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UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SANTA
MARIA
CENTRO
DE
ARTES
E
LETRAS
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM
LETRAS
A FORMAÇÃO DE UMA
COMUNIDADE DE LEITORES
DISSERTAÇÃO
DE
MESTRADO
Samariene Lúcia Lopes Pillon
Santa Maria, RS, Brasil
2007
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A FORMAÇÃO DE UMA
COMUNIDADE DE LEITORES
por
Samariene Lúcia Lopes Pillon
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração em
Estudos Lingüísticos, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM,RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Letras
Orientador: Prof. Dr. Nina Célia Almeida de Barros
Santa Maria, RS, Brasil
2007
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UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SANTA
MARIA
CENTRO
DE
ARTES
E
LETRAS
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM
LETRAS
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Disserta
ção de Mestrado
A FORMAÇÃO DE UMA
COMUNIDADE DE LEITORES
elaborada por
Samariene Lúcia Lopes Pillon
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Letras
COMISSÃO EXAMINADORA:
_________________________________________
Profª. Dr. Nina Célia Almeida de Barros
(Presidente - Orientadora)
_________________________________________
Prof. Dr. Maria Eduarda Giering
_____________________________________
Prof. Dr. Désirée Motta-Roth
Santa Maria, 21 de agosto de 2007
AGRADECIMENTOS
A Deus
À minha família
À professora Nina
A todos os professores do PPGL
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal de Santa Maria
A FORMAÇÃO DE UMA
COMUNIDADE DE LEITORES
AUTORA: SAMARIENE LÚCIA LOPES PILLON
ORIENTADOR: NINA CÉLIA ALMEIDA DE BARROS
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 21 de agosto de 2007.
Este trabalho tem como objetivo analisar a formação de uma comunidade
de leitores, através da análise do artigo de opinião e das cartas produzidas em
resposta a esses artigos. O corpus de estudo é composto de quatro colunas da
revista Veja escritas por Diogo Mainardi e de onze cartas do leitor endereçadas ao
escritor. A partir da noção de motivação, de Meurer (1997), a análise é realizada
com base nos preceitos da teoria da valoração, de Martin & White (2005), e da
noção de ethos, organizada por Amossy (2005). Com o estudo, acredita-se ser
possível aplicar o conceito de sistemas de gêneros, de Bazerman (2005), que
aponta uma seqüência regular formada por um texto-fonte (coluna) seguido de
outros (cartas a favor e cartas contra). A teoria da valoração foi usada para
avaliar a linguagem de cada texto, através do emprego de estratégias de
engajamento e atitude, que são graduadas. Através dessas categorias, analisam-se
sentimentos, reações emocionais, fazem-se julgamentos de valor, reconhecem-se
vozes nas manifestações em torno de uma questão. Com a observação do sistema
de gêneros formado por artigos de opinião e cartas do leitor, pretendemos verificar
como ocorre o alinhamento dos leitores destes textos em comunidades de valor. O
contexto de produção dos textos foi buscado a partir da noção de prática discursiva,
de Fairclough (2001) e de contexto social, de Halliday (1989). No caso das marcas
de avaliação atitudinal, pode-se observar um predomínio dos julgamentos, seguidos
pelas apreciações e pelas manifestações de afeto, estas em menor número. Quanto
à forma de graduar as manifestações avaliativas, verificou-se, nos artigos de opinião
e nas cartas do leitor, que, na maioria das vezes, as opiniões são manifestadas com
alto grau de compromisso do produtor. Houve, quanto ao engajamento, um
predomínio da heteroglossia, com a grande ocorrência de contração dialógica. A
observação dos textos comprovou nossa hipótese da formação de uma comunidade
de leitores, composta por pessoas que lêem por admiração, por outras que parecem
estar curiosas, outras tantas que se sentem desafiadas, chocadas com as polêmicas
que muitas vezes lhes causam estranhamento: todos leitores, seja para concordar,
para discordar, seja para criticar. Com base nas observações feitas, acredita-se que
o ethos construído por Diogo Mainardi em seus textos seria a motivação para a
formação dessa comunidade.
Palavras-chave: avaliação, leitores, comunidade, ethos, carta do leitor
ABSTRACT
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal de Santa Maria
THE FORMATION OF A
READERS COMMUNITY
AUTORA: SAMARIENE LÚCIA LOPES PILLON
ORIENTADOR: NINA CÉLIA ALMEIDA DE BARROS
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 21 de agosto de 2007.
This work has as objective to analyze the formation of a readers community,
through the analysis of an opinion article and the letters written in response to it. The
corpus of the study consists of four Veja magazine columns written by Diogo
Mainardi and of eleven readers letters addressed to him as responses. Beginning
with the definition of motivation, by Meurer (1997), the analysis takes place
concerning the appraisal theory precepts, by Martin & White (2005), and also the
ethos conception, organized by Amossy (2005). Throughout the study, there is a
belief on the possibility of applying the systems of genres, by Bazerman (2005),
which points out to a regular sequence generated by a source-text (column) followed
by others (in favor and against letters). The appraisal theory has been used to
evaluate the language of each text, through the application of engagement and
attitude strategies which are graded. Based on these categories, feelings and
emotional reactions are analyzed, value assessments are done, and voices can be
recognized within the expressions around any given question. It is our purpose to
check how the alignment of these readers takes place in value communities. To do
so, the observation of the genres system is intended. The production framework of
these texts has been established since the discursive practice definition, by
Fairclough (2001) and also from a social background, by Halliday (1989). Concerning
the attitude evaluation marks, a prevalence of assessments could be observed,
followed by approval and affection manifestations, the latter in smaller number. To
what concerns the means of grading the evaluative manifestations, a high level of
commitment by the writer has been verified in most of the opinion articles and
readers letters. Considering the engagement process, there has been a
predominance of the heteroglossy, within a large occurrence of dialogic contraction.
The observation of the texts has confirmed the formation of a readers community
hypothesis, arranged by people who read for admiration, others who seem to be
curious, many others who feel challenged, shocked by polemic issues that many
times cause awkwardness: all readers, as to show agreement or disagreement or to
criticize. Based on the earlier observations, there is a tendency to believe that the
ethos established by Diogo Mainardi in his texts could be the motivation to the
formation of this community.
Key words: evaluation, readers, community, ethos, reader's letter
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Sistema semântico interpessoal .......................................................
30
Figura 2- Panorama geral da teoria da valoração ........................................... 31
Figura 3- Estratégias para inscrever atitude .................................................... 37
LISTA DE QUADROS
Quadro 1-Julgamento de acordo com White ................................................... 34
Quadro 2- Oposição entre taxas modais ......................................................... 42
Quadro 3- Gradação ........................................................................................ 45
Quadro 4- Ethos- ponto de equilíbrio ...............................................................
52
Quadro 5- Assuntos mais comentados da revista ........................................... 57
Quadro 6- Circulação de algumas revistas semanais de informação ..............
64
Quadro 7- Assunto principal das cartas ...........................................................
70
Quadro 8- Assunto principal das colunas ........................................................ 70
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1- Quadro-resumo da análise ............................................................. 110
Anexo 2- Colunas utilizadas na análise ......................................................... 111
Anexo 3- Cartas do leitor utilizadas na análise .............................................. 116
SUMÁRIO
Agradecimentos ................................................................................................ 04
Resumo .............................................................................................................. 05
Abstract .............................................................................................................. 07
Lista de ilustrações ........................................................................................... 09
Lista de quadros ................................................................................................ 10
Lista de anexos ..................................................................................................
11
Sumário .............................................................................................................. 12
Introdução .......................................................................................................... 14
Capítulo 1: Referencial Teórico ....................................................................... 18
1.1 Texto, contexto e gênero .............................................................................. 18
1.1.1 Os gêneros opinativos ............................................................................... 23
1.1.1.1 Gênero coluna/artigo de opinião ............................................................. 23
1.1.1.2 Gênero carta do leitor ..............................................................................
25
1.1.3 O contexto das cartas do leitor ...................................................................
27
1.2 Teoria da valoração .....................................................................................
28
1.2.1 A valoração na Lingüística Sistêmico-Funcional (SFL) .............................. 29
1.2.2 Panorama geral da teoria da valoração ..................................................... 31
1.2.3 Atitude ........................................................................................................ 32
1.2.3.1 Afeto ...................................................................................................... 32
1.2.3.2 Julgamento ............................................ ................................................. 33
1.2.3.3 Apreciação ...............................................................................................
34
1.2.3.4 Marcas lingüísticas .................................................................................. 35
1.2.3.5 Avaliações atitudinais indiretas ............................................................... 36
1.2.3.6 Considerações sobre a análise ............................................................... 37
1.3 Engajamento ................................................................................................. 38
1.3.1 Perspectiva dialógica ..................................................................................
38
1.3.2 Valoração e a formação de uma comunidade de leitores .......................... 39
1.3.3 Refutar e declarar .......................................................................................
40
1.3.4 Contração e expansão dialógica ................................................................ 42
1.3.5 Heteroglossia ..............................................................................................
43
1.3.6 Autoria externa ........................................................................................... 43
1.3.7 A relação escritor-leitor ...............................................................................
44
1.4 Gradação .......................................................................................................
44
1.4.1 Foco ............................................................................................................
45
1.4.2 Força .......................................................................................................... 46
1.4.2.1 Intensificação ...........................................................................................
46
1.4.2.2 Quantificação ...........................................................................................
47
1.5 Motivação e Ethos ......................................................................................... 48
1.5.1 Motivação ................................................................................................... 48
1.5.2 Ethos .......................................................................................................... 49
1.5.2.1 Ethos, logos, pathos ................................................................................ 53
1.5.2.2 Ethos e retórica ....................................................................................... 53
Capítulo 2: Metodologia ....................................................................................
56
2.1 Constituição e seleção do corpus ..................................................................
56
2.2 Passos de análise ......................................................................................... 60
Capítulo 3: Análise ............................................................................................ 63
3.1 A prática discursiva ....................................................................................... 63
3.1.1 A revista Veja e seus leitores ..................................................................... 63
3.1.2 O colunista Diogo Mainardi ........................................................................ 65
3.1.2.1 Auto-retrato ..............................................................................................
66
3.1.2.2 Diogo Mainardi na Internet ...................................................................... 68
3.1.3 Assunto das cartas e das colunas ..............................................................
70
3.2 A relação escritor-leitor: análise .................................................................... 70
3.2.1 Análise do grupo 1: Coluna 4- O pior é melhor (28-01-04) ........................ 71
3.2.2 Análise do grupo 2: Coluna 24- O diogomainardismo (16-06-2004) .......... 78
3.2.3 Análise do grupo 3: Coluna 36- O irlandês ajudou (08-09-2004) ............... 85
3.2.4 Análise da coluna Meus queridos leitores (14-04-04) ..............................
92
3.2.5 A comunidade de leitores ........................................................................... 98
Considerações Finais ....................................................................................... 100
Referências Bibliográficas ............................................................................... 104
Anexos ................................................................................................................
109
14
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar cartas produzidas por uma
comunidade de leitores, formada em torno de uma fonte específica: colunas escritas
por um articulista que se tornou conhecido, na classe média brasileira, por suas
opiniões polêmicas Diogo Mainardi.
A partir da noção de motivação, de Meurer (1997), buscamos observar de que
forma se dá a formação de comunidades de leitores. Um dos objetivos da pesquisa
é identificar qual seria a motivação para a produção das cartas do leitor. Com base
nos preceitos teóricos que embasam este estudo, pretendemos investigar de que
forma se configuram estas manifestações, estando elas em concordância ou não
com as opiniões veiculadas no texto que as motivou.
O trabalho com a formação de uma comunidade de leitores foi pensado a
partir da análise de cartas do leitor feita por Martin & White, nos estudos da Teoria
da Valoração, a qual afirma que existem comunidades de sentimentos
compartilhados
1
. Para os pesquisadores (2005, p.5), as cartas muitas vezes
constroem jogos de relações dialógicas, não só com o suposto destinatário (a
revista) mas também com outros leitores que compartilham os sentimentos do
escritor.
De acordo com Martin & White, algumas cartas demonstram os efeitos da
escolha de um tipo de atitude (emoção) em lugar de outro, sendo que essa opção dá
lugar a uma persona discursiva particular
2
. Os estudos também apontam para a
natureza dialógica da avaliação, construindo relações de alinhamento e
concordância entre o escritor, a revista e seu conjunto de leitores regulares (2005,
p.6).
Capítulos de livro e dissertações trataram do gênero carta do leitor, como
Rystrom (1994), Bezerra (2002), Cabral (2002) e Fontanini (2002), entre outros.
Tendo em vista contribuições como essas, decidimos estender o alcance do
assunto, focalizando a formação de grupos que se interconectam através das cartas.
A idéia do trabalho com cartas surgiu de uma possível aplicação de um
conceito de Bazerman (2005, p. 32), o de sistemas de gêneros, que compreende as
seqüências regulares com que um gênero segue outro gênero, dentro de um fluxo
1
Conforme Martin & White, 2005, p.5. Tradução minha. (community of shared feeling)
2
Conforme Martin & White, 2005, p.6. Tradução minha. (particular discursive persona)
15
comunicativo típico de um grupo de pessoas. Transportando a concepção do autor
para o caso que pretendemos descrever, teríamos uma seqüência regular formada
por um texto-fonte (coluna) seguido de outros (cartas a favor e cartas contra)
dentro de um fluxo típico de um grupo que responde à coluna em Veja e meios
eletrônicos.
As perguntas norteadoras da pesquisa foram:
Por que tantas pessoas escrevem semanalmente para a revista Veja
comentando os artigos de Diogo Mainardi?
De que forma a imagem de si mesmo (ethos) projetada nos textos do
escritor-fonte influencia as respostas dos leitores?
Como se organiza uma comunidade de leitores?
Que estratégias de engajamento são empregadas pelos leitores para
atacar ou defender as idéias do escritor-centro da comunidade?
Para responder a essas indagações, recorremos primordialmente a uma área
de estudos que se formou dentro dos domínios da Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF) a Semântica Discursiva, que ampliou, com seus conceitos, as possibilidades
de descrição das relações interpessoais efetuadas através dos textos.
Pesquisadores, especialmente da Escola Australiana, pensaram a Semântica
Discursiva como uma área em que três dimensões se complementam: a negociação,
que estuda aspectos interativos do discurso, o envolvimento, que trata das relações
entre participantes, especialmente solidariedade, e a valoração, que destaca a
linguagem avaliativa usada nas comunicações sociais. Dos três domínios da
Semântica Discursiva, este trabalho irá centrar-se na valoração.
As categorias da valoração serão desenvolvidas com base com Martin &
White (2005), que tiveram a língua inglesa como centro de seus estudos.
Recorremos igualmente a um artigo de White (2004), publicado em revista brasileira
(enquanto a obra básica estava no prelo) e traduzido por Débora Figueiredo, o que
nos deu suporte à correspondência inglês-português de alguns dos termos
fundamentais da abordagem. A partir da teoria da valoração, buscamos
compreender de que modo os valores avaliativos atuam nos textos. Apesar de
utilizarmos um estudo feito na língua inglesa, acreditamos que os termos
empregados para apontar os valores que estão sendo manifestados podem também
ser utilizados na língua portuguesa.
16
Para avaliar a linguagem de um texto, a teoria da valoração inter-relaciona
estratégias de engajamento e atitude, que vão ser graduadas, isto é, amplificadas ou
reduzidas em sua força, dependendo dos propósitos e interesses das opiniões
veiculadas nos textos dos diferentes grupos. Através dessas categorias, analisam-se
sentimentos, reações emocionais, fazem-se julgamentos de valor, reconhecem-se
vozes nas manifestações em torno de uma questão.
Através da analise do sistema de gêneros formado por artigos de opinião e
cartas do leitor, pretendemos observar como ocorre o alinhamento dos leitores
destes textos em comunidades de valor. Nessa perspectiva, Motta-Roth (2005,
p.180) destaca, na área de Lingüística Aplicada, o crescente interesse pelo estudo
da linguagem usada em contextos específicos e seu papel constitutivo de papéis e
relações sociais para alcançar determinados objetivos comunicativos.
Para verificar de que forma os autores se mostram em seus textos, optamos
pela utilização da noção de ethos, a partir da obra organizada por Amossy (2005).
Esta noção trabalha com a idéia da construção de uma imagem de si mesmo no
texto, através de opções feitas pelo produtor. Buscaremos observar, além da
imagem que é construída no texto, a imagem que os leitores fazem do produtor, que
pode ser manifestada, por exemplo, em uma carta do leitor.
A fim de verificar de que forma o autor se mostra em seu texto, buscamos,
neste estudo, conhecer melhor os participantes da interação escritor-leitor. A partir
da noção de prática discursiva, de Fairclough (2001) e de contexto social, de
Halliday (1989), procuramos saber mais sobre a revista Veja e seus leitores, bem
como sobre seu colaborador, Diogo Mainardi.
Na organização e delimitação do corpus, julgamos procedente tentar a ajuda
da Lingüística de Corpus para facilitar a busca de determinados termos e seu
ambiente de uso. A partir das listagens de recorrências de palavras, acreditamos ser
melhor selecionar os termos e textos que constituirão exemplares significativos para
a análise. Dessa forma, efetuamos, neste trabalho, a aplicação do modelo de
linguagem avaliativa proposto por Martin & White, com o auxílio do programa
computacional TextSTAT, de Matthias Hüning, na identificação das palavras e textos
que constituirão o corpus.
Esta disserta
ção apresenta-se em três capítulos: no primeiro, revisamos os
conceitos básicos da teoria da valoração e do conceito de ethos que vão dar suporte
à análise da inter-relação entre os textos da comunidade de leitores. No segundo,
17
apresentamos a metodologia de abordagem textual, explicitando os aspectos dos
modelos de ethos, engajamento, atitude e gradação que foram utilizados na
observação das interações verbais. Será mostrada, igualmente, a forma como a
lingüística de corpus foi utilizada como ferramenta para auxiliar na seleção dos
dados a serem analisados nos textos. No terceiro, a análise é efetuada, seguida das
conclusões finais do trabalho proposto.
Esse percurso apontou questões relacionadas a uma situação real de
comunicação entre um veículo midiático e seus leitores. Esclarecemos que não é
propósito deste trabalho verificar se as interações que ocorrem entre uma revista e
seus leitores é verdadeira ou modificada pelas editorias, bem como não buscamos
julgar ideologias que possam estar sendo apresentadas pela revista, pelas colunas
ou cartas dos leitores. O que nos interessou é o material que o leitor tem à sua
disposição na busca das informações do mundo que o cerca.
18
CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo, desenvolveremos o seguinte percurso: primeiramente, serão
discutidos aspectos da relação de texto-contexto, com base em Halliday (1989). Em
segundo lugar, serão levantadas algumas considerações a respeito de gênero, uma
vez que tanto a coluna-fonte como as cartas-respostas enquadram-se nessa
categoria. A ênfase será dada a Bakhtin (1992), considerado o introdutor dos
estudos de gênero na lingüística. Finalmente, serão apresentados tópicos da Teoria
da Valoração e da noção de ethos, que sustentam a análise da formação da
comunidade de leitores.
1.1 Texto, contexto e gênero
O trabalho sobre a formação de comunidades de leitores através de textos
está apoiado em idéias sobre relações entre texto e contexto explicitadas por
Halliday (1989), que serviram como ponto de partida para posteriores
desenvolvimentos na Semântica Discursiva.
Halliday (1989, p. 10-12) vê um texto essencialmente como uma unidade
semântica, como produto e como processo. É produto porque pode ser estudado,
com uma organização representada em termos sistemáticos. É processo no sentido
de uma realização contínua de escolhas semânticas. A forma fundamental de um
texto é o diálogo, a interação social.
Além disso, o contexto em que o texto se desdobra está contido no próprio
texto através de uma relação sistemática entre o ambiente social e a organização
funcional da linguagem (p. 11).
Halliday (p. 13) considera o contexto social de um texto o conjunto de três
elementos: o campo, as relações e o modo do discurso. O campo diz respeito à
natureza da ação social sendo executada; as relações referem-se à natureza e
papéis dos participantes da interação; o modo focaliza o papel da linguagem
empregada nas relações estabelecidas em uma ação social.
19
Transpondo essas concepções ao nosso objeto de estudo, a etapa de análise
verificará quais as especificidades lingüísticas que ocorrem nas comunicações
efetuadas na ação social de defesa de pontos de vista.
Na construção, circulação e uso de textos nas relações sociais,
pesquisadores como Bazerman (2005, p.135), por exemplo, observaram que alguns
deles são altamente estruturados, outros mais criativos. Os mais estruturados
seguem formas padronizadas típicas e reconhecíveis: os gêneros (p.22). Para o
autor, cada gênero esrelacionado a outros gêneros: os vários tipos de textos se
acomodam em conjuntos de gêneros dentro de sistemas de gêneros, os quais fazem
parte dos sistemas de atividades humanas
3
(p.22). Na visão de Bazerman (2005,
p.32), um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos que uma pessoa num
determinado papel tende a produzir. Nessa perspectiva, poderíamos saber mais
sobre o trabalho de alguém ao observarmos os gêneros que essa pessoa produz em
suas atividades profissionais. Já sistema de gêneros se refere aos diferentes
conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma
organizada, e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção,
circulação e uso desses documentos. Através do sistema, poderíamos
compreender as relações existentes entre diferentes gêneros, dentro de um fluxo
comunicativo típico de um grupo de pessoas (p.32).
Ao tomarmos como pressuposto que as colunas e as cartas do leitor são
gêneros, não nos aprofundaremos na disputa surgida entre as terminologias
gêneros textuais e gêneros discursivos. Optamos por usar simplesmente
gênero, mesmo ao custo da identificação com o conceito de gênero relacionado a
masculino e feminino (gênero social). Esperamos que o contexto dê conta das
diferenças. Vamos apenas levantar alguns pontos relativos a gênero que contribuem
para a observação mais detalhada da ação social de troca de correspondências.
Durante muito tempo, conforme Bakhtin (1997, p.280), estudaram-se os
gêneros literários e retóricos; só mais tarde foi dada atenção aos gêneros do
discurso cotidiano, observando-os na ótica da lingüística geral. As pesquisas de
Bakhtin mudaram o rumo dos estudos sobre os gêneros, segundo Machado (2005,
p. 152), uma vez que ele foi além das formações poéticas, ao afirmar a necessidade
de um exame circunstanciado não apenas da retórica, mas, sobretudo, das práticas
3
Grifos do autor.
20
prosaicas que diferentes usos da linguagem fazem do discurso, oferecendo-o como
manifestação da pluralidade.
Para Bakhtin, nas diferentes esferas da atividade humana, o uso da língua se
dá sob a forma de enunciados, orais ou escritos, que são concretos e únicos,
refletindo as especificidades e finalidades de cada atividade não por seu
conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos
recursos da língua recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais mas também
por sua construção composicional. Dentro de cada uma dessas esferas de
utilização da língua, são elaborados tipos relativamente estáveis de enunciados do
ponto de vista temático, composicional e estilístico, os chamados gêneros do
discurso (1992, p. 279-284).
Assim, o estilo faz parte da unidade de gênero de um enunciado, pertence por
natureza ao gênero. Segundo Bakhtin (1992, p. 286), quando estilo, gênero, e
a própria escolha de uma ou outra forma gramatical já é um ato estilístico.
Como as atividades humanas são diferentes e variadas, os gêneros do
discurso são muitos e de diversas formas e funções, o que, para Bakhtin (1992, p.
280), é a causa provável da difícil explicação para o problema geral destes gêneros.
Quanto ao estilo, Brait (2005, p.84) apresenta o exemplo do jornal, que teria
um estilo estabelecido a partir não apenas dos assuntos em pauta, mas das
escolhas verbo-visuais que são feitas para expor esses tópicos, e, também, da
relação que o jornal mantém, ou pretende manter, com seus leitores. Segundo a
autora, os jornais teriam um estilo de fazer notícia, o que mostraria um determinado
ponto de vista frente aos fatos noticiados. O estilo seria um elemento constituinte do
gênero de um enunciado, faria parte desse gênero. Para Brait,
a concepção de estilo, no sentido bakhtiniano, pode dar margens a muito mais do que a
simples busca de traços que indiciem a expressividade de um indivíduo. Essa concepção
implica sujeitos que instauram discursos a partir de seus enunciados concretos, de suas formas
de enunciação, que fazem história e são a ela submetidos (2005, p. 98).
Conforme Bazerman (2005, p. 16-24), mais do que textos gramaticalmente
bem escritos, é necessário que estes sejam ferramentas comunicativas eficientes,
que existem gêneros responsáveis por criar fatos sociais que afetam a vida das
pessoas. Fatos sociais são acontecimentos, nem sempre envolvendo a linguagem,
que dependem de acordos entre indivíduos e da existência de instituições políticas,
21
legais e sociais. É importante compreender essa função do gênero textual para
produzi-lo adequadamente, sabendo inclusive quando é necessário inovar, ser
criativo dentro de determinado gênero.
Na visão de Bakhtin, normalmente o locutor é representado como a parte
ativa do processo, e o ouvinte como passivo. Mas isso não poderia ser sempre
representado dessa forma. Quando um ouvinte concorda ou discorda de um
discurso, por exemplo, ele estaria tendo uma atitude responsiva ativa. Para Bakhtin,
a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de
uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável);
toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente
a produz: o ouvinte torna-se o locutor. O autor destaca, ainda, a compreensão
responsiva de ação retardada, quando a resposta do interlocutor demoraria certo
tempo para acontecer, o que se daria, em diversos gêneros da comunicação verbal,
tanto orais quanto escritos (1992, p.290-291).
A compreensão responsiva seria o início de uma resposta, que, segundo
Bakhtin, já seria esperada pelo locutor. Este espera uma resposta, uma
concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc. (1992, p.291). O
próprio discurso do locutor seria uma resposta a enunciados anteriores, pois cada
enunciado está ligado a uma complexa cadeia de outros enunciados. O outro tem
papel ativo na comunicação. O locutor, ao encerrar seu enunciado, espera do outro
uma palavra ou sua compreensão responsiva ativa. O discurso se molda sempre à
forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa
forma. Esse enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real
(1992, p.293-294).
Bakhtin (1992, p.316) afirma que um enunciado concreto é um elo na cadeia
da comunicação verbal de uma dada esfera. Os enunciados não são auto-
suficientes, estão ligados a outros enunciados, aos quais são uma resposta,
refutando-os, completando-os, confirmando-os, contando com eles de diferentes
maneiras. O enunciado está em determinada posição, pois se relaciona com os
outros em outras posições. Cada enunciado é formado por reações-respostas a
outros enunciados que estão em determinada esfera na comunicação verbal e essas
reações, segundo o autor, podem ocorrer de formas variadas: podemos introduzir o
22
enunciado do outro diretamente em nossa fala, podemos citar palavras ou orações
do outro ou ainda podemos parafrasear as idéias alheias.
Qualquer enunciado é elaborado como que para ir ao encontro de uma
resposta, uma compreensão responsiva ativa. Para Bakhtin (1992, p.321), a forma e
a concepção do destinatário é determinada pela área da atividade humana e da
vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado. A composição e o estilo do
enunciado dependem do destinatário. Cada um dos gêneros do discurso, em cada
uma das áreas da comunicação verbal, tem sua concepção padrão do destinatário
que o determina como gênero (1992, p.321). A recepção do enunciado pelo
destinatário, sua compreensão responsiva são fatores determinantes da escolha do
gênero discursivo, dos recursos lingüísticos, do estilo do enunciado do indivíduo.
Especialmente na vida cotidiana, a posição social do destinatário é
extremamente importante na comunicação verbal. Para Bakhtin (1992, p.324-326),
o estilo depende do modo que o locutor percebe e compreende seu destinatário, e do modo
que ele presume uma compreensão responsiva ativa. () Ter um destinatário, dirigir-se a
alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e não poderia
haver, enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções
típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade dos
gêneros do discurso. () É sob uma maior ou menor influência do destinatário e da sua
presumida resposta que o locutor seleciona todos os recursos lingüísticos de que necessita.
Além disso, o enunciado não pode ser apenas inteligível no nível da língua, é
necessário que exista um todo, uma totalidade acabada, o que possibilita a
compreensão responsiva. Para Bakhtin, essa totalidade é determinada por três
fatores indissociavelmente ligados no todo orgânico do enunciado: 1) o tratamento
exaustivo do objeto do sentido; 2) o intuito, o querer-dizer do locutor: 3) as formas
típicas de estruturação do gênero do acabamento (1992, p.299).
O intuito do autor determina também a escolha da forma do gênero que
estruturará o enunciado, que é o terceiro fator. Essa escolha se em função da
especificidade da esfera de comunicação, das necessidades temáticas e também
dos parceiros dessa esfera. Adquirimos os gêneros assim como a língua, na
comunicação verbal viva no dia-a-dia, pois as formas da ngua e as formas típicas
de enunciados, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência
e em nossa consciência conjuntamente e sem que sua estreita correlação seja
rompida (Bakhtin, 1992, p.301-302).
23
Ao ouvirmos os outros, segundo Bakhtin, (1992, p.302-303) sabemos que
gênero ele está utilizando. Sem os gêneros do discurso, seria praticamente
impossível nos comunicarmos verbalmente: muitas pessoas têm dificuldades de se
comunicar mesmo dominando a língua, pois não dominam os gêneros de uma
determinada esfera, o que é o indispensável quanto as formas da língua, para que
ocorra um entendimento recíproco entre os locutores.
Meurer (2002, p.28) enfatiza a necessidade de se estudarem diferentes
gêneros textuais, buscando desenvolver
instrumentos teóricos e práticos para demonstrar que, através de textos orais e escritos,
criamos representações que refletem, constroem e/ou desafiam nossos conhecimentos e
crenças, e cooperam para o estabelecimento de relações sociais e identitárias.
Estendendo o conceito bakhtiniano de gêneros como tipos relativamente
estáveis de enunciados do ponto de vista temático, composicional e estilístico ao
caso dos textos das comunidades de leitores, vamos integrar as categorias da teoria
da valoração na concepção estilística do gênero, o que vai se refletir na composição
específica das cartas e colunas e no aspecto ideológico do tema.
1.1.1 Os gêneros opinativos
De acordo com Melo (1994, p. 94), a linha editorial e a seleção de
informações apontam para a opinião de uma empresa jornalística, podendo existir
momentos em que o debate de idéias é valorizado. Segundo o autor, a opinião da
empresa aparece geralmente no editorial, a do jornalista em comentários, resenhas,
colunas, crônicas, caricaturas e algumas vezes em artigos. a voz do colaborador
aparece em artigos e a do leitor na carta.
1.1.1.1 Gênero coluna/artigo de opinião
Conforme Melo (1994, p. 116), no Brasil, normalmente, o artigo é uma matéria
escrita por colaboradores, desenvolvendo uma idéia e apresentando opinião. Para
Martín Vivaldi apud Melo (1994, p.117), duas características seriam específicas do
artigo jornalístico: tratar de um tema atual apontando a opinião clara do articulista.
De acordo com Barros,
24
a coluna e o artigo de opinião apresentam regras de jogo comuns: é de sua natureza trazer
interpretação ou opinião do autor. O papel do autor é de maior aproximação com o seu texto:
avaliações e modalizações marcam sua visão de mundo e recursos retóricos são ativados para
atingir com maior eficiência o outro parceiro da comunicação, seu interlocutor (2002, p.204).
No jornalismo brasileiro, os artigos seriam escritos, geralmente, por jornalistas
ou colaboradores, de acordo com Melo (1994, p.122). Conforme o autor, o
colaborador é alguém que presta serviço à empresa jornalística, de forma contínua
ou eventual.
Já a coluna de opinião, segundo Melo (1994, p.136), seria toda seção fixa,
podendo abranger diferentes gêneros. Para Rabaça e Barbosa apud Melo, as
colunas mantêm um título ou cabeçalho constante, e são diagramadas geralmente
numa posição fixa e sempre na mesma página, o que facilita a sua localização
imediata pelos leitores (p.122).
Para Giering (2005, p.3), os artigos de opinião têm o fim de fazer-crer. A
pesquisadora destaca que determinadas partes do artigo tem por finalidade estreitar
os laços entre Produtor Texto Leitor para envolver esse último, com o objetivo de
obter sua adesão ao ponto de vista defendido no artigo. Outros pontos da coluna
opinativa serviriam para envolver o leitor ou aumentar sua atitude positiva para
aceitar ou para melhor compreender posições tomadas pelo produtor no decorrer do
texto.
Na imprensa brasileira, os tipos mais comuns de colunas, conforme Melo
(1994, p.143), seriam as que tratam de questões sociais, políticas, econômicas,
policiais, esportivas e artísticas (literatura, música, cinema, televisão, etc.), dentre
outras.
Quanto à organização retórica do artigo de opinião, conforme Giering (2007),
verifica-se que o produtor tem, a sua disposição, várias possibilidades de
organização do texto para o cumprimento de seu fim discursivo, não sendo possível
predizer a forma exata como os artigos se organizarão. De acordo com a autora, é
possível apenas predizer as formas mais prováveis que tomará o artigo de opinião
autoral no contexto jornalístico.
O Novo manual da redação (1992), publicado pela Folha de São Paulo, traz a
seguinte diferenciação
4
:
4
Neste estudo, os dois termos, coluna e artigo, serão utilizados ao nos referirmos aos textos de
Diogo Mainardi.
25
Artigo: Gênero jornalístico que traz interpretação ou opinião do autor. Sempre
assinado. Pode ser escrito na primeira pessoa. (1992, p.123).
Coluna: Cada uma das faixas verticais em que a página do jornal é dividida. (...) Por
extensão, coluna também significa o espaço em que uma pessoa escreve
regularmente. (1992, p.133).
1.1.1.2 Gênero carta do leitor
Conforme Bazerman (2005, p.83), as cartas desempenharam um papel no
surgimento de gêneros distintos, talvez por sua ligação tão forte com as relações
sociais, evoluindo do uso formal e oficial em direção ao pessoal, principalmente por
sua flexibilidade para estabelecer e elaborar situações comunicativas (Bazerman
2005, p.83-99). Esse gênero teve também enorme força dentro da igreja cristã,
desenvolvendo-se, inclusive, um ramo especializado da retórica chamado ars
dictaminis (arte de escrever cartas). As cartas auxiliaram, ainda, o desenvolvimento
de gêneros importantes do direito, do governo, da política e das transações
financeiras, além de gêneros com influentes funções sociais e comunicativas, como
o jornal, as revistas e o romance, de acordo com Bazerman (2005, p.88-93)
Em sua forma original, a carta do leitor, assim como uma carta pessoal,
apresenta alguns elementos formais: local e data, vocativo, despedida, assinatura.
Na atualidade, com o crescimento da comunicação informatizada, esses elementos
apresentam-se, normalmente, sob um novo formato. No e-mail, muitas vezes, o local
de origem não é informado, e a data é a do envio da mensagem eletrônica. A
identificação do leitor ainda permanece, até por que essa é uma exigência da
editoria dos jornais e das revistas. Em geral são enviadas respostas aos leitores,
quando as cartas não são publicadas, em sinal de atenção por sua manifestação.
Conforme o Novo Manual da Redação, publicado pela Folha de São Paulo,
Toda carta que chega à Folha deve ser publicada ou respondida. O leitor que se dirige ao
jornal merece resposta rápida e individualizada. Nenhuma carta pode deixar de ser publicada
por conter críticas ao jornal ou a seus profissionais. (...) A Folha publica diariamente uma
seção de cartas em que leitores expressam seus pontos de vista. A seção deve publicar
amostra representativa das diversas tendências de opinião apresentadas pelas cartas
recebidas, dentro dos princípios de pluralismo que regem a linha editorial. O jornal se reserva o
direito de selecionar trechos representativos das cartas, para publicação do maior número
possível. (...) A Folha não publica cartas anônimas. (1992, p.129)
26
Segundo Passos (2003, p.84), o estado original da carta é aquele enviado à
redação. De acordo com a autora, a carta receberá uma nova estrutura ao ser
publicada, após passar por transformações. Para fins de estudo, como apontado por
Passos, normalmente utiliza-se apenas o formato final, ou seja, aquele já editado
pela revista. De acordo com Ebel & Fiala apud Maingueneau (1993, p.35), existiriam
dois gêneros em níveis diversos: por um lado, as cartas dos leitores, que resultam do gênero
epistolar e se apresentam tanto como cartas abertas quanto como cartas comuns; por outro
lado, a própria rubrica correspondência de leitores um dos gêneros jornalísticos, elaborados a
partir das cartas.
Para Maingueneau (1993, p.35), esses não seriam gêneros independentes,
uma vez que o produtor da carta sabe que seu texto poderá ou não ser publicado e
que modificações no texto original poderão ser feitas:
O autor de uma carta deve considerar essas condições quando escreve: não ele apenas
reage a um discurso previamente organizado pelo jornal, mas também não possui poder algum
sobre a redação, nem tem certeza de que sua carta será publicada. O leitor -se, assim,
condenado a escrever a carta em função de sua eventual publicação, embora finja dirigir-se
unicamente aos jornalistas.
A carta do leitor é um gênero encontrado na maioria das revistas e dos
jornais. Assim como os demais gêneros discursivos, possui características
recorrentes: normalmente é um texto pequeno, situado nas primeiras páginas
dessas publicações. Conforme Cabral (2002, p. 12), o gênero carta do leitor registra
o posicionamento de pessoas da comunidade e das diversas instituições acerca de
assuntos do momento. Qualquer leitor pode participar (), desde que se identifique
e não faça agressões pessoais. Os leitores podem enviar seus comentários através
de correio, fax ou internet, os quais serão analisados por editores. Muitas vezes as
cartas do leitor são resumidas, por motivos de espaço ou clareza. Segundo Cabral,
as cartas são utilizadas pelos leitores para protestar, esclarecer, parabenizar,
retificar, retratar-se, concordar, responder, treplicar (2002, p.13).
Utilizando a nomenclatura cartas ao editor, Fontanini (2002) caracteriza a
carta do leitor como
27
espaços destinados, em revistas e jornais, aos leitores para que possam expressar pareceres
pessoais, favoráveis ou não, sobre matérias publicadas. Conforme o próprio nome sugere,
essas cartas são endereçadas aos editores, que após efetuarem uma seleção prévia, seguindo
critérios específicos de cada empresa jornalística, publicam-nas. (2002, p. 227)
Em um artigo sobre cartas do leitor, Passos (2003, p.81) afirma que existem
muitos tipos de cartas, como as pessoais, as precatórias, as comerciais, etc. O que
chama a atenção da autora é que um dos mais conhecidos dicionários brasileiros
registre mais de 50 tipos de carta, porém sem mencionar a carta do leitor. Conforme
a autora, a carta do leitor é veiculada através dos meios de comunicação escrita, de
circulação ampla ou restrita, tem caráter público, cumprindo importante função social
na medida em que possibilita o intercâmbio de informações, idéias, opiniões entre
diferentes pessoas de um determinado grupo (2003, p.81).
Freqüentemente as pessoas têm necessidade de usar a linguagem em suas
relações sociais, muitas vezes buscando convencer seu interlocutor. Para Meurer
(2002, p.10-11)
A vida social contemporânea exige que cada um de nós desenvolva habilidades comunicativas
que possibilitem a interação participativa e crítica no mundo de forma a interferir positivamente
na dinâmica social. Essas habilidades são exercitadas, por exemplo, quando () escrevemos
uma carta do leitor ao jornal que lemos (). Em todos esses contextos de situação ()
papéis desempenhados por nós e por nossos interlocutores que se estabelecem pela
linguagem.
1.1.3 O contexto das cartas do leitor
Fairclough (2001, p. 90-91) usa o termo discurso considerando
o uso de linguagem como prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo
de variáveis situacionais. () O discurso é uma prática, não apenas de representação do
mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.
O autor afirma que é na forma lingüística, em textos orais ou escritos, que
vemos as manifestações da prática discursiva, que é parte da prática social.
Para Fairclough a análise de um discurso particular como exemplo de prática
discursiva focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual. Todos
esses processos são sociais e exigem referência aos ambientes econômicos,
28
políticos e institucionais particulares nos quais o discurso é gerado (2001, p. 99).
Para o pesquisador, é importante mostrar de que forma ocorre a produção, a
distribuição e o consumo dos textos em um sentido mais amplo. Sempre se deve
fazer referência a esses aspectos, pois não uma divisão nítida entre análise
textual e análise da prática discursiva.
Dentro da análise textual, Fairclough menciona que parece haver uma divisão
entre forma e sentido, mas essa distinção é ilusória, porque ao analisar textos
sempre se examinam simultaneamente questões de forma e questões de
significado. (2001, p. 102). A análise textual estaria organizada em vocabulário
(palavras individuais), gramática (orações e frases), coesão (encadeamento das
orações e frases) e estrutura textual (organização do texto em larga escala). Na
análise da prática discursiva, haveria outros três pontos a serem observados: a força
dos enunciados (tipos de atos de fala constituídos por esses enunciados), a
coerência e a intertextualidade. Para Fairclough, esses sete itens, quando somados,
constituem um quadro para a análise textual capaz de abranger tanto os aspectos
de produção e interpretação como as características formais dos textos.
Na visão de Fairclough (2001, p. 106), a natureza dos processos de
produção, distribuição e consumo dos textos depende de fatores sociais. Um
exemplo disso, segundo o autor, é o fato de textos serem produzidos de formas
diferentes, adequando-os a determinados contextos, e também de os textos serem
consumidos de maneiras diferentes conforme o contexto social.
1.2 Teoria da valoração
A abordagem da valoração é utilizada na análise de textos escritos. Segundo
White
5
(2004, p. 177), essa abordagem, que surgiu a partir da lingüística sistêmica
funcional, apresenta técnicas de análise de como a avaliação atua nos textos,
conforme a observação dos valores expressos nos posicionamentos de quem
escreve, sendo estas posições de valor determinadas socialmente.
De acordo com White (2004, p. 178), os estudiosos australianos, ao
analisarem textos jornalísticos escritos, observaram o estilo desses textos,
5
Artigo escrito originalmente em inglês, traduzido por Débora de Carvalho Figueiredo, publicado na
revista Linguagem em (Dis)curso v.4- 2004.
29
verificando suas variações. Esses pesquisadores notaram que os diferentes estilos
ou vozes estavam associados a certas combinações de diferentes tipos de
valoração, e de escolhas de recursos existentes que expressam avaliação e
perspectiva.
Para Martin & White (2005, p. 1), a teoria da valoração se preocupa com as
relações interpessoais na língua, com o modo como as pessoas adotam posições
através da linguagem, para aprovar ou desaprovar uma idéia, elogiar ou criticar.
Observa, nos textos, sentimentos, valores, emoções, gostos e avaliações
normativas, demonstrados através da linguagem. Segundo os autores, a partir de
uma abordagem da Lingüística Sistêmico-Funcional, a teoria observa a linguagem
identificando três modos de significação que operam simultaneamente em todo o
discurso: o textual, o ideacional e o interpessoal.
É observado como as pessoas apresentam as próprias atitudes e também os
meios pelos quais elas ativam o posicionamento avaliativo dos seus leitores ou
ouvintes. Estas avaliações atitudinais, segundo Martin & White (2005, p. 2), não
são de interesse porque elas revelam os sentimentos e valores do falante/escritor,
mas também porque a expressão pode ser relacionada ao status do autor do texto e
ao modo como a linguagem opera retoricamente para construir relações entre o
escritor/locutor e seus respondentes atuais ou potenciais.
Com relação aos gêneros textuais, Martin & White (2005, p. 33) afirmam que
a teoria da valoração se preocupa com o alcance das avaliações que o gênero utiliza
para atingir seus objetivos e como isso se modifica de gênero para gênero. Essa
teoria se preocupa especialmente com a organização retórica do texto, observando
como se dá a relação deste com o leitor e de que modo a avaliação interfere nessa
relação (p.33).
1.2.1 A valoração na Lingüística Sistêmico-Funcional (SFL)
Segundo Martin & White (2005, p. 33), a valoração pode ser considerada um
sistema interpessoal, no nível da semântica de discurso. Neste nível, co-articula
significado interpessoal com dois outros sistemas - negociação e envolvimento. A
negociação complementa a avaliação através do foco nos aspectos interativos do
discurso, função da fala e estrutura de mudança. O envolvimento complementa a
30
valoração através do foco em recursos não-graduáveis de negociação de relações,
especialmente solidariedade.
Para os autores, (2005, p. 33-34), recursos léxicos que funcionam como
sinais de afiliação de grupo também podem ser considerados, inclusive a gíria e o
léxico técnico e especializado. Também podem ser observados marcadores de
dialeto social, apenas para sinalizar a existência de uma ordem larga de recursos
que são usados para negociar identidade de grupo e assim colaborar com a
valoração e com a negociação na realização das relações. Um esboço da relação
entre estes sistemas semânticos interpessoais é apresentado na figura abaixo:
solidariedade
poder
negocia
ção
valora
ção
envolvimento
Figura 1
6
- Sistema semântico interpessoal
Martin & White (2005, p. 68) trabalham com escalas léxicas, mostrando
gradações dos itens léxicos que constroem a avaliação. Segundo os pesquisadores,
uma categoria que estaria fora dessas escalas seria a dos xingamentos, muitas
vezes usados para demonstrar sentimentos fortes. Essas explosões emocionais
tanto podem ser consideradas afeto, julgamento ou apreciação, dependendo do
contexto, ou ainda podem servir como amplificadoras de inscrições auxiliares.
No nível de relação, conforme Martin & White (2005, p. 34), poder e
solidariedade precisam ser considerados em relação a todos os três sistemas de
discurso semânticos, embora o envolvimento seja especialmente afinado à
negociação de sociedade de grupo (assim solidariedade). Por isso, grupos sociais
têm status, e desse modo não podem ser ignoradas as implicações de afiliação para
relações de poder.
6
Conforme Martin & White (2005, p. 34), figura 1.17. Tradução minha.
31
1.2.2 Panorama geral da teoria da valoração
A valoração é dividida, segundo Martin & White (2005, p. 35), em três
domínios: atitude, engajamento e gradação. A atitude estaria preocupada com os
sentimentos (reações emocionais, julgamentos comportamentais e avaliação de
obras e objetos). O engajamento trataria das atitudes da origem do discurso e dos
comentários que surgem a partir dele. Gradação se preocuparia com os fenômenos
através dos quais algumas categorias seriam obscurecidas e alguns sentimentos
seriam ampliados.
Atitude, segundo Martin & White (2005, p. 35-36) é dividida em: afeto,
julgamento e apreciação. Afeto se refere às atitudes emocionais; julgamento diz
respeito às avaliações do comportamento humano com base em algum grupo de
normas; apreciação diz respeito à valoração de coisas (textos, objetos, fenômenos,
etc.).
A teoria da valoração é representada por Martin & White (2005, p. 38) de
forma esquematizada:
VALORAÇÃO
Monoglóssico
Engajamento
Heteroglóssico
Afeto
Atitude Julgamento
Apreciação
Força Elevado
Gradação Baixo
Foco Aguçado
Suave
Figura 2
7
Panorama geral da teoria da valoração
7
Conforme Martin & White (2005, p. 38), figura 1.18. Tradução minha. (Appraisal: engagement
monogloss/heterogloss. Atitude affect/judgement/appreciation. Graduation force/raise/lower;
focus/sharpen/soften)
32
1.2.3 Atitude
Para Martin & White (2005, p. 42), atitude é sistema de significados que
mostra como sentimentos são expressos em textos. Esse sistema trata de três
regiões semânticas que se referem aos sentimentos relacionados à emoção, ética e
aos valores estéticos. Quando a emoção está argumentativamente no centro destas
regiões, chamamos esta dimensão mais emotiva de afeto, que diz respeito aos
sentimentos positivos e negativos. Julgamento se refere à nossa aprovação ou
reprovação de comportamentos. Apreciação está relacionada a avaliações de
fenômenos semióticos e naturais, conforme sua valorização em um determinado
campo. Os significados atitudinais marcam o posicionamento do falante ou escritor
(p.43).
Segundo Martin & White (2005, p. 45), julgamento e apreciação seriam
sentimentos institucionalizados
8
. Julgamentos avaliam comportamentos (como as
pessoas deveriam se comportar ou não), muitas vezes a partir de regras apontadas
pela igreja e pelo estado. Já a apreciação está relacionada aos sentimentos
manifestados a partir do valor de coisas (algumas destas avaliações podem se dar
através de sistemas de prêmios).
1.2.3.1 Afeto
A atitude é como um sistema semântico do discurso e pode ser realizada
através de diversas estruturas gramaticais (Martin & White, 2005, p. 45). Segundo
White (2004, p.185)
A abordagem da valoração preocupa-se em mapear os domínios semânticos que operam no
discurso. Dessa forma, as categorizações utilizadas freqüentemente reúnem estruturas
gramaticais diversas dentro um único grupo semântico discursivo. O Afeto é típico nesse
sentido seus valores algumas vezes são expressos na forma de qualidades (adjetivos
Estou feliz com isso), outras na forma de processos (verbos Isso me agrada), e outras
ainda na forma de comentários adjuntos. Eles também podem ser realizados como entidades
virtuais (substantivos) através de nominalizações e.g. felicidade.
Para classificar as emo
ções, Martin & White (2005, p. 46) optaram, em seu
estudo, por fazer mapeamentos, através de oposições. Eles afirmam que esses
8
Conforme Martin & White (2005, p. 45). Tradução minha. (institutionalised feelings)
33
mapas de sentimento
9
devem ser tratados como hipóteses sobre a organização
dos significados pertinentes. Para classificar afeto, os pesquisadores decidiram
chamar o participante consciente que sofre a emoção de Emoter, e o fenômeno
responsável por aquela emoção de estímulo (trigger).
Na observação dos sentimentos presentes nas avaliações, os autores (2005,
p. 46-49) destacam que as emoções são divididas em três grupos principais, ligados
a in/felicidade, in/segurança e in/satisfação. Segundo White (2004, p186-187),
a variável in/felicidade cobre as emoções ligadas aos assuntos do coração tristeza, raiva,
felicidade e amor; a variável in/segurança cobre as emoções ligadas ao bem-estar eco-social
ansiedade, medo, e confiança; a variável in/satisfação cobre as emoções ligadas ao telos (a
busca de objetivos) tédio, desprazer, curiosidade, respeito.
1.2.3.2 Julgamento
Segundo Martin & White (2005, p. 52), os julgamentos mostram as
avaliações das atitudes das pessoas e do modo como elas se comportam. Os
autores destacam, ainda, que muitas vezes o contexto pode influenciar na
classificação de uma avaliação como positiva ou negativa, o que deve ser levado em
consideração.
Os julgamentos, conforme White (2004, p. 187), podem se referir à estima
ou à sanção social. Para o autor,
os Julgamentos de sanção social envolvem a afirmação de que alguns conjuntos de regras ou
regulamentos, codificados de forma mais ou menos explícita pela cultura, estão em jogo. Essas
regras podem ser morais ou legais, portanto os julgamentos de sanção social envolvem
questões de legalidade e moralidade. () Assim, romper uma sanção social significa correr o
risco de receber punições legais ou religiosas, daí o termo sanção. () Os Julgamentos de
estima social podem estar ligados à normalidade (até que ponto alguém é estranho ou pouco
usual), capacidade (quão capaz esse alguém é) e tenacidade (quão determinado ele é). Os
Julgamentos de sanção social têm a ver com a veracidade (quão sincero alguém é) e a
propriedade (quão ético ele é). (p. 187)
Esta divisão foi esquematizada da seguinte forma, por White
10
(2004,
p.188), que se baseou em Iedema, Feez e White, 1994
11
.
9
Conforme Martin & White (2005, p. 46). Tradução minha. maps of feelings.
10
De acordo com a figura apresentada por White (2004) na revista Linguagem em (Dis)curso, p.188.
Artigo publicado originalmente em inglês, tradução de Débora Carvalho de Figueredo.
34
Estima social
Normalidade (costume): O comportamento do indivíduo é pouco usual, especial,
comum?
Positiva [admiração] Negativa [crítica]
padrão, corriqueiro, médio; sortudo,
felizardo;
elegante, avant garde
excêntrico, estranho, dissidente;
azarado, infeliz;
cafona, fora de moda
Capacidade: O indivíduo é capaz, competente?
habilidoso, inteligente, engenhoso;
atlético, forte, poderoso;
lúcido, centrado
burro, lento, simplório;
desajeitado, fraco, sem coordenação;
insano, neurótico
Tenacidade (resolução): O indivíduo é confiável?
corajoso, valente, heróico;
confiável, responsável;
incansável, decidido, perseverante
covarde, impetuoso, cabisbaixo;
pouco confiável, irresponsável;
distraído, preguiçoso, dispersivo
Sanção Social
Veracidade (verdade): O indivíduo é honesto?
Positiva [elogio] Negativa
honesto, sincero, verdadeiro;
autêntico, genuíno;
franco, direto;
falso, desonesto;
impostor, falso;
enganador, enrolador
Propriedade (ética): O indivíduo é ético?
bom, virtuoso;
respeitador das leis, justo;
carinhoso, sensível, respeitoso
mau, imoral, lascivo;
corrupto, injusto;
cruel, mesquinho, bruto, opressor
Quadro 1. Julgamento de acordo com White (2004).
1.2.3.3 Apreciação
11
IEDEMA, R.; FEEZ,S.; WHITE,P.R.R. Media literacy. Sydney: Disadvantaged Schools Program,
NSW, Department of School Education, 1994.
35
De acordo com Martin & White (2005, p. 56), a apreciação aponta a avaliação
de coisas, produtos do trabalho humano e também fenômenos naturais e estados
das coisas. Segundo White (2004, p. 191), atribui-se
um valor (negativo ou positivo) num dado discurso ou campo de atividade. Um dos principais
sistemas utilizados para atribuir esse valor é a estética. Os sujeitos humanos também podem
ser apreciados ao invés de julgados, mas somente naqueles casos nos quais suas
qualidades estéticas estão sendo discutidas, e não a aceitabilidade social de seus
comportamentos.
Para Martin & White (2005, p.56), em geral a apreciação se refere às nossas
reações para coisas ou à sua composição. O valor dado a essas coisas dependeria
do nosso enfoque institucional: um músico poderia ser apreciado por seus fãs, por
exemplo, por sua autenticidade, já um trabalho acadêmico seria provavelmente
avaliado pela inovação (ou pela falta dela) (p. 57).
Conforme os autores (2005, p. 57), o esquema da apreciação pode ser
interpretado metafuncionalmente - com reação orientada para significação
interpessoal, composição para organização textual e avaliação para valor
ideacional
12
.
Para os autores (2005, p.58), é comum, ao se fazer uma apreciação positiva
ou negativa de algo, pensar-se também na capacidade de alguém para criar ou
executar (o que já seria julgamento). Por isso, Martin & White consideram importante
a distinção entre julgamentos de comportamento e avaliações de coisas. White
(2004, p. 192) faz também uma distinção entre apreciação e afeto:
Livro fascinante poder da obra de gerar emoções APRECIAÇÃO
Livro me fascina mexe com a emoção humana AFETO
1.2.3.4 Marcas lingüísticas
Segundo Martin & White (2005, p. 58) a realiza
ção gramatical canônica típica
da atitude se dá através de adjetivos, por isso, os autores consideram importante
12
Conforme Martin & White (2005, p. 57), tabela 2.9. Tradução minha. (reaction interpersonal,
composition textual, valuation - ideational).
36
tentar estabelecer esquemas gramaticais para tipos distintos de atitude. Para afeto,
um esquema distintivo útil, segundo eles, é um processo atributivo relacional com
um participante consciente que envolve o verbo sentir (feel).
No caso do julgamento, os autores (2005, p.59) afirmam que um processo
atributivo relacional é uma atitude ao comportamento de alguma pessoa. Já no caso
da apreciação, um processo mental que designa uma atitude sobre alguma coisa
pode ser usado como um diagnóstico.
Conforme White (2004, p.182), as três categorias avaliativas apresentam
realizações diversas, podendo ser marcadas pelo uso de adjetivos (corrupto),
advérbios (apaixonadamente), substantivos (obra prima) ou verbos (adoro).
Martin & White (2005, p.60) afirmam, ainda, que o uso do léxico muitas vezes
é flexível, especialmente quando grupos nominais constroem um participante
consciente em um papel institucional ou nomeiam um processo complexo. Nesses
casos, pode ocorrer de o mesmo léxico atitudinal ser usado para julgar ou apreciar.
1.2.3.5 Avaliações atitudinais indiretas
Em muitos casos, conforme Martin & White (2005, p. 61), a avaliação está
inscrita diretamente no discurso pelo uso de léxico atitudinal, mas nem sempre é
assim. Algumas vezes, não se pode ter um foco restritivo ao se analisar um texto
(pois nem tudo está explícito), ou o sentido presente nele não se visto em sua
totalidade. Para os autores (p. 62), seguidamente a seleção de significados
ideacionais é suficiente para invocar avaliação, até mesmo na ausência de léxico
atitudinal, sem que isso possa introduzir um elemento de subjetividade na análise.
Nesse caso, é preciso muito cuidado ao se observar, sendo extremamente
importante distinguir entre subjetividade social e indivídual - entre leitores como
respondentes idiossincráticos e comunidades de leitores posicionadas por
configurações específicas de gênero, geração, classe, etnicidade e in/capacidade
13
.
Para o analista, é difícil afirmar de que modo o texto foi lido, se de modo tático,
resistente, ou complacente. A avaliação de leitor pode ser motivada por modalidades
auxiliares de comunicação (como expressão facial, gestual, tom de voz, etc.) (p. 63).
13
Conforme Martin & White (2005, p. 62). Tradução minha. (it is important to distinguish between
individual and social subjectivity between readers as idiosyncratic respondents and communities of
readers positioned by specific configurations of gender, generation, class, ethnicity and in/capacity).
37
Conforme os autores, alguns termos, quando descontextualizados, podem
parecer não-atitudinais (p. 64). Por isso eles consideram importante que seja levado
em consideração o significado ideacional de um texto. Para Martin & White, o
significado ideacional pode ser usado não só para convidar mas também para
provocar uma resposta atitudinal em leitores. Esta é uma função da metáfora
léxical
14
. Em outros casos, a avaliação pode ser marcada no texto por palavras que
intensificam o significado de outras mais centrais.
Martin & White (2005, p. 65-67) destacam, ainda, a diferença entre os termos
que trazem impressa uma avaliação e aqueles que provocam essa avaliação no
leitor. Os autores mostram isso na figura abaixo (p.67):
inscreva
provoque
invoque
assinale
convide
disponha
Figura 3. Estratégias para inscrever e invocar atitude
15
1.2.3.6 Considerações sobre a análise
Em sua metodologia de análise, Martin & White (2005, p.71) optaram por fixar
colunas separadas para afeto, julgamento e apreciação, mostrando o item léxico-
gramátical correspondente. Para julgamento e apreciação, os autores consideram
interessante apontar a fonte da atitude (que está julgando ou está apreciando) e o
que está sendo apreciado (o que está sendo julgado e o que está sendo apreciado).
Na análise feita pelos pesquisadores, em geral é apontado como a fonte de
14
Conforme Martin & White (2005, p. 64). Tradução minha. (ideational meaning can be used not just
to invite but to provoke an attitudinal response in readers. This is one function of lexical metaphor.).
15
Conforme Martin & White (2005, p. 67), figura 2.3. Tradução minha. (inscribe invoke:
provoke/invite flag/afford)
38
avaliações os locutores e escritores. Isso só não deve ser feito se estiver claro que a
avaliação não parte deles.
Segundo os autores (2005, p. 79), em alguns exemplares textuais analisados
por eles, há pouca atitude invocada inscrita explicitamente, mas alguns
comportamentos poderiam ser vistos como sinais de afeto: segurar você em meus
braços, você provavelmente pensou que nós o tínhamos deixado para sempre
16
.
Outras vezes, um termo pode ser considerado tipicamente como marca de afeto ou
apreciação, mas, se consideramos a expressão como uma metáfora lexical,
podemos ter então um julgamento.
1.3 Engajamento
1.3.1 Perspectiva dialógica
Através do engajamento e da gradação, Martin & White (2005, p.92-93)
buscam apontar quais são os recursos lingüísticos empregados pelos escritores ao
adotar um posicionamento valorativo no texto. Para os pesquisadores, existem
diferentes possibilidades para este posicionamento, o que é feito através das
disponibilidades da linguagem. São observados os efeitos retóricos desses vários
posicionamentos e é explorado o que está em jogo quando um termo é escolhido em
lugar de outro. Os autores apontam, ainda, a aproximação de seu estudo com a
teoria de Bakhtin/Voloshinov
17
, o dialogismo e a heteroglossia que afirmam que toda
comunicação verbal, escrita ou falada, é dialógica, pois, ao falar ou escrever,
sempre se imagina ou se espera as respostas de falantes/ouvintes.
Para Martin & White (2005, p.93), esta perspectiva dialógica remete para a
relação existente entre o falante/escritor e as demais expressões lingüísticas que
ocorreram anteriormente, especialmente quando existe alguma ligação social entre
os membros de uma comunidade que compartilha os mesmos valores. A teoria da
valoração se interessa pelo grau de reconhecimento que os locutores demonstram a
16
Conforme Martin & White (2005, p. 79). Tradução minha. (to hold you in my arms / you probably
thought we had left you forever)
17
Os autores fazem referência às obras: Bakhtin, M.M. The dialogic imagination (translated by C.
Emerson & M. Holquist). Austin: University Texas Press, 1981 e Voloshinov, V.N. Marxism and
Philosophy of Languager, Bakhtinian Thought an introductory reader. S. Dentith, L. Matejka &
I.R. Titunik (trans.). London: Routledge, 1995
39
respeito de outros locutores que existiram anteriormente e também por sinais,
presentes nos textos, que apontem para possíveis respostas que seriam
esperadas dos interlocutores. Com base nisso, a teoria busca propor um esquema
sistemático de como são alcançados tais posicionamentos lingüisticamente. São
observados significados em determinado contexto e efeitos retóricos e não apenas
formas gramaticais (p. 94).
As posições de valor expressas no texto podem ser observadas, segundo
Martin & White (2005, p.94), através de marcas de modalidade, polaridade,
evidencialidade, intensificação, atribuição, concessão, e conseqüencialidade. Os
pesquisadores chamam de engajamento todas as formas e expressões lingüísticas
que apontam para o posicionamento do autor do texto. A gradação diz respeito à
forma como o locutor/escritor gradua a força da expressão lingüística ou o enfoque
da categorização pelo qual são identificados valores semânticos (p.94). As
pesquisas buscam verificar em que medida os falantes/escritores demonstram estar
mais ou menos fortemente posicionados em relação aos valores que estão no texto.
Com isso, pode-se verificar a formação comunidades de valores compartilhados e
convicções associadas a essas posições (p.94).
1.3.2 Valoração e a formação de uma comunidade de leitores
Por alinhamento/desalinhamento, Martin & White (2005, p. 95) referem-se ao
acordo/desacordo com respeito aos níveis de avaliação atitudinal e a convicções ou
suposições sobre a natureza do mundo, sua história passada, e o modo como deve
ser
18
. Para os autores, ao demonstrar sua atitude em um texto, o produtor não
estaria apenas demonstrando sua opinião, mas também convidando outras pessoas
a endossar e compartilhar com eles os sentimentos, gostos ou normas por eles
anunciadas
19
(p.95).
Outro ponto observado nas pesquisas de Martin & White (2005, p. 95) é o
modo como o texto prende a atenção de seu suposto leitor/ouvinte. Os textos seriam
construídos para leitores ideais? Como esse destinatário projetado é apresentado no
18
Conforme Martin & White, 2005, p.95. Tradução minha. (agreement/disagreement with respect to
both attitudinal assessments and to beliefs or assumption about the nature of the wold, its past history,
and the way it ought to be.)
19
Conforme Martin & White, 2005, p.95. Tradução minha. (invite others to endorse and to share with
them the feelings, tastes or normative assessments they are announcing.)
40
texto? O produtor sabe se o suposto leitor compartilha do mesmo ponto de vista? Os
estudos buscam observar se existem marcas nos textos que apontem para essas
questões.
Nessa perspectiva, os autores tratam da solidariedade presente nos textos,
que se refere ao fato de o produtor demonstrar que reconhece a existência de uma
diversidade de pontos de vista como válidos, sendo ele tolerante com esses
posicionamentos alternativos (p. 96).
White (2004, p. 193) esboça uma taxonomia dentro da qual localiza os
diferentes significados de engajamento:
20
Refutar a voz textual se posiciona contrariamente a, ou rejeita, uma posição oposta:
(negar) negação
(contrapor) concessão/ contra expectativa
Declarar ao apresentar a proposição como altamente plausível (forte, válida, crível, bem-
embasada, aceita por muitos, confiável, etc.), a voz textual se opõe a, suprime ou descarta
posições alternativas:
(concordar) naturalmente, é claro, obviamente, supostamente, etc.;
alguns tipos de perguntas retóricas
(declarar) Eu afirmo, a verdade é que, não há dúvida que..., etc.
(endossar) X demonstrou que; X convincentemente argumentou que...;
etc.
Considerar ao ancorar a proposição em uma posição subjetiva individual e incidental
textual a apresenta como apenas uma dentre um leque de posições possíveis e assim
considera ou invoca essas alternativas dialógicas:
parece que; as evidências sugerem que; aparentemente; ouvi dizer que
talvez, provavelmente, pode ser, é possível, pode/deve; alguns tipos de
perguntas retóricas.
Atribuir ao ancorar a proposição na subjetividade de uma voz externa, a voz textual a
apresenta como apenas uma dentre um leque de posições possíveis e assim supõe ou
invoca essas alternativas dialógicas:
(reconhecer) X disse que; X acredita que; de acordo com X; na opinião
de X
(distanciar) X alega que; o mito que; correm rumores que
1.3.3 Refutar e declarar
Em algumas situações, de acordo com Martin & White (2005, p.117-118),
mesmo que se abra espaço para possibilidades dialógicas, estas são direcionadas,
sendo algumas categorias excluídas. Ao refutar, alternativas dialógicas são
rejeitadas diretamente ou suplantadas, ou são representadas como não aplicáveis.
20
Artigo escrito originalmente em inglês, traduzido por Débora de Carvalho Figueiredo, publicado na
revista Linguagem em (Dis)curso v.4- 2004.
41
No caso de declarar, alternativas dialógicas são confrontadas, desafiadas,
subjugadas ou mesmo excluídas. Sobre isso, White (2004) afirma que
A op
ção final de contração dialógica é produzida pelos significados que invocam algum
enunciado anterior, ou alguma posição alternativa, para então diretamente rejeitá-la, substituí-
la, ou apresentá-la como insustentável. É óbvio que negar ou rejeitar uma posição representa
o máximo em termos de contração uma vez que, embora a posição alternativa esteja sendo
reconhecida, ela á apresentada como inaplicável o que significa que ela é confrontada de
forma direta. Esse é o campo da negação e da concessão/contra-expectativa.
As formulações que usam declarações, de acordo com Martin & White (2005,
p. 121-122), não rejeitam diretamente uma posição contrária, mas limitam as
possibilidades de diálogo. Os autores dividem o grupo das declarações em três sub-
tipos:
1. Concordar: envolve formulações que evidentemente anunciam o remetente como
um parceiro no diálogo, sendo este sócio, normalmente, o destinatário potencial do
texto. Para Martin & White (2005, p.122), esta relação de consentimento é marcada
por expressões como claro, naturalmente, não surpreendentemente, admitidamente
e certamente
21
. Cria-se uma relação de consentimento, sendo muitas vezes valores
considerados como compartilhados universalmente, ou muito amplamente, o que
exclui possibilidades de diálogo. (p.123-124).
2. Endossar: nesse caso, formulações de fontes externas são apresentadas pelo
autor como corretas, inegáveis. Segundo Martin & White (2005, p. 126), nessas
construções são usados processos verbais (ou as nominalizações correspondentes):
mostrar, provar, demonstrar, achar e apontar
22
. Dessa forma, o endosso funciona
para excluir qualquer alternativa de diálogo, por isso ele é considerado pelos autores
(2005, p.127) como um recurso de contração dialógica, o que busca levar o leitor a
um alinhamento com a posição de valor que está sendo apresentada pelo texto.
3. Pronunciar: nesta categoria, enquadram-se formulações que enfatizam a voz
autoral, intervenções autorais explícitas ou interpolações (Conforme Martin & White,
21
Conforme Martin & White, 2005, p.122. Tradução minha. (of course, naturally, not surprisingly,
admittedly and certainly.)
22
Conforme Martin & White, 2005, p.126. Tradução minha. (show, prove, demonstrate, find and point
out)
42
2005, p. 127). São expressões recorrentes: Eu combato ... , os fatos que importam
são ..., a verdade nesse assunto é ..., nós só podemos concluir que ..., vocês devem
concordar que
23
..., etc. De acordo com Martin & White (2005, p.128), tais
formulações reconhecem a diversidade dialógica do contexto comunicativo atual,
mas elas fixam o autor contra aquela diversidade e apresentam aquela voz como
desafiadora.
Quando um pronunciamento confronta o destinatário, o escritor
freqüentemente utiliza recursos dialógicos adicionais, buscando a adesão do
leitor/ouvinte, segundo Martin & White (2005, p.130). Para os pesquisadores, em
outros pronunciamentos, uma terceira opinião pode ser confrontada. Nesse caso, o
escritor e o leitor potencial se levantam contra algum adversário dialógico
(freqüentemente explorados na política e em comentários jornalísticos).
Os pronunciamentos podem ser expressos de diferentes formas, como
afirmam Martin & White (2005, p. 130-131): os autores propõe a oposição entre
taxas modais: subjetivo X objetivo e explícito X implícito.
Subjetivo
(evidentemente
anunciada)
Objetivo
(obscurecido, impessoal)
explícito
(oração matriz)
Eu acredito que ele está
mentindo
É provável que ele esteja
mentindo
Implícito
(um elemento da oração)
Ele pode estar mentindo Ele provavelmente está
mentindo
Quadro 2- Oposição entre taxas modais - adaptada de Martin & White, p.130-131
24
.
1.3.4 Contração e expansão dialógica
Seguindo Bakhtin, Martin & White (2005, p.99) empregam o termo
heteroglóssico para as expressões que reconhecem alternativas dialógicas diversas
para o texto. Já o termo monoglóssico é utilizado para os exemplos que não fazem
nenhuma referência a outras vozes e pontos de vista.
23
Conforme Martin & White, 2005, p.127. Tradução minha. (I contend..., the facts of the matter are
that..., the truth of the matter is that, we can only conclude that you must agree that)
24
Conforme Martin & White, 2005, p.130-131. Tradução minha. (I believe that hes lying/He may be
lying = subjective; Its probable hes lying/Probably hes lying = objective)
43
Para os autores (2005, p.100), a análise do engajamento deve levar em
consideração os
objetivos comunicativos que são procurados como um todo pelo texto (por exemplo, se
discute, explica, narra, reconta, registra, etc.), o papel da proposição com respeito a estes
objetivos comunicativos e a natureza da própria proposição.
25
Outro ponto a ser observado, segundo os pesquisadores, é se o texto busca
opiniões concordantes ou se ele pretende levantar uma discussão (p.100).
1.3.5 Heteroglossia
São heteroglóssicas as locuções evidentemente dialógicas. De acordo com
Martin & White (2005, p.102), os recursos dialógicos podem ser divididos em duas
grandes categorias: contração e expansão dialógica, dependendo da funcionalidade
intersubjetiva do texto. Sobre isso, White (2004, p.194) afima que
considera-se que essas várias opções permitem variações de perspectiva elas permitem
uma orientação diferente da diversidade heteroglóssica na qual o texto opera. Além disso,
elas são divididas em duas categorias gerais, de acordo com um amplo eixo de variação em
termos de funcionalidade retórica: o caracterizadas como geradoras ou de expansão
dialógica ou de contração dialógica. A diferença está no grau no qual um enunciado, por
meio de uma ou mais palavras, levanta posições e vozes dialógicas alternativas (expansão
dialógica), ou, ao contrário, age no sentido de desafiar, dispersar ou restringir o escopo
dessas posições ou vozes (contração dialógica).
Martin & White (2005, p.103) destacam que nem sempre as palavras exercem
a mesma função no texto. A influência de condições co-textuais diferentes pode
levar a variações.
1.3.6 Autoria externa
Em atribuição, Martin & White (2005, p. 111) incluem as expressões que
trazem para o texto alguma força autoral externa, utilizando-se da fala ou do
pensamento. São observados os usos de verbos de processo comunicativo (ele
25
Conforme Martin & White, 2005, p.100. Tradução minha. (communicative objectives being pursued
by the text as a whole (for example, whether it argues, explains, narrates, recounts, records,etc.), the
propositions role with respect to these communicative objectives, and the nature of the proposition
itself).
44
disse) ou verbos em que a referência ao processo mental é feita com acreditar,
suspeitar. Nessa categoria, também se incluem nominalizações (a afirmação,
acredita que) e alguns adjuntos adverbiais (de acordo com; na visão de)
26
. São
incluídas, ainda, instâncias de atribuição onde nenhuma fonte específica é apontada
- formulações muitas vezes classificadas como boatos ou rumores (p. 112).
1.3.7 A relação escritor-leitor
Na visão de Martin & White (2005, p.114), mais do que apenas classificar os
termos, é interessante que se analisem os efeitos retóricos de um enunciado em
determinado contexto. Existem textos em que o escritor/falante demonstra estar
indiferente. Para os pesquisadores (p. 115), seriam aqueles que buscam a
impessoalidade, a imparcialidade (em comparação a textos evidentemente
avaliativos). Isso permitiria ao escritor permanecer indiferente a qualquer relação de
alinhamento ou desalinhamento.
Em outros textos, o produtor busca demonstrar alta credibilidade, o que pode
ser conseguido, de acordo com Martin & White (2005, p. 116-117), com o uso de
fontes que tenham alto status em seu campo ou, como apontado por Hood (2004)
apud Martin & White, pela união da multiplicidade de fontes em defesa de
determinada idéia (ex.: a maioria dos lingüistas acredita que...
27
). A fonte externa é
usada como apoio para algum argumento do próprio escritor. Um efeito contrário
pode ser obtido se fontes de baixa credibilidade forem empregadas no texto.
1.4 Gradação
A gradação se refere às marcas avaliativas apresentadas no texto através de
escolhas em uma escala, a gradabilidade dos significados atitudinais, segundo
Martin & White (2005, p. 135). Para os autores, os valores positivos ou negativos de
afeto, julgamento e apreciação podem ser construídos em maior ou menor grau,
apontando para um baixo, médio ou alto grau de comprometimento do produtor em
26
Exemplos adaptados de Martin & White, 2005, p.111. Tradução minha. (he said/ believe/ suspect -
assertion that/he belief that/ according to/ in xs view)
27
Conforme Martin & White, 2005, p.116. Tradução minha. (most linguists believe that...)
45
relação a seu texto. Também no engajamento é observada a gradabilidade da
avaliação.
Exemplo
28
:
Baixo grau Médio grau Alto grau
Julgamento jogador competente jogador bom jogador brilhante
Afeto ligeiramente chateado muito chateado extremamente chateado
Apreciação atraente Bonito primoroso
Quadro 3- Gradação, baseada na tabela 3.4 de Martin & White (2005, p.136).
Em suas análises (2005, p.216), os autores apontam exemplos que
carregariam fortes emoções negativas, o que seria um sinal de grau alto de
compromisso
29
em relação ao posicionamento defendido pelo autor.
Conforme Martin & White (2005, p. 137), a gradação opera através de dois
eixos escalares força graduar de acordo com intensidade ou quantia, e foco
graduar de acordo com a característica e a precisão.
1.4.1 Foco
De acordo com Martin & White (2005, p.137), foco se aplica tipicamente a
categorias que, quando vistas de uma perspectiva experiencial, não podem ser
colocadas em escala.
Por exemplo,
Eles não tocam jazz real.
Eles tocam um tipo de jazz
30
.
Da perspectiva experiencial, jazz é uma categoria distinta, dentro de uma
taxonomia de tipos de música, definida por várias propriedades. Porém, é
reconstruída de acordo com uma semântica interpessoal que leva em conta o
desempenho musical (Martin & White, 2005, p.137-138).
O efeito retórico da gradação varia de acordo com o valor estar sendo
aguçado ou suavizado. A voz do autor apontará para posições de valor (positivas ou
28
Conforme Martin & White, 2005, p.136 (Tabelas). Tradução minha (competent player/good
player/brilliant player contentedly/happily/ecstatically attractive/beautiful/exquisite I suspect/I
believe/ I am convinced).
29
Conforme Martin & White, 2005, p.216. Tradução minha. (high degree of commitment).
30
Conforme Martin & White, 2005, p.137. Tradução minha. (they dont play real jazz / they play jazz,
sort of.)
46
negativas). Para Martin & White (2005, p.139), quando é suavizado um termo
negativo, o escritor parece oferecer um gesto conciliatório para manter solidariedade
com visões contrárias. quando o termo suavizado é um positivo, o efeito não é
tão direto.
1.4.2 Força
De acordo com Martin & White (2005, p.140) a força se refere ao grau de
intensidade e à quantidade. Avaliações de grau de intensidade podem operar sobre
qualidades, processos ou sobre modalidades verbais de probabilidade, usualidade,
inclinação e obrigação. Os pesquisadores empregam o termo intensificação para se
referir a este escalamento de qualidades e processos. Avaliações de quantidade se
aplicam a entidades, não a qualidades e processos.
1.4.2.1 Intensificação
A intensificação se divide em duas grande classes lexicogramaticais:
isolamento e introdução, conforme Martin & White (2005, p.141).
Isolamento: quando na escala de alto/baixo é percebido por um item isolado.
Exemplo: um pouco miserável, bastante miserável, extremamente miserável
31
.
Introdução: não nenhuma forma léxica separada que carregue a sensação de
intensificação. Para Martin & White (2005, p.144-145), o escalamento vem como um
aspecto do sentido de um termo.
Exemplo:
Qualidade - contente, feliz, jovial
Processo - isto me inquietou, isto me surpreendeu,
Modalidade - possível, provável, certo
32
31
Conforme Martin & White, 2005, p.141 (exemplos). Tradução minha. (somewhat miserable, fairly
miserable, extremely miserable.)
32
Conforme Martin & White, 2005, p.144 (exemplos). Tradução minha. (contented, happy, joyous /
this disquieted me, this startled me, this frightened me, this terrified me / possible, probable, certain)
47
De acordo com Martin & White (2005, p. 144), a intensificação também pode
ser percebida por repetição:
Do mesmo artigo léxico: Isto está quente quente quente
33
.
Uso de termos que são semanticamente próximos ou relacionados: De fato ele
provavelmente era o mais imaturo, irresponsável, infame e enganoso...
34
A intensificação aplicada a processos é um pouco mais complexa, segundo
Martin & White (2005, p.145). Enquanto qualidades (adjetivos e advérbios) são
graduáveis por meio de intensificadores gramaticais (como ligeiramente, bastante,
muito
35
), este não é o caso com processos. Apenas um pequeno grupo é
gramaticalmente escalável: verbos de afeto e também subconjuntos semânticos.
Muitos outros tipos de processos não são escaláveis por estes meios,
conforme Martin & White (2005, p. 145). Em inglês não é possível escalar a
intensidade da ação descrita por um verbo de movimento por meio de tais advérbios
gramaticais. O mesmo ocorre com a maioria dos verbos de percepção:
Exemplos: *A água molhou levemente.
*Ele assistiu muito ao desfile.
36
Nesses casos, o escalamento se dará de acordo com a semântica específica
de cada verbo, conforme os autores (2005, p. 146):
A água fluiu lentamente.
Ela assistiu atentamente
37
.
1.4.2.2 Quantificação
Quantificação envolve escalas com respeito à quantidade (tamanho, peso,
força, número), extensão, (tempo e espaço) e proximidade (tempo e espaço),
33
Conforme Martin & White, 2005, p.144 (exemplos). Tradução minha. (Its hot hot hot.)
34
Conforme Martin & White, 2005, p.145 (exemplos). Tradução minha. (In fact it was probably the
most immature, irresponsible, disgraceful and misleading...)
35
Conforme Martin & White, 2005, p.145 (exemplos). Tradução minha. (slightly, rather, very)
36
Conforme Martin & White, 2005, p.145 (exemplos). Tradução minha. (*The water slightly flowed. /
*He greatly watched the passing parade)
37
Conforme Martin & White, 2005, p.146 (exemplos). Tradução minha. (The water flowed slowly / The
watched intently.)
48
conforme Martin & White (2005, p.148-149). Entidades concretas ou abstratas
podem ser quantificadas.
Freqüentemente, de acordo com os autores (p.149), entidades abstratas
carregarão significados atitudinais. Por exemplo:
(afeto) Eu tenho muitas preocupações sobre seu desempenho.
(julgamento) Ele é adquiriu um grande talento para tocar guitarra.
(apreciação) As muitas belezas do vale do Nilo
38
.
Para Martin & White (2005, p.150), algumas vezes há uma diferença sutil de
significado entre a taxa de algum comportamento, como, por exemplo, um
desapontamento enorme (quantificação) em lugar de desapontado imensamente
(intensificação)
39
. Porém, para os pesquisadores, é necessário reconhecer a
natureza metafórica deste tipo de quantificação. Conforme os autores, em algumas
análises pode ser útil identificar instâncias de intensificação como quantificação ou
quantificação como intensificação (p.150).
Conforme Martin & White (2005, p. 152), a força (intensificação e
quantificação) interage com a atitude para aumentar ou diminuir o 'volume' daquela
atitude. Isso estaria associado aos efeitos de alinhamento e solidariedade. Com um
escalamento para cima, o escritor demonstra comprometimento máximo com a
comunidade de valor que está sendo defendida.
1.5 Motivação e Ethos
1.5.1 Motivação
Um questionamento inicial que motivou este estudo é o que leva tantas
pessoas a escreverem cartas do leitor. Segundo Meurer (1997, p. 18):
38
Conforme Martin & White, 2005, p.149-150 (exemplos). Tradução minha. (I have many worries
about your performance. / Hes got a great talent for playing the guitar. / The many beauties of the Nile
valley.)
39
Conforme Martin & White, 2005, p.150. Tradução minha. (huge disappointing/hugely disappointing).
49
O primeiro passo para a produção de um texto acontece a partir de uma determinada
motivação () de maneira geral, a motivação para o surgimento de um texto acontece como
resultado da interação dos seguintes componentes: 1) desejos, necessidades ou conflitos
gerados a partir da história discursiva individual de cada pessoa e 2) necessidades, conflitos ou
diferenças gerados dentro dos diferentes discursos institucionais
40
.
Por suas idéias polêmicas, muitas vezes contrárias ao senso comum, alguns
autores despertam o interesse de dezenas de pessoas, que semanalmente enviam
seus comentários às revistas ou aos jornais, concordando ou não com suas
opiniões. De acordo com Abreu (2000, p. 31) “…essas pessoas, em um primeiro
instante, se tornam alvo da incompreensão da massa que defende o senso comum.
Em muitos casos, articulistas provocam a admiração ou a ira de tantas pessoas, por,
diversas vezes, seus textos causarem estranhamento, definido, especialmente no
formalismo russo, segundo Abreu (2000, p. 32) como a capacidade de tornar novo
aquilo que já se tornou habitual em nossas vidas. Nas cartas, os leitores, em geral,
mostram opiniões contrárias ou favoráveis às dos articulistas.
1.5.2 Ethos
Cada vez que a linguagem é utilizada, tanto em um texto escrito quanto em
um relato oral, uma imagem de quem está falando ou escrevendo é construída. Para
Amossy (2005, p. 9), isso acontece sem que seja necessário que o locutor faça seu
auto-retrato, detalhe suas qualidades nem mesmo fale explicitamente de si.
Segundo a autora, essa imagem vai sendo construída a partir do estilo do autor, das
suas competências lingüísticas e também de seus conhecimentos enciclopédicos, o
que leva o produtor de um discurso a efetuar uma apresentação de si. Conforme
Amossy (p.9), essa apresentação nem sempre ocorre de forma engenhosa, ela pode
se dar até nos contatos pessoais diários mais simples. Essa imagem, quando
construída de forma a buscar sucesso oratório, era chamada pelos antigos, segundo
a autora, pelo termo ethos (2005, p.10).
Segundo Amossy (2005, p. 12), as pesquisas sobre o as imagens de si no
discurso ganharam força com os estudos do sociólogo Erving Goffman. De acordo
40
Segundo Meurer (1997, p.21), os discursos institucionais dizem respeito ao conjunto de princípios
expressos através de textos que indicam ou regulam o que é aceito (ou não) pelas diferentes
instituições. () A história discursiva de cada escritor diz respeito às experiências individuais de cada
pessoa.
50
com Goffman apud Amossy, em todas as interações sociais as pessoas mostram,
voluntária ou involuntariamente certa impressão de si mesmos que contribui para
influenciar seus parceiros do modo desejado. Para este estudioso, as pessoas
estariam desempenhando papéis, e o papel social dos indivíduos influenciaria esse
desempenho: a apresentação de si uma vez que é inerente a toda troca verbal e
submetida a uma regulamentação sociocultural, ela supera largamente a
intencionalidade do sujeito que fala e age (2005, p.13).
O termo ethos, conforme Amossy (2005, p. 14), é empregado pela primeira
vez na teoria polifônica de Oswald Ducrot, na pragmática semântica. Para essa
teoria, de acordo com a autora, é importante não confundir as instâncias internas do
discurso, que são ficções discursivas, com o ser empírico que se situa fora da
linguagem. Amossy faz ainda uma relação entre Ducrot e Aristóteles, afirmando que
O recurso à noção do ethos para designar a imagem do locutor como ser do discurso não é
menos interessante uma vez que é efetivamente bastante próximo da concepção aristotélica, e
constitui um ponto de encontro fecundo entre duas teorias divergentes da argumentação. No
entanto, Ducrot não desenvolveu sua reflexão sobre o ethos. (2005, p. 15)
Outro pesquisador a desenvolver os estudos sobre o ethos foi Dominique
Maingueneau, que articulou essa noção à de cena de enunciação. Segundo Amossy
(2005, p. 16), no conjunto, -se que a análise do discurso segundo Maingueneau
retoma as noções de quadro figurativo apresentadas por Benveniste e de ethos,
proposta por Ducrot, dando-lhes expansão significativa.
Em outra retomada dos antigos, Amossy (2005, p. 17) relaciona a visão de
ethos de Aristóteles (imagem de si construída no discurso) e dos romanos (um
dado preexistente que se apóia na autoridade individual e institucional do orador).
Para a retórica clássica, segundo a autora (p.18), o ethos era conhecido por
caracteres oratórios e deveria ser distinguido dos caracteres reais. De acordo com
Le Guern apud Amossy (2005, p.19) a eficácia do discurso deriva claramente dos
caracteres oratórios e não dos caracteres reais.
No caso das pesquisas em retórica, Amossy menciona os estudos de Chaïm
Perelman, cuja obra faria menção ao ethos ao relacionar o interesse do orador por
sua platéia, ao buscar construir uma imagem confiável de sua própria pessoa, em
função das crenças e valores que ele atribui àqueles que o ouvem (2005, p.19).
51
Relacionando ethos e teoria da narratologia, surge a questão da credibilidade
do narrador. De acordo com Halsall apud Amossy (2005, p. 21), o processo
comunicativo estaria fundado em uma confiança mínima existente entre os
participantes e caberia a uma retórica narrativa a determinação de como a
enunciação contribui para criar, no enunciatário, uma relação de confiança fundada
na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencer. Para essa
perspectiva, um narrador enganador poderia conferir indefinição sobre sua
confiabilidade e, por isso, sobre a confiabilidade do sentido do enunciado.
Das idéias de Bourdieu, Amossy traz a noção de ethos prévio, que seria a
imagem feita pelo auditório no instante em que o locutor toma a palavra. Segundo
Amossy (2005, p.26), Bourdieu propõe uma reinterpretação da noção de ethos no
quadro do conceito de habitus (conjunto das disposições duráveis adquiridas pelo
indivíduo durante o processo de socialização).
Em se tratando de ethos, Eggs (2005, p.30) faz um paralelo entre dois
campos semânticos considerados opostos: um, de sentido moral e fundado na
epieíkeia, engloba atitudes e virtudes como honestidade, benevolência ou eqüidade;
outro, de sentido menos neutro ou objetivo de héxis, reúne termos como hábitos,
modos e costumes ou caráter. Eggs mostra, em sua discussão, que estas duas
concepções não são contrárias, mas sim são dois lados necessários para toda
atividade argumentativa.
Eggs (2005, p.30), discute outro ponto em relação ao ethos: com exceção de
Dominique Maingueneau (que usa o termo ethos), ele está presente em várias
teorias atuais, mas com a utilização de outra nomenclatura.
os vestígios de ethos estão realmente presentes na pesquisa moderna, freqüentemente
escondidos, ou melhor, rechaçados para outras problemáticas seja como condição de
sinceridade, na teoria dos atos de linguagem de Searle, como princípio de cooperação ou
como máximas conversacionais em Grice, seja como máximas de educação, de modéstia ou
de generosidade, em Leech e em outros autores. Basta ler as passagens sobre a adaptação
do orador ao seu auditório ou sobre a pessoa e seus atos ou sobre o discurso como ato do
orador em Perelman, para se dar conta de que o ethos está sempre presente como realidade
problemática de todo discurso humano (Eggs, 2005, p.30).
Nos estudos lingüísticos atuais, poucas referências ao ethos. Nas
pesquisas de John Searle, segundo Eggs (2005, p.44), encontramos a discussão
sobre a sinceridade, que é uma qualidade do ethos. Em Searle apud Eggs, há a
discussão de promessa sincera e não sincera. em Grice apud Eggs, poderia-se
52
encontrar referências à sinceridade nas máximas conversacionais. Na teoria da
polidez, de Leech apud Eggs (p.46), poderia ser encontrada uma complementação
às máximas de Grice.
Na discussão sobre sinceridade, um destaque para a ironia. Em Leech
apud Eggs (p.47), distingue-se o princípio da ironia e o da implicância: Para Leech,
o discurso irônico permite respeitar no plano do explícito o princípio da polidez sem,
no entanto, negar o princípio da cooperação, uma vez que se diz o que é preciso
dizer no plano do implícito.
O ethos, de acordo com Eggs (2005, p.31), é mostrado no discurso através
das escolhas feitas pelo orador. O autor aponta, a partir da retórica de Aristóteles,
quais são as qualidades para que um discurso inspire confiança: Os oradores
inspiram confiança, se seus argumentos e conselhos são sábios e razoáveis, se
argumentam honesta e sinceramente, e se são solidários e amáveis com seus
ouvintes (2005, p.32). Para que se chegue a um discurso ideal, Eggs destaca a
importância de se encontrar um ponto de equilíbrio, que foi chamado, na Ética a
Nicômano, como uma disposição adquirida para encontrar a justa medida (p.34).
Esse ponto de equilíbrio é mostrado por Eggs em forma de esquema
41
:
covardia
avareza
coragem
generosidade
temeridade
prodigalidade
falta meio
virtude
excesso
Quadro 4. Ethos- Ponto de equilíbrio
Conforme Eggs (2005, p.38), o orador precisa encontrar os argumentos
adequados ao auditório para que um discurso seja verdadeiro e justo. Mas isso não
significa que deva ocorrer manipulação, que haja uma aparência de honestidade,
mas sim que o discurso deve apresentar-se honesto e sincero para que o
verdadeiro e o justo se imponham. O autor afirma, ainda (p.39), que é necessário
que o ethos se mostre próprio à idade do orador e à situação social em que se
encontra, adaptando o discurso ao auditório, realizando, assim, um ethos neutro ou
ethos objetivo. Com base nisso, Eggs conclui que
41
Adaptado de Eggs (2005, p.34)
53
não se pode realizar o ethos moral sem realizar ao mesmo tempo o ethos neutro, objetivo ou
estratégico. É preciso agir e argumentar estrategicamente para poder atingir a sobriedade
moral do debate. Essas duas faces do ethos constituem, portanto, dois elementos essenciais
do mesmo procedimento: convencer pelo discurso (2005, p.39).
1.5.2.1 Ethos, logos, pathos
A partir da Retórica de Aristóteles, Eggs (2005, p.40) procura ressaltar a
importância do ethos diante do logos e do pathos. É destacada a importância do
ethos do orador, da disposição do ouvinte e do discurso em si como provas
fornecidas pelo discurso. O autor destaca que
o logos convence em si e por si mesmo, independentemente da situação de comunicação
concreta, enquanto o ethos e o pathos estão sempre ligados à problemática específica de uma
situação e, sobretudo, aos indivíduos concretos nela implicados (2005, p.41).
Eggs (2005, p.41-42) lembra também que a importância dessas três provas
dependerá do gênero textual em que o discurso se insere. Nenhuma das três deve
ser excluída, uma vez que todas são levadas em consideração pelo auditório. Para o
autor, o ethos seria uma condensação específica dessas três dimensões, podendo,
portanto, ser considerada a mais importante das provas.
1.5.2.2 Ethos e retórica
Para Dascal (2005, p.57), a Retórica de Aristóteles é uma obra cuja unidade
parece problemática. Uma incompatibilidade apontada por Dascal seria a relação
entre ethos, pathos, logos e a argumentação. Conforme o autor, a partir da teoria
aristotélica, ethos e pathos deveriam ser vistos fora da ordem argumentativa, uma
vez que os argumentos (compostos por proposições) visam a levar o público a
adotar certas crenças. Nessa perpectiva, a função do ethos seria engendrar no
público uma disposição em relação ao orador, e, no caso do pathos, suscitar um
estado emocional. Nem ethos nem pathos tem, em sua composição, proposições
ou crenças, o que faria com que ambos estivessem fora do domínio argumentativo-
cognitivo, de acordo com o pesquisador. Porém, para Dascal, parece
54
possível recuperar a unidade retórica aristotélica sem excluir dela o ethos e o pathos ()
gostaria de mostrar que a prova pelo ethos se funda em processos inferenciais, ou seja,
cognitivos, que não são em substância diferentes dos processos pragmáticos normais de
interpretação de enunciados. (2005, p.58)
Dascal (2005, p.60) discute uma questão problemática em relação ao ethos
na argumentação: o caráter projetado, que influenciaria a plausibilidade e a
aceitabilidade do argumento. Isso seria um problema para a argumentação, uma
vez que ocorre através de um canal não discursivo que não tem, aparentemente,
nada a ver com as noções de prova ou de argumento. Essa dificuldade ocorre
porque se dá uma
influência indireta do caráter projetado que tem, além disso, em geral, mais força que a
tematização explícita do caráter,, na medida em que essa sugere a possibilidade de seu
questionamento, enquanto aquela o faz passar por natural.
Como o que se diz sobre o caráter não é proposicional, segundo Dascal
(2005, p.60), não suscita questionamentos que normalmente ocorrem quanto à
veracidade das proposições e quanto à força argumentativa,
De acordo com Dascal (2005, p.61), a eficiência da argumentação pelo ethos
consistiria na absorção da informação sobre o caráter e o no fato de ela ser
admitida pelo auditório. Esse processo se daria de modo diferente das formas
cognitivas típicas das argumentações, o que sugere a prova pelo ethos. Mas Dascal
faz uma ressalva: se a avaliação do auditório é afetada pelo caráter projetado do
orador e se as propriedades do caráter são importantes para a avaliação de uma
argumentação quando explicitamente tematizada, não haveria nenhuma justificativa
para considerar inválida a força do argumento e sua importância quando o são
tematizadas, mas apenas projetadas pelo locutor e absorvidas pelo auditório. Em
ambos os casos a credibilidade do locutor afeta a plausibilidade de seu argumento.
A contribuição do ethos para qualquer ato discursivo, conforme Dascal (p.62),
dar-se-ia de forma direta (não tematizada) no sentido de que ela é estabelecida
sem ser mencionada. É destacada pelo autor a importância dos
casos em que não se invocam explicitamente as propriedades de caráter, mas em que é mais
o comportamento (discursivo ou não discursivo) do locutor que aumenta ou diminui o grau de
confiança, de especialidade, de honestidade etc. que lhe é atribuído (2005, p.63).
55
Nesse caso, a informação sobre o caráter do locutor seria apreendida de seu
comportamento, através de inferências feitas pelo auditório. A esse processo Dascal
dá o nome de proposicionalização, feita a partir de premissas a respeito do caráter
veiculadas implicitamente pelo comportamento (p.63). Por outra perspectiva,
haveria uma tentativa de preservar o caráter não-proposicional ou quase-
proposicional da informação sobre o caráter transmitida pelo comportamento. O
auditório absorveria essa informação sem transformá-la em premissa, sendo ela
percebida sem ser inteiramente definida’”, segundo Dascal (2005, p.64). As
atitudes de determinada pessoa seriam captadas a partir de seu comportamento, o
que levaria o auditório a escolher um esquema de interpretação adequado. Para o
autor, ao menos parte do caráter projetado pelo locutor é captada mais que
conceitualizada ou proposicionalizada; ela condiciona o esquema interpretativo que
será aplicado, não depende dele. Isso teria forte influência na credibilidade do
discurso.
Segundo Dascal (2005, p.64-65), o auditório poderia ser fortemente
influenciado por um input pré-proposicional, que o levaria não à determinada
interpretação do discurso mas também à preferência de certos valores aos invés de
outros. Esse preconceito levaria a determinados julgamentos, muitas vezes
indevidos. Para Dascal
o car
áter assim construído consiste, por um lado, em um conjunto de proposições que podem
ser objeto de crenças no que ele não se distingue de outros estados cognitivos. Mas sua
construção depende, por outro lado, do modo como o discurso ou o comportamento não-
discursivo do orador é captado pelos cidadãos, à luz de seus desejos, preocupações,
crenças e, mesmo, de seus preconceitos. Uma vez construído e aceito, esse caráter
preenche uma função na formação de uma disposição ou de uma predisposição favorável ou
contrária ao orador. Ela determina o valor da credibilidade, isto é, o peso maior ou menor que a
função de credibilidade atribuirá à plausibilidade de seus argumentos. (2005, p.66)
Com base nos pressupostos teóricos vistos, este estudo pretende observar a
relação existente entre escritor-leitor, ambos parte de uma comunidade. O trabalho
busca verificar de que modo os sentimentos são compartilhados nessa relação e
como isso se manifesta lingüisticamente.
A seguir, apresentaremos a metodologia empregada neste estudo.
56
CAPÍTULO 2: METODOLOGIA
Neste capítulo, apresentamos os critérios para a seleção do corpus e os
passos empregados na análise dos textos.
2.1 Constituição e seleção do corpus
Como corpus para este estudo, inicialmente, foram selecionadas todas as
edições da revista Veja do ano de 2004. Dentre os diferentes gêneros da publicação,
o artigo de opinião e a carta do leitor foram escolhidos, tendo por objetivo analisar a
formação de uma comunidade de leitores.
Dos artigos de opinião da revista, selecionamos aqueles escritos pelo
colaborador Diogo Mainardi, bem como as cartas do leitor enviadas à redação da
revista durante o ano de 2004 comentando os textos do articulista. Para termos um
panorama geral da temática dos textos, todos eles foram lidos e organizados por
assunto.
Além das análises textuais, foi feita uma pesquisa sobre a revista Veja e seu
colaborador Diogo Mainardi. Através de publicações da própria revista e de
reportagens e entrevistas de outros meios, procuramos conhecer um pouco da vida
do polêmico articulista, a fim de sabermos mais sobre sua imagem e sobre a visão
que os leitores têm dele. Com base em dados da revista Veja e da editora Abril,
investigamos, ainda, o leitor da revista, o outro elo da relação autor-leitor que
buscamos para apontar a formação da comunidade de leitores.
A primeira edição de Veja é de 11 de setembro de 1968. De acordo com o
Perfil de Veja, atualizado em 01/11/2002, enviado via e-mail pela redação da revista,
a publicação está subdividida, atualmente, em editorias: Brasil, Internacional,
Economia e Negócios; Artes e Espetáculos e Geral. Há seções como Radar, Veja
essa, Gente, Cartas, Holofote e Contexto e Guia.
Ainda de acordo com o Perfil apresentado pela editoria de Veja, a revista
também conta com a colaboração de alguns articulistas fixos. O economista Claudio
de Moura Castro, o historiador o administrador Stephen Kanitz e a escritora Lya Luft
se revezam na coluna Ponto de Vista. O economista Gustavo Franco e o cientista
político Sérgio Abranches alternam-se na coluna Em foco. Diogo Mainardi tem uma
57
coluna semanal com o seu nome, no caderno de Artes e Espetáculos. A coluna
Ensaio encerra a revista e é assinada pelo jornalista Roberto Pompeu de Toledo,
editor especial de VEJA.
Qualquer pessoa pode entrar em contato com a revista, desde que se
identifique: as cartas devem trazer a assinatura, o endereço, o número da cédula de
identidade e o telefone do autor. Além disso, a seção Expediente informa ainda que
por motivos de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas
resumidamente.
A coluna de Diogo Mainardi é, em muitas semanas, um dos assuntos mais
comentados da revista. Como exemplo:
Título da coluna Data da publicação Cartas recebidas
O pior é melhor 28-01-2004 224
Coliformes acrobatas 11-02-2004 81
Meu conselho ao presidente 24-03-2004 147
O diogomainardismo 16-06-2004 83
Quadro 5 Assuntos mais comentados da revista
Sabemos que as cartas do leitor, muitas vezes, sofrem transformações em
sua composição textual para serem publicadas nas revistas. Para este trabalho, as
cartas do leitor serão observadas na forma em que se apresentam na revista Veja,
sem levar em consideração possíveis modificações que os textos originais possam
ter sofrido. Este trabalho tem por objetivo analisar o uso da linguagem na interação
colunistaleitor. Não buscamos, neste estudo, observar ou julgar ideologias
defendidas por uma ou outra das partes envolvidas nessa interação.
Para selecionar o corpus, inicialmente, foram separadas todas as cartas do
leitor referentes às colunas de Diogo Mainardi publicadas na revista Veja no ano de
2004, totalizando 85 textos. Como as cartas respondem às produções de Mainardi,
foram observadas, também, todas as colunas do ano de 2004, totalizando 51 textos.
Deste grupo, 15 artigos foram eliminados, pois não foram publicadas cartas
comentando os assuntos deles.
Na seleção do corpus, (cartas e colunas), primeiramente, utilizamos um
programa computacional, para termos uma visão geral das palavras empregadas na
constituição dos textos, em busca de itens lexicais expressivos, uma vez que a
58
linguagem avaliativa de um texto é apontada pelo uso de adjetivos, advérbios,
substantivos ou verbos. Já as manifestações de primeira pessoa estariam indicando
marcas claras do ethos do produtor. De acordo com Sardinha (1999, p.1 e 2), o
computador está presente no meio profissional há mais de 40 anos, mas na área da
linguagem, ele ainda é pouco utilizado. Segundo o autor
a maioria dos estudos da linguagem ainda se faz em cima de pequenas quantidades de dados,
coletados, mantidos e analisados à mão. (...) As razões para esta escassez do computador na
pesquisa lingüística são várias. Uma delas é a falta de conhecimento dos instrumentos
disponíveis. Muitos pesquisadores acatam com prazer o computador e software de análise
quando mostrados como utilizar ferramentas computacionais na sua pesquisa acadêmica.
Para Sardinha (1999, p.2), há muitas vantagens no uso de programas
computacionais em análise de linguagem. Uma delas seria que os computadores
não se cansam, e assim podem fazer tarefas tediosas. De acordo com o
pesquisador, O exame de um corpus de 1 milhão de palavras é uma tarefa quase
impossível para o ser humano, mas para um computador, mesmo do tipo pessoal de
mesa, é algo que se faz em poucos segundos.
No caso deste estudo, o programa computacional escolhido foi o TextSTAT,
software livre desenvolvido pelo Prof. Dr. Matthias Hüning, da Freie Universität
Berlin. Dentre as vantagens do uso deste software, está a compatibilidade com o
uso do Microsoft Office Word e também OpenOffice (este último também livre,
utilizado em muitas instituições brasileiras). Ao baixar o software para o computador,
o que é feito a partir de uma página da internet, de forma bastante rápida e simples,
são apresentadas as instruções:
TextSTAT is a simple programme for the analysis of texts. It reads ASCII/ANSI texts (in different
encodings) and HTML files (directly from the internet) and it produces word frequency lists and
concordances from these files. This version includes a web-spider which reads as many pages
as you want from a particular website and puts them in a TextSTAT-corpus. The new news-
reader puts news messages in a TextSTAT-readable corpus file.
TextSTAT now reads MS Word and OpenOffice files (OOo 1 (.sxw) and 2 (.odt)). No
conversion needed, just add the files to your corpus...
In TextSTAT you can use regular expression which provides you with powerful search
possibilities. The programme is multilingual. Because it uses Unicode internally, TextSTAT can
cope with many different languages and file encodings. The user interface comes in three
languages: English, German, and Dutch.
(
)
TextSTAT is free software. It may be used free of charge and it may be freely distributed
provided the copyright and the contents of all files, including TextSTAT.zip itself, are unmodified.
Commercial distribution of the programme is only allowed with permission of the author. Use
TextSTAT at your own risk; the author accepts no responsibility whatsoever. The sourcecode
version comes with its own license.
59
(http://www.niederlandistik.fu-berlin.de/textstat/software-en.html)
Inicialmente, os grupos de textos (cartas e colunas) foram analisados com a
ferramenta Word Forms, do programa TextSTAT. Este recurso organiza uma lista de
palavras, mostrando o número de vezes que cada uma delas apareceu no arquivo.
No caso deste trabalho, optamos pela ordem de recorrência das palavras
frequency - (pode-se optar também pela ordem alfabética de duas formas:
alphabetically ou retrograde palavras em ordem alfabética ou ordem alfabética
inversa, começando pelo final da palavra).
Para organizar as listas de palavras, foram salvos dois arquivos: um de cartas
e um de colunas, excluindo-se título, subtítulos, remetente das cartas, endereços,
etc., para que somente os textos propriamente ditos fossem analisados.
Uma vez feita a listagem de palavras, Word Forms, as listas foram analisadas
para que fizéssemos uma escolha de itens lexicais relevantes para dar continuidade
aos passos de análise. Além dos vocábulos mais recorrentes (preposições,
conjunções, artigos, etc.), a comparação das listas nos apontou para algumas
escolhas: no caso das colunas de Diogo Mainardi, como a intenção é observar as
principais marcas de ethos do colunista, a palavra escolhida foi eu (que foi listada na
forma eu e Eu pelo programa). Já no caso das cartas do leitor, como buscamos
verificar as opiniões dos leitores sobre Diogo Mainardi, selecionamos as palavras
Diogo e Mainardi. Nas 36 colunas, o vocábulo eu surgiu 20 vezes com inicial
maiúscula e 11 com maiúscula. Já nas cartas, encontramos 90 recorrências do item
Mainardi e 61 de Diogo.
Feitas as escolhas, uma segunda ferramenta do programa TextSTAT pode
ser utilizada: corcordance, que faz uma seleção de frases em que a palavra
apontada aparece. Deve-se determinar com quantos caracteres antes e depois da
palavra selecionada se quer trabalhar (empregamos, nesta busca, 100 caracteres
antes e 100 depois da palavra).
Ex.:
ente em propaganda, para persuadir o eleitorado pobre de que ele está trabalhando
pelos pobres. Que EU saiba, nenhum governo do mundo gasta tanto em propaganda
quanto o nosso. Um bilhão e meio de reais
(fragmento da coluna Pobre é bom negócio, de Veja, 14-07-2004)
60
Após fazer a listagem de frases com o uso de concordance, ao se clicar duas
vezes com o mouse sobre a palavra que está em determinada sentença, o programa
mostra o contexto em que a palavra apareceu, mostrando a frase em vermelho e as
demais ao seu redor em preto. A partir dessas frases e, algumas vezes do contexto
maior em que ela se insere (que mostra mais claramente a temática), conseguimos
identificar a qual coluna ou carta o vocábulo pertence. Com isso, verificamos que,
das 36 colunas, o item lexical eu foi usada em 13 delas, sendo, então, a partir de
agora, apenas estas as analisadas (algumas vezes a palavra eu apareceu mais de
uma vez nessas colunas). Em duas das colunas observadas o pronome Eu/eu não
se referia a Mainardi.
No caso das cartas do leitor, conforme mencionado, optamos por trabalhar
com as que se referiam diretamente ao colunista, utilizando Diogo ou Mainardi
(ou ainda Diogo Mainardi) e se referissem às 13 colunas anteriormente
selecionadas, o que pareceu bastante produtivo, uma vez que buscamos observar a
interação escritor-leitor.
2.2 Passos de análise
Com o corpus delimitado, passamos então à organização da análise. Para
melhor situar os textos que julgamos sinalizarem a formação de uma comunidade de
leitores, consideramos que é necessário partir do contexto da produção destes. A
partir da noção de prática discursiva, de Fairclough e de campo, relação e modo, de
Halliday, procuramos conhecer melhor os participantes da interação escritor-leitor,
bem como o veículo responsável pela veiculação dos dois textos: a revista Veja.
Para uma observação mais produtiva da relação autor-leitor, optamos por
organizar três grupos de textos, cada um constituído por uma coluna e as cartas que
mostram as manifestações dos leitores sobre ela. Do grupo de treze textos, reunidos
a partir da seleção feita com o uso do programa computacional, três exemplares,
considerados bastante significativos para a análise, foram selecionados. Em
resposta a esses três textos, foram publicadas em Veja 10 cartas
42
do leitor, as quais
são utilizadas na análise. Optamos, ainda, por formar um quarto grupo, composto
42
Algumas das cartas referentes aos textos escolhidos não continham os vocábulos Diogo/Mainardi,
mas foram mantidas nos grupos para que estes permanecessem tal como foram publicados na
revista.
61
por uma coluna escrita em resposta a comentários de leitores sobre diferentes
assuntos e uma carta do leitor que foi publicada sobre ela.
De cada um dos três primeiros grupos, analisamos separadamente cartas e
coluna, julgando ser o artigo de Diogo Mainardi o estímulo para a escrita das cartas
do leitor. Cada coluna foi analisada parágrafo a parágrafo, considerando-se os
aspectos teóricos anteriormente vistos neste estudo. Após o quadro com cada
segmento, segue a análise feita.
Observando os artigos de Diogo Mainardi, buscamos mostrar a motivação
para a escrita das cartas do leitor. Esta análise é feita a partir da concepção de
motivação, proposta por Meurer (1997), e da noção de Ethos, organizada por
Amossy (2005). Analisamos, nas colunas selecionadas, a presença de marcas
lingüísticas, como as de primeira pessoa, que mostrem o ethos que está sendo
construído através das escolhas de Diogo Mainardi. As perguntas norteadoras a
respeito dos itens são: Que imagem de si está sendo passada para o leitor? Essa
imagem pode ser a motivação para a produção das cartas dos leitor? Já nas cartas,
que imagem os leitores fazem de Diogo Mainardi? E que marcas os autores deixam
nesses textos, apontando para seu próprio ethos?
As cartas e colunas são também analisadas a partir da teoria da valoração,
apresentada neste estudo com base em White (2004) e em Martin & White (2005) e
classificadas nas três categorias: afeto, julgamento e apreciação, através de índices
avaliativos, como adjetivos, advérbios, substantivos, verbos, etc. São verificadas,
ainda, as marcas lingüísticas que apontem para o engajamento, através de formas
de retomada de textos anteriores, da apresentação de vozes externas ou do diálogo
com o leitor. A forma gradativa como se dão essas manifestações é observada a
partir dos índices que apontam para o comprometimento do produtor em relação aos
seus posicionamentos, através de escolhas feitas em uma escala.
A seguir, é apresentada a reação dos leitores, manifestada através das
cartas. Cada um dos dez textos é também analisado com base nos pressupostos
teóricos que norteiam este estudo. São buscadas, ainda, as formas de retomada de
textos precedentes, a presença de vozes externas e o dialogismo, bem como o uso
de índices de apoio (verbos, adjetivos, advérbios, etc.) e de crítica, que apontem
para as avaliações feitas. Da mesma forma, as marcas de ethos dos leitores e o
grau de comprometimento destes em relação a seus pontos de vista são verificados.
62
O quarto grupo, por ser composto por um texto de diferente, de resposta aos
leitores, foi analisado em um único bloco, já que a organização dos parágrafos é
bastante parecida. A análise da reação do leitor foi feita da mesma forma que as
demais cartas.
63
CAPÍTULO 3: ANÁLISE
Neste capítulo, observamos as colunas de Veja e as cartas do leitor
previamente selecionadas, a partir da teoria da valoração e da análise do ethos.
Analisamos como os valores de avaliação operam nos textos, alinhando os leitores
em comunidades e como se dá a motivação para a produção das cartas do leitor.
Verificamos, também, a imagem que cada produtor constrói no texto, ou a imagem
que os leitores têm desse produtor. A partir do conceito de prática discursiva, de
Fairclough (2001) aliado ao de contexto social, de Halliday, buscamos conhecer
melhor o processo de produção, distribuição e consumo textual, ou o campo, a
relação e o modo.
3.1 A prática discursiva
O contexto da relação escritor-leitor é analisado com base na noção de prática
discursiva, de Fairclough (2001) e de contexto social, de Halliday (1989). Para isso,
procuramos conhecer melhor a revista e seus leitores. Com o objetivo de observar a
formação da comunidade de leitores, um estudo sobre Diogo Mainardi também é
realizado. No caso da noção de campo, procuramos estabelecer a ligação existente
entre quem escreve, para quem o texto é escrito o sobre o que este trata. Os
processos de produção, distribuição e consumo textual são considerados, por
Fairclough, processos sociais, que exigem uma referência ao ambiente econômico,
político e institucional no qual o discurso é produzido (2001, p.99).
3.1.1 A revista Veja e seus leitores
Na revista Veja, são publicados os artigos de opinião e as cartas do leitor que
constituem o corpus deste estudo, sendo, então, o veículo de circulação das colunas
que motivam a comunidade de leitores a produzir seus próprios textos, em resposta
à determinada motivação.
Veja pode ser adquirida atrav
és de assinaturas, compra em bancas, ou
algumas notícias ou resumo dos exemplares podem ser lidos através da internet, no
64
site da revista. De acordo a redação de Veja, cerca de 8.000 correspondências de
leitores chegam à redação a cada mês.
VEJA é uma revista de informação, com tiragem semanal 1.219.320
exemplares e circulação líquida de 1.101.810 exemplares, segundo dados do IVC de
fevereiro de 2007 publicados no site www.publiabril.com.br em maio de 2007. A
revista tem 936.230 assinaturas, 165.580 exemplares são vendidos avulsos e 3.930
revistas circulam no exterior.
Comparação com outras revistas:
Veja Época IstoÉ
Circulação líquida:
1.101.810
Circulação líquida
43
:
433.584
Circulação líquida
44
:
395.582
Quadro 6: Circulação de algumas revistas semanais de informação
Os dados coletados mostram que Veja é uma revista de circulação nacional e
internacional, sendo uma das mais lidas do país em seu setor.
Segundo dados informados pela própria revista
45
, via e-mail em 10-06-2005,
os leitores são, em sua maioria, adultos jovens de classe média-alta. De acordo com
o atendimento ao leitor da revista, 52% dos leitores são mulheres; 68% (3.415.000)
dos leitores pertencem às classes A e B; 47% dos leitores têm entre 20 e 39 anos;
55% dos leitores têm nível superior; 80% dos leitores têm casa própria; 80% dos
leitores têm automóvel no lar; 51% dos leitores têm TV a cabo.
Em relação aos internautas, uma consulta ao site www.publiabril.com.br, em
maio de 2007, revela que 69% deles têm entre 25 e 49 anos, 53% são homens e
47% são mulheres. Destes, 16% pertencem à classe social A, 47% à classe B e
30% à C (fonte: Pesquisa Nacional Abril/Datalistas - 2005).
As pesquisas apontam Veja como uma revista de grande circulação na classe
média-alta do Brasil, sendo este o perfil do seu leitor, que será o autor das centenas
43
Fonte: IVC. Circulação média de jan-dez/06. Dados disponíveis no mídia kit:
http://edglobo.globo.com/publiedglobo.htm
44
Fonte: Dados de março/2007 disponíveis em:
http://editora3.terra.com.br/publicidade_portugues/istoe/circulacao.htm
45
Números de outubro/2002 - Fontes: Estudos Marplan. Base: leitores adultos/classe AB acima de 18
anos. Os dados são atualizados periodicamente no site da Publicidade do Grupo Abril:
www.publiabril.com.br
65
de cartas e mensagens eletrônicas enviadas semanalmente à redação da revista
comentando suas reportagens e artigos.
3.1.2 O colunista Diogo Mainardi
Nascido em São Paulo, em 1962, o colaborador
46
Diogo Mainardi escreve
semanalmente, para a revista Veja, um artigo de opinião. Participa também do
programa de televisão Manhattan Connection, do canal GNT, transmitido no Brasil e
em Portugal.
Em 18/06/2003, depois de receber 387 cartas de leitores comentando a
coluna de Diogo Mainardi da semana anterior, a revista publicou, na seção Carta ao
leitor, na página 9 da edição 1807, um pouco da vida do colunista (essa quantidade
de cartas fez com que sua coluna entrasse pela segunda vez na lista das matérias
mais comentadas da história de VEJA, de acordo com a mesma seção.):
Diogo é um sucesso para o bem e para o mal. Muitos leitores o amam e outros tantos o
odeiam. Difícil mesmo é ficar indiferente ao que ele escreve. Diogo gosta de demolir lugares-
comuns e de lançar um olhar provocativo sobre as unanimidades nacionais.
(...) Diogo começou a escrever em VEJA em 1991, e em 1999 ganhou um espaço
próprio. Seu estilo afiado data dos tempos de estudante, quando já desafiava os professores
com sua visão de mundo original.
Ele chegou a freq
üentar a London School of Economics, uma das mais conceituadas
instituições de ensino da Inglaterra, mas a sua formação sólida foi adquirida mesmo nas
intermináveis horas que passou na biblioteca do Museu Britânico.
Diogo Mainardi já escreveu cinco livros: os romances Malthus, Arquipélago,
Polígono das Secas e Contra o Brasil e um livro de crônicas, A tapas e pontapés,
uma coletânea de algumas de suas colunas na Revista Veja. A Editora Record
relançou livros de Diogo Mainardi em 2006. De acordo com o site da Cia das Letras,
seu primeiro livro, Malthus, ganhou o prêmio Jabuti em 1990. Mainardi escreveu
para o irmão, Vinicius, o roteiro de Dezesseis zero sessenta. De acordo coma Cia
das Letras, as obras do autor traduzidas no exterior são:
-
Arcipelago. Itália, Garzanti, 1994.
46
Conforme o Novo Manual da Redação, da Folha de São Paulo, colaborador é a pessoa que presta
serviço a um meio de comunicação sem relação de emprego. Pode ser jornalista ou não (p. 132).
66
- Kaskade. Noruega, J.W.Cappelens Forlag, 1996.
- Malthus. Itália, Biblioteca del Vascello, 1994.
O perfil de Diogo Mainardi mostra que o colaborador é um dos destaques da
revista Veja, sendo um dos que mais recebem cartas comentando seus textos, o que
aponta para seu sucesso com o público que escreve semanalmente para elogiar ou
criticar suas opiniões polêmicas. Essa relação entre escritor-leitor aponta para a
formação de uma comunidade de leitores, sendo o objetivo deste estudo investigá-
la.
3.1.2.1 Auto-retrato
Em entrevista ao site www.semana3.com.br, Diogo Mainardi fala sobre si
mesmo e sobre o considerarem um polemista:
Olha, n
ão é sempre que eu gero discussão inteligente. Quando a discussão melhora um pouco,
eu fico contente; quando a discussão é muito ruim, muito besta, eu não sinto nada, não é nem
um prazer nem um desprazer. Eu não sou excessivamente vaidoso, então o retorno da minha
coluna não é algo que me envaideça. Tem a parte do meu trabalho, que, quando funciona, eu
fico contente. Quando eu consigo colocar alguma questão útil, melhor. Óbvio que os meus
detratores conseguem usar todos os termos errados. Me acusam de ser polemista como se
isso fosse um demérito. E esse é um dos grandes xingamentos que me fazem. Gostaria muito
de ser considerado um polemista. Eu não sou, não tenho nem talento suficiente pra merecer o
título. Mas que isso seja visto como um xingamento, por exemplo, é assustador. Outra crítica
é a de que eu não devo ser levado a sério, porque a ironia desmerece, no Brasil, qualquer
análise. Outra das nossas tolices.
Para a revista Trip nº 118 (12/2003), Diogo Mainardi fala sobre seu papel na
imprensa, afirmando que esta deve encurralar, caçar e derrubar os políticos que
estão no poder, pois alguém precisaria controlá-los. E sobre si mesmo como parte
da mídia afirma que consegue apenas pensar na sua pequena função: sou um
palpiteiro e vejo a importância do palpiteiro.
Nessa perspectiva, Mainardi volta a falar sobre suas polêmicas, desta vez em
um Café Literário, reproduzido no site de O Globo: não gostaria que minhas críticas
fossem vistas como construtivas. Quero fazer críticas destrutivas, que é como elas
devem ser. Se as pessoas vêem algo de positivo, foi fruto de minha incapacidade
como autor.
67
Na edição da revista Trip 118 (12/2003), Mainardi fala sobre os ataques à
sua obra:
É esquisito, difícil até de acreditar, minha mulher por muitos anos não acreditava... Mas sou
absolutamente indiferente ao que dizem ao meu respeito, a favor ou contra. Tenho um tipo de
cataclisma que me preserva. Sou bidimensional, não tenho profundidade psicológica, ninguém
consegue me atingir. Tenho um aparato psicológico pobre, não para me colocar num estado
de exaltação ou de depressão.
Em entrevista à revista Oi, edição 15 de fevereiro/março de 2005, Mainardi
fala sobre seu trabalho, definindo-se como um comentarista:
Nunca falei mal de quem n
ão podia se defender. E nunca fiz ataques pessoais a ninguém,
sempre falei de coisas públicas, de livros, filmes, declarações, entrevistas. Comigo, só se
molhou quem já estava na chuva. Talvez por isso nunca tenha tido problemas com nenhuma
das pessoas que mencionei em minhas colunas, nunca tive um bate-boca sequer na rua, aonde
vou sou bem tratado. E, do meu ponto de vista, descer a lenha em quem fala ou escreve uma
besteira é uma forma de respeito, acredito que um comentarista, como eu, deve suscitar
debates.
Os leitores Camargo e Mineo criaram um site que apresenta um resumo, em
ordem alfabética, das opiniões de Diogo Mainardi. Destaca-se visão que o colunista
teria de si mesmo, apresentado em entrevistas:
DIOGO MAINARDI por DIOGO MAINARDI - "Tenho um olho cândido, distante. Olho meu país
sem preconceito, mas com graça, por achá-lo preciso. Não tenho objetivos precisos. Vejo o
mundo de um jeito. Boto esse jeito no papel e me pagam para fazer isso. Não sou resmungão,
mas penso que sou um desastre nacional. Tenho todas as piores qualidades de meu povo e
poucas de suas virtudes. " (em entrevista ao JB)
"Eu sempre tive uma opini
ão muito mais negativa a meu respeito do que a maior parte dos
meus detratores. Isso ajuda a não perder de vista a minha insignificância." (chat do
Comunique-se)
No blog
47
sobre o colunista Diogo Mainardi, é apresentada a transcrição de
uma entrevista dele para a jornalista Tânia Carvalho, da Rádio Gaúcha/TV Com,
durante sua passagem por Porto Alegre. Em um trecho, o articulista comenta as
ironias, muitas vezes presentes em seus textos:
47
De acordo com a Wikipédia, Um weblog, blog ou blogue é uma página da Web cujas
atualizações (chamadas posts) são organizadas cronologicamente de forma inversa (como um
diário). Estes posts podem ou não pertencer ao mesmo gênero de escrita, referir-se ao mesmo
assunto ou ter sido escritos pela mesma pessoa. O blog sobre Diogo Mainardi está disponível em
http://www.sobrediogo.blogger.com.br/2004_11_01_archive.html (parte 1).
68
(...) tem muita gente que não entende ironia, sarcasmo, este tipo de coisa. É uma deficiência
cultural nossa. Nós, brasileiros, temos uma incapacidade de ver o debate, a troca de opiniões
como algo que pode ser ácido, sarcástico, afiado, provocatório... Eu acho que todas estas
coisas fazem parte do confronto de idéias. Eu sempre achei que idéia era uma coisa pra ser
confrontada. Que você não devia buscar o consenso. E a ironia é uma arma que você pode
usar para falar as coisas. (...) Pra quem faz a ironia é até melhor, é mais engraçado quando as
pessoas não entendem e levam a sério o que você faz. É mais divertido.
Na mesma entrevista, Mainardi comenta o termo Diogomainardismo, que foi
tema de uma de suas colunas em Veja:
(...) O termo, na verdade, eu tirei de uma cr
ônica do Tutti Vasquez, cronista carioca. Ele
escreveu num texto dele que toda vez que ele falava mal de alguma coisa ou reclamava de
alguém, fazia alguma crítica, ele era comparado a mim. E isso o incomodava muito. (...) e
então eu virei sinônimo desta figura desagradável que reclama das coisas, que se queixa, e eu
construí uma carreira em cima disto daí, mas virei sinônimo do queixume. E é um fardo, eu
tenho que carregar isso. E vou ganhar a vida com este troço.
A imagem que Diogo Mainardi constrói de si mesmo em seu discurso aponta
para a consciência que ele tem das discussões provocadas por suas opiniões. Nas
entrevistas, o colunista defende que este é o papel da imprensa, lamentando o fato
de a imagem de polemista ser vista de forma depreciativa por muitas pessoas.
3.1.2.2 Diogo Mainardi na Internet
Diogo Mainardi é motivo de discussões constantes também na rede mundial
de computadores. Ao pesquisar-se o nome do colunista do site de busca Google, em
02-06-2006, foram encontrados 112.000 resultados. Um dos endereços encontrados
mostra um blog em que é apresentada uma definição do articulista:
Polêmico. Sarcástico. Autêntico. Colunista da revista Veja, Diogo Mainardi chama a atenção
pelas opiniões excêntricas e estilo cáustico com que escreve. Controverso, instiga as mais
variadas posições a seu respeito. Árdua tarefa é defini-lo, mais simples dizer o que
definitivamente não é: objeto de indiferença. Amado por alguns e odiado por muitos, ele nos
força a refletir sobre velhos - e muitas vezes caquéticos - conceitos, ao apresentar pontos de
vista originais onde predomina o senso comum.
(http://www.sobrediogo.blogger.com.br/)
No site de relacionamentos Orkut, em 02-06-2006, foram encontradas 43
comunidades sobre Diogo Mainardi
48
, sendo estas as que apresentavam maior
número de integrantes:
48
Os nomes das comunidades foram descritos aqui da maneira como apareceram no site Orkut.
69
Diogo Mainardi (21.980 membros)
Rindo do Babaca DIOGO MAINARDI (9.217 membros)
Diogo Mainardi
é oCara!!! (1.598 membros)
Digo Mainardi presidente 2010 (547 membros)
Diogo Mainardi (319 membros)
Diogo Mainardi
é o cara. (224 membros)
Diogo Mainardi: s
ó a diretoria (186 membros)
Diogo Mainardi (170 membros)
Eu odeio o Diogo Mainardi (165 membros)
Diogo Mainardi Presidente 2006 (141 membros)
Além das cartas do leitor enviadas semanalmente à revista Veja, opiniões
sobre o trabalho de Mainardi, sobre suas polêmicas, são encontradas muitas vezes
em revistas e sites da Internet. Em 30/09/2003, o editor e escritor Samir Thomaz
publica, em Observatório da Imprensa, seu pensamento sobre Mainardi,
comparando-o a Paulo Francis:
Atualmente, o vassalo de plantão mais visível do pensamento reacionário atende pelo nome de
Diogo Mainardi e escreve semanalmente na revista Veja o vade-mécum da elite brasileira e
de uma certa classe média, adepta do alpinismo social a qualquer preço. Antes de Veneza, e
agora do Rio de Janeiro, ele destila seu veneno contra Lula e o PT, é partidário da polêmica
pela polêmica, não disfarça que sente ojeriza por tudo o que diz respeito ao Brasil e aos
brasileiros e é o campeão de cartas que chegam à redação de Veja. Imagino que muitas
dessas cartas sejam contra o que ele escreve, porém nunca vi publicada uma que fosse contra.
As que saem na seção de cartas são sempre a favor, não raro o alçando à condição de
polemista e articulista incomparável, genial, lindo, maravilhoso, entre outras heresias.
As diferentes opiniões encontradas apontam para uma relação de amor e
ódio em sua comunidade de leitores:
Elogios:
Pol
êmico. Sarcástico. Autêntico.
Opini
ões excêntricas e estilo cáustico com que
escreve.
Controverso, instiga as mais variadas posi
ções
a seu respeito.
Ele nos for
ça a refletir sobre velhos conceitos.
Cr
íticas:
Vassalo de plant
ão mais visível do
pensamento reacionário.
Ele destila seu veneno.
É partidário da polêmica pela polêmica.
N
ão disfarça que sente ojeriza por tudo o que
diz respeito ao Brasil e aos brasileiros.
70
Os comentários a respeito de Diogo Mainardi encontrados na internet
mostram a maneira como ele é visto pelos leitores: amado por uns, odiado por
outros, mas sempre alvo de discussões, debates.
3.1.4 Assunto das cartas e das colunas
Antes que se fizesse a delimitação do corpus, todos os textos foram lidos para
a observação dos temas que foram discutidos durante o ano de 2004:
Colunas publicadas: 51
Cartas publicadas: 85
Edições em que houve cartas publicadas: 36 (de 51/ano)
Média: 2,36 cartas por semana
Cartas do leitor ano 2004
Assunto principal das cartas:
Política 45
Diogo Mainardi 21
Olimpíadas 05
São Paulo 04
Esclarecimentos 03
Brasil 02
Outros 05
Total 85
Quadro 7
Colunas de Diogo Mainardi 2004
Assunto principal das colunas:
Política/Lula 18
Política 15
Brasil 03
Criminalidade/Polícia 03
Olimpíadas 03
Outros 09
Total 51
Quadro 8
3.2 A relação escritor-leitor: análise
A seguir, passaremos a descrever e analisar as colunas e cartas do leitor
selecionadas, com base na teoria da valoração e no conceito de ethos, partindo do
pressuposto de que as opiniões polêmicas de Diogo Mainardi motivam dezenas de
pessoas a escreverem semanalmente cartas do leitor endereçadas a ele.
71
Conforme a descrição feita no capítulo de metodologia, optamos por dividir os
textos em grupos, formados, cada um deles, por uma coluna e pelas cartas do leitor
escritas em resposta a esse texto.
3.2.1 ANÁLISE DO GRUPO 1:
O artigo O pior é melhor foi escrito no período das comemorações dos 450
anos da cidade de São Paulo, em janeiro de 2004. Nele, Diogo Mainardi fala sobre
seus sentimentos em relação à cidade, em meio a comentários sobre música, Brasil
e política.
Coluna 4
49
: O pior é melhor (28-01-2004)
1
2
3
Desde cedo a única meta que eu tinha na vida era ir embora de São Paulo.
Fracassei em minha primeira tentativa migratória. Fracassei na segunda. Na
terceira, deu certo. Fui embora e nunca mais voltei.
O primeiro segmento do artigo é monoglóssico: apenas a voz de Diogo
Mainardi é mostrada, o que é marcado pelo uso da primeira pessoa. O colunista
declara seus sentimentos negativos com relação à cidade de São Paulo, em uma
demonstração atitudinal de afeto, já que deixar a cidade era seu único objetivo e ele
nunca mais voltou (l.3). A partir do uso da primeira pessoa e também das marcas de
opinião, o autor vai construindo sua imagem no texto. Quanto à gradação,
observamos alto grau de comprometimento do articulista com relação a seu ponto
de vista, uma vez que a avaliação é intensificada através do uso de itens lexicais
como meta, fracassei, deu certo, nunca mais voltei.
4
5
6
Depois de tantos anos de afastamento, finalmente me reconciliei com a
cidade. Aprendi a reconhecer seus méritos. O maior deles é despertar o
sentimento de repulsa em seus habitantes. São Paulo é tão detestável que
49
Os números são uma referência à ordem dos textos no grupo de 51 artigos de Diogo Mainardi
publicados em Veja no ano de 2004.
72
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13
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somos estimulados a rejeitar nossa origem, a buscar lá fora o que não
podemos encontrar aqui dentro. Parece pouco. Não é. São Paulo não
acomoda. Ela nos deixa num permanente estado de insatisfação e
precariedade. O paulistano não é apegado a nada. Está sempre de malas
prontas, disposto a abandonar oportunisticamente tudo o que lhe pertence:
sua cidade, seu país, sua família, suas idéias. Não temos o sentido de
coletividade: não sabemos votar, não sabemos respeitar as regras, não
sabemos pensar no próximo, não sabemos cumprir os acordos. Em
compensação, conseguiríamos nos adaptar com facilidade a um holocausto
nuclear. Pena que a perspectiva de um holocausto nuclear seja cada dia mais
remota.
O início do segundo parágrafo cria a expectativa de que a reconciliação com
a cidade é positiva, o que se intensifica com o uso de méritos. As marcas de 1ª
pessoa, em referência direta à imagem do colunista, aparecem nesse segundo
parágrafo do artigo. O texto apresenta segmentos opinativos, nos quais é feita uma
apreciação da cidade. Podemos observar alto grau de envolvimento do articulista na
escolha de palavras como mérito, detestável, repulsa, rejeitar, insatisfação,
precariedade, nada, abandonar oportunisticamente: termos que estariam no
mais alto grau negativo se colocados em uma escala. A coluna apresenta, também,
uma avaliação dos paulistanos, um julgamento negativo focado em estima social:
povo que abandona oportunisticamente (l.11) (julga a tenacidade). Nesse
julgamento, verificamos que Mainardi se exclui: ele é paulistano, o que se comprova
em não temos, não sabemos, conseguiríamos, mas, na sentença avaliativa, ele
utiliza O paulistano não é apegado a nada. Ao introduzir a expressão em
compensação (l.14-15), o leitor novamente é levado a crer que receberá uma
informação positiva a respeito da cidade, mas outra crítica é apresentada: os
paulistanos são tão desapegados que seriam capazes de sobreviver à própria
destruição (holocausto nuclear l.15-16). Mas essa, sarcasticamente, é uma
possibilidade remota, segundo o colunista. O uso do sarcasmo é bastante presente
nos textos do autor, reconhecido por ele mesmo (p.69 deste trabalho, entrevista a
TVCom). Já seus críticos vêem essa forma de construir textos de forma negativa:
não disfarça que sente ojeriza por tudo o que diz respeito ao Brasil e aos
brasileiros (Thomaz, p. 70 deste estudo).
73
Apesar de não apresentar atribuição clara, o segmento pode ser considerado
heteroglóssico, já que dialoga com idéias de outras pessoas: se o articulista
apresenta os pontos negativos da cidade, é por que os que defendem seus
aspectos positivos. O autor constrói sua avaliação utilizando a quebra de
expectativas do leitor: mérito geralmente é algo positivo. O mesmo ocorre no final
do segmento, quando o tom irônico é usado como argumento para alinhar o leitor
(l.14-17). A construção da imagem de Diogo Mainardi no artigo se dá também a
partir dessa quebra de tabus, que muitas vezes causam estranhamento no leitor.
18
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A música é o mais importante elemento de identidade nacional. Em São Paulo,
a falta de sentido de coletividade nos impediu de desenvolver um estilo
musical. Ao contrário do resto do Brasil, não temos ritmos próprios, não temos
artistas de peso. Nosso ouvido é duro. Na festa de aniversário da cidade, o
melhor que conseguimos apresentar foi o grupo Demônios da Garoa. Caetano
Veloso também homenageou a cidade, mas ele não conta, porque é baiano e,
sobretudo, porque homenageia qualquer lugar. Ele já homenageou Londres,
Barcelona, Nova York, São Francisco e Brasília. homenageou aTelAviv.
Caetano Veloso é como Lamartine Babo, que escreveu os hinos de todos os
times de futebol do Rio de Janeiro.
O artigo segue apresentando a apreciação negativa (l.19-21 falta de sentido
de coletividade, ouvido duro) feita por Diogo Mainardi com relação a São Paulo e
aos paulistanos. Essas escolhas lexicais demonstram que o autor compromete-se
com a opinião apresentada. Também é feita uma apreciação negativa do cantor
Caetano Veloso (l.23-24 mas ele não conta ... homenageia qualquer lugar),
convidando o leitor a compartilhar das idéias do articulista: a avaliação negativa do
cantor busca alinhar os leitores em uma comunidade dos que criticam o músico
baiano, já que ele homenageia qualquer lugar. O fragmento apresenta caráter
heteroglóssico, uma vez que é aberto com uma idéia do senso comum (l.18). Há
também, no decorrer do parágrafo, o diálogo com as idéias contrárias às de
Mainardi. A referência ao cantor baiano pode causar estranhamento em muitos
leitores, já que Caetano Veloso é um dos mais conhecidos artistas da MPB.
74
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38
É uma sorte que São Paulo seja tão pouco musical. A música popular constitui
o maior fator de atraso no Brasil. Quanto mais musical é uma região, mais
subdesenvolvida ela é. A musicalidade dos brasileiros está diretamente
relacionada com as epidemias de leishmaniose, os esgotos a céu aberto, os
desmoronamentos de favelas. São Paulo é a cidade mais rica do Brasil
simplesmente porque não entende nada de música, porque não fica sentada
em banquinho de violão. Os compositores de música popular, agora, publicam
livros com todas as suas letras. Quem consegue compreender o significado
dessas letras nunca irá aprender a construir uma ponte, ou a planejar o
escoamento de um milharal, ou a obturar um dente cariado. Um conhecimento
anula o outro.
No quarto parágrafo, Diogo Mainardi tenta, ironicamente, mostrar vantagens
da cidade em relação ao restante do país, já que ele considera a musicalidade uma
desvantagem (l.29-30), o que é enfatizado pelo uso de subdesenvolvida. Por isso
há a quebra de expectativa em relação à palavra sorte (l.28), uma vez que, de
acordo com o senso comum, a musicalidade é um fator positivo para uma região.
Neste fragmento, a avaliação feita é da musicalidade do Brasil e de São
Paulo. Ao mostrar que a ausência de talento musical é uma vantagem, pois São
Paulo é a cidade mais rica do país (l.32-33), o texto aponta para uma apreciação: a
cidade paulistana é avaliada positivamente (mais rica do Brasil), e o restante do
Brasil, negativamente (sentada em um banquinho de violão, nunca irá aprender,
anula o outro). No final do segmento há abertura para a voz dos compositores
(l.34-35), mas essa voz é refutada (l.35-38), demonstrando contração dialógica.
Mostrando claramente seu ponto de vista, muitas vezes com idéias contrárias ao
senso comum, a imagem de Diogo Mainardi vai sendo construída perante sua
comunidade de leitores. As escolhas lexicais feitas, marcando a certeza do
posicionamento do escritor, apontam para o alto grau de comprometimento deste.
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O Brasil se reconhece no sentimentalismo mais ordinário, no verso mais
incongruente, na batida mais simplória. Fomos ensinados que a música nos
ajudou a resistir a todos os tipos de autoritarismo. Mentira. A música é um
instrumento de dominação. Tanto que todos os partidos políticos criam seus
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sambinhas para o horário eleitoral. Se até o PTB tem seu sambinha, é sinal
de que há algo errado na MPB.
O quinto parágrafo mostra o julgamento negativo (l.39-40) altamente
comprometido feito por Mainardi em relação ao Brasil (estima social capacidade:
ordinário, incongruente, simplória). A voz externa é apresentada (l.40-41), mas,
novamente, em contração dialógica: a visão dos que ensinaram aos brasileiros é
refutada (mentira, l.41), o que aponta para um engajamento heteroglóssico. No
final do segmento, ao fazer referência à política, relacionando-a a musicalidade
(l.43-44), o colunista busca alinhar o leitor em uma comunidade dos que não
gostam da situação política do país. Podemos observar, ainda, uma apreciação
negativa das músicas de campanhas políticas (l.43), dado o emprego do termo
até, que marca o mais alto grau negativo na escala formada no segmento.
45
46
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São Paulo é a pior cidade do Brasil. Mas nós, paulistanos, até que temos a
nossa graça: não levamos jeito para a música, o que nos torna, tudo somado,
um pouco menos brasileiros.
Na conclusão do texto, o articulista fecha seu pensamento sobre a cidade de
São Paulo, fazendo uma relação com o sentido do título (O pior é melhor X pior
cidade, l.45). Há um alto grau de comprometimento do autor ao fazer suas
avaliações. Novamente observamos a quebra de paradigma, o que pode causar
estranhamento no leitor: a pior cidade do país é também a melhor, o que aponta
para uma apreciação positiva do município.
A partir da relação feita entre paulistanos e brasileiros, o colunista levanta
uma discussão a respeito da situação do país, trazendo a música como argumento.
Como pode ser observado, o texto é predominantemente heteroglóssico. Há um
diálogo entre as idéias de Diogo Mainardi e as do senso comum da maioria dos
paulistanos e brasileiros, o que pode causar estranhamento, provocando muitos
leitores. Essa, que pode ser considerada uma estratégia de alto risco, torna-se uma
marca típica dos textos do articulista. Algumas atribuições também estão presentes
no artigo, mas, quando uma voz alternativa é apresentada, esta é refutada.
Mostrando sua opinião na maior parte do texto, Diogo Mainardi busca mostrar as
vantagens de São Paulo em relação ao restante do país, que segundo ele, é ainda
76
pior que a cidade. O colunista afirma que os paulistanos seriam menos brasileiros,
o que para ele é uma vantagem. O ethos de Diogo Mainardi é construído através de
seus pensamentos, mostrados no artigo, agradando alguns leitores, chocando
outros, mas, certamente, levantando um debate sobre as questões apresentadas. O
estranhamento causado em muitos leitores pode também ser provocado pelo não
entendimento da tese que está sendo defendida: as opiniões são polêmicas e
muitas vezes a tese está implícita.
REAÇÃO DOS LEITORES:
De acordo com dados publicados pela revista Veja, na seção Cartas da
semana seguinte (04-02-04), a coluna de Diogo Mainardi foi o assunto mais
comentado pelos leitores. 224 pessoas escreveram à redação da revista para
manifestar seu posicionamento com relação ao tema ou ao colunista. Quatro cartas
foram publicadas:
1
2
3
2
50
- Jamais imaginei ler nas páginas de VEJA um artigo refletindo as opiniões
arrogantes, rancorosas e desrespeitosas de um articulista contra a cidade de
São Paulo e o povo paulistano. E o pior: ele próprio é um paulistano.
Luiz Borges Barreto, São Paulo, SP (04-02-2004)
O comentário inicia com uma referência ao artigo: o leitor faz um julgamento
negativo de Diogo Mainardi (opiniões arrogantes, rancorosas e desrespeitosas,
l.1-2), reprovando seu comportamento. A estima social normalidade é julgada
neste texto. As marcas avaliativas demonstram a opinião comprometida do produtor
da carta. A imagem deste fica evidente em seu discurso, uma vez que a opinião e o
sentimento são claramente apontados. A carta do leitor busca alinhar os
paulistanos em uma comunidade dos que possam ter se sentido atingidos pelas
opiniões mostradas na coluna da revista.
50
Os números são uma referência à ordem dos comentários no grupo de 85 cartas, dirigidas a Diogo
Mainardi, publicadas em Veja no ano de 2004.
77
1
2
3
3- Sou artista, professora e pesquisadora paulistana de música e dança
popular. Tomo a voz por toda a classe de músicos paulistanos, pois estamos
perplexos com a coluna do senhor Mainardi.
Ana Rita Simonka, Por e-mail, www.artesimbolo.com.br (04-02-2004)
Nesta carta, a leitora faz uma avaliação atitudinal negativa da coluna
publicada na semana anterior (l.2-3). Observamos uma demonstração de afeto
negativo, pois ela afirma ter ficado perplexa ao ler o texto de Mainardi, o que
também contribui para a construção do ethos da produtora em seu comentário.
Buscando dar mais credibilidade ao seu argumento, a autora da carta faz uso da
atribuição, afirmando que ela fala em nome de todos os músicos, sendo ela uma
autoridade no assunto (l.1). Podemos perceber um alto grau de comprometimento
da produtora, que inscreve seu desgosto com relação à opinião de Diogo Mainardi
sobre a musicalidade dos paulistanos, buscando o alinhamento destes em uma
orientação avaliativa de condenação ao pensamento do colunista.
1
2
4- Ufa! Pensei que todos estavam cegos com esta "estória" de 450 anos. Fugi
de São Paulo há dois anos e estou muito feliz no interior. Parabéns, Mainardi!
Carla Patricia Picolo Pujol, Por e-mail (04-02-2004)
A leitora apresenta uma avaliação atitudinal de afeto positivo, já que dá
parabéns (l.2) ao colunista. Há um elevado nível de envolvimento da autora com
seu posicionamento demonstrado no texto, o que pode ser percebido pela escolha
das palavras cegos e fugi (l.1). A imagem da autora da carta pode ser conferida
no texto através da defesa de seu ponto de vista e das marcas de primeira pessoa.
Os demais leitores da coluna são alinhados em uma comunidade dos que admiram
Diogo Mainardi. A referência às comemorações dos 450 anos da cidade de São
Paulo demonstra dialogismo, uma vez que esse ponto que foi mencionado no artigo
de Mainardi.
1
2
3
5- Assim como o senhor Mainardi j
á o fez um dia, moro fora do país. Mas, ao
contrário desse senhor amargo, adoro ser brasileira e me orgulho de nossa
cultura, inclusive a musical. O discurso de Diogo Mainardi é um insulto à
78
4
inteligência. Desinformação por desinformação, prefiro uma folha em branco.
Ana Carolina Videira, Viena, Áustria (04-02-2004)
Neste texto, a leitora faz uma avaliação de afeto negativo com relação a
Diogo Mainardi (senhor amargo, l.2) e positivo com relação ao Brasil (adoro,
orgulho, l.2). Já com referência à coluna, verificamos uma apreciação negativa,
uma vez que esta é considerada desinformação (l.4). A referência ao artigo de
Diogo Mainardi (discurso, l.3) e ao fato dele ter morado fora (já o fez, l.1) dá o
caráter heteroglóssico ao segmento. Com a apresentação de posicionamento claro e
uso de primeira pessoa, a leitora constrói sua imagem na carta. Através da
comparação feita no início do texto, a produtora alinha os demais leitores em uma
comunidade de brasileiros que se orgulham de seu país. A opção por palavras como
amargo, insulto ou desinformação apontam para o compromisso da leitora com
seu posicionamento.
3.2.2 ANÁLISE DO GRUPO 2:
A coluna O Diogomainardismo foi escrita a partir dos comentários feitos pelo
cronista Tutty Vasques, em 29-05-2004
51
, em seu texto publicado no site
nomínimo.ig:
toda vez que um leitor quer xingar minha mãe, manda e-mail me comparando ao Diogo
Mainardi. Meus amigos ficam indignados que isso não me ofenda. (...) Pelos meus cálculos,
96% das pessoas que conheço são a favor da cassação imediata do visto de permanência de
Diogo Mainardi no Rio de Janeiro. (...) fico imensamente preocupado quando dizem que estou
parecendo o Diogo Mainardi. Peço ajuda aos leitores: sempre que perceberem semelhanças,
avisem. Tentarei me corrigir.
Coluna 24: O diogomainardismo (16-06-2004)
1
2
3
4
Virei um insulto. Tutty Vasques assinalou o fato. Quando os leitores querem
insultá-lo por causa de um artigo, já não ofendem sua mãe, como antes, mas
o comparam a mim. Chamam-no de Diogo Mainardi. Assim como o termo
malufismo ganhou a conotação de desvio de dinheiro público,
51
A crônica de Tutty Vasques de 29-05-2004 está disponível em:
http://nominimo.ig.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationC
ode=1&pageCode=14&textCode=11786&currentDate=1085799660000
79
5
6
7
8
9
10
11
diogomainardismo pode ser definido como uma difamação espalhafatosa na
tentativa de chamar atenção. Foi com esse significado nada lisonjeiro que meu
nome entrou para o dicionário. Acompanhado por adjetivos como derrotista,
frustrado, invejoso, ególatra, leviano, oportunista, mal-humorado. Pouco
importa que eu não me reconheça na descrição. Diogo Mainardi se tornou
uma entidade maior do que eu. Como Pelé, posso começar a falar a meu
respeito na terceira pessoa.
O primeiro parágrafo do texto de Diogo Mainardi apresenta engajamento
heteroglóssico, pois vozes autorais externas são apresentadas (Tutty Vasques,
leitores, l.1). O articulista relata um ponto de vista diferente do seu, o que
demonstra distanciamento em relação a essa voz. Isso pode ser verificado no uso
da expressão nada lisonjeiro (l.6) e também na frase Pouco importa que eu não
me reconheça na descrição (l.8-9). Através da apreciação negativa feita, o
articulista demonstra seu sentimento em relação aos comentários a seu respeito, o
que contribui para a construção de seu ethos e aponta para o comprometimento de
sua opinião, em médio grau (nada lisonjeiro, eu não me reconheça). Ao
manifestar que não se reconhece na descrição, Diogo Mainardi alinha os leitores em
uma comunidade dos que discordam dessa representação.
A descrição apresentada no artigo aponta para a imagem que muitas pessoas
têm de Diogo Mainardi. Ao levantar polêmicas, quebrar tabus, Diogo Mainardi causa
estranhamento em muitos, o que os leva a identificarem esse ethos do articulista.
12
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16
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19
20
21
O epíteto Diogo Mainardi é aplicado a qualquer coitado que reclame
publicamente de alguma coisa. Do jornalista que denuncia nossa falta de jeito
para o cinema ao blogueiro adolescente que se recusa a gostar de uma
determinada banda musical. Em geral, trata-se de gente inofensiva que se
limita a soltar um comentário gratuito sobre um tema desimportante. Basta
pouco para estimular a ultrajante comparação. Atribuíram-me o monopólio do
protesto. Desse modo, qualquer um que proteste é automaticamente
associado a mim, com tudo o que isso tem de negativo. Os brasileiros sempre
preferiram o conchavo e o corporativismo à discussão e à insubordinação.
Apesar dessa nossa propensão à canalhice, tivemos grandes contestadores
80
22
23
24
no passado, sobretudo na imprensa. Aparentemente não sobrou nenhum. Ou
melhor, só sobrei eu, um palerma, uma caricatura grosseira de quem me
precedeu.
Na frase inicial do parágrafo, Mainardi faz uma apreciação negativa dos
comentários a seu respeito (l.12-13), operando para alinhar os leitores em uma
comunidade dos que o apóiam. Esta avaliação negativa se repete no emprego de
ultrajante comparação (l.17). Já no final, é feito pelo colunista um julgamento
negativo dos brasileiros (conchavo, corporativismo, canalhice, l.20-21), focado
em sanção social (veracidade), o que pode causar estranhamento em muitos
leitores, uma vez que é feita referência à canalhice da população. O uso da
primeira pessoa na frase final do parágrafo contribui para a construção do ethos do
articulista. Ao usar palerma e caricatura grosseira (l.23), Diogo Mainardi emprega
o tom irônico ao se referir a si mesmo.
Quanto à gradação, observa-se um alto grau de comprometimento nas
opiniões apresentadas pelo colunista (ultrajante, conchavo, canalhice, gente
inofensiva), itens lexicais fortes em uma escala gradativa. Neste fragmento
podemos verificar a apresentação de voz autoral externa (é aplicado, atribuíram-
me, é automaticamente associado a mim), mas é empregada a contração
dialógica, uma vez que as vozes externas são confrontadas. Já a parte final do
parágrafo apresenta apenas a visão de Diogo Mainardi. A imagem do articulista vai-
se construindo em seu texto através da demonstração clara de sua opinião e do uso
de primeira pessoa, feito no final desse segmento. Observamos, ainda, a descrição
da imagem que muitos dos leitores absorvem dos comentários de Mainardi.
24
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31
Pelas contas de Tutty Vasques, 96% dos cariocas cassariam meu visto e me
mandariam embora do Rio de Janeiro. Certamente os mesmos 96% que
apoiavam Lula no começo do mandato. A eleição de Lula representou o triunfo
do diogomainardismo. Peguei no pé do presidente desde os primeiros tempos,
para contrastar a euforia plebiscitária que se formou ao seu redor. Agora a
euforia passou. As pessoas se encheram de Lula e, conseqüentemente,
encheram-se de mim, identificando-me como uma espécie de parasita do
insucesso petista. Cresci como um verme solitário na barriga do governo,
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35
alimentando-me da figura de bom selvagem de Lula, com seu palavreado
primário e sua malandragem brasileira. Quando Lula acabou, acabei junto.
Virei um palavrão. Daqui a alguns anos, por sorte, ninguém mais se lembrará
de nós.
O parágrafo é organizado com uma mescla de vozes (Tutty Vasques, 96%
dos cariocas, 96% que apoiavam Lula, As pessoas), mostrando dialogismo. A
atribuição externa é refutada (certamente os mesmos 96%, euforia plebiscitária),
demonstrando contração dialógica. No início do segmento, é feita uma apreciação
negativa da eleição do presidente (Certamente os mesmos 96% que apoiavam Lula
no começo do mandato, l.25-26). O texto é fechado com um julgamento negativo da
figura do governante (bom selvagem, palavreado primário e malandragem
brasileira, l.32-33), em uma referência à capacidade (estima social). Com esse
movimento, o autor busca alinhar os leitores em uma comunidade dos que criticam o
governo. No final do segmento, percebemos uma atitude mais inscrita, com alto
grau de comprometimento (bom selvagem, primário, malandragem brasileira). A
imagem de Diogo Mainardi se constrói através da manifestação clara de seu ponto
de vista e do uso de marcas de primeira pessoa, mas é ainda mostrada pelo
colunista a visão que muitos leitores têm dele.
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Claro que ser identificado como único opositor do Brasil me envaidece. Claro
também que não é bom para o país. A identidade cultural brasileira não se
baseou em idéias, mas em um ou dois acordes de violão. A falta de idéias não
criou o hábito da contraposição, da reivindicação, da argumentação. Quem
não está acostumado a argumentar é facilmente enganado. Por isso o Brasil
não funciona. Porque a gente forma espontaneamente maiorias bovinas de
96%. Cultura não é rebolar na rua. Cultura é reclamar, achincalhar, protestar,
caluniar. Lamento muito que meu nome seja usado para ofender os mais
inconformados. Se alguém o chamar de Diogo Mainardi, porém, não se
desespere. Eu já fui comparado até a Aracy de Almeida.
A voz do articulista est
á na maior parte do último parágrafo da coluna, mas
há, logo no início, a referência às outras pessoas em ser identificado (l.36).
Verificamos dialogismo também no final do segmento, quando o colunista se refere
82
aos leitores (Se alguém o chamar, l.44), buscando aproximação. No início do
fragmento é feita uma demonstração positiva de afeto em relação à descrição feita
para o diogomainardismo (l.36), já que é usada a expressão me envaidece.
também uma apreciação negativa do fato de ele ser o único opositor do Brasil (não
é bom para o país, l.37). A seguir é feito um julgamento negativo da situação
cultural do país (l.37-43), focado em estima social capacidade, com alto grau de
envolvimento (não se baseou em idéias, falta de idéias, facilmente enganado,
espontaneamente maiorias bovinas, não é rebolar). No final do segmento, o
vocábulo até aponta para uma apreciação negativa da figura de Aracy de Almeida
(l.45).
O texto é construído com predomínio de engajamento heteroglóssico. A voz
externa é reconhecida pelo articulista, o que demonstra dialogismo, mas essa
opinião é apenas relatada, mostrando distanciamento. No final do artigo, há uma
referência clara ao leitor, buscando alinhamento da comunidade de leitores de Diogo
Mainardi. O ethos do colunista é construído ao longo de texto, através da
demonstração de seus posicionamentos e sentimentos, além do uso das marcas de
primeira pessoa. No texto O diogomainardismo, o articulista fala de si ao comentar
as descrições feitas a seu respeito, o que também contribui para a construção de
seu ethos e para o alinhamento de seus leitores em uma comunidade dos que o
admiram. Quanto à gradabilidade da avaliação, observamos um alto grau de
comprometimento do colunista ao emitir suas opiniões, uma vez que os termos
escolhidos podem ser considerados os mais altos em uma escala.
Nesse texto, verificamos, através da definição de diogomainardismo
apresentada, a imagem que muitas pessoas têm de Diogo Mainardi e também o
posicionamento deste sobre a visão dos leitores a respeito dele. O colunista mostra
claramente seu papel de formador de opinião, destacando a importância da crítica
para o pleno exercício da cidadania. Isso é evidente ao se verificar a consciência de
Diogo Mainardi sobre suas críticas.
REAÇÃO DOS LEITORES:
Na revista da semana seguinte (23-06-04), são publicados os comentários
feitos por três leitores da coluna. Como apontado pela redação de Veja, o artigo de
83
Diogo Mainardi foi o assunto mais comentado da semana, com 83 manifestações de
leitores.
Nas cartas do leitor publicadas referentes a essa coluna, observamos o apoio
de alguns leitores ao articulista, mostrando que muitos concordam com suas
opiniões e entendem seu estilo de escrever:
1
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5
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43- Senhor Diogo Mainardi, acompanho há já algum tempo sua coluna e
nestes meus tempos de França eu a aprecio ainda mais. Bem, nesta primeira
vez que me manifesto é só para me contrapor ao que foi dito em sua última
coluna. Sentir-me-ei honrado no dia em que for chamado de diogomainardista,
uma vez que a meu ver o trabalho que o senhor presta ao Brasil e à ética é
sem precedentes ("O diogomainardismo", 16 de junho).
Mario Faleiros da Silveira - Paris, França (23-06-2004)
Neste comentário do leitor, observamos dialogismo na referência à coluna de
Mainardi (l.1). Com a demonstração clara de seus sentimentos, o ethos do leitor vai-
se construindo na carta. No início do segmento, é feita uma apreciação positiva da
coluna de Mainardi, uma vez que o autor da carta já a lê algum tempo (l.1). A
seguir, aparece uma manifestação de afeto do leitor em relação ao colunista, pois
aquele se sentirá honrado (l.4) caso seja comparado a este, o que demonstra um
grau elevado de compromisso do leitor para com seu ponto de vista. No final do
texto, verificamos um julgamento positivo de Diogo Mainardi, focado em sanção
social (propriedade) (ética, sem precedentes, l.5-6). Com esta manifestação, o
autor da carta busca alinhar os demais leitores em uma comunidade de apoio a
Diogo Mainardi.
1
2
44- Adorei o artigo sobre o "diogomainardismo". Não se preocupe, Diogo,
estou contigo e tenho a certeza de que seus fiéis leitores também.
Dalva Hofstatter - Houston, Texas, EUA (23-06-2004)
Neste coment
ário, podemos observar a manifestação atitudinal de afeto
positivo da leitora em relação a Diogo Mainardi, o que se comprova no uso da
palavra adorei logo no início do segmento (l.1), da mesma forma que a expressão
estou contigo (l.2). A escolha desses vocábulos aponta para um nível elevado de
84
envolvimento da produtora com seu ponto de vista. A autora da carta faz o uso da
atribuição, ao mencionar que os fiéis leitores (l.2) com certeza também apoiariam
o colunista. Com a manifestação clara de seus sentimentos, marcada ainda pelo uso
de primeira pessoa, a leitora demonstra seu ethos. Este tipo de comentário de apoio
aponta para a ligação existente entre Mainardi e seus leitores, o que reforça a idéia
da formação de uma comunidade.
1
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6
45- Meu apelido na escola é "Diogo Mainardi"; me glorifico por isso. Ser
chamado pelo nome do crítico mais ácido do Brasil não influencia meu
cotidiano. Não recebo pedrada por isso. Sou um cidadão comum e não sofro
discriminação por viver nos ideais do "diogomainardismo". Nunca ouvi elogios
por causa do meu apelido, mas certamente todos que criticam gostariam de
ser um pouco Diogo Mainardi.
Daniel Polcaro Pereira, 16 anos, Piumhi, MG (23-06-2004)
Logo no início da carta, observamos a demonstração de afeto positivo do
leitor em relação a Mainardi, ao comentar que ele se glorifica por receber tal
denominação (l.1). Com as demonstrações de sentimentos e com as várias marcas
de primeira pessoa, notamos que o ethos do autor da carta vai-se construindo no
decorrer do comentário. Verificamos um julgamento positivo da capacidade de Diogo
Mainardi, focado em sanção social, com o uso da expressão crítico mais ácido do
Brasil (l.2). Novamente observamos uma manifestação de afeto positivo no
comentário sobre o leitor o receber pedrada (l.3). Ao se considerar um cidadão
comum (l.3), temos um julgamento positivo de estima social normalidade do leitor
sobre si mesmo (o que também aponta para a construção de sua imagem no texto).
No final da carta, verificamos atribuição na referência aos leitores contrários ao
colunista (todos que criticam l.5-6), o que dá um caráter dialógico ao comentário,
mas há distanciamento, uma vez que a opinião dos que criticam Mainardi é
desafiada (certamente,gostariam de ser um pouco). Essa referência também
aponta para um julgamento negativo da capacidade destes outros leitores (foco em
estima social) e positivo em relação ao colunista, uma vez que ser um pouco Diogo
Mainardi (l.6) é visto de forma bastante positiva pelo autor da carta. Com a escolha
de vocábulos que podem ser considerados os mais altos em uma escala gradativa, o
leitor compromete-se com a opinião emitida na carta.
85
3.2.3 ANÁLISE DO GRUPO 3:
A coluna O irlandês ajudou encerra uma série de três textos
52
escritos pelo
colunista Diogo Mainardi, no ano de 2004, sobre o tema Olimpíadas de Atenas. Este
artigo se refere ao episódio envolvendo o maratonista brasileiro Vanderlei de Lima e
o ex-padre irlandês Cornelius Horan, que entrou na pista e derrubou o brasileiro,
quando este liderava a prova.
Coluna 36: O irlandês ajudou (08-09-2004)
1
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12
Alguns leitores me acusaram de estar por trás de Cornelius Horan, o fanático
religioso que, para anunciar o fim do mundo, interrompeu a marcha do
maratonista brasileiro Vanderlei de Lima. Uma goiana disse que usei meus
poderes vodus para assegurar a vitória do "carcamano que surrupiou o ouro".
Um paraense disse que me irritei com o bom desempenho de nossos atletas e
torci contra Vanderlei de Lima, que só não ganhou a maratona por causa
daquele "maluco do Primeiro Mundo". Um rondoniense disse que Horan foi
criado por minha imaginação. Um gaúcho disse que contratei o sujeito porque
o Brasil estava ganhando medalhas demais. Um paranaense disse que Horan,
na realidade, sou eu, de saiote, disposto a praticar qualquer indignidade para
garantir a ultrapassagem do maratonista americano, porque minha meta é
"derrubar o sonho dos brasileiros".
Neste segmento, o próprio autor se encarrega de apresentar as diferentes
vozes de leitores de sua coluna. Há demonstração de distanciamento, os
comentários, neste parágrafo, são apenas relatados. Aparecem várias marcas de
primeira pessoa, indicando a visão que alguns leitores teriam do colunista. Com o
relato, Mainardi mostra os julgamentos negativos que esses leitores teriam feito
sobre ele: a goiana (poderes vodus, l.3-5) e o paranaense (praticar qualquer
indignidade, minha meta é "derrubar o sonho dos brasileiros" l.10-12) estariam
julgando a propriedade da atitude do colunista, com foco em sanção social. o
52
Em 28-07-04 foi escrito o texto Perde Brasil sobre o patrocínio dos jogos olímpicos, que recebeu
54 cartas do leitor, sendo o segundo assunto mais comentado da semana. Em 11-08-04, As
Olimpíadas do Pateta retomou o tema da semana anterior (patrocínio) e causou polêmica ao afirmar
que o dever dos atletas brasileiros é perder. 69 leitores se manifestaram sobre o tema, sendo
novamente o segundo ponto mais discutido. Em 08-09-04 foi publicada a coluna O irlandês ajudou,
que recebeu 102 cartas, também sendo o segundo tema mais comentado.
86
paraense (torci contra, l.5-7), o rondoniense (criado por minha imaginação, l.7-8)
e o gaúcho (contratei o sujeito, l.8-9) estariam fazendo um julgamento negativo
focado em estima social tenacidade.
No fragmento, podemos observar que as críticas dos leitores se dirigem a
Diogo Mainardi pelo fato de ele não torcer pelos atletas brasileiros (o que se
comprova nas três colunas escritas sobre o tema). Não há, dentre os comentários
mencionados, algum condenando o responsável pelo fato, Cornelius Horan.
O relato da crítica do leitor paranaense, que teria afirmado que a meta de
Mainardi é "derrubar o sonho dos brasileiros" está relacionada à visão que muitos
outros leitores fazem do articulista, como o escritor Samir Thomaz (Observatório da
Imprensa), que afirmou que Mainardi não disfarça que sente ojeriza por tudo o que
diz respeito ao Brasil e aos brasileiros.
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15
Primeiro: Horan está certo. O fim do mundo é mais importante que uma
maratona. Arrependa-se. Os pecadores irão arder para sempre no fogo do
inferno.
No segundo segmento da coluna, observamos atribuição na referência a
Horan e ao comentário que este fez sobre sua missão
53
ao interromper o
maratonista (l.13). Na seqüência aparece a opinião de Mainardi em certo e mais
importante (l.13-14). Pode ser verificada uma apreciação negativa do articulista em
relação à maratona (o fim do mundo é mais importante, l.13-14), novamente com a
quebra de expectativas: ser contra a maratona Olímpica, o que demonstra alto grau
de comprometimento do articulista com suas opiniões. Ao utilizar arrependa-se
(l.14), o colunista faz uma referência sarcástica a seus leitores. A sentença final dá o
tom de humor ao comentário.
16
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Segundo: se não fosse por Horan, Vanderlei de Lima não só não teria ganho a
medalha de ouro como teria chegado, pelos meus cálculos, em sétimo lugar.
Àquela altura da maratona, ele estava perdendo mais de vinte segundos por
53
De acordo com o Site de esportes do Terra, Cornelius Horan explicou os motivos que o levaram a
modificar a história da prova mais nobre da Olimpíada. O mundo precisa saber que o maior evento
de nosso tempo está chegando: a segunda volta de Cristo à Terra. O século 21 exige maneiras
distintas de atuação, e eu acredito que os grandes eventos, por canalizarem a atenção do público,
são a melhor maneira de levar a palavra de Deus’”.
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21
quilômetro. O incidente com Horan deu-lhe um gás a mais. O italiano que
ganhou a maratona disse que, se tivesse acontecido com ele, simplesmente
teria dado um safanão no intruso e seguido em frente.
Nesse parágrafo do texto, o articulista mostra sua visão sobre o incidente com
o maratonista brasileiro, fazendo uma avaliação negativa da capacidade de
Vanderlei de Lima (deu-lhe um gás a mais, l.19), mostrando um julgamento
negativo focado em estima social, o que é reforçado pelo julgamento positivo do
maratonista italiano, que simplesmente teria dado um safanão no intruso e seguido
em frente (l.20-21). No final do fragmento da coluna, observamos expansão
dialógica, quando a voz do maratonista italiano é trazida para o texto (l.19-21).
Quanto à gradação, notamos o envolvimento do autor ao emitir suas opiniões, que
pode ser considerado de médio grau.
Mais uma vez podemos observar que os comentários de Mainardi podem
chocar leitores: milhares de brasileiros acreditam que Vanderlei de Lima iria ganhar
a maratona, caso Horan não tivesse aparecido. O articulista vai de encontro à
opinião desse grande grupo de pessoas ao afirmar que existem cálculos que
comprovam que a vitória não era certa, pois o ritmo do atleta estava diminuindo.
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Terceiro: os brasileiros são muito mais malucos que Horan. Sentem-se
perseguidos pelo resto do mundo. Vêem maquinações dos países ricos em
todos os seus fracassos. Acreditam que o episódio com Vanderlei de Lima só
ocorreu porque a maratona estava sendo dominada por um brasileiro. Os
vencedores das três últimas maratonas olímpicas foram um coreano, um sul-
africano e um etíope. Ou seja, atletas de países pobres. Nesta semana,
Lula alimentou a paranóia nacional com mais uma teoria conspiratória. Disse
que os países ricos, reunidos no G7, decidiram criar o G8 somente depois que
o Brasil perdeu a condição de oitava economia do mundo, porque não podiam
aceitar um país latino-americano entre os mais desenvolvidos. A declaração
de Lula é uma mistura de delírio e ignorância. Os países ricos ampliaram o G7
para incluir a Rússia, que não é a oitava economia do mundo, mas uma
superpotência nuclear. Além disso, o Brasil foi a oitava economia do mundo
por umas poucas semanas em 1997, graças à moeda inflada artificialmente. A
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renda per capita, na época, era de mais de 4.700 dólares. Agora voltou à
miséria bem mais realista de 2.700. Os brasileiros o doentes. Precisam se
tratar.
A visão dos brasileiros é relatada no quarto parágrafo (l.22-25), mostrando
distanciamento do colunista, que a seguir vai confrontá-las. A opinião de Mainardi
aparece logo no início, ao considerar os brasileiros malucos, pois estes sentem-se
perseguidos e vêem maquinações em seus fracassos, demonstrando alto grau
de compromisso do autor com suas idéias. Esse ponto de vista, que aponta para um
julgamento negativo baseado estima social normalidade, pode chocar muitos
leitores. Esta avaliação negativa é reforçada pela menção de que os brasileiros
sofrem de uma paranóia nacional estimulada por teoria conspiratória (l.28). A voz
do presidente também é apresentada (l.28-31), apontando dialogismo, mas essa
opinião é refutada a seguir. Ao apresentar sua visão (mistura de delírio e
ignorância, l.32) sobre o comentário de Lula, Diogo Mainardi faz uma avaliação do
governante, um julgamento negativo focado em estima social capacidade. Nas
sentenças finais do parágrafo verificamos uma apreciação negativa da situação
econômica do país (miséria bem mais realista, l.37) e um julgamento negativo dos
brasileiros (estima social - capacidade) (Os brasileiros são doentes. Precisam se
tratar, l.37-38). Com a demonstração clara de seu ponto de vista, Diogo Mainardi
vai construindo sua imagem no decorrer do texto.
Novamente podemos observar, nesse fragmento, as opiniões polêmicas de
Diogo Mainardi, que, com a quebra de expectativas e a derrubada de lugares-
comuns, choca muitos leitores, o que ocasiona o recebimento de muitas críticas.
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Quarto: estou me lixando para as medalhas do Brasil. Eu queria apenas
poupar seu dinheiro. Reclamei da enormidade que o governo gastou em
propaganda ufanista durante o período olímpico, para abocanhar seu voto. O
governo ganhou. Eu perdi. Você aí, no Pará, enrolado na bandeira, com a mão
no peito, também perdeu. Não sei se o fim do mundo está chegando. Mas o
fim do Brasil já chegou.
A imagem de Diogo Mainardi é construída no segmento através das marcas
de primeira pessoa e da demonstração clara de opinião, com alto grau de
89
envolvimento. Quanto à avaliação, observamos, logo no início do texto, uma
demonstração de afeto negativo do colunista em relação às medalhas do Brasil nas
Olimpíadas (estou me lixando, l.39). A seguir, aparece um julgamento negativo do
governo (enormidade, propaganda ufanista, abocanhar, l.40-41), focado em
sanção social (veracidade). A relação ganhar X perder (l.42-43) tem ligação com o
tema jogos. Na frase inicial, notamos a quebra de expectativas, ao afirmar que ele
não se interessa pelas medalhas ganhas pelo Brasil, o que pode causar
estranhamento em muitas pessoas, que em geral torcem pelo país nas Olimpíadas.
No final do texto, observamos uma manifestação de afeto negativo do
colunista em relação à situação brasileira, com o emprego de o fim do Brasil
chegou (l.44). O uso dessa expressão reforça a idéia que muitos leitores fazem de
Mainardi, de alguém que não gosta do país. Verificamos, ainda, um diálogo com o
leitor (l.42-43), buscando alinhamento.
No texto O irlandês ajudou, a voz externa é confrontada na maioria das
vezes em que é apresentada. O ethos de Diogo Mainardi pode ser facilmente
percebido pelo leitor através de seus posicionamentos claros e das marcas de
primeira pessoa. A gradabilidade da avaliação aponta para um alto nível de
comprometimento do articulista ao emitir seus pontos de vista, o que ocorre na maior
parte do artigo.
Quanto ao engajamento, Mainardi busca alinhar os leitores em uma
comunidade dos que condenam algumas atitudes do governo, neste caso, com
relação aos gastos públicos, trazendo o período das Olimpíadas como exemplo. O
parágrafo final do texto aponta claramente para esse movimento, quando os
sentimentos e as intenções do autor são declarados, convidando o leitor a
compartilhar desse ponto de vista. No último parágrafo do artigo, Diogo Mainardi
assume claramente suas intenções ao construir seus textos, muitas vezes
quebrando tabus e causando estranhamento no leitor. A tese defendida é
explicitamente apresentada, o que não ocorre em todas as colunas: algumas vezes,
apesar das opiniões fortemente marcadas, a tese fica implícita.
Dentre as colunas publicadas no ano de 2004, deve ser dado destaque às
que se referem ao tema Olimpíadas. Nesse grupo de textos, a imagem polêmica
que Mainardi mostra em seus textos, muitas vezes parece ir contra o senso comum:
por que torcer pela derrota do país nas Olimpíadas? Isso causa estranhamento para
muitas pessoas, serve de motivação para outras tantas comentarem, discutirem.
90
Com isso, Mainardi mostra sua intenção de, através das marcas deixadas em seus
textos, chamar à atenção para determinados assuntos, mesmo levantando
discussões e, muitas vezes, recebendo críticas.
REAÇÃO DOS LEITORES:
Em 15-09-04, a revista Veja traz três comentários a respeito do artigo de
Diogo Mainardi. Conforme dados publicados na seção Cartas, 102 pessoas se
manifestaram sobre o assunto, sendo o segundo ponto mais comentado na semana.
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60- Agradeço a Diogo. A seu modo tenta mostrar que precisamos ser mais
realistas e acabar de vez com esse ufanismo vira-lata. O Brasil é um país
satélite, e precisamos encarar os fatos: medalhas em Olimpíadas não vão
melhorar nosso IDH, e, no fundo, são um fraco paliativo para nossa baixa
auto-estima. Futebol e Carnaval são cachaça para um povo pobre que não
aprendeu sobre seu passado, não compreende o presente e não imagina seu
futuro ("O irlandês ajudou", 8 de setembro).
José Gurgel, Natal, RN (15-09-2004)
A voz do produtor dialoga com a de Mainardi na carta do leitor, apontando
para expansão dialógica. Logo no início do comentário, observamos a avaliação
atitudinal de afeto positivo do leitor em relação ao colunista, que agradece a ele
(l.1). A seguir aparece atribuição, com a voz de Mainardi sendo apresentada,
seguida pela opinião do leitor sobre o assunto: o ufanismo do brasileiro é vira-lata
(l.2), segundo ele, e as medalhas são um fraco paliativo para a baixa auto-estima
(l.4-5), o que é reforçado pelo uso de cachaça, na frase seguinte. Estes
comentários demonstram um julgamento negativo da situação do país na época de
Olimpíadas, focado em estima social normalidade. A carta é encerrada com mais
um julgamento negativo focado em estima social capacidade: o leitor apresenta
sua avaliação sobre o povo pobre do Brasil: não aprendeu, não compreende e
não imagina (l.5-7).
Com sua manifestação de apoio a Diogo Mainardi, com alto grau de
comprometimento de suas opiniões, o leitor busca alinhar os demais leitores em
91
uma comunidade dos que concordam com o articulista e criticam o governo. A
gradabilidade da avaliação pode ser considerada alta, o que se comprova com itens
como vira-lata e fraco paliativo. O ethos do produtor deste comentário pode ser
percebido no decorrer da carta, através da demonstração de seus sentimentos e da
manifestação clara de seu ponto de vista.
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- É verdade que somos ufanistas exagerados, mas há que aplaudir
qualquer feito de um atleta olímpico brasileiro, mesmo que chegue em último.
Os aplausos servem para estimular outros atletas, que precisam se superar
para lutar contra a falta de apoio público e privado.
Arthur Dazzani, Salvador, BA (15-09-2004)
A carta do leitor apresenta uma referência ao texto de Mainardi (ufanistas
exagerados, l.1), mas observamos contração dialógica, pois a voz é logo refutada. O
leitor faz uma apreciação positiva do texto, pois o artigo apresenta a verdade (l.1),
ao mesmo tempo que é feito um julgamento negativo de Diogo Mainardi, focado em
estima social (normalidade): qualquer feito deve ser aplaudido (l.1-2). A seguir o
leitor apresenta um julgamento positivo dos atletas, baseado em estima social
(capacidade) (l.1-4), demonstrando comprometimento do produtor com seu
posicionamento. A imagem do leitor se constrói a partir de suas opiniões.
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62- Só mesmo quem nunca experimentou ou mesmo simplesmente observou
os rigores dos treinamentos da prova seria capaz de escrever o que escreveu.
Uma pequena interrupção no ritmo respiratório é dificílimo de ser recuperada,
e a situação de Vanderlei foi agravada pelo impacto da surpresa hostil.
Impossível afirmar que ele venceria a prova, mas é possível dizer que
Vanderlei foi realmente um super-homem e sobretudo grandioso em sua
humildade.
Roberto Pereira de Souza, Rio de Janeiro, RJ (15-09-2004)
54
As cartas 61 e 62 foram incluídas na análise pois foram escritas em resposta à coluna O irlandês
ajudou. Elas não faziam parte do corpus previamente selecionado, pois não mencionam as palavras
Diogo/Mainardi, critério de seleção escolhido para as buscas com o programa Text Stat.
92
O comentário inicia com uma referência ao tema da coluna e até mesmo a
Diogo Mainardi (escrever o que escreveu) (l.2). Podemos observar, no início do
texto, (nunca experimentou, simplesmente, capaz de escrever), um julgamento
negativo do leitor em relação a Diogo Mainardi, focado em estima social
capacidade (l.1-2). Já no final da carta, verificamos um julgamento positivo do
maratonista (l.6), focado em estima social tenacidade (super-homem,
grandioso, humildade). Com a demonstração da opinião, percebemos a imagem
do leitor que é construída no texto. Quanto à gradação, observa-se empenho do
produtor, pois as escolhas lexicais apontam para o mais alto nível em uma escala:
capaz de escrever, super-homem e grandioso.
3.2.4 ANÁLISE DO TEXTO MEUS QUERIDOS LEITORES (Coluna 15, de 14-04-
2004):
A coluna Meus queridos leitores foi escrita em resposta às correspondências
enviadas por alguns dos leitores de Diogo Mainardi, abordando diferentes temas.
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Vik Muniz é um dos mais bem-sucedidos artistas plásticos brasileiros.
Tempos atrás, em cartinha a VEJA, ele comparou minha coluna à imagem da
Virgem Maria e o menino Jesus. Agradeço muito. Eu gostaria de notar, Vik,
que cartesiano é com "s".
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Outro correspondente que merece uma resposta, mesmo que atrasada,
é o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de
Mandioca (Abpam). Ele defendeu a coragem e o patriotismo do ministro Aldo
Rebelo, que apresentou um projeto de lei determinando o acréscimo de amido
de mandioca ao pão francês. O presidente da Abpam garantiu que a mandioca
é um "tubérculo de grande valor". E que o amido de mandioca é "um produto
nobre, matéria-prima para a fabricação de papelão, tecidos e cosméticos".
Peço desculpas aos associados da Abpam se eles se sentiram diminuídos. O
propósito do meu artigo era apenas denunciar a jequice e a inaptidão dos mais
altos representantes do governo Lula. Em nenhum momento pretendi sugerir
que houvesse algo de errado em comer papelão, tecidos e cosméticos.
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Adriano Diogo é secretário do Meio Ambiente de Marta Suplicy. Ele
negou que a fonte do Ibirapuera, a principal obra da prefeitura petista, tenha
sido instalada num lago cheio de coliformes fecais. Chamou-me de leviano.
Assegurou que a balneabilidade do lago é "igual ou superior à de muitas
praias do litoral brasileiro". E afirmou que a água do lago "não é potável
apenas porque para isso seria necessário acrescentar cloro". Proponho o
seguinte, Adriano Diogo: eu recolho um copo de água do lago, pingo duas
gotinhas de cloro e você toma tudo num gole só.
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Volnei Garrafa é o presidente da Sociedade Brasileira de Bioética,
indicado pelo ministro da Saúde, Humberto Costa. Ele não aprovou meu artigo
sobre o aborto. Disse que "há tempo não se lia algo tão ruim sobre o assunto".
Para ele, demonstrei "ignorância com relação ao tema". E despejei "fogo
amigo sobre aqueles que lutam pela descriminalização do aborto no país". Em
primeiro lugar, professor Garrafa, não sou seu amigo. Em segundo lugar, não
defendi a descriminalização do aborto, e sim a legalização. Em terceiro lugar,
é "descriminalização", não "discriminalização". Qual a classificação da
Universidade de Brasília no último Provão?
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Olívio Dutra escreveu-me que, quando era governador do Rio Grande
do Sul, deu todo o apoio à abertura de uma CPI do jogo do bicho. Agora que é
ministro, mudou de idéia, sendo contrário à CPI do bingo. O que mais
surpreende nos petistas é que eles ainda não perceberam que,
independentemente da CPI, o governo Lula acabou. Em junho de 2003, previ
que Lula seria desmascarado em dois anos. Durou ainda menos. Na época,
tracei um paralelo entre Lula e Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro italiano.
Para impedir investigações contra suas empresas, Berlusconi sempre acusa o
Ministério Público de ter motivações políticas. E uma de suas principais
bandeiras é intensificar o controle externo sobre a Justiça.
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O capitão-de-mar-e-guerra Ronaldo Santoro respondeu à minha
tentativa de desqualificar o programa nuclear brasileiro. Assim como o
Washington Post, ele acredita que o Brasil sabe enriquecer urânio. Bobagem.
A gente só sabe enriquecer político ladrão.
Contextualização:
94
A carta enviada pelo leitor Vik Muniz, mencionada por Mainardi no segmento
inicial de seu artigo (l.1-3), foi publicada em Veja em 14-01-04, remetendo à primeira
coluna publicada no ano de 2004:
Desde que Diogo Mainardi começou a dedicar invariavelmente seus artigos à defesa de
acusações pessoais, sua coluna passou a elucidar o comportamento intelectual do brasileiro em
função da maneira como as pessoas decidem igno-lo ou odiá-lo. Assim como a imagem da
virgem e o menino Jesus, por sua neutralidade e exaustão, não nos diz da vida dos mártires,
mas, sim, da vida dos que com a imagem se relacionam, Diogo Mainardi parece exercer o
mesmo efeito sobre aqueles que o criticam. Seu pessimismo previsível e vazio nos oferece um
zero cartesiano para que possamos nos orientar em relação a nossa cultura. Mainardi é um
chato, mas sua coluna é essencial.
Vik Muniz, Nova York, EUA
Na coluna Abacaxi com caroço, a que Vik Muniz se refere na carta, Diogo
Mainardi menciona Caetano Veloso, afirmando que o cantor consideraria Mainardi a
parte deteriorada da cultura brasileira. Um derrotista, um entreguista, um
colaboracionista, pronto a acolher o usurpador estrangeiro. O articulista também
cita Machado de Assis, a quem ele não considerava como um inimigo.
Ingenuamente, aliás, eu supunha que ele estivesse do nosso lado, comandando o
nosso time, na qualidade de o maior e o mais prestigioso abacaxi com caroço do
Brasil.
A carta do
presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de
Mandioca (l.5-15) não foi publicada pela revista. O texto de Diogo Mainardi a que o
leitor estaria se referindo é Aldo, o magnífico, de 04-02-04, que menciona alguns
dos projetos apresentados por Aldo Rebelo, dentre eles, o que obriga a adição de
farinha de raspa de mandioca à farinha de trigo.
A carta de Adriano Diogo (l.16-23) se refere à coluna Coliformes acrobatas
de 11-02-04, em que Mainardi menciona que
A prefeita Marta Suplicy ergueu uma fonte luminosa e multimídia num lago do Ibirapuera para
comemorar o aniversário de São Paulo. O lago do Ibirapuera é um acúmulo de lodo e esgoto.
Nada mais exemplarmente paulistano do que uma fonte que borrifa lodo e esgoto. O aspecto
multimídia é garantido pelas acrobacias aquáticas dos coliformes fecais.
A carta de Adriano Diogo foi publicada em Veja:
Na última edição de VEJA ("Coliformes acrobatas", 11 de fevereiro) Diogo Mainardi afirma que a
prefeita Marta Suplicy ergueu uma fonte multimídia no lago do Ibirapuera, onde as águas são
um acúmulo de lodo e esgoto. A fonte foi aprovada por todos os órgãos ambientais. Quanto à
água do lago, sua balneabilidade é igual ou superior à de muitas praias do litoral brasileiro. Ela
95
apenas não é potável. A Sabesp mantém uma estação de tratamento dentro do Ibirapuera e
monitora a qualidade da água diariamente. A fonte não foi instalada com dinheiro blico, trata-
se de um presente do grupo Pão de Açúcar à cidade.
Adriano Diogo - Secretário do Verde e Meio Ambiente do município de São Paulo
A carta de Volnei Garrafa (l.24-32), que não foi publicada na revista, fazia
menção ao artigo O planejamento petista, de 17-03-04, que remete à questão da
legalização do aborto:
O ministro da Saúde, Humberto Costa, anunciou que quer diminuir em 15% a mortalidade
materna. Há uma maneira simples e rápida para atingir a meta. Basta legalizar o aborto.
Calcula-se que os abortos clandestinos sejam responsáveis por cerca de 15% das mortes de
gestantes. Acabando com os abortos clandestinos, a mortalidade materna diminui na mesma
proporção, em particular entre as mulheres mais pobres e mais jovens.
A carta de Olívio Dutra (l.33-42) não foi publicada. Na coluna de 03-03-04
Pelo impeachment de Lula, Mainardi menciona que
Os ga
úchos conhecem muito bem os métodos e as estratégias do PT. Em 2001, a Assembléia
Legislativa do Estado montou uma CPI para investigar o suposto financiamento ilegal da
campanha de Olívio Dutra por parte de bicheiros e proprietários de bingos.
A carta do capitão Ronaldo Santoro e o artigo a que se refere o fragmento
final do artigo (l.43-46) não pertencem ao grupo de textos analisados (ano de 2004).
ANÁLISE DA COLUNA:
Quanto ao engajamento, em todo o texto há o diálogo com os leitores e,
muitas vezes, com o assunto da coluna de Veja.
Todos os parágrafos do artigo Meus queridos leitores iniciam com uma
referência ao leitor (l.1, 6, 16, 24, 33 e 43), seguida pelo assunto da carta ou por
parte do comentário enviado (l.2-3, l.7-11. l.16-21, l.25-28, l.33-34 e l.43-45). Em
vários momentos, Mainardi fecha a resposta à carta usando o tom irônico para fazer
sua avaliação do texto do leitor.
De acordo com o próprio colunista
,
tem muita gente
que não entende ironia, sarcasmo, este tipo de coisa. É uma deficiência cultural
nossa. Para o articulista, um debate pode ser ácido, sarcástico, afiado,
provocatório (entrevista
55
para a Rádio Gaúcha/TV Com Parte 1).
55
Disponível em http://www.sobrediogo.blogger.com.br/2004_11_01_archive.html
96
Nas linhas 3 e 4, ao mesmo tempo que Mainardi agradece ao leitor pela
comparação feita, ele aponta um problema ortográfico cometido na carta: Eu só
gostaria de notar, Vik, que cartesiano é com s’”. O segundo segmento é fechado em
tom bem humorado, ao retomar as palavras do leitor (l.14-15). O terceiro fragmento
da coluna é encerrado com um desafio ao leitor, também recorrendo ao humor: eu
recolho um copo de água do lago, pingo duas gotinhas de cloro e você toma tudo
num gole só (l.22-23). No parágrafo seguinte, a resposta do articulista vem
novamente em tom desafiador, também corrigindo a carta enviada (l.29-31),
fechando o segmento com uma pergunta retórica: Qual a classificação da
Universidade de Brasília no último provão?. O tom bem humorado volta no final do
texto, no jogo de palavras com o enriquecimento de urânio: Bobagem. A gente
sabe enriquecer político ladrão (l.45-46).
Com relação às avaliações feitas, observamos alto grau de comprometimento
de Diogo Mainardi ao emitir suas opiniões. Dentre as principais marcas avaliativas, o
texto inicia fazendo um julgamento positivo de Vik Muniz, o que é mostrado na
expressão bem-sucedido (estima social - capacidade). A seguir, verificamos um
julgamento negativo implícito do artista plástico, com base em estima social
capacidade, ao mencionar que cartesiano é com s’”.
No segundo parágrafo, observamos um julgamento positivo do ministro, feito
pelo leitor, o que fica evidente na seleção de coragem e patriotismo. Na
seqüência, o articulista pede desculpas aos associados da Abpam e reforça o
propósito do artigo escrito anteriormente por ele, mostrando claramente a tese, o
que aponta para a construção de seu ethos: O propósito do meu artigo era apenas
denunciar a jequice e a inaptidão dos mais altos representantes do governo Lula.
Nesse comentário, Diogo Mainardi faz um julgamento negativo do representante do
governo, avaliando a capacidade dele (foco em estima social), o que é marcado por
jequice e inaptidão.
No terceiro segmento, ao afirmar que o leitor o chamou de leviano (l.18), o
colunista aponta para um julgamento negativo, focado em sanção social
veracidade, que teria sido feito pelo secretário Adriano Diogo em relação a Mainardi.
A resposta do colunista (l. 21-23), uma vez que este lança um desafio, também pode
ser considerada um julgamento implícito, focado em sanção social veracidade,
dele em relação ao secretário.
97
No quarto segmento, inicialmente, observamos, no comentário relatado por
Mainardi (l.26-28), o julgamento negativo com foco em estima social capacidade
do leitor em relação ao colunista, o que é marcado pelo uso de não aprovou, o
ruim, ignorância e fogo amigo. A seguir, ao responder que não é amigo do leitor,
Diogo Mainardi refuta o comentário feito, e faz um julgamento negativo do professor
(estima social - capacidade), ao mencionar os equívocos cometidos (l.30-31).
O quinto parágrafo retoma o tema política, com a resposta a Olívio Dutra,
afirmando que este mudou de idéia (l.34-35), o que é visto como um julgamento
negativo focado em sanção social (propriedade). Verificamos, ainda neste
fragmento, o julgamento negativo do governo (l.37-38) com foco em sanção social
(veracidade), o que é marcado pelos itens lexicais acabou e desmascarado. No
último segmento (l.46), temos também um julgamento negativo (político ladrão)
feito sobre alguns políticos (sanção social - veracidade).
Em todos os julgamentos, percebemos alto grau de comprometimento, tanto
da parte de Mainardi, quanto dos leitores, o que se comprova pelas escolhas
lexicais, que estariam no nível mais elevado em uma escala. As marcas claras de
opinião, o uso do humor, os desafios lançados, apontam para as marcas do ethos
dos produtores. Ao observarmos os comentários dos leitores, também podemos
notar a imagem que estes fazem de Diogo Mainardi, através das respostas dadas
aos assuntos das diferentes colunas.
REAÇÃO DO LEITOR:
Após a publicação da coluna Meus queridos leitores, Volnei Garrafa
novamente escreve a Mainardi, tendo, então, seu comentário publicado:
1
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4
5
6
7
28- A Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) é uma entidade científica da
sociedade civil; seus dirigentes são eleitos estatutariamente pelos pares
acadêmicos. A menção ao fato de o ministro Humberto Costa (que nem
sequer conheço pessoalmente) ter me nomeado presidente da SBB mostra a
completa desinformação do jornalista ("Meus queridos leitores", 14 de abril).
Eu me referi a "fogo amigo" pois seu artigo, que pretendia defender o aborto,
tornou-se uma peça (fraca e de mau gosto, felizmente) de apoio para aqueles
98
8
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11
que o combatem. Em tempo: nas carreiras nas quais tenho atuação
profissional (odontologia, nutrição, farmácia...), me parece que a UnB ficou
com nota "A" no Provão; sobre as demais, não tenho informações. Mas, de
modo geral, a UnB tem se saído bem nos Provões.
Volnei Garrafa, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética
da UnB, Brasília, DF
A carta de Volnei Garrafa, publicada em Veja de 21-04-04, foi uma resposta
ao comentário feito por Diogo Mainardi em sua coluna (l.24-32). O leitor inicia seu
texto explicando o trabalho realizado por ele, indo de encontro ao que foi afirmado
por Mainardi (l.24-25 da coluna), o que aponta para um julgamento negativo (do
leitor em relação ao articulista) baseado em sanção social (propriedade), o que é
reforçado pelo uso da expressão completa desinformação (l.5 da carta). Ao
retomar o tema aborto, o produtor da carta refuta os comentários feitos por Mainardi
em seu artigo, novamente julgando de forma negativa o comportamento do colunista
(estima social - capacidade), o que é marcado por fraca, mau-gosto e
felizmente. Mais uma vez indo de encontro às colocações de Mainardi, Volnei
Garrafa corrige o uso feito pelo colunista da expressão fogo amigo, que teria sido
mencionada na primeira carta escrita: o professor a teria empregado no sentido que
surgiu nas guerras, quando um companheiro mata outro, sem intenção. A retificação
aponta para um julgamento negativo, baseado em estima social capacidade, do
colunista. O leitor fecha seu comentário mais uma vez contrariando Mainardi, em
resposta à menção sobre a posição da universidade nos provões (l.8-11).
Em todas as suas colocações, o autor da carta mostra grau elevado de
compromisso em seus posicionamentos, o que se mostra pelas escolhas lexicais. O
texto tem caráter heterogóssico, uma vez que dialoga com os comentários de Diogo
Mainardi.
3.2.5 A COMUNIDADE DE LEITORES
Todo o texto pode servir como exemplo claro da formação da comunidade de
leitores de Diogo Mainardi: se há muitos que escrevem cartas para elogiar o
trabalho, neste texto, percebemos que também existem muitas opiniões
discordantes. Podemos observar, ainda, que, mesmo os que não corroboram os
99
posicionamentos do articulista, se escreveram para ele, é por que leram a coluna, ou
seja: a comunidade de leitores é formada pelos que concordam, pelos que elogiam,
pelos que permanecem em posição neutra, mas também pelos que discordam,
criticam, debatem idéias.
A partir do conceito de motivação apresentado por Meurer (1997, p. 18),
verificamos que, ao escreverem as cartas, os leitores, em geral, buscam defender
um determinado ponto de vista, contrário ou favorável ao do articulista. No caso de
Diogo Mainardi, da revista Veja, suas opiniões polêmicas possivelmente sejam essa
motivação, pois estas poderiam causar situações de conflito envolvendo fatos da
vida dos leitores, de seu conjunto de práticas sociais, definidas por Meurer (1997,
p.21) como aquilo que as pessoas efetivamente fazem ou realizam na vida real. As
colocações muitas vezes causam estranhamento em muitos leitores pela quebra de
paradigmas, o que pode ser chocante à primeira vista.
A partir desses exemplos, percebemos que as polêmicas levantadas por
Diogo Mainardi, que motivam dezenas de pessoas a escreverem cartas do leitor
destinadas a ele todas as semanas, cumprem um importante papel de motivar a
discussão dessas questões na sociedade. No momento em que uma pessoa pensa
em escrever uma dessas cartas, ela se posiciona diante da questão, para concordar
ou discordar do colunista, sendo que esse processo se dá através da linguagem,
tanto na parte de Mainardi, em suas colunas semanais, como da parte dos leitores,
ao escreverem para comentar os textos. Isso confirma as idéias apresentadas por
Meurer (2002, p.10-11), que destaca a importância de se desenvolver habilidades
comunicativas para se interagir no mundo de forma crítica.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, observamos como se dá a formação de uma comunidade de
leitores, através da análise de dois gêneros: o artigo de opinião e a carta do leitor.
Nesses textos, verificamos de que forma os valores de avaliação operam, na busca
do alinhamento do leitor. A pesquisa buscou observar a funcão interpessoal dos
textos, analisando de que forma são construídas as avaliações e como se a
relação escritor-leitor.
O trabalho iniciou mostrando a visão de Bakhtin sobre gênero, que o
considera como o resultado da recorrência de tema, organização e estilo, para, a
partir dessa concepção, trazer a visão de outros teóricos sobre o assunto, buscando
compreender melhor seu funcionamento. Acreditamos que a relação entre a teoria
de Bakhtin e a teoria da valoração esteja, principalmente, na observação do estilo do
autor, além da noção de compreensão responsiva ativa, ou seja, todo enunciado
pressupõe uma resposta, o que fica claro na relação escritor-leitor. A partir do
conceito de conjunto e sistema de gêneros, proposto por Bazerman, observamos
que a carta do leitor e a coluna de opinião, através da formação de uma comunidade
de leitores, confirmaram a hipótese das seqüências regulares com que um gênero
segue outro gênero (2005, p.32).
De acordo com a noção de ethos, pretendemos compreender de que forma
a imagem construída pelo escritor em seu texto era recebida pelo leitor e que
marcas desse ethos estavam presentes nos textos. Observando os artigos de Diogo
Mainardi selecionados, verificamos que, em um grande número de vezes, a imagem
do colunista foi mostrada diretamente, através do uso explícito do pronome pessoal
eu. Em outras situações, a primeira pessoa fazia parte da desinência verbal.
Com base nas observações feitas sobre o ethos de Diogo Mainardi, notamos
que, em sua coluna semanal da revista Veja, sua imagem é construída de forma
clara. O articulista faz questão de marcar sua voz sobre as questões polêmicas que
são discutidas em seus textos, o que leva o leitor a entrar no debate, seja para
concordar, seja para criticar. Como é apontado pela própria revista, Diogo Mainardi é
um dos que mais recebem cartas do leitor comentando suas colunas, o que mostra
101
que há uma comunidade de leitores de Diogo Mainardi, pessoas que semanalmente
lêem seus textos e, muitas vezes, escrevem à revista para comentá-los.
Um dos questionamentos que nortearam esta pesquisa é por que tantas
pessoas escrevem semanalmente cartas à revista Veja comentando os textos de
Diogo Mainardi. A partir do conceito de motivação, de Meurer, analisamos os grupos
de cartas e textos a fim de verificar qual poderia ser a resposta. Com base nas
observações feitas, acreditamos que a imagem pessoal transmitida pelos textos de
Diogo Mainardi, normalmente polêmica, seria essa motivação. Esses
posicionamentos podem causar estranhamento em alguns leitores, pela quebra de
paradigmas que muitas vezes ocorre na emissão desses pontos de vista, o que
pode chocar diversos leitores, agradar outros tantos, mas, certamente, suscita
debates acerca dos temas apresentados. Dessa forma, acreditamos que o ethos
projetado nos textos do colunista serve como motivação para a produção das cartas
do leitor, o que foi outra questão apontada no início do trabalho.
Outro ponto central deste estudo foi a organização da comunidade de
leitores. Das onze cartas do leitor analisadas, observamos que ocorreu uma divisão
das opiniões: cinco delas mostravam concordância com o colunista ou com suas
opiniões, outras cinco, discordância e uma delas concordou em parte. Essa divisão
aponta para a natural partição existente nas comunidades de leitores, o que também
ocorre com a de Diogo Mainardi: muitos dos leitores de seus artigos concordam com
seus pontos de vista, muitos outros discordam e alguns permanecem no que se
pode considerar uma zona cinza: concordam com determinados pontos, mas não
com outros; alguns reconhecem não gostar da imagem do colunista, mas aprovam
suas opiniões. Esses três grupos comprovam nossa hipótese da formação de uma
comunidade de leitores, composta por pessoas que lêem por admiração, por outras
que parecem estar curiosas, outras tantas que se sentem desafiadas, chocadas com
as polêmicas que muitas vezes lhes causam estranhamento: todos leitores, seja
para concordar, para discordar seja para criticar.
Com relação às estratégias utilizadas pelos produtores, a teoria da
valoração, apresentada por Martin & White (2005), contribuiu para a compreensão
do modo como as atitudes operam nos textos, buscando alinhamento do leitor em
comunidades. Verificamos até que ponto o autor de cada texto se mostrava
engajado nas idéias que estava defendendo, e como essa defesa era graduada:
baixo, médio ou alto grau de comprometimento do produtor com seu
102
posicionamento. Os itens lexicais estariam em uma escala, cabendo ao escritor do
texto escolher os de maior ou menor nível de comprometimento. A partir do conceito
de avaliação atitudinal, as marcas de opinião foram classificadas nas três categorias
propostas pelos pesquisadores australianos: afeto, quando há um predomínio da
demonstração dos sentimentos positivos ou negativos, com a emoção em seu
centro; julgamento, quando se observa a aprovação ou reprovação de determinados
comportamentos, com foco em estima ou sanção social; ou, ainda, apreciação, que
se relaciona às avaliações feitas de fenômenos, textos, obras, etc.
Após o embasamento teórico, este trabalho procurou aplicar os conceitos
da teoria da valoração, de Martin & White, nos textos selecionados para o corpus. A
partir dos resultados encontrados na análise, consideramos que, no caso destes
grupos de textos, há um predomínio do engajamento heteroglóssico, pois
normalmente há referência a outros textos, outras pessoas ou opiniões, observando
uma preponderância de dialogismo. Verificamos, também, a grande ocorrência de
contração dialógica, principalmente nos artigos de opinião: quando uma voz externa
era apresentada, normalmente essa era refutada ou desafiada.
No caso das marcas de avaliação atitudinal, observamos, no corpus
analisado, um predomínio dos julgamentos, seguidos pelas apreciações e pelas
manifestações de afeto, sendo estas em menor número. Em muitos fragmentos dos
artigos ou nas cartas do leitor, ocorreu a mescla de mais de uma modalidade
avaliativa.
Quanto ao modo de graduar as manifestações avaliativas, verificamos, nos
artigos de opinião e nas cartas do leitor, que, na maioria das vezes, as opiniões são
manifestadas com alto grau de comprometimento do produtor: os vocábulos
escolhidos pelos produtores normalmente estariam no nível mais alto em uma
escala de valores, o que aponta para um elevado envolvimento do autor com a
opinião emitida em seus textos.
Este trabalho pretendeu investigar algumas questões ligadas à relação
escritor-leitor, mas sabemos que os resultados que obtivemos poderiam se alterar
caso a metodologia empregada fosse outra, ou os textos fossem diferentes. O que
buscamos com esta pesquisa foi dar uma contribuição para a constante discussão
acerca dos estudos com gêneros, observando um determinado corpus a partir de
uma teoria que se pode considerar recente.
103
Sabemos que os dados obtidos não são conclusivos. Diferentes
possibilidades de análise textual podem motivar novos estudos com a mesma teoria,
ou até com o mesmo corpus. Uma outra perspectiva seria a dos estudos
comparativos: a formação de diferentes comunidades de leitores, com dois
colunistas da mesma ou de diferentes revistas, por exemplo. A mudança da
orientação teórica também poderia proporcionar interessantes resultados, inclusive a
partir do mesmo corpus e das mesmas hipóteses.
Quanto às limitações da pesquisa, consideramos que a principal delas foi a
pouca bibliografia encontrada em língua portuguesa acerca da teoria da valoração.
Trabalhamos basicamente com a obra de Martin & White (2005) publicada em
inglês, o que nos levou, muitas vezes, a utilizar uma terminologia de nossa própria
tradução. O artigo de White traduzido para o português, bem como a bibliografia
da gramática sistêmico-funcional já disponível nesta língua, foram de grande auxílio.
Esperamos que nosso estudo tenha contribuído para a discussão sobre os
gêneros e, especialmente, para o debate sobre a linguagem em uso em nosso dia-a-
dia.
104
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109
ANEXOS
110
Anexo 1:
QUADRO-RESUMO DA ANÁLISE:
Ethos marca-
do por 1
ªp. ou
opinião clara
Avalia
ção
atitudinal
Engajamento Grada
ção
Comprometi-
mento autor
Posicionamento
em rela
ção a
Mainardi
G1 - § 1 1ªp./opinião Afeto Monogl. Alto grau ---
G1 - § 2 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
G1 - § 3 Opinião Apreciação Heterogl. Alto grau ---
G1 - § 4 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
G1 - § 5 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
G1 - § 6 1ªp./opinião Apreciação Heterogl. Alto grau ---
Carta 2 1ªp./opinião Julgamento
Heterogl. Alto grau Discorda
Carta 3 1ªp./opinião Afeto Heterogl. Alto grau Discorda
Carta 4 1ªp./opinião Afeto Heterogl. Alto grau Concorda
Carta 5 1ªp./opinião Aprec./Afeto
Heterogl. Alto grau Discorda
G 2 - § 1 1ªp./opinião Apreciação Heterogl. Médio grau ---
G 2 - § 2 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
G 2 - § 3 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
G 2 - § 4 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
Carta 43 1ªp./opinião Apr./Jul./Af. Heterogl. Alto grau Concorda
Carta 44 1ªp./opinião Afeto Heterogl. Alto grau Concorda
Carta 45 1ªp./opinião Afeto/Julg. Heterogl. Alto grau Concorda
G 3 - § 1 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
G 3 - § 2 Opinião Apreciação Heterogl. Alto grau ---
G 3 - § 3 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Médio grau ---
G 3 - § 4 Opinião Aprec./Julg. Heterogl. Alto grau ---
G 3 - § 5 1ªp./opinião Afeto/Julg. Heterogl. Alto grau ---
Carta 60 1ªp./opinião Afeto/Julg. Heterogl. Alto grau Concorda
Carta 61 1ªp./opinião Aprec./Julg. Heterogl. Médio grau Conc.
em parte
Carta 62 Opinião Julgamento Heterogl. Alto grau Contra
G 4 - § 1 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
G 4 - § 2 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
111
G 4 - § 3 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
G 4 - § 4 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
G 4 - § 5 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
G 4 - § 6 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau ---
Carta 28 1ªp./opinião Julgamento Heterogl. Alto grau Discorda
Anexo 2: Colunas utilizadas na análise
O pior é melhor (28-01-2004)
uma sorte que o Paulo seja tão pouco musical. A música popular constitui o
maior fator de atraso no Brasil. Quanto mais musical é uma região, mais
subdesenvolvida ela é"
Desde cedo a única meta que eu tinha na vida era ir embora de São Paulo.
Fracassei em minha primeira tentativa migratória. Fracassei na segunda. Na
terceira, deu certo. Fui embora e nunca mais voltei.
Depois de tantos anos de afastamento, finalmente me reconciliei com a
cidade. Aprendi a reconhecer seus méritos. O maior deles é despertar o sentimento
de repulsa em seus habitantes. São Paulo é tão detestável que somos estimulados
a rejeitar nossa origem, a buscar lá fora o que não podemos encontrar aqui dentro.
Parece pouco. Não é. São Paulo não acomoda. Ela nos deixa num permanente
estado de insatisfação e precariedade. O paulistano não é apegado a nada. Está
sempre de malas prontas, disposto a abandonar oportunisticamente tudo o que lhe
pertence: sua cidade, seu país, sua família, suas idéias. Não temos o sentido de
coletividade: não sabemos votar, não sabemos respeitar as regras, não sabemos
pensar no próximo, não sabemos cumprir os acordos. Em compensação,
conseguiríamos nos adaptar com facilidade a um holocausto nuclear. Pena que a
perspectiva de um holocausto nuclear seja cada dia mais remota.
A música é o mais importante elemento de identidade nacional. Em São
Paulo, a falta de sentido de coletividade nos impediu de desenvolver um estilo
musical. Ao contrário do resto do Brasil, o temos ritmos próprios, não temos
artistas de peso. Nosso ouvido é duro. Na festa de aniversário da cidade, o melhor
que conseguimos apresentar foi o grupo Demônios da Garoa. Caetano Veloso
também homenageou a cidade, mas ele não conta, porque é baiano e, sobretudo,
porque homenageia qualquer lugar. Ele já homenageou Londres, Barcelona, Nova
112
York, São Francisco e Brasília. homenageou até TelAviv. Caetano Veloso é
como Lamartine Babo, que escreveu os hinos de todos os times de futebol do Rio
de Janeiro.
É uma sorte que São Paulo seja tão pouco musical. A música popular
constitui o maior fator de atraso no Brasil. Quanto mais musical é uma região, mais
subdesenvolvida ela é. A musicalidade dos brasileiros está diretamente relacionada
com as epidemias de leishmaniose, os esgotos a céu aberto, os desmoronamentos
de favelas. São Paulo é a cidade mais rica do Brasil simplesmente porque não
entende nada de música, porque não fica sentada em banquinho de violão. Os
compositores de música popular, agora, publicam livros com todas as suas letras.
Quem consegue compreender o significado dessas letras nunca irá aprender a
construir uma ponte, ou a planejar o escoamento de um milharal, ou a obturar um
dente cariado. Um conhecimento anula o outro.
O Brasil se reconhece no sentimentalismo mais ordinário, no verso mais
incongruente, na batida mais simplória. Fomos ensinados que a música nos ajudou
a resistir a todos os tipos de autoritarismo. Mentira. A música é um instrumento de
dominação. Tanto que todos os partidos políticos criam seus sambinhas para o
horário eleitoral. Se até o PTB tem seu sambinha, é sinal de que algo errado na
MPB.
São Paulo é a pior cidade do Brasil. Mas nós, paulistanos, até que temos a
nossa graça: não levamos jeito para a música, o que nos torna, tudo somado, um
pouco menos brasileiros.
O diogomainardismo (16-06-2004)
"Assim como o termo malufismo ganhou a conotação de desvio de dinheiro público,
o diogomainardismo pode ser definido como uma difamação espalhafatosa na
tentativa de chamar atenção"
Virei um insulto. Tutty Vasques assinalou o fato. Quando os leitores querem
insultá-lo por causa de um artigo, já não ofendem sua mãe, como antes, mas o
comparam a mim. Chamam-no de Diogo Mainardi. Assim como o termo malufismo
ganhou a conotação de desvio de dinheiro público, diogomainardismo pode ser
definido como uma difamação espalhafatosa na tentativa de chamar atenção. Foi
com esse significado nada lisonjeiro que meu nome entrou para o dicionário.
Acompanhado por adjetivos como derrotista, frustrado, invejoso, ególatra, leviano,
113
oportunista, mal-humorado. Pouco importa que eu não me reconheça na descrição.
Diogo Mainardi se tornou uma entidade maior do que eu. Como Pelé, posso
começar a falar a meu respeito na terceira pessoa.
O epíteto Diogo Mainardi é aplicado a qualquer coitado que reclame
publicamente de alguma coisa. Do jornalista que denuncia nossa falta de jeito para o
cinema ao blogueiro adolescente que se recusa a gostar de uma determinada banda
musical. Em geral, trata-se de gente inofensiva que se limita a soltar um comentário
gratuito sobre um tema desimportante. Basta pouco para estimular a ultrajante
comparação. Atribuíram-me o monopólio do protesto. Desse modo, qualquer um que
proteste é automaticamente associado a mim, com tudo o que isso tem de negativo.
Os brasileiros sempre preferiram o conchavo e o corporativismo à discussão e à
insubordinação. Apesar dessa nossa propensão à canalhice, tivemos grandes
contestadores no passado, sobretudo na imprensa. Aparentemente não sobrou
nenhum. Ou melhor, só sobrei eu, um palerma, uma caricatura grosseira de quem
me precedeu.
Pelas contas de Tutty Vasques, 96% dos cariocas cassariam meu visto e me
mandariam embora do Rio de Janeiro. Certamente os mesmos 96% que apoiavam
Lula no começo do mandato. A eleição de Lula representou o triunfo do
diogomainardismo. Peguei no pé do presidente desde os primeiros tempos, para
contrastar a euforia plebiscitária que se formou ao seu redor. Agora a euforia
passou. As pessoas se encheram de Lula e, conseqüentemente, encheram-se de
mim, identificando-me como uma espécie de parasita do insucesso petista. Cresci
como um verme solitário na barriga do governo, alimentando-me da figura de bom
selvagem de Lula, com seu palavreado primário e sua malandragem brasileira.
Quando Lula acabou, acabei junto. Virei um palavrão. Daqui a alguns anos, por
sorte, ninguém mais se lembrará de nós.
Claro que ser identificado como único opositor do Brasil me envaidece. Claro
também que não é bom para o país. A identidade cultural brasileira não se baseou
em idéias, mas em um ou dois acordes de violão. A falta de idéias não criou o hábito
da contraposição, da reivindicação, da argumentação. Quem não está acostumado a
argumentar é facilmente enganado. Por isso o Brasil o funciona. Porque a gente
forma espontaneamente maiorias bovinas de 96%. Cultura não é rebolar na rua.
Cultura é reclamar, achincalhar, protestar, caluniar. Lamento muito que meu nome
114
seja usado para ofender os mais inconformados. Se alguém o chamar de Diogo
Mainardi, porém, não se desespere. Eu já fui comparado até a Aracy de Almeida.
O irlandês ajudou (08-09-2004)
"Se não fosse por Horan, Vanderlei de Lima não não teria ganho a medalha de
ouro como teria chegado, pelos meus cálculos, em sétimo lugar. O incidente com
Horan deu-lhe um gás a mais"
Alguns leitores me acusaram de estar por trás de Cornelius Horan, o fanático
religioso que, para anunciar o fim do mundo, interrompeu a marcha do maratonista
brasileiro Vanderlei de Lima. Uma goiana disse que usei meus poderes vodus para
assegurar a vitória do "carcamano que surrupiou o ouro". Um paraense disse que
me irritei com o bom desempenho de nossos atletas e torci contra Vanderlei de
Lima, que só não ganhou a maratona por causa daquele "maluco do Primeiro
Mundo". Um rondoniense disse que Horan foi criado por minha imaginação. Um
gaúcho disse que contratei o sujeito porque o Brasil estava ganhando medalhas
demais. Um paranaense disse que Horan, na realidade, sou eu, de saiote, disposto
a praticar qualquer indignidade para garantir a ultrapassagem do maratonista
americano, porque minha meta é "derrubar o sonho dos brasileiros".
Primeiro: Horan está certo. O fim do mundo é mais importante que uma maratona.
Arrependa-se. Os pecadores irão arder para sempre no fogo do inferno.
Segundo: se não fosse por Horan, Vanderlei de Lima não não teria ganho
a medalha de ouro como teria chegado, pelos meus cálculos, em sétimo lugar.
Àquela altura da maratona, ele estava perdendo mais de vinte segundos por
quilômetro. O incidente com Horan deu-lhe um gás a mais. O italiano que ganhou a
maratona disse que, se tivesse acontecido com ele, simplesmente teria dado um
safanão no intruso e seguido em frente.
Terceiro: os brasileiros são muito mais malucos que Horan. Sentem-se
perseguidos pelo resto do mundo. Vêem maquinações dos países ricos em todos os
seus fracassos. Acreditam que o episódio com Vanderlei de Lima só ocorreu porque
a maratona estava sendo dominada por um brasileiro. Os vencedores das três
últimas maratonas olímpicas foram um coreano, um sul-africano e um etíope. Ou
seja, só atletas de países pobres. Nesta semana, Lula alimentou a paranóia nacional
com mais uma teoria conspiratória. Disse que os países ricos, reunidos no G7,
decidiram criar o G8 somente depois que o Brasil perdeu a condição de oitava
115
economia do mundo, porque não podiam aceitar um país latino-americano entre os
mais desenvolvidos. A declaração de Lula é uma mistura de delírio e ignorância. Os
países ricos ampliaram o G7 para incluir a Rússia, que não é a oitava economia do
mundo, mas uma superpotência nuclear. Além disso, o Brasil foi a oitava economia
do mundo por umas poucas semanas em 1997, graças à moeda inflada
artificialmente. A renda per capita, na época, era de mais de 4.700 dólares. Agora
voltou à miséria bem mais realista de 2.700. Os brasileiros são doentes. Precisam se
tratar.
Quarto: estou me lixando para as medalhas do Brasil. Eu queria apenas
poupar seu dinheiro. Reclamei da enormidade que o governo gastou em propaganda
ufanista durante o período olímpico, para abocanhar seu voto. O governo ganhou.
Eu perdi. Você aí, no Pará, enrolado na bandeira, com a mão no peito, também
perdeu. Não sei se o fim do mundo está chegando. Mas o fim do Brasil já chegou.
Meus queridos leitores (14-04-2004)
"O capitão Ronaldo Santoro respondeu à minha tentativa de desqualificar o
programa nuclear brasileiro. Assim como o Washington Post, ele acredita que o
Brasil sabe enriquecer urânio. Bobagem. A gente só sabe enriquecer político ladrão"
Vik Muniz é um dos mais bem-sucedidos artistas plásticos brasileiros.
Tempos atrás, em cartinha a VEJA, ele comparou minha coluna à imagem da
Virgem Maria e o menino Jesus. Agradeço muito. Eu gostaria de notar, Vik, que
cartesiano é com "s".
Outro correspondente que merece uma resposta, mesmo que atrasada, é o
presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca
(Abpam). Ele defendeu a coragem e o patriotismo do ministro Aldo Rebelo, que
apresentou um projeto de lei determinando o acréscimo de amido de mandioca ao
pão francês. O presidente da Abpam garantiu que a mandioca é um "tubérculo de
grande valor". E que o amido de mandioca é "um produto nobre, matéria-prima para
a fabricação de papelão, tecidos e cosméticos". Peço desculpas aos associados da
Abpam se eles se sentiram diminuídos. O propósito do meu artigo era apenas
denunciar a jequice e a inaptidão dos mais altos representantes do governo Lula.
Em nenhum momento pretendi sugerir que houvesse algo de errado em comer
papelão, tecidos e cosméticos.
116
Adriano Diogo é secretário do Meio Ambiente de Marta Suplicy. Ele negou
que a fonte do Ibirapuera, a principal obra da prefeitura petista, tenha sido instalada
num lago cheio de coliformes fecais. Chamou-me de leviano. Assegurou que a
balneabilidade do lago é "igual ou superior à de muitas praias do litoral brasileiro". E
afirmou que a água do lago "não é potável apenas porque para isso seria necessário
acrescentar cloro". Proponho o seguinte, Adriano Diogo: eu recolho um copo de
água do lago, pingo duas gotinhas de cloro e você toma tudo num gole só.
Volnei Garrafa é o presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, indicado
pelo ministro da Saúde, Humberto Costa. Ele não aprovou meu artigo sobre o
aborto. Disse que "há tempo não se lia algo tão ruim sobre o assunto". Para ele,
demonstrei "ignorância com relação ao tema". E despejei "fogo amigo sobre aqueles
que lutam pela descriminalização do aborto no país". Em primeiro lugar, professor
Garrafa, não sou seu amigo. Em segundo lugar, não defendi a descriminalização do
aborto, e sim a legalização. Em terceiro lugar, é "descriminalização", não
"discriminalização". Qual a classificação da Universidade de Brasília no último
Provão?
Olívio Dutra escreveu-me que, quando era governador do Rio Grande do Sul,
deu todo o apoio à abertura de uma CPI do jogo do bicho. Agora que é ministro,
mudou de idéia, sendo contrário à CPI do bingo. O que mais surpreende nos
petistas é que eles ainda não perceberam que, independentemente da CPI, o
governo Lula acabou. Em junho de 2003, previ que Lula seria desmascarado em
dois anos. Durou ainda menos. Na época, tracei um paralelo entre Lula e Silvio
Berlusconi, o primeiro-ministro italiano. Para impedir investigações contra suas
empresas, Berlusconi sempre acusa o Ministério Público de ter motivações políticas.
E uma de suas principais bandeiras é intensificar o controle externo sobre a Justiça.
O capitão-de-mar-e-guerra Ronaldo Santoro respondeu à minha tentativa de
desqualificar o programa nuclear brasileiro. Assim como o Washington Post, ele
acredita que o Brasil sabe enriquecer urânio. Bobagem. A gente só sabe enriquecer
político ladrão.
Anexo 3: Cartas do leitor utilizadas na análise
2- Jamais imaginei ler nas páginas de VEJA um artigo refletindo as opiniões
arrogantes, rancorosas e desrespeitosas de um articulista contra a cidade de São
Paulo e o povo paulistano. E o pior: ele próprio é um paulistano.
117
Luiz Borges Barreto, São Paulo, SP (04-02-2004)
3- Sou artista, professora e pesquisadora paulistana de música e dança popular.
Tomo a voz por toda a classe de músicos paulistanos, pois estamos perplexos com
a coluna do senhor Mainardi.
Ana Rita Simonka, Por e-mail, www.artesimbolo.com.br (04-02-2004)
4- Ufa! Pensei que todos estavam cegos com esta "estória" de 450 anos. Fugi de
São Paulo há dois anos e estou muito feliz no interior. Parabéns, Mainardi!
Carla Patricia Picolo Pujol, Por e-mail (04-02-2004)
5- Assim como o senhor Mainardi já o fez um dia, moro fora do país. Mas, ao
contrário desse senhor amargo, adoro ser brasileira e me orgulho de nossa cultura,
inclusive a musical. O discurso de Diogo Mainardi é um insulto à inteligência.
Desinformação por desinformação, prefiro uma folha em branco.
Ana Carolina Videira, Viena, Áustria (04-02-2004)
43- Senhor Diogo Mainardi, acompanho há algum tempo sua coluna e nestes
meus tempos de França eu a aprecio ainda mais. Bem, nesta primeira vez que me
manifesto é para me contrapor ao que foi dito em sua última coluna. Sentir-me-ei
honrado no dia em que for chamado de diogomainardista, uma vez que a meu ver o
trabalho que o senhor presta ao Brasil e à ética é sem precedentes ("O
diogomainardismo", 16 de junho).
Mario Faleiros da Silveira - Paris, França (23-06-2004)
44- Adorei o artigo sobre o "diogomainardismo". Não se preocupe, Diogo, estou
contigo e tenho a certeza de que seus fiéis leitores também.
Dalva Hofstatter - Houston, Texas, EUA (23-06-2004)
45- Meu apelido na escola é "Diogo Mainardi"; me glorifico por isso. Ser chamado
pelo nome do crítico mais ácido do Brasil não influencia meu cotidiano. Não recebo
pedrada por isso. Sou um cidadão comum e não sofro discriminação por viver nos
ideais do "diogomainardismo". Nunca ouvi elogios por causa do meu apelido, mas
certamente todos que criticam gostariam de ser um pouco Diogo Mainardi.
118
Daniel Polcaro Pereira, 16 anos, Piumhi, MG (23-06-2004)
60- Agradeço a Diogo. A seu modo tenta mostrar que precisamos ser mais realistas
e acabar de vez com esse ufanismo vira-lata. O Brasil é um país satélite, e
precisamos encarar os fatos: medalhas em Olimpíadas não vão melhorar nosso IDH,
e, no fundo, são um fraco paliativo para nossa baixa auto-estima. Futebol e Carnaval
são cachaça para um povo pobre que não aprendeu sobre seu passado, não
compreende o presente e não imagina seu futuro ("O irlandês ajudou", 8 de
setembro).
José Gurgel, Natal, RN
61- É verdade que somos ufanistas exagerados, mas há que aplaudir qualquer feito
de um atleta olímpico brasileiro, mesmo que chegue em último. Os aplausos servem
para estimular outros atletas, que precisam se superar para lutar contra a falta de
apoio público e privado.
Arthur Dazzani, Salvador, BA
62- Só mesmo quem nunca experimentou ou mesmo simplesmente observou os
rigores dos treinamentos da prova seria capaz de escrever o que escreveu. Uma
pequena interrupção no ritmo respiratório é dificílimo de ser recuperada, e a situação
de Vanderlei foi agravada pelo impacto da surpresa hostil. Impossível afirmar que
ele venceria a prova, mas é possível dizer que Vanderlei foi realmente um super-
homem e sobretudo grandioso em sua humildade.
Roberto Pereira de Souza, Rio de Janeiro, RJ
28- A Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) é uma entidade científica da sociedade
civil; seus dirigentes são eleitos estatutariamente pelos pares acadêmicos. A
menção ao fato de o ministro Humberto Costa (que nem sequer conheço
pessoalmente) ter me nomeado presidente da SBB mostra a completa
desinformação do jornalista ("Meus queridos leitores", 14 de abril). Eu me referi a
"fogo amigo" pois seu artigo, que pretendia defender o aborto, tornou-se uma peça
(fraca e de mau gosto, felizmente) de apoio para aqueles que o combatem. Em
tempo: nas carreiras nas quais tenho atuação profissional (odontologia, nutrição,
119
farmácia...), me parece que a UnB ficou com nota "A" no Provão; sobre as demais,
não tenho informações. Mas, de modo geral, a UnB tem se saído bem nos Provões.
Volnei Garrafa, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética da
UnB, Brasília, DF
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