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O direito penal emergencial e as guerras preventivas que têm sido empreendidas
contra o crime organizado e o terrorismo fundam-se nessa cultura do medo: trata-se de
uma violência simbólica que escolhe, ao ser praticada, atores sociais e discrimina
parcelas da sociedade. Esses discursos reduzem-se, porém, a falas eufemísticas, sem o
verdadeiro propósito de encontrar soluções para o direito penal: são formas de
aplainamento e conformação de todos que não têm acesso ao sistema capitalista,
mantendo-os estáticos pelo medo. Assim, a cultura do medo constrói um poder
simbólico capaz de fazer ver e crer, de confirmar ou de transformar visões de mundo.
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mesmas têm lugar em um contexto de quase total obscuridade. Tudo isto evidencia que, inegavelmente,
estamos destinados a viver em uma sociedade de enorme complexidade, na qual a interação individual –
pelas necessidades de cooperação e de divisão funcional – alcançou níveis até agora desconhecidos. Sem
embargo a profunda correlação das esferas de organização individual incrementa a possibilidade de que
alguns destes contatos sociais redundem na produção de conseqüências lesivas, Dado que, no mais, tais
resultados se produzem em muitos casos a longo prazo e, de todo modo, em um contexto geral de
incertezas sobre a relação causa-efeito, os delitos resultado/lesão se mostram constantemente
insatisfatórias como técnica de abordagem do problema”.
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PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre a violência criminal, controle social e
cidadania no Brasil. São Paulo: Método, 2003. p. 9. “Não estamos tratando do medo individual, ou seja,
do medo que aflige as pessoas isoladamente. No sentido literal da palavra, medo individual significa
choque, freqüentemente precedido de surpresa, provocado pela tomada de consciência de um perigo
presente. Trata-se de uma emoção desencadeada por diversas reações físicas que, por sua vez, são
responsáveis por comportamentos somáticos. Tal quadro clínico não se aplica no nível coletivo, embora
em certa medida o pânico de uma multidão possa conter uma soma de emoções–choques pessoais”.
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O sentimento de vingança parece ser um universal humano. O nacionalismo norte-americano é
exacerbado com o impulso vingativo, surgindo uma tremenda coesão interna face a ameaça do inimigo –
partidos que se digladiavam aprovaram rápida e consensualmente decisões orçamentárias, políticas e
militares a este respeito. Segundo a visão maniqueísta do governo dos EUA, a retaliação americana aos
ataques terroristas é uma luta da “liberdade” contra o mal. Em essência, tanto o patriotismo norte-
americano e o sentimento de vingança que toma conta da nação como o terrorismo suicida são fenômenos
aparentados, que estão fundados no mesmo mecanismo da mente humana que garantiu aos nossos
antepassados a continuidade evolutiva. Fomos programados para defender nosso território e a cultuar os
valores de nosso grupo social, reagindo com indignação e contra-atacando ao que é percebido como
ameaça. Quanto mais se multiplicam os meios de comunicação tanto mais opera-se a ideologia incidindo
sobre a psique multiplicando-se o contágio mental daqueles que são expostos a idéias e ideologias de uma
maneira sub-reptícia. O contágio mental é tão poderoso que suscita os pânicos que podem conduzir as
suas vítimas aos mais diversos comportamentos psicopatológicos, escravizando, portanto, inteligências.
Os grandes movimentos funestos da história foram sempre o resultado do contágio mental. O contágio
mental é exercido por diversos meios de propagação e com o advento da televisão sua incidência se dará
através de um número inimaginável de pessoa que tem acesso a este meio de comunicação. A sua ação
jamais se exerceu tanto quanto na nossa época, primeiramente porque, com o progresso das idéias
democráticas, o poder cai, cada vez mais, entre as mãos das multidões, e depois, porque a difusão rápida
dos meios de comunicações permite que os movimentos populares se espalhem quase instantaneamente..
As extravagantes fantasias das multidões tornam-se, para eles, dogmas tão respeitáveis quanto o eram
outrora, para os cortesãos das monarquias absolutas, as vontades dos soberanos.
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ARENDT, H. Sobre a violência. Trad. André Duarte. 1.ed. Rio: Relume-Dumará, 1994. “A escalada
da violência pode significar a deterioração do poder do estado, uma vez que ‘poder e violência são
opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente’; outros opinam que a violência tem
causas difusas, como racismo, intolerância, desigualdades sociais, processos de exclusão, ineficácia da
lei/impunidade, omissão do estado entre outras. Ainda há os que acreditam que a mídia, em especial a
televisão, gera ou potencializa comportamento agressivo e contribui para o incremento da violência na
sociedade”.
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PASTANA, Débora Regina. Reflexões sobre a violência criminal, controle social e cidadania no Brasil.
São Paulo: Método, 2003. p. 91. “Entendemos medo neste estudo, como forma de exteriorização cultural,