até promoções, a alguns itens de carreira, né? (E3)
Desta forma, o consultor, apesar de perceber as claras desvantagens de estar longe
do escritório, acaba sendo pressionado fortemente para arrumar uma alocação e ir
para algum cliente, de forma a “billar”, ou seja, contar horas de trabalho que serão
remuneradas pelo cliente.
...[quando desalocado] cheguei a ficar alguns dias em casa, mas é aquela: ‘Ficar em casa?
As pessoas não vão me ver, vão acabar me esquecendo, vou ficar aqui’. Por mais que você
fique no MSN, mandando mensagens para o pessoal de: ‘olha, estou aqui, me dá coisa para
fazer’, não adianta, você fica naquela angústia grande de você não estar billando. É uma
coisa engraçada, ao mesmo tempo em que você quer ficar dentro do escritório, você não
quer ficar dentro do escritório. Ao mesmo tempo você quer estar ali, ter teu espaço, ter o teu
contato com as pessoas, você quer logo sair quer logo fazer alguma coisa para ir... (E8)
Assim, ao mesmo tempo em que, a sensação de desemprego se dá pela falta de
projeto, o fato de estar no escritório gera uma interpretação de ociosidade, de falta
de trabalho, o que pode ser evidenciado em alguns trechos das entrevistas.
É como se você dentro da [empresa] não tivesse trabalho. Não importa o que você estava
fazendo, tem cursos de e-learning, que eu estava lá o tempo inteiro, mas quando alguém lê
seu relatório, interpreta como se você não tivesse trabalhado. Não leva em conta que você
estava lá [no escritório] ralando. Só querem saber se estão ganhando com você. (E5)
66
Um dos entrevistados, em seu relato, acaba reforçando que quando estava no
escritório, estava sempre trabalhando, como se isso precisasse ser reforçado para
que acreditem: “quando estava desalocado eu fiquei todo dia no escritório, mas sempre
trabalhando”. (E6)
E, além disso, o status “desalocado”, além de trazer a sensação de desemprego
também pressiona o profissional consultor que possui sua avaliação atrelada a sua
meta de alocação em projetos.
Fiquei bastante frustrada, fiquei muito tempo no escritório e não fui perceber o impacto que
isso dá depois na cobrança que você tem, nas suas avaliações anuais e tudo, até acontecer a
primeira avaliação. Porque, uma das coisas no trabalho de consultoria é: ‘não ter projeto é
quase como se você estivesse desempregado empregado’, né? E apesar de não depender
só de você, isso também é cobrado de você. Mas isso tudo eu aprendi no tapa, depois que eu
passei da minha primeira avaliação. (E14)
É uma sensação de insegurança, porque somos medidos, avaliados e temos nossas chances
de crescimento somente quando estamos alocados. (E6)
4.1.5 A Questão da Mobilidade “tem que estar disposto a isso, né?”
Um aspecto a se destacar nas entrevistas é a questão das constantes viagens do
consultor, fruto de uma profissão com uma característica nômade. De acordo com
Freitas (2002), mais que um pré-requisito ou uma exigência, a mobilidade passa a
ser estimulada para ser um desejo, uma vontade, um projeto próprio de mudar
sempre, aprender sempre, conhecer novos espaços.
Consultoria é isso, exige muito de você, é a coisa, você tem que viajar, você tem que estar
fora. Não é nem que você tem que só viajar...é uma questão de adaptabilidade mesmo. (E8)
67
Alguns entrevistados mencionam que essa exigência já faz parte da escolha pela
carreira de consultoria. Você pode ter uma base (Rio de Janeiro, São Paulo etc),
mas você pode estar em qualquer lugar onde o cliente está.
E aí, você tem que saber isso porque quem te paga é o cliente, como a gente costuma falar
aqui, e que você tem que ser profissional. Que nem um time de futebol, você está ali, não é
obrigado a estar, sair jogando, você pode ficar no banco. No teu contrato não está dizendo
que você vai jogar cem por cento do tempo. Então, no meu contrato, não está dizendo que o
meu trabalho é aqui no Rio de Janeiro, fala que a base é no Rio de Janeiro, mas eu posso
estar em qualquer lugar do mundo. (E15)
Essa exigência por aceitar constantes mudanças/viagens é tão rigorosa que interfere
na imagem do consultor. Quem não se dispuser a se deslocar para onde o local do
projeto, “suja” sua imagem perante o gestor e os colegas de trabalho e,
conseqüentemente, encontrará problemas na hora da avaliação de performance.
Quem trabalha em consultoria tem que estar disposto a isso, né? Então eu chego para você e
falo: ‘Olha só que coisa fantástica, eu arranjei um projeto para você muito bacana em Luanda,
na Angola, você vai ter que ficar um ano lá’. Se você não estiver disposta, você vai pedir
demissão porque mesmo que dê todos os argumentos possíveis do mundo [para não ir], você
já não vai ser bem vista dentro da consultoria. (E9)
Na época da sua avaliação eu direi: ‘Oh, não pude contar com você para o que der e vier. Eu
preciso cortar um da minha equipe e vai ser você’.(E11)
Às vezes só eu tenho aquele conhecimento e precisam de mim em Manaus, eu não quero ir,
mas tem que ir. (E1)
Por outro lado, muitos entrevistados reforçam os aspectos positivos dessa demanda
por viagens constantes, ressaltando o aprendizado de outras culturas, a aquisição
de novos conhecimentos, contatos e experiências etc.
68
Você aprende muito, conhece outros lugares, outras culturas, sabe como é que cada país
trabalha. Às vezes eu até viajo para trabalhar dentro dos escritórios da [minha empresa], nos
outros países, que também é uma coisa interessante, montar as pontes, fazer os contatos
dentro e fora da empresa, é fantástico. (E5)
Com esta exigência de mobilidade, o consultor tenta criar seu espaço nas diversas
viagens que faz durante a carreira. Rapoport (1977) menciona haver espaços físicos
que se transformam em “casa”. Entretanto, dependendo do consultor, esta
adaptação pode assumir diversos graus de dificuldade e, conseqüentemente, de
insatisfação:
Pior é não ter casa! Você não tem casa, você não pode ter rotina, você não pode fazer uma
academia, você não pode... É uma %$#%&! É assim, o pior do pior. Você não está em casa,
toda noite você chega e não tem a sua estante de livros, você não tem o seu computador, é
horrível! Você não tem nada! Você é superprogramado, tem aquela malinha para as roupas
do dia. Você não faz nada a noite porque não conhece ninguém na cidade, em alguns casos,
né? É horrível ficar morando num quarto de hotel. Isso para mim é muito ruim. (E11)
Para mim, é muito ruim. Eu tenho dificuldade em hotel, porque eu durmo muito mal, porque
você não acostuma com a cama. Tipo assim... É bem diferente de casa, de você ir para a sua
casa, de todo dia ir para casa, acordar em casa. É bem diferente. Você vai se acostumando,
mas você sente assim. (E3)
Fiquei um mês e meio morando no hotel. É terrível! Você chegava, primeiro você não sabe
em qual quarto que vai cair, toda semana é uma novidade. Você vai, arruma suas coisas, no
final de semana, você desarruma tudo. Quer dizer, seu mundo é uma mala. Meu guarda-
roupa é uma mala... (E13)
Alguns consultores ressaltam o excesso de viagens como um agravante: “Chega
uma hora que cansa!”. Além disso, há muitos contratempos que tornam essa rotina
de viagens algo desgastante.
No começo, eu adorei estar longe de casa, morando sozinho, conhecendo pessoal novo e tal.
Mas um tempo depois, enjoei, ainda mais que eu costumava voltar todo final de semana para
casa. Cansa ficar toda semana indo pro aeroporto. Chega um momento que até desanima só
de pensar (risos). E por quê? Porque os vôos atrasam, as salas de embarque são apertadas,
tem fila de check-in, fila de embarque. Chega em casa, tem fila pra pegar táxi! Além de ter
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que acordar mais cedo na segunda só pra ir pro aeroporto, sabendo que você só ia chegar no
trabalho perto do meio-dia. (E11)
Agora, mala para cá, mala para lá... Ponte aérea? Deus me livre! Eu odeio aquilo ali... Odeio
ficar horas ali esperando, aeroporto fechado... Não, não, não.(E6)
É legal a primeira, a segunda, a terceira, a quinta vez, na sexta, pô [sic], fui a Houston vinte
vezes!(E2)
Segundo um dos entrevistados, a mobilidade pode até ser aceita quando há a
certeza de uma continuidade, de um projeto longo, no qual o consultor possa ter a
certeza de que ficará fixo no lugar por um período maior de tempo.
Quando o cara não quer mais viajar ou ele sai da consultoria ou vai para um cliente. Eu estou
quase indo nessa direção, porque eu estou de saco cheio de viajar! Se me colocar para
viajar, eu já falei, quer me mandar? Me manda para um lugar legal, mas me manda por muito
tempo! (E11)
Para outro entrevistado, o excesso de viagens acaba transformando o hotel em
casa:
Você acaba chamando hotel de casa que é o grande problema. Você faz projeto fora e chega
no final do dia e você fala para o gerente: vamos para casa? É porque o negócio já tá feio!
(risos). Você está chamando hotel de casa, e isso é normal, em um mês você já ta
chamando. (E1)
Para outros, a criação de um vínculo em alguns locais aliviava a falta de uma casa,
de um lugar seu.
Até que eu consegui negociar pra ter um flat e aí foi o melhor dos mundos porque aí eu tinha
uma casa lá. E aí pronto! Eu criei um vínculo, sensação de casa, de ter meu apartamento, de
ter as minhas coisas. E aí, eu não tinha mais essa coisa de quando eu vinha pro Rio eu não
precisava trazer mala. E quando eu voltava pra lá era minha casa e então eu passei a ter
duas casas e isso te dá um conforto muito grande. (E12)
70
Esses profissionais muitas vezes se hospedam em boas cadeias de hotéis para não
sofrerem com a mudança de casa, tentando desfrutar a viagem minimizando a
sensação de “incômodo” e a dificuldade de adaptação. A manutenção de uma rotina
mínima parece, também, auxiliar a ausência da casa.
Eu conheci uma cidade que ainda não conhecia [o Rio], fiquei em um hotel confortável e com
bastante privacidade, bem localizado. (E4)
Então quando eu viajo, faço essas viagens malucas, eu tento manter minha rotina, fazer
exercícios nos hotéis. Então, sempre que possível, eu tento pegar um hotel que tenha alguma
instalação de exercício, ou piscina, ou academia, que é para você pelo menos, dois ou três
dias naquela semana, correr, suar, fazer alguma atividade física para se distrair também. (E2)
Em alguns relatos vemos que o consultor resiste em criar um vínculo em outra
localidade, pois para ele o projeto exige um espaço temporário que não substitui sua
verdadeira casa.
Até então, eu tinha até um pouco de resistência. Todas as pessoas diziam que era muito
melhor alugar um apartamento ou um flat do que ficar indo e voltando para o hotel, pois você
tem que fazer mala toda semana. Mas eu tinha uma mega resistência. Eu achava que se eu
deixasse isso era como se eu selasse o corte do meu vínculo com a minha casa e eu preferia
não fazer. Mas, o que estava por trás disso, na verdade, essa impressão de que formalizar
uma coisa na outra cidade era como se você deixasse de ter de vez a sua casa. E era uma
coisa que eu não queria. Resistência, né? Então eu fiquei em hotel, fazia mala, levava a
mala. (E14)
Os consultores que acabam optando pela construção de uma segunda casa quando
estão em projetos, criam uma “vida virtual”, uma “segunda vida” totalmente guiada e
vinculada pelos projetos.
Eu abri mão, enterrei lá aqueles sentimentos bobos e criei uma segunda casa. Eu comprei
coisas, comprei panela, o flat tinha algumas coisas, mas eu fui agregando outras. Tinha lá
minha cafeteira, fazia compras no supermercado toda semana, tudo de táxi. Mas fazia
compras no supermercado, me inscrevi na academia, que era na esquina, fazia massagem,
ia ao cabeleireiro no dia tal, a não sei que horas da noite... Montei uma segunda vida, um
Second Life. (E12)
71
4.2. Tempo
Em linhas gerais, para os profissionais-consultores a questão do tempo, tanto o
pessoal quanto o de trabalho está diretamente ligada à característica de sua função
como consultor - um profissional que passa a maior parte de seu tempo
representando sua empresa em cliente, vivendo por projetos, no tempo de cada um
deles.
É o tempo de cada projeto. Tem projeto que dá pra chegar mais tarde, tem projeto que tem
que chegar cedo... o mesmo pra hora de sair. (E11)
Na consultoria, os projetos são grandes, são três meses, quatro meses, seis meses, um ano,
né? Então, a tendência é que você tenha alguns picos de horas extras, mas não durante o
período inteiro. Então, varia também de acordo com a área em que está atuando e dos
projetos também. Às vezes um projeto é mais apertado que outros. Mas, isso varia, tem
épocas, dimensões e projetos. (E15)
4.2.1 A Questão do Tempo no Cliente “se é feriado para ele, é para mim”
Para os entrevistados, o tempo de trabalho é visto como o tempo imposto pelo
cliente em que estão alocados.
Trabalhamos conforme o tempo do cliente, ou seja, se é feriado para ele, é para mim. Se ele
tem que trabalhar até mais tarde, eu também tenho etc. (E4)
E como é meu tempo no cliente? Ah! É todinho dele. Já varei noites porque era necessidade
do cliente. (E7)
Os relatos indicam que o tempo do trabalho varia muito de cliente para cliente e o
consultor se adapta a cada caso, a cada projeto. A variação ocorre tanto por fatores
geográficos - a localização do cliente - como por fatores culturais:
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As empresas mais rígidas, elas são quartel-general mesmo; você entrou ali oito, vai sair
cinco, algumas delas fazem questão que você não fique depois do horário, sobretudo
empresas européias. Empresas americanas não, você às vezes trabalha bem mais, mas
empresa européia é, sobretudo no verão da Europa, deu cinco horas, lá não tem mais
ninguém. (E15)
Dependendo do cliente, tem uns que você tem que acordar muito cedo pra trabalhar. Tipo, se
o cliente começa 8 horas o expediente, você tem que estar pelo menos umas 7h20 no
aeroporto de São Paulo para pegar o trânsito de segunda-feira de manhã para estar 8h no
cliente. Logo, 6h20 no aeroporto do Rio, isso significa você acordar 4h30 da manhã. (E9)
Um aspecto mencionado é que, o tempo do cliente é aquele contado a partir do
momento em que o consultor está fisicamente em suas instalações, sem considerar,
muitas vezes, o tempo necessário para o deslocamento:
Tem vários consultores que saem seis horas da manhã de casa e só chegam em casa tarde.
Então isso é outro fator que atrapalha, você acaba tendo que ficar até mais tarde para repor
as horas que você perdeu no aeroporto. Então é outra contradição, porque mal ou bem você
está a trabalho, mas para o cliente não. (E5)
E, como o cliente “paga” pelo tempo do consultor, o controle das horas de projeto é
bastante rígido.
O clima é de DEVER, como se nós devêssemos algo ao cliente, o que, de fato, é verdade.
Portanto, temos que ter postura 100%, ter mais cuidados, não podemos sair pra alguma coisa
pessoal sem mil justificativas porque minha hora vale ouro. É um pouco tenso... (E6)
Como diz Yakura (2002), para o consultor, é essencial ser alocado em projetos que
lhe possibilitem ter o maior percentual de alocação anual possível, pois o tempo
reportado é “sinônimo” de trabalho executado no cliente. Quanto mais tempo
“alocado”, melhor.
Existe uma preocupação imensa com o faturamento e a justificativa para vários pedidos de
ausência, para ir ao médico, para chegar atrasada por qualquer motivo. Sempre temos que
cumprir as horas, primeiro porque cada hora a menos é custo e segundo porque se o cliente
souber que trabalhamos uma hora a menos perdemos a confiança do cliente. As ausências
73
são bem explicadas ao cliente e nós fazemos reposição das horas no próprio dia, então se
chegamos cedo, saímos tarde e vice-versa.(E6)
Para o consultor, o tempo só tem seu valor se for um tempo dedicado ao cliente, em
projetos.
Você tem uma pressão por alocação, que é refeita. E quando você está desalocado, você
tem uma taxa de alocação e sua taxa de alocação cai. E essa taxa de alocação é atrelada a
bônus e até promoções, a alguns itens de carreira, né? Então você pensa, estou perdendo
tempo se eu não tiver em cliente. (E3)
Comprimidos pelo ritmo acelerado da vida bem como pelas pressões regulatórias
das demandas institucionais, os profissionais-consultores tendem, inúmeras vezes, a
abrir mão do controle de seu tempo próprio, tentando sincronizar-se à multiplicidade
de demandas dos clientes que precisa atender (LEWIS e WEIGERT, 1981).
Logo, a empresa e o tempo do cliente acabam se tornando, de certa forma, a
empresa e o tempo do consultor (YAKURA, 2002).
4.2.2 A Questão das longas jornadas de Trabalho “extremamente intenso”
Para os profissionais-consultores, a rotina de trabalho de segunda a sexta das 8
horas às 17 horas, não é necessariamente o padrão adotado. O horário de trabalho
assumiu formatos variados, ocasionados tanto pelo incremento das horas de
trabalho, como pelas diferentes opções de flexibilidade (HARDILL e GREEN, 2003).
Pelas últimas experiências em cliente, umas dez horas de trabalho, um trabalho intenso... Às
vezes até nem dez horas de trabalho, às vezes, oito ou nove horas de trabalho, mas um
trabalho extremamente intenso. (E2)
Hoje eu tenho uma carga de trabalho que eu chego mais ou menos nove, dez horas da
manhã no cliente e tenho saído mais ou menos entre nove e dez horas da noite todo dia.
(E10)
74
Pressionados pelo prazo de entrega dos projetos, os consultores possuem uma
rotina de trabalho bastante intensa. Alguns consultores associam a rotina mais
intensa de trabalho a um projeto fora de sua base. O fato de estarem longe de sua
cidade, família e amigos, faz com que não tenham “motivos” para sair no horário -
cedo - do cliente.
Se você está em projeto fora você acaba trabalhando bem mais do que se você tivesse na
sua base [no Rio de Janeiro]. Entre hotel e ficar trabalhando, cheio de coisa, eu fico no
cliente, melhor do que empurrar com a barriga e se enrolar depois.Então assim, eu trabalho
mais por estar em São Paulo. (E1)
As pessoas do projeto também não tinham muita coisa para fazer, era toda hora trabalho e às
vezes a gente trabalhava no fim de semana. Mas quando você está longe você acaba
trabalhando mais, fica trabalhando até tarde porque não tem nada para fazer. (E5)
4.2.3 A Questão do Tempo no Escritório “O que eu estou fazendo aqui?”
Quando se trata do tempo na sua própria empresa, os profissionais-consultores
retomam o conceito de “desalocado”, que não só se refere à falta de projeto como
também uma interpretação de um:
a) Tempo ocioso
...[ficar desalocado é] perda de tempo, tempo ocioso, [você] não faz nada... Nem consulta na
internet, porque não tem nada para procurar, não tem tema (risos). Não tem projeto, não tem
tema. (E13)
Fico com a sensação: ‘Caramba! O que eu estou fazendo aqui?’. Eu não tenho "trabalho"
para fazer lá. Eu não tenho nada então depois que eu cumpro tudo que eu tenho pra fazer, o
resto do tempo eu fico lá sem fazer nada. Fico meio que... ah sei lá... estudando. (E12)
75
b) Tempo perdido
Você não faz nada. Assim, você faz várias coisas que não têm nada a ver com seu trabalho.
E não são férias porque você não pode pegar e viajar, só porque está desalocado e sem
previsão.(E1)
E quando você está desalocado, você pensa, estou perdendo tempo, além de conhecimento,
[uma sensação] que você está perdendo tudo. (E2)
c) Tempo mal aproveitado
O tempo no escritório, para a maioria dos consultores entrevistados, é um período
que, apesar de ser temporário e muitas vezes necessário, é um período de baixo
aproveitamento. Há atividades internas, como avaliação, prestação de contas, mas
as poucas atividades de consultoria que aparecem não são muito atrativas.
Porque também não pinta coisa interessante quando você estava desalocado. Pelo contrário,
pinta só aquilo que ninguém queria pegar. Apesar de ser, dentro do escritório, apesar de ser
necessário para a sua própria formação em consultoria, como, por exemplo, montar proposta,
nem sempre era um trabalho interessante, né? E precisa de alguém para fazer né? Se [você]
está lá sobrando, então você tem que fazer! (E14)
d) Tempo Obrigatório
Assim, quando eu estou na minha empresa, apesar de ser bom ela cobra muito da gente, tem
muita coisa pra fazer...eu tinha um tempo pra dedicar a ela. Mas, ao mesmo tempo, depois
que eu cumpro tudo que eu tenho pra fazer para ela, o que em uma semana você
normalmente resolve...o resto do tempo eu fico lá sem fazer nada. (E12)
Serve para fazer algumas coisas que eu não tinha feito. Fazer às vezes uma avaliação de um
projeto que eu não fiz. Na correria do dia-a-dia do projeto às vezes deixa para fazer a
avaliação no final. E aí é até bom, porque você aproveita para adiantar as suas coisas. (E9)
e) Tempo para Assuntos Pessoais
É bom que você consegue fazer certas coisas, tipo, é ate difícil falar certas coisas... é difícil
você como consultor cortar o cabelo porque você trabalha muito. Um dia desalocado em casa
76
você pode resolver sua vida, cortar cabelo, ir ao médico, sei lá, comprar uma roupa no meio
da tarde... (E1)
O lado bom é ter tempo para resolver assuntos pessoais que você vai adiando por conta do
projeto, como consultas médicas etc. (E11)
Um ponto de destaque se dá quando a dimensão muda e o entrevistado passa a
falar, não mais do tempo de permanência no escritório - status de desalocado - mas
do tempo que ele ficou fora, sempre em cliente. A noção do tempo para quem
permanece no escritório enquanto o consultor está fora, é bastante interessante.
Voltar para o escritório foi traumático. Acaba que o reencontro com as pessoas é aquela
coisa, parece que você ficou dois anos congelados no tempo. As pessoas te olham e falam:
‘Ah poxa, por onde você andou?’. A impressão que as pessoas têm de você é a mesma de
anos atrás. Por mais que saibam que você passou um tempo [no cliente] e se desenvolveu e
tudo mais, as pessoas têm aquela, meio suspeita, aquela coisa: ‘Eu lembro que ele fazia tal
coisa, mas isso há dois anos atrás. Agora será que ele é pleno, sênior, será que ele continua
júnior?’.(E8)
4.2.4 A Questão do Tempo Pessoal “fica tudo muito sem tempo”
Como mencionam Rarbinbach (1992) e Hirschhorn (1981), o tempo do trabalho
industrial passa a regular também as outras relações humanas, estendendo seu
domínio para outras dimensões da vida. O tempo do trabalho regula o tempo fora do
trabalho da vida pessoal, das relações familiares, do lazer etc.
Quando questionados sobre seu tempo pessoal, os entrevistados acabam
relacionando este tempo à rotina de projetos:
...[o meu tempo pessoal] é o tempo de cada projeto. Tem projeto que dá pra chegar mais
tarde, tem projeto que tem que chegar cedo. (E11)
Alguns usam a hora do almoço como uma brecha para adiantar questões pessoais
ou relacionam o tempo pessoal ao ritmo do seu trabalho. E ainda há casos em que o
77
próprio entrevistado assume que este tempo quase não existe e que seu tempo
pessoal é totalmente voltado para o trabalho:
Aqui no projeto as meninas aproveitam a hora do almoço para resolver tudo! (E6).
... [o meu tempo pessoal] é corrido, né? Porque dependendo do projeto fica tudo muito sem
tempo.(E12)
...[tempo pessoal] Tempo restante né? (risos). É um tempo guiado pelo trabalho. (E10)
O pensamento De Masi (1999) pode ser aplicado à rotina dos profissionais-
consultores, pois, como indica o autor, hoje quando se fala de trabalho, fala-se de
casa também. A ausência de limites que definam as fronteiras entre vida profissional
e vida doméstica seria uma estranha e perigosa mistura, que ocasionaria a invasão
do trabalho na vida dos sujeitos.
Então, o trabalho da consultoria, ele não só toma o tempo normal dele que é de seis ou oito
horas diárias como ele toma outra dimensão dentro da sua própria vida pessoal. [A
consultoria] é uma atividade que toma um escopo, muito maior que o escopo do trabalho,
acaba infiltrando, e muito, na sua vida pessoal, no seu poder de planejamento. (E14)
A maior parte dos depoimentos sobre o tempo pessoal e o de trabalho refere-se à
condição do consultor como um recurso móvel. Por ter que viajar bastante, sempre
em função do cliente, ele acaba abrindo mão de sua vida pessoal em detrimento do
trabalho, ou seja, do projeto em que estiver alocado.
Do ponto de vista pessoal, extremamente desgastante, as minhas viagens são quase todas
de dez, doze, quinze horas, dentro do avião. Então eu saio sempre no sábado de noite,
chego num domingo, trabalho a semana inteira e volto, ou na sexta de noite ou no sábado.
Então perco um final de semana na ida e um final de semana na volta. E na volta eu ainda
tenho que trabalhar na segunda-feira.(E2)
Assim, dependendo do cliente ‘da vez’, a vida pessoal pode ser preenchida e
sincronizada com as viagens e as atividades do projeto em questão.
78
Os relatos indicam que muitos aspectos da vida pessoal - tempo com a família,
nascimento de filho, manutenção do casamento, manutenção da saúde - dos
consultores são afetados pela rotina do trabalho.
Dedicação à família
...[você fica] sábado e domingo e aí já tem que viajar, sair sexta-feira no final do dia, volta
domingo de noite. Quer dizer, o tempo que você aproveita com a família ou com a namorada
é muito pequeno. (E15)
Além de toda questão do tempo que se passa com a família, um ponto crucial se
baseia no nascimento e criação dos filhos:
Nascimento dos filhos
O meu filho vai nascer agora. Caramba! Minha mulher está desesperada porque até fevereiro
desse ano, em vinte e oito meses eu viajei vinte e seis vezes para fora. Fiquei vinte e seis
semanas fora. Então uma semana por mês, nos últimos dois anos e alguma coisa, fui fora...
Se eu continuar mantendo esse ritmo de vida, eu não vou ver meu filho crescer. Eu vou
perder um quarto do tempo do meu filho. Então, é chato. (E2)
Casamento
Ah, outra coisa que me incomodava era encontrar o meu marido só no final de semana. Eu
me casei e virou casamento de fim de semana, só. Minha casa ficava intacta. A empregada
limpava não sei o quê. Ele também viajava e ninguém habitava a casa, né? A gente só se
encontrava mesmo no final de semana. Terrível. E isso, depois que eu passei a ter projeto no
Rio, e ele passou a ficar mais no Rio também, tivemos até que nos adaptar a uma rotina que
antes não existia, não era normal aquilo [de se encontrar todo dia]. (E14)
Noor (2002) reforça que quando empregamos tempo e energia extras em qualquer
um dos lados - na família ou no trabalho - em contrapartida, afetamos negativamente
o outro.
79
Outro ponto bastante mencionado se refere à saúde. Os consultores, quando
precisam trabalhar em outra localidade, acabam enfrentando uma rotina desgastante
de vôos e, além disso, vêem sua dieta alimentar bastante comprometida.
Saúde
É assim, uma semana que, do ponto de vista gastronômico, é fantástico, engorda sempre.
Quando você consegue ser disciplinado suficiente para não sair para tomar um drinque ou
jantar, você volta para o hotel e começa a fazer algum exercício. Então assim, são legais as
três, quatro primeiras vezes, na décima vez, você não agüenta mais, fica estressado. (E11)
Nem sempre a gente vai de classe executiva, eu diria que, pelo menos dois terços das vezes
eu vou de classe econômica. Então, você chega mais cansado, às vezes você tem que fazer
conexão... Por exemplo, eu vou fazer Rio - São Paulo, São Paulo-Houston e Houston-
Colorado. Tipo isso. Vou pegar três conexões, são quinze horas de viagem. Vou chegar lá no
domingo, destruído, eu já sei. (E9)
4.2.5 A Questão dos diversos Tempos “A gente tem tempos paralelos”
Analisando os discursos do tempo de trabalho e tempo pessoal, vemos que os
entrevistados mencionam o fato de terem que aprender a lidar com “vários tempos”,
cada qual com seu ritmo.
Longe de ser um tempo totalmente linear, passível de controle rígido e medição
exata como afirmam Thompson (1991) e Lash e Urry (1994) apud Tonelli (2002),
tratam-se de tempos diferentes, muitas vezes paralelos, que nunca param, mas que
demandam comportamentos diferentes.
É o que eu te falo. A gente tem dois, três tempos paralelos, a gente tem a chave seletora que
o que eu estou fazendo agora, o que eu estou fazendo no outro dia, no terceiro dia eu estou
fazendo outra. (E7)
Aí vai, trabalha a semana inteira, volta, o mundo não parou, os meus escritórios, tanto de
Londres, quanto de Houston e os outros escritórios, mais as atividades que eu tenho aqui no
80
Brasil que não pararam. Então eu passo essa semana fora, quando eu voltar na outra
semana, eu tenho e-mail para ler e todo trabalho acumulado de duas semanas. (E2)
Um aspecto interessante dos diversos tempos é o impacto da questão do fuso
horário quando o projeto é fora do país.
Quando eu vou trabalhar em Londres, eu não vejo a luz do sol. Por quê? Porque amanhece
tarde, eu chego no escritório às oito horas, e escurece muito cedo, três e meia da tarde está
escuro. Então, eu entro no escritório, oito, oito e meia e saio do escritório às seis horas... Eu
não vejo a luz do dia! Isso é horrível! Então se eu não tiver uma janela para olhar para fora e
ver que está claro lá fora, você perde até noção de tempo. (E15)
Teve uma viagem que eu fiz, eu saí daqui para Londres para passar uma semana. Fui e
voltei. Passei dois dias aqui, fui para Houston. Assim, a diferença do horário entre Houston,
que é num extremo e Londres que é em outro, eram de seis horas. Então, na segunda
semana, era hora do almoço e eu não estava com fome. Passei uns três dias sem almoçar.
Aí o meu colega disse: Você não tem fome? Eu respondi: Acho que o meu organismo desistiu
de sentir fome nos horários adequados, porque ele não sabe mais que horas são. (E9)
Além disso, alguns entrevistados admitem saber a proporção que os “diversos
tempos” ocupam em sua rotina.
Então, tempo-escritório tendia a zero, tempo-cliente tendia a noventa por cento e tempo-
família, dez por cento. Já o tempo pessoal, em viagens, você pode, por exemplo, ficar um
final de semana para conhecer outros lugares e aí você aumenta o tempo, o teu tempo
pessoal...só um pouquinho. (E15)
Outros mencionam que a exigência de mobilidade constante agrava a existência de
vários tempos distintos.
Se eu ficasse no escritório seria assim? Talvez fosse assim, talvez eu ainda tivesse dois
tempos muito distintos, mas talvez eu desse conta [sic] melhor. Porque? Porque não ia
envolver um deslocamento, não ia envolver eu ficar sem dormir direito na ida e no final de
semana na volta. (E2)
81
4.2.6 A Questão do Gerenciamento do Tempo “cada dia é uma surpresa”
Além de toda questão de mobilidade, a exigência freqüente por viagens e mudanças,
outro aspecto bastante comentado pelos entrevistados é a falta de planejamento de
tempo. Regido sempre por projetos e pela busca incessante por alocação, o
consultor fica à mercê do tempo de cada cliente, sem data certa de início ou fim,
criando um verdadeiro “caos” no planejamento pessoal.
Outra coisa que me incomodava era o suspense para saber para onde você ia. Uma hora eu
ia para o Sul, fazer um trabalho que eu nunca tinha feito na vida; outra hora eu ia estar não
sei onde. Então, tem aquela absoluta falta de controle. Quando você está em algum lugar,
tipo: ‘Olha você vai ficar nesse projeto por cinco meses’, você já conhece, por cinco meses
aquele destino. Quando você não está, qualquer destino pode ser o seu. Então, isso me
incomodava profundamente, não ter gestão sobre a minha própria vida. (E14)
A falta de certeza da próxima alocação faz com que os consultores não possam
estabelecer raízes profundas, seja algum compromisso certo, algum curso mais
extenso ou até mesmo o planejamento das férias.
Cursos
Para os consultores, realizar um curso é bastante complicado uma vez que não há
como se comprometer com uma rotina que exija uma continuidade por um tempo
determinado. Muitos entrevistados mencionam que tiveram que interromper um
curso em andamento e acabam perdendo seu investimento.
Você mora em tal bairro, você mudou de projeto, às vezes um curso que você tava fazendo
perto do cliente que você tava você vai ter que mudar pra uma filial mais próxima ou
atravessar toda cidade interia para chegar lá, ou então tem que cancelar o curso. Você pega
um projeto fora e cancela o curso, é o jeito. (E1)
Um curso? É um complicador, é um complicador sim, isso é verdade. Se você vai fazer um
curso mais longo sem ser no final de semana, isso não tem jeito. (E15)
82
Nessa ocasião eu também fiquei um pouco frustrada porque eu comecei a fazer um curso de
pós-graduação em Marketing, pagando do meu bolso tudo e eu tive que suspender e nunca
mais retomei. Então foi, praticamente, um investimento perdido, porque logo depois desse
projeto eu fui para um projeto fora. (E14)
Não dá para ter continuidade em nada. No máximo, dá para fazer cursos de curta duração.
Sei lá, um curso de desenho, que você paga uma aula. Dá para fazer por doses
homeopáticas... Você vai fazer uma aula, você paga uma e assiste uma. É a única certeza
que você tem, eu não tenho certeza nenhuma do amanhã. (E13)
Planejamento Pessoal
Quando o assunto é planejamento pessoal, os entrevistados confirmam que a rotina
de trabalho na consultoria não permite um planejamento próprio adequado, já que,
por exemplo, não há um tempo certo para o início de um projeto.
Agora, outra coisa de consultoria é não conseguir fazer um planejamento de médio, longo
prazo. Até curto prazo é meio difícil. Tipo assim, planejamento pessoal, é muito complicado
você marcar viagens, férias, qualquer coisa.(E3)
Prerrogativa à parte, diria à parte, porque você não tinha como planejar nada, nem uma coisa
simplérrima que todo mundo planejava. Não podia planejar direito uma consulta, no médico,
não podia, ou um tratamento, não podia. Eu faço terapia há oito anos, a minha terapia era no
sábado.Por quê? Porque pelo menos aí, eu tinha mais chance de estar no Rio do que nos
outros dias.Então, era um troço [sic], assim, complicadíssimo. Ou você convive com isso ou
não convive, né? (E14)
Dali eu não podia assumir nenhum compromisso, nem de médio ou longo prazo, que seja, um
curso, nem um curso, né? Um curso que passa na minha cidade não podia assumir; ou uma
ginástica. Outra atividade qualquer que me prendesse àquele lugar, eu não podia assumir
porque eu não sabia qual que ia ser o meu destino, nem quando ia ser. (E10)
Relacionamentos
Esta mesma rotina dificulta bastante a questão dos relacionamentos, pois há pouco
tempo disponível para se dedicar a eles.
83
Mas não posso assumir nenhum compromisso fixo, porque cada dia aqui é uma surpresa. As
coisas que são flexíveis eu consigo manter, ver meu namorado eu posso ver depois das dez
horas da noite.(E6)
No final de semana é uma correria louca porque eu queria ver todo mundo, eu queria me
divertir, queria ficar em casa com a família sem contar descansar, dormir. (E12)
Abrir mão da rotina
Outro ponto se refere à rotina pessoal. Todas as atividades do consultor são guiadas
pelo projeto em questão. Muitos exemplos se referem à logística de transporte,
principalmente o deslocamento para o trabalho, que precisa ser mudado de acordo
com cada projeto.
A questão da administração do tempo é complicada. Por exemplo, quando eu fui para um
cliente X, eu tinha certo planejamento dos meus horários, que eu tive que mudar
completamente quando eu fui para outro cliente. Eu nadava aqui no prédio na hora do
almoço, aqui na frente. Eu não tinha como vir desse cliente até aqui para nadar para voltar
para lá depois. Tive que arrumar outro lugar para nadar. O tempo de deslocamento
aumentou. O tempo de trânsito para voltar para casa também aumentou, como eu ia
redistribuir isso? Então, teve toda uma re-adequação da minha rotina que foi meio dolorosa
durante um tempo. (E8)
Eu comecei a perceber que eu não conseguia planejar nada na minha vida. Desde o começo,
no meu primeiro ano eu peguei, se eu não me engano, uns quatro ou cinco projetos
diferentes, sendo dois fora do Rio, um ano e meio de treinamento em São Paulo, ou seja, eu
não consegui ir para a faculdade para terminar. Eu nunca conseguia ir à aula e quando eu
consegui tive que trancar meio semestre porque: ‘Oh, você está indo para Brasília’. Até
academia de ginástica, coisa mais básica do dia-a-dia eu acabei deixando de lado por causa
da consultoria. (E5)
4.3. Identidade
Os referenciais de tempo e espaço são fundamentais para o senso de identidade
pessoal: quando e onde nascemos, quando e onde nos graduamos, onde vivemos e
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trabalhamos, são todas informações primárias para a identificação diante de outros,
e para a construção de um núcleo íntimo de identidade pessoal (HARVEY, 1993).
O profissional consultor caracteriza-se, conforme proposto por Hall (2000), como um
bom exemplo do sujeito pós-moderno que assume identidades diferentes em
diferentes momentos, com uma multiplicidade desconcertante e cambiante de
possíveis papéis, com os quais se identifica temporariamente, de projeto em projeto,
de lugar em lugar.
4.3.1 Identidade Organizacional “Eu falo que não trabalho lá”
Para Fischer (1997), o mecanismo de identificação com um espaço não só se
restringe a indivíduos, mas também a grupos. O local de trabalho pode ser parte da
identidade de vários “nós da empresa ZZ”.
Para os consultores, quando questionados sobre sua empresa de origem, citam o
nome da empresa para a qual trabalham, mas logo em seguida justificam sua
ausência física, por ser da consultoria, uma identidade específica daqueles que não
ficam no escritório.
É até engraçado, porque eu estou num grupo de amigos e sempre tem alguém que fala: ‘Ah,
eu tenho um amigo que trabalha na empresa XX’. Aí eu respondo: ‘Eu sou da XX, mas eu
não trabalho na XX.’ Eu falo que não trabalho lá, porque na realidade eu sou da consultoria.
Então, na consultoria você está sempre fora, no cliente, você nunca está no escritório. (E3)
4.3.2 Identidades Provisórias - "Eu sou cliente ou sou consultoria?”
Quando questionados sobre sua identidade profissional, os entrevistados
demonstram uma “dualidade”, por terem sempre dois papéis distintos: o
representante da consultoria e, ao mesmo tempo, um funcionário dentro do cliente.
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Transtorno bipolar, né? Quem eu sou? Eu acordo de manhã, até as oito horas da manhã, que
eu estou escovando os dentes, eu sou um funcionário da consultoria, aí depois eu vou para,
sei lá, a Vale do Rio Doce, para Shell, para não sei aonde. E eu virei um funcionário Sul
América. (E2)
Passei muito por essa sensação, de você estar dentro do cliente, no horário do cliente, com
as regras do cliente, tendo que seguir as regras da consultoria, uma coisa meio dúbia, sabe?
Você não sabe muito bem ‘quem que eu sou’, né? ‘Eu sou cliente ou sou consultoria? O que
eu estou fazendo aqui?’.Foi tanto tempo lá [no cliente] que você não consegue criar a sua
própria identidade, você cria uma identidade provisória ali dentro [do cliente].(E8)
O consultor tem que se lembrar que ele é consultor e não Petrobrás, Sousa Cruz e etc, né? E
ele imbui tanto que a gente fica com aquela crise de identidade, e aí tem que vir te dar uma
sacudida, não espera aí. (E11)
O fato de estarem fisicamente em outro ambiente faz com que os consultores, com o
passar do tempo no projeto, tenham um vínculo maior com a empresa em que estão.
Você é da consultoria, mas não está na lá. Para mim é estranho. Quando você fica muito
tempo fora, acaba se sentindo mais funcionário dela do que da sua mesmo. (E4)
Para Elsbach (1994), a identidade de uma organização reflete seus atributos centrais
e diferenciadores, incluindo seus valores essenciais, cultura organizacional, modos
de desempenho e de agir e produtos.
Você acaba fazendo parte da ‘vida’ do cliente, da vida da empresa do cliente, ao invés de
saber das fofocas da sua empresa, sabe as do cliente, sabe quem está sendo promovido, pra
onde a empresa dele está indo. Por mais que isso não faça parte do projeto, você conhece
muito mais o cliente do que sua empresa. (E1)
Dependendo do cliente, o consultor acaba sendo “acolhido” e acaba sendo tratado
como parte daquele ambiente.
Você consultor é parte daquele projeto, parte indissociável daquele projeto, e não interessa
se você veste camisa azul, ou verde, ou amarela, laranja, ou se você é funcionário ou não da
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empresa. Ele precisa que o projeto dê certo, então ele abre o coração dele para você e você
trabalha indiscriminadamente como se fosse alguém da empresa. (E9)
Em outros, o papel de consultor é bem definido:
Existem algumas empresas que, como eu te falei, são bem mais restritas, então, você é um
consultor e você só vai fazer até aqui: ‘Ah, eu queria saber por que eu estou fazendo isso’.
‘Não te interessa, te contratei para fazer isso, só para você fazer de um a sete, não precisa
você fazer oito e nove. Ainda que você quisesse me dar de graça de oito a nove, eu não
quero’. Então, te coloca bem na posição de prestador de serviço mesmo.(E2)
Por estarem em contato com a cultura e valores da empresa cliente, os consultores
têm a chamada “crise de identidade”, agravada ainda pelo fato de que, apesar de
estarem presentes fisicamente, não pertencem àquela realidade e se sentem
excluídos.
Ele está trabalhando lá, cem por cento do tempo dele, com outras pessoas daquela empresa,
só que ele não tem o salário das outras pessoas daquela empresa, ele não tem os benefícios
daquela empresa nem os mesmos direitos das pessoas daquela empresa. Então, ele é um
estranho no ninho. (E10)
Você não é do cliente. Você é um estranho e sempre que o cliente faz campanhas,
promoções e tal, você nunca participa porque é de fora. (E7)
Eu me senti o tempo inteiro parte dela, mas não podendo me beneficiar de nada. Não podia ir
ao refeitório, não podia ir na academia de ginástica do cliente. Eu era como se fosse uma
funcionária que não pudesse aproveitar nada da empresa. (E5)
Um ponto interessante neste tópico é notar que alguns entrevistados relacionam a
tal “crise de identidade” com a mobilidade do consultor. Ora em um local, ora em
outro, o profissional muitas vezes perde a sua naturalidade.
Agora eu me sinto muito mais funcionária do Rio, mas antes eu me sentia muito mais de São
Paulo. Porque dois anos em São Paulo eu conhecia as pessoas da cidade, as coisas de São
Paulo, eu sabia as coisas que existiam e eu não sabia nada do Rio. Agora que voltei, eu sei
87
quem são as pessoas do Rio, o que a gente tem no Rio, o que a consultoria oferece aqui.
(E12)
Outros mencionam que a mobilidade constante faz com que tenham que levar o
mínimo possível de objetos pessoais. Ao viajar, a composição da mala e a
necessidade de agilidade nos deslocamentos faz com que deixem de levar objetos
que os caracterizem.
Às vezes você leva uma nécessaire imensa toda semana, mas depois começa a abrir mão de
algumas coisas... ‘Ah! Eu vou levar frascos menores.’ ‘Ah não, não vou levar duas bolsas, vou
levar uma só’. Aí você também perde a sua identidade, sabe? Você fica meio de uniforme,
você faz um kit. Não é você... Você faz um kit de roupa que combina e fala: ‘Ah, as semanas
são essas’. Você pega, já está tudo pronto. Semana que vem, fala: ‘Ah, vou mudar de cor
então’. Pega, para deixar tudo pronto... Nenhuma criatividade, criatividade zero. Você só tem
criatividade no começo da semana para pensar naquela coisa, porque o resto, automático.
(E13)
Outro ponto a destacar é o conflito/choque entre essas “diversas identidades”
quando a cultura, o ambiente ou até mesmo os valores das empresas são muito
distintos.
A cultura aqui no cliente é muito diferente da cultura da minha empresa, então no começo foi
realmente um choque cultural. (E4)
A minha empresa tem seus valores, o cliente, outros. A gente veste tanto a camisa de lá ou
daqui. Você começa a trabalhar todos os valores da empresa que você está servindo, né? Às
vezes você tem um conflito de valores, e aí que você vai bater de frente com os seus
superiores. Isso é muito comum de acontecer. E acontece! Aí você fica naquela: ‘Eu quero
ficar no cliente ou na consultoria?’. Pode acontecer de alguém, querer ficar no lugar, né? E aí,
pula da consultoria para o cliente. (E11)
4.3.3 O Networking “Ninguém me conhece!”
Um complicador para a questão da crise de identidade é o fato de que, além de não
fazer parte da realidade do cliente, o consultor, por estar distante da sua própria
empresa, acaba sendo excluído da vida social da companhia.
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Ao retornarem de um projeto longo, os consultores sentem o incômodo de não
conhecerem muitas pessoas dentro do escritório:
E aí ninguém te conhece, porque você ficou um ano, dois anos num mesmo lugar com as
mesmas pessoas, naquela estrutura de projeto. Ou seja, é muito estranho porque você
trabalha num lugar e não conhece as pessoas.(E3)
Eu estou dois anos na consultoria e ninguém te conhece, ninguém sabe quem é você, você
não sabe quem é ninguém... Você não conhece bem a estrutura, você não sabe nada da
empresa.(E11)
A gente estava no cliente, os dois anos que estava lá... Então, referência, zero! A referência
que eu tinha da consultoria é das pessoas que vieram para o mesmo projeto, mais nada. Hoje
eu tenho alguma referência porque eu estou aqui [no escritório], né? Se você não forçar para
ter e criar esse relacionamento, é difícil de fazer isso, estando em clientes fora. (E14)
Da mesma forma, a distância faz com que os valores não fiquem tão claros e não
sejam passados para os consultores.
Ao ficar longe, você perde a identidade com a empresa, você não sabe quais são os valores
nem o que está acontecendo com ela.(E7)
Alguns entrevistados dão exemplos das iniciativas internas que são perdidas devido
à distância.
Ficar longe da sua empresa é ruim. Eu perdi algumas oportunidades como campanha de
vacinação, eventos internos etc. Então dificulta. (E4)
Por exemplo, muita gente nesses anos que tiveram essas festas da consultoria [fim de ano],
que tinha festa em São Paulo e tinha festa no Rio. Aí o cara de São Paulo tinha que vir ao
Rio, aí chegava aqui no Rio e já não tinha mais festa. Ele perdia tanto a festa de São Paulo
quanto a do Rio. Então, acontece muito isso. Às vezes você tem as coisas, é, até mesmo da
própria empresa, e você não consegue fazer parte... (E2)
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Estar presente no escritório tem uma ligação forte com a possibilidade de “ser visto”,
“lembrarem de você” para um projeto legal. Por estar fora do escritório, a identidade
do consultor acaba se resumindo a um nome, um currículo.
Você estar presente significa que você não é mais só um papel, um currículo. Você consegue
saber que outro [projeto] está começando. Se eu não tiver lá, eu não tô ouvindo falar
disso.(E1)
O consultor passa a “não ter identidade”, pois é funcionário de uma empresa na qual
não está presente sendo que aquela onde está no dia-a-dia não pode ser totalmente
aproveitada.
Porque somos terceiros, sempre atendendo o cliente, sem aproveitar nada do que minha
empresa ou o cliente ofereça a funcionários. (E6)
Em dois anos e pouco de consultoria eu só conheci um cliente. Sou mais funcionária daqui do
cliente do que da minha empresa. E, no fim, não me sinto funcionária de nada! (E12)
4.3.4 A Identidade no Crachá “Você está rotulado ali”
Identificar significa reconhecer uma marca que lembra uma determinada identidade.
Uma noção intuitiva deste significado remete ao ato de identificar, destacar algo, ou
mesmo reconhecer uma determinada marca em algo ou alguém.
No caso dos profissionais-consultores, essa marca pode ser representada pela
identificação recebida nos diversos clientes onde estão presentes.
A gente tinha o crachá de terceiro que é um crachazinho de cor diferente, mas que tem
acesso total ao prédio, não a todos os prédios, mas ao seu prédio.(E8)
90
Os entrevistados, ao mencionarem sua identificação dentro do cliente, abordam a
questão da segurança, uma vez que, não sendo funcionários, o acesso é restrito e
controlado, dependendo do cliente.
Tem lugares onde, por questões de segurança ou organização interna da empresa, eles
fazem questão que você seja identificado como sendo um consultor. Porque aí você vai ter
acesso só à sala de reuniões, ou só à sala onde está a sua estação de trabalho. Vai vir
alguém até você e vai te levar ao local onde você vai trabalhar, onde você vai ter a reunião,
então, tem empresas em que isso é muito rígido.(E2)
E segurança, não só física, mas de proteção das informações da companhia:
Você está rotulado ali. O cara está ali, trabalha numa área sensível, que é o core business da
empresa, então eu vou abrir para ele o número de informações que ele precisa para
trabalhar, e só, ponto.(E9)
E, em um dos relatos, pela intensidade do trabalho realizado no cliente, um desabafo
expressa que, de fato, a identificação do consultor deveria ser outra:
Sim, crachá de terceirizado. E para a gerência do cliente, às vezes no crachá deveria estar
escrito: escravo.(E7)
4.4 O Futuro na Consultoria
O último grande tema presente nos discursos dos consultores entrevistados, refere-
se ao futuro na carreira de profissional-consultor. Muitas são as questões relevantes
que parecem influenciar ou, muitas vezes, determinar o chamado “prazo de
validade” desta escolha profissional.
4.4.1. Alavancagem na Carreira “um profissional bem completo”
Uma palavra bastante mencionada pelos entrevistados foi: alavancagem. Buscando
uma definição para este conceito, encontramos na obra “A Quinta Disciplina”
91
(SENGE, 1998), o Princípio da Alavancagem. Segundo ele, alavancagem é a
identificação de onde ações e mudanças podem levar a melhorias significativas e
duradouras.
Para a grande maioria dos entrevistados, a consultoria é uma forma encontrada para
alavancar a carreira, já que o profissional-consultor possui um desenvolvimento mais
acelerado que a maioria das profissões da indústria.
Se um dia você encher o saco de consultoria você tem várias coisas, você volta pro mercado
com um background enorme em conhecimento. E outra coisa, você acaba se testando pra
ver se você consegue ficar nesse ambiente dinâmico de troca e se você for bem sucedido
isso é mais um selo que você pode colocar no currículo pra dizer que você é um cara que tá
sempre pegando desafios diferentes, você sempre ficou exposto, o que acaba te valorizando
para você buscar uma posição mais refinada no mercado.(E1)
Por causa disso, ganhei uma experiência que, em condições normais demoraria muito tempo
para conseguir, tendo mais noções de gerenciamento de pessoas e de projetos. Isso foi
fundamental pra maneira como a minha carreira se desenrolou. (E4)
...[na consultoria] espero ganhar conhecimento, me tornar um expert e sair para o mercado
mais valorizado. (E10)
Em alguns relatos vemos que o ambiente dinâmico em que o consultor está inserido
o torna um profissional diferenciado, hábil em lidar com diferentes situações, com
uma fantástica capacidade de adaptação.
É uma carreira acelerada ao máximo, né? Você é exposto a tudo, correndo riscos, exposto a
situações que não tem muita gente para ajudar você, ou para orientar, ou para servir de
escudo. E isso faz com que você desenvolva umas habilidades com mais velocidade do que
se você estivesse trabalhando em um ambiente de empresa normal. Na marra ou não, você é
obrigado a se tornar uma pessoa mais flexível em todos os sentidos. Então, você ganha, você
fica mais esperto, fazendo a mala, você sabe se deslocar de um lugar para o outro com
bastante facilidade. Chega em um cliente e já pega rapidinho qual é a situação, o que está
acontecendo, o que é importante. Você fica muito mais ágil, muito mais rápido. E isso é uma
92
coisa que, depois, em alguma outra área na empresa, ou em uma outra empresa, admiram e
buscam no profissional. Esse conjunto de desenvolvimento acelerado. (E14)
Você aprende muito. Você aprende muito em lidar com pessoas também. Porque cada lugar
que você vai, é um choque. São pessoas completamente diferentes. É muito interessante. E
as habilidades também mudam. Eu peguei projetos completamente diferentes uns dos outros.
Então tem que aprender. Vai aprender na marra? Vai, mas você vai aprender muito. Você faz
na consultoria um profissional bem completo. Tanto que essas pessoas são bem vistas. (E13)
Nestes discursos, o rápido aprendizado e a rápida adaptação parecem ser os fatores
mais desenvolvidos e, por isso, “bem vistos” pelo mercado, justificando a
alavancagem na carreira.
Eu estou há seis anos aqui, eu posso dizer isso, que eu olho para trás e vejo, você aprende a
entregar, você é paga para isso, não tem como você enrolar. Então você aprende a
pesquisar, você aprende a se virar, você aprende a resolver, você resolve, resolve e entrega,
resolve e entrega. E, mesma coisa que você teria numa empresa, sentado numa cadeira
assumindo uma função? Não, na consultoria você faz isso hoje, amanhã você faz outra coisa
completamente diferente, e no terceiro dia, mais uma coisa. Então você aprende a entregar.
Isso é, acho que é o maior ativo que qualquer profissional leva daqui. (E5)
E todo esse contexto coloca o consultor em uma grande vitrine, exposto a tudo e,
claro, a outras oportunidades profissionais fora da consultoria.
Ele [o cliente] sabe que eu tenho a organização por trás de mim, que eu tenho ferramentas de
pesquisa porque a organização me provê. Mas, ao mesmo tempo, reconhece que o trabalho
saiu muito mais pela minha capacidade técnica e intelectual. Isso é uma vitrine para o
profissional. Uma coisa que faz o teu trabalho aparecer. Você vai ganhar um elogio do cliente,
não necessariamente pensando em sair da consultoria e trabalhar no cliente, mas você vai
ganhar um elogio e teu chefe aqui dentro vai saber, vai reconhecer e isso dá uma escovada
no seu ego.(E9)
Neste aspecto, o cartão de visita do consultor passa a ser a qualidade de seu
trabalho, visto e reconhecido por outras empresas (os clientes), o que materializa a
questão da vitrine profissional, ou seja, a exposição constante de sua
competência/trabalho em outras grandes empresas do mercado.
93
Então, eu te diria que, pelo menos, vinte e cinco pessoas que trabalham nessas empresas
sabem quem eu sou e o que eu faço. E isso é uma ótima vitrine, se amanhã eu resolvo sair
daqui. (E6)
4.4.2 A Questão Gênero “A Super Mulher”
Por mais que este trabalho de dissertação não tenha como propósito aprofundar as
questões de gênero dentro do universo de profissionais-consultores, o aspecto do
papel da mulher na consultoria não pode deixar de ser apresentado. Amplamente
mencionado e reforçado pelos entrevistados, inclusive pelos profissionais do sexo
masculino, este tópico merece atenção e destaque, inclusive, como tema proposto
para futuras pesquisas.
Primeiramente, a própria característica do trabalho da consultoria é uma barreira
para a mulher que, em uma determinada idade, planeja construir sua família, ter e
criar seus filhos.
O emprego na consultoria é muito cruel com as mulheres. Numa consultoria como essa aqui,
eu acho que como as outras também, isso é muito cruel porque ser mãe numa empresa
dessa aqui... As mulheres hoje são mães, sei lá, entre vinte e sete e trinta e três anos e eu
posso dizer que são raros os casos em que a mulher sai para ter um filho, tentar construir
uma família, depois volta e vai ter o mesmo pique que tinha antes e isso por razões óbvias.
Porque não é supermulher! São raras as mulheres que vão conseguir fazer isso. (E2)
Para esta etapa da vida da mulher se concretizar ela precisa se afastar
temporariamente da companhia e, devido ao ritmo de trabalho, cumprimento de
metas agressivas e a existência de uma carteira de clientes que precisa ser
constantemente trabalhada, a profissional acaba “perdendo” o que havia
conquistado anteriormente.
Ela perde um ano na carreira dela quando ela vai ter filho. Por quê? Porque ela tem uma
licença-maternidade de quatro meses e normalmente ela emenda nas férias. Logo, cinco
meses do ano fiscal, o teu ano acabou, certo? Você não vai bater sua meta, os clientes que
94
você atendia, vão passar para alguém, esse alguém acabou pegando o teu cliente e ficou
atendendo. O cliente já se acostumou com esse alguém e ele não quer a troca de volta.
Então, você perde a tua cartela de cliente, é muito difícil você compatibilizar isso.(E7)
E, uma carreira na consultoria passa a ser uma escolha, difícil de conciliar pela
profissional que agora é mãe.
Não vejo na consultoria mulheres casadas, com filhos e felizes, existem raras exceções.
Chega uma hora que a gente procura outra coisa, ou se torna uma daquelas mulheres bem
focadas no profissional, é uma escolha. Acho que não tem certo e errado, mas é uma opção
de cada mulher. (E6)
Acho dificílimo o fato de ser mãe e consultora, a não ser que você opte por terceirizar a
criação da criança, que é uma opção, cada pessoa faz o que achar.(E14)
Quando essa conciliação é testada, o lado pessoal acaba sendo afetado:
Ainda mais mulher, que tem filho... Eu vejo algumas gerentes que têm filhos bebezinhos e
ainda chegam onze horas da noite, têm que fazer trabalho fora e deixam os filhos com
babá.(E5)
Algumas mulheres trabalham part time, às vezes negociam de não ir para projeto fora para
não ficar longe da família. Mas às vezes não dá! Você é uma gerente, única pessoa com
aquele conhecimento e perfil e não dá! O cliente não aceita alguém de quatro horas, só oito
horas, e aí? (E1)
A consultoria passa a ser vista como uma opção incompatível com o desejo de ser
mãe. A exigência de mobilidade e a carga intensa de trabalho tornam essa
conciliação muito dolorosa e difícil, interrompendo a carreira de muitas consultoras.
Eu acho que é quase incompatível se você não desenvolver um trabalho onde você está com
a sua família. Eu acho que o prazo de validade para a mulher expira mais rápido do que para
o homem. Porque conciliar isso é muito difícil, praticamente impossível. É impressionante!
Quando a pessoa tem a opção de ser mãe, com a opção consciente, você quer participar do
desenvolvimento da criança. E se você não está perto, participa como? Não participa, né?
Então eu acho que a realidade é essa, é dura e incompatível, pelo menos para mim.(E14)
95
Logo, a rotina do consultor, as viagens constantes e a falta de planejamento pessoal
passam a ser o peso na escolha dessa profissional.
Quero ter filho e a hora que eu tiver filho eu não vou ficar viajando. Quero ser mãe presente e
quando você viaja muito você acaba não podendo fazer isso. Talvez quando o filho tiver mais
velho, aí você pode fazer, mas assim, os primeiros anos eu quero me dedicar, então eu acho
que a consultoria tem um período curto. (E12)
E, por fim, a questão da sociedade machista também é mencionada como mais uma
barreira à ascensão da mulher na carreira de consultoria.
Essas questões de viagens, realmente são complicadas... E aí, eu tenho uma opinião, que é
muito mais complicado para a mulher do que para o homem. Porque na nossa sociedade,
quer queira ou não, é machista, é muito mais complicado. A mulher fala para o marido: ‘Olha,
você fica aí que eu vou passar uma semana fora, ou duas semanas, tá bom?’. É muito mais
complicado do que se o homem falar que vai fazer isso. (E15)
E aí eu coloco para você: sendo mulher, muito mais complicado pela necessidade de tempo
de você estar com os seus filhos. Nessa nossa sociedade, é muito maior a da mulher, do que
a do homem.(E7)
4.4.3 Ciclo de vida e de Carreira “chega uma hora que chega!”
Além da questão da mulher na consultoria, nos relatos fica claro que o ciclo de vida
e a ascensão na carreira são fatores que influenciam na “aceitação dessa vida de
consultor”, composta de viagens constantes, longos deslocamentos, ritmo de
trabalho intenso e pouca flexibilidade e gerenciamento do tempo pessoal.
Olha, eu vejo todo mundo, chega uma hora que chega... O cara é novo, se amarra em viajar,
todo mundo é assim. O cara está lá...São Paulo, Belo Horizonte, não sei onde, aí o consultor
começa a ver os companheiros de época, todos eles já chegaram e dizem: ‘Olha, vou sair de
consultoria, porque eu não agüento mais’. O cara bate o pé mesmo. Quando o cara não quer
mais viajar, não quer mais fazer viagens, ou ele sai da consultoria, ou vai para um
cliente.(E11)
96
Muitos entrevistados mencionam que, o fato de ser jovem, no início de carreira,
possibilita uma melhor e maior adaptabilidade à rotina de trabalho de um consultor.
A maioria dessa molecada, não se importa ainda em sair daqui, passar uns dias fora, porque
não são casados. A maioria não tem uma família constituída. Estão naquela de: ‘ótimo, vou
viajar, vou conhecer outros lugares, vou conhecer a noite de outros lugares’. Então tem muito
isso. (E9)
Entrei para consultoria porque me empolguei com a vida mais dinâmica, com a exposição
perante o cliente que é bem diferente do que eu fazia antes e, além disso, porque eu era
nova e queria viajar. (E6)
Agora eu sou nova e estou querendo aprender, viajar, não tenho nada que me prenda. (E5)
Eu acho que tem tudo a ver com os vinte e cinco a trinta e cinco anos. Acho que cansa com a
idade também. Não tenho mais o pique que eu tinha com meus vinte e seis anos, que pega
mala, não sei o quê, vai correr etc. (E14)
Além disso, há todo um fascínio do mais jovem em viajar bastante, tudo pago pela
companhia:
No início, tudo é muito bom, né? Eu, quando era criança, eu via meu pai consultor viajar e
falava: ‘Você vai para os Estados Unidos, vai viajar de avião e a empresa ainda vai te pagar
para você ficar em um hotel? E tem salário para isso? Que máximo!’ (E15)
Outro ponto a se comentar é a situação financeira que a consultoria pode oferecer.
Para muitos, a remuneração compensa o ritmo de vida e de trabalho quando se está
começando a carreira e ainda não há outras prioridades como a manutenção de uma
casa, mulher/marido e filhos.
Acho que no momento de vida em que estou, buscando minha independência financeira,
acho que até que vale a pena consultoria sim. Talvez daqui a alguns anos eu me arrependa
de tudo ou simplesmente queira algo melhor pra mim. (E4)
97
É claro que não é como estar em casa, mas financeiramente é compensador se você não tem
grandes compromissos em sua cidade. Para quem tem família, é casado, não dá, mas
quando se é jovem acho uma situação boa. (E6)
A consultoria tem um salário diferenciado, até por isso, porque é um profissional que passa
por essas coisas e por isso tem que ser um profissional diferenciado. (E3)
Aí chega... Tem outras prioridades na vida, você vai se casar e aí você quer estar mais junto
da família, você tem filho, quer estar muito mais junto da família. Porque as coisas caminham
juntas, né? Você vai ficando mais experiente, você se casa, você tem filhos e aí quanto mais
você sobe, menos você quer viajar. (E15)
Para alguns entrevistados, a promessa de uma carreira ascendente e promissora
também é um grande chamariz, que além da questão financeira também se torna um
fato bastante compensador.
Uma carreira meteórica! Então, assim, tem uma glamourização que se faz em torno da
profissão, que é um pouco do canto do cisne [sic], e é uma arma que as empresas de
consultoria usam para atrair os trainees. Acho que toda empresa usa isso. Mas, você só vai a
sócio se fizer tudo certo, se tiver projetos legais ao longo da tua carreira, se você trabalhar
com pessoas boas, se na hora de virar sócio você tiver o tempo, a experiência, os pré-
requisitos, boas avaliações... Tem que ter um padrinho político, se não você não vira sócio.
(E10)
Conhecer pessoas diferentes, conhecer a cultura do cliente e a promessa de que a carreira
de consultor é meteórica... o que é de fato uma grande mentira.(E7)
Nestes relatos, vale a pena destacar a questão política em que a carreira de
consultor está inserida. Apesar de toda “propaganda”, o crescimento meteórico
prometido, como forma de atração dos talentos, passa a ser desmistificado com o
passar do tempo.
98
4.4.4 Ciclo de vida e Espaço-Tempo
O discurso dos entrevistados sugere, por fim, que cada profissional interpreta as
questões de tempo e espaço de acordo com seu ciclo de vida e/ou de carreira em
que se encontra.
Essa questão de tempo e espaço varia conforme o nível da carreira do consultor.(E14)
Neste aspecto, todos os pontos anteriormente comentados com relação a espaço
são retomados pelos entrevistados e associados ao seu ciclo de vida e de
desenvolvimento da carreira.
Ao iniciar na consultoria as metas são voltadas ao trabalho direto em clientes, ou
seja, estar fora do escritório passa a ser o mais freqüente e o mais esperado.
Existem fases na carreira de consultoria em que esse espaço varia, né? Por quê? Em um
primeiro momento, você vive muito mais dentro do cliente, porque você é um profissional do
staff. Você vai para aquele cliente, você fica full-time trabalhando naquele cliente, no espaço
do cliente, que na maioria das vezes, separa para você um cantinho mínimo. (E15)
Você gerente fica mais na base. E quando você faz viagem, são mais curtas. Eu tenho ficado
muito no Rio porque o meu objetivo é desenvolver o mercado. Eu tenho ficado mais aqui...
(E5)
Com o crescimento profissional, os consultores passam a ter metas de venda de
projeto e a proporção cliente-escritório se altera; estar no escritório e ter maiores
responsabilidades de gestão e pessoas passam a ser atividades comuns.
Aí, o próprio amadurecimento da pessoa, ele entende e não se importa muito com isso. Ele
fica tão pouco tempo dentro do escritório, que logicamente, não faz sentido ele ter um lugar
para ele... Eu acho que, quanto mais ele amadurece sabendo o que é a “vida de consultor”,
menos ele se preocupa com isso. Eu acho que essa é a frase. (E14)
Aí tem um agravante nessa história, que é o que? Eu sou gerente de cinco pessoas no staff,
eu faço programação deles, eu faço avaliação, faço follow-up todo dia.(E9)
99
Essa mudança de proporção do espaço também se aplica ao tempo, uma vez que,
ao avançar na carreira, o consultor, agora gerente, consegue ter uma maior
flexibilidade, aumentando assim o tempo dedicado às questões pessoais.
Agora, do ponto de vista de gerente, muda essa proporção porque o gerente, ele vai a mais
clientes, porque ele tem uma meta de venda, é um pouco vendedor também. Ele faz uma
revisão técnica do projeto, vai a reuniões importantes e tal. Aí, o tempo longe é menor, você
aumenta o tempo de família, pode estar [presente], pode dormir em casa. (E15)
Então, o tempo... Conforme você vai subindo é completamente diferente a distribuição do
tempo de hoje com relação à época em que você está começando até um nível de sênior. No
início, eu diria que o profissional vive 100% do tempo aquele projeto, aquele cliente. (E10)
E o tempo dentro do escritório também passa a ser consumido pelas novas funções
de gerenciamento de pessoas.
Então, eu tenho um tempo dedicado para recrutamento, bem grande. Eu tenho um tempo, é,
dedicado a vendas. Eu tenho um tempo para gestão propriamente dita do negócio. (E14)
O amadurecimento profissional também influencia a percepção de desconforto por
estar desalocado, sem projeto. Quanto mais o consultor avança na carreira, mais ele
“entende” as peculiaridades do negócio. Estar no escritório passa a ser, inclusive,
uma ótima oportunidade de adiantar questões pendentes e se atualizar.
As pessoas mais inexperientes podem viver algumas questões porque ela não está vendo o
todo e não sabe que precisa ficar esse tempo aqui [no escritório]. Então, essa questão, é
muito inicial de um profissional. E aí, quando as pessoas ficam mais experientes, você
completa com algumas coisas: um treinamento on-line, participações em proposta ou mesmo
uma semaninha de férias... (E14)
Quando a gente está desalocado, a gente tem que aproveitar para se atualizar. Se tiver uma
janela de treinamento, alguma coisa disponível é interessante marcar para esse período.
Cada um usa como quer né? Agora, eu uso o tempo para me atualizar, porque é tudo
tecnologia e se a gente não se atualizar, é um problema sério. (E9)
100
PARTE 5. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho do consultor não se encontra preso a um espaço fixo e tampouco a um
horário pré-determinado e definido. Esta rotina de natureza mais fluida compõe novos
arranjos temporais e espaciais, trazendo inúmeras implicações profissionais,
familiares e identitárias para esta categoria profissional.
Em uma primeira análise, esta pesquisa constata que, na medida em que estes
profissionais amadurecem e avançam na carreira, surgem novas interpretações para
as dinâmicas de espaço e tempo vivenciadas por eles.
Com o desenvolvimento profissional, muitos consultores conseguem conjugar melhor
o espaço e o tempo de trabalho com o espaço e o tempo da casa. Como gerentes,
possuem maior flexibilidade de horário e, devido às metas de venda e de negócio,
ficam mais fixos no escritório.
Um cenário bastante diferente é encontrado nos discursos dos consultores em início
da carreira, quando, pressionados por metas de projeto, passam boa parte do seu
tempo em clientes, dependentes de sua disponibilidade de um espaço de trabalho, da
necessidade de viagens e/ou longos deslocamentos, da rigidez dos horários e prazos,
dos diversos tempos.
Porém, uma análise mais profunda nos permite levantar uma série de
questionamentos, muito em função da riqueza de informações coletadas nas
entrevistas e, sem dúvida, da complexidade das questões referentes a esta categoria
profissional em particular.
101
A Questão do Espaço
Quando indagados sobre a questão do espaço no escritório, os entrevistados
demonstraram duas opiniões distintas:
O grupo mais jovem e com menos tempo de consultoria destacou as implicações
negativas da falta de um espaço no escritório da empresa-mãe. A falta de “um espaço
seu”; um lugar fixo para deixar seus objetos de uso diário como porta-caneta e
cadernos; um local para depositar elementos porta-retratos, lembranças que
remetam à família são exemplos mencionados. Estes objetos operam também, como
marcadores de presença, indicadores de existência; uma sinalização tanto para os
colegas de trabalho quanto para eventuais passantes, de que “eu existo”.
Além de relatarem a falta que faz não ter um espaço próprio sob seu controle, os mais
jovens se sentem desconfortáveis quando, os locais reservados aos consultores no
escritório estão cheios e precisam ir trabalhar de casa. O fato de não estar em seu
local “natural” de trabalho incomoda, pois passa uma imagem de “desempregado” aos
vizinhos, aos porteiros e até para a própria família.
Esse desconforto ainda se agrava quando os consultores estão desalocados e
passam a depender desse “espaço” no escritório no dia-a-dia para realizar outras
atividades exigidas pela consultoria como a avaliação de desempenho e de projetos,
por exemplo. Neste aspecto, foi unânime a sensação desagradável imposta por essa
situação, pois a presença do profissional no escritório remete a uma imagem de
ociosidade e estagnação.
102
Assim, um ponto curioso é notar que, a casa e o escritório não são ambientes com um
valor simbólico de trabalho e, existe apenas um lugar onde são “bem-vistos”: no
cliente.
O grupo composto por consultores mais experientes que, via de regra, permanece um
tempo maior no escritório da consultoria, aponta a falta de espaço como uma
implicação justificada pelo negócio. Interpretado como um custo adicional
desnecessário, esse espaço pessoal é considerado, por estes profissionais, um fator
menos importante. O status de desalocado é, também, encarado com mais
tranqüilidade, como uma situação temporária, inerente ao negócio de consultoria e,
portanto, interiorizado. Esses resultados reforçam a constatação de que a experiência
traz consigo novas interpretações para a questão espacial.
Por outro lado, ambos os grupos concordam quando o assunto é espaço no cliente.
Dependendo do projeto em que estão alocados, pode haver um espaço individual,
delimitado e confortável. Já em outras situações, um espaço “secundário” lhes é
reservado o que exige criatividade para o trabalho produtivo em equipe.
Analisando com mais atenção, vemos que a questão do espaço para essa categoria
profissional é bem complexa e alguns questionamentos podem surgir em decorrência
das inúmeras implicações encontradas.
Considerando que o profissional aprendeu a lidar com uma certa flutuação de
“ausências” e “presenças” no escritório da consultoria, tal fato pode ter implicações, no
entanto, na imagem que projeta para seus familiares e amigos.
Será que é “fácil” para uma esposa/marido compreender que, nada no trabalho de seu
companheiro remete à família, aos filhos etc? De que não haverá espaço para fotos,
103
trabalhos escolares dos filhos, nada? De que seu filho não pode conhecer a mesa do
papai/mamãe porque ela, de fato, não existe? Falamos aqui de questões pessoais
mesmo, como ciúme, desconfiança, ou quaisquer outras conseqüências que interfiram
na estabilidade pessoal desses profissionais.
Além disso, como lidam com o fato de estarem em empresas - os clientes - onde seus
empregados possuem um espaço próprio? Será que é tão simples “não se importar
mais com isso”, como relatam os mais experientes? Ou, o fato de já serem gerentes e
estarem mais no escritório, com um espaço mais fixo, já reduz todo esse incômodo?
A complexidade e as implicações dessa situação estão “escondidas” por detrás de
alguns depoimentos, onde percebemos não ser nada agradável justificar não poder ter
isso ou aquilo, não conhecer “fulano” ou “ciclano” porque você não está na empresa e
não tem um espaço só seu no escritório.
A Questão Mobilidade
Quando o assunto é mobilidade, a diferença de idade e a experiência profissional
também afetam os discursos, porém de forma menos visível que o tópico anterior.
Para os mais experientes, quando se é jovem essa característica da consultoria é um
grande chamariz. A possibilidade de viajar muito, conhecer novos lugares, pessoas e
culturas - quando não há responsabilidades com família e filhos - atrai o consultor
mais jovem por ser, naturalmente, mais adaptado a essa exigência.
Porém, esse chamariz tem um prazo de validade bastante concreto. Toda logística de
viagens é sempre muito desgastante e, como eles mesmos relatam: “tem uma hora
que cansa”. Além disso, uma rápida mudança de prioridades o casamento, o
nascimento de um filho, a inscrição em uma pós-graduação - também passa a ser um
104
grande complicador frente a esta exigência do negócio, gerando, com o passar do
tempo, grande insatisfação.
Além disso, a impossibilidade de se planejar com antecedência também se torna um
problema, impedindo os consultores de programarem férias, cursos, ou exercerem
qualquer outra atividade que requeira continuidade e rotina.
Esta instabilidade ou falta de possibilidade de planejamento afeta, particularmente, a
compatibilização das demandas profissionais com as demandas pessoais e familiares.
Com tantas viagens, como conciliar a manutenção de um relacionamento? E de uma
família? Como educar filhos, não estando presente? Como planejar eventos
familiares, férias com filhos, esposa/marido? Como tornar compatível as
programações de casa com um cronograma de projetos?
Através dos depoimentos, podemos inferir que todo o ônus resultante da constante
mobilidade fica com o profissional e sua família e que, de fato, a consultoria considera
todos esses problemas como “naturais”.
Sobre esta questão já discorria Freitas (2002) ao destacar que a mobilidade é, nos
dias de hoje, uma característica profissional enaltecida, mas que esconde problemas
pouco revelados.
Assim será mesmo que a consultoria deve ser encarada como uma profissão
momentânea, totalmente temporária? Não haveria outra forma de minimizar os efeitos
de uma exigência por uma completa mobilidade? E mais, se o modelo “consultoria”,
que defende o trabalho por uma lógica de projetos se expande, estes problemas
ganhariam um âmbito maior?
105
A Questão do Tempo
Assim como a questão do espaço, também o tempo do consultor é regido pelos
projetos em que trabalha. Para cada cliente há um tempo diferente, variando inclusive
com a localidade: quanto mais distante da base, maior o tempo de deslocamento ou
maior são os efeitos do fuso horário. Pelos discursos, mais tempo você “perde”, isto é,
abdica de parcela de seu descanso, lazer, tempo com família, para estar no cliente no
início de sua semana de trabalho.
Neste quesito, o tempo de uma forma geral, para todos os entrevistados, é escasso, é
corrido. O trabalho da consultoria toma uma abrangência bem maior e acaba por
“invadir” a vida pessoal. Para se adequar aos diferentes projetos, os consultores
precisam, constantemente, alterar sua rotina, seu tempo pessoal.
Visto como um trabalho extremamente intenso, os consultores afirmam que se
preocupam em cumprir prazos de entrega, em fornecer resultados atendendo um
cronograma pré-fixado, pois, o cliente “paga” pelo tempo de trabalho do consultor.
A análise dos discursos revela, ainda, que o tempo possui valores e significados,
mesmo que implícitos, bem definidos. Assim, o tempo gasto dentro do cliente, é o
tempo que tem valor, sinônimo de trabalho, “taxímetro rodando”. O tempo pessoal é o
tempo “que sobra”, depois do trabalho, entre as viagens constantes e o tempo no
escritório é o tempo perdido, tempo ocioso. Por não “cobrar” do cliente, o status de
desalocado é temido, mal visto. Na prática, mesmo que o consultor tenha noção de
que esta situação é temporária e que faz parte do negócio, o tempo no escritório é
nitidamente inferior ao tempo no cliente, mesmo que, em alguns casos, não se
traduza em trabalho real. Pode-se, portanto, falar de uma hierarquização da variável
temporal.
106
Assim, estes profissionais lidam com o paradoxo de que o tempo que lhe permite
“visibilidade”, “existência” frente aos pares e chefes, é também um tempo “menor”.
Como o consultor lida com uma situação na qual estar em sua própria empresa não é
agradável? Como reagir aos olhares daqueles que, só pelo fato de te verem ali, já
sabem que você está sem projeto, está “ocioso”? Além disso, como conviver com a
angústia da duração desse tempo?
Pelos relatos, fica claro que a seleção para os melhores projetos está ligada ao
networking pessoal. Além disso, pode-se conjecturar uma outra razão para esta
“repulsa” ao tempo no escritório. Pode ser que aquele que ali se encontra é
considerado um sujeito “excluído”, “rejeitado”, “não convidado” para os melhores
projetos. Esta não é uma situação considerada agradável.
Uma outra questão também se apresenta e diz respeito aos “tempos paralelos”.
Quando viajam, por exemplo, os consultores precisam se adaptar às necessidades
dos clientes, porém, paralelamente o ‘tempo do escritório” continua seguindo seu
ritmo, despejando novas demandas sobre o profissional. Como conviver com esta
multiplicidade de tempos e como sincronizá-los? Não é à toa que os entrevistados
reiteram “não terem tempo para nada”, estando sempre “correndo contra o tempo”.
A Questão da Identidade
Permeando as questões de tempo e de espaço, o tema Identidade está muito
presente, reforçado pelo fato de o consultor estar boa parte do seu tempo fora do
escritório e, conseqüentemente, afastado das diversas iniciativas de sua empresa de
origem. Atividades internas como campanhas de marketing, comunicados, eventos,
distribuição de brindes, e até mesmo, a própria adoção de valores e cultura
organizacional, são assuntos pouco presentes no discurso dos entrevistados.
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O consultor passa por uma rotina paradoxal: embora pressionado por alocação em
cliente e ávido por projetos, sente falta da proximidade com sua companhia e de
usufruir seus benefícios. Alguns mencionam a sensação de não se sentirem
funcionário, pois conhecem pouco a estrutura, as estratégias, as novidades, o “quem
é quem” dentro da empresa.
Ao se dirigirem para a empresa-cliente todo dia sentem-se, na maioria dos casos,
funcionários daquele cliente. Possuem maior identificação, estão em contato com a
cultura e valores daquela companhia, são reconhecidos pelo trabalho ali realizado e
até possuem um espaço seu, ainda que temporário.
Esta sensação também varia com o cliente. Quando o projeto é longo, o consultor é
mais acolhido, se sente parte, e, por vezes, até participa de algumas das iniciativas
corporativas como festas e eventos ou distribuição de brindes. Em outros projetos, um
escopo reduzido e/ou um tempo de duração mais enxuto, faz com que o consultor se
sinta um “estranho”, um simples prestador de serviço, sem uma empresa “real” por
detrás. Chega-se ao ponto de não se sentir funcionário do cliente, nem da sua própria
consultoria. Sem uma referência, sem poder “comprovar” seu vínculo profissional,
falta-lhe um senso completo de identidade organizacional. Em linhas gerais, a cada
novo projeto uma nova “identidade”.
Do ponto de vista dos consultores, como lidar com essa distância? Se, estar no
escritório é ser “mal-visto”, como fortalecer um vínculo com uma empresa com a qual
você não convive? Como representá-la de fato no cliente? Como trabalhar no cliente
sem incorporar sua cultura, seus valores; sem usufruir um ambiente no qual você está
fisicamente? Como não se sentir excluído das atividades e iniciativas daquela
empresa? Mesmo compreendendo seu papel como prestador de um serviço
108
contratado, como devem se sentir os consultores, estando há muito tempo em um
mesmo projeto, diante de um funcionário daquele cliente?
Considerando a perspectiva da consultoria, como alcançar esses profissionais
distantes? Como retê-los quando estão expostos ao mercado, a cada novo cliente?
Como motivá-los quando tudo que lhes cerca não traz consigo a imagem e os valores
de sua própria empresa?
O Futuro na Consultoria
Em função das questões abordadas anteriormente, o futuro na consultoria foi pautado
pelos entrevistados como decorrente diretamente do ciclo de vida do profissional.
Muitos entrevistados reconhecem que há um prazo de validade para esta profissão,
na medida em que as prioridades pessoais -família, filhos etc - passam a ficar
incompatíveis com o ritmo exigido.
Para justificar a aceitação deste prazo determinado, os entrevistados destacam que a
carreira de consultor proporciona um desenvolvimento acelerado, uma vez que há
uma exposição “precoce” e intensa a um conjunto de desafios profissionais,
assumindo muitas responsabilidades, tendo que aprender a se adaptar rapidamente e
assimilando uma gama enorme de novos conhecimentos a cada projeto.
Sendo assim, os relatos apresentam o fato de o consultor ser um profissional
assediado pelo mercado por suas competências e pelo seu rápido desenvolvimento
profissional. Assim, muitos entrevistados declaram que a consultoria é uma ótima
oportunidade para se alavancar a carreira e se posicionar com sucesso no mercado
de trabalho.
109
Quando o assunto é crescimento dentro da carreira, podemos inferir que há inúmeras
questões políticas que envolvem os processos de promoção e avaliação dentro da
consultoria. Há uma série de pré-requisitos necessários para se tornar um sócio um
dos cargos mais altos na consultoria não tão simples e rápido de se alcançar como
se “vende” na hora de atrair potenciais talentos.
Muitos entrevistados afirmam que a imagem de uma carreira meteórica não é
totalmente verdadeira e que há uma glamourização em torno da profissão.
Desta forma, a profissão do consultor passa a ser uma carreira temporária, rotulada
como algo “que não é para qualquer um”. Apesar de possuir características
interessantes como a possibilidade de conhecer novos lugares e possuir uma rotina
bastante dinâmica, a consultoria não é vista como um desejo de futuro profissional.
Nesse aspecto, como lidar com a certeza de que a carreira construída até
determinado ponto será abandonada por outra? Por mais que pareça ser um chamariz
e uma ótima forma de se posicionar, é tão simples lidar com essa temporalidade?
A Questão de Gênero
A dificuldade da mulher em conciliar vida pessoal e o trabalho na consultoria foi uma
questão bastante abordada pelos entrevistados. Até mesmo os homens concordam
que é muito complicado ser, ao mesmo tempo, mãe e consultora.
Primeiramente, o afastamento pela licença-maternidade torna-se um obstáculo uma
vez que, na consultoria, a manutenção da carteira de clientes e a necessidade de um
relacionamento próximo e constante são fatores cruciais para a venda de novos
projetos. Em segundo lugar, a exigência por mobilidade e, além disso, a possibilidade
de estar envolvida em um projeto intenso e com uma longa jornada de trabalho diário,
110
torna o papel de consultora/mãe complicado e, como mencionam algumas
entrevistadas: incompatível.
Assim, muito em linha com a questão do prazo de validade, a mulher enfrenta o
conflito casa versus trabalho quando decide constituir família e, assim, a rotina na
consultoria passa a ser uma grande barreira.
O sucesso na carreira de consultor, só é alcançado por mulheres que optaram
exclusivamente por dar foco no trabalho e acabaram deixando a vida pessoal em
segundo plano. Muitas concluem que o fim do trabalho como consultora é
determinado pelo relógio biológico, pelo surgimento de prioridades de família e
educação/criação de seus filhos.
Por mais que este estudo não tenha se proposto a aprofundar as questões de gênero,
não há como ignorar seus possíveis desdobramentos: Como as mulheres que
optaram pela carreira lidam com questões pessoais? Como se sentem ao abandonar
toda uma carreira de sucesso, todo esforço e realizações profissionais? As empresas
de consultoria têm uma política de flexibilidade para incentivar e reter essas
profissionais?
Inúmeras são as questões decorrentes dos depoimentos. No entanto, o que podemos
inferir é que a posição em que a mulher se encontra em ter que optar em um
determinado momento entre trabalho e família é bastante complicada e acaba
criando um estigma de que, mulheres bem-sucedidas não são felizes em casa.
111
PARTE 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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teoria crítica do aprendizado. Campinas, 2000.
PARTE 7 GLOSSÁRIO
Para efeito deste estudo, entende-se por:
Base cidade de origem do consultor;
Billar ato de reportar horas de trabalho, cobradas do cliente contratante
dos serviços da consultoria;
Commodity - termo de língua inglesa que significa mercadoria. Utilizado
nas transações comerciais de produtos de origem primária, em estado
bruto ou com pequeno grau de industrialização, de especificações
padronizadas de qualidade quase uniformes, produzidos em grandes
quantidades e por diferentes produtores.
CRM sigla em inglês para gestão do relacionamento com clientes;
Desalocado profissional-consultor que não está trabalhando em projeto
de cliente.
Fazer Follow-up - acompanhar, no sentido de cobrar uma atividade e/ou
resposta.
JAVA - linguagem de programação orientada a objeto desenvolvida na
década de 90.
Mobility espaço na consultoria reservado para os consultores em trânsito
pelo escritório ou sem projeto.
Outsourcing - ação que existe por parte de uma organização em obter
mão-de-obra de fora da empresa, ou seja, mão-de-obra terceirizada.
Staff - grupo de funcionários; quadro do pessoal
Trainee - tipo de cargo em uma empresa em que o desenvolvimento
profissional do funcionário é incentivado. O nome vem do inglês "training",
ou treinamento.
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