você não for atrás dele, perdeu um livro…
- Deixa pra lá. Com o Zeca eu me entendo. Voltando pras nossas questões.
Vamos ter vários mecanismos de regulação que podemos explorar: esse hidráulico, o
do ciclo do vibrião, que envolve além do saneamento a questão ambiental, os efeitos
no organismo que dependem do equilíbrio dos líquidos e dos eletrólitos como você
disse, passando pela sobrevivência do embrião no meio ambiente até chegar nos
mecanismos sociais de controle da doença… Vamos passar de mecanismos
intracelulares, ao funcionamento de órgãos, ao equilíbrio geral do organismo como um
todo, às suas relações com o ambiente, às relações do agente infeccioso com o
ambiente, às relações sociais, à produção do conhecimento. Todos interdependentes
e de certa forma autônomos…
Ana interrompe o pensamento de Fernando:
- Eu estou preocupada com a necessidade de quantificar.
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Repare, a questão
de equilíbrio líquidos e eletrólitos depende basicamente das quantidades envolvidas.
Assim como os efeitos do/a cólera, nessa ficamos enrascados, dependem da
quantidade de vibriões que infectam o organismo. E só pra te dar uma idéia, fui ver
aquele vídeo do Ministério da Saúde e ouvi uma barbaridade.
- O vídeo mostra os casos de cólera na Índia, continuou Ana. Aquelas
situações bem trágicas, os doentes em cama de lona furada com um balde graduado
em baixo do furo pra medir a perda de líquido que sai aos jorros. Uma hora, a câmara
se aproxima por baixo pra mostrar a consistência do líquido, e aparece o ânus todo
ferido do paciente. Marcia, que estava assistindo o vídeo comigo, contou, toda
impressionada, que as pústulas brancas no ânus eram colônias de vibrião saindo. Na
hora passou batido, mas, quando o vídeo terminou, perguntei a ela de onde tinha
aquela informação. Me disse que foi a enfermeira do posto de saúde quem disse pra
ela. Cara, pensa um pouco. Estamos falando de bactérias de 9 µm, ou seja 9
milionésimos de milímetro, só com microscópio é que vai dar pra ver alguma coisa!
Aquilo são pústulas formadas pelo atrito e diferença de acidez, causadas pela saída
constante do líquido. E uma enfermeira, formada em curso superior, a mesma que
explicava a doença em um folheto no qual o tamanho da bactéria era uma das
primeiras informações, fala uma besteira dessa! Se não fizermos um trabalho
sistemático discutindo os valores numéricos que aparecem, acho que não adianta nem
falar sobre eles…
Fernando, que estava acostumado com Ana deixou ela falando sem parar
enquanto ia construindo uma tabela no papel. No primeiro intervalo disse:
- Dê uma olhada Em cada coluna dá pra identificar um mecanismo de
regulação, que por sua vez é regulado por um evento de escala superior. Veja aqui, o
desequilíbrio gerado em uma escala é controlado por um evento que se dá na escala
seguinte. É como se cada desequilíbrio gerasse sempre duas possibilidades a
interrupção do processo (morte?) ou a sua superação em uma escala mais ampla…
Continua pensando alto: - Você tem razão, se não considerarmos os fatores
numéricos não vai dar pra entender, são as duas dimensões da noção de escala: a de
medida e a de ordem de grandeza.
Ana muda de lado para acompanhar a construção da tabela. Começa a mudar
um ou outro elemento de lugar e ao fazê-lo, a lembrar das aulas e dos professores da
faculdade. Apesar de terem se conhecido de fato na escola, foi contemporânea de
Fernando na Faculdade, e daí o papo deriva flutuando entre a construção da tabela e
às lembranças tragicômicas dos tempos de Universidade, até a entrada de Marcia.
- Já terminaram? Precisamos reunir novamente todo o pessoal da 7ª, pros
ajustes finais e pra amarrar no mínimo a primeira semana de aula.
Olhando as caras de desânimo:
- Não me diga que vocês estavam divagando de novo! Objetividade, senhores
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.Sobre quantificação e medidas, ver o conceito unificador de escalas, in Angotti(1990) e
S.M.E.- SP(1991 v5) e outras referências citadas na nota 5, logo atrás.
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