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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
BASE DE PESQUISA: EPISTEMOLOGIA E ENSINO-APRENDIZAGEM
LINHA DE PESQUISA: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CURRÍCULO
A HISTÓRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTÓRIA:
histórias ensinadas em Ceará-Mirim
José Evangelista Fagundes
Natal – RN
2006
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1
José Evangelista Fagundes
A HISTÓRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTÓRIA:
histórias ensinadas em Ceará-Mirim
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obtenção do título de Doutor em
Educação.
Orientação: Profa. Dra. Maria Inês Sucupira Stamatto
Natal – RN
2006
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2
Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Fagundes, José Evangelista.
A história local e seu lugar na história: histórias ensinadas em Ceará-Mirim / José Evangelista Fagundes.
– Natal, RN, 2006.
194 p.
Orientadora: Maria Inês Sucupira Stamatto
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas.
Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Ensino fundamental -Tese. 2. História local - Tese. 3. Historiografia - Tese. 4. Ensino de história -
Tese. I. Stamatto, Maria Inês Sucupira. II. Título.
RN/UF/BCZM CDU 37.046.12
3
José Evangelista Fagundes
A HISTÓRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTÓRIA: histórias ensinadas em Ceará-Mirim
Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Inês Sucupira Stamatto
Orientadora – UFRN
____________________________________________________________
Prof. Dr. Iranilson Buriti de Oliveira
Examinador Externo – UFCG
__________________________________________________
Dra. Maria Elizete Guimarães Carvalho
Examinadora Externa – UnP
___________________________________________________________
Profa. Dra. Lindaci Gomes de Souza
Examinadora Externa Suplente – UFPB
____________________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha
Examinador Interno – UFRN
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Aparecida de Queiroz
Examinadora Interna – UFRN
____________________________________________________________
Profa. Dra. Francisca Lacerda de Góis
Examinadora Interna Suplente – UFRN
Tese aprovada em 21 de julho de 2006.
4
Ao meu irmão Zé, de vida tão efêmera e lembrança
tão duradoura.
A Elaila Estelita, minha mãe primeira, de quem nasci
e nunca conheci.
Aos meus amores, Rosinha, Julinha, Pedrinho e,
especialmente, Rodriguinho, que sempre me cobrou
uma das coisas mais raras nos últimos anos: tempo!
com suas palavras: “brinque comigo, pai, só um
pouquinho, por favor!”.
5
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituição à qual devo toda a minha
formação acadêmica, da graduação ao doutorado. Aqui, estudei, morei, trabalhei e militei. A
minha experiência como estudante somou-se à de funcionário. Por tudo isso, devo, muito do
que sou, profissional e pessoalmente, a esta universidade, que merece meu reconhecimento e
gratidão aqui explícitos.
Foram muitas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram com este trabalho.
Entre elas, gostaria de registrar meus agradecimentos:
À professora Inês, pela atenção e apoio, como orientadora, e pela forma como sempre
conduziu as aulas, permitindo que o pensamento de seus alunos fluísse livremente;
Aos professores Rosa Godoy, Regina Célia e Antonio Ferreira, pelas sugestões
durante os Seminários de Pesquisa e Seminários Doutorais;
Aos professores Iranilson Buriti de Oliveira, Maria Elizete Guimarães Carvalho,
Lindaci Gomes de Souza, Raimundo Nonato Araújo da Rocha, Maria Aparecida de Queiroz e
Francisca Lacerda de Góis, por terem aceitado o convite para participarem da Banca
Examinadora e pelas contribuições que com certeza serão úteis para a continuidade do estudo
sobre a temática;
Às minhas irmãs Rosélia, Rosimar e Rosilda, pelo cuidado dedicado aos nossos pais
diante da minha constante ausência;
Aos amigos Marconi Gomes e Marcília Gomes, pelas pertinentes contribuições ao
trabalho;
À amiga Jailma, colega de trabalho e de percurso, tão aguerrida e batalhadora, pelas
sugestões e incentivos;
À República do Assú, nas pessoas das professoras Conceição e Cássia, especialmente
professora Alessandra, pela leitura cuidadosa do texto. Colegas cujas palavras serviram de
estímulo à caminhada;
Aos colegas do Departamento de História da UERN/Assú, especialmente os
professores Gilmar e Rita, pelo apoio que me deram, ao concederem parte de seu tempo
substituindo-me na sala de aula, o que contribuiu para que este trabalho viesse a se tornar
realidade;
6
A Izabella e Milton, alunos do Curso de História de Assú, pela contribuição na
transcrição das entrevistas;
A Vilma e Rachel, pela convivência amiga durante o doutorado;
A Albanita Oliveira, bibliotecária do CCSA, pela orientação técnica prestada e pela
forma atenciosa e prestativa de atendimento aos usuários da biblioteca;
A Glicélia, funcionária da Biblioteca municipal de Ceará-Mirim, pelas informações
prestadas;
Às profissionais da Secretaria Estadual de Educação, especialmente Aliete, da SUEM,
Rita e Maria do Carmo, da SUEF, pela colaboração com dados importantes para o estudo;
Aos funcionários do IDEMA, pela disposição em colaborar com a pesquisa, em
especial Ana Maria e Edivânia;
Às demais pessoas que contribuíram, de forma direta ou indireta, com o trabalho:
Luana Gomes, Fabíola Fagundes, Alessandro Galeno, Lourdes Valentim, Helena, Valdeci,
Grinaura.
Quero externar também a minha gratidão a todos que, mesmo não tendo os seus nomes
aqui expressos, contribuíram de forma muitas vezes desinteressada para a realização do
trabalho, entre eles os funcionários da Biblioteca Municipal de Ceará-Mirim e das Escolas
situadas no município.
Enfim, o meu agradecimento especial:
A Márcia Gurgel, pelo grande incentivo e pelas muitas contribuões que deu a este
trabalho. Agradeço também pela dedicação, durante esses anos, aos nossos filhos, o que me
possibilitou mais tempo para as atividades do doutorado;
Aos meus filhos Júlia, Pedro e Rodrigo, pelo constante carinho e compreensão;
A Juliana, minha enteada, pelo apoio tão necessário no manuseio das novas
tecnologias;
A Carla, pelo apoio no dia-a-dia, que contribuiu para o andamento deste trabalho;
Ao professor Laécio, do município de Ceará-Mirim: a partir de sua intervenção, as
portas dos colégios e da Igreja se abriram para que eu pudesse conduzir as reuniões e demais
atividades junto aos professores colaboradores;
Ao professor Wellington, do município de Ceará-Mirim, por todo o apoio dado em
minhas visitas ao município e pela forma agradável com a qual sempre me recebeu;
7
Ao professor Sérgio, do município de Ceará-Mirim, aluno aplicado e professor
dedicado ao árduo ofício de educador, por me apresentar o município e me fazer chegar até os
professores colaboradores da pesquisa;
A todos os meus alunos do Curso de História da UERN/Assú, razão maior de nossa
capacitação, com os quais compartilhei minhas angústias, sendo sempre compreendido;
Aos professores colaboradores de Ceará-Mirim, exemplos de garra e compromisso
com a educação do município. Apesar das adversidades com as quais lidam na docência,
nunca vi, de suas partes, gestos ou ações de desânimo. Ao contrário, só ânimo e disposição na
busca incansável para fazer o melhor. Meus agradecimentos à forma como se entregaram a
este trabalho, sacrificando fins de semana e outros momentos de suas vidas. A inovação no
ensino de história só se tornará realidade neste país pelas mãos de profissionais com este
perfil;
A Rosinha, a quem devo muito deste trabalho. Do projeto de pesquisa à defesa final,
esteve sempre ao meu lado, como companheira e como colaboradora: incentivou, sugeriu e
interveio. Sem a sua participação, o trabalho não teria a mesma feitura.
8
A VERDADE DIVIDIDA
A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela
Nenhuma das duas era perfeitamente bela
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
9
RESUMO
Pesquisa sobre o ensino de história voltada para a compreensão da prática docente em escolas
do ensino fundamental do município de Ceará-Mirim, localizado no estado do Rio Grande do
Norte. Tem como propósito entender as formas de abordagem da história local em turmas de
5ª a 8ª séries à luz das recentes inovações nos campos da historiografia e do ensino. O estudo
foi conduzido tendo em vista investigar como a história local vem sendo ensinada pelos
professores, bem como refletir sobre as condições necessárias à concretização de um ensino
cujo saber-fazer possibilite romper, por um lado, com os limites do estreito localismo, e, por
outro, com a visão globalizante e negadora das particularidades e das especificidades do local.
Tais questões emergiram da compreensão de que os conteúdos da história local podem se
constituir em componente significativo na produção do conhecimento histórico escolar em
turmas de 5
a
a 8
a
séries. Analisa-se o ensino de história, considerando os depoimentos de três
professores de Ceará-Mirim no que diz respeito às suas concepções de historiografia e de
história enquanto disciplina escolar. A investigação é de natureza qualitativa e teve como
principal estratégia de construção dos dados as entrevistas com os professores. A análise
indica a permanência de práticas docentes que, embora apresentando inovações, trazem
implícita uma hierarquia valorativa em que as temáticas locais ou não são contempladas nos
conteúdos escolares ou aparecem subjugadas à história geral e à história do Brasil,
configurando-se uma relação hierárquica das problemáticas históricas. Ressalta-se, assim, a
necessidade de um saber histórico escolar que considere as especificidades do local sem, no
entanto, desconsiderar as articulações com outras dimensões espaciais.
Palavras-chave: Ensino Fundamental, História Local, Historiografia, Ensino de História,
Ceará-Mirim.
10
ABSTRACT
This Researchis about history education and is directed toward the understanding of teacher
practices in schools of the basic education in Ceará-Mirim, a city located in the state of Rio
Grande do Norte. Its purpose is to understand the approaching forms of local history in 5ª to
8ª grade classrooms in the light of the recent innovations in the fields of the historiografy and
education. The study was done with a view of investigating local history is being taught by
teachers, as well as reflecting on the necessary conditions to the accomplishment of a teaching
whose know how to make possible to break, on the one hand, with the limits of the narrow
`local view`, and, on the other hand, with the globalized view, negating the local
particularitities and especifications. Such questions had emerged as the understanding of what
local history contents can constitute in a significant component in the production of school
historical knowledge in 5ª to 8ª grade classrooms. History education is analyzed, considering
the depositions of three teachers of Ceará-Mirim in reagard to its historiography conceptions
and history as a school subject. This inquiry is of a qualitative nature and had as a main
strategy of data construction from the interviews with the teachers. The analysis indicates the
permanence of teacher practices who, even though presenting innovations, bring an implicit
value hierarchy where the place or thematic places are not contemplated in the school
contents or appear overwhelmed by general history and the Brazilian history, configuring
itself as a hierarchical relation to problematic historical ones. Thus the necessity of having
historical school knowledge, that considers the local especifications, without, however,
ignoring the articulations with other spatial dimensions.
Word-keys: Basic Education, Local history, Historiography, Education of History, Ceará-
Mirim.
11
RÉSUMÉ
Cette recherche traite de l’enseignement d’histoire afin de comprendre la pratique des
enseignants dans des écoles d’enseignement fondamental de la municipalité de Ceará-Mirim
dans l’état du Rio Grande do Norte. Le but est de comprendre les formes d’aborder l’histoire
locale dans les classes de sixième à troisième, à la lumière des récentes innovations dans les
domaines de l’historiographie et de l’enseignement. L’étude a été conduit en vue
d’investiguer comment l’histoire locale est enseignée par les professeurs, ainsi que réflechir à
propos des conditions nécéssaries à la concrétisation d’un enseignement dont le savoir-faire
permette rompre, d’un côté, avec les limites d’une particularisation stricte, et de l’autre, avec
la vision mondialisée qui nie les particularités et les spécificités du local. Ces questions ont
émergé de la compréhension que les contenus de l’histoire locale peuvent constituer une
composante significative dans la production de la connaissance historique scolaire dans les
classes de sixième à troisième. Pour analyser l’enseignement d’histoire sont considérés, dans
cet étude, les témoignages de trois professeurs de Ceará-Mirim en ce qui concerne leurs
conceptions à propos d’historiographie et d’histoire en tant que discipline scolaire.
L’investigation est basée sur des critères qualitatifs et a eu comme principale stratégie de
construction des données les interviews des professeurs. L’analyse indique la permanence de
pratiques d’enseignement qui, malgré des innovations, démontrent de façon implicite une
hiérarchie valorative dans laquelle les sujets locaux soit ne sont pas considérés dans
l’ensemble des contenus scolaires, soit apparaissent soumis à l’histoire générale et à l’histoire
du Brésil, ce qui démontre une relation hiérarchique des problématiques historiques. D’où il
ressort la nécéssité d’un savoir historique scolaire qui considère les spécificités du lieu sans,
pour autant, refuser des articulations avec d’autres dimensions spaciales.
Mots-clés: Enseignement Fondamental, Histoire Locale, Historiographie, Enseignement
d’Histoire, Ceará-Mirim.
12
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadros
Quadro 01 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de história nas
escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte, em nível de graduação.....................
146
Quadro 02 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de história nas
escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte, em nível de pós-
graduação............................................................................................................................
147
Quadro 03 Trabalho isolado tendo como objeto de estudo o ensino de história nas
escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte...........................................................
147
Mapas
Mapa 01 Rio Grande do Norte: Município de Ceará-Mirim........................................... 37
Mapa 02 Rio Grande do Norte: Região Metropolitana de Natal..................................... 38
Mapa 03 Região Metropolitana de Natal........................................................................ 39
Mapa 04 Município de Ceará-Mirim............................................................................... 40
Gráfico
Gráfico 01 Região Metropolitana de Natal: Pessoas responsáveis pelos domicílios sem
instrução ou que têm menos de 4 anos de estudo – 2000..................................................
53
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Região Metropolitana de Natal: População residente total, urbana e rural –
2000....................................................................................................................................
51
Tabela 02 Região Metropolitana de Natal: Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDH-M) – 2000................................................................................................
52
Tabela 03 Porcentagem da Renda Apropriada por Extratos da População, 1991 e
2000.....................................................................................................................................
54
14
LISTA DE SIGLAS
ANDES Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação
ANPUH Associação Nacional de História
CEDES Centro de Estudos Educação e Sociedade
CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
CERES Centro de Ensino Superior do Seridó
CPB Confederação dos Professores do Brasil
DIRED Diretoria Regional de Ensino
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LCE Lei Complementar Estadual
MEC Ministério da Educação
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONU Organização das Nações Unidas
PIB Produto Interno Bruto
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROÁLCOOL Programa Nacional do Álcool
PROLER Programa Nacional de Incentivo à Leitura
PROVÃO Exame Nacional de Cursos
REDEF Rede de Disseminação do Ensino Fundamental
RBH Revista Brasileira de História
RMN Região Metropolitana de Natal
SAEB Avaliação da Educação Básica
15
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEC Secretaria Estadual de Educação e Desportos
SECD Secretaria de Estado da Educação, da Cultura e dos Desportos
SUEF Subcoordenadoria de Ensino Fundamental
SUEM Subcoordenadoria do Ensino Médio
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UnP Universidade Potiguar
UNE União Nacional dos Estudantes
UVA Universidade Estadual Vale do Acaraú
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….......... 18
1 AS ESTRATÉGIAS INVESTIGATIVAS, O CAMPO EMPÍRICO, OS
SUJEITOS………………………………………………………………………....
24
1.1 O QUE FIZEMOS: AS ESTRATÉGIAS INVESTIGATIVAS………………......................... 24
1.1.1 O plano de investigação............................................................................................ 26
1.1.2 A construção dos dados............................................................................................. 28
1.1.3 As entrevistas............................................................................................................ 30
1.2 ONDE ESTAMOS: O MUNICÍPIO DE CEARÁ-MIRIM..................................................... 33
1.2.1 Breve apresentação................................................................................................... 33
1.2.2 O doce Vale da aristocracia açucareira..................................................................... 41
1.2.3 Ceará-Mirim: do passado ao presente....................................................................... 49
1.3 SOBRE OS PROFESSORES COLABORADORES............................................................... 55
2
HISTÓRIA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS……………......…………... 60
2.1 MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE: NOVO MUNDO, NOVO PARADIGMA?........ 60
2.2 HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA: NOVAS QUESTÕES E NOVAS ABORDAGENS..... 71
2.3 A HISTÓRIA LOCAL COMO OBJETO DE ESTUDO.......................................................... 84
3
O ENSINO DE HISTÓRIA: entre reflexões, permanências e mudanças.....…. 95
3.1 O ENSINO DE HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA................................................. 95
3.1.1 A contribuição da comunidade científica.................................................................. 98
3.1.2 Uma nova forma de intervenção estatal: a oposição no poder.................................. 105
3.1.3 Década de 1990: a intervenção em nível nacional (LDB, PCN)................................ 114
3.2 C
ONCEPÇÕES DE HISTÓRIA ENQUANTO DISCIPLINA................................................... 123
3.2.1 Finalidade do ensino de história................................................................................ 123
3.2.2 Os conteúdos trabalhados pelos professores............................................................. 129
3.2.2.1 A utilização do livro didático pelos professores....................................................... 133
4 A INCORPORAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL AO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM..................................................................................................
141
4.1 A
HISTÓRIA LOCAL COMO CONTEÚDO DE ENSINO..................................................... 141
4.2 OS PROFESSORES E A CONCEPÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL: CEARÁ-MIRIM NA SALA
DE
AULA....................................................................................................................
150
17
4.2.1 As escolhas dos conteúdos e das fontes.................................................................... 151
4.2.2 As dificuldades com o ensino de história local......................................................... 159
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 166
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 171
ANEXOS................................................................................................................................. 184
ANEXO A Proposta de Atividades para Grupo de Estudos. Roteiro da primeira entrevista
com professores colaboradores................................................................................................
185
ANEXO B Roteiro da segunda entrevista individual com professores colaboradores.............. 190
ANEXO C Roteiro da terceira entrevista individual com professores colaboradores............... 192
ANEXO D Questionário sobre o Ensino de História................................................................. 194
18
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se constitui em uma análise sobre o ensino de história no
município de Ceará-Mirim, localizado no estado do Rio Grande do Norte, tendo como
propósito entender as formas de abordagem da história local em turmas de 5ª a 8ª séries.
A opção pela história local como objeto de análise neste estudo deve-se, inicialmente,
à nossa experiência como professor-formador em cursos de Pedagogia, História e Geografia
em três instituições de nível superior: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), a Universidade Potiguar (UnP) e a Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).
Na Universidade Potiguar, atuamos nos cursos regulares das unidades localizadas em Natal, e
nas demais instituições, em cursos conveniados com as prefeituras municipais do estado do
Rio Grande do Norte que formam professores em serviço. Nesses cursos, cujos alunos-
professores eram principalmente oriundos dos municípios do interior do estado,
empreendemos esforços no sentido de estimular debates e reflexões sobre a história local,
sistematizando trabalhos que nos permitiram ter acesso à história ensinada de diferentes
municípios do Rio Grande do Norte. Nessa experiência, a história dos municípios aparecia
como condição necessária à execução das atividades propostas durante as aulas e isso acabou
por revelar inúmeras dificuldades por parte dos alunos-professores para abordarem a história
dos municípios aos quais pertenciam. Essas vivências nos mostraram a necessidade de
investigar a organização da história como disciplina escolar para repensar as concepções
históricas e epistemológicas fundamentais para a efetivação do seu ensino, ressaltando a
afirmação da importância do conhecimento sobre o local como componente constitutivo do
currículo escolar.
Essa necessidade está associada à compreensão de que um número relevante de
professores tem pretensões de adotar uma postura metodológica inovadora, mas as limitações
e barreiras didáticas e epistemológicas lhes parecem intransponíveis. Tal realidade traz como
conseqüência um trabalho docente pautado no senso comum, uma vez que a concepção de
história e seu ensino estão restritos aos manuais e às efemérides. Essa visão restritiva
predominante no ensino de história impede que os professores se organizem para considerar
não só as bases conceituais desse campo do saber escolar como o uso de inúmeras fontes e
documentos históricos que poderiam ser incorporados ao processo ensino-aprendizagem.
A vivência nessas instituições nos revelou ainda que, em relação ao Rio Grande do
Norte, são poucas as experiências educativas que incluem, no currículo formal, a história local
19
no nível fundamental de ensino, de 5
a
a 8
a
séries. Apenas nos programas curriculares da 1ª a
4ª séries, podem ser encontradas referências explícitas aos estudos de caráter local. Nos dois
últimos ciclos do ensino fundamental, a existência dessa prática geralmente está condicionada
à iniciativa individual de alguma escola ou educador.
Levados por essas diferentes experiências profissionais, analisamos, então, neste
estudo doutoral, o ensino de história levando em consideração a experiência de três
professores do ensino fundamental (de 5ª a 8ª séries) que moram e trabalham no município de
Ceará-Mirim. Buscamos compreender como os conteúdos da história local são incorporados
ao processo ensino-aprendizagem, tendo por base os depoimentos desses docentes, a quem
chamamos de professores colaboradores ou simplesmente professores. Estes são, portanto, os
sujeitos participantes da pesquisa com os quais interagimos e dialogamos durante o
desenvolvimento da investigação.
Conduzimo-nos na pesquisa tendo em vista as seguintes questões: As formas de
abordagem da história local em Ceará-Mirim vêm sendo conduzidas de modo a possibilitar a
construção de um conhecimento histórico escolar a partir da contribuição efetiva de
professores e alunos envolvidos no processo ensino-aprendizagem? Que condições são
necessárias para a concretização da abordagem de história local cujo saber-fazer possibilite
romper, por um lado, com os limites do estreito localismo, e, por outro, com a visão
globalizante, genérica, negadora das particularidades e das especificidades do local?
Tais questões emergiram da compreensão de que os conteúdos da história local podem
se constituir em componente significativo da produção do conhecimento no ensino de história,
em turmas de 5
a
a 8
a
séries do ensino fundamental.
Analisamos essa particularidade do ensino de história em Ceará-Mirim tendo por base
os depoimentos dos professores colaboradores no que diz respeito às concepções de
historiografia, de história enquanto disciplina e de história local. Consideramos ser possível a
partir dessas concepções identificar as formas de abordagens da história em escolas de 5ª a 8ª
séries do nível fundamental de ensino, bem como situar a história local ensinada no município
inserida no debate atual da historiografia, indicando elementos que poderão contribuir para
sua inclusão numa perspectiva inovadora.
A opção por compreender as formas de ensinar a história na perspectiva dos docentes
se justifica por dois motivos: primeiro, pelo fato de este trabalho ser movido pelo interesse
compartilhado pelo pesquisador e pelos professores de contribuir para a inovação da prática
de ensino de história. Segundo, por entendermos o professor como um dos agentes sociais
20
fundamentais na organização e condução das disciplinas e do processo educativo que ocorre
na escola. O professor é, como bem mostra Bittencourt (2004, p. 50-51),
[...] o sujeito principal dos estudos sobre currículo real, ou seja, o que
efetivamente acontece nas escolas e se pratica nas salas de aula. O professor é
quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ação
fundamental no processo de produção do conhecimento. Conteúdos, métodos
e avaliação constroem-se nesse cotidiano e nas relações entre professores e
alunos. Efetivamente, no ofício do professor um saber específico é
constituído, e a ação docente não se identifica apenas com a de um técnico ou
a de um ‘reprodutor’ de um saber produzido externamente.
Cientes da complexidade que envolve o saber-fazer docente e da importância da ação
desse profissional, como aponta a autora, compreendemos que penetrar nesse universo
conceitual dos professores representa uma tentativa de apreender o significado que cada um
deles atribui às suas formas de conceber e de ensinar a história no ensino fundamental.
A concepção de história que permeia a prática docente é particularmente importante,
pois conforme dizem Cabrini et al. (1986, p.19), “[...] tudo que você faz em sala de aula
depende fundamentalmente de duas coisas: da forma como você encara o processo de
ensino/aprendizagem e da sua concepção de história”. Entendemos também que o fazer
pedagógico, no caso do ensino de história, está relacionado com a concepção de história com
a qual o professor se filia e que tanto aquele quanto esta devem estar coerentes com o
conteúdo selecionado para as atividades em sala de aula. Na verdade, tanto os conteúdos
quanto a metodologia são mediados por uma determinada concepção de mundo e de história,
o que indica uma condição sine qua non entre o fazer pedagógico e a formação teórica do
profissional. Assim, o posicionamento de cada professor sobre a historiografia se faz
necessário para a compreensão da história que é ensinada nas escolas de ensino fundamental
em Ceará-Mirim e, conseqüentemente, para repensar esse ensino no universo desse nível de
conhecimento.
A história se constitui em uma das disciplinas que compõem o sistema educacional e
curricular brasileiro. A escola, por sua vez, cumpre um papel em cada sociedade, seja para
mantê-la tal como se apresenta, seja para transformá-la. A concepção de disciplina escolar que
orienta o trabalho do professor, além de contribuir para localizá-lo no contexto de sua prática
docente, identifica a postura político-pedagógica na qual se pauta a escola. Diante dessa
reflexão, indagamos: As escolas nas quais os professores atuam desfrutam de maior ou menor
21
autonomia com relação aos agentes sociais externos e aos poderes políticos responsáveis pela
educação no país, no estado ou no município? Que relação o saber escolar mantém com outras
formas de conhecimento, como o acadêmico e o que é difundido pelos livros didáticos?
Portanto, o propósito de reconhecer as concepções dos professores é no sentido de demonstrar
sua importância não apenas no que diz respeito ao ensino de história em si, mas ao processo
ensino-aprendizagem como um todo.
O interesse pela história local parte do entendimento de que o local, na condição de
objeto de estudo e de ensino, oferece novas possibilidades de análise, quando confrontado
com escalas espaciais mais amplas, como a regional, a nacional e a mundial. Assim,
procuramos saber se essa história vem sendo incorporada ao processo ensino-aprendizagem e
de que forma isso acontece.
Ceará-Mirim, além de contar com professores que atendem aos critérios que
consideramos necessários ao desenvolvimento desta pesquisa, e da proximidade de Natal (está
a apenas 28 km da capital), colocou-se como um desafio para o trabalho a que nos propomos
realizar na medida em que se encontra entre aqueles municípios considerados ricos em
história
1
. Portanto, os professores não teriam maiores dificuldades em desenvolver atividades
escolares ao considerarem temáticas da história local, supostamente fácil de ser abordada por
apresentar farto conteúdo histórico. No entanto, percebemos que, mesmo entre os professores
graduados na área específica de história, há dificuldades básicas no que se refere à inclusão da
realidade local como conteúdo na construção do conhecimento escolar, especialmente quando
se exigem relações dos eventos locais com lugares e épocas distantes. Isso nos mostrou a
necessidade de traçarmos um perfil da história local ensinada em Ceará-Mirim, à luz da
compreensão dos professores.
A presente pesquisa apóia-se em contribuições historiográficas recentes,
especificamente na Nova História francesa, devido à sua abertura em trabalhar com as
diferenças regionais e com as especificidades dos locais, além de permitir o trabalho a partir
de novas fontes históricas, de novos objetos e de novas abordagens (LE GOFF; NORA, 1976a,
1976b, 1976c), o que tem contribuído para mudanças significativas na escrita e no ensino da
história. A Nova História considera importante a inclusão, a partir de novas abordagens, de
objetos de estudos como a política, a biografia, por certo tempo excluídos ou secundarizados
1
Termo comumente usado por alunos da disciplina Prática do Ensino Fundamental, do curso de História da
Universidade Potiguar. Com isso, eles querem dizer que, no município ao qual se referem, há fartos testemunhos
que dão bastante visibilidade aos elementos da história local, como arquitetura antiga, monumentos,
acontecimentos marcantes, personalidades de referência estadual ou nacional. Os municípios que não atendem a
essas condições são considerados pobres em história.
22
por algumas correntes historiográficas. Assim como a Nova História, a História Social inglesa
e a Nova História Cultural convergem no sentido de favorecer a abordagem do local numa
perspectiva inovadora.
Em que pesem as diferenças entre si, essas correntes se aproximam em alguns pontos,
convergindo para a configuração de uma nova forma de construção historiográfica e de
maneiras inovadoras de ensino. Dentre esses pontos, destacamos: uma certa sensibilidade para
com as diferenças sociais e regionais e, conseqüentemente, para outras interpretações do real;
o reconhecimento de que o saber histórico não é algo absoluto, mas constituído a partir de
múltiplas narrativas, e de que as diversas instâncias que abrangem o real, como o social, o
econômico, o político e o cultural, são igualmente válidas como possibilidades de se
compreender uma determinada sociedade. A desconfiança nas macroabordagens, o apego às
margens e a aceitação de um certo relativismo no campo epistemológico têm desembocado
numa preferência pelo local e o específico, sobre o universal e o abstrato, o que tem levado a
mudanças significativas na produção historiográfica e à proliferação de trabalhos no âmbito
regional e local. A convicção de que a construção intelectual é apenas uma representação das
experiências vividas e do questionamento do caráter universal do conhecimento histórico tem
desdobramentos no campo epistemológico, que, por sua vez, influenciam de forma marcante
as atividades relacionadas com o ensino. A revolução documental à qual se refere Le Goff
(1978), ao incorporar novas fontes históricas, traz ao conhecimento histórico escolar mais
possibilidades de abordagens acerca de questões relacionadas com o espaço vivido pelos
membros da comunidade escolar. Nessa perspectiva, as diversas fontes e muitos eventos
locais poderão se constituir em elementos importantes no processo de reflexão histórica.
Para discutir as questões acima expostas relacionadas com o ensino de história local, o
trabalho está organizado em seis partes, de acordo com a seguinte ordem: esta parte
introdutória, quatro capítulos e as considerações finais.
No primeiro capítulo – As estratégias investigativas, o campo empírico, os sujeitos –,
expomos os elementos que dizem respeito ao caminho que trilhamos: as estratégias
investigativas propriamente ditas: o plano de investigação, a construção dos dados e as
entrevistas, a caracterização do lugar da pesquisa e a apresentação dos professores. O objetivo
dessa contextualização é preparar o leitor para a discussão teórica e para a análise das falas do
professores.
No segundo capítulo – História e desafios contemporâneos –, temos como
preocupação principal mostrar que o atual momento histórico em muitos aspectos é diferente
da modernidade e que, por isso, apresenta determinadas peculiaridades, as quais vêm
23
provocando mudanças substanciais no que diz respeito à fundamentação epistemológica, a
ponto de alguns teóricos questionarem a validade das grandes narrativas enquanto estratégia
de explicação do real. Ou seja, estamos lidando com formas novas de produção do
conhecimento, as quais muitas vezes se confrontam com os parâmetros postos pelo paradigma
da modernidade. Isso, por sua vez, tem trazido mudanças na forma de se conceber e de se
produzir o conhecimento histórico, o que nos levou a estender o debate ao campo
historiográfico. Buscamos, então, no debate historiográfico contemporâneo, justificar o
surgimento de uma nova história local, diferente da história produzida de acordo com os
parâmetros estabelecidos pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
No terceiro capítulo – O ensino da história: entre reflexões, permanências e mudanças –,
apresentamos, parcialmente, a trajetória do ensino de história no Brasil, tendo como
preocupação mostrar as mudanças pelas quais a história enquanto disciplina escolar tem
passado nas duas últimas décadas e em que contexto ela se encontra hoje. Para isso, nos
reportamos aos fóruns privilegiados de debate sobre o ensino, as principais publicações acerca
do tema e tentamos compreender até que ponto há relação entre a produção historiográfica e o
que está sendo ensinado na escola. Por fim, analisamos depoimentos dos professores com o
propósito de mostrar a aproximação ou o distanciamento de suas práticas no que diz respeito
às mudanças que vêm ocorrendo no ensino de história.
No quarto capítulo – A incorporação da história local ao processo ensino-
aprendizagem –, ressaltamos a importância da história local para o ensino fundamental de 5ª a
8ª séries. Nesse sentido, indagamos: Como a história de Ceará-Mirim vem sendo abordada em
sala de aula pelos professores? Compreendemos que a resposta a essa pergunta pode vir a
partir da análise dos conteúdos e das fontes trabalhadas em sala de aula e das dificuldades
encontradas pelos professores, quando da abordagem da história local.
24
1 AS ESTRATÉGIAS INVESTIGATIVAS, O CAMPO EMPÍRICO, OS SUJEITOS
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois
passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte corre dez passos. Por mais
que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve
a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe
de caminhar.
Eduardo Galeano
Este capítulo tem como objetivo expor os elementos que dizem respeito ao caminho
que trilhamos: as estratégias investigativas propriamente ditas: o plano de investigação, a
construção dos dados e as entrevistas, a apresentação do campo empírico da pesquisa e o
perfil dos professores colaboradores. Para tanto, relatamos as preocupações iniciais do projeto
de pesquisa, os caminhos percorridos e (re)construídos, os diversos procedimentos
metodológicos adotados, o perfil dos participantes.
1.1 O QUE FIZEMOS: AS ESTRATÉGIAS INVESTIGATIVAS
Como esta pesquisa trata de uma problemática que lida com dados construídos a partir
de elementos da subjetividade, optamos por conduzir a investigação em uma abordagem que
se insere na perspectiva qualitativa, o que vem justificar a adoção dos instrumentos e das
atitudes sobre as quais discorreremos a seguir.
Construímos os dados a partir de procedimentos como entrevistas, observações livres e
análise do material utilizado e/ou produzido pelos professores colaboradores em suas
atividades docentes ou acadêmicas. A pesquisa qualitativa, com seu caráter
multimetodológico, devido ao uso de variadas fontes e técnicas empregadas na coleta de
dados, permite uma leitura da realidade que inclui a subjetividade necessária à compreensão
de um mundo que, cada vez mais, se expressa não apenas pela sua materialidade, mas também
por meio da imaginação e do simbólico. A abordagem qualitativa abre, assim, perspectivas
25
metodológicas inovadoras com relação tanto à escolha do objeto de estudo quanto às atitudes
investigativas.
A opção por essa abordagem investigativa, inicialmente flexível, comporta a definição
do referencial interpretativo concomitante à coleta de dados e a leituras. Não adotamos, de
início, um referencial teórico de focalização prévia do problema, motivo pelo qual levamos
um certo tempo para a definição dos referenciais de análise. Esse procedimento apontou para
a necessidade de uma busca constante de novos dados e de novas leituras, o que foi feito
durante a maior parte do tempo da pesquisa, conforme a explicação de Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (1998, p. 162):
Em decorrência da feição indutiva que caracteriza os estudos qualitativos, as
etapas de coleta, análise e interpretação ou formulação de hipóteses e
verificação não obedecem a uma seqüência, cada uma correspondendo a um
único momento da investigação, como ocorre nas pesquisas tradicionais. A
análise e a interpretação dos dados vão sendo feitas de forma interativa com a
coleta, acompanhando todo o processo de investigação.
Trabalhamos, pois, com a idéia de que nada é, a priori, dotado de significado próprio.
A realidade é socialmente construída e o significado a ela atribuído está relacionado com as
experiências e as percepções dos agentes sociais. Portanto, alertamos para o fato de que as
interpretações geradas a partir desta pesquisa, envolvendo a compreensão dos professores
sobre o ensino de história, não têm a pretensão de validá-las para outras situações do ensino
desta disciplina. Ao contrário, o ensino de história, mesmo realizado em condições
semelhantes ao que estudamos, tem especificidades que são muito próprias dos contextos nos
quais ele se desdobra. Alunos, professores, recursos didáticos e as condições oferecidas pela
escola e pelo lugar fazem de cada situação de ensino-aprendizagem um momento ímpar,
descartando qualquer tentativa de criação de um padrão único de interpretação. Desse modo, o
presente estudo não se propõe a ser representativo do ensino de história no município de
Ceará-Mirim, mas, tão-somente, compreender formas de concepção e utilização do conteúdo
sobre uma realidade particular, levando em consideração a experiência de três professores que
atuam no município.
26
1.1.1 O plano de investigação
As preocupações iniciais, apresentadas no projeto de pesquisa, foram gestadas a partir
de leituras sobre o ensino de história, mediadas pela nossa experiência como docente em
cursos de formação de professores. Por outro lado, um melhor conhecimento da realidade do
município só foi possibilitado pela investigação exploratória de visitas, inicialmente, sem um
roteiro predefinido. Nessa fase, de junho a setembro de 2002, considerada exploratória,
utilizamos técnicas como a observação livre, conversas informais com professores, visitas a
vários pontos da cidade e da área rural, além de entrevistas com os professores colaboradores.
Elaboramos ainda um mapeamento do campo, o que foi de muita utilidade para a definição do
problema e para a identificação das fontes de informação mais adequadas ao andamento da
pesquisa.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, ao fazerem referência ao plano de investigação,
chamam a atenção para o fato de as pesquisas qualitativas não admitirem regras precisas,
aplicáveis a uma ampla gama de casos, isso devido à natureza diversa e flexível dessas
investigações. A respeito do grau de estruturação prévia, os autores ressaltam:
O foco e o design do estudo não podem ser definidos a priori, pois a realidade
é múltipla, socialmente construída em uma dada situação e, portanto, não se
pode apreender seu significado se, de modo arbitrário e precoce, a
aprisionarmos em dimensões e categorias. O foco e o design devem, então,
emergir, por um processo de indução, do conhecimento do contexto e das
múltiplas realidades construídas pelos participantes em suas influências
recíprocas (
ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 147).
A escolha do objeto de investigação partiu, assim, de inquietações originadas da
prática e de leituras específicas, o que pressupõe o domínio de um certo conhecimento na área
do ensino de história, fruto do trabalho de outros pesquisadores situados em contextos
espaciais e temporais diferentes do nosso. Também conhecíamos parcialmente a história de
Ceará-Mirim, e o seu ensino, através dos memorialistas ceará-mirinenses e dos trabalhos
escolares dos professores do município. Isso permitiu, em nível de projeto, um planejamento
com um certo grau de estruturação. A formulação de algumas questões iniciais, por exemplo,
fazia-se necessária também devido ao fato de o projeto ser submetido a um programa de pós-
27
graduação, que requer uma certa formalidade e rigor teórico-metodológico. A investigação,
no entanto, apontou para a necessidade de mudanças e de reformulações que foram sendo
realizadas com o progresso das leituras e no decorrer do trabalho de campo.
Ainda no projeto inicial, ressaltamos que uma melhor definição do problema e uma
maior clareza teórico-metodológica só seriam possíveis com a evolução do trabalho de
campo. Evitamos, com isso, associações do tipo mecanicista entre a teoria adotada e os dados
obtidos junto ao campo de pesquisa. As estratégias de análise só viriam a ocorrer, também
posteriormente, a partir de uma maior interação entre o pesquisador e os professores
colaboradores. Ou seja, a focalização do problema foi ocorrendo ao mesmo tempo em que os
dados iam sendo construídos e as leituras de natureza teórica eram retomadas, sem que
adotássemos, no início, um plano rígido ou definitivo.
Com a definição do campo empírico – o município de Ceará-Mirim – e a escolha dos
sujeitos da pesquisa, iniciamos a fase exploratória. Nessa fase, os encontros com os
colaboradores e a visita a vários pontos do município serviram para uma melhor focalização
das questões, definição da problemática e das formas de acesso aos dados.
À medida que os encontros aconteciam, permitindo a troca de experiências e de idéias
entre pesquisador e colaboradores, novas estratégias investigativas iam sendo delineadas. As
leituras paralelas ao trabalho de campo também serviram para desencadear um processo
contínuo de reflexão sobre os propósitos e os caminhos que o trabalho deveria trilhar.
A nossa condição de professor de alguns alunos-docentes do município e de
conhecedor de algumas de suas atitudes, diante do ensino da história local, permitiu-nos
iniciar a investigação a partir de algumas idéias preconcebidas que o desenvolvimento da
investigação foi tratando de superar.
Nesse sentido, torna-se interessante a idéia de Biklen e Bogdan, autores que, apesar de
desaconselharem a utilização de hipóteses estabelecidas antes do acesso aos dados empíricos
com o propósito de serem testadas, reconhecem a necessidade de um plano de investigações
de natureza qualitativa. Para eles,
A forma como procedem [os investigadores qualitativos] é baseada em
hipóteses teóricas (que o significado e o processo são cruciais na compreensão
do comportamento humano; que os dados descritivos representam o material
mais importante a recolher e que a análise de tipo indutivo é a mais eficaz) e
nas tradições da recolha de dados (tais como a observação participante, a
entrevista não estruturada e a análise de documentos). Estas fornecem os
parâmetros, as ferramentas e uma orientação geral para os passos seguintes.
28
Não se trata de negar a existência do plano, mas em investigação qualitativa
trata-se de um plano flexível. Os investigadores qualitativos partem para um
estudo munidos dos seus conhecimentos e da sua experiência, com hipóteses
formuladas com o único objetivo de serem modificadas e reformuladas à
medida que vão avançando (
BIKLEN; BOGDAN, 1994, p. 83-84).
Na presente investigação, portanto, a focalização aconteceu de forma progressiva,
tendo início o lançamento de questões com a fase exploratória, e, com a definição dos
referenciais de análise e do campo teórico, o formato final da pesquisa.
1.1.2 A construção dos dados
Conforme apontado na parte introdutória deste texto, os dados desta pesquisa não são
entendidos nem analisados como algo isolado, fixo, mas inseridos em um contexto de
múltiplas relações. Assim, nem sempre se apresentam de forma explícita ao pesquisador,
exigindo que este adote diversos procedimentos metodológicos com o intuito de dar
visibilidade aos propósitos da investigação.
Com essa compreensão, lançamos mão de várias estratégias, tais como entrevistas,
conversas informais, encontros de estudos, observações livres do ambiente vivido pelos
professores – escolas, bibliotecas, residências, feiras livres, eventos festivos – na cidade,
assim como de algumas cerimônias relacionadas com a Semana de Emancipação do
Município. Visitamos também o Vale do Rio Ceará-Mirim e algumas outras localidades da
região.
2
Caracterizamos essas observações como livres, por serem feitas a partir da visita a
lugares e a eventos sem a elaboração de um plano previamente definido, com exceção da
primeira entrevista com os professores. Em cada visita, fazíamos no caderno as anotações de
campo sobre os dados que acreditávamos ter importância para a pesquisa, o que foi
2
Contabilizamos um total de trinta e duas visitas, sendo assim descritas: dezessete exclusivamente à sede do
município, quatro à sede e ao Vale, três exclusivamente ao Vale, quatro às localidades de Rio dos Índios, Boa
Vista e Coqueiros, respectivamente. Nas demais localidades, as visitas tinham como objetivo conhecer um pouco
do dia-a-dia nessas comunidades, no que diz respeito às estratégias de sobrevivência de seus moradores e à
localização dos estabelecimentos de ensino nesses locais. Assim, reservamos quatro dias, distribuídos ao longo
da pesquisa, para visitar nove localidades agrupadas da seguinte forma: Jacoca e Capela; Massangana, Primeira
Lagoa e Gameleira; Santa Tereza e Capela; Maturaia e Aningas. A escolha dessas localidades se deu à medida
que íamos percebendo os seus nomes associados a alguma coisa que nos chamavam a atenção, como:
desenvolvimento da fruticultura irrigada e da pecuária, assentamentos de trabalhadores rurais, destaques nos
livros dos memorialistas locais, o fato de serem supostos redutos de remanescentes indígenas e de
afrodescendentes.
29
confirmado quando da redação do texto final. Dentre as várias técnicas de construção de
dados, as entrevistas com os professores foram as mais importantes, por elas se constituírem
em instrumento importante para apreensão dos significados que atribuíam às suas concepções,
crenças e valores que os interlocutores da pesquisa têm acerca dos temas abordados. Isso
porque, em situação de entrevista, conforme mostra Chizzotti, (1995, p. 85):
Procura-se compreender a experiência que os sujeitos têm, as representações
que formam e os conceitos que elaboram. Esses conceitos manifestos, as
experiências relatadas ocupam o centro de referência das análises e
interpretações, na pesquisa qualitativa.
As entrevistas permitem, também, uma maior interação entre entrevistador e
entrevistados e um contato imediato com a informação desejada, além de facilitar possíveis
correções e esclarecimentos no próprio processo.
Portanto, o conteúdo das entrevistas se constituiu em referência para a análise dos
dados que adotamos, principalmente considerando o fato de que trabalhamos levando em
conta as visões dos professores sobre a história e o seu ensino.
Alguns documentos produzidos pelos próprios sujeitos da pesquisa, para fins
pedagógicos ou acadêmicos, foram considerados na análise, tendo em vista a sua contribuição
para uma melhor compreensão do pensamento dos docentes. Dentre esses documentos,
destacamos as monografias de final de curso (pós-graduação lato sensu) produzidas pelos
professores
3
que, mesmo não sendo utilizadas diretamente em sala de aula, deram pistas
importantes acerca das questões em torno das quais este trabalho se desenvolve. A análise, no
entanto, tem como eixo principalmente os dados obtidos a partir das entrevistas com os
professores. Os demais se revelaram importantes na medida em que contribuíram para uma
melhor compreensão do conteúdo produzido nas entrevistas.
Os depoimentos, assim como as interações com os professores em seus contextos
vivenciais, constituíram-se em estratégias importantes para a percepção de atitudes diante de
problemas da vida contemporânea, bem como das suas expectativas enquanto profissionais.
Os encontros para estudos demonstraram ser bastante produtivos, uma vez que possibilitaram
a reflexão da prática à luz dos pontos de vista de vários autores reconhecidos por uma
3
Os títulos das monografias – O ideal franciscano no Rio Grande do Norte: uma abordagem das práticas
religiosas e A monocultura da cana-de-açúcar e o turismo histórico-cultural no município de Ceará-Mirim
retratam o interesse dos professores por temas locais.
30
literatura específica da área de história
4
. Eram situações em que se constatou uma certa
cumplicidade dos participantes, principalmente no que diz respeito aos desafios encontrados
em sala de aula. Constituíam-se, assim, em uma espécie de acerto de contas entre a nossa
prática – do pesquisador e dos professores colaboradores – e as teorias a que tínhamos acesso
a partir da leitura dos textos distribuídos previamente. Na verdade, os encontros
transformavam-se em espaços de discussão sobre algo que era comum ao investigador e aos
colaboradores: o ensino de história.
A nossa conduta investigativa nos permitiu estabelecer uma relação pautada pela
sinceridade, o que se materializou nos diálogos e nas discussões que mantivemos com os
colaboradores. O trabalho desenvolveu-se, pois, a partir de uma relação de cooperação entre o
investigador e os professores. Desde o começo, expusemos as nossas pretensões acerca da
pesquisa e sobre os critérios de escolha do campo empírico. Essas condições possibilitaram
um diálogo franco e aberto entre o pesquisador e os docentes do município. Não usamos,
portanto, de nenhum mecanismo de subterfúgio que viesse comprometer o acesso ao campo
investigado e às informações que considerávamos necessárias. A cada nova decisão tomada
com relação à metodologia que se desdobrasse nas relações entre o investigador e os
colaboradores, sentíamo-nos na obrigação de esclarecer as mudanças feitas.
A partir de negociações com os professores, optamos por não fazer a identificação
pessoal deles e utilizar pseudônimos. Assim procedendo, pensamos na preservação da
identidade de seus autores e em contribuir para que entre eles não houvesse grandes
resistências a se colocarem de forma aberta aos questionamentos apresentados.
Apesar dos cuidados em preservar a ética como pesquisador, ao não expormos os
sujeitos da pesquisa, procuramos ser fiéis aos dados obtidos para não comprometer os
propósitos do estudo.
1.1.3 As entrevistas
A principal interlocução com o grupo de professores ocorreu por meio da entrevista
semi-estruturada, devido à sua natureza interativa ser mais condizente com o nível de
complexidade requerida pela abordagem do problema. Parte das informações que utilizamos
4
Ver Anexo A.
31
não se revelaria através de instrumentos que contabilizassem dados, tendo como base, por
exemplo, a entrevista estruturada por meio de questionários com perguntas e respostas
fechadas.
Além de ser uma técnica de pesquisa apropriada ao acesso às informações numa
investigação de natureza qualitativa, a entrevista semi-estruturada também se coloca como
uma oportunidade especial que permite aos participantes uma reflexão sobre sua prática
docente. No que se refere à organização dessa técnica, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder
(1998, p. 168), dizem que “[...] de um modo geral, as entrevistas qualitativas são muito pouco
estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas,
assemelhando-se muito a uma conversa”. Tal escolha justifica-se por esse tipo de entrevista
permitir captar o lado mais profundo das informações em que não só os aspectos de ordem
cognitiva estão presentes, mas também aspectos da afetividade.
O propósito principal em cada entrevista era fazer emergir o processo de produção dos
significados construídos pelos professores para compreender as concepções sobre o lugar
reservado à história local no ensino de história. Sendo as questões das entrevistas formuladas
a partir de interesses comuns aos entrevistados e ao entrevistador/pesquisador, elas são
também oportunidades de reflexão sobre o desempenho de suas atividades enquanto
professores.
Durante as entrevistas, mesmo na fase exploratória, recorremos a uma espécie de
roteiro (conforme consta nos anexos) com os pontos de destaque para serem abordados junto
aos professores. Como já afirmamos, às vezes, os entrevistados secundarizavam determinadas
questões e ressaltavam outras, o que, em alguns casos, levou-nos a rever a ordem de
importância dada inicialmente às questões.
A relação de aproximação e de identificação entre o investigador e os colaboradores
no que diz respeito ao trabalho como um todo refletiu-se também nas entrevistas. Procuramos
criar um ambiente de confiança, passando a idéia de que as questões tratadas nas entrevistas
seriam um elo que unia a todos nós, profissionais do ensino de história. Antes de começarmos
as gravações, explicávamos os objetivos da entrevista e o que pretendíamos fazer com o
material delas decorrentes.
Inicialmente, optamos pela realização de duas entrevistas com cada professor, cada
qual com finalidades específicas, seguindo sempre uma tendência crescente à verticalização
da compreensão das questões. Após os primeiros contatos e acertos sobre a participação dos
32
colaboradores, realizamos a primeira entrevista exploratória e individual
5
em torno de alguns
tópicos que considerávamos básicos para quem trabalha com o ensino de história. Esses
tópicos eram apresentados de forma geral e de modo o mais aberto possível para que os
entrevistados pudessem expor seus pontos de vista mais espontaneamente.
Em seguida à exposição de cada ponto em questão, os entrevistados eram estimulados
a falar sobre aspectos outros não contemplados, mas que eles considerassem interessantes.
Essa estratégia se justifica pelo fato de a investigação estar no início e de não haver clareza,
ainda, de todos os aspectos a serem focalizados.
A segunda entrevista, também individual, ocorreu na fase de investigação focalizada,
após a definição das questões centrais da investigação. Essa entrevista apresentou uma
evolução com relação à primeira, uma vez que as questões foram postas focalizando os temas
que iriam, a partir de então, ser explorados no desenvolvimento da tese. Ou seja, as questões
sugeridas poderiam ser reelaboradas, em função de uma melhor compreensão do que estava
sendo posto inicialmente em torno da história enquanto disciplina escolar, da história como
produção do conhecimento e da história local.
Se na primeira entrevista havia o propósito de se levantar a maior quantidade possível
de aspectos relacionados com o objetivo geral da investigação, na segunda havia uma
focalização e um aprofundamento materializados em termos de tópicos e subtópicos,
apresentados, porém, de forma aberta, ou seja, sem pretensão de estabelecer uma relação
rigorosa entre perguntas e respostas. Ao contrário, a idéia era que os entrevistados se
colocassem de forma o mais livre possível, considerando, porém, os objetivos da pesquisa.
As duas entrevistas, no entanto, não foram suficientes para esclarecer alguns pontos
relacionados diretamente com as atividades escolares, como propostas curriculares e
pedagógicas, livros didáticos e condições de trabalho dos professores. Além do mais, alguns
pontos explorados precisavam de novos esclarecimentos. Diante disso, consideramos a
necessidade de uma terceira entrevista. Propusemos, então, questões para serem respondidas
por escrito, sem gravação de áudio, como pode ser verificado no Anexo C.
Assim, consideramos que as estratégias investigativas aqui expostas correspondem às
expectativas de compreensão das formas de abordagens da história local, situando-as quanto
às mudanças recentes no debate acerca da história enquanto conhecimento escolar e enquanto
produção historiográfica. A conjuntura contemporânea vem revelando a necessidade cada vez
5
Ver os roteiros das entrevistas nos Anexos A, B, C.
33
maior de os professores repensarem suas práticas, tendo em vista conquistas recentes no
campo epistemológico nas ciências humanas, em geral, e na história, em particular.
1.2 ONDE ESTAMOS: O MUNICÍPIO DE CEARÁ-MIRIM
1.2.1 Breve apresentação
O município potiguar de Ceará-Mirim está localizado na Mesorregião do Leste
Potiguar e na Microrregião de Macaíba
6
. Abrange uma área total de 739,69 km², o que
corresponde a 1,37% da superfície do estado. Conforme podemos visualizar no mapa 01, os
seus limites territoriais são: ao norte, os municípios de Maxaranguape e Pureza; ao sul, os
municípios de São Gonçalo do Amarante e Ielmo Marinho; a leste, o oceano Atlântico e o
município de Extremoz; e, a oeste, o município de Taipu. A sede municipal está a vinte e oito
quilômetros da capital, Natal, e situa-se à margem direita do rio Ceará-Mirim, cujo Vale se
constitui em um dos principais locais de produção de cana-de-açúcar do estado
7
.
O território que abriga o município tem sua história, originariamente, associada à
presença de grupos indígenas que, antes mesmo da vinda dos europeus – franceses,
holandeses, portugueses –, viviam no local. Os conflitos entre os nativos – aliados aos
franceses – e os portugueses retardaram a posse da Capitania do Rio Grande por parte dos
representantes da Coroa portuguesa. Esses conflitos se deram principalmente na foz do rio
Baquipe, rio Pequeno ou Ceará-Mirim, nome este que, posteriormente, o município toma de
empréstimo.
Inicialmente, a povoação chamada Boca da Mata, hoje Ceará-Mirim, pertencia ao
município de Vila Nova de Extremoz do Norte
8
. Em 9 de junho de 1882, a sede conquista o
status de cidade. A concentração cada vez maior de engenhos, de 5, em 1845, passou para 156
em 1859 (PEREIRA, 1989, p. 41), permitiu o surgimento de um comércio relativamente
promissor, o que atraiu, cada vez mais, moradores da redondeza e de vários outros
6
Além de Ceará-Mirim, a microrregião de Macaíba inclui os municípios de Macaíba, Nísia Floresta, São
Gonçalo do Amarante e São José de Mipibu.
7
Fonte: IDEMA (2005).
8
Vila Nova de Extremoz do Norte corresponde, hoje, ao município de Extremoz.
34
municípios. Durante toda a segunda metade do século XIX e a primeira década do século XX,
Ceará-Mirim ocupou um lugar de destaque no estado do Rio Grande do Norte, produzindo de
1894 a 1910 60% do açúcar potiguar (CASTRO, 1992). Por muito tempo, parte da população
ceará-mirinense dependeu economicamente das terras vizinhas a esse rio, seja trabalhando no
cultivo da cana e de seus derivados, seja trabalhando em outras atividades como a agricultura
de subsistência e a pecuária, que ocupam um espaço marginal nesse cenário.
Originalmente, o desenvolvimento da atividade açucareira vem atender a uma crise de
abastecimento de açúcar no mercado europeu, principalmente o inglês. Isso levou, na primeira
metade do século XIX, a um surto de crescimento da atividade que perdura durante meio
século para, logo em seguida, amargar os efeitos da crise, levando parte dos produtores a
procurarem outras formas de sobrevivência ou se adaptarem a novos padrões de vida e
convívio social.
A atividade açucareira, mesmo passando por situações adversas, foi a responsável pela
formação da elite política e social que vem governando o município desde a sua criação. Uma
sociedade formada inicialmente a partir de uma divisão em que se colocava, de um lado, o
proprietário de engenho ou usina e, do outro, o trabalhador que, escravo ou não, vivia em
condições subumanas. O senhor de engenho, misto de agricultor e industrial, exerceu o
controle absoluto sobre o poder público em todas as esferas, do legislativo ao judiciário. Mas
é na esfera do poder executivo que esse poder é mais expressivo, pois o controle da
administração municipal passava por integrantes das famílias tradicionais ligadas à cultura da
cana-de-açúcar.
O fabricante de açúcar, em crise com o fim do trabalho escravo e com a retração do
mercado internacional, teve que buscar novas formas de trabalho e voltar-se para o mercado
interno, o que não seria feito sem grandes mudanças. As primeiras décadas do século XX são
marcadas pela busca de novas técnicas visando a uma maior produtividade, dentre as quais
destaca-se, além da modernização dos tradicionais engenhos, a criação de usinas. Entre 1913
e 1948, foram criadas quatro usinas em Ceará-Mirim: Ilha Bela (1913), Guanabara e São
Francisco (1929) e Santa Terezinha (1948). Ao entrarem em cena, as usinas mudam a
configuração econômica do espaço canavieiro do município, que passa a concentrar não
apenas a produção do açúcar, mas também das terras nas mãos de poucos usineiros. Em
apenas onze anos (de 1914 a 1925), o Vale perde vinte engenhos de um total de cinqüenta
(CASTRO, 1992). O senhor, morador da casa-grande dos engenhos, passa por uma rápida
transição: do Vale para a cidade, de agricultor e industrial para cargos e funções típicas de
classe média: médicos, advogados, professores, entre outras.
35
As usinas, por sua vez, transformam-se periodicamente, seguindo a lógica do mercado
capitalista que provoca oscilações, de acordo com a tendência dos mercados interno e externo.
Na década de 1970, o governo brasileiro cria o PROÁLCOOL (Programa Nacional do Álcool),
política de incentivo à produção de álcool automotivo, o que levou a uma maior concentração
fundiária por parte do setor da agroindústria, diminuindo cada vez mais a participação das
atividades dos pequenos e médios agricultores nas terras férteis do Vale do Ceará-Mirim.
A chegada da usina no Vale do Ceará-Mirim simboliza a crise de uma época em que
predominava uma sociedade de estilo patriarcal e contribui, decididamente, para a aceleração
de seu fim. Segundo Queiroz (1984, p. 9-10, “[...] nos domínios da usina, que representa o
maior poder econômico local, as relações de trabalho tradicionais são substituídas por
relações tipicamente capitalistas”. A autora ressalta que as transformações intensificam o
processo de proletarização no campo. Essas modificações não indicam, no entanto, que as
condições dos trabalhadores tenham mudado substancialmente. Embora aceleradas na década
de 1970, época estudada por Queiroz, elas remontam à época das primeiras usinas e
representam, definitivamente, o fim de uma sociedade patriarcal. O poder executivo
municipal, porém, tem sido controlado sucessivamente por descendentes das famílias
tradicionais, antigas proprietárias de engenhos, ou pelos que passaram a controlar as usinas de
açúcar e álcool localizadas no Vale.
Atualmente, o poder executivo municipal é exercido por Maria Edinólia Câmara de
Melo, esposa de Geraldo José de Melo, ex-governador, ex-senador da República e usineiro
local, a partir da aquisição das usinas São Francisco e Ilha Bela, no início da década de 1970.
O grupo político liderado pelo usineiro Geraldo Melo tem como aliado, na condição de vice-
prefeito, o proprietário do único engenho em funcionamento do município, Rui Pereira,
descendente de uma das mais tradicionais famílias do município: os Pereira. Os embates
políticos atuais, no entanto, parecem dar lugar a novos personagens saídos dos segmentos
médios, socialmente falando, cuja expressão demorou para se colocar como alternativa
política concreta, mas que nas eleições municipais de 2004 obteve significativa votação,
apesar de não conseguir a vitória
9
.
O papel de destaque da economia do município em nível estadual rendeu à sua elite
prestígio político e social. A expressão máxima desse prestígio deu-se em 1874, quando a
monarquia agraciou com o título de barão o senhor de engenho Manoel Varela do
9
Nas últimas eleições municipais, o resultado para o cargo majoritário foi o seguinte: Maria Edinólia Câmara de
Melo, do PSDB, obteve 15.669 votos; Antonio Marcos de Abreu Peixoto, do PTB, 14.085 votos; Roberto
Pereira Varela, do PAN, 1.675 votos; e Ana Célia Siqueira Ferreira, do PSTU, 201 votos.
(cf. <www.trern.gov.br/eleições/resultado_2004/1_turno/html/16519.html >).
36
Nascimento. Boa parte da memória desse senhor e de sua família encontra-se preservada,
através de prédios, praça e pertences domésticos, assim como das histórias contadas por seus
descendentes, algumas delas registradas em livros.
No auge da produção de açúcar (segunda metade do século XIX e início do século
XX), a elite local buscava acompanhar os sinais de modernidade e progresso da época, o que
se refletia em algumas idéias, no modo de ser de seus integrantes, na aquisição de
maquinários para as fábricas de açúcar, nas construções das residências, na mobília e nos
produtos consumidos, bem como através de iniciativas de grupos que fundavam jornais e
lutavam pela implantação do transporte ferroviário para o município.
Apesar de a economia municipal não se restringir à produção de cana
10
e de seus
derivados, e de as questões políticas e sociais não se limitarem às ações da elite local, a
história do município ensinada nas escolas e divulgada nos livros de seus intelectuais mais
ilustres está voltada para a sociedade açucareira que dominou o cenário político e social
durante o meio século de êxito da produção de açúcar nos engenhos.
Dentre os memorialistas que se firmaram como guardiões da memória local e
produtores de conhecimentos reproduzidos amplamente nas escolas e em vários segmentos da
sociedade local, estão dois representantes dessa elite canavieira: Madalena Antunes Pereira e
Nilo de Oliveira Pereira. Esses escritores exaltam a beleza paisagística do lugar, as qualidades
das pessoas e das coisas, a ordem reinante. A sociedade passada, patriarcal e aristocrática, é
apresentada como modelo ideal de sociabilidade, conforme retratado no próximo subitem.
10
A economia do município é constituída de várias atividades. A cana-de-açúcar ainda desponta,
individualmente, como a principal, mas encontram-se atividades como a pecuária bovina e ovina, a produção de
cereais e o desenvolvimento da atividade turística. Diversas empresas ligadas à fruticultura de exportação
produzem para o mercado interno e externo. Ao mesmo tempo, entram em cena novos agentes sociais ligados ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, juntamente com o INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária) criaram vários assentamentos de trabalhadores rurais que vêm produzindo em
parceria com grandes empresas especializadas em fruticultura irrigada. Para mais informações acerca das
inovações no espaço rural no município de Ceará-Mirim, ver Montenegro (2004).
37
Mapa 01 Mapa político do Rio Grande do Norte. Em destaque o município de Ceará-Mirim e seus limites territoriais.
Fonte:
IDEMA (2005)
38
São Miguel
o
Venha Ver
o
o
o
Luis Gomes
o
o
Riacho
de
Santana
Cel.
João
Pessoa
Sales
Maj.
Dr.
o
Severiano
o
Encanto
o
Água
Nova
o
José
da
Penha
o
Paraná
o
Ten.
Ananias
o
Marcelino
Vieira
o
Rafael
Fernandes
o
Pau dos
Ferros
o
Francisco
São
do
Oeste
o
Dantas
Francisco
o
Alexandria
o
Pilões
o
João
Dias
o
Antônio Martins
o
Frutuoso
Gomes
o
Lucrécia
Almino
o
Afonso
o
Rafael
Godeiro
o
o
Serrinha
dos
Pintos
Martins
o
Viçosa
o
Umarizal
o
da Cruz
Riacho
o
Tabuleiro
Grande
o
Rodolfo
Fernandes
o
Severiano
Melo
o
Itaú
o
Olho D'Água
dos
Borges
o
Patu
o
Messias
Targino
o
o
Campo Grande
o
Caraúbas
o
Apodi
o
Guerra
Felipe
o
Janduís
Triunfo Potiguar
Paraú
o
Upanema
o
o
Governador
Dix-Sept Rosado
Mossoró
o
Baraúna
o
o
Tibau
o
Grossos
Areia Branca
o
Serra do Mel
o
Porto do Mangue
o
Alto do
Rodrigues
o
Carnaubais
o
Pendências
o
Macau
o
Guamaré
o
Pedro Avelino
o
Afonso Bezerra
o
Ipanguaçu
o
Itajá
o
Assu
o
São Rafael
o
Jucurutu
o
Santana do Matos
o
Bodó
o
Angicos
o
Fernando Pedrosa
o
Cerro Corá
o
Lagoa Nova
o
São Vicente
o
o
Ten.
Laurentino
Cruz
Florânia
o
Currais Novos
o
o
dos Dantas
Carnaúba
o
Acarí
o
Cruzeta
o
São José
do Seridó
o
o
o
o
o
de Piranhas
Jardim
Fernando
São
Caicó
Timbaúba
dos
Batistas
Jardim do Seridó
o
o
o
o
o
o
o
do Norte
Serra Negra
São João
do Sabugi
Ipueira
Branco
Ouro
Parelhas
do Seridó
Santana
Equador
o
Galinhos
oo
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
Caiçara
do
Norte
São Bento
do Norte
Grande
Pedra
São Miguel
de Touros
Touros
Parazinho
Jandaíra
Pedra Preta
João Câmara
Pureza
Maxaranguape
Ceará - Mirim
Taipu
Poço
Branco
Bento Fernandes
Jardim
de
Angicos
o Lajes
Extremoz
São Gonçalo
do Amarante
o
Rio
do
Fogo
Ielmo Marinho
Caiçara do
Rio do Vento
o
São Tomé
o
o
Riachuelo
Ruy Barbosa
o
Santa
Maria
NATAL
Macaiba
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
Barcelona
São Paulo
do Potengi
São Pedro
Parnamirim
Lagoa
de Velhos
Sen. Elói
de
Souza
Bom
Jesus
Vera Cruz
São José
de Mipibu
Nísia
Floresta
Monte Alegre
Sítio Novo
Serra
Caiada
Boa Saúde
Lagoa Salgada
Lagoa
de Pedras
Arês
Sen. Georgino
Avelino
o
Goianinha
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
Lajes
Pintada
Campo
Redondo
Santa Cruz
Tangará
São
Bento
do
Trairí
Cel. Ezequiel
Jaçanã
Japi
Monte das
Gameleiras
Serra de
S. Bento
Passa
e
Fica
São José
do
Campestre
Lagoa
D'Anta
Serrinha
Santo
Antônio
Nova Cruz
Brejinho
Passagem
Várzea
Espírito
Santo
Canguaretama
Montanhas
Pedro
Velho
Baía
Formosa
Vila
Flor
Tibau
do Sul
O
C
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Portalegr
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C
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R
P
A
R
A
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T
R
E
Á
B
A
RIO GRANDE DO NORTE
Jundiá
Lei complementar n 152 de 1997 (Lei de criação)
LEGENDA
ELABORAÇÃO: IDEMA/CESE
o
Lei complementar n 221 de 2002
Lei complementar n 315 de 2005
Região Metropolitana de Natal, segundo lei de criação e de inclusão de municípios
o
o
Mapa 02 RIO GRANDE DO NORTE - Região Metropolitana de Natal, segundo lei de criação e de inclusão de municípios.
Fonte: IDEMA (2006)
39
REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL
Mapa 03 Região Metropolitana de Natal.
Fonte: IDEMA (2006)
40
Mapa 04 Município de Ceará-Mirim
Fonte: IDEMA (2005)
41
1.2.2 O doce Vale da aristocracia açucareira
Neste ponto da apresentação do município, convidamos o leitor a fazer uma curta
viagem, dentre outras possíveis, pois os caminhos que poderão levar a Ceará-Mirim são
muitos e cada viajante pode escolher um, entre as trajetórias já traçadas, ou construir novos.
Optamos, então, em fazer uma breve apresentação de Ceará-Mirim a partir de duas obras de
dois de seus filhos: Oiteiro: Memórias de uma Sinhá Moça, de Madalena Antunes Pereira e
Imagens de Ceará-Mirim, de Nilo de Oliveira Pereira.
O nosso olhar, no entanto, é particularmente interesseiro: é um olhar de quem acredita
que o diálogo entre memória e história pode abrir novas possibilidades para o ensino. A
escolha dessas obras também é proposital, uma vez que elas vêm sendo usadas com
freqüência pelos professores do município, inclusive pelos professores colaboradores.
Embarquemos, então, nesta breve viagem.
O livro Oiteiro teve sua primeira edição em 1958 e é considerado o primeiro livro de
memórias feminino do Rio Grande do Norte. Sua autora, Maria Madalena Antunes Pereira,
nasceu em 25 de maio de 1880, no Engenho Oiteiro, em Ceará-Mirim, e faleceu em 11 de
junho de 1959, em Natal. Oiteiro, título do seu único livro, representa, ao mesmo tempo, o
nome do engenho-fazenda, onde ela nasceu e viveu parte de sua vida, e de uma árvore comum
na região, que havia em frente à sua casa, em cuja sombra Madalena testemunhou muitas das
impressões e lembranças de seu tempo de infância, as quais o livro traz ao longo de suas
páginas. Sob a forma de memórias, como o subtítulo aponta, de uma sinhá-moça, a escritora
registra desde suas lembranças mais ingênuas do convívio doméstico entre seus familiares e
os serviçais da casa, até acontecimentos de repercussão em âmbito nacional, como a abolição
da escravatura, por exemplo. A obra insere-se em um ambiente físico e temporal construído
em torno do Vale do Ceará-Mirim, cujo esplendor da aristocracia rural ligada ao açúcar não
fora muito além de meio século. Aí, presenciam-se a decadência do engenho de açúcar e a
ascensão dos engenhos-centrais e das usinas. Nesse contexto, a autora esforça-se para
registrar as transformações por que passa a cultura canavieira, com conseqüências para outras
áreas que apontam para o fim da escravidão, dos senhores de engenhos e dos próprios
engenhos em sua versão clássica, isto é, o engenho como unidade completa de produção de
açúcar, incluindo a plantação da cana, fabricação, refino e transporte do açúcar.
Em Imagens do Ceará-Mirim, publicado em 1969, Nilo Pereira narra as lembranças
retidas em sua fase adulta, construindo discursivamente uma Ceará-Mirim que gostaria que
42
ficasse na memória dos mais jovens. Escrito em tom saudosista e melancólico, o livro,
segundo o próprio autor, não deve ser considerado como documento e nem como história,
apenas como imagens ou memória. Entretanto, ele mistura recordações pessoais com
conteúdos provenientes de pesquisa feita em vários tipos de fontes, o que caracteriza o
trabalho não apenas como fruto das recordações de infância, mas também como uma escrita
com pretensões de natureza historiográfica. Nilo de Oliveira Pereira, filho do coronel Fausto
Varela Pereira e Beatriz de Oliveira Pereira, nasceu em 11 de dezembro de 1909, no Engenho
Verde-Nasce, município de Ceará-Mirim. Deixou sua cidade aos treze anos de idade e foi
para Natal, a capital do estado, onde fez os estudos secundários. Passou rapidamente pelo Rio
de Janeiro e logo depois cursou Direito em Recife, onde fixou residência definitiva a partir de
1931. Faleceu na capital pernambucana em 23 de janeiro de 1992. Teve uma vida intensa no
meio intelectual de Recife e do Nordeste brasileiro, exercendo, entre outras, as funções de
pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, professor universitário, jornalista, historiador e
professor de história e ficcionista. Católico fervoroso, foi vicentino em Ceará-Mirim e
congregado mariano em Natal e em Recife. Exerceu o cargo de secretário de educação no
estado de Pernambuco e de deputado estadual por várias legislaturas. Assim como Madalena
Antunes, de quem era sobrinho, é filho de família ligada à atividade da agroindústria
açucareira, vivendo sua infância entre o Vale do rio Ceará-Mirim e a cidade do mesmo nome.
Como estudante, em Recife, só ia a Ceará-Mirim durante as férias escolares ou, quando
adulto, em visitas esporádicas. Da capital pernambucana, escreveu vários trabalhos sobre sua
terra de origem, inclusive o livro Imagens do Ceará-Mirim.
Em suas trajetórias de vida, Nilo Pereira e Madalena Antunes seguem a tradição dos
filhos da elite rural nordestina em se formar no Recife, de cujas faculdades e colégios
emanavam discursos regionalistas que contribuíam para a formação de uma visão até certo
ponto comum sobre o Nordeste brasileiro. Segundo Albuquerque Jr. (2001), esses lugares,
além de formarem os intelectuais tradicionais do Nordeste, serviam para sedimentar amizades
e para trocar idéias acerca de política, economia, cultura e artes, tanto em nível estadual
quanto em nível nacional. No discurso regionalista, há um certo cruzamento da crise social
vivida pelos filhos dos proprietários rurais com o problema regional, questão que toda uma
produção intelectual, sobretudo literária, influenciada pela sociologia de Gilberto Freyre, vai
tentar equacionar a partir de um discurso comum.
A sociologia freyreana e a produção dos romancistas de 1930 têm na memória a
matéria-prima fundamental. Através de suas lembranças, esses autores reconstroem o
Nordeste de suas infâncias, cujas relações sociais ou já não existiam, ou estavam ameaçadas.
43
Diante das incertezas postas pela crise que solapava as bases tradicionais do seu poder
político e social, essa elite intelectual trabalhava com a perspectiva de uma definição do
Nordeste não apenas em seus elementos convencionais como o espacial, o geográfico, o
econômico e o político, como também no que se referia às suas tradições, à sua memória e à
sua história. Era incentivado o amor à pátria Nordeste, estímulo que se irradiava de
Pernambuco para outros estados, através dos futuros dirigentes das localidades, incluindo aí o
espaço norte-rio-grandense.
Madalena Antunes e Nilo Pereira seguem essa trajetória intelectual e seus escritos
sofrem uma forte influência dessa produção regionalista, contribuindo para a construção de
uma representação, de certa forma comum
11
, do passado ceará-mirinense. Dentre as muitas
semelhanças, exporemos a seguir algumas delas.
Em ambas publicações, Ceará-Mirim e o Vale são tomados como referencial e se
constituem em um espaço de saudade. Os autores falam a partir de um lugar privilegiado da
sociedade à qual pertencem, ou seja, do interior da casa-grande, de uma oligarquia rural ligada
à produção de cana e de açúcar. Ceará-Mirim é lembrada como uma representação imagética,
um lugar idílico, encantado. A esse respeito, Albuquerque Jr. (2001, p. 65) afirma que
A saudade é um sentimento pessoal de quem se percebe perdendo pedaços
queridos de seu ser, dos territórios que construiu para si. A saudade também
pode ser um sentimento coletivo, pode afetar toda uma comunidade que
perdeu suas referências espaciais ou temporais, toda uma classe social que
perdeu historicamente a sua posição, que viu os símbolos de seu poder
esculpidos no espaço serem tragados pelas forças tectônicas da história.
Imagens do Ceará-Mirim e Oiteiro podem muito bem se inserir nas condições de
sentimento postas acima, uma vez que os autores utilizam a memória pessoal como
instrumento de construção de uma nova Ceará-Mirim, mostrando, da forma mais conveniente
possível, a transformação de um mundo que vivia sob o desígnio de toda uma aristocracia
rural. Há uma espécie de reconstrução desse mundo através de uma construção imagética que
11
Devemos ressaltar que há diferenças entre as duas obras, seja em relação ao estilo, seja em relação ao
posicionamento diante de algumas questões. Madalena Antunes, por exemplo, dá um tom mais romanceado ao
seu trabalho, desnuda-se mais em seu texto: sua família passa por dificuldades de ordem econômica, a
aristocracia está em crise, restando-lhe apenas os estudos como perspectiva social. Nilo Pereira impõe um estilo
mais histórico-memorialístico. Ao contrário de Madalena, toma para si o ditado quem é rei nunca perde a
majestade. Assim, a aristocracia açucareira, mesmo destronada, se lhe apresenta como rica, faustosa e hierática,
a exemplo dos engenhos.
44
tenta se impor como referência aos atuais moradores. Esse gesto tem encontrado receptividade
em vários segmentos da sociedade local, como escolas, poder executivo, mídia, instituições
associativas e, também, entre professores, muitos dos quais se entregam à missão de perpetuar
a nova Ceará-Mirim construída através desses livros. A memória se coloca, dessa forma,
como instrumento e como objeto de poder. É um ato deliberado de preservação da lembrança
com o propósito de servir aos interesses daqueles que o executam.
As obras partem da memória pessoal que cada autor tem da sociedade tradicional
formada por uma aristocracia política e econômica ligada, como em boa parte do Nordeste, ao
sistema patriarcal e ao binômio casa-grande-e-senzala. A sensação que se tem é que os
autores, conscientes da perda de um mundo ao qual não se retorna mais, desejam perpetuá-lo
com a publicação de suas memórias. Através das recordações de infância, deduz-se a
existência de um mundo caracterizado por relações idílicas, sem conflitos entre os grupos
sociais.
Ceará-Mirim é lembrada a partir de uma perspectiva que inclui as imagens e os fatos
que levam à construção de um espaço definido como: de tradições, escravista e açucareiro; de
uma verdadeira “civilização” do açúcar, cuja sociedade era formada por sinhás e mães-pretas,
senhores e escravos; de pioneirismo nos campos social, cultural e econômico; de uma nobreza
inteligente e generosa, de bravura e influência política e social que ultrapassavam muitas
vezes os limites municipais, alastrando-se em nível provincial ou estadual e até nacional; de
homens devotados a Deus e dedicados à terra natal, que tratavam os escravos como pessoas
da família; enfim, um espaço apresentado como “um novo paraíso sem o pecado original”,
terra de abundância e opulência, cuja aristocracia, tanto no que diz respeito à política quanto
ao estilo de vida, tinha espírito elevado por ter como referência o mundo europeu
representado por franceses, ingleses ou mesmo portugueses. Isso fazia dessa aristocracia
ligada à atividade canavieira um grupo especial, distinto, por exemplo, da pobreza material e
espiritual representada pela população rural ligada à tradição pecuarista (PEREIRA, 1969).
A partir de uma idealização do passado, surge uma Ceará-Mirim nova, um espaço que
existe apenas através de suas lembranças. Um lugar lírico, poético, que, apesar da existência
de escravos ou de serviçais em condições muito próximas dos cativos, não apresentava
problemas sociais, nem conflitos entre senhores e escravos, pois os senhores eram bastante
generosos para com os mais humildes. No Vale, de onde brotavam “as mais altas canas” do
Nordeste, “[...] até a morte dos engenhos é rica, faustosa, hierática” (PEREIRA, 1969, p. 35);
havia, assim, a imagem idealizada de uma relação social em que, de um lado, encontrava-se o
senhor paternal e generoso, e, do outro, o servo fiel e dedicado, em que o jogo pelo poder
45
parecia se dar apenas entre os extratos da elite proprietária, em que existia uma sociedade
escravocrata e patriarcal sem a prática da concubinagem e sem filhos bastardos. Em contraste
com o resto do estado potiguar, aparece uma Ceará-Mirim onde abundavam recursos e
riquezas, atitudes nobres e sapiência, onde escravos apareciam como “pessoas da família”.
Nesse mundo, já se previa desde a infância o papel que cada indivíduo ocuparia na
sociedade, como mostra a frase “profética” da professora Adele de Oliveira, lembrada por
Pereira (1969, p. 71): “Nilo e Edgar serão bacharéis”. Assim como Nilo e Edgar, nessa
sociedade, o lugar social a ser ocupado por cada pessoa era definido previamente a partir do
lugar ocupado pela família à qual se pertencia.
As publicações têm em comum a construção de uma narrativa que recompõe um
passado naturalizado em que injustiça, preconceito e opuncia são vistos como algo inerente
ao próprio tempo e não fruto da condição social existente. Passado em que a escravidão é algo
natural e Ceará-Mirim, um reino encantado, no qual Patica e Tonha, escravas domésticas, são
consideradas mitos, duendes, “escravas só no nome”.
Pereira se apóia em valores cristãos para expressar a não-defesa da escravidão, no
entanto, chama a atenção para a necessidade de que “[...] não se deve exagerar em termos
falsamente históricos – ou, o que é muito pior, à base de ‘histórias contadas’, quase sempre
um tanto fantásticas – o regime de opressão, pois não raro, havia senhores de escravos que
não os tratavam como coisa ou como simples objeto de compra e venda”. Tal fato, segundo o
autor, “[...] servirá, decerto, para atenuar o rigor com que, via de regra, se concebe a figura
como que inquisitorial do senhor de engenho diante da escravaria” (PEREIRA, 1969, p. 116).
Para comprovar essa afirmação, complementa:
[...] em meio a tanto sofrimento, nos velhos engenhos patriarcais havia quem
soubesse tratar os escravos humanamente. Tonha e Patica são figuras doces,
quase angelicais, que Madalena Antunes Pereira fixou no seu livro ‘Oiteiro’.
Sancha, que foi escrava no Verde-Nasce, era pessoa da família, muito
lembrada por minha mãe. Nenhum sinal de escravidão nessas recordações
amáveis, quando alguns desses anjos negros voltavam como que brancos pela
pureza dos seus gestos e dos seus cantos
(PEREIRA, 1969, p. 116).
De um “mundo quase fabuloso” para o mundo real, no entanto, há uma grande
distância. Este era formado pelo binômio casa-grande-e-senzala, patriarcal e hierarquizado
socialmente, em que alguns homens e mulheres se impunham como proprietários de outros
46
homens e mulheres. Mundo formado por uma minúscula aristocracia beneficiária da riqueza
gerada por milhares de escravos e serviçais que viviam em condições subumanas.
Sociedade na qual nem a natureza escapava da hierarquia. Assim como as pessoas, as
árvores tinham almas distintas. As palmeiras imperiais, por exemplo, tinham “a alma mais
elevada” do que outros vegetais. Ao contrário do cajueiro de Pirangi, que se alastrava pelo
chão numa atitude de vassalagem, as palmeiras imperiais do casarão de José Inácio Fernandes
Barros, em Ceará-Mirim, não se curvavam, cresciam para o alto em postura soberana, própria
das rainhas que jamais perdiam a majestade (PEREIRA, 1969).
A Ceará-Mirim que surge dessa narrativa é construída a partir de um sentimento de
perda que já não ostenta o glamour dos tempos idos em que os engenhos enchiam o Vale de
riqueza, de ação, de progresso, originando com isso uma elite agrária esbanjadora dos parcos
recursos provenientes do empreendimento açucareiro sem se aperceber de sua condição
efêmera que lhe reservara o mercado internacional, bem como dos desafios que teria pela
frente, como mostra um Relatório do Governo do Estado (1907 apud PEREIRA, 1969, p. 150):
Os nossos lavradores, extinta a escravatura e diminuído o preço do açúcar,
não souberam resolver o problema que tinham diante de si e continuaram a
plantar cana, pelos processos antigos, sem nenhuma noção dos recursos rurais
modernos, sem o necessário espírito de associação que, por meio de
sindicatos, os livrasse do intermediário ávido de lucros excessivos, que lhes
emprestava dinheiro a juro de 18% ao ano capitalizáveis em seis meses,
fazendo à vontade o preço do açúcar.
O Relatório contrasta com a idéia contida no livro de Pereira segundo a qual, no seio
da aristocracia, a inteligência e o espírito criador se sobrepunham à riqueza material. Em
verdade, diante da crise pela qual passavam os produtores de açúcar, a cidade e o Vale foram
trocados por centros urbanos como Natal, Recife e Salvador. Isso porque os filhos da pretensa
aristocracia açucareira depositavam toda a esperança em áreas cujas profissões eram típicas
da classe média, como medicina, advocacia e outras profissões que exigiam uma formação de
ensino superior para serem exercidas.
Nilo Pereira e Madalena Antunes lembram daquilo que lhes é interessante,
promovendo para tal uma rígida seleção de suas boas recordações e esquecendo,
deliberadamente, as recordações que poderiam vir a serem comprometedoras. Observa-se,
47
então, a existência de duas memórias, uma revelada e outra oculta. Tal atitude é própria de
quem atribui para si o dever de memória.
Ressaltamos que apesar de na construção da memória se retirarem apenas os
elementos que interessam aos indivíduos ou aos grupos, essa memória não constitui uma
farsa, cabendo ao historiador entender os motivos pelos quais determinados fatos são
escolhidos ou esquecidos.
Na concepção de Le Goff (1994), a memória deve ser compreendida de forma
múltipla, uma vez que não existe uma memória detentora da verdade, que venha resgatar os
fatos tais como ocorreram, pois as memórias são mediadas ideológica e culturalmente. O
autor mostra que devemos nos preocupar com as intenções dos guardiões da memória, pois o
fato de serem selecionados apenas determinados aspectos como memória de uma sociedade
ou grupo já é suficiente para uma reflexão sobre o porquê dessa atitude. Não podemos
esquecer que numa sociedade há vários interesses em jogo e que isso se reflete na memória,
pois os grupos dominantes econômica e politicamente fazem valer suas memórias sobre os
demais, uma vez que
Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes
preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e
dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e o silêncio da história
são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva (
LE
GOFF
, 1994, p. 426).
No que diz respeito a Ceará-Mirim, a construção dessas memórias é uma tentativa de
perpetuar por mais tempo uma dominação que a história já havia condenado ao fim,
considerando o fato de que uma nova sociedade se impunha como algo “inexplorável”, para
usar uma expressão de Nilo Pereira.
Segundo Albuquerque Jr., todo grupo social em crise tenta reter a sua morte, ao deter a
história. Para o autor, “Lutar contra a história é lutar contra a finitude, e é justamente a
memória a única garantia contra a morte, contra a finitude” (
ALBUQUERQUE Jr., 2001, p.
79). Daí, talvez, então, a justificativa de Pereira para escrever não uma obra de cunho
pretensamente histórico, mas de se apegar à memória.
Se considerarmos o fato de que Madalena Antunes nasceu em 1880 e que seus pais
pouco tinham a lhe oferecer como herança, a não ser a educação, isso fica bastante evidente.
No caso de Nilo Pereira, isso fica ainda mais visível, uma vez que ele nasceu em dezembro de
48
1909 e o ano de 1910 representa a demarcação de uma época de crise definitiva para aqueles
que viviam dos frutos da cana no município. Não havia mais dúvida de que a sociedade
agrário-canavieira pertencia ao passado, e que o autor conheceu e viveu num meio social em
que o poder se transferia, então, para aqueles que representavam, sobretudo, os valores
burgueses, ao contrário da impressão que ele tenta passar em seus escritos. Dessa forma, os
memorialistas conseguem transformar um mundo decadente, pelo menos para um
determinado grupo social, os senhores de engenho, em uma época de grande glamour.
Apesar de Pereira (1969) se propor a registrar imagens e lembranças pessoais de
infância, o livro faz referências a temporalidades que são anteriores e posteriores a essa fase
da vida. Ao se valer de um tempo que é anterior à sua existência, o autor se apóia em
informações retiradas de várias fontes documentais. Não é de seu tempo, por exemplo, a
escravatura enquanto instituição, mas é algo marcante em seu texto. Portanto, apesar de
ressaltar que sua obra se coloca no campo íntimo, sem pretensões de ser história ou ter valor
de documento, ele a trata em vários momentos como tal.
Segundo Halbwachs, um dos aspectos que diferenciam a memória da história é o fato
de aquela se constituir em uma corrente de pensamento contínuo, preservando do passado
apenas o que é significativo para o presente. Nesse caso, “[...] a memória de uma sociedade
estende-se até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos dos quais ela é
composta” (HALBWACHS, 1990, p. 84). Esse sentido de grupo não significa unicamente a
aproximação física dos integrantes, mas também a identificação afetiva entre eles. Enquanto
na memória não há linha nítida de separação entre passado e presente, na história, ao
contrário, há separação entre essas duas temporalidades, constituindo-se um dos seus
objetivos o restabelecimento dessa continuidade interrompida. A memória coletiva é o
passado contido na prática dos grupos ou de comunidades inteiras.
Os autores construíram uma memória que tem servido de referência na
contemporaneidade para vários segmentos da cidade, como escolas, poder executivo, mídia,
instituições associativas, entre outros. Isso se assemelha ao que Albuquerque Jr. (2001, p.79)
preconiza ao mostrar que
O discurso tradicionalista toma a história como o lugar da produção da
memória, como discurso da reminiscência e do reconhecimento. Ele faz dela
um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos do passado, de
reconhecerem uma região já presente no passado, precisando apenas ser
anunciada. Ele faz da história o processo de afirmação de uma identidade, da
continuidade e da tradição, e toma o lugar de sujeitos reveladores desta
verdade eterna, mas encoberta.
49
A memória é entendida como fonte e não como produto final para os profissionais da
história, sejam aqueles que se ocupam exclusivamente da pesquisa e escrita da história, sejam
aqueles que se ocupam do ensino. Se para os povos sem escrita a memória é o repositório dos
feitos e fatos do passado, para as sociedades modernas e contemporâneas a memória se
reveste de novos significados, cabendo aos que lidam com o ensino e com a escrita da história
a tarefa de problematizá-la à luz dos questionamentos atuais.
Dessa forma, história e literatura se cruzam, podendo o historiador utilizar o texto
literário, conforme nos aponta Pesavento (2005, p. 113), “[...] não mais como uma ilustração
do contexto em estudo, como um dado a mais, para compor uma paisagem dada”, mas “[...]
como porta de entrada às sensibilidades de um outro tempo, justo como aquela fonte
privilegiada que pode acessar elementos do passado que outros documentos não
proporcionam”.
1.2.3 Ceará-Mirim: do passado ao presente
A tão decantada riqueza originária da cultura canavieira, conforme vimos no item
anterior, deixa suas marcas não apenas nas lembranças dos descendentes das famílias
tradicionais, como também em muitos aspectos da vida da população. Se os engenhos foram
centro de riqueza onde uma aristocracia viveu dias de esplendor e glamour, as formas de
produção e distribuição dessa riqueza também determinaram os rumos dos milhares de
munícipes que, não fazendo parte da elite proprietária, sofreram as suas conseqüências. Ceará-
Mirim vive atualmente uma realidade bastante diferente da que os memorialistas trazem em
seus livros. Apresentaremos aqui alguns dados que, embora não estejam atualizados,
expressam uma realidade que, acreditamos, ainda persiste sem mudanças significativas.
Ceará-Mirim constitui, juntamente com outros oito municípios, a Região
Metropolitana de Natal (RMN)
12
, destacando-se como o maior município, com uma área de
739,69 km², equivalente a 1,3% da superfície estadual (MAPA 03). As Regiões
Metropolitanas surgem no Brasil a partir da década de 1960 para suprir algumas necessidades
impostas pela crescente urbanização provocada pelo acelerado desenvolvimento industrial.
Problemas criados a partir do uso comum de áreas freqüentadas por moradores de municípios
12
Os dados relativos à Região Metropolitana de Natal tiveram como fonte o documento do IDEMA Perfil
socioambiental da Região Metropolitana de Natal, produzido em 2006, ainda não publicado.
50
vizinhos levaram as autoridades a criarem essas Regiões, como forma de somar esforços das
administrações municipais e apontar as possíveis soluções.
A Região Metropolitana de Natal foi criada através da Lei Complementar Estadual
(LCE) n. 152, de 16 de janeiro de 1997. Nessa ocasião, compunham a RMN os municípios de
Ceará-Mirim, Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante e Extremoz. Em 2002,
Nísia Floresta e São José do Mipibu foram incorporados e em 2005 foi a vez de Monte
Alegre
13
. Uma melhor visualização da RMN no estado do Rio Grande do Norte, assim como
das etapas de ampliação pelas quais ela tem passado, pode ser observada no mapa 02.
Na tabela 01 apresentada na página a seguir, percebe-se que a população da Região
Metropolitana de Natal
14
representa 39,52%da população do Rio Grande do Norte. Na
composição da população da Região, Ceará-Mirim contribui com aproximadamente 5,9%, o
que o coloca numa quarta posição, se comparado aos demais municípios. Com
50,60% de seus
habitantes residindo na área rural, pode-se afirmar que o padrão demográfico do município
destoa do alto padrão de urbanização representado pela RMN, que gira em torno de 85,28% e
do estado, que é de 73,35%. O mapa 04, por sua vez, ilustra a distribuição espacial da sede do
município e de suas principais localidades.
13
Nísia Floresta e São José do Mipibu só foram incorporados em 10 de janeiro de 2002, com a aprovação da
LCE n. 221. O mais recente município a ser incorporado à RMN foi Monte Alegre, com a LCE n. 315 de 30 de
novembro de 2005.
14
O estudo do IDEMA (2006) não inclui o município de Monte Alegre.
51
Tabela 01
REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL
População residente total, urbana e rural – 2000
População residente
Urbana Rural
Municípios
Total
Abs. % Abs. %
Estado 2.776.782 2.036.673 73,35 740.109 26,65
Região Metropolitana 1.097.273 935.792 85,28 161.481 14,72
Ceará-Mirim 62.424 30.839 49,40 31.585 50,60
Extremoz 19.572 13.418 68,56 6.154 31,44
Macaíba 54.883 36.041 65,67 18.842 34,33
atal 712.317 712.317 100,00 - 0,00
N
ísia Floresta 19.040 8.638 45,37 10.402 54,63
Parnamirim 124.690 109.139 87,53 15.551 12,47
São Gonçalo do Amarante 69.435 9.798 14,11 59.637 85,89
São José de Mipibu 34.912 15.602 44,69 19.310 55,31
Fonte: IDEMA / CESE (Dados Básicos: IBGE, Censo Demográfico - 2000).
Do total de 62.424 habitantes, segundo o censo de 2000 do IBGE, 31.268 são
mulheres e 31.156 homens (IBGE, 2000).
A Região Metropolitana de Natal, por deter a maior concentração de atividades
industriais e serviços do estado, é um lugar de atração natural de imigrantes que se dirigem de
outras áreas em busca de melhores condições de vida. Ceará-Mirim, no entanto, tem atraído
um número muito pequeno, se comparado aos seus parceiros da RMN. De um total de 56.252
dos imigrantes que se dirigiram entre 1991-2000 à RMN, o município atraiu apenas 776, o
que representa 1,24%, indicando que são poucos aqueles que, na busca por oportunidade de
trabalhos e condições de vida, vêem o lugar como opção.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é particularmente relevante por
contemplar, na sua composição, três variáveis importantes: a renda, a longevidade e a
educação de uma população. Ceará-Mirim, com o índice de 0,646%, é o último colocado na
RMN e, no ranking estadual, o município aparece em qüinquagésimo segundo lugar, de um
total de 167 municípios que formam o Rio Grande do Norte, conforme pode ser constatado na
tabela 02, a seguir.
52
Tabela 02
REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) - 2000
Municípios
Índice de
Desenvolvimento
Humano Municipal
(IDH-M)
Ranking
por UF
Ranking
Nacional
Ceará-Mirim 0,646 52 3.826
Extremoz 0,695 17 3.080
Macaíba 0,665 33 3.533
Natal 0,787 1 874
Nísia Floresta 0,666 32 3.518
Parnamirim 0,760 2 1.578
São Gonçalo do Amarante 0,694 18 3.083
São José de Mipibu 0,671 31 3.445
Fonte: PNUD - IPEA - Fundação João Pinheiro.
Com a relação à expectativa de vida ao nascer, o município também amarga a menor
média, ficando em torno dos 65 anos. Esse índice por si só demonstra as precárias condições
de vida (aspectos sanitários, ambientais, alimentação) da população de Ceará-Mirim.
Considerando a população em idade ativa (de 15 a 64 anos), a taxa de analfabetismo,
segundo o censo do
IBGE de 2000, atinge a elevada cifra de 71% de um universo de 36.501
pessoas (IBGE, 2000).
Tomando por base as pessoas com menos de quatro anos de estudo, consideradas
praticamente sem instrução, observa-se que mais de 50% dos chefes de domicílio residentes
em Ceará-Mirim encontram-se nessa condição, o que expressa um baixo nível de
escolaridade. Mais uma vez, Ceará-Mirim detém um dos piores índices, se comparado aos
demais municípios da
RMN, como pode ser observado no gráfico a seguir.
53
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
%
RN
RMN
Ceará-Mirim
Extremoz
Macba
Natal
Nísia Floresta
Parnamirim
São G. do Amarante
São J. de Mipibu
Gráfico 01 – Região Metropolitana de Natal: Pessoas responsáveis pelos domicílios
sem instrução ou que têm menos de 4 anos de estudo – 2000.
Fonte: IDEMA/CESE
De acordo com os registros do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira), a infra-estrutura do município, em 2005, contava com 71
(setenta e um) estabelecimentos de ensino, sendo 9 (nove) estaduais, 47 (quarenta e sete)
municipais e 15 (quinze) particulares. Desse total, 45 (quarenta e cinco) estão localizados na
área rural e 26 (vinte e seis) na área urbana. (INEP, 2006).
A maior concentração de alunos do município, a exemplo do que acontece com os
demais municípios da
RMN, está no ensino fundamental, seguido do ensino médio. Em 2003,
o município contava com 3.547 alunos matriculados na educação infantil, 16.096 alunos no
ensino fundamental e 2.687 alunos matriculados no ensino médio. Ainda com relação a esse
período, o município registrava um total de 882 professores em sala de aula, sendo 154 deles
em creches e pré-escola, 596 no ensino fundamental, 52 no ensino médio e 80 na educação de
jovens e adultos (IDEMA, 2005).
O quadro com os números negativos explicitados no gráfico 01 reflete-se em um
outro: no nível de renda da população. Na verdade, a renda é um dos itens responsáveis pela
acessibilidade aos bens e serviços de uma população e está correlacionada a outros
indicadores sociais, como o analfabetismo e a mortalidade infantil. Nesse quesito, Ceará-
Mirim também se destaca negativamente, pois há uma parcela significativa da população sem
rendimentos fixos. Se considerarmos o percentual da renda apropriada por extratos da
54
população, verificaremos que no município, entre 1991 e 2000, a tendência é de concentração de
renda pela pequena parcela que representa os ricos, como podemos observar na tabela abaixo.
Tabela 03
Porcentagem da Renda Apropriada por Extratos da População, 1991 e 2000
1991 2000
20% mais pobres 4,3 1,6
40% mais pobres 12,7 8,1
60% mais pobres 26,0 19,5
80% mais pobres 46,1 39,0
20% mais ricos 53,9 61,0
Fonte: PNUD/Atlas do Desenvolvimento Humano.
Os dados do censo de 2000 revelam a existência de 63,01% de pobres e 34,99% de
indigentes, o que demonstra uma situação crítica do ponto de vista social (IBGE, 2000).
A realidade acima contrasta, no entanto, com o fato de Ceará-Mirim despontar, entre
os parceiros da RMN, como o maior produtor de cana-de-açúcar, banana e coco-da-baía, o
segundo de feijão, mandioca e milho, e estar entre os três maiores produtores de castanha-de-
caju. O município ainda aparece como o terceiro detentor do rebanho de bovino e o segundo
de caprino (IDEMA, 2006).
Diante do exposto sobre Ceará-Mirim, reafirmamos nossa idéia de tê-lo como campo
empírico de pesquisa, na medida em que encontramos, relacionadas com esse espaço, as
condições que consideramos necessárias ao desenvolvimento desta tese: sua proximidade com
a UFRN, instituição à qual a pesquisa está vinculada e o fato de conhecermos professores do
município a partir da nossa experiência como docente. A escolha também se deu devido aos
resultados de um questionário feito com alunos do curso de História da UnP, em 2002. A
atividade foi desenvolvida nos dias 1º e 02 de agosto de 2002, em três turmas, envolvendo um
público de 123 alunos-professores, provenientes de 18 cidades do Rio Grande do Norte. A
idéia desse questionário surgiu após nossa aprovação no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFRN, visando à identificação de experiências com a história local que
pudessem ser incorporadas neste trabalho. Investigávamos se os alunos, que já exerciam a
atividade docente em seus respectivos municípios, incluíam nos conteúdos escolares a história
dos municípios ou se, porventura, conheciam algum professor que o fizesse. O resultado da
pesquisa mostrou que a inclusão da história local se fazia na semana comemorativa do
55
aniversário do município. Com essa iniciativa, houve uma aproximação maior com os alunos
do município de Ceará-Mirim que, ao falarem das experiências de alguns professores, nos
convenceu de que o perfil do município estava de acordo com o que nos propúnhamos a
realizar.
1.3 SOBRE OS PROFESSORES COLABORADORES
Os dados desta pesquisa foram construídos predominantemente a partir de uma
unidade de análise composta por profissionais escolhidos criteriosamente em função dos
interesses do estudo. São três professores atuantes no município de Ceará-Mirim, todos com
formação de terceiro grau, licenciados em História, sendo dois graduados pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte e um pela Universidade Potiguar. Dentre os critérios
utilizados para eles integrarem a pesquisa, levamos em consideração: a atuação como
professores no ensino fundamental de 5ª a 8ª séries; a obtenção do grau de licenciado em
História; o interesse na aquisição de novos conhecimentos, sobretudo os relacionados com
questões de ensino-aprendizagem; e o desejo de repensarem a prática docente, inclusive a
disposição de participar nos desdobramentos desta pesquisa.
A escolha dos professores não buscou uma representatividade dos demais professores
do município; ao contrário, mesmo compreendendo que as suas concepções e suas atitudes
não estejam totalmente alheias às dos demais profissionais do ensino de história, elas dizem
respeito fundamentalmente ao universo dos participantes da pesquisa. Vejamos, então, quem
são esses professores, cujos nomes originais foram substituídos por pseudônimos a fim de que
eles sejam mantidos no anonimato. Por conseguinte, serão denominados, ao longo do texto,
como Rui, Mateus e Alberto
15
.
Professor Rui nasceu e mora na cidade de Ceará-Mirim. Estudou da educação infantil
ao ensino médio em escolas privadas, sendo que o ensino médio foi cursado em uma escola de
Natal. Cursou história na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – 1997 a 2002 –,
obtendo grau de bacharel e de licenciado. Segundo o professor, o que o fez buscar um curso
de nível superior foi a identificação com a área de história e o fato de almejar atuar no ensino
superior, como docente. Durante a graduação, participou de pesquisa como bolsista de
15
Ao longo do texto, indicaremos após cada informação verbal apenas esses pseudônimos dos professores e os
anos correspondentes às datas das entrevistas. A primeira entrevista aconteceu em 11 de setembro de 2002, a
segunda, em 30 de outubro de 2004 e a terceira, em 28 de dezembro de 2005.
56
iniciação científica, o que o levou à experiência de apresentar trabalhos em eventos científicos
da Universidade.
Em 2003, foi aprovado no programa de pós-graduação lato sensu, na área de História
do campo e da cidade, oferecida pela UFRN. Ele chegou a cursar as disciplinas, mas, “[...] por
motivos familiares e profissionais” (RUI, 2004), não conseguiu concluir o curso.
O professor afirma ter participado de apenas dois eventos de cunho formativo, do II
Encontro de Leitura do PROLER (Programa Nacional de Incentivo à Leitura), promovido
pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, em 2002, e da I Semana do
Meio Ambiente, promovida pela Secretaria Municipal de Educação de Ceará-Mirim, em
2003.
Há quatro anos atua no magistério (ano referência 2005), nos ensinos fundamental,
médio e cursinho pré-vestibular. Atualmente, após convite por parte da coordenação
pedagógica, trabalha em uma escola privada localizada na zona urbana do município, com
turmas de 5ª a 8ª séries, nos turnos matutino e vespertino. Assume uma carga horária de 21
horas-aula distribuídas em 7 turmas, sendo três aulas semanalmente em cada turma. O
professor prestou concurso público, e foi aprovado, para a rede estadual de ensino e para a
rede municipal de ensino de São Gonçalo do Amarante, vizinho ao município em que ele
reside. Ao que tudo indica, vai deixar, ainda em 2006, a escola privada e se dedicar à escola
pública.
Professor Rui se diz satisfeito e realizado em estar na atividade docente, a carreira que
decidiu seguir. Antes de ingressar no curso de história, porém, por vontade dos pais, fez
vestibular para o curso de direito e não obteve êxito, o que, definitivamente, levou-o a se
decidir pela área que já gostava. Indagado sobre o que gostaria de ver mudar e permanecer nas
condições de trabalho, o professor respondeu com relação ao primeiro aspecto que seria a
melhoria de alguns recursos audiovisuais e da situação salarial, e, com relação ao segundo
aspecto, expressou o desejo de as turmas continuarem, em média, com trinta alunos, uma vez
que isso facilitaria o seu trabalho enquanto docente.
Professor Mateus, a exemplo do professor Rui, nasceu e mora em Ceará-Mirim. Da
educação infantil ao ensino médio, estudou em estabelecimentos de ensino localizados na
referida cidade, sendo que a educação infantil e o ensino fundamental cursou em escolas
públicas e o primeiro
16
ensino médio, em escola privada. É bacharel e licenciado em história
16
Após algum tempo de ter cursado o ensino médio, professor Mateus resolveu fazer novamente o mesmo nível
de ensino, quando, segundo ele, através de uma professora de história, se apaixonou pela disciplina, o que o
levou a prestar o exame vestibular para o curso de história.
57
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – 1995 a 2000. O que o levou a procurar o
curso de história foi o fato de existir, segundo ele “[...] grande afinidade com a disciplina
durante o segundo ensino médio que estudei, desta vez na Escola Estadual Interventor Ubaldo
Bezerra, escola pública localizada em Ceará-Mirim. Buscava um aprofundamento teórico que
pudesse melhorar o exercício da minha docência, pois no momento da realização do curso já
lecionava(MATEUS, 2005)
17
.
Em 2003, fez a mesma seleção da pós-graduação lato sensu (História do campo e da
cidade), da qual participaram os demais professores, tendo sido igualmente aprovado.
Cumpriu todas as etapas do curso, concluindo-o, então, em 2004. Para ele, o interesse pela
pós-graduação se deve à necessidade “[...] cada vez maior de fundamentação teórica e de
melhoria do currículo [...]”, daí o curso ser muito importante, “[...] pois no momento tenho
certeza de como devo fazer para chegar a um mestrado” (
MATEUS, 2005).
Com relação a atividades e eventos de formação, consta sua participação nos
Parâmetros em ação
18
, na equipe da REDEF
19
(Rede de Disseminação do Ensino
Fundamental), órgão da Secretaria Estadual de Educação e Desportos do estado do Rio
Grande do Norte, cujo objetivo é a correção de fluxo nas séries iniciais do ensino
fundamental, nível 3. Antes mesmo da conclusão da graduação, Mateus já militava no
magistério, totalizando 16 anos como docente em escolas públicas (municipal e estadual), nos
níveis de ensino fundamental e médio, nos horários matutino e noturno. O ingresso no
magistério se deu por concurso público: em 1990, no estado, e em 1995, no município de
Ceará-Mirim.
O professor se confessa realizado, pois diz gostar do que faz, daí exercer a docência
com prazer. Os alunos são bons, demonstram o desejo de aprender e de galgar espaço na
sociedade; esse perfil, no seu entender, seria um dos pontos que gostaria de ver continuar. No
que diz respeito às condições de trabalho, deseja que “[...] as escolas pudessem oferecer
subsídios didáticos que melhorassem o ensinar/aprender de nossas crianças e adolescentes e a
qualidade do salário” (MATEUS, 2005).
17
Essa informação, assim como as demais que estão citadas ao longo de todo o texto, foi dada pelos professores
colaboradores a partir de entrevistas gravadas e depois transcritas, conforme exposto no primeiro capítulo.
18
Os Parâmetros em ação fazem parte das estratégias de intervenção do MEC no sistema educacional
brasileiro, tendo como propósito a
formação de profissionais em educação do ensino fundamental, da
educação de jovens e adultos, da educação indígena e da educação infantil (professores e especialistas em
educação) da rede pública de ensino. A meta é trabalhar em parceria com as secretarias estaduais e municipais de
educação, tendo em vista o desenvolvimento profissional dos educadores (cf. BRASIL, 2000).
19
Equipe de formação dos educadores do ensino fundamental, vinculada à Secretaria de Educação, Cultura e
Desportos.
58
Professor Alberto nasceu no município de Caicó, estado do Rio Grande do Norte, mas
logo cedo foi morar em Ceará-Mirim, onde estudou, na rede privada de ensino, da educação
infantil ao ensino fundamental de 5ª a 8ª séries. Cursou o ensino médio em escola privada de
Natal. Também na capital do estado, graduou-se em história pela Universidade Potiguar, em
2001. Para o professor, “[...] a escolha do curso de história foi um sonho de criança e
certamente uma realização pessoal”. No entanto, ele ressalta que o curso não correspondeu às
suas expectativas, “[...] foi um pouco frustrante. Foi falho, pois houve um nivelamento no
conteúdo, uma forma metodológica baixa, tendo por parâmetro alguns alunos totalmente
desinteressados e desnivelados, onde a direção e alguns professores foram coniventes”
(ALBERTO, 2005).
Foi colega, em 2003-2004, dos demais professores colaboradores, na pós-graduação
lato sensu, ligada ao Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. No tocante à Especialização, a avaliação do professor Alberto é positiva, pois a
esperança numa maior verticalização dos conhecimentos históricos levou-o a tirar o máximo
de proveito do curso e da universidade.
Com relação à formação continuada, o professor tem participado, como aluno-
professor, de várias atividades relacionadas com a capacitação docente, promovidas tanto pelo
município do qual é servidor, quanto pelo estado. Sua participação também se fez presente
como professor-formador, inclusive em outros municípios, além de Ceará-Mirim.
Professor Alberto acumula vinte anos de experiência profissional, tendo ingressado no
magistério, tanto municipal quanto estadual, através de concurso público. Lecionou em várias
escolas da rede pública municipal e estadual. Atualmente, assume uma carga horária de 60
horas-aula distribuídas em escolas públicas da rede municipal do ensino fundamental de
Ceará-Mirim e em escolas estaduais localizadas no município de Ielmo Marinho, onde
trabalha com turmas do ensino médio. Todas as escolas onde leciona estão localizadas nas
zonas urbanas dos municípios, apesar de trabalhar, também, com alunos provenientes da área
rural, a exemplo dos demais professores colaboradores.
Apesar de considerar que as condições de trabalho são desfavoráveis, considera o
exercício da profissão gratificante, por permitir exercitar os conhecimentos adquiridos,
levando-o a ter ânimo [...] “para aprender, conhecer e repassar novos conhecimentos”
(ALBERTO, 2005).
Para o professor, as mudanças que ocorrem em algumas situações no magistério
poderiam trazer melhoria para o ambiente escolar. Destacou, na ocasião, alguns pontos que, a
seu ver, se constituem em entraves ao bom desempenho da escola: interferência política na
59
gestão escolar; inconsistência nas políticas educacionais e nas ações dos gestores escolares;
mudanças constantes na grade curricular, sem um tempo hábil para a adaptação do aluno;
pouca interação entre professor e aluno, devido ao reduzido tempo de que dispõem.
Como professor e pesquisador, partilhamos de inquietações que são comuns aos
professores colaboradores. Assumimos, porém, uma postura diferente daquelas pessoas que
pretensamente sabem, ou querem saber, isoladamente, como responder aos desafios postos
pelo ensino de história em Ceará-Mirim. Ao contrário, partimos da convicção de que esse tipo
de conhecimento deve ser construído de forma coletiva e que as possíveis respostas têm que
ser dadas por todos aqueles que estão envolvidos e comprometidos com esse desafio.
Pudemos constatar isso à medida que, como pesquisador, ao nos envolvermos com os
problemas vivenciados pelos professores, estes também se envolveram com as questões
trazidas pelo estudo, pelo menos em sua fase inicial, quando foi instituído o grupo de estudo.
Creditamos, assim, parte do resultado desta pesquisa às contribuições desses
colaboradores, uma vez que eles nos forneceram as principais pistas sobre as quais nos
debruçamos durante a investigação.
60
2 HISTÓRIA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a
areia, mas nosso dever é edificar como se fora
pedra a areia.
Jorge Luis Borges
Concebemos o mundo atual como diferente, em muitas de suas precondições, daquele
da primeira metade do século XX e, principalmente, do mundo do século XIX. Diante disso,
evidenciamos, no presente capítulo, alguns traços da contemporaneidade, considerados como
sintomáticos da existência de uma sociedade nova que surge a partir da segunda metade do
século XX e defendemos que, em assim sendo, há necessidade de uma renovação de cunho
epistemológico e historiográfico, haja vista que a historiografia produzida a partir da
modernidade vem demonstrando não responder a algumas questões colocadas pelo presente.
Isso, por sua vez, tem trazido mudanças na forma de se conceber e produzir o conhecimento
histórico, daí por que achamos pertinente trazer o debate para o campo historiográfico. Dentre
as novidades, surge uma nova história local, diferente da história produzida a partir do modelo
corográfico inspirado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
2.1 MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE: NOVO MUNDO, NOVO PARADIGMA?
A preocupação deste estudo não consiste em provar a existência ou não de um mundo
pós-moderno, tarefa bastante difícil diante de um contexto ainda não de todo compreendido e
que tem provocado, até mesmo entre os teóricos pós-modernos, grandes polêmicas. Aliás,
seria de certa forma uma incoerência, uma vez que um discurso pós-moderno se afina com a
idéia de que nada pode ser provado, portanto, tudo está em aberto, em discussão. É
sintomático o fato de dois dos autores mais citados sobre o assunto, Fredric Jameson e David
Harvey, terem uma postura crítica, ou mesmo negativa, em relação ao pós-modernismo. No
entanto, discutiremos acerca da pertinência ou não do debate em torno da existência de um
mundo pós-moderno.
61
Apesar de sabermos que as transformações significativas na sociedade em geral só
podem ser razoavelmente concebidas a partir de um mínimo de distanciamento temporal,
entendemos que mudanças importantes nas últimas décadas reclamam por novas atitudes por
parte dos profissionais que se ocupam da história, sejam aqueles responsáveis pela escrita,
sejam aqueles responsáveis pelo ensino.
O termo moderno é típico da cultura ocidental e foi utilizado pelos iluministas para
definir a forma de ser e de agir da nova sociedade européia industrializada. Na expressão de
Anthony Giddens (1991), modernizar era ocidentalizar. A modernidade tem sido associada a
costumes, estilos e formas de organização social que emergiram e se consolidaram na Europa
entre os séculos XVI e XVIII e que têm predominado até o século XX. A rapidez e a
profundidade dessas mudanças fizeram com que elas fossem disseminadas por quase todo o
planeta. Dentre as especificidades desse momento histórico, podemos destacar: a nova
organização política do poder estatal, com a criação do Estado-nação; uma ordem industrial e
capitalista, tendo como base a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho
assalariado; a consolidação das duas classes sociais mais influentes da modernidade: os
proletários e os capitalistas; a instituição de uma filosofia de trabalho regida pelo racionalismo
e pelo utilitarismo e a conseqüente transformação dos produtos em mercadorias; além do
crescimento sem precedentes da economia mundial.
Por meio da quebra das resistências e atitudes de uma sociedade ainda presa a muitos
fundamentos da Idade Média, fez-se valer uma nova concepção de homem e de mundo,
mesmo que para isso fossem necessários eventos de grande repercussão social como a
Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Como sabemos, tais eventos foram
responsáveis por alterações profundas em todas as dimensões da existência humana. A
revolução moderna era vista como um instrumento eficaz de mudanças que possibilitariam
conduzir mais rapidamente a sociedade rumo ao progresso. Ou seja, estamos nos referindo à
época do capitalismo clássico em que o primado da produção industrial e a onipresença da
luta de classes eram colocados como elementos importantes para a compreensão das mais
variadas manifestações humanas.
O cenário europeu consistia em um mundo urbano e industrializado cujas máquinas
disputavam com os homens o espaço das fábricas, e as relações sociais e políticas se davam,
predominantemente, entre proletários e capitalistas. A inovação tecnológica ocorreu numa
velocidade sempre crescente, levando a uma constante substituição dos produtos. Portanto, o
contexto histórico em que se constituiu o paradigma da modernidade, enquanto projeto
sociocultural, é anterior mesmo à consolidação do capitalismo; muito embora a partir da
62
consolidação deste, no final do século XVIII (SANTOS, 1995), o trajeto histórico de ambos
tenha se dado de forma bastante íntima.
Coube aos iluministas dar um sentido à modernidade. Seu projeto consistia em dotar
de autonomia a ciência, a moral e a arte. Livres da religião, as ações dos indivíduos seriam
guiadas pelos valores da verdade, da justiça e da beleza, respectivamente. Mobilizaram-se,
então, em busca do desenvolvimento de uma ciência objetiva, de uma moralidade geral, de
leis universais e de uma autonomia da arte nos termos da sua própria lógica interna.
Assumindo a idéia de progresso humano e de ruptura, a partir da modernidade, o Iluminismo
é concebido como
[...] um movimento secular que procurou desmistificar e dessacralizar o
conhecimento e a organização social para libertar os seres humanos de seus
grilhões. [...] Na medida em que ele também saudava a criatividade humana, a
descoberta científica e a busca da excelência individual em nome do
progresso humano, os pensadores iluministas acolheram o turbilhão da
mudança e viram a transitoriedade, o fugidio e o fragmentário como condição
necessária por meio da qual o projeto modernizador poderia ser realizado.
Abundavam doutrinas de igualdade, liberdade, fé na inteligência humana
(uma vez permitidos os benefícios da educação) e razão universais (
HARVEY,
1992, p. 23).
Uma modernidade que tinha como utopia a transformação do homem em um novo ser
que desfrutaria dos grandes progressos da ciência e das novidades tecnológicas, mas também
das artes e, sobretudo, da liberdade política. Os pressupostos iluministas tomam por base a
crença no poder da razão, na ciência e no progresso. Nessa concepção, o mundo guiado pela
razão e pela tecnologia seria um mundo em que o processo de emancipação humana teria
condições de se concretizar. Enfim, uma sociedade progressista que acreditava no futuro
como algo previsível, quase infalível. Essa revolução moderna foi, sem dúvida, um momento
histórico de grandes transformações em todas as esferas da vida humana, em que a tecnologia
desenvolveu-se de forma surpreendente, sem precedentes na história, provocando mudanças
na vida das pessoas.
No entanto, ao contrário do que se imaginou, a lógica racional, prevalecente nas ações
governamentais, nas organizações e na produção de um conhecimento científico,
pretensamente objetivo e neutro, não resolveu questões fundamentais do homem. Ainda hoje,
valores como liberdade, igualdade, justiça, se colocam como algo a ser conquistado por
amplas parcelas da população mundial. Sendo assim, no mundo contemporâneo já não se
63
acredita mais em um futuro progressista nem na igualdade promovida pela razão. O projeto da
modernidade parece estar definitivamente comprometido e as transformações pelas quais vem
passando a sociedade indicam um período de transição histórica em que as características da
nova sociedade ainda não estão definidas, pelo menos no campo teórico. Há uma sensação de
inversão dos princípios da modernidade.
Se a humanidade não conseguiu resolver problemas básicos referentes à sobrevivência
da própria espécie, como o da alimentação, mais distante ainda esteve de eliminar as
diferenças sociais. Hobsbawm, ao se referir às duas últimas décadas do século XX, época que
se prestou a um acerto de contas com a modernidade, descreve um quadro desolador, muito
distante do progresso tão pronunciado pela modernidade: “Desemprego em massa, depressões
cíclicas severas, contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto a luxo
abundante, em meio a rendas limitadas e despesas ilimitadas de Estado” (
HOBSBAWM, 1995,
p.19).
As luzes prometidas se transformaram numa imensa escuridão. No século XX, por
exemplo, o mundo foi vítima da violência em proporções jamais alcançadas e conheceu novos
regimes autoritários, guerras e desrespeito aos direitos mais elementares dos seres humanos.
A ciência e a técnica se prestaram à invenção de armas cada vez mais eficientes na destruição
em massa, inclusive da mais temida de todas elas, a bomba atômica. Ou seja, o conhecimento,
produzido de forma racional, não servindo para a libertação humana em suas grandes utopias,
colocou-se, ao contrário, a serviço da manutenção e do aperfeiçoamento do modo de produção
prevalecente e, ao invés de iluminado, o indivíduo cada vez mais se alienou.
Desfeita a utopia moderna, lamentações e pessimismos parecem invadir todas as
dimensões humanas, constituindo um quadro que alguns estudiosos apontam como de mal-
estar, em que as pessoas tendem a se entregar a valores aleatórios e efêmeros. No campo
sociopolítico, por exemplo, o inconformismo e o descrédito com relação às
macrotransformações fizeram emergir, em substituição às mobilizações de caráter classista,
novas práticas culturais e políticas, como os movimentos de liberação sexual, feminismo,
pacifismo, ecologismo, direitos humanos, entre outros.
Isso nos induz à afirmação de que estamos vivenciando o início de um novo momento
histórico em que algumas instituições da modernidade têm passado, ou ainda passarão, por
mudanças profundas para responder aos interesses da nova sociedade.
O comportamento e as atitudes humanas, por exemplo, passaram a gestar uma nova
sociedade que em boa parte renega ou ignora aspectos da sociedade anterior. O fato de viver
num processo de mundialização cada vez mais intenso impõe a necessidade de uma referência
64
à sociedade humana a partir de uma perspectiva sui generis na medida em que, agora, todos
os possíveis atores se encontram no palco de forma simultânea (GUIBERNAU, 1997). Para
alguns estudiosos do mundo contemporâneo, a humanidade estaria vivenciando uma nova
condição: a condição pós-moderna. A segunda metade do século XX se coloca como um
momento novo, o que se manifesta nas práticas culturais, políticas e econômicas. A leitura
pós-moderna é uma tentativa de compreensão do capitalismo na sua versão mais atualizada,
isto é, na sua fase de abrangência global em que há uma forte predominância do consumo, da
produção e circulação da informação, com recursos da informática e da cibernética, e com o
predomínio não mais da produção fabril, mas da prestação de serviços. É a fase do
capitalismo desorganizado
20
, iniciada a partir da década de 1960 (SANTOS, 1995).
Apesar de boa parte dos estudiosos que se dedicam ao estudo da contemporaneidade
fazer uso do termo pós-moderno, não há consenso em torno deste; alguns preferem outras
denominações, como: sociedade pós-industrial, sociedade informática, sociedade de
consumo. Talvez porque as mudanças substanciais nas estruturas do mundo precisem de um
tempo mais longo para criar um entendimento comum pelo menos entre a intelectualidade
contemporânea, um consenso semelhante à compreensão que se formou em torno do mundo
ocidental após a Revolução Industrial inglesa. Não há divergência, por exemplo, entre os
estudiosos dessa época, quanto ao fato de que o mundo a partir de então conheceu um tipo
novo de organização social: o capitalismo. Com relação à contemporaneidade, em sua grande
maioria, os teóricos concordam que a atual situação histórica tem se caracterizado por ser rica
em rupturas em várias áreas da dimensão humana, seja com relação à esfera cultural,
principalmente a estética, seja com relação ao modelo de desenvolvimento socioeconômico e
político.
Alterações provocadas pelo novo modo de organização do capital, juntamente com a
ruptura estética e as mudanças de natureza epistemológica, impõem uma nova ordem, cuja
abrangência se estende a todas as dimensões da vida. Essa nova ordem interfere em cada área
de atuação do homem, seja na forma de produção e circulação de bens materiais ou imateriais,
seja na forma de comunicação entre pessoas, entre corporações, e entre pessoas e corporações,
seja nas manifestações artístico-musicais, seja até mesmo nas atitudes individuais.
20
Santos (1995), ao recorrer a Claus Off, concebe o capitalismo a partir de três períodos distintos: o capitalismo
liberal, situado entre o início do século XIX até a década de 1870, o capitalismo organizado, período que
corresponde ao final do século XIX, tendo seu auge no entreguerras (Primeira e Segunda Guerras Mundiais),
perdurando até a década de 1960. O terceiro período teve o seu início no final da década de 1960 até os dias
atuais e corresponde à fase do capitalismo desorganizado.
65
São expressivas as mudanças, por exemplo, provocadas a partir da substituição do
modelo fordista de produção para o de acumulação flexível, cujas conseqüências não se
limitam aos ciclos de negócios, aos padrões de emprego e às relações entre indivíduos de
diferentes classes, mas também dizem respeito aos destinos de regiões e às vezes de
continentes inteiros. É um problema que, partindo da organização produtiva, tem sérias
implicações de ordem política, social e cultural.
Ao refletir sobre o que chama de sociedade informática
21
, o filósofo polonês Adam
Schaff (1995) chama a atenção para o caráter revolucionário das mudanças em andamento nos
países de industrialização mais avançada; para ele, esse fato poderá ter conseqüências trágicas
se não forem tomadas medidas preventivas desde já. Uma delas diz respeito ao que vem
ocorrendo no campo do conhecimento, especialmente nas áreas da microeletrônica, da
microbiologia e da energia nuclear. As constantes descobertas nessas áreas vêm provocando
mudanças radicais no cotidiano das pessoas, inclusive em países de economias pouco
desenvolvidas. O avanço do conhecimento tem sido inexorável, o que nos coloca como
desafio compreender o significado das mudanças nas suas mais variadas dimensões, pois há
fortes indícios de que elas necessariamente levarão a uma conformação social
substancialmente diferente da que ainda predomina nos dias atuais.
As considerações feitas pelo autor sobre o trabalho humano nos países líderes da
industrialização dão uma pequena idéia da profundidade das modificações que poderão
ocorrer no que diz respeito à condição humana e aos seus desdobramentos nas várias esferas
das relações sociais.
Schaff (1995) está convicto de que o trabalho manual está desaparecendo como
fenômeno socioeconômico e que, portanto, o fim das diferenças, em termos valorativos, entre
o trabalho manual e o intelectual, sonho antigo dos socialistas, tornar-se-á realidade na
sociedade informática. Prova disso seria a pretensão do Japão em eliminar totalmente o
trabalho manual de suas indústrias até o final do século XX. Esse fato tem provocado
alterações profundas no mundo capitalista a ponto de comprometer as condições da existência
do capitalismo clássico, ou seja, o capitalismo liberal que vigorou nos principais países da
Europa ocidental do início até a penúltima década do século XIX. A sociedade informática
não seria compatível, então, com a existência das duas principais classes geradas a partir do
21
“[...] uma sociedade em que todas as esferas da vida pública estarão cobertas por processos informatizados e
por algum tipo de inteligência artificial, que terá relação com computadores de gerações subseqüentes”
(
SCHAFF, 1995, p. 49).
66
capitalismo, a proletária e a capitalista, nem com a propriedade privada dos meios de
produção, pelo menos em suas formas clássicas.
Na sociedade moderna havia a crença de que num mundo governado por meio da
técnica, as máquinas e suas maravilhas, ao possibilitarem grande capacidade produtiva,
libertariam os homens do trabalho enfadonho e promoveriam uma maior igualdade entre eles.
Se hoje constatamos que o trabalho manual vem desaparecendo, é verdade também
que em escala global nenhuma estrutura sólida de classe tem substituído a do capitalismo
clássico e que, no entanto, as diferenças entre os homens não desapareceram, ao contrário, em
alguns casos até aumentaram. No entanto, as máquinas não só vêm substituindo os homens
nas atividades extenuantes e repetitivas, como também ameaçam a existência do próprio
trabalho enquanto atividade humana.
Por um lado, a automação e a robotização (no pressuposto de um aumento da
energia utilizada pela produção em conseqüência da descoberta de novas
fontes energéticas) provocarão um grande incremento da produtividade e da
riqueza social; por outro lado, os mesmos processos reduzirão, às vezes de
forma espetacular, a demanda de trabalho humano. Isto é inevitável,
independentemente do número de esferas de trabalho que forem conservadas
e do número de esferas novas que possam surgir como conseqüência do
desenvolvimento da microeletrônica e dos ramos de produção da
microeletrônica e dos ramos de produção a ela associados (
SCHAFF, 1995, p.
27-28).
Diante dessas transformações, quais as novas ocupações que iriam fazer parte da
atividade humana, a partir da eliminação do trabalho enquanto fenômeno de grande
importância socioeconômica? Restariam apenas ocupações intelectuais, de natureza criativa,
desenvolvidas por um corpo de especialistas que formariam um novo estrato social
relativamente pequeno, ficando as tarefas rotineiras e as operações repetitivas a cargo da
automação. Nesse caso, que sentido seria atribuído à vida, uma vez que o trabalho tem sido o
grande motivador do agir humano? É através dele que se obtêm as condições materiais
necessárias à sobrevivência. O trabalho é também um elemento de distinção social, pois o
status de cada pessoa está diretamente ligado a maior ou menor valorização da atividade que
ela desenvolve no interior da sociedade à qual pertence. Estar desempregado, na compreensão
de Schaff, compromete seriamente a autonomia individual e sua integração na comunidade
em que se vive. O emprego para o jovem é o caminho da ascensão social, sendo o indivíduo,
desde criança, estimulado a desenvolver atividades em função da promessa de trabalho; faltar-
67
lhe trabalho, poderá significar crise de ordem existencial ou desvio para práticas que o
levariam à marginalização.
No mundo contemporâneo, já se discutem as conseqüências advindas do desemprego
estrutural, pois ainda não se sabe o que fazer do tempo livre das pessoas e em que base
material a nova sociedade se sustentará.
Se a divisão do trabalho social tem sido usada como um forte fator de distinção entre
as classes, decretada a sua morte, o que seria socialmente importante a ponto de se constituir
no novo elemento de distinção da divisão social? Seria o poder de ter sob controle as
principais informações que envolvem as diversas esferas da vida social, como sugere Schaff?
As bases sociais e o padrão geopolítico da nova sociedade, no entanto, ainda estão
em processo de definição, permitindo enxergar apenas algumas tendências. Entre estas, o fato
de as relações que os indivíduos manterão com a sociedade e com suas instituições,
principalmente com o Estado, ocorrerem em um nível de complexidade cada vez maior,
exigindo-se novas atitudes por parte das pessoas diante da sociedade industrial informática,
automatizada e robotizada. Assim, a nova conformação política ocorrerá, necessariamente, em
outros patamares, sem, contudo, ser possível prever se isso viria se dar a partir de uma
intervenção qualitativamente superior ou inferior aos parâmetros postos pela democracia
burguesa.
Fredric Jameson, ao refletir sobre tal situação, atribui ao arrefecimento do conflito de
classes e às conseqüências advindas da virtualidade criada pelos setores midiáticos, a
televisão em especial, a imposição de uma realidade não muito animadora do ponto de vista
de uma perspectiva democrática:
Em termos psicológicos podemos dizer que, como economia de serviços,
estamos doravante tão afastados das realidades da produção e do trabalho que
habitamos um mundo onírico de estímulos artificiais e experiência via TV:
nunca, em nenhuma civilização anterior, as grandes preocupações metafísicas,
as questões fundamentais do ser e do significado da vida pareceram tão
absolutamente remotas e sem sentido (apud
ANDERSON, 1999, p. 63).
Apesar de vivermos dispersos em diferentes países e sociedades, a realidade midiática
nos dá a sensação de vivermos num mundo em que a interatividade instantânea nos leva a um
constante posicionamento diante de eventos que acontecem nos mais longínquos pontos da
Terra. Muito da condição pós-moderna está relacionada com a crença de que o mundo é cada
68
vez mais unificado. Todavia, a complexidade advinda das relações entre os homens e os
setores midiáticos faz parte de um debate cujas características se assemelham à própria
discussão em torno da condição pós-moderna, principalmente no que diz respeito ao caráter
provisório das afirmações.
Parece consensual, no entanto, que as inúmeras possibilidades de relações entre os
povos, criadas pelas novas técnicas de transmissão de informações, têm promovido mudanças
substanciais na cultura e nos modelos de referência pessoal. Entre elas, duas têm provocado
muitas discussões na atualidade: uma diz respeito à condição do sujeito pós-moderno e a
outra, intrínseca à primeira, à identidade cultural.
O debate em torno da contemporaneidade nos conduz à compreensão de que as velhas
identidades, estabilizadoras do mundo social, estão em crise, assim como as estruturas
centrais das sociedades modernas. As identidades modernas estariam sendo descentradas, ou
seja, deslocadas ou fragmentadas. Para Hall (1997, p. 9), que concebe as identidades como
sendo definidas histórica e não biologicamente:
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades
modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.
Estas transformações estão também mudando a idéia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados.
Haveria, assim, um deslocamento e um descentramento dos indivíduos tanto dos seus
lugares no mundo social e cultural quanto de si mesmos. Tendo como referência a visão de
sujeito, Hall identifica três concepções distintas de identidade: a do sujeito do iluminismo, a
do sujeito sociológico, a do sujeito pós-moderno. A identidade do sujeito do iluminismo
adviria de uma concepção da pessoa humana como auto-suficiente, dotada de razão, de
consciência e de ação, de tal forma que o centro essencial do eu seria a identidade de uma
pessoa, algo que nascia com o indivíduo e permanecia da mesma forma durante toda a sua
existência. A identidade do sujeito sociológico, cujo núcleo interior não é autônomo nem
auto-suficiente, conta com a mediação cultural do mundo no qual ele vive. Dessa forma, sua
identidade é constituída a partir da relação entre o eu e a sociedade. O núcleo interior é
formado e modificado na relação com os mundos culturais externos. A identidade prende o
sujeito à estrutura e, no dizer do autor, “[...] estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos
69
culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”
(HALL, 1997, p.12). A identidade do sujeito pós-moderno seria constituída por identidades no
plural, formadas pelas diferenças. Isso porque, na contemporaneidade, as transformações
estruturais e institucionais vêm provocando alterações significativas e o sujeito, identificado
até então como unificado e estável, estaria cedendo espaço a um sujeito fragmentado,
composto de várias identidades, inclusive às vezes contraditórias. Nessa perspectiva, uma
identidade coerente e estável seria uma fantasia. O surgimento desse novo sujeito, chamado
pós-moderno, culturalmente constituído de forma híbrida, não traz consigo uma identidade
fixa, definida. As identidades não seriam definidas, por exemplo, a partir de classes, como as
atribuídas à sociedade moderna, mas orientada pelas diferenças.
Nessa mesma linha de raciocínio, ressalta Santos (1995, p. 135) que as identidades
São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação.
Mesmo as identidades aparentemente mais sólidas, como a de mulher,
homem, país africano, país latino-americano ou país europeu, escondem
negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em
constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela
sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo
e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso.
A identidade não teria um centro, mas vários centros, todos provisórios, o que faz com
que a sua estrutura esteja sempre aberta, possibilitando a criação de novas identidades. Aliás,
essa não seria uma característica exclusiva da identidade, mas da própria sociedade
contemporânea que está em permanente descentramento ou deslocamento. Esse pensamento é
corroborado por Lemert (2000, p. 121) ao afirmar que
O macho branco, europeizado, heterossexual e burguês é o Centro perdido, o
significante zero que, tendo sido expulso do armário do orgulho cultural,
ainda é, na política de hoje, o significante zero. Esse Homem categórico
funciona agora como Centro imperial e menos como o signo zero silencioso
da cultura modernizante de que foi a fonte indizível de todo significado. No
entanto, ele funciona. Incapaz de contar sua história, que tem sido a alegada
história de todos, ele permanece, mesmo assim, como o signo contra o qual e
a partir do qual a política da diferença se articula. Contudo, e mal se precisa
dizer, ele está cada vez mais fraco tanto no sentido categórico como no
político concreto. Sua recém-descoberta fragilidade é um correlato direto de
um enfraquecimento da força persuasiva da própria modernidade. A
modernidade foi, ou é, como se queira, a cultura que sonhou, ou sonha, com
uma humanidade comum, verdadeira e universal.
70
Embora banalizado pelos setores midiáticos, o pós-modernismo é um conceito em
construção, permitindo uma grande diversidade e ambigüidade em termos de interpretação.
Sua presença é marcante nas ciências humanas e sociais, especialmente na filosofia e na
sociologia, áreas que têm aceitado o desafio de refletir sobre os rumos do mundo
contemporâneo. Faz-se cada vez mais necessária a compreensão dessa situação, sob pena de
sermos conduzidos apenas por leituras imediatistas do momento em que vivemos. Parte da
complexidade das leituras com relação à contemporaneidade tem sido atribuída ao fato de
estarmos vivendo situações que são típicas de épocas de transição em que as formas de
organização social em crise se chocam com outras que tentam se impor. Nas palavras de
Santos (1995, p. 102-103),
Afirmar que o projeto da modernidade se esgotou significa, antes de mais, que
se cumpriu em excessos e défices irreparáveis. São eles que constituem a
nossa contemporaneidade e é deles que temos de partir para imaginar o futuro
e criar as necessidades radicais cuja satisfação o tornarão diferente e melhor
que o presente. A relação entre o moderno e o pós-moderno é, pois, uma
relação contraditória. Não é de ruptura total como querem alguns, nem de
linear continuidade como querem outros. É uma situação de transição em que
há momentos de ruptura e momentos de continuidade. A combinação
específica entre estes pode mesmo variar de período para período ou de país
para país.
Se admitirmos que a contemporaneidade traz consigo um mundo que é
substancialmente diferente da etapa do capitalismo clássico, temos que nos perguntar se os
instrumentos utilizados para interpretar a modernidade também são válidos para interpretar as
sociedades atuais. Na compreensão desse autor, “[...] o que quer que falte concluir da
modernidade não pode ser concluído em termos modernos [...]” o que o leva a apontar para a
necessidade de se “[...] pensar em mudanças paradigmáticas e não meramente
subparadigmáticas” (SANTOS, 1995, p. 93).
A demarcação do que vem a ser modernidade e pós-modernidade passa por
especificidades dos mais variados campos da atuação humana, como a política, a economia e,
de forma bastante significativa, as atividades intelectuais. Nesse último campo, por exemplo,
têm sido detectados sintomas característicos do que seria uma manifestação pós-moderna.
Inicialmente na pintura, em que primeiro se deu o questionamento da própria natureza das
71
artes, depois na literatura, na arquitetura e no cinema e, daí por diante, nos outros setores. A
propósito da cultura, Anderson (1999, p.110) destaca que:
Desde os anos 70, a própria idéia de vanguarda ou do gênio individual passou
a ser suspeita. Há cada vez menos movimentos coletivos e combativos de
inovação e são cada vez mais raros os “ismos” como emblemas de
originalidade. Pois o universo pós-moderno não é de legitimação, mas de
mistura, de celebração do cruzamento, do híbrido, do pot-pourri. Nesse clima
o manifesto é algo ultrapassado, uma relíquia do purismo afirmativo em
contradição com o espírito da época.
Segundo Lyotard (1990), a contemporaneidade é grávida de elementos que se
constituem em evidências do limiar de um momento histórico radicalmente diferente da
modernidade. Para o autor, estaríamos vivendo uma ruptura de época. A sua crítica é
direcionada ao caráter universalista da razão iluminista, assim como à concepção da história
determinista, vista como encadeamento de eventos ordenados teleologicamente que apontam
na direção de um desenvolvimento emancipatório da sociedade. Para ele, os grandes relatos
perderam sua credibilidade.
Sendo assim, ao contrário da modernidade, condicionada pela construção de
metanarrativas, a condição pós-moderna tem como característica principal o descentramento,
ou seja, a negação dos grandes discursos sobre os quais se afirmaram as concepções históricas
da modernidade. Isso acarretaria sérios desdobramentos no campo epistemológico que, por
sua vez, refletiriam de forma marcante nas atividades relacionadas com o ensino.
2.2 HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA: NOVAS QUESTÕES E NOVAS ABORDAGENS
A conjuntura contemporânea, ao evidenciar a necessidade de uma renovação de cunho
epistemológico, traz também a necessidade de mostrar como esse debate se coloca no campo
historiográfico e, conseqüentemente, no ensino de história. Todas as áreas do conhecimento
humano sofrem influências que não devem ser ignoradas, sob pena de se entregarem a
procedimentos ineficazes perante os novos desafios. No caso do ensino de história,
entendemos que ele deve comportar diferentes formas de abordagens, sob pena de não
72
explorar toda a riqueza oferecida pela experiência humana, que guarda singularidades, de
lugar para lugar e de época para época.
Duas concepções historiográficas típicas da modernidade são as marxistas e as
annalistes
22
, sendo esta última representada principalmente pelas duas primeiras gerações do
movimento dos Annales. Essas concepções baseiam-se em conhecimentos científicos e
racionais supostamente capazes de abordar o curso da história através de leis objetivas e
cognoscíveis e de compreender a sociedade de forma holística a partir da construção de
sínteses históricas. Epistemologicamente, essas correntes ancoram-se na construção de
verdades e de sistemas globais explicativos, com aspiração à totalidade. Esses dois modelos
de interpretação da história, no entanto, passaram a ser duramente criticados por aqueles que
acreditam que eles não respondem mais, de forma satisfatória, a alguns desafios postos pela
sociedade contemporânea. Destacaremos aqui algumas críticas que poderão contribuir com
questões de ordem historiográficas relativas ao desenvolvimento deste trabalho.
Dentre os críticos das concepções historiográficas da modernidade, estão os pós-
modernos, conforme nos referimos na parte inicial deste capítulo. O discurso pós-moderno, ao
contrário do discurso da historiografia moderna, não está ancorado em uma ciência objetiva e
verdadeira, pretensamente reveladora da realidade social. Para esse discurso, a construção de
uma teoria científica geral, verdadeira, acerca de um determinado evento social só seria
possível no campo da ficção, pois o conhecimento não é algo absoluto, mas constituído a
partir de muitas narrativas. Em outras palavras, não há razão para se criar uma hierarquização
22
Mudança significativa na forma de se conceber e produzir a história foi possibilitada pelos historiadores
franceses que se aglutinaram em torno da revista Annales, a partir de 1929. Defendeu-se, inicialmente, uma
história que não se reduzisse aos acontecimentos políticos e à biografia de pessoas ilustres. Uma história total,
profunda, de todas as expressões humanas, inclusive do campo mental, e que, mesmo tendo os seres humanos
como objeto do conhecimento, estes não seriam mais, obrigatoriamente, individuais e famosos, mas comuns e
médios, pertencentes a um universo mental coletivo. As principais preocupações desses historiadores giravam
em torno da necessidade de aproximar a história de outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a
antropologia, a economia, a estatística, entre outras. Passaram a se interessar por todos os aspectos das mudanças
da vida econômica e social e da vida mental. As duas primeiras gerações de historiadores franceses rejeitaram o
que consideravam de história événementielle em proveito da história estrutural. Segundo Burke (1991, p. 328), o
historiador filiado a essa concepção “[...] encarava os acontecimentos como a superfície do oceano da história,
significativos apenas por aquilo que podiam revelar das correntes mais profundas”. Se às ciências exatas
associou-se a idéia de que os fatos são os dados reais advindos da experiência e que são suscetíveis de repetição,
permitindo a formulação de leis, na história, ao contrário, são os acontecimentos da vida humana em sociedade
que se constituem em objeto de investigação. São, por um lado, dificilmente previsíveis, jamais idênticos em
seus detalhes e de importância variada e, por outro lado, localizados no tempo e no espaço. A noção de fato
histórico como algo que se impunha como verdadeiro foi substituída pela noção de reconstrução do fato pelo
historiador, isso sem abrir mão de critérios rígidos de reconstituição e explicação do passado, baseados em
análise de documentos. Se o que mais marcou o primeiro momento (de 1929 a 1946) foi a aproximação da
história com outras áreas do conhecimento, a ampliação da visão de documento, uma nova compreensão do
tempo e a negação da história narrativa com a conseqüente afirmação de uma história-problema, o que
predominou na segunda fase (de 1946 até 1969) foi o fato de a história ser essencialmente quantitativa, serial,
econômica e demográfica e se apoiar principalmente nos dados extraídos de suas fontes.
73
do saber, o que existe são interpretações. Ou seja, no caso da história, como aponta Cardoso
(1997, p. 15), “[...] não há uma História; há histórias ‘de’ e ‘para’ os grupos em questão”.
Aliás, para os pós-modernos, o conhecimento científico é apenas mais um entre tantos
que gozam da mesma validade e do mesmo status. Sendo assim, eles nem criticam nem
rejeitam a ciência, não sendo, portanto, totalmente irracionalistas, conforme nos esclarece
Silva (2001, p. 308): “O pós-modernista não rejeita a historiografia científica, mas chama a
atenção para o círculo vicioso modernista que nos quer fazer crer que nada pode existir fora
dela. Fora dela existe todo o domínio dos propósitos e do significado da história”. O pós-
modernismo seria, então, mais acientificista do que propriamente anticientificista.
Trazendo a interpretação de Lyotard para o campo da história, Goergen (2001, p. 30),
de forma resumida, afirma que a crítica desse autor
[...] volta-se diretamente contra o conceito iluminista de razão, seu caráter de
universalidade e sua interpretação da história como um encadeamento de
eventos ordenados teleologicamente e inscritos no curso unitário da história,
de sentido determinado e desenvolvimento emancipatório. Para ele [Lyotard],
esse sentido tem sido refutado pelos eventos dos últimos 50 anos. A
racionalidade do real foi refutada por Auschwitz; a revolução proletária como
recuperação da verdadeira essência humana por Stalin; o caráter
emancipatório da democracia pelo maio de 1968; a validade do capitalismo
pelas recorrentes catástrofes do capitalismo. Os grandes relatos que buscam
sua legitimação na estrutura metafísica do curso histórico perderam sua
credibilidade.
Isso exige, do historiador, atitudes novas no que diz respeito às questões de natureza
epistemológica. Abre-se a possibilidade da inclusão de sujeitos históricos e de temas até então
desconsiderados ou secundarizados. Há uma crença cada vez maior em se interpretar o
discurso histórico como algo criado e fortemente influenciado pela sensibilidade e
subjetividade inerentes ao historiador. A verdade passa, cada vez mais, a ser encarada como
uma construção sempre provisória e não como algo que tem uma versão definitiva e que está
à espera do pesquisador para ser descoberto. Não se cogita mais a idéia de um passado como
algo bem definido, que aconteceu e está, de acordo com as fontes disponíveis, à espera de sua
reconstrução fiel, mas a idéia de que nada se reconstrói tal como aconteceu. Numa leitura pós-
moderna, toda (re)construção não passa de recursos de linguagem literária. Sendo assim, a
história poderia se apropriar de recursos que até então têm sido próprios do texto literário. O
texto artístico e o historiográfico estariam, então, cada vez mais próximos, pois são
74
carregados de opacidades e intenções. Há, portanto, um contraste com a ciência moderna, cuja
linguagem pretende-se objetiva e transparente. Nessa perspectiva, a história não mais usaria
os recursos lingüísticos apenas como um suporte para comunicar algo alheio à linguagem,
mas como auto-referentes.
Mesmo ainda não totalmente crédulo da existência de uma sociedade pós-moderna,
Giddens (1991, p. 58) afirma que “[...] podemos ver mais do que uns poucos relances da
emergência de modos de vida e formas de organização social que divergem daquelas criadas
pelas instituições modernas”. Ao demonstrar o quanto é perturbador e significativo o que vem
acontecendo na contemporaneidade, ele destaca como traços mais notáveis a dissolução do
evolucionismo, o desaparecimento da teleologia histórica, o reconhecimento da reflexividade
meticulosa, constitutiva, junto com a perda da posição privilegiada do Ocidente. Tais traços,
segundo o autor, “[...] nos levam a um novo e inquietante universo de experiência”
(GIDDENS, 1991, p. 58).
Garcindo Sá (2000, p. 347), por sua vez, chama a atenção para o fato de que
As concepções pós-modernas, corolário do capitalismo avançado e
globalizado, consubstanciam uma perspectiva de finalização da história, de
inviabilidade de imaginação das sociedades, além do presente, também pela
admissão da profunda diversidade desse presente em relação ao passado – que
já não conteria experiências consideráveis para as questões do presente,
esvaziando a história de sentido.
Uma outra crítica vem do próprio seio dos Annales, grupo que tem demonstrado uma
grande capacidade de inovação desde a sua formação. Na sua terceira fase (de 1968 até o final
da década de 1980), também chamada de Nova História por Burke (1997), há uma visível
redução de importância da economia e uma aproximação cada vez maior com a antropologia e
interesses por aspectos simbólicos e culturais da sociedade, antes desmerecidos.
Geralmente se estabelece como marco inicial da Nova História a década de 1970,
quando Jacques Le Goff e François Furet passam a responder pela École des Hautes Études
en Sciences Sociales. Nessa fase, ao contrário das anteriores, não há o predomínio de alguém,
enquanto historiador, ou de alguma vertente sobre as demais.
A Nova História é particularmente marcada por duas publicações coletivas. A
primeira, inicialmente intitulada Fazer História, dirigida por Le Goff e Pierre Nora, foi
publicada em 1974. A obra é dividida em três volumes e os artigos são assinados por
75
historiadores que se incumbem da missão de traçar o perfil da nova fase dos Annales. Em
todos os volumes, os autores se dedicam a mostrar os propósitos da história nova a partir de
questões conceituais, epistemológicas e metodológicas. Os títulos das publicações são
sugestivos a esse respeito: História: novos problemas (primeiro volume), História: novas
abordagens (segundo volume), História: novos objetos (terceiro volume).
A segunda obra que marcou os Annales, intitulada A Nova História, publicada em
1978, foi dirigida por Jacques Le Goff, Roger Chartier e Jacques Revel. Considerada um
dicionário, tem por objetivo “[...] dar a conhecer a um largo público as mais modernas
orientações da história cuja importância se tornou tal que há uma ‘história nova’ ”[...]. É
composta de artigos de fundo, que dizem respeito às orientações principais do grupo, os
vocábulos, correspondentes “[...] às noções, aos instrumentos de trabalho, ao campo e aos
métodos que melhor definem a história nova [...]”, alguns artigos biográficos que versam
sobre historiadores ou sábios particularmente significativos para a história nova, variando de
Heródoto (pai da história, mas também da etno-história) a Michel Foucault (Le Goff et al.,
1990, p. 11-13).
Ao comparar a nova corrente histórica com a fase inicial do grupo, Le Goff faz a
seguinte afirmação:
[...] a história econômica e social, sob a forma como a praticavam os ‘Anais’
na sua primeira fase, já não é a frente pioneira da história nova: a antropologia
– de pouco peso no início dos ‘Anais’, ao contrário da economia, da
sociologia, da geografia – tornou-se a interlocutora privilegiada. A fobia da
história política já não é um artigo de fé porque a noção de política evoluiu e a
problemática do poder impôs-se à história nova. De igual modo o
acontecimento está em vias de reabilitação, a partir de novas bases, conforme
o mostrou Pierre Nora. A história das mentalidades e das representações,
apenas esboçada na primeira fase dos ‘Anais’, tornou-se uma das principais
linhas de força (LE GOFF
et al., 1990, p. 281).
Na compreensão de Reis (2000b, p. 201), na terceira geração, passou-se a
problematizar e a estudar tudo e não mais o todo. Há uma grande diversidade de abordagens a
ponto de reinar, segundo Burke (1997), o policentrismo. Esse historiador inglês chama a
atenção para o fato de essa geração ser mais aberta a idéias vindas do exterior. Paris não
cumpre mais o papel de centro do pensamento histórico, assim como nenhum outro lugar. As
inovações acontecem simultaneamente em várias partes do mundo e abrangem os mais
76
variados temas e questões. Burke (1997) destaca três áreas principais de preocupação: a
redescoberta da história das mentalidades; a História Cultural embasada em métodos
quantitativos; a proposta de uma antropologia histórica, um retorno à política ou o
ressurgimento da narrativa, como reação aos dois primeiros métodos.
A história das mentalidades, assim como outras formas de História Cultural, ocupou
uma posição marginal durante a segunda geração dos Annales. Isso só mudaria nas décadas de
1960 e 1970 quando a preocupação de muitos historiadores passou a se concentrar não mais
na base econômica, mas na instância cultural. A história das mentalidades se constitui em uma
forma de História Cultural, baseada na longa duração, na antropologia, nos aspectos
estruturais da sociedade e no emprego de métodos quantitativos. O interesse intelectual dos
historiadores dessa corrente se transfere da base econômica para as manifestações culturais,
valorizando os processos mentais, o cotidiano e suas representações.
O estudo de valores e atitudes, com relação às mais diversas situações, passou a ser
considerado como uma possibilidade de se compreender a realidade de uma determinada
sociedade. Para validar essa forma de fazer história, os estudos das mentalidades se baseavam,
no entanto, na abordagem quantitativa, empregada pela história social e econômica, que
passou a ser vista como reducionista, pois questionava se a construção de dados
estatisticamente seria um indicador apropriado para esse tipo de investigação.
A historiografia dessa fase passou a valorizar temas até então considerados
secundários, como feminismo, infância, meio ambiente, ecologia, cotidiano, habitação,
alimentação, vestuário, técnicas, instrumentos de trabalho. A abordagem desses novos temas
leva os historiadores a se aproximarem cada vez mais da antropologia e de outras áreas do
conhecimento, a ponto de se falar em um processo de fragmentação da história enquanto
disciplina. Ao fazer referência a essa fase dos Annales, Reis (2000b, p.119) é enfático ao
mostrar que
A nouvelle histoire não quer elaborar visões globais, sínteses totais da
história, mas ampliar o campo da história e multiplicar seus objetos.
Radicalizando o projeto dos fundadores da ligação do presente ao passado, a
história toma o próprio presente como seu objeto e quer produzir um
conhecimento do ‘imediato’. Objetos que jamais foram considerados
tematizáveis pelo historiador entram em seu campo de pesquisa. Novas
alianças são feitas: com a psicanálise, a lingüística, a literatura, o cinema. A
história se interessa sobre sua própria trajetória e amplia o espaço da ‘história
da história’. O historiador novo se interroga sobre sua profissão, sobre as
condições teóricas, técnicas, sociais e institucionais dentro das quais ele
produz o conhecimento das sociedades passadas. A orientação principal, que
domina todas as outras, é ‘fazer a história que o presente exige’.
77
O fato de o grupo se abrir a outros domínios do conhecimento permite cada vez mais a
ampliação do campo da história, chegando, inclusive, a incomodar alguns historiadores.
Burke (1997) chama a atenção para as conseqüências dessa fragmentação: a história social
tornou-se independente da história econômica e dividiu-se em história do trabalho, urbana,
rural, e, além da preocupação com a produção, interessou-se também pelo consumo; a história
política, além de enfatizar os centros de governo, passou a analisar as raízes da política, como
também os chamados micropoderes. Como toda inovação tem o seu preço, essa traz em seu
seio o risco de cada vez mais os historiadores se familiarizarem com outras áreas de
conhecimento e ao mesmo tempo se distanciarem entre si.
Temas da historiografia vêm passando por redefinições que, mesmo não podendo ser
creditadas exclusivamente à Nova História, podemos afirmar que tiveram a sua contribuição e
se constituem em respostas inovadoras aos desafios postos pela contemporaneidade. A atual
paisagem historiográfica é marcada pela pluralidade de correntes que nas suas abordagens
abarcam campos inimagináveis para a historiografia do início do século XX, inclusive pelo
fato de campos excluídos da zona de interesse dos historiadores marxistas e dos annalistes
estarem triunfantemente retornando ao seu antigo lar. É o caso do retorno da política, do
evento e da narrativa.
A recusa da política inicialmente estava muito associada à forma de se escrever a
história pelos historicistas. Na abordagem da política feita por esses historiadores, estavam
explícitos o estilo do texto (narração), o conteúdo temático (a política, sobretudo o Estado e
suas instituições) e a concepção segundo a qual a transformação social se dava (eventos
rápidos). Os Annales se insurgem contra essa forma de se conceber e escrever a história. Nas
palavras de Le Goff (1990, p. 258), evidencia-se essa oposição: “Esta história política que é,
por um lado, uma história narrativa e, por outro, uma história de acontecimentos, uma história
do acontecimento, teatro de aparências mascarando o verdadeiro jogo histórico que se passa
nos bastidores e nas estruturas ocultas onde há que ir descobrir-lhe o rasto, analisá-lo, explicá-
lo”.
Mas a terceira geração, numa reação contra o determinismo e a visão estruturalista
representada pela maioria do grupo liderado por Braudel, propõe uma revalorização da
política, agora não mais restrita às questões de Estado, mas em direção à micropolítica, de
influência foucaultiana, segundo a qual os poderes se exercem em níveis variados e em pontos
diferentes da rede social. Para Foucault (1990, p. 221), "[...] o poder é mais complicado,
muito mais denso e difuso que um conjunto de leis ou um aparelho de estado".
78
A passagem do evento (e o seu tempo breve) à longa duração ou da mudança à
permanência se coloca como uma questão central para o grupo dos Annales. Segundo Reis
(2000b, p. 141), “[...] o específico mesmo da nouvelle histoire é a passagem do evento à longa
duração, da mudança à permanência”. A crença nas explicações estruturais e,
conseqüentemente, na incapacidade transformadora por parte dos indivíduos levou os
membros dos Annales a menosprezarem os eventos de curta duração. Essa questão torna-se
uma das grandes preocupações de Marc Bloch e Lucien Febvre e, posteriormente, de Fernand
Braudel. Esses historiadores trabalham, em suas obras, com a idéia da superação do evento,
utilizando, para isso, a perspectiva da longa duração. Eles recusam a história como
conhecimento exclusivo da mudança, introduzindo, então, o duradouro, o repetitivo. A
história, ao se recusar a ser ciência do singular, do contingente, não poderia alçar o evento à
condição de objeto privilegiado de estudo. Assim, abandonam a idéia de evento enquanto
dimensão temporal privilegiada (a história acontecimental do tempo breve), pois ela não
demonstrava ser capaz de apreender e explicar as permanências e as mudanças pelas quais
passa a sociedade. Para eles, a história teria como objetivo explicar a mudança, mas uma
mudança inserida num contexto de estruturas duradouras. Portanto, o evento perderia o status
que galgou junto aos historiadores historicistas
23
.
Braudel, o historiador de maior influência dos Annales entre 1956-1968, identificou a
duração do tempo em três níveis diferentes: o nível dos acontecimentos, da história episódica,
que se move a curto prazo; o nível intermediário, da história conjuntural, de ritmos mais
lentos, embora muito variáveis; e o nível profundo da história estrutural.
Na concepção dos pioneiros dos Annales, as forças profundas da história só agem e
são perceptíveis num tempo longo. A história eventual, ou de duração breve, é superficial, não
sendo possível, através dela, explicar as permanências e as alterações.
É preciso, pois, estudar aquilo que muda lentamente e a que se chama, de
alguns decênios para cá, as estruturas, mas é preciso também resistir a uma
das tentações da história nova. Entusiasmados pela importância daquilo que se
mantém, alguns dos maiores historiadores atuais empregaram [...] expressões
perigosas: ‘história quase imóvel’ (Fernand Braudel) ou ‘história imóvel’
(Emmanuel Le Roy Ladurie). Não, a história move-se. A história nova deve,
pelo contrário, fazer captar melhor a mudança (
LE GOFF, 1990, p. 273).
23
Na perspectiva do historicismo, a função do historiador consiste apenas em estabelecer os fatos históricos,
coordená-los e expô-los coerentemente. O resultado final seria apenas a apresentação dos fatos estudados:
políticos, diplomáticos, militares ou religiosos, raramente econômicos ou sociais
(GLENISSON, 1977). A história
historicista assumia o formato da narrativa dos acontecimentos, diferente dos adeptos das duas primeiras
gerações dos Annales, que reclamavam uma história analítica das estruturas.
79
Pelas palavras de Le Goff, percebe-se que a expressão história imóvel, de autoria de
Emmanuel Le Roy Ladurie, soa como um exagero ao historiador, pois há uma convicção,
nessa época, de que o evento se constitui em uma das formas de expressão dos homens na luta
para fazer valerem os seus interesses, ou seja, é uma forma de expressão da história vivida,
não podendo, portanto, ser destituída de significado. Enfim, o retorno do evento se insere em
uma perspectiva epistemológica distinta daquela em que está montada a ciência moderna
enquanto conhecimento do geral, do repetitivo.
As duas primeiras gerações dos Annales trabalhavam com a perspectiva da exclusão
do que era singular, o contingencial, tal qual posto pelos historicistas. Dessa forma, o evento,
singular por natureza, é renegado. A terceira geração, no entanto, revaloriza a singularidade e,
com isso, o evento. Não significa que ele venha a ser considerado a dimensão temporal
privilegiada, mas que há uma necessidade de se trabalhar com a perspectiva de se repensar o
lugar que lhe é devido. Na compreensão de Reis (2000b, p.145), “Além do evento retornar
como inaugurador de estruturas, como um ponto de inflexão de um modelo ou como o
‘ocorrido’ entre possibilidades objetivas, ele volta também sob uma nova perspectiva:
‘entrada’, ‘janela’, abertura, através da qual se pode atingir a estrutura social”.
Portanto, o questionamento de os eventos serem vistos como sintoma ou como causa
de mudança social continua ainda sem resposta satisfatória para as atuais gerações dos
historiadores.
A reação contra a explicação científica e determinista da história marxista e dos
annalistes contribuiu para o surgimento de uma nova narrativa, antes rejeitada por estar
associada aos eventos e indivíduos, considerados então os responsáveis pelas mudanças
sociais na perspectiva dos historiadores historicistas. A revalorização desse gênero textual
está ligada a outros fatores, como o retorno da história política, a crença de que o indivíduo
pode ter um papel importante a desempenhar nas transformações sociais e a ampliação dos
objetos no campo da pesquisa baseada numa história das mentalidades. Esses fatores,
somados à descrença numa explicação científica moderna da história, vão despertar um
grande interesse por parte dos historiadores da Nova História pelo estilo dos textos.
A abolição da narração historicista e sua substituição por técnicas quantitativas da
história analítica e estrutural fizeram com que o interesse se concentrasse mais nas
circunstâncias e menos nos indivíduos. No entanto, com o retorno do indivíduo ao campo de
interesse dos historiadores, as suas ações passam a ser consideradas como uma possibilidade
de provocar mudança, o que antes era desconsiderado diante do forte determinismo
econômico reinante.
80
A exemplo do que aconteceu com a política, a narrativa histórica atual é diferente da
narrativa de tradição historicista. As obras que têm a narrativa como eixo não estão mais
centradas no sujeito herói e eventos como catalisadores das transformações pelas quais a
sociedade passava, próprios das narrativas tradicionais. As novas narrativas trazem consigo
inovações que são próprias da historiografia nova à qual estamos nos referindo. Um sujeito
desinvestido do papel imperial, uma forma de escrever a história fortemente influenciada pela
antropologia. Não mais centrada em batalhas heróicas, mas a partir de sujeitos que atuavam no
espaço contestado e não mais nos centros de irradiação do poder.
As biografias históricas, por exemplo, não estão mais direcionadas para o
engrandecimento dos indivíduos, podendo, sim, contribuir para a compreensão da
mentalidade de um determinado grupo. Essa mudança de foco com relação à biografia traz
implícita a idéia de que a relação entre o evento e a estrutura precisa ser repensada pelos
historiadores. Aliás, longe está de uma resposta satisfatória ao questionamento de Burke
(1997, p.105): “Alguns eventos, afinal, não conseguem modificar as estruturas, ao invés de
simplesmente refleti-las?”.
Uma das preocupações dos historiadores franceses da Nova História consiste em
ampliar o público leitor para além dos especialistas, daí então a importância que é conferida à
recepção. Tal preocupação de certa forma vem justificar o grande sucesso de produções
históricas a partir dos recursos da narrativa.
A relação história e literatura poderia ser algo muito bem resolvido, se concebêssemos
o conhecimento histórico como algo objetivo, tendo como pressuposto o conhecimento real e
verdadeiro do passado. A literatura, ao contrário, trataria do subjetivo, por isso ficção? No
entanto, assim como o texto histórico contém elementos da ficção, a literatura, mesmo não
tendo compromisso com a objetividade científica, é uma prática discursiva produzida a partir
das condições encontradas pelo homem. Ou seja, não é ficção que surge do nada. Ambas são
práticas discursivas elaboradas a partir das experiências humanas.
O debate acerca das fronteiras entre história e literatura tem interessado a historiadores
e literatos, uma vez que o narrador, por melhor que seja, não consegue representar o evento tal
qual aconteceu. O historiador, por sua vez, apenas interpreta o evento a partir dos fragmentos
de memória que lhe chegam às mãos. A opacidade e a intencionalidade contidas nos textos
literário e histórico fazem com que os limites que separam essas duas áreas sejam tênues.
Existiriam atualmente mecanismos eficazes de delimitação dessas fronteiras?
O historiador recorta, seleciona, elege, de acordo com suas impressões pessoais,
atitude similar à do literato que, ao montar sua narrativa, apresenta uma visão fragmentada do
81
real. Embora baseado em documentos, o discurso histórico tende a ser encarado cada vez mais
como uma criação influenciada por elementos da subjetividade. Se a verdade é algo sempre
perseguida pelo historiador, ela nunca terá uma versão final. Sendo assim, haveria, então, um
contraste com a ciência moderna, cuja linguagem pretende-se objetiva e transparente?
Chartier (1994, p. 103) analisa algumas posturas de autores para tentar esclarecer essa
questão:
As reflexões pioneiras de Michel de Certeau, em seguida o grande livro de
Paul Ricouer, e mais recentemente a aplicação à história de uma ‘poética do
conhecimento’ que tem por objeto, segundo a definição de Jacques Rancière,
‘o conjunto dos procedimentos literários pelos quais um discurso se subtrai à
literatura, se atribui um estatuto de ciência e significa isso’, obrigaram os
historiadores a reconhecer, querendo ou não, que a história pertence ao gênero
da narrativa – no sentido aristotélico da ‘articulação em um enredo de ações
representadas’. Essa constatação não foi ponto pacífico para aqueles que,
rejeitando a história événementielle em benefício de uma história estrutural e
quantificada, pensavam ter posto fim às aparências enganosas da narração e à
demasiado longa e duvidosa proximidade entre a história e a fábula.
Há uma tendência na contemporaneidade em se aderir a um tipo de narrativa histórica
a partir de estilos que são próprios do romance e do cinema, permitindo tanto a liberdade de
interpretações múltiplas por parte do seu público, quanto uma ordem narrativa não
cronológica.
A história, enquanto área de ensino e enquanto área de construção do conhecimento,
está longe de constituir unanimidade, uma vez que os objetos aos quais os historiadores se
propõem a estudar não são observáveis de forma semelhante aos da matemática e aos das
ciências naturais. Como bem coloca Burke (1997, p. 11): “Da produção intelectual, no campo
da historiografia, no século XX, uma importante parcela do que existe de mais inovador,
notável e significativo, origina-se da França”. A historiografia representada pela Nova
História tem, sem sombra de dúvida, dado uma grande contribuição para tal inovação. Não
que o conhecimento produzido pelas duas primeiras gerações, comprometidas com o projeto
da modernidade, esteja desprovido de elementos interessantes para os que se dedicam ao
trabalho de pesquisa e ensino na atualidade, mas com este novo olhar vamos encontrar
elementos que, ao romperem com os parâmetros teórico-metodológicos estabelecidos pela
modernidade, se abrem para novas questões postas pelo mundo contemporâneo.
82
Essas características acima atribuídas à Nova História assumiram uma certa
radicalidade a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990. Nessa época,
havia um certo mal-estar entre alguns historiadores ao perceberem que novas questões e temas
se impunham aos cientistas sem que os modelos correntes de análise dessem a importância
que lhes era devida. Por mais que a Nova História tenha incorporado muitas inovações ao
conhecimento histórico, havia críticas com relação ao fato de que em suas análises ainda
predominavam os níveis econômico e social, ficando a instância cultural relegada a uma
posição secundária. Nesse sentido, os historiadores insatisfeitos passaram a reivindicar um
outro domínio para a história, em muitos aspectos diferente das abordagens voltadas para o
econômico e o social, pois elegia a cultura como uma forma de expressão do real, em nada
devendo a outras instâncias.
Vainfas (1997, p. 148) vê a História Cultural como uma das herdeiras da história das
mentalidades, um refúgio, “[...] posto que, em suas principais versões, procurou defender a
legitimidade do estudo do ‘mental’ sem abrir mão da própria história como disciplina ou
ciência específica [...] e buscando corrigir as imperfeições teóricas que marcaram a corrente
das mentalidades dos anos 70”. O autor destaca quatro características da História Cultural: a
rejeição ao conceito vago de mentalidades, a preferência pelas manifestações culturais das
massas anônimas, a preocupação em resgatar o papel das classes sociais e de seus conflitos e a
pluralidade dos campos de investigação. Ele mostra que com a crise da história das
mentalidades, a partir da década de 1980, verificou-se o surgimento de novos campos que
incorporaram os temas e as problemáticas das mentalidades. Entre esses campos, o historiador
cita o da micro-história e o da História Cultural.
Coube àqueles que consideram a cultura como uma das formas de expressão e
tradução da realidade construir novas formas interpretativas do real, o que trouxe mudanças
significativas à área de história. Novos patamares epistemológico e metodológico foram
estabelecidos a partir da incorporação ao trabalho do historiador de uma nova base conceitual,
com destaque para conceitos como o de representação e o de imaginário, conforme explica
Pesavento (2005, p. 42): “Em termos gerais, pode-se dizer que a proposta da História Cultural
seria, pois, decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar
àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o
mundo.”.
Vale ressaltar, no entanto, que se a cultura é algo que atrai a atenção de muitos
historiadores, suas posturas metodológicas, porém, são muito diversas, abrangendo nomes
como os de Roger Chartier, Carlo Ginzburg e Edward Thompson. Nesse sentido, entre os
83
trabalhos que têm oferecido significativas contribuições para a produção historiográfica na
contemporaneidade, destacamos o de Roger Chartier, sobre a história das práticas de leitura a
partir da utilização de conceitos como o de representação e de apropriação; o de Carlo
Ginzburg, com as noções de cultura popular e de circularidade cultural sobre religiosidade,
feitiçaria e heresia; e o de Edward Thompson, sobre movimentos sociais e cotidiano das
classes populares. Esses autores, cada um à sua maneira, segundo Vainfas (1997, p. 158),
“[...] reabilitam a importância dos contrastes e conflitos sociais no plano cultural, evitando,
quando menos, as ambigüidades e concepções interclassistas e descritivas de algumas versões
da história das mentalidades”. Salientamos que contribuições nessa perspectiva não
circunscrevem apenas os limites do território europeu, terra natal desses historiadores, mas
conseguem entusiasmar fortemente historiadores de outras partes do mundo, inclusive do
Brasil
24
.
Fazer referência a uma Nova História Cultural significa ver a cultura de forma
diferente do viés marxista ortodoxo que a concebia como integrando a superestrutura, reflexo
da infra-estrutura e da história do pensamento ou das grandes correntes de idéias e seus nomes
mais expressivos. “Trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de
significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo” (
PESAVENTO,
2005, p. 15).
Para Chartier (1994), a linguagem do historiador não passa de uma representação e
interpretação do acontecido, o que significa afirmar que, considerando a impossibilidade de se
repetir em laboratório um evento histórico, todo objeto de estudo sugere multiplicidade de
interpretações. Em sua visão, a sociedade em si mesma é uma representação coletiva.
Ao analisar o panorama historiográfico das últimas décadas, Martins (2004) sintetiza o
quadro, mostrando que:
No último quartel do século 20 duas são as tendências mais marcantes e cuja
identificação apresenta menos dificuldades para a historiografia: o abandono
das posições marxistas e a influência polivalente da análise da linguagem. Em
parte essa evolução se deve ao abalo causado pela crítica pós-moderna, que
24
Segundo Pesavento, a História Cultural está representada por uma ampla comunidade acadêmica internacional,
entre seus expoentes estão os ingleses Raymond Williams, Edward P. Thompson e Peter Burke, entre os norte-
americanos, estão Robert Darnton, Natalie Davis e Lynn Hunt, além de intelectuais como Hayden White e
Diminik LaCapra, entre os portugueses estão Fernando Catroga, Luís Torgal e Maria Nuela Tavares Ribeiro,
entre os argentinos, estão Sandra Gayol e Pablo Vagliente. No caso do Brasil, a influência é tamanha que “A
História Cultural corresponde, hoje, a cerca de 80% da produção historiográfica nacional, expressa não só nas
publicações especializadas, sob a forma de livros e artigos científicos, como nas apresentações de trabalhos, em
congressos e simpósios ou ainda nas dissertações e teses, defendidas e em andamento, nas universidades
brasileiras” (PESAVENTO, 2005, p. 7-8).
84
mostrou o quão frágeis eram as pretensões uniformizadoras dos modelos
anteriores e chamou a atenção para a diversidade cultural multifacetada das
idéias e as ações humanas.
Essa constatação tem desdobramentos para os que lidam com o ensino, e mesmo com
a escrita da história, pois leva à abertura de novos caminhos e, com isso, à possibilidade de
novas leituras sobre os temas abordados, a exemplo da história local.
2.3 A HISTÓRIA LOCAL COMO OBJETO DE ESTUDO
A desconfiança nas macroabordagens, o apego às margens e a aceitação de um certo
relativismo no campo epistemológico têm desembocado numa certa preferência pelo local e o
específico sobre o universal e o abstrato. A preocupação com o micro, por exemplo, é um
assunto corrente entre os historiadores da atualidade, seja para endossá-lo (LEVI, 1992;
REVEL, 1998), seja para criticá-lo (DOSSE, 1992). A história das mentalidades já
demonstrava sensibilidade não só para as diferenças sociais, mas também para as diferenças
regionais, o que permitiu o surgimento de trabalhos no âmbito regional, conforme mostra
Ariès (1978).
Ressaltando a influência dessas mudanças na produção historiográfica, Duby (1994, p.
17-18) explica que
[...] o enorme processo de mudança que estamos a viver, sob forma de uma
difusão dos acontecimentos à escala de todo o planeta, faz com que, na
produção histórica atual, pareça infrutífero continuar a considerar os
fenômenos no quadro dos Estados tais como eles existem. O importante
parece ser, atualmente, escrever uma vastíssima história de todas as
civilizações do Mundo, nas suas relações recíprocas, enquanto, por outro lado
e por um movimento inverso, assistimos ao reaparecimento de uma história
muito local.
Essas novas concepções de conhecimento e os novos olhares com relação à história,
enquanto área de produção do conhecimento e enquanto disciplina, permitem repensar o fazer
docente a partir de novos patamares. A incorporação ao processo ensino-aprendizagem do
85
cotidiano do aluno e da sociedade na qual ele se insere tem sido uma atitude relevante na
busca por novos caminhos. Para isso, faz-se necessária a incorporação de novas fontes
históricas e de novos objetos de estudo. A abordagem numa perspectiva da história local, por
exemplo, tem sido posta pelos profissionais da história por permitir a incorporação desses
novos elementos.
O panorama historiográfico do final do século XX e início do século XXI se caracteriza
pela diversidade de abordagens, sendo rico em propostas inovadoras em que questões e temas,
que até a algumas décadas atrás estavam fora do foco dos historiadores, passaram a se inserir
no rol dos objetos de estudo. É também uma época de autocrítica com relação a muitas
escolhas feitas durante o decorrer do século XX. Assim, presenciamos o retorno de temas
antes renegados, mesmo que condicionados a novas perspectivas e leituras. O século XX
apresentou como alternativa à historia historicista dois grandes paradigmas, o marxista e o dos
Annales. O final do século é marcado por um acerto de contas com esses paradigmas e pela
busca de novas formas de se fazer história. Incorpora, no entanto, muitas contribuições das
gerações passadas.
Enfim, partilharmos da idéia de que estamos vivendo uma situação de transição
histórica e que, apesar de todas as transições serem semicegas, como afirma Santos (1995),
muitas questões postas pelos estudiosos contemporâneos, inclusive pelos chamados pós-
modernos, têm tido repercussão por tratarem de problemáticas que vêm nos desafiando no
dia-a-dia, inclusive no que diz respeito às questões relacionadas com o ensino. Assim, é
inegável que o debate em torno das mudanças teórico-epistemológicas interfira,
decididamente, nas formas de se escrever e ensinar a história.
Os pós-modernistas trazem uma certa radicalidade ao debate atual, contribuindo para a
reflexão dos historiadores, alguns dos quais por muito tempo acostumados às certezas das
abordagens universais. Na opinião de Silva (1999, p. 114),
O pós-modernismo prefere o local e o contingente ao universal e ao abstrato.
O pós inclina-se para a incerteza e a dúvida, desconfiando da certeza e das
afirmações categóricas. No lugar das grandes narrativas e do ‘objetivismo’ do
pensamento moderno, o pós prefere o ‘subjetivismo’ das interpretações
parciais e localizadas.
86
O importante nesta reflexão sobre a contemporaneidade é reconhecermos que vivemos
em um momento histórico que difere, em muitos aspectos, daquele da modernidade.
Devemos, então, discutir junto às escolas sobre a conveniência de incorporar as inovações que
vêm sendo postas no âmbito das ciências sociais e humanas e, em especial, na área de história.
Trabalhamos com o entendimento de que, mesmo considerando visões distintas, há
pontos de convergência entre os pensamentos da chamada Nova História, da História Cultural
e deles com o discurso pós-moderno. A propósito, é pertinente a observação feita por Reis
(2000b, p.191) sobre a historiografia francesa nos últimos tempos:
A terceira geração talvez possa ser dita pós-estruturalista, também de forma
impura. Sob a influência da antropologia, prefere descrições, narrativas,
indivíduos, biografias, excluídos, periféricos, marginais, sexo, bruxaria,
mundos históricos micro... Não se busca mais um sentido global para a
história e a integração da consciência em uma totalidade é considerada
impossível. Os nostálgicos da história global se refere a ela como uma utopia
inalcançável.
Para Neves, a Nova História francesa e a Nova História Cultural, mesmo tendo essa
influência da antropologia cultural norte-americana, e apesar de terem percursos paralelos,
“[...] coexistem, negando uns postulados, reafirmando outros, mas, mantendo características
comuns com os postulados da pós-modernidade” (NEVES, 2002, p. 43). Ou seja, embora
diferentes, essas abordagens guardam em comum inovações que as distanciam do paradigma
iluminista, uma vez que reagem contra todas as formas de determinismo e verdades
definitivas.
É cada vez mais freqüente entre os professores e os estabelecimentos de ensino a
preocupação com o que chamamos de história local. Os aspectos conceituais envolvendo a
problemática dessa prática histórica, no entanto, não têm sido satisfatoriamente definidos. Há
uma diversidade de olhares em torno do que possa vir a ser essa forma de se conceber a
história. Uma das dificuldades em defini-la consiste, como afirma Samuel (1990, p. 227), na
idéia de se conceber “[...] o local como uma entidade distinta e separada, que pode ser
estudada como um conjunto cultural”.
Nas últimas décadas, tem-se buscado, no ambiente acadêmico, a compreensão da
diversidade das organizações espaciais, pois mesmo com o processo de mundialização do
capital e do seu conseqüente desenvolvimento tecnológico, facilitando as comunicações entre
87
os povos, nos espaços regionais e locais persistem diferenças que precisam ser interpretadas à
luz dos novos parâmetros epistemológicos.
Vivemos uma situação de certa forma paradoxal: por um lado, observamos uma
tendência que aponta na direção de uma padronização das atitudes e dos costumes num
mundo globalizado, bem como a integração de unidades territoriais mais amplas do que os
Estados nacionais, e, por outro lado, verificamos uma proliferação dos particularismos
culturais e étnicos e a afirmação de diversos grupos considerados minoritários, movidos não
mais por bandeiras universais como as relacionadas com a questão da exploração do trabalho
pelo capital, mas por questões pontuais, como as de ordens étnicas, sexuais, religiosas. Nessa
tendência de dar importância às questões que tocam mais diretamente os indivíduos, o local,
enquanto espaço de sociabilidade e interação entre as pessoas que partilham de problemas
cujas soluções dependem de suas ações, ganha destaque cada vez maior. A abordagem do
local enquanto objeto de estudo, seja no aspecto conceitual, seja no que diz respeito aos
contornos territoriais, assume, na contemporaneidade, grande complexidade.
O local ao qual nos referimos aqui é o espaço tomado a princípio como uma
abrangência geograficamente restrita, em cujos laços sociais e de parentescos de seus
moradores ainda se mantêm vínculos comunitários e uma existência de sociabilidade direta
entre eles. Ou seja, um local cujos limites espaciais não ultrapassariam os territórios de
pequenos municípios, cidades, bairros ou de uma região, entendida aqui como um conjunto
constituído por pequenos municípios. Neste estudo, o local está circunscrito a um município:
Ceará-Mirim, conforme apresentado no primeiro capítulo.
Para Bourdin (2001), o local, alçado à condição de objeto de estudo, oferece novas
óticas de análise ao ensino, quando confrontado com outras escalas mais amplas de
observação. A sua especificidade consistiria em permitir dialogar, questionar e até resistir ou
endossar, se for o caso, o atual processo de mundialização. Nos últimos anos, um novo olhar
sobre o local tem levado a um repensar das formas de escrita e ensino da história local.
Passemos, então, a uma breve discussão acerca da abordagem dessa nova história local,
inicialmente associando-a à questão regional.
Segundo Silveira (1990, p.18), “A ciência histórica é pouco afeita ao tratamento da
problemática espacial”. A discussão em torno do espaço e da região passaria, então, por outras
áreas do conhecimento, e entre elas estaria a geografia. Amado (1990) destaca duas posições
bastante diferentes entre os geógrafos acerca da definição de região: a concepção que a
entende como sinônimo de região natural, que constitui um conjunto homogêneo de
elementos naturais em que a ação humana é por ele determinada; a concepção advinda da
88
geografia crítica que entende a organização espacial como uma categoria social construída a
partir do trabalho humano e das formas de relacionamento que os homens estabelecem entre
si e com a natureza. A região seria definida “[...] como a categoria espacial que expressa uma
especificidade, uma singularidade, dentro de uma totalidade: assim, a região configura um
espaço particular dentro de uma determinada organização social mais ampla, com a qual se
articula” (AMADO, 1990, p. 8).
Essa conceituação parte de premissas do materialismo dialético e histórico e está
relacionada com a idéia de modo de produção. Nesse caso, trazendo a discussão para
sociólogos brasileiros, a autora identifica duas possibilidades quanto ao debate que associa o
modo de produção à questão regional. A primeira, posta por Oliveira (1981), defende a idéia
do esvaziamento do conceito de região, uma vez que o capital monopolista tende a
homogeneizar os espaços em que atua. A segunda defende que o capital monopolista, no caso
do Brasil, deveria se inclinar à manutenção das regiões, já que a sua atuação não traria a
necessidade de grandes rupturas, pois haveria possibilidades de conciliar os interesses da
burguesia monopolista com os das classes dominantes regionais.
Ao se deparar com o mesmo desafio, Ossanna (1999) diz que “[...] el concepto de
región, por exemplo, es una construcción. La región no existe por si; se la construye a partir
de ajudicarle a um espacio determinadas características que la identifican como um objeto de
estudio propio”. Há uma recusa por parte desse autor ao conceito de região associado aos
limites políticos de um determinado espaço, o que o leva a indagar e em seguida a afirmar:
[…] ¿qué significa local, regional, provincial en la perspectiva de un análisis
histórico de larga duración? Lo que se defina como regional o provincial hoy,
¿lo era en otras épocas?, ¿existía alguna forma particular o diferenciada de
articulación entre lo local y lo regional?, ¿qué sucedía con lo regional o lo
provincial antes de la existencia de lo local, teniendo en cuenta las
particularidades de la ocupación territorial en la pampa argentina, por
ejemplo? Si los conceptos son construidos, estas construcciones son
históricas; y su existencia es histórica también. Partir de una cristalización –
sin los recaudos correspondientes – puede desnaturalizar totalmente la
comprensión histórica (
OSSANNA, 1999).
A região é tomada aqui como um recorte da espacialidade que expressa uma
particularidade dentro de uma totalidade com a qual se articula. Nessa concepção, está
implícita a recusa do caráter determinista ainda presente na história generalista que vê o
regional e o local apenas como reflexos do nacional.
89
A tradição histórica do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro produziu a idéia de
uma nação homogênea, tendo como referência o modelo de civilização européia e como
elemento aglutinador interno o português e seus descendentes que constituíam o topo da
pirâmide social. Para a construção de uma nação pretensamente una, sem maiores divisões
internas, as contribuições culturais dos outros elementos constituidores da nação brasileira
eram ignoradas ou consideradas como contribuições menores. A concepção de uma história
nacional unificadora, com interpretações consensuais do passado, levou, portanto, à
idealização de uma nação homogênea, inclusive no que diz respeito às relações entre as
diversas províncias.
Ao se referir à forma de abordagem da história regional, Guimarães ressalta que é a
partir do IHGB, no Rio de Janeiro, então capital brasileira, administrada por um governo
monárquico, que são feitas as leituras das histórias regionais, o que caracteriza o projeto
intelectual da instituição como centralista, uma vez que “[...] é privilegiada a perspectiva de
considerar as regiões não nas suas especificidades – descartando com isso a polêmica do
regionalismo – mas na sua intrínseca organicidade ao conjunto nacional” (GUIMARÃES,
1988, p. 23-24).
Dessa forma, as histórias regional e local se apresentam como complementares à
historia nacional, só interessando à historiografia institucional enquanto formas de
reafirmação da história geral, ou seja, da história nacional. O que porventura estivesse fora da
explicação geral era visto como algo menor, desinteressante, com valor histórico limitado
talvez aos interesses de indivíduos e grupos cujo poder de mando se manifestava nesses
espaços.
Vera Silva compreende que o enfoque regionalista passa pelo referencial analítico da
teoria dos sistemas e que o conceito de sistema pressupõe a existência de uma unidade
constituída de várias partes a ela integradas. Ao se referir a uma região, por exemplo, haveria
necessidade de definir a unidade à qual ela se integra, se a um sistema internacional, a um
sistema político federativo ou a outras formas de referência. Dessa forma, a autora concebe o
regionalismo como um
[...] método de estudo de processos econômicos, sociais e políticos que
ocorrem em territórios determinados, ao longo do tempo. O problema teórico
que se coloca para o historiador é o da delimitação das fronteiras destes
territórios. É esta delimitação que estabelece uma unidade significativa de
relações e de movimento, que tem sentido comparar com outras unidades, à
procura de elementos de semelhança e de diferença (
SILVA, V., 1990, p. 47).
90
Nesse sentido, o historiador pode escolher um, dentre esses processos, como
articulador da vida na região. Por exemplo, ao eleger a dimensão política, caberia a ele
mostrar em que medida a política adotada nesse espaço coincide ou não com os processos
econômicos e sociais sobre os quais ela atua. A história regional, nesse caso, “[...] se
apresenta como um enfoque de análise insubstituível, pois seu objeto é sempre uma
articulação complexa de relações econômicas, sociais e políticas, em espaços determinados e
em tempos determinados” (SILVA, V., 1990, p. 48). Corroborando com esse pensamento, no
que diz respeito à defesa da história regional, Janaína Amado mostra que a sua abordagem
justificar-se-ia por
Oferecer novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo
apresentar todas as questões fundamentais da História (como os movimentos
sociais, a ação do Estado, as atividades econômicas, a identidade cultural etc.)
a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o
particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida
com as diferenças, a multiplicidade (
AMADO, 1990, p. 12-13).
Segundo essa concepção, a historiografia regional distinguir-se-ia ainda pela
possibilidade de apresentar o “concreto” e o cotidiano, o ser humano “historicamente
determinado”, permitindo fazer a ponte entre o individual e o social. Estaria na historiografia
regional a possibilidade única capaz de testar a validade de teorias elaboradas a partir de
parâmetros globais, ou seja, a partir da história nacional ou de uma outra região, em geral,
hegemônica. Assim, muitas vezes, quando confrontadas com situações particulares, essas
teorias revelam-se inadequadas.
Neves (2002), ao discutir essa questão, associa a adoção de novos métodos de
pesquisa e novos postulados teóricos à implantação de cursos de pós-graduação, no Brasil,
que possibilitou o surgimento de uma nova história regional e local em sintonia com as
exigências da historiografia contemporânea. Diferente do modelo corográfico
25
dos Institutos
Históricos, comprometido com a construção de uma identidade comum do brasileiro, essa
abordagem se coloca como inovadora a partir do momento em que,
25
Modelo que enfatiza descrições fisiogficas, com exaltação à beleza da flora, da fauna e dos recursos naturais
em geral. Gênero predileto dos memorialistas e retratado nas monografias municipais que tinham por base as
orientações do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
91
Embasando-se em fontes primárias empreendeu-se a pesquisa temática,
associando a narrativa histórica à interpretação hermenêutica e, nesse
processo, surgiu a proposta de história regional e local, tentando compreender
as práticas de grupos sociais no conjunto nacional, sem as dimensões
unitárias, mitológica e de imutabilidade, que caracterizaram a historiografia
brasileira anterior, construída sobre os preceitos morais e cívicos, com
valorização do sentimento, culto ao sublime, exaltação da natureza, recurso à
tradição como refúgio da felicidade perdida (
NEVES, 2002, p. 94).
As abordagens acima sobre a história regional são extensivas à história local e se
inserem numa perspectiva sistêmica, questionada por algumas vertentes da historiografia
recente que desconfiam das macroabordagens por muito tempo predominantes no mundo
ocidental.
Acreditamos que a nova forma de se conceber a história local venha interessando,
tanto como objeto de pesquisa quanto como conteúdo de ensino, devido às contribuições das
novas gerações de historiadores que ocupam o cenário historiográfico, principalmente a partir
da década de 1970, e que compartilharam idéias comuns que convergiram para a formação de
correntes historiográficas conhecidas como Nova História e Nova História Cultural.
Para alguns historiadores, como Marc Ferro (1989), a história local está,
metodologicamente, integrada, sob vários aspectos, a contextos e espaços mais amplos. De
acordo com esse autor, filiado à Nova História francesa, a história geral, oficial ou não, não
atribui importância aos acontecimentos locais, à vida e aos fatos cotidianos, por não serem
estes considerados essenciais na análise dos mecanismos da vida social. Ele lembra que, desde
a Antigüidade, os gregos, por elegerem a história como análise dos fenômenos gerais,
excluíram desse conhecimento os relatos e acontecimentos locais, considerados parciais.
Desde então, a história local passou a ser considerada como algo sem muita importância, que
se dá fora da explicação da história geral. Para Ferro, presencia-se uma reviravolta em que,
mesmo sem abrir mão dos fenômenos gerais, a história torna-se cada vez mais temática.
Segundo ele, a história geral, oficial ou não, elimina diversos aspectos da vida das sociedades,
entre os quais estão os acontecimentos locais. Por se entender que o desenrolar da história tem
como referência um centro que lhe dá sentido, as histórias regional e local, consideradas como
simples monografias, estariam distantes desse centro e, conseqüentemente, excluídas da
grande história. A situação muda a partir da inversão de perspectiva em que a história local
aparece como reveladora para a história geral.
92
Para exemplificar, o historiador Ferro cita o caso de um simples roubo de alcachofras
em Verny, lugarejo situado no interior de Genebra, em 1743. O estudo do não-acontecimento
banal mostrou que através de fatos cotidianos é possível definir, segundo o autor,
[...] o estado de saúde de uma sociedade; longe de serem não-acontecimentos,
fatos fortuitos, sem significação, desinteressantes – embora assim sejam
considerados pelas Igrejas, pelos governos, pelos partidos políticos –, eles se
situam à parte do funcionamento institucional, constituindo assim um
revelador e uma necessidade da história (
FERRO, 1989, p.121).
Ao citar esse caso como exemplo e evocar os trabalhos de Le Roy Ladurie
(Montaillou) e de Ginzburg (O queijo e os vermes), Ferro coloca em um mesmo patamar a
micro-história e a história local. Entendemos, no entanto, que a micro-história tem como foco
de sua análise o microssocial, mas trabalha com uma outra perspectiva, pois pretende se
inscrever no maior número de contextos possíveis. Nesse sentido, ela representa, no fundo, de
acordo com as palavras de Revel (1998, p. 22): “[...] o velho sonho de uma história total, mas
dessa vez construída a partir de baixo”.
Para corroborar esse pensamento, trazemos a afirmação de Neves (2002, p. 46),
segundo a qual,
A proposta de história regional e local não circunscreve na de micro-história
– proposição metodológica da década de 1980, que seria, na expressão de
Vainfas, uma das manifestações da história das mentalidades – tendo seu
objeto de estudo, nas racionalidades e estratégias de funcionamento das
comunidades, parentelas, famílias, indivíduos. Giovanni Levi, um dos
teóricos da micro-história, recomendou não defini-la em relação às
microdimensões de seu objeto de estudo, porque essa proposta metodológica
de se pensar a história e construir a historiografia, originara de historiadores
com raízes marxistas – entre os quais Edward P. Thompson, Carlo Ginzburg
[...].
O autor situa a micro-história no campo da História Cultural, advertindo para a
necessidade de conexões entre microrrecortes e sociedade global.
Entendemos, assim, que a micro-história está mais para os fenômenos particulares do
que para as questões propriamente locais. Os historiadores que transitam em torno da Nova
93
História, da Nova História Cultural (na qual a micro-história se insere enquanto prática) e
pensadores da pós-modernidade, ao questionarem os limites epistemológicos do iluminismo e
valorizarem interpretações que incorporam parâmetros retirados da hermenêutica, são
responsáveis, em muito, por alguns princípios que norteiam as novas abordagens da história
local. Em que pesem as divergências desses historiadores, eles apresentam pontos de
convergência, conforme ressaltamos anteriormente. Um desses pontos constitui-se na recusa
de qualquer visão de caráter determinista.
Com relação às formas de interpretação, não acreditamos que devamos optar,
exclusivamente, por uma versão macro ou micro, como se uma fosse verdadeira e a outra
falsa. A escolha não é alternativa entre duas versões da realidade histórica, uma que seria
macro e a outra micro. O problema é que, como ressalta Revel (1998), nenhuma atende
satisfatoriamente às exigências dos historiadores. Nesse sentido, comungamos com a
afirmação de Vainfas (1997, p. 447) de que:
História-síntese e micro-história não são, [...] necessariamente excludentes.
São abordagens que se podem combinar, em graus variáveis, num mesmo
livro, numa mesma pesquisa. Talvez o ideal seja mesmo tentar buscar no
recorte micro os sinais e relações da totalidade social, rastreando-se, por outro
lado, numa pesquisa de viés sintético, os indícios das particularidades – os
homens e mulheres ‘de carne e osso’, para usar imagem cara a Lucien Febvre.
O autor admite a existência de diferenças, sim, entre as duas abordagens, mas
diferenças de escala ou de ponto de observação, nunca valorativa, epistemologicamente
dizendo, do tipo superior ou inferior.
Entendemos a história local como um novo método de abordagem histórica que
consiste em mostrar as singularidades do lugar, bem como os pontos de conexão com a
realidade de outros lugares. Essa forma de conceber e fazer história permite, no ambiente
escolar, uma relação contínua entre os sujeitos e o objeto de estudo, uma vez que esses
sujeitos – o aluno e o professor – fazem parte da comunidade e das múltiplas relações aí
contraídas, o que facilita na identificação das características do processo histórico local e
possibilita a percepção da heterogeneidade cultural aí existente. Nesse sentido, corroboramos
as palavras de Samuel (1990, p. 220) ao mostrar que
94
A História local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado
no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma idéia
muito mais imediata do passado. Ele a encontra dobrando a esquina e
descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler o seu grafite nas
paredes, seguir suas pegadas nos campos. As categorias abstratas de classe
social, ao invés de serem pressupostas, têm de ser traduzidas em diferenças
ocupacionais e trajetórias devidas individuais; o impacto da mudança tem de
ser medido por suas conseqüências para certos domicílios. Os materiais
básicos do processo histórico devem ser constituídos de quaisquer materiais
que estejam à disposição no local ou a estrutura não se manterá.
Consideramos, assim, que a história local, por suas especificidades (os tipos de fontes,
o contato com o vivido e muitas vezes com os autores dos documentos, as dificuldades de
acesso às fontes oficiais), requer ferramentas de natureza teórico-metodológica singulares.
Assim sendo, sua abordagem pressupõe: a presença da história em todos os lugares; a
integração dos lugares a outros espaços e contextos; a inclusão de novos problemas e novos
objetos à investigação histórica, bem como a ampliação/diversificação dos sujeitos e das
fontes históricas; a aproximação afetiva e física dos indivíduos com o objeto de estudo como
um dos fatores motivadores para a produção e divulgação do conhecimento; o apego à
localidade como uma condição motivadora para a aprendizagem; o local como lugar de
experiência e observação privilegiado do sentir-se sujeito da história.
A existência e o uso das fontes históricas (o relato oral, os traçados das ruas, os diários
pessoais, a diversidade de documentos familiares, os instrumentos de trabalhos, entre outros)
dão viabilidade tanto à versão escrita quanto à ensinada da história local. O investigador que
se encarrega da história local, além da familiaridade com tais procedimentos, não pode
prescindir das ferramentas de outras formas de abordagem da história como a nacional e a
geral, pois o local, na maioria das vezes, não se explica por si só, necessitando estabelecer
relações com outras dimensões.
O debate em torno da concepção e produção do conhecimento histórico
contemporâneo começa a se fazer presente nos estabelecimentos escolares, seja através de
propostas curriculares, como veremos no próximo capítulo, seja através de manuais didáticos,
seja ainda pela iniciativa dos próprios professores. Essa situação coloca a necessidade de
repensar o trabalho docente, principalmente no que diz respeito aos que lidam com o ensino
fundamental.
95
3 O ENSINO DE HISTÓRIA: entre reflexões, permanências e mudanças
[A história atual] persegue os segredos
das sociedades e já não os das nações.
François Furet
Neste capítulo, expomos uma trajetória do ensino de história no Brasil, tendo como
preocupação principal identificar as mudanças pelas quais a disciplina tem passado nas duas
últimas décadas e o contexto no qual ela se encontra hoje. Afinal, se o mundo tem passado por
mudanças substanciais, quais as mudanças ocorridas no ensino de história? Para isso,
reportamo-nos aos fóruns privilegiados de debate sobre a temática, as principais publicações,
os caminhos propostos por aqueles profissionais responsáveis pela construção do campo
epistemológico do qual faz parte a disciplina história, as ações advindas do poder público, e
tentamos compreender até que ponto há correspondência entre as mudanças ocorridas na
historiografia das décadas de 1980 e 1990 e o conhecimento histórico escolar. A parte final do
capítulo traz a nossa interpretação acerca das concepções dos professores, com o intuito de
mostrar a aproximação ou o distanciamento delas no que diz respeito às inovações que vêm
ocorrendo com relação ao ensino de história.
3.1 O ENSINO DE HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
É comum ouvirmos falar que a forma de se ensinar história é obsoleta e que há
necessidade de novas práticas que atendam às expectativas atuais dos alunos e do mundo
contemporâneo. Um dos pontos que têm angustiado os professores é o fato de os alunos, em
boa parte, não demonstrarem interesse pela disciplina. O ensino de história por muito tempo
foi associado à memorização mecânica de datas e fatos relacionados com um passado
intocável, sem vinculação com o presente e, conseqüentemente, sem vinculação com o meio
social no qual vivem os alunos. Para Nadai (1992, p. 144),
96
O ensino de História vive atualmente uma conjuntura de crise, que é,
seguramente, uma ‘crise da história historicista’, resultante de descompassos
existentes entre as múltiplas e diferenciadas demandas sociais e a
incapacidade da instituição escolar em atendê-las ou em responder
afirmativamente, de maneira coerente, a elas.
No entanto, há uma busca, já há um certo tempo, da superação dessa forma de
conceber e praticar a história.
Embora não se dê de forma mecânica, podemos afirmar que, a uma forma de se
produzir o conhecimento, corresponde uma outra, a de ensinar história. Assim aconteceu com
o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que, criado em 1838, se constitui na primeira
forma de pensar a história do Brasil de forma sistematizada, tomando para si a missão de
delinear uma identidade comum a uma nação recentemente gestada a partir de diferentes
raças. Dessa forma, o projeto do IHGB de traçar a gênese da nacionalidade brasileira estava
em sintonia com grande parte da historiografia da época, especialmente a européia. De
inspiração iluminista, se propunha à construção de uma nação nos trópicos à imagem da
civilização francesa, seguindo de perto o modelo intelectual francês, com destaque para a
unidade e a continuidade inexorável do progresso social.
A história produzida pelo IHGB vai influenciar o ensino durante o resto do século XIX
e o século XX. Segundo Nadai (1992, p.146), “[...] a história ensinada no Brasil por muito
tempo foi a História da Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira História da
Civilização. A História pátria surgia como seu apêndice, sem um corpo autônomo e ocupando
papel extremamente secundário”. Essa história estava voltada para grandes temáticas que
tinham como preocupação central a consolidação do projeto de nação espelhado na sociedade
européia. O estudo deveria contemplar os valores cívicos, o conhecimento sobre brasileiros
ilustres, traços gerais do Brasil Colônia, Império e República. Uma concepção de história
legitimadora de um discurso que dava ênfase à construção de uma sociedade supostamente
sem conflitos, em que os grupos sociais contribuíam de forma harmoniosa para sua
constituição, subtraindo daí elementos denunciadores das desigualdades sociais e do
preconceito tão arraigados na sociedade brasileira. Concepção influenciada, sobretudo, pelo
positivismo, associou o tempo histórico à cronologia e elegeu o Estado e as elites como os
sujeitos da história. Adotou-se uma metodologia que privilegiou a memorização e repetição,
abordando a política de forma factual. A explicação se sobrepunha à reflexão, cujo conteúdo
tinha um cunho generalista e totalizante. As fontes escritas oficiais imperavam sobre as
97
demais e, conseqüentemente, o objeto da ciência era concebido distinto do sujeito que a
produzia.
A autora escreve ainda que os pressupostos teórico-metodológicos da ciência e do
ensino introduzidos no século XIX, para ela influência do pensamento positivista, ainda não
foram de todo superados, apesar de inovações nas décadas recentes.
As alternativas, no entanto, têm demonstrado grande dificuldade de aplicabilidade. Ou
seja, ainda não foram superadas, totalmente, as práticas originárias do momento em que a
história passou a se constituir como disciplina no Brasil, em 1837, com a criação do Colégio
Pedro II, predominando o modelo de se ensinar história, presente, há décadas, nas práticas dos
professores. Entre os traços mais comuns desse modelo, destacamos: a concepção da história
como fruto das ações dos indivíduos considerados ilustres com atuação no campo da política;
a focalização nos eventos oficiais do passado, expostos de forma linear, evolutiva, numa
relação de tipo causa-conseqüência, seguindo uma periodização baseada no modelo francês de
divisão da história em quatro Idades (Antiga, Média, Moderna e Contemporânea). Essa forma
de história é orientada pela convicção da possibilidade de construção de um conhecimento
definitivo, supostamente comprovado pelos fatos reais e pelo documento escrito. Dessa
forma, o foco central dos estudos tem sido o mundo ocidental, especificamente os países
europeus que lideraram os últimos processos de colonização e os que se destacaram,
posteriormente, como promotores das revoluções burguesa e capitalista.
Uma das críticas apontadas tem sido o fato de o conteúdo trabalhado junto ao aluno
ser dissociado das questões que dizem respeito ao mundo no qual ele está inserido, levando-o
ao desinteresse para com a disciplina e, conseqüentemente, a atitudes que o conduzem a
outros caminhos que não o da aprendizagem.
No entanto, apesar das considerações acima, as décadas de 1980 e 1990 se constituem
em verdadeiros marcos para aqueles que lidam com o ensino de história, pois é um momento
de muitas iniciativas com o propósito de mudanças, seja por parte do poder público, seja por
parte dos professores isoladamente.
O panorama político, institucional e historiográfico dessa época possibilitou o
surgimento de novas propostas curriculares que apontam em direção a inovações no ensino, a
partir da redefinição dos conteúdos e das metodologias. Ou seja, a conjuntura do país, as
inovações dos campos historiográfico e pedagógico contribuem para a ampliação do debate
sobre o ensino e sobre a necessidade de inovação da prática docente. Não obstante a variedade
das propostas e das estratégias de ensino, até o momento nenhuma delas conseguiu, na
prática, se colocar como alternativa concreta à forma tradicional de ensino de história.
98
Com relação às discussões sobre o ensino de história na década de 1980, costuma-se
associá-las ao processo de redemocratização do país e às lutas pela superação do Regime
Militar instaurado (1964-1985). Não há dúvida de que a década de 1980 é para o Brasil
particularmente singular, pois ao mesmo tempo em que a economia estava estagnada (o que
fez com que recebesse a alcunha de década perdida), na política apontava-se para o fim do
Regime Militar, com vários governadores de oposição tendo tomado posse. Por sua vez, a
sociedade civil organizada se engajava na luta por anistia aos perseguidos pelo regime de
exceção, por redemocratização e por maior participação.
Para Germano (1994), o próprio regime autoritário, necessitando de legitimidade,
muda sua forma de se relacionar com a população, especialmente com os setores mais
populares e subalternos. Ao invés da adoção de uma política que trate das questões sociais
como algo puramente técnico, e da utilização da segurança nacional como pretexto maior
para reprimir todo ato de desobediência e perseguir acima de tudo o crescimento econômico
com concentração da riqueza, o discurso oficial passa a enfatizar a necessidade da integração
social e a apelar para o participacionismo. O período, então, é marcado por grande
expectativa de mudança por parte da população.
3.1.1 A contribuição da comunidade científica
A partir da década de 1980, foram realizados inúmeros eventos promovidos por
instituições educacionais, públicas e da sociedade civil, assim como por entidades
representativas de categorias profissionais e de comunidades científicas. Assim, pouco a
pouco, começou-se a conquistar espaço não só para o debate, mas também para a formulação
de proposições. Dentre os eventos, destacamos as reuniões anuais da SBPC (Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência), entidade maior dos cientistas brasileiros, o Seminário
Brasileiro de Educação (a partir da década de 1980 se transforma em Conferência Brasileira
de Educação, promovida por várias entidades civis ligadas à educação). Ao mesmo tempo
crescem as ações mobilizadoras, com propósitos principalmente políticos ou político-
reivindicatórios, como as promovidas por entidades como UNE (União Nacional dos
Estudantes), CPB (Confederação dos Professores do Brasil) e ANDES (Associação Nacional
dos Docentes do Ensino Superior). Eventos e ações dessa natureza contribuíram cada vez
mais para uma maior abertura, tanto no campo da política como no campo da educação.
99
Embora com o propósito de mutilá-los, os representantes do Estado autoritário utilizam-se de
recursos dos próprios opositores, como nos mostra Germano (1994, p. 251): “É visível a
assimilação do vocabulário crítico da sociedade civil, avançando, inclusive, no
reconhecimento da inexistência de uma sociedade democrática e admitindo que a educação é
um espaço para a conquistada cidadania”. Para esse educador, não obstante a falta de
concretude das metas estabelecidas, a política educacional originária do período de abertura
política (1975-1985) trazia mudança de forma, se comparada ao período áureo do Regime
(1964-1974), uma vez que ela vinha acompanhada de fortes apelos participacionistas e
redistributivistas.
Acreditamos, no entanto, que tão importante quanto a existência de uma conjuntura
politicamente favorável ao surgimento de propostas com vistas a mudanças foi a contribuição
da nova historiografia européia, principalmente a história produzida pelo grupo dos Annales e
por integrantes da História Social inglesa, junto aos historiadores e professores brasileiros.
Essa historiografia vai exercer uma forte influência junto à universidade brasileira no
momento em que a pós-graduação se impõe como uma necessidade para o desenvolvimento
da produção científica. Com relação à história, “[...] a expansão e consolidação dos cursos de
pós-graduação marcariam, a partir da década de 1970 e, especificamente, na de 1980, uma
expansão e consolidação da profissionalização do historiador no Brasil, que se faria, em
grande parte, concomitantemente às crises dos referenciais teóricos até então predominantes”
(CASTRO, 1997, p. 55).
Os debates historiográfico e pedagógico das décadas de 1970 e 1980, por exemplo,
vão criar novas perspectivas entre os profissionais da educação. A proliferação em nível
nacional da pós-graduação vem incentivar cada vez mais os profissionais brasileiros a
trilharem o caminho da renovação historiográfica. Isso se evidencia no aumento de trabalhos
defendidos em cursos de pós-graduação de história em universidades brasileiras. Fico e Polito
(1996, p. 194) mostram que “[...] entre 1973 e 1979, o total de dissertações de mestrado foi de
175. Entre 1980 e 1989 esse número elevou-se para 665. E apenas entre 1990 e 1993 foram
defendidas cerca de 350 dissertações”. Apesar de os autores ressaltarem a predominância dos
enfoques da história econômica e social e destacarem a diminuição de trabalhos de orientação
predominantemente marxista a partir de 1986, admitem uma leve ampliação para além dessas
áreas. Segundo eles, essa ampliação se dá devido à “[...] constituição de uma história da
cultura em novos termos, o aumento de enfoques antropológicos, de preocupações com o
cotidiano, com as mentalidades, as artes e a micro-história, em detrimento da história
100
econômica e social típicas, e a ampliação de discussões em teoria da história e em
historiografia” (FICO; POLITO, 1996, p. 206).
Podemos constatar essa afirmação dos autores pelas várias publicações influenciadas
pela Nova História, dentre elas: Ser escravo no Brasil (Kátia Mattoso, 1982); O diabo e a
Terra de Santa Cruz (Laura de Mello e Souza, 1986); Campos da Violência (Silvia H. Lara,
1988); Trópicos dos pecados (Ronaldo Vainfas, 1989); Meretrizes e Doutores (Magali Engel,
1989). Tais obras, quando não contemplavam temas específicos das mentalidades
(sexualidade, prostituição, feitiçaria), abordavam temas clássicos da historiografia brasileira a
partir da abordagem da história cultural, como é o caso da escravidão, por exemplo.
Além desses trabalhos produzidos no Brasil, outros foram traduzidos e passaram a
influenciar os profissionais de história
26
. A esse respeito é esclarecedora a afirmação de
Vainfas (1997, p. 161):
[...] a produção historiográfica brasileira tem cada vez mais esposado
temáticas e abordagens teóricas, quer das mentalidades, quer da história
cultural, adaptando-as, em maior ou menor grau, aos problemas específicos
de nossa própria história. Ginzburg e Thompson têm sido referências muito
adotadas, e às vezes combinadas, no quadro teórico desta historiografia,
talvez mais do que as ‘mentalidades’ à moda francesa. A adoção de tais
modelos tem se conduzido também, ao menos nos principais trabalhos, de
maneira séria e criteriosa, procurando adaptar questões e abordagens
‘forâneas’ às especificidades da história brasileira, e tudo isto apoiado em
sólida pesquisa documental.
O debate historiográfico vai ter como forte aliado, a partir de 1980, a Revista
Brasileira de História (
RBH), órgão oficial de divulgação da então Associação Nacional de
26
São muitos os trabalhos desse tipo, dentre os quais citamos apenas alguns: a) História: novos problemas,
novas abordagens e novos objetos (Jacques Le Goff e Pierre Nora. Sua primeira edição no Brasil deu-se ainda
em 1976); b) La Nouvelle Histoire (1978), uma espécie de dicionário com vocábulos relacionados com a nova
história, composto por dez artigos com temáticas as mais variadas, mostrando a preocupação dos organizadores
em alargar o campo da história que estava sendo reivindicado por outras ciências, o que poderia comprometer o
monopólio do conhecimento exclusivo da história na explicação das sociedades através do tempo. Para se ter
uma idéia do alargamento do campo historiográfico, reproduzimos a seguir oito dos dez títulos dos artigos que
compõem o referido dicionário: A antropologia histórica; A história da cultura material; A história das
estruturas; A história do imaginário; A história imediata; A história e a longa duração; A história dos marginais;
A história das mentalidades; c) A formação da classe operária inglesa (Edward Palmer Thompson, 1987). Esse
historiador, embora identificado como marxista, foge do marxismo ortodoxo ao ponto de Vainfas (1997, p. 155)
denominar o modelo thompsoniano de “uma espécie de ‘versão marxista’ da história cultural”; d) A história
vigiada (Marc Ferro, 1989).
101
Professores Universitários de História
27
(ANPUH). O periódico, atualmente com versões
impressa e eletrônica, tem se firmado no Brasil como principal veículo de divulgação
científica no campo da história, cedendo o seu espaço ao debate em torno de questões
relacionadas tanto à historiografia quanto ao ensino. Com circulação semestral, a revista vem
se somar a outras publicações, contribuindo para uma maior disseminação e democratização
do debate entre os profissionais da área de história, ligados ou não ao ensino.
Ao comparar as décadas de 1970 e 1980, quanto à produção e circulação
historiográfica no Brasil, Vainfas (1997, p. 158-59) é incisivo ao ressaltar:
[...] o contraste entre a década de 1970, quando praticamente nada sobre as
mentalidades era traduzido no país, e as décadas seguintes, sobretudo a partir
de meados dos anos 80, período em que se deu um verdadeiro boom editorial
na área de história, incluindo a tradução de copiosa bibliografia estrangeira e a
publicação de teses universitárias já ancoradas nas problemáticas da Nova
História.
No Brasil da década de 1980, amplos setores da sociedade civil viviam dias de
otimismo, entre eles os profissionais da história, a tal ponto que, segundo Nadai (1986, p.
112),
[...] a produção historiográfica foi se renovando e se revisando na tentativa de
se encontrar novas abordagens, novos rumos e novos problemas. Temas até
então não privilegiados pela historiografia tradicional estão se tornando
objetos de pesquisa e de reflexão dos profissionais da história, o mesmo
ocorrendo com a metodologia da pesquisa histórica tão influenciada pela
objetividade positivista, o próprio ensino de história enquanto um dos
instrumentos responsáveis pela formação da memória do aluno foi
questionado, a escola foi debatida.
27
A ANPUH foi fundada em 1961 e denominada, inicialmente, de Associação Nacional de Professores
Universitários de História. Passa posteriormente a se denominar Associação Nacional de História. Propõe-se a
congregar os profissionais de história através de simpósios nacionais e regionais e a divulgar os resultados de
suas pesquisas através de instrumentos próprios, como Anais e periódicos. Comprometida inicialmente com a
produção historiográfica dos professores universitários, a entidade promove acalorados debates entre 1977 e
1983 em torno da ampliação da categoria dos associados. Nesse último ano, aprova, estatutariamente, a
participação, como associados, de professores dos níveis fundamental e médio, além de pós-graduando e
pesquisadores de história em geral. Martins (2002, p. 125-126) mostra que “De 1981 a 1999, a Revista Brasileira
de História publicou três dossiês acerca dessa temática, mas nos outros números em que ela não foi assunto
prioritário, é possível verificar sessões onde o assunto é contemplado”.
102
Havia um intenso desejo de uma mudança não só no campo político, mas também no
campo da educação. A situação da história enquanto disciplina era particularmente agravada
com a questão dos estudos sociais. Na década anterior, a política do Ministério da Educação
tinha a intenção de excluir história, geografia e filosofia, enquanto disciplinas autônomas, dos
currículos em escolas dos então 1
o
e 2
o
graus, substituindo-as por estudos sociais, disciplina
ministrada por professores polivalentes.
Foram deflagrados debates e mobilizações que contagiaram parte dos profissionais da
história, que passou a implementar algumas iniciativas, visando à transformação do ensino.
Dentre essas iniciativas, podemos destacar: projetos didáticos alternativos
28
, teses e
dissertações, e eventos promovidos por entidades de cunho científico ou de representação de
classes como as associações de professores. Os programas de pós-graduação, principalmente a
partir das faculdades e centros de educação, vão possibilitar, inicialmente, a transformação do
ensino de história em objeto de reflexão e pesquisa na década de 1980. Podemos mencionar,
por exemplo, o caso da pós-graduação em história da USP, de onde saíram trabalhos como a
tese de doutorado A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica, de
Carlos Alberto Vesentini, aprovada em 1982, e a dissertação de mestrado Pátria, civilização e
trabalho: o ensino de história nas escolas paulistas – 1917-1939, de Circe Maria Fernandes
Bittencourt, defendida em 1988.
Iniciativas também importantes são as publicações de obras e artigos organizados em
coletâneas, assim como revistas e anais de eventos científicos e de categorias ligadas à
educação, dentre as quais destacamos: O livro didático de história do Brasil: a versão
fabricada (Maria Laura P. B. Franco, 1982); Repensando a história (organização de Marcos
Amado da Silva, 1984); Ensino de história: revisão urgente (Conceição Cabrini et al., 1986);
O ensino de História e a criação do fato (organização de Jaime Pinsky, 1988). Destaca-se
também a já anunciada Revista Brasileira de História (RBH) e Cadernos
CEDES (Centro de
Estudos Educação e Sociedade) com vários artigos que têm como temática o ensino de
história. No caso da RBH, em 1981, a entidade assume, nos seus objetivos, a preocupação
com o ensino em todos os níveis (
MARTINS, 2002), o que se reflete em suas publicações. Para
exemplificar, apontamos algumas edições, a saber: v. 5, n. 8/9 (setembro 1984/abril 1985);
v. 6, n. 11 (setembro 1985/fevereiro 1986); v. 6, n. 12 (março/agosto 1986); v. 7, n. 13
(setembro 1986/fevereiro 1987); v. 7, n. 14 (março/agosto 1987); v. 9, n. 19 (setembro
1989/fevereiro 1990). Com relação aos Cadernos CEDES, o destaque é para o caderno n. 10
28
Para mais informações acerca desses projetos, ver Caimi (2001, p. 72-74).
103
(1984), dedicado exclusivamente a questões relacionadas com a prática do ensino de história.
Nessas publicações, assim como em várias outras edições e revistas (da SBPC, da ANPEd
Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação), os textos de diversos autores, entre
eles Elza Nadai e Déa Fenelon, Ernesta Zamboni, Joana Neves, tiveram o mérito de dar a
largada inicial ao debate que vai tomar rumo próprio nas décadas posteriores.
Outro acontecimento importante para o ensino de história diz respeito à iniciativa dos
professores da Faculdade de Educação da USP que organizaram o I Encontro Perspectivas do
Ensino de História, em 1988. A realização desse evento, com representantes de muitos
estados brasileiros, e sua continuidade, demonstra o amadurecimento do debate sobre o
ensino, abrindo novas expectativas entre aqueles que atuam na área do ensino de história.
Esse tipo de evento tem o mérito de reunir grande parte dos profissionais da área,
inclusive aqueles que têm uma história de militância em torno do assunto a partir da
ANPUH.
Constitui um fórum privilegiado que congrega professores de diversos departamentos de
educação e história das universidades brasileiras em torno de questões importantes, como
reforma curricular, metodologia e prática do ensino de história, formação de professor,
conteúdo escolar, relação entre produção acadêmica e outros níveis de ensino. Enfim, reúne
profissionais e professores que vêem as questões do ensino como um dos grandes desafios
atuais a ser enfrentado pela escola brasileira. Há um compromisso, declarado, com a
pluralidade de idéias e o reconhecimento de que as diferentes vozes presentes no fórum
refletem as diferentes perspectivas dos participantes, o que faz com que seja descartada uma
única resposta à diversidade das situações. A pluralidade ganha materialidade a partir da
própria estruturação do Encontro, através das conferências, mesas-redondas, cursos, grupos de
trabalhos, comunicações coordenadas e individuais e, como não poderia deixar de ser, da
publicação dos textos em Anais.
O segundo Encontro realizou-se em 1996 e o terceiro, em 1998. A partir daí, propôs-se
que se realizasse bianualmente, estando prevista para o ano de 2006 a 7
a
edição do evento, em
Natal. Quanto ao perfil dos participantes, o segundo Encontro, por exemplo, contou com a
presença de professores dos três níveis de ensino de praticamente todos os estados brasileiros,
além de profissionais da Argentina, como ressaltam os seus organizadores:
O perfil dos participantes desse 2
o
Encontro foi marcado pela presença
significativa de professores de cursos de Licenciaturas, especialmente de
Prática de Ensino de História, por pesquisadores de Universidades, incluindo
alunos de pós-graduação
(USP, UNESP, UNICAMP-SP; UFF; UFRJ; UNB;
104
UFMG – Belo Horizonte e Ouro Preto, UFUb – Minas Gerais; UELondrina;
UFPr; UFSC; UFRS; UNISINOS; UFPe; UFPa; UFB; UEB – Feira de Santana;
UFGo; UFES; UFMS Dourados; UFA – Manaus; Universidad de Salta e
Córdoba – Argentina) que tratam de temas relacionados a currículos ou
preocupados em temáticas e questões metodológicas que interferem ou
possam interferir diretamente nos cursos de 3
o
grau. Também foi interessante
o número de pesquisadores de Museus que desenvolvem atividades
educacionais (
MAE/USP, Museu Nacional – RJ, Museu Tiradentes – MG) por
representantes de Secretarias de Educação e do MEC e também com
significativa participação de editores e autores de livros didáticos ou de
materiais de ensino alternativos (
BITTENCOURT, 1996, p. 14).
A determinação em se levar adiante o debate acerca do ensino levou à instalação de
um outro fórum, o Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História, também na sua
7
a
edição, realizada em fevereiro de 2006 na cidade de Belo Horizonte.
Além de visto como área de formação por aqueles que estão especificamente
comprometidos com a formação de professores, quase sempre profissionais ligados a
departamentos de educação, o ensino de história passa a ser considerado, por um leque maior
de profissionais (além de professores da educação, professores de história dos vários níveis),
como objeto de pesquisa. Isso contribui para a existência de um diálogo permanente, e cada
vez mais promissor, entre os professores das áreas de conhecimento específico e de
conhecimentos pedagógicos, diálogo esse fundamental para o avanço da prática docente.
Ao tratar das publicações relacionadas com o ensino de história nas décadas de 1980 e
1990, Caimi (2001, p. 67) indica que:
Do movimento geral da bibliografia sobre ensino de história nos decênios
1980-1990, podemos inferir que há um significativo crescimento das
referências na década de 1980, iniciando a de 1990 com acentuada queda.
Entre 1993 e 1995, observamos o mais elevado número de referências
bibliográficas sobre o ensino de história, índice que voltou a cair no triênio
1996-1998.
A exemplo da produção historiográfica, as questões relacionadas com o ensino
também sofrem influência de autores de outras nacionalidades. Assim, na década de 1980,
duas obras são particularmente importantes para os profissionais do ensino de história, a
saber: A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação, do historiador
105
francês Marc Ferro (1983) e As ciências sociais na escola, da educadora argentina María
Teresa Nidelcoff (1987).
3.1.2 Uma forma nova de intervenção estatal: a oposição no poder
A década de 1980 se afirma ainda mais pelo surgimento de propostas oficiais (o que
antes estava restrito à iniciativa individual ou de pequenos grupos de professores) nitidamente
contrárias à forma positivista de se ensinar. É necessário o esclarecimento de que o marxismo,
pelo menos na sua forma mais ortodoxa de se expressar, vinha se colocando no cenário
brasileiro como modelo de interpretação desde as décadas de 1950 e 1960, sem, no entanto,
exercer grandes influências no campo do ensino. Nos anos 1980, são apresentadas duas
propostas de ensino, cujos parâmetros são bastante diferentes dos até então estabelecidos, pelo
menos em nível de proposição.
Entre as propostas oficiais de maior notoriedade desse período, destacam-se a da
CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), órgão da Secretaria da Educação
do estado de São Paulo (1986), e a proposta arquitetada pela Secretaria de Educação do estado
de Minas Gerais (1986).
Não obstante as diferenças, ambas as duas propostas se contrapunham à maneira
positivista de fazer e ensinar a história e tinham em comum um sentimento de mudança que
convergiam em alguns pontos, como destaca Fonseca (1995, p. 109):
A construção desta nova imagem deu-se buscando enfrentar a problemática da
exclusão operada no nível do ensino fundamental. Por caminhos diferentes as
duas propostas buscam resgatar diferentes projetos históricos, os diversos
agentes, as múltiplas vozes representativas de uma época. Procura-se dar voz
aos excluídos, ora tentando romper radicalmente com a forma tradicional de
ensinar História, ora tentando introduzir novos materiais, novas fontes, novas
questões sobre os esquemas preexistentes. O critério hegemônico passa sem
dúvida pela ampliação. As propostas expressam a necessidade histórica de
trazer para o centro da reflexão, ações e sujeitos até então excluídos da
História ensinada na escola fundamental.
106
Era evidente nas propostas a convicção da necessidade de ampliação do campo da
história a partir da inclusão de novas perguntas, novas abordagens, novos temas e novos
documentos. Dentre as questões de grande destaque, estavam: a reivindicação de a escola vir
a se constituir em um dos lugares de produção do conhecimento histórico; a redefinição dos
conteúdos a serem trabalhados junto aos alunos; novas redefinições quanto à concepção e à
função da história. Ambas concebiam o ensino a partir de uma prática docente ativa em que
professor e alunos se colocam como sujeitos da produção do saber, reprovando a idéia de uma
escola como lugar exclusivo de transmissão do conhecimento. Há o reconhecimento da
importância dos atores históricos coletivos (as classes, os grupos sociais, as categorias
socioprofissionais), numa negação explícita à história positivista que concebia apenas os
indivíduos como sujeitos históricos.
As propostas também levavam em consideração questões mais amplas relacionadas
com o ensino, como a relação professor-aluno, os lugares de produção do conhecimento, entre
outros. Havia uma preocupação em valorizar a experiência do aluno, seja enquanto sujeito
social, seja enquanto sujeito participante da produção do conhecimento durante o processo de
ensino.
Desse modo, os profissionais de história recusavam a forma tradicional do ensino e
demonstravam seus anseios por novas práticas. Lutavam para mudar o ensino basicamente
centrado nas ações dos professores e no uso do livro didático como recurso metodológico.
Assim, uma grande expectativa foi criada em torno de mudanças a partir do saber escolar
trabalhado nos níveis fundamentais e secundários. Uma das questões fundamentais colocadas
era a relação entre a transmissão e a produção do conhecimento: a quem cabia produzir o
conhecimento? À escola, à academia ou a ambas? Apesar de essa preocupação se fazer
presente entre os professores dos níveis fundamental e secundário, as contribuições mais
significativas partiam sempre de pessoas que estavam ligadas ao meio acadêmico.
Mesmo com vários pontos convergentes, havia muitas diferenças entre as propostas
paulista e mineira. A proposta da CENP demonstrou uma grande aproximação com a nova
historiografia francesa das décadas de 1970 e 1980, tendo em vista a forma de abordagens dos
objetos, a relação com as fontes e a proposição do conteúdo a ser trabalhado. Já a proposta
mineira adotou uma concepção marxista de história, o que por si só indicava uma mudança
substancial na história ensinada na época, mas que, em alguns pontos, não rompia
radicalmente com a idéia de um tempo histórico progressivo e com a idéia de que o curso da
história seria determinado por leis objetivas e cognoscíveis, fazendo com que as estratégias de
107
ensino se desenrolassem dentro de uma certa previsibilidade e homogeneização, apesar de
acenar com propósitos diferentes.
A proposta da CENP, construída no seio da Secretaria do Estado da Educação de São
Paulo, é o exemplo emblemático do desejo por práticas inovadoras, reformulando o conteúdo
e o método de ensino. Nadai (1986, p.113) reproduz um pouco das dúvidas presentes entre os
professores de história: “Deve-se partir de qualquer problematização ou se deve garantir a
formação da idéia de processo, de evolução, de movimento histórico? Ou são a fragmentação,
as descontinuidades, as diferenças que interessam? É possível garantir-se uma história
totalizante?”.
Os historiadores brasileiros, mais uma vez, buscam inspiração na historiografia
francesa, agora não mais sob a influência dos positivistas, mas dos adeptos dos Annales. Isso
se manifesta, por exemplo, na escolha dos objetos de estudo, que passam a ser buscados fora
da esfera predominantemente política ou econômica. Mesmo admitindo o trabalho com
elementos da política e da economia, isso seria conduzido a partir de novas abordagens. Ou
seja, ampliaram-se as possibilidades de leitura dos mecanismos de funcionamento da
sociedade.
Assim sendo, em que consistiam as inovações? Podemos destacar a condução do
ensino de história numa abordagem que favorecia o trabalho interdisciplinar e o seu não-
comprometimento com a construção de uma identidade nacional. A proposta assumia o
compromisso de trabalhar a história passada, considerando a realidade vivida pelos alunos,
mas admitia que o conhecimento construído intelectualmente era apenas uma representação
dessas experiências vividas. Negava também o caráter universal do conhecimento histórico.
Inspirada, como dissemos, na historiografia francesa, a proposta curricular previa a
substituição da seriação tradicional por ciclos, bem como o trabalho com o ensino temático,
sem negar, no entanto, a possibilidade da totalidade histórica. Marcadamente influenciada
pelas provocações da história social, cultural e do cotidiano, fazia crítica à história progressiva
por ela deixar implícita a idéia de deslocamento dos acontecimentos a partir de uma
segmentação do tipo princípio/meio/fim. Ao contrário, abria-se para uma perspectiva em que
havia espaço para o diferenciado, a imprevisibilidade e a indefinição, pois o vir a ser se
constituiria em algo que se construiria a partir das possibilidades oferecidas pelas condições
concretas, mas também pelas situações criadas pelos sujeitos, o que colocava em xeque
teorias que trabalham condições previamente determinadas. Fonseca (1995, p. 94)
compreende que, dessa forma, a proposta “[...] busca romper com certas práticas anteriores de
História, demolindo a cronologia unidirecional até então contida nos currículos oficiais e os
108
dois esquemas predominantes na organização curricular”. Ou seja, a proposta se contrapõe às
concepções positivista e marxista (pelo menos na sua forma ortodoxa) de história, cuja
influência era marcante, na época, tanto na historiografia, quanto no ensino.
Identificamos nessa proposta uma certa semelhança com a experiência francesa da
década de 1970 que, apesar de apresentar uma conjuntura política radicalmente diferente da
brasileira, no entanto, no campo historiográfico, apresentava um ambiente semelhante ao
vivido pelos profissionais da história no Brasil, no que diz respeito à busca por novas
produções historiográficas e à necessidade de se repensar o ensino de história. A reforma do
ensino francês, por exemplo, introduziu, assim como a proposta da CENP, o ensino da história
por temas como alternativa à forma tradicional. Ambas as duas foram fortemente
influenciadas pela produção historiográfica da Nova História. Na França, tanto quanto no
Brasil, as propostas encontram forte oposição de setores políticos. Em São Paulo, no entanto,
há forte oposição partindo do seio dos próprios professores.
A proposta mineira, por sua vez, seguia uma orientação teórica marxista. Gestada
entre 1983 e 1986, teve como patrocinador maior o governo do estado, através de sua
secretaria de educação. Vista de uma perspectiva metodológica, era uma proposta de
mudança, pois partia de categorias de análise diferentes da proposta positivista. No entanto,
não obstante Apesar de se opor à concepção tradicional de ensino, apresentava alguns pontos
em comum, pois, assim como essa concepção, apontava para um modelo explicativo global de
sociedade, trabalhava numa perspectiva unificadora e, de certa forma, levava a um certo
determinismo.
Ao criticar a forma tradicional de se produzir e ensinar história, com sua linearidade, a
não-consideração da realidade social na qual os sujeitos se inserem, seu caráter determinista,
bem como a sua não-criticidade, a proposta mineira sugere uma “[...] História enquanto
Ciência, que possui um objeto e um método próprio de estudo e que o ensino desta Ciência
requeria um novo método e uma nova visão de conteúdo” (FONSECA, 1995, p. 96).
A idéia de um crescimento progressivo da história está materializada na sugestão dos
conteúdos da proposta. Nas quatro séries da formação básica, propõe-se o trabalho iniciando-
se com o estudo da comunidade, depois do município, logo a seguir do estado de Minas
Gerais e, finalmente, o estudo do Brasil. Nas quatro séries seguintes, a sugestão de conteúdo
segue a idéia de modo de produção, desde As comunidades primitivas até O capitalismo
financeiro e monopolista, o neo-imperialismo e via socialista. A abordagem do conteúdo
previa a inclusão de parte da história do estado de Minas e do Brasil. Essa inclusão se dava de
forma dependente à história universal. Nesse sentido, percebe-se um tratamento temporal que
109
se assemelha à cronologia positivista, baseada na divisão francesa quadripartite. A
substituição pela divisão baseada no modo de produção mantém a linearidade temporal e a
idéia de evolução e de seqüência.
Desse modo, trabalha com a noção de totalidade, persistindo “[...] o uso de conceitos
abstratos homogeneizadores como no programa anterior, ainda que este estudo objetive o
‘compromisso de uma efetiva união por uma sociedade justa’ ”. Uma das diferenças
fundamentais entre a proposta paulista e a mineira estaria no fato de nesta haver “[...] uma
tentativa de não negar radicalmente determinados conteúdos que fazem parte da tradição, mas
mudá-los por dentro” (FONSECA, 1995, p. 103-104).
Se as mudanças curriculares para a área de história ocorreram em outros estados a
partir da segunda metade da década de 1980, no Rio Grande do Norte isso vai ocorrer no
início da década de 1990, quando em 1992 técnicos da Secretaria da Educação e Cultura
(SEC)
29
dão por encerrados os trabalhos de elaboração da proposta curricular para as escolas
públicas dos então primeiro e segundo graus da rede estadual de ensino.
Como vimos anteriormente, o desejo de inovação no ensino de história, em nível
nacional, levou os professores à construção de alternativas diferentes com relação a propostas
curriculares: uma de viés marxista e outra influenciada pelo grupo dos Annales.
As propostas formuladas pela SEC para o primeiro e segundo graus chamam a atenção
pelo fato de contemplar, numa mesma época, essas duas possibilidades de cunho
metodológico e historiográfico. Assim, para o ensino do primeiro grau, o documento sugere
que os conteúdos sejam trabalhados a partir de eixos temáticos, enquanto para o ensino de
segundo grau a sugestão é que os conteúdos sejam definidos a partir do conceito de modos de
produção. Vejamos algumas considerações sobre a proposta curricular para o ensino de
primeiro grau.
A proposta para o primeiro grau foi elaborada a partir da formação de um grupo de
seis técnicos da Secretaria Estadual de Educação. Não obstante na folha de rosto vir registrada
a participação de professores de 1
a
à 8
a
série, numa representação da rede estadual e municipal
de Natal, Rocha (2001) nega a existência dessa participação e afirma que dos seis
responsáveis pela elaboração da proposta, apenas um tinha formação específica na área de
história. Ao que tudo indica, o grupo não contou com a contribuição de pareceristas,
consultores ou assessores em nenhuma das etapas de confecção da proposta curricular. Esse
29
Neste trabalho, dependendo do período ao qual estivermos nos referindo, utilizaremos duas siglas para
referirmo-nos a essa secretaria: (SEC) Secretaria da Educação e Cultura e (SECD) Secretaria de Estado da
Educação, da Cultura e dos Desportos.
110
dado poderia até se traduzir em algo positivo, se isso significasse a auto-suficiência intelectual
dos integrantes. O próprio perfil dos técnicos, no entanto, é sintomático das limitações
encontradas no documento.
A proposta para o ensino de 1
a
à 8
a
série consta de 69 páginas divididas entre os
seguintes tópicos: Introdução, Reordenando o ensino de História, Construindo o
conhecimento, Como trabalhar a proposta de 1
a
à 4
a
série, Como trabalhar a proposta de 5
a
à
8
a
série, Avaliação em história e Bibliografia consultada. Com relação ao debate acerca das
inovações historiográficas e do ensino, das décadas de 1980 e 1990, a proposta se situa
próximo ao grupo dos Annales e à proposta paulista de ensino de 1985.
O documento reconhece que as problemáticas envolvendo o ensino de história não
dizem respeito apenas aos interesses ligados diretamente à escola, mas também a outras
instituições, como entidades científicas como a
ANPUH, a Sociedade de Estudos Históricos e
as entidades representativas dos trabalhadores em educação.
As autoras entendem que o ensino de história no Brasil perdeu sua função e seu objeto
a partir da intervenção do governo militar e dos serviços a ele prestados pelas autoridades
governamentais e intelectuais. Segundo elas, nesse período tratou-se de eliminar do ensino de
história a possibilidade de reflexão e criatividade. Entretanto, a história resistiu através dos
profissionais do ensino e isso possibilitou, posteriormente, a implementação de reformas
curriculares em várias secretarias estaduais e municipais do país.
Diferentemente do que aconteceu em vários estados brasileiros, onde o debate
acadêmico contribuiu para o surgimento de projetos alternativos e de experiências em relação
ao ensino de história, no Rio Grande do Norte a discussão estava em sua fase inicial. A
iniciativa partia de pequenos grupos de professores, mas, em geral, suas ações eram
inviabilizadas pelos muitos obstáculos vivenciados pela escola.
A história ensinada é apontada como uma “História factual, baseada em heróis e feitos
históricos. É tida como objetiva, pretensamente verdadeira, de fácil assimilação pelos alunos,
porque os fatos não se explicam, não se analisam, não se interligam e não se contextualizam.
São, apenas, narrados” (
RIO GRANDE DO NORTE, 1992a, p. 127). Segundo o diagnóstico, o
ensino de história no Rio Grande do Norte é majoritariamente verbalista e livresco,
predominando a palavra escrita. Entre os aspectos apontados pelas autoras, destacamos: a
visão de história baseada no tempo cronológico, em que prevalece o indivíduo, isoladamente,
como sujeito histórico, estando ausentes, dos livros e das salas de aula, a multidão, o povo, a
mulher, a criança e os pobres; os extensos programas aos quais são submetidos professores e
alunos; a inexistência da prática investigativa, de uma política de formação docente
111
permanente, de salários satisfatórios e de liberdade para agir, contribui para a formação de um
quadro que dificulta a renovação do ensino.
Por sua vez, as autoras da proposta exprimem os princípios sob os quais a proposta foi
elaborada. Entre eles, destacamos: história-evento como algo resultante das ações coletivas de
todos os homens; a visão de totalidade permite o agir humano consciente em função da
transformação do meio no qual o homem está inserido; o homem, tomado individualmente,
seria uma síntese do que foram seus antepassados; a história do cotidiano se constituiria em
uma visão autêntica, motivo pelo qual as suas temáticas devem se transformar no ponto de
partida para o ensino de história. Tudo isso tinha como fio condutor a idéia de conhecimento
como algo que tem validade universal e, por isso, verdadeiro. Ou seja, a importância do
ensino de história estaria no fato de ele permitir desvelar o que os objetos têm de universal.
Trabalho, sociedade, cultura e poder seriam os eixos temáticos capazes de propiciar esse
desvelar, pois eles se inter-relacionam e são amplos o suficiente para possibilitarem a
recuperação da historicidade do cotidiano.
A organização do ensino de história a partir de eixos temáticos implicaria “[...]
trabalhar com diferentes visões dos vários grupos sociais, estabelecendo uma relação de ir-e-
vir entre presente e passado, na tentativa de resgatar a constituição desses grupos sociais,
mediante novas formas de relacionamento com o cotidiano do aluno e o conhecimento
produzido” (RIO GRANDE DO NORTE, 1992a, p. 129).
O resgate da qualidade do ensino se impõe como condição para a construção de uma
nova sociedade. O currículo proposto se coloca, então, como um instrumento capaz de
articular a melhoria do ensino nas escolas públicas à luta mais geral dos trabalhadores em
educação, condição necessária para mudar a forma de se fazer a história e a educação no
Brasil. Evidencia-se a crença em uma prática educativa militante, pretensamente
transformadora não só de si, mas da sociedade na qual está inserida.
A proposta para o nível fundamental de ensino é constituída de dois blocos: um que
engloba da 1
a
à 4
a
série e outro da 5
a
à 8
a
série.
No bloco de 1
a
à 4
a
série, são trabalhadas as noções de tempo, de
diferença/semelhança, de permanência/mudança, e, a partir dessas, as noções
de relações sociais, de grupo social, de História, as quais vão facilitar o aluno
a situar-se no seu cotidiano em relação a outros cotidianos, e esses, em relação
ao mundo, assim como a perceber as relações existentes entre ele e os
diferentes objetos que a cercam (
RIO GRANDE DO NORTE, 1992a, p. 140-
141).
112
Os conteúdos seguem uma lógica baseada nos círculos concêntricos, que têm como
pressuposto um ensino que parte dos espaços mais próximos do aluno e progressivamente vai
se ampliando. No caso da proposta, nas duas primeiras séries, trabalhar-se-iam a rua, o bairro
e a cidade do aluno, na 3
a
série, o município e, na 4
a
, o estado.
Concluído o primeiro bloco, o documento se propõe a dar continuidade e aprofundar
os conteúdos já trabalhados e sugere uma programação a partir de uma temática anual,
diferente para cada série do bloco seguinte. Para a 5
a
série, propõe-se a temática Unidade e
diversidade dos elementos formadores da sociedade brasileira. Para isso, toma-se como
referência o estudo em torno do “[...] uso da terra, as diversas formas de trabalho, de relações
sociais, de produção e de grupos socioculturais [...]” (RIO GRANDE DO NORTE, 1992a, p.
144).
Na 6
a
série, propõe-se O processo de construção da sociedade brasileira. Pretende-se
que professores e alunos compreendam o processo de desestruturação, construção e
desarticulação das sociedades brasileira e latino-americana em geral, a partir da lógica do
sistema colonial e da dinâmica da divisão internacional do trabalho. No entanto, a unidade
latino-americana passaria pelo reconhecimento das diferenças e não pelo fato de termos
sofridos, juntos, a mesma dominação capitalista e colonização européia.
Para a 7
a
série, a temática sugerida é A formação do Estado nacional brasileiro. O
Estado brasileiro atual, bem como os outros Estados latino-americanos, serviria como ponto
de partida para os trabalhos desenvolvidos pelo professor junto aos alunos.
O Brasil contemporâneo na ordem internacional seria a temática anual para a 8
a
série.
O ponto de partida para os estudos seria as atuais contradições do capitalismo monopolista
nas sociedades latino-americanas, inclusive na sociedade brasileira. Segundo o documento, as
questões colocadas pelo presente só encontrariam respostas satisfatórias a partir de um
deslocamento, de professor e aluno, para épocas que testemunharam grandes embates entre as
potências capitalistas européias e as regiões periféricas. Assim, fazia-se necessário
compreender as disputas das potências européias em torno do controle das fontes de matérias-
primas, a recomposição da ordem internacional advinda da Primeira Guerra Mundial (A Crise
de 1929, crise do liberalismo e surgimento dos Estados Totalitários, os limites das
democracias ocidentais). Da Segunda Guerra, seria necessária a compreensão da polarização
mundial que surge como conseqüência desse conflito.
Essa contextualização traz implícita a idéia de que a América Latina se constitui em
uma região periférica do capitalismo monopolista e, como tal, os acontecimentos são reflexos
das determinações das potências capitalistas. Assim, devem-se estudar fenômenos como
113
desenvolvimentismo, populismo, ditaduras militares, fenômenos comuns a vários países
latino-americanos (RIO GRANDE DO NORTE, 1992a, p. 145-47).
A proposta para o segundo grau faz uma crítica à história entendida como um
amontoado de fatos e datas, cujo conhecimento se reduz à memorização de informações sobre
batalhas e personalidades ilustres. É essa forma de ensino, segundo o texto, que tem levado à
desvalorização da disciplina, fazendo com que ela seja considerada “[...] uma ciência
absolutamente ‘chata’ e desprovida de qualquer resultado proveitoso” (RIO GRANDE DO
NORTE
, 1992b, p. 88). Propõe, como alternativa, a abordagem da história a partir de modos
produção. Ou seja, sugere uma concepção de história de viés marxista, não obstante a pouca
consistência dos argumentos.
Existem diferenças importantes entre as duas propostas. Não apenas pelo fato de elas
apontarem caminhos diferentes no que diz respeito à questão teórica, mas também no que diz
respeito à substância de seus textos e a seus autores. A proposta de história para o segundo
grau é subscrita por apenas dois professores: um responsável diretamente pela elaboração, e
outro, identificado como colaborador, enquanto a proposta do primeiro grau é subscrita por
seis professores. Esta última consta de dez páginas, enquanto a primeira de sessenta e nove.
Não podemos deixar de admitir que as duas propostas se constituem numa tentativa do
poder público em responder aos reclamos da sociedade, em geral, e dos profissionais da
educação, em particular, por mudanças na educação brasileira. No entanto, entendemos que as
condições necessárias à elaboração de uma proposta mais consistente e coerente não foram
criadas. Isso fica evidente quando se olha para o perfil e para a forma de escolha dos
profissionais responsáveis pela elaboração. A maioria desses profissionais não tinha sequer a
graduação em história e, conforme Rocha (2001), pouco conhecimento em relação a algumas
inovações propostas, inclusive no que diz respeito ao trabalho com eixos temáticos. A busca,
por exemplo, de conhecimento “verdadeiro”, com validade universal, é algo que se contradiz
com outros princípios da proposta.
No obstante as observações acima, se considerarmos a proposta do primeiro grau,
reconhecemos que houve inovações. Essas inovações se confirmam na intenção de se
trabalhar com conceitos, a inclusão de novos objetos, novas fontes e novos sujeitos, como a
mulher, a criança, os pobres, a afirmação da importância da prática investigativa nas escolas,
a necessidade de uma política de formação docente, o reconhecimento da historicidade da
vida cotidiana e a tentativa de construção de formas alternativas de se trabalhar com um
tempo (através de eixos temáticos) que não o linear.
114
Não sendo consultados sobre a questão, os professores, a quem cabe o papel da
mediação entre as propostas e os alunos, não opinaram e praticamente ignoraram a existência
dessas inovações. Portanto, as duas propostas praticamente não contribuíram para mudar a
prática docente no estado, e muito menos no município de Ceará-Mirim.
O desejo por mudanças sociais e políticas no país, juntamente com a renovação
historiográfica, permitiu, pois, o surgimento de outras iniciativas e, assim, tomou forma um
movimento que foi se consolidando pouco a pouco. Com a iniciativa individual e de grupos
de professores, na década de 1980, foram experimentados projetos que se propunham a
repensar o ensino a partir da revisão conceitual da história, debatendo suas finalidades, seus
objetivos e seus agentes. Apesar dos esforços direcionados à área de ensino, as mudanças
mais significativas, porém, foram registradas no campo da produção historiográfica.
3.1.3 Década de 1990: a intervenção estatal em nível nacional (LDB, PCN)
A década de 1990 vem representar uma nova fase para o ensino de história. Surgem
novas propostas visando à promoção de mudanças na educação brasileira, na sua maioria
capitaneada pelo poder estatal. Essa década é marcada pelo surgimento, em vários estados da
federação brasileira, de propostas curriculares originárias do setor público, seja em nível
estadual, seja em nível municipal. Uma das marcas dessa época consiste na intervenção do
Estado brasileiro, não apenas em algumas unidades da federação, mas em todo o território
nacional. Essa intervenção se deu a partir da elaboração da LDB (Lei de Diretrizes e Bases),
aprovada em 1996, dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), publicados e distribuídos
aos professores a partir de 1998 e do Guia de Avaliação do Livro Didático, cuja publicação é
de 1999. As orientações advindas do Estado brasileiro, com relação ao ensino de história,
guardam uma certa semelhança com a proposta paulista da década de 1980.
Os anos 1990 contam também com significativas contribuições da literatura voltada
para o ensino de história. Além das publicações originadas dos fóruns específicos de história
(ANPUH, Encontro Perspectivas do Ensino de História, Encontro Nacional de Pesquisadores
do Ensino de História), muitos livros e coletâneas foram publicados, entre eles encontram-se o
de Fonseca (1993) e os organizados por Nikitiuk (1996), Bittencourt (1998) e Barreto (1998),
o que demonstra que o campo editorial se amplia cada vez mais.
115
No que se refere à discussão reproduzida no capítulo anterior acerca das mudanças
paradigmáticas no campo da historiografia, acreditamos que o momento atual, apesar de
reinar uma certa indefinição, é propício às idéias híbridas, ou seja, ao mesmo tempo que
aponta elementos próprios da contemporaneidade, ainda preserva questões que são
identificadas como pertencentes ao paradigma moderno. Diante disso, entendemos que o
ensino deva possibilitar aos alunos condições de conhecer essas múltiplas formas de se
conceber e produzir o conhecimento histórico. Nesse sentindo, a postura metodológica do
professor junto aos alunos poderia assegurar a diversidade de pensamento no ambiente escolar
e criar condições para que eles entrem em contato com diferentes formas de se conceber e
produzir a história. Isso não impede que o professor se identifique com uma determinada
concepção de história; ao contrário, é até desejável, pois poderá facilitar aos alunos a
compreensão do porquê de suas escolhas com relação aos conteúdos e ao material didático.
O momento atual se constitui em um novo divisor de águas para aqueles que se
ocupam do ensino de história, pois não obstante a permanência de muitos elementos do ensino
tradicional, o surgimento e a consolidação dos já referidos fóruns de debate sobre o ensino,
bem como dos novos formatos de vestibulares e concursos para professores
30
, indicam que as
condições para as formulações de propostas alternativas estão sendo criadas. Queremos
afirmar com isso que novas possibilidades estão sendo projetadas, apesar do longo caminho a
ser percorrido até a transformação consistente nas escolas de ensino fundamental.
Na década de 1990, dá-se continuidade ao desejo de inovação da década anterior.
Assim, professores, instituições de ensino e poder público, influenciados pelas novas
contribuições historiográficas, sentem a necessidade de elaborar currículos condizentes com
os reclames do momento. Num primeiro momento, os estados elaboraram suas propostas
curriculares, quase todas trazendo como elementos de inovação as contribuições da Nova
História. A União toma para si a responsabilidade de reestruturar a educação brasileira e a faz
30
São notáveis as mudanças pelas quais vêm passando os concursos vestibulares em boa parte das universidades
públicas brasileiras. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por exemplo, vem inovando não só em
relação à forma de elaboração das questões consideradas de múltipla escolha, como também em relação à
inclusão de questões discursivas. O último concurso público para professor de história, no município de
Natal/RN, realizado em 2003, trouxe inovações substanciais. Por um lado, pelo fato de o processo seletivo
considerar, pela primeira vez, além das provas escritas de conhecimentos específicos e de didática geral, o
curriculum vitae e uma redação em língua portuguesa. Segundo, pelo fato de os programas das provas de
conhecimento específico e da área de didática conterem objetivos, conteúdos e bibliografias sintonizados com as
discussões que vêm sendo realizadas nos fóruns específicos de suas respectivas áreas. A bibliografia sugerida
para a prova escrita de história, por exemplo, traz autores como Circe Bittencourt, Peter Burke, Ronaldo Vainfas,
Selva Fonseca. A bibliografia de didática geral inclui A. Zabala, F. Hernadez, P. Freire, G. Sacristan e V.
Candau.
116
a partir de várias ações, como por exemplo a aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB).
Assim é que, tendo em vista a reestruturação da educação brasileira, a União propôs a
aprovação, em 20 dezembro de 1996, de uma nova lei em substituição à LDB de 1971. A
elaboração de uma nova legislação para a educação, além de uma tentativa de atender aos
anseios de mudanças da sociedade brasileira, procurou responder, também, aos compromissos
assumidos pelo Brasil, no início da década de 1990, junto a organismos internacionais
31
.
A LDB enfatiza a necessidade de se focalizar diferentes áreas de conhecimento que
possam ajudar na formação plena dos alunos, levando em consideração os conhecimentos
clássicos, a realidade social e política, especialmente
[...] o ensino da história do Brasil, sob a justificativa da necessidade de
conhecer nossas matrizes constituintes e sentir-se pertencente à nação.
Explicita também a necessidade de uma base comum de conhecimentos para
todos e o tratamento de questões específicas de cada localidade. É nessa
perspectiva que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram organizados em
áreas e temas transversais, prevendo adequações às peculiaridades de cada
local (BRASIL, 1998a, p. 57-58, grifos nossos).
Com relação à cidadania, a própria LDB determina, em seu Artigo 22, que a educação
básica (composta da educação infantil, ensino fundamental e médio) tem por finalidades “[...]
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL,
1996).
Já o ensino fundamental, com duração mínima de oito anos
32
, tem como propósito
formar o cidadão, mediante:
31
Em 1990, o Brasil participou da Conferência Mundial de Educação para todos, em Jomtien, Tailândia. O
evento, promovido pela
UNESCO, UNICEF, PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e
Banco Mundial, conseguiu unir os participantes em torno de princípios educacionais que relacionavam
desenvolvimento humano e educação, enfatizando-se a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para
melhorar a qualidade de vida das pessoas (
SCHMIDT, 1999, p. 362-370). Em 1992, essa decisão é reforçada no
âmbito da América Latina e Caribe em documento produzido pela CEPAL/UNESCO. O Brasil, como participante
desses eventos, comprometeu-se em cumprir com as recomendações desses fóruns e implementou nos anos
posteriores boa parte do que fora acordado (cf. SCHMIDT, Maria Auxiliadora;
CAINELLI, Marlene Rosa, 1999).
32
A partir de 2005, foi estabelecido que o ensino fundamental passaria a ter uma duração mínima de nove anos,
o que está regulamentado na redação dada pela Lei Federal 11.274/2006.
117
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o
pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do
ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da
capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos
vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social (BRASIL, 1996).
A legislação incube à União, no artigo 9º, Incisos I e IV, com a colaboração dos
estados, municípios e distrito federal: “[...] elaborar O Plano Nacional de Educação” e “[...]
estabelecer competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o
ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum” (BRASIL, 1996). Reforçando tal formação, a lei determina, no
Artigo 26, que “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma
parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela” (BRASIL, 1996).
A importância de um referencial curricular nacional para o ensino fundamental,
segundo o documento, deve-se à necessidade de se promover melhorias na qualidade do
ensino fundamental.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, aprovados em 1997 pelo MEC, seriam, então,
mais uma ação por parte da União com o propósito de reestruturar a educação no país. Como
proposição gestada e aprovada por fóruns estatais, as diretrizes postas pelos PCN tomam por
base as normas legais, previstas no Plano Decenal de Educação e na LDB.
A partir da aprovação da
LDB de 1996, vemos a implementação de estratégias
de intervenção do
MEC no sistema educacional brasileiro: a criação do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério
(FUNDEF), que se propõe a acelerar o processo de valorização do
magistério; Programa Dinheiro na Escola, que tem a missão de incentivar a
autonomia das escolas e o desenvolvimento de projetos educativos próprios; a
política de avaliação (
SAEB – Avaliação da Educação Básica, ENEM – Exame
Nacional do Ensino Médio, e o Provão – Exame Nacional de Cursos) [...]
TV
Escola, Guia de Avaliação do Livro Didático, PCNs, os Referenciais para a
Formação de Professores (
RENILSON, 2004 , p. 22).
118
Como podemos constatar, são várias as ações por parte do governo tendo como
objetivo mudar a educação. A nossa preocupação, no entanto, se restringe a apenas duas: a
LDB e os PCN, principalmente.
Os PCN se constituem em um documento que trata dos mais diversos elementos
relacionados com a educação. Dentre os aspectos abordados, estão: a conjuntura nacional e
mundial; o papel da escola na sociedade brasileira; os objetivos do ensino fundamental; o tipo
de cidadania que se pretende construir; a metodologia de ensino; a definição das áreas
curriculares que estruturam o trabalho escolar; os conteúdos curriculares; os critérios de
avaliação do aproveitamento escolar.
Com a elaboração dos PCN, o Estado viria cumprir com a determinação da LDB de
elaborar parâmetros curriculares que servissem de orientação para o ensino fundamental. Pela
lei, caberia à União, em colaboração com as outras unidades federativas, estabelecer diretrizes
norteadoras dos currículos e dos conteúdos mínimos. Estes últimos fariam parte da estratégia
de se oferecer o “[...] conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos
como necessários para o exercício da cidadania para deles poder usufruir” (BRASIL, 1998a, p.
49).
Em texto dirigido aos professores, o então Ministro da Educação e do Desporto, Paulo
Renato Souza, justifica a necessidade da revisão curricular proposta pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais:
O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das
sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de
cidadãos. Vivemos numa era marcada pela competição e pela excelência,
em que progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências
novas para os jovens que ingressarão no mundo do trabalho. Tal demanda
impõe uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho cotidianamente
realizado pelos professores e especialistas em educação do nosso país
(
BRASIL, 1998b, p. 5).
A construção de uma referência curricular nacional foi elaborada considerando quatro
níveis de concretização e, num extremo, estariam os próprios PCN como contribuição do MEC
ao ensino fundamental de todo o país. Nesse caso, os Parâmetros subsidiariam outras ações do
poder público federal, como a política de formação de professores, a análise de material
didático e as avaliações conduzidas em âmbito nacional; outro nível de concretização passaria
119
por sua utilização como recursos para revisões, adaptações ou elaborações curriculares, em
nível de secretarias de educação dos estados e municípios; o nível de concretização seguinte
refere-se à sua contribuição na elaboração dos projetos educativos das escolas, a partir do
envolvimento da equipe pedagógica e dos professores; o extremo oposto ao dos Parâmetros
dar-se-ia através da realização do currículo na sala de aula a partir do planejamento do
professor.
O termo parâmetro, segundo o documento introdutório, representa a idéia da
construção de referências nacionais identificadoras de pontos comuns entre as regiões, ao
mesmo tempo em que propõe o respeito às suas diversidades culturais e políticas. Há,
segundo o documento, uma nítida diferença entre parâmetro e currículo, pois este “[...] pode
significar a expressão de princípios e metas do projeto educativo, que precisam ser flexíveis
para promover discussões e reelaborações quando realizado em sala de aula, [...]” (
BRASIL,
1998a, p. 49). Além disso, como o próprio nome indica, o documento, elaborado sob a
coordenação do
MEC, se propõe a ser parâmetro e não currículo, apesar de receber críticas
quanto ao fato de que ele tenha sido proposto, ou de que venha sendo usado, com esta última
intenção.
O MEC distribuiu a todos os professores de 5
a
à 8
a
série dois documentos denominados
Apresentação dos Temas Transversais, Introdução e um outro, específico da área, dirigido
aos docentes de acordo com a sua disciplina. No caso dos professores de história, o volume
denomina-se História.
No volume que trata dos chamados Temas Transversais, são contempladas questões
sociais amplas vistas como imprescindíveis na contemporaneidade e que envolvem valores de
interesse geral da sociedade. Coerentes com a idéia geral dos Parâmetros, os temas deverão
ser abordados de forma a não se restringirem ao universo de conhecimento de uma
determinada área. Dessa forma, as questões propostas são consideradas de abrangência
nacional ou mesmo universal, ao mesmo tempo que podem ganhar materialidade no diálogo
com as questões do cotidiano do professor e do aluno. Para os PCN, as temáticas sociais que
merecem ter tratamento transversal na escola brasileira atual são: ética, saúde, meio ambiente,
pluralidade cultural, orientação sexual e trabalho e consumo (BRASIL, 1998a, p. 65).
No volume denominado Introdução, o documento expõe os principais fundamentos
dos Parâmetros Curriculares Nacionais e chama a atenção para a necessidade de algumas
discussões serem feitas na atualidade, a saber: o significado da educação na construção da
cidadania, o papel da escola, do ensino fundamental e da contribuição das diferentes áreas de
120
conhecimento para a formação plena do aluno, a importância dos recursos tecnológicos na
sociedade contemporânea e na educação, entre outros.
O volume intitulado História está dividido em duas partes: na primeira, consta a
caracterização da área de história e sua relação com o ensino fundamental, e se estabelecem
os objetivos gerais da história e os critérios de seleção e organização dos conteúdos. A
segunda parte está subdividida em ciclos (terceiro e quarto) e orientações e métodos
didáticos. O terceiro e quarto ciclos estão pontuados por questões como ensino e
aprendizagem, objetivos e conteúdos, para cada ciclo.
Os PCN partem do pressuposto de que, ao estudar a história,
[...] o aluno pode apreender a realidade na sua diversidade e nas múltiplas
dimensões temporais. Destacam [os PCN] os compromissos e as atitudes de
indivíduos, de grupos e de povos na construção e na reconstrução das
sociedades, propondo estudos das questões locais, regionais e mundiais, das
diferenças e semelhanças entre culturas, das mudanças e permanências no
modo de viver, de pensar, de fazer e das heranças legadas por gerações
(
BRASIL, 1998a, p. 60).
O ensino fundamental deve, assim, possibilitar ao aluno a compreensão da realidade
na qual está inserido, assim como relacioná-la e compará-la com outras realidades históricas,
para que ele possa fazer nas suas escolhas e ações, enquanto cidadão defensor da democracia,
do respeito às diferenças e contra as desigualdades sociais. Nessa perspectiva, os alunos
deverão ser capazes de: identificar relações sociais no seu próprio convívio, assim como
outras localizadas em espaços e tempos diferentes; questionar sua realidade, identificando
problemas e possíveis soluções; conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, em
diversos tempos e espaços; dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produção de
texto, colher informações de diferentes paisagens e registros escritos (BRASIL, 1998b, p. 43).
O ensino de História do Brasil, seguindo o que determina o Artigo 26, Parágrafo 4
o
, da
LDB, levará em consideração “[...] as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”
(BRASIL, 1996).
121
Em todas as áreas de conhecimento abordadas nos PCN
33
, ressalta-se a dimensão social
da aprendizagem no processo de construção da cidadania, sendo selecionados conteúdos que
tenham relevância social e que sejam significativos no desenvolvimento de capacidades.
Sobre esse item, conteúdos, o documento traz as seguintes considerações: a preocupação
central que o professor deve ter ao selecionar os conteúdos deve ser a de “[...] propiciar aos
alunos o dimensionamento de si mesmos e de outros indivíduos e grupos em temporalidades
históricas”; não se deve limitar a abordagens dos acontecimentos e das conceituações
históricas, mas incluir o ensino de “[...] procedimentos e incentivar atitudes coerentes com os
objetivos da história”; deve-se proceder à abordagem e problematização do mundo em que o
professor e o estudante estão inseridos, em suas várias dimensões, e fazer as relações, quando
pertinente, às situações de outros tempos e espaços; o estudo dos eventos históricos não deve
ser prescrito “[...] de uma ordem de graduação espacial e sem a ordenação temporal, como se
encontra no que se denomina ‘História Integrada’ ”. A opção é pela organização do ensino a
partir de eixos temáticos e subtemas; privilegia-se a autonomia e a reflexão do professor
quanto às escolhas no que diz respeito ao conteúdo e aos métodos, assim como na criação de
intervenções pedagógicas significativas para a aprendizagem do aluno (BRASIL, 1998b, p. 45-
47).
Os PCN têm se constituído em um grande referencial para os professores do ensino
fundamental. Percebe-se que muitos professores e escolas têm usado esse instrumento como
verdadeiro currículo. No que diz respeito às escolas situadas em Ceará-Mirim, estaduais ou
municipais, preenchem uma lacuna existente, pois escolas e professores desconheciam, ou
ignoravam, a existência de propostas curriculares que pudessem servir de referência nas suas
atividades docentes.
Distribuídos amplamente entre os professores e discutidos em encontros promovidos
por iniciativa do poder público, os Parâmetros têm possibilitado a praticamente toda a rede de
ensino oficial, mesmo de forma insuficiente, a oportunidade de debater acerca da
historiografia contemporânea e das novas questões pedagógicas. Em Ceará-Mirim, os
professores Alberto e Mateus têm participado dos Parâmetros em ação, tendo este último sido
escolhido como coordenador de grupo, ou seja, um dos responsáveis pelo encaminhamento
dos trabalhos junto aos seus colegas e ao coordenador geral do programa. Segundo os
Parâmetros em ação, as secretarias municipal ou estadual devem mobilizar para essas tarefas
33
Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências Naturais, Educação Física, Arte e Língua
Estrangeira (BRASIL, 1998a, p. 58).
122
“[...] as pessoas da sua localidade comprometidas de fato com a promoção do
desenvolvimento profissional dos educadores” (BRASIL, 2000, p. 11).
Portanto, as ações do Estado brasileiro, junto ao sistema educacional, têm mobilizado
os profissionais ligados ao ensino. Iniciada na década de 1980, essa mobilização vem
garantindo a manutenção das reflexões em torno do ensino de história, sem, no entanto, ainda
ter provocado grandes transformações no trabalho em sala de aula.
Se nos anos 1980 o momento suportava as mais variadas críticas com atribuição de
culpas sempre ao poder público, nos dias atuais há uma espécie de autocrítica interna, dando a
entender que as respostas a muitas questões, embora não isentando os agentes externos,
passam também pelas ações dos agentes ligados ao ensino, especificamente os professores de
história. Nesse sentido, consideramos pertinentes as palavras de Caimi (2001, p. 120) quando
afirma que
Atualmente, precisamos avançar para análises mais profundas e, sobretudo,
para o nível das proposições concretas. Não é mais possível permanecer na
posição que aponta os inimigos externos da história ensinada, como se ainda
hoje a única razão para a crise da disciplina residisse nas políticas
educacionais, no livro didático, no estado autoritário, etc. A responsabilidade,
segundo nos parece, é de todos os envolvidos com o ensino de história e a sua
renovação depende do esforço conjunto.
Isso aponta para a necessidade, por parte de nós, docentes, de nos imbuirmos de novas
posturas que apontem numa direção em que a história ensinada venha se fazer valer de outros
propósitos que não o de estar a serviço exclusivo de determinado segmento social. O ensino
da história tem também que considerar as reclamações do mundo contemporâneo, entre as
quais está a incorporação de novos valores e atitudes que considerem a diversidade cultural,
as diferentes opiniões e opções individuais relacionadas com questões políticas, religiosas e
de fórum íntimo.
Tem sido cada vez mais evidente a busca pela abordagem de questões que permitam a
inserção do mundo no qual os agentes escolares estão envolvidos. O conhecimento histórico
escolar teria que se abrir, por exemplo, para leituras de questões do cotidiano, para a
incorporação de novas fontes históricas e de novos objetos de estudo. A inserção de uma
história a partir do espaço vivido pelos que fazem a comunidade escolar encontra apoio na
historiografia contemporânea, especialmente a Nova História, uma vez que esta possibilita a
123
multiplicidade de abordagens. Nessa nova perspectiva, as mais diversas fontes e muitos
eventos locais poderão se constituir em elementos importantes no processo de reflexão
histórica.
O descrédito nas macroabordagens e nas grandes sínteses históricas predominantes nos
séculos XIX e XX traz à tona debates em torno da dimensão do local. Uma nova história local
se coloca como alternativa ao modelo histórico concebido pelos institutos históricos
provinciais ou estaduais que produziam uma história oficial, consagradora das elites regionais
e de um local que se encerrava em si mesmo.
Portanto, após as iniciativas de diversos segmentos da sociedade brasileira
(associações científicas, editoras, poder público, escolas e experiências pedagógicas de
professores), a produção do conhecimento disciplinar parece trilhar rumo à maturidade e
acenar com a possibilidade da promoção, nas próximas décadas, de um ensino de história
mais condizente com os desafios da contemporaneidade.
Diante do exposto, vejamos no próximo item como se situam os professores
colaboradores nesse contexto. Estariam comprometidos e sintonizados com o atual debate
sobre o ensino de história? Para identificar o lugar das falas dos professores com relação a
esse debate, tomamos como referência seus depoimentos acerca de algumas questões que
estão diretamente relacionadas com as disciplinas escolares: a finalidade do ensino de história,
os conteúdos ensinados e o uso dos livros didáticos. Todavia, esclarecemos que as concepções
dos professores são analisadas em função dos propósitos deste trabalho, ou seja, do que elas
poderão contribuir para evidenciar as formas de abordagem da história local. Assim, não
pretendemos atribuir valoração sobre suas formas de ensino, mas analisar como essas
concepções contribuem para que a história local venha a ser trabalhada nas escolas.
3.2 CONCEPÇÕES DE HISTÓRIA ENQUANTO DISCIPLINA
3.2.1 Finalidade do ensino de história
Constantemente, os professores de história se vêem diante de um desafio posto pelos
alunos: “Para que serve a história?”. Essa pergunta quase sempre assume o mesmo sentido de
outra: “Para que estudar o passado?”. A resposta, por sua vez, tem como explicação: “Estudar
124
o passado para conhecer o presente”. Segundo Felgueiras (1994, p. 34): “Todas as correntes
afirmam que queremos conhecer o passado para compreender a sociedade em que nos
inserimos. [...] [Embora] não seja essa uma razão suficiente é, contudo, necessária”. A
diferença aparece, segundo a autora, quanto à função social que se lhe atribui. Assim,
consideramos importante, para a nossa reflexão, conhecer as concepções dos professores
sobre a finalidade do ensino de história para as escolas do ensino fundamental. A seguir,
transcrevemos alguns trechos das entrevistas que podem contribuir para a compreensão do
ensino de história:
No meu ver, a história é um componente curricular que muitas vezes vai
ajudar o aluno no seu cotidiano, como sendo um indivíduo que, ao estudar
determinado conteúdo, ao discutir determinada temática, ele vai adquirir uma
consciência, e é com essa consciência no cotidiano que ele vai se tornar um
cidadão consciente dentro de sua realidade, não só local, como a nível
regional, nacional ou até mesmo internacional. Eu tento colocar exatamente
isso dentro do conceito a ser trabalhado no componente de história. [...] Vejo a
disciplina de história como de extrema importância. Por quê? Porque a história
não é aquele conteúdo que você vai apresentar, não vai ter nenhum
significado, muitas vezes vai ficar esquecido e não vai contribuir para a tua
prática diária. Que prática seria essa? A prática do exercício da cidadania.
Então, eu tento colocar a disciplina de história como sendo um elemento de
extrema importância para o desenvolvimento da cidadania desse indivíduo,
que tem que estar a par da realidade que ele está vivenciando no dia-a-dia, do
sistema que ele está inserido, desse grupo social que ele está agregado, para
que com isso ele possa ter uma consciência, ele possa amadurecer e com isso
diminuir as dificuldades do seu cotidiano (
MATEUS, 2002).
O ensino de história, na minha concepção, ele tem que trabalhar a questão da
criticidade do aluno, desenvolver o aspecto da cidadania, que o aluno tenha
consciência de sua história também, ele faz parte de uma coletividade e tem
sua história individual e que sua história também é de extrema importância.
Nós temos uma identidade e tudo está relacionado à história, temos uma
família, temos uma cidade, temos um estado, temos um país. Então em tudo
isso eu vejo entrelaçamento, partindo também da própria história individual do
aluno e que isso deve ser valorizado. O aluno deve ter consciência de sua
história, como uma forma de não estar alheio ao que acontece à sua volta e ele
tem que ter esse senso crítico como forma de saber lidar com as ações do dia-
a-dia. Perceber também o que aconteceu antes e analisar na sua vida presente
como forma de saber enfrentar essas situações e ter uma compreensão dos
valores que são passados pra ele (
RUI, 2002).
Em muito se preocupavam com a questão da história estar voltada para
preparar o homem para o futuro, hoje eu já vejo diferente essa tendência, eu
busco como o sujeito, elemento da história e, como aqueles que são os alunos
que também são sujeitos da história, eu busco interagir o presente com o
passado, contextualizando e tentando de modo a reescrever, reinterpretar essa
história que se faz notar nos livros, então a finalidade dos historiadores é
125
preparar o homem não para o futuro e sim pra o presente. Então é ai que eu
vejo a finalidade do ensino de história, de trabalhar uma história crítica, não
uma crítica por se criticar, mas uma crítica onde se mostre todo um
embasamento teórico e metodológico, e faça por onde esse homem, esse
sujeito do presente, ele interaja, e eu não tenho mais a pretensão, como vejo
ainda, uma tendência que ainda se faz notar e tentar saber de tudo, eu não
tenho mais essa pretensão, minha pretensão hoje é de entender o mínimo
possível e, com esse mínimo possível, servir como elemento para conduzir
uma discussão em uma sala de aula. Então assim é que eu me vejo como
elemento da história, e essa é a história que deve ser trabalhada nas várias
finalidades que se faz presente (
ALBERTO, 2002).
Pode-se observar que se a existência da disciplina nos currículos da escola brasileira
esteve associada, como vimos no início deste capítulo, à construção de uma identidade
nacional, em nenhum momento da investigação, nem tampouco nos depoimentos acima, isso
se colocou de forma explícita como uma preocupação dos professores. Suas inquietações
giraram em torno dos interesses individuais do aluno na sua relação com o mundo no qual
está envolvido. Nesse sentido, os três professores atribuem utilidade para a disciplina história.
Para eles, a história só seria importante à medida que pudesse ter uma aplicabilidade na vida
prática dos alunos. Ou seja, o aluno, sujeito da história, necessitaria de um senso crítico como
forma de “[...] saber lidar com as ações do dia a dia” (RUI, 2002). A história possibilita ao
aluno adquirir uma consciência, tornando-se um “[...] cidadão consciente dentro de sua
realidade” (MATEUS, 2002). A construção da cidadania seria a garantia de uma intervenção
positiva no cotidiano dos alunos. O aluno é colocado como o próprio sujeito de sua história e
como indivíduo que se identifica no processo social.
Formar cidadãos, aliás, é missão da história desde a sua criação. Tal formação,
entretanto, pode ser direcionada para a passividade ou para a rebeldia, mudando ao sabor da
época e dos interesses daqueles que detêm o controle da disciplina e, de forma mais extensiva,
dos propósitos e funções da educação em cada contexto histórico-social.
A cidadania é uma aspiração recorrente na sociedade contemporânea em geral. No
Brasil, ela se coloca como uma palavra de ordem para vários segmentos da sociedade,
inclusive em documentos oficiais do Estado brasileiro. Conforme expomos anteriormente
sobre a LDB, dentre as finalidades da educação básica está a de “[...] assegurar-lhe [ao
educando] a formação comum indispensável para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1996).
O objetivo do ensino é a formação básica do cidadão. Propugna-se um tipo de cidadania
embasada a partir de “[...] valores em que se fundamenta a sociedade, dos laços de
126
solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social” (BRASIL,
1996), o que é compreensível tratando-se de uma lei proveniente do Estado. Esses pontos dão
a noção do tipo de cidadão que o Estado brasileiro deseja para a nação: um cidadão que venha
fortalecer os vínculos sociais que garantam estabilidade à nação e ao mesmo tempo o leve à
aquisição de habilidades que sejam úteis socialmente, inclusive para o mundo do trabalho. Os
PCN, elaborados posteriormente, endossaram, com pequenas variações, esse ideal de
cidadania.
Retomando os depoimentos dos professores, podemos observar que para eles a história
se impõe como um instrumento para a transformação da realidade do aluno, estando assim
implícita a idéia de uma realidade social injusta em que é necessária a intervenção para a sua
transformação. Os alunos, beneficiários dessas mudanças, devem adquirir uma consciência
crítica, condição necessária para, segundo Mateus (2002), “[...] diminuir as dificuldades do
seu cotidiano”. O professor Alberto ressalta, no entanto, que não pode ser uma crítica
qualquer, mas uma crítica, segundo ele, conduzida por um[...] embasamento teórico e
metodológico” (ALBERTO, 2002). A história seria o meio pelo qual se atingiria esse fim. Dos
depoimentos, deduz-se uma idéia de cidadão ativo perante o mundo no qual vive. Vista assim,
a disciplina consistiria em uma espécie de guia que conduziria os sujeitos sociais, no caso os
alunos, a ações transformadoras da sociedade.
Machado, ao tratar do conceito de crítica em função da história, chama a atenção para
o fato de a formação da consciência crítica se constituir em um processo complexo. Para ele, a
crítica não se restringe a uma atitude de oposição a um determinado enunciado, nem a uma
postura questionadora, mas envolve também investigação, habilidade para saber perguntar,
por parte do estudante. Além disso, o aluno:
Deve, por exemplo, interessar-se pelos aspectos político-ideológicos que
perpassam os discursos históricos; deve se preocupar com as lacunas presentes
em todos os testemunhos; deve idealizar possibilidades históricas diferentes
das que efetivamente vingaram, a fim de verificar a validade de determinadas
proposições; deve se perguntar por questões que as fontes em análise omitem;
deve propor analogias entre realidades históricas diferentes; deve se perguntar
pela concepção de história que norteou o enunciado, entre outras ações de
caráter investigativo e interpretativo (
MACHADO, 2002).
Por outro lado, Le Goff (1978) considera que um saber comprometido com a
transformação do presente pressupõe uma reflexão histórica regressiva, funcionando a partir
127
do presente em direção ao passado. Ou seja, apesar de os professores entenderem o ensino de
história como uma ferramenta útil para a intervenção no meio social ao qual pertencem os
alunos, tal intenção pode se tornar ineficaz, pois o método regressivo, ao partir do presente em
relação ao passado, pressupõe um certo equilíbrio valorativo entre essas duas temporalidades.
Não identificamos nos depoimentos dos professores indícios de que a história do tempo
presente esteja contemplada. Não obstante estar evidente em suas falas a prioridade do
presente sobre o passado, entendemos que dificilmente isso pode se concretizar apenas a
partir das eventuais intervenções dos professores, sem que o presente esteja contemplado nos
conteúdos selecionados. Dessa forma, perguntamo-nos se o conhecimento do passado poderia
contribuir para preparar o homem para o presente, ou para ajudar o aluno no seu cotidiano,
como declaram os professores.
Essa forma de pensar dos professores aponta para a necessidade de selecionar entre os
fragmentos do passado apenas aqueles que supostamente se identificam com as necessidades
da sociedade na qual os alunos estão inseridos. Um determinado passado, então, só se
constituiria em objeto de estudo por parte da escola em função de sua contribuição ao mundo
contemporâneo.
Duby (1994) afirma que, antes de qualquer outra coisa, o historiador escreve por
diversão e para propiciar prazer aos leitores. Mesmo assim, lembra o autor, ao longo de sua
trajetória, a história sempre foi portadora de uma ideologia, mutável ao sabor do tempo. Numa
referência a Raoul Glaber, Duby afirma que a narrativa do passado tinha sempre uma
conotação moral, a partir da qual pretendia-se mostrar como os homens deveriam agir. Essa
função de pedagogia moral tem-se mantido ao longo do tempo a serviço de interesses
circunscritos a unidades territoriais pequenas como feudos ou a unidades maiores como
Estado-nação. Ao considerar as mudanças por que passa a sociedade contemporânea e seu
arcabouço ideológico, o autor conclui que
[...] o enorme processo de mudança que estamos a viver, sob forma de uma
difusão dos acontecimentos à escala de todo o planeta, faz com que, na
produção histórica atual, pareça infrutífero continuar a considerar os
fenômenos no quadro dos Estados tais como eles existem. O importante
parece ser, atualmente, escrever uma vastíssima história de todas as
civilizações do Mundo, nas suas relações recíprocas, enquanto, por outro
lado e por um movimento inverso, assistimos ao reaparecimento de uma
história muito local (
DUBY, 1994, p. 17-18).
128
À medida que há uma busca cada vez maior por autonomia e valorização por parte dos
espaços regionais e locais, cabe a pergunta: a história pode ainda ter uma função moral?
Ainda justificar-se-ia uma concepção historiográfica que tenha como propósito projetos de
cunho emancipatório para a sociedade, a exemplo do que se propunha na historiografia de
origem iluminista?
Sobre esse aspecto, ao fazer uma referência a Rudolf Ankersmit, Silva (2001, p. 297-
98) chama a atenção para o fato de que
[...] não se trata de procurar descobrir possíveis ‘finalidades’ para a história.
É importante ter-se consciência que a história e a consciência histórica fazem
parte da cultura tal como o fazem a poesia, a literatura, as artes plásticas.
Nestes termos não cabem indagações sobre o ‘significado’ e ‘utilidade’ da
cultura. [...] A cultura e a história podem eventualmente ajudar a definir
usos, todavia não devem ser definidas em termos de utilidade.
Uma disciplina escolar só permanece no currículo, segundo Bittencourt (2001), se
estiver articulada com os grandes objetivos da sociedade, os quais seriam definidores não só
dos conteúdos do ensino, mas também das orientações relevantes da escola. Ao se redefinirem
os objetivos da sociedade, a disciplina passaria por transformações para atender a essas novas
exigências. No caso da sociedade contemporânea, que vem passando por mudanças, conforme
destacamos no capítulo anterior, são exigidas novas atitudes por parte daqueles que se
dedicam ao ensino-aprendizagem do conhecimento histórico.
Compreendemos que, antes de qualquer outra coisa, o conhecimento histórico escolar
deve possibilitar ao aluno opções para interpretar o mundo no qual vive e interage, sem que
nesse tipo de conhecimento esteja, explicitamente, a preocupação de atribuir para si uma
função determinada. Talvez mais do que adquirir uma consciência crítica, o aluno precise se
apropriar das condições necessárias às leituras do mundo. A apropriação da história como
conhecimento é válida em si mesma e o posicionamento de cada indivíduo perante a
sociedade é algo que tem a ver com a sua história de vida, não cabendo à escola induzi-lo a
mudanças ou não do mundo à sua volta.
Enfim, anuncia-se um ensino de história comprometido com a realidade do aluno, com
a formação de uma consciência crítica e com o preparo do homem para o presente. No
entanto, as evidências de suas práticas se direcionam para uma outra perspectiva, a começar
pelos conteúdos que são trabalhados junto aos alunos.
129
3.2.2 Os conteúdos trabalhados pelos professores
Os critérios de escolha dos conteúdos são tão importantes quanto os próprios
conteúdos na definição de uma disciplina escolar. Ao mesmo tempo se colocam como uma
das questões mais difíceis para o professor. Diante da necessidade de selecionar os aspectos a
serem trabalhados junto aos alunos, ele se depara com o dilema: o que contemplar e o que
ficar de fora? Consideramos que os conteúdos não são selecionados nem organizados de
forma casual e despretensiosa e que, portanto, a sua escolha está relacionada com uma
determinada concepção de conhecimento e de história. O papel do professor é de fundamental
importância na abordagem de uma disciplina, pois é principalmente na sua prática em sala de
aula que o processo ensino-aprendizagem se concretiza. Compreendemos que os critérios de
escolha dos conteúdos, assim como os próprios conteúdos, poderão contribuir para um melhor
entendimento de como eles concebem a história enquanto disciplina escolar, questão posta por
esta pesquisa.
Sabemos, no entanto, que são vários os fatores que limitam a ação docente, entre eles,
as ingerências do poder público e da direção da escola à qual o docente está vinculado, as
condições materiais de trabalho, as condições salariais dos professores, além das pressões de
segmentos externos da sociedade, como a Igreja, a mídia, entre outros. Os professores
participantes da pesquisa afirmaram que os conteúdos com os quais trabalham, e as
respectivas estratégias de ensino, são definidos nos encontros periódicos promovidos pelas
escolas em que trabalham. O professor Alberto, no entanto, afirma a existência de
interferência dos interesses de órgãos controladores das escolas (Secretarias de Educação)
quanto à escolha dos conteúdos. O professor Rui, por sua vez, ressalta a existência de uma
certa cobrança por parte da escola e dos pais dos alunos para cumprir o conteúdo que está nos
livros adotados. Não obstante essas ressalvas, os professores não vêem as interferências como
algo que venha a comprometer a atuação docente como um todo. Vejamos algumas falas dos
professores acerca dos conteúdos e dos seus critérios de seleção.
Didaticamente, eu procuro seguir as orientações inseridas nos livros didáticos.
Então na quinta série eu discuto com eles história do Brasil colônia, na sexta
série eu trabalho Brasil império, Brasil república, na sétima série eu inicio
com um pouco de teoria da história, depois eu vou inserir pré-história, história
antiga e o período medieval e vou finalizar, na oitava série, com história
moderna e contemporânea (
MATEUS, 2004).
130
O conteúdo que eu trabalho de 5ª a 8ª series está dividido de acordo com os
livros didáticos da seguinte maneira: em relação à 5ª serie, é pré-história e
história antiga; e na 6ª já começa com história medieval e já começa a inserir,
a integrar a história do Brasil; na 7ª, já entra um pouco de história moderna e
contemporânea; e no caso da 8ª série, também, agora, contextualizando um
pouco mais da história mais recente – do século XX no mundo e a história do
Brasil. Isso claro que olhando a periodização, segue essa periodização da
história como é feita
(RUI, 2004).
Eu trabalho em escolas públicas, então a gente segue aquilo que é determinado
pela Secretaria de Educação do estado e do município, não me apego apenas
aos livros didáticos, eu vejo apenas o livro didático como complemento e, nas
quintas séries, de acordo com a proposta curricular, o que se coloca no ensino
de história na rede municipal é trabalhar a história do Brasil que diz respeito à
pré-história, e a todo o período colonial, bem como o período monárquico; o
que diz respeito às sextas séries, desenvolvemos a história da América, e a
parte que diz respeito à história do Brasil, republicana e os fatos históricos que
marcam, que estão bem próximo de nós; nas sétimas séries trabalhamos muito
com a história antiga e medieval; e nas oitavas séries trabalhamos com a
história moderna e contemporânea. É uma linha que eu sou contra porque dá
aquele caráter de fazer da história símbolo de ‘meia idade’, de ter aquela linha
como se tudo fosse acontecer dentro daquele tempo, tudo tivesse uma
evolução, eu sou contra essa formação e dentro do possível eu procuro
interagir com os alunos, procurando trazer discussões novas, comparando
textos dentro de uma determinada temática, e de diferentes autores para daí
analisar e eles descobrirem qual a linha de pesquisa, qual a linha interpretativa
que aquele autor tomou, então dentro do possível eu procuro trazer isso aí. É
lógico que também uso a questão da história local porque a partir do momento
em que começamos a buscar o entendimento a partir da história local o aluno
começa a se situar dentro da história, então eu gosto muito também de, dentro
desse contexto, dessa linearidade que é proposta, eu procuro buscar temáticas,
partindo da história local nós podemos chegar a uma história mais globalizante
(
ALBERTO, 2004).
O que primeiro nos chama a atenção diz respeito à periodização adotada pelos
professores. Opta-se por uma noção de tempo histórico homogêneo e progressivo a partir da
concepção de história ainda do século XIX, que divide o estudo do homem em pré-história,
história antiga, média, moderna e contemporânea. Essa divisão da história, ao ser consagrada
pela historiografia européia, foi adotada no Brasil por historiadores, professores e livros
didáticos e se apresentou ao ensino como a única possibilidade de se abordar a história. É essa
a proposta dos professores Mateus e Alberto, para quem estudar a história do Brasil significa
iniciar na pré-história americana e passar pelas etapas colonial, monárquica e republicana até
chegar às décadas mais recentes. Os professores Mateus e Alberto trabalham com livros
didáticos que trazem como proposta a história seriada, enquanto professor Rui optou por uma
proposta de história integrada. Não obstante as diferenciações que tais propostas possam
131
trazer na sua forma de organização, os livros adotados
34
por esses professores se assemelham
no que diz respeito à periodicidade e aos temas expostos.
A periodização tal qual apresentada pelos professores tem sido criticada por ser
portadora de uma concepção de história que conduz a uma separação rígida do tempo em
passado/presente/futuro e a uma visão processual progressiva com princípio, meio e fim. Ao
adotar seqüências preestabelecidas, a proposta traz consigo a idéia de uma trajetória
progressiva e homogênea para a humanidade. O aluno da 5ª série estuda inicialmente a origem
do homem, e nas séries seguintes, paulatinamente, vai seguindo o caminho, ininterrupto,
percorrido pela humanidade. Dessa forma, as dimensões temporais (passado, presente e
futuro) deixam de se colocarem como objetos de conhecimento para os alunos, pois elas se
apresentam como algo pronto e acabado. A história seria um encadeamento de eventos
ordenados teleologicamente e inscritos num percurso único.
Quanto aos temas, a periodização pressupõe a abordagem de grandes eventos da
humanidade, desconsiderando perspectivas temáticas circunscritas a recortes espaciais e
temporais que não venham nessa direção. A concepção do tempo a partir da perspectiva de
múltiplas temporalidades sugerida por Braudel não se faz presente em nenhum depoimento.
Ou seja, se as experiências sociais permitem a percepção dos diferentes ritmos (continuidade,
ruptura e simultaneidade) existentes num processo histórico, necessário se faz criar
oportunidade aos alunos para que eles compreendam essas diversas temporalidades.
Em cada série são abordados temas clássicos da historiografia escolar: as civilizações
antigas, o feudalismo europeu, as revoluções industriais, o imperialismo, o socialismo, as
guerras mundiais, a guerra fria, entre outros, para a história geral. No caso do conteúdo da
história do Brasil, abordar-se-iam: os primeiros habitantes da América, a chegada do europeu
no Brasil, a exploração colonial, a escravidão, a independência brasileira, as conturbadas
regências, a implementação da república, dentre outros. No primeiro volume de cada coleção,
está reservado um espaço para explicar a natureza da produção historiográfica, tipo em busca
do passado, sendo abordadas questões como: a relação passado e presente, as fontes
históricas, os sujeitos da história.
34
Livros adotados: professor Rui: Projeto AraribáHistória – Ensino Fundamental. Editora responsável: Maria
Raquel Apolinário. São Paulo: Moderna, 2004; professor Mateus: História: Memória Viva, de Cláudio
Vicentino, São Paulo: Scipione, 2000; História e Vida, de Nelson Piletti e Claudino Piletti, São Paulo: Ática,
2001 e Viver a História. Ensino Fundamental, de Cláudio Vicentino, São Paulo: Scipione, 2003; professor
Alberto: Viver a História, de Cláudio Vicentino. São Paulo: Scipione, 2005.
132
Em geral, os depoimentos indicam que os temas trabalhados em sala de aula são
intercalados com temáticas nacionais ou locais, dependendo do tipo de história que esteja
sendo abordada, se história geral ou história do Brasil.
Apesar de anunciada a preocupação com as inquietações do presente, como vimos com
relação à finalidade do ensino de história, percebe-se uma história em que o presente é refém
do passado, só aparecendo para o aluno no final da oitava série. Prevalece um discurso
circunscrito aos esquemas explicativos que levam à elaboração de visões globais e de sínteses
históricas, desprezando os pequenos recortes, sejam espaciais, sejam temáticos.
Um outro aspecto a considerar diz respeito às formas como o espaço e o tempo são
colocados nas propostas implícitas dos depoimentos dos professores. Uma determinada
dimensão espacial, mundo ou nação, sobrepõe-se a outros espaços, região, local, enquanto
uma ordenação temporal linear dá o ritmo e o rumo dos fatos. Assim, ao ressaltar uma história
universal e uma história nacional, o local passa despercebido. Ou seja, os conteúdos
selecionados não contemplam as experiências de vida dos alunos. Apresentam-se como algo
relacionado com outro mundo, outra época e outros sujeitos históricos, levando-nos a duvidar
se esse conhecimento histórico possibilitaria “[...] ajudar o aluno no seu cotidiano” e na “[...]
prática do exercício da cidadania” (MATEUS, 2004), bem como “[...] preparar o homem para
o presente” (ALBERTO, 2004).
A considerar a abrangência temporal (do homem pré-histórico à sociedade
contemporânea) e espacial (da Ásia Ocidental à Europa e América) das propostas, tem-se a
sensação de elas pretenderem abarcar toda a experiência humana a partir da abordagem de
algumas temáticas. Mesmo que a escola assuma o papel de mera transmissora de
conhecimento, tal pretensão seria impossível de se realizar, pois as experiências humanas se
apresentam de forma muito mais rica e complexa.
É de se perguntar se os conteúdos – que de acordo com os
PCN “[...] são meios para
que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir bens culturais, sociais,
econômicos e deles usufruir” (
BRASIL, 1998a, p. 74), ocupando, portanto, um papel central
no processo ensino-aprendizagem, ao serem postos aos alunos a partir dos livros didáticos, o
que pressupõe algo já dado, pronto –, assumem posição de destaque nesse processo.
Assim como os
PCN, alguns autores concordam com a importância dos conteúdos para
o ensino, como por exemplo Bezerra (2005, p. 39), para quem “[...] sua seleção e escolha
devem estar em consonância com as problemáticas sociais marcantes em cada momento
histórico” No entanto, ao serem postos aos alunos como algo já pronto, acabado, assumem
posição secundária nesse processo.
133
Apesar de explicitamente rechaçada pelos professores, a periodização com viés
evolutivo, seqüencial e linear é recorrente em seus depoimentos e nos livros adotados.
O que emerge dos depoimentos em análise é uma visão de história enquanto processo
linear e de abordagem generalizante, conduzida a partir de grandes sínteses temáticas e da
legitimação de uma história nacional (embora não assumida explicitamente) e universal que
tendem a explicações homogeneizantes nas quais os pequenos recortes, temporais e espaciais,
estão ausentes ou se apresentam como algo complementar e secundário.
3.2.2.1 A utilização do livro didático pelos professores
Nos contatos iniciais com os professores colaboradores, percebemos que o uso do
livro didático tem sido uma prática usual entre eles nas turmas de 5
a
a 8
a
séries. Em função
disso, consideramos pertinente fazermos uma reflexão, a partir dos depoimentos dos
professores a seguir transcritos, tendo como preocupação compreendermos o porquê do uso
desse instrumento e como ele vem sendo usado junto aos alunos.
Eu digo sempre [ao aluno] que o livro didático é significativo, ele é importante
para o aprofundamento teórico e isso aí é abordado em todas as aulas, do
início do ano até o final. Ele não pode deixar o livro didático de lado sem dar
nenhum valor àquele livro, mas ele vai ser significativo porque ele necessita
de um aprofundamento daquele tema, porque em 50 minutos você não pode
desenvolver um tema que você vai passar duas, três, cinco horas. Então ele
sabe que aquele livro é significativo. No momento em que você vai passar um
questionário, uma atividade extra para esse aluno, então muitas vezes o aluno
não tem como ter o professor acompanhando ele em casa, na biblioteca, por
exemplo, o professor está em outra atividade. Então o companheiro dele vai
ser exatamente o livro didático, então vai ser significativo pra ele o livro
didático (
MATEUS, 2004).
Como eu disse anteriormente, o uso do livro didático é apenas para fazer por
onde o aluno tenha um contato inicial com determinada temática, então o livro
didático é apenas um complemento dentro da sala de aula, nós temos aí um
mundo em transformação, um mundo onde gamas de informações chegam a
todo momento, obriga e faz com que o professor esteja em sintonia com essas
informações que aí estão. Então o livro didático hoje tem aquela função de
complemento, apenas essa função. Temos hoje outros recursos para se utilizar
como foi dito anteriormente, então a grande função do livro didático hoje é
situar o aluno dentro de determinado fato histórico, a ter o contato inicial com
aquela história (
ALBERTO, 2004).
134
Como eu trabalho em escolas de ensino privado, vem muito aquela
preocupação do seguinte, você tem que dar o conteúdo que é restrito ao livro,
mas muitas vezes você vê que o livro em si não é suficiente, é necessário que
você tenha outros recursos, outras fontes que venham a tornar a prática
daquele ensino algo mais significativo, algo mais enriquecedor, eu vejo muito
isso, eu uso o livro didático sim, porque ele é o referencial pra você trabalhar
em sala de aula, mas eu não tenho tanto essa preocupação com esse
fechamento de conteúdo, cobranças vindas tanto do interno da escola, externo,
mas eu procuro aliar o livro didático a outros recursos que venham a
complementar o que eu trabalho, não apenas ficar limitado. Eu busco o livro
didático, busco outros livros e outras fontes porque eu procuro não me prender
totalmente aquilo, embora saiba que tenho que cumprir com aquele programa.
Eu vejo assim: o regime de uma escola particular impõe esse limite, não pela
questão somente interna da escola, mas também pelas cobranças que são
feitas, você vê que a questão financeira fala um pouco alto, eu vejo muito isso,
então acho necessário tentar burlar de vez em quando isso para que não fique
algo rotineiro, limitado, você tem que buscar novos horizontes para trabalhar
em sala de aula. Claro que ele é a ferramenta que conduz, mas ele tem que ter
suas complementações (
RUI, 2004).
É evidente nos depoimentos dos entrevistados que os conteúdos ensinados nas turmas
de 5
a
a 8
a
séries têm sido definidos conjuntamente com a escolha dos livros didáticos. E no
que pese os livros adotados pelos professores serem de autores diferentes, os conteúdos, como
vimos no item anterior, apresentam muita semelhança. As idéias dos professores, no entanto,
divergem quanto à forma de utilização desses livros.
Para professor Mateus, a escolha do livro didático se justifica por ele ser “[...]
importante para o aprofundamento teórico” e porque, diante da impossibilidade de o professor
poder acompanhar os alunos em suas atividades escolares extraclasse, esse instrumento é
usado como um “companheiro” do aluno, compensando a ausência do professor (
MATEUS,
2004).
Professor Rui, por sua vez, reconhece que o livro didático é um recurso limitado, mas,
como trabalha em escola privada, existe uma certa cobrança, seja por parte da direção da
instituição, seja por parte dos pais, para que seja trabalhado todo o conteúdo do livro. Assim,
tem utilizado, “[...] na medida do possível”, recursos complementares ao livro; isso, segundo
ele, para “não ficar limitado, rotineiro”. Mesmo reconhecendo a necessidade de
“complementações”, o professor não deixa de conceber o livro didático como o “referencial
para você trabalhar em sala de aula” e como a “ferramenta que conduz”. Para ele, isso se faz
necessário, pois o material a ser usado junto aos alunos deve ser algo “mais significativo”,
algo mais enriquecedor, o que muitas vezes não é encontrado no livro adotado (RUI, 2004).
135
Diferentemente de seus colegas, professor Alberto afirma usar o livro didático apenas
como um material complementar em sala de aula. Ele serviria para permitir ao aluno “[...] um
contato inicial com determinada temática”, uma vez que, segundo ele, “[...] temos hoje outros
recursos para se utilizar”. Porém, ao mesmo tempo, afirma que “[...] hoje a grande função do
livro didático é situar o aluno dentro de um determinado fato histórico” (ALBERTO, 2004).
No depoimento sobre os conteúdos trabalhados pelos professores, embora afirme estar
seguindo orientações da Secretaria de Educação do município, ele relaciona temáticas que,
coincidência ou não, são as mesmas do livro adotado.
Os depoimentos e a convivência com esses professores (em visitas e encontros de
estudos) nos permitem inferir que, a despeito das afirmações que tendem a relativizar a
importância do livro didático junto ao trabalho docente, ele [o livro] é o principal instrumento
de trabalho junto aos alunos, sendo muitas vezes colocado na condição de principal fonte de
informação não apenas para o aluno, mas também para o professor, ou, como afirmou
professor Rui (2004), “[...] o referencial para você [professor] trabalhar em sala de aula”.
Na educação brasileira, o livro didático tem sido posto como uma resposta à atual
situação em que se encontra boa parte da educação brasileira: não tendo o profissional, nem a
escola, as condições ideais para desempenhar suas atribuições, o livro didático é colocado
como a solução possível, passando a ter atribuições próprias do professor. O livro didático
define os conteúdos, sugere interpretações, atividades e, como afirma Mateus (2004), substitui
o professor no que diz respeito à orientação dos alunos. O mais preocupante, no entanto, é o
fato de, entre as suas atribuições, constarem a atualização e a formação de professores,
conforme previsto no Guia de Livro Didático de 5
a
a 8
a
séries de 1998. Essa publicação, de
autoria do Ministério da Educação, inclui entre os critérios classificatórios de avaliação dos
livros didáticos o Manual do Professor, o qual, segundo o MEC, “[...] será mais aproveitável
se oferecer: orientação teórica, informações adicionais, bibliografia diversificada, sugestões
de leituras e outros recursos que contribuam para a formação e atualização do professor [...]”
(
BRASIL, 1998c, p. 465, grifo nosso).
O livro didático, sendo um instrumento completo, por trazer não apenas conteúdos,
mas a forma com a qual eles devem ser trabalhados, bem como as sugestões de atividades de
classe e extraclasse, conduz o professor a uma situação comprometedora, uma vez que assume
um papel que lhe é devido. E por mais que se diga que a atitude do professor diante do livro
possa provocar uma mudança radical, isso é pouco provável, uma vez que, ao se adotar um
livro didático, pressupõe-se toda uma rede de compromissos, incluindo aí a sua utilização,
como fica claro no depoimento do professor Rui (2004). Reconhecemos que não podemos
136
superdimensionar o seu papel, no sentido de atribuir os problemas existentes de ordem
político-educacional do país a um objeto, uma mercadoria. No entanto, ele reflete a política
educacional vigente no Brasil e, mesmo sendo aperfeiçoado, pouca contribuição traria a uma
proposta em que os professores e alunos se coloquem como protagonistas no processo de
construção do conhecimento. Cada vez mais que é aperfeiçoado, garante-se a permanência de
um instrumento que é por natureza incoerente com uma proposta em que os professores e
alunos se coloquem como os sujeitos do conhecimento, uma vez que a participação se limita à
escolha, pelo professor, do livro que será usado em sala de aula.
Assim, a adoção do livro didático como guia para as atividades escolares não contribui
para que novas propostas sejam pensadas e experimentadas. Entendemos que numa escola na
qual se trabalhe em função da construção do conhecimento a partir da investigação dos
próprios agentes escolares, pouca contribuição o livro didático tem a dar. Ao contrário, o
professor com sólida formação teórica e metodológica, ao invés de trabalhar as limitações do
livro didático, como acredita Davies (1996), poderá escolher caminhos diferentes, usando
outras estratégias pedagógicas, principalmente se considerarmos a diversidades das fontes nos
dias atuais.
A busca deve ocorrer em função de formas distintas dos modelos fechados que
restringem a ampliação do conhecimento histórico. Consideramos que o ensino de história
deve contribuir para a multiplicidade de leituras e interpretações históricas e que a adoção do
livro didático como principal instrumento de trabalho limita para que essa condição venha a
se efetivar nos espaços escolares. A diversidade brasileira – regional, social e cultural – não
condiz com a uniformização das temáticas e das estratégias de ensino advindas dos livros
didáticos. Realidades distintas exigem maneiras diferentes de ensino.
Nas falas dos entrevistados, o materialsistematizado”, “organizado”, é apresentado
como verdadeiras autoridades e guias perante eles e os alunos. A sua ausência lhes faz
sentirem-se órfãos, inseguros e sem rumo. Será que a preocupação com a falta desse tipo de
material não vem expor um grande problema relacionado com a formação profissional que se
evidencia na dificuldade de exercer a liberdade de escolha de conteúdo e de método? Será que
as ferramentas teórico-metodológicas necessárias ao cumprimento profissional de que fala
Cardoso (1984, p. 109) são do domínio desses profissionais?
A concepção de que ao ensino fundamental cabe apenas a transmissão do
conhecimento possivelmente contribui para o sucesso do livro didático entre os professores.
Não estamos afirmando com isso que, ao usar esse instrumento, o professor está impedido de
produzir conhecimento ou que não possa utilizá-lo de uma forma diferente das descritas
137
anteriormente, mas tão-somente que ele, ao oferecer conteúdos já de certo modo prontos e
acabados, dificulta a possibilidade de um conhecimento escolar vir a ser produzido a partir da
interação entre professor e alunos. No máximo, poderão ser problematizados.
Um ensino centrado no professor e no livro didático, cabendo ao aluno a recepção de
conteúdos já previamente definidos, é compatível com a proposta de transposição didática do
saberes eruditos (BITTENCOURT, 2004, p. 36), produzidos em outras instâncias, como por
exemplo nas universidades.
Um ensino de história tendo por base exclusivamente a transposição didática dos
saberes dificilmente poderá contemplar a preocupação dos professores em considerar a
realidade do aluno, pois um livro não é pensado considerando a inserção concreta dos
milhões de alunos nos diferentes meios sociais em que vivem. Com a preocupação em atender
aos interesses do mercado editorial (
FONSECA, 1990, p. 201), o livro se constitui em uma
mercadoria para contemplar uma clientela numericamente ampla, possibilitando um retorno
de capital para todos os envolvidos no complexo processo de sua feitura que inclui os
responsáveis pela sua concepção, fabricação e distribuição. Ao trabalhar para conquistar um
público amplo, dificilmente os livros poderão tratar de questões focalizadas que contemplem
as diversidades de uma população culturalmente mestiça como a brasileira. A idéia de
construção do conhecimento, com base em preocupações levantadas a partir do aluno, fica
comprometida, a não ser que ela se limite às condições oferecidas pelo próprio livro.
Se o trabalho com o livro didático depende não apenas do seu conteúdo, mas da forma
de condução desse conteúdo, que importância teria esse instrumento diante da possibilidade
de utilização de inúmeros outros materiais?
Mesmo respondendo às condições postas pelo
MEC, a adoção de um manual didático,
além de não levar em consideração a realidade dos envolvidos diretamente no processo
ensino-aprendizagem, oferece ao professor um planejamento do que deve ser trabalhado,
contribuindo cada vez mais para que, de agente, ele venha a se transformar em um
gerenciador da relação didática entre aluno-livro. Não é o conhecimento histórico o núcleo da
interação aluno-professor, como também não é o professor o mediador da interação escolar na
perspectiva proposta por Vygotsky (1994). Nos pronunciamentos dos professores, podemos
inferir um tipo de relação pedagógica de caráter instrumental decorrente da cultura do livro
didático como referência às ações do professor e do aluno em sala de aula.
Não entendemos que a história escolar venha a ter uma total independência com
relação ao saber histórico produzido nas universidades e em outros institutos de pesquisas. Ao
contrário, é importante que haja um diálogo fecundo e permanente entre a academia e a
138
escola, mas que não se estabeleça uma exclusividade da produção do saber em nenhuma
delas. O que está no centro do debate é a definição da competência acerca da relação entre a
transmissão e a produção do conhecimento e a definição identitária da escola. A esse respeito
Chervel (1990, p. 182) atenta para o fato de que
A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de saberes
elaborados fora dela está na origem da idéia, muito amplamente partilhada no
mundo das ciências humanas e entre o grande público, segundo a qual ela é,
por excelência, o lugar do conservadorismo, da inércia, da rotina. Por mais
que ela se esforce, raramente pode-se vê-la seguir, etapa por etapa, nos seus
ensinos, o progresso das ciências que se supõe ela deva difundir.
Na atual conjuntura educacional, aqueles que sonham com formas inovadoras de
ensino terão que enfrentar esse debate, o que exigirá de cada um muita renúncia e dedicação.
Aliás, são qualidades que não faltam aos professores participantes desta pesquisa. No entanto,
os resultados ainda estão distantes de se alcançar, na prática, o que se propõe em teoria. Os
nossos professores interlocutores sonham com um ensino de história cujos conteúdos estejam
vinculados à realidade vivida pelo aluno, com a formação de uma consciência crítica e com o
preparo do homem para o presente. Todavia, a adoção de livros didáticos como material
principal de trabalho e a tímida produção de conhecimento histórico no espaço escolar,
limitando a atuação dos próprios professores e alunos, indicam que as práticas desses
professores ainda estão distantes de muitas inovações postas nas últimas décadas.
Nesse ponto, é relevante salientarmos que, aos solicitarmos aos professores que
citassem e discutissem sobre as fontes de consulta usadas por eles no estudo da disciplina,
tanto para a aprendizagem quanto para o ensino da história, todos enfatizaram a importância
da diversidade de fontes documentais e demonstraram compreender as limitações do trabalho
com o livro didático. Conhecedores das dificuldades existentes para o exercício da docência,
os professores se empenham no sentido de superá-las. Assim, desenvolvem estratégias, como
podemos constatar a partir de suas falas a seguir sobre o uso de outras fontes que não os livros
didáticos:
Eu busco e trago para eles textos afins de diferentes autores que trabalham
sobre aquela determinada temática, trago também documentários que eu acho
que também é importante muito embora determinado documentário tenha uma
visão a quem ele é feito, a quem ele vai interessar, aí então eu abro uma
discussão, o professor ele deve levar em consideração que ele é um elemento
139
mediador, não mais aquele elemento informador, mas mediador, além desses
documentários, filmes que muito embora tenha toda uma tendência, mas não
devemos deixar de lado porque esses filmes servem para fazer que o aluno
tenha todo um contato com aquele fato histórico, faz com que ele se aproxime
de alguns elementos que compõem aquele fato histórico e com fotografias.
Então a partir disso eu busco a discussão chave em sala de aula, faço por onde
eles se inter-relacionem, eles façam perguntas afins e daí busquem respostas
para essas perguntas, e além dessas fontes eu busco aquelas fontes que são
tidas como tradicionais, como um relatório de presidente de província, que eu
acho que é importante, documentos cartoriais, que eu acho que também são
importantes, então a partir daquilo a gente faz toda uma análise em cima desse
material, então essas fontes primárias, logicamente, são importantes e servem,
não que eu tenha a pretensão de formar historiadores, tenho a pretensão de que
esses alunos tenham o primeiro contato com esses documentos, muito embora
se torne um pouco difícil pela restrição, mas dentro do possível eu procuro
trazer uma manchete de determinado texto ou até mesmo um texto de uma
determinada revista que mostre toda aquela gama de informações (
ALBERTO,
2004).
Eu procuro sempre buscar em alguns autores, em leituras que venham a tratar
de algo mais recente, uma produção mais recente como no caso eu trabalho
muito com revistas que são especializadas em história como História Viva,
Nossa História, que são revistas voltadas ao historiador, ao que é habilitado
naquela área, e que trazem artigos de historiadores, que falam a respeito de
algum assunto, e que você pode pegar aquele assunto e adaptá-lo para a sala
de aula. [...] Eu tenho um aluno que chegou para mim e trouxe um daqueles
livros que são como uma minienciclopédia, então eu disse: isso aí já é uma
fonte de pesquisa alem do seu livro didático, você tem aquela revista que é
interessante então tudo isso, eu vejo que é interessante para contribuir. E
outra, sempre despertar no aluno esse interesse pra que ele não fique
desmotivado e tornar a aula o mais agradável possível porque você vê que
essas disciplinas como história, geografia que são disciplinas que, vamos
dizer, são tradicionalmente teóricas, em que há muita discussão, você tem que
ter estratégias para que a aula tenha um certo rendimento, e que o aluno veja
que é interessante, a história, ela tem que se comportar dessa maneira, você
tem que trabalhar a história de uma maneira que ela se torne interessante. Eu
tive muitas dificuldades diante do que eu já trabalhei com muitos alunos,
diante até mesmo da minha formação, diante de alguns professores, você
acaba reproduzindo algumas coisas que tradicionalmente são vistas aí, até na
forma de você mediar o ensino, mas eu sempre procuro me superar diante
disso para que o meu trabalho não fique um trabalho sem sentido, não fique
apenas um trabalho repetitivo, um trabalho mecânico, mas um trabalho
dinâmico a partir do que eu procuro aproveitar, do que eu procuro trazer e
também aproveitar desses alunos (RUI, 2004).
Existem algumas bibliografias nas bibliotecas das escolas que foram enviadas
pelo MEC, porque hoje o MEC envia para as bibliotecas coleções fantásticas
para que o professor possa ter acesso àquela referência e ter um subsídio mais
aprofundado sobre as discussões. Os subsídios são alguns textos usados na
licenciatura e que de vez em quando eu sinto a necessidade de revisar aquela
leitura para um aprofundamento teórico. Eu também utilizo muito as
bibliografias enviadas pelo MEC, são livros fantásticos, fazem parte das
bibliotecas das escolas e servem não só para as minhas fontes de pesquisa para
140
subsidiar minhas aulas como também alguns temas que eu procuro selecionar
para que o aluno possa ter como subsídio para uma pesquisa mais aprofundada
(
MATEUS, 2004).
Como podemos observar, os professores, além dos livros didáticos, percebem a
importância de se trabalhar com fontes de estudos como internet, revistas, textos diversos,
publicações de autores nacionais.
Entendemos que as novas contribuições da historiografia, ao expandirem o campo da
história e ampliarem a percepção do professor, levam-no a buscar novos recursos que lhe
permitam oferecer aos seus alunos “um trabalho dinâmico”, como afirma professor Rui. As
muitas inovações do campo historiográfico, no entanto, ainda estão ausentes nos depoimentos
dos professores.
Essa ênfase em utilizar várias fontes históricas em sala de aula demonstra a intenção
dos professores de fugirem do convencional, ou seja, do ensino centrado no livro didático.
São muitas as tentativas no sentido de possibilitar um ensino diferenciado, todas válidas,
talvez não suficientes ao ponto de promover as transformações desejadas.
141
4 A INCORPORAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL AO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM
A prioridade concedida ao local é, num certo sentido,
uma possibilidade de construção de outras versões para
as experiências múltiplas que compuseram a
colonização das terras.
Revel
Neste capítulo, ressaltamos as contribuições da história local para o ensino fundamental
da 5ª a 8ª séries. Sobretudo, buscamos compreender como a história de Ceará-Mirim vem
sendo abordada pelos professores em sala de aula. Para tal, consideramos necessário
discutirmos a importância da história local no processo ensino-aprendizagem, analisando as
formas de escolha dos conteúdos e das fontes usadas, assim como as dificuldades encontradas,
pelos professores, quando da abordagem dessa história no cotidiano da sala de aula.
4.1 A HISTÓRIA LOCAL COMO CONTEÚDO DE ENSINO
As mudanças pelas quais vem passando a história local, conforme mostramos no
capítulo dois, têm desdobramentos junto ao ensino da disciplina.
35
No entanto, a exemplo do
que acontece com a produção historiográfica nessa área, trabalhos docentes numa perspectiva
inovadora de inclusão do local ainda se restringem a um número reduzido de profissionais.
As temáticas locais poderão vir a se constituir em conteúdos importantes para o
processo ensino-aprendizagem. Não consideramos, entretanto, que tais temáticas se
constituam no conteúdo a ser trabalhado, nem que necessariamente todos os trabalhos
desenvolvidos em sala de aula devam tomá-las como ponto de partida para estabelecer
relações mais amplas. Entendemos, no entanto, que os elementos da história de um pequeno
lugar, neste caso o município de Ceará-Mirim, também poderão se tornar conteúdos
significativos entre alunos e professores, imbuídos da tarefa de interpretarem o mundo no qual
35
Embora reconheçamos ser uma fase ainda experimental, a temática (história local) tem interessado a um
número crescente de educadores. Prova disso é a criação em 2003 do Grupo de Trabalho sobre história local na
ANPUH. A publicação, em 1990, da coletânea República em migalhas: história regional e local. No ensino, a
história local ocupa lugar de destaque nas duas propostas curriculares mais inovadoras dos últimos anos, a da
CENP (do estado de São Paulo) e a dos PCN.
142
vivem e interagem. Nikitiuk, ao desenvolver um estudo sobre a história local e a formação
continuada de professores das séries iniciais do ensino fundamental, chama a atenção para o
fato de que
[...] a história local se vista como eixo curricular demonstra ser o local de
construção e espaço identitário e facilitador de relações solidárias num mundo
planetário e global. Propicia olhar o ontem com os valores de hoje e facilita
tornar mais significativos os conteúdos universalmente postos como saberes
escolares. Se a história local for vista como estratégia pedagógica propiciará
maior inserção na comunidade criando historicidades e localizando
professores e alunos dentro da História. Esta postura valoriza o processo de
lutas e conquistas sociais dos grupos de referência dos educando e
comunidade, além de fazer perceber a existência de diferentes visões sobre os
acontecimentos cotidianos e fazer diversas leituras de mundo (
NIKITIUK,
2004
, p. 161-162).
Os interesses dessa história local, que surge com a renovação historiográfica das
últimas décadas, voltam-se: para uma abordagem social que procura reconstituir as condições
de vida dos diversos grupos num determinado período histórico, analisando os aspectos de
produção material, estruturação social ou de mentalidades; para uma abordagem demográfica
que privilegia a história da família; para uma nova história política interessada no papel das
elites locais na distribuição do poder (MANIQUE; PROENÇA, 1994). Tais abordagens,
segundo esses autores, são possíveis devido à incorporação de fontes até hoje pouco
utilizadas, mas que estão disponíveis nos arquivos locais: municipais, paroquiais, fiscais e de
cartórios.
Além dos arquivos, o patrimônio histórico local passa a se constituir em um importante
recurso para o ensino e para a pesquisa da história. Ao contrário da abordagem tradicional
36
que privilegia os monumentos e as edificações, na nova concepção de história local, a
memória é interpretada a partir da incorporação de outros elementos, como, por exemplo, os
traçados das ruas, as disposições das praças, a toponímia local, o vestuário dos moradores, as
brincadeiras e lazeres, as relações de trabalho, enfim, as mais diversas formas de
manifestações culturais. Um passeio pelos vários lugares de uma localidade, assim como o
contato com seus moradores, possibilita novos olhares sobre a história local.
36
A abordagem tradicional é entendida aqui como aprendizagem por memorização, desarticulada, sem relação
com a realidade atual, em que alunos (e até professores na medida em que trabalham com material já pronto e
acabado) se relacionam de forma passiva com os conteúdos, que quase sempre são constituídos fortemente pelos
fatos em que são ressaltados os feitos das pessoas consideradas ilustres pela história oficial. Historicamente, essa
abordagem foi orientada tendo em vista interesses nacionais; por isso, vários aspectos, considerados menores,
são excluídos ou secundarizados.
143
A importância da história local se deve ao fato de esta utilizar novas metodologias que
reclamam a inclusão de novos problemas e novos objetos de estudo, inclusive com uma gama
bastante diversificada de fontes históricas, além de contribuir para melhor situar o aluno no
seu tempo e espaço. Essas fontes passam por uma reavaliação, pois não são vistas como algo
acabado, verdadeiro e infalível, mas estão condicionadas aos mais diferentes olhares.
Portanto, a inserção de elementos da história local dentre os conteúdos a serem trabalhados no
ensino exige o domínio de métodos e técnicas que orientem a exploração das fontes
disponíveis e a abordagem dos temas que professores e alunos considerem importantes em
suas atividades.
Samuel (1990) dá atenção especial à evidência oral pelas amplas possibilidades de
trabalho que ela apresenta. Segundo o autor, as únicas limitações a essa forma de investigação
estão relacionadas com o número de sobreviventes e com a ingenuidade das perguntas do
historiador. A importância não está em ser apenas mais uma fonte de informação, mas
também em contribuir com o historiador quando este se vê diante dos silêncios e das
deficiências da documentação escrita. Nesse sentido, a fonte oral se constitui em grande aliada
daqueles que incluem o local como objeto de estudo. Conforme justifica o autor, “Há
verdades que são gravadas nas memórias das pessoas mais velhas e em mais nenhum lugar;
eventos do passado que só eles podem explicar-nos, vistas sumidas que só eles podem
lembrar” (SAMUEL, 1990, p. 230).
Uma importante contribuição para a disseminação do ensino de história local, no
Brasil, vem dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mesmo determinando que o currículo do
ensino fundamental deve ter uma base nacional comum e que ao educando deve ser
oportunizado a formação comum indispensável ao exercício da cidadania, a LDB de 1996, em
seu Artigo 26, prevê na parte diversificada que os estabelecimentos escolares considerem
“[...] características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”
(BRASIL, 1996). Ou seja, os elementos característicos da localidade deverão ser ressaltados a
partir da parte diversificada do currículo, cuja definição é de responsabilidade de cada escola.
Além de apontar a diversidade da sociedade brasileira como um valor a ser
considerado, os Parâmetros reconhecem a autonomia intelectual, pedagógica e política dos
professores e das instituições de ensino. Essas condições são fundamentais para que a história
local possa vir a se colocar como uma alternativa coerente e viável, pois a falta de autonomia
tem contribuído para que professores e instituições de ensino, comodamente, assumam
posturas mais condizentes com uma história de tipo nacional. Referimo-nos aqui
144
especificamente ao tipo de ensino que tem como base os conteúdos expostos nos manuais
didáticos, já prontos e acabados.
Para a LDB e os PCN, o trabalho escolar no ensino fundamental deve contribuir para a
construção da cidadania e das identidades culturais dos jovens, bem como possibilitar a eles a
compreensão da realidade nas quais estão inseridos. A formação das identidades culturais, por
exemplo, dar-se-ia a partir das múltiplas relações contraídas pelos sujeitos num processo de
ida e vinda do local ao global. Ou seja, remete-se, sempre, aos espaços físicos dos sujeitos.
Essa história se coloca como um instrumento que possibilita às pessoas envolvidas no
processo ensino-aprendizagem agirem de forma interativa no meio ao qual pertencem.
A aproximação afetiva e física com o objeto de estudo pode vir a ser utilizada
didaticamente como fator motivador para a produção do conhecimento, embora com a
ressalva de que esse ensino possa contribuir para o rompimento das visões localistas e
globalistas
37
que, por representarem posições extremas, correm o risco de não fazer as
relações com outros espaços e tempos ou mesmo negar as particularidades e especificidades
do local. Nesse caso, a recomendação aos profissionais do ensino é a mesma válida aos que se
incumbem da escrita da história, conforme ressalta Reznick (2002, p. 3):
Ao eleger o local como circunscrição de análise, como escala própria de
observação, não abandonamos as margens [...], as normas, que, regra geral,
ultrapassam o espaço local ou circunscrições reduzidas. A escrita da história
local costura ambientes intelectuais, ações políticas, processos econômicos
que envolvem comunidades regionais, nacionais e globais. Sendo assim, o
exercício historiográfico incide na descrição dos mecanismos de apropriação
– adaptação, resposta e criação – às normas que ultrapassam as comunidades
locais.
Se o esgotamento do modelo educativo tradicional no Brasil tem levado professores à
procura de novas práticas pedagógicas, as alternativas inovadoras estão limitadas a um
número pequeno de educadores. Nos níveis de ensino fundamental e médio muitas vezes eles
se limitam a transmitirem o conhecimento histórico produzido a partir das universidades e os
conteúdos dos livros didáticos. Isso, em parte, deve-se ao fato de a pesquisa não ser praticada
37
Definimos neste trabalho visão localista como aquela que aborda o local de forma isolada, reducionista, sem
articulação com outras dimensões. Por sua vez, a globalista seria o seu oposto: conduz a uma abordagem que vê
um determinado objeto a partir de seus aspectos gerais, sem considerar suas especifidades.
145
nas instituições escolares, restringindo-se apenas às universidades, conforme atesta Borges
(1987, p. 19-20):
O ensino da história, como das outras disciplinas, encontra-se estruturado de
tal forma que à universidade compete a produção do conhecimento histórico
(ou seja, é o espaço do chamado ‘discurso competente’), enquanto às escolas
de 1
o
e 2
o
graus cabe a sua reprodução. [...] sedimenta-se, assim, a nítida
separação de atribuições de atividades e de responsabilidades em relação à
‘ciência’, de graves conseqüências.
O próprio ensino de história, enquanto objeto de estudo, tem atraído poucos
pesquisadores. O aumento de trabalhos acadêmicos nessa área é recente, só ganhando
contornos novos apenas nas duas últimas décadas e meia, conforme detalhamos no capítulo
anterior. Para termos uma idéia, na década de 1980, marco de uma nova fase desse
movimento no Brasil, a produção tendo como objeto de estudo o ensino de história foi muito
pouca, conforme mostram os dados de Monteiro (2001, p. 17): “[...] no período de 1984 a
1989, num total de 1729 pesquisas realizadas nas universidades brasileiras, envolvendo as
áreas de Educação e História, apenas 13 referem-se ao ensino de História, o que representa
0,75% do total”.
Embora seja evidente o aumento da produção de trabalhos nessa área nos últimos
anos, em nível de Brasil, a situação do ensino, se comparada a outras temáticas, não sofreu
alterações significativas. No Rio Grande do Norte, então, a situação é ainda mais preocupante,
pois são poucas as produções que têm o ensino de história como objeto de pesquisa. Vejamos
então, nos quadros a seguir, a relação de trabalhos acadêmicos que têm como objeto de estudo
o ensino da história no Rio Grande do Norte. Os dados foram coletados entre 2005 e 2006,
sendo organizados em três categorias: graduação, pós-graduação lato sensu e stricto sensu, e
pesquisa isolada.
146
Título Autor Nível Ano Instituição
O ensino de História em Natal na década de
90: propostas curriculares inovadoras
Edna Maria da
Silva Martins
Graduação 1999 Dep. de História
Natal/UFRN
Vinte anos de ensino de história no Rio
Grande do Norte: o seu currículo (1980-
2000)
Josélia Silva
Santos
Graduação 2002 Dep. de História
Natal/UFRN
O ensino de história por conceitos:
teorizações iniciais e opiniões de
professores
Éden Ernesto da
Silva Lemos
Graduação 2002 Dep. de História
Natal/UFRN
Uma história do curso de História em Natal:
1957-1968.
Maria Helena
Oliveira de Lima
Graduação 2002 Dep. de História
Natal/UFRN
O ensino de história e as perspectivas de
mudança
Maria José Sotero
da Silva
Irene dos Santos de
Oliveira
Graduação 2002 Dep. de História
Natal/UnP
O ensino de história no Rio Grande do
Norte
Adriana Moreira
Lins
Graduação 2004 Dep. de História
Natal/UFRN
Prática e metodologia do ensino
fundamental nas escolas públicas de
Mossoró: estudo de caso da Escola
Municipal Joaquim da Silveira Borges e da
Escola Estadual Governador Dix-Sept
Rosado
Abner Silva Souza
Francisco Silva
Josiane Fonseca
Reginaldo César
Silva
Graduação 2004 Dep. de História
Mossoró/UERN
O ensino de história no nível médio: um
estudo das causas do seu prestígio
Roberto Palhano
Silva
Graduação 2004 Dep. de História
Mossoró/ UERN
Sob os olhos de Clio: as histórias ensinadas
no curso de história do CERES (Caicó
1974-1988)
Olívia M. de M.
Neta
Graduação 2004 Dep. de História
CERES/ UFRN
O ensino de história e o regime militar:
Colégio Estadual Atheneu Norte-rio-
grandense (1964-1985)
Elissa Caroline
Souza de Oliveira
Graduação 2004 Dep.de Educação
Natal/UFRN
O ensino de história no processo de
Alfabetização de Jovens e Adultos
Maria José da Silva Graduação 2004 Dep.de Educação
Natal/UFRN
(Des)Encontros entre universidade e escola
básica: um estudo sobre a disciplina Prática
de Ensino de História
Maria Aparecida
Diniz
Graduação 2005 Dep. de História
Natal/ UFRN
Livro didático de história: uma análise de
conteúdo e procedimentos de ensino
Alcineide Teodósio
da Silva
Graduação 2005 Dep. de História
Natal/ UFRN
Um conceito de universidade no
desenvolvimento do curso de graduação:
licenciatura em história
Joseane Pedro da
Silva
Luiz Antônio dos
Santos
Graduação 2005 Dep. de História
Natal/UnP
Um novo olhar no ensino de história nas
escolas estaduais de ensino médio do
município de Parnamirim
Álvaro Luiz Rosa
de Barros
Eurico Bezerra de
Menezes Júnior
Graduação 2005 Dep. de História
Natal/UnP
Rupturas... Permanências... Perspectivas: o
ensino de História no Brasil, definições e
redefinições do seu papel educativo e social
Maria Aurélia
Sarmento
Graduação 2005 Dep. de História
Mossoró/ UERN
Quadro 1 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de história nas escolas situadas
no estado do Rio Grande do Norte, em nível de graduação.
147
Título Autor Nível Ano Instituição
Que história é essa? Análise de
livros-textos de história para o
ensino de primeiro grau
João Maria Valença de
Andrade
Mestrado
1992
Dep. de Educação
Natal/UFRN
O ensino de história do Brasil
nas escolas públicas e privadas
de Ponta Negra
Grinaura Medeiros de
Morais
Especialização 1993 Dep. de História
Natal/UFRN
Da história vivida à história
contada: o conceito de tempo
histórico na 2
a
série do 1
o
grau
Francisca Lacerda de
Góis
Mestrado 1994 Dep. de Educação
Natal/UFRN
A história ensinada nas escolas
de 2º grau
Grinaura Medeiros de
Morais
Mestrado 1997 Dep. de Educação
Natal/UFRN
O conceito de cultura e a
apreensão da historicidade na
4
a
série
João Maria Valença de
Andrade
Doutorado 1998 Dep. de Educação
Natal/UFRN
Identidades e ensino de
história: um estudo em escolas
do Rio Grande do Norte
Raimundo Nonato
Araújo da Rocha
Doutorado 2001 Faculdade de
Educação/São
Paulo/ USP
O ensino de história e o
processo de elaboração
conceptual
Francisca Lacerda de
Góis
Doutorado
2003 Dep. de Educação
Natal/UFRN
O livro didático e o ensino de
história na escola de ensino
Vina Lúcia Bezerra Especialização 2004 Dep. de História
Assu/UERN
Uma análise do ensino de
história na rede pública
municipal de Carnaubais
Gerânia Pereira de Souza Especialização 2004 Dep. de História
Assu/UERN
Uma análise do ensino de
história nos ciclos finais do
ensino fundamental das escolas
públicas municipais existentes
no município de Assu
Verônica Edna Araújo
Batista
Especialização 2004 Dep. de História
Assu/UERN
A história no ensino médio: um
confronto entre o currículo
proposto por livros didáticos e
o currículo proposto pelo MEC
Gilvânia Dantas de Melo
Costa
Especialização 2005 Dep. de Educação
Natal/UFRN
Entre a ordem e a disciplina: o
ensino de história no Centro de
Ensino Superior do Seridó
(1973-1987)
Regina Coelli Gomes
Nascimento
Doutorado 2005 Recife/UFPE
Quadro 2 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de história nas escolas situadas
no estado do Rio Grande do Norte, em nível de pós-graduação.
Título Autor Nível Ano Instituição
O estudo de história no currículo
escolar e na titulação do
magistério do Rio Grande do
Norte
Tarcísio da Natividade
Medeiros
Projeto Isolado 1987 Dep. de História
Natal/UFRN
Quadro 3 Trabalho isolado tendo como objeto de estudo o ensino de história nas escolas situadas no
estado do Rio Grande do Norte.
148
Como podemos observar nos quadros apresentados, são dos departamentos de
educação as iniciativas nessa direção, especialmente do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. São apenas sete trabalhos
acadêmicos em nível de pós-graduação stricto sensu que optaram em focalizar como objeto de
estudo a história ensinada no estado. Desse total, três trabalhos estão direcionados aos anos
iniciais e dois aos anos finais do ensino fundamental. Em nível de pós-graduação lato sensu,
são cinco trabalhos, em nível de graduação, dezesseis e um avulso.
38
Os autores das três dissertações de mestrado e das duas teses de doutorado defendidas
junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte são professores da própria instituição, graduados em história e trabalham com a
formação de professores junto aos departamentos de educação da UFRN.
O sexto trabalho, uma tese de doutorado defendida em 2001, no Programa de Pós-
graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, é de autoria do
Raimundo Nonato Araújo da Rocha, professor da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN), também vinculado a um departamento de educação. Essa tese, intitulada
Identidades e ensino de história: um estudo em escolas do Rio Grande do Norte e orientada
pela professora Circe Maria Fernandes Bittencourt, é o único trabalho com o propósito de
discutir a abordagem da história local no ensino. O objetivo do estudo é mostrar “[...] como as
mudanças ocorridas no ensino de História – expressas nas propostas curriculares surgidas no
Brasil a partir da década de 1980 – têm sido apreendidas pelo professor da disciplina”
(ROCHA, 2001, p. 3). Ao analisar as mudanças e permanências pelas quais a disciplina tem
passado e como elas têm sido percebidas pelos professores, o autor destaca como as
identidades têm sido trabalhadas junto a escolas dos dois últimos ciclos do ensino
fundamental. Para isso, a pesquisa evidencia as relações que os professores estabelecem com
as suas respectivas cidades e procura entender “[...] a possível articulação entre a história local
e a história de outros tempos e/ou espaços” (ROCHA, 2001, p. 35). A base empírica foi
desenvolvida em escolas públicas e privadas, de 5
a
à 8
a
série, de três cidades do Rio Grande
do Norte. É também o primeiro trabalho, em nível de pós-graduação, que se propõe a trazer o
debate acerca das inovações ocorridas nas últimas décadas com relação às escolas do estado.
Para tanto, traça o perfil dos professores de história formados pelas universidades locais,
analisa a repercussão das propostas curriculares oficiais (RIO GRANDE DO NORTE, 1992a;
38
Instituições pesquisadas: UFRN – Departamentos de História e Educação do Campus Central e Departamentos
de História e Geografia e Educação do Centro de Ensino Superior do Seridó; UERN – Departamentos de
História de Assú e Mossoró e Departamento de Educação em Mossoró; UnP – Departamento de História.
149
1992b), dos PCN (BRASIL, 1998a; 1988b) e estimula a discussão sobre a relação entre o
ensino de história e as identidades culturais.
No estado do Rio Grande do Norte, os professores e os alunos dos cinco cursos de
história existentes no estado
39
têm marcado uma presença ainda muito tímida, por exemplo,
na ANPUH
40
, entidade principal de congregação dos profissionais da área. Mesmo assim,
quando se fazem presentes, são motivados por temas relacionados com a produção
historiográfica. É importante lembrar que, apesar da existência oficial da entidade em nível
estadual, ela não tem tido uma atuação efetiva junto aos professores, seja no nível
universitário, seja nos outros níveis de ensino
41
.
A pouca produção em torno do ensino de história e o envolvimento ainda pequeno dos
professores em nível estadual nos fóruns específicos de história nos autorizam a afirmar que
são poucas as inovações na história ensinada nas escolas. Não temos, no entanto, um
diagnóstico sobre esse ensino que abranja o estado, inclusive com a preocupação de
identificar possíveis propostas de ensino que incluam a história local em turmas de 5ª a 8ª
séries do ensino fundamental. No que diz respeito à existência de propostas que incluam o
local como componente significativo na construção do conhecimento histórico, a nossa
experiência como professor, convivendo com profissionais da educação, dados coletados
junto à sala de aula
42
, bem como a situação encontrada em Ceará-Mirim, permitem-nos
afirmar que, caso existam, são poucas. Some-se a isso o fato de no Rio Grande do Norte a
produção historiográfica numa perspectiva inovadora ser recente, como mostra o estudo de
Rocha (2001), o que nos dá uma dimensão do desafio que têm pela frente aqueles que tomam
para si como objeto de estudo o ensino da história local. Práticas pedagógicas nesse sentido,
quando ocorrem, são frutos da iniciativa individual de alguma escola ou educador. Assumindo
esse desafio, vejamos como a história local vem sendo trabalhada em escolas de 5ª a 8ª séries,
no município de Ceará-Mirim, pelos professores que colaboraram com este estudo.
39
Existem cinco cursos de história no estado do Rio Grande do Norte, distribuídos da seguinte forma: dois na
UFRN (um no Campus Central de Natal e outro no CERES/Caicó); dois na UERN (um no Campus Universitário
Central/Mossoró e outro no Campus de Assú); e um na Universidade Potiguar, em Natal.
40
Essa constatação justifica o fato de a ANPUH/RN ter realizado o seu primeiro encontro estadual somente em
maio do ano de 2004.
41
Ver Rocha (2001, p. 121) e dados coletados pelo próprio autor desta tese.
42
Pesquisa aplicada nos dias 1º e 02 de agosto de 2002, em turmas do Curso de História da UnP, conforme já
nos referimos ao discorrermos sobre o campo empírico. Ver Anexo D.
150
4.2 OS PROFESSORES E A CONCEPÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL: CEARÁ-MIRIM NA SALA DE AULA
Em Ceará-Mirim, a história do município está contemplada, formalmente, na estrutura
curricular das escolas de 1
a
a 4
a
séries e, pela iniciativa individual de professores, nas demais
séries do ensino fundamental.
Oficialmente, o ensino fundamental nas escolas estaduais e municipais localizadas em
Ceará-Mirim conta com a Proposta Curricular de 1992. No entanto, esse instrumento tornou-
se “letra morta”. Além disso, não existe qualquer outra proposta curricular que se coloque
como referência ao trabalho desenvolvido pelos professores. Informações da
Subcoordenadoria de Ensino Fundamental (SUEF)
43
, órgão da SECD, indicam que os
professores são orientados, através dos Parâmetros em Ação, a desenvolverem suas atividades
escolares de acordo com as diretrizes estabelecidas nos PCN.
Formalmente, o ensino da história local, entendida como a história do município, não
está contemplada nos programas curriculares das 5ª e 8ª séries nem do estado, nem do
município de Ceará-Mirim. A proposta curricular de 2006, determinada pelo estado para o
ensino fundamental, ressalta que
Com base na Constituição do Rio Grande do Norte, Parágrafo 2º do Artigo
137 as escolas públicas do ensino fundamental deverão incluir, entre os
componentes curriculares, o estudo da Cultura do Rio Grande do Norte,
envolvendo noções básicas de Literatura, Artes Plásticas e Folclore do Estado.
Cabe ao ensino fundamental trabalhar estes conteúdos obrigatoriamente em
História e Geografia e de forma interdisciplinar nos demais componentes
curriculares (
RIO GRANDE DO NORTE, 2006a).
Nas escolas públicas do ensino médio, cuja responsabilidade é do poder público
estadual, a proposta inclui as disciplinas Economia do Rio Grande do Norte e Cultura do Rio
Grande do Norte integrando a sua parte diversificada. A inclusão não foi suficiente, porém,
para torná-las, de fato, disciplinas autônomas. A recomendação da Subcoordenadoria do
Ensino Médio (SUEM) é que a primeira seja trabalhada no conteúdo de Geografia e a
segunda, no de História. Ou seja, na prática, elas não se configuram como disciplinas
autônomas como prevê a resolução. As informações dão conta de que os professores, no geral,
43
Durante o ano de 2005 e o início de 2006, estivemos aproximadamente sete vezes na SECD, principalmente na SUEF e na
SUEM em busca de informações acerca da relação que a instituição mantém com os estabelecimentos de ensino e os
professores. Pelo mesmo motivo, estivemos várias vezes na 4ª DIRED, em Ceará-Mirim.
151
têm apresentado dificuldade em trabalhar com essas disciplinas por alegarem a falta de
material (livros, por exemplo) que o auxiliem na abordagem dos conteúdos, o que motivou a
Secretaria a estimular a produção de material didático que atendesse aos professores. O
resultado ocorreu em 2002, com a publicação do livro de FELIPE e CARVALHO (2002),
acerca da economia do Rio Grande do Norte
44
.
Mesmo com as ressalvas acima sobre a inexistência de um instrumento formal que
determine a abordagem da história do município em turmas de 5ª a 8ª séries, ela vem sendo
contemplada pelos três professores de Ceará-Mirim. Eles afirmaram participar de encontros
períodicos em suas respectivas escolas com o objetivo de planejar as atividades escolares. De
acordo com Mateus, Rui e Alberto, nesses momentos, questões como conteúdos e estratégias
de ensino são definidos. Ou seja, há uma certa autonomia quando da definição daquilo que
será trabalhado em sala de aula. Esse sentimento é compartilhado por todos os professores e é
extensivo a todas as escolas em que atuam, inclusive as particulares.
4.2.1 As escolhas dos conteúdos e das fontes
Com relação à escolha dos conteúdos ministrados, os professores demonstraram que
não apenas trabalham temáticas da história local em suas aulas, mas que a consideram
importante e necessária. Admitem, no entanto, que a abordagem não é feita de forma
sistemática, acontecendo em duas situações diferentes: no período comemorativo ao
aniversário do município, ou seja, na semana que culmina com o dia 30 de julho, e,
eventualmente, a partir da exposição dos conteúdos referentes à história do Brasil e à história
geral. Vejamos os depoimentos dos professores Mateus e Rui:
[...] Eu vou enfatizar a história local na semana do município, é onde o aluno
vai ter mais subsídios da história local é na semana do município. Nos demais
períodos durante o ano letivo, ele [o aluno] vai ver muito pouco, a não ser
quando eu estou fazendo uma discussão de outro tema que eu vejo que, isso a
respeito da economia, isso a respeito da sociedade, isso a respeito da cultura,
da história local, aí você insere a história local com algum comentário naquele
momento, mas se enfatiza mais na semana do município. Por que na semana
do município? Por que é um momento em que toda a cidade pára pra refletir,
44
FELIPE, Alves José Lacerda; CARVALHO, Edílson Alves de. Economia do Rio Grande do Norte: estudo geo-
histórico e econômico. Ensino Médio. João Pessoa: Grafset, 2002.
152
fazer as reflexões a respeito do município. Por isso que é mais na semana do
município [...] Então eu vejo que hoje falta muito, dentro de Ceará-Mirim, a
questão de um trabalho, poderíamos até dizer assim, didático, que viesse a
favorecer, que viesse a ajudar nas discussões a respeito da cidade. Porque
muitas vezes, quando o professor vai discutir a história de Ceará-Mirim,
praticamente parece que ele só discute na semana do município. Quer dizer,
30 de julho é o aniversário de Ceará-Mirim, então na semana que antecede o
30 de julho, então todas as escolas se voltam para trabalhar a origem de Ceará-
Mirim, como se deu a formação da cidade, o processo de ocupação. Então fica
uma coisa meio restrita a apenas aquele período. Então seria necessário que o
trabalho fosse voltado para se discutir Ceará-Mirim durante o ano todo; não só
naquela semana que comemora o aniversário da cidade (
MATEUS, 2002).
Como a gente trabalha o contexto da história do Brasil, eu procuro trazer
discussões, e essas discussões eu as traga para a realidade deles, essa realidade
local que eu procuro trabalhar com eles é no seguinte sentido: qual o
significado daquele acontecimento para hoje no dia-a-dia que você faz parte
dentro desse município, eu procuro mostrar também para eles que antes de
partir para uma história mais geral vamos olhar os aspectos da história local,
de que maneira ela está inserida num contexto de uma história mais
abrangente, da história do Brasil, da história mundial, agora claro que,
constantemente, eu não tenho esse trabalho de estar abordando independente
da disciplina, mas na medida do possível que eu vejo que é necessário trazer
uma discussão e, claro, dependendo do assunto eu procuro inserir sim,
principalmente quando você trabalha a questão do Brasil colonial, o Brasil
república, então eu procuro trazer algumas discussões de acordo com o
assunto. Um assunto mais sistematizado ainda não tenho e o que veio a me
motivar a estudar ainda mais a história local foi justamente esse trabalho que
foi colocado agora, que vai ser desenvolvido a partir desse ano, que você vê a
importância para que o aluno veja que não se estuda o ensino de história a
partir apenas da história do Brasil, da história geral, mas se parte também do
local em que ele está inserido e que a gente tem que ter essas discussões que
permeiam as aulas (
RUI, 2004).
Esses depoimentos têm pelo menos dois pontos em comum: primeiro, o fato de os
professores trabalharem a história local de forma fragmentada, eventualmente, “inserindo-a”
sempre sob uma perspectiva macro. Segundo, um certo reconhecimento de que deveriam
trabalhar de forma diferente, ao expressarem o desejo de trabalhar de forma sistemática (
RUI,
2004) ou durante todo o ano (MATEUS, 2002) e não apenas durante a Semana do Município e
nas eventualidades.
A abordagem eventual e de forma fragmentada não diz respeito apenas a esses
professores e não é exclusividade das escolas de Ceará-Mirim. Acreditamos ser algo
153
sintomático do que acontece em muitos outros lugares nos quais os professores trabalham
com a história local
45
.
A referência à história local quase exclusivamente na Semana do Município ou sua
inserção de forma eventual, quando da abordagem da história nacional ou geral, demonstra o
lugar que ocupa essa história em relação às inovações teórico-metodológicas expostas ao
longo deste trabalho. Na verdade, se formos considerar esse critério, podemos afirmar que
essa forma de se conceber e fazer a história está distante das abordagens inovadoras
destacadas neste trabalho. Entendemos estar aí implícita uma concepção de história associada
ao fato isolado, como algo que deve ser lembrado de forma eventual, submisso a uma data
comemorativa.
O depoimento do professor Alberto assume um sentido diferente dos anteriores.
Alegando não buscar se apegar muito aos livros didáticos, utilizando-os apenas como
subsídios e ao mesmo tempo não poder “sair daquilo que está delimitado”, procura sempre
“[...] conhecer a história local, para, daí, partirmos para uma abrangência maior. E nesta
história local inclui-se a história de Ceará-Mirim, bem como a história do Rio Grande do
Norte (ALBERTO, 2002). O entendimento do professor parece estar ligado à idéia dos círculos
concêntricos, segundo a qual os conteúdos devem ser trabalhados considerando
primeiramente os espaços mais próximos do aluno e vai se ampliando progressivamente.
Com relação à escolha das fontes, e como a história de Ceará-Mirim não está
contemplada em livros didáticos, cabe sobretudo aos professores a responsabilidade de
selecionar e organizar os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula. Isso poderia ser
percebido como algo positivo, uma vez que dessa forma restitui-se a eles a decisão de escolha
propriamente dita. No entanto, a impressão que nos causa, a partir dos depoimentos, é de que
falta algo, pois não há material “sistematizado”, ou seja, livros didáticos, que contemplem os
conteúdos da história local.
Essa lacuna é preenchida, parcialmente, pela organização de uma “apostila”, por parte
da Secretaria Municipal de Educação. Esse material fica à disposição, na Biblioteca
Municipal, dos alunos das escolas do município, para auxiliá-los em suas atividades escolares.
É a estratégia que as autoridades municipais têm encontrado para suprir a lacuna deixada
pelas editoras que não têm interesse nesse tipo de clientela, numericamente pequena, para
45
Em uma pesquisa com duas turmas do Curso de História da Universidade Potiguar, com alunos-professores
provenientes de diversos municípios do estado do Rio Grande do Norte, nos dias 1º e 02 de agosto de 2002, a
grande maioria dos alunos entrevistados respondeu que as atividades escolares envolvendo a história do local são
relacionadas com a emancipação do município. Ver estudos de Rocha (2001) e Barbosa (2005).
154
atrair o interesse do mercado editorial. Barbosa encontra a mesma estratégia na Paraíba,
estado vizinho. Para ela,
Não é incomum nos municípios a apresentação de material didático sobre a
história local – em geral apostilas, com um viés muitas vezes bairrista, no qual
se menospreza o que não é do local, superestima-se a história oficial que
destaca cidadãos ilustres e que aborda a cultura circunscrita à folclorização
exacerbada expressa com datas comemorativas e, cuja concepção de local se
expressa como um espaço desarticulado de quaisquer outros (
BARBOSA,
2005, 106-107).
A descrição da pesquisadora guarda muita semelhança com a apostila adotada em
Ceará-Mirim, o que sugere que esse tipo de história local lida com especificidades que são
próprias a esse tipo de prática histórica e que requer o emprego de estratégias teórico-
metodológicas específicas. Dentre elas, exige-se uma certa desenvoltura no trato com as
fontes históricas, questão, aliás, sempre presente nas falas dos professores. É unânime entre
eles a afirmação de que a escassez de fontes históricas dificulta o ensino da história de Ceará-
Mirim. Segundo professor Alberto,
No que se diz respeito à história de Ceará-Mirim, nós temos uma grande
dificuldade com essas fontes de consulta em virtude, primeiro, da distância,
porque boa parte dessas fontes, no que diz respeito às fontes primárias, elas
estão distantes do nosso território, do nosso meio, nossa região. O que nos
resta são apenas os livros memoriais. Além desses livros memoriais, é bom a
gente começar a usar, bem como as imagens, como os relatos orais, as
instituições orais, eu acho que é muito salutar para o nosso entendimento.
Então essas são as fontes que eu uso dentro da nossa história local, muito
embora ela se torne um pouco prejudicada pela ausência das fontes primárias,
como eu falei requer tempo e dinheiro pela distância, porque boa parte se
encontra em Recife. No que diz respeito aos documentos territoriais, existe em
Ceará-Mirim uma grande rejeição quanto à liberação desses documentos, o
que faz por onde o nosso entendimento da nossa história, ela fique um pouco
prejudicada. Por outro lado a Igreja também, ela se prende a fornecer alguns
dados, alguns documentos, e o poder publico, quando se diz respeito à Câmara
municipal também não colabora, então a gente fica preso apenas a esses
documentos, aos livros memoriais que estão aí publicados, bem como aos
relatos orais, então isso impede de realizar um trabalho melhor no que diz
respeito à nossa história local (
ALBERTO, 2004).
155
Alegando dificuldade no acesso às fontes primárias, os professores optam por
trabalhar principalmente com os livros de memórias. Segundo Alberto, muitas dessas fontes
não se encontram no município, mas em Natal e Recife, o que, por si só, dificulta o seu
acesso. No entanto, as que se encontram no município tornam-se muitas vezes inacessíveis
devido à falta de colaboração por parte daqueles que detêm a sua guarda. Aliás, essa realidade
é comum a outros pesquisadores e professores que tratam do tema. Amado (1990) chama a
atenção para o fato de os poderosos locais fazerem de tudo para se apropriarem dos
documentos como se fossem verdadeiros donos. Essa situação, segundo os professores, leva-
os à utilização basicamente dos escritos de historiadores diletantes e dos livros de
memorialistas.
Os professores, não obstante usarem esses livros como fontes principais, também
registram o uso de outros recursos didáticos, como imagens, jornais, relatos orais, embora
admitam utilizá-los esporadicamente. No entanto, a riqueza oferecida pelas inúmeras fontes
que o município dispõe, e que podem ser utilizadas como recursos de aprendizagem junto aos
alunos, é bem maior do que o explorado.
Nesse sentido, destacamos o pensamento dos annalistes que, ao estenderem o
território de atuação do historiador através da sua aproximação com outras áreas do
conhecimento, ampliaram a noção de documento, passando a considerar “[...] tudo o que,
pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra
a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem” (LE GOFF, 1978, p. 98).
Assim sendo, o documento é concebido não apenas como a escrita, mas todo vestígio deixado
pelo homem de forma voluntária ou não, seja algo figurado, sonoro, imagético, seja de
qualquer outra natureza. A fonte histórica é compreendida como uma representação de um
passado, portadora de uma determinada historicidade e que não pode ser confundida com a
própria história. As fontes, no entanto, não são úteis apenas para aqueles que escrevem a
história, mas também para os que ensinam.
Aliás, uma das características da história local é a abundância e a diversidade de suas
fontes. As fontes escritas, principalmente as oficiais, muitas vezes não estão ao alcance do
pesquisador. Em compensação, este encontra aos seus olhos, pés e mãos um diversificado
material à espera de interpretação. Eles têm diante de si o desafio de trabalhar com as fontes
que lhes estão disponíveis, não as desejáveis. Ao professor caberá saber fazer as perguntas
apropriadas para responder aos desafios que tem diante de si.
O professor pode obter as informações de que tanto precisa diretamente das fontes
primárias, como a arquitetura, utensílios, depoimentos orais, fotografias, ou de fontes
156
secundárias, como as publicações dos memorialistas, os documentos escritos e produzidos a
partir de instituições públicas ou privadas, bem como de particulares. Na verdade, é inerente a
uma nova história local o trabalho a partir da diversidade de fontes, permitindo, muitas vezes,
aos envolvidos uma interação com quem as produziu, seja uma pessoa seja uma entidade.
Ceará-Mirim é particularmente interessante, pois além de apresentar muitas fontes
comuns a outros municípios, destaca-se pela variedade de fontes escritas como memórias,
poesias, ficções e uma relativa riqueza arquitetônica. Além dessas possibilidades, o município
também oferece a oportunidade de se trabalhar com os muitos mitos e lendas criados pela
população local.
No entanto, é unânime a procura por “documentos”, “material sistematizado”, o que
significa dizer falta de conteúdo organizado didaticamente, com o objetivo de ser trabalhado
em sala de aula pelo professor, como mostra a declaração do professor Rui (2004):
Não existe de fato um trabalho científico que venha realmente a trazer
discussões acerca dos acontecimentos, dos fatos da história municipal atrelada
a um contexto mais amplo. Você vê sempre um contexto amplo, mas o
contexto local acaba ficando resumido, restrito, e deveria ter um
aprofundamento maior a respeito disso para que antes de você conhecer algo
profundo, abrangente, você tivesse que partir do seu contexto, da sua
realidade. Eu acho que isto seria fundamental: os municípios investirem nisso.
Você procurar produzir um material próprio, seu, e daí você atrelar aos
demais. Eu vejo muito por esse lado.
Professor Mateus (2004) demonstra essa mesma preocupação quando afirma que “[...]
a grande conquista era exatamente ter um bom material a respeito dessa história local para que
pudesse ter aí um mecanismo de preparação para uma boa discussão em sala de aula e colocar
isso constantemente em discussão”
Percebe-se que os professores clamam por “material” que venha “trazer discussões”
acerca dos acontecimentos ou que possa ter um mecanismo de preparação para uma boa
discussão em sala de aula, quando esse papel deveria ser assumido por eles mesmos. Aqui se
apresenta com toda a clareza o desejo por recursos semelhantes ao livro didático. Esse ponto
coincide com a posição de Mateus (2004) posta no capítulo anterior ao mostrar que o livro
didático é o “companheiro” dos alunos. Nesse caso, o material didático serviria de guia para
os professores.
157
Segundo Samuel, o historiador não pode ignorar as fontes escritas, se elas existem,
mas não deixará de procurar outras fontes na ausência daquelas. Ele chama a atenção para o
fato de que “[...] os melhores documentos locais, em poucas palavras, serão freqüentemente
encontrados não na biblioteca ou no arquivo, mas nas casas” (SAMUEL, 1990, p. 232).
As fontes usadas como recursos de aprendizagem no ensino da história de Ceará-
Mirim são quase exclusivamente as escritas, sendo feitas algumas referências ao uso de
imagens e aos relatos orais. Se a ausência de documentos tem sido apontada como uma das
dificuldades para o exercício do ofício de professor, talvez isso se deva a uma questão
conceitual com relação ao que seja documento e aos usos que dele se pode fazer. A
manipulação das fontes históricas, principalmente das não escritas, se constitui em um dos
grandes desafios para os historiadores. Segundo Le Goff (1992, p.24),
Os maiores problemas para os novos historiadores são certamente aqueles das
fontes e dos métodos. Quando os historiadores começaram a fazer novos tipos
de perguntas sobre o passado, para escolher novos objetos de pesquisa,
tiveram de buscar novos tipos de fontes, para suplementar os documentos
oficiais.
O acesso ao documento é uma condição necessária para que os historiadores e
professores possam construir suas interpretações sobre o objeto que está sendo estudado. No
entanto, partilhamos da idéia de que as fontes não refletem a realidade dos fatos, não devendo
ser encaradas como portadoras de verdades absolutas. Elas oferecem a alunos e professores a
abertura para que diferentes interpretações possam surgir a partir de uma determinada
situação de ensino, pois entendemos que não se deve trabalhar com a preocupação de que
todos devem convergir para uma única concepção do que pode representar um determinado
documento. Ao contrário, as leituras dos documentos são válidas por possibilitarem aos
indivíduos a construção de interpretações próprias.
Nesse sentido, é interessante observar um trecho dos PCN (BRASIL, 1997, p. 79),
segundo os quais a grande maioria dos documentos
[...] não foi produzida com a intenção de registrar para a posteridade como era
a vida em uma determinada época; e os que foram produzidos com esse
objetivo geralmente tendem a contar uma versão da História comprometida
por visões de mundo de indivíduos ou grupos sociais. Os documentos devem
ser vistos como obras humanas que registram, de modo fragmentado,
158
pequenas parcelas das complexas relações coletivas. São interpretados, então,
como exemplos de modos de viver, de visões de mundo, de possibilidades
construtivas, específicas de contextos e épocas, estudados tanto na sua
dimensão material (elementos recriados da natureza, formas, tamanhos,
técnicas empregadas), como na sua dimensão abstrata e simbólica
(linguagens, usos, sentidos, mensagens, discursos).
Como mostramos no segundo capítulo, o entendimento de que qualquer vestígio
humano pode se transformar em uma fonte histórica importante teve início nas primeiras
décadas do século
XX e ganhou legitimidade cada vez maior com as inovações teórico-
metodológicas da história a partir da década de 1970. Desde então, novas concepções de
ensino passaram a ver a produção do conhecimento como uma aspiração a ser perseguida pelo
professor, o qual deve criar situações em classe para que isso venha a se tornar realidade. O
documento nesse caso é um recurso que, se bem abordado, pode estimular a observação e a
reflexão de alunos e professores. Ou seja, as fontes não falam por si mesmas, mas ao serem
problematizadas poderão contribuir para que professores e alunos, de forma interativa,
possam construir sentidos para a história. Retornamos às palavras de Samuel (1990, p. 238)
para quem,
Um projeto de História local, no entanto, pode gerar seus próprios arquivos e
fontes, assim como usar aqueles que já foram depositados ou aglomerados nos
arquivos públicos, e o historiador, mesmo que não tenha a intenção, irá, em
breve, ver-se como guarda de todos os tipos de miscelânea. Documentos
aparecerão nos locais mais improváveis, uma vez que você começa a procurá-
los, e o historiador que se aventura fora da biblioteca pode usar todo tipo de
outra evidência. Ele terá acesso privilegiado às redes de informação que
dependem da amizade e da palavra falada, às fontes não-classificadas que
estão guardadas como reservas e aos homens e mulheres que são documentos
ambulantes, testemunhos vivos do passado. Ele pode acrescentar, à palavra
escrita, a falada, e invocar a evidência visual do ambiente, a iconografia e
ruínas domésticas.
Nesse sentido, uma proposta que inclua as temáticas locais como conteúdos escolares
necessita, além de utilizar os arquivos públicos e particulares, criar os seus próprios. A
história local, enquanto princípio metodológico, possibilita o uso de fontes convencionais.
Ceará-Mirim é particularmente rica nesse aspecto. Uma breve caminhada pelas ruas da cidade
seria suficiente para percebemos, de imediato, as mudanças e as permanências resultantes das
ações humanas. Estas se manifestam das mais variadas formas: nos traçados das ruas antigas e
159
novas, nos grupos étnicos que ainda hoje trazem consigo as marcas do isolamento ao qual
tiverem que se submeter para sobreviver diante de outros agrupamentos humanos, no
afastamento dos locais mais habitados, nas festas e nas danças antigas relacionadas com a
história de grupos específicos, entre outras. Um outro elemento importante é a toponímia local
– seja do espaço urbano, seja do espaço rural – que, muitas vezes, se constitui em uma marca
importante no processo de identificação das pessoas.
Essa diversidade não pode ser ignorada pela escola, sobretudo por aqueles que ensinam
a história. A ela, escola, cabe a função de criar as condições necessárias para que as novas
gerações se apropriem de instrumentos que lhes permitam fazer múltiplas leituras do ambiente
vivido.
4.2.2 As dificuldades com o ensino de história local
Ao se referirem ao tipo de história local comumente ensinada nas escolas de Ceará-
Mirim, os professores descreveram-na de forma mais ou menos semelhante, conforme
podemos conferir nos depoimentos a seguir:
[...] a história de Ceará-Mirim é muito trabalhada no sentido de enaltecer
valores que apenas trabalhem a questão da classe aristocrática da cidade, já
que foi uma cidade que teve como principal atividade econômica o açúcar, a
produção açucareira, que fez daqui uma cidade de referencial no RN, uma das
grandes cidades produtoras do açúcar. E ao longo da bibliografia, o que eu
percebo é o seguinte: são meras informações, não há um trabalho crítico que
procure avaliar a inserção de Ceará-Mirim em um contexto maior da história
do RN. Desde o período colonial, o período do império, a participação política
do Vale do Ceará-Mirim na política norte-rio-grandense tem nomes. Se assim
nomes, mas que não se trabalha, não se contextualiza a ação dessas pessoas,
não é um trabalho crítico. Apenas informações que fazem meramente
enaltecer essas figuras. Existe só aquela história meramente informativa e
enaltecedora e não um trabalho crítico que avalie esse processo histórico. E
com relação a isso, como nós discutimos agora no início, o que eu pude
perceber é que não há uma proposta realmente, um trabalho que tenha uma
pesquisa aprofundada a respeito da compreensão histórica do Vale do Ceará-
Mirim. E eu creio que se deve começar, a partir daí, a realizar-se trabalhos que
venham a trazer uma compreensão maior. Agora, ultimamente, nós tivemos a
comemoração de mais um ano de emancipação política do município, foram
144 anos. E o que se ressalta sempre nas escolas é o que? Ceará-Mirim é a
cidade dos grandes engenhos. E sempre aquela coisa repetitiva, as crianças
toda vida têm aquela mesma informação, aquelas mesmas figuras, aquele
mesmo discurso e colocam Ceará-Mirim como aquela cidade que produziu
160
açúcar, uma cidade grandiosa, uma cidade maravilhosa; mas não há o processo
analítico, não se tem uma contextualização dessa história. Isso da sua trajetória
desde o comecinho da colonização do RN e passando pela fase atual. Hoje
Ceará-Mirim, como eu posso perceber, é uma cidade parada no tempo. Eu
percebo dessa maneira, não há uma produção histórica de fato, que
contextualize o processo histórico de Ceará-Mirim e que isso deve ser
considerado. Ceará-Mirim tem muita coisa a ser trabalhada e, com isso, deve-
se ter essa iniciativa, não só por parte das pessoas que estão envolvidas ou têm
formação em história, mas também, buscar através da formação estudantil
levar os alunos, dentro de suas próprias escolas, a realizarem trabalhos que
busquem, que resgatem isso e que não apenas gere uma mera repetição do
conhecimento histórico que nós temos aqui. É basicamente isso aí (
RUI,
2002).
A história de Ceará-Mirim está moldada praticamente a uma aristocracia
canavieira, praticamente final do século XVIII, século XIX, praticamente a um
período do século XX e o aluno, em si, ele já vem com alguns elementos a
respeito da história de Ceará-Mirim. E com isso se tenta, geralmente no
período em que se comemora o aniversário da cidade, trabalhar um pouco essa
discussão: a origem da cidade de Ceará-Mirim, o processo que se deu a
formação da cidade, a sociedade os primeiros momentos, a sociedade no
cotidiano de formação da cidade, a importância do açúcar durante o processo
de construção, em si, da cidade. Então todos esses elementos eu poderia citar
como sendo elementos significativos a serem discutidos em sala de aula a
respeito do que poderíamos chamar a cidade de Ceará-Mirim e com isso o
aluno já tem algumas contribuições e que muitas vezes ele ajuda o professor
nessa discussão, ou seja, o aluno não está alheio, o aluno não está tão distante
do que poderia ser a cidade de Ceará-Mirim. Porque muitas vezes, quando se
faz essa discussão, alguns elementos eles tentam colocar pra que o professor,
junto com o que ele preparou pra sua discussão, possa encabeçar uma
discussão que prolongue, vamos dizer assim, todo desenrolar, não só daquela
semana quando o professor realiza as discussões, mas também no seu
cotidiano. E o professor muitas vezes pode fazer isso quando está trabalhando
determinada temática, dentro do conteúdo que ele achou significativo a
respeito de Ceará-Mirim (
MATEUS, 2002).
Ela tem seu marco atrelado à cultura canavieira. E essa sua história nós
podemos até considerar uma história um pouco tardia; uma vez que seu
primeiro engenho só veio ser desenvolvido a partir de 1864, engenho
carnaubal. Chegando, em seu período áureo, a possuir 44 engenhos. Ceará-
Mirim tem um pouco de sua história retardada em função de ela está, no
primeiro momento, atrelada ao município de Extremoz. Então isso daí fez por
onde Ceará-Mirim não tivesse um contexto maior em termos históricos, no
período que antecede 1864 (
ALBERTO, 2002).
Ao se pronunciarem acerca da forma como trabalham a história local, os professores
assumem um tom crítico à maneira usual utilizada de se abordar tal história. No entanto, ao se
reportarem às suas formas de ensino, demonstram uma certa dificuldade em inovar. A
começar pelos critérios de escolha e distribuição dos conteúdos, que seguem a versão
161
tradicional da história do Brasil, perpetuada em muitas versões assumidas pelos livros
didáticos, inclusive os adotados por eles: os primeiros habitantes (os índios), a chegada do
branco e o desbravamento, o povoamento, a emancipação, o início de produção de açúcar e o
seu posterior declínio, e os dias atuais. Quando não abordada na Semana do Município, a
história local se apresenta de forma eventual, seguindo a disposição das temáticas da história
do Brasil ou da história geral.
Com relação aos conteúdos da história local trabalhados, eles se expressam a partir do
que eles chamam de aspectos econômico, social, político e cultural. Essa divisão segue os
conteúdos de história do Brasil e história geral trabalhados pelos professores, configurando-se
assim uma espécie de transposição daquele modelo para o ensino de história do município.
No capítulo anterior, vimos que a história do Brasil apareceu, por muito tempo, em
obras historiográficas ou nos livros didáticos, como apêndice da história universal. A história
de Ceará-Mirim aparece nas falas dos professores, às vezes de forma atrelada à história
brasileira que, por sua vez, é determinada pela lógica de setores do capital europeu,
especificamente do capital inglês que durante toda a metade do século XIX incentivou e
financiou a produção do açúcar de cana no Nordeste brasileiro. Essa história, portanto, é
determinada previamente por fatores externos, cabendo aos agentes internos um campo de
atuação restrito à cidade, ao Vale e, por vezes, à província. Essa determinação da economia
local em relação aos fatores externos, ao que parece, é transposta para a relação que se
estabelece entre, de um lado, as histórias do Brasil e geral e, do outro, a história local. Daí por
que as temáticas locais aparecem ora isoladamente na Semana do Município, ora “inseridas”
de acordo com a exposição dos conteúdos de história do Brasil e história geral. Ou seja, há
uma valorização dos conteúdos dessas histórias nas quais o local “se encaixa” ou “se insere”,
ou não, de acordo com a temática. Se houver coincidência entre os temas, a história local será
citada, se não, ficará de fora ou será trabalhada em uma outra oportunidade. Não se trabalha
com a perspectiva de a realidade ser condicionada por forças internas e externas que
compõem os grupos sociais. Dessa forma, por exemplo, a adoção do trabalho escravo não é
algo que se explica apenas pelas atitudes dos senhores locais, nem tampouco pode ser
explicada pelo fato de se adotar essa forma de trabalho em outras regiões produtoras do
açúcar.
Ao detalharem os temas que possivelmente poderão ser trabalhados a partir de cada
uma dessas áreas, os professores deixam transparecer uma concepção de história
comprometida com visões macro e compartimentadas, ora discutindo a cultura, ora a
economia, ora o social e a política. Colocam a necessidade de se ressaltar as diferenças
162
existentes na sociedade local, elegendo um período para a formação dessas diferenças,
geralmente o período colonial, para a sociedade brasileira, o final do período imperial e início
do republicano, para a sociedade local, pois é aí que se dá a criação da municipalidade.
Como podemos perceber, a Ceará-Mirim canavieira, faustosa e aristocrática
praticamente monopoliza as atenções dos professores. É preciso ressaltar, no entanto, que nas
falas dos professores predomina um certo questionamento quanto às formas pelas quais são
tratadas essas temáticas, principalmente pelos memorialistas. Ou seja, há um sentimento por
parte desses professores de mostrar o “outro lado” da história.
Dentre as dificuldades apresentadas pelos professores com relação ao ensino da
história local, o destaque maior é para a inexistência do livro didático. Isso talvez explique a
grande necessidade de material didático, de estudo sistematizado “que se preocupe em
identificar elementos da história local”, conforme o depoimento do professor Rui a seguir
transcrito:
Eu vejo que a grande dificuldade está em primeiro, não ter um estudo
sistematizado, não ter pesquisas mais profundas, não ter um material próprio,
hoje você já tem em relação a cultura e economia do RN, mas em relação a
cultura e economia local dos municípios você não tem isso. Você trata dos
municípios de maneira superficial, os livros abordam, mas um trabalho que se
preocupe em identificar elementos da história local, da economia local, e que
o aluno tenha acesso a esse material para que ele possa ler, interpretar e
discutir, não. Temos aí, agora, recentemente, o relatório do IDEMA que traz
dados atualizados do município, população, atividades econômicas,
distribuição de renda, mas o que eu digo assim, um livro, um material que
venha a abordar realmente a história do município, a dinâmica histórica desse
município, o sentido desse município ao longo de sua trajetória, e esse
significado para o aluno ao entrar em contato com esse material. E também há
o problema da conservação de boa parte da documentação, que você não tem
acesso, muitas pessoas que têm ficam com o material restrito e não por uma
questão de má vontade, mas você percebe que tem certo receio em querer
divulgar, achando que você vai querer se apropriar, não sei, não é querendo
aqui julgar, mas dificulta por isso, pela falta desse conteúdo a mais, desse
material, que seria importante (RUI, 2004).
O desejo expresso pelas palavras do professor Rui de se ter um material próprio e “um
trabalho que se preocupe em identificar elementos da história local” reforça a idéia da
necessidade de se trabalhar na perspectiva da construção da autonomia intelectual docente que
lhe possibilite selecionar os conteúdos e procedimentos de ensino, sem que fique à espera de
alguém que possa assumir esse papel. Isso requer uma formação que contemple
conhecimentos de natureza epistemológica, historiográfica e pedagógica. Percebe-se aqui a
163
necessidade de os professores ampliarem seu campo de atuação, o que implica a necessidade
de eles se envolverem em práticas investigativas, conseqüentemente, e na manipulação das
fontes, conforme nos referimos anteriormente. Muito embora entendamos que essa situação
não está restrita aos professores de Ceará-Mirim, Manique e Proença (1994, p. 6), ao se
referirem a Portugal, advertem para o fato de que
O estudo da história local coloca, no entanto, problemas de ordem científica
e pedagógico-didática. Desde logo, o facto de a tradição historiográfica ter
privilegiado as temáticas nacionais, sendo muito recentes as práticas
investigativas incidentes em fenômenos de âmbito local e regional. O
desconhecimento da história de uma localidade ou região condiciona a
prática letiva do professor que deseje orientar os alunos para o seu estudo.
A investigação é, regra geral, o único caminho a percorrer por docentes e
estudantes que desejem conhecer melhor o meio envolvente da Escola [...].
Uma outra dificuldade destacada pelos professores diz respeito à atitude do aluno
diante dos conteúdos trabalhados, o que demonstra a já convencional insatisfação, por parte
dos docentes, de o estudante encarar a disciplina como algo que se decora. Na verdade, eles
desejam como alternativa uma postura crítica, conforme evidencia-se no depoimento
transcrito abaixo:
As dificuldades, muitas vezes, que me levam, como professor, a trabalhar a
disciplina de história, elas se dão exatamente no momento em que eu pego
uma turma condicionada, seria um termo que eu nem gosto muito de usar, a
acreditar que aquela disciplina é decorativa. E que a partir daquele
momento, eu tento cortar, eu tento tirar, essa memorização que muitas vezes
vem alimentando os nossos alunos durante muitos anos. Então o que é que
eu faço? Trabalhar com a questão espontânea, de uma discussão que possa
levar para uma criticidade e que essa criticidade possa construí-lo no seu
cotidiano, como sendo um indivíduo coerente com a prática de vida,
coerente com as dificuldades; mas que no entanto ele vai tentar buscar
elementos através da consciência que ele procurou adquirir durante o
processo de conhecimento (
MATEUS, 2002).
Os professores demonstram preocupação com a ausência de estudos sobre a realidade
do aluno. Mas eles próprios têm dificuldade em contemplar as temáticas locais como
164
conteúdo de 5
a
a 8
a
séries. Fica patente a necessidade de os professores se fundamentarem
teoricamente para desfrutarem da riqueza das fontes disponíveis no âmbito do município.
Portanto, a história local se faz presente nos conteúdos escolares das escolas de Ceará-
Mirim. Ela apresenta-se, porém, influenciada por uma concepção de história que dificulta a
sua inclusão como componente curricular no mesmo nível das temáticas de abrangência
nacional ou mundial.
Não obstante essas observações, identificamos pontos que expressam atitudes
inovadoras por parte dos professores, como, por exemplo, usarem os recursos da memória e
da literatura para estabelecer um diálogo com o ensino da história. É o que podemos perceber
no depoimento a seguir do professor Rui que se utiliza dos escritos de um memorialista ceará-
mirinense e trabalha no sentido de desconstruir o discurso aí presente:
[...] eu trabalho a literatura buscando analisar aspectos históricos, mas sempre
buscando alertar os alunos de que aqueles aspectos que nos estamos
trabalhando ali são aspectos que fazem parte de um grupo, de uma sociedade,
é uma reprodução de uma mentalidade de uma época e que aquilo é apenas um
determinado seguimento, então nós não estamos vendo a história como um
todo, nós estamos vendo parte dessa história e a partir dessa parte da história
nós estamos procurando novas discussões que venham incrementar esse
conhecimento com base na história de outros grupos porque a sociedade do
município, ela não é resumida só nesses tradicionais, embora essas obras
falem de figuras populares, falem de acontecimentos locais, mas são frutos da
reprodução de um grupo social, e eu faço questão de abordar isso com os
alunos quando eles lêem e, agora que eu vou trabalhar com eles fragmentos
desses livros [o professor faz referência à preparação de uma apostila a ser
usada por seus alunos] que estão em processo de montagem com alguns
capítulos de duas obras: Imagens de Ceará-Mirim, de Nilo Pereira e Oiteiro:
Memórias de Sinhá Moça, de Madalena Antunes
(RUI, 2004).
A questão posta pelo professor Rui é bastante pertinente, pois nas sociedades
contemporâneas quase sempre os bens culturais mais bem preservados são provenientes de
representantes dos setores econômica, política e socialmente favorecidos. Faz sentido, então, a
escola questionar o porquê de o patrimônio dos economicamente desfavorecidos, seja material
seja imaterial, não ser preservado. No Brasil, quase sempre os bens preservados estão
vinculados à Igreja Católica, à administração pública ou aos grupos familiares que
desfrutaram de boas condições econômicas, dependendo das políticas estabelecidas pelos que
são escolhidos guardiões da memória.
165
Consideramos a memória um elemento importante junto à escola para o ensino em
Ceará-Mirim. Primeiro, pelo fato de o trabalho com a memória já se constituir em uma prática
entre os professores do local. Depois, pelo que ela representa hoje para o mundo
contemporâneo, seja qual for a sua forma de expressão, coletiva ou individual.
Um olhar sobre a memória local de Ceará-Mirim poderá favorecer o espírito crítico
por parte daqueles que constituem a comunidade escolar, uma vez que, ao não se identificar
com os lugares já consagrados por essa memória, o aluno poderá refletir sobre a sua condição
de pertença e a dos seus pares, o que abrirá possibilidades para novas interpretações.
166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para mim, a história é a soma de todas as histórias
possíveis, uma coleção de misteres e de pontos de
vista, de ontem, de hoje, de amanhã. O único erro
seria escolher uma dessas histórias com exclusão
das outras.
Braudel
A construção de novas formas de intervenção junto ao ensino de história é uma tarefa
complexa e pressupõe o entendimento de aspectos relacionados com o conhecimento
específico da área de história, mas também com o conhecimento referente a outras áreas.
Depende, também, das inúmeras necessidades e compromissos aos quais as escolas estão
condicionadas. Ou seja, a construção de propostas inovadoras, nas atuais condições da escola
brasileira, passa pelo enfrentamento de desafios de duas ordens: uma externa, que tem a ver
com as questões que envolvem a educação brasileira em geral e o poder público local ao qual
a escola está ligada (legislação, financiamento, infra-estrutura, condições de trabalho, relações
de poder, salários dos docentes, entre outras); outra interna, relacionada com as respostas
advindas da organização escolar e da prática docente.
Este trabalho, não desprezando a importância dos desafios de ordem externa, deteve-se
fundamentalmente nos de ordem interna, ou seja, da prática docente e da organização da
história enquanto disciplina escolar, especificamente no que diz respeito ao compromisso
profissional e à autonomia intelectual do professor de história. Entendemos que, por
estruturarem o sentido que dão às coisas, as concepções possibilitam determinar o lugar de
onde falam seus autores. Nesta pesquisa, preocupamo-nos com a história e os fatores que
influenciam o seu ensino. Tomamos, então, as concepções de professores de história, no que
se refere às suas opções paradigmáticas nos campos historiográfico e do ensino, como
estratégias para identificarmos o lugar que a história local ocupa em suas práticas educativas.
Isso, porém, não significa que as concepções, por si só, venham atender aos nossos objetivos.
Necessário se faz que as questões com as quais nos preocupamos sejam compreendidas, tendo
em vista fatores que interferem na forma de ser e pensar dos profissionais e do campo de
conhecimento com os quais atuamos.
167
O cenário contemporâneo aponta para um momento histórico qualitativamente
diferente do mundo moderno e, se esse argumento se sustenta, as estratégias de interpretação
não podem ser as mesmas de épocas anteriores. Vivenciamos uma redefinição dos paradigmas
de análise das sociedades atuais, e muitas afirmações tidas como verdades absolutas passam a
ser repensadas. O descrédito com relação aos grandes relatos, com o seu caráter universalista
e excludente, leva alguns a advogarem, como alternativa à negação dos grandes discursos
sobre os quais se afirmaram as concepções históricas da modernidade, a favor do
descentramento e da fragmentação. Isso tem provocado mudanças significativas no campo
epistemológico, pois novos olhares põem em evidência o local e o específico e percebe-se
uma maior preocupação em reconhecer as multiplicidades identitárias dos lugares e das
pessoas. As mudanças teórico-epistemológicas impõem redefinições cujos desdobramentos se
expressam nas formas de se escrever e se ensinar a história.
As principais correntes historiográficas modernas, os Annales das duas primeiras
gerações e o marxismo (pelo menos na sua forma mais ortodoxa), com suas interpretações
holísticas acerca dos fenômenos sociais, relegaram a um plano secundário muitos segmentos
sociais que, com o tempo, passaram a reivindicar um lugar diferente na historiografia. Áreas
consideradas até então periféricas ocupam hoje um lugar de destaque no campo da
historiografia, como é o caso do imaginário e da cultura. Essas instâncias passaram a ser
vistas como uma forma de expressão do real tanto quanto o econômico e o social. Há uma
abertura da história a outros domínios do conhecimento como a antropologia, a etnografia, a
literatura, permitindo cada vez mais a ampliação do campo de atuação do historiador. A
historiografia contemporânea se caracteriza pela diversidade de abordagens, incorporando,
por um lado, questões e temas anteriormente renegados, e, por outro, atribuindo novos
significados a velhos objetos.
A história local, por exemplo, a partir da incorporação de novas fontes históricas e de
novos objetos de estudo, ganha perspectiva diferente do modelo corográfico, inspirado no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Modelo cuja concepção de história era idealizada
numa nação homogênea em que as províncias eram consideradas pela identificação que se
estabelecia com o conjunto nacional, ignorando as suas especificidades. Uma história
pretensamente totalizante, mas fortemente comprometida com as elites locais, perpassando a
idéia de uma contribuição harmoniosa dos grupos sociais para a formação da sociedade e
omitindo ou secundarizando elementos que pudessem levar à percepção das desigualdades e
dos conflitos sociais presentes na sociedade brasileira.
168
A nova perspectiva acena, metodologicamente, com a possibilidade de diálogo entre
diferentes níveis de observação. A história local não se contrapõe à geral nem muito menos à
nacional, reconhece, no entanto, que a mudança da escala de observação produz diferentes
efeitos de conhecimento. Dessa forma, os mecanismos locais da vida social, quando
confrontados com os fenômenos em âmbito nacional ou mundial, podem se colocar como
reveladores, apontando pontos de conexão ou não entre essas dimensões.
O local, elevado à condição de objeto de estudo, oferece novas perspectivas ao ensino
de história, possibilitando um diálogo, de igual para igual, com outras formas de estudo, além
de permitir vir à baila as especificidades e particularidades próprias de cada lugar.
Ferro (1989) ressalta que a história geral, oficial ou não, elimina diversos aspectos da
vida das sociedades, entre os quais estão os acontecimentos locais. Por se entender que o
desenrolar da história tem como referência um centro que lhe dá sentido, as histórias regional
e local, consideradas como simples monografias, estariam distantes desse centro e,
conseqüentemente, excluídas da grande história. A situação muda a partir da inversão de
perspectiva em que a história local aparece como reveladora para a história geral. A história
local consiste em mostrar o que é específico, singular, mas ao mesmo tempo possibilita o
diálogo entre as dimensões micro e macro.
Essa nova forma de abordagem da história exige ferramentas de natureza teórico-
metodológica especiais, pois a diversidade de fontes históricas disponíveis e a natureza das
pesquisas (monográfica) com as quais o historiador vai trabalhar permitem responder a
questionamentos que dificilmente poderiam ter respostas através das macroabordagens. As
mudanças, no entanto, não estão circunscritas apenas à forma de escrever, mas também à de
ensinar a história. A inclusão de temáticas locais no ensino de história exige o domínio de
métodos e técnicas que possam orientar o uso das fontes disponíveis e a abordagem dos temas
a serem explorados em sala de aula.
A renovação historiográfica das três últimas décadas tem contribuído de forma
significativa para que o conhecimento histórico escolar seja repensado. A trajetória do ensino
de história no Brasil registra permanências e mudanças pelas quais a disciplina tem passado.
Ao ensino tradicional, tenta-se responder, a partir da década de 1980, com a redefinição dos
conteúdos e das metodologias. No debate se faz presente a questão da relação entre os
diferentes espaços institucionais (escola e universidade) e a hierarquia de competências entre
os vários níveis do ensino quanto à produção e divulgação do conhecimento.
169
Esta pesquisa, de certa forma, teve um valor confirmatório e as conclusões em vários
aspectos comprovam o que vem sendo diagnosticado na educação brasileira em geral e no
ensino de história em particular.
A partir das concepções dos professores e das demais estratégias investigativas,
constatamos que predomina entre eles a concepção de história enquanto processo linear como
propósito de apreensão da realidade numa perspectiva global, conduzida a partir de grandes
sínteses com tendência a uma visão determinista e uniformizadora das diferenças. Evidencia-
se a forte influência de paradigmas historiográficos típicos da modernidade que, ao se
nortearem por sistemas globais explicativos, tendem a secundarizar o específico e o particular.
Reconhecemos essa forma de conceber a história como uma construção válida enquanto
estratégia de explicação do real. No entanto, ela, por estar voltada para as grandes
explicações, revela-se de certo modo inadequada, quando se tem o local como objeto de
estudo.
Com relação ao ensino em Ceará-Mirim, constatamos que prevalece uma concepção
de ensino com base na transposição didática dos conteúdos escolares. Estes, por sua vez, são
determinados pelos livros didáticos, os quais se constituem na principal fonte de informação
dos alunos. O que está prescrito nesses livros assume uma posição privilegiada, senão
soberana, restando às temáticas locais um papel coadjuvante.
Não obstante os professores considerarem importante a inclusão de temáticas locais
nos conteúdos escolares, e se entregarem com entusiasmo a essa tarefa, entendemos que ela
não tem ocorrido numa perspectiva inovadora. As temáticas locais têm sido contempladas em
duas situações de ensino distintas: no período comemorativo ao aniversário do município, ou
seja, na semana que culmina com o dia 30 de julho de cada ano, e, eventualmente, a partir da
exposição dos conteúdos referentes à história do Brasil e à história geral. Nos dois momentos,
a concepção de ensino predominante conduz a visões excludentes: de um lado, o local é
apresentado de forma isolada dos outros conteúdos, e, do outro, ele se insere de acordo com a
pertinência do que está sendo trabalhado. Nessa perspectiva, um determinado espaço se
sobrepõe ao outro.
Assim, a história ensinada em Ceará-Mirim traz implícita uma hierarquia valorativa
em que as temáticas locais ou não são contempladas, ou aparecem de forma subjugadas à
história geral e à história do Brasil. Essa constatação é preocupante por se configurar, dessa
forma, uma relação hierárquica das problemáticas históricas.
170
Entendemos que as mudanças conjunturais e paradigmáticas das últimas décadas
exigem novas atitudes por parte dos profissionais de história, sejam eles responsáveis pela
escrita, sejam eles responsáveis pelo ensino.
A autonomia intelectual do professor, somada à sua autonomia político-pedagógica,
constitui-se uma das condições necessárias à construção de propostas inovadoras no ensino,
inclusive no que diz respeito à possibilidade de a história local vir a se colocar como uma
possibilidade concreta nas escolas.
Os conteúdos da história local poderão ser significativos para alunos e professor, na
medida em que, sendo selecionados em função de suas próprias escolhas e estratégias
pedagógicas, possam estabelecer as articulações, de afinidade ou não, com outras dimensões,
temporais e espaciais, necessárias à interpretação das questões com as quais estejam
envolvidos. Nesse sentido, a história local poderá ser (re)pensada em função das necessidades
e perguntas feitas pelos próprios agentes escolares. Um ensino inovador buscará romper tanto
com os limites do localismo, reducionista, quanto com visões globalistas que negam as
particularidades locais.
A formação permanente dos professores se impõe, então, como uma condição
necessária para os novos desafios que estão sendo postos. Considerando que é papel do ensino
de história desnaturalizar verdades solidamente construídas ao longo do tempo, um ensino
novo deve se transformar em um instrumento para desencadear atitudes que permitam
possibilidades de interpretações múltiplas do mundo com os quais os alunos interagem. É
nesse exercício de elaboração do saber escolar que se deve promover a formação continuada
dos docentes.
Em um contexto histórico que tende à uniformização e homogeneização dos
comportamentos e à rotinização das atividades escolares, os professores deverão buscar
formas de intervenção pedagógica que lhes permitam ser autores de suas práticas e que estas
possam contribuir para a construção de tantas histórias diferentes quanto diferentes forem as
perguntas que se quer responder. Isso seria possível em situações de ensino em que se
considerem professores e alunos como atores principais no processo de produção do
conhecimento escolar.
171
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3. , 1999. Curitiba. Anais... Curitiba, PR: Aos
Quatro Ventos, 1999.
SENNA, Júlio Gomes de. Ceará-Mirim: exemplo nacional. v. 1. Rio de Janeiro: Pongetti,
1974.
SEVERIANO FILHO, Valdemiro. De Cidade dos Veados a Rio dos Índios: um olhar crítico
sobre o destino indígena do povoado. 2004. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004.
182
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. São Paulo:
Cortez, 2000.
SILVA, Marcos Amado da (Org.). Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1980.
SILVA, Marcos Amado da (Coord.) República em migalhas: história regional e local. São
Paulo: ANPUH: Marco Zero: CNPQ, 1990.
SILVA, Marcos Amado da. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense,
1995.
SILVA, Marcos Antônio da. (Org.). História em quadro-negro. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 9, n. 19, set.89/fev. 90.
SILVA, Rogério Forastieri da. História da historiografia: capítulos para uma história das
histórias da historiografia. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SILVA, Vera Alice Cardoso. Regionalismo: o enfoque metodológico e a concepção histórica.
In: SILVA, Marcos Amado da (Coord.) República em migalhas: história regional e local. São
Paulo: ANPUH: Marco Zero: CNPQ, 1990, p. 43-49.
SILVEIRA, Antônio Sérgio Medeiros da. A monocultura da cana-de-açúcar e o turismo
histórico-cultural no município de Ceará. 2004. Monografia (Especialização em História) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Região e história: questão de método. In: SILVA, Marcos
Amado da (Coord.). República em migalhas: história regional e local. São Paulo: ANPUH:
Marco Zero: CNPQ, 1990.
SOUSA JÚNIOR, Luiz de. (Org.). LDB: visões críticas. João Pessoa: Idéias, 1997.
SOUZA, Eloy de. Costumes locais. Primeira conferência realizada no salão de honra do
Palácio do Governo, em 20 de fevereiro de 1909. Natal: Sebo Vermelho; Verbo, 1999.
STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Autores da história da educação brasileira: algumas
considerações. In: STAMATTO, Maria Inês Sucupira; ARAÚJO, Marta Maria de (Orgs.).
Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste: história da educação, 13. , 1997. Natal.
Anais... Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste: história da educação. Natal:
EDUFRN, 1997 (Coleção EPEN).
TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidades, experiência e narração.
Passo Fundo: UPF; Caxias do Sul: EDUCS, 2004.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
183
THOMSON, A. Desconstruindo a memória: questões sobre as relações da história oral e da
recordação. São Paulo: PUC, 1995.
VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
VALENÇA, João Maria. O conceito de cultura e a apreensão da historicidade na 4
a
série.
1998. Tese (Doutorado em Educação ) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, 1998.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
VLLARDI. Raquel; ALVES, Nilda (Orgs.). Múltiplas leituras da nova LDB: Lei de diretrizes
e bases da educação nacional. Rio de Janeiro: Dunya, 1999.
WHITE, Hyden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP,
1992 (Coleção Ponta).
ZARTH, Paulo Afonso (Org.). Ensino de história e educação. Ijuí: UNIJUÍ, 2004.
184
ANEXOS
185
ANEXO A Proposta de Atividades para Grupo de Estudos. Roteiro da primeira entrevista com
professores colaboradores
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE
NEPED
LINHA DE PESQUISA: Práticas Pedagógicas e Currículo
Pesquisador: José Evangelista Fagundes
Orientadora: Profa. Dra. Maria Inês Sucupira Stamatto
Professores-colaboradores:
TÍTULO: A história local e seu local na História: um estudo sobre a história ensinada no
município de Ceará-Mirim/RN
TEMA: O ensino da história local em escolas da rede de ensino de Ceará-Mirim. O local
como elemento constitutivo do processo ensino-aprendizagem na disciplina História, visando
a organizar formas de intervenção pedagógica para a produção do conhecimento escolar, em
turmas do ensino fundamental.
O objetivo desse segundo encontro é mostrar de forma mais detalhada os objetivos da
pesquisa aos professores que estão se dispondo a fazer a interlocução com o titular da
pesquisa e gravar a primeira entrevista. Com esta primeira entrevista, esperamos entrar em
contato com o pensamento dos professores sobre algumas questões que poderão se constituir
em pontos de partida tanto para a pesquisa empírica quanto para as futuras leituras que
subsidiarão a tese. Sendo assim, gostaríamos que vocês, professores, nos falassem um pouco
sobre os tópicos que constam na parte final deste roteiro.
186
PROPOSTA DE ATIVIDADES PARA O GRUPO DE ESTUDOS
11/09 – Entrevista-diagnóstica sobre o ensino de História a partir do grupo de colaboradores;
definição das atividades a serem desenvolvidas no II Semestre Letivo de 2002, de acordo com
a programação a seguir:
20/09 – Imagens de Ceará-Mirim – Expositor: Evangelista
Pesquisa sobre Rio dos Índios
Trabalhos Monográficos
25/09/02 – A historiografia do Ocidente: A Escrita da História – Abertura
04/10/02 – Oiteiro – Expositor: professor-colaborador.
09/10/02 – A historiografia do Ocidente: A Escola dos Annales – As três gerações.
11/10/02 – Obra de Júlio Sena – Expositor: Evangelista e professor-colaborador.
23/10/02 – Como trabalhar a História a partir do local – Proença (Didática e História)
12/11/02 – Como trabalhar a História a partir do local – Proença (Didática e História)
15/11/02 – Como trabalhar a História a partir do local – Proença (Didática e História)
19/11/02 – Textos sobre concepções e ensino de História do Brasil/Livro Didático/Currículo:
Por outras Histórias do Brasil – Paulo Miceli
Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História – Circe
Bittencourt
As “Tradições Nacionais” e o Ritual das Festas Cívicas – Circe Bittencourt
(não selecionado para discussão)
26/11/02 – Questões pedagógicas: o que é ensinar; o que é aprender. O papel do currículo e as
propostas curriculares recentes na área de História (material a definir)
187
03/12/02 – Questões pedagógicas: propostas curriculares recentes na área de História
(material a definir)
10/12/02 – Pontos para a elaboração de uma proposta experimental de ensino de História a
partir de problemáticas identificadas localmente (para execução no I bimestre de 2003).
17/12/02 – Planejamento das atividades do semestre letivo seguinte.
FARÍAMOS UMA PESQUISA SOBRE AS FONTES LOCAIS?
TEMÁTICAS POSSÍVEIS DE SEREM TRABALHADAS EM UMA PROPOSTA DE
ENSINO JUNTO ÀS SALAS DE AULA DE 5
a
a 8
a
SÉRIES.
Os pequenos produtores rurais na divisão do trabalho local;
Comércio local x indústria do açúcar;
A presença do trabalhador livre no setor canavieiro;
O controle da terra do Vale pelas famílias locais;
Engenho Guaporé: reconstrução histórica;
Engenho Verde Nasce: reconstrução histórica;
Atividades de subsistência na sociedade açucareira;
Os filhos deserdados: a decadência da oligarquia açucareira e os diferentes espaços
sociais das novas gerações;
A crise do mercado externo no final do século XX e as estratégias de sobrevivência
das oligarquias locais;
Reflexos da libertação dos escravos no trabalho da cana;
De engenhos à usina: a modernização sem mudança;
O mercado das almas: o comércio de escravos em Ceará-Mirim;
Os grupos familiares e a disputa pelo controle do Vale;
A seca de 1877 e as estratégias de poder em torno do controle da natureza.
A sociedade patriarcal: poder econômico x poder político;
Manuel Varela ou como se fabrica e se perpetua um Barão;
188
A classe média e a política na sociedade açucareira de Ceará-Mirim;
Comerciantes e poder político na sociedade açucareira;
Os ideais abolicionistas e a “generosidade” da elite ceará-mirinense;
Liberais, Conservadores: ideais e práticas político-partidárias no final do II Império;
As idéias republicanas em Ceará-Mirim;
O poder político local após a Proclamação da República;
Relação dos poderes constitucionais: judiciário, executivo, legislativo;
Trabalhadores livres e vadios em Ceará-Mirim;
A Igreja católica, a elite, o povo;
A relação Igreja x setores populares;
História de um dos grupos religiosos locais;
A relação religião e o comércio local de homens;
A religiosidade em Ceará-Mirim e a diversidade cultural;
A escola local, a formação das elites e dos segmentos populares;
A sociedade local segundo a produção intelectual;
Educação e questão de gênero;
A Religião e os escravos;
Escravos: nascimento, vida e morte em Ceará-Mirim antes de 1888;
A formação das almas (idéias e hábitos copiados pela elite local);
O patrimônio arquitetônico e artístico local;
A elite e a produção da memória;
Rio dos Índios de Baixo e as estratégias de construção da memória;
Coqueiros, uma comunidade de cultura mestiça;
Mulheres e crianças na sociedade açucareira;
As formas de resistências dos escravos;
A idéia de liberdade entre escravos e libertos.
189
ROTEIRO DA 1ª ENTREVISTA
¾ Sua formação intelectual.
¾ A relação Universidade e conhecimento escolar.
¾ Conteúdos trabalhados de 5ª a 8ª séries.
¾ A definição de história para você.
¾ O porquê do ensino de história.
¾ A importância da disciplina história para a formação dos jovens.
¾ Como os seus alunos vêem o ensino da História.
¾ Fontes usadas no ensino de História.
¾ Um pouco como você vê a cidade Ceará-Mirim.
¾ Que história de Ceará-Mirim é ensinada na escola.
¾ Escola(s) onde trabalha.
¾ Sobre a existência ou não de proposta pedagógica na escola.
¾ Outras questões sobre as quais deseja falar.
Ceará-Mirim, 11 de setembro de 2002.
190
ANEXO B Roteiro da segunda entrevista individual com professores colaboradores
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA: A história local e seu lugar na História: um estudo sobre a
história ensinada no município de Ceará-Mirim
PESQUISADOR: José Evangelista Fagundes
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Inês Sucupira Stamatto
ETAPA EM DESENVOLVIMENTO: II ENTREVISTA INDIVIDUAL COM OS
PROFESSORES-COLABORADORES: Ensino Fundamental (de 5ª a 8ª séries)
Caro Professor:
Trabalhamos com a tese de que os elementos da história local podem se constituir em
um dos conteúdos importantes no processo de produção de conhecimentos no ensino de
história em turmas de 5
a
a 8
a
séries. Esta pesquisa se desenvolve a partir de três objetivos
básicos: diagnosticar o ensino de história praticado em Ceará-Mirim, levando em
consideração a experiência dos três professores-colaboradores da investigação; evidenciar a
importância da inclusão da história local como parte da estratégia pedagógica das atividades
escolares do ensino fundamental; propor, juntamente com os professores-colaboradores,
eventos de natureza formativa, a partir do trabalho com a memória local, que possam
contribuir para uma nova sistematização do ensino de história em Ceará-Mirim.
Um dos propósitos do trabalho é, através da fala dos professores-colaboradores e da
minha reflexão, propor um evento educacional que possa contribuir com o ensino de história
no município de Ceará-Mirim. Nesse sentido, o objetivo desta entrevista é reunir subsídios
para compreendermos qual o significado que você atribui, tendo como perspectiva o ensino da
História, às seguintes questões: o papel da disciplina de história; o significado do evento
histórico e o lugar reservado à história local.
Assim, para compreendermos os significados atribuídos às questões acima,
acreditamos que alguns pontos devem se fazer presentes na entrevista. Além dos pontos
propostos, você poderá fazer referência a outros que considerar importantes.
191
Pontos a serem contemplados na entrevista:
01. Fale um pouco da sua formação como professor de história;
02. A finalidade do ensino de história;
03. O significado da História enquanto disciplina;
04. Resumo dos conteúdos trabalhados de 5ª a 8ª séries;
05. Eventos/acontecimentos merecedores de fazer parte de conteúdo do ensino da
História;
06. Formas de seleção do conteúdo trabalhado em sala de aula;
07. Fontes de consulta usadas no estudo da disciplina, tanto para a aprendizagem quanto
para o ensino da História;
08. Autores/leituras que têm contribuído para a sua formação como professor de História;
09. Utilização do livro didático: por que o uso desse recurso?
10. Formas de uso do livro didático junto aos alunos e a utilização de outros recursos;
11. A história local tem sido parte do conteúdo trabalhado junto aos alunos? Por que e em
que momento?
12. Que conteúdo dessa história municipal é destacado? Por quê?
13. Fontes de consulta usadas na aprendizagem e no ensino da história de Ceará-Mirim;
14. Dificuldades encontradas ao trabalhar com a abordagem da história local;
15. O que você gostaria de fazer de diferente no ensino da história local?
16. Há outras questões que você queira falar sobre o ensino da história local?
17. Conhecimentos e saberes-fazeres que permitem aos professores de história
desempenhar o seu trabalho eficazmente;
18. Identificação de propostas curriculares inovadoras na área do ensino da História nas
últimas três décadas. Em que consistem as inovações?
19. Você tem percebido, entre os professores de história, formas diferentes de se trabalhar
a disciplina? Em que consistem essas diferenças?
20. A influência da globalização na sua prática profissional;
21. Outras questões consideradas relevantes para o ensino da História não mencionadas.
Muito obrigado.
Ceará-Mirim, 30 de outubro de 2004.
José Evangelista Fagundes
192
ANEXO C Roteiro da terceira entrevista individual com professores colaboradores
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA: A história local e seu lugar na História: um estudo sobre a
história ensinada no município de Ceará-Mirim
PESQUISADOR: José Evangelista Fagundes
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Inês Sucupira Stamatto
ETAPA EM DESENVOLVIMENTO: III entrevista individual com os professores-
colaboradores
Caro Professor:
Tendo em vista a necessidade de novas informações ou até mesmo de melhor
esclarecer alguns pontos explorados em entrevistas anteriores, estamos nos dirigindo mais
uma vez a você, formalmente. Nesta terceira entrevista, gostaríamos de sua colaboração,
discorrendo sobre as questões a seguir:
Sobre a formação inicial: da escola básica à pós-graduação
1. Escola Básica (se em instituição pública ou privada, no município de Ceará-Mirim ou
em outros):
2. Ensino Fundamental (se em instituição pública ou privada, no município de Ceará-
Mirim ou em outros):
3. Ensino Médio (se em instituição pública ou privada, no município de Ceará-Mirim ou
em outros):
4. Graduação (curso, período, identificação da instituição, expectativas criadas
inicialmente – o que buscava em um curso de nível superior):
5. Pós-Graduação (justifique o interesse pela pós, a instituição escolhida, avaliação –
correspondeu às expectativas?):
Sobre a formação continuada
6. As atividades e eventos de formação dos quais tem participado:
193
Sobre a condição de professor
7. O exercício profissional: ano de conclusão da graduação em história, tempo que atua
como docente, tipos de escolas onde trabalha (se privada ou pública – neste caso, se
estadual ou municipal), níveis de ensino em que atua (educação infantil, fundamental,
médio), turnos de trabalho:
8. Localização das escolas em que trabalha (só em escolas do município de Ceará-
Mirim? Da área rural ou urbana?):
9. Sobre a forma de ingresso na escola (concursado, convidado, etc):
10. Carga horária total de trabalho por semana:
11. Como se sente com a profissão que exerce:
12. O que gostaria de mudar com relação às condições de trabalho:
13. O que desejaria que permanecesse:
Sobre proposta curricular e proposta pedagógica
14. Se as escolas onde trabalha adotam propostas curriculares elaboradas por elas mesmas
ou por outras instituições, ano de sua implementação e se são levadas em consideração
na seleção dos conteúdos e no planejamento das atividades:
15. Se existe proposta pedagógica nas escolas onde trabalha:
Sobre livro didático
16. Se o livro didático adotado é uma escolha do professor ou de terceiros (nesse caso, de
quem?):
17. Os últimos livros didáticos (títulos dos livros, autores e ano de publicação) adotados
em turmas de 5ª à 8ª:
Outras opiniões que você gostaria de expressar acerca das questões acima
Muito obrigado.
Ceará-Mirim, 28 de dezembro de 2005.
José Evangelista Fagundes
194
ANEXO D Questionário sobre o Ensino de História
PESQUISA SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA *
Público Participante: alunos do Curso de História da Universidade Potiguar, tunnas A e B de 2000
(Realizada de O 1 a 02 de agosto de 2002)
1. Nome do (a) entrevistado (a):_________________________________________________
2. Município(s) em que trabalha: ________________________________________________
3. Nome da (s) Escola (s): ______________________________________________________
4. Você trabalha com História no Ensino Fundamental? Sim ( ) Não ( )
5. Resumidamente, cite o conteúdo que você trabalha de acordo com as séries a seguir:
5ª Série:____________________________________________________________________
6ª Série:____________________________________________________________________
7ª Série:____________________________________________________________________
8ª Série:____________________________________________________________________
6. Trabalha com a história do Município ou da Região onde a Escola está localizada?
Sim ( ) Não ( )
7. Se afirmativo, cite o conteúdo que você trabalha de acordo com as séries:
5ª Série:____________________________________________________________________
6ª Série:____________________________________________________________________
7ª Série:____________________________________________________________________
8ª Série:____________________________________________________________________
8. Se negativo, justifique. ______________________________________________________
9. Conhece professor (a) de História do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio, no Município onde
você trabalha, que inclui a história do Município ou da Região em suas atividades? Sim ( ) Não ( )
10. Caso a resposta seja afirmativa, em que nível de ensino? Fundamental ( ) Médio ( )
Em ambos ( )
11. Nome do professor que trabalha e que inclui a história do Município ou da Região em suas
atividades: _________________________________ Município em que leciona: _________________
Informações adicionais:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
*Estas questões fazem parte de um trabalho inicial de pesquisa sobre o ensino de História
desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, cujo titular é José Evangelista Fagundes. As informações serão usadas exclusivamente com
finalidades acadêmicas e serão consideradas em seu conjunto ou em partes, sem a utilização pública
do nome dos entrevistados.
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