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UM ESTUDO DE CASOS SOBRE A APLICAÇÃO DE
PRINCÍPIOS ENXUTOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL
Augusto Castejón Lattaro Silberstein
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto COPPEAD de Administração
Mestrado em Administração
Orientador: Kleber Fossati Figueiredo
Rio de Janeiro
2006
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ii
UM ESTUDO DE CASOS SOBRE A APLICAÇÃO DE
PRINCÍPIOS ENXUTOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL
AUGUSTO CASTEJÓN LATTARO SILBERSTEIN
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração
da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários
à obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.).
Aprovada por:
___________________________________________________
Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph. D.
COPPEAD/UFRJ – Presidente da Banca
___________________________________________________
Profª. Cláudia Affonso Silva Araújo, Ph. D.
COPPEAD/UFRJ
___________________________________________________
Prof. Octavio Fernandes da Silva Filho, D. Sc.
FIOCRUZ
RIO DE JANEIRO
2006
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Silberstein, Augusto Castejón Lattaro
Um estudo de casos sobre a aplicação de princípios enxutos
em serviços de saúde no Brasil / Augusto Castejón Lattaro
Silberstein. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006.
xiii; 161f: il.
Orientador: Kleber Fossati Figueiredo
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ COPPEAD/ Programa de
Pós-graduação em Administração, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 152-161
1. Princípios enxutos. 2. Gestão de serviços de saúde. I.
Figueiredo, Kleber F. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título
iv
Zeit ist Leben und das Leben liegt im Herzen
*
.”
Michael Ende
*
Tempo é vida e a vida reside no coração.
v
To mom and dad
for whom my love spans
from the sky to the fireplace.
vi
AGRADECIMENTOS
Após me debruçar sobre este tema fascinante saio com a convicção do
potencial que a mentalidade enxuta possui de contribuir positivamente em todos
os processos que compõem as operações. A aplicação dos princípios enxutos, no
entanto, não abarca tudo. Muitíssimas pessoas possibilitaram a realização desta
pesquisa e não pretendo ser enxuto nos agradecimentos.
Em primeiro lugar, agradeço a Deus que torna a vida uma aventura
absolutamente apaixonante e a meus pais sempre na torcida a quem dedico este
trabalho.
Agradeço ao Prof. Kleber pela presteza com que respondia as minhas
dúvidas e inquietações, pela sinceridade de apontar os aspectos positivos e
negativos do trabalho durante seu desenvolvimento, pelos conselhos e indicações
que viabilizaram sua conclusão. Sua dinâmica de orientação constituiu o principal
ponto de aprendizado nestes anos de mestrado.
Um agradecimento especial cabe à Profª. Cláudia Araújo pela sua presença
na Banca examinadora e pelos seus valiosos comentários ao trabalho
apresentado. Sou imensamente grato ao Dr. Octávio não só pelo esforço
necessário para comparecer à banca e pelos seus comentários instigantes e
provocadores (durante a defesa e depois por escrito!) como também pelo
acolhimento na nossa primeira conversa e pelas as indicações que foram
fundamentais para o desenvolvimento do trabalho.
Quero expressar minha gratidão ao Dr. Cláudio Nunes, a Ana Butter Nunes,
a Patrícia Prates e ao Dr. José Marcos Badim pela calorosa recepção, pela
paciência em ouvir o tema em estudo e por terem facilitado a escolha dos casos.
Sem a valiosíssima contribuição de Dr. Jackson Caiafa, Dr. André
Volschan, Helaine Miranda, Marcelo Dibo, Fabiana Barini, Alex de Sá e Carlos
Inácio este trabalho não existiria. Quero agradecer o tempo que me dedicaram nas
entrevistas e dizer que o entusiasmo de cada um pelo seu trabalho é
extremamente contagiante. Aprendi muitíssimo de cada um.
vii
Sou muitíssimo grato à Dra. Cláudia Telles pelo interesse tanto no tema da
pesquisa quanto na sua viabilização e à Cristiane Cabral pelos dados fornecidos.
O corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração é conhecido pela
excelência. Sou imensamente agradecido a todos os professores. Além dos
professores, os colegas de mestrado ajudaram a tornar este tempo de
aprendizagem particularmente gratificante. Considero-me privilegiado por fazer
parte desta turma e agradeço a cada um.
Sou extremamente agradecido à Cida e à Simone que sabem acolher tão
bem os novos alunos e cuja eficiência e apoio foram totais durante todo o período
do mestrado.
Agradeço ao amigo Herbert Missaka pela apresentação de textos
interessantíssimos que serviram de espinha dorsal para a tese bem como pelo
olhar clínico capaz de detectar inúmeros erros na minha versão “já final” do
trabalho. Os erros que permaneceram são de minha total responsabilidade.
Também agradeço aos amigos Leonardo Barbosa Soares e Ricardo
Miyashita pelos estímulos e dicas de quem tem a autoridade da experiência. Devo
gratidão ao Christian Orglmeister e ao Renato Nishimura por ouvirem com o
entusiasmo próprio de amigos a evolução dos trabalhos e facilitarem o acesso a
pessoas importantes na discussão dos temas da pesquisa.
Quero manifestar gratidão aos colegas e amigos Mário Sozzi (que me
introduziu ao mundo lean), Newton Santana, Celso Sapienza, Carlos Eduardo
Almeida e Mateus França. Formamos uma equipe de trabalho inesquecível na
qual começamos a explorar o conceito lean. Agradeço também ao Maurício Rio
pelo incentivo em estudar os processos nas organizações. Este trabalho pode ser
considerado uma seqüência dos nossos anos de trabalho em conjunto.
Agradeço ao amigo Carlos Bremer pelo apoio e indicações de especialistas
no assunto. Sou grato ao Douglas Tacla e à Mayuli Fonseca, fornecedora dos
textos que deram um ponta-pé inicial ao trabalho.
Agradeço, por fim, ao CAPES pelo apoio concedido.
viii
RESUMO
SILBERSTEIN, Augusto Castejón Lattaro. Um estudo de casos sobre a aplicação
de princípios enxutos em serviços de saúde no Brasil. Orientador: Kleber Fossati
Figueiredo. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006. Dissertação (Mestrado em
Administração).
O pensamento enxuto pode ser considerado um novo paradigma industrial ao
sintetizar a eficiência da produção em massa e a flexibilidade da produção artesanal.
Operações enxutas têm apresentado resultados superiores tanto em termos de
qualidade como de eficiência, dois indicadores de desempenho tradicionalmente
considerados em conflito. O dilema entre qualidade e eficiência também se encontra
no contexto dos serviços e é uma questão particularmente sensível nos serviços de
saúde. O presente estudo analisa o potencial de contribuição do pensamento enxuto
para superar o conflito entre qualidade e eficiência nos serviços de saúde.
Através da análise de cinco serviços de saúde brasileiros, o estudo pretende
verificar como os princípios enxutos se aplicam nestes serviços, em que medida
esses princípios estão presentes e quais as adaptações necessárias dadas as
especificidades do setor. Os processos e os serviços de saúde estudados são: a
atenção integral ao paciente diabético do Projeto do Pé Diabético, o diagnóstico e
atendimento de emergência no Hospital Pró-Cardíaco, a recepção no Hospital Dr.
Badim, suprimentos no Hospital Copa D´Or, a logística de suporte da Diagnósticos da
América.
O estudo conclui que a aplicação dos princípios enxutos nos serviços de saúde
é possível, exige algumas adaptações, admite diversos graus e tem potencial para
contribuir na solução dos conflitos entre qualidade e eficiência. A aproximação da
linguagem médica com a linguagem de processos é necessária para a expansão da
mentalidade enxuta neste setor. O estudo sugere a existência de sinergias
interessantes entre a medicina baseada em evidências e a mentalidade enxuta para a
promoção de uma prática médica de qualidade e uma gestão eficiente de processos.
ix
ABSTRACT
SILBERSTEIN, Augusto Castejón Lattaro. Um estudo de casos sobre a aplicação
de princípios enxutos em serviços de saúde no Brasil. Orientador: Kleber Fossati
Figueiredo. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006. Dissertação (Mestrado em
Administração).
Lean thinking can be considered a new industrial paradigm because it
synthesizes the efficiency of traditional mass production and the flexibility of craft
production. Lean operations have brought forth superior results in both quality and
efficiency measures, two performance indicators traditionally considered to be in
conflict. The dilemma between targeting quality versus efficiency is also present in the
service sector and is a particularly sensitive issue in health care. The present study
analyzes the potential contribution of lean thinking to the solution of this dilemma in
health care.
Through the analysis of five Brazilian health care organizations, this study
intends to verify how lean principles apply to these services, in what extent these
principles are present and to what degree these principles need modifications due to
uniqueness of the health sector. The following processes and organizations compose
the study: end-to-end care of a diabetic patient at the Projeto do Pé Diabético,
diagnosis and emergency service at the Hospital Pró-Cardíaco, the reception process
(first front-line employee contact) at the Hospital Dr. Badim, supply at the Hospital
Copa D´Or and support logistics at Diagnósticos da América.
The study concludes that applying lean principles in health care is possible,
requires some modifications, admits different degrees of incorporation and has
potential to contribute to the solution of the conflict between quality and efficiency. A
greater approximation between the medical language and the process management
language is necessary to deepen the application of lean principles in health care. The
study suggests the existence of interesting synergies between evidence-based
medicine and lean thinking which may enable further advances in the integration of a
high quality clinical practice and an efficient process management in health care.
x
SUMÁRIO
1 Introdução.......................................................................................................1
1.1 O problema ............................................................................................... 1
1.2 Objetivo..................................................................................................... 3
1.3 A relevância do assunto............................................................................ 4
1.3.1 A contribuição do pensamento enxuto nas operações ...................... 4
1.3.2 O apelo da abordagem enxuta aos stakeholders dos serviços de
saúde .................................................................................................5
1.4 Delimitações .............................................................................................7
1.5 Organização do Estudo.............................................................................8
1.6 Contexto de Estudo................................................................................... 8
2 Revisão de literatura.................................................................................... 14
2.1 O conceito lean....................................................................................... 14
2.2 Evolução da aplicação do conceito lean ................................................. 17
2.3 Princípios lean ........................................................................................ 23
2.3.1 Princípios da provisão enxuta.......................................................... 24
2.3.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho...................................... 24
2.3.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor......................... 25
2.3.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente.......................25
2.3.1.4 Envolvimento do cliente............................................................ 26
2.3.1.5
Delegar poder aos empregados ............................................... 27
2.3.2 Princípios do consumo enxuto......................................................... 27
2.3.2.1 Resolver o problema do cliente completamente....................... 28
2.3.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente ......................................... 32
2.3.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer........................34
2.3.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer......... 37
2.3.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente ............
quando ele quer........................................................................ 39
2.3.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e
aborrecimento do cliente........................................................... 41
2.3.3 Conjugando os princípios da provisão e do consumo enxutos........ 42
2.4 Princípios Enxutos aplicados à saúde..................................................... 45
2.4.1 Princípios da provisão enxuta.......................................................... 47
2.4.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho...................................... 47
2.4.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor......................... 49
2.4.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente.......................52
xi
2.4.1.4 Envolvimento do paciente.........................................................54
2.4.1.5 Delegar poder aos empregados ............................................... 55
2.4.2 Princípios do consumo enxuto......................................................... 56
2.4.2.1 Resolver o problema do paciente completamente.................... 57
2.4.2.2 Não desperdiçar o tempo do paciente......................................60
2.4.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o paciente quer..................... 65
2.4.2.4 Oferecer o que o paciente quer exatamente onde ele quer......69
2.4.2.5 Oferecer o que o paciente quer onde ele quer exatamente
quando ele quer........................................................................ 69
2.4.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e
aborrecimento do paciente ....................................................... 70
2.5 Medicina baseada em evidências........................................................... 70
2.6 Quadro Conceitual.................................................................................. 74
3 Metodologia.................................................................................................. 77
3.1 Tipo de pesquisa.....................................................................................77
3.2 Seleção dos casos.................................................................................. 78
3.3 Coleta e tratamento dos dados...............................................................79
3.4 Limitações do Método............................................................................. 80
4 Descrição dos Casos................................................................................... 81
4.1 Pólo do Pé Diabético............................................................................... 81
4.1.1 Diabetes........................................................................................... 81
4.1.2 Gênese do Pólo do Pé Diabético.....................................................82
4.1.3 O projeto do Pé Diabético................................................................ 83
4.1.4 Educação continuada ...................................................................... 87
4.1.5 Capacitação do pessoal de atendimento......................................... 88
4.1.6 Próximos passos.............................................................................. 88
4.2 Atendimento de emergência no Pró-Cardíaco........................................ 90
4.2.1 Introdução........................................................................................ 90
4.2.2 Decisões sob risco........................................................................... 90
4.2.3 Excelência no atendimento.............................................................. 91
4.2.4 A lógica do diagnóstico baseado em evidências ............................. 93
4.2.5 O protocolo de atendimento de dor torácica.................................... 96
4.2.6 Melhoria Contínua.......................................................................... 100
4.3 O processo de atendimento no Hospital Dr. Badim .............................. 102
4.3.1 Introdução...................................................................................... 102
4.3.2 Atendimento no Hospital Dr. Badim............................................... 103
4.3.3 Problemas no processo de atendimento........................................ 105
4.3.4 Solução adotada............................................................................ 107
xii
4.3.5 Fluxo do consumo e provisão de uma cirurgia eletiva................... 109
4.4 Suprimentos no Copa D´Or................................................................... 114
4.4.1 Introdução...................................................................................... 114
4.4.2 Pressão pela redução de custos....................................................114
4.4.3 Consignação.................................................................................. 115
4.4.4 Projeto de Dispensário Eletrônico.................................................. 117
4.4.5 Melhoria contínua na farmácia....................................................... 118
4.5 A logística de suporte da Diagnósticos da América.............................. 121
4.5.1 Introdução...................................................................................... 121
4.5.2 Valores da empresa....................................................................... 121
4.5.3 Estratégia de marcas da DA.......................................................... 122
4.5.4 O papel da logística....................................................................... 123
4.5.5 Coleta Domiciliar............................................................................ 125
5 Análise dos Casos ..................................................................................... 127
5.1 Princípios da provisão enxuta............................................................... 127
5.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho........................................... 127
5.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor .............................. 128
5.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente............................ 130
5.1.4 Envolvimento do cliente................................................................. 131
5.1.5 Delegar poder aos empregados..................................................... 132
5.2 Princípios do consumo enxuto.............................................................. 133
5.2.1 Resolver o problema do cliente completamente............................ 133
5.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente .............................................. 135
5.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer ............................. 137
5.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer.............. 139
5.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente ...................
quando ele quer............................................................................. 140
5.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo .........................
e aborrecimento do cliente............................................................. 141
6 Conclusões e Recomendações ................................................................143
6.1 Conclusões ........................................................................................... 144
6.2 Recomendações................................................................................... 150
7 Referências Bibliográficas........................................................................ 152
Índice de Quadros....................................................................................... xiii
xiii
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1-1: Gasto per capita com saúde pública................................................ 11
Quadro 1-2: Gasto público com saúde e expectativa de vida .............................. 12
Quadro 2-1: Etapas do processo de consumo..................................................... 29
Quadro 2-2: Interdependência dos Princípios Lean.............................................44
Quadro 2-3: Serviços de saúde citados para ilustrar os princípios enxutos......... 46
Quadro 2-4: Melhoria de Eficiência no Virgínia Mason Medical Center ...............48
Quadro 2-5: Fonte de desperdício nos serviços de saúde...................................49
Quadro 2-6: Plano estratégico do Virginia Mason................................................ 55
Quadro 2-7: Iniciativas para implementar o "acesso-livre"................................... 61
Quadro 2-8: Suprimentos convencionais e suprimentos enxutos......................... 67
Quadro 2-9: Paralelo - Med. Baseada em Evidências e a Mentalidade Lean ...... 72
Quadro 3-1: Casos selecionados......................................................................... 79
Quadro 4-1: Evolução dos índices de amputação alta......................................... 87
Quadro 4-2: Nomograma de Fagan .....................................................................95
Quadro 4-3: Protocolo de Dor Torácica do Hospital Pró-Cardíaco....................... 99
Quadro 4-4: Cirurgia eletiva antes do redesenho dos processos....................... 110
Quadro 4-5: Cirurgia eletiva depois do redesenho dos processos..................... 112
Quadro 4-6: Portfólio de marcas da Diagnósticos da América........................... 123
Quadro 5-1: Processo de consumo para o tratamento do diabetes................... 134
1
1 Introdução
1.1 O problema
Como pólos iguais de dois ímãs se repelem, assim parecem se comportar
os termos eficiência e serviços de saúde. As ineficiências nos cuidados da saúde
se manifestam de diversos modos e evidenciam que suas operações, via de regra,
não estão estruturadas para pôr o paciente em primeiro lugar.
A situação do setor de saúde no Brasil tem sido descrita como caótica
1
ou
calamitosa
2
. Os problemas que denotam a falta de eficiência deste setor têm
freqüentado as manchetes dos jornais:
Longas filas de espera: “Paciente morre na fila de um posto de
saúde”; “Até um ano de espera” (O Globo, 3/05/2005)
Aumento desnecessário de exames: “A epidemia dos exames
médicos” (O Globo, 9/05/2005)
Má distribuição de responsabilidades entre gestores: “O abismo e
sua beira” (O Globo 28/10/05)
Má gestão da capacidade:Menos leitos nos hospitais – Oferta de
vagas do SUS no Estado cai 26% em dez anos, mas população
cresce 12%” (O Globo, 29/10/05); “Maternidade sem uso se
deteriora ao lado de outra superlotada” (O Globo, 23/11/05)
Dificuldades de acesso ao sistema de saúde: “A via-crúcis até o
hospital”, reportagem premiada (O Globo, 29/10/05)
Ineficiência no controle de estoques: “Faltam materiais e
medicamentos no Salgado Filho” (O Globo, 5/11/05), “Estoque zero
na principal emergência do Rio” (O Globo, 22/10/05)
1
Costa, Célia e Engelbrecht, Daniel. Saúde novamente à beira do caos. O Globo, Rio de Janeiro, 26 out.
2005.
2
Sales, Eugenio. Situação Calamitosa. O Globo, Rio de Janeiro, 12 nov. 2005.
2
Segundo Araújo (2005), o setor de saúde no Brasil está marcado por custos
crescentes na assistência juntamente com uma piora na qualidade dos serviços e
restrições crescentes no acesso aos serviços de saúde. O aumento dos custos por
si só não é negativo, uma vez que é desejável a incorporação de novas
tecnologias que melhorem o diagnóstico e tratamento dos problemas de saúde.
São as ineficiências denunciadas nas manchetes acima mencionadas e oriundas
dos desperdícios na gestão dos serviços de saúde que constituem um problema.
A ineficiência na saúde não é uma situação exclusivamente brasileira. Um
levantamento feito pelo governo norte-americano identificou uma série de indícios
de sub-uso, mau uso e uso em excesso dos serviços de saúde dos EUA para
ilustrar tais ineficiências (DHHS, 1998).
Sub-usos dos serviços: A sub-utilização dos serviços de saúde pode
conduzir a complicações adicionais, custos de tratamento mais altos e mortes
prematuras. Entre outros exemplos, o relatório cita que cerca de 80% dos
pacientes com ataque cardíaco não receberam tratamento com beta-bloqueadores
levando a cerca de 18.000 mortes desnecessárias; 60% dos diabéticos com mais
de 31 anos não fizeram o exame óptico recomendado no ano anterior, 30% das
mulheres entre 52 e 69 anos não tinham feito uma mamografia nos últimos 2 anos.
Mau uso dos serviços: erros na utilização dos serviços de saúde levam a
diagnósticos falhos ou tardios, maiores custos e mortes desnecessárias. Num
estudo dos hospitais do estado de Nova Iorque o relatório aponta que um em cada
25 pacientes foram lesados pelo tratamento médico que receberam e que estas
lesões redundaram em mortes em 13,6% dos casos.
Utilização em excesso dos serviços: serviços desnecessários
acrescentam custos em todo o sistema e também podem minar a saúde dos
pacientes. Metade dos pacientes com uma gripe comum foram tratados
desnecessariamente com antibióticos, o que anula a ação destes antibióticos em
tratamentos futuros encarecendo-os. 16% das histerectomias
3
realizadas nos EUA
foram consideradas desnecessárias.
3
Histerectomia: remoção do útero
3
O IOM
4
(2001) publicou um estudo sobre a qualidade dos serviços de
saúde nos EUA afirmando que as tentativas de entregar as tecnologias
disponíveis hoje com os atuais meios de produção médicos são, no campo da
saúde, o equivalente a produzir microprocessadores numa fábrica de aspirador de
pó. Afirma o estudo que “os custos de desperdício, baixa qualidade e ineficiência
são enormes”.
Os serviços de saúde, portanto, apresentam muitas fontes de ineficiência e
problemas de qualidade que constituem um verdadeiro desafio para os
promotores da saúde. Tais ineficiências têm chamado a atenção dos meios de
comunicação e requerem estudos para encontrar maneiras de superar estes
problemas.
1.2 Objetivo
Este estudo pretende verificar a possibilidade de inverter o ímã dos serviços
de saúde para que seja atraído em direção ao ímã da eficiência. Há uma maneira
de encarar as operações, nascida no ambiente industrial, que busca conciliar
simultaneamente qualidade e eficiência. Trata-se da mentalidade enxuta da qual
derivam uma série de princípios que norteiam as operações de uma organização.
O objetivo deste estudo é o de analisar a aplicabilidade dos princípios
enxutos no contexto dos serviços de saúde. Para isso, o estudo quer mostrar em
que medida esses princípios estão presentes nestes serviços, entender a
necessidade de adaptar os princípios levando em consideração as especificidades
deste setor e analisar seu potencial de contribuição para melhorar o atendimento
ao paciente em relação à qualidade e à eficiência.
4
O IOM (Institute of Medicine) é uma organização não-governamental dos EUA, associada ao National
Academy of Sciences, formada por um grupo de notáveis que tem como missão fornecer análises científicas e
sugestões de melhoria nos serviços de saúde.
4
1.3 A relevância do assunto
A relevância do assunto pode ser auferida pela contribuição que a
mentalidade enxuta tem dado às operações de inúmeras organizações nos mais
variados setores e pelos benefícios potenciais desta abordagem aos diversos
stakeholders dos serviços de saúde.
1.3.1 A contribuição do pensamento enxuto nas operações
Para atingir os níveis de qualidade e de custos exigidos pelos
consumidores, as empresas precisam olhar para suas operações, uma compilação
de processos que geram valor para o cliente sob a forma de um produto ou
serviço. Segundo Allway e Corbett (2002), é necessário olhar para as operações
das empresas para fazer frente aos desafios do ambiente que se encontram
presentes inclusive nos serviços de saúde:
expectativas crescentes do cliente. No caso da saúde, é o bem-estar
e em última análise a vida do paciente que está em jogo.
pressão por aumentar o faturamento. Nos EUA, por exemplo, a
Medicare reduziu os pagamentos aos hospitais em decorrência do
Balanced Budget Act. No Brasil, o SUS tem preço tabelado para
cada tipo de intervenção médica.
pressões competitivas. No setor de saúde, os centros especializados
(centros cardiovasculares, centros de tratamento de câncer, etc.)
apresentam uma vantagem em custo de 20% a 40% em relação aos
centros não especializados.
custos crescentes. Os hospitais enfrentam a necessidade de
incorporar novas tecnologias, comprar novos medicamentos que
implicam custos crescentes.
5
Os princípios enxutos aplicados nas operações têm dado uma resposta
mais que satisfatória a estes desafios de ambiente e têm introduzido, segundo
Bowen e Youngdahl (1998), um novo paradigma industrial.
Para Allway e Corbett (2002) a abordagem enxuta das operações tem
trazido resultados lendários em termos de excelência operacional e lucratividade.
Estes autores afirmam que na indústria automotiva e siderúrgica, as empresas
enxutas extraem o dobro da produtividade do espaço, estoque e equipamentos do
que as empresas tradicionais de produção em massa. Na indústria de
computadores, empresas enxutas apresentam um crescimento de vendas e um
retorno aos acionistas de 15 a 20 vezes superior que as empresas tradicionais.
Em termos operacionais, as empresas enxutas contabilizam melhorias de 35% a
50% na produtividade da mão-de-obra, requerem quase metade do tempo de
desenvolvimento de um produto (do conceito ao lançamento), baixam a um
décimo a taxa de rejeição de produtos por defeito e têm um tempo de
processamento de 80% a 90% mais eficiente.
1.3.2 O apelo da abordagem enxuta aos stakeholders dos serviços de saúde
A abordagem enxuta busca analisar as operações e verificar o fluxo de
atividades necessárias para atender o consumidor, identificando entre as
atividades aquelas que efetivamente geram valor para o consumidor daquelas que
não geram valor. Feita esta análise passa-se a questionar o porquê da existência
das atividades que não geram valor e como estas podem ser eliminadas. Este
procedimento sistemático e reiterativo aperfeiçoa continuamente as operações e
pode trazer benefícios para todos os stakeholders envolvidos. A seguir
apresentam-se os possíveis benefícios de uma abordagem enxuta para os
diferentes stakeholders dos serviços de saúde.
Os pacientes. Em primeiro lugar esta abordagem pode beneficiar o próprio
paciente, que é a razão de ser de todo o sistema (Araújo, 2005). Fácil acesso ao
médico, praticidade ao marcar uma consulta, tempos de espera reduzidos,
atendimento mais rápido devido à eliminação do excesso de movimentação do
6
paciente e da duplicidade de exames pedidos podem ser alguns dos resultados de
uma gestão enxuta dos serviços de saúde.
Os profissionais da saúde. Um processo de atendimento que gera
consumidores frustrados também gera insatisfação nos profissionais que os
atendem. É uma reivindicação do pessoal da saúde um exercício de sua profissão
mais rico, mais centrado e mais responsável (Latas e Robert, 2000). O tempo de
um neurocirurgião, por exemplo, que não é empregado em cirurgia constitui um
desperdício. O tempo do pessoal de saúde que não for empregado no
atendimento dos pacientes, idem (as enfermeiras precisam cuidar dos pacientes e
não do sistema). O esforço por eliminar estes desperdícios pode contribuir
positivamente para o enriquecimento do trabalho destes profissionais.
Os gestores dos hospitais. A diminuição do custo do desperdício aumenta
a produtividade e a rentabilidade dos serviços hospitalares. Um dos dilemas da
saúde é como fazer mais com os recursos disponíveis. O Brasil tem investido de
7% a 8% do PIB na saúde nos últimos anos. O gasto per capita em saúde tem
aumentado. Mas este aumento tem um limite. Como atender à demanda pelos
serviços de saúde dentro destes limites senão através da otimização dos serviços
e eliminação destes desperdícios? Um hospital enxuto pode fazer mais com cada
real gasto em saúde.
Os planos de saúde. Os planos de saúde ganham dinheiro recusando-se a
pagar por serviços ou restringindo aos assegurados o acesso a médicos e
hospitais (Porter e Teisberg, 2004). Os hospitais entram num braço de ferro com
os planos de saúde para que as despesas com os pacientes sejam pagas
integralmente. Predomina uma desconfiança mútua entre os hospitais e os planos
de saúde. Esta desconfiança gera custos que são desperdícios. Os planos de
saúde precisam, por exemplo, contratar médicos como auditores para conferir as
contas dos hospitais. Processos enxutos, mais transparentes, podem eliminar
estes desperdícios.
As empresas. Na maioria dos pacotes de benefícios oferecidos aos
funcionários está contido um plano de saúde corporativo. Tais custos acabam
corroendo as margens de lucro das empresas uma vez que a competição muitas
7
vezes determina o preço final do produto. Segundo uma estimativa do Deutsche
Bank Securities, o custo de cuidados com a saúde por empregado da General
Motors chegou a US$ 19,14 por hora em 2003, ao passo que a Toyota, recém
instalada nos EUA, e com um quinto de empregados, tem um custo de US$ 3,76
por hora por empregado (Panchak, 2003). Não é à-toa que na GM há um forte
movimento de disseminação de práticas enxutas aplicadas aos hospitais
conveniados. A tentativa de redução destes custos sem afetar a qualidade do
atendimento aos empregados é uma questão que envolve a própria
competitividade das empresas.
Vê-se que as conseqüências da aplicação de uma abordagem enxuta nos
hospitais podem trazer um forte apelo a todos seus stakeholders. O que se propõe
não é aplicar nos pacientes um conjunto de ferramentas e técnicas ótimas para a
produção de veículos. Trata-se de analisar a aplicabilidade dos princípios enxutos
nos serviços de saúde, levando-se em consideração as especificidades deste
setor (Hines et al., 2004). Trata-se de avaliar a saúde sob o prisma do
pensamento enxuto e verificar se esta abordagem é capaz de auxiliar a solução
dos problemas comuns enfrentados na operação dos serviços de saúde.
1.4 Delimitações
O problema da ineficiência do sistema de saúde brasileiro é complexo. Sua
solução passará por uma coordenação multidisciplinar de esforços envolvendo
inúmeras áreas. Sua solução passará pela mudança na forma de financiamento
do sistema, regulamentação dos seguros de saúde, estabelecimento de um marco
regulatório do setor para estimular a competição, profissionalização da gestão do
sistema, melhor utilização de sistemas de informação para coordenar as diferentes
esferas de atendimento, re-estruturação das operações dos serviços de saúde,
entre outros. Este estudo ficará delimitado na questão das operações, isto é, como
aumentar a eficiência e melhorar a qualidade através dos processos que suportam
suas operações.
8
1.5 Organização do Estudo
Este trabalho está estruturado em 6 capítulos. No primeiro, encontram-se o
problema, o objetivo do estudo, sua relevância, suas delimitações e uma
contextualização do estudo. O capítulo 2 é dedicado à revisão de literatura onde
se apresenta o conceito lean utilizado, a evolução da aplicação do conceito em
indústrias e em serviços, a descrição dos princípios enxutos e sua aplicação em
serviços de saúde e uma breve descrição de um novo paradigma da prática clínica
conhecido como medicina baseada em evidências.
O capítulo 3 descreve a metodologia utilizada, o porquê da escolha da
estratégia de estudo de caso, como os casos foram selecionados, como foram
feitas a coleta e tratamento dos dados e as limitações do método.
O capítulo 4 está dedicado à descrição dos casos. Cinco organizações
foram escolhidas para compor o estudo: o Projeto do Pé Diabético (da Prefeitura
do Rio de Janeiro), o Hospital Pró-Cardíaco, o Hospital Dr. Badim, o Hospital Copa
D´Or e a Diagnósticos da América.
O capítulo 5 analisa como cada um dos princípios enxutos descritos na
revisão de literatura se aplicam a estes casos. O capítulo 6 apresenta as
conclusões do trabalho e algumas recomendações para futuras pesquisas.
1.6 Contexto do Estudo
Esta pesquisa se desenvolve num contexto de escassez de material
bibliográfico: artigos, estudos de caso, livros. A difusão dos princípios enxutos
oriundos da manufatura no contexto dos serviços é recente. O artigo de Bowen e
Youngdahl (1998) pode ser considerado um marco ao defender a adoção destes
princípios nos serviços.
Dentre o amplo leque de serviços existentes, os serviços de saúde podem
ser considerados como a próxima fronteira da expansão dos princípios enxutos.
Embora o artigo de Bowen e Youngdahl (1998) traga um exemplo de um hospital
com características enxutas, a preocupação por pensar de maneira estruturada e
9
sistemática as operações dos serviços de saúde começa a se consolidar em 2006.
O Lean Enterprise Academy (LEA), uma organização sem fins lucrativos voltada
para o estudo e a difusão da mentalidade enxuta, organizou em janeiro de 2006 o
primeiro congresso sobre a aplicação de princípios lean em serviços de saúde
(Lean Healthcare Fórum). Com este congresso abriu-se uma frente de pesquisa
específica para este tema
5
cujos resultados sairão a seu tempo.
Dada a contemporaneidade do assunto, a dificuldade de se encontrar
literatura voltada para a realidade brasileira se acentua ainda mais. O Lean
Institute Brazil
6
é uma das organizações pioneiras no estudo da mentalidade
enxuta no Brasil. O pesquisador ao contatar este instituto foi encaminhado para o
Lean Enterprise Academy (LEA). Há uma defasagem natural para os resultados
das pesquisas do LEA chegarem ao Brasil. Enquanto isso, o desafio é encontrar
iniciativas que incorporem elementos da mentalidade enxuta nas operações.
Segundo Womack et al. (1992) a mentalidade enxuta reúne características
da produção em massa e da produção artesanal, conseguindo conciliar a
qualidade e flexibilidade desta com a eficiência e produtividade daquela.
Qualidade e eficiência têm sido tradicionalmente considerados como indicadores
de desempenho em conflito. Se pela escassez de material é difícil encontrar
exemplos de como conciliar qualidade e eficiência nos serviços de saúde há
estudos que tratam destes indicadores em separado. Estes estudos revelam o
contexto dos sistemas de saúde e sua necessidade de melhorar ambos os
indicadores simultaneamente tornando a utilização dos princípios enxutos uma
alternativa atraente.
No que diz respeito à qualidade dos serviços de saúde, Porter e Teisberg
(2004) indicam alguns sintomas da falta de qualidade no sistema de saúde
americano: a restrição a serviços médicos imposta pelo sistema, cuidados
dispensados a pacientes não conformes com procedimentos e padrões aceitos, a
lentidão na difusão de melhores práticas, a persistência de altas taxas de erros
médicos evitáveis.
5
Fonte: http://www.leanuk.org/pages/lean_healthcare.htm
6
Fonte: http://www.lean.org.br
10
Spear (2005) afirma que anualmente 185.000 pacientes americanos são
prejudicados por erros médicos evitáveis e destes 7.000 chegam a morrer. No
mesmo artigo, o autor cita um especialista em segurança nos serviços de saúde
que compara o risco de se entrar num hospital americano com o de pular de pára-
quedas de um prédio ou de uma ponte.
Considerando o setor de saúde no Brasil, Araújo (2005) afirma que dada a
dinâmica das relações entre os players do setor, os pacientes acabam sofrendo da
uma piora na qualidade dos serviços e uma crescente restrição de acesso aos
serviços de saúde. Além dos problemas de qualidade nos serviços, a dinâmica
das relações entre os players do setor afeta também a eficiência do sistema como
um todo.
Campos (2004) apresenta os potenciais conflitos de interesses entre os
players do sistema de saúde. Eventos que representam custos para a operadora
dos serviços de saúde representam receita para os prestadores de serviços de
saúde. Eventos que representam custos para os beneficiários, isto é, as
mensalidades do plano de saúde representam receita para as operadoras destes
planos de saúde. Tais conflitos levam na visão de Porter e Teisberg (2004) a um
jogo de soma zero e fomentam o pensamento individual em detrimento da
eficiência do sistema como um todo.
Wallace (2004) afirma que por mais diversificados que sejam os sistemas
nacionais de saúde um aspecto os assemelha: o grosso dos cuidados com a
saúde é pago por terceiros, sejam eles o governo ou as seguradoras privadas de
saúde. O fato do beneficiário do sistema de saúde ser diferente do pagador tira a
pressão pela eficiência nos gastos.
Uma análise comparativa dos gastos em saúde entre diferentes países
também permite uma avaliação da eficiência na utilização de recursos. Segundo
dados da Organização Mundial de Saúde, o governo brasileiro gasta por ano US$
280 per capita em saúde pública (World Health Report, 2005). Um relatório da
FIRJAN
7
(2006) compara o gasto com saúde das 60 maiores nações, observando
7
Série Quanto Custa? Nº 2/2005 – 03 de janeiro de 2006
11
que o Brasil ocupa a 35ª posição. Numa análise mais segmentada percebe-se que
o Brasil gasta mais do que a média dos países da América Latina e mais do que a
média dos países de renda média baixa, da qual o Brasil faz parte.
Quadro 1-1: Gasto per capita com saúde pública
País ou Países Valor em US$ *
Brasil 280
Média dos países da América Latina 261
Média dos países de renda média
baixa
142
Média mundial 806
* medido pelo conceito de paridade de poder de compra
Fonte: FIRJAN (2006)
Apesar de gastar mais, apresenta indicadores de saúde piores. O estudo da
FIRJAN (2006) apresenta três indicadores de saúde para comparar a eficiência do
gasto em saúde entre os países: mortalidade infantil, expectativa de vida,
expectativa de vida vivida em condições de saúde plena.
Mortalidade infantil. Dos 25 países com gasto per capita inferior ao
do Brasil, 60% deles (15 países) possuem uma taxa de mortalidade
inferior à brasileira.
Expectativa de vida. Dos 25 países com gasto per capita inferior ao
do Brasil, 50% deles (13 países) possuem uma expectativa de vida
ao nascer superior à brasileira.
A seguinte tabela apresenta dados sugestivos relacionando gasto público
com saúde e expectativa de vida.
12
Quadro 1-2: Gasto público com saúde e expectativa de vida
País Gasto Público com
Saúde (US$)
Expectativa de vida ao
nascer (anos)
Brasil 280 68,9
Tunísia 207 71,6
Peru 113 69,7
Vientã 43 69,9
Fonte: FIRJAN (2006)
Expectativa de vida em condições de plena saúde. No Brasil,
87% da expectativa de vida se dá em condições de saúde plena. A
média da expectativa de vida em plenas condições de saúde para os
25 países com gasto per capita inferior ao do Brasil e de 88,2%.
Algo semelhante ocorre com os EUA em comparação com os países
desenvolvidos. Os EUA são o país que mais gasta em saúde. Segundo Ferraz
(2005)
8
os EUA investiram 15,3% do PIB em saúde no ano de 2004. Dados da
OECD (2004) mostram que os EUA possuem uma expectativa de vida menor do
que outros países desenvolvidos com gastos mais modestos
9
.
Estes dados demonstram como o simples aumento de investimento em
saúde não garante melhoria na qualidade do serviço prestado. Para Ferraz (2005),
no contexto dos serviços de saúde no Brasil, “um aumento dos recursos para a
saúde pode até não ser considerado um bom investimento, se levarmos em conta
8
Marcos Bosi Ferraz (Gazeta Mercantil, 6/07/05), Professor da Unifesp e vice-presidente do Conselho de
Administração do Fleury-Medicina Diagnóstica.
9
Não há uma relação unívoca entre o gasto com saúde e a expectativa de vida da população. Wallace (2004)
afirma que só um quinto dos ganhos na expectativa de vida da população inglesa e americana é atribuível aos
cuidados com a saúde. Também são fatores importantes a nutrição, o saneamento, a higiene e as condições de
moradia. No entanto, estas análises comparativas levantam dúvidas quanto à eficiência na aplicação dos
recursos.
13
a ineficiência técnica, produtiva e alocativa atualmente observada em nosso
sistema de saúde!”
A solução, portanto, passa pelo aumento na eficiência na utilização destes
recursos. Eficiência significa fazer mais com os mesmos recursos, eliminando
desperdícios. O desafio é conseguir ganhos de eficiência sem afetar a qualidade
dos serviços de saúde, conciliar qualidade e eficiência. A mentalidade enxuta
parece oferecer um caminho para atingir este objetivo. Este é o enfoque deste
estudo.
14
2 Revisão de literatura
O objetivo deste capítulo é introduzir e desenvolver o ferramental teórico a
ser utilizado no levantamento e na análise dos casos. Em primeiro lugar, levando
em conta as múltiplas interpretações possíveis do conceito enxuto, será
apresentada a conceituação utilizada neste trabalho. Em segundo lugar, para
melhor compreensão do conceito, será feita uma análise da evolução histórica da
aplicação deste conceito na indústria e nos serviços. Em seguida, serão
apresentados os princípios derivados do conceito enxuto tanto do ponto de vista
de quem provê o bem ou o serviço como do ponto de vista de quem o consome.
Por fim, buscar-se-á ilustrar aplicações de cada um dos princípios nos serviços de
saúde.
2.1 O conceito lean
10
Segundo Womack et al. (1992) o termo produção enxuta (lean production)
foi cunhado por Krafcik durante uma discussão em que se comparavam sistemas
produtivos automotivos. Krafcik foi integrante do International Motor Vehicle
Program (IMVP), um projeto de pesquisa do MIT que buscava entender as
diferenças na produtividade entre diversos sistemas de produção de veículos. Ao
listar as diferenças entre o sistema de produção da Toyota e o sistema tradicional
de produção em massa é que surgiu o qualificativo enxuto para descrever o
sistema da Toyota. Isto porque tal sistema:
requeria menos esforço humano para desenhar e produzir os
produtos;
necessitava de menos investimento por unidade de capacidade
produtiva;
10
As palavras lean (no inglês) e enxuto (em português) serão utilizadas de maneira intercambiável neste
trabalho.
15
utilizava menos fornecedores;
tinha fluxos do conceito do produto ao seu lançamento, do pedido à
entrega, do problema ao reparo mais rápidos;
precisava de menos peças em estoque em cada etapa do processo
produtivo;
resultava numa produção com menos defeitos;
causava menos acidentes de trabalho.
Krafcik (1988) anuncia o triunfo do sistema de produção enxuta sobre o
sistema tradicional de produção em massa. Com os resultados do IMVP, Womack
et al. (1990) publicam o livro “A Máquina que Mudou o Mundo” que popularizou o
conceito ao buscar entender e sistematizar a lógica por trás das operações da
Toyota. Portanto, o termo “lean” – enxuto – nasce como um adjetivo que qualifica
o tipo de operação de uma empresa.
Na literatura, o termo lean aparece associado à produção ou a serviço
conforme o tipo de operação (lean production, ver Krafcik, 1988; lean service, ver
Bowen e Youngdahl, 1998), à filosofia de gestão dos processos numa empresa
(lean thinking, ver Hines et al., 2004), à empresa resultante desta filosofia (lean
enterprise, ver Womack e Jones, 1994), à solução para os problemas típicos que
envolvem a produção, distribuição, manutenção, atualização e descarte de bens e
serviços (lean solutions, ver Womack e Jones, 2005).
Segundo Hines et al. (2004) o conceito lean sofreu evolução ao longo do
tempo. Com o tempo e a difusão do conceito, a palavra foi ganhando cada vez
mais peso, sua carga conotativa se amplia paulatinamente a ponto de se
substantivar: lean deixa de ser um simples adjetivo para assumir um caráter
substantivo.
Assim como do adjetivo belo deriva o substantivo beleza e os estudiosos
debatem sobre os critérios que definem a essência da beleza numa obra de arte,
do adjetivo lean deriva um substantivo leanness ou simplesmente lean e os
acadêmicos também debatem sobre a essência do lean.
16
Soriano-Meier e Forrester (2002) apresentaram um modelo para avaliar o
grau de “leanness” de empresas de manufatura. Slack et al. (1996) e Womack
(2004b) descrevem diferentes conotações do substantivo lean: metas (de alta
qualidade, baixo custos, lead-times mais curtos); métodos (do tipo just-in-time),
ferramentas específicas (kanban, poka-yoke); fundamentos (trabalho padronizado,
balanceamento da carga de trabalho, estabilidade de processo).
Num documento lançado pelo National Health Service
11
da Grã-Bretanha
para auxiliar a incorporação de conceitos enxutos nos serviços de saúde, “lean
aparece como substantivo: Lean is not a toolbox. It is a way of thinking about
work
12
. Lean seria uma mentalidade com a qual se encara o próprio trabalho.
O conceito de lean adotado neste trabalho coincide com o adotado por
Womack (2004b), pioneiro na sistematização do estudo deste tema e um dos
responsáveis pelo IMVP.
Lean significa:
Começar pelo cliente (Liker, 2004).
Fornecer valor ao cliente (Hines et al., 2004): o produto ou serviço
certo, no tempo certo, no preço certo com qualidade perfeita.
Valor, que é sempre o resultado de um processo, isto é, um
ordenamento específico de atividades com começo, fim, entradas,
saídas e responsáveis claramente definidos pelos quais é possível
medir o tempo, o custo, a qualidade e a satisfação do consumidor
(Davenport, 1993).
Maximizar o valor de um processo, eliminando constantemente as
etapas do processo que geram desperdícios (Shingo, 1996).
Atingir o desperdício zero, através da criação de um processo
capaz (que produz um bom resultado a cada execução), disponível
11
O National Health Service do Reino Unido (NHS) seria o equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil.
12
NHS Lean Implementation handbook draft, 15 de janeiro de 2006. Ray Foley [email protected]
17
(produz o resultado esperado a cada execução), adequado (que
não causa atrasos), flexível em que cada etapa flui rapidamente de
uma a outra puxada pelo cliente (IHI, 2005).
Almejar um processo perfeito, que satisfaça perfeitamente o desejo
de valor do cliente sem desperdício algum (Womack e Jones,
1996).
A partir desta carga conotativa associada ao conceito enxuto é possível
desmembrar uma série de princípios que norteiam a aplicação do conceito às
diversas operações. Antes de entrar na descrição destes princípios enxutos e sua
possível aplicação nos serviços de saúde será feita uma breve descrição da
evolução da aplicação do conceito lean para entender como é possível pensar
num chão de fábrica e numa unidade de emergência de um hospital sob a mesma
óptica.
2.2 Evolução da aplicação do conceito lean
Hines et al. (2004) num estudo sobre a história contemporânea do
pensamento enxuto traçam a origem da aplicação do conceito lean ao chão de
fábrica de montadoras japonesas no começo da segunda metade do século XX.
No entanto, muitos elementos que compõem este conceito já apareceram muito
antes. A preocupação pelo resgate da história da gênese e aplicação deste
conceito na produção de bens é recente. Womack (2004c) faz uma breve
varredura pelos processos industriais ao longo da história em busca de indícios
que constituiriam os primórdios da mentalidade enxuta. Entre muitos outros
exemplos, cita a indústria de galés de Veneza no início do século XII.
O Arsenal de Veneza foi estabelecido no ano 1104 para construir navios de
guerra para a cidade. Segundo Womack (2004c), os venezianos adotaram um
modelo padronizado para construção dos navios utilizando peças intercambiáveis.
Isto permitiu criar uma linha de montagem de galés ao longo de um estreito canal
18
que passava pela fábrica. O casco do navio era produzido em primeiro lugar e,
literalmente, fluía através do canal passando pelas diferentes etapas de
montagem necessárias para completar o navio. Em 1574 as práticas do Arsenal
eram tão avançadas que o rei Henrique III da França foi convidado para assistir à
montagem completa de uma galé do começo ao fim - em menos de uma hora -
num processo de fluxo contínuo.
Assim como o fluxo contínuo, modelo padronizado e peças intercambiáveis
na produção das galés venezianas, outras indústrias já apresentavam elementos
que seriam constituintes do conceito lean. A utilização de um lay-out celular para
produção de rifles com fluxo unitário de peças era uma realidade nos EUA em
1822. No final da década de 1930 os alemães já utilizavam a idéia de “takt time”
na indústria aeronáutica. As aeronaves eram movidas através das etapas de
montagem de maneira sincronizada obedecendo a um ritmo preciso.
O que um exame histórico mais detalhado revelaria seria a utilização de
elementos lean em diversas indústrias e em diversas culturas o que se pode
interpretar numa visão de processos como a história da criação de valor.
Mantendo-se uma análise da aplicação contemporânea do conceito lean,
isto é, a partir do século XX, como fazem Hines et al. (2004), percebe-se que a
aplicação do conceito evoluiu e como estes mesmos autores afirmam continuará a
evoluir ao longo do tempo. Tal evolução se explica pelo próprio conceito lean. Um
conceito que traz em si a meta de alcançar um processo perfeito tende a não ficar
restrito numa área específica da empresa. Um processo por definição abrange
inúmeros departamentos, envolve pessoas de funções organizativas diferentes.
Pode-se iniciar a aplicação deste conceito no chão de fábrica, por exemplo, mas
dadas as sucessivas interações entre os diversos departamentos há potencial
para sua expansão.
Segundo Womack (2005), não há dúvida que a aplicação do conceito lean
nasceu na fábrica. Isto se explica pelo fato de que um processo (um conjunto de
ações desenhadas para criar valor a um cliente e executadas corretamente numa
seqüência certa no tempo certo) é mais fácil de ser visualizado quando matérias-
primas estão sendo fisicamente transformadas em produtos. No entanto, um
19
processo completo de ponta a ponta envolve inúmeros fluxos (de materiais, de
informação, de dinheiro), inúmeras funções e inúmeros departamentos. A busca
de um processo perfeito não pode se restringir a uma pequena parcela dele.
O chão de fábrica de uma montadora de veículos, por exemplo, é
responsável pela montagem, que é apenas parte do processo necessário para
solucionar um problema de mobilidade do cliente. Por mais otimizado que seja o
processo de montagem em si, há inúmeros processos ligados ao planejamento e
fornecimento de peças que suportam a montagem bem como outros processos
ligados à distribuição, venda e financiamento do veículo, potencialmente
carregados de desperdícios, contendo atividades que não contribuem para uma
efetiva geração de valor ao cliente. Daí se entende a progressiva expansão da
aplicação dos princípios enxutos na Toyota. Segundo Hines et al. (2004) na
década de 1950 a Toyota buscou aplicar estes princípios na fábrica de motores,
na década de 1960 para todo o chão de fábrica, na década de 1970 a aplicação
dos princípios se expande para outros processos da cadeia de fornecimento. A
partir deste momento outras organizações parceiras da Toyota, os fornecedores,
são envolvidos. Além de repensarem suas operações de chão de fábrica para
atender a Toyota, os fornecedores participam do processo de desenvolvimento de
produto, que também incorpora os princípios enxutos.
A partir dos resultados da aplicação deste conceito na indústria
automobilística surge um movimento de emulação nas indústrias ocidentais em
vários setores. Womack e Jones (1996) contribuem com esta expansão ao
sistematizar os princípios enxutos. Os autores fazem questão de frisar que os
aspectos culturais, as barreiras comerciais, a conjuntura macroeconômica que
inclui taxas de câmbio e níveis de poupança são fatores secundários para a
aplicação destes princípios. A apresentação de “transplantes” bem sucedidos
destes princípios para outras culturas e outras indústrias amplia o interesse no
potencial de aplicação de conceitos lean, não só em ambientes de manufatura
como também em serviços.
Duclos et al. (1995) percebem que até a metade da década de 90 as
principais revistas de pesquisa acadêmica em operações, ao tratar de princípios
20
enxutos e suas ferramentas, referem-se ao ambiente de manufatura. No entanto,
apontam como evidência do interesse nos princípios lean em serviços a
proliferação de artigos que tratam do assunto em revistas de pesquisa aplicada.
Bowen e Youngdahl (1998) fazem uma defesa da utilização de princípios lean
adotados na manufatura como meio de superar as ineficiências do setor de
serviços.
Womack e Jones (2005a) apontam que apesar da melhora na oferta de
bens e serviços em termos de qualidade, preço e abrangência de canais, o
processo de consumo por parte do cliente apresenta-se freqüentemente como
uma experiência frustrante: o computador recém comprado que é incompatível
com a impressora, o atendimento insatisfatório dos serviços de atendimento ao
consumidor, a falta daquele produto desejado numa mega-loja com milhares de
produtos em estoque, a incapacidade de se receber uma data confiável para a
realização de um serviço de manutenção ou conserto, etc.. A frustração se explica
pelo fato de que do ponto de vista do cliente – ponto de partida do conceito lean -
o processo necessário para se consumir um bem ou serviço está impregnado de
desperdício, envolvendo etapas e atividades que não geram valor para o cliente.
Segundo estes autores a aplicação dos princípios de produção enxuta nos
processos que denominam de provisão de bens e serviços exige uma
contrapartida no processo de consumo, a próxima fronteira de expansão do
conceito.
Womack e Jones (2005) propõem uma releitura dos princípios enxutos sob
a óptica do consumidor, do processo de consumo. Tal releitura é particularmente
interessante para a extensão do conceito no âmbito dos serviços uma vez que a
prestação de serviços exige, conforme aponta Schneider et al. (2003), uma maior
presença/participação do consumidor.
Consumo não é entendido aqui como o ato instantâneo de aquisição de um
bem ou serviço. Womack e Jones (2005) entendem o consumo como um processo
contínuo orientado para a solução de um problema. Isso envolve a busca, a
obtenção, a instalação, a manutenção, o conserto, a atualização e o possível
descarte do bem ou serviço. Todas estas etapas envolvem tempo e esforço do
21
consumidor que, se não contribuem diretamente para a solução do problema, são
fontes de frustração.
Para Womack e Jones (2005) no decorrer da história econômica os
consumidores têm comprado uma variedade cada vez mais ampla de bens e
serviços cada vez mais sofisticados. O trabalho que recai sobre o consumidor
médio é o de entrelaçar um conjunto de bens mais serviços de uma base de oferta
em contínua expansão para resolver seu problema. É a expansão constante da
oferta de bens e serviços combinado com manutenção do tempo disponível do
consumidor que ameaça sobrecarregar os próprios consumidores com muitas
decisões e pouco tempo. A realidade da escassez de tempo continuará mesmo
que o conceito lean seja aplicado em cada processo de consumo. A última
fronteira de aplicação do conceito lean segundo Womack e Jones (2005) seria o
desenvolvimento de soluções lean, consumidores e provedores trabalhando para
resolver os problemas básicos através de uma combinação de bens e serviços
oferecidos por um integrador. Estes autores acreditam que os principais
problemas cotidianos com os quais os consumidores se deparam podem ser
reduzidos a algumas poucas categorias: moradia, mobilidade, gestão financeira,
comunicação, logística pessoal
13
e saúde. É possível verificar na literatura o
interesse pela aplicabilidade do conceito lean em cada uma dessas categorias.
Construção civil
14
. Garnett et al. (1998) apresentam os resultados de uma
força tarefa empreendida no Reino Unido (UK Construction Industry Task Force)
para verificar a aplicabilidade dos princípios lean descritos por Womack e Jones
(1996) no setor de construção civil. Ferro (2005) descreve como o Aeroporto
Internacional de Chubu no Japão pode ser considerado um exemplo de um projeto
de construção civil enxuto.
Mobilidade. O setor automotivo é o berço contemporâneo da aplicação do
conceito lean. Womack e Jones (2005a) descrevem o funcionamento de uma
13
Por logística pessoal, Womack e Jones (2005) entendam o conjunto de bens e serviços que satisfazem as
necessidades prosaicas cotidianas dos consumidores, incluindo as compras de supermercado, serviços de
lavanderia, material de escritório, etc.. Esta categoria envolve o conjunto de processos de consumo que não
podem ser classificados como prazerosos e que se fazem por necessidade e não por lazer.
14
Neste tópico estão inseridas as soluções para moradia dos consumidores individuais.
22
oficina enxuta de manutenção e conserto de veículos. Bowen e Youngdahl (1998)
apresentam a Southwest Airlines como exemplo bem-sucedido de uma
abordagem enxuta em suas operações. Figueiredo et al. (2003) mostram a
aplicação de princípios lean em duas companhias aéreas uma brasileira e outra
européia.
Gestão financeira. Allway e Corbett (2002) propõem um modelo de 5 fases
para a transformação de uma empresa de serviço num serviço enxuto. Em seu
artigo descrevem como uma seguradora foi capaz de incorporar em suas
operações elementos lean utilizados na manufatura. Swank (2003) apresenta
resultados mensuráveis da transformação de uma seguradora enxuta: redução em
70% do tempo entre uma requisição de seguro e a emissão da apólice, redução
em 26% dos custos de mão-de-obra e redução em 40% das re-emissões devido a
erros. Süffert (2004) demonstra a aplicabilidade de princípios enxutos na operação
de um banco e apresenta uma série de iniciativas em funcionamento num grande
banco brasileiro.
Comunicação. Arbós (2002) descreve a implementação de um processo
enxuto de instalação e provisão de acesso a serviços de banda larga via rádio.
Aplicando elementos do conceito lean como flexibilidade, trabalhadores multi-
funcionais e balanceamento da produção o processo é reduzido de 17 a 5 dias.
Varejo. Jones (2006) explica como a Tesco, uma rede de supermercados
do Reino Unido com operações enxutas, desafia sua concorrente Wal-Mart (5
vezes maior do que a Tesco) a ponto desta pedir proteção ao governo britânico. A
Tesco oferece seus produtos a um mesmo preço através de uma ampla gama de
canais (lojas de conveniência, supermercados, hipermercados, loja eletrônica). A
eficiência é obtida pela negociação centralizada das compras para toda a rede e
não por canal de venda. Através de um cartão de fidelidade a Tesco consegue
posicionar melhor os produtos em cada canal. Elimina-se assim o trade-off entre
tempo e custo oferecendo ao cliente maior valor, isto é, maior conveniência.
Saúde. Bowen e Youngdahl (1998) são um dos primeiros autores a
enxergar a operação de um hospital sob a óptica dos princípios enxutos trazendo
o exemplo do Shouldice Hospital do Canadá, que será discutido mais adiante.
23
Allway e Corbett (2002) comparam medidas tradicionais de produtividade no setor
de saúde com medidas mais relevantes que deveriam ser adotadas com uma
abordagem enxuta. Spear (2005) apresenta casos práticos da aplicação dos
conceitos lean em hospitais. Outros autores e exemplos serão abordados no item
2.4
A ligação que existe entre cada uma das categorias descritas, o elemento
comum que existe entre o chão de fábrica e um hospital, o que permite a
aplicabilidade universal do conceito lean é a consideração de qualquer
organização como um conjunto de processos [ver Duclos et al. (1995), Allway e
Corbett (2002), Arbós (2002), Womack e Jones (2005)]. Dado que o objeto próprio
do conceito lean é a maximização do valor para o cliente através de um processo
eficiente e sem desperdícios, entende-se sua ampla e progressiva expansão
dentro de uma organização, para indústrias diferentes, para serviços diferentes,
em culturas diferentes.
Sob esta óptica de maximizar o valor para o cliente através de processos
eficientes é possível extrair alguns princípios genéricos que serão apresentados a
seguir.
2.3 Princípios lean
Segundo Womack (2004b) a geração de valor é sempre o resultado final de
um ou mais processos. A geração de valor para o cliente se dá através da
combinação de dois processos: o da provisão e o do consumo. O processo de
provisão disponibiliza o bem ou serviço ao consumidor, o processo de consumo
corresponde ao conjunto de etapas que o cliente deve percorrer para resolver seu
problema. A perspectiva lean procura desenhar ambos os processos para gerar
valor ao cliente (Hines et al., 2004) e eliminar constantemente seus desperdícios
(Shingo, 1996).
24
Esta sessão fará uma descrição dos princípios lean do processo de
provisão reunidos por Figueiredo et al. (2003) e, em seguida, descreverá os
princípios lean do processo de consumo baseados em Womack e Jones (2005).
2.3.1 Princípios da provisão enxuta
Duclos et al. (1995), Womack e Jones (1996), Bowen e Youngdahl (1998),
Liker (2004) fazem uma tentativa de sistematizar os princípios de provisão de bens
e serviços que devem nortear qualquer operação enxuta. Neste estudo será
utilizada como base de análise dos casos a compilação destes princípios realizada
por Figueiredo et al. (2003).
2.3.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho
Segundo Bowen e Youngdahl (1998) operações enxutas conseguem
reduzir os trade-offs de desempenho entre eficiência e flexibilidade ao combinar a
eficiência da produção em massa com a flexibilidade da produção artesanal. O
exemplo da Toyota ajuda a entender como isto é possível.
Womack e Jones (1990) descrevem como o ambiente de negócios da
Toyota diferia significativamente daquele vivido pela Ford e GM logo após a
Segunda Guerra Mundial. A Ford e a GM estavam inseridas num mercado de
demanda reprimida que procuravam atender com a produção em massa, tomando
partido das economias de escala, com grandes máquinas produzindo o maior
número de peças possível ao menor custo. Já o mercado japonês pós-guerra era
pequeno demandando uma grande variedade de veículos. Por falta de escala,
todos os veículos precisavam ser produzidos na mesma linha de montagem. Estas
condições ambientais forçaram a Toyota a ser flexível.
Para Liker (2004), a exigência de flexibilidade levou a descoberta de que a
redução dos lead times dos processos aliada às linhas de produção flexíveis
resultam numa maior qualidade, melhor produtividade, melhor utilização do
25
espaço e de equipamentos bem como a uma melhor capacidade de resposta à
demanda.
2.3.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor
Shingo (1996) assinala como característica principal do sistema de
produção da Toyota a busca por eliminar desperdícios. Para enfatizar este
princípio compara as operações enxutas da Toyota com um sistema capaz de
extrair água torcendo uma toalha seca. Trata-se de uma mentalidade de procurar
sistematicamente por desperdícios que normalmente passam despercebidos pois
se tornaram aceitos como parte natural do trabalho diário.
Como afirmam Figueiredo et al. (2003), este princípio requer conhecer o
que significa valor para o cliente, potenciar as atividades que contribuem com a
geração de valor e, ao mesmo tempo, considerar como desperdício as atividades
que não geram valor. Segundo Liker (2004), 90% das atividades que compõem
um processo constituem desperdício do ponto de vista do cliente. A mentalidade
lean implica buscar continuamente maneiras de eliminar ou minimizar as etapas
que constituem desperdícios. Os empregados são capacitados para melhorar
continuamente os processos nos quais trabalham, conforme aponta Spear (2005).
Os processos são padronizados para evitar ambigüidades e possibilidade de
improviso. A cada melhoria estabelece-se um novo padrão de processo.
2.3.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente
Womack e Jones (1996) explicam que uma vez eliminadas as atividades
que não agregam valor, a provisão enxuta buscará fazer com que a informação, o
serviço ou o produto sejam trabalhados do começo ao fim do processo num fluxo
contínuo, isto é, percorrendo cada etapa do processo sem esperas de qualquer
tipo.
26
Para Liker (2004), o estabelecimento de um fluxo contínuo está no cerne da
mensagem de que encurtar o tempo entre a matéria-prima e o produto final (ou
serviço final) levará a uma melhor qualidade e a um menor custo. A imagem
clássica que ilustra bem o princípio é o da redução do nível de água (estoque) de
um lago expondo as rochas (os problemas). É a criação do fluxo contínuo que
reduz o nível da água e expõe as ineficiências do processo, exigindo correção
imediata. Aumenta-se, portanto, a visibilidade dos problemas de qualidade tanto
do produto como do processo.
Segundo Bowen e Youngdahl (1998), estabelecer um fluxo contínuo requer
abandonar a noção de produção por grandes lotes para atingir ganhos de escala.
Não se produz antecipadamente para garantir 100% de utilização dos recursos. A
produção ou o serviço são iniciados sob demanda, são puxados pelo cliente.
Desta forma reduzem-se os desperdícios do estoque em processo.
2.3.1.4 Envolvimento do cliente
Figueiredo et al. (2003) afirmam que este princípio contempla a relação com
o cliente e uma efetiva participação deste em vários processos. Liker (2004)
descreve a importância de envolver os clientes no processo de desenvolvimento
de produtos na mentalidade lean. Bowen e Youngdahl (1998) assinalam que
empresas enxutas também envolvem seus clientes no processo de entrega dos
produtos.
Duclos et al. (1995) lembram que na óptica lean todos os componentes
utilizados para produzir um bem ou serviço devem ser visíveis para os que
participam do processo. Isto permite aos participantes aprender, controlar e
melhorar o próprio processo. No âmbito de serviço, em que o cliente participa
diretamente do processo de transformação, quanto maior a integração entre o
provedor e o consumidor do serviço mais fácil é a percepção daquilo que o cliente
efetivamente considera como valor.
27
2.3.1.5 Delegar poder aos empregados
Para Bowen e Youngdahl (1998) a delegação de poder aos empregado é
particularmente necessária num sistema de provisão enxuto devido às reduções
do estoque em processo e à responsabilidade atribuída aos empregados pela
qualidade do produto ou serviço. As ineficiências do sistema ficam descobertas e
a responsabilidade por resolver os problemas e tomar decisões desloca-se do
supervisor ou gerente de qualidade para o empregado de linha de frente. Os
problemas que surgem param as operações e precisam ser resolvidos
imediatamente pela equipe diretamente envolvida. Daí a necessidade de investir
na formação dos empregados.
Delegar ao empregado não significa deixá-lo à vontade para realizar cada
atividade conforme lhe parecer melhor. Os processos e cada uma de suas etapas
são padronizados. O atual desenho do processo corresponde ao estado da arte
daquele processo naquela organização. Desvios ao processo não são tolerados.
No entanto, os empregados têm poder para propor melhorias e redesenhar o
processo.
Segundo Spear e Bowen (1998) a aderência à padronização força os
empregados a testar duas hipóteses: primeiro, que o empregado é capaz de
realizar a atividade corretamente e segundo, que realizar a atividade leva ao
resultado esperado. Qualquer desvio significa ou que o empregado precisa de
treinamento ou que a atividade precisa ser redesenhada. Spear (2005) afirma que
numa operação enxuta os empregados são encorajados a questionar o desenho
atual do processo e propor experimentos para aperfeiçoá-lo.
2.3.2 Princípios do consumo enxuto
Desenhar os processos de provisão de bens e serviço baseados nos
princípios lean descritos até aqui corresponde apenas a primeira parte da
equação. Para o cliente se beneficiar do valor que o bem ou o serviço oferece é
necessário consumi-lo. Desenhar os processos de consumo de forma a gerar
28
valor e minimizar os desperdícios do ponto de visto do cliente, ou seja, o consumo
enxuto, é a contrapartida necessária à provisão enxuta.
Desenhar os processos de consumo na perspectiva lean implica perguntar:
o que o cliente quer? Segundo Womack e Jones (2005) o cliente quer: uma
solução completa para seu problema, não desperdiçar seu tempo, a
disponibilidade do bem ou serviço, conveniência tanto espacial como temporal e
soluções integradas. São esses elementos que geram valor para o cliente e deles
derivam os princípios lean do processo de consumo. Segue a descrição destes
princípios.
2.3.2.1 Resolver o problema do cliente completamente
Segundo Blackwell et al. (2001) os consumidores compram coisas quando
acreditam que a habilidade do produto em solucionar problemas vale mais que o
custo de comprá-lo. Bens e serviços são consumidos para resolver problemas.
Para que um consumidor possa resolver seu problema terá que percorrer um
processo que Blackwell et al. (2001) denominam o processo de decisão do
consumo
15
e Desjeux (2003), o itinerário de consumo
16
.
Womack e Jones (2005a) também adotam uma visão do consumo como um
processo, não restringindo a obtenção de um bem ou serviço a uma transação
única. Ao buscar a solução de um problema, o cliente se engaja num processo de
consumo que se estende ao longo do tempo e envolve uma série de etapas:
pesquisar, adquirir, instalar, integrar, manter e descartar ou reciclar o bem ou
serviço. Em qualquer uma destas etapas pode ocorrer uma falha
17
e qualquer
falha gera frustração. O primeiro princípio do consumo enxuto implica enxergar o
consumo como um processo, identificando suas diversas etapas, as possíveis
15
Para Blackwell et al. (2001) as etapas do processo de decisão do consumidor incluem: o reconhecimento da
necessidade, a busca de informações, a avaliação de alternativas pré-compra, a compra, o consumo, a
avaliação pós-consumo e o descarte.
16
O itinerário de consumo busca entender o fenômeno do consumo em perspectiva sistêmica tendo como
ponto de partida e chegada o espaço doméstico abrangendo a tomada de decisão, a compra, o local da compra.
17
Womack e Jones (2005) as denominam como falhas de consumo (consumption failures).
29
falhas que podem ocorrer e, como indica Spear (2005), introduzindo mecanismos
para eliminá-las pela raiz.
Quadro 2-1: Etapas do processo de consumo
Pesquisar Descartar
Adquirir Instalar Integrar Manter
Na etapa de pesquisa, pode-se dar o paradoxo da informação: a
proliferação de fontes de informação é tão grande, a disponibilidade de informação
a baixo custo é tão abundante que o cliente se perde e não encontra exatamente
aquilo que precisava. Mesmo que encontre um produto ou serviço, o cliente pode
se perder numa miríade de possibilidades e especificações técnicas. Por falta de
um aconselhamento especializado, o cliente se contenta com uma solução sub-
ótima. Kahneman (1991) descreve como o conceito de racionalidade limitada
ajuda a explicar o processo de tomada de decisão. As restrições de tempo e custo
limitam a quantidade e a qualidade de informações levadas em consideração na
decisão. Estas limitações somadas às limitações de inteligência, de memória e de
percepção sugerem que os indivíduos abrem mão da melhor solução para se
contentar com uma solução simplesmente aceitável
18
.
Womack e Jones (2005) enumeram algumas falhas que podem ocorrer nas
diversas etapas do processo de consumo. Uma vez que o cliente tenha
pesquisado e identificado o produto desejado terá que percorrer uma etapa muitas
vezes demorada e desgastante (em que os prazos de entrega raramente são
18
Abrir mão da melhor solução para se contentar com uma sub-ótima tem uma expressão própria em inglês:
to satisfice.
30
cumpridos) para completar a aquisição do bem. No momento da entrega inicia-se
a etapa de instalação do bem, muitas vezes um item isolado, que precisa ser
integrado com outros produtos. É comum que se descubra só nesse momento a
necessidade de uma combinação com outros produtos.
Instalado o produto e em funcionamento o cliente pode encontrar uma falha
no serviço de apoio. Nesta etapa entram em cena as centrais de atendimento ao
consumidor que raramente oferecem uma experiência gratificante. O serviço de
manutenção que pode ser acionado a partir da detecção de algum defeito no
produto ou serviço também tem possibilidade de manifestar falhas (demoras no
atendimento, o técnico trouxe a peça errada, etc.),
Com o passar do tempo o produto precisa ser atualizado, o que pode
implicar um processo mais oneroso e mais longo do que previsto, com o risco do
serviço não ser bem feito. Basta pensar na troca do piso de um apartamento que
ao ser realizado exigirá a pintura da parede, a troca do rodapé, a remoção do
entulho; ou então as atualizações de software que vão requerer um re-trabalho de
programação para os sistemas antigos conversarem com a nova versão.
Ao percorrer as etapas do processo de consumo, o cliente não adquire
simplesmente um produto ou serviço, o que procura é uma solução completa para
seu problema. A questão é como as empresas encaram este processo e como se
estruturam para resolver as falhas que podem ocorrer ao longo dele.
Uma abordagem tradicional é, por um lado, delegar ao máximo para o
consumidor a responsabilidade por cada etapa do processo de consumo –
pesquisa, acompanhamento da entrega do pedido, instalação, integração,
atualização e descarte. Por outro lado, onde não é possível eximir-se da
responsabilidade, desenvolver meios (sistemas de informação, centrais de
atendimento, serviços de manutenção, planos de contingência, etc.) que se
tornam cada vez mais eficientes para lidar com as falhas repetitivas que ocorrem.
Segundo Gomes (2004), a maioria dos estudos sobre serviços de atendimento ao
consumidor sugere a prevalência da busca pela eficiência na utilização dos
recursos em detrimento da qualidade no atendimento.
31
O primeiro contato do cliente com a empresa se dá através dos
empregados de linha de frente cujo ambiente de trabalho é caracterizado,
conforme aponta Singh (2000), por longas jornadas, falta de autonomia e pressão
por atingir índices de desempenho. Trata-se, segundo Gomes (2004) de um
mercado de trabalho composto por um alto grau de trabalho temporário, sem
estabilidade, com remuneração baixa e treinamento inadequado. Espera-se
destes empregados atender o maior número de pessoas no menor tempo possível
através de respostas padrão para perguntas padrão. Neste ambiente é alta a
probabilidade de frustração na interação entre o cliente e o sistema de
atendimento ao consumidor.
A abordagem enxuta difere substancialmente da tradicional. Resolver o
problema do cliente completamente implica desenvolver mecanismos de feedback
inteligente para cada falha que pode ocorrer ao longo de todo processo de
consumo. O desafio é criar um mecanismo que elimine de maneira progressiva
estas falhas. A empresa busca compartilhar com o cliente a responsabilidade por
todo processo de consumo.
Ao invés de alocar uma mão-de-obra menos qualificada para lidar de
maneira repetitiva com os mesmos problemas dos clientes, uma empresa enxuta
emprega na linha de frente uma mão-de-obra altamente treinada não só para
resolver o problema específico, mas para identificar a raiz do problema.
Identificada a raiz é possível decidir por uma solução permanente para evitar a
recorrência do problema.
Para Senge (1990), num ambiente de negócios altamente dinâmico, a
habilidade de aprender e transmitir aprendizagem entre os envolvidos no processo
ajuda a assegurar a prosperidade vindoura da empresa. Spear e Bowen (1999)
afirmam que organizações geridas com mentalidade enxuta consideram as
pessoas como o ativo mais importante da empresa e que se alcança maior
competitividade através do investimento no conhecimento e na capacitação de sua
mão-de-obra. Para estes autores é precisamente a maneira como a Toyota
capacita seus empregados para resolver problemas de maneira estruturada e
científica que constitui o distintivo da Toyota. Decorre da importância atribuída aos
32
empregados o respeito pelas pessoas e a necessidade de lhes proporcionar uma
formação contínua (Duclos, 1995; Bowen e Youngdahl, 1998; Spear e Bowen,
1999; Canel et. al., 2000).
Permitir que o contato do cliente com a empresa se dê através do contato
direto com empregados qualificados contribui para uma experiência de consumo
mais satisfatória. Segundo Womack e Jones (2005) esta abordagem é mais
eficiente do que pedir a pessoas pouco qualificadas que interajam mecanicamente
com clientes para tentar resolver as falhas escalando o problema à medida que a
situação se agrava.
2.3.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente
Num estudo sobre o tempo na sociedade pós-industrial, Gershuny (2000)
apresenta 4 categorias de uso do tempo: tempo pessoal (que envolve dormir,
alimentar-se, higiene pessoal, vestir-se), tempo remunerado (empregado no
trabalho), tempo de lazer e tempo não remunerado. O tempo pessoal tem se
mantido constante nos últimos 200 anos. Em algumas regiões, como na Europa, o
tempo remunerado tem decaído com a redução das jornadas de trabalho.
Segundo Womack e Jones (2005) trava-se na nossa era uma autêntica
competição entre o tempo de lazer e o tempo não remunerado.
O tempo de lazer envolve todas as atividades que queremos fazer. O tempo
não remunerado envolve todas as atividades que não queremos fazer, mas são
necessárias para resolver os problemas da vida cotidiana: limpeza, encargos
rotineiros, e todas as atividades que envolvem o processo de consumo (obtenção,
instalação, manutenção e descarte de bens e serviços).
Parte da frustração que se experimenta na experiência de consumo vem da
dupla percepção de que, por um lado, um tempo considerável do processo não é
remunerado constituindo um trabalho que foi delegado ao próprio cliente e, por
outro lado, este tempo gasto não agrega valor algum. Womack e Jones (2005)
apresentam várias experiências de consumo onde relacionam o tempo do cliente
33
empregado em atividades que percebe como geradoras de valor com o tempo
total do cliente empregado no processo de consumo como um todo: num serviço
de uma oficina mecânica, 28% do tempo é empregado em atividades que geram
valor; numa consulta médica para um problema de rouquidão, 19%; numa viagem
de avião em duas etapas de 45min, 35% do tempo gera valor. O restante, na
óptica do cliente, é tempo não remunerado; na óptica lean é desperdício por causa
de processos mal dimensionados.
A sensação de que o tempo do cliente não é importante está presente na
maioria dos processos de consumo. As filas e os tempos de espera são
sintomáticos desta realidade. Como o conceito lean está voltado para a geração
de valor para o cliente e a eliminação de desperdícios (Hines et al., 2004), estes
sintomas têm um tratamento especial. A chave é desenvolver um processo que
incorpore mecanismos para evitar estas perdas de tempo.
Por que ocorrem as filas? Filas são resultados do desacoplamento entre a
demanda e oferta, isto é, da demanda variável de clientes ao longo do dia e da
falta de flexibilidade na alocação de empregados para as diferentes tarefas. A
abordagem enxuta desenha um processo capaz de atuar do lado da demanda e
da oferta para eliminar sua causa. Do lado da demanda, é possível pensar em
mecanismos para evitar os picos e incentivar uma distribuição mais uniforme da
demanda (consumidores mais sensíveis a preço, por exemplo, seriam dirigidos
para horários menos concorridos). Do lado da oferta, os empregados são
treinados para atuar em múltiplas funções e desenha-se um processo que
incorpore a rotatividade dos empregados de maneira a acompanhar as flutuações
no volume de trabalho (ver Arbós, 2002; Ritzman e Krajewski, 2004).
Por que ocorrem os tempos de espera? Ocorrem pela falta de um dos
elementos-chave para realizar o serviço: o técnico, o espaço adequado, as
ferramentas, as peças ou a informação. Para um cirurgião de um hospital realizar
uma cirurgia ele precisa de: uma sala de operações, os instrumentos adequados,
os medicamentos e materiais a serem utilizados e informação. Se faltar qualquer
um destes elementos todo o sistema fica em espera. O desafio da abordagem
lean é gerar um processo sincronizado que permita a disponibilidade de cada
34
elemento no tempo certo, reduzindo ao máximo estes tempos de espera (Duclos
et al., 1995; Canel et al. , 2000; Arbós, 2002)
As experiências de consumo que envolvem agendamento e um
conhecimento mais aprofundado da situação do cliente, como é o caso das
consultas médicas, requerem especial atenção para evitar filas, tempos de espera
e perdas de tempo. Para estes processos têm particular relevância os seguintes
pontos levantados por Womack e Jones (2005):
- criar um diálogo rico em informações no primeiro contato com o cliente. Quanto
mais qualificada a linha de frente mais informações relevantes serão obtidas do
primeiro contato que, com os devidos processos de encaminhamento das
informações, poderão economizar uma série de etapas.
- diagnosticar com antecedência o problema, o que permitirá garantir a
disponibilidade a tempo das ferramentas/instrumentos, peças/remédios e
conhecimento necessários.
- nivelar a demanda quando possível.
- economizar o tempo dos empregados que servem o cliente. Isto requer criar
fluxos de trabalho previsíveis na organização separados por famílias de produtos
ou serviços: atividades simples com ciclos de tempo estáveis, por um fluxo;
atividades complexas com ciclos de tempo estáveis, por outro; atividades
complexas com ciclos de tempo instáveis, por um terceiro fluxo. Para cada fluxo,
padronizar o trabalho e prever as necessidades em termos de qualificação,
materiais e instrumentos.
2.3.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer
Experiências de consumo também são frustradas quando o cliente não
encontra o item que procurava. Num estudo mundial sobre o nível de serviço no
setor de varejo de bens de consumo, Gruen et al. (2002) encontraram o valor de
35
8% como a média “natural” de falta de produtos
19
. Isto significa que, em média,
numa ida ao supermercado o cliente encontrará um nível de serviço de 92% para
cada item de consumo. Se a cesta de produtos da compra mensal de um cliente é
composta por 40 itens diferentes, a probabilidade dele encontrar todos os itens
disponíveis é de 4% (92% elevado a 40), ou seja, sairá com exatamente aquilo
que quer apenas uma vez em cada 25 idas ao supermercado. Após um estudo
com mais de 71.000 consumidores de todo o mundo, Gruen et al. (2002) concluem
que os consumidores têm pouca paciência ao se depararem com a falta de
produtos: 26% dos consumidores substituem-nos por outra marca, 19% dos
consumidores substituem-nos por outro produto da mesma marca
20
. Daí a
conveniência das lojas grandes que trabalham com produtos de muitas marcas,
ainda que o mesmo estudo aponta que 31% dos consumidores ao se depararem
com a falta de um produto compram-no numa outra loja, o que representa
simplesmente uma perda de vendas.
Womack e Jones (2005) afirmam que a inabilidade de fornecer ao cliente
exatamente aquilo que quer não se restringe ao setor varejista, mas se manifesta
em quase todas as atividades de consumo incluindo serviços:
O eletricista ou bombeiro que vem fazer o serviço e descobre que
lhe falta uma peça específica e terá, portanto, que voltar mais tarde.
O mecânico de automóvel que adia a entrega do veículo devido à
falta de peças.
A visita à farmácia para comprar o coquetel de drogas recém
receitado pelo médico para tratar do atual problema de saúde e a
constatação de que falta um remédio.
A operação cirúrgica que não pode começar por que faltam os
materiais necessários.
O meio tradicional de aumentar o nível de serviço é aumentar os estoques,
em todos os pontos da cadeia – fornecedor, fábrica, distribuidor, varejista. O
19
Os autores denominam esta falta de “out of stocks” (OOS).
20
Os supermercados tem consciência deste problema. A famosa pergunta na caixa “houve algum produto que
você queria e não encontrou?” é uma tentativa de medir o nível de serviço.
36
estudo de Gruen et al. (2002) afirma que a utilização intuitiva de maiores estoques
de segurança não leva necessariamente à redução da indisponibilidade dos itens.
Os autores indicam que 25% dos itens em falta (out of stocks) estavam na loja
mas não estavam nas prateleiras. Grandes áreas de estocagem parecem impedir
a capacidade dos varejistas de reabastecer rapidamente as prateleiras.
Além de o estoque contribuir significativamente para o custo total do
produto, a existência do estoque em vários níveis exige um controle em cada
nível. A conseqüência destes múltiplos pontos de controle é dupla: o aumento do
ruído em todo o sistema de fornecimento e a amplificação da demanda por toda a
cadeia
21
. Como resultado tem-se um excesso de estoque na cadeia e um baixo
nível de serviço para o cliente final. Gruen et al. (2002) concluem que para
aumentar o nível de serviço, mais do que maiores estoques, é necessário lançar
mão de processos internos de reabastecimento mais eficientes, sistemas de
pedidos com fornecedores otimizados e uma cadeia de suprimentos com maior
velocidade de reação. Neste sentido orienta-se a alternativa lean.
A abordagem lean propõe estabelecer um único ponto de pedido em
resposta ao qual toda a cadeia deverá responder. Segundo Womack e Jones
(2005), o ponto de pedido é o próprio ponto de venda, aumenta-se a freqüência de
reposição em cada ponto de venda, a reposição corresponde exatamente àquilo
que foi consumido (a não ser que se preveja alguma circunstância especial com
conseqüências bem definidas na demanda), busca-se aproximar ao máximo as
atividades de manufatura e distribuição ao ponto de venda.
Desta maneira o próprio ritmo das vendas ou do consumo está ditando a
reação da cadeia de fornecimento. Substitui-se a produção empurrada para uma
produção puxada pelo cliente. Elimina-se os excessos e as faltas de produtos
próprios de um modelo empurrado de fornecimento.
Este tipo de abordagem implica:
Criar um único ponto de pedido para regular todo o sistema de provisão e
que atue como o marca passo do sistema (Swank, 2003).
21
A amplificação da demanda pela cadeia é conhecido como “efeito chicote”.
37
Sinalizar a necessidade de reposição frequentemente com uma tecnologia
de informações com baixo ruído.
Repor frequentemente em pequenas quantidades todos os pontos de
consumo (Trinkhaus et al. 1996; Ritzman e Krajewski, 2004).
Localizar a produção e a distribuição o mais próximo possível entre si e do
cliente (Ritzman e Krajewski, 2004).
2.3.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer
Paradoxalmente, enquanto a busca pela eficiência nas indústrias tem
levado a reduzir o tamanho das fábricas, a comercialização destes bens no varejo
tem migrado para estabelecimentos cada vez maiores. Os “hipermercados” e as
“mega-lojas” têm se afirmado como forte canal de vendas para diversos bens de
consumo: o setor de alimentos (Carrefour, Wal-mart), livrarias (Saraiva), materiais
de construção e decoração (Leroy Merlin), etc.. A lógica perseguida é a da
economia de escala: grandes volumes que permitem baixos custos e uma ampla
variedade de produtos. Segundo Womack e Jones (2005), é a lógica da produção
em massa transferida para o consumo.
No entanto, as grandes lojas de desconto não são os únicos canais de
venda dos varejistas. As Lojas Americanas, por exemplo, trabalham com múltiplos
canais: as lojas tradicionais, as lojas express e o comércio-eletrônico
(americanas.com e shoptime.com). As lojas tradicionais são maiores (em média,
as 25 novas lojas tradicionais inauguradas em 2005 possuem cerca de 1100m
2
) e,
portanto, podem oferecem uma maior variedade de produtos. As lojas express são
bem menores (em média, as 12 lojas express inauguradas em 2005 possuem
cerca de 460m
2
)
22
e funcionam como lojas de conveniência. Através do site,
oferece-se ao cliente uma variedade ainda maior de produtos que podem ser
adquiridos da própria casa.
22
Informações extraídas do Relatório Anual das Lojas Americanas, ver LASA (2005).
38
Cada canal apresenta uma composição específica em termos de
variedade/quantidade de produtos, preço e conveniência para o cliente. A
estratégia de múltiplos canais permite atender ao cliente conforme suas
circunstâncias variarem. Clientes sensíveis a preço buscarão as lojas grandes de
desconto localizadas, via de regra, em lugares mais distantes demandando um
maior dispêndio de tempo. Clientes mais sensíveis à conveniência, abrirão mão de
um desconto por grandes quantidades para obter o produto que lhes falta
rapidamente na loja mais próxima. Clientes sem tempo disponível algum e
insensíveis ao preço buscarão o comércio eletrônico para satisfazer suas
necessidades. É a circunstância que ditará o tipo de trade-off que o cliente fará
entre variedade/quantidade, conveniência e preço. Womack e Jones (2005a)
afirmam que os clientes não se classificam em categorias estanques. Os clientes
se utilizam de uma variedade de formatos na medida em que suas circunstâncias
variam e assim minimizam seu custo total de consumo balanceando as variáveis
conveniência e preço.
O princípio de redução de trade-offs de desempenho descritos por Bowen e
Youngdahl (1998) contribuem diretamente para oferecer o que o cliente quer
exatamente onde ele quer. Womack e Jones (2005) advogam que o trade-off entre
preço e conveniência pode ser fortemente reduzido. Para estes autores, é possível
colocar um produto a um mesmo custo em qualquer canal de venda. Isto é
possível através da criação de um sistema único de reposição, que negocie com
os fornecedores de maneira centralizada o volume a ser distribuído em toda a
rede através de todos os canais.
Dada a crescente restrição de tempo dos clientes, a busca de canais mais
convenientes que oferecem preços semelhantes aos das grandes lojas de
desconto tende a crescer revertendo o movimento em direção às mega-lojas como
canal principal de vendas.
39
2.3.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente quando ele
quer
Num estudo sobre a aplicação do conceito lean ao comportamento
organizacional, Emiliani (1998) identifica uma série de atitudes que, por não fazer
o valor fluir no processo de trabalho, representam desperdícios no relacionamento
inter-pessoal e afetam negativamente o trabalho
23
. Segundo este autor, quando
este tipo de comportamento predomina numa organização o resultado é um
desempenho significativamente inferior na medida em que estas atitudes geram
atrasos, custos, re-trabalhos e baixos níveis de confiança e cooperação. Esta idéia
também se aplica entre as organizações.
Fukuyama (2000) afirma que a confiança é “como um lubrificante que torna
mais eficiente o funcionamento de qualquer grupo ou organização”. A confiança
além de ter um valor ético intrínseco tem um valor monetário associado na medida
em que reduz os custos de transação
24
. Ritzman e Krajewski (2004) assinalam
como essencial a cooperação da empresa com seus fornecedores para a
implementação de uma operação enxuta bem-sucedida. Lamming (1996) ao tratar
do relacionamento de uma empresa com seus fornecedores afirma que para uma
cadeia de fornecimento enxuta se tornar uma realidade os clientes devem
compartilhar informações (inclusive dados de custo) com seus fornecedores e
estar abertos a idéias dos fornecedores que afetem suas operações. Segundo
Lamming (1996) a empresa e seus fornecedores são os “guardiães” do “valor-em-
trânsito” para o cliente final. Womack e Jones (2005) advogam pela necessidade
de cooperação entre a empresa e seu cliente final, uma vez que só através desta
cooperação que é possível criar valor e reduzir desperdícios para ambos.
No princípio anterior, o provedor de serviços ou produtos se esforça por
oferecer diversos canais para atender as exigências de conveniência do cliente
23
Emiliani (1998) apresenta uma longa lista de comportamentos carregados de desperdício, que não agregam
valor ao trabalho. Cita como exemplo destes comportamentos, entre outros: demonstrar desconfiança,
favoritismo, ambigüidade, observações desnecessárias, cinismo, não retornar ligações, bajulação, enganar,
etc..
24
Custos de transação podem ser entendidos como os custos de monitorar, contratar, julgar e forçar o
cumprimento dos acordos formais.
40
em relação ao lugar; neste princípio está em jogo poder atender as exigências de
conveniência do cliente em relação ao tempo. Em ambos a questão chave é poder
atender ao cliente conforme suas circunstâncias variam.
Há itens de consumo para os quais se espera uma disponibilidade imediata.
Há outros itens de consumo para os quais é perfeitamente cabível trabalhar com
prazos mais dilatados de entrega. Há também itens de consumo para os quais o
cliente ora exige disponibilidade imediata ora aceita trabalhar com prazos. O
transporte aéreo, por exemplo, é um desses itens de consumo cuja exigência de
disponibilidade é híbrida. Há circunstâncias em que o cliente tem uma viagem de
negócio imprevista e inadiável para o qual está disposto a pagar mais caro, e há
circunstâncias, como uma viagem a lazer, em que o cliente está disposto a
reservar a passagem com maior antecedência obtendo uma redução no custo. Do
ponto de vista das operações, a questão é dimensioná-las para trabalhar com
estes dois tipos de demanda. A cooperação entre cliente e empresa é fundamental
para saber em que circunstância o cliente se encontra.
Womack e Jones (2005) propõem transferir esta lógica da reserva de
passagens aéreas para o planejamento de produção e entrega dos bens e
serviços de maneira geral. O princípio é variar o momento da entrega, isto é, o
tempo que o cliente está disposto a esperar em relação ao preço do produto.
Quanto maior o prazo, mais barato para o consumidor e mais conveniente para o
provedor, que se planeja para produzir produtos sob medida. Quanto mais
produtos sob encomenda menor o estoque indesejado, menor o custo de
inventário.
Segundo Womack e Jones (2005) os diversos sistemas de produção são
capazes de lidar com pequenas quantidades de pedidos para entrega imediata
desde que haja um espaço planejado na grade de produção prevista para pedidos
de última hora e que estes espaços não excedem determinado percentual da
produção. O custo de se fazer um produto rapidamente sob encomenda para
entrega imediata será sempre maior, pois é necessário interromper a seqüência
planejada, disponibilizar as peças e ferramentas adequadas e dar prioridade à
entrega a este cliente. Há clientes dispostos a pagar mais por isso. Por outro lado,
41
trabalhar com uma carteira de pedidos sob encomenda do próprio cliente permite
reduzir os custos do provedor uma vez que este tem tempo para planejar com os
fornecedores a entrega de peças na quantidade e tempo certo. Daí a possibilidade
de cobrar menos pelo pedido feito com maior prazo.
Num estudo da OECD (2004) sobre maneiras de enfrentar os desafios para
melhorar a eficiência dos serviços de saúde, aponta-se para o fato de que, em
pelo menos uma dúzia de países da OCDE, o tempo de espera para se realizar
uma cirurgia eletiva é excessivo
25
. O princípio de atender o que o cliente quer
exatamente quando ele quer implica dimensionar a capacidade das operações dos
centros médicos para absorver dois tipos de demanda: a demanda pelo serviço
imediato, isto é, cirurgia eletiva para já; e a demanda pelo serviço no futuro. Uma
política de preço diferenciada seria o mecanismo para ajustar os tipos de
demanda com a capacidade disponível. No caso de cirurgias eletivas, o quando
passaria a ser uma escolha do cliente em função da sua sensibilidade a preço e
tolerância a espera. O paciente compartilha seus planos com o provedor do
serviço médico em troca de preços mais baixos. O centro médico precisa
desenvolver a habilidade de cooperar com o paciente para determinar o quando
da cirurgia: os pacientes que fazem questão de resolver o problema
imediatamente pagam mais; pacientes mais sensíveis a preço seriam auxiliados a
planejar a cirurgia, a um preço menor, numa data futura.
2.3.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e aborrecimento
do cliente
Womack e Jones (2005a) apontam para o fenômeno de que os
consumidores dependem de mais e mais fornecedores para resolver problemas
cada vez menores. Esta realidade é diametralmente oposta ao que se verifica nas
indústrias onde há uma tendência de racionalizar a base de fornecedores.
25
Para uma cirurgia de reposição de quadril, um paciente inglês tem que esperar em média 250 dias, um
finlandês, 210 dias; um espanhol 125 dias; um holandês, 90 dias.
42
A abordagem lean propõe desenvolver fornecedores capazes de entender
de fato o problema do cliente e oferecer uma solução completa que integre todos
os elementos necessários. Davis e Meyer (1998) referem-se ao conceito de
empacotamento para a oferta de bens e serviços que em conjunto atendem às
necessidades dos clientes e afirmam que valor é criado quando cada componente
da oferta já não pode existir de forma isolada.
No que diz respeito à saúde, Womack e Jones (2005) propõem que os
pacientes tenham um único ponto de contato para seus cuidados com a saúde.
Uma empresa que procurasse ser este único ponto de contato e agregar soluções
para o paciente estruturaria suas operações para aconselhar o tipo de plano de
saúde mais adequado, manter os dados clínicos do paciente ao longo de sua vida,
oferecer suporte em qualquer lugar e para qualquer tipo de problema que o
paciente enfrentar, cuidar de todas as implicações financeiros decorrentes do uso
de serviços de saúde. Esta empresa teria médicos com conhecimento direto das
necessidades de cada paciente e seria o ponto de contato para obter as
informações e a experiência médica que o paciente requer em cada momento da
vida.
2.3.3 Conjugando os princípios da provisão e do consumo enxutos
Os princípios apresentados não são mutuamente excludentes.
Considerando os princípios que compõem o bloco da provisão enxuta e o bloco do
consumo enxuto isoladamente, pode-se perceber como se influenciam
mutuamente. Dos princípios da provisão enxuta pode-se dizer, por exemplo, que
eliminar atividades que não agregam valor permite criar um fluxo de valor contínuo
ao longo do processo. Por outro lado, estabelecer um fluxo de valor contínuo
ajuda a detectar os problemas no processo e exige empregados capazes de
resolvê-los eliminando assim fontes de desperdício (empowerment). Dos
princípios de consumo enxuto pode-se dizer o mesmo. Resolver o problema do
cliente completamente terá como efeito não desperdiçar o tempo do cliente que
por sua vez reduz o aborrecimento do cliente.
43
De maneira semelhante, uma análise conjunta dos princípios de provisão e
consumo enxuto permite a constatação de interdependências. Por exemplo,
estabelecer um fluxo contínuo para reposição de produtos é uma maneira de
garantir a disponibilidade do produto e oferecer exatamente aquilo que o cliente
quer. Ou então, oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer exige
reduzir o trade-off entre conveniência e preço.
Esta interdependência se dá devido ao fato dos princípios enxutos
derivarem desta particular mentalidade de encarar o trabalho: foco na criação de
valor ao cliente e redução sistemática dos desperdícios embutidos nos processos.
Pode-se dizer que os princípios da provisão enxuta predispõem e preparam a
empresa e seus empregados a aplicar esta mesma mentalidade nos processos de
consumo. O Quadro 2.2 ilustra como os princípios são interdependentes.
44
Quadro 2-2: Interdependência dos Princípios Lean
Princípios de Provisão Enxuta Princípios de Consumo Enxuto
Delegar poder aos empregados
através de sua qualificação
potencializa a capacidade da empresa
de...
... resolver o problema do cliente
completamente e
... agregar continuamente soluções
ao cliente
Eliminar atividades que não
agregam valor leva a...
... não desperdiçar o tempo do cliente
Estabelecer fluxo contínuo, puxado
pelo cliente é uma maneira de...
... oferecer exatamente o que o
cliente quer
Reduzir os trade-offs de
desempenho entre flexibilidade e
produtividade, conveniência e preço
permite...
... oferecer o que o cliente quer
exatamente onde o cliente quer
Envolvimento do cliente no
processo de agendamento possibilita
conhecer suas reais necessidades e...
... oferecer o que o cliente quer
exatamente quando ele quer
Fonte: Elaboração do autor
45
2.4 Princípios Enxutos aplicados à saúde
Segundo Womack (2004) e Spear (2005) ainda não existe a “Toyota” dos
hospitais. As iniciativas de aplicação do conceito lean nos serviços de saúde estão
apenas engatinhando, tanto no desenho dos processos de provisão dos serviços
como no desenho de seus processos de consumo.
Wysocki (2004) faz um levantamento de algumas iniciativas em que
técnicas de produção enxuta usadas na Toyota são aplicadas em hospitais, com a
ajuda de consultores oriundos da Toyota ou outras indústrias com produção
enxuta.
Ben-Tovim (2006), após 2 anos de implementação do conceito num hospital
universitário da Austrália, afirma estar apenas no princípio: há áreas do hospital
que ainda não foram abordadas e o dilema que diz enfrentar constantemente é
escolher entre aprofundar numa área ou iniciar o trabalho numa nova.
O primeiro evento para difusão de conceitos lean na área da saúde, o Lean
Healthcare Forum, ocorreu em janeiro de 2006 e foi organizado pelo Lean
Enterprise Academy da Grã-Bretanha contando com a presença do National
Health Service
26
.
O objetivo desta sessão é descrever algumas iniciativas que exemplificam
possíveis aplicações dos princípios enxutos em serviços de saúde. Na revisão de
literatura não foram encontrados casos para todos os princípios. O Quadro 2.3
relaciona os serviços de saúde a serem descritos com o respectivo princípio que
pretendem ilustrar.
26
O evento ocorreu no dia 25 de janeiro de 2006. Ver o site:
http://www.institute.nhs.uk/NHSInstitute/ServiceTransformation/Lean+Thinking.htm - acesso 6 de abril de
2006
46
Quadro 2-3: Serviços de saúde citados para ilustrar os princípios
enxutos
Processo Princípio Serviço de Saúde Local
Reduzir os trade-offs de
desempenho
Virginia Mason
Medical Center
EUA
Eliminar atividades que
não agregam valor
Hospital Municipal
Cardoso Fontes
Brasil
Estabelecer fluxo
contínuo, puxado pelo
cliente
Shadyside Hospital EUA
Envolvimento do cliente Shouldice Hospital Canadá
Provisão
Enxuta
Delegar poder aos
empregados
Virginia Mason
Medical Center
EUA
Resolver o problema do
cliente completamente
Flinders Medical
Center
Austrália
Não desperdiçar o tempo
do cliente
1) Atendimento
primário
2) Hospital Kaiser
Permanente
3) Hospital Mãe de
Deus e H. São Lucas
EUA
Brasil
Oferecer exatamente o
que o cliente quer
South Side Hospital EUA
Oferecer onde o cliente quer
Não foi encontrado exemplo
Oferecer quando o
cliente quer
1) Flinders Medical
Center
2) Hospital Mãe de
Deus e H. São Lucas
Austrália
Brasil
Consumo
Enxuto
Agregar continuamente
soluções ao cliente
Não foi encontrado exemplo
47
2.4.1 Princípios da provisão enxuta
Do ponto de vista da provisão de serviços de saúde, a mentalidade enxuta
propõe desenhar as operações na perspectiva de geração de valor para o
paciente, identificar as atividades que geram e as que não geram valor, buscando
eliminar estas e otimizar aquelas. A eliminação de atividades que não geram valor
juntamente com outros desperdícios tais como materiais desperdiçados,
medicamentos não usados e atrasos desnecessários ajudam a estabelecer um
“fluxo de valor” do paciente. Este fluxo de valor do paciente incluiu a seqüência da
avaliação clínica, investigação, decisão clínica, tratamento e liberação do paciente.
Tal fluxo permite que o paciente o percorra sem interrupções, desvios, retornos ou
esperas
27
. Dessa forma consegue-se aumentar a eficiência das operações e
melhorar a qualidade do atendimento simultaneamente. Descreve-se a seguir
como os princípios da provisão enxuta são aplicados a alguns serviços de saúde.
2.4.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho
O Virginia Mason Medical Center (VMMC) de Seattle, EUA, exemplifica a
estruturação das operações de um serviço de saúde baseada em princípios lean.
O VMMC é um centro integrado de cuidados da saúde e conta com um hospital de
336 leitos, 9 clínicas, 400 médicos e 5.000 funcionários. Dificuldades financeiras
constituíram um imperativo de mudança para a organização levando-a a rever
suas operações e a se re-estruturar.
O objetivo do Virginia Mason foi desenhar seus sistemas e processos ao
redor das necessidades dos pacientes e não dos provedores dos serviços. Foi
desenvolvido o sistema de produção Virginia Mason (Virginia Mason Production
System – VMPS) baseados nos princípios do sistema Toyota de Produção (Toyota
Production System – TPS). Segundo o relatório do IHI (2005) o VMPS almejava
27
Proposta do Southern Adelaide Health Service (Austrália). Extraído de
http://www.flinders.sa.gov.au/redesigningcare/pages/leanthinking/6864/. Acesso em: 11 abr. 2006
48
alcançar o aperfeiçoamento contínuo de suas operações através da criação de
valor sem a necessidade de investir em novos recursos, pessoas, equipamentos,
espaço ou estoque. A idéia era fazer mais com menos, buscar simultaneamente
qualidade e eficiência nos serviços evitando o trade-off entre um e outro.
A partir do ano 2002, todos os 5.000 empregados participaram de um curso
introdutório aos princípios lean, que serviu de ponto de partida para a organização
de work-shops de melhoria de processos. Cada work-shop tinha duração de uma
semana durante a qual a equipe deveria analisar um processo e em seguida
propor, testar e implementar uma melhoria. Entre o período de janeiro de 2002 e
março de 2004, foram realizados 175 work-shops de melhoria. Os resultados
destes dois anos de trabalhos demonstram os ganhos de eficiência nas operações
do Virginia Mason e estão descritos no Quadro 2.4.
Quadro 2-4: Melhoria de Eficiência no Virgínia Mason Medical Center
Categoria Resultados em
2004 (depois de 2
anos de “lean”)
Métrica Mudança em
relação à 2002
Estoque US$ 1.350.000 dólares Redução 53%
Produtividade 158 FTE´s 36% realocações*
Espaço 22.324 pés
2
Redução 41%
Lead time 23.082 horas Redução 65%
Distância
(pessoas)
Percorridos 264.793 pés Redução 44%
Distância
(produtos)
Percorridos 272.262 pés Redução 72%
Tempo de set-up 7.744 horas Redução 82%
*36% dos empregados foram realocados para posições em aberto
Fonte: IHI (2005)
49
Spear (2005) aponta para o fato de que os ganhos de eficiência de espaço,
de trabalho e de equipamentos tornou desnecessário a adição de uma câmara
hiperbárica às instalações (evitando o dispêndio de US$ 1 milhão) e evitou a
mudança dos quartos de endoscopia, ao mesmo tempo que aumentou de 120 a
188 (56%) o número de pacientes tratados na unidade de oncologia.
O comprometimento da organização com a melhoria dos processos não só
tornou-os mais eficientes como também aumentou a qualidade da prestação do
serviço. Em 2002, por exemplo, 34 pacientes contraíram pneumonia no hospital
devido ao uso de ventilação mecânica. Cinco destes pacientes vieram a falecer.
Em 2004, apenas 4 pacientes contraíram a doença, com um óbito decorrente.
2.4.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor
Atividades que não agregam valor são desperdício que devem ser
constantemente eliminados através de revisões sistemáticas dos processos. Latas
e Robert (2000) e Bushell et al. (2002) apresentam uma lista de desperdícios
presentes nos serviços de saúde. Tais desperdícios contribuem para uma
experiência frustrante no consumo destes serviços.
Quadro 2-5: Fonte de desperdício nos serviços de saúde
Acúmulo de pacientes em sala de espera
Longos tempos de espera associados aos tempos de preparação para
cada paciente em cada etapa do processo de diagnóstico e/ou
tratamento.
Duplicação de exames por desconfiança, complementariedade ou falta de
coordenação entre os diferentes responsáveis
Realização de exames desnecessários por falta de preparo da equipe de
saúde
50
Excesso de movimentação do pessoal hospitalar e de transporte dos
pacientes
Excesso de tempos de tratamento por dificuldade de estabelecer
procedimentos repetitivos de coordenação entre os diferentes
departamentos
Informação errada ou não disponível
Ferramentas/equipamentos errados ou não apropriados
Correção, retrabalho, inspeção
Excesso ou falta de materiais e medicamentos
Desperdício de potencial humano
Comunicação ineficiente
Fonte: Latas e Robert (2000); Bushell et al. (2002)
Como afirma Spear (2005), a aplicação do conceito lean em serviços de
saúde implica capacitar os profissionais da saúde a melhorar seu trabalho
enquanto o realizam. Isto requer enxergar os desperdícios embutidos no processo,
o que, conforme o relatório do IHI (2005) é uma tarefa particularmente difícil para
estes profissionais. Uma enfermeira que sai à caça de remédios, o faz para servir
o paciente e pode não enxergar esta atividade como perda de tempo (para o
paciente em concreto que precisa do remédio isto não é perda de tempo, mas a
situação em si representa um desperdício de potencial humano). Esta mesma
enfermeira pode não se perguntar por que o remédio não estava disponível no
momento certo e no lugar certo. Caso estivesse, certamente a enfermeira ocuparia
seu tempo com alguma atividade mais condizente com sua formação, estaria mais
tempo cuidando do paciente e não de um processo falho em atender o paciente.
Um serviço de saúde enxuto está atento a estas e outras fontes de
desperdício e seus médicos, enfermeiros e funcionários são treinados para
detectá-los e propor maneiras de eliminá-los. O exemplo do Hospital Municipal
51
Cardoso Fontes (Rio de Janeiro) ilustra bem o grau de desperdício que pode estar
incrustado em cada processo, neste caso, o serviço de imagem.
O Hospital Municipal Cardoso Fontes (Rio de Janeiro)
Almeida et al. (2000) apresenta dados de um estudo da área de serviço de
imagem do hospital. No período de janeiro a setembro de 2000 foram realizados
cerca de 30.000 exames gerais, 1.800 mamografias e 2.000 exames de
tomografia computadorizada. Foram utilizados neste período cerca de 65.000
filmes somente para exames gerais e destes cerca de 15% foram perdidos devido
à necessidade de repetir o exame. Isto representa um custo anual com perdas de
exames de R$ 205.822,00.
Uma análise mais detalhada do processo apontou outras fontes de
desperdício. A falta de procedimentos de controle das ações de manutenção
impossibilitava a realização de manutenção preventiva. As empresas de
manutenção contratadas eram acionadas, portanto, quando algum problema
impedia o funcionamento do aparelho.
No que diz respeito à radioproteção, foram identificados desperdícios
advindos do excesso de proteção. As portas de acesso às salas de raio-X do
hospital eram de correr, guiadas por trilhos em cima e em baixo. Estas portas
possuíam um excesso de blindagem, pois eram revestidas tanto na face interna
como na externa. Em conseqüência, o peso desnecessário das portas aumentava
o atrito nos trilhos dificultando sua movimentação. Esta dificuldade fazia com que
os técnicos simplesmente deixassem as portas abertas permitindo assim doses de
radiação bem acima do aceitável em áreas livres.
No que diz respeito aos filmes, verificou-se que as lâmpadas vermelhas
instaladas nas 4 câmaras escuras não eram adequadas para o tipo de filme
utilizado. A inconstância das temperaturas do revelador de filmes e falhas no
preparo dos materiais químicos também contribuíam para a perda dos filmes.
O estudo analisou os principais motivos de repetição de exames. Verificou
que 64% das perdas eram resultantes de filmes super ou sub expostos à radiação.
O segundo motivo principal de perda era o posicionamento inadequado do filme
52
(8,7%) e o terceiro motivo, o posicionamento inadequado do paciente (6,3%).
Almeida et al. (2000) aponta para o fato de um baixíssimo percentual de perdas
ser resultante da falta de uma crítica mais rigorosa dos técnicos e médicos quanto
à qualidade da imagem.
2.4.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente
Shadyside Hospital em Pittsburgh (EUA) é um hospital de 486 leitos que faz
parte do University of Pittsburgh Medical Center, um dos maiores sistemas
integrados de saúde sem fins lucrativos dos EUA. Graças a uma verba recebida
do Jewish Healthcare Foundation conseguiram introduzir o conceito de fluxo
contínuo nos processos do departamento de patologia reduzindo
significativamente o tempo de preparação e análise das amostras de tecido,
conforme descreve o relatório do LEI (2004).
O fluxo de trabalho e o layout tradicional do departamento de patologia
deste hospital se assemelhava às fábricas de produção em massa: equipamentos
e atividades organizadas por tipo (não em seqüência) e processamento em
grandes lotes. Os problemas que o departamento encontrava eram os mesmos
daqueles derivados do processamento de grandes lotes nas fábricas de produção
em massa: longo tempo de processamento, longos tempos de espera entre uma
atividade e outra, demoras na identificação de problemas escondidos nos grandes
lotes, alta complexidade no rastreamento e na movimentação, incremento nos
custos associados a maior necessidade de espaço, capacidade e mão de obra
para processar os grandes lotes.
As amostras de tecidos chegavam das diferentes unidades do hospital e
precisavam passar pelos seguintes processos: corte, fixação, montagem,
fatiamento, derretimento, tingimento, acabamento, inspeção e análise.
Corte e fixação. Os tecidos eram cortados e inseridos em recipientes
plásticos. Havia duas máquinas de processamento de tecidos que substituíam a
53
água por um líquido de fixação. O processo automático durava 12 horas e era
rodado durante a noite.
Montagem. Após a fixação, os tecidos eram transferidos para outra sala,
retirados dos recipientes plásticos, inseridos num molde metálico, cobertos com
cera, e resfriados por 20 minutos. Em seguida, em outra sala, ocorria o processo
de fatiamento.
Fatiamento e derretimento. A cera endurecida permitia que o tecido fosse
cortado em fatias muito finas e colocado sobre uma lâmina de vidro. Uma vez
formado um lote de lâminas, eram colocadas num forno (localizado em outra parte
do laboratório) para o derretimento da cera (17 minutos).
Tingimento e acabamento. As lâminas só com tecido (sem a cera)
passavam então por um processo automatizado de tingimento (45 minutos). Esta
máquina era localizada próximo ao local da fixação. Em seguida, outra máquina
depositava uma fina camada de vidro sobre a lâmina e colava uma etiqueta de
papel.
Inspeção e análise. O lote de lâminas então era enviado para uma pessoa
que conferia as lâminas com as ordens escritas e, finalmente, todo o material era
encaminhado ao patologista para análise.
Após um estudo diligente de todo o processo, a equipe responsável pela
implementação do fluxo contínuo criou uma célula de trabalho em que cada etapa
de processamento era localizada próxima a outra e realizada em seqüência. A
equipe percebeu que nem todos os tecidos precisavam passar por um processo
de 12 horas de fixação. Uma porção significativa dos tecidos poderiam ser fixados
em 3 horas. Uma máquina foi alocada para os processamentos longos e outra
para os curtos.
Ao invés de trabalhar com lotes de 12 amostras de tecido, foram
desenvolvidos recipientes para o processamento de lotes unitários. No novo lay-
out celular, cada pessoa cuidava de dois processos. No caso de sobrecarga mais
uma pessoa poderia ser acrescentada a algum processo. Este lay-out permitiu que
os tecidos fluíssem pela montagem, fatiamento, derretimento e tingimento com
54
menos erros e num tempo menor com nenhuma amostra (ou quase nenhuma)
esperando entre as etapas.
Como resultado, pequenas amostras de tecido eram processadas e
enviadas ao patologista para análise. Os resultados saíam no mesmo dia ao invés
de demorar de 24h a 48h. Os erros eram descobertos imediatamente. Em termos
de produtividade, o laboratório está realizando a mesma quantidade com menos
mão-de-obra (28% da mão-de-obra foi transferida para outras funções).
2.4.1.4 Envolvimento do paciente
Uma das primeiras descrições da aplicação de princípios lean em hospitais
foi feita por Bowen e Youngdahl (1998). Trata-se do Shouldice Hospital, localizado
no Canadá, um hospital focado em operações de hérnia e, mais especificamente,
em tipos externos de hérnia abdominais.
O processo prevê um elevado grau de cooperação entre o paciente e os
profissionais da saúde, desde a preparação até o pós-operatório. O envolvimento
do paciente já começa com o processo de entrada. O paciente pode baixar da
internet os quesitos necessários para internar-se. Ao dar a entrada o paciente
recebe um diagrama no qual deve marcar a posição da hérnia a ser operada.
Baseada nesta informação o médico determina o tipo de hérnia e avalia os riscos
da cirurgia. Na preparação para a cirurgia o próprio paciente é encorajado a
realizar a tricotomia
28
, no pós-operatório os pacientes caminham da mesa de
operação para a cadeira de rodas com a ajuda dos cirurgiões, os pacientes recém-
operados são colocados em leitos próximos a novos pacientes, e dessa forma, os
“veteranos” podem repassar suas experiências reais nas fases pré e pós-
operatório. Tal tipo de relacionamento é de incontestável importância tanto na
recuperação dos “antigos” como dos “novos” pacientes. Esta colaboração libera as
enfermeiras a cuidarem de outras atividades para as quais podem agregar mais
valor.
28
Retirada dos pêlos na região da cirurgia.
55
2.4.1.5 Delegar poder aos empregados
O Virginia Mason Medical Center introduzido anteriormente também
exemplifica o princípio de delegar poder aos empregados. O plano estratégico
ilustrado no Quadro 2.6 demonstra a preocupação da organização em estruturar
seus processos colocando o paciente em primeiro lugar e explicita que um dos
seus pilares estratégicos são as pessoas.
Segundo Spear (2005), em 2002, após uma visita a uma fábrica lean no
Japão, os gestores perceberam a importância dos empregados na criação de uma
cultura de aperfeiçoamento contínuo. O Virginia Mason Prodution System (VMPS)
criado para suportar esta cultura tem seis áreas de foco, duas das quais
diretamente relacionadas à delegação de poder aos empregados: uma política de
não demissão e um sistema de alerta de segurança ao paciente.
Quadro 2-6: Plano estratégico do Virginia Mason
Fonte: IHI (2005)
56
A direção da Virginia Mason comprometeu-se publicamente a não demitir
nenhum de seus empregados, criando assim as condições de entorno necessárias
para um real comprometimento dos empregados com melhorias do processo. Era
dos próprios empregados que se esperavam análises, sugestões e
implementações de melhorias. Com esta política, era garantido que as melhorias
de eficiência não se voltariam contra seus próprios criadores.
O sistema de alerta de segurança ao paciente é o equivalente da “paragem
da linha de produção” existente nas indústrias lean. Qualquer empregado da
Toyota, por exemplo, tem o poder e o dever de parar a linha de produção quando
um defeito ou um erro é identificado. Os empregados puxam uma corda que
aciona um alarme e engatilha um processo de resolução do problema. Evita-se
assim que o defeito seja embutido no produto final.
Na VMMC qualquer empregado pode “parar a linha”, isto é, o processo de
cuidado da saúde em questão quando detecta algum erro. A pessoa que sinaliza o
erro juntamente com um gerente apropriado e outros envolvidos no processo
avaliam a situação e buscam resolver o erro pela raiz. Em 2002, eram feitos em
média 3 alertas por mês. No final de 2004, esse número subiu a 17. Os alertas
diziam respeito a erros de medicamentos, problemas com equipamentos, com
sistemas de informação, com as instalações.
2.4.2 Princípios do consumo enxuto
Do ponto de vista da experiência de consumo, para gerar valor é preciso
identificar o que paciente busca ao procurar os serviços de saúde. Para Womack e
Jones (2005), o paciente quer:
Resolver seu problema de saúde completamente, isto é, um
diagnóstico sem falhas e o melhor tratamento.
Minimizar seu custo total, em particular, evitar perder seu tempo.
Obter o diagnóstico e receber o tratamento quando ele quiser, sem
esperar longas horas em consultórios.
57
Obter o diagnóstico e receber o tratamento onde ele quer,
idealmente perto do trabalho ou de casa.
Seguem alguns exemplos que descrevem a aplicação destes princípios nos
serviços de saúde.
2.4.2.1 Resolver o problema do paciente completamente
Spear (2005) apresenta como contra-exemplo de operação lean o
testemunho de uma enfermeira que afirma confrontar “o mesmo problema, todo
dia, anos a fio”. É o equivalente hospitalar da “indústria de falhas
29
”, onde os
empregados sem autonomia, e sem chegar à raiz do problema, procuram
solucionar eficientemente as mesmas e sempre recorrentes falhas no processo de
consumo.
Como afirmam Bowen e Youngdahl (1998), operações enxutas qualificam o
empregado a tomar decisões e a resolver problemas. Quanto mais qualificado o
empregado do primeiro atendimento, melhor o processo de consumo como um
todo. O caso do Flinders Medical Center é um bom exemplo.
Flinders Medical Center
30
(FMC) é um hospital universitário de médio porte
localizado em Adelaide na Austrália. Seu departamento de emergência atende
anualmente cerca de 50.000 pacientes. Em 2003 sua Emergência estava bastante
congestionada e se tornava um lugar inseguro. Mais de 1000 pacientes tiveram
que esperar mais de 8 horas para serem atendidos na emergência. A capacidade
do hospital de realizar cirurgias eletivas estava sendo comprometida pela
demanda na emergência. Para lidar com esta situação, iniciou-se um projeto para
aplicar princípios lean neste hospital. Percebeu-se que a origem do problema
29
Expressão utilizada por Womack e Jones (2005) para designar todo o esforço necessário para resolver os
problemas de consumo com os quais os consumidores se deparam envolvendo estratégias de serviços de
atendimento ao consumidor, call centers, sistemas de informação, etc..
30
Informações extraídas de artigo de autor anônimo entitulado “Redesigning care reduces emergency waiting
times” Australian Nursing Journal North Fitzroy:Dec 2004/Jan 2005. Vol. 12, Iss. 6, p. 29 (1 pp.) e de
material próprio do FMC disponível na internet: http://www.flinders.sa.gov.au/redesigningcare
58
estava na triagem dos pacientes e formou-se uma equipe multifuncional para
repensar o processo.
O sistema de triagem de pacientes vigente era composto por 5 categorias.
Havia um tempo prescrito de atendimento para cada categoria. Pacientes nas
categorias mais baixas, numa situação menos urgente eram passados para trás à
medida que chegavam pacientes de uma categoria superior. Com o aumento da
demanda (em maio de 2004, o hospital chegou a ter um recorde de 80 pacientes
esperando um atendimento) a meta de atendimento para cada categoria já não
era alcançada.
O processo de triagem foi simplificado, criando-se dois grupos. Os
enfermeiros responsável pela recepção foram treinados para distribuir os
pacientes em dois grupos: grupo A - os que provavelmente seriam internados;
grupo B - os que provavelmente poderiam voltar para casa. Havia uma equipe
clínica alocada para cada grupo de pacientes. O grupo A passaria a ser atendido
em ordem de prioridade clínica. O grupo B passaria a ser atendido em ordem de
chegada. A taxa de acerto dos enfermeiros chegou a 80%. O tempo de espera na
emergência do Flinders Medical Center (FMC) foi reduzido em 20%. Como
conseqüência houve também uma redução na superlotação da emergência.
Quer-se destacar neste exemplo a questão da qualificação dos enfermeiros
do primeiro atendimento na emergência. O grau de envolvimento dos enfermeiros
no novo processo com a delegação de maior poder de decisão na própria triagem
dos pacientes além de alcançar maior eficiência no processo melhorou o moral
dos empregados. Houve uma efetiva redução na taxa de rotatividade de
enfermeiros, que atingiu seu menor nível desde a fundação do centro médico.
A iniciativa de incorporar princípios enxutos nas operações do FMC recebeu
o nome de Redesigning Care e apresenta os seguintes indicadores de melhoria de
eficiência operacional:
O tempo médio de espera na emergência caiu de 7h para 5.5h.
Em 2005, 70% dos pacientes que provavelmente não precisariam ser
internados (Grupo B), saem do hospital devidamente tratados em menos
de 4h. Em 2003 este percentual era de 60%.
59
O cancelamento de cirurgias eletivas devido à indisponibilidade de
camas caiu 83% (238 para 40).
Houve uma redução de 32% no número de pacientes que esperam mais
de 12 horas na Emergência antes conseguir uma cama (3,338 para
2,276)
Redução de 41% no número de pacientes que decidem deixar a
emergência sem ver um médico (2,533 para 1,497)
O número de readmissões ao hospital caiu 11%.
Houve aumento de demanda de quase 3% no departamento de
emergência do hospital no mesmo período.
60
2.4.2.2 Não desperdiçar o tempo do paciente
Filas para agendar consultas, exames e cirurgias bem como salas de
espera que exigem longas esperas são barreiras para o acesso aos sistemas de
saúde. Ao inflar o tempo necessário para se resolver os problemas de saúde, tais
barreiras além de causar aborrecimento ao paciente pelo tempo desperdiçado,
podem prejudicar a própria qualidade dos serviços prestados. Murphy e Noetscher
(1999) afirmam que do ponto de vista do hospital, o tempo de permanência de um
paciente no hospital é um indicativo da sua eficiência.
Bundy et al. (2005) propõem e testam uma alternativa para reduzir estas
barreiras realizando um piloto de um processo de agendamento de consultas
denominado de “acesso-livre
31
”. O “acesso-livre” é um sistema de agendamento
de consultas baseado no princípio de que a demanda por consultas é previsível e,
portanto, é possível adequar a capacidade à demanda esperada. Isto permitiria
oferecer ao paciente um horário para consulta no próprio dia em que o contato é
feito. Bundy et al. (2005) afirmam que o “acesso-livre” tem potencial para reduzir o
não-comparecimento do paciente, melhorar a continuidade da atenção médica e
aumentar a satisfação do cliente e dos profissionais da saúde.
O estudo de Bundy et al. (2005) analisou o impacto da adoção da prática de
acesso-livre em 4 unidades de atendimento primário na Carolina do Norte (EUA).
Cada unidade se comprometeu a implementar o acesso-livre e a colher os dados
conforme um conjunto padronizado de medidas de desempenho, que incluíam
entre outras: tempo médio de espera para uma consulta, número de não
comparecimentos à consulta, satisfação do paciente. O Quadro 2.7 exemplifica
ações tomadas para reduzir o tempo de espera dos pacientes.
31
Em inglês: Open-Access, também conhecido como “advanced access” (acesso avançado) ou “same-day
scheduling” (agendamento de consulta no mesmo dia).
61
Quadro 2-7: Iniciativas para implementar o “acesso-livre”
Ações Exemplos
Balancear a oferta de
consultas com a demanda
Prever a oferta de consultas levando em
consideração férias, feriados e trabalho não
clínico
Prever a demanda por consultas baseado em
dados históricos
Aumentar a capacidade nos picos
Estar preparado para os aumentos sazonais
previsíveis na demanda
Reduzir o backlog (a lista
de espera)
Distinguir o bom backlog (cuidado planejado) do
mau (cuidado que foi adiado)
Eliminar o mau backlog aumentando
temporariamente o número de consultas por dia
Padronização Padronizar a duração de cada consulta
Padronizar os materiais em todas as salas
A primeira consulta da manhã e da tarde devem
começar no horário
Reduzir a demanda futura
do paciente
Maximizar a atividade durante a consulta para
evitar demanda futura
Aumentar o intervalo para retorno
Usar estratégias de fluxo
contínuo
Não adiar o trabalho
Utilizar as pausas previstas para realizar
atividades não ligadas à consulta (retorno de
telefonemas)
Identificar e eliminar os gargalos no fluxo clínico
Fonte: Bundy et al. (2005)
62
Todas as quatro clínicas implementaram com sucesso o acesso-livre ao longo de
um ano. As medidas de desempenho tiveram melhoras significativas:
1. O tempo médio de espera para uma consulta caiu de 36 dias para 4
dias (89% de redução).
2. O número de não comparecimentos à consulta reduziu: no primeiro
trimestre de implementação do acesso-livre houve 16% de não
comparecimentos; no último trimestre, 11%.
3. Satisfação do paciente: proporção de pacientes que avaliaram como
“excelente” sua visita ao médico subiu de 45% no primeiro trimestre
para 61% no último.
As técnicas do acesso-livre também são aplicáveis no contexto de um hospital,
como exemplifica o Hospital Kaiser Permanente descrito por Womack e Jones
(2005).
Hospital Kaiser Permanente (EUA)
O hospital Kaiser Permanente na costa oeste dos EUA repensou seu
processo de agendamento de consultas com êxito notável. O médico encarregado
de melhorar a eficiência da operação do hospital percebeu que a dificuldade de se
marcar uma consulta se dava pelo processo de triagem de pacientes. Os
empregados responsáveis por receber as chamadas telefônicas não tinham
conhecimento suficiente para separar os casos agudos daqueles que podiam
esperar. Esses empregados serviam de intermediários entre o paciente e o
médico, retornavam a ligação e marcavam a consulta. A consulta, por sua vez,
sempre era marcada para daqui a 2 meses. Percebeu-se também que este prazo
era padrão o que significa que o volume de trabalho era constante. Para que jogar
a consulta para frente?
O novo processo denominado “acesso livre” previa que qualquer paciente
que quisesse ver seu médico fosse atendido no primeiro espaço livre da agenda
63
daquele mesmo dia. Dada as características da demanda do hospital, a
probabilidade de ser atendido no dia era bastante alta.
O seguro de saúde do hospital em questão estava disposto a reembolsar o
médico por uma consulta de no máximo 15 minutos. Como alguns pacientes
exigiam mais do que 15 minutos a fila de espera para atendimento tendia a
crescer e a parte burocrática de preencher papéis era deixada para o fim do dia
após o horário normal de expediente.
A solução adotada foi agendar as consultas em intervalos maiores do que o
tempo médio de uma consulta e obrigar o médico a preencher os papéis logo após
a saída do paciente. Após a última consulta o médico não precisaria consumir
horas-extras com trabalho burocrático e já voltava para casa.
Uma vez eliminados os dois meses de consultas já agendadas, a carga de
trabalho dos médicos diminuiu, o acesso ao médico tornou-se praticamente direto,
o prazo para marcar uma consulta reduziu drasticamente (de 2 meses para
praticamente um dia) e o tempo de espera no consultório desapareceu.
Hospital Mãe de Deus e Hospital São Lucas (Porto Alegre)
Segundo Friedrich et al. (2004), a maior causa de incapacidades físicas e
cognitivas em nosso meio é o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI). O
AVC (acidente vascular cerebral) é uma síndrome causada pela interrupção no
fluxo sanguíneo cerebral. O AVC é classificado como hemorrágico quando ocorre
uma ruptura no vaso. É classificado como isquêmico quando um coágulo provoca
o bloqueio do vaso sanguíneo. Ambos os tipos podem implicar em seqüelas
graves.
Tecnicamente, através da terapia trombolítica, é possível elevar
significativamente a chance de uma recuperação completa de um AVCI. O
procedimento consiste em injetar uma enzima, o rt-PA
32
, para dissolver o coágulo.
O fator crítico para o sucesso da intervenção é o tempo. Estima-se que os efeitos
do AVCI podem ser minimizados se a enzima for aplicada em no máximo 3h da
32
rt-PA: ativador tecidual plasminogênio recombinante.
64
ocorrência da interrupção. O grande desafio, portanto, é de operacionalizar o
procedimento neste tempo.
Os requisitos necessários para se criar um Comprehensive Stroke Center
são: protocolos de AVC, equipes de AVC, capacitação da Emergência para
atendimento do AVC, capacidade de realizar rapidamente a tomografia de crânio,
capacidade de realizar eletrocardiograma e coleta de sangue rápido, cobertura
neurocirúrgica dentro de duas horas, unidade de AVC, capacidade de manejar
pacientes complexos, especialistas treinados nas áreas de Neurologia,
Neurocirurgia, Neurorradiologia. Friedrich et al. (2004) prepararam o Hospital Mãe
de Deus (HMD) e o Hospital São Lucas (HSL) em Porto Alegre para poder dar a
população local este atendimento.
O primeiro passo foi o de estabelecer os protocolos para a trombólise,
formar as equipes de AVC e treinar os médicos e a enfermagem da Emergência.
Foram estabelecidos indicadores de qualidade para a terapia trombolítica. Dada a
criticidade do tempo neste processo, não pode haver espaço para ambigüidade,
não pode haver margem para improvisação. É fundamental a padronização do
processo de atendimento e a adesão dos profissionais da saúde a estes
protocolos.
A rapidez necessária para um atendimento bem-sucedido exige uma
integração entre as diversas áreas do hospital e a criação de uma célula
multidisciplinar de profissionais. Para escapar da estrutura funcional predominante
nos hospitais, foram escritos e assinados documentos cooperativos de co-
responsabilidade entre o chefe da equipe e as chefias do laboratório e do centro
de imagem para garantir a rapidez e prioridade de atendimento a pacientes do
protocolo de trombólise. No Hospital Mãe de Deus foi utilizado o recurso áudio-
visual para sinalizar os pacientes elegíveis para o tratamento.
Observa-se o fato de haver um médico e uma equipe responsável pelo
tratamento do começo ao fim. Isto elimina a ambigüidade na responsabilidade pelo
paciente que em tratamentos complexos envolvendo múltiplas disciplinas pode
gerar negligências graves.
65
O paciente é triado pelas enfermeiras da emergência, que foram treinadas
para identificar qualquer sinal de um AVC. Quando identificado um potencial caso,
o paciente é prontamente transferido para a Unidade Vascular dentro da
emergência onde percorre o fluxo de atendimento para o AVC.
Todo o processo de atendimento precisou ser estudado para minimizar os
tempos. A unidade de emergência precisa ser treinada e capacitada para ser um
“pit-stop” do AVC. O contínuo treinamento e aperfeiçoamento das equipes levaram
a melhoria do tempo de atendimento. No caso do Hospital Mãe de Deus o tempo
entre a chegada no hospital (da porta) até a decisão de iniciar o tratamento caiu
de 1h40 em dezembro de 2002 para 49min em outubro de 2003. Dados
publicados de outros centros de referência (Canadá e Suécia) mostram tempos
entre 48min e 106min.
O percentual de pacientes com mínima ou nenhuma incapacidade em 3
meses devido ao tratamento é de 58%. Esta taxa constitui uma referência
internacional.
O caso do tratamento trombolítico no HMD e no HSL é um exemplo de
como é possível seguir um processo bem definido, obter a adesão ao processo
por todos os envolvidos, aperfeiçoá-lo continuamente eliminando os desperdícios
de tempo até atingir os mais altos padrões de qualidade. Pela criticidade do
tempo, o tratamento trombolítico ou é enxuto ou não funciona.
2.4.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o paciente quer
Um paciente quer resolver seu problema de saúde, está lidando com a dor
e encontra-se numa posição física e psicologicamente fragilizada. Por um lado,
quer ser compreendido, apoiado e amparado em seu sofrimento através de um
processo humanizado de atendimento, que na visão de Deslandes et al. (2004)
compreende um atendimento de qualidade técnica articulando avanços
tecnológicos juntamente com um bom relacionamento. Por outro lado, requer a
disponibilidade de materiais e medicamentos para resolver prontamente seu
66
problema. Dependendo dos processos vigentes, estas duas necessidades –
atendimento humanizado e disponibilidade de materiais e medicamentos - podem
entrar em conflito.
Rivard-Royer et al. (2002) apontam para o fato de que processos
ineficientes de gestão de suprimentos subtraem horas de trabalho que poderiam
ser aplicadas no cuidado e atenção aos pacientes. Num estudo de caso de um
hospital no Canadá, estes autores estimaram que 10% do tempo total de
enfermagem era empregado na busca de medicamentos
33
. Para Spear (2005) as
enfermeiras gastam um tempo desproporcional cuidando não do paciente, mas do
sistema ao se envolver com a buscar de materiais, medicamentos e informações
necessárias. Para Rivard-Royer et al. (2002), a busca por maior eficiência nos
processos de suprimentos tem um ganho indireto na qualidade do serviço
prestado. Ao garantir a disponibilidade de materiais e medicamentos de maneira
mais eficiente, aumenta-se o tempo de atenção ao paciente e contribui-se assim
para oferecer exatamente aquilo que o paciente quer.
Rivard-Royer et al. (2002) afirmam que a cadeia de fornecimentos no setor
de saúde se caracteriza pela complexidade. Esta complexidade advém da enorme
quantidade de fornecedores e ainda maior variedade de itens de consumo que
fluem através de diferentes canais: alguns itens são entregues diretamente pelos
fornecedores, outros através de distribuidores intermediários. Além disso, existe
uma alta complexidade nos próprios serviços de saúde que não são os usuários
finais destes itens. Estes serviços devem desenhar sua própria rede logística para
que os itens cheguem até as diferentes unidades e, em última análise, até o ponto
de consumo, que é o próprio paciente. O setor de saúde é caracterizado pela
presença simultânea de duas cadeias de fornecimento: uma externa e uma
interna. Primeiramente será apresentada a aplicação da mentalidade lean na
cadeia externa de fornecimento e, em seguida, através do exemplo do South Side
Hospital, na cadeia interna.
33
Isto significava 4.030 horas por ano desviadas da função principal das enfermeiras: atender o paciente.
67
Rivard-Royer et al. (2002) apresentam uma comparação entre o método
convencional e o método lean de lidar com a cadeia externa de fornecimento,
descrito no Quadro 2.8. Os números correspondem à realidade de um hospital de
400 leitos.
Quadro 2-8: Suprimentos convencionais e suprimentos enxutos
Característica Método Convencional Método lean
Forma de entrega pelo
fornecedor
Lote Unidades de uso
Freqüência de entrega Semanal Diária
Número de fornecedores 35+ 1-2
Funcionários clínicos
envolvidos com tarefas
relacionadas a materiais
Número significativo Quase nenhum
Tamanho do
almoxarifado do hospital
6.000 pés
2
300 pés
2
Dias em estoque 6 a 8 semanas 1-3 dias
Giro de estoque 6.5 a 8.7 171 a 365
Tempo empregado na
gestão de materiais
34
31 13
Fonte: Rivard-Royer et al. (2002)
South Side Hospital na University of Pittsburgh Medical Center (UPMC)
Spear (2005) relata como a farmácia do South Side Hospital na University
of Pittsburgh Medical Center (UPMC) resolveu os problemas na sua cadeia interna
de fornecimento de medicamentos. A farmácia era responsável por realizar
entregas de medicamentos em todo hospital a tempo das enfermeiras medicarem
34
Medido em FTE´s (full time equivalents).
68
os pacientes conforme um cronograma pré-definido. O que se constatava com
freqüência era que o medicamento necessário não estava disponível. A busca
deste medicamento implicava interrupção no atendimento e consumia horas da
enfermeira, do farmacêutico e do técnico responsável pela distribuição.
Identificou-se que o problema estava na maneira como o processo estava
dimensionado para funcionar, isto é, baseado em lotes. Os médicos faziam a
ronda pelos pacientes de manhã receitando os medicamentos apropriados. Ao
longo do dia, caso houvesse alguma alteração na condição do paciente uma nova
receita era prescrita. Estas receitas eram periodicamente colhidas e entregues à
farmácia. O farmacêutico inseria os pedidos no sistema que se acumulavam ao
longo do dia. No fim do dia imprimia-se uma lista geral para todos os pacientes.
No dia seguinte, os funcionários da farmácia fariam a coleta dos medicamentos
nos estoques, aprontando o mix e o volume adequado para cada paciente. Este
trabalho era completado no início da tarde quando o responsável pela entrega
levaria estes pedidos às unidades de enfermagem. Dado que do momento em que
o medicamento era receitado até o momento de sua entrega na unidade de
enfermagem se passavam de 12 a 24 horas, era bem possível que as
necessidades do paciente se modificassem, causando transtornos para se
conseguir o medicamento certo e gerando retrabalhos de re-estocar os
medicamentos não consumidos além do trabalho burocrático de garantir que os
pacientes não eram cobrados pelos remédios que não foram utilizados.
A solução adotada foi regular os sistemas de fornecimento da farmácia para
atender aos pedidos de medicamentos no ritmo da demanda. Eram os pedidos
dos médicos que funcionariam como o “marca passo” de entrega. Verificou-se que
se a farmácia operasse ao ritmo em que o medicamento era consumido teria que
produzir e entregar um pedido a cada 3 minutos.
Com uma meta bem definida, o grupo começou a rever os processos e a
fazer experimentos para verificar a capacidade de operar a este ritmo. Um dia de
trabalho foi suficiente para levantar uma série de impedimentos. Cada
impedimento foi eliminado. As soluções incluíam modificar a disposição dos
medicamentos nos estoques de acordo com a freqüência de uso, modificar os
69
horários de saída dos medicamentos da farmácia, rever a rota de distribuição no
hospital, rever a disposição dos pedidos na cesta do entregador.
Como resultado, a farmácia passou a processar lotes de pedidos a cada
duas horas ao invés de a cada 24h e a incidência da falta de disponibilidade de
medicamentos nas unidades de enfermagem caiu 88%. Em relação à farmácia, o
tempo gasto na busca de medicamentos caiu 60% e a falta de estoque na
farmácia diminuiu em 85%. O estoque de medicamentos diminuiu e os custos de
medicação caíram, pois se reduziu a probabilidade dos medicamentos se
perderem, estragarem ou se desperdiçarem.
2.4.2.4 Oferecer o que o paciente quer exatamente onde ele quer
Não foi encontrado um caso em serviços de saúde para ilustrar este
princípio.
2.4.2.5 Oferecer o que o paciente quer onde ele quer exatamente quando ele
quer
O princípio de oferecer o que o paciente quer exatamente quando ele quer
tem implicações no dimensionamento da capacidade de atendimento. Num
hospital isto se traduz na gestão do conflito entre atender casos de emergência e
casos que podem esperar. O hospital Flinders apresentado no item 2.4.2.1
padecia deste problema, sua capacidade de atender cirurgias eletivas estava
sendo comprometida pela demanda oriunda da emergência. A revisão dos
processos de triagem e eliminação dos desperdícios nos processos de
atendimento feita pelos próprios empregados envolvidos conseguiu reduzir os
cancelamentos das cirurgias eletivas devido à indisponibilidade de camas em
83%.
A questão de dimensionar a capacidade para atender a emergência sempre
será um desafio. É preciso dar prioridade à emergência por se tratar de uma
70
questão de vida ou morte. A eficiência com que este processo é dimensionado
permitirá dedicar recursos do hospital a outros tipos de demanda. O exemplo do
Hospital São Lucas e do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre citados no item
2.4.2.2 mostra a preparação necessária para o atendimento de emergência. Esta
preparação incluiu o entendimento processo da terapia trombolítica, a criação de
um fluxo específico para o paciente sofrendo de AVCI, o acordo entre as diversas
áreas funcionais e treinamento adequado.
Cada tipo de paciente terá um fluxo específico. Cada fluxo poderá receber
dois tipos de demanda: imediata ou programada. O desafio é coordenar e
gerenciar e coordenar estas demandas com os diferentes fluxos.
2.4.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e aborrecimento
do paciente
Não foi encontrado um caso em serviços de saúde para ilustrar este
princípio.
2.5 Medicina baseada em evidências
Segundo artigo do JAMA
35
(1992), um novo paradigma da prática médica
está emergindo. Por paradigma entende-se uma maneira de olhar o mundo que
define tanto os problemas a serem legitimamente estudados como o espectro de
evidências admissíveis para solucioná-los. Quando as deficiências de um
paradigma se acumulam a ponto de torná-lo insustentável, o paradigma é
questionado e substituído por uma nova maneira de enxergar o mundo. A
mudança em andamento na prática médica envolve o uso mais efetivo da
literatura médica como guia das decisões clínicas e é, segundo este mesmo
artigo, profunda o suficiente para designá-la como uma mudança de paradigma.
Este paradigma tem recebido o nome de medicina baseada em evidências e é
35
JAMA: Journal of the American Medical Association.
71
definido por Sackett et al. (1996) como “o uso cuidadoso, explícito e acurado da
melhor e mais atualizada evidência na tomada de decisão sobre o cuidado de
determinado paciente”.
Para Sackett et al. (1996) praticar a medicina baseada em evidência
significa integrar a experiência clínica individual com a melhor evidência clínica
externa disponível resultante de uma pesquisa sistemática. Por experiência clínica
individual entende-se a habilidade e o julgamento que cada clínico adquire com o
passar do tempo através do exercício de sua prática médica. Por melhor evidência
externa entende-se uma pesquisa clínica relevante que indique a acurácia e a
precisão dos diagnósticos, o poder de prognóstico, a eficácia e segurança das
medidas de tratamento, reabilitação e prevenção. Dada a crescente produção de
artigos científicos, uma evidência clínica relevante pode invalidar um teste
diagnóstico previamente aceito e substituí-lo por um novo mais potente, mais
eficaz e mais seguro.
Pfeffer e Sutton (2006) afirmam que apenas 15% das decisões clínicas dos
médicos são baseadas em evidências. Os autores listam uma série de outros
fatores que não a evidência clínica externa para a tomada de decisões e que
podem levar a resultados menos eficientes:
um conhecimento obsoleto do assunto por falta de atualização. Davidoff et al.
(1995) afirmam que um médico dedicado para se manter atualizado em sua
especialidade teria que ler 17 artigos por dia, 365 dias por ano
36
.
maior confiança na experiência pessoal e numericamente mais limitada em
detrimento de pesquisas que são mais impessoais mas cuja amostra é mais
significativa.
o viés da própria especialidade. Um especialista tende buscar a solução do
problema no campo em que possui pleno domínio.
a exposição aos instrumentos de propaganda da indústria farmacêutica. Dada
pressão de tempo e a quantidade de informações disponíveis, as pessoas se
36
Segundo estes autores, a medicina baseada em evidências procura oferecer ao clínico ferramentas de
pesquisa para facilitar o acesso às informações relevantes.
72
utilizam de atalhos (também denominados de heurísticas) para encurtar o
processo decisório. As decisões sobre que medicamento receitar podem ser
tomadas baseadas na facilidade com que determinado produto vem à
memória. É o que Tversky e Kahneman (1973) chamam de heurística da
disponibilidade. Uma propaganda eficaz posiciona o produto na mente e pode
influenciar a decisão de seu uso.
tradições cientificamente infundadas.
a pressão do cliente pela realização de exames e o risco de ser processado.
Pfeffer e Sutton (2006) advogam pela transposição da filosofia e prática de
medicina baseada em evidências para o contexto da gestão empresarial. Uma
série de elementos da medicina baseada em evidências apresentam uma forte
correlação com os princípios e as práticas lean até aqui apresentadas, conforme
sintetiza o Quadro 2.9.
Quadro 2-9: Paralelo entre a Medicina Baseada em Evidências e a
Mentalidade Lean
Medicina Baseada em Evidências Mentalidade Lean
Novo paradigma da prática clínica
(JAMA, 1992).
Novo paradigma industrial (Bowen e
Youngdahl, 1998)
A partir do paciente são construídas
as questões clínicas a serem
respondidas, e para ele,
individualmente, os resultados serão
aplicados, se forem válidos,
importantes e úteis. (Gomes, 2001)
Começar pelo cliente (Liker, 2004)
Foco na geração de valor para o
cliente (Hines et al., 2004)
Maior envolvimento do paciente
(JAMA, 1992)
Envolvimento do cliente (Duclos et al.,
1995; Bowen e Youngdahl, 1998;
Liker, 2004)
73
Medicina Baseada em Evidências Mentalidade Lean
Centrada no desenvolvimento de um
processo de decisão médica com
ênfase nos aspectos científicos
(Gomes, 2001)
Utilização de uma abordagem
científica para solucionar os
problemas (Spear e Bowen, 1999)
Protocolo busca a otimização dos
benefícios, redução de riscos e custos
na aplicação dos recursos existentes.
(maior custo-efetividade) (Gomes,
2001)
Redução de trade-offs de
desempenho (Bowen e Youngdahl,
1998)
Eliminação dos desperdícios (Ritzman
e Krajewski, 2004)
Reduz as taxas de incerteza e de
condutas aleatórias na clínica
(Gomes, 2001)
Eliminação das ambigüidades do
processo (Spear, 2005)
Propõe reduzir as taxas de erros e
aumentar a qualidade do atendimento
(Gomes, 2001)
Mecanismos e procedimentos para
evitar e eliminar erros (Spear e
Bowen, 1998; Womack e Jones, 2005;
Spear, 2005)
Gerar experimentos, testar hipóteses
constantemente (Pfeffer e Sutton,
2006)
Propor experimentos (Spear, 2005)
Necessidade de constantes
aperfeiçoamentos da prática
(Gomes, 2001)
Melhoria contínua (Womack, 2004b)
Tem como tônica a educação
permanente que leva a atualização
constante do conhecimento e o
aumento da experiência pessoal.
(Gomes, 2001)
Formação contínua (Duclos, 1995;
Bowen e Youngdahl, 1998; Spear e
Bowen, 1999; Canel et. al., 2000)
Fonte: Elaboração do autor
74
2.6 Quadro Conceitual
Características do Conceito Lean
Uma mentalidade com a qual se encara o trabalho:
Voltada para a geração de valor ao cliente
Centrada no processo
Inconformada com todos os tipos de desperdício
Disposta a um esforço de aperfeiçoamento contínuo
Em busca de um processo perfeito
Princípios da Provisão Enxuta
Reduzir os trade-offs
de desempenho
Busca simultânea de eficiência nas operações
e flexibilidade para atender ao cliente
Reduzir lead times dos processos
Eliminar as atividades
que não agregam valor
Reconhecer o que é valor para o cliente
Busca sistemática de fontes de desperdício
Capacitar o profissional a melhorar seu trabalho
enquanto o realiza
Padronização do processo
Estabelecer fluxo
contínuo, puxado pelo
cliente
Reduzir as esperas
Reduzir os lotes de processamento
Aumentar a visibilidade dos problemas de
produto/processo
Iniciar a operação sob demanda do cliente
Envolvimento do
cliente
Efetiva participação do cliente no processo
Permitir ao cliente que aprenda, controle e
melhore o processo
75
Princípios da Provisão Enxuta
Delegar poder aos
empregados
Responsabilidade por resolver os problemas é
dos empregados da linha de frente
Investir na formação dos empregados
Empregados propõem experimentos para
aperfeiçoar o processo
Princípios do Consumo Enxuto
Resolver o problema
do cliente
completamente
Entender o consumo como um processo que se
desenvolve ao longo do tempo em colaboração
com o cliente
Identificar falhas em cada etapa do processo de
consumo
Desenvolver mecanismos para eliminar as
falhas pela raiz
Alta qualificação dos empregados que entram
em contato com o cliente
Não desperdiçar o
tempo do cliente
Considerar o tempo do cliente como um
elemento a ser otimizado no processo
Treinar empregados para atuar em múltiplas
funções
Sincronizar os elementos do processo
(informação, material, mão-de-obra, etc.)
Obter o máximo de informação sobre o
problema no primeiro contato
Criar fluxos de trabalho previsíveis na
organização
76
Princípios do Consumo Enxuto
Oferecer exatamente
aquilo que o cliente
quer
Criar um único ponto de pedido para regular o
sistema de provisão
Repor freqüentemente em pequenas
quantidades
A reação da cadeia de suprimentos é ditada
pelo ritmo de consumo
Localizar a produção e a distribuição o mais
próximo possível entre si e do cliente
Oferecer o que o
cliente quer
exatamente onde ele
quer
Ampliar oferta de canais
Sistema único de provisão para estes canais
Oferecer o que o
cliente quer, onde ele
quer exatamente
quando ele quer
Cooperar com o cliente para identificar suas
circunstâncias e atender suas necessidades
Desenvolver a capacidade de trabalhar com 2
tipos de necessidades: imediata e a planejar.
Estabelecer mecanismos de precificação
diferenciado para ajustar os tipos de demanda
com a capacidade disponível
Agregar
continuamente
soluções para reduzir
tempo e aborrecimento
do cliente
Desenvolver soluções cada vez mais completas
para o cliente
Racionalizar para o cliente a base de
fornecedores
77
3 Metodologia
Este capítulo tem como objetivo descrever a metodologia utilizada neste
estudo. São apresentadas as razões que motivaram a escolha do tipo de
pesquisa, a forma como os casos foram selecionados, a maneira como os dados
foram coletados e as limitações deste método.
3.1 Tipo de pesquisa
Existem inúmeras estratégias de pesquisa nas ciências sociais:
experimento, levantamento, análise de arquivo, pesquisa histórica, estudo de
caso, etc.. Segundo Yin (2001), a escolha de uma estratégia de pesquisa depende
de três condições: 1) o tipo de questão da pesquisa proposto; 2) a extensão de
controle que o pesquisador tem sobre os eventos comportamentais efetivos; 3) o
grau de enfoque em acontecimentos históricos em oposição a acontecimento
contemporâneos.
A estratégia de pesquisa adotada será a do estudo de caso. Yin (2001)
considera a estratégia de estudo de caso especialmente adequada para uma
investigação empírica que faz “uma questão do tipo ‘como’ ou ‘por que’ sobre um
conjunto contemporâneo de acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem
pouco ou nenhum controle”.
A questão central desta pesquisa é:
Como se aplicam os princípios lean nos serviços de saúde?”
A aplicação de princípios lean em serviços é um assunto recente na
literatura e sua aplicação no âmbito dos serviços de saúde está em seu estágio
embrionário. Trata-se, portanto, de um assunto contemporâneo.
A incorporação destes princípios em qualquer operação seja de um bem ou
um serviço é um fenômeno complexo, admitindo diversos graus. O pesquisador
não tem nenhum controle sobre os acontecimentos que levam ou levaram à
adoção destes princípios. Cabe ao pesquisador constatar o grau de aderência dos
78
processos que compõem as operações dos serviços de saúde aos princípios lean.
Daí a escolha da estratégia do estudo de caso.
Este estudo tem um caráter exploratório e descritivo. É exploratório porque
na revisão de literatura não se encontrou evidência de trabalhos prévios
relacionando princípios lean com serviços de saúde no Brasil. É também descritivo
porque busca entender como os princípios são incorporados nas operações
destas organizações.
3.2 Seleção dos casos
Para o estudo foram selecionados cinco casos. Para se chegar às
organizações que seriam objeto de estudo foram realizadas algumas entrevistas
com pessoas que conjugavam conhecimentos na área de saúde, pela formação
em saúde que tiveram ou por atuarem nesta área há muitos anos; e conhecimento
gerencial, por terem feito alguma especialização em gestão ou por terem ocupado
postos gerenciais. A estas pessoas foi-lhes explicado o objetivo do estudo e os
princípios que se procurava analisar.
Por se tratar de um assunto recente não se esperava encontrar alguma
organização da saúde que se utilizasse explicitamente de princípios lean para
organizar suas operações. No entanto, ao explicar os princípios lean, as pessoas
entrevistadas foram capazes de indicar organizações cujas operações
incorporavam de certo modo tais princípios. Nove organizações foram contactadas
das quais cinco se prontificaram a participar do estudo.
O objetivo do estudo não é o de fazer comparações entre as organizações
nem estabelecer uma espécie de ranking em relação a práticas lean. Uma vez que
o objetivo do estudo é verificar como os princípios lean se aplicam aos serviços de
saúde nos seus diversos processos, selecionaram-se processos diferentes em
cada organização. Assim evitou-se o desconforto e as possíveis resistências de
uma perspectiva de comparações. Além disso, as organizações escolhidas estão
inseridas em nichos de mercado diferentes e não competem entre si.
79
O Quadro 3.1 apresenta as organizações que foram estudadas, o processo
analisado, as pessoas entrevistadas com seu respectivo cargo.
Quadro 3-1: Casos selecionados
Organização Processo Pessoa Cargo
Pólo do Pé
Diabético
Atenção integral
ao pé diabético
Dr. Jackson
Caiafa
Chefe do pólo do pé
diabético e idealizador
do projeto
Hospital
Pró-Cardíaco
Diagnóstico e
atendimento de
Emergência
Dr. André
Volscham
Chefe da emergência
Hospital
Dr. Badim
Recepção e
atendimento de
cirurgia eletiva
Marcelo Dibo Gerente administrativo
Hospital
Copa D´Or
Suprimentos Helaine
Miranda
Coordenadora de
suprimentos
Diagnóstico da
América
Logística de coleta
de exames
Fabiana
Barini
Carlos Inácio
da Silva
Alex de Sá
Gestora de negócios
Especialista –
Administração
Especialista - Logística
3.3 Coleta e tratamento dos dados
Foram realizadas entrevistas pessoais com os responsáveis pelos
processos selecionados. O roteiro da entrevista consistiu de perguntas abertas
para melhor entender o funcionamento do processo a ser estudado além de
permitir a inclusão de temas não previstos.
80
Cada pessoa foi entrevistada duas ou três vezes e cada entrevista durou
cerca de uma hora. As entrevistas, feitas entre julho e agosto de 2006, foram
gravadas, depois transcritas e a partir da transcrição foi redigido o caso. Quando
disponível na Internet, foram utilizadas na elaboração dos casos informações
retiradas de suas respectivas páginas eletrônicas. Os casos foram enviados aos
entrevistados para validação.
O tratamento e a análise dos dados seguiram as indicações de Yin (2001)
buscando comparar as práticas adotadas nas organizações com o modelo teórico
construído através da revisão de literatura.
3.4 Limitações do Método
O método do estudo de casos apresenta algumas limitações. Por parte do
pesquisador, existe a possibilidade de introdução de um viés nas descobertas e na
interpretação dos fatos (“para um martelo tudo parece prego”). Além disso, não é
possível separar e controlar todas as inúmeras variáveis que compõem cada caso.
Por parte dos casos em si, pelo fato de tratar-se de uma amostra pequena, não
existe fundamento estatístico para fazer generalizações.
Do ponto de vista das entrevistas sobre as quais os casos foram
elaborados, embora sejam uma fonte muito rica de informações, deve-se levar em
consideração que os entrevistados também podem introduzir um viés pessoal na
exposição dos fatos. Dado que os entrevistados eram os idealizadores ou
gestores do processo em estudo prevê-se a tendência de frisar os aspectos
positivos do processo.
O viés do idealizador ou gestor do processo poderia ser mitigado com a
realização de entrevistas com outros participantes do processo. Quanto maior o
número de entrevistados melhor a percepção de como o processo está
contextualizado na organização. No entanto, por se tratar de um estudo
exploratório, fez-se uma opção por incluir um número maior de processos em
detrimento de uma pesquisa em profundidade de cada processo.
81
4 Descrição dos Casos
4.1 lo do Pé Diabético
4.1.1 Diabetes
Segundo Azevedo et al. (2002) o diabetes mellitus é um grupo de doenças
metabólicas caracterizadas por uma incapacidade do organismo em manter a
glicemia dentro dos limites normais, levando à hiperglicemia (excesso de açúcar) e
a um metabolismo alterado de outras fontes de energia. O excesso de açúcar no
organismo é causado pela deficiência na produção de insulina pelo pâncreas
endócrino. A hiperglicemia crônica é a principal responsável pelas complicações
tardias, com disfunção e falência de vários órgãos-alvo, especialmente olhos, rins,
nervos, coração e vasos.
Malerbi e Franco (1992) afirmam que o Brasil tem uma taxa de prevalência
do diabetes comparável aos países desenvolvidos. Estimam que cerca de 7,6% da
população brasileira na faixa etária de 30 a 69 anos seja portadora de diabetes
mellitus, atingindo 17,4% na população acima de 70 anos. Azevedo et al. (2002)
estimam que na população brasileira existam 5 milhões de pacientes diabéticos,
sendo que aproximadamente um quarto desta população não recebe tratamento
médico.
O diabetes pode gerar dificuldades no fluxo sanguíneo. O diabético sente
com freqüência dormência nos pés, sua pele fica fragilizada, os nervos mal-
irrigados morrem e os músculos atrofiam, deformando os pés e causando feridas.
Tais feridas podem levar à amputação do membro.
Segundo o Dr. Caiafa, chefe do Pólo Secundário do Pé Diabético do
Hospital da Lagoa, 27% do custo no tratamento do diabético está ligado ao
tratamento dos pés, um custo que nos EUA corresponde a US$ 13 bilhões de
dólares por ano.
O pé diabético não é a única complicação que existe, mas é a que mais
chama a atenção do paciente e o leva a buscar uma ajuda especializada. O
82
Projeto do Pé Diabético foi projetado para dar uma atenção integral ao paciente
diabético.
4.1.2 Gênese do Pólo do Pé Diabético
A gênese do Pólo do Pé Diabético pode ser traçada numa experiência
vivenciada pelo Dr. Caiafa, médico vascular e idealizador do pólo, em que
percebeu o quanto era falho o cuidado dispensado para estes doentes no hospital.
O próprio Dr. Caiafa narra esta experiência:
“Eu internei um doente, que tinha uma lesão grave na perna direita. Tive
que amputá-la logo abaixo do joelho. A operação foi tecnicamente perfeita e a
recuperação do doente evoluiu muito bem: a perna cicatrizou e 9 dias depois ele
recebeu alta para casa. Para mim ele só voltaria ao hospital para retirar os pontos.
Em nenhum momento eu entrei em detalhes de como é que ele chegou
naquele ponto, nem entrei em detalhes de como ele iria - dali para frente - resolver
o problema de ficar sem uma perna. Perguntas do tipo - Será que ele vai ter uma
cadeira de rodas? Será que a cadeira passa pelas portas de sua casa? Será que
depois de tanto tempo com infecção ele tem força para usar uma muleta? –
estavam fora das preocupações de um médico de hospital.
Seis meses depois o paciente dá entrada na clínica de novo, apresentando
uma lesão por esforço repetitivo em ambos os joelhos. Surpreso perguntei ao
doente como ele tinha machucado os joelhos.
- Em casa eu não consigo andar de muletas, não passa cadeira de roda, eu
moro sozinho, só consigo me locomover em casa de “gatinhas”.
Em 6 meses, o joelho da perna boa tinha uma infecção tão grave que a
perna precisaria ser amputada na altura da coxa. A partir daquela operação ele
não poderia andar mais nem de “gatinhas”.
Aquilo me chamou atenção de uma forma tal que me levou a refletir e a
entender que eu falhei no processo. Até a primeira amputação eu tratei o paciente
bem. Depois disso, cuidei dele mal. Não criei para o paciente um caminho para
83
que não se lesasse de novo. A partir daí surgiu a idéia de um ambulatório de pé
diabético”.
4.1.3 O projeto do Pé Diabético
O projeto do Pé Diabético visa dar uma atenção integral ao paciente com pé
diabético. Para isto foi necessário criar um fluxo de atendimento ao paciente para
otimizar:
o o esforço do paciente, que apresenta dificuldades de locomoção,
o o tempo de seus familiares, que acompanham o paciente,
o os recursos do sistema de provisão do serviço médico.
O cuidado com o paciente com pé diabético passa por 4 níveis de atendimento.
1º) Pólo primário de atendimento. É composto por 108 ambulatórios
formando uma rede capilar de atendimento no município do Rio de Janeiro. Os
ambulatórios são distribuídos geograficamente de maneira a facilitar o acesso da
população. As principais atribuições dos ambulatórios são: captar os diabéticos da
região, examinar e classificar o risco de cada paciente, prover uma educação
continuada, tratamento básico da doença e cuidados especiais.
Os ambulatórios atendem uma determinada região geográfica e se
responsabilizam por captar o diabético desde muito antes de surgirem
complicações. Cada ambulatório conta com uma equipe composta por um médico,
um enfermeiro e um técnico de enfermagem que examinam cada paciente e lhe
atribuem uma classificação de risco do pé. Esta classificação orientará a
periodicidade com que deverá retornar ao ambulatório. Um paciente com grau 0
de risco, por exemplo, deve retornar de 6 em 6 meses.
Estes ambulatórios provêem um cuidado preventivo e educativo à
população. Quanto mais cedo se identifica a doença e se começa um processo de
educação alertando para os riscos do diabetes maior a aderência a seu
84
tratamento. Consegue-se assim postergar e, muitas vezes, evitar as
complicações, aliviando todo o sistema.
O objetivo de cada ambulatório é tornar-se um local de referência para o
diabético. No momento em que o paciente identifica qualquer problema – uma
infecção ou nova lesão - ele vai ao ambulatório próximo de sua residência.
A equipe de cada ambulatório foi treinada para acolher bem o paciente e
oferecer todo apoio necessário no cuidado do diabetes. Se o paciente tiver
dificuldade de cortar as unhas, por exemplo, seja por motivo de idade, obesidade,
ausência de familiares, etc., o técnico de enfermagem irá cortar-lhe as unhas, lixar
e hidratar o seu pé a cada 15 dias. Aproveitam-se estas visitas para oferecer uma
orientação sobre os cuidados básicos que o diabético deve ter com a saúde, a
higiene e a alimentação bem como, com a periodicidade recomendada, fazer a
glicemia capilar e o controle do diabetes. Estes detalhes ganham a confiança do
paciente que percebe o bom atendimento. 95% dos pacientes atendidos no
ambulatório dão continuidade ao tratamento.
A diretriz no pólo primário é atendimento imediato. Os retornos são todos
programados, mas o paciente sabe que se surgir alguma emergência antes ele
será atendido imediatamente.
Caso não seja possível resolver a complicação no ambulatório, devido ao
grau de risco que o pé do paciente se encontra ou a complexidade que o
tratamento exigir, o paciente é encaminhado para o pólo secundário ou
diretamente para o atendimento terciário, isto é, o hospital.
2º) Pólo secundário de atendimento. O pólo secundário foi criado para
otimizar o atendimento dos pacientes com maior risco. Sem este pólo secundário,
o paciente com uma complicação não tratável no ambulatório teria que marcar
uma consulta num hospital. Pode esperar até 6 meses para ser atendido, período
suficiente para perder uma perna. O pólo secundário foi projetado para atender
este paciente em no máximo 48 horas.
Na implementação do pólo secundário de atendimento, havia o medo de
que o pólo seria sobrecarregado pela demanda advinda do atendimento primário.
85
Tal medo mostrou-se infundado devido às condições de atendimento no pólo
primário. A capacitação das equipes foi chave para reduzir o fluxo de pacientes
para o pólo secundário.
Há 2 pólos secundários de atendimento: no Hospital da Lagoa e no Hospital
do Andaraí. Cada pólo conta com uma equipe multidisciplinar mínima com 6 tipos
de profissionais: médico angiologista ou cirurgião-vascular, endocrinologista,
enfermeiro, nutricionista, psicólogo e fisioterapeuta.
O modelo de atendimento nos pólos secundários foge ao tradicional modelo
de um consultório para cada profissional. O paciente não marca uma consulta com
um endocrinologista, outra com o psicólogo, outra com o médico vascular, etc.. O
paciente marca um horário de atendimento no pólo e é encaminhado para um
“box” de atendimento. Não é o paciente que vai ao médico, mas o médico que
percorre cada “box” para atender ao paciente. A distribuição espacial dos “boxes”
permite a interação dos pacientes, o que facilita a troca de experiências e
minimiza ansiedades.
Este modelo otimiza tanto o tempo do paciente como o do médico. Numa
consulta o paciente pode ser atendido por 6 profissionais e passar por 6
procedimentos. Numa manhã, o médico endocrinologista do pólo secundário, por
exemplo, pode atender mais pacientes do que num regime de consultório.
Por estar localizado num hospital, caso se perceba a necessidade de um
exame nefrológico ou oftalmológico, o paciente pode ser facilmente encaminhado
para a respectiva área.
O pólo secundário também realiza cirurgias mais simples (não vasculares) o
que alivia o fluxo de pacientes para o atendimento terciário. Foi o conhecimento
aprofundado da situação do paciente de pé diabético que permitiu a incorporação
deste procedimento no pólo secundário. Nas palavras do próprio Dr. Caiafa em
seu depoimento sobre o Pólo Secundário do Pé Diabético:
A principal causa do pé diabético é a neuropatia. Esta neuropatia atinge o
músculo que deforma o pé, tira-lhe a sensibilidade e gera pontos de pressão e
úlceras. Após 25 anos de formado fui entender a profundidade desta neuropatia.
Ela permite que opere o doente sem a anestesia. O principal gargalo para fazer
86
uma amputação de dedo era a indisponibilidade de um anestesista. Hoje
amputamos até parte do pé aqui ao invés de interná-lo no hospital”.
Para que um paciente possa ser amputado no pólo secundário deve reunir
um conjunto de condições: estar clinicamente apto para submeter-se à cirurgia
proposta, ter neuropatia (não sentir dor), ter acompanhante, poder voltar ao pólo
todos os dias para fazer o curativo. Mais de 60% dos pacientes reúnem estas
condições.
Fazer a cirurgia no próprio pólo secundário apresenta uma dupla vantagem.
Do ponto de vista do sistema de saúde, representa uma grande economia por
evitar os gastos com internações. Do ponto de vista do paciente, representa
segundo o Dr. Caiafa “uma humanização brutal em seu atendimento”. Esta
humanização se dá, pois o paciente cria um laço com os profissionais do pólo que
darão continuidade nos seus cuidados e, principalmente, por não ter que se
separar da família durante a cirurgia (como ocorre num caso de internação
hospitalar). A questão da separação da família é particularmente sensível em
pacientes idosos por trazer complicações psicológicas adicionais. Quando a
cirurgia é realizada no pólo secundário tais complicações são minimizadas.
O paciente permanece no pólo secundário até o momento em que retorna
ao nível de risco tratável no pólo primário.
Caso o paciente precise passar por uma cirurgia vascular ele é preparado e
encaminhado para a internação hospitalar.
3º) Atendimento terciário. Trata-se da internação hospitalar. Graças à
integração com o pólo secundário que cuida do paciente antes e depois da
operação é possível reduzir o tempo total de internação e, conseqüentemente, de
consumo de recursos do hospital. Libera-se o leito mais rapidamente aumentando
o giro dos leitos.
O fluxo otimizado de atendimento ao paciente com pé diabético passando
pelo primeiro e segundo níveis de atendimento tem reduzido o número de
amputações altas. O Quadro 4-1 demonstra a redução do nível de amputações
altas de pacientes oriundos do pólo secundário de atendimento, realizadas no
87
Hospital da Lagoa. Segundo o Dr. Caiafa, um nível considerado referência
mundialmente é de 10% e o projeto tem condições de atingi-lo se melhorar a
integração com o hospital.
Quadro 4-1: Evolução dos índices de amputação alta
Ano Amputação
alta
Amputação
baixa
Outros
proc.
Internação
clínica
Número de
procedimentos
2003 34,1% 39,0% 4,9% 22,0% 41
2004 21,7% 44,4% 11,1% 22,7% 198
2005* 20,6% 38,1% 17,5% 23,8% 63
* Dados até agosto de 2005
Fonte: Núcleo de Epidemiologia do Hospital da Lagoa
4º) Atendimento quaternário. Após uma amputação, o estilo de vida do
paciente se altera consideravelmente. O paciente precisa ser orientado nesta nova
etapa e precisa de próteses (no caso de amputação alta) ou de um calçado
especial (órteses, no caso de amputações baixas). Quando se utiliza um sapato
adequado, o pé volta a apresentar úlceras em 20% dos casos. Quando não se usa
um sapato adequado, novas úlceras aparecem em 99% dos casos.
O Projeto do Pé Diabético conseguiu assinar um convênio entre a Prefeitura
e a Associação Brasileira Beneficiente de Reabilitação (ABBR) para fornecimento
dos sapatos especiais
37
. Toda vez que um paciente precisa de um sapato
especial, um técnico da ABBR vai ao pólo secundário e faz um sapato sob medida
para o paciente. O sapato é entregue ao paciente após a aprovação do médico
38
.
4.1.4 Educação continuada
A questão da educação continuada para o paciente e sua família é um dos
pilares do projeto. Em todos os níveis de atendimento esta preocupação está
37
A ABBR devia dinheiro para a Prefeitura e não tinha como pagar e passou a fazer os sapatos especiais para
saldar sua dívida.
38
A ABBR é especialista em sapatos ortopédicos. No entanto, estes sapatos não se adaptam ao diabético.
Houve um processo de aprendizagem para a fabricação de sapatos especiais para diabéticos. No início do
convênio, 70% dos sapatos feitos sob medida voltavam devido a erros. Hoje, 10% voltam.
88
presente. No atendimento primário, a enfermeira é chamada de enfermeira
educadora. No pólo secundário, a sala de espera funciona como auditório.
Aproveita-se a espera para sensibilizar o paciente dos cuidados que deve ter com
o pé, o rim, a necessidade de consultar um oftalmologista ao menos uma vez ao
ano. No atendimento terciário, a psicóloga e a assistente social são preparadas
para atender os pacientes no hospital.
4.1.5 Capacitação do pessoal de atendimento
A capacitação das equipes em cada nível de atendimento é fundamental
para o sucesso do projeto. Quanto melhor a qualidade de atendimento na ponta,
menores as complicações para o paciente e menor o fluxo de pacientes para os
níveis mais elevados de atendimento. Para garantir a qualificação dos
profissionais foi elaborado processo de treinamento constante. Para o Dr. Caiafa,
o grande diferencial do projeto é a mudança de mentalidade da equipe
ambulatorial antes de começar o projeto. Isto se consegue através de um
treinamento presencial forte.
Entre o pólo primário (108 ambulatórios) e o secundário (2 pólos) de
atendimento existem 4 pólos intermediário voltados para o treinamento e análise
constante dos fluxos dos pacientes. Uma vez por ano, cada equipe dos
ambulatórios passa uma semana no pólo intermediário para um re-treinamento.
Este treinamento também funciona para integração dos níveis. As equipes
da periferia conhecem exatamente para onde encaminham seus pacientes e
sabem que serão bem atendidos. Segundo o Dr. Caiafa, após o treinamento as
equipes saem motivadas e “passam a acreditar que é possível fazer algo diferente
no serviço público”.
4.1.6 Próximos passos
Os idealizadores do Projeto do Pé Diabético têm planejado uma série de
iniciativas para melhorar a efetividade no tratamento:
89
o Implementar um sistema de informação que integre todos os níveis de
atendimento. Com este sistema será possível rastrear cada atendimento.
o Ampliar a capacidade de cirurgias ambulatoriais nos pólos secundários. Isto
desafogaria as emergências dos hospitais públicos.
o Reforçar o processo de capacitação e treinamento das equipes.
90
4.2 Atendimento de emergência no Pró-Cardíaco
4.2.1 Introdução
O Hospital Pró-Cardíaco foi fundado em 1959 e tem como objetivo ser
referência absoluta em medicina de alta complexidade no Brasil. Possui uma
unidade de Emergência, uma unidade de terapia intensiva, uma unidade
coronariana e uma unidade Pós-Operatória. Foi o primeiro hospital a organizar
uma unidade de dor torácica no país.
Primeiramente, serão apresentados as decisões e os respectivos riscos
incorridos num hospital de alta complexidade. Em segundo lugar, serão descritas
as bases sobre as quais o Pró-Cardíaco se apóia para prestar um serviço de
excelência: a qualificação do pessoal e a estratégia de sistematização do
atendimento. Em seguida, será apresentada a lógica do diagnóstico baseado em
evidências para então explicar o funcionamento do protocolo de atendimento de
dor torácica desenvolvido pelo hospital. Finalmente, será descrita a preocupação
do Pró-Cardíaco pela melhoria contínua da prática clínica.
4.2.2 Decisões sob risco
Quando um paciente sofrendo de dor torácica chega a um hospital, dois
encaminhamentos não desejáveis podem ocorrer:
1) o paciente é liberado, isto é, mandado de volta para casa e algum tempo
depois sofre de um problema que deveria ter sido identificado no
hospital;
2) o paciente é internado num hospital de alta complexidade e não
apresenta nenhum problema merecedor de internação.
No primeiro caso ocorreu um erro que, além de prejudicar o paciente, atinge
diretamente a reputação do hospital. No Pró-Cardíaco, é precisamente sua
reputação que lhe permite cobrar um preço premium pelos seus serviços. No
segundo caso ocorrerá um desperdício de tempo e de dinheiro não desprezível
das pessoas envolvidas, uma vez que houve internação de um “pseudo-paciente”
91
num hospital de alta complexidade. Portanto, o encaminhamento de um paciente
com dor torácica sempre envolve uma decisão sob risco.
Para evitar estes extremos não é viável realizar todos os exames existentes
e assim se chegar a uma certeza absoluta sobre qual o melhor encaminhamento:
a internação ou a liberação. A inviabilidade de se realizar todos os exames se dá
por motivos econômicos e por motivos de tempo. Por um lado, a proliferação de
exames é uma das causas da ineficiência nos serviços de saúde
39
. Por outro lado,
muitas vezes o estado do paciente é tão grave que não há tempo hábil para
realizar todos os exames. Além disso, em medicina, não existe certeza absoluta,
não existe risco zero. Portanto, é necessário trabalhar com o conceito de custo-
efetividade.
Para minimizar os erros é necessário qualificar ao máximo a assistência,
que deve saber os exames a pedir e o grau de certeza que estes exames
fornecem. Trata-se de estabelecer procedimentos que subsidiem os médicos com
as informações necessárias para atingir níveis razoáveis de certeza na tomada de
decisão. Este é o objetivo da medicina baseada em evidências e sob esta óptica o
Hospital Pró-Cardíaco estrutura suas operações.
4.2.3 Excelência no atendimento
O Pró-Cardíaco prima pela excelência no atendimento e para atingi-la
depende da qualificação de seu pessoal e de uma estratégia de sistematização de
atendimento. A preocupação pela capacitação e pela valorização do pessoal é
permanente e se manifesta através da contínua aprendizagem científica,
tecnológica e humana a que se submetem seus colaboradores.
A equipe da unidade de emergência é composta por cardiologistas, todos
certificados pelo Advanced Cardiac Life Support, um curso voltado para o
atendimento emergencial dos cuidados cardiovasculares. Há uma discussão
39
Segundo artigo do The Economist (December 17th, 2005), médicos estimam que até 15% das rotinas de
exame requisitadas são desnecessárias. A principal função destes exames é resguardar o médico de ações
judiciais (a chamada medicina preventiva). Os EUA gastam um furacão Katrina por ano (R$ 200 bilhões de
dólares) com processos judiciais relacionados com os cuidados da saúde.
92
periódica de todos os casos e uma discussão quinzenal dos casos considerados
mais difíceis. A equipe é incentivada a aprimorar a prática clínica de acordo com
as novidades que surgem da literatura, mantendo-se assim constantemente
atualizada.
A necessidade de qualificação do pessoal se reforça quando se leva em
consideração as características peculiares do Pró-Cardíaco. O nicho de mercado
no qual este hospital se insere atinge pacientes (e seus familiares) com boa
capacidade intelecto-cognitivas que, por um lado, são extremamente sensíveis a
explicações dos procedimentos a serem realizados e, por outro lado, possuem
elevada expectativa quanto a resultados. No treinamento dado aos envolvidos no
processo frisa-se o desenvolvimento da capacidade de explicar bem por que e
como serão realizados os procedimentos, o expertise técnico do procedimento, a
rapidez na resposta ao chamado, a empatia com relação à situação do paciente.
Procura-se efetivamente envolver o paciente, explicando-lhe cada uma das etapas
do processo e fazendo-o participar da tomada de decisão.
A estratégia de sistematização do atendimento parte da medicina baseada
em evidências e procura dar um caráter objetivo ao processo de decisão médica
que é subjetivo. Para tanto se desenvolve um protocolo de atendimento, isto é,
uma padronização na forma de atender cada paciente. A unidade de emergência é
sistematizada com rotinas clínicas bem definidas de dor torácica e sepse.
No Pró-Cardíaco, o primeiro protocolo a ser desenvolvido foi o de dor
torácica (DT). Introduzido em 1996 a partir da experiência do Hospital St. Agnes
em Baltimore (EUA), este protocolo vem sendo desde então sistematicamente
revisto e melhorado. O objetivo inicial do protocolo era evitar que os pacientes
recebessem alta com risco de infarto ou que um paciente sem risco fosse admitido
num hospital complexo e caro. Com este protocolo procura-se também atingir uma
estratégia de custo-efetividade, isto é, atender o paciente com o menor custo e
com a maior precisão possíveis. Segundo o chefe da emergência do Pró-
Cardíaco: “Se é a melhor estratégia custo-efetiva eu não sei. Não conheço ainda
uma estratégia de avaliação metodologicamente correta que consiga me provar o
custo-benefício das unidades de DT da forma como elas são implementadas.
93
Estou falando de custo-benefício... Agora, que é o melhor método para chegar a
esse objetivo inicial de fazer uma boa prática clínica, isto não tenho a menor
dúvida”.
4.2.4 A lógica do diagnóstico baseado em evidências
Segundo Jaeschke et al. (1994) o ponto de partida de qualquer processo de
diagnóstico é o paciente apresentando uma série de sintomas e sinais. O conjunto
de sinais e sintomas leva a um diagnóstico clínico e a atribuição de uma
probabilidade pré-teste do paciente apresentar determinada doença. Via de regra,
esta probabilidade pré-teste é insuficiente para definir o encaminhamento do
paciente. Faz-se necessário continuar a investigação através de um teste
diagnóstico.
Maia e Cunha (2001) afirmam que um teste diagnóstico é todo
procedimento complementar que ajuda a confirmar ou refutar um diagnóstico
clínico. O teste diagnóstico pode ser um exame laboratorial, funcional ou de
imagem. O que estes testes fazem é modificar a probabilidade pré-teste gerando
uma nova probabilidade pós-teste facilitando a tomada de decisão clínica. A
direção e a magnitude da mudança da probabilidade pré-teste vai depender das
propriedades do teste.
Uma destas propriedades é conhecida como a razão de verossimilhança
(RV) e indica o quanto um teste diagnóstico aumenta ou diminui a probabilidade
pré-teste de uma doença. Este valor está em função da acurácia do teste, isto é,
da sua capacidade de gerar resultados verdadeiros. Os valores da RV são obtidos
comparando o teste diagnóstico com o teste considerado ideal ou padrão. O teste
ideal nem sempre é exeqüível por ser mais invasivo, mais caro, necessitar de uma
tecnologia não disponível ou exigir mais tempo do que se dispõe. Daí a
necessidade de utilizar um teste alternativo.
O nomograma de Fagan, representado no Quadro 4.2, é uma ferramenta
bastante utilizada para calcular a probabilidade pós-teste a partir do valor da RV. A
linha da esquerda representa a probabilidade pré-teste, a linha do meio apresenta
94
os diferentes valores da razão de verossimilhança e a linha da direita representa a
probabilidade pós-teste. Para se chegar à probabilidade pós-teste basta traçar
uma linha que liga a probabilidade pré-teste com o valor da razão de
verossimilhança e verificar em que ponto ela cruza a linha de probabilidade pós-
teste.
Quanto maior o valor da RV maior a sua utilidade para confirmar a doença.
Quanto menor o valor da RV maior a sua utilidade para excluir a doença. Por
exemplo, se a probabilidade pré-teste de uma doença é de 70% e se realiza um
teste diagnóstico cuja RV é 10, a probabilidade pós-teste da doença é de 96%.
Este valor pode ser suficiente para o clínico decidir prosseguir com o tratamento.
Se a probabilidade pré-teste de uma doença é de 30% e se realiza um teste
diagnóstico cuja RV é 0,1, a probabilidade pós-teste da doença é de 3%. Este
valor pode ser suficiente para o clínico decidir liberar o paciente.
Da conjugação da probabilidade pré-teste com o valor da RV do teste
diagnóstico é que se determina a utilidade de se realizar ou não este teste
diagnóstico para determinado paciente. O que se busca é selecionar os testes que
gerarão impacto significativo fornecendo ao clínico o maior grau de certeza
possível para a tomada de decisão tanto no sentido de confirmar a existência da
doença e prosseguir com o tratamento como no sentido de excluir a existência da
doença e mandar o paciente para casa. Caso o teste diagnóstico não traga um
grau de certeza razoável é necessário continuar o processo diagnóstico com
outros exames.
95
Quadro 4-2: Nomograma de Fagan
Um teste diagnóstico com razão de verossimilhança (RV) igual a 10, por
exemplo, é adequado para confirmar a presença de determinada doença. Este
teste modifica a probabilidade pré-teste de 70% para uma probabilidade pós-teste
de 96%.
Um teste diagnóstico com RV igual a 0,1 é adequado para excluir a
presença de determinada doença. Uma probabilidade pré-teste de 30%, por
exemplo, após a aplicação do teste modifica a probabilidade do paciente ter a
doença para 3%.
Estes novos valores pós-teste subsidiam os médicos com maiores
informações e elevam os níveis de certeza para a tomada de decisão clínica.
No caso do Hospital Pró-Cardíaco que lida com doenças complexas com
elevado risco de vida, a estratégia de escolha e seqüência dos exames é crítica
96
para um atendimento custo-efetivo. Para isto foi desenvolvido o protocolo de
atendimento de dor torácica.
4.2.5 O protocolo de atendimento de dor torácica
A dor torácica pode ser causada por uma série de problemas: síndrome
coronariana aguda (infarto agudo de miocárdio, angina instável), síndrome aórtica
aguda, embolia pulmonar. Quando um paciente com dor torácica chega ao Pró-
Cardíaco realiza-se uma classificação da sua dor. Neste momento procura-se
colher o máximo de informação possível
40
: data e hora de início da dor, duração
da dor no momento da admissão do paciente, duração do episódio mais intenso,
localização da dor, qualidade da dor, intensidade, irradiação, desencadeamento,
dor prévia, sintomas associados, levantamento de fatores de risco e história
clínica, medicações em uso, entre outros. Estas informações permitirão classificar
a dor do paciente em uma de 4 categorias:
A – dor definitivamente anginosa
B – dor provavelmente anginosa
C – dor provavelmente não anginosa.
D – dor definitivamente não anginosa.
As 4 categorias de dor obedecem a uma classificação decrescente da
probabilidade desta dor torácica ser de origem cardíaca e, consequentemente,
decresce a complexidade de investigação e tratamento do paciente.
A classificação da dor permite estabelecer uma probabilidade clínica do tipo
de doença, mas não é suficiente para definir o melhor encaminhamento para o
paciente. A realização de alguns testes (eletrocardiograma, radiografia de tórax e
ecocardiograma) e exames laboratoriais são necessários para jogar a
probabilidade pós-teste do paciente ter determinada doença o mais próximo de
100% para interná-lo ou de 0% para liberá-lo.
A anamnese cuidadosa, isto é, o levantamento detalhado de informações,
juntamente com os testes e exames laboratoriais são primordiais para a alocação
40
Na linguagem médica, este procedimento de coleta de informações é denominado de anamnese.
97
do paciente numa das rotas de atendimento. Esta rota define o fluxo do paciente
no hospital. Na definição do Pró-Cardíaco: “a rota é a maneira mais objetiva,
rápida e custo-efetiva de se chegar ao diagnóstico e tratamento do problema que
motivou a admissão do paciente à unidade de emergência e obter resolutividade
clínica”.
Por exemplo, para se chegar ao diagnóstico de infarto agudo de miocárdio,
dois testes realizados em paralelo são fundamentais: o eletrocardiograma (ECG) e
um exame de sangue. Se o paciente tiver um padrão eletrocardiográfico em que o
segmento ST encontra-se elevado
41
, o paciente entra na Rota 1 e é encaminhado
diretamente para a sala de hemodinâmica. É preciso desobstruir a artéria do
paciente o mais rápido possível. Isto significa que dor tipo A (dor definitivamente
anginosa) com elevação de ST resulta numa probabilidade pós-teste do paciente
ter infarto agudo de miocárdio maior que 99%.
Se o paciente não tiver uma alteração tão específica em seu ECG, é
alocado para a Rota 2. Ainda considera-se que tem alta probabilidade de ter
infarto. Para a Rota 3, é alocado um paciente com um ECG normal e uma dor tipo
C (dor provavelmente não anginosa). A probabilidade de se ter uma doença
coronariana assim como a complexidade da intervenção decresce de rota para
rota.
Para completar o diagnóstico de infarto, é fundamental uma análise de
sangue que detecte a elevação dos níveis de 2 enzimas
42
do miocárdio. Num
infarto, as células mortas do miocárdio liberam estas 2 enzimas. Um exame
positivo que acusa a presença destas enzimas joga a probabilidade pós-teste de
infarto próximo a 100%; um exame negativo, a próximo de 0%. Portanto, este
exame de sangue é muito bom tanto para excluir como para confirmar a
ocorrência de um infarto agudo de miocárdio
43
. Na ausência das enzimas,
41
Em linguagem médica: Supra de ST.
42
Estas enzimas são conhecidas como os marcadores de necrose do miocárdio: troponina e
creatinofosfoquinase
43
Isto se dá porque o teste das enzimas tem um alto valor preditivo positivo e um alto valor preditivo
negativo. O valor preditivo positivo é a probabilidade da doença em um paciente cujo resultado do teste foi
positivo. O valor preditivo negativo é a probabilidade de o paciente não ter a doença quando o resultado do
teste é negativo
98
submete-se o coração a uma estratificação funcional que verifica sua capacidade
de suportar as atividades diárias. Conforme o resultado, o paciente ou é
submetido ao cateterismo ou é liberado.
De maneira semelhante, conjugando os diversos testes e exames de
acordo com seus valores de razão de verossimilhança se procura atingir um alto
nível de certeza sobre a presença ou ausência das outras doenças (Síndrome
Aórtica Aguda na Rota 4A e embolia pulmonar na Rota 4B) e assim encaminhar o
tratamento através do cateterismo ou a liberação do paciente. O Quadro 4.3 ilustra
o protocolo de atendimento da dor torácica.
O diagnóstico e o tratamento de problemas oriundos de dor torácica exigem
intervenções tempo dependentes. O fator tempo é crítico para a resolutividade dos
problemas e está incorporado em todos os processos. Na rota 1, por exemplo, o
tempo percorrido para efetivar o diagnóstico e o tratamento (realizar a angioplastia
na artéria) é de 60 minutos.
Já para a rota 2 ou 3, o diagnóstico demora 8h, pois faz-se necessário
esperar os resultado dos exames. Para garantir a pronta disponibilização dos
exames o hospital Pró-Cardíaco trabalha em parceria com o laboratório Lâmina
Medicina Diagnóstica. Este laboratório tem uma rotina com tempos bem
especificados para cada etapa do exame. Para o exame de sangue que detecta a
presença de enzimas liberadas pelo miocárdio, por exemplo, o Lâmina tem 50
minutos para apresentar o resultado dos exames: 3 minutos para atender a
chamada, 10 minutos para a coleta de sangue, 10 minutos para a centrifugação,
20 minutos para o processamento, 4 minutos para a análise dos resultados, 3
minutos para a liberação dos resultados.
99
Quadro 4-3: Protocolo de Dor Torácica do Hospital Pró-Cardíaco
Legenda
Exames
ECG: Eletrocardiograma
ECO: ecocardiograma
transtorácico
TE: Transesofágico
MNM: marcadores de necrose
miocárdica
TC: Tomografia computadorizada
RM: Ressonância Magnética
Cint Pulm: Cintilografia Pulmonar
Sintomas
DT: Dor torácica
BRE: Bloqueio do ramo esquerdo
Doenças
SAA: Síndrome Aórtica Aguda
EP: Embolia Pulmonar
Encaminhamento
AR: Alto Risco
Internação Æ CAT: Cateterismo
LiberaçãoÆ Ausência de SIA: Síndrome isquêmica aguda
100
4.2.6 Melhoria Contínua
O protocolo de dor torácica de 10 anos atrás é bem diferente do atual. A
experiência e o aprendizado levaram a sucessivas alterações e melhorias no
protocolo. Há 10 anos, por exemplo, o exame de sangue detectava a presença de
4 enzimas e era realizado 4 vezes: no momento da admissão, 3 horas depois, 6
horas depois e 9 horas depois. O primeiro passo foi perceber que uma enzima, a
mioglobina, não contribuía para aumentar a precisão no diagnóstico. Esta enzima
foi eliminada dos exames.
Num segundo momento, ao passar de 4 para 3 enzimas foi estabelecido
que seriam feitos 3 exames: na admissão, com 3 horas e com 9 horas. Estudos
mostraram que até a 8ª hora as enzimas já eram detectadas. Como a maioria dos
pacientes chegam ao hospital pelo menos 2 horas após o início da dor, bastaria
fazer o exame na 6ª hora após a entrada no hospital. Hoje só é necessário colher
2 exames, no momento da admissão e 6 horas depois, e basta a análise de 2
enzimas para diagnosticar o infarto. Reduziram-se o número de exames, a
quantidade de enzimas analisadas e o tempo para tomada de decisão.
Dada a complexidade do protocolo e a necessidade de atingir altos níveis
de confiança nos resultados dos exames, qualquer alteração envolve muita
discussão e a obtenção de consenso de todos os envolvidos. Trata-se, portanto,
de um processo longo. Atualmente, a unificação da rota 2 e 3 é percebida como
uma oportunidade de melhoria. Em termos de investigação não há muita diferença
entre as duas rotas. A rota 2 incorpora o ecocardiograma, a rota 3 não. Os
doentes da rota 2 e 3 diferem entre si também pela abordagem farmacológica. A
vantagem desta unificação consistiria na redução de complexidade do protocolo e
maior padronização na investigação dos pacientes. Segundo o chefe da
emergência do Pró-Cardíaco: “Através de bom senso, de uma coleta detalhada de
informações, de muita discussão com as pessoas envolvidas se aperfeiçoa este
protocolo.”
Uma análise de custo-efetividade para os eventos intra-hospitalares mostra
um real progresso no protocolo atual em comparação com o primeiro de 10 anos
101
atrás. No entanto, como frisou o chefe da emergência, é preciso incorporar uma
medida de efetividade do tratamento após a alta hospitalar. Ainda não existe uma
ferramenta para fazer este acompanhamento.
102
4.3 O processo de atendimento no Hospital Dr. Badim
4.3.1 Introdução
O Hospital Dr. Badim (HDB) entrou em operação no ano 2000. Está
localizado na Tijuca, possui 85 leitos (28 na CTI, 3 na emergência e 54 nos
andares), opera com um corpo clínico aberto, conta com 400 funcionários e tem
como filosofia “o paciente em primeiro lugar
44
”. Sua proposta é oferecer um
serviço de alta capacidade técnica, seguro e, ao mesmo tempo humanizado. Será
estudado como esta filosofia se traduz em seu processo de atendimento.
O processo de atendimento de um hospital tem um grande impacto tanto do
ponto de vista do paciente que consome um serviço de saúde como do ponto de
vista das operações do hospital que provêem este serviço. Para o paciente, o
atendimento corresponde ao primeiro “momento da verdade” da sua relação com
o hospital e estabelece uma primeira impressão da qualidade do serviço prestado.
Para o hospital, o processo de atendimento fornece uma série de informações que
disparam outros processos como reserva de vagas, autorização do convênio,
faturamento, transferência do paciente para outro hospital, marcação de exames
internos e externos, entre outros.
Primeiramente, será apresentada a maneira como o processo de
atendimento afeta o Hospital Dr. Badim (HDB). Em seguida, serão descritos os
problemas com os quais o hospital se deparava derivados deste processo e a
solução adotada. Finalmente, será dado um exemplo da reformulação de um
processo de atendimento implementado no hospital.
44
Extraído do site: http://www.badim.com.br/filosofia.htm Acesso em: 11 de agosto de 2006
103
4.3.2 Atendimento no Hospital Dr. Badim
O Hospital Dr. Badim (HDB) trabalha com a máxima de que “a primeira
impressão” é a que fica. Se num primeiro momento de interação com o paciente
ocorre alguma falha que cause certa frustração (demora no atendimento, falta de
uma orientação adequada, informações imprecisas, etc.), há grande probabilidade
de o paciente ter uma predisposição de enxergar os outros processos de forma
negativa. A reversão desta impressão é muito custosa.
No HDB há quatro maneiras distintas de acesso ao hospital, cada qual
obedecendo a um fluxo e um tipo de interação diferente: 1) o paciente chega para
a emergência; 2) o paciente chega para um procedimento eletivo (pré-
programado); 3) um acompanhante ou uma visita quer ter informação/ver o
paciente; 4) via telefone. Os colaboradores que compõem a recepção são os que
se responsabilizam por este primeiro atendimento.
Emergência
Ao receber um paciente para a emergência é necessário esclarecer duas
informações importantes: a) o que o hospital pode oferecer; b) se o que o hospital
oferece ele pode comprar. Qualquer ruído na comunicação envolvendo estas duas
informações gera frustração para o paciente, ineficiência para o hospital e
constrangimento para ambos. Se uma paciente precisa dos cuidados de um
ginecologista e não há ginecologista de plantão, se necessita de uma tomografia e
o tomógrafo por algum motivo não está disponível no momento, não adianta dar
entrada no hospital (será necessário dar o primeiro atendimento ao paciente e
encaminhá-lo a outra unidade assegurando a continuidade da assistência). Se um
paciente possui determinado plano de saúde é preciso, antes de aceitar o
paciente, saber de que tipo é e se o hospital é coberto por este plano.
No caso de não haver vaga no hospital para um paciente de emergência é
preciso garantir o suporte à vida, a continuidade no tratamento e sua transferência
para outro hospital. É a recepção que buscará uma vaga em outro hospital. No
caso inverso, outro hospital quer transferir um paciente para o HDB, é a recepção
104
que se encarrega de todo o trâmite legal para a transferência (autorização do
convênio, solicitação de vaga, contato com médico).
Uma vez que o paciente é aceito no hospital é a própria recepção que se
responsabiliza por gerenciar cada etapa de atendimento:
o gerar o formulário de atendimento, que alimenta o sistema de
faturamento;
o conseguir do convênio a autorização e a senha para cada exame
médico a ser realizado;
o se for necessário fazer algum exame fora do hospital, contatar a
ambulância;
o no caso de internação, é preciso obter uma vaga dentro do hospital
o fechamento da conta do cliente.
Por gerar os formulários de atendimento, a recepção tem um papel
fundamento no sistema de faturamento do HDB. Cada atendimento, cada
convênio tem um formulário de atendimento específico. O preenchimento tardio ou
incompleto do formulário de atendimento gera glosa, isto é, não pagamento do
atendimento e, consequentemente, afeta diretamente o fluxo de caixa do hospital.
Cirurgias eletivas
As cirurgias eletivas são procedimentos pré-programados cuja realização
bem-sucedida depende da coordenação de várias partes: a fonte pagadora, que
precisa autorizar o procedimento; o médico externo, que precisa programá-lo com
antecedência; o cliente, que precisa ter toda a documentação em ordem para
internação. Sem um conhecimento de cada parte do processo, sem um
responsável por integrar todas as partes, introduz-se a falta de sincronização entre
pessoas, informações e materiais o que gera frustração para todos os envolvidos.
O processo de atendimento das cirurgias eletivas deve impedir que isto aconteça.
O último item deste caso descreve como o HDB redesenhou seus processos para
criar sincronia entre estes elementos.
105
Clientes acompanhantes
Sem a devida orientação, os clientes que acompanham os pacientes podem
causar um transtorno à operação do hospital. Cabe à recepção coordenar a
chegada, a entrada, a permanência e a identificação destes clientes. O cuidado
em fornecer a informação precisa ao cliente acompanhante – em que quarto se
hospeda o paciente, se já saiu ou se permanece da CTI, seu estado de saúde – é
fundamental para suavizar expectativas e evitar “choques” inesperados (que
podem inclusive gerar processos judiciais).
A orientação completa sobre exatamente o que o plano de saúde cobre em
relação ao acompanhante e ao paciente (pernoite, refeições, TV, etc..) precisa ser
dada antecipadamente ao cliente e deve orientar a hotelaria para que prepare o
quarto devidamente.
Todo aspecto de gestão da informação está incluído neste processo de
atendimento e fica a cargo da recepção.
Atendimento Telefônico
Novamente, informações precisas e conhecimento de todo o processo são
fundamentais para impactar positivamente o cliente que chama por telefone. Não
basta ter uma telefonista. Quem se responsabiliza por este atendimento precisa
um conhecimento mais aprofundado do negócio: escala de ambulatório, tipos de
convênio, o que cada convênio atende, etc..
4.3.3 Problemas no processo de atendimento
O processo de atendimento no HDB evidenciava uma série de problemas
cujos sintomas eram a insatisfação do paciente, as reclamações constantes do
corpo clínico, glosa (não pagamento) e práticas anti-éticas por parte das
recepcionistas, sendo que estes dois últimos afetavam diretamente o fluxo de
caixa do hospital.
A insatisfação do paciente era gerada pela descortesia no atendimento,
pelos longos tempos de espera entre as diversas etapas, pelas “surpresas”
106
desagradáveis no decorrer do processo. Era freqüente o paciente descobrir (numa
hora inadequada) que tal exame não era coberto pelo convênio, que o pernoite do
acompanhante deve ser pago pelo cliente, que o médico por quem aguardava não
estava nem estaria no hospital, etc..
As reclamações do corpo clínico incluíam a demora na chegada do paciente
e, consequentemente, atrasos na cirurgia, a falta de informação precisa sobre a
localização do paciente, a falta de aviso da autorização do procedimento pelo
convênio gerando ociosidade da equipe médica ou o aviso muito em cima da hora
da autorização exigindo a convocação imediata da equipe já envolvida em outras
atividades.
A glosa era ocasionada pela falta de autorização dos convênios para os
procedimentos médicos, pelo preenchimento indevido dos formulários de
atendimento, pela má gestão da informação.
Não é incomum nos hospitais a existência de esquemas ilícitos nos quais
os empregados se engajam em benefício próprio. Existe “tráfico” de pacientes, por
exemplo, quando há um conluio entre alguém da recepção com outro hospital.
Este hospital oferece uma gratificação para a recepcionista que diz não haver
vaga no hospital que representa e “transfere” o paciente para o hospital “pagador”.
Pode ocorrer também uma combinação extra-oficial entre a recepção e a empresa
de ambulâncias. Quando o paciente precisa ser transportado nem sempre se
aciona a ambulância que presta o melhor serviço, mas a que oferece uma
bonificação ao funcionário que a privilegiou. Outra possibilidade é ganhar dinheiro
indicando serviços de funerária. Por este motivo que o HDB coloca uma forte
ênfase no controle e na transparência do processo.
As causas destes sintomas assentavam-se num tripé: falta de formação
adequada dos empregados de linha de frente, falta de um processo padronizado
de atendimento e baixa remuneração.
107
4.3.4 Solução adotada
Foco na formação dos empregado. O mercado de recepcionistas de
hospitais tem como perfil pessoas com formação de nível médio e baixa
remuneração, o que gera uma alta rotatividade dos colaboradores por não
aprendizagem. O eixo sobre o qual se reconstruiu o processo de atendimento no
HDB foi a formação dos colaboradores. Segundo o gerente administrativo: “O
sucesso de tudo são as pessoas. O sucesso de tudo chama-se treinamento. Na
hora que resolvemos buscar a pessoa certa e potencializar esta pessoa, entramos
no caminho certo”.
Foi contratada uma equipe de recepcionistas que não tinha nenhuma
experiência no setor de saúde para evitar a introdução de vícios e
comportamentos antiéticos. Estruturou-se um plano de treinamento de três meses
que buscava não apenas ensinar as tarefas e rotinas de responsabilidade própria
da recepção, mas também de fazer entender em que contexto cada rotina se
inseria. Estimulava-se o entendimento dos porquês de cada atividade. Com o
passar do tempo, o hospital passou a contar com uma equipe de empregados de
linha de frente muito mais capacitada que a anterior. O gerente administrativo do
HDB afirma que “o diferencial das minhas recepcionistas é que entendem muito do
processo de saúde, sabem da complexidade de um paciente para o CTI e o
significado de uma vaga negada a ele, sabem o que é monitorizar um paciente,
entendem do procedimento de urgência que estão marcando”.
O conhecimento do processo de saúde faz com que a participação das
recepcionistas se estenda além das fronteiras estritas da sua função. O seguinte
incidente exemplifica o conhecimento do processo e o grau de iniciativa da
recepcionista. A direção do hospital recebeu um telefonema de uma recepcionista
nestes termos:
- Aquela vaga que foi liberada para o paciente no CTI foi negada pelo
doutor e pela enfermeira. Eles afirmavam que o cabo do aparelho de monitoração
não estava disponível. Fui ao CTI e vi qual era o monitor. Sei que na emergência
108
tem um aparelho semelhante. Este não estava sendo usado, peguei o cabo,
coloquei na CTI e dei a vaga.
A interação da recepcionista com o paciente, os médicos e os funcionários
do hospital é constante de maneira a impedir interrupções desnecessárias no
processo. Se um paciente precisa fazer um exame é necessária a justificativa do
médico para obter a autorização do convênio, a recepcionista busca o que falta
com o médico responsável. A falta de coordenação entre paciente, médico e
convênio pode levar a tempos de espera excessivos. A recepcionista assume o
papel de sincronizar as partes e catalisar o processo. A meta é marcar o exame no
mesmo dia em que foi requisitado.
Outro exemplo do papel decisivo da recepção na sincronização das partes
ocorre no processo de exames externos ao hospital. Local do exame, liberação do
convênio, ambulância e familiares exigem ser coordenados. O conhecimento do
passo a passo deste processo pela equipe da recepção evita os seguintes
problemas que antes eram bastante comuns: agendamento do local sem verificar
se o plano cobria, acerto do local e do exame mas sem marcar a ambulância, a
ambulância chegava sem estar presente o familiar, exame marcado com a
ambulância na porta e presença do familiar sem a documentação em ordem.
Padronização do atendimento. A formação da equipe foi acompanhada
da padronização de todos os procedimentos. O hospital trabalha com 4 turnos de
recepcionistas. Padronização e criação de pontos de controle são fundamentais
para garantir a continuidade na informação. No caso dos exames externos, por
exemplo, os controles levam a: dar retorno à equipe médica do exame marcado;
registrar local, data, ambulância, horário de saída, horário do exame, pessoa da
família contactada; dar baixa nos exames feitos, etc.. Ao trocar o turno da
recepção não se interrompe o fluxo do paciente no hospital.
Remuneração. No que diz respeito à remuneração foi estabelecido um
plano de carreira com a criação de líderes de plantão permitindo salários
diferenciados além de oferecer oportunidades de crescimento em outras áreas do
hospital. Estas iniciativas reduziram a rotatividade das recepcionistas. No entanto,
a rotatividade continua alta. De acordo com o gerente administrativo, “as
109
recepcionistas são potencializadas de tal forma que recebem propostas de outras
instituições para ocuparem cargos de supervisão”. O HDB tem lidado com esta
situação mantendo pessoas-chave capazes de serem multiplicadores de
conhecimento e do modo de trabalho no processo de atendimento neste hospital,
evitando perdas na qualidade.
4.3.5 Fluxo do consumo e provisão de uma cirurgia eletiva
Antes da reformulação do processo
Por definição, a cirurgia eletiva é programada antecipadamente entre o
médico e o paciente. Do momento da consulta em que o médico e o paciente
combinam a data da cirurgia e a cirurgia propriamente dita ocorrem uma série de
etapas cuja coordenação não é trivial: o médico precisa reservar a data e o horário
da cirurgia no centro cirúrgico do hospital, o hospital precisa obter a devida
autorização do convênio para realizar o procedimento, o material a ser utilizado na
cirurgia deve ser solicitado ao fornecedor, a sala cirúrgica e o quarto precisam ser
aprontados, a documentação do paciente preparada.
Por ser marcada com antecedência e por falhas no processo de
atendimento, o paciente nem sempre lembrava o horário certo em que devia se
apresentar no hospital, nem os documentos necessários. Ao chegar no hospital
iniciava-se o processo de obter a autorização do convênio. Um paciente que
chegasse às 7h00 da manhã precisaria aguardar o horário de abertura do
funcionamento do convênio mais todo o trâmite burocrático de liberação do
convênio, mais o tempo de preparação do próprio hospital para então ser
encaminhado para o quarto.
O Quadro 4.4 descreve as etapas necessárias para resolver o problema de
saúde do paciente desde a marcação da cirurgia até a liberação do paciente.
Cada caixa representa uma etapa e sua dimensão está em função do tempo gasto
nela. A parte de cima do quadro representa as atividades do ponto de vista do
paciente, isto é, o processo de consumo do serviço de saúde. A parte de baixo
representa as atividades a serem realizadas do ponto de vista do hospital para
110
prover o serviço. Para o consumidor este processo demandava 464 minutos e
para o hospital 447 minutos, gerando aborrecimento para o paciente e transtornos
para a equipe médica.
Quadro 4-4: Cirurgia eletiva* antes do redesenho dos processos
*Os tempos foram calculados para uma cirurgia de artroplastia de quadril.
111
Ponto de vista do paciente
min
Ponto de vista do hospital
min
Chegada ao hospital Chegada ao hospital
Espera para atendimento 3
Cadastro 5 Cadastro 5
Espera para ser encaminhada ao consultório 10
Consulta 15 Consulta 15
Levar o pedido de internação 5
Sub-total Consulta 38 Sub-total Consulta 20
Chegada ao hospital Chegada ao hospital
Fazer check-in 2 Fazer check-in do paciente 2
Aguardar autorização do convênio 185 Ligar para médico para obter detalhes 5
Esperar abertura de funcionamento convênio 50
Ligar para convênio 10
Esperar autorização do convênio 120
Falar com médico 5
Assinar documentos 15 Obter assinaturas 15
Aguardar liberação do quarto 16 Pedir para aprontar o quarto 1
Arrumar o quarto 15
Levar paciente ao quarto 3 Levar paciente ao quarto 3
Preparação para cirurgia 15 Preparação para cirurgia 15
Cirurgia 180 Cirurgia 180
Aviso de alta 1
Fazer pagamento 10 Fechar conta do paciente 5
Sub-total Cirurgia 426 Sub-total Cirurgia 427
Total 464 Total 447
Cirurgia Eletiva Antes da Pré-Internação
Depois da reformulação do processo
O processo foi reformulado para minimizar o tempo de espera do paciente e
fornecer a informação à equipe médica com a necessária antecedência. Quando o
paciente chega no hospital para a intervenção, o atendimento é mais rápido e
sistemático. Muitas etapas podem ser cumpridas antes do dia da cirurgia e não
requerem o envolvimento do paciente. Foi criado um setor de pré-internação para
antecipar a obtenção das autorizações e senhas dos convênios. A recepção entra
em contato com o paciente na véspera da cirurgia para relembrar o horário, dar as
orientações pertinentes e fazer um pré-cadastro. Também na véspera a recepção
reserva o quarto do paciente. Quando o paciente chega no hospital, precisa
apenas assinar os documentos e já é encaminhado ao quarto. O tempo
despendido do paciente no processo é de 289 minutos, uma redução de 38%. O
112
tempo despendido pelo hospital no processo é de 302 minutos, uma redução de
32%.
Quadro 4-5: Cirurgia eletiva depois do redesenho dos processos
113
Ponto de vista do paciente
min
Ponto de vista do hospital
min
Chegada ao hospital Chegada ao hospital
Espera para atendimento 3
Cadastro 5 Cadastro 5
Espera para ser encaminhada ao consultório 10
Consulta 15 Consulta 15
Levar o pedido de internação 5
Sub-total Consulta 38 Sub-total Consulta 20
Médico marca cirurgia no centro cirúrgico 5
Médico passa fax para pré-internação 5
Ligar para convênio 10
Ligar para fornecedor 5
Confirmação do convênio 5
Falar com médico 5
Ligar para fornecedor 5
Atender ligação 5 Confirmar com paciente 5
Preparar documento 5
Sub-total pré-internação 45
Chegada ao hospital
Fazer check-in 2 Fazer check-in do paciente 2
Assinar documentos 15 Obter assinaturas 15
Aguardar liberação do quarto 16 Pedir para aprontar o quarto 1
Arrumar o quarto 15
Levar paciente ao quarto 3 Levar paciente ao quarto 3
Preparação para cirurgia 15 Preparação para cirurgia 15
Cirurgia 180 Cirurgia 180
Aviso de alta 1
Fazer pagamento 10 Fechar conta do paciente 5
Sub-total Cirurgia 251 Sub-total Cirurgia 237
Total 289 Total 302
Cirurgia Eletiva Depois da Pré-Internação
Resultado final
Ponto de vista do paciente
Antes da Pré-Internação Depois da Pré-Internação
Sub-total Consulta 38 38
Sub-total Cirurgia 426 251
Total 464 289
38%
Ponto de vista do hospital
Antes da Pré-Internação Depois da Pré-Internação
Sub-total Consulta 20 20
Sub-total pré-internação 45
Sub-total Cirurgia 427 237
Total 447 302
32%
Redução
Redução
114
4.4 Suprimentos no Copa D´Or
4.4.1 Introdução
O Hospital Copa D´Or foi inaugurado no ano 2000 oferecendo um
atendimento em nível terciário, adulto e pediátrico, abrangendo todas as
especialidades cirúrgicas e conta com um Setor de Emergência aberto 24 horas
do dia. Na definição do próprio hospital: “a preocupação com a qualidade do
atendimento está presente em todas as atividades exercidas. A padronização e o
treinamento contínuo estão incorporados ao dia a dia do hospital
45
”.
Este caso terá como enfoque a área de suprimentos do Copa D´Or.
Primeiramente será apresentada a pressão pela redução de custos que a área de
suprimentos recebe. Em seguida serão descritas três iniciativas adotadas para
aumentar a eficiência da cadeia de suprimentos do hospital: a consignação, o
dispensário eletrônico e algumas melhorias implementadas na farmácia.
4.4.2 Pressão pela redução de custos
Há uma diretriz estratégica do Hospital Copa D´Or que prioriza o
investimento nas áreas produtivas. A área de suprimentos não é considerada uma
área produtiva e recebe, portanto, uma forte pressão para reduzir custos em
termos de espaço, estoque e mão de obra. A questão do espaço é particularmente
crítica neste hospital, pois o prédio é uma adaptação de um hotel e está localizado
num bairro nobre cujo metro quadrado é bastante caro. A área de suprimentos
recebeu o desafio de reduzir custos sem afetar o nível de serviço.
Para alcançar esta meta, o hospital precisou trabalhar na redução da
complexidade e no aumento da eficiência da sua cadeia de fornecimento. Para
reduzir a complexidade da cadeia de fornecimento o hospital decidiu criar uma
lista de produtos de referência. Para os 20.000 itens de referência, a área de
45
http://www.rededor.com.br/hcd/index.htm - Acesso 11 de agosto de 2006.
115
suprimentos garante disponibilidade imediata. Itens fora desta lista podem ser
requisitados, mas necessitarão de mais tempo para entrega. Junto com o
estabelecimento dos itens de referência houve um trabalho de racionalização dos
fornecedores. O hospital trabalha com cerca de metade do número de
fornecedores do que há 3 anos.
São várias as iniciativas para aumentar a eficiência da cadeia de
fornecimento. O desmembramento da cadeia de fornecimento do hospital em duas
conforme sugere Rivard-Royer (2002) facilita o entendimento do impacto destas
iniciativas:
o a cadeia externa, que abrange o fluxo dos medicamentos e materiais
desde os fornecedores ao estoque central do hospital
o a cadeia interna, que abrange o fluxo dos medicamentos e materiais do
estoque central do hospital, passando pelos almoxarifados satélites, até
chegar ao ponto de uso
A iniciativa da consignação refere-se à cadeia externa ao passo que a
iniciativa do dispensário eletrônico e as melhorias na farmácia se referem à cadeia
interna de fornecimento.
4.4.3 Consignação
O hospital trabalha com dois tipos de itens: itens ativados e itens
consignados. Itens ativados são aqueles itens comprados que ao serem entregues
no almoxarifado central pelo fornecedor passam a fazer parte como ativo do
balanço contábil do hospital. Itens consignados são entregues pelo fornecedor no
almoxarifado central, mas o estoque continua figurando nos ativos do fornecedor.
Independente do tipo de item, sua freqüência de reposição está em função de sua
criticidade:
o itens A: 1 vez/dia
o itens B: 1 vez/semana
o itens C: 2 vezes/mês
116
A modalidade de relacionamento hospital-fornecedor denominada de
consignação não é nova. Itens de alto custo e baixo giro tradicionalmente se
utilizavam desta modalidade. Hoje a área de suprimentos busca incluir a maior
quantidade possível de fornecedores nesta modalidade.
O pivô desta reorientação foi a imprevisibilidade da demanda, que gerava
um alto nível de compras emergenciais. Compras emergenciais são mais caras
pela necessidade de acelerar todos os processos e pelo aumento nos custos
administrativos tanto para o hospital como para o fornecedor. Daí a tentativa de
estabelecer a consignação também para os itens de baixo custo e alto giro. Após
3 anos de reorientação, 40% dos fornecedores de itens A trabalham com a
modalidade de consignação. Neste tempo, o valor em estoque de todos os itens
consignados aumentou 375%.
A conversão de fornecimento tradicional para fornecimento consignado
implica uma mudança contábil e um aumento físico do estoque de produtos. O
volume de itens em estoque aumenta ao mesmo tempo em que sai do balanço do
hospital para o do fornecedor. O fornecedor prefere carregar um estoque maior
que o hospital carregaria para garantir a disponibilidade e, consequentemente, a
venda do produto.
A grande inovação deste relacionamento é que não se trabalha mais com
previsão de vendas. O contrato de fornecimento de um volume fixo de produtos é
substituído pelo fornecimento baseado no consumo real. Antes a área de
suprimentos fazia uma previsão do consumo baseado nos dados históricos e
comprava um volume para três meses. Agora, o fornecedor enxerga o consumo
que passa a ser o único ponto de pedido para regular todo o sistema de provisão.
O consumo funciona como o marca passo do sistema e melhora a qualidade do
estoque. O giro de estoque passou de 12 vezes ao ano para 21 vezes, o custo de
reposição emergencial foi reduzido significativamente.
O melhor conhecimento da demanda tem beneficiado tanto o hospital como
o fornecedor. O valor em dinheiro do estoque no hospital considerando itens
consignados e itens ativados foi reduzido em 30%. O fato de enxergar o consumo
117
real melhora a capacidade de planejamento do próprio fornecedor o que lhe
permite reduzir seu estoque central.
A visão de consumo por parte do fornecedor ainda não é em tempo real.
Atualmente é o hospital que informa os níveis de consumo ao fornecedor. No
futuro, o hospital pretende oferecer ao fornecedor a possibilidade de enxergar o
próprio sistema e monitorar em tempo real o consumo de seus itens.
4.4.4 Projeto de Dispensário Eletrônico
Este projeto possui dois objetivos principais: garantir a disponibilidade e o
controle de materiais e medicamentos de pronto-atendimento nos postos de
enfermagem. O dispensário eletrônico é um armário composto por gavetas e
portas cuja abertura é controlada por crachás eletrônicos.
Foram implementados um total de 5 dispensários eletrônicos contendo um
total de 625 itens imprescindíveis. São produtos para pronto uso e com alta
freqüência de uso.
Quando o atendimento ao paciente requer algum produto do dispensário, a
enfermeira que o atende se dirige ao dispensário e com um leitor de código de
barras se identifica pelo código de seu crachá, identifica o paciente para o qual o
produto será retirado e identifica o produto na própria gaveta em que se encontra.
Feita estas identificações, a gaveta se abre, a enfermeira retira o produto, a
informação do consumo deste produto é enviada para a conta do paciente e para
o almoxarifado dando baixa no estoque. Caso haja necessidade de devolução do
produto procede-se pelo caminho inverso.
Cabe, portanto, à enfermagem a retirada e a devolução dos produtos. A
área de suprimentos, por sua vez, se responsabiliza pelo reabastecimento dos
produtos e pela contagem dos itens no estoque. A reposição dos itens se dá 4
vezes ao dia.
Caso haja alguma falha no abastecimento e o produto não se encontra na
gaveta, a contingência consiste em dirigir-se ao dispensário mais próximo. Como
todos são exatamente iguais com os produtos armazenados nas mesmas gavetas,
118
a enfermeira poderá rapidamente encontrar o que necessita. A ocorrência é
registrada e se busca chegar à sua causa. Desde que se implementou o projeto
em março de 2006, nunca houve falta destes produtos.
O sistema de informação que suporta todo o processo permite o registro do
consumo em tempo real que novamente marca o ritmo de todo o processo de
reposição. Tal informação é crítica para garantir a disponibilidade do produto. Este
sistema também permite o rastreamento do produto ao profissional que o
manipulou, evitando fraudes bem como falhas e retrabalhos no registro de
consumo. O processo de contagem de estoque ficou simplificado.
Este projeto significou uma simplificação na cadeia interna de fornecimento
do hospital em termos de controle, de processo para reposição, de integração com
o faturamento ao cliente. Foi possível a redução de 17 FTE´s. Antes do projeto,
por exemplo, havia um profissional designado por cada almoxarifado satélite. Com
a divisão de tarefas entre a enfermagem e a área de suprimentos este profissional
pode ser transferido a outras atividades.
A estratégia adotada para implementar este projeto foi iniciar pelas áreas
onde havia sobreposição de mão-de-obra entre a enfermagem e a área de
suprimentos. O critério escolhido foi almoxarifados intensivos em mão de obra
mesmo que o volume de dinheiro em estoque fosse menor. Prevê-se sua
expansão para os centros cirúrgicos, CTI´s, unidade de emergência e hemodiálise.
4.4.5 Melhoria contínua na farmácia
Todos os dias, os médicos visitam seus pacientes para monitorar sua
evolução, receitar os medicamentos e definir os horários que deverão ser
ministrados durante o dia
46
. As receitas dos médicos são encaminhadas por fax
para a farmácia e disparam o processo de preparação dos medicamentos.
A farmácia do Copa D´Or funciona como uma fábrica que produz kits
personalizados para os pacientes. Há uma linha de produção para manipulação de
46
No jargão médico do hospital este procedimento é conhecido como “passar visita”.
119
medicamentos, outra linha para separação dos medicamentos em unidades
(unitização), há uma célula que embala os medicamentos nos kits individuais para
cada paciente. O controle de qualidade é bastante rigoroso uma vez que erros na
medicação afetam diretamente a recuperação do paciente.
Muitas iniciativas foram tomadas para melhorar a eficiência e a qualidade
dos processos da farmácia. Uma delas foi adequar a cobrança pelo resultado do
processo com a formação do profissional. Atribuía-se à farmacêutica-chefe a
responsabilidade pela qualidade na montagem dos kits individuais. A baixa
tolerância aos índices de erros levou à substituição de duas farmacêuticas-chefe.
Percebeu-se que os erros eram devidos ao processo e contratou-se um
engenheiro de produção para redesenhá-los. O engenheiro se responsabiliza pela
qualidade do processo e a farmacêutica-chefe se responsabiliza pela qualidade da
manipulação dos medicamentos.
O redesenho de processos permitiu atacar pela raiz possíveis fontes de
erros. Por exemplo, medicamentos com nomes ou formas semelhantes foram
realocados para evitar confusões. A disposição dos medicamentos nas prateleiras
foi refeita levando em consideração a freqüência de uso e a facilidade de
localização. Pontos de controle foram adicionados para evitar que um erro
prossiga no processo.
Outra iniciativa em estudo para implementação é a prescrição médica
eletrônica. Ao invés de escrever à mão a receita para cada paciente ao “passar
visita”, o médico prescreveria os medicamentos, a dosagem e horário de
administração num aparelho eletrônico que transmitiria a informação diretamente
para a farmácia.
A prescrição médica eletrônica irá reduzir alguns desperdícios no processo.
Será eliminado o processo de transmissão das receitas por fax. As receitas dos
médicos ficavam se acumulando num escaninho aguardando a chegada de uma
enfermeira para enviá-las. Ao ser recebido pela farmácia, os dados do fax são
inseridos manualmente no sistema da farmácia. Dependendo da letra do médico
algum tempo era empregado para decifrá-la. Uma vez no sistema, eram geradas
as ordens de produção que iniciavam o processo de picking e embalagem dos
120
medicamentos. Com a prescrição eletrônica todas estas etapas são
desnecessárias. A própria receita eletrônica é transmitida diretamente à farmácia e
gera a ordem produção. Elimina-se o tempo de espera para passar o fax, o tempo
para decifrar a letra do médico e o re-trabalho de digitar novamente os
medicamentos. Reduzem-se assim os erros na transcrição das informações do fax
para o sistema e o tempo entre a prescrição e a disponibilização do medicamento
no ponto de uso.
121
4.5 A logística de suporte da Diagnósticos da América
4.5.1 Introdução
A Diagnósticos da América (DA) é a maior empresa de medicina
diagnóstica da América Latina. Tem como visão: “Proporcionar a todas as classes
sociais acesso a serviços e produtos relacionados à saúde, com qualidade e
tecnologia atualizadas
47
. Está estruturada em 214 unidades espalhadas pelas
principais cidades do país e emprega 5.500 profissionais que atendem diariamente
20.000 pessoas e processam um volume diário de 90.000 exames de análises
clínicas.
Primeiramente, serão descritos alguns valores que norteiam a DA. Em
seguida será descrita a estratégia de marcas da empresa e o papel da logística
que a suporta. Finalmente, será apresentado o sistema de coleta domiciliar.
4.5.2 Valores da empresa
A DA procura investir em pessoas e em tecnologia para potencializar o que
denomina do ciclo virtuoso da qualidade. Para a empresa, seu crescimento
sustentável exige o investimento em pessoas e tecnologia que desenvolvam
processos eficientes capazes de satisfazer clientes. Clientes satisfeitos geram
retorno financeiro e permitem investir novamente em pessoas e tecnologias.
Para alcançar este objetivo a empresa cultiva valores como foco no cliente,
capacidade de decisão de seus colaboradores (empowerment) e efetividade. A DA
quer se tornar o fornecedor preferencial do cliente (seja ele o paciente ou o
médico) atendendo suas necessidades com qualidade e no tempo adequado. O
mercado brasileiro de exames diagnósticos pode ser dividido em dois: 40% dos
exames são clínicos e 60% são por imagens. A DA também disponibiliza
equipamentos para realização de exames por imagem em suas unidades. Ao
47
http://www.diagnosticosdaamerica.com.br/quemsomos_visao.php - Acesso 11 de agosto de 2006.
122
oferecer exames clínicos e por imagens, a DA torna-se capaz de ser de fato o
ponto único de contato para o paciente em termos de exames diagnósticos. Com
relação ao cliente médico, a DA possui um corpo clínico especializado que entra
em contato com o médico do paciente para alertar sobre possíveis complicações
identificadas a partir dos resultados exames. Dessa forma, agilizam-se os passos
do tratamento.
O ambiente de trabalho é propício para o desenvolvimento de seus
colaboradores que aprendem a delegar e a receber novas responsabilidades,
estruturando os processos de trabalho de forma a exceder expectativas com o
menor custo operacional possível. Todos os processos são documentados e
mantidos atualizados em meio digital. Há uma rotina que recomenda a revisão
anual dos processos. Evita-se assim que o dono e os usuários do processo
esqueçam de atualizar as modificações ocorridas.
4.5.3 Estratégia de marcas da DA
O crescimento da DA se dá de maneira dupla: orgânica, abrindo novas
unidades e por aquisição de novas marcas. A estratégia de marcas da DA nasceu
do desejo de proporcionar a todas as classes sociais acesso a exames de
qualidade e da constatação do forte valor que o brasileiro atribui à marca dos seus
serviços de saúde. A DA atua respeitando as marcas de cada região e os nichos
de mercado em que cada marca se posiciona. Há pequenas lojas com 64 m
2
e
megaunidades com 2500 m
2
. Há marcas premium, marcas executivas e marcas
básicas. Atualmente, a DA tem um portfólio de 12 marcas.
No Rio de Janeiro, por exemplo, há 51 unidades que se dividem em 3
marcas. O Bronstein é a marca básica da região. É uma marca de efetividade
operacional, com custo baixo e preços melhores. No Bronstein, 80% da fonte
pagadora advém dos planos de saúde. O Lâmina é a marca executiva e por atingir
um público de melhor poder aquisitivo tem um percentual menor de pagamentos
oriundos dos planos de saúde, apenas 40%. O Clube DA é a marca premium que
se localiza em áreas exclusivas de algumas unidades Lâmina.
123
Esta estratégia de marca permite oferecer um atendimento diferenciado. A
ambientação de cada local é feita de acordo com o perfil do público-alvo de cada
marca, o que permite cobrar um preço também diferenciado. O Quadro 4.6 lista as
diferentes marcas que compõem o portfólio da DA.
Quadro 4-6: Portfólio de marcas da Diagnósticos da América
4.5.4 O papel da logística
Se por um lado, devido à segmentação de mercado, o atendimento é
diferenciado, a qualidade dos exames é exatamente a mesma. A DA trabalha com
uma logística centralizada, corporativa, que atende indiscriminadamente as
diferentes marcas. A logística de suprimentos é a mesma, o processo de coleta de
exames é o mesmo, o processamento dos exames é realizado num mesmo local.
Hoje a DA possui 6 núcleos técnicos operacionais (NTOs) espalhados pelo
país. São os NTOs juntamente com o suporte da logística os responsáveis pelo
processamento e disponibilização dos resultados dos exames. Cada núcleo
atende determinada região. No Rio de Janeiro existe um NTO localizado em
Botafogo. A DA espera ser a empresa de menor custo de operação no mercado. À
medida que a empresa crescer e aumentar a escala de operação dos NTOs seu
custo de operação se tornará cada vez mais competitivo. Cabe à logística
viabilizar um sistema de coleta que otimize as operações dos NTOs e atenda às
exigências de tempo estipulados para cada exame.
124
O sistema de coleta da DA transporta material biológico das unidades para
os NTOs. Trata-se de um material de alto risco na escala de periculosidade de
produtos e exige, além da aderência a uma série de requisitos legais, uma
especialização grande não só das pessoas como também dos equipamentos. São
mais de 3000 exames diferentes, cada qual com condições e tipos de
acondicionamento diferentes. Daí a necessidade de treinamento constante de
todos os envolvidos com este processo.
De acordo com a distância e o volume de exames processados por dia em
cada unidade define-se uma freqüência de coletas ao longo do dia. Existem
unidades, por exemplo, com 5 coletas por dia, outras com 4, algumas menores
com 1 coleta diária. No Rio de Janeiro, há 11 veículos que percorrem roteiros pré-
estabelecidos fazendo a coleta de exames nas 51 unidades da região. A
sincronização do trabalho na unidade e o sistema de coleta é crítico para atingir os
prazos estipulados, o que requer uma padronização dos procedimentos e
disciplina por cumpri-los.
Cada unidade sabe exatamente o horário em que o material será coletado e
precisa se programar para preparar o material, fazer o tratamento inicial (alguns
exames precisam passar por um micro-processamento na unidade, por exemplo,
uma centrifugação), acondicionar o material, fechar as caixas e disponibilizá-las
para a coleta. Da parte dos veículos de coleta, a tolerância de atrasos é de 10
minutos na unidade. Todo o processo está documentado com instruções de
trabalho bem detalhadas de maneira que a ocorrência de qualquer desvio é
analisada e corrigida. Todos os envolvidos no processo, inclusive os motoristas,
são equipados com aparelhos de comunicação por rádio que permitem a
localização do veículo.
Existem exames que por sua própria natureza exigem o processamento em
menos de 40 minutos. Nesses casos prevê-se uma coleta especial. Outros
exames exigem equipamentos tão específicos que só se viabilizam trabalhando
em escala nacional. Estes exames são encaminhados via aérea para a central de
processamento nacional. Cada uma dessas circunstâncias é levada em
consideração para precificar o exame.
125
A preocupação com a rastreabilidade de todo processo é uma constante.
Cada tubo de ensaio recebe uma etiqueta com código de barras. As caixas
embaladas também são etiquetadas e contém a informação do material que leva,
a que pacientes pertencem, número de tubos de ensaio, etc.. Cada vez que há
uma mudança de pessoa que manipula o material, cada vez que uma etapa do
processo é concluída a informação é registrada. Como a informação é processada
em tempo real, diante de qualquer problema ou atraso é perfeitamente possível
rastrear onde e com quem se encontra o material e tomar as devidas providências.
Num segundo momento, analisa-se a causa do problema e se implementam
mudanças para evitar uma nova ocorrência.
Os principais desafios da logística na DA são localização e tempo. Em
termos de localização, a logística precisa apoiar a expansão da empresa
integrando as novas unidades às operações da empresa de maneira eficiente. Em
termos de tempo, todo o sistema logístico precisa garantir a disponibilização dos
exames no prazo prometido ao paciente.
4.5.5 Coleta Domiciliar
O serviço de coleta domiciliar dá mais um passo em direção à superação
dos desafios de localização e tempo. A aceitação deste serviço varia de região
para região. Em São Paulo, a adesão ao serviço é baixa, pois os pacientes
preferem não chamar a atenção com carros de coleta a sua porta e, portanto,
dirigem-se para as unidades para fazer os exames. Já no Rio de Janeiro, a coleta
em casa é percebida como sinal de status e o serviço é bastante acionado. A
maior freqüência de chamadas para o atendimento domiciliar concentra-se na
Zona Sul e na Vila Isabel, Zona Norte.
No Rio de Janeiro, a DA conta com uma frota de 29 veículos para realizar
as coletas domiciliares. Cada veículo realiza uma média de 6 coletas diárias que
somam aproximadamente 170 pacientes por dia. Este volume equipara este
serviço a uma unidade de porte médio.
Atender na casa do paciente na hora que lhe é mais conveniente abre o
leque às circunstâncias, necessidades e preferências mais díspares. Há um
126
pequeno percentual de pacientes que demandam o serviço de madrugada (em
média, 5 por noite). Como o núcleo operacional técnico encontra-se fechado
nestes horários, os exames são enviados para algum hospital onde se encontram
unidades Lâmina que funcionam 24h por dia. O exame é processado na própria
madrugada e o resultado do exame é logo comunicado ao paciente e seu médico.
Todo o processo segue exatamente os mesmos padrões de uma coleta na
unidade. O agendamento pode ser feito com 24 horas de antecedência (ainda que
em casos de emergência, o agendamento é feito no momento da necessidade).
Um profissional qualificado é destacado para fazer a coleta que é realizada na
residência nos mesmos moldes que na unidade. O paciente paga uma taxa extra
por este serviço para cobrir os custos logísticos desta operação.
As mudanças de infra-estrutura logística para suportar a coleta domiciliar
ilustram a preocupação da empresa pelo contínuo aperfeiçoamento do processo
em relação a custo e ao mesmo tempo em relação ao nível de serviço. Utilizavam-
se como meio de transporte para este serviço três cooperativas de táxi que
cobravam as tarifas de táxi comum para cada viagem.
Devido ao fato do táxi não estar à disposição em regime de exclusividade
para a empresa, o nível de serviço às vezes deixava a desejar. Por outro lado,
esta característica era precisamente a que permitia pagar apenas o custo variável
do transporte, que era coberto pelo preço premium cobrado pelo serviço. Havia a
percepção de que para aumentar o nível de serviço seria necessário transformar
um custo variável em custo fixo, encarecendo o processo.
A maior conta de fornecedores da empresa era a dos táxis, somando o
valor gasto com as coletas domiciliares com o uso corporativo. A equipe de
logística buscou desenvolver um fornecedor que concordasse em cobrar apenas
pelo custo variável e garantisse o nível de serviço exigido. Com o histórico do
número de coletas e dos valores envolvidos foi possível chegar a um acordo.
Hoje, o fornecedor mantém uma frota de 29 veículos que além de fazer o
transporte para as coletas domiciliares também realiza serviços de táxi cobrando
uma tarifa mais baixa que a do táxi comum.
127
5 Análise dos Casos
Este capítulo buscará sublinhar as evidências da incorporação dos
princípios enxutos contidas nos casos estudados. Para comentar como os
princípios lean se aplicam aos casos estudados será utilizada como guia a
seqüência de princípios e ações resumidas no Quadro Conceitual (2.6).
5.1 Princípios da provisão enxuta
5.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho
Que a redução dos tempos de processamento juntamente com linhas de
produção flexíveis melhoram a qualidade e a produtividade também no âmbito dos
serviços de saúde pode ser verificado no Projeto do Pé Diabético. A redução dos
tempos de espera para marcar uma consulta, que antes da criação do pólo
secundário poderia demorar meses e agora com o pólo é marcada em no máximo
48h, teve um grande impacto na qualidade do atendimento. A rapidez de
atendimento impede a evolução da doença como demonstram a redução do
número de amputações altas após os 3 anos de funcionamento do projeto.
A questão de reduzir trade-offs de desempenho também aparece de
maneira explícita no Hospital Pró-Cardíaco através da meta de oferecer o
tratamento mais custo-efetivo possível. Faz parte da medicina baseada em
evidências, mentalidade com a qual o Pró-Cardíaco trabalha, buscar um processo
que otimize os benefícios e reduza os custos. Embora a meta esteja clara, sua
mensuração é difícil. A custo-efetividade é medida para os eventos intra-
hospitalares, mas não há uma estratégia definida para medi-la após a alta do
paciente.
Porter e Teisberg (2004) explicam como o tratamento de um grande volume
de pacientes com uma mesma doença gera melhores resultados no atendimento
com menores custos. A especialização do Hospital Pró-Cardíaco e do projeto do
128
Pé Diabético em dor torácica e diabetes, respectivamente, contribui para um
rápido processo de aprendizagem, evita erros, alavanca a eficiência do processo
fazendo a qualidade e a eficiência do atendimento aumentarem simultaneamente.
A área de suprimentos no Copa D´Or recebeu o desafio simultâneo de
reduzir custos e manter os níveis de serviço. O caso ilustrou como a adoção de
práticas da mentalidade enxuta (reposição freqüente em pequenas quantidades,
reação da cadeia de suprimentos em função do ritmo de consumo,
estabelecimento de fluxo contínuo nos processos de reposição, localização dos
estoques próximos ao ponto de uso, melhoria contínua dos processos) contribuiu
para atingir estes dois objetivos.
O modelo de negócio da Diagnósticos da América também consegue
conciliar os trade-offs de desempenho. A premissa da empresa é oferecer exames
de qualidade, a estratégia de marcas diferenciadas permite flexibilidade no
atendimento aos diferentes públicos e o sistema único de coleta de exames
garante a produtividade do processo.
5.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor
Ao eliminar atividades que não agregam valor ao cliente, tem-se como
resultado um processo mais enxuto e uma melhora na relação (atividades que
geram valor)/(total de atividades do processo). Esta relação sempre pode ser
melhorada. Uma característica da mentalidade enxuta é buscar o processo
perfeito em que esta relação tende a 1, isto é, um processo composto por
atividades que só agregam valor e que não têm nenhum desperdício embutido.
Daí a preocupação constante de rever o processo e promover uma melhoria
contínua. Entre os casos estudados, esta preocupação está particularmente
presente no modo de operação do Hospital Pró-Cardíaco como demonstram as
sucessivas melhorias no protocolo de dor torácica.
Para evitar a reincorporação das atividades eliminadas, organizações
enxutas procuram explicitar o novo processo. O novo processo corresponde a
melhor forma de atingir determinado resultado naquela organização, portanto, é o
129
novo padrão a ser seguido por todos os envolvidos. A preocupação pela
padronização do processo mostrou-se presente em todos os casos estudados.
No caso do Pró-Cardíaco, o protocolo de atendimento da dor torácica
representa o estado da arte deste processo não só na organização como também
no Brasil. O protocolo é seguido por centenas de organizações no país. Por isso, o
Pró-Cardíaco reconhece a responsabilidade que tem ao propor qualquer
mudança. Embora haja uma equipe de médicos constantemente buscando
aperfeiçoar o atendimento, mudanças no protocolo são implementadas mediante
evidências nítidas de que o processo realmente melhore.
O HDB também percebe a necessidade de padronização do processo. A
alta rotatividade de seus colaboradores de linha de frente exige o treinamento
constante de funcionários. No entanto, ainda não há no HDB a descrição por
escrito de todos os processos da recepção.
No Copa D´Or as melhorias implementadas pela farmácia são um indicativo
da orientação dos colaboradores para a redução sistemática dos desperdícios. O
projeto da prescrição médica eletrônica elimina uma série de atividades que não
agregam valor: tempos de espera, re-trabalhos, fontes de erro.
No caso da Diagnósticos da América, a empresa está orientada por
processos. Todos os processos estão descritos e disponíveis em meio eletrônico.
Cada processo tem o seu dono que se responsabiliza por mantê-lo atualizado.
Existe um rotina estabelecida que obriga os donos dos processos, com uma
freqüência no mínimo anual, a verificar se a descrição do processo corresponde à
realidade. A busca sistemática por reduzir os desperdícios foi ilustrada com o caso
do transporte domiciliar. Foi necessário desenvolver um novo fornecedor e ampliar
seu escopo de atuação (incluindo serviços de táxi para a corporação) para criar
uma alternativa às cooperativas de táxi que fosse mais eficiente e com melhor
nível de serviço. É o investimento nas pessoas preconizado pela DA que capacita
o empregado a melhorar o processo enquanto realiza seu trabalho.
130
5.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente
O projeto do Pé Diabético desenvolveu uma estrutura de atendimento
original para criar um fluxo contínuo no tratamento oferecido. Numa linha de
produção enxuta, o bem produzido se desloca de estação em estação onde os
trabalhadores adicionam valor ao bem. No pólo de atendimento secundário, não é
o paciente quem se desloca de médico em médico para receber o procedimento
necessário; pelo contrário, como o paciente apresenta dificuldades de
deslocamento, é o médico que se desloca até o paciente.
Tanto no projeto do Pé Diabético como no Hospital Pró-Cardíaco há rotas
bem definidas para cada tipo de paciente, conforme sua classificação de risco. No
Pró-Cardíaco a rota garante rapidez e precisão no diagnóstico e tratamento da
doença. A preocupação por reduzir as esperas e estabelecer um fluxo contínuo
está presente.
O projeto de prescrição médica eletrônica do Copa D´Or é um exemplo de
como estabelecer um fluxo contínuo. Este projeto reduz os tempos de espera das
receitas médicas que se acumulavam até alguém tomar a iniciativa de enviá-los
via fax para a farmácia. A utilização da receita eletrônica evita a formação de lotes
de receitas nos escaninhos para serem transmitidas à farmácia. A receita
eletrônica evita também a espera pela re-inserção dos dados da receita no
sistema para então iniciar o processo de separação e embalagem dos
medicamentos. Cada receita é um lote unitário que passa a fluir melhor pelo
processo. Cabe a farmácia produzir os kits de medicamentos ao ritmo da
demanda.
O sistema logístico da Diagnósticos da América está estruturado para
estabelecer um fluxo contínuo. As rotas, a freqüência e o horário das coletas
estão pré-estabelecidos e todos os envolvidos sincronizam suas atividades para
fazer fluir o processo. A preocupação da empresa não é tanto de atingir o lote
econômico para o transporte e processamento do material coletado mas sim de
cumprir os prazos prometidos. Daí a freqüência de coleta de até 5 vezes ao dia
em determinadas unidades, daí a coleta especial de um único exame caso exija
131
rapidez em seu processamento. Procura-se assim reduzir os tempos de espera do
material.
A DA também mostrou preocupação por aumentar a visibilidade do produto
e do processo. A visibilidade se torna possível com o sistema de código de barras.
O exame de cada paciente, cada tubo de ensaio é rastreável em tempo real.
Quaisquer atrasos, qualquer necessidade de conferir em que parte do processo se
encontra o exame, qualquer mudança de pessoa que manipulou o material
biológico é identificável. Ações corretivas para eventuais ocorrências podem ser
realizadas no momento que são detectadas. Posteriormente, verifica-se a raiz do
problema e se identifica uma solução para evitar sua recorrência.
5.1.4 Envolvimento do cliente
Os problemas decorrentes do diabetes exigem uma re-educação dos
hábitos do portador da doença. Para minimizar as complicações da doença é
fundamental o envolvimento do paciente e de seus familiares. Portanto, o sucesso
do projeto do Pé Diabético depende de sua capacidade de envolver o paciente no
processo de aprendizagem. Daí a importância da figura da enfermeira educadora
prevista no projeto e sua ênfase na educação continuada.
Em moldes semelhantes ao do Shouldice Hospital apresentado no capítulo
2, incentiva-se a interação dos portadores de diabetes entre si. O lay-out dos
“boxes” de atendimento no pólo secundário de atendimento, por exemplo, permite
a troca de experiências entre os pacientes e reduz o nível de ansiedade dos
pacientes.
O envolvimento do paciente também é uma das características da medicina
baseada em evidências. Assim, o Hospital Pró-Cardíaco que tem suas operações
estruturadas com essa mentalidade se preocupa em envolver o paciente. Este
envolvimento se dá principalmente na participação do paciente na tomada de
decisão. Os médicos procuram explicar ao paciente cada exame que é feito, os
resultados obtidos e os possíveis encaminhamentos. Leva-se em consideração as
preferências do paciente nas decisões clínicas.
132
5.1.5 Delegar poder aos empregados
A preocupação pela formação dos colaboradores foi mencionada em todas
as entrevistas. No caso do projeto do Pé Diabético, a consciência de que quanto
melhor for a qualidade de atendimento na ponta, menor as complicações para o
paciente, menor o fluxo de pacientes para os demais níveis de atendimento e,
portanto, menores os custos totais de tratamento do diabetes levou a inclusão de
uma sistemática de treinamento constante e periódica. Os pólos intermediários
responsáveis pelo treinamento das equipes são de tal eficácia que, nas palavras
do idealizador do projeto, as equipes “passam a acreditar que é possível fazer
algo diferente no serviço público”.
No caso do Pró-Cardíaco, é da essência da medicina baseada em
evidências a atualização constante dos médicos. Além disso, um dos pilares sobre
os quais o hospital se apóia para atingir a excelência no atendimento é a
qualidade de seus colaboradores. As práticas clínicas são constantemente
confrontadas com a literatura e os casos mais difíceis são estudados
quinzenalmente.
No caso do Hospital Dr. Badim, nas palavras do gerente administrativo: “o
sucesso de tudo são as pessoas, o sucesso de tudo chama-se treinamento”. A
solução dos problemas na recepção enfrentados pelo HDB só foram resolvidos
com a qualificação dos seus colaboradores.
Na Diagnósticos da América a delegação de poder aos empregados é um
dos valores explicitados pela empresa. O ciclo virtuoso da qualidade é iniciado
pelo investimento nas pessoas. Da capacidade que seus colaboradores têm de
assumir novas responsabilidades depende a expansão da empresa. A velocidade
da expansão aliada à orientação da DA para a efetividade nos processos exige
uma equipe de colaboradores flexível, inovadora e que assuma o processo como
próprio. A solução de transporte para a coleta domiciliar é um exemplo de como as
melhorias se originam dos próprios empregados. Processos eficientes satisfazem
os clientes e geram resultados financeiros que por sua vez podem ser re-
investidos nas pessoas.
133
5.2 Princípios do consumo enxuto
5.2.1 Resolver o problema do cliente completamente
O projeto do Pé Diabético ilustra bem o princípio de resolver o problema do
cliente completamente uma vez que pretende dar uma atenção integral ao
paciente. O projeto nasceu da percepção de que o atendimento prestado aos
portadores de diabetes era falho por ser pontual e desconectado do contexto do
paciente. O atendimento era pontual, pois se resumia na interação do paciente
com o sistema de saúde num estágio da doença que lhe exigia uma amputação.
Era desconectado do contexto do paciente, pois, da parte do serviço de saúde,
não havia a menor preocupação pelo antes nem pelo depois da intervenção
médica.
Resolver o problema de diabetes, ou melhor, o tratamento desta doença se
encaixa na categoria de processo de consumo que se desenvolve ao longo do
tempo e envolve uma série de etapas: identificar o problema, aprender e adquirir
novos hábitos, realizar intervenção cirúrgica, adquirir acessórios (próteses,
órteses, bengalas, cadeira de rodas, etc.), realizar check-ups periódicos. O
Quadro 5.1 ilustra graficamente as etapas do processo. Em cada uma destas
etapas podem ocorrer falhas que acabam por prejudicar o portador da doença:
identificação tardia do problema, ausência de uma orientação adequada de como
lidar com a doença, atrasos desnecessários para intervenções cirúrgicas, falta de
acessórios adequados, falta de acompanhamento da evolução da doença.
O projeto do Pé Diabético foi elaborado para evitar estas falhas e atender
ao paciente em cada um destas etapas. O projeto pretende atuar na prevenção
das complicações oriundas do diabetes e por isso tem uma forte ênfase na
identificação precoce da doença na população e na promoção de uma educação
continuada aos doentes e seus familiares. No caso de complicações mais graves
há todo um procedimento pré-estabelecido para a solução do problema incluindo a
fabricação de um calçado sob medida para o paciente e uma orientação sobre os
novos hábitos a serem desenvolvidos.
134
A alta qualificação dos profissionais que entram em contato com o cliente é
outra característica que contribui para este primeiro princípio do consumo enxuto.
A alta qualificação dos profissionais permite-lhes identificar a raiz das falhas e
eliminá-las. No caso do projeto do Pé Diabético, este papel é assumido pelas
equipes do pólo primário. Uma vez diagnosticada a doença, estas equipes são
treinadas para identificar hábitos, circunstâncias familiares, situações de trabalho
que podem impedir um bom acompanhamento da doença e propor soluções.
Quadro 5-1: Processo de consumo para o tratamento do diabetes
O caso do Hospital Dr. Badim (HDB) também evidencia como a qualidade
do atendimento melhorou sensivelmente com a qualificação dos colaboradores da
recepção. A equipe que forma a recepção do HDB não se restringe à função de
meros atendentes que executam mecanicamente um conjunto limitado de
atividades. A equipe tem um conhecimento do negócio de saúde, tem uma visão
135
de processos e sabe identificar o impacto de sua ação ou omissão nos outros
processos do hospital. O grau de envolvimento da recepção para fazer o paciente
fluir pelo sistema de saúde é intenso.
5.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente
No que diz respeito a não desperdiçar o tempo do cliente, a primeira
característica de um processo de consumo enxuto é embutir no desenho do
processo a necessidade de otimizar o tempo do cliente. O projeto do Pé Diabético
foi projetado para otimizar não só o tempo do paciente como também o de seus
familiares. O pólo secundário ilustra até que ponto a economia de tempo do ponto
de vista do paciente é possível. O paciente marca uma única consulta e é atendido
em no máximo 48h, o que contrasta com os possíveis 6 meses de espera para
uma consulta não emergencial num hospital público.
A estrutura de “box” de atendimento no pólo secundário permite a
otimização do tempo tanto do paciente e de seus familiares como dos médicos. O
paciente pode ser atendido por até seis profissionais diferentes numa única
consulta. Sem esta estrutura o paciente teria que marcar seis consultas diferentes,
provavelmente em dias e locais diferentes. Dadas as dificuldades de locomoção
destes pacientes algum familiar teria que acompanhá-lo nesta seqüência de
consultas. Os médicos, por sua vez, são capazes de atender um número muito
maior de consultas por dia do que se tivessem num consultório.
O “box” também possibilita a sincronização de todos os elementos do
processo de atendimento: paciente, médicos, materiais e informação. Como num
“pit-stop” da Fórmula 1 todos os procedimentos necessários são ministrados
rapidamente ao paciente durante sua permanência no “box”.
Diagnosticar com antecedência o problema também ajuda a não
desperdiçar o tempo do cliente. O projeto do Pé Diabético está estruturado para
detectar a doença antes do surgimento das complicações, isto não só evita o
desperdício de tempo do paciente para resolver as complicações no futuro como
lhe garante uma qualidade de vida melhor.
136
No caso do HDB foi o grau de insatisfação dos pacientes e dos médicos
com os excessivos tempos de espera que provocou a revisão do processo das
cirurgias eletivas. Houve uma redução média de 38% do tempo do paciente para a
realização de uma cirurgia eletiva (artroplastia de quadril). O novo processo
também reduziu em 32% o tempo empregado pelos colaboradores do hospital
para prestar o mesmo serviço.
A qualificação da recepção do HDB resultou em atribuir-lhe a
responsabilidade por sincronizar todos os elementos do processo que, ao evitar
atrasos desnecessários, reduz o desperdício de tempo no processo. A
sincronização é facilmente percebida no processo de cirurgias eletivas e no
processo de requisição de um exame externo para um paciente internado.
Para realizar uma cirurgia eletiva é preciso coordenar a vaga do hospital
com a disponibilidade do médico, a autorização do convênio e a documentação do
paciente. O processo está desenhado para garantir que cada um desses
elementos seja verificado no tempo certo. Para efetivar um exame externo, o
conhecimento de todo o processo auxilia a sincronização das diferentes
atividades: agendar o local do exame, obter liberação do convênio, chamar a
ambulância, avisar e preparar a documentação do acompanhante.
Tal como o exemplo da terapia trombolítica no Hospital Mãe de Deus e no
Hospital São Lucas citados no capítulo 2, o protocolo de dor torácica do Hospital
Pró-Cardíaco foi estruturado para lidar com doenças cujo diagnóstico e tratamento
são tempo-dependente, isto é, o fator tempo é crítico para a resolução do
problema. A rota 1 do protocolo, por exemplo, é a mais urgente de todas pois diz
respeitos aos pacientes que já apresentam infarto agudo do miocárdio. A
realização do cateterismo a tempo é uma questão de vida ou morte.
Obter o máximo de informações no primeiro contato é uma prática que evita
as sucessivas interrupções no fluxo do paciente. No Pró-Cardíaco a obtenção do
máximo de informações possíveis no primeiro contato (a anamnese rigorosa e
detalhada) está prevista pelo protocolo de atendimento e tem a função adicional
de ajudar a classificação da dor do paciente. Esta classificação juntamente com os
resultados dos exames levam a inserção do paciente numa determinada rota. A
137
rota é a maneira mais rápida e objetiva de se resolver o problema do paciente.
Nesse sentido, as rotas também podem ser entendidas como os fluxos de trabalho
previsíveis na organização. Esses fluxos são recomendados para evitar o
desperdício de tempo dos pacientes. Tanto o Pró-Cardíaco como o Projeto do Pé
Diabético apresentam estes fluxos bem definidos.
A pronta disponibilização dos resultados dos exames também é crítica para
o diagnóstico das doenças. Para isso, os passos de descritos pelo protocolo de
diagnóstico da dor torácica são sincronizados com os procedimentos do
laboratório. As atividades e os tempos de cada atividade do laboratório são
rigorosamente monitorados. O exame que detecta a liberação das enzimas do
miocárdio, por exemplo, leva 50 minutos desde o atendimento da chamada até a
liberação dos resultados do exame.
O laboratório responsável pelos exames clínicos no Hospital Pró-Cardíaco é
o Lâmina, que pertence à Diagnósticos da América. Um dos pilares do modelo de
negócio desta empresa é atender as necessidades do cliente com qualidade e no
tempo adequado. Portanto, em todas as unidades da DA encontra-se a mesma
preocupação que a demonstrada no Lâmina do Pró-Cardíaco em atender os
prazos estipulados para disponibilização dos exames. O tempo gasto pelo cliente
é um dos elementos que se procura otimizar nesse processo de atendimento.
5.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer
Na revisão de literatura foi apresentado exatamente o que um paciente
quer: um atendimento humanizado juntamente com a disponibilidade de materiais
e medicamentos. Foi demonstrado como estas duas necessidades podem ser
conflitantes. Um atendimento humanizado requer tempo dedicado ao paciente.
Processos ineficientes de gestão de suprimentos retiram este tempo precioso do
médico, das enfermeiras e dos auxiliares de enfermagem que ao invés de cuidar
do paciente, têm que remediar um processo ineficiente.
Todos os casos que trataram do atendimento ao paciente demonstraram de
alguma forma a preocupação pela humanização do atendimento, isto é, o
138
atendimento de qualidade, voltado para a pessoa e para a construção de um bom
relacionamento com o paciente. O projeto do Pé Diabético demonstra a
preocupação pela humanização quando se propõe a criar confiança no paciente e
prestar-lhe uma série de serviços (cortar as unhas, lixar e hidratar o pé, etc.). No
Hospital Dr. Badim o atendimento humanizado aparece na filosofia do próprio
hospital. No Hospital Pró-Cardíaco, a preocupação pelo atendimento humanizado
se manifesta na prática de explicar ao paciente as diversas etapas do diagnóstico
e fazê-lo participar do processo de decisão.
No que diz respeito à disponibilização de materiais e equipamento, os
processos de suprimentos do Copa D´Or incorporam uma série de características
do pensamento enxuto. O comparativo de Rivard-Royer et al. (2002) entre o
método lean e o método convencional de suprimentos apresentado no capítulo 2
serve de base para afirmar que o processo de suprimentos no Copa D´Or caminha
em direção ao fornecimento lean. Houve um forte trabalho de redução de
fornecedores. Em 3 anos, o hospital reduziu pela metade o número de
fornecedores. As iniciativas de melhora na cadeia de suprimentos aumentou o giro
de estoque do hospital de 12 vezes ao ano para 21 vezes. Isto demonstra que a
qualidade do estoque melhorou. Houve também uma otimização na utilização dos
recursos para gerir este processo.
A iniciativa da consignação e do dispensário eletrônico exemplificam como
a reação tanto da cadeia externa como da cadeia interna de fornecimento caminha
para ser ditada por um único fator, o ritmo do consumo. Na iniciativa da
consignação, o fornecedor enxerga o consumo real e repõe os produtos no
hospital baseado neste fator. A freqüência de reposição é determinada pela
criticidade do produto, sendo diária para os itens A. Na iniciativa do dispensário
eletrônico o consumo do produto também dita a reposição. Os dispensários são
reabastecidos 4 vezes ao dia, o que está em linha com a recomendação da
mentalidade lean de repor freqüentemente em pequenas quantidade.
Ainda em relação ao dispensário eletrônico, o Copa D´Or também segue a
recomendação de localizar a distribuição dos materiais e medicamentos o mais
próximo possível do cliente. Há um dispensário em cada andar o que economiza o
139
tempo de busca dos enfermeiros e aumenta o tempo disponível para dedicação ao
paciente.
O projeto da prescrição médica eletrônica aperfeiçoa o sistema de regular a
provisão a partir de um único ponto de pedido. No caso, o ponto de pedido é o
ponto de uso, no leito do paciente. Todo o sistema será integrado eletronicamente
otimizando o fluxo do medicamento desde sua prescrição até sua administração. A
farmácia responde sob demanda.
5.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer
Um paciente com pé diabético quer ser atendido o mais próximo possível
de sua residência para evitar os incômodos do deslocamento. O projeto do Pé
Diabético conta com 108 ambulatórios espalhados pelo município do Rio de
Janeiro. Esta pulverização de ambulatórios permite oferecer ao portador de
diabetes uma efetiva conveniência espacial.
Para atender exatamente onde o cliente quer, Womack e Jones (2005)
propõem que as empresas ampliem sua oferta de canais e estruturem um único
sistema de provisão para estes canais. Estas duas características encontram-se
presentes nas operações da Diagnósticos da América. Por querer proporcionar
exames de qualidade a todas as classes sociais e adequar-se aos perfis dos
diferentes públicos-alvo, a DA trabalha com canais diferenciados. Cada segmento
de mercado encontra na DA um canal apropriado, isto é, uma marca com a qual
se identifica.
O modelo da DA se assemelha ao da varejista Tesco na medida em que
oferece diversas marcas e todas as marcas são atendidas por um mesmo sistema
de suporte logístico. Isso garante a homogeneização da qualidade nos exames e
uma maior eficiência do sistema pelos ganhos de escala no volume atendido.
O número de unidades (no Rio de Janeiro são 51 lojas) facilita o acesso ao
cliente que pode escolher fazer os exames numa loja próxima a sua residência ou
140
ao local de seu trabalho. Existe também a opção da coleta domiciliar o que
minimiza o desperdício de tempo do paciente.
5.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente quando ele
quer
Nos problemas de saúde de modo geral, atender o paciente exatamente
quando ele quer implica poder atender quando ele necessita. Ninguém quer ter um
infarto agudo de miocárdio, no entanto, se vier a sofrer um infarto, o paciente
quererá ser atendido neste momento. Portanto, o dimensionamento da capacidade
da emergência define o quanto um hospital pode atender o paciente exatamente
quando ele quer (ou necessita).
A fronteira entre um problema que necessita de atendimento imediato e um
que pode esperar nem sempre é muito nítida. Womack e Jones (2005) propõem
um sistema de precificação dos serviços para ajudar a balancear a demanda por
estas duas circunstâncias do cliente. Os serviços “para atendimento imediato”
seriam mais caros do que os serviços que podem ser programados. No entanto, a
possibilidade de aplicar esta lógica para os serviços de saúde não se mostrou
muito viável nos atuais moldes do sistema de saúde.
O principal motivo é o fato de que os sistemas de saúde, conforme afirma
Wallace (2004), funcionam como um seguro contra faturas médicas não
esperadas. Isto significa que o grosso dos cuidados da saúde é pago por terceiros.
Quando surge um problema de saúde, o paciente que paga um plano de saúde
sente-se no direito de exigir atendimento imediato forçando o atendimento pela
emergência. Dado que é um terceiro que pagará a conta, não há espaço para
negociação e prevalece a exigência pelo atendimento imediato independente da
necessidade.
A cooperação com o paciente é fundamental para identificar as suas reais
necessidades, que, em relação ao tempo, ora serão de atendimento imediato, ora
de atendimento que pode ser planejado. No caso do projeto do Pé Diabético, suas
141
unidades de atendimento estão estruturados para trabalhar com ambas as
necessidades.
Como o diabetes é uma doença que exige monitoramento constante, a
grande maioria dos atendimentos são pré-programadas e já entraram na rotina
específica do paciente. No entanto, emergências podem surgir e a diretriz para
todos os níveis de atenção é de atendimento imediato. Procura-se desenvolver um
relacionamento de confiança com o paciente. Assim, o ambulatório torna-se
referência para o paciente e ele confia na capacidade de atendimento do serviço
tanto para as consultas pré-programadas como nas necessidades que requerem
uma atenção imediata.
A coleta domiciliar de exames clínicos apresentada no caso da
Diagnósticos da América ilustra este princípio de oferecer o que o cliente quer
exatamente quando ele quer. O fato de ocorrerem coletas domiciliares de
madrugada sinaliza a prontidão da empresa em oferecer conveniência temporal ao
paciente. As coletas de madrugada tem um caráter emergencial e requerem uma
infra-estrutura de apoio considerável para realmente resolver o problema do
paciente. Não só a logística de suporte à coleta deve estar em funcionamento mas
também alguma unidade de processamento dos exames. Os núcleos técnicos
operacionais não funcionam de madrugada. A solução, portanto, passa por
processar os exames nas unidades localizadas em hospitais que precisam
funcionar 24 horas. Dessa forma se garante a disponibilização do resultado dos
exames a tempo fornecendo ao médico do paciente a informação necessária para
a tomada de decisão.
5.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e aborrecimento
do cliente
Womack e Jones (2005) propõem uma estreita colaboração entre
consumidor e provedor do bem ou serviço para que as soluções oferecidas sejam
cada vez mais completas ao consumidor. Quanto mais completa a solução menor
142
a necessidade do consumidor despender tempo e energia para integrar outros
bens e serviços e assim resolver seus problemas.
Os problemas de saúde são particularmente complexos e os consumidores
dos serviços de saúde precisam lidar com uma série de fornecedores para
resolver seu problema: médicos de diversas especialidades, planos de saúde,
farmácias, diversos canais de atendimento. Pensar num processo de consumo
enxuto de um serviço de saúde requer também oferecer soluções para minimizar o
número de interfaces entre o consumidor e os diferentes provedores que integram
a solução.
O projeto do Pé Diabético pretende ser este único ponto de contato do
paciente. O projeto foi concebido para resolver todas as complicações que podem
daí surgir. Para isto realmente funcionar é necessário um sistema de informação
que integre todos os níveis de atendimento. Este sistema integrado está previsto
na próxima fase do projeto. Com este sistema será possível rastrear todo
atendimento, disponibilizar a história clínica do paciente em qualquer ambulatório
e garantir a atualização constante das informações gerenciais.
Para que este projeto seja de fato o único canal de acesso às soluções para
as complicações decorrentes do diabetes precisa deixar de ser o projeto do Pé
Diabético. O pé não é a única complicação desta doença. Ela pode causar
disfunção de órgãos vitais como olhos, rins, coração, entre outros. Seria
necessário ampliar o escopo dos serviços oferecidos para se tornar simplesmente
o Pólo do Diabetes.
A preocupação por agregar continuamente soluções para o cliente aparece
claramente na proposta da Diagnósticos da América ao pretender ser o fornecedor
preferencial de seus clientes. Está em jogo a redução do número de fornecedores
necessários para diagnosticar uma doença.
As marcas que a DA adquiriu no Rio de Janeiro, Lâmina e Bronstein,
trabalhavam apenas com análises clínicas. Para algumas doenças faz-se também
necessário fazer alguns exames de imagem (ressonância magnética, tomografia,
etc..). A DA está equipando suas unidades com aparelhos que possibilitem
também a realização destes exames. Assim, oferecendo num mesmo lugar a
143
possibilidade de realizar tanto exames clínicos como exames de imagem, reduz-se
para o paciente o tempo e o esforço necessários para resolver completamente o
problema de diagnosticar uma doença.
6 Conclusões e Recomendações
Este estudo buscou analisar como os princípios enxutos se aplicam nos
serviços de saúde. Para tanto, foi feita uma revisão de literatura para definir o
conceito lean e levantar quais os princípios que caracterizam a mentalidade
enxuta na gestão das empresas. Procurou-se fazer uma compilação tanto dos
princípios da provisão enxuta como os princípios do consumo enxuto de um bem
ou serviço. Por provisão se entende o conjunto de atividades necessárias para
disponibilizar o bem ou serviço ao cliente e por consumo entende-se o conjunto de
atividades que o consumidor realiza para resolver seu problema.
A revisão de literatura mostrou que o conceito lean é um conceito em
evolução. Sua carga conotativa aumenta progressivamente a ponto de ser usado
não só como adjetivo para qualificar determinado tipo de operação como para
designar uma mentalidade com a qual se encara um processo, uma operação,
uma empresa, uma solução para um problema de consumo. A aplicação do
conceito também tem migrado da produção de bens para a prestação de serviços
nas mais variadas indústrias. Os serviços de saúde podem ser considerados a
próxima fronteira de expansão do conceito.
As poucas referências bibliográficas tratando especificamente da
mentalidade lean nos serviços de saúde e a falta de exemplos específicos da
saúde para ilustrar todos os princípios lean demonstram como o assunto é
incipiente. Referências de estudos no Brasil são ainda mais raras. Neste sentido,
este estudo pretendeu oferecer uma contribuição. Daí o caráter exploratório do
estudo.
144
A metodologia de estudo de casos foi considerada a mais adequada dada a
natureza do objeto em estudo: um assunto contemporâneo em que o pesquisador
não tem nenhum controle sobre os eventos e busca responder a uma questão do
tipo “como”. A pergunta central do estudo é: “Como se aplicam os princípios lean
nos serviços de saúde?”. Daí o caráter descritivo do estudo.
Foram escolhidas cinco organizações brasileiras para comporem os casos
do estudo. Nenhum dos casos foi escolhido por ser um exemplo bem sucedido da
aplicação de princípios lean. As próprias pessoas entrevistadas desconheciam o
termo. Portanto, as operações e os processos estudados não são conseqüência
de uma opção explícita e consciente de desenhar as operações baseadas nos
princípios lean. Os casos foram escolhidos por que pessoas com conhecimento
em gestão e em saúde reconheceram a aderência destes princípios nas
organizações estudadas.
A mentalidade lean está voltada para o processo. Em cada caso
selecionado buscou-se analisar um processo diferente. Assim, compõem o estudo
o processo de:
1. atenção integral ao paciente diabético no Projeto do Pé Diabético;
2. diagnóstico e atendimento de Emergência no Hospital Pró-Cardíaco;
3. recepção no Hospital Dr. Badim;
4. suprimentos do Copa D´Or;
5. coleta de exames da Diagnósticos da América.
A seguir serão apresentadas as conclusões do estudo.
6.1 Conclusões
A revisão de literatura comprovou que o estudo sobre a mentalidade enxuta
nos serviços de saúde ainda é muito incipiente. Existem algumas iniciativas que se
propõem aprofundar no tema, mas o assunto ainda é pouco explorado.
Foi encontrada pelo menos uma aplicação prática de cada princípio enxuto.
A aderência dos princípios nos casos estudados reforça a tese de que qualquer
145
processo pode incorporar princípios lean (Womack e Jones, 1996 e 2005),
inclusive os processos que compõem os serviços de saúde (IHI, 2005). A
incorporação de princípios lean nas operações de serviços de saúde pode dar
uma importante contribuição para aumentar simultaneamente a qualidade e a
eficiência na prestação do serviço.
A análise dos casos permitiu verificar como os princípios lean se adaptam
às especificidades dos serviços de saúde. Percebeu-se a necessidade de
adaptação de dois princípios em particular: “oferecer exatamente o que o paciente
quer” e “oferecer o que o paciente quer exatamente quando ele quer”.
A razão de ser dos serviços de saúde e o seu fim específico singularizam
este serviço entre os demais. O enfermo é a razão de ser dos serviços de saúde e
a enfermidade é o estado intermediário entre a saúde e a morte (Stork, 1996). O
fim específico dos serviços de saúde é restaurar a saúde do enfermo ou prevenir
sua deterioração. É isto que torna este serviço único. Nestas circunstâncias, o
enfermo encontra-se física e psicologicamente fragilizado e é para uma pessoa
neste estado que os serviços de saúde são desenhados. Assim, “oferecer
exatamente aquilo que o cliente quer” não pode se resumir simplesmente na
disponibilização do produto ou serviço, mas deve incluir também um atendimento
humanizado em que a condição fragilizada do paciente é compreendida e
amparada.
Em relação ao princípio de “oferecer o que o paciente quer exatamente
quando ele quer” percebeu-se que o modelo de financiamento dos serviços de
saúde nos moldes vigentes (onde um terceiro - plano de saúde ou o governo -
paga a conta) impede a adoção de um mecanismo de precificação para balancear
a demanda. Atender o “quando” passa a depender da capacidade da organização
lidar com os picos de demanda.
Para entender o modus operandi de um dos casos, do Hospital Pró-
Cardíaco, foi necessário aprofundar na medicina baseada em evidências (MBE),
um novo paradigma da prática clínica. A análise dos princípios que configuram
esta prática possibilitou estabelecer um forte paralelo entre a medicina baseada
em evidências e a mentalidade lean. Este paralelo pode oferecer um campo
146
comum para se promover uma aproximação entre a linguagem médica e a
linguagem da gestão de processos. Este paralelo sugere que a MBE e a
mentalidade lean podem se reforçar mutuamente.
Por um lado, a expansão da mentalidade lean pode ser facilitada nos
serviços de saúde orientados pela MBE. Eventuais resistências da aplicação nos
serviços de saúde de princípios originários da indústria poderão ser vencidas se
vinculadas ao próprio desenvolvimento da prática clínica. Maior envolvimento do
paciente, desenvolvimento de um protocolo que maximize a custo-efetividade,
redução da taxa de erros e aleatoriedade na clínica, aperfeiçoamento contínuo da
prática, educação continuada, gerar experimentos são práticas próprias da
medicina baseada em evidências que servem de substrato para a incorporação de
outros princípios lean.
Por outro lado, a medicina baseada em evidências pode se aproveitar da
mentalidade lean na medida em que esta oferece uma visão de processos, uma
visão de gestão e aperfeiçoamento do processo rigorosa capaz de dar
sustentabilidade às reivindicações da MBE.
As organizações estudadas apresentaram uma forte preocupação pela
excelência nos processos selecionados como objeto do estudo de caso. Dado que
o conceito lean traz em si a busca pela perfeição do processo, foi possível
estabelecer um terreno comum para a análise dos princípios. Um bom critério de
seleção de um processo para começar a aplicar princípios lean é o processo que
se pretenda levar à excelência.
Nenhum dos casos estudados incorporou todos os princípios enxutos, o
que apóia a afirmação de Womack (2004) e Spear (2005) de que ainda não existe
a “Toyota” dos hospitais ou, por extensão, dos serviços de saúde. Isto significa
que há muito espaço para melhora. Mesmo que houvesse uma organização entre
as estudadas que aplicasse todos os princípios, isto não seria suficiente para
considerá-la uma “Toyota” uma vez que existem diversos graus de incorporação
destes princípios. Para surgir uma “Toyota” dos serviços de saúde, é preciso
adotar a mentalidade lean voltada para a geração de valor ao paciente, centrada
no processo, com foco na eliminação sistemática de desperdícios em todos os
147
processos num esforço de aperfeiçoamento contínuo. Nenhum dos processos
estudados nas cinco organizações incorpora plenamente esta mentalidade.
Alguns princípios estão mais presentes nos casos estudados que outros.
Dos princípios da provisão enxuta, três aparecem em 4 organizações: reduzir os
trade-offs de desempenho, eliminar as atividades que não agregam valor,
estabelecer fluxo contínuo. Dos princípios do consumo enxuto, o princípio de não
desperdiçar o tempo do paciente foi o mais presente, encontrando-se em 4 das
organizações estudadas. No entanto, embora presente nas diversas organizações,
a adoção de cada princípio difere em grau, motivação, intensidade e extensão na
organização.
Dessa forma, o princípio de não desperdiçar o tempo do paciente, por
exemplo, encontra-se presente no Pró-Cardíaco por tratar de intervenções tempo-
dependentes em que o desperdício de tempo pode ser fatal. Encontra-se também
presente no Hospital Dr. Badim na introdução da pré-internação para acelerar o
processo das cirurgias eletivas em que está em jogo a experiência de consumo do
serviço médico. No primeiro caso, minutos fazem a diferença, no segundo, não.
Este princípio também se encontra no Projeto do Pé Diabético e na
Diagnósticos da América. Ambos levam em conta o tempo do paciente no
desenho de seus processos, contudo, com perspectivas diferentes. Na DA o
resultado do exame tem hora para sair, no projeto do Pé Diabético a perspectiva
de acompanhamento do paciente é de longo prazo. Portanto, não é possível
comparar as organizações entre si. Cada organização pode comparar-se a si
mesma ao longo do tempo e verificar se houve progressos na eliminação do
desperdício do tempo do paciente. O aperfeiçoamento contínuo é sinal da adoção
da mentalidade lean. O mesmo raciocínio vale para os outros princípios.
O princípio de reduzir os trade-offs de desempenho merece especial
menção. O nascimento do pensamento enxuto pode ser considerado como fruto
de uma síntese entre a produção em massa e a produção artesanal, o que
significa que consegue conciliar a eficiência de um, a flexibilidade e a qualidade de
outro. É interessante notar como o dilema entre qualidade e eficiência é
148
minimizado nos casos em que este princípio aparece. Cada caso apresenta
determinado aspecto da redução do trade-off de desempenho.
No caso do Projeto do Pé Diabético, a melhor qualidade no atendimento
implica identificar e tratar o quanto antes o que significa menores tempos de
espera, menores complicações e maior eficiência no sistema. No caso do Pró-
Cardíaco, a busca da custo-efetividade no diagnóstico e tratamento está embutido
na sua filosofia de trabalho. No caso do Copa D´Or, através da utilização de
práticas lean nos processos de suprimento, o nível de serviço foi melhorado
juntamente com a eficiência. No caso da Diagnósticos da América, seu modelo de
negócio flexibiliza o atendimento conforme cada público, oferece a mesma
qualidade nos exames a todos os públicos e ao processar os exames de maneira
centralizada garante ganhos de eficiência. Estes exemplos demonstram o
potencial da mentalidade lean na superação dos conflitos entre estes indicadores
de desempenho.
Do ponto de vista das organizações estudadas, pode-se afirmar que cada
caso exemplifica e ilustra de maneira mais plena determinado princípio. O Projeto
do Pé Diabético exemplifica o entendimento do processo de consumo de um
serviço de saúde e como se estruturar para “resolver o problema do paciente
completamente”. O Hospital Dr. Badim demonstra como qualificar o pessoal da
linha de frente aumenta a eficiência do processo também contribuindo para
resolver o problema do paciente completamente”. O Hospital Pró-Cardíaco com
sua estratégia de sistematização do atendimento ilustra o princípio de “não
desperdiçar o tempo do paciente”. O Hospital Copa D´Or incorpora bem em seu
processo de suprimento o aspecto de disponibilizar o produto, que é parte do
oferecer ao paciente exatamente o que ele quer”. A Diagnósticos da América ao
oferecer marcas diferentes com um único sistema de reabastecimento, coleta de
exames e processamento de exames exemplifica o “oferecer ao paciente o que
ele quer exatamente onde ele quer”.
No que diz respeito à adoção mais plena do princípio de “não desperdiçar o
tempo do cliente” pode-se afirmar que os serviços de saúde encontram-se numa
situação privilegiada em relação a outras indústrias. Faz parte da realidade dos
149
serviços de saúde se deparar com situações em que a solução do problema do
paciente é tempo-dependente, isto é, o fator tempo é crítico para a qualidade de
vida ou mesmo a sobrevivência do paciente (como foi exemplificado no caso do
infarto agudo de miocárdio do Hospital Pró-Cardíaco e na terapia trombolítica do
Hospital Mãe de Deus e no Hospital São Lucas).
O risco da morte pressiona o desenvolvimento de um processo mais
enxuto, exige a eliminação de tempos desnecessários, estimula a criatividade para
encontrar soluções mais eficientes. Esta situação cria na organização um
processo de aprendizagem que pode também ser aplicado em outros processos
que não sejam tempo-dependentes e que não tenham um desfeche fatal, mas que
consomem tempo inútil dos envolvidos. Por que não estruturar todos os processos
nos serviços de saúde como se fossem uma questão de vida ou morte?
No que diz respeito a dados quantitativos, o que se percebe nas
organizações estudadas é o desenvolvimento de uma cultura de medição que
ainda não atingiu sua maturidade. Existe a consciência da necessidade de medir
os resultados dos processos, mas as organizações estudadas ainda se deparam
com questões do tipo o que medir, como medir, que tecnologia usar, como obter a
aprovação orçamentária necessária para contar com pessoas para fazer as
medições. Sem o comprometimento com a obtenção e o acompanhamento
constante de dados quantitativos que refletem o desempenho dos processos é
impossível o aperfeiçoamento contínuo. Quantificar o desperdício de tempo,
dinheiro, movimentos, atividades, re-trabalhos, etc. é condição sine qua non para
implementar plenamente a mentalidade lean.
Todos os entrevistados mostraram interesse e abertura no sentido de
conhecer novas idéias e práticas mais eficientes de gestão. Verificou-se nas
organizações estudadas um real interesse pela melhoria dos processos, o que
torna promissora a possibilidade de aprofundar e expandir a incorporação de
princípios enxutos nestas organizações.
150
6.2 Recomendações
Seguem algumas recomendações para futuros estudos nesta linha.
Ao se propor a estudar serviços de saúde, o pesquisador deve deixar claro
que não pretende fazer comparações entre instituições. No âmbito dos serviços de
saúde, percebeu-se uma tal sensibilidade em relação à exposição da organização
a comparações que a pretensão de fazer um estudo comparado pode inviabilizar a
pesquisa.
Uma possibilidade de pesquisa seria fazer um estudo mais aprofundado
numa única instituição. Escolher-se-ia uma instituição de referência para mapear
todos os processos e analisar a aderência dos princípios em cada processo. O
desafio está em entender os diferentes fluxos que os pacientes percorrem no
serviço de saúde e como os outros processos os suportam.
Faz falta uma pesquisa para definir um padrão de processos lean para a
área de saúde. A partir deste padrão seria possível medir o quanto uma
organização se aproxima ou se afasta dos princípios lean.
O processo de consumo de serviços de saúde ainda está por ser explorado.
Um estudo que levantasse todas as atividades que o consumidor precisa realizar
para resolver seu problema de saúde completamente e as possíveis fontes de
frustração em cada etapa contribuiria para um melhor entendimento do processo.
Seria possível enxergar o serviço de saúde através do olhar do consumidor,
indicando os diversos fornecedores com os quais o paciente precisa lidar e
apontando interessantes oportunidades de redução de desperdício.
Outra linha de pesquisa interessante é buscar entender qual a pressão que
mais propícia para a adoção de princípios enxutos: a pressão por redução de
custos ou a pressão por aumentar a qualidade. O pesquisador faria uma
segmentação de mercado posicionando os serviços de saúde nos diversos nichos
para avaliar em que segmento existe maior aderência aos princípios enxutos.
Daqui a alguns anos, seria interessante voltar às mesmas organizações
descritas nesta dissertação para verificar se houve alguma evolução em relação à
151
incorporação dos princípios enxutos. Os princípios foram “transplantados” para
outros processos? Houve melhora nos processos estudados?
O princípio “oferecer exatamente aquilo que o paciente quer” merece maior
aprofundamento. Conciliar a promoção de um atendimento humanizado e ao
mesmo tempo eficiente é entender mais uma redução de trade-off de desempenho
no campo da saúde. Trata-se de estudar a possibilidade de humanizar a medicina
com processos eficientes.
Outra síntese interessante para pesquisa seria entre a medicina baseada
em evidências e a mentalidade lean. A questão de como integrar a prática clínica
baseada em evidências com uma gestão lean de processos poderá trazer uma
importante contribuição para uma medicina simultaneamente de qualidade e
eficiente.
152
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