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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE ENSINO E FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Márcio Penna Corte Real
AS MUSICALIDADES DAS RODAS DE CAPOEIRA(S):
DIÁLOGOS INTERCULTURAIS, CAMPO E ATUAÇÃO DE
EDUCADORES
Tese de Doutorado
Florianópolis
2006
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ii
MÁRCIO PENNA CORTE REAL
AS MUSICALIDADES DAS RODAS DE CAPOEIRA(S):
DIÁLOGOS INTERCULTURAIS, CAMPO E ATUAÇÃO DE
EDUCADORES
Tese de Doutorado, apresentada ao
Programa de Pós-Graduaçäo em
Educação, Centro de Ciências da
Educação, Universidade Federal de
Santa Catarina, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em
Educação. Orientador: Prof. Dr.
Reinaldo Matias Fleuri
Florianópolis
2006
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iii
Márcio Penna Corte Real
AS MUSICALIDADES DAS RODAS DE CAPOEIRA(S): DIÁLOGOS
INTERCULTURAIS, CAMPO E ATUAÇÃO DE EDUCADORES
Esta Tese de Doutorado foi julgada e aprovada para a obtenção do Título de
Doutor em Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação do
Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 10 de agosto de 2006
Comissão Examinadora
_____________________________
Prof. Dr. Reinaldo Matias Fleuri
Presidente da Banca
(PPGE/CED/UFSC - Orientador)
____________________________
Prof. Dr. Fábio da Purificação de Bastos
(PPGE/CE/UFSM - Examinador)
____________________________
Prof. Dr. Álvaro Carlini
(UFPR - Examinador)
______________________________
Profª. Dr.ª Cristiana Tramonte
(PPGE/CED/UFSC - Examinadora)
____________________________
Prof. Dr. José Luiz Cirqueira Falcão
(CDS/UFSC - Examinador)
____________________________
Prof. Dr. Mário Jorge Cardoso Coelho Freitas
(DME/UM – Suplente)
____________________________
Profª. Dr.ª Nadir Esperança Azibeiro
(FAED/UDESC - Suplente)
iv
“Mas sou conhecido como o “rei do berimbau”.
Ainda fabrico e sei ensinar a tocar (...). Tenho
orgulho ainda na minha garganta, de gritar
minhas ladainhas. Canto amarrado de Capoeira
Angola. Isso eu não achei quem cantasse mais
do que eu.”
Mestre Waldemar da Paixão
(1916-1990)
“Penso, pois, que para compreender uma obra
cultural, devemos compreender o campo de
produção e a posição de seu autor nesse
espaço.”
“Não se compreende nada se não se
compreende o campo que lhe produz e que lhe
confere sua pequena força (...). Penso (...) que
possam sentir-se objetivados, como se diz, se
escutarem bem o que digo serão levados a dizer
– pelo menos o espero – que, explicitando
coisas que eles sabem confusamente mas das
quais não querem saber muito, eu lhes dou
instrumentos de liberdade para dominar os
mecanismos que evoco.”
Pierre Bourdieu
(1930 – 2002)
v
Às minhas fontes de inspiração:
Mariana e Janice, Marly – mãe-mulher-trabalhadora –, irmãs e irmãos;
A três grandes Mestres da Capoeira – também fontes de inspiração:
Raimundo Dias, Kadu e Frede Abreu
– o orientador ‘selvagem’ de todos(as) pesquisadores(as) da capoeira;
Aos e às capoeiristas,
que, como eles três, amam a arte da vadiação;
Aos camaradas da Confraria Catarinense de Capoeira;
Aos participantes do PERI-capoeira;
Aos amigos e amigas do Núcleo MOVER/CED/UFSC;
Aos parceiros e parceiras de cumplicidade político-pedagógica da
LEPEL/FACED/UFBA;
e aos “capitães de areia” espalhados pelo mundo.
Em lembrança de
Domingos Aladir Corte Real;
Domingos Zacarias Corte Real; e Sérgio Fagundes,
Com cada um de vocês três, apreendi um pouco dos meus sonhos.
vi
Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Dr. Reinaldo Matias Fleuri/
MOVER/PPGE/CED/UFSC, pois em hipótese alguma mediu esforços para que
eu tivesse todas as condições de trabalho necessárias para a elaboração desta
tese e pela profunda relação de respeito e profissionalismo;
À Luciane Lopes pela constante presença em vários momentos e pelo
apoio, às vezes decisivo – valeu comadre! o que importa é estar juntos;
Ao amigo e colega de Doutorado, Willer Barbosa, por ter sido um grande
incentivador;
Ao também amigo, Marion Machado Cunha, pelo apoio em vários
momentos, mesmo a distância (Marion, nossas visões de mundo nos fazem
cúmplices);
Ao Prof. Daniel Morales CAL/UFSM – meu primeiro mestre na
universidade;
Ao Prof. Dr. José Luis Cirqueira Falcão CDS/UFSC, pelo o apoio e dicas
necessárias para organização da minha ida para Salvador e pela participação
na banca de defesa;
Aos demais membros da banca, Prof. Dr. Álvaro Carlini, Profª. Dr.ª
Cristiana Tramonte, Prof. Dr. Fábio da Purificação de Bastos – em primeiro
lugar, pela a orientação, parceria e apoio durante o mestrado – e Prof. Dr.
Mário Freitas – obrigado a todos pelas críticas e sugestões;
À Nadir Esperança Azibeiro pela presença, como colega de curso e,
depois, como avaliadora na banca de defesa e pelo sorriso fraterno, sem igual;
À Beleni Grando, ao Carlos Alberto Souza e à Cleonice Tomazzetti;
A todas e todos colegas do MOVER/PPGE/CED/UFSC, em especial à
Gillian e Thaís pelos trabalhos técnicos;
À Profª. Dr.ª Celi Zulke Taffarel/LEPEL/PPGE/FACED/UFBA, por ter me
recebido e orientado com grande entusiasmo e seriedade acadêmica durante
minha estada na Bahia;
À Adriana D’Agostinni e ao Mauro Titton, estudantes de Doutorado e
Mestrado/LEPEL/PPGE/FACED/UFBA, pelo tempo de convivência em que
dividiram comigo sua morada na Bahia;
vii
À Profª. Ms. Nair Casagrande/LEPEL/FACED/UFBA e ao Benito Libório
– Mestre Bené, e, no mesmo sentido, ao Prof. Dr. Pedro Abip, por terem me
pertimido participar de suas atividades de ensino da capoeira, na UFBA;
Ao Advogado, capoeirista do grupo Globo Brasil, pela amizade e por ter
me mostrado os caminhos de Salvador;
À Lang Liu, estudante de doutorado do Canadá, que estava na UFBA,
fazendo estágio de doutorado-sanduíche e dando-me várias dicas, tendo me
auxiliado nos contatos para a entrevista com o Mestre Moa do Catendê;
Agradeço especial e carinhosamente, mesmo, à Ivanete Nardi;
E ao Gabriel Angenotti, pelo auxilio e apoio em momentos decisivos;
Ao Drauzio P. Annunciato pela amizade e parceria em vários trabalhos;
Ao Bruno Santana pela abertura e apoio;
Ao Maumau e ao Caiçara e tantos outros capoeiristas amigos;
À coordenação e às funcionárias do PPGE/CED/UFSC pelos
encaminhamentos burocráticos;
Às Professoras Sonia Matos e Fani pelo constante incentivo;
Ao CNPq, pelas bolsas de doutorado e estágio de doutorado-danduíche,
sem as quais não teria conseguido realizar este importante trabalho para minha
formação e, penso eu, para a capoeira e para as questões ligadas à educação;
Agradeço também aos vários funcionários do CNPq – difíceis de listar
devidamente, mas que prestaram informações e fizeram encaminhamentos
burocráticos durante todo o tempo de trabalho;
Aos mestres da capoeira que, gentilmente, me concederam entrevistas
em Salvador: Frede Abreu, Mestre Nenel, Mestre Cafuné, Mestre Cobra
Mansa, Mestre Raimundo Dias – sobretudo pela amizade –, Mestre Neco,
Mestre China, Mestre Pelé da Bomba, Mestre Moa do Catendê, Mestre
Bigodinho;
E ao Mestre Lua Rasta e ao Mestre Pelé do Tonel, pelas várias
conversas;
À Cunhã e à Nauvinha da Fundação Mestre Bimba, pela recepção e
apoio;
Aos funcionários do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, pelo
auxilio nas pesquisas bibliográficas;
viii
A todos os amigos da Confraria Catarinense de Capoeira pelo incentivo,
em especial ao Prof. Bode, ao Mestre Pop e ao Mestre KBLera; bem como ao
Jimmy, ao Maumau e Caiçara.
A toda gurizada da Vila Tonneto, em Santa Maria, onde me criei (o fato
de alguns de vocês terem ficado pelo caminho me deu forças para continuar
seguindo e levando um pouco dos seus sonhos adiante);
Carinhosamente e com gosto de infância ao Alex e ao Maurício;
Ao Enio Bortoluzzi e toda sua família, Nica, Ito e Maninho;
Ao Sandro Rodrigues (minha dívida contigo é imensa, mas minha
admiração por ti também é enorme, Piti);
Ao Panthera e ao Alfinete, meus eternos professores e amigos;
A todo o pessoal da cAc, em especial ao meu parceiro, Balkan Sobranie,
pelas discussões inspiradoras;
E aos importantes pesquisadores e pesquisadoras da capoeira, que
compreenderam a iniciativa e aceitaram o convite para participar do livro sobre
capoeira, que propus organizar, dispondo os resultados de suas pesquisas e
estudos sob a forma de artigos: Adriana Albert, Mestre em História/UFBA;
Adriana D’Agostinni, Mestre em Educação Física/UFSC; Benedito Carlos
Libório Caíres Araújo/UFBA; Bruno Emmanuel Santana, Mestre em Educação
Física/UFSC; Carlos Eugenio Libano Soares, Doutor em História/UNICAMP;
Celi Zulke Taffarel, Doutora em Educação/UNICAMP; Cristian Muleka, Mestre
em Educação/UFSC; Drauzio Annunciatto, Mestre em Educação/UFSC; Frede
Abreu, Pesquisador da Capoeira e Escritor, Instituo Mauá e Instituo Jair Moura;
Jair Moura, Pesquisador IGHB; Joelma/Mestrado em Educação UFBA; José
Luiz Cirqueira Falcão, Doutor em Educação/UFBA; Marcelo Navarro Bakes
Especialista/UNIFE; Pedro Rodolpho Jungers Abib, Doutor em
Educação/UNICAMP; Valmir Ari Brito, Mestre em Educação/UFSC.
À Tetê pela leitura atenta para composição da versão final desta tese.
A todas e todos vocês e aos amigos que, pela pressão do tempo, eu
possa ter esquecido – e eu sei que devo ter esquecido –, meus sinceros
agradecimentos.
ix
SUMÁRIO
Lista de ilustrações:..........................................................................................xi
Resumo:............................................................................................................xii
Abstract:...........................................................................................................xiii
Introdução: senhores peço licença – canto de entrada e desafio..............14
Notas para leitura: considerações metodológicas prévias e fundamentos
das rodas...........................................................................................................32
CAPÍTULO I.......................................................................................................35
1.1 Formação da cidade da Bahia, aspectos sócio-econômicos e culturais:
abrindo a roda.........................................................................................................35
1.2 Bahia de Todos os Santos: aspectos sócio-culturais e musicais ...................44
1.3 A Bahia na música brasileira ..........................................................................54
1.4 Notas sobre as origens da capoeira(?): abrindo caminhos para as
musicalidades.......................................................................................................62
CAPÍTULO II......................................................................................................78
2.1 Jogadores e visões sobre as musicalidades das rodas de capoeira(s) .....78
2.2 Bimba, Canjiquinha, Pastinha, e Waldemar: influências na constituição do
campo capoeirano ................................................................................................82
2.2.1 Mestre Bimba, o criador da Capoeira Regional: roda de um berimbau só
(1899 – 1974)....................................................................................................83
2.2.2 Mestre Canjiquinha: “a alegria da capoeira” (1925 - 1994) .....................98
2.2.3 Mestre Pastinha: o patrono da Capoeira Angola (1889 – 1979)............115
2.2.4 Mestre Waldemar da Paixão, o gritador da capoeira: influências musicais
no campo capoeirano (1916 – 1990)..............................................................127
2. 3 Diálogo intercultural: categoria político-pedagógica....................................151
2.3.1 Diálogos interculturais: algumas visões de mundo dos mestres de
capoeira hoje ..................................................................................................157
2.3.2 Vamos abrir a roda: a apresentação dos jogadores.............................160
2.3.3 Papéis atribuídos às musicalidades das rodas de capoeira..................170
2.3.4 Aproximação das estratégias de ensino das musicalidades: um saber
poder...............................................................................................................175
2.3.5 Visões preliminares sobre a produção musical da capoeira hoje..........196
2.4 A roda do Arco do Triunfo: desafios e práticas interculturais .......................200
2.4.1 Capoeirando no Peri: investigação-ação como horizonte formativo e
experiência intercultural..................................................................................202
Capítulo III.......................................................................................................248
3.1 As musicalidades das rodas de capoeira(s): diálogos interculturais, campo
e atuação de educadores.....................................................................................248
3.2 As musicalidades das rodas de capoeira(s): educação musical não-formal na
perspectiva intercultural..........................................................................................252
3.3 As musicalidades das rodas de capoeira(as): espetáculo e indústria cultural .265
x
3.4 As musicalidades das rodas de capoeira(s): lutas simbólicas no campo
capoeirano..............................................................................................................270
3.5 As musicalidades das rodas de capoeira(s): atuação de educadores e desafios
formativos...............................................................................................................274
Considerações finais: canto de despedida.................................................281
Referências Bibliográficas:...........................................................................287
Apêndice .........................................................................................................310
Registros gráficos de sons que vêm das rodas de Capoeira ...................311
ANEXOS ..........................................................................................................319
xi
Lista de ilustrações:
Figura 1 Mestre Bimba tocando atabaque.........................................................90
Figura 2 Mestre Bimba ao berimbau, no filme Vadiação...................................91
Figura 3 Jogo de Iúna na Roça do Lobo, em Salvador.....................................95
Figura 4 Capoeiras vadiando na frente de um bar ..........................................102
Figura 5 Mestre Canjiquinha cantando, em envento em São Paulo...............110
Figura 6 Mestre Pastinha conduzindo roda na Academia de Capoeira Angola
..........................................................................................................................120
Figura 8 Mestre Waldemar e turma em roda na Rampa do Mercado, Salvador
..........................................................................................................................128
Figura 9 Berimbau-boca...................................................................................132
Figura 10 Tocador de berimbau-de-boca ........................................................133
Figura 11 Tocador de berimbau-de-barriga.....................................................137
Figura 12 Conjunto de três berimbaus.............................................................138
Figura 13 Mestre Waldemar executando berimbau.........................................141
Figura 14 Capoeiristas Traíra e Nagé jogando no Barracão...........................148
Figura 15 Mulheres e crianças assistindo à roda no Barracão........................149
Figura 16 Entrevista com Frede Abreu............................................................162
Figura 17 Entrevista com Mestre Cafuné ........................................................165
Figura 18 Entrevista com Mestre Pelé da Bomba ...........................................166
Figura 19 Entrevista com Mestre Raimundo Dias ...........................................167
Figura 20 Entrevista com Mestre Neco............................................................168
Figura 21 Mestre Nenel ministrando aula de berimbau...................................176
Figura 22 Método de ensino do Berimbau de Mestre Nenel...........................177
xii
AS MUSICALIDADES DAS RODAS DE CAPOEIRA(S): DIÁLOGOS
INTERCULTURAIS, CAMPO E ATUAÇÃO DE EDUCADORES
Resumo:
Neste trabalho, investigam-se os papéis das musicalidades da capoeira.
Compreende-se que as musicalidades das rodas da capoeira potencializam
práticas educativas não-formais, analisadas na perspectiva intercultural. Toma-
se como fio condutor e organizativo do enredo argumentativo a idéia de rodas
de capoeira, como alegoria para consecução do método expositivo. As rodas
de capoeira expressam diferentes espaços-tempo, que são abordados de
acordo com as questões problematizadas no trabalho. Recorre-se às noções
de campo e capital simbólico para se analisar as musicalidades como saberes
centrais da atuação dos(as) educadores(as) de capoeira. Reivindicam-se tais
noções, somadas aos conceitos de indústria cultural e espetáculo – visto a
assimilação das músicas da capoeira por tal indústria – na formulação de uma
heurística para abordar-se a contradição entre o potencial educativo das
musicalidades na/da capoeira e a possibilidade das mesmas constituírem-se
em objetos de disputas entre seus agentes. Analisa-se a capoeira como um
campo de poder, definido a partir de regras, hierarquias e jogos de força, nos
quais as musicalidades são um dos elementos centrais. Tomam-se como
dados para as análises a história de Mestres de capoeira que viveram em
Salvador/BA, entre 1890 e 1994; entrevistas realizadas durante três meses de
trabalho de campo, nesta cidade; e reflexões advindas de dois cursos de
formação de educadores de capoeira na perspectiva da intercultura e da
investigação-ação, realizados em Florianópolis/SC, entre 2004 e 2005, pelo
MOVER/CED/UFSC e pela Confraria Catarinense de Capoeira. O trabalho
resultou em contribuições para as áreas da educação musical, no que respeita
à investigação de processos de ensino-aprendizagem das musicalidades em
espaços não-formais e, para aérea da educação, no tocante à análise da
constituição de saberes de educadores em tais espaços, que podem ser
entendidos como campos de poder, pertinentes ao horizonte das reflexões da
educação intercultural.
Palavras-chave: Musicalidades das rodas de capoeira; diálogos interculturais;
campo; investigação-ação; atuação de educadores.
xiii
AS MUSICALIDADES DAS RODAS DE CAPOEIRA(S): DIÁLOGOS
INTERCULTURAIS, CAMPO E ATUAÇÃO DE EDUCADORES
Abstract:
In this work, the role of capoeira musicality is investigated. It is
understood that the musicality of the capoeira rings facilitate informal
educational practices, analyzed in the intercultural perspective. The conducting
and organizing thread of the argumentative plot was the idea of capoeira rings
being allegoric, in order to achieve the exposition method. The capoeira rings
express different space-time, which is approached in accordance with the
problem questions in this research. One appeals to the field and capital
symbolic knowledge for analysis of musicality as fundamental for the
performance of the capoeira educators. Such knowledge is demanded, added
to the concepts of cultural industry and spectacle – having seen the assimilation
of capoeira music by this industry - in the formulation of a heuristic to approach
the contradiction between the educative potential of musicality in/of capoeira
and the possibility of them being composing objects of disputes between its
agents. Capoeira is analyzed as a power field, defined by rules, hierarchies and
games of force, in which musicality is one of the central elements. Using as
analytical data the history of the capoeira Masters who lived in Salvador/BA,
between 1890 and 1994; interviews carried out during three months of field
work in this city; and reflections from two courses for specialization of capoeira
educators in the perspective of intercultura and action-research, carried through
in Florianopolis/SC, between 2004 and 2005, by the research group
MOVER/CED/UFSC and the Catarinense Brotherhood of Capoeira. This thesis
resulted in contributions for the areas of the musical education, with regards to
the investigation of the teaching-learning processes of music in informal settings
and, for the educational field, regarding analysis of what constitutes the
knowledge of educators in such settings, that may be comprehended as power
fields pertinent to the horizon of reflections about intercultural education.
Keywords: Musicality of the capoeira rings; intercultural dialogues; field; action-
research; performance of educators.
Introdução: senhores peço licença – canto de entrada e desafio
“Senhores, peço licença
Senhores, peço licença, ô meu bem
Para cantar uma história,
O Valente Vilela, ô meu bem
Trago sempre na memória
Ele lutou quinze anos
Fez a canção da vitória (...).”
1
Mestre Waldemar da Paixão
O verso apresentado no título desta introdução – senhores peço licença
(...) – era cantado por Mestre Waldemar da Paixão. Tocador e cantador – gritador,
como dizia – Mestre Waldemar da Paixão foi um dos exemplos da força e dos
papéis enigmáticos das musicalidades das rodas de capoeira(s).
Neste trabalho, tematizo os papéis exercidos pelas músicas da e na
capoeira(s), entre eles sua dimensão educativa. Trato, por um lado, das
estratégias de ensino que os agentes desenvolvem e das visões e significados,
que eles atribuem a estes saberes – as musicalidades. Por outro, discuto a
possibilidade das musicalidades das rodas de capoeira(s) constituírem um capital
simbólico, ou seja, em objeto de prestigio e de disputa por posições de destaque
neste espaço singular, que é o universo cultural da capoeira.
Portanto, questiono: quais são os papéis exercidos pelas musicalidades
das/nas rodas de capoeira?; quais estratégias os agentes – mestres, professores
e educandos de capoeira – desenvolvem no ensino e aprendizagem das
musicalidades das rodas de capoeira(s)?; que visões e significados atribuem a
essas musicalidades; como lidam com a possibilidade de essas musicalidades
exercerem papéis centrais (através de relações de saber e poder) na sua atuação
como educadores da(s) capoeira(s)?
1
A situação em que uma obra musical é executada e o fato de termos informações sobre o seu
autor ou seu executante consistem em importantes referências, as quais podem influenciar na sua
audição e compreensão. No sentido de tentar dar mais significado às músicas citadas e ilustrar
melhor as discussões ao longo do trabalho, apresento um anexo em forma de CD musical,
contento as principais músicas referidas na análise da história de mestres de capoeira, que serão
estudados por terem exercido importantes papéis no desenvolvimento das musicalidades desta
prática cultural. Esse anexo foi organizado a partir das possibilidades de acesso a gravações
comerciais, que são devidamente citadas dentro do possível. No momento que citar cada música,
no texto, remeterei o leitor ou leitora ao CD, indicando qual faixa deve ser ouvida para ilustrar as
discussões e análises realizadas. No caso do trecho da música citada na epígrave acima: ouvir
faixa “01" do CD, intitulada de Valente Vilela, interpretada por Mestre Waldemar da Paixão, a qual
serve para ilustrar um canto de entrada de caráter narrativo presente nas rodas de capoeira.
15
Este campo de investigação é de interesse da educação musical, no que
respeita aos processos não-formais de ensino e aprendizagem da música; e da
educação, em sentido amplo, no tocante às estratégias de formação e atuação de
educadores em espaços não-formais, como a capoeira
2
.
Como se estivesse levando
3
uma ladainha
4
, tal qual o Mestre Waldemar –
e como é comum na capoeira –, quero pedir licença, meus camaradas leitores e
leitoras, para falar e trazer para o centro dos jogos as musicalidades das rodas de
capoeira(s). Para tanto, falo das musicalidades como saberes, que são
importantes para a organização e desenvolvimento dos rituais
5
das rodas de
capoeira, bem como para as práticas de seus educadores e suas educadoras.
As musicalidades podem ser entendidas como os diferentes saberes e
fazeres musicais presentes nas práticas da capoeira. Assim, as musicalidades,
neste trabalho, são: os cantos e os instrumentos musicais cantados e tocados nas
rodas de capoeira; as letras das músicas; as formas de confeccionar os
instrumentos; e as diferentes maneiras de organizá-los nas rodas etc. (em alguns
casos, em função das discussões realizadas, poderá ser feita a referência a um
desses elementos especificamente, como pode ser um instrumento musical ou
uma determinada música da capoeira, sem com isso perder-se de vista que
fazem parte de um conjunto maior, compreendido como as musicalidades). A
2
A relação entre educação formal e não-formal, neste trabalho, diz respeito especificamente à
caracterização dos processos educativos dinamizados nos espaços escolares formalmente
institucionalizados – por isso a expressão formal; enquanto as práticas educativas não-formais
estão ligadas àquelas aprendizagens dinamizadas no cotidiano, por exemplo, nos movimentos
sociais e nas práticas culturais. Sobre educação não-formal ver Fleuri (2001); Freire (1987; 1996;
1999); Gohn (2001); Simson e outros (2001); e sobre os processos não-formais de educação
musical ver Souza (2000; 2001); Beyer (2001); Prass (1989); Gomes (1989). No terceiro capítulo,
aprofundarei a discussão sobre as práticas de educação musical, desenvolvidas informalmente na
capoeira, através de uma discussão teórico-analítica das mesmas.
3
A expressão “levar” quer dizer, na capoeira e em outros cenários como os de samba, executar
um canto ou tocar um instrumento. Por exemplo, eu vou levar uma ladainha que fala sobre as
musicalidades das rodas de capoeira(s).
4
A ladainha é uma forma musical da capoeira, cuja intencionalidade e forma são semelhantes a
uma oração, em que um cantor solista executa o canto de lamento, evocando diferentes temas,
como feitos de capoeiristas, situações de desafio etc. Ao final da parte narrativa, é executada a
louvação, na qual o solista executa versos, que são repetidos pelo coro, formado pelos demais
integrantes da roda, como, por exemplo: “yê, vamô simbora”.
5
O camarada Pedro Abib, que é professor da Universidade Federal da Bahia, fala, na sua tese de
doutorado, defendida na Unicamp, em 2004, do ritual da roda de capoeira, destacando que: “A
ritualidade presente na cultura popular é mais um fator que, em nossa opinião, exerce função
essencial, já que é através dela que se estabelece a conexão com esse tempo primordial, onde
tudo se originou, onde se encontram os antepassados que retornam cada vez que o rito e a
celebração assim o solicitam. A ritualidade adquire, no universo da cultura popular, o aspecto de
culto, onde o sagrado e profano se entrecruzam, atribuindo um outro sentido ao religioso” (p.11,
grifos do autor).
16
idéia de musicalidades tem, ainda, o sentido de expressar as estratégias de
dinamização destes saberes, na capoeira; e as diferentes visões e os significados
atribuídos pelos(as) capoeiristas as mesmas.
O termo musicalidades, no plural, indica um tom
6
que sigo na discussão,
com objetivo de considerar as diferentes visões que os(as) capoeiras podem ter
sobre estes saberes. Portanto, é possível que, ao invés da existência de uma
música
7
da/na capoeira, existam várias musicalidades, às quais os agentes deste
espaço social atribuem diferentes significados. Tal possibilidade se deve a própria
diversidade de elementos musicais que, possivelmente, influenciaram a
constituição das musicalidades da capoeira, como as contribuições negro-
africanas e lusitanas – conforme demonstrarei a partir do capítulo 1.
O título do trabalho – As musicalidades das rodas de capoeira: diálogo
intercultural, campo e atuação de educadores – exerce um papel importante
como guia, que utilizo na construção da organização do texto, dos argumentos e
das análises apresentadas.
Portanto, camaradas
8
, usarei ao longo do texto a idéia de rodas de
capoeira
9
, como sendo uma alegoria
10
para falar de cada espaço-tempo, que
6
O tom de uma peça musical, expresso por uma nota musical, pode ser visto como um centro de
referência, em torno de qual são organizadas as demais notas de dita peça. Por exemplo, se
dissermos que uma peça musical é executada na tonalidade de “Lá”, isso significa que esta é a
nota de referência para as demais e que, grosso modo, pode ser vista como um ponto de partida e
chegada. Por analogia, tomo a idéia de “tom” ligado às musicalidades, como sendo uma referência
para as discussões sobre os saberes musicais da capoeira; ou seja, como um guia, que visa a
explicitar as múltiplas possibilidades das musicalidades das rodas de capoeira(s).
7
“Duas são as definições filosóficas fundamentais que foram dadas à música. A primeira é a que a
considera como revelação ao homem de uma realidade privilegiada e divina, revelação que pode
adquirir a forma do conhecimento ou a do sentimento. A segunda é a que a considera como uma
técnica ou um conjunto de técnicas expressivas, que concernem à sintaxe dos sons. (...)”.
(ABBAGNANO, 1997, p. 826, livre tradução minha). De maneira geral, a música pode ser
entendida como a arte dos sons.
8
Forma de tratamento comum entre os(as) praticantes de capoeira. Rego (1968, p.154) define o
termo da seguinte forma: “(...) Do espanhol camarada ‘grupo de soldados que duermen y comen
juntos’. (...) No linguajar da capoeira (...) aparece a acepção pura e simples de companheiro (...).”
9
Fui desenvolvendo a idéia de utilizar a alegoria de rodas de capoeira, aos poucos, ao longo
deste trabalho. Sua utilização explícita, contudo, só foi assumida, por mim, após o incentivo de
Nadir Esperança Azibeiro – Doutora em Educação, membro do Núcleo Mover, a que faço
referência ao longo do texto – e de Reinaldo Matias Fleuri – Doutor em Educação, coordenador do
Núcleo Mover e orientador desta pesquisa, junto ao PPGE/CED/UFSC. Digo isto porque, após ter
assumido esta idéia, me deparei com o uso feito por Rosângela Costa ARAÚJO (2004), a
Contramestre Janja, em sua Tese de Doutorado em Educação: Iê, viva meu mestre: A Capoeira
Angola da 'escola pastiniana' como práxis educativa – o que tive conhecimento em 18 de fevereiro
de 2006, ao acessar o site http://www.nzinga.org.br/tese.htm
. A utilização da idéia de roda de
capoeira feita pela autora difere da minha, uma vez que ela fala em roda, no singular; e eu em
rodas de capoeira, no plural, visando à representação dos espaços-tempo investigados neste
trabalho. Para ela: “A estrutura teórica do estudo inter-representa uma Roda de Capoeira Angola
com sua orquestra. O berimbau Gunga está entregue a Mestre Pastinha; o Médio, à trajetória do
17
serve como foco para as análises feitas nesta tese. Utilizarei a alegoria de rodas,
na organização da exposição, conforme demonstro a seguir.
No primeiro capítulo – Formação da cidade da Bahia, aspectos sócio-
econômicos e culturais: abrindo a roda faço uma abordagem histórica,
através do uso da literatura, tratando de aspectos da formação sócio-cultural da
cidade da Bahia de Todos os Santos.
Neste capítulo, os jogadores, participantes da roda, são na verdade as
autoras e autores que trarei ao texto. O capítulo pode ser visto como uma roda,
na qual autores e autoras consultados, leitores, leitoras e eu faremos um jogo –
que é neste caso um jogo de reflexão – em torno da análise da formação de um
cenário – a Bahia – que foi palco da atuação de alguns jogadores, que serão
trazidos no capítulo seguinte.
Quando se fala em capoeira, as únicas coisas certas são grandes
incertezas e interrogações. Por exemplo, a capoeira é uma prática cultural
africana ou teria sido criada, no Brasil, por negros escravizados? Essa pergunta,
embora não seja interesse prioritário deste trabalho, abre margem para traçar
uma linha de investigação, que tem como direção inicial analisar as influências da
capoeira da Bahia, na constituição daquilo que conceituarei aqui como campo
capoeirano, no qual as musicalidades são características determinantes.
Neste caso, a questão seria procurar entender até que ponto a Bahia pode
ter contribuído para a prática das musicalidades, como saberes imprescindíveis
na capoeira, conforme conhecemos hoje. É possível que outras raízes culturais
tenham exercido contribuições, no que se refere às musicalidades da capoeira.
Todavia, a Bahia parece ser um ponto de partida fundamental, até por ser o
GCAP; a Viola, às comunidades de angoleiros descendentes do GCAP; os pandeiros abordam o
método da pesquisa-ação; o agogô traz estudos sobre o jogo e o jogar; o reco-reco acompanha
estudos da antropologia, a valorização da arte enquanto sistema cultural que infere o saber local;
e o atabaque propõe o campo da perpetuação da memória (também na dimensão corporal) dos
africanos e seus descendentes brasileiros” (ARAÚJO, 2006).
10
Grosso modo, podemos entender alegoria como a: “A exposição de um pensamento de forma
figurada; (...) forma de metáfora que significa uma coisa nas palavras e outra no sentido” (BUENO,
2000, p.45). Azibeiro (2006, p.13), por exemplo, adota a alegoria do fuxico, que expressa as
conversas, que as mulheres – de uma comunidade – costumam fazer. Ela diz: “Tomo, assim,
como metáfora, o fuxico: vários retalhos são recortados e trabalhados, depois re-unidos. Qual o fio
que os une e tece a relação entre eles? A intencionalidade e as possibilidades/competências – o
olhar e o discurso – de quem faz a tessitura. Retalhos oriundos de contextos diversos, que já
constituíram outros tecidos, outras vestes, outras histórias, buscados em tempos e espaços
distintos. Unem-se, agora, para constituir esta história.”
18
espaço de formação e atuação de alguns mestres que influenciaram estas
práticas de musicalidades.
Partindo dessa linha de raciocínio, neste capítulo, analiso aspectos
relativos à formação sócio-econômico-cultural da cidade da Bahia de Todos os
Santos – Salvador. Privilegio questões ligadas à sua formação histórica e cultural
que, possivelmente, vieram a influenciar tais musicalidades.
Seguindo esse caminho, parto de algumas linhas, visando a uma
compreensão geral da influência deste universo cultural na música popular
brasileira. Tal compreensão pode ser fundamental, se for percebido que muitos
elementos presentes nas musicalidades da capoeira são advindos de um conjunto
amplo de práticas musicais, que tiveram e têm como cenário as terras brasileiras.
No segundo capítulo – Rodas de capoeira: jogadores e visões sobre as
musicalidades – a idéia de rodas de capoeira serve para apresentar dados
relativos à história dos jogadores, que são os Mestres de capoeira, escolhidos
para discussão, pela possibilidade de terem exercido papéis influenciadores nas
musicalidades das rodas de capoeira.
Este capítulo assume um caráter exploratório, na medida em que explicito
os vários dados, que compõem o campo empírico desta investigação. É como se
fossem rodas de capoeira, nas quais os dados empíricos são como diferentes
jogos, com os quais vou tentando explicitar diferentes visões; ou seja, as
diferentes visões que os agentes possuem sobre as musicalidades das rodas de
capoeira(s).
Ao convidar para esta roda alguns Mestres de capoeira, procuro apresentar
dados informativos sobre suas histórias pessoais relativos às suas práticas de
capoeira, especialmente no âmbito das musicalidades – como período em que
viveram; tipo de capoeira que praticaram; forma de organização da bateria da
roda de capoeira; toques e instrumentos musicais usados por eles etc.
Personagens como Mestre Bimba
11
, Mestre Canjiquinha, Mestre Pastinha e
Mestre Waldemar marcaram fortemente o universo cultural da capoeira,
11
Peço um pouco de paciência à leitora e ao leitor, pois esses mestres e os principais
participantes das rodas, ao longo do texto, serão apresentados nos seus devidos momentos. Ou
seja, penso ser de maior proveito para as discussões apresentar os jogadores – que são os
mestres que têm suas histórias discutidas ou que foram entrevistados, além dos autores, que
contribuíram para as discussões – no momento em que vão entrar nas rodas. Cada mestre ou
autor terá um momento no texto que será discutido com mais ênfase, de acordo com os propósitos
dos capítulos. Nestes momentos, eles e elas serão apresentados(as).
19
sobretudo no que diz respeito às musicalidades como procurarei demonstrar,
através de uma breve investigação histórica. A história, aliás, é a única maneira
de compreendermos o desenvolvimento de um campo, como espaço social
singular.
Ou seja, conforme apontei na epigrafe deste trabalho uma obra cultural,
como a música, tem significados e valores diferentes e diferenciáveis, de acordo
com quem seja seu autor (cf. BOURDIEU, 1988; 1996; 2000; 2003a; 2003b;
2004). Neste sentido, a obra carrega, em si, um valor, definido pelo nível de
reconhecimento que seu autor possui. A noção de campo, portando, procura
entender quais são as regras, explicitas ou veladas, que fazem com que os
agentes de um mesmo espaço se diferenciem entre si, em termos de poder. Para
entender estes espaços, como campos, que são como sociedades com regras
próprias, é necessário recorrer à história para se perceber como esses universos
foram sendo constituídos.
A partir desses jogos de histórias, procurarei demonstrar possíveis
realizações dos agentes escolhidos no âmbito das musicalidades da capoeira e,
especialmente, suas visões sobre esses saberes. O jogo desta roda é
caracterizado, prioritariamente, pela explicitação das diferentes visões desses
jogadores sobre as musicalidades das rodas de capoeira, como saberes
precípuos à prática da capoeira.
Ao discutir a história desses mestres, também procuro mapear elementos e
características musicais presentes na capoeira. Além disso, analiso, brevemente,
práticas culturais como o maculelê e o samba de roda, que são presentes no
universo da capoeira e trazem desdobramentos para as suas práticas musicais
12
.
Esses elementos serão discutidos ao longo das histórias dos mestres, conforme a
relação com suas ações.
Seguindo as pistas desses jogos, ainda no segundo capítulo, outros
jogadores serão convidados, por mim, a formar uma roda, que tem como espaço-
tempo, também, a cidade da Bahia, só que desta vez nos dias atuais. Esta roda é
formada pelos jogos de visões e significados expressos nas opiniões de dez
mestres de capoeira, que entrevistei no período de 06 de janeiro a 06 de abril de
12
Em alguns momentos, por necessidade de retórica, sou obrigado a usar os termos “música”
“musicais” como sinônimos e/ou integrantes do conjunto analisado aqui, o qual chamo de
musicalidades.
20
2005, na Bahia
13
. Pois se, de fato, existem diferentes visões sobre as
musicalidades das rodas de capoeira, é fundamental buscá-las junto aos seus
agentes. A influência exercida pela Bahia nas musicalidades da capoeira
14
tem
expressão nas práticas e visões de seus agentes.
Na perspectiva de compreender a capoeira como um campo, no qual seus
agentes compartilham visões e interesses, numa espécie de jogo, as suas
musicalidades adquirem valor explicativo. Pois, são elas que organizam, em
grande parte, o ritual de desenvolvimento da roda da capoeira. Além disso, esse
papel de destaque pode ser visto na demonstração das diferentes visões que os
agentes atribuem às musicalidades da capoeira, ainda hoje. Neste sentido, os
dados advindos da realização das entrevistas com mestres de capoeira, em
Salvador, me permitem a trama de verdadeiros diálogos interculturais
(ANDREOLA, 2000; 2002), tal como expresso, através deles, várias visões
ligadas às práticas educativas musicais nesse espaço.
Essa roda de depoimentos e opiniões dos camaradas entrevistados pode
confirmar, como será visto, as influências deixadas por alguns mestres nas
práticas musicais da/na capoeira. Também demonstra as diferentes visões e
significados que os mestres de capoeira expressam, hoje, sobre as musicalidades
das rodas de capoeira.
Essa roda é fundamental, ainda, por permitir uma visão considerável sobre
os papéis das musicalidades e sobre as estratégias empregadas na dinamização
e nos processos de ensino e aprendizagem destes saberes na capoeira.
Entendo que as diferentes visões e diferentes compreensões das
musicalidades podem implicar diferentes práticas de capoeira. Lidar com as
diferentes visões dos agentes nos espaços educativos é um dos desafios da
interculturalidade. Tal perspectiva não considera uma única possibilidade de
compreensão dos problemas vividos nas relações educativas.
13
Trata-se de trabalho de campo, realizado durante estágio de doutorado-sanduíche, de 06 de
janeiro a 06 de abril de 2005, junto à Universidade Federal da Bahia, com apoio do CNPq.
14
O fato de dar destaque à Bahia na constituição das musicalidades das rodas de capoeira, não
significa que se possa desconsiderar o desenvolvimento dinâmico desta prática cultural, ligado a
uma série de trocas culturais, realizadas entre várias cidades, desde o Brasil Colônia. Com isso,
quero dizer, explicitamente, que não podemos desconsiderar imortância da história da
capoeiragem do Rio de Janeiro, por exemplo, entre outras. Não se trata disso. Sim, busco
observar a contribuição da Bahia nas práticas musicais da capoeira, uma vez que aí foi palco de
atuação de mestres, que são prioritariamente referidos neste trabalho, por considerar que têm
importância cabal para a discussão do tema, como os mestres: Bimba, Pastinha, Canjiquinha e
Waldemar.
21
Esses desafios puderam ser vistos, concretamente, no contexto da
capoeira na análise da roda do Arco do Triunfo, em Florianópolis-SC, durante o
ano de 2003. Essa roda de capoeira foi uma iniciativa de vários agentes, que
buscavam uma abertura e convivência solidária como seus pares. No entanto,
lidar com diferentes perspectivas de atuação produziu, no caso desta roda,
conflitos para os quais, talvez, os agentes não estavam preparados, tendo sido
rompida uma experiência impar de convivência.
Não obstante, se a roda da capoeira tende a demonstrar os conflitos de
forma acirrada, aquela experiência foi fundamental no percurso da organização de
uma associação que, atualmente, congrega capoeiristas de Santa Catarina,
pertencentes a diferentes grupos
15
. Tal associação, chamada Confraria
Catarinense de Capoeira
16
– esta é uma entidade que congrega capoeiristas,
estudiosos e outros interessados pela capoeira, vem sendo organizada desde
2003, visando a ações coletivas em prol do desenvolvimento da prática da
capoeira no estado de Santa Catarina – exerce, hoje, juntamente com o Núcleo
Mover – Educação Intercultural e Movimentos Sociais, Centro de Ciências da
15
Os grupos e associações abarcam, hoje, grande parte dos praticantes de capoeira. A maioria
deles possui nomes, brasões – de maneira semelhante aos símbolos dos times de futebol – porém
ostentando figuras e imagens ligadas à capoeira. Alguns possuem existência jurídica, além de
estatutos e regras bem definidas para a participação dos seus filiados(as). Por vezes, existe um
certo sentido de concorrência e rivalidade entre os grupos, ligado às diferentes filosofias e
entendimentos, que cada um tem sobre a prática da capoeira. Vários deles, hoje, têm
representações em muitos países. A forte presença dos grupos no cenário da capoeira atual traz
inflexões para a pesquisa sobre o tema. Pois, influenciam fortemente a prática da capoeira,
especialmente no que diz respeito ao seu ensino e ao fato de muitos terem e aplicarem na
capoeira – não estou querendo aqui fazer juízo de valor sobre isto – uma visão empresarial. Tal
visão redunda em pagamentos de mensalidades, venda e compra de produtos, como uniformes,
ligados à prática de capoeira, conforme este modelo de grupos. Especialmente, trazem questões
ligadas às suas filosofias, aos métodos de ensino, às regras de organização etc. as quais, talvez,
possam ser analisadas no âmbito da pesquisa acadêmica. Neste trabalho, não trato
especificamente dos grupos de capoeira. Contudo, a análise das musicalidades das rodas de
capoeira tocará em questões que, penso eu, são caras aos grupos de capoeira, como os vários
toques musicais, as várias formas de organização dos instrumentos etc, vistas as diferenças de
práticas musicais intrínsecas a este universo.
16
“Logo após a realização do I Congresso Nacional de Capoeira, nos dias 15, 16 e 17 de agosto
de 2003, em São Paulo, os representantes catarinenses, presentes naquele, evento decidiram
formalizar uma comissão que desse prosseguimento às discussões e análises sobre as principais
questões que envolvem a Capoeira na atualidade e desencadeasse um amplo processo de
debates e esclarecimentos dos capoeiras em geral. Esse grupo se auto-organizou como Confraria
Catarinense de Capoeira (TRIPLO-C) e vem trabalhando organicamente para contribuir com o
desenvolvimento da Capoeira no Estado de Santa Catarina e no Brasil. Dele fazem parte
lideranças e participantes de vários grupos de capoeira (...), juntamente com estudiosos e alunos
interessados, bem como, outros participantes eventuais” (Confraria Catarinense de Capoeira,
2005). Ver Corte Real (2004 – disponível em
http://www.ced.ufsc.br/nucleos/mover/publicacoes.php?limit=5&cat=5&action=&text
=, acessado
em 2006): A capoeira na perspectiva intercultural: questões para a atuação e formação de
educadores(as).
22
Educação, Universidade Federal de Santa Catarina/MOVER/CED/UFSC – um
papel fundamental e inovador na mediação das práticas educativas da capoeira.
Isto é, a articulação entre essas duas instituições possibilitou as condições
necessárias para a realização de um curso de formação de educadores de
capoeira na perspectiva intercultural da educação
17
, tornados parte dos dados
empíricos discutidos nesta pesquisa.
No patamar de análise e discussão de dois cursos de formação de
educadores, tomo a investigação-ação educacional como concepção de
organização de trabalho educativo e como perspectiva teórica de produção de
conhecimento. A investigação-ação explora dimensões como os hábitos, os usos
costumeiros, os precedentes, as tradições, as estruturas de controle e as rotinas
burocráticas, enfim, os problemas e desafios, a fim de identificar e superar
aqueles aspectos da educação e da escolaridade que são contraditórios e
irracionais, parafraseando Carr e Kemmi’s (1988, p.233).
O aporte teórico-prático da investigação-ação aparece nos segundo e
terceiro capítulos. Visa à compreensão e explicitação desses cursos de formação
de educadores como experiências singulares, que podem ser referências
importantes no momento atual, caracterizado pela constituição de políticas
públicas para a capoeira
18
. Para discutir os vários jogos possíveis a partir desses
cursos, chamarei para a nossa roda um historiador inglês, que ficou conhecido
por trabalhar com o conceito de experiência, que se chama E.P.Thompson
(1981).
17
A proposta de cursos experimentais de formação de educadores, na perspectiva intercultural,
faz parte do projeto de pesquisa Educação Intercultural: elaboração de referenciais
epistemológicos, teóricos e pedagógicos para práticas educativas escolares e populares, que
conta com o apoio do CNPq (Processos 473965/2003-8 e 304741/2003-5) e coordenação do Prof.
Dr. Reinaldo Matias Fleuri.
18
No momento em que escrevo esta tese, tramitam ou estão sendo implementadas várias leis,
que têm conseqüências para a prática dos agentes da capoeira. A título de exemplificação, pode
ser citada a Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, sancionada pelo Presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva, a qual introduz conteúdos da história e cultura da África e dos afro-
descendentes na educação nacional, tendo conseqüência direta no que diz respeito à
possibilidade do ensino da capoeira em espaços escolares.
23
A investigação-ação educacional tem sido reivindicada, “por nós”
19
, no que
diz respeito aos cursos de formação de educadores(as), tratados no segundo
capítulo, como uma concepção capaz de colaborar com a qualificação e formação
dos educadores(as) e propiciar convivências interculturais – o que diz respeito,
por exemplo, ao entendimento de tal concepção permitir aos educadores(as)-
educandos e às educandas(os)-educadoras(es) lidarem com os conflitos
emergentes nas práticas educativas, principalmente nos momentos de
planejamento e implementação das ações que requerem decisões coletivas
(CORTE REAL, 2005).
Venho tematizando essa concepção educacional, nesta investigação,
através da explicitação de aproximações entre a educação dialógica
problematizadora freireana (FREIRE, 1982; 1985; 1987; 1991; 1992; 1996; 1999;
2002a; 2002b) e a interculturalidade – as quais são discutidas no terceiro capítulo.
Freire é um participante importante para esta roda, pois lutou pela
valorização do diálogo como estratégia educativa para a análise dos problemas
presentes nas práticas de educação popular. Por isso, penso que a nossa roda de
reflexões pode se orientar por alguns de seus ensinamentos. Suas contribuições
teóricas serão úteis para eu discutir as musicalidades das rodas de capoeira(s) no
âmbito da formação de educadores(as).
A elaboração e desenvolvimento de programas de investigação-ação,
amparados pela educação dialógico-problematizadora, encontra referências, no
Brasil, em trabalhos de autores pertencentes a uma comunidade de
investigadores-ativos, como De Bastos (1995), Grabauska (1999), De Bastos e
Grabauska (2001), Mion e Saito (2001), Tomazzeti (2004); além disso, já falei, em
alguns de meus trabalhos, sobre a preponderância das práticas culturais na
investigação-ação (cf. CORTE REAL, 2001; 2002; 2003; 2005). No cenário
internacional, o precedente mais evidente da contribuição freireana aos
programas de investigação-ação encontra-se em Carr e Kemmis (1986; 1988).
19
No sentido de garantir um tom de diálogo e reflexão com a leitora ou o leitor desta tese, opto,
em alguns momentos, por alternar a escrita entre as formas pessoais “eu” e “nós”. Estratégia esta
que foi utilizada, com muita propriedade, por Grabauska (1999). Esse procedimento toma como
critério explicitar, através do uso do “eu”, meus posicionamentos pessoais; ao passo que a forma
“nós” é usada sempre que houver o interesse mais explicito de chamar o leitor ou a leitora para
reflexão de pontos fundamentais às discussões; também é utilizada quando me referir às ações
desenvolvidas coletivamente, por exemplo, nos cursos de formação de educadores de capoeira
que discuto.
24
Finalmente, a idéia de rodas de capoeira é a base para eu trabalhar a
problemática da pesquisa. Pois, de um lado, existem diversas possibilidades de
aprendizagens das musicalidades nas rodas da capoeira, confirmadas pelos
depoimentos dos jogadores que entrevistei. Por outro, trato as rodas de capoeira
como representação espaço-temporal de conflitos e disputas em torno das
musicalidades.
Nas rodas de capoeira, as aprendizagens musicais podem ser reafirmadas
e dinamizadas; mas também são nelas que essas aprendizagens podem ser
tensionadas por jogos de força, o que acontece sutilmente, por exemplo, quando
um instrumento musical é negado a um participante de menor graduação que
outro.
Esses jogos de histórias de mestres de capoeira, de depoimentos e de
relatos de experiências educativas na capoeira, abrem espaço para que, no
terceiro e último capítulo, adentre numa discussão teórica e analítica da
problemática de pesquisa, tendo como referência os dados levantados e
demonstrados no segundo capítulo.
No terceiro capítulo – As musicalidades das rodas de capoeira(s):
diálogos interculturais, campo e atuação de educadores – proponho uma roda
de papoeira, com as autoras e autores, que tratam de assuntos como: educação
musical; sociologia da cultura; indústria cultural; sociedade do espetáculo;
educação intercultural; investigação-ação; e ensino e formação de educadores.
Papoeira é a expressão usada no universo da capoeira para designar a
conversa, o bate-papo sobre capoeira. É comum que esses bate-papos
aconteçam informalmente, muitas vezes, depois das rodas ou das aulas de
capoeira. Da mesma forma, aqui nesta tese, o papoeira acontecerá depois das
rodas e dos jogos – do capítulo dois, que formam a parte prática deste trabalho,
dados sobre os quais me baseio para as discussões e análises.
Tomando como base os dados apresentados no capítulo dois, nesta roda,
eu proponho o jogo com conceitos e teorias, trabalhadas com o objetivo de fazer
uma reflexão e discussão sobre as questões problematizadas, que tratam de
diferentes – mas inter-relacionadas – dimensões analíticas das musicalidades das
rodas de capoeira. A seguir, explicito as dimensões teórico-analíticas
contempladas nos jogos de reflexão deste capítulo.
25
Inicialmente, convido a leitora e o leitor a, juntamente comigo, jogar com as
reflexões de autores da área da educação musical, que pesquisam práticas
educativas não-formais, tendo como objetivo refletir sobre os processos de ensino
e aprendizagem das musicalidades das rodas de capoeira(s).
A fim de perspectivar tal reflexão, reivindico a intercultura como potencial
de explicação e mediação das práticas de educação musical, vividas na capoeira.
Compartilho o entendimento de Azibeiro (2006, p.12, grifos da autora), explicitado
na seguinte assertiva: “Interessou-me a interculturalidade como possibilidade de
mediação dialógica na relação educativa e de construção polifônica de um
conhecimento e de uma cidadania plurais.”
A referida concepção educativa dá especial atenção às diferentes visões
dos educandos(as) e educadores(as), que podem representar jogos de saber e
poder, nas práticas educativas. A interculturalidade assume o desafio de, ao invés
de anular, como poderia ser típico nas perspectivas tradicionais ou monoculturais,
lidar com os possíveis pontos de conflito e de tensão nas relações entre os
sujeitos nos contextos educativos (cf. FLEURI, 2000; 2003).
Essa é a discussão que contemplo na primeira parte deste capítulo. Isso
acontece na medida em que trarei para a roda estudiosos(as) da educação
musical: Swanwick (1991); Souza (2000; 2001); Beyer (2001); Prass (1989);
Gomes (1989). Também convidarei a participar do jogo autores como: Fleuri
(1998; 2000; 2003); Candau (1998; 2002; 2003); Marcon (2003); Azibeiro (2003;
2005); Barbosa (2005); Grando (2004); Tomazzeti (2004); Tramonte (1996; 1998;
2001); Vieira (2004); que participarão da roda com reflexões sobre educação
intercultural, visando, também, à compreensão da dimensão de complexidade
(BATESON, 1986; LIPSET, 1991; FLEURI 2005) das práticas musicais da
capoeira; eu próprio participo, com alguns de meus trabalhos, que me orientam no
processo de construção das reflexões desta tese (CORTE REAL, 2001; 2002;
2003; 2004; 2005).
Nesse patamar, recupero algumas situações e depoimentos trabalhados no
capítulo dois, a fim de explicitar dinâmicas interculturais ligadas às musicalidades
das rodas de capoeira. A dimensão intercultural das musicalidades das rodas de
capoeira pode ser percebida nos significados, nas visões e nas práticas, que os
agentes da capoeira desenvolvem através e com tais saberes.
26
No sentido de problematizar as diversas dimensões que abarcam as
práticas das musicalidades das rodas de capoeira, faço também um jogo com
autores que trabalham com os conceitos de indústria cultural e sociedade do
espetáculo. Aqui jogo com Adorno e Horkheimer, dois filósofos, que cunharam o
conceito de indústria cultural. Outros jogadores são Guy Debord e Belloni. O
primeiro desenvolveu o conceito de espetáculo e a segunda o de lazer
espetacularizado, a partir das teorizações daquele.
Com esse jogo tento explicitar que, não obstante as dimensões educativas
e interculturais das musicalidades das rodas de capoeira, tais saberes são
suscetíveis ao confronto com questões advindas de sociedades orientadas pelo
consumo em massa, o qual tende a impactar as identidades e as práticas dos
sujeitos nos seus contextos locais. Apesar das musicalidades das rodas de
capoeira estarem ligadas às diferentes visões dos agentes, estas são tensionadas
pela indústria cultural, que age por meio de modelos de consumo e influencia, ao
menos em parte, a uniformização de tais práticas.
Outro jogo que faço é com a discussão da sociologia da cultura. Neste
jogo viso a recuperar a contradição das musicalidades como capital simbólico dos
agentes da capoeira. Ou seja, trato de um jogo de saber/poder, no qual as
dimensões educativas destas musicalidades são interpenetradas, tensionadas e
praticadas através de confrontos/encontros, expressos em disputas por prestigio
neste universo cultural, nomeado de capoeira. O jogador, neste caso, é Pierre
Bourdieu, um sociólogo francês que desenvolveu uma versão da sociologia da
cultura, utilizando conceitos como habitus, capital simbólico e campo.
A sociologia da cultura é, antes de tudo, uma sociologia das obras culturais
e da análise dos diferentes campos, que formam o cosmos social. Ou seja, o
autor vê a sociedade como um cosmos ou um mundo social, formado por
diferentes sociedades, que são os campos instituídos a partir de leis específicas
(cf. BOURDIEU, 1988; 1996; 2000; 2003a; 2003b; 2004). Nesta tese, analiso a
capoeira como um campo, no sentido que tem regras próprias e princípios
organizativos e de disputa expressos, por exemplo, nas suas musicalidades.
Finalmente nesta roda, lanço desafios de caráter metodológico e
epistemológico, que dizem respeito à reflexão da atuação de educadores em
espaços de educação não-formal e das estratégias, que se desenvolvem nas
relações de saber e poder, presentes em contextos caracterizados por dinâmicas
27
interculturais, como o campo da capoeira. Tomo como base conceitos como
experiência e concepções educacionais, como educação intercultural e educação
dialógica problematizadora freireana, no sentido de explicitar desafios para a
vivência de programas de investigação-ação na formação de educadores(as) – de
capoeira.
No jogo em torno dos desafios, presentes na atuação de educadores(as)
de capoeira, aponto questões que, talvez, poderão servir de parâmetro para a
atuação destes educadores(as), para as reflexões do ensino e formação de
educadores e, quiçá, para a constituição de políticas públicas que toquem na
ação destes mestres e professores.
Tomo as exposições realizadas no primeiro e segundo capítulos como
referência para discussão da seguinte hipótese: as musicalidades utilizadas das
rodas de capoeira potencializam práticas educativas não-formais, as quais podem
ser compreendidas na perspectiva intercultural, por expressarem as diferentes
visões dos agentes sobre estes saberes; por outro lado, explicito a possibilidade
de uma contradição em relação ao potencial educativo dessas musicalidades ser
tensionado, na medida em que as mesmas constituem um capital simbólico,
privilégio de alguns capoeiras.
A tentativa de averiguar esta problemática resume o meu interesse de
investigação nesta tese. Resumo o esforço de tentar explicitar e delimitar a
problemática investigativa da tese na seguinte questão: quais são as relações
de saber/poder dinamizadas em torno das estratégias de ensino, dos significados
e dos papéis exercidos pelas musicalidades das rodas de capoeira(s)?
Nesta perspectiva, primo por um entendimento muito próximo daquele
destacado por Fleuri (2005, p.1) de que: “O Objetivo de uma pesquisa constitui-se
ao privilegiar uma contradição entre dois termos. Entretanto, como a realidade é
complexa por um lado, cada termo privilegiado é constituído por múltiplas
relações e, por outro, a contradição focalizada interage com outras contradições
constitutivas do contexto estudado.”
Sinteticamente, compreendo que tais termos podem ser vistos, nesta
pesquisa, por um lado, nas dimensões educativas das musicalidades das rodas
de capoeira – saber; por outro, nos jogos de força e disputas que podem ser
dinamizados em torno deste(s) saber(es) – poder.
28
Neste trabalho, pauto pelo entendimento da capoeira como sendo um
campo de poder, constituído, historicamente, a partir de regras, hierarquias e
jogos de força próprios, nos quais as músicas são elementos centrais. Realizo,
como disse, este jogo em torno das musicalidades no quadro da sociologia da
cultura de Pierre Bourdieu (1988; 1996; 2000; 2003a; 2003b; 2004).
Daí reivindicar a história como uma das ferramentas deste trabalho e base
constitutiva do método de investigação. No que diz respeito à análise histórica,
fundamental para a compreensão da constituição do campo capoeirano, tento
formular um quadro teórico, referenciado por autores como Thompson (1981),
Elias (2001), Bourdieu; além disso trago os trabalhos de historiadores que já
investigaram a capoeira, como Pires (2004), Albert (2004), Oliveira (2004), muito
mais como um foco analítico, representando quase que uma espécie de dado de
pesquisa, do que uma perspectiva de metodologia historiográfica (a qual eu tento
me aproximar, apoiado nos autores referidos acima, Thompson, Elias, Bourdieu).
Para Moraes, a investigação histórica requer observar uma dupla
problemática, que é ontológica e metodológica que vem a ser suportada pela
noção de contradição:
Neste sentido, contradição só pode ser a base de uma “metodologia “ dialética, e
exercer a função de conceito explicativo mais amplo, na medida em que reflete o
movimento originário do real, que nela encontra sua própria condição de
desenvolvimento. Por isto mesmo, nunca é demais repetir: a contradição só pode
ser compreendida como uma categoria interpretativa do real porque é, em
primeiro lugar e com radical anterioridade, constitutiva desse mesmo real,
perpassando todas as formas do ser social (MORAES, 2000, p. 22).
Se essa dimensão de contradição é procedente nas práticas musicais da e
na capoeira(s), o desafio seria encontrar mediações que colaborem ao máximo
para que as dimensões educativas, participativas, dialógicas e, portanto,
interculturais sejam vividas na capoeira. A idéia seria que cada jogador ou
jogadora de capoeira pudesse demonstrar as suas visões das práticas musicais
da capoeira; e, mesmo havendo a possibilidade de questionamento da visão do
outro, que a participação na roda fosse garantida a todos e a todas, de acordo
com os fundamentos e convicções de cada participante.
O foco de investigação, que tento destacar nestes jogos e rodas na tese,
vem sendo configurado como preocupação pessoal há, aproximadamente, 17
29
(dezessete) anos
20
de contado direto com os movimentos sociais e as práticas
culturais, especialmente com a capoeira.
A problemática investigativa, que procuro explicitar, já havia sido apontada,
previamente, numa outra roda de qual participei. Ou seja, já nas considerações
finais de minha dissertação de mestrado, que tratou da problematização de
práticas culturais de origem negra em programas de educação musical, comecei a
pensar sobre o assunto, que agora vou cantando nesta abertura.
Justifico, assim, retomar algumas questões apontadas como desafios na
Dissertação de Mestrado em Educão, Círculos de cultura na investigação
temática de músicas negras: organizando as práticas educativas (CORTE REAL,
2001) – as quais re-enfatizei em meu projeto de Tese – Intercultura e
dialogicidade: investigando estratégias educativas e práticas de resistência
cultural na capoeira (CORTE REAL, 2002). Entre esses desafios, apontei naquela
dissertação que
mesmo tendo sugerido alguns pontos sobre a formação de professores, esta é
ainda uma questão para ser desenvolvida com mais ênfase na investigação
de práticas culturais de origem negra; por exemplo, no desafio que ainda é a
formação dos professores para atuação em espaços formais, que valorizem a
cultura como algo necessário na promoção da solidariedade humana nos
contextos educativos; e, nos espaços informais, como na capoeira, para que
práticas culturais como berimbau e a capoeira continuem
21
fazendo parte da luta e
memória do nosso povo (CORTE REAL, 2001, p.123, grifos meus).
20
Apesar de contar 31 (trinta e um) anos de idade no momento que inicio a redação desta tese,
mantenho contato mais ou menos direto com a capoeira desde os meus 14 (quatorze) anos de
idade. Neste tempo, pratiquei capoeira em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, durante 10 (dez)
anos mais ou menos. Período no qual, ajudei a organizar e participei de várias apresentações de
capoeira, na Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, e em campanhas de saúde, ligadas à
Secretaria de Saúde deste município. Também realizei atividades educativas, como palestras
sobre o tema para professores da rede estadual de educação do estado do Rio Grande do Sul; e
preparação de atores para o jogo cênico, junto ao curso de Artes Cênicas do Centro de Artes e
Letras/CAL/UFSM. Também toquei berimbau na oficina de música, da qual participam alunos dos
cursos de Licenciatura e Bacharelado em Música/CAL/UFSM, sob a coordenação de um dos
professores desse curso, Prof. Ms. Daniel Morales. Nos últimos três anos, tenho participado
organicamente da Confraria Catarinense de Capoeira, tendo colaborado para a implementação do
primeiro curso de formação de educadores de capoeira que se tem notícia. No que diz respeito
aos movimentos sociais, participei durante as décadas de 80 e 90, no Rio Grande do Sul, dos
chamados movimentos de consciência negra. No período de 2000 a 2001, integrei, na UFSM, a
equipe responsável pelo projeto Construindo a Unificação entre a Investigação e a Ação/CUIA, no
contexto do Programa Nacional de Educação de Adultos na Reforma Agrária/PRONERA, que
objetivou a capacitação e escolarização de 50 (cinqüenta) monitores e a alfabetização de mil
adultos de assentamentos de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra/MST, na região sul do Estado do Rio Grande do Sul.
21
Drauzio Annunciato, acadêmico do curso de Mestrado em educação, PPGE/CED/UFSC,
integrante do Núcleo MOVER, com quem tenho produzido vários trabalhos sobre capoeira, teve o
cuidado de me advertir que essa idéia de garantir a continuidade das práticas culturais pode abrir
margem para uma visão idealista, que talvez não considere o seu caráter dinâmico, transformador
30
Muitas vezes, nas rodas de capoeira, cada jogador procura expressar a
sua malícia pessoal, a sua forma de ver as coisas e de vadiar. O seu natural.
Nessas rodas, tento jogar, puxando por minha visão pessoal e jeito de encarar as
coisas.
Por isso, no que diz respeito ao caráter de originalidade, necessário à
elaboração de uma tese de doutoramento, busco explicitar uma dimensão
investigativa, até então pouco explorada nos trabalhos acadêmicos, que trataram
sobre a temática capoeira. Isso se resume, principalmente, em dois aspectos, que
tomo como parâmetro ao longo das rodas: primeiramente a dimensão educativa
das músicas da capoeira tem sido tratada apenas secundariamente ou de
maneira muito restrita pelos trabalhos; em segundo lugar, parece haver uma
tendência geral de se investigar a capoeira, analisando suas transformações
como sendo ligadas às relações e influências da sociedade, em sentido amplo, ou
a questões conjunturais, como o advento e influência do Estado Novo sobre ela
o trabalho de Vieira (1995) é o exemplar mais evidente disso.
Com isso quero dizer que, por um lado, existe uma lacuna, concernente à
discussão dos processos de educação musical na capoeira e, especialmente,
sobre estratégias de constituição dos saberes de educadores neste espaço (trata-
se de uma questão ligada ao ensino e formação de educadores/as). Embora em
número reduzido, alguns trabalhos recentes (MACHADO, 1999; BONFIM, 2003;
SOUZA, 2005) venham analisando as músicas da/na capoeira, seus enfoques
são bastante distintos do apresentado nesta tese. Isto se deve, sobretudo, ao fato
de as investigações não primarem pela análise em profundidade dos processos
de educação musical vividos na capoeira e/ou não darem atenção para as
relações de saber/poder, como dimensões interculturais e complexas, que
envolvem tais saberes e podem ser objeto de reflexões no âmbito do ensino e
formação de educadores(as).
Por outro lado, a tendência de investigação, apontada pelos trabalhos,
parece não considerar, de maneira mais contundente, que o próprio espaço da
capoeira, talvez, possa ser visto como uma sociedade à parte. Isto é, como um
e controverso. Mesmo assim, preferi preservar a citação, na tentativa de esboçar as reflexões que
eu vinha elaborando à época de minha dissertação de mestrado (CORTE REAL, 2001).
31
campo de poder constituído por regras e hierarquias próprias, que orientam as
ações dos seus agentes, como as lutas por posições
22
aí empreendidas.
23
Nas Considerações finais: canto de despedida, faço uma retomada de
alguns aspectos captados nas rodas e jogos realizados ao longo do texto. Procuro
dar ênfase aos aspectos que permitem fazer inferências em relação às dimensões
das musicalidades das rodas de capoeira(s), que envolvem: os possíveis papéis
exercidos pelas músicas e sua dimensão educativa; as estratégias de ensino
desenvolvidas e as diferentes visões e significados dos(as) educadores(as) de
capoeiras sobre estes saberes; as musicalidades como capital simbólico, objeto
de prestigio e de disputa por posições de destaque no espaço da capoeira,
entendido como campo de poder.
Perseguindo esses desafios, argumentarei, nas considerações finais,
quando fizer o canto de despedida, que este trabalho – e eis aqui uma das suas
justificativas fundamentais – implica contribuições para a área da educação
musical em sentido restrito, no que respeita à investigação de processos de
ensino-aprendizagem das musicalidades em espaços não-formais; e para a área
da educação, em sentido amplo, no tocante a análise da constituição de saberes
de educadores nestes espaços (práticas educativas não-formais), os quais podem
ser entendidos como campos de poder, pertinentes ao horizonte das reflexões da
intercultura, já que um dos focos desta concepção, como já apontei, são os
pontos de tensão e conflito, que emergem nos contextos educativos.
No canto de despedida das considerações finais, sinalizo, ainda, desafios
que se apresentam, hoje, para as reflexões do ensino e formação de educadores,
partindo da problemática das musicalidades das rodas de capoeira. Termino,
saudando os jogadores que vadiaram comigo ao longo das rodas apresentadas
no texto. Tomo como base as histórias e depoimentos dos educadores de
capoeira e as idéias dos autores(as), que me acompanharam ao longo dos jogos
para me despedir e dizer que nos encontramos, quem sabe, em outras rodas.
“Vamô simbora, câmara!”
22
Preciso discutir a idéia de posição do terceiro capítulo, quando analisarei as musicalidades das
rodas de capoeira através da sociologia da cultura de Pierre Bourdieu. Posto que a sua
compreensão necessita estar ligada, o máximo possível, a dos conceitos de habitus, capital
simbólico, que o autor trabalha de maneira relacional (cf. BOURDIEU, 2003; PINTO, 2000;
BONNEWITZ, 2003).
23
Como dito na nota anterior, tratarei da noção de campo, com maiores detalhes e
argumentações, no terceiro capítulo.
32
Notas para leitura: considerações metodológicas prévias e fundamentos das
rodas
O que é importante é que, certa ou errada,
a epistemologia será explicita.
Igualmente, a apreciação crítica será então possível.
Gregory Bateson (1904 – 1980)
“Camaradas, vamu chegando. Vamu animá esta roda, viu. Vamu ajudá no
coro e nos instrumento. Todo mundo que quisé jogá, pode jogá
24
”.
Pode concordar ou discordar com a organização que proponho a estas
rodas. Mas para tentar organizar as coisas, sugiro alguns fundamentos, algumas
pistas, que podem ser vistas como sugestões úteis para a leitura do texto.
O leitor ou leitora observará que procuro utilizar, algumas vezes, no texto,
elementos da capoeira. Por exemplo, com a idéia de comparar a introdução a
uma ladainha – tipo de música executada, normalmente, como canto de abertura
na capoeira, sobretudo na angola –, evoco os caminhos a serem seguidos nas
discussões ao longo do trabalho.
No aspecto metodológico do trabalho, que diz respeito à exposição,
seguirei uma estrutura de organização, que talvez não seja a mais usual na
academia. Parece-me que o mais comum é apresentar as questões de pesquisa,
os objetivos, a justificativa, seguida da revisão da literatura, método, dados e
materiais utilizados e, finalmente, discussão e conclusão, mais ou menos nessa
ordem (cf. UFSM, 2000, p.25-8).
O caminho seguido, a partir do canto de abertura e desafio, tem por
objetivo explicitar o panorama geral e a estruturação dos três capítulos
constitutivos do texto.
Nesta medida, “A exposição não é, pois, uma construção a priori, mas o
registro de uma compreensão que vem sendo elaborada a partir e em função do
24
Em alguns momentos, ao longo do texto, utilizarei chamamentos típicos das rodas de capoeira,
no sentido de tentar evocar imagens e estratégias de organização das ações dinamizadas em
torno das musicalidades nesses espaços. Propositadamente, nesses momentos, tentarei
desenvolver a redação mais próxima possível da forma oral, apesar da dificuldade de transpor
para o escrito a sonoridade presente na fala. Isso não significa fazer uma apologia ou defesa da
fala ou escrita incorretas, mas sim, assumo tanto a incompletude, como as diferentes
possibilidades de uso das mesmas. Destaco, com isso, que, na informalidade, a fala não segue,
muitas vezes, todos os rigores que procuramos dar aos textos escritos ou nos momentos formais
da oralidade, como numa palestra, por exemplo.
33
diálogo entre agentes de determinados projetos (....)” (FLEURI, 2001, p.20). Este
é um dos pressupostos teórico-metodológicos aqui seguidos.
Faço a revisão da literatura, portanto, ao longo do trabalho, dando mais
ênfase no primeiro e terceiro capítulos. No segundo capítulo, tenho como maior
objetivo explicitar o campo empírico, através de diferentes dados. Reservo a
discussão teórica e analítica, sobretudo, ao terceiro capítulo, tendo como
referência os refiridos dados do segundo capítulo.
Procuro fazer um esforço, na medida do possível, para que o texto seja o
mais dialogal possível. Isso significa que tento dar pistas para que o leitor
acadêmico, nem sempre conhecedor dos nomes e linguajares próprios da
capoeira, vá se situando e conhecendo melhor este universo, e assim possa
participar das rodas. Da mesma forma, tento fazer indicações para que o leitor,
em geral, e o capoeira
25
, em particular, eventualmente não habituado com as
discussões acadêmicas, tenha algumas pistas para acompanhar as discussões e
análises realizadas, compreendendo-as ao máximo possível, tornando-se também
jogador.
Para isso, apresentarei, em notas de rodapé, informações sucintas sobre
eventos, conceitos
26
, autores, termos etc., mesmo que sejam de domínio dos
leitores(as) acadêmicos, de um lado, ou dos(as) capoeiras
27
, de outro. As notas
de números 26 e 27 são exemplares desta estratégia.
Cantada a ladainha, feito o canto de abertura, que representa esta
introdução, já podemos avançar no primeiro capítulo, trazendo o contexto, o
espaço dos primeiros jogos.
Neste capítulo, a dinâmica é de análise da emergência da capoeira da
Bahia, como referência das musicalidades. E aqui, a comparação com jogo da
25
Não estou querendo com isso incorrer no preconceito de dizer que os(as) leitores capoeiristas
não tenham conhecimento ou capacidade de compreensão das discussões presentes em um texto
acadêmico. Muito pelo contrário, verifico, no dia-a-dia de contato com o campo capoeirano, que os
agentes desse espaço têm grande contato com produção teórica, através de revistas, livros,
dissertações e teses acadêmicas, que tratam do tema. Com este procedimento, tenho por objetivo
tornar a leitura mais compreensível possível aos diferentes leitores(as).
26
Thompson (1981, p.221, nota 42, grifos meus), por exemplo, diz: “Por ‘conceitos’ (ou noções)
entendo categorias gerais – de classe, ideologia, o Estado-nação, feudalismo etc., ou formas e
seqüências históricas específicas, como crise de subsistência, ciclo de desenvolvimento familiar
etc. – e por ‘hipóteses’ entendo a organização conceptual das evidências para explicar
determinados episódios de causação e relação.”
27
Como “capoeira” pode ser chamado(o) aquele ou aquela que prática e/ou vivencia a prática
cultural capoeira.
34
capoeira poderá ficar clara, na medida em que, na discussão realizada, explicito a
necessidade de debater como os meus pares, que investigam a capoeira.
Assim como não se joga capoeira sozinho, não se produz conhecimento de
maneira solitária. Isso não significa que os jogadores numa roda de capoeira
sejam (apenas) oponentes, no sentido de pura concorrência. Como não significa
que, ao citar e problematizar as análises feitas por certo número de autores e
autoras, eu os tenha como adversários. Este jogo é necessário para explicitação
do estado da arte
28
, da temática e do cenário investigativo das musicalidades das
rodas de capoeira, tendo como espaço emblemático a cidade da Bahia de Todos
os Santos.
“Vamô chegá lá com os primeiro jogo, pessoal.”
Como se canta nas rodas de capoeira,
Yê, Mestre Waldemar,
Yê, o Mestre Bimba,
Yê, Mestre Pastinha
Yê, Mestre Canjiquinha,
Yê, vivam todos os mestres,
Yê, vivam os leitores
E as leitoras
Yê, mais os autores
Olha lá as autoras
Todo o povo nesta roda
Yê, “vamo-no simbora”
Yê, cidade da Bahia
28
A expressão estado da arte pode ser substituída por revisão da literatura. Diz respeito à
demonstração do conhecimento acadêmico e científico sobre o assunto de uma pesquisa. Muitos
trabalhos acadêmicos assumem a explicitação do estado da arte como uma tarefa, que visa a
demonstrar que o pesquisador domina o assunto que está tratando. Ou seja, “É importante
demonstrar que o autor [de um trabalho acadêmico] conhece as formas como o assunto em
estudo foi, ou vem sendo, conduzido e como tal assunto serve de suporte para discussão [da sua
pesquisa]” (UFSM, 2000, p.27). Portanto, é fundamental, no sentido de avaliar os avanços de uma
área de conhecimento, abrindo margem para que sejam destacadas as contribuições, que uma
pesquisa poderá trazer ao conhecimento, através de abordagens inovadoras e conclusões ainda
não demonstradas pelo conhecimento anterior. Nesta tese, como disse acima, o estado da arte
será trabalhado ao longo de todo o texto com o objetivo de desenvolver as análises e discussões
propostas.
35
CAPÍTULO I
1.1 Formação da cidade da Bahia, aspectos sócio-econômicos e culturais:
abrindo a roda
“Nessa cidade todo mundo é d’Oxum
Homem, menina, mulher
Toda essa gente irradia magia
Presente na água doce
Presente na água salgada
E toda cidade brilha (...).”
Vevé Calasans e Geronimo
“Camaradas, vamô abri esta roda prá fazê um jogo de discussão, que trata
sobre a cidade da Bahia. É nessa cidade, que, depois, a gente vai conhecer um
pouco das história dos mestre Bimba, Canchiquinha, Pastinha e Waldemar da
Paixão. Simbóra, minha gente.”
Como se sabe, a cidade de Salvador, também conhecida popularmente
como Bahia ou Bahia de Todos os Santos (cf. AMADO, 1964; VERGER, 1999) foi
a primeira capital do Brasil, fundada em 29 de março de 1549, por Tomé de
Souza (MIRANDA, SANTOS, 2002; VERGER, 1999, p.13).
Em várias conversas informais que mantive com pessoas residentes em
Salvador, no período relativo à minha estada lá, notei ser comum se referirem a
essa cidade como Bahia. Assim, apesar de Bahia ser o nome desse estado do
Nordeste do país, é comum o uso do mesmo para designar a sua capital,
Salvador. Por exemplo, em uma conversa que tivemos, um mestre de capoeira
disse: “Já faz muito tempo que o mestre [fulano de tal] não vem à Bahia.” O que
poderia ser substituído por: já faz muito tempo que aquele mestre não vem a
Salvador.
Em 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral se apossou das terras que
viriam a ser chamadas de Brasil, em nome do rei de Portugal, Dom Manuel. E
“Um ano mais tarde, Américo Vespucci, a serviço do mesmo rei, navegava ao
longo da costa do continente recém-descoberto, batizando cabos, rios, golfos,
ilhas e promontórios encontrados, com os nomes católicos marcados no
calendário no dia de sua descoberta” (VERGER, 1999, p.9).
O nome da capital da Bahia já rendeu, e talvez renda ainda hoje, várias
discussões. Mas, aparentemente, a orientação de nomes de santos católicos foi
seguida; pois “Foi assim que, no dia primeiro de novembro de 1501, diante de
36
uma vasta baía situada a 12º 58’ de latitude sul e 30º 31’ de latitude oeste, ele a
batizou seguindo o princípio adotado, como o nome de Bahia de Todos os
Santos” (Ibid. p.9).
Diante da inquietação provocada pela constante presença de franceses
nas terras descobertas e vistas suas pretensões territoriais, o rei D. João VI
resolveu, em 1534, enviar a capitania da Bahia de Todos os Santos, sob efeito do
Tratado de Tordesilhas, Francisco Pereira Coutinho, para dar seguimento à
colonização. O que não seria empresa fácil e fracassaria, em função do
despreparo do enviado para lidar com as adversidades de um território povoado
por índios avessos a essas pretensões (Ibid. p.12).
Isso foi a condição para que o rei mudasse sua estratégia. O próprio
sistema de capitanias foi mudado. Assim, “Tomé de Souza seria governador geral
de todas as capitanias ao mesmo tempo que Capitão Geral daquela (que
abrigaria a sede do governo) a quem dava de antemão o nome de Salvador” (Ibid.
p.13).
Tomé de Souza parte com três navios, Conceição, Salvador e Ajuda, em
primeiro de fevereiro de 1549. Chega às terras da Bahia em 29 de março daquele
ano. Na comitiva, colonos, em número de 600, seriam responsáveis pela máquina
administrativa. Entre esses, condenados, cristãos-novos, judeus recém-
convertidos e pessoas expulsas de Portugal (Ibid. p.13).
Logo surgiu um problema: a colônia, caracterizada inicialmente pela
produção agrícola, não contava com mão-de-obra suficiente, pois, os índios,
nômades e vivendo da pesca e colheita de frutos nativos, não se adaptavam
facilmente ao sedentarismo. Já os europeus, por seu turno, ocupavam o espaço
da cidade e se absorviam com tarefas muito diferentes da dureza do trabalho
agrícola.
Estava aberto o caminho, ou melhor dizendo, o oceano, para o tráfico de
negros da África, aqui feitos escravos pela força.
Essa cidade fora divida em dois planos, cidade baixa e cidade alta, vindo a
se caracterizar por atividades econômicas como a agricultura e extração de outros
produtos (açúcar, fumo, cachaça, peles, pau-brasil), além de sua vocação
comercial, seguida da exploração de metais, ao final do século XVII.
37
É importante destacar que não se pode pensar o desenvolvimento
(econômico e cultural) da Bahia de Todos os Santos, sem se considerar um
conjunto maior, representado pela região do Recôncavo Baiano.
Em seu trabalho, intitulado História social da música popular brasileira,
Tinhorão (1998, p. 79) comenta que:
Para começar, a cidade de Salvador, ao contrário dos outros mais importantes
entrepostos litorâneos, Recife e Rio de Janeiro, não se voltava apenas para fora,
como porto de escoamento da produção destinada ao mercado internacional, mas
tinha uma face voltada ao interior, representado pelo golfo que abria à sua frente
sob forma de um anfiteatro e cuja volta se tornavam desde 1549 os centros agro-
industriais dos engenhos destinados a transformar a região numa unidade geo-
econômica que via na capital da colônia a sua capital particular.
Assim, vimos que a região do Recôncavo Baiano foi o sustentáculo de um
modelo econômico, baseado, a princípio, na monocultura da cana-de-açúcar.
Esse modelo era dinamizado com a força da mão-de-obra de milhares de seres
humanos escravizados. A posse de escravos negros, juntamente com a posse
dos engenhos, representava, em outros termos, a detenção dos meios de
produção e, conseqüentemente, do poder instituído à época.
Portanto, “Os proprietários de engenhos de açúcar são, até o inicio do
século XIX, a classe dominante na Bahia. Sua riqueza e seu poder são baseados
no regime das grandes propriedades, plantadas de cana-de-açúcar em vastos
campos desbravados na floresta primitiva e equipadas com instalações para a
fabricação de açúcar e para a destilação da cachaça” (VERGER, 1999, p.34).
No que diz respeito à região do Recôncavo Baiano, como um todo, vemos:
A configuração especial da área pela qual se estendeu a cultura dominante da
cana necessária ao funcionamento dos engenhos – que foram situados à beira-
mar, por toda a curva norte-nordeste do Recôncavo – levou desde logo à criação
de um sistema de escoamento da produção por mar até a capital, que viria a
acrescentar ao contingente tradicional dos trabalhadores dos canaviais e dos
empregados das fábricas de açúcar uma massa de mestres, marujos, savereiros,
canoeiros, carregadores e mariolas que, nos fins do século XVIII, atingiria o
número dos vinte mil, segundo cálculo citado por Luís dos Santos Vilhena
(TINHORÃO, 1998, p. 70-80).
Outro ponto a ser considerado nos aspectos econômicos, que orientaram o
desenvolvimento da Bahia de Todos os Santos e região do Recôncavo, é a
38
atividade de mineração, no final do século XVII, com a descoberta de metais e
pedras preciosas.
A seguinte citação do trabalho de Tinhorão (Ibid. p.83, grifos meus) é
necessária, para termos noção do impacto, especialmente no fluxo populacional,
causado pela mineração, em detrimento da decadência da monocultura da cana-
de-açúcar, no Recôncavo:
E, assim, quando ao aproximar-se a metade de Setecentos o preço do açúcar
caiu, enfraquecendo os senhores de engenho e liberando mão-de-obra escrava
para as minas ou para a cidade, as lavouras de fumo das terras pobres supriram a
economia rural (o fumo de rolo era a moeda do tráfico que aumentava), enquanto
na capital se multiplicavam os negócios voltados para mercado interno do sertão
e das minas. Era isso que ia explicar, no plano social, o fato de, mesmo com
grande emigração de trabalhadores escravos livres para as regiões mineiras, não
ter havido queda da população da Bahia e seu Recôncavo (que em 1759 passava
dos cento e três mil habitantes, com a capital concentrando quase quarenta mil,
sendo 36% brancos e 64% negros e mestiços), e, no plano cultural, já poder em
1729 o autor da descrição das festas no palácio do vice-rei em Salvador referir-se
a “cantigas, e modas da terra em que he abundante o paiz”.
Em conseqüência disso, essa dinâmica econômica corroborou tanto com o
movimento populacional, quanto com a vida cultural da Bahia e região do
Recôncavo. Por outro lado, ligado a isso, é de fundamental importância observar
– se quisermos compreender a dinâmica econômica e cultural que iria influenciar
a presença da Bahia e região do Recôncavo na vida cultural brasileira – a sua
vocação comercial.
Tal vocação é explicada pelo fato de que o fluxo das mercadorias e de
trabalhadores fazia com que essa região (a capital, Bahia de Todos os Santos, e
Recôncavo) já apresentasse, então, características de um complexo urbano.
“Na verdade, transformados em primeiros moradores da Cidade Baixa,
onde o velho arsenal veio juntar-se em 1694 a nova Alfândega, indicadora da
definitiva vocação comercial da cidade transformada em entreposto internacional
(a ponto de Angola vir a ser considerada uma quase feitoria do Brasil) (...).”
(TINHORÃO, 1998, p.81-2).
Esse conjunto populacional, organizado em torno das atividades
econômicas da capital e do Recôncavo, pode ser descrito mais detalhadamente
da seguinte maneira:
39
Essa gente envolvida com o movimento marítimo nas águas da baía não se
aplicava apenas ao transporte do açúcar para os armazéns de exportação da
capital, mas revelava até pelo excesso de seu número a existência de pequenas
economias paralelas à grande monocultura da cana dos massapés, e que se
espalhavam com os seus produtos de subsistência e artesanais por toda a borda
do Recôncavo. De fato, além da pesca a coleta de mariscos comum a toda
população da beira do mar, o levantamento efetuado naquele final de Setecentos
pelo próprio cronista que achava “hiperbólico” o número de vinte mil para os
trabalhadores marítimos, indicava-se a existência, na Vila de São Francisco, da
pesca da sardinha xingo e de camarões (que “negras atravessadeiras vendiam na
cidade”); na Vila de Santo Amaro da Purificação de “tabaco e muita aguardente,
que se destila nos muitos alambiques, de que hoje está cheia”; na Vila da
Cachoeira, além do tabaco e do gado dos grandes senhores, o cultivo do milho e
legumes; na Vila Velha a produção de “muita louça chamada cabocla a melhor
que se tem descoberto para o fogo”; na Vila de Maragogipe de “farinha que dali se
conduz em freqüentes embarcações para a cidade e seu Recôncavo” e,
finalmente,na Vila de Jaguaripe, de “muita louça de barro, e vidrada, que
unicamente se faz nas suas muitas olarias, que dão provimento em abundância,
não só à cidade como a todas as mais vilas, povoações e inúmeras fazendas do
Recôncavo” (TINHORÃO, 1998, p.80).
Isso explica não só a vocação comercial, mas as trocas – culturais,
inclusive – realizadas entre os espaços rural e urbano, que aconteciam
juntamente com o fluxo populacional em torno da produção e circulação de
mercadorias.
Não obstante o levantamento de pontos fundamentais, como a atividade
agrícola, a mineração e a vocação comercial da capital, além das trocas entre os
espaços rural e urbano, o que será mais discutido a seguir, os quais colaboram
para compreensão da Bahia como foco irradiador de cultura
29
, é desnecessário
enfatizar que a escravidão, por si só, mereceria um capítulo à parte nesta
discussão.
Esse dado da realidade histórica é preponderante, uma vez que foi o ponto
de sustentação de um modelo econômico e, podemos dizer, de um ideal de
civilização, baseado no etnocídio
30
. A escravidão, base desse modelo econômico,
justificada por pressupostos religiosos, ideológicos e cientificistas arbitrários,
deixaria profundas marcas na história da sociedade brasileira, assim como de
29
Claro que sabemos que a idéia de uma cidade considerada foco irradiador de cultura é
controversa e, em certo sentido, problemática, uma vez que todo e qualquer lugar de vida de seres
humanos é um foco de cultura. Desta forma, não se trata de dizer que uma cultura é mais legitima
ou tem preponderância em relação a outras. Todavia, trata-se simplesmente, em termos de
explicação, de observarmos que a cidade da Bahia de Todos os Santos e região do Recôncavo
podem ter exercido, em dado momento, influência importante na dinâmica cultural de nosso país.
30
Uso o termo etnocídio de uma maneira geral, fazendo referência ao trabalho de Cuche (1999), A
noção de cultura nas ciências sociais, para designar a violência física e simbólica em relação a
grupos culturais (em outros termos, a etnias).
40
outras. Por isso mesmo, é necessário dar espaço a sua análise, uma vez que
trouxe conseqüências para a formação e para a cultura brasileiras. Sendo assim,
as próprias práticas culturais, dentre as quais se inserem a capoeira e suas
musicalidades são influenciadas por esse fator.
Podemos constatar, acompanhando as discussões de Verger (1999, p.47-
8) que, ao final do século XVII, comerciantes já faziam balanço das suas perdas,
apontando para a “sua necessidade” de intensificar o tráfico negreiro. A própria
igreja católica contabilizava – e justificava a escravidão por isso – o número de
“almas que deixariam de ser salvas”. Nesse contexto, as companhias destinadas
ao tráfico, como a fundada em Lisboa, em 1756, para traficar negros da “(...)
Costa de Mina nome dado ao litoral de Daomé (hoje República Popular do Benim)
e da parte oeste da Nigéria, recebiam a proteção e nomes católicos, como São
Tomé (Ibid.)”.
Os dados são alarmantes, se considerarmos que, por exemplo, em torno
de 1820, 94% das receitas de Angola advinham de taxas do tráfico de negros
trazidos para o Brasil (Ibid.).
Em seu trabalho intitulado Música popular brasileira, a estudiosa Oneyda
Alvarenga (1950, p. 22) afirma o seguinte, ao analisar as contribuições dos negros
na música brasileira:
Os estudiosos do problema do negro brasileiro puderam determinar que os
escravos trazidos para o Brasil distribuíram-se por três grupos essenciais: a)
Sudaneses, na sua maioria Iorubas ou Nagôs e Gêges (Ewes), povos do Gôlfo da
Guiné, dos pontos chamados Costa dos Escravos (Nigéria) e Costa do Ouro
(Daomé). b) Negros mulçumanos, do Sudão ocidental, dos quais os de maior
importância foram os Haussás, Tapas, Mandigas e Fulahs. Estes dois grupos
predominaram nos escravos fixados no estado da Bahia. c) Negros Bantos, vindos
em geral de Angola, do Congo e de Moçambique, que tiveram os seus núcleos
mais densos no Rio de Janeiro, no Nordeste e em Minas Gerais.
Além disso, “O tráfico de escravos se fez na Bahia nos séculos XVI e XVII,
sobretudo, com as costas da África ao sul do equador, Congo e Angola, para se
voltar em seguida no século XVIII e na primeira metade do século XIX para a
região do Golfo de Benim chamada então ‘Costa do leste do Castelo de São
Jorge de Mina’ ou simplesmente de ‘Costa de Mina” (TINHORÃO, 1999, p.49).
O tráfico negreiro, portanto, como “atividade legal”, foi realizado até os
princípios do século XIX, quando, mais por interesses econômicos, ligados à
41
industrialização, do que por vocação filantrópica, a Inglaterra pretendia obrigar o
resto do mundo a abolir a escravidão (Ibid. p.50).
Assim, notamos “A insistência do governo britânico, apoiado na ação da
Royal Navy, obteria a assinatura de convenções e tratados para a supressão do
tráfico de escravos em 1815 e em 1817 com Portugal e em 1826 com o Brasil
tornado independente” (Ibid. p.51). Apesar disso, o tráfico de escravos negros
continuaria, “ilegalmente”, até os idos de 1851. É nesta data que “O tráfico de
escravos desaparecerá definitivamente entre a costa da África e o Brasil em 1851,
após a votação pelas câmaras brasileiras da lei Euzébio de Queiroz em 4 de
setembro de 1850, data a partir da qual a importação de escravos no Brasil passa
ser considerada crime de pirataria” (Ibid. p.54).
À guisa de conclusão, “Pode-se estimar que o tráfico de escravos trouxe
para a Bahia das costas da África, entre 1550 e 1850, cerca de 1.200.000
africanos dos quais 350.000 provinham do hemisfério sul, Congo e Angola e
850.000 do hemisfério norte, golfos do Benim e de Biafra.” (Ibid. p.55).
Conforme inferiu Ianni (1978), a passagem da formação social escravista
para a formação social capitalista deixou profundas marcas na cultura de origem
africana em nosso País
31
.
Para efeitos de análise e explicação, Ianni desenvolve a idéia da
transformação dos africanos em negros e mulatos. Ao tratar da presença do
africano na América Latina e no Caribe, o autor é enfático ao dizer que: “Sim, uma
questão central é compreender como o africano se transforma em negro e mulato,
e por que as relações entre o branco, o negro e o mulato marcam e recriam
diferenças raciais, em lugar de apagar ou diluir essas diferenças” (Ibid. p.53). É
oportuno observarmos que essas diferenças não só encontram terreno
privilegiado no campo da cultura como aí são dinamizadas na forma de conflitos
sociais.
Sendo assim, percebemos o seguinte:
Ocorre que a formação social escravista se funda em princípios estruturais e
organizatórios distintos dos que fundamentam a formação social capitalista. Em
poucas palavras, na formação social escravista o trabalhador é escravo, isto é,
alienado no produto de seu trabalho e na sua pessoa. (...) Ao passo que na
31
Neste ponto da discussão, tomo como referência algumas análises presentes em nosso artigo
Carnaval e capoeira: práticas de resistência cultural ou lazer espetacularizado no país do futebol,
(CORTE REAL; FLEURI, 2004).
42
formação social capitalista o trabalhador (negro, mulato, índio, mestiço branco,
etc.) é alienado apenas no produto do seu trabalho. Ao menos formalmente, ele
não é alienado em sua pessoa (Ibid. p.64).
As palavras de Ianni são fundamentais, por permitirem evidenciar que, seja
qual for abrangência e repercussões da(s) cultura(s) africana(s) no Brasil, a
transformação do africano em negro, mulato e trabalhador potencializa que as
suas práticas culturais venham a ser assimiladas e difundidas, por exemplo, na
forma de lazer comercializado.
Assim, “Mesmo onde a escravidão – e depois, as novas condições urbanas
de vida – destruíram os modelos africanos, o negro reagiu, reestruturando sua
comunidade” (Ibid. p.65). E, mais adiante, Ianni nos diz que “(...) são muitos os
indícios de que os africanismos e sincretismos escondem alguma resistência à
visão do mundo expressa na ideologia racial do branco, ou em segmentos da sua
cultura dominante” (Ibid. p.75).
Por outro lado, ainda em Ianni, tal possibilidade de resistência é
relativizada, ou pelo menos é chamada à atenção que isso não deveria ser
discutido sem se considerar a reciprocidade entre raça e classe
32
.
Uma das ideologias tratadas por Ianni é a do mito da democracia racial, tão
amplamente divulgada no Brasil. Nesse sentido, critica fortemente o pensamento
de Gilberto Freyre, tanto ao dizer que, na obra “Casa-Grande & Senzala, há uma
interpretação a-histórica da escravidão no Brasil” (Ibid. p.87), ao entender que:
“Foi essa corrente de pensamento que conferiu legitimidade científica e ideológica
à miscigenação; que encontrou na mistura racial o segredo do “ethos brasileiro; e
transformou o mito da democracia racial num dos núcleos da ideologia dominante,
nas relações de dominação (...)” (Ibid. p.88). O mito da democracia racial e o
pretenso ethos brasileiro, que representariam uma realidade objetiva de boa
convivência entre as diferentes etnias e uma forma de pensamento, também
englobaria as práticas culturais de origem africana ao serem tidas como
patrimônios e expressões da cultura brasileira.
Esse, aliás, é um dos argumentos de Mukuna (ca. 1980) ao tratar da
influência da etnia bantu na música popular brasileira. A citação da reflexão
32
O detalhamento desta problemática excede os limites aqui propostos. Para um maior
aprofundamento, consultar o próprio Ianni (1978) e Fernandez (1971).
43
proposta pelo autor traz à tona pontos esclarecedores sobre a dinâmica que
envolveu as práticas culturais dos afro-descendentes, no Brasil, nestes termos:
(...) já notamos que, por um tempo considerável, o samba e seus autores negros
foram perseguidos pela polícia, até o começo dos anos 20, por serem
considerados indesejáveis por membros da classe dirigente. Caso semelhante
aconteceu com a capoeira. Mas, hoje estas são forma de manifestações culturais
que vieram a ser saudadas como as mais representativas da expressão nacional.
Por que seria? Bem, é fácil a resposta. Na Bahia, como em toda a nação, a
capoeira tem sido organizada em academias e considerada como forma nacional
de autodefesa. Embora alguns autores atribuam o fenômeno ao capitalismo ou
razões sócio-econômicas, permanece o fato de que a infiltração de brancos em
cenários de samba e capoeira, por exemplo, ajudou a deter a perseguição e
estabelecer estas formas entre a expressão nacional, assegurando assim a
continuidade dentro da sociedade (MUKUNA, ca. 1980, p. 210).
Considerando essa dinâmica econômica, da qual não podemos esquecer
em momento algum a particularidade nada sutil da escravidão, que envolvia o
modelo agrário, a vocação comercial e, no século XVII, a mineração, além de
certas particularidades que veremos, Salvador viria a se tornar o primeiro centro
produtor de cultura popular urbana do Brasil.
44
1.2 Bahia de Todos os Santos: aspectos sócio-culturais e musicais
A cultura não é um simples dado da realidade (CORTE REAL, 2001), que
possamos dissociar dos aspectos econômicos, políticos etc. da vida social. Para
efeito de exposição, privilegio, nesta altura do trabalho, alguns aspectos sócio-
culturais gerais presentes na constituição da Bahia de Todos os Santos.
Lembremos que esses aspectos podem representar parte de um cenário sonoro-
musical, que possivelmente influenciou diretamente a música brasileira e talvez,
indiretamente, as próprias musicalidades da capoeira.
Resta dizer que o que é colocado como região do Recôncavo pode ser
visto como um complexo populacional e de várias atividades, empreendidas, às
vezes, em pequena escala. Isso tudo teria importância cabal, se notarmos uma
peculiaridade que aí se dava, em função do encontro entre os mundos rural e
urbano. Além disso, são fatores determinantes as múltiplas trocas culturais,
realizadas reciprocamente entre Brasil e Portugal, sobretudo em termos
coreográfico-musicais, conforme tentarei demonstrar (cf. TINHORÃO, 1998;
ALVARENGA, 1950).
Vimos que a introdução da música – música européia, diga-se de
passagem – na Bahia remonta ao século XVI. Mais precisamente, em 1 de janeiro
de 1552, quando o 1º Bispo nomeado, D. Pero Fernandes de Sardinha, aqui
chega, traz consigo um músico, Mestre de Capela, que ensinaria aos alunos no
Colégio dos Jesuítas (LISBOA JUNIOR, 1990, p.11); (KIEFER, 1976, p.9).
Conforme discutirei, no inicio do terceiro capítulo, o desenvolvimento do ensino da
música, no Brasil, passou pela ação disciplinadora dos jesuítas, que a usavam
como recurso para a catequização de índios e negros.
Não obstante esse fator, “Ocorre que o movimento musical na Bahia, como
manifestação cultural da metrópole nos séculos XVII e XVIII, seria fraco, só vindo
a tomar certo impulso a partir de uma carta Régia, expedida por D. João VI, no
inicio do século XIX, criando na Cidade da Bahia, uma cadeira de música (...)”
(Ibid.).
Certo é que aí está se falando de um tipo de música, tida como padrão,
que obedeceria a uma regra de sistematização no seu ensino, que é a erudita de
45
tradição de ocidental
33
. O que abre margem para desconsiderar, por exemplo, as
musicalidades indígenas, quase totalmente esquecidas, além das negras.
Não é sem razão, portanto, que o comentário da Professora Emilia
Biancardi – pesquisadora no campo do folclore musical, tida como referência por
pesquisadores e praticantes da capoeira –, em seu trabalho Raízes musicais da
Bahia (2000, p.13; os grifos são meus), é oportuno:
Dentro dessa perspectiva, quer-me parecer que, embora a música e as
manifestações folclóricas da Bahia, como ocorre em todo Brasil, tivessem tido
como ponto de partida o universo das nações indígenas, com suas crenças,
mitos e rituais, muito deve o folclore às incontáveis expressões artísticas da
Europa, especificamente da Europa quinhentista e barroca, através de Portugal,
tendo sido igualmente imensa e definitiva a contribuição das culturas africanas,
em suas numerosas criações, como os batuques, o samba, a capoeira e o
maculelê, para ficarmos só nesses exemplos
34
.
De passagem por essa questão, friso que aí encontrasse um problema
para ser discutido mais à frente, em relação ao fato das práticas musicais e da
própria educação musical no Brasil ter, por muito tempo, trabalhado com um ideal
de música, que desconsiderava as musicalidades de outras culturas que não
fossem as européias. Daí, também, a importância de aqui objetivar e analisar as
musicalidades das rodas de capoeira, já que aí estaria uma(s) entre outras
musicalidades, que representam processos educativos não-formais, os quais
poderiam, inclusive, oferecer bases de reflexão para as práticas educativas
escolares (cf. SOUZA, 2000; 2001).
Voltemos aos aspectos da formação sócio-cultural da Bahia. Desde cedo,
viajantes se prestaram a descrever as várias formas de diversão, presentes na
capital e região do Recôncavo. Certamente, havia formas de diversão e espaços
exclusivos aos brancos, donos dos meios de produção. Contudo, veremos que a
convivência entre brancos e negros foi uma constante. Por isso mesmo, muitas
33
Em geral, os termos música erudita e música clássica são utilizados como sinônimos. Se
buscarmos a precisão dos termos, veremos um equívoco neste uso. Ao esclarecermos o termo
música erudita, que nos interessa no caso, veremos que o mesmo diz respeito à música de
tradição ocidental, que engloba os períodos ou estilos, divididos em: “música medieval, até cerca
de 1450; música renascentista, 1450-1600; música barroca, 1600-1750; música clássica, 1750-
1810, romantismo do século XIX, 1810-1910, música do século XX [ou contemporânea] de 1900
em diante.” (BENNET, 1986, p.11). Portanto, música erudita designa o conjunto da história da
música ocidental, englobando, inclusive, o período da música clássica, o qual é uma parte desse
conjunto histórico, limitada ao período de 1750 à 1810.
34
Para uma leitura sobre as diversas influências presentes na música brasileira ou nas músicas
aqui praticadas ver os trabalhos de Alvarenga (1950) e Kiefer (1976).
46
são as danças e ritmos musicais que, a partir da Bahia, parecem apresentar
pontos obscuros quanto à sua origem, já que os traços lusos e africanos,
sobretudo, exerceram influência recíproca. Esse parece ser o caso do fado,
amiúde pensado como sendo simplesmente uma prática cultural lusa, quando
apresenta evidências de ser, em sua origem, uma dança de influência negra – ver
Tinhorão (1998, p.104-10).
Perseguindo esses traços, Tinhorão dá atenção aos filhos da elite
econômica branca, que se aventurariam entre negros e as camadas baixas em
busca de diversão. O personagem exemplar desse tipo de conduta foi Gregório
de Matos Guerra, o Boca do Inferno, que era tocador de viola e boêmio
inveterado. A postura de Gregório de Matos é típica das formas de viveres
urbanos, em que muitas vezes danças surgidas nas ditas camadas baixas
adentravam os casarões das famílias ricas.
Surgidas nesses ambientes das mais baixas camadas de Salvador ou de alguns
centros mais populosos do Recôncavo, as danças e cantos estruturados pelas
ruas, praças ou terreiros a partir da mistura de elementos rítmicos, melódicos e
coreográficos negro-africanos e peninsulares europeus, para atender à nova
realidade social da colônia, iniciava então uma espécie de ascensão, através da
entrada nas casas das famílias (...) (TINHORÃO, 1998, p.87).
Ao prosseguir na análise desse traço característico das danças e canções,
na Bahia, entre os séculos XVI e XVIII, Tinhorão aborda as seguintes danças:
chula, nome que viria a ser incorporado a um tipo de canção usual na capoeira, o
gandu, a fofa, o lundu, os fados, no plural, e a modinha.
Segundo o autor, Gregório de Matos teria exercido uma contribuição
fundamental para a história da música nas cidades no Brasil, pois, ao aproveitar
quadras ou versos isolados a título de motes para elaborar décimas destinadas ao
canto, acompanhado de sua viola, teve papel importante. Tinhorão informa que,
através do poeta, “(...) ficamos sabendo que as composições de poucos versos
(geralmente quadras), até hoje denominadas genericamente de chulas,
receberam esse nome por constituírem, na verdade, chularias postas em curso
pelos chulos, ou seja, gente da mais baixa condição social” (Ibid., p.61).
Concluímos que chularias são algo pertencente a chulos, “gente de
condição mais baixa”, segundo consta acima. Isso, para Tinhorão, denotava um
preconceito de classe em relação às camadas humildes, “(...) pois, ao que tudo
47
indica, o étimo dessa palavra estaria no cigano-espanhol chul-ló ou chul-li que,
através do castelhano chulo, daria em português não apenas o depreciativo chulo,
mas o desagradável chulé” (Ibid.).
Contudo, à época de Gregório de Matos, ao final do século XVIII, o termo
ainda não havia sido ligado genericamente à qualidade de coisa chula, o que era
posto no feminino chularia. Mesmo assim, Tinhorão nos conta que os motes de
composições de Gregório de Matos deveriam ser provenientes de cantigas
populares entre as camadas baixas, na Bahia, coisa de gente baixa, ou seja,
chulas (Ibid. p.61-2).
Como exemplo das composições de Gregório de Matos, o autor relata a
chula baseada no mote “Bangüê, que será de ti?”, que tem como tema o destino
pós morte. A canção também apresenta vinculação com a gente humilde, no
sentido em “(...) que o verso fala do bangüê, que era a rede ou padiola em que se
conduzia ao túmulo os corpos dos escravos e dos miseráveis (...)” (Ibid.).
Tinhorão aponta que, apesar de tratar do destino após a morte, a chula não
deixa de ser um convite para se aproveitar a vida, enquanto é tempo. O que pode
ser conferido no verso: “ó tu, que aí vais para o túmulo no bangüê, o que será de
ti?” (Ibid.).
Assim, vemos em uma das décimas da chula que os temerosos do pecado
são incitados:
Demónio:
Todo o cantar alivia,
e todo o folgar alegra
toda a branca, parda e negra
tem sua hora de folia:
só tu, na melancolia
tens alívio? Canta aqui,
e torna a cantar ali,
que desse modo o praticam,
os que alegres pronosticam,
Bangüê, que será de ti?
(MATOS apud TINHORÃO, 1998, p.63).
Para além disso, notamos que a influência negro-africana é sentida em
várias danças, através de elementos como o rebolado e a umbigada
35
, além, é
35
Conforme discutirei mais adiante, durante o período de minha estada em Salvador, nas festas
de largo que pude participar, pude constar a presença da umbigada, ainda hoje, nos sambas de
roda que vi,.
48
claro, de elementos propriamente musicais, que procurarei demonstrar. Exemplo
desse traço seria o gandu, uma das danças cultivadas em Salvador, mas também
nos distritos e áreas de engenhos.
É importante, repito, analisarmos brevemente essas danças, no sentido de
mapearmos traços musicais e coreográficos, muitas vezes de influência negra,
lusa, quiçá, indígena – entre outras; e, amiúde, interpenetrados uns nos outros.
Na seqüência, a análise desses elementos musicais contribuirá para a
demonstração de que as musicalidades das rodas de capoeira(s) advêm de
múltiplas influências.
Para dar curso a essa perspectiva de análise, uma citação do trabalho de
Tinhorão é esclarecedora, não só no sentido do que vem a ser o gandu, mas do
intercâmbio de influências presentes nas danças e cantigas, na Bahia, neste caso
no século XVIII. Ao citar um folheto de Frei Lucas de Santa Catarina, referindo-se
a uma dança com o nome de gandu, em Portugal, relata o autor que: “Junto à
Cruz [referência a um velho cruzeiro de Lisboa, ainda existente em 1753 na
esquina da Rua de São Bento, no bairro do mesmo nome], andavão os mochilas
[empregados domésticos] ao socairo [à solta?] com seu gandum por pontos
(SANTA CATARINA apud TINHORÃO, 1998, p.70).
Ao continuar a análise deste relato, Tinhorão (1998, p.70; os grifos são
meus) faz uma elucidação de importância, para a compreensão das influências
coreográfico-musicais, presentes em Brasil e em Portugal.
E considerando o que esse gandum português oitencentista, sendo dança das
classes baixas de Lisboa, em grande parte formadas por negros e mestiços (o
próprio autor do folheto afirma que na “função eu vi mulato, que de cantar a
amorosa [gênero de cantiga da época], sem tomar folgo, este com cadêa na
mão”), é bem o caso de imaginar se não seria a mesma dança do gandu baiano
citado por Gregório de Matos, o que anteciparia o intercâmbio de influências
coreográficos-musicais comprovadamente verificado entre o Brasil e Portugal
no século XVIII.
Outra dança que demonstraria as trocas de influências entre Brasil e
Portugal, no século XVIII, foi a fofa. “Dessas danças originadas do criativo
intercâmbio étnico-cultural-religioso (negros e mulatos, do campo e da cidade,
participando muitas vezes ao lado de brancos nas festas de terreiro das fazendas
ou praças das vilas, nas igrejas e nas procissões), a de maior popularidade, tanto
49
no Brasil quanto em Portugal, seria a fofa”. Em 1730, ainda segundo o autor, “(...)
é citada como dança de escravos africanos e crioulos ligados à Confraria do
Rosário em Lisboa (...).”
Ainda pelos anos setecentos, outra dança, fundamental para se perceber
essa influência recíproca entre os dois países, é o lundu. Além da Bahia, também
aparece em Pernambuco e Rio de Janeiro. A descrição feita por Tinhorão (1998,
p.99; os grifos são meus) sobre as características musicais do lundu é bastante
rica. Nela aparecem algumas características musicais comuns em práticas
culturais de influência negra – como na própria capoeira; por exemplo, a presença
de palmas e o canto de pergunta e resposta, sendo que entre os aspectos
coreográficos é comum a umbigada:
Esse chamado lundu, muito mais preso que a fofa aos batuques de negros – onde
se destaca como dança autônoma ao casar a umbigada dos rituais de terreiro
africanos com a coreografia tradicional do fandango (tanto na Espanha quanto
em Portugal caracterizado pelo castonholar dos dedos dos bailarinos que se
desafiam em volteios no meio da roda) –, apresentava ainda um traço destinado a
determinar sua evolução: os estribilhos marcados pelas palmas dos circundantes,
que fundiam ritmo e melodia no canto de estilo estrofe-refrão mais típico da África
negra.
Esses característicos musicais, no que diz respeito à capoeira, serão
estudados ao longo do trabalho. Talvez valesse a pena, ainda, no sentido de
observar a gama de práticas musicais presentes na Bahia, citar o fado, ou os
fados no plural – atribuído a uma suíte de danças de terreiro, no Brasil (Ibid.).
Este dado é importante, pois “(...) ao lado da fofa e do próprio lundu, constituiria a
terceira mais conhecida estilização branco-mestiça derivada dos batuques: o
fado” (Ibid. p.104).
Apesar de o fado ter se popularizado em Portugal, como gênero de canção
solo, sua origem parece se dar em terras brasileiras. Musicalmente, é
interessante observar a presença de cantos em coro e de improvisos.
Há que se destacar aqui, ainda, a presença da modinha na Bahia, que teria
sido trazida de Portugal, no século XVIII (LISBOA JUNIOR, 1990, p.12),
considerada parte das raízes da música popular brasileira e antecedente das
modas de viola, chamadas também de música caipira (cf. MONTANARI, 1988,
p.76).
O aparecimento da modinha, nos centros urbanos da colônia como Recife,
50
Rio, Salvador e região do Recôncavo, em meados do século XVIII, “(...) marcou a
criação do primeiro gênero de canto dirigido ao gosto das novas camadas médias
das cidades” (TINHORÃO, 1998, p.115).
Aqui também há trocas entre Brasil e Portugal. “O que se pode deduzir,
assim, é que os dois gêneros de cantigas populares, derivados dos estribilhos
cantados da dança saída dos batuques – caso do lundu –, ou do amolecimento
dengoso da velha moda portuguesa a solo – caso da modinha –, coexistiram por
todo o país até o século XIX, cultivados em camadas sociais diferentes”
(Ibid.119).
Apesar de falarmos de trocas entre Brasil e Portugal, o que está em
discussão é um complexo cultural, o qual vai muito além dessas influências. Para
termos um exemplo, Luis Soler, em seu livro Origens árabes no folclore do sertão
nordestino (1995), problematiza, claramente, o fato de numa sociedade,
enraizada na colonização, como a nossa, haver uma negação das culturas, que
não sejam aquelas identificadas com as visões de mundo dos colonizadores.
Neste caso, a negação de uma cultura, como se fez ocorrer, por exemplo,
em relação às artes, às línguas, enfim, às culturas negras e indígenas neste país,
é também uma negação do saber e do poder (AZIBEIRO, 2006). Ou seja, parte
do poder do colonizador consiste em negar a cultura do dominado
36
, através da
imposição da sua visão de mundo, da negação do outro e de seus saberes, ou
seja, de um processo de invasão cultural (FREIRE, 1987).
Observamos que, no que diz respeito, por exemplo, à presença dos árabes
na constituição da(s) nossa(s) cultura(s), é um caso explicito de não
reconhecimento ou falta de clareza da sua contribuição.
“(...) as influências árabes não se diluíram nas terras ibéricas a ponto de estarem
já deglutidas e descaracterizadas entre os portugueses que colonizaram o Brasil.
Ao contrário, elas predominavam, com nítidos perfis, nos modos e conceito de
vida dos luso-colonizadores, sendo precisamente no sertão brasileiro que vieram
a ser preservadas vivas e inteiras, incontaminadas pelos modismos evolutivos
que, no Reino, foram-nas encostando em planos cada vez mais recuados”
(SOLER, 1995, p.15).
Isso implica, por um lado, ficarmos atentos ao caráter dinâmico e conflitivo
36
Para uma análise pormenorizada sobre a problemática das relações de saber e poder, frutos
dos processos de dominação colonial e de imposição da visão de mundo do colonizador, ver,
entre outros, Azibeiro (2006) e Freire (1999; 2002).
51
presente nas relações entre culturas, ainda mais quando baseada numa
assimetria de poderes, típica da ‘herança’ colonial. Por outro, devemos pontuar
que a influência árabe entre nós pode estar na base de um traço característico da
cultura de nosso país e, mais especificamente, das musicalidades das rodas de
capoeira, no tocante ao canto de desafio, caracterizado pela provocação,
discussão e narração de uma situação vivida ou evocada.
Podemos frisar que os árabes, com suas inseparáveis cantilenas, vistas
como necessidade vital e meio de comunicação social, através dos portugueses
que colonizaram o Brasil, influenciaram os cantos de desafio, presentes no Norte
e Nordeste brasileiros, segundo Soler (1995). Na hipótese do autor, a fígura do
alhures árabe está para o nosso violeiro, assim como o rabab – instrumento
musical de cordas, introduzido pelos árabes na Europa – está para as violas e
rebecas, usadas pelos nossos cantadores.
Daí que o canto dos árabes sobre os mistérios do deserto na noite, feita um
chão de estrelas, equivalha às palavras versadas pelo cantador brasileiro ao
relatar as suas agruras. Isto é, representam uma mesma dimensão da vida
humana, qual seja a necessidade de compreender o mundo ao seu redor e, a
partir disso, comunicá-lo e de se comunicar com o outro, através da experiência
singular de versar e cantar desafios. Característica fundamental do canto de
desafio, também vista nas musicalidades das rodas de capoeira, é o canto
narrativo, em que o solista aborda um fato acontecido e depois é seguido no
canto pelo coro formado pela assistência.
Destarte, neste capítulo sobre alguns aspectos gerais da formação sócio-
cultural e musical de Salvador, merecem ser destacadas, ao menos
resumidamente, a música instrumental de barbeiros, no século XVIII, e as bandas
militares, no século XIX.
“Ao lado das músicas de dança que, a partir dos batuques à base de percussão
de tambores e sons de marimbas de negros, acabariam por levar à criação de
canções, através do desdobramento melódico dos estribilhos por tocadores de
viola brancos e mestiços, iria surgir durante a segunda metade do século XVIII –
ainda uma vez na Bahia e no Rio de Janeiro – um tipo de música instrumental que
por sua origem, espírito e função já se poderia chamar popular, em sentido
moderno: a música de barbeiros” (Ibid. p.155).
Tal música era assim denominada, pois o barbeiro-músico era o
52
personagem indicado para suprir a necessidade de músicas próprias para as
festas públicas populares. A atividade de barbeiro, no Brasil colônia, era vista
como uma profissão liberal, entre as preferidas dos negros livres ou a mando dos
senhores. O fato é que os barbeiros gozavam de certo destaque e prestígio
pessoal. O que colaboraria para a criação de uma música, que poderia ser vista
como popular e que esperaria até a metade do século XVIII para ganhar força
(TINHORÃO, 1998, p.156-7).
Em se falando de música instrumental, ainda, Tinhorão afirma que
A continuidade da tradição no campo de música instrumental ao gosto das amplas
camadas das cidades, iniciada em meados dos Setecentos pelos ternos de
barbeiros com a chamada música de porta de igreja, ia ser garantida a partir da
segunda metade do século XIX pelas bandas de corporações militares nos
grandes centros urbanos, e pelas pequenas bandas municipais ou liras formadas
por mestres interioranos, nas cidades menores (TINHORÃO, 1998, p.177).
Finalmente, outro ponto que merece destaque na constituição deste
universo musical em discussão é o fato “De todos os centros brasileiros de cultivo
da música erudita o mais antigo – e o mais importante no inicio – é a Bahia. O fato
de Salvador ter sido a primeira Capital e sede do primeiro bispado teve
conseqüências musicais amplas (...)” (KIEFER, 1976, p.17-8).
No que diz respeito à formação musical brasileira e, especificamente à
música erudita, Bruno Kiefer (Ibid. p.18) coloca dois pontos importantes no seu
desenvolvimento, em relação à contribuição do negro escravo, que seriam: a
contribuição indireta através do trabalho escravo, que teve influências no
desenvolvimento econômico e cultural das capitanias, no século XVI; e a
participação do escravo, como executante, em funções musicais eruditas e
semieruditas de caráter europeu.
Como no caso dos indígenas, listado de passagem acima, os negros
também tiveram suas musicalidades confrontadas e negadas por uma música de
caráter europeu. Não obstante as suas contribuições, neste caso: “Referimo-nos
ao negro-escravo-músico-erudito (ou semierudito). Músico aqui significa:
executante de música européia, importada ou criada aqui.” (Ibid.).
A análise dessa dinâmica musical toda aponta para a conclusão de que,
devido aos fatores sócio-econômicos e sócio-culturais peculiares, vistos acima, a
cidade da Bahia de Todos os Santos (e região do Recôncavo) desponta, desde
53
cedo, como um dos importantes pólos culturais da vida brasileira.
Não é estranho, portanto, que em importantes movimentos musicais, no
nosso país, no século XX, a Bahia continuaria despontando, através da difusão de
elementos musicais e da presença de artistas baianos nos mesmos. Semelhantes
a isto, se desenvolveram, na Bahia, práticas de musicalidades nas rodas de
capoeira, que passariam a ser vistas como referências nesta prática cultural.
54
1.3 A Bahia na música brasileira
A presença da Bahia na música popular brasileira se deve, entre outros
fatores, a uma série de características musicais, difundidas a partir daí. Dois
aspectos são facilmente detectados quando se pensa sua influência no conjunto
das práticas musicais, no Brasil. Um primeiro seria a constante atuação e a
presença de artistas baianos em diferentes movimentos da música popular
brasileira. Outro, a própria Bahia, como temática de canções, até hoje
interpretadas.
Talvez seja útil observarmos, sucintamente, alguns aspectos relativos à
influência da Bahia na música popular brasileira, já que em alguma medida isto
está relacionado ao tema aqui proposto para o presente estudo. Ou seja, analisar
as influências da Bahia no conjunto das práticas musicais brasileiras também
pode contribuir para a análise da sua influência na constituição do campo da
capoeira. Pois, se a música tem um papel fundamental para a constituição da
capoeira como campo de produção cultural singular, precisamos observar que ela
é fruto de um conjunto amplo de práticas culturais. Por isso, se faz necessário
investigar as musicalidades das rodas de capoeira num espaço que é circunscrito
para além dos meios da capoeira.
Ou seja, a idéia é recorrer à história para observar um conjunto de
influências e elementos musicais, que podem ter contribuído para a constituição
das musicalidades das rodas de capoeira, como uma dimensão fundamental e
característica desta prática cultural, que, neste caso, pode ser compreendida
como um campo. Isto é, um espaço social com organização, valores e rituais
próprios, que podem ser vistos nos próprios papéis assumidos pelas
musicalidades, conforme tento demonstrar ao longo deste trabalho.
Neste sentido, observo sucintamente, a influência da Bahia na música
brasileira, considerando dois aspectos. Em primeiro lugar, a presença da Bahia na
música brasileira, sendo cantada como tema. Ou seja, a exaltação da Bahia em
letras de algumas cantigas, relativas ao período estudado. Em segundo, um traço
fundamental das contribuições da Bahia tem sido a presença de vários artistas em
movimentos representativos da música popular brasileira – situação essa anóloga
aos papéis desempenhados por alguns agentes do campo da capoeira. Neste
caso, são destacados a Bossa Nova e o Tropicalismo; e, embora, possivelmente,
55
o samba não represente um movimento situado precisamente como os dois
primeiros, são perseguidas algumas contribuições de artistas baianos e de
elementos musicais, advindos possivelmente da Bahia, na sua difusão.
Sobre o primeiro aspecto, há muito a Bahia, talvez por sua diversidade de
belezas naturais e por seus aspectos culturais, aparece como tema no
cancioneiro nacional. “Falar-se da Bahia, de suas lendas e tradições foi motivo de
inspiração de muitos artistas. Houve épocas em que era até moda se fazer
canções falando da Bahia, muito antes até de 1939, quando Carmem Miranda
gravou o célebre samba de Dorival Caymmi, ‘O que é que a baiana tem?’”
(LISBOA JUNIOR, 1990, p.7). Canção esta que ficaria gravada no nosso
imaginário, representando muito bem uma imagem aproximativa da Bahia e das
suas gentes e que teria sido inspirada na yalorixá Maria Luiza, e nos seus 28
anos foi vista por Caymmi e Carmem Miranda, quando ela saía de uma igreja:
C.M [Carmem Miranda] – O que é que a baiana tem?
Coro – O que é que a baiana tem?
C.M. – Tem torço de seda (tem)
Tem brinco de outro (tem)
Corrente de ouro tem (tem)
Tem pano de costa tem (tem)
Tem bata rendada tem (tem)
Pulseira de ouro tem (tem)
Tem saia engomada tem (tem)
Tem sandália enfeitada tem (tem)
E tem graça como ninguém.
Coro – O que é que a baiana tem? (...)
(LISBOA JUNIOR, 1990, p.86).
Em relação ao segundo ponto, vimos que, no inicio do século XX, surge o
samba, como uma nova dança que, na forma de acontecimento musical urbano e
carioca, viria a dividir espaço com manifestações como o maxixe e a modinha
(CALDAS,2000, p.28). Assim, “Trata-se de um sincretismo musical onde,
originalmente, estão presentes a polca européia, que lhe forneceu os movimentos
iniciais, a habanera, influenciando o ritmo, o lundu e o batuque, com o sincopado
e a coreografia, e o brasileiro “jeitinho de cantar e de tocar”, como diz Mário de
Andrade” (Ibid.).
Ainda que eu não pretenda tratar em pormenores esta discussão, é
interessante observar que, este autor citado, faz a distinção entre duas
modalidades de samba: o samba de morro e o samba da cidade (Ibid. 29). O
56
primeiro, segundo ele “Muito próximo do batuque (outro ritmo afro-brasileiro),
ganha força e popularidade a partir de 1922, justamente quando surgem as
escolas de samba.” (Ibid.).
Todavia, não saberia dizer até que ponto é possível esta distinçãoe entre
samba de morro e de cidade. Caldas (Ibid.p.31) esclarece, oportunamente,
quando diz que: “Enquanto o samba de morro era tipicamente de negros, o
samba da cidade já se apresentava mesclado de compositores brancos. Noel
Rosa, por exemplo, jovem estudante de Medicina, era um dos mais famosos
nessa época. Não há, no entanto, como separar o samba de negro e o samba
branco: isso não existe.”
Parece ser válido destacar alguns elementos presentes no
desenvolvimento do samba e sua relação com as práticas musicais dinamizadas
desde a Bahia.
O samba apresenta influências, até certo ponto, comuns à capoeira, como
os batuques negros. Aspecto importante é o fato de o samba também representar
praticamente uma base e caminho para o conjunto das práticas musicais
populares, especialmente no curso de movimentos como a Bossa Nova e o
Tropicalismo.
No que diz respeito à caracterização do samba, como um movimento
urbano carioca, não se pode prescindir a contribuição negra, vinda da Bahia. Pois,
apesar do Rio de Janeiro ser um centro de concentração de negros escravos,
“Desde a década de 1870 os baianos constituíam, em verdade a segunda maior
colônia de emigrados da capital (a maior, de fluminenses, explicada pela
proximidade da área de economia açucareira decadente do estado do Rio) (...)”
(TINHORÃO, 1998, p.264). Nesse caminho, os baianos trazidos nas primeiras
levas de escravos, e mesmo os migrados depois da abolição, de certa forma
aproveitaram sua experiência no Recôncavo para exercer uma espécie de
liderança entre as camadas baixas – o que foi particularmente determinante no
momento de organizar um certo caos cultural, advindo da convivência dos
migrados nordestinos e camadas baixas do Rio (Ibid. p.264-268).
No Rio de Janeiro, do final do século XIX e início do XX, os negros baianos
convivem com outros nordestinos e camadas populares de modo geral, como já
dito, num rico cenário cultural. “Em dezembro e janeiro, com as festas do ciclo
natalino, e em fevereiro, por ocasião do carnaval, não seria difícil imaginar com
57
que naturalidade todas as reminiscências da síntese cultural africano-nordestina
viessem a manifestar-se nas ruas, em rica comunhão com as próprias
manifestações locais particulares das baixas camadas cariocas” (Ibid. p.266).
Nesse momento, fala-se da chula como um dos constituintes do samba,
conforme é colocado por João da Baiana – João Machado Guedes, citado por
Tinhorão (Ibid. p. 267): “Antes de falá samba, a gente falava chula. Chula era
qualquer verso cantado.”
Outra influência musical dos negros baianos, que desta feita iria chocar os
cariocas pelo o que foi considerado extrema carnavalização de uma festa de
origem profana-religiosa e européia, eram os ranchos.
E eram em verdade ranchos, no sentido de farranchos de foliões, representando
pastores em roupas de cores vivas, e que, a caminho da lapinha, dançavam e
cantavam carnavalescamente chulas ao som de violão, viola, cavaquinho, ganzá e
prato raspado com faca, tendo à frente a figura do bicho de que tiravam o nome –
Rancho do Galo, do Cavalo, do Veado, etc., mais o mestre-sala, porta-bandeira,
porta-machados, balizas “e ainda um ou dois personagens que lutam com a fígura
principal que dá nome ao rancho.” [entre aspas, o autor cita Brito, também
conhecido pelos codinomes de Bento Murila e Zé da Venta] (TINHORÃO, 1998,
p.269).
Tendo em vista esta dinâmica cultural, podemos verificar a constituição de
importantes espaços comunitários e de diversão, especialmente nas rodas de
batuque, em festas e nas casas de negras senhoras da comunidade baiana.
Esses dois pontos são importantes. Em relação ao primeiro, que diz
respeito aos espaços de festas, vimos aqui um nítido recorte de classe social.
Pois, de um lado, os ranchos bem comportados, compostos por negros, mestiços
e brancos, que ocupavam pequenas posições no serviço público, eram
aplaudidos pelo grande público. Por outro, a intervenção não tardou, no que diz
respeito às manifestações das classes mais baixas (Ibid. p.274).
Nas primeiras décadas do século XX, eram comuns as perseguições contra
foliões e mesmo contra manifestações de caráter religioso populares. “Por
comodidade da ação policial, qualquer grupo reunido para cantar e fazer
figurações de dança ao ar livre, ao som de palmas, atabaques e pandeiros, era
por princípio enquadrado como incurso nas disposições contra a malandragem e
capoeiragem” (Ibid. p. 274-5).
Aqui há uma linha tênue, no tocante à dinâmica cultural, que envolve num
58
espaço não muito bem delimitado práticas religiosas como o candomblé e
festivas, como o samba e mesmo a capoeiragem. Daí a importância de
pensarmos este movimento migratório de negros baianos e sua influência na
música brasileira, como no samba, posto que possa ser, também, um elemento
de compreensão na dinâmica e difusão das próprias musicalidades da
capoeira. “Assim, estabelecida desde a primeira república a perseguição
sistemática contra rodas de batuque da Festa da Penha, ou dos pontos de
reunião de capoeiras especialistas em pernadas ao som de estribilhos marcados
por palmas (...)” (Ibid.).
Devemos dar destaque ao espaço das casas das senhoras negras, em
que vemos a demonstração de um traço típico de estrutura familiar comum em
África; qual seja, a emergência do domínio dessas senhoras negras na
comunidade baiana, no Rio de Janeiro de então.
Eram nas festas nas casas destas senhoras negras, tias baianas, que:
“(...) à procura da nova identidade citadina carioca (que, afinal, encontrariam ao
transformar o samba corrido em samba urbano) e, o quintal, o terreiro rural onde
os primitivos, acostumados apenas à rudeza dos trabalhos pesados, exercitavam
mais os músculos do que a arte musical, guiando-se apenas pelo ritmo das
palmas nos estribilhos de incentivo à luta: Vira a mão, Iaiá, vira a mão” (Ibid. p.
277). Ao que parece, aí se apresenta a evidência de um traço cultural, que pode
ser ligado à capoeira ou aos batuques negros.
Esses espaços das casas das tias baianas ganharam importância
histórica, visto que “Foi numa dessas festas, freqüentadas a partir da primeira
metade do século XX não apenas pela comunidade baiana, mas pela gente
carioca a ela aproximada por parentesco ou afinidades de classe e cultura (...),
que em fins de 1916 um desses participantes resolveu aproveitar algumas
estrofes com certeza ali muitas vezes repetidas, para um arranjo ampliado com
novos versos – solicitados ao repórter Mauro de Almeida, o ‘Peru dos Pés Frios’ –
e que registraria com o título de ‘Pelo Telefone’, indicando como gênero de
‘samba carnavalesco’” (Ibid.).
Tem inicio aí um novo momento na história do samba e da música popular
brasileira, que teria certa influência em movimentos como a Bossa Nova e o
Tropicalismo.
Com o final da I Grande Guerra e a busca de uma política econômica,
59
baseada na entrada de capitais internacionais no país, há forte influência aqui de
modas européias. Via-se, tal quais faziam os americanos, nos Estados Unidos, a
música dos negros e do povo, de maneira geral, como algo exótico ou bárbaro.
“Essa ilusão da possibilidade de reproduzir a sociedade rica pela simples
importação de modelos iria esboroar-se pelos fins da década, quando a grande
crise de 1929 – abrindo caminho para a Segunda Grande Guerra e
conseqüentemente fins dos capitalismos nacionais (...) – provocou no Brasil uma
revolução em todos os sentidos: a experiência singular do Estado Novo.” (Ibid.
280).
No entanto, é mais tarde que, no pós-guerra, na fase desenvolvimentista
do governo de Juscelino Kubitschek, diante da expansão dos meios de
comunicação, notadamente da televisão, que surge uma expressão a qual ficaria
marcada na história da música brasileira: a Bossa Nova.
Este movimento foi caracterizado, musicalmente, por ser uma espécie de
samba-canção modernizado, com influências da harmonia do jazz. Entre artistas
como Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal,
Sílvia Teles, Johnny Alf e Carlos Lira – esses tidos como responsáveis pelo inicio
do movimento, um baiano acompanhado de seu violão teria papel fundamental
nas inovações rítmicas do novo gênero. “(...) João Gilberto, com a batida
revolucionária no violão e a voz ‘intimista’, ‘apaziguante’, ele se transformaria no
marco inicial do movimento da bossa nova” (CALDAS, 2000, p.44)
37
.
Tal movimento seria marcado por duas fases. A inicial, em que seu
discurso não se envolvia com as questões políticas e ideológicas que assolavam
o país, e, “A outra fase, chamada de ‘participante’, [que] aborda as questões
relativas ao subdesenvolvimento brasileiro. Destaca-se, aqui, a exploração no
trabalho, a reforma agrária, o latifúndio, o desemprego, o subemprego, as
condições de miséria do morro, do Nordeste e de outras regiões do País” (Ibid.
p.49).
Um outro aspecto a ser destacado no desenvolvimento da Bossa Nova é o
que diz respeito à presença da capoeira na, digamos, evolução da música popular
37
Apenas como um comentário de passagem, a forma de cantar de João Gilberto, que tem a
capacidade de “atrasar” o ritmo da música, sem no entanto se perder, me lembra muito a maneira
de cantar do Mestre Neco, que pode ser ouvido no CD Mestre China. Grupo de Capoeira Angola
Barcelona, vol. 02, Mestre China BNC – participação especial Mestre Raimundo Dias e
Mestre Neco. Salvador: BCN, 2005.
60
brasileira. Pois, ao longo da história deste movimento musical, músicos têm usado
temáticas, letras de canções e instrumentos musicais da capoeira para
elaboração de arranjos e composições.
Apesar de a capoeira ter ligações com a Bossa Nova, sua influência foi
bem além deste movimento musical e, hoje, por meio das suas temáticas e
instrumentos musicais como o berimbau, faz parte do material sonoro das nossas
músicas brasileiras, principalmente.
O exemplo mais conhecido da utilização de temáticas e material musical da
capoeira, no âmbito da música brasileira, ficou conhecido com o violonista e
compositor Baden Powell.
Rego (1968, p.330) relata que: “Foi por volta de 1962, quando chegou à
Bahia, que Baden Powell, segundo me afirmou, tomou contacto com o berimbau.
Levado a conhecer o escultor baiano Mário Cravo Júnior, em seu atelier, ouviu o
referido artista tatear alguns toques de berimbau, começando assim a despertar
interêsse pelo problema, conforme expressão sua.”
A partir disso, Baden Powell teria vivido a experiência e acúmulo de
elementos musicais que o levaram a compor, em 1963, juntamente com seu
parceiro, Vinicius de Moraes, que fez a letra da música Berimbau
38
, cujo conteúdo
reproduzo abaixo:
Quem é homem de bem
Não trai
O amor que ele quer
Seu bem
Quem diz muito que vai não vai
E assim como não vai
Não vem
Quem de dentro de si
Não sai
Vai morrer sem amar
Ninguém
O dinheiro de quem não dá
É o trabalho de quem
Não tem
Capoeira que é bom
Não cai
E se um dia êle cai
Cai bem
38
Conforme as referências citadas por Rego (1968, p.336): música de Baden Powell e letra de
Vinícius de Moraes, interpretada por Nara Leão, in Nara ME-10 Elenco de Aloísio de Azevedo de
Oliveira, lado 2, faixa 1.
61
Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza camará
Em 1965, a música brasileira entraria no período dos festivais – ver Caldas
(Ibid. p.55). Diante do autoritarismo dos governos militares, surge o Tropicalismo,
fundindo poesia e protesto na dupla estética/política. “A estética tropicalista trata,
com muito humor e ironia, as disparidades sociais, advindas do desenvolvimento
desigual do capitalismo” (Ibid. p.65).
Artistas baianos novamente estão em cena. “Já no Festival de MPB de
1967, veríamos nascer com Alegria, alegria e Domingo no Parque, de Caetano
Veloso e Gilberto Gil, respectivamente, a Tropicália ou o Tropicalismo” (Ibid.
p.59).
Essa incursão por alguns aspectos fundamentais da história da música
brasileira serve, por um lado, para dar curso à reflexão sobre o contexto sócio-
cultural, a partir da Bahia de Todos os Santos, e os processos que, em alguma
medida, são pano de fundo e estão ligados ao desenvolvimento das
musicalidades das rodas de capoeira(s). Por outro, também se presta para dizer
que, apesar de ter valor por si só, como “patrimônio cultural da humanidade” –
por isso mesmo, com valor educativo – da mesma forma como a música pode
servir para manter as relações de poder existentes, também pode ser utilizada
como forma de questioná-las (STAHLSCHMIDT, 1999, p. 44).
A possibilidade da música estar ligada às relações de poder alimentará o
tom da discussão, na medida em que se compreender, cada vez mais, os papéis
atribuídos às musicalidades das rodas de capoeira(s).
62
1.4 Notas sobre as origens da capoeira(?): abrindo caminhos para as
musicalidades
Como eu já havia dito antes, falar sobre qualquer aspecto relacionado à
capoeira, que envolva uma idéia de origem, é algo complexo. No plano da
produção do conhecimento – nas diversas áreas que têm se dedicado à
investigação da capoeira – muitas vezes a reflexão é limitada por falta de
evidências concretas. Já no plano do senso comum, por exemplo, nas discussões
e explicações que circundam o universo da capoeira, as quais obedecem outras
lógicas de aceitação, os argumentos beiram ao limite de alguns mitos
39
de origem.
Diante deste problema, visando a um plano de argumentação ao encontro
do foco de investigação das práticas educativas ligadas às musicalidades das
rodas de capoeira(s), observo dois pontos neste momento.
Em primeiro lugar, faço uma breve incursão em alguns elementos sobre
explicações do problema da história e origem da capoeira. Considero, para tanto,
análises de autores contemporâneos, as quais representam um avanço
significativo, em termos de produção do conhecimento – científico – sobre a
capoeira. E, em segundo, analiso, também brevemente, já que esta questão é
recorrente no trabalho, características musicais presentes na capoeira.
Ao proceder desta forma, pretendo demonstrar uma caracterização geral e
preliminar sobre traços, dinâmicas e elementos – musicais, que podem abrir
margem para uma visão da capoeira –, objetivando, neste caso, colaborar
especialmente com o leitor ou leitora ainda não familiarizado(a) com o assunto;
mas, especialmente, pretendo provocar a reflexão sobre a constituição das
musicalidades das rodas de capoeira. Neste caminho, também é possível
começarmos a pensar sobre os usos, papéis e visões, atribuídos pelos agentes
da capoeira às suas músicas.
Pois muito bem, notemos que, no que concerne à história da capoeira e
sua eventual origem, independentemente de os(as) autores(as) apresentarem, às
vezes, pontos de vista distintos ou próximos, o problema fica sem solução. Isto é,
se considerarmos que uma discussão sobre a origem da capoeira possa ser
39
Sobre os mitos presentes na história da capoeira, ver o trabalho de Assunção e Vieira (1998):
Mitos e controvérsias na história da capoeira. In: Estudos Afro-Asiáticos. N.34, Rio de Janeiro:
Publicação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos – CEAA, Universidade de Cândido Mendes.
63
tomada, efetivamente, como problema – a despeito desta discussão talvez causar
desfoque da atenção dos problemas conjeturais, efetivamente relevantes, para as
suposições, sem base de evidências concretas.
Se recorrermos ao clássico trabalho de Waldeloir Rego (1968)
40
, intitulado
Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfico, poderemos notar que autor
desenvolve a reflexão acerca da capoeira, partindo da problemática da chegada
dos negros no Brasil. Rego explicita esta problemática, ao reconhecer a
impossibilidade de se precisar a data da chegada dos primeiros escravos negros,
aqui, e a sua exata procedência. Esses dados seriam fundamentais para a
hipótese, praticamente insustentável, hoje, – conforme discussões que seguem –
de que a capoeira poderia ter sido trazida para o Brasil juntamente com o tráfico
de escravos – ver Rego (1968, p.10-15); ver também Assunção e Vieira (1998,
p.83-4) sobre O mito das origens remotas na história da capoeira.
Assim, é reconhecido que “Os primeiros documentos são lacônicos, falam
somente em gentio da Guiné, sem mais outro esclarecimento. Sabe-se apenas
que uma vasta área de terra da África chamavam os portugueses de Guiné, não
se tendo notícia de sua divisão geográfica e étnica.” (Ibid. p.14) – seria
interessante contrabalançar esta assertiva com a problematização que os já
referidos Assunção e Vieira (1998, p.86) fazem sobre O mito da queima dos
arquivos, por Rui Barbosa, como sendo grande impedimento para historicizar a
capoeira.
Esta confusão, nas palavras de Rego, sobre qual seria a divisão geográfica
e étnica de Guiné, é tencionada por um ponto de vista comum entre os
historiadores à época. Ou seja, a “(..) hipótese de terem vindo de Angola os
primeiros escravos, assim como ser de lá a maior safra de negros importados.
Angola era o centro mais importante da época e atrás dela, querendo tirar-lhe a
hegemonia, estava Benguela.” Isso fez com que o autor concluí-se que Angola foi
para o Brasil o que o oxigênio é para os seres vivos
41
(REGO, 1968, p.15).
Nesta linha, colaboraria o fato de os escravos de Angola serem tidos como
de boa qualidade – numa visão discriminatória, empregada pelos donos do poder
econômico –, diferenciando-se, por exemplo, dos nagôs, que eram vistos como
40
Segundo Assunção e Vieira (1998, p.94), em trabalho citado, o qual discutirei na seqüência, a
literatura contemporânea sobre capoeira começa com este trabalho de Rego (1968).
41
Ver também Abib (2005).
64
rebeldes e arruaceiros; o que explica, em parte, a visão dos historiadores.
Todavia, Rego coloca ainda a possibilidade de, no século XVI, os negros bantos
terem alcançado superioridade na Bahia, já que, entre 1575 e 1591, 50.053 peças
teriam aí aportado (Ibid. p.16).
Talvez não seja demais destacar que o que é considerado de boa
qualidade diz respeito aos interesses escravocratas, referendados por
argumentos racistas e cientificistas. A mesma visão racista está presente na
quantificação de seres humanos escravizados como sendo peças.
Disso tudo, fica a idéia de que esta aparente hegemonia dos negros de
Angola tenha influenciado não apenas a visão dos historiadores, que trataram do
tráfico nos idos do século XVI, mas o próprio imaginário ainda presente no mundo
da capoeira. Isso, em certa medida, guardadas as devidas proporções e
ressalvas, serviria de base para o pensamento da capoeira como vinda de Angola
ou da própria nomenclatura “Capoeira Angola”.
No que concerne ao termo capoeira, Rego faz análises e inferências que,
se não posso afirmar serem plenamente aceitas, ao menos são tomadas como
referência, até hoje, tanto no campo prático da capoeira, como no da pesquisa
sobre o assunto.
Seguindo o caminho traçado por Rego (Ibid. p.17), é possível constatarmos
que “O vocábulo capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por Rafael
Bluteau
42
, seguido por Moraes em 1813, na segunda e última edição que deu em
vida de sua obra
43
.”
Para este autor, teria sido José de Alencar o primeiro a fazer uma
proposição para o vocábulo capoeira, na primeira edição de Iracema, em 1865, e
repetida em outra obra, como sendo do tupi caa-apuam-era, significando ilha de
mato já cortado (ibid.). A partir daí, há toda uma discussão ou mesmo uma
polêmica sobre o termo capoeira.
O que aparentemente colaborou com a polêmica sobre o termo capoeira foi
o fato de, em 1880, Macedo Soares ter se oposto veementemente ao que foi dito
antes pelo romancista, José de Alencar. Soares também criticaria Henrique de
42
Na nota número 39 (Ibid. p.17), Rego cita: Raphael Bluteau, Vocabulário Português e Latino,
Coimbra/No Collegio das Artes da Companhia de Jesus/Ano 1712, vol. II, pág. 129.
43
E, na nota de número 40 (ibid.), cita: “Antonio de Moraes Silva, Diccionario da Lingua
Portugueza/Recopilado dos vocabulários impressos até agora, e nesta segunda edição novamente
emmendado e muito accrescentado. Lisboa, na Typographia Lacerdina/Anno de 1813, tomo
primeiro, pág. 343.”
65
Beaurepaire Rohan, que em 1879 havia atribuído a origem do termo no tupi co-
puera, roça velha, parafraseando Rego (Ibid. p.17-8).
Para Soares, em principio “Capuêra, Capoêra é pura e simplesmente o
guarani caá-puêra, mato que foi, atualmente mato miúdo que nasceu no lugar do
mato virgem que se derrubou” (Ibid. p.18).
Em contraponto às idéias de Soares, Rohan faz toda uma argumentação,
sendo que os dois autores entram em detalhes, os quais são reproduzidos por
Rego. A importância desta discussão está no fato de apontar para as diferentes
acepções e, mesmo, significados do termo capoeira.
De maneira geral, um ponto de vista foi tido como unânime, a partir do
século XIX: “Atualmente são quase unânimes os tupinólogos em aceitarem o
étimo caá, mato, floresta virgem, mais puêra, pretérito nominal que quer dizer o
que foi, o que não existe mais, étimo este proposto em 1880 por Macedo Soares.
(...) Afora Montoya que em 1640 propôs cocuêra, ‘chacara vieja dexada ya’,
Beaurepaire Rohan propôs em 1879 a forma co-puera, roça velha” (Ibid.21).
Além disso, existe a referência de uma ave, semelhante a uma pequena
perdiz de vôo rasteio e canto singular, na forma de assobio trêmulo, comum no
Paraguai e em vários estados brasileiros, com o nome de capoeira. Esta ave,
comum nas matas, trata-se de caça procurada. Segundo Soares citado por Rego
(Ibid. p.22), “(...) o canto da capoeira era utilizado através do assobio pelos
caçadores no mato como chama, e os moleques pastores ou vigiadores de gado
para chamarem uns aos outros e também ao gado. Dessa forma o moleque ou o
escravo que assim procedia era chamado capoeira.”
Em relação à ave, ainda, um outro posicionamento seria defendido por
Nascentes em 1955. Nascentes, ao explicar como o jogo da capoeira se liga à
ave, informa que o macho da capoeira é muito ciumento e por isso trava lutas
tremendas com o rival, que ousa entrar em seus domínios (citado por REGO,
1968, p.23).
Causa curiosidade a conclusão do autor citado por Rego (Ibid.), de que:
“Partindo dessa premissa, explica que ‘Naturalmente, os passos de destreza
desta luta, as negaças, foram comparadas com os destes homens que na luta
simulada para divertimento lançavam mão apenas da agilidade.’” Vê-se, então,
66
que a idéia aí seria de que o nome da capoeira, como prática cultural
44
, foi
absorvido, por comparação, da luta travada pelos machos da ave chamada
capoeira.
Finalmente, outro ponto seria aquele que, ao lado do vocábulo tupi,
considera o português, tendo, entre outros significados, o de cesto para guardar
capões.
Daí decorre que, tomando-se como base capão, de que Adolfo Coelho teria
retirado o étimo para o vocábulo capoeira, Rohan, citado por Rego
45
(Ibid. P.24)
segue o mesmo caminho para o uso brasileiro do termo. Ou seja, “Como exercício
da capoeira, entre dois indivíduos que se batem por mero divertimento, se parece
tanto com a briga de galos, não duvido que este vocábulo tenha origem em
Capão, do mesmo modo que damos em português o nome de capoeira a
qualquer espécie de cesto em que se metem galinhas.”
Uma hipótese sustentada, então, é de que os negros escravos carregavam
cestos para vender produtos nos mercados, notadamente no Rio de Janeiro, onde
a capoeira teria sido criada, nas palavras do autor abaixo.
“Brasil Gerson, o historiador das ruas do Rio de Janeiro, fazendo a história
da rua da Praia de D. Manoel, mais tarde simplesmente rua Manoel, informa que
lá ficava o nosso grande mercado de ave e que nele nasceu o jogo da capoeira,
em virtude das brincadeiras dos escravos que povoavam toda a rua,
transportando nas cabeças as suas capoeiras cheias de galinhas” (Ibid.).
Explicando mais detalhadamente, teria ocorrido o seguinte: Antenor
Nascentes, respeitado etimólogo, teria partido das pistas traçadas por Brasil
Gerson, designando o vocábulo capoeira para o que chamou de “jogo atlético”,
assim como para o seu praticante.
No trabalho ora em discussão, Reg (Ibiod. p. 25) diz ter recebido, por carta,
a explicação de Nascentes. Textualmente, Rego diz: “Por carta de 22 de fevereiro
de 1966, que tive a honra de receber, Nascentes deixa bem claro o seu
44
De maneira geral, para os fins deste trabalho, considero a capoeira como sendo uma prática
cultural. Entendo que neste caminho é possível contemplar as diversas dimensões e visões da
capoeira, que envolvem diferentes aspectos, como dança, luta, jogo, brincadeira, ritual,
historicidade, entre outros. Além disso, penso eu, o termo prática cultural pode apontar para a
possibilidade de a capoeira estar ligada às diferentes visões dos seus e suas agentes, que a
significam de acordo com essas visões – conforme tentarei demonstrar em grande parte do
segundo capítulo.
45
Rego (Ibid. p.24) faz referência, na nota de número 63, a “Beaurepaire Rohan, Dicionário de
vocábulos brasileiros, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1889, págs. 35-36.”
67
pensamento: - ‘A etimologia que eu hoje aceito para capoeira é a que vem do livro
de Brasil Gerson sobre as ruas do Rio de Janeiro.’”
Mesmo anunciando a necessidade de continuidade dos estudos sobre a
etimologia do vocábulo capoeira, Rego, citando Nascentes (Ibid.), reproduz a
idéia que: “Os escravos que traziam capoeiras [cestas] de galinhas para vender
no mercado, enquanto êle não se abria, divertiam-se jogando capoeira. Por uma
metonímia
46
res pro persona, o nome da coisa passou para a pessoa com ela
relacionada."
Recentemente, num artigo originado de sua Tese de Doutorado, defendida
em 2004, na UNICAMP, o Professor Pedro Abib (2005) tomou como base o
pensamento de Rego (1968) para analisar alguns aspectos sobre a história da
capoeira. Abib publicou um artigo, que antes havia sido usado por ele como texto
de aula, no Jornal do Capoeira – disponível em www.jornaldoexpress.com.br
,
acessado em 2005.
Nele, resume os três usos do termo capoeira, listados por Rego: “(...)
capoeira vem do tupi-guarani caá-puêra, mato que deixou de existir ou mato fino e
ralo. Lugar onde os escravos praticavam essa luta-dança-jogo. Capoeira era
também o nome de um cesto de palha ou vime, que servia para carregar víveres
levados aos mercados pelos escravos, que nas horas de folga, nesses espaços,
praticavam a capoeira, que assim os identificava” (ABIB, 2005, p.3-4).
Abib ainda acrescenta: “E capoeira é nome de uma ave encontrada em
várias regiões do país, principalmente no sudeste e centro-oeste, cujos
movimentos utilizados em disputas da espécie, se assemelham aos movimentos
executados pelos capoeiras” (Ibid.).
Vimos, assim, que Abib resume os principais pontos abordados por Rego.
Isso, não obstante a possibilidade de problematização desses usos, como visto
acima.
Outrossim, observo deste trabalho um ponto relacionado em grande
parcela ao esforço de compreensão, que aqui desenvolvo. Qual seja, o
entendimento de que: a capoeira faz parte de um contexto cultural mais amplo,
46
Lembremos, se tivemos a oportunidade de freqüentar a educação básica ou de ter aprendido
em outro lugar, que metonímia é a figura de linguagem “(...) que consiste em designar uma coisa
com o nome de outra que com ela tem relação imediata (...)” (BUENO, 2000, p.510). apesar de
não ser consenso, penso que um exemplo comum na capoeira seria dizer que “o berimbau é o
mestre da roda”.
68
em grande medida, influenciado pela presença negro-africana, além de outras,
compartilhado, também, por diversas manifestações como maracatu, congadas,
moçambiques, jongo e o próprio samba – ver Abib (2005, p.20), além de
Alvarenga (1950); Biancard (2000); Pires (1996); Assunção e Vieira (1998);
Mukuna (1978); Vieira (1995).
Por outro lado, Abib é categórico ao afirmar, sem maiores explicações, que
o termo capoeira foi documentado pela primeira vez no Rio de Janeiro, entre os
séculos XVIII e XIX. Esta hipótese já teria sustentado grande parte das reflexões
empreendidas no campo acadêmico, por pesquisadores(as) como, Pires (1996;
2004) e Soares (2004); os quais trataram, em por menores, com base,
principalmente, na documentação policial, da capoeiragem aí, no Rio de Janeiro.
Antes de Abib, porém, esta discussão seria revigorada, na última década
do já findo século XX, por Assunção e Vieira (1998), num artigo que ganhou certa
notoriedade no meio acadêmico e no próprio cenário da capoeira. Os autores
tentam polemizar algumas análises feitas em torno das origens da capoeira,
recorrendo à idéia de mitos, como o próprio título do referido artigo diz: Mitos,
controvérsias e fatos: construindo a história da capoeira.
Analisam os mitos, como sendo concepções vigentes no interior da
comunidade da capoeira, com a função de mantê-la integrada em torno de
valores considerados fundamentais, os quais seriam divulgados de diversas
formas, como tradição oral, cânticos, publicações etc. Entendem que esses mitos
extrapolam o universo da capoeira. Na visão dos autores, eles estariam
relacionados a conflitos, que se dão na cultura e sociedade brasileiras. Tais
conflitos estariam ligados, ainda, à conquista de espaços institucionais pela
capoeira, o que vislumbraria um discurso com pretensões científicas (Ibid. p.82).
Os mitos apresentados pelos autores, numa análise que, além do valor
explicativo, pode ser vista como um balanço da produção do conhecimento sobre
a capoeira
47
, são estes: 1) O mito das origens remotas – o qual defende a origem
47
Ao analisarem os mitos presentes na história da capoeira, os autores o fazem a partir de amplo
trabalho de revisão da literatura, dando uma boa visão do estado da arte do tema. Ou seja, o
artigo demonstra parcela significativa dos trabalhos escritos sobre a capoeira, até o momento da
sua publicação. A despeito disso, os autores foram cuidadosos ao dizerem, à época, que:
“Quando da elaboração da versão final deste artigo tomamos conhecimento da recentemente
defendida tese de doutoramento em história social da escravidão (Unicamp) de Carlos Eugênio
Líbano Soares, intitulada A capoeira escrava no Rio de Janeiro (1808-1850). Não nos foi possível,
no entanto, pela exigüidade do tempo, incorporá-la à nossa análise” (ASSUNÇÃO e VIEIRA,
1988, p.112 – nota de número 22). Certamente, com isso, além do cuidado, os autores destacam
69
africana da capoeira, sendo que seus defensores, em minoria, vêem no N’Golo
um antecessor, ligando ainda este mito à presença da capoeira nos quilombos
que, mesmo sem comprovação documental, aparece em cantigas e na própria
pesquisa acadêmica, que exemplificam em Reis (1993) (Ibid. p.83-4); 2) O mito da
unidade da capoeira – desta feita a capoeira apresentaria uma essência, que teria
mudado pouco com o passar dos séculos, apresentando a necessidade de
legitimação das origens remotas, a ponto de haver manipulação das fontes, como
seria o caso do quadro de Rugendas, de 1835, em que aparece um único
instrumento musical, pequeno tambor, que teria sido adicionado de um berimbau,
para a capa do disco de certo mestre de capoeira (Ibid. p.84-5); 3) O mito da
queima dos arquivos – este encontraria vazão, especialmente entre os(as)
praticantes de capoeira, baseando-se na idéia de que a queima de documentos
sobre a escravidão, realizada por Rui Barbosa, seria uma barreira para o
conhecimento da história da escravidão e, por conseqüência, da capoeira, apesar
da existência de outros documentos (Ibid. p.86).
Em síntese, esses mitos apontam, na perspectiva dos autores, para
conflitos presentes tanto no mundo da capoeira, como na sociedade em geral. Os
mesmos servem de argumento para os seguintes discursos: 1) O discurso da
repressão – que, ao enfatizar a origem afro-brasileira da capoeira e a sua
vinculação com vadios e marginais, serviu de justificativa para a repressão
policial, durante o Império e República Velha (Ibid. p.87-8); 2) O discurso
nacionalista – ao identificar a capoeira como ligada à mestiçagem, idealizando-a
como esporte nacional, tendo sido emblemático do sentimento e da pretensão de
uma raça nacional brasileira, durante o Estado Novo, a partir de 1937 (Ibid. p.88-
9); 3) O discurso étnico – que vê a capoeira como suporte da identidade étnica
negra, responsável pela idéia de que a mesma teria vindo de Angola, como foi
colocado por Mestre Pastinha, tendo também se tornado parte integrante da
retórica de movimentos negros, a partir de 1980 (Ibid. p.89-91); 4) O discurso
corporativo-iniciatório – com a sua crescente profissionalização e aumento da
atenção por parte dos meios de comunicação, a capoeira se vê impactada por
saberes externos ao seu meio, assim aliado ao mito da queima dos arquivos, este
discurso visa a legitimar os saberes de mestres e professores de capoeira, que só
um trabalho que, hoje, tornou-se referência “obrigatória” para qualquer produção acadêmica sobre
o tema.
70
poderiam ser transmitidos oralmente, daí a possibilidade de assumir um caráter
anti-acadêmico, vistas possíveis tensões entre os argumentos baseados nos
“fundamentos” e os com pretensões científicas (Ibid. p.91); 5) Finalmente, O
discurso classista – que pretende enfatizar o caráter classista da capoeira,
propagando, assim como o étnico, a idéia de resistência, vendo-a como
contraponto aos dominantes, o senhor de outrora e as classes dominantes, hoje
(Ibid. p.91-2).
O problema, para os autores, é que tais discursos são insuficientes para
dar conta da complexidade da capoeira. Assim, concluem eles que os mitos
presentes na história da capoeira servem muito para a manutenção de
estereótipos. E aí, avalio eu, se aproximam muito de uma percepção que é central
nesta tese. Ou seja, a possibilidade de a capoeira ser entendida como um campo
de poder, no qual seus agentes lutam por posições: “Os mitos, pelo contrário,
permitem a articulação de uma identidade e legitimação das posições dos
grupos dentro do mundo da capoeira como também dentro da sociedade mais
abrangente” (ASSUNÇÃO e VIEIRA, 1988, p.109, os grifos são meus).
Não obstante a validade da conclusão dos autores, parece-me, contudo,
que faltaria dizer: em grande parte, esses mitos também são sustentados pela
postura de pesquisadores(as) – muitas vezes acadêmicos, como eles e eu, que
também lutam por posições de poder no seu campo – o universitário; e podem ser
influenciados por toda a cegueira que a proximidade com o campo
48
da capoeira
pode, a despeito do esforço de vigilância epistemológica
49
que possamos exercer,
nos causar, tragando-nos para os discursos dos “fundamentos” míticos.
Em certa medida, as reflexões lançadas pelos autores vieram na esteira de
outros trabalhos de fôlego, empreendidos no campo da pesquisa acadêmica,
especialmente por historiadores e outros especialistas.
Já para Soares (2004) a capoeira é vista antes como fenômeno urbano do
que rural, como teria sido defendido. Postura próxima a esta foi demonstrada por
48
Vejamos que o fato de a maioria dos pesquisadores e das pesquisadoras, que produzem
trabalhos sobre o tema, serem ou terem sido capoeiras, como é o meu próprio caso, pode ser algo
tanto positivo como negativo, a depender da consciência da dificuldade que esta proximidade
pode nos causar.
49
Principalmente aos camaradas capoeiras que possam ler este trabalho e, talvez, não tenham
conhecimento da palavra epistemologia, ela diz respeito, de uma maneira bem geral, ao estudo do
conhecimento científico e, como diz Abbagnano (1997, p.227-8), este estudo pode ser ligado às
diferentes tradições da filosofia. Grosso modo, poderíamos dizer que a epistemologia é a ciência
que versa sobre o estudo dos processos de produção do conhecimento da própria ciência.
71
Pires (1996) ao investigar a capoeiragem, do Rio de Janeiro, no período de 1890
a 1937. O autor desenvolveu uma linha de trabalho, tomando como base empírica
os processos-crime encontrados no Arquivo Nacional, referentes a prisões por
capoeiragem, advindos do período acima em que vigoraram os artigos 402, 403 e
404 do código penal de 1890.
Na elaboração da problemática da pesquisa, delimitou três eixos
problematizadores, quais sejam: 1) as relações da prática da capoeira com as
identidades culturais e raciais, em que sua crítica se voltaria para a explicação
histórica a partir das raças, ao atacar o que chamou de racialização dos
argumentos (por parte dos pesquisadores); 2) a desconstrução das visões
binárias, que seriam produzidas em relação aos praticantes de capoeira, em que
focaliza as visões de resistência e submissão, trabalho e vadiagem, negros e
brancos; 3) e, por último, a problematização da visão mítica e ideológica
relacionada às interpretações históricas da capoeira (PIRES, 1996, p.6-7). A partir
disso, analisa de forma crítica a produção do conhecimento sobre a capoeira.
Pires entende a capoeira como prática da classe trabalhadora. Mais ainda,
neste trabalho, vimos que, por exemplo, segundo o autor (Ibid. p.4): “A primeira
metade do século XIX é o primeiro marco temporal nos estudos sobre a capoeira,
quando ela ainda era praticada hegemonicamente pelos grupos de trabalhadores
escravos.”
Este trabalho representa uma importante contribuição e esforço de
compreensão sobre a temática capoeira. Percebo, contudo, um ponto limítrofe ou
que ao menos requer cuidado na nossa leitura. Pois, se a capoeira, como o autor
disse, sendo parte da cultura da classe trabalhadora, integra um conjunto de
práticas culturais presentes num contexto amplo, o que podemos pensar da
seguinte situação: “Aos 15 dias do mês de junho de mil novecentos e oito o
condutor disse (...) disse: cerca de nove horas e tyrinta minutos prendeu o
acusado presente que sabe chamar-se Jerônimo José da Silva por seus maus
precedentes, por estar no Morro do Salgueiro fazendo correrias e ameaçando
algumas pessoas com um punhal que tinha em mão, promovendo desordem no
local...”
É oportuno observar que o próprio autor coloca que as características
atribuídas à capoeiragem formam a base jurídica para sua criminalização. Isto é,
segundo o artigo 402 do código penal de 1890, vimos que, conforme o próprio
72
Pires (Ibid. p.94) nos informa:
Ou seja, “fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade”, “andar em
correrias, com armas”
50
e outros termos tornaram-se expressões obrigatórias na
caracterização dos atos, fazendo parte, inclusive da condução dos depoimentos
das testemunhas. Esses termos representavam formas de incriminar, e é isso
que, parte, aparece no processo contra Jerônimo José da Silva: algumas
características que possibilitam o corpo-jurídico
51
polÍcia processa-lo por capoeira,
e não por outro artigo criminal.
Todavia, aí não poderia estar representada uma situação em que
elementos caracterizados a partir do advento do referido código, como
capoeiragem faziam parte de um modo de vida? Portanto, isso seria suficiente
para termos visto aí capoeiragem? Ou seria mesmo difícil superar as visões
binárias anunciadas pelo autor?
Talvez, ao produzirmos conhecimento sobre o tema não estejamos imunes
às rasteiras, tão comuns na capoeiragem. Pires, possivelmente, teria ainda
armado uma “cama-de-gato”, isto é, uma armadilha para si, quando formulou a
categoria da racialização dos argumentos. Vejamos o que nos diz o pesquisador
sobre o berimbau, ao tratar dos aspectos lúdicos da capoeira da Bahia: “Existem
outras obras que reproduzem a capoeira da Bahia e Pernambuco que também
registram os aspectos lúdicos da prática. Em outra obra de Rugendas (Gravura 3)
[à página 70], podemos observar inclusive a presença do Berimbau e da marimba,
instrumentos musicais de origem africana” (Ibid. p.68). O pesquisador diz isso,
mesmo que saibamos, hoje, da dificuldade de precisar a origem do berimbau –
esta discussão deve ocupar um peso relativamente significativo na continuidade
do trabalho.
As contribuições dos trabalhos do autor são notáveis. A partir de seu
trabalho de doutoramento, Movimentos da cultura afro-brasileira: a formação da
capoeira contemporânea (1890-1950) (PIRES, 2001), se descortinou um
horizonte de investigação, pouco a pouco tateado com muito afinco por
50
Os trechos entre aspas são citações do artigo 402, do código penal de 1890 feitas por Pires
(1996, p.94).
51
É sabido que o corpo-jurídico, como campo de poder, baseia suas sentenças no veredicto das
leis, a partir das leituras e interpretações feitas por seus agentes, as quais terão mais peso de
verdade, conforme a posição que ocupam neste espaço. Nesse sentido, podemos pensar o campo
jurídico, objetivamente, em termos de dominantes e dominados, sendo que os primeiros têm a
capacidade de impor mais facilmente as “suas verdades” – para uma leitura detalhada desta
problemática do campo jurídico, ver Pierre Bourdieu A força do direito: elementos para uma
sociologia do campo jurídico (2003).
73
pesquisadoras(es) como Albert (2004), Oliveira (2004) e Abreu (2005).
Por exemplo, no livro Capoeira na Bahia de Todos do s Santos: um estudo
sobre cultura e classes trabalhadoras, originado daquela tese de doutorado, Pires
2004 trata da repercussão do código penal de 1890, em Salvador, onde
diferentemente do Rio de Janeiro, o artigo 402 não foi aplicado. Desta forma, o
pesquisador recorreu à tradição oral e ao artigo 303, que trata dos crimes de
lesões corporais para seu estudo. Entre oitocentos processos do período de
1900-1930, ele analisou 98, como sendo representativos.
Outra diferença da capoeira das duas cidades seria o fato de terem existido
maltas de capoeira no Rio de Janeiro, enquanto que, de outra feita, houve a
presença de capoeiras nas maltas de Salvador
52
.
Este período de pesquisa seria, em seguida, tematizado pela jovem
pesquisadora Adriana Albert, em sua dissertação de mestrado em história,
realizada na UFBA, intitulada A malandragem da mandinga: o cotidiano dos
capoeiras em Salvador na República Velha (1910-1925). A autora faz um
trabalho de esmero, ao recorrer a uma gama de fontes, como memória de velhos
mestres, artigos de jornais, processos-crimes etc., numa análise historiográfica,
que visa a demonstrar a presença da mandinga nas práticas sociais dos
capoeiras, na República Velha (ABERT, 2004, p.9; 17 s.s).
No mesmo ano, foi defendida a dissertação de mestrado em história de
Josivaldo Pires de Oliveira (2004), Pelas ruas da Bahia: criminalidade e poder no
universo dos capoeiras na Salvador republicana (1912-1937), também na UFBA.
O autor enfoca o cotidiano dos capoeiras, em Salvador, entre 1912 e 1937.
Observa os delitos cometidos pelos capoeiras, entendidos, então, como
protagonistas das ruas da cidade, um universo de criminalidade, segundo ele –
ver (OLIVEIRA, 2004, p.6; 10 s.s). Oliveira (Ibid. p.14) advoga, nesta perspectiva,
a disciplina histórica, a partir da análise da documentação, orientada pelo método
do paradigma indiciário, em que busca “(...) a coerência do desenho das tramas
que ocorrem nas ruas e da cidade do Salvador com os olhos percorrendo em
várias direções” (Ibid. p.14-5).
Estes dois trabalhos não só reviram parte da trilha traçada por Pires, como
representam uma contribuição a partir de suas abordagens específicas, trazendo
52
Ver a apresentação do livro por Gonçalves (2004, P.11-14).
74
à luz novos materiais empíricos e análises originais.
Toda a discussão sobre a história da capoeira seria revigorada, mais
recentemente ainda, pelo trabalho de Frede Abreu (2005). Durante a minha
estada em Salvador, de janeiro a abril de 2005, pude acompanhar parte do
processo de trabalho que absorvia o Frede Abreu para elaboração do seu
Capoeiras, Bahia, século XIX: imaginário e documentação. Como resultado deste
trabalho, surgem novas pistas e hipóteses, que vem avolumar, mais ainda, o
número de informações e possibilidades de compreensão do desenvolvimento
histórico da capoeira na Bahia, no século XIX.
É fundamental que eu destaque, no âmbito deste trabalho, que o privilégio
dado à capoeira da Bahia, como campo de investigação, requer um cuidado a
mais, em relação aquilo que Reis (1997) chamou invenção da tradição da
capoeira baiana.
A autora argumenta que, apesar das primeiras tentativas de esportivização
da capoeira terem surgido no Rio de Janeiro, surgem novas propostas na Bahia,
que colaboram para que, a partir da década de 1930, esta cidade se constitua
como um “lugar de pureza” da capoeira brasileira (REIS, 1997, p.99).
Reis trabalha com o conceito de invenção da tradição, cunhado e utilizado
por Hobsbaw e outros autores (1997), no livro A invenção das tradições. No
entendimento dela, existe uma luta, presente nos discursos e práticas dos
agentes da capoeira da Bahia, colocando em oposição à pureza da capoeira
baiana e a impureza da carioca, Reis fala sobre isso textualmente:
No entanto, parece que essa “invenção da tradição” da capoeira baiana é muito
recente, datando de no máximo uns sessenta anos
53
. Utilizo-me aqui do conceito
de “tradição inventada”, tal qual formulou o historiador Eric Hobsbaw (1984),
definindo-o como um conjunto de práticas sociais de natureza ritual e simbólica,
que visam inculcar valores e comportamentos por intermédio da repetição, o que
implica uma continuidade em relação a um passado histórico apropriado (p.9).
Ao lançar mão do conceito de invenção da tradição, a autora faz uma
incursão histórica, tematizando a capoeira da Bahia. Reis entende que a invenção
da tradição da capoeira baiana acontece no seio de projetos populistas,
caracterizados pela cooptação e manipulação das camadas populares, inclusive
53
O texto de Reis foi publicado em 1997, originado de sua Dissertação de Mestrado - REIS, L. V.
S. Negros e brancos no jogo de capoeira: a reinvenção da tradição. Dissertação de Mestrado
apresentada à Universidade de São Paulo, 1993.
75
através das suas práticas culturais.
Para a autora, a invenção da tradição da capoeira baiana foi sustentada
por um jeito “negro popular” da capoeira; e pela ação de duas pessoas chaves:
Mestre Bimba e Mestre Pastinha (Ibid.124).
Na digressão histórica que faz, Reis acaba criticando veementemente
Vieira (1995). Sua crítica é de que Vieira entende a Capoeira Angola como sendo
tradicional, enquanto a Capoeira Regional seria racional e moderna. Reis
entende, ainda, que Vieira aplicou modelos teóricos weberianos mecanicamente à
realidade.
Entendo que tanto Reis quanto Vieira se orientam por um mesmo “espírito
do tempo.” Ou seja, a autora e o autor se preocupam mais com fatores externos
ao mundo da capoeira e suas conseqüências a esta prática cultural, do que com
os significados das disputas internas empreendidas pelos agentes.
Meu enfoque se diferencia do deles. Não tenho a preocupação de provar
uma origem da capoeira baiana, carioca ou outra. Minha preocupação é em
compreender como que, historicamente, a capoeira foi se consolidando como um
espaço de poder, no qual as musicalidades representam papel de importância.
Isso não requer o estabelecimento de uma origem precisa, mas analisar as visões
e os significados ligados aos argumentos sobre as origens, que, de per si,
caracterizam uma luta por verdades.
Precisamente, não tentarei provar que a capoeira tenha surgido na Bahia
ou que os seus Mestres de capoeira tenham sido os únicos a ter contribuído para
o desenvolvimento das musicalidades das rodas de capoeira. O que parece ser
possível de se comprovar – é o que tento fazer no capítulo dois – é que a
capoeira da Bahia, de maneira geral, e alguns mestres de capoeira desta cidade,
especificamente, influenciaram fortemente as práticas musicais da(s) capoeira(s).
Apesar do mérito das explicações dos autores citados acima, uma outra
análise, feita quase que de forma “descomprometida” com o rigor do argumento
científico – baseado na explanação dos métodos, do levantamento e
comprovação de hipóteses diante do uso de evidências aceitáveis – mas que
demonstra algum valor explicativo é a de Capoeira (1998). Ao lançar mão do
recurso da imaginação, o autor nos convida a uma viagem interplanetária para
vislumbrarmos o que pode ter acontecido no contato das diversas etnias negras
que aqui aportaram:
76
Vamos imaginar – na nossa época – a descida de um disco voador vindo de um
planeta distante. Seus tripulantes portam armas terríveis e desconhecidas. Em
meio ao pânico geral as cenas de sangue, um grande número de pessoas são
capturadas. Após uma longa viagem de pesadelo, presos em porões imundos
superlotados, chegamos ao nosso destino em um outro planeta (CAPOEIRA,
1988, p.33).
O destino incerto se torna mais claro e cruel:
Lá, tratados como animais inferiores, somos vendidos como escravos. Aos
poucos, vamos conhecendo nossos companheiros de infortúnio: um guitarrista
americano, um lutador de boxe inglês, um sambista brasileiro, um percursionista
africano, um praticante de ioga indiano, um filósofo francês, um acrobata chinês e
um xavante da Amazônia, lutador de uca-uca (Ibid.).
Esse exercício de imaginação é útil, no sentido de termos presente que,
mesmo em se falando de africanos, o que tivemos na formação de nosso país foi
a constante presença de várias etnias, numa intensa dinâmica cultural. Com isso
presente, podemos imaginar, também, o que teria ocasionado esta terrível
viagem: “O tempo vai passando e, dentro do cativeiro, vamos absorvendo a
cultura uns dos outros. Nossos filhos, e os filhos de nossos filhos, nascem e se
criam neste ambiente de diferentes culturas e de escravidão. Imaginemos que um
dia surja algo novo: uma mistura das diferentes lutas, danças, acrobacia, música,
filosofia e teatro” (Ibid.).
Com essa idéia, Nestor Capoeira (Ibid.) conclui como a capoeira poderia
ter nascido da: “(...) mistura de diversas lutas, danças, rituais e instrumentos
musicais vindos de várias partes da África. Mistura realizada em solo brasileiro,
durante o regime da escravidão, provavelmente em Salvador e no Rencôncavo
Baiano durante o século XIX.” Podemos dizer que há pontos dúbios nesta
afirmação, pois não existe algum tipo de comprovação ou evidência precisa de
que a capoeira tenha surgido em Salvador.
A reflexão em torno desses trabalhos se não é conclusiva, ao menos nos
dá uma idéia dos problemas e dificuldades presentes na análise da história da
capoeira, quando visa a uma explicação em termos de origem.
Um outro universo de problemas diz respeito à postura e, mais
precisamente aos limites que o investigador se depara, quando recorre a história
para investigação da capoeira. Neste caso, parece emergir uma certa tendência
no trabalho dos historiadores, que aqui se torna útil, ante a perspectiva de abrir
77
caminho para análise da constituição do campo da capoeira, considerando o
papel das musicalidades.
Se a discussão em torno da história e eventual origem da capoeira, apesar
de todo avanço representando pelos trabalhos acima, não pode ser vista como
sendo conclusiva, ao analisar o desenvolvimento das suas musicalidades não
seria tarefa menos árdua – questão a que este trabalho se remete, tentando
prestar uma contribuição, principalmente em termos da reflexão sobre o horizonte
de problemas, que respeitam as práticas educativas ligadas à música, na
capoeira, e sua influência na constituição deste campo de produção cultural.
Mapear algumas características musicais, que podem ter influenciado as
musicalidades da capoeira, talvez seja um ponto de partida interessante.
Devemos considerar a dificuldade de se lidar com as fontes, que são diversas e,
em alguns casos – na verdade em muitos – adversas; pois muitas vezes os
trabalhos reproduzem erros, que tendem a ser reproduzidos num contínuo.
A partir deste ponto, o desafio é analisar tais características musicais
presentes na capoeira, buscando traços de suas origens. Isso será feito ao longo
trabalho, mas especialmente no segundo capítulo, na medida em que eu procuro
realizar os jogos de histórias de mestres, que exerceram influências importantes
nas musicalidades das rodas de capoeira.
78
CAPÍTULO II
2.1 Jogadores e visões sobre as musicalidades das rodas de capoeira(s)
O ponto de partida deste trabalho teórico é a prática
(FLEURI)
Camaradas, apresento o espaço e o tempo desta roda. O ano de referência
é 1890 (pois, a partir da década de 1890 nasceram os agentes da capoeira aqui
analisados: Mestre Bimba; Mestre Canjiquinha; Mestre Pastinha; e Mestre
Waldemar da Paixão). A cidade é a Bahia de todos os Santos. O código penal de
1890 começava ter repercussão no Rio de Janeiro de então, no que diz respeito à
perseguição, prisão e repressão aos capoeiras, que se intensificavam cada vez
mais
54
.
Um ponto a ser destacado é que, no contexto da Bahia, do século XIX, a
capoeira fazia parte de um conjunto de manifestações culturais afro-brasileiras,
que eram reprimidas, como as músicas e a religiões afro-brasileiras (cf. PIRES,
2004; ABIB, 2004).
Este período histórico que vai, aproximadamente, de 1890 a 1994 (período
esse que cobre o espaço-temporal das vidas e das ações dos mestres de
capoeira estudados nesta tese), parece ser significativo para a emergência da
capoeira, no que diz respeito às suas musicalidades.
Tal período é particularmente singular. Em sentido amplo, no plano
internacional, vimos o advento de duas grandes guerras mundiais e da crise de
1929
55
, os quais teriam fortes impactos sobre as vidas dos Estados nacionais. No
plano nacional, o advento do Estado Novo
56
é um dos fatos históricos mais
54
Ver Pires (2004).
55
“Em 1929, as economias mundiais autônomas tentaram transferir para os países
economicamente dependentes os efeitos da crise mundial. E o Brasil foi atingido, ficando entregue
à sua própria sorte para resolver problemas que lhe vinham de fora e que se complicavam com o
aspecto agudo que lhe acarretava a crise de super-produção de café” (ROMANELLI, 2003, p.48).
56
“Em 1937, após um golpe continuista, o então presidente da república, Getúlio Vargas, suprimiu
a Constituição de 1934 e outorgou uma Carta Constitucional com características fascistas. A partir
daí, patrocinaria com habilidade diversos acordos entre classes dominantes e manejaria a política
econômica de forma a não prejudicar a maior parte dos setores dominantes. (...) Nesse sentido e
com total abolição das garantias individuais, o Estado Novo [1937-1945] teve características
semelhantes as do fascismo. (...) O Estado Novo caracterizou-se também pela difusão de uma
‘mentalidade’ sem elaborar uma ideologia totalitária consistente. Esta mentalidade pode ser
descrita como um conjunto de princípios sem conteúdo muito definido que foram sustentados pelo
regime e penetraram na sociedade: centralização, integração nacional, hierarquia, visão
antipolítica e nacionalismo difuso” (COSTA; MELLO, 1997, p.252-3). No contexto da pesquisa
79
marcantes do período, que teria influência particular sobre a capoeira, conforme
as análises de Vieira (1995).
O período estudado teve como característica fortes movimentos culturais,
como, por exemplo, foi o caso da semana de arte moderna de 1922. “A semana
foi inaugurada com uma conferência de graça Aranha sobre a ‘emoção estética
da arte’. Apresentava não só uma defesa da libertação da arte frente aos grilhões
do academicismo e noção clássica de beleza, como também um projeto cultural
implícito para o Brasil, no qual atribuía-se à arte a função de integrar ao ‘todo’,
através da criação de uma cultura genuína” (SHELING, 1990, p.85).
Em decurso, “A temática envolvendo a cultura popular teve auge da sua
produção teórica, no Brasil, durante a década de 60, integrando um amplo
movimento que envolveu diversos setores da sociedade: intelectualidade,
movimento estudantil, partidos políticos progressistas, movimento operário e
camponês, classe artística em geral entre outros, e que aspiravam por mudanças
na arcaica estrutura social, articuladas em torno de um projeto de democratização
da sociedade brasileira” (ABIB, 2004, p.28).
Outros exemplares deste clima são as atuações de instituições
responsáveis pelo redimensionamento do conceito e pela valorização das práticas
de cultura popular, como o Instituto Superior de Estudos Brasileiro, o ISEB, na
década de 50; e o Centro de Cultura Popular, o CPC, ligado à União Nacional dos
Estudantes, nos anos 60; sendo que ambas instituições mobilizavam intelectuais
e artistas em torno de ações voltadas à valorização da(s) cultura(s) das classes
populares.
Isso tudo aponta para dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, uma
intensa dinâmica de trocas culturais, envolve diversas etnias e grupos sociais, a
sobre a temática capoeira, Vieira procurou analisar as relações entre a política da era Vargas e a
cultura, especificamente a capoeira, através das transformações ocorridas nos seus rituais (1995,
p.6). Segundo o entendimento de Vieira: “Foi nesse ambiente político que Mestre Bimba emergiu
como líder capaz de traduzir os códigos da capoeira, em suas diversas dimensões (gestuais,
rituais, musicais, etc), o espírito da disciplina e da eficiência que marcava a sociedade brasileira na
época. Pode-se afirmar que a história da Capoeira Regional, do inicio da década de 30 até
meados da década de 50, é a história da aproximação de Mestre Bimba com as instituições
oficiais e seus representantes” (VIEIRA, 1995, p.70). Uma das características do Estado Novo foi o
ideal nacionalista, expresso em princípios disciplinadores e arianizantes que, na prática,
redundavam num populismo extremo. Exemplo disso foi a forma com que manifestações
populares como o samba, as religiões afro-brasileiras e a própria capoeira, passaram a ser
tratadas como sendo expoentes da cultura brasileira (cf. VIERA, 1995; BARATA, 2005). É visto,
assim, que: “O Estado Novo valoriza o folclore como elemento constitutivo do nacionalismo, que é
a própria essência de sua ideologia” (ENDERS apud BARATA, 2005, p.6).
80
exemplo das culturas negras, indígenas, lusas etc., no Brasil. Em segundo, uma
indefinição de fronteiras e intensas aculturações entre campo e cidade – foi o que
aconteceu, por exemplo, em toda a região do Recôncavo baiano e capital
Salvador.
No que diz respeito ao foco deste estudo, precisamos observar a dinâmica
ocorrida no campo da música popular, através de diferentes movimentos, como é
o caso da bossa nova.
Em sentido mais restrito ainda, no caso da capoeira, esse foi o período de
atuação de importantes mestres
57
, como os já citados Mestre Bimba, Mestre
Canjiquinha, Mestre Pastinha e Mestre Waldemar da Paixão. Poderíamos dizer
que o período em estudo foi caracterizado pelo auge da atuação desses mestres,
sendo que muitas das suas ações, que deixaram profundas marcas no modo
como a capoeira(as) é praticada e nas suas formas de organização, são notadas
ainda hoje, particularmente, nas suas musicalidades.
Por isso tomo, esse período como uma referência geral de análise,
valendo-me da literatura disponível que – especialmente em função do esforço de
alguns historiadores, particularmente, e pesquisadores, em geral, para
compreender a capoeira da Bahia, neste período – vem avolumando nos últimos
anos – Pires (2004); Albert (2004); Oliveira (2004); Abreu (2005); Soares (2004).
Conforme a sugestão na epígrafe deste capítulo, tento partir dos dados,
levantados nesta investigação, como sendo representativos das práticas da
capoeira, visando à elaboração das reflexões teóricas, que compõem a análise do
tema as musicalidades das rodas de capoeira.
Faço uma analogia, ou mais simplesmente, tento comparar os dados com
rodas de capoeira. Assim, a investigação histórica sobre as influências de Mestre
Bimba, Mestre Canjiquinha, Mestre Pastinha e Mestre Waldemar da Paixão, nas
musicalidades da capoeira, é o ponto de partida, tendo o caráter de uma primeira
roda de capoeira. Nela, tento colocar em jogo, através do recurso da literatura
disponível, as visões desses mestres e as próprias influências que podem ter
exercido nas práticas musicais da capoeira.
Ao longo desta roda, conforme a pertinência aos assuntos abordados, vou
57
Conforme tentarei demonstrar ao longo do trabalho, esses mestres exerceram papéis singulares
na capoeira, sendo que suas ações e influências são sentidas ainda hoje no campo capoeirano –
o que pode ser referendado, por exemplo, pelos conteúdos das entrevistas a serem apresentados
mais à frente, neste catulo.
81
historiando alguns instrumentos musicais, como berimbau, atabaque, pandeiro e
práticas culturais, como maculelê, samba de roda, batuque, puxada de rede etc.,
que são presentes na capoeira ou a influenciaram.
Essa reflexão abre caminho para, em seguida, trabalhar com idéia de que
as diferentes visões sobre as musicalidades da capoeira, presentes ainda hoje
nas opiniões de mestres contemporâneos entrevistados, são a expressão da
possibilidade de se realizar diálogos interculturais entre os agentes da capoeira,
em torno dessas musicalidades. Com esta idéia, procuro expressar os múltiplos
referenciais, as diferentes práticas e visões de musicalidades presentes no campo
da capoeira.
Os dados advindos da realização de dois cursos de formação de
educadores populares, em Florianópolis, entre 2004 e 2005, representam a
abertura de uma outra roda, que finaliza este capítulo.
Ao apresentar esses jogos, tento dialogar com os autores, que formam a
base de sustentação do método de trabalho desta tese. Isso significa que ao
longo da exposição e discussão dos dados, que formam diferentes jogos, tomarei
como guias as idéias de autores como: Freire (1987; 1999), conceito de diálogo;
Bourdieu (1988; 1996; 2000; 2003a; 2003b; 2004), com a dimensão da história
para análise do campo capoeirano; Elias (2001), concepção de história;
Thompson (1981), conceito de experiência; Carr & Kemmi’s (1986), investigação-
ação; Elliot (1978), através da idéia de que a investigação-ação conta uma
história.
Outros jogadores e jogadoras que me acompanham nestas rodas são
os(as) autores(as), que produziram trabalhos sobre a capoeira e contribuem para
traçar as histórias dos mestres escolhidos: (REGO, 1968; ABREU, 2003, 2005;
VIEIRA, 1995; REIS, 1997).
Abro a primeira roda, historiando as possíveis contribuições dos mestres
referidos acima às musicalidades das rodas de capoeira. O critério que sigo, na
ordem de apresentação dos mestres, é a seqüência alfabética, indicada por seus
apelidos.
82
2.2 Bimba, Canjiquinha, Pastinha, e Waldemar: influências na constituição
do campo capoeirano
Se fosse possível imaginarmos uma roda de capoeira, na qual estivessem
presentes Mestre Bimba, Mestre Canjiquinha, Mestre Pastinha e Mestre
Waldemar da Paixão, possivelmente teríamos uma representação das diferentes
visões que as musicalidades adquirem no universo da capoeira. No campo das
suposições, ainda, possivelmente cada um deles não só jogaria capoeira a seu
modo, como cantaria e tocaria os instrumentos musicais da capoeira, de acordo
com aquilo que acreditasse.
Como este tipo de imaginação talvez não tenha muito valor (explicativo)
aqui, tentarei mapear, através da investigação histórica, baseada na literatura,
possíveis influências desses mestres na capoeira, sobretudo no que diz respeito
às práticas das musicalidades. Trata-se de reconhecer que, quando se fala em
capoeira com a presença das musicalidades, esses mestres exerceram grande
influência. Poderia dizer, em outras palavras, que a Bahia, ou a capoeira aí
praticada, exerceu grande influência nesta capoeira que conhecemos hoje,
acompanhada e praticada com as musicalidades.
Aos eventuais conhecedores do assunto, que possam ler este trabalho,
não preciso dizer que sei da necessidade de reconhecermos a capoeira enquanto
uma prática cultural dinâmica; e que, portanto, seria impossível precisar sua
origem ou história como sendo ligada apenas à Bahia. As capoeiragens do Rio de
Janeiro, Recife, São Paulo e, penso eu, de cidades como Porto Alegre,
Florianópolis, Curitiba, Brasília, entre outras, merecem, cada uma delas, um
capítulo específico – que certamente não serei eu a intentar dar cabo, ainda mais
no limite deste trabalho. Minha opção foi por detalhar as contribuições e
influências destes mestres na constituição das musicalidades das rodas de
capoeira(s).
83
2.2.1 Mestre Bimba, o criador da Capoeira Regional: roda de um berimbau
só (1899 – 1974)
Vou chamar – de uma maneira figurada – o Mestre Bimba para levar uma
cantiga, logo no inicio desta roda. “Vamu simbora, minha gente. Quem, quisé
acompanhá, a palma de Bimba é um, dois, três, viu”:
Menino, quem foi teu mestre
58
Menino, quem foi teu mestre
[Que] te deu essa lição
[Sou] discípulo que aprendo
[Sou] mestre que dá lição
O mestre que me ensinou
tá no Engenho da Conceição
A ele devo dinheiro,
Saúde e obrigação
O segredo é de São Cosme,
Mas quem sabe é São Damião, câmara
[nesta parte agora, o Mestre canta e o coro responde, pessoal]
Água de bebe
[agora é o coro, gente]
Yê, água de bebe, câmara
59
Esta música foi cantada por Mestre Bimba, no documentário Dança de
Guerra, realizado pelo pesquisador Jair Moura (1968), do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia.
60
Na cantiga, Seu Bimba
61
faz referência ao Mestre que ensina, a quem se
deve saúde e obrigação. Veremos, na seqüência, que o próprio Mestre Bimba foi
homenageado, através de inúmeras cantigas de capoeira, como esta de autoria
do Mestre Ezequiel, que foi seu discípulo (cf. VIEIRA, 1995, p.140):
58
No trabalho de Rego (1968, p.101), podemos ver a seguinte transcrição desta cantiga:
Minino quem foi teu meste
Meu meste foi Salomão
Andava de pé pra cima
Cum cabeça no chão
Fui discipo qui aprende
Quin in meste eu dei lição
O segredo de São Cosme
Quem sabe é de São Damião
REGO não atribui nenhuma autoria à canção.
59
Ouvir faixa número 02 do anexo em CD.
60
O Pesquisador Jair Moura foi aluno do Mestre Bimba.
61
Embora o título de Mestre seja o mais comum e usual na capoeira, no tratamento dos capoeiras
que possuem este título, às vezes, é comum também a utilização de “Seu”, como pronome de
tramento por vezes em conversas ou mesmo em cantigas – ver (REGO, 1968, p. 209) sobre essa
e outras corrutelas de senhor.
84
Manoel dos Reis Machado
Ele é fenomenal
Ele é o Mestre Bimba
Criador da Regional
Capoeira
É jogo praticado
Na terra de São Salvador
Na prática, sabemos que Mestre Bimba iniciou na capoeira aos 12 (doze)
anos de idade. O africano Nozinho Bento, o Bentinho, que era um Capitão da
Companhia Baiana de Navegação, ficou conhecido como quem ensinou Mestre
Bimba, na Estrada das Boiadas, hoje Bairro da Liberdade, em Salvador (cf.
UCSAL, 2003; REGO, 1968; VIEIRA,1995).
Mestre Bimba era o 25º (vigésimo quinto) filho de Maria Martinha do
Bonfim, uma descendente de índios tupinambás e de Luiz Cândido Machado, um
ex-escravo banto, que foi batuqueiro (UCSAL, 2003).
Portanto, outra influência que Mestre Bimba teve no seu aprendizado, além
de Bentinho, diz respeito ao contato com o batuque – embora seja obscuro e
difícil precisar em que medida se deu seu envolvimento com esta prática
cultural. Até que ponto a descendência indígena, por parte de sua mãe, teria sido
uma influência importante, é uma questão que fica, pelo menos parcialmente, em
aberto. No entanto, a literatura informa que Mestre Bimba declarava que “o
candomblé de caboclo é mais forte que o africano porque trabalha com as raízes
e os negros trabalham com as folhas” (Ibid. p.17).
Em relação ao batuque, sabemos que o mesmo foi uma prática competitiva
presente nas festas de largo da Bahia. Como a capoeira, teria sido perseguido
pela repressão policial decorrente do código penal de 1890.
Vieira (1995, p.135) informa mais detalhadamente que:
São raras e geralmente muito vagas as referências a essa instituição na literatura
especializada nas tradições nordestinas. Segundo Édison Carneiro (1812: 111-
112), trata-se de um jogo praticado ao som de berimbaus e outros instrumentos,
em que o objetivo é derrubar o adversário com o uso de golpes de perna, como
rasteiras e joelhadas. Formado um círculo, um dos participantes entra na “roda” e
dirige o desafio a outro jogador, enquanto o grupo acompanha o ritmo dos
instrumentos com palmas e cânticos. Édison Carneiro afirma, ainda, que o
batuque teria sido incorporado à capoeira, inexistindo atualmente como tradição
isolada.
85
Apesar da referência às fontes esparsas, Reis (1997, p.129 – nota de
número 12) informa que:
O batuque baiano, segundo Câmara Cascudo (1988), era uma modalidade da
capoeira. O acompanhamento musical assemelhava-se ao dela, com utilização de
pandeiros, berimbaus e ganzás, além do que entoavam-se cantigas. A luta
envolvia dois jogadores por vezes, os quais deveriam unir as pernas com firmeza
e aplicar rasteiras um no outro. O principal era evitar cair e “por isso mesmo era
comum ficarem os batuqueiros de banda solta, isto é, equIlibrado numa única
perna, a outra no ar, tentando voltar à posição primitiva (...).”
No documentário, antes citado, Moura (1968), ao entrevistar o batuqueiro
Tiburcinho, questionou-o sobre a utilização do berimbau no batuque. Pelo menos,
no depoimento do entrevistado, a informação de que o berimbau é utilizado no
batuque não foi confirmada:
Moura
: Você aprendeu batuque com quem? Quem foi seu mestre de
batuque?
Tiburcinho: Meu mestre de batuque foi Bernardo.
Moura: O Bernardo José de Cos?
Tiburcinho: É.
Moura: E ele era da onde?
Tiburcinho: da Bahia. (...)
Moura: O batuque era acompanhado por quê? Gunga
62
, não?
Tiburcinho: Não.
Moura: Não?
Tiburcinho: Não. Era pandeiro.
Esta personagem, chamada Mestre Bimba, que ficaria conhecida pela
criação da Capoeira Regional, nasceu em 23 de novembro de1899, na cidade da
Bahia de Todos os Santos – Falcão (2004) e a publicação da UCSAL (2003), que
já citei, informam este ano, de 1899, como sendo de nascimento do Mestre.
Há uma outra data atribuída a seu nascimento, que é mais divulgada entre
os pesquisadores (cf. REIS, 1977; VIEIRA, 1995; REGO, 1968), de acordo com a
explicação, que consta na Revista Memórias da Bahia, num breve relato no qual o
Mestre é comparado a um rei (UCSAL, 2003, p.14, grifos meus), é esclarecido o
seguinte:
62
Gunga é chamado o berimbau de som mais grave, grosso modo, som mais grosso, nas rodas
em que há a presença de três berimbaus, sendo os demais de som médio e agudo. Às vezes,
como é o caso acima, gunga também é usado para designar o instrumento berimbau, em geral.
Na Capoeira Regional, criada por Mestre Bimba, convencionou-se a utilização de apenas um
berimbau na animação da roda de capoeira.
86
“Os negros cantam suas lutas misteriosas.” Este é o título da reportagem em que
o procurador judicial Ramagem Badaró descreve maravilhado a luta, na revista
Saga de agosto de 1944. na matéria, Bimba aparece identificado como “O grande
rei negro do misterioso rito africano.” Um reconhecimento que, pouco a pouco, se
alastrava pelas ruas e becos da província da Bahia, mas que começara anos
antes, em 23 de novembro de 1899 (ele tinha outra certidão em que constava
1900), no Engenho Velho de Brotas, pouco mais de uma década após a abolição
da escravatura.
Vieira (1995) informa que não há registros sobre a história de Mestre
Bimba, anteriores à repercussão que obteve pela criação da Capoeira Regional e
da sua participação em lutas de ringue.
Mestre Bimba foi considerado o primeiro disciplinador e pedagogo da
capoeira. Pois, desenvolveu uma nova modalidade, a qual chamou Capoeira
Regional, tendo justificado essa escolha “(...) porque a capoeira nasceu aqui na
Bahia, em Cachoeira, Santo Amaro e Ilha de Maré” (Diário de Notícias apud
REIS, 1997, p.129)
63
.
A revista Memórias da Bahia II, que citei antes, informa que o próprio
Mestre Bimba relatou o seguinte: “Em 1928, eu criei, completa, a regional, que é o
batuque misturado com a angola, com mais golpes, uma verdadeira luta, boa para
o físico e para a mente” (UCSAL, 2003, p.16). Podemos notar a tentativa de
empregar uma combatividade à capoeira, caracterizando-a como uma luta.
Segundo Rego (1968, p.32): “Apenas o que houve na capoeira dita
regional, foi que o Mestre Bimba a desenvolveu, utilizado elementos já
conhecidos dos seus antepassados e enriquecendo com outros a que não lhes foi
possível o acesso. Mesmo assim, os elementos novos introduzidos são facilmente
reconhecidos e distintos dos tradicionais como é o caso dos golpes ligados ou
cinturados
64
, provenientes dos elementos de lutas estrangeiras.”
Rego ainda diz ter obtido, pessoalmente, informações do Mestre Bimba.
Nelas, o autor procura destacar o interesse do mestre em ter criado a Capoeira
Regional. “Num dos diálogos que tive com Mestre Bimba, perguntei-lhe por que
inventou a Capoeira Regional, ao que me respondeu que achava a Capoeira
63
Conforme procurei apontar no primeiro capítulo, a idéia de que a capoeira tenha surgido na
Bahia é um ponto bastante controverso entre os pesquisadores (ABREU, 2005; SOARES, 2004;
PIRES,1996, 2004; REIS, 1997 etc.)
64
Os golpes ligados e/ou cinturados compõem uma série de projeções, que formam a cintura
desprezada na Capoeira Regional de Mestre Bimba. Os mesmos consistem em projeções, em que
se tenta lançar o adversário ao chão por cima do próprio corpo. O capoeirista projetado deve
demonstrar total domínio técnico do corpo para “cair” sempre em pé (cf. FALCÃO, 2004; REGO,
1968; VIEIRA, 1995).
87
Angola muito fraca, como divertimento, educação física e ataque de defesa
pessoal” (Ibid., 32-3, grifos do autor).
Esta mesma informação foi destacada, anteriormente, por Mestre Bimba,
no jornal Diário de Notícias de 31 de outubro e 1 de novembro de 1965 (Apud
REIS, 1997, p.130, grifos da autora): “Considerando que capoeira constitui-se
enquanto ‘necessidade de defesa dos escravos africanos’, o mestre diz que criou
a modalidade Regional ‘para o fraco se defender do forte’, porque considerava
que a Capoeira Angola, na qual tinha se desenvolvido, ‘deixa muito a desejar’ pois
‘mostra danças e acrobacias.
Rego, por seu turno, ainda depõe que Mestre Bimba lhe informou que, na
criação da Capoeira Regional: “(...) se valeu de golpes de batuque, como armada,
banda fechada, encruzilhada, rapa, cruze de carreira e baú, assim como detalhes
da coreografia de maculelê
65
, de folguedos de outros e muita coisa que não
lembrava, além de golpes de luta greco-romana, jiu-jitsu, judô e a savata,
perfazendo um total de 52 golpes” (1968, p.33, grifos do autor).
A primeira escola de capoeira, na Bahia, é atribuída a Mestre Bimba, em
1918, quando ensinou capoeira no Clube União em Apuros, no Engenho Velho de
Brotas. Isto numa época em que, segundo ele, em depoimento ao jornal Tribuna
da Bahia, de 18 de novembro de 1972 (Apud REIS, 1997, p.131, grifos da autora):
“havia roda de capoeira nas esquinas, nas portas dos armazéns, no meio do
mato. A polícia proibia e eu, uma certa ocasião, paguei 100 contos a ela para
tocar duas horas.”
A primeira apresentação pública de capoeira também foi realizada pelo
mestre, em 1924, em função de um aluno seu, que era universitário, chamado
Joaquim de Araújo Lima, que teria mobilizado as condições para este feito.
Consta que, “Em 1930, Bimba já havia criado, para dar aulas aos seus
alunos, o Clube da União em Apuros, mas é em 32 que se tornou o primeiro
mestre a abrir uma academia de capoeira, registrada e legalizada oficialmente em
9 de julho de 1937 como Centro de Cultura Física Regional, um marco do
ingresso da capoeira na ‘resistência legalizada’” (UCSAL, 2003, p.17).
65
O maculêle é uma espécie de luta/dança executada com bastões de madeira ou com facões, ao
som de ataques e cantigas com características próprias. Falarei mais detalhadamente do
maculêle, logo em seguida, na discussão sobre a história do Mestre Canjiquinha; pois este ficou
conhecido como quem o teria introduzido na capoeira. Isto é, apesar de o maculelê ser uma
prática cultural com existência independente, o mesmo tem sido difundido nos cenários de
capoeira, sendo que Mestre Canijquinha foi um de seus divulgadores, na capoeira.
88
Para Vieira (1995), a Capoeira Regional, criada pelo Mestre Bimba,
demonstra a absorção de elementos alheios ao ethos popular. Mestre Bimba
disciplina e ritualiza a capoeira, utilizando elementos comuns ao meio
universitário, apreendidos do contato com seus alunos, na maioria acadêmicos.
Decorre que “As ‘formaturas’ eram rituais altamente formais, realizados ao final de
cada ‘curso de Capoeira Regional’, incluindo fatores tipicamente acadêmicos:
patronos, paraninfos, oradores, discurso e diplomas (Ibid. p.137).”
Segundo o autor, o que estaria em jogo aí é um esforço explícito de
legitimação da capoeira junto às camadas sociais mais elevadas, digamos assim.
“Os estudantes de medicina e engenharia atuaram como importantes elementos
de ligação entre universos culturais distintos, fornecendo a Mestre Bimba os
primeiros meios para que estreitasse seus vínculos com estratos sociais
superiores” (VIEIRA, 1995, p.138).
Em relação ao processo de sistematização do ensino da capoeira,
desenvolvido por Mestre Bimba, o maior destaque ficou por conta do seu método,
que tinha como base o curso de Capoeira Regional.
O curso de Capoeira Regional compõe-se de quatorze lições, que se baseiam no
aprendizado do gingado, ‘parte mais importante da capoeira, ponto de partida de
todas as aquisições futuras’ (encarte do disco Curso de Capoeira Regional: p.1) e
de algumas seqüências básicas (até hoje tal método, com algumas variações é
utilizado nas academias). Nas décimas e décima-primeira lições é introduzida a
cintura desprezada, isto é os balões ou golpes ligados, que possibilitam ao
capoeirista livrar-se de eventuais situações de agarramento durante o jogo (REIS,
1997, p.135-6).
Vieira (1995) analisa em por menores o advento da Capoeira Regional e
seu método de ensino, que considera ser a maior inovação realizada por Mestre
Bimba. O autor entende que Mestre Bimba fora influenciado pelo pensamento em
vigor no Estado Novo, especialmente pelos princípios militaristas presentes na
sociedade civil brasileira. Basicamente, este pensamento, que no entender do
autor, repito, teve reflexo na Capoeira Regional, estava assentado em principios
de obediência, disciplina, organização e respeito à ordem (Ibid. p.158).
Para esse autor, tais pressupostos teriam se refletido na Capoeira
Regional, através do conjunto metódico empregado por Mestre Bimba. Isto
envolvia: rituais de passagem de níveis hierárquicos, notadamente as formaturas;
a rigorosa disciplina, que vigorava na academia do Mestre; e normas éticas
89
expressas na academia, sob a forma de um regulamento, visando à formação do
capoeirista como atleta.
1) Deixe de fumar. É proibido fumar durante os treinos;
2) Deixe de beber. O uso do álcool prejudica o metabolismo muscular;
3) Evite demonstrar aos seus amigos de fora da “roda” de capoeira os
seus progressos. Lembre-se de que a surpresa é a melhor aliada numa
luta;
4) Evite conversa durante o treino. Você está pagando o tempo que passa
na academia; e observando os outros lutadores, aprenderá mais;
5) Procure gingar sempre;
6) Pratique diariamente os exercícios fundamentais;
7) Não tenha medo de se aproximar do oponente. Quanto mais próximo
se mantiver, melhor aprenderá;
8) Conserve o corpo relaxado;
9) É melhor apanhar na ‘roda’ que na ‘rua’ (cf. REGO, 1968; VIERA,
1995).
A criação da Capoeira Regional, por Mestre Bimba, teve, entre outras
conseqüências, o emprego de uma visão e uma prática de musicalidade. A não
utilização do atabaque, por exemplo, foi uma das diferenciações feitas por ele em
relação à ,até então, capoeira tradicional, chamada, também, de Angola.
Reis (1997, p. 133, nota de número 13) faz o seguinte comentário em
relação à ausência do atabaque na Capoeira Regional:
Conta-se que Mestre Bimba, durante as décadas de 30 e 40, teria retirado o
atabaque das rodas para tentar desvincular a capoeira do candomblé. Tal atitude
do mestre é exemplar no que respeita à ambigüidade de sua conduta, à qual já
me referi antes, podendo ser interpretada como uma estratégia para evitar a
repressão, sem significar uma desqualificação desse culto afro-brasileiro do qual,
inclusive, Bimba participava como ogã (cargo masculino responsável pelos
atabaques) num terreiro de candomblé Angola pertencente a uma de suas
mulheres, que era mãe-de-santo. Em seu disco, gravado na década de 60, o
atabaque faz parte da orquestra musical da capoeira, lado a lado com berimbau e
o pandeiro, e o coro traz vozes femininas diversas, resultando num timbre de
qualidade vocal comparável aos responsórios do candomblé e de outras
manifestações culturais negras.
O atabaque aparece na literatura como instrumento musical com
designação de tambor oblongo, isto é, com couro em apenas um dos lados do
cilindro que forma sua estrutura. A palavra tablak, base da origem de sua
nomenclatura, é de origem persa, comum na Ásia e na África. A possibilidade
mais evidente é que o atabaque tenha sido introduzido no Brasil pelos negros (cf.
ALVARENGA, 1950, p.303).
90
Figura 1 Mestre Bimba tocando atabaque (UCSAL, 2003).
Em relação ainda ao aspecto musical presente na Capoeira Regional,
Mestre Bimba organizou toques de berimbau e estabeleceu, através deles, uma
hierarquia entre alunos formados e não formados, como veremos.
Em seu projeto didático, Mestre Bimba empreende também a sistematização dos
toques de berimbau (considerado como o principal instrumento musical da
capoeira), criando uma metodologia para seu ensino. Em seu disco Curso de
Capoeira Regional o Mestre, exímio tocador de berimbau, gravou em um dos
lados os sete toques da Regional: São Bento Grande, Cavalaria, Benguela, Santa
Maria, Iúna, Idalina e Amazonas (REIS, 1997, p.137).
Mestre Bimba gozou de prestigio não só pela criação da Regional e por ser
conhecido e reconhecido como grande lutador, mas também por ser considerado
bom tocador de berimbau (cf. UCSAL, 2003; REGO 1968).
91
Figura 2 Mestre Bimba ao berimbau, no filme Vadiação (ABREU, 2003).
Como demonstrarei adiante, quando for trabalhar com as entrevistas que
realizei em Salvador, em 2005, a idéia de que Mestre Bimba foi um grande
tocador berimbau, também, serve de argumento para justificar o fato de ele usar,
na maioria das vezes pelo menos, apenas um berimbau para animar a roda, na
Capoeira Regional. Ou seja, a idéia aí é de que um bom tocador de berimbau
consegue preencher o espaço sonoro de uma roda de capoeira, dando conta do
vazio deixado pela falta de outros berimbaus
66
.
Mestre Bimba expressou uma opinião contundente sobre o processo de
confecção do berimbau, realizado por outros capoeiristas, reivindicando para si a
capacidade de obter uma autenticidade no seu feitio. Isso pode ser visto no
comentário em que o Mestre nos fala o seguinte:
Vou explicar pra vocês os berimbau verdadeiro: madeira tirada do mato, com
quinze dia, depois de seca, a madeira chamada biriba; entonce, se bota um
pedaço de coro; metesse o arame e depois passa uma pinça de verniz; é a única
coisa. Não é como os berimbau dos angola, que eles tira a madeira verde, pinta
e vende aos turista, por um bom berimbau. No entanto, o berimbau autêntico,
verdadeiro são esses, sãos esses que eu faço (Mestre BIMBA, 1, grifos meus).
66
Na maioria das rodas da Capoeira Angola, são usados três berimbaus, ao invés de um, como é
comum na Capoeira Regional.
92
No mesmo documentário, Mestre Bimba faz um registro do toque de Santa
Maria, o qual ficaria conhecido como uma das marcas da Capoeira Regional.
Antes da execução do toque no documentário, ele diz: “Vou apresentar agora o
hino da capoeira, tocado pelo Mestre Bimba”
67
– esse toque pode ser ouvido no
CD em anexo, na faixa 3.
No entanto, maior importância ainda foi atribuída pelo mestre ao toque de
berimbau chamado de Iúna. Analisando a trajetória de Mestre Bimba, Vieira
(1995, p.160, grifos meus) informa que: “Este toque [de Iúna], segundo a maioria
dos antigos capoeiristas entrevistados [pelo autor], foi criado por Mestre Bimba.
Talvez, o autor não tenha atentado para o fato que na obra de Rego
(1968), amplamente citada por ele, é constatado que o toque de Iúna é incluído
entre os toques gerais da capoeira. Ou seja, além de receber destaque na
Capoeira Regional, também era executado na Capoeira Angola.
Textualmente, Rego (1968, p.59) fala o seguinte sobre os toques de
berimbau: “Há no acompanhamento musical toques que se poderia chamar de
gerais, porque são comuns a todos os capoeiras, os quais são executados ao
lado de outros que são particulares de determinada academia ou mestre de
capoeira.”
O autor cita uma relação de toques de capoeiristas em atividade na
Bahia
68
, à época da elaboração da sua publicação (1968). Considerando a
pertinência deste detalhamento para as minhas discussões, listo os toques
utilizados pelos Mestres privilegiados no corpo de análise deste trabalho,
conforme REGO (Ibid.p.59-61, grifos meus):
67
Ouvir faixa número 03 do anexo em CD.
68
Shaffer (1977, p.41) reproduziu esta lista elaborada por Rego (1968). No entanto, Shaffer teve a
oportunidade de conferir a lista de toques, junto a alguns dos mestres, que foram informantes de
Rego. Penso que a citação tem valor explicativo sobre o que pode ter ocorrido:
A lista acima citada foi o resultado de informações dadas a Rego [1968] pelos mestres.
Durante nossa pesquisa [1977] e ao gravar os toques, vários dos mestres não podiam
tocar aqueles que tinham dito a Rego fazerem parte de seu repertório. Um, com mais
dificuldade do que outros, finalmente perguntou onde tínhamos achado nossa lista de
toques. Demos a fonte, e ele, ao lembrar que fora ele que dera a informação, disse que
sabia todos, mas que tinha esquecido. Possivelmente foi verdade, porque não tinha agido
ativamente por vários anos. Uns mestres dizem que as listas dadas pelos outros são
exageradas e que eles não tocam todos os toques nomeados. Um mestre tocou o toque
‘Jogo de Dentro’ para nós. Em outro ano, quando falamos com ele para esclarecer que
‘Jogo de Dentro’ não é um toque. Ainda outro problema é que, muitas vezes, o mesmo
toque recebe nomes diferentes, ou toques com o mesmo nome são tocados de maneira
completamente diversa.
93
Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado)
São Bento Grande
Benguela
Cavalaria
Santa Maria
Iúna
Idalina
Amazonas
Mestre Canjiquinha (Washington Bruno da Silva)
Angola
Angolinha
São Bento Grande
São Bento Pequeno
Santa Maria
Ave Maria
Samango
Cavalaria
Amazonas
Angola em gêge
São Bento Grande em gêge
Muzenza
Jôgo de Dentro
Aviso
Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha)
São Bento Grande
São Bento Pequeno
Angola
Santa Maria
Cavalaria
Amazonas
Iúna
Mestre Waldemar (Waldemar da Paixão)
São Bento Grande
São Bento Pequeno
Benguela
Ave Maria
Santa Maria
Cavalaria
Samongo
Angolinha
Gêge
Estandarte
Iúna
Rego observa que há uma maior constância na utilização de alguns toques,
como Angola, São Bento Grande, São Bento Pequeno, Iúna etc.
Quando estive em Salvador, no período já referido, além de duas
entrevistas com discípulos de Mestre Bimba – Mestre Cafuné e seu próprio filho,
94
Mestre Nenel, ambos da Fundação Mestre Bimba – deparei-me com uma
importante publicação, que trata especificamente da ave e do toque de Iúna, na
capoeira.
O trabalho de Bonates (1999) intitulado Iúna Mandigueira: a ave símbolo da
capoeira é bastante elucidativo desta discussão. Uma das perguntas centrais que
o autor apresenta é se o toque de berimbau Iúna seria uma invenção de Mestre
Bimba ou se já existia na Capoeira Angola tradicional (Ibid., p.51). Penso ser
válido registrar que, no contexto da Capoeira Angola, Mestre Pastinha se referiu
à: “Yuna – toque especial para o ‘jôgo de baixo’” (MESTRE PASTINHA, 1964,
p.40).
Bonates levanta uma série de hipóteses a esse respeito, sendo que a mais
plausível, por reconhecer os limites de qualquer explicação, me parece ser esta:
Se Mestre Bimba inventou o toque de Iúna no berimbau influenciado pelo toque
de Iúna da viola ou se transladou da Capoeira Angola para a Regional, não temos
bases sólidas para afirmar. Sabemos que o andamento melódico do toque no
berimbau não corresponde ao da viola. Se o tiver inventado, é de se notar que
influenciou os angoleiros, se não o inventou, ele o reviveu, conservou, re-
significou e deu destaque ao toque (Ibid. p.52)
.
Certo é que o toque de Iúna é um divisor de águas entre os capoeiristas,
na Capoeira Regional. Ou seja, o toque estabelece a hierarquia entre alunos
formados, que podem participar, e não formados, que não podem participar do
jogo de Iúna. É um toque de berimbau considerado clássico, executado com o
acompanhamento de dois pandeiros e palmas, em andamento moderado, em que
só jogam alunos formados, daí o seu aspecto hierárquico.
Nele, uma dupla de jogadores, formados, a cada vez deve,
obrigatoriamente, jogar, executando seqüências de balões cinturados – como
disse antes, consistem em movimentos de projeções, sendo que o capoeirista
projetado deve sempre cair em pé, demonstrando domínio técnico. Ao final de
cada jogo, em reconhecimento aos formados, a assistência deve bater palmas
(cf. BONATES, 1999; VIEIRA, 1995; FALCÃO 2004).
Todavia, é pertinente o comentário de VIEIRA (1995, p.160) de que: “(...) o
jogo de Iúna cumpria a função simbólica de reafirmar constantemente a
separação dos dois universos, o dos ‘calouros’ e o dos ‘formados’. O desrespeito
à distinção imposta pela separação destes dois universos era considerado uma
95
transgressão. E, como tal, dentro da concepção de disciplina que vigorava na
academia de Mestre Bimba, deveria ser punida com uma multa”.
Figura 3 Jogo de Iúna na Roça do Lobo, em Salvador (BONATES, 1999).
Nesse aspecto, o autor se aproxima ao meu pensamento de que a
capoeira é organizada, em grande parte, em torno de hierarquias, que atribuem
posições diferentes aos seus agentes – no caso, diferenciando e separando,
hierarquicamente, alunos formados de não formados. No entanto, Vieira (1995)
não explicita o fato de a capoeira poder ser vista, de per si, com um universo
hierárquico, que cria e recria seus rituais, sem isso significar apenas uma
reprodução daquilo que ocorre na sociedade com um todo; mas a constituição de
um universo com regras e normas de condutas específicas.
Complexificando mais esta questão, esses rituais e hierarquias podem,
também, ser re-signicados por seus agentes, empregando conotações bastante
diferentes. Por exemplo, nas rodas que presenciei na Fundação Mestre Bimba,
em 2005, as multas atribuídas aos capoeiristas que não batiam palmas eram
motivo de riso e brincadeiras entre os seus participantes.
Entre as décadas de 1940 e 1970, Mestre Bimba realizou uma série de
apresentações de capoeira, em vários Estados, tendo palcos locais como clubes,
universidades, ginásios esportivos, instituições governamentais, além de outros. A
mais famosa de todas elas seria realizada em 1953, quando Mestre Bimba foi ao
96
Rio de Janeiro, tendo sido recebido pelo então presidente Getúlio Vargas no
Palácio do Catete, o qual exaltou a capoeira como a “nossa luta nacional” (cf.
REIS, 1997; VIEIRA, 1995). Essa exaltação de Vargas era típica de uma visão
nacionalista e de busca de integração do país e, por isso mesmo, implicava a
valorização “das coisas” do povo.
Em 1973, Mestre Bimba, após grande esforço para promoção da capoeira
a partir da Bahia, mudou-se para Goiânia ‘por necessidade financeira’. No dia 05
de fevereiro de 1974, Mestre Bimba veio a falecer no Hospital de Clinicas da
Universidade Federal de Goiânia, acometido por um derrame cerebral, horas
depois da realização de uma apresentação no Clube dos Funcionários Públicos
de Goiás.
Até hoje, Mestre Bimba é lembrado e homenageado nas rodas de capoeira.
Sua presença se faz sentir, através de seus ensinamentos, das lembranças de
seus discípulos e daqueles(as) que seguem suas idéias. Mestre Bimba é cantado
e lembrado, nas músicas de capoeira. É interessante observarmos que, no
imaginário da capoeira, reproduzido pelas cantigas, Mestre Bimba é
homenageado lado a lado com Mestre Pastinha
69
. Na opinião de Vieira (1995,
p.141-2), Mestre Bimba teria sido um crítico da capoeira tradicional. Daí o
inusitado de fazer par com Mestre Pastinha na homenagem prestada por esta
cantiga:
Mestre Bimba foi embora
Para nunca mais voltar
Disse adeus à capoeira
E foi pro céu descansar
Pastinha está com ele
Disso eu não sabia
Os dois mestres juntos
Velam a Virgem Maria
Ao falar em seu nome
Por favor tire o chapéu
Mestre Bimba e Pastinha
Estão jogando lá no céu
Vimos, então, parte da trajetória de Mestre Bimba, o criador da Regional, o
homem que costumava formar sua bateria com apenas um berimbau. Para
69
Mestre Pastinha é tido como o maior divulgador da Capoeira Angola. Por isso, o estranhamento
de aparecer lado-a-lado com Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional, e tido como seu
adversário.
97
terminar este jogo: “bora lá, pessoal, acompanhá o Mestre num samba de roda”
Lê, lê, ô, Lê, lê, ô,
A turma do Bimba chegou
Lê, lê, ô, Lê, lê, ô (coro)
A turma do Bimba chegou (...)
70
70
Ouvir faixa de número 04 do anexo em CD.
98
2.2.2 Mestre Canjiquinha: “a alegria da capoeira” (1925 - 1994)
Eu sou Canjiquinha menino danado e abusado.
A alegria da capoeira.
(Mestre Canjiquinha)
Vou convidar, agora, para jogar com a gente outro capoeirista da Bahia.
Faço a apresentação dele, através de uma fala que fez no disco que gravou junto
com Mestre Waldemar da Paixão:
O meu nome é Washington Bruno da Silva,
Como vocês queiram chamar
Ou Canjiquinha,
Ou Mestre Canjiquinha
Eu nasci em 1925, 25 de setembro
No Maciel de Baixo,número 6
Bem no centro de Salvador
Agora, já fui jogador de futebol
Jogava no Ipiranga
Depois que eu casei, eu deixei
Eu aprendi capoeira em 1935
O Meu mestre foi o finado Aberrê
Se eu sei alguma coisa, a ele eu agradeço
Eu tenho um conjunto folclórico chamado Aberrê,
Chamado conjunto Aberrê
Foi uma homenagem que eu prestei ao meu mestre
Agora, quem me ensinou a tocar berimbau
Foi o Mestre Zeca, lá do Uruguai
A esses dois homens eu devo mutcha coisa
Sem eles eu não era ninguém
E, tenho vários amigos
Tenho Suassuna
Tenho Itapoã
Tenho Ezequié
Tenho alunos, catedráticos
Assim como José, apelidado por madame?
Tenho Geni
E outros e outros, que eu não quero citar o nome
Para não ter ciúme
Então, eu vou chegar lá com a primeira música:
Yêêêêêê
O macaco e o leão
O macaco e o leão
Fizeram combinação
O macaco na levada
O leão passou-lhe a mão
Mariposa não me prenda
Dentro do teu coração
Você tem dente de ouro
99
Foi eu que mandei botar
Vou te rogar uma praga
Mas pra esses dentes se quebrá
Yê, aquinderê
Yê, aquinderê, câmara
Yê, mas viva o coro
Yê, mas viva o coro, câmara
Viva a Bahia
Yê, viva a Bahia, câmara (...)
71
A gratidão ao(s) Mestre(s) com quem se aprende parece ser um traço
comum entre os capoeiristas. Na fala acima, vimos a gratidão de Mestre
Canjiquinha ao Mestre Aberrê e ao Mestre Zeca, que lhe ensinaram a jogar
capoeira e a tocar berimbau, respectivamente.
Washington Bruno da Silva, o Mestre Canjiquinha, como ele próprio disse
acima, nasceu em 1925, em Salvador. O lugar era “Maciel de Baixo, nas
imediações do Pelourinho. Patrimônio da Humanidade. Centro Histórico da
Cidade do Salvador. Nasci no Maciel de Baixo, n° 6 em 1925, sim. Fui batizado na
Igreja da Sé, sim” (MESTRE CANJIQUINHA, p. 50)
72
.
A respeito do seu apelido, explica que foi posto por um seu amigo de nome Dalton
Barros, em 1938, devido ao samba-batuque de Roberto Martins, Canjiquinha
Quente, cantado por Cármen Miranda com o Conjunto Regional de Benedito
Lacerda, gravado pela Odeon, em 1937, sob a indicação 11.494 – 5.573, o qual
era a única coisa que sabia cantar e o fazia constantemente, por isso seu amigo
tomou a iniciativa do apelido (REGO, 1968, p.275).
Mestre Canjiquinha era filho de um alfaiate, chamado José Bruno da Silva,
e de uma costureira, chamada Amália Maria da Conceição. O Mestre Canjiquinha
– conforme suas entrevistas reunidas em livro aqui citado – falava muito na sua
mãe: “A minha mãe teve uma vida um pouco aperriada. Um pouco sacrificada.
Meu pai desprezou a minha mãe. Ela era costureira e passou a ser lavadeira”
(MESTRE CANJIQUINHA, s.d., p.43). Com a separação de seus pais, Mestre
Canjiquinha mudou-se, juntamente com sua mãe, para um lugar chamado
Girassol e, depois, para Matatu Grande, onde Mestre Pastinha teve uma
academia de capoeira.
Ele começou a aprender capoeira em 1935, com o Mestre Aberrê. Contou
71
Ouvir faixa de número 05 do anexo em CD.
72
Sempre que eu citar as palavras de Mestre Canjiquinha será a partir de um conjunto de
depoimentos seus, coletados, organizados e publicados na forma de livro, sob a coordenação de
Moreira (s.d.).
100
que aos domingos, no Matatu Pequeno, em Brotas, na Baixa do Tubo, no
banheiro de Otaviano, acontecia uma capoeira. Numa ocasião dessas, ele nos
conta: “Lá encontrei homens na frente do banheiro. Tinha uma quitanda. Eles
ficavam ali, bebendo cachaça (era do interesse do dono do banheiro) e treinando”
(Ibid. p.9).
Podemos ver que o local de iniciação de Mestre Canjiquinha foi um tanto
inusitado, se observarmos apenas um dos elementos, que constituía o cenário: o
banheiro. No entanto, quando observamos que fazia parte deste contexto uma
cantina, o motivo pela escolha do local começa a ficar mais claro. Pois, é sabido
que, pelo menos na Bahia, os capoeiristas sempre tiveram – e assim é até hoje,
como pude comprovar – os bares e locais para beber como seus preferidos
73
.
Foi numa ocasião dessas, quando o futuro Mestre Canjiquinha encontrou
com aquele que seria seu Mestre de capoeira: “Eu era menino e ficava (...) Eles
ficavam ali. E eu (...) Então todo domingo. Quando foi um cidadão chamado
Antônio Raimundo [apelidado de] Aberrê” (Ibid.).
Daí o Mestre Canjiquinha contou que:
“Então eu ficava só olhando
Aí ele disse assim
- Ô meu filho venha cá. Você quer aprender?
Eu disse:
- Quero
Ele mandou me abaixar
Quando me abaixei aí eu vi o pé
Eu pulei
Aí ele disse
- Ô meu filho a partir de hoje eu vou lhe treinar” (Ibid. p.10).
Podemos notar que a forma de ensino e aprendizagem neste relato é
bastante espontânea, baseada num método prático, em que o mestre dá a ordem
de comando para o discípulo se abaixar e desfere um golpe.
A gratidão de Mestre Canjiquinha por seu aprendizado se estendeu a
Mestre Aberrê e Mestre Zeca, mas foi além deles dois. Ele disse que:
Então, eu ia olhando os capoeiras. Eu jogava perguntava ao finado GERALDO
CHAPELEIRO. Eu perguntava as coisas e ele me explicava. Ele via meu
interesse, me explicava. E gente mais me ensinou. A tocar berimbau foi Zeca do
73
O pesquisador Frede Abreu (2003) fala brevemente sobre a relação dos capoeiristas com os
bares.
101
Uruguai. Eu todo domingo levava charuto prá ele. Então ele me ensinava a tocar
berimbau. ZECA DO URUGUAI ERA ESCURO. BICHEIRO. E TINHA O BIGODE
GRANDE (Ibid. p.11, grifos no original).
Tal característica, certamente, causaria estranheza nos dias de hoje, em
que os capoeiristas aprendem através da sua vinculação exclusiva, na maioria
das vezes, a um grupo e/ou mestre de capoeira. Penso que sejam oportunos dois
breves destaques, como: o fato de o Geraldo Chapeleiro usar como motivação
para ensinar o próprio interesse do aluno; e, outro aspecto que me chamou
atenção, a forma de pagamento que o futuro Mestre Canjiquinha fazia a Zeca do
Uruguai, um charuto; pois isso demonstra que, apesar de o pagamento ser feito
com, digamos, em bem material, não é só o dinheiro que media os vínculos
estabelecidos entre mestres e discípulos nas relações educativas na capoeira.
No relato feito por Mestre Canjiquinha a seguir, podemos perceber uma
maior riqueza de detalhes, presentes no seu processo de aprendizagem da
capoeira: “Eu não aprendi capoeira entrando logo na roda. Ele me explicava, me
botava de lado assim, ficava me explicando as coisas. Ele mandava eu chegar
onze horas. Eu chegava nove horas. Tomava aula uma vez por semana. Só aos
domingos. Aí eu ia, varria o chão. Às vezes ficava eu e ele sozinhos (Ibid. p.27)”.
E ele concluiu o relato sobre seu mestre de maneira emocionada, fazendo
uma definição do que é ser mestre e reconhecendo, mais uma vez, Mestre Aberrê
pelo que o mesmo lhe possibilitou através da capoeira: “Ele via meu interesse:
PORQUE O MESTRE É AQUELE ALUNO QUE QUER APRENDER. Era eu e
Ogum Botino. (...) Antonio Raimundo Aberrê significou muito prá mim. Quando eu
falo dele eu choro. Porque se hoje estou aqui, perante a vocês, agradeço a ele.
Sem ele eu era nada neste mundo” (Ibid., grifos no original). E completou dizendo
que:
Se hoje em dia sou
conhecido no mundo todo
agradeço a esses homens por
que como funcionário só sou
conhecido na repartição
e como Canjiquinha
o mundo todo me conhece (Ibid. p.11).
102
Figura 4 Capoeiras vadiando na frente de um bar (ABREU, 2003).
Durante sua vida, Mestre Canjiquinha, exerceu varias atividades,
inicialmente com a preocupação de ajudar sua mãe, tais como sapateiro,
carregador de marmita e de cargas na feira. Isso foi antes de se tornar funcionário
público, conforme relatou:
Eu tinha doze anos
tudo isso [consertar sapatos, carregar marmita, tirar carga na feira] até os
doze anos
103
mais já sabia capoeira
- então um dia um cidadão chamado Marcelino,
Deus te bote em bom lugar,
via meu sofrimento de ajudar minha mãe
porque eu era bom filho
ele Marcelino disse
- venha cá Canjiquinha, venha aqui comigo
aí desceu comigo no Matatú
chegou na Engenharia falou com um cidadão
o menino não tem pai, ajuda a mãe dele
vamos botar ele prá trabalhar na Prefeitura
aí me deu um carro de mão e uma pá
eu enchia o carro mas, não tinha força prá carregar
isso foi em 42 (Ibid. p. 46).
O trabalho de funcionário público foi um ponto importante na trajetória de
Mestre Canjiquinha. Esta atividade possibilitava a ele contatos importantes para a
realização de shows folclóricos em espaços voltados ao turismo, na cidade de
Salvador
74
.
Então um dia veio um diretor chamado Milton disse:
- Ramalho quem é esse menino?
- não, não é menino não, ele é um homem.
- todo amarelo assim franzino
- não mas é um homem
- mas não pode
aí dr. Ramalho chamou ele no canto contou a situação
ele aí deixou eu continuar trabalhando na prefeitura (Ibid. p.46).
É oportuna a observação que Mestre Canjiquinha fez sobre a compreensão
de que “não dá para viver só de capoeira”, comentando que: “O mestre Bimba era
marceneiro. Ele largou a profissão para viver de capoeira. Agora ele ganhou muito
dinheiro, que ele fez casas no nordeste. Waldemar era trapicheiro. Não vivia de
capoeira. Ele só fazia no dia de domingo, feriados. Caiçara
75
sempre foi
74
O próprio Mestre Canjiquinha deu a explicação para isto: “Foi mais fácil eu ficar conhecido
porque é o seguinte: um colega ajuda outro. Eu ajudava minhas colegas e elas me ajudavam.
Então, tinha Gildete (que está aí viva), me chama de pai; Irací Muniz. Então, esse pessoal
trabalhava na recepção do Departamento de turismo, onde eu apresentava e era funcionário. Elas
viam meu trabalho como eu fazia. Então, quando o turista chegava elas diziam: - Olha! em tal
lugar assim, assim tem capoeira. Tem o mestre Bimba, mestre Pastinha... elas diziam: O melhor é
o mestre Canjiquinha. Não é porque ele é funcionário daqui não. Se você for lá amanhã e não
gostar, ele devolve o dinheiro. Então o turista ia ver. Quando chegava lá, ele via coisas que até
Deus dúvida. Os jornalistas também ajudaram muito” (MESTRE CANJIQUINHA, p.68).
75
Mestre Caiçara, Antonio Conceição Morais, foi um capoeirista que viveu na Bahia. Nasceu em
1930 e faleceu em 28 de agosto de 1997. Começou a aprender capoeira com Mestre Aberrê, aos
quatorze anos de idade. Era considerado bom cantador de capoeira e durante muito tempo
apresentou um show no Centro de Folclore, em Salvador (c.f. SHAFFER, 1977, p.38).
104
funcionário. Eu nunca vivi de capoeira. Quem vive de capoeira, com todo respeito,
são esses de hoje. Você não tinha espaço” (Ibid. p.61).
Isso revela uma face controversa da capoeira, qual seja a tensão entre a
vontade de os capoeiristas se dedicarem a sua arte e a necessidade de promover
sua sobrevivência material. O que nem sempre é possível com o trabalho
exclusivo com a capoeira, sujeito a altos e baixos. Aparece, portanto, como
aspecto subjacente à análise da história dos mestres estudados o fato de a
capoeira vir configurando e acentuando, neste momento, relações comerciais
como, por exemplo, no que concerne a apresentações pagas, cobranças de
mensalidades para seu ensino e venda de instrumentos musicais, como será visto
a seguir, na análise da trajetória de Mestre Waldemar da Paixão etc.
Em contrapartida, o Mestre Canjiquinha deu sinais de compreender o que
significava fazer parte de um meio estratificado, em que os indivíduos ocupam
posições de maior ou menor destaque, ou mesmo, de poder em relação uns aos
outros:
Com sinceridade eu nunca tive rixa com nenhum capoeirista. Só com o meu
amigo Caiçara de vez em quando. Eu sempre me dei bem com o mestre Pastinha,
com o mestre Bimba, com Valdemar, com Cobrinha Verde. Eu sempre me dei
bem, porque eu tinha que ser inteligente. Porque era eu quem precisava
deles. Porque eles eram mais velhos. Então, eu não ia brigar com esses
homens (Ibid., p.42, grifos meus).
Isso revela uma habilidade, por parte de Mestre Canjiquinha, para lidar com
o fato de precisar e de reconhecer as posições ocupadas por outros capoeiristas,
no caso “os mais velhos”. Apesar deste jogo malandro, este mestre foi um dos
capoeiristas que mais obteve destaque e reconhecimento no campo da capoeira
através da música, do seu carisma e de algumas inovações que fez. Ele ficou
conhecido como responsável pela introdução de práticas culturais como: samba
de roda, maculelê e puxada de rede na capoeira.
Ele aprendeu samba de roda com sua mãe e sua tia, que sempre
participavam da dança (cf. SHAFER, 1977). Esta informação toca numa questão
de meu interesse neste trabalho, que é saber como os educadores de capoeira
desenvolvem seus saberes, principalmente, os relacionados com as
musicalidades.
A presença da música no cotidiano das pessoas, através dos momentos de
105
lazer, por exemplo, é uma importante fonte de aprendizagens. Essa dimensão da
aprendizagem musical foi destacada por Mestre Canjiquinha (p.63), ao contar
que: “Naquela época, pobre não podia pagar uma orquestra. Nem um tocador de
violão de saxofone nem pistão. O pobre comemorava seu aniversário era: com
samba de roda. Minha mãe e minha tia festejavam Santo Antônio. Depois que
rezavam custumavam fazer: samba de roda. Então aprendi com elas samba de
roda.”
Este espaço de aprendizagem foi ampliado para Mestre Canjiquinha,
através do seu contato com o candomblé. Isso contribui para a elaboração do seu
amplo repertório de cantigas, como ele disse: “A minha irmã Lili que é viva, e a
minha tia Clonildes que é morta: eram de candomblé. É claro que ali dentro eu
aprendi tudo. Mas nunca fui nos fundamentos. Aprendia as cantigas” (Ibid.). A
cantiga abaixo revela traços dessas múltiplas influências:
Manda lá lelô
Caju ê
Manda loiá
Caju ê
Ê cum caju ê
Ê cum caju ê
76
Para voltarmos ao samba de roda, vimos que o mesmo consiste numa
dança, realizada em círculo. Seu acompanhamento é feito por cantigas, na forma
de pergunta e resposta, em que um solista canta e é acompanhado pelo coro,
formado pelos e pelas integrantes da “brincadeira”. O acompanhamento musical
também é formado por instrumentos como: o conjunto de três atabaques rum,
rumpi e lê, além de outros como agogô.
“É a dança espontânea mais característica da Bahia. Dança de chão batido
e céu aberto, o samba de roda é um gênero musical-coreográfico, associado à
dança da umbigada
77
, no qual um elemento entra para o meio da roda, formada
76
Ouvir faixa número 06 do anexo em CD.
77
Biancardi (Ibid., grifos da autora) fala sobre a umbigada citando DIÓNGNES, dizendo que ela
“(...) pode ser efetiva ou simulada. Parece que, enquanto dança de escravos, a umbigada
efetiva era regra, mas aos difundir-se por outros grupos, sociais ou étnicos, essa umbigada, que
constituía o traço mais característico da dança, foi sendo aos poucos substituída.” Apesar deste
comentário, quando estive em Salvador, em várias festas de largo, como Lavagem do Bonfim e a
Festa de Yemanjá, no Rio Vermelho, pude assistir vários sambas de roda. Neles todos havia a
realização da umbigada (no entanto, não tenho elementos suficientes para definir se a umbigada
que se executa hoje pode ser definida como simulada).
106
pelos dançadores, executa vários passos e vai dar uma umbigada na pessoa que
escolher para substituí-lo” (BIANCARDI, 2004, p.276, grifos da autora).
Mestre Canjiquinha aprendeu também a puxada de rede, quando menino,
como ele disse: “no tempo”.
78
“A puxada de rede eu aprendi no tempo. Eu saía do
Matatu e ia prá Boca do Rio, onde é o Jardim de Alá. Ali chamava o Chega Nego.
Eu ia com o finado Péricles. Ele ia montado no cavalo, eu na garupa. Lá eu via os
caras cantando. Eu aprendi, puxando a rede original” (Ibid. p.51).
A puxada de rede consiste, basicamente, em uma encenação, hoje,
bastante comum nos batizados e apresentações de capoeira. Representa o
arrastão feito pelos pescadores, que são movidos por cânticos e pela batida de
atabaques, durante a pesca do peixe xaréu – peixe comum nas costas do
nordeste brasileiro (cf. FALCÃO, 2005, p.1).
Falcão (Ibid. p.2) ressalta que o bailado da puxada de rede segue ao som
de atabaques e das cantigas, no ir e vir da rede, ao mesmo tempo que fazem
menção aos Deuses do passado e trazem alívio para o cansaço do trabalho,
como esta:
Quando eu venho de Aruanda
Eu venho só
O coro responde:
Eu venho só
Quando eu venho de Aruanda
Eu venho só
Eu lá deixei pai
Eu lá deixei avó
O maculelê, por sua vez, Mestre Canjiquinha aprendeu em 1954
79
. Nesta
ocasião, Popó de Santo Amaro realizou uma apresentação de maculelê, na Praça
da Sé, na região do Centro Histórico de Salvador. Mestre Canjiquinha aprendeu o
78
Shaffer (1977, p.38) faz a afirmação de que quem teria ensinado a puxada de rede ao Mestre
Canjiquinha foi um soldado, chamado Pelé, o que não coincide com a informação dada pelo
próprio mestre acima. O autor citado coloca que: “ [Mestre Canjiquinha] Aprendeu ‘a rede’ (puxada
de rede ou xaréu), quando menino. Era um homem chamado de Pele, que era solqueira, mas que,
nas horas vagas, vendia peixe. Canjiquinha era sempre levado por ele, no seu burro, até o lugar
‘Carimbambo Chega Nega’, na praia, onde participava da puxada da rede e aprendeu todas as
cantigas associadas a esse trabalho”. A pergunta que fica é se Shaffer se refere ao mesmo
Péricles citado por Mestre Canjiquinha e, sendo assim, Pele poderia ser um apelido seu? Mestre
Canjiquinha fala em Chega Nego e Shaffer em Chega Nega.
79
Hildegardes Vianna (1989, p.5) ao prefaciar o livro Olelê Maculelê (BIANCARDI, 1989), informa
que a primeira apresentação de Maculelê, realizada em Salvador, ocorreu em1953, durante o 1º
Congresso Brasileiro de Turismo.
107
maculelê com o Popó de Santo Amaro, conforme informação de Shaffer (1977,
p.38).
As origens do maculelê não são precisas. Há indícios de que seja um auto
popular de origem africana. Embora considerada uma brincadeira de negros,
limitou-se à região do Recôncavo e algumas localidades vizinhas a Salvador.
Após a abolição da escravidão, o maculelê entrou em declínio. Contudo, entre os
anos de 1943 e 1944, Popó de Santo Amaro começou a ensinar a brincadeira a
parentes e amigos, num dia 2 de fevereiro em frente à igreja matriz de Nossa
Senhora da Purificação. Mestre Popó realizou várias apresentações em festas
religiosas em Santo Amaro. Nessas ocasiões, as visitas de turistas e estudiosos
contribuíram para a divulgação do maculelê. Além disso, contribuiu a realização
de várias apresentações do seu conjunto, o Grupo de Maculelê de Santo Amaro,
em Salvador, a convite de órgãos de turismo (cf. BIANCARDI, 1989, p.7).
Dado importante, em relação ao aspecto musical, especificamente, é que
Mestre Popó “(...) em meados deste século [XX], ensinou a coreografia que tinha
visto em criança, adicionando músicas de candomblé e beneditos do Divino
Espírito Santo, por não se lembrar de todas as melodias originais
(FUNARTE apud BIANCARDI, 1989, p.9, grifos meus).
O maculelê é considerado uma dança de origem africana, primordialmente,
um folguedo rural, sendo ignoradas a data e condições da sua chegada ao Brasil.
Já foi citado como luta de escravos contra senhores brancos, em confronto com a
tese de que não passa de mera diversão. Com sua popularização, em torno dos
anos de 1960, surgiram várias lendas, explicando suas origens (cf. BIANCARDI,
p.9-10).
Para o escritor santo-amarense, Plínio de Almeida, citado pela
pesquisadora Emília Biancardi (Ibid. p.10): “(...) a palavra maculelê é uma
expressão onomatopaica, composta dos vocábulos macum e , instrumentos
musicais africanos.”
Embora Biancardi cite amplamente os trabalhos de Zilda Paim, não faz
referência ao fato desta folclorista ter outra explicação para o nome maculelê.
Talvez isso se dê em função de a publicação de um dos importantes trabalhos de
Paim (1999) sobre o tema ser posterior ao trabalho de Biancardi (1989).
Para Paim (1999, p.7) a explicação, recebida durante sua infância, em
Santo Amaro, por negros ex-escravos, que ela teria visto batendo maculelê no
108
Engenho Partido, é a seguinte: “Na África os negros lutavam empunhando dois
pedaços de paus, que eles chamavam Lelês. A rivalidade era intensa entre os
Macuas e os Males, estes últimos armavam-se com paus e diziam: ‘Vamo esperar
Macuas a Lelê’. Disto talvez se origine o nome MACULELÊ.”
80
Existem, também, mais de uma descrição sobre a caracterização e
execução do maculelê. Herudino Leal (apud BIANCARDI, 1989, p.19), por
exemplo, descreve a dança antiga, como sendo realizada pelos participantes
saindo às ruas, dois a dois, em fila, formando um cortejo. Paim (apud
BIANCARDI, 1989, p.19), por seu turno, descreve que os integrantes
organizavam um círculo, divisado pelos atabaques.
Biancardi (Ibid.) declara que, pessoalmente, é “(...) da opinião de que o
maculelê antigo, quando o grupo não estava andando, tinha a forma de círculo ou
semi-círculo, passando, posteriormente, a constituir-se em duas alas, com o
Mestre sozinho, ao meio, batendo as grimas de um lado e do outro, ou ficando
apenas com uma ala, deixando a outra para o Contramestre.”
Na parte musical, as descrições são as mais diversas possíveis. Há relatos
que incluem desde a presença de paralelepípedos ao lado de tambores até
cânticos e melodias de candomblé e de outros folguedos, que teriam sido
adaptados por Mestre Popó. Cantigas como esta abaixo revelam o aspecto
religioso “recentemente” introduzido ao lado do profano, bem como a possível
origem africana:
Sumu negrus da Cabinda de Luanda
A conceição viemu louvá
Aranda ê ê ê, Aranda ê ê á (BIANCARDI, 1989, p.11)
Assim, “Quanto à parte instrumental, vale salientar que o Grupo de Popó e,
possivelmente o maculelê antigo, usavam pequenos tambores (...). Tais tambores
eram de fabricação popular, condição que não excluía a contribuição de
profissionais, como ferreiro e o tanoeiro (...). Além dos tambores, o maculelê
antigo usava ganzá, o agogô e, algumas vezes, pandeiros e violas de doze
80
Como foi dito acima, muitas explicações para a palavra e para a existência do maculelê são
baseadas em lendas e/ou em fontes imprecisas. Não tenho o intuito de pormenorizar esta
discussão no limite deste trabalho.
109
cordas, além, obviamente, das grimas
81
” (Ibid., p.27).
Paulino Aloísio Andrade – nascido a 15 de março de 1876, em Santo
Amaro, filho de escravos Males (cf. PAIM, 1999, p.23) –, o Mestre Popó, foi
considerado o pai e responsável pela difusão do maculelê. Apesar disso, recebeu
críticas de folcloristas, por ter lhe dado uma nova roupagem, descaracterizando
82
esta manifestação cultural (cf. BIANCARDI, 1989).
Pelo que tenho assistido e, mesmo já participado, a realização mais
comum do maculelê, nos cenários de capoeira hoje, se dá em circulo, ao som de
cânticos, acompanhados por atabaques e pelo percutir dos próprios bastões.
Formado este círculo, é comum uma dupla de participantes de cada vez ganhar o
seu centro, sendo que desferem batidas dos bastões, encenando uma espécie de
luta/dança. Muitas vezes, várias duplas, ou quantas forem possíveis, com o total
de participantes presentes à roda, brincam simultaneamente; o que é bastante
comum nos finais das apresentações realizadas pelos grupos de capoeira.
83
Hoje o maculelê, a puxada de rede e o samba de roda são práticas
culturais confundidas com a capoeira. O samba de roda, por exemplo, é realizado,
muitas vezes, após as rodas de capoeira e em apresentações, e tem lugar quase
sempre garantido. Da mesma forma, a puxada de rede e o maculelê ganham
palcos, como se fossem manifestações originariamente ligadas à capoeira e/ou
re-significadas pelos capoeiristas.
Destarte, Mestre Canjiquinha nos adverte dizendo o seguinte:
Olha! Quem primeiro botou samba de roda na capoeira foi eu, na Rádio
Sociedade com o finado Jota Luna e Milton Barbosa. Depois botei a puxada de
rede na capoeira. Assim eu apresentava samba de roda e explicava. Depois
apresentava a puxada de rede e explicava a história da puxada de rede. Depois o
samba de caboclo e o maculelê. No final apresentava a capoeira, apresentando
81
Querino (apud BIANCARDI, p.28) “(...) refere-se às grimas – vocábulo por ele empregado no
masculino – como um ‘pequeno cacete, medindo 0,30 centímetros de comprimento por 0,02
diâmetro’, quase a metade, portanto, do bastão atualmente usado na dança.”
82
Considero que idéias como descaracterizar, preservar, autenticidade etc. são, muitas vezes,
problemáticas no trato com as práticas culturais. Tais idéias desconsideram, pelo menos em parte,
a dinâmica das práticas culturais, caracterizadas, em grande medida, pela capacidade de
mudança, de transformação e, especificamente, de os(as) agentes re-significarem e re-orientarem
suas práticas, conforme as exigências, desafios e possibilidades de seus contextos.
83
Como eu disse, esta descrição é baseada nas minhas observações de apresentações de grupos
de capoeira. Isso, contudo, não significa que esta breve descrição represente uma regra ou
seqüência ritual, seguida pelos grupos de capoeira; já que, na maioria das vezes, por realizarem o
maculelê em apresentações, a sua dinâmica é bastante flutuante e sujeita à criatividade dos
realizadores. Biancardi (1989, p.8) opinou que: “Verificar-se-á, outrossim, que o maculelê evolui, e
evolui muito, perdendo várias de suas características primitivas e modificando seu aspecto de
folguedo de raízes africanas.”
110
nome por nome dos golpes: martelo, ponteira, rabo de arraia, chapéu de couro..., -
porque o público quer saber. Depois veio o Conjunto Aberrê Bahia. Dia de
domingo, pegava meus alunos e ia apresentar. Mas, tudo isso, quem fez isso,
quem introduziu todas essas coisas nos shows folclóricos foi seu criado (MESTRE
CANJIQUINHA, p.33).
Além disso, Mestre Canjiquinha foi considerado exímio tocador de
berimbau, cantador com vasto repertório de músicas e com grande capacidade de
improvisação. Rego (1968, p.275) o definiu como um capoeira jovem, que tinha
como maior destaque o canto e o toque: “Canta como bem poucos e com um
repertório vastíssimo, inclusive com uma grande facilidade de improvisar e de
todos é quem mais tem contribuído para a adaptação de outros cânticos do
folclore à capoeira.”
Por tudo isso, ainda em vida, Mestre Canjiquinha foi um dos capoeiristas
mais admirados da Bahia. Ele chegou a falar sobre a fama e a distinção, que
vinha obtendo: “Uma vez, eu tava em S. Paulo, 1962, na Feira de Arte Popular.
Então, eu fui num teatro vestido de camisa. Aí, o cara na porta barrou e o rapaz
que me acompanhava disse: – Esse é o mestre Canjiquinha. Então, as portas se
abriram só por causa do meu nome. Mas não. Nunca teve assim destaque não”
(Ibid. p.16).
Figura 5 Mestre Canjiquinha cantando, em envento em São Paulo (ABREU, 2003).
Ele cantou coisas sobre o berimbau, conversando com o instrumento,
111
como se este tivesse vida própria:
(...) Berimbau que que tem que ta gemendo
Ta com dor de cabeça
Não pode panha sereno
Segura minino
Lambaio, lambaio, lambaio (...)
84
Criou toques de berimbau como muzenza, demonstrando seu potencial
criativo: “Se o mestre Bimba criou a regional eu achei por bem cria a muzenza, o
samango. Se toca diferente, se joga diferente. Isso passou na minha cabeça
assim: é muzenza, é muzenza. Toquei no berimbau. Aí eu disse: como é que eu
vou jogar isso?eu botava o Manuel, o finado Simpatia, Gerônimo treinando os
movimentos. Vi que aquilo prestava. É muzenza (Ibid. p.40).
Outro toque que o mestre diz ter criado, a despeito das críticas recebidas
de outros mestres, foi o samango:
O samango, eu senti vontade de inventar algum ritmo. Criei o samango. Então, a
dança é diferente. Aí eu trenei dançar de lado. O samango é muito violento, tem
tesoura voadora, tem tudo. Na época, os outros mestre bateram o mite
85
. Os
novos não. Os novos gostaram. Inclusive, um aluno de Bimba fez isso em São
Paulo. Os novos sempre me apoiaram, porque sentiram que aquilo prestava
(Ibid.).
Apesar de o Mestre ter declarado de própria voz a criação dos toques
muzenza e samango, Rego (1968, p.64) deu uma versão diferente aos fatos,
alegando ter o testemunho do seu Canjiquinha. O autor diz que: “O capoeirista
Canjiquinha tem um toque com a denominação de muzenza, que não é senão o
toque jôgo de dentro. Na Bahia, muzenza é o nome que se dá à noviça nos
candomblés de ‘nação’ Angola. (...) Indaguei de Canjiquinha por que deu o nome
de muzenza ao toque jogo de dentro, respondeu-me que apenas por deboche.”
Shaffer (1977, p.32), ao falar sobre a grande variedade de sons, que são
possíveis de se obter com berimbau, que soam como surpresa para o leigo,
atesta que é muito difícil “tocar-bem” este instrumento. O autor referenda esta
idéia com um comentário do Mestre Canjiquinha, que diz o seguinte: “Tocar
84
Ouvir faixa de número 07 do anexo em CD.
85
Não encontrei referências sobre esta expressão: bateram o mite. Intuo que deva ser algo como
se diz, popularmente, baixaram o pau, isto é, criticaram, não aprovaram.
112
berimbau é muito difícil. Bater berimbau – todo mundo bate. Tocar e distinguir é
muito difícil”; e Shaffer completa dizendo que: “E é por oferecer uma dedicação
total à perfeição da sua arte que ele [Mestre Canjiquinha] está entre os poucos
que sabe mesmo tocar.
O Mestre contou que foi injustiçado, num festival de berimbau, que ocorreu
em Salvador
86
. Disse que foi prejudicado por Salvador Dávila, que era seu amigo,
mas ficou magoado, porque o mestre não o deixou falar num de seus shows. D
aconteceu o seguinte no festival, conforme seu Canjiquinha (Ibid. p.26) contou:
“Aí tocou Gato berimbau; aí Vermelho tocou berimbau. Eu toquei varias coisas,
inclusive botei o berimbau no chão. Na hora de ver o resultado, ele chamou Gato
em 1º lugar. Eu não disse nada. Vermelho em 2º lugar. Canjiquinha em 3º lugar.
Eu disse: – Salvador por que você fez isso? – Ah não por que colocou o berimbau
no chão. – O berimbau é meu, toco como quero.”
Mestre Canjiquinha sempre primou pela alegria, até como forma de se
contrapor a uma certa hierarquização, que vinha percebendo no mundo da
capoeira: “Eu não entendo a capoeira naquele regime militar: soldado respeita
cabo, um cabo respeita um sargento, prá mim tudo é igual, por isso sou alegre
(Ibid. p.72).”
A dimensão do ensino das musicalidades das rodas de capoeira é um
ponto basilar para as análises e discussões, que faço neste trabalho. Até aqui
vimos elementos presentes na aprendizagem de Mestre Canjiquinha. Este mestre
apresenta a peculiaridade de podermos saber, “de sua própria boca”, através de
seus depoimentos, registrados no livro antes referido, de como via e empreendia
o ensino das musicalidades aos seus alunos: “eu ensinava aos meus alunos
como eu faço com vocês: ficamos treinando, porque vocês têm que cantar
também” (MESTRE CANJIQUINHA, s.d., p.34).
Outro aspecto que posso destacar, a partir da fala de Mestre Canjiquinha e
que, aqui, venho procurando dar ênfase, é o papel das musicalidades como
saberes precípuos na atuação dos educadores de capoeira. Isto é visto na
medida em que o mestre depôs que: “Qualquer aluno meu sabe tocar e cantar,
porque é obrigação do mestre saber para transmitir” (Ibid.).
Diferentemente dos outros mestres analisados, Mestre Canjiquinha não se
86
No relato, Mestre Canjiquinha não informou a data de realização deste evento.
113
definia como Capoeira Angola ou Regional. Ele explicou que o que existe é a
capoeira e se definiu, antes de tudo, como capoeirista:
Não existe Capoeira Regional nem angola. Existe capoeira. Apelidaram capoeira
de angola porque foi praticada, aqui no Brasil, por volta de 1855 pelos escravos
na sua maioria angolanos. Então, eles ficavam na senzala treinando. Eles viram
que dava para se defenderem com ela. Então, botaram o nome de Capoeira
Angola. MAS, CAPOEIRA É BRASILEIRA. O ÚNICO ESPORTE BRASILEIRO É
CAPOEIRA. EU SOU CAPOEIRISTA. NÃO SOU ANGOLEIRO NEM REGIONAL
(Ibid., p.21, grifos no original).
Completando esta sua idéia, usou também a música para definir a
capoeira: “Porque não canto música em angola, que não sou de candomblé. Eu
canto capoeira e jogo capoeira” (Ibid.).
Ele chegou a se confrontar, frontalmente, com a Capoeira Angola, no
âmbito das opiniões. Mestre Canjiquinha entendeu a Capoeira Angola como
sendo uma ilusão: “É esse ponto que eu quero chegar. Eu ensino o aluno a jogar
em baixo e em cima
87
. Eu não ensino capoeira só embaixo, porque eu aprendi
assim. Porque eu não sou angolano. Eu nasci no Brasil, em Salvador. Eu não
aprendi capoeira na Nigéria. É tanto que em Angola não tem capoeira” (Ibid.,
p.81).
Antes de tudo, a capoeira era, para ele uma luta violenta e das piores, que
há no mundo, como visto nas suas palavras: “VOCÊ VÊ: UMA HORA VOCÊ
ESTÁ EM BAIXO; OUTRA HORA VOCÊ TÁ EM CIMA. O CARA ESTÁ
JOGANDO; NÃO SABE ONDE VOCÊ FICA. A PIOR LUTA DO MUNDO É A
CAPOEIRA. EU SEI DISSO, PORQUE JÁ LUTEI BOXE, JÁ LUTEI LUTA LIVRE
(Ibid., p.32, grifos no original).”
Mestre Canjiquinha chegou a lançar reflexões, que são próximas de muitas
discussões presentes no cenário atual da capoeira. (Hoje em dia, há uma grande
preocupação, por parte dos capoeiristas, sobre o que podemos chamar
regulamentação da capoeira que consiste em manter a prática da capoeira
autônoma, no que diz respeito a não sujeição ao ditâmes de órgãos da área da
Educação Física. Também existe uma certa preocupação em se promover
condições de trabalho e garantias aos capoeiristas, a qual é particularmente
87
De maneira geral, a expressões em baixo e em cima caracterizam, grosseiramente, a Capoeira
Angola e Regional. A primeira pode ser caracterizada por movimentos rasteiros e de andamento
mais lentos; ao passo que a segunda é praticada com uma postura mais ereta do capoeirista e,
por vezes, com andamento mais acelerado.
114
evidente na atualidade, por exemplo, servindo de plataforma eleitoral para
canditados a cargos públicos). “Daqui a 30 anos ela vai ter princípio e fim, como
tem o judô e caratê, depois que regularizar tudo. Quando botar os pontos nos is.
Aí ela vai ter princípio e fim. Não vai exceder o espaço traçado” (Ibid., p.78).
Sendo (a pior) luta (do mundo) ou não, umas das coisas fundamentais da
capoeira, como tento destacar, são as musicalidades, as quais englobam os
diferentes tocares e cantares, mas também a alegria, a vadiação.
“Bora lá, então, pessoal, levá mais uma cantiga do Mestre Canjiquinha pra
terminá este jogo com a alegria que era típica dele”:
Joguei meu lenço prá cima
Joguei meu lenço prá cima
Aparei no canivete
Quem me ensina essa quadra, ô meu bem
Foi o bamba dezessete
Joguei meu lenço lá em cima
De maduro foi o fundo
Que nem calça de malandro, ô meu bem
Certidão de vagabundo
Na roda da malandragem, ói meu bem
Eu não dei meu passo errado
Yê, galo canto
[olha o coro, gente] Yê, galo canto, câmara
Yê, cocorocó
[coro] Yê, cocorocó, camará
Yê, viva meu deus
[Coro] Yê, viva meu deus, camará
88
88
Ouvir faixa número 08 do anexo em CD.
115
2.2.3 Mestre Pastinha: o patrono da Capoeira Angola (1889 – 1979)
“Vamô abri essa roda, minha gente, pra um jogo com Mestre Pastinha.
Antes de qualquer coisa, vou chamá o Mestre, com umas palavra, que registrou
numa música e num depoimento, no inicio do CD Mestre Pastinha: Eternamente
(PRATICANDO CAPOEIRA, ). Vamo-no simbora, pessoal, ouvi o mestre”:
[cantando]
Yê, maior é Deus,
Yê, maior é Deus, pequeno sou eu
O que eu tenho foi Deus que me deu
O que tenho foi Deus que me deu
Na roda capoeira, ah ai
grande pequeno sou eu
[falando]
Eu me chamo Vicente Ferreira Pastinha
Eu nasci pra capoeira
Só deixo a capoeira quando eu morrer
Eu amo o jogo da capoeira
E não há outra coisa melhor na minha vida,
No resto da minha vida
Que não seja a capoeira
89
Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, este negro magro e pequeno,
nasceu na Bahia, a 5 de abril de 1899, tendo como pai um espanhol, chamado
José Pastinha e, como mãe, uma negra de nome Raimunda dos Santos. Não
criou – porque já era uma prática cultural comum – mas ficou conhecido como o
grande divulgador da Capoeira Angola (cf. REIS, 1997; REGO, 1968).
Este homem franzino, de fala mansa, começou a aprender capoeira na
infância, lá pelos 8 ou 10 anos de idade, por piedade de um velho africano,
chamado de Benedito. Este senhor se compadeceu do então menino Vicente
Ferreira Pastinha, que estava acostumado a tomar uma surra cotidiana de outro
menino. Benedito chamou-lhe e disse: “Você não pode com ele, sabe, porque ele
é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no
meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia” (Revista Realidade apud
REIS, 1997, p.139).
Benedito passou para a história como um negro, natural de Angola, que
ensinou capoeira a Mestre Pastinha. Esta história é reproduzida no universo da
89
Ouvir faixa número 09 do anexo em CD.
116
capoeira e pelos pesquisadores e pesquisadores – por exemplo, (REIS, 1997).
Rego (1968, p.271) não aceita por inteiro esta versão e apresenta outro
entendimento sobre como os fatos teriam se dado, dizendo que: “(...) corre entre
os capoeiristas que seu mestre fora Aberrê, o que não impedia ter aprendido
também com o referido negro de Angola [conforme era comum à época e como
foi vivido por outros capoeiristas, como vimos no caso de Mestre Canjiquinha].”
Mestre Pastinha gozou de grande fama, tanto no espaço da capoeira,
como fora dela. Foi amigo e fonte de inspiração de escritores e artistas, como do
escritor Jorge Amado, do pintor Carybé e do escultor Mário Cravo.
Amado (1960, p.209), por exemplo, em seu conhecido livro Bahia de
Todos os Santos, narra, com particular entusiasmo, as agilidade e resistência
incomum de Mestre Pastinha, mesmo numa idade em que a cabeça já era ornada
pelos cabelos prateados:
Mestre Vicente Ferreira Pastinha tem mais de setenta anos. É um mulato
pequeno, de assombrosa agilidade, de resistência incomum. Quando êle começa
a “brincar”, a impressão dos assistentes é que aquele pobre velho, de carapinha
branca, cairá em dois minutos, derrubado pelo jovem adversário ou bem pela falta
de fôlego. Mas, ah! Ledo engano e cego engano! Nada disso se passa. Os
adversários sucedem-se, um jovem, outro jovem, mais outro jovem, discípulos ou
colegas de Pastinha, e ele jamais se cansa, jamais perde o fôlego, nem mesmo
quando dança o “samba de Angola”.
Esta mesma idéia foi reproduzida por REGO (1968, p.272). Este autor
advertiu que Mestre Pastinha era amigo pessoal de Jorge Amado. A despeito
disso, Rego (Ibid.) opinou que Mestre Pastinha:
Não é nem nunca foi o melhor capoeirista da Bahia: apenas a sua idade bastante
avançada e o seu extremo devotamento à capoeira, fazendo com que até pouco
tempo ainda praticasse a dita, mas sem algo de extraordinário. Jogava como um
outro bom capoeirista qualquer, apenas para sua idade isso significava algo fora
do comum. Foi isso que o fez conhecido, ou melhor famoso, mesmo assim
datando de pouco, ou seja do advento da instituição oficial do serviço de turismo
da Bahia, para cá.
Mestre Pastinha foi aluno da escola de aprendizes da marinha, a partir de
1902, então com 12 anos. Ao longo da sua vida, exerceu várias atividades –
mesmo quando já ensinava a Angola –, tais como: pintor de quadros; engraxate;
jornaleiro; carpinteiro; e leão de chácara, mais comumente chamado de
segurança (cf. REIS, 1997).
117
Sua história no ensino de capoeira teve momento importante em 1922, aos
seus 20 anos, logo após ter dado baixa da escola de aprendizes. Depois ter
iniciado o ensino da capoeira na marinha, Mestre Pastinha, ao dar baixa, abriu
sua primeira escola de capoeira no salão da sede de uma oficina de ciclistas, no
Mirante do Campo da Pólvora, na Bahia de Todos os Santos, a qual funcionou de
1910 a 1922 (cf. REIS, 1997; FALCÃO, 2004).
Mas só mais tarde, quando já havia 4 anos de abertura do Centro de
Cultura Física e Capoeira Regional de Mestre Bimba, Mestre Pastinha deu um
dos passos marcantes no decurso da Capoeira Angola: a criação do Centro
Esportivo de Capoeira Angola.
Certamente, dentre os aspectos que conhecemos da vida de mestre
Pastinha, um dos acontecimentos mais importantes foi ter recebido a mestria
90
, da
roda da Gengibirra, em 1941. A roda da Gengibirra, no bairro homônimo, em
Salvador, foi palco da vadiação de capoeiristas baianos da época, nos dias de
domingo. Conforme ele próprio contou, Mestre Pastinha foi a esta roda por
insistência de seu aluno Aberrê. Quando lá chegou, o dono da Roda, que era um
capoeirista conhecido por Amorizinho, entregou-lhe o comando (cf. REIS, 1997).
Embora não sejam conhecidas em pormenores as origens do termo
Capoeira Angola, Mestre Pastinha o aplicava, visando a justificar seu
entendimento da origem africana da capoeira
91
. Ele defendia que “O nome da
Capoeira Angola é conseqüência de terem sido os escravos angolanos, na Bahia,
os que mais se destacaram na sua prática” (MESTRE PASTINHA, 1964, p.27).
Mestre Pastinha defendia a capoeira como sendo ligada à luta dos negros
por liberdade. Dizia que “(...) a capoeira é brasileira, é nacional, é patrimônio
nacional [pois] a mandinga do escravo é afro-brasileira, porque dos africanos no
Brasil” (Tribuna da Bahia apud REIS, 1997, p.142).
Falcão (2004, p.38) entende tanto a Capoeira Angola como a Regional, no
contexto da construção de uma identidade de projeto, que pode ser notada num
movimento de rompimento com os praticantes da cidade de Salvador. Isto é, foi
comum, tanto no contexto da Capoeira Angola praticada e difundida por Mestre
90
Neste caso, o uso da expressão mestria equivale a dizer que Mestre Pastinha recebeu a
responsabilidade de liderar, organizar e conduzir esta roda. A palavra evoca as responsabilidades
de ensino e a autoridade de um mestre de capoeira diante de um grupo do qual esteja à frente.
91
Já discuti, no capítulo 1 deste trabalho, alguns problemas presentes na história da capoeira,
como é o caso do mito das origens remotas, formulado por Assunção e Vieira (1998). Entendo ser
desnecessário, portanto, retomar esta discussão agora.
118
Pastinha, como na Regional de Mestre Bimba, a presença de alunos
universitários, o que para alguns autores demonstrava certa apropriação da
capoeira pelas classes mais abastadas da Bahia (cf. REIS, 1997; VIEIRA, 1995).
O próprio Mestre Pastinha declarou, no seu livro, Capoeira Angola,
publicado em 1964 que: “É com maior alegria que verifico como se apagou essa
dúvida, hoje, a Capoeira Angola é praticada por todas as camadas sociais, goza
da proteção e prestígio das autoridades por ser uma das mais autênticas
manifestações do folclore nacional” (MESTRE PASTINHA, 1964, p.24).
Neste viés, Mestre Pastinha também foi visto como agregador de
capoeristas angoleiros das mais diferentes tendências. Podemos ver, entre os
capoeiristas que circularam ao seu redor, nomes tais como: Onça Preta; Bigode
de Seda; Bom Nome; Juvenal Engraxate etc., conhecidos praticantes de Capoeira
Angola à época de Mestre Pastinha (cf. FALCÃO, 2004, p.39).
Ao explicitar o processo de construção de identidades, que envolve Angola
e Regional, como pólos diametralmente opostos, Falcão (2004) faz algumas
assertivas de máxima inteligibilidade para as discussões, que tento dar cabo, ao
longo deste trabalho.
Para destacar esses pontos, preciso antes explicitar que este autor
verificou – semelhante a Reis (1997, p.143) – que “Se para Mestre Bimba, a
capoeira surgiu na região do Recôncavo Baiano, daí Regional, para Mestre
Pastinha, ela teria sua origem em Angola, a partir da dança-luta de iniciação
sexual chamada N’Golo, portanto, africana” (FALCÃO, 2004, p.40).
Este pesquisador enfatiza, ainda, que a partir das visões desses dois
mestres sobre as origens da capoeira, surgem tentativas de cisão, que demarcam
códigos simbólicos ligados a uma e a outra postura (Ibid.). No campo empírico da
capoeira, como será visto a seguir no conjunto de entrevistas que formam parte
do corpo de análise desta tese, muitos dos argumentos, sugeridos pelos
capoeiristas, se baseiam na tentativa de reproduzir as opiniões de mestres do
passado, como Mestre Pastinha e Mestre Bimba.
Outro ponto basilar nas análises de Falcão (2004, p.41) está em perceber
quais são os móveis para o que chama de debate/embate Capoeira
Angola/Capoeira Regional. O autor tem este entendimento: “O processo de
afirmação identitária da capoeira sempre envolveu disputas internas no contexto
tanto de ‘angoleiros’ como de ‘regionais, bem como entre essas duas
119
consagradas vertentes, demonstrando a complexidade e as contradições das
relações sociais, mesmo no âmbito de uma única manifestação cultural.”
Ao abordar esta problemática, o autor dá indicações claras e toca na
compreensão de que as lutas por posições de poder são presentes no universo
capoeirano. Posto que, “O fato é que as disputas por espaços de poder levam os
agentes da capoeira a demarcarem uma oposição nesse ‘pequeno mundo’” (Ibid.
p.42).
Dito isso, vimos que Mestre Pastinha procurou dar lições e reconhecia o
papel de destaque, que estava assumindo no mundo da capoeira. Esta música
cantada, por ele, no mesmo CD, dá ênfase ao ensinamento, às lições, por vezes,
comuns nas letras das músicas da capoeira; mas também destaca o seu
reconhecimento, por julgar-se classificado:
Menino, preste atenção no que vou dizer
O que eu faço brincando
Você não faz nem zangado
Não seje vaidoso
Nem despenteado,
O que eu faço brincando,
Você não faz nem zangado,
na roda da capoeira, ah ah ah,
Pastinha já ta classificado
92
Justamente por entender a capoeira como tendo origem em África, Mestre
Pastinha alimentou o sonho de conhecer as terras deste continente. O que
conseguiu realizar, em 1966, durante o Festival Mundial de Artes Negras de
Dakar, Senegal, integrando a delegação que representou o Brasil, tendo se
apresentado no evento com seu grupo de Capoeira Angola (cf. REIS, 1997,
p.146).
Em virtude dessa visão de uma capoeira africana, o mestre listou vários
toques de berimbau, que dizia serem “(...) legítimos originários da África, tais
como: São Bento Pequeno, São Bento Grande, Santa Maria, Angola, Panha
laranja no chão tico-tico e essa cobra me morde senhor São Bento” (Realidade;
Diário de Notícias apud REIS, 1997, p.142).
92
Ouvir faixa número 10 do anexo em CD.
120
Figura 6 Mestre Pastinha conduzindo roda na Academia de Capoeira Angola
(MESTRE PASTINHA, 1964).
Ele dizia que “Os ritmos para o ‘jôgo da Capoeira’ são em compasso
binário. Seus andamentos – lento, moderado e rápido – são indicados pelos
‘toques do Berimbau’” (MESTRE PASTINHA, 1964, p.39).
O mestre apresentou uma visão sobre berimbau, que chama atenção, pelo
fato de ter destacado outra dimensão deste instrumento musical. Ele entendeu
que o berimbau poderia assumir papéis diferentes, conforme a ocasião:
Berimbau é tal, é música
É instrumento musical
Também é instrumento ofensivo
Que ele na ocasião de alegria
É um instrumento
Nós usamos como instrumento
E na hora da dor
Ele deixa de ser instrumento
Pra ser uma foice de mão
93
93
Ouvir a faixa número 11 do anexo em CD.
121
O Mestre completou esta idéia, nos contando uma história de seus feitos,
envolvendo peripécias e demonstrações de valentia “no seu tempo”:
Eu vou conta
No meu tempo eu usava também uma foicezinha
Do tamanho de uma chave
A foice vinha com um corte
E um anel pra encaixar no cabo
Mas eu como era muito bondoso,
Era muito amoroso, né
Pra queles que quisesse me ofende
Eu então mandava abrir outro corte nas costa
Seu eu pudesse mandava abri outro mais, não é
Mas não podia,
Eu mandava abri outro corte
Ficava dois corte
E na hora desmontava o berimbau
E encaixava a foice
E, aí eu ia manejá, não é
Por que o capoeirista tanto ginga, como pula
Rodopia, rodopia
E como também ele sangra
E como defende-se também
O capoeirista tem a mentalidade pra tudo
E quanto mais o capoeirista carmo
Melhor para o capoeirista
94
Esta visão apresenta uma outra dimensão do berimbau, considerando-o
como arma utilizada nos momentos de luta. Isto é, apresenta um caráter
multifacetado ao reivindicar um instrumento musical que, em geral, é visto como
tendo função de importância animação das rodas de capoeira, como uma arma a
partir do momento em que se encaixa no mesmo uma foicezinha.
Ao final do seu livro, é apresentado um arranjo musical para conjunto de
autoria do Colmero. Ao comentar este arranjo, Mestre Pastinha diz que ele foi
escrito em Dó maior, mas poderá ser transposto para outra tonalidade, conforme
as vozes dos cantores sejam mais agudas ou mais graves (Ibid. p.41). Isso, na
minha visão, revela uma sutileza de conhecimentos musicais que, pelo que tenho
percebido, não são tão comuns no campo capoeirano. Quem falaria em
tonalidades para interpretar uma música numa roda de capoeira? A pergunta que
fica em aberto é: onde Mestre Pastinha teria obtido esses e outros conhecimentos
musicais?
Na continuidade da explicação do arranjo, Mestre Pastinha toca num ponto
94
Ouvir a faixa número 12 do anexo em CD.
122
que parece-me ser intrigante, qual seja a afinação do berimbau. Ele diz que “O
berimbau deve ser afinado para que a diferença entre o som da corda livre e o
som obtido por encurtamento da mesma, por intermédio da moeda de cobre
aplicada contra o arame, seja de um tom de diferença. Assim, poderá ser Dó-Ré,
Si-Dó sustenido, Ré-Mi, Fá-Sol etc..” (Ibid. p.41).
Figura 7 Arranjo musical para conjunto (MESTRE PASTINHA, 1964).
Considero este ponto controverso porque o berimbau é – pelo menos como
utilizado nas rodas de capoeira – essencialmente um instrumento de percussão.
Isto é, diferente de instrumentos musicais como violão, piano, acordeom etc. o
berimbau não é executado com a utilização de notas musicais com alturas
precisas. Daí que parece estranho ao meio da capoeira falar em afinação por
notas musicais, já que, como já disse, esse uso não é comum a esse contexto.
Para além disso, como vimos, Mestre Pastinha, tinha grande capacidade
para falar sobre capoeira e expressar suas idéias. Isso, possivelmente, contribuiu
para o seu trabalho de promoção da Capoeira Angola. Contudo, não obteve salvo
conduto diante das críticas de capoeiristas, como as vindas de outro angoleiro,
123
Mestre Waldemar da Paixão, ou do criador da Regional, Mestre Bimba.
Mesmo tendo considerado Mestre Pastinha um dos grandes mestres do
passado, Mestre Waldemar da Paixão foi quem lhe dirigiu as mais duras críticas,
conforme o trabalho de Abreu (2003, p.53). Este autor informa que Mestre
Waldemar questionou a legitimidade de Mestre Pastinha e o fato de se apropriar
dos alunos de outros mestres (Ibid.).
Mestre Waldemar protestava chamando-o de “presidente da capoeira”. Em
depoimento, reproduzido por Abreu (Ibid.), ele disse que:
Quando Aberrê faleceu, de repente, de colapso, tava cheio de mestre de capoeira,
eu perguntei pra ele um dia: ‘Pastinha, que é que você vai tirar pra mestre aí?’ [Aí,
se referindo à Gengibirra]. Ele disse: ‘Waldemar, aqui não tem mestre. O mestre
vai ser todo mundo’. E eu disse que ele tinha que tirar um mestre bom para botar
na capoeira. Eu já tava mestrando capoeira na Liberdade. Sempre ele me
convidava para passar lá. Ele disse ‘Tem muito mestre, mas eu vou te falar a
verdade: o mestre vou ser eu mesmo’. Ele era presidente da capoeira. Prova é
que ele não tocava berimbau, não tocava. Ele era pintor de parede. Ele faleceu e
deixou alunos melhores do que ele. (citado por ABREU, 2003, p.53).
A fala frisando as idéias de presidente da capoeira e que Mestre Pastinha
não sabia tocar berimbau vislumbra, fundamentalmente, dois aspectos: o primeiro
pode estar ligado ao fato do Mestre Pastinha ter tentado dar certa sistematização
à Capoeira Angola, dando luz aos fundamentos, como anunciou no seu livro,
capitaneando grande número de capoeiristas em torno de si; o outro aspecto
fundamental no depoimento de Mestre Waldemar é este: “Prova é que ele não
tocava berimbau, não tocava.” Ora, vista a importância do berimbau nas rodas de
capoeira, reconhecida pelo próprio Mestre Pastinha, o que significa dizer que ele
não sabia tocar? Na minha convivência no mundo da capoeira, já conversei com
alguns capoeiristas sobre este assunto. Um jovem professor relatou-me que,
quando esteve na Bahia, conversou com um discípulo de Mestre Pastinha. Na
ocasião, o mesmo teria lhe dito: olha, meu filho, se ele sabia tocar eu não sei. O
que eu sei é que ele me ensinou a tocar.
Em uma descrição no seu Bahia de Todos os Santos, que já citei antes,
AMADO faz uma narrativa em que Mestre Pastinha tocaria berimbau: “Quem fôr à
Bahia não deve perder o extraordinário espetáculo que é mestre Pastinha no meio
de seu salão jogando capoeira ao som do berimbau. E quando êle não está
lutando, não vai descansar. Toma um berimbau, puxa as cantigas” (AMADO,
124
1960, p.209, grifos meus).
Penso que não importa tanto precisar se Mestre Pastinha tocava ou não,
mas observar quais são “as armas” que os jogadores podem utilizar na busca ou
na manutenção de posições que atestem seu poder neste espaço social. Isto é,
compreender e considerar que as musicalidades das rodas de capoeira, também,
são utilizadas pelos agentes deste espaço como objetos de disputas e de
legitimação e luta por posições de destaque e poder; por exemplo, quando
questionam uns aos outros em relação a estes saberes, como foi o caso de
Mestre Waldemar em relação a Mestre Pastinha.
Mesmo tendo presente esta possível rivalidade, Mestre Pastinha não
deixou de reconhecer publicamente seus prováveis oponentes. No seu livro, ele
fez uma lista de capoeiristas atuais, como disse, em que estão presentes nomes
como Waldemar da Liberdade e Canjiquinha
95
, além de vários outros. Ele guardou
um lugar à parte nessa lista para o criador da Regional, escrevendo: “Mestre
Bimba – velho capoeirista bahiano, de grandes méritos, pratica em sua Academia
a Capoeira Regional” (MESTRE PASTINHA, 1964, p.26).
Apesar de Rego (1968, p.271) considerar paupérrimo o capítulo do livro
que Mestre Pastinha destina às “Melodias e ritmos da capoeira”, este autor
informa que ele não só conhecia, mas possuía muitas cantigas de sua autoria.
O mestre declarou que “As melodias que estamos acostumados a ouvir nas
demonstrações de Capoeira Angola são, genuinamente, populares, sem maiores
preocupações de métrica ou rima, mas, traduzindo em seus versos os
sentimentos da lama dos capoeiristas do povo” (MESTRE PASTINHA, p.38).
Este aspecto é importante, pois nos faz pensar que os elementos musicais,
presentes no universo da capoeira, adquirem significados próprios, já que o
fundamental, como visto acima, é traduzir os sentimentos da lama dos
capoeiristas do povo. Ou seja, em função das necessidades, das expectativas,
dos valores e visões de mundo, compartilhadas pelos agentes de um espaço
social como da capoeira, podemos concluir não só que os elementos musicais
serão dimensionados de acordo com estas expectativas, mas que terão sentido e
beleza em função destes.
95
Durante a realização de meus estudos para elaboração deste panorama sobre a história dos
mestres, não percebi, em nenhum momento, que Mestre Pastinha e Mestre Canjiquinha tenham
alimentado algum embate ou disputas frontais. Outrossim, Mestre Canjiquinha chegou a ser
contra-mestre na academia de Mestre Pastinha (cf. MESTRE CANJIQUINHA).
125
Entre as cantigas citadas por Rego (Ibid., p.272), escolhi estas para
reproduzir aqui, pois, nelas há visões do mestre sobre a capoeira, o berimbau e o
aprendizado da Angola. Nesta, o Mestre falou acerca sobre a história da Angola e
seu valor:
A capoeira de Angola é boa
Sua história não acabou
Pastinha sustenta grita e ressoa
Os capoeiristas não nega seu valor
Numa outra cantiga, podemos ver o destaque ao berimbau:
No som do berimbau
Sou feliz cantamos assim
Nas festas não somos mau
Todos cantam para mim
E nesta outra, que ficou muito conhecida entre os(as) capoeiristas, o
Mestre se coloca como o professor capaz de ensinar a todos(as):
Todos podem aprender
General e também
Quem é doutor
Quem deseja aprender
Venha aqui em Salvador
Procure Pastinha
Ele é o professor
Parece-me inusitado – pelo menos em referência à imagem que temos nos
dias atuais – o fato de Mestre Pastinha (1964, p.35) ter dito que “O conjunto
musical não é indispensável para a prática da Capoeira, mas é evidente que o
‘jogo da Capoeira Angola’ ao ritmo do conjunto típico que acompanha as melodias
e improvisos dos cantadores adquire graça, ternura, encanto e misticismo que
bole com a alma dos capoeiristas.”
Precisamos observar, também, que a idéia de conjunto típico está ligada
àquilo que Mestre Pastinha entendia por “conjunto típico”. Isto é, na prática da
capoeira, “sempre
96
existiram várias versões para o conjunto musical, muitas
vezes sujeitas às possibilidades musicais, que os capoeiristas têm à mão num
96
“Sempre” só pode ser visto aqui como uma expressão de uso retórico, já que não sabemos
quando a capoeira começou a ser praticada com a presença das musicalidades (cf. REGO, 1968)
126
determinado momento, ou mesmo sujeitas a sua criatividade ou compreensão de
qual deveria ser o emprego dos instrumentos musicais.
Para Mestre Pastinha, este conjunto tinha, além daquela função de “graça,
ternura, encanto e misticismo”, “(...) a finalidade de determinar o ritmo do ‘jogo’
que pode ser mais ou menos lento ou rápido”. Sendo que os instrumentos que
compõe tal conjunto, pelo menos na Angola de Mestre Pastinha, são Berimbau,
Pandeiro, Réco-réco, Agogô, Atabaque e Chocalho” (Ibid.). Em contrapartida, o
berimbau era o instrumento que Mestre Pastinha considerava indispensável à
roda de Capoeira Angola.
No seu livro, no capítulo intitulado O que o capoeirista deve saber, o mestre
fez uma série de recomendações a este capoeirista. Faz uma cisão, entre aqueles
que aprenderam capoeira numa academia bem organizada e, portanto conhecem
o que é necessário para a prática; e aqueles que simplesmente aprenderam por
imitação (Ibid., p.31).
Tendo o entendimento da capoeira como uma luta, enfatiza que a mesma
não visa a só preparar o capoeirista para o ataque e a defesa, mas a um
verdadeiro equilíbrio psicofísico. Além disso, recomenda que o capoeirista seja
calmo; pratique exercícios de ordem física e mental; e destaca que “A capoeira
exige certo misticismo, lealdade com os companheiros de ‘jôgo’ e obediência
absoluta às regras que o presidem” (Ibid. p.31-2). Tendo dado destaque a essas
recomendações, o Mestre diz acreditar que as mesmas sintetizam os
fundamentos da Capoeira Angola.
O grande golpe da sua vida seria fora das rodas de capoeira. Em 1971, ao
famoso número 19, o prédio onde funcionava o Centro Esportivo de Capoeira
Angola, no Centro Histórico, na cidade da Bahia, foi solicitado, sob o argumento
de reformas. O Mestre só voltaria a ocupar seu espaço em 1979, depois de ter
perdido seus materiais, como instrumentos musicais, amplificadores etc., por
insistência de Maria Romélia de Oliveira, sua esposa, e pelo auxílio de
intelectuais baianos.
A esta altura, o Mestre se encontrava praticamente cego e só conseguiu
tocar suas atividades auxiliado por seus discípulos João Pequeno e João Grande.
Em 1979, Mestre Pastinha sofreu um derrame e foi internado num hospital
público, onde ficou por um ano. Após foi levado ao Abrigo D. Pedro II e aí faleceu
aos 92 anos, em 14 de outubro de 1981 (cf. REIS, 1997, p.147).
127
2.2.4 Mestre Waldemar da Paixão, o gritador da capoeira: influências
musicais no campo capoeirano
(1916 – 1990)
97
Mas sou conhecido como o “rei do berimbau”
Ainda fabrico e sei ensinar a tocar
(...) Tenho orgulho ainda na minha garganta, de gritar minhas ladainhas
Canto amarrado de Capoeira Angola
Isso eu não achei quem cantasse mais do que eu
Mestre Waldemar
98
Com as palavras acima, na epígrafe, chamo para a roda a história de
Mestre Waldemar da Paixão. Mestre Waldemar da Paixão, como sabido no
cenário da capoeira, é uma das referências mais importantes da música da
capoeira, como ela ficou conhecida e praticada nos dias de hoje. Tanto no que diz
respeito à maneira de cantar e tocar, como de confeccionar o seu principal
instrumento musical – o berimbau – Mestre Waldemar fígura entre as grandes
referências da capoeira, ao lado de nomes como Mestre Bimba, Mestre
Canjiquinha, Mestre Pastinha, entre outros.
Como tentarei demonstrar, Mestre Waldemar influenciou fortemente a
prática musical da capoeira, através do seu jeito particular de cantar, envolvendo
diversas influências, como a literatura de cordel. Da mesma forma, introduziu
mudanças na confecção do berimbau; e exerceu papel fundamental na condução
do seu Barracão, no Bairro da Liberdade, sendo que o mesmo, na argumentação
que segue, é compreendido como tendo sido um rico espaço de vida comunitária.
97
Um dos méritos dos grandes pesquisadores é abrir caminhos para o trabalho de seus colegas.
Isso foi o que fez Frede Abreu, ao publicar O Barracão do Mestre Waldemar (ABREU, 2003).
Agradeço a atenção dispensada pelo amigo Frede Abreu para realização deste trabalho, na forma
de uma entrevista, além de apoio com vários materiais, que não teria acesso se não fosse sua
generosidade, e pelas dicas, durante várias conversas no Instituto Mauá, nos “seminários” que
promove ao receber jovens iniciantes na pesquisa da capoeira.
98
Entrevista com Mestre Waldemar (VIEIRA, s.d.)
128
Figura 8 Mestre Waldemar e turma em roda na Rampa do Mercado, Salvador (ABREU,
2003).
Os procedimentos adotados para a análise da trajetória deste agente da
capoeira foram os seguintes: literaturas; matérias de jornais; músicas que o
Mestre deixou gravadas ou a ele atribuídas; e depoimentos, que colhi no período
de janeiro a março de 2005, em Salvador, de pessoas que conviveram com
Mestre Waldemar, como o seu discípulo Mestre Bigodinho, seu amigo Mestre
Cobra Mansa e o pesquisador Frede Abreu. Além disso, faço referência a uma
entrevista concedida por Mestre Waldemar ao sociólogo Luiz Renato Vieira
(1990), no Projeto Resgate da Capoeira Angola, realizado pelo Programa
Nacional de Capoeira do MEC – o que aparecerá sempre citado com a indicação
Mestre Waldemar da Paixão. Parte dessa entrevista foi citada por Fred Abreu, no
129
seu livro Barracão do Mestre Waldemar (ABREU, 2003), sendo que este autor me
cedeu a transcrição que havia recebido das mãos de Luiz Renato Vieira.
Notas sobre a formação do Mestre Waldemar e possíveis influências
Me chamo Waldemar Rodrigues da Paixão
Nascido em 1916
Aprendi capoeira com Siri de Mangue, Canário Pardo, Tanabi de Piripiri
Levei quatro anos aprendendo
Em quarenta anos na Pero Vaz, peguei a ensinar
E aí continuei ensinado
Agora parei de ensinar
Só faço fabricar meus berimbaus
99
Como bem me alertou o pesquisador Frede Abreu, o próprio Mestre
Waldemar lança algumas pistas sobre sua aprendizagem de capoeira. Como é
visto na epigrafe acima, retirada do depoimento feito por Mestre Waldemar no
inicio do seu disco, os Mestres de capoeira dele foram: Siri de Mangue, Canário
Pardo e Tanabi. Com essa informação, é possível a conclusão de que Mestre
Waldemar absorveu influências advindas de diferentes fontes, isto é, de vários
mestres, o que nos dias de hoje não é comum, visto o caráter quase de
exclusividade adotado pelos mestres e grupos de capoeira diante de seus alunos.
Outra evidência sobre sua formação é o fato de ter dito que levou quatro
anos aprendendo e depois pegou a ensinar, na Pero Vaz. Essa afirmação pode
sugerir uma reflexão sobre a idéia comum nos dias de hoje de que: “se leva muito
tempo até se formar um mestre de capoeira” – todavia, toco nessa questão
apenas de passagem já que não é o objetivo aqui proposto.
O próprio Mestre Waldemar relata a informalidade com que seu deu sua
aprendizagem junto a seus mestres: “Eles vinham para Piripiri, aquela roda
danada. Foi quando eu peguei a aprender com ele. Eu era rapazinho. Comprava
duzentos réis de vinho tinto, aquele copo branco de alça. Ele tomava e dizia:
‘Pronto. Vai aprender porque me deu vinho’. Era o pagamento”
100
(Mestre
Waldemar da Paixão).
Quando entrevistei o Mestre Bigodinho, o questionei sobre como teria sido
a aprendizagem musical do Mestre Waldemar. Ele não entrou em maiores
99
Ouvir faixa número 13 do anexo em CD.
100
Também citado por Abreu (2003, p.16).
130
detalhes, no entanto, relatou-me o seguinte:
Ah, eu não vou lhe dizer a você que eu conheci os Mestres do Mestre Waldemar,
foi quem ensinou a ele. E se ele já veio para a Bahia com quatro anos dando aula,
jogando – aula não, porque naquele tempo não tinha aula, jogando capoeira,
chegou no Corta-braço, botou a capoeira dele e foi à frente. Tanto que ele morreu,
ele morreu deixou fama e até hoje tem fama. E como é que diz: e se ele, se ele
aprendeu a capoeira lá quando ele diz que ele aprendeu com o [Siri de Mangue] e
outros mais que eu não me lembro, foi quem ensinou a ele (Mestre Bigodinho).
Certo é que Mestre Waldemar já inicia na capoeira e tem seu aprendizado
com presença do berimbau, pois como atesta Frede Abreu: “Então não é uma
coisa do século XIX, onde se tem aquela dúvida, se o cara aprendeu com o
berimbau ou não. Ele [Mestre Waldemar] aprende a capoeira, que é uma capoeira
já – como é que chama – [com] o andamento dela já dado pelo berimbau (...)”
(ABREU).
Apesar de não ser possível, neste espaço, levantar maiores evidências
para uma ampla reflexão sobre o processo que teria orientado a formação de
Mestre Waldemar, alguns aspectos despertam curiosidade quanto a sua relação
com o berimbau e o canto da capoeira. Por exemplo, quais teriam sido, de fato, as
contribuições do Mestre Waldemar para a música da capoeira? Quais inovações
ele introduziu no berimbau? Quais influências ele teve na sua maneira de cantar,
ou melhor, de gritar a capoeira, como ele dizia? Teria sido, de fato, ele o
responsável pelo inicio da comercialização do berimbau? Sobre esta última
questão, como será visto adiante, a afirmação consensual de que Mestre
Waldemar teria sido o responsável pela comercialização do berimbau sofre
prejuízo segundo as discussões de Rocha (1994), que levanta um outro ponto de
vista. Antes de discutir essas questões, faço algumas reflexões sobre aspectos
ligados à possível trajetória que o berimbau traçou, no Brasil, até a capoeira.
Urucungo, berimbau e birimbao
Neste tópico, discuto alguns elementos ligados ao berimbau, tal como ficou
conhecido no Brasil, como principal instrumento musical da capoeiragem. Destaco
dois pontos: alguns problemas sobre os diversos nomes presentes na literatura,
como uma possível confusão entre os termos urucungo, berimbau e birimbao; e
131
aspectos históricos ligados à difusão do berimbau, explicitando algumas
evidências que reforçam a idéia de Mestre Waldemar ter sido um dos grandes
divulgadores do instrumento e ter introduzido mudanças significativas na sua
confecção.
Hoje é tranqüilo dizer que o berimbau, pintado ou não, de biriba
101
, outra
madeira ou mais raramente de bambu, é o principal instrumento musical da
capoeira. No sentido de verificar parte de sua trajetória até a capoeira, dois
problemas podem ser levantados: quais pistas a literatura disponível oferece
sobre a introdução do berimbau no Brasil e, conseqüentemente, na capoeira? E
por que, por vezes, esta literatura oferece imprecisão, ou melhor, utiliza diferentes
nomes para o arco musical (berimbau)?
No que diz respeito ao primeiro aspecto, é possível verificar a referência
sobre a presença de um instrumento denominado birimbao na Bahia, no século
XVI: “O birimbao
102
existiu na Bahia. D. Manuel de Menezes, cronista do século
dezesseis, teve a oportunidade de se referir, talvez, a primeira referência até
então feita, à existência do brimbao na cidade de Salvador, quando da
permanência, na Baía de Todos os Santos, da armada espanhola comanda por D.
Fradique de Toledo” (OLIVEIRA, 1956, p. 233, grifos meus).
É possível notar, a seguir, que essa referência não diz respeito ao
berimbau-de-barriga, utilizado na capoeira. O mesmo autor esclarece que: “O
instrumento conhecido antigamente como birimbao é, como ficou demonstrado, o
de ferro, em forma de ferradura, pouco importando que nesta ou naquela região
se lhe dêm nomes diversos. Desperta, portanto, curiosidade o fato de citado nome
figurar, na Bahia, em instrumento tão diverso e que com aquele não guarda
nenhum parentesco ou afinidade” (ibid.).
De fato, trata-se do instrumento executado com o auxílio da boca. Ao que
parece, em determinados momentos, os nomes birimbao, brimbao e mesmo
berimbau são utilizados para este instrumento que tem a boca como caixa de
ressonância, enquanto o arco musical ou berimbau-de-barriga recebeu, em dado
101
“Nome vulgar: Imbiriba, Embiriba ou Biriba Nome científico: Eschweira ovata. Habitar: interior
da mata, restinga, borda da mata atlântica, solo arenoso argiloso. PE, RN,BA,SE,CE. Pernambuco
- PE, Rio Grande do Norte - RN, Bahia - BA, Sergipe - SE, Ceará - CE. Sementes: são grandes e
irregulares. Arvore: De porte linheiro, parte masculina amarelo vivo, produz ripas, varas para
cercados, para galinheiros, madeira nobre para fabricação de berimbaus, instrumento músical,
utilizado na Capoeira” (WIKIPÉDIA, 2006).
102
Note-se que o autor escreve birimbao e brimbao.
132
momento, nomes como urucungo, conforme segue abaixo.
Figura 9 Berimbau-boca (Multifotocopiado).
O reconhecido estudioso do folclore musical brasileiro, Mário de Andrade,
coloca a questão desta forma, citando Torres: “Ora o berimbau, pelo menos o que
eu conheço no norte de Minas, é tudo quanto há de menos colorido, e por tanto
de mais monótono, isto sem dizer que é muito pouco sonoro, um simples
brinquedo de crianças e não dos mais higiênicos...” (TORRES apud ANDRADE,
s.d.).
Se for observado que se fala “em muito pouco sonoro” e “brinquedo (...)
não dos mais higiênicos”, se conclui ser o birimbao – o berimbau-de-boca.
Destaco que sempre que utilizar a denominação berimbau-de-boca aqui, estarei
me referindo a este pequeno instrumento de ferro, na forma de uma ferradura,
tendo uma lingüeta no centro que é percutida pelo dedo e tem o som amplificado
pela boca.
Faço esse esclarecimento porque Kay Shaffer
103
(1977, p. 17-8) afirma a
existência de um berimbau-de-boca que é muito semelhante ao berimbau-de-
barriga da capoeira, não sendo mais do que um arco com uma “corda” de cipó,
sem a cabaça, e que é executado com o auxilio de uma faca, tendo o som
também ampliado pela boca. Shaffer (ibid., p.13) cita, quase que apenas de
passagem, que “Há outro desenho de um berimbau-de-barriga com o nome
‘urucungo’. Outro caso de propagar confusão.”
103
Kay Shaffer (1977) desenvolveu um dos mais importantes trabalhos sobre o berimbau, tendo
sido o mesmo publicado sobre o título O berimbau-de-barriga e seus toques, o qual recebeu
menção honrosa no Concurso Sílvio Romero, neste ano de 1977 e foi publicado pelo Ministério da
Educação e Cultura, Secretaria de Assuntos Culturais, Fundação Nacional de Arte e Instituto
Nacional do Folclore.
133
Figura 10 Tocador de berimbau-de-boca (SHAFFER, 1997).
No entanto, o próprio Kay Shaffer parece não ter dado maior atenção a
esse fato, pois deteve maior esforço em esclarecer a questão dos nomes
utilizados para o instrumento no que diz respeito aos termos “viola” e “gunga”.
Isso por si só não é tão problemático, na minha opinião, pois ele mesmo
esclareceu que: “No Brasil, quando dois berimbaus são tocados juntos, aquele
com o som mais agudo é chamado de ‘viola’, enquanto aquele de som mais grave
recebe o nome de ‘gunga’” (Ibid., p.16).
Voltando à questão do nome berimbau ser utilizado para o pequeno
instrumento, é esclarecedora a distinção feita por Alvarenga (1950, p. 304, grifos
meus):
Berimbau (s.m.) – Nome com que no Brasil, em Portugal e na Espanha é
conhecido um pequeno instrumento, universalmente usado principalmente pelas
crianças. Consiste num pedaço de ferro mais ou menos em forma de ferradura, no
centro do qual existe uma lingüeta. Executa-se colocando a parte curva entre os
dentes, formando pois a bôca uma caixa de ressonância, e batendo-se com o
dedo indicador na lingüeta. Variando-se a configuração da boca, o instrumento se
presta à execução de melodias simples. Chamado no Brasil também Marimbau.
Não é usado na música popular brasileira. Ambas as designações, Berimbau e
Marimbau, são aplicadas entre nós também ao Urucungo.
Ou seja, aqui se vê que o arco musical da capoeira é tratado algumas
vezes na literatura (ANDRADE, s.d.; ALVARENGA, 1950) como urucungo, nome
que não vingou, isto é, não foi difundido nem é usual no campo capoeirano.
134
Parece haver um consenso entre Alvarenga (1950) e Andrade (s.d.) de que
o nome do berimbau-de-barriga, utilizado na capoeira, é urucungo; pois este
último autor diz: “E pra desesperante atrapalhação final, Manuel Querino, que era
preto e a vida inteira dedicou ao estudo e explicação dos pretos, nos descreve
êsse mesmo instrumento [o berimbau-de-barriga ou urucungo] (A Baía de
Outrora, 63) e diz que se chama berimbau, entre os capoeiras baianos.” Para
Andrade (s.d.), o que causa confusão é o fato de Querino utilizar o nome
berimbau para designar o arco-musical da capoeira, já que tem como sendo usual
o termo urucungo.
É possível, portanto, que a denominação berimbau, para designar o arco-
musical da capoeira, tenha se generalizado paulatinamente, até tornar-se quase
que absolutamente exclusiva, nos dias de hoje – sendo raras as vezes que os(as)
capoeiristas utilizam como termos genéricos gunga, marimba etc.
O autor antes citado, Oliveira (1956, p.235, grifos meus), é claro ao dizer
numa nota sobre foto semelhante a que coloquei acima: “Antigo Berimbau, que,
na Bahia, emprestou seu nome ao arco musical.
Alvarenga (1950, p. 312) conclui o assunto em nota explicativa:
Urucungo, Orucungo, Oricungo, Uricungo, Ricungo, Rugungo (s.m.) – Instrumento
de procedência africana que consiste num arco de madeira tendo um arame
retesado passado entre pontas. Numa das extremidades, ou no centro do arame,
é presa uma pequena cabaça de forma arredondada, com uma abertura circular.
(...) Também chamado de Berimbau, Berimbau-de-barriga, Marimba, Gôbo,
Bucumbumba, Gunga, Macungo, Matungo e Mutungo, e, em Belém do Pará,
Marimba. Na Bahia, no jôgo da capoeira, costuma associar-lhe o caxixi.
A mesma autora, fechando a questão em nota sobre uma foto, explica:
“Urucungo ou Berimbau. Objeto nº 749. Arco de madeira, tendo um arame
passado entre duas extremidades. Pendurada ao arco por uma corda, uma
cabaça que funciona como caixa de ressonância” (ALVARENGA, 1950, p.315).
O mais provável é que o berimbau (arco musical) tenha recebido este
nome do pequeno instrumento musical tocado com auxilio da boca, já que: “O
nome berimbau dado ao arco musical não deve ser muito antigo: Pereira da Costa
(19), ao fim do século passado [XIX], o incluiu entre os instrumentos dos negros
em Pernambuco ao lado de outros, como Atabaque ou Tambaque, o Canga, a
Marimba, o Marimbao, o Pandeiro” (OLIVEIRA, 1956, p.235).
135
É possível concluir, portanto, que o nome urucungo já foi usual para o
berimbau-de-barriga – pelo menos no que diz respeito à literatura consultada,
principalmente Andrade (s.d.) e Alvarenga (1950); enquanto berimbau, birimabao
e brimbao já foram nomes utilizados para o berimbau-de-boca.
O berimbau do Mestre Waldemar: o às de ouro ditando o tom
Tomando como referência a reflexão sobre aspectos da trajetória do
berimbau no Brasil, é possível analisar algumas contribuições realizadas por
Mestre Waldemar no aprimoramento da confecção e difusão do instrumento
musical, que muitos capoeiras dizem ser o “mestre” da roda de capoeira.
Em trabalho antes citado, Albano Oliveira (1956, p. 239) diz que: “Já vimos
que Luciano Gallet e Afonso Costa o incluem [o berimbau] entre os instrumentos
trazidos pelos negros do continente africano.”
104
É justo observar que o fato de o berimbau existir entre negros não significa
que, necessariamente, seja de origem negra: “A referência ao assunto se
pretende à necessidade de indagar se, tendo o arco musical nos chegado por
intermédio de africanos, teria sido dentre êles que se originou. O simples fato da
sua existência entre os africanos não indica origem negra” (OLIVEIRA, p.239).
O berimbau, ou seus instrumentos predecessores, pode ter exercido um
papel fundamental na história da música, pois: “Dentre os instrumentos musicais
de corda conhecidos no mundo os mais velhos são a harpa, o alaúde e a cítara. A
primeira existe, mais ou menos, há quatro mil anos antes de cristo. (...) O arco
musical foi, com toda a certeza, o ponto de origem da harpa. (...) Corroborando
com a tese de que as primeiras eram simples arcos, iguais ao Uricungo (...)” (Ibid.
p. 240-1).
Em termos de uma explicação aceitável sobre a trajetória do berimbau até
o Brasil, se for considerado que a harpa provém, possivelmente, de um tipo de
arco musical, “E como as referências mais antigas dão como sendo a harpa
originária do Egito, lícito é de se admitir que o arco musical dali partiu,
104
É importante destacar o problema levantado no clássico trabalho de Rego (1968, p. 70)
Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfico: “Êsses instrumentos têm procedências as mais
diversas. Infelizmente, ainda não se fez uma correta classificação dos instrumentos que por aqui
passaram e dos que ainda existem. Em 1934, Luciano Gallet reuniu 25 instrumentos musicais, e,
sem nenhuma pesquisa, batizou-os como de procedência africana quando na realidade são de
diversas procedências.”
136
espalhando-se a princípio pelo oriente próximo, sul da Índia, onde Curt Sachs
acredita existir a forma mais antiga de arco musical
105
, Indostão, Oceania,
Continente africano e, somente nos tempos modernos, Europa e América”
(OLIVEIRA, 1956, p.242, grifos meus).
Estas reflexões contribuem para a análise da difusão do berimbau em
terras brasileiras. Aqui o instrumento foi utilizado em atividades de cunho
religioso, como acompanhamento de danças e cantorias de africanos à época da
escravidão, mas sobretudo na capoeira, atividade responsável por sua ampla
divulgação, parafraseando Albano Oliveira (1956, p.248-249).
A seguinte cena, relatada por Ferdinand Denis, no século XIX, é capaz de
demonstrar a presença do berimbau no cotidiano das ruas de Salvador:
Desde que deixamos o campo de São Pedro, o espetáculo mudou, o dia está
mais avançado: é o momento em que os negros descansam. O estrangeiro não
pode se impedir de observá-los: um deles aproveita seu lazer para tirar alguns
sons de seu instrumento preferido; é um arco guarnecido de uma corda de latão,
ele bate na corda de diversas maneiras: a impressão que ele sente é bem visível;
um de seus companheiros passa com um fardo na cabeça; pára, coloca-o no
chão, não consegue mais resistir ao poder deste zumbido melancólico; seus
membros se agitam com regularidade, mas ele exprime, quase sem sair do lugar,
os desdéns do amor, seus prazeres ou seus sofrimentos: o músico se anima,
canta palavras que o tema lhe inspira: de repente nosso dançarino pára, em
seguida, sem dirigir uma única palavra às pessoas que o cercam, retoma seu
fardo e se afasta cantando para abreviar a caminhada (DENIS apud
SCHEINOWITZ, 1993, p.329).
105
Biancard (2000, p.112) afirma: “Acredita-se que o arco-musical já estava em uso por volta de
15.000 anos antes de Cristo (...)”; e que: “Tudo nos leva a crer que o berimbau atualmente usado
na em nosso país seja de origem africana, mais precisamente angolana, trazido que foi pelos
bantos (...)” (Ibid.).
137
Figura 11 Tocador de berimbau-de-barriga (citada por ABREU, 2005).
Rocha (1994, p. 147) inclui o berimbau entre os instrumentos musicais no
âmbito das influências africanas nas artes da Bahia. O autor conta que teve a
oportunidade conviver com capoeiristas, entre eles alguns afamados. Nessa
convivência teria ele – Rocha – sido responsável pela apresentação da capoeira,
fora do seu ambiente da rodas da periferia da cidade, da Rampa do Mercado e
das festas populares (Ibid. p.148).
Fato interessante é o autor assumir a responsabilidade pela introdução do
berimbau no mercado, quando algumas evidências apontam Mestre Waldemar
como grande responsável por isso (SHAFFER, 1977; ABREU, 2003, 2005). O
autor diz: “Fui amigo pessoal de Mestre Valdemar, e como era de praxe entre os
mestres de capoeira presentear o berimbau de seu uso, como uma homenagem,
e prova de amizade, recebi o seu excelente instrumento
106
e mais ainda ensinou-
me a tocar” (Ibid. p.148). E a seguir levanta a dúvida sobre a comercialização do
berimbau: “E a propósito de berimbau, fui eu o responsável pela sua
introdução no mercado desse curioso instrumento, que na verdade até
então, por volta de 1950, não era comercializado, e que passou a despertar o
maior interesse por parte dos turistas e intelectuais” (Ibid. p.148, grifos meus).
106
Um cantador da capoeira do Rio de Janeiro relatou-me, no ano de 2004, durante um festival de
cantigas na cidade de Florianópolis, que anos atrás, quando esteve da Bahia, teria conhecido o
Mestre Waldemar e formado uma amizade com ele, tendo sido presenteado pelo Mestre com um
berimbau de seu feitio.
138
A partir de consulta à matéria publicada no Diário de Notícias, em 10 de
outubro de 1970, por Cristina Cardoso, intitulada Waldemar, hoje, é só berimbau,
mas ninguém se engane, recentemente trazida a público por Frede Abreu, no seu
livro O Barracão do Mestre Waldemar (ABREU, 2003), não foi possível precisar
nenhuma data para o início da comercialização de berimbaus por Mestre
Waldemar. A autora conta que: “[Mestre Waldemar] trocou a capoeira pelo
berimbau que faz com todo amor, e desafia: ‘São os melhores da Bahia, sim
senhora e aposto que no toque ou no canto venço qualquer capoeira ou tocador
de berimbau” (CARDOSO apud ABREU, 2003, p.71).
Figura 12 Conjunto de três berimbaus
107
Mesmo não tendo sido possível verificar no artigo de Cardoso uma data em
que Mestre Waldemar teria começado a comercializar seus berimbaus, o trabalho
de Kay Shaffer (1977), antes citado, põe por terra a “glória” reivindicada por
ROCHA (1994) para si mesmo. Ao falar sobre a comercialização de berimbaus no
Mercado Modelo Kay Shaffer (1977, p.29, grifos meus), ao que parece, após um
amplo trabalho de investigação e contato com Mestres como Pastinha,
Canjiquinha, Ezikiel e o próprio Waldemar
108
, afirma precisamente que: “(...) foi
107
Conjunto de três berimbaus, formado, da esquerda para a direita, por berimbaus de sons
agudo, médio e grave, chamados de viola, médio e berra-boi ou gunga.
108
Sobre as informações que são atribuídas aos mestres citados no que diz respeito à confecção
do berimbau, pode-se consultar Shaffer (1977), principalmente as páginas 21 a 27, além da página
29.
139
Mestre Waldemar quem iniciou a venda de berimbaus na Bahia. Em 1942, ele
começou a vender berimbaus na antiga Água de Meninos. Depois do incêndio,
que a destruiu, e o presente Mercado Modelo foi construído, ele continuou
vendendo-os neste novo local.” Portanto, causa estranheza que Rocha atribua
para si o inicio da comercialização do berimbau, em 1950 – sendo que essa tarefa
é desempenhada por ele através de um texto publicado somente em 1994. Não
obstante, tal situação pode representar uma forma de disputa e de tentativa de
reconhecimento no universo da capoeira; no caso, em relação à divulgação do
instrumento musical berimbau para fora das “fronteiras” desse universo.
O Mestre Cobra Mansa, que foi amigo pessoal de Mestre Waldemar e
conviveu com ele no final de sua vida, me contou: “E ele vendeu muito berimbau.
Ele, Mestre Waldemar, ele é um inovador, ele é o primeiro, a primeira pessoa a
começar a comercializar berimbau. Até antes não existia um comércio de
berimbau. Saca? O berimbau era um instrumento restrito ao meio do capoeirista,
não era uma coisa de turista” (Mestre Cobra Mansa).
O Mestre Waldemar também relatou como era feita a obtenção do arame
para os berimbaus e o tipo de mudança que teria introduzido neste trabalho: “O
arame era arame de cerca, não era arame de aço. Depois eles queimavam o
pneu e tiravam aquele arame enferrujado, quebrava. Eu inventei abrir na raça pra
sair cru” (Mestre Waldemar da Paixão).
109
Essa afirmação é relevante e de fato pode representar uma contribuição,
de certa forma, referendada pelo cruzamento com a afirmação de Kay Shaffer
(1977, p.22): “Parece que originalmente, e até recentemente (1920-1930), a corda
usada no berimbau era um material natural: um pedaço de cipó ou uma corda
feita de lã”.
A pintura do berimbau também é atribuída ao Mestre Waldemar, visto que
Shaffer (1997, p.26) afirma que, até 1940, os berimbaus eram da cor natural e
muitas vezes até mesmo com casca; e diz não saber quem retirou a casca e os
envernizou, mas comenta que Mestre Bimba fazia isso
110
. Shaffer (Ibid., p.27)
109
Ver trechos já citados por Abreu (2003, p. 13). Outrossim, hoje é idéia comum entre os
capoeiristas que o melhor arame para ser usado como corda de berimbau é aquele retirado do
pneu “na raça” como disse o Mestre Waldemar, ou seja, com uma boa faca, sem que o pneu seja
queimado, pois isso torna o arame frágil, não resistindo à força oferecida pela madeira, tendo,
assim, o som de melhor qualidade.
110
Em entrevista que o Mestre Nenel, filho de Mestre Bimba, me concedeu, ele diz usar a mesma
técnica de seu pai para confecção do berimbau, que consiste em deixar a madeira durante um
140
coloca que: “É bem conhecido entre os Mestres que a primeira pessoa a pintar
um berimbau foi Mestre Waldemar da Paixão. Ele mesmo diz: ‘Inventei
envernizar. Fiz um berimbau muito bom por nome Azulão. Fiz o verniz azul.” O
autor acrescenta ainda que, em 1942, ao começar comercializar berimbaus,
Mestre Waldemar inventou uma pintura especial, que teria sido adota pela maioria
dos outros mestres, com exceção a Mestre Bimba, que continuou usando apenas
o verniz (Ibid.).
111
O Mestre reforçou o papel que lhe foi atribuído: “Outra coisa, essa pintura
de berimbau que inventou fui eu. O berimbau era com casca. Os capoeiristas
daqui faziam berimbau com casca. (...) Peguei fazer berimbau envernizado.
Peguei fazer berimbau em branco, como o Tabosa vai levando aí. Depois eu
inventei pintar e passei a fazer berimbau pintado. Sou conhecido nisso” (Mestre
Waldemar da Paixão).
Frede Abreu foi esclarecedor ao dizer: “(...) eu acho que a grande, quer
dizer, ele tem muitas outras importâncias, mas uma das importâncias que ficou
mais visível – a mais visível, não estou dizendo que é essa a principal – ele ficou
muito conhecido pela coisa do berimbau, pela contribuição que ele trouxe para o
berimbau, não só a parte plástica, da pintura (...)” (ABREU, 2005).
tempo secando na sombra, usando, à postetiori, unicamente um verniz que é preparado por ele,
além de outros procedimentos.
111
Essas informações, relativas à pintura do berimbau, também são citadas por Biancardi (2000,
p.117).
141
Figura 13 Mestre Waldemar executando berimbau (ABREU, 2003).
Assim, é visível que Mestre Waldemar da Paixão realizou inúmeras
contribuições para divulgação do berimbau e, através dele da própria capoeira,
que vão do aprimoramento da obtenção do arame, que serve como corda, à
pintura e comercialização e divulgação do instrumento para além dos espaços da
capoeira.
Mestre Waldemar da Pero Vaz: o gritador da capoeira
Neste momento, procurarei demonstrar que Mestre Waldemar teve um
papel de destaque no que diz respeito a sua maneira de tocar e cantar, bem como
ao conduzir o seu Barracão com maestria. A cena relatada a seguir pode ser
bastante ilustrativa do que seria descortinado à frente dos olhos de quem
chegasse no Barracão, por exemplo, numa tarde de domingo:
Em frente, sentado, mestre Valdemar com berimbau, comandando. (...) Com
tocadores ao seu lado o mestre levanta a voz, iniciando o canto. Os jogadores, em
número de dois, estão de cócoras, à sua frente. É lenta a toada que o mestre
canta, como solista e já os capoeiras acompanham-no em movimentos mais
142
lentos ainda (...). O mestre canta os últimos versos do seu solo e o coro responde,
os instrumentos respondem fortes, o ritmo violento, as vozes altas:
Aruandê
Ê, ê
Aruandê
Camarado (Tavares, 1961, p.180-181).
O cântico do Mestre chamava a atenção – e ainda chama hoje em dia,
como podemos observar no seu disco, antes citado –, tanto pelas nuanças de
cantador por excelência que era, como pela variedade de assuntos e tramas
desenroladas nos versos que entoava, às vezes em tom de desafio
112
:
Riachão
113
tava cantando
Riachão tava cantando, ô meu bem,
Na cidade do Açu
Quando apareceu um nego, ô meu bem,
Da espécie de urubu
Tinha camisa de sola,
Calça de couro cru,
Beiços grossos, revirados, ô meu bem,
Como a sola de um chinelo
Um olho muito encarnado,
Outro bastante amarelo
Eu me chamo Riachão, ô meu bem
Para mim canta martelo
Riachão arespondeu
Eu aqui no to cantando, ô meu bem, com negro desconhecido
Ele pode ser cativo
E andar aqui fugido
Camaradinho, aruandê
Coro
Vamo-nos simbora
Coro
Pelo mundo afora
Coro
O galo cantou
114
O curioso aqui é tentar verificar aonde Mestre Waldemar buscava
inspiração para cânticos como esse. A mesma “música” acima, ou parte dela pelo
menos, é citada por Rego (1968, p.106-7), no entanto, com uma letra diferente.
Conforme pude constatar em várias conversas com Frede Abreu, bem como nas
112
Considerando que a literatura de cordel pode ter influenciado a música da capoeira, destaco
que Galvão (2001, p.147) notou que junto a um grupo de entrevistados: “(....) o interesse do
público nas histórias de desafios e pelejas estava no prazer da competição”
113
Conforme Rego (1968, p. 205): “Riachão s.m. Nome próprio designativo do cantador Manoel de
Riachão de Lima (...).”
114
Ouvir faixa de número 14, do anexo, em CD.
143
entrevistas com Mestre Cobra Mansa e Mestre Bigodinho, Mestre Waldemar
tinha, entre outras, uma forte influência da literatura de cordel na sua música. Isso
coloca o problema de tentar verificar se Mestre Waldemar teria sido um autor de
músicas de capoeira. Tentarei demonstrar que é possível que ele tenha utilizado a
literatura de cordel e as histórias de Trancoso, como referência para músicas que,
possivelmente, cantava de improviso ou com variações – pois verifiquei que letras
muito parecidas apareceram com certas variações em diferentes situações em
que foram feitas as coletas das mesmas.
A literatura de cordel, ao que parece, recebe esse nome de estudiosos, que
tomam como referência um tipo semelhante encontrado em Portugal, sendo
considerado também o fato de os livros serem postos à venda em “cavalgando
um barbante”, conforme o esclarece o trabalho de Galvão (2001, p.27).
115
Galvão constata que a literatura de cordel foi amplamente presente no
Norte e Nordeste do Brasil, tomando com base o período de 1930 a 1950, sendo
lida e ouvida, sobretudo, coletivamente, em momentos de lazer, às vezes
compartilhando espaço com cantorias e histórias de Trancoso
116
; os folhetos eram
obtidos em feiras ou mercados públicos, onde as pessoas se aglomeravam para
verem e ouvirem os vendedores; e que era comum as pessoas fazerem
empréstimos dos mesmos. Juntamente com as histórias de Trancoso, a literatura
de cordel pode ter constituído, simultaneamente, uma influência e material para
as músicas executadas por Mestre Waldemar.
Fato problemático, no entanto, é demonstrar aqui evidências sobre como
Mestre Waldemar teria absorvido a influência dessas histórias. Talvez seja
oportuno lembrar que Mestre Waldemar trabalhou durante muito tempo no
Mercado Modelo, em Salvador; local que até hoje tem pelo menos uma barraca
115
Essa autora faz referência a outros nomes como: “‘folheto’, ‘livrinho de feira’, livro de histórias
matutas’, ‘romance’, ‘folhinhas’, ‘livrinhos’, ‘livrozinho ou livrinho véio’, ‘livro de história antiga’, ‘livro
de poesias de matuto’, ‘poesias matutas’, ‘histórias de João Grilo’, leitura e literatura de cordel’,
história de João de Athayde’ ou simplesmente ‘livro’” (GALVÃO, 2000, p.27). A autora as destaca
como algumas denominações utilizadas pelos leitores, leitoras, ouvintes e um vendedor que
entrevistou para realização de seu trabalho de doutoramento, publicado na forma de livro (Ibid.) –
ver bibliografia no final deste texto.
116
As histórias de Trancoso abarcam uma pluralidade de tipos e gêneros de histórias presentes na
tradição oral. “Gonçalo Fernandes Trancoso publicou, em 1585, a primeira coletânea portuguesa
de contos colhidos da tradição oral: Contos e histórias de proveito e exemplo. Segundo Câmara
Cascudo (1988/1954), os contos de Trancoso se espalharam rapidamente: em 1618 (...), sendo
que “De modo geral, a denominação ‘contos’ ou ‘histórias de Trancoso’ passou a denominar, em
alguns estados do Nordeste, todo gênero de contos populares” (GALVÃO, Ibid. p. 221, nota 2).
144
que vende literatura de cordel.
117
Quanto aos momentos de leitura ou interpretação dos cordéis, é válido
notar que, segundo (GALVÃO, 2001, p.160), muitas vezes a performance do leitor
ou interprete era até mais importante que o próprio enredo da história, pois: “Para
a audiência, no entanto, como já foi demonstrado em diversos estudos, parecia
ser mais importante a performance do narrador, a reiteração de valores universais
rememorados a cada nova narração, do que propriamente do enredo ou do final
da história”. Outra consideração importante é a autora afirmar que – guardando
aqui as devidas proporções espaço-temporais: “Albert Lord (1960) (...), ao
analisar a performance de cantadores, verificou que aquilo que era considerado
tradicionalmente como o mesmo poema nunca se repetia da mesma forma.”
(LORD apud Galvão, 2001, p. 167).
Assim, é ‘justo’ se especular se esse caráter de interpretação teria sido
transposto para as músicas de Mestre Waldemar, já que, como já disse, uma
mesma música foi verificada com variações significativas na sua letra, conforme
segue:
Senhores, peço licença
Pra dizê uma história
Do cangaceiro Vilela
Que trago sempre em memória
Este lutou quinze anos
Sempre alcançando vitória
Morava na Serra Torta
Este home destimido
Combates muito sangrentos
Êle já tinha vencido
Ali tinha um capitão
Um sujeito muito ousado
Disse eu vou na Serra Torta
Trago Vilela amarrado
No outro dia bem cedo
Marcharam pra o logá
Aonde morava Vilela
O povo foi ensina
Cercaram-lhe a casa
E ficaram de prontidão
117
“(...) as feiras e os mercados constituíam, de fato, os endereços mais freqüentados por aqueles
que os compravam [isto é, compravam os folhetos, os cordéis] ou simplesmente escutavam sua
leitura em voz alta ou declamação –, pelo vendedor” (GALVÃO, Ibid., p.148). Lembremos que a
autora toma esta idéia como sendo válida, inclusive, para o período entre 1930 e 1950, em estudo
realizado por ela. Mestre Waldemar, em 1942, estava desenvolvendo suas atividades no mercado
de Salvador.
145
Disse o chefe abra a porta
Por ordem do capitão
Você hoje sai daí
Direito para a prisão
Coro
Eh, Desidério de Sauípe
É home que sabe amarrá
Dá um nó, esconde a ponta
Pra outro não desatá
118
(OLIVEIRA, 1956, p.258, grifos do autor)
No seu disco, Mestre Waldemar canta a “mesma música”, com a letra
diferente. Se observarmos, a partir do sexto verso, há algumas diferenças entres
as letras. A letra citada acima diz, no sexto verso, “Sempre alcançando vitória”; e,
a segunda, abaixo, diz “Fez a canção da vitória”. Ou seja, esta e outras pequenas
diferenças sugerem possibilidades de mudanças nas letras e, talvez, nos
aspectos musicais, como um todo, que poderiam variar de acordo com as
situações e, mesmo, com as intencionalidades dadas às mensagens. Todavia,
até pela extensão das letras, também é possível que estas pequenas variações
sugiram que os trechos dos cordéis serviam como uma base para a narração, ao
invés de um texto a ser seguido fiel e rigorasamente.
Senhores, peço licença
Senhores, peço licença, ô meu bem
Para cantar uma história,
O Valente Vilela, ô meu bem
Trago sempre na memória
Ele lutou quinze anos
Fez a canção da vitória
Ali tinha um capitão, ô meu bem,
Um sujeito muito ousado
Disse eu vou na Serra Torta
Trago Vilela amarrado
No outro dia bem cedo
Marcharam para o lugar
Onde morava Vilela, ô yayá
O povo foi ensinar
Chegou lá o capitão
Mandou a casa cercar
Cercaram ali a casa
Ficarão de prontidão
118
Oliveira (1956, 255) faz referência a essa e outras músicas, destacando que: “Os cantos
seguinte foram recolhidos na escola de capoeira do mestre Waldemar, à Liberdade, e por este
classificados segundo o toque que acompanhavam. Os que estão assinalados por um asterisco
são cantos novos atribuídos ao mestre Waldemar.
146
Vilela abriu a porta, ô meu bem,
Por ordem do capitão
Você hoje sai daí, ô meu bem,
Direitinho para a prisão
Vilela estava em casa
Sem nada disso sabê
Disse vocês vão simbora
Não venham me aborrecer
Responda-me soldado, ô yayá
Viver, matar ou morrer
Responda-me soldado
Viver, matar ou morrer
O soldado a respondeu
Não vim matar e nem morrer
Está enganado o sujeito
Em ordem do delegado, ô meu bem
Força de um juiz de direito
Você hoje me dá conta
Das mortes...
Eu aqui na Serra Torta
Já...
Homem que mata cem
Também Pode matar cento e um
Camaradinha, aquinderre
119
Esta situação aponta para reflexão de que, no contexto de práticas
culturais, como a literatura de cordel e a própria capoeira, a idéia de autoria é um
pouco diferente do que comumente estamos habituados. Uma mesma música,
por exemplo, pode ser interpretada num momento com uma letra e, noutro, pode
ser significativamente alterada
120
, em função da situação em que é executada –
ver Galvão (Ibid., p.158).
Vimos, assim, que “Quanto aos cantos, há dezenas deles, não somente os
permanentes, que passam de geração, como “Apanha laranja no chão tico-tico”,
considerado um hino de capoeira, como também os improvisados. Valdemar
improvisa mais de uma letra, pelo menos, como os trovadores populares
(TAVARES, 1961., p.182, grifos meus).
Um dos temas mais freqüentes na literatura de cordel é a ‘ciência’: “os dois
poetas disputam entre si, diante de um suposto público, quem tem mais
conhecimentos ‘eruditos’” (GALVÃO, 2001, P. 147). Esta temática também foi
cantada, na capoeira, por Mestre Waldemar:
119
Ouvir faixa número 15 do anexo em CD.
120
Também notei a música O Riachão com variações na letra, ou poderia dizer com execução de
trechos diferentes do original ou com pequenas variações – (GALVÃO p.159; negro p.100; 102,
111).
147
Sô professô de matéria
Que os sábios não conhecem
A lei que eu dito no mundo
O próprio rei obedece
Os meus feitos é muito grande
Neste mundo estende e cresce
Riachão lhe perguntou
Quero que você descreva grande mistério
Que entre nós a terra tem
Porque é que em doze horas
Há uma transformação
O diabo arrespondeu
O sol não é quem se move
A terra está sobre um eixo
E o eixo faz rodar
E esta rotação
Faz a luz do sol faltar
121
Outra dimensão importante na trajetória de Mestre Waldemar é a que diz
respeito ao caráter educativo, digamos, visto na condução do seu Barracão. O
Barracão do Mestre Waldemar, como ficou conhecido, era localizado na Estrada
da Liberdade, no bairro Corta-Braço, em Salvador. O Barracão era um espaço de
rodas de capoeira, principalmente aos domingos, quando a população local se
fazia presente.
O Corta-Braço foi fruto de uma das primeiras ocupações de populares em
busca de moradia, realizada na cidade de Salvador, no inicio dos anos de 1950.
Por isso mesmo, em um espaço relegado à própria sorte pelo poder público,
atividades que pudessem oferecer alguma perspectiva de lazer e vida comunitária
eram bem-vindas. Neste sentido, Mestre Waldemar tinha o papel de conduzir sua
roda de forma que não houvesse barulho, ou seja, brigas entre os valentões para
que a população, em geral, mas também mulheres, crianças, eventuais turistas e
intelectuais pudessem freqüentar o Barracão aos domingos.
Frede Abreu falou-me, durante a entrevista que me concedeu, sobre essa
idéia de que Mestre Waldemar conduzia o Barracão de forma a administrar os
conflitos, que pudessem surgir entre os capoeiristas, especialmente através da
música, do seu canto. O pesquisador disse: “Tem uma coisa bem interessante,
até acho que está no livro
122
, é quando ele diz a forma como ele tem que domar
121
Música atribuída ao Mestre Waldemar, colhida por Oliveira (1956).
122
O entrevistado se refere ao seu Livro Barracão do Mestre Waldemar, publicado em 2003
(ABREU, 2003).
148
os caras. A coisa que ele fala assim: Não, os valentões vem aqui na minha
academia, mas na hora que eu começo a cantar todo mundo entra na
minha”(ABREU).
Figura 14 Capoeiristas Traíra e Nagé jogando no Barracão (ABREU, 2003).
A dimensão educativa está justamente na possibilidade de uma
comunidade se reunir em torno de uma liderança, que lidava com conflitos para
que todos pudessem participar de algo construído coletivamente, que era a roda
de capoeira, na qual alguns jogavam, outros cantavam ou assistiam, mas todos e
todas eram participes de um mesmo conjunto.
Ao argumentar sobre a possibilidade do Barracão ser caracterizado como
espaço educativo, estou fazendo alusão ao entendimento da educação como
prática relacional, que ocorre entre os seres humanos mediatizados pelo mundo
ou, mais especificamente, pela vivência coletiva de desafios compartilhados,
parafraseando Freire (1996).
149
Figura 15 Mulheres e crianças assistindo à roda no Barracão (ABREU, 2003).
Este caráter também foi afirmado por Frede Abreu, em primeiro lugar
caracterizando, brevemente, o contexto no qual se situava o Barracão do Mestre
Waldemar: “o Corta-braço – antes do Waldemar – era um lugar, considerado
assim, um lugar perigosíssimo da Bahia. Era um mato, um matagal. E ali era um
lugar assim: o criminoso fugia ia para aquele lugar; ficavam para lá criminosos;
um lugar desse tipo” (ABREU).
Em seguida, Abreu chama a atenção para a organização de pessoas de
diferentes localidades em torno de uma invasão, em que, normalmente, alguns
laços são desfeitos e surgem outros.
E ali, com o desenvolvimento da cidade começa-se a se ocupar aquilo ali, não é:
uma casa aqui, uma ali. Mas acho que em 40, 45, 46 você tem uma invasão ali –
invasão: as pessoas invadem um terreno e todo mundo, como é que diz, invade o
150
terreno e todo mundo faz as suas casas. Então aquilo foi considerada a primeira
invasão de terras em Salvador. Quando você tem uma invasão, geralmente você
tem uma..., convergem para a invasão pessoas de diversos lugares. Então você
desfaz muito de laços familiares, laços de vizinhanças, milhares de laços.
Em conseqüência disso, ocorre um novo arranjo espacial e social, em que
os(as) moradores(as) estão expostos ao contato com novas experiências,
desafios, mas também com possibilidades de fortalecimento da articulação e da
ação coletivas. Isto é, “Então o que acontece: nesses lugares começam também a
acontecer determinadas coisas, que são coisas vão criando fatores de novas
sociabilidades, de socialização. Então você tem o baba, o jogo de futebol; você
vê as pessoas vem jogar o dominó; as festas; o carnaval. E a academia dele, ela
funcionava, funcionou muito assim” (ABREU).
Assim, vimos que o Mestre Waldemar teve destaque no campo da capoeira
não só por uma série de contribuições, especialmente em relação à música, mas
porque através disso, de certa forma, sua influência vem sendo sentida
constantemente neste cenário, sendo que recentemente participou indiretamente
do chamado processo de revitalização da Capoeira Angola, ao servir como
referência para as musicalidades.
Além disso, a atuação na condução do seu Barracão pode ser vista como
referência para se pensar as dimensões coletivas, participativas nas rodas de
capoeira. Inclusive, isso evoca a idéia de que um dos papéis das musicalidades é
justamente contribuir para a organização e sustentação de ações coletivas, que
representam contextos de articulação entre diferentes pessoas e perspectivas,
tendo como base e elo o espaço singular das rodas de capoeira, nesse caso o
Barracão do Mestre Waldemar.
151
2. 3 Diálogo intercultural: categoria político-pedagógica
Neste momento, proponho outros jogos, tendo como espaço-tempo a
cidade da Bahia, nos dias de hoje, através de um conjunto de entrevistas que
expressam algumas visões dos agentes da capoeira sobre suas musicalidades.
A partir da idéia de diálogos interculturais, neste trabalho, busco explicitar
as (diferentes) visões dos agentes da capoeira – mestres e professores, em
particular, capoeiristas, em geral e um pesquisador da capoeira, num caso
específico – sobre as musicalidades desta prática cultural.
A categoria de diálogo intercultural, que tomo como guia, tem como
referência Andreola (2000; 2002). Este autor propõe, em um artigo publicado em
2002, o diálogo intercultural como categoria central para o dialogo entre as
civilizações.
Para tanto, o autor parte das aproximações entre Fanon, Freire e Mounier,
sendo que dedicou a estes dois últimos sua tese de doutoramento. Andreola
(2002) vê neles pensadores revolucionários, em que: “(...) ‘esperança’, ‘amor’,
fraternidade’, ‘solidariedade’, não representam expressão vocabular de um
sentimentalismo idealizante, de um humanismo vago e inconseqüente. Trata-se
de categorias epistemológicas e políticas (...)” (Ibid. p.139).
Nesta linha, Andreola define que o “Diálogo intercultural é estratégia
política indeclinável para construir uma nova humanidade num projeto que não se
conforme com o caminho suicida da especulação, da ganância, da competição,
da fome e da guerra” (Ibid. p.140).
O diálogo intercultural, portanto, é uma estratégia política fundamental da
prática político-pedagógica. Isto porque, como Andreola concluiu, “Coerentemente
com a teoria e com a práxis política-pedagógica de Fanon, Freire e Mounier, o
diálogo deve ser sobretudo com o povo, com sujeitos históricos” (Ibid., grifos
meus).
A dialogicidade como categoria político-pedagógica tem expressão na obra
do importante pedagogo Paulo Freire – educador brasileiro que, no contexto da
educação de adultos, inicialmente, soube apreender com as classes populares
que o diálogo é um encontro entre seres humanos com o mundo por eles
compartilhado. O mundo, como realidade existencial concreta vivida, representa o
conjunto de problemas vividos pelos sujeitos das relações educativas,
152
educadoras(os) e educandas(os). Daí que dialogar sobre o vivido possa ser visto
como uma busca de compreensão para a ação humana que se pretende cada vez
mais crítica, cada vez mais compreensiva de seus limites e possibilidades.
Explicitamente, isso significa dizer e reconhecer com o professor Paulo
Freire (1987) A dialogicidade [como] essência da educação como prática da
liberdade. Neste caminho, tomo suas palavras como se fossem minhas, pela força
de sentido que nos trazem e porque, como ele, vejo o mundo como desafio e
justamente “Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é encontro
em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a
ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias
de um sujeito no outro nem tampouco tornar-se simples trocas de idéias a serem
consumidas pelo permutantes” (FREIRE, 1987, p.79).
É tendo em vista esse caráter político-pedagógico do diálogo intercultural,
que priorizo aqui a análise de 10 (dez) entrevistas com mestres de capoeira,
realizadas no período de 06 de janeiro a 06 abril de 2005, durante a realização de
estágio de dourtorado-sanduíche, com apoio do CNPq, em Salvador
123
. O objetivo
é explicitar as diferentes visões desses agentes sobre o as musicalidades da
capoeira, como relação de saber/poder.
Para avançar no tratamento do material empírico advindo das entrevistas,
uma decisão seria fundamental: como proceder na exposição dos dados. Será
que deveria tentar construir uma trama narrativa, dando uma melhor
apresentação e valorização possível aos pontos considerados mais importantes
das falas dos entrevistados? Deveria, ao contrário, privilegiar ao máximo as suas
opiniões, sem maiores intervenções minhas na apresentação das respostas? Ou,
ainda, demonstrar quais são os pontos presentes nas falas dos entrevistados, que
são diretamente relacionados com as várias dimensões, que trato na
problematização das musicalidades das rodas de capoeira? Qual seria a
vantagem, para fins de análise nesta investigação, de uma ou de outra
estratégia?
Inicialmente, tive uma inclinação pela a primeira opção. No entanto, fui
obrigado a reconhecer que simplesmente apresentar o conteúdo das entrevistas
123
A bolsa de doutorado-sanduíche, concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico/CNPq, tem por objetivo: “Apoiar aluno formalmente matriculado em curso
de doutorado no Brasil para desenvolvimento parcial de sua tese junto a outro grupo de pesquisa
nacional.” (CNPq, 2005).
153
não daria conta de enfatizar as questões relacionadas aos processos de ensino e
aprendizagem das musicalidades das rodas de capoeira, como uma esfera de
saber/poder.
Por isso, a opção mais coerente com os objetivos do presente trabalho foi a
de eu tentar privilegiar as falas dos entrevistados, mas já fazendo comentários e
esboçando ligações e comparações, na medida do possível, que permitam
demonstrar como esses agentes compreendem: os papéis das musicalidades das
rodas de capoeira; as estratégias de ensino e aprendizagem desse saber; os
significados que essas musicalidades podem ter; e as possíveis relações de
saber/poder em torno das mesmas.
Seguindo a idéia de tentar esboçar diálogos interculturais, que
valorizassem as opiniões dos entrevistados, decidi tentar expor os dados, partindo
de uma inspiração bourdieusiana.
Explico melhor. No livro A miséria do mundo, publicado no Brasil em
2001
124
, sob a coordenação do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, é visto um
conjunto de estudos de caso, apresentados da maneira mais direta possível. Isto
é, o procedimento adotado pelos autores foi de transcrever as entrevistas, sem
maiores intervenções dos entrevistadores.
Bourdieu apresenta seu livro dizendo: “Entregamos aqui os depoimentos
que homens e mulheres nos confiaram a propósito de sua existência e de sua
dificuldade de viver” (BOURDIEU, 2001, p.9). Com isso, fica evidente o peso que
é dado aos depoimentos coletados e a responsabilidade que os mesmos
conferem ao trabalho de publicá-los.
Logo na primeira página da apresentação referida, em uma nota, o leitor é
direcionado ao final do livro: “Remetemos ao fim da obra para uma exposição
detalhada dos pressupostos epistemológicos das operações de pesquisa,
transcrição e de análise das entrevistas” (Ibid.)
Se o leitor daquele livro seguir o caminho indicado, verá que, nesse caso,
trazer a público tais depoimentos significa um peso de responsabilidade, na
medida em que o próprio Bourdieu afirma, semelhante ao que fazem Andreola
(2000; 2002) e Freire (1987), ser: “O ato político, de uma espécie muito particular,
que consiste em tornar público, pela publicação, aquilo a que normalmente não se
124
Faço referência a 4ª edição do livro (BOURDIEU, 2001).
154
tem acesso, ou nunca, em todo o caso, sob esta forma, se encontraria de algum
modo desviado, e totalmente esvaziado de seu sentido” (Ibid., p.712).
Aí vemos que uma das vantagens deste método de trabalho consiste
exatamente em assumir a postura política, que privilegia trazer a público a visão
de mundo dos depoentes. Ora, quantas entrevistas ou depoimentos de mestres
de capoeira têm se extraviado ou não são de conhecimento do grande publico,
muitas vezes, provavelmente por fazerem parte de velhos baús de preciosismos
guardados a sete chaves?
Não obstante esse aspecto, no item ao final do livro, em que Bourdieu
propõe explicitar o método adotado no trabalho, ele deixa claro não ter a
pretensão de se alongar nesta discussão escolástica, como está dito. E aí vemos
que, talvez, uma outra vantagem da postura adotada seja de fugir do vício das
repetições que, nem sempre, se aplicam ou funcionam da melhor forma possível
nas diferentes pesquisas. E ele próprio diz:
Não creio que por isso se possa remeter-se aos inúmeros escritos ditos
metodológicos sobre as técnicas de pesquisa. Por mais úteis que possam ser
para esclarecer tal ou qual efeito que o pesquisador pode exercer ‘sem o saber’,
lhes falta quase sempre o essencial, sem dúvida porque permanecem
dominados pela fidelidade a velhos princípios metodológicos que são
freqüentemente decorrentes, como o ideal da padronização dos procedimentos,
da vontade de imitar os sinais exteriores mais reconhecidos do rigor das
disciplinas científicas; não me parece, em todo caso que eles levem em
consideração tudo aquilo que sempre fizeram, e sempre souberam os
pesquisadores que respeitavam seu objeto
125
e os mais atentos às sutilezas
quase infinitas das estratégias que os agentes sociais desenvolvem na conduta de
sua existência (Ibid. p. 693, grifos meus).
Para Bourdieu, é necessário perseguir Uma comunicação não violenta,
conforme o subtítulo à página 695 (Ibid.), de forma que sejam reconhecidas as
dificuldades que implicam a realização de toda e qualquer entrevista; pois a
própria presença física e simbólica de um entrevistador diante do entrevistado
influencia nas respostas dadas por este. De todo modo, o desafio, portanto, seria
buscar uma forma de compreensão desejada,
125
Faço aqui a ressalva de que existe hoje, sobretudo, um “senso comum” acadêmico, na minha
opinião, totalmente equivocado, sobre se falar em objeto de pesquisa. Aqueles e aquelas que
colocam uma série de pudores, para a utilização desse termo, deveriam considerar que, quando o
mesmo é evocado, não é no sentido de chamar um entrevistado, por exemplo, de objeto. Ao
contrário disso, objeto de pesquisa diz respeito ao conjunto de questões, hipóteses, em síntese,
um conjunto de dimensões interligadas, que representa a problemática tomada como objeto de
análise numa pesquisa.
155
Mesmo que ela só se manifeste de maneira totalmente negativa, inspirando
precauções e as atenções que determinam o pesquisado a ter confiança e a
entrar no jogo, ou excluindo as perguntas forçadas ou mal colocadas, é esta
informação prévia que permite improvisar continuamente as perguntas
pertinentes, verdadeiras hipóteses que se apóiam numa representação
intuitiva e provisória da fórmula geradora própria ao pesquisado para provocá-lo
a se revelar mais completamente (Ibid., p.700, grifos meus).
Daí outra vantagem do método: privilegia ao máximo a transcrição mais
direta possível das respostas, porém, mais do que isso, a idéia de comunicação
não-violenta seja de colaborar com a explicitação das hipóteses mais recorrentes.
Isto é, na medida em que algumas perguntas vão se tornando recorrentes ao
longo das entrevistas, é possível verificar as hipóteses mais relevantes para o
trabalho; e, ao mesmo tempo, buscar algumas categorias para as análises feitas a
seguir. Isso porque a recorrência de algumas questões, como veremos,
demonstra não só as dimensões privilegiadas na investigação, como constituintes
da problematização do tema “as musicalidades da rodas de capoeira”, mas
também expressa a forma como esta problematização vai sendo cercada e
delimitada dialeticamente pelo campo empírico, relativo às entrevistas, mas
também pelas histórias dos mestres de capoeira, antes privilegiados, e nos cursos
de formação de educadores de capoeira, a serem discutidos à frente.
Finalmente, é preciso considerar que a adoção do processo de transcrição
das entrevistas não é algo que possa ser visto de maneira simplista. “Pois é claro
que a transcrição muito literal (a simples pontuação, o lugar de uma vírgula, por
exemplo, podem comandar todo o sentido de uma frase) já é uma verdadeira
tradução ou até uma interpretação” (Ibid. p.709).
Portanto, o processo de elaboração das entrevistas aqui apresentadas não
contemplou apenas a sua realização e posterior transcrição. Como vimos, o
trabalho de transcrição é complexo. Aqui, ele exigiu: uma primeira etapa de
transcrição
126
; à posteriori, uma revisão, que fiz pessoalmente, a fim de identificar
palavras, eventualmente mal entendidas numa primeira transcrição, objetivando
126
A primeira etapa de transcrição das entrevistas contou com o suporte técnico de Luis Gabriel
Angenotti. Após seu trabalho, retomei a escuta detalhada das entrevistas, identificando as
palavras até então não compreendidas, e procurei a melhor pontuação possível para expressar o
ritmo mais próximo das falas, que me era ditado pelas lembranças dos ambientes e situações em
que as entrevistas foram realizadas e, é claro, pela própria sonoridade das vozes dos
entrevistados, reproduzidas pelo gravador.
156
favorecer ao melhor entendimento de termos e linguajares próprios da capoeira;
e, finalmente, a própria organização das frases que envolveu, entre outras
dificuldades, o ritmo de fala ditado pelo sotaque soteropolitano da maioria dos
entrevistados.
Não seria demais notar que:
O processo verbal do discurso recolhido que o autor da transcrição produz está
submetido a dois conjuntos de obrigações de fidelidade a tudo que manifesta
durante a entrevista, e que não se reduz ao que realmente é registrado na fita
magnética, levariam a tentar restituir ao discurso tudo que lhes foi tirado pela
transcrição para o escrito e pelos recursos ordinários da pontuação, muito fracos e
muito pobres, e que fazem, muito amiúde, todo o seu sentido e o seu interesse;
mas as leis de legibilidade que se definem em relação com destinatários
potenciais com expectativas e competências muito diversas impedem a
publicação de uma transcrição fonética acompanhada de notas necessárias para
restituir tudo que foi perdido na passagem do oral para o escrito, isto é, a voz, a
pronúncia (principalmente em suas variações socialmente significativas), a
entonação, o ritmo (cada entrevista tem seu tempo particular que não é o da
leitura), a linguagem dos gestos, da mímica e de toda a postura corporal, etc.
(Ibid. p. 712).
Tendo em mente essas dificuldades, procuro contextualizar, ao máximo
possível, as situações em que ocorreram as entrevistas, o que é feito com o
auxílio de minhas anotações de campo, fazendo também uso de fotos de tais
situações e ambientes onde se entrevistas. Propositadamente, vou apresentando
os jogadores/entrevistados em ordem cronológica de realização das entrevistas,
procurando demonstrar as questões que foram sendo mais recorrentes (e as
hipóteses ligadas a elas). Isto é, na medida em que fui realizando as entrevistas,
percebi quais eram os questionamentos mais evidentes, que poderiam servir
como guia para análise das musicalidades das rodas de capoeira, conforme
apresento a seguir.
157
2.3.1 Diálogos interculturais: algumas visões de mundo dos mestres de
capoeira hoje
Como já disse, recorro à noção de diálogo intercultural na expectativa de
explicitar as diferentes visões que os educadores de capoeira têm sobre o papel
da música na capoeira, seus processos de ensino e aprendizagem; tentando abrir
caminho para verificar a possibilidade de tais musicalidades constituírem objetos
de disputas simbólicas no interior dessa prática cultural que, nessa perspectiva,
poderia ser compreendida como um campo de poder.
Em relação a esses aspectos, o percurso investigativo de levantamento de
dados teve como estratégia fundamental a realização de entrevistas, com mestres
de capoeira da cidade de Salvador. Portanto, o espaço-tempo dessa roda é o
momento atual, neste inicio de século XXI, mais especificamente, o trabalho de
campo realizado na cidade da Bahia de 06 de janeiro a 06 de abril de 2005.
Durante o trabalho de campo, percebi algumas questões como sendo mais
recorrentes, o que contribuiu para a eleição de categorias de análise, conforme
tentarei demonstrar, principalmente nas discussões contidas no terceiro capítulo.
As questões mais recorrentes ao longo das entrevistas, de maneira geral,
visavam a trazer a luz o entendimento dos entrevistados sobre: como os
educadores de capoeira formulam e dinamizam seus saberes musicais – quais
são as estratégias de ensino e aprendizagem desenvolvidas para este fim; quais
visões e significados têm em relação a estas musicalidades – que papéis
atribuem às musicalidades.
Estas questões foram expostas aos entrevistados em conjunto com outras
problematizações, que visavam a analisar a possibilidade das musicalidades
exercerem uma relação de saber/poder na/da capoeira. Por isso, também lancei
questões, que poderiam esboçar pontos controversos em relação a diferentes
opiniões dos agentes sobre as musicalidades. Esse nível de questões esteve,
particularmente, ligado à atuação dos Mestres antes historiados: Mestre Bimba;
Mestre Canjiquinha; Mestre Pastinha; e Mestre Waldemar da Paixão.
O ponto de partida, como disse, são as entrevistas, realizadas em
Salvador. Quando lá estive, o foco de atuação foi sustentado por três pontos
principais, os quais serviram como base para todo o trabalho de campo e
atividades de pesquisa desenvolvidas: 1) A residência estabelecida no bairro
158
Federação, no Campo Santo
127
, na Rua Nossa Senhora de Fátima, número 6,
apartamento 201, Alto das Pombas; 2) a Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia, no Vale do Canela, mais especificamente o espaço das duas
salas do grupo LEPEL e das salas das aulas das disciplinas de capoeira, que
eram ministradas por seus integrantes; 3) o Pelourinho, onde estão localizadas as
associações de capoeira, que foram priorizadas no trabalho de campo, além do
Instituto Mauá, onde recebi um importante apoio e orientação do pesquisador
Frede Abreu
128
.
A partir da minha residência, fixada na Federação, foram desenvolvidas
todas as atividades de pesquisa, tais como: participação nos trabalhos do grupo
Linha de Pesquisa em Esporte e Lazer/LEPEL; idas às associações de capoeira,
bibliotecas e acervos; e deslocamentos para festas de largo e realização de
entrevistas, como será descrito nos itens a seguir.
A escolha dos mestres, para realização das entrevistas, teve como critérios
iniciais: a) privilegiar as diferentes visões ligadas às musicalidades da capoeira,
influenciadas pelo fato dos entrevistados serem praticantes de Capoeira Angola
ou Capoeira Regional; b) o fato dos mestres entrevistados pertencerem a
associações, academias ou grupos de capoeira, identificados explicitamente
como sendo pertencentes às capoeiras Angola ou Regional; c) o fato dos mestres
entrevistados serem discípulos de mestres de capoeira, também identificados e
que tiveram importantes atuações na história da capoeira, a partir das vertentes
Angola e Regional; d) a possibilidade dos entrevistados terem algum tipo de
ligação com o fazer musical na capoeira; e) e, em menor número, a realização de
entrevistas junto a pessoas que não se enquadravam em nenhum desses
critérios, mas que poderiam fornecer importantes respostas acerca de uma visão
de conjunto sobre o papel e os processos de ensino e aprendizagem da música
127
Campo Santo é o nome de um Cemitério, localizado no bairro Federação, que empresta o
nome a uma localidade específica desse bairro. Vários capoeiristas com os quais conversei, e até
mesmo o pesquisador Frede Abreu, afirmaram que a Federação já foi um grande reduto de
capoeiristas. Houve quem dissesse, também, que naquele cemitério foi enterrado Mestre
Canjiquinha.
128
O pesquisador Frede Abreu, do Instituto Jair Moura de Salvador, consegue efetuar uma
importante contribuição à pesquisa acadêmica realizada sobre a temática capoeira, em nível
nacional e internacional. Basta ver que a maioria dos pesquisadores acadêmicos, que realizaram
importantes trabalhos sobre o tema, nas últimas décadas, têm recebido seu apoio. Por isso
mesmo, o próprio Frede Abreu costuma brincar – sem que por isso deixe de ter plena consciência
da importância do papel estratégico que realiza, como alguém que não só tem amplo acúmulo e
domínio das fontes, como a capacidade de indicar os caminhos espinhosos de tal pesquisa – que
é o orientador selvagem dos pesquisadores acadêmicos.
159
de capoeira, como foi o caso do pesquisador Frede Abreu, do Instituo Mauá e do
Instituo Jair Moura.
Em seu conjunto, as 10 (dez) entrevistas realizadas representam, pelo seu
conteúdo e diversidade dos entrevistados, uma amostra bastante significativa das
diferentes visões sobre as musicalidades da capoeira. Passo a jogar com os
entrevistados, trazendo à tona suas falas e entendimentos sobre as
musicalidades das rodas da(s) capoeiras(s).
Para saudar os jogadores que farão parte deste momento da roda, destaco
um canto como louvação:
Ai, ai, aidê
Joga bonito que eu quero aprender
Ai, ai, aidê,
Joga seu Frede que o povo quer ver
Ai, ai, aidê, olha lá seu Pelé, que eu quero ver
Ai, ai, aidê, joga Mestre Cafuné, que eu quero aprender
Ai, ai, aidê, seu Raimundo Dias, que eu quero ver
Ai, ai, aidê, jogo bonito que eu quero ver
Ai, ai, aidê, canta Mestre Neco, que eu quero aprender
Ai, ai, aidê, Mestre China, que eu quero ver
Ai, ai, aidê Mestre Cobra Mansa levando uma Angola pra você
Ai, ai, aidê, Mestre Nenel, eu cantei pra você,
Ai, ai, aidê, Mestre Moa, eu levei pra você
Ai, ai, aidê
160
2.3.2 Vamos abrir a roda: a apresentação dos jogadores
Eu já estava em Salvador fazia dezessete dias. Havia encontrado alguns
mestres de capoeira, que conheci em São Paulo, em 2003, durante o I Congresso
Nacional de Capoeira. Conversei com alguns desses mestres sobre o referido
evento, procurando expor, quando possível, o motivo da minha estada na cidade.
Alguns foram muito receptivos. Outros nem tanto.
O objetivo de entrevistar um mestre de capoeira revela, hoje, o quanto este
é um espaço que requer uma aproximação cautelosa e respeitosa por parte do
pesquisador. Essa situação me ofereceu, inicialmente, alguma dificuldade para o
objetivo de realizar parte do meu trabalho por meio de entrevistas. Esta aparente
dificuldade, por si mesma, revelou algumas questões pertinentes para esta
investigação, as quais procurarei valorizar na medida do possível.
A primeira delas é o quanto a questão comercial está presente no mundo
da capoeira. A busca pela sobrevivência faz com que alguns capoeiristas e
algumas entidades cobrem, em dinheiro, para tudo. Isso vai desde a foto de uma
roda até a concessão de uma entrevista – o que não foi o meu caso, pois, como
disse, não tinha recursos para isso. Certamente, a idéia de que a as práticas
culturais são tensionadas por esferas problemáticas, advindas da indústria
cultural, mostra o impacto dos seus modelos de consumo sobre as visões de
mundo dos agentes ligados a essas práticas culturais – conforme discutirei no
capítulo 3.
Outro ponto que isso me revelou foi que para conhecer as musicalidades
das rodas de capoeira, na Bahia, eu precisaria ter como parâmetro (ainda que
indiretamente) outros meios, além das entrevistas. A convivência com alguns
capoeiristas foi um dos pontos importantes, que me possibilitou muitas conversas
sobre diversos assuntos ligados à capoeira e a visita a algumas academias de
capoeira.
Também percebi o quanto eu poderia aprender participando da vida
cultural da cidade. A época do ano em que estive em Salvador é bastante intensa,
em termos de festas de largo, pelo acontecimento do carnaval e por outras
manifestações, nas quais, invariavelmente, a capoeira está presente, mais ou
menos intensamente.
Fora isso, quando eu não estava exatamente presente nos espaços de
161
capoeira, dividia o meu tempo entre as atividades do grupo LEPEL, ligadas à
capoeira, entre outras atividades de pesquisa, que envolviam contato com
pesquisadores da capoeira, ou o intenso trabalho de pesquisa bibliografia junto a
instituições públicas da cidade da Bahia.
Tendo isso presente, não foram raras as vezes que precisei repetir a
ladainha de que um estudante de doutorado não possui recursos para pagamento
de entrevistas. No entanto, os mestres que se dispuseram a me conceder
entrevistas agiram na pura camaradagem. Penso, também, que havia vontade de
demonstrarem o que sabiam sobre as musicalidades e sobre a capoeira, em
geral. A tentativa de valorização da linha que seguem ou do que aprenderam com
seu mestre pode ter contribuído para aceitação de alguns entrevistados. Alguns
capoeiristas colocam a responsabilidade da continuidade do trabalho, iniciado por
seu mestre, antes de qualquer outra coisa.
O inicio do ano é uma época bastante interessante, em Salvador, como já
disse. Minha aposta de que encontraria mestres vindos do exterior na cidade para
aproveitarem o verão, fugindo do frio do inverno da Europa e da América do
Norte, estava certa. Como veremos, dois entrevistados estavam na cidade nesta
situação.
A primeira entrevista foi com o pesquisador Frede Abreu, dia 17 de janeiro
de 2005, no Instituto Mauá, no Pelourinho. Tinha como ponto que colaborava a
meu favor o fato de já conhecer o pesquisador. Eu havia conhecido o Frede em
2003, no congresso antes citado. Nessa ocasião, eu comprei dele o livro Barracão
do Mestre Waldemar (ABREU, 2003).
Vários aspectos desse livro, ligados à atuação do Mestre Waldemar, me
chamaram a atenção. E eu desejava dialogar com o Frede sobre o livro. Tive a
oportunidade de encontrá-lo novamente em 2004, durante o I Seminário Nacional
de Estudos de Capoeira - SENECA, em Campinas. Dessa feita, comentei com o
Frede sobre meu interesse e ele imediatamente demonstrou-se muito interessado
em colaborar comigo no que pudesse.
162
Figura 16 Entrevista com Frede Abreu (Arquivo pessoal de CORTE REAL).
Dessa forma, quando o reencontrei, em Salvador, ele agiu com se
estivesse diante de um velho amigo. Na época, lembro que o Frede estava
bastante envolvido na elaboração de um outro livro, o seu Capoeiras, Bahia,
século XIX: imaginário e documentação (ABREU, 2005). Mesmo assim, me
recebeu para entrevista o mais rápido que pôde.
Marcamos para nos encontrarmos no Instituto Mauá, localizado no Centro
Histórico, Pelourinho, na manhã, deste 17 de janeiro. “Conforme combinado, as
8h e 30min, cheguei no Instituto Mauá para entrevistar o Frede Abreu. Na rua do
instituto, encontrei Lang Liu, que havia demonstrado interesse em acompanhar a
entrevista. Logo em seguida, Frede chegou. Subimos para seu espaço de
trabalho. Ele deu um pouco de atenção a Lang e depois realizamos a entrevista.
(...) Depois almoçamos juntos”
129
(CORTE REAL, Diário de Campo 1, 2005).
No inicio da entrevista, procurei saber como se deu a aproximação do
Frede com a capoeira e como começou a pesquisar sobre o assunto. Apesar de
ter convivido com parte da galanteria
130
da capoeira de Salvador, Frede disse que
129
Na medida do possível, usarei minhas anotações de diários de campo para contextualizar as
entrevistas e, quando possível, para expor elementos importantes para o tema em estudo.
130
Expressão usada pelo capoeirista Totonho Maré. Parece ser usada no mesmo sentido de
velha-guarda, bambas no sentido de designar os capoeiristas de maior prestigio e reconhecimento
entre seus pares.
163
se aproximou da capoeira tardiamente. Essas são palavras dele:
Eu me aproximei da capoeira muito tarde, tardiamente, isso na década de 70. Por
questão que fui trabalhar num local que era... nesse local tinha um departamento,
que chamava departamento de cultura e tinha uma divisão de folclore. E a gente
tinha sido contratado, contrataram um pessoal, que era para dar uma assessoria
cultural ao prefeito. O prefeito tinha uma ... , na época, umas pretensões assim, na
época da ditadura; então se chamava o déspota esclarecido. Então, um cara
assim... Ele chamou, convidou uma turma. Aí ficou um mês ali de negócio, a gente
percebeu que a única coisa que tinha feito era um discurso para o prefeito. Nós
escutamos o pessoal. Saiu de baixo, tinha umas figuras proeminentes da cultura
do Brasil e eu fiquei. E eu fiquei, não tinha trabalho; não tinha trabalho, então me
colocaram nesse departamento. Aí eu comecei, era a divisão de folclore nessa
época. O trabalho que eles tinham - eles tinham um trabalho anterior com
capoeira - com essas manifestações, que eles diziam que eram manifestações
folclóricas. Eu aí comecei a trabalhar com isso. Comecei a descobrir algumas
coisas assim interessantes (ABREU).
É oportuno observar que Frede destacou como era o contexto da cidade de
Salvador, nos anos 70, e o movimento cultural, que envolvia a capoeira. “A
capoeira tem um movimento. Na cidade de Salvador estava acontecendo algumas
coisas também, de um ponto de vista cultural, muito importantes, que era o inicio
dos blocos afros, a própria questão política; a questão racial estava sendo
colocada de forma muito bem politizada. E eu aí achava que por esse caminho aí
dava para fazer um trabalho, dava para entrar” (ABREU).
Neste contexto cultural, o pesquisador identificou, como disse, algumas
lideranças dessa comunidade. Contudo, ele diz também ter identificado uma
contradição. Pois apesar de algumas pessoas dizerem que a capoeira estava
“terminando”, havia um movimento que a envolvia. A partir desta questão,
começou seu trânsito pelo mundo da capoeira: “Mas aí eu levantei algumas
questões minhas pessoais e coloquei assim, como para ver se realmente batiam.
Então, eu colocava muitas situações de contradição. As pessoas falavam: a
capoeira está morrendo. Então, colocava sempre, procurava sempre colocar, uma
situação que mostrasse que capoeira estava viva, esse negócio” (ABREU).
Foi a partir desta época, que o Frede conviveu com vários Mestres que têm
lugar na história da capoeira e começou a descobrir qual poderia ser sua atuação,
na capoeira. Dois aspectos principais o absorveram: a organização institucional
do trabalho dos mestres; e a organização de um acervo sobre capoeira, que
envolvia, também, a organização de publicações sobre o tema. Ele contou desta
164
forma:
Trabalhei muito nessa parte institucional: a academia de João Pequeno fui um dos
montadores; a restauração da academia de Mestre Canjiquinha; a Fundação
Mestre Bimba. Então eu fui, passei uma outra era de memória. Então a gente
começou a fazer: fez livro de Canjiquinha; fez livro de Cobrinha; os quatro livros
do Jair Moura. Então com tempo eu fui vendo também que eu poderia prestar uma
contribuição muito grande, nessa parte de acervo. Então, eu comecei a juntar
material (ABREU).
O próximo jogador, que chamo para esta roda, é o Mestre Cafuné, da
Fundação Mestre Bimba. A segunda entrevista foi realizada com ele, no dia 18 de
janeiro de 2005, na Fundação Mestre Bimba, no Pelourinho. Havíamos
combinado de nos encontrar nessa Fundação, no inicio da tarde, em torno das
14h. Porém, quando cheguei, recebi o recado de que o mestre iria demorar a
chegar.
Como vi que o tempo passava, fui ao CEAO
131
e aproveitei para consultar e
adquirir alguns livros. Quando o mestre chegou: “Ele conversou um pouco com a
Nauvinha e depois me explicou que estava no médico. Como estava começando
uma aula às 18h, fomos para o fundo da Fundação, onde a entrevista foi
realizada” (CORTE REAL, Diário de Campo 1, 2005).
Comecei a perceber que, no momento inicial do diálogo, era necessário
estabelecer um clima amistoso, com o objetivo de deixar o interlocutor mais a
vontade possível para expressar suas opiniões. Isso aconteceu desde a primeira
entrevista e procurei tornar um procedimento introdutório para as demais.
Neste patamar, o Mestre Cafuné me contou como foi seu inicio na
capoeira, em 1967, frisando que seu mestre – Bimba – formava era capoeiristas.
“Primeiro eu tenho que esclarecer, eu procuro sempre fazer isso, é a questão de
Mestre Cafuné. Bimba não formou mestre. No tempo que eu me formei não havia
carreira de capoeirista, Bimba formava capoeirista. (...) O meu envolvimento na
capoeira foi através de uma reportagem num jornal que Bimba dava uma
entrevista e falava sobre a Luta Regional Baiana” (Mestre Cafuné).
131
Centro de Estudos Afro-Orientais, localizado no Pelourinho, Salvador.
165
Figura 17 Entrevista com Mestre Cafuné (Arquivo pessoal de CORTE REAL).
Uma outra entrevista, neste período, foi com o Mestre Pelé da Bomba, dia
26 de janeiro de 2005, no largo do Pelourinho, local em que possui um ponto de
venda de berimbaus e outros instrumentos musicais. O Mestre Pelé da Bomba me
contou:
A capoeiragem comecei em 1946 (mil novecentos e quarenta e seis) na rampa do
mercado modelo com o finado Bugalho. Nasci em 1934 (mil novecentos e trinta e
quatro), entendeu? E estou convivendo com a maior tranqüilidade. Com essa
idade que eu tenho é muito difícil eu sentir..., ser adoentado; e vivo nessa alegria
toda; com esse ar que Deus manda para nós e sempre dando aula; fazendo os
movimentos, viu? E alguma experiência, né (Mestre Pelé da Bomba).
166
Figura 18 Entrevista com Mestre Pelé da Bomba (Arquivo pessoal de CORTE REAL).
Na seqüência, foi realizado um conjunto de entrevistas com três Mestres
que participaram da gravação do CD Mestre China, Grupo de Capoeira Angola
Barcelona, vol. 02, Mestre China BNC – participação especial Mestre Raimundo
Dias e Mestre Neco. Salvador: BCN, 2005. O primeiro deles que entrevistei foi o
Mestre Raimundo Dias, discípulo de Mestre Bobó, e membro da Associação
Brasileira de Capoeira Angola-ABCA, dia 26 de janeiro de 2005, no Pelourinho.
Sobre o seu inicio na capoeira, o Mestre Raimundo Dias disse:
A minha história começou cedo, na década de sessenta, eu perdi minha mãe com
cinco anos, no recôncavo baiano; meu pai ficou meio desorientado e... Taí, mas
graças a Deus em sessenta e quatro, eu sou de 1954 (mil novecentos e cinqüenta
e quatro) estou com cinqüenta anos agora, né, estou com quarenta anos de
capoeira, comecei em 1964 (mil novecentos e sessenta e quatro) e tive o prazer
de conhecer, pra mim um..., pra mim foi o melhor mestre, Mestre Bobó, um
grande capoeirista, um grande angoleiro de Santo Amaro da Purificação e tinha
muito cuidado com as crianças, né, e eu fui premiado, porque eu vim morar aqui
em Salvador, na Rua Dique Pequeno do Tororó, aonde, né, tive o prazer de
conhecer o Mestre Môa do Catendê, né, Mestre Lua de Bobó.
167
Figura 19 Entrevista com Mestre Raimundo Dias (Arquivo pessoal de CORTE REAL).
Também quero trazer para roda um discípulo de Mestre Canijquinha, que é
o Mestre Neco. A entrevista com Mestre Neco ocorreu no salão de entrada da
ABCA, onde o mestre trabalha diariamente no atendimento aos turistas e na
venda de materiais, como livros e instrumentos musicais.
O Mestre Neco me relatou seu inicio da capoeira: “Eu comecei na capoeira
em 1959 aqui no Pelourinho, na Escola de Samba Filhos do Morro, onde era a
academia do Mestre Canjiquinha.”
Outro jogador entrevistado no período foi o Mestre China, que reside
atualmente na Espanha, onde coordena o grupo de capoeira Angola Barcelona,
dia 28 de janeiro de 2005, a caminho do aeroporto da cidade de Salvador. Mestre
China relatou: “Eu comecei a capoeira praticamente na rua. Via uma coisa
completamente diferente das outras artes marciais. E a capoeira me chamou a
atenção por não ser simplesmente uma arte marcial, ser uma coisa completa.”
Na seqüência do trabalho foi entrevistado o Mestre Cobra Mansa, que
retornou recentemente dos Estados Unidos para fixar novamente residência em
Salvador, sendo que é discípulo do Mestre Moraes, que vem da linhagem de
168
capoeira angola pastiniana – como ele disse – e a entrevista foi realizada dia 19
de fevereiro de 2005, em sua residência, no bairro Coutos.
Figura 20 Entrevista com Mestre Neco
No dia 23 de fevereiro de 2005, foi realizada, na ABCA, a entrevista com
Mestre Bigodinho, discípulo de Mestre Waldemar da Paixão – conhecido por ter
sido grande cantador e tocador da capoeira, além de ter sido responsável pelo
inicio da comercialização e divulgação do berimbau fora da capoeira, como vimos.
E no dia 23 de março de 2005, foi entrevistado, na Fundação Mestre
Bimba, o Mestre Nenel, como ele próprio diz, discípulo e filho de Mestre Bimba,
famoso, entre outros feitos, por ter sido criador da capoeira regional.
Finalmente, o Mestre Moa do Catendê, que atualmente trabalha com
ensino de percussão no antigo prédio da Faculdade de Medicina da Bahia, em
reforma, foi entrevistado no dia 31 de março de 2005.
Como veremos nos diálogos a seguir, esboçados pelo privilégio da
explicitação das visões e opiniões dos entrevistados, o conjunto por eles formado
representa uma rica diversidade de informações, que contribuem para discussão
das musicalidades das rodas de capoeira. Os dados apresentados acima servem
como referência para as análises a seguir, pois indicam previamente algumas
169
vinculações dos entrevistados às Capoeira Angola ou Capoeira Regional, bem
como quais foram seus mestres etc.
170
2.3.3 Papéis atribuídos às musicalidades das rodas de capoeira
A música na capoeira é a comunhão entre o capoeirista e o cosmo.
(Mestre Môa do Catendê)
Uma questão comum, logo nesses primeiros encontros com meus
interlocutores, estava relacionada aos papéis atribuídos por esses agentes às
musicalidades das rodas de capoeira. Eu procurei introduzir a questão desta
forma, como fiz com Frede Abreu: “(...) eu gostaria de perguntar qual é a tua visão
sobre a música da capoeira, ou seja, como tu definirias o papel da música na
capoeira?”
Este jogador apresentou várias dimensões que, no seu entendimento,
caracterizam tal papel. Um primeiro aspecto para ele é que, na capoeira, assim
com em outras “manifestações negras”, a música é um forte elemento para o
“desempenho das funções”, indo além da animação. É importante observarmos
que ele a entende com sendo característica da capoeira que conhecemos
atualmente.
Eu acho que na capoeira é a mesma coisa, está entendendo, ela é fundamental.
Aí as pessoas podem falar assim..., tem um argumento que a pessoa fala assim:
“Ah, mas nem sempre a capoeira foi jogada com música”. Quer dizer, eu não sei,
mas nem toda a circunstância você usa a música, você joga a capoeira você
precisa da música, não é. Eu posso aqui meter a mão em você e você usar dos
recursos da capoeira e não tem música nenhuma. Mas essa capoeira que você
aprendeu, ela é uma capoeira que você aprendeu com a música (ABREU).
Outra dimensão destacada pelo Frede diz respeito ao aspecto narrativo e
de caráter histórico, presente em muitas músicas da capoeira. Ele definiu esta
característica como “elo com o passado.”
Então, a música vai fazendo você se lembrar, quer dizer, ela puxa toda essa
questão que a gente fala hoje da ancestralidade, todas essas coisas, a música...,
o quê que se faz quando você baixa no pé do berimbau, você chama por ela, não
é, você vai fazer as suas saudações. Então, ela tem um lado desse elemento de
ser uma fala, uma fala do passado, uma fala da história da capoeira, quer dizer, é
por onde transpira a poesia da capoeira (ABREU).
É interessante notarmos que os jogadores atribuem múltiplos papéis às
musicalidades das rodas de capoeira. O Mestre Cafuné, por exemplo, define esse
171
papel(eis), tocando em conceitos musicais e naquilo que Faria (1995) chamou de
interação das consciências. Esse mestre, que é da Capoeira Regional, atuande
na Fundação Mestre Bimba, em Salvador, disse:
Eu acho que a música..., quando eu ouço a música dos antigos, principalmente,
na capoeira, eu sinto que a melodia, a cadência, o ritmo, o som das palavras, as
palavras em si, as letras, né, e o som dessas palavras, que eram colocadas, ela
tem toda uma função dentro da capoeira de fazer com que haja um trabalho de
nível de consciência de quem está participando, não só de quem está jogando,
mas quem está tocando, quem está batendo palma, para fazer uma ligação, para
fazer uma corrente, em que as consciências (...). [Neste momento eu perguntei –
“com o grupo?” e ele continuou] Com o grupo. Em que as consciências trabalhem
dentro do mesmo nível de consciência. Até brincando, até que ponto a gente pode
dizer que isso é brincadeira, eu digo sempre até no momento em que baixa a
entidade capoeira em todo mundo [risos] (Mestre Cafuné).
Nesse caso, a música é vista como tendo uma função agregadora dos
participantes do ritual da roda de capoeira, agindo no nível das consciências
como o mestre disse. É possível, portanto, que as musicalidades exerçam
importante papel de comunicação, dando forte sentido de grupo aos participantes.
Próxima a essa dimensão de comunicação, outro jogador dessa roda, o
Mestre Moa do Catendê, praticante de Capoeira Angola e membro da ABCA,
entende o papel das musicalidades como estando ligado ao favorecimento de
uma comunhão entre os seres humanos e o universo, nas minhas palavras ou
como destaquei em suas palavras na epígrafe acima. Vejamos o que o mestre
disse:
A música na capoeira é a ritmia, né cara, é a comunhão entre o capoeira, o
capoeirista com o cosmo, né. Então a capoeira, a música, ela é a própria
alma..., o berimbau é a própria alma da capoeira, né. Sem o ritmo, sem o toque e
sem os fundamentos não existe capoeira, né. Aí vira uma luta marcial, como
eles..., vira qualquer coisa, né. Então essa arte da musicalidade da capoeira ela
além de traduzir para o capoeirista essa alma, ela traduz para o mundo a
importância da resistência do negro, né velho (Mestre Moa do Catende).
Há, ainda, o entendido das musicalidades como canal de conexão entre o
sensível e o intagível. Ou seja, a idéia de que, em geral, a arte esteja ligada ao
que é mágico e imcompreensível serve, às vezes, para justificar a sua presença
em importantes momentos da vida humana – esta visão também serve, entre
outras coisas, para justificar o dom artístico, no sentido de que algumas pessoas
nascem com tendência ou “inclinação natural” para as artes e outras não; não é o
172
que eu penso, pois este trabalho representa uma oposição a esta visão. Entendo
a arte como sendo um objeto de conhecimento e, portanto, algo sensível. Isto é,
são justamente as condições históricas em que são produzidas as obras de arte e
os desafios dos seres humanos, por elas representados, que permitem a
compreensão de que as mesmas podem ser explicadas, analisadas e discutidas e
que, por isso, são inteligíveis, suscetíveis às aprendizagens.
Não obstante, a esfera das musicalidades como sendo ligadas à
transcendência foi destacada pelo jogador de capoeira, Mestre China, angoleiro
responsável pelo grupo de Capoeira Angola Barcelona, na Espanha:
Para mim a musicalidade na capoeira é a coisa mais importante, é o veículo
aonde mexe com o ser humano, com o lado, com o ser, como posso dizer para
você entender, o sobrenatural e o natural. Então, a música da capoeira não é para
qualquer um, a pessoa tem que ter sentimento para transmiti-la. E eu acho que
nesse momento havia muito sentimento e muita sinceridade, por isso que saiu o
que vocês ouviram (Mestre China).
A diversidade de papéis atribuídos pelos capoeiristas às músicas, mostra
uma das faces mais ricas da capoeira; qual seja a possibilidade de diferentes
sentidos e compreensões deste saber que, longe de residirem no campo do certo
ou do errado, demonstram, em parte, como esses agentes significam seus
saberes.
Por seu turno, Mestre Neco, outro angoleiro da ABCA, jogou com esta
opinião: “A música dá mais harmonia, dá mais alegria, o cara solta mais o jogo,
porque se você fizer uma bateria, e não estiver tocando direito, o jogo não sai
bonito, o jogo não sai bom.” Neste sentido, a música é um elemento que também
colabora para o desempenho dos capoeiristas, dentro da roda, para o “jogo
bonito.”
De maneira semelhante a essa, o Mestre Raimundo Dias se manifestou,
falando sobre uma função de animação das musicalidades que, na sua
compreensão, estaria ligada a uma explicação de como se deu a inserção dessas
musicalidades na capoeira. Esse jogador de capoeira, membro da ABCA e
responsável pelo grupo de capoeira Globo Brasil, com sede no bairro do Cabula,
em Salvador, antigo reduto de capoeiristas, assim opinou:
173
Olha, a função da música dentro da capoeira, especificamente na angola, é uma
animação, né, que dá para o capoeirista, porque a capoeira ela veio baseado no
samba, a capoeira baseou na vadiagem, defesa, luta e para haver uma tapeação,
né, na hora que o senhor de engenho percebesse que estavam, os negros,
reunidos vadiando a capoeira aí desmanchava em samba, né. E essa experiência
foi aprovada, aí botaram a música na capoeira, né, para disfarçar e esse disfarce
está até hoje, né, e todo mundo gosta, né, talvez a música dentro da capoeira é
um objetivo para atrair muitas pessoas para vir a capoeira.
Além disso, o Mestre Raimundo Dias concluiu, reforçando a sua
compreensão sobre a o papel de animação exercido pelas musicalidades: “Ela
proporciona muita alegria, muito axé, porque música, né, música é uma coisa que
quem canta é porque está alegre, né. Cantou está alegre.”
É justamente essa alegria que faz com que a capoeira seja vista, pelo
Mestre Raimundo Dias, como um contexto alegre, que congrega os capoeiristas,
como se fossem uma família:
Sim, dando continuidade, né, a música ela é, para mim, é um dos fator principal
dentro da capoeira, porque o capoeirista, a capoeira de modo geral, acho, que é o
esporte mais alegre que existe, né, ela é completa, tem música, instrumento, né, e
você não vê um capoeirista de cara fechada, todos são abertos, são brincalhões,
gosta de vadiar, entendeu? E é uma vida que leva..., todos capoeiras são irmãos,
que essa família é muito grande.
Ainda para falar sobre os papéis das musicalidades da capoeira, quero
chamar, isto é, convidar para roda outro jogador, que ainda não participou dos
jogos. “Vamo abri essa roda aí, então, gente, pra faze um jogo com o Mestre
Cobra Mansa.”
O Mestre Cobra Mansa me contou inicialmente: “Eu venho da linha do
Mestre Moraes (...). Que é a linha do Mestre Pastinha, né. Que a gente até fala
que é a linha pastiniana (...). Que é o pessoal que são descendente do Mestre
Pastinha. E o estilo que a gente pratica é o estilo de Capoeira Angola. E assim, eu
sou a segunda geração dos antigos alunos de Moraes, Mestre Moraes.”
Então vimos que este capoeirista é um representante da Capoeira Angola,
que vem da linha de Mestre Pastinha. Ele faz parte da Fundação Internacional de
Capoeira Angola, a FICA. Além de ativo praticante da Capoeira Angola, ele
pesquisa temas ligados à capoeira, sobretudo relacionados ao berimbau, ao arco
musical, como ele definiu.
O Mestre Cobra Mansa, na ocasião em que eu estava em Salvador,
acabara de chegar do Estados Unidos, onde trabalhava com o ensino de
174
capoeira. Mas dessa feita, ele se fixou novamente em Salvador, embora
continuaria supervisionando o ensino de capoeira nos espaços que implantou
naquele país.
O Mestre Cobra Mansa também destacou o papel do saber musical, como
elemento de narrativa histórica da/na capoeira, nestes termos:
Na verdade isso depende muito de cada grupo, de cada mestre, e de como a
importância que ele dá para a musicalidade da capoeira, sabe? Então se eu for
falar capoeiristicamente, eu vejo que a música é super importante, né. Ela tem
uma importância fundamental até para o próprio desenvolvimento da mentalidade
do capoeirista. Eu acho que as músicas conta muita história, conta fantasia da
capoeira, conta as lendas da capoeira, né. As músicas têm uma certa, vamos
colocar assim, uma certa moral que ela te passa, entendeu? Então isso para mim
é fundamental, né. Escutar uma história do Riachão, escutar uma história do
Besouro, né (Mestre Cobra Mansa).
Para esse mestre, a música tem ainda a particularidade de demonstrar que
a capoeira não se restringe ao movimento corporal; e tem função fundamental
junto ao desenvolvimento do iniciante. Ele opinou: “Eu vejo que tem uma
importância, principalmente para o iniciante de capoeira, fundamental, no sentido
de mostrar para ele que a capoeira vai muito além da movimentação corporal, né”
(Mestre Cobra Mansa).
Os papéis atribuídos às musicalidades pelos participantes dessa roda são
importantes para conhecermos os significados que esses saberes adquirem na
capoeira. Em síntese, os papéis atribuídos às musicalidades das rodas de
capoeira, pelos agentes, envolvem: 1) o fato da capoeira praticada hoje ser
fundamentalmente caracterizada pela presença da música, como disse Frede
Abreu; 2) a idéia de que as músicas influenciam no desempenho das funções, do
jogo ter mais harmonia e do cara se soltar mais, de fazer com que os capoeiristas
sejam alegres, parecendo formar uma família, como disseram Frede, Mestre Neco
e o Mestre Raimundo Dias, respectivamente; 3) a possibilidade de demonstrar
que a capoeira vai além da movimentação corporal, como disse Mestre Cobra
Mansa; 4) a possibilidade de colocar todos numa mesma consciência, criando um
contexto de comunicação ou elo com o cosmo, como disseram Mestre Cafuné,
Mestre China e Mestre Môa do Catendê; 5) a história da capoeira ou função
narrativa, como disseram Frede e Mestre Cobra Mansa etc.
175
2.3.4 Aproximação das estratégias de ensino das musicalidades: um saber
poder
Ligada a essa esfera de discussão, outra questão que se demonstrou como
sendo fundamental foi procurar compreender, junto a esses meus interlocutores,
jogadores-educadores de capoeira, como se dão o ensino e a aprendizagem das
musicalidades dentro deste cenário, o campo da capoeira. O questionamento
visou a compreender: como e quais são as estratégias de ensino e
aprendizagem das musicalidades desenvolvidas pelos agentes da capoeira
– educadores(as) e educandos(as)?
Inicialmente, quero chamar para a roda o Mestre Nenel, da Capoeira
Regional, responsável pelas atividades da Fundação Mestre Bimba. “Vamo abri
essa roda, pessoal, para um jogo de Capoeira Regional, com o Mestre Nenel,
viu.
O Mestre Nenel me contou que já nasceu dentro da capoeira. Ele narrou
sua história deste maneira: “Oficialmente aos seis anos. Mas na verdade minha
história começa desde o ventre da minha mãe, né? (...) Que sempre ela
acompanhou o trabalho do meu pai e logo nos meus primeiros..., caminhadas,
minhas primeiras gingadas da vida já estava no meio da capoeira. (...) Então na
verdade eu já nasci dentro dela.”
Mestre Nenel, discípulo e filho de Mestre Bimba, repito, como ele disse,
assumiu a responsabilidade na condução da Fundação Mestre Bimba e
divulgação da Capoeira Regional. Penso ser válido observarmos com atenção
como esse jogador de capoeira fala sobre a participação de Mestre Bimba na sua
aprendizagem musical e na sua formação: “Praticamente meu pai me deu uma
aula teórica e só uma na prática. E tudo o que eu sei eu aprendi no dia-a-dia,
na vivência, observando ele. E até hoje, quando eu coloco o CD dele, né,
quando eu escuto, que quase todo dia eu escuto o CD dele, todo dia eu aprendo
mais alguma coisa” (Mestre Nenel).
Isso revela uma importante forma de aprendizagem, que é baseada na
convivência e na observação do seu Mestre; e ainda na audição como fonte de
renovação constante desta aprendizagem.
176
Figura 21 Mestre Nenel em aula de berimbau (Arquivo pessoal de CORTE REAL).
Também penso ser importante destacar, em se tratando de uma pesquisa
que tem como preocupação a formação de educadores, mais especificamente
voltada à análise dos saberes dos educadores de capoeira, que o Mestre Nenel
desenvolveu um método de ensino do instrumento musical berimbau. Na ocasião
da entrevista, quando cheguei na Fundação Mestre Bimba, ele estava ministrando
uma aula de berimbau para uma aluna estrangeira, utilizando o referido método –
conforme vemos na foto acima.
177
Figura 22 Método de ensino do berimbau de Mestre Nenel (BONATES, 1999).
Questionei o mestre sobre como é este método e ele me contou que o
mesmo faz parte de uma pesquisa sobre o berimbau, que vem desenvolvendo.
Quando introduzi a questão sobre o seu método, Mestre Nenel sorriu e me
confessou: “[Risos] Primeira vez que eu vou falar sobre isso assim para registrar.
Em 92, eu comecei a fazer um trabalho, né, sobre os toques da Capoeira
Regional, uma recuperação na verdade, que já estava em extinção também e por
178
conta disso muitas pessoas de fora começaram também a me procurar para
aprender a tocar o berimbau na forma mais próxima de meu pai.”
Parece-me ser útil destacar que essas estratégias de ensino desenvolvidas
pelos educadores de capoeira estão ligadas, por vezes, às situações práticas que
os desafiam. Podemos ver isso na continuidade do relato de Mestre Nenel sobre
o desenvolvimento de sua pesquisa e de seu método de ensino do berimbau.
E aí eu comecei a ter dificuldade com as pessoas que fala alemão, fala inglês, aí
pô eu tenho que fazer alguma coisa que as pessoas leiam no quadro e facilita
meu, a minha aula, né? Então eu peguei, comecei a cifrar em cima, mais ou
menos, do que o berimbau diz: o dam, o dim, o chiado que é aqueles chiados do
dobrão faz e aí montei uma metodologia e que, graças a Deus, deu certo. Está se
espalhando no mundo todo e ficou super fácil para mim dar uma aula de berimbau
hoje que muitas pessoas que chegam aqui, como já sabem mais ou menos tocar
berimbau, que eu nem pego no berimbau, muito raro. Eu chego no quadro e
escrevo, sento ali com o pandeiro e você aprende a tocar berimbau fácil, fácil.
Acho que você até observou um pouquinho ali, né, a menina tocando ali, ela está
se tornando uma tocadora clássica [se referindo a aula que estava ministrando
para a aluna estrangeira e que assisti] (Mestre Nenel).
Basicamente, o referido método consiste numa forma de escrita musical,
que tem a capacidade de representar os diferentes sons do berimbau envolvidos
num determinado toque. A vantagem é que a leitura musical facilita a execução,
uma vez que só através da audição ou da explicação oral, fica difícil, no inicio da
aprendizagem, executar os diferentes sons de um toque, na seqüência
necessária. Ou seja, no inicio da aprendizagem a tendência é que se “engula”
alguns sons ou se esqueça sua seqüência. É como se eu dissesse uma
seqüência de silabas, como, por exemplo: dam, dam, dam, dim, dam, dam, dam,
dam, dam, dim, dim, dim, dam, e pedisse para o leitor(a) repiti-la. Certamente, a
possibilidade de ler as sílabas, na correta seqüência, colabora para a sua exata
reprodução.
O Mestre Pelé da Bomba destaca que procura chamar atenção para o seu
próprio exemplo e para a observação, por parte dos educandos de capoeira,
segundo as utilizadas: “Eu gosto de ensinar assim, vamos dizer assim. Eu vou
cantar uma música para você ver, para você bem, olhar como é a música e como
é que a gente começa. Principalmente quando a gente começa a música, que tem
aqueles dilemas pra dar a resposta.” E mais, esse mestre chama atenção para os
questionamentos, que visam a apreensão dos detalhes das músicas:
179
Assim: fulano, a gente vai começar. Como é a música? A música tem que ser
assim, assim, assim. Qual é o detalhe da música? Nós temos a ladainha e nós
temos o corrido. Aí vamos dizer assim: eu começo com a ladainha e você observe
bem, que a ladainha bem cantada é assim: “Yêêê..., minha mãe eu vou a lua, na
lua vou morar lá, na lua tem capoeira, ai meu Deus candomblé para tocar e
também samba de roda pra nós todos apreciar...Qu er dizer, aí o cara se cantar
certinho igual como eu estou cantando ele é apoiado, tem o apoio.
Dessa maneira, pelo exemplo, Mestre Pelé da Bomba procura ensinar
diferentes formas musicais empregadas na capoeira, no caso, a ladainha,
destacada acima, e o corrido a seguir: “Agora o corrido pode ser: “Paranauê,
paranauê paraná, paranauê paraná, paranauê paraná...” Aí ele responde:
Paranauê, paranauê paraná. Vou me imbora, vou me embora paraná, que mata
que tenho que passar paraná. Paranauê, paranauê paraná...” E aí por diante.”
A ladainha consiste em um forma musical constituída por um canto, no qual
um solista, normalmente um mestre ou capoeirista mais graduado ou, ainda,
aquele que possa estar coordenando a roda de capoeira, executa a exposição
cantada de um tema e, após, em um refrão, o qual é chamado de louvação, é
acompanhado pelo coro, formado pelos demais presentes na roda de capoeira. Já
o corrido é basicamente uma cantinga na forma de pergunta e resposta, no qual o
solista executa um verso e imediatamente o coro responde ao mesmo, sendo que
entre um verso e outro o solista pode fazer improvisões. Um exemplo de corrido é
o destacado por Mestre Pelé da Bomba acima e exemplo de ladainha pode ser
visto na letra de Riachão, à página 142, e na audição da faixa de nº 14 do CD em
anexo.
Já, para o Mestre Môa do Catendê, há duas fases características da
aprendizagem musical na capoeira. A primeira, de “antigamente, em que a
aprendizagem era baseada na audição; e a segunda, atual, para qual existe a
possibilidade de aprendizagem através de aulas, fruto das exigências recentes,
que repercutem no trabalho dos educadores de capoeria. A seguir, nas palavras
do Mestre Môa, percebemos a explicação destas duas fases:
Olha, na minha época era tudo de orelhada mesmo, né. Tinha que ficar atento,
ficar atento a tudo e aprender mesmo na raça, né. Hoje em dia se faz..., hoje já
faço, né, aula de bateria, aula de canto, né, e aí os meninos vão aprendendo e a
minha exigência é que aprenda mesmo, né. (...) Antigamente a gente tinha que...,
porque assim, a gente queria jogar capoeira também era novo, né, sabe
como que
é, né, criança, nem ligava muito para berimbau (...). Mas hoje em dia, tem essa
facilidade de ter aula, né. Escolher um dia da semana, porque hoje a exigência é
180
maior, né. Tem que saber tocar bem pandeiro, atabaque, berimbau, cantar bem,
tem que saber jogar; tem que saber falar da capoeira; a gente cobra muita a
disciplina, educação, respeitar o mestre mais velho, respeitar a criança, quando
for jogar, jogar bem, jogar dentro, se tiver que aplicar um golpe, como a rasteira,
tem que aplicar certo, dentro da técnica, respeitar, não uma coisa forçada (...) não
uma coisa desrespeitosa, não (Mestre Môa do Catendê).
A responsabilidade do educador pela criação de estratégias de ensino
também foi demonstrada pelo Mestre Cobra Mansa, no contexto da Capoeira
Angola. Perguntado sobre como procura conduzir o ensino das musicalidades, ele
me respondeu, revelando, também, as situações de desafio, que o mobilizam,
como educador:
Rapaz, é o que eu falo com os meus alunos. É porque a minha experiência
nesses últimos dez anos tem sido fora do Brasil, com pessoas que não falam a
língua, né. E aí eu falo, eu faço gato e sapato para ir tentar ensinar ao cara, não a
música simplesmente, mas também entender, né, o espírito da capoeira através
da música, né. Então é uma coisa difícil, né. Mas eu tento vários meios. Eu sou
uma pessoa que eu gosto de..., como é que se diz assim, de preparar todo
recurso, de tudo que eu tiver de recurso para mostrar, para ensinar, eu tento
aproveitar, sabe? Toda a minha experiência de vida, de tudo, sabe? Eu coloco
isso tudo, sabe?
O Mestre Cobra Mansa também revelou que a experiência é o elemento
que serve de guia para o desenvolvimento de diferentes “táticas” e “práticas”,
visto ter me dito: “É porque para mim a minha função é ensinar você, entendeu?
Então como? Eu não sei, eu vou tentar, dentro da minha experiência, porque o
que eu tenho visto é que, às vezes, certas táticas ou certas práticas, que eu
tive, eu tento passar e não funciona, sabe? Então, eu tento de outra maneira, às
vezes funciona. Então isso tudo vai, né, me dando mais experiência.“
Na continuidade, o Mestre fez uma constatação, que pode, no meu
entendimento, ser vista com um principio formativo e guia para a atuação de
educadores e educadoras. Ou seja, a idéia de basear o ensino no seu próprio
aprendizado demonstra o princípio de que o educador também é educando
(FREIRE, 1987), pois a aprendizagem, a pesquisa, a interrogação fazem parte do
ato educativo (FREIRE, 1986).
Nesse sentido, o mestre observou: “É como eu falo: eu sou um mestre
novo, eu estou aprendendo a transmitir o conhecimento da capoeira, entendeu?
Então eu tenho mais é que, em cima do que eu já aprendi de vivência com outros
181
mestres e em cima das coisas que eu estou vivendo do meu dia-a-dia da
minha vida, procurar com isso passar o conhecimento da melhor forma possível.”
Muito próximo a essa compreensão do mestre de capoeira como alguém
que tembém aprende, o Mestre China se manifestou sobre as estratégias de
ensino e aprendizagem das musicalidades, comentando a participação de um
grupo de alunos no seu último CD de capoeira, gravado em Salvador, no inicio de
2005: “Os alunos são sempre puros, sempre estão disposto a aprender e, às
vezes, quando se tem muitos mestres, muitas estrelas, aí você sabe que acaba
complicando, porque todo mundo quer se mostrar. Então prefiro pegar as pessoas
que querem aprender e pessoas dispostas para demonstrar a sua capacidade.
Foi o caso dos alunos mais iniciantes, os alunos simplesmente dito aluno.”
Mestre China destacou que esse contexto de aprendizagem, representado
pela gravação do CD, foi possível pela postura dos outros mestres que
participaram da mesma: Mestre Raimundo Dias e Mestre Neco; e salientou, mais
uma vez, a visão do mestre como aluno, em termos de aprendizagem: “É muito
fácil, porque os três mestres são a natureza, os três mestres são muito simples e
os três mestres são alunos também, que todo mestre tem um aluno dentro ou
todo homem tem uma criança. Então esses mestres que estiveram, foram alunos
também. Então nós estamos vendo que as pessoas que estavam conosco foram
pessoas que tinham uma certa energia e capoeira nada mais é que energia.”
Ainda em relação aos saberes musicais, em termos de ensino e
aprendizagem, me pareceu que um ponto basilar era analisar a própria
aprendizagem de alguns mestres, que exerceram influências em relação a estes
saberes, no período tomado como base no item anterior (1890 – 1994), período
esse que diz respeito ao espaço cronológico vivido pelos mestres Bimba,
Canjiquinha, Pastinha e Waldemar da Paixão.
Esta foi uma questão bastante presente na entrevista com Frede Abreu, em
relação à compreensão da formação musical do Mestre Waldemar da Paixão. A
esse respeito, Frede bem analisou que uma das pistas mais importantes acerca
da aprendizagem de Mestre Waldemar da Paixão poderia ser reconstituída do
ambiente em que ele viveu, tomando os anos de 1930 como referência. Frede
falou-me que era exatamente esse procedimento, que estava usando para
elaboração de seu último livro sobre a capoeira no século XIX, na Bahia (ABREU,
2005).
182
Ele fez a seguinte constatação: “Então, Waldemar é um cara, que ele
aprende capoeira já com o berimbau, com o berimbau, não é” (ABREU). Esta
inferência é fundamental para este estudo. Em primeiro lugar, porque destaca a
presença da música nos cenários de capoeira, à época. Em segundo, porque com
essa afirmação, Frede também explicita a compreensão destas musicalidades e
da própria aprendizagem dos capoeiristas estarem condicionadas a diversas
influências, que transcendem o mundo da capoeira.
Isso é visto na medida em que o pesquisador assim entendeu a
aprendizagem de Mestre Waldemar: “Então, não é uma coisa do século XIX, onde
se tem aquela dúvida, se o cara aprendeu com o berimbau. Ele aprendeu a
capoeira, que é uma capoeira já – como é que chama – o andamento dela já é
dado pelo berimbau, não é. Então essa coisa. Agora, o que você poderia ver, na
verdade, quer dizer, esse aprendizado certamente ele não se limita
exclusivamente, digamos, à veia da capoeira. Quer dizer, muitas outras coisas,
que fariam parte desse ambiente, certamente ela influenciou a capoeira. Um
exemplo, bem claro, é aquela ladainha que ele canta: Pedro Cem” (ABREU).
Este é um traço fundamental na constituição dos saberes da capoeira, aqui
entendidos como musicalidades. Em parte, porque afasta a possibilidade de as
musicalidades das rodas da capoeira como algo unívoco, constituído em uma
direção. Ou seja, abre a possibilidade para que, considerada a diversidade de
influências que estas musicalidades sofreram, os agentes da capoeira expressem
diferentes compreensões sobre as mesmas, sem que umas anulem as outras.
É possível constatar que outros mestres, além de Waldemar da Paixão,
tiveram influências na sua formação musical, digamos, que não se restringem ao
mundo da capoeira.
O caso de Mestre Canjiquinha também é semelhante. Isso foi destacado
por ele próprio na parte anterior deste trabalho. Embora eu não tenha questionado
explicitamente o seu único discípulo entrevistado sobre isso, o Mestre Neco disse
que o seu começo foi numa Escola de Samba e que o próprio Mestre Canjiquinha
sempre o incentivou a cantar no carnaval. O que mais nos importa é notar que
Mestre Canjiquinha dizia que costumava cantar na noite (Mestre Canjiquinha,
s.d.). O próprio Mestre Neco, assim como seu Mestre, tem uma vida musical que
não é restrita à capoeira, como compositor de músicas para blocos.
183
Mestre Raimundo, ao ser entrevistado, também revelou que, na sua própria
formação, houve aprendizagens musicais, advindas de espaços externos ao meio
da capoeira: “Olha, eu adquiri muitas experiências sobre música, instrumentos,
dentro da capoeira, visitando capoeira, que meu mestre me deu muita liberdade,
muita liberdade pra visitar grupos e que eu passei também, né, fazer folclore na
década de setenta, no grupo folclórico Oxum, né, e aí tem que se dedicar pra
música, canto, né, bateria e tudo mais, né, porque o folclore exige muito.”
Diferentemente do que foi verificado acima, em relação ao Mestre
Waldemar da Paixão, ao Mestre Canjiquinha, e mesmo ao Mestre Neco e ao
Mestre Raimundo Dias, na análise da trajetória de Mestre Pastinha, esse aspecto
de que se sua formação musical se restringe ao mundo da capoeira, ou não, ficou
menos evidente, pelo menos no alcance que tive sobre seus dados biográficos.
No entanto, no seu livro Mestre Pastinha utiliza uma série de conhecimentos
próprios de quem teve uma aprendizagem musical sistematizada.
Esse tipo de influência ficou claro, por exemplo, em relação ao Mestre
Bimba. Quando perguntei ao Mestre Nenel sobre uma história, que me foi contada
por sua irmã, a respeito dela ter aprendido a sambar ouvindo seu pai, Mestre
Bimba, tocar viola, ele me esclareceu: “Você falou que Nalvinha aprendeu samba
de roda com meu pai tocando chula, para não dar confusão, o samba de roda tem
uma formação diferente e, normalmente, meu pai, quando estava tocando samba
de roda, ele estava tocando no pandeiro e muito raro o atabaque, muito raro,
mas normalmente pandeiro, né” (Mestre Nenel, 2005).
Antes de continuar esta história, apenas faço, de passagem, o destaque de
Mestre Nenel ter informado que seu pai tocava atabaque e, portanto, o fato de
não ter utilizado o instrumento na Capoeira Regional foi uma opção, cujos
possíveis motivos procurarei demonstrar na continuidade.
Sobre a referida história, Mestre Nenel continuou frisando: “Agora o samba
chula que é o samba de viola, que tem um..., todo um processo, um ritual todo
diferente, né? Até muitas músicas que são de samba chula e não é de samba de
roda, são duas coisas distintas. Então, na verdade, minha irmã aprendeu a
sambar o samba de roda, e o samba chula também com ele dentro de casa”
(Mestre Nenel).
Essa conversa com Mestre Nenel me levou a expor a questão ligada à
formação musical de Mestre Bimba, visando a observar, entre outros aspectos,
184
influências externas ao meio da capoeira. Explicitamente, perguntei, com todas as
letras, para o Mestre Nenel se seu pai, Mestre Bimba, era tocador de viola, ao
que ele me respondeu:
Sim, sim. Mas isso é uma informação também que muitas pessoas não
sabem. Até grande parte dos alunos dele, né, os discípulos dele também, não
sabem essa informação. Porque tocava mais, isso, no meio familiar. Dentro de
casa, mais dentro de casa assim, os vizinhos que chegavam lá, ouviam a viola,
daqui a pouco a casa estava cheia de gente lá sambando. E às vezes, quando
tinha festa de reis lá em Santa Cruz (?), que ele tocava um pouco também um
samba chula, mas não era uma coisa cotidiana dele. Então por isso muitos alunos
dele não têm essa informação (Mestre Nenel).
Este foi, claramente, um ponto fundamental na aprendizagem de Mestre
Bimba, posto que esteve ligado ao advento daquilo que seria marca singular na
Capoeira Regional: o toque e o jogo de Iúna. Além dos pontos que comentei
antes em relação a este toque, quando tratei da história de Mestre Bimba, Mestre
Nenel me descreveu a influência da viola no seu desenvolvimento.
É oportuno observarmos que, quando perguntei ao Mestre Nenel qual era a
função atribuída por Mestre Bimba ao toque de Iúna, ele me revelou o seguinte
aspecto:
Bom, a maioria das coisas que a gente aprendia era na vivência, né? Então hoje a
gente..., os alunos ainda perguntam: “Para que serve isso?” E tal, e aí o mestre
tem que ter aquela paciência de explicar, mas meu pai, normalmente, ele
ensinava as coisas fazendo. Então, a maioria das coisas que você ouvir falar, não
só da minha pessoa, mas qualquer pessoa que falar sobre o trabalho do meu pai,
é se baseando no que você percebeu (Mestre Nenel).
Penso que este aspecto revelado por Mestre Nenel serve como um alerta
e deveria ser analisado e levado em consideração, quando se argumenta que a
oralidade é um traço fundamental na dinamização dos saberes da capoeira; e se
usa esse argumento para propagar a defesa das tradições da capoeira.
A respeito do toque de Iúna, ainda, o Mestre Nenel destacou, inicialmente,
as conclusões a que chegou a partir de suas pesquisas sobre o berimbau:
“Há uns quinze anos atrás eu comecei a me aprofundar mais no estudo do
berimbau e uma das coisas que mais me chamou atenção foi principalmente esse
toque da Iúna. Em pesquisas, eu vim descobrindo que a Iúna, primeiramente, é
um pássaro, uma ave e muitas pessoas na época que eu comecei essa..., hoje
não, hoje está muito claro, mas quando eu comecei esta pesquisa, quase
185
ninguém ou ninguém sabia, ninguém ouvia falar e muitas pessoas até ficaram
duvidando, ficaram dando risada: “Aí, pô! Nenel deve estar ficando louco! Que ave
Iúna é essa?”” (Mestre Nenel).
Afora esses questionamentos que o Mestre Nenel teve, suas conclusões
são muito próximas às publicadas por Bonates (1999), em trabalho que já fiz
referência. A partir da sua pesquisa, o Mestre diz ter conseguido verificar a
ligação do toque de Iúna do berimbau, na capoeira, com o toque honônimo na
viola:
Então, a gente descobriu, conseguindo até achar o próprio pássaro e em livros
nós estudamos, pesquisamos e vimos que só quem tocava a Iúna na viola eram
os violeiros clássicos. Então, isso me deu uma tese, né. Eu fui me aprofundando e
tal e cheguei a conclusão: meu pai era um grande violeiro, ele era um violeiro
clássico e por conta disso, só joga a Iúna os clássicos capoeiristas dele.
Então, eu fiquei começando a combinar uma coisa com outra. Então, na verdade,
a Iúna da viola é uma inspiração desse pássaro que o macho chama e a fêmea
responde e é exatamente isso que é a Iúna no berimbau, tá? Então, eu, no caso
isso são palavras minhas, né, meu pai nunca explicou isso também não; creio eu
que a Iúna foi a inspiração dos violeiros, né, e através da viola meu pai se inspirou
para fazer a Iúna da Capoeira Regional (Mestre Nenel).
Podemos percer que a idéia de Mestre Bimba ser um tocador de viola
clássico é destacada por Mestre Nenel para ligar o toque de Iúna aos capoeiristas
clássicos. Isso foi re-enfatizado pelo Mestre Nenel, ao responder minha pergunta
sobre qual papel Mestre Bimba teria atribuído ao toque de Iúna. Ele me falou
sobre o possível papel da Iúna, dizendo, mais uma vez, que a aprendizagem
vivida junto ao Mestre Bimba se baseava muito mais na convivência do que em
qualquer outra coisa:
Porque é uma coisa mesmo da cultura, não é? De passar de pai para filho e tal e
tal. Agora o certo é que só jogava os formados e era obrigatório depois de
cada jogo, os que estão só assistindo, bater palmas no final desse jogo. E
como se trata de formados, meu pai exigia que nesse jogo a gente apresentasse,
pelo menos, dois ou três movimentos de projeção e que tivesse pelo menos um
que faz parte da cintura desprezada, que é uma seqüência de movimentos de
projeção. Então, era obrigado, toda vez que ele tocava Iúna, só formados jogar e
apresentar alguns movimentos de projeção (Mestre Nenel).
O Mestre Cafuné também me falou sobre o papel do toque e do jogo de
Iúna na Capoeira Regional: “Só joga na Iúna alunos formados. E você tem que
fazer nesse jogo pelo menos um dos balões da cintura desprezada, um dos
balões cinturados, como nós chamamos.”
186
Nesta altura, começamos a ver, por um lado, que a música favorece
aprendizagens coletivas, nos cenários de capoeira, ligadas à animação da roda, à
memória histórica da capoeira e à interação das consciências, conforme pudemos
captar nas palavras dos entrevistados acima. Por outro, parece começarem
emergir alguns aspectos que dão vazão à minha hipótese de que, ligada a essa
dimensão educativa, as musicalidades das rodas de capoeira configuram relações
de saber/poder; na medida em que são geradas estratificações e disputas,
conforme podemos encontrar referência prática na continuidade da explicitação
dos dados, bem como na própria situação expressa pelo toque de Iúna.
Um primeiro elemento, para a configuração de hierarquias relacionadas às
musicalidades, diz respeito à necessidade de os(as) educadores de capoeira
terem o mínimo de trânsito cultural por esse saber – a idéia de trânsito cultural foi
trata por Grabauska (1999), no contexto da formação de professoras, em cursos
de Pedagogia, visando a explicitar que, embora essas profissionais não tenham
formação específica em determinadas subáreas da educação, como ciências
naturais, história, educação musical etc., podem e devem ter um trânsito por elas,
em termos de compreensão de conceitos e saberes fundamentais, capazes de
contribuir para a sua atividade de ensino.
Pelo que vem sendo demonstrado, podemos dar como entendido que as
musicalidades são saberes fundamentais e estruturantes da atuação dos(as)
educadores(as) de capoeira – como veremos, a preponderância destes saberes
na atuação de educadores de capoeira também foi(é) motivo para que esses
agentes se questionem uns aos outros. Daí, saber como os interlocutores vêem a
necessidade de os(as) educadores(as) de capoeira possuírem saberes musicais
foi outra questão recorrente nas entrevistas.
Para o Mestre Neco, perguntei qual relação que um educador de capoeira
deveria ter e o que deveria saber sobre música para coordenar o ensino de
capoeira, e ele opinou:
Olha, para o cara ter condição de tomar conta de um trabalho sério, porque
eu fui para o colégio em 1970 e já fui cantando, tocando e jogando mesmo bem
capoeira, em 70. (...) E eles têm que aprender a tocar, cantar e jogar. E tem vez
que eu pego lá eu digo: “Olha, cada um vai cantar uma ladainha corrida.” Hoje eu
canto, acho que é vinte e seis ladainhas, vinte e seis, porque tem mestre de
capoeira que não sabe cantar uma ladainha” (Mestre Neco).
187
Para o Mestre Neco, as musicalidades parecem ser saberes
imprescindíveis aos educadores de capoeira, por isso mesmo ele diz saber cantar
26 ladainhas. Contudo, as opiniões de meus interlocutores, embora tenham em
comum o reconhecimento da importância deste saber, apresentam diferentes
ênfases na resposta para a questão.
A opinião do Mestre Cobra Mansa, por exemplo, é a de que a música é
mais uma cobrança a que o capoeirista precisa dar conta. O Mestre Cobra Mansa
me advertiu dizendo: “Olha, a gente vive num mundo hoje em que as cobranças,
né, de você como capoeirista é maior, né, do que antigamente, né? Antigamente
o mestre de capoeira ele sabia jogar, sabia tocar, sabia cantar, mas a cobrança
em cima dele era muito menor. Hoje em dia, se exige muito mais do capoeirista,
do mestre de capoeira.”
Esse mestre entende que as cobranças são ligadas ao crescimento da
capoeira, que exige uma maior especialização por parte dos capoeiristas. No
entanto, o mestre questiona essa situação, frisando que o saber musical de um
mestre de capoeira não deve ser igual ao de um maestro. Ele assim se
expressou: “Porque a coisa vai crescendo e vai precisando de pessoas mais
especializada, sabe? Então, hoje em dia a capoeira também entrou nessa, né.
Tanto é que já entra nessa polêmica hoje em dia que o capoeirista tem que ter
diploma de Educação Física, né. E aí eu pergunto: e por que não tem que ter um
diploma de maestro?”
O mestre acrescenta à observação desta questão a multiplicidade de
saberes presentes no trabalho dos educadores de capoeira, falando: “Então eu
acho que o capoeirista ele é multicultural, multifunção, né. Ele tem uma
multiplicidade, né, de coisas que ele deve aprender.”
E ele concluiu, dando o entendimento de que ‘ter um saber’ é a condição
para seu ensino: “Então eu acho que essa cobrança é válida. Eu acho que você
tem que ensinar o que você sabe. Você não vai ensinar o cara a tocar berimbau,
a cantar, a criar a musicalidade, a poesia da capoeira, se você não sabe. Sabe?
Mas também não precisa ser um maestro pra poder dar aula de capoeira. Acho
que é equilibrado.”
Na direção das possíveis hierarquizações e disputas em torno das
músicas, um dos elementos evidentes diz respeito às discussões que envolvem a
execução musical, nas rodas de capoeira.
188
Por exemplo, Mestre Neco disse entender que ensinar todos(as) seus
alunos(as) a tocarem e a cantarem, em conjunto, é uma das formas de promover
o acesso a esses saberes. Isso foi destacado, quando perguntei ao mestre se em
suas aulas há um espaço reservado para o ensino da música e ele respondeu:
“Tem, porque se você chegar lá você vai ver três, quatro pandeiros. Aí você vai
ficar admirado que na lógica é dois, mas se eu botar dois quase ninguém vai
aprender, né. Aí eu boto quatro, tem vez que eu boto dois atabaques, porque
quanto mais eles forem tocando, tocando, tocando, vão aprendendo.” Daí ele
argumenta trabalhar desta forma: “Porque tem mestre aí que não deixa nem o
aluno pegar no berimbau dele” (Mestre Neco).
Mesmo considerando que “na lógica são dois pandeiros”, como disse,
Mestre Neco, ele utiliza a estratégia de aumentar o número de instrumentos
musicais, para que mais educandos(as) tenham a oportunidade de aprender, em
conjunto. Pela própria constituição coletiva das rodas de capoeira, a
aprendizagem musical em conjunto pararece ser uma importante característica
desses saberes no universo capoeirano.
Os próprios Mestres historiados anteriormente iriam travar alguns jogos em
torno dos saberes musicais da capoeira. A declaração de Mestre Bimba, por
exemplo, sobre os berimbaus dos angola, pode ser vista com um ponto polêmico
– ao dizer que eram berimbaus de madeira verde, pintada, para turistas e que, no
entanto, os seus é que eram os berimbaus autênticos. É importante observar, no
entanto, que os entrevistados têm diferentes pontos-de-vista dessas aparentes
disputas ou relações de saber/poder, na capoeira.
Sobre as declarações de Mestre Bimba, o Mestre Nenel levantou uma
opinião com a qual procurou esclarecer o que de fato teria acontecido. Quando
perguntei ao Mestre Nenel qual era sua posição sobre as declarações de Mestre
Bimba, ele analisou a situação me chamando a atenção:
Veja bem, as pessoas que enxergam coisa negativa nisso, são pessoas que são
vazias, né, de sabedoria, a verdade é essa. E eu já ouvi alguns comentários a
respeito disso. “Ah, o Mestre Bimba esculhambava os angoleiros.” Meu pai nunca
esculhambou angoleiro, sempre respeitou, né. A colocação que ele fez, se você
pesquisar, ele não falou nada que não seja verdade. O que ele falou era que, na
época, hoje talvez mais não, mas na época que ele falou, que ele deu aquele
depoimento, foi o quê? Sessenta e..., nem me lembro mais que ano que foi que
ele fez aquele depoimento. O que ele fala ali é o seguinte: que os berimbaus
autênticos era esse, no caso, que ele fazia (Mestre Nenel).
189
O Mestre Nenel acrescentou que Mestre Bimba conservaria uma forma de
feitio do berimbau, originada em África, segundo constatamos nas suas
próprias palavras:
E realmente são porque ele ainda conserva a mesma forma primitiva da África,
né? Mas o mais..., a parte mais importante disso, é que ele fala, que não é com os
angola, se referindo porque na época que se vendia, aqui no Mercado Modelo,
realmente era qualquer madeira, que o cara tirava madeira verde lá, raspava e
pintava e vendia pelo bom berimbau. Então, onde é que está a mentira dele aí?
Então, na verdade ele não desrespeitou ninguém. Ele estava dizendo que o
berimbau dele era autêntico, que até hoje eu continuo fazendo a mesma coisa que
ele faz, eu não pego madeira verde de jeito nenhum, eu descasco e deixo aí 15
dias, 20 dias secando. Mas eu falei para você: eu tenho berimbau aqui que fica
dois anos amansando (Mestre Nenel).
O Mestre Nenel observou que, à época, as críticas de Mestre Bimba foram
reconhecidas por angoleiros como sendo válidas, e até hoje esses aspectos,
ligados à comercialização do berimbau, estão presentes nos cenários de
capoeira:
E tem mais uma coisa, e eu não vou dizer nomes, mas eu conheço, pelo menos,
três pessoas, né, que são da Capoeira Angola e que falam: “Não, realmente seu
pai tinha razão.” E eu tenho um amigo aqui em baixo, que também é da Capoeira
Angola, que vende, um dos maiores vendedores que tem de berimbau atualmente
na Bahia é ele, e ele fala assim, para a turma: “Rapaz e eu vou pegar berimbau
bom para vender para turista para os caras botar na parede lá. Os caras nem
sabem tocar! Eu vou aí pintar bonitinho e jogar para lá!” E ele está certo. Então, se
uma outra pessoa chega assim: “Ah, meu berimbau não é como dessa pessoa
que vende lá para os turistas. Meu berimbau é autêntico.” Não está falando nada
de irreal. Então muitas pessoas tentam achar alguma coisa no Bimba para poder
tentar criticar erroneamente. Né, a crítica construtiva é legal, mas... E não vai
achar nunca. Quer queira, quer não, a música na capoeira, a própria capoeira no
contexto geral, está hoje onde está, tem que agradecer ao Bimba mesmo, foi ele
que sociabilizou a capoeira, foi ele que colocou..., seduziu a sociedade.(Mestre
Nenel).
Vimos antes que, exatamente do campo das musicalidades, Mestre
Pastinha foi fortemente questionado por Mestre Waldemar da Paixão. Os meus
interlocutores demonstraram diferentes compreensões sobre essas aparentes
disputas nos cenários de capoeira.
O pesquisador Frede Abreu vê essas declarações como sendo meio-
atritos, que sempre aconteceram e acontecem, ainda hoje, na capoeira. Ele assim
190
comentou a esse respeito: “É a mesma coisa de hoje. Só que aquilo se dava
num..., se dava numa forma, em outro sistema, entendeu. Então eu acho que
aquelas coisas ali, na verdade aqueles meio atritos, não são nem grandes atritos;
porque na verdade depois eles se encontravam e tal” (ABREU).
Ele continuou a análise, dizendo que colou as declarações de Mestre
Waldemar em seu livro no sentido de não vermos esses mestres apenas como
mitos:
Aquilo ali eu coloquei um pouco – eu até falo isso abertamente – é um pouco de
se desfazer um pouco de um..., como se a gente pudesse estudar, assim, esses
caras e, como é que chama, e bater o mito; a gente cria, mitifica o cara, e então é
só isso. E como a gente faz isso, a gente elevar o cara à condição de mito é muito
interessante, é muito legal; também acho legal. Agora tu não pode ..., não é um
mito vazio, ser perfeito. E essas coisas, essas brigas, esse qüiproquós que eles
tinham, isso são coisas normais, naturais; não tem... Isso faz parte do mundo da
capoeira, até hoje (ABREU).
Frede entende que há um clima de disputa comum à capoeira, por isso os
capoeiristas sempre questionaram uns aos outros: “Agora é isso mesmo, como o
Bimba também foi questionado; e, hoje, um questiona João Pequeno; outro
questiona João Grande; outro questiona Moraes; outro questiona Cobrinha; outro
questiona Nenel; outro questiona Itapoan” (ABREU).
Para Frede Abreu, este clima de disputa faz parte do ambiente da capoeira
e é ele que o alimenta.
Então esse ambiente, ele é um ambiente que é o tempo todo questionado;
capoeira, o tempo todo o cara está disputando. Esse clima de disputa, ele é
extremamente saudável, ele alimenta, não é. Quando eles falavam essas coisas,
o Pastinha se defendia, também. Você tem o Pastinha se defendendo e comendo
o cacete também [risos] em cima dos caras, não é; botando pra lenhá, explicando
porque ele é grande e não tem como se derrubar a grandeza dele, não é - ele fala
isso. (ABREU).
Frede afirma que essas declarações de Mestre Waldemar surgem num
momento em que Mestre Pastinha e Mestre Bimba estão tendo destaque no
cenário da capoeira. Daí que para Frede: “Ele [Mestre Waldemar] já está em 35,
você já tem Angola e Regional, está entendendo. As coisas já bem delineadas.
Ou se não estão bem delineadas [risos], pelo menos politicamente já estão
conflitadas, está entendendo. E ele então – como é que diz – já vendo essa
191
disputa” (ABREU).
Eu coloquei essa questão para o Mestre Cobra Mansa, falando das
declarações de Mestre Bimba sobre os berimbaus dos angola, no documentário
Dança de Guerra (MOURA, 1968); e da declaração de Mestre Waldemar sobre
que Mestre Pastinha não sabia tocar berimbau, citada por Abreu (2003), no livro
Barracão do Mestre Waldemar. Explicitamente, disse ao mestre: “Aí o que eu
queria perguntar para o senhor, Mestre Cobrinha: por que o senhor acha ou qual
sua opinião, por que a música causa tanta polêmica assim dentro da capoeira?”
Como eu havia dito antes, esta problematização, que envolve possíveis
disputas e polêmicas, é vista sob diferentes entendimentos pelos interlocutores.
Ao apresentar a questão para o Mestre Cobra Mansa, no que diz respeito às
declarações de Mestre Waldemar, o meu interlocutor disse não ver polêmica
nenhuma nisso
132
.
O Mestre Cobra Mansa respondeu à questão se opondo a esta possível
polêmica que levantei: “Pelo contrário, eu não acho que a música causa polêmica
não. Eu acho que a origem causa muito mais polêmica do que a música dentro da
capoeira [risos].”
Para o Mestre Cobra Mansa, essas discussões e questionamentos dos
mestres citados em torno da música causa menos polêmica que a origem da
capoeira. “A origem da capoeira causa muito mais polêmica. [risos] O nome dos
movimentos causa muito mais polêmica do que... [risos], sabe? Eu acho que, pelo
contrário, eu não acho que a música causa polêmica nenhuma, sabe?” (Mestre
Cobra Mansa).
Apesar de dizer que a música não causa polêmica, Mestre Cobra Mansa
entende que os toques de berimbau e seus nomes, sim, podem causar:
Eu acho que se você dizer que os nomes dos toques causa polêmica, aí sim eu
concordo com você. Eu acho que o nome dos toque causa mais polêmica dentro
da capoeira, no universo da capoeira, sabe? Inclusive se você pegar o livro do
Waldeloir Rego, eu sempre faço uma observação muito importante, que é: você
vai ver que Mestre Pastinha, Mestre Bimba são as duas pessoas que menos
132
A realização de uma entrevista é um exercício que, para o pesquisador, envolve sempre o risco
de se antecipar ao entrevistado ou antecipar suas hipóteses. Uma pergunta mal colocada pode
levar, por exemplo, o entrevistado a simplesmente concordar com o entrevistador; mas pode
também, por outro lado, levá-lo a reafirmar seu ponto de vista, se contraponto ao ponto de vista
que o entrevistador deixou, às vezes por descuido ou pela espontaneidade, transparecer. De
qualquer forma, este tipo de diálogo será sempre uma experiência de aprendizado ao
pesquisador, que o levará a um contínuo exercício de conhecimento do que é vivido pelo outro.
192
conhecem os toques de berimbau, eles só conhecem cinco ou seis toques, né. Aí
você vai para os outros mestres mais novos, dez, quinze, e o Mestre Canjiquinha
acho que tem quase dezesseis, dezoito toques, né. Então, você vê que também
as pessoas começam a fazer variações de toque e já começam a dar um novo
nome. Então, você pega ali, você escuta o disco do Mestre Traíra, Cobrinha
Verde, ele vai tocando e vai falando o nome dos toques, vai tocando, e tem uma
hora que ele mesmo se embola lá, fala qualquer coisa lá, fala tão rápido que você
nem escuta mais o nome. Mas a música por si só nunca virou polêmica não.
Sabe?
Esta opinião demonstra que o que pode causar algum tipo de polêmica no
meio da capoeira são os toques de berimbaus, seus nomes e mesmo o número
de toques executados por um capoeirista. Friso que o entendimento de
musicalidades das rodas de capoeira, que tento apresentar neste trabalho,
engloba os diferentes fazeres musicais presentes na capoeira. Ou seja, o meu
entendimento de musicalidades envolve os instrumentos musicais, as letras e as
formas das músicas, as visões que os agentes têm sobre as mesmas, seus
processos de ensino aprendizagem etc., visando à compreensão das relações de
saber/poder em seu entorno e, inclusive, os toques citados pelo interlocutor. Mas
é justamente aqui que entra um jogo gingado, como na capoeira, de procurar
privilegiar o que o interlocutor entende e, não ao contrário, querer disputar com
ele meu ponto de vista.
A despeito da minha tentativa de compreender melhor a opinião de Mestre
Cobra Mansa, perguntei a ele se as declarações de Mestre Waldemar não
poderiam ser vistas como polêmicas. Ele respondeu-me: “Não. O que o Mestre
Waldemar declara não é que Mestre Pastinha com relação à música. Ele fala com
relação ao Mestre Pastinha tocar instrumentos, sabe?“ (Mestre Cobra Mansa,
2005).
Ele comentou, no entanto, a idéia de que Mestre Pastinha não saberia
tocar “instrumento”. Disse que tal idéia vem criando polêmica na capoeira; mas
fez uma observação importante, ao direcionar a discussão ao ensino da música
por parte dos(s) educadores(as) de capoeira, se referindo ao Mestre Pastinha:
É, sabe, o cara não saber tocar um instrumento, sabe? Agora essa coisa do
Mestre Pastinha não saber tocar instrumento é uma coisa que vem criando uma
polêmica muito grande, né. Assim, um dia mesmo teve pela internet as pessoas
estavam fazendo essa coisa. Eu acho que Mestre Pastinha sabia tocar berimbau,
193
como declaração mesmo do próprio Mestre Moraes
133
e outras pessoas, né, que...
Eu acho que as pessoas esperavam que ele como mestre de capoeira
tocasse muito mais, entendeu? (Mestre Cobra Mansa).
Como Mestre Cobra Mansa destacou, poderia existir uma expectativa de
que Mestre Pastinha, “como mestre de capoeira”, tocasse muito mais. Ora, sendo
Mestre Pastinha quem era, ou seja, ocupando um lugar de grande destaque à
época de Mestre Waldemar – como disse Frede Abreu –, foram alimentadas
expectativas e cobranças a seu respeito, mesmo que por parte de adversários. A
posição de destaque de Mestre Pastinha, como grande divulgador da Capoeira
Angola, somada ao papel relevante que as musicalidades vinham adquirindo,
fizeram com que ele fosse questionado no âmbito dessas musicalidades; repito
para frisar, configurando uma relação de saber/poder.
O Mestre Cobra Mansa deu a entender, ainda, que diante da expectativa
de que um mestre saiba tocar, devemos considerar que cada um toca do seu
jeito. O destaque dele fica por conta de que o saber do mestre é suficiente para
que ele o ensine:
Assim como eu poço dizer que o Mestre João Pequeno não sabe tocar berimbau,
né. Mas não é verdade isso. Ele sabe tocar berimbau. Só que a gente espera dele
como mestre, tocar muito mais do que ele toca, entendeu? Então eu acho que, às
vezes, se cria uma expectativa muito grande, né: “Ah, mas Mestre João Pequeno
(...) tocar, tal, tal.” Ele toca o toque normal, devagarzinho, certinho e tal. É o jeito
dele, entendeu? Então, eu não posso pegar isso e afirmar que o Mestre João
Pequeno não sabe tocar berimbau. Sabe, sabe tocar, entendeu? Não toca tão
bem, vamos colocar assim, como Mestre Moraes, está entendendo? Mas toca,
entendeu?
O Mestre Cobra Mansa concluiu, então, que o jeito próprio de cada
capoeirista cantar “não tira o seu valor”. Pois este valor estaria ligado à
capacidade de ensinar o conhecimento que se tem:
Ele tem um jeito particular de tocar, sabe? Entendeu? Não tem um vozerão igual o
Mestre Valmir, entendeu? [risos] Mas vou dizer: “Ah, não! Mestre João Pequeno
não sabe cantar?” Não. Agora eu não vejo o seguinte: eu acho que isso não tira o
valor, né, do Mestre Pastinha, isso não tira o valor do Mestre João Pequeno, isso
não tira o valor de ninguém. Eu acho que o valor deles dentro da capoeira, que
o tanto de pessoas que com um pouquinho, que ele faz ele pôde ensinar.
Nossa! É muito grande.
133
No inicio da entrevista, Mestre Cobra Mansa se refere a Mestre Moraes como tendo sido seu
mestre. Ele fala também que Mestre Moraes foi discípulo de Mestre Pastinha.
194
Finalmente, no que diz respeito a esta questão, perguntei para o Mestre
Cobra Mansa se Mestre Pastinha teria ensinado a música da capoeira e ele
respondeu: “Sim, entendeu? Né, o mestre até com o pouco que ele sabe ele se
completa, né, o suficiente para passar esse conhecimento para as outras
pessoas. Então Mestre Pastinha fez isso, né. Tanto é que deixou todo uma
geração de capoeristas que hoje está representando o pensamento dele muito
bem.”
Parece-me que a esta altura da entrevista com Mestre Cobra Mansa
tocamos em uma questão crucial para o ensino e formação de educadores. Ou
seja, até que ponto o conhecimento específico de uma determinada área é o
suficiente para se formar um professor? Será, por exemplo, que apenas ser um
bom músico é critério para a formação de um educador musical?
Penso que parte das respostas para estas questões está em algumas falas
dos próprios interlocutores acima. Como exemplo, faço referência às estratégias
de ensino das musicalidades da capoeira destacadas pelos entrevistados, como:
a idéia de levar toda a experiência vivida para a aula de capoeira, como disse o
Mestre Cobra Mansa; o ensino coletivo, desenvolvido pelo Mestre Neco, para que
os alunos tenham acesso ao aprendizado dos instrumentos, porque tem muito
mestre que não deixa pegar os instrumentos; o método de ensino de berimbau,
elaborado por Mestre Nenel, diante da dificuldade de se comunicar com seus
alunos estrangeiros. Por um lado, Essas estratégias mostram que as
musicalidades são saberes fundamentais para os educadores de capoeira,
podendo mesmo se configurar disputas e relações de saber e poder em torno
delas. Por outro, os educadores de capoeira têm nessas estratégias elementos
fundamentais para dinamização e promoção do acesso a tais saberes.
É necessário destacar, ainda, que as aprendizagens musicais de alguns
mestres de capoeira, como Bimba, Canjiquinha, Waldemar e conteporâneos
nossos, como Neco e Raimundo Dias, por vezes, são enriquecidas por
experiências em outros contextos, que não o da própria capoeira, o que, talvez,
acabe enriquecendo mais ainda as musicalidades significadas e praticadas no
contexto específico das rodas de capoeira.
Outro aspecto é que as visões e práticas de musicalidades dos mestres
historiados no item anterior, Bimba, Canjiquinha, Pastinha e Waldemar da Paixão,
exercem influências nas musicalidades, atualmente dinamizadas nos cenários de
195
capoeira, o que pode ser atestado, em grande parte, nos diálogos com os mestres
entrevistados. Isso faz com que esses mestres do passado recente ocupem
posições de destaque no universo da capoeira, ainda hoje, no que diz respeito à
contituição desse campo cultural, que é a capoeira, permeado por uma intensa
riqueza e diversidade dessas musicalidades.
196
2.3.5 Visões preliminares sobre a produção musical da capoeira hoje
Finalmente, outro nível de problematização que procurei compartilhar com
os interlocutores diz respeito aos possíveis impactos da comercialização que
envolve as musicalidades da capoeira pode ocasionar. Isso decorre, inicialmente,
da comercialização de instrumentos musicais como berimbau, iniciada por Mestre
Waldemar da Paixão, e que, nos dias de hoje, ainda é feita por alguns
capoeiristas, como é o caso de Mestre Pelé da Pomba, no Centro Histórico de
Salvador, entre outros. Porém, um elemento de grande impacto está ligado à
indústria fonográfica que, hoje, alimenta os cenários da capoeira com um número
cada vez maior de títulos e lançamentos de Compact Discs – CDs de capoeira.
A esse respeito, a questão que expus aos entrevistados visou a
compreender suas opiniões sobre a produção musical da capoeira, na atualidade,
e os possíveis impactos e problemas decorrentes da mesma.
O Mestre Cobra Mansa, por exemplo, entende a questão de maneira
complexa, dizendo que a produção, por um lado, aumenta a capacidade de
escolha por parte dos capoeiristas, nestes termos:
Olha, eu vejo o seguinte: tem muita coisa boa, mas também tem muita besteira
[risos], sabe? Então, eu acho que o capoeirista hoje, pelo menos, tem a
capacidade de escolher, ele pode escolher. Antigamente, na minha época por
exemplo, a gente só tinha o disco do Traíra Verde, do Traíra e Cobrinha Verde
que era uma raridade, sabe? Uma coisa, assim, inédita que a gente tentava achar.
O disco do Suassuna que se encontrava em todo lugar, né. Depois, a gente tinha
o disco do Camafeu de Oxóssi, que era aquele cara dando uma cabeçada assim.
Depois a gente tem o disco do Mestre Caiçara, né. E aí parou, não tinha mais
nada, entendeu? Então, eu me lembro na época, a gente tinha um disco..., e tinha
o disco do Mestre Bimba, né. É, mas eu lembro que, assim, a gente moleque, a
gente tinha um vinil do Mestre Caiçara e aí quase que furava, porque a gente...
[risos].
Por outro lado, o Mestre Cobra Mansa assim destacou que há uma série de
inovações, as quais trazem para as músicas da capoeira elementos externos ao
seu contexto:
Então, assim, essas inovações que veio surgindo, assim, contribuiu muito, cara.
Nossa! Os mestres descobriram um outro filão, né, dentro da capoeira, que é esse
universo musical, sabe? E está tendo pessoas fazendo trabalhos belíssimos, né.
Eu sou muito tradicional, entendeu? Então..., tem pessoas que estão fazendo
muito trabalho, que não são trabalhos simplesmente voltados só para a capoeira.
197
É um trabalho mais voltado para a World Music. (...) Entendeu? Então..., esses
trabalhos eu já não me agrada muito. Mas isso é uma coisa particular também, é
uma coisa minha, sabe? É o meu jeito, o jeito que eu gosto de ouvir capoeira. Eu
gosto de ouvir capoeira, capoeira, sabe?
Isso siginifica, ainda, que, ao mesmo tempo em que as musicalidades da
capoeira estão sendo influenciadas por esse “outro filão” e por elemento externos,
elas também têm influenciado o universo musical para além das suas fronteiras. É
o caso, por exemplo, da utilização de instrumentos musicais antes vistos como
quase exclusivos dos cenários de capoeira, como é o berimbau, hoje
freqüentemente utililizado em apresentações e gravações de música popular.
Esse mestre foi mais longe ainda, e continuou falando sobre as influências
externas ao meio da capoeira:
É, porque aí você vai encontrar o disco do próprio Mestre Acordeon tem uma
parte que ele já coloca sanfona, coloca didjeredu
134
. O Gerônimo mesmo já tem
uma..., sabe? É uma coisa, assim, mais ligado a coisa do Naná Vasconcelos, que
para mim é um grande mágico do berimbau, né. Ele consegue tirar sons do
berimbau, assim, incrível, né. Então, eu acho que tem muita gente também
partindo um pouco para esse trabalho que ele foi o grande precursor
.
No mesmo sentido, Mestre Pelé da Bomba, que tem CDs de capoeira e de
samba de roda gravados, se manifestou de maneira semelhante, em relação à
constatação de elementos externos aos cenários de capoeira, influenciando as
suas musicalidades:
Já vi vários CDs que estão aí, uns cantam mais ou menos e outros cantam
variando as coisas, mas não está no sentido da capoeira. Às vezes canta as
coisas diferentes, já canta ritmos diferente, não está conseguindo acompanhado
dentro do ritmo da capoeira, que, às vezes canta diferente, outro já canta com
outra conversa, já não entra na ladainha, já entra no corrido sem saber como é
que canta e a gente tem que ter aquela pausa importante para dar o detalhe,
provocar o elemento que está baixado, agachado na roda do pé do berimbau e na
roda da capoeira pra ele sentir o que é amor a capoeira. E hoje em dia não
[Mestre Pelé faz um som de gritaria] entra qualquer um. Mas a capoeira angola,
que é a capoeira mãe, tem um grande respeito, isso que é importante.
O Mestre Raimundo Dias, perguntado sobre a possibilidade de se ter
acesso a essa indústria de gravação de CDs de capoeira, comentou a questão a
134
Instrumento de sopro, usado tradicionalmente por aborígenes, no norte da Austrália. O mesmo
também recebe a seguinte escrita: didgeridoo. Fonte:
http://attambur.com/Instrumentos/attambur/didgeridoo.htm
, acessado em 2006.
198
partir da sua participação na gravação do Mestre China, antes referido. É válido
observar a referência que Mestre Raimundo Dias fez para o fato de a situação
financeira do nosso país influenciar na dinâmica de gravação e comercialização
da produção musical da capoeira:
Olha, eu acho que as melhor condições é ter umas pessoas que conheçam um
pouquinho de música e tenham obediência, né, com a música. Porque, às vezes,
a pessoa canta muito bem, canta muito bem a música da capoeira, mas não tem
uma postura para chegar a gravar um CD. E no outro lado também, existe a
situação que nosso país atravessa, financeira, né, as vezes tem vontade de fazer
uma coisa boa, mas não tem condições de fazer e por isso que, graças a Deus,
né, Deus enviou o China aqui pra Salvador, né, e tive a oportunidade de participar,
né, desse CD, né, inclusive o Mestre Neco também, né, com as canções muito
bonitas e eu aprendi muito, aprendi muito com esses dois maestros da capoeira e
da música da capoeira, né.
Mestre Raimundo Dias continuou observando essa situação, dando a
entender que há agentes da capoeira que se encontram em posição privilegiada
nessa dinâmica das musicalidades, nestas palavras:
Olha, eu ainda não consegui descobrir, não consegui, porque a capoeira, ela
tem seus altos e baixos e nesses altos e baixos muitos estão na parte baixa,
não tem condições. E também existe o fator sorte, né, que às vezes você está
numa roda de capoeira, tem alguém interessado em gravar um CD, em busca de
talentos, né, você está cantando na roda de capoeira a pessoa gosta de você,
gosta de ver você cantar e aí existe, há um convite, né, e aí é um primeiro passo,
um caminho certo para aqueles que querem gravar uma música de capoeira.
O Mestre Cafuné, ao ser perguntado sobre qual sua visão sobre a
produção musical atual, comentou: “Olha, eu acredito que noventa por cento é
cópia da cópia da cópia da cópia. Você tem centenas de CDs hoje aí. Todo mês a
revista Praticando Capoeira vem com um CD e som repetitivos e repetitivos.
Estão fazendo isso... e muitos fazem muito pior do que já era.”
Na continuidade, procurei verificar junto ao Mestre Cafuné quais temas são
tratados pelas músicas produzidas atualmente. Ele foi enfático ao dizer:
Está muito variado, está muito variado. Inclusive porque, você tem, hoje em dia,
pessoas que se preocupam em preservar coisas do passado e não é que você vai
ficar sempre através do passado. Mas eu acho que é preciso que as pessoas
entendam o princípio da coisa para fazer as coisas com a dinâmica atual, com as
palavras atuais, mas sem perder, não é, o princípio básico do que existia antes.
Então eu acho que é muito difícil isso, é muito difícil, porque o mundo é outro, a
199
sociedade é outra, as pessoas são outras, as cabeças completamente diferentes,
né (Mestre Cafuné).
Vemos nessas palavras que Mestre Cafuné destacou certo culto ao
passado, tão comum aos cenários de capoeira, o qual funciona como uma
espécie de memória coletiva. Por outro lado, também chamou atenção para
necessidade de que “as pessoas entendam o princípio da coisa para fazer as
coisas com a dinâmica atual”. Em outras palavras, as musicalidades das rodas de
capoeira, até por seu caráter narrativo e de congregação dos participantes das
rodas de capoeira etc., são saberes que tendem à constante atualização no
sentido de se responderem e de se expressar os desafios que os capoeiristas vão
vivendo ao longo de tempo histórico.
E mais: o Mestre Cafuné continuou jogando com a discussão desse tema e
afirmou:
Então, é impossível você fazer uma coisa como era no original, mas eu acredito
que tem possibilidades de surgir bons músicos. Eu falo, cito Toni Vargas, porque é
o que vem a mente e é o que realmente parece que é o melhor de todos. Eu ainda
não encontrei ninguém que tenha uma produção tão boa quanto ele, amplamente.
Eu acho que pode..., há pouco tempo estava uma discussão pela internet, né,
sobre um problema dum gringo cantar em português, cantar em brasileiro, ou
cantar em americano, cantar em inglês, cantar em francês, cantar em outra língua,
e ao mesmo tempo um brasileiro cantando em outras línguas. E estava uma
discussão muito estranha sobre isso. Entã,o eu entrei nessa discussão e dei uma
pequena nota: que eu não via nenhum problema que um gringo cantasse em
inglês ou cantasse em português desde que ele tem talento, que ele vai revelar
um talento, e vão surgir grandes talentos, né, que vão fazer coisas lindíssimas.
Essas musicalidades tendem, em alguns momentos, a demonstrarem
relações de saber/poder. Entendo que, independentemente no nível de tensão
que exerça, esta relação se apresenta como encontro/confronto, que pode ser
visto como desafio de compreensão da ação de educadores.
Essas falas acima se aproximam das discussões da indústria cultural, as
quais apontam para ocorrência de modelos de consumo e de produção cultural,
que influenciam tanto a circulação de mercadorais, como os hábitos e práticas
localizadas em contextos particulares, as quais passam a ser influenciadas por
elementos padronizados, que implicam tais modelos de consumo. No terceiro
capítulo, retornarei a essa discussão, trazendo à cena os conceitos de indústria
cultura e espetáculo.
200
2.4 A roda do Arco do Triunfo: desafios e práticas interculturais
Conforme tentarei explicar brevemente, a roda do Arco do Triunfo é um dos
marcos espaço-temporais das práticas da capoeira, no estado de Santa Catarina,
a partir da cidade de Florianópolis.
Historicizar o advento da Roda do Arco do Triunfo, em Florianópolis, é o
caminho para demonstração de uma experiência intercultural, vista na constante
negociação dos conflitos que os agentes precisavam fazer para desenvolvê-la.
Melhor dizendo, essa experiência foi um marco no desenvolvimento da Confraria
Catarinense de Capoeira, que tem uma importância significativa para as análises
deste trabalho.
Durante o processo de formação da Confraria Catarinense de Capoeira,
alguns dos integrantes desta associação decidiram organizar uma roda de
capoeira plural, em que todos(as) os(as) capoeiristas da cidade de Florianópolis,
particularmente, e do estado de Santa Catarina, em sentido mais amplo,
pudessem participar.
Tal roda aconteceu durante o ano de 2003, em intervalos quinzenais, aos
sábados pela manhã, no Arco do Triunfo, nas imediações da Praça XV de
Novembro, no centro de Florianópolis, durante um período de aproximadamente
seis meses.
A idéia dos membros da Confraria Catarinense de Capoeira era de que a
organização da roda se desse de forma colaborativa, passando por tomadas
decisões e contribuições de todos os(as) capoeiristas. Ou seja, a proposta era
romper com a organização mais comum de rodas de capoeira em que,
geralmente, um único mestre ou grupo dita as normas e a participação é restrita
aos seus membros.
Essa proposta, no entanto, gerou algumas ambivalências, como, por
exemplo, o fato de (apesar da idéia de não haver um mestre que coordenasse a
roda) os participantes acabarem delegando essa função a um dos mestres
participantes (da roda), tido como referência importante (no caso, por ter sido um
dos pioneiros da capoeira no estado de Santa Catarina). Além disso, mesmo
sendo um espaço de confraternização de capoeiristas de diferentes grupos e
tendências, dispostos, aparentemente, a colaborarem com o desenvolvimento
desse espaço de convivência coletiva, algumas responsabilidades acabaram
201
onerando mais alguns participantes do que outros, como a necessidade de
transportar e disponibilizar instrumentos musicais para a roda, de reforçar o
convite para participação e lembrar as datas de sua realização, de organizar e
conduzir o acontecimento da roda, etc., ao contrário da realização coletiva das
ações necessárias, conforme idealizado.
Mesmo se tratando de um conjunto de capoeiristas de vários seguimentos,
constatamos o encontro de diferentes concepções de capoeira no mesmo espaço.
Muitas vezes, os participantes, após a realização da roda, se reuniam por alguns
minutos para reafirmar o intuito da construção de um espaço coletivo de
todos(as). Em algumas dessas ocasiões, também discutiam os diferentes
entendimentos que julgavam pertinentes e estabeleciam algumas regras e
acordos para participação e condução da roda. Nessas ocasiões, eram discutidas
questões como, por exemplo, música que poderiam ou não ser executadas nos
diferentes momentos da roda, a forma de executar os instrumentos musicas e de
participar da roda etc. Esses pontos costumavam fazer parte das
discussões/avaliações dos capoeiristas, a cada roda realizada.
Havia um esforço continuo, por parte de alguns membros da Confraria
Catarinense de Capoeira, em reafirmar o convite para a participação e em
destacar o intuito de congregação ligado a essa roda. Apesar de uma participação
expressiva, os diferentes entendimentos e concepções em jogo podem ter
contribuído para que esta experiência não fosse adiante.
Apesar disso, tal experiência foi representativa de um momento de
abertura, vivido entre os e as capoeiristas do Estado de Santa Catarina, que teve,
entre outras conseqüências e momentos relevantes, o fortalecimento da Confraria
Catarinense de Capoeira, a qual foi preponderante para a realização de um curso
de formação de educadores de capoeira, sobre o qual trato a seguir.
202
2.4.1 Capoeirando no Peri: investigação-ação como horizonte formativo e
experiência intercultural
“Vamu simbora aí, gente, fazê uma roda com o pessoal de Santa Catarina,
que participou do PERI-Capoeira. Essa roda é de capoeira, viu. Independente de
ser Angola, Regional, Contemporânea ou outra linhagem de capoeira, quem quisé
joga é só chegá.”
Desta forma, apresento outro espaço-tempo que consiste em uma roda
nesta investigação: o PERI-Capoeira. Para abrir tal roda, gostaria de contar ao
leitor(a) como me inseri e participei dessa experiência do PERI-Capoeira.
Ao tratar esses espaços de formação de educadores como experiências,
faço referência a Thompson (1981;1987). Sumariamente, podemos observar que
“(...) a experiência, ‘sem bater na porta’, constitui e nega, opõe e resiste,
estabelece mediações, é espaço de prática, intervenção, obstaculização, recusa,
é processo de formação de identidades de classe e, poderíamos acrescentar, de
gênero, de geração, de etnias. Processos dialeticamente articulados que ela,
experiência, expressa de forma privilegiada” (MORAES; MÜLLER, 2003, p.342).
A origem da minha participação nessas experiências de formação de
educadores de capoeira foi documentada em 2001, quando concluí minha
Dissertação de Mestrado em Educação, como disse antes na abertura deste
trabalho. Ao tematizar práticas culturais de origem negra no desenvolvimento de
um programa de investigação-ação no trabalho de educação musical, (CORTE
REAL, 2001), entendi que um dos desafios seria investigar com maior
profundidade a formação de educadores - especificamente, os professores de
capoeira. Isso posto, meu problema passou a ser como e amparado em qual
concepção educativa investigar a formação ou mais simplesmente a atuação de
educadores nos espaços de educação não-formal da capoeira.
O caminho a ser percorrido também foi apontado na minha dissertação,
colocado como desafio de "(...) aprofundar as discussões sobre os estudos
culturais – multiculturalismo e educação intercultural –, sinalizando a perspectiva
de desenvolvimento de programas educativos para lidar com a cultura via
educação dialógico-problematizadora e investigação-ação educacional
emancipatória" (Ibid.).
Dessa forma, elaborei o projeto de tese Intercultura e dialogicidade:
203
investigando estratégias educativas e práticas de resistência cultural na capoeira,
sobre qual prestei seleção e fui aprovado ao curso de Doutorado em Educação,
PPGE/CED/UFSC, linha de Ensino e Formação de Educadores, turma de 2002.
Meu objetivo geral era, naquele momento: "Explicitar aproximações
organizativas/didáticas e epistemológicas da educação intercultural e educação
dialógico-problematizadora, na investigação e problematização de estratégias
educativas, processos identitários e práticas de resistência cultural, expressos nas
músicas da capoeira, como potencial de subsídios para formação de professores"
(CORTE REAL, 2002, p.6).
Na prática, as coisas não foram tão fáceis. Apesar de estar organicamente
ligado à capoeira de Florianópolis e à organização da Confraria Catarinense de
Capoeira
135
, não era algo fácil desafiar os capoeiras para o desenvolvimento de
uma prática investigativa. O problema vivido mostrou claramente a dificuldade de
dialogar, em termos educacionais, com os movimentos sociais
136
. Foi apenas
através da articulação de um projeto institucionalizado que foi viabilizada a
possibilidade de investigação-ativa das práticas educativas dos professores de
capoeira.
Assim, dois espaços de atuação foram fundamentais para viabilizar o
desenvolvimento desta tese, na perspectiva da investigação-ação junto aos(às)
educadores(as) de capoeira. O primeiro diz respeito à atuação, como estagiário
docente, na disciplina de Organização Escolar, junto ao Curso de
Pedagogia/CED/UFSC, semestre 2003-1. Nessa atuação, foi possível vivermos
uma prática de investigação-ação, suportada por aproximações entre pedagogia
da alternância, interculturalidade e educação dialógico-problematizadora
137
.
A atuação docente no Curso de Pedagogia viria a ser um subsídio
fundamental, ao propormos, através do Núcleo de Educação Intercultural e
Movimentos Sociais/MOVER/PPGE/CED/UFSC, um curso experimental de
135
A Confraria Catarinense de Capoeira é uma entidade que congrega capoeiristas, estudiosos e
outros interessados por essa prática cultural. A mesma vem sendo organizada desde 2003,
visando a ações coletivas em prol do desenvolvimento da prática da capoeira no estado de Santa
Catarina.
136
Visto o atual quadro das lutas dos capoeiristas por direitos e políticas públicas, específicos para
a prática da capoeira, entendendo esta prática cultural como algo inserido no quadro das lutas dos
movimentos sociais.
137
O trabalho na disciplina referida acima foi realizado em conjunto com o colega de Doutorado,
Willer Araújo Barbosa, sob orientação do Prof. Dr. Reinaldo Matias Fleuri, Professor do
Departamento de Estudos Especializados em Educação e do PPGE/CED/UFSC.
204
formação de educadores, em nível de extensão universitária, tendo como públicos
educadores populares e militantes, que atuam em diferentes contextos sócio-
educativos, formais e não-formais.
No ano de 2004, implementamos o Programa de Educação e Relações
Interculturais/PERI
138
, visando à elaboração de subsídios teórico-metodológicos
para a formação de educadores na perspectiva intercultural. Esse programa
previa, entre outras ações, a realização de cursos piloto de formação de
educadores(as) populares. No ano de 2004 realizamos o primeiro curso piloto, o
PERI 1, partindo da investigação das situações-limite presentes nas práticas
educativas das(os) educadoras(es) populares, em diferentes contextos.
As situações-limites são ententidas como “(...) dimensões concretas e
históricas de uma dada realidade. Dimensões desafiadoras [dos seres humanos],
que incidem sobre elas através de ações que Vieira Pinto chama de “atos-limites”
– aqueles que se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar de
implicarem sua aceitação dócil e passival” (FREIRE, 1987, p.90). Nos cursos
discutidos neste trabalho, essa compreensão nos levou à priorização das
situações-limite como dimensões problemáticas das práticas dos educadores e
educadoras, as quais foram analisadas visando à sua compreensão/reflexão e,
portanto, o voltar-se para a ação como ato-limite.
A partir daquela experiência no curso de Pedagogia – além de outras
vividas por integrantes do Mover, pudemos fundamentar e sistematizar grande
parte da organização e operacionalização do PERI, tendo a investigação-ação, a
pedagogia da alternância e as metodologias da educação popular como guias
sustentadores de convivências interculturais, durante o curso, vistas na
investigação dos problemas presentes na práticas dos(as) educadores(as)
populares (cf. Projeto Peri 1, 2004). Um aspecto fundamental para a elaboração
da presente investigação, principalmente no desafio de propor uma reflexão sobre
a atuação dos professores de capoeira a partir da investigação-ação, foi que
contamos, no Peri 1, com a participação de 5 (cinco) professores de capoeira,
num universo de 30 (trinta) participantes.
O Peri 1 foi estruturado em 4 encontros presenciais de 15 horas-aula, com
138
A proposta de um curso experimental de formação de educadores na perspectiva intercultural
faz parte do projeto de pesquisa Educação Intercultural: elaboração de referenciais
epistemológicos, teóricos e pedagógicos para práticas educativas escolares e populares, que
conta com o apoio do CNPq (Processos 473965/2003-8 e 304741/2003-5).
205
intervalos de duas semanas, nos quais os cursistas desenvolveram atividades de
investigação, que foram chamadas de tempo-comunidade. Foram 60 horas-aula
de atividades didáticas presenciais e 30 horas-aula semi-presenciais. No Primeiro
Encontro Peri, entre 10 e 11 de setembro de 2004, no CED/UFSC, os capoeiras
levantaram e passaram a investigar os seguintes desafios presentes em suas
práticas: ausência do corpo negro; valorização do potencial existente entre as
crianças; questionamento de como lidar com a diversidade cultural; aspectos da
valorização da dimensão educativa da música; e a possível presença de condutas
disciplinares acríticas nos espaços de capoeira.
É fundamental destacar a tentativa de incorporação da investigação-ação
nesse curso, como concepção de trabalho educativo. Isso pôde ser visto na
medida que passei a sugerir uma orientação dos aspectos organizacionais do
curso no âmbito da espiral reflexiva, constituídas por etapas de planejamento,
ação, observação e reflexão. Nesse sentido, o primeiro encontro revelou maior
ênfase no planejamento das ações de investigação, que as cursistas fariam de
suas próprias práticas; entre os segundo e terceiro encontros a ação e
observação de tais investigações; e no último, o quarto encontro, a reflexão
sobre o processo vivido
139
.
Nesse sentido, “A interação entre experiência vivida e conhecimento
educacional estabelece as possibilidades de conexão entre o desenvolvimento
profissional, a melhoria das práticas educativas e a produção de conhecimento a
partir das necessidades formativas” (DE BASTOS, KRUG; TOMAZZETI, 2004,
p.1).
Como desdobramento da primeira etapa do Peri, no final de 2004, da
articulação entre o núcleo Mover e da Confraria Catarinense de Capoeira, surgiu
a proposta de desenvolvermos um curso voltado especificamente à formação de
educadores de capoeira, a ser realizado a partir do primeiro semestre de 2005.
Após várias reuniões de trabalho entre as duas instituições, chegamos à
primeira proposta de redação do Projeto de Curso PERI-Capoeira (2005). Logo
em seguida, passamos a contatar educadores e educadoras de capoeira, do
estado de Santa Catarina, interessados(as) em participar do referido curso.
139
As reflexões sobre a investigação-ação foram propostas por mim, aos membros da
coordenação do Peri 1, por meio de um debate, mediado pelo texto Investigação-ação: análises e
propostas feitas no contexto do Programa de Educação e Relações Interculturais/Peri, conforme
Corte Real (2004).
206
Com o avanço de nossos trabalhos, elaboramos uma carta convidando
esses(as) educadores(as) a participarem de uma etapa de concentração para dar
início ao curso, então previsto para os dias 16 e 30 de abril de 2005, tendo como
local o Centro de Convenções e Eventos da UFSC.
A idéia da realização de uma etapa de concentração no inicio do curso,
proposta por Nadir Azibeiro, membro da equipe do PERI-Capoeira, visou a
estabelecer laços entre os convidados e as convidadas e definir quem seriam
os(as) participantes, foi. Tal idéia é fruto da experiência dessa educadora junto a
cursos de formação de educadoras populares. Nadir Azibeiro dá importância
significativa a esse tipo de estratégia, a qual visa à articulação do grupo, pois esta
entende que o conhecimento é concebido na relação e no encontro entre as
participantes do processo educativo.
Esse entendimento vem sendo elaborado, sob a forma de uma teoria e de
um método educativo, a partir de experiências fundadoras, no sentido que diz
Paulo Freire (1987), e que têm levado Azibeiro (2002; 2006) a refletir sobre os
processos coletivos e relacionais de construção de conhecimento, no contexto da
formação de educadoras populares. Nessa perspectiva, Nadir Azibeiro (2002,
p.47, grifos meus) destaca:
Ênfase na relação educativa e na construção do grupo, como fator que
possibilita e potencializa a construção coletiva do conhecimento; envolvimento
da totalidade da pessoa, em suas múltiplas dimensões (não só a ‘cabeça’, mas o
‘coração’, as mãos, o corpo), em todos os momentos da atividade formativa,
articulação entre a lógica dialética e a lógica metodológica como fundamental para
a qualificação e a intervenção inovadora na realidade; relação estreita e
complementar entre forma e conteúdo, entre o político e o técnico.
Mais do que termos em foco uma metodologia, estamos diante de uma
concepção de educação, fundada na relação entre seres humanos, assim
entendida: “A percepção do conhecimento como relação vai além da ‘convicção
de que a construção das relações de grupo que acolhem e valorizam o indivíduo
são fundamentais para a construção coletiva do conhecimento e o processo de
aprendizagem’ (A experiência Formativa do FFMP). Essas relações se constituem
no próprio processo de conhecimento e aprendizado” (AZIBEIRO, 2002, p.50).
Cerca de oitenta educadores(as) de capoeira, a maioria deles do sexo
masculino, de diversas cidades de Santa Catarina, manifestaram interesse por
207
nosso convite. No sentido de acolher os interesses desses educadores,
organizamos um plano de trabalho para o dia 16, tendo como objetivos explicitar
as identidades e diferenças entre o grupo, até mesmo em termos de interesses;
visando a eleger os e as participantes do curso (cf. Programação do 1º Encontro
PERI-Capoeira, 2005).
Para tentar agilizar esse trabalho da etapa de concentração, enviamos,
juntamente com a carta-convite, um questionário para as(os) educadoras(es)
interessadas(os) responderem, de maneira que pudéssemos ter uma visão
aproximativa das suas expectativas em relação ao curso.
Por meio de uma análise preliminar – já que até a etapa de concentração
nem todos(as) responderam ao questionário – pudemos elaborar uma síntese das
principais expectativas, motivações, contribuições e desafios propostos pelos
educadores(as) de capoeira para o curso.
Podemos observar algumas dessas expectativas no seguinte relato: “(...)
vimos que a maioria dos(as) convidados(as) tem vontade de ampliar seus
conhecimentos, de forma que seja possível a integração com outros
capoeiristas durante o curso e que isso sirva para a qualificação da atividade de
ensino, contribuindo para o aumento da cidadania” (CORTE REAL, 2005, p.1,
grifos no original).
Ainda neste questionário, perguntamos aos(as) educadores(as)
convidados(as) qual seria a importância de um curso de formação de educadores
de capoeira, assim a maioria: “(...) demonstrou como grande preocupação a
necessidade de suporte teórico e metodológico para o trabalho educativo;
seguida da vontade de produzir uma mudança na visão que a sociedade tem da
capoeira, como possibilidade de sua valorização e ampliação do mercado de
trabalho” (Ibid.).
Na análise das expectativas destes educadores(as), também foi possível
verificarmos a vontade de colaborarem com o desenvolvimento do curso a partir
das suas próprias experiências com a capoeira. As experiências citadas por eles
e elas consistem, basicamente, em conhecimentos obtidos ao longo do exercício
de ensino da capoeira, de viagens, da convivência com mestres de capoeira etc.
Além disso, os(as) educadores(as) destacaram a importância da capoeira
no processo educativo vista no “(...) desenvolvimento da coordenação motora,
auto-estima, formação do caráter, disciplina e socialização, evitando a
208
marginalidade. Também apareceu a idéia da capoeira como auxiliar para o
ensino de outras matérias; e, em número menor, foram citados aspectos como
a história e a música, bem como a capoeira como sendo por si só um
processo educativo” (Ibid.).
Desse primeiro contato com os futuros participantes do PERI-Capoeira,
resumimos:
Diante da análise e discussão que vimos fazendo das respostas do questionário
na coordenação do curso, podemos afirmar que o resultado obtido até agora é
extremamente valioso e positivo. Em primeiro lugar, destacamos que a vontade
apresentada pelos(as) convidados(as) para integração com outros(as)
educadores(as) de capoeira será um ponto fundamental para o desenvolvimento
do curso. Isto porque nossa proposta de curso, que tem com guia a concepção
da educação intercultural, propõe que as práticas educativas sejam vividas
colaborativamente por todas e todos (FLEURI; FREIRE), sendo que formação
de professores é um desafio para ser assumido coletivamente. Por isso, a
integração é algo que poderá contribuir com o desenvolvimento
programático do curso, abrindo, também, a possibilidade de que possamos
constituir juntos redes de intercâmbio de educadores(as). Assim, as
experiências pessoais, os anseios e interesses dos convidados(as) são um ponto
relevante para a elaboração conjunta da programação do curso (Ibid., p.2).
O PERI-Capoeira foi realizado ao longo do ano de 2005, num total de 11
encontros presenciais, geralmente na UFSC. Em relação ao meu foco de
interesse nesta tese, faço alguns destaques relativos à presença das
musicalidades das rodas de capoeira(s) durante o percurso vivido. Neste prisma,
entendo o PERI-Capoeira como uma experiência piloto de curso de formação de
educadores(as) de capoeira na perspectiva intercultural da educação, a qual
configura uma importante base prática para análise de como esses
educadores(as) formam e dinamizam seus saberes ligados às musicalidades.
Os relatos das experiências vividas no PERI-Capoeira atendem ao critério
de tentar compreender as relações de saber e poder das musicalidades da
capoeira. Para tanto, são discutidas situações nas quais estes saberes estiveram
presentes durante o curso. Desta forma, procuro demonstrar práticas de
musicalidades ligadas tanto aos seus papéis e as estratégias de ensino e
aprendizagem, como às visões e significados que os(as) educadores(as) lhes
atribuem. Isto é feito paralelamente à tentativa de demonstrar um processo de
investigação-ativa, vivido na medida em que os(as) educadores(as) participantes
do curso foram provocados a refletirem sobre alguns dos principais desafios
209
presentes nas suas práticas educativas de capoeira.
Ao longo do PERI-Capoeira, notamos que as musicalidades estvam
presentes em vários momentos e dimensões das práticas da capoeira. Muitas
vezes, procuramos valorizar as múltiplas dimensões dessas musicalidades da
capoeira, incorporando-as no desenvolvimento das atividades do curso. Essas
várias dimensões, como procurei observar antes durante os jogos com os
entrevistados, envolvem aspectos da história da capoeira, ritual, comunicação e
ligação entre os participantes da roda, incentivo para o desenvolvimento do jogo
etc.
No sentido de demonstrar o percurso investigativo vivido, destacarei
excertos, isto é, fragmentos das programações implementadas, os quais servem
de base para as discussões. Os encontros do PERI-Capoeira eram divididos em
atividades educativas ao longo de dois turnos de trabalho: manhã e tarde.
Conforme a maior pertinência para as discussões que proponho, citarei trechos
das programações, que correspondem às ações em torno das musicalidades.
A seguir, podemos observar os principais objetivos propostos para o inicio
do curso, durante o 1º Encontro do PERI-Capoeira:
Programação 1
O
Encontro
Florianópolis, sábado, 16 de abril de 2005
Horário: 9h às 18h
Local: Centro de Eventos e Convenções da UFSC.
Objetivos gerais
Promover o conhecimento e a integração entre os diferentes grupos
capoeira e suas respectivas histórias, propostas e pertenças.
Explicitar, construir e discutir a proposta do Curso Curso de capacitação
de educadores de capoeira na perspectiva intercultural (Peri-Capoeira).
Eleger os participantes do Peri-Capoeira, segundo os critérios
assumidos pela comissão gestora do curso (motivação, disponibilidade,
vínculos com práticas de base, contribuição ao projeto do curso e da rede).
O momento de acolhimento – chamávamos assim o momento inicial de
cada encontro, que ia das 8h e 30min até as 9h –, foi fundamental para
estabelecer a integração entre os(as) educadores(as) convidados(as) do curso e
210
à equipe de coordenação.
Bruno Emmanuel Santana da Silva – que é membro da Confraria
Catarinense de Capoeira e, à época, acadêmico do curso de Mestrado em
Educação Física do CDS/UFSC, atualmente membro do Núcleo Mover e que
nesse encontro foi um dos observadores –, registrou isto: “Durante o primeiro
encontro contamos com 56 participantes ao total, entre integrantes do MOVER e
capoeiras do Estado de Santa Catarina” (SILVA, 2005, p.1).
Diante desse desafio de integração, visto nos objetivos do 1° Encontro,
propomos a realização de um maculelê um pouco diferente do que os capoeiristas
estão habituados na capoeira. Ao invés da utilização de bastões de madeira,
como de costume, propomos as mãos para marcar o ritmo dado pelo som de
atabaques e para a primeira aproximação dos(as) educadores(as) entre si. Isto foi
programado conforme destaco abaixo:
Programação 1
O
Encontro
Sessão presencial – Sábado, 16 de abril de 2005.
Período Matutino - 9h às 12h.
Objetivo: Reforçar a identidade do grupo mediante a construção interativa de
símbolos e contextos integradores.
8h e 30min - Acolhimento Cantante (Falcão)
o Através de cantigas do repertório da Capoeira, os participantes
serão recebidos e acolhidos uns pelos outros
o Em seguida, todos serão convidados a confeccionarem os seus
crachás, com o seu nome e local onde mora e trabalha.
9h e 30min - Abertura: (Reinaldo Matias Fleuri e Isabel Porto de Souza)
o Exposição introdutória – os objetivos deste encontro.
9h e 45min - Atividade de focalização e simbolização das concepções
pessoais de capoeira
Individualmente:
1. focalizar mentalmente o significado da capoeira na própria vida..
2. codificar o significado em uma palavras-chave (folha 1).
3. simbolizar sua proposta através de uma figura mítica da capoeira
e de um elemento da natureza. (TERRA, AGUA, AR, FOGO)
4. desenhar as duas imagens (folhas 2 e 3); e criar uma máscara
5. escrever o que elas significam (folha 4).
10h - Atividade de elaboração dia-lógica: (Falcão e Mestre Pop)
Dinâmica de animação/integração: Jogo de apresentação. Cada um prende
no peito o papel com a palavra-chave e com o próprio nome. Música
Maculelê. (ou berimbau). Cada um procura um companheiro com tema
semelhante. Conforme se formam as duplas, os “pares” vão jogando capoeira.
Quando todos os pares estiverem formados, a música pára. Cada par se
senta junto para trabalho. Um em frente do outro. (As fotos são tomadas
211
durante o jogo e o trabalho em duplas)
10h e 10min - Em Duplas:
Elaboração individual
6. observar a máscara d@ parceir@ (em silêncio);
7. escrever sua interpretação da máscara, (buscando a relação entre
os dois desenhos d@ parceir@) (folha 5);
Diálogo
8. @ observador@ a interpretação da imagem d@ parceir@;
9. @ autor@ lê sua explicação do próprio desenho;
10. discutir a relação (identidade e diferença) entre o ponto de vista d@
autor@ do desenho e o do intérprete;
11. identificar os significados semelhantes e divergentes dos mesmos
desenhos;
12. @ outr@ parceir@ lê a interpretação dos desenhos d@ outr@
autor@ e est@ lê sua redação explicativa: compara-se a redação e
interpretação;
13. identificar os significados semelhantes e divergentes do segundo
conjunto de desenhos;
14. discutir a relação (identidade e diferença) possível entre os
desenhos dos dois parceir@s;
15. construir, a partir das máscaras um tótem
16. elaborar, a partir do tótem, um lema;
17. pendurar, num varal as máscaras e os lemas.
10h e 50min - Intervalo
11h - Chamada para roda
11h e 10min - Apresentação sumária dos lemas e tótens das duplas.
11h e 55min - Fechamento desta sessão matutina: apresentação do Vídeo “O
fim do mundo”.
12h as 14h intervalo para almoço, conchavos e fofocas.
A presença de práticas culturais, comuns nos cenários de capoeira, como o
maculelê, apresentou-se como importante mobilizador para o momento inicial de
nosso trabalho. Neste encontro a integrante do Mover, Isabel Porto de Souza,
também exerceu o papel de observadora – este papel foi uma importante
estratégia que estabelecemos durante o PERI-Capoeira, no sentido de contribuir
para as avaliações feitas no final de cada encontro, visando a observarmos e
refletirmos, coletivamente, sobre os avanços e desafios presentes no trabalho.
Lembremos que a observação e a reflexão conjunta das ações
desenvolvidas são um importante ponto da investigação-ação que, em suma, se
dá no agir e no refletir, que educadoras(es) e educandas(os) podem promover
junto às práticas educativas. Ou seja, o processo de observação das ações
desenvolvidas constitui-se em elemento que possibilita reflexões e tomadas
decisões coletivas, acerca do enfretamento dos desafios que vão se
212
apresentando nas práticas educativas.
Diante dessa perspectiva, a educadora citada observou: “A utilização da
dança do Maculelê e a intercalação de momentos de “capoeiragem”, na acolhida
e nos intervalos, funcionando como fios, tecendo o cenário ou contexto do
curso como entrelaçamento entre educação e capoeira e capoeiristas e não
capoeiristas” (SOUZA, 2005, p.1, grifos meus).
Por outro lado, a percepção de Bruno sobre esta atividade foi um pouco
diferente. Ele percebeu a presença de conflitos paralelos ao reconhecimento que
os(as) participantes vinham construindo. Para esse educador, fica esta
compreensão:
Na dinâmica do maculêlê, percebemos que os participantes começaram a relaxar
e se soltar, sentindo-se um pouco mais à vontade, se reconhecendo no processo.
Percebemos ainda um conflito e contradição nessa dinâmica pois, ao mesmo
tempo em que as pessoas se disponibilizavam a contribuir com o processo, se
caracterizou uma relação de disputa e marcação de território (no toque do
atabaque), por parte da coordenação e dos participantes (SILVA, 2005, p.2, grifos
meus).
Em suma, o reconhecimento do outro, neste caso, foi tensionado, segundo
percepção deste educador, por uma esfera de conflitos, na divisão da execução
do toque do instrumento musical atabaque entre parte da coordenação e
participantes.
Apesar dessa a disputa em torno do instrumentos musical, em sua
observação quanto ao I Encontro PERI-Capoeira, Isabel Porto de Souza destacou
uma série de elementos educativos presentes nas atividades realizadas, vividos
com momentos de densidade intercultural. A própria dança do maculelê, como ela
disse, demonstra uma característica das aprendizagens vividas por educadores
de capoeira, que pode ser entendida como a capacidade de escuta do(a) outro.
Souza entendeu naquele momento o seguinte:
(...) capacidade de escuta: é bastante visível, ou quem sabe seria melhor dizer
audível, a capacidade de escuta dos capoeiristas, estabelecendo um ritmo
equilibrado entre falar/escutar, o que evidencia sob meu ponto de vista, o
desenvolvimento através da capoeira destas habilidades, que misturam controle
do corpo, com alguns valores acima explicitados: respeito ou reconhecimento
do(a) outro(a), intercâmbio diálogo, reciprocidade (Ibid., p.2, grifos meus).
Isabel Porto de Souza foi capaz de representar, de maneira muito clara,
213
algumas aprendizagens possíveis aos capoeiristas, através da sua vivência
musical. Pois a capacidade de sintonia musical, que é vivida, por exemplo, nas
rodas de capoeira, foi traduzida como capacidade de falar/escutar, num contexto
de diálogo com o(a) outro(a), com o diferente. Essa capacidade de abertura ao
diálogo foi fundamental naquele momento do curso, pois estávamos diante de
capoeiristas de diferentes tendências, cidades e grupos, sendo que muitos deles,
até aquele momento, não tinham o mínimo de contato uns com os outros. O
nosso desafio, portanto, foi estabelecer um contexto educativo que pudesse
acolher a todos e a todas na participação e desenvolvimento do curso; mesmo
com as diferenças de perspectivas e outros interesses em jogo.
Como tenho percebido ao longo desta investigação, no contato permanente
com cenários da prática da capoeira, como parece emergir nas falas dos
entrevistados e mesmo nas atividades do PERI-Capoeira, a roda de capoeira
parece ser um espaço singular de aprendizagens. Souza (Ibid., grifos meus)
tem entendimento muito próximo a essa compreensão, pois expressou que a
capacidade de escuta: “(...) é desenvolvida pelo uso do instrumento
metodológico da roda, que enquanto alguns corpos dialogam no jogo, os
demais corpos escutam este jogo. O próprio jogo é um exercício dialógico de falas
e escutas, pois cada golpe de um jogador fala, e a resposta do outro jogador,
necessita como reação a escuta da fala que o(a) outro(a) lançou.”
Entre outras dimensões educativas, Souza (Ibid.) frisou as capacidades de
criatividade e improvisação, observadas durante as atividades do 1º Encontro
PERI-Capoeira. A educadora entendeu que esta capacidade talvez advenha da
história musical dos(as) capoeiristas, pois, disse:
Posso pensar que isto também é produto das histórias musicais ou das
brincadeiras musicais, produzidas através do canto, quando os jogadores estão
jogando; mas penso que é no conjunto das atividades da capoeira, ao não cindir
corpo e mente que habita o território destas capacidades, à medida que o próprio
jogo corporal, pela sua velocidade e imprevisibilidade do golpe, exige o
desenvolvimento de uma capacidade mental ágil e criativa.
Conforme podemos ver abaixo, no 1° Encontro, procuramos, ainda,
estabelecer um compromisso entre coordenação – constituída por membros do
Mover e da Confraria Catarinense de Capoeira – e os(as) convidados, baseados
nos critérios de disponibilidade, compromisso e vinculação dos(as)
214
convidados(as) às práticas educativas (ensino de capoeira), visando à definição
dos(as) participantes do curso.
Programação 1
O
Encontro
Sessão Presencial – sábado, 16 de abril de 2005,
Período Vespertino – 14h as 19h.
Oficina de construção da identidade e da representatividade da rede de
capoeiristas com base na pluralidade dos projetos.
Objetivos:
Promover a identificação dos objetivos comuns, assim como das peculiaridades
de cada integrante. Explicitar a representatividade das principais vertentes e
perspectivas da capoeira em Santa Catarina. Eleger as pessoas mais
representativas das diferentes vertentes, que tenham habilidade, motivação e
disponibilidade para participar do curso e atuar como mediadoras com suas
bases.
14h - Dinâmica: lanchas salva-vidas
14h e 10min - Atividade de construção simbólica coletiva: repesentação da
rede de pesquisas.
Em Duplas:
1. cada dupla retoma seu brasão e seu lema;
2. Discute as condições necessárias para sua implementação.
3. Simboliza tais condições num “ambiente” articulador de seus ícones
Painéis:
4. As duplas se reúnem (8-12 pessoas) em torno de 4 (+-) painéis de
papel pardo. Formam-se 4 grupos.
5. Sobre cada painel, cada dupla escolhe um espaço para localizar os
próprios desenhos (individuais) e respectivos ambientes (decididos
com base nos brasões e lemas). Negocia com os outros
participantes a articulação entre os ambientes.
6. Todos desenham seus ambientes, em cooperação entre si. Uma vez
finalizado o fundo, colam ou redesenham as figuras dos seus ícones
individuais (figuras da capoeira e da natureza). Adicionam os brasões
e lemas nas bordas dos painéis. Recortam e colam as próprias fotos
no local do painel que considerar mais pertinente.
15h - Resultam 4 painéis, que são pendurados em varal (ou expostos no
chão).
15h – 15h e 20min - Intervalo.
15h e 25min Dinâmica de animação: os pontos cardeais.
15h e 30min Atividade de interpretação dos painéis:
7. cada grupo situa-se atrás do próprio painel. Interpreta o painel do
outro grupo. Este comenta a interpretação e define um título para
seu painel.
8. Idem para os outros grupos.
9. Resultam as representações das identidades coletivas dos quatro
grupos.
16h e 30min - Eleição dos capoeiristas:
10. Os quatro grupos se reúnem, cada um em uma roda.
215
11. Um coordenador apresenta o resultado da análise preliminar das
propostas de cada inscrito, segundo os critérios estabelecidos.
12. Cada um se manifesta, explicitando sua aceitação ou não de
participar ativamente do curso.
13. O grupo elege, entre aqueles que se comprometem a participar
integralmente do curso (integrar os voluntários até o máximo de 40 e
o mínimo de 30 cursistas, ao todo. Caso o número de candidatos
eleitos seja inferior a 30, os grupos se comprometem a construir, na
semana seguinte, a adesão de novos capoeiristas, para compor um
grupo entre 30 e 40 cursistas .
14. Os eleitos apresentam sua adesão e sua proposta de mediação com
suas bases e com a rede de capoeiristas.
17h e 30min - Avaliação: representação musical e cênica da evolução do
trabalho do grupo.
18h Encerramento: Definição do destino dos painéis produzidos.
18h e 30 min - Roda e ladainha final.
19h - Encerramento
Todavia, começamos a nos questionar: de que maneira poderíamos
contemplar as diferentes expectativas dos(as) convidados(a) em relação ao
curso? Como poderíamos contemplar os seus diferentes interesses ao
organizarmos e propormos os conteúdos programáticos para o desenvolvimento
das atividades educativas do curso?
A partir das experiências vividas por membros da coordenação com
algumas concepções educativas, como a interculturalidade, a investigação-ação e
o diálogo freireano, fomos vivendo o desafio de sustentar a programação do
curso.
Assim, o que era para ser a continuidade da etapa de concentração do
curso, visto os avanços do 1º Encontro, passou a ser um 2º Encontro, com
programação e atividades definidas, visando ao inicio do curso, propriamente dito.
Nossos objetivos, de maneira geral, no encontro do dia 21 de maio de 2005,
também ocorrido no Centro de Convenções e Eventos da UFSC, foram:
“Potencializar a dimensão educativa das práticas de capoeira, identificando os
principais desafios a serem investigados” (Programação do 2º Encontro PERI-
Capoeira, 2005, p.1).
Programação Encontro
Sessão Presencial – sábado, 21 de maio de 2005,
Período Matutino – 8h 30min as 12h 15min
216
Objetivo Geral:
Potencializar a dimensão educativa das práticas de capoeira,
identificando os principais desafios a serem investigados.
Objetivos Específicos:
Problematizar a concepção de educação dialógica e o significado da
investigação temática nesse processo;
Promover a emergência dos temas a serem investigados durante o
curso, a partir das experiências educativas d@s participantes;
Iniciar a formação dos grupos de pesquisa, a partir da similaridade dos
temas de pesquisa;
Planejar os processos de pesquisa, através da composição de mapas
investigativos, nos níveis individual e coletivo.
Plano de Atividades:
Abertura:
8h e 30min às 9h - Atividade de Acolhimento: Puxada de Rede. (Falcão
e Kadu).
Exposição introdutória
Coordenação: Falcão e Fleuri
Objetivos:
Problematizar a concepção de educação dialógica e o significado da
investigação temática nesse processo;
Introduzir a concepção de pesquisa, a partir da alegoria da pesca;
Orientar o processo de avaliação do encontro.
9h às 9h e 20min- (Fleuri) A concepção de educação dialógica e de
investigação temática (Paulo Freire)
9h e 20min às 9h e 35min: (Falcão) A atividade cultural puxada de rede
como alegoria do processo de pesquisa
9h e 35min às 9h e 40min - (Fleuri) A proposta de avaliação do 2º.
encontro. Escolha das pessoas que farão observações para a avaliação do
encontro (pontos de observação: aprendizagem do grupo,
coordenação/condução dos grupos). Avaliação do encontro a partir de
diferentes perspectivas, mediante o painel: Eu elogio, eu critico, eu
proponho, a ser preenchido durante o dia e avaliado ao final do encontro.
Conceitos de referência:
217
Puxada de rede; metodologia de pesquisa
140
; investigação temática;
investigação-ação; formação de educadores
141
.
Formando as redes de investigação temática
Objetivo: Promover a emergência dos temas a serem investigados
durante o curso, a partir das experiências educativas
Coordenação : Corte Real; Drauzio; KBLera
9h e 45min às 9h e 55min - Atividade Individual (Drauzio):
Cada participante receberá uma folha de papel ofício em forma de peixe;
A
partir de uma reflexão sobre ação e intencionalidade (relacionando o
fato de virem ao curso motivados por demandas provindas das práticas
educativas - problemas, dificuldades ou desafios), fomentada pelos
coordenadores da atividade, cada participante deverá focalizar o seu contexto
educativo de capoeira e pensar num desafio que gostaria de investigar desta
prática;
Cada um deverá escrever dentro do peixe o seu desafio-pesquisa de
interesse, aquilo que o motivou a participar do curso de formação de
educadores. Desenha as características do peixe que representa seu desafio.
Escreve o nome no verso da folha.
Conceitos de referência:
desafio; tema; situações-limite
142
, ação e intencionalidade.
9h e 55min às 10h e 15min - Intervalo
A formação das redes de pesquisa (Marcio Corte Real)
Objetivos: Iniciar a formação dos grupos de pesquisa, a partir da
similaridade dos temas de pesquisa.
10h e 15min às 12h - Atividade em plenária.
1. Formar um grande círculo, deixando o seu interior livre e explicitar os
objetivos do jogo e algumas regras básicas aos participantes, tais como:
2. Formar grupos de 10 participantes, em média, mais um “atador”,
segundo a inter-relação existente entre os temas de pesquisa.
3. Um primeiro participante disporá seu peixe no chão, mostrando e
dizendo em voz alta, durante o percurso entre a periferia e o centro da
roda, o seu desafio investigativo e uma possível explicação,
contextualização ou justificativa;
4. Os outros participantes analisam o conteúdo de seus peixes e aqueles
140
ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 93-107.
141
Referências: Falcão (2005); Freire (1982; 1987; 1999; 1996); Fleuri (1978); Corte Real (2005);
De Bastos (1995); De Bastos e Grabauska (2001); Corte Real (2005).
142
Freire (1987).
218
de conteúdos semelhantes, após a permissão dada pelos
coordenadores, colocam seus peixes em conexão com os demais peixes
(esta atividade deve ser feita um a um, com calma, cada qual lendo em
voz alta, e colocando o seu peixe na rede, de forma a que todos possam
acompanhar o processo). Os participantes devem atentar para o
conteúdo do peixe e não considerar a pessoa que o depositou;
5. Quando a conexão de peixes é interrompida, ou seja, não é mais
possível conectar outros peixes àquele tema, um participante coloca o
seu peixe em outra parte do pavimento, seguido pelo peixe de um
“atador”. Os demais, com temas semelhantes vão conectando os seus
peixes àquele novo tema indicado no peixe e, assim, sucessivamente;
6.
A
pós o depósito de todos, os participantes poderão negociar possíveis
mudanças de rede, considerando os critérios de relação entre os peixes;
7. Ao final, cada participante se coloca no pedaço de rede onde está
colocado o seu peixe, identificando os demais pescadores e seus
peixes, que com ele comporão o grupo de pesquisa.
8. Leitura da Grande Rede: após a conclusão da formação dos grupos
temáticos, todo o grupo é convidado a percorrer a rede e avaliar as
tessituras e nós que foram formados. Faz-se então, uma rodada de
comentários sobre a rede formada.
Conceitos de referência:
redes; desafio investigativo; temas.
12h e 15min às 13h e 30min – Almoço.
Notadamente, nossa idéia era de que, se conseguíssemos levantar os
principais desafios vividos pelos(s) educadores de capoeira nas suas práticas
educativas, poderíamos, então, viver um percurso investigativo, ao analisarmos
as mediações possíveis diante de tais desafios. Em nossa compreensão, tal
abordagem propiciaria apreendermos conteúdos programáticos para o
desenvolvimento do curso, sustentados pela vivência concreta dos(as)
educadores(as).
O desafio de tematizar as práticas dos educadores de capoeira e, a partir
delas, definir coletivamente os conteúdos programáticos do curso pode ser visto
como um importante processo de investigação-ação e, fundamentalmente, como
uma construção curricular, que exige postura política-pedagógica. Ou seja, o
processo de analisar e planejar coletivamente as práticas educativas pode
contribuir para o fortalecimento dos(as) educadores, na medida que favorece à
compreensão da importância das suas tomadas de decisões. Isto é, tal processo
contribui para a ampliação do seu poder profissional, uma vez que leva as
educadoras e os educadores a agirem e refletirem sobre suas práticas
219
educativas, mediante à análise, negociação e tomada de decisões. Este processo
pode, ainda, estar ligado a um tipo de produção de conhecimento educacional,
áquele que parte do enfrentamento dos problemas da realidade concreta vivida.
Procuramos compartilhar essas idéias com os(as) participantes, prevendo
para o 2º Encontro o estudo (e a problematização) de concepções educativas,
como a educação dialógica e a investigação-ação, tendo como base os seguintes
autores, que serviram de referência para a discussão dessa temática: Freire
(1982; 1987; 1999; 1996), Fleuri (1978), Corte Real (2005); De Bastos (1995);
De Bastos e Grabauska (2001)
143
.
Muitas vezes, utilizávamos, no PERI-Capoeira, a estratégia de elaboração
de textos de nossos próprios punhos, que serviam de base para as reflexões
realizadas nos encontros pedagógicos. Exemplo disso foi a exposição do
Professor Reinaldo Fleuri no 2º Encontro PERI-Capoeira. Na sua fala, Fleuri teve
como objetivo problematizar a formulação do problema de pesquisa. O diálogo
coordenado por este educador teve como base o texto: O problema da
formulação do problema de pesquisa. Fleuri procurou enfatizar que o processo de
pesquisa tem como guia um problema, formulado a partir da explicitação dos
termos que compõe uma contradição, conforme tratei na introdução deste
trabalho (FLEURI, 2005).
Eu também apresentei uma contribuição para a organização de nosso
trabalho, através do texto: Investigação temática: desafios para formação de
educadores de capoeira, Corte Real (2005). Neste texto destaquei:
O que propomos, a partir deste encontro, é trabalharmos em torno da idéia de
investigação temática. Ou seja, elegermos juntos, a partir dos interesses e
problemas vividos por cada educador(a) em seus espaços de atuação, temas
para serem investigados, ao longo do curso. Esses temas representariam o
conjunto, ou pelo menos parte, dos problemas vividos por nós. Isto é, os temas
representam as idéias e valores, desafios esperanças, problemas e contradições
de uma época (Fleuri, 1978) (CORTE REAL, 2005, p.1).
Nossa compreensão também era de que, ao elegermos o conjunto
143
Estas referências bibliográficas foram àquelas citadas na programação do 2º Encontro
Pericapoeira. De maneira geral, costumávamos citar, nas programações que elaborávamos para
cada encontro, as referências consultadas para elaboração de exposições ou problematizações de
temas ou conceitos, que aconteciam de diferentes formas, que iam desde uma plenária de
discussão a encenações de situações-problema. Ao citar as referências, também pretendíamos
remeter os(as) participantes às obras e textos consultados.
220
representativo dos desafios das práticas educativas da capoeira para
investigarmos durante o curso, teríamos formado um rico espaço de trocas, que
colaboraria com o objetivo de constituirmos uma rede de interação de
educadores de capoeira.” (Ibid.). Portando, outro objetivo do curso era de que
pudéssemos contribuir para a formação de uma rede de educadores de capoeira,
que alimentasse a dinâmica de diálogo iniciada durante este processo.
Fundamentalmente, propomos que, a partir da investigação temática das
situações vividas pelos educadores de capoeira, definiríamos, juntos, boa parte
da programação do PERI-Capoeira (inclusive delimitando os conteúdos
programáticos a serem trabalhados) (Ibid.).
Em termos de práticas musicais, no 2º Encontro trabalhamos com a
alegoria da puxada de rede, com o objetivo de formarmos grupos de pesquisa
entre os participantes do curso, que trabalhariam em torno de temas ligados às
suas expectativas e desafios.
Para atividade de acolhimento deste encontro, realizamos, em conjunto, a
encenação da puxada de rede, pois tomamos como base a idéia de rede como
ponto de sustentação das atividades do dia. Essa atividade teve como referência
um texto elaborado por José Luiz Cirqueira Falcão
144
. Em uma bela síntese sobre
a puxada de rede, a que fiz referência anteriormente, Falcão (2005, p.1) destacou,
entre outros aspectos, os papéis assumidos pelos pescadores da pesca do xaréu.
Entre eles, existem os atadores, que são aquelas figuras que devem ficar sempre
atentas para qualquer necessidade, contribuindo para o êxito da pescaria. Por
analogia, estabelecemos o papel do atador no PERI-Capoeira, como sendo
aquele participante da coordenação, que deveria participar ativamente de um
grupo de trabalho, visando a alimentá-lo para realização das atividades e
viabilizando a comunicação entre grupo e coordenação.
Assim, realizado o acolhimento do encontro, o próximo objetivo foi
levantarmos os temas a serem investigados durante curso. Partimos de um
trabalho individual, em que foi proposto a cada cursista representar, através da
confecção de um peixe de papel (e da escrita nele), o principal problema ou
desafio que lhe trouxe ao curso.
Com estes peixes/temas em mãos, organizamos um grande círculo e, em
144
José Luiz Cirqueira Falcão é Doutor em Educação pela UFBA; Professor do CDS/UFSC; mestre
de capoeira; e Presidente da Confraria Catarinense de Capoeira.
221
conjunto, fomos tentando formar grupos de pesquisa por aproximação das
questões levantadas. Tendo a alegoria da rede em mente, propomos formar
cardumes de peixes ou, em outras palavras, grupos de investigação temática.
Reunidos os cardumes, começamos a nos perguntar quais seriam os próximos
encaminhamentos. Ou seja, a partir daí nosso trabalho visou a organizar as
atividades de pesquisa dos grupos, que foram sendo alimentadas, durante o
curso, pelas reflexões propostas pela coordenação.
Diante destes objetivos, foram constituídos cinco grupos de investigação
temática. Eis os grupos organizados e os temas investigativos por eles eleitos: 1)
Relações Capoeiranas – relação aluno mestre, a relação humana dentro da
capoeira, humildade; 2) Trocando Experiências – musicalidade, resgate das
experiências cotidianas e históricas na construção de uma identidade para
capoeira; 3) Menino Jogou – capoeira e educação infantil; 4) Desafio
preconceito, educadores e sua relação com drogas, apoio dado à capoeira; e 5)
Relações Sociais – mudar o tabu de capoeira criada pela sociedade, relações na
prática educativa, relação capoeira-sociedade.
Programação Encontro
Sessão Presencial – sábado, 21 de maio de 2005,
Período Matutino – 13h 30min às 18h
Construindo as redes investigativas:
Objetivos: Planificar os temas através da composição de mapas
investigativos, nos níveis individual e coletivo.
Coordenação : Fleuri; Falcão.
13h e 30min às 14h - Acolhimento Cantoria - Ladainha do Mestre Toni
(Falcão e Bruno)
14h - (Fleuri) Retomada dos grupos de investigação temática.
Explicação da composição do plano de pesquisa e da alegoria da pesca.
Aprender a pescar o peixe que queremos.
14h e 20min - (individual) Cada membro do grupo, indica, por escrito
no formulário (pesca/pesquisa), os elementos constitutivos de sua proposta
pessoal de pesquisa a respeito do desafio/problema enunciado.
14h e 40min - Chamada para grupos – Suite do Pescador (Falcão)
14h e 45min- (em grupos) (Atadores) Cada um apresenta oralmente
222
seu roteiro de pesquisa para os demais membros do grupo (explicitando o
contexto de onde emergiu seu desafio e o modo como pretenderia realizar sua
pesquisa);
Feitas as apresentações, no pequeno grupo, as respostas são
comparadas procurando definir as conexões e as predominâncias de
problemas, contextos, sujeitos, procedimentos (instrumentos e técnicas),
motivações e cronograma de pesquisa no grupo. Com base no painel
elaborado e apresentado, os grupos deverão estabelecer suas respectivas
redes de pesquisa:
a) Qual o desafio a ser pesquisado;
b) Onde o desafio ocorre e pode ser pesquisado;
c) Quando ocorre o desafio
d) Quem são as pessoas envolvidas no problema e quem vai pesquisar;
e) Por que e para que pretende realizar a pesquisa
f) Como vai pesquisar (instrumentos, estratégias e cronograma)
Salientar que os períodos entre os encontros (correspondentes aos
sábados os dias 28/maio e 11 junho) são reservados para trabalhos autônomos
em grupos. Os encontros serão no dia 04 junho para a discussão de questões
emergentes nos processos de pesquisa e no dia 18 de junho a apresentação
dos resultados parciais da pesquisa..
15h e 40min às 16h - Intervalo
Conceitos de referência:
pesquisa; redes; investigação temática.
16h às 17h e 15min - (Fleuri) Apresentação, em plenária, dos grupos
de pesquisa. Os painéis contendo os planos dos grupos de pesquisa são
afixados em um varal. Cada grupo explica seu plano. Os outros espectadores
fazer perguntas e comentários, procurando as conexões entre eles. Possíveis
remanejamentos são feitos.
17h e 15min às 18h - (Drauzio) Avaliação final (do grupo e da
coordenação). Leitura do Painel (Eu elogio, eu critico, eu proponho)
(Marcio) Encaminhamentos para o período de pesquisa dos grupos.
(Falcão) A Maré encheu.
O passo seguinte, representado pelo 3º Encontro do dia 4 de junho de
223
2005, ainda no Centro de Convenções, visou à problematização da investigação-
ação e organização do trabalho dos grupos de pesquisa, que consistiria em
elaborar posicionamentos sobre seus temas. Tais posicionamentos surtiram
resultados de pesquisa, que foram apresentados na, seqüência, no 4º Encontro.
Programação 3
O
Encontro
Florianópolis, sábado, 04 de junho de 2005
Horário: 8h30min às 18h
Local: Centro de Eventos e Convenções da UFSC.
Objetivo Geral do ENCONTRO:
Promover a discussão de cada grupo sobre o seu tema de pesquisa.
Favorecer a troca e o reconhecimento entre os grupos de pesquisa, a
respeito dos problemas tematizados no curso como objetos de investigação.
Objetivos Específicos:
Problematizar as concepções de investigação-ação educativa e de
criação cultural;
Narrar fatos que indicam os problemas enunciados;
Discutir e analisar a problemática emergente nos fatos apresentados;
Planejar o levantamento de informações;
Organizar a comunicação dos resultados de pesquisa (elaboração de
artefatos culturais: texto, audiovisual, dança, música, poesia, cartaz,
narrativa...) para apresentação no 4º encontro, dia 18 de junho.
Plano de Atividades:
I. ABERTURA:
8h30 - 9h00 Dinâmica de Acolhimento: músicas de samba de roda
(pois o samba para ficar bom depende da participação do grupo, assim como o
processo de investigação-ação depende da participação dos educadores/
educadoras/ educandos/as etc.)..
Coordenação da dinâmica: Kadu; Pop; Jimmy Wall; Drauzio.
Conceitos de referência:
samba de roda, (Texto elaborado por Pop e Falcão).
II. ATIVIDADE: Exposição introdutória e organização da avaliação
224
Coordenação da atividade: Corte Real; Fleuri; Drauzio
Objetivos:
Apresentar e problematizar a concepção de investigação-ação
educativa
145
Apresentar e problematizar a concepção de cultura
146
e de educação
popular
147
Orientar o processo de avaliação do encontro.
9h00 - 9h15: (Corte Real) a concepção de investigação-ação educativa
9h15 - 9h35: (Fleuri) As concepções de cultura e de educação popular.
Cartaz com o conceito de cultura, significado e símbolo. Apresenta-se
também o texto de referência (FLEURI, R.M. e outros. Intercultura: estudos
emergentes. Ijuí: Unijuí, 2001).
9h35 - 9h45: (Drauzio) Orientação para o trabalho e avaliação do
encontro.
A proposta de avaliação do 3º encontro. Escolha das pessoas que farão
observações para a avaliação do encontro (pontos de observação:
aprendizagem do grupo, coordenação/condução dos grupos). Apresentar
melhor a proposta do painel de avaliação: Eu elogio, eu critico, eu
proponho, como instrumento de avaliação do encontro. As observações
devem ser anotadas durante todo o dia, à medida que cada pessoa vai
percebendo, sentindo e tendo idéias. (anotar imediatamente, para que não
perca o calor do significado de cada contribuição avaliativa, fazendo o uso dos
três pontos indicados para a melhor compreensão de cada avaliação/proposta).
A dinâmica do encontro será animada com o espírito de GINCANA
(excluindo-se sua dimensão competitiva): cada etapa de trabalho terá objetivos
e tarefas precisos, que serão realizadas pelos grupos já formados no encontro
anterior, e apresentadas em plenária, num fluxo de concentração (em grupo) e
abertura (em plenária).
Conceitos de referência:
cultura (cf. anexo 01); Investigação-ação educativa (cf. anexo 02);
145
Carr e Kemmis (1988); De Bastos (1995); De Bastos e Grabauska (2001); Elliot (1978); Corte
Real (2001; 2005a; 2005c).
146
Geertz (1978).
147
Freire (1987); Fleuri (2001; 2005).
225
avaliação (cf. anexo 03); educação popular (cf. anexos 04 e 05).
Desta forma, sempre trabalhando colaborativamente, fui incumbido de
promover um diálogo no início do 3º Encontro, o qual visou destacar a
contribuição da investigação-ação para o nosso trabalho. Tendo como referências
Carr e Kemmis (1988), De Bastos (1995), De Bastos e Grabauska (2001), Elliot
(1978), Corte Real (2001; 2005a; 2005c), organizei uma pequena fala para o
diálogo com os cursistas, em que tentei explicar a espiral de planejamento, ação,
observação e reflexão, que é uma das características e base constitutiva da
investigação-ação.
Havíamos preparado, no núcleo Mover, uma representação gráfica da
espiral. Tendo como referência essa espiral, procurei propor um diálogo com a
idéia de que o grande desafio das práticas educativas, na perspectiva da
investigação-ação, está em os(as) educadores(as) e educandos(as) viverem,
226
juntos, a ação-reflexão-ção. Isto significa se desafiarem a planejar e agir
colaborativamente nos diferentes momentos das práticas educativas.
É importante destacar que há um limite nessa representação gráfica da
espiral, que é o fato de representar um ciclo fechado em si mesmo. Ou seja, os
ciclos são elementos característicos e constituidores do processo investigativo.
Isto significa dizer que as diferentes etapas da investigação requerem a
dinamização permanente de ciclos reflexivos de acordo com os desafios vividos
na sustenção do que é programado. Explicitando: a vivência de um ciclo leva a
outro, a menos que os agentes rompam o seu vínculo relacional.
Na exposição, priorizei a idéia de que a investigação-ação conta uma
história. Ou seja, a investigação-ação conta uma história, que é a análise das
práticas educativas, contada pelos agentes, educadores(as)-educandos(as) e
educandos(as)-educadores(as). Portanto, tal concepção educativa foca não só as
histórias, mas as próprias formas de expressão, que educandos(as) podem
construir em torno de seus quefazeres (FREIRE, 1987), da sua ação-reflexão-
ação.
Elliot assim elucida: “Ao explicar ‘o que está acontecendo’, a investigação-
ação conta uma ‘história’ sobre o evento, relacionando-o ao contexto de
contingências mutuamente interdependentes, isto é, eventos os quais ‘andam
juntos’, porque eles dependem uns dos outros para ocorrerem” (ELLIOT, 1978,
p.2).
Sobre este ponto de vista, nosso próximo desafio foi pensar em estratégias
que colaborassem para que os(as) participantes do PERI-Capoeira contassem as
histórias dos seus desafios educativos-investigativos a partir das suas próprias
percepções e linguagens. Isso porque “A investigação-ação interpreta ‘o que está
acontecendo’ do ponto de vista daqueles agindo e interagindo na situação
problema, ou seja, professores e alunos, professores e administradores” (Ibid.).
Um dos objetivos estabelecidos para o 3º Encontro foi o de: “organizar a
comunicação dos resultados de pesquisa (elaboração de artefatos culturais: texto,
audiovisual, dança, música, poesia, cartaz, narrativa...) para apresentação no 4º
encontro, dia 18 de junho” (Programação do 3º Encontro PERI-Capoeira, p.1).
Com efeito, o principal evento musical previsto para este encontro
apresentou alguns impasses que desafiaram o grupo. A idéia de realizarmos um
samba de roda no acolhimento – destacando que “o samba para ficar bom
227
depende da participação de todos” – não surtiu o efeito explicativo esperado.
Queríamos comparar a realização de uma roda de samba de roda com o
processo educativo, no sentido que ambos podem ser mais ou menos exitosos,
dependendo da intensidade de envolvimento dos participantes.
Apesar de termos realizado o samba de roda, o qual obteve uma
participação relativamente boa dos presentes, o limite da atividade ficou por conta
do entusiasmo. Na avaliação que fizemos desse encontro, alguns membros da
equipe de coordenação, como a Izabel Porto, explicaram: “(...) ficava difícil
sambar de manhã, pois para tal o corpo já deveria esta aquecido” (Síntese das
avaliações do 3º Encontro PERI-Capoeira, 2005, p.1).
Alguns membros da coordenação compreenderam que a atividade de
acolhimento ficou descontextualizada, não conseguindo expressar a analogia de
que tanto o samba como o trabalho educativo dependem da participação de
todos(as) “para ficarem bons”. No momento dessa avaliação, meu
posicionamento foi contrário, pois entendi que, por não haver uma participação
intensa, o samba não foi tão empolgante e significativo para os presentes, o que
também pode acontecer numa situação educativa (Síntese das avaliações do 3º
Encontro PERI-Capoeira, 2005, p.1).
No que diz respeito ao desenvolvimento das atividades propostas para o 3º
Encontro, basicamente girando em torno da organização dos trabalhos que os
grupos apresentariam no encontro seguinte, observamos que nas nossas
avaliações: “(...) houve um ‘salto qualitativo’, relacionado principalmente à
linguagem utilizada e às dinâmicas propostas (Ibid.).
Havia uma dificuldade de comunicação vivida por nós, coordenadores e
participantes
148
do PERI-Capoeira. Tal dificuldade era expressa nas diferentes
linguagens que estavam presentes entre nós. De um lado, os educadores(as) de
capoeira(s) utilizavam sua linguagem própria, envolvendo palavras e termos
pertinentes à capoeira, mas também trejeitos, posturas, maneiras de vestir e de
reagir diante das situações vividas. De outro, parte dos membros da coordenação
com um linguajar influenciado por conceitos e teorias típicas do campo acadêmico
148
Uso os termos “coordenadores”, “participantes” e “cursistas” apenas para efeito de exposição,
pois, ao longo do PERI-Capoeira, de acordo com as intencionalidades de nossa proposta
metodológica, esses papeis tiveram um rodízio, isto é, em alguns momentos, membros da
coordenação assumiram a participação nas atividades como cursistas; e, em outros, os cursisitas
tiveram papéis de protagonismo na organização e condução de atividades do curso, como
procurarei demonstrar.
228
etc.
Ambos, educadores de capoeira e acadêmicos, vivíamos juntos
descobertas ao tentar conhecer um pouco do mundo do outro(a), até então
estranho, na maioria das vezes. Tentamos aprender uns com os outros, não
abrindo mão de nossas visões de mundo, mas procurado coloca-las em
comunicação, criando as mediações necessárias. Por exemplo, o uso de um
conceito só era empregado quando sua necessidade era justificada e amparada
por situações práticas, por diferentes embasamentos e estratégias de apreensão.
No sentido de equacionar a dificuldade de comunicação, a Silvia (...), uma
das integrantes do Mover, que fez parte da equipe de coordenação do PERI-
Capoeira, propôs a: “(...) disposição de uma caixinha para receber perguntas ou
dúvidas sobre conceitos estranhos apresentados. [e] Fleuri propôs ainda a
possibilidade da caixa receber as críticas e propostas” (Ibid.). A cada encontro
recolhíamos as dúvidas colocadas na caixa e formulávamos “respostas”,
apresentadas nos encontros seguintes, por meio de cartazes, explicações orais,
mas, principalmente procurando remeter as dúvidas às situações práticas vividas
no curso.
Em termos práticos, o salto qualitativo referido acima também foi
representado pela intensa participação dos cursistas nas atividades, que
culminariam nas apresentações de suas produções no 4º encontro. Por outro
lado, a idéia de compartilhar as ações e responsabilidades de coordenação do
PERI-Capoeira entre pessoas com diferentes histórias foi demonstrando algumas
dificuldades, que encaramos como sendo parte de nossa formação, conforme
apresentamos em nossa avaliação:
Está havendo ainda certa dissonância entre coordenação, planejamento e
desenvolvimento das atividades pelos atadores nos grupos (...). Motivos
arrolados: falta de participação no planejamento; falta de integração da equipe
coordenadora; dificuldades na composição de uma equipe estável durante os
encontros; dificuldades de participação plena de atadores (devido a trabalho,
distância etc.); falta de concentração e de ciência sobre o planejamento, entre
outros (Ibid.).
Disso decorrem duas dificuldades: a primeira delas, me parece, ligada ao
uso comum da música como estratégia para atingir objetivos; a segunda, ligada
aos diferentes níveis de apropriação da proposta de trabalho, expressa na
229
programação do encontro. Ou seja, dentro da própria coordenação do curso, às
vezes, em função da maior ou menor disponibilidade para participação na
elaboração das programações e das propostas, houve dificuldade para agirmos
em sintonia.
Em relação à utilização do samba de roda como uma analogia ao aspecto
de participação no processo educativo – idéia que eu próprio propus, mesmo
sabendo que esse tipo de postura tende a ser criticada por educadores musicais –
,estamos diante de um ponto que pode abrir margem para a compreensão das
especificidades das aprendizagens musicais na capoeira, conforme segue.
No campo da educação musical, educadores dessa especificidade – e esta
parece ser uma tendência geral nesta subárea da educação (BEYER, 2001;
SOUZA, 2001) – têm demonstrado preocupações quanto à utilização da música
para alcançar objetivos de ensino. Por exemplo, é muito comum, na educação
escolar, a utilização da música como estratégia para alcançar os objetivos de
ensino das (chamadas) outras disciplinas, oque se diz ajudar na memorização de
conteúdos ou criar outras situações de aprendizagem. Também é exemplar das
críticas realizadas por educadores(as) musicais o fato de, ainda na educação
escolar , a música figurar quase sempre naqueles momentos em que o “conteúdo
sério” já foi trabalhado pela professora: nos intervalos, no final das aulas, nas
datas comemorativas etc. A crítica, portando, é de que a música não é vista, por
si só, nessas situações, como saber com valor próprio; e que, portanto, deveria
haver momentos reservado à programação educativa e que essa fosse tratada a
partir das suas especificidades conceituais, estéticas, históricas etc., propiciando
aos educandos(as) a experiência musical, sob diferentes formas de manipulação
do som.
Destarte, o caso específico da capoeira é um pouco diferente. Isto é, na
capoeira as musicalidades aparecem como estratégia de organização dos seus
rituais, notadamente, da roda de capoeira, mas também como saber dinamizado a
partir de suas especificidades conceituais e históricas, apreendidas pelos(s)
capoeiristas por meio de diferentes estratégias – como procurei demonstrar, por
exemplo, no diálogo com meus interlocutores anteriormente.
A dificuldade de participação nos momentos de planejamento do curso, que
ocorriam em dias da semana, no Núcleo Mover, foi vivida por alguns membros da
coordenação e por parte dos participantes, já que a maioria só tinha
230
disponibilidade de participar dos encontros do curso, previstos para os sábados.
Não obstante algumas dificuldades vividas, após o 3º Encontro
trabalhamos intensamente na preparação do 4º. Conforme nossos registros, “Foi
analisado de forma geral o primeiro esboço do planejamento para o 4º encontro e
o processo de organização de cada grupo. O andamento das atividades de
organização das apresentações dos grupos será acompanhado com rigor ainda
maior pelos atadores” (Síntese das avaliações do 3º Encontro PERI-Capoeira,
2005, p.2).
Tendo presente a alegoria da puxada de rede, nós estabelecemos que
seria função dos atadores se encontrarem ou se comunicarem com seus grupos,
durante o intervalo entre os 3º e 4º Encontros. Assim, os atadores tinham por
objetivos sintetizar os planejamentos das apresentações dos seus grupos e
fornecê-los à coordenação, para que compuséssemos um só texto com o
planejamento geral das atividades previstas para o 4º Encontro. Contudo os
grupos apresentaram ritmos diferentes de trabalho, em função da dificuldade de
os(as) cursistas se encontrarem durante a semana.
Para realização do planejamento do 4º Encontro, a equipe de coordenação
propôs uma estrutura de organização prévia, dividindo o espaço de tempo da
seguinte forma:
Planejamento do 4º. Encontro (18.jun.2005)
Horário atividade tema grupo
responsável
08h30 – 09h00 Dinâmica de acolhimento Grupo (e):
09h00 – 10h00 Introdução Teórico A práxis Coordenação
10h00 - 11h00 Dinâmica de animação
Apresentação da
pesquisa
Debate
Grupo (a):
11h00 - 11h15
intervalo
11h15 - 12h15 Dinâmica de animação
Apresentação da
pesquisa
Debate
Grupo (b):
12h15 – 13h30
Almoço
13h45 – 14h45 Dinâmica de animação
Apresentação da
pesquisa
Grupo (c):
231
Debate
14h45 – 15h45 Dinâmica de animação
Apresentação da
pesquisa
Debate
Grupo (d):
15h45 – 16h00
Intervalo
16h00 – 17h00 Dinâmica de animação
Apresentação da
pesquisa
Debate
Grupo (e):
17h00 – 17h10 Avaliação do trabalho
coletivo
Grupo (a):
17h10 – 17h20 Avaliação das
coordenações
Grupo (b):
17h20 – 17h50 Avaliação geral do
Encontro
Grupo (c):
17h50 – 18h00 Dinâmica de
encerramento
Grupo (d):
Apesar dos grupos terem realizado os seus planejamentos com níveis
diferentes de envolvimento e detalhamento, no dia 18 de junho, no Pavilhão da
Capoeira, no CDS/UFSC, os mesmos apresentaram os resultados de seus
trabalhos sobre o processo investigativo, vivido até aquele momento.
Esse encontro foi um dos mais ricos em termos de fazeres musicais,
inclusive com a presença de elementos musicais não pertencentes ao universo da
capoeira, como foi o caso do boi-de-mamão, no acolhimento (ALVARENGA,
1950). Nele, tivemos como objetivo viver um momento de apresentação e reflexão
do percurso vivido até então, tendo como base as apresentações dos resultados
elaborados pelos grupos de investigação, conforme programação a seguir:
Programação 4º Encontro
Florianópolis, sábado, 18 de junho de 2005
Horário : 8h 30min 18h
Local: Pavilhão da Capoeira, no CDS da UFSC.
Objetivo Geral do ENCONTRO:
Realizar a apresentação e discussão dos resultados do trabalho dos
grupos de investigação temática. Favorecer a análise dos resultados no
processo de avaliação da primeira unidade do curso e encaminhamento do
planejamento da próxima unidade.
Objetivos Específicos:
232
Apresentar e discutir os resultados elaborados pelos grupos de
investigação temática;
Analisar as problemáticas emergentes nos resultados apresentados;
Explicitar as situações-limite e os inédito-viáveis vividos no processo de
investigação;
Realizar a avaliação da primeira unidade do curso;
Potencializar a emergência de novos papéis de protagonismo e
participação na coordenação do curso;
Contribuir para a elaboração da próxima unidade do curso.
O grupo Menino Jogou, responsável pelo acolhimento do encontro, propôs
a apresentação do folguedo boi-de-mão, prevendo a participação de todos(as). O
grupo apresentou a seguinte descrição sobre esta atividade:
A atividade consiste em uma apresentação interativa na qual é formada uma roda;
e o cantador inicia o canto e os demais respondem. A partir da cantoria o cantador
vai convidando os personagens [cavalinho; Maricota; vaqueiro etc.] a fazerem
parte brincadeira. Os integrantes do grupo o menino jogou se dividirão entre
cantadores, tocadores e personagens da manifestação *Boi de Mamão* e
convidarão a todos a construir uma apresentação coletiva. A partir do momento
que os outros participantes do curso forem chegando e se sentirem à vontade
poderão participar da brincadeira, tocando, dançando e cantando da maneira que
preferirem (Anexos da Programação do 4º Encontro PERI-Capoeira, 2005).
Essa atividade proposta pelo grupo Menino Jogou, corresponde ao
seguinte excerto da programação do 4º encontro:
Programação 4º Encontro
Florianópolis, sábado, 18 de junho de 2005
Horário: 8h 30min 18h
Local: Pavilhão da Capoeira, no CDS da UFSC.
Plano de Atividades:
Abertura:
8h30 - 9h00 Dinâmica de Acolhimento
Descrição: Boi de mamão (DESCREVER A ATIVIDADE)
Coordenação da dinâmica: O menino jogou! (Grupo E)
Objetivos da dinâmica: Acolhimento, integração, experiência da
intercuturalidade
233
Atividade: Exposição introdutória e organização da avaliação
Coordenação da atividade: Falcão e Corte Real
Objetivos:
Apresentar e problematizar o conceito de práxis;
Orientar o processo de avaliação do encontro e da primeira unidade do
curso;
Encaminhar o trabalho de apresentação dos grupos de investigação
temática.
Semelhantemente a muitas atividades que envolvem as musicalidades na
capoeira, na realização do boi-de-mamão, proposta pelo grupo Menino Jogou,
vimos um rico potencial de interatividade e congregassamento dos participantes
em torno do ritual que reafirma a crença de morte e ressurreição do boi. Cantigas
como esta garantiram a animação do acolhimento:
Te levanta boi malhado
Te levanta devagar
vem cá meu boi, vem cá
Te levanta devagar
Que é pra não escorregar
vem cá meu boi, vem cá
O meu boi é de mamão
Da cabeça até o chão
vem cá meu boi, vem cá
Olha a volta que ele deu
Olha a volta que ele dá
vem cá meu boi, vem cá
esse boi é de mamão
Faz a tua obrigação
vem cá meu boi, vem cá
Esse boi é de folia
Dá galhada na guria
vem cá meu boi, vem cá
te apresenta seu Mateus
Bota este boi no chão
vem cá meu boi, vem cá
Considerando que objetivo geral do encontro foi apresentar os resultados
234
das investigações realizadas, os grupos optaram por utilizar diversas linguagens
nos seus trabalhos; inclusive aceitando nossa sugestão anterior de: “organizar a
comunicação dos resultados de pesquisa (elaboração de artefatos culturais: texto,
audiovisual, dança, música, poesia, cartaz, narrativa...) para apresentação no 4º
encontro, dia 18 de junho” (Programação do 3º Encontro PERI-Capoeira, p.1).
O grupo Trocando Experiências, que tratou entre outros temas das
musicalidades da capoeira, objetivou relatar experiências exitosas, vividas por
seus integrantes, como expressão dos seus resultados de pesquisa. A
intencionalidade de relatar essas experiências foi progamada da seguinte forma:
Programação 4º Encontro
Florianópolis, sábado, 18 de junho de 2005
Horário: 14h 30min 18h
Local: Pavilhão da Capoeira, no CDS da UFSC.
Plano de Atividades:
10h – 10h15 Intervalo
Atividade: Apresentação dos resultados da investigação realizada pelo
10h15 - Grupo: Trocando Experiências (Grupo A)
Objetivo:
Realizar uma dinâmica na qual o objetivo seja o trabalho coletivo, ao
invés da vitória individual ou de um grupo;
A
presentar experiências exitosas (relacionadas aos temas
musicalidades, conhecimento popular, pesquisa etc.);
Promover o debate sobre as temáticas investigadas pelo grupo;
Uma das experiências do grupo, no campo das musicalidades, relatou uma
palestra, realizada por um dos mestres integrantes do grupo, para acadêmicas do
Curso de Pedagogia da Universidade de Caxias do Sul. Nesta experiência, o
mestre convidado falou para as professoras em formação inicial sobre os
processos de ensino e aprendizagem da música, vividos na capoeira. Nessa
ocasião, o mestre evidenciou que, na capoeira, a música assume papéis
dinâmicos, sendo que ela pode, simultaneamente, ocupar funções de organização
e animação do ritual da roda da capoeira, bem como implicar funções e
aprendizagens musicais propriamente ditas, vistas, por exemplo, nos cantos de
235
pergunta e resposta, na execução dos instrumentos musicais etc.
Um dos aspectos que marcou musicalmente este encontro foi a elaboração
de uma ladainha, pelo grupo Desafio, com o objetivo de: “Discutir as questões da
droga e do preconceito” (Programação do 4º Encontro PERI-Capoeira, p.4).
Programação 4º Encontro
Florianópolis, sábado, 18 de junho de 2005
Horário: 14h 30min 18h
Local: Pavilhão da Capoeira, no CDS da UFSC.
Plano de Atividades:
14h30 - Grupo: Desafio (Grupo D)
Objetivo: Discutir as questões da droga e do preconceito.
Dinâmica de animação: História da droga e do preconceito.
Coordenação da dinâmica: Grupo; Atador(e/a/s).Jimmy Wall
Coordenação da atividade: Grupo; Atador(e/a/s).Mestre pop
Atadores: Pop; Jimmy Wall; Isabel.
Descrição:
O grupo está organizando o trabalho, a partir de uma ladainha que criou,
e terá encontro, terça-feira, dia 14 de junho para organizar a atividade.
Desta forma, o saber musical foi objeto de aprendizagens específicas, no
que diz respeito à composição realizada coletivamente pelo grupo, bem como foi
vetor da problematização da questão da droga, que fazia parte de sua temática
investigativa.
Esse é nosso desafio
Desafio de educador
Compreender nossa missão
A missão de educar
Compreender a dependência
E saber como lidar
Com esse mundo das drogas
E crianças a se matar
Que hoje se encontra
Em conflitos com o mar
Ao lidar com qualquer droga
Não podemos camuflar
Camaleão muda de cor
Devemos nos alertar
A missão do educador, de educador é educar
236
A missão de aprendiz, aprendiz a ensinar
Não se pode desmerecer, nossas ações valorizar...
Yê viva meu Deus, Câmara...
Valorizar solucionar...
Nosso papel recuperar...
Para a gente se educar...
Qual deve ser o papel...
Para ser educador...
Capoeira, capoeira...
É pra ensinar...
Não deixar o barco virar...
(Grupo Desafio, 2005).
O 4º Encontro marcou o final da primeira unidade do PERI-Capoeira
composta pelos quatro primeiro encontros. Portanto, a essa altura, tínhamos
como desafio promover uma etapa de investigação, que nos levasse à escolha
das prioridades, até mesmo em termos de temas, para garantir a continuidade do
curso.
Após o dia 18 de junho, fizemos um intervalo, no qual não houve a
realização de encontros presenciais, sendo que os mesmos foram retomados com
a realização do 5° Encontro do dia 13 de agosto, no CED/UFSC, dando inicio a
segunda unidade do curso. Essa unidade foi mais longa do que a primeira, sendo
composta por 8 encontros.
Destacarei alguns momentos da segunda unidade, como representativos
dos fazeres musicais, que vivemos no PERI-Capoeira. Esses exemplos se
somam à tentativa de demonstrar como os(as) educadores(as) compreendem,
ressignificam e possibilitam a dinamização dos saberes musicais no universo da
capoeira.
A partir da retomada do curso, no 5º Encontro, dia 13 de agosto de 2005,
no CED, iniciamos um processo de estudo que teve a seguinte estrutura:
Programação 5° Encontro
Florianópolis, sábado, 13 de agosto de 2005
Horário: 8h 30min às 18h
Local: Centro de Eventos e Convenções da UFSC.
Objetivo Geral do Encontro:
Refletir sobre o percurso investigativo, realizado na primeira unidade do
curso, e encaminhar o planejamento da segunda unidade, visando a promover
a emergência da participação dos cursistas, nos momentos de planejamento e
237
implementação das atividades de aprofundamento da análise das temáticas
investigadas.
Objetivos Específicos:
a. Promover a reflexão sobre o percurso investigativo desenvolvido na
primeira unidade do curso;
b. Realizar a delimitação das temáticas investigativas, procurando
representar os principais problemas a serem aprofundados nesta unidade;
c. Realizar o planejamento conjunto dos próximos encontros;
d. Potencializar a participação dos cursistas nos momentos de
planejamento e implementação das atividades do curso.
Lembremos que um dos desafios das práticas educativas, no contexto de
concepções participativas, como a investigação-ação, a intercultura, a pedagogia
da alternância e a educação dialógica problematizadora, é promover a
participação de educadores(as) e educandos(as) na tomada de decisões e
encaminhamentos dos seus quefazeres, dos desafios tomados como objeto de
reflexão e conhecimento, no sentido que antes destaquei a partir de Azibeiro
(2002).
Para tanto, propusemos o redimensionamento das temáticas, tendo como
hipótese que o conjunto das problemáticas levantadas poderia ser sintetizado no
seguinte núcleo temático: Metodologias de ensino da capoeira para crianças,
jovens e adultos; Relações educativas na capoeira e com a sociedade; Saberes e
práticas históricas da capoeira (Relatório Sintético do 5° Encontro PERI-Capoeira,
2005, p.1). Entendíamos que este núcleo temático poderia englobar o conjunto de
temas trabalhados na primeira unidade do curso, possibilitando o
aprofundamento de seu estudo.
A partir deste núcleo, fizemos, no 5º Encontro, um processo de redução
temática, no qual organizamos um grupo para representar cada uma dessas
temáticas. A partir do processo de reflexão sobre o percurso investigativo, vivido
na primeira unidade, cada participante teve subsídios para se inserir em um
destes grupos temáticos, de acordo com suas questões e desafios pessoais,
colocados em diálogo no coletivo.
Diante desses objetivos, a organização do Encontro foi dividida em três
238
momentos, que deveriam funcionar interligados, com a finalidade de
prosseguirmos o trabalho de aprofundamento das análises das temáticas e
ampliação da participação dos grupos nos diferentes momentos de planejamento
e execução das atividades. Assim, o trabalho do dia esteve organizado em torno
dos objetivos de: refletir sobre o processo de investigação, realizado na primeira
unidade do curso; aprofundar e delimitar as temáticas investigativas, afim de
ampliar a compreensão dos problemas das práticas dos(as) educadores de
capoeira; e reorganizar os grupos de investigação temática para dar continuidade
ao trabalho.
Desta forma, como podemos ver no excerto da programação abaixo,
inicialmente lançamos mão de recursos como fotografias das atividades da
primeira unidade, para refletirmos sobre o processo vivido.
Programação 5° Encontro
Florianópolis, sábado, 13 de agosto de 2005
Horário: 8h 30min às 18h
Local: Centro de Eventos e Convenções da UFSC.
Plano de Atividades
I. Acolhimento
8h30min - 9h Dinâmica de Acolhimento
Coordenação: Jimmy Wall; Pop; kadu.
Objetivos: Problematizar a participação, como possibilidade de
realização coletiva de jogos de capoeira, que primem pelo entrosamento entre
todos(as) participantes, em detrimento do aspecto competitivo, que pode
acontecer nos jogos em dupla nas rodas de capoeira.
Descrição: Os participantes serão recebidos com músicas de capoeira,
executadas pelos coordenadores da atividade. Serão convidados a montar uma
grande roda de capoeira, participando do coro, inicialmente sem jogar. Quando
a roda estiver já formada e com boa participação no coro, um dos
coordenadores estabelecerá as regras de participação no jogo coletivo. A idéia
é que todos(as) interajam apenas através da ginga. O problema que se coloca
é criar estratégias de interação, que superem o caráter binário e se construa a
relação de cada um(a) com o conjunto dos(as) parceiros(as).
9h – 9h20 min Abertura
239
Coordenação: Pop
Objetivos:
a) Destacar a idéia que esta unidade do curso tem por objetivo promover a
participação de todos e todas, nos momentos de planejamento e
implementação das atividades;
b) encaminhar a realização da reflexão sobre o processo de investigação
realizado durante a primeira unidade do curso;
c) orientar o processo de avaliação do encontro e escolha dos(as)
responsáveis.
Descrição: Exposição introdutória, destacando a proposta de trabalho
do encontro e da unidade, encaminhando a reflexão sobre o percurso
investigativo realizado até o momento e fazendo a escolha dos responsáveis
pela avaliação do encontro.
II. Reflexões Sobre o Percurso Investigativo
Coordenação geral: Silvia
Objetivos:
Promover a reflexão sobre o percurso investigativo desenvolvido na
primeira unidade do curso;
9h20 min – 9h30 min Mostra fotográfica
Descrição: Realização de uma mostra fotográfica, procurando
demonstrar parte do percurso investigativo realizado durante a primeira
unidade do curso, tendo como foco a participação dos(as) cursistas nos
trabalhos desenvolvidos.
9h30min – 9h50 min Apresentação do vídeo “I Unidade PERI-Capoeira”.
Descrição:
A
presentação de um vídeo, contendo uma seleção de
imagens de momentos representativos do trabalho realizado na primeira
unidade do curso, dando ênfase ao trabalho de apresentações dos grupos de
investigação temática, no quarto encontro, como indicativo positivo para a
promoção da participação dos cursistas na condução das atividades, nesta
unidade, juntamente com a coordenação.
Daí em diante, propomos subsidiar o trabalho de investigação, dividindo os
encontros em momentos de reflexões coletivas e de trabalho em grupos.
Conforme apontamos:
Para os próximos três encontros, serão realizadas 3 mesas redondas. Cada mesa
terá 3 palestrantes convidados. Cada palestrante focalizará um dos três temas de
240
investigação. Os grupos terão, de forma integrada, subsídios para seus
respectivos objetos de investigação. Na parte da manhã os cursistas discutirão as
questões de seu interesse com os palestrantes. Na parte da tarde cada grupo
aprofundará a discussão com os palestrantes que enfocarão seus temas
especificos (Relatório Sintético do 5° Encontro PERI-Capoeira, 2005, p.2).
Ao longo deste conjunto de três encontros, os grupos foram elaborando
suas análises, que mais tarde foram comunicadas como resultados de uma
investigação aprofundada dos temas listados. Durante este período, várias
convidadas e convidados participaram dos encontros do Pericapopeira, visando a
colaborar com nossos estudos a partir de suas pesquisas e vinculações com as
temáticas: Metodologias de ensino da capoeira para crianças, jovens e adultos;
Relações educativas na capoeira e com a sociedade; Saberes e práticas
históricas da capoeira.
Algumas vezes, os convidados para as mesas redondas faziam parte dos
quadros de coordenação ou de participantes do curso. O critério para escolha dos
convidados para as mesas, no entanto, permanecia sendo a possibilidade de que
pudessem contribuir com as reflexões dos grupos, por terem estudos ou
experiências significativas em relação aos temas.
Exemplo disso foi a mesa do 9º Encontro, dia 24 de setembro, no
SEST/SENAT, nos bairro Jardim Atlântico, em Florianópolis. Em função da greve
dos servidores e professores das universidades federais, tivemos dificuldades
para que este encontro fosse realizado na UFSC. Estando a instituição em greve,
pesou na decisão, além das dificuldades de uso de seus prédios, a postura
política de parte dos membros da coordenação, entendo-se que realizar o
encontro na UFSC, naquele momento, poderia também caracterizar um descaso
com o movimento grevista em curso.
Juntamente com outros dois educadores que faziam parte do PERI-
Capoeira, fui convidado a tratar de um dos temas – o qual fazia parte dos estudos
dos grupos –, as relações de poder na capoeira.
O objetivo geral deste encontro era: “Promover a análise e estudo do
conjunto de temas representativos dos problemas presentes nas práticas dos(as)
educadores(as) de capoeira, visando a explicitar subsídios para o processo de
investigação. Fomentar a participação dos(as) cursistas no planejamento dos
próximos encontros” (Programação do 9º Encontro PERI-Capoeira, 2005, p.1).
241
Programação 9° Encontro
Florianópolis, sábado, 28 de setembro de 2005
Horário: 8h 30min às 18h
Local: SEST/SENAT - Sala 3
Plano de Atividades
Objetivo Geral do ENCONTRO:
Promover a análise e estudo do conjunto de temas representativos dos
problemas presentes nas práticas dos(as) educadores(as) de capoeira, visando
a explicitar subsídios para o processo de investigação. Fomentar a participação
dos(as) cursistas no planejamento dos próximos encontros.
Objetivos Específicos:
Dar continuidade ao estudo e análise dos temas eleitos para o trabalho
ao longo da unidade (relações educativas e de poder na capoeira e com a
sociedade; práticas e saberes históricos; metodologias de ensino da capoeira
para crianças, jovens, adultos e especiais);
Explicitar subsídios para que os grupos sistematizem os processo de
investigação a serem apresentados e socializados pelos respectivos grupos
nos próximos encontros;
Encaminhar a organização do trabalho de investigação dos grupos, ao
longo da unidade;
Contribuir para que os grupos desenvolvam a produção de textos,
músicas, dramatizações, materiais didáticos e outros materiais ou linguagens
necessários para a análise de seus desafios.
Promover a discussão e planejamento conjunto dos próximos encontros,
levando os participantes a assumir a coordenação dos mesmos, auxiliados pela
coordenação geral do curso (MOVER e Triplo-C).
Plano de Atividades
I. Acolhimento:
Objetivos:
a) promover a recepção e acolhimento dos cursistas e o
encaminhamento às atividades do dia;
8h 30min - 9h - Recepção (Café da manhã)
Coordenação: Grupo Metodologias; Apoio técnico; Coordenação.
9h – 9h15min – Dinâmica de acolhimento (Ciranda) (...)
242
9h - 9h25min - Abertura
Coordenação: Silvia
Objetivos:
Informar os participantes sobre as atividades programadas para o
encontro;
Destacar a mesa-redonda como uma estratégia de análise dos temas e
de diálogo entre conhecimentos (acadêmico e popular);
Destacar este encontro como continuidade do processo de estudo e
análise dos temas levantados durante o longo do curso (mais especificamente
da reunião exttraordinaria) e sua estruturação e planejamento dos próximos
encontros.
Orientar o processo de avaliação do encontro passado.
Apresentar a avaliação do painel “eu elogio...” e a caixa de palavras;
Compor a mesa-redonda, apresentando os participantes e convidando-
os a integrá-la. (...)
II. 9h25 min – 11h45min – Mesa Redonda
Coordenação: Gillian e Mau Mau
Objetivos:
Promover a análise dialógica dos temas eleitos para unidade;
Explicitar subsídios para o processo de estudo dos grupos nesta
unidade.
Descrição: A partir de uma mostra de vídeo, os participantes da mesa-
redonda terão individualmente 20min para desenvolver uma exposição acerca
de um dos três temas privilegiados na unidade. Durante as falas, os(as)
cursistas serão solicitados(as) a elaborar questões sobre os temas aos
participantes da mesa e a registrar tudo que for considerado importante às
discussões que se seguirão. Após as falas, sob a mediação dos(as)
coordenadores(as) da mesa, será aberto um espaço para questionamentos e
debate.
Assim, procurei discutir com participantes do 9º Encontro as relações de
saber e poder, na capoeira, dinamizadas em torno das musicalidades. Em minha
fala, inicialmente destaquei: “Eu vou falar sobre as relações de poder na prática
da capoeira, tentando discutir com vocês que se por um lado existem várias
243
práticas educativas, que são desenvolvidas na capoeira em torno das músicas –
principalmente é o que me interessa bastante – (...) essas musicalidades da
capoeira, me parece, (...) podem em algum momento representar disputa, objetos
de disputas (...) E isto também pode representar uma relação de poder” (CORTE
REAL, 2005).
Mais adiante, no cronograma do curso, durante as apresentações dos
resultados, o Grupo Relações Educativas e Poder na Capoeira e com a
Sociedade propôs, no 11º Encontro, dia 05 de novembro, a realização de uma
roda de capoeira, como estratégia para a reflexão sobre seu tema. Esta roda
passou ser vista por todos(as) com grande expectativa. Pois, muitas vezes,
durante o curso, os participantes manifestaram o interesse que houvesse rodas
de capoeira durante as atividades dos encontros. Apesar deste interesse, parte da
coordenação via dificuldade ou não sabia como inserir uma roda de capoeira na
programação, pois não conseguia organizá-la como conteúdo programático do
curso, como algo que tivesse significado e não fosse uma atividade desconexa da
programação. Por outro lado, a maioria dos interessados pela roda não defendia a
proposta no contexto da coordenação do curso. Havia também pessoas que
temiam que uma roda pudesse exacerbar diferenças a ponto de ocorrer um
conflito físico no grupo. Essas dificuldades foram sendo superadas na medida em
que os vínculos entre os participantes foram fortalecidos.
Programação 11° Encontro
Florianópolis, sábado, 05 de novembro de 2005
Horário: 8h 30min às 18h
Local: Galpão da Capoeira - CDS.
Plano de Atividades
Objetivo Geral do ENCONTRO:
- Promover a análise e o resultado do trabalho dos grupos, visando a
explicitar subsídios para o processo de investigação.
Objetivos Específicos:
Apresentar os resultados de dois grupos a partir dos temas eleitos para
o trabalho ao longo do curso.
Grupos que irão apresentar:
Metodologias de Ensino da Capoeira para Crianças- 05/11(de manhã)
244
Relações Educativas e Poder na Capoeira e com a Sociedade -
05/11(de tarde)
Plano de Atividades
I. Recepção e Abertura
Objetivos:
Promover a recepção e acolhimento dos cursistas e o encaminhamento
às atividades do dia;
Informar os participantes sobre as atividades programadas para o
encontro.
II - Abertura
8h – 8h45 - Café
8h45 – 9h30 Dinâmica de Acolhimento: Relato do trabalho no grupo o
Menino Jogou Introdução do trabalho da manhã.
Coordenação: Grupo o Menino Jogou
Objetivos da Dinâmica: compartilhar resultados obtidos no percurso do
PERI-CAPOEIRA no grupo o Menino Jogou
Descrição: apresentação oral, e apresentação da cartilha (esboço)
9h30 – 12h Atividades:
Descrição: realizaremos algumas atividades que desenvolvemos na
cartilha. Num primeiro momento explicaremos a atividade, depois realizaremos
a mesma e ao final avaliar-se-á da atividade. Isto irá ocorrer em cada atividade.
As atividade estarão descritas na cartilha que será socializada no encontro.
9h30 – 10h Siga o Mestre – Rodrigo;
10h – 10h30 Pega-congela Feitor – Dêgo;
10h30 – 11h Roda Alerta – Thaís;
11h – 11h30 Brincadeira de ritmo – Pingo;
11h30 – 12h Ecológico – Mau-Mau
12h 12h30 - Avaliação do grupo sobre a atividade
Material necessário: 2 rolos de fita adesiva
12h 00 min – 14h - Intervalo de almoço
III.
A
presentação do Grupo
Relações Educativas e Poder na Capoeira e com a Sociedade
Coordenação: Relações Educativas e Poder na Capoeira e com a
245
Sociedade
Objetivos:
Descrição: 14h – 15h 45 min – Roda
15h 45 min – 16h– Intervalo
16h – 17h 30min - PAPOEIRA
IV. 17h30min – Informes e Encerramento
A proposta do Grupo Relações Educativas e Poder na Capoeira para este
encontro foi que os participantes se auto-organizassem para a realização de um
roda de capoeira, que seria seguida de um debate. Com esta proposta, alguns
mestres presentes ficaram em dúvida se deveriam assumir a coordenação da
roda. O grupo responsável pela apresentação foi questionado sobre o que deveria
ser feito; e sua resposta foi de que todos e todas deveriam decidir como a roda
seria organizada.
Um dos educadores de capoeira, participantes do curso, assumiu a
condução da roda, coordenando a bateria de instrumentos. Além de puxar os
cantos, ele foi indicando o momento em que um jogo deveria terminar para que
outro começasse. Ainda não satisfeito e esclarecido sobre o procedimento que
deveria ser adotado, o educador referido parou a roda e novamente questionou o
grupo, que propôs a atividade. Como a resposta do grupo foi no sentido de que
ele pudesse se sentir à vontade, este educador respondeu que então faria a roda
do seu jeito, como se fosse sua.
Com esta delegação de responsabilidade, ele também se sentiu à vontade
para dizer que, enquanto estivesse coordenando a roda, gostaria que só fizessem
uso dos instrumentos quem realmente soubesse tocar. Ele foi questionado, por
outro educador que participava da excecução musical, se, naquele momento,
havia alguém portanto um instrumento que não soubesse tocar. Ele respondeu
que sim, direcionando esta afirmação para um dos educadores que estava com
um berimbau. O educador interpelado passou o berimbau a outro e foi sentar-se
na roda, aparentemente desconfortável por essa situação de questionamento
quanto à sua excecução dos instrumentos musical referido.
Essa situação foi motivo de discussão no debate que se seguiu. A mesma
situação, penso eu, é representativa de que a roda de capoeira é palco
246
privilegiador de aprendizagens musicais, mas também de tensionamentos e
conflitos, que correm em torno desse saber que, assim, pode ser visto como um
saber/poder. Em síntese, isso configura dimensões de poder subjacentes às
musicalidades, as quais são dinamizadas na forma de conflitos sutis,
demonstrados, nesse caso, em torno da competição ou da tentativa de imposição
de uma visão sobre como deva ser a excecução dos instrumentos musicais,
usados na animação e condução das rodas de capoeira.
Com efeito, o PERI-Capoeira representou uma vivência intercultural
concreta, baseada no encontro e na negociação dos diferentes grupos
participantes do curso. Esta convivência, aliada à análise dos problemas
presentes nas práticas dos educadores, pode ser vista como espaço de formação
de educadores(as), ao explicitar subsídios para a ação-reflexão-ação destas
práticas, de seus desafios e situações-limite, mas também das suas
possibilidades e inéditos-viáveis em torno da investigação dos temas mais
relevantes (cf. FREIRE, 1987). “Neste caso, os temas se encontram encobertos
pelas ‘situações-limites’, que se apresentam aos [seres humanos] como se
fossem determinantes históricas, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe
outra alternativa senão adaptar-se. Desta forma, [os seres humanos] não chegam
a transcender as ‘situações-limites’ e a descobrir ou a divisar, mais além delas e
em relação com elas, o ‘inédito-viável’ (FREIRE, 1987, p.94).
Por outro lado, vimos que alguns participantes demonstravam um contínuo
interesse por questões, digamos, de ordem técnica ou prática da capoeira, como,
por exemplo, realização de oficinas de golpes e movimentações da capoeira,
entre outros. Aliar esses diferentes interesses foi um desafio que certamente
deixou lacunas. Isso porque uma de nossas grandes dificuldades, como já disse,
era a composição da equipe de coordenação e a presença dos participantes nos
momentos de planejamento, de maneira que pudessem intervir e contribuir nas
propostas e condução dos trabalhos.
Tal processo foi e é um campo fundamental para investigar os saberes dos
professores de capoeira ligados às musicalidades da roda capoeira via
investigação-ação, dando curso ao desenvolvimento desta investigação.
Essas experiências representam, em primeiro lugar, um rico campo de
análise e formulação de referenciais teórico-metodológicos para a formação de
educadores(as). Particularmente, oferecem subsídios para a reflexão sobre os
247
saberes musicais, desenvolvidos pelos(as) educadores(as) da/na capoeira.
Penso que um dos principais desafios, em programas como o PERI, é
tematizar situações-limite, advindas de contextos concretos da atuação de
educadoras(es). Se isso se apresenta com um inédito-viável é o de colaborar com
o avanço das reflexões e dos desafios educacionais, ao propor uma orientação
prática e participativa à produção do conhecimento, a partir das percepções
dos(as) educador(as) sobre seus desafios vividos.
248
Capítulo III
3.1 As musicalidades das rodas de capoeira(s): diálogos interculturais,
campo e atuação de educadores
Neste capítulo, proponho uma roda de papoeira sobre as dimensões
teórico-analíticas privilegiadas no trabalho em que os jogadores, além dos leitores
e leitoras, são os(as) autores que me auxiliam nas discussões. Tomo como
referência os dados apresentados no segundo capítulo, para analisar as questões
que procuro problematizar, tendo como objetivo uma compreensão sobre os
papéis das musicalidades das rodas de capoeira. Parte das discussões teóricas a
seguir realizadas, principalmente no contexto da interculturalidade, visam a
explicitar e refletir sobre subsídios para a formação de professores, que vimos
formulando no contexto de experiências como o PERI-Capoeira. Isto é feito a
partir do entendimento de que as musicalidades são saberes fundamentais na/e
para a prática dos educadores(as) de capoeira.
O fio condutor geral deste capítulo é, em primeiro lugar, a reflexão sobre os
processos de ensino e aprendizagem das musicalidades da capoeira. Trabalho
num contexto de reflexão teórica, em que tento explicitar a possibilidade de essas
práticas musicais serem compreendidas na perspectiva intercultural da educação.
Por outro lado, busco problematizar as relações, as visões atribuídas às
musicalidades da capoeira, seus processos de dinamização e circulação, que
podem caracterizar relações de poder. Neste patamar, trabalho com noções como
espetáculo, indústria cultural, campo e capital simbólico, procurando destacar
questões problemáticas em torno das musicalidades das rodas de capoeira, como
fatores comerciais e de competitividade.
É possível, neste sentido, que o campo da capoeira seja, pelo menos em
parte, reflexo daquilo que acontece na sociedade como um todo. Isso porque, de
maneira geral, a música ainda é vista, muitas vezes, como algo acessível a
poucos. O acesso à música, tanto em termos de aprendizagem, como pelo
consumo, por meio de gravações, audição de concertos, shows etc. é, muitas
vezes, de difícil acesso à maioria da população.
Aí é que entra, justamente, a relevância de se investigar a presença da(s)
música(s), em espaços como a capoeira. Compreender os papéis e os processos
de ensino e aprendizagem das musicalidades da/na capoeira pode ser uma base
249
fundamental para entendermos como esses saberes são dinamizados na
sociedade. Em sentido mais amplo, pode representar uma base para pensarmos
como as musicalidades poderiam estar presentes nos processos de educação
escolar de forma significativa para os(as) educandos(as).
Ou seja, captar os papéis, os significados e as visões dos agentes da
capoeira sobre suas musicalidades pode contribuir para a reflexão crítica dos
processos de educação musical, tanto em nível formal, como não-formal. Pois tal
reflexão está ligada à presença das musicalidades na(s) vida(s) das pessoas, às
motivações para a sua aprendizagem, aos valores e visões do que seja belo, mas
também as suas próprias identidades e desafios que vivem.
A discussão que realizo objetiva a compreensão das relações de saber e
poder, que possivelmente são vividas na capoeira em torno das musicalidades.
As relações de saber e poder vem sendo tematizadas no contexto das discussões
da Interculturalidade, pelo núcleo Mover, por meio de diferentes pesquisas. Este
tema vem sendo tratado, de maneira explicita ou implícita, em pesquisas de
Teses de Doutorado, Dissertações de Mestrado e projetos institucionalizados,
como demonstro, brevemente, nos trabalhos citados abaixo.
Fleuri (2001) abordou as relações de saber/poder, presentes no contexto
das práticas de educação popular, em projetos de extensão universitária. O autor
problematizou: se em “Sendo a universidade uma instituição historicamente
comprometida com os interesses da burguesia, como pode, agora [a partir do
intuito de colaborar com a sua hegemonia] aliar-se às classes populares?”
(FLEURI, 2001, p. 16).
O autor observou a contradição presente nas relações entre o saber-poder
acadêmico e o saber-poder popular. Notadamente, investigou a problemática que
expressou desta forma: “(...) como pode a universidade, uma instituição
burocrática, promover a educação popular que favoreça a construção do poder
popular, o qual pressupõe uma dinâmica essencialmente democrática?” (Ibid.).
Diante desta contradição, Fleuri se debruçou sobre a análise das
experiências de projetos de extensão universitária. O autor desenvolveu uma
ampla investigação, visando a: “(...) contribuir para o debate sobre a questão do
saber e do poder, enfrentada nas experiências de extensão universitária em
educação popular realizadas entre 1978 e 1987 na Universidade Metodista de
Piracicaba” (Ibid., p.19).
250
Parece-me licito destacar a relevância desta problemática, uma vez que,
em primeiro lugar, como o autor bem destacou: “A extensão universitária em
educação popular apresenta-se como um espaço ideológico e institucional onde
emerge a contradição entre o poder dominante e o poder popular” (Ibid., p.18).
Em segundo, podemos observar que este espaço de encontros/confrontos
de saberes consiste em importante base para reflexão das práticas de educação
popular, uma vez que aí emergem tensionamentos, mas também estratégias de
negociação advindas deste diálogo de saberes. Explicitamente, conforme Fleuri
(Ibid., p.19), “O registro histórico destas experiências, assim como o ensaio de
análises a respeito das contradições relativas ao saber e ao poder popular nelas
emergentes, pode ser um (...) instrumento de avaliação que os próprios grupos
vêm realizando sobre sua prática e, quem sabe, também para outros grupos que
atuam no limiar entre a universidade e educação popular” (Ibid.).
Conforme demonstro a seguir, as reflexões empreendidas por Fleuri têm
alimentado uma série de investigações, especialmente, no contexto do núcleo
Mover, que vêm tematizando as relações de saber e de poder, no âmbito da
educação intercultural. Os caminhos seguidos por estas pesquisas encontram
harmonia com a recente afirmação feita por Fleuri, nestas palavras:
De um questionamento do autoritarismo e da alienação das relações pedagógicas
passei, pouco a pouco, a compreender a complexidade das relações entre
sujeitos constituídos em contextos sociais e culturais diferentes. Hoje, as
pesquisas com que me venho envolvendo indicam o incrível potencial das
relações interculturais para a promoção do diálogo e da práxis, na busca de
superação dos processos de sujeição, de discriminação, de exclusão social.
(FLEURI, 2006, grifos do autor).
Azibeiro (2002), como o próprio título de sua obra indica, analisou as
Relações de saber, poder e prazer: educação popular e formação de
educador@as. Essas relações também foram destacadas e/ou são subjacentes
às discussões dos trabalhos de: Porto (2002) e Tomazetti (2004), no contexto da
análise das práticas educativas na perspectiva intercultural junto às culturas
infantis; Grando (2004), Barbosa (2005) e Tramonte (1998; 2001) no âmbito das
relações das identidades étnicas; Vieira (2004), no contexto das culturas
geracionais; e Annunciato (2006) no que respeita, especificamente, as relação de
poder entre mestres e discípulo nos espaços de capoeira.
251
No âmbito deste trabalho, especificamente, minha idéia, como já disse, é
explicitar as visões, as estratégias e os processos que contribuem para que os
agentes do campo da capoeira tenham acesso ao saber musical. Justamente no
sentido de valorizar essas dimensões positivas e prospectivas, lanço mão de
questões problemáticas, como os jogos de poder, que podem tensionar a esfera
de participação e aprendizado das músicas na capoeira.
O meu intuito é prestar uma contribuição, no sentido de que se possa
compreender a música da/na capoeira como possibilidade de uma convivência
intercultural entre os agentes deste espaço. Isto é, que as diferentes visões e
compreensões de práticas musicais não se anulem umas as outras, mas que
possam vislumbrar aprendizagens e convivências solidárias.
Penso que as questões problematizadas constituem uma importante
reflexão para a área da educação, em torno da compreensão de como
educadores(as) desenvolvem estratégias de ensino e aprendizagem de saberes,
como as musicalidades; e como lidam com as esferas problemáticas, ligadas a
esses saberes, tais como os jogos de saber e poder, nos quais estão envolvidos.
As reflexões realizadas demonstram um percurso teórico, desenvolvido no
contexto de experiências como o PERI-Capoeira. São reflexões que podem ser
vistas como desafios, mas também como subsídios e base de análise sobre e
para os processos de formação e atuação de educadores, bem como podem
vislumbrar diretrizes às políticas públicas para a capoeira.
252
3.2 As musicalidades das rodas de capoeira(s): educação musical não-
formal na perspectiva intercultural
A história da educação musical, no Brasil, é, em vários sentidos, ligada ao
fato de termos sido uma sociedade colonizada. O papel atribuído pelos jesuítas
ao ensino da música, como estratégia de catequização, e a visão geral que
privilegiava a música européia, colaboraram para que o modelo de educação
musical, aqui desenvolvido, se desse a partir daquilo que Paulo Freire (1999)
denunciou ser comum entre nós, qual seja a busca de soluções transplantadas.
Em nome de uma música considerada legitima, a ocidental, o ensino
desconsiderou, durante longo tempo, outras musicalidades. Mais recentemente,
no entanto, o avanço do conhecimento educacional, em geral, e do de educação
musical, especificamente, desafia as educadoras e os educadores (musicais) a
buscarem outras bases com quais atuar. Neste caminho, podemos dizer quer não
se aceita mais, nem por parte dos educadores(as) e nem dos educandos(as),
formas de ensino baseadas em culturas estranhas.
A pesquisa em educação musical aponta que o próprio conceito de música
já não é mais algo tão rígido e fechado (cf. BEYER, 2001). Não se aceita,
portanto, que, nos espaços educativos, se persiga um único tipo de música
apenas como sendo capaz de suprir as experiências educativas das pessoas e de
representar seus interesses e visões de mundo.
É neste sentido que o cotidiano – especialmente das práticas culturais
como a capoeira – se torna objeto de interesse educativo-investigativo. Há uma
idéia presente na educação musical hoje – ver, por exemplo, Beyer (2001); Souza
(2001; 2002) – de que o cotidiano da vida das pessoas é um espaço de
aprendizagens musicais. Portanto, significativo é aos educadores(as) conhecerem
as formas com que se dão as aprendizagens e a presença da música no
cotidiano, no casual, no não-formal.
Antes de avançarmos na discussão das práticas de educação musical não-
formal, abramos parênteses: isto é, observemos que as práticas de educação
não-formal ganham espaço cada vez maior nas pesquisas e teorizações
acadêmicas. Em recente trabalho, Gohn (2001) demonstra que, no âmbito dessa
temática, o conceito de educação alarga seu espectro, não abarcando apenas as
práticas formais escolares.
253
Para a autora supracitada, a educação não-formal tem seu espaço de
discussão ampliado no Brasil, a partir dos anos de 1980 e sua conceituação
respeita a um processo com quatro aspectos a serem destacados:
O primeiro envolve a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto
cidadadãos, isto é, o processo que gera a conscientização dos indivíduos para a
compreensão de seus interesses e do meio social e da natureza que os cerca, por
meio da participação em atividades grupais. Participar de um Conselho de escoa
poderá desenvolver essa aprendizagem. O segundo, a capacitação dos indivíduos
para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento
de potencialidades. O terceiro, a aprendizagem e exercício de práticas que
capacitam os indivíduos a s organizarem com objetivos comunitários, voltados
para a solução de problemas coletivos cotidianos. (...) O quarto, e não menos
importante, é a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal, escolar, em
formas e espaços diferenciados (GOHN, 2001, p.98-9).
Finalmente, entende a autora, a cidadania é objetivo principal da educação
não-formal. Isto é, trata-se, em muitos casos, de um tipo de educação pensada
coletivamente para atender as demandas – por exemplo, acesso à escrita e à
leitura – de alguns grupos específicos, como trabalhadores, grupos de jovens etc.;
ou, ainda, voltada para processos de formação e atualização, segundo finalidades
específicas – ver Gohn (2001, p.103).
Por outro lado, em uma coletânea de textos sobre o tema, von Simson e
outros autores (2001, p.9) entendem que a caracterização da educação não-
formal não indica necessariamente a não-existência de uma formalidade; mas,
sim, uma maneira adversa à da escola na sua ação. Isto é, “A educação não-
formal caracteriza-se por ser uma maneira diferenciada de trabalhar com a
educação paralelamente à escola. Embora não trabalhe com esse objetivo,
acaba, muitas vezes, completando as lacunas deixadas pela educação escolar”
(Ibid.).
Entendo que a investigação das musicalidades das rodas de capoeira(s),
com especial ênfase à sua dimensão educativa e ao seu papel na atuação de
educadores(as) e na constituição da capoeira como um campo de poder,
representa uma contribuição para as reflexões educacionais.
É preciso destacar que as musicalidades das rodas de capoeira(s), pela
ampla gama de influências absorvidas e pelas diferentes visões que seus agentes
possuem, não são algo unívoco, que possa ser visto em uma única direção.
Como foi procurado demonstrar no segundo capítulo, estas musicalidades podem
254
ser vistas desde as diferentes perspectivas que expressam as visões dos agentes
da capoeira. Por outro lado, pela possibilidade dessas visões estarem ligadas a
interesses e luta por posições de privilégio – como será retomado no próximo item
– é possível, a partir das mesmas, a verificação de conflitos entre os agentes nos
espaços de capoeira.
Isso não significa por si só algo negativo. Talvez signifique que, se as
diferentes visões podem demonstrar alguma conflitividade, é desafio para os
educadores(as) de capoeira lidar como este problema – que considero ser de
caráter educativo. Isto não na perspectiva de tentar uniformizar as musicalidades
em uma ‘modalidade’ que pudesse ser vista como representativa do conjunto dos
interesses dos agentes da capoeira – educadores(as) e educandos(as), mas
visando a considerar a possibilidade de que essas diferentes visões, ao
representarem as próprias identidades dos agentes, devam ser valoradas e
colocadas em diálogo entre si – diálogos interculturais.
Daí a tentativa, neste trabalho, de desafiar educadores(as) e
educandos(as) do espaço da capoeira – e em geral – a uma reflexão sobre a as
práticas de educação musical, numa perspectiva intercultural. Apesar desta
análise estar direcionada explicitamente ao espaço da capoeira, entendo que a
mesma pode oferecer subsídios para a reflexão das práticas educativas escolares
formais, talvez não só no que diz respeito à educação musical.
Ou seja, conhecer como se dão e quais são os saberes presentes no
cotidiano dos(as) educandos(as) pode ser uma importante base com a qual os
educadores(as) podem atuar nas escolas. Isso significa rever os métodos e as
estratégias de ensino, reconhecendo o cotidiano não só como fonte de
aprendizagens, mas como caminho para dinamização de saberes, também, nas
escolas. Explicitamente, ter como possibilidade a construção de uma escola em
que as culturas dos(as) educandos(as) não sejam algo estranho à programação
educativa (CANDAU, 1998).
No contexto da educação musical, educadores têm se interessado pela
investigação das aprendizagens musicais cotidianas, por exemplo, nas escolas de
samba Prass (1999), Gomes (1999), junto aos músicos de rua.
Prass entende que a formação dos saberes musicais, presentes numa
bateria de escola de samba, envolvem processos de sociabilização, ancorados na
cultura do carnaval. E completa:
255
Na realidade para chegar a ser ritmista de uma escola de samba, é preciso um
envolvimento muito grande com o aprendizado da percussão, um aprendizado
que não se restringe à aquisição de habilidades técnicas, mas que engloba um
amplo processo de socialização na cultura do carnaval, na tradição e na
identidade sonora da bateria da sua escola de coração, um percurso gradativo de
‘afinação’ de corpos e de sincronicidade coletiva (PRASS, 1999, p.5).
Prass investigou os saberes musicais dinamizados no contexto de uma
escola de samba, em Porto Alegre/RS, por meio de uma pesquisa baseada na
etnometodologia, a qual consiste no estudo das atividades cotidianas e das
soluções que os atores constroem para resolver seus problemas (1999, p.7).
Semelhante ao que acontece no contexto da capoeira, Prass verificou a
preponderância de vivências e aprendizagens musicais coletivas, no contexto da
escola de samba por ela estudada. Tal aspecto é relevante, pois, a partir dele, a
autora pode concluir: “Dessa forma também a tarefa de ensinar é uma tarefa
coletiva: quem sabe ensina para quem não sabe, ainda que seu saber não esteja
no nível de um ensaiador ou de um mestre, já que o objetivo último do fazer
musical da bateria é ‘levar a escola bonita’, ‘segurar o samba’, ‘fazer explodir a
arquibancada’” (Ibid., p.13).
Como vimos, apesar de certo nivelamento de saberes, que distingue o
ensaiador e o mestre dos demais componentes da bateria, a autora faz destaque
às aprendizagens coletivas vividas na escola de samba. Tal perspectiva, ao
demonstrar que os componentes da bateria podem aprender entre si, encontra
aproximações com a idéia de educando-educador (FREIRE, 1987). Isto é, os(as)
educandos(as) também são educadores(as) no sentido de que ao apreenderem
saberes também os compartilham entre si e com os próprios educadores(as).
Este tipo de investigação na área da educação musical, baseada na
análise presença da música no cotidiano das pessoas em diferentes espaços,
vem dando uma importante abertura ao conhecimento desta subárea da
educação. Tal perspectiva de investigação contribui para que os saberes
potencializados pela educação musical escolar possam levar em consideração as
diferentes vivências musicais presentes na sociedade, contribuindo para o
reconhecimento das identidades culturais dos educandos na construção de
conhecimentos.
No relato a seguir, temos outro exemplo sobre a relevância dessas
256
vivências e aprendizagens cotidianas: “Os palcos do centro da cidade [de Porto
Alegre] são muitos. Nem sempre estão entre quatro paredes (...) O garoto que
bate as colheres nos joelhos enquanto o irmão menor massacra a pequena gaita
e berra, literalmente, alguma música irreconhecível faz tanta arte quanto o homem
gordo que usa folhas como instrumento de sopro e se acompanha ao violão”
(SHIMIDT citado por GOMES, 1999, p.36).
Ao procurar compreender a formação musical dos músicos de rua da
cidade de Porto Alegre, Gomes (1999) também faz referências às aprendizagens
coletivas. Como vimos no relato acima, este educador analisou as ruas da cidade,
como palco e lócus em que se sedimentam aprendizagens musicais. É
fundamental observarmos que Gomes, ao procurar compreender como se dá a
formação dos músicos de rua, entende este universo – a rua – como um contexto
social. Isto é relevante porque, na minha compreensão, esse contexto dá
significados às aprendizagens vividas e estabelece importantes processos
identitários.
Com isso, Gomes faz uma importante consideração, qual seja a idéia de
ampliar a compreensão de formação musical, “(...) considerando que a mesma
envolve as experiências de vida e que estas são, também, processos formativos
de aprendizagem” (1999, p.39).
Em seus depoimentos, os músicos demonstraram ter suas próprias concepções
de formação, estas mais abrangentes que aquelas encontradas nos estudos
correntes sobre a formação de músicos instrumentistas ou cantores. Alguns deles
falaram sobre as aprendizagens no contexto social em que estão inseridos,
sobre as relações humanas que envolvem tais aprendizagens, bem como sobre
as questões que as mesmas encerram, tais como a qualidade de vida e cidadania
(GOMES, 1999, p.41).
Estes contextos sociais favorecem a emergência de identidades, que
podemos compreender não como configurações estanques de um passado, mas
referenciais para a reflexão e atuação no presente (CARVALHO; DE BASTOS,
1999, p.9, grifos meus).
Estas vivências musicais ligadas ao cotidiano e às identidades dos
educandos e das educandas poderiam ser vistas como caminhos para a
organização e implementação das práticas de educação musical – inclusive –
escolares. No entanto, como notou a educadora musical Jusamara Souza (2001),
257
apesar de a música fazer parte das vidas das crianças e lhe ser de grande
interesse, é estranho que, a partir das séries iniciais, ela suma das escolas.
Isso é problemático se notarmos que a desconsideração das experiências
– musicais – vividas pode significar, também, a desvalorização das identidades
dos(as) educandos(as). Daí que muitas vezes a escola e a programação
educativa passam a ser desinteressantes, sem significados para os(as)
educandos(as).
Sanwick contribuiu para a elucidação desta problemática, ao formular um
conjunto de princípios para as práticas de educação musical numa perspectiva
intercultural, quais sejam: interesses pelas tradições musicais; sensibilidade para
com os alunos; e consciência do contexto social da comunidade (1991, p.14,
grifos meus). Estes princípios poderiam contribuir para a valorização das
diferentes experiências musicais vividas, contemplando-as, também, na
programação escolar.
Isso aponta para a descoberta, exploração metódica e crítica de um certo
número de procedimentos musicais, vividos diretamente através da realidade
dos distintos encontros interculturais (SWANWICK , 1991, p.134, grifos meus).
O que significaria, explicitamente, valorizar os interesses, as experiências, em
suma, os saberes musicais vivenciados pelos(as) educandos(as) no âmbito de
seus contextos sociais, considerando as identidades aí dinamizadas.
No contexto da educação musical, apenas mais recentemente
pesquisadores e pesquisadoras vêm demonstrando esforços para a compreensão
dos processos de ensino e aprendizagem da música presentes na capoeira.
Machado (1999), por exemplo, desenvolveu uma monografia de conclusão
do curso de Educação Artística Habilitação em Música, junto à Universidade
Estadual de Santa Catarina/UDESC, intitulada A música na capoeira.
A autora informa que a preocupação geradora de seu trabalho foi o fato de
verificar que um grupo de educandos demonstrava pouco interesse pelas aulas
de música, no entanto se interessava pela capoeira. E Machado completa: “Um
dos caminhos encontrados e que vem sendo muito pesquisado é a utilização do
cotidiano como ponto de partida para as práticas pedagógicas na sala de aula.
Dentro desse contexto vem sendo pesquisada a educação musical não formal,
que por muito tempo foi deixada de lado e ignorada pelos educadores, mas que
atualmente vem se constatando sua importância e riqueza tanto musical, como
258
pedagógica” (1999, p.1).
Esta autora problematiza o fato da educação musical escolar ter suas
“Aulas (...), baseadas no modelo europeu, onde o ‘máximo’ é fazer com que os
alunos ouçam Beethoven
149
” (Ibid. p.2). Mesmo diante desta problematização,
parece-me, contudo, que a autora apresenta uma compreensão limitada das
práticas de educação presentes na capoeira. Eis o seu o entendimento:
Ao perceber que a falta de interesse dos alunos era pelas aulas e não pela música
em si, e ao constatar o real interesse desses alunos pela Capoeira, eu como
educadora e capoeirista comecei a questionar o porquê disso e a pensar sobre a
possibilidade de utilizar a Capoeira de maneira significativa na aula de música. O
que a capoeira, ou mais especificamente a sua música, poderia fornecer de
conteúdos e atividades musicais. Seria possível trabalhar os conteúdos musicais
usando a capoeira como geradora de aprendizagem? (Ibid., p.2)
No meu entendimento, o limite está em pretender utilizar a música “para”.
Aliás, esta é a principal crítica dos educadores musicais (cf. BEYER, 2001;
SOUZA, 2001) quando se utiliza a música para alguma coisa, como, por exemplo,
para desenvolver estratégias de ensino para outras áreas de conhecimento.
Parece-me, sim, que a capoeira possui, por si só, um conjunto de práticas
musicais que, com suas especificidades, não só podem, mas contribuem para o
desenvolvimento do saber musical.
A autora dá ênfase às especificidades dos saberes musicais na capoeira,
ao arrolar uma série de elementos como: a transmissão oral do conhecimento; a
idéia de que na capoeira não há expectadores e todos participam das atividades;
a capoeira proporciona prática de conjunto; exige e possibilita a interiorização do
pulso e do ritmo através do movimento; nas rodas quem comanda toda a música
é quem está tocando o berimbau etc (Ibid., p.69-71).
Apesar de a autora listar estas especificidades, conclui que: “Todos esses
elementos encontrados na Capoeira podem ser utilizados para trabalhar
conteúdos musicais nas aulas de música” (Ibid., p.75). Entendo, talvez
contrariando esta idéia, que a capoeira desenvolve conteúdos musicais por si
própria, diante das suas especificidades e das particulares das musicalidades
neste espaço. O tema apresentado pela autora representa uma importante
149
Ludwig van Beethoven, compositor que viveu entre 1770 e 1827, tendo concentrado sua
produção musical no período clássico da música erudita – o termo clássico, neste caso, designa a
música composta entre 1750 e 1810 (cf. BENNET, 1986).
259
contribuição para o estudo dos processos de educação musical, presentes na
capoeira, especificamente, e nas práticas culturais, em geral. Contudo penso que
esta ênfase em utilizar elementos presentes na capoeira para trabalhar conteúdos
musicais poderia ser contrabalançada pela explicitação dos conteúdos musicais
que são dinamizados, isto é, praticados, desenvolvidos, ensinados e apreendidos
na capoeira, diante das suas especificidades estéticas.
Outro trabalho recente sobre o tema é a Dissertação de Mestrado, Roda de
capoeira: música e tradição oral na cidade de São Paulo, defendida por Bonfim
(2003). Resumidamente, a partir de trabalho de campo realizado entre os anos de
2000 e 2002, junto a diversos grupos de capoeira, na cidade de São Paulo, a
autora chegou à seguinte conclusão, conforme publicado em artigo (BONFIM,
2002, p.7):
A pesquisa demonstrou que essa relação [mestre/discípulo] existe e é defendida
por vários mestres e academias de capoeira. Porém, muitos outros (que, muitas
vezes se auto-denominam como tradicionais) optam por uma forma não-oral de
transmissão de cultura, se valendo de CD’s e manuais de aprendizagem, e esse
fato pode ocasionar um processo de afunilamento nessa transmissão,
fragmentando valores culturais: em muitos desses lugares pode já não se ensinar
a tradição integral, mas apenas uma parte dela.
A autora compreende que a tradição oral é a – talvez a única – estratégia
capaz de “transmitir” os valores culturais integralmente. Não obstante, procurei
problematizar os usos da tradição oral, na capoeira, quando baseados em
testemunhos advindos da convivência com “mestres do passado” ou com “os
velhos mestres”, como é comum ser dito neste cenário. Com efeito, talvez fosse
necessário levarmos em conta que o advento, cada vez mais intenso, das
tecnologias pode até impactar os valores culturais, como está subjacente às
inferências da autora. No entanto, também contribui com a dinamização de novas
formas de ensino e aprendizagem que, penso eu, de per si não são as vilãs da
história.
Bonfim aponta, ainda, que a utilização de gravações musicais, durante as
aulas de música, pode estar ligada à consolidação de um repertório, em
detrimento da criatividade. Ela afirma:
Com relação à questão musical, foi observado em academias que se valem de
recurso da música gravada é possível observar uma predominância de músicas
260
‘consagradas’, executadas por grupos considerados mais importantes e
‘tradicionais’, ocasionando uma certa consagração do repertório e uma perda do
exercício da criatividade, presente no improviso musical das rodas de capoeira
tradicionais, responsáveis por muitas variações sonoras, características da
tradição oral. (Ibid., p.8).
Faço coro à afirmação de Bonfim no que diz respeito ao entendimento de a
consolidação de um único repertório ser problemática, pois isso pode contribuir
para a uniformização das musicalidades e, por conseqüência, das identidades dos
agentes em seus contextos locais. Contudo, penso que esta questão precisaria
ser acrescida de uma visão dinâmica, que leve em conta a capacidade de os
agentes (re)significarem as obras culturais, como a música, em seus contextos
locais e em função de suas visões de mundo, de seus desafios. A despeito disso,
não vejo base de sustentação para o argumento de que é nas rodas tradicionais
que se encontra “o improviso musical” “responsáveis por muitas variações
sonoras”, “características da tradição oral”. Posto que as musicalidades das rodas
de capoeira são parte integrante desse universo, adquirindo força de sentido nos
diferentes espaços, independentemente de serem rotulados de tradicionais ou
não.
Finalmente, outro trabalho que veio contribuir com o estudo relativo aos
processos musicais na capoeira é a monografia de conclusão do curso de
Educação Artística Habilitação em Música da UDESC, defendida por Souza
150
(2005). A autora desenvolveu um estudo, na cidade de Florianópolis/SC, em que
visou a: “(...) descrever a música da capoeira valorizando a prática de professores
de capoeira e seus processos de educação musical” (SOUZA, 2005, p.6). Para
alcançar este objetivo, Souza entrevistou três educadores de capoeira, desta
cidade.
Através de um conjunto de entrevistas, Souza conseguiu captar, de
maneira precisa, alguns elementos musicais presentes na capoeira, apontando
nas suas conclusões:
(...) fica evidenciado a partir das entrevistas é que não existe um único modelo
educativo na capoeira. Cada entrevistado apontou diversas formas de abordar a
150
Eu acompanhei grande parte do trabalho de Ana Paula Alves de Souza. Tínhamos como
objetivo comum que eu fosse seu orientador no desenvolvimento desta monografia de conclusão
de curso. Contudo, isto não foi possível por eu não fazer parte do quadro de docentes da UDESC
à época. Apesar disso, fiz parte de sua banca de defesa pública da referida monografia, na
condição de membro externo.
261
música e o ensino de música, como por exemplo, estabelecendo uma ordem de
aprendizagem dos instrumentos (há instrumentos considerados mais fáceis e
outros considerados mais difíceis), utilizando sons onomatopaicos no ensino oral
dos instrumentos, a composição, Festivais de Música para incentivar o aluno a
cantar, tocar e compor (2005, p.57).
Outra inferência que a autora faz é esta: “Práticas educacionais em música
já apresentaram elementos que puderam ser constatados na capoeira, como por
exemplo, a realização musical em grupo, a participação de todos os integrantes
realizando tarefas diferenciadas, o estímulo à produção de música, e assim por
diante” (Ibid. p.58).
Esse conjunto de trabalhos, contudo, não apresenta problematizações em
relação às dimensões de poder, que podem, também, caracterizar as dinâmicas
musicais presentes na capoeira. Por isso mesmo, penso eu, não deram atenção
às dimensões interculturais dessas musicalidades, conforme venho tentando
explicitar ao longo deste trabalho, particularmente, como segue abaixo.
De maneira muito próxima ao apontado por Gomes (1999) na investigação
da formação dos músicos de rua, na cidade de Porto Alegre, vejo na capoeira um
contexto social. Ou seja, tal universo estabelece uma práxis, no sentido objetivo
de ação-reflexão (cf. FREIRE, 1987), que envolve dimensões valorativas, éticas,
pedagógicas e, por isso mesmo, políticas, que são especificas e têm sentido
particular no universo da capoeira.
Isso significa dizer que os agentes deste universo praticam e significam as
musicalidades, de acordo com seus espaços-tempo vividos. Conforme posso
inferir, tendo como base os jogos realizados nas rodas no capítulo anterior, as
musicalidades das rodas de capoeira, como saber/poder, vislumbram diferentes
especificidades e usos, próprios desse mundo social. Como vimos antes, papéis
como: organização; historicidade; ligação das consciências; ajudar o cara a soltar
o jogo; demonstrar que a capoeira vai além da movimentação corporal; e as
visões dos entrevistados sobre as disputas entre os mestres de capoeira; todos
esses pontos esboçam uma compreensão sobre as musicalidades das rodas de
capoeira.
Os usos e papéis atribuídos a essas musicalidades apontam para a
dimensão complexa – e intercultural –, postulada por Gregory Bateson (1986),
reafirmada por Lipset (1991) e por Fleuri (2005). A compreensão sobre os papéis
das musicalidades das rodas de capoeira pode ser acrescida da conceituação de
262
sistema mental formulada por Bateson (1986). Ou seja, se considerarmos que as
musicalidades são praticadas num espaço que têm especificidades, com usos e
papéis específicos, que constroem significados, assumidos pelos os agentes,
podemos dizer que estes saberes contribuem para a formação de um contexto
relacional na capoeira.
Isto é, na formulação da idéia de sistemas mentais, ou melhor, processos
mentais, baseados na organização/interação das partes que os compõem,
Bateson (1986) estabelece critérios para definir uma mente
151
. Neste caso, uma
mente não estaria apenas voltada para a compreensão dos processos mentais de
um indivíduo isolado, como estamos acostumados a pensar. Antes, afirma o
autor, é uma categoria explicativa, que visa a compreender “(...) que se qualquer
agregado de fenômenos ou qualquer sistema satisfazerem todos os critérios
relacionados, afirmarei sem hesitação que o agregado é uma mente (...) (Ibid.
p.99)”.
Conforme destacado por Fleuri, a idéia de mente de Bateson faz parte de
uma visão complexa, que vem sendo apropriada pela perspectiva intercultural
(FLEURI, 2005; BARBOSA, 2005; AZIBEIRO, 2006) na tentativa de compreensão
de como os sujeitos diferentes se relacionam e lidam com seus desafios nos
contextos educativos. Diante da análise do primeiro critério – ver nota número 3
abaixo –, Fleuri destacou que “O processo mental é sempre uma seqüência de
interações entre partes
. A explicação do processo mental deve sempre focalizar a
organização e a interação de partes múltiplas” (2005, p.3, grifos do autor).
Portanto, poderíamos lançar mão desta idéia, tanto na compreensão da
interação entre educandos(as) e educadores(as), numa sala de aula, como numa
roda de capoeira, em que todos e todas cantam, batem palmas e dançam num
mesmo ritual, ou mesmo num show de rock, em que milhares de pessoas se
sacodem numa mesma vibração.
151
O autor (Ibid., p.100) propõe: “Os critérios de mentalidade que me parecem trabalhar juntos
para fornecer essa solução estão relacionados aqui (...):
1. Uma mente é um agregado de partes ou componentes que interagem.
2. A interação entre as partes da mente é acionada por diferença (...).
3. O processo mental requer energia colateral.
4. O processo mental requer cadeias de determinação circulares (ou mais complexas).
5. No processo mental, os efeitos de diferenças devem ser encarados como transformações
(isto é, versões codificadas) de ventos que os precederam. (...)
6. A descrição e a classificação desses processos de transformação revelam uma hierarquia
de tipos lógicos inerentes ao fenômeno.
263
O problema é que nem sempre nós, educadores e educadoras,
conseguimos estabelecer aquilo que Bateson (1986, p.17) chamou de padrão que
liga. Conforme o terceiro critério elaborado pelo autor, o desafio seria estabelecer
uma energia colateral que garanta a interação entre as partes (cf. Ibid. p.109).
Um dos grandes méritos de Gregory Bateson está na sua definição de
contexto, como sendo capaz de estabelecer processos comunicacionais:
’O contexto’ está ligado a outra noção indefinida chamada ‘significado’. Sem
contexto, palavras e ações não têm qualquer significado. Isso é verdade não
somente para a comunicação humana [o que no caso é a que mais nos
interessa] através de palavras, mas também para todos os tipos de comunicação,
de todo processo mental, de toda mente, inclusive daquela que diz à anêmona-do-
mar como crescer e à ameba o que fazer a seguir (Ibid. p.23, grifos meus).
Decorre que as palavras e as ações têm sentido, conforme o contexto em
que são enunciadas e praticadas. Não obstante, podemos mesmo afirmar que
não falamos somente com palavras, nem agimos apenas com atos físicos.
Outrossim, há todo um conjunto de mensagens e ações, que faz parte de
contextos, capazes de viabilizar comunicações em função dos significados, que
vamos construindo com os componentes de um sistema mental; grosso modo, a
exemplificação poderia estar num conjunto de pessoas, em determinado espaço,
com todas suas implicações culturais, políticas, éticas, estéticas etc
152
.
Bateson assim nos alerta para a necessidade dos contextos, no
estabelecimento da comunicação:
Estou fazendo uma analogia entre contexto no sentido superficial e parcialmente
consciente das relações pessoais, e contexto nos processos muito mais profundos
e arcaicos da embriologia e da homologia. Estou afirmando que seja qual for o
significado da palavra contexto, ela é uma palavra apropriada, a palavra
necessária, na descrição de todos esses processos distantemente relacionados
(Ibid., grifos meus).
152
As discussões de Bateson sobre contexto se aproximam muito da noção de campo de
Bourdieu, visto como espaço social em que os agentes compartilham interesses, visões, objetivos
e valores comuns, que podem ser entendidos como categorias de percepção. Ou seja, tanto na
idéia de contexto como na de campo podemos inferir que os significados compartilhados pelos
agentes de um espaço social implicam até mesmo visões de beleza. Assim, não seria exagero se
afirmar que exite ‘um’ gosto musical comum dos agentes da capoeira – apesar das pequenas
diferenças e da tentativa que existe, quase sempre, de se reivindicar o gosto como opção pessoal
e original.
264
Talvez o padrão que ligue esteja, por exemplo, na energia propiciada pelas
musicalidades das rodas de capoeira, no sentido que o Mestre Cafuné antes
atribui à possibilidade de colocar todos numa mesma consciência. Mas talvez
estes contextos comunicacionais também pudessem ser estabelecidos se
procurássemos pelo padrão que liga junto às práticas culturais, num se molhar na
realidade, como diria Paulo Freire.
Se nós educadores e educadoras conseguíssemos ativar, nos diferentes
espaços educativos, essas energias colaterais, isto é, partir das vivências e dos
saberes – musicais – presentes nos espaços sociais como a capoeira, talvez
pudéssemos colaborar para o estabelecimento de contextos relacionais, em que
as interações das consciências fossem diálogos interculturais, no sentido de
encontro e negociação entre identidades e saberes diferentes.
265
3.3 As musicalidades das rodas de capoeira(as): espetáculo e indústria
cultural
Outra questão que gostaria de problematizar nesta roda é a relação entre
práticas culturais, como a capoeira, e lazer espetacularizado – visto estes tempos
de sociedades tecnologizadas e industrializadas ao extremo, nas quais o próprio
lazer toma forma de mercadoria.
Questões pertinentes ao lazer espetacularizado e à indústria cultural foram
objeto das reflexões de Esteves (2003) e de Mwewa (2005). O primeiro tratou do
impacto da indústria do turismo nas práticas de capoeira, particulamente na
Bahia, e, o segundo, autor objetivou as dimensões educativas, na capoeira, face
aos impactos da indústria cultural nas práticas cotidianas de seus agentes.
O lazer espetacularizado é uma proposição de Belloni (2002) a partir do
conceito de sociedade do espetáculo proposto pelos situacionistas, especialmente
por Debord (1991). Sumariamente, o conceito de espetáculo pode ser entendido
“não como um conjunto de imagens, mas uma relação social mediatizada por
imagens” (DEBORD, 1991, p.10) – para uma maior profundidade nessa
discussão, consultar minimamente Debord (1991); Belloni (2002a; 2002b).
Por outro lado, a capoeira apresenta grande potencial de crítica, visto que:
“As músicas são sempre improvisadas e, em geral, falam do negro na senzala,
do negro livre, da religião, da comunidade, seus bitos, seus feitos, etc.
algumas vezes são cantos de louvor, tristeza, revolta, desafio (CAPOEIRA: A
ARTE MARCIAL DO BRASIL, 1983, p.8, grifos nossos).
Há todo um potencial de mobilidade, de crítica e contestação social
presente na capoeira; por exemplo, conforme pôde ser visto na referênci às
letras/temáticas de suas músicas acima. Tais músicas organizam uma série de
práticas educativas não-formais na capoeira ao ditarem normas da dinâmica do
jogo; e ao assumirem a narrativa das lutas históricas dos negros no Brasil.
Em sentido mais amplo, na análise de Ianni (1978), vimos que a passagem
da formação social escravista para a formação social capitalista deixaria
profundas marcas na cultura de origem africana. Essa discussão abrirá caminho
para, a seguir, analisar o aspecto contraditório das práticas culturais de samba e
capoeira, ou seja, resistência ou assimilação, inerentes à indústria cultural. Com a
venda da força de trabalho, após a escravidão os negros não somente passam à
266
condição de consumidores, como sua própria cultura torna-se suscetível de ser
mercadoria, por exemplo, na forma de lazer.
Para traçar uma compreensão panorâmica sobre a relação entre práticas
culturais e lazer recorro aos conceitos de semicultura (ADORNO, 1992), indústria
cultural (ADORNO & HORKHEIMER, 1985) e lazer espetacularizado (BELLONI,
2002b).
A idéia de semicultura, trabalhada por Adorno (1992), mostra o advento de
uma crise na formação cultural. A formação teria a ver, grosso modo, com “a
cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva” (p.32).
A palavra formação, ainda, pode ser vista como uma promessa do
iluminismo de uma sociedade mais autônoma, já que “quanto mais lúcido fosse o
singular, mais lúcido seria o todo” (Ibid. p.35). É válido explicitar que o oposto da
formação seria a semicultura – na tradução do texto que tenho em mãos, o termo
é amiúde confundido com semiformação –, sendo que está intimamente ligada ao
lazer, possibilitado pela indústria cultural, pois, “A semiformação é o espírito
conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria” (Ibid. p.45).
A discussão que o autor faz sobre a música no contexto da semicultura
estabelece nexo com minha preocupação em relação às práticas culturais,
especificamente a capoeira, no contexto do lazer. Para Adorno, o advento da
semicultura, pelas vias da indústria cultural, ocorre por esquemas pré-
estabelecidos que funcionam de forma coercitiva; no caso da música, por
exemplo, resulta numa legião de ouvintes desprovidos de maiores critérios, visto
que o espírito geral da semicultura é o conformismo. Isso pode ser visto, por
exemplo, nos depoimentos dos mestres entrevistados, como do Mestre Cafuné,
ao dizer que noventa por cento das músicas de capoeira, hoje, são cópia da
cópia.
O que pensar, por outro lado, quando manifestações como, por exemplo, o
samba, o gênero musical típico do carnaval, quando apropriadas pela indústria
cultural, não fazem mais que repetir exaustivamente esquemas melódicos; em
músicas que têm como letras pequenas variações temáticas sobre bundinhas,
tapinhas, cachorrinhas ou qualquer outro diminutivo que nessa esteira diminua a
possibilidade de contemplação do belo, passando longe de qualquer crítica? E
quanto às práticas culturais como capoeira, quando são realizadas a altos preços
em academias de ginástica (já não importando tanto seus rituais originários ou o
267
que suas músicas tematizam e tenham a dizer, mas que seus exercícios e suas
apresentações sirvam de espaço de culto ao corpo musculado)?
Adorno assim entende essa situação no campo da música: “Esta explosão
de barbárie, que com certeza prejudicou a consciência musical de milhões de
pessoas, nos permite aprender muito também sobre a semicultura mais discreta e
média” (Ibid. p.49).
Em trabalho bem mais conhecido, juntamente com HORKHEIMER, os
autores desenvolvem análise sobre o que chamaram indústria cultural – Dialética
do esclarecimento (ADORNO & HORKHEIMER, 1985). Tal discussão nos é útil no
sentido de buscar compreender o caráter do consumo no qual o lazer encontra-se
submetido. Sendo assim, o consumo é orientado por esquemas e padrões pré-
concebidos, que se apresentam disfarçados de originalidade e com sabor da
escolha pessoal.
No entanto, como vimos em Adorno & Horkheimer (1985, p.114), “O
contraste técnico entre poucos centros de produção e uma recepção dispersa
condicionaria a organização e o planejamento pela direção [dos meios de
produção e circulação de mercadorias]. Os padrões teriam resultado
originariamente das necessidades dos consumidores: eis porque são aceitos sem
resistência.”
Daí ser possível observarmos que, com a mesma facilidade que surgem,
os sucessos da moda desaparecem e tornam a surgir numa piscadela de olhos. O
que mostra que muitas coisas difundidas pela indústria cultural, sob a alegação da
escolha e do gosto popular, não são tão efêmeras quanto fúteis. Isto é, se por
ventura determinada mercadoria tenha advindo de necessidades concretas ou de
práticas cotidianas, as mesmas são destituídas de qualquer conteúdo ou
possibilidade de crítica, visto que “Não somente os tipos das canções de sucesso,
os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o
conteúdo específico do espetáculo é ele próprio derivado deles e só varia na
aparência” (Ibid. p.117).
O efeito colateral desse fenômeno é que “tudo” é “nivelado por baixo”, em
função de como os produtos de consumo se apresentam, isto é, “O mundo inteiro
é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. (...) Inevitavelmente, cada
manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tal como as modelou a
indústria em seu todo” (Ibid. p.118-9). Nesse sentido, as práticas culturais
268
localizadas, isto é, praticadas em contextos locais e particulares e ligadas às
visões de mundo de seus agentes, confrontam-se com formas globalizadas de
consumo e, por conseqüência, perda de identidade.
Portanto, se não for pela possibilidade de encontrarmos formas de
confronto e questionamento, “A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a
cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes
desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de
suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o perfil das
mercadorias (Ibid. p.126, grifos nossos).
Não se trata, porém, de assumir o pessimismo diante das manifestações
culturais e de negar que potencializem práticas diferenciadas das impostas pelo
mercado. Ao contrário, problematizar a pretensão de uma cultura hegemônica,
que destitui diferenças problemáticas e solapa identidades.
Nessa direção, seguem-se, ainda, as discussões de Belloni (2002, p.2)
acerca do lazer espetacularizado, nestas palavras:
Em quase todo mundo urbano e capitalista, já não há muitas tradições
transmitindo uma arte de viver fora do trabalho, de discutir com seus pares sobre
questões culturais ou políticas, de participar de manifestações culturais, religiosas
e/ou esportivas, de ‘curtir’ a natureza. E assim, o tempo liberado do trabalho foi
paulatinamente sendo preenchido pelas mercadorias culturais, fabricadas em
grandes centros e distribuídas pelas diferentes redes de comunicação (...),
atingindo a públicos cada vez mais numerosos e diferenciados.”
Há que se priorizar, a partir dessas idéias, a meu ver, que muito
possivelmente as práticas culturais sejam alternativas para escapar das amarras
da indústria e do lazer/mercadoria, pois, se por um lado são assimiladas por tal
indústria, por outro, quando sintonizadas às visões de mundo das pessoas, talvez
potencializem formas de não-submissão à ordem imposta por uma cultura com
pretensões de hegemonia e globalidade.
Isso tudo seria mais grave ainda “nos países pobres, como o Brasil, onde
as condições de trabalho são muito mais precárias e a exclusão social de grandes
setores da população atinge níveis preocupantes, os meios de comunicação de
massa principalmente a televisão, cumprem eficazmente, com precisão técnica
inédita na história da dominação ideológica, o papel de preencher o tempo de
não-trabalho” (Ibid. p.3).
269
No contexto atual, em que a técnica adquire status de uma supremacia
onipotente, em que comunicação morre por excesso de comunicação (SFEZ,
1994) e as culturas confrontam-se entre si, não seria de admirar que o lazer
exercesse eficaz estratégia de dominação. Na mesma esfera, há a prevalência de
um culto coletivo ao corpo, no qual: “A Ilusão do corpo perfeito e imperecível, que
nunca envelhece, toca em cordas sensíveis na identidade de jovens e adultos das
sociedades contemporâneas, para quem a forma física e estética do corpo passa
a ser tudo na vida” (Ibid. p.8).
Daí que muitas vezes a apropriação das práticas culturais pela indústria
cultural traz “(...) conseqüências significativas na construção da identidade de
jovens e crianças, funcionando como mecanismos extremamente eficazes de
reprodução das desigualdades sociais” (Ibid.).
É claro, salvo o fato de que, no contexto de práticas culturais como o
capoeira, possamos empunhar berimbaus como instrumentos de lutas pacíficas,
e assim seus enredos e ladainhas em vozes que nos permitam gritar não! ao
silêncio que a indústria cultural tenta a todo custo nos impor, por um lazer que
homogeneíza identidades.
Neste sentido, entendo as relações das musicalidades das rodas de
capoeira como aspectos problemáticos, como os colocados pelas noções de
espetáculo e indústria cultural, representando uma dimensão importante na
análise dos autores, pois trazerem conseqüências e tensionamentos à prática
concreta dos educadores(as) de capoeira.
270
3.4 As musicalidades das rodas de capoeira(s): lutas simbólicas no campo
capoeirano
Existem várias tendências de investigação e um leque vasto de teorias, que
têm auxiliado pesquisadores e pesquisadoras no trato das questões ligadas à
capoeira. Por exemplo, Vieira (1995) toma como guia a teorização de líder
carismático, cunhada por Weber, para analisar a influência de Mestre Bimba na
capoeira a partir da criação da Regional. Reis (1997) lança mão do conceito de
invenção das tradições, formulado por Hobsbaw e Ranger, numa análise
precursora sobre a capoeira na cidade de São Paulo.
Mais recentemente, para termos apenas alguns exemplos, Falcão (2004)
analisou o processo de internacionalização da capoeira – enquanto uma práxis –
e as implicações para seus códigos de valores, analisando também o próprio
currículo de formação profissional, o qual entende estar submetido à organização
do trabalho pedagógico própria da escola capitalista, tendo como inspiração uma
abordagem marxista. Abib (2004) partiu da tentativa de revitalização do conceito
de cultura para tratar dos saberes dinamizados na capoeira, através de categorias
como oralidade, ancestralidade e ritualidade e temporalidade.
Esses trabalhos representam uma visão parcial do avanço da pesquisa e
do conhecimento sobre a capoeira. Os resultados apresentados pelos mesmos,
no entanto, são significativos, pois coadunam grande diversidade de abordagens
para tratar esta prática cultural dinâmica, que é a capoeira.
Para além disso, penso que o estágio atual do conhecimento que temos
sobre a capoeira pode ser impulsionado, tanto pela explicitação de temas poucos
explorados, como pela eleição de abordagens teóricas inovadoras.
Neste contexto, destaco a possibilidade de apresentar nesta tese o tema as
musicalidades das rodas de capoeira, tendo como uma das bases fundamentais a
sociológica da cultura de Pierre Bourdieu.
“Simbora, então, abri mais uma vez esta roda, minha gente. Agora vamô
fazê um jogo de papoeira com o Bourdieu, para vê como ele pode nos ajudar no
entendimento das musicalidades das rodas de capoeira”.
Pierre Bourdieu, no inicio de sua carreira, estava propenso a uma trajetória
distante do Show Business dos meios acadêmicos franceses e internacionais. Ele
inicia a vida acadêmica num momento em que a cena intelectual é dominada por
271
teorias como o marxismo, o existencialismo e a fenomenologia.
Ness contexto, “(...) os jovens filósofos da geração pós-guerra [tal como
Bourdieu e Foucault à época], nutridos na cultura existencialista e
fenomenológica, foram ficando cada vez mais insatisfeitos com esse quadro, e
alguns descobriram uma outra tradição: a da cultura racionalista e histórica”
153
(PINTO, 2000, p.18)
Bourdieu possui vários pontos aproximativos a Foucault em sua trajetória.
PINTO, em relação a ambos, ressalta: “(...) cumpre insistir no fato de que os
diferentes projetos, por se haverem constituído dentro de um mesmo espaço de
possíveis, são até certo ponto comparáveis em sua gênese e talvez em seu
alcance” (PINTO, 2000, p.31). Não obstante terem sido influenciados por
compartilharem um mesmo espaço, vimos que “(...) tanto o método ‘histórico-
filosófico’ de Michel Foucault quanto a sociologia da cultura de Pierre Bourdieu
podem ser concebidos como duas maneiras de praticar uma história social das
‘formas simbólicas’, tal como sugerida pelas idéias de Ernst Cassirer.” (Ibid.).
(...) Bourdieu e Foucault também se aproximam noutro ponto importante, a
relação crítica ou reflexiva com o saber: se há uma postura que ambos rejeitam é
a do cientista como dono de uma autoridade inconteste; eles compartilham, até
certo ponto, a idéia de que o progresso da racionalidade é indissociável de uma
análise das formas mais ou menos brandas de despotismo da razão (“a razão ao
mesmo tempo como despotismo e como luz”, diz Foucault), razão que Bourdieu,
ao contrário de Foucault, julga compatível com um a definição exigente da
disciplina sociológica (PINTO, 2000, p.33).
Dito isto, vimos que o habitus e o campo são conceitos fundamentais na
sociologia de Bourdieu, que sempre operam como sendo interligados. Se, por um
lado, o campo é “determinante” do habitus, este colabora na tomada de posições
pelos agentes. Assim sendo, “A mediação entre essa posição no espaço social e
as práticas, preferências, é o que chamo de habitus, ou seja, uma disposição
geral diante do mundo, que pode ser relativamente independente da posição
ocupada no momento considerado, por ser rastro de toda uma trajetória passada,
que está no princípio de tomadas sistemáticas de posição (BOURDIEU, 2000,
p.36-7).”
Desta forma, “Quando se ‘conhece bem alguém’, como se diz, ou seja,
153
Vale destacarmos que Bourdieu, em vários momentos, dialoga com a “tradição marxista”, tanto
para destacar seus avanços como limites – ver, por exemplo, BOURDIEU (2000; 2003).
272
quando temos uma intuição de seu habitus, sentimos o que ele não pode fazer. O
pequeno-burguês, como diz Marx em algum lugar, não pode ultrapassar os limites
de seu cérebro.” Ou seja, o habitus atua como uma disposição durável,
operacionalizada segundo uma carga de valores que age diante das situações no
espaço social.
Na medida em que as propriedades tidas em consideração para se
construir este espaço são propriedades atuantes, ele pode ser descrito também
como campo de forças, quer dizer como um campo conjunto de relações
objetivas, impostas a todos os que entram nesse campo e irredutíveis às
intenções dos agentes individuais e mesmo às interações diretas entre os agentes
(BOURDIEU, 2003, p.134).
Na seqüência da inter-relação entre habitus e campo, destaco o conceito
de capital simbólico, como sendo fundamental à compreensão da sociologia da
cultura bourdieusiana: “O capital simbólico – outro nome da distinção – não é
outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando percebido
por um agente dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da
estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como
algo óbvio” (BOURDIEU, 2003, p. 145).
Concretamente, em nosso campo investigativo podemos destacar que o
capital simbólico poder ser visto como manifesto nas posições que os agentes do
campo da capoeira ocupam (que correspondem, em princípio, a uma hierarquia
manifesta em títulos, como mestres, professores etc.). Isso se o princípio da
comparação se aplicar a este caso, uma vez que, em outro extremo: “O Título
profissional ou escolar é uma espécie de regra jurídica de percepção social, um
ser-percebido que é garantido como um direito. É um capital simbólico
institucionalizado, legal (e não apenas legítimo)” (Ibid. p.148).
Neste sentido, destacamos a hipótese de que as músicas utilizadas na
roda da capoeira potencializam uma série de práticas educativas não-formais e de
resistência cultural (COELHO, 1999), as quais podem ser compreendidas na
perspectiva do diálogo intercultural (FREIRE, 1982, 1987, 1996, 1999; FLEURI,
1998, 2000; CANDAU,1998; ANDREOLA, 2000, 2002).
Neste nível, podemos sinalizar a existência de um habitus capoeirístico,
visto nas maneiras dos capoeiras agirem, de se vestirem, de falarem usando
termos que assumem significados específicos no seu meio, como, por exemplo,
273
camarada, mestre etc., e até mesmo nos seus gostos e opções musicais.
Assim, a explicitação das noções de campo e capital simbólico
(BOURDIEU, 1988; 2000; 2001; 2002;2003; 2004) contribuem para a análise das
musicalidades, em sua dimensão educativa, como sendo um saber central da
atuação dos professores de capoeira. Contudo, os dados apresentados
contribuem também para o pensamento de que as musicalidades, na capoeira,
são parte da caracterização de um campo de poder, dinamizado a partir de regras
de sentido, rituais, categorias de percepção, mas sobretudo jogos de força que
contribuem para o estabelecimento das posições que os agentes ocupam nesse
espaço.
274
3.5 As musicalidades das rodas de capoeira(s): atuação de educadores e
desafios formativos
As reflexões sobre os processos de ação e formação de professores
apresentam-se como a mola mestra de toda prática educativa. Isto é, na reflexão
sobre as próprias práticas as educadoras e os educadores podem qualificar sua
ação, no sentido de reconhecer seus limites e possibilidades. A indagação sobre
suas práticas, portanto, não só são constituidoras de toda ação educativa, mas da
própria concepção de ser educador(a), a qual procuramos nos aproximar.
A pertinência desta reflexão se torna mais cara, ainda, se tivermos em
mente que, por vezes, “Ao invés de aprenderem a refletir sobre os princípios que
estruturam a vida e prática em sala de aula [e nos espaços educativos, em geral]
os futuros professores aprendem metodologias que parecem negar a própria
necessidade de pensamento crítico. O ponto é que os programas de treinamento
de professores muitas vezes perdem de vista a necessidade de educar os alunos
para que examinem a natureza subjacente dos problemas escolares” (GIROUX,
1997, p.159).
Esse autor supracitado ainda completa: “Em vez de aprenderem a levantar
questões acerca dos princípios que subjazem os diferentes métodos didáticos,
técnicas de pesquisa e teorias da educação, os estudantes com freqüência
preocupam-se em aprender o ‘como fazer’, ‘o que funciona’ ou o domínio da
melhor maneira de ensinar um ‘dado’ corpo de conhecimento” (Ibid.).
Daí porque não seja de se estranhar a ênfase aos conhecimentos técnicos,
específicos e/ou disciplinares na formação de educadores. Ou por outro lado, o
que é prioritário em termos de formação de educadores são os conhecimentos
técnicos ou a base de conhecimentos pedagógicos – metodologias, teorias e
práticas educacionais, conhecimentos didáticos, filosóficos, sociológicos etc.(?)
Seria, portanto, competência básica do professor o domínio do conteúdo
específico, sendo apenas a partir deste ser possível construir a competência
pedagógica, como questiona Lellis (2001)?
Na minha compreesão, é necessário inserir a análise das musicalidades
das rodas de capoeira no contexto das reflexões sobre o ensino e formação de
educadores. Pois, se de um lado os saberes específicos, como poderiam ser as
musicalidades para os educadores em música – ou na atuação dos educadores
275
de capoeira –, precisam ter certa prioridade nas discussões sobre a formação
docente, por outro será justamente no conjunto das reflexões sobre a teoria,
métodos, didática e problemas educacionais que as discussões mais pontuais
serão significadas.
Isso quer dizer, por exemplo, que se deve valorizar as práticas educativas
como espaço de indagação que contribuiem para a qualificação dos educadores,
pois,
Assim, o conceito de desenvolvimento profissional dos professores, pressupõe
uma valorização dos aspectos contextuais e organizativos, orientados para a
mudança escolar. (...) esta perspectiva formativa constitui um marco decisivo
para a elaboração e resolução dos problemas escolares, no sentido da superação
do caráter tradicionalmente individualista das atividades de aperfeiçoamento dos
professores (DE BASTOS; KRUG; TOMAZZETTI, 2004).
A discussão feita no segundo capítulo, no que diz respeito à análise de dois
cursos de formação de educadores, é tomada neste momento como referência
empírica de uma teorização que vem ocorrendo desde a prática. Ou seja, analiso
neste momento alguns pontos aproximativos entre a educação dialógica
problematizadora e interculturalidade, que tenho procurado tratar como critérios
para o desenvolvimento de programas de investigação-ação junto com
educadores e educadoras de capoeira.
A investigação-ação tem sido assumida pelo núcleo Mover no
desenvolvimento dos cursos piloto de formação de educadores(as), antes
destacados, o Peri I e o PERI-Capoeira. Penso que sua contribuição tem sido
fundamental para a investigação das situações-limite, presentes no trabalho dos
educadores(as) de capoeira.
Procurarei demonstrar a contribuição da investigação-ação, nestes cursos,
em primeiro lugar tentando explicitar pontos de aproximação entre a educação
dialógica freireana e a interculturalidade – tais aproximações talvez possam
representar uma base aos programas de investigação-ação. Em segundo, sinalizo
a dimensão prática, organizativa e de produção de conhecimento da investigação-
ação presente nos referidos cursos.
Interculturalidade, educação dialógico-problematizadora e os limites do
multiculturalismo
276
Um dos argumentos para a constituição da proposta e desenvolvimento
desta Tese foi a idéia de explicitar, no campo investigativo, as aproximações entre
a educação intercultural e educação dialógico-problematizadora. Por isso, destaco
alguns dos seus principais elementos constitutivos, sobretudo, aqueles que vêm
sendo explorados na busca das suas aproximações; e que trazem questões
ligadas à reflexão sobre a formação de professores, como, por exemplo, a
organização educativa, o desenvolvimento de conhecimentos educacionais e
estratégias educativas, que contemplem as diferentes visões de mundo dos
educandos com quem se trabalha, segundo a intencionalidade de ambas as
concepções.
Nesse sentido, propostas e reflexões sobre a educação intercultural têm
sido desenvolvidas, no Brasil, em trabalhos como Candau (1998; 2003), Fleuri
(1998, 2000; 2003; 2004; 2005), Tramonte (1998, 2001), Andreola (2000; 2002),
Borgado (2000), MARCON (2003), com significativa atenção na elaboração e
investigação de questões relacionadas aos movimentos sociais e à cultura de
grupos populares.
Algumas reflexões partem da explicitação dos limites da abordagem
monocultural, típica de posturas tradicionais. Tais limites, presentes na
perspectiva monocultural no multiculturalismo, em certo sentido, podem ser vistas
na medida em que, “enquanto se mantiveram entrincheirados na oposição entre o
universalismo e o relativismo, demonstraram-se insuficientes para entender e
promover processos integradores que conciliem os direitos de igualdade dos
cidadãos e os direitos de diferenças das culturas” (FLEURI, 1998, p.13-4).
Em contrapartida, chamo atenção para algumas possibilidades na proposta
da educação Intercultural, inclusive em pontos relativos à didática e formação de
professores. Destacam-se essencialmente dois aspectos: a configuração de
estratégias de organização educativa e produção do conhecimento.
O multiculturalismo e a educação intercultural apresentam perspectivas
diferentes, na medida em que o primeiro faz referência às diferentes culturas
existentes numa mesma sociedade; enquanto que a segunda opção colocaria
uma forma de lidar com tal realidade.
Daí a idéia de se desafiar à superação da consciência do caráter
multicultural rumo ao seu enfrentamento. “Portanto, a consciência do caráter
277
multicultural de uma sociedade não leva espontânea e necessariamente ao
desenvolvimento de uma dinâmica social informada pelo caráter Intercultural”
(FLEURI,1998, p.4).
A interculturalidade, como concepção de educação, “requer que se trate
nas instituições educativas os grupos populares não como cidadãos de segunda
categoria, mas que se reconheça seu papel ativo na elaboração, escolha e
atuação das estratégias educativas (FLEURI, 2000, p.4, grifos meus).
A partir das idéias colocadas, reivindicamos a educação intercultural
enquanto potencial para abordar aspectos de caráter organizacional na
investigação dos saberes e fazeres dos “professores de capoeira”, estratégias
educativas, em torno das musicalidades das roda(s) de capoeira(s); o que
poderá contribuir inclusive para reflexões pertinentes à constituição das políticas
públicas.
A educação dialógico-problematizadora
A dinâmica investigativa da educação freireana é balizada pelo seu
fundamento dialógico, na busca dos conteúdos programáticos para o ato
educativo, então concebido numa constante revisão e problematização das
práticas educativas através do diálogo cultural (ANDREOLA, 2000).
As estratégias educativas, propostas na educação intercultural, ganham
força na educação dialógico-problematizadora, pela organização programática
dos temas geradores, potencializadores de organização educativa, partindo da
problematização da cultura, conforme Freire (1982,1987, 1996, 1999).
Portanto, é no fundamento dialógico que a educação problematizadora de
cunho freireano busca seu princípio organizativo a partir das visões de mundo – a
cultura – tanto de educadores-educandos como de educandos-educadores, face à
resolução de seus problemas. Através dessa dimensão da dialogicidade foi
impossível investigar os fazeres e as dimensões educativas da capoeira, tendo
ficado, particulamente evidenciado, que as musilicadades adquirem centralidade
na atuação de educadores de capoeria.
As aproximações entre intercultura e dialogicidade
278
Os pontos antes desenvolvidos convergem para a idéia central nesta parte
da argumentação do trabalho, em vista da proposta de configuração de
programas educativos, balizados pela educação intercultural, em sintonia com a
educação dialógico-problematizadora, no sentido se formular uma base de
investigação de intervenção das práticas educativas da capoeira e, por sua vez,
de questões ligadas ao ensino e formação de professores.
Daí a argumentação sobre a relevância da vivência prática de programas
educativos-investigativos, partindo da aproximação entre educação intercultural e
educação dialógico-problematizadora, para lidar com as situações-limite no
trabalho de “professores de capoeira”.
Nesta perspectiva, alguns pontos são centrais na explicitação das
aproximações entre a educação intercultural e educação dialógico-
problematizadora, visto que:
O quadro da complexidade das relações sociais no mundo contemporâneo requer
novas orientações sociais epistemológicas no campo da pesquisa e da
educação. Nesta direção, aparece como questão central na prática pedagógica
a visão de mundo dos sujeitos em formação, assim a relação entre tais visões
e os modelos (de conhecimento, de avaliação de comportamento) transmitidos
através de situações educativas[...] traz conseqüências para a elaboração dos
métodos e das técnicas de ação pedagógica e de transmissão da cultura oficial
(FLEURI, 2000, p.3, grifos meus).
Isso implica tomar como desafiadora a realidade social das práticas
educativas no contexto dos movimentos sociais e das práticas culturais.
Esse caráter é apontado com propriedade por FREIRE na relação da
cultura popular/movimentos sociais com o ato educativo, segundo a formulação
de uma Ação cultural para a liberdade, postulada pelo autor nestes termos:
Considerando, porém, que o ato de desvelar a realidade, indiscutivelmente
importante, não significa engajamento automático na ação transformadora
da mesma, o problema que nos apresenta é de encontrar em cada
realidade histórica, os caminhos de ida e volta entre o desvelamento da
realidade e a prática dirigida no sentido de sua transformação (1982, p. 60,
grifos meus).
Os caminhos de ida e volta, em outras palavras, é a constante ação-
reflexão-ação (DE BASTOS, 1995) nas práticas educativas. E isso permite
279
apontar a educação intercultural e a educação dialógico-problematizadora como
balizas para a investigação de questões ligadas às práticas educativas em torno
das musicalidades das rodas de capoeira(s).
Mais ainda:a investigação-ação, tanto pela aproximação explicita de
FREIRE (CARR & KEMMI'S, 1988; DE BASTOS; 1995; GRABAUSKA, 1999;
CORTE REAL, 2001), como pelo potencial organizativo e reflexivo, pôde
colaborar com práticas educativas na perspectiva intercultural junto aos cursos de
formação de educadores analisados, na medida em que apresentou subsídios a
bases para reflexão dos problemas vividos por educadores de capoeira.
É fundamental destacarmos a incorporação da investigação-ação em
experiências como o Peri I e no PERI-Capoeira, como concepção de trabalho
educativo. Um dos limites de nossa ação, no entanto, foi a investigação-ação rer
sido assumida parcialmente nos cursos desenvolvidos. Isto é, embora
tentássemos viver o desafio de planejar, agir e refletirmos juntos sobre as práticas
educativas, o limite esteve, muitas vezes, no fato de não conseguirmos,
sistematicamente, registrar e analisar as ações, no sentido de favorecer aos
encaminhamentos necessários no coletivo.
Ou seja, um dos principais desafios desta concepção educacional está
justamente em favorecer que todos e todas, educandos(as) e educadores(as),
participem e assumam a condução das ações educaticas, tanto em termos do
planejamento e execução, como no nível da análise e, conseqüentemente, da
produção do conhecimento.
Se tivéssemos que fazer uma auto-critica do trabalho vivido, esta residiria
no fato de que a proposição de uma prática de investigação-ação não significa,
necessariamente, a vivência plena de um programa de investigação-ação, que
supere radicalmente os diferentes níveis de envolvimento e participação. Isto
significa dizer, o mais explicitamente possível, que superar a velha dicotomia
entre os que pensam e os que agem nas práticas educativas é um grande
desafio, que implica, inclusive, níveis de conflito constituídores da própria
reflexão-ação como esfera de produção de conhecimento.
Alguns dos momentos mais ricos do PERI-Capoeira ocorreram justamente
nos espaços de planejamento, em que as diferentes concepções de educação se
confrontavam. Em alguns momentos, nós da universidade entendíamos que era
preciso privilegiar a reflexão sobre as práticas educativas da capoeira,
280
representadas pelos temas eleitos, enquanto muitos dos agentes da capoeira
sentiam necessidade de questões muito particulares, como treinamento de
golpes, realização de rodas de capoeira etc.
A própria conflitividade presente nas relações entre saberes diferentes, no
caso capoeira e universidade, representa um espaço de diálogo e de reflexão de
um tipo de conhecimento, que é o do encontro e da negociação.
Portanto, destacamos que:
O processo de investigação-ação no PERI tem representado um espaço
fundamental para análise e reflexão da dimensão educativa da capoeira. Pois
tem possibilitado a investigação de diferentes desafios presentes nas práticas
educativas dos professores de capoeira. Tal processo investigativo poderá
representar um subsídio para se pensar a atuação e, quiçá, a própria formação
dos professores de capoeira, partindo do entendimento deles próprios sobre seus
desafios (CORTE REAL, 2005).
Em suma, a partir da tentativa de explicitar algumas aproximações prévias
entre os fundamentos da educação dialógica freireana e a interculturalidade –
tais como a intima relação entre organização da prática e produção do
conhecimento educacionais, centrados na participação e ação colaborativa
entre educadores(as) eduncando(as), face a resolução de seus desafios na via
programática da investigação temática – tem se apresentado, na prática, como
perspectiva de investigação e ação dos saberes e da própria formação dos
educadores (de capoeira).
281
Considerações finais: canto de despedida
Adeus, adeus
Boa viagem
Eu vou mimbóra
Boa viagem
Eu digo adeus,
Boa viagem
Até outras roda
(domínio público)
O canto de despedida, levado ao final das rodas de capoeira, representa o
momento de fazer um balanço “dos jogos jogados” e de observar o que fica em
aberto para novos jogos em outras rodas de capoeira. Esta considerações
seguem esta intencionalidade de avaliar e de deixar pistas para o porvir.
O tema desta investigação, As musicalidades das rodas de capoeira:
diálogos interculturais, campo e atuação de educadores, destaca diferentes
dimensões educativas, presentes no trabalho de educadores em contextos não-
formais, numa perspectiva intercultural.
A possibilidade das musicalidades desempenharem diferentes papéis nas
rodas de capoeira faz com que este saber adquira relevância para se pensar a
atuação e os processos de conhecimento desses educadores.
Essa dimensão potencializa práticas educativas, na capoeira, no sentido
em que aí são dinamizados uma série de saberes musicais, que envolvem: a
execução coletiva de cantos de pergunta e resposta; a execução musical através
de instrumentos musicais comuns neste espaço, como berimbau, pandeiro,
atabaque, reco-reco etc; o acompanhamento rítmico, por meio de palmas, típico
de práticas culturais afro-brasileiras, tais como batuques, samba de roda,
umbanda, candomblé etc. Por isso mesmo, os participantes do universo cultural
da capoeira parecem desenvolver e compartilhar entre si um senso estético. É
possível, portanto, que a visão de beleza compartilhada entre os agentes sociais
de um espaço como a capoeira esteja ligada às visões de mundo, construídas em
torno das práticas vividas coletivamente.
Para investigar as diferentes dimensões das musicalidades, parti do
entendimento de que havia questões que precisariam ser enfrentadas de maneira
relacional, por constituírem o conjunto da problemática.
Uma primeira esfera da problematização procurou privilegiar diferentes
papéis exercidos pelas musicalidades das/nas rodas de capoeira. Neste nível, foi
282
possível perceber papéis atribuídos às musicalidades, como: a noção de que,
hoje, é inconcebível se pensar essa prática cultural, sem a presença das
musicalidades, que são uma das suas caracterísitcas fundamentais; a idéia de
que as músicas influenciam no desempenho do jogo da capoeira, propriciando
harmonia e um contexto que favorece tanto a performance de cada jogador, como
do conjunto dos participantes do acontecimento roda de capoeira; a possibilidade
de se perceber que a capoeira vai além da movimentação corporal, pois as
musicalidades exigem o desenvolvimento e prática de saberes, que não são
ligados apenas ao movimento físico; a possibilidade de colocar todos numa
mesma consciência, criando um contexto de comunicação ou elo entre os
agentes e o cosmo.
Além disso, foi verificado que as musicalidades, principalmente, através
das cantigas típicas do universo cultural da capoeira, estabelecem elos com o
passado, na forma da constante reatualização de uma dimensão de narrativa
histórica, a qual expressa tanto os desafios vividos pelos capoeristas no passado,
como dá pistas para a atuação no presente – presente este que pode ser
representado por cada roda de capoeira, como pelo conjunto dos desafios vividos
pelos capoeiras na sociedade, os quais são versados e cantados na forma de
musicalidades, especificamente, em cantos de desafio.
Paralelamente a essa questão, procurei centrar atenção nas estratégias
desenvolvidas pelos agentes da capoeira, educadores e educandos, para a
apreensão dos saberes representados pelas musicalidades. Foi possível, então,
verificar que o ensino em grupo e a própria roda de capoeira propriciam
aprendizagens musicais na capoeira. Também foi verificado que o educador de
capoeira não precisa ter grande domínio técnico musical, mas sim criar contextos
e situações que favoreçam as aprendizagens musicais coletivas.
Nesse sentido, pude perceber que as principais estratégias e métodos de
ensino desenvolvidos pelos educadores de capoeira surgem a partir de desafios
cotidianos, isto é, dos problemas vividos nas práticas educativas, os quais
mobilizam e impelem esses educadores a agirem, buscando soluções
necessárias para as suas práticas de educação.
Ao adentrar cada vez mais nos diferentes espaços investigados, que são
representados no corpo do texto pelos jogos de histórias de mestres de capoeira,
mas também pelos jogos de diferentes opiniões expressas nos diálogos com os
283
entrevistados e através da minha inserção nos cursos de formação de
educadores, fui reforçando a o entendimento de quanto poderia ser válido tentar
lidar com as diferentes visões e significados que estes seres humanos têm dos
seus desafios vividos, representados pela temática das musicalidades.
Entre esses questionamentos, a possibilidade das musicalidades
representarem uma esfera de saber e poder da prática dos educadores de
capoeira se apresentou (na minha visão) como um ponto de tensão mais
evidente, que procurei compartilhar com os diferentes sujeitos e espaços com
quais dialoguei e estive, isto é, a problemática investigativa. Tal problemática
considerou a possibilidade de que os educadores em questão lidam com saberes
multifacetados, pois englobam tanto esferas coletivas e participativas, como
competitivas.
Essa dimensão foi vista, por exemplo, na história de mestres de capoeira,
que viveram na Bahia, entre 1889 e 1994. Historiar a atuação de mestres de
capoeira, como Bimba, Canjiquinha, Pastinha e Waldemar, permite argumentar
que os mesmos influenciaram fortemente as práticas musicais da capoeira,
através da tentativa de impor visões de musicalidades. Esta esfera é
caracterizadora de disputas que ocorrem no universo da capoeira, que envolvem
não só a defesa de uma visão de musicalidade, mas o questionamento da visão
e, portanto, da legitimitade do outro.
Neste sentido, esbocei e procurei delimitar a problemática de investigação
desta forma: quais são relações de saber/poder dinamizadas em torno das
estratégias de ensino, dos significados e dos papéis exercidos pelas
musicalidades das rodas de capoeira(s)?
Para isso, no primeiro capítulo do trabalho, visto como uma primeira roda
de capoeira, procurei jogar com autores e autoras, visando à explicitação da idéia
de que as musicalidades das rodas de capoeira são formadas num contexto
amplo de práticas culturais, que têm como centro catalisador a cidade da Bahia e
região do Recôncavo. As características peculiares dessa cidade e região, aliadas
às trocas entre os meios rurais e urbanos e às diferentes matizes culturais,
redundaram em rico cenário cultural, que pode ter influenciado as práticas
musicais da capoeira. A cidade da Bahia foi palco de importantes mestres de
capoeira, os quais influenciaram fortemente a difusão e a prática da capoeira,
especialmente no que diz respeito a suas musicalidades.
284
Essa primeira dimensão investigativa de jogos de histórias e de visões dos
educadores de capoeira entrevistados serviu como uma base ou como um pano
de fundo para a minha inserção no curso de formação de educadores de capoeira
analisado. Dessa forma, mapear algumas estratégias e papéis atribuídos às
musicalidades das rodas de capoeira pôde contribuir com o levantamento de
algumas hipóteses e pistas para a atuação junto às ações voltadas para formação
dos educadores de capoeira nos projetos estudados (Peri I e PERI-Capoeira).
Perseguindo os desafios colocados acima, o argumento presente nestas
considerações é a possibilidade desta investigação representar uma significativa
contribuição para o conhecimento educacional. Isso porque, por um lado, o
trabalho traz reflexões sobre as práticas de educação musical em espaços não-
formais. Por outro, quer apresentar subsídios para analisar questões pertinentes à
formação e atuação de educadores nesses espaços não-formais face à
perspectiva intercultural da educação. Portanto, as musicalidades das rodas de
capoeira são representativas de que os educadores desenvolvem seus saberes,
muitas vezes, em nível de práticas cotidianas. No entanto, tematizar esses
saberes e torná-los meios para produção do conhecimento significa reconhecer a
dimensão investigativa e reflexiva que toda prática educativa requer.
As práticas de educação – musical – estudadas são vistas na medida em
que os mestres e professores de capoeira desenvolvem estratégias de ensino da
música nos cenários da capoeira, o que ocorre, por exemplo, durante as aulas e
rodas de capoeira. Nas primeiras, o mestre ou professor muitas vezes exerce
informalmente o papel de “educador musical” quando emprega estratégias para
que os educandos aprendam a tocar instrumentos usuais na capoeira, como
berimbau, atabaque e pandeiros. Isso inclui conhecimentos históricos, rítmicos,
canto de pergunta e resposta, entre outros, que caracterizam a dinamização dos
saberes musicais na capoeira.
Neste viés, pelo que ficou evidente em várias observações e pelos relatos
dos entrevistados, a roda da capoeira consiste em espaço privilegiado para
aprendizagem musical. Pois, é nela que os(as) educandos(as) têm oportunidade
de interagir ativamente com as músicas, cantando em conjunto, batendo palmas e
se desafiando a exercer o papel fundamental de puxar os cantos (solo) e tocar
instrumentos. Claro, quando isso lhes é oportunizado, pois, por se tratar de
espaço com uma organização hierárquica, os mais “graduados” têm privilégios,
285
inclusive no momento da execução musical.
A possibilidade das musicalidades das rodas de capoeira serem
compreendidas na perspectiva intercultural da educação está em observar as
várias visões e diferentes significados, que entram em jogo quando se fala sobre
este assunto. Portanto, o diálogo intercultural ocorre quando as diferentes visões
de musicalidades, ao invés de anularem umas às outras, são vistas como
encontro/confronto de diferentes visões e perspectivas em jogo no universo
cultural da capoeira.
Por outro lado, a compreensão destes saberes no universo da capoeira
apresenta-se como desafio para investigação de questões ligadas ao ensino e
formação de educadores, que poderia ter um ganho significativo com o aporte de
concepções como a investigação-ação e a interculturalidade. Neste sentido, este
trabalho pode ser visto como referência, inclusive, para as práticas de educação
musical escolar. Pois, não só na capoeira, mas na sociedade em geral, muitas
vezes existe uma visão da música como sendo algo especial. De fato, a música é
um saber que pode ser considerado especial, pelas diversas dimensões que
carrega em si, tais como: arte, história, narração, poesia, além de estar ligada a
diversas práticas ritualísticas e religiosas.
O problema é quando este especial se torna pano de fundo ou justificativa
para que a maioria das pessoas não tenham acesso a este saber. Isso se deve ao
fato de prevalecer socialmente uma vaga idéia de que para aprender música é
necessário ter dom. Essa dificuldade de acesso ao saber musical pode ser
explicada também pela noção de boa vontade cultural, trabalhada por Bourdieu
(2003). O autor entende que, se a arte é um saber erudito, no sentido que pode
ser estudada, a escola tem papel fundamental no seu ensino e difusão, ao
contrário do que pode se pensa depender de um exercício de boa vontade cultural
e capacidade individual.
Assim como na capoeira, os educandos(as) que chegam às escolas trazem
consigo diferentes experiências musicais, ligadas às suas identidades. Essas
experiências musicais podem gerar, nas rodas de capoeira, nas escolas,
importantes diálogos e negociações entre educandos(as) e educadoras(es).
Talvez seja uma base para pensar a formação de educadores. Pois a partir
da explicitação de parte dos desafios que os educadores da capoeira vivem
através das musicalidades, o trabalho abre margem para a reflexão sobre como
286
seus saberes são constituídos e dinamizados. Daí o meu esforço em tentar
sugerir e primar pela investigação-ação como concepção de trabalho escolar
capaz de dinamizar os processos de formação de educadoras e educadores,
mesmo nos espaços não-formais, como desta prática cultural, a capoeira.
Neste patamar, uma grande preocupação que me acompanhou durante
todo o processo de realização do trabalho foi referente ao potencial, que eu via,
na concepção da investigação-ação para programas de formação de educadores
em espaços não-formais.
Como disse antes, é preciso reconhecer e enfrentar o limite de que a
proposição de uma prática de investigação-ação não significa, necessariamente,
a vivência plena de um programa de investigação-ação, que supere radicalmente
os diferentes níveis de envolvimento e participação. Isto significa dizer, o mais
explicitamente possível, que superar a velha dicotomia entre os que pensam e os
que agem nas práticas educativas é um grande desafio, que implica, inclusive,
níveis de conflito constituidores da própria reflexão-ação como esfera de
produção de conhecimento.
Não obstante, a investigação tratou de saberes que englobam múltiplas e
complexas dimensões (como saber, poder, história, narrativa etc.), representadas
pela expressão musicalidade. Parece-me necessário, como os capoeiras fazem
ao final de cada roda de capoeira, lançar desafios para outras rodas no por vir.
Tais desafios podem ser vistos na medida em que se perceber a necessidade de
se avançar na pesquisa e na teorização educacional, visando à ampliação do
conhecimento sobre como esses educadores produzem e dinamizam os seus
saberes e fazeres, particularmente no âmbito dessas musicalidades das rodas de
capoeira(as).
Tendo em vista o caminho traçado, a presente investigação apresenta
contribuições às reflexões pertinentes ao ensino e formação de educadores, na
medida em que são abordadas as estratégias e os saberes desenvolvidos por
educadores em espaços não-formais de educação. Trata-se de compreender que
esses espaços, ao serem permeados por conflitos e jogos de força, orquestrados
em torno das musicalidades, são de interesse das reflexões da formação de
educadores na perspectiva intercultural da educação. Isso porque tal concepção
educativa visa a lidar com os conflitos que representam as diferentes visões dos
sujeitos em relação no contexto das práticas educativas.
287
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dissertações e teses – MDT. 5 ed. Santa Maria: Ed. Da UFSM, PRGP, 2000.
VARGAS, J.; Memória e modernidad crítica de la educacion Latinoamericana:
una leitura post-freireana. Disponível em
http://www.Ceaal.org/Memoriayseni.html
. Retirado da rede em: 2000.
VERGER, Pierre. Notícias da Bahia – 1850. 2 ed. Salvador: Corrupio, 1999.
VIANNA, H. Folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte, s.d.
______. Folclore brasileiro na Bahia. Ministério da Educação e Cultura,
Secretaria de Assuntos Culturais, FUNARTE, Instituto Nacional do Folclore: Rio
de Janeiro, s.d.
______. Prefácio. In: BIANCARDI, E. Olelê Maculelê. Brasília: Especial, 1989.
VIEIRA, L.R. O jogo de capoeira: cultura popular no Brasil. Rio de Janeiro,
Sprint, 1995.
VIEIRA, R.S. Juventude e sexualidade no contexto (escolar) de
assentamentos do movimento dos trabalhadores rurais sem terra.
Dissertação de Mestrado em Educação, Florianópolis:PPGE/CED/UFSC, 2004
WILLIAMS, R. Cultura. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
WIKIPÉDIA ENCICLOPÉDIA LIVRE. Berimbau. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Berimbau
acessado em 2006.
309
Entrevistas com mestres de capoeira (realizadas em Salvador entre 06 de
janeiro e 06 de abril de 2006):
Entrevista com Frede Abreu (Concedida a Márcio Penna Corte Real). Salvador,
2005.
Entrevista com Mestre Cafuné (Concedida a Márcio Penna Corte Real).
Salvador, 2005.
Entrevista com Mestre Pelé da Bomba (Concedida a Márcio Penna Corte Real).
Salvador, 2005.
Entrevista com Mestre Raimundo Dias (Concedida a Márcio Penna Corte Real).
Salvador, 2005.
Entrevista com Mestre Neco (Concedida a Márcio Penna Corte Real). Salvador,
2005.
Entrevista com Mestre China (Concedida a Márcio Penna Corte Real). Salvador,
2005.
Entrevista com Mestre Cobra Mansa (Concedida a Márcio Penna Corte Real).
Salvador, 2005.
Entrevista com Mestre Bigodinho (Concedida a Márcio Penna Corte Real).
Salvador, 2005.
Entrevista com Mestre Nenel (Concedida a Márcio Penna Corte Real). Salvador,
2005.
Entrevista com Mestre Mestre Moa do Catendê (Concedida a Márcio Penna
Corte Real). Salvador, 2005.
310
CDs de músicas de capoeira:
Mestre Canquinha e Mestre Waldemar. Capoeira. São Paulo: MCK, s.d. (edição
original, 1986).
Mestre Bigodinho. Capoeira Angola: Mestre Bigodinho. Salvador, s.d.
_____. Mestre Boca Rica. Mestre Boca Rica e Bigodinho: Capoeira Angola.
Rio de Janeiro: Associação de Capoeira Angola Marrom, 2002.
Mestre China. Grupo de Capoeira Angola Barcelona. s.d.
_____. Grupo de Capoeira Angola Barcelona, vol. 02, Mestre China BNC –
participação especial Mestre Raimundo Dias e Mestre Neco. Salvador: BCN,
2005.
Mestre Pelé da Bomba. Samba de viola: samba de roda. Curitiba, s.d.
_____. Grupo de Capoeira Angola Mestre Pelé: Pai & Filho. s.d.
REVISTA PRATICANDO CAPOEIRA. Mestre Pastinha eternamente: música
originais rematerizadas. CD integrante da Revista Praticando Capoeira especial
4. São Paulo: D&T, 2001.
311
Apêndice
Registros gráficos de sons que vêm das rodas de Capoeira
Partituras de músicas colhidas e catalogadas por Biancardi (2000)
312
313
314
315
316
317
318
319
ANEXOS
320
Plano Geral do Curso PERI I
Educação Intercultural e Movimentos Sociais
Centro de Ciências da Educação - Universidade Federal de Santa Catarina
Campus Universitário Trindade (Caixa Postal 476)
88.010-970 Florianópolis SC
Telefone: (0xx48) 331-8702 E-mail: mov[email protected]
http://www.mover.ufsc.br
PERI – Programa de Educação e Relações Interculturais
Curso de Extensão Universitária Experimental de
Formação de Educador@s na perspectiva intercultural
“Mestre
não é quem sempre ensina,
é quem de repente aprende”
João Guimarães Rosa
“Ninguém educa ninguém,
ninguém se educa sozinho,
as pessoas se educam em relação
mediatizadas pelo mundo”
Paulo Freire.
Parceria
Cidade Período
UFSC – UDESC -UNIVALI Florianópolis-SC 2004.2 Experimentação
01
UFSC - UEL Londrina-PR 2005.1 Experimentação
02
UFSC - UFV Viçosa-MG 2005.2 Experimentação
03
Carga horária: 90 h/a
Horário: 4 encontros presenciais de 15h/a (sextas-feiras e sábados) mais 30h/a
de atividades acompanhadas virtual e semi-presencialmente.
Local: Universidades parceiras.
Vagas por curso: 30
321
Equipe Pedagógica
Integrante Instituição Responsabilidade
Reinaldo Matias Fleuri UFSC Coordenação geral, prof/pq
Cristiana Tramonte UFSC Vice-coordenação, prof/pq
Marcio Vieira de Souza UNIVALI Professor-pesquisador
Cleonice Maria Tomazzetti UFSM Professora-pesquisadora
Beleni Salete Grando UNEMAT Professora-pesquisadora
Paulo Roberto Padilha IPF Professor-pesquisador
Telmo Marcon UPF Professor-pesquisador
Marcia Rejania de Souza Xavier UEL Professora-pesquisadora
Maria Izabel Porto de Souza MOVER/UFSC Professora-pesquisadora
Rosângela Steffen Vieira MOVER/UFSC Professora-pesquisadora
Nadir Esperança Azibeiro UDESC/UFSC Professora-pesquisadora
Willer Araujo Barbosa UFV/UFSC Professor-pesquisador
Marcio Penna Corte Real UCS/UFSC Professor-pesquisador
Luiz Gabriel Angenot UFSC Apoio técnico
Ivanete Nardi UFSC Apoio técnico
Gladis Tibourski Lazzarotto UFSC Auxiliar pesquisa
Juliana Achcar UFSC Auxiliar pesquisa
Thaís Fernanda Castro Rodrigues UFSC Auxiliar pesquisa
Morgana Dias Johann UFSC Auxiliar pesquisa
Apresentação
A proposta de um curso experimental de formação de educador@s na
perspectiva intercultural faz parte do projeto de pesquisa Educação Intercultural:
elaboração de referenciais epistemológicos, teóricos e pedagógicos para práticas
educativas escolares e populares, que conta com o apoio do CNPq (Processos
473965/2003-8 e 304741/2003-5).
No âmbito deste projeto de pesquisa, serão realizados três cursos de
formação de educador@s que servirão como campo para a elaboração e
experimentação de referenciais epistemológicos, teórico-metodológicos e
didático-pedagógicos para práticas educativas escolares e populares, assim como
a articulação de uma rede de parcerias a partir da qual se desencadearão
processos de formação de educador@s em território nacional.
Optou-se por propor este curso experimental na modalidade de extensão
universitária, por sua versatilidade e flexibilidade institucional, assim como se
investirão esforços por integrar novas tecnologias e mediações informáticas de
comunicação para dar sustentabilidade à formação permanente em processos e
entre educador@s articulad@s em rede. A realização de experiências com
diferentes grupos, em contextos diversificados, possibilitará elaborar,
experimentar e aprimorar estratégias e metodologias complexas e interculturais,
capazes de ensejar trabalhos de formação inseridos crítica e criativamente em
realidades e práticas multiculturais.
A equipe responsável pela condução do processo de pesquisa será
constituída pel@s integrantes do Núcleo Mover, devendo estabelecer parcerias
com outras instituições e professor@s-pesquisador@s, particularmente na
322
organização e no desenvolvimento dos cursos, de acordo com as condições e
peculiaridades locais. A seleção das pessoas a participarem como formand@s
será feita pela equipe de pesquisa segundo critérios de inserção social em
práticas sócio-educacionais (vinculação a movimentos, grupos e instituições
sócio-educacionais), motivação e disponibilidade para participar deste processo
de formação e de pesquisa. Serão cumpridos os requisitos de ética de pesquisa
(http://www.cepsh.ufsc.br/), no que diz respeito à adesão consciente e voluntária
ao projeto. Os custos de formulação e execução do processo de pesquisa serão
cobertos pelos recursos do CNPq (no que diz respeito a material de apoio à
pesquisa e deslocamento da equipe; as atividades docentes não terão, nesta fase
experimental, remuneração específica); a infra-estrutura logística e de
equipamentos será proporcionada pelas instituições promotoras e parceiras; @s
cursist@s, por serem convidad@s, não deverão pagar taxas de inscrição e
receberão os certificados pertinentes, de acordo com seu desempenho; mas,
como contrapartida, deverão garantir outros recursos de auto-manutenção,
(alimentação, transporte e hospedagem).
Prevê-se a realização de três experiências-piloto, de acordo com as
condições atuais de viabilidade, em Florianópolis (UFSC/UDESC/UNIVALI) no
semestre 2004.2, Londrina (UFSC/UEL) no semestre 2005.1 e em Viçosa
(UFSC/UFV) no semestre 2005.2.
Justificativa
A globalização da economia, da tecnologia e da comunicação intensifica
interferências e conflitos entre grupos sociais de diferentes culturas. O Brasil,
sendo historicamente constituído como uma sociedade multiétnica e culturalmente
híbrida (Canclini, 1998; Bhabha, 1998; Geertz, 1978), enfrenta agora desafios que
se acirram em plano nacional, na medida em que se intensificam suas relações
internacionais, numa conjuntura recentemente agravada por ações políticas que
ativam estratégias belicistas no combate ao "terror", assim como as mais
diferentes manifestações de racismos e sectarismos socioculturais.
Tal conjuntura requer um investimento decisivo para a consolidação das
perspectivas interculturais e dialógicas nos campos sociais e educacionais. Em
plano político, evidencia-se o desafio de se promover a igualdade de direitos e de
oportunidades para todos os indivíduos e grupos sociais, e simultaneamente,
garantir o direito à diferença pessoal e cultural (Costa, 2000; McLaren, 1997;
2000; Hall, 1999). Em plano social, o de favorecer o desenvolvimento autônomo
de sujeitos individuais ou coletivos e, ao mesmo tempo, construir relações sociais
de respeito e de solidariedade. Em plano educativo, o de desenvolver a
disposição a explicitar e elaborar os conflitos, de modo a fortalecer a identidade
pessoal e cultural, ao mesmo tempo que construir processos de entendimento e
cooperação entre os diferentes grupos sociais (Bonfigli e Spadaro, 1995;
Demetrio e Favaro, 1998; Canen e Moreira, 2001; Candau, 2000, 2002; Costa,
1998; Falteri, 1998; Silva, 1999; Fleuri, 1996b, 2000b).
É na relação entre movimentos sociais de diversos matizes, enraizados em
contextos diferentes (Gohn, 1997; Kowarick, 1994; Sader, 1988; Scherer-Warren,
1997, 1998, 1999a), que se torna possível elaborar novas linguagens e modelos
interculturais à altura da complexidade dos desafios contemporâneos. Este é um
dos principais desafios assumidos pelo grupo que vem desenvolvendo este
projeto de pesquisa em educação intercultural (Fleuri e Falteri, 1998), ao focalizar
323
os processos históricos e sociais em que se evidenciam tensões inerentes a
ambivalências constitutivas da identidade e da diferença cultural (Bhabha, 1998;
Geertz, 1978).
A perspectiva intercultural da educação reconhece o caráter
multidimensional e complexo (Bocchi e Ceruti,1985; Morin, 1985, 1996; Bateson,
1976, 1986, 1997; Galli, 1996; Severi e Zanelli, 1990; Azibeiro, 2001) da interação
entre sujeitos de identidades culturais diferentes e busca desenvolver concepções
e estratégias educativas que favoreçam o enfrentamento dos conflitos, na direção
da superação das estruturas sócio-culturais geradoras de discriminação, de
exclusão ou de sujeição entre grupos sociais (Fleuri, 1996a, 1996b, 1998a,
1998b, 2001, 2002a, 2002b; Touraine, 1998; Fleuri e Costa, 2001; Nanni, 1998;
Fleuri, Gauthier e Grando, 2001; Stoer, 2001; Souza, 2002).
Desde o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que elegeram
a Pluralidade Cultural como um dos temas transversais (Brasil, 1997a, 1997b;
Busquets, 1998; Yus Ramos, 1998a, 1998b), o reconhecimento da
multiculturalidade e a perspectiva intercultural ganharam grande relevância social
e educacional, com o desenvolvimento do Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas, com as políticas afirmativas das minorias étnicas, com as
diversas propostas de inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais
na escola regular, com a ampliação e reconhecimento dos movimentos de
gênero, com a valorização das culturas infantis e dos movimentos de pessoas de
terceira idade, nos diferentes processos educativos e sociais (Tassinari, 2001;
Gonçalves e Silva, 1998; Pistóia, 2001; Rocha, 1999).
O presente projeto de curso de formação de educadores toma como base o
projeto de pesquisa mais amplo que busca desenvolver investigações, numa
perspectiva interdisciplinar e complexa, sobre a dimensão híbrida e "deslizante"
do "inter-" (-cultural, -étnico, -geracional, -grupal etc.) constitutiva de
possibilidades de criação cultural. Tal projeto de pesquisa pretende realizar uma
revisão crítica da produção teórica recente no Brasil, no sentido de evidenciar as
questões transversais e as perspectivas teórico-metodológicas emergentes no
campo da educação intercultural, com o objetivo de aprofundar o estudo das
questões chave e de desenvolver subsídios didático-pedagógicos para as práticas
educacionais na escola e nos movimentos sociais.
324
Trata-se de um projeto de investigação e de intervenção educativa de
natureza interdisciplinar, envolvendo pesquisador@s e educador@s ligad@s às
áreas de educação, comunicação, sociologia, antropologia, educação física,
psicologia, filosofia, geografia e outras, assim como pela articulação em rede com
outros grupos de pesquisa e com diferentes entidades de intervenção social,
configurando inserção regional, de abrangência nacional e internacional. Sua
viabilidade institucional vem sendo garantida pelo suporte do Núcleo "Mover -
Educação Intercultural e Movimentos Sociais", do Centro de Ciências da
Educação da UFSC, e por sua articulação interinstitucional, através de seus
integrantes vinculados a diferentes instituições de ensino superior e de educação
popular (UEL, UFSM, UNEMAT, UFV, UDESC, UNIVALI, UPF, UCS, CEDEP,
IPF, UCDB), assim como pelo o apoio do CNPq (Processo 473965/2003-8,
chamada Edital Universal CNPq 01/2002 - Faixa B, e Processo 304741/2003-5,
Chamada CA 10/2003 / Produtividade em Pesquisa – PQ).
O projeto apresenta, enfim, significativo potencial de aplicabilidade prática
na formação de pesquisador@s (doutorand@s, mestrand@s, graduand@s) e de
educador@s em diferentes contextos sociais e institucionais, na consolidação de
redes de cooperação científica e de formação permanente, no desenvolvimento
de referenciais epistemológicos e metodológicos, assim como de subsídios
didático-pedagógicos para a Educação Intercultural.
Objetivos gerais do Projeto Experimental
Desenvolver um curso de formação de educador@s, através do qual se
possa elaborar e experimentar subsídios teórico-metodológicos e didático-
pedagógicos para a Educação Intercultural.
Conceituar epistemologicamente a perspectiva intercultural da educação,
focalizando no contexto brasileiro e latino-americano as relações de identidade e
diferença que se desenvolvem em movimentos e grupos sociais, particularmente
no âmbito das relações entre instituições sócio-educacionais, culturas étnicas,
geracionais, de gênero e outras, visando à elaboração de subsídios teórico-
metodológicos para a formação de educador@s, assim como para a educação
popular e educação escolar.
Objetivo geral do curso
Constituir processos em rede de formação intercultural permanente entre
educador@s que atuam em contextos multiculturais.
Objetivos pedagógicos do curso.
Articular processos interculturais de investigação, de intervenção educativa, a
partir da tematização dos desafios emergentes nos contextos e nas práticas
sociais d@s educador@s em formação.
Promover processos pedagógicos e investigativos de re-conhecimento
crítico das situações-limite enfrentadas, e dos seus respectivos contextos, com
base em olhares endógenos e exógenos.
Desenvolver métodos e técnicas de pesquisa e de Educação Intercultural a
partir da tematização e análise dos desafios enfrentados na própria prática
Elaborar referenciais epistemológicos e teórico-metodológicos complexos
para a educação e pesquisa intercultural, a partir do processo investigativo e
pedagógico desenvolvido
Fundamentação teórica da proposta metodológica do curso
A Educação Intercultural se constitui na busca de enfrentar um dos mais
espinhosos problemas do nosso tempo, que é o da possibilidade de conviver nas
325
diferenças e com as diferenças, respeitando-as e buscando integrá-las em uma
unidade que não as anule mas que ativem o potencial criativo e vital da conexão
entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos. Isto vale, de fato,
tanto para o discurso das diferenças étnicas e culturais, de gênero e de gerações,
a serem acolhidas na escola e na sociedade, quanto para a distinção e conflitos
entre os povos e entre classes sociais, a ser considerada no equilíbrio
internacional e ecológico mundial. Vale também para a diversidade das propostas
metodológicas, assim como para a possibilidade da articulação em rede das
informações e dos novos saberes nas formas do pensamento complexo.
Neste sentido, a proposta de Educação Intercultural refere-se a um campo
complexo em que se entretecem múltiplos sujeitos sociais, diferentes perspectivas
epistemológicas e políticas, diversas práticas e variados contextos sociais.
Enfatizar o caráter relacional e contextual (inter) dos processos sociais permite
reconhecer a complexidade, a polissemia, a fluidez e a relacionalidade dos
fenômenos humanos e culturais. E traz implicações teórico-metodológicas
importantes para o campo da educação.
A mais importante implicação constitui-se na própria concepção de
educação. A educação, na perspectiva intercultural, deixa de ser assumida
apenas como um processo de formação de conceitos, valores, atitudes a partir de
uma relação unidirecional, unidimensional e unifocal, conduzida por
procedimentos lineares e hierarquizantes. A educação passa a ser entendida
como o processo construído pela relação tensa e intensa entre diferentes sujeitos,
criando contextos interativos que, justamente por se conectar dinamicamente com
os diferentes contextos culturais em relação aos quais os diferentes sujeitos
desenvolvem suas respectivas identidades, se torna um ambiente criativo e
propriamente formativo, ou seja, estruturante de movimentos de identificação
subjetivos e socioculturais. Neste processo, desenvolve-se a aprendizagem não
apenas das informações, dos conceitos, dos valores assumidos pelos sujeitos em
relação, mas sobretudo a aprendizagem dos contextos em relação aos quais
estes elementos adquirem significados. Nestes entrelugares, no espaço
ambivalente entre os elementos apreendidos e os diferentes contextos a que
podem ser referidos, é que pode emergir o novo, ou seja, os processos de criação
que podem ser potencializados nos limiares das situações-limite.
A educação se constitui, assim, por processos de aprendizagem de segundo
nível (Bateson, 1986, p. 319-28), ou seja, a compreensão do contexto que,
construído pelos próprios sujeitos em interação, configura os significados de seus
atos e relações. Tais processos de deuteroaprendizagem (aprendizagem de
segundo nível) promovem o desenvolvimento de contextos educativos que
permitem a articulação entre diferentes contextos subjetivos, sociais e culturais,
mediante as próprias relações desenvolvidas entre sujeitos. Os processos
educativos se desenvolvem, assim, na medida em que diferentes sujeitos
constituem sua identidade, elaborando autonomia e consciência crítica, na
relação de reciprocidade (cooperativa e conflitual) com outros sujeitos, criando,
sustentando e modificando contextos significantes, que interagem dinamicamente
326
com outros contextos, criando, sustentando e modificando metacontextos, na
direção de uma “ecologia da mente”
154
.
Nesta perspectiva, a investigação-ação educacional (Carr & Kemmi's, 1988;
De Bastos, 1995; Grabauska, 1999; Grabauska & De Bastos, 2001; Mion & Saito,
2001; Corte Real, 2001), principalmente através de seus aspectos colaborativo e
participativo no processo educativo, o qual ocorre através de momentos de
planejamento, ação, observação e reflexão, apresenta-se como uma possibilidade
concreta de promover interações dialógicas no enfrentamento das situações-limite
(Freire, 1987) vividas por educador@s em contextos multiculturais.
Numa visão aproximativa à investigação-ação educacional, busca-se o
aporte da pedagogia da alternância (BARBOSA, BEGNAMI e RIBEIRO, 2002),
enquanto uma concepção educacional que visa à formação integral do ser
humano e que tem na plena cidadania e no desenvolvimento sustentável seus
principais desafios. Tal concepção educacional, ao dinamizar-se em torno de
tempo-escola e tempo-comunidade, emprega a alternância como uma estratégia
educativa capaz de ampliar o espaço presencial escolar, trazendo para o diálogo
os problemas vividos pel@s educand@s no seu cotidiano.
As concepções teórico-metodológicas da educação popular, da
investigação-ação educacional e a da pedagogia da alternância, entre outras
concepções e estratégias educativas, servirão de referências para o
desenvolvimento do projeto de curso e de pesquisa na perspectiva intercultural .
Dinâmica do curso
A proposta de curso está estruturada em 4 encontros presenciais de 15
horas-aula (a se realizar em fins de semana), com intervalos, aproximados, de
duas semanas, nos quais serão desenvolvidas atividades semi-presenciais e
virtuais supervisionadas. Assim, o curso se constituirá de 60 horas-aula de
atividades didáticas presenciais e (ao menos) 30 horas-aula de atividades
didáticas semi-presenciais.
A equipe responsável pela condução do curso desenvolverá atividades
específicas de pesquisa e de sistematização paralelamente ao planejamento,
execução, acompanhamento e avaliação do processo pedagógico. Por outro lado,
@s cursist@s, como atividades semi-presenciais, deverão desenvolver estudos
do meio no qual se inserem. Tais estudos serão orientados por projetos coletivos
elaborados durante cada encontro presencial, mas levados a cabo
individualmente. Esses estudos do meio constituirão, ademais, uma forma de
socialização dos conhecimentos, bem como abastecerão as reflexões desses
mesmos encontros, através de exposição criativa em sub-grupos – ao molde de
uma instalação pedagógica, que será visitada e interpretada por outro sub-grupo.
Propõe-se um movimento pedagógico em quatro Encontros (cada um
utilizando em média 15 h/a de atividades didáticas presenciais e 10 h/a de
154
A noção de ecologia da mente implica um modo novo de pensar “interdisciplinar, mas não no
sentido simples e ordinário de consentir uma troca de informações através dos confins das
disciplinas, mas de permitir a descoberta de estruturas comuns a muitas disciplinas” (Bateson
apud Donaldson, 1997, p. 18).
327
atividades de pesquisas supervisionadas semi-presencialmente, com apoio do
ambiente virtual de aprendizagem do TELEDUC). Assim se organizam os
Encontros:
1. Tematização dos desafios interculturais emergentes nas práticas sócio-
educacionais e organização de processos de investigação teórico-
prática sobre tais questões.
Concepção Geral: O primeiro encontro visa à interação das identidades e
diferenças d@s participantes; à organização do planejamento das atividades do
curso, através das percepções e análises dos conceitos de educação, na
perspectiva da interculturalidade e da complexidade; e ao levantamento das
questões emergentes presentes nas práticas educativas vividas pel@s mesm@s.
Este momento é fundamentalmente caracterizado pela ênfase no conhecimento e
encontro d@s participantes e no planejamento e encaminhamento das ações de
investigação dos desafios emergentes vividos pelo grupo. Para tanto será
desenvolvido em dois módulos ou unidades.
Objetivos: Proporcionar a apresentação e contextualização dos universos
pessoais e de atuação d@s
participantes; tematizar os desafios emergentes nas
práticas educativas d@s participantes; organizar grupos autótones de
investigação dos desafios emergentes; trabalhar a compreensão e critérios para a
utilização de ferramenta de ambiente virtual de aprendizagem.
2. Estudo dos contextos em que emergem os desafios, a partir de
perspectivas de quem está vivenciando os problemas (visão endógena).
Concepção Geral: O segundo encontro visa a analisar os resultados de
investigações empíricas realizadas pel@s participantes em seus locais de
atuação; e a organizar equipes heterogêneas para visitas em locais de outr@s
parceir@s, em uma dinâmica de acolhimento e estranhamento. Portanto,
configura-se como um momento guiado pela idéia de observação das ações
realizadas e deliberação de novas ações de investigação dos problemas
emergentes.
Objetivos: analisar os resultados das investigações empíricas realizadas pel@s
participantes; e organizar equipes heterogêneas de investigador@s para
investigação em contextos de parceir@s.
3. Estudo dos contextos de emergência dos desafios, a partir de
perspectivas exógenas (dos sujeitos cursist@s não envolvidos
diretamente).
Concepção Geral: O terceiro encontro visa à análise da observação realizada em
torno das situações-limite, dos inéditos viáveis e dos estranhamentos vividos
pelos grupos heterogêneos de investigação nos locais de atuação d@s
parceir@s.
328
Objetivos: analisar as situações-limite e os inéditos-viáveis observados pelos
grupos heterogêneos de investigação .
4. Constituição de uma rede permanente de educador@s interculturais,
com vistas a acompanhar as Políticas Públicas, a partir da
sistematização crítica dos referenciais teórico-metológicos, assim como
das estratégias e instrumentos didático-pedagógicos desenvolvidos no
processo de formação.
Concepção Geral:O último encontro visa à sistematização e à avaliação do
processo de investigação a partir da reflexão sobre os inédito-viáveis e os
principais desafios, face às situações-limite problematizadas ao longo do
programa. Um dos desafios da etapa de reflexão é: quais desafios e inédito-
viáveis ficaram mais evidentes e quais deliberações serão tomadas?
Objetivos: analisar os resultados das investigações empíricas; destacar as
principais situações-limite verificadas; problematizar a ocorrência de inéditos-
viável em termos de deliberações a serem tomadas; organizar as produções d@s
participantes durante o curso.
Cronograma
Florianópolis (UFSC)
2004 Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Formulação do projeto
>>>> >>>> >
Organização infra-
estrutura
>>>> >>>> >>>> >>>>
Convite d@s cursistas
>>>> >
Encontros presenciais
10/11 08/09
29/30
19 e 20
Atividades TelEduc
>>>> >>>> >>>> >>>> >>>>
Análise, sistematização e
divulgação dos resultados
>>> >>>> >>>> >>>>
1.
2.
Londrina (UEL)
2005 Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun.
Mobilização Local (2004)
>>>>
Formulação do projeto
>>>> >>> >
Organização infra-
estrutura
>>> >>> >>>> >>>> >>>>
Convite d@s cursistas
>>>> >>> >
Encontros presenciais
> > > >
Atividades TelEduc
>>> >>> >>>> >>>> >>>>
Análise, sistematização e
divulgação dos resultados
>>> >>>> >>>> >>>>
3.
4.
Viçosa (UFV)
329
2005 Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Formulação do projeto
>>>> >
Organização infra-
estrutura
>>> >>> >>>> >>>>
Convite d@s cursistas
>>> >
Encontros presenciais
> > > >
Atividades TelEduc
>>> >>> >>>> >>>> >>>>
Análise, sistematização e
divulgação dos resultados
>>> >>>> >>>> >>>>
Avaliação de aprendizagem
A avaliação de aprendizagem d@s estudantes será feita com base em:
1. Realização das atividades didáticas presenciais e semi-presenciais;
2. Realização das atividades didáticas de pesquisa e intervenção de
campo.
O certificado de aprovação será concedido a quem tiver aproveitamento bom ou
excelente e freqüência mínima de 75% nas atividades presenciais e semi-
presenciais.
Estratégias para o desenvolvimento do processo de pesquisa a partir do
curso proposto.
Formas de registro de informações para a pesquisa
Serão utilizados cinco instrumentos de registro para a pesquisa:
1 - 2 diários de classe
2 - 1 diário de aula para cada educador@
3 - Roteiro de avaliação das atividades
3.1- Individual;
3.2- Grupo;
3.3- Coordenação, pel@s integrantes
3.4- No processo, pel@s educador@s
4 - Painel de avaliação (Elogio, Crítico, Proponho)
5- Fotografias, gravações de áudio e de anotações d@s participantes,
coordenador@s, observador@s.
Cronograma de encontros da equipe de pesquisa
O estudo e análise das informações colhidas e sistematizadas no processo
educacional desenvolvido serão elaborados pela equipe, tendo, no semestre
2004.2, o seguinte cronograma de encontros de equipe:
Cronograma das reuniões da equipe na sede do MOVER - 2º semestre de
2004
Mês Dias
Agosto
05, 12, 26, 31
330
Setembro
02, 09, 30
Outubro 07, 21
Novembro
04, 18
Dezembro
03, 04
Obs.: As reuniões acontecerão no horário das 8h e 30 min às 12h.
Excepcionalmente nos dias 03 e 04 de dezembro, serão das 8h e 30min às 12h e
das 14h às 18h.
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Recursos necessários
Viagens e diárias em 2004
Integrante Bilhetes Viagens Diárias
Reinaldo Matias Fleuri
Fln-Londrina-Fln
1 02
Cleonice Maria Tomazzetti
SM-Londrina-SM
1 02
Marcio Penna Corte Real
Fln-Londrina-Fln
1 02
Willer Araujo Barbosa
Fln-Londrina-Fln
1 02
Fln-Londrina-Fln
1 02
A. Equipamentos e materiais de uso
Nome da entidade parceira: Núcleo Mover Educação Intercultural e Movimentos
Sociais - Centro de Ciências da Educação - Universidade Federal de Santa
Catarina.
Cidade: Florianópolis
Estado: Santa Catarina
334
1.0 - Lista de equipamentos disponíveis para realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Qtidade
01 Micro Computador 05*
02 Impressora HP 600 01
03 Impressora HP 840 01
08 Gravador de mão em fita cassete 01
04 Acervo Bibliográfico com 1246 registros 01
05 Sala de reuniões do Núcleo com capacidade para até 25
pessoas
01
06 Salas de aula do Centro de Ciências da Educação **
07 Auditório do Centro de Ciências da Educação 01 **
* Há mais um Micro no NEPEMOS na FURB em Blumenau que somará seis
micros.
** A reservar.
1.1 - Lista de equipamentos NECESSÁRIOS DE SEREM ADQUIRIDOS para
realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Qtidade
01 Máquina Fotográfica Digital 01
2.0 - Lista de material de uso e de apoio disponíveis para realização do
Projeto PERI
Ord. Descrição Unidade Qtidade
Alfinete (para mural) caixa 06
Almofada para carimbo peça 01
Crampeador 266 peça 01
Barbante rolo 05
Borracha peça 20
Caderno capa dura peça 20
Caneta hidrocor com 24 unidades peça 10
Caneta esferográfica (azul e vermelho) peça 10
Clips (pequeno, médio e grande) caixa 40
Cola em bastão peça 24
Corretivo peça 12
Durex (fita mágica) peça 05
Envelope pequeno (kraft ouro) peça 250
Envelope médio (kraft ouro) peça 250
Envelope grande (kraft ouro) peça 500
Envelope pequeno (branco) peça 875
Fita de áudio cassete peça 50
Giz de cera (12 cores) caixa 20
Grampo para grampeador caixa 02
Lápis de cor (12 cores) caixa 06
Lápis preto caixa 100
Cartucho preto de impressora HP 840 peça 01
335
Papel A4 (75g/mm) resma 40
Papel colorido A4 resma 03
Cartucho preto de impressora HP 600 peça 01
Pasta suspensa Kraft marmorizada peça 50
Pasta de arquivo morto polionda plástica peça 60
Tesoura média peça 10
Tinta guache (diversas cores com 500 ml) pote 10
Tinta para almofada de carimbo peça 01
Transparência para jato de tinta caixa 02
Cartolina (branco, amarelo, azul, rosa) peça 14
Giz branco (caixa de 400 bastões) caixa 01
Régua de 50 cm peça 01
Régua de 30 cm peça 02
Grampo de roupa peça 38
Papel pardo 65cm x 95cm peça 07
2.1 - Lista de material de uso e de apoio NECESSÁRIOS DE SEREM
ADQUIRIDOS para realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Unidade Qtidade
Cartucho preto de impressora HP 840 peça 01
Cartucho colorido de impressora HP 840 peça 01
Cartucho preto de impressora HP 600 peça 01
Pasta suspensa Kraft marmorizada peça 100
Envelope plástico tamanha A4 peça 150
Papel contacti transparente m/2 5 m/2
Caneta esferográfica (azul e vermelho) peça 10
Papel pardo 65cm x 95cm peça 50 m
CD (virgem) peça 50
Capa de plástico para CD peça 50
B. Equipamentos e materiais de uso
Nome da entidade parceira: Universidade Estadual de Londrina
Cidade: Londrina
Estado: Paraná
1.0 - Lista de equipamentos disponíveis para realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Qtidade
336
1.1 - Lista de equipamentos NECESSÁRIOS DE SEREM ADQUIRIDOS para
realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Qtidade
2.0 - Lista de material de uso e de apoio disponíveis para realização do
Projeto PERI
Ord. Descrição Unidade Qtidade
2.1 - Lista de material de uso e de apoio NECESSÁRIOS DE SEREM
ADQUIRIDOS para realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Unidade Qtidade
C. Equipamentos e materiais de uso
Nome da entidade parceira: Universidade Federal de Viçosa
Cidade: Viçosa
Estado: Minas Gerais
1.0 - Lista de equipamentos disponíveis para realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Qtidade
337
1.1 - Lista de equipamentos NECESSÁRIOS DE SEREM ADQUIRIDOS para
realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Qtidade
2.0 - Lista de material de uso e de apoio disponíveis para realização do
Projeto PERI
Ord. Descrição Unidade Qtidade
2.1 - Lista de material de uso e de apoio NECESSÁRIOS DE SEREM
ADQUIRIDOS para realização do Projeto PERI
Ord. Descrição Unidade Qtidade
338
Plano Geral do curso PERI Capoeira
NÚCLEO EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E MOVIMENTOS SOCIAIS - MOVER
&
CONFRARIA CATARINENSE DE CAPOEIRA - TRIPLO-C
CURSO DE CAPACITAÇÃO DE EDUCADORES POPULARES
DE CAPOEIRA NA PESPECTIVA INTERCULTURAL
Projeto apresentado ao Núcleo MOVER
para discussão e análise.
Florianópolis-SC
Fevereiro2005
339
SUMÁRIO
1. Identificação do Projeto
1.1 Linha de Extensão
1.2 Unidade Responsável
1.3 Responsável/Orientador do Projeto
1.4 Endereço do Responsável/Orientador
1.5 Corpo Docente
2. Caracterização do Projeto
2.1 Período de Realização
2.2 Local e Horário de Realização
2.3 Endereço do Local de Realização
2.4 Número de Vagas
2.5 Clientela/População Alvo
2.6 Carga Horária
2.7 Período Destinado À Divulgação
2.8 Inscrições
3. Objetivos e Justificativa do Projeto
3.1 Resumo
3.2 Objetivos
3.3 Justificativa
3.4 Metodologia
3.5 Critérios de Avaliação
4. Previsão Orçamentária
4.1 Recursos Físicos e Materiais a Serem Utilizados
4.2. Obrigações da UFSC/MOVER
4.3 Obrigações da Confraria Catarinense de Capoeira
5. Bibliografia
340
Identificação do Projeto
1. Unidade Responsável: MOVER
2. Responsável/Orientador do Projeto: Prof. Doutor Fleuri
3. Endereço do Responsável/Orientador
4. Corpo Docente
Drauzio Pezzoni Annunciato
José Luiz Cirqueira Falcão
Lourival Fernando Alves Leite
Marcelo Backes Navarro Stotz
Márcio Penna Corte Real
Marcos Duarte de Oliveira
Reinaldo Matias Fleuri
Valmir Ari Brito
Caracterização do Projeto
Período de Realização: Abril a Dezembro de 2005
Local e Horário de Realização: Centro de Educação da UFSC
Endereço do Local de Realização; Trindade
Número de Vagas: 35 vagas
Clientela/População Alvo: professores de capoeira de Santa Catarina
Carga Horária: 120 horas-aula
Período Destinado À Divulgação: Fevereiro e Março de 2005
Inscrições: No Mover
1. Introdução
Levando-se em consideração que a capoeira vem conquistando a cada dia
um maior número de praticantes e muitos desses se motivam a se
profissionalizarem neste ofício, transformando esta atividade num campo de
trabalho, esse projeto procura desenvolver ações estratégicas que promovam a
capacitação dos chamados “educadores populares de capoeira” numa perspectiva
crítica e auto-organizativa.
A opção de realizar esse curso de capacitação de educadores populares de
capoeira baseia-se no fato de que trata-se de uma manifestação cultural
notabilizada pelo seu exuberante campo de possibilidades, cuja trajetória histórica
reflete importantes contradições que marcam a sociedade brasileira. Da condição
341
de “luta de escravo em ânsia de liberdade”, perseguida e discriminada, tornou-se
símbolo de brasilidade e adentrou espaços institucionais antes impensáveis, seja
como prática desportiva, seja como conteúdo curricular universitário. Convém
destacar que a sua trajetória histórica tem relevância fundamental no processo de
entendimento da realidade social e política brasileira, marcada pelo
conservadorismo, preconceito e racismo.
Esse projeto parte do princípio de que o trato com o conhecimento da
capoeira deve se dar de forma coletiva, ampliada, interdisciplinar, enfocando
problemáticas significativas que envolvam processos de interação social na busca
de soluções que atendam não somente a necessidades e interesses específicos de
sujeitos e/ou grupos, mas que possam contribuir para soluções de problemas mais
gerais que permeiam todo e qualquer processo de implementação de políticas
culturais realmente consistentes.
Este projeto de curso procurará dar qualidade ao trato com o
conhecimento da capoeira, com a implementação de uma ampla estratégia de
capacitação profissional comprometida não só com o desenvolvimento de
competências e habilidades para atender as demandas do mercado de trabalho,
mas que promova uma capacitação que integre aspectos de ordem econômica,
política e cultural.
2. Objetivos
2.1 - Objetivo Geral:
Capacitar Educadores Populares de Capoeira na Perspectiva Intercultural
2.2 - Objetivos Específicos
- Problematizar e potencializar a dimensão educativa das práticas de
capoeira
- Construir a compreensão dos diferentes sujeitos, contextos e dimensões
das relações sociais e educativas no mundo da capoeira.
- Promover redes de interação entre diferentes grupos e perspectiva do
mundo de capoeira.
342
3. Justificativa
A capoeira, uma manifestação cultural, hoje difundida no mundo inteiro, que
se constituiu, ao longo de sua trajetória histórica, num extraordinário campo de
possibilidades exploratórias e também num emblema de brasilidade, tem recebido
pouca atenção por parte das políticas públicas.
Convém destacar que o trato com o conhecimento da capoeira tem se dado
majoritariamente por influência da lógica de mercado, com o privilégio de valores
que fomentam o individualismo, a competição exacerbada, a supremacia dos mais
“fortes’’ sobre os mais “fracos’’ etc.
4. Eixo Articulador do Projeto
a) o princípio da diversidade e o respeito às identidades construídas
coletivamente numa perspectiva critica;
b) tempos e orientações técnicas e pedagógicas adequadas aos interesses das
diferentes realidades em que os educadores se inserem;
c) aprendizagens sociais significativas na linha da solidariedade, da cooperação,
da diversificação, da criatividade, da emancipação, para a construção de uma
cultura capoeirana dignificada;
d) valorização dos patrimônios humanos e culturais, ampliando-se formas de
relações humanas dignas e os valores culturais que contribuam para a
emancipação do ser humano;
e) Implementação de gestões autodeterminadas, participativas, democráticas e
autônomas dos educadores populares em relação à capoeira;
f) Opção por uma prática capoeirana sem violência e agressões entre seres
humanos e em relação à natureza;
g) Ampliação das possibilidades de trabalho através de projetos decididos por
coletivos políticos ampliados, legitimados e relacionados com perspectivas de
trabalho que promovam a autodeterminação e a emancipação dos
participantes;
h) Gestões colegiadas, como conselhos, para evitar o personalismo em sua
condução, com a adoção dos princípios da transparência e da publicidade,
evitando que grupos de capoeira específicos sejam privilegiados,
comprometendo a sua respeitabilidade junto a toda a comunidade capoeirana.
343
5. Metas do Projeto
1- Construção de processos ampliados e participativos de reflexões coletivas para
levantamento de aspirações e reivindicações dos diferentes sujeitos;
2- Construção de diagnósticos precisos sobre as diferentes situações em que se
encontram os trabalhadores em capoeira;
3- Identificação de campos de trabalho que possam ser expandidos, serviços que
possam ser oferecidos e relações que podem ser estabelecidas, entre
comunidades e com outros projetos desenvolvidos nas esferas municipais,
estaduais e federal;
4- Promover a inter-relação de ações estratégicas a partir de uma Política
Cultural de Capacitação em Capoeira - em torno de um eixo articulador que
possa GARANTIR, CRITICAR, CRIAR E PRESERVAR A CULTURA
CAPOEIRANA, com desdobramentos para os diversos setores da vida em
comunidade.
6 - Processo de Construção dos Participantes do Curso
Inicialmente, a comunidade da capoeira será convidada para participar de
uma oficina organizada pelos coordenadores do curso. As inscrições poderão ser
feitas pela internet ou no MOVER. Por ocasião da realização da oficina serão
construídos pelos próprios participantes critérios que definirão requisitos para
aqueles que pretendem continuar realizando o curso.
7 - Metodologia
Os encontros serão coordenados por dois responsáveis que providenciarão
os recursos didáticos a serem utilizados. Cada encontro temático terá a duração
de 4 horas-aula. Pela manhã o início será às 9:00 h e término às 13:00 h com um
intervalo de 15 minutos. Ã tarde o início será às 15:00 e término às 19:00 h.
Neste curso serão adotados os princípios da metodologia da pesquisa-
ação que tem como um dos pressupostos contribui para o melhor
equacionamento de problemas significativos da prática social, bem como,
possibilita uma tomada de consciência por parte dos sujeitos históricos
envolvidos, com vistas a transformação da própria realidade. Thiollent (2000)
afirma que, além da interação entre os diversos sujeitos históricos envolvidos
numa pesquisa, a pesquisa-ação prevê o explícito conhecimento dos diferentes
344
papéis exercido por cada um destes e a intencionalidade das ações
implementadas, isto é, embora não se recorra à imposição unilateral, os sujeitos
envolvidos reconhecem a identidade e os objetivos do pesquisador. Entretanto,
este deve se precaver de possíveis “inclinações missionárias”, negociando com
os demais os pontos de conflito e de tensão e atuando como mediador atento, de
modo a evitar que a situação seja manipulada por parte de quem “fala mais alto”.
Segundo Thiollent (2000, p. 14), pesquisa-ação “é um tipo de pesquisa
social participante com base empírica que é concebida e realizada em estreita
associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual
pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo”.
Essa estratégia de pesquisa encontra ressonância entre àqueles que não
querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos que
caracterizam a maioria das pesquisas convencionais. Os sujeitos históricos
envolvidos são convidados não só a dizer sobre, mas também a fazer algo,
desempenhando, dessa forma, um papel ativo na própria realidade pesquisada.
Em outras palavras, não se trata apenas de descrever a realidade pesquisada,
mas operar estrategicamente no sentido de mudar a própria realidade
pesquisada.
Outro aspecto que caracteriza a Pesquisa-ação é a simultaneidade de seu
duplo objetivo, ao mesmo tempo em que, através dela, pretende-se aumentar o
conhecimento da área de pesquisa, visa-se também o conhecimento ou o “nível de
consciência” (Thiollent, 2000, p. 16) das pessoas e grupos considerados. Nesta
perspectiva, entende-se que a Pesquisa-ação pode ainda ser destacada como uma
pesquisa prática que implica em trabalhar com sujeitos da mudança, em vez de
trabalhar sobre eles. Para Demo (1994, p. 38), seria aquela “destinada a intervir
diretamente na realidade, a praticar teorias e teorizar práticas, a produzir
alternativas concretas, a comprometer-se com soluções”.
Dessa forma, uma atividade de pesquisa-ação envolvendo práticas culturais
populares não teria como preocupação o aperfeiçoamento de técnicas em relação a
um padrão preestabelecido de conduta, mas objetiva problematizar a organização
das ações culturais, tendo como referência problemáticas significativas que
envolvem os sujeitos em relação.
345
A pesquisa-ação procura, portanto, atender a resolução de problemas
imediatos e também desenvolver a consciência da coletividade a respeito dos
problemas importantes que enfrenta. Segundo Thiollent (2000, p. 24), “quando as
pessoas estão fazendo alguma coisa relacionada com um problema seu, há
condição de estudar este problema num nível mais profundo e realista do que no
nível opinativo ou representativo no qual reproduzem apenas imagens individuais e
estereotipadas”.
8 - Temática dos Encontros (sugestão)
1. Concepções de Educação
2. Capoeira e Sociedade
3. Educação Intercultural
4. História da África
5. História do Negro no Brasil
6. História da Capoeira
7. Ética Profissional e o Papel do Educador
8. Psicologia do Desenvolvimento e Relações Humanas
9. Metodologias de Ensino da Capoeira
10. Segurança na/da Atividade Física: Primeiros Socorros
11. Capoeira e Treinamento Físico
12. Capoeira e Legislação
13. Capoeira e Educação Infantil
14. Manifestações da Cultura Afro-Brasileira: Maculelê, Samba de roda e
Puxada de Rede
15. Processos e Sistemas de Organização da Capoeira
16. Elaboração de Projetos Culturais, Organização e Marketing
9 - Cronograma
Ações Mar Abr Mai Jun Ago Set Out Nov
Inscrições 7 a 31
Encontros 16 e
30
7 e 21 4 e 18 13 e
27
10 e
24
8 e 22
Avaliação 29
Relatório 7 a 21
10 - Avaliação
O participante deverá freqüentar pelo menos 75% do curso para ter o
direito de receber o certificado de participação.
Ao final do curso, cada participante deverá apresentar uma comunicação
escrita e/ou oral sobre uma temática de seu interesse. Essas comunicações
poderão ser realizadas individualmente, em dupla ou em trio.
346
11 - Referências bibliográficas
ABREU, F. J. Bimba é bamba: a capoeira no ringue. Salvador: Instituto Jair
Moura, 1999.
______ . O barracão do mestre Waldemar. Salvador: Organização Zarabatana,
2003.
ALMEIDA, R. C. A. Bimba: perfil do mestre. Salvador: Centro Editorial e
Didático da UFBA, 1982.
______ . A saga do Mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de Capoeira,
1994.
ARAÚJO, P. C. A. Abordagens sócio-atropológicas da luta/jogo da capoeira.
Maia – Portugal: Instituto Superior de Maia, 1997.
CAPOEIRA, N. Capoeira: os fundamentos da malícia. Rio de Janeiro: Record, 1992.
CASTRO JÚNIOR, L. V. a pedagogia da capoeira: olhares (ou toques?)
cruzados de velhos mestres e de professores de educação física.
Dissertação (Mestrado em Educação). Salvador-BA, Universidade do Estado da
Bahia, 2002.
______. Capoeira angola: olhares e toques cruzados entre historicidade e
ancestralidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v. 25, n.
2, p. 143-158, jan. 2004.
FALCÃO, J. L. C. A escolarização da capoeira. Brasília-DF: Royal Court
Editora, 1996.
MOURA, J. Mestre Bimba: a crônica da capoeiragem. Salvador, o autor, 1993.
PIRES, A. L. C. S. Bimba, Pastinha e Besouro de Mangangá: três
personagens da capoeira baiana. Tocantins/Goiânia: NEAB/Grafset, 2002.
REGO, W. Capoeira Angola: um ensaio sócio-etnográfico. Salvador: Itapuã,
1968.
REIS, L. V. S. O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. São Paulo:
Publisher Brasil, 1997.
SANTOS, L. S. Capoeira: uma expressão antropológica da cultura brasileira.
Maringá: UEM, 2002.
SILVA, P. C. C. A educação física na roda de capoeira... entre a tradição e
a globalização. Dissertação (Mestrado em Educação Física). Campinas-SP,
Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2002.
THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação. 9. ed. São Paulo: Cortez,
2000.
VIEIRA, L R. O jogo de capoeira: cultura popular no Brasil. Rio de Janeiro:
Sprint, 1995.
ZULU. Idiopráxis de capoeira. Brasília: o autor, 1995.
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