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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÂO EM SOCIEDADE E
CULTURA NA AMAZÔNIA
A POLÍTICA INDIGENISTA NO AMAZONAS E O SERVIÇO
DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS: 1910-1932
JOAQUIM RODRIGUES DE MELO
MANAUS
2007
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JOAQUIM RODRIGUES DE MELO
A POLÍTICA INDIGENISTA NO AMAZONAS E O SERVIÇO
DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS: 1910-1932
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Socie-
dade e Cultura na Amazônia da Universi-
dade Federal do Amazonas, sob a orien-
tacão do Prof. Dr. Alfredo Wagner Berno
de Almeida.
MANAUS
2007
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da
Universidade Federal do Amazonas
M528p Melo, Joaquim Rodrigues de.
A política indigenista no Amazonas e o Serviço de Proteção
aos Índios: 1910-1932 / Joaquim Rodrigues de Melo. Manaus,
2007.
212 f.: il. color. ; 30 cm
Inclui bibliografia.
Orientador: Alfredo Wagner Berno de Almeida, Dr.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do
Amazonas, Instituto de Ciências Humanas e Letras, 2007.
1. Índios da América do Sul - Brasil - Amazonas 2. Brasil -
Serviço de Proteção aos Índios - História I. Título.
CDD 981.1300498 21. ed.
CDU 39(811.3=082)(043) 1997
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JOAQUIM RODRIGUES DE MELO
A POLÍTICA INDIGENISTA NO AMAZONAS E O SERVIÇO
DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS: 1910-1932
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Socie-
dade e Cultura na Amazônia da Universi-
dade Federal do Amazonas, sob a orien-
tacão do Prof. Dr. Alfredo Wagner Berno
de Almeida.
Aprovado em: 12/12/2007
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. Alfredo Wagner Berno de Almeida
PPGSCA – UFAM
_____________________________________________________
Prof. Dr. João Pacheco de Oliveira Filho
Museu Nacional – RJ
_____________________________________________________
Prof. Dr. Renan Freitas Pinto
PPGSCA - UFAM
5
AGRADECIMENTOS
Durante a elaboração deste trabalho, muitas foram as pessoas que
contribuíram para que chegasse ao seu final. Ao enumerar algumas delas,
certamente outras podem ficar de fora. Se isso acontecer, não se trata
propriamente de descortesia, pois, a todas elas sou grato.
Agradeço ao Prof. Paulo Pinto Monte, do Departamento de Filosofia da
UFAM, o qual colocou seu arquivo à disposição, além das muitas conversas
ao longo dos últimos três anos.
Agradeço ao Prof. do Departamento de História da UFAM, Francisco
Jorge dos Santos, pela sugestão do tema a ser estudado, quando fui seu
orientando no curso de Especialização em História e Historiografia da
Amazônia, na UFAM.
Agradeço ao Prof. Geraldo Peixoto Pinheiro, do Departamento de
História da UFAM, por informações importantes sobre referências
bibliográficas, que muito me ajudaram.
Agradeço à Profa. Selda Vale da Costa, do PPGSCA-UFAM, pelas
observações acuradas e pelo empréstimo de livros de seu acervo particular,
além das sugestões de referências bibliográficas.
Agradeço ao Prof. Gilton Mendes, do Departamento de Antropologia da
UFAM, amizade nova e profícua, pelas conversas que mantivemos nos últimos
meses.
6
Agradeço à pesquisadora do Museu do Índio, Rosely Rondinelly, que
possibilitou chegasse às minhas mãos os microfilmes que utilizei durante a
análise de dados.
Agradeço à Gimima Beatriz Melo da Silva, secretária do PPGSCA, pela
prontidão e gentileza com que sempre nos atendeu.
Agradeço a Maria das Dores Brito Cuesta e Elvira Silva Santos Costa,
do Arquivo da FUNAI - Manaus, as quais me atenderam com atenção e
carinho, quando comecei a coleta de dados.
Agradeço ao Raimundo Nonato dos Santos Braga e à Maria da Glória
Sarmento da Costa, funcionários da Biblioteca Pública do Estado - AM, que
sempre me atenderam com presteza e dedicação.
Agradeço à Arlete Sandra Mariano Alves, da Biblioteca Arthur Reis,
sempre solícita quando ali estive.
Agradeço ao Davi Avelino Leal, colega de turma, pela amizade
construída nas angústias e alegrias vivenciadas durante o curso de mestrado.
Agradeço, de forma especial, à antropóloga Ana Flávia Moreira Santos,
pelas conversas que mantivemos quando esteve aqui em Manaus
empreendendo suas pesquisas para o curso de doutorado. Além disso, sou
grato por ter me fornecido documentos essenciais, bem como fontes
bibliográficas e iconográficas.
Agradeço à Profa. Patrícia Sampaio, do PPGSCA - UFAM, minha
orientadora dos primeiros momentos. Por motivos alheios à nossa vontade,
tomamos diferentes rumos. A ela sou deveras grato.
Ao meu orientador, Prof. Alfredo Wagner Berno de Almeida sou muito
grato. Além dos cursos por ele proferidos, os quais muito ampliaram meus
7
conhecimentos, me beneficiei das suas experiências de pesquisa.. Sem seu
estímulo constante e paciência nos últimos meses, certamente esse trabalho
não teria sido concluído.
Agradeço ao meu pai, João Pereira de Melo, nordestino analfabeto que
veio para o Amazonas e deu-me as condições para que eu obtivesse uma boa
formação intelectual.
Agradeço, por fim, à minha esposa Rosa Maria Vital de Melo, à qual
furtei momentos infindos para me dedicar à elaboração desta dissertação.
8
RESUMO
Este trabalho pretende fazer uma análise sociológica da ação do Serviço de
Proteção aos Índios - SPI, no Estado do Amazonas, no período de 1910 a 1932.
A partir dos conceitos de dispositivo, de campo e de poder tutelar, buscamos,
não apenas elaborar uma cronologia histórica da presença do SPI no Amazonas, mas
trazer à luz as práticas levadas a cabo pelo órgão indigenista na “missão” de conduzir os
povos indígenas da região sob sua jurisdição, de uma “condição primitiva” a um
“estado positivo”, através do que denominaram de “processo civilizatório”.
O objetivo maior é trazer para o presente reflexões críticas sobre estes
pressupostos positivistas que marcaram profundamente as ações dos órgãos indigenistas
(SPI, FUNAI).
É nossa intenção, nesta dissertação, mostrar todas as nuances das práticas do
“rondonismo” no Estado do .Amazonas nas primeiras décadas do século XX.
9
ABSTRACT
This work intends to make a sociological analysis of the action of the
Indigenous Protection Service (Serviço de Proteção aos Índios SPI), in the
State of Amazonas, during the 1910-1932 period.
Based on such concepts as devices, field and tutelary power we have tried not
only to make a historical timetable of the presence of SPI in the State of
Amazonas, but also to shed some light on the practices carried out by the
indigenist body in the “mission” of conducting the Indian population in the region
under its jurisdiction, of a “primitive condition” to a “positive state”, through a so-
called “civilizatory process”. The major objective is to bring to date critical
reflections on these positivistic assumptions which have deeply marked the
actions by the indigenist bodies (SPI, FUNAI). It is our intention in this
dissertation, to show all the nuances of the “rondonistic” practices in the State of
Amazonas during the first decades of the XX century.
10
SIGLAS E ABREVIATURAS
CAN – Correio Aéreo Nacional.
CNPI – Conselho Nacional de Proteção aos Índios.
FUNAI – Fundação Nacional do Índio.
I. R. – Inspetoria Regional.
MAIC – Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
SPI – Serviço de Proteção aos Índios.
SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais
SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
1. Processo de obtenção das fontes 14
2. Ordem de exposição dos capítulos 19
2.1 Capítulo 1 19
2.2 Capítulo 2 20
2.3 Capítulo 3 22
2.4 Anexos 24
CAPITULO 1 – A política indigenista e a criação do Serviço de Proteção aos
Índios 26
1.1 A política indigenista no Brasil Imperial 27
1.2 A criação do Serviço de Proteção aos Índios 39
1.3 Política indigenista no Amazonas 62
CAPÍTULO 2 – A Inspetoria do Estado do Amazonas e Território do Federal
do Acre 74
2.1 Instalação da Inspetoria Regional do Amazonas: a gestão de Alípio Bandeira 74
2.2 Gestão João de Araújo Amora 100
2.2.1 Excursão à região do Autaz 101
2.2.2 Viagem de inspeção realizada pelo Encarregado do Entreposto de Proteção
aos Índios de Itacoatiara, Domingos Theóphilo de Carvalho Leal à região do
Autaz 106
12
2.2.3 Expedições ao rio Jauapery realizadas pelo ajudante engenheiro João Augusto
Zany 110
2.2.4 Excursão ao alto Juruá 115
2.2.5 Excursão ao rio Inahuiny, realizada pelo ajudante Bento Martins Pereira de
Lemos 118
2.2.6 Excursão ao rio Jutahy 122
2.2.7 Relatório elaborado pelo 1º Tte. Francisco Barbosa de Araújo acerca da
situação em que se encontrava a Inspetoria do Território do Acre ao ser incorporada
à do Amazonas 127
CAPÍTULO 3 - A Inspetoria do Amazonas e Território do Acre sob a
administração de Bento de Lemos 135
3.1 A gestão Bento de Lemos: de 1916 a 1920 135
3.1.1 Bento de Lemos como ajudante 135
3.1.2 Bento de Lemos como Inspetor 136
3.1.3 Postos Indígenas no início da gestão Bento de Lemos 136
3.1.4 A categoria delegado na Inspetoria do Amazonas 138
3.1.5 Imobilização da força de trabalho indígena 140
3.1.6 Viagem ao Departamento de Tarauacá 141
3.1.7 Terras indígenas 142
3.1.8 Criação de postos indígenas como solução para a “proteção” 144
3.1.9 Postos indígenas fundados no primeiro lustro de sua gestão 145
3.1.10 O começo de projeto de “pacificação”: os Parintintin 151
3.2 O período de 1921 a 1925 156
3.2.1 A “pacificação” dos Parintintin 156
3.2.2 Postos Indígenas fundados de 1921 a 1925 163
13
3.2.3 Tensão na Administração de Rego Monteiro 173
3.2.4 Mais questões judiciais 175
3.3 O período de 1926 a 1932 179
3.3.1 Ainda a questão dos delegados 179
3.3.2 projeto parlamentar x Terra dos índios 180
3.3.3 Postos indígenas fundados no período de 1926 a 1932 182
3.4 Recrutamento de etnólogo com vínculos com diversas agências consagradas
Nacional e internacionalmente, como instrumento de ação 190
3.5 Situação dos Postos Indígenas ao final da gestão Bento de Lemos 193
3.6 Sanatório General Rondon 194
3.7 Fazenda São Marcos 195
3.8 A Comis
são de Inquérito 196
3.8 Bento de Lemos fora do SPI 200
4.0 O SPI entra em colapso? 205
Considerações Finais 207
Fontes Documentais e Arquivísticas 213
Referências Bibliográficas 224
14
INTRODUÇÃO
Este trabalho teve seu início no transcorrer de um curso de
Especialização em História e Historiografia da Amazônia, realizado na
Universidade Federal do Amazonas, no biênio 2002/2003. Um Projeto de
Pesquisa era o trabalho final a ser apresentado. A temática do indigenismo
apresentou-se para nós como uma prioridade na elaboração de um projeto de
pesquisa, como trabalho final de curso, e, através das leituras por nós
empreendidas no citado curso, percebemos a necessidade de ampliar os
estudos no campo do indigenismo e ao mesmo tempo fazer uma reflexão sobre
uma parte da História da Amazônia, pouco conhecida.
A sugestão para estudar o Serviço de Proteção aos Índios no
Amazonas, foi do professor Francisco Jorge dos Santos, do Departamento de
História da UFAM, após discutirmos a leitura de um artigo produzido por
Antonio Carlos de Souza Lima, O governo dos índios sob a gestão do SPI.
Havia uma lacuna importante sobre a atuação desse órgão
governamental no Estado do Amazonas, pouco tendo sido escrito acerca do
tema até então. Das referências bibliográficas mais citadas podemos destacar
alguns trabalhos esparsos, em sua maioria, escritos por autores ligados
diretamente ao órgão, tais como Curt Nimuendajú, Joaquim Gondim, Expedito
Arnaud, Nunes Pereira e Alípio Bandeira.
15
Em relação a trabalhos acadêmicos, propriamente ditos, podemos
citar as dissertações de mestrado de Paulo Pinto Monte (1992), Etno-história
Waimiri-Atroari (1663-1962), e Juliana Schiel (1999), Entre patrões e
civilizadores. Os Apurinã e a política indigenista no médio rio Purus na primeira
metade do século XX.. Mais recentemente, foi publicado pelo Museu do Índio
(RJ), um trabalho do antropólogo Carlos Augusto da Rocha Freire (2007),
denominado O SPI na Amazônia Politica indigenista e conflitos regionais
1910-1932.
A leitura crítica destas fontes secundárias nos abriu caminhos para uma
reflexão mais detida sobre as modalidades de intervenção do SPI e o modus
operandi de seus quadros “técnicos”, notadamente no Estado do Amazonas.
Para elaborarmos a análise da trajetória do SPI no Amazonas,
dividimos o estudo por gestão, ou seja, separamos cada uma das
administrações, por entendermos que essa era uma forma prática de
agruparmos a documentação, além de nos possibilitar perceber a diferença da
adoção de medidas de uma gestão para outra. No caso de Alípio Bandeira,
primeiro gestor da I.R. 1, pelo fato de ficar pouco tempo à frente da Inspetoria
do Amazonas, cerca de sete meses, reunimos em um mesmo capítulo seu
período de atuação com a de João de Araújo Amora, cujo trabalho frente ao
órgão durou aproximadamente quatro anos. Quanto ao inspetor Bento Martins
Pereira de Lemos, deu-se exatamente o contrário: o período em que ficou na
direção da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre cerca de 16 anos,
motivo pelo qual resolvemos dividir sua gestão em lustros.
Este trabalho não se limita simplesmente a uma reconstituição
histórica, que ele pretende trazer, para o presente, reflexões críticas sobre
16
práticas indigenistas arraigadas nos órgãos afins. Em verdade trata-se de
propiciar elementos para uma interpretação sociológica das práticas chamadas
“rondonistas” (Pacheco e Almeida, 1998), isto é, ações de inspiração tutelar e
autoritárias, executadas por servidores dos órgãos indigenistas oficiais,
baseadas em princípios positivistas, que têm orientado por décadas
consecutivas a aplicação da política indigenista no Brasil.
1 Processo de obtenção das fontes
A partir da escolha do tema a ser estudado, implementamos uma
busca das fontes documentais e arquivísticas a serem trabalhadas,
basicamente em órgãos oficiais, além da literatura publicada pelo Ministério da
Agricultura, em forma de boletins.
Começamos a pesquisa documental e bibliográfica sobre o SPI
no Amazonas em meados de 2003, quando da elaboração do projeto de
pesquisa.
O primeiro lugar a ser visitado foi o arquivo da Fundação Nacional
do Índio FUNAI em Manaus. Ali encontramos documentos esparsos, mas
que davam uma mostra da variedade e riqueza da documentação produzida
pelo órgão durante seu período de existência: de 1910 a 1967. Achamos,
também, arquivados, alguns relatórios da Inspetoria do Amazonas e Território
do Acre, além de : ofícios, radiogramas, cartas, relatórios parciais de auxiliares
e ajudantes, entre outros.
17
Ainda no arquivo da FUNAI, obtivemos a informação de que a
maior parte da massa documental produzida pelo SPI se encontrava no Museu
do índio, no Rio de Janeiro. A respeito desse acervo, o trabalho da
pesquisadora Rosely Rondinelli (1995), Inventário Analítico do Arquivo do SPI,
descreve parte da documentação ali existente.
Outro trabalho que viria nos ajudar sobremodo e nos dar a certeza
de estarmos no caminho certo, foi o Arquivos indígenas no Rio de Janeiro,
organizado pelo professor José Ribamar Bessa Freire, da Universidade Federal
Fluminense. Nesse trabalho, Bessa Freire (1995) aponta a existência de cerca
de 13.500 documentos em 11 rolos de microfilmes totalmente organizados, de
forma cronológica, referentes à 1ª Inspetoria Regional, e subdivididos em: 1)
Expediente da Inspetoria; 2) Vários Postos; 3) Expediente da Diretoria; 4)
Expediente de Terceiros. Ao tratar do conteúdo dessa documentação,
referencia que “apesar das lacunas que só serão preenchidas quando for
localizada a documentação extraviada”, o conjunto contém relevante material
sobre o SPI e a Funai, com informações etnográficas, demográficas e
etnolinguísticas relativas a mais de 50 povos vivendo na área correspondente à
1ª Inspetoria Regional (...).
Tais informações podem ser assim sumariadas: descrição e
recenseamento de índios, atuação de missionários e sertanistas, atração e
pacificação de índios isolados, conflitos por terras, massacres, situação
jurídica, trabalho compulsório no extrativismo, agricultura e pecuária, condições
de saúde e educação. Destaque-se a série de relatórios de inspetores, chefes
de posto, ajudantes e auxiliares, relatórios de ocorrências, de expedições e
viagens a malocas, entre os quais o de Nimuendajú sobre visita aos Tikuna
18
(1929) e sobre o Alto Rio Negro (1927) em versão mais completa do que a
publicada no “Journal de la Societé des Americanistes” (1950).
Além disto documentos sobre o Uaupés (1914-67), Rio Branco
(1914-41), Solimões (1915-65), Juruá-Purus (1912-65), Guaporé e Alto Madeira
(1912-56) entre outros, tais como a Carta de Bento de Lemos a Rondon sobre
os Parintintin (1922), além de muitos documentos sobre a Fazenda São Marcos
(1916-1980).
A página do Museu do Índio RJ na internet, consistiu em um
excelente instrumento de pesquisa, pois ali conseguimos identificar quais os
microfilmes que continham documentos relativos ao Estado do Amazonas.
Após contato por telefone com a Sra. Rosely Rondinelli, chefe do Arquivo do
Museu do Índio (RJ), foi-nos possibilitada a obtenção de cópias de 21
microfilmes, todos eles contendo documentos referentes à Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre.
Simultaneamente à pesquisa documental, li alguns trabalhos de
autores que abordam o tema, tais como Antonio Carlos de Souza Lima (1985,
2002), João Pacheco de Oliveira Filho (1979; 1988, 1998), Alfredo Wagner
Berno de Almeida (1998), cujas leituras foram determinantes para nossa
análise.
Após a obtenção dos microfilmes, veio o trabalho de impressão e
leitura. É válido destacar que trechos de microfilmes se encontram apagados,
sendo de difícil leitura. Paralelamente fomos adquirindo a literatura publicada
pelo Ministério da Agricultura sobre o Serviço de Proteção aos Índios. Trata-se
de literatura específica e voltada, em larga medida, para a divulgação dos
19
trabalhos produzidos. Entendemos que serviria também para a defesa e
divulgação do órgão.
Em 1931, com a finalidade de apurar possíveis irregularidades na
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, foi constituída uma Comissão de
Inquérito, pelo então Interventor Federal Álvaro Maia.
A documentação produzida pela Comissão de Inquérito resultou
em cinco volumes, com milhares de páginas, dentre os quais se destaca o
apenso fotográfico utilizado por Bento de Lemos em sua defesa. Essa
documentação, que se encontra no Arquivo Nacional, foi digitalizada pela
antropóloga Ana Flávia Moreira Santos, a qual nos forneceu gentilmente uma
cópia. Após tratamento das fotografias, parte delas foi por s incluída no
anexo iconográfico, parte desse trabalho.
Vale ressaltar que a fotografia, até pouco tempo não recebia
sua devida importância enquanto documento. no primeiro quartel do século
XX, o Serviço de Proteção aos Índios e, particularmente, Bento de Lemos,
utilizava o recurso da fotografia, as quais possuíam um padrão de
apresentação de acordo com o fim a que se destinava, qual seja, o de mostrar
a eficiência do SPI no processo “civilizatório” em curso, bem como o de servir
de propaganda da prática indigenista levada a cabo por aquele órgão.
Nesse sentido, podemos perceber que as fotografias levadas à
Comissão de Inquérito por Bento de Lemos mostram o olhar comprometido do
inspetor, nas quais estão presentes os projetos agrícolas, índios vestidos,
ouvindo música, estudando, a salubridade, enfim, mostram o lado positivo da
ação do Serviço de Proteção aos Índios. Em nenhum momento aparecem
20
sinais de epidemia, trabalho compulsório, exploração de índios pelos
delegados.
Para analisar a trajetória do Serviço de Proteção aos Índios no
Amazonas, recorremos ao conceito de dispositivo tal como trabalhado por
Foucault
1
. Este instrumento teórico pode ser entendido simultaneamente,
como expressão discursiva e como um conjunto de atos, tanto formais, quanto
informais e de sentido prático, emanados do aparato burocrático. Tal prática se
consubstancia em atos (ofícios, portarias, decretos e leis) e em medidas
administrativas, a saber: planos, programas, projetos e toda uma massa
documental difusa, produto de agentes burocrático-administrativos diversos. .
As instruções normativas internas do órgão indigenista, as
ordens de serviço, as alocuções em eventos oficiais de seus principais
mandatários, os avisos, os relatórios de expedições e os ofícios, também
podem ser classificados sob a noção de dispositivo e serão objeto igualmente
de nossa análise. A heterogeneidade dos gêneros de produção burocrático-
admininstrativos evidencia a abrangênia do significado de dispositivo em jogo.
Um outro instrumento teórico utilizado e que nos permitiu um
melhor entendimento acerca da atuação do Serviço de Proteção aos Índios,
trata-se do conceito de campo, utilizado por Lima, a partir de Bourdieu,
entendendo-o “como um instrumento heurístico, para descrever o espaço da
política indigenista..(...) Como campo deve-se supor que se encontre nele uma
luta que opõe o novo que força sua entrada e o dominante que procura excluir
a concorrência, defendendo seu monopólio. Essa luta encontrará formas
1
Para esse autor, o conceito de dispositivo constitui um conjunto decididamente heterogêneo
que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares,
leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. Em suma, o dito e o o dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a
rede que se pode estabelecer entre estes elementos. (Foucault, 2001: 244).
21
específicas de acordo com os diversos campos e com os estados diferentes da
estrutura de um mesmo campo” (Souza Lima, 1985:227). Os agentes sociais
em questão assinalam a existência de uma instância burocrática em que se
digladiam forças políticas diversas.
Adotamos, neste trabalho, os conceitos de indigenismo e de
política indigenista tal como formulados por Antonio Carlos de Souza Lima
(1995). Para esse autor, indigenismo pode ser definido como um “conjunto de
idéias (...) relativas à inserção de povos indígenas em sociedades subsumidas
a Estados nacionais, com ênfase especial na formulação de métodos para o
tratamento de populações nativas, operados, em especial, segundo uma
definição do que seja índio. Nesta perspectiva, política indigenista configura-se
como “medidas práticas formuladas por distintos poderes estatizados, direta ou
indiretamente incidentes sobre os povos indígenas” ( Souza Lima, 1985: 14-
15).
2. Ordem de exposição dos capítulos
2.1. Capítulo 1
No primeiro capítulo, procuramos mostrar como funcionou a
política indigenista, de forma bem sucinta, a partir do começo do século XIX,
no Brasil, de forma geral e, em particular, no Estado do Amazonas. Pretende-
se com isso, além de perceber qual a situação dos povos indígenas,
contextualizar a conjuntura econômica na região, no Brasil Imperial, passando
pela instauração da República, em 1889, até meados do primeiro quartel do
século XX, quando se dá a instalação da Inspetoria do SPI no Amazonas.
22
O entendimento de como se deu o processo de contato no XIX e
princípios do XX, é muito importante para avaliarmos melhor se houve
mudanças significativas no tratamento dedicado aos povos indígenas por parte
do Estado, a partir da condução da política indigenista pelo novo órgão, a partir
de 1910.
Destacamos as formas de representação e de percepção de
como foram vistos e qual a participação dos povos indígenas nesse processo,
para, então, a partir daí, passar a analisar a ação empreendida pelo Serviço de
Proteção aos Índios – SPI.
Para analisarmos a condução da política indigenista na segunda
metade do XIX, compulsamos uma determinada fonte histórica, qual seja, os
Relatórios, Falas e Exposições dos presidentes da Província do Amazonas.
2.2. Capítulo 2
Adotamos para analisar a trajetória do SPI, a divisão por gestão
de cada um dos inspetores, por entendermos que essa seria uma forma
prática e facilitadora de desenvolvermos a pesquisa. A partir da instalação dos
trabalhos da Inspetoria do Amazonas, em 16 de julho de 1911, buscamos
perceber, sobretudo ao estudarmos as gestões dos inspetores Alípio Bandeira
e João de Araújo Amora, algumas nuances em relação ao sentido das ações
adotadas pelo órgão indigenista: até que ponto o ideário positivista de Rondon
influenciou as principais ações tomadas em relação aos povos indígenas da
região? quais as redes de relações que se deram no contato dos diferentes
povos indígenas com membros da chamada “sociedade nacional”? quais os
23
interesses em jogo nesse contato? quais os mecanismos utilizados pelos
agentes do órgão indigenista para consolidar uma aproximação com os povos
indígenas e incorporá-los como parte integrante na construção da chamada
“sociedade nacional”?.
Em relação à gestão de Alípio Bandeira tivemos dificuldade em localizar
a documentação produzida nesse período. Não obstante isso, valemo-nos do
Resumo do relatório da I. R. 1, quanto às atividades do Exercício de 1911 ,
elaborado por José Bezerra Cavalcante, então Diretor do SPILTN, para
apresentar ao Ministro da Agricultura. Nesse documento, estão as informações
a respeito das expedições empreendidas pelo inspetor Alípio Bandeira e pelos
ajudantes da Inspetoria do Amazonas. Também constam os fatos relacionados
à sua ação mais conhecida, enquanto inspetor do Amazonas, a chamada
“pacificação” dos povos indígenas do rio Jauapery.
A respeito da ação supracitada, o livro Jauapery , escrito por Alípio
Bandeira e publicado em 1926 traz, com riqueza de detalhes, como se deu o
contato com os povos indígenas daquela região, o que supriu a ausência do
seu relatório.
Na gestão Amora uma série de relatórios parciais produzidos pelos
ajudantes da inspetoria, o que uma noção do que foi sua gestão. Embora
tenhamos compulsado o relatório do inspetor, de 1914, a maior parte das
informações a respeito da situação indígena está contida nos relatórios
parciais.
Nesse período, cabe sublinhar, a Inspetoria do Acre foi incorporada à
Inspetoria do Amazonas, passando a Inspetoria do Amazonas e Território do
24
Acre, além das Fazendas Nacionais do Rio Branco passarem a fazer parte da
jurisdição da 1ª Inspetoria Regional.
2
2.3 Capítulo 3
Nesse capítulo buscamos analisar a administração do engenheiro
Bento Martins Pereira de Lemos à frente da Inspetoria do Amazonas e
Território do Acre, durante aproximadamente 16 anos, no período de abril de
1916 a meados de 1932, quando foi nomeado Inspetor do Trabalho e
encarregado da instalação da Inspetoria Regional do Trabalho no Estado da
Paraíba.
Nesse capítulo, como se trata de um período de
aproximadamente dezesseis anos, resolvemos dividir o estudo em três partes.
A primeira, de abril de 1916, quando Bento de Lemos assumiu a chefia da
Inspetoria, até o ano de 1920; o segundo, de 1921 a 1925; e o terceiro, de
1926 até meados de 1932.
A série de relatórios produzidos por Bento de Lemos traz uma
gama de informações que mostram uma idéia geral da situação dos povos
indígenas sob a jurisdição da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre.
Esses relatórios trazem recenseamentos de povos indígenas, situações de
trabalho compulsório, conflitos entre os povos indígenas e a chamada
“sociedade nacional”, informações etnolinguísticas, ações judiciais formuladas
pela Inspetoria na defesa de direitos dos povos indígenas. Enfim, dão um perfil,
2
De acordo com o antropólogo Paulo Santilli, “A iniciativa de criar as Fazendas Nacionais
partiu do Governo da Capitania de São José do Rio Negro, durante a administração de Manuel
da Gama Lobo D’Almada, que introduziu as primeiras cabeças de gado nos campos do rio
Branco em 1787, criando então as fazendas da Coroa, que mais tarde tornar-se-iam as
fazendas nacionais.” (Santilli, 1994:18).
25
na visão do órgão, de como foram empreendidas as ações da Inspetoria em
relação aos diversos povos indígenas em sua área de jurisdição. Podemos até
dizer que as ações judiciais foram o instrumento mais utilizado pelo inspetor
Bento de Lemos, tendo em vista as facções políticas existentes na região,
principalmente no período em que esteve à frente do Governo do Estado o
desembargador Rego Monteiro.
Quando o engenheiro Bento de Lemos esteve na direção da
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, por três vezes trouxe para auxiliá-
lo o etnólogo Curt Nimuendajú. Ele esteve presente na chamada “pacificação
dos Parintintin”(1922-23); realizou viagem ao Alto Rio Negro (1927), para fazer
reconhecimento da área com vistas à implantação de Postos Indígenas; e
também participou de uma excursão de reconhecimento no Alto Solimões
(1929), região ocupada pelos Tikuna. Dessas três participações resultaram
relatórios importantes para auxiliar o inspetor na tomada de decisões. As
informações etnográficas ali contidas ajudam a compreender a organização
social dos povos visitados, sendo até hoje referência para quem estuda o
campo do indigenismo na região amazônica..
No ano de 1930, o Serviço de Proteção aos Índios foi transferido
para o Ministério do Trabalho.
No ano de 1931, a Inspetoria do Amazonas foi alvo de um
inquérito administrativo, autorizado pelo Interventor Álvaro Maia, tendo o
inspetor Bento de Lemos sido demitido, enquanto respondia às acusações a
ele imputadas. Após a defesa, a Comissão resolveu arquivar o referido
processo, sendo Bento de Lemos readmitido na função de inspetor, ainda em
26
1931. No ano de 1932, ele foi nomeado inspetor do Ministério do Trabalho e
encarregado de promover a instalação da Inspetoria do Estado da Paraíba.
Com a mudança do órgão do Ministério da Agricultura para o
Ministério do Trabalho, o SPI perde autonomia e orçamento próprio. Em 1934
foi novamente o SPI transferido, dessa feita passa a fazer parte do Ministério
da Guerra. Permanece nesse Ministério até voltar, em 1939, ao Ministério da
Agricultura, onde permaneceria até sua extinção, em 1967.
A década de 1930 ficou conhecida entre os membros do Serviço
(como era conhecido internamente o SPI), como a década do colapso do SPI.
Muito do que havia sido realizado a a presença de Bento de Lemos fora
desarticulado. A Inspetoria do Amazonas ficou sem comando efetivo.
A partir da volta do SPI ao Ministério da Agricultura, novas luzes
se acendem sobre o órgão e, com a presença do presidente Getúlio Vargas em
Manaus, foi reinstalada a Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, em 10
de outubro de 1940, agora tendo à frente o Major Carlos Eugênio Chauvin.
2.4 Anexos
Nos anexos do nosso trabalho, agrupamos parte significativa da
legislação que orientou as ações do Serviço de Proteção aos Índios. Tem esta
a finalidade de fazer com que o leitor tome conhecimento da dimensão da
problemática por s trabalhada e analisada. Além disso, ao incluir essa
documentação, pensamos torná-la disponível para outros pesquisadores que
tenham esse material como objeto de estudo.
27
No anexo documental, constam Leis, Decretos, Regulamentos,
Portarias, além do Discurso de instalação da Inspetoria do Amazonas, entre
outros.
No anexo iconográfico, incluímos fotografias que retratam
aspectos dos postos indígenas da Inspetoria do Amazonas. Essas fotografias,
em grande parte, foram publicadas nos relatórios apresentados por Bento de
Lemos, e foram por ele utilizadas em sua defesa, quando da instauração do
Inquérito em 1931, como antes já informamos.
28
CAPÍTULO 1
A política indigenista brasileira e a criação do Serviço de Proteção aos
Índios
Este capítulo pretende analisar o processo de implementação da
primeira política indigenista do governo republicano no Brasil, institucionalizada
por meio do Serviço de Proteção aos Índios - SPI, examinando, de modo
particular, a conjuntura presente no Estado do Amazonas, no período que se
estende do transcorrer da última década do século XIX ao primeiro quartel do
século XX. Para tanto, faremos comentários sobre a literatura pertinente ao
tema no plano nacional, focalizando os fatores que deram origem a essa
política, além de discutirmos também a legislação que a norteou.
Para analisar criticamente as determinações da política indigenista
brasileira.e os atos que orientaram a criação do SPI, nos valeremos, conforme
foi sublinhado, do conceito de dispositivo de Michel Foucault (2001:243-
276). Esse conceito nos possibilita entender o modus operandi da política
indigenista brasileira, simultaneamente, como uma expressão discursiva e
29
como um conjunto de atos; tanto atos formais (leis, decretos, portarias,
memorandos) como práticas do aparato burocrático. Assim, o indigenismo é
mais que um conjunto de idéias; consiste, como veremos mais tarde em
Antonio Carlos de Souza Lima (1995), em formas de ações, políticas e práticas,
consubstanciadas nos atos, decretos, planos, programas e projetos. O conceito
de dispositivo propicia um entendimento mais rigoroso do objeto de estudo,
porquanto engloba, ao mesmo tempo, discursos, práticas e atos jurídico-
formais. Em suma, focaliza acontecimentos e as formas de percepção deles.
Um outro instrumento teórico que utilizamos e que nos permitirá
um melhor entendimento acerca da atuação do Serviço de Proteção aos Índios,
trata-se, conforme já foi mencionado, do conceito de campo, usado por
Lima (1985), a partir de Bourdieu.
Para compreender a trajetória e a complexidade das questões
.abordadas, faz-se imprescindível considerar o Serviço de Proteção aos Índios
(SPI) ser resultado de um longo processo de intervenção governamental
referente à relação entre o Estado e diferentes etnias, que se desdobra desde
meados do século XIX, evidenciando as várias expressões assumidas pelas
políticas indigenistas.
1.1 A política indigenista no Brasil Imperial
No início do século XIX, não havia um conjunto de leis específicas que
apontassem uma política indigenista oficial do governo português, quer seja em
relação ao Brasil ou à Amazônia, em particular.
José Oscar Beozzo (1983: 71) destaca que com a queda do regimento
pombalino, em 1798, foram instituídas algumas normas onde não se
30
enquadrava o índio em nenhum regime especial. Contudo, ficava proibida a
prática do “descimento” e escravização, ficando a força de trabalho indígena
submetida às normas reguladoras da relação entre amo e criado, ou seja,
subordinada aos comerciantes de escravos.
Com a chegada de D. João VI ao Brasil em 1808, o tratamento
priorizado foi a prática da repressão ao indígena através da instituição das
guerras ofensivas (Carta Régia, de 13/05/1808).
Mais tarde, com o processo de independência do Brasil e a construção
de uma Constituição, um elemento acabará adquirindo relevo para os fins
deste trabalho: a apresentação, em 1823, na Assembléia Constituinte, do
projeto de José Bonifácio de Andrada e Silva “Apontamentos sobre a
Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil”
3
. Deveria fazer parte da
constituição de 1824 e apresentava uma proposta para o trato das populações
nativas no império. Também pregava a brandura no trato com os povos
indígenas, fazendo um contraponto às Cartas Régias que incentivavam a
violência. Como afirma Beozzo (1983:74), “a dissolução da Assembléia
Constituinte impediu que se tomasse resolução sobre o assunto”.
4
Embora os “Apontamentos...” de JoBonifácio de Andrada e Silva não
tenham sido incluídos na Constituição de 1924, seu discurso tornou-se
importante para as legislações que viriam a seguir: em 1831, por exemplo, são
3
ANDRADA E SILVA, José Bonifácio. Apontamentos para a civilização dos índios bravos do
Império do Brasil. Rio de Janeiro, 1 de junho de 1823. IN: SOUZA, Octávio Tarquínio de. O
pensamento vivo de José Bonifácio. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1944..
4
A vinculação existente aqui é a considerável influência que o projeto de José Bonifácio
exerceu sobre o discurso e, posteriormente, sobre a formulação dos princípios norteadores do
Serviço de Proteção aos Índios.
31
revogadas as Cartas Régias de 1808 e 1809, quando os índios passam à
condição de órfãos e, portanto, tutelados.
5
No ano de 1943, a Lei 285, de 21 de junho, autorizou a vinda de
missionários capuchinhos italianos para o trabalho de catequese, o que seria
ratificado pelo Decreto 426, de 24 de julho de 1845, quando é criado o
“Regulamento acerca das Missões de catechese e civilização dos índios”. Era
uma tentativa de reproduzir, através dos capuchinhos, o que os jesuítas
teriam representado no período colonial.
O regulamento de 1845 trazia poucas novidades em relação à legislação
que o inspirou o Diretório dos Índios (1758-1798). De acordo com Beozzo
(1983:78-79), a figura central era do Diretor Geral dos Índios. Cabia um para
cada uma das províncias do Império. Este funcionário era o principal
responsável por toda a administração e gozava de amplos poderes, cobrindo o
5
“Esse texto do Patriarca da Independência é realmente curioso. Foi apresentado em dois
parlamentos, primeiramente em Lisboa e, depois, no Brasil, por ocasião da Assembléia
Constituinte Nacional (1822-1823) e nas duas circunstâncias não chegou a ser apreciado em
plenário e nem a merecer um parecer, ao que tudo indica, das comissões encarregadas da
política indigenista, ou seja, daquelas responsáveis pela política agrícola e de terras.
Paradoxalmente, entretanto, foi o projeto elaborado por José Bonifácio aquele que passou à
história e, inclusive, tem merecido a pecha de ser o responsável pela política que finalmente o
Governo, após ter fechado a Constituinte, outorgado uma Constituição, em 1824, e se
internado em diversos problemas de centralização e descentralização de poder, das oposições
alicerçadas pelos reinóis, consegue, em 1845, lançar a política indigenista do império” (Cezar
de Carvalho, 2006:139-140). Esse projeto trazia em seu bojo, idéias distintas das existentes até
então. De acordo com Ana Rosa Cloclet da Silva (1999), para Bonifácio, “seria preciso
desenvolver nos índios a “idéia de propriedade” e o desejo de “distinções e vaidades sociais,
que são as molas poderosas que põem em atividade o homem civilizado”. Dessa forma,
desvenda-se o sentido que empregava à idéia de “civilização” dos índios: civilizá-los significava
integrá-los à sociedade, por meio do seu desenvolvimento como ente econômico. A forma
específica pela qual esta integração deveria se dar constituía-se na política de aldeamento por
ele proposta, a qual tinha como fundamento básico a reunião e sedentarização dos índios,
submetendo-os às leis e ao trabalho. Neste sentido, o projeto andradino de catequização e
aldeamento do indígena revela um gradativo de políticas, que vão desde as que visam
“domesticar” os índios bravos através da “brandura” e “justiça”, até aquelas que atendiam,
finalmente, ao objetivo central deste processo de “civilização”, que era a integração do índio à
sociedade brasileira, como força de trabalho. É assim, portanto, que os últimos itens dos
“Apontamentos” propõem o estabelecimento de contratos de trabalho entre os índios aldeados
e a população que os demandasse, bem como a sua utilização quando as necessidades
públicas” o exigissem. E aqui, vale notar, tratava-se de integrá-los à sociedade como força de
trabalho livre, o que explica a oposição de José Bonifácio à prática de venda e escravização da
mão-de-obra indígena (Silva, 1999:187).
32
campo administrativo, econômico, religioso e judicial. Por outro lado, segundo
Manuela Carneiro da Cunha, do ponto de vista da autonomia missionária, se
comparada à dos jesuítas, a diferença era significativa e os capuchinhos
possuíam pouca mobilidade. (Cunha,1992: 12)
O interesse pelas terras indígenas ganhava cada dia mais importância
no cenário econômico. Beozzo havia avaliado que o Regulamento de 1845
constituía-se em uma estratégia clara para disciplinar a questão do acesso às
terras dos índios, senão vejamos:
Por isso, em 1845 a política indigenista parece ter objetivos: a primeiro,
por fim aos choques armados nas áreas de expansão da sociedade
nacional. A atração e o aldeamento dos índios retira-os da linha de fogo
dos que avançam sobre seu território. A sua sedentarização libera terra
para a ocupação dos nacionais. O segundo objetivo patente no novo
Regimento é a questão da destinação das terras indígenas. As que
estavam abandonadas deviam ser indicadas pelo Diretor do Governo,
sugerindo o destino a ser dado às mesmas. Aos índios que não
cultivassem suas terras, essas deviam ser retiradas. Os pequenos
grupos deviam ser reagrupados. A terra não utilizada numa determinada
aldeia devia ser arrendada. O regimento é de 1845 e precede de pouco a
Lei de Terras de 1850. O problema estava no ar. O índio não devia ser
um obstáculo ao aproveitamento da terra. Ele mesmo devia transformar-
se em lavrador, cessando com sua vida nômade.O estatuto dos
aldeamentos indígenas é o de “colônia agrícola” e mesmo os
missionários que aí trabalham estão funcionalmente subordinados ao
Ministério da Agricultura. Beozzo (1983:79-80).
Em 18 de setembro de 1850 foi editada a Lei 601, que viria a ser
conhecida como “Lei de Terras”.
Para Cirne Lima (1931) essa Lei
assegurava os direitos dos possuidores ou posseiros, atribuindo-lhes,
assim, legitimidade e, pois, pressupondo a eficácia jurídica do costume,
no qual se fundavam. Atento o caráter administrativo da Lei de 1850,
verdadeira lei de administração que realmente o era, força é, porém,
constatar que o reconhecimento desses direitos e desse instituto reveste
33
feição francamente transacional. A transação, no caso, entretanto, nada
representa senão a declaração de direitos preexistentes, contestados ou
contestáveis, e, nesta hipótese, - a prova do costume jurídico, de que se
geraram, o qual se poderia provar, igualmente, por transações idênticas
entre particulares. (...) Pelas suas disposições penais, com efeito, a
ocupação passou a constituir ação punível e, desta forma foi
indiretamente afastada da órbita das relações privadas. (Lima, 1931:27-
28)
.
Prossegue, ainda, Cirne Lima, na interpretação da Lei 601:
Além das finalidades práticas, que considerar, entretanto, o aspecto
jurídico. Deste, a origem é inteiramente diversa. Na Constituição do
Império, ficara firmado o princípio da inalienabilidade relativa de todos os
bens públicos. Este princípio, historicamente encontra fundamento na
defesa do patrimônio público, formada dentro dos antigos parlamentos,
contra as disposições da realeza. A evolução política dos povos,
modificou-lhe, porém, inteiramente o sentido: - não se trata mais de
cercear o poder dos reis, senão de declarar que o direito de disposição
dos bens públicos é atributo eminente da nação, coletivamente
representada pelo Legislativo. E neste sentido, deve ser entendida
aquela nossa disposição constitucional. Importa acentuá-lo, pois que, a
esse dispositivo, é que se prende a promulgação da Lei de 1850. Esta,
realmente, autoriza a venda das terras públicas, depois de medidas e
discriminadas, e bem assim proíbe que a sua alienação se faça de modo
diverso, exceto as terras situadas nas fronteiras do Império com países
estrangeiros. (Lima, 1931:33-34).
6
.
A Lei 601, de 18 de setembro de 1850, tem sido interpretada por
antropólogos (Almeida, 2006:34) como uma forma de criar obstáculos de todas
6
“No que concerne à regularização de terras devolutas (cuja aquisição deveria ser feita
exclusivamente mediante compra) a “lei de terras” vai se materializar na Amazônia através da
lei nº 1.114, de 27-09-1860, a qual fixa o tamanho das propriedades em meia légua de frente e
outro tanto de fundos, estabelecendo que o pagamento seria feito ao Estado somente após a
demarcação que lhe caberia proceder e que não foi realizada. Muitas críticas foram feitas a
uma legislação fundiária julgada inaplicável às condições da Amazônia e mesmo a
reformulação posterior – o Decreto nº 5.655, de 03-06-1874 – era descrito como visando
igualmente favorecer a lavoura em detrimento das condições de extração”. Oliveira Filho
(1979:127).
34
as ordens, para os povos indígenas, os escravos alforriados e os
trabalhadores imigrantes que começavam a ser recrutados, com a proibição do
tráfico negreiro (1850) não terem acesso legal às terras.
Coibindo a posse e instituindo a aquisição como forma de acesso à terra,
tal legislação instituiu a alienação de terras devolutas por meio de
venda, vedando, entretanto, a venda em hasta pública, e favoreceu a
fixação de preços suficientemente elevados das terras, buscando impedir
a emergência de um campesinato livre. A Lei de Terras de 1850, nesta
ordem, fechou os recursos e menosprezou as práticas de manter os
recursos abertos seja através de concessões de terras, seja através de
códigos de posturas, como os que preconizavam o uso comum de
aguadas nos sertões nordestinos, de campos naturais na Amazônia ou
de campos para pastagem no sul do País. (Almeida, 2006:34-35).
Vale anotar aqui, no entanto, que embora tenha ocorrido expropriação
de terras indígenas, até de forma deliberada, em algumas Províncias também
ocorreram doações oficiais e demarcações de terras indígenas,
Gomes (1991:82-83), afirma que “pesquisas recentes em arquivos de
registros de documentos de terras do Maranhão mostram que havia pessoas
dessas comissões (provinciais) que tomaram iniciativas nesse sentido. Em
outras províncias deve ter havido casos semelhantes, pois em algumas delas,
como Pernambuco, São Paulo e Bahia, alguns lotes foram demarcados para os
índios”. Esse autor relaciona vários lotes de terras que foram demarcados,
segundo dados colhidos no “Mapa Estatístico dos Aldeamentos de Índios de
que notícia na Repartição Geral das Terras blicas”, nas Províncias da
Bahia, Alagoas e Paraíba
7
. Informa, também, que o número de aldeias
7
Para maiores informações sobre fatos pertinentes aos Potiguara da Baía da Traição, na
Paraíba, consulte-se: AZEVEDO, Ana Lúcia Lobato de. A terra somo nossa uma análise de
processos políticos na construção da terra potiguara. Dissertação de mestrado apresentada ao
PPGAS do Museu Nacional-UFRJ, 1986.
35
reconhecidas chega a mais de 160 e, supostamente, deveriam ter suas terras
demarcadas, porém não constam mais registros nos mapas emitidos
posteriormente.
O Regulamento das Missões foi extinto em 1866, em meio a enormes
críticas. Contudo, na prática, continuou em funcionamento, como é o caso da
Província do Amazonas onde, até a década de 1870, o cargo de Diretor Geral
de Índios continuava provido e os diretores parciais prosseguiam sua atuação
no imprescindível serviço de recrutamento de trabalhadores.
8
Para além da questão das terras indígenas, havia outras discussões que
tomavam corpo na segunda metade do século XIX. Uma delas estava ligada à
forma de como deveria ser praticada a catequese dos povos indígenas, se
leiga ou missionária, à medida que o modelo utilizado pelos jesuítas no Brasil
Colônia não mais obteve sucesso, quando da instituição do Regulamento das
Missões, pelos padres capuchinhos. Esta discussão ganha novos elementos
com a presença do Apostolado Positivista no cenário político, reforçando o
argumento em defesa da catequese laica.
Com o advento da República, os questionamentos sobre a legitimidade
da catequese, que a Igreja Católica vinha realizando historicamente, tornaram-
se mais contundentes. Enquanto uma corrente defendia a catequese religiosa,
como única capaz de dar conta da condução dos indígenas à sociedade
nacional por conta da reconhecida experiência, outra defendia a catequese
laica, mais adequada ao novo Estado fundado pelo movimento republicano.
8
Cf. Sampaio, Patrícia. Os fios de Ariadne: tipologia de fortunas e hierarquias sociais. Manaus:
EDUA, 1997, p. 114. Para as críticas feitas ao Regulamento das Missões pelo Bispo Antônio
Macedo da Costa, ver Sampaio, Patrícia e Santos, Maycon. “Catálogo de Legislação
indigenista das províncias do Pará e do Amazonas: uma compilação (1838-1889) in Sampaio,
P. e Erthal, R. Rastros da Memória. Manaus: CNPq/EDUA, 2006, p.352-362.
36
Mais do que isso, assegurava que a assistência aos indígenas deveria ser
função privativa do Estado. (Ribeiro, 1962:13-14)
O Apostolado Positivista
9
, uma das agências contrárias à catequese
religiosa, teve um de seus membros nomeado como primeiro ocupante da
pasta da Agricultura na nova ordem que se estabeleceu pós-1889. Mais que
ministro, Demétrio Ribeiro foi um dos autores do projeto de separar a Igreja do
Estado, no Brasil (Lins, 1964: 344). Sem dúvida, o novo projeto significava
uma vitória da corrente positivista, mas as coisas não pareciam ser tão
simples. Arthur Reis assegura que esse espírito laico ao tomar conta do país
nos primeiros anos da República parecia indicar que a autoridade da Igreja
seria contestada tanto quanto no período pombalino. Mas,
Essa impressão, todavia, não durou muito tempo, apesar da Constituição de
1891, imbuída dos princípios filosóficos da geração comtista que liderara o
novo regime. É que as fileiras positivistas não dispunham de elementos
suficientes para nortear em definitivo a nação, levando-a aos excessos de
negar ou esquecer a gigantesca contribuição da Igreja Católica na formação
nacional. (Reis, 1942:82).
Ainda no âmbito das discussões, quando da elaboração da primeira
Constituição no novo regime, os membros do Apostolado Positivista
apresentaram, em 1890, um projeto no qual defendiam um novo tratamento em
relação aos povos indígenas para que pudessem “evoluir”, com a ajuda dos
missionários positivistas, do “estágio primitivo” em que se encontravam.
9
Os positivistas constituíram o grupo mais ativo e habilidoso na tentativa de dar conteúdo à
república e transformá-la em um regime amado pela população, lançando mão, nessa tarefa,
da palavra escrita, das conferências, das salas de aula tanto quanto da manipulação dos
símbolos nacionais. Vários aspectos da versão positivista da República, como a condenação
da Monarquia em nome do Progresso; a separação entre Estado e Igreja e a laicização do
ensino e da administração pública; o apelo a um Executivo forte, capaz de realizar as mudança
necessárias `”evolução da humanidade”; e a crença na ciência positiva e a defesa de uma
política social de integração, atraíam amplos setores da sociedade brasileira” (Maciel,
1998:18).
37
Atribuíam ao Governo a função de proteger esses povos e seus territórios
contra qualquer tipo de violência. De uma forma ambiciosa, o projeto propunha
a criação de territórios ocupados por indígenas, nos quais se poderia
penetrar com seu prévio conhecimento e de forma pacífica (Gagliardi, 1989:
56-57).
10
O projeto não foi incorporado à nova Constituição e é razoável supor que
grupos econômicos ligados à expansão capitalista, com fortes interesses nas
terras ocupadas por indígenas, tenham sido elementos destacados para
justificar sua não–aprovação naquele momento.
Afinal, a Constituição de 1891 não abordou, em seu texto, a questão
indígena. Por outro lado, em seu artigo 64, transferiu para os Estados as terras
devolutas e, com isso, houve uma confusão que se disseminou a partir de
1891. Durante algum tempo, acreditou-se que as terras indígenas haviam
passado ao domínio dos respectivos Estados. Na realidade, o que passou à
administração dos Estados foram as terras devolutas, entre as quais, as terras
dos aldeamentos extintos.
11
10
“Em que pese tal proposta, quando os positivistas passaram a influenciar na condução da
política indigenista da República, tal projeto foi deixado de lado. Cf. Roberto Cardoso de
Oliveira, “Lembramos aqui a criação do Serviço de Proteção aos Índios (1910), como a
institucionalização de uma atividade que se propunha protetora, como que reconhecendo a
inevitabilidade da absorção das sociedades tribais pela sociedade nacional. Em nenhum
momento de sua história o SPI ousou esposar idéias que supusessem a aceitação de um
destino dos grupos indígenas fora do sistema político nacional. As suas tomadas de posições
mais positivas – e não foram poucas – em relação à busca do bem-estar social das populações
aborígenes, mesmo que somadas a um respeito mais ou menos lírico de suas respectivas
tradições e culturas, nunca chegaram a conduzir a uma prática indigenista que tivesse como
escopo o reconhecimento da autonomia política das sociedades aborígenes que iam
encontrando. Em nenhum texto do SPI ou da antiga Comissão Rondon, vamos encontrar algo
a respeito de ditas sociedades como unidades “independentes”, ainda que num futuro
previsível!”. (Cardoso de Oliveira,1078:61).
11
Não se quebrou, portanto, apesar da omissão da Constituição de 1891, a tradição do
reconhecimento dos direitos territoriais indígenas. O que aconteceu é que, como os
aldeamentos extintos o foram, na maioria dos casos, de forma fraudulenta e abusiva, os índios
que permaneciam nessas terras foram espoliados (Cunha, 1987: 74-75).
38
Em várias regiões do Brasil, no início do culo XX, os índios eram
vistos por diferentes grupos econômicos, como obstáculos a uma fronteira
econômica em franca expansão.
Ainda no último quartel do século XIX, com a elevação nos preços do
café, a questão a ser resolvida de forma imediata era o suprimento da mão-de-
obra. A solução encontrada pelos governos provinciais do sul foi trazer
imigrantes da Europa. De acordo com Celso Furtado,
estavam, portanto, lançadas as bases para a formação da grande
corrente imigratória que tornaria possível a expansão da produção
cafeeira no estado de São Paulo. O número de imigrantes europeus que
entram nesse Estado sobe de 13 mil, nos anos 1870, para 184 mil no
decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século. O total para o
último do século XIX foi 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália.
(Furtado, 2006:188)
Enquanto os imigrantes vindos para o Estado de São Paulo eram
direcionados para a lavoura cafeeira, aqueles chegados aos Estados de do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, como informa Gagliardi
(1989:61), encontravam facilidade por parte dos governos locais na aquisição
de pequenas propriedades. Essa forma de ocupação permitiu a formação de
unidades econômicas que serviam ao abastecimento do mercado interno.
É possível perceber o forte impacto que causa a imigração européia
sobre os povos indígenas, especialmente nos Estados de Minas Gerais, São
Paulo, Santa Catarina e Paraná. Como exemplo, em São Paulo, a expansão da
economia cafeeira afetaria, diretamente, as terras indígenas e, em particular,
dos Kaingang. As reações dos índios eram imediatas e, com elas, a
conseqüente represália por parte dos fazendeiros, que se efetivava pela
39
contratação de matadores profissionais, os “bugreiros”. Em Santa Catarina, a
situação era semelhante à de São Paulo, que ali o confronto era com os
Xokleng
12
.
Em relação à Amazônia, as mudanças também foram significativas,
considerando que a expansão da economia da borracha, a partir dos anos de
1870, representou um avanço sistemático sobre territórios indígenas. A força
de trabalho indígena vinha sendo utilizada no processo de exploração da
borracha desde o princípio do século XIX. Com a intensificação da exploração
desse produto, a força de trabalho indígena não é suficiente para dar conta da
demanda. Passa-se, então, ao recrutamento de nordestinos. O avanço sobre
os espaços territoriais ocupados por indígenas vai gerar conflitos sociais
graves.
Exemplar, nesse sentido, é o fato de que, na segunda metade do século,
recrudesceram as ações dos povos indígenas localizados nas áreas prioritárias
de expansão da extração de borracha, como é o caso dos Parintintin, no rio
Madeira, permitindo associar as ações guerreiras dos índios à intensificação
das entradas sistemáticas em seus territórios.
Enquanto, no sul, os agentes sociais do conflito com os indígenas eram
os imigrantes, na Amazônia, era a empresa seringalista e suas formas de
12
Os Kaingang fazem parte da família linguística Jê, Tronco Macro-Jê, tradicionalmente
localizado nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com
população estimada em 25.875 indivíduos (Funasa 2002) (Enciclopédia ISA, 2006). Os
Xokleng pertencem à família linguística localizados no estado de Santa Catarina, com
população estimada em 757 indivíduos (1998),(Enciclopédia ISA, 2006). De acordo com Darcy
Ribeiro, bugreiros eram matadores profissionais contratados por sociedades colonizadoras e
pelos cofres públicos com a finalidade de matar e expulsar os bugres (indígenas) de suas
terras, que haviam sido destinadas aos imigrantes alemães e italianos (RIBEIRO, 1962: 8).
Sobre os Kaingang, ver Mota, Lúcio Tadeu. Presença e resistência dos Kaingang no Paraná.
Dissertação de mestrado, UNICAMP, 1992, 275 p. Para estudos de casos particulares a
respeito do impacto da expansão capitalista sobre populações indígenas no Brasil, ver, entre
outros, Melatti, Júlio. Índios e criadores: a situação dos Krahô na área pastoril do Tocantins.
Rio de Janeiro, UFRJ, 1967 e Laraia, Roque de Barros & da Matta, Roberto. Índios e
castanheiros. A Empresa Extrativa e os Índios no Médio Tocantins. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
40
opressão da força de trabalho indígena, bem como da utilização em larga
escala de nordestinos.
13
Embora existisse uma legislação que garantia inúmeros direitos aos
povos indígenas como, por exemplo, às terras por eles ocupadas, a prática
caminhava na contramão das leis. Nesse sentido, os indígenas viviam em
constantes sobressaltos, ora tendo suas terras invadidas, ora sendo utilizados
como mão-de-obra compulsória, como são inúmeros os relatos nessa direção.
Ao longo de toda a história da colonização portuguesa, em particular, na
região mais tarde conhecida como Amazônia, os povos indígenas o tiveram
uma atitude passiva em relação àqueles que chegavam com o intuito de ocupar
seus territórios ou tentar explorá-los, como podemos confirmar, por exemplo,
em Francisco J. Santos (2002). Ele assegura que as revoltas, rebeliões e
ataques sempre foram uma constante em todo o processo de ocupação. O que
13
“Embora muitos autores (como Pimenta Bueno, José Veríssimo, Ferreira Reis, etc.) utilizem
a grande seca de 1877 como o marco de surgimento do seringueiro nordestino na Amazônia,
isso não corresponde de maneira alguma na divisão estabelecida entre os dois modelos de
organização do seringal. O início da migração do nordestino é exclusivamente resultado de um
fator de expulsão natural de seu lugar de origem. O fluxo de mão-de-obra é irregular e
composto por “retirantes(os quais se deslocam acompanhados de suas famílias). Ainda em
1879 grande parte desses retirantes são acolhidos pelo governo da província do Amazonas e
encaminhados às colônias agrícolas em formação. Mesmo quando abandonam a atividade
agrícola e se dirigem para os seringais, o fazem levando consigo sua família e mantendo com o
novo patrão seringalista uma relação basicamente semelhante aquela que esse mantém com o
caboclo. (...) O deslocamento maciço de nordestinos para os seringais da Amazônia não deve,
portanto, ser descrito, como uma migração espontânea. Trata-se de fato de um movimento
que, na escala e ritmo em que se dá, deverá necessariamente ser induzido e organizado. E
são exatamente os interessados na utilização dessa mão-de-obra, os seringalistas e as casas
aviadoras (e não os governos provinciais) que promovem o fluxo do fator trabalho” Oliveira
Filho (1979:133-134); Para Otávio Velho, “essa migração em grandes números é facilitada,
na década de 70, por uma situação excepcional que atravessava o Nordeste, dado o fim da
guerra civil norte-americana, durante a qual houvera um curto período de prosperidade do
algodão nordestino, e devido também às grandes secas do final da década. Os flagelados
concentravam-se nas cidades litorâneas, onde sua presença constituía um potencial explosivo.
E essa própria concentração irá facilitar o seu embarque para a Amazônia. Na verdade, tudo
isso se liga, em boa parte e em última análise, às dificuldades crescentes experimentadas pelo
dominante e exclusivista, embora decadente, sistema da plantation em absorver os excedentes
demográficos, a que não é estranho igualmente o crescimento a partir dessa época do setor
terciário na cidades (Velho, 1972:36).
41
estava acontecendo no delinear do surgimento da República não se constituía
em completa novidade.
1.2. A criação do Serviço de Proteção aos Índios
No início do século XX registram-se relações conflitivas entre povos
indígenas e frentes de expansão capitalista no sul do país e, no caso da
Amazônia, entre povos indígenas e seringalistas. Ambas as situações
denotam um clima de tensão social. De um lado, o avanço econômico e, de
outro, uma nova conjuntura política delineiam fatores determinantes no debate
desenvolvido no seio da sociedade brasileira a respeito do método a ser
adotado para colocar fim às situações de conflito que se apresentavam
(Gagliardi, 1989: 104).
Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios SPI, primeira
medida de política indigenista do Governo Republicano, por meio do Decreto nº
8.072, de 20 de junho, no governo de Nilo Peçanha, inicialmente como Serviço
de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais SPILTN,
vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, cujo titular era
Rodolfo Miranda. Em 1918, por meio da Lei nº 3.454, de 6 de janeiro, a
Localização de Trabalhadores Nacionais passou para o Serviço de
Povoamento do Solo, permanecendo o órgão que seria responsável pela
proteção dos indígenas apenas com o nome de Serviço de Proteção aos Índios
– SPI.
42
Muito se tem discutido a respeito dos fatos que teriam redundado na
criação do SPI. A mais famosa dessas versões considera ter sido criado o
Serviço como uma resposta imediata a um polêmico artigo do diretor do
Museu Paulista, Hermann Von Ihering, defensor da expansão econômica e do
conseqüente extermínio de índios. Vários autores, tais como Darcy Ribeiro
(1962) e José Mauro Gagliardi (1989) a utilizam como ponto de partida. No
artigo de 1907, Von Ihering afirmava que os índios do estado de São Paulo
“não representavam um elemento de trabalho e de progresso”
14
Tal juízo
poderia ser estendido aos índios de outros estados do Brasil: “não se podia
esperar trabalho sério e continuado dos índios civilizados e, como os Kaingang
selvagens, não passavam de um empecilho para a civilização das regiões do
sertão onde habitam, não haveria outro meio de que se pudesse lançar mão, a
não ser o seu extermínio”.
15
A polêmica que se abriu na comunidade científica foi árida, mas suas
origens não pareciam estar ligadas, exclusivamente, às bombásticas
declarações de 1907. David Hall Stauffer chama a atenção para o fato de haver
uma certa animosidade entre o Museu Paulista e o Museu Nacional. É provável
que a disputa tenha se iniciado ainda em 1896, quando Von Ihering publicou
um artigo no primeiro volume da Revista do Museu Paulista, no qual afirmava
existirem dois museus científicos no Brasil: aquele que dirigia desde 1894 e
o Museu do Pará. Essa afirmativa gerou descontentamento por parte dos
membros do Museu Nacional.
16
14
STAUFFER, David Hall. Origem e fundação do Serviço de Proteção aos Índios (III).In:
Revista de História, Ano XI, p.177
15
Idem..
16
STAUFFER, David Hall. 1955. The origin and stablishment of Brazil’s Indian Service. Phd.
Dissertation. Austin, University of Chicago Press. Os cinco primeiros capítulos foram traduzidos
43
Além das declarações de Von Ihering, outro personagem, o naturalista
Albert Vojtech Fric, acrescenta um item a mais a uma conjuntura bem tensa.
Em 1908, na condição de representante do Brasil no XVI Congresso
Internacional de Americanistas, realizado em Viena, apresenta contundente
denúncia contra a escravização de índios no Brasil. A fala teve grande
repercussão na imprensa e, somada às declarações de Von Ihering, acirraram
o debate em torno da questão indígena.
Ainda uma vez, os dados de Stauffer ajudam a compreender melhor os
contornos dessa polêmica ao afirmar que as pesquisas realizadas sobre o
Brasil, por etnólogos e antropólogos estrangeiros, não eram bem vistas no
Brasil, e isso influenciaria o debate que se ergueria nos anos seguintes. As
publicações mais destacadas eram em alemão e, além disso, o material
coletado dos povos indígenas estava em museus alemães o que causava
desconforto nos intelectuais brasileiros.
17
Fazendo leituras mais verticais sobre o material divulgado àquela altura,
Stauffer comenta que, ao concentrar o ataque nas palavras de uma única
pessoa, estava-se criando um bode expiatório perfeito para aqueles que
simpatizavam com os índios, mas tinham dificuldade de denunciar os
colonizadores ou a construção de estradas de ferro. Fazê-lo seria ser contra o
chamado “progresso”, além de contrariar os interesses econômicos em jogo.
Ao criticar a “ciência moderna importada” dava-se um tom nacionalista, que
soava agradável a muitos brasileiros. Stauffer tenta demonstrar ter havido um
exagero nas interpretações a respeito do possível extermínio de indígenas
e publicados na Revista de História, São Paulo, nos nºs 37: 73-95 , 1959; 42: 435-453, 1960;
43: 165-183, 1960; 44: 427-450, 1960; 46: 413-433, 1961.
17
STAUFFER, David Hall. Origem e fundação do Serviço de Proteção aos Índios (III).In:
Revista de História, Ano XI, p.174.
44
pregado por Von Ihering, sugerindo, inclusive, que a leitura pode não ter sido
feita de forma adequada, pois havia certa ambigüidade e deixava, pelo menos,
o benefício da dúvida.
18
Destaca também que, tanto Von Ihering quanto seus opositores, quando
do debate que se instalou, defendiam a necessidade urgente de proteção às
terras dos índios e da intervenção dos governos dos Estados e do governo
Federal na defesa da integridade dos povos indígenas. Inclusive, Ihering havia
elaborado um programa visando a proteção dos povos indígenas, cuja
implantação deveria ser feita pelo Governo federal e pelos Estados
19
.
O debate contra Von Ihering possibilitou manifestações diferenciadas e,
até mesmo, a retomada de um antigo projeto em favor dos índios. Em 1908,
em artigo publicado no Jornal do Comércio, o positivista Luis Bueno Horta
Barbosa trazia de volta um projeto, proposto para a Constituição de 1891, de
reconhecer os povos indígenas como nações livres e independentes. Horta
Barbosa viria mais tarde fazer parte efetiva do SPI.
18
“O leitor observará a ambigüidade deste parágrafo que parece condenar ao extermínio tanto
os índios civilizados como os selvagens. Mas antes de presumir que Von Ihering estava
apenas sugerindo o aniquilamento dos índios selvagens, dever-se-ia investigar, usando
completa lealdade para com o cientista, se de fato estava recomendando o extermínio
premeditado de quaisquer populações indígenas. As palavras “parece que não outro meio,
de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio” seguramente sugerem algum tipo de
programa exterminatório; mas aqui se tratava de uma tradução da edição de 1906 que
possivelmente não foi feita ou mesmo cuidadosamente revista pelo autor. A formulação na
edição de 1906 tem uma conotação menos sinistra. O texto é o seguinte: “...no other final result
seems possible than that of their extermination”. Mas mesmo estas palavras são
ambiguamente vagas no seu significado e deixam o leitor na dúvida, se Von Ihering está
apenas profetizando o extermínio dos índios, racionalizando-o, ou, de fato, recomendando-o”
(Stauffer, 1960:177).
19
Primeiro disse Von Ihering era necessário ceder aos índios as terras de que precisavam
e garantir a sua posse. Quanto a isto afirmou, o Governo de São Paulo não tinha sempre
agido com sabedoria ou justiça. Em segundo lugar – continuou – era preciso respeitar as idéias
e os sentimentos dos índios, dos quais o se podia esperar que se conformassem com os
códigos morais e padrões culturais dos brancos. Em terceiro lugar, as tribos hostis do rio do
Peixe deveriam ser deixadas em paz, quando e onde isso fosse possível. Deveria se esperar
Von Ihering acrescentou que os colonizadores daquela região procurariam vingança depois
de ataques dos índios; no entanto, o massacre desnecessário e não razoável dos nativos
deveria ser punido por lei. Finalmente, uma extensa campanha de propaganda era necessária
para interessar os governos dos Estados e o Federal no bem-estar das populações indígenas”
(Stauffer, 1960: 434).
45
Souza Lima (1995:13) chama a atenção para um elemento diferenciado
na trajetória dessa “memória” que se fundou para a criação do SPI. Trata-se do
fato de que, antes de toda essa polêmica se instaurar, estavam em curso
dois movimentos importantes: por um lado, a atuação da Comissão Rondon na
construção das linhas telegráficas e, por outro, o amadurecimento da proposta,
desde 1906, de criação de um serviço para catequese e civilização dos índios,
vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Portanto,
enquanto meta administrativa, a proposta de se criar um órgão responsável
pela política indigenista precedeu o debate que se travou contra Von Ihering.
De fato, a previsão de formulação de uma política indigenista se encontrava no
Decreto 1.606, de 29 de dezembro de 1906, que criava uma Secretaria de
Estado, com a denominação de Ministério dos Negócios da Agricultura,
Indústria e Comércio, o qual trazia em seu artigo 2º, parágrafo 1º, alínea b:
Este Ministério terá a seu cargo o estudo e despacho de todos os assuntos
relativos à agricultura e à indústria animal: imigração e colonização, catequese
e civilização dos índios, mostrando claramente uma reorganização do campo
de poder.
Embora criado a 20 de junho de 1910, o Serviço de Proteção aos Índios
seria inaugurado apenas no dia 7 de setembro do mesmo ano, por se tratar de
uma data cívica “atendendo ao pronunciado gosto positivista ortodoxo pelas
datas significantes da nacionalidade” (Souza Lima, 1995:117). Para dirigi-lo, foi
convidado o Tenente-Coronel do Exército Cândido Mariano da Silva Rondon.
Sua experiência na implantação das Linhas Telegráficas do Mato Grosso e do
Mato Grosso ao Amazonas haviam-no transformado em uma pessoa muito
respeitada nos meios científicos e suas posições frente à questão indígena
46
tinham alcançado repercussão junto àqueles que defendiam a proteção dos
povos indígenas.
Rondon, ainda na condição de alferes-aluno, participou da Comissão
Construtora da Linha Telegráfica de Cuiabá ao Araguaia criada em 1890. Sob a
chefia do major Antonio Ernesto Gomes Carneiro, cruzaram terras Bororo e
conseguiram concluir os trabalhos sem confrontos armados. A atitude de
Gomes Carneiro em o hostilizar os índios teria tido uma profunda
repercussão no comportamento de Rondon. De acordo com os dados de
Gagliardi, em dezembro de 1892, a linha que vinha de Uberaba chegou ao
Araguaia, estabelecendo comunicação direta com o Rio de Janeiro. Os
trabalhos de conservação da linha, a leste do Araguaia, ficaram a cargo de
Cândido Rondon e foi nessa época que ele criou o lema que iria orientar,
durante longos anos de permanência no sertão, a sua relação com os índios:
“Morrer se preciso for, matar nunca”. (Gagliardi, 1989:143). Nos anos
seguintes, comandando a expansão das Linhas Telegráficas que se
estenderiam do Mato Grosso ao Amazonas, manteve contato com vários povos
indígenas, dentre os quais os Terena e os Nambikwara
20
.
O modo como era divulgado o trabalho realizado na implantação das
Linhas Telegráficas fez de Rondon uma personalidade conhecida e respeitada.
Rondon era representado como alguém que, levava ao extremo a ideologia
positivista, um homem devotado à pátria chegando a sacrificar o casamento
20
Os Terena pertencem à família lingüística aruak, localizada no Mato Grosso do Sul, com
população estimada em 16 mil indivíduos (Funasa, 2001) (Enc. ISA, 2006); Os Nambikwara, de
língua Nambikwara, localizam-se no oeste do Mato Grosso e Rondônia, com população
estimada em 1.145 indivíduos(1991) (Enc. ISA, 2006).
47
para assegurar o cumprimento da missão. Além de tudo isso, ainda tratava os
índios que estavam no seu caminho de forma pacífica.
21
Nessa direção, Gagliardi (1989: 183-186) acredita que o fato de o
trabalho humanista de Rondon junto aos povos indígenas ser conhecido por
amplos poderes da sociedade brasileira, tornava-o credenciado para o cargo.
Por outro lado, os trabalhos da “Comissão Rondon” haviam forjado a infra-
estrutura necessária para a concretização do plano do ministro da Agricultura
Rodolfo Miranda: um grupo de homens disciplinados pela hierarquia militar e
dispostos a dar a vida por um ideal. Além disso, durante os vinte anos de
vivência no sertão, Rondon conseguira conscientizar os seus subordinados de
que o indígena era um ser humano, dono das terras onde vivia.
Souza Lima (1995), por sua vez, chama-nos a atenção para o fato de
que o autor do convite a Rondon fora Domingos Sérgio de Carvalho, ligado ao
Apostolado Positivista. O convite a Rondon, na esteira do clima de polêmica
com Von Ihering, serviria para contrapor o chamado “humanismo brasileiro” ao
intitulado “cientificismo alemão”. Por outro lado, é preciso não desprezar a
conclusão de Souza Lima, quanto ao cenário mais amplo do novo Serviço:
“afinal, gerir um Serviço que seria quase sempre deficitário em termos de
receita e suporte, num ministério igualmente secundário parece ter sido em
grande medida uma tarefa cênica, para a qual os positivistas estavam
especialmente preparados” (Souza Lima, 1995:114- 116).
21
“Com a chegada do Tenente-Coronel Cândido Rondon ao Rio de Janeiro, no início de
fevereiro de 1910, a influência dos positivistas na fundação do SPI tornou-se mais poderosa.
Uma multidão o aguardava para aclamá-lo como um herói nacional. Esse prestígio era
conseqüência do trabalho que vinha desenvolvendo desde 1890, de construção da rede
telegráfica nas áreas estratégicas do país. Ao longo desses anos fizera amizade com inúmeros
grupos indígenas. (GAGLIARDI, 1989, 183).
48
A partir da análise destes autores, podemos perceber que a escolha de
Rondon para assumir o comando do Serviço de Proteção aos Índios SPI, foi
uma forma inteligente de evitar ataques ao órgão recém criado, na medida em
que a figura de Rondon como herói nacional o tornava um importante anteparo
aos possíveis ataques daqueles que eram contra sua implantação.
Afinal, com que finalidade foi criado o Serviço de Proteção aos Índios?
Se partimos das considerações de Darcy Ribeiro (1962), foi a gravidade dos
conflitos ocasionados pela expansão capitalista em curso. A construção da
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil havia sido interrompida pelos Kaingang
que espalhavam o terror ao longo da ferrovia. Além deste, havia outros
conflitos, como, por exemplo, em Minas Gerais e no Espírito Santo, onde o
confronto direto entre indígenas e fazendeiros era constante. Os colonizadores,
cuja maioria era composta por imigrantes europeus, estavam em uma situação
desesperadora. Tendo os indígenas como obstáculo aos seus propósitos mais
imediatos, chegaram ao ponto de defender seu extermínio, pois dificultavam a
penetração e expansão de seus negócios.
Gagliardi também coloca em relevo a articulação entre expansão
capitalista e criação da agência indigenista. É bom lembrar que, no discurso
dos que defendiam a assistência ao índio nos moldes republicanos, projeto
esse que foi incorporado por Rodolfo Miranda, está presente a preocupação
em criar as condições necessárias para o desenvolvimento capitalista. O órgão
recém-criado teria, portanto, como uma de suas finalidades, através de
métodos persuasivos, estabelecer relações pacíficas com os grupos indígenas
que começavam a manter os primeiros contatos com a frente de expansão
(Gagliardi, 1989:185).
49
No entendimento deste autor, dois objetivos claros seriam perseguidos
pelo SPI. O primeiro seria colocar os povos indígenas sob a égide do Estado,
assegurando-lhes proteção e facilitar a expansão capitalista nas áreas de
conflito. O segundo, contatar os povos indígenas que resistiam, evitando o
extermínio desses povos, bem como tornar possível a punição dos atos contra
eles praticados.
Para analisar o SPI, Antonio Carlos de Souza Lima recorre ao conceito
de poder tutelar, concebido como “um modo de relacionamento e
governamentalização de poderes, concebido para coincidir com uma única
nação.” (Souza Lima, 1995:39).
Deste modo, para compreender o SPI, o poder tutelar pode ser
considerado como “um poder estatizado num aparelho de pretensa
abrangência nacional, cuja função a um tempo é estratégica e tática, no qual a
matriz da guerra de conquista é sempre presente” ( Souza Lima, 1995: 74)
Nesse sentido, a aplicação das táticas do poder tutelar “(...) exclui ao
criar “postos indígenas” aos quais os povos nativos deveriam (re/a)correr, e
junto aos quais deveriam se segregar. Ao mesmo tempo, porém, inclui
populações e terras numa rede nacional de vigilância e controle, a partir de um
centro único de poder.”(Souza Lima, 1995: 74-75)
Na Exposição de Motivos que acompanha o Decreto 8.072, de 20 de
junho de 1910, o Ministro da Agricultura, Rodolfo Miranda, aponta razões para
a criação do SPI, afirmando que:
Não pode, porém, a República, permanecer na imobilidade com que
tem assistido, em muitos casos, ao massacre de índios e sua sujeição a
um regime de trabalho semelhante ao cativeiro, porque lhe é indiferente
saber até que ponto pode coadunar-se com a lei e as responsabilidades
de governo a doutrina que os colocou ao nível de seres irracionais.
50
Incumbe-lhe, ao contrário, velar por eles, guiá-los prudentemente, sem
violência, porque, se são inferiores e fracos, mais iniludível é o dever de
os defender contra os privilegiados e fortes.
O Regulamento, que acompanha o decreto de criação do SPI, traz uma
série de itens tratando da proteção e assistência aos índios:
Art. 2º A assistência de que trata o art. 1º terá por objeto:
velar pelos direitos que as leis vigentes conferem aos índios e por
outros que lhes sejam outorgados;
garantir a efetividade da posse dos territórios ocupados por índios e,
conjuntamente, do que neles se contiver, entrando em acordo com os
governos locais, sempre que for necessário;
por em prática os meios mais eficazes para evitar que os civilizados
invadam terras dos índios e reciprocamente;
fazer respeitar a organização interna das diversas tribos, sua
independência, seus hábitos e instituições, não intervindo para alterá-los,
senão com brandura e consultando sempre a vontade dos respectivos
chefes;
promover a punição dos crimes que se cometerem contra os índios;
(Oliveira, 1947: 149).
No projeto do SPI, foi retomada a antiga proposta de José Bonifácio, feita
nos Apontamentos para a Civilização dos Índios do Império do Brazil, de 1823.
É o próprio Rondon, no prefácio à obra Íncolas Selvícolas (1938:37), do Cel.
Themístocles Paes de Souza Brazil, quem aponta os princípios que norteavam
o Serviço de Proteção aos Índios, inspirados nos “Apontamentos”:
Os meios de que se deve lançar mão para a pronta e sucessiva
civilização dos índios são:
- Justiça, não esbulhando mais os índios, pela força, das terras que
ainda lhe restam, e de que são legítimos senhores;
- Brandura, constância e sofrimento de nossa parte, que cumpre
como a usurpadores e cristãos;
- Abrir comércio com os bárbaros, ainda que seja com perda de
nossa parte;
- Procurar com dádivas e admoestações fazer pazes com os índios
inimigos;
51
5º - Favorecer por todos os meios possíveis os matrimônios entre índios
e brancos e mulatos.
Inicialmente, o Serviço de Proteção aos Índios foi estruturado com 13
inspetorias, conforme está explicitado no Regulamento que acompanha o
Decreto 8.072, de 20 de junho de 1910:
[...]13 inspetores, sendo um para cada um dos Estados do Amazonas,
Pará, Maranhão, Bahia, Espírito santo, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiaz, Mato Grosso e 1
para o Território do Acre.
Logo a seguir, em 1911, o Decreto 9.214, de 15 de dezembro,
instituiu novo Regulamento e reduziu para 10 (dez) as Inspetorias:
[...]10 Inspetores sendo um para o Amazonas e Território do Acre, um
para o Pará; um para o Maranhão; um para a Bahia; um para o Espírito
Santo; um para São Paulo; um para o Paraná; um para Santa Catarina e
Rio Grande do Sul; um para Goiaz e um para o Mato-Grosso.
E em 1914, ocorreu nova redução de Inspetorias, para apenas seis,
permanecendo como 1
a
Inspetoria a que englobava o Estado do Amazonas e
o Território do Acre. No ano de 1918, através da Lei 3.454, de 6 de janeiro,
a Localização de Trabalhadores Nacionais foi transferida para o Serviço de
Povoamento, passando o órgão a denominar-se apenas Serviço de Proteção
aos Índios.
Em 1930, foi criada através do Decreto nº 19.433, a Secretaria de
Estado com a denominação de Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, à
qual o SPI passou a pertencer.
52
O Serviço de Proteção aos Índios, com essa transferência, entrou em
processo de franca decadência, sem recursos orçamentários para dar
continuidade à ação que vinha desenvolvendo até então.
Mais tarde, em 1934, o Decreto 24.700, de 12 de julho, estabeleceu
que
o índio é [nas fronteiras] um elemento precioso pelas suas qualidades
morais, robustez física e adaptabilidade aos climas, que convém
aproveitar e educar pelos métodos próprios, chamando-o à nossa
nacionalidade antes que os países limítrofes os chamem à sua; que em
se tratando de problemas de fronteiras e de resguardo da nacionalidade,
o Ministério da Guerra é naturalmente o indicado para superintendê-
los...
Por meio dessa nova orientação, o Serviço de Proteção aos Índios passa
a constituir um Departamento da Inspetoria Especial de Fronteiras, do
Ministério da Guerra. Ao se transferir o Serviço de Proteção aos Índios para o
Ministério da Guerra, é enfatizada a importância dos povos indígenas na
preservação das fronteiras nacionais, retomando uma prática característica da
sociedade colonial.
Em 1936, através do Decreto nº 911, de 16 de junho, o Serviço de
Proteção aos Índios passa a constituir uma Inspetoria Especial de Fronteiras.
Neste mesmo ano, o Decreto 736, que regulamentou o SPI, estabeleceu
como finalidade da Inspetoria “pôr em execução medidas e ensinamentos para
a nacionalização dos silvícolas, com o objetivo de sua incorporação à
sociedade brasileira”
Esse Decreto definiu posto indígena como sendo um aparato do Serviço
de Proteção aos Índios em imediato contato com os aborígenes. O referido
decreto classificou os postos indígenas em Postos de Atração, Vigilância e
53
Pacificação e Postos de Assistência, Nacionalização e Educação. Cabia aos
primeiros, a obrigação de proteger os indígenas de ataques e proteger suas
terras contra invasões; atrair por meios brandos as tribos arredias ou hostis e
não permitir nenhuma violência física contra os indígenas, ainda que as
hostilidades partissem deles; não permitir a imposição de religião, serviços,
ensino e aprendizagem que eles não aceitem; prestar todo o auxílio necessário
aos índios atraídos e pacificados; afastar do contato dos indígenas pessoas
que sejam portadoras de moléstias e fazer respeitar a família indígena.
Aos segundos, denominados Postos de Assistência, Nacionalização e
Educação, se caracterizavam pelo agrupamento de índios, de uma ou mais
etnias, em relações pacíficas, sedentárias e capazes de se adaptarem à
criação e à lavoura; pela instituição de tratamento de endemias e moléstias;
pela organização de lavoura e pecuária e, como não poderia faltar em um
tratamento positivista, pelo culto à bandeira e por outras instituições destinadas
a incentivar o patriotismo brasileiro entre os índios.
A partir de 1939, o Serviço de Proteção aos Índios passou a contar com
o apoio de um órgão técnico. Foi criado o Conselho Nacional de Proteção aos
Índios - CNPI, que teria a função de orientar o SPI em questões relacionadas
com a assistência e proteção aos índios, seus costumes e línguas, além da
função de sugerir ao Governo, por intermédio do SPI, a adoção de todas as
medidas necessárias à consecução das finalidades desse Serviço e do próprio
Conselho (Dec. 1.794, de 22/09/1939).
Segundo Gagliardi ( 1989:277), faziam parte desse Conselho: o General
Cândido Rondon (presidente), o professor Edgar Roquette Pinto (vice-
presidente), o General Manuel Rabelo, o professor Boaventura Ribeiro da
54
Cunha, o Coronel Vicente de Paula Vasconcelos, a professora Heloísa Alberto
Torres e o Dr. Alfeu Domingues
22
Gagliardi (1989:280) chama a atenção para o ano de 1939, quando foi
criada a cadeira de etnologia Brasileira, na Escola Livre de Sociologia e Política
de São Paulo, quando Herbert Baldus, membro dessa instituição, afirmou que
uma das finalidades do trabalho etnológico era suavizar o choque causado pelo
encontro de grupos humanos tão diferentes. Para Baldus, o etnólogo tinha a
função de ajudar na preservação dos povos indígenas, à proporção que, ao
estudar a fundo a estrutura e função de uma etnia, deveria sugerir o tratamento
mais adequado.
Em 1940, um novo direcionamento é dado à política governamental em
relação aos povos indígenas. Agora o índio não mais se enquadrava no âmbito
do Ministério da Guerra. Como a política governamental visava dar nova ênfase
à colonização e à agricultura, a partir da política implementada por Getúlio
Vargas, transferiu-se novamente o SPI de Ministério, dessa feita para o
Ministério da Agricultura.
tendo em vista que o problema da proteção aos Índios se acha
intimamente ligado à questão de colonização, pois, se trata, no ponto de
vista material, de orientar e interessar os indígenas no cultivo do solo,
para que se tornem úteis ao país e possam colaborar com as
populações civilizadas que se dedicam às atividades agrícolas. (caput do
Decreto nº 1.736)
Nesse Ministério o Serviço de Proteção aos Índios ficaria até sua
extinção, em 1967.
22
Para situar a posição de Edgar Roquette Pinto e Heloísa Alberto Torres, consultar Castro
Faria (2006).
55
Leandro Mendes Rocha, em seu livro A política indigenista no Brasil
:1930-1967, chama a atenção para as mudanças que ocorreram na política
indigenista a pós a ascensão ao poder por Getúlio Vargas.
uma mudança de conteúdo na relação do Estado com os índios que
se torna mais perceptível a partir de 1930. No caso da política
indigenista, a ideologia populista preconiza a subordinação das ações
estatais ao desenvolvimento econômico e à expansão do capital no
campo. O Estado que antes buscava tutelar somente o índio, agora
tutela a sociedade civil. A política indigenista é reformulada. o
fundados mais postos indígenas e promovidas novas pacificações. A
partir de então, os novos grupos no poder empunham, como bandeira
ideológica, o desenvolvimento e o nacionalismo, de forma a buscar o
progresso social para toda a população. Essa ideologia, presente nos
meios de comunicação de massa e nos documentos oficiais, tende a
envolver a totalidade da população. (Rocha, 2003:48)
O presidente Getúlio Vargas visita em 1940 os índios Karajá e levanta a
bandeira de incorporação dos povos indígenas à nação brasileira. Também
como parte do seu projeto havia criado, em 1939, o Conselho Nacional de
Proteção aos Índios, prestigiando a figura de Rondon, a quem entregou a
direção do referido órgão.
Ainda em 1940, Vargas visitou a cidade de Manaus, onde fez o famoso
Discurso do rio Amazonas, no qual onde pregava a integração da região ao seu
projeto político-econômico
23
. Na oportunidade, reinstalou a Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre, decadente desde a saída do inspetor Bento de
Lemos, em 1932, período que coincidia com o chamado colapso do SPI, como
ficou conhecido entre os funcionários do órgão tutelar.
23
Discurso proferido em Manaus pelo Sr. Presidente Getúlio Vargas, a 10 de outubro de 1910,
no banquete que lhe ofereceram o Governo e as classes conservadoras do Estado. Manaus:
Imprensa Pública, 1941,
56
Ao analisar a política indigenista brasileira desse período, Garfield
(2000), diz que
A redescoberta do índio fez parte da campanha governamental para
popularizar a Marcha para o Oeste. Lançada na véspera de 1938, a
Marcha para o Oeste foi um projeto dirigido pelo governo para ocupar e
desenvolver o interior do Brasil. Nas palavras de Vargas, a Marcha
incorporou “o verdadeiro sentido de brasilidade”, uma solução para os
infortúnios da nação. Apesar do extenso território, o Brasil havia
prosperado quase que exclusivamente na região litoral, enquanto o vasto
interior mantinha-se estagnado vítima da política mercantilista colonial,
da falta de estradas viáveis e de rios navegáveis, do liberalismo
econômico e do sistema federalista que caracterizaram a Velha
República (1889-1930). Mais de 90% da população brasileira ocupava
cerca de um terço do território nacional.O vasto interior, principalmente
as regiões Norte e Centro-Oeste, permanecia esparsamente povoado.
Muitos índios, é claro, fugiram para o interior justamente por estas
razões. Mas os seus dias de isolamento, anunciou o governo, estavam
contados. (Garfield, 2000:3-4)
No Regimento do SPI, aprovado pelo decreto 10.652, de 16 de
outubro de 1942, e modificado pelos decretos nºs 12.318, de 27 de abril de
1943 e 17.684, de 26 de janeiro de 1945, ocorreu novo aumento no número de
Inspetorias para dar conta da nova organização política do país, em
decorrência da criação de vários Territórios Federais. Nessa nova disposição,
a 1ª Inspetoria Regional continuava com sede em Manaus, com jurisdição
sobre o Estado do Amazonas, o Território Federal do Acre e sobre o também
recém-criado Território Federal do Rio Branco (por desmembramento do
Estado do Amazonas), atual Estado de Roraima.
O Território Federal do Guaporé (atual Estado de Rondônia), criado pelo
desmembramento de parte do Amazonas e parte do Mato Grosso, passou a
constituir a 9ª Inspetoria Regional, com sede em Porto Velho..
Vejamos a nova distribuição no quadro abaixo:
57
Inspetoria Sede Jurisdição
1ª Inspetoria
Regional (I. R. 1)
Manaus (Amazonas) Amazonas e Territórios
Federais do Acre e do Rio
Branco
2ª Inspetoria Regional (I. R.
2)
Belém (Pará) Pará, parte do Maranhão e
Território Federal do Amapá
3ª Inspetoria Regional (I. R.
3)
São Luís (Maranhão) Parte do Maranhão
4ª Inspetoria Regional (I.R. 4) Recife (Pernambuco) Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Bahia e
Minas Gerais
5ª Inspetoria Regional (I. R.
5)
Campo Grande (Mato-
Grosso)
São Paulo e Sul de Mato
Grosso
6ª Inspetoria Regional (I.R. 6) Cuiabá (Mato-Grosso) centro e norte do Mato-
Grosso e Território Federal de
Ponta-Porã
7ª Inspetoria Regional (I. R.
7)
Curitiba (Paraná) Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul e Território
Federal do Iguaçu
8ª Inspetoria Regional (I. R.
8)
Goiânia (Goiás) Goiás e sudeste do Pará
9ª Inspetoria Regional (I. R.
9)
Porto-Velho( Guaporé) Território Federal do Guaporé
Retomando o Discurso do rio Amazonas, pronunciado pelo presidente
Getúlio Vargas em Manaus, suas promessas foram materializadas na
Constituição Federal de 1946, a qual trouxe em seu art. 199, a previsão
orçamentária de, pelo menos, 3% (três por cento) de toda renda tributária da
58
União para ser aplicada na execução do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia. Os Estados, Territórios e seus respectivos municípios também
reservariam 3% (três por cento) de toda renda anual, recursos esses que
seriam aplicados pelo Governo Federal.
Somente em 6 de janeiro de 1953, no entanto, foi sancionada a Lei
1.806. Definia o que era o Plano de Valorização Econômica da Amazônia e no
seu Art. 22, criava uma Superintendência do Plano de Valorização da
Amazônia, à qual caberia organizar o plano.
O Plano Qüinqüenal, elaborado pela Superintendência do Plano de
Valorização da Amazônia SPVEA (1955:24-25), para vigorar no período de
1955-59, informava que a Valorização da Amazônia tratava-se de um esforço
nacional para a) assegurar a ocupação territorial da Amazônia em um sentido
brasileiro; b) construir na Amazônia uma sociedade economicamente estável e
progressista e que seja capaz de, com seus próprios recursos, prover a
execução de suas tarefas sociais e c) desenvolver a Amazônia num sentido
paralelo e complementar ao da economia brasileira.
Como se pode perceber, o,Plano de Valorização da Amazônia estava
em consonância com um projeto nacional de ocupação do território, onde havia
a preocupação da preservação das fronteiras e a integração dos povos
indígenas como fazendo parte de um Estado imaginado como nacional.
O Plano trazia em seu bojo a criação de uma rede de colônias: de
abastecimento, de fronteira e de penetração.
Os povos indígenas do Amazonas seriam atingidos diretamente por esse
plano, onde havia a previsão da substituição da economia extrativista por uma
economia agrícola, que se pretendia transformar em centros de exportação.
As Colônias Indígenas de Fronteiras seriam criadas para reunir em
núcleos de povoamento, nacionalização e vigilância os povos indígenas
dispersas pelas fronteiras do Brasil com as Guianas, Venezuela, Colômbia,
Peru e Bolívia.
O Plano traz severas críticas à atuação do SPI até aquele momento:
Até o presente as tribos fronteiras não foram atingidas por qualquer
assistência efetivamente nacionalizadora por parte do Brasil. O Serviço
59
de Proteção aos Índios, ao qual incumbe a realização dessa obra, não
tem sido capaz de realizá-la em virtude da precariedade dos recursos de
que dispõe e dos obstáculos naturais que se apresentam para efetivar-
se a ação permanente e vigorosa que requerem aquelas fronteiras.
A maioria dos Postos Indígenas criados pelo SPI para atender aos
grupos indígenas fronteiriços encontra-se abandonada porque foi
impossível fixar ali o pessoal realmente qualificado que exige uma
assistência nacionalizadora de fronteira. Alguns dos mais importantes,
cuja abertura custou anos de árduos esforços, como os localizados nos
altos cursos dos rios Demeni, Cotingo e Querari, enquanto operaram,
mantinham contacto com a Inspetoria de Manaus durante três meses do
ano, no período de maiores enchentes..(Plano Qüinqüenal, 1955:233)
Foi com a intenção
de nacionalizar os povos indígenas habitantes de
regiões fronteiriças com outros países que se sugeriu a criação de Colônias
Indígenas de Fronteira. Nelas seriam não apenas introduzidas técnicas
modernas de aproveitamento da natureza, mas ainda construídos campos de
pouso e estações de rádio para facilitar a comunicação. Seriam incluídas nas
rotas servidas pelo Correio reo Nacional CAN e deveriam também servir
de base para a penetração de expedições científicas e a instalação de serviços
meteorológicos.
A instalação dessas colônias ficaria a cargo do SPI.
Além das Colônias Indígenas de Fronteira, seriam criadas as Colônias
de Penetração, cuja finalidade era salvaguardar e consolidar ocupações já
efetuadas.
No Amazonas seriam criadas 4 (quatro) Colônias de Penetração,
a saber:
1. Município de S. Paulo de Olivença, rio Solimões, no território
fronteiriço com a Colômbia e o Peru. Índios Ticuna;
2. Município de Lábrea. Rio Seruini. Índios Ipurinã do P.I.
Mariené.
3. Município de Barreirinha, . rios Andirá e Altazes. Índios Maué.
P.I. Lobo d’Almada.
4. Município de Eirunepé
. Rio Gregório. Índios Kaxinauá,
Katukina e outros. (Plano Qüinqüenal, 1955:238).
60
Esse plano deveria ser executado entre os anos de 1955 a 1959,
quando seriam reinstalados os Postos de Fronteira do SPI que se encontravam
desativados.
Na documentação compulsada, inspetores da Inspetoria do Amazonas
e Território do Acre reclamam da retenção de verbas no Estado do Pará, visto
que a sede da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia –
SPVEA estava localizada em Belém.
Não podemos deixar de registrar um momento de alta relevância para o
estudo da política indigenista no Amazonas: a participação efetiva dos povos
indígenas no chamado esforço de guerra (ocorrido durante a segunda guerra
mundial, de 1939 a 1945), quando a produção da borracha foi retomada para
suprir a demanda norte-americana pelo produto.
No final da década de 1950, o Serviço de Proteção aos Índios, no
âmbito nacional, passa a sofrer mudanças substanciais na condução de sua
política.
Gagliardi (1989:283-284) recupera análise feita pelo servidor do SPI,
José Maria Gama Malcher, em 1960, onde este menciona como principais
causas do fracasso do SPI as mesmas já apontadas por Curt Nimuendajú, em
1941 verbas insuficientes e irregulares, o exagero burocrático, falta de
auxiliares apropriados, falta de punição para os faltosos, admissão de
incapazes e o empreguismo. Para Malcher, o órgão estava se distanciando de
suas finalidades e se encontrava totalmente desmoralizado.
Essa mesma interpretação foi retomada mais tarde por Shelton Davis:
no final dos anos 50, um novo grupo de oficiais do Exército e
funcionários públicos começou a assumir posições de poder no SPI.
Uma onda de corrupção burocrática infestou então a administração do
SPI. A nova direção pôs fim à Seção de Estudos Antropológicos que
Darcy Ribeiro havia ajudado a criar no início dos anos 50. Vários postos
indígenas foram confiados a missionários religiosos. Expedições de
pacificação, prejudiciais ao bem-estar e à segurança das tribos
61
indígenas, foram toleradas, e praticamente deixou de haver controle
sobre as atividades dos agentes do órgão nas áreas pioneiras. Em
termos simples, considerações econômicas e não mais humanitárias
passaram a formar a base da política indigenista no Brasil. Davis
(1978:30-32).
Nos anos 60, as denúncias de corrupção, malversação de recursos
públicos, maus tratos aos povos indígenas e a genocídio, entre outras
denúncias, como a de exploração sexual, por exemplo, fatos amplamente
explorados na imprensa internacional, colocaram em xeque a condução da
política indigenista praticada no Brasil pós-golpe militar. Como solução, o
Governo ditatorial, por meio da Lei 5.371, de 5 de dezembro de 1967, ao
mesmo tempo em que instituiu o novo órgão condutor da política indigenista, a
Fundação Nacional do Índio – FUNAI, extinguiu o SPI.
A respeito das denúncias de genocídio, o antropólogo Roberto Cardoso
de Oliveira, funcionário do SPI entre os anos de 1954-57, faz os seguintes
comentários:
Nunca um termo foi tão mal aplicado. Genocídio significa: ”A deliberada
e sistemática destruição de um grupo racial ou cultural” (Websrer’s
Dictionary). Ora, o SPI jamais se identificou com tal ideologia; ao
contrário, sempre a combateu em suas episódicas manifestações
regionais, locais, quando certos fazendeiros, seringalistas ou outros tipos
de exploradores de terras tribais, procuravam destruir seus ocupantes ou
escravizá-los. A participação eventual – por ação ou omissão – de um ou
outro funcionário daquele órgão não pode estigmatizá-lo, e é assunto
elementar de crônica policial. Nesses casos o comportamento individual
teria sofrido um desvio de 180 graus com referência à conduta pregada
pela instituição oficial. Entre os erros cometidos pelo extinto SPI, o
genocídio não lhe pode ser imputado – com o risco de se cometer
intolerável injustiça.Cardoso de Oliveira (1978:11).
62
Além da extinção do SPI, de acordo com Davis, o Ministro do Interior,
General Albuquerque Lima, determinou que o Procurador-Geral Jader
Figueiredo fizesse ampla investigação sobre as denúncias contra o SPI. Após
viajar mais de 16.mil quilômetros e visitar 180 postos indígenas, foi divulgado
relatório com 5.115 páginas, distribuídas em 20 volumes. Ainda, segundo
Davis,
De acordo com um repórter presente à entrevista, a Comissão
Figueiredo “descobriu. Provas de ampla corrupção e sadismo, indo
desde o massacre de tribos inteiras a dinamite, metralhadoras e açúcar
misturado com arsênico, até a remoção de uma garota de 11 anos da
escola para servir de escrava de um funcionário do Serviço””. O mesmo
repórter informou que dos 700 empregados do SPI, 134 eram acusados
de crimes, 200 haviam sido demitidos, e 38, fraudulentamente
contratados, haviam sido afastados. Davis (1978:33).
Pode-se dizer que as opiniões dos intérpretes do SPI, no que concerne à
sua extinção, são bastante convergentes.
Gagliardi (1989: 283-284) entende que o golpe militar de 1964 apenas
acelerou o fim do SPI. Houve uma criação de mecanismos institucionais com a
finalidade de acelerar a acumulação de capitais e isso significou a
intensificação da expropriação de terras indígenas, onde povos indígenas eram
dizimados por doenças e massacres. Sob grave crise institucional, com
denúncias de corrupção e grande repercussão na imprensa internacional e
visando atender a pressões que os interesses econômicos impunham, o
governo simplesmente extinguiu o SPI.
Para Souza Lima (1991a: 170), “a extinção do Serviço e a criação da
Funai ainda que atendendo também a uma necessidade de conferir, no plano
internacional, visibilidade positiva aos aparelhos de poder de Estado do país, -
fruto da importância do financiamento externo e para as transformações que se
queria implementar devem ser entendidas dentro de um movimento mais
geral de redefinição da burocracia, realizado nos anos de 1967-1968”. Mendes
(2003:16) também vai nessa direção, concordando com a interpretação
daquele.
63
Em trabalho escrito no começo da cada de 60, Cardoso de Oliveira
relativiza a atuação do SPI:
Naturalmente que não é nossa intenção desmerecer o papel positivo que
o SPI desempenhou inspirado na ideologia rondoniana. O nosso objetivo
é apenas mostrar que, por mais progressista que essa ação pudesse ter
sido, ela o foi de modo incompleto, insuficiente, e isto por que não teve
força e nem inspiração para “radicalizar” o problema. Embora se
reconhecesse o processo de mudança por que essas sociedades
passavam, a pergunta para onde mudavam nunca foi além de uma
constatação teórica de que viriam, , no fim de contas, à custa de uma
assistência tecnológica e médico-sanitária eficaz, a alcançar os
benefícios da civilização. Nisto estava implícito que elas viriam, mais
cedo ou mais tarde, a se incorporar à nação brasileira, desde que se
permitisse a realização normal de seu processo evolutivo. Mas nunca
ocorreu aos indigenistas brasileiros que a prática levava em seu bojo a
supressão quase que total da auto-determinação dessas sociedades. De
um lado, a falta de esclarecimento sobre esse aspecto do problema nas
esferas dirigentes da política indigenista, e , outro, as próprias
contradições do modus faciendi desta mesma política, tornavam
impossível qualquer medida tendente a reconhecer a magnitude da
alienação dos grupos protegidos Cardoso de Oliveira (1978:61).
Além de entender a ação do SPI como mais eficaz para os povos
indígenas do que a catequese religiosa, Cardoso de Oliveira (1978:62) enfatiza,
também, que no período de funcionamento da Seção de Estudos, a qual
contava com um grupo de etnólogos, dentre os quais se incluía Darcy Ribeiro,
entre outros, a política indigenista passou a ser elaborada de forma racional,
com base científica, mas tal seção acabou por ser extinta. A partir daí, o SPi
passou a ter um outro direcionamento, ação desenvolvida por burocratas do
Serviço.
Na visão de Cardoso de Oliveira, o SPI começou a ter sua função
alterada, quando, dentro dele, passou a vigorar o que ele chamaria de
mentalidade empresarial,
Esta ação viria a ser marcada a partir do momento em que os diretores
do SPI passaram a ser recrutados entre homens completamente
64
divorciados da doutrina de Rondon, fossem eles civis ou militares. (...)
Ela (mentalidade empresarial) representa o estabelecimento de uma
orientação totalmente voltada para a transformação dos Postos
Indígenas (unidades de base do SPI) em verdadeiras empresas,
dedicadas à produção e ao lucro. A concepção inerente a essa
orientação é a de que o índio pode civilizar-se” pelo trabalho, não
aquele ao qual está culturalmente condicionado, ma ao trabalho
induzido, o que lhe é ensinado pelo civilizado. E a conseqüência disso é
tornar o Posto Indígena uma unidade auto-suficiente, o que viria
dispensar verbas orçamentárias destinadas à assistência e à proteção.
Cardoso de Oliveira (1978:72-73).
A falta de recursos financeiros e de pessoal qualificado é um discurso que
permeia de forma constante a documentação interna do SPI, durante os seus
57 (cinqüenta e sete) anos de existência, conforme poderemos ver a partir do
capítulo2, quando trataremos especificamente da atuação da Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre.
Antes, porém, de entrar no assunto principal de nosso trabalho, faremos a
seguir um pequeno histórico, apenas para situar o leitor, de como foi a política
indigenista praticada no Amazonas, em meados do século XIX, e como estava
a situação dos povos indígenas no momento em que ocorreu a instalação do
SPI nessa região.
1.3 Política indigenista no Amazonas
Antes de passarmos a estudar de forma sistemática o funcionamento e a
trajetória do SPI no Estado do Amazonas, traçaremos um panorama de como
se encontravam os povos indígenas na região amazônica, tendo em vista que,
de meados dos anos de 1880 a 1912, a procura pela borracha foi intensa em
razão dos preços competitivos que o produto detinha no mercado mundial e,
65
em sua grande parte, a árvore de onde era extraída, estava localizada em
terras pertencentes àqueles povos. Buscamos, também, entender qual a
política indigenista praticada antes da instalação do SPI, no Estado do
Amazonas, em 16 de julho de 1911.
Na Amazônia a força de trabalho indígena, desde o período colonial,
sempre foi utilizada de forma sistemática, quer fosse compulsória ou por
persuasão. No século XIX não foi diferente. nos referimos anteriormente a
como se processou a legislação que tratava do relacionamento com os povos
indígenas.
Lembramos que o Decreto 426, de 1845, conhecido como o
Regulamento das Missões
24
, foi o responsável por uma política mais geral,
direcionada ao trato com os indígenas, utilizando a catequese religiosa,
materializada com a vinda de padres capuchinhos da Itália.
A partir de 1852, quando foi instalada a Província do Amazonas,
percebemos nos relatórios dos Presidentes de Província, qual a condução
tomada por eles na implantação da política indigenista na região, materializada
no chamado Regulamento das Missões.
Senão, vejamos:
Ao assumir a presidência, em seu relatório, Tenreiro Aranha (1852)
destaca que havia apenas três missões na Província do Amazonas. Relata que
a falta de missionários com fervor religioso e patriótico era responsável pela
24
A respeito das práticas dos diretores parciais , Tavares Bastos faz o seguinte diagnóstico: “A
legislação em vigor sobre os índios, sua catequese e aldeamento propunha-se um fim
proveitoso: regularizar o trabalho; mas produziu o que se não devia esperar, a espoliação do
índio. O diretor de índios é o seu ladrão oficial. A portaria de nomeação de diretor, dizia-me um
antigo navegante do Solimões, é uma carta de crédito; com ela o novo diretor apresenta-se ao
negociante da cidade, pede um abono de mercadorias, sob promessa de pagar com o produto
do trabalho dos índios, que colhem a borracha, a salsa a castanha, e recebem do diretor uma
insignificante parcela das mercadorias abonadas. O índio não percebe salário em dinheiro: a
permuta de gêneros é o meio de roubá-los” (Bastos, 1937:358).
66
situação. Para suprir a falta de o de obra na capital, fez acerto com vários
tuxauas para cederem, pelo período de um mês, indígenas para as obras
públicas. Percebe-se sua preocupação na utilização dos povos indígenas para
o aumento da renda da Província.
No ano de 1853, o Vice-Presidente Correa de Miranda informa que o
serviço de catequese dos índios progride lentamente. Nesse ano havia 14
diretores parciais e 5 encarregados; faltavam, porém, missionários para as
missões.
Em 1856, o presidente Dias Vieira informa que os índios dedicam-se,
conquanto em pequena escala, ao plantio de mandioca e de banana, à
extração da castanha, salsa, entre outras, e à pesca. Cientifica, ainda, ter sido
nomeado, por decreto Diretor Geral dos índios da Província o Tenente Coronel
João Wilkens de Mattos. Informa também que demitiu Frei Pedro Cyriana da
Missão e direção dos índios do rio Purus.
Em sua Fala de 1857, o presidente Thomaz do Amaral informa a
tentativa de contato com os Uaimirys, do rio Uatucará, tributário do Jauapery,
mas sem sucesso.
Em sua Exposição de 1857, o presidente Dias Ferreira informa que a
falta de missionários e de pessoal idôneo faz a situação pouco proveitosa,
senão prejudicial, ao fim a que é destinada.
No ano de 1858, o presidente Francisco José Furtado é mais enfático sobre
a real situação em que viviam os povos indígenas na Província do Amazonas,
denunciando que a catequese e civilização dos índios continuavam em
deplorável atraso, a despeito da legislação que os protegia, eles sofriam toda a
67
sorte de injustiças, violências e fraudes, não das autoridades subalternas,
como dos próprios diretores parciais.
Tornar-se-ia repetitivo transcrever todos os Relatórios, Falas e
Exposições de Presidentes e Vice-presidentes da Província do Amazonas.
muita repetição sobre exploração da força de trabalho indígena por parte de
diretores parciais e encarregados, os quais, não sendo remunerados,
locupletavam-se com o trabalho dos indígenas. A Fala de 1861, do Presidente
Carneiro da Cunha, é exemplar a respeito dessa prática. Diz ele que “os
diretores parciais dos índios não cumprem também com o que lhes incumbe a
Lei. Sua ação é, às vezes, de mau efeito. Em muitos casos seria talvez mais
preferível que não houvesse semelhantes agentes de educação e civilização.É
convicção geral que muitos diretores, em lugar de serem defensores e
protetores dos índios, são o seu maior flagelo”.
No Relatório de 5 de setembro de 1866, o Vice-Presidente Ramos
Ferreira informa que, de tanto se falar mal dos diretores parciais, o Ministério
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, por Aviso de 7 de março do
corrente ano, autorizou à Província a extinção das Diretorias Parciais, medida
tomada por Epaminondas de Mello, baixando Portaria que as suprimia, em 11
de julho.
Em 1883, no Relatório apresentado à Assembléia Provincial, o
Presidente José Lustosa da Cunha Paranaguá
25
informa que os resultados
25
Segundo Geraldo Pinheiro, “a proteção ao silvícola foi uma das maiores atenções da
administração de José Paranaguá (entre 1882 e 1884). Um exemplo para os posteriores
presidentes e responsáveis pelo seu destino, sendo que talvez tenha ele sido o maior chefe do
governo amazonense que olhou para a questão com devotado cuidado. Desenvolveu a
proteção ao silvícola de uma maneira surpreendente, atestando acurado empenho em resolver
esse problema ainda insolúvel e a merecer a cuidadosa vista do governo brasileiro. Nas suas
viagens aos rios da Província, Paranaguá incumbiu-se de examinar a vida e os hábitos dos
índios e suas relações com os civilizados, procurando atrair os menores para Manaus onde
receberiam noções indispensáveis de vários ofícios, artes e letras. (...) José Paranaguá,
68
obtidos com os meios até então tentados para “civilizar” os índios o pouco
satisfatórios. Mesmo com a catequese religiosa, que voltou a ser introduzida
na Província, através dos frades Franciscanos, por volta de 1868.
Um fato expressivo acontecido na Província do Amazonas, em 1884, foi
o contato pacífico, levado a cabo pelo naturalista João Barbosa Rodrigues,
com os povos indígenas do rio Jauapery, fato que depois ficou conhecido como
a “pacificação dos Crichanás”.
Pouco antes da República, em 1888, no entanto, Pimenta Bueno traz em
sua Exposição, denúncias de maus tratos e de exploração da força de trabalho
indígena na missão do Rio Branco, por parte de missionários.
Algumas interpretações podemos extrair a partir da leitura dos
Relatórios, Falas e Exposições produzidos por presidentes da Província do
Amazonas. Em primeiro lugar, a prática colonial de utilização sistemática da
força de trabalho indígena se fez presente durante o transcorrer do século XIX.
entretanto, olhou para o problema como se algum antropologista tivesse sussurrado ao seu
ouvido. Manifestou, de logo, o pensamento de considerar o índio um elemento útil e
indispensável ao progresso do Amazonas. Procurou tucháuas, deu-lhes o necessário prestígio.
Convenceu, pessoalmente, a todos as vantagens de enviarem seus filhos para receberem
instruções em Manaus. Atingido os quinze anos de idade eles voltariam às suas comunidades,
convenientemente educados e não de todo refratários ao modo de vida dos seus ancestrais,
nem tão pouco contaminados pelos vícios de nossa civilização. (...) Aqueles meninos seriam
agentes civilizadores nos aldeamentos. Era um processo novo. Sem os enganos da ilusão de
catequese mas que deixava no pensamento do jovem indígena a maneira pela qual ele viria a
aceitar, a compreender ou assimilar os nossos hábitos e a nossa vida.(...) Acrescentava que
“era forçoso, porém, que essa educação seja antes uma educação profissional, do que
puramente mental e religiosa, como tem sucedido”.(...) Com esse escopo recomendou a
criação de pequenos centros, nos moldes do Instituto de Educandos Artífices, em Barcelos, em
Tefé, no Andirá, Canumã, Purus e Madeira, se bem que em proporções mais modestas do que
o de Manaus. (...) Reinstalou os Educandos Artífices, aliás estabelecido, devidamente, pela
Assembléia, por força de um projeto do padre Henrique lix da Cruz Dácia. Mestres foram
contratados no Maranhão, a preciosa fonte intelectual que forneceu ao Amazonas boa soma de
educadores, inaugurando-o no dia 7 de setembro de 1882. Em dezembro do mesmo ano deu-
lhe nova regulamentação. No instituto se passaria a ensinar além das letras, música, ginástica,
noções dos ofícios de sapateiro, ferreiro, serralheria, alfaiate, marceneiro, torneiro,
encadernador, funileiro, pedreiro e tipógrafo, profissões essas para as quais o nativo sempre
demonstrou a mais apreciável inclinação. Não cruzou os braços a contemplar essa obra em
andamento. No primeiro ano, 79 educandos estavam matriculados. Necessitava de um maior
número e por isso se tornou o seu maior propagandista (Pinheiro, 1950: 9-10)
69
Segundo: embora com críticas constantes à catequese religiosa, percebe-se
que os governantes tinham preferência por ela.
A partir da leitura de Pinheiro (1950), percebemos a antecipação do
presidente Paranaguá, já em 1884, embora de forma embrionária, das práticas
de cunho positivista que viriam a ser adotadas em 1910, com a criação do
Serviço de Proteção aos Índios.
Com a República, em 1889, veio uma nova Constituição. Em que pese a
primeira Constituição Republicana de 1891 ter silenciado a respeito dos povos
indígenas, deixando as terras devolutas a cargo dos Estados, o Estado do
Amazonas legislou acerca das terras indígenas. Reconheceu, explicitamente,
a vigência dos títulos indígenas, ao promulgar em seu Regulamento, de 21 de
maio de 1892, o exato texto do Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854. No
seu artigo 75, garantia que quando se tratasse de “colonização de indígenas”
as terras reservadas e por eles distribuídas, seriam destinadas ao seu usufruto
e não poderiam ser alienadas enquanto o Governo, por ato especial, o lhes
concedesse o pleno gozo delas (Cunha, 1987: 77).
Em 28 de maio de 1898, o Governo do Estado publicou o Decreto 248,
que dava regulamento para o serviço de catequese e civilização dos índios.
Além disso, criava burgos agrícolas e uma Diretoria de catequese e civilização
de índios do Rio Branco, situada à margem do rio Tacutú, em terreno elevado e
próximo da confluência com o rio Mahú, com jurisdição em toda a zona
compreendida pela comarca do rio Branco.
Os burgos eram uma reedição dos antigos aldeamentos com vistas a
integrarem os indígenas de forma “´produtiva” na sociedade nacional em
formação. Ali, sob o comando de um diretor, seriam fornecidas ferramentas e
70
incentivadas as práticas de lavoura, incentivo ao casamento de indígenas com
outras “raças”, enfim, os burgos eram uma forma de criar povoações formadas
por indígenas dedicados à produção industrial.
Chama a atenção, orientação contida no Decreto 248 (Art.3º, parágrafo
5º) para se tratarem os indígenas sem violência e tentando fazer com que eles
se fixassem nos burgos. Um outro elemento curioso desse decreto,
recomenda “vigiar que não sejam os índios vexados com exercícios militares,
procurando que se lhes dê instrução neste sentido compatível com sua
civilização, suas ocupações diárias, seus hábitos e costumes, os quais não
devem ser aberta e desabridamente contrariados” (Dec. 248, Art. 3º, parágrafo
23).
No que se refere às terras indígenas, mesmo a legislação consagrando
o direito dos indígenas às terras por eles ocupadas, o fato é que existia um
problema concreto para esses povos: os principais produtos econômicos
localizavam-se em terras por eles habitadas. Na segunda metade do
século XIX a produção de borracha recrudesceu, e isso trouxe um conflito
social marcante, à proporção que ocorria uma “invasão” de terras indígenas em
busca daquele produto.
De acordo com João Pacheco (1979),
a borracha passa de uma produção relativamente secundária (3,85% em
1853) das exportações das províncias do Pará e Amazonas, ao segundo
lugar em 1855 (com 15,3% contra 36,14% do pirarucu), disputando a
liderança das exportações em 1857 e em 1859, para afirmar-se naquela
condição apenas em 1863, quando o valor da produção mais que duplica
o valor da produção do pirarucu. (...) E para ser mais exato não é ainda a
partir desse ano que a produção irá manter seu crescimento, pois em
1864 a produção cai violentamente e ao ano seguinte a exportação é
suspensa devido a guerra do Paraguai. No caso do Alto Amazonas é
em 1866 que se um crescimento regular da produção, que duplica
71
entre 1866-1870, cresce assustadoramente de quase 50% entre 1871-
1872, para manter-se nesse mesmo nível, com pequenas variações, até
1876, ano que retoma sua ascensão até 1881, estabelecendo-se a partir
de então a tendência a expansão acelerada. (Oliveira Filho, 1979:117).
À medida que aumentava a procura pela borracha, naturalmente o
conflito social na Amazônia, envolvendo povos indígenas e
seringueiros/seringalistas tornava-se mais intenso.. Além do problema de o
produto se encontrar em terras indígenas
26
, havia na lógica dos seringalistas,
endossada pelos governos provinciais, carência de mão-de-obra para sua
extração, razão pela qual a força de trabalho indígena era fundamental.
27
Como informamos anteriormente, o nordestino passou a se tornar um
elemento importante nesse processo a partir do momento em que a produção
exigida tornou-se cada vez maior, e a força de trabalho indígena não era
suficiente. Nesse momento, era interesse dos seringalistas e casas aviadoras
26
Vale ressaltar aqui que na unidade produtiva do seringal, o que tinha valor não era
propriamente a terra, “mas sim sobre os beneficiamentos nela introduzidos”. Todos os autores
são unânimes em frizar que o valor do seringal não reside nas terras que possui, mas na sua
capacidade de produção de borracha. Oliveira Filho (1979:132)
27
“A caracterização do tipo de mão-de-obra envolvida nesse empreendimento é feita por
Ferreira Reis em citação anteriormente registrada. É de se notar que também Spix e Martius
em sua referência a atividade de extração de borracha atribuem a sua execução “... a gente
mais pobre de origem mestiça” (Spix e Martius, 1976:29). No mesmo sentido afirma José
Veríssimo: “Até 1877 quem extraía, ou antes, quem “tirava”, para usar da expressão
amazônica, a borracha, a qual naquele ano se elevava a uma considerável soma de
quilogramas, era exclusivamente o indígena amazônico: o caboclo ou tapuio e o mameluco”
(Veríssimo, 1970: 178). Também Pimenta Bueno constata ainda naquela data a ampla
predominância do indígena na força de trabalho existente nos seringais: “Os coletores de
borracha são, em geral, os Tapuyos (habitantes de origem indígena), aos quais, após a
calamidade que pesou sobre o Ceará, têm vindo juntar-se grande número de filhos dessa
industriosa província” (Pimenta Bueno, 1882:15). Constitui um terreno praticamente
inexplorado o estudo das formas de organização econômica que surgem baseadas nesse
“trabalho forçado” (como Tavares Bastos classifica a escravidão indígena disfarçada,
característica das diretorias de índios) existindo pouca informação sobre a composição da
sociedade da época e como a estratificação social estava ligada a mecanismos diferenciais de
controle político-jurídico sobre os índios pacificados (tapuios e caboclos) e os mestiços”.
Oliveira Filho (1979: 123-124).; Corroborando a informação de que o indígena era o principal
extrator da borracha, até ocorrer o auge da produção no terceiro quartel do século XIX,
Tavares Bastos (1937)diz que: O mais valioso produto dessas Províncias (Pará e Amazonas)
é a goma elástica; pois bem, não é o escravo que a prepara, é o índio. Digo o mesmo da quase
totalidade dos gêneros que se exportam pelo Pará. O trabalho escrevo domina na lavoura
de cereais e nos engenhos de açúcar, que aliás não são muitos” (Bastos, 1937:368).
72
em ter mão-de-obra em maior quantidade. Passaram, então, a buscar a
migração de nordestinos para a Amazônia num processo semelhante à
peonagem.
O antropólogo Darcy Ribeiro informa que a situação dos povos
indígenas na Amazônia, em princípios do século XX era trágica, conforme a
seguir:
O século XX encontra os índios da Amazônia em condições de vida
muito semelhantes àquelas do tempo dos descimentos para as missões
religiosas e para o trabalho escravo no Brasil colonial. Ao longo dos
cursos d’água navegáveis, onde quer que pudesse chegar uma canoa a
remo, as aldeias eram assaltadas, incendiadas e sua população aliciada.
Magotes de índios expulsos de seus territórios perambulavam pela mata,
sem paradeiro. Para qualquer lado que se dirigissem deparavam com
grupos de caucheiros, balateiros, seringueiros, prontos a exterminá-los.
(Ribeiro, 1970:23)
Nos primeiros anos da segunda década do culo XX, contudo, a
borracha produzida no Oriente foi oferecida ao mercado mundial por preços
inferiores aos produzidos na Amazônia. A partir de 1913, começaria a
derrocada de um período que ficou conhecido como do “apogeu da borracha”,
pondo fim à “prosperidade” que reinava na região. Prosperidade que não
significou desenvolvimento, haja vista ter beneficiado poucos em detrimento
daqueles que se sacrificaram nos seringais. Além disso, esse período trouxe
graves conseqüências para os povos indígenas habitantes da Amazônia.
Em 1910, como vimos, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios e
Localização de Trabalhadores Nacionais, cujo objetivo era “proteger” os povos
indígenas e, ao fazer contato com aqueles povos que não viviam em contato
73
pacífico com a chamada “sociedade nacional” (prática que ficou conhecida
como “pacificação”), conseguir integrá-los e torná-los produtivos
economicamente.
Fazendo parte integrante desse órgão, foi criada a Inspetoria do
Amazonas, instalada em 16 de julho de 1911, tendo à sua frente o engenheiro-
militar Alípio Bandeira. Sua instalação ocorre em um momento crucial para a
economia da região. Embora tenha havido a perda da hegemonia na produção
da borracha, em função da concorrência com aquela produzida no sudeste
asiático, a procura pelo produto, mesmo em menor escala, continuará
ocorrendo. Além disso, outros produtos de interesse econômico, a exemplo da
Castanha, estão localizados em terras indígenas.
O trabalho que empreendemos a partir do capítulo subseqüente é uma
tentativa de buscar interpretar como se deu a atuação desse órgão durante sua
trajetória no Estado do Amazonas, no período que vai de sua instalação, até
1940.
A política indigenista no Amazonas, embora tendo de executar as
normas emanadas do órgão central, iria encontrar obstáculos geográficos
maiores do que em outras áreas do Brasil. As condições de conflito serão
constantes, pois a prática extrativista se manterá.
Em que pese o declínio da produção da borracha, a demanda por
produtos da floresta, localizados em terras indígenas, fez as terras indígenas
serem bastante visadas, em função do interesse econômico, o que iria
recrudescer no período da 2ª Batalha da Borracha (1940-45).
74
Na década de 1950, com a criação da Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia, a forma como seriam vistos os povos
indígenas da região amazônica sofreria mudanças.
Mais tarde, com os grandes projetos gestados durante o período da
ditadura militar, a partir de 1964, sob o lema do “integrar para não entregar”, a
Amazônia tornou-sei palco da abertura de estradas, construções de
hidrelétricas (como Balbina, Tucuruí e Samuel, por exemplo), projetos
agropecuários, empresas de mineração que, além de devastarem os recursos
naturais, ameaçaram destruir física e etnicamente povos indígenas.
Essa ação foi de tal modo autoritária e predatória, que veio provocar a
dizimação de vários povos indígenas, fazendo com que a quase unanimidade
dos estudiosos estimasse a extinção dos povos indígenas da Amazônia em
curto espaço de tempo.
No período do chamado “milagre brasileiro”, o índio passou a
representar, na visão daqueles que propunham o avanço sobre terras
indígenas, “uma pedra no caminho do progresso”. Trata-se, então, de uma
nova modalidade de guerra de pacificação
28
.
Em 1967, sob uma onda de denúncias de corrupção, como vimos acima,
o Serviço de Proteção aos Índios foi extinto e substituído pela Fundação
Nacional do Índio – FUNAI
29
.
28
A respeito do termo pacificação, Souza Lima (1985) enfatiza que “ela é utilizada para
designar as práticas de contato deliberado de agentes indigenistas definidas como pacíficas
isto é, não conflituosas com os índios bravios”. Em outro trabalho, o mesmo autor enfatiza
que “pode-se ler a pacificação como uma estratégia montada sobre variadas técnicas
semióticas. Inicia-se pela busca de sinais vestígios, para usar os termos dos textos da época
da presença indígena para, através de sua adequada interpretação, conduzir um povo em
estado de guerra, sem atos de violência aberta, a compor relações em que o conflito assuma
outra formas” (Lima, 1995:167).
29
“Criada em 1967, a FUNAI demorou a estruturar em novos moldes o legado do SPI. A partir
de 1969 a principal preocupação de seus dirigentes passou a ser a implementação de
projetos econômicos (agrícolas, de criação de gado, de extração de madeira, etc.), a
75
CAPÍTULO 2
“A Inspetoria do Estado do Amazonas e Território Federal do Acre”
2.1 Instalação da Inspetoria Regional do Amazonas: a gestão de Alípio
Bandeira.
Neste capítulo analisaremos a trajetória do Serviço de Proteção aos
Índios no Amazonas a partir do conceito de dispositivo, tal como trabalhado
por Foucault (2201:244). Este instrumento teórico pode ser entendido,
simultaneamente, como expressão discursiva e como um conjunto de atos,
tanto formais, quanto informais e de sentido prático, emanados do aparato
burocrático. Tal prática se consubstancia em atos (ofícios, portarias, decretos e
leis) e em medidas administrativas, a saber: planos, programas, projetos e toda
uma massa documental difusa produto de agentes burocrático-administrativos
diversos. .As instruções normativas internas ao órgão indigenista, as ordens
de serviço, as alocuções em eventos oficiais de seus principais mandatários, os
avisos, os relatórios de expedições e os ofícios, também podem ser
comercialização de artesanato e contratos de arrendamentos, que compunham a renda
indígena. A perspectiva era então de transformar o exercício da tutela em um
gerenciamento de bens (terra, trabalho, e outros recursos) referidos como sendo de
posse e usufruto exclusivo do índio, tendo em vista desse modo tornar a assistência
ao índio uma atividade autofinanciável para a burocracia estatal” (Oliveira Filho &
Almeida, 1998:71-72)
76
classificados, sob a noção de dispositivo, e serão objeto igualmente de nossa
análise.
A Inspetoria Regional do Amazonas, que consiste na agência a partir da
qual foram emitidos os componentes destas unidades discursivas, e
implementados aqueles atos e medidas aqui analisados, foi instalada em
Manaus (AM) a 16 de julho de 1911. Seu dirigente maior foi o Tenente Alípio
Bandeira
30
, nomeado Inspetor do Serviço de Proteção aos Índios no Estado do
Amazonas, pelo Ministro da Agricultura Indústria e Comércio, a 27 de setembro
de 1910.
Os critérios de competência profissional do escolhido correspondiam à
formação militar e aos princípios de intervenção oficial inspirados no ideário
positivista, o que fazia dele uma pessoa centralizadora e autoritária. Os
militares seriam considerados agentes de “civilização” e de “nacionalidade”
mais habilitados para lidar com os povos indígenas e para garantir a sua
30
“Alípio Abdolino Pinto Bandeira Nasceu em Mossoró (Rio Grande do Norte) em 15 de
agosto de 1873. Filho de Odilon Abdolino Pinto Bandeira e de D. Vicência Amélia de Lima Pinto
Bandeira. Praça de 18 de abril de 1890, matriculando-se e estudando na Escola Militar do
Ceará. Segundo tenente em 3 de novembro de 1894. Primeiro tenente em 8 de outubro, com
antiguidade de 27 de agosto de 1908. Capitão graduado em 24 de setembro e efetivo em 20 de
novembro de 1913. Major em 11 de outubro de 1920, por merecimento. Tenente coronel, em
15 de julho, com antiguidade de 20 de maio de 1925; coronel em 29 de maio de 1930, por
antiguidade. Tem o curso geral pelo regulamento de 1898, e o diploma de Agrimensor. Serviu
na Catequese dos Selvícolas, como auxiliar do então coronel Candido Mariano da Silva
Rondon. Casado com D. Rosália Nanci Bagueira Bandeira, filha do Dr. Bagueira Leal. Redigiu
o “Amazonas”, Manáos.
Bibliografia: - “Sertanejas, versos; “Discurso de instalação do serviço de Proteção aos Índios e
Localização de Trabalhadores nacionais no Amazonas, pronunciado pelo autor em sessão
solene do Paço da Intendência Municipal de Manáos, no domingo, 16 de julho de 1911, às 9
horas da manhã”, (Manáos, Tip. Da Liv. “Palais Royal”, de Lino Aguiar & Comp, 1912), 8º de 44
p; “Antiguidade e actualidade indígenas. Catechese e protecção, (Rio, Tip. Do “Jornal do
Comércio, 1919), de 120 p. , capa ilustrada; Pró-Bélgica”, poesias, (Rio, Tip. Martins de
Araújo & Comp., 1917), de 8 p.; Vozes da América, (Rio, Of. Graf. Vilas Boas & Comp.,
1920), 8º de 60 p., capa artística; “Jauapery, (Manáos, s. t., 1926), 8º de 64 p. e 1 planta desse
rio; da p. 49 a 64 v. vem um “Pequeno Vocabulário da Língua Uaimirí; “A cruz indígena,
(Porto Alegre, Liv. do Globo, 1926), de 132 p., em benefício dos índios amazonenses do rio
Jauaperí; “O Brasil heróico de 1817”, (Rio, 1918), 4º de 330 p.; “Antes que seja tarde”, tradução
do inglês, de Ida Goldsmith Moor; “A Ascenção”, poema heróico em 13 cantos, (Rio, Typ.
Henrique Soudermann, 1928), de 46 p. (Velho Sobrinho, 1937:241-242). Alípio Bandeira
faleceu em 14 de agosto de 1939 (Bandeira, 1979:9).
77
“pacificação”, nos termos concebidos pelo governo republicano. A formação em
engenharia fazia do inspetor um empreendedor de obras e um desbravador.
31
À época de sua nomeação, Alípio Bandeira era tenente do Exército e
estava engajado nas iniciativas militares e empresariais definidoras da nova
proposta de proteção aos povos indígenas. Adepto do positivismo, sendo
admitido como membro da Igreja Positivista a 7 de novembro de 1906, seu
objetivo maior , em consonância com as metas do SPI, era a condução dos
indígenas a um “estágio mais avançado de civilização”, incorporando-os à
Nação brasileira que estava em formação. Introduziu nos quadros do Serviço
de Proteção aos Índios, seus irmãos Virgílio Bandeira e Arthur Bandeira,
ambos chegando à condição de inspetor e também empenhados em levar
“novas tecnologias” aos indígenas. Nesse sentido, a modernização tecnológica
foi um elemento de destaque da “missão civilizadora” do SPI.
Sendo positivista, Alípio Bandeira defendia que os povos indígenas
fossem objeto de uma “proteção fraternal” em contraposição à catequese
religiosa. E defendia
Os positivistas são, nesse particular, os únicos habitantes ditosos da
terra.
Estes sabem que a paz, a concórdia e a felicidade hão de reinar entre os
homens, dependendo isto somente do estabelecimento de uma religião
universalmente aceita e praticada. Sabem mais que essa religião, que, à
vista dos progressos do espírito, devem basear-se nas necessidades
humanas e terrestres e não nas fantasias divinas e celestes, está
construída e de substituir as diversas crenças provisórias que a seu
tempo e através de ficções sobrenaturais serviram de fato à
coordenação altruística dos atributos no indivíduo, e das relações destes
nas sociedades e que, exaustas hoje por incompatibilidade radical entre
31
Para uma apreciação mais detida da formação acadêmica correspondente ao “engenheiro
militar”, leia-se a abordagem sociológica de Almeida, Sobre a trajetória de Euclides da Cunha
(1977:88-129).
78
a e a ciência, apenas subsistem, como o explica uma lei natural, nos
últimos efeitos do primeiro impulso, dando assim a ilusória aparência de
uma força que, na realidade, cessou de atuar. (Bandeira, 1926, 126).
O livro Antes que seja tarde Biografia de Alípio Bandeira, de autoria da
filha de Alípio Bandeira, Dulcina Bandeira , reproduz as anotações que
constavam em sua de ofício, as quais julgamos oportuno transcrever,
porquanto permite avaliar como ele mesmo era avaliado pelo órgão indigenista
e como suas ações eram vistas pelo aparato burocrático.
Escolhido em 1910, pelo Sr. Coronel Cândido Rondon, diretor efetivo do
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais,
por sua capacidade moral, inteligência e prática, para o cargo de inspetor
no Estado do Amazonas, foi, antes de partir para a sua inspetoria,
designado para, em comissão, elaborar as Instruções regulamentares dos
serviços das Inspetorias, na plenitude de sua função, comissão essa a que
deu o mais cabal desempenho, fazendo verdadeira codificação que foi
aprovada pelo então Ministro da Guerra. A 29 de novembro do mesmo
ano, foi elogiado pelo Sr. Coronel Rondon, por semelhante trabalho, e em
seguida, encarregado da confecção de um projeto de lei regulando a
situação jurídica do índio brasileiro e a que deveria acompanhar um
memorial completo acerca dessa mesma situação, em face da legislação
antiga e da vigente.Nessa função, produziu um trabalho de tal importância
que o Sr. Ministro Dr. Pedro de Toledo, o adotou, sem modificação, e com
uma exposição de motivos, passou às mãos do Sr. Presidente da
República, para que, em mensagem especial o enviasse ao Congresso
Nacional, a fim de servir de base para a lei que, com aquele objetivo,
deveria ser votada. Após tão assinalados serviços, seguindo para a sua
inspetoria. (Bandeira,1979:90)
Em seu discurso inaugural, proferido no dia 16 de julho de 1911, no
Paço Municipal, em Manaus, Alípio Bandeira fez um relato histórico dos fatos
ocorridos no Brasil, envolvendo os povos indígenas, desde a chegada do
colonizador. Foi um discurso emocionado, no qual relembrou massacres de
79
índios, expropriação de suas terras, enfim, uma memória a respeito de como se
deu o contato, não se esquecendo, porém, de citar pessoas que, em sua
opinião, trabalharam em prol dos indígenas. De certo modo ele monta uma
galeria de notáveis de menção obrigatória: “Chamam-se José Bonifácio, Guido
Marlière, Azeredo Coutinho, João Daniel, Domingos Alves Branco, Januário
Barbosa, Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Toledo Rendon, Gonçalves
de Magalhães, Melo Morais Filho, Couto de Magalhães, que com a pena
temperada nas forjas que o amor alimenta, restabeleceram o caráter do índio
caluniado pela maldade ou pela ignorância, e ao país inteiro chamaram em
verbos de fogo pela liberdade e pela justiça”. (Bandeira, “Discurso de
instalação da Inspetoria do Amazonas”, IN: Oliveira, 1947:50-51).
Destacou ainda, a relevância da criação do Serviço de Proteção aos
Índios, ressaltando sua principal missão” e seus objetivos, de nítida função
tutelar::
a proteção em todos os sentidos ao índio brasileiro, já lhe fornecendo
gratuitamente tudo o que precise, desde o alimento até a ferramenta de
trabalho, já, sobretudo, libertando-o a todo transe da ignóbil opressão do
pseudocivilizado. Tal é o principal intento dos novos servidores da grande
causa: tal é o nosso primeiro dever, nosso soberano empenho, nossa
cruzada, nossa paixão” (Bandeira, Discurso de Instalação da Inspetoria do
Amazonas.(Oliveira, 1947:45).
Alípio Bandeira conclui seu discurso enaltecendo a “missão” destinada
aos funcionários públicos vinculados à questão indígena, designados
formalmente como servidores do Serviço de Proteção aos Índios:
Foi nesse cenário imponente e belo, onde o homem se identifica
fundamentalmente com a natureza e onde é levado a amar com dobrada
80
pujança a terra amiga, que o alimenta com variados produtos e que de mil
diversos modos lhe desperta, embala e prende a imaginação, foi que os
opressores de quatro séculos, carregando no pensamento e na alma o fel
satânico da ambição, procuraram para o martírio, o indígena brasileiro.
É nesse mesmo magnífico cenário, já agora sagrado pelo sacrifício de
tantos milhares de vítimas, é aí que os libertadores do século XX vão
procurá-lo para a redenção, levando n’alma a memória dolorosa do passado
e no pensamento a grandeza, a honra e glória da Pátria (Bandeira,
“Discurso de Instalação da Inspetoria do Amazonas. In: Oliveira, 1947:54)
A idéia de “missão” para Alípio Bandeira teria sido um termo tomado
emprestado do léxico militar, seu ambiente de atuação, reproduzindo princípios
operativos instituídos pelo General Cândido Rondon, que configurava a
condição de servidor com aquela de defensor apaixonado dos indígenas. O
mito rondonista foi e tem sido assim reproduzido no campo do indigenismo. O
pronunciamento de Alípio Bandeira ao enfatizar a idéia de “missão” bem ilustra
jsto.
Dentro deste princípio, ressaltou também que a proteção das terras
indígenas era o “alicerce essencial do edifício que se projeta contando para
isso com as boas disposições dos governos locais” . Importante lembrar que a
proteção das terras era uma questão a ser tratada com muito cuidado, haja
vista que a Constituição Republicana de 1891 havia deixado a cargo dos
Estados legislarem sobre as terras indígenas neles contidas.
O tema que envolvia as terras indígenas revestia-se de enorme
importância, a ponto de ser elaborada uma instrução interna no Ministério da
Agricultura. Indústria e Comércio, determinando aos inspetores que entrassem
em acordo com os governos dos Estados e dos Municípios com a finalidade de
legalizar as posses das terras ocupadas pelos indígenas, no sentido de que
fossem confirmando sua concessão, de acordo com a Lei 601, de 1850.
81
Alípio Bandeira foi um crítico ferrenho da atuação de missionários
religiosos junto aos povos indígenas, principalmente em relação à manutenção
de missões religiosas com verbas do Governo, dentre as quais os salesianos
do Mato Grosso, onde , segundo ele, ocorria a exploração da força de trabalho
indígena e a presença de Beneditinos na região do rio Branco.
32
Contudo, ao enfatizar a função do Serviço de Proteção aos Índios, não
excluía que em postos indígenas houvesse a presença de religiosos.
Vê-se também que é possível que existam, que trabalhem
concomitantemente,,lado a lado, O Serviço de Proteção e a catequese,
seja de que espécie for católica, protestante, teosófica, espírita,
contanto que se o violente com esse pretexto a vontade dos índios.
Esclareçamos: se em um posto indígena do serviço de Proteção
encontrar adeptos de sua religião a qualquer hora, em qualquer tempo
nada que objetar. Mas se esse catequista estabelecer excessos
prejudiciais à saúde dos índios; se os quiser de algum modo obrigar a
receberem a sua instrução; se lhes prescrever, apesar deles, costumes
que repugnam; se lhes infligem punições aviltantes, então é claro que a
sua catequese não pode ser aceita nem tolerada. (Bandeira, 1919:72)
É importante salientar que a jurisdição da Inspetoria do Amazonas se
dava sobre uma vasta extensão territorial, ocupando, além do atual Estado do
Amazonas, o atual Estado de Roraima, parte significativa do atual Estado de
Rondônia (que foi criado a partir do desmembramento de parte do Estado do
Amazonas e parte do Estado de Mato Grosso), norte do Mato Grosso e oeste
do Pará. Contudo, a partir de 15 de dezembro de 1911, seu campo de
jurisdição foi ampliado, incorporando o Território do Acre, a então uma
Inspetoria independente.
33
32
Vide A mystificação salesiana, (Bandeira, 1923).
33
Quando da publicação do Regulamento, que acompanhava o Decreto 8.072, de 20 de junho
de 1910, em seu Art. 52, ao Território do Acre, era destinado um inspetor, formando, portanto
uma Inspetoria independente; em 15 de dezembro de 1911, é publicado o Decreto 9.214, que
82
De acordo com Instruções Internas do SPILTN, as Inspetorias eram
repartições destinadas a estabelecer relações entre os índios e a diretoria
geral, e a superintender diretamente tanto o Serviço de Proteção aos Índios
como o de “localização dos trabalhadores nacionais”
34
. A arquitetura
institucional que instituiu as Inspetorias estava, de certo modo, atrelada às
disposições do recrutamento da força de trabalho e ao potencial econômico de
atividades agrícolas e extrativas que a absorveriam.
O Regulamento que acompanhava o Decreto 9.214, de 15 de dezembro
de 1911, informava que as Inspetorias teriam como pessoal efetivo os cargos
de inspetor, ajudante e escrevente. Além do pessoal efetivo, haverá o pessoal
extraordinário que for indispensável para a execução dos serviços de
demarcação, construções, levantamentos topográficos, localização e outros,
que não puderem ser executados pelo pessoal efetivo (Título II, Cap. II, Art.
60)
35
extinguiu a Inspetoria do Território do Acre, incorporando-a à Inspetoria do Amazonas, que
passou a ser denominada Inspetoria do Amazonas e Território do Acre.
34
Conforme Instruções Internas do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos
Trabalhadores Nacionais, 1910, Título III, Art. 34.
35
Embora não tenhamos encontrado referência ao cargo de auxiliar, supomos que esse cargo
era ocupado pelos contratados de forma excepcional, tais como agrimensores, etnólogos, etc.
(N.A.). Nas Instruções Internas do SPILTN, de 1910, constam as obrigações dos ocupantes
dos cargos efetivos da Inspetoria. Assim, no Título III, Parte II, Cap. IX, Art. 90: São deveres e
atribuições do inspetor: 1º) defender, perante as autoridades estaduais, em juízo, ou de
qualquer outra forma os interesses dos índios e dos trabalhadores localizados, chamando
diretamente a si a causa, já nomeando advogados e curadores e em qualquer caso
acompanhando a ação como verdadeiro patrono; 2º) empregar todos os meios brandos,
suasórios e retos sempre que haja de defender os seus patrocinados, quer junto a particulares,
quer perante os governos estaduais ou em causas e litígios policiais e jurídicos; mas,
esgotados esses meios, tornada inútil toda intervenção dessa ordem, empregar, com energia e
firmeza todos os recursos dignos e a seu alcance, contanto que a defesa seja a mais eficaz
possível. Em 51 artigos, a Instrução detalha de forma minuciosa todos os procedimentos que
devem ser tomados para que a proteção e a atração dos indígenas se dêem de forma eficiente;
No Cap. X, da referida Instrução, constam os deveres e obrigações do Ajudante de Inspetor,
entre outras, as seguintes: O ajudante de inspetor desempenhará todos os encargos que lhe
forem cometidos pelo seu chefe e que estejam explícita e implicitamente compreendidos nos
seus deveres. Cfe. o regulamento que acompanha o decreto 9.214, Cap. IV, Art. 83, parágrafo .
4º, os inspetores serão substituídos pelos ajudantes designados pelo diretor, e, na falta de
designação, pelo mais antigo; Ao escrevente, de acordo ainda com as Instruções Internas,
Cap. XI, aos escreventes de Inspetoria incumbe fazer, por livros próprios, toda a escrituração
da Inspetoria; registrar os títulos de posse dos terrenos demarcados para índios e dos
83
A região amazônica estava, a essa época, vivendo um momento de
grande efervescência econômica, com a produção da borracha levada ao seu
extremo. A Hevea brasiliensis (uma das espécies mais importantes para a
extração da borracha) achava-se localizada em sua grande maioria, em terras
indígenas. Isto configurava um conflito permanente entre os referidos povos e
os seringalistas que buscavam ampliar seus limites, incorporando “levas de
trabalhadores nacionais”.
Permanecendo efetivamente por pouco tempo à frente da Inspetoria do
Amazonas (cerca de seis meses), a gestão de Alípio Bandeira foi intensa.
Embora não tenhamos tido acesso ao relatório produzido por Alípio
Bandeira, compulsamos documento elaborado por José Bezerra Cavalcante,
então Diretor do SPILTN, para apresentar ao Ministro da Agricultura, no qual
consta resumo do relatório da Inspetoria do Amazonas, referente às atividades
empreendidas no ano de 1911.
Esse documento uma dimensão da passagem de Alípio Bandeira à
frente da Inspetoria do Amazonas, e pela sua importância, aqui reproduzimos:
No Amazonas fizeram-se duas expedições ao Uatumã, uma ao
município de Maués e Borba, uma ao rio Madeira e alguns dos seus
afluentes, uma aos rios Negro e Uaupés, duas ao Jauapery e uma ao
Autazes.
Na primeira expedição ao Uatumã, feita pelo inspetor em pessoa, não
teve outro resultado além do conhecimento do terreno e levantamento
daquele rio até a primeira cachoeira. De acordo com as informações
obtidas em Manaus pelo funcionário referido esperava ele encontrar os
índios que habitam ou, segundo outros, freqüentam o Uatumã.
36
pertencentes aos trabalhadores nacionais, anotando todas as ocorrências que se forem dando
e organizar a folha de freqüência do pessoal efetivo e, quando houver oportunidade, do
pessoal extranumerário.
36
Alípio Bandeira, em seu livro Jauapery, descreve sua expedição ao Uatumã: “Quando estive
no Uatumã, em fins de julho e princípio de agosto de 1911, soube que esses índios
costumavam frequentar esse rio em certa época do ano e que eram frequentemente
assassinados por um espanhol, o Sr. Moreno, morador da Cachoeira Maximiana. Chegado à
84
Chegando porém, a esse rio, verificou que a situação das águas era tal
que, ainda por causa de alagações da cheia, , não permitia excursões
fora das margens, e por motivo da seca dificultava muito a passagem
das cachoeiras. Tudo isto confirmava as informações locais que diziam
que só de setembro em diante começavam a aparecer os índios. Estava-
se então no mês de julho; o inspetor resolveu, portanto, efetuar
entrementes uma expedição em outro rumo. Antes, porém, explorou o
lugar, tendo encontrado num pequeno planalto à margem esquerda do
rio e defronte da primeira cachoeira, grande cópia de machados e outros
instrumentos de pedra.
A segunda viagem ao Uatumã, por achar-se então doente o inspetor, foi
confiada a um empregado da inspetoria, o qual chegou a esse rio em fins
de setembro e, tendo atravessado as seis primeiras cachoeiras e
principiado a construção de um barracão e plantio de uma grande roça,
foi subitamente abandonado pelo pessoal subalterno que o
acompanhava, logo que se descobriram na mata vestígios de índios. O
medo, aliás infundado, que por esses lugares inspiram os silvícolas,
determinara tal deserção e o chefe da expedição viu-se assim obrigado a
voltar sobre seus passos sem nada conseguir. Semelhante resultado
mostra que, em certos casos, necessidade do emprego de um
pequeno destacamento militar, não se vê, para opô-lo ao índio, mas
para se poder contar com gente habituada à disciplina e obediência: se
os trabalhadores que acompanharam o empregado da Inspetoria não o
tivessem abandonado, ter-se-ia conseguido a amizade dos índios desse
rio, como aconteceu mais tarde no Jauapery, onde os silvícolas são tão
temidos como no Uatumã. E aí, se ao invés de trabalhadores, fossem
casa desse homem, perguntei-lhe como se davam esses encontros e porque motivo atirava
nos selvagens, e ele me informou, sem sombra de pejo ou remorso: - Sai um deles à boca da
mata e diz: maiá; a gente passa-lhe fogo e corre.
– Que quer dizer maia? Indaguei.
– Não sei, respondeu-me.
- Mas, Sr. Moreno obtemperei maia pode ser uma palavra de simpatia ou de negócio e
nesse caso, bem o Sr, seria de uma atrocidade inominável o seu procedimento; mas ainda
que seja uma palavra de agressão, é isto motivo para matar uma pessoa? E nunca notou o Sr,
que não é grande prova de coragem disparar o seu tremendo rifle em um homem armado
apenas de arco e flecha, e ainda por segurança correr?
A todas essas observações o Sr. Moreno disse apenas que índio é bicho traiçoeiro!
Quando em novembro desse mesmo ano visitei o Jauapery já sabia a significação da palavra
maia.
Quer dizer – facão.
Assim, vinha o infeliz selvagem das suas brenhas à procura de um facão objeto
preciosíssimo para quem só dispõe de instrumentos de pedra e precisa abrir a mata do
Amazonas; seu intuito não era pedir, mas negociar pelos seus frutos silvestres ou pelos
artefatos da sua rudimentar indústria; propunha a transação na sua língua, a única língua do
seu conhecimento, e a resposta que lhe davam era a descarga da Winchester!
Que idéia ficará fazendo da civilização e do civilizado essa mísera criatura quando escapa das
balas com que atendem à sua inocente proposta? (Bandeira, 1926:11-12).
85
soldados, eles teriam, por disciplina permanecido no lugar e o resultado
seria o mesmo..
É o Uatumã, pela presença do gentio, inteiramente deserto da primeira
cachoeira para diante, de gente civilizada. É, entretanto, rico em
madeiras de construção, de seringueiras, copaíba e andiroba.
A expedição de Maués foi também começada pelo inspetor, recolhendo-
se a Manaus, por doente, esse funcionário, continuada pelos ajudantes.
Visitaram-se muitas malocas nos rios Maués, Urupady, Maráo, Abacaxis,
Cauamã e seus afluentes e no lago Apocuitaua. Encontraram-se cerca
de 3.000 índios morando em aldeias e povoações , de que são excluídos
os civilizados. São homens trabalhadores, mas ressentem-se de defeitos
que não têm habitualmente nas selvas, vivem das suas roças e da
indústria do guaraná de que têm grande comércio. Fez-se, como em
geral, o levantamento dos rios que ainda não figuram nas cartas.
A excursão ao Madeira, realizada por um ajudante, tornou-se conhecida
a situação precária dos índios já domiciliados nos rios Jamary, Machado,
Ituxi e Marmelos. São os caritianas, os Caripunas e os Garáios e os
Caxarerís, explorados todos pelos regatões e seringueiros da região e
muitas vezes trucidados pelos caucheiros. Alem desses, os famosos
Parintintins, que são o terror do rio Machado, mas que na verdade nada
mais fazem do que se defenderem do pseudo civilizado. Este emprega
contra os Parintintins os Mundurucus, realizando assim a destruição do
índio pelo seu mesmo irmão da selva. Segundo a História, eram os
Parintintins antigamente, bons e acessíveis, donde se deve concluir que
estão hoje em de guerra por motivo de depredações e martírios que
sofreram .
Aos rios Negro e Uaupés foi mandado também um ajudante, que aí
encontrou, como por toda a parte, o cativeiro real do índio, que vive em
promiscuidade com civilizados. Em todas essas expedições, além das
medidas tomadas em defesa dos índios para garantir-lhes a propriedade
e a liberdade, receberam eles muitos presentes, de ferramenta e roupa,
sobretudo.
(...) A última expedição efetuada pela Inspetoria do Amazonas foi
destinada aos Autazes, no baixo Amazonas. Foram visitadas quase
todas as malocas dos rios Autaz-Mirim, Autaz-Assú, Jumas e Preto e do
lagos Gapenú, Paracuiúba, Acará-Grande, Quirimiry e Mamory.. Toda
essa região é habitada por índios Mura, valorosíssima nação de outrora,
hoje transformada em agrupamento de pobres índios viciados,
degradados, humilhados pela civilização a que se acolheram . Ocupam-
86
se de pequena lavoura, mas a maior parte do seu tempo é empregado
em serviços prestados aos muitos exploradores do seu trabalho.
A população indígena é avaliada em cerca de 3.000 almas por uns e
em 5.000 por outros. (Cavalcante, 1911:10-13)
Do período em que permaneceu à frente da Inspetoria do Amazonas, no
entanto, a ação mais conhecida, foi aquela empreendida por Alípio Bandeira no
rio Jauapery
37
. O próprio militar tomou para si a responsabilidade de manter
contato com os povos indígenas daquela área. Isto resultou na chamada
“pacificação dos habitantes das margens do rio Jauapery”, os quais ele
denominou de Atruaís.
Esta região havia sido descrita por João Barbosa Rodrigues
38
, em
seu livro Rio Jauapery Pacificação dos Crichanás (1885). Este naturalista
registra uma série de conflitos armados que resultaram em mortes tanto de
indígenas, quanto de habitantes de Moura
39
, no século XIX.
40
37
O rio Jauapery nasce nas vertentes de S. O. de uma das ramificações da serra do Acarai, a
30’ mais ou menos ao norte do Equador. A princípio, a sua corrente vem flexionando-se em
direções diferentes a sair no paraná denominado Maracacá, no Rio Negro. O seu percurso é
de 160 léguas, sendo 80 de rio morto. Da confluência do rio Miranda até a primeira cachoeira
distam 40 léguas, e desta à ilha do Triunfo, na enseada Manhama, vinte e duas. No baixo
Jauapery diversos igarapés desembocam por ambas as margens, e como o rio percorre uma
várzea muito extensa forma por extravasamento em ambas as margens grandes lagos, todos
muito piscosos. Das ilhas principais do Jauapery distinguem-se: Uatucurá, Sumaúma,
Gaivotas, Sapa, Tauaquera. A mais espaçosa delas é a do Triunfo, que tem três a quatro
milhas de contorno. (Jobim,(1949: 204-205)
38
O Dr. João Barbosa Rodrigues , natural do Rio de Janeiro, nasceu a 22 de junho de 1842,
falecendo, na mesma cidade, a 6 de março de 1909. Viaja para Manaus em 1872, designado
por D. Pedro II, para fazer estudos científicos, nos domínios da História Natural, abrangendo
especificações geográficas, antropológicas, etnográficas, geológicas e botânicas. Desenvolveu
importantes pesquisas nas áreas de seu conhecimento. Quando Diretor do Museu Botânico do
Amazonas, autorizado pelo Presidente da província a contratar da França um químico
espcialista em reações e sublimações de essências vegetais, com o qual viria a desentender-
se mais tarde. Ao assumir o Governo do estado do Amazonas, o Capitão Augusto Ximenes
de Villeroy demitiu o naturalista. Logo que chegou ao Rio de Janeiro a notícia de sua
exoneração, foi nomeado para assumir o cargo de diretor do Jardim Botânico daquela cidade.
(Bittencourt, 1973: 127 – 130)
39
“A cidade de Moura, no seu princípio Pedreira ou Itarendáua, é uma das aglomerações
urbanas mais antigas do Amazonas. Elevou-se à categoria de vila o capitão-general Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, quando, em 1758, veio fundar a vila de Barcelos, que devia
servir de capital da nova Capitania de São José do rio Negro. A origem deste velho povoado
87
Barbosa Rodrigues propôs ao então Presidente da Província do
Amazonas, José Lustosa da Cunha Paranaguá, a catequese desses povos, no
ano de 1883. O referido presidente, no entanto, logo deixou o cargo, vindo
assumir interinamente o Comendador Guilherme José Moreira, que não deu
solução ao caso. Tomando posse em 1884, o novo Presidente da Província
do Amazonas Theodoreto Carlos de Faria Souto, foi dado prosseguimento ao
projeto do naturalista, agora na condição de Diretor do Museu Botânico da
Província do Amazonas.
A primeira expedição de Barbosa Rodrigues foi realizada na lancha da
Marinha de guerra, sob o comando do 2º tenente José d’Almeida Bessa, saindo
de Manaus no dia 29 de março de 1884. Entre os membros de sua equipe,
fazia parte também o Conde Ermanno Stradelli, encarregado dos registros
fotográficos, e que viria a se notabilizar mais tarde como grande etnógrafo.
41
A primeira viagem ao rio Jauapery aconteceu segundo os propósitos de
Barbosa Rodrigues, no mês abril de 1884, tendo ocorrido um contato amistoso
baseado na troca de “brindes” por instrumentos produzidos pelos indígenas,
coincide com a entrada no rio negro dos padres do Carmo, que foram instalar a missão sob o
patrocínio de Santa Rita de Cássia, na margem direita do rio Uarirá, meio dia de viagem por ele
acima, de onde a mudaram para o sítio pouco superior ao lugar de Moreira, na margem austral
do rio Negro. Escreve Alexandre Rodrigues Ferreira que enquanto se não separou, com os
índios de seu partido, o principal José de Menezes Caboquena, vivia ele e toda sua gente
incorporado nessa vila. “Separados ambos os partidos na aldeia de Caboquena, se situou com
a sua gente o principal daquele nome; e para outra aldeia da Pedreira se mudaram os que
tinham formalizado não menos que dois estabelecimentos. Chamou-se da Pedreira pela muita
pedra que tem, e deram aquele nome os missionários, no tempo em que a administraram.
Assenta-se a cidade sobre uma eminência granítica, que forma uma saliência de 8 metros
sobre o nível médio das águas, a 155 milhas de distância da cidade de Manaus, na Lat. 1 grau
33’ S e na Long. 1 grau 59’ O, de Manaus” (Jobim, 1938:7-8). Atualmente, o povoado de Moura
pertence ao Município de Barcelos (N. A.).
40
Para aprofundar estudos acerca dos conflitos envolvendo os povos indígenas habitantes do
Rio Jauapery e os moradores de Moura, recomendamos a leitura de Rodrigues (1885).
41
Nasceu em 8 de dezembro de 1852, na Itália, filho de família nobre. Interrompe o curso de
Ciências Jurídicas com a morte do pai. Resolve dedicar-se mais tarde às explorações estuda
topografia, , farmácia e fotografia.Vem para o Brasil em 1879, aos 27 anos de idade. Após
várias incursões pelos rios do Amazonas, naturaliza-se brasileiro em 1893. É nomeado
promotor público em 29 de julho de 1895. Acometido de hanseníase, é exonerado do cargo a
4 de julho de 1923. Falece a 24 de março de 1926. É autor de um dos mais completos
dicionários de nheengatú-português, publicado em 1929. Cascudo (2001:25-38)
88
principalmente arcos e flechas. Esse episódio ficou conhecido como a
“pacificação dos Crichanás”
42
.
42
Ermanno Stradelli escreveu sua versão a respeito do contato entre Barbosa Rodrigues e os
indígenas do Jauapery, pois participou da expedição, na qualidade de fotógrafo: “Partimos
poucos dias antes da Páscoa, em três canoas subimos o rio. Nos primeiros três dias, não
encontramos índios nem traços de índios, e estávamos desesperando do sucesso. O
Bicudinho, que com as suas duas canoas, melhor equipadas que a nossa, remada apenas por
soldados, sempre precedeu a nossa em por duas ou três horas, com a desculpa de querer
encontrar-se em casa para a festa da Páscoa, deixou-nos e voltou para Moura. Ficamos com
Pedro e Jararaca, e pouco depois da partida do outro, encontramos uma ubá encostada na
margem, e que parecia ter sido deixada por seus donos havia pouco; deixamos dentro dela
presentes, e colocando sinais de pano ao longo do caminho, continuamos, sem outro incidente.
Dormimos, à noite, por precaução, no meio do rio, e na manhã seguinte descemos à terra na
ilhota de Macauá, batizada pomposamente com o nome de Ilha do Triunfo. Podiam ser dez
horas, mal terminamos nosso magro desjejum, quando divisamos algumas ubás, remadas
vigorosamente pelos índios, a subir o rio. Na primeira, em pé, três homens levavam, como um
troféu, os presentes, que tínhamos deixado no dia anterior; vinham pacificamente, não havia
dúvida. Pouco antes de chegar à ilhota, desceram à terra entrando na floresta. Passaram-se
alguns minutos de expectativa; depois de um momento, sobre uma pedra de grés granítico,
que se destaca da cerrada vegetação da floresta, no rio, a oeste da ilha, onde esta fica mais
próxima da terra, apareceu uma vintena de índios, erguendo no alto fechas e arcos, batendo no
peito, gritando, urrando, gesticulando como possessos. O intérprete perguntou o que pueriam,
e com a resposta pacífica que recebeu, o Barbosa foi com uma pequena canoa, ao encontro
deles. Foi o sinal: poucos momentos depois a ilha estava invadida, e os presentes começaram
a ser trocados de parte a parte; os índios davam arcos e flechas, e nós, chapéus, camisas,
calções, facas, etc., que foram-nos entregues para este fim pelo Presidente da Província. Mas
gostavam mais de uma coisa, acima de todas as outras: dos botões, e arrancavam-nos sem
cerimônia, onde quer que os encontrassem, e em poucos minutos, precisaram ser substituídos
por costuras e grampos. Apenas três conservaram, sem que ninguém pudesse desarmá-los, o
arco e as flechas. Em, pelo que foi dito, os caçadores da tribo. Acalmada a primeira fúria,
pudemos obter alguns esclarecimentos e informações, entre as quais uma importante: que se
chamavam crichaná e ririchaná, nome bem conhecido das tribos da Alta Parima. Pouco antes
da noite separamo-nos convidando-os a nos encontrarmos no mesmo lugar, cinco dias depois,
que voltaríamos com a lancha a vapor, advertindo, porém, que não se assustassem.
Responderam que não tinham medo e que podíamos vir, quando voltássemos com o nosso
mutum mutum, forma onomatopaica com que designaram a lancha a vapor; e que nós não os
enganássemos, porque eles não faltariam. Três dias depois, estávamos em Moura.. Foi feita
uma outra tentativa, para ver se se impedia Pedro e Jararaca de acompanhar-nos, e na manhã
seguinte, partimos a todo vapor para o Jauapiri. Entrementes, foi levantado o relevo do rio.
Pouco antes de chegarmos a Macauá, encontramos uma ubá com sete índios. Paramos, e eles
se aproximaram, sem dificuldade. Convidados para vir a bordo, oferecendo levar a reboque a
ubá, somente quatro aceitaram, e os outros disseram que iam avisar os seus sobre nossa
chegada. Eram quatro rapazes esbeltos, bem feitos, bastante claros, de aspecto inteligente e
de rosto não muito achatado, com as extremidades finas e delicadas, pelo que confirmou-me
em mim a idéia de que pertenciam àquela raça, que a meu ver é mais antiga do país, e cujo
tipo é o macu. Não demonstraram a mínima surpresa, nem mesmo quando a máquina se pôs
em movimento; (...) Repetiram que se chamavam Ririchaná e não Jauapiri. Chegando a
Macauá, como era tarde, não quiseram dormir conosco e pediram-nos que os deixassem em
terra firme, prometendo voltar no dia seguinte, com os outros. Ao amanhecer nossos amigos
estavam de volta e vieram a bordo; e entre outras coisas, foram-lhes presenteadas caixas de
fósforo, mostrando-lhes como usar. O resto dos indígenas não tardou, entre estes, algumas
mulheres; e não apareceram na ilha,; nossos impacientes amigos lançaram-se na água e a
nado, foram para a terra, onde a primeira coisa que quiseram mostrar aos seus eram os
fósforos, que (como era natural) não se acenderam. Não os quiseram mais, dizendo que
serviam para nós. Distribuídos os presentes, começou o banquete; porcos-do-mato, aguti,
peixes moqueados com vísceras e tudo, beiju de farinha de mandioca e salsa de pimentão,
89
O naturalista realizou ainda mais duas expedições ao Jauapery. A
segunda deu-se nos meses de junho e julho e a terceira, quando levou consigo
sua esposa, tamanha era sua confiança nos indígenas, demorou de setembro a
novembro do mesmo ano. Embora com alguns contratempos, essa última
expedição coroou de sucesso os planos do naturalista, que voltou a Manaus na
certeza de que os indígenas do Jauapery estavam firmemente pacificados.
Importante é transcrever uma passagem do livro de Barbosa Rodrigues,
a qual expressa sua opinião a respeito da atração dos indígenas ao convívio da
“civilização”, pois, tal como informamos no capítulo anterior, quando fizemos
uma citação a respeito da conduta do Presidente de Província José Paranaguá
em relação aos povos indígenas e, mais tarde, quando do Decreto 248, de
1898, Barbosa Rodrigues possuía em si a convicção de que para atrair os
indígenas ao convívio da sociedade como força de trabalho, sendo úteis ao
“progresso”, havia de ser por um tratamento brando (como em seus
Apontamentos...já propunha em, 1823, José Bonifácio!).
Embora houvesse na região amazônica um tratamento de exploração
sistemática da força de trabalho indígena, que remonta ao período colonial,
bem como um histórico de violências e massacres (tão bem observado por
acompanhado de uma bebida feita com o fruto do meriti em princípio de fermentação,
temperado com água. Dos sólidos, consegui liberar-me com hábeis evoluções, engolindo
apenas um pouco de beiju; mas da bebida, não foi possível. Não consegui esquivar-me da
velha, que a servia, e fui obrigado a beber. Hoje, ainda admiro minha coragem, e tremo. (...)
Quando Deus quis, o banquete terminou. Não que fossem melhores que o banquete, mas eram
um alívio. Segurando uns aos outros pela mão, ficamos mais de uma hora a correr em roda
ao compasso de uma cantilena lenta e monótona, da qual as únicas palavras que de tempos
em tempos se ouviam era camarará. Em pouco tempo, confesso, não agüentei mais, e apenas
houve oportunidade, refugiei-me na lancha; dali podia observar melhor e ficava mais à vontade,
e tirei proveito do momento para tirar algumas fotografias, que não saíram nada más. Barboza,
entretanto, ficava em terra, e pontificava. Um a um, os índios passavam na frente dele,
oferecendo-lhe as mãos, para que soprasse nelas, acreditando com isto garantir-se contra não
sei que males. Apenas terminada a cerimônia, eis o pajé transformado em barbeiro; todos ao
mesmo tempo, queriam cortar os cabelos. Mas em meio a tudo isto, não paravam de pedir
presentes, coisa que, à noite, não tínhamos mais para dar, e quando ao nascer do sol eles
se retiraram, foi decidido que, pela manhã, voltaríamos a Moura, o que foi feito. (Stradelli,
1991:237-240).
90
Alípio Bandeira no “Discurso de instalação da Inspetoria do Amazonas”), havia
quem pensasse e propusesse uma forma alternativa de inserir os povos
indígenas na chamada “sociedade nacional”, e que viria a ser regulamentada
em 1910, pelo SPILTN. Afirma o naturalista, que
Entre a deposição das armas, isto é, a pacificação e o ensino, há um
grande estágio, justamente o mais dificil de vencer: é o de impor a
obediência e a confiança. Desconfiado por natureza o índio, principalmente
o Crichaná, que viveu perseguido e massacrado, com a maior facilidade
voltará ao estágio primitivo, havendo quem lhe inspire desconfiança. O
modo de tratá-los, os meios que tenho empregado não o serão por todos, e
basta a menor hostilidade, a menor insinuação para que tomem de novo as
armas e deixem de acreditar em qualquer. Lançar, pois, as bases para
começar a civilização, isto é, o ensino que os torna cidadãos onde se
firmam os deveres de honra. Brio, do justo e do honesto, para que
sejam úteis à pátria, será daqui em diante todo o meu trabalho.(g.n.)
(Rodrigues,1885: 91)
Mesmo com as observações
apontadas por Barbosa Rodrigues , como
depois destacaria Alípio Bandeira (1926:21), logo após sua partida, tudo
voltou a ser como antes, pois o governo do Amazonas não se preocupou em
dar continuidade à “proteção” que vinha sendo exercida em prol dos indígenas
por aquele naturalista, embora a pacificação houvesse ocorrido de forma
completa e decisiva,
De acordo com Koch-Grünberg (1907), o primeiro naturalista a visitar
aqueles povos depois do contato efetivado por Barbosa Rodrigues foi Richard
Payer, que subiu o rio Jauapery em 1901 a a aldeia Maháua. Embora
recebido de forma hospitaleira, o pesquisador retirou-se às pressas, em face
de os indígenas quererem seus pertences, acostumados que foram com a
entrega de “brindes”.
91
Conforme relata depois Alípio Bandeira (1926:22), aquela região viveu
em relativa paz até meados de 1905, quando um incidente provocou o
massacre daquele povo, por tropas do governo, autorizado pelo governador do
Estado, Constantino Nery.
43
Ao assumir a Inspetoria do Amazonas, Alípio Bandeira tomou para si a
missão de voltar a apaziguar a relação entre os povos indígenas do Jauapery e
os habitantes de Moura.
Em viagem pelo Rio Negro, Koch-Grünberg, ao passar pelo Jauapery,
no mês de junho de 1911, portanto cinco meses antes da expedição de Alípio
Bandeira, faz as seguintes considerações:
O Jauapery é o esconderijo de algumas tribos intatas, chamadas de bravas
ou antropófagas por não tolerarem nada dos chamadoscivilizados”. Dizem
que agora o rio está totalmente abandonado pelos seringueiros. Com a
última matança inútil, promovida por uma expedição punitiva vinda de
Manaus, em 1905, que, segundo se diz, custou a vida de duzentos índios
de ambos os sexos e diferentes idades, estes ficaram irritados. Diz-se que
vêm ao rio principal na estiagem , para pegar tartarugas; na época das
chuvas retiram-se para longe, para as cabeceiras. Que, no ano passado,
algumas canoas com índios Jauaperí estiveram novamente em Moura para
trocar mercadorias. O fato de esses índios tentarem repetidamente
relacionar-se de modo pacífico com a civilização prova que não são os
canibais ferozes que têm a fama de ser.. Os heróis de Moura ousam ir
até o Jauaperi em companhia de vinte a trinta barcos para, na estiagem,
pescar e pegar tartarugas. Nessas ocasiões, é muitíssimo freqüente
atirarem imediatamente em qualquer índio que apareça; não se pode, pois,
43
“Em 1905, o Sr. Coronel Antonio Bittencourt, vice-governador, tinha no Jauapery um
barracão de sociedade com o Sr. Antunes, em Maracacá. foram os índios uma vez. Vidal,
criado de Bittencourt e Antunes tocou os índios de casa para fora e, como, ao chegar à escada,
um deles resistisse a descer, Vidal deu-lhe um empurrão que o jogou abaixo. O índio, assim
que caiu, flechou Vidal. Vidal matou-o com um tiro de rifle. Os companheiros do índio que
estavam na praia com um companheiro de Vidal, mataram-no. Bittencourt pediu, então, uma
expedição a Constantino Nery, governador. Essa expedição, comandada pelo Capitão
catingueira entrou no Jauapery e, guiada pelo índio Manoel, do Sr. Horta, foi à maloca, matou
muitas mulheres e crianças e aprisionou um certo número de índios que pretenderam
transformar em soldados. Quase todos morreram de nostalgia. O Sr. Nazareth reconduziu a
Moura doze desses índios sobreviventes que voltaram à sua maloca”. (Bandeira, 1926:22).
92
condenar esses índios quando, ocasionalmente, se vingam da corja
mestiça. (Koch-Grunberg, 2006: 32)
Alípio Bandeira teve sua missão realizada de acordo com seus intentos,
em meados de novembro a dezembro de 1911, vindo a manter contato
amistoso com aquele povo, valendo-se da mesma estratégia utilizada por
Barbosa Rodrigues, a oferta de “brindes”. Essa prática foi sendo adotada com
freqüência por Rondon na abertura das Linhas Telegráficas e seria uma
estratégia amplamente utilizada na atração de povos indígenas para o convívio
da sociedade nacional. As práticas do rondonismo são reproduzidas sem
maiores mediações . Esta é, portanto, uma característica constante na ação do
SPI e não constitui propriamente uma especificidade da gestão Alípio Bandeira.
Como destaca Jobim (1938: 61), dentre as 12 (doze) pessoas que
compunham a expedição
44
de Alípio Bandeira, encontrava-se Euclides Nazaré,
um coronel positivista que ocupou por muitos anos o cargo de
Superintendente
45
de Moura. Além de, como afirma Jobim (1938: 24), Euclides
Nazaré ser um homem ligado à política do Estado, ocupava o cargo de diretor
do Jornal “A Federação” e era admirador de Auguste Comte, considerado por
ele “a maior cabeça do mundo”, cujas obras preenchiam suas estantes.
44
“Todo trabalho do SPILTN, em uma região/local, iniciava-se por uma expedição. O termo
designava um modo de intervir no espaço de clara matriz militar com o fim de proceder a um
reconhecimento sobre o terreno (num sentido amplo) que seria matéria de seu trabalho. À
expedição correspondia muitas vezes uma das formas de exercício do Serviço, a inspetoria. O
termo designava, de início, simultaneamente um cargo, uma repartição pública sediada numa
capital de estado e, sobretudo, uma função de fiscalização in loco dos povos indígenas, de
outras populações, e do próprio funcionamento do Serviço, podendo ser delegada a um
funcionário comissionado ou a um contratado para tanto. Quando da instalação do Serviço, em
1910, a primeira tarefa da Diretoria Geral foi a preparação dos recursos necessários ao
deslocamento dos inspetores para os estados em que atuariam com o fito de realizarem “...a
primeira expedição destinada à visita das terras habitadas pelos índios e a uma inspeção
geral”” (Brasil, MAIC, SPILTN, Diretoria Geral “Memorandum 36, 26/10/1910”, In: SEDOC,
m. 334, f02, Apud LIMA (1995:160-161).
45
Cargo equivalente ao atual cargo de prefeito municipal. N.A.
93
Esse é um fato que corrobora a importância que teve o positivismo na
prática de atração dos povos indígenas para o convívio com a sociedade
nacional. Sua finalidade precípua era conduzi-los de um “estado primitivo” para
um “estágio mais avançado” em sua formação mental. É compreensível que ,
sendo também positivista e tributário do rondonismo, Alípio Bandeira se
cercasse de seus pares de crença e sobretudo de servidores com formação
militar.
Vejamos como se deu a expedição de Alípio Bandeira, a partir do seu
próprio relato:
Partimos de Moura no dia 23 de novembro de 1911 (...). A expedição
compunha-se de 12 pessoas ao todo, e era conduzida por uma lanchinha
de gasolina, que rebocava às ilhargas duas igarités e à popa uma pequena
canoa. Entre os expedicionários estavam o chefe político, o superintendente
e o professor de Moura e mais o Sr. Euclydes Narareth, jovial e prestimoso
companheiro que durante toda a viagem sustentou o pessoal de excelente
peixe que a sua habilidade sabia descobrir, apesar da correnteza do rio. (...)
A 24, às 14 hs, chegamos a Tauacuera pelo seu paraná que havíamos
tomado 20 minutos antes. Tauacuera, ponto elevado e firme da margem
direita, foi outrora sede, como já se sabe, primeiro de uma missão e depois
de um destacamento militar destinado a impedir a passagem dos índios
para a foz do rio. (...) Às 9 horas do dia 29 chegamos ao Maháua (...)
Escolhi-o para armar acampamento porque a vazante não nos permitia ir
muito adiante. (Bandeira, 1926: 24, 25)
No dia 29 encontram os primeiros indígenas. Alípio Bandeira deduz que a
expedição vinha sendo seguida às escondidas. Sua descrição, com ares
rondonistas é feita em tom emocionado:
Não esquecerei jamais, ainda que viva cem anos, a comovente impressão,
misto de piedade e entusiasmo, que me deixou esse primeiro encontro.
Assim que chegaram ao alcance da voz começaram a gritar, todos ao
mesmo tempo, formulando perguntas de que, com o reduzido vocabulário
94
que havíamos adquirido em Moura, apenas apanhávamos as palavras
destacadas. (Bandeira, 1926: 29).
Passada a timidez inicial, os indígenas aproximavam-se e trocavam os
“brindes”, principalmente facões e machados por objetos de sua manufatura e
produção, tais como arcos, flechas, bananas, e macaxeira. Alípio observa que
eles não queriam nada gratuito, mas que faziam questão de trocar. O ato da
troca enfatizado por Bandeira, quando explica que os indígenas não queriam
nada gratuito, mas faziam questão de dar uma contrapartida, caracterizam as
chamadas trocas simbólicas, no sentido de Sahlins (1985).
Continua Alípio Bandeira:
Junto a nós, nos primeiros minutos, mostraram-se extremamente
apreensivos e, com atenção dividida entre as barracas e a ubá (canoa )
quando fazíamos qualquer movimento inesperado corriam assustados para
o seu barco. Tratamo-los com todo carinho, e tudo fizemos para que se
convencessem de que as nossas intenções eram amistosas e boas (...) Dei-
lhes muita ferramenta e roupa; poucos brinquedos e miçangas quiseram
aceitar. Revelaram grande repugnância pelos bonecos e irritadiça,
invencível ojeriza pelas sanfonas. É curioso que assim as repelissem ao
mesmo tempo que recebiam gostosamente gaitas e realejos de boca, nos
quais punham-se logo a tocar, dançando. (...) À semelhança dos nossos
matutos do Nordeste, reconheciam a boa ou qualidade do ferro dele
tirando com a unha do polegar direito o som indicador. Como adquiriram
essa experiência é coisa difícil de apurar, dada a sua inteira segregação na
floresta. O certo, porém, é que não se enganavam absolutamente. Um
facão Collins era uamaré (muito bom), mas a um ordinário logo aplicavam a
palavra marupá (não presta). (Bandeira, 1926:29-30).
Alípio Bandeira ficou no Maháua por todo o dia 30 de novembro. No dia
de dezembro, ao perceber que as águas estavam baixando, e julgando
realizado a contento o fim a que se prestava sua expedição, começou a descer
o rio Jauapery, na esperança de encontrar alguns indígenas pelo caminho.
95
Bandeira não estava enganado, às 16 horas daquele dia, avista à boca de um
igarapé, dois índios que lhe apontavam uma ilha próxima. Ao se dirigirem para
lá, além dos dois que os chamaram, (um deles que já estivera com Bandeira no
dia 29), havia três ubás , com 29 pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Aconteceu aí também ampla distribuição de “brindes”:
As (mulheres) que traziam filhos, ainda que de peito, reclamavam ferramenta
para eles e, se mais de um filho tinham, para cada um deles reclamavam
separada e sucessivamente. A uma expansiva mocinha de aproximadamente
15 anos ofereci uma linda boneca; ela segurou-a e, com violência, estampando-
se-lhe então no rosto a raiva que lhe causava semelhante brinco. Uma velha, a
quem parecia que todos respeitavam sumamente, apanhou a boneca, entregou-
ma com delicadeza e repreendeu asperamente a culpada. (...) os homens,
sempre com o espírito de comerciar, e não de obter favores, não deixavam de
pagar fosse com que fosse, os brindes que recebiam; as mulheres, porém, nada
indenisavam. (Bandeira, 1926: 33)
O inspetor Alípio Bandeira, ao vivenciar as demonstrações de carinho e
até uma certa ingenuidade por parte dos povos indígenas do Jauapery, passa a
analisar que se houvesse boa vontade por parte dos habitantes de Moura,
muito estariam aqueles povos incorporados à “civilização”.
Da mesma forma como se deu com Barbosa Rodrigues, a despedida foi
emocionante, permanecendo os indígenas na praia, com gestos de amistosa
despedida, enquanto a lancha de afastava.
Comparando as ações de Barbosa Rodrigues e Alípio Bandeira sobre os
povos do rio Jauapery, algumas diferenças sobressaem na conclusão de
ambos::
Enquanto Barbosa Rodrigues viu Crichanás, Alípio Bandeira viu Atruaís.
Aquele chegou à conclusão que no Jauapery havia uma tribo, Alípio
96
concluiu que havia rias. Vale observar que Ermanno Stradelli, presente na
expedição de Barbosa Rodrigues, traz uma outra denominação: Ririchaná.
Barbosa Rodrigues entendeu os indígenas denominarem o lugar de
“Maniaua”, Alípio entendeu claramente “Maháua”, como pronunciavam os
habitantes de Moura. Enquanto Barbosa Rodrigues afirmava que os
indígenas costumavam enterrar seus mortos em troncos de árvore, Alípio nada
viu que corroborasse essa assertiva. Ambos concordavam que aqueles
indígenas eram bons nadadores, não eram polígamos e com facilidade
voltavam à calma depois de um acesso de raiva.
Ao escrever o livro Jauapery, em 1926, além de descrever como se deu
sua expedição ao rio Jauapery, Alípio Bandeira rememora alguns fatos
ocorridos com aqueles povos após o contato:
Graças aos trabalhos e correições da Inspetoria do serviço de Proteção aos
Índios, descobriram-se as seguintes malocas, algumas das quais foram
examinadas por pessoal da mesma Inspetoria: Maracacá, Sumaúma, Xipariana,
Maháua, Abinauahú, Cachoeirinha, Alauahú, Jaurituba, campina e Quartel. (...)
Em março de 1916, o bravo e muito digno inspetor Bento Lemos, acompanhado
apenas de um trabalhador, posteriormente flechado e morto pelos índios, visitou
Macucuahú colhendo nessa arriscada, longa e longínqua jornada informações
muito importantes. Verificou que uma parte dos gentios do Jauapery e seus
afluentes é estável sedentária, ao passo que outra parte é errante e nômade,
passando uma época do ano da região do Uatumã, e outra na do Rio Branco.
(Bandeira,1926:34)
Após fazer menção à expedição de João Augusto Zany, realizada em
lugar da que seria realizada por ele, Alípio Bandeira informa que após a
construção de uma aldeia no lugar Tauacuera, houve uma invasão do rio por
parte dos “civilizados”, que conseguiram títulos definitivos de terras,
97
encurralando os povos indígenas daquela região. Mudou-se, assim, o posto
indígena para o lugar Maháua, muito acima do Tauacuera:
Em outubro de 1921, Simplício Coelho de Rezende Rubim, aproveitando a
circunstância de ser governador do Estado o seu tio desembargador Rego
Monteiro, associou-se a outros indivíduos para a exploração de castanhas e
requereu grandes lotes cujos autos em maio deste ano estavam na Seção de
Terras para conferência. Entraram assim no rio, justamente na sua melhor
parte, além de Simplício, Bezerra & Irmão, Gregório Horta, José Francisco
Soares Sobrinho, Guilherme Baird e outros. (Bandeira, 1926: 30).
O inspetor Bento de Lemos, conforme continua Alípio Bandeira,
defendeu o quanto pôde o direito dos indígenas àquelas terras, sofrendo
represálias de difamação junto ao Ministro da Agricultura por parte do
governador do Estado do Amazonas, Sr. Rego Monteiro, “que o acusava de
explorar castanhais, com o privilégio do seu cargo, em detrimento da
concorrência natural , e de demarcar para ele, sob pretexto de fazê-lo para os
índios, terras já possuídas pelos civilizados” (Bandeira, 1926:30)
Bandeira informa que publicou um artigo no “Rio Jornal” demonstrando
os fatos, o que, embora não tenha surgido efeito em favor dos índios, manteve
pelo menos o Inspetor Bento de Lemos no cargo, contra a vontade do
governador Rego Monteiro.
No momento em que Alípio Bandeira escrevia o livro Jauapery, estava
em curso, desde 1922, a chamada “pacificação” dos Parintintin. Na qualidade
de expectador privilegiado, tendo participado diretamente do contato com os
indígenas do rio Jauapery, ao perceber a situação em que estes se
encontravam, decorrente do processo de convivência pacífica com os ditos
“civilizados”, faz a seguinte análise:
98
Quando terminar a pacificação dos Parintintins, que há 11 meses carregam de
trabalhos imensos e de não menores perigos o pessoal da Inspetoria do
Amazonas, e que cerca de 100 anos guerreiam incessantemente aos
civilizados vencendo-os muitas vezes, o mesmo acontecerá que aos Jauaperys.
A região que eles mantêm inviolável e temerosa, servirá de pasto à ganância
dos caucheiros, seringueiros, poaieiros et reliqua, e os índios irão sendo
assassinados uns e atirados outros para as zonas intratáveis, como nos
Estados do Sul o são para os terrenos áridos Não se nega que a penetração do
civilizado nesses centros conquistados ao selvagem seja um fato natural. É.
Mas devia dar-se oportunamente e sobretudo, sem sacrifício ao indígena.
(Bandeira, 1926: 42).
46
Bandeira, ao se despedir dos indígenas do rio Jauapery, prometeu
retornar em abril do ano seguinte. Contudo, ao retornar a Manaus, havia a
ordem para deixar o Serviço de Proteção aos Índios e retornar ao Rio de
Janeiro. O Ministro da Guerra convocara a retornar aos quadros do seu
Ministério os oficiais que se encontravam à disposição do Serviço de Proteção
aos Índios. Como Bandeira viria a afirmar mais tarde, debalde tentou o Ministro
da Agricultura dissuadir o Ministro da Guerra da decisão. Mesmo tendo que se
afastar do SPI, o que aconteceu por Portaria de 13 de janeiro de 1912, Alípio
Bandeira, conforme ele faz questão de esclarecer, devido ao grande prestígio
que detinha junto ao diretor, consegue indicar seu sucessor, o que, segundo
ele, era um mal menor.
Ao mudar o Ministro da Guerra, o Ministro da Agricultura, Dr. Pedro de
Toledo, vivamente se empenhou pela sua volta, o que se daria por Portaria de
27 de maio do mesmo ano. Foi designado para desempenhar, no Rio de
46
Hoje, passados aproximadamente 96 anos do contato do inspetor Alípio Bandeira com os
indígenas do rio Jauaperi, os conflitos continuam, cfe. processo 2007.001799-8, em
tramitação na Procuradoria geral do Estado de Roraima, envolvendo povos indígenas e
comunidades daquela região, onde percebemos as fomas de tutela que até hoje se mantêm
(N. A.).
99
Janeiro, as funções de chefe interino da primeira seção. Dali foi nomeado
Inspetor do Estado do Pará, por Portaria de 18 de novembro de 1912. No ano
seguinte, por Aviso de 18 de fevereiro, foi Alípio Bandeira designado para
inspecionar todos os serviços das Inspetorias e Centros Agrícolas do Norte, a
partir da Bahia.
Em fins de 1913, o Congresso Nacional reduziu a verba orçamentária do
SPILTN, o que obrigou o Ministério da Agricultura a dispensar o concurso de
vários funcionários, entre os quais o do então capitão Alípio Bandeira, sendo a
Inspetoria do Pará anexada à Inspetoria do Maranhão., em janeiro de 1914.
Em seu lugar, daria prosseguimento ao processo de contato com os
indígenas do rio Jauapery, o ajudante engenheiro João Augusto Zany, na
gestão do seu sucessor, também engenheiro-militar, João de Araújo Amora.
Essa gestão abordaremos no tópico seguinte.
Para efeito de síntese, pode-se dizer que a gestão do inspetor Alípio
Bandeira, embora de curto espaço de tempo (julho de 1911 a janeiro de 1912),
revestiu-se, segundo a ideologia que informava o SPILTN, de extrema
importância, à proporção que promoveu a chamada “pacificação” dos povos
indígenas do rio Jauapery. Nesse particular, como afirma Souza Lima
(1995:166), “as pacificações têm uma dimensão espetacular fundamental na
constelação de temas político-administrativos enfeixados pelo poder tutelar”.
“Pacificar” povos indígenas que estavam em conflito com a chamada
sociedade nacional trazia prestígio, além de ser uma forma de marcar presença
como órgão eficiente na condução do destino desses povos. Dentro dessa
ótica, o inspetor Alípio Bandeira, conhecedor que era do histórico envolvendo
os povos indígenas do rio Jauapery, o contato empreendido por João Barbosa
100
Rodrigues (1884) com aquele povo, dentre as inúmeras opções existentes no
Estado do Amazonas, onde as regiões de conflito eram várias, privilegiou o
contato com aquele povo, seguindo os passos de Barbosa Rodrigues.
Dentro do ideário rondonista, baseado na doutrina positivista de
Auguste Comte, “pacificar” significava retirar o indígena do estágio primitivo em
que se encontrava, trazendo-o ao “grêmio da sociedade”, com a finalidade de
transformá-lo no homem positivo. Dizendo de outra forma, “pacificar”
significava retirar o indígena do seu estado improdutivo para integrá-lo à
sociedade, que se pretendia nacional, com a finalidade de integrá-lo como
trabalhador nacional.
Vale salientar que a região do rio Jauapery seria aquela sobre a qual se
constata um grande número de referências bibliográficas. Autores clássicos
como Barbosa Rodrigues ( 1885), Koch-Grünberg (1907), Stradelli (1889) e
Santana Nery (1885) trazem farta documentação sobre a região do Jauapery,
informações que certamente não passaram despercebidas a Alípio Bandeira.
Devemos levar em consideração, ao analisar a chamada “pacificação”
dos povos indígenas do rio Jauapery, que havia de longa data um convívio
esporádico com os habitantes da então Vila de Moura. O naturalista Barbosa
Rodrigues (1885) destaca que os povos indígenas sempre procuraram manter
contato com os habitantes de Moura, que os tratavam com hostilidade.
Portanto, devemos relativizar a importância do ato heróico praticado por Alípio
Bandeira, ao manter contato com aquele povo.
101
2.2 Gestão João de Araújo Amora
Após a saída do Tenente Alípio Bandeira da chefia da Inspetoria do
Amazonas, em decorrência da portaria de 13 de janeiro de 1912, do Ministério
da Guerra, assumiu o comando o Sr. João de Araújo Amora.
Embora não tenhamos obtido maiores informações nos documentos
por nós compulsados, a respeito da qualificação do inspetor João de Araújo
Amora, Bandeira (1926), ao se referir à sua saída da Inspetoria do Amazonas,
faz o seguinte comentário:
Felizmente os oficiais perseguidos gozavam de uma grande consideração
do Ministro da Agricultura e de muita influência junto ao Diretor do
Serviço, e com isto nenhuma dificuldade tiveram em ser substituídos
pelas pessoas que indicaram, o que até certo ponto atenuou o mal.
Ao meu substituto, pois, um ex-colega da Escola Militar do Ceará (g.n.),
comuniquei o compromisso que firmara com os silvícolas e pedi-lhe que
não faltasse ao encontro no ponto e época ajustados. Bandeira (1926:29).
Como podemos perceber, Alípio Bandeira, preocupado com a
continuidade de sua gestão por alguém que comungasse dos mesmos ideais,
conseguiu, usando de seu prestígio, indicar como seu sucessor um
engenheiro-militar, portanto alguém que poderia levar adiante o ideário de
Rondon. Por sua vez, ele também se baseava no positivismo de Comte,
preocupado com a incorporação dos povos indígenas na sociedade
envolvente. E o importante nessa perspectiva era trazer esses povos ao
102
convívio da sociedade, que Alípio Bandeira faz questão de enfatizar o acordo
que fizera com os povos indígenas do rio Jauapery. A nomeação de João de
Araújo Amora, era a garantia de que a ação da Inspetoria do Amazonas não
sofreria solução de continuidade.
No mês de dezembro do ano anterior, a Inspetoria do Território do Acre
havia sido incorporada à jurisdição da Inspetoria Regional 1, que até então era
responsável apenas pelo Estado do Amazonas, norte do mato Grosso e
Oeste do Pará.
O primeiro passo do inspetor Amora foi dar prosseguimento à ação de
reconhecimento da situação em que se encontravam os povos indígenas sob
a jurisdição da Inspetoria Regional, determinando a realização de várias
excursões, cujos relatórios parciais dão a dimensão de como se encontravam
esses povos.
Passaremos a mostrar alguns trechos contidos nos relatórios de
viagem, com a finalidade de elaborar uma análise das ações empreendidas
na Inspetoria do Amazonas e Território do Acre.
2.2.1 Excursão à região do Autaz.
Uma das primeiras viagens de reconhecimento foi realizada pelo
ajudante engenheiro João Augusto Zany, na região do Autaz, partindo de
Manaus a 7 de março de 1911 e retornando a 4 de abril do mesmo ano.
Em seu relatório, Zany mostra as condições difíceis em que se
encontravam os indígenas Mura em todas as aldeias por ele visitadas. Nessas
aldeias, segundo descreve, as práticas coloniais de violência e exploração da
103
força de trabalho indígena se fazia constante por parte dos ditos “civilizados”,
conforme, a seguir:
Descendo pelo Autaz-Miry, chegamos à fazenda Bom Futuro, tendo
passado no dia anterior pelo antigo Aldeamento de Murutinga. Nas
proximidades da fazenda está situado o lago do Jauary onde existe outro
aldeamento, como o de Muurutinga, decadente em razão dos abusos e
violências praticados pelos pseudocivilizados sobre os índios (...) Seguimos
pelo Autaz-Miry tendo visitado a Aldeia de Pantaleão, uma das mais
povoadas do Autaz, como as outras decadente pela mesma razão. Nesta os
pseudocivilizados foram requerendo ao Estado as terras próximas da Aldeia
de modo a ficar esta reduzida a um pequeno triângulo. São proprietários das
terras vizinhas, atualmente, os Srs. Luiz Magno de Faria e João N. Hermes
de Araújo, este é diretor parcial de índios pelo Estado do Amazonas (g.n.).
47
(Zany, 1912: 1-2)
O ajudante Zany informa em seu relatório haver uma escola no local,
mas os alunos indígenas não podiam freqüentar com assiduidade, pois seus
pais eram “obrigados a não ter domicílio certo, distribuídos como o são
sempre pelo serviço dos pseudocivilizados” Zany visitou ainda outro lugares
para onde haviam se retirado os índios, por serem locais mais inacessíveis,
procurando se proteger contra a presença dos “civilizados”. Estes eram o
igarapé da Trincheira, afluente do rio Preto, em cujas proximidades localiza-se
“um núcleo bastante considerável de índios no igarapé do Sampaio”. Em local
próximo dali, pouco acessível, próximo ao lago do Gapeum núcleo com
cerca de 18 famílias, ao todo 70 pessoas. Como o lugar estava prosperando,
como enfatiza Zany em seu relatório, um fazendeiro de Itacoatiara colocou
gado, que invadiu suas roças e requereu junto ao governo do Estado a posse
47
A presença de diretores parciais no Estado do Amazonas sugere a prática de uma política
que se julgava extinta, na medida em que o Regulamento das Missões perdeu sua vigência em
1866. Pode ser uma prática a partir do Decreto Estadual 248, de 1898 e carece de estudos
mais específicos e aprofundados. Aqui tratamos apenas da política indigenista federal, levada a
cabo pelo SPI. É, contudo, um tema que merece atenção e está por ser estudado (N.A).
104
daquela área, como terra devoluta. Para abortar o processo, foi necessário o
deslocamento do chefe daquela aldeia a Manaus:
O chefe índio Belisário vindo a Manaus queixou-se ao governador do Estado
que negou a concessão das terras a Aquilino de Barros; porém sabem todos
no Autaz que este espera apenas a subida ao governo, dos seus amigos
para renovar a tentativa com seguro êxito. É certo que se o ,Serviço de
Proteção aos Índios não tornar definitiva e legal a posse dos índios, sobre
estes terrenos a espoliação se dará. (Zany, 1912: 3).
Continuando seu relato de viagem, Zany descreve que, subindo o
Autaz-Miry, em certo local o rio muda de nome, passando a ser chamado de
Madeirinha. Às margens do igarapé Acará Grande, existe um outro
Aldeamento, o qual se encontra nas mesmas condições de ruína dos
citados, pelos mesmos motivos. Ali, espalhou-se o boato que a Inspetoria do
Serviço de Proteção aos Índios viria para levar trabalhadores para as obras
públicas de Manaus e retirar-lhes os filhos, motivo pelo qual não foi possível
encontrar indígenas naquele local. Assim comenta Zany: “como o hábito dos
Diretores de Índios é justamente empregar estes em seus serviços e retirar-
lhes os filhos para servirem a particulares, foi fácil pregar-lhes a mentira”
Zany informa que o próprio chefe daquele Aldeamento, Onofre, quando
soube da Instalação do Serviço de Proteção aos Índios, “foi a Manaus, com o
intuito de pedir que lhe fosse dada uma autorização por escrito para recusar
as constantes requisições de seus companheiros para serviços particulares
que nunca eram pagos, acrescentando que muitas vezes até não voltavam”,
sem contudo, na oportunidade, ter conseguido falar com o inspetor.
Além desses locais, o Ajudante Zany, subindo o rio além do lago
Quirimiry, foi até o rio Jumas, onde vivem índios dispersos, estando na
105
ocasião quase todos para os castanhais. na volta passa pelo lago Mamory,
onde também vivem muitos índios.
Zany faz questão de chamar atenção em seu relatório, a respeito de um
fato que continuava ocorrendo, mesmo após a instalação do Serviço de
Proteção aos Índios no Amazonas:
Cumpre-me aqui lembrar que o governo atual do Estado do Amazonas,
mesmo depois de instalado o serviço federal de proteção aos índios, continua
a nomear os seus diretores; em geral são pessoas que desejam explorar o
trabalho gratuito do índio. Esses diretores, quase sempre não conhecem nem
a denominação da repartição ou autoridade a que devem dar contas;
procedem sempre de modo arbitrário e são sempre um entrave ao Serviço
Federal. Oficialmente, ou particularmente, o governador do Estado não fez a
mínima comunicação aos seus diretores de índios com referência ao Serviço
federal, que aliás em Manaus foi instalado com toda a solenidade oficial
oficialmente assistido pelo governo do Estado.( Zany, 1912:, 8).
Além dos maus tratos por parte desses diretores, havia queixa dos
indígenas contra o delegado da Inspetoria, Sr. Deoclécio de Macedo.
Ao concluir seu relatório, o engenheiro João Augusto Zany resume os
principais aspectos por ele observados:
uma população considerável de índios Mura na região do Autaz,
cuja população encontrava-se dispersa pelos castanhais, nos trabalhos
de colheita, e em outros lugares em que são obrigados, quer seja por
modos astuciosos ou violentos;
- Que os trabalhos são mal pagos, quando o são, além de os indígenas
sofrerem espancamentos e sofrerem várias privações e violências;
- Que se entregam de boa vontade aos serviços de lavoura, quando
não são retirados desse trabalho pelos ditos “civilizados”.
- Que gostariam que seus filhos tivessem instrução, o que não é
permitido;
- Que os indígenas da região do Autaz julgam-se legítimos donos da
terra que ocupam e que esperam sempre do governo a legalização de
106
suas terras para que assim possam se sentir seguros, sem medo de
perderem o fruto de seu trabalho;
- Que não têm problema em se reunirem em uma povoação, desde que
seus lotes fiquem livres para ali realizarem seus trabalhos;
- Que é fácil a fiscalização por parte de empregados da Inspetoria para
que as relações entre os indígenas e os “pseudocivilizados” sejam
menos opressivas, pois caso contrário os diretores e os delegados
serão os primeiros a explorá-los como têm sucedido até agora;
- Que no lugar denominado Mamory acham-se ainda muitos espaços
devolutos que possam ser adquiridos junto ao governo do Estado;
- Que na região do Autaz, sendo o índio mura o único trabalhador, não
devem ser desprezados;
- Que faz-se urgente e necessário levar a instrução para as crianças
indígenas. (Zany, 1912: 9-11)
.
Como última observação de suas conclusões, o Sr. Zany salienta que é
inadiável que se faça a localização dos indígenas da região do Autaz, pois,
pelo grau de assimilação em que se encontram, “estão na condição atual de
qualquer trabalhador nacional ou estrangeiro, e mesmo até certo ponto
superior” (Zany, 1912:11). Recomenda ainda, que se reúnam aqueles
indígenas em uma povoação, pois dispersos da forma como se encontravam,
não haveria a mínima possibilidade de um trabalho eficaz.
Dizia Zany, ainda, que talvez não desse para aproveitar aquela
geração de indivíduos, mas que a próxima já poderia ser utilizada no concurso
do trabalho civilizado.
Além desta, uma outra expedição à região do Autaz foi realizada no
ano de 1912. Nessa ocasião, o responsável foi o Encarregado do Entreposto
de Proteção aos Índios de Itacoatiara, Domingos Theóphilo de Carvalho Leal,
cujos principais pontos do relatório mostramos a seguir.
107
2.2.2 Viagem de inspeção realizada pelo Encarregado do Entreposto de
Proteção aos Índios de Itacoatiara, Domingos Theóphilo de Carvalho Leal
à região do Autaz.
O relatório é datado de 9 de dezembro de 1912, tendo ele iniciado sua
viagem a 30 de novembro do mesmo ano.
Inicialmente, chama atenção a epígrafe que o encarregado utiliza em
seu relatório: “Viver às claras. O progresso é o desenvolvimento da ordem” (A.
Comte), que é mais uma constatação da influência positivista naqueles
homens que deram início ao Serviço de Proteção aos Índios”.
Logo no começo de seu relatório, o encarregado afirma que era um
erro acreditar que naquela região existissem verdadeiros índios e que ali
houvessem aldeamentos.
Assim descreve Carvalho Leal:
O que existe na região do Autaz sob a denominação de índios muras
é uma população cruzada, mestiços por diversos elementos étnicos:
indígenas, brancos e negros (...) O tipo puro de raça indígena, esse,
no Autaz, já desapareceu por completo, bem assim os usos e
costumes do gentio. Não absolutamente índios na região do Autaz
(g.n.). Os Muras, como assim são conhecidos esses supostos índios,
também não vivem aldeiados, como cultura efetiva e morada habitual,
mas espalhados. (Leal, 1912: 2-3)
É de se ressaltar, no entanto, que a observação feita por Domingos
Theóphilo Carvalho Leal não é uma constatação feita a seu juízo. Para
entendermos as posições tomadas pelos servidores do Serviço de Proteção
aos Indios, é necessário levarmos em consideração a legislação que
informava suas práticas.
108
Nesse sentido, transcrevemos a seguir, Instrução Interna do SPILTN ,
onde, conforme Relatório da Diretoria de 1911, assim eram classificados os
índios do Amazonas:
“Os índios do Amazonas podem ser grupados em quatro classes:
a) – Os selvagens, que não têm relações com civilizados;
b) – Os selvagens, que já receberam violências dos civilizados;
c) - Os que, estando domiciliados na civilização, formam sociedade à
parte;
d) – Os que vivem em inteira promiscuidade com civilizados.
Os da primeira classe são, a seu modo, moralizados, trabalhadores e
bem reputados. Tratam com muita hospitalidade os raros civilizados que por
acaso chegam às suas terras, mantendo-se, todavia, em uma prudente
reserva.
Os da segunda classe têm fama de ferozes, mas, de fato, são apenas
defensores da sua liberdade e da honra de sua famílias. São também
trabalhadores e tão moralizados quanto lhes permite sê-lo o atraso mental em
que vivem.
Os da terceira classe não têm mais as qualidades de caráter dos
outros nem são também tão trabalhadores como eles.
Os da quarta classe são uns infelizes cheios de vícios e defeitos dos
quais o menor é talvez a preguiça.”
A partir dessa classificação o encarregado do Entreposto de Itacoatiara
reconhecia a existência de algumas Aldeias, em número de sete: Jauary,
Pantaleão, Acará-Miry, Acará-Grande, Quirimiri, Juma e Murutinga, cada uma
delas com cerca de 10 a 15 barracas.
109
Relatando a situação em que se encontravam os Muras, sua
descrição não é muito diferente daquelas contidas no relatório do Ajudante
João Augusto Zany, resultado de viagem realizada no mês de abril daquele
ano, vista anteriormente.
Em relação à exploração de que falava aquele ajudante, nada havia
mudado. Traz, não obstante, uma informação adicional, deveras grave:
O despotismo é exercido por todos quantos exploram os serviços dos
Muras. A prostituição é fomentada em longa e funesta escala, por
aqueles que se dizem civilizados. A esse propósito, e em conversa
comigo, contou-me um mura, chamado Clemente, chefe da aldeia de
Murutinga, que um indivíduo de nome Carijó, anos passados, diretor
dos muras (g.n.), nomeado pelo governador do Estado, tinha por
costume, não deflorar as meninas, como ainda obrigava as moças à
prática de orgias, com todos aqueles que o quisessem e pedissem
licença ao diretor. ( Leal, 1912: 5-6)
Uma das conclusões a que chega Theóphilo Leal é que “os muras são,
em geral, de índole pacífica, desconfiados, imprevidentes e sem a menor
noção do que seja o homem no estado social”..
Embora houvesse a recomendação do ajudante João Augusto Zany,
no seu relatório de 3 de maio de 1911, de se implantar escolas para os
indígenas, no relatório de dezembro há a constatação da inexistência de
escolas em todas as aldeias do Autaz. Ou seja, nenhuma providência fora
tomada desde então a esse respeito.
Naquele relatório, o ajudante Zany dizia ser fácil melhorar as relações
entre indígenas e “civilizados” minimizando o estado de opressão. No final do
mesmo ano a situação continuava a mesma.
Carvalho Leal faz as seguintes recomendações:
110
Entendo que deve ser fundada uma povoação, com os elementos que
se puder conseguir. Essa povoação deve ser à margem do lago do
Murutinga, aproveitando-se o local da aldeia do mesmo nome, pela
magnífica posição geográfica que ocupa, quase que no centro de todos
os outros aldeamentos. Está a aldeia Murutinga situada na extremidade
oposta à saída do lago, para o Autaz-Miry, entre os igarapés Curara e
Toscano. Possui terras suficientes para uma grande povoação e
cultura, máxime aproveitando-se as margens e centros devolutos do rio
Mutuca, cuja foz fica-lhe bem próxima. Da aldeia do Murutinga,
especialmente durante a época da enchente, o transporte torna-se fácil,
para toda a zona do Autaz, pois todos os lagos e paranás se
comunicam por meio de furos ou canais naturais. ( Leal, 1912:8-9)
Em consonância com os preceitos formadores do Serviço de Proteção
aos Índios, Carvalho Leal conclui seu relatório, enfatizando que
a indústria, a agricultura, o comércio, a escola, o livro, o amor, o
altruísmo, a defesa contra os escravizadores, os atacantes, os
exploradores de toda ordem, eis o meio, eis o caminho pelo qual se
poderá conseguir a conversão dos infelizes muras em fatores
verdadeiramente sociais, desenvolvendo-se neles a veneração, o
apego, o amor ao trabalho, os instintos simpáticos, a funções da
inteligência e do caráter. (Leal, 1912:11-12)
Esses são os principais tópicos tratados por Carvalho Leal em seu
relatório de viagem.
Passemos agora a abordar as expedições que foram realizadas tendo
como foco o rio Jauapery, afluente do rio Negro, área priorizada durante a
gestão de João de Araújo Amora.
Na gestão anterior da Inspetoria do Estado do Amazonas, quando de
sua expedição ao rio Jauapery, em novembro de 1911, o inspetor Alípio
111
Bandeira assumiu o compromisso, com os indígenas que povoavam aquele
rio, de retornar em abril do ano seguinte. Em face de não mais se encontrar a
serviço dessa Inspetoria, o atual inspetor, João de Araújo Amora, determinou
que o Ajudante João Augusto Zany, desse continuidade ao processo de
contato com os indígenas do Jauapery. Para levar a cabo sua missão, Zany
realizou durante o ano de 1912, três expedições, conforme veremos a seguir:
2.2.3 Expedições ao rio Jauapery realizadas pelo ajudante engenheiro
João Augusto Zany
A primeira delas revestia-se de fundamental importância, pois seria o
primeiro contato feito depois daquele em que o ex-inspetor Alípio Bandeira
havia realizado.
Saindo de Manaus a 4 de maio e retornando a 17 do mesmo mês,
obteve enorme sucesso segundo os fins pretendidos, tendo sido
acompanhado pelo Sr. Péricles de Queiroz, responsável pelos serviços da
lancha “Nhamundá”.
Uma das observações que o ajudante Zany faz, é que não há em
Moura quem entenda a língua dos indígenas do Jauapery. Esse fato vem
reafirmar toda uma trajetória de conflitos, pois caso houvesse um contato
amistoso, alguém saberia algumas palavras do vocabulário dos indígenas.
Como consta em seu relatório, havia um dos indígenas que morava em
112
Moura, mas que não podia penetrar naquele rio, pois havia sido traído em sua
boa fé, ao ser utilizado como guia no massacre realizado por forças do
governo em 1905.
Um dos trabalhadores que acompanharam o Sr. Zany sabia algumas
palavras na língua dos indígenas do Jauapery, o que foi suficiente para o
contato.
Assim Zany descreve em seu relatório:
No dia 8 de maio, somente às 4 horas da tarde, pudemos subir o porto
de Moura. Levava a pequena lancha “Nhamundá” a reboque uma
canoa com o combustível e outras cargas e parte do pessoal.
Entramos no dia seguinte, 9, a ponta superior da ilha de Samahuma,
ali aportei e mandei dar alguns tiros e tocar buzinas para dar sinal aos
índios de nossa presença ali; 3 horas depois ouvimos os gritos de
chamada da margem direita. Seguimos na lancha para esse ponto,
reconheceram logo os índios a “Nhamundá”, porém estranharam não
encontrar nela o Tenente Bandeira (ex-inspetor) que esperavam. Fiz-
lhes compreender que éramos companheiros e amigos de Bandeira e
deles e que lhes trazíamos os brindes prometidos. Convidei-os a
embarcar na lancha o que fizeram ao princípio com desconfiança. (...)
Fiz a distribuição dos brindes. Preferem sempre as ferramentas e
utensílios aos brinquedos e enfeites: aceitam satisfeitos alguns destes
porém só pedem com insistência machados, terçados, facas,
tesouras, anzóis, utensílios de cozinha e roupa, esta especialmente
para os filhos. (Zany, maio 1912:2-3)
Zany iria subir o Jauapery, ficando acertado que voltaria dentro de
quatro dias, quando os indígenas trariam suas crianças. Sobe o rio. Passam
em Maháua no dia 10, deixando sempre brindes. Penetram no rio Manauhú a
12 de maio, um dos últimos afluentes do Jauapery. Ali, Zany faz uma
observação importante: “Do Jauapery, em frente à sua foz, vê-se uma
capoeira onde esteve a sede de um dos seringais de onde os índios expeliram
os “civilizados”, em conseqüência das selvagerias praticadas por
113
estes”(Relatório do Ajudante João Augusto Zany, maio 1912:6) . Tenta ainda
subir o Uanauahú, porém o rio estava muito baixo. Volta ao Jauapery e sobe
até a Cachoeira Grande, não encontrando índios.
Prossegue em seu relatório:
De volta, chegamos de novo a Samahuma a 14 de maio. Ao primeiro
sinal ouvimos logo que nos esperavam os índios.(...) Vieram então
muitos homens, mulheres e crianças de todas as idades. Os homens
traziam suas armas porém não preparados para combate. Vieram
apresentar-me as mulheres e crianças, distribuí enfeites, como
braceletes e colares de contas de vidro àquelas e a estes,
brinquedos. Mandei vestir as crianças. (...) Às 3 horas da tarde foram
buscar e nos ofereceram uma pequena refeição composta de peixes
assados, beijus e frutas; mandei retribuir dando-lhes de nosso rancho,
que receberam com agrado. Convidaram-me para visitar suas casas
no interior, tendo o que parecia mais graduado entre eles me indicado
o caminho a seguir de forma a encurtar o caminho aproveitando uma
passagem do lado do canal mais estreito à direita da ilha em que
estávamos.(...) seguimos viagem nessa tarde, sendo saudados à
nossa partida pelos índios todos reunidos na praia fronteira. No dia
seguinte â tarde chegamos ao rio Negro, ao porto de Moura. Saímos
desta vila no dia 15, pela madrugada, tendo resolvido vir na própria
lancha até Manaus. Chegamos a Manaus no dia 17 à tarde (Zany,
maio 1912:7-10).
A segunda excursão foi realizada pelo mesmo Sr. João Augusto
Zany,no mês de julho, saindo de Manaus no dia 24, com destino à ilha de
Moura. Como informa em seu relatório, “ali devia tomar o pessoal necessário
para subir, em canoa, o rio Jauapery e iniciar o centro de atração do primeiro
estabelecimento da Inspetoria nesse rio”.
114
Zany não consegue manter contato com os indígenas durante essa
viagem, mas relata que havia vestígios de que estiveram recentemente em
Sumuhuma, onde haviam prometido esperá-lo: “Vi logo ao aproximar-me,
muitas barraquinhas ligeiramente feitas e, desembarcando, achei que ali
estivera um grande número de pessoas por muito tempo; as barraquinhas e
abundância de restos de cozinha, além de outras razões, o atestavam”.
Não tendo encontrado os indígenas, e, tendo que acompanhar o
inspetor ao Rio Branco, Zany retorna, deixando, contudo, alguns brindes que
eles reconheceriam, testemunho de sua ida ao Jauapery. Zany escolhe, nessa
expedição, o lugar Tauacuera para montar o centro de atração, como ele
mesmo explica os motivos:
Como acima referi, ao subir fui examinando diversos lugares até
Sumuhuma, este que tem um porto pouco acessível no tempo da seca.
Do rio é de natureza a ser aproveitado pois tem um terreno muito
próprio para cultura; porém julgo que para o centro de atração é
conveniente atender um ouço à acessibilidade à navegação e, neste
caso, o que me pareceu preferível foi o antigo aldeamento de
Tauacuera. Este lugar, além desta razão, tem uma área considerável de
terreno plano, um declive abrupto desde o rio, as terras são da
qualidade das mais férteis (Zany, outubro 1912:3-4)
Recomenda, em seu relatório, que, seja qual for o local escolhido para
o centro de atração, deve ser iniciado ainda naquele ano. E, ao concluir , Zany
faz o seguinte comentário: “É fora de dúvida, acredito que só depois de
estabelecido ali o primeiro núcleo, a Inspetoria poderá com mais proveito e
rapidamente ver em pleno êxito o seu esforço no sentido de chamar ao grêmio
de nossa civilização todos os índios Jauaperys” (Zany, outubro 1912:4).
Na terceira excursão, realizada ainda em 1912, Zany saiu de Manaus a
14 de outubro, levando consigo cinco trabalhadores indígenas do povo
115
Makuxi, da serra de Parima, no rio Branco. no Jauapery, subiram até o
lugar denominado Maháua, sem que encontrassem os indígenas, nem
vestígios recentes de sua presença.
Assim descreve Zany:
Subimos o Jauapery até o Maháua, não tendo encontrado os índios;
fizemos diversas excursões pelo interior da mata, não encontrando
vestígios recentes desses índios. Julgo que estão em excursão para
qualquer lugar distante, parecendo que agora o se preocupam em
exercer vigilância sobre a margem do rio” (...)Não tendo encontrado os
índios, voltei a Tauacuera e dei começo ao centro de atração que devia
fundar ali.Mandei proceder à brocagem e derrubada. O tempo estava
sempre chuvoso, prejudicando o serviço. Ficou a espera de tempo seco
o roçado, suficiente para a primeira instalação. Na próxima viagem
será tempo de lançar fogo a esse roçado e fazer a competente
plantação. (Zany, novembro 1912:2-3)
Retornou a Moura logo em seguida, e dali para Manaus
48
.
Como se pode perceber, o inspetor João de Araújo Amora deu
continuidade ao processo de contato iniciado por Alípio Bandeira, vindo a ser
este o primeiro Posto Indígena a ser fundado na Inspetoria do Amazonas e
Território do Acre
49
.
Sob a jurisdição da Inspetoria do Amazonas, no entanto, havia uma
diversidade considerável de Povos Indígenas. Sendo assim, as excursões se
davam para as mais diversas regiões, pois se fazia necessário o
conhecimento da situação em que se encontravam esses povos.
50
48
Sobre os indígenas do rio Jauapery e levantamento topográfico, ver fotos de número 1 a 12,
no anexo iconográfico.
49
Para informações mais detalhadas sobre a trajetória do Posto Indígena do rio Jauapery,
consultar Monte (1992)
50
No censo elaborado por Bento de Lemos em 1930 (ver anexo), constam mais de 125 etnias
distintas (N. A.).
116
No mês de abril de 1912, por determinação do inspetor João de Araújo
Amora, o ajudante Dagoberto de Castro Silva realiza uma excursão ao alto
Juruá, pois havia a necessidade de fazer o reconhecimento da situação
indígena na Inspetoria sob seu comando, além do que os conflitos envolvendo
povos indígenas e a empresa seringalista estavam acontecendo naquela
região.
2.2.4 Excursão ao alto Juruá
O ajudante Dagoberto de Castro Silva sai de Manaus a 7 de abril no
vapor “Moa”, com destino a Cruzeiro do Sul. Em seu relatório, assim expõe os
primeiros contatos naquela cidade:
Encontrei naquela cidade, o Sr. Antonio Bastos, encarregado do
Entreposto de Proteção aos Índios do alto Juruá, acompanhado de 8
índios Jaminauás, quase todos doentes.Soube por ele que o peruano
de nome Nicanor Robalino, residente no rio Juruá-Miry, afluente do
Juruá, pela esquerda, no lugar denominado Santa Sophia, tinha em
seu poder , escravizados, 4 índios brasileiros e que pretendia levá-los
para o Peru. Disse-me o Sr. Bastos que no ano passado, quando
esteve em Cruzeiro do Sul o ex-ajudante Maximo Linhares, mandou
um ofício ao Sr. Robalino intimando-o a dar liberdade aos infelizes
índios, o fazendo ele o menor caso.Diante disto resolvi
desembarcar naquela cidade, para tomar as providências precisas.
Nessa mesma tarde fomos, eu e o Sr. Bastos, falar com o Sr. Cap.
Rego Barros, prefeito do Departamento do Juruá, pedindo para
auxiliar-nos a fim de darmos liberdade aos pobres índios. O Sr. Rego
Barros, acedendo ao nosso pedido, pôs às nossas ordens um 2º
sargento e quatro praças. No dia seguinte fiz o Sr. Bastos seguir com
a força, a bordo do vapor Moa, por ser ele bastante conhecedor do
lugar onde se achava o peruano com os índios. (Silva, 1912:1)
117
Como resultado dessa diligência, conforme consta no relatório, foram
recuperados dois indígenas, sendo um menor de idade. Os outros dois
indígenas eram mulheres, de nome Maria Pintada e Felipa, que, mais tarde,
vindo a Cruzeiro do Sul, acompanhadas do peruano, perante o prefeito e mais
20 testemunhas, declararam que não queriam deixar a companhia do peruano
Robalino. Diante desse fato, o prefeito nada pôde fazer, voltando as indígenas
com o peruano.
De Cruzeiro do Sul, Dagoberto seguiu para Valparaíso. Dali, em canoa
cedida pelo Sr. João Bispo Lustosa, tendo como remadores dois indígenas
que o acompanhavam, seguiu para o seringal Humaitá, na foz do rio Amoaca,
de propriedade do Cel. Absolon de Souza Moreira, para quem levava um
ofício da Inspetoria do Amazonas, nomeando-o Delegado de Índios do rio
Amoaca.
O ajudante visita alguns povos indígenas daquela região, como ele
mesmo descreve:
No dia 29, às 8h15m da manhã, saímos por terra, com destino à
maloca Cova da Onça, porque morou no lugar onde ela está situada,
um seringueiro com o apelido de “Onça”. Chegamos à referida maloca
às 12h30m da tarde. Compõe-se ela de índios Jaminauás e
Amoacas, que vivem em perfeita harmonia. Tem 42 pessoas, sendo
17 homens, 1 mulheres, todas casadas, e 14 meninos de ambos os
sexos. O tucháua chama-se Cunha. Recebeu-nos com satisfação,
mostrando-se franco e bondoso; tem cerca de 40 anos de idade, fala
pouco o português. Todos esses índios andam completamente nus,
as mulheres usa apenas uma tanga. O nariz e as orelhas são furadas,
para botarem voltas de conta brancas e muito pequenas, o enfeite
que eles mais apreciam, os dentes de animais, com preferência os de
macaco; usam os cabelos cortados. Distinguem-se os Amoacas dos
Jaminauás, porque estes pintam-se em volta dos lábios, com tinta
preta, estraída do Jenipapo. Oram num grande barracão de 80 x 20
118
metros, mais ou menos e aberto por todos os lados, não tendo
compartimento algum. Têm grandes roçados de milho, mandioca,
batatas, mamão, bananas, abacaxis e cana de açúcar. Todos têm
maqueiras, que são colocadas em volta do barracão. Dormem com
fogo ao lado. Essas maqueiras são fabricadas por eles, com fio de
algodão, que plantam em grande quantidade. Fiz distribuição de
roupas, terçados, canivetes, tesouras e brinquedos para as crianças.
Depois de uma ligeira refeição que o tucháua nos ofereceu, deixamos
essa maloca às 3 horas da tarde, com destino à barraca de um
seringueiro do Cel. Absolon Moreira, que fica na foz do igarapé Rio de
Janeiro, à margem direita do Amoaca. Esse igarapé passa muito
perto da maloca Cova da Onça. Nas cabeceiras do rio Amoaca, numa
pequena barraca, moram 10 índios dessa maloca. Todos são
Jaminauás, sendo 4 homens, 3 mulheres e 3 meninos (Silva, 1912:3-
4).
O ajudante Dagoberto visitou ainda a maloca Mororó, a qual possuía
20 indígenas, sendo 6 Jaminauás e 14 Amoacas, sob a chefia do tucháua
João (Jaminauá). Ocupam-se eles de extração de borracha, cuja produção
trocam por mercadorias nos barracões do seringal Humaitá.
Após visitar várias malocas, Dagoberto chega à conclusão de que tanto
os Amoacas quanto os Jaminauás “são trabalhadores e muito tratáveis,
precisando, porém, de um chefe que os dirija.Será fácil reuni-los, desde que a
nossa inspetoria os auxilie”.
Para reuni-los em uma povoação, o ajudante chega à conclusão de que
O lugar mais apropriado para esse fim, é onde está a maloca Cova da
Onça, entre os rios Amoaca e Nilo, não só pela sua salubridade,
uberdade do solo e capacidade para o desenvolvimento de uma
grande povoação, como também por ser o ponto mais preferido por
eles. Não serão perseguidos pelos pseudocivilisados, devido à falta
absoluta da seringueira. Será um magnífico ponto de atração para os
índios Chipinauas e Curinas, que não habitam lugar certo,
percorrendo diversas zonas: estes desde o Breu ao rio Jordão,
119
afluente do Tarauacá e aqueles as cabeceiras do igarapé Valparaíso,
afluente do Juruá. Abrindo-se uma entrada até a margem do Juruá,
pode-se fazer esta travessia em dois dias. Pertence esse terreno ao
seringal Humaitá. Falando com o Cel. Absolon Moreira, ele disse-me
que oferecia o referido terreno à inspetoria, para nele ser fundada
uma povoação indígena, podendo desde ser demarcado para este
fim (Silva, 1912:6).
Após dar por encerrada sua excursão, o ajudante Dagoberto retorna a
Manaus, no vapor “Tupana”, chegando a essa cidade no dia 19 do mês de
agosto.
Ainda com a finalidade de mapear a localização dos povos indígenas
existentes na área de jurisdição da Inspetoria do Amazonas, bem como tomar
as providências necessárias para levar a cabo a “proteção” a esses povos,
outra excursão foi realizada no ano de 1912. Estava sob a responsabilidade
do ajudante Bento Martins Pereira de Lemos e destinou-se à região do rio
Inahuiny, tributário do rio Purus, como segue:
2.2.5 Excursão ao rio Inahuiny, realizada pelo ajudante Bento Martins
Pereira de Lemos
Essa excursão lançou as bases do Posto Rodolfo Miranda. Saindo de
Manaus a 26 de abril de 1912, o então ajudante Bento de Lemos chegou à
foz do Inahuiny a 11 de maio.
O próprio Bento de Lemos descreve sua excursão:
Partindo desta cidade às 8:30h da noite do dia 26 de abril último, a
bordo do vapor Sobralense, chegamos a 11 de maio à foz do Inahuny.
Desembarcando ali aproveitei o dia seguinte para ir visitar uma pequena
maloca de índios Apurinãs, distante da margem apenas uma hora de
viagem a pé.Esta maloca é constituída por uma família de nove
120
pessoas: um casal velho e seis crianças, netos do mesmo e órfãos de
pai e mãe. Apesar de residirem muito próximo a um barracão de
civilizados encontrei-os na mais extrema miséria.Socorri-os com
fornecer-lhes algumas mercadorias, medicamentos e vestuário. Convivi
com esses índios durante cinco dias, só voltando da maloca na véspera
da minha partida para o alto, o que se realizou na manhã do dia 17 de
maio, a bordo de uma lancha fretada por peruanos (Lemos, 1912:1).
Bento de Lemos informa em seu relatório que os Srs. Freitas Ferreira &
Cia. arrendaram seus seringais a uma grande empresa peruana. Esta
introduzia apenas caucheiros peruanos vindos pelo rio Chandless.
Fez questão de conversar com os peruanos e mostrar-lhes os
documentos referentes ao Serviço de Proteção aos Índios, a respeito da
forma de como tratar os indígenas.
Acompanhado do delegado de índios da região, visitou a maloca
Macuhidenin, situada no divisor de águas do Inahuiny com o Tuhiny. Houve
grande contratempo nessa visita, pois um negro que vivia na região e foi
preterido na escolha de delegado, espalhou a notícia de que chegaria ali um
comissário para amarrar todas as crianças. Conforme relata Bento de Lemos,
a presença respeitosa do delegado superou a dificuldade. Essa era a menor
maloca dentre as situadas às margens centrais do rio Inahuny, mesmo assim
contava com 109 indivíduos. Visitou depois desta maloca uma outra do
Tuchaua Mamoré, dali voltando acompanhado do referido tuchaua, seguido de
mais quatorze índios.
Naquela região, conforme informa Bento de Lemos, eram comuns os
ataques por parte de caucheiros peruanos. Sentindo que o momento era
favorável, Bento de Lemos tomou a decisão de fundar uma povoação
indígena. Assim relata o ajudante:
121
Para aproveitar-me do entusiasmo de que se achavam empolgados
estes índios e principalmente para torná-los fortes contra os ataques
repetidos de civilizados, com especial menção de caucheiros peruanos
que infestam aquelas florestas, decidi lançar logo as bases para a
fundação de uma grande povoação indígena naquela região.
Comuniquei isto aos tucháuas e convidei o Delegado para que
escolhesse, de acordo com eles, local apropriado para esse fim. (...) E
apenas com oitocentos e poucos mil réis e vinte e dois dias de trabalho
de 114 índios, inclusive mulheres e crianças que muito concorreram
para a boa marcha do serviço, consegui fazer todo o brocamento e
derrubada em uma área de 480.000m2, abrangida por um perímetro de
2.800m.(...) De solo abundantíssimo em húmus e situada em uma
belíssima e extensa chapada, marginada por um igarapé (Bacapi) que
nunca seca, mesmo no verão, conto que “Vila Miranda” nome escolhido
em homenagem a um dos mais esforçados defensores atuais dos
nossos silvícolas, será uma das mais futurosas povoações indígenas
que se fundaram neste Estado. Construída em uma zona próxima de
seringais, os seus produtos serão de fácil vendagem e por preços os
mais vantajosos possíveis, de sorte que, do segundo ano em diante,
espero ela poderá manter-se independente de qualquer auxílio material
do Governo, desde que haja uma boa e honesta administração. (Lemos,
1912:3-4).
Bento de Lemos não se preocupou com a povoação, mas também
tinha em mente o escoamento da produção. Assim, como ele mesmo informa,
projetou e abriu três varadouros: um para o Purus, outro para o Inahuiny e o
terceiro para o Tuhiny.
Entre as culturas a serem ali cultivadas, estavam o milho, a mandioca o
feijão e feculentos em geral. Esses produtos, em face da proximidade dos
seringais, eram vendidos a preços elevados.
Essa possibilidade trazia preocupação aos comerciantes da região, pois
em breve os produtos dos indígenas estariam concorrendo com os seus.
Dentre os insatisfeitos encontrava-se um oficial reformado do exército
brasileiro que vivia na região, de nome Alfredo Martins Pereira .
122
Bento de Lemos, percebendo a aptidão dos índios para os ofícios em
geral, requer ao inspetor o envio de professores de funilaria e carpintaria para
começar o processo de aprendizagem dos indígenas. A escolha da funilaria
se justifica à medida que, estando próximos à área de seringais, aprenderiam
a preparar artefatos utilizados por seringueiros, tais como tigelinhas para
colheita do leite, baldes, bacia, etc.
Retirando-se dali no dia 10 de julho, após despedir-se dos índios,
autorizou o delegado a fornecer-lhes alimentação, no período de plantação do
roçado, ficando a despesa por conta da Inspetoria. Recomendou ainda ao
delegado que fizesse a queimada no dia 7 de setembro, com grande festa.
Em seu relatório, o ajudante Bento de Lemos traz informações acerca
dos povos indígenas daquela região:
Os Jamamadys habitam as terras da margem esquerda do rio Purus na
grande extensão que vai do Tapauá ao Inauhiny.
O Pauhiny fica entre os dois e em cada em deles lançam-se muitos
outros rios e inumeráveis igarapés.
Havendo em todas as terras firmes banhadas por essa grandiosa rede
hidrográfica malocas de índios Jamamadys, não será exagero se se
disser que o número destes atinge a dois mil.
No Inauhiny os Jamamadys dividem-se em diversos grupos ou tribos,
sob as seguintes denominações: - Macuhidenin, Ivédenin, Sivacudenin,
Demadenin, Tamacuhidenin, Zuvazuvadenin e Eréquédenin.
As três primeiras habitam as terras centrais da margem esquerda do
Inauhiny, desde a foz até o Inuriam. As três seguintes, as terras centrais
da margem direita do mesmo rio, desde a foz até o S. Francisco. A
sétima desde este afluente até o Aramá, ou seja o próprio Inauhiny, que
perde este nome para receber aquele, da z do Inuriam para cima.
Habitam o alto Aramá e o alto Inuriam os Catuquinas que os
Jamamadys muito temem e com quem evitam ter encontros. São estes
índios apontados como malvados e ferozes, principalmente pelos
caucheiros peruanos que ainda não puderam exterminá-los (Lemos,
1912:7)
.
123
No período em que Bento de Lemos realizava sua excursão,
caucheiros peruanos atacaram de surpresa uma maloca Jamamady, de nome
Santo Antonio. Conseguiram prender todos os que ali se achavam, cerca de
sessenta indígenas. Arrastaram-nos em seguida para um cauchal, privados de
alimentação e recebendo todo tipo de violências. Muitos vieram a morrer
durante a viagem
Mesmo envidando todos os esforços, Bento de Lemos nada pôde fazer
para ajudar os prisioneiros, pois, sabedor da situação, a autoridade policial
local não tomou qualquer atitude em defendê-los. Reconhecendo que a
autoridade policial daquela região não estava preocupada com a situação dos
indígenas, solicita ao inspetor que “se esforce junto ao poder competente, no
sentido de substituir o quanto antes a respectiva autoridade policial, que
nenhuma providência tomava sobre os constantes assassinatos que ali se
praticam”
2.2.6 Excursão ao rio Jutahí
Essa excursão foi chefiada pelo ajudante Arthur Bandeira, a partir de
determinação telegráfica emanada do Sr. Manoel Miranda, chefe da segunda
Seção do Serviço de Proteção aos Índios. Nessa excursão seguiu também o
ajudante Dagoberto de Castro Silva. A excursão era composta de oito
trabalhadores e dez praças do exército, sob o comando do,sargento Dorgival
Gallindo, saindo de Manaus no dia 7 de setembro. Essa excursão tinha por
finalidade averiguar a ocorrência de fatos que se deram na região do rio
124
Jutahy, culminando com a morte do seringalista Coronel Cornélio de Chaves e
Mello e o rapto de suas filhas.
Durante a excursão, Arthur Bandeira adoece gravemente, passando a
chefia para o ajudante Dagoberto de Castro Silva. Por essa razão, além do
relatório de Arthur Bandeira, foi produzido outro relatório por Dagoberto,
dando conta do período em que ficou no comando da expedição.
Arthur Bandeira, já no barco em que viajavam, consegue obter algumas
informações a respeito do falecido Coronel Cornélio:
Foi nosso companheiro de viagem desta cidade até o seringal Três
Unidos, também no alto Juruá, o Sr. Antonio Julião de Rezende, que,
ao conhecer nossa missão, disse-nos ter conhecido bastante o finado
Coronel Cornélio Chaves, de quem fora amigo.Como precisássemos
de informações a respeito do inditoso coronel, aproveitamos o ensejo
para fazer alguma perguntas ao Sr. Julião, que em resposta nos
contou diversos casos de assassinatos praticados sob a
responsabilidade do citado Coronel Cornélio. Entre eles registramos o
seguinte, por ser, talvez o de maior importância: Há dez anos, disse o
Sr. Julião, deixei a pitoresca Vila de Martins, no estado do Rio Grande
do Norte, para vir para o Amazonas, a convite de um dos meus filhos,
sócio do referido Seringal Três Unidos. Quatro anos depois chegou
no seringal Moura Pereira, situado entre aquele e o denominado
Aquidaban, o Cornélio Chaves, então aviado do Coronel Picanço.
Logo que aquele Sr. fixou residência em Moura Pereira começaram a
aparecer boato pouco lisonjeiros, havendo até quem dissesse que ele
costumava mandar matar o freguês que, a custo de muito trabalho,
conseguia tirar saldo no seu seringal, fugindo, assim, do pagamento
do mesmo. Que era voz corrente ali que numa ocasião em que descia
do alto Juruá um pobre seringueiro, trazendo consigo o saldo de
setecentos e tantos mil reis em dinheiro corrente, iludido pelo citado
coronel, resolveu ficar em Moura Pereira, tendo nessa ocasião
depositado, em suas mãos, o pequeno saldo que trouxera. Prevenido,
porém, pelos outros seringueiros, do incorreto modo de proceder do
Coronel Cornélio, o referido seringueiro resolver baixar para o Ceará,
para o que pediu ao referido coronel que lhe entregasse o seu saldo,
mas este, a pretexto de estar satisfeito com o serviço do dito
seringueiro, pediu-lhe que trabalhasse mais uma semana, depois do
125
que viesse buscar o mencionado saldo. O pobre homem acedeu ao
pedido do Coronel Cornélio, mas, dias depois, foi encontrado morto
num igarapé. Não sei se os outros casos referentes ao Cornélio são
mentirosos, mas o que acabo de contar parece verídico, pois que, ao
terem conhecimento do fato, as autoridades de Tefé mandaram um
lancha do Governo, conduzindo forças estaduais, para prender o
citado coronel, que, sendo prevenido a tempo, fugiu para o Jutahy,
onde se estabeleceu novamente. Como disse, não sei se tudo o que
dizem do Cornélio é verdade, mas sei que ele era homem de maus
precedentes. (Bandeira, 1912:1)
A respeito do comportamento do Cel. Cornélio, Arthur Bandeira obteve
ainda a seguinte resposta do Cel. João Rufino, também seringalista daquela
região: “Não conheci pessoalmente o Cornélio, mas a dar crédito ao que dele
dizem, não podia haver homem o perverso, pois não conta das mortes e
até castrações praticadas sob a sua responsabilidade”.
No seu relatório, o ajudante Dagoberto assim começa seu relatório:
“Como tínhamos resolvido, no dia 13 de outubro último, saímos de Táxi, com
destino ao barracão Icarany, descendo o rio Juruasinho, afluente do Jutahy, à
direita, às 6h40m a.m. onde tinham se dado os lamentáveis fatos com o Cel
Cornélio de Chaves e Mello e família”
Durante a investigação, no barracão Escondido, um seringueiro que ali
trabalhava, José Marques de Oliveira informou que o Cel Cornélio mantinha
em seu poder dois índios Canamarís menores. Os pais insistiram muito para
que lhes fossem devolvidos os menores, o que sempre foi negado. Em uma
noite do mês de maio aproveitaram a noite e os levaram sem serem vistos.
Dagoberto continua a narrativa:
Dando o Coronel pela falta dos meninos, o Cel Cornélio mandou
Manoel Leite Chaves, Julio Chaves, seus parentes, Henrique
Rodrigues, José Pereira da Silva, e os índios Cunibas Manoel
126
Antonio, Maximiano e Manduca, atacar a dita maloca. Chegando
esses assassinos, todos armados de rifles à maloca pela madrugada,
fizeram um fogo cerrado. Os índios surpresos correram, ficando
mortas quatro mulheres, inclusive a do tucháua. Duas crianças que
não puderam fugir, os miseráveis jogaram-nas dentro de um igarapé
matando-as depois à bala. Não satisfeitos com tanta barbaridade,
saquearam a maloca, destruindo tudo que encontraram, deixando
esta infeliz gente em completa miséria. (Silva, 1912:2)
Essa mesma informação havia sido dada pelo Sr. Antonio Julião de
Rezende, ao ser indagado por Arthur Bandeira.
Esse fato aconteceu no mês de maio passado, tendo sido confirmado
por um outro seringueiro, mais tarde.
A partir daí, os Canamaris resolveram fazer o mesmo no barracão
Icarahy: matar o Cel Cornélio e família, bem como todos que fizeram parte
daquela chacina. No ataque praticado pelos indígenas foram assassinados o
Cel. Cornélio, sua esposa e um empregado, os quais foram encontrados
mortos com tiros de rifle, suas filhas foram raptadas.
“Disseram-nos que o fato passou-se no dia 11 de julho, porque o
seringueiro de nome João Cassiano, morador abaixo de Icarahy, ouviu 7 tiros
de rifle, mais ou menos, às 6 horas e meia da tarde”, afirma Dagoberto em seu
relatório.
Esses fatos ilustram uma situação corrente na região amazônica, desde
que o preço da borracha tornou-a um negócio vantajoso. Seringalistas faziam
sua própria lei, ocupavam as terras indígenas, expulsavam seus habitantes e
os tornavam, quando possível, seus empregados.
Também era prática comum na região amazônica, as famílias mais
abastadas solicitarem dos amigos ou das autoridades que viviam nas cidades
127
do interior, onde havia povos indígenas, que lhes mandassem “curumins”
(meninos indígenas) para trabalhos domésticos. A literatura é prenhe em
exemplos dessa natureza. Como se viu acima, o massacre levado a cabo pelo
Cel Cornélio ocorreu porque ele se julgava no direito de dispor de crianças
indígenas como se propriedade sua fosse.
No relatório de Arthur Bandeira, consta que as moças que haviam sido
raptadas foram encontradas pela segunda turma da expedição. Embora
doente, Arthur foi ao encontro delas. Assim descreveu: “No dia seguinte (23),
às 5 horas da manhã, saímos da foz do Tarauacá e às 9.30chegamos a S.
Felipe. encontrei as filhas do Coronel Cornélio, os “Cunibas”, os 4
trabalhadores , 5 fregueses do Coronel Rufino que, a convite destes, tomaram
parte da expedição que o Coronel Reynaldo Cavalcante, negociante residente
no seringal “Restauração”, que teve a gentileza de hospedar em sua casa,
logo que saíra das matas , as moças, os índios e os referidos trabalhadores,
vindo até S,Felipe deixá-los em casa do Coronel Delfino da Costa Nogueira,
então superintendente daquela vila”.
Arthur Bandeira dirigiu-se depois para Aquidaban, chegando naquele
local no dia 23 de outubro, e ali ficou aguardando a chegada da outra turma,
cuja chefia estava a cargo do ajudante Dagoberto. Este somente chegou
àquela localidade no dia 30 do mesmo mês, como relata Arthur Bandeira: “No
dia 30 chegou em Aquidaban a primeira turma da expedição, vindo doentes e
bastante maltratados da viagem o meu distinto colega Dagoberto e o brioso
Sargento Dorgival “. Saíram daquela localidade no dia 3 de novembro, no
vapor “Acarahú”, chegando a Manaus no dia 15 do mesmo mês.
128
Não podemos deixar de abordar , ao analisar os fatos ocorridos na
gestão de João de Araújo Amora, a incorporação da Inspetoria do Território do
Acre à Inspetoria do Amazonas. Tal fato deu-se pelo Decreto 9214, de 15 de
dezembro de 1911. Em relatório de 10 de junho de 1912, o ex-Inspetor do
Território do Acre informa a situação em que se encontrava aquela região,
conforme veremos a seguir:
2.2.7 Relatório elaborado pelo Tte. Francisco Barbosa de Araújo
acerca da situação em que se encontrava a Inspetoria do Território do
Acre ao ser incorporada à do Amazonas
O ex-inspetor.da Inspetoria do Acre Francisco Barbosa de Araújo
(1912:1) começa seu relatório informando que desde quando foi instalada a
referida Inspetoria até o momento de sua extinção, e conseqüente
incorporação à Inspetoria do Amazonas, os seus cuidados se voltaram para o
povo indígena Maneteneri:
Tive com eles fáceis contratos no alto Yaco, acima do seringal
Guanabara, no lugar denominado Senegal, último barracão do
mencionado rio. Estes índios são de boa índole e muito
trabalhadores, viviam explorados por um Sr. Moysés Alvin de Souza,
hoje residente em Sena Madureira, o qual exercia as funções de
catequisador no rio Yaco, por nomeação do ex-prefeito do
Departamento do Purús, cidadão Candido José Mariano. (Araújo,
1912:2)
Ao perceber a situação de miséria em que se encontravam aqueles
indígenas , tomou a decisão de levá-los para as margens do rio Yaco, região
por eles habitada primitivamente e da qual haviam se afastado por pressão de
caucheiros. Relata o servidor do SPI que “satisfação tinham eles de voltar
para a antiga habitação de sua nação, sita à margem do mesmo rio, que
129
outrora nessa parte eles dominaram, mais ou menos defronte do barracão do
flibusteiro Moysés, porém eles temiam a proximidade e a qualidade dos
vizinhos, se bem que não fossem seus inimigos”
O Cel. Avelino de Medeiros Chaves, seringalista da região, havia lhe
oferecido uma parte de suas terras para servir a “localização duma colônia de
nacionais”, dado que o caucho havia esgotado sua produção na referida
área. O Sr. Francisco Barbosa tinha intenção de que os Maneteneris fossem
beneficiados com aquelas terras, ou por doação ou mesmo por compra futura.
Descendo com os chefes Maneteneris, Coanzé e Raymundo até o
lugar Guanabara, assim o ex-inspetor continua o relato,
Ficou combinado que em fins de março ou mesmo de abril, os ditos
chefes desceriam com 10 ou 12 homens sob a direção do Sr. Pedro
Antonio da Silva, a quem nomeei encarregado do entreposto do alto
Yaco, que denominei de Rodolpho Miranda, como homenagem ao
digno estadista que teve a felicidade e o descortino de estabelecer
este Serviço de tão magna importância, fariam lavoura de feijão,
milho, macacheira, bananas, etc., e que somente no verão deste ano
deveriam descer da cachoeira do Riosinho, as mulheres e as crianças
para a nova maloca. (Araújo, 1912:2)
Não obstante o combinado, um imprevisto veio acelerar o processo de
descida do restante dos indígenas para a região do incipiente Posto Indígena:
“os caucheiros peruanos que descem do Chandless na direção das
cabeceiras do Riosinho e de Macauan em procura e conseqüente extração
do caucho, malquistaram-se com uma pequena maloca Maneteneri, por terem
os homens se oposto às suas insólitas pretensões relativamente às suas
mulheres e o resultado foi um ataque à pequena maloca e a morte dos
130
infelizes silvícolas , que não viram suas mulheres partirem com o vencedor ,
nem profanados os seus lares”.
Como podemos perceber pelos relatos dos servidores do Serviço de
Proteção aos Índios, a prática de usurpação das mulheres indígenas não era
uma peculiaridade desta ou daquela região da Amazônia. Onde quer que
houvesse a extração da borracha ou do caucho, era uma constante tanto por
parte de brasileiros como por estrangeiros que invadiam o território brasileiro,
quer fossem eles peruanos ou colombianos. No Território do Acre, a presença
de caucheiros peruanos era constante e, conseqüentemente, os conflitos
armados e massacres de povos indígenas ocorriam com maior freqüência.
De forma contraditória, tratando-se de um relatório que pretendia
descrever a situação na qual se encontravam os indígenas do Território do
Acre, ao ser incorporada aquela Inspetoria à do Amazonas, o Sr, Francisco
Barbosa faz a seguinte anotação:
Se bem que não tivesse ido ao Acre, a fim de colher sur place
informações sobre os índios dessa região, vos poderei adiantar mui
poucos restam ainda. Os das cabeceiras do Sepatini desceram para o
território amazonense, repelidos pelos seringueiros e hoje se acham
encurralados entre os seringais do Acre que se limitam com o Estado
do Amazonas e os exploradores do citado rio, que avançam. Em
seringais que tem fundos para o rio Abunã existem pelo que me consta
algumas pequenas malocas e no alto dos Patos, importante afluente da
margem esquerda do Acre foram encontrados no último verão duas
malocas, sendo uma de Caxinauás, último destroço da famosa nação
Caxinauá, que quer dizer grande e outra que se supõe ser do
Poqueneris ou de Piwos; sobre este particular os exploradores de
Guanabara que me forneceram estes últimos dados não estavam
fixados. (Araújo, 1912:6-7)
.
131
No mesmo relatório, trata também o Sr. Francisco Barbosa a respeito
dos indígenas do rio Juruá. Embora informe que tenha ido pessoalmente
acompanhado do ex-ajudante do SPI, Maximo Linhares, suas informações são
evasivas:
Suponho não serem numerosas as nações indígenas nem em número
de malocas, nem tampouco de habitantes, elas são apenas algumas
constituídas de pequenas famílias, as quais vivem em constante estado
de guerra, nações contra nações, guerra entretida e açulada em geral
por alguns posseiros, que assim se vêem livres de índios, sem
responsabilidade jurídica, nem maiores incômodos. Na chamada região
central da reserva florestal, se acham os Geminauá, os Araras e os
Caxinauás, são os índios dessas três nações que se estendem pelos
vales do R. da Liberdade, Gregório, Acuraua, Tarauacá, Murú, Embira,
Jurupary e Amoacas. (Araújo, 1912:9).
Pelo que consta em seu relatório, não pudemos perceber que o ex-
inspetor tenha estado verificando in loco a situação em que se encontravam
os indígenas, pela maneira como emite as informações: “dizem que no
antepenúltimo dos rios (ou seja, o Embira) são muito numerosos os silvícolas,
que tem se submetido, além dos duros labores a que são votados na
extração do caucho, são não raras vezes levados para o Peru e vendidos
como escravos “(Araújo,1912:9).
Embora não afirme de forma categórica, pois as informações de que
ele dispõe foram-lhe transmitidas por terceiros, recomenda que seja enviado
um funcionário para a região onde ocorrem os fatos por ele narrados, com a
finalidade de por fim aquele estado de coisas.
O Território do Acre, como informamos anteriormente, era uma das
regiões na qual os indígenas sofriam ataques constantes de caucheiros
peruanos. Embora tais fatos fossem do conhecimento do Serviço de Proteção
132
aos Índios, era, contudo, o local em que os indígenas estavam mais
“desprotegidos” pelo órgão que tinha a “missão” de protegê-los. Como se pode
perceber, parece o Território do Acre estar fadado ao esquecimento por parte
do SPI, pois não éno começo do funcionamento do SPILTN no Amazonas
e Território do Acre que ocorre tal situação de abandono. Veremos mais à
frente, em 1930, a situação não ser muito diferente, sendo, inclusive,
reconhecida a situação pelo inspetor Bento Martins Pereira de Lemos, que
alegava falta de recursos para estender a proteção efetiva até aquela região,
embora reconhecesse sempre a necessidade de criação de postos indígenas
naquela região.
Ainda na gestão de João de Araújo Amora, as fazendas nacionais
51
do
rio Branco passaram para a responsabilidade da Inspetoria do Amazonas e
Território do Acre. De acordo com seu relatório de 1914, a transferência das
fazendas para a responsabilidade do Serviço de Proteção aos Índios ocorreu
em fevereiro de 1913. A Fazenda São Marcos será objeto de um tópico
específico, onde procuraremos recuperar sua trajetória sob a atuação do SPI.
51
A fazenda de S. Marcos está situada na península formada pela confluência do Tacutú e do
Urariquera, que unidos formam o que aqui se chama Rio Branco, enquanto que o Urariquera
geograficamente não seja mais que a continuação deste. Seus confins são, segundo o relatório
do Ministro da Fazenda de 1878, ao N o terreno neutro, que termina na Cordilheira da
Pacaraima, lado em parte explorado pela Comissão Araújo em 1882, ao S a confluência do Rio
Branco com o Tacutu, à E com o Tacutu e Surumu, a O com o Rio Branco (Urariquera) e
Pareme. A de São Bento, situada a SO de São Marcos, à margem direita, tendo como
fronteiras ao N o Rio Branco, ao S o Canaimé e em parte a Serra Parima, onde confina com a
Venezuela. A terceira, a de São José, onde se localiza o Forte de São Joaquim, fica a SE de
São Marcos e confina ao N ao N com o Tacutu e em parte com o Repunini, região esta, diz a
comissão, até agora pouco explorada, ao S com o Igarapé do Surrão, que a divide da Fazenda
de São Pedro, propriedade particular, e em parte com terras devolutas; a E, região
completamente desconhecida, com a Província do Pará, a O com o Rio Branco e o Tacutu. O
número de bovinos e eqüinos existentes nas três fazendas, cujos extensos confins
representam uma superfície de mais de 100 léguas quadradas, no mesmo relatório era
calculado segundo o último censo, em 5.114 dos primeiros e 667 dos segundos, e foram
fixados, no fim do mesmo ano, em 3.000 e poucas cabeças de bovinos , quando existia mais
do dobro da primeira cifra.e 400 eqüinos. “Arranjos de compadres!” (Stradelli, 1889:210-
228/251-266 IN: Isenburg, , 1991:259)
133
Para efeito de síntese, pode-se afirmar que, dando seqüência ao
trabalho iniciado por Alípio Bandeira, o inspetor João Araújo Amora continuou
o reconhecimento da situação dos povos indígenas nas diversas regiões do
Estado do Amazonas, determinando a realização de várias expedições. Estas
tinham como finalidade, além de fazerem o reconhecimento da situação em
que se encontravam os vários povos indígenas que viviam sob sua jurisdição,
resolver conflitos envolvendo esses povos.
Orientado por Alípio Bandeira, ao ser indicado para assumir o comando
da Inspetoria do Amazonas, Amora continuou o contato que havia sido
iniciado por aquele com os povos indígenas do Jauapery, fundando o primeiro
posto indígena da Inspetoria no rio Jauapery, no lugar conhecido como
Tauacuéra.
Sua gestão, movida pelo mesmo ideário positivista de Rondon,
procurou atrair os povos indígenas para que fossem incorporados como força
de trabalho na chamada “sociedade nacional”.
É de se notar que, embora houvesse conflitos envolvendo os povos
indígenas habitantes do Território do Acre com a empresa seringalista e com
caucheiros peruanos que adentravam as terras brasileiras, sua gestão não
adotou uma postura mais agressiva no sentido de coibir tais conflitos nem dar
uma proteção eficiente aos povos envolvidos, tal como orientado nas
Instruções Internas do SPILTN, talvez por falta de verbas e pessoal suficiente,
sendo privilegiadas apenas algumas regiões da área pertencente ao Estado
do Amazonas.
Como fica claro no relatório do ex-inspetor do Território do Acre, nem
mesmo quando aquela região constituía uma Inspetoria independente, foi alvo
134
de uma ação mais direta no cumprimento dos preceitos que informavam o
SPILTN. Fazer reconhecimento da região e proteger os povos indígenas ali
existentes, para sua posterior incorporação à “sociedade nacional” jamais
foram cumpridos. Percebe-se em seu relatório que o referido inspetor nem
mesmo verificou in loco quais os povos existentes, nem a situação em que se
encontravam, para então tomar as medidas inerentes à pratica tutelar do
órgão indigenista. Na gestão de Amora, o houve portanto avanço
significativo em relação à situação anterior.
135
136
CAPÍTULO 3
A INSPETORIA DO AMAZONAS E TERRITÓRIO DO ACRE SOB A
ADMINISTRAÇÃO DE BENTO DE LEMOS
3.1 A gestão Bento de Lemos: de 1916 a 1920
3.1.1 Bento de Lemos como Ajudante
O engenheiro
52
Bento Martins Pereira de Lemos foi o terceiro
inspetor da Inspetoria do Amazonas. De acordo com Freire (2007:19), Bento de
Lemos “foi nomeado ajudante a 22 de junho de 1911, tendo tomado posse em
de julho do mesmo ano. Exonerado em 28 de janeiro de 1914, foi
novamente readmitido como auxiliar em de fevereiro do mesmo ano e
novamente dispensado em 31 de dezembro. Voltou ao SPILTN na condição de
encarregado do Posto Indígena do rio Jauapery.
Nomeado inspetor interino a 31 de março de 1916, tomou posse a 18 de
abril de 1916, vindo a tornar-se inspetor efetivo do SPILTN na Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre em 26 de dezembro de 1917, cargo do qual
tomou posse a 23 de janeiro de 1918”. Nesse cargo, Bento de Lemos ficaria
até o ano de 1932, com breve interrupção no final do ano de 1923, princípios
de 1924, quando foi cumprir “missão no Estado do Paraná. Nesse período
assumiu interinamente o cargo de inspetor o ajudante Arthur Bandeira. Em
1931, também ficou afastado, quando foi demitido para responder ao Inquérito
52
Na Escritura de autorização entre a Inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios no
Amazonas e Acre e Raymundo de Oliveira, feita pelo Cartório do Primeiro Tabelião Raymundo
Monteiro, em Manaus (AM), no ano de 1929, consta a qualificação de Bento de Lemos: “a
Inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios no Amazonas e Acre, representada pelo Auxiliar
dos Serviços Gerais Francisco Pereira da Silva, devidamente autorizado pelo Inspetor
engenheiro (g.n.) Bento Martins Pereira de Lemos”
137
sofrido pela Inspetoria do Amazonas, tendo sido readmitido no mesmo ano,
após arquivamento do processo.
Na condição de ajudante, realizou, entre outras ações, a fundação do
Posto do rio Inauhiny, no vale do Purus, em 1912, objetivando principalmente
o incremento da produção agrícola, como vimos ao abordarmos a gestão do
Inspetor João de Araújo Amora..
3.1.2 Bento de Lemos como Inspetor
De orientação positivista, desempenhou durante o período em que ficou
à frente da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, a defesa intransigente
dos povos indígenas, cuja obrigação lhe era pertinente em função do cargo e
dos ideais rondonistas que abraçou.
Ao assumir a Inspetoria, encontrou em funcionamento apenas dois
postos indígenas, um no rio Jauapery, afluente do rio Negro, no Município de
Moura, e outro no rio Abacaxis, afluente de um paraná do Madeira, no
Município de Maués. O Posto do rio Inauhiny, fundado por ele em 1912, havia
sido desativado pela Inspetoria do Amazonas e Território do Acre em 1914, por
falta de pessoal e recursos financeiros.
3.1.3 Postos Indígenas no início da gestão Bento de Lemos
No seu primeiro relatório como inspetor, cujo período de abrangência vai
de 18 de abril a 31 de dezembro de 1916, Bento de Lemos descreve a situação
em que se encontravam os postos indígenas por ele encontrados em
atividade:
O Posto Indígena do Jauapery: dista este posto de Manaus cerca de
40 horas de viagem efetiva, em lancha, subindo o rio. Situado assim
tão próximo desta capital, poderá facilmente ser visitado este posto a
qualquer momento por quem quer que deseje conhecer as vantagens
e os resultados deste Serviço, pelos trabalhos que presentemente
estão sendo ali executados. Como sabeis, cabe ao capitão Alípio
Bandeira, então digníssimo Inspetor do Serviço neste Estado, a glória
138
da pacificação destes índios, por ele brilhantemente realizada em
novembro de 1911. Foram seus continuadores no firmar e estender a
outras tribos , domiciliadas naquele rio, essas relações amistosamente
iniciadas com os primeiros índios ali encontrados , os Srs. João
Augusto Zany e Domingos T. de Carvalho Leal de inesquecível e
saudosa memória. (...) Encontrando em completo abandono o referido
posto, tratei imediatamente de restabelecê-lo, enviando para ali três
trabalhadores para procederem à roçada e derrubada das capoeiras,
que enchiam todo o terreno, e executarem outros serviços. Em julho
tomou conta da direção de todos os serviços o auxiliar Arthur
Bandeira, sendo por isso dispensado do cargo de encarregado da
Seção do Rio Branco, que então exercia. Não obstante as
dificuldades, provenientes da escassez de recursos, com que teve de
lutar esse empregado, o posto vai presentemente caminhando para o
mais completo desenvolvimento, sendo de esperar que em breve
tempo ele se possa tornar uma fonte de renda, capaz de sustentar
todos os índios que se encontram naquele rio em estado selvagem (
Lemos, 1917:2-3).
O outro posto indígena em funcionamento, localizava-se no rio
Abacaxys, no baixo Amazonas. Embora não tendo visitado o referido posto,
informa Bento de Lemos em seu relatório, que ali viviam 288 indígenas vivendo
sem problemas com os “civilizados”, não mais em estado “selvagem”. Segundo
informações do encarregado, o posto possuía um roçado de quarenta e sete
hectares e havia previsão de instalação em breve de uma escola.
Em 1916, ano em que Bento de Lemos assume a chefia da Inspetoria, é
publicado o “Relatório da Diretoria sobre as Inspetorias Regionais” no qual
constam as seguintes considerações acerca da Inspetoria do Amazonas e
Território do Acre:
Nessa Inspetoria a população indígena acha-se espalhada por uma
superfície imensa a que os seus recursos...não permitiu, de modo
nenhum, atender.(...) Por isso os serviços foram concentrados nos
postos do Jauapery e do Abacaxis, continuando os índios dos postos
anteriormente criados , assim como os demais índios do Estado,
atendidos, gratuitamente, por amigos nossos, considerados delegados
da Inspetoria, e cuja principal função é protegê-los contra as violências e
explorações. É claro que tal proteção, é por sua natureza, precária no
Amazonas, , onde os próprios funcionários do governo nem sempre
139
conseguem fazer respeitar as disposições legais (Relatório da Diretoria,
1916:3).
Durante o exercício de 1917, embora o inspetor Bento de Lemos
reconhecesse a necessidade de implantação de mais postos indígenas na
região sob sua jurisdição, pois esses postos teriam a função de agregar e
proteger os povos indígenas, as condições financeiras e de pessoal não
permitiam que tal necessidade se concretizasse. Assim, durante o segundo
ano de sua gestão, apenas dois postos indígenas estavam em
funcionamento no Estado do Amazonas, o do Jauapery e o do rio Abacaxis.
3.1.4 A categoria delegado na Inspetoria do Amazonas
Bento de Lemos informa, no referido Relatório, a presença, nos mais
diferentes lugares da região, de funcionários que trabalham de forma gratuita
em prol dos indígenas. Estão ligados à Inspetoria como delegados de índios
53
.
Esses funcionários não percebiam remuneração e, quando ocorria um conflito
envolvendo indígenas, principalmente nas regiões de seringais, em face das
distâncias e até mesmo da falta de recursos, não conseguiam proteger
adequadamente os indígenas em tempo hábil.
O caráter voluntário e de adesão simpática dos componentes da equipe
técnica se dava pelo fato de não haver uma equipe propriamente profissional,
prevalecendo, então, o trabalho voluntário. Essa foi uma característica
específica do tipo de burocracia em jogo.
Tornou-se tão marcante a presença desses funcionários, ao ponto do
inspetor Bento de Lemos elaborar um documento, em 1916, logo após a sua
assunção ao cargo, contendo “instruções” para os delegados do SPI na
Inspetoria do Amazonas e território do Acre. Tais instruções, orientavam na
proteção dos indígenas, não passando de peça de ficção, pois em sua
maioria, os delegados eram seringalistas, donos de castanhais, enfim,
pessoas necessitadas da força de trabalho indígena.
53
De acordo com Freire (2007:42), a função de delegado foi criada pelo inspetor Alípio
Bandeira, em 1911.; tratava-se de um cargo honorário, portanto sem remuneração, embora os
ocupantes desse cargo fossem considerados funcionários do SPILTN.
140
No relatório de 1918, referente ao exercício de 1917, Bento de Lemos
volta a reiterar a presença desses delegados de índios na região que
compunha a I.R., que abrangia o Estado do Amazonas e Território do Acre,
além de se ocupar, também, do Oeste do Pará e Norte do Mato Grosso.
Nesse mesmo documento, o inspetor chama a atenção, para o fato de que:
por exigüidade de verbas , mantém esta Inspetoria apenas dois desses
empregados, sendo um no rio Seruhiny e outro em Três Casas, no rio
Madeira, não passando a ação de ambos de uma simples vigilância, a
fim de impedirem que os civilizados ataquem os índios (...) Não havendo
uma das terras centrais de ambas as margens dos inúmeros rios que
banham este Estado e Território do Acre em que não haja índios
constantemente em conflitos com seringueiros e caucheiros torna-se por
isso quase nula a ação desta Inspetoria para evitar tais conflitos, devido
aos fracos elementos de que ela dispõe (Lemos, 1918:2).
Pelo exposto podemos inferir que, em alguns casos, os “delegados de
índios” eram remunerados?
Ao fazer a demonstração da despesa do exercício de 1917, o inspetor
Bento de Lemos lista como funcionários não titulados: Arthur Deodato
Bandeira (Auxiliar), Odilon Pinto Bandeira (Encarregado de Posto Indígena),
Cristóvão Soriano de Mello (Auxiliar) e Tabyra Leôncio de Carvalho Lemos
(Auxiliar), além de informar despesas com jornaleiros
54
, sem, contudo,
discriminar os quantitativos. Na despesa não consta pagamentos aos
delegados.
Pertinente a esse tema, chama a atenção ofício enviado ao Inspetor
Bento de Lemos, em 27 de junho de 1919, pelo delegado de índios da
“Delegacia do Purús e seus afluentes”, João Barros, em resposta aos ofícios de
número 393 e 409, do inspetor, onde diz, textualmente: “Como sempre, estarei
pronto a observar todos os artigos dos referidos estatutos, lamentando apenas
o platonismo (g.n.) desta observância, pela falta de um centro de atração”.
Essa resposta vinha ao encontro do que pensava Bento de Lemos..
Mesmo sabendo da dificuldade dos delegados prestarem serviços de proteção
aos índios de forma gratuita e, além do mais, onerosa, determinava aos
54
Categoria contábil registrada na documentação administrativa, equivalente a diaristas.(N.A).
141
mesmos uma série de instruções, no sentido de se efetivar a proteção. Isto,
naturalmente, como conclui o delegado citado acima, não passava, na maioria
dos casos, de boas intenções
3.1.5 Imobilização da força de trabalho indígena
Ao analisar a situação dos indígenas que viviam sob a jurisdição da
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, em relação aos constantes
conflitos que ocorriam na região, Bento de Lemos faz a seguinte afirmação:
Devo vos dizer que já muitos índios se acham de tal modo acovardados
pelas perseguições que têm sofrido, que facilmente se deixam reduzir
ao cativeiro e, o que é mais grave, suportam, embora constrangidos,
que lhes sejam arrancadas as esposas e filhos pelos seringueiros e
caucheiros. (Lemos, 1917:4)
Bento de Lemos percebe, através da observação direta, e registra as
formas de imobilização da força de trabalho prevalecentes nas unidades de
produção extrativas, denominadas de “seringais”
Esses registros foram incluídos no relatório apresentado pelo inspetor
Bento de Lemos, em 1921, referente ao exercício de 1920. Ele aborda a
questão do trabalho compulsório, mostrando de forma didática o método
utilizado para a apropriação da força de trabalho indígena. Com riqueza de
detalhes, o texto constava no seu relatório do ano anterior, que ele
transcreveu, e aqui reproduzimos:
Parecerá talvez uma coisa estranha falar em escravização de índios.
Mas, infelizmente, não o é. Este infame costume existe em toda a
Amazônia, sendo certo que em algumas regiões mesmo os próprios
civilizados são também escravizados.
Todos os que habitam o interior deste Estado sabem que os silvícolas
são reduzidos a mais negra servidão pelos proprietários de seringais e
fazendas de gado.
O processo de que tais indivíduos usam para escravizarem índios é feito
de muitas maneiras: já por meios violentos, isto é, caçando-os na
florestas, ou aprisionando-os nos ataques que fazem às malocas, por
meios brandos, isto é, pelo comércio que procuram com eles
142
estabelecer, ou pela ascendência que o civilizado exerce sobre eles, de
índole geralmente tímida.
O dono do seringal, quando não dispõe de extratores do nordeste, apela,
sem a menor cerimônia, para os índios, que são obrigados a trabalhar a
troco de mísera alimentação.
O fazendeiro, por sua vez, explora barbaramente o silvícola, que, nas
fazendas, é compelido a trabalhar de graça.
Se o índio se revolta contra tão torpe exploração do seu trabalho, é
surrado e metido no tronco, - o velho tronco de que se serviam os
antigos senhores de escravos negros.
Mas não é isso. Os fazendeiros como os seringueiros abrem uma
conta ao índio, na qual este é debitado por mercadorias imaginárias, ou
vendido por um preço excessivo.
Se o índio não quer ou não pode pagar, o patrão obriga-o ao trabalho
para saldar a conta, não podendo mais o desgraçado sair do domínio do
senhor, que, no caso de fuga, o manda buscar onde quer que ele esteja.
É bem de ver que, por mais que trabalhe o devedor, a sua conta – nunca
é saldada e, em vez de diminuir, cresce sempre e sempre.
E o pior é que essa escravidão estende-se às mulheres, aos filhos, a
toda a família do índio devedor. (Lemos, 1921:8-9)
3.1.6 Viagem ao Departamento de Tarauacá
No mês de setembro de 1916, Bento de Lemos dirigiu-se à região de
Tarauacá, por determinação do Ministro da Agricultura, informado que fora
pelo prefeito daquele Departamento, da tentativa dos índios de expulsarem os
seringueiros que ocupavam suas terras. o logrou êxito, contudo, em sua
missão, não contou com o auxílio do prefeito. Como causa do fracasso,
conforme consta em seu relatório, justifica dizendo que “é opinião triunfante ali,
entre as próprias autoridades, que o índio não tem direito a terra alguma,
devido ao seu estado nômade, correndo, por isso, sério perigo a sorte
daqueles indígenas” (Lemos, 1917:5)
55
..
55
Para melhor aprofundamento dessa questão, consultar Aquinio e Iglesias: “O período que se
seguiu à abrupta queda dos preços da borracha for marcado por um intenso êxodo da mão-de-
obra que vinha trabalhando nos seringais dos vários rios da bacia do Alto Juruá. Segundo
informações coletadas pelo padre francês Constantin Tastevin, da Congregação do Espírito
Santo, a população não-indígena do alto rio Tarauacá (Seabra e os seringais localizados acima
desta Vila) decresceu de 12.000 em 1914 para 3.581 pessoas em 1924. (...)Em outubro de
1912, um Decreto Federal havia criado o Departamento do Alto Tarauacá, desmembrando-o do
Departamento do Alto Juruá. A instalação desse Departamento ficou a cargo do Coronel
143
3.1.7 Terras indígenas
O avanço sobre as terras indígenas continuava, quer fosse para
explorar castanhais, seringais, balatais ou mesmo nas regiões onde era
propícia para a criação de gado, como na região do rio Branco.
Em 1917, o governo do Estado do Amazonas publica a Lei Estadual de
941, tratando da regularização de terras indígenas. Sobre a aprovação da
referida lei, o inspetor Bento de Lemos faz o seguinte comentário, destacando
a atuação da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre:
... esta inspetoria obteve, por sua ação persistente e enérgica junto aos
Governos Executivo e Legislativo neste Estado, a lei que estabelece
direito aos índios sobre as terras que estes vêm ocupando desde data
imemorial. (Lemos, 1918:5)
56
Antonio Antunes de Alencar, seu primeiro prefeito. O município de Vila Seabra foi criado no ano
seguinte. (...) Comentando a respeito das várias populações indígenas que habitavam no Alto
rio Tarauacá em 1924, Tastevin subdivide-as em selvagens (arredias, sem contato
sistemático com a população cariú) e aprisionadas (inseridas na empresa seringalista). Coloca
que ambas estariam em processo de extinção, devido às correrias, às doenças
(principalmente o catarro e a gripe), à miséria e à esterilidade voluntária. Tastevin aponta a
existência de populações selvagens, pertencentes ao tronco lingüístico Pano, nas margens
dos igarapés Mataparte (ou Bernardo) e Laurita (ou Papavô), afluentes do alto rio Jordão. No
Mataparte, cita os Nehanawa, que teriam vindo das cabeceiras do rio Envira após serem
atacados por caucheiros peruanos e pelos Kontanawa, Mainawa e Machonawa, populações
indígenas também selvagens. No Laurita, revela a existência de grande número de
agrupamentos (Nisinawa, Tchaninawa, Bastanawa, Charanawa, Yambinawa, Chanenawa e
Mainawa) denominados genericamente pelos regionais como Papavô. (...) No rio tarauacá,
Tastevin destaca que os Kaxinauá estabelecidos nos seringais Atenas e Redenção, ambos
situados na margem esquerda daquele rio, eram orindos dos rios Gregório e primavera. Ao
serem subjugados por Ângelo ferreira, tinham Tescon como Chefe. Este último recebia
mercadorias, espingardas e outros bens industrializadodos para que seu grupo extenso
trabalhasse para o patrão. Com o assassinato de Ângelo ferreira e, posteriormente do próprio
Tescon (cometido por índios Arara durante uma pescaria num lago do Riosinho da Liberdade),
esses Kaxinauá se espalharam por distintos rios, permanecendo atrelados aos barracões
daqueles seringais gerenciados por patrões cariús. Os Kaxinauás residentes na foz do rio
Jordão, em sua margem direita, estariam, segundo Tastevin, vivendo sob a tutela de um
italiano que havia sido nomeado representante da Comissão de Proteção aos Índios. Apesar
de não ter sido possível coletar qualquer tipo de informação a respeito da existência ou dos
padrões de atuação dessa Comissão à qual o padre Tastevin faz alusão, é importante lembrar
que era prática comum dos funcionários do SPI, e mesmo dos Delegados de Polícia, nomear
importantes patrões ou políticos locais como encarregados dos índios de sua localidade.
AQUINO, Terry Valle de; IGLESIAS, Marcelo Piedrafita (1994:16-19)
56
Acerca do termo imemorial, convém destacar que “a ocupação permanente de terras e suas
formas intrínsecas de uso caracterizam o sentido peculiar de tradicional”. Além de deslocar a
144
A Lei 941, de 16 de outubro de 1917, “autorizava o governador a
conceder, como posses imemoriais havidas por ocupação primária (g.n.), todas
as terras possuídas por índios selvagens ou semi-civilizados”.
57
As terras destinadas a serem demarcadas como “posses imemoriais”
estavam discriminadas em seu Art. 5º, conforme abaixo:
.
a) para domicílio e aproveitamento dos índios Macuxis e Jaricunas,
estabelecidos com pequena agricultura e criação de gado, a região
compreendida entre os rios Surumú e Cotingo, e as serras de Mairary e
Canapiaepim, no município de Boa Vista do Rio Branco.
b) as terras situadas no município de Lábrea, entre os rios Seruhiny e
Sepateny, limitadas a montante e jusante, respectivamente, por picadas
que serão traçadas desde os campos superiores do rio Seruhiny até o rio
Sepateny e de um ponto fronteiro à foz do igarapé Mixiry, no rio Seruhiny
ao rio Sepatteny.
c) as terras situadas a cincoenta (50) kilômetros a jusante das
cachoeiras até alcançarem estas, em ambas as margens do rio
Jauapery, no município de Moura.
“imemorialidade” este preceito constitucional contrasta criticamente com as legislações
agrárias coloniais, as quais instituíram as sesmarias até a Resolução de 17 de maio de 1822 e
depois estruturaram formalmente o merc de terras com a Lei 601, de 18 de setembro de
1850, criando obstáculos de todas as ordens para que não tivessem acesso legal às terras os
povos indígenas, os escravos alforriados e os trabalhadores imigrantes que começavam a ser
recrutados”. Almeida (2006:34).
57
O antropólogo Paulo Santilli, ao estudar a questão de terras Macuxi, relativiza a
interpretação do inspetor Bento de Lemos. Para ele, “a referida lei, sob todos os ângulos,
afigurava-se um paradoxo jurídico: de um lado, porque, como aludi acima, o governo estadual
extrapolava de suas atribuições, extrapolação ainda mais claramente expressa no artigo ,
onde a lei delegava ao Governo da União a tarefa de demarcar, no prazo de três anos, as
áreas que então reservava. Por outro lado, e de modo mais grave, a lei de 1917, ao reservar
aos Macuxi e Turepang uma pequena faixa dentre a real extensão de seus territórios,
implicitamente, liberava a área restante à ocupação de particulares: mais do que regular a
ocupação indígena, portanto, a lei voltava-se para a legalização das posses indevidamente
estabelecidas até aquele momento, e as que se seguiriam. A demarcação da área, tal como
imposta pela lei de 1917 foi, no entanto, realizada pelo SPI em 1919. Poucos anos depois, a
inspetoria regional viria a queixar-se ao Diretor do SPI que até mesmo aquela pequena faixa
reservada em 1917 encontrava-se invadida pelo pessoal do J. G. Araújo com a finalidade de
engordar cabeças de gado. Tornada, na prática, letra morta, a lei de 16 de outubro de 1917
seria revogada em 1922, deixando, na opinião do inspetor, o SPI impotente para tomar
qualquer atitude na defesa da ocupação indígena daquelas terras (Relatório da Inspetoria
Regional à Diretoria do SPI, 1924:13, Museu do Índio). Vê-se, portanto, que nestes primeiros
embates com o poder local, a atuação do SPI ficou muito aquém das prerrogativas que lhe
eram conferidas por lei. Este quadro, vale notar, não se alteraria nos anos seguintes; ao
contrário, com o passar do tempo, a ação do SPI tenderia a ser cada vez mais inexpressiva
(Santilli, 1994:44).
145
Esta era uma conquista importante para os povos indígenas. Além
disso, para fazer frente à prática de se distribuir “índios” entre particulares para
serviços domésticos, a Inspetoria obteve junto aos tribunais o direito de tutela
sobre os índios sob sua jurisdição.
É de se ressaltar que a prática empreendida pelo inspetor Bento de
Lemos foi sempre a de resolver os conflitos de forma legal, para isso buscando,
sempre que necessário, o caminho da via judicial.
3.1.8 Criação de postos Indígenas como solução para a “proteção”
Embora o preço da borracha tenha caído no mercado internacional e se
possa supor que houve um abandono completo dos seringais, isso de fato não
ocorreu, embora tenha diminuído.de forma substancial.
58
A situação
continuava caótica e conflituosa. Assim o inspetor Bento de Lemos descreve:
Nas zonas de seringais o índio, não tendo mais aldeamentos, por terem
sido estes arrasados e queimados por exploradores de seringas e
cauchais, vive miseravelmente espalhado, em pequenos grupos, em
lugares muitas vezes muito distantes um dos outros , o que torna mais
difícil uma proteção; e triste é dizer que esta inspetoria nenhuma
providência pode tomar por falta absoluta de recursos. Para qualquer
lado que se volte o índio que queira definitivamente se estabelecer em
um grupo maior, aparece sempre um proprietário, um posseiro da terra
procurada, que o ameaça de expulsão, quando outro mal maior não lhes
fazem. (Lemos, 1917:2).
Para sair dessa situação, a solução seria a fundação de núcleos
indígenas que ficassem sob a presença permanente de funcionários idôneos e
bem remunerados, informa o inspetor. Essa afirmação faz supor que, embora
58
É interessante observar que com a queda da produção gomífera, embora houvessem outros
produtos como a castanha e a balata, por exemplo, Velho (1976) observa que, Todavia,
havia também outro e diferente gênero de ocorrência mais “espontânea” e extremamente
relevante para a formação de um campesinato na Amazônia.(...) Iniciou-se praticamente na
década de 20 e pode ter sido conseqüência da disrupção da exploração da borracha, agindo
como uma espécie de saída alternativa para o excedente populacional do nordeste. Afora isso
a queda da borracha levou a uma reversão a atividades agrícolas sobretudo para o
autoconsumo por parte dos nordestinos que já estavam na Amazônia”.(Velho (1976:195).
146
houvesse na Inspetoria do Amazonas e Território do Acre a figura dos
delegados, pelo fato de eles não serem remunerados, não se podia esperar
uma ação efetiva de sua parte.
Além do mais, o inspetor Bento de Lemos, no seu relatório de 1928, ao
se referir à situação de abandono em que se encontrava o Território do Acre,
enfatiza que
a maior dificuldade da manutenção de novos postos e em zonas tão
distanciadas da sede desta repartição, reside também na escolha de
pessoal que se revista de qualidades precisas, a quem se possa
tranquilamente confiar a direção dos postos nessas longínquas
paragens.(...) E assim, tem a Inspetoria de, embora constrangida, em
alguns casos, aproveitar para o serviço pessoas residentes na própria
região, quase sempre ligadas a interesses muitas vezes em
antagonismo com os que lhes cumpre defender (Lemos, 1928:3)
.
3.1.9 Postos indígenas fundados no primeiro lustro de sua gestão
Ao findar o primeiro lustro da gestão do inspetor Bento de Lemos, a
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre mantinha em funcionamento três
Postos Indígenas, dois no Estado do Amazonas, situados no rio Jauapery e
Seruhiny e o terceiro no rio Jamary, no Estado do Mato Grosso.. Desses, dois
foram fundados sob a gestão Bento de Lemos: o Rodolpho Miranda, no rio
Jamary; e o Posto Marienê, no Seruhiny, afluente do Purus.
Segundo o inspetor Bento de Lemos, “os resultados por eles
apresentados são apreciáveis , e vão plenamente satisfazendo ao fim a que
se destinam. Por meio deles se tem conseguido a concentração dos índios que
vivem dispersos ou em estado nômade. mais: esses postos garantem os
mesmos índios contra atentados dos civilizados, atentados que, por carência
de estabelecimentos iguais, são inevitáveis em outras regiões” (Lemos,
1921:1).
O inspetor destaca o movimento que se deu no Posto Rodolpho
Miranda, do rio Jamary, onde a produção de milho chegou a cerca de 8
(oito) toneladas, compensando a perda de feijão e de arroz provocada por
147
um repiquete
59
inesperado do rio. Houve, ainda, ali além de construção de
novas casas para os índios, a preparação de campo para a criação de gado
bovino.
No Posto Rodolpho Miranda, viviam 87 (oitenta e sete) pessoas, sendo
60 (sessenta) indígenas e 27 (vinte e sete) civilizados, afora 11 (onze)
índios enviados ultimamente para ali pelo General Rondon, os quais
foram à procura dos parentes para convidá-los para o Posto, sendo
provável que a esta hora já tenham regressado. (Lemos, 1921:3).
a) Saúde e conflito
60
Os postos localizados no Estado do Amazonas não tiveram o mesmo
desempenho, com a ocorrência no rio Seruhiny da febre biliosa, o que deixou a
população do local em pãnico. Isso gerou a fuga em massa, ficando no posto
apenas os doentes. Os indígenas julgavam ser o mal procedente de tingui, um
arbusto venenoso, colocado por seringueiros nas cabeceiras dos igarapés que
formam aquele rio. O inspetor Bento de Lemos informa em seu relatório
(Lemos, 1921:3) que, embora houvesse essa possibilidade, era pouco
provável, pelo fato de estar o mesmo mal, ocorrendo também no Rio Branco.
59
“Enchente brusca e quase sempre passageira, prenúncio de ordinário da enchente do rio.
Mais rara no final das cheias. Fenômeno fluvial da projeção de volumes consideráveis ou não,
e transitório, de águas nos rios e provindas de suas nascentes, ou de seus tributários,
determinando oscilações rápidas do nível como serve de exemplo o rio Acre, onde chuvas
hibernais começam mais cedo nos planaltos”. (Da Matta,1938:277-278)
60
A respeito do contágio de povos indígenas por doenças trazidas por não-índios, após o
contato, achamos pertinente e fazemos a seguinte citação:”Os Tucano do Rio Negro, segundo
observação de um missionário (Giacome, A., 1949:27), desenvolveram toda uma teoria para
explicar a virulência dos surtos gripais que lhes são transmitidos pelos brancos, em face da
benignidade das formas de defluxo corrente entre eles. A primeira seria doença dos brancos
propositadamente introduzida em suas aldeias através das mercadorias que lhes vendem; a
segunda, sendo da própria tribo, não teria “veneno”. Muito mais letais foram as formas graves
de gripe, como aquela que, com o nome de espanhola, grassou por todo o país, a partir de
1918, fazendo vítimas em toda a população. Os relatórios do S.P.I. referente aquele período
mostram claramente a marcha da epidemia que, começando pelos grupos vizinhos das
grandes cidades prosseguiu sempre com a mesma violência, até alcançar tribos arredias nos
confins das regiões mais afastadas. Ainda em 1922, chegavam ao S.P.I. notícias de malocas
inteiras dizimadas, na Amazônia, pela espanhola que as atingira com cinco anos de atraso”.
(Ribeiro, 1956: 6).
148
b) Tensão entre índios e seringueiros
Podemos perceber que não ocorre uma incorporação pacífica dos
indígenas à empresa seringalista. E a desconfiança permanece. As condições
de saúde colocavam em questão a administração do SPI. As doenças eram
interpretadas como relações de conflito entre os indígenas e a empresa
seringalista, não obstante a perspectiva funcional e harmônica de Bento de
Lemos ao enfatizar a ação econômica.
Em relação ao Posto do Jauapery, houve a ocorrência de gripe,
causando a morte de cinco indígenas. Após a primeira morte, segundo informa
o inspetor, houve pânico geral e permaneceram no posto os indígenas que
não conseguiam se levantar.
Apesar de todos os problemas ocorridos , o inspetor informa que no
Posto Seruhiny conseguiu-se a
construção de uma casa , toda de aquariquara e itaúba, para montagem
de um engenho e do forno destinado ao fabrico de farinha; fez-se um
roçado de mil e seiscentos metros de perímetro ou sejam 16 hectares,
irrigado por um igarapé que o divide ao meio; ativou-se a plantação de
algodão e aumentou-se o pomar, em que se plantaram de preferência as
frutas mais apreciadas por aqueles índios. (Lemos, 1921:4)
Houve, conforme informa o inspetor no referido relatório (1921:7), a
tentativa de criação de dois postos indígenas pelo Cap. Eugênio Augusto
Terral, comandante da Região Militar do Tarauacá e delegado da Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre, chegando inclusive a promover a instalação
dos postos “General Rondon”, no rio Tarauacá e “Simões Lopes”, no rio Murú,
no dia 14 de julho de 1920. Contudo, por não obter apoio, nem da Prefeitura
local, nem do Ministro da Agricultura, com quem havia conversado
pessoalmente, o projeto não passou de intenção.
Posto Indígena “Rodolpho Miranda”, no rio Jamary Localizava-se
à margem esquerda do alto Jamary, afluente da direita do rio madeira,
pertencente ao município de Santo Antônio, no Estado de Mato Grosso
Esse posto, de acordo com informações contidas no relatório do inspetor
149
Bento Lemos referente aos exercícios de 1930/31, págs. 24, 25 e 26, foi
fundado pelo General Rondon em 1914, para localização dos índios
Arikemes. Na época denominava-se “Colônia Rodolpho Miranda”.
No ano de 1932, período em que foi elaborado o referido relatório, o
posto abrigava indígenas dos seguintes povos: Arikemes, Tupi, Jarus,
Pacahas-Novas, Kepi-kiri-uats, Curumbiara, Arara, Caripuna, Pimentéra e
Parecis.
A Colônia teve bons frutos até os anos de 1918/19, quando uma
epidemia de gripe dizimou parte dos indígenas, deixando outros com
graves seqüelas, o que acabou por torná-la decadente, passando à
jurisdição da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre em 27 de
junho de 1919, com a condição de Posto Indígena.
O inspetor Bento de Lemos informa ainda no referido relatório, que o
posto obteve bom desenvolvimento até o ano de 1925. “Deu-se no
biênio de 1926-1927 verdadeiro hiato no progresso desse posto, pois em
1926 houve um grande incêndio que destruiu todos os canaviais
comunicando o fogo aos roçados existentes, reduzindo o
estabelecimento a condições paupérrimas, chegando este em 1928, na
administração do encarregado Raimundo Pereira Gato a ser alimentado
exclusivamente com mercadorias remetidas por esta Inspetoria” (Lemos,
1930-31:25). Após a nomeação do Sr. João Sobral como encarregado
do posto em fins de 1928, o posto teve novo surto de crescimento em
sua produção, estando no ano de 1931, auto-suficiente na produção de
alimentos, sem depender do fornecimento por parte da Inspetoria
61
.
Posto Indígena “Marienê”,
62
no rio Seruhiny Estava situado à
margem esquerda do rio Seruhiny, município de Borba. Conforme
Lemos (1930-31:26), esse posto teria tido seus rudimentos ainda na
gestão de João de Araújo Amora, “com a pacificação de uma grande
parte da tribo dos Ipurinãs, em número superior a mil indivíduos,
habitantes da região, os quais viviam em constantes guerras entre si e
61
Vide fotos 13,14,15 e 16, no anexo iconográfico.
62
Para informações mais detalhadas sobre o posto indígena Marienê, consultar Schiel (1999)
150
desumanamente perseguidos por pseudos civilizados (...) afinal extinto
em 1914. Restabelecido em 1919, foi inaugurado a 4 de fevereiro de
1920, sob os auspícios do delegado desta Inspetoria Major João de
Barros Veloso da Silveira”.
A produção industrial desse posto é composta, no que se refere à
agricultura, nos seguintes produtos: milho, açúcar, mel de cana,
arroz, farinha, goma, banana, pupunha, graviola, laranja, abacate,
manga entre outras.. O ,posto possuía horta que produzia couve,
cebolinha, tomate, alface, nabo, rabanete, coentro e fava. Possuía o
posto, também, inúmeras fruteiras que produziam. Apesar de se tentar
nesse posto a criação de gado, em face dos males que causaram
mortandade, no ano de 1930 ele apresentava apenas a quantidade de
13 cabeças. Nele havia ainda, no ano de 1930, 150 castanheiras de
plantação própria, quase na fase de produção. O posto Marienê,
ao final da administração de Bento Lemos, apresentava-se com uma
boa estrutura física
63
.
c) Demarcação de Terras
Em face da situação em que se encontrava a Inspetoria, uma das
prioridades da gestão do Inspetor Bento de Lemos, relacionava-se à
demarcação das terras indígenas. A Lei 941, de 16 de outubro 1917,
preconizava um prazo de 3 (três) anos para que a União demarcasse os lotes
de terra indígenas por ela previstos. Sendo o prazo exíguo, dada a
complexidade de tal serviço em face do número de funcionários disponíveis na
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, conseguiu-se que fosse aprovada
uma lei estadual, a qual foi editada com o 1.053, de 24 de setembro de
1920, prorrogando por 3 (três) anos o prazo dado por aquela.
O inspetor Bento de Lemos, ao se referir às terras indígenas
demarcadas até o ano de 1920, enfatiza a precariedade de pessoal:
Dispondo apenas de um funcionário, além do Inspetor, pode esta
Inspetoria, no primeiro prazo, proceder às medições e demarcações de
63
Vide fotos 17, 18, 19, 20, 21 e 22, no anexo iconográfico.
151
onze tractos de terras, sendo nove nos rios Autaz-Assu e Autaz-Miry, um
no rio Seruhiny, onde se encontra o posto, e o último no alto Rio Branco,
entre os rios Surumú e Cotingo, região esta aurífera e onde pretende
fundar uma colônia de índios. (Relatório do Inspetor Bento de Lemos,
1921:15).
d) “Invasões” de terras e conflito
A despeito da queda do preço da borracha, os relatórios assinalam
elevação relativa do preço da castanha:
o elevado preço da castanha que tem subido de valor desde 1918,
motivou uma grande invasão nas terras de todos os rios e em todos os
recantos deste Estado por numerosos bandos de indivíduos, audaciosos
de se apossarem dos castanhais nativos. Podeis avaliar qual o resultado
de tal invasão, e quais os prejuízos que ela causou aos descuidados
índios que habitam os cobiçados castanhais.(...) Devo ainda assinalar
que tão forte e escandalosa foi a febre de castanhais, que não altos
funcionários do Estado, como até as esposas do governador e do
Secretário geral do Governo, requereram ao mesmo Governador vastos
lotes de terras (pertencentes ou não aos índios) que lhes foram
indicados por prepostos seus (que tinham sido enviados a diversos
lugares) como abundantes em castanheiras. (Lemos, 1921:16)
Com vistas a resolver ou minimizar esta questão, a Inspetoria requereu
junto ao governo do Estado 22 petições, propondo a compra dos referidos lotes
de terras, sendo, no entanto, apenas 5 petições despachadas favoravelmente à
Inspetoria. O problema passava, necessariamente, segundo o inspetor, pela
criação de mais postos indígenas. No relatório referente ao ano de 1919, o
inspetor sugeriu a abertura de vários postos,
de preferência, os rios Inauhiny (afluente do Purus, no Amazonas), alto
Aripuanã (no estado do Mato Grosso), alto Embira (no Departamento de
Tarauacá, Acre), Uaupés (afluente do alto Rio Negro, no Amazonas),
Amoaca (no Departamento do alto Juruá, Acre) e Rio Branco (na região
compreendida entre os rios Surumú e Cotingo, reservada aos índios pela
Lei 941, de 16 de outubro de 1917 e medida e demarcada por esta
Inspetoria), sem prejuízo da criação de mais postos, desde que
152
houvesse possibilidade monetária de os criar em outras regiões.
(Lemos, 1921:6).
3.1.10 O começo de um projeto de “pacificação”: os Parintintin
64
A denominada “pacificação”, termo largamente utilizado por Rondon,
como destaca Erthal(1992:175-176), não era propriamente uma novidade.
“Entrar em território de índios bravos e os conquistar com “bons modos”, como
já vimos, seria uma fórmula já levada à prática por alguns segmentos da
sociedade nacional que se viam na contingência de entrar em contato com
essas populações”.
Havia, no entanto, uma diferença entre a prática anterior, por exemplo,
efetivada pelos jesuítas e a ideologia que fazia parte da prática rondonista. “O
projeto positivista de Rondon vai apontar para a fixação do índio como parte de
uma estratégia de modificar o seu meio ambiente social, aproximando-o das
influências transformadoras do ambiente civilizado e podendo, assim, cumprir
seu caminho evolutivo da mentalidade fetichista para a positiva” (Erthal,1992:
174-175).
Com a criação do SPILTN, o termo “pacificação”, ganharia um outro
significado. Como destaca Antonio Carlos de Souza Lima, “desde o período
anterior à fundação do SPILTN, quando Cândido M. da Silva Rondon atuava na
Comissão de Linhas Telegráficas estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas,
começara a se constituir o capital simbólico que, não sem contestações, lhe
64
PARI é um radical Mundurukú empregado nas palavras que nomeiam o inimigo ou objetos
relacionados com este. Assim, de acordo com Rodrigues (1875:146), pariuàte era o termo para
o inimigo, pariuá-á, a cabeça troféu e pariuá-á-renape, o,poste no qual a cabeça troféu era
exibida fora da casa. Tocantins (1977:97), além dos Parintintin, como dissemos, registrou
outros dois grupos inimigos dos Mundurukú cujas designações recebem esse radical, os
Paribitat e os Paribitêté e, segundo Natterer os Mundurukú chamavam os Apiaká de Parintintin
(apud Martius, 1867:211). Nimuendajú, por sua vez, anotou Parintintin como uma designação
utilizada pelos Mundurukú com caráter depreciativo: “...in Mundurucu Parin-rign-rign, “Fetid
indians”; in Maué, Paritín, from The Mundurucu term designating all hostile
indians...”(1948:284). Pode-se afirmar, portanto, que Parintintin, ao contrário de Kawahiwa que
é reconhecida com autodenominação, é uma hetero-designação que apenas nomeia entre os
Mundurukú o inimigo, ou conjunto de grupos inimigos, de modo genérico. Esta conclusão é
confirmada por Tocantins (o.c.:98) quando ele registra os “Nhauanhen.- Horda pertencente aos
Parintintin...). MENÉNDEZ(1989:42)
153
permitiria assumir o papel de diretor do SPILTN. Tal capital se referia,
sobretudo, à capacidade de realizar “atrações” (estabelecer contato com índios
arredios), sobretudo sob a forma de “pacificações”, isto é, de vencer sem o uso
efetivo da força armada, a resistência de grupos em atritos com segmentos da
fronteira em expansão” (Souza Lima,1985:133-134). Essa prática foi
largamente utilizada como regra, quando da criação do SPILTN.
Uma das ações tomadas pelo Inspetor Bento de Lemos no seu primeiro
lustro de gestão, diz respeito à chamada “pacificação dos Parintintin”.
Segundo descreve em seu relatório (Lemos, 1921:21-23), desde 1916
essa era uma prioridade que tinha em conta. Para tanto, visitou alguns lugares
na tentativa de encontrá-los. Dentre esses, os centros dos seringais “Três
Casas”, “Pádua”, “Santa Victória”, “Livramento” e “Lago Verde”, sendo os
quatro primeiros no rio Madeira e o último no rio Gy-Paraná ou Machado. Após
as sindicâncias e observações feitas, o inspetor chegou à conclusão de que “os
Parintintin ocupam a parte central das terras limitadas pela margem direita do
Gy-Paraná, pela margem direita do Madeira e pela região dos altos rios
Uarapiára e Maicy, afluentes do rio Marmelo.
Após as observarções que realizou durante essa viagem de
reconhecimento, o inspetor Bento de Lemos dirigiu uma carta ao Diretor do
Serviço de Proteção aos Índios, propondo a “pacificação dos Parintintin”. Para
isso, solicitou a concessão de um crédito especial de noventa contos de réis.
Refeitos os cálculos, chegou à conclusão de que com cinqüenta contos, num
prazo mínimo de dez meses, conseguiria, pelo menos, as “primeiras relações
de amizade com a referida tribo” (Lemos, 1921:21)
O inspetor justifica a necessidade de se levar a cabo essa “pacificação”,
por ter havido confrontos constantes entre “Pirahans e Parintintins”, além disso
se o resultado for favorável, dando em conseqüência o início das
relações com os citados índios, daí resultará a maior vitória que possa
alcançar, para seu prestígio, o serviço de Proteção aos Índios no estado
do Amazonas, ainda tão caluniado pelos descrentes de seus resultados
práticos e benéficos para a ordem social. Assim considerando, resolvi
tentar a empresa, certo de que terei todo o vosso apoio e auxílio.
(Lemos, 1921:22-23)
154
Os comentários do inspetor Bento de Lemos contidos nessa citação,
vão bem ao encontro das interpretações de Antonio Carlos de Souza Lima:
Sendo, porém, a pacificação o momento dos atos heróicos, do “morrer se
preciso for, matar nunca”, e sendo os lucros simbólicos deles extraídos
altíssimos, enfatizá-la é destacar a relevância e competência da proteção
fraternal para atividades que, no discurso de legitimação do Serviço,
ele poderia realizar, tornando seus possíveis concorrentes incapacitados
para o trabalho direto com as populações indígenas. Apesar da
construção de uma genealogia para as técnicas pacificatórias a incluir
o referido Barbosa Rodrigues, o general Gomes Carneiro, José
Bonifácio e os jesuítas reivindica-se a especificidade dos
procedimentos à ação de Cândido Rondon. (Souza Lima, 1995:166-167)
Esse projeto de “pacificação dos Parintintin” seria concretizado na
década de 1920, sendo objeto de nossa apreciação mais à frente, ao
analisarmos o segundo lustro da gestão do Inspetor Bento de Lemos.
Para efeito de síntese, podemos afirmar que a força de trabalho
indígena, em que pese os preconceitos e estígmas a eles atribuídos, foi
largamente utilizada, contribuindo sobremodo para a economia extrativista na
região amazônica.
Embora o inspetor Bento de Lemos tivesse a clara percepção da
importância da criação de novos postos indígenas, o Território do Acre não foi
contemplado, sempre se alegando a falta de recursos financeiros Nesse
particular, o inspetor Bento de Lemos, em seu primeiro lustro como
administrador da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, teve sua
atenção mais voltada para o norte do Mato Grosso e região fronteiriça entre o
Amazonas e o Acre , porquanto o posto do rio Jauapery havia sido fundado na
gestão anterior de Alípio Bandeira.
A questão da tutela dos povos indígenas foi um tema que preocupou o
inspetor Bento de Lemos, chegando a conseguir no âmbito do Judiciário a
proibição da guarda de indígenas por pessoas alienígenas ao SPILTN.
A luta pela demarcação de terras indígenas redundou na edição da Lei
Estadual 941, de outubro de 1917, que autorizou a demarcação de terras
indígenas.
155
A presença da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre perante o
Judiciário se fez constante sempre que necessária a defesa dos direitos dos
povos indígenas.
A busca pela pacificação de povos sem contato amistoso com a
sociedade envolvente, como é o caso dos Parintintin, foi esboçada nesse
primeiro lustro da gestão Bento de Lemos, ficando, contudo, para os anos 20 a
efetivação do projeto. Nesse caso específico, convém observar que a
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre não dispunha de pessoal
especializado para essa “missão”. De igual modo, as demarcações das terras
indígenas previstas pela Lei 941, restaram, de certo modo, prejudicadas por
falta de pessoal. Dispondo apenas de um ajudante adido, o inspetor conseguiu
no ano de 1920, a prorrogação por mais três anos, para efetuar as medidas e
demarcações de terras indígenas, com a edição da Lei nº 1.053, de 24 de
setembro daquele ano.
Como reflexo da falta de pessoal especializado para dar conta da
enorme extensão territorial jurisdicionada pela Inspetoria do Amazonas e Acre,
bem como da diversidade de povos indígenas, o inspetor Bento de Lemos
lançou mão do concurso dos denominados delegados. Eles foram nomeados
para as mais distintas regiões que compunham a jurisdição da Inspetoria.
Aparentemente não solução de continuidade no lustro subseqüente.
As ações administrativas do SPI permanecem voltadas para a criação de
postos e incorporação dos povos indígenas no processo produtivo.
156
157
3.2 O período de 1921 a 1925
Durante esse lustro de sua gestão, o inspetor Bento de Lemos afastou -
se por alguns meses da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre. No ano
de 1923, recebeu a incumbência de dirigir os trabalhos do Centro Agrícola do
Ivaí, no Estado do Paraná, retornando em meados de 1924.. Nesse período,
ocupou o cargo de inspetor, o ajudante Arthur Bandeira.
3.2.1. A “pacificação” dos Parintintin.
No Estado do Amazonas, após a instalação do SPILTN, havia uma
experiência concreta em relação às chamadas “pacificações”, quando os povos
indígenas do Jauapery foram “pacificados” em 1911, pelo então inspetor Ten..
Alípio Bandeira. É bem verdade que são duas situações distintas. No caso
dos povos indígenas habitantes do rio Jauapery havia um contato mais recente
protagonizado pelo naturalista João Barbosa Rodrigues, como vimos
anteriormente..
A respeito da chamada “pacificação” dos Parintintin, Curt Nimuendajú
informa que, em 1913, o Serviço de Proteção aos índios “quis resolver o
problema, mas a execução do projeto não passou das calçadas de Manaus”
(Nimuendajú, 1982:58)
Ao assumir a administração da Inspetoria do Amazonas e Território do
Acre, Bento de Lemos, em 1916, tomou esse projeto como prioridade de sua
gestão. Ainda naquele ano, por sua determinação, o ajudante adido
Dagoberto de Castro Silva tentou contato pacífico com os indígenas que
habitavam as cabeceiras do rio Ipixunas, sem sucesso.
O ex-auxiliar da Inspetoria Regional do Estado do Amazonas e Acre,
Joaquim Gondim, assevera que
as tentativas da pacificação foram iniciadas em 1916, pela Missão
Rondon, que havia mandado à região do Madeira o Capitão João Portátil
da Silva, com os elementos necessários, não tendo este herói logrado
êxito, porque, quando fazia os seus reconhecimentos, através da
floresta, foi colhido por uma pertinaz enfermidade, que o obrigou a recuar
do espinhoso objetivo. (Gondim, 2001:21-22))
158
De acordo com Gondim (2001:21-22), após a excursão de
reconhecimento realizada por Bento de Lemos em 1917, e disposto a ultimar a
ação, o inspetor “invocou o concurso do distinto Major de Engenheiros , Dr.
Emmanuel Sylvestre do Amarante, para a fundação, em 1921, de um posto de
vigilância no médio Maicy, afluente do Marmelos, destinado a servir de base
aos trabalhos de pacificação”.
Essa informação é confirmada por Curt Nimuendajú, que faz severas
críticas ao procedimento adotado por Bento de Lemos.
Em 1921 esteve no Marmellos o Capitão de Engenharia E. S. Amarante
procedendo o levantamento topográfico deste rio e do seu braço oriental,
o Rio Branco. A pedido do Inspetor do Serviço de Proteção aos Índios
em Manáos, Bento Lemos, ele entrou também no Baixo Maicy, visitou os
Mura-Pirahan, habitantes selvagens, mas pacíficos, das suas margens,
classificando-os erradamente como “Tupis”, e fundou no meio deles um
posto, esperando que o encarregado deste estabelecimento pudesse,
por intermédio daquela tribo mansa, entabular relações pacíficas com os
Parintintin. (...) Este plano nunca teria dado resultado.O posto estava
levantado num lugar onde a presença dos Mura-Pirahan, inimigos
mortais dos Parintintin, jamais permitiria a estes a chegar-se a ele
despreocupadamente. A pessoa encarregada de uma pacificação nunca
deve confiar na mediação de terceiros, máxime sendo estes selvagens,
sem o menor sentimento de responsabilidade e sem compreensão do
problema a resolver; e não possui as qualidades necessárias para
proceder pessoalmente, melhor será, para ele e para os índios, que
confesse a sua incompetência e não prossiga. Os fatos vieram provar a
exatidão deste juízo: em dois anos de existência daquele posto jamais
um seu encarregado conseguiu ver um Parintintin. (Nimuendajú
1982:59-60)
Curt Nimuendajú não faz as críticas, mas, ainda fornece dados de
como escolher o local adequado para se instalar um posto a fim de proceder a
uma “pacificação”:
159
1 - Ser o posto estabelecido o longe da zona povoada que se destaque
dela à primeira vista e que a sua guarnição seja facilmente distinguida
pelos índios dos outros moradores, geralmente seus inimigos.
2 - Estar situado nas terras permanentemente habitadas pelos índios,
mas não perto demais das suas malocas, para não causar o abandono
delas, por medo de alguma surpresa,
3 Ficar ligado à zona do comércio por uma via de comunicação, a mais
fácil possível e que seja transitável durante o ano todo. (Nimuendajú,
1982:59)
Segundo o próprio Nimuendajú (1982:60), a “pacificação” dos Parintintin
foi confiada a ele pelo inspetor Bento de Lemos, em setembro de 1921.
65
Curt permanece até 1923, tendo se ausentado no dia 12 de junho de
1922 para viajar até Belém, para tratar de problemas de saúde, deixando a
chefia a cargo do ajudante Amaro José de Oliveira. Antes de viajar, o contato já
havia ocorrido de forma satisfatória, dentro do esperado por Curt:
65
A estratégia utilizada por Curt Nimuendajú no processo de pacificação dos Parintintin é
citada por Baldus no artigo “Instruções Gerais para pesquisas etnográficas entre os índios do
Brasil”: “Foi assim que se iniciou por exemplo, a célebre pacificação dos Parintintin do rio
Madeira, empreendida e realizada, em 1922, por Curt Nimuendajú. Estabeleceram-se postos
de presentes nos lugares em que havia indícios evidentes de freqüente passagem desta
temida tribo Tupi. Eram abrigos cobertos de folha de zinco, que defendiam da chuva as
miçangas, roupas, facões, machados e outros utensílios. Depois de alguns dias, esses objetos
desapareceram, achando-se em lugar deles, flechas fincadas no chão. Os índios tinham aceito
os presentes mas sua resposta significava que não confiavam no doador. Este, por sua vez,
repetia sem cessar as ofertas. Os Parintintin, então, acusavam a recepção armando estrepes
com pontas de flecha. o se contentaram, porém com isso. Seu primeiro ataque deu-se
pouco mais tarde. Nimuendajú não foi surpreendido. Construíra, com folha de zinco, ponto
estratégico, oferecendo larga vista ao redor e facilitando a defesa. Os índios deram gritos de
guerra e atiraram flechas. Não houve reação hostil. Então, com nova gritaria afastaram-se. (...)
Mais atrevido foi o terceiro ataque. Logo depois de desfechadas as setas contra o barracão, os
agressores forçaram a porteira da cerca de ataque farpado que circundava a casa. Nimuendajú
mandou disparar as armas de fogo para o ar. A maioria dos intrusos saiu correndo. Alguns,
porém recuaram somente até o lado de fora da cerca, permanecendo a descoberto.
Nimuendajú, com palavras amáveis, aproximou-se da porteira e, não sendo atendido colocou
uma bacia com diversos presentes e retirou-se. Os índios apoderaram-se da bacia. Outros
Parintintin, que estavam separados de Nimuendajú pelo rio limítrofe do estabelecimento (o rio
Maici-mirim), começaram a pedir presentes. O pacificador mandou largar sobre a água uma
bacia cheia de coisas boas. Dois índios tentaram alcançá-la a nado, enquanto um de seus
companheiros atirava uma flecha que quase atingiu seu intento. Apesar desse comportamento
traiçoeiro, Nimuendajú ofereceu uma terceira bacia, e o Parintintin mais valoroso atravessou o
rio, apanhou o presente e voltou para os seus. Um outro índio, lhe mostrou, com gestos muito
expressivos que estava com a barriga vazia. O alemão mandou buscar farinha de mandioca,
comeu primeiro um pouco à vista do faminto, convidando-o a servir-se. Dessa feita Nimuendajú
conseguiu a dádiva diretamente em mãos, concluindo, assim, o primeiro capítulo da
pacificação. Podemos observar, por esse exemplo, ser indispensável para aproximar-se de
tribos agressivas, não somente coragem, sangue frio, inteligência e boa vontade, mas também
muitos presentes dados oportunamente e uma casa forte de grande resistência.”
(Baldus,1947: 1458-1459).
160
O grande milagre estava feito: As feras indomáveis, os antropófagos com
os quais se podia falar pela boca do rifle, tinham comigo
pacificamente conversado e trocado presentes durante quase três horas.
Nimuendajú (1982:64)
Ainda durante sua viagem, o ajudante Amaro José de Oliveira adoeceu,
vindo a assumir a chefia o auxiliar José Garcia de Freitas, o que, segundo
Nimuendajú, quase pôs a perder uma obra tão bem encaminhada. “Apesar de
ser ele o único competente para a chefia do posto que por havia, os seus
inimigos conseguiram a sua demissão. Por felicidade, porém, ele se manteve
no seu lugar até que eu voltei ao Madeira, em dezembro de 1922”
(Nimuendajú, 1982:65)
Curt Nimuendajú foi dispensado do serviço de “pacificação” em 1923 por
falta de recursos financeiros. É importante salientar aqui qual era a percepção
de Curt Nimuendajú acerca das chamadas “pacificações”. Para ele,
diferentemente de como agiam os ajudantes do SPI, tal como ocorreu quando
de sua ausência do “posto de pacificação”
Seguramente, a questão de mais importância para nós não era esta de
alcançar a maior intimidade possível no trato com estes índios, como
parece ter sido o ideal dos meus substitutos, e sim esta de construirmos
uma autoridade para esta tribo (g.n.), à qual ela se podia dirigir
confiantemente, mas que também a atendesse e que seus maus
elementos temessem. assim se podia dar cabo às guerras e tirar da
pacificação dos Parintintin as últimas conseqüências. Para este fim uma
intimidade como eu encontrei na minha volta podia ser prejudicial: e,
por isso, fiz o possível, durante as 5 semanas da minha última estada
no,posto, para enveredar para outro caminho a evolução das nossas
relações com os Parintintin. (Nimuendajú,1982:66).
Embora Curt Nimuendajú lamente sua saída, dando como perdido todo
o esforço despendido, o inspetor Bento de Lemos, no relatório relativo ao
ano de 1924, que
161
É indiscutível que a pacificação dos Parintintins vem importando na
solução de um dos mais importantes problemas atinentes à região do
Madeira.. Dela resultaram dois grandes benefícios, com as medidas
tomadas pelo pessoal do posto de pacificação: a suspensão das
hostilidades entre aquela famosa tribo guerreira e os índios Pirahans,
que outrora se digladiavam na região do alto Maicy, e a cessação das
batidas sangrentas que os seringueiros e caucheiros costumavam fazer
ao habitat dos Parintintins, acirrando o ódio dos silvícolas e dando motivo
aos ataques que, à guisa de represália, eles faziam às propriedades
vizinhas. (Lemos, 1924:22-23).
Após a partida de Curt Nimuenda o processo que iniciara teve
continuidade, ficando a chefia a cargo do auxiliar José Garcia Freitas.
Joaquim Gondim, que esteve presente na chamada “pacificação” dos
Parintintin, na condição de auxiliar, descreve os acontecimentos posteriores à
partida de Curt Nimuendajú:
O ano de 1924 encontrara a pacificação na sua fase mais brilhante.(...) O
velho Cury, pai do guerreiro Yuaká, passara a residir ali com oito
pessoas de sua família, numa barraca adaptada, e, muito embora se
lembrasse ainda de acender, à noite, sua coivara, pouco desejo nutria de
voltar à maloca. Outros índios passaram a pernoitar no posto,
completamente alheios ao temor, abrigados em uma outra barraca eu
para eles fora construída no terreiro.(...)Muitas vezes eu vi esses índios
apontarem os dedos para as armas, dizendo aos trabalhadores: -
Emombó paraná!Dorokói pendehê! (joguem ao rio! A guerra se
acabou!).E a notícia de tamanha obra voara aàs plagas estrangeiras,
dando motivo a que o jornalista inglês Domville Fife publicasse, a
respeito, uma belíssima crônica no “The Times”, de Londres. Outros
estrangeiros, sequiosos por uma prova testemunhal, vieram observar de
perto os serviços de pacificação. E foi assim que em julho de 1924, o
posto do Maicy-mirim recebeu a visita da expedição norte-americana de
Philadelphia, composta dos Srs. Joseph Mc. Goldrick, Henry Norris, Alec
Besso e George Coudert, tendo hospedado, no mesmo ano, o Sr.
Hermann Dengler, distinto alemão, que fizera parte da grande expedição
chefiada pelo Dr. Hamilton Rice, e dela se desmembrara após o
falecimento, no Rio Branco, do saudoso Dr. Theodor Koch (Gondim,
2001: 55-56).
162
Após julgar devidamente concretizado o projeto de “pacificação”,
Gondim passa a analisar qual seriam as conseqüências advindas desse
processo.
Feita a pacificação dos Parintintins, depressa os índios começaram a
visitar as propriedades ribeirinhas do rio Madeira, certos de que não mais
subsistia o temor daquele passado sombrio e angustioso em que,
ameaçados nas suas terras e trucidados nas suas malocas, por vezes
tiveram de terçar armas para reprimir a onda sinistra dos civilizados
inclementes. Semelhante recreação não podia deixar de causar, como
tem causado, um grande mal para os heróicos silvícolas. A razão é esta:
enquanto eles se divertem e passeiam, cometem uma imprevidência
contra o próprio bem-estar, abandonando as suas malocas e deixando
de cultivar o solo que tão generoso lhes tem sido com a produção de
gêneros alimentícios. Por outro lado resulta que, da sua promiscuidade
com civilizados, no rio Madeira, alguns têm contraído a gripe catarral e
outros males contagiosos, ficando expostos ao perigo da vida e, quiçá,
da depravação moral, porque não faltarão indivíduos inescrupulosos que
os procurem induzir ao vício da embriaguez. (Gondim, 2001:56-57)
.
Ao abordarmos a gestão do Ten. Alípio Bandeira, fizemos referência às
suas observações acerca dos Parintintin, ao escrever seu livro Jauapery, em
1926. Dizia ele que, tal como ocorrera com os indígenas do Jauapery, os quais
tiveram suas terras “invadidas” após o contato pacífico efetuado pelo SPILTN,
o mesmo ocorreria aos Parintintin.
De fato, Alípio Bandeira tinha razão. Em relatório apresentado ao
Inspetor Regional do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e
encarregado do Serviço de Proteção aos Índios em 1936, o auxiliar Alfredo
José da Silva traz as seguintes informações:
Quanto aos índios Parintintins e índios Muras, os primeiros, tenho a
lamentar a grande miséria de que o vítimas, por terem saído das
selvas para o meio dos civilizados. Seria muitíssimo melhor, se eles
permanecessem no seu estado primitivo, livre da ganância do homem
civilizado. Hoje, sem o auxílio do Governo, eles têm sofrido as
intempéries da natureza, e a pressão do homem civilizado, escravizados
163
pelo medo, aos serviços mais grosseiros, expostos à nudez. É certo que
nas selvas, não andavam vestidos, mas, tinham todo o tempo para
procurarem o que comer. (...). Fui encontrar em completa miséria, onde
são escravos, os índios Parintintins”, que um sob o rótulo de
benfeitores, existem criaturas, mui superficialmente lhes protegem. Essa
proteção consiste, em tirá-los da casa as pessoas pobres, para
escravizá-los e explorá-los escandalosamente, nos serviços de campo,
como acontece aos que habitam nas Três Casas e Pádua. No médio rio
Maicy, onde os mesmos são extratores de balata e castanha, ganhando
10% do seu trabalho, pelo Sr. comerciante Aristides Ferreira Bicho.
(Silva, 1936:2-3).
Mais tarde, em carta de 13 de maio de 1941, o inspetor Carlos Eugênio
Chauvin informa o diretor do SPI, Coronel Vasconcelos, da situação em que se
encontravam os Parintintin:
(...) Com a pacificação dos Parintintin e Pirahans, o Estado do Amazonas
concedeu as terras que estavam reservadas aos mesmos índios. Todas
as terras úteis, aproveitáveis, do Maicy, Marmelos, e margem do
Madeira, que aqueles nossos patrícios mantinham em ocupação primária
(g.n.) e que deveriam, pelo menos, ser o prêmio da pacificação,
tornaram-se imediatamente propriedade particular. Isto importou em
reduzi-los à escravidão. E, escrevendo entre linhas, no dia de hoje, em
que se festeja a abolição em nossa pátria, da raça negra, é justo que
pleiteie a abolição de nossos silvícolas. Vendidas as terras pelo governo
do Estado, tornaram-se os nossos índios, como os servos da gleba
medieval, o objeto da exploração sistemática dos nossos proprietários. E
é lamentável que, entre tais exploradores se encontrem antigos
serventuários do SPI, como ali se encontra o Sr. Garcia, que
acompanhou os trabalhos da pacificação. Todos os esforços deveriam
ser empregados para reintegrar os Parintitins e Pirahans nas suas
propriedades antigas. Mantê-los delas despojados teria sido melhor não
pacificá-los.(Chauvin, 1941).
Para finalizar, julgamos oportuno citar o que escreveu Egon Schaden:
Como sói acontecer, a aceitação de relações pacíficas com o mundo dos
brancos foi o passo inicial para o declínio da tribo dos Parintintin, hoje
164
reduzida a uns míseros restos. Desde logo, o impacto de epidemias teve
efeito devastador e Nimuendajú o tardou a lamentar a empresa que
executara com tanta coragem e firmeza. “Nunca mais, disse, ajudarei a
pacificar uma tribo. (Schaden, 1968:15, Apud Grupioni:1998:178)
3.2.2 Postos Indígenas fundados de 1921 a 1925
Durante o período que vai de 1921 a 1925, o inspetor Bento de Lemos
priorizou a criação de novos postos indígenas. Ao findar o primeiro lustro de
sua gestão havia apenas 3 (três) postos em funcionamento, sendo algumas
regiões dotadas apenas de delegados, embora a Inspetoria necessitasse da
criação de mais. Era o entendimento do inspetor de que somente com a
localização dos indígenas em um posto e sob o comando de um encarregado,
poder-se-ia evitar conflitos e protegê-los de forma adequada. Com esse
espírito, fundou os seguintes postos: Posto do alto Madeirinha, Entreposto
indígena da vila de Boa Vista do rio Branco, posto indígena do rio Gregório,
posto indígena do rio Ariaú, posto indígena Manoel Miranda, posto indígena
Emanuel Amarante, posto indígena Antonio Paulo, posto indígena Capitão
Portátil, posto indígena do rio Surumú e posto Manuacá no rio Tuhiny. Abaixo
trazemos algumas informações acerca desses postos.
Entreposto Indígena da vila de Boa Vista do Rio Branco – Localizado
no município de Boa Vista do Rio Branco. Foi fundado em 1922.
De acordo com o Relatório de 1930/31, “a exigência do serviço
aconselhou esta Inspetoria a transformar, em 1922, em entreposto indígena
a delegacia de Boa Vista do rio Branco, que vinha funcionando desde 1916.
Tive em vista, assim procedendo, melhor dilatar a esfera da ação deste
serviço por toda a zona daquele município, onde os índios eram alvo de
permanentes perseguições promovidas por fazendeiros inescrupulosos, que
os escravizavam ao seu serviço, sem compensar-lhes a atividade” (Lemos,
1930-31: 64).
165
Posto do rio Madeirinha Localizava-se no alto curso do rio
Madeirinha, afluente do rio Roosevelt. Este posto foi fundado em
princípios ano de 1922. Sua finalidade era proteger os indígenas
daquela área, pois ali era constante a presença de caucheiros e
exploradores de castanha, o que gerava tensão e conflito permanente.
No relatório do inspetor Bento de Lemos referente ao ano de 1922,
constam as seguintes informações: O posto indígena do rio
Madeirinha. Afluente do rio Roosevelt, tem localizado muitos índios da
tribo Itogapuk que andavam dispersos pelos centros, vítimas de
aventureiros do Tarumã, que, procurando expulsá-los do seu habitat,
cometeram atrocidades de toda sorte. Cercando esses silvícolas de
relativo conforto, o encarregado também estende a sua proteção aos
índios que vivem nas malocas centrais, fornecendo-lhes, na medida dos
recursos do posto, instrumentos de lavoura e outros objetos de utilidade.
Os serviços principais desse novo posto, durante o ano, foram a
construção de um barracão para o pessoal e oito barracas para os
índios; o cultivo de um grande roçado com plantações de milho,
tabaco, mandioca, feijão, macaxeira, legumes, bananeiras, e outras
árvores frutíferas, e o desbravamento de uma área para o plantio de
cana de açúcar. A produção de mandioca foi aproveitada na fabricação
de farinha, tendo este gênero suprido as necessidades de consumo dos
índios domiciliados no estabelecimento” (Lemos, 1923: 2, 7-8).
Curiosamente, embora o inspetor vislumbrasse um futuro promissor para
esse posto, no relatório do ano seguinte, dava conta de que o referido
posto fora prematuramente extinto
66
.
Posto Indígena do rio Gregório Situado à margem direita do baixo
rio Gregório, afluente da margem direita do rio Juruá, no então município
de São Felipe, depois João Pessoa, atual município de Eirunepé. Foi
fundado em 1925. “Este posto atende os povos indígenas da região do
riozinho da Liberdade, Tarauacá e outros mais próximos, estando o
pessoal em constantes viagens pelas malocas a fim de socorrer os
silvícolas. Este ano, aproveitando o entusiasmo dos índios pelo serviço
66
Vide fotos de número 43, 44, 45, 46, 47 e 48 no anexo iconográfico.
166
de extração da goma elástica, em que se empregaram o ano passado
com real proveito, ordenei o encarregado que fizesse explorações nas
terras ocupadas pelos aborígenes, a fim de ver se encontravam
seringais nativos onde pudessem os mesmos trabalharem sem serem
incomodados pelo civilizado. Um grupo de Curinas e Bendiapás
internou-se pela mata, buscando atingir as terras ocupadas pelos seus
ascendentes no divortium aquarum do rio Juruá com o Javary, subindo
com a exploração pelo rio Itacoahy que deságua no Javary (...) Na
verdade os Marupiáras do Gregório viram os seus esforços coroados de
absoluto resultado, pois descobriram grandes seringais virgens, onde
pretendem trabalhar este ano, sob a direção do pessoal do
posto.(Lemos,1929:30).
Além da exploração da borracha, o inspetor Bento de Lemos
informa que a lavoura tem sido cultivada com grande sucesso,
possuindo o,posto no ano de 1929 “três grandes roçados, onde se
cultiva macaxeira, mandioca, cana de açúcar, café, bananeiras,
milho, arroz, além da plantação de bananeiras, abacateiros,
mangueiras, cajueiros, pupunheiras, etc. Ainda no ano de 1929, o
posto indígena do rio Gregório teve a seguinte produção: úcar, 2.938
Kg; rapaduras de ½ kg, 440; mel de cana, 448 litros; farinha, 204
alqueires; café, 1 arroba; arroz, 25 alqueires; banana, 6.930 cachos,
macaxeira, 2.531 paneiros; tabaco, 4 ½ arrobas (Lemos, 1929:33).
Entre os povos abrangidos por esse posto, como informa (Lemos,
1927:13), estão os Canamary, Curina, Bendiapá, Jaminaua e,
especialmente, os Cachináua
67
.
Posto Indígena do rio Ariaú – Situado à margem esquerda do rio
Ariaú, afluente da margem esquerda do rio Andirá, à margem direita
do paraná do Ramos, no município de Barreirinha. Foi fundado em 1921.
No ano de 1924, o inspetor Bento de Lemos informa que por falta de
verbas foi forçado a suspender os serviços desse posto no ano de 1923.
Informa também que “os índios ali domiciliados pertencem às tribos
67
Vide fotos de número 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56 no anexo iconográfico.
167
Maués e Mundurucus e estão, como todos os das demais amazônicas,
quase adaptadas aos costumes da civilização. Com o estímulo do
encarregado do posto esses silvícolas têm cuidado de sua lavoura e da
indústria extrativa, fazendo os seus negócios comerciais e vivendo a
salvo do contato dos aventureiros que, no passado, quando não o
exploravam desumanamente, procuravam degradá-los por um sistema
que, se persistisse, teria contribuído para a sua ruína moral. Daí as
grandes vantagens do posto concorrendo para o levantamento desses
silvícolas e tornando-os úteis ao Estado e à Família.”
68
(Lemos, 1924:18-
19).
No seu relatório de 1929, o inspetor traz a informação de que “os
Mundurucús descem constantemente o Andirá e se encontram com
os Maués, fazendo com estes o seu comércio e estacionando, às vezes
dias, hospedados na sede do posto. Agora estão animados diante da
perspectiva de maior desenvolvimento que pretendo dar à agricultura
daquela região. Pretendo mesmo, a título de ensaio, iniciar ali o cultivo
do guaraná, fazendo preparar para isso um trato de terra onde possa
fazer uma plantação intensiva, observando o mais possível os modernos
métodos aplicáveis a essa cultura. (...) A depreciação do pau rosa
concorreu para que os índios prestassem melhor atenção pela
lavoura e auxiliassem de modo franco, sempre satisfeitos, os trabalhos
atacados pelo pessoal do posto” (Lemos, 1929:46-47). . No ano de
1931, por falta de verbas, o inspetor Bento de Lemos suspendeu os
serviços desse posto
69
.
Posto Indígena “Manoel Miranda”, no rio Autaz-Assú Esse posto
está localizado à margem esquerda do Lago Capivara. Foi fundado em
1922. De acordo com o relatório do Inspetor Bento Lemos referente ao
ano de 1924, esse posto, que surgiu com o nome de “Aldeia Capivara”,
tinha por principal finalidade “levantar o moral dos índios Mura que
68
Por esse discurso, que é sempre enfatizado pelo inspetor Bento de Lemos, percebemos a
força da ideologia positivista que norteou suas ações durante o período em que ficou à frente
da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre. (N.A.)
69
Vide fotos número 57, 58 e 59 no anexo iconográfico.
168
habitam os diversos aldeamentos da região do Autaz-Assú. (...) No
decurso do ano findo o posto prestou relevantes benefícios aos
aborígenes daquela região, tendo o encarregado fiscalizado os seus
aldeamentos e a venda dos produtos aos negociantes de regatão,
evitando, tanto quanto possível, que eles fossem vítimas de
exploração.(...) Amparados pela vigilância do encarregado do posto, que
tem exercido ação conjunta com o Delegado desta Inspetoria na citada
região, os Mura continuam a explorar a indústria da castanha e a
pequena lavoura, nas suas aldeias “Acará Grande”, “Acará Miry”,
“Guapenú”, “Igapó Assú”, “Jauary” e “Juma”, tirando do produto do seu
trabalho os recursos necessários à sua alimentação. (Relatório do
Inspetor Bento Lemos relativo ao ano de 1924:17). Bento Lemos faz
ainda referência ao uso de bebida alcoólica por parte dos indígenas, o
que, apesar da proibição e vigilância por parte do encarregado do
posto, sempre conseguem adquiri-la onde não há a vigilância.
No relatório referente aos anos de 1930/31, o inspetor Bento de
Lemos informa as atividades econômicas das aldeias pertencentes ao
posto “Manoel Miranda”. Na Aldeia Capivara, uma área de 14
hectares de terras, onde se cultiva mandioca, batatas, cará,
bananeiras, etc.; na aldeia Paracuúba existe um pequeno castanhal,
cafeeiros, árvores frutíferas e roçados com culturas de mandioca,
cará, batata, etc; na aldeia Joari os índios ocupam três pequenas ilhas,
não tendo área para o cultivo; na aldeia Juma um castanhal
explorado pelos indígenas, além da caça, pesca e de roçados que
preparam para seu consumo; na aldeia Acará-Mirí, o principal produto é
a mandioca, que cultivam para o fabrico da farinha; na aldeia Guapenú
se cultiva cafeeiros e mandioca; na aldeia Cunhã, localizada no rio
Igapó-Assú, um castanhal, explorado pelos indígenas; nas aldeias
Marinheiro e Trincheira, os indígenas vivem da pescaria e da cultura da
mandioca, da qual produzem farinha para venda. Informa também o
número de habitantes indígenas por aldeia: Capivara:97; Paracuúba: 68;
169
Joarí: 110; Juma: 31; Acará-Miry 40; Guapenú: 142; Murutinga:325;
Cunha:50; Trincheira: 85; Marinheiro: 54
70
.
Posto Indígena “Antonio Paulo”, no baixo Maicy - Situado à margem
direita do baixo Maicy, no município de Manicoré. Foi fundado em 1925.
Em 1927, Bento de Lemos informava que “valiosos serviços continuam a
prestar esse departamento, cuja administração foi confiada por esta
Inspetoria a funcionário bastante dedicado à causa dos silvícolas. Como
é sabido, ali têm os Pirahan o seu centro de atividade, cooperando com
o pessoal civilizado pelo desenvolvimento agrícola da localidade.
Também os últimos descendentes dos Turá estão sob a assistência e
proteção desse posto, onde todos são atendidos. (...) sendo o Maicy
riquíssimo em castanhais para ali se voltaram, de certo tempo a esta
parte, as vistas dos civilizados protegidos, os quais, por todos os meios
e modos têm pretendido invadir aquela região, não hesitando em insuflar
as tribos, o que tem dado lugar a cenas violentas e mortes entre os
Pirahan e Parintintin. Felizmente, graças à atuação dos auxiliares desta
Inspetoria que servem em “Antonio Paulo”, os índios se têm conservado
dentro dos limites de suas malocas prestando obediência às ordens
recebidas, nesse sentido, do encarregado. As plantações no ano
próximo passado de 1927, foram feitas com intensidade, sendo
satisfatórias as colheitas”(Lemos, 1927:33-37).
Nesse posto havia, em 1928, “um barracão confortável
assoalhado e paredes de paxiúba, tendo sido há pouco coberto de novo,
4 barracas em mau estado. também um barracão com cobertura e
que serve de casa de farinha, estando aí, montada e funcionando, uma
boa moenda de madeira. Esse posto possui um grande canavial
maduro, uma roça velha de mandioca, e um roçado, medindo 1 hectare,
todo plantado de feijão, milho e outros legumes. Existe grande número
de árvores frutíferas já produzindo. (Lemos, 1928:16).
Em 1930, Bento de Lemos informa que “foi pequena a safra de
castanha. Sobre isso ocorre que os castanhais foram invadidos,
70
Vide fotos número 60, 61 e 62, no anexo iconográfico.
170
desde o lugar “Passa-bem” até ao ponto conhecido por “Coatá”,
carregando os invasores cerca de 50% da produção. Todavia, os
índios conseguiram colher 46 barricas do mencionado fruto”
(Lemos, 1930-31:23).
No último ano de sua gestão, o inspetor desativou alguns postos de
pacificação do rio Maicy, por falta de recursos financeiros. Isso acabou
por aumentar “os encargos do encarregado do posto do baixo Maicy, o
qual precisava estar aqui e ali, atendendo às solicitações dos índios, o
que não permitiu o desenvolvimento dos trabalhos ali iniciados com
muito entusiasmo. (...) A palavra de ordem era a conservação do que
estava feito, dentro da disciplina adotada nos trabalhos, a manutenção
da mesma norma de vida estabelecida desde o início da pacificação.
Compreendendo bem a delicadeza da situação, houve-se o encarregado
com muita habilidade, de sorte que os índios, apesar de extintos os
postos, não se retiraram das localidades onde os mesmos estavam
situados, apenas exigindo que o encarregado os visitasse
constantemente” (Lemos, 1930-31:76).
A produção do posto compunha-se do plantio de mandioca,
macaxeira, cará, cana de açúcar, batata doce, milho, arroz. Havia
também o cultivo de laranjeiras, mangueiras, abacateiros,
mamoeiros, cajueiros, bananeiras, além de hortaliças, tais como,
cebolinha, couve, maxixe, quiabo, jerimum e tomate
71
.
Posto “Emanuel Amarante” no médio Maicy Este posto serviu
inicialmente de base à “pacificação” dos Parintintin. Foi fundado em
1921 e recebeu depois o nome de “Emmanuel Amarante”, como
homenagem ao seu fundador. Sob sua “proteção”, concentrou suas
atividades sobre os Pirahans (Mura), passando a evitar conflitos com os
Parintintins. De acordo com informações contidas em Lemos (1924:7), a
ação desse posto se estendia desde o médio até o alto Maicy, onde
havia várias malocas de índios Pirahans. Esses povos viviam à base da
pesca, caça e pequena lavoura. Como destaca o inspetor, a função
71
Vide fotos número 29 e 30, no anexo iconográfico.
171
desse posto tinha um duplo aspecto, pois, além de vigiar no sentido de
evitar conflitos com os Parintintin, tinha a função de impedir a invasão
dos castanhais existentes naquela área que pertencia aos indígenas.
Sob a jurisdição desse posto havia dois outros que também se
destinavam ao apoio da chamada “pacificação”. Um deles ficava mais
abaixo, no lugar conhecido como “Nova Esperança” e o outro próximo à
foz do rio Maicy.
No ano de 1924, de acordo com informações contidas no relatório
do inspetor Bento de Lemos “os indivíduos Manoel José das Neves,
Tancredo Monteiro da Costa e outros, valendo-se do pretexto de que o
Serviço de Proteção aos Índios havia sido extinto, invadiram o baixo
Maicy, lançando o nico e o terror nos aldeamentos dos silvícolas que,
apavorados, trataram de fugir, deixando suas terras e benfeitorias no
poder dos algozes. (...) Em face de tão delicada emergência, esta
Inspetoria tratou de invocar a intercessão do Dr. Álvaro Batista de
Oliveira, Chefe de Polícia do Estado, que prontamente oficiou o
Delegado de Polícia de Manicoré, determinando-lhe a adoção de todas
as medidas que fossem precisas para a garantia dos silvícolas nas suas
terras, o que, aliás, foram cumpridas, retirando-se os aventureiros e
voltando os índios aos seus aldeamentos”.(Lemos, 1924:7-8)
Ainda segundo o Inspetor, “essas invasões se repetem todos
os anos, toda vez que chega a safra da castanha, e isto porque esta
Inspetoria não mais pode manter. Por falta de recursos, o posto de
vigilância que havia fundado na boca do Maicy, com um efetivo de 14
homens armados, cuja ação demonstrara a sua proficuidade nos anos
de 1921 e 1922, obstando o avanço o avanço dos aventureiros sem o
menor incidente”. (Lemos, 1924:7). A produção industrial desse
posto era basicamente composta de farinha, açúcar, mel, milho e
feijão e batatas, além da colheita de castanha
72
Posto Indígena “Manuacá”, no rio Tuhiny Este posto estava
localizado à margem direita do médio rio Tuhiny, afluente da margem
esquerda do rio Purus, no município de Lábrea..Foi fundado em 1921.
72
Vide foto número 27, no anexo iconográfico.
172
Os povos indígenas que viviam sob a “proteção” desse posto eram os
”Jamamadys” e alguns “Apurinãs”. Nas imediações do posto
localizavam-se várias malocas, com centenas de Jamamadys, conforme
relata o inspetor Bento Lemos em seu relatório referente ao ano de
1927. Serviu esse posto para atrair vários indígenas do povo Jamamady
que ficaram dispersos, quando do fechamento, em 1914, do posto
fundado pelo então ajudante Bento de Lemos no rio Inauhiny. Sua
produção industrial compunha-se, basicamente, de farinha, açúcar,
mel de cana, milho, arroz e feijão. Além dessa produção, havia a
criação de galinhas e porcos. Nesse posto também ocorria a
exploração de castanhais, sendo o produto de sua venda revertido
em prol dos próprios habitantes do posto, conforme relata o inspetor.
No ano de 1930, Bento de Lemos informa que o posto produziu
960 alqueires de farinha, 8.000 quilos de milho, 1.500 quilos de açúcar,
3.500 cachos de banana e 520 cachos de pupunha, além de possuir o
posto 300 bicos de galinha, 12 porcos e 8 cabeças de gado vacum.
(Lemos, 1930-31:29-31).
No ano seguinte, Bento de Lemos torna a elogiar o desempenho
desse posto, informando que “constitui motivo de justo orgulho para esta
Inspetoria o progresso dos nossos serviços na bacia do Purús. O posto
indígena do Tuhiny é um centro de labor, de operosidade, onde as tribos
ali acolhidas, dia a dia desmentem a falsa afirmativa de que o nosso
aborígene é indolente e cheio de vícios. Esta Inspetoria vem desde
muito remetendo a essa Diretoria a mais eloqüente das demonstrações
nesse sentido. E de outras fontes tem chegado ao conhecimento das
ditas autoridades do Serviço de Proteção aos Índios, notícias
encomiásticas referentemente à ação eficiente e salutar de nossos
auxiliares destacados naquele rio” (Lemos, 1930-31:89-90).
73
73
Vide fotos número 63, 64, 65 e 66, no anexo iconográfico.
173
Posto Indígena “Capitão Portátil”, no Maicy-Mirim Situado à
margem direita do rio Maicy-Miry, afluente da margem esquerda do rio
Maicy, no Município de Manicoré. Foi fundado em 1921.
Em 1927, relatório do inspetor dava conta de que “era notável o
progresso desse centro de pacificação e atração dos parintintins. Os
índios aí aldeados estão satisfeitos, enquanto os civilizados não
esmorecem na faina de convencer as hordas mais arredias e belicosas
da mesma tribo, que insistem ainda em se manter afastadas de qualquer
convivência ou relação com o pessoal do posto. O método que temos
empregado não pode falhar. Assim, mais tarde ou mais cedo, sem
alardes nem reclames, poderemos dizer alto e bom som, que está
completa a nossa tarefa de trazer ao seio da civilização esses nossos
bravos patriotas. De residência fixa no posto temos presentemente , da
tribo Parintintin, 96 pessoas”. (Lemos, 1927:38-39). No referido relatório,
Bento de Lemos informa que as terra são as melhores possíveis para a
agricultura.
No ano de 1928, foi intensificado o cultivo da lavoura nos postos
de pacificação. No posto Capitão Portátil a produção era composta
basicamente de farinha, mel de cana, milho, arroz, batata, banana,
abacaxis, jerimuns e cupuaçu.
No ano de 1931, esse foi um dos postos que teve seu funcionamento
suspenso, em função do corte de verbas
74
.
Posto Indígena do Surumú Estava localizado esse posto indígena à
margem esquerda do alto rio Surumú, afluente da direita do rio Tacutú,
no alto Rio Branco. Foi fundado em 1922. Em janeiro de 1923 o
quantitativo de indivíduos indígenas somava 105, sendo eles dos povos
Jaricuna, Macuxi e Uapixana. Nos relatórios do inspetor Bento Lemos
sempre a informação de que a área ocupada pelo posto não era fértil e
que seria necessária sua mudança para um melhor local onde se
pudesse levar avante a produção de alimentos, capaz de tornar o posto
auto-suficiente. No ano de 1922 a região sofreu forte alagamento,
74
Vide fotos número 37, 39 e 40, no anexo iconográfico.
174
perdendo parte de sua parca produção, o que levou a Inspetoria a
prestar socorro a esses povos. Conforme relatos do inspetor, esse posto
tinha uma função importante que era fazer a vigilância sobre os povos
indígenas da maloca Contan, além de outras existentes naquela região
fronteiriça com a Venezuela. Em Lemos (1924:13), consta a informação
na qual o fazendeiro J. G. Araújo, além de outros fazendeiros,
resolveram colocar seus rebanhos bovinos para engorda em área que
havia sido reservada legalmente aos Macuxis e Jaricunas. Foi
necessário que a Inspetoria entrasse com ações judiciais para valer os
direitos dos povos indígenas daquela região que resultaram satisfatórias,
dando provimento ao recurso o Sr. Interventor Federal no Amazonas,
resolvendo a questão e mantendo o direito daqueles povos às suas
terras. Em face á situação financeira precária em que se encontrava a
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, esse posto teve seus
trabalhos suspensos no ano de 1931
75
.
Como já foi sublinhado, uma das prioridades de sua gestão, era a
fundação de Postos Indígenas, pois, segundo o inspetor Bento de Lemos,
somente a partir do momento em que a Inspetoria dispusesse de um local em
que os indígenas estivessem reunidos, sob a “proteção” de um encarregado de
posto, os problemas envolvendo povos indígenas, tais como trabalho
compulsório e outras violências, seriam minimizados.
Além do mais, a “invasão” das terras indígenas para a exploração dos
produtos naturais, principalmente a castanha, cujo preço estava valorizado no
mercado, consistia também num grande problema a ser resolvido.
3.2.3 Tensão na Administração de Rego Monteiro
75
Vide fotos número 67, 68, 69 e 70, no anexo iconográfico.
175
No governo do Desembargador Rego Monteiro
76
a situação se agravou.
As “invasões” passaram a acontecer, inclusive, em terras que haviam sido
destinadas pela Lei 941, de 16 de outubro de 1917, a serem demarcadas
como terras indígenas. Isso se deve ao seguinte fato:
O Governo do estado editou lei, no ano de 1922, revogando a
supracitada lei, com o intuito de favorecer tais invasões, em sua maioria
protegidos ou parentes seus, conforme abaixo:
“E que o poder executivo. Atuando sobre a Assembléia Legislativa do
Estado, fez que esta votasse uma lei, sancionada, revogando a de
941, de 16 de outubro de 1917, que não reconhecia o direito dos
índios sobre as suas posses havidas por ocupação primária, como
reservara, desde logo, aos silvícolas várias áreas situadas nos rios
Surumú, Seruhiny e Jauapery. A nova lei draconiana é concebida nos
seguintes termos:
Artº 1º - Fica revogada a lei nº 941, de 16 de outubro de 1917.
Artº - O Governador do Estado concederá às famílias ou tribos
indígenas a área de terra, que a seu critério julgar conveniente para
domicílio e aproveitamento dessas famílias ou tribos conforme o destino
agrícola ou pastoril que for dado a essas terras.
Parágrafo Único Desta concessão serão excluídas as terras que
tenham sido concedidas pelo Estado, e as que já estiverem ocupadas e
cultivadas para qualquer pessoa, com residência habitual e cultura
efetiva.
Artº 3º - Os interessados pela concessão dessas terras promoverão
perante o executivo do Estado, o respectivo processo, que obedecerá ao
que for determinado no Regulamento da Repartição de Terras do
Estado.
Artº 4º - Revogam-se as disposições em contrário. (Lemos, 1923:12-13)
76
Ignora-se como, sem os estágios,,chegou ao cargo de Desembargador do Superior Tribunal
de Justiça do Estado, sendo seu Presidente, se apresentando, contando, para isso, o tempo
em que em sua Província natal exerceu o cargo de subdelegado de polícia. Ignora-se, ainda,
como sem ser político militante, foi eleito Senador Federal, depois, Governador do Amazonas a
servir no quadriênio 1921-1924. Tomou posse do cargo a de janeiro de 1921, em
substituição ao Dr. Pedro de Alcântara Bacellar. Uma vez na função, nomeou todos os filhos
para os postos mais elevados do governo, sendo que, até ali, ninguém o podia recriminar, pois
os lugares eram de imediata confiança e os seus titulares, rapazes de capacidade intelectual.
O Prof. Júlio Benevides Uchoa, em útil trabalho que escreveu e divulgou, sob a epígrafe
“Governadores e Interventores”, disse: “Seria ocioso referir, nestas linhas, o que foi o
quadriênio Rego Monteiro. Existem ainda por aí inúmeras testemunhas, na maioria funcionários
públicos que poderão dizer como recebiam seus vencimentos naquele calamitoso período
administrativo, em que as rendas do Estado eram desbaratadas criminosamente, num
verdadeiro delírio de despudor e irresponsabilidade. Rego Monteiro governou até 9 de junho de
1924, quando seguiu para a Europa”. Bitencourt, Agnello (1973:432-433)
176
Segundo Bento de Lemos, essa lei foi uma retaliação às ações da
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre que resistiu às pretensões de um
sobrinho do governador, o qual queria apossar-se de terras indígenas na região
do Jauapery.
77
Ao tomar conhecimento da nova lei, várias pessoas aproveitaram a
oportunidade para invadir as terras indígenas. Foi o caso, por exemplo, de
Victor Motta, Adolpho Brasil e Pedro Rodrigues Ferreira, no alto Surumú;
Tancredo Monteiro da Costa, parente do governador, no Maicy, entre outras.
Ao tratar da administração do Desembargador Rego Monteiro no
governo do Estado do Amazonas, a Historiadora Eloína Monteiro dos Santos
assim a descreve:
No interior do Estado, à medida que a família Rego Monteiro se
consolidava no poder, os municípios se transformavam em verdadeiros
feudos dos chefes políticos que usufruíram de seu beneplácito. As
concessões de vastas regiões, a saber: castanhais, balatais e seringais
eram feitas a indivíduos privilegiados, os quais necessitavam da ajuda
parcial para submeter as populações revoltadas contra essa servidão. As
transações do Estado do Amazonas e seus credores externos, desde
1918, achavam-se completamente paralisadas. (Santos, 2001: 51)
3.2.4 Mais questões judiciais
77
“Em outubro de 1921, Simplício Coelho de Rezende Rubim, aproveitando a circunstância de
ser governador Rego Monteiro, associou-se a outros indivíduos para a exploração de
castanhas e requereu grandes lotes cujos autos em maio deste ano estavam na Secção de
Terras para conferência. Entraram assim no rio, justamente na sua melhor parte, além de
Simplício, Bezerra & Irmão, Gregório Horta, José Francisco Soares Sobrinho, Guilherme Baird
e outros. O Inspetor Bento Lemos levantou-se contra essas clamorosas usurpações e
protestou por todos os meios ao seu alcance, colocando-se decididamente na defesa dos
direitos possessórios dos silvícolas. O Sr. Rego Monteiro indignou-se da audácia do inspetor,
que se atrevia a por embargos numa pretensão de um seu sobrinho, e não teve dúvida
difamou-o clandestinamente em telegrama que passou ao Ministro da Agricultura, acusando-o
de explorar castanhais, com o privilégio do seu cargo, em detrimento da concorrência natural, e
de demarcar para ele, sob pretexto de fazê-lo para os índios, terras já possuídas por
civilizados. O autor destas linhas, tendo ciência dessa ignóbil trama, publicou no “Rio Jornal”
um enorme artigo desmascarando-o do princípio ao fim e desafiando os amigos do governador
a que o contradissessem. O artigo causou, como era natural, espanto; havia no Rio de Janeiro
senadores e deputados amazonenses, mas nenhum tomou a defesa do Sr. Rego Monteiro; a
acusação até agora, fazem 11 meses, está de pé. As terras dos índios o ficaram por isto
resguardadas, mas o inspetor não foi demitido, nem a Inspetoria suprimida, como desejava e
pedia o governador, o qual fez, pelo Estado, todo o mal que podia: mandou revogar a lei
número 941 de 16 de outubro de 1917 que concedia aos índios as áreas por eles ocupadas em
diversos rios” (Bandeira, 1926:30).
177
Dessa forma, aproveitando a ocasião, “o Sr. Aluízio Araújo, filho de J. G.
Araújo, que, como sabeis, detém a maior parte das terras usurpadas das
fazendas nacionais do Rio Branco, requereu para si a medição e demarcação
da dita posse, tendo antes o arrojo de ocupá-la ostensivamente, para o que
dispôs do pessoal assalariado que o seu genitor mantém naquela região
(Lemos, 1924: 35)
Decidida a preservar e proteger as terras indígenas sob sua jurisdição, a
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre impetrou ações judiciais com o
intuito de fazer valer o direito dos povos indígenas. Em 1924, o inspetor Bento
de Lemos reconhece que “foi uma medida acertada, porque o Sr. Interventor
acaba de despachar o respectivo processo, à luz de judiciosas considerações ,
dando aprovação aos trabalhos de medição e demarcação e mandando
expedir o título de concessão aos silvícolas, de acordo com a citada Lei nº 941,
de 16 de outubro de 1917. E assim ficou resolvido o caso das terras do
Surumú, com a vitória dos direitos possessórios dos nossos aborígenes”
(Lemos, 1924:35).
Essa era uma prática que se percebe ao compulsar a documentação
produzida pelo SPI no Amazonas. São inúmeros os casos, quer sejam de
esbulho de terras indígenas, trabalho compulsório de indígenas, usurpação de
direitos indígenas, enfim, quaisquer ações por parte de particulares que
cerceavam direitos indígenas, o inspetor Bento de Lemos apelava
invariavelmente para a defesa via judicial. Em certos casos conseguia vitória,
em outros não, mas ia até a mais alta instância do Poder Judiciário na defesa
dos direitos dos povos indígenas sob sua jurisdição. Dentre as muitas
demandas judiciais em que atuou o inspetor Bento de Lemos,
Há, entretanto, um assunto de alta relevância a que está ligado, de
maneira indelével: são as Fazendas Nacionais do Rio Branco. Luta
titânica sustentou ele, vencendo-a galhardamente, após haver alcançado
brilhante e momentoso parecer do provecto jurisconsulto amazonense,
Dr. Sadi Tapajós, hoje ilustre Presidente do Tribunal da Justiça do
Trabalho. Ainda ano passado, atendendo a uma consulta da Comissão
Especial de Faixa de Fronteira, o parecer desta Chefia foi todo calcado
nos trabalhos preliminares de Bento de Lemos. Discurso pronunciado
pelo Chefe da Inspetoria de Índios, no Amazonas,, Dr. Alberto Pizarro
178
Jacobina, In: 19 de Abril - O dia do Índio As comemorações realizadas
em 1944 e 1945, volume, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
Ministério da Agricultura, 1946.
Para efeito de síntese, podemos afirmar que, no segundo lustro de sua
gestão, o inspetor Bento de Lemos, além de priorizar a criação de novos
postos indígenas, centrou suas forças na chamada pacificação dos Parintintin,
convidando para auxiliá-lo o etnólogo Curt Nimuendajú.
Alem disso, um outro fato que merece destaque, foi a revogação da Lei
941, pelo, então, governador Rego Monteiro, o que trouxe para a Inspetoria
grande acúmulo de trabalho, pois as “invasões” de terras indígenas se
acentuaram. Como era já uma prática de sua gestão, Bento de Lemos impetrou
várias ações judiciais para garantir o direito dos indígenas às suas terras.
Percebemos de forma mais clara, nesse período, o jogo de poder
presente na região abrangida pela Inspetoria do Amazonas e Território do
Acre. Enquanto o SPI lutava para “proteger” os povos indígenas, sua
integridade física e suas terras, fazendo pressão no Judiciário, nomeando
delegados, abrindo postos indígenas, havia outro grupo que, contrariamente,
tinha interesse em ocupar as terras indígenas e utilizar a força de trabalho
indígena de forma compulsória.
Essas relações conflituosas se materializam fortemente na
administração de Rego Monteira à frente do Executivo amazonense, quando
este chega ao ponto de revogar a Lei 941, de 16 de 0utubro de 1917, que
autorizava a demarcação de terras indígenas.
179
180
3.3 O período de 1926 a 1932
3.3.1 Ainda a questão dos delegados
A figura dos chamados delegados de índios era um tema recorrente nos
relatórios do inspetor Bento de Lemos. No relatório referente ao exercício de
1928, volta a tratar do assunto:
Verdade que existem delegados nomeados para todas as localidades do
território. Mas a ação dessas autoridades não satisfaz, pois que se trata
com pessoas com interesses opostos àqueles em que são interessados
os índios. Uns são proprietários de seringais, outros negociantes, alguns
empregados em repartições do governo territorial ou interessados em
empresas industriais (g.n.). De sorte que, os delegados somente tomam
a defesa do índio quando está afastada toda e qualquer hipótese de um
prejuízo nos seus interesses pessoais, comerciais ou industriais.
(Lemos, 1928:3).
É bastante significativo esse comentário do inspetor Bento de Lemos,
pois havia regiões em que os indígenas ficavam à mercê dos delegados como
seus protetores, anunciando uma regra de tutela constante no pensamento das
elites dominantes.
Curt Nimuendajú, ao realizar a viagem à região do alto Rio Negro no
ano de 1927, observa in loco a exploração da força de trabalho indígena e faz
as seguintes observações acerca do significado da função de delegado
naquela região:
De maneira o cargo de delegado geral desta zona devia ser confiado a
um dos moradores civilizados atualmente estabelecidos no Município de
São Gabriel. Duvido que exista no meio deles um único amigo dedicado
dos índios, capaz de colocar os interesses destes acima dos seus lucros
particulares e das suas boas relações pessoais na zona. Muitos deles
fazem até grande empenho de serem nomeados delegados do S.P.I. na
convicção de que este cargo entrega-lhes nas mãos a ambicionada
posse dos índios, capacitando-os ao mesmo tempo de proceder contra
qualquer outro que lhes queira disputar esta posse. Os poucos
civilizados que nesta região se encontram são ou foram negociantes e
181
balateiros e como tais viciados no sistema compulsório acima
estigmatizado. Creio que no Alto Rio Negro não existe uma única
delegacia em que o índio não precisava da intervenção do S.P.I. para
protegê-lo contra seu próprio delegado. Gente de outra profissão porém,
não existe, e se parafosse, não se agüentaria. Desta maneira, a ação
do S.P.I. de ser sempre deficiente, e a execução, e a execução do
regulamento incompleta e exposta a duras críticas. Assim mesmo não
resta a menor dúvida de que um delegado, por mau que ele seja,
sempre constitui ainda, sob certos pontos de vista um benefício para os
índios porque lembra ao menos aos perseguidores dos mesmos a
existência de uma autoridade protetora dos indígenas. No mais, o
delegado monopolizando a exploração dos “seus” índios, ao menos
evita que estes estejam expostos à exploração de todo o mundo. Com
tais dilemas escandalosos e absurdos o S.P.I. é obrigado de contar no
Alto Rio Negro nas suas condições atuais de falta de recursos e de
pessoal idôneo (Nimuendajú, In: Lemos 1928:99).
3.3.2 Projeto parlamentar x Terras dos índios
Um fato que devemos assinalar na gestão Bento de Lemos é a
apresentação de um projeto de lei do deputado Carvalho Leal, na tentativa de
garantir a posse de terras indígenas, em vista da revogação de parte da Lei
941, de 16 de outubro de 1917, pelo governador Rego Monteiro em 1922.
Como se percebe, havia políticos que trabalhavam em prol dos indígenas,
como foi o caso do governador Bacellar e do deputado Carvalho Leal, embora
houvesse quem defendesse a extinção da Inspetoria do Amazonas, como o
governador Rego Monteiro.
O inspetor Bento de Lemos informa em seu relatório de 1927, que
Conhecedor da vexatória situação em que se encontram os silvícolas
neste Estado, especialmente depois que a Assembléia Legislativa, por
imposição do governador César do Rego Monteiro, revogou a Lei
Bacellar, sancionada a 16 de outubro de 1917, sob 941, houve por
bem o Sr. Deputado Alexandre de Carvalho Leal, apresentar àquela
casa do Congresso Estadual, e data de 31 de agosto, um projeto de Lei,
mandando revogar o “ukase” regomonteirano de 20 de abril de 1922 e
restabelecendo os favores e concessões da legislação de 1917,
relativamente às terras dos índios. Nesse projeto, o digno deputado
mandava, também, que ficassem reservadas aos índios Pirahan, as
182
terras situadas no rio Maicy, desde a sua foz até a sua confluência com
o Maicy-Mirim, ambas as margens, sobre seis quilômetros de fundo,
tendo em consideração que esses silvícolas estão ali localizados desde
épocas imemoriais(g.n.). (Lemos, 1927:46).
Eis, em linhas gerais, os termos do projeto de lei apresentado pelo
deputado Alexandre de Carvalho Leal:
Dia a dia se vem tornando mais difícil a vida dos aborígenes do território
da Pátria. Perseguidos e dizimados pelos colonizadores, procuravam a
selva amazônica como último refúgio de uma raça heróica, que tão
assinalados serviços prestou nas lutas pela formação da nossa
nacionalidade. No estado presente de nossa civilização, não é justo que
fiquem os silvícolas privados de um pedaço de terra dentro do país onde
nasceram e continuam em nomadismo forçado, tangidos daqui, dali,
pela cobiça de maus civilizados.É justo e necessário, é humano e de
boa política social que os Poderes Públicos sancionem leis garantidoras
de suas posses, pondo um paradeiro às constantes lutas provocadas
pela invasão de seus domínios e violação de sua propriedade, onde
quase sempre é derramado o sangue brasileiro. (Lemos, 1927:46-47).
A partir daí, o deputado passa a justificar o projeto, baseado na
legislação pretérita sobre a matéria, concluindo que
Nestas condições, a aprovação e promulgação do presente projeto é
medida de interesse geral que a Assembléia deve votar com urgência,
prestando, assim, um grande serviço à causa dos nossos patrícios
habitantes da grande selva amazônica.(Lemos, 1927:47)
O inspetor Bento de Lemos informa o seguinte a respeito:
de nada, porém, serviram as judiciosas ponderações do jovem
amazonense. E o projeto foi fulminado por um parecer sibilino, assinado
pelos Srs. Deputados Lucano Antony, Costa Fernandes e Gastão de
Castro., o primeiro dos quais, segundo comunicação recebida por esta
Inspetoria está invadindo as terras dos índios no Município de Maués,
havendo requerido do governo do Estado vários lotes. (Lemos, 1927:47
)
183
3.3.3 Postos Indígenas fundados no período de 1926 a 1932
Durante esse período, foram fundados vários postos indígenas: posto
Indígena Yauareté-Cachoeira, no Alto Uaupés, posto de Vigilância do rio
Papuri, posto de Vigilância da foz do rio Querarí, posto de Vigilância do rio
Camanaú, sub-posto de pacificação “Canavial”, sub-posto de pacificação da
margem direita do rio Ipixuna, posto do Laranjal, posto do lago da Josefa e
entreposto indígena de São Gabriel.
No relatório apresentado pelo inspetor Bento de Lemos, referente aos
anos de 1930/31, o mesmo informa que “reduzidas que foram as verbas
destinadas aos serviços, houve por bem esta Inspetoria extinguir os postos
“Capitão Portátil”, “Alto Ipixuna”, “Canavial”, “Maicy”, “Surumú”, “Ariaú” e
“Camanaú” e o entreposto de Boa Vista do Rio Branco”.(Lemos, 1930/31:66).
Passamos agora a fornecer algumas informações mais gerais acerca
dos postos indígenas criados de 1926 a 1932:
.Posto Indígena de Yauareté-Cachoeira, no alto Uaupés – Esse posto
foi fundado em 15 de setembro de 1927, pelo encarregado Sr. Arruda
Cabral, em Yauareté-Cachoeira, na fronteira com a Colômbia após
expedição realizada sob o comando de Curt Nimuendaju, o qual
elaborou extenso e detalhado relatório acerca dos povos indígenas do
alto Rio Negro. (Em um tópico específico sobre o trabalho do etnólogo
Curt Nimuendajú, veremos com mais detalhes!). No relatório referente
ao ano de 1930, Bento de Lemos informa que o posto foi fundado “para
garantir as propriedades dos índios habitantes da região e suas famílias,
e assegurar-lhes a máxima liberdade contra as violências que lhes eram
infligidas por negociantes desumanos que não hesitavam em reduzi-los
ao mais rude cativeiro, para exploração de seus serviços” (Lemos, 1930-
31:49). Antes da fundação desse posto, a Inspetoria mantinha naquela
região um delegado de índios, a respeito do qual Curt Nimuendajú faz a
seguinte observação: ”No mais, o delegado, monopolizando a
184
exploração dos “seus” índios, ao menos evita que eles estejam
expostos à exploração de todo o mundo. Com tais dilemas escandalosos
e absurdos, o S.P.I. é obrigado de contar no alto Rio Negro nas suas
condições atuais de falta de recursos e de pessoal idôneo”
Após a fundação do posto, o inspetor Bento de Lemos informa que os
silvícolas têm se dedicado na criação de gado, porcos e galinhas,
etc., esperando para breve a criação de carneiros e cabras. Conta
ainda um roçado com 100 braças em quadro, com plantações de
bananeiras, cana de açúcar, etc.” (Lemos, 1930-31: 49-51).
78
Posto Indígena do médio rio Ipixuna Situado à margem direita do
médio rio Ipixuna , no município de Manicoré, foi fundado em 1926, na
qualidade de posto de pacificação. Nele ficou centralizada a
administração dos postos de pacificação dos Parintintin do rio Madeira.
“Cabe ao posto ali situado a superintendência do movimento de atração
e pacificação das tribos, estando os índios satisfeitos com o tratamento
que ali recebem e o relativo conforto de que desfrutam. O local
escolhido para o posto Ipixuna muito se vem recomendando pela sua
salubridade e agradável é o aspecto que hoje apresenta, dando a idéia
de um povoado alegre, surgindo como que por encanto no meio da
selva” (Lemos, 1929:8-9). A produção agrícola desse posto, de
acordo com relatórios da Inspetoria, era de farinha, mel de cana,
macaxeira, milho seco, arroz, feijão, bananas, jerimuns, abacaxis,
batata doce, cará e melões, entre outros.
Com referência ao emprego dos índios na extração da balata, devo
acentuar que os resultados foram bastante animadores. Dos 16
indivíduos que compunham a turma extratora, somente três puderam
trabalhar nas árvores, pois não havia utensílios que chegassem para
todos. Assim, os treze restantes, formando pequenas turmas,
empregaram-se nas explorações, ficando verificado ser o balatal de
grande extensão” (Lemos, 1929: 11).
79
78
Vide fotos número 79, 80, 83 e 85, no anexo iconográfico.
79
Vide fotos número 32, 34, 36 e 38, no anexo iconográfico.
185
Posto Indígena do Laranjal Situado à margem esquerda do rio Mari-
marí, afluente da margem esquerda do rio Abacaxis, no município de
Borba. Foi fundado em 1929.
Esse posto, de acordo com informações contidas no relatório do inspetor
Bento de Lemos, contava, no ano de 1930, com 2 barracões, onde os
índios costumavam efetuar suas danças clássicas e 18 barracas de
moradia. Nesse mesmo ano existiam ali 142 indígenas, de ambos os
sexos, do povo indígena Mundurucu. Havia também 2 roças de uso
comum dos silvícolas e mais 24 ditas de propriedade particular deles,
com 20 hectares, além de dois hectares de terras plantados com cana
de açúcar. Nas proximidades do posto havia também o aldeamento
“Laguinho”, com 34 indígenas, distribuídos em 5 barracas. Os indígenas
assistidos pelo posto estão distribuídos em 8 aldeamentos, a saber:
Laranjal, Paca, Cipó, Caiaué, Paraná do Urariá, Tauaquéra,
Castanhalzinho e Piracatinga.
Ao fazer referência ao exercício de 1931, Bento de Lemos ressalta a
importância de se manter esse posto, pois, antes de sua criação, “os
indígenas eram timas de espoliações e cruéis violências por parte dos
invasores de suas terras, sempre amparados pela proteção de chefetes
(sic) políticos e de autoridades do município. (...) Com a criação do posto
Laranjal, mudou completamente a situação, embora que os prejudicados
surgissem a caluniar o Serviço, promovendo representações graciosas
contra o encarregado. Desenvolveu-se ali grandemente a
agricultura, incrementou-se a indústria extrativa da castanha, que
passou a ser vendida pelo justo valor, com a assistência do
encarregado, estabelecendo-se, assim, uma atmosfera de confiança
entre os índios, agora seguros do resultado do seu trabalho. (Lemos,
1930-31:43-44 e 103-104).
80
80
Vide fotos número 71, 72, 73 e 74, no anexo iconográfico.
186
Posto Indígena do Lago da Josefa – Foi fundado em 1928. Situado em
terras centrais da margem esquerda do baixo rio Madeira, abaixo do
lago do Sampaio e acima do lago do Miguel, no município de Borba. O
inspetor Bento de Lemos informa que alem da respectiva sede, conta
3 barracões de dimensões iguais, destinados ao engenho, ao
fabrico de farinha, tanques para o preparo da garapa, alambique e
tachos; 6 barracas de 60 palmos de comprimento e 40 de largura, todas
cobertas de palha, construídas de madeiras de lei, sendo uma para a
escola indígena e as demais para moradia dos silvícolas.. Procedeu-se
ali ao plantio de 1.000 pés de cafeeiros, formando o total de 2.500
árvores dessa rubiácea, que promete boa safra.(...) Sendo relativamente
grande a população de índios semicivilizados em toda a zona banhada
pelo lago da Josefa e adjacências, impõe-se a assistência desta
Inspetoria àquela pobre gente, desamparada em absoluto de parte dos
poderes públicos. Trata-se dos descendentes da grande nação Mura,
que depois de vencida pelos Mundurucus e escravizada pelos
civilizados, em épocas remotas, ali se refugiou, vivendo num estado de
primitividade deplorável. (...) O aldeamento que serve de sede ao posto
o mais populoso dentre os existentes apresenta hoje um aspecto de
verdadeira florescência. Diversas casas foram construídas, derrubaram-
se vários roçados e intensificou-se grandemente o plantio de cereais. Ao
posto estão subordinados os aldeamentos do “Sampaio”, “Miguel”,
“Cunhã”, “Uauassú”, “Onça” e “Ararí”, todos eles em rança prosperidade”
(Lemos, 1930-31: 104-107).
81
Posto de Vigilância do rio Papurí Situado à margem direita do alto
Papurí, afluente da margem direita do Uaupés, fronteiriço com a
Colômbia, no município de São Gabriel da Cachoeira. Foi fundado em
1929.
“Localizado na povoação indígena de Japú-Cachoeira, está este posto
instalado em um barracão com diversas divisões, coberto de palha e
devidamente embarricado e com sentina e galinheiro. (...) ali um
81
Vide fotos número 75, 76, 77 e 78, no anexo iconográfico.
187
grande roçado de macaxeira, cará e milho, um pequeno canavial,
bananeiras e cerca de 100 pés de cafeeiros plantados em uma área
muito limpa.. Os índios das tribos Mucura-tapúio, Puçanga-tapúio e
Baraçana, moradores do rio Tiquié, entraram não muito, em relação
com o posto, onde sempre aparecem.. Cinco horas acima do posto, no
Anderá-Igarapé, encontra-se uma grande maloca dos ínidos Carapanãs.
Os índios daquela região, quando notam a aproximação de alguém,
correm, espavoridos, para a mata, levando suas mulheres e filhos,
temendo serem os colombianos que os perseguem atrozmente e os
escravizam (...) Tiveram animador incremento os serviços de
agricultura, neste posto. Assim é que foram preparadas mais roças
com plantações de milho, maniva, bananas, batatas, carás, araruta,
abacaxis, etc., sendo iniciada, com promessa de resultados, a
cultura do tabaco. (...) As índias do lugar, consoante refere o
encarregado do posto, Sr. Raimundo Nonato de Ataíde, ocupam as
horas vagas no preparo do fio de tucum, miriti e outras enviras para a
fabricação de redes, a que dão o nome de maqueiras e que têm grande
procura por parte dos comerciantes regatões que por lá trafegam, e seus
empregados, para as exportarem para o Pará e para o sul. Os homens
dedicam-se a fazer abanos de vários tamanhos, balaios, paneiros, tipitis
e matapirís destinados a manter o fogo para a guarda da tapioca, para
depósito dos beijus, para espremer mandioca e para apanha de peixes
nas margens dos rios e nos igarapés e cachoeiras” (Lemos, 1930-31:
56-58).
82
Posto de Vigilância da foz do rio Querarí Situado à margem
esquerda, na foz do rio Querarí, afluente da margem esquerda do rio
Uaupés, fronteiriço à Colômbia, no município de São Gabriel. Foi
fundado em 1929. O inspetor Bento de Lemos informa que o posto
“possui um bom barracão, coberto de palha e assoalhado de paxiúba,
82
Vide fotos número 86, 89 e 90, no anexo iconográfico.
188
com as paredes de casca de pau, tendo sentina e galinheiro, afora uma
barraca para hospedagem de índios e passageiros que por lá aparecem,
subindo o alto Uaupés. Por trás do posto uma pequena maloca, com
7 indígenas, sendo 5 da tribo Uaná e 2 Cobéus; e, acima, uma barraca,
com 3 índios Uanána.. (...) Graças ao zelo e dedicação do respectivo
encarregado, este posto vai preenchendo o fim a que é destinado. Os
índios a que assiste, naquela recuada zona, têm estado algo mais
acobertados das violências que lhe eram cruamente infligidas pelos
colombianos que habitam a fronteira e se empregam no comércio da
balata. Existem algumas malocas nos igarapés Patariá, Umirapára,
Carapanã, Assai e Cumã, sendo as quatro primeiras habitadas por
índios Cobéus e a última por Uanánas, todas no território do Brasil (...)
Os aborígenes do Querarí dizem claramente que, antes da fundação do
posto, “dormiam sobressaltados e algumas vezes refugiados de suas
malocas”, temendo serem, de momento a momento, agredidos por
balateiros colombianos, que costumavam carregar suas filhas para
criadas ou concubinas, não respeitando suas famílias, propriedades e
criações, enquanto que, na atualidade, graças ao S.P.I., vivem
tranqüilos, fazendo seus caxirís, suas roças, suas pescarias, sem a
menor turbação” (Lemos, 1930-31: 58-60).
83
Posto de Vigilância do rio Camanaú De poucas informações
dispõem os documentos por nós compulsados acerca desse posto
indígena, foi fundado em 1928. No relatório de 1929, constam as
informações de que lisongeira é a situação dos silvícolas do Tananahú
e do camanaú, cujas malocas foram visitadas diversas vezes e providas,
dentro dos recursos de que podemos dispor, as suas mais prementes
necessidades” (Lemos, 1929:59) Em 1931, o inspetor Bento Lemos
informa, no entanto, que “no Município de Moura, instalei o posto de
vigilância do rio Camanaú, que se acha situado à margem direita do
mesmo rio, afluente da esquerda do baixo rio Negro. O encarregado
83
Vide fotos número 81, 82, 84 e 88, no anexo iconográfico.
189
deixou de apresentar o seu relatório referente ao exercício de 1930”.
(Lemos, 1930-31: 63).
Entreposto Indígena de o Gabriel da Cachoeira Foi fundado no
ano de 1928. Funcionou o entreposto no mesmo prédio em que esteve
instalada a antiga delegacia, à rua Municipal, na vila de São Gabriel. (...)
Dentre todos os índios que povoam aquela parte das terras marginais do
rio negro, cerca de 120 são elementos componentes das 3 tribos
originárias daquelas regiões, a saber: tribo Baré, espalhada por todo o
rio Negro, da qual habitam na zona do entreposto 20 indívíduos; tribo
Cuervana, com 30 índios, localizada na foz do rio Uaupés; e a tribo
Uainomby, com cerca de 70 almas, que habitam lugares diversos, ora
aqui, ora ali, em toda a extensão da floresta que vai do rio Curicuriary à
margem direita do dito rio Uaupés. Os demais silvícolas são elementos
emigrados, em sua maioria, das regiões banhadas pelos rios Uaupés,
Içana, Xié e seus afluentes, ou já descendentes daqueles, nascidos
entre os naturais das margens rionegrinas. (...) Inestimáveis serviços de
assistência e vigilância sobre os indígenas do alto rio Negro, vem
prestando esse entreposto, cuja permanência em São Gabriel obedece
à necessidade de dispormos de uma pessoa que de pronto haja perante
as autoridades na defesa dos índios, de seus bens interesses e direitos.
(...) A jurisdição do entreposto estende-se a todo o território do
Município, estando a ele subordinadas nove delegacias, situadas,
respectivamente, nos seguintes lugares: Santo Antonio, Cué-cué, São
Felipe, Marie, Uarutí, Ilha de Naiá, Santa Izabel, Boa Vista e Iurubaixí.A
primeira assiste os índios do distrito de Marabitanas; a segunda os do rio
Xié; a terceira os do rio Içana; a quarta os do rio Marie; a quinta os dos
rios Curicuriary e fóz do Têa; a sexta os do rio Têa, em toda a sua
extensão; a sétima os do distrito de Santa Izabel; a oitava os do rio
Uenuixí e a nona os do rio Iurubaixí. Esse entreposto tem resolvido
assuntos de difícil e quase impossível solução, prescindindo na maioria
dos casos do auxílio, sempre tardo e custoso das autoridades policiais, a
quem quase sempre faltam recursos e pessoal para levar a efeito as
190
diligências requisitadas” (Lemos, 64-67 e 110). Após informar de forma
resumida a localização do entreposto de São Gabriel, o inspetor Bento
de Lemos transcreve parte de vários relatórios parciais elaborados pelo
encarregado desse entreposto, Sr. João Crispiniano da Silva. Esses
relatórios dão conta de várias violências contra os indígenas daquela
região, tais como homicídios, espancamentos, rapto e defloramento de
jovens indígenas entre outros. Em um desses relatórios o encarregado
afirma que “a partir da data do último relatório até a presente, foram
celebrados nesse entreposto, 11 contratos, sendo 9 para a extração de
produtos florestais e dois mistos. O número de índios que encerram
esses contratos é de 69. Diversos contratos deixaram de se efetuar
neste entreposto, devido ao movimento contrário ao Serviço, agitado
pelos seus inimigos, como uma conseqüência dos inquéritos abertos,
para averiguações, ordenadas pelo Exmo. Sr. ex-Interventor Federal.
(...) Os Srs. Francisco Antonio de Albuquerque e Arsênio Joviniano de
Oliveira foram os que nenhuma satisfação deram a este entreposto,
levando para a Colômbia diversos índios do rio Uaupés. O Sr. Janoel
José Lopes ainda apresentou-se a este entreposto, declarando que os
seus índios são civilizados e, portanto, não estão sujeitos a contrato
(...) O Sr Assunção Guerra também deixou de fazer contratos neste
entreposto, apresentando um ofício do delegado dessa Inspetoria no rio
Xié, em que comunicava ter sido celebrado naquela Delegacia. Tenho
minhas vidas a respeito disso e oportunamente farei a exposição de
motivos. Pelo Sr. Dr. Milton Elísio de Oliveira, Prefeito do Município de
Barcelos, me foi dirigido um ofício, solicitando 4 índios, por conta do
Município, para irem trabalhar em agricultura. Requisitei esses índios do
Sr. delegado junto aos índios do rio Içana, sendo-me apresentados 5, os
quais declararam que tinham sido mandados pelo Sr. Valentim Garrido,
para trabalharem aqui na Vila e não em Barcelos; resultando disso não
poder atender ao pedido do Sr. Prefeito daquele Município” (Lemos,
1930-31:110-122)
191
3.4 Recrutamento de etnólogo com vínculos com diversas agências
consagradas nacional e internacionalmente, como instrumento de ação.
Durante o período em que durou sua administração à frente da Inspetoria
do Amazonas e Território do Acre, o inspetor Bento de Lemos, por não dispor
de funcionários especializados, recorreu por 3 (três) oportunidades aos
serviços qualificados do etnólogo Curt Nimuendajú
84
. Em 1921, para chefiar a
chamada “pacificação” dos Parintintin; em 1927, para realizar expedição ao alto
Rio Negro e em 1929, para nova expedição, dessa feita, ao alto Solimões.
Abaixo informamos como se deu sua participação nas três ocasiões em que foi
convocado a prestar seus serviços a essa Inspetoria:
Castro Faria (2002:13-17) informa que “as atividades de Curt
Nimuendajú são adequadamente designadas como de exploração . Nas
primeiras décadas do século o campo intelectual europeu privilegiava as
missões científicas de exploração e instituições especializadas – os museus
84
Curt Nimuendajú nasceu na Alemanha, com o nome de Curt Unkel, em Iena, cidade da
Turíngia, em abril de 1883. veio para o Brasil em 1903, acompanhando uma leva migratória de
alemães e prussianos tendo cursado apenas o curso Secundário, portanto, sem formação
acadêmica. De acordo com Grupioni (1998:173), seu primeiro contato com grupos indígenas
ocorreu no ano de 1905 quando, na qualidade de ajudante de cozinheiro, foi contratado pela
Comissão geográfica e Geológica de o Paulo e toma parte na exploração do rio Aguaperi,
No ano seguinte, passa a conviver com os Apapokuva-Guarani do rio Batalha, quando foi
adotado por esses povos em um ritual denominado Nimongaraí, recebendo o nome de
Nimuendajú, que significa “o ser que cria ou faz o seu próprio lar”. Daí pra frente, Curt passa a
adotar o nome Curt Nimuendajú. Em 1908, permanecendo no oeste paulista trabalha na zona
dos Kaingang, os quais se encontravam em conflito com o pessoal da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil. Em 1909 visita os Kaingang Ofaié e Terena., a serviço do Museu Paulista.
Entra em choque com o Museu Paulista por causa das declarações de seu diretor, Hermann
Von Ihering, que se declarou favorável a extinção de povos indígenas. Quando é inaugurado o
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, é convidado pelo
Coronel Rondon para aderir aos seus quadros. No SPI, toma parte da “pacificação” dos
Kaingang em São Paulo; em 1912 trabalha na Povoação Indígena Araribá, com os Guarani; em
1913 com os Ofaié, Guarani e Kaiguá, no sul do Mato Grosso. Nos anos de 1914 e 1915
trabalha entre os Teme Timbira e fica responsável pela pacificação” dos índios Urubu, no
rio Gurupi. Curt Nimuendajú é demitido do SPI sem concluir a “pacificação”. Com este convite,
Curt Nimuendajú voltou ao SPI em 1921 pelas mãos do Inspetor Bento de Lemos para chefiar
a chamada “pacificação” dos Parintintin. Trabalha no rio Madeira entre os anos de 1921 e
1923, quando é novamente demitido do SPI. Retorna novamente ao SPI e à Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre, agora para uma viagem ao alto Rio Negro, de onde resulta a
criação do Posto Indígena do Uaupés. Em 1929, mais uma vez no SPI, realiza viagem ao alto
Solimões, quando produz relatório com observações etnográficas acerca dos Tikuna. Podemos
dizer que Curt Nimuendajú teve uma participação destacada na gestão do inspetor Bento de
Lemos, no SPI e, particularmente, na Inspetoria do Amazonas e Território do Acre. Curt
Nimuendajú voltaria ainda ao Solimões nos anos de 1941, 1942 e 1945, ano em que faleceu,
no dia 10 de dezembro, em plena área Tikuna.
192
estavam empenhadas em ampliar os seus volumosos acervos de
coleções, provenientes do colonialismo”.(Castro Faria, 2002:13-17).
Curt reuniu coleções etnográficas, com muitas expedições financiadas
por Erland Nordenskiold, as quais foram enviadas para os museus de
Gotemburgo, Hamburgo, Dresden, Leipzig, entre outras Instituições que
financiaram suas explorações. Trabalhou para o Museu Goeldi, em Belém
do Pará.
Abaixo segue quadro das pesquisas de campo realizadas por Curt
Nimuendajú na região amazônica, no período de 1921 a 1932:
ANOS REGIÕES TRIBOS
1921-23 Rio Madeira Parintintin, Mura, Pirahã,
Tora, Matanawi
1922 Ilha de Marajó Escavações
1923 Tapajós, Mariacuã, Maué,
Guiana, Marajó, Caviana
Escavações
1924-25 Tapajós, Trombetas,
Jamundá, Caviana
Escavações
1925 Oiapoque Escavações Palikur, Índios do
Uaçá
1926 Afluentes do Amazonas,
Madeira, Autaz, Tocantins
Escavações Mura,
Munduruku
1927 Rio Negro, Içana, Uaupés Baníwa, Wanána, Tariána,
Tukano, Makú
1928 Tapajós Escavações
1928-29 Maranhão, Goiás Apinayé, Canela, Krikatí,
Krepúnkareye, Pukópue,
Guajajara
1929 Solimões Tukuna
1930 Tocantins, Maranhão Apinayé, Xerente, Krabo,
Canela
1931 Tocantins, Maranhão Apinayé, Canela
1932 Tocantins Apinayé
Tapajós, Manaus
Fonte: Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendajú (2002-18)
193
No rio Madeira O inspetor Bento de Lemos confia a Curt Nimuendajú
a incumbência de chefiar a “pacificação” dos Parintintin, em setembro
de 1921. Como informa Gondim (2001:24), “o auxiliar Curt Nimuendajú
chegou ao local destinado ao posto de pacificação com sua expedição
composta de 22 trabalhadores, 2 carpinteiros e um auxiliar, encarregado
do material”. Curt é bem sucedido em sua empreitada, deixando a
chamada “pacificação” em estágio avançado, ao ser dispensado, por
falta de recursos financeiros, em janeiro de 1923. Ao se afastar do
projeto de “pacificação” dos Parintintin, Curt deixa a situação sob
controle, tendo sido feito contato amistoso, conforme vimos
anteriormente. De sua permanência no Madeira, resultaram vários
relatórios onde Curt fornece uma etnografia acerca dos povos
indígenas habitantes daquela região: Parintintin, Tora, Urupá, Jarú,
Mura, Mura-Pirahá, Matanawi, Tupi, Ntogapid.
No alto Rio Negro Em 1927, Curt Nimuendajú é chamado mais uma
vez para prestar serviços à Inspetoria do Amazonas e Território do Acre.
Dessa feita, sua “missão” seria chefiar uma expedição destinada ao
reconhecimento dos rios Içana, Ayari e Uaupés. O objetivo da expedição
seria, não apenas levantar uma estatística dos povos indígenas
habitantes daquela região, mas fazer uma avaliação criteriosa de como
se encontravam aqueles povos, e escolher o local adequado para se
instalar um posto. O relatório prestado pelo etnólogo é altamente
satisfatório na opinião do inspetor Bento de Lemos, o qual informa no
relatório relativo ao ano de 1927, que “a Inspetoria fora bem inspirada
quando pensou nessa providência, tornada realidade a 15 de setembro,
quando o encarregado Sr. Arruda Cabral fundou em Yauareté-Cachoeira
o posto de proteção aos índios do Uaupés, na fronteira com a Colômbia”
(Lemos, 1927:24-25). O relatório apresentado por Curt traz uma
descrição pormenorizada acerca dos povos indígenas habitantes
daquela região. Mostra, também, a rede de relações que propiciava a
apropriação da força de trabalho indígena, enfim, expõe em que
situação se encontravam os povos do alto Rio Negro.
194
No alto Solimões Em 1929, mais uma vez o inspetor Bento de Lemos
recorre a Curt Nimuendajú: ”Empenhado em colher informações as
mais completas possíveis sobre a verdadeira situação de várias tribos
meio civilizadas e aldeadas, depois de haver organizado um serviço de
assistência que vai colhendo os melhores frutos, entre os Maués,
Mundurucus e Muras, procurei o ano passado fazer chegar até outros
clans domiciliados em regiões mais distantes da sede, a ação desta
Inspetoria. Assim, comissionei o Sr. Curt Nimuendajú, que tão preciosos
serviços vem prestando à causa dos silvícolas brasileiros, para fazer
uma visita à aldeia dos Tikuna, no Solimões, e fornecer a esta Inspetoria
minuciosos informes sobre aqueles aborígenes.” (Lemos, 1929:47).
Como de costume, após concluir uma expedição, Curt Nimuendajú
apresenta um relatório onde constam informações detalhadas sobre os
povos da região visitada: religião, costumes, organização social, enfim,
um conjunto bastante amplo de informações etnográficas.
85
3.5 Situação dos Postos Indígenas ao final da gestão Bento de Lemos:
Conforme relata Lemos (1930-1931:16-18), a redução de verbas
ocorrida no ano de 1931, provocou para a Inspetoria do Amazonas e Território
do Acre uma situação crítica, tendo ele, ainda que de forma constrangedora,
sido obrigado a suspender os serviços de alguns postos indígenas sob sua
jurisdição. Após tal redução, assim ficou o mapa dos postos indígenas, com
respectivo quadro de pessoal:
Posto de Pacificação do Rio Ipixuna (médio) 1 encarregado e 1
auxiliar.
Posto de Pacificação “Antonio Paulo” – 1 encarregado;
85
Vide fotos número 91 a 104, no anexo iconográfico.
195
Posto Indígena “Rodolfo Miranda”, no Rio Jamary 1 encarregado, 1
auxiliar e 1 trabalhador;
Posto Indígena “Marienê”, no rio Seruhiny 1 encarregado e 1
trabalhador;
Posto Indígena “Manuacá”, no rio Tuhiny 1 encarregado e 1
trabalhador;
Posto Indígena do rio Jauapery – 1 encarregado;
Posto Indígena do rio Gregório – 1 encarregado;
Posto Indígena “Capivara”, no rio Autaz-Assú – 1 encarregado;
Posto Indígena do rio Uaupés – 1 encarregado;
Posto Indígena do rio Querarí - 1 encarregado e 1 auxiliar;
Posto Indígena do rio Papurí – 1 encarregado;
Posto Indígena do lago da Josefa – 1 encarregado;
Posto Indígena do Laranjal – 1 encarregado;
Entreposto Indígena de São Gabriel – 1 encarregado
3.6 Sanatório “General Rondon”
Esse estabelecimento estava situado nas dependências do posto
indígena Surumú, próximo à serra do Urubu, em terras centrais localizadas
à margem esquerda do rio Uraricoera, no Município de Boa Vista do Rio
Branco. Foi fundado em 1923 e destinava-se para abrigar indígenas
enfermos , vindos de várias regiões do Estado do Amazonas.
De acordo com Lemos (1927: 84), “a 27 de agosto teve o sanatório a honra
de receber a visita e hospedar o seu ilustre patrono, Sr. General Cândido
Mariano da Silva Rondon, que acompanhado de seu Estado-Maior se dirigia
à região de fronteira com a Venezuela, sendo-lhe feita modesta, porém
carinhosa manifestação, formando, devidamente uniformizado todo o
pessoal, que cantou entusiasticamente os hinos Nacional e da Bandeira”.
No ano de 1931, dispunha esse estabelecimento, de 1 (um) encarregado e
2 (dois) auxiliares
86
.
86
Vide foto número 105, no anexo iconográfico.
196
3.7 Fazenda São Marcos
87
As fazendas nacionais do rio Branco foram criadas em 1787, pelo então
Governador da Capitania de São José do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo
D’Almada. Tinham a finalidade de aproveitar a região para o cultivo de
gado e, ao mesmo tempo, suprir a região de alimentos. Ocupava uma
região fronteiriça importante.
Naquela oportunidade as fazendas da Coroa eram três: São Marcos,
São José e São Bento. Em fins do século XIX, Stradelli (1889) registra que
“o número de bovinos nas três fazendas somava a quantidade de 5114 e
667 eqüinos”.
Em relatório de 1914, o inspetor João de Araújo Amora informa que das
três fazendas, apenas a São Marcos ainda possuía gado.
Segundo consta no histórico da Fazenda São Marcos apresentado por
Bento de Lemos à Comissão de Inquérito em 1931, ela passou para os
cuidados do SPILTN em 15 de fevereiro de 1915. Possuía cerca de 3.842
cabeças de gado.
88
. Funcionaram ali cinco retiros: Pau Rainha, Chiquiba,
Xiriri, Tehú e Milho.
A região do rio Branco foi alvo de “invasões” por parte de fazendeiros
particulares, tendo o inspetor Bento de Lemos demandado várias brigas
judiciais para manter o patrimônio da União. Habitavam nessa região os
povos indígenas Makuxi, Uapixana, Ingaricó e Jaricuna.
Em relatório produzido por Bento de Lemos, após inspeção à região do
rio Branco, em 1916, constam as seguintes informações sobre os povos
indígenas daquela região:
Os Macuxys sempre habitaram os campos e por isso foram os primeiros
a entrar em convivência com os civilizados, que, escravizando-os,
corrompiam-lhes os costumes.
Os Uapixanas habitavam principalmente as serras do lado Leste,
conservando-se até hoje uma grande parte deles na do Quano-quano ou
Canocurutá , como eles denominam. Com a solução do nosso litígio com
a Guiana Ingleza, ficou esta serra, bem como todo o rio Pirarara, de
elevada população indígena brasileira, sob a bandeira da nação ingleza.
87
Vide fotos número 106 a 120, no anexo iconográfico.
88
Vide anexo documental, pág. 199-201.
197
As duas outras tribos. Ingaricós e Jaricunas, localizam-se nas serras que
se estendem para as bandas da Venezuela, permanecendo grande parte
dessas tribos completamente afastadas dos civilizados e mantendo
relações de comércio com os da mesma tribo que ficaram em contato
com os mesmos civilizados.
Depois destas contam-se as tribos dos Porocotós, Manhodons e
Tapiocas, das quais nada se conhece. (Lemos, 1916:18-19).
89
3.8 A Comissão de Inquérito
Em 1931, pelo Ato 193, de 21 de janeiro, o Interventor Federal no
Estado do Amazonas, Álvaro Maia, nomeou “os senhores doutores Manoel
Dias Barroso e Demétrio Hermes de Araújo, Cesário Corrêa Prado, José Frota
de Menezes Costa e Augusto Medeiros para, em comissão, procederem a
rigoroso Inquérito na Inspetoria de Índios deste Estado”
90
.
Demitido do Serviço de Proteção aos Índios, em 31 de janeiro de 1931,
Bento de Lemos enfrentou os rituais próprios do Inquérito.
Dentre as acusações contra a Inspetoria do Amazonas e Território do
Acre incluíam-se, entre outras, dilapidação do patrimônio, comércio indevido e
outras irregularidades cometidas pelos prepostos do inspetor Bento de Lemos
nos postos e aldeamentos indígenas. Havia a acusação no sentido de que
alguns aldeamentos de índios estavam localizados em terras de particulares,
os quais possuíam títulos das terras e os postos e aldeamentos eram
instalados de preferência onde houvesse castanhais. Os delegados e
encarregados de postos eram acusados de utilizar os indígenas na colheita da
castanha. Havia também a acusação de que os indígenas não eram utilizados
na formação de centros agrícolas e pastoris, uma das funções do Serviço de
Proteção aos Índios.
Vejamos a versão do inspetor Bento de Lemos a respeito do Inquérito
movido contra a Inspetoria do Amazonas e Território do Acre:
89
Para aprofundar estudos sobre a região do rio Branco, consultar Santilli (1994) e Farage
(1991).
90
Cf. A Revolução no Amazonas – Resoluções e Atos baixados pelo Interventor federal, Dr.
Álvaro Maia, de 2 de janeiro a 31 de dezembro de 1931:43)
198
Com a vitória do movimento revolucionário de outubro daquele ano,
velhos e tradicionais inimigos do nosso Serviço, encontraram na
confusão tão natural a esses movimentos, terreno propício para semear
terrível campanha de ódio contra esta Inspetoria, de modo a colher
rapidamente os frutos de sua maldade. Era preciso a todo o transe, que
o nosso Serviço desaparecesse e os índios voltassem ao
escravizamento, reeditados os horrores dos tempos das batidas e
descimentos de quatro séculos atrás, porque, assim, os aventureiros
poderiam dispor das terras dos silvícolas, para de lá arrancarem as
riquezas extrativas, impunemente, numa obra de devastação, onde o
crime e a cupidez seriam virtudes a exaltar entre gente civilizada embora
que em prejuízo da própria civilização...(...) O efeito da campanha malsã
e impatriótica, quase que desarticulara o Serviço, pois as notícias
espalhadas pelo,interior do Estado, produzindo aqui o desânimo, ali a
perseguição, adiante o desprestígio, mais além a violência da parte de
autoridades ímprobas a soldo de castanheiros protegidos na capital,
produziram entre o pessoal empregado nos postos verdadeira
desorientação, de modo que, dificilmente, podiam esses nossos
auxiliares manter em calma os índios e conservar mais ou menos
organizados os trabalhos nos postos. (Lemos, 1930-31:1-2)
Depois de oito meses, quando foram apreciados os documentos que
instruíram o processo, colhidos depoimentos de acusação e ouvidas as
alegações de defesa por parte do ex-inspetor Bento de Lemos, em 30 de
setembro de 1931, chega a Comissão à seguinte conclusão:
Por fim, a Fls. 68, chega a Comissão à conclusão das sindicâncias
efetuadas. Todavia, é impressionante a defesa produzida pelo acusado,
a documentação que apresenta e os dados que expõe à Junta merecem
ser acatados. É possível que irregularidades hajam nos serviços dos
índios, entretanto, os presentes autos não revelam em absoluto,
desonestidade ou mesmo falta de cumprimento no dever profissional,
motivo pelo qual opina esta Procuradoria pelo arquivamento do
processo. (Parecer da Comissão de Inquérito, vol1)
Bento de Lemos defendeu-se de forma satisfatória das acusações a ele
imputadas, concluindo a Comissão pelo arquivamento do processo. Nomeado
199
novamente inspetor a 14 de outubro, reassumiu o comando da Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre em 12 de novembro de 1931.
200
201
3.9 Bento de Lemos fora do SPI
Em janeiro de 1933, foi publicada no Diário Oficial de 681, a
distribuição dos inspetores regionais do Ministério dos Negócios do Trabalho,
Indústria e Comércio, feita de acordo com o disposto no Art. 10 do
Regulamento anexo ao Decreto 22.244, de 22 de dezembro de 1932, sendo
o engenheiro Bento Martins Pereira de Lemos designado para assumir a
Inspetoria que compunha os Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. De
acordo com Jacobina (1946), seu sucessor, Benjamin Malcher de Souza, em
seu primeiro relatório, enviado para o Rio de Janeiro e referente ao exercício
de 1932, tem um período lapidar, como justa homenagem a quem tanto havia
emprestado de seu carinho e esforço em prol da causa do índio:
Devo dizer-vos que é de assinalar pelo seu valor histórico, pela
contribuição que fornece à civilização, pelo que representa em trabalhos
e esforços, a obra ciclópica da pacificação de nossos índios, neste
longínquo trecho da Pátria. Em mais de vinte anos de existência, pois
que esta Inspetoria funciona mais de quatro lustros, nem sempre
foram de bonança e calma os dias transcorridos. Os vendavais
desencadeados , representados por sucessivos e tremendos assaltos às
propriedades dos índios, esbulhos, perseguições e outras violências
contra os silvícolas destas plagas, encontraram, porém, para os
subjugar, a resistência rrea, o ânimo destemido e o devotamento
inigualável do Inspetor Bento Lemos. (Souza IN:Jacobina, 1946:183-184)
Ainda sobre Bento de Lemos, em artigo publicado no jornal do Comércio
de 4 de abril de 1919, o diretor de Seção do Ministério da Agricultura e ex-
servidor do SPI, Teóphilo Carvalho Leal, escreveria o seguinte:
É com amor, evitando atritos com as autoridades estaduais, que o Sr. Dr.
Bento Martins Pereira de Lemos zela pelos direitos conferidos aos
índios; garante a efetividade da posse das terras ocupadas por
indígenas; põe em prática os meios eficazes para evitar que os
civilizados invadam as suas terras; faz respeitar a organização interna
das diversas tribos, sua independência, seus hábitos e instituições, não
202
intervindo para alterá-los, senão com brandura e consultando sempre a
vontade dos respectivos chefes; promove, por meios legais, a punição
dos crimes cometidos contra os índios; fiscaliza o modo por que eles são
tratados nos aldeamentos e casas particulares; exerce vigilância para
que não sejam coagidos a prestar serviços e vela pelos contratos que
são feitos com eles para qualquer trabalho; e, finalmente, procura manter
relações e desenvolvê-las com as tribos, velando sempre, sem
descanso, pela segurança e pela tranqüilidade dos filhos das selvas.
Para efeito de síntese, a partir da documentação oficial compulsada,
podemos perceber a ação do inspetor Bento de Lemos, no período em que
esteve à frente da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, sempre
mantendo a proposta de criar o máximo de postos indígenas, pois acreditava
que somente por este caminho poderia incorporar os povos indígenas como
força produtiva na economia nacional.
A principal estratégia da administração de Bento de Lemos era conjugar
os indígenas com a ampliação das atividades econômicas, quer fossem
agrícolas ou extrativas. A integração econômica dos indígenas consistia num
dos objetos mais destacados da Inspetoria. Os projetos econômicos eram
interpretados pela burocracia do SPI como eficazes na incorporação dos
indígenas à civilização (ou à condução dos indígenas ao estado positivo). O
trabalho era uma categoria central nessa estratégia, não obstante consistir, no
mais das vezes, na modalidade da imobilização da força de trabalho.
Durante o seu terceiro lustro como inspetor, Bento de Lemos lançou mão
por duas vezes do trabalho qualificado de Curt Nimuendacomo etnólogo. No
ano de 1927, Curt fez uma viagem ao alto rio Negro e, em 1929 ao alto rio
Solimões. De ambas as viagens resultaram relatórios detalhados sobre os
povos indígenas que habitavam essas regiões, o que muito contribuiu para a
ação do SPI.
Até assumir o cargo de Inspetor Regional do Trabalho em 1932, sendo
lotado no Estado da Paraíba e deixando, portanto, o SPI, Bento de Lemos
manteve a mesma postura que desempenhou ao longo de sua trajetória de 16
203
anos como chefe da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre. Embora
tenha sido arrolado em um inquérito que investigou as ações da Inspetoria sob
seu comando, houve-se bem, defendendo-se e saindo inocentado das
acusações a ele imputadas.
É possível que o desempenho de Bento de Lemos, quando das
formulações de sua defesa no referido inquérito, tenha contribuído para sua
indicação para a chefia da recém criada Inspetoria do Trabalho no Estado da
Paraíba.
4.0 - O SPI entra em colapso?
na História do SPI um período que ficou conhecido internamente por
seus funcionários como o “colapso do SPI”.
Esse período vai de 1930, quando foi criado o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, no qual ficou inserido o Serviço de Proteção aos Índios,
até meados de 1939, ano de retorno do órgão tutelar ao Ministério da
Agricultura.
Nesse período a Inspetoria do Amazonas e Território do Acre entrou em
franca decadência. Para explicar as razões da ineficiência nesse intervalo de
tempo, vários documentos internos do SPI enfatizam a saída do Ministério da
Agricultura. Relatório da Diretoria (fragmentos), de 1935, uma idéia de
como ficou a situação o SPI, no período de 1931 a 1935. Eis parte do teor
desse relatório:
Essa organização, lógica e simples, foi perturbada a partir de 1.931, e, a
tal perturbação, tanto quanto a queda das dotações, se deve o estado de
crescente ineficiência em que caiu o dito Serviço. (...) É esse o quadro
atual do Serviço de Proteção aos Índios devido não a referida
pouquidade (sic) dos recursos, como também...
- Ter a Diretoria do Serviço de Proteção aos Índios, de 1931 a 1934,
perdido a autonomia e o contato com os seus estabelecimentos e
serviços nos Estados, cuja administração passou à Diretoria do
Departamento Nacional do Povoamento (Ministério do trabalho, Indústria
e Comércio) que nada conhecendo do assunto, não podia determinar
204
nenhuma medida acertada, agravando com essa falta de um
conhecimento que não se improvisa, e escassez crescente das verbas.
- De 1934 a 1935, o Serviço de Proteção aos Índios, no Ministério da
Guerra, essa situação agravou-se muito pelos seguintes motivos:
a) queda maior da verba determinando a impossibilidade do
pagamento do reduzido pessoal contratado;
b) os Inspetores do Serviço de Proteção aos Índios, quando no
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, eram os Inspetores
regionais desse Ministério, os quais permaneceram com as verbas
respectivas e apenas, em virtude do artigo do Decreto 24.700, de 12
de julho de 1934, movimentando, transitoriamente, enquanto não fossem
nomeados os inspetores próprios do Serviço de Proteção aos Índios, as
verbas desse Serviço, mas sem funções administrativas definidas e
conseqüente responsabilidade;
c) falta de verba para funcionários próprios da Inspetoria, cuja
nomeação era autorizada pelo decreto de transferência;
d) – em conseqüência dessa falta de inspetores, os serviços nos Estados
ficaram desarticulados, sem orientação próxima e fiscalização
indispensáveis.
É essa a triste situação em que está o Serviço de Proteção aos Índios e
é urgente remediar pelo provimento dos cargos essenciais: inspetores e
auxiliares. (Relatório da Diretoria, 1935:2-3).
Possivelmente no ano de 1943 ou 1944 (o documento está
sem data), foi elaborado um relatório, cujo título, Realizações do Serviço de
Proteção aos Índios no período de 1930 a 1940, mostra a importância do
retorno ao Ministério da Agricultura, ao mesmo tempo em que traz
informações sobre a reinstalação da Inspetoria do Amazonas:
Com o advento do citado Decreto 1.736, de 3 de novembro de 1939,
pode o SPI, em 1940, reiniciar os seus trabalhos, organizando-se com
uma Diretoria na Capital, dividida em duas seções; a cuidando da
parte administrativa, e a superintendendo os trabalhos relacionados à
proteção e assistência aos índios; e reorganizando nos Estados, 6
inspetorias, , 25 ajudâncias e 67 postos indígenas. (...)Quando da
passagem do Sr. Presidente da República por Manaus, foi instalada a
Inspetoria do Amazonas e Território do Acre; ocupando-se o respectivo
205
Inspetor, Major Carlos Eugênio Chauvin
91
, admitido em de julho, a
reaver todo o material daquela Inspetoria; sendo seu principal objetivo
recompor a antiga frota de embarcações, para poder dar início à tarefa
de proteção e assistência aos índios daquelas paragens. (Relatório da
Diretoria, 1943:3-5).
Em discurso pronunciado no ano de 1945, Alberto Pizarro Jacobina,
então inspetor da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, faria um relato
dramático a respeito do período que ficou conhecido como o “colapso do SPI”:
(...) o Serviço de Proteção aos Índios sofreu, o que nós costumamos
chamar de grande colapso. Não cabe aqui entrarmos em apreciações
sobre esse triste fenômeno administrativo, em que esforços inauditos de
vinte anos foram anulados pelo espaço de dez.
Foram dez anos esses de cruciantes privações para este patriótico
Serviço, que se viu privado de sua autonomia, relegado a segundo
plano, perambulando indesejável, de Herodes para Pilatos. Encostaram
seus remanescentes ao Fomento Agrícola. Encravaram-no depois no
Ministério do Trabalho. E o Serviço de Índios, então, fraco e
desprotegido, sentindo a aproximação dos abutres que lhe corvejavam
as ossadas, acoitou-se, prudentemente, no Ministério da Guerra.
(...) Mas não que se perder a fé. Dias alvissareiros estariam ainda
reservados ao S.P.I., após o lamentável colapso. Getúlio Vargas, o
eminente estadista, a quem coube em boa hora a suprema direção dos
destinos do Brasil, ao traçar o seu panorama político administrativo, de
rumo ao Oeste, como verdadeiro sentido de brasilidade, compreendeu
que existia palpitante ainda em nossos recônditos sertões o problema
indígena brasileiro.
(...) Como um indivíduo que volta a si, após prolongada síncope, o S.P.I.
recobrava novo alento, tornava a respirar o oxigênio da confiança e do
prestígio tão necessários ao bom desenvolvimento de suas atividades,
ímpares no conjunto das imprimidas pelos diversos setores do Serviço
Público, retornando ao Ministério de Agricultura. Novas verbas lhe foram
concedidas. Sangue novo viria tirá-lo daquele estado de depressão e
aniquilamento.
Em conseqüência desse patriótico sopro de brasilidade, renasceu, aos
10 de novembro de 1940
92
, a Inspetoria do Amazonas e Território do
91
O Major Carlos Eugênio Chauvin viria a falecer a 3 de março de 1942, vitimado por um
edema pulmonar, em pleno exercício do cargo de inspetor. (cf. Jacobina, 1945:185).
92
Relatório da Diretoria do ano de 1943, informa que a Inspetoria do Amazonas e Território do
Acre foi instalada quando da presença do Presidente Getúlio Vargas em Manaus. Alberto
206
Acre, em sessão inaugural promovida pelo Sr. Major Carlos Eugênio
Chauvin, então nomeado chefe da nova Inspetoria. (Jacobina, 1945:184-
185).
Podemos dizer, a partir dos documentos compulsados, que há dois
períodos distintos na trajetória do SPI em geral, e, particularmente, no
Amazonas:
De sua implantação, em 1911, até 1932, quando da saída de Bento de
Lemos, percebe-se, claramente, a presença do ideário rondonista, a
preocupação na elaboração de relatórios abrangentes, com minuciosas
informações etnográficas, censos indígenas, etc.
A década de 1930 é um período no qual parte do esforço empreendido
pelos três primeiros inspetores, principalmente por Bento de Lemos, viu-se
deixada de lado, ficando a Inspetoria sem autonomia financeira para dar
continuidade ao trabalho que vinha sendo realizado até Bento de Lemos.
Se houve uma reinstalação, conforme registros posteriores, presume-se
que não se encontrava em funcionamento A ausência de documentos
significativos desse período, dão uma mostra do ele representou para o SPI.
Ao ser reinstalado, em 1940 e até 1945, percebe-se que a Inspetoria
havia retomado o fôlego e voltado a trabalhar no mesmo tom que o anterior.
Nessa segunda fase destacam-se os relatórios produzidos pelo Major Carlos
Eugênio Chauvin e Alberto Pizarro Jacobina. A partir de 1946, percebemos
uma queda na qualidade dos relatórios e os ideais rondonistas passaram a ser
deixados de lado. A partir daí, o que se nos relatórios são reclamações de
Pizarro Jacobina (1945:185), diz que a Inspetoria foi reinstalada pelo Major Carlos Eugênio
Chauvin, em 10 de novembro de 1940. Como a presença de Getúlio Vargas se deu no mês de
outubro de 1940, tendo o mesmo pronunciado no dia 10 daquele mês, seu célebre Discurso do
Rio Amazonas , somos inclinados a crer, que a reinstalação da Inspetoria do Amazonas e
Território do Acre aconteceu em 10 de outubro de 1940 e não em novembro, como informa
Jacobina (N.A)
207
falta de verbas e recriminações às gestões anteriores, numa clara
demonstração de que o órgão havia sido tomado pela burocracia.
Sem procurar fazer apologia à figura de Bento de Lemos, pode-se
afirmar que os seus relatórios são dentre os produzidos por inspetores, as
peças mais completas sobre os povos indígenas, produzidas pela Inspetoria
do Amazonas e Território do Acre.
Fazemos tal afirmativa porquanto procedemos à coleta de dados até a
reinstalação da Inspetoria do Amazonas Território do Acre, em 1940, embora,
como foi dito, em termos analíticos tenhamos nos concentrado, sobretudo,
no período de 1910 a 1932
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após compulsarmos parte significativa da documentação produzida
pelos servidores do Serviço de Proteção aos Índios na Inspetoria do Amazonas
e Território do Acre, abrangendo o período que vai de 1910 até 1940, podemos
elaborar algumas considerações a respeito das práticas de gestão em análise.
Pode-se dizer que prevaleceu no período, como linha de conduta, o ideário
rondonista de exaltação ao “selvagem” e de intervenções “civilizatórias”
baseadas na doutrina positivista de Comte.
Nesse sentido, pode-se recuperar o argumento segundo o qual, para
“melhorar” os indígenas, era necessário tirá-los do “primitivismo” em que se
encontravam e levá-los para um “estágio positivo”, considerado tecnológica e
culturalmente mais avançado. E o caminho “natural” fosse a incorporação
desses indígenas, através de sua força de trabalho, tornando-os “produtivos” e
incutindo-lhes, ainda, a racionalidade econômica vigente na chamada
“sociedade nacional”, onde o trabalho organizado é visto pelos positivistas
como a forma que promove o “progresso”.
A escolha dos engenheiros militares Alípio Bandeira, João Araújo
Amora, bem como do engenheiro Bento Martins Pereira de Lemos para a
condução das ações da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, de 1910
a 1932, foi fundamental para que se levasse a cabo aquele ideário.
Durante essas três gestões foi possível perceber uma aparente
continuidade. Elas mostram-se guiadas criteriosamente pela convicção
positivista de Rondon. Imaginava ele que as terras ocupadas pelos indígenas
deveriam ser desenvolvidas economicamente, sob a orientação dos
denominados “patrões”, que eram ou tinham sido responsáveis pela empresa
seringalista e/ou castanheira. Predominava uma interpretação do extrativismo
baseada na lógica dos “patrões” responsáveis pelo sistema de aviamento e
pela imobilização da força de trabalho indígena.
209
O objetivo geral do projeto “civilizatório” era transformar as terras
indígenas em “fazendas produtivas”, sob a direção direta daqueles que
implementavam a empresa seringalista.
No Amazonas, o SPI vai se estruturar burocrática e administrativamente
no mesmo período em que a economia gomífera entra em profunda “crise”. E é
nesse momento que o SPI se empenha em organizar a força de trabalho para
assegurar um processo de produção permanente, abrangendo inclusive outras
formas de extrativismo e de coleta.
Sentindo a queda na arrecadação tributária, o Governo Federal criou
em 1912, o Plano de Defesa da Borracha, com a finalidade de tentar recuperar
a produção gomífera. Entretanto, tal plano seria extinto um ano depois
(Ribeiro: 2005:177). Nesse momento o SPI entrou em cena, com uma “missão
civilizatória” que pode ser lida como meio de incorporar a força de trabalho
indígena ao processo produtivo.
Nesse sentido, aparece e ganha força administrativa a figura dos
denominados delegados, criada por Alípio Bandeira, que transformava
seringalistas em verdadeiros “donos” dos índios, num padrão de tutela nada
deixando a desejar em relação àquele prevalecente na sociedade colonial.
Conforme vimos no relatório apresentado por Curt Nimuendajú, ao
visitar o alto rio Negro, em 1927, para citar um exemplo, a exploração da
força de trabalho de indígenas grassava naquela região, e a única diferença ao
se nomear os delegados era que estes passavam a ser os “donos” daqueles
indígenas, os quais deixavam de ser explorados por muitos para serem
explorados apenas por um: o referido delegado. Nesse processo se buscava
disciplinar a força de trabalho indígena, incorporando-a compulsoriamente às
atividades econômicas. Em outras palavras, entregavam os indígenas nas
mãos dos seus algozes.
O próprio inspetor Bento de Lemos reconhece a ambigüidade na
nomeação de delegados, reforçando essa nossa interpretação:
Verdade que existem delegados nomeados para todas as localidades do
território. Mas a ação dessas autoridades não satisfaz, pois que se trata
de pessoas com interesses opostos àqueles em que são interessados os
índios. Uns são proprietários de seringais, outros negociantes, alguns
210
empregados em repartições do governo territorial ou interessados em
empresas industriais. De sorte que, os delegados somente tomam a
defesa do índio quando está afastada toda e qualquer hipótese de um
prejuízo nos seus interesses pessoais, comerciais ou industriais. (Lemos,
1928:3).
No projeto “civilizatório” que o Serviço de Proteção aos Indios
empreendeu no Estado do Amazonas, ao se nomear os responsáveis pela
empresa seringalista como delegados de índios , duas vertentes de princípios
extremamente diferentes acabaram por se unir. De um lado, o ideário
rondonista, que procurava “melhorar o índio” através de sua incorporação como
trabalhador produtivo, na tentativa de alçá-lo à condição de brasileiro e por
extensão, de “cidadão”. De outro, a empresa seringalista, com todas as formas
de exploração da força de trabalho que lhes eram peculiares, exercia uma
forma de dominação apoiada na tutela. .
Afora as práticas extrativistas, no entanto, notamos a implantação de
projetos agrícolas, principalmente na administração do engenheiro Bento de
Lemos, priorizando-se o cultivo de mandioca, cana de açúcar, arroz, milho,
jerimum, hortaliças e árvores frutíferas. Além disso, em alguns postos
indígenas, havia a criação de porcos, galinhas e gado. Para fazer frente à falta
de recursos financeiros, uma das metas da Inspetoria era a de tornar os postos
indígenas o mais auto-suficientes possível.
A política indigenista no período por nós estudado, não estava
dissociada de uma perspectiva de “progresso”, que correspondia à noção de
desenvolvimento econômico combinado com conhecimento científico. Ciência
e economia seriam indissociáveis nesse mencionado projeto.
Um outro fator observado é o discurso produzido pelo SPI: o indígena
deveria ser protegido, amparado legalmente. Esta formação discursiva,
denotando um rígido padrão de tutela, ganha corpo com o SPI. Corpo esse
formado por militares, nacionalistas e “indianistas”, que seriam os
predecessores do indigenismo no Brasil.
A perspectiva da “tutela”, proposta e defendida pelo SPI, visava delinear
um futuro de êxito garantido aos “povos indígenas”.
O “regime tutelar” (Pacheco, 1988), se consolida como uma instituição
vigorosa, proclamada por militares e positivistas.
211
Embora o SPI tenha sido criado originalmente como SPILTN Serviço
de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais -
percebemos que os “povos indígenas” se distinguem dos trabalhadores
nacionais, porquanto são “regionalmente colocados”. Trata-se de formas
intrínsecas que alimentam uma visão protecionista. Não qualquer
reconhecimento formal das especificidades que marcam cada povo indígena e
delineiam uma complexa diversidade cultural. A condição de “protegidos”
apaga, entretanto, contrastes e diferentes formas de expressão cultural,
comprometendo os objetivos previstos. Isto propicia enfim, uma imagem
homogênea do indígena, “desamparado, desprotegido, e que necessita do
Estado para se manter”, todos os requisitos necessários para compor uma
regra de tutela em tudo singular.
Nesse sentido é que se pode dizer que o trabalho etnográfico de Curt
Nimuendajú, chamado várias vezes para prestar serviços junto à Inspetoria do
Amazonas e Território do Acre, contrasta com aquele do corpo técnico do SPI e
afirma as especificidades , contrariando em parte a proteção homogeneizadora
dos técnicos do SPI e lançando as bases para uma leitura crítica de uma regra
de tutela que perdura atualmente no órgão indigenista oficial.
Ao encontro das idéias de Curt Nimuendajú, Roquette Pinto (1938:304),
embora positivista e amigo pessoal de Rondon, preconizava que o papel social
a ser desempenhado pelo Governo era “proteger” sem “dirigir” nem “aproveitar”
os índios. Para ele, “quem pretender governá-los cairá no erro funesto e
secular; na melhor das intenções, deturpará os índios. O programa será
proteger sem dirigir, para não perturbar sua evolução espontânea”.
No período estudado, embora contando com a dedicação dos
inspetores, as ações do SPI no Amazonas ficaram aquém daquelas que se
propunham inicialmente, não protegendo adequadamente os povos indígenas
contra massacres e expropriação de suas terras.
Em relação ao Território do Acre, é flagrante o abandono em que ficaram
os povos indígenas daquela região, ocorrendo durante o período estudado
várias denúncias de massacres e práticas de trabalho compulsório por parte de
caucheiros peruanos, sem que, contudo, tenha havido uma postura mais
decisiva para por fim a essas práticas por parte da Inspetoria do SPI. Até o
final da gestão Bento de Lemos, em 1932, não foi fundado nenhum posto
212
indígena no Território do Acre. Não podemos afirmar que tenha havido uma
posição deliberada de abandono, pois nos relatórios anuais da Inspetoria,
principalmente na gestão Bento de Lemos, era recorrente o pedido de verbas e
pessoal para dar conta das dificuldades apresentadas. Não tendo, segundo
interpretamos pela leitura dos documentos compulsados, recursos financeiros
suficientes para ampliar seu raio de ação, a Inspetoria fez o que foi possível
dentro dos seus limites orçamentários. Como conseqüência da falta de
recursos, a proliferação do número de delegados foi a “solução” encontrada
pela Inspetoria do Amazonas, cujo contingente chegou a contar com o
expressivo número de 58.
Cabe destacar um fator marcante na atuação da Inspetoria: a busca
constante da via judicial por parte do inspetor Bento de Lemos, na defesa dos
direitos dos povos indígenas. Mas nem sempre obtendo sucesso em suas
demandas.
Percebemos uma contradição intrínseca ao processo desenvolvido pelo
SPI de modo geral, e pela Inspetoria do amazonas e Território do Acre, em
particular. Ao incorporar os povos indígenas na chamada “sociedade nacional”,
acabavam destruindo-os, em certa medida, enquanto povo detentor de uma
cultura própria.
Em todo o processo que se dá durante a trajetória do SPI por nós
estudada, os povos indígenas da região estavam no centro de uma disputa de
poder onde o que estava em jogo era seu próprio futuro.
De um lado o órgão indigenista, com suas leis, decretos, portarias,
discursos. Do outro, pessoas que procuravam extrair ao máximo as riquezas
existentes na região.
Não foi nossa pretensão, com este trabalho, analisar se a prática
empreendida pelo SPI foi benéfica ou maléfica para os povos indígenas
envolvidos no processo.
O que pretendemos, com certeza, é, a partir da experiência
desenvolvida através do Serviço de Proteção aos Índios, na região, propiciar
novas reflexões sobre a política indigenista no Amazonas, em especial, e
sobre forma de contato com esses povos, contato esse hoje a cargo da
Fundação Nacional do Índio FUNAI - órgão responsável pela política
indigenista oficial. Além disso, ao trazer à luz uma documentação, em parte
213
inédita, contribui para novas interpretações e produz condições de
possibilidade para que interpretações mais abrangentes possam ser
realizadas.
Esse trabalho não tem a pretensão, portanto, de esgotar os estudos
sobre o SPI no período estudado, dado que ficaram várias frentes abertas para
estudos mais localizados. Alguns aspectos foram deixados de lado, como, por
exemplo, a questão da educação indígena, na medida em que não seria
possível analisá-la com profundidade. Trata-se, em suma, de um vasto acervo
documental com os comentários e as análises sociológicas elementares a
uma interpretação crítica das práticas administrativas alimentadas pelo
rondonismo no Amazonas.
214
FONTES DOCUMENTAIS E ARQUIVÍSTICAS
Fontes documentais e arquivísticas disponíveis à consulta no Museu do Índio
(RJ) utilizadas no decorrer desta dissertação.
a) Ofícios:
Gestão Alípio Bandeira:
- Ofício 1879, de 14 de novembro de 1911.
- Discurso de instalação da Inspetoria do Estado do Amazonas, proferido no
Paço Municipal de Manaus, no dia 16 de julho de 1911.
Gestão João Amora
- Ofício 888/10-02, ao Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, enviado
pelo diretor interino do SPILTN, José Bezerra Cavalcanti, em 5 de janeiro de
1914.
- Ofício do diretor interino do SPILTN ao diretor geral da Diretoria Geral da
Agricultura, de 9 de setembro de 1914.
Gestão Bento de Lemos
- Ofício 12, apresentado pelo servidor Arthur bandeira, ao Ilmo Sr. Dr. Bento
M. Pereira de Lemos, de 2 de fevereiro de 1923.
- Ofício da Subdelegacia de Polícia do Distrito da circunscrição do Termo de
Borba, de 16 de janeiro de 1932.
- Ofício 801/69, do inspetor Bento de Lemos ao Sr. Dr. L. B. Horta Barbosa,
muito digno Diretor do Serviço de Proteção aos Índios.
215
- Ofício ao Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Comarca de Manicoré enviado pelo
delegado da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, Experides Mendes,
em janeiro de 1932.
- Ofício nº 867, enviado pelo Inspetor Bento de Lemos ao Sr. Dr. Raul Machado
e Silva, M.D. Procurador da República neste Estado, de 8 dse julho de 1926.
- Ofício enviado ao Exmo. Sr. Dr. Alfredo Sá, M. D. Interventor Federal no
Estado do Amazonas, em 14 de dezembro de 1925, pelo Inspetor Bento de
Lemos.
- Ofício enviado ao Exmo. Sr. Dr Alfredo Sá, M. D. Interventor Federal no
Estado do Amazonas, em 1º de julho de 1925, pelo Inspetor Bento de Lemos.
- Ofício enviado ao Inspetor Bento de Lemos, em de março de 1921, pelo
Procurador da República.
- Ofício enviado ao Inspetor Bento de Lemos, em 28 de fevereiro de 1921 pelo
Juízo Federal do Amazonas.
- Ofício 582, de 2 de dezembro de 1930, enviado ao Sr. Ministro da
Agricultura pelo Diretor Interino do S.P.I., José Bezerra Cavalcanti, contendo
“Exposição Sumária sobre o Serviço de proteção aos Índios”.
- Ofício de 45 da Secretaria do Estado do Amazonas. Seção, de 5 de
dezembro de 1917, ao Inspetor Bento de Lemos.
b) Leis
- Lei 941, de 16 de outubro de 1917
- Lei 1.053, de 24 de setembro de 1920.
- Lei 1.144, de 20 de março de 1922.
216
c) Decretos
- Decreto 8.072, de 20 de junho de 1910.
- Decreto 9.214, de 15 de dezembro de 1911.
- Decreto Nº 5.484, de 27 de junho de 1928.
- Decreto Nº 19.433, de 26 de novembro de 1930.
- Decreto Nº 24.700, de 12 de julho de 1934.
- Decreto Nº 911, de 18 de junho de 1936
- Decreto Nº 736, de 6 de abril de 1936.
- Decreto-Lei Nº 1.736, de 3 de novembro de 1939.
- Decreto-Lei Nº 1.794, de 22 de novembro de 1939.
- Decreto-Lei Nº 1.886, de 15 de dezembro de 1939.
- Decreto Nº 10.652, de 16 de outubro de 1942.
d) Regulamentos
- Regulamento a que se refere o Decreto Nº 8.072, de 20 de junho de 1910.
e) Portarias
f) Instruções Internas
g) Relatórios
1. Parciais
Gestão João Amora
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora, em 31 de março de
1912, pelo ajudante eng. João Augusto Zany, relativo à excursão ao Autaz.
217
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante eng.
João Augusto Zany, relativo à excursão de serviço ao rio Jauapery, em 20 de
abril de 1912.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante eng.
João Augusto Zany, relativo à excursão de serviço ao rio Jauapery, em julho de
1912.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo amora pelo ajudante eng.
João Augusto Zany, relativo à viagem ao rio Jauapery, em outubro de 1912.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo Sr. Francisco
Barbosa de Araújo, quanto ao estado em que foi encontrada a extinta
Inspetoria do Território do Acre, hoje fundida a do Amazonas, em 27 de maio
de 1912.
-- Relatório apresentado ao Inspetor João de Araújo Amora, pelo Ajudante
Virgílio Bandeira, sobre a missão dos rios Mutum-paraná e Abunã, de 16 de
julho de 1912.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante Arthur
Deodato Bandeira, prestando informações relativas à missão de que foi chefe,
ao rio Jutahy, em 23 de novembro de 1912.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante
Virgílio Bandeira, sobre viagem aos rios Madeira e Mutum-paraná, de 7 de
novembro de 1914.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante Bento
de Lemos, relativo à excursão ao rio Inahuiny, em 3 de outubro de 1912.
218
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora em 9 de dezembro
de 1912, pelo servidor Domingos Theóphilo de Carvalho Leal, relativo à
inspeção realizada aos aldeamentos da zona do Autaz.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante
Dagoberto de Castro Silva, acerca da missão ao rio Jutahy, em 11 de
dezembro de 1912.
- Relatório apresentado ao inspetor João de Araújo Amora pelo ajudante
Dagoberto de Castro Silva, relativo à excursão ao alto Juruá, em 26 de
dezembro de 1912.
Gestão Bento de Lemos
- Relatório do inspetor Bento de Lemos, sobre inspeção no Rio Branco, no ano
de 1917.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos, pelo encarregado do
posto de pacificação dos índios Parintintin, JoAmaro de Oliveira, referente
aos fatos ocorridos no período de 13 de julho a 8 de agosto de 1922.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo auxiliar José Garcia
de Freitas, ref. excursão realizada de 23 de setembro a 12 de outubro de 1922.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo auxiliar José Garcia
de Freitas, sobre o período de 13 de agosto a de novembro do ano de 1922,
ref. pacificação dos Parintintin.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo auxiliar Amaro José
de Oliveira, ref. ao período de 9 de agosto a 16 de setembro de 1922, sobre
pacificação dos Parintintin.
219
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo Delegado Geral da
Inspetoria de Boa Vista do Rio Branco, Ernesto Evangelista Pereira Pinto, em
dezembro de 1927; 7 pág.
- Relatório da excursão realizada pelo auxiliar Torquato Faria e Souza, aos
postos de pacificação dos ínidos Parintintin nos rios Maicy e Ipixuna, em 1928.
- Relatório apresentado pelo auxiliar José Garcia Freitas ao inspetor Bento de
Lemos, sobre as ocorrências que se passaram no posto de pacificação dos
Parintintin, no período de 16 a 23 de setembro de 1922.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo auxiliar José
Sant’Anna Barros, em 30 janeiro de 1929.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo auxiliar José
Sant’Anna de Barros, ref. fiscalização ao rio Tapauá e seus afluentes (Sem
data).
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo Sr. E. Amarante,
acerca de sua expedição ao rio Maicy, em 1921.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo auxiliar Amaro José
de Oliveira, relativo aos fatos ocorridos de 12 de junho a 12 julho de 1922,
sobre pacificação dos Parintintin.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos, em 21 de outubro de
1925, pelo auxiliar Joaquim Gondim de Albuquerque Lins, relativo à viagem ao
rio Preto, na região do Madeira.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos, em 30 de abril de 1929,
pelo auxiliar Torquato Faria e Souza, relativo à viagem ao rio Madeira.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos pelo administrador Cezar
Ituassú, a respeito de inquérito instaurado no “Sanatório Rondon”.
220
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos, em 5 de abril de 1927,
pelo auxiliar Torquato Faria e Souza, relativo à viagem aos rios Maicy e
Marmelos.
- Relatório apresentado ao inspetor Bento de Lemos, em 2 de julho de 1928,
pelo delegado da Inspetoria do Amazonas em São Gabriel, João Crisóstomo da
Silva.
2. Relatórios do Inspetor
Gestão Alípio Bandeira
- Resumo do relatório da I. R. 1, quanto às atividades do exercício de 1911, por
José Bezerra Cavalcante., 44 pág.
Gestão João Amora
- Relatório apresentado ao Diretor do SPI pelo inspetor João de Araújo Amora,
referente às atividades da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, em 10
de abril de 1914.
Gestão Bento de Lemos
- Relatório apresentado em 28 de fevereiro de 1917 ao Diretor do SPiLTN,
Dr.José Bezerra Cavalcanti pelo inspetor Bento de Lemos, sobre trabalhos
executados pela Inspetoria no período de 18 de abril a 31 de dezembro de
1916; 8 pág.
- Relatório apresentado em 31 de maio de 1918 ao Diretor do SPI, Dr. José
Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento de Lemos, relativo aos trabalhos
executados pela Inspetoria no exercício de 1917; 9 pág.
221
- Relatório apresentado em 17 de janeiro de 1921 ao Diretor do SPI, Dr. L. B.
Horta Barbosa, pelo inspetor Bento de Lemos, referente aos serviços do ano
de 1920; 50 pág.
- Relatório apresentado em 8 de janeiro de 1923, ao Diretor do SPI, Dr. L. B.
Horta Barbosa, pelo inspetor Bento de Lemos, referente ao ano de 1922.; 61
pág.
- Relatório apresentado em 2 de março de 1925, ao Diretor do SPI, Dr. José
Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento de Lemos, relativo ao ano de 1924.
- Relatório apresentado em 3 de janeiro de 1928, ao Diretor do SPI, Dr. José
Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento de Lemos, referente ao ano de 1927;
99 pág.
- Relatório apresentado em janeiro de 1929, ao diretor do SPI, Dr. José Bezerra
Cavalcanti, pelo inspetor Bento de Lemos, referente aos trabalhos realizados
no exercício de 1928; 209 pág.
- Relatório apresentado em 6 de fevereiro de 1930, ao Diretor do SPI, Dr.
José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento de Lemos, referente ao ano de
1929; 110 pág.
- Relatório apresentado em de fevereiro de 1932, ao Diretor do
Departamento Nacional do Povoamento, pelo inspetor Bento de Lemos,
referente aos trabalhos realizados nos exercícios de 1930-1931; 292 pág.
222
3 Da Diretoria.
- Relatório da Diretoria do SPI – Junho 1916 (Incompleto).
- Relatório do Sr. Diretor do SPI ao Exmo Sr. Ministro da Agricultura referente
ao ano de 1921. (Parte ref. à Inspetoria do Amazonas e Acre, 12 pag.)
- Relatório da Diretoria do SPI, de ‘1911 – Fls 24 e 25 (Fragmentos)
4. Relatórios Curt Nimuendajú
- Relatório apresentado em dezembro de 1929, por Curt Nimuendajú sobre a
visita que fez aos índios Tikuna, no alto Solimões; 11 pág.
- Relatório apresentado por Curt Nimuendajú, a respeito da expedição de
reconhecimento ao Alto Rio Negro, 1927.
- Relatório do Segundo reconhecimento, apresentado em fevereiro de 1922,
pelo Auxiliar Curt Nimuendajjú (Sobre a “pacificação” dos Parintintin).
- Relatório apresentado ao Inspetor Bento de Lemos pelo Auxiliar Curt
Nimuendajú, em 19 de abril de 1922 sobre a “pacificação” dos Parintintin.
Relatório da construção do Posto de Pacificação para os índios Parintintin do
rio Maicy-Mirim, apresentado pelo Auxiliar Curt Nimuendajú, em 19 de abril de
1922.
- Relatório dos acontecimentos de 20 de abril a 31 de maio de 1922,
apresentado ao Inspetor Bento de Lemos, pelo Auxiliar Curt Nimuendajú, em
11 de maio de 1922.
223
- Relatório apresentado pelo Auxiliar Curt Nimuendajú ao Inspetor Bento de
lemos, sobre os trabalhos com a pacificação dos índios Parintintin, referente ao
período de 11 de maio a 12 de julho de 1922.
h) Cartas
- Carta enviada ao Sr. Ministro (?) provavelmente pelo Inspetor Bento de
Lemos, em janeiro de 1922.
- Carta ao Ilmo. Sr. Dr. Amora, de 25 de agosto de 1914, enviada pelo
delegado Manoel Alves de Pinho.
- Carta ao Inspetor João de Araújo Amora, enviada pelo Sub-encarregado de
índios do Alto-Tarauacá, Delfim freire, em 28 de abril de 1914.
- Carta enviada ao Inspetor João de Araújo Amora, enviada por Delfim Freire,
de São Felipe, e 30 de junho de 1914.
- Carta do Ajudante Bento de Lemos ao Inspetor João de Araújo Amora, de 23
de agosto de 1914, da Barra do Seruhiny.
- Carta enviada por Delfim Freire, de São Felipe, em 30 de junho de 1914, ao
Inspetor João de Araújo Amora.
- Carta enviada pelo Encarregado de índios na zona do Tarauacá em 12 de
setembro de 1914, Delfim freire, ao Inspetor João de Araújo Amora
- Carta do delegado da Inspetoria Ernesto E. P. Pinto em Boa Vista ao Inspetor
Bento de lemos, de 23 de março de 1929.
- Carta enviada ao Cel Vasconcelos em 13 de maio de 1941, pelo Inspetor
Carlos Eugênio Chauvin.
- Carta enviada ao General Rondon em 29 de julho de 1922, pelo Inspetor do
Amazonas e Território do Acre Bento de Lemos.
224
- Carta enviada ao Inspetor Bento de Lemos em 6 de dezembro de 1929, por
Oscar Avellar de Mello.
- Carta enviada ao Inspetor bento de Lemos em 30 de novembro de 1928, pelo
Prefeito Municipal de Tefé, Ernando Sobreira de Sampaio.
- Carta enviada ao Sr. Horta Barbosa em 3 de dezembro de 1920, pelo Inspetor
Bento de Lemos.
- Carta enviada ao Inspetor Bento de Lemos em 26 de abril de 1917, pelo
delegado no rio Seruhiny, Paulo José da Costa.
i) Outros
- Itinerário das viagens de Manaus aos Postos Indígenas -1930
- Memorial sobre o recenseamento da População Indígena do Estado do
Amazonas e Território do Acre apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Bulhões
Carvalho, M.D. Diretor dos Serviços de Recenseamento e Estatística do
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. – 1930.
- Inspetorias e Postos Inspetorias e Postos do S.P.I. existentes em 1930
Elaborado pela Diretoria. do S.P.I.
- Os Postos Indígenas do SPI (Fragmento de documento do Ministério da
Agricultura, sem data).
- Memorando dirigido ao capitão Alípio Bandeira em 16 de janeiro de 1914,
pelo Ajudante da Inspetoria do Amazonas e Território do Acre, João augusto
Zany.
- Posições aproximadas dos estabelecimentos do Serviço de proteção aos
Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais e Sedes das respectivas
Inspetorias. (1914).
225
- Estatística de algumas posses indígenas, realizada pelo servidor Artur
Deodato bandeira, em 1924.
- Escritura de autorização entre a Inspetoria do Serviço de proteção aos Índios
no Amazonas e Acre e Raymundo de Oliveira Horta, em 1929.
- Requerimento enviado ao Exmo. Sr. desembargador presidente e demais
membros do Superior Tribunal de Justiça do Estado, em 1928, pelo Inspetor
Bento de Lemos.
- Plantas de loteamento indígenas na região do Autaz, elaboradas pelo
Ajudante Dagoberto Castro e Silva, de acordo com a lei 941, de 16 de outubro
de 1917.
- Relação dos Postos e Povoações Indígenas mantidos de acordo com o
decreto nº 9.214, em 1925.
- Planta de Lote de terras denominadas “Marienê”, ocupado por índios Ipurinas
do rio Seruhiny (Purus), Município de brea. Levantamento procedido pela
Inspetoria do SPI no Amazonas e território do Acre de acordo com a Lei
Estadual 941, de 16 de outubro de 1917 e Ofício do Governo do Estado de 18
de junho de 1919
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA. A. W. Berno de. Terras de Quilombo, Terras Indígenas, “Babaçuais
Livres”, “Castanhais do Povo”, Faxinais e Fundos de Pasto: Terras
Tradicionalmente Ocupadas. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006.
226
_____________ Uma Genealogia de Euclides da Cunha. IN: VELHO, Gilberto
(Org.). Arte e Sociedade. Ensaios de sociologia da arte. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1977, 169 pág.
A Revolução no Amazonas. Resoluções e Actos baixados pelo Interventor
Federal, Dr. Álvaro Maia, de (2 de janeiro a 31 de março de 1931). Manáos:
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