Download PDF
ads:
RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTÃO
PARA ALÉM DA NAGOCRACIA: A (RE)AFRICANIZAÇÃO DO CANDOMBLÉ
NAÇÃO ANGOLA-CONGO EM SÃO PAULO
Marília
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
CÂMPUS DE MARÍLIA
RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTÃO
PARA ALÉM DA NAGOCRACIA: A (RE)AFRICANIZAÇÃO DO CANDOMBLÉ
NAÇÃO ANGOLA-CONGO EM SÃO PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista - câmpus de Marília, como requisito
para obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Claude Lépine
Marília
2007
ads:
Ficha catalográfica elaborada pelo
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação UNESP Campus de Marília
Botão, Renato Ubirajara dos Santos.
B748p Para além da nagocracia : a (re)africanização do
candomblé nação angola-congo em São Paulo / Renato
Ubirajara dos Santos Botão Marília, 2007.
127 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual
Paulista, 2007.
Bibliografia: f. 119-123
Orientador: Profª Drª Claude Lépine
1. Candomblé. 2. (Re)africanização. 3. Bantu. I. Autor.
II. Título.
CDD 299
BANCA EXAMINADORA
DATA: 27 DE NOVEMBRO DE 2007.
_______________________________
Profa. Dra. Claude Lépine
PPGCS/FFC/UNESP-MARÍLIA
(Presidentedabancaeorientadora)
________________________________
Profa. Dra. Josildeth Gomes Consorte
PPGCS/PUC-SP
__________________________________
Profa. Dra. Lúcia Helena Oliveira Silva
PPGHI/FCL/UNESP-ASSIS
____________________________________
Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo
PPGLE/ UEL (1º suplente)
_____________________________________
Prof. Dr. Luís Antonio Francisco de Souza
PPGCS/FFC/UNESP-MARÍLIA (2º suplente)
DEDICATÓRIA
Aos meus pais Elena e Geraldo firmes como o baobá
AGRADECIMENTOS
Este trabalho significa para minha pessoa o segundo passo mais importante dentro
desta instituição que é a universidade.
São muitas as pessoas às quais devo agradecer por o deixarem que esta discussão
tomasse o seu rumo i nicial.
Agradeço, primeiramente, à professora, orientadora e debatedora Claude Lépine, por
sua simplicidade e seriedade e, mais ainda, por ter acreditado nas minhas idéias. Agradeço
pelo que essa pessoa é: uma grande mulher, uma yabá.
Ao amigo Aguinaldo por ter acompanhado todas as etapas deste trabalho, mesmo
antes de surgir a primeira linha. Agradeço pelo tempo que passamos juntos.
Agradeço aos membros do In zo Ia Tumbansi Nzambi Ngana Kavungu, que me
receberam muito tranqüilamente. Agradeço especialmente a tata Katuvanjesi, makota Iara,
mametu Luangi, Marcelo Kanjila e Maurício Santos por me terem feito ver a riqueza da nação
angola-congo. A todos e todas do Abaçá Nkassuté Lembá Nzambi Keamazi, especialmete a
tata Nkassuté, pela hospitalidade, pela disposição, por suas aulas de história da África e pelo
esclarecimento de muitas questões. À Daniela por ter suportado os telefonemas. Agradeço por
tudo que fizeram por mim.
Agradeço aos dois terreiros pela seriedade com que me receberam e por ter ajudado a
fazer esta pesquisa, sei que nos encontraremos mais vezes.
À CNPq pelo auxílio financeiro que viabilizou minha ida aos congressos, ao campo e
na compra de alguns livros.
Ao Nupinho de Ma rília pelas discussões acirradas e pelo estímulo, pois sabemos como
é dif ícil estudar tudo o que se refere ao negro no Brasil.
Aos novos amigos Bóris, Sér gio Cardoso (que me salvou com as fotos) e Marcus
Tulius (este último me salvou na correção ortográfica), ao velho amigo Edson, de São Paulo,
sempre me colocando dúvidas na cabeça. Ao professor Andreas pelas provocações, com suas
ótimas crí ticas, e pe la disposição em discutir as questões que nós negros temos que encarar.
À professora e amiga lia Tolentino (Derê para os íntimos) por todos e stes anos,
pelas oficinas de teatro, pelas conversas, pelo tratamento horizontal, isso é muito importante.
Aos meus sempre amigos ssio, Da ni Rosa, Virgínia e Anderson, Diadema, Mari e Meire,
Dani e Wander, Carol e Jazão, que me acompanham desde a graduação. Ao pessoal da casa
11 (incluindo os cachorros e os gatos), aos vigias da faculdade, à A line e todo o pessoal da
pós-graduação, ao pessoal da biblioteca, a todas as pessoas que esqueci de citar.
Aos professores Valé ria, Edemir e José Carlos Miguel por servirem de espelho a
muitos negros desta faculdade, pelas discussões e indignação quanto à situação do negro no
Brasil. À Elionora, Ellen, Mel, Élida, Meiri, Luciane, Nathércia, Dailme, Sandra Soul”,
Carol e tantas outras mulheres negras de sse Brasil que me fizeram ver que ser negro é muito
mais que um discurso.
Aos professores Luís Antonio e Sérgio Domingues “Krahô” pelas ótimas críticas na
qualificação e pela seriedade com que leram meu texto.
Não poderia deixar de a gradecer às professora Josildeth Gomes Consorte da PUC-SP e
Lúcia Helena Oliveira Silva da Unesp-Assis por aceitarem o convite para participar deste
debate/banca com contribuições valiosas.
Especialmente aos meus pais, irmãos e irmãs, tias, primos, sobrinhos.
Eu agradeço a todos pelo que vocês são.
ʳ
ʳʳ
ʳ
ˡͶ̂ʳ̆˸ʳ̃̂˷˸ʳ̉˼̉˸̅ʳ˶̂
ˡͶ̂ʳ̆˸ʳ̃̂˷˸ʳ̉˼̉˸̅ʳ˶̂ˡͶ̂ʳ̆˸ʳ̃̂˷˸ʳ̉˼̉˸̅ʳ˶̂
ˡͶ̂ʳ̆˸ʳ̃̂˷˸ʳ̉˼̉˸̅ʳ˶̂̀ʳ˴ʳ̀˸̀Ά̅˼˴ʳ˷̂̆ʳ̂̈̇̅̂̆
̀ʳ˴ʳ̀˸̀Ά̅˼˴ʳ˷̂̆ʳ̂̈̇̅̂̆̀ʳ˴ʳ̀˸̀Ά̅˼˴ʳ˷̂̆ʳ̂̈̇̅̂̆
̀ʳ˴ʳ̀˸̀Ά̅˼˴ʳ˷̂̆ʳ̂̈̇̅̂̆ʳ
ʳʳ
ʳ
ʻ˝̂̆˸̃˻ʳ˞˼
ʻ˝̂̆˸̃˻ʳ˞˼ʻ˝̂̆˸̃˻ʳ˞˼
ʻ˝̂̆˸̃˻ʳ˞˼ˀ
ˀˀ
ˀ˭˸̅˵̂ʼ
˭˸̅˵̂ʼ˭˸̅˵̂ʼ
˭˸̅˵̂ʼ
͜ʳ˴̄̈˼ʳ̀˸̆̀̂
͜ʳ˴̄̈˼ʳ̀˸̆̀̂͜ʳ˴̄̈˼ʳ̀˸̆̀̂
͜ʳ˴̄̈˼ʳ̀˸̆̀̂ʳ
ʳʳ
ʳ
˔̄̈˼
˔̄̈˼˔̄̈˼
˔̄̈˼ʳ
ʳʳ
ʳ
ˡ˸̆̆˴ʳ͔˹̅˼˶˴
ˡ˸̆̆˴ʳ͔˹̅˼˶˴ˡ˸̆̆˴ʳ͔˹̅˼˶˴
ˡ˸̆̆˴ʳ͔˹̅˼˶˴ˀ
ˀˀ
ˀ˕̅˴̆˼˿
˕̅˴̆˼˿˕̅˴̆˼˿
˕̅˴̆˼˿ʳ
ʳʳ
ʳ
ˤ̈˸ʳ˸̈ʳ˶̈˿̇̈̂
ˤ̈˸ʳ˸̈ʳ˶̈˿̇̈̂ˤ̈˸ʳ˸̈ʳ˶̈˿̇̈̂
ˤ̈˸ʳ˸̈ʳ˶̈˿̇̈̂ʳ
ʳʳ
ʳ
ˡ̈̀ʳ˶˴́˷̂̀˵˿ͼʳ̅˸˼́̉˸́̇˴˷̂
ˡ̈̀ʳ˶˴́˷̂̀˵˿ͼʳ̅˸˼́̉˸́̇˴˷̂ˡ̈̀ʳ˶˴́˷̂̀˵˿ͼʳ̅˸˼́̉˸́̇˴˷̂
ˡ̈̀ʳ˶˴́˷̂̀˵˿ͼʳ̅˸˼́̉˸́̇˴˷̂ʳ
ʳʳ
ʳ
˧̂˷˴̆ʳ˴̆ʳ˷˼̉˼́˷˴˷˸̆ˁ
˧̂˷˴̆ʳ˴̆ʳ˷˼̉˼́˷˴˷˸̆ˁ˧̂˷˴̆ʳ˴̆ʳ˷˼̉˼́˷˴˷˸̆ˁ
˧̂˷˴̆ʳ˴̆ʳ˷˼̉˼́˷˴˷˸̆ˁʳ
ʳʳ
ʳ
ʳ
ʳʳ
ʳ
ʻ˘̆̀˸̅˴˿˷˴ʳ˥˼˵˸˼̅̂ʼ
ʻ˘̆̀˸̅˴˿˷˴ʳ˥˼˵˸˼̅̂ʼʻ˘̆̀˸̅˴˿˷˴ʳ˥˼˵˸˼̅̂ʼ
ʻ˘̆̀˸̅˴˿˷˴ʳ˥˼˵˸˼̅̂ʼ
RESUMO
Desde quando chegaram às terras americanas, os africanos foram tratados como mercadorias.
Contudo, resistiram todo esse tempo, tendo como suporte consolador a religião, que mesmo
despedaçada, foi uma das poucas instituições (senão a única) que sobreviveu à repressão do
homem branco. Para o negro ela teve a função de aglutinar as outras instâncias da cultura de
origem africana no Novo Mundo. Várias etnias africanas contribuíram para a formação do
Candomblé. Entre os bantu vieram os angola, os congo, os moçambique, etc. Entre os
sudaneses vieram os ketu, os egbá, os nagô, para citar os mais c onhecidos. Ao longo de toda a
sua história o Candomblé tem passado por diversas transformações. Sendo de tradição oral,
portanto sujeito a diversas interpretações, c omeçou-se a ter uma preocupação maior com a
questão da manutenção dos conhecimentos sagrados que estavam se perdendo. Este
movimento de resgate dos conhecimentos recebe o nome de (re)africanização e procura, entre
outras ações, romper com o Catolicismo, c om as religiões a meríndias e se aproximar dos
cultos africanos. O objetivo desta pesquisa é proceder a uma investigação acerca da
(re)africanização dos Candomblés de tradição bantu particularmente a nação angola-congo
, em São Paulo, tendo em vista que existem poucos estudos sobre esta nação e também porque
os povos de origem bantu foram os que mais contribuíram para a formação do que hoje se
conhece c omo cultura afro-brasileira.
Palavras-chave: identidade, religião, candomblé, (re)africanização, bantu.
ABSTRACT
Since they arrived in american lands, the africans have been treated like merchandise.
Nevertheless, they resisted throughout this time, having the religion as a console support, that,
even broke n, was one of the few ins titutions that survived to the whit e men’s repression. To
the blacks, it had a agglutinate purpose to another i nstances of the african’s culture in New
World. Several african’s ethnicity contributed to the Candomb lé’s development. Into bantu
people came the angolas, congos, moçambiques, etc. Into sudanians group came ketus, egbas,
nagôs, to mention the most famous groups. Throughout its hi st ory, Candomblé has been
passing for many changes. Belonging to an ora l tradition, so subject to many interpretations, it
became to have a larger concern with the maintenance deal of the sacred knowledge that was
being lost. This process of knowledge’s rescue receives the (re)africanization name and try,
among other ef forts, to break up with Catolicism, with ame rindian’s religions and come close
to the african’s cultist. The objective of this study is to proceed an investigation about
Candomblé’s (re)africanization of bantu tradition particularly about angola-congo nation
in São Paulo, keep in mind that there are f ew studies about this nation and also because this
bantu group was one of the most contributed to the formation of what today is known as
africa n-brazilian culture.
Key-words: identity, religion, candomblé, (re)africanization, bantu.
Mini glossário
Ankixi (kikongo) = divindades do panteão bantu
Babá (yorubá) = pai
Bakisi (kimbundu) = quarto onde ficam os iniciandos
Ilê (yorubá) = casa
Inzo ou Nzo (kimbundu) = casa
Iyá (yorubá) = mãe
Jinkisi (kimbundu) = plural de nkisi
Kambondu
ou
Kambundu
(kimbundu) = assi stente masculino
Kambonda (kimbundu) = assistente feminino
Ketu (yorubá) = etnia sudanesa que fala a língua yorubá
Kimbanda (kimbundu) = sacerdote
Kisaba (kimbundu) = folha
Mametu (kimbundu) = mãe
Makota (kimbundu) = aquela que substitui o pai/mãe-de-santo na a usência deste
Mukixi (kikongo) = plural de ankixi
Mutue (kimbundu) = cabeça
Munanzenza (kim bundu) = aquele que se inicia no culto
Muzenza (kimbundu) = aquela que se inicia no culto
Néngua (ki mbundu) = senhora
Nganga (kimbundu) = adivinho
Ngoma (kimbundu) = tambor
Ngombu (kimbundu) = sistema oracular dos povos bantu do norte de Angola
Nkisi (kimbundu) = divindades do panteão bantu
Nzambi / Nzambi-Mpungu (kimbundu) = Deus
Ogã (yorubá) = a ssistente masculino
Olodumaré / Olorun (yorubá) = Deus
Orí (yorubá) = cabeça
Orixá
(yorubá) = divindade do panteão yorubá
Runfila (kimbundu ou kikongo) = cozinha
Soba (ki mbundu ou kikongo) = rei
Táhi (kikongo) = adivinho
Tata (Kimbundo) = pai
Vodun (fon) = divindades do panteão jêje
Vumbi ou Nvumbi =morto
Xicarangomo (kimbundu ou kikongo) = aquele que toca o tambor
Yaô (yorubá) = aquele / aquela que se inicia no culto
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................14
Capítulo 1: O candomblé em São Paulo................................................................................21
1.1 - Raízes bantu em São Paulo?..........................................................................................21
1.2 - Elementos bantu na umbanda paulista?.......................................................................25
1.3 - Origens do candomb em São Paulo............................................................................28
Capítulo 2: Angola versus ketu: aproximações, diferenças e a construção da “Ideologia
Nagô” ......................................................................................................................................33
Introdução................................................................................................................................33
2.1 - “Diáspora” africana?.....................................................................................................33
2.2 - As diferenças entre as nações.........................................................................................35
2.3 - A hierarquia no candomblé de tradição angola-congo...............................................38
2.4 - Os jinkisi divindades do candomb angola-congo...................................................39
2.5 Outros r ituais.................................................................................................................45
2.6 - Abandono do candomblé angola ou a construção da “Ideologia nagô”....................46
Capítulo 3: Da africanização à (re)africanização.................................................................52
3.1 Africanização: algumas sobrevivências religiosas......................................................52
3.2 - A (re)africanização no continente americano..............................................................54
Capítulo 4: A c onstrução da (re)africanização no Brasil....................................................62
4.1 Introdução..........................................................................................................................62
4.2 O modelo da nação ketu...................................................................................................67
4.3 O modelo da nação angola-congo ou “Tradicionalismo” bantu..................................72
Capítulo 5: Identidades, tradições, sincretismos e o sub-campo religioso afro
bantu.........................................................................................................................................81
5.1 Construindo uma identidade............................................................................................81
5.2 Tradição e sincretismo na construção da identidade afro-bantu.................................87
5.3 O campo religioso brasileiro e o sub-campo (re)africanizado bantu...........................96
Capítulo 6: Entre os jinkisi e os caboclos: descrição dos terreiros e das festas.................99
6.1 Introdução..........................................................................................................................99
6.2 Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu.........................................................100
6.2.1 A saída de mu zenza e a festa de Kavungu.................................................................102
6.3 Abaçá Nkassuté Lem Nzambi Keamazi....................................................................106
6.3.1 A festa dos caboclos......................................................................................................109
6.4 O que foi possível (re)africanizar..................................................................................112
Considerações finais..............................................................................................................116
Referências.............................................................................................................................119
Apêndices...............................................................................................................................124
Anexos....................................................................................................................................125
14
Introducão
As religiões, como parte da cultura de um povo, também sofrem transformações.
Algumas se perdem, outras são readaptadas para não se perderem, como o cristianismo que
vem sofrendo grandes alterações, sobretudo em suas bases, com novos valores sendo
implantados; o i slamismo, t ão discutido em nosso tempo, também vem sendo questionado por
seus se guidores e pela opinião pública, buscando se inserir nos novos tempos.
O ca ndomblé também sofreu, e vem sofrendo, transformaçõe s e busca se adaptar à
modernidade ou pós-modernidade, e a (re)africanização
1
é um de sses pequenos movimentos
que ocorrem no interior desta religião. O movimento de (re)africanização caracteriza-se pela
busca pelos pais e mães-de-santo de fragmentos religiosos perdidos durante a travessia do
Atlântico e através dos tempos.
A história do negro escravizado no Brasil e de suas religiões ainda é pouco divulgada
para a maioria da população e, geralmente, está restrita aos muros da academia. Entretanto, os
dados que foram levantados através de pesquisas permitem concluir que desde cedo
movimentos de religiões de origem africana, que vieram à luz no período pós-abolição,
desenvolveram-se durante quatro séc ulos de escravidão.
Para o africano, a escravidão rompe a ligação com a terra-mãe, a ausência da terra
ancestral degrada o ser, corrói a energia vital, provoca o banzo e até a morte. O africano,
escravizado e retirado de sua terra, virou um ser sem força. Se ele conseguiu sobreviver,
certamente, foi porque pôde, de alguma forma, ma nter contato com seus deuses e seus
antepassados. A religião reagrupou os africanos em terras americanas e constituiu (ainda
constitui?) centros de organização da resistência cultural, onde puderam recriar algumas
estruturas sociais africanas e “ inventar” outra s.
Em te oria, esse reagrupamento proporcionado pela religião pode ser pensado:
[...] como sobrevivências culturais, como algo que persiste porque resistiu
na dura batalha histórica de quatro séculos entre diferentes tradições
culturais competindo entre si, cada uma na busca de seu lugar ao sol, cada
qual procurando se impor como “retalho” privilegiado nessa colcha
nacional. (PEREIRA, 1984, pp. 177-178) (grifo do autor)
1
Adotaremos tal termo utilizando o recurso dos parênteses, porque entendemos que o candomblé é uma religião
brasileira, logo, podemos dizer que os sacerdotes e sacerdotisas estão buscando africanizar seus terreiros, ao
invés de reafricanizar. Outros autores adotam grafias diferentes. Prandi (1991) e Braga (1988) utilizam o termo
sem o uso dos parênteses, Melo (2004) adota o recurso das aspas, e Lépine (2005, 2007) adota o termo
africanização.
15
Essa religião, resultado do c ontat o entre diferentes religiões e culturas africanas,
convencionou-se chamar no Brasil de candomblé, por isso, pode-se dizer que o candomblé é
uma “inve nção” brasileira que contêm uma africanidade. Essa religião bem como outras
religiões de matriz africana no continente americano como a santeria e o vodu despertou
o interesse dos estudiosos no período pós-abolição, quando o Brasil se interrogava sobre seu
futuro, e quando, diante das ideologias evolucionistas e racistas que predominavam na época
(século XIX), a população negra do país era vista como um empecilho ao progresso da nação.
Nina Rodrigues deu início à etnografia do candomblé e privilegiou, em seus estudos, o
modelo jêje-nagô (também conhecido como ketu), rito que lhe parecia mais evoluído que o
rito bantu e o jêje. Para Lopes (1988, p. 01):
Essa discriminação dos Bantos atinge o negro de um modo geral. Porque
com toda a certeza a maioria dos africanos trazidos para o Brasil na
condição de escravos veio do vasto território abaixo da grande floresta
tropical (África Central, Oriental, Austral), que é o habitat dos povos
bantófones.
Conforme afirmação do autor, esse estigma sobre a cultura e o povo bantu reflete-se
no et hos brasileiro até hoje. Essas idéias foram geradas a partir do século XIX por vários
escritores que pensavam o Brasil, o apenas do plano religioso, mas também, e
principalmente, do âmbito político, social, jurídico e cultural. Entre eles citamos: Silvio
Romero, Afrânio Peixoto, Ol iveira Vianna, João do Rio, Braz do Amaral, Manuel Diegues Jr.,
Caio Prado J r., Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda.
A maioria dos autores que estudaram e ainda estudam as religiões afro-brasileiras tem
seguido os pa ssos de Nina Rodrigues e enfocado, sobretudo, como objeto empírico, os
candomblés da nação ketu. Assim, quando se fala nesse culto, pensa-se logo no modelo
estruturado nas casas mais “famosas” da Bahia, com o a Casa Branca do Engenho Velho, o
Gantois, o Opô Áfonja e o Alaketo, que cultuam os orixás divindades yorubanas muitas
delas consideradas rei s, rainhas ou heróis d ivinizados e cantam na língua yorubá.
Por conta desse privilégio dispensado ao rito ketu, o rito angola-congo (e outras
nações) que cultua os jinkisi
2
que para algumas pessoas é o correspondente aos orixás e para
outras são os espíritos dos nossos antepassados –, e canta numa mistura das línguas kimbundu
e kikongo, tem sido considerado como um rito menor e ainda é pouco estudado. Muitos
estudiosos e pais/mães-de-santo parecem defender essa idéia:
2
Plural de Nkisi, divindades do panteão mitológico bantu.
16
Talvez pelas influências que recebeu dos ritos jeje-nagôs, dos quais adotou
o panteão de orixás iorubanos, ainda que os chame por outros nomes que
fazem parte de sua língua ritual de origem banto e hoje tão intraduzível
quanto as línguas rituais do queto, do efã, dos nagôs pernambucano e
gaúcho, resultantes de arcaicos dialetos iorubanos. Além da adoção do
oráculo nagô, de preceitos iniciáticos, e da organização ritual e hierárquica à
moda queto. (PRANDI, 1991, p. 19).
Devido a esse prestígio conquistado pelo candomblé de origem yorubá, e pela sua
hegemonia como modelo de culto para outras nações (como pensam a maioria dos
estudiosos), não é de estranhar que a luta e o processo de (re)africanização das religiões afro-
brasileiras tenham sido iniciadas por adeptos desta nação.
O termo (re)africanização, em sua acepção atual, no Brasil, foi pensado por cientistas
sociais (Brown, 1994; Prandi, 1991; Silva, 1995 e out ros), para designar um conjunto de
medidas que se caracterizam pela intenção de resgatar os mitos, os rit uais e outros eleme ntos
que vinham e vêm perdendo o significado no i nterior do candomblé. Outra característica deste
movimento é a c rítica ao sincretismo religioso, com as religiões indígenas, com a umbanda,
sobretudo, com o catolicismo. Mas a (re)africanização não é algo recente. Segundo Braga
(1988, p. 81):
[...] o início do processo de reafricanização começa com o retorno à África,
no culo passado, de africanos emancipados que alimentaram por toda a
vida o ideal de voltarem movidos por um sentimento profundo de fidelidade
à terra de origem, de onde tinham sido trazidos, na condição de escravos
[...]
Atualmente, no Brasil, a (re)africanização parece florescer com intensidade na região
sudeste mais precisamente Rio de Janeiro e São Paulo onde o candomblé instala-se o
mais como uma religião apenas de negros, mas agora voltada para todos, independente de
etniaeclasse.Aovirparaosudesteeabrir-separaaclassemédiaescolarizadaecomnível
superior, o candomblé encontra as condições propícias para poder atravessar o Atlântico em
busca dos conhecimentos perdidos.
Contudo, mesm o com a disseminação dessa religião em todo o país, a “hegemonia
nagô” ou “nagocracia”
3
persiste. Por isso, concordamos com Braga (1988, p. 85), quando ele
3
Emprestamos essa expressão de Prandi (1991, p. 101), que a utiliza para demonstrar a popularidade alcançada
pelo candomblé nação ketu t ambém cha mado de nagô no Brasil, na década de 1970, quando do “jubileu de
ouro de iniciação de mãe Menininha do Gantois”, c onsiderada a mais famosa yalorixá do Brasil em todos os
tempos.
17
diz que “[...] essa reafricanização deveria ser chamada, com mais propriedade, de
nigerianização e em menor escala de beninização [...]”. E completa dizendo:
A reafricanização ou pelo menos a tentativa de reafricanização dos cultos
afro-brasileiros, pelas razões históricas e até mesmo políticas, foi
profundamente prejudicial ao conhecimento de outros povos africanos, tais
como os Bantos, que legaram ao Brasil muito da sua concepção de vida, de
hábitos e costumes, hoje plasmados na totalidade do ethos brasileiro. A
reafricanização pouco serviu aos interesses dos candomblés Angola, Congo
e Congo-angola, e tantos outros grupos religiosos. Ao contrário, ficaram de
alguma forma estigmatizados, quase órfãos de uma matriz à qual pudessem
eventualmente recorrer. É como se a cultura religiosa africana se limitasse
exclusivamente à religião dos Orixás. Em síntese, a reaproximação com a
África tem sido pouco expressiva em relação ao conhecimento dos países de
língua portuguesa, ironia da história, os menos estuda dos e muito pouco
visitados por pesquisadores e gente-de-santo. (BRAGA, 1988, p. 88)
Sabe-se que no Brasil o contato entre religiões diferentes originou um processo de
interpe netração de valores, crenças e práti cas religiosas com todas as suas transformações. É
fato também, que já algumas décadas (1970/1980) adeptos da nação ketu vêm promovendo
a (re)africanização em seus terreiros
4
. A questão com o qual nos defrontamos agora além da
escassez e do descaso frente aos estudos sobre a tradição e as culturas bantu no Brasil é o de
saber como se a (re)africanização no interior do candomblé nação angola-congo, fato ainda
não pensado pelos estudiosos das re ligiões afro-brasileiras. Como os angoleiros, nome pelo
qual são conhecidos os adeptos deste rito, percebem a (re)africanização, em que lugar
(Angola?, Moçambique?, Congo?, nos livros?, eventos?) e les vão buscar os conhecimentos,
porque a fazem e até que ponto é possível empreendê-la.
Devido a conversas com tatas e mametus de nkisi (pais e mães-de-santo na língua
kimbundu), bem como com outros angoleiros e angoleiras; com autoridades, professores e
devido às falas dos palestrantes muit os de les sacerdote s e sacerdotisas do rito angola –, na
ocasiãodoIIECOBANTO
5
- E ncontro Internacional de Cultura e Tradição Bantu,
levantamos a hipótese de que se uma (re)africanização ocorrendo no int e rior da nação
angola-congo, e la passa por duas fases: a primeira é a que chamamos de “fase da fronteira”,
ou seja, um processo de esclarecimento das semelhanças e diferenças entre a nação angola-
congo e a nação ketu (considerada a mais tradicional e pura). A segunda fa se caracteriza-se
4
Em 2002 realizamos pesquisa (financiada pela Fape sp) sobr e a questão do res gate de cânticos, rezas e toques
para o orixá Yemanjá, empreendido por dois terreiros da nação ketu da capital paulista, que resultou na
monografia intitulada: “Os tambores e a voz da África nos candomblés da cidade de São Paulo. Culto a Yemanjá
nos terreiros: Ilê Axé Oroko Ogun e Ilê Iyami Oxun Muyiwa.”.
5
O II-ECOBANTO ocorreu na cidade de São P aulo, no Memorial da América Latina, nos dias 03, 04 e 05 de
setembro de 2004.
18
pela busca e implantação de conhecimentos e preceitos de origem bantu, que se perderam ou
foram a bandona dos, ou estão sendo inventados.
Esta busca passa, por exemplo, pela tentativa de reeducar os adeptos do rito angola-
congo no sentido de utilizar as línguas bantu em se us rituais. Outro exemplo empreendido
pelos angoleiros é o resgate das divindades e a reconstrução das canções, das rezas e do
sistema oracular bantu.
Nossa pesquisa procurou responder a algumas quest ões referentes a esse movimento,
no que diz respeito ao candomblé nação angola-congo, em dois terreiros do Estado de São
Paulo: Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu, localizado na cidade de Itapecerica da
Serra, grande São Paulo, e é comandado por tata Katuvanjesi; e o Abassá Nkassuté Lemba
Nzambi Keamazi, no distrito de Padre Nóbrega, administrado pela ci dade de Marília, na
região centro-oeste do estado, e que tem como líder tata Nkassuté. Mas a escolha destes
terreiros, para centrarmos nossa pesquisa, não foi aleatória, pois, estes dois sacerdotes e suas
casas se destacam como pioneiros (e servem de modelo) quando o assunto é o resgate dos
conhecimentos bantu.
Deixamos claro que não somos os primeiros a fazer uma crítica à “hegemonia nagô”
ou “nagocracia”. Ao nosso la do te mos autores com o Lopes (1988), um dos primeiros
estudiosos do bantuísmo no Brasil; Dantas (1988) que mostra num estudo comparativo com o
a inteligentsia brasileira f ez a opção pelo yorubá; e de longe, podemos citar Sansone (2002)
quando, na sua di scussão sobre etnicidade, relata como os historiadores europeus
“inventaram” uma suposta supremacia yorubá no século XIX.
A discussão da (re) africanização dos candomblés não é um fato isolado, pois ela
insere-se no âmbito de discussões políticas que vão desde a luta pelas ações afirmativas, o
reconhecimento das comunida des quilombolas, a luta pela liberdade de c ulto frente às
religiões “evangélicas”, as reivindicações dos vários movimentos negros na sociedade, que
deságua na questão da etnicidade. Enfim, podemos dizer que estas discussões dão sustentação
para uma discussão maior, que é sobre a busca de uma identidade negra ou afrodescendente
para a maioria da população brasileira. No âmbito religioso o resgate dos conhecimentos
perdidos está também associado à questão do “mercado religioso” e sua busca por fiéis, uma
vez que, o candomblé vem perdendo adeptos para as igrejas pentecostais e neopentecostais,
principalme nte, nas periferias das grandes cidades.
Na nossa pesquisa de campo a dotamos a observação participante, e adiantamos que
não ane xaremos as entrevistas realizadas, uma vez que os sacerdotes entrevistados citam
19
nomes de pessoas e terreiros que não foram consultados, e que, e vent ualmente, poderiam vir a
causar celeuma entre o povo-de-santo. Segundo Ferretti (1995, p. 28):
O antropólogo o pode escrever tudo o que e observa [...] Desvendar
problemas pessoais é um dos riscos que é preciso ter o cuidado de
contornar, para não trazer obstáculos aos informantes, o que pode ocorrer
com a publicação de trabalhos [...] mesmo trocando nomes dos
envolvidos, as pessoas poderão ser facilmente identificadas.
Assim, após esta introdução, no primeiro c apítulo discutiremos as possíveis
sobrevivências culturais dos africanos bantu em São Paulo, e a polêmica em torno de algumas
dessas sobrevivências que ajudaram na construção da umbanda. Outro ponto a ser discutido,
ainda neste capítulo, será o surgimento do candomblé em São Paulo e suas fases: rito a ngola,
rito efã, rito ketu e o rito ketu (e o angola-congo) (re)africanizado.
No se gundo capítulo começamos por listar uma série de e tnias tanto sudanesas,
como bantu trazidas numa espécie de “diáspora”, mas que aj udaram a formar o Brasil.
Discutiremos também as principais semelhanças e diferenças entre a nação ketu e a nação
angola-congo, mostrando assim que cada nação de candomblé tem a sua particularidade.
Ainda neste capítulo apresentamos a hierarquia no candomblé nação angola-congo, as
divindades desta nação e alguns outros rituais. Por último tentamos mostrar os motivos que
levaram os estudiosos a construir uma “ideologia nagô” em detrimento da outras nações.
No terceiro capítulo discutiremos como se deu a africanização e a reafricanização do
continente americano a presentando algumas s obrevivências religiosas como o vodu haiti ano e
a santeria cubana. Terminamos nossa discussão mostrando a disseminação do candomblé, da
santeria e do vodu pelo continente. Por fim apontamos as novas vertentes religiosas (ou de
inspiração religiosa) de matriz africana, como o ritual do kwanzaa e a diplo-santeria nos
Estados Unidos.
No quarto capítulo apresentaremos nossa discussão acerca da construção do termo
(re)africanização no Brasil, adiantando que este não é um fenômeno recente. Por isso,
dividimosasuahistóriaemtrêsfases,daqualafaseda(re)africanizaçãoreligiosaéaatual.
Ainda nesta parte discutiremos a (re)africanização do ponto de vista dos estudiosos, bem
como ela é pensada e aplicada pelos sacerdotes da nação ketu. Verificaremos como angole iros
e angoleiras estão pensando a (re)africanização que a lguns chamam de Tradicionalismo
bantu –, e chegando à conclusão de que não apenas um sentido para o termo nem no
interior de cada nação.
20
O quinto capítulo versará sobre os conceitos de: identidade contrastiva, proposta por
Oliveira (1976); de fronteira (Barth, 1998); d e “invenção” da tradição (Hobsbawm & Ranger,
1987); de sincretismo (Ferretti, 1995); a questão do campo religioso do candomblé (Lépine,
2005; 2007), e especificamente da nação angola-congo (re)africanizada. Buscaremos articular
estes c onceitos com a opinião de nossos interlocutores, verificando como os sa cerdotes
entrevistados pensam estes termos e como fazem uso ou não deles para empreenderem a sua
(re)africanização.
No sext o capítulo procederemos à descrição da trajetória religiosa dos entrevistados,
das casas as quais são líderes, e das festas que acompanhamos. No terreiro comandado por
tata Kat uvanjesi apresentaremos uma saída de muzenza e uma festa de Kavungu (nkisi da
casa), ambas ocorridas no mesmo dia. No terreiro de tata N kassuté descreveremos como é
uma festa de caboclo (considerado o ancestral dos indígenas brasileiros) num terreiro de
candomblé.
Por últim o apresentamos nossas considerações sobre a (re)africanização empreendida
pelos dois sacerdotes, em que apontamos para um maior empenho da aca demia sobre as
tradições culturais e religiosas bantu no Brasil e um intercâmbio mais intenso com a região
bantófone Angola, Congo, Moçambique e outros por parte do governo federal.
21
Capítulo 1: O candomblé em São Paulo
1.1 Raízes bantu em São Paulo?
Conforme Bastide (1973), nos séculos XVI e XVII ainda eram poucos os escravos
africanos no estado de o Paulo, mas a partir do século XVIII, podemos afirmar com
segurança que os primeiros africanos que chegaram aqui eram provenientes do grande grupo
lingüístico bantu
6
, onde eram comprados diretamente de Angola na África, e depois, do Rio
de Janeiro e, posteriormente, da Bahia no Brasil. Desde os difíceis anos da mineração São
Paulo passara a receber quantidades progressivas de negros escravizados, pois o alvará real de
20 de janeiro de 1701 permitira à capitania a importação anual de 200 negros.
Durante o ciclo da mineração, mas sobre tudo no sé culo XIX, houve um crescimento
deste negócio devido à necessidade de se trazer m ã o-de-obra para as lavouras de café que
naquele momento estava tornando-se a principal atividade da região –, principalmente no vale
do Paraíba. Mas a população ne gra cresceria espantosamente em todo o estado a partir de
1850, no auge do desenvolvimento da indústria cafeeira.
Em rela ção aos africanos de origem bantu ainda no século XIX na cidade São Paulo
algumas refe rências como nesta pa ssagem de Marques (1966, p. 150).
Benedito, o homem dos braços de atleta, um negrão de peito largo e pernas
fortes, a negrinha vivaz de Angola, ou a cabinda de ancas perfeitas e seios
virgens, o molequinho, azougado, de Benguela, ou a rapariguinha impúbere
da Guiné, todos, todos, com a inclusão de uma futura mãe-preta de olhar
distante e compleição robusta, findo o leilão passavam a viver sob a nova
chibata.
Embora atentemos para o fato de que os comerciantes de escravos não se atinham
quanto à procedência de suas “peças”, parece interessante que esses mesmos mercadores
6
Sabemos que o genérico banto foi dado por W. H. Bleck e m 1860 a um grup o de cerca de 4 mil línguas
africanas que estudou (BALANDIER, 1968, p. 64). Anal isando essas línguas, Bleck chegou à conclusão que a
palavra
muNTU
existia em quase toda s elas significando a mesma coisa (gente, indivíduo, pessoa) e que nelas
os vocábulos se dividiam em classes, diferenciadas entre si por prefixos. Assim
baNTU
é o plural de
muNTU
,
porque nas línguas bantas os nomes são sempre antecedidos de prefixos, que distinguem, por exemplo, o
indivíduo (Um, Um, Am, Mo, M, Ki, Tchi, N, K, Muxi, Mkua etc.), o grupo étnico a que ele pertence (Ba, Wa,
Ua,Ova,A,Va,Ama,I,Ki,Tchi,Exi,baxi,Bena,Akuaetc.)[...](LOPES,1988,p.85
grifos nosso
). “Banto
(bântu): grupo lingüístico, compreendendo m ilhões de africanos, com inúmeras lín guas e quase 30 0 dia letos, que
estende por quase 2/3 da África Negra, desde o Camerum até o sul. Inclui-se Angola e Congo de onde nos veio a
maioria dos escravos desse grupo e cujas línguas, kimbundu e kikongo, entre outras, são as que mais termos
deixaram em nossa língua atual. (CACCIATORE, 1977, pp. 63-6 4). De n ossa parte manteremos o termo
BANTU (grafia africana), em toda a extensão d o nosso texto, mesmo diante de palavras e/ou frases da língua
portuguesa que estejam no plural, preferindo não ap ortuguesá-las, como fazem alguns autores.
22
faziam referências quanto à origem e capacidades desses africanos. Em relação a este f ato nos
reportam os a um artigo de Maria Inês da Costa Oliveira em que a autora versa sobre o assunto
ediz:
A tese hegemônica de que, quando chegavam aqui no Brasil os negros eram
logo misturados a outra s etnias para que perdessem a capacidade de
organização não parece satisfatória, senão como explicar que mesmo entre
os bantu, no século XIX cronistas conseguiam identificar a olho nu várias
etnias: os angolas seriam os melhores escravos, dedicados, fiéis e honrados.
Os congos, próprios para o campo, eram também dóceis, embora não tão
inteligentes ou corajosos. Mesmo os termos: congo, angola, cambinda,
benguela são problemáticos e foram utilizados de forma aleatória como se
tais termos reportassem a seus locais de origem, assim como falamos dos
portugueses, franceses, italianos (OLIVEIRA, 1997, p. 54)
Ainda no século XIX, também na cidade de São Paulo era possível perceber as várias
etnias que vinham de África para “colonizar” o Brasil. No entanto, parece que os negros bantu
predominavam na cidade e até mesmo no estado, pelo menos até a primeira metade do século
XIX. A pesquisadora Maria Odila Leite da Silva Dias (1984, p. 116), em seu estudo sobre a
capital paulista, nesta mesma época e screve: “Em anúncios de jornais e nos raros maços de
população, que discriminadas a origem dos escravos, preponderavam numericamente escravas
de Angola, Moçambique, do grupo bantu [...]”. Entretanto não s e pode deixar de aceitar que
negros sudaneses atuavam também na cidade, embora e m número reduzido.
Em relação à religiosidade dessas pessoas, nesta época, têm-se poucos dados, mas
alguns es tudiosos do período, como a historiadora Emília Viotti da Costa (1966), contam que
viajantes confirmavam a permanência de alguns ritos “pagãos”. Novamente nos reportamos a
Maria Odila para reforçar nosso argumento. Citamos agora uma parte em que a estudiosa se
refere espec ificamente ao cotidiano das escravas:
[...] gozavam de prestígio e influência entre os próprios escravos, tornando-
se líderes no seu convívio social e religioso: no seu quotidiano de trabalho e
de lazer, alternavam-se cantos estratégicos de comércio ambulante, com a
intensidade de “pontos” mágico-religiosos dos seus cultos improvisados.
Adquiriam fama como curandeiras e mães de santo. Maria D’Aruanda e
Mãe Conga ficaram conhecidas na cidade. (DIAS, 1984, p. 119)
Sem dúvida, se fôssemos investigar a existência de religiões de matriz africana, no
estado de São Paulo no século XIX, descobriríamos que as práticas religiosas dessas pessoas
eram corriqueiras.
Segundo Bastide (1973; p. 195):
23
As casas em que se reuniam os negros para celebrar os cultos chamavam-
se aqui, nessa época, batuques. Este nome permanece até hoje no sul do
país, sendo que em São Paulo e Rio de Janeiro, o nome macumba foi o
que ficou cunhado, para denominar as práticas religiosas dos negros.
Outro nome pelo qual também ficou conhecida era casa da fortuna”.
(grifo do autor)
Ao lado destas práticas organizadas nas “casas de culto”, agiam também feiticei ros e
curandeiros, que desempenhavam funções de médicos e guia s espirituais. Eles haviam
incorporado elementos cristãos e espíritas a suas práticas. Mas o contrário também se
verificava, testemunho disso foi a construção da capela de Nossa Senhora das Estrelas no
lugar onde anos antes havia sido morto um negro fugitivo, que muitos diziam ser curandeiro.
Os elementos espíritas foram incorporados sem dificuldade pelos negros bantu, pois “[...] o
africa no encontrava no espiritismo a forma brasileira de sua antiga cultura, um meio de
continuar a comunhão antiga com os espíritos dos mortos”. (BASTIDE, 1973, p. 197)
Florestan Fernandes escreve sobre o negro João de Camargo
7
, que viveu na cidade de
Sorocaba, na segunda metade do século XIX. Era praticante do curandeirismo espírita, mas
também adorava imagens católicas e outros elementos africanos, o que caracteriza um
verdadeiro sincretismo entre das três culturas fundantes do Brasil: a indígena, a européia e a
africana. João de Camargo cha mava os santos católicos por nomes africanos de origem bantu
quando estava na presença de seus iniciados. Um exemplo desta “tradução” para as nguas
africanas é São Benedito não por acaso um dos sant os católicos mais cultuados pela
população negra –, que João de Camargo chamava de Rongondongo. Segundo Marques
(1966, p. 186):
Os cabindas chegavam a substituir, por outros, os nomes de certos santos
consagrados pela igreja católica. Era, êsse, um velho costume dêles.
Mudavam, por exemplo, o nome de São Benedito para o de Lingongo; o
de Santo Antonio, para de Vereque; o de Nossa Senhora das Dores, para o
de Sin Samba [...].
João de Camargo fundara um templo religioso chamado Igreja Nosso Senhor da Água
Vermelha, mas que teria sido registrado como associação espírita. Nesta “igreja”, conservava-
se o bito do culto católico juntamente com elementos do culto a fricano como a litolatria
8
.
7
Para informações mais recentes sobre esta personagem veja o fil me Cafundó
,
de 2005, dirigido por Paulo Betti
e Clóvis Bueno, que conta a história de João de C a mar go, estrelado pelo ator Lázaro Ra mos, c. f.
www.cafundo.com.br, 14/07/2007.
8
Lito = pedra; Latria = culto.
24
A litolatria, cultura africana, tanto pode ser um traço do culto fetichista
sudanês a Xangô, como um traço de religião banto. No primeiro, caso a
pedra adorada seria a pedra de raio conforme Artur Ramos em O Negro
Brasileiro
; mas a segunda hipótese parece-me a mais provável, por causa
da predominância do elemento banto nessa região, e porque as pedras não
são pedras de raio. (FERNANDES, 1972, p. 223) (grifos do autor)
Neste mesmo estudo Florestan Fernandes nos diz que Arthur Ramos observava que
os cabinda
9
eram adoradores da s pedras, dos pa ralelepípedos e das lascas de pedra. Outro
argumento uti lizado pelo estudioso para reforçar sua idéia de que João de Camargo utili zava-
se de elementos bantu em seu culto religioso e não elementos originários de povos
sudaneses
10
era o fato de que “[...] o preto banto tinha em sua cultura traços que muito se
aproximavam do espiritismo, como o culto Orodére, em Benguela”. (FERNANDES, 1972, p.
224) Ainda conforme Florestan Fernandes, João de Camargo estabelecia uma distinção entre
o que ele próprio fazia e o que outros curandeiros e “macumbeiros” faziam, por isso iniciou
uma guerra religiosa sem trégua procurando desacreditá-l os aos olhos de seus seguidores e de
seus clientes.
Independente de João de Camargo s e posicionar contra os curandeiros (ou
macumbeiros como e le os denominava), sendo ele próprio consi derado um macumbeiro aos
olhos das autoridades do Estado e da sociedade da época, isso não e mpobrece o fato deste
senhor ser um dos primeiros que se tem notícia a sincretizar a religião européia com
elementos africanos (mais precisame nte bantu) no estado de São Paulo. O que nos leva a
pensar na questão da umbanda e sua genealogia, uma vez que muitos pais e mães-de-santo,
tanto da umbanda como do candomblé, dizem que foram as culturas de origem bantu que
mais emprestaram seus ensinamentos para a formação dessa religião.
Segundo Camargo (1961, p.11), em seu estudo Kardecismo e Umbanda:“[...]oque
caracteriza os ‘terreiros’ Banto é o menor grau de pureza ritual e a maior receptividade na
aceitação de influências católicas ou espíritas”.
9
Cabinda. Região africana, perto de Angola e da foz do rio Congo. // Nome dado, n o Brasil, aos escravos vindos
desse lugar, ditos também de nação Cabinda ou Cambinda. (CACCIATORE, 197 7, p. 73)
10
Povos que habitam a região intertropical africana, entre o deserto do Saara e o Atlântico (golfo da Guiné),
compreendendo o Tchad, o Ní ger, o Sudão etc. e as regiões na costa do golfo: Nigéria, Daomei (atual r epública
Popular do Benin), Togo, Gana (antiga Costa do Ouro), Costa d o Marfi m, estendendo-s e até a Libéria, Serra
Leoa, Guiné, Senegal. // Grupos de escravos vindos dessas r e giões, s e ndo em maior quanti dade os i orubá (nagô),
hauçá (maometanos), da Nigéria, os denominados jeje, do Daomei, os fanti-axanti (minas), da Costa do Our o. //
Indivíduos vind os dessas regiões. F. de S udão. (CACCIATORE, 1977, pp. 245-246). Do mesmo modo,
manteremos a grafia africana yorubá ao invés da aportuguesada iorubá, c omo consta no dicionário da autora
citada.
25
1.2 E lementos bantu na umbanda paulista?
Pode-se dizer que antes do estudo realizado por Camargo (1961), nenhum pesquisador
havia pensado sobre a umbanda paulista, e menos ainda sobre os aspectos bantu no interior
dessa religião. O a utor argumenta que nunca se encontrou traços africanos locais, muito
menos bantu, nesta religião. Ele defende a idéia de que a umbanda tenha sido trazida de
outros estados, especialmente Bahia e Rio de Janeiro. Para o estudioso “A Umbanda paulista
é importada dos outros Estados e seu poder de expansão se encontra na funcionalidade do se u
sistema e não na fôrça de inércia de uma tradição cultural.” (CAMARGO, 1961, p. 35)
Camargo cita um estudo de Bastide
11
, especificamente o capítulo sobre a “Macumba
Paulista”, realizado nos anos 1940, e que, devido à pobreza” da umbanda naquela época, deu
ênfase aos aspectos do c urandeirismo, m uito comum a então. O autor acredita que o
crescimento desta religião em São Paulo tenha se dado na década de 1950. Para Camargo, os
negros de origem bantu contribuíram muito pouco para a configuração da umbanda, e a idéia
de que a c ultura bantu tenha oferecido algo mais não passa de pura ideologia acadêmica, e
diz:
Sabe-se que a maioria dos escravos que vieram para o Paulo provinha
do Congo e de Angola e muitos etnólogos, inclusive Roger Bastide,
querem encontrar na tradição afri canista de São Paulo a marca do estilo
religioso dos negros Banto. É possível. Não cremos, entretanto, que tenha
havido na cidade de São Paulo [e talvez no Estado] uma continuidade
cultural, como sucede na Bahia. (CAMARGO, 1961, p. 34)
Conforme os conhecimentos do autor, o panteão umbandista e até mesmo expressões
rituais têm origem na cultura sudanesa dos povos falantes da língua yorubá, c omo exemplo
ele cita as palavras babalorixá, babalaô e atabaque.
Para Silva (1994) a cabula
12
religião anterior à umbanda com forte influência bantu
teria contribuído para o surgimento da umbanda. Outra religião que também teria influenciado
aumbandaseriaamacumba
13
, que se aproxima das prát icas rituais da cabula.
11
BASTIDE, R. Les Religions Africaines au Bré sil: vers une sociologie des interpénétrations des civilisations.
Paris: Presses Université de France, 1960.
12
Seita secreta afro-brasileira, com influências malesas, bantas e espíritas, poss. Precursora da umbanda, e que
aparece nos últimos anos do séc. XIX na Bahia. [Sobrevive como c ulto no ES, em MG e no RJ.] (FERREIRA,
A. B. de H. versão 3.0, em 20 jul. 2007)
26
Mesmo antes, porém, de adquirir um contorno mais definido, muitos
elementos formadores da umbanda estavam presentes no universo
religioso popular no final do século XIX, sobretudo nas práticas bantos.
(SILVA, 1994, p. 106)
Desse modo, diante da argumentação do autor, tudo nos leva a pensar que Silva (1994)
acredita que a um banda tenha sofrido grande influência das culturas bantu, indo de encontro à
opinião de Camargo (1961).
Outro estudioso que também questiona a origem bantu da umbanda paulista é Lísias
Nogueira Negrão. Negrão (1996) se apóia na tese de livre docência de Liana Trindade
14
para
demonstrar a exi stência de terreiros de Umbanda em São Paulo montados como grupos
organizados desde ao menos a década de 1920. Para Liana (1991 a pud NEGRÃO, 1996, p.
36)
[...] foram os grupos étnicos Angola e Congo, que predominavam em São
Paulo desde o período escravocrata, que forneceram os componentes
básicos para o pos terior desenvolvimento da Macumba e do Candomblé (de
Angola). Desde o c ulo XIX os jornais registraram práticas rituais
angolanas, como os sacrifícios de animais ofertados às divindades junto a
árvores, uso de ervas, o ritual de fechamento do corpo, o jogo de búzios.
Segundo Negrão (1996), muitos destes rituais teriam prevalecido na umbanda, porém
a influência mais importante vinda dos bantu teria sido a possessão dos espíri tos, que têm o
dom de falar, ao contrário dos rituais sudaneses em que os espíritos são mudos. Outro traço de
influência bantu na umbanda é a maneira de tocar os atabaques. Nos rituais sudaneses os
atabaques são tocados com uma varinha e nos rituais bantu são tocados com a mão, como se
verifica até hoje nos terreiros de umbanda em todo Brasil.
Apesar de Negrão (1996 ) també m aceitar a i nfluência dos rituais citados acima, ele
concorda com Liana (1991) quando a pesquisadora questiona dizendo que a origem destes
mesmos rituais não é proveniente dos africanos de origem bantu que moram em São Paulo.
Conforme o a utor, as referê ncia s empíricas são poucas, o que faz com que essa hipót ese não
se concretize, pois:
13
uma polêmica que até hoje não f oi resolvida com esta religião, pois muitas pessoas tanto do povo de
santo, como entre os est udiosos –, dizem que a umbanda e a Macumba sã o a mesma religião, enquanto outras
pessoas acreditam ser religiões distintas.
14
TRINDADE, L. M. S. Construções Míticas e História: estudo sobre as representaçõe s s imbólicas e relações
raciais em São Paulo do século XVIII à atualidade. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1991.
27
O ritual de possessão angolana, descrito no processo de Inquisição ainda no
século XVIII, ocorrera em Sabará, Minas. A Cabula, descrita por Dom Nery
em sua carta pastoral, era capixaba. Os artigos de Benjamin Péret na década
de 30 foram publicados no Diário da Noite suas observações, porém
realizadas nos terreiros do Rio de Janeiro. (NEGRÃO, 1996, p. 37).
O que nos resta, seguramente, de africano em São Paulo é o caso de João de Camargo
citado acima. Contudo cremos que seja um caso tão específico que não tem relevância para a
comparação com a umbanda ou mesmo a macumba paulista.
No Brasil Império, os jornais da é poc a noticiavam e denunciavam práticas mágico-
religiosas de origem africana, por outro la do havia poucas notícias sobre p ráticas de origem
européia, como o caso de um “ messias” português em Campinas. De quatorze casos
registrados “[...] oito deles em associação com acusações de curandeirismo, uma associada a
bruxaria e uma a charlatanismo”. (NEGRÃO, 1996, p. 45) Geralmente estas acusações eram
associadas às práticas religiosas de origem africana.
Paralelamente, começavam a surgir na imprensa paulista da virada do século XIX para
o XX notícias sobre o espiritismo. Devido à imigração européia, tanto o espiritismo ligado a
Kardec, quanto o consi derado mais popular, começaram a se tornar visíveis aos olhos da elite
e do poder público. Em 22 de abril de 1894, o jornal APátria, que era um órgão da Federação
Católica de São Paulo, publicou um texto intitulado “Sobre o Espiritismo”. Por volta de 1910,
a imprensa paulista apresentava de form a explícita a diferença entre o “baixo” e o “alto”
espiritismo.
O “alto” Espiritismo seria, portanto, religião protegida pelo Estado, culto
semelhante aos demais e livre, inspirado nos nobres princípios de caridade,
envolvendo pessoas instruídas de elevada condição social. O “baixo”
Espiritismo seria a prática de “sortilégios”, de feitiçaria e curandeirismo
enquadráveis no Código Penal, despido de moralidade e motivado por
interesses escusos, envolvendo pessoas desclassificadas socialmente e
ignorantes. É óbvio que as práticas mágico-religiosas de origem negra
enquadravam-se dentro desta última categoria. (NEGRÃO, 1996, p. 57 grifo
do autor)
Estaríamos equivocados se pensássemos que o termo baixo Espiritismo” e ra mais
designado aos terreiros de origem bantu existentes em São Paulo na época (conhecidos como
Macumba), numa tentativa de se enquadrarem como “centros espíritas?” Conforme Negrão
(1996), a partir de 1929, alguns terreiros de umbanda começavam a ser registrados nos
cartórios como centros espíritas.
28
Por último, registramos a posição de Pinto e Freitas (1972) sobre a umbanda. Para os
autores, a umbanda é uma religião da etnia lunda-quioco, situada no nordeste de Angola, na
África; logo, de origem bantu. Seguindo a linha de raciocínio dos autores, a partir de sua
vinda para o Brasil a umbanda teria se sincretizado com o espiritismo. Por isso, “A umbanda é
um sincretismo bantu-kardecista, com imagens católicas [...]” (PINTO; FREITAS, 1972, p.
29). Ainda segundo os a utores, antes do de senvolvimento da umbanda existiam outros
cultos populares como: a pajelança, presente no Maranhão, no Pará e no Amazonas, derivação
de cultos amerí ndios; o catimbó, também muito presente no Norte e no Nordeste e que tem
como mestres espirituais Pelintra e outros; e a linha das Almas que para os autores, é de
origem africana, embora muitas pessoas a considerem de procedência kardecista.
1.3 Origens do candomblé em São Paulo
Se existiam religiões negro-africanas em São Paulo pelo menos um século, é fato
que o candomblé se tornaria visível no século XX, mais precisamente na sua segunda
metade. A origem do candomblé no estado de São Paulo, segundo Prandi (1991), não tem
mais que quarenta anos. Ou seja, podemos pensar e st a origem por volta dos anos 1960, pois
antes o que existia era a umbanda e os centros espíritas kardecistas.
São Paulo, como acreditam alguns estudiosos (Camargo, 1961; Negrão, 1996; Prandi,
1991; Trindade, 1991), não teria originado nenhum tipo de culto seja ele umbanda,
candomblé ou outros por isso, pode-se dizer que o candomblé paulista, assim c omo a
umbanda, teria “importado” o culto de outros lugares d o país, de outro modo, o candomblé
em São Paulo, no seu início, foi gerado por sacerdotes e sacerdotisas de outros estados. Esta
religiãochegaaSãoPaulodediversasmaneiras:
Através de pais-de-santo que vêm do Rio e da Bahia para iniciarem filho
aqui; quando umbandistas vão ao Rio e à Bahia para se iniciarem no
candomblé; nos casos em que um pai ou mãe-de-santo migra para São
Paulo iniciado em seu Estado de origem e abre terreiros de candomblé;
na situação em que o migrante vem “feito” no candomblé, mas começa
sua carreira religiosa em São Paulo abrindo casa de umbanda, para mais
tarde vir a tocar candomblé e abandonar a umbanda; e, finalmente, através
de filhos que são iniciados em São Paulo por mães e pais-de-santo
também iniciados em São Paulo. (PRANDI, 1991, p. 93)
29
O candomblé paulista teria se instalado primeiramente nas cidades litorâneas. A esse
respeito, Prandi (1991, p. 94) diz: “[...] enquanto umbandistas de São Paulo se iniciavam no
candomblé com pais e mães do Rio ou da Bahia, tanto indo para lá, como recebendo -os aqui,
alguns terreiros haviam se instalado diretamente na Baixada Santista, mais ou menos em
tornodocaisdoporto.
Assim, o registro mais velho que se tem notícia desta religião data de 1958 e m Santos,
com a roça fundada por Seu Bobó. “Vindo da Bahia, Seu Bobó, José Bispo dos Santos, hoje
com 75 anos de idade, ficou no Rio de 1950 a 1958”.(PRANDI, 1991, p. 95). Outra que por
essa época fixou residência também em Santos foi Mãe Toloquê, de nome civil Regina Célia
dos Santos Magalhães, que foi iniciada na Bahia por Joãozinho da Goméia, importante
sacerdote do rito angola. Valdemar Monteiro de Carvalho Filho codinome Vavá Negrinha ,
baiano da nação jêje
15
, instala sua roça na cidade de São Vicente por volta de 1950. Conforme
Prandi (1991), a maioria destes pais e mães-de-santo mantinham relações com Joãozinho da
Goméia, que muitos acusavam de não ser feito no santo. Outros ainda se relacionavam com
centros de umbanda.
Porém, será a partir da década de 1960 que começam a a parecer terreiros registrados
em cartório como de candomblé”, pois, até então, se tinha notícias de terreiros registrados
como “de umbanda”, “tenda espírita” e /ou “centro espírita”. Parece que o primei ro terreiro
registrado como “de candomblé” data de 1965, como escreve Prandi (1991, p. 93):
Em alguns casos, este catálogo de registros cartoriais serviu para
comprovar informações, como o fato de que e Manodê é uma dentre
os mais antigos sacerdotes que abriram casas de candomblé em São Paulo
[nacidadedeSãoPaulo],eaprimeiraaregistrarseuterreiroemcartório
com a palavra “candomblé no título da casa, em 1965.
Nos anos seguintes da década de 1960, e ainda influenciados por Joãozinho da
Goméia, viriam para São Paulo Alvinho de Omulu, Seu José de Oxossi, Camarão de Iansã,
além da presença do próprio babal orixá para iniciar muita gente no santo que hoje tem seu
próprio t e rreiro como, por exemplo, dona Isabel de Omulu e sua “filha carnal” Wanda de
Oxum.Nadécadade1970, com a morte de Joãozinho da Goméia, sacerdotes e sacerdotisas
15
Dialeto do grupo dialetal fon, da língua ewe (V), falado por escravos vindos do Da omei (atual República
Popular do Benin). // Den omi naçã o geral dada aos escravos vindos dessa região, cuja linguagem, crenças,
costumes foram absorvidos e m grande parte pelos iorubanos (nagô), na Bahia. C ontudo existem ainda
candomblés jeje na Bahia, no Maranhão e, atualmente, também no Rio e Estado do Rio, fundados p or baianos.
Os do Rio de Janeiro (alguns, pelo menos) usam grande númer o de deuses e rituais nagô. F.p. ior.: “àjeji”
estrangeiro, estranho, nome que os ior uba, no Daomei, davam aos povos vizinhos, i. e., aos daomeanos.
(CACCIATORE, 1977, p.159).
30
do candomblé ketu
16
começaram a se destacar na cidade. “[...] Era a época do prestígio do
Gantois de Mãe Menininha [...]” (PRANDI, 1991, p. 101) e do candomblé como um todo que
havia sido “descoberto” por intelectuais e artistas.
No auge da “nagoização” (Braga, 1988, p. 85) ou “nagocracia” (Prandi, 1991, p.101)
vieram Mãe Juju, Olga do Alaqueto (que aqui passava quatro meses apenas) e muitos outros.
Caio Obá Inan, que veio da umbanda, inaugurou seu terreiro Axé Ilê Obá (um dos maiores do
país em ainda hoje) em 1974, e quando morreu foi sucedido por Sílvia de Oxalá, que hoje
está à frente deste terreiro, tombado pelo CONDEPHAAT - Conselho de Defe sa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Es tado de São Paulo como
patrimônio histórico da cidade em 1975. Neste mesmo período, representando a nação jêje-
mina maranhense, veio o importante sacerdote Francelino de Xapanã. A partir daí, já é
possível perceber um crescimento e identificar a primeira ge ração de pais e mães-de-santo
paulistas iniciados na cidade tocando terreiros. Esta geração que começará um movimento de
volta à África que será chamado de (re )af ricanizaçã o (o qual discutiremos mais à frente).
Pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos da Religião “Duglas Monteiro”, ligado à
Universidade de São Paulo, ba seadas em documentos de 1929 a 1982, verificaram o
crescimento, nesse período, do número de associações civis de umbanda, espíritas e de
candomblé. Na década de 80, entre as religiões de matriz africana, o candomblé é a que mais
rapidamente se expande. Um dos fatores, e talvez o principal, que explicaria esse crescimento
seriam as migrações dos nordestinos, ou seja, o fato de estes home ns e mulheres virem para
São Paulo
,
trazendo consigo suas histórias de vida religiosa, a lguns aderindo à umbanda,
outros abrindo seus próprios terreiros.
Conforme Silva (1995), outro fator que teria contribuído para esse crescimento teria
sido, estranhamente, o desenvolvimento da umbanda, pois:
Se por um lado o candomblé se expande através dos imigrantes
nordestinos que para se deslocam, por outro está a passagem de muitos
umbandistas para os quadros do candomblé, seja por motivos de crise
religiosa, seja pela melhor compreensão e aceitação dos preceitos que
envolvem o candomblé [...] (SILVA, 1995, p. 79)
16
Também dito Ketu. Antig o reino da África Ocidental, cortado em dois pela atual fronteira Nigéria-Benin. Seu
governante tem o título de Alaketu. // Povo desse reino, pertencente ao Egbá, divisão dos Ioruba. Veio em
grande mero, como escravo para a Bahia. A elementos seus se devem os candomblés mais tradicionais, como
EngenhoVelho(CasaBranca),OpôAfonjá,Gantois,Alaketo,OgunjáF.–ior.:“kétu.(CACCIATORE,1977,
p.163)
31
Para acompanhar o de senvolvimento das religiões afro-brasileiras em São Paulo,
seguiremos o esquema traçado por Silva (1995), e que distinguiremos resumidamente em
quatro fases.
1
a
fase rito Angola
Na década de 50, chega a São Paulo, vindo do Rio de Janeiro e de Salvador, o
candomblé angola. Entre os nomes mais lembrados pelo povo de s anto está o de Joãozinho da
Goméia. A morte de Joãozinho da Goméia em 1971 marcou o declínio desta nação.
2
a
fase rito Efã
As décadas de 50 e 60 delimitam o período em que houve maior cont ato com
candomblés da Bahia e do Rio de Janeiro. Entre os terreiros cariocas mais conhecidos, temos
o de Cristóvão de Ogum, iniciado no terreiro do Oloroquê em Salvador, considerada a casa
matriz do rito efã, variante do tronco nagô (ou yorubá ou ketu), fundada por Maria da Paixão.
Desta mesma corrente, saí ram Waldomiro de Xangô que havia iniciado Diniz da Oxun, que
no final da década de 60 foi pa ra a cidade de Santos, levando consigo seu ogã Gilberto de
Exu
17
. Irmão de Waldomiro de Xangô, Alvinho de Omulu muda-se para São Paulo, tornando-
se o pri ncipa l divulgador deste rito, principalmente na zona leste.
Com o crescimento do rito efã começou a haver uma disputa entre Alvinho de Omulu
e Joãozinho da Goméia. Dessa disputa, os seguidores do rito efã retiraram algumas vantagens:
a) A proximidade com o modelo ketu, até hoje posto como o mais “puro”; logo, mais
tradicional.
b) Seu distanciamento da umbanda, vista como sincrética, freqüentemente associada
ao candomblé angola.
Esta disputa também representou, em outros termos, um redirecionamento
no campo de influências das nações num momento em que o candomblé
se expandia e se tentava criar algumas formas eletivas de participação e
redistribuição do poder religioso. (SILVA, 1995; p. 86)
Com efeito, Joãozinho da Goméia era freqüentemente acusado de não ter sido feito no
santo, e de cultuar entidades estranhas ao candomblé, como os caboclos, por exemplo.
Percebe-se a importância que o pertencimento a uma genealogia religiosa começava a
assumir. Foi em meio a essa disputa que o rito ket u, que havia se estabelecido em São
Paulo, encontrou condições para florescer.
3
a
fase rito Ketu.
17
Gilberto de Exu é cas ado com a yalorixá Wanda de Oxun que, atualmente, comanda o Ilê Iyá Mi Oxun
Muyiwa. (Entrevista concedida em abril de 2002)
32
O candomblé de rito ketu, a nação mais prestigiada, é responsável pela formação de
várias linhagens, como a de Nezinho de Ogum do terreiro do Portão de Muritiba, localizado
no Recônca vo Baiano, e é representado por terreiros famosos como a Casa Branca do
Engenho Velho e o Gantois de mãe Menininha. Nezinho de Ogum vinha corriqueiramente,
nos a nos 60 e 70, a São Paulo, e ajudou a iniciar muitas pessoas como Pérsio de Xangô, pai
José Mendes de Oxossi e tia Rosinha de Xangô.
O modelo ketu teria desfrutado de tanto prestígio nas décadas de 70 e 80 que muitos
pais e mães-de -santo procuraram diretamente a s grandes casas da Bahia, chegando a ponto de
muitos deles abandonarem suas nações de origem ou mesclarem as suas nações com a nação
ketu.
4
a
fase rito Ketu (re)africanizado e outras nações
Além das nações mencionadas nas três fases a nteriores, existem outras que ajudaram a
ampliar o diálogo para a formação do c a ndomblé paulista. Citaremos algumas, para
exemplificar nossa afirmação.
Da nação jêje (e sua variante baiana chamada marrim) veio o pai de santo Vavá
Negrinha. Da mesma nação (variante maranhense chamada mina) veio Francelino de Xapanã,
queéfilhodesantodeJorgedeIemanjá,doterreirodeMinadeIemanjáemSãoLuís,no
Maranhão. A nação jêje-mina cultua os Vodum
18
, os encantados, bem como caboclos, turcos e
fidalgos, por isso pai Francelino, nos primeiros tempos de seu estabelecimento e m São Paulo,
foi acusado de inventa r uma nação.
Outra nação que se instalou por aqui foi o Xangô pernambucano (variação do ketu)
cuja maior representante é mãe Zefinha, filha de santo de Mãe das Dores. Das Dores mudou-
se para São Paulo aos 78 anos de idade e trouxe c onsigo o assentamento de orixá de seu
terreiro, como o de Orunmilá, divindade que preside o jogo de Ifá e é pouco conhecida no
Brasil.
Conforme Silva (1995, p. 93), “A transformação mais recente no campo das di sput as
entre as nações e linhagens refere-se ao processo de reafricanização”, processo inicialmente
empreendido por pais e es de santo da nação ket u em São Paulo, mas que a gora parece ter
se estendido também aos adeptos da nação angola-congo.
18
Também dito vodu. N ome genérico das divindades jeje, correspondendo a orixá do nagô. F.p. ewe ou
dialeto: vodu”. (CACCIATORE, 1977, p. 261).
33
Capítulo 2: Angola versus ketu: aproximações, diferenças e a construção da
ideologia nagô.
Introdução
Muito se fala, se e se estuda sobre o candomblé, embora sempre sob o prisma da
nação ketu. Pouco se divulga ou se estuda sobre outras nações como a jêje, a efã, e mesmo a
angola e s ua co-irmã congo. Por que será que os estudiosos resolveram estudar apenas um
tipo de candomblé, deixando os outros de fora? Poderíamos pensar que isto se deu (e tem se
dado), principalmente, porque os estudiosos teriam encontrado maior facilidade de acesso às
informações junto a e stas comunidades que, segundo eles, apresentam-se mais receptivas?
Talvez as coisa s não tenham sido tão simples assim. Neste capítulo, vamos tentar explicar um
pouco sobre o candomblé nação angola-congo e as suas diferenças com a nação ketu. Logo
após, mostraremos como foi o processo de construção da chamada “ideologia nagô”.
2.1 Diá spora africana?
Os estudiosos concordam que quem trouxe os primeiros africanos para o Brasil foram
os portugueses, mas discordam quanto à data exata e o número, mesmo porque a quantidade
de documentos que se referem a essa época é escassa. Mas talvez não se equivoque muit o
quem se refi ra à chegada dos primeiros africanos entre 1516 e 1548
19
.
Estes p rimeiros africanos eram majoritariamente originários do sul
20
(Angola e Congo)
e desembarcaram no nordeste brasileiro, nos atuais estados da Bahia e Pernambuco, para
19
Maurício Goulart em seu livro A escravidão no Brasil, de 1975, diz "[...] coincidir a entrada dos primeiros
negros com a fabricação dos primeiros açúcares no Brasil, possivelmente com Pe ro Capico, entre 1516 e 1526".
(p. 95) Afonso de E. Taunay em sua obra Subsídios para a Históri a do tráfico no Brasil, de 1941, afirma que
Rinchon, missionário da época, datou a entrada dos primeiros africanos escravizados "[.. .] pelas vizinhanças de
1525 [...] " (p. 24). Ao pass o que o pesquisador Brasil Gerson no seu AescravidãonoImpério,de1975,relata
que o Visconde de Paiva Manso ao escr ever seu livro ‘A história do Congo’ “[...] daria a data de 1548 como a
das primeiras, mas pequenas remessas de negros para as plantações .[...]”. (p. 4). .
20
O etnólogo francês Pierre Verger, em suas pesquisa sobre o tráfico, o divide em quatro ciclos, sendo: “1º O
ciclo da Guiné, durante a segunda metade do séc. XVI; O ciclo de Angola e do Congo, no séc. XVII; O
ciclo da Costa da Mina, durante os três primeiros quartos do séc. XVIII; O ciclo da baía de Benin, entre 1771
e 1850, estando incluído o período do tráfico clandestino” (1987 p. 9). Porém, o pesquisador e sambista da
cultura bantu, Nei Lopes, informa que “[...] muitos escravos aqui vendidos como sudaneses, como peças da
34
trabalharem nas lavouras de cana-de-açúcar. Em suas terras, estes africanos eram capturados,
às vezes como prisioneiros de guerras intertribais, às vezes por caçadores especializados,
como os portugueses, que faziam o "comércio de carne humana" bem antes do
desc obrimento do Brasil
21
e conheciam bem a região, principalmente Angola e Congo. Ao
serem capturados esses homens, mulheres e também crianças, eram embarcados nos portos de
Luanda, Mossâmedes, Benguela e no rio Ambriz. Entre os bant u, assim também denominados
os negros desta região da África, vieram muitos povos que ajudaram a construir o Brasil, entre
eles destacam-se: os angola, os cabinda, os benguela, os moçambique, os macúa, os congo. Os
bantu foram maioria em terras brasileiras até meados do século XVII, época em que ocorrem
as primeiras descobertas de mina de ouro no Brasil, dando início ao chamado ciclo do Ouro.
Com isso ocorre um deslocamento (e não um a substituição) do tráfico para a região do golfo
da Guiné, devido à crença errônea de que os sudaneses eram mais resistentes que os bantu,
considerados mais afoitos à agricultura. Na realidade esse deslocamento teve conexão com a
invasão holandesa de Luanda em 1648.
O golfo da Guiné é uma região que engloba os atuais países da Nigéria, Benin (e x-
Daomé), Gana e Togo (ex-Costa do Ouro), o litoral dessa região também era chamado de
Costa dos Escravos. Dessa região vieram povos c omo os das nações fanti, gás, ashanti, f on e
outros. Esses negros ficaram conhecidos pela alcunha de "mina", devido ao nome da fortaleza
de São Jorge da Mina
22
, local de embarque da grande maioria destes africanos para o Brasil.
Do interior desses países vieram as etnias: nagô,ijexá,ijebu,ketu,(falantesdalíngua
yorubá
23
), ha ussá (negros islamizados), tapás, kanúris, bornús e outros. Os negros sudaneses
que vieram para o Brasil eram conhecedores de algumas técnicas, o que possibilitou o
desenvolvimento de esculturas em bronze por parte dos povos provenientes da região yorubá
(na fronteira da Nigéria com o Benin). Eram também agricultores como os bantu ,
Guiné, eram na reali dade originários de Angola e d o Congo. Isto por que, pelo menos no século XVIII, o nome
‘Guiné’ designava todo o território que vai hoje do Senegal ao Gabão, incluindo a Ilha de São Tomé (RIBEIRO,
1978 apud p. 16 LOPES, 1988, p. 3). É porque, durante certo tempo, os navios negreiros procedentes do Congo e
Angola tinham todos que primeiro ir àquela ilha pagar impost os antes de rumarem para o Brasi l (SALVADOR,
1981, p. 32 apud LOPES, 1988, p. 3) advindo daí a confusão nos livros de registro”.
21
Segundo Nei Lopes “[...] o início do c omércio escravista pelos portugueses é o ano de 1441, quando são feitas
as primeiras capturas de negros na atual Mauritânia”. ( LOPES, 1988, P. 113)
22
Forte e ponto de embarque fundado em 1482 na costa da Mina, região do golfo da G uiné.
23
“Povo sudanês que habita a região de Yorubá (Nigéria, Africa Ocidental, (que se estende, de Lagos para o
norte, até o rio Níger (Oya) e, do Daomei para leste, até a cidade de Benin. [...] Esse p ovo que também habita
algumas cidades do Daomei (atual república Popular do Benin) e Togo veio em grande número para o Brasil, e
na Bahia dominou s ocial e religiosame nte os outros povos escravizados, exceto os malês.
É mais comumente
chamado povo nagô, n o Brasil
. Compreende várias tribos e subtribos que têm seu próprio governante,
subordinados todos ao Oni de Ifé e ao Alafin de Oyó.
São, entre outros, os Oyó, Egbá (que inclui o Ketu),
Ijebu, Ijexá, Owó, Ekiti etc.
// Indivíduo desse povo. //
Língua (do grupo l ingüístico Kwa das línguas
sudanesas, na classificação de Westermann) f alada pelo povo iorubá
.Háváriosdialetos,sendopadrãoode
Oyó.
No Br asil é chamada ngua n a
”. (CACCIATORE, 1977, p. 154-155) ( grifos nossos)
35
pescadores, criadores de animais e conheciam o cavalo, devido o contato c om os árabes.
Possuíam c idades c om ruas planejadas e arborizadas e surpreenderam "[...] os viajantes
europeus, a partir dos portugueses que ali aportaram em 1472". (CARNEIRO, 1964, p. 43)
O tráfico interno de escravos no Brasil aconteceu porque como a economia brasileira
alterara ao longo dos séculos, tornou-se necessário o de slocamento destas pessoas de uma
região para outra. Outros motivos como a seca no nordeste do país também foram
determinantes. Com is so, até o culo XVIII, devido à de scoberta de ouro, a o de obra
escrava, em sua maioria, deslocou-se para o sudeste do Brasil, mais precisamente para o atual
estado de Minas Gerais.
As culturas africanas em geral cont ribuíram muito para a formação da cultura
brasileira. Sua influência se sente na ngua, na culinária, na sica, na maneira de andar e de
se colocar no mundo. Contudo, excetuando-se a religião, acreditamos que poucas instituições
(ou nenhuma outra) sobreviveram, e as que resistiram estão subjugadas ao universo religioso.
Por isso, o negro brasileiro tem que saber "[...] como e por onde levantar o seu nível
intelectual e moral". (CARNEIRO, 1936, p.18). Ou seja, se o negro brasileiro quiser buscar
sua identidade, ele não poderá deixar de conhecer a história do candomblé, que se confunde
com sua própria história. Não estamos, com isso, pretendendo que os negros e negras
brasileiros tenham que se converter a essa religião, mas cremos que a construção da auto
estima e da identidade passam pelo conhecimento de suas origens.
2.2 As diferenças entre as nações
Faz-se nece ssário, primeiramente, explicar que existem várias religiões de influência
africana no Brasil com o: o catimbó, a umbanda, o batuque, o xangô, o candomblé, entre
outras, que são religiões espíritas. No interior do candomblé existem diferentes denominações
de culto que são chamadas de nação
24
. Cada grupo/etnia que aqui aportou pertencia a locais
distintos na Á frica, tendo, assim, costumes e culturas diferentes. Daí surgiram a s nações, ou
seja, a prática do candomblé conforme ritos específicos da origem do povo praticante, como a
nação de ketu, a nação jêje, a nação angolaeanaçãocongo(atualmente,estasdualtimas
consideram-se fundidas dada a grande semelhança das práticas religiosas e a proximidade das
línguas utilizadas, que são, respectivamente, o kimbundu e o kikongo).
24
“Denominação de origem tribal ou racial (nação nagô, nação africana) atribuída aos grupos de ne gros africanos
vindos como escravos para o Brasil. // Denominação do conjunto de rituais trazidos por cada um desse s povos e
que determinaram os diversos tipos de Candomblé.” (CACCIA TORE, 1977, p. 86). Para uma discussão mais
aprofundada sobre o assunto, ver: LIMA, V. da C. O conceito de “nação” nos candomblés da Bahia. Revista
Afro-Ásia, n. 12, 1977, pp. 65-90.
36
Tentar traçar um paralelo entre as nações seria, no mínimo, perigoso. Mas podemos
dizer que cada uma delas possui características próprias, que a diferencia das demais. Estas
diferenças se encontram na língua utilizada, nas divindades cultuadas, em dete rminadas
práticas de caráter sigiloso os chamados “fundamentos” –, no modo de ver determinadas
questões, enfim, numa série de fatores distintivos/reflexivos. A nação mais divulgada hoje em
dia é a ketu, também considerada a mais tradicional. Segundo antropólogos e historiadores, o
primeiro candomblé aberto na Bahia foi a Casa Branca do Engenho Velho (Sociedade São
Jorge do Engenho Velho ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká), originário dessa não.
A grande maioria dos estudiosos das religiões afro-brasileiras desde Nina Rodrigues
(1935), passando por Lépine (1979) até os mais atuais como Prandi (1991) concorda que a
nação ketu serviu de modelo para as demais naç ões. Assim, conforme os estudiosos, a
primeira (e primordial) diferença entre as nações de candomblé se encontra com relação às
divindades, objeto do culto.
Os adeptos do candomblé de origem bantu (nação congo e nação angola) denominam
seus deuses por Nkisi (no plural se diz Jinkisi), embora alguns terreiros da nação angola
prefiram chamar seus deuses de Ankixi (o plural seria Mukixi). Os adeptos da nação ket u
chamam seus deuses de Orixá e os da nação jêje cultuam os Vodun. Se existem diferenças
entre essas divindades, essa é uma discussão que até hoje sacerdotes e estudiosos do assunto
não conseguiram responder satisfatoriamente. As opiniões estão polarizadas entre aqueles que
crêem que existem diferenças e aqueles que dizem não haver diferença alguma, e que
mudam os nomes conforme as nações.
Uma outra diferença encontrada é a variação do idioma/língua/dialeto utilizado por
cada nação. Assim: os angoleiros e angoleiras os adeptos do rito angola-congo cantam
numa mistura de kimbundu e kikongo, as únicas duas línguas do tronco bantu que
sobreviveram no Brasil. Os adeptos da nação ketu cantam em yorubá, e os adeptos da nação
jêje cantam na língua ewê. Entretanto, em muitos terreiros de candomblé e de umbanda é
possível observar a utilização destas três línguas rituais. Hoje em dia, devido à
(re)africanização, os terreiros que ainda mantêm essa mistura de l íngua em seus rituais são
chamados de sincréticos e m contraposição aos terreiros que adotam apenas uma língua ritual
chamados de (re)africanizados.
As nações distinguem-se ainda pelo próprio ritmo dos atabaques, pelas denominações
que cada nação a estes, ou mesmo pela maneira de tocá-los. Assim alguns pais e mães-de-
santo da nação angola-congo dizem que existem três toques em seu rito: congo de ouro,
barravento e cabula (também chamado de angola-munjola). Porém outros dizem que existem
37
quatro toques, que seriam: cabula, barravento, re bate e o arrebate; todos estes ritmos são
tocados com as mãos. Das tradições sudanesas (jêje e ketu) te m-se o ijexá, igbin, aguere,
bravum, opanijé, alujá, adahun e avamunha, entre outros. Uma característica das nações ketu
e jêje é que cada orixá e/ou vodun têm um ritmo próprio, o que não a contece nos
candomblés de origem bantu.
As denominações dos atabaques para os jêjes são: rum, rumpi e lé, os ataba ques nesta
nação diferem-se das demais até mesmo no formato, pois são acomodados em suportes na
posição horizontal, diferentemente das demais tradiç ões; os adeptos do candomblé ketu
mantiveram a denominação da nação jêje e os atabaques são tocados com a ajuda de varetas
(exceto o ijexá, que se utiliza também do toque com as mãos). os angoleiros denominam
seus atabaques genericamente de ngoma (tambor em kimbundu), mas cada um deles, assim
como na nação jêje, tem um nome próprio: ngoma txina (o grande), ngoma mukundu (o
médio) e ngoma kasumbi (o pequeno).
Segundo Barcellos (1998, pp.18-19), estudioso e sacerdote do culto angola -congo, é
uma tradição dos candomblés ketu “[...] fa zer o xirê (brincadeira) dos orixás, quando se canta
para todos eles, numa ordem determinada; os angoleiros conhecem e praticam o jamberesu,
que é o ritual de invocação do inquices (divindade) [...]”.
Porém, na opinião do autor a mais explícita diferença existente entre o candomblé de
origem sudanesa e o de m a triz bantu talvez esteja na questão étnica e na questão da origem
religiosa. Em relação aos povos de língua yorubá o sacerdote diz que:
Os iorubanos, cujo império foi fundado por Oduduwa, na Nigéria,
fronteira com o Daomé, hoje República do Benin, foram absorvendo aos
poucos determinadas divindades uma da outra, como por exemplo, a
incorporação do orixá Nanã pela cultura iorubana. Outro caso, os
iorubanos vinculam o culto a um determinado orixá a uma rego
específica. Por exemplo, Oxogbó cultua Oxum; Oyó, Xangô; Ire e Hondo,
Ogun; Irá, Iansã, etc. (BARCELLOS, 1998, pp. 19-20)
Sobre a mesma temática o autor diz o seguinte em relação aos povos de origem bantu:
Os angolanos originaram-se da migração dos negros africanos do norte e
nordeste da África, vindos da região do Sudão. Foram mais de 150
milhões de emigrantes, que ao longo de sua jornada até o sul da África
foram fundando impérios, reinos e países. Os bantos foram fundadores do
Congo, de Angola, da Namíbia etc. (BARCELLOS, 1998. p. 20)
38
Fazendo uma última referência à religiosidade bantu, o autor vai dizer que “Ao
contrário dos iorubanos, os bantos cultuavam seus inquices de acordo com a ocasião”
(BARCELLOS, 1998, p.20).
2.3 A hierarquia no candomblé nação angola-congo
Os cargos máximos reconhecidos dentro dos candomblés de origem bantu são:
mametu/tatetu nkisi (grafia africana) ou mameto/tata i nquiciane ou ainda mameto/tata de
inquice, respectivamente m ãe/ pai-de-santo ou zeladore s de santo; Tata nganga ngombu ou
tata ngana mesu (equivalente ao Babalaô do candomblé ke tu), aquele que joga, que tem a
incumbência de aconselhar os zeladores.
Os outros cargos são: tata kambundu (kambondu/kamba nda), homens que não entram
em estado de transe e que, escolhidos pela divindade, exercem funções s uperiores, são o
equivalente ao ogã na nação ketu; tata utala, responsável pelos altares e outras funções; tata
pokó é o sacrificador consagrado a Nkosi; tata kivonda ou quivonda, o sacrif icador
consagrado a outras divindades; tata kanzumbi/ tata nsalu/ tata nzo Vumbi é responsável pelos
sacudimentos, carregos, ritos fúnebres (inzo ia V umbi) e são os guardiões da casa; o tata
kisaba ou quinsaba/insaba, que é o responsável pela colheita das folhas. Sobre este cargo,
Santana (1984, p.37) diz: “Não sei, não conheço se nas outras “nações” tem e st e cargo. Sem
querer desmerecê-las, absolutamente, se existe este posto eu não conheço. Essas são
autoridades fundamentais para um terreiro.” Em algumas casas de candomblé ketu, disseram
que esse cargo é chamado de Olossãe.
O Tata ngimbi é o pai dos cânticos; o tata kixika ia ngoma/ sika a ngoma (grafia
africana) ou Xicarangomo, é aquele que toca o atabaque; tata mbaia, responsável pelo
barracão; o tata lubitu/lumbitu é responsável pelos compartimentos sagrados da casa de santo,
detentor das c haves; tata fufu/nfunfu prepara os pós (pemba em língua kimbundu) que são
utilizados nos rituais sagrados; kota maganza/kiakaxi são a s rodantes/médiuns com idade
superior a 7 anos de iniciação; mam'etu ou tat'etu ndenge ou cota sororó é a mãe pequena ou
paipequeno;Mam'etu-Kusasaéamãecriadeira;Mam'etu-Mulongiéamãedoscânticose
rezas (seria ela o equivalente masculino a tata ngimbi, o pai dos cânticos?); mam'etu-mutintá,
responsável pelo preparo das tintas rituais; mam'etu/ tat'etu/kota-hongolo matona, a que fará a
pintura colorida; mam'etu/tat'etu-luvembá, responsável pela pintura branca; mam'etu o u kota-
mulambi, responsável pelo preparo das comidas ritualísticas; mam'etu ou kota-rinfula ou
39
quifumbera, é a superiora da cozinha; tat'etu/ mam'etu ou kota-dianda é responsável pela
comunidade.
As dikota/kota são as mulheres que o entram em estado de transe e que, quando
escolhidas pela divindade, exercem funções superiores. Neste grupo temos: a kota nbakisi,
que é aquela que cuida das divindades (este cargo é comparado a o de ekéde da nação ketu); a
kota ambelaí, que é responsável pelos iniciados; kota kididi, é aquela que mantém a paz e a
harmonia na c asa de santo; kota masoioio ou simplesmente cota é a superior ma is antiga da
casa. Após este grupo de mulheres temos a/o mukaxi, que é o médiun; a muzenza (feminino)
ou o munanzenza (masculino), que são as/os iniciadas/os; e o ndumbe, assim chamadas as
pessoas que ainda não se iniciaram. O ndumbe está na base da hierarquia do candomblé
angola-congo, mas é tão respeitado quanto as outras pessoas do terreiro.
Na maioria dos terreiros muitos dos cargos citados acima, inclusive os pe squisa dos,
são acumulados. Os cargos concedidos pelo sacerdote são exclusivos dos iniciados na tradição
religiosa angola-congo. Como no candomblé ketu, o título de sacerdote será reconhecido
(se tiver cargo) mediante a comprovação de sua iniciação e se tiver idade acima de 7 anos de
iniciação, bem como com suas obrigações em dia. E as obrigações de ano de fei tura, se
atrasadas, não serã o reconhecidas se feitas de uma vez, devendo-se manter um intervalo de
uma para a outra. Os trabalhos feitos através de consulta s, sakamene (sacudimentos), makesu
(noz de kola) e kudia mutue (comida à cabeça), não cria m vínculos de filiação com a casa.
2.4 Os jinkisi divindades do candomblé angola-congo.
Muitos são os nomes pelos quais os povos bantu denominam Deus: Nzambi
(bachicongos, baiacas, bassurongos, etc), Kalunga (bimbundas, nhanecas-humbes, etc),
Nzambi-Mpungu (congos-bavílis), Mulungu, Mukuru, Muvangi, Suku, etc. Mas, geralmente,
Ele é pouco acionado. Segundo Santos (1969, p. 325):
O Banto preocupa-se essencialmente com os espíritos, com a magia. a
título de exceção reclama diretamente a ajuda de Deus. Deus está no céu,
ens in se, que não se preocupa com as criaturas, sejam elas espíritos,
homens, animais, vegetais ou minerais. A vida quotidiana do homem recebe
sim, mas é a influência de uma força stica, dos espíritos.
Os povos bantu, assim como os yorubás, acreditam num Deus supremo. Para a maioria
das etnias Ele é c aracterizado como um grande rei (soba), que está muito acima de seus
súditos, e, justamente por isso, encarrega alguns dos seus homens de confiança para tomar
40
conta do reino. O mesmo sucede-se c om Deus, que criou o mundo e entregou o seu governo
aos espíritos (nkisi, ankixi). Santos (1969, p. 323 apud Junod s/d), explica da seguinte maneira
um mito do culto aos antepassados:
[...] um grande chefe banto tinha por hábito subir a montanha e fazer as
suas preces a Deus. O seu filho, que lhe sucedeu, sentiu medo de se
aproximar do Grande Deus que seu pai adorava, e então chamou o espírito
de seu pai para que intercedesse por ele e por seu povo diante do criador de
todos. Gradualmente, cada chefe de família teve os seus próprios espíritos
ancestrais, primeiramente como mediadores, e depois como objeto de
adoração. E, desta maneira, com o rodar dos tempos, Deus foi posto de lado
para serem invocados os manes.
As divindades
25
cultuadas pelos angoleiros o: Pambu Njila ou Pambu Nzila
também conhecida como Aluvaiá é a divindade protetora dos templos e dos caminhos, e stá
associada ao orixá Exu. Todos o saúdam da seguinte maneira:
Kuia'Luvaiá ngana nzila-Kuia
Viva Aluvaiá, senhor dos caminhos Viva
Nkosi/Hosi, em alguns lugares também é chamado de Mukumbi, Ngangula, Xauê.
Deus da Guerra é uma divindade ligada à agricultura e protetora dos ferreiros. Alguns
sacerdotes associam esse nkisi a Ogum. No entanto, não se furtam de saudá-lo por:
Iuna Kubanga M u Etu Nkosi E
Aquele que briga por Nós Nkosi E
Katende/Mpanzu, divindade ligada aos encantos, segundo o s ace rdote tata Katuvanjesi
não se deve invocar Katende, na língua kimbundu, eMpanzu, na língua kikongo, porque eles
não atenderão. E st e nkisi está associado a Ossain divindade das folhas no candomblé ketu,
embora alguns estudiosos (BASTIDE, 1973, 216a; CARNEIRO, 1937, p.73) o aproxime de
Irocô (outra divindade do candomblé ketu). Seja como for, os fiéis sempre o saúdam dessa
maneira:
25
Optamos por manter a escrita africana das divindades da nação angola-congo por motivo de coerência com a
nossa discussão e p orque nos terreiros pesquisados os sacerdotes assim se referem a eles. Todas as saudações aos
Jinkisi foram retiradas do livro de BARCELLOS, Mario César. Jamberesu: as cantigas de a ngola.Riode
Janeiro: Pallas, 1998.
41
Kisaba Kiasambuka Katende!
Folha Sagrada Katende!
Outro importante nkisi é Mutakalambô, que é o deus da caça. Na mesma família temos
Kabila, que é a divindade protetora dos pastores e caçadores, e Nkongo Mbila, príncipe
protetor dos pescadores e caçadores. Em muitos terreiros, inclusive da nação angola-congo, os
adeptos tendem a associá-los a Oxossi. Conforme Tata Katuvanjesi estes dois jinkisi têm a
função de auxiliar Mutakalambô. Sua saudação é:
Kabila Duilu “Kabila”!
Caçador dos Céus Kabila !
Nzazi-Loango ou Kambaranguanji é a divindade dos raios e dos trovões, está
associada a Xangô. Sua saudação é:
A-ku-Menekene Usoba Nzaji "Nzaze"!
Salve o Rei dos Raios Grande Raio!
Conforme ta ta Katuvanjesi, Luango é auxiliar de Nzazi; porém, para outros sacerdotes,
este mesmo nkisi é auxiliar de Vunji. Vunji, deus da Justiça, atua no nascimento das crianças.
Por isso
,
a maioria dos sacerdotes e sacerdotisas aproximam -no aos Ibeji, que são divindades
do panteão ketu. De qualquer maneira, sua saudação é:
Vunji Pafundi –Vunji’e!
Vunji feliz Bem-Vindo!
Depois vem Hongolo, Hongolo Meia / Menha, deusa das águas doces e do arc o-íris,
popularmente conhecida como Angoro ou Angoroméa, associada a Oxunmaré, que é cultuada
no candomblé ketu. Por conta de ssa aproximação que as pessoas f azem, tata Nkassuté nos
disse que muita gente pensa que Hongolo Meia é do sexo feminino.
Sua saudação é:
Ngana'Kalabasa Angoro Lê!
Senhor do Arco Íri s Angoro Hoje!
42
Para Nzinga Lumbondo, divindade que atua também sobre os astros e o arco-íris, o
encontramos equivalente em outra nação. Conforme os sacerdotes entrevistados, este nkisi foi
trazido para o Brasil somente 8 anos.
Kavungu, Kingongo, Insumbo/Nsumbo/Nsambo, deus protetor das pestes e doenças, e
que também atua na sorte, está associado a Obaluaiê/Omulu da nação ketu. Seus filhos
saúdam-no por:
Tatetu Ma te ba Sakula Oiza “ Dix ibe”!
O Pai da Ráfia está chegando Silêncio!
Para Ntoto, divindade ligada à terra, não encontramos equivalente em outras nações,
mas talvez não nos equivoquemos se pensarmos nesta divindade como uma qual idade ou da
família de Kavungu.
Kitembo/Tembu está a ssociado ao orixá Irocô ou a T empo
26
, deus dos ventos, e atua
na c ura de doenças. Sua saudação é:
Nzara Kitembo Kitembo Io!
Glória Kitembo Kitembo do tempo!
Tere-Kompenso/Teleku Mpensu ou Ngongobila/Gongobira
,
divindade protetora dos
pescadores e caçadores. Em a lguns terreiros ele está associado a Logun Edé do ketu. Sua
saudação é:
Mutoni kamona tere Kompenso Muanza E!
Pescador menino Tere-Kompenso Rio Ê!
26
quem afirme que esta é a divindade mais reverenciada pelo povo de tradiçã o de Angola Segundo uma das
lendas (Nkisi), Mutakalambo, um caçador saiu à caça juntamente com outros caçadores e teve d ificuldade para
retornar. Enquanto is s o, a aldeia estava numa situação crítica, com fome, necessitando daquela caça. Então
Nzambi Mpungu mandou que o Nganga (adivinho) que é o responsável por consultar o oráculo sagrado fosse
consultar o que havia sucedido para Mutakalambo o ter retornado. Após a c onsulta, este disse que
Mutakalambo tinha feito o trabalho que Zambi havia determinado, mas estava perdido numa selva. Nzambi
Mpungu chamou a caçadora Mutajinji e pediu-lhe que ela juntamente c om outros Jinkisi levantasse uma
bandeira de forma que as pessoas que estavam perdidas na mata pudessem ver e assim tivessem uma direção.
Eles c onseguiram achar o caminho e chegar até à "Sanzala Kasembe diá Nzambi" (aldeia sa grada de Deus).
Tomando esse camin ho para a senzala, Deus todo poderoso mandou que todos os bantos reverenciassem Tempo
e no daquele mastro fizeram um ritual homenageando-o por ter dado a direção aos caçadores, o vento deu a
direção para os caçadores retornarem. P or isso todos os angoleiros e angoleiras devem ter um grande respeito por
essa entidade que é o deus da atmosfera. (Este mito foi contado por ta ta Katuvanjesi em entrevista concedida em
26/05/2007.)
43
A respeito dessa divindade, tata Katuvanjesi nos disse que:
Existe no RJ uma casa tradicionalista e ortodoxa, o BATICAN [do bairro] de
Anchieta que conhece essas outras entidades que o sã o cultuadas por outras casas
de candomblé. Isto porque o sacerdote falecido J osé... desta casa, fez uma viagem
de pesquisa a Angola e ao Congo e conseguiu fazer com que alguns Nkisi
atravessassem o Atlântico, por exemplo, um deles chama-se Teleku Mpensu (O
pescador menino), que é pescador. Este sacerdote era muito estudioso e como
trabalhava na Alfândega tinha facilidade para adquirir material e conhecimento.
(Informação verbal)
Outro nkisi conhecido é Ndanda Lunda ou Dandalunda / Kissimbi, divindade da água
potável e que atua no brotar da s raízes. Esta divindade sempre causou uma polêmica, porque
uma boa parte dos estudiosos (Bastide, p. 1973, p. 216a; Cacciatore, 1977; p. 101; Prandi,
1991, p. 131) a associa a Yemanjá do rito ketu, enquanto a maioria dos pais/mães-de-santo
(Barcellos, 1998; Santana, 1984, p. 41; tata Katuvanjesi, 2007; tata Nkassuté, 2007) a
aproxima de Oxum. Entretant o, cremos que Kissimbi seja uma divindade das águas doces,
como a Oxum do candomblé ketu. De qualquer maneira, seus filhos a saúdam:
Mametu Maza Muzenza “Kissimbi E”!
Oh, Mãe da água doce Kissimbi Ê!
Divindade guerreira dona da paixão, Matamba é a rainha dos raios, dos ciclones,
furacões, tufões, vendavais. Nkisi do fogo, guerreira e poderosa. Mãe dos vumbi (mortos),
guia dos espíritos desencarnados, senhora do cemitério, esta divindade está associada a Yansã
na nação ketu. Todos a saúdam dessa manei ra:
Néngua’Mavanju “Kíua M atamba”!
Senhora dos Ventos –Viva Matamba!
Bambulu Sena ou Mbulu Sena ou Mvula ou Bamburucema, divindade atuante nas
tempestades e chuvas, pode ser considerada uma qualidade do nkisi Matamba. Kaiango ou
Kaiong'u
27
é uma divindade ligada aos espíritos e à caça, também da mesma família de
Matamba.
27
No livro de Bastide (1973), encontramos esta divindade associada a Yansã.
44
Samba ni Namb, divindade protetora dos adivinhos e caçadores; Samba Nzundu,
divindade protetora dos caça dores, f oi uma das mulheres de Mutakalambô. Seriam estas duas
divindades da família de Mutakalambô? Consultamos nossas fontes de informação de
costume, mas eles não souberam responde r.
Kayayá ou Ndandalunda conhecida por vários nomes como: Kaiala, Kaiaia,
Kaitumbá), divindade que atua no encontro das águas do rio com o mar. O povo de santo
associaestenkisiaYemanjá.Damesmafamília, temos ainda: Kuk'etu, deusa das águas
salgadas, Kisanga, divindade das baías, que auxilia Vunji no na scimento das c rianças, e
Samba Kalunga, deusa do mar, da fa mília de Kayayá. Muito provavelmente, estes outros
nomes são qualidades de Ndandalunda/Kaitumbá. A saudação a esta divindade é:
Dandalunda Mam’etu “Kaitum bá”!
Oh, Mãe Dandalunda Kaitumbá!
Nzumba (Zumbaranda, ou ainda Ngangazumba), é a divindade que atua sobre o
eclipse e as águas turvas dos pântanos, e está associada a Nanã Buruku. O s fiéis sempre a
saúdam assim:
Mametu Ixi Onoká Zumbarandá
MãedaTerraMolhada–Zumbarandá
Talvez a mais importante divindade do panteão afro-bantu é Lembá ou
Lembarenguenganga, que é ligada à fecundidade e é pat rona do casamento. É uma divindade
feminina e assemelha-se a Oxalá. Sua saudação é:
Kala Epii! Sakula Lemba-Dile Pémbele”!
Quietos! vem o Senhor da Paz Eu te saúdo!
Finalmente, temos Nzambi-Mpungu / Nzambi, ou simplesmente Zambi, que é o deus
da criação e e stá associado a O lorun ou Olodumaré do candomblé ketu.
A respeito dessas divindades, cremos que nem todas sejam conhecidas e cultuadas em
todos os terreiros de candomblé angola-congo. Como, por exe mplo, Ndundu (deus dos
albinos) e Ngonga (divindade da prosperidade e da sorte). Da mesma maneira não
45
encontramos equiva lente às divindades Ewá e Obá (do rito ketu) no rito angola-congo.
2.5 Outros rituais
Devido ao sincretismo entre as várias etnias africanas, os rituais nas religiões afro-
brasileiras se a ssemelham. Contudo, como cada pai/mãe-de-santo é a autoridade máxima em
seu terreiro, esses mesmos rituais foram se diferenciando na medida em que os ensinamentos
de cada nação foram sendo absorvidos pelos seus adeptos, e mesmo de região para região. Os
sacerdotes devem cumprir os rituais de iniciação de acordo com as normas tradicionais
exigidas pela sua nação, por isso, a partir de agora, selecionamos três pontos que são
substanciais e, ao mesmo tempo, incomuns entre as nações ketu e angola-congo.
Na naçã o ketu, o correto é apresentar o xirê cantando sempre numa ordem
predeterminada. Na nação angola-congo não exi ste o xirê. A sucessão de toque s executados
nesta nação chama-se Jamberesu.
O ritual fúnebre no candomblé ketu é conhecido por Axexê (CACCIATORE, 1988,
pp.55-56). No candomblé angola-congo este rit ual recebe o nome de Vumbi (CACCIATORE,
1988, p. 262). Alguns pais e mães-de-santo o conhecem por Sigum ou Sirrum
(CACCIATORE, 1988, p. 244), e é representado por uma metade de cabaça emborcada em
um alguidar onde se encontra uma mescla de substâncias sagradas líquidas. A respeito desses
rituais, Barcellos (1998, p. 19) diz:
Obviamente, não iremos entrar em detalhes quanto aos rituais em si, por
serem secretos, mas tenham certeza, são muito diferenciados,
profundamente sérios e de raríssima beleza plástica, embora sejam lúgubres,
pois a morte, muito temida pelos povos animistas, ou seja, por aqueles que
crêem que a natureza tenha vida e vontade próprias, é encarada como a
passagem para um mundo mais evoluído ou seja, o mundo dos inquices ou
orixás.
Ainda a respeito desse ritual, o xicarangomo Santana (1984, p. 38) diz: “Eu não vou
entrar em ‘fundamento’, mas é preciso que se diga. A únic a ‘nação’ que bota pote é o jeje”.
Mais à frente, sobre este mesmo assunto ele continua: Então, eu classifico a ‘nação’ que
mais se aproxima de nós é o jeje. Com a dif erença que nós, na obrigação de sigum, botamos
dois potes, eles só botam um. O queto não bota pote” (SANTANA, 1984, p. 39) (grifo do
autor). Botar pote é uma expressão utilizada pel o povo-de-santo para dizer que naque la nação
os assentamentos s ão fei tos com argila, e não com louça. Tata Nkassuté em entrevista
46
concedida também disse que a nação angola-congo bota pote pra Vumbi, na obrigação de
sigum ou sirrum.
O período de iniciação no candomblé ketu pode se dar de 15 dias a 1 mês. No entanto,
no rito a ngola, a duração vai depender do iniciando. Se a pessoa estiver disponível, ela pode
ficar até três mese s no bakisi (camarinha). Para a iniciação, é predeterminado um período de
reclusão e resguardo, onde deve ser respeitado, em no mínimo de 14 a 21 dias antes da
iniciação do neófito.
Poderíamos continuar a disc utir outros pontos que diferencia a nação ketu da nação
angola, porém não é esse nosso intuito. Mas, uma pergunta nos incomoda: se as nações são
tão parecidas e, ao mesmo tempo, tão diferentes, por que será que os pesquisadores estudaram
apenas uma delas? Certamente não somos os primeiros a fazer esta pergunta, pois, em
1981, Santana (1984, p. 35), na ocasião do I Encontro de Nações de Candomblé, realizado em
Salvador, Bahia, pedia:
Temos tido pesquisadores de todas as “nações”, principalmente no queto, a
arca já é pesquisada por demais. Temos muitas pessoas tratando do assunto,
mas não me consta que nenhum pesquisador tenha feito o mesmo em
angola. A gente acha algum livro, alguma coisa, mas tem pedaços daqui,
pedaços dali. (grifo do autor)
A discussão sobre o “privilégio” dispensado ao candomblé ketu não é de hoje, e
sempre quando este assunto vem à tona somos obrigados a pensar numa espécie de c onfraria
que faria a defesa da nação ketu. Alguns estudiosos que criticam essa postura chamam essa
defesa de ideologia nagô”. Seria possível a construção da ideologia nagô?
2.6 Abandono do candomblé angola ou a construção da ideologia nagô.
Historicamente, podemos associar a valorização do candomblé de origem sudanesa no
Brasil com a “invenção” de uma nação yorubá, pois, nesta época (final do século XIX), uma
religião africana denominada “Culto dos Orixás” teria se estrutura do e solidificado no que
hoje é a fronteira da Nigéria com o Benin. Conforme Sansone (2002, pp. 259-260):
De acordo com Matory foi, precisamente por volta da virada do século XIX
para o XX, que a grandeza do povo iorubá começou a ser celebrado
internacionalmente. Como sendo um povo culto e orgulhoso, que resistiu às
pressões do colonialismo e tinha uma sofisticada religião própria tal idéia de
47
grandeza logo reverberou em todo o mundo afro-latino e como, veremos
depois, aparentemente se tornou uma bandeira para aqueles que afirmavam
o valor da pureza nas culturas negras do Novo Mundo.
Desta forma, historiadores especializados em África, forneceram o gérmen para que
estudiosos brasileiros e estrangeiros começassem a filtrar aspectos considerados “puros”,
que expressassem uma contribuição africana mais nobre para a cultura brasileira. Para que os
traços “puros” tivessem que ser realçados, a spectos supostamente “impuros” ou “menos
nobres” também foram identificados. Se os yorubás eram considerados os representantes
oficiais da mais pura cultura africa na, assim a tradição histórico-antropológica brasileira
elegeu a também inventada cultura ba ntu como a menos importante contribuição africana
para o Brasil.
Nesta dicotomia de influências africanas, o lado bom era associado com o
que era alternativamente definido como culturas “mina”, “nagô”,
“sudanesa” e até mesmo “iorubá”, vindas dos escravos deportados da África
Ocidental sub-saariana. De acordo com uma longa linhagem de intelectuais,
começando no final do século XIX, os escravos desta sofisticada” parte da
África, acima do Equador” seriam a grande maioria dos africanos na Bahia
e em outras partes do Brasil, onde as formas “mais puras” do candomblé
emergiram, tais como o Maranhão. (SANSONE, 2002, p.261) (grifos do
autor)
Na historiografia e na antropologia negro-brasileira composta por estudiosos do peso
de Nina Rodrigues, Artur R amos, Gilberto Freyre, Edison Carneiro, Donald Pierson, Melville
J. Herskovits, Pierre Verger, Roger Bastide, entre outros , os bantu sempre f oram
considerados e descritos como rudes e sem nenhuma habilidade particular, quando
comparados aos yorubás. Certamente a c hamada Revolta dos Malês
28
, ocorrida em 1835 e
liderada por uma m aioria de escravos islâmicos (t a mbém sudaneses), contribuiu muito para
que essa idéia se fortalecesse. Por isso, concordamos com Sansone quando este diz que:
Essa preferência declarada pela cultura ioruba, identificada como
representação do vrais nègre (verdadeiro negro), dentre tantas outras
culturas africanas possíveis, como a mais vibrante de todas na África
Ocidental, assim como nas culturas negras do Novo Mundo, contribui muito
para que ela tenha um papel de destaque nos sistemas religiosos Afro-
Americanos. (SANSONE, 2002, p. 262)
28
Cf. REIS, J. J. RebeliãoescravanoBrasil–ahistóriadolevantedomalês1835. São Paulo: Brasiliense, 1 986.
48
Apoiados, sobretudo nos escritos de Nina Rodrigues (1935), a maioria dos estudiosos
do tema (ainda hoje) tendem a concordar que o sistema religioso yorubano de divindades
“quase internacionais”, representa bem este papel no Brasil, uma vez que em terras africanas
este povo havia difundido sua religião entre outros povos de divindades “apenas nacionais”
ou de “simples fetiches”.
Esta lei assim exemplificada e posta em evidencia por A. Ellis para os
povos negros da Costa dos Escravos a razão psychologica da
preponderância adquirida no Brasil pela mythologia e culto dos Gêges e
Yorubanos, a ponto de absorver todos os outros, prevalecer este culto quase
que como a única forma ritual organisada dos nossos Negros fetichistas.
(NINA RODRIGUES, 1935, p. 320) (sic)
Talvez devêssemos atentar para o fato de que os assim chamados nagôs foram
predominantemente numéricos em relação às outras etnias, tese sustentada por muitos
estudiosos. Contudo esta argumentação não se sustenta, pela simples razão de que os
integrantes das etnias bantu foram tão numerosos quanto os nagôs. Mesmo assim, o autor não
seabalaediz:
A suggestão collectiva exemplificada na lei de Ellis, servida pela melhor
organisação do sacerdócio e pela diffusão da língua nagô entre os Negros
africanos e creoullos, sem excluir a importância do factor numérico, explica
de modo completo o phenomeno observado, attestando em todo o caso a
ascendência espiritual e cultural deste povo. (NINA RODRIGUES, 1935, p.
320) (sic).
Seria esta a ra zão pela qual o modelo de culto ketu (já misturado ao jêje) teria
suplantado os outros cultos de origem af rica na no Brasil. O fato de que os sudaneses estariam
mais “evoluídos re ligiosamente”? Em que bases teóricas os e studiosos da época se apoiaram
para c hegar a esta conclusão? (Tudo indica que podemos apontar ecos do Evoluc ionismo
29
e
do Difusionismo
30
nestas idéias.) Quais critérios foram adotados para hierarquizarem as etnias
africanas? Estaria a estrutura litúrgica judaico-cristã sendo utilizada como modelo? Cremos
que sim, pois, de sde os primeiros estudos sobre sobrevivências religioso-africanas no Brasil,
29
Refere-se às teorias antropológicas de desenvolvimento social, segundo as quais as sociedades m início num
estado primitivo e gradualmente tornam-se mais civilizadas com o passar do tempo. Nesse contexto, o
“primitivo” é associado c om o comportamento ani malesco; enquanto que civilização é associada com a cultura
européia do século XIX . O Evolucionismo Social tem relação com o Social-Darwinismo, e represe nta a primeira
teoria de Evolução Cultural.
30
De acordo com o Difusionismo, presume-se que uma inovaçã o maior foi criada num tempo e local particular
para então ser passada para populações vizinhas atra vés de imitação, negociação conquista militar ou outras
maneiras. Esta t eoria f oi aplicada a temas artísticos, religiosos, culturais e outros.
49
que os pesquisadores detiveram-se na observação da religião jêje-nagô e no seu sincretismo
com a mitologia judaico-cristã. (Embora não devamos esquecer o papel dos próprios africanos
nessa aproximação de suas divindades com as divindades católicas.)
Logo, na hierarquização das etnias africanas no Brasil, os povos que vieram da região
do Golfo da Guiné os chamados yorubás estariam em primeiro lugar no quesito
civilização. (Neste caso, entendendo com o civilizadas apenas aquelas etnias que tinha m a
estrutura religiosa mais próxima da do catolicismo).
Assim pois, decorrido meio século as a total extincção do trafico, o
fetichismo africano constituído em culto apenas se reduz aos da mythologia
gêge-yorubana. Angolas, Guruncis, Minas, Haussas, etc., que conservam
suas divindades africanas, da mesma sorte que os Negros creoulos, Mulatos
e Caboclos fetichistas possuem todos, à moda dos Nagôs, terreiros e
candomblés em que suas divindades ou fetiches particulares recebem, ao
lado dos orichas yorubanos e dos santos catholicos, um culto externo mais
ou menos copiado das práticas nagôs. (NINA RODRIGUES, 1935, p. 321)
(sic)
Para o estudioso Édison Carneiro pioneiro nos estudos sobre o candomblé de origem
bantu , Nina Rodrigues não teria dado atenção suficiente aos negros bantu, detendo-se,
principalmente, no sistema religioso dos sudaneses particularmente dos jêjes e dos nagôs.
Isso não significa que Nina não tenha mantido contato com a c ultura bantu. Provavelmente,
ele deve ter se deparado com os cucumbis, os ranchos totêmicos dos reis e as várias revoltas
quilombolas que ac onteciam no B rasil naquela época, no entanto: “Negro na Bahia, para Nina
Rodrigues, era, apezar de tudo, negro sudanês. Os demais não tinham existência legal no
quadro ethnico, social e religioso da Bahia”. (CARNEIRO, 1937, p. 20) (sic)
Conforme o médico sanitarista que era Nina Rodrigues, os nagôs, por possuírem uma
mitologia mais “complexa”, teriam a capacidade de ter uma abstração religiosa na divinização
do céu, que o p róprio autor interpreta como Olorun, o Céu-Deus, ainda que acreditando na
capacidade inferior que a raça negra teria para conceber representações.
A divinisação mythica do Firmamamento, divindade abstracta, sem
interferencia nas acções humanas, não exigindo culto nem possuindo
adoradores, habilita se m duvida os Nagôs a encontrar nas suas crenças uma
concepção similar a que referis a do Senhor Omnipresente e Omnipotente
da catechese christã dos missionários. (RODRIGUES, 1935, p. 323) (sic)
50
A propósito dos rituais religiosos das etnias bantu, Nina Rodrigues argumenta que
seus ritos estavam ainda em fase de estruturação, na adoração de elementos da natureza como
o Sol, a Lua, e “outros fetiches”, que por serem atrasados não possuíam divindades nacionais
e nã o tinham capacidade e força de generalização, de propagar-se ou de transplantar-se.
Para defender sua ojeriza frente aos negros africanos das etnias bantu, Nina Rodrigues
foi capaz até de divergir com outro grande estudioso da época, Silvio Romero. Quando este
escrevera sobre a inferioridade religiosa dos negros e dos indígenas, Nina Rodrigues (1935, p.
329) disse:
Para confundir, pois Negros e Indios brasileiros na mesma inferioridade
religiosa, como faz o Sr. Sylvio Romero, é preciso que se considere todos
os Negros de procedência bantú, porquanto estes dentre os Negros são de
pobreza mythica reconhecida. (sic)
Contudo, mestre Nina não foi o único a ter a visão de que a cultura sudanesa e ra mais
“pura” do que a das demais etnias. Manuel Raimundo Querino
31
, primeiro discípulo de Nina
Rodrigues, não fazia distinção entre os negros de diferentes grupos étnicos, noticiando tudo
como se aquelas manifestações, as quais observava, fossem originárias apenas de uma e tnia.
“Foi seguindo o método genético inaugurado por Nina Rodrigues e procurando a
África no Brasil que Édison Carneiro encontrou as sobrevivências bantas nos terreiros de
Angola”.(DANTAS, 1988, p.187). Mas, apesar de seu pioneirismo, Édison Carneiro “[...]
considerava os pais de santo do ‘candomblé banto’ (o rótulo é dele) praticantes de “baixo
espiritismo” e da “feitiçaria” de que isentava os nagôs [...]” (SERRA, 1995, p. 49) (grifo ao
autor). Após Carneiro, pode-se dizer que (quase) todos os estudi osos estrangeiros, Ruth
Landes, Donald Pierson, Melville J. Herskovits, passando por Pierre Verger (culminando em
quase todos os estudiosos das religiões afro-brasileiras da atualidade, Juana Elbein dos Santos
é um caso exemplar) foram , cada um à sua maneira, defensores do candomblé nagô (ketu) por
considerá-lo o mais próximo da África, configurando a estruturação da ideologia nagô.
Contudo, entre todos os citados acima, cremos que não ni nguém com a dedicação
do etnógrafo Pierre Verger, que fez várias viagens à região dos povos falantes da língua
yorubá, na Nigéria chegando mesmo a se iniciar por –, mas que nunca foi além de sta área
31
QUERINO, M. R. A raça africana e os seus costumes na Ba hia. In: Anais do V Congresso Brasileiro em
Geografia. Salvador, 1916.
51
para defender sua tese de que o candomblé é realmente originário dos sudaneses, esquecendo
que out ras etnias também contribuíram para a configuração desta religião
32
.
Embora sabendo e assumindo a enorme importância que Pierre Verger teve e tem no
estudo das religiões afro-brasileiras, não poderíamos deixar de lembrar que o posicionamento
desse pesquisador contribuiu para condenar ao obsc urantism o as demais nações de
candomblé que nunca se s entiram representadas em suas pesquisas.
32
Para uma leitura desta crítica veja a pesquisa de FIGUEIREDO, Rodolfo A quino. Pierre Verger e o Culto aos
Orixás, 2005. Dissertaçã o de mestrado, PPGCS - Une sp/Marília.
52
Capítulo 3: Da africanização à (re)africanização
3.1 Africanização: algumas sobrevivências religiosas
Podemos dizer que a af ricanização da América se deu primeiramente com a vinda de
milhões de pessoas escravizadas para o continente, por isso, a té este momento o i nteresse pelo
estudo do africano na América não tinha despertado os estudiosos. Esse despertar surge no
momento em que o negro e não mais o africano torna-se cidadão e os estudiosos passam a
se perguntar se ele seria capaz de integrar-se à nova sociedade.
Seria o negro capaz de “ocidentalizar-se” ou iria ele “inventar” outras culturas com os
resquícios que tinha trazido de África?
Eis porque Nina Rodrigues, no Brasil, um dos primeiros estudiosos do
assunto, interessa-se pela religião dos negros de seu país, por esta presença,
em plena civilização portuguesa, de um “animismo fetichista
extremamente vigoroso, sob um fundo aparente de catolicismo. [...] O
mesmo se em Cuba onde Fernando Ortiz estuda a cultura africana como
adeumLumpenproletariat, vivendo à margem da sociedade; no Haiti
também, onde a elite urbana (composta sobretudo de mulatos) denuncia no
Vodu da massa rural (composta sobretudo de negros) o maior obstáculo ao
desenvolvimento econômico e social da ilha. (BASTIDE, 1974, p. 5) (grifo
do autor)
Fica claro ent ão que o intere sse principal dos estudiosos estava foc a do nas
sobrevivências culturais africanas no novo continente, mais espec ificamente nas religiões.
Pois os navios negreiros o t rouxeram apenas homens, mulheres e crianças, mas também
seus deuses, suas crenças, seu modo de se relacionar com o sagrado. Como também ressalta
Bastide na afirmação acima, cremos que os principais pontos geográficos onde as reli giões de
matriz africana se mostram (se mostravam?) mais presente no continente americano o: o
Brasil, com o candomblé; o Haiti, com o vodu; e Cuba com a santeria. Com i sso, podemos
também afirmar que a africanização, pelo menos na América Latina, se de u, principalmente,
através da religião. Mas essa africanização bem que poderia também ser chamada, como disse
Braga (1988), de nigerianização ou nagoização, pelo fato de os estudiosos acreditarem que
todas as religiões afro-americanas foram um legado apenas dos povos falantes da língua
yorubá, como se essas religiões tivessem uma única raiz cultural.
53
Em Cuba, como na Bahia, a religião predominante veio dos Yorubas ou
Nagôs entradas sob a denominação de lucumís. E esta predominância se
deveria, segundo Ortiz, a várias causas: a) ao considerável número de
escravos nagôs introduzidos em Cuba; b) ao maior progresso de sua
teologia comparado com os demais, na África; c) à intensa força expansiva
dos yorubas; d) à grande densidade de sua população; e) à difusão de sua
língua falada por mais de três milhões de negros... Creio que todas estas
causas se podem resumir numa só: à grande importância da sua cultura,
tendendo a englobar as demais. (RAMOS, 1946, pp. 131-132) (grifo do
autor)
Em outras partes da América Latina, podemos encontrar também relatos de estudiosos
que perceberam a africanização do continente através da nigerianização. Como exemplo
,
citamososchamadosBush Ne groe s
33
(Negros da Selva) das Guianas e do Suriname que,
conforme Arthur Ramos (1946), baseando-se nos estudos de Herskovits (1936), são
predominantemente de origem fanti-ashanti etnia africana de língua yorubá.
Ainda segundo estes dois autores:
As religiões e cultos dos Negros da Guiana Holandesa são inteiramente
africanos. Vamos encontrar, entre eles, Nyankompon ou Nyame, O Grande
Deus dos Fanti-Ashanti. Mas há outros winti (deuses ou espíritos), também
chamados entre alguns negros gado e vodu, este último nome por influência
daomeiana. (HERSKOVITS, 1936 apud RAMOS, 1946, p. 225) (grifo do
autor)
Segundo Arthur Ramos (1946), neste mesmo estudo de Herskovits (1936), em todas as
ilhas caribenhas, as sobrevivências religiosas africanas vieram da sub-área ocidental do Golfo
da Guiné (que banha alguns países como: Nigéria, Benin e Togo). Entretanto, omesmoautor
explica que o legado religioso africano dos países hispânicos é em sua maioria de origem
bantu. Ainda hoje podemos encontrar o candombe, no Uruguai e na Argentina, a brincadeira
dos diablitos, na Colômbia, e os cabildos easconfradías,noPeru.
na América Anglo-Saxônica o africanismo tomou forma inteiramente diferente.
Nesta área não se percebe (quase) nenhum aspecto das religiões de origem africana. R amos
(1946), baseando-se em estudo de Krehbiel (1914), diz que, até meados do século XIX, ainda
se encontravam em alguns pontos do sul dos Estados Unidos formas religiosas de origem
africana. “A migração dos Negros do Haiti para a Louisiana, nos prim eiros tempos do tráfico
33
A história do negro nas Guiana s, e especialmente na Guiana Holandêsa, é das mais interessantes para o
estudo das culturas de origem af ricana no Novo-Mun do. O isolamento cultural quase absoluto em que
permaneceram as populações negras das selvas das Guianas, permitiu estabelecer um paralelo entre a s ua vida e
a das outras populações relativas da América, e daí, extraírem-se conclusões relativas ao processo da
aculturação. Pôr esse motivo, os negros da Guiana Holandesa são considerados um “laboratório de e xperiência”,
no cote jo entre as culturas negro-africanas e negro-americanas. (RAMOS, 1946, p.223 grifo do autor)
54
trouxe em seu bojo as práticas do culto vodu (chamado pelos norte-americanos voodoo ou
hoodoo) [...]”. (RAMOS, 1946, p. 93) (grifo do autor)
A prática do vodu em terras americanas não sobreviveu como f orma de culto
organizado e desapareceu rapidamente, embora alguns pesquisadores americanos ainda falem
em resquícios de culto vodu no sul do país (Nova Orleans, por exemplo). Outra possível
forma de sobrevivência africana em s olo americano seria a dos gullahs
34
, comunidades de
negros que habitam algumas áreas entre os Estados da Geórgia e da Carolina do Sul. O s
gullahs são conhecidos por (tentarem) manter um estilo de vida igual ao dos primeiros
africa nos que pisaram nos Estados Unidos.
Mas, no geral, o negro estadunidense teria encontrado no protestantismo, ao invés do
catolicismo, alguns textos que atingiriam a sua condição psicológica de escravo com o: “[...] o
relat o da servidão de Israel no Egito e de sua libertação por Moisés, o do cativeiro da
Babilônia com as profecias da salvação [...]”. (BASTIDE, 1974, p.151). Enfim, o negro norte
americano abraçou os movimentos carismáticos e suas expressões, como o “falar em línguas”,
mas parece que não conseguiu se distanciar da Á frica, mesmo quando Roger Bastide (1974, p.
151) diz:
O sincretismo africano-protestante vai orientar-se, então, a partir dessas
linhas de força, sobre outros caminhos, o angelismo, o messianismo, a
reinterpretação do transe africano em termos de seitas da Renovação ou de
descida do Espírito Santo.
O legado cultural e religioso africano no continente americano foi tão profundo que,
atualmente, no contexto das idéias de globalização, identidades e etnic idades, perce be-se um
movimento de volta (simbólica) à África, ou seja, um movimento de revalorização do legado
africano em todo o mundo. Os estudiosos (Prandi, 1991; Silva, 1995; e outros) chamam esta
volta de (Re)africanização e têm identificado este movimento em alguns países da América e
da Eu ropa.
3.2 A (re)africanização no continente americano
Discutir sobre o(s) processo(s) de (re)africanização das religiões no continente
americano não tem sido fácil, pois se trata de uma recente vertente na área dos estudos afro-
34
Para uma história dos Gullahs ver o livro de POLLITZER, Williams. The Gullah People and their African
Heritage. Athens: University of Georgia P ress, 1999.
55
americanos. Além disso, a produção acadêmica e a tradução de textos em outras línguas sobre
o assunto no Brasil ainda são escassas. Contudo, acreditamos que o tema da (re)africanização
na América esteja inserido no contexto da discussão da (re)construção das identidades étnicas
e religiosas, mas deixaremos este assunto para outra oportunidade.
A construção que o senso comum faz da África, como um continente mítico a Mãe
África onde se pode sempre renovar as “energias”, alimenta a imaginação de muita gente no
mundo todo, principalmente no continente americano, que tem um legado africano
significativo. Mas também uma outra África, igualmente inventada pelos africanistas
estadunidenses e europeus, tão mítica, quanto ilusória.
A África tem sido um ícone contestado, tem sido usada e abusada, tanto
pela intelectualidade, quanto pela cultura de massas; tanto pelo discurso da
elite quanto pelo discurso popular sobre a nação e os povos que
supostamente criaram e misturaram no Novo Mundo. (SANSONE, 2002, p.
249)
Alguns estudiosos acreditam que a (re)africanização na América tem raízes na s idéias
de Marcus M. Garvey. Outros dizem que foi uma gama de acontecimentos, tais como: o
movimento de direitos civis nos Estados Unidos, a luta contra o apartheid na Áfric a do Sul,
bem como a opulência do Egito dos faraós e a casa real da Etiópia motivaram a revalorização
da Áf ric a.
No entanto, verificamos ecos dessa (re)africanização em vários pontos do continente
como por exemplo, a entrada das religiões afro-brasileiras em países como a Argentina e o
Uruguai (Carozzi & Frigério 1992, 1997; Oro 1995, 2002), onde existem c onfederações de
umbanda, e o Brasil está para eles, assim como a África está para o Brasil. O processo de
expansão das religiõe s afro-brasileiras nestes países começou a partir da década de 1960 do
século passado, sobretudo através do Rio Grande do Sul.
O período áureo das relações religiosas internac ionais platinas ocorreu na
década de 80. Em relação à Argentina deu-se sobretudo após o retorno à
vida democrática, em 1983 (Fririo & Carozzi, 1993), enquanto no
Uruguai o crescimento do número de terreiros e o incremento das relações
religiosas com o Brasil coincidiram com o período ditatorial, que se
estendeu até 1985 (Hugarte, 1993). (ORO, 2002, pp. 363-364)
A expansão das religiões afro-brasileiras no Cone Sul constitui um claro exemplo de
circulação de bens culturais que antece de em muitos anos a constituição do Mercosul. Este
fluxo cultural, sem dúvida, foi por muito tempo ignorado, quando o d esdenhado ou
56
combatido por diversos setores das sociedades regionais. Mas, apesar de tudo, o intercâmbio
entre mães/pais-de-santo brasileiros e filhas/filhos-de-santo argentinos e uruguaios continua
intenso, mantendo uma estreita rede de relações e parentescos s imbólicos. Para além do
sucesso das religiões afros nestes países, pode-se dizer que a (re)africanização se mantem a
toda devido ao gosto que muitos turistas têm de ir à Bahia conhecer um pedaço “de la África”,
como se apenas na Bahia a (re)africanização acontecesse. No capítulo seguinte discutiremos
como, justamente, os terreiros baianos têm se mostrado reticentes com a (re)africanização.
Mas as religiões afro-brasileiras não se fazem presente apenas no Cone Sul do
continente, pois também nos Estados Unidos e nas capi tais européias é possível encontrar
terreiros de candomblé. Durante o IXº Congresso Internacional de Tradição e Cultura de
Orixá (Orisa World), ocorrido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no período de 1 a
9 de agosto de 2005, reuniram-se representantes da Nigéria, Cuba, Trinidad & Tobago,
México, Estados Unidos, Reino Unido, Porto Rico, Colômbia, Argentina, Uruguai, Canadá e,
evidentemente, do Brasil, para discutirem vários temas relacionados com a cult ura yorubá no
mundo.
Muito mais do que o candomblé, os terreiros de santeria
35
são encontrados no México,
em Porto Rico, mas sã o mais facilmente encontrados nos Estados Unidos
36
,principalmente
em Miam i, no Estado da Flórida
,
onde a c omunidade cubana é expressiva. A prova de que
esta religião se faz tão presente é que, em 1993, a Suprema Corte americana teve que julgar
uma apelação de ativistas dos direitos dos animais contra os adeptos da santeria. Estes
ativistas fizeram e xame da prática da santeria do sacrifício de animais, declarando que é cruel.
Os santeros seguidores da santeria alegaram que as matanças eram conduzidas da mesma
maneira como os animais são aba tidos pa ra consumo, e que isto não era necessariamente
cruel, além disso, o animal é assado ou cozido e comido mais tarde. Por fim, a Suprema Corte
35
Santeria (literalmente, caminhos dos santos - os ter mos preferidos entre praticantes incluem Lukumi e Regla
de Ocha) é um conjunto de sistemas religiosos relacionados que funde crenças católicas com a religião
tradicional yorubá, praticada por escravos e seus descendentes em Cuba, em Porto Ric o, na Rep ública
Dominicana, n o Panamá e e m centros de população latino-americana nos Estados Unidos, como Florida, Nova
York, e Califórnia.
36
Para um estudo do percurso da santeria a os Estados Unidos, ver o capítulo intitulado
De Havana a Los
Angeles,
conforme, DANTEILL, Erwan. Des dieux et de s signe s: initiation, écriture et divination dans les
religions afr o-cubaines. Paris: Édition de l’École des Hautes Études em Sciences Sociales, 2000, 381 pp.
57
estabeleceu que leis de crueldade com animais dirigidas especificamente contra a santeria
eram inconstitucionais, e a prática não viu nenhum desafio legal significativo desde então.
A questão da (re)africanização tem trazido difíceis desafios para os adeptos da santeria
nos Estados Unidos, não devido à ação do governo americano, mas devido à ação de uma rede
de chefes religiosos em Cuba. Um comentário traduzido do inglês por Amaral (2007) diz que
alguns anos tem chamado a atenção que alguns “sante ros” de Cuba e stejam c onsagrando
um suposto Babaluaiyé ara
37
para devotos suspeitos, que pagam a ltas somas por esta
entidade. A comunidade religiosa, tanto em Cuba como fora dela, tem se referido a esta
consagração como “diplo-santeria”, uma prática que vende e inventa divindades e rituais para
os estrangeiros que visitam o país em busca das “raízes religiosas” da santeria. Segundo este
mesmo comentário:
O termo ‘diplo-santeria’, refere-se à versão da religião correntemente
praticada por um grupo particular de Olorixás em Cuba, destinada a
satisfazer os extranjeros-estrangeiros. Em muitos casos, aqueles indivíduos
inventam cerimônias e orixás que são consagrados àqueles que viajam até
Cuba, acreditando terem viajado à Meca da religião lukumi, onde nada
poderá dar errado, que se trata da única fonte! Então, retornam às suas
terras de origem, acreditando que o que lhes foi feito, por esses deploráveis
Olorixás, foi legítimo e começam a divulgar as mesmas cerimônias e orixás
para os omorixás de suas comunidades ou iles. Deixem-me esclarecer que
esta tendência, não se aplica a todos os Olorixás cubanos, e que esse grupo
parece não constituir a vasta maioria. Não obstante, isto nos afeta a todos,
em Cuba e à Diáspora cubana, pois cria um cisma com um impacto
negativo através do tempo. (AMARAL, 2007)
38
O que podemos perceber, pelo menos no caso cubano, é que a busca pelas raízes ou
pelo modelo ideal da sa nteria está fazendo com que ela sofra algumas deturpações. Entretanto,
nos perguntamos: qual é a finalidade destas alterações? Uma possível resposta é que talvez
estas alterações tenham sido feitas para que se adeqüe as religiões ao chamado “mercado de
bens simbólicos” americano, uma vez que o ritual da consagração da nação arará a
Babaluaiyé, em Cuba, é minucioso e totalmente diferente da consagração da nação lukumi,
predominante nos Estados Unidos.
Outra religião que é praticada ainda hoje nos Estados Unidos é o vodu
39
,
principalme nte, nos Estados de Louisiana e Mississipi, mas ta mbém encontrado em outras
37
Divindade da santeria cubana, que só pode ser consagrada em solo cubano, devido à falta de sacerdotes da
nação arará fora d o país.
38
Disponível em < http//: <www.ilarioba.com/articlesmine/araraport.htm.> Acesso em 27 mai. 2007.
39
Culto de origem jê je-daomeana, praticado nas Antilhas, principalmente no Haiti, e que combina elementos de
possessão e magia com influências cristãs, apresentan do semelhanças com o candomblé.
58
cidades. O vodu foi levado para solo estadunidense por af ricanos escravizados, vindos do
Haiti mais de cem anos. Esta religião cresceu nos Estados Unidos de forma significativa, a
partir do final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, com as levas de imigrantes haitianos
fugindo do regime opressivo de Duvalier
40
, estabelecendo-se também em Miami, Nova Iorque
e Chicago.
Em relação às terminações, apalavraVoodoo é a mais conhecida. Comum na cultura
popular americana ela é vista como ofensiva pelas comunidades praticantes da afro-di áspora.
Entretanto, a s soletrações diferentes deste termo podem ser explicadas da seguinte maneira:
Voodoo é usada para descrever a tradição creole de New Orleans, o termo Vodou éusado
para descrever a tradição Vodou Haitiana nos Estados Unidos. Fora da América, o vodu
também pode ser encontrado em Cuba e na Jamaica.
Uma das principais demonstrações da valorização do voduísmo no Haiti foi a do ex-
presidente haitiano, Jean Bertrand Aristides, ex-padre católico, que declarou, em abril de
2003, o vodu como religião ofi c ial do país. Com essa posição do governo, os casamentos
realizados ne ssa religião passaram a ser aceitos e considerados oficiais, tendo valor religioso,
como ocorre com as demais religiões ao redor do mundo. Existem muitos estudos sobre o
vodu. Entre os principais estudiosos do assunto, indicamos Alfred Métraux e Wade Davis
41
.
O kwanzaa não é uma religião, mas serve de exemplo para mostrar como a África é
constantemente invocada, numa tentativa de fazer uma aproximaçã o entre os africanos fora da
África, os negros e sua busca por uma identidade” –, e os não negros, que de alguma
maneira se identificam com a África. A celebração do kwanzaa foi inventada pelo professor
Maulana Karenga (nascido Ron Everett, na cidade de Parsonsburgh, Maryland, EUA), ativista
negro e atual diretor do Departamento de Estudos Negros da Universidade da Ca lifórni a. Na
abertura do site oficial, que o professor Karenga criou para divulgar o ritual do kwanzaa, ele
diz:
As an African American and Pan-African holiday celebrated by m illi ons throughout
the world African community, Kwanzaa brings a cultural message, which speaks to
thebestofwhatitmeanstobeAfricanandhumaninthefullestsense.Giventhe
profound si gnificance Kwanzaa has for African A mericans and indeed, the world
African community , it is imperative that an authoritative source and site be made
available to give an accurate a nd expansive account of its origins, concepts, values,
symbols and practice. (KARENGA, 2007)
42
40
Jean-Claude Duvalier (1951-), mais conhecido como Baby Doc, foi ditador do Haiti de 1971 a 1985.
41
MÉTRAUX, A. Le vaudou haitien. Par is: G allimar, Collection L´espèce humaine, 1958; DAVIS, W. A
Serpente e o Arco-Íris. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
42
Disponível em <http: //www.officialkwanzaawebsite.org> . Acesso em 28 mai. 200 7.
59
O rit ual do kwanzaa foi c oncebi do após a Revolta de Watts
43
, na década de 1960.
Karenga buscou e m remotas tradições africanas valore s que fossem cultivados pelos negros
americanos naqueles di as de lutas pelos direitos civis, de assassinatos de seus principais
líderes e que, não sendo religiosos, pudessem atrair como atraíram as igrejas de todas as
comunidades negras em todo o país e, no futuro, pelo mundo afora. A palavra kwa n zaa
44
significa “o primeiro”, “no iníci o” ou ainda os primeiros frutos”, as festividades iniciam-se
no dia 26 de dezembro e termina no dia de janeiro, por isso, muita gente a confunde com as
festas do Natal e do Ano Novo cristã os. Mas o kwanzaa está ligado à antiga tradição dos
povos falantes da língua swahili, de celebração das colheitas.
Karenga organizou a celebração do kwanzaa em torno de cinco atividades
fundamentais, comuns às celebrações africanas da colheita das primeiras frutas: 1º) a reunião
da família, de amigos e da comunidade; 2º) a reverência ao criador e à criação, destacando a
ação de graças e a reafirmação dos compromissos de respeitar o ambiente e "curar" o mundo;
3º) a comemoração do passado, honrando os antepassados pelo aprendizado de suas lições e
seguindo os exemplos das realizações da história; 4º) a renovação dos compromissos com os
ideais culturais mais altos da comunidade como a verdade, justiç a, o respeito às pessoas e à
natureza, o cuidado com os vulneráveis e o respeito aos anciãos ; e por último, 5º) a
celebração do "Bem da Vida", que é um conjunto de lutas, realizações, família, comunidade e
cultura.
Conforme as idéias de Karenga, o Kwanzaa é celebrado através de rituais, diálogos,
narrativas, poesia, dança, canto, batucada e outras festividades. Estas a tividades devem ser
feita s em torno dos sete princípios denominado Nguzo Saba: umoja (unidade); kujichagulia
(auto determinação); ujima (trabalho coletivo e responsabilidade); ujamaa (economia
cooperativa); nia (propósito); kuumba (criatividade); imani (fé).
A cada dia uma vela de cor diferente deve ser acesa num altar onde são c oloca das
frutas frescas e uma espiga de m ilho por cada criança que houver na casa. Depois de acesa a
vela, todos bebem de uma taça comum em reverência aos antepassados, e saúdam com a
exclamação “Harambee”, que tanto pode significar “reúnam todas as coisas”, como “vamos
fazer j untos”. A grande festa é a de 1 de janeiro, quando muita comida, muita alegria e
43
A Revolta de Watts foi um ac ontecimento ocorri do em agosto de 1 965, em Watts, bairro negro da periferia de
Los Angeles, por conta da detenção de 03 jovens negros e que resultou na morte de 34 pessoas, dentre elas 28
negros. Cf. HORNE, G. Fire This Time: The Watts Uprising and the 1960s. Charlottesvi lle, University of
Virginia Press, 1995.
44
Apalavra
Kwanza
(com apenas uma letra
a
”nofinal)éonomedamoedaoficialdaRepúblicadeAngola,
desde o ano 2000.
60
onde cada c riança deve ganhar t rês presentes que devem ser modestos: um livro, um objeto
simbólico ou um brinquedo.
Entretanto nos perguntamos: a celebração do kwanzaa
45
, por ser uma invenção
essencialmente estadunidense, pode ser pensada com o um legítimo produto da
(re)africanização por qual passa o continente americano? Mas, se no seu i nício esta celebração
era feita ape nas nos Esta dos Unidos, hoje encontramo-la também no Canadá, na Inglaterra,
em algumas ilhas do Caribe e até no Brasil, onde é festejada cinco anos, sempre no dia 20
de novembro dia da Consciência Negra.
Mas, como diria o ditado popular, “nem tudo são flores”, pois, fora dos seus países de
origem as religiões afro-latinas não são muito bem aceitas e muitas vezes sofrem violência,
tanto física quanto simbólica. Mas a violência que recai sobre essas religiões
especificamente em seus praticantes, que são geralmente imigrantes pode-se dizer que é
gerada devido ao medo provocado pe lo completo desconhecimento destes sistemas culturais.
Este outro lado da (re)africanização das religiões, que as obrigam a se reorganizarem no
interior de uma nova sociedade, pode ser percebido nos estudos de Oro (1998)
46
, sobre o
candomblé na Argentina, e Schmidt (2003)
47
, sobre o vodu nos Estados Unidos.
No final das contas, a celebração do kwa nzaa, o surgimento da diplo-santeria e até
mesmo a expansão das religiões afro-brasileiras no Cone Sul, nos faz pensar que a questão da
(re)africanização no continente, no sentido de resgate de uma a fricanidade perdida ou até
mesmo da construção de uma “identidade afro”, parece que não mais precisa necessariamente
passar pela África. Esta sensação de descentralização da africanidade é reforçada pela idéia de
que “No interior dos sistemas de trocas de símbolos, idéias e imagens, vários centros
emanadores de ‘negritude’, além da própria África e dos hegemônicos Estados Unidos”.
(PINHO, 2005, p. 41) Outros exemplos podem ser lembrados, como a crescente vinda de
angolanos ao Brasil, especificamente à Bahia, na procura de ensinamentos bantu que foram
perdidas na África; e o chamado “turismo de raízes”, que são viagens empreendidas à Bahia
por turistas negros do Estados Unidos desde a década de 1970.
45
Para saber mais sobre o ritual do Kwanzaa, ver KARENGA, M. Kwanzaa: Origin, Concepts, Practice.
Kawaida Groundwork Commitee, 1977; A Celebration of Family, Community and Culture.LosAngeles:The
University of Sankore Press, 1998, 143pp. SCHOLER, L. The Story of Kwanzaa. The Dartmouth Review,
January 15, 2001.
46
ORO, A. P. Sectas satânicas” en el Mercosur: un estúdio de l a constr ucción de la desviscíon religiosa e n los
médios de comunicación de Argentina y Br asil. Porto Alegre: Horizontes Antropológicos, ano 4, n.8, pp. 114-
150, 1998.
47
SCHMIDT, B.E. La imagem violenta de Vodu: La xenofobia en la recepción de la religión haitiana en Nueva
York. Espanha: S p hera Pública, Universidad Católica San Antonio de Murcia, Murcia, Publicación anual, nº.3
pp. 85-104.
61
Os “turistas de raízes” afro-americanos buscam conhecer culturas negras
diaspóricas e estabelecer uma conexão com povos afrodescendentes de
outras partes da diáspora. Eles visitam a Bahia a fim de conhecer de perto o
que afirmam ser suas “tradições perdidas”. É comum encontrá-los, com
suas roupas africanizadas, tranças e turbantes, nos ensaios dos blocos afro,
nos terreiros de candomblé e nos locais onde as expressões culturais afro-
baianas acontecem. (PINHO, 2005, p. 43)
62
Capítulo 4: A construção da (re)africanização no Brasil
4.1 Introdução
A questão acerca da dessincretização do candomblé reacendeu o debate no meio
acadêmico e entre o povo-de-santo. Este movimento sobre a (re)africanização dos terre iros
aconteceu por ocasião da II Conferência Mundial de Tradição dos Orixás na cidade de
Salvador, na Bahia, entre os dias 17 e 23 de julho de 1983.
Mas a busca, na África, de fragmentos perdidos e/ou esquecidos durante a travessia do
Atlântico, ou, simplesmente, uma volta (simbólica?, física?) ao c ontinente afri cano não é
recente, pois “O processo de reafricanização adquire, contudo, significados e nuanças
diferentes ao longo do tempo e nos lugares onde ocorre principalmente se considerarmos a
noção de tradição nele envolvida”. (SILVA, 1995, p. 276)
Assim buscaremos mostrar neste capítulo como foi “construída” a noçã o de
(re)africanização durante a história do negro no Brasil, e sua relação com a noção de tradição.
Mostraremos também como cada nação de candomblé tem feito uso desse termo para resgatar
(ou inventar) suas tradões.
Pode-se dizer que o processo de (re)africanização começa com as revoltas dos
africanos praticantes do islamismo no Brasil, no século XIX. Através destas rebeliões,
iniciadas em 1807, e culminando com a mais conhecida delas, a Revolta do Malês em 1835
48
,
esses af ricanos não aceitavam a c ondição de e scravos e, m ais do que isso recusavam-se a
fazer parte da sociedade brasileira.
Durante o período que marcou o que chamaremos de primeira fase do movimento de
(re)africanização, havia duas maneiras de voltar à África: a) ser expulso, como ocorreu com
boa parte dos revoltosos e com aqueles que professavam outras religiões que não fosse o
Catolicismo; b) alugar um navio, fato que começou a ocorrer mesmo antes da libertação
definit iva dos escravos.
A volta dos africanos ao seu local de origem era o resultado de dupla
influência: uma voluntária e espontânea, feita de fidelidade à terra de onde
tinham sido arrancados contra a sua vontade; a outra, passivamente sofrida
e involuntária, era provocada pelas medidas tomadas pela polícia em
conseqüência das revoltas e sublevações dos africanos, escravos e
emancipados. (VERGER, 1987; p. 599)
48
Para uma discussão mais aprofundada sobre este acontecimento verifique o livro de: REIS, João José.
Rebelião Escrava no Brasil, A História do Levante dos Malês em 1835. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2003.
63
A partir da segunda metade do século XIX, com as constantes viagens de sses homens
e mulheres que vão às suas terras de origem e voltam ao Brasil trazendo conhecimentos
profanos e sagrados, a (re)africanização passa a regular-se a partir da religião. Ca racterizando,
assim, a segunda fase de sse processo que consideramos o período mais longo e áureo do
candomblé –, e vai até 1980. Com isso, podemos afirmar que a (re)africanização, nesse
momento, acontece paralelamente ao surgimento dos terreiros, na Bahia, na primeira metade
do século XIX.
Para Jensen (2001, p. 2)
Desde o começo os pais-de-santo buscavam re-africanizar a religião. Isto foi
possível em parte, porque a rota dos navios entre Nigéria e Bahia,
conservou viva a conexão com a África. Isso continuou mesmo depois da
abolição da escravidão em 1888. Escravos libertos que puderam viajar para
áreas dos Yorubás foram iniciados no culto dos Orixás e então, ao retornar
ao Brasil, puderam fundar terreiros e revitalizar a prática religiosa. Quando
as religiões afro-brasileiras começaram a aparecer, o conceito de nação
ganhou nova força e significado, em parte como um mbolo de transmissão
de tradições religiosas locais, em parte como uma marca da identidade
étnica. (grifo da autora)
O Atlântico mais uma vez é utilizado como meio de transporte pelos negros
emancipados e/ou seus descendentes, trazendo africanos para o Brasil. Nos primeiros anos do
século XX pai Adão
49
, filho de africanos provenientes da região de Lagos, também na
Nigéria, f oi outro sacerdote do candomblé ketu que devido a uma temporada que passou neste
país, aprendeu vários rituais tornando-se um dos sacerdotes mais requisitados da cidade do
Recife.NoséculoXXestetrânsitoentreaBahiaeaNigériaaumentaráconsideravelmente.
Como exemplo podemos citar o babalaô Martiniano do Bonfi m
50
, que foi responsável pela
implantação dos Obás de Xangô
51
no terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, na época, sob liderança
49
Felipe Sabino da Costa Pai Adão (1877-1936), foi a maior personalidade da história do Xangô do Recife,
por seus poderes rituais, seus conhecimentos profundos dos rituais, e stéticos e mitológicos e do seu domínio do
idioma yorubá.
50
Martiniano Eliseu do Bonfim, também conhecido com o Ojé-L’adê, foi o grande precursor do retorno às raízes
africanas e da busca de elementos capazes de fortificar as práticas religiosas d os negros e x-escra vos. Ver o livro
de BRAGA, J. S. Na gamela do feitiço: repressão e resistência nos candomblés da Bahia. Salvador:
CEAO/Edufba, 1995.
51
Os Obás de Xangô são: Até, Kakanfô, Aressá, A rolú, Telá. Abiodun, Oni Kou, Olugbon, Onaxokun, Erim,
Odofim e Xorum. Entre os “ministros” do Opô Afonjá encontramos: os escritores Antonio Oli nto e Jorge
Amado, os músicos Dorival Caymmi e Gilberto Gil, os intelectuais Muniz S odré, Marco Aurélio Luz e Vivaldo
da Costa Lima, e os desenhistas Cary e Mario Cravo.
64
de Mãe Aninha. Os Obás de X angô sã o títulos honoríficos dos reis/ministros da região de
Oyó, na Nigéria, que são concedidos aos a migos e protetores do terreiro.
Na virada da década de 1950 para 1960, com a vinda do candomblé para o sudeste,
mais precisamente, São Paulo e Rio de Janeiro, e na esteira dos movimentos culturais e das
revoltas políticas, principalmente na Europa e Estados Unidos, c omeça-se a desenhar uma
outra característica desta fase da (re)africanização. A cl asse média descobre a África, ou
melhor, descobre um "pedaç o" da África no Brasil, por me io do candomblé. São os a nos da
contracultura, da valorização da cultura do outro, do exótico. Muitos estudantes, intelectuais e
artistas de renome se voltam para o nordeste (Bahia?), pois nesta época:
Ir a Salvador para se ter o destino lido nos búzios pelas mães de santo
tomou-se um must para muitos, uma necessidade que preenchia o vazio
aberto por um estilo de vida moderno e secularizado [...]. (PRANDI, 1998;
p. 159) (grifo do autor)
Na música surge o Tropicalismo, que tem como s eus principais expoentes, não por
acaso, dois baianos, que passavam a maior parte de seu tempo transitando entre São Paulo e
Rio de Janeiro, mas que cantavam as belezas da Bahia e da África e estavam, de alguma
maneira, ligados à religiosidade baiana. Na literatura houve a valorização dos escritos de
Jorge Ama do e no desenho surgiu Carybé, cartunista argentino radicado na Bahia e que tem
como tema principal o cotidiano da gente da Bahia e a vida nas co munidades-terreiro. Carybé
trabalhou muito tempo como ilustrador dos livros de Jorge Amado.
Em 1962 o jovem Glauber Rocha, também baiano, estréia no cinema com o filme
“Barravento” película que mostra a vida de pessoas numa aldeia de pescadores, que sã o
adeptos do c andomblé. No mesmo período, começa-se a te r um maior interesse, no meio
acadêmico, em estudar as religiões afro-brasileiras, mais particularmente o candomblé.
Nesta fase da (re)africanização a noção de "tradição" ganha ainda mais f orça do que de
costume, pois os principais terreiros da Bahia (Ilê Axé Iyá Nassô Oká [Casa Branca do
Engenho Velho], Ilê Axé Opô Afonjá, Axé Ilê Iyá Omin Iyemassé [Gantois], Ilê Maroia
Lage) que serviram (e servem ainda hoje) de modelo para os demais terreiros, pertencem à
nação ketu e falam o yorubá, são considerados até hoje os mais próximos” da África.
Mas a (re)africanização ganha um novo impulso, como já dissemos, a partir da década
de 1980, com a divulgação da Carta-Manifesto”
52
de Salvador assinada, justamente, pelas
líderes dos terreiros citados acima, incluindo nesta lista o terreiro jêje Zogodô Bogum Malê
52
Para uma análise mais aprof undada deste manifesto, ver: Consorte (1999).
65
Rundó, liderado, na época, por Mãe Nicinha. Na nossa opinião, esta carta é um marco na
recente história do candomblé, por dois motivos: 1º) marca declaradamente o início da
dessincretização do candomblé (baiano?) com o c a tolicismo, pois em relação aos elementos
indígenas, mais precisamente os ca boclos, as “grandes” casas baianas haviam feito essa
limpeza”; ) inaugura uma espécie de distanciamento de alguns terreiros paulistas, frente ao
candomblé baiano, o qual consideramos como a principal característica da terceira e atual
fase da (re)africanização como um todo, seja ela ketu, angola-congo ou jêje.
Em relação à questão do rompimento com o sincretismo católico, tem se um marco
porque esta questão sempre fora discutida por membros da igreja católica e pela academia,
mas como disse Josildeth Gomes Consorte (1999, p. 78):
O manifesto, conseqüentemente, começava por representar uma grande
novidade, à medida que não partia da comunidade do candomblé, aquela
costumeiramente identificada com a prática do sincretismo, como sobre ele
estavam se manifestando cinco das suas mais expressivas lideranças, muito
embora entre elas se encontrassem apenas representantes de casas jêje-nagô
ou jeje-iorubá.
Contudo, mesmo os candomblés baianos apontando o sincretismo como um
instrumento de dominação, que teria sido imposto pela igreja católica no período colonial, a
questão entre (re)africanização e sincretismo parece ainda não e star muito bem resolvida.
Pois, das cinco líderes religiosas que assinaram a Carta-Manifesto de Salvador apenas mãe
Stella de Oxossi, do terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, tem levado adiante a (re)africanização.
Iyalorixás importantes como mãe Olga do Alaketo
53
e mãe Nicinha do Bogum
54
invocam a
tradição ao argumentarem que elas receberam os ensinamentos dessa maneira, e não serão
elas que farão diferente. Pai Abdias, sacerdote baiano radicado em São Paulo, não consegue
entender por que outros babalorixás sentem a necessidade de modificar as práticas
tradicionais do candomblé. N o entanto, acreditamos que a noção de tradição fica
comprometida, pois cada s acerdotisa utiliza o termo à s ua maneira. Sobre este assunto,
Consorte (1999, p. 88) diz:
Segundo as ialorixás Olga do Alaketo e Nicinha do Bogum e, pelo que pude
observar nos Terreiros da Casa Branca e do Gantois, é na manutenção da
53
Olga Francisca Régis, mãe Olga do Alaketo, nasceu em 1925 e faleceu em 2005. Atualmente o terreiro do
Alaketo está fechado em processo de escolha da/do nova/novo lí der espiritual da casa.
54
Mãe Nicinha do Bogum, nome civil Evangelista dos Anjos Costa, nasceu em 1978 e veio a falecer,
precocemente, n o ano de 1994. Sobre a sucessora de Mãe Nicinha não conseguimos informação segura, mas hoje
o Terreiro do Bogum é liderado por uma dessas duas mulheres: Zaildes Iracema de Mello (Mâe Í ndia) ou
Emiliana Piedade dos Reis.
66
tradição, como algo que se reproduz sempre igual, que reside a força do
candomblé, é essa tradição que funda e legitima sua autoridade. para Mãe
Stella, manter a tradição não significa reproduzir-se sempre da mesma
forma. Assim, no seu entender, é rompendo com a tradição que ela se
mantém fiel à tradição do seu terreiro. Na medida em que divergem, tais
posições revelam uma compreensão diversa da natureza da formação das
religiões afro-brasileiras, com repercussões significativas para o debate e o
encaminhamento da (re)construção da iden tidade do negro no Brasil.
De certa maneira, as posições de mãe Olga, mãe Nicinha e pai Abdias, em relação a o
significado do termo tradição, refletem a posição da maioria das sacerdotisas e sacerdotes,
senão da Bahia, pelo menos de Salvador. Pois dos cinco terreiros que assinaram a Carta-
Manifesto de Salvador, quatro ainda continuam fiéis ao costumeiro sincretismo de rituais
entre o catolicismo e o candomblé.
No caso da interpretação do termo tradição, podemos dizer, com Pereira & Gomes
(2001), que as cinco sacerdotisas que assinaram a Carta de Salvador utilizam o termo no
sentido de uma tradição-nostálgica. Porém mãe Stella de Oxossi nos pa rece ser a única
sacerdotisa a utilizar o termo com duplo sentido: o de tradição-nostálgica, como a s outras
líderes, e o de tradição-princ ípio.
A i déia de tradição-princípio e tradição-nostálgica é discutida por Pereira & Gomes
(2001) quando analisam a festa da Capina ou de João do Mat o na comunidade do Arturos, na
cidade de Contagem, em Minas Gerais. Para os autores:
O sujeito da tradição nostálgica não aceita a mudança dos rituais ou do
discurso que os fundamenta, censura os jovens porque julga que eles nem
chegam a aprender o passado. A tradição, nesse caso, exibe a face da
permanência e pode significar para o grupo uma opção segura. Por isso
tende a prevalecer a opinião dos mais antigos, em alguns casos,
acompanhada da volta aos esquemas primordiais de reza, dança, canto,
vestimenta, iniciação. (PEREIRA & GOMES, 2001, p. 52)
Por outro lado, o sujeito da tradição-princípio:
[...] prevê a ocorrência das mudanças como risco sem que tenha
mecanismos para controlá-las. Por isso estimula situações, em geral, abertas
e polêmicas, que apontam para uma diversidade diante da qual os sujeitos
terão de se mobilizar. (PEREIRA & GOMES, 2001, p. 53)
Na Bahia, e no Brasil, de um modo geral, parece que essa busca dos conhecimentos
perdidos se deu e se complementando-se a tradição (nostálgica) sem fazer uma "reforma"
mais profunda. A (re)africanização e o sincretismo convivem sem maiores problemas. Não se
67
rejeitam de maneira clara os elementos do cristianismo, o que já não acontece com as
religiões indígenas, como no caso do culto aos caboclos.
Talvez poderíamos dizer que na Bahia o que ocorre é que muitos pais/mães-de-santo
estão mais propensos a uma tradição-nostálgica e a uma dessincretização no plano político, na
esteira das discussões sobre as etnicidades (ver Sansone, 2000) no Brasil, na década de 1970,
do que assumir a eminência da tradição-princípio e uma real (re)africanização no plano
religioso. Assim é que pa i Adão, famoso babal orixá do Recife, construiu em seu terreiro uma
capela para as imagens dos santos católicos, mostrando, com isso, que a nos deuses
africanos pode muito bem conviver ao lado da fé nos santos católicos. Pode-se dizer que o
movimento de (re)africanização não tem uma posição de destaque no candomblé baiano, pois
“[...] o movimento de busca das ‘raízes’ estão aqui representados por eles mesmos
[...]”(SILVA: 1991; p. 278).
4.2 O modelo da nação ketu.
Mas se o candomblé baiano não seguiu as deliberações da Carta-M a nifesto de
Salvador, algumas lideranças religiosas do candomblé paulista, como pai Aulo de Oxossi, ogã
Gilberto de Exu
55
, pai Armando de Ogum, mãe Sandra Epega, mãe Wanda de Oxum entre
outras/outros sacerdotisas/sacerdotes utilizaram, justamente, este documento, e estã o
empenhados a colocar em prática a (re)africanização, a ssumindo tanto a tradição-nostálgica,
como a tradição-princípio, afa stando-se da Bahia, inaugurando com isso, a terceira e atual
fase da (re)africanização.
Conforme Reginaldo Prandi (1991) o candomblé inst ala-se em São Paulo, não como
uma religião de negros, mas agora voltada para toda s as pessoas, independente de raça e
classe. Outra car acterística do candomblé paulista (sudeste em geral) é a sua intelectualização,
isto é, o fato de muitas pessoas ligadas ao universo acadêmico começarem a freqüentar essa
religião, não apenas como pesquisadores ou simpatizantes, mas também como fiéis. Com isso,
voltamos à velha discussão, que é sobre a influência da escrita na liturgia do candombl é.
Outro ponto de destaque é o alto número de não-ne gros que professam a religião na
atualidade, uma vez que os negros, em sua maioria, estã o migrando para as denominadas
religiões “evangélicas”.
55
Atual vice-presidente da IX-Orisa World (Conferência M undial de Tradição dos Orixás), realizada no Rio de
Janeiro, em 2005.
68
Alejandro Frigério (2005), a fim de tentar entender o panorama complexo das religiões
afro-americanas e suas diásporas, vai dividi-las em diáspora primária e secundária.Assim,no
Brasil, a Bahia seria uma das localidades que faz parte da diáspora primária, pois ali teria sido
o primeiro lugar onde surgiu o culto do candomblé. Por outro lado, a cidade de São Paulo está
classificada como diáspora secundária, poi s foi uma das cidades para onde migrou o
candomblé baiano. Frigério (2005, p. 144) a inda faz uma distinção entre africanização e
reafricanização (sem os parênteses). Assim diz ele:
A transição de uma variante mais sincrética para uma variante mais africana
pode ser considerada um processo de africanização. É por meio dessa
passagem que a pessoa começa a participar dos rituais religiosos nos quais é
minimizado ou desaparece o simbolismo católico, os cantos são cantados
em nguas “africanas” e não em português ou espanhol, as pessoas são
possuídas por orixás e não por espíritos de índios, de negros ou de outros
mortos. Mas esse processo deve ser diferenciado da reafricanização pelas
quais muitas pessoas passarão (ou o) mais tarde pois suas
conseqüências diferem em três níveis importantes: individual, meso e
macro. (grifo do autor)
Parece que para Frigério (2005) a (re)africanização é mais possível em cenários da
diáspora religiosa secundária São Paulo, Rio de Janeiro, Miami, por exemplo –, do que da
diáspora primária Bahia e Pernambuco, Havana –, pois estas cidades, geralmente, são
grandes centros mundiais, onde as possibilidade de c ontatos são maiores.
De nossa parte, não concordamos com a distinção proposta por Frigério entre
africanização e reafricanização (sem os parênteses). A creditamos que o candomblé seja uma
expressão religiosa brasileira embora tenha uma africanidade e, por isso, seus adeptos o
poderiam reafricanizá-lo, como propõe o autor. Porque daria a impressão de que o candomblé
é uma religião africana que teria perdido suas raízes, e que agora querem resgatá-la, ou seja,
reafricanizá-la. Por isso, preferimos utilizar os parênteses sempre que fizermos menção a tal
palavra. Assim, marcamos bem a nossa posição em relação a este termo.
A (re)africanização adquire vários significados, tudo depende da abordagem de quem
se propõe discuti-la. Jensen (2001), por exemplo, percebe que diferenças de
comprometimento com a (re)africanização, quando se trata de negros e brancos. Brown
(1994) associa o assunto à consciência étnica e política na luta contra a discri minação dos
negros brasileiros. Mas em geral os autores (Capone, 1999; Lépine, 2005 e 2007 [ no prelo];
Melo, 2004; Prandi 1991, 1996, 1998, 1999; Silva, 1995) concordam com a definição de
Prandi, para o autor:
69
[...] africanizar não significa nem ser negro, nem desejar sê-lo e muito
menos viver como os africanos. Africanizar significa também a
intelectualização, o aces so a uma literatura sagrada contendo os poemas
oraculares de Ifá, a reorganização do culto conforme modelos ou com
elementos trazidos da África contemporânea (processo em que o culto dos
caboclos é talvez o ponto mais vulnerável, mais conflituoso); implica o
aparecimento do sacerdote, na sociedade metropolitana, como alguém capaz
de superar uma identidade com o baiano pobre, ignorante e
preconceituosamente discriminado. (PRANDI, 1991, p.118)
O processo de (re)africanização parece ser amplo, pois cada sacerdote/sacerdotisa está
bem livre pa ra buscar e implantar os elementos que for conveniente para seu terreiro e
destacar-se no c oncorrido “mercado” das religiões.
Nesse sentido, africanização é bricolagem. Não é a volta ao original
primitivo, mas a ampliação do espectro de possibilidades religiosas para
uma sociedade moderna, em que a religião é também serviço,e, como
serviço se apresenta no mercado religioso, de múltiplas ofertas, como
dotada de originalidade, competência e eficiência.” (PRANDI, 1991 p. 119)
Ao mesmo tempo, c remos que o processo de (re)africanização não seja para todos,
pois para (re)africanizar um te rreiro o sacerdote precisa de três c oisas sicas: dinheiro, tempo
e paciência. Dinheiro porque as viagens empreendidas à África (Nigéria? Benin?), não o
baratas. É necessário saber inglês ou francês para se com unicar com os africanos, e os
produtos usados no "candomblé africanizado" são importados. De manda tempo, porque os
ensinamentos não são assimilados de uma vez, a língua litúrgica no caso o yorubá, para a
nação ketu exige dedicação quase integral para se aprender, pois é uma língua tonal,
diferente das línguas ocidentais. E finalmente, é preciso paciência, porque depois de aprender
todos os ensinamentos e a língua, o sacerdote/sacerdotisa terá de repassá-los a os seus filhos e
filhas. Por esta s razões é que poucos terreiros tem conseguido manter a s ua (re)africanização.
Mas qual será o propósito dos líderes religiosos do candomblé paulista?
Sobre este assunto Lépine (2007 no prelo), ao fazer um balanço desse movimento em
São Paulo, diz que:
[...] a questão da “africanização” do candomblé, com efeito, já foi muito
discutida, e pode até parecer hoje, suficientemente esclarecida, ou
desprovida de implicações mais sérias. Na verdade ela está associada a
problemas não resolvidos de nossa época: o crescimento do pensamento
mágico; a concepção da identidade pessoal, o pluralismo e o nomadismo
religioso; a globalização e o sincretismo, e ela não pode ser
satisfatoriamente explicada sem estar situada no contexto global de
transformações por que passam as sociedades atuais.
70
Contudo, alguns desses pais e mães-de-santo argumentam que foi preciso recorrer à
(re)africanização porque as “tias velhas” da Bahia não estavam ensinando tudo o que
sabem, passando a seus filhos apenas uma parte dos segredos. Armando de Ogum, babalorixá
do te rreiro Ilê Axé Orokoné Ogum, parece relativizar a discussão dizendo:
De fato, não existe uma verdade única, o culto aos orixás na modernidade é
fruto dessa caminhada. Cabe ao sacerdote ter a consciência relativa sobre a
celebração do culto, dentro de uma dinâmica moderna, em que se possa
contar com a possibilidade do resgate e da sua conseqüente adaptação ao
modus vivendis atual. (VALLADO, 1999; pp. 142-143) (sic)
Talvez pai Armando esteja querendo dizer que o sacerdote do século XXI não pode
ficar preso somente aos ensinamentos anteriores. Não que isso signifique uma negação dos
preceitos dos primeiros templos e da oralidade, mas que é preciso ficar atento às
transformações que a sociedade e a cultura sofrem e adaptar a religião a essas transformações.
Segundo Sandra Medeiros Epega
56
, yalorixá do Ilê Leuywato, o sincretismo e os
problemas do candomblé paulista têm sua origem na ausência de mestres no Brasil, mais
especificamente de babalaôs, que são sacerdotes detentores dos conhecimentos sagrados,
mestres que era m responsáveis pelo culto a Orunmilá
57
na região yorubá. Esta ausência fez
com que os babalorixás (CACCIATORE, 1977, p. 61) a ssumissem as responsabilidades dos
babalaôs (CACCIATORE, 1977, p. 60), sem possuir o conhecimento do sistema dos Odus
(búzios) de Ifá. Na opinião da yalorixá, o sacerdote brasileiro ganhou poder, mas a religião
perdeu conhecimentos importantes. Mãe Sandra aponta, com isso, para um conflito entre os
sacerdotes mais velhos e os mais novos, acostumados agora a buscar conhecimentos em
livros, cursos e outros recursos. Ou seja:
A princípio buscando livros de autores populares nas lojas de artigos para o
culto, depois lendo uma tese sobre afro-brasilidade religiosa, daí se
aproximando da Universidade para estudar rudimentos do ioruba, e a seguir,
tendo a idéia de procurar conhecimento na fonte, estender a trajetória de
busca à própria África (EPEGA: 1999; p. 163) (grifo da autora).
56
Sandra, que foi iniciada no Brasil e era filha de Xangô, trocou de nome quando foi à Nigéria e lá foi
adotada/reiniciada pelo sacerdote nigeriano Onadele Epega.
57
“É um dos nomes d o Deus Supremo, criador, liga do ao destino do mundo, pouco conhecido no Bras il. Ifá é
sua palavra e mensageiro da luz (enquanto Exu é seu mensageiro das tre vas) e ao mesmo tempo é E le pr óprio. F.
ior.: ‘Òrunmila’ contr. De ‘Òrun´mon eni ti yióò lá’ Somente os Céus sabem quem será salvo.”
(CACCIATORE, 1977, p.208)
71
A nova geração de pais/mães-de-santo estaria cobrando dos antigos outra forma de
transmissão do saber religioso, que não apenas através da transmissão oral.
Por outro lado, o discurso da (re)africanização, se para alguns parece estar
totalmente assimilado, para outros a discussão está ainda confusa. Perguntamos a mãe
Wanda de Oxum
58
o que ela entendia por (re)africanização, e a yalorixá nos disse:
[...] eu não sei, inventaram essa palavra aí, eu vendo tanta gente fazendo
essas perguntas, que me fizeram e que eu acho assim, eu sempre vivi
dentro da coisa da reafricanização, eu sempre vivi isso, então pra mim é
meio complicado ver desta forma [...]
Mais adiante mãe Wanda acrescenta que:
[...] quem foi à África e trouxe alguma coisa de lá, naquela época ou mesmo
depois daquela época, são pessoas que... pra se legitimar. Não são feitas de
santo e que foram pra se fortalecer...
Gilberto de Exu, que parece estar de acordo com a yalorixá, nos disse que: “[...] 90%
das pessoas que tem títulos dados na Nigéria e specificamente são párias do candomblé... na
verdade são e spúri a s dentro do candomblé e vão buscar o reconhecimento fora do Brasil [...]”.
Em outro momento pai Armando de Ogum diz que:
[...] muitas vezes o pai de santo não ensina tudo o que ele sabe, ele guarda
uma parte para si e transmite apenas fragmentos: é o chamado
conhecimento de quebrado [...], por isso, acredita que a reafricanização
foi a solução encontrada, porque ela nivela o conhecimento, pois os pais de
santo visitam os mesmos lugares da África e aprendem todos a mesma
coisa.
Percebe-se que no candomblé paulista assim como no baiano divergências
internas quanto aos procedimentos adotados em relação à (re)africanização. Alguns ainda têm
dúvidas em relação ao próprio movimento, outros fazem pesadas críticas àqueles pais/mães de
santo que buscam títulos, e outros ainda dizem que a (re)africanização foi uma maneira de
manter a tradição, porém renovada, que os mais velhos não querem passar. Mas parece que
todos estão de acordo de que ir à África mais legitimidade para o terreiro do que ir à Bahia,
logo estes sacerdotes e sacerdotisas também evocam a tradição-nostálgica e a tradição-
princípio como recurso para (re)africanizarem seus ilês.
58
Entrevista com a yalorixá, e com o ogã Gilberto de Exu, r ea lizada em abril de 2 002, em seu terreiro no bairro
da Casa Verde, zona norte da capital paulistana.
72
Contudo, o movime nto de (re)africanização, por mais que seja revolucionário para
muitos, para nossa discussão ele pouco avança. Pois quando se pensa em (re)africanização
aqui no Brasil, nos Estados Unidos ou em Cuba, o que vêm à mente é, ainda, a Nigéria ou o
Benin.
Mas esta postura parece que vem mudando desde os anos 1990, pois t em se verificado
uma maior mobilização dos sacerdotes da nação angola-congo do estado de São Paulo (e de
outros estados) e m buscar as suas “ raíze s”, suas tradições. Ou seja, verifica-se hoje que um
número ainda que pequeno de angoleiros e angoleiras também estão buscando a sua
(re)africanização. Essa (re)africanização recebe o nome de “Tradicionalismo Bantu”.
4.3 O modelo da nação angola-congo ou Tradicionalismo bantu.
Embora a preocupação com a questão do resgate das tradições bantu o seja atual,
temos informações que podem situar o recente advento desta busca (revival bantu?), entre a
segunda metade dos anos 80, e a primeira metade da década de 1990.
Conforme tata Katuvanjesi
59
, somente em 2003 f oi possível fazer o primeiro encontro
dos líderes religiosos da nação angola-congo. O encontro foi organizado pe lo próprio pai-de-
santo, e recebeu o nome de ECOBANTO (Encontro de Cultura e Tradição Bantu). Na ocasião
foram reunidos alguns sacerdotes em apenas um dia de discussão, para pensarem um encontro
maior que se realizou em 2004 nos dias 03, 04, 05 de s etembro, na cidade de São Paulo, no
qual participamos e verificamos um intenso debate sobre a tradição e a cultura bantu.
Este segundo encontro contou com convidados (gente de santo, professores e
pesquisadores) nacionais e internacionais. estavam Nei Lopes, músico e pesquisador da
cultura bantu, os professores Yeda Pessoa de Castro, Hélio Santos, Henrique Cunha Junior,
Júlio Morales, de Cuba, Edwin Pitri Vásquez, do Panamá, dos angolanos Victor Narciso,
adido cultural da embaixada de Angola no Brasil; Jorge Gumbe, professor em Portugal e
Almerindo Jaka Jamba, na época, presidente da Assembléia Nacional de Angola, além de
representantes dos principais terreiros da nação angola-congo da Bahia e de outros estados da
federação.
Quando perguntamos a tata Katuvanjesi qual foi o salto que as discussões tiveram do
primeiro para o segundo encontro, ele nos disse que:
59
Tata Kat uvanjesi é líder do Inzo IaTu mbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu, localizado na Estrada de
Itapecerica, km 27,5 Itapecerica da Serra SP. Entrevista c oncedida em 26/05/2007, em seu terreiro.
73
Foi positivo, do ponto de vista do adormecimento
60
foi positivo. Porque
hoje as casas de angola se preocupam mais com a questão da língua, estão
insistindo na fala do kimbundu e do kikongo, que é muito importante.
Então, isso foi um ponto significa tivo. O ECOBANTO contribuiu muito
para esta questão porque o ECOBANTO bate justamente na questão da
língua.
Segundo tata Nkassuté
61
, que também esteve no segundo encontro, ele próprio teria
sido o primei ro sacerdote a se preoc upar c om a questão da busca da tradição do candomblé
angola-congo no Brasil, e seu início teria sido por volta da segunda metade dos anos 1980.
Em entrevista concedida, o religioso diz:
[...] 20 anos você ouvia falar em tradição bantu?”, [...] porque esse
negócio de tradição, se você trouxer os grandes tradicionalistas que estão
[na Bahia], você não houve... Quando você ouvir falar em tradição, vai
ouvir falar assim: tata Nkassuté, que sou eu mesmo.
A (re)africanização empreendida pelos a deptos da nação angola-congo, ao mesmo
tempo em que se aproxima, ela também se distancia, em alguns aspectos, da (re)africanização
pretendida pelos seguidores da nação ketu, embora, acreditemos que ambos os movimentos
evoquem uma identidade étnico-religiosa
62
própria.
Além de empreender o resgate das tradições religiosas bantu, os participantes deste
movimento preocupam-se também em demarcar claramente a diferença entre o seu culto e os
outros cultos de matriz africana, pri ncipalmente a nação ketu. Em relação a este assunto os
dois pais-de-santo entrevistados parecem concordar com a prerrogativa de que a nação
angola-congo foi renegada como culto secundário em relação à nação ketu. Para tata
Katuvanjesi:
[...] o candomblé de angola usa muita coisa dos outros, e nós não temos essa
necessidade, [...] [uma] preocupação de se mostrar que o candomblé de
angola tem reza própria, saudação própria, cântico próprio e entidades
próprias, tem seus próprios deuses, sem necessitar de estar buscando nesta
ou naquela nação.
Embora o próprio pai-de-santo pareça ter cuidado em suas palavras, ele a c redita que
houve um a confusão quando diz:
60
Tivemos a oportunidade de verificar que vários sacerdotes e sacerdotisas da nação angola-congo utilizam esta
palavra no sentido de expressar que somente poucos anos começou-se a discutir o resgate das tradições bantu.
61
Sacerdote do Abaçá Nkassuté Lemba Nzambi Keamazi, localizado nas Terras de Sã o José, zona rural do
distrito de Padre Nóbrega, região de Marília - SP. Entrevista concedida em 31/07/2007, na casa de sua mãe
carnal q ue reside em Marília.
62
Termo que e mpresta mos de SERRA, 1995, p. 65.
74
Então o que eu acho que... Não estou criando com isso um divisor de águas.
Até porque estaria criando um processo de desconstrução que foi, que a
duras penas está aí: [que é] a construção da identidade afro-religiosa em
todo o seu sentido, independente de grupos étnicos que para aqui vieram.
Mas eu acho que angola é angola, ketu é ketu e jêje é jêje, e cada qual no
seu. Não pode, não pode fazer a mistura das coisas. (TATA
KATUVANJESI)
Perguntamos a Tata Nkassuté sobre a identificação entre nkisi e orixá, e o sacerdote
nos disse:
O nkisi é um antepassado divinizado, é um Nkosi. O Ogum, do yorubá, uns
dizem que é divindade, outros dizem que é antepassado divinizado. Mas
então, a gente vai em Zaze. Zaze quer dizer, para nós é o Raio. Zaze,
divindade, Raio, ele nã o teve vida. Xangô, antepassado divinizado, ele tem
parente na África hoje vivo ainda, tem o castelo que ele montou. Quando
ele se matou, ele se divinizou. Então ele é um antepassado divinizado. Veja
que nós temos a divindade, eles têm um antepassado divinizado, a história
jamais poderia ser a mesma. É que eu digo que mora a diferença. [Porém,
algumas pessoas podem contestar] “Ah, mas Xangô é o trovão.” Então já
tem uma diferença, o nosso Zaze quer dizer Raio. [Mas também podem
perguntar] “Ah, mas raio não é de Yansã?” Problema dela, nós temos
Bamburucema, o “Ronco do Trovão”, olha a diferença. Então, quer dizer, a
diferença é gigante. [Mas nós] conseguimos descobrir isso depois que
aprendemos o dialeto.
63
A questão do resgate das tradições bantu tem sido objeto de um intenso debate entre os
próprios adeptos do rito angola-congo, que atualmente parecem estar divididos entre aqueles
que preferem manter a tradição (tradição-nostálgica), ou seja, “deixar as coisas como estão”, e
os adeptos do Tradicionalismo Bantu, isto é, evocar a tradição-nostálgica e a tradição-
princípio.
Mas o que significa estas duas posições? Manter a tradição, neste s entido, significa
seguir o modelo de culto das casas matri zes angoleiras da Bahi a Inzo Tumbensi, Tumba
Junçara e Ba te Folha. Sobre a influência desses terreiros no movimento de resgate da tradição,
tata Katuvanjesi, embora creia que temos que manter o respeito, por outro lado diz que:
[...] a maioria dos terreiros de angola aqui de São Paulo, eles seguem, eles
rezam uma cartilha dos terreiros, das casas matriz de Salvador. Eles chegam
até um determinado processo, depois esse processo é interrompido. Esse
63
A questão do resgate das línguas bantu vem se tornando um objeto de preocupação de ór gãos nacionais e
internacionais. U m exemplo desse interesse é o pr ograma Reabilitação do P atrimônio In teligível Afro-
Iberoamericano: os bantuísmos em espanhol e port uguês da América”, que prevê pesquisa na área de
Lingüística e Antropologia nos continentes africano e americano, sob coordenadoria de Jean-Pierre Angenot,
(Universidade Federal de Rondônia) no Brasil; e Luís Beltrán, (Universidad de Alcalá), na E spanha. U m evento
de mesmo nome está previsto para acontecer entre os dias 31/10 a 02/11 de 2007, na Universidade Federal de
Rondônia, onde se encontrarão os pesquisadores de sse projeto.
75
processo é interrompido porque eles seguem da seguinte forma: Se o meu
avô diz sim, não sou eu que vou dizer não”. Mas precisa ter coragem pra
ensinar, porque a obediência, o respeito é uma coisa, a coragem, sem criar
nenhuma celeuma, nenhuma animosidade, é outra!
Talvez os pais e mães-de-santo da Bahia não vejam com o um problema repassar os
ensinamentos como aprenderam, mesmo que estes contenham uma mistura de línguas e rituais
de outras nações (fato que parece acontecer também com a maioria dos terreiros da nação
ketu), “pois foi assim que nos foi passado”, dizem os sacerdotes e sacerdotisas. Neste sentido,
manter a tradição também significa não fomentar “ purismos” de separação entre as nações,
não vendo problema em chamar nkisi de orixá como, por exemplo, Nzaze, de Xangô;
Kavungu, de Omulu –, em tocar os atabaques com varinhas chamadas de aguidavis ou
aquidavis –, ao invés de tocar com as mãos, em botar pot e, entre outras assimilações.
Por outro lado, ser t radicionalista é procurar justamente demarcar esta “fronteira” no
sentido barthiano do termo ethnic boundary
64
–, na tentativa de mostrar que cada nação tem
sua língua, seus ritos, seus deuses, e sua saudação, colocando “cada qual no seu cada qual”.
A (re)africanização prevê também o resgate e o conhecimento da f ilosofia e da cultura
bantu. Sendo que para isso não mai s será necessário recorrer apenas aos mais velhos dentro da
religião, mesmo porque estes, geralmente, têm se posicionado ceticamente em relação ao
movimento, principalmente os terreiros baianos
65
. Sobre a resistência dessas casas, tata
Nkassuté, que é ligado ao terreiro do Tumba Junçara liderado por mametu M e ssoegi, diz:
o que é que eu fiz, dei andamento a tudo isso e fui mudar a minha casa
matriz. Por que eu fui mudar a minha casa matriz? Porque eu tinha que
fazer uma política lá. Porque se uma casa de angola é a primeira do Brasil e
[as pessoas que estão lá] falam que é filho de Ogum, ela não é de angola. E
se vo for lá hoje, tem aula de kimbundu lá dentro.
Ainda sobre este assunto, tata Katuvanjesi, ligado a o Inzo Tumbensi, que atualmente é
liderado por mametu Lembamuxi, nã o exita em dizer que: “[...] embora se tenha feit o várias
investidas para que o povo de santo de angola pudesse estar s e desligando e buscando sua
própria identidade, ainda es sa busca nas casas ma trizes ainda é tímida”.
64
Embora Barth (1998) utilize este termo para referir-se aos grupos étnicos, c remos que podemos emprestá-lo
para definir os adeptos dos candomblés (re)africanizados das nações ketu e angola-cong o, que parecem buscar
uma identidade étnico-religiosa, uma vez que fazem referência a lugares e a grupos étnicos e lingüísticos do
continente africano, para poderem demarcar suas diferenças.
65
Em 2006, tive m os oportunidade de conversar c om Kátia, makota do terreiro do Bate Folha, em que fez sérias
críticas à (re)africanização. Infelizmente Kátia não nos autorizou a gravar a conversa.
76
A discussão acerca da utilização da escrita (obras literárias e etnográficas) no
movimento de (re)africanização do candomblé paulista já foi abordada por alguns autores
(Melo, 2004; Silva, 2005). E, assim como os a deptos da nação ketu, angoleiros e angoleiras,
também se valem de textos escritos, como um recurso importante, para o resgate de suas
tradições, mesmo porque essa é uma prática antiga entre o povo-de-santo. Sobre a
intelectualização do candomblé (re)africanizado de São Paulo, Lépine (2007, no pr elo) diz:
Com esta intelectualização as tradições vão sendo sistematizadas e
adquirem novos contornos. Certas práticas e conceitos que se verificam hoje
nos candomblés de São Paulo parecem ter se formado em virtude do acesso
dos religiosos à literatura científica, acadêmica, aos relatos de viajantes ou
missionários da África, aos de etnógrafos, pesquisadores [...]
De fato, a relação entre escrita e oralidade, e sua importância no interior do sub-campo
religioso dos adeptos do candomblé (re)africanizado angola-congo, não parece ser um
problema. Pelo contrário, nossos entre vistados se mostram bem à vontade para falar desse
assunto.
Tata Nkassuté nos fa lou da biblioteca que mantêm em seu barracão com muito
orgulho. “Aqui na região eu não conheço ninguém que tem uma igual. Tanto é que eu mando
material pra Casa de Angola em Salvador”. O sacerdote diz que busca a tradição nos livros
que adquire na Europa para poder ter acesso aos rituais e ensinamentos dos povos bantu:
Mas é isso que eu falo. O que é que a gente depende, nos nossos cultos,
desses livros. Onde se fala em tradição, se fala em Mário Fontinha, José
Redinha e outros... Eu tenho uma biblioteca grande no barracão. Tanto
yorubá, quanto bantu. Yorubá eu guardo tudo num cantinho lá, porque o
serve, e normalmente, eu mando pro pessoal de Salvador. Eu levei pro
pessoal do Engenho Velho, agora, dessa última vez que fui, umas apostilas
de 1990. (TATA NKASSUTÉ)
Quando perguntamos a tata Katuvanjesi da relação entre oralidade e escrita para o
resgate das tradições bantu, o sacerdote disse que as casas matrizes não negam a escrita, mas
fazem ressalvas. O sacerdote diz ainda que a oralidade é importante, mas que não se pode
presc indir da literatura.
Sim, o candomblé foi moldado nos pilares de que tudo é repassado. Então o
repasse dessas informações, essas informações me foram repassadas
pelos meus avoengos
66
nas discussões, nas casas de candomblé, nas
66
Antepassados; ancestrais.
77
conversas, nos eventos, nos inúmeros eventos realizados. A gente também
faz um proveito da literatura, né? Principalmente a literatura fundamentada
dentro daquilo que a gente preocupado, não essa subliteratura. Por
exemplo, tiveram grandes pesquisadores das tradições bantu não no
candomblé de angola como Oscar Ribas, José Redinha, Ls Kandjimbo,
Pepetela e tantos outros que tiveram a coragem de estudar essa cultura,
ainda um pouco adormecida. (TATA KATUVANJESI)
Neste sentido, os sacerdotes do candomblé angola-congo parecem estar diante de um
paradoxo. Pois, ao mesmo tempo em que buscam resgatar (ou inventar?) as tradições orais,
para que o rito angola não desapa reça, estão sendo obrigados a servirem-se da escrita, e, com
isso, correndo o risco de cair em outras interpretações.
Lépine (2007, no prelo), parece preocupada com a relação entre oralidade e escrita no
candomblé. Segundo a a utora, a escrita faz com que desenvolvamos “[...] novos hábitos e
quadros mentais que inevitavelmente acabam modificando sua interpretação da teologia do
candomblé”. Em outra parte de seu texto, quando o assunto gira e m torno da competição entre
estas casas de culto e as religiões “evangélicas”, a autora levanta a seguinte hipótese sobre o
assunto:
Um fator que parece levar os religiosos a se posicionarem em favor da
transmiso escrita do saber é a competão com os evangélicos no mercado
de bens religiosos e a guerra travada pela Igreja Universal do Reino de Deus
contra os terreiros. (LÉPINE, 2007)
Outro ponto que se discute, quando se pensa a (re)africanização do candomblé de
origem bantu, é a possibilidade de viagens aos países africanos (Angola?, Congo?,
Moçambique?), onde os povos bantu se fixaram, para conhecer as religiões locais e seus
adeptos, na tentativa de estabelecer algum tipo de conexão e partilha de conhecimento. Em
nossa entrevista verificamos que os dois s acerdotes ainda não f oram para a África bantu.
Sobre este assunto tata Katuvanjesi nos disse ter ganhado uma viagem de uma autoridade
angolana, que está prevista para o mês de julho ou agosto de 2007. Enquanto que tata
Nkassuté também nos disse que pretende ir a Angola ai nda este ano
67
.
Com relação à questão do contato entre os sac erdotes brasileiros e os sacerdotes dos
cultos locais e m Angola, principalmente a região norte/nordeste deste país, percebemos que
os nossos entrevistados t êm experiências dif erentes. Tata Nkassuté nos disse, em conversa
informal, que tem contato c om alguns sacerdotes angolanos, mas apenas via internet. E que
67
Assim que possível, entraremos em contato com os dois pais-de-santo, para colhermos infor mações sobre suas
estadias no continente afr icano.
78
geralmente essas conversas giram em torno de assuntos relacionados aos fundamentos das
religiões locais, questões como: inic iação, produtos utilizados nas oferendas, locais das
oferendas, etc. Ele disse que não poderia aprofundar estas questões conosco, porque não
somos iniciados, “são coisas do bakisi”. No que diz respeito a os cultos angolanos, tata
Nkassuté nos disse apenas que “O cul to e m A ngola lá, ele é bem li vre, ele é comunitário. Ele
não t em aqui no Brasil”.
t a ta Katuvanjesi disse que tem contato c om vários sacerdotes angolanos, e que estes
são procurados para dar orientações sobre o pensamento africano.
A casa aqui, ela recebe com freqüência diversos sacerdotes e sacerdotisas
do candomblé de angola, devido aos laços de amizade que temos. Em se
tratando de África recebemos, nesta casa aqui, mas quando ela
funcionava em Ferraz de Vasconcelos, o kimbanda Mokumoloji, que é
kimbanda do Malanje (província do norte/nordeste de Angola), que veio,
inclusive, [devido] a um laço de amizade muito grande com a nossa casa,
comigo e ele, e também ele nos orienta, em se tratando do pensamento
africano. Então há essa ligação, existe essa orientação, né. Não
desrespeitando as coisas brasileiras tal qual como é praticado aqui, mas
essa conciliação, há uma tentativa de conciliar o pensamento afro-bantu
brasileiro e o pensame nto bantu africano, então existe estas duas coisas
caminham junto aqui nesta casa.
68
(TATA KATUVANJESI)
Então, perguntamos a tata Katuvanjesi como estava o culto em Angola, e ele disse:
O culto continua preservado, que é muito distante dos grandes centros.
Porque o candomblé bantu, ele não é urbano, ele é rural, então se vo
for, por exemplo, se você desembarcar em Luanda você não vai encontrar
nenhuma kimbanda e nenhum kimbanda. Vo tem que ir pro nordeste
de Angola pra poder você encontrar alguma coisa, que eles chamam de
Crença do Povo Nativo ou Kimbandeira. Que não tem nada que se pareça.
Tudo que tem em África nada se parece com o candomblé do Brasil, quer
seja candomblé de ketu, candomblé de angola ou jêje; não existe nada de
semelhança.
Por fim, quando observamos o que foi efetivamente resgatado nos dois terreiros,
percebemos que um ponto em comum e outro divergente. O ponto em comum é com
referência às divindades. Pois os dois s acerdotes di sseram que resgataram alguns jinkisi que
68
Sobre a relação do terreiro liderado por tata Katuvanjesi com sacerdotes angolanos, extraímos a seguinte
notícia da revista eletrônica
Irohín
, noticiada em 09/06/07, às 09:47min45s. “No dia 30 de maio foi a vez do
Inzo Ia Tu mbansi receber a visita d o Kimbanda V úa Nludi acompanhado do Kimbanda (sacerdote angolano)
Mokumoloji, procedente do Kuanza Sul, Angola (África), que conduziu no Tumbansi, o Luvembu (culto, na
língua ritual) e “kuxikama” assentamento dos Ankixi (plural de mukixi santo) Kite mbu, Ngamba, Katende e
Nvumbi. Ao chegar no Inzo Ia Tumbansi, em Itapecerica da Serra, o kimbanda Mokomuloji pronunciou as
seguintes palavras: vim até aqui porque Xisuri Uanga permitiu e por que fiquei muito impressionado com as
informações de que esta Inzo se preocupa em manter viva as tradições do culto fora da Ár ica, por isto estou aq ui
neste espaço sagrado abençoado por Nza mbi’, disse”. Fonte http//www.org.br/onl/new, em 13 set. 2007.
79
não eram conhecidos aqui no Brasil e que, justamente por serem novos, não têm equivalência
com as divindades do panteão ketu, como Karamusseco e Nganga. O ponto divergente é a
questão do sistema oracular bantu, que se chama ngombu. Para se ter uma idéia, o ngombu é o
similar bantu do jogo de Ifá dos yorubás.
Segundo tata Katuvanjesi, não é possível ter este tipo de sistema de adivinhação no
Brasil porque nenhuma pessoa preparada para exercer esta função atravessou o Atlântico para
trazê-lo. Contudo o mesmo sacerdote disse que alguns pais-de-santo da nação angola
resgataram o ngombu. Tata Nkassuté é um destes religiosos. Ele nos disse que está tentando
montar o ngombu, disse que este sistema oracula r tem 210 peças e que ainda falta muito para
conseguir montar.
69
No entanto, quando nos referimos ao termo “(re)africanização” nossos entrevistados
divergiram de opinião. Mas ao mesmo tempo parecem estar afinados, pois os dois sacerdotes
preferem usar o termo “tradicionalista bantu”, quando se trata de defini r suas casas.
Para tata Nkassuté o é possível (re)africanizar um terreiro de candomblé e nem é
essa a sua intenção.
A minha casa é um candomblé, porque é uma reunião de pessoas. É uma
casa tradicionalista bantu, porque eu procuro cultuar as tradições bantu. Não
vou reafricanizá-la, porque jamais alguém vai reafricanizar alguma coisa.
Primeiro, porque a África [de hoje], não é a África ancestral. [...] não quero
mudar a casa de ninguém, cada um vai sofrer as coisas pra mudar. Eu não
quero mudar a casa de ninguém. Mudo a minha, que é a minha divindade
que está contente. me dando o que ela me dando.
No entanto, tata Katuvanjesi parece não se incomodar com a aproximação dos termos
“(re)africanização” e “tradicionalista”, embora se utilize mais deste último para definir seu
terreiro.
Eu chamo de Casa de Candomblé de Tradição Kimbundu-Kikongo. Nem
angola, nem nada, porque aqui se fala a língua kimbundu e o kikongo, [que]
foram as duas nguas [bantu] principais que vieram e ficaram pra vo
identificar os Ankixi e os Jinkisi, a definição da nossa casa é essa.
Ainda segundo este sacerdote, a denominação de que seu terreiro é (re)africanizado foi
dada por uma “academicista”, como ele mesmo disse.
69
Abordaremos a questão do resgate dos jinkisi e do ngombu e sua polêmica no capítulo seguinte.
80
Então, num trabalho de uma academicista da USP, Patrícia Marinho
70
,hoje
antropóloga, ela qualificou essa casa como um candomblé, a primeira casa
de candomblé reafricanizado bantu em São Paulo, e talvez do Brasil. Porque
aqui têm muitas coisas que entram em choque com a Bahia. (TATA
KATUVANJESI)
Diante de todas essas informações tão novas para nós –, o que mais nos chamou a
atenção, no que diz respeito à questão do resgate das tradições bantu, é que parece estar se
delineando um novo tipo de relação entre a B ahia e São Paulo. Se a ntes os pais-de-santo
paulistas (de todas as nações) tinham que ir à Bahia se iniciar, agora parece que, com a
retomada da identidade étnico-religiosa bantu inicia da, segundo os próprios entrevistados,
aqui no sudeste –, estes mesmos religiosos estão i ndo à Bahia para levar as tradições às casas
matrizes da nação angola, como expressado nas afirmações de tata Nkassuté e, em alguns
momentos, por tata Katuvanjesi.
Neste sentido, essa “volta” à Bahia, para levar as tradições perdidas e resgatadas
através dos livros, imprime-se como a principal característica e diferença da (re)africanização
do candomblé nação angola-congo paulista (e do sudeste). Seguindo esta linha de raciocínio,
concordamos com Frigério (2005), quando este diz que a (re)africanização é mais propícia em
cenários da diáspora secundária São Paulo, Rio de Janeiro, por exemplo do que em
cenários da diáspora primária Bahia e Pernambuco.
Resta-nos agora di scutirmos questões com o: identidade (étnica?, religiosa?, ou é tnico-
religiosa?), tradições, sincretismo e o campo religioso, para ver como estes conceit os se
artic ulam com as informaç ões que temos sobre os adeptos da (re)africanização do candomblé
angola-congo que entrevistamos.
70
Tentamos entrar em contato com a antropóloga, mas até agora nã o foi possível.
81
Capítulo 5: identidades, tradições, sincretismos e o sub-campo religioso afro-
bantu.
5.1 Construi ndo uma identidade.
A discussão acerca da busca da identidade religiosa do candomblé nação angola-congo
sempre foi um ponto importante discutido entre seus adeptos. em 1981, no I Encontro de
Nações de Candomblé, realizado na Bahia, o Sr. Esmeral do Emetério de Santana, integrante
de um dos terreiros angola mais antigos de Salvador, pedia que os pesquisadores “olhassem
com mais atenção para esta nação. Entretanto, atualmente, parece que essa preocupação tem
se intensificado pelo menos entre os angoleiros –, sobretudo, a partir da segunda metade dos
anos 80 segundo tata Nkassuté ou da primeira metade da década de 1990 conforme tata
Katuvanjesi –, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Acreditamos que e sse “despertar” para uma “identidade bantu”, tenha se dado, em
grande medida, por causa da mobilização de pais e mã e s-de-santo da nação ketu de São Paulo,
ao empreender o seu proce sso de (re)africanização iniciado na s décadas de 1970/1980, o que
fez com que essa nação, que era ?) a mais divulgada, aumentasse ainda m a is o seu
prestígio, tanto entre o povo-de-santo, como no meio acadêmico e entre os representantes do
poder público.
Entretanto, muito mais do que um a identidade religiosa, os adeptos da
(re)africanização da nação angola-congo (e talvez possamos incluir também os
candomblecistas da nação ketu) buscam, na realidade, uma identidade étnico-religiosa termo
que, como dissemos no capítulo anterior, emprestamos de Ordep Serra (1995, p. 65).
Resolvemos utilizar essa expressão porque em nossas observações de c a mpo,
verificamos que os sacerdotes dos terreiros pesquisados definem a si próprios, seus rituais, e
as suas divindades se reportando sempre a áreas geográficas e a grupos étni cos e lingüísticos
ligados ao continente africano, como se f izessem parte de alguma etnia africana no caso o
grupo étnico bantu
71
.
71
Em última instância, pode-se dizer que a etnia bantu não existe como categoria para classificar um grupo
como ét nico. Pois este termo foi construído para poder dar conta da d iversidade lingüística dos vários grupos
étnicos que se fixaram na região Centro-Sul da Áfr ica. Com o tempo, a palavra bantu f oi utilizada como
categoria étnica para designar todo aquele/aquela que provinha da região mencionada. E é com e ste se nti do que a
utilizamos em nossa discussão.
82
Daí que tata Katuvanjesi diz em uma passagem quando perguntamos a ele sobre a sua
iniciação: “Eu fui iniciado no angola, e no angola estou até hoje”. Tata Nkassuté, parece ser
mais objetivo em assumir uma “identidade étnico-religiosa”, pois em várias passagens de
nossa c onversa ele se posiciona como pertencente ao grupo étnico bantu, principalmente
quando se refere à diferença entre as nações ketu e angola-congo, com frases do tipo:
[...] nós somos bantu cara! É diferente. Por isso é que eu falando pra você
que eu tenho orgulho de ser bantu. [...] Por isso que eu falo pra você que
jamais somos iguais ao povo yorubá. Não tirando nem o mérito deles, nem
do povo jêje. Mas nós somos bantu, tenho orgulho de ser bantu. Deu pra
perceber que [comigo] não tem esse negócio.
Outro motivo que nos leva a adota r essa expressão é que estes m esmos líderes se
referem aos adeptos do candomblé nação ketu, às vezes como “os yorubás”, outras vezes
como “os ketu”, nomes referentes a grupos étnicos e lingüísticos da África Ocidental.
Mas ao assumir uma identidade étnico-religiosa não significa que e ssas pessoas
querem voltar ao estilo de vida das etnias as quais se reportam. Será que elas estão dispostas a
viverem sem luz elétrica, água encanada, veículos motorizados e outras bene sses da vida
moderna, que ainda não chegaram em muitas das aldeias do norte/nordeste de Angola? Neste
sentido podemos dizer que os sacerdotes entrevistados buscam uma identidade étnico-
religiosa sem querer ser étnico.
O termo identidade é um dos mais polissêmicos e controvertidos de ntro das C iências
Sociais, e f oi c onsiderado por Lévi-Strauss como “[...] o novo mal do século, uma miragem
que não corresponde na realidade a nenhuma experiência”. (BARBU, 1980)
72
Mas a
identidade está aí, e quem diga que ela constitui a marca dos nossos tempos. Ruben (1988),
estudando os conceitos clássicos e contemporâneos de identidade, diz que, apesar de toda
contradição, existe pelo menos um fator que permanece em todos os conceitos de identidade,
que é a noção de outro”. Neste sentido, pode-se dizer que o estudo da i dentidade é também o
estudo da alterida de, da diferença e também da relação. É perante o outro que a identidade se
afirma, é quando nos defrontamos com o diferente que to mam o s consciência de nossa própria
identidade.
Esta necessidade do outro” para se identificar, nos leva à idéia de grupo étnico
pensada por Barth (1998), e que tem na noção de fronteira étnica (ethnic boundary)sua
principal argume ntação para a definição do conceito.
72
Frase proferida por Lévi-Strauss, na abertura do Semirio Interdisciplinar L´identité.CitadoporBARBU,
Zevedei In: O c onceito de identidade na encruzilhada. Anuário Antropológico, n. 78, Rio de janeiro, Tempo
Brasileiro, 1980.
83
A noção de ethnic boundar y, elaborada por Barth, marcou uma virada
importante na conceptualização dos grupos étnicos e representa um
elemento central da compreensão dos fenômenos de etnicidade. Num
primeiro nível, ela volta a sublinhar que a pertença étnica não pode ser
determinada senão em relação a uma linha de demarcação entre os membros
e os não-membros. Para que a noção de grupo étnico tenha um sentido, é
preciso que os atores possam se d ar conta d as frontei ras que marcam o
sistema social ao qual acham que pertencem e para além dos quais eles
identificam outros atores implicados em um outro sistema social.
(POUTIGNAT. P.; STREIFF-FENART, J., 1998, p. 152)
A m anutenção das fronteiras não depende da permanência de suas culturas, elas são
produzidas e reproduzidas pelos atores no decorrer das interações sociais. Logo, podemos
pensar que as fronteiras étnicas são manipuláveis.
No Brasil colonial e imperial, a fronteira entre as diversas etnias africanas era mais
claramente observável. Com o tempo os símbolos culturais de i dentificação foram perdendo
progressivamente sua pertinência, e estas etnias (os bantu, os ijexá, os mina, os cabinda, entre
outros grupos) “sumiram”. Surgiu então um novo grupo étnico, o dos “negros”. A partir dessa
reconfiguração uma nova identidade surgiu, a “identidade negra” ou “afro-brasileira”, que
está em discussão a hoje.
No entanto, com a (re)africanização dos terreiros estas fronteiras parecem estar
reaparecendo novamente com mais força, pelo menos no que diz respeito ao legado religioso
africa no. Pode-se perceber a idéia de fronteira étnica entre os angoleiros e os adeptos da nação
ketu, quando estes fazem uso de simbologias religiosas como: nomes de divindades, maneiras
de tocar os atabaques, mitos referentes às divindades, língua ri tual, procedência do grupo que,
supostamente, teria trazido o cul to ao Brasil, etc. Ao demarcar a fronteira entre quem é bantu
e quem não é, estes religiosos parecem concordar com Bastide (1971, pp.46-47), quando o
autor diz que “em geral, cada seita conservou a tradição étnica de seus fundadores”.
Muitos autores pensam os conceitos de etnicidade e etnia, partindo de diferentes bases
teóricas
73
. O conceito de etnia foi pensado por Va cher de Lapouge no século XIX, mas o
termo etnicidade é relativamente novo. No entanto, devido às suas pretensões universais,
concordamos c om Hofbauer (1997, p. 180), quando ele diz:
De modo semelhante ao uso feito dos outros dois grandes conceitos
históricos “raça” e “cultura” –, a antropologia parece incorrer nos mesmos
“vícios” em relação à “identidade” [etnia e etnicidade]: quase todos os
73
Ver: Poutignat & Streiff-Fenart, 1998.
84
pesquisadores usam o conceito, mas poucos se preocupam em defini-lo de
maneira precisa [...]
Aceitando-se a premissa de que os adeptos dos terreiros (re)africanizados da nação
angola-congo buscam não apenas uma identidade rel igiosa, mas uma identidade étnico-
religiosa, podemos então nos pergunta r com qual idéia de identidade pretendemos pe nsar esta
nação.
A noção de identidade contrastiva”, que Roberto Cardoso de Oliveira (1976)
desenvolve, ao tentar dar conta do processo de “identificação étnica” entre algumas etnias
indígenas do Mato Grosso, talvez seja a mais apropriada para podermos analisar a
(re)africanização empreendida pelos adeptos do candomblé angola-congo. Apoiando-se em
Barth (1998), o autor assinala que:
A identidade contrastiva parece se constituir na essência da identidade
étnica,i.e.,àbasedaqualestasedefine.Implicaaafirmaçãodonós diante
dos outros. Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, o
fazem como meio de diferenciação em relação a alguma pessoa ou grupo
com que se defrontam. É uma identidade que surge por oposição. Ela não se
afirma isoladamente. No caso da identidade étnica ela se afirma negando”
a outra identidade, “etnocentricamente” por ela visualizada. (OLIVEIRA,
1976, pp.5-6) (grifo do autor)
Todo grupo humano tem o seu ponto referencial que o diferencia de outros grupos.
Considere-se aqui que se pode ultrapassar o âmbito da identidade étnica e pensar com Barth
(1998) que, rom pendo com a idéia de identidade vinculada à cultura e, principalmente, ao
fator biológico, pensa os grupos étnicos como um tipo de organização social (organization
type), cujo traço fundamental é a atribuição étnica.
Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica quando classifica uma
pessoa em termos de sua identidade básica mais geral, presumivelmente
determinada por sua origem e seu meio ambiente. Na medida em que os
atores usam identidades étnicas para categorizar a si mesmos e outros,
com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos neste sentido
organizacional. (BARTH, 1998, pp.193-194)
A idéia de auto-atribuição ou da atribuição por outros a uma categoria étnica é uma
das mais importantes ca racterísticas da moderna teori a da identidade social, ou seja, a
definição de si mesm o como pertence nte ou não a um grupo. Se agora o sentimento de
pertença a um grupo passa pela auto-atribuição, fatores subjetivos devem f a zer parte deste
85
contexto. Isso significa que a identidade é uma interação entre o eu e a sociedade o
subjetivo e o objetivo –, do interior da pessoa, de seus valores, idéias, crenças e também de
suas ideologias.
A posição ideológica e política uma vez que a busca por uma identidade pode ser
pensada como uma ideologia e um posicionamento político do grupo fica clara quando
nossos entrevistados se referem à questão do legado cultural bantu no Brasil para
fundamentarem seus argumentos de que o candomblé nação angola-congo é tã o tradicional
quanto o ketu. Tata Katuvanj esi di sse em entrevista que:
[...] o brasileiro nem se apercebe o kimbundu e o kicongo tão presentes no
português vernacular brasileiro. Que o brasileiro nem se apercebe que a
maioria dos falares brasileiros é de origem bantu. Por exemplo, as palavras:
nega é banto, quitanda, muleque, que quer dizer grito. Ginga, samba,
Zumbi.
Seguindo a mesma linha de argumentação, ta ta Nkassuté lança mão de outros
argumentos para provar a importância da cultura bantu pa ra o Brasil. Segundo e ste pai-de -
santo, até mesmo gestos com a boca, com os olhos, são um legado da c ultura bantu.
Nós somos homens da floresta. A gente sente cheiro das coisas. A gente
faz assim (o sacerdote faz uma virada de cabeça, como quem quer escutar
algo, mas não consegue), não é? Não é um costume... De repente você
quer escutar as coisas e você faz assim (novamente a postura de quem
quer escutar algo). Vo sabia que os gestos são bantu? Quando você faz
assim (fazendo estalos com a boca ao mesmo tempo em que balança a
cabeça negativamente), isso é bantu. Quando faz assim (pigarreando
como se não estivesse gostando do que está vendo ou ouvindo). Quando
você entorta a boca, você não gostou de um negócio, tudo isso é bantu.
Você sabia ou não? [...] Nós somos bantu e ao mesmo tempo s somos
índios. (TATA NKASSUTÉ)
A idéia de pensar a identidade social como uma ideologia nos permite entender melhor
não as identidades étnicas, mas toda e qualquer identi dade social (religiosa, política,
cultural). A noção de identidade nos remete à idéia de que ela é uma construção, e como tal,
se faz em função de objetivos, expectativas, anseios, que sã o pa rtil hados pelo grupo.
Outro aspecto da identidade social é que ela parece se configurar também na idéia de
grupos inclusivos. Se olharmos “de fora” os adeptos das religiões afro-brasileiras,
perceberemos que eles ao reivindicarem seus direitos como, por exemplo, o direito de faze r
suas oferendas, fazer sacrifícios animais, de bater os atabaques, etc –, a parecem de uma
maneira unificada, como um grupo homogêneo, embora saibamos que por trás dessa
86
unificação existe o candomblé, a umbanda, o xangô, o batuque, o tambor de mina e outras
religiões, que tem sua própria identidade como sub-grupo. Mas um interesse comum que
os liga e que os faz se unirem para a formação de um novo grupo com uma identidade
religiosa c omum, a dos adeptos das religiões de origem africana.
Relacionando com mais propriedade identidade e religião, Cohen (1978 a pud
Poutignat & Streiff-Fenart, 1998, p. 162) dirá que o que diferencia a identidade étnica das
outras identidades sociais (religiosas ou políticas) é que aquela “[...] tem uma orientação para
o passado e tem sempre uma ‘aura de filiação’”. Entretanto, não percebemos esta diferença,
apontada por Cohen (1978), entre os adeptos da (re)africanização da nação angola-congo,
uma vez que uma das marcas desse grupo religioso é a sua consta nte referência ao passado
mítico bantu e não aos bantu na atualidade, por isso, podemos falar de identidade étnica-
religiosa.
Segundo muitos estudiosos da identidade (Barth, 1998; Cohen, 1978; Oliveira, 1976),
existem alguma s dimensões simbólicas que podem ser utilizadas para identificar um grupo
como étnico: a língua, a religião, o território, etc.
[...] não justamente para nelas buscar critérios de definição, mas como
recursos que podem ser mobilizados para manter ou criar o mito da
origem comum. Embora determinados atributos culturais (como a língua)
estejam em melhor posição para serem nisso utilizados, nenhum pode
merecer o crédito de uma validade universal e essencial para a
identificação étnica. (BARTH, 1998, p. 163)
A respeito da dimensão dos símbolos como identif icação de um grupo, nossos
entrevistados f a zem uso da língua para poder se identificar enquanto um grupo étnico-
religioso. Neste sentido tata Katuvanjesi é incisivo ao utilizar a língua como principal símbolo
agrupador para estruturar a identidade dos adeptos da nação angola-congo. Inclusive o próprio
sacerdote nos disse, e pudemos verificar na ocasião do evento, que o principal objetivo do
ECOBANTO (Encontro Internacional de Cultura de Tradição Bantu) era disc u tir a questão
das nguas de origem bantu.
[...] eram cânticos e rezas que falavam uma outra língua, né? E tudo o que
se tem na Bahia você se reporta à questão orixá, e se você se reportar à
questão ori, você está se reportando à tradição yorubá-nagô. Mas a língua
não batia, né? E um povo você identifica ele pela língua. A língua é a
identidade de um povo. E isso começou a nos (pais/mães-de-santo do
candomblé angola) preocupar já lá no meu estado de origem. (TATA
KATUVANJESI)
87
Para il ustrar a importância da ngua como grande símbolo da identidade étnico-
religiosa de seu grupo, tata Nkassuté nos apresentou a seguinte reza:
Kelele, kelele, kelele
Relampejou
Pelo cálice, pela hóstia
Relampejou
Em seguida, o mesmo pai-de-santo a seguinte explicação:
não é... isso eu não precisava ter feito santo pra aprender. Isso não é
tradição dos meus antepassados. Porque eu vou cantar turimba
74
? Então...,
mas você fala assim: Ah, fulano vai... “O que é que você vai cantar?” Vou
cantar no meu dialeto (na língua da minha nação) bantu, e vamos
conversar dentro [do barracão] no meu dialeto bantu. [E você me
pergunta] “Como é que você vai fazer isso, você sabe?” [E eu te
respondo] “Não. Porque eu não sei tudo”. tivemos que estudar o
dialeto. (TATA NKASSUTÉ)
5.2 Tradição e sincretismo na construção da identidade afro-bantu.
A tradição é um tema consta ntemente vinculado à questão das identidades sociais,
sobretudo as religiosas. Pois, conforme os sacerdotes entrevistados, a opção pela
(re)africanização (ou Tradicionalismo bantu) é um dos pilares da nação angola-congo para
reaver seus conhecimentos. Para os pensadores da identidade, muitas vezes os grupos
“inventam” t radições para poderem sobreviver culturalmente.
O fato de que numerosos grupos, que se consideram atualmente como
grupos étnicos, não tinham nenhuma consciência da sua identidade
comum apenas um século atesta que a continuidade com o passado é
sempre estabelecida por processos criativos, como Hobsbawm & Ranger
(1983) mostraram-no a propósito da “invenção das tradições”. Que uma
identidade étnica seja sempre de um certo modo criada ou inventada, não
implica por isso que seja inautêntica ou que os atores que a reivindicam
possam ser taxados de má-fé. (BARTH, 1998, p.165)
O termo tradição foi discutido por muitos autores. Entre eles, Borheim (1987) pensa
a tradiçã o juntamente com a noção de ruptura, numa esfera mais filosófica. Se para Giddens
(2000) est e termo está relacionado com o contexto da globali zação e da modernidade, para
74
Segundo tata Nkassuté a expressão “turimba” é utilizada para identificar quando a lguém canta numa mistura
de português com alguma língua africana ritual (yorubá ou bantu).
88
Hobsbawm & Ranger (1997) a tradição está no âmbito das invenções. A idéia de invenção das
tradições é aplicada por Teixeira (1999), ao analisar os terreiros de candomblé f luminenses.
Entretanto, Pereira & Gomes (2001), apoiados nas idéias de dois autores africanos
75
,
esclarecem-nos que t radição e evento (os conhecimentos, os rituais, os ensinamentos, etc.)
são termos diferentes e que muitas vezes são apresentados como sinônimos. Para nossa
discussão utilizaremos este termo na acepção de Hobsbawm & Ranger (1997). Isso não
significa que os demais autores eventualmente não possam ser chamados a participar desse
debate.
Segundo Giddens (2000, p. 49) “As raízes lingüísticas da palavra ‘t radição’ são
antigas. A palavra inglesa tradition tem origem no te rmo latino tradere, que significa
“transmitir”, ou “confiar algo à guarda de alguém”. Logo, a utilização do termo tradição no
sentido de transmissão de algo de uma pessoa para outra não e stá equivocado. A questão da
tradição, como na ace pção acima, é um dos pontos centrais e determinantes nas conversas
entre o povo-de-santo para designar se uma nação de candomblé (ou um terreiro) é mais ou
menos prestigiada do que a outra.
Em nossas idas a campo, percebemos que os sacerdotes da nação angola-congo de São
Paulo, embora fam algumas críticas aos terreiros mais antigos de Salvador, ao mesmo
tempo fazem referências a essas casas como “tradicionais”. Eles se preocupam e m vincular-se
a estas casas, como se a f iliação aos terreiros da Bahia também tornasse as casas paulistas
tradicionais. Este tipo de postura a questão da legitimidade parece acontecer também,
como mostramos no capítulo anterior, com alguns terrei ros paulistas (re)africanizados da
nação ketu. Para il ust rar nossa argumentaçã o, extraímos um trecho da entrevista concedida
por tata Katuvanjesi, em que o sacerdote discute a relação entre a busca da identidade e a
manutenção dos conhecimentos:
Mas agora o que [os pais/mães-de-santo de] São Paulo ainda sofre, é que
tem que pedir a benção à Bahia, em virtude de ser o papado do
candomblé, o Vaticano do candomblé, a Roma Negra do candomblé. Se,
por um lado a Bahia conserva uma tradição, por outro a Bahia cria uma
impossibilidade de um avanço da busca da identidade do povo de
candomblé de nação angola-congo.
Tata Nkassuté também parece preoc upado com a questão da fi liação aos terre iros
baianos quando diz que conheceu um senhor que tinha sido iniciado no terreiro do Tumba
Junçara. Ele era filho legítimo de Ciriaco, o homem que fundou o Tumba Junçara, e me
75
ACHEBE, Chinua (1979); AGUESSY, Honorat (1980).
89
ensinou as tradições do Tumba Junçara. Foi quando eu tomei a segunda obrigação numa ca sa
de angola”. Em outro momento o sacerdote cita o nome de algumas sacerdotisas que
comandam os terreiros angola-congo mais antigos do Brasil, que obviamente estão na Bahia.
Tenho amizade com todas as casas de angola, as primeiras (Tumba Junçara,
Bate Folha, Inzo Tumbensi) de Salvador, com Tatas, com Nenguas [...] Inzo
Tumbensi, mametu Lembamuxi; Bate Folha, mametu Guanguacessi; Tumba
Junçara, mametu Messoegi.
Se aceitarmos a idéia de tradição como sinônimo de antigo, de algo que vai nos dar
respaldo ao evocar o seu nome, nada parece mais apropriado do que ser filiado a um terreiro
de candomblé baiano, que as pessoas não sabem nem a data da sua fundação, como nos disse
tata Katuvanje si, a respeito do terreiro Inzo Tumbensi, local onde se iniciou.
Porém, nem tudo o que é considerado tradicional está associado a um passado
longínquo, pois como diz Giddens (2000, p. 48) “Muito do que supomos tradicional, e imerso
nas brumas do tempo, é na verdade um produto no máximo dos últimos dois séculos, e com
freqüência é ainda mais recente”. Logo, pode-se pensar a tradição como um produto da
modernida de.
Seguindo as idéias de Borheim (1987), podemos dizer que os conceitos opostos
costumam atrair-se. Toda realidade seria entendida a partir da oposição dos contrários:
continuidade e descontinuidade, estaticidade e dinamicidade, tradição e ruptura. Um não pode
viver sem o outro. Neste sentido, quando pensamos a tradição, implicitamente, evocamos a
ruptura.
Esta idéia de transformação contínua, que também está na base do significado de
tradição discutido por Pereira & Gomes (2001), leva-nos a pensar este conceito como algo
inventado ou construído. Segundo Hobsbawm & Ranger (1997, p. 9), entende-se tradições
inventadas como:
[...] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou
abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam
inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o
que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado.
Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um
passado histórico apropriado.
Cremos que a noção de invenção das tradições seja um outro termo im portante para
analisarmos a questão da (re)africanização empreendida pelos angoleiros e angoleiras, pois os
elementos que estão sendo introduzidos nos terreiros pesquisados não existiam menos de
90
30 anos no Brasil. São símbolos culturais bantu característicos dos povos do norte /nordeste de
Angola, os cultos aos jinkisi, que são chamados de Cre nça do Povo Nativo ou Kimbandeira.
Como exemplo, citamos a polêmica questão do método de adivinhação, que nas
religiões afro-brasileiras é representado pelo jogo de búzios, mas que tata Nkassuté e outros
sacerdotes da nação angola-congo estão tentando substituir pelo ngombu, que é o método de
adivinhação dos povos bantu que habitam o norte/nordeste de Angola. Eduardo Santos (1969,
p. 430) dissertando a respeito do adivinho (nganga) e do ngombu diz:
De um modo geral, no Noroeste de Angola, o adivinho, no desempenho da
sua função, utiliza o chamado ngombu, uma pequena quinda com objetos,
dos mais variados e excêntricos que a mente africana é fértil de engendrar: o
bom adivinho, em África, não faz questão nem da qualidade nem do
número das peças divinatórias. (grifos do autor)
A implantação e a utilização do ngombu é um dos muitos pontos de conflito entre os
pais e mães-de-santo da nação angola que são adeptos do que chamamos de (re )africanização.
Tata Katuvanjesi não concorda com a substituição do jogo de búzios pelo ngombu,
porque, para ele, não é possível (ainda) tê-lo no Brasil. “O ngombu na realidade não
atravessou o Atlântico [...] hoje está todo mundo cheio de ngombu [...]”.
Ainda a respeito deste s istema oracular, perguntamos a tata Katuvanjesi se ele não
achava possível trazer este método de adivinhação para o Brasil, e o sacerdote disse: “Seria
possível trazer, a gora quem vai atravessar o Atlântico com esse jogo? E quem vai ser
preparado? Pode sim, eu acho possível”. Então perguntamos sobre a possibilidade de alguém
ir até a África bantu para ser preparado, e ele disse: “Não. Tem que ser preparado aqui,
atravessar pra cá, pra quem detêm o conhecimento plantar aqui”.
Resolvemos ouvir nosso outro entrevistado (tata Nkassuté) sobre a questão dos
métodos de adivinhação, e o sacerdote disse:
Não pensa que o nosso método de adivinhação são os caurís, os búzios do
povo yorubá não. Chama-se ngombu. Você sabe onde é que tá as nossas
coisas que a gente conseguiu. A gente não, eu! É como eu falo pra você,
eu falo de boca cheia em qualquer lugar do Brasil que você chegar, eu
resgatei os ngombu, que são brinquedos de criança.
Diante dessa afirmativa, perguntamos a tata Nkassuté como ele fez para resgatar o
ngombu, e o sacerdote disse que copiou as peças deste todo de adivinhação das fotografias
dos livros que encomenda da Europa. Em visita ao seu terreiro tata Nkassuté nos mostrou as
91
peças que compõe o ngombu, mas não deixou fotografar. Por isso, resolvemos colocar no
final de nossa discussão tr ê s fotos (reproduzidas de um l ivro) deste sistema oracular. (VER
ANEXO)
Tata Nkssuté explica o ngombu da seguinte maneira:
Não tem aquele brinquedinho que você enrola pra lá, e depois enrola pra cá.
Aquilo é um ngombu, aquilo é um método de adivinhação. Se a gente
tivesse no barracão eu ia te mostrar Vo segura ele aqui, a única diferença
é que ele tem uma bolinha aqui assim, e aqui eles fizeram um negocinho
gozado, você leva na pessoa e vai fazendo coisa e ele vai fazendo assim.
ele enrola pra cá, ele a adivinhação por aquele instrumento. Não tem
aquele que você aperta e que vai na frente assim? Aquela coisinha?
Aquilo é um ngombu, é um método de adivinhação. Peteca, que as pessoas
falam que é portuguesa, é um ngombu, é um método de adivinhação. O
cesto de ngombu tem 210 peças, eu consegui reproduzir algumas. Então,
quer dizer, essa é a nossa adivinhação.
Para fazer uma comparação e tentar esclarecer melhor a dinâ mica deste método de
adivinhação, citamos uma passagem um pouco longa, mas importante em que Eduardo
dos Santos (1960, p.158) descreve as peças de adivinhação do ngombu:
Sentado no chão, começa o táhi (adivinho) por engolir uma beberagem,
água agitada num copo, o musenge sopo’ (copo do remédio), que tem
dentro ‘pemba’ (pó branco), uns pedaços de ‘muehe’ (Hymenocardia acida
Taul [planta utilizada para tratar diarréia e disenteria]) e de ‘mutete’
(Swartzia madagascariensis Desv.[planta utilizada no tratamento de
malária]). Em seguida, tira ‘mukúndu’ (pó vermelho) do ‘mulêmbu’
(pequena cabaça cortada em forma de copo) e põe dele um pouco no bordo
do ‘ngômbu’, à frente e atrás e na base dum chifre de ‘kai’ (Sylvicapra
grimmia [espécie de antílope africano]), que é o ‘kapele’ (peça de
adivinhação) por excelência; pega dum pouco de ‘pemba’ (pó branco), entre
os dedos da mão direita, e esfrega o ‘mukátchi pemba’ (meio da pemba),
entre o ‘rísu r ngômbu kúnji’ (olho do ngômbu macho) e o ‘rísu riá
ngômbu tchiuhó’ (olho do ngômbu fêmea) e a parte oposta do chifre de
‘kai’ (antílope africano), onde colocou ‘mukúndu’ ( vermelho); toma o
‘lusângu’ (singular de sângu = guizos feitos quase sempre de uma ou mais
pequenas cabaças, ou do mesocarpo seco do fruto do muanzenze e um
pequeno cabo de madeira) e abana-o ao mesmo tempo que numa arenga
quase sem fim pede dos táhi’ (adivinho) antigos, do Muachiânvua, do
Tchingúri, etc; tira do ‘sáku riá mukúndu’ (um pedaço de pele de myionax
sanguineus [árvore de caule vermelho]) um pouco desse caulino e pulveriza
todos os ‘tupele’ (plural de kapele [peças de adivinhação]). Depois,
‘peneira’ o ‘ngômbu’ até apontar ao ‘ulôngu’ (?) aquele dos tupele’ (peças
de adivinhação) que desejar... De vários ngômbu conseguimos a explicação
dos seguintes ‘tupele’:
76
76
A partir da página 158 até a pá gina 174 de sua obra Eduardo dos Sa ntos vai descre ver 84 dessas peças de
adivinhação.
92
Outro símbolo religioso introduzido pelos sacerdotes é o culto às divindades dos povos
bantu do norte/nordeste de Angola. Perguntamos a tata Nkassuté qua ntas divindades existem
no panteão bantu, se eram 16 ou mais, e ele nos disse que são centenas e não para cultuar
todas.
o, não dá. Você não consegue cultuar todas. No Brasil chegaram algumas
conhecidas né. Bantu chegou... Chegaram algumas conhecidas também e
chegaram, por exemplo, outras que tão chegando agora, por exemplo,
Nkukualunga. Você viu “O Pensador”, aquela que abaixadinho em
pose de pensador, aquele é Nkukualunga. Aquele é a terceira pessoa de
Nzambi Mpongu, ele não é o Pensador, ele é a Sabedoria. Nkukualunga.
Então, é a terceira pessoa de Nzambi. Este culto eu resgatei. Hoje aparece
pai da matéria em todos os lugares, mas 20 anos você ouvia falar em
tradição bantu?
Fizemos a mesma pergunta a tata Katuvanjesi, e o sacerdote nos disse que até o
próprio povo-de-santo da nação angola desconhece as divindades do panteão bantu, porque
são entidades recentes em terras brasileiras.
[...] Nzinga Lumbondo e existe também muitos santos, muitas entidades do
panteão afro-religioso bantu que nem o próprio angoleiro conhece. Por
exemplo, o povo não conhece Kianda, o povo não conhece! Nzinga
Lumbondo, até bem pouco tempo não se conhecia Nzinga Lumbondo [...]
Mutajinji, que é uma caçadora, e existe uma infinidade, que no momento eu
não me lembro.
Ainda segundo o l íder do Inzo Tumbansi, existem muitas divindades bantu que o
têm comparação no panteão ketu. Assim como tata Nkassuté, tata Katuvanjesi disse que estas
entidades são cultuadas, mas as pessoas não são possuídas por elas.
Elas são cultuadas, porém sem entrar no estado de possessão. Nem transe,
nem possessão. Karamusseco, Nganga, também são entidades que não têm
semelhança. Fazem algumas comparações, mas são comparações,
meramente absurdas. (TATA KATUVANJESI)
Em conversa informal com tata Katuvanjesi, perguntamos a ele como estas divindades
vêm para o Brasil para serem cultuadas em seu terreiro, e o sacerdote disse que tem um amigo
dele, kimbanda (sacerdote na língua kimbundu) na região do Kuanza Sul, em Angola,
chamado Mokumoloji, que traz a representação nkisi, orixá e vodun, segundo o povo-de-
93
santo não tem imagem e faz o assentamento dos jinkisi, somente então estas divindades
estão prontas para serem cult uadas em solo brasileiro.
Um ponto importante nesta questão do resgate dos ensinamentos é que a noção de
sincretismo sofrerá uma reformu lação. Ferretti (1995), em estudo realizado na Casa das
Minas, no Maranhã o, vai trabalhar com várias noções de sincretismo: paralelismo,
justaposição, adição, alternância, fusão, convergência. Canevacci (1996) traba lhará a noção de
sincretismo como sinônimo de justaposição, mas numa perspectiva mais cultural.
De nossa parte assumiremos o termo fusão para poder pensar a aproximação entre o
candombléeaumbanda.Porqueentendemosqueaumbandateriafundido os elementos do
candomblé c om o catolicismo. Assim, na umbanda se cultuam entidades brasileiras os
caboclos, os preto-velhos, li nha de cigano divindades africanas Yemanjá, Ogun –, e reza-
se para os santos católicos São Miguel Arcanjo, São Benedito, sem nenhum problema.
A respeito do culto a os caboclos
77
, os dois sacerdotes entrevistados dizem que os
cultuam e fazem festa para estas e ntidades uma vez por ano. Outro fator relevante a ser
destacado, é que a maioria dos pais e mães de santo paulistas passaram pela umbanda.
Tata Katuvanjesi fala da importância dos caboclos e preto-velhos e denuncia que os
próprios adeptos do candomblé angola discriminam as entidades da umbanda.
O que acontece é que a festa do nkisi é uma e a festa do caboclo é outra.
Porque caboclo o que eu considero da importância do caboclo, é que eles
são os nossos verdadeiros ancestrais brasileiros, eles não são espíritos
malignos, espíritos que possa você despachar. E o caboclo é de fundamental
importância, o caboclo na casa de candomblé é como se fosse o mensageiro,
ele tem essa função também, de mensageiro, e tem função também de
guardião. (TATA KATUVANJESI)
Mais à frente, o mesmo sacerdote fala sobre a discriminação:
As pessoas têm aquele preconceito, aquela discriminação de forma
camuflada. Na realidade ele discrimina e cria um preconceito contra o
caboclo, quando na realidade ele (o caboclo) está no fundo da casa. Uma
aldeia, uma palhoça, onde ele cultua um Sultão das Matas, um Ubirajara,
um Gentilero, um Boiadeiro, e assim por adiante. É igual a questão do preto
velho. uma discriminação, um preconceito contra o preto velho, quando
na realidade o cara lá. Ele é de candomblé, mas toda sexta- feira ele
dando o preto velho dele, dando Tranca Rua dele, dando um Tiriri, um
77
O culto ao caboclo tem a ver com a questão de se cultuar a entidade da terra onde se e stá instalado. Em África,
devido aos constantes desl ocament os, as etnias, sobretudo os bantu, se preocupam em cultuar a entidade que
toma c onta da l ocalidade em que estão, porque acreditam que sem essa permissão nada p ode ser feito no local.
Para os adeptos do candomblé angola-congo, os caboclos são os antepassados dos indígenas brasileiros, por isso
devem ser cultuados.
94
Marabô, isso acontece, isso comumente se vivencia isso por aí. (TATA
KATUVANJESI)
A questão do sincretismo fica clara quando tata Katuvanjesi diz que em seu terreiro
não problema em cultuar entidades da umbanda, porque a pessoa veio da umbanda com
essas entidades e porque é bom para o “respirar espiritualizado do ancestral”. Entretanto o
sacerdote ressalta que o se pode misturar entidades com nkisi.
Aqui nesta casa, por exemplo, têm pessoas que vieram, que são oriundas da
umbanda e que vieram com essas entidades. E quem sou eu para mandar
essas entidades embora, se ela já veio com o próprio médium dele, o próprio
cavalo? Como é que eu posso dizer a um Preto Velho, a uma Pomba Gira, a
um Tranca Rua, um Caveirinha, pra ele nunca mais incorporar no cavalo
dele, no médium dele? Pode terminar prejudicando aquela pessoa. Então eu
tenho que respeitar essas coisas. Eu concilio o pensamento africano com o
pensamento afro-brasileiro e respeito todas as manifestações. (TATA
KATUVANJESI)
A fala de tata Nkassuté vai ao encontro do que disse tata Katuvanjesi. O sac erdote
também diz que respeita e cultua os caboclos, e que eles são importantes para a nação angola-
congo. Eu ainda cultuo uma divindade, que eu trouxe ela da umbanda, que é um índio. Ele
chega no barracão uma vez por ano e recebe uma festa muito grande, porque pra mim é um
prazer de ser brasilei ro”, diz tata Nkassuté
A fala de nossos entrevistados expressa bem a questão da invenção da tradição, do
resgate de conhecimentos para estruturar o culto angola no Brasil e torná-lo o tradicional
quanto os outros cultos. Mas também e xpressa uma posição ideológica de poder escolher o
que vai ser resgatado o ngombu, os novos jinkisi –, o que vai ser abandonado a língua
portuguesa e os santos católicos –, e o que vai ser preservado –, o culto ao caboclo.
Mas acreditamos com Hobsbawm & Ranger (1997), que não é porque uma tradição foi
inventada, que ela é menor ou menos valiosa do que as tradições desenvolvidas em grupos
fechados. Mesmo porque em algum momento todas as tradições foram inventadas.
Mas porque as pessoas, os grupos humanos, inventam tradições? Segundo os autores
citados acima, estas transformações ocorrem:
“[...] quando as velhas tradições, juntamente com seus promotores e
divulgadores institucionais, dão mostras de haver perdido grande parte da
capacidade de adaptação e da flexibilidade [...] Em suma, inventam-se
novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e
rápidas tanto do lado da demanda quanto da oferta”. (HOBSBAWM &
RANGER, 1997, pp.12-13)
95
Seria este o motivo pelo qual os adeptos da (re)africanização do candomblé angola-
congo buscam suas “raízes”? Em nossa discussão, as falas de nossos interlocutores parecem
apontar para razões como: legitimidade frente às out ras naç ões, prestígio, visibilidade e,
principalmente, manutenção dos conhecimentos e do legado cultural bantu na atualidade.
Como diz Teixeira (1999, p. 131)
Assim, tradições (sejam elas religiosas ou não) devem ser consideradas
como algo inventado, isto é, como um conjunto de práticas atualizadas em
função de uma continuidade do passado [...] comportando também
adaptações no intuito de conservar alguns costumes ou complexos
simbólicos em condições novas.
Sobre a questão do resgate dos ensinamentos, os dois s acerdotes dizem que muitas
vezes foram (e ainda são) desacreditados pelo que fazem. Tata Katuvanjesi nos disse:
Aí, nesses meus intentos, em busca da identidade bantu, eu sou taxado de
maluco, louco, invencionice. Como é que eu vou inventar coisa pro
ancestral? O ancestral me mata! Eu fui feito sim no candomblé de angola
orixalizado, mas procuro na medida do possível adequar ele a uma questão
real.
Tata Katuvanjesi também nos disse que foi chamado de charlatão e acusado de
inventar outro culto.
Então, antigamente eu f alava sozinho. Eu fui tachado de louco,
[disseram] que a minha casa ia esvaziar, que não ia ficar ninguém certo”.
Contudo os pais-de-santo entrevistados parecem bem seguros ao evocar estes eventos
(os resgates) como uma verdade que colocará o candomblé nação angola-congo “em seu lugar
de direito”, onde outras alternativas a não ser o Tradicionalismo estão fora de cogitaç ão.
Estes re ligiosos parecem se posicionar como guardiães (feiticeiros, sacerdotes, sábios) de uma
religião/cultura que está se perdendo. Conforme Giddens (2000 p. 52):
Guardião não é o mesmo que especialista. Eles conquistam sua posição e
poder graças ao fato de serem os únicos capazes de integrar a verdade ritual
da tradição. Somente eles são capazes de decifrar os verdadeiros
significados dos textos sagrados ou dos outros símbolos envolvidos nos
rituais comunais.
Esta postura de guardião fica expressa quando tata Nkassuté se coloca como o
iniciador do resgate das tradições bantu. Ou mesmo quando tata Katuvanjesi diz que seu
terreiro é o primeiro (re)africanizado do Brasil.
96
Por outro lado, a i déia de que possa existir um guardião das tradições, um zelador dos
conhecimentos, bem como a luta por visibilidade e legitimidade, leva-nos a pensar em
Bourdieu (1992) e a sua teoria do campo religioso. Será que podemos dizer que existe um
campo (ou sub-campo) religioso bantu (re)africanizado brasileiro? Se existe, qual a sua
configuração, como ele se expressa em relação a os demais campos religiosos?
5.3 O campo religioso brasileiro e o sub-campo (re)africanizado bantu.
O conceito de campo cunhado por Bourdieu (1992) nos ajudará a pensar este sistema
de relações de oposi ção, aliança e c oncorrência que se travam entre os terreiros
(re)africanizados e sua jornada de resgate dos ensinamentos. Seguindo a linha de pensamento
de Bourdieu (1992), podemos dizer que um campo religioso seria um “espaço” onde algumas
forças/idéias se atraem e se retraem forma ndo relações de concorrênci a, aliança, oposição e
conflit o entre os religiosos do grupo; e relações entre os especialistas e os leigos que
consomem os produtos religiosos.
No modelo proposto por Bourdieu (1992) apresentado por Lépine (2005) –, cabe à
igreja a a dministração e o monopólio dos meios de produção, reprodução e di st ribuição dos
bens e serviços religiosos, impedindo, portanto, o acesso do leigo aos textos sagrados, aos
instrumentos de culto e, principalmente, aos sacramentos. Na era colonia l bra si leira a a gê ncia
religiosa que ocupava este posto era a igreja católica, o saber e exercício religiosos eram
privilégios exclus ivos desta instit uição, preparada especialmente para es sa atividade,
possuidora de um conhecimento refinado, de alta qualificação. A igreja católica c omo
detentora do capital religioso:
Negou, sistematicamente, a existência de outras religiões no território
brasileiro, as quais foram rotuladas de h eresias ou de práticas de feitiçaria,
como foi o caso das primeiras religiões afro-brasileiras, os calundus.
Naquele tempo, pois, apenas duas posições no campo religioso estavam
preenchidas. (LÉPINE, 2005, p. 122)
No contexto brasileiro a figura do profeta foi interpretada pela vinda das pri mei ras
denominações protestantes no século XX, e a figura do feiticeiro ficou relegada às religiões
afro-brasileiras, marginalizadas desde o começo.
O profeta e o feiticeiro se aproxima m em suas atividades, na medida em que exercem
o ofício do sagrado fora das instituições religiosas para garantir o sucesso de se u
97
empreendimento. Precisam, então, adquirir capital religioso c orpo de conhecimentos sobre
determinada religião pela conquista, através de sucessivas demonstrações de competência
mágica e religiosa.
Pode-se dizer que este era o modelo do campo religioso brasileiro que vigorava até
1950, quando, a partir desta década, as religiões afro-brasileiras começaram a “ incomodar” a
igreja ca tólica que passou a persegui-las com mais afinco e a classificá-las com o religiões do
demônio. A rusga entre as religiões afro-brasilei ras e a igreja católica durará até os chamados
“anos 80”, quando as religiões protestantes (pentecostais e neopentecostais) começam a
crescer e a ganhar adeptos tanto do catolicismo, quanto das religiões afro –, reorganizando o
campo religioso brasileiro. Isso nos leva a crer que o modelo teórico de campo, pensado por
Bourdieu (1992), pode ser bem amplo e sofrer alterações dependendo da época e do contexto
em que se aplica.
Atualmente, a igreja católica ainda detém a maioria dos fiéis, mas se mostra
preocupada com o “fenômeno evangélico”. Segundo Prandi
78
, em 2000, a igreja católica tinha
cerca de 73,7% de fiéis, os protestantes 15,4% (crescimento de 16% nos últimos dez anos), os
sem religião 7,3% e as religiões a fro-brasileiras 0,3%. Neste sentido, podemos nos perguntar,
juntamente com o sociólogo Antonio Flavio Pierucci, em palestra ministrada na TV Cultura,
em agosto de 2007, onde está o pluralismo religioso brasileiro, uma vez que, somando-se
católicos e protestantes obtêm-se 89,1% de cristãos. Por outro lado, podemos pergunta r
também se é viável considerar como participantes do mesmo ethos religioso adeptos de
denominações tão díspares como, por exemplo, as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) e
a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com pensamento e ações totalmente diferentes.
No entanto, apesar da diminuição no número de fi é is entre as religiões afro-brasileiras:
O candomblé pelo menos as vertentes tradicionalistas e africanizadas
estão escapando do lugar que o modelo de Bourdieu (1992) atribui ao
feiticeiro, e, liderado por uma elite de sacerdotes intelectualizados, está
tentando conquistar o status de legítima religião brasileira. (LÉPINE, 2007
no prelo)
Conforme estudo de Mello (2004)
79
, o sub-campo religioso dos candomblés
(re)africanizados da nação ketu é formado por al go em torno de 12 terreiros. o sub-campo
78
PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e se us seguidores. Porto Alegre, PUC, Civitas, Revista de
Ciências Sociais, 2 003, v.3, n.1, pp.15-34.
79
MELO, Aislan Vieira de. A voz dos fiéis no cand omblé “reafricanizado de Sã o Paulo. Dissertação de
Mestrado Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2004.
98
da nação angola-congo (re)africanizada, segundo prévio levantamento, não comporta mais do
que 09 ou 10 templos, embora acreditemos que este núme ro possa ser maior.
Para nosso propósito estamos chamando de sub-campo um conjunto de terreiros que
têm empreendido ações conjuntas, no intuito de apresentar alguns símbolos que os legitimem
como um grupo com uma identidade em c omum, mas que ao mesmo mantêm um vínculo com
as demais correntes religiosas afro-brasileiras.
Será que podemos pensar um sub-campo bantu em São Paulo na década de 1960,
quando o candomblé nação angola-congo era o mais difundido na cidade, quiçá também no
Estado, muito por conta da aproximação entre esta nação e a um banda? Com Joãozinho da
Goméia e outros sacerdotes vindo de Salvador e do Rio de Janeiro para iniciar filhos/filhas-
de-santo como mãe Manodê, que foi a primeira religiosa a registrar um terreiro na cidade
como “de Candomblé”? Talvez não. Pois, neste momento, o candomblé paulista, como um
todo, ainda estava formando seu campo religioso em relação à umbanda e ao catolicismo.
Acreditamos que a nação angola-congo só constituirá um sub-campo, no interior do
campo religioso do candomblé, quando seus líderes começaram a pensar um caminho para
essa nação “sair da sombra” da nação ketu. Segundo tata Katuvanjesi, apesar da preocupação
com o resgate e star presente desde a década de 1990, somente em 2003 foi possível reunir os
sacerdotes da nação angola-congo para uma discussão sob o tema-pergunta: “o que somos, o
que queremos e para onde vamos”. Tata Katuvanjesi e tata Nkassuté nos disse ram que
existem muitos sac erdotes buscando a bantuização” dos seus terreiros, tanto em São Paulo,
como em outros estados.
Mas se existe um sub-campo afro-bantu, percebemos que este é fragmentado e
comporta terreiros de outros estados, apesar do “centro” ser na cidade de São Paulo.
Verificamos que a (re)africanização (ou Tradicionalismo bantu) pensada pelos
angoleiros/angoleiras está geograficamente dispersa. Temos notícias de terreiros
(re)africanizados situados nas cidades de São Paulo e região metropolitana (tata Katuvanjesi,
em Itapecerica da Serra; tata Sessekaodê, na cidade de Embu; tata Taleuá, na capital), região
de Marília (tata Nkassuté, em Padre Nóbrega), região de Campinas (mametu E ndangoromea,
em Sumaré), além de outros estados da federação. No Rio de Janeiro temos notícias de
mametu Luangi em proce sso de “bantuização” de seu terreiro –, com casa situada na cidade
de Duque de Caxias. No Distrito Federal pelo menos um terreiro, o de tata Kavinajé. Por
nossa própria conta e risco i ncluímos também as casas matrizes em Salvador como
participantes da (re)africanização afro-bantu.
99
Capítulo 6: Entre os jinkisi e os caboclos: descrição dos terreiros e das festas.
6.1 Introdução
Nosso trabalho de campo foi realizado em dois terreiros de candomblé angola-congo,
que se autodenominam tradicionalistas, ou seja, seguidores do “Tradicionalismo Bantu” que,
teoricamente, chamamos de (re)africanizados, muito embora um dos nossos entrevistados
(Tata Nkassuté) nã o aceite que classifiquem seu terreiro como tal. Para ele, uma diferença
entre (re)africanizar um terreiro e buscar a tradição. Nosso outro interl ocutor (Tata
Katuvanjesi) não se preocupou muito com os termos, pois, segundo o religioso, outra
”academicista”, havia dito que o seu terreiro é o primeiro de São Paulo e, talvez do Brasil,
da nação angola-congo a buscar a (re)africanização.
Mesmo um de nossos entrevistados não concordando com a classificação, resolvemos
mantê-la porque, assim como os a deptos da nação ketu, os angoleiros e angoleiras, mantêm
ações parecidas com as da nação ketu como: buscar uma língua ritual própria, cultuar
divindades africanas de áreas geográficas específicas, ir a estas áreas para travar contato com
sacerdotes africanos, importar rituais e produtos utilizados no culto, assumir uma identidade
étnica sem pretender se r étnico, etc. Estas ações permitiram que os primeiros autores (Prandi,
1991; Silva, 1995) definissem o termo que ora utilizamos: (re)africanização.
A decisão de estudar as duas casas escolhidas e somente estas tem a ver com a
posição de destaque em que se encontram os sacerdotes destes terreiros no interior do sub-
campo da nação angola-congo (re)africanizada , e, com menor destaque, no campo maior do
candomblé em geral. Em relação à questão do resgate dos conhecimentos bantu na atualidade,
verifica-se que suas ações têm influência tanto nas casas matrizes à qual são vinculados, como
nos terreiros abertos por seus filhos e filhas-de-santo.
Como exemplo, podemos citar o caso de tata Katuvanjesi que adotou a e-de-santo
Fátima de Oxunmaré, que foi feita em um terreiro angola “orixalizado”, isto é, de influência
da nação ketu. Atualmente, esta sacerdotisa, que tem terreiro em Duque de Caxias-RJ, vem
“bantuizando” seu inzo (casa) através dos ensinamentos de tata Katuvanjesi, começando pela
adoção de um novo nome sagrado, mametu Luangi.
Sobre a inf luência de tata Nka ssuté, podemos adiantar que este sacerdote tem filhos e
filhas-de-santo espalhados por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, que também vêm
empreendendo a (re)africanização de seus terreiros. Inclusive este seu filho de Brasília (tata
100
Kavinajé) mantêm uma página na Internet
80
sobre os e nsi namentos dos povos bant u com
fóruns de discussão, divulgação de eventos, enquetes, etc.
Neste capítulo procederemos a uma apresentação da trajetória religiosa de cada um
dos sacerdotes. Descreveremos também as casas pesquisadas, onde pudemos verificar no Inzo
Ia Tumbansi Tua N zambi Ngana Kavungu, liderado por tata Katuvanjesi, uma festa de
Kavungu e uma saída de muze nza, ambas no dia 26 de setembro de 2007. No terreiro de tata
Nkassuté, Abassá Nkassuté Lemba Nzambi Keamazi, acompanhamos uma festa dedicada aos
caboclos no dia 12 de outubro 2007.
Mostraremos o que foi possível (re)africanizar em cada terreiro, quais foram os
critérios ut ilizados para substituir (ou não) um ritual, uma vestimenta, etc. por último
destacamos a fala de um filho-de-santo do Inzo Tunbamsi sobre a (re)africanização
empreendida por seu pai.
6.2 Inzo Ia Tum bansi Tua Nzambi Ngana Kavungu
Este inzo é liderado por tata Katu vanjesi, nome civil, Walmir Damasceno, 44 anos,
jornalista formado pela U niversidade Federal da Bahia (Ufba), baiano de Ipiaú, baixo sul da
Bahia, região cacaueira. O sacerdote nos conta que foi iniciado no dia 22 de setembro de
1974, aos 11 anos de idade.
[...] minha entrada no candomblé foi pela dor, não fiz santo por amor. Eu
era... Arrastava pelo chão [e], segundo o diag nóstico da medicina
convencional [eu estava com] paralisia infantil, até aos 11 anos de idade e
tinha também o corpo cheio de ferida.
Segundo ta ta Katuvanjesei, seus pai s, pequenos lavradores, não aceitavam que ele
fosse se consultar c om curandeiros”, porque eles eram católicos fervorosos. Então ele foi
levado por uma tia a uma mãe-de-santo, de Salvador, que atendia na região; esta mãe-de-santo
disse que ele teria que s er iniciado em Salvador. Tata Katuvanjesi passou 06 meses se
iniciando no Inzo Tumbensi [...] fui enclausurado por 03 meses processo de reclusão e
passei mais 03 meses após a iniciaçã o, passei mais 03 meses num terreiro de candomblé sem
ter acesso a rua ou coisa parecida”. Após a iniciação tata Kat uvanjesi abandonou a religião,
foi estudar e se formou no curso de jornalismo. “E mesmo [e m Salvador] começou a me
preocupar essa questão da busca da identidade yorubá-nagô, como são conhecidos os
africanos que vêm daquela parte da África, ou seja, da Nigéria”.
80
Para quem quiser verificar a página o endereço é http//:www.ritosdeangola.com.br
101
Após as obrigações de 1, 3 e 7 anos, ele foi autorizado a abrir seu próprio terreiro, fato
que ocorreu em 1985, e que foi “abençoado” por uma outra e-de-santo, pois a que o tinha
iniciado havia falecido. O sacerdote ficou com terreiro aberto até 1987, em Salvador, quando
após esta data, migrou para o Estado de Goiás e, logo depois, para São Paulo, mas deixou
família e terrei ro na Bahia. “[...] e eu comecei a trabalhar aqui e não tinha condições de
manter o terreiro aberto em Salvador”. Foi quando houve todo um processo de transferência
do terreiro para São Paulo.
Primeiramente, tata Katuvanjesi instalou seu inzo no bairro da Vila Brasilândia, zona
norte da capital paulista. Em seguida ele vai para a Casa Verde, também na zona norte, volta
para a Vila Brasilândia, para depois migrar para a cidade de Ferraz de Vasconcelos, localizada
na região leste da grande São Paulo, como ele mesmo diz: “[...] sempre [em] casas de aluguel,
o que eu chamo de candomblé artificial”. Atualmente tata Katuvanjesi está com seu terreiro
instalado e m Itapecerica da Serra.
Hoje tem 01 ano e meio que este terreiro está estabelecido aqui em
Itapecerica da Serra, cidade da região metropolitana sul da Grande São
Paulo, em sede própria, reconhecida pela Prefeitura Municipal de
Itapecerica como patrimônio cultural do município [...]
Conforme o sacerdote, seu terreiro, que fica na parte rural de Itapecerica da Serra e faz
divisa com a zona sul da cidade São Paulo, foi doado por uma mãe-de-santo que tinha se
iniciado na nação ketu, mas que estava em proc esso de migração para o angola. Pelas nossas
contas, o local tem mais ou menos 30m x 50 m de área total. Com um jardim de plantas
sagradas na frente, onde ficam os assentamentos de Kitembu, simbolizado por uma bandeira
branca, e de Pambu Nzila. A frente do terreno ainda comporta um galinheiro. Antes de chegar
à porta do barracão, vê-se ainda mais dois assentamentos, o de Kavungu, patrono da casa, e o
de Lembá. Os outros assentamentos ficam na parte de trás do barracão e não fomos
autorizados a entrar.
A área construída é uma casa composta de uma cozinha grande (runfila), o roncó ou
quartinho-de-santo (bakisi), três quartos pequenos, a assistência, que é dividida em duas áreas,
a masculina e a f eminina, com mais ou menos 30 a 40 cadeiras de plástico, um sofá e algumas
mesas, dois banheiros e o salão de culto (que toma quase metade da área construída), onde as
pessoas que não são da casa podem entrar com autorização. Uma mureta separa a
assistência do salão de culto. Não se pode esquecer de mencionar que o terreno tem uma
grande área verde nos fundos que faz divisa com uma mata fechada.
102
6.2.1 A saída muzenza e a festa de Kavungu.
Tínhamos marcado a entrevista com tata Katuvanjesi às 14:00, mas, devido ao trânsito
de São Paulo chegamos no local entre 15:00 e 15:30 aproximadamente e fomos recebidos por
duas mulheres de branco que estavam fazendo uma oferenda no a ssentamento de Pambu
Nzila. Uma delas, rapidamente, pediu para saudarmos Pam bu Nzila e descermos para o
interior do barracão, onde uma outra senhora nos aguardava com um pouco d’água, devido ao
calor, e nos instalou no sofá da assistência.
Havia muito movimento na casa, com pessoas (todas devidamente trajadas de branco)
indo e vindo de um lado para outro, arrumando o terreiro. Em dado momento, duas mulheres
brancas, de cabeça raspada, passaram por nós de cabeça baixa, c om bacias cheias de louça
lavada. Elas estavam cheias de colares e tinham pequenas cordas de palha amarradas no
tornozelo e no braço (algumas pessoas denominam estas cordinhas de kelê). Imediatamente
meu amigo disse que elas duas eram as muzenzas
81
. Da c ozinha (runfila) sentíamos o cheiro
de comida que estava sendo preparada por mametu Lembamuxi, sacerdotisa do Inzo
Tumbensi, de Salvador, e mãe-de-santo de tata Katuvanjesi.
Após 15 minut os, chegou um rapaz negro que estava de camisa social rosa e usava
óculos. Ele se apresentou como Marcelo Novaes e seu nome ritual é Kanjila diá Nzambi.
Marcelo nos disse que é um dos tata kambondu (ogãs) da casa, e será o presidente da
associação cultural que os membros do terreiro estão tentando fundar para dar cursos para a
comunidade e aulas de línguas estrangeiras. Ele perguntou onde estudamos, se somos
iniciados no santo, como conhecemos pai Walmir (tata Katuvanjesi) e nos falou um pouco da
festa. Ele nos explicou que a festa da quele dia significava o encontro da casa matriz com a sua
“filha” de São Paulo e que, por isso, mametu Lembamuxi não poderia faltar. Segundo
Marcelo “Kanjila” e o próprio tata Katuvanjesi disse na entrevista, que essa festa é importante
porque era a primeira vez, depois de mais de 5 anos, que os filhos e filhas-de-santo de tata
Katuvanjesi veriam o sacerdote incorporado com Ka vungu. Pois, até então, sempre que ele
era “tomado” por esta divindade, seus filhos e filhas também eram i ncorporados por seus
respectivos jinkisi. E ntão a comunidade resolveu fazer um a festa espec ial para que todos os
filhos, netos, bisnetos de tata Katuvanjesi, pudessem ver e conversar com Kavungu.
81
O termo muzenza é utilizado para fazer referência à pessoa que vai fazer a sua primeira aparição pública no
terreiro. No candomblé ketu esta pessoa recebe o nome de yaô.
103
Depois de meia hora de c onversa com Marcelo, oferecera m-nos alguma coisa pra
comer. No cardápio tinha arroz, feijão, lingüiça frita e carne seca. Em meio ao almoço, tata
Katuvanjesi chegou um pouco nervoso e disse que havia vindo do hotel, onde deixara um
representante do embaixador de Angola que veio participar da festa. Nos apresentamos e ele
disse para comermos tranqüilamente, porque tínhamos muito tempo para conversar. E
realmente, tata Katuvanjesi nos concedeu uma entrevista de 2 horas e meia, e não se negou a
responder nenhuma das perguntas que fizemos.
Na hora que chegamos, estavam na casa umas 15 pessoas, mas durante a entrevista
muitos foram chegando (entre filhos-de-santo de tata Katuvanjesi e seus netos, além de pais-
de-santo convidados) e tomando a bênção do sacerdote, até que no final da conversa, que foi
até às 18:30 no quintal da casa, em meio a galinhas e conve rsa s paralelas, já éramos umas 50
a 60 pessoas no l ocal.
No intervalo entre a entrevista e a festa, que estava prevista para começar às 20h00,
ficamos sentados na assistência descansando e vendo as pessoas darem os últimos retoques no
salão: os kambondu (alabês) afinavam os atabaques ( ngoma), a makota Iara jogava folhas de
eucalipto no chão, e depois, defumou o ambiente, outras pessoas amarravam fitas nos postes,
colocavam cadeiras para os convidados, e outras faziam umas das atividades mais
importantes: limpar o assentamento interior de Kavungu, que fica pendurado no alto do salão,
como que olhando e tomando conta de todos que entram.
Às 20h30 Marcelo “Kanjila” deu início à cerimônia de entrega de diplomas a algumas
autoridades que compareceram pa ra prestigiar a festa: Perly Cipriano, secretário de Direitos
Humanos da Presidência da República; Roberto Bicelli, coordenador da Funarte;
representante do ministro da Cultura, Gilberto Gil e do secretário-executivo, Juca Ferreira;
Edgard Amaral, coordenador do gabinete do líder do PT na Assembléia Legislativa do Estado
de São Paulo e diretor do Centro Cultural Afro Brasileiro “Solano Trindade”; Kátia Trindade
e Airton, representantes do prefeito de Itapecerica da Serra, Jorge Costa, e da secretária de
Cultura da cidade, Tatiana Lopes N ascimento Silva; o diplomata Gabrie l Guimarães,
ministro-secretário da embaixada da República de Angola, representando o embaixador
Leovigildo Costa e Silva. Todos os representantes foram breves em suas intervenções, e a
festa, propriamente dita, começou.
Os tambores começaram a rufar e xatamente às 21:30 com m uitas pessoas vestidas
elegantemente de rendas, colares coloridos, e dançando em roda. Os cânticos para o
jamberesu (xirê) era m puxados pelo nganga diama (sacerdote supremo) do te rreiro tata
Katuvanjesi e por um coro de xicarongomos, devidamente trajados de ternos de cor clara sem
104
gravata, que respondiam às canções. O primeiro a ser incorporado foi um pai-de-santo novo
que parecia ter uns 30 anos de idade, e que foi “tomado” por Katende. Segundo os adeptos do
rito angola-congo Katende é o deus dos encantamentos e o deve ser conf undido com Ossain
(divindade cultuada no candomblé nação ketu), que é responsável pelas folhas.
Imediatamente makota Iara e mametu Lembamuxi fizeram conduzir Katende até ao bakisi, a
fim de ser preparado para dançar. A divindade dançou junto com as duas sacerdotisas por
quase 1 hora.
À medida que tata Katuvanjesi e os xicarongomos iam cantando/apresentando o
jamberesu, outras entidades vinham e tomavam” seus filhos e filhas. A esta altura da festa, a
assistência estava lotada de gente em e sentada nas cadeiras, e que vez por outra ta mbém
era incorporada por suas respec tivas divindades. Nessas ocasiões, as pessoas incorporadas
deveriam ser conduzidas para dentro do salão. Assim foram chegando Bamburuce ma, Nzaze,
Kissimbi, Kosi, Kayayá, entre outras e todos dançaram acompanhados de mametu
Lembamuxi e da makota Iara. Até que em dado momento começou-se a cantar pra Kavungu
que, imediatamente, incorporou em tata Katuvanjesi. Ao mesmo tempo todos os filhos e
filhas-de-santo também foram “tomados” por seus jinkisi. Da í então, os tambores silenciaram
para que Kavungu fosse levado ao quartinho, a fim de se trocar e se apresentar aos seus filhos
efilhas.
Fotografia 1- Tata Katuvanjesi incorporado com Kavungu. (Inzo Tunbamsi)
No intervalo aconteceu uma das cenas mais bonitas que presenciamos dentro de um
terreiro de candomblé. Instalou-se um silêncio em que os únicos sons que se ouvia eram os
cânticos das divindades: Bamburucema dava seus gritos altos e agudos, Katende soltava uma
105
espécie de assobio, Kayayá cantava como uma mãe d’água, e Nzaji andava de um l ado para
outro parecendo fiscalizar a festa. Mas essa cena durou apenas uns 5 minutos, pois, logo em
seguida os médiuns incorporados foram levados, um a um, para dentro do bakisi e suas
divindades subiram. Felizmente tivemos a oportunidade de gravar estes sons maravilhosos.
Depois de quase meia hora de espera Kavungu nos f oi apresentado em seu traje
habitual feito de ráfia que é uma palha originária de países africanos. Na cabeça ele vestia
uma espécie de boné com fios de palha caindo nas costas, além de uma camisa e uma calça
também feitas de palha
82
. Vinha com o rosto descoberto e, embora s ério como é o seu estado,
parecia contente de estar ali em sua casa. Quando Kavungu entrou, todos os presentes
ajoelharam-se no chão, saudando-o, e os tambores começaram a tocar. Mametu Lembamuxi e
makota Iara conduziram Kavungu até o centro do salão e acompanharam a entidade em sua
dança le nta com o corpo curvado para o chão durante meia hora.
Fotografia 2- Kavungu dançando. (Inzo Tunbamsi)
82
Faz-se necessário esclarecer que Omulu, divindade do panteão yorubano, é vestido com uma roupa do mesmo
tecido, mas este orixá se apresenta totalmente coberto ficando somente os pés e parte dos braços de fora, o
dando para ver seu rosto.
106
Durante a dança de Kavungu ouvia-se gritos de júbilo e as pessoas pareciam estar
muito felizes de poder ver pela primeira vez tata Katuvanjesi incorporado. Todos cantavam
alto, e colocavam a mão no chão sempre que a entidade parava pra agradecer soltando sons
incompreensíveis aos nossos ouvidos. Em dado momento entraram as muzenzas cobertas da
cabeça aos pés por um pano branco, e se apresentaram à entidade, que quando lhes tocou a
cabeça caíram numa e spécie de desmaio e foram levadas de volta ao quartinho. Depois de 5
minutos elas voltaram para bater cabeça para a divindade.
Após a dança, Kavungu foi instalado em seu trono enfeitado de panos coloridos, que
ficava ao lado dos ngoma (a tabaques). Formou-se uma longa fila para que todos os seus filhos
e filhas pudessem saudá-lo, primeiro estendendo-se no chão e batendo a cabeça em seus pés,
para, ajoelhado, conversar com ela por alguns moment os. Ao térmi no da conversa Kavungu
dançou por mais 15 minutos, saudou a todos e foi conduzido até o quartinho para ir embora.
Outro moment o especial da festa foi a incorporação de mametu Lembamuxi por Nzaji.
No momento em que a sacerdotisa foi tomada pela divindade, todos os seus netos-de-santo
filhos-de-santo de Tata Katuvanjesi também entraram em incorporação. Nzaji veio saudar a
festa de Kavungu, dançou com makota Iara por meia hora e foi embora.
No final do culto apenas os pais e mães-de-santo dançaram no salão e agradeceram por
mais uma festa de Kavungu. Logo em seguida c omeça ram a servir um banquete para a
assistência, que consistia em c arne de carneiro, coelho, arroz, feijão fradinho, frango com
polenta e refrigerante.
6.3 Abaçá Nka ssuté Lemba Nzambi Keamazi
A trajetória religiosa de tata Nkassuté confunde-se com a da maioria dos pais e mães-
de-santo de São Paulo nos últimos 40 anos. Pois muitos deles nasceram em família católica,
iniciaram-se na umbanda e, depois, passara m para o candomblé.
Tata Nkassuté, nome civil Ari Coleti, tem 45 anos de idade, é professor de boxe e
capoeira, e nasceu na cidade de Marília, no Centro-Oeste do Estado São Paulo, numa família
católica. Segundo o sacerdote, ele f oi o único da família a seguir uma religião afro-brasileira
“[...] porque não tem ninguém da m inha família que viu um candomblé, nenhuma umbanda,
ninguém viu. [Os me us pais] são católicos de igreja e tal, mas me respeitam, e respeitam a
minha religião [...]”.
107
O sacerdote conta que se iniciou num terreiro de umbanda chamado Pai Joaquim de
Angola, que era comandado por dona Maria Mota um dos terreiros mais antigos da cidade,
fechado muito tempo aos 11 anos de idade. Disse também que conheceu a umbanda
através da capoeira e que foi fazer essa dança (esporte?, jogo?) para se defender. Quem o
indicou a ir ao terreiro foi seu professor de capoeira que havia lhe dado um patoá
83
que
precisava ser benzido. Foi quando falaram que ele era médium:
[...] aquela entidade benzeu tudo, e eu vim embora pra casa. Me deu uma
dor de cabeça tremenda, minha mãe me levou no médico e eu não podia
falar pra ela que eu tinha ido [...] eu voltei pra benzer, aí o senhor
que tinha lá, finado também, senhor Geraldo [...] esse senhor falou assim
pra mim: “Ô menino, você é médium.” Médium!”, “É, você tem que r
uma roupa branca e vim aqui no terreiro.”
Tata Nkassuté ficou neste terreiro até os 17 anos de idade, quando do falecimento da
mãe-de-santo. Ele conta que uma voz interior lhe falava que aquilo (a umbanda) era pouco pra
ele. Então resolveu ir à Bahia, na cidade de Nazaré, para se iniciar no candomblé. O terreiro
de candomblé que tata Nkassuté se iniciou chamava-se Congo de Ouro, da nação congo. O
sacerdote disse que seu pai-de-santo morreu com 104 anos. “Quando o meu pai-de-santo
tava numa situação de não reconhecer as pessoas nem nada, eu tinha feito 7 anos de
obrigação, e recebi a cuia, que são os meus direitos”.
Após o falecimento deste pai-de-santo, tata Nkassuté disse que foi levado por um
senhor que era f ilho carnal de Ciriaco, fundador do Tumba Junça ra, em Salvador. Foi neste
terreiro que ele tomou a segunda obrigação e está filiado a esta casa até hoje. Passado este
períododeiniciação,elevoltouparaacidadedeMaríliaeabriusuacasa.
O sacerdote nos disse que fundou seu terreiro em 1985 no bairro Nova Marília, zona
sul da cidade, e que agora está, desde 2002, na zona rural do distrito de Padre N óbrega.
Minha casa tava aberta aqui no meio da cidade e eu fui obrigado a ir
embora. Não pra fazer candomblé de asfalto tá. Outra coisa que eu falo
pra qualquer um que quiser escutar, o candomblé é na terra, não é no
asfalto, não existe candomblé de asfalto.
83
Tradução da palavra francesa patois, que significa dialeto. No Brasil esta palavra ganhou um outro significado
e no meio religioso afro-brasileiro ela é utilizada para designar um amuleto, de 3x3 c m, que contêm em seu
interior rezas, ervas e até partes de animais,como pêlos e peles, que as pessoas carregam junto ao corpo para
afastar mal olhado.
108
O terreiro de tata Nkassuté fica numa chácara que te m cerca de 200 m x 300 m de
área verde, com muitas árvores nativas, árvores frutíferas, plantação de abóbora, chuchu e
muitas ervas medicinais. Ele sempre diz que foi a divindade que deu o lugar pra ele, mas na
realidade foi comprado. O sacerdote diz ainda que a área f ísi ca e stá sendo levantada aos
poucos por pessoas que vem de longe para construir. Pudemos verificar que a área construída
tem muitos com partimentos: 01barracão para as festas dos Jinkisi e outro para a festa de
caboclo (aberto uma vez por ano), 02 cozinhas, uma entre o barracão dos jinkisi e o dos
caboclos, e outra no fundo do terreiro para rituais em que os homens cozinham s eparados das
mulheres; 02 banheiros coletivos, 04 pequenas casas de hóspedes, 01 quarto onde fica a
representação de Lembá (patrono da casa) em tamanho natural e outro com a representação de
todos os outros jinkisi, 01 biblioteca pequena, 01 quarto onde se joga os búzios e o ngombu,
01 qua rto para exu e pomba gira, 01 quarto de Vumbi (representação dos mortos), 01
quartinho de tomar maianga (banho) e 02 quartinhos onde ficam os iniciados (bakisi).
Fotografia 3- Vista externa do barracão do caboclos. (Abacá Nkassuté)
Além desses compartimentos, a área ainda tem um jardim de árvores nativas com
bancos para descanso, que é rodeado pelas representações s egundo tata Nkassuté, um nkisi
não tem imagem, tem representação de todos os jinkisi e m tamanho natural. Andando em
sentido horário, a s represe ntações estão na seguinte ordem: Pam bu Nzila, Katende, Nkosi,
109
Nzaze, Ndandalunda, Kissimbi, Vunji, Kitembo, Kavungu, Kayayá. Todas as representações
são trabalhadas em argila e barro, juntamente com outros mate riais, com o ferro, búzios,
folhas. Não se utiliza cimento nem azulejo nas representações.
Tata Nkassuté nos mostrou todos os compartimentos, mas em alguns como a casa de
Lembá, o quarto do jogo de búzios e ngombu, a casa de exu e pomba gira (que fica trancada),
a casinha de Vumbi (que o pudemos nem chegar perto) e os bakisi, o pudemos fotografar,
assim como não autorizou a tirar fotos de pessoas quando “viradas no santo”, de modo que
não pudemos registrar a festa como pretendíamos.
6.3.1 A festa dos caboclos
Chegamos no terreiro três horas antes da festa devido, a uma carona que conseguimos,
pois o local é de difícil ace sso. Estávamos em 06 pessoas, todas estudantes universitários,
alguns deles céticos convictos.
Quem nos rec e beu no portão da chácara foi uma moça jovem que estava trajada com
roupas africanas: turbante e pano da Costa coloridos, um grosso c olar amarelo em volta do
pescoço, brincos a marelos e descalça. Imediatamente fomos levados até tata Nkassuté que nos
recebeu dando um grande abraço em cada um. O sacerdote trajava uma espécie de boné
marrom e amarelo muito parecido com os utilizados pelos homens das famílias reais
africanas –, uma camiseta branca e uma calça da mesma cor que o boné. Ao seu lado estava
um outro sacerdote de São Paulo, que apenas nos cumprimentou com um aceno de cabeça e
depois saiu. Tata Nkassuté nos disse brincando que ele é filho de Pambu Nzila, mas que não
morde ninguém.
Tomamos água, guardamos nossas mochilas e a partir daí tata Nkassuté nos
ciceroneou por todos os cantos de seu abaçá mostrando e explicando tudo de uma f orma tão
natural como se conhecêssemos todo aquele micro mundo africano –, que f icou
impossível guardar a maioria das informações que ele nos transmitiu.
Entramos em todos os compartimentos do terreiro, inclusive nas casas de Pambu Nzila
e de e xu. Antes de e ntrar em cada casa o sacerdote sempre utilizava a expressão “bandagira”
que significa “licença” e batia na porta antes de entrar. Enquanto ia nos mostrando os
assentamentos de nkisi, tata Nkassuté nos dizia que entre os bantu não tem essa de esconder
as coisas, porque elas estão ali para serem vistas. No compartimento do terreiro onde se joga
110
os búzios, o religioso nos mostrou também o seu ngombu, as peças que compõem este sistema
oracular, e como se joga.
Após este passeio tata Nkassuté nos deixou à vontade, e foi se aprontar. Ficamos ali
sentados nos bancos de concreto perto das pessoas do terreiro que começavam a andar de um
lado ao outro: uns ia m tomar banho, outros trocavam de roupa, amarravam os turbantes, os
xicarongomos estavam aquecendo os ngoma (tambor).
Durante este vaivém tentamos estabelecer contato com algumas pessoas, m as notamos
que elas não nos olhava m, que se afastavam de nós, que nos evitavam. A sensação de
invisibilidade era tanta que começamos a nos sentir incomodados, perguntando-nos o que
fazer neste tipo de situação “geertziana”
84
de sopro de vento”: se nos aproxima r e tentar
dialogar, ou, simple smente, deixar as coisas como estavam, ficando ca da “tribo” no seu canto,
depois de alguma discussão decidimos ficar com a segunda opção. Em dado momento
estávamos tão nervosos que começamos a pensar na possibilidade de sermos os únicos “de
fora” a participar do ritual para os caboclos, mas logo que foi escurecendo, começaram a
chegar outras pessoas, embora de te rreiros de umbanda. (Tata Nkassuté nos disse que na festa
de caboclo de seu terreiro participam os seus filhos-de-santo e as pessoas dos t e rreiros de
umbanda, pessoas de outros terreiros de candomblé o são convidadas).
O barracão onde desenrolou a festa, como o dissemos, é especialmente aberto para
esta ocasião a festa dos cabocl os. Ao lado esquerdo da porta havia uma oferenda que
constava de cabeça e pés de boi sacrificado no dia anterior num alguidar, o coração em
outro alguidar e numa terceira tigela as vísceras do animal. Em volta havia grandes cestos de
vime com as seguintes frutas: maçã verde, abacaxi, melão, melancia, laranja, banana, pêssego
eumminibarrildejurema
85
. A casa, de madeira, estava pi ntada de verde por fora, e por
dentro, no chão de terra vermelha batida, estava enfeitada com galhos de árvores e panos
coloridos, que também serviam de enfeite aos tambores.
84
Clifford Geertz em seu livro A interpretação das Culturas (1989, p. 185) descreve situação semelhante,
quando de sua análise da s ociedade balinesa.
85
Bebida sagrada dos caboclos, que é composta de vinho tinto seco e pedaços de gengibre.
111
Fotografia 4 - Vista interna do barracão. (Abacá Nkassuté)
Os xic arongomos começavam a repicar os atabaques, e a assistência em número
de 30 a 40 pessoas de todas as cores, gêneros e idades estava sentada quando chegou tata
Nkassuté vestido com a roupa de seu caboclo. Acompanhado de seus filhos e filhas-de-santo,
ajoelhou-se em frente à oferenda e começ ou a e ntoar cânticos em uma língua que parecia o
yorubá. Neste momento eu e um colega estudante de filosofia que é praticante da
umbanda, nos entreolhamos e achamos estranho um terr eiro que busca suas raízes africana-
bantu, numa festa aos antepassados brasileiros, cantar em outra língua.
Quando os cânticos em yorubá foram sendo substituídos por cânticos em português, e
cada filho-de-santo se aproximava da oferenda, os caboclos com seus penachos coloridos iam
incorporando em seus “cavalos”, até que, por últ imo, tata Nkassuté foi tomado por seu
112
caboclo. Toda essa cena aconteceu do lado de fora. então eles (os caboclos) adentraram ao
barracão dançando e soltando seus gritos de guerra. As entidades estavam paramentadas como
na umbanda, algumas de chapéu de couro estilo sertanej o, outros com chapéus que
lembravam os gaúchos dos pampas, outros ainda de penachos.
Na medida em que a cerimônia se desenrolava com muitos cânticos, palmas e samba-
de-caboclo, agora somente em português, o caboclo de tata Nkassuté chegava perto de alguém
da assistência que era da um banda e a pessoa e ra tomada por seu caboclo. Isto aconteceu com
muitas pessoas. As kambondas mulheres que dão assistência aos ca boclos, todas
devidamente paramentadas com roupas africanas coloridas começaram a servir a jurema
para as entidades e acender seus charutos quando apagavam; a assistência foi se rvida por
último.
Depois de quase duas horas de danças e cânticos, houve uma parada de 45 minutos
para quem quisesse se consultar com as entidades. Neste momento, mais pessoas convida das
da festa quando pi savam no terreiro para conversar acabavam “virando-no-santo”. Após o
intervalo os t oques foram retomados por mais duas horas e foram servidas as frutas que
tinham sido oferecidas simbolicamente às entidades, pois os caboclos não comeram nada. A
festa encerrou-se com todos os caboclos sai ndo dançando e forma ndo uma grande roda fora
do barracão, para poderem ir para Aruanda
86
. Estava terminada a parte sagrada da festa.
Logo após o sil enciar dos tambores, todos os filhos e filhas-de-santo se apressaram e m
montar mesas e cadeira s para que começassem a servir a comida aos convidados. A parte
profana da festa foi um churrasco preparado com a carne do boi sacrificado, arroz com ervilha
e milho, e salada de tomate. De bebida tinha refrigerante e muita cerveja que duraram a noite
toda.
6.4 O que foi possível (re)africanizar.
Como em todo processo, o movimento de (re)africanização empreendido por nossos
interlocutore s tem algumas diferenças quando se trata de verificar o que de fato foi mudado.
Nos terreiros pesquisados pudemos verificar que algumas coisas foram substituídas, outras
foram mantidas e outras ainda estão em processo de implantação.
86
Céu; lugar onde habitam a s entidades da umbanda.
113
Assim, no que diz respeito ao sistema oracular, tata Nkassuté continua a utilizar o jogo
de búzios, ao mesmo tempo em que vem te ntando implantar o ngombu. Sobre o jogo do
ngombu tata Katuvanjesi deixou claro que, no momento, nã o é possível tê-lo no Brasil,
então o sacerdote e seus filhos e filhas-de-santo continuam a usar o jogo de búzios.
Sobre a questão da indumentária no Inzo T umbansi de tata Katuvanjesi, as mulheres
mantiveram as roupas tradicionais: blusa e saia rendada engomada, chamadas de “roupas
baianas”. Os homens do terreiro substituíram as roupas de renda por ternos de cor clara sem
gravata. Tata Katuvanjesi nos disse que esta indumentária é obrigatória apenas para os
kambondu (ogãs), porque eles são os “relações públicas” do terreiro. No abassá de tata
Nkassuté, nas festas de caboclo, todas as pessoas homens, mulheres e crianças utilizavam
as chamadas “roupas baianas”, porque, segundo o sacerdote, “estamos cultuando antepassados
brasileiros”. Mas nas festas de nkisi as pessoas usam roupas af ricanas: panos e toalhas da
Costa coloridos.
A língua, como observamos, é um dos pontos centrais na busca da identidade
étnico-religiosa afro-bantu de nossos entrevistados, por isso, estes tomam bastante cuidado ao
utilizá-la em seus terreiros. Na festa de caboclo do Abassá Nkassuté Lemba Keamazi todos se
comunicavam em português, a língua do antepassado. M as nos demais cultos tata Nkassuté
nos disse que a língua utilizada é o kimbundu/kikongo. Na fes ta de Kavungu, que observamos
no terreiro c omando por tata Katuvanjesi, as pessoas se falavam e m português, mas quando
era pra cantar os “pontos” ou falar com as entidades era utilizado o kimbundu/kikongo.
Em relação às outras entidades pudemos observar que algumas delas, próprias da
umbanda, além dos caboclos, foram ma ntidas nos terre iros pesquisados como, por exemplo,
exus e pombas-gira . No terreiro de tata Nkassuté uma casa com dois quartos dedicada a
estas entidades. O sacerdote nos disse que, quando foi para o candomblé, eles o
acompanharam e estão com ele até hoje. Ele disse que às vezes trabalha com seu exu sozinho
na casa.
Tata Katuvanjesi nos disse que ninguém tem autoridade pa ra mandar embora um
Pelintra ou um T ranca Rua, pois, se a pessoa foi iniciada na umbanda e depoi s ela migrou
para o candomblé, estas entidade s vão acompanhá-la e não podem deixar de ser lembradas.
Porém, o sacerdote deixa claro que não se cultuam entidades da umbanda junto com nkisi.
No Abaçá Nkassuté Lemba Keamazi se usa o caxixi nas festas de nkisi. Nas f e stas de
caboclo as makotas utilizavam o adjá. Tata Nkassuté nos informou que o caxi xi é um
114
instrumento religioso-musical propriamente bantu e é feito de palha com conchinhas dentro,
jáoadjáéfeitodeferroeseassemelhaaumagogô.
No Inzo Tumbansi a makota Iara na festa de Kavungu utilizava o adjá. Tata
Katuvanjesi não nos informou se em seu terreiro este instrumento é utilizado apenas nas f estas
de nkisi. De qualquer maneira o adjá não é um instrumento exclusivo da nação angola-congo,
ele também é utilizado na nação ketu, na jêje, na umbanda e tem a mesma finalidade em todas
as religiões, que é a de ajudar a chamar as e ntidade e as divindades.
Em relação às festas dos antepassados, citaremos o exemplo da festa de Kavungu. No
Abaçá Nkassuté Lembá Keamazi, conforme o próprio sacerdote, são preparados dois pratos
diferentes: um feito pelas mulheres, na cozinha de cima, com alimentos escuros (tal qual uma
feijoada), e outro feito pelos homens, na cozinha do fundo, com ingrediente s c laros. Quando
os pratos estão prontos, homens e mulheres se enc ontram no meio do terreiro entoando
cânticos, fazem a oferenda à divindade e depois vão para o barracão. Pessoas que não são da
casa não podem a c ompanhar e ste ritual. Na festa de Kavungu no In z o Tumbansi, que
observamos e descrevemos, o ritual é todo feito dentro do barracão e toda comida que será
servida é feita pela kota runfila (mãe da cozinha).
Sobre as impressões dos filhos-de-santo, frente à (re)africanização, apresentamos a
fala de dois integrantes do Inzo Tunbamsi um deles é o tata kambondu Marcelo Kanjila.
Eles disseram, em uma conversa inf ormal, que não vêem problema algum em utilizar roupa
social nos cultos, porque, para eles, essas roupas passam a imagem de que o candomblé
também é uma religião séria e orga nizada. Um outro filho-de-santo, que conversou conosco,
defende a idéia de que os órgãos públicos deveriam financiar as viagens empreendidas pelos
sacerdotes e sacerdotisas à África. Não tivemos oportunidade de conversar com nenhum filho
ou filha-de-santo do Abaçá Nkassuté, mas a julgar pe la posição de tata Nkassuté, de que não
tolera filho-de-santo que não acompanha suas idéias, parece que todos deste terreiro estão de
acordo com seus ideais de mudança.
Diante de todos estes dados, podemos dizer com segurança que não existe apenas um
processo de (re)africanização, mas vários processos. Talvez possamos falar em
“(re)africanizações”, pois, na medida em que cada sacerdote faz o seu próprio caminho e
escolhe quais elementos serão mantidos e quais serão substituídos em seu terreiro, surge um
outro processo de busca dos ensinamentos, da busca pela identidade religiosa afro-bantu. D aí
que, em última instância, podemos falar também de uma identidade religiosa afro-bantu
115
particular, mas nunca esquecendo que esta identidade, em dado momento, se arti c ulará com
outras identidades que formarão uma identidade religiosa afro-bantu coletiva.
116
Considerações finais
O que se tentou demonstrar nesta discussão f oram os caminhos e descaminhos que
dois sacerdotes do candomblé nação angola-congo vem percorrendo com o objetivo de
resgatar e implementar os ensinamentos religiosos (e filosóficos) da c ultura bantu.
Verificamos que para estes pais-de-santo chegarem ao atual estágio de seus processos o qual
denominamos de (re)africanização –, eles estão sendo obrigados a renunciar no sentido de ir
contra a toda uma tradição histórico-antropológica de negação da cultura bantu no Brasil ,
pelo menos no que diz respeito ao estudo das religiões.
Contudo, este s sacerdotes não estão sozinhos. Podemos citar autores como Dantas
(1988) e Lopes (1988) que, em nuances diferentes, também fazem a crítica da nagocracia.
Mesmo em África, a cultura bantu j á e ra caracterizada como secundária, em detrimento da
cultura dos povos sudaneses. Em outras palavras, nossa discussão tentou perceber como se
tem empreendido o resgate da identidade étnico-religiosa dos angoleiros e angoleiras nos
terreiros pesquisados.
Esta renúncia passou pela decisão de dessincretizar seus ensinamentos, e m relação à
nação ket u, considerada pela maioria dos estudiosos antropólogos e historiadores
principalmente a mais próxima da África. Por isso, a primeira coisa que estas pessoas
fizeram foi abrir um debate sobre a relação entre os orixás divindades do panteão yorubá –,
os voduns divindades do panteão jêje e os jinkisi divindades do panteão ba ntu –, em que
assumiram como uma verdade que orixá é orixá, vodun é vodun e nkisi é nkisi.
Outra decisão tomada pelos nossos dois interlocutores foi reaprender a língua ritual da
nação angola-congo uma mistura de kimbundu e kikongo –, língua essa que influenci ou o
português fala do no Brasil. A essas decisões seguiram-se outras c omo: fazer encontros
específicos pa ra se discutir as diretrizes da nação; reaprender, seja através dos livros, seja
através dos mais velhos, ou do contato com sacerdotes africanos, os rituais bantu; “enfre ntar”
a resistência que ainda persiste por parte dos ma is antigos; implantar assentamentos de
“novas” divindades bantu, até então desconhecidas do público brasileiro, entre outras ações.
Além de demarcarem uma “fronteira” de escl a recimento entre as nações de
candomblé, mostrando que cada uma tem suas características próprias, os angole iros
entrevistados ta mbém renunciaram ao sincretismo com a igreja católica. Contudo, ao
assumirem a dessincretização como pedra fundamental de suas ações para recuperar a
identidade perdida, os adeptos da nação angola-congo realizam outros sincretismos,
117
bricola gens com as religiões africanas de Angola, tanto ao nível dos rituais, quanto ao nível da
crença. Logo, se não é possível chegar a uma “pureza nagô”, também não é possível buscar
uma “pureza bantu”.
Por não ter um órgão que centralize as decisões, c omo o Vaticano para o catolicismo,
o candomblé permite que cada mãe/pai-de-santo seja o soba (rei) em seu terreiro e realize a
sua própria (re)africanização. Por isso, podemos falar de (re)africanizações.
Como já sabemos, o movimento de (re)africanização não está circunscrito aos
universo dos angoleiros, outras nações precisamente, a nação ketu já vêm empreendendo
sua (re)africanização desde a década de 1980, a pós a publicação da Carta de Sal vador. A
busca dos resgates afro-bantu teria começado por volta da década de 1990, portanto 20 anos
depois da nação ketu.
Contudo, este movimento adquire semelhanças e diferenças quando se trata de
comparar as duas nações. Quando se verifica que as nações angola-congo e ketu buscam falar
línguas africanas de localizações geográficas específicas, quando cultuam deuses encontrados
somente nestas regiões, quando importam rituais ou quando mantêm intercâmbio de idéias
com sacerdotes africanos, podemos aproximá-las e até dizer que o m ovimento de busca é o
mesmo.
Mas as semelhanças acabam . Pois, enquanto a nação angola busca se reinventar, se
reestruturar, para manter vivo o culto aos antepassados e conseguir legitimidade, a nação ketu
(re)africanizada quer se adaptar ao novo milênio e ao mercado de bens religiosos.
Outra diferença está na influência das casas mais antigas do Brasil. Sabemos que a
(re)africanização no candomblé ketu c omeçou com os baianos e que, depois, o povo-de-santo
de São Pa ulo adotou este movimento para se posicionar politicamente contra a Bahia. na
nação angola-congo o caminho foi inverso, isto é, a busca das tradições teria começado aqui
no sudeste, para depois ser levada aos terreiros baianos, como bem afirmaram tata
Katuvanjesi e tata Nkassuté em sua s entrevistas.
Ainda muito que ser pesquisado, mostrado e reescrito sobre a s outras nações de
candomblé, sobre os estudos real izados por pesquisadores brasileiros das culturas bantu
em África, e sobre sua rel igiosidade. Pois o Brasil, como filho direto, deve ir à África e pensá-
la sobre sua própria ótica, que jamais deve ser a ótica do colonizador. Certamente outros
pesquisadores também estão atentos para esta necessidade, a começar pela ampliação da
divulgação da literatura africana e afro-lusitana no Brasil e da produção de livros didáticos
sobre a África muito por conta da Lei 10.639/03.
118
Talvez fosse o caso do governo brasileiro, via Ministérios da Educação, das Relações
Exteriores, da Cultura, da Saúde, f inanciar mais projetos de intercâmbio com o continente
africano ou, pelo menos, com os países que mais contribuíram c om mão-de-obra escrava e
cultural, para a formação do que hoje chamamos de Brasil.
Enfim, nossa discussão pretendeu a partir da observação de uma nação de
candomblé levantar algumas questões a respeito dos estudos do legado africano no Brasil,
mostrando que a África está mais presente do que nunca em nosso cotidiano.
“A África não é um continente homogêneo e o candomblé não é orixá”
119
Referências
AMARAL, R . F. do. O Babaluaiyê Arará nos Estados Unidos. Disponível em:
<http://ilarioba.com/articlesmine/ararabaport.htm.> Acesso em 27 mai. 2007.
BARCELLOS. M. C. Jamberessu: as cantigas de Angola. Rio de Janeiro: Pallas, 1998.
BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P; STREIFF-FENART, J.
Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. o
Paulo: Editora da Unesp, 1998.
BARBU, Zevedei. O conceito de identidade na encruzilhada. Anuário Antropológico,Riode
janeiro, 1980, n.78.
BASTIDE, R. Les Religions Africaines au Brésil: vers une sociologie des interpénétracións
de civilisations. Paris: Presses Université de France, 1960.
______. A s religiões africanas no Brasi l. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971.
______. Est udos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1973.
______. As Américas negras: as civilizações africanas no novo mundo. São Paulo: Edusp,
1974.
BORHEIM, G. O Conceito de Tradição. In: Tradição-Contradição. Rio de Janeiro: Zahar,
1987.
BOURDIEU, P. Gênese e estrutura do campo religioso. In: A economia das trocas
simbólicas. ed. (org.) Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 1992.
BROWN, Diana. Umbanda: religion and politics in urban Brazil. New York: Columbia
University Press, 1994.
BRAGA, J.S. Fuxico de candomblé: estudos afro-brasileiros. Feira de Santana: UEFS, 1988.
CACCIATORE, O G. Dici onário de cultos afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Fore nse
Universitária, 1988.
CAMARGO, C. P. F. de. Kardecismo e umbanda. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1961.
CANEVACCI, M. Sincretismos. São Paulo: Studio Nobel, 1996.
CARNEIRO, E. Ladinos e crioul os. R io de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
______. Religiões Negras, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.
CARNEIRO, E. Religiões negras, negros bantos. R io de Janeiro: Civilização Brasileira. 1937.
120
CAROZZI, M.J.; FRIGÉRIO, A. Mamãe Oxum y la Madre María: santos, curanderos y
religiones afro-brasileñas em Argentina. Afro-Ásia, 1992, v.5, pp. 71-85.
______. Batuquero no se nace: convirtiéndose a las religiones afro-brasileñas em Buenos
Aires. Religião & Sociedade, 1997, v.30.
CAPONE, S. L'Afrique Réinventée ou la Construction de la Tradition dans les Cultures Afro-
Brésiliens. Archives Européennes de la Sociologie, 1999, tomos 40-41.
COHEN, A. O Homem Bidimensional.Ri o de Janeiro: Zahar, 1978.
CONSORTE.J.G.Em torno de um manifesto de Ialorixás baianas contra o sincretismo.pp.
71-91. CAROSO, C; BACELAR, J. (org.) Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade,
sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e
comida. São Paulo: Pallas/CEAO/CNPq. , 1999.
COSTA, E.V. da. Da senzala à colônia. São Paul o: DIFEL, 1966.
DANTAS, B.G. Vovó nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil. Rio de Janeiro:
Graal, 1988.
DANTEILL, E. Des dieux et des signes: initiation, écriture et divination dans les religions
afro-cubaines. Paris: Édition de l’École des Hautes Études em Sciences Sociales, 2000.
DAVIS, W. A serpente e o arco-íris. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
DIAS, M. O. L.da S. Quotidiano e poder em São Paulo no séc. XIX. São Paulo: Brasiliense,
l984.
EPEGA, S. M. A volta à África: na contramão do orixá. CAROSO, C; BACELAR, J. (org.)
Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, si ncretismo, anti-si nc retismo,
reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. São Paulo:
Pallas/CEAO/CNPq. , 1999.
FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1972
.
FERRETTI, S. Re pensando o sincretismo. São Paulo: EDUSP/FAPEMA, 1995.
FRIGERIO, A. Reafricanização em diásporas religiosas secundárias: a construção de uma
religião mundial. Religião e Sociedade, 2005, n.2, v.25, pp. 136-160.
GERSON, B. A escravidão no Império. São Paulo: Pallas, 1975.
GIDDENS, A. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós.Riode
Janeiro: Record, 2000.
GOULART, M. A Esc ravidão Africana no Brasil - das origens à extinção do trafico. São
Paulo: Livraria Martins Edito ra S. A., 1975.
121
HERSKOVITS, M.; HERSKOVITS F. Suriname Folk-lore. New York: Columbia Contrib. to
Anthrop., 1936, vol. 27.
HOBSBAWN, E; RANGER, T. A inve nção das tradições. 2 ed. São Paulo, Paz e Terra, 1987.
HOFBAUER, A. De raça a identidade. Cadernos de Campo, 1997, v. 5/6, pp. 173-188.
JENSEN, T.G. Discursos sobre as religiões afro-brasileiras: da desafricanização para a
reafricanização. Rever, 2001, n.1, ano 1. http: // www.pucsp.br/rever/rv1_2001/t_jensen.htm.
Acesso em 17 ago. 2007.
KARENGA, M. Disponível em <http://www.officialkwanzaawebsite.org> . Acesso em 28
mai. 2007.
KREHBIEL, H. E. Afro-American Folk-songs. A study in racial and national music. New
York and London, 1914.
LEPINE, C. Mudanças no candomblé de São Paulo. Religião & Sociedade, 2005, n.2, v. 25,
pp. 121-135.
______. O candomblé africanizado no campo religioso de São Paulo: um balanço.São
Paulo: Edusp (no prelo)
LOPES, N. Bantos, malês e identidade negra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.
MARQUES, G. Ruas e tradições de São Paulo: uma história em ca da rua. São Paulo:
Conselho Estadual de Cultura, 1966. (Coleç ão História n.4).
MELO,A.V.de.A voz dos fiéis no candomblé “reafricanizado” de São Paulo.Dissertação
de Mestrado Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2004.
MÉTRAUX, A. Le vaudou haitien. Paris: Gallimard, Colectíon L´espèce humaine, 1958.
NEGRAO, L. N. Entre a cruz e a encruzilhada: formaç ão do campo umbandista em São
Paulo. São Paulo: Edusp, 1996.
NINA RODRIGUES, R. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, ed.,
1935.
OLIVEIRA, M. I. C. de. Quem eram os ‘negros da Guiné’? A origem dos africanos na Bahia.
Revista Afro-Ásia, 1997, n.19/20, pp.37-74.
OLIVEIRA,R.C.de.Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo: Livraria Pioneira,
1976.
ORO, A. P. A desterritorialização das religiões afro-brasileiras. Horizontes Antropológicos,
1995, v.3, p.69-79.
122
______. “Sectas satânicas” en el Mercosur: un estúdio de la construcción de la desviación
religiosa en los médios de comunicación de Argentina y Brasil. Horizontes Antropológicos,
1998, ano 4, n.8, pp. 114-150.
______. Religiões afro-brasi leiras do Rio Grande do Sul: passado e presente. Estudos Afro-
Asiáticos, 2002, n. 2, v.24, pp. 345-384.
PEREIRA, E. A; GOMES, N. P. de M. Inumeráves cabeças: tradições afro-brasileiras nos
horizontes da contemporaneidade. Fonseca, M.N.S. (org.). Brasil afro-brasileiro. 2 ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001, v. 1, pp. 41-59.
PEREIRA, J. B. B. Negros e culturas negras no Brasil atual. Rev ista de Antropologia, 1983,
v.26, pp. 93-105.
PINTO, T. da S; FREITAS, B. T. de. Guia e ritual para organização de terreiros.Riode
Janeiro: ECO, 1972.
POLLITZER, W. The Gullah People and their African Heritage. Athens: U niversity of
Georgia Press, 1999.
POUTIGNAT, P; STREIFF-FENART, J. Teorias da e tnic idade: seguido de grupos étnicos e
suas f ronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.
PRANDI, R. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo:
Hucitec/Edusp, 1991.
______. Herdeiras do axé. São Paulo: Hucitec, 1996.
______. Referências sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento,
africanização. Revista Horizontes Antropológicos, 1995, n.8, pp.151-167.
_______.
Referências so ciais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento e
africanização. CAROSO, C; BACELAR, J. (org.) Faces da tradição afro-brasileira:
religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas,
etnobotânica e comida. São Paulo: Pallas/CEAO/CNPq. , 1999.
_______.
As religiões afro-brasileiras e seus s eguidores. Revista de Ciências Sociais, 2003, n.1,
v.3 pp.15-34.
RAMOS, A. As culturas negras no novo mundo. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1946.
RUBEN, G. R. Teoria da Identidade: uma crítica. Anuário Antropológico, n. 86,Brasília,
1988, p. 85.
SANSONE, L. Da África ao Afro: Uso e abuso da África ent re os intelectuais e na cultura
brasileira durante o século. Revista Afro-Ásia, 2002, n.27, pp.249-69.
123
_______. Os objetos da identidade negra. consumo, mercantili zação, globalização e a criação
de culturas negras no Brasil. Mana, 2000, n.1, v. 6, pp. 87-119.
SANTANA, E. E. de. Naçã o Angola. In: ENCONTRO DE NAÇÕES-DE-CANDOMBLÉ.
1981. Salvador, C EAO. Anais... Salvador: Ianamá- Centro Editorial e Didático da UFBA,
1984.
SANTOS, E dos. Religiões de Angola. Lisboa: Junta de Investigações de Ultramar, 1969.
______. Sobre a “medicina” e magia dos quiocos. Lisboa: Junta de Investigações de
Ultramar, 1960.
SCHMIDT, B. E. La imagen violenta de Vodu: La xenofobia e n la recepción de la religión
haitiana en Nueva York. Espanha: Sphera Pública, Universidad Católica San Antonio de
Murcia, Murcia, Publicación anual, nº. 3 pp. 85-104.
SERRA, O. Águas do rei. Petrópolis: Vozes, 1995.
SILVA, V. G. da. Candomblé e umbanda: caminho da devoção brasileira. São Paulo: Ática,
1994.
______. Orixás da metrópole. Petrópolis: Vozes, 1995.
TAUNAY, A de E. Subsídios para a história do tráfico no Brasil colonial. São Paulo:
Imprensa oficial do Estado, 1941.
TEIXEIRA, M.L.L. Candomblé e reinvenção de tradições. CAROSO, C.; BACELAR, J.
(org.) Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo,
reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. São Paulo:
Pallas/CEAO/CNPq, 1999.
TRINDADE, L. M. S. Construções Míticas e História: estudo sobre as representações
simbólicas e relações raciais em São Paulo do século XVIII à atualidade.SãoPaulo:
Universidade de São Paulo, 1991.
VALLADO, A. O sacerdote em face da renovação do candomblé. CAROSO, C.; BACELAR,
J. (org.) Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, s incretismo, anti-sincretismo,
reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. São Paulo:
Pallas/CEAO/CNPq, 1999.
VERGER, P.F. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de
Todos os Santos: os séculos XVII a XIX. trad. Tasso Gadzanis. São Paulo: Corrupio, 1987.
124
Apêndice A
Entrada d o Inzo Tumbansi
Apêndice B
Entrada do Abacá Nkassuté
125
Anexo A
Ngombu com ce sto.
126
Anexo B
Ngombu
127
Anexo C
Peças do ngombu
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo