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principalmente arcos e flechas. Esse episódio ficou conhecido como a
“pacificação dos Crichanás”
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Ermanno Stradelli escreveu sua versão a respeito do contato entre Barbosa Rodrigues e os
indígenas do Jauapery, pois participou da expedição, na qualidade de fotógrafo: “Partimos
poucos dias antes da Páscoa, em três canoas subimos o rio. Nos primeiros três dias, não
encontramos índios nem traços de índios, e já estávamos desesperando do sucesso. O
Bicudinho, que com as suas duas canoas, melhor equipadas que a nossa, remada apenas por
soldados, sempre precedeu a nossa em por duas ou três horas, com a desculpa de querer
encontrar-se em casa para a festa da Páscoa, deixou-nos e voltou para Moura. Ficamos com
Pedro e Jararaca, e pouco depois da partida do outro, encontramos uma ubá encostada na
margem, e que parecia ter sido deixada por seus donos havia pouco; deixamos dentro dela
presentes, e colocando sinais de pano ao longo do caminho, continuamos, sem outro incidente.
Dormimos, à noite, por precaução, no meio do rio, e na manhã seguinte descemos à terra na
ilhota de Macauá, batizada pomposamente com o nome de Ilha do Triunfo. Podiam ser dez
horas, mal terminamos nosso magro desjejum, quando divisamos algumas ubás, remadas
vigorosamente pelos índios, a subir o rio. Na primeira, em pé, três homens levavam, como um
troféu, os presentes, que tínhamos deixado no dia anterior; vinham pacificamente, não havia
dúvida. Pouco antes de chegar à ilhota, desceram à terra entrando na floresta. Passaram-se
alguns minutos de expectativa; depois de um momento, sobre uma pedra de grés granítico,
que se destaca da cerrada vegetação da floresta, no rio, a oeste da ilha, onde esta fica mais
próxima da terra, apareceu uma vintena de índios, erguendo no alto fechas e arcos, batendo no
peito, gritando, urrando, gesticulando como possessos. O intérprete perguntou o que pueriam,
e com a resposta pacífica que recebeu, o Barbosa foi com uma pequena canoa, ao encontro
deles. Foi o sinal: poucos momentos depois a ilha estava invadida, e os presentes começaram
a ser trocados de parte a parte; os índios davam arcos e flechas, e nós, chapéus, camisas,
calções, facas, etc., que foram-nos entregues para este fim pelo Presidente da Província. Mas
gostavam mais de uma coisa, acima de todas as outras: dos botões, e arrancavam-nos sem
cerimônia, onde quer que os encontrassem, e em poucos minutos, precisaram ser substituídos
por costuras e grampos. Apenas três conservaram, sem que ninguém pudesse desarmá-los, o
arco e as flechas. Em, pelo que foi dito, os caçadores da tribo. Acalmada a primeira fúria,
pudemos obter alguns esclarecimentos e informações, entre as quais uma importante: que se
chamavam crichaná e ririchaná, nome bem conhecido das tribos da Alta Parima. Pouco antes
da noite separamo-nos convidando-os a nos encontrarmos no mesmo lugar, cinco dias depois,
já que voltaríamos com a lancha a vapor, advertindo, porém, que não se assustassem.
Responderam que não tinham medo e que podíamos vir, quando voltássemos com o nosso
mutum mutum, forma onomatopaica com que designaram a lancha a vapor; e que nós não os
enganássemos, porque eles não faltariam. Três dias depois, estávamos em Moura.. Foi feita
uma outra tentativa, para ver se se impedia Pedro e Jararaca de acompanhar-nos, e na manhã
seguinte, partimos a todo vapor para o Jauapiri. Entrementes, foi levantado o relevo do rio.
Pouco antes de chegarmos a Macauá, encontramos uma ubá com sete índios. Paramos, e eles
se aproximaram, sem dificuldade. Convidados para vir a bordo, oferecendo levar a reboque a
ubá, somente quatro aceitaram, e os outros disseram que iam avisar os seus sobre nossa
chegada. Eram quatro rapazes esbeltos, bem feitos, bastante claros, de aspecto inteligente e
de rosto não muito achatado, com as extremidades finas e delicadas, pelo que confirmou-me
em mim a idéia de que pertenciam àquela raça, que a meu ver é mais antiga do país, e cujo
tipo é o macu. Não demonstraram a mínima surpresa, nem mesmo quando a máquina se pôs
em movimento; (...) Repetiram que se chamavam Ririchaná e não Jauapiri. Chegando a
Macauá, como era tarde, não quiseram dormir conosco e pediram-nos que os deixassem em
terra firme, prometendo voltar no dia seguinte, com os outros. Ao amanhecer nossos amigos
estavam de volta e vieram a bordo; e entre outras coisas, foram-lhes presenteadas caixas de
fósforo, mostrando-lhes como usar. O resto dos indígenas não tardou, entre estes, algumas
mulheres; e não só apareceram na ilha,; nossos impacientes amigos lançaram-se na água e a
nado, foram para a terra, onde a primeira coisa que quiseram mostrar aos seus eram os
fósforos, que (como era natural) não se acenderam. Não os quiseram mais, dizendo que só
serviam para nós. Distribuídos os presentes, começou o banquete; porcos-do-mato, aguti,
peixes moqueados com vísceras e tudo, beiju de farinha de mandioca e salsa de pimentão,