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ação dos elementos agressivos, o espaço do pampa torna-se acolhedor e incita o
indivíduo a seguir sua caminhada.
Tinha vontade de dormir, numa renúncia total. Por fim chegamos à estância
de um tal Feliciano Ochoa. A sombra do arvoredo refrescou-nos
deliciosamente. A pedido de Valério deram-nos licença de pôr a tropa num
potreirinho de bom pasto, provido de aguada [...] Por volta das quatro,
achávamo-nos outra vez na estrada. As despedidas tinham sido cordiais
depois de uns poucos mates, e eu me sentia como recém parido por me ter
banhado o rosto num balde e sacudido a terra com a blusa. Aos
mancarrões lhes roncava a água na pança, e a tropa, tendo tido tempo de
espojar-se e dar algumas bocadas de grama, encontrava-se mais bem
disposta. Tínhamos, ademais, a promessa vizinha do frescor noturno; e
isso de ir aos poucos melhorando, até alcançar um descanso, mantém
acesa a esperança fundada (p. 64 – 66 passim).
Assim, a proteção da sombra e do frescor noturno, o bom pasto e a boa água
são elementos do ambiente que impulsionam a ação dos personagens rumo aos
seus propósitos e apresentam o pampa também como um espaço acolhedor que é
capaz de minimizar as dificuldades impostas por ele mesmo a atividades dos que
por ali perambulam, como os tropeiros.
Observa-se aqui, outra vez, a título de ilustração, o estilo de Güiraldes ao
selecionar a expressão “Aos mancarrões lhes roncava”, onde o som dos “erres”
auxilia na expressão da ambientação.
Depois do enfrentamento com a primeira tormenta, em outro trecho da
narrativa no qual Fabio está prestes a sucumbir em sua luta contra o ambiente hostil,
de repente a situação ambiental se modifica e confere novas energias a homens e a
animais, permitindo que sigam seu destino de “Caminhar, caminhar, caminhar” (Ibid.,
p. 77). Assim, o ambiente que foi retratado no mesmo capítulo da obra como uma
fúria capaz de engolir e aniquilar homens e animais passa a ser retratado como um
ser familiar que possui as mesmas características de seus habitantes e, portanto,
que o protege. Se na primeira condição são capazes de provocar a morte, na
segunda, impõem-se como vida poderosa, vibrante, que “torna o indivíduo capaz de
sobrelevar todas as penúrias da sorte”.
Súbito, uma abertura se fez no céu. A chuva amiudou numa sutil poeira de
água e, como cedendo a meu angustioso desejo, um raio de sol caiu sobre o
campo, correu quebrando-se nos matos, perdendo-se nas baixadas,
encarapitando-se nas lombas. Aquilo foi o primeiro anúncio de melhora que,
ao cabo de uma breve dúvida, veio tombar em benéfico esbanjamento solar.
Moirões, alambrados, cardos choraram de alegria. O céu fez-se enorme e a
luz calcou forte sobre o chão. Os novilhos pareciam ter vestido roupas novas,
bem como nossos cavalos, e mesmo nós tínhamos perdido as rugas feitas
pelo calor e a fadigas, para ostentar uma pele esticada e lustrosa. O sol logo
criou um bafo de evaporação sobre nossas roupas. Tirei o poncho, abri a
blusa e a camiseta, joguei para a nuca o chambergo. Uma vida poderosa