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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A FÁBRICA DE PROFESSORES
E A PADRONIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
MARGARETE FERREIRA DO VALE DE SOUSA
NATAL
2006
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MARGARETE FERREIRA DO VALE DE SOUSA
A FÁBRICA DE PROFESSORES
E A PADRONIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
Tese apresentada como requisito final para a
obtenção do título de doutora em educação,
pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Orientador: Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira.
NATAL
2006
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Sousa, Margarete Ferreira do Vale de.
A fábrica de professores e a padronização do conhecimento / Margarete Ferreira do Vale de
Sousa. – Natal, 2005.
166 f. il.
Orientador: Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira.
Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Educação – Tese. 2. Professor – Tese. 3. Pesquisa autobiográfica - Tese. 4. Ensino
Fundamental - Tese. 5. Programa de Formação de Alfabetizadores - Tese I. Ferreira, Adir Luiz. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 371.13 (81)
4
MARGARETE FERREIRA DO VALE DE SOUSA
A Fábrica de Professores e a Padronização do Conhecimento
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira – Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira (UFRN) – Titular Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________________________
Profª Drª Maria Conceição Xavier de Almeida – Titular Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________________________
Profª Drª Magna França – Suplente Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo – Titular Externo
Universidade Federal da Bahia
__________________________________________________________________
Profª Drª Márcia Ângela da Silva Aguiar – Titular Externo
Universidade Federal de Pernambuco
__________________________________________________________________
Profª Drª Patrícia Whebber Souza de Oliveira – Suplente Externo
Universidade Potiguar
Natal, 02 de março de 2006.
5
Este trabalho é dedicado aos meus pais, José
e Albaniza, aos meus irmãos, Miguel e
Izabela e ao meu esposo Rômulo que sempre
acreditaram em mim.
6
AGRADECIMENTOS
Durante a longa e tortuosa jornada deste trabalho tive o
apoio indispensável do meu orientador, o Prof. Adir, que jamais me
deixou desistir quando tantas vezes fraquejei.
Não posso deixar de agradecer a todos os meus amigos, aos
quais não conseguiria citar nominalmente todos, mas que estiveram ao
meu lado e colaboraram de forma direta ou indireta, fosse com apoio
moral ou conselhos pertinentes.
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RESUMO
Esse trabalho trata do tema geral da construção da carreira docente, desde o
período da formação inicial no curso de licenciatura em pedagogia, passando
pelas primeiras experiências efetivas de desempenho profissional, até a reflexão
sobre os resultados das propostas de formação continuada. A temática específica
é a do cotidiano formativo na vida dos professores além dos estereótipos
tradicionais sobre indivíduos e instituições, trazendo à discussão uma abordagem
micro-sociológica sobre as incertezas profissionais e as esperanças pessoais, os
descontentamentos docentes e as satisfações pedagógicas. A reflexão
epistemológica sobre as diferentes experiências formativas, tomando como
exemplo o Programa de Formação de Alfabetizadores (PROFA) desenvolvido
pela Secretaria Municipal de Educação de Natal-RN, discute a tensão ambígua
entre os conhecimentos que o professor adquire na sua formação e as práticas
docentes concretas a partir dessas experiências. A metodologia do estudo
baseou-se na pesquisa qualitativa compreensiva, amparada em observações, em
relatos impressionistas e reflexivos, assim como em análises teóricas com
referências contemporâneas ao pensamento da pedagogia crítica e da sociologia
da educação. Utilizei o formato de uma narrativa autobiográfica reflexiva da
pesquisadora-autora em seu próprio trajeto acadêmico e profissional. Propus a
imagem da fábrica de professores, tanto pelos seus aspectos de conformismo aos
padrões de continuidade quanto às contradições internas do sistema.
Engrenagens, peças e manuais de instrução são os componentes educacionais
dessa fábrica, como estruturas ideológicas, institucionais e técnicas, que visam
limitar as críticas e as mudanças. Todavia, os professores pensam e atuam com
criatividade própria para adaptar conhecimentos profissionais descontextualizados
para as suas vivências pedagógicas. Com essas analogias proponho o problema
desta pesquisa – a formação de professores e suas práticas docentes – e
também examinar brevemente o lastro teórico-filosófico e metodológico que a
ampara. A partir da análise e interpretação da própria vivência como formadora de
professores, coloco a necessidade de se repensar a formação de professores de
maneira a repercutir mais significativamente na sua atuação docente. Acredito
que um componente importante do processo de formação do professor é o desejo
pessoal de aprender mais sobre seu ofício, explicitamente ligado a convicções e
valores humanos assim como a uma identidade profissional positiva. Assim, o
professor capaz em refletir sobre a sua própria vida de educador, pode encontrar
o melhor modo de ajudar os alunos a pensarem criticamente sobre a sua cultura e
a sua história, eles próprios valorizando saídas criativas diante dos padrões
conformistas da sociedade ligados à educação escolar.
Palavras-Chave: Pesquisa autobiográfica. Formação Docente. Cotidiano de
Professores. Ensino Fundamental. Programa de Formação de Alfabetizadores –
PROFA.
9
ABSTRACT
This paper concern the general subject of teacher career construction, since the
period of the initial formation in the teaching course of pedagogy crossing the first
effectives experiences of professional performance, until the reflections about the
results of the continuous formation propositions. The specifics subject is the
formative quotidian in the teacher’s life beyond of the traditional stereotypes about
individuals and institutions bring up for discussion a micro sociological approach
about the professionals uncertainty and the personal hopes, the teacher
displeasures and the pedagogical satisfactions. The epistemological reflection
about the different formatives experiences, taking as example the Programa de
Formação de Alfabetizadores – PROFA (Alphabetizers Formation Program)
developed by the Secretaria Municipal de Educação of Natal City, consider the
ambiguous tension between the knowledge that the teachers acquire in their
formation and the concrete teachers practical since those experiences. The study
methodology is based in the qualitative comprehensive research, sustained by
observations, impressive reflective accounts, and also in the theoretic analyses
with contemporary references to the critical pedagogical through and education
sociology. I used the autobiographic reflective account by the writer-researcher in
her owner academic and professional way. I propose an image of a teacher’s
factory in such a way for its conformist aspects to the continuity stands as much
the internal contradictions of the system. Gears, pieces and manual instructions
are the educational components of this factory as ideological, institutional and
technical structures to aim at to limit the critics and the changes. However the
teachers thinking and acting with their owner creativity to adapted uncontexted
professional knowledge’s to their pedagogical lives. Under those analogies I
propose the problem of this research – the teacher’s formation and theirs
pedagogical practices- and also examine briefly its theoretic-philosophical and
methodological basis. From the analysis and interpretation of my owner
experiential life as teacher’s educator I put the necessity of re-thinking the
teacher’s formation in terms to rebound more meaningfully in their pedagogical
actuation. I believe an important part of the teacher’s formation process is the
personal wish to learn more about the office, explicitly connected to human
convictions and values such as to a positive professional identity. Thus, the
teacher able to reflect about your owner educator life can find the best way to help
the students to think critically about their culture and history, valorizing creative
exits by themselves to face the conformist social stands connected with school
education.
Keys-Words: Autobiographic research. Pedagogical Formation. Teacher’s
cotidian. Public School. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –
PROFA.
10
RESUME
Cette étude concerne le thème général de la carrière d’enseignant depuis la
période formation initiale au cours de licence en pédagogie en passant par les
premières expériences effectives de performance professionnelle jusqu’à la
réflexion sur les résultats des propositions de formation continue. La thématique
spécifique est celle du quotidien formatif dans la vie des enseignants au-delà des
stéréotypes traditionnels sur individus et institutions, apportant à la discussion un
approche microsociologique sur les incertitudes professionnelles et les espoirs
personnels, les mécontentements enseignants et les satisfactions pédagogiques.
La réflexion épistémologique sur les différentes expériences formatives prenant
comme exemple le Programa de Formação de Alfabetizadores – PROFA
(Programme de Formation d’Alphabétisateurs) développé par la Secretaria
Municial de Educação de Natal, débat la tension ambiguë entre les connaissances
qui l’enseignant acquiert dans la formation et les pratiques enseignantes
concrètes à partir de celles-ci. La méthodologie de l’étude s’est basée sur la
recherche qualitative compréhensive soutenue sur des observations, sur de récits
impressionnistes et réflexives, aussi bien que sur des analyses théoriques avec
des références contemporaines à la pensée de la pédagogie critique et à la
sociologies de l’éducation. J’ai utilisée le format d’un récit autobiographique réflexif
de la cherchere-auteure sur son propre trajet académique et professionnel. J’ai
proposé l’image de la fabrique d’enseignants, soit par ses aspects de
conformisme aux modèles de continuité soit aux contradictions internes du
système. Rouages, pièces et manuels d’instructions sont les composants de cette
fabrique comme des structures idéologiques, institutionnelles et techniques, qui
visent limiter les critiques et les changements. Néanmoins les enseignants
pensent et agissent avec créativité propre pour adapter des connaissances
professionnelles décontextualisées pour leurs vies pédagogiques. Avec ces
analogies, je propose le problème de cette recherche - la formation des
enseignants et leurs pratiques - et aussi examiner brièveté la base thórique-
philosofique et méthodologique que la soutient. A partir de l’analyse et
interprétation de la propre vie comme formatrice d’enseignants, je pose la
nécessité de repenser la formation d’enseignants de manière à répercuter avec
plus de signification sur leurs performances enseignante. Je croît qu’une
composante importante du processus de formation de l’enseignant est la volonté
personnelle d'apprendre davantage sur son office, explicitement lié aux
convictions et valeurs humains aussi qu’à une identité professionnelle positive.
Ainsi, l’enseignant capable de réfléchir sur sa propre vie d’éducateur peut
rencontrer la meilleure manière d’aider les étudiants à penser critiquent sur leur
propre culture et son histoire, eux-mêmes valorisant des sorties créatives face aux
modèles conformistes de la société attachés à l’éducation scolaire.
Mots-Clés : Recherche autobiographique. Formation d’Enseignant. Quotidien des
enseignants. Enseignement Public. Programa de Formação de Alfabetizadores –
PROFA.
11
SUMÁRIO
Esbarrando nas engrenagens ........................................................
.
... 12
Qual é o problema? ........................................................................
.
... 23
Percorrendo um trajeto sinuoso .....................................................
.
... 34
Padronização e produtividade do conhecimento............................
.
.
... 46
Onde está o manual de instruções? ..............................................
.
.
... 52
Virando ao avesso .........................................................................
.
... 81
Desmontando peças ......................................................................
.
.
..103
Recompondo conhecimentos .........................................................
.
. 127
Um final para recomeçar ................................................................
.
..150
Referências ....................................................................................
.
..153
Apêndice ........................................................................................
.
. 155
Errata
167
ESBARRANDO NAS ENGRENAGENS
Romper os ferrolhos do modelo cartesiano de
pesquisa requer inúmeros mergulhos, mortes e
ressurreições. Caças não autorizadas. Vindas e
idas. Vivências corporais do que é efêmero.
Requer, ainda, assumir que nossos objetos de
estudo são tão somente criações subjetivas.
Necessidades e desejos pessoais. Não existem
fora de nós mas junto a nós. Em essência, somos
parte do próprio tema estudado. Com tudo que ele
tem de bom e ruim.
(Carlos Eduardo Ferraço)
A realidade não é mecânica, mas ainda assim insistimos
teimosamente em organizar a vida, a sociedade e o conhecimento
copiando o modelo de uma máquina. Às vezes nem percebemos
isso... Dói reconhecer, dói aprender. Somente vislumbrando a idéia de
que os resultados podem ser diferentes e as barreiras transpostas é
que superamos esse sofrimento.
Esbarrando nas engrenagens de uma máquina maluca
descubro, assim, as dificuldades de um percurso pouco convencional.
13
Nessa analogia proponho situar o problema desta pesquisa – a
formação de professores e suas práticas docentes – e discutir o lastro
teórico-metodológico que a ampara. Utilizo o formato de uma narrativa
autobiográfica e reflexiva da pesquisadora-autora em seu trajeto
acadêmico e profissional.
O tom irônico, provocativo e, talvez, irreverente é uma
forma de chamar atenção para o quanto a nossa cultura acadêmica
está impregnada por rituais típicos de um pensamento
exageradamente puritano, cartesiano, positivista, mecanicista e
alienante. Muitos desses ritos são desnecessários e acabam
engessando a criatividade e padronizando o conhecimento, inclusive
quanto à validação da pesquisa em educação.
Uma concepção teórico-metodológica mais atualizada, que
aos poucos vem se afirmando no meio acadêmico local, é a
etnopesquisa crítica e multirreferencial. Trata-se de uma possibilidade
diferenciada de pesquisa para as Ciências Humanas e a Educação,
orientada por uma reflexão epistemológica mais adequada à
compreensão dos fenômenos sociais, uma vez que, como explica
MACEDO (2000, p. 35), é sensível à subjetividade humana e às
interações sociais em oposição a “[...] teoria que se quer verdade
14
única, perversa prática de pensar a realidade nossa de cada dia –
incluindo a do outro – fora de suas perspectivas”.
As pesquisas educacionais inspiradas na etnometodologia
e em análises microssociais privilegiam as narrativas e vivências dos
atores escolares situadas no cotidiano das práticas pedagógicas. São
de especial relevância na compreensão dos fenômenos educativos,
pois trazem à tona questões tradicionalmente pouco debatidas nas
abordagens macrossociais. Nas últimas décadas têm-se observado
um número crescente de pesquisas orientadas pelos princípios dessa
abordagem metodológica, é o caso, por exemplo, dos trabalhos de
Alain Coulon – Etnometodologia e educação, Nilda Alves – Pesquisa
no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes, Antonio Nóvoa –
Profissão professor, entre outros.
Entretanto, a lógica ainda dominante em nossas
universidades sobre o fazer da pesquisa e ciência são similares ao
processo produtivo de uma indústria: compartimentalizando,
especializando, fragmentando, reproduzindo, alienando,
despersonificando, removendo vida e sentimentos, desumanizando.
As questões mais importantes enfrentadas pelas ciências
humanas e pela educação superior em geral são morais e políticas,
de acordo com Giroux (1999, p. 114)
15
O que está em jogo aqui não é simplesmente a questão
do mau ensino, mas a recusa mais ampla em levar a
sério as categorias de significado, experiência e voz
que os alunos usam para extrair sentido deles próprios
e do mundo que os cerca. E é nessa recusa em
capacitar a fala para aqueles que têm silenciado, para
reconhecer as vozes do outro e para legitimar e
reivindicar a experiência do aluno como categoria
fundamental na produção de conhecimento que o
caráter do discurso dominante atual sobre o cânone
revela sua ideologia totalitária e não-democrática.
A crítica de Giroux (1999) é um repúdio à celebração da
uniformidade cultural e da visão rígida de autoridade, em que as
universidades e demais instituições de ensino têm defendido e
limitado o currículo a uma versão patriarcal e eurocêntrica.
Essa lógica comunica uma ideologia neoconservadora
excludente, pois na medida em que não contempla a pluralidade
cultural e a subjetividade humana em diferentes contextos histórico-
sociais e educativos ela dificulta o processo de ensino-aprendizagem,
impondo freqüentemente às classes populares a resignação e
aceitação de sua condição desfavorável. A suposta incapacidade
intelectual desses alunos é certificada pelas instituições de ensino e
pesquisa, desde a educação básica, aparecendo estampada nos altos
índices de desperdício (reprovação e abandono). Essa incapacidade,
ou mesmo o alegado desinteresse do aluno, torna-se uma desculpa
16
freqüente para justificar a exclusão e a desigualdade social, como
também, para mascarar os preconceitos étnicos, estéticos, sexuais,
religiosos reproduzidos no cenário escolar.
É óbvio que tais considerações não poderiam deixar de
repercutir nas metodologias de pesquisa em educação, uma vez que
a defesa por um currículo mais crítico passa a valorizar, dentre outras
coisas, as narrativas dos alunos a partir de suas próprias
experiências. Nesse sentido, Giroux (1999) sinaliza que o objetivo
principal é ajudá-los a localizarem-se na história e agirem de modo a
criar formas sociais liberatórias que possam expandir as
possibilidades da vida pública e democrática.
A pesquisa em educação não deve ser pensada de
maneira linear, nem sob a perspectiva de fenômeno causa/efeito se a
entendemos em sua dimensão político-pedagógica. Portanto, é
necessário pensar dialeticamente para compreender e transformar o
ensino, como nos orientam Sacristán e Gómez (1998, p. 14).
[...] o processo de socialização das novas gerações
nem é tão simples, nem pode ser caracterizado de
modo linear e mecânico, nem na sociedade, nem na
escola. A tendência conservadora lógica, presente em
toda comunidade social para reproduzir os
comportamentos, os valores, as idéias, as instituições,
os artefatos e as relações que são úteis para a própria
existência do grupo humano, choca-se inevitavelmente
com a tendência, também lógica, que busca modificar
17
os caracteres desta formação que se mostram
especialmente desfavoráveis para alguns dos
indivíduos ou grupos que compõem o complexo e
conflitante tecido social. [...] Dentro deste complexo e
dialético processo de socialização que a escola cumpre
nas sociedades contemporânea, é necessário
aprofundar a análise para compreender quais são os
objetivos explícitos ou latentes do processo de
socialização e mediante que mecanismos e
procedimentos ocorrem.
Inspirada nessas instigantes reflexões tentarei coordenar
as idéias em dois aspectos que considero relevantes para
desenvolvimento deste trabalho:
- A formação do professor é um processo complexo que requer
um diálogo ininterrupto entre a teoria e a prática e entre o político e o
pedagógico;
- As relações político-pedagógicas observadas no processo de
formação do professor se manifestam de maneira ambígua e revelam
um conflito de paradigmas. Em geral, o currículo da formação do
professor não propicia o vivenciar de uma aprendizagem significativa
dentro de uma abordagem sócio-crítica e mediadora, mas determina
que os professores cursistas devam adotá-la no exercício de sua
docência.
Acredito, portanto, que é necessário enfatizar a formação
do professor como um processo contínuo e tensionado por avanços,
reflexões, rupturas, incertezas, desconstruções e reconstruções, que
18
requer um esforço pessoal perseverante em busca de um diálogo
ininterrupto entre teoria e prática. Considero esse diálogo fundamental
para uma análise compreensiva do fenômeno educativo e elemento
essencial para um currículo escolar mais dinâmico e democrático. Isso
significa contestar o modelo que padroniza procedimentos e
resultados sem considerar os atores do processo educativo e o
contexto que os cerca.
Nasce daí o interesse em refletir o problema a partir do
meu próprio processo de formação e as minhas primeiras
experiências docentes. Estar simultaneamente na posição de
pesquisadora e sujeito da pesquisa é uma tarefa difícil pela exposição
e vulnerabilidade que a situação me coloca. Por outro lado, tem sido
um grande e instigante desafio tentar desviar-me das trilhas de um
conhecimento cimentado, preferindo aventurar-me no contra fluxo ou
caminhar à margem da costumeira metodologia de pesquisa
acadêmica, que considero limitante e às vezes perversa para com a
criatividade ou o dissenso.
Inúmeras vezes minha motivação foi abalada pela crítica
ou medo da crítica, porém, cada vez mais me convenço de que para
construir conhecimentos é preciso descontruir-se, assumir riscos e
vivenciar muito mais a riqueza do processo do que contemplar o
19
produto. É necessário compreender que esses conhecimentos
construídos são sempre relativos e parciais em função de um contexto
específico. São provisórios em função da dinâmica da vida dos
sujeitos em constante interação com o mundo e com os outros.
A reflexão crítica exigiu desviar-me de regras ou fórmulas
e vagar curiosamente por caminhos encantadores, às vezes sombrios
e inquietantes, mas definitivamente inéditos e mesmo transgressores.
Como lembra Morin (1998, p. 258):
A lógica não pode fechar-se sobre si mesma e se
quebra ao encapsular-se a vácuo na formalização. A
lógica não é um fundamento absoluto e não tem
fundamento absoluto; trata-se de uma aparelhagem a
serviço do componente analítico do pensamento, não
de uma máquina infalível capaz de guiar o
pensamento. [...] O pensamento, evidentemente, tem
regras, mas qualquer regra só pode subsistir pelas
exceções e desenvolver-se pelas suas transgressões.
Certamente existe a necessidade de mapear o percurso
para que outros possam interagir e garantir a validade social desse
conhecimento produzido. Construir um bom mapa exige do
pesquisador a capacidade de articular, dimensionar e relativizar suas
análises, sem fracioná-las. Exige seriedade e rigor e ao mesmo tempo
flexibilidade. Uma tarefa difícil e delicada diante das construções do
pensamento e da linguagem escrita. Esse esforço se explica quando
20
compreendemos o quanto é formidável o acesso ao conhecimento
historicamente construído, e seria terrível se a humanidade não o
houvesse acumulado: de outra forma não teríamos alcançado o
desenvolvimento material e simbólico atual.
As metodologias focadas na racionalidade e rigidez técnica
sofrem bem menos com o problema da validade científica conferida
pelas universidades e agências de pesquisa, do que as metodologias
menos convencionais. Mas reflitamos: será que a validade científica
de uma pesquisa reside na aplicação formal de fórmulas exatas que já
não dão conta das demandas e incertezas do mundo contemporâneo?
Não seria mais produtivo cultivarmos uma maior disposição para
compreender essa realidade dinâmica e instável, que exige um
domínio da linguagem e disposição de pensar alternativamente, tanto
por parte do pesquisador como dos leitores interessados?
Obviamente não desprezo a valiosa contribuição das
metodologias mais tradicionais ou o rigor da pesquisa, tampouco o
conhecimento por elas construído. Acredito, no entanto, que o modo
de produzir ciência não se esgota em um ou outro modelo
metodológico e, portanto, caberia transgredir o ritual.
Qual o sentido de recortar assepticamente o objeto de
pesquisa, de rotular o tipo de pesquisa? Por que tornar-se prisioneiro
21
do método, executando cegamente, passo a passo, todas as etapas e
procedimentos de uma dada metodologia – pesquisa bibliográfica,
estudo de caso, etnografia, pesquisa-ação – para produzir um texto de
caráter científico que, porém, se furta da criatividade e se aprisiona
em sólidas certezas? Em um mesmo tempo/espaço vivido são
múltiplas as análises possíveis, porque validar apenas algumas?
Sempre há um outro olhar ou outros olhares, uma ou
outras maneiras de sentir, pegar, ouvir, cheirar que podem sugerir
outras interpretações acerca de um mesmo objeto. Afinal, os sentidos
são meios de apreensão da realidade e de construção de significados,
conhecimentos, idéias e valores. As diferentes possibilidades de se
relacionar com o meio e com os outros justifica a necessidade de
enfrentar o desconhecido. Sobre isso, escreve Azevedo (2002, p. 60):
O pensamento monolítico impede que se conheça. É
preciso sair dele e deixar que as pessoas e as relações
apareçam como desconhecidas e ir seguindo as pistas,
os fios, ir identificando as redes, dar permissão à
própria percepção, à própria intuição. O que nos parece
familiar não é necessariamente conhecido.
Questiono a pesquisa acadêmica cartesiana, positivista,
porque penso ser esse um modo de impedir que o pesquisador
divague por sendas sinuosas, ou desvie-se do caminho inicialmente
22
proposto por ele mesmo, tornando o trabalho de pesquisa algo linear,
previsível e monótono.
Freqüentemente as situações do mundo real, e também da
escola, são problemáticas de várias formas ao mesmo tempo. E
finalizando, “o entendimento desses aspectos singulares e diversos
das situações reais da vida cotidiana requer outros tipos de pesquisa”
(Oliveira,2002, p. 40).
Essa postura não significa abrir mão do necessário rigor
que qualquer trabalho científico necessita. Defende, porém, que o
pesquisador das Ciências Humanas e Sociais deve afinar seu olhar e
a sua sensibilidade para compreender a realidade, incentivando sua
liberdade de pensamento e julgamento.
QUAL É O PROBLEMA?
A ciência tornou-se cada vez mais
produtora/produto de uma dinâmica técnico-
científica, sendo ela própria cada vez mais
produtora/produto da dinâmica sócio-histórica.
(Edgar Morin)
De posse de uma fórmula quase mágica, conhecida na
pós-graduação pelo termo genérico de pesquisa qualitativa, o nosso
pesquisador acadêmico padrão cumpre rigorosamente várias etapas
para obter um título de mestre ou doutor. Entretanto, prevalecem as
orientações metodológicas excessivamente reducionistas, no que se
refere à delimitação do objeto de estudo, mesmo quando o projeto da
pesquisa ainda está começando a ser elaborado.
Progressivamente, acentua-se um conflito de paradigmas
entre o sentir, o pensar e o agir na pesquisa em educação.
24
Comumente são evitadas as situações em que o
pesquisador discente se exponha ao erro, não se apresentam
desafios para que ele possa reconstruir suas hipóteses.
Aceitar essa domesticação e desistir dos desafios ainda
parece o caminho mais fácil e promissor para quem está apenas
começando a fazer pesquisa, e em geral é uma estratégia eficiente
para a obtenção o tão cobiçado diploma. E assim começa uma
interminável ladainha de sofrimento e angústia.
Primeiro, vai à procura de um objeto de pesquisa, revisa
obras e autores, se interessa por algo e se entusiasma, acha que
encontrou um bom objeto de pesquisa. Revisa mais obras e autores e
começa a se estressar, pois agora deverá repetir tudo que eles já
disseram, e irá delimitar e descrever exaustivamente sobre o campo
de pesquisa.
Leva as primeiras páginas para serem examinadas pelo
orientador, percebe que seu precioso escrito precisa ser bastante
aperfeiçoado e seu objeto de estudo melhor delimitado; então se
estressa.
Recorta, recorta e recorta o objeto de estudo, se estressa
e resolve escolher outro. Ao chegar novamente nessa etapa percebe
que sempre vai se estressar e ficar insatisfeito se quiser atender às
25
exigências acadêmicas. Contrariado, acomoda-se e novamente
recorta, recorta e recorta o objeto de estudo até se tornar algo
minúsculo, quase microscópico.
Em seguida, expõe seu trabalho em seminário e ouve um
monte de opiniões que lhe confundem. Se estressa. Controla
variáveis, elabora e aplica questionários, entrevistas, recolhe
documentos. Se estressa. Percebe que coletou o dobro ou até o triplo
do que precisava. Se estressa. Seleciona e organiza os dados. Se
estressa.
Expõe novamente seu trabalho e ouve mais outro monte
de sugestões que lhe confundem um pouco mais. Se estressa. Senta
para analisar os dados às pressas, pois o cronograma da pesquisa
está atrasado. Se estressa.
Come demais ou passa fome, às vezes chora, faz vigílias,
volta a escrever, travam as idéias, mas finalmente responde à questão
previamente respondida na revisão bibliográfica. Se estressa. Dá os
arremates do trabalho escrito e apresenta para a banca de defesa.
Mais estresse. Afinal esse pesquisador padrão é uma eterna vítima do
estresse.
Essa ladainha testemunha o calvário de muitos colegas
meus. Penso na situação com profundo desgosto, sinto o sadismo
26
pedagógico prevalecer e minar o potencial de tantos talentos em
nome de uma pretensa aristocracia científica.
A despeito do apoio sempre generoso e advertências que
recebi do meu orientador e de alguns outros professores, minha
contaminação foi inevitável. Não foram necessárias muitas
experiências pessoais nesse ambiente acadêmico hostil da pós-
graduação para sentir-me enojada e deprimida.
Hoje me sinto fortalecida e percebo que novos horizontes
começam a se pronunciar nesse cenário, na medida em que as
abordagens de pesquisa participante e colaborativa vão ganhando
espaço no meio acadêmico. Infelizmente essa mentalidade perniciosa,
que devasta as forças dos desavisados com seu discurso pseudo-
humanista, me rendeu algumas doloridas cicatrizes.
As conseqüências desse modelo limitante de pesquisa são
comentadas por Macedo (2000, p. 42), ao explicar de forma bastante
clara que a ciência inspirada na filosofia positivista exorcizou os sabores e
saberes inerentes à vida do conhecimento científico, acrescentando que:
Vista assim, a cientificidade passa a ser uma
linguagem que marcha para um norte que se quer dado
e que, a despeito da subjetividade e da subjetivação
incontornáveis, força o olhar para um horizonte tão
estéril quanto desencantador, porque minado de rigidez
e pelo medo da transgressão intelectual.
27
Apesar do rito doloroso, parece bem mais cômodo e
inteligente adaptar-se a ele do que desafiar regras e desbravar
caminhos sinuosos, exercitar a reflexão e poder tecer redes de idéias,
articular diferentes análises.
Normalmente o pesquisador se sente à vontade para
vasculhar locais, objetos, materiais, documentos, comportamentos e
depoimentos de sujeitos e grupos, e assim por diante. Mesmo no caso
da pesquisa participante o pesquisador aparentemente não deveria
sofrer tanto para expor as situações observadas, exprimir opiniões e
analisar dados do ambiente com o qual ele se envolve, pois os dados
em foco se referem aos outros sujeitos, ainda que a sistematização
dos dados reflita a subjetividade do pesquisador.
Sempre tive dificuldade para digerir esse modelo
metodológico de pesquisa acadêmica. Constantemente me questiono
se há nele uma base epistemológica coerente e satisfatória com as
preocupações e necessidades de uma educação crítica e
emancipatória.
Sabe-se que o cotidiano da escola deve ser compreendido
a partir das relações que os sujeitos travam entre si e da forma como
são estabelecidas essas relações no âmbito educativo. Ao
28
pesquisador externo e distanciado do cotidiano da escola escapa a
alma das convivências.
O esforço predominante de amarrar e recortar o objeto de
estudo parece petrificar a capacidade criativa e expansiva desse tipo
de pesquisador. As análises parecem excessivamente categóricas.
Os binômios do tipo indivíduo/sociedade, teoria/prática,
objetividade/subjetividade, macroestrutura/microestrutura não são
dialeticamente compreendidos, uma vez que são pensados em termos
de bipolaridade e presos num esquema de racionalidade reducionista.
É como se não fosse possível perceber os tons de cinza entre o
branco e o preto.
Há uma tendência de se fixar essas análises em
generalizações abstratas ou particularizações descontextualizadas,
quase sempre incoerentes com o próprio propósito da pesquisa.
Nesse sentido Kramer (2002, p. 104 -108) comenta
Perseguindo a objetividade, o empirismo coloca os
agentes entre parênteses, ao pretender aplicar o
método experimental retirado das ciências naturais,
enquanto a hermenêutica entende que a realidade
humana só pode ser apreendida na sua produção. [...]
Só consigo pensar num professor como construtor do
saber se esse saber é visto como prenhe de cultura; se
é um saber humano, em que temas como os direitos
humanos, os preconceitos, o prazer, o desejo, a
paixão, a imaginação, o sonho e o processo criador
têm tanta importância quanto os conhecimentos
científicos.
29
Recusei seguir um manual com receitas de pesquisa: isso
já me fez logo de início esbarrar nas engrenagens dessa máquina
maluca de fazer professores e produzir conhecimento. Optei por usar
uma lente diferente para examinar a formação de professores,
busquei uma lente que me possibilitasse dialogar abertamente com
teorias e práticas pedagógicas de forma criativa. Percebi que em
minha própria história poderia discutir a formação do professor no
contexto da Rede Municipal de Ensino de Natal e da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Inquieta, curiosa, pretensiosa e às vezes até intrometida,
não consegui me enquadrar aos formatos acadêmicos tradicionais.
Precisei usar esses traços difíceis de comportamento a favor da
pesquisa. Assumi como desafio enfrentar o duplo papel de
pesquisadora e pesquisada, pois evidenciando minhas idéias,
experiências, medos e equívocos me ponho em posição frágil, fico
mais exposta às contestações e críticas de toda espécie.
A leitura sobre pesquisa e formação de professores me ajudou
a optar por uma metodologia mais flexível, em que Shön (2000) destaca o
processo da reflexão-na-ação como um tipo de experimentação, situando
o problema da pesquisa em zonas indeterminadas da prática que
30
escapam aos cânones da racionalidade técnica, dando lugar à incerteza, à
singularidade e aos conflitos de valores.
Entretanto, convivemos com a ambigüidade, ainda que de
forma inconsciente, e é necessário assumir essa possibilidade para
este trabalho. Reconheço-me como fruto de uma geração que vive um
conflito de paradigmas, e é nesse sentido que compreendo a reflexão
proposta por Morin (1998, p. 117)
Eis novamente o problema permanente ao qual levou a
nossa investigação: poderão as nossas idéias escapar,
não somente ao egocentrismo pessoal, mas também
ao sócio-etno-crono-centrismo que nos encerra numa
sociedade e num tempo? Podem elas escapar ao
imprinting parcial, particular e partidário imposto por
toda cultura? Podem elas escapar aos modelos
explicativos e aos princípios iniciais que governam de
maneira oculta e decisiva todo conhecimento?
Organizar as idéias e os registros de campo acumulados
durante alguns anos foi uma tarefa perturbadora. Foi também
bastante difícil dar forma e sentido ao meu trabalho de pesquisa. A
observação participante, a pesquisa ação, a etnografia e a
etnometodologia me inspiraram, mas seguramente não me prendi a
nenhuma delas.
A escolha de uma espécie de pesquisa autobiográfica e
reflexiva me exigiu iniciar um estilo narrativo mais impressionista, com
31
uma linguagem mais fluida. Para me expor à investigação vou
colorindo o cenário com doses de ironia, metáforas, eventuais
discursos inflamados, apaixonados ou utópicos, típicos da minha
personalidade e do meu modo de compreender as coisas. As idéias e
impressões que fluem no texto não são respostas, mas sugestões a
serem discutidas com base em experiências do cotidiano das escolas
e das práticas de formação docente.
Ocupando uma multiplicidade e simultaneidade de
espaços em minha vida acadêmica e profissional, vou recortando
registros e remontando reflexões que indicam a necessidade de
buscar compreender a formação de professores dentro das exigências
da contemporaneidade, das relações cotidianas da escola e das
singularidades/individualidades que delineiam a vida de cada
professor.
Nesse sentido, o presente trabalho está esboçado na
narrativa reflexiva e autobiográfica da pesquisadora que descreve
suas experiências, doces e amargas, nas várias esferas. A pesquisa
educacional (desde 1993) como parte da formação acadêmica. O
exercício docente, atuando no ensino fundamental da rede pública
municipal de Natal como professora dos ciclos iniciais de
alfabetização (desde 2000). A atividade de formadora de professores
32
em serviço da rede municipal através do Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores – PROFA (desde 2001). A supervisão
técnica na Secretaria Municipal de Educação (desde 2001). A
docência no ensino superior como professora substituta na
Graduação do Curso de Pedagogia da UFRN (2002/2004) e no
convênio do Pró-básica para graduação em Pedagogia de professores
da rede pública dos municípios de Boa Saúde e Bom Jesus
(2001/2004). A docência em pós-graduação como professora em
curso de especialização para professores da EJA (2003), da rede
estadual de ensino.
Os relatos se preocupam em refletir sobre a construção
das competências profissionais do professor a partir da formação
inicial e continuada e as possibilidades/dificuldades de mudança na
práxis educativa.
Do que depende ser um bom professor? Como se forma
um bom professor? Como o contexto escolar, educacional, social,
histórico, político e econômico, as disposições pessoais, as
casualidades interferem na formação do professor?
Diante de tantas variáveis, quais as teorias, os conteúdos
e os métodos mais pertinentes com uma política de formação de
professores que defenda a melhoria do processo de aprendizagem?
33
Como formar educadores profissionais, indivíduos autônomos,
críticos, solidários, participativos, aptos a conviverem com as
demandas da contemporaneidade?
Dificilmente conseguiria responder a tantas inquietações,
porém, é possível descrever as contradições que emergem na
vivência desse processo de formação e delineamento de uma
professora. Sentir alegria e orgulho ao realizar um trabalho que
apresenta alguns resultados bastante positivos, apesar das precárias
condições do ensino público. Igualmente possível é o convite ao
debate e reflexão, que na troca de experiências ajudem a elucidar os
problemas que emergem no cotidiano escolar e na formação dos
professores.
Gosto de sonhar que poderemos romper, ainda que aos
poucos, com a idéia de padronização, que de tão incutida ao longo do
tempo até parece natural. Que poderemos negar o uso de fórmulas ou
receitas por compreender a escola como um espaço de vida, cultura e
conhecimento que está sempre em movimento e transformação.
PERCORRENDO UM TRAJETO SINUOSO
Nas idas e vindas,
incertezas,
aflições,
medos...
Aprendo a viver.
Embaraçada nas relações,
sensações,
instintos,
desejos...
Aprendo a amar.
Mergulhada no dia-a-dia
Nem percebo o quanto aprendo...
Mas paro e penso:
Por que existo?
1
(Margarete Sousa)
O trajeto desse trabalho começa com as minhas primeiras
aproximações em pesquisa, com as leituras e releituras de obras e
com a paixão crescente pela educação. A identificação imediata com
a corrente da Educação Crítica expressa nas obras de Paulo Freire,
Henry Giroux, Popkevitz, Kincheloe, Peter McLaren, Pierre Bourdieu,
1
. SOUSA, Margarete. Poema reflexivo composto a partir da releitura, em janeiro de 2005, de Pedagogia dos
sonhos possíveis de Paulo Freire.
35
Mariano Enguita, Perez Gomes, Gimeno Sacristan, Imbernón, Edgar
Morin e outros me inspirou a realizar inúmeras reflexões acerca
principalmente das práticas docentes e do cotidiano escolar.
Quanto mais as sociedades modernas se tornam
complexas tanto maior deveria ser a preocupação e os investimentos
em educação e formação de professores. Parece óbvio dizer isso,
mas a verdade é que o Brasil, a despeito do crescimento econômico
nas últimas décadas, apresenta índices vergonhosos de
analfabetismo, baixo rendimento escolar, reprovação e abandono.
Onde está a causa do problema? Muitas respostas já foram
esboçadas por diferentes correntes de pensamento pedagógico:
algumas apontaram para os métodos, outras para as deficiências do
aluno, para as estruturas sociais e nos últimos anos também têm se
apontado para as falhas na formação dos professores.
Certamente essa é uma pergunta que serve apenas de
estímulo à investigação, não cabe apurar uma resposta única ou
conclusiva, tampouco é a proposta deste trabalho. Mas, é a partir do
papel que a formação do professor tem na melhoria da educação que
me proponho a examinar quais efeitos ela exerce na atuação docente
dos professores.
36
A educação enquanto ato fundamentalmente humano,
histórico e político carrega consigo desejos, conflitos, incertezas,
esperanças e toda a sorte de sentimentos que não se racionaliza em
fórmulas. Enquanto expressão humana, cultural, histórica e política, a
educação também se manifesta em relações de poder, veladas ou
explícitas, que estruturam a sociedade.
Esse princípio, presente no campo da Pedagogia Crítica,
permeia toda esta pesquisa para reclamar uma tomada de
consciência e a busca de alternativas que ajudem a desvelar,
questionar e até subverter a ordem opressiva, dominadora,
massificadora e padronizante que estrangula a liberdade, a igualdade
e os direitos humanos de uma maioria em prol de uma minoria
detentora de poder.
Guiada por estas inquietações procuro desenvolver um
trabalho que discuta a formação inicial e continuada (ou em serviço)
dos professores. Busco compreender como os professores fazem uso
do conhecimento que adquirem em sua formação para exercer
cotidianamente a sua docência.
A abordagem desse problema vai ocorrendo a partir de um
diálogo estabelecido entre a teoria crítica da educação, as
experiências vividas e os registros reflexivos que venho produzindo ao
37
longo dos últimos dez anos de minha trajetória acadêmica e
profissional.
Os relatos autobiográficos estão baseados em uma
reflexão descritiva e impressionista, particular, porém contextualizada,
isto é, relacionada às experiências pessoais com a comunidade
docente e a sociedade.
Orientada nas abordagens da etnopesquisa para a
educação me esforço em fazer uma descrição densa e analítica,
destacando os diferentes papéis vivenciados: professora em cursos
de licenciatura, professora alfabetizadora, formadora em cursos de
formação continuada, supervisão pedagógica, pesquisadora. O
cenário da pesquisa envolve diferentes espaços: um conjunto de
escolas de ensino fundamental da rede pública municipal, a Secretaria
Municipal de Educação de Natal e a Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Apesar de caminhar em diferentes espaços e por um
período de tempo relativamente extenso para o recorte de uma
pesquisa, as reflexões se restringem a uma situação pontual, e
evidentemente é necessário cautela para com as eventuais
generalizações de possíveis respostas.
38
A idéia é abrir uma discussão sobre a formação do
professor e suas práticas docentes num contexto concreto e
específico, buscando compreender aspectos cotidianos que dão um
colorido diferente ao conhecimento teórico em ação.
Se não podemos pactuar com um princípio de educação
bancária, temos de admitir que o conhecimento mediado no processo
de ensino pelo professor é transformado e renovado pelo sujeito
aprendente; e isto é igualmente válido na formação de professores.
Cagliari (1998, p. 37) reforça essa idéia de aprendizagem como
processo criativo, quando diz:
Aprender não é repetir algo que foi ensinado, mas criar
algo semelhante, a partir da iniciativa individual de
quem aprende. [...] Aprendizagem é sempre um
processo construtivo na mente e nas ações do
indivíduo.
Na evolução da humanidade as grandes descobertas
partiram de situações desviantes, de novos modelos interpretativos. O
que me inquieta e impulsiona é o conflito de paradigmas que
permeiam o processo de formação inicial e continuada de
professores. Mesmo que admitamos a necessidade de uma
pedagogia em que a aprendizagem seja vista como um processo de
construção ativa do aluno e a educação como palco de luta política e
cultural, que o acesso ao conhecimento seja compreendido como um
39
direito de todos, nos descobrimos freqüentemente fazendo uso de
práticas docentes ideologizantes e contraditórias com esses
propósitos.
Essa ambigüidade revela o descompasso entre pensar e
agir na educação. É uma compreensão distorcida ou parcial do
significado da educação crítica e democrática, resultado de um
conflito ainda não superado de paradigmas – educação bancária x
educação histórico-crítica, por exemplo.
A partir das relações entre professor e alunos, segundo o
que tenho vivido e observado, é possível encontrar indícios desse
conflito de paradigmas. Vejamos dois casos comuns:
1º. O professor procura fazer uso de conteúdos e
atividades baseados numa abordagem de ensino-aprendizagem mais
ativa, mas acaba inibindo a participação dos alunos na execução e
socialização das atividades propostas porque se coloca na posição de
detentor do conhecimento. Logo, esse professor tem em sua prática
dificuldade na compreensão do que é conhecimento e de como ele é
construído no processo de ensino-aprendizagem.
2º. O professor procura fazer uso de conteúdos e
atividades baseados numa abordagem de ensino-aprendizagem mais
ativa, mas em nome da individualidade dos alunos e da valorização
40
dos conhecimentos prévios que eles apresentam acaba
empobrecendo o processo de ensino-aprendizagem, porque não
propôs aos alunos situações de desafio. Logo, esse professor não
está atento para o fato de que enquanto mediador ele precisa orientar
os alunos no processo de elaboração dos conhecimentos, para que
eles possam avançar em níveis mais amplos de compreensão.
Assim também, o currículo da formação de professores,
seja na formação inicial ou continuada, espelha esse conflito de
paradigmas. Quando elaboramos os programas das disciplinas das
licenciaturas e cursos de formação contemplamos, em geral, o uso de
uma bibliografia que possibilita aos graduandos e professores
cursistas uma discussão crítica da educação. São textos que chamam
a atenção para a necessidade das escolas desenvolverem um
currículo em prol da formação de indivíduos habilitados a exercerem
mais autonomamente sua participação social e política.
Porém, algo grave acontece: não utilizamos uma
metodologia de ensino que permita aos professores em formação
pensarem na transposição didática desses ensinamentos. Assim, eles
aprendem muito bem o discurso, como eu aprendi, mas vão repetir o
modelo didático familiar tradicional que o seu próprio
professor/formador adotou. E então, se eventualmente questionados
41
sobre essa dicotomia, desculpam-se com um argumento do tipo: Se
eu aprendi desse jeito, por que meu aluno não pode aprender assim
também? É assim que eu sei fazer, é assim como todo mundo faz.
Todavia, seria prudente nos lembrarmos que para a
análise da correlação entre a formação do professor e os índices –
qualitativo e quantitativo – de desempenho escolar seria necessário
fazermos uma contextualização mais abrangente, considerando
algumas outras variáreis intervenientes relativas, inclusive, ao
currículo real dessa formação.
Contrariamente, existe uma expectativa de que os
investimentos na formação continuada do professor incidam direta e
imediatamente na mudança de práticas docentes, e que estas, por
sua vez, indiquem uma melhoria do ensino-aprendizagem conferida
pelas estatísticas de rendimento e desperdício escolar. O próprio
Ministério da Educação e Cultura (MEC), ao patrocinar programas de
formação continuada para professores do Ensino Fundamental nas
redes públicas de ensino – Parâmetros Curriculares em Ação (PCN
em Ação), Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
(PROFA), e outros mais – solicita uma avaliação dos resultados da
aprendizagem profissional dos professores cursistas aferida pelos
resultados de desempenho escolar.
42
Desse entendimento surge a analogia da escola como
fábrica e da padronização do conhecimento que aparece dissociado
do sujeito, contrariando o princípio da diversidade individual e cultural,
da autonomia e da flexibilidade.
Por outro lado, é igualmente notória a necessidade de se
rever o currículo da formação inicial do professor nas universidades,
dado o excessivo estranhamento deste profissional ao iniciar sua
carreira e ao precário domínio didático para a condução de uma sala
de aula. A visão romântica e idealizada do aluno e da escola, que
provavelmente a faculdade reforça, no mínimo, por não contemplar
um número maior de situações vivenciais, que coloquem os seus
alunos diante da realidade irão encontrar como professores,
especialmente nas escolas públicas.
Talvez essa seja uma das razões pela qual a grande
maioria de professores justifica o fracasso escolar como conseqüência
das condições desfavoráveis de infraestrutura física, material e de
pessoal, ao lado das carências sócio-econômicas, culturais e afetivas
dos alunos.
Em pesquisa realizada com vinte e oito escolas das
setenta e duas unidades que atualmente compõem a rede pública
municipal de Natal, os professores confirmam a idéia de que a
43
melhoria do ensino depende muito mais de condições de
infraestrutura do que qualquer outra coisa, como se pode ver no
seguinte quadro:
RESUMO DAS SUGESTÕES APRESENTADAS PELAS ESCOLAS
PARA A MELHORIA DOS ÍNDICES DE DESEMPENHO ESCOLAR NA
REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE NATAL – 2005.
FREQÜÊNCIA
ESPECIFICAÇÕES
ABSOLUTA RELATIVA
Pessoal 45 15,6%
Física 42 14,6%
Material 39 13,5%
INFRAESTRUTURA
SUBTOTAL 126 43,7%
Forma 26 9,0%
Área 23 8,0%
QUALIFICAÇÃO
DOCENTE
SUBTOTAL 49 17,0%
Geral 37 12,8%
Ciclos 27 9,4%
EJA 04 1,4%
Educação Infantil 02 0,7%
PROPOSIÇÕES
P
EDAGÓGICAS
SUBTOTAL 70 24,3%
Escola 15 5,2%
Secretaria - SME 16 5,6%
Avaliação Institucional 03 1,0%
Tempo escolar 02 0,7%
SISTEMA
ORGANIZACIONAL
SUBTOTAL 36 12,5%
Financeiro 07 2,5%
SUBTOTAL 07 2,5%
TOTAL 288 100%
FONTE: Vinte e oito unidades escolares da Rede Municipal de Ensino de Natal - 2005.
O
BS.: Respostas múltiplas com percentual do total da freqüência.
44
Portanto, se de um lado o sistema de ensino espera do
professor a melhoria nos índices de aproveitamento escolar, do outro,
os professores esperam do sistema as boas condições de trabalho e o
acompanhamento dos pais dos alunos na aprendizagem dos filhos.
Seria preciso que abandonássemos esse jogo de empurra-
empurra e pensássemos coletivamente e de forma equilibrada na
dimensão político-pedagógica do problema, situando algumas
questões do tipo:
O que entendemos por educação enquanto direito social?
Qual a importância social da educação?
Quais ações político-educativas a escola pode e deve
desenvolver em parceria com a família do aluno, a
comunidade e instituições parceiras, a fim de obter
melhores resultados na aprendizagem dos alunos?
Quais dificuldades didático-pedagógicas podem ser
contornadas com criatividade?
45
O que precisamos (professores, gestores, equipe
pedagógica, funcionários) estudar para atender às
demandas da escola?
Do mesmo modo que a conquista do acesso universal à
escola é resultado de um processo de lutas sociais e não da
benevolência das elites políticas e econômicas, a melhoria da
qualidade do ensino deverá constituir-se igualmente como embate da
escola e da sociedade. Portanto, a passividade cômoda de não
buscar alternativas pedagógicas no espaço da escola pública nos
parece contra-senso perigoso, assim como a ingenuidade pedagógica
de que a educação poderá resolver os problemas de desigualdade
social e econômica.
PADRONIZAÇÃO E PRODUTIVIDADE DOS CONHECIMENTOS
No início, tudo era possível. No final,
transformei-me em uma pessoa comum.
Reajo como meus vizinhos. Raciocino
como meus professores. Comporto-me
como meus colegas pedagogos. Tinham
realmente o direito de impor-me essas
transformações?
(Charles Hadji)
Nesse relato vivencial e reflexivo das experiências que me
pareceram mais significavas em minha formação profissional,
pretendo evidenciar o tensionamento que existe entre o conhecimento
adquirido na formação inicial ou continuada e aquele que se constrói,
possivelmente, a partir do exercício docente por saltos na
profissionalidade, que é a construção pessoal elaborada com
referência às condições de profissionalização.
Esses conhecimentos são bem distintos, mas será que são
igualmente distantes? São conhecimentos paralelos, ou será que
existem pontos de interseção? Ou melhor, em quais aspectos
podemos dizer que esses conhecimentos podem convergir para uma
47
boa qualificação docente? Qual é a validade prática desses
conhecimentos para a melhoria na qualidade do ensino e o alcance de
melhores resultados com a aprendizagem dos alunos?
Desde o primeiro desafio profissional que enfrentei numa
classe de alfabetização da rede municipal de ensino, até o trabalho
com formação de professores, percebo que a cada momento vai
sendo possível tomar uma nova consciência sobre dois aspectos: a
importância do papel do professor e os limites de sua ação para um
processo maior de mudança no cenário educacional.
É possível realmente conciliar o dilema da formação
docente, submetida à tensão da formação teórica e formação prática?
A própria profissão docente, sendo submetida inexoravelmente a
demandas práticas – decidir no aqui e agora – como destacam alguns
autores (Gauthier, Perrenoud) é um ofício prático antes de ser uma
profissão técnico-científica.
Entretanto, não é possível imaginar qualquer tipo de
eficácia pedagógica sem domínio teórico sobre campos como:
currículo, didática e teoria da aprendizagem. Mesmo assim, o desfio
para os professores em sala de aula parece intacto. Como usar na
prática todos esses conhecimentos?
48
As respostas são sempre insatisfatórias, dado que cada
sala de aula tem suas especificidades, cada professor tem seu perfil.
Isso implica que cada professor tem de descobrir como fazer a
transposição dos conhecimentos pedagógicos para a sua prática
docente. Assim, quando os relatos de experiências bem sucedidas se
transformam em orientações normativas, elas acabam ferindo o
próprio sentido das aprendizagens docentes vivenciadas como
processos únicos. Da mesma forma, os resultados do ensino tendem
a ser desastrosos, pelo uso de receitas prontas que contrariam a boa
culinária, que é sempre inovadora e adaptativa, mesmo fazendo uso
dos mesmos ingredientes.
Penso agora em mais duas outras questões básicas a se
considerar na formação do professor: a primeira remete à
necessidade de uma agenda para planejamento coletivo no espaço
escolar, a fim de tematizar a prática dos professores e os resultados
observados na aprendizagem; a segunda remete ao estudo e
pesquisa focado nos problemas da escola, possibilitando o contínuo
repesar de um currículo que considere a flexibilidade e a diversidade,
evitando a exclusão e a padronização.
O improviso pedagógico, nesse caso, como adaptação no
percurso para se ajustar à inteligência das aprendizagens, não se
49
confunde com a pedagogia aleatória que não considera nem os
objetivos de ensino nem os sentidos da aprendizagem. De modo
complementar, o planejamento coletivo discutido através de uma
tematização da prática docente, deve atender a uma necessidade
reflexiva de avaliação do processo de ensino com vistas à melhoria da
aprendizagem, e não como uma orientação normativa para os
professores. A defesa da dimensão coletiva do planejamento é uma
defesa prática de princípios básico da aprendizagem.
Nesse sentido, seria pertinente observar a síntese
registrada por Giselle, durante um curso de especialização para
professores da Educação de Jovens e Adultos da rede estadual do
Rio Grande do Norte (2003), de uma atividade realizada com os
professores, em que os grupos de estudo apresentaram as seguintes
conclusões, as serem solicitados a descrever suas próprias
aprendizagens:
Aprendemos, desde o nascimento, em interação com o
meio e com o outro – aprendemos mais sobre o nosso
ofício quando pensamos juntos sobre a escola e os
alunos.
Aprendemos diante de situações desafiadoras –
aprendemos mais pensando em alternativas para
50
enfrentar as dificuldades dos alunos e da escola:
desinteresse, indisciplina, dificuldade de aprendizagem,
falta de materiais pedagógicos diversificados, falta de
apoio pedagógico especializado para o professor e para
os alunos, pouco tempo para a formação continuada,
etc.
Aprendemos com os erros – aprendemos quando
discutimos os resultados de nossas atividades, seja a
partir dos erros ou dificuldades ou a partir dos avanços.
Aprendemos em diferentes ritmos e de diferentes
maneiras – aprendemos que temos habilidades
diferentes e ritmos diferentes assim como os nossos
alunos. Aprendemos quando estamos dispostos a
dialogar com as diferença.
Apesar da alegria em perceber que os professores
cursistas conseguiram se colocar na posição de aprendentes,
considero insuficiente essa reflexão sem a continuidade de uma
prática formativa no interior da escola.
O sentido da formação continuada deveria ser percebido
pelos professores como uma necessidade inerente a sua profissão, e
por outro lado, as instituições formativas e os programas oficiais de
51
formação continuada do MEC, deveriam ser cobrados quanto a
elaboração uma orientação político-pedagógica coerente com a
necessidade de instrumentalização teórico-prática dos professores.
É difícil escapar das contradições e ambigüidades quando
a padronização escolar, incutida desde o período da revolução
industrial, parece prevalecer naturalmente. As muitas dificuldades da
escola (espaço e atores) e do seu entorno acabam prevalecendo
assustadoramente nos saldos da educação pública. Indicam, portanto,
a inadequação da lógica fabril no processo de educativo e a
continuidade de uma política seletiva e excludente, que marginaliza as
camadas mais populares da sociedade pelas suas precárias
condições de adaptação ao sistema escolar.
ONDE ESTÁ O MANUAL DE INSTRUÇÕES?
Deixar que os fatos sejam fatos naturalmente,
sem que sejam forjados para acontecer. Deixar
que os olhos vejam pequenos detalhes
lentamente. Deixar que as coisas que lhe
circundam estejam sempre inertes, como móveis
inofensivos pra lhe servir quando for preciso.
(Chico Science)
Os questionamentos sobre a formação inicial e continuada
do professor são tentativas de compreender as diferentes dimensões
sociais, afetivas, cognitivas, operacionais, etc. desse complexo
processo, considerando um contexto real situado em meu percurso
profissional. Na compreensão de Kramer(2002, p. 122) é necessário
considerar que:
Formar o professor como construtor do saber é tomá-lo
como construtor de história, restaurando o sentido na
narrativa, em que a linguagem não mais se esgote nos
clichês de uma língua morta. (...) Encontrar a
identidade narrativa requer que se puxem os fios não
só das experiências enraizadas nos sujeitos que fazem
imediatamente a prática, mas também os inúmeros fios
do conhecimento construído por múltiplos sujeitos ao
longo da história.
53
Para remontar minha história recorro a um registro de
quando escrevia sobre uma pesquisa que realizava no doutorado.
Nesse fragmento de registro, retorno ao ano de 1993, durante o
período de estágio no curso de pedagogia. Momento em que já sentia
a necessidade de registrar e estudar sobre coisas que eu observava e
que me despertavam a curiosidade e o interesse, independente das
exigências acadêmicas que eu deveria cumprir prioritariamente para
concluir o curso.
O recorte desse período me parece importante porque
demonstra uma preocupação com o espaço escolar enquanto
ambiente de formação do professor e não somente do aluno. Essa
formação do professor tem sido um verdadeiro objeto de pesquisa
para mim, embora seja bastante amplo e não esteja recortado,
delimitado e refinado nos moldes que a compreensão acadêmica mais
tradicional exige.
54
Berilo: as primeiras impressões desde 1993
2
Uma vez mais retorno ao Berilo (Escola Estadual Berilo
Wanderley), mas desta vez sob um novo olhar, passo a observar e
refletir sobre a forma como se tecem as relações sociais na escola e a
sua possível interferência na formação político-profissional dos alunos
de magistério.
Desde a última vez que havia estado no Berilo, isto é
desde 1994, muitas coisas mudaram, outras permaneceram mais ou
menos como sempre. O prédio, por exemplo, passou por uma boa
reforma e ampliação; e como elemento de continuidade, manteve-se a
tradição dessa escola em apoiar os pesquisadores e estagiários da
UFRN que a elegiam como campo de pesquisa ou de estágio.
Nas experiências anteriores o Berilo foi meu campo de estágio
no curso de Pedagogia, tanto para a prática de ensino do magistério
de 2º grau, quanto para a prática de ensino do 1º grau, que hoje
corresponde ao ensino fundamental.
Os registros que trago da primeira vez que estive no Berilo
pontuam que no ano de 93 eu havia optado pela habilitação
magistério e cursava a disciplina Prática de Ensino em Didática com a
2
Recuperação de fragmentos de registro de campo na Escola Estadual Berilo Wanderley, por ocasião dos
estágios para conclusão de curso em 93 e 94, e da pesquisa doutoral não concluída em 98.
55
Prof. Celina. A escolha da Escola Berilo Wanderley como campo de
estágio, se deu principalmente por causa das boas referências que
eram passadas por diversas professoras da graduação.
Freqüentemente ouvíamos nas salas de aulas, corredores
e cantina do Setor I do Campus, comentários do tipo: “O trabalho do
Berilo é diferente, nem parece escola do Estado”; “As professoras de
lá são muito boas e bastante comprometidas com o trabalho que é
realizado lá”; “Tem uma base de pesquisa daqui (Departamento de
Educação) dando assessoria pedagógica no Berilo, e dá pra gente ver
a diferença”.
Ouvindo esses comentários, eu me sentia muito
estimulada em conhecer uma realidade de escola pública diferente.
Não perdi a oportunidade de realizar o meu estágio de prática de
ensino no Berilo.
E foi assim que numa tarde me vi diante do Berilo pela
primeira vez. A Prof. Celina havia marcado comigo e outra colega
minha de faculdade (Elilde) para nos encontrarmos no Berilo
Wanderley a conhecermos a escola e a professora de didática da
turma em que iríamos estagiar. Ao chegar à escola, junto com Elilde,
a minha primeira impressão era de que lá não era muito diferente de
outras realidades. Havia um grupo de quatro alunas, que estavam fora
56
da escola, conversando bobagens sobre paqueras e namorados em
pleno horário de aula. Outras duas estavam saindo, atravessando a
rua. Mais outro grupo de quatro ou cinco alunas estavam fazendo
hora na banca de revista que fica na calçada dessa escola. Elas
aparentavam ter a mesma idade que nós, e isso nos deixava
inseguras quanto a podermos enfrentar uma sala de aula.
Durante os poucos minutos em que aguardávamos em
frente à escola a chegada da nossa professora, observei a aparência
externa do prédio. Parecia muito estragado: as paredes sujas e
descascadas no rodapé, o chão de cimento estava cheio de buracos,
o madeiramento do teto, que se via na marquise, parecia podre e era
possível observar telhas quebradas ou fora do lugar. Fazia parte da
escola um terreno com mato crescido e descuidado. Por trás do
prédio ficava uma das lagoas do bairro de Pirangi, que devido ao
período de estiagem estava quase seca.
A experiência de estágio nessa época foi muito boa, a professora
da escola (Maria da Paz) foi muito prestativa e amável conosco. Ela e
Celina já se conheciam. Chegamos à porta da sala em pleno horário de
aula, após as apresentações entramos e tomamos lugar na sala.
Observei que a Prof. Da Paz parecia muito organizada. Trazia consigo
um caderno, que depois foi passado a mim e Elilde para que
57
planejássemos nossas aulas de estágio. Nesse caderno continha todo o
planejamento da disciplina divido por unidades e todas as anotações de
suas aulas: conteúdos, datas de trabalhos, resultados de avaliações,
observações sobre alunas, etc. Além desse caderno, a professora nos
esclareceu várias questões sobre os tipos de atividades que ao realizar
ela observava um melhor resultado com a turma. Assim foi situando o seu
trabalho conosco, sempre atenciosa e prestativa.
Após o período de observações chegamos ao momento da aula,
momento em que fomos observadas tanto pelas duas professoras: Celina
e Da Paz. As alunas da turma (não havia homens matriculados) eram
bastante compreensivas conosco e nos deixavam muito à vontade.
Porém, era inevitável o desconforto. Sabíamos que éramos avaliadas
pelas professoras e pelas próprias alunas, que mesmo
inconscientemente comparavam o nosso desempenho com o da sua
professora. Sabíamos, porém, que não deveria ser diferente, afinal de
contas estávamos em situação de treinamento e de aprendizagem.
No semestre seguinte retornei ao Berilo para realizar a
Prática de Ensino do 1º grau. Assim, durante o primeiro semestre de 94,
pude satisfazer o desejo de conhecer o Berilo e o seu trabalho mais de
perto, já que a duração do estágio em didática havia sido muito curta.
Diferente da primeira experiência, o estágio do 1º grau teve uma duração
58
mais extensa, e assim, pude conhecer todas as áreas da escola e ao
mesmo tempo manter um contato com a direção, equipe pedagógica e
docente do ensino fundamental.
Participei das reuniões semanais de assessoramento e
planejamento pedagógico promovidas pela equipe da UFRN
3
, composta
de professores e alunos da pós-graduação. A turma em que estagiei foi
uma 4ª série, com 31 alunos na faixa etária de 9 a 14 anos, que estavam
sob os cuidados da professora Enilda. Ela era uma professora novata na
escola e não conhecia o trabalho de lá. Fui colocada nessa turma a fim
de ajudá-la a se integrar com o grupo da UFRN.
Entretanto, ao final do estágio, o meu relatório continha um
depoimento pessoal um tanto quanto decepcionado em relação as
minhas expectativas iniciais. Percebi nesse semestre letivo que a adesão
das professoras da escola ao trabalho da UFRN era superficial. Na
verdade as professoras haviam incorporado um discurso pedagógico
novo, mas não o compreendiam verdadeiramente, e portanto, prevalecia
a sua antiga prática educativa, marcada por atitudes autoritárias e
preconceituosas e por metodologias que exploravam à memorização em
detrimento da compreensão.
3
. O referido trabalho de assessoramento é parte de uma Base de Pesquisa “Uma escola para a escola” (título do
projeto na época), que até 1998 estava inserido no NEPEB (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica) do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN.
59
Agora em 98, chego pela manhã na mesma escola e observo
que vários estagiários que lá chegam já não recebem um atendimento tão
atencioso. As coisas pareciam acontecer na base do improviso. Cito o
caso do professor que sequer apareceu na escola para acompanhar o
aluno-estagiário, seu contato com a professora da disciplina se resumiu a
uma carta de apresentação, entregue pelo próprio estagiário e de um
breve contato telefônico, segundo ela me informou. Agradara-se da
situação, pois estava precisando de tempo para dar conta de outras
tarefas, aproveitando para realizá-las enquanto o estagiário estivesse em
seu lugar.
Senti-me decepcionada com o pouco caso da escola.
Ninguém parecia se importar nem com os alunos da escola e nem com o
estagiário da UFRN, que sequer estava sendo acompanhado de perto
pelo seu professor.
Resta esclarecer sobre esse fragmento de registro que os
professores, tanto da escola quanto da universidade, eram
formadores de professores, nos cursos de Magistério e de Pedagogia,
e que eu me sentia perturbada em saber que novos professores
estavam sendo formados dentro desse contexto de descaso político-
pedagógico.
60
Em fevereiro de 2001 ingressei, mediante concurso
público, na Rede Municipal de Ensino de Natal para assumir o cargo
de professora. Estava habilitada a preencher uma vaga na Educação
Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental ou Níveis Iniciais da
Educação de Jovens e Adultos conforme a necessidade das escolas
da rede. Todas as vagas disponíveis eram para as escolas das
regiões Norte e Oeste da cidade – áreas reconhecidas pelos seus
problemas estruturais, físicos e humanos e pelas piores condições de
acessibilidade.
Em contrapartida, eu não tinha experiência específica com
alfabetização e preferia turmas de 2º ciclo; não tinha afinidade com
crianças pequenas e, portanto, não me encaixava no perfil da
Educação Infantil, pela própria inexperiência e falta de habilidade
proporcionar os cuidados necessários para as crianças dessa faixa
etária. Também não tinha disponibilidade para trabalhar com a EJA,
por se tratar do período noturno que é sempre mais cansativo e
sacrificado, apesar de ter certa admiração e vontade de atuar nesse
segmento.
Mesmo com as poucas opções de vagas e com as
restrições que eu mesma me fazia, consegui satisfazer parcialmente
61
as minhas expectativas, pois como havia obtido boa classificação me
foi concedida a preferência na escolha das escolas. Optei pela escola
que ficava mais próxima de minha casa, aproximadamente 6 km de
distância, com vaga para o turno matutino, porém em uma turma de
alfabetização do 1º ciclo.
Essa escola era a Maria Salete Alves Bila no bairro do
Planalto, e assim como o bairro, suas condições eram extremamente
difíceis. O planalto, até então, era um bairro que eu só conhecia por
nome e sabia superficialmente que se tratava de um local onde a
pobreza e a violência atingiam altíssimos índices.
Estava muito contente e cheia de vontade de enfrentar
esse novo desafio: alfabetizar. Afinal, como se adquire experiência?
Eu não havia me formado em Pedagogia e era habilitada em
Magistério? Certamente bastava rever algumas bibliografias, talvez
Ana Teberosky, Cagliari e Emília Ferreiro, e então preparar um bom
planejamento para tudo funcionar bem. Eu tinha um modelo teórico,
uma receita que os mestres haviam me ensinado e que eu deveria
usá-la para ensinar. Não sabia o quanto era ingênua... Mas o destino
reservado ás professoras debutantes não sabia o quanto sou
determinada e até teimosa!
62
A vida escolar numa realidade tão dura e desumana não
demorou a me ensinar algo que a formação na graduação de
pedagogia ou na pós-graduação em educação jamais conseguiu:
desafiar certezas e hábitos, presentes nos profissionais que atuam
nas escolas – desde pessoal de apoio aos gestores – solidificados no
sentimento de impotência e acomodação ao convívio com situações
extremas de precariedade. Mesmo porque nas licenciaturas, em sua
maioria, não se trabalha com a perspectiva de relacionar as teorias de
ensino com a Educação Infantil e Ensino Fundamental na rede
pública. Essa é, pois, uma maneira de reforçar um pensamento
dicotômico entre teoria e prática, dificultando a compreensão da
complexidade do processo educativo no sistema formal de ensino,
onde a padronização do conhecimento e utilização de uma didática
inflexível e descontextualizada não são condutas produtivas para a
aprendizagem. Tanto é verdade que os recém-licenciados não
atribuem significado e funcionalidade a essa aprendizagem para o
exercício do seu ofício, principalmente quando eles já exercem a
profissão antes da graduação em pedagogia e percebem esse
descolamento da realidade. O que parece estar em jogo para eles é o
diploma para sua melhoria funcional.
Ainda em relação aos primeiros anos na rede municipal de
ensino, estranhava o fato de ao ser convocada para assumir o cargo
63
ter passado um rigoroso exame físico, mas não psicológico ou de
saúde mental. Estranhava também que os novos professores não
recebessem da SME nenhuma orientação específica sobre a estrutura
e funcionamento da rede. Simplesmente fomos encaminhados às
escolas sem maiores explicações. Deveríamos nos apresentar a
direção da escola e retornar com o encaminhamento assinado pelo
diretor confirmando o nosso comparecimento naquela unidade de
ensino.
Minha primeira missão foi descobrir como chegar nessa
escola. Ela havia sido fundada em agosto do ano anterior e não era
bem conhecida de modo que ao chegar no Planalto precisava parar
em cada esquina para pedir informações que quase ninguém sabia ou
se dispunha a dar. Algumas ruas eram precariamente pavimentadas,
mas a maioria era de terra.
Por volta das 9 horas da manhã, o sol estava bem quente
e o calor infernal, a chuva que havia caído à noite inundara as ruas de
lama de modo que quase atolei o carro por duas vezes antes de
chegar à escola. Sentia um pouco de medo de ficar com o carro
enguiçado por ali e ainda assim sentia-me bastante motivada com o
novo trabalho. Não queria me deixar levar por preconceitos e
paranóias da violência urbana.
64
O cenário do bairro era bem interessante, logo na entrada,
após a linha do trem, fiquei admirada com uma feira que vendia de
tudo um pouco: alimentos, roupas, animais vivos e até móveis. Pude
sentir o mau cheiro de dentro do carro com os vidros fechados e o ar
condicionado ligado. Havia na rua algumas casas de pequeno
comércio funcionando no térreo e no andar superior ou nos fundos a
residência dos proprietários. Não parecia ser um bairro tão pobre,
como outros que eu já conhecia, mas ali era a rua principal.
A realidade das demais ruas e vielas era bem diferente e
precária. Casas de tijolo aparente, piso batido, telhados improvisados
com placas de zinco retiradas de outdoors, esgoto correndo pelas
ruas junto com galinhas, crianças, lixo, bodes e burros. Eu olhava
para aqueles meninos e deduzia que seriam os meus alunos, alguns
deles acenavam para mim como se conhecessem e eu sorria para
eles com o coração partido e revoltada pelas condições de suas vidas,
indignada com a nossa política econômica e social. Se eu fosse a
professora deles teria que dar o melhor de mim, pensava enquanto
dirigia.
Encontrei afinal a escola. Era uma casa com a pintura
nova, um telefone público na calçada e um vigilante no portão. Em
relação às outras casas era um bom prédio. Desci do carro, me
65
apresentei ao vigia e ele me deu passagem. Na garagem da casa
funcionava uma sala de aula, no terraço havia mesas para crianças da
Educação Infantil, na pequena sala de estar uma outra sala de aula,
depois havia outra sala onde funcionava a sala dos professores, do
lado esquerdo a cozinha e do lado direito um quarto para mais uma
sala de aula, em frente um banheiro e uma suíte. Na pequena suíte
funcionava no mesmo espaço: direção, supervisão e secretaria. O
banheiro da suíte não tinha porta, usava-se uma cortina e era
destinado aos professores e funcionários da escola.
Sabia que não seria fácil, mas muito me admirava como se
podia trabalhar naquele ambiente tão pequeno, mal ventilado e mal
iluminado.
Antes do início do ano letivo tivemos uma reunião geral na
escola com toda a equipe de professores, supervisão e direção, para
entrosamento do grupo e informes gerais: calendário letivo, listagem
de alunos por turmas, histórico de casos mais complicados de alunos
e famílias, rotina da escola e outros assuntos administrativos. A
escola funcionava em três horários: matutino – 7h às 11h,
intermediário – 11h30 às 13h30, vespertino – 14h às 17h. Na rotina da
escola não havia intervalo para os alunos porque não havia espaço
para brincarem e o lanche era servido na própria sala.
66
Nesse ano de 2000, 90% das professoras da escola Salete
Bila eram recém concursadas, algumas já eram professoras da Rede
Estadual ou da Rede Privada trabalhando em outro turno. Tínhamos
no horário da manhã duas turmas de educação infantil, duas turmas
de 1º ciclo em fase inicial de alfabetização e uma turma de 2º ciclo em
fase inicial de sistematização.
Fiquei responsável pela turma de 1º ciclo que funcionaria
na garagem com 36 alunos em idade de 6 a 9 anos. A supervisão da
escola me informou o caso de um aluno com necessidades educativas
especiais em função de um problema auditivo – otite crônica com
perda parcial de audição – acrescido de epilepsia mal tratada.
Estava surpresa e inconformada com a quantidade de
alunos que a escola matriculava por sala. Não havia a menor
condição de se fazer um trabalho decente com os alunos e questionei
bastante, juntamente com as professoras, aquela situação desumana
e improdutiva. A resposta recebida pela direção era bem taxativa:
temos uma demanda de matrículas ainda maior, a lei determina a
universalização da matrícula no ensino fundamental e não existe outra
casa melhor e maior para alugar por aqui.
Não me convenci plenamente daqueles argumentos e num
futuro não muito distante descobri que o total geral de matrículas
67
incide sobre montante das verbas repassadas pela SME à escola,
destinadas a prover seu funcionamento.
Na semana seguinte a equipe de professoras e
supervisora da Escola Salete Bila participou da Jornada Pedagógica
das Escolas da Rede realizada para todo o quadro de professores
municipais de Natal. Essa Jornada, que acontece semestral ou
anualmente, faz parte de uma programação de formação continuada
promovida SME.
A Jornada aconteceu com uma abertura geral, ocasião em
que se formou uma mesa redonda composta por técnicos da SME
para falar algumas coisas que considerei bobagem, quase não fiz
anotações e não possuo mais nada do material distribuído no evento:
textos em cópia xerox de baixa qualidade, panfletos e folder. A
programação continuou nos dias seguintes com uma estratégia
diferente e interessante: foram formadas turmas de professores
conforme área de atuação – Educação Infantil; Ciclos; Áreas
específicas do conhecimento para professores de 5ª a 8ª séries e
EJA.
Naquele ano o sistema de ciclos ainda estava sendo
implantado pela rede e muitos professores, supervisores e diretores
de escolas tinham expectativas de que naquele momento de formação
68
pudessem encontrar respostas para suas dúvidas sobre essa nova
forma de organização do ensino.
Ao final da oficina que participei nessa jornada foi proposto
pelas formadoras que fizéssemos uma auto-avaliação do que
havíamos aprendido. Lembro que o depoimento geral enfatizava que
as formadoras haviam trabalhado de forma bastante envolvente,
haviam discutido e ensinado muitas coisas importantes, mas
infelizmente quase todas as dúvidas e incertezas sobre os ciclos
permaneciam sem resposta.
Após essa Jornada, que faz parte até hoje da política de
formação continuada adotada pela SME, embora tenha sofrido
modificações ao longo desse tempo
4
, a equipe da escola reuniu-se
mais um dia para planejar. Combinamos no planejamento realizar
durante a primeira quinzena o diagnóstico da aprendizagem dos
alunos e a festinha de carnaval. As aulas iniciavam-se na semana
seguinte: uma experiência fantástica, emocionalmente e desgastante
para mim.
Planejei uma atividade de apresentação da turma onde os
meninos e meninas cantavam uma música de roda de nosso folclore
4
. Atualmente essa Jornada recebe o nome de Jornada de Educação das Escolas da Rede Municipal –
JENAT, e vem ocorrendo basicamente através de um ciclo de palestras e conferências, em torno de um tema,
que são proferidas por pesquisadores e teóricos cuja produção científica tem relevância pedagógica. Desde
2003 faço parte da equipe que planeja e coordena a realização da JENAT na SME.
69
passando um barquinho de cartolina entre eles, e sucessivamente,
quando a música parava, aquele que estivesse com o barquinho na
mão se apresentaria para os colegas e a professora. Nesse momento,
cada um deles teria de relatar também as suas preferências por
brinquedos e brincadeiras. Deveriam ainda pintar um crachá com
desenho de boneco ou boneca, segundo o seu sexo, e escrever nele
seu próprio nome e no verso o nome da escola, o nome da
professora.
Saí de casa bem cedo, era o primeiro dia de aula, eu
estava super animada, fui uma das primeiras pessoas a chegar à
escola. Corri para a garagem do prédio da escola, isto é, a sala de
aula e comecei a organizar o espaço, porém não havia muitas opções.
Não havia mesa, cadeira ou espaço para mim, apenas as carteiras
dos alunos amontoadas naquele espaço apertado, abafado e escuro.
Apesar disso, não desanimei. Com boa vontade e ajuda das
funcionárias da cozinha consegui arranjar uma carteira velha, sem
cadeira, para colocar meu material de trabalho. A entrada de todos os
alunos e professores era pelo portão daquela sala de aula, isto é, da
garagem. Isso significava alguém passando por ali a todo o momento
em meio às atividades com os alunos.
70
Na passagem do portão a diretora saudou aos pais, alunos
e professores e começou a chamar os alunos, conforme suas
respectivas turmas e professores, para se organizarem em fila e
entrar. Quando todos haviam entrado o barulho cresceu
assustadoramente. As crianças menores da educação infantil
choravam por seus pais e irmãos maiores que estavam em outras
salas. Um fator agravante é que não se teve como fazer com os
meninos menores da educação infantil um período de adaptação
progressiva à escola e à professora.
Após uns 30 minutos as crianças foram se acalmando e a
atividade que eu havia planejado – uma apresentação da turma e
confecção de crachás – começou a fluir, mas os alunos eram
extramente impacientes e não prestavam muita atenção ao colega
que falava. Por outro lado, eu sentia dificuldade para ouvi-los e
entendê-los, pois falavam de modo estranho, usavam palavras de um
dialeto local que eu desconhecia ou possuíam um sotaque enrolado.
Precisei de mais ou menos uma semana para começar a entendê-los
sem maiores dificuldades.
A tarefa de apresentação, entrosamento e confecção de
crachás durou toda a manhã, que correu muito rápida. Apesar das
dificuldades mencionadas considerei a atividade produtiva e as
71
crianças pareciam muito satisfeitas. Por outro lado, percebi que
muitas delas mal sabiam segurar num lápis, contudo algumas não
tiveram dificuldade na execução de toda a atividade. Em geral, tanto
meninos quanto meninas, gostaram e sentiram-se motivados, porém,
tive que dobrar esforços com um grupo de mais ou menos doze
alunos. O maior problema era que todos queriam a minha atenção ao
mesmo tempo e a minha circulação na sala por entre as carteiras era
dificultada pelo espaço mínimo que sobrava entre elas e que eu mal
conseguia me equilibrar. Eu pingava de suor com o calor que fazia,
parecia estar numa sauna, tive vontade de fugir, estava exausta e
certamente frustrada com tantas dificuldades.
Durante o período de diagnóstico alguns casos me
chamaram a atenção, pois além dos conhecimentos que os alunos
apresentavam pude coletar informações sobre o contexto familiar
deles através de seus próprios relatos, dos relatos dos seus pais e
também daqueles repassados pela supervisão e direção da escola.
Não é objeto desse trabalho analisá-los, mas focar alguns contextos
observados pode explicar como essa vivência profissional que tive
colaborou no meu processo de formação continuada.
72
Rejeitei a idéia de aqueles alunos eram casos perdidos.
Difíceis sim, perdidos não! Era a minha resposta indignada diante dos
comentários que ouvia da direção, supervisão e colegas.
Havia, por exemplo, o caso daquela criança mencionada
pela supervisora, que na verdade se tratava de uma criança mesmo
de uma criança muito mal cuidada; aliás, era o caso de quase todos
os alunos daquela escola. Uma realidade se estende ainda hoje por
quase toda da rede pública de ensino. Esse menino tinha problemas
auditivos e devido a uma otite crônica, seu ouvido esquerdo expelia
habitualmente uma secreção purulenta e fedida. Já havia perdido
parcialmente a audição e como isso se dera desde muito pequeno,
falava meio embolado e muito alto, quase gritando. Sofria de epilepsia
e tinha ataques convulsivos com freqüência. Era considerado
retardado, entretanto, sem nenhum diagnóstico clínico. Os outros
garotos zombavam dele e as meninas tinham medo, a equipe da
escola que já o conhecia tratava-o com um misto de pena e descaso.
Freqüentemente esse garoto apresentava um
comportamento agressivo: batia nos colegas, chutava e derrubava
carteiras, não permanecia na sala por muito tempo. Sua mãe era
prostituta e usuária de maconha. Mal lhe conduzia todos os dias até a
escola. Era o único filho que não dera para adoção.
73
Como já dito, o caso citado não era o único na escola e
nem na sala de aula. Havia várias crianças com histórias de vida bem
complicadas: crianças que sofriam abuso sexual de padrastos,
crianças prostituídas e portadoras de doenças sexualmente
transmissíveis, crianças drogadas pelas mães que usavam desse
expediente para acalmar os filhos, crianças catadoras de lixo, crianças
pedintes, crianças com problemas de saúde agravados pela falta de
atendimento pediátrico, crianças desnutridas e famintas. Mas todas
elas crianças!
Incomodada e inconformada por não conseguir
desenvolver o mínimo do mínimo das atividades que planejava para a
sala de aula, compreendi que aquilo que pensava ser suficiente não
era. Revoltava-me com o descaso político dos governantes que
fingiam desconhecer aquela realidade. Porém, aquele tipo de revolta
não era produtiva e nem me ajudava a melhorar as condições de
trabalho na escola.
Esse período, toda a pesquisa de doutorado que vinha
desenvolvendo assumiu papel secundário para mim. Estava deprimida
com a minha importância profissional e frustrada com a indiferença
social, que se estendia a própria validade da minha formação
acadêmica. Essa fase de questionamento do papel formativo da
74
universidade me levou a uma profunda descrença pelo valor da
pesquisa científica, teórica e distanciada da verdadeira cara social da
educação da educação pública brasileira. Nas condições em que me
encontrava na escola e diante de um ambiente acadêmico hostil da
pós-graduação, que não sabia tolerar fraquezas ou conviver
respeitosamente com as divergências de opinião, que em geral só
reconhecia e valorizava o conhecimento padronizado, embora o
discurso fosse diferente.
É bem verdade que também recebi o apoio de alguns
professores do programa e do meu próprio orientador, mas me sentia
sem força e sem brilho. Repudiei burramente a minha formação e
amarguei o desperdício de uma pesquisa que desenvolvera com tanto
entusiasmo. Considerei não haver mais sentido em concluir a tese.
Naquele ano foi tudo muito agitado e confuso. Estava
absorvida com os problemas da escola e da sala de aula e
decepcionada com a minha formação profissional. O que eu
aprendera? Ou melhor, o que eu não aprendera? O que me faltava
para ser uma professora competente? Seria a experiência?
Certamente não, pois conhecia professores com vários anos de
magistério enfrentando as mesmas dificuldades.
75
Muitos colegas professores diziam-me que ninguém podia
dar jeito em nada daquilo, que eu era boba em preocupar-me com um
problema que era culpa do governo. Até concordava em parte com
aqueles comentários, mas sabia que algo podia ser feito e que
dependia de mim. Sabia qual era a minha responsabilidade e o papel
que deveria exercer junto à escola. Seria menos complicado render-
me ao fracasso.
No entanto, a simples adoção de algumas alternativas que
estavam ao alcance da própria escola possibilitou aos alunos uma
melhor condição de aprendizagem. No caso, por exemplo, da criança
com dificuldade auditiva e epilepsia, após o primeiro mês de aulas
sem obter sucesso e enfrentando diversos problemas para ensinar
dentro daquela garagem abarrotada com 36 alunos, discuti o
problema com a supervisão da escola: decidimos chamar a mãe do
aluno para conversarmos. No horário de saída combinamos com a
mãe para termos essa conversa no dia seguinte. Ela deu uma
desculpa para não comparecer, porém insistimos em outra data e ela
não teve como escapar.
Na semana seguinte a mãe desse aluno compareceu à
escola para conversarmos. Após o horário da aula, reunimo-nos no
quarto onde funcionava a supervisão: ela, a supervisora e eu.
76
Perguntamos sobre a criança e ouvimos bastante os relatos da mãe.
A supervisora ia anotando algumas coisas em seu caderno enquanto
conversávamos. Orientamos àquela mãe sobre a necessidade de ela
se fazer mais presente na educação do filho, e isso significava levar o
menino ao pediatra regularmente para tratar dos seus problemas de
audição e de epilepsia, de modo que ele pudesse ter uma vida mais
normal. Ela tentava desculpar-se de várias maneiras tentando furtar-
se da responsabilidade. Acatamos algumas das suas queixas,
principalmente às que se referiam ao atendimento precário do posto
de saúde, mas deixamos claro que não permitiríamos que a criança
permanecesse sem ajuda médica. Conversamos sobre o Estatuto dos
Direitos da Criança e do Adolescente e a orientamos para que o caso
não chegasse à Vara da Infância e da Juventude.
Posso dizer que essa medida foi uma excelente alternativa
para nós, apesar de sabermos das dificuldades que teríamos no caso
dela não se incomodar. Após algumas semanas esse aluno não
representava mais ser um problema para a escola. As crises de
epilepsia foram controladas e a otite havia regredido. Contudo,
durante todo o ano tivemos que manter contatos regulares com a mãe
do aluno, pois se esquecíamos de lembrá-la de sua responsabilidade
o menino logo aparecia doente.
77
Assim como esse caso, vários outros envolvendo histórias
e problemas diferentes foram equacionados, pelo menos
parcialmente, a partir de medidas simples que a própria escola pôde
adotar. Isso repercutiu na melhoria do meu trabalho com os alunos.
Outros problemas, porém, não puderam ser resolvidos, pois
dependiam de mudanças nas condições estruturais da escola, como
por exemplo, os alunos estarem espremidos no pequeno espaço de
uma garagem abafada, mal iluminada e com constante vai-e-vem de
pessoas transitando e passando por dentro daquele espaço. Como se
não bastasse, a diretora vivia a suplicar junto às professoras que
recebêssemos mais um aluno. A democratização do acesso à escola
era a desculpa, porém a renda per capita aluno parecia ser o
verdadeiro motivo, embora não pudéssemos provar. Revoltada com
tanta falta de bom senso ironizei numa reunião de planejamento
sugerindo que ela mandasse fabricar carteiras em forma de beliche
para caber mais alunos.
Esse foi também um ano de chuvas intensas que
inviabilizaram muitos dias de aula, pois a escola ficava submersa na
lama que se empoçava nas ruas e inundada pelas goteiras do
telhado. Muitas famílias foram temporariamente desabrigadas e as
crianças passavam semanas sem aparecer na escola. Outro fato
marcante naquele ano em que estava trabalhando na Salete Bila, foi à
78
ocorrência dos casos das crianças raptadas de seus lares no meio da
noite, fato que aterrorizou as famílias daquela comunidade e toda a
escola. Por conta disso enfrentamos, quase dois meses, um clima de
medo constante com a segurança dos meninos e as suas famílias
temiam levá-los para escola, de modo que o processo de ensino e
aprendizagem foi bastante prejudicado.
Contudo, ao final do ano, aproximadamente 1/3 dos alunos
havia sido alfabetizado em seu primeiro ano de escolaridade. Parecia
frustrante para mim, mas o reconhecimento do meu trabalho e do
sucesso dos alunos chegava através dos pais. Mesmo no caso dos
alunos que não se alfabetizaram naquele ano, os pais diziam que
percebiam um notável progresso no desenvolvimento dos seus filhos.
Os pais pontuavam, em seu vocabulário próprio, as mudanças que
observavam no tocante à socialização escolar e a um conjunto de
habilidades de estudo, como: observação, comparação, classificação,
investigação, elaboração de questões e hipóteses.
Para mim, foi uma aprendizagem riquíssima essa
experiência na E. M. Salete Bila, pois me provocou o desejo de rever
conceitos e teorias e confrontá-los com o dia-a-dia da escola, embora
me sentisse física e emocionalmente esgotada. Percebi que as teorias
da educação só me eram verdadeiramente úteis se pudessem ajudar-
79
me a compreender melhor os alunos e o processo de ensino-
aprendizagem, e se eu soubesse como recria-las e adapta-las as
especificidades das relações pedagógicas. Aquele conhecimento
muito didatizado nos manuais de pedagogia passaram a me parecer
receitas quase estúpidas, uma vez que em nome da racionalidade e
cientificidade os autores limpavam de seus escritos quaisquer
imprecisões e imprevistos tão típicos do dia-a-dia da vida da escola.
No ano seguinte, tendo recuperado minha motivação para
a tese, estava preocupada com o atraso no cronograma de pesquisa
para o doutorado. Pensando em alternativas que me permitissem
conciliar os horários de trabalho com os horários de estudo, procurei a
SME, no sentido de atuar em supervisão escolar, a exemplo de
algumas colegas que estavam nessa mesma situação e haviam
conseguido a liberação da sala de aula. Foi então que surgiu a
oportunidade para trabalhar como formadora da própria SME através
do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA,
que estava sendo implantado em parceria com Ministério de
Educação e Cultura – MEC.
80
Ironicamente, essa nova experiência, que deveria ajudar-
me a concluir o doutorado contribuiu para que eu desistisse da
pesquisa em função do prazo que se esgotara e do meu profundo
envolvimento com os estudos sobre processo de alfabetização e com
as atividades de formação dos professores.
Apesar da perda no âmbito acadêmico, foi um momento de
intensa aprendizagem conceitual e procedimental, tanto em relação
ao processo de alfabetização quanto em relação a uma didática de
formação continuada mais compatível com as demandas do
professor. Esse foi o início de uma nova fase bastante significativa em
vida pessoal e profissional, que me ajudou a buscar novamente a pós-
graduação e a pesquisa, que manteve o mesmo foco de interesse (a
formação docente) ganhou uma nova perspectiva metodológica: o
relato reflexivo da experiência vivenciada.
VIRANDO AO AVESSO
É aqui que se faz necessário um incessante canto
dos amanheceres, orquestrado por uma angústia
do método, onde a disponibilidade para o
questionamento é uma infindável forma de
vivificar o que aprendemos a nomear de real e de
verdade.
(Roberto Sidnei Macedo)
A nova etapa que se iniciou com o Programa de Formação
de Professores Alfabetizadores - PROFA, que foi a experiência de
formadora de professores em serviço, foi um período de intensas
inquietações e transformações para mim. De fato uma fase marcante,
em que muitas coisas tomaram novo sentido em minha vida
profissional e acadêmica.
Repercutiu em novo um olhar sobre a pesquisa e a pós-
graduação me levando reformular todo o trabalho que já havia
desenvolvido. Sentia que era necessário pensar a formação dos
professores a partir do cotidiano escolar, para criar situações
82
pertinentes de aproximação teórica, e assim, auxiliá-los a construir
práticas docentes mais significativas para a aprendizagem dos alunos.
No período em que estava em sala de aula na Salete Bila
eu havia me decepcionado com a pós-graduação e um pouco comigo
mesma. Ao final do ano naquela escola, estava esgotada, física e
emocionalmente, pois todos os parcos resultados eram conseguidos
com muita batalha.
Percebia que uma pesquisa só teria sentido para mim se
fosse fruto de uma atividade de intensa reflexão sobre um problema
concreto próximo da minha vivência acadêmica e profissional. Então,
os estudos desenvolvidos no grupo de formadoras do PROFA,
paralelamente às atividades de formação que exercia em duas
turmas, me levaram novamente ao centro das minhas preocupações:
a formação dos professores, que se constitui hoje no objeto de análise
deste trabalho. Certamente a cobertura dessa torta é o processo de
alfabetização, que também havia se tornado de grande interesse para
mim, a partir da experiência na escola Salete Bila.
O primeiro contato com a coordenadora responsável pelo
PROFA na SME foi rápido e formal, ela quis saber sobre minha
experiência profissional, ao que lhe respondi de modo objetivo. Eu
estava bastante ansiosa e foi um alívio termos uma conversa breve.
83
Na ocasião ela me informou que haveria uma reunião com o grupo de
formadoras na semana seguinte e que eu deveria comparecer na data e
local determinados. Tomei nota da informação e voltei para casa.
Não sabia ao certo o que pensar; estava bem disposta
para seguir outros percursos que extrapolassem os limites da sala de
aula com alunos do ensino fundamental, mas também temia por
aquele trabalho totalmente novo, com pessoas desconhecidas e sobre
um assunto para o qual me admitia incompetente. Por outro lado,
aquela era uma oportunidade em que eu poderia aprender justamente
sobre um assunto que tanto me afligira no ano anterior. E finalmente,
a conveniência falou mais alto: certamente estavam me oferecendo
melhores condições de trabalho, mais compatíveis com as pretensões
de conclusão da tese.
O período letivo de 2001 já havia se iniciado e eu
permanecia na Escola Municipal Salete Bila. Estava exercendo a
função de supervisão em substituição, de modo que o combinado até
aquele momento era para que eu trabalhasse três horários no PROFA
e os outros dois na escola.
A reunião geral do PROFA que aconteceu com todo o grupo
de formadoras foi uma surpresa para mim. Lá eu encontrei duas amigas
da faculdade e me senti mais tranqüila. O grupo, porém, era bastante
84
diversificado e totalizávamos onze professoras. Desse grupo, quatro
aparentavam bastante experiência e competência, as demais pareciam
um pouco perdidas como eu. A reunião foi para apresentar uma parte do
Programa e para informar que estaríamos participando de uma formação
geral e mais um mês de formação específica antes de iniciarmos o curso
com os professores cursistas da rede.
O PROFA foi elaborado por uma equipe técnica do MEC e
de consultores convidados, sendo gerenciado pela Secretaria de
Ensino Fundamental desse órgão, através de uma Rede Nacional. A
capilaridade dessa rede visava um maior fluxo de interações entre as
turmas de professores cursistas, as equipes de formadores em
formação e a equipe nacional de consultores.
A Rede Nacional de Formação do PROFA tinha uma
estrutura bem planejada, como se pode ver na representação gráfica
que se segue, porém, a idéia de rede também se prestou à noção de
hierarquia e controle, segundo a percepção da equipe de formadoras
da SME. Freqüentemente nos queixávamos das cobranças que nos
eram impostas, criticávamos a nossa falta de autonomia e a forma
como éramos avaliadas.
85
Representação Gráfica da
Rede Nacional de Formação do PROFA
Turmas de Cursistas Formadores
Coordenadores de Pólo/Municí
p
ios Coordenadores Estaduais
Consultoria da Rede Nacional MEC/PROF
A
Segundo essa estrutura, os coordenadores da rede
nacional atuavam principalmente junto aos coordenadores estaduais e
coordenadores de pólos constituídos por municípios circunvizinhos.
Cada coordenador geral de pólo atuava junto a uma equipe de
formadores e estes faziam a formação dos professores cursistas. A
86
formação de todas as equipes de coordenadores e formadores
acontecia simultaneamente à formação dos professores cursistas.
Isso foi um grande desafio que enfrentamos.
Na primeira etapa da formação, tivemos três dias de
estudos no Instituto Kennedy, onde estavam presentes alguns
coordenadores da rede nacional e mais a coordenadora da rede
nacional responsável pelo Rio Grande do Norte. Além dos
coordenadores da rede nacional estavam presentes os coordenadores
gerais de pólo e as equipes de formadores no Rio Grande do Norte.
No caso de Natal não houve formação de pólo por conta de
dificuldades operacionais, como por exemplo, a disponibilidade e
compatibilidade de horários para reunir as equipes das três
instituições que aderiram ao PROFA: SME, Fundação Fé e Alegria e o
MEIOS – Movimento de Integração e Orientação Social.
Lá no Instituto Kennedy eu ainda não me sentia muito à
vontade, conhecia pouco sobre o programa e a política de formação
continuada adotada pela SME e pelo MEC. Logo de início achei o
trabalho bem interessante e até estava gostando, embora a postura
dos coordenadores me parecesse excessivamente dogmática.
Os coordenadores da rede nacional, presentes naquelas
atividades desenvolvidas no Instituto Kennedy, adotavam uma atitude
87
muito radical frente a qualquer pergunta feita pelos formadores que
pudesse gerar dúvidas quanto à qualidade do PROFA ou ao seu teor
ideológico. Se por um lado eu admirava o domínio e tranqüilidade dos
coordenadores, por outro estava me segurando na cadeira para não
provocá-los, pois aquele comportamento irredutível gerava uma
antipatia desnecessária.
Durante esses três dias me inquietei ainda mais quando o
assunto em pauta era a didática da alfabetização a partir do
conhecimento da psicogênese da língua escrita e dos estudos sobre
letramento. Todo o tempo debatia-se sobre como propor para os
alunos atividades significativas de leitura e escrita. Eu percebia,
mesmo com desconfiança, que havia uma preocupação muito
presente em discutir a prática do professor na sala de aula, assim
como reorientar o discurso sobre o fracasso escolar nas séries iniciais
da escola pública. Algo que eu ainda não havia experimentado em
nenhum momento da minha formação acadêmica. Entretanto, era
como se tudo dependesse exclusivamente da competência
pedagógica dos professores, não se podia ampliar o debate do
fracasso escolar aos condicionantes sócio-políticos e econômicos
presentes na ideologia neoliberal. Com o passar do tempo e com o
aprofundamento de questões específicas sobre alfabetização as
formadoras da SME se modelaram a essa visão reducionista em
88
função do foco da formação: a alfabetização. Eu me encolhi, naquele
momento, diante delas e da coordenação para não criar conflitos que
iriam me prejudicar profissionalmente.
No último dia do encontro no Instituto Kennedy eu recebi
outra proposta de SME: deixar o trabalho na escola para assumir
integralmente o PROFA, ficando definitivamente lotada na própria
Secretaria. Aceitei de imediato, pois já havia tido alguns problemas de
saúde pelo convívio naquela escola tão insalubre. Lá eu
frequentemente adoecia com problemas respiratórios e alérgicos; era
inevitável o contágio através do contato com alunos; jamais consegui
recusar o abraço e o beijo de uma criança. Nunca concebi educação
sem afeto, principalmente nos primeiros anos de escolaridade.
Essa equipe das onze formadoras da SME/PROFA
atendeu a nove turmas de professores em exercício, em 14 escolas
5
e
uma instituição conveniada - todas localizadas na região oeste de
Natal, que como já dito, é uma área bastante carente. As nove turmas
tiveram uma matricula inicial de 230 professores, e ao final do curso
tivemos um total de 140 concluintes. Esse curso, que tem uma carga
horária total de 180 horas, sendo 75% de aulas presenciais e 25% de
5
. A relação das escolas, turmas e horários de funcionamento do PROFA em 2001 encontram-se no apêndice
deste trabalho.
89
aulas vivenciais, as nove turmas iniciaram em abril de 2001 e
concluíram em julho de 2002.
A leitura do material do PROFA não me dizia nada de
muito novo sobre as teorias da alfabetização, mas atingia em cheio
minha curiosidade sobre a transposição didática dessas teorias. Isso
me fez tornar a pensar sobre a forma como teoria e prática podem
completarem-se, como todos dizem e não fazem. Talvez porque não
tiveram a oportunidade de estudá-las ou, talvez, numa avaliação mais
econômica, porque seria muito esforço para a pouca remuneração
que é o salário do professor.
Apesar de o PROFA apresentar uma estrutura toda pré-
elaborada, cabendo ao formador dominar a técnica e o conteúdo para
aplicá-los na formação dos professores, o grupo de formadoras da
SME teve a sorte de ter participado de várias situações criadas pela
representante da Rede Nacional no RN, que contribuíram
definitivamente para que uma parte nós nos sentíssemos provocadas
a estudar o programa para além de sua mera execução.
Apesar disso, na minha avaliação pessoal, os
conhecimentos sobre estratégias de formação e processo de
alfabetização não foram bem apreendidos pela totalidade do grupo de
formadoras. Assim também, em todas as turmas, os resultados do
90
curso junto a uma parcela dos professores cursistas devem ser
relativizados. Isso porque a aprendizagem traz consigo, enquanto
processo individual e volitivo, uma série de condicionantes que
interferem na forma como os conhecimentos são apreendidos. Logo a
lógica de uma fábrica, que a partir de uma determinada receita/técnica
ordena procedimentos para produção em larga escala de produtos
padronizados não poderia se aplicar ao processo de ensino e
aprendizagem, seja ele direcionado aos formadores, professores ou
alunos.
A questão da aprendizagem enquanto processo individual
de construção foi um dos conteúdos/conhecimentos que o PROFA
trouxe com grande freqüência para o debate, considerando-se aí que
o erro faz parte dessa construção lógica que o aprendiz realiza para
apreender o objeto. Porém, éramos constantemente questionadas
acerca dos resultados que os professores cursistas estavam obtendo
na sala de aula com seus alunos.
Não sabíamos se a cobrança se fazia por equívoco da
coordenadora da rede nacional MEC e da coordenadora geral da
SME, ou por exigências da política institucional desses órgãos, ou por
ambas as coisas. Todavia, isso nunca passou despercebido em nosso
grupo de formadoras.
91
Após esse encontro geral com toda a rede de formadores
do Estado, a equipe da SME apresentou uma sistemática de trabalho
pautada nas seguintes ações:
1. Reunião da equipe de formadoras sob a orientação da
coordenadora geral, com duração de 4 horas, em dois dias
da semana para a realização de estudos e planejamento das
unidades de conteúdo a serem desenvolvidas nos encontros
de formação com os professores cursistas.
2. Encontro de formação, com 3 horas de duração, em um dia
da semana com os professores cursistas.
3. Um horário na semana, com duração aproximada de 4 horas,
para a realização de estudos individuais das formadoras ou
eventuais orientações individuais agendadas com os
cursistas.
4. Um dia para acompanhamento da prática docente dos
professores cursistas na escola.
Na prática, porém, apenas eu e outra colega formadora -
Olga Regina - fomos disponibilizadas pela Secretaria para dedicação
exclusiva ao PROFA, e o que de fato foi cumprido pela equipe foram
92
as duas primeiras ações, enquanto que os acompanhamentos às
escolas foram realizados esporadicamente.
Conheci Olga na primeira reunião geral com as formadoras
do PROFA. Sentara-se ao lado de Joselídia, pois já eram colegas.
Não desenvolvemos uma empatia a primeira vista. Ela me conta que
se sentiu tímida entre pessoas que já tinham um mestrado, como no
meu caso. Achava que teríamos um comportamento de superioridade
em função do diploma.
Da minha parte senti a reserva e procurei respeitar, sem
entender ao certo as razões do distanciamento. Mais tarde formos
colocadas para trabalhar em parceria. Descobrimos uma amizade
verdadeira e a partilha de experiências profissionais inestimáveis.
Como apenas nós duas ficamos à disposição da SME
estivemos mais sistematicamente realizando a tarefa de ir às escolas.
Nessa atividade eu aprendi que os professores, a partir de uma
mesma situação de estudo vivida na ocasião dos encontros de
formação, apresentavam diferentes maneiras de compreender e
transformar, ou não, a sua própria prática docente cotidiana.
Não foi exatamente o conteúdo do PROFA em si que
mexeu com a minha cabeça me virando ao avesso, foi a combinação
de pelo menos quatro fatores:
93
• Conviver num ambiente de formação onde as situações
propostas pela coordenadora da rede me provocavam intensamente.
Pois somente ver os vídeos e ler o material não era suficiente para
responder às situações problemas propostos, era preciso pensar e
expressar a compreensão do conteúdo tratado fazendo a ponte com
situações didáticas do cotidiano de uma classe de alfabetização. E
nesse caminhar entre a teoria e a prática eu me descobria em erros e
contradições, eu fui aprendendo a exercitar o pensamento crítico-
reflexivo e a deixar aflorar minhas angústias.
• Perceber que os erros e contradições estavam presentes,
também, na coordenação da rede nacional MEC e na coordenação
geral, uma vez que fomos inúmeras vezes mal compreendidas em
nosso processo pessoal de aprendizagem. Cobravam-nos
competências que ainda estávamos aprendendo a construí-las.
Cobravam-nos resultados que não dependiam exclusivamente de nós.
Éramos grosseiramente comparadas com as outras equipes de
formadoras de outros pólos, e isso nunca surtiu efeito positivo no
grupo porque não nos sentíamos valorizadas em nenhum momento.
As equipes citadas como bom exemplo pela coordenação geral da
rede nacional no Estado, não eram em nossa avaliação exatamente
tudo aquilo que se dizia. Isso ficava patente para nós durante os
encontros bimestrais de coordenadores e formadores de todos os
94
pólos do Estado do Rio Grande do Norte, pois éramos a equipe que
efetivamente mais demonstrava compreensão acerca dos conteúdos
e metodologias em pauta. Nossa equipe de formadoras não entendia
essa atitude da coordenação. Rejeitávamos não apenas qualquer
comportamento de rivalidade e competitividade como também a
avaliação da coordenação que não deixava claro as suas intenções.
• Estar aprendendo a ensinar dentro de uma nova
abordagem metodológica e, concomitantemente, experimentar ensinar
aos professores cursistas. Passei a perceber que a experiência de
formação no PROFA traz simultaneamente a discussão da
metodologia em duas dimensões: a que se refere às estratégias de
ensino que o formador deve utilizar com os professores e a que se
refere às estratégias de ensino que os professores devem adotar com
os alunos no processo de alfabetização.
• Refletir na ação e sobre a ação, destacando-se aí a
escrita como suporte necessário da memória e a leitura dos registros
como subsídio essencial da reflexão. Desenvolver essa habilidade de
reflexão me permitiu ampliar conceitos, estabelecer relações, construir
novos conhecimentos e avaliar o meu próprio processo de
aprendizagem.
95
Outros desafios enfrentados foram também muito
importantes para que eu me sentisse mais competente
desempenhando o papel de formadora de professores em serviço:
• Estabelecer um vínculo afetivo com os professores e criar
um ambiente cordial, de forma que todos se sentissem à vontade para
se exporem diante de mim e dos outros colegas.
• Administrar o tempo das atividades nos encontros com os
professores. Era difícil encontrar a medida certa para o debate entre
professores acerca de suas práticas, de forma que a discussão não se
tornasse redundante, prolongada ou se distanciasse demasiadamente
do assunto de origem. E mesmo assim, o tempo era muito escasso,
frente à riqueza dos depoimentos e reflexões trazidas pelo grupo de
professores.
• Respeitar os conhecimentos profissionais do professores
e compreender suas dificuldades pessoais na hora de propor uma
mudança em sua prática docente, sem que isso significasse deixar de
instigá-los a buscarem de novos horizontes.
Finalmente, cabe destacar ainda que a experiência do
trabalho em parceria com Olga e a responsabilidade com duas turmas
de professores foram essenciais para que eu pudesse estar me
desconstruindo e reconstruindo.
96
A parceria com Olga foi muito interessante porque
percebemos que uma completava a outra. Ela tinha mais experiência
de escola e de formação com professores da rede. Eu tinha mais
intimidade com a teoria e com as explicações que embasavam as
propostas didáticas apontadas pelo PROFA. No início do trabalho,
dividíamos as atividades da pauta e ficávamos insatisfeitas. Ela
reclamava porque eu não puxava muito dos professores os
desdobramentos práticos das experiências que eles relatavam sobre
seus alunos. E eu reclamava porque ela não conseguia estimular os
professores a avançarem em suas explicações, de forma que eles
pudessem relacioná-las com os textos estudados.
Além da parceria com Olga durante os encontros
semanais com os cursistas da turma da quinta-feira, eu e Olga
assumíamos separadamente mais uma outra turma no sábado. Ainda
quinta à noite ou sexta-feira à tarde nós rediscutíamos a pauta da
turma de sábado diante do que havíamos vivenciado. Na sexta-feira,
porém, no horário da manhã participávamos da reunião do grupo de
formadoras para iniciarmos o estudo da pauta da semana seguinte.
No começo isso era bastante complicado para a cabeça da gente ficar
transitando as idéias entre o passado recente (quinta), o presente
(sexta) com olhar no futuro (semana seguinte), e o futuro (sábado)
retornando ao passado (sexta da semana anterior e quinta da semana
97
em curso). Superada a confusão, o fato que é que obtivemos mais
resultados satisfatórios com os professores das turmas do sábado, e
nós mesmas aprendemos muito também, pois todas as situações
difíceis vividas por nós e pela equipe de formadoras serviam como
sinalizadores para as turmas do sábado.
Após a conclusão do PROFA pelas nove turmas, eu e
Olga planejamos e realizamos, no período de outubro a dezembro de
2002, um projeto de acompanhamento às escolas que haviam sido
atendidas pelo Programa. Quanto ao restante da equipe de
formadoras, uma parte retornou às escolas de origem e a outra aos
setores em que estavam lotadas na SME.
A realização desse projeto visava contribuir com a
mudança progressiva da prática dos professores na realização das
atividades voltadas para o ensino da leitura e escrita nas classes de
alfabetização. Consistia de três ações formativas:
• A observação dos professores realizando uma atividade
de alfabetização em sala de aula com alunos. Essa observação
acontecia após agendamento prévio com os professores da escola.
A discussão coletiva de questões/problemas que
propúnhamos com base nas observações das salas de aulas. A partir
dessa tematização da prática os próprios professores identificavam
98
suas dificuldades, buscavam respostas e avaliavam seus próprios
avanços e o avanço dos seus alunos. Essa discussão acontecia na
sala dos professores após a liberação dos alunos da escola.
• A realização de quatro oficinas didáticas, focadas em
pontos que havíamos previamente avaliado como sendo críticos:
planejamento de boas situações de aprendizagem; diagnóstico das
hipóteses de escrita e agrupamentos produtivos; atividades de
produção e revisão de texto coletivo; diagnóstico e registro avaliativo
da aprendizagem do aluno.
Em abril de 2003 o PROFA foi reiniciado para atender
dessa vez a 17 escolas da região Norte de Natal. A parceria com MEC
havia sido encerrada e a coordenação da equipe de formadoras ficou
sob a minha responsabilidade e a de Olga. Passamos a ser
simultaneamente coordenadoras da equipe de formadoras e
formadoras de turmas. A equipe de formadoras que formamos dessa
vez atendeu a 4 turmas: duas na quinta-feira à noite e duas no sábado
pela manhã. Éramos uma equipe de seis formadoras, pois as turmas
da quinta eram inicialmente mais numerosas e as formadoras
atuavam em parceria. Tivemos uma matrícula inicial de 140
professores, onde 100 destes concluíram o curso.
99
48%
17%
ÍNDICES DE EVASÃO
PROFA 2003
QUINTA
SÁBADO
Tanto em 2001 como em 2003 observamos uma grande
procura pelo PROFA, mas seguida de um alto índice de desistência.
Contudo percebamos também um decréscimo significativo desses
índices de evasão: 39,13% para 28,57% respectivamente. Outro dado
importante é que a concentração desses índices de evasão é bem
menor nas turmas com aulas aos sábados. Vejamos o gráfico a
seguir:
Programda de Formação de Professores Alafabetizadores
Fonte: Departamento de Ensino / Secretaria Municipal de Educação – Natal, 2003.
Esses dados, associados aos depoimentos dos
professores, apontam fatores importantes que a SME deveria
considerar para a política de formação continuada dos seus
professores:
100
- Os professores têm pouca disponibilidade de tempo para
participarem da formação continuada em horário oposto ao da sala de
aula. Em geral os professores têm dois vínculos de trabalho,
ocupando diariamente pelo menos dois turnos de sua jornada.
- Os professores ao participarem de uma formação
continuada por um tempo prolongado acabam desistindo. O cansaço
físico e mental representa um sacrifício pessoal superior as suas
condições objetivas.
- Cursos cuja metodologia requer bastante empenho por
parte dos professores cursistas, como no caso do PROFA, são pouco
produtivos no período da noite ou durante a semana. Isso porque os
professores, em grande maioria, dependem de ônibus coletivo, saem
das escolas e vão direto para o curso sem se alimentarem, estão
cansados, suados e exaustos. Qualquer esforço mental é
praticamente uma tortura.
Os fatores acima citados são responsáveis pelo grande
índice de desistência nos cursos de formação de longa duração como
o PROFA. Entretanto, o risco de evasão decresce aos sábados uma
vez que esses fatores são minimizados, mas também, é bem menor o
número de professores com disponibilidade para esse horário.
101
Assim, compreendemos que para uma formação
continuada se tornar eficiente e potencialmente poder se reverter em
melhoria na qualidade do ensino é preciso que haja, também, uma
política institucional que possibilite aos professores o acesso e
permanência nos cursos oferecidos. Isto é, a preocupação com a
formação do professor não deve se restringir à dimensão pedagógica,
deve igualmente abranger as condições objetivas para que o
professor possa participar e o desvelamento do aparato ideológico
que sustenta essa política de formação.
E é nesse último sentido que mais percebo a nossa
omissão e, talvez, impotência na formação dos professores. Em geral,
as poucas ações relacionadas à reflexão crítica da ideologia que
sustenta determinada política de formação continuada têm se
pautado, equivocadamente, em militâncias sindicais: greve como
política partidária com fins eleitorais, descompromisso com a
qualidade da educação em função das insatisfações salariais, falta de
interesse em discutir propostas mediadoras para a melhoria das
condições reais de trabalho do professor, incoerência na noção de
democracia e direitos sociais.
Como essas dimensões se interpenetram, em quase todas
as situações de formação que participei, principalmente no PROFA,
102
fosse na condição de formadora em formação (estudo e planejamento
da equipe) ou na condição de formadora em ação (encontros de
formação com professores cursistas, acompanhamento das aulas
vivenciais), me deparei com um rol de situações conflitantes e
ambíguas, muito embora fosse dado o destaque à dimensão
pedagógica.
Nesse ponto de minha trajetória, passei a perceber e
valorizar a formação inicial que como promotora do meu aparato
teórico instrumental de análise. A retomada dos estudos em
Sociologia da Educação e sobre o pensamento pedagógico
contemporâneo me deu fôlego que para não cair na fragmentação e
na repetição mecânica das propostas de formação continuada de
professores.
DESMONTANDO PEÇAS
Somos nós que criamos as oportunidades para
realizar o que almejamos, e é nosso olhar que
fecunda os acontecimentos e os faz mostrar todo
um mundo de significações escondidas em cada
um deles.
Donald Winnicott
Através do Guia do Formador do PROFA, que se baseia
bastante nas idéias de Perrenoud, aprendemos que competências
profissionais não são desenvolvidas pelo simples contato com a
informação. Saber quais são as necessárias competências para o
exercício da profissão não basta a nenhum indivíduo, pois elas
demandam decisões, procedimentos e atitudes que não dependem
unicamente do acesso à informação. A possibilidade de pôr em uso o
conhecimento disponível para atuar contextualmente é algo que
depende de um processo de construção singular do “saber fazer” –
uma construção que é conceitual, procedimental e atitudinal.
104
Esse é um dos sentidos que a formação profissional deve
se orientar. Assim, embora possamos questionar o teor ideológico
neoliberal subjacente nas entrelinhas do discurso oficial do PROFA, é
possível também recriar o conhecimento didático que ele veicula em
favor da aprendizagem dos alunos. Entretanto, seria imperdoável
concordar com a tendência de focalizar o problema do fracasso
escolar na formação do professor. Feitas essas considerações
preliminares apresento alguns conhecimentos teórico-práticos
importantes que aprendi a partir do PROFA.
O investimento da Secretaria na formação dos professores
em serviço através do PROFA teve um caráter especial, pois os
conteúdos e as didáticas que permearam este trabalho estão
diretamente associados ao cotidiano das salas de aula, envolvendo
discussões em dois eixos: como se ensina e como se aprende.
Nesse processo, que envolve professor e alunos, são
tratadas tanto as dificuldades e possibilidades do professor para
ensinar e alfabetizar com qualidade, como também as dificuldades e
possibilidades dos alunos em aprenderem e se alfabetizarem de fato,
tornando-se leitores e escritores competentes. Isto é, a metodologia
de formação do PROFA se despontou como inovadora, no contexto
das escolas da rede municipal de Natal, por tratar dialeticamente o
105
processo de ensino-aprendizagem, discutindo os problemas e levando
os professores a pensarem em alternativas adequadas para a sua
prática docente, tendo como premissas a teoria construtivista e as
especificidades da escola em que trabalham.
Este diferencial em relação a outros programas e cursos
de formação oferecidos pela SME foi percebido logo no início do
PROFA pelos professores cursistas. Em depoimentos escritos no
nosso Caderno de Registro Coletivo, a professora Vânia Lúcia, da
Escola Municipal Maria Madalena Xavier diz o seguinte:
O PROFA nos têm possibilitado refletirmos sobre a
nossa prática pedagógica e avaliarmos a nossa postura
enquanto mediadores do conhecimento e
aprendizagem dentro do contexto em que estamos
inseridos.
Nas palavras da professora Soraya, da Escola Municipal
Zuleide Fernandes, o testemunho também é marcante:
Quando iniciei em 2003, logo percebi que se tratava de
uma proposta de trabalho inteligente e cheia de
afetividade e... as hipóteses de escrita dos alunos: que
maravilha poder identificá-las e contribuir com os
avanços das crianças e naturalmente lançar um novo
olhar nas reais necessidades de aprendizagens. Como
professora e atual dirigente escolar, observo que
crescemos quanto unidade de ensino, uma vez que a
oportunidade de cursar o PROFA chegou ao Zuleide
Fernandes.
106
Na formação do PROFA trabalhamos para que os
professores alfabetizadores, que lidam com crianças, jovens e
adultos, construíssem progressivamente algumas competências,
como pressupostos de suas ações e decisões pedagógicas, quais
sejam:
• o reconhecimento de que todos os alunos são pessoas
capazes e precisam ter sucesso em suas aprendizagens, para que
possam se desenvolver pessoalmente e tenham uma imagem positiva
de si mesmos;
• o propósito de desenvolver um trabalho de alfabetização
adequado às necessidades de aprendizagem dos alunos, acreditando
que todos, indistintamente, são capazes de aprender;
• o acolhimento de diferentes hipóteses e falas dos alunos
quando expressam seus conhecimentos;
• a consciência de que o professor deve ser um modelo de
referência para os alunos: como leitor, como usuário da escrita e
como parceiro durante as atividades;
• o planejamento de situações didáticas de alfabetização,
considerando: o que sabem sobre os processos de aprendizagem e
de alfabetização, e sobre o conhecimento que os alunos apresentam
em relação à leitura e escrita;
107
• o uso do modelo metodológico de resolução de problemas na
alfabetização;
• a análise e adequação das situações didáticas, a partir do
conhecimento sobre os processos de aprendizagem e das
especificidades da turma;
• a identificação das variáveis que interferem favorável e
desfavoravelmente na aprendizagem;
• a seleção e uso de diferentes materiais apropriados para o
trabalho pedagógico de alfabetização, incluindo o uso de textos de
diferentes gêneros, que sejam apropriados para os objetivos da
atividade;
• a formação de agrupamentos produtivos que favoreçam a
aprendizagem de todos os alunos, considerando seus conhecimentos
sobre a escrita e suas características pessoais;
• a valorização da cooperação na sala de aula, especialmente
em situações de ensino e aprendizagem da escrita;
• o acompanhamento atento e as intervenções junto aos alunos
quando realizam atividades e se relacionam uns com os outros;
108
• a gestão adequada da sala de aula, especialmente quando há
variáveis heterogêneas de conhecimento em relação ao sistema de
escrita;
• o respeito aos diferentes ritmos e formas de aprendizagem,
identificando qual é a ajuda necessária para que todos se alfabetizem;
• a observação do desempenho dos alunos durante as
atividades, bem como as suas interações nas situações de
agrupamentos, para fazer intervenções pedagógicas adequadas;
• a análise da produção escrita dos alunos, identificando o que
ela revela sobre o seu conhecimento lingüístico;
• a produção e uso de instrumentos de avaliação que possam se
reverter na melhoria da aprendizagem dos alunos no que se refere à
alfabetização;
• a utilização de instrumentos funcionais de registro de
desempenho e evolução dos alunos, de planejamento e de
documentação do trabalho pedagógico;
• o compromisso, preferencialmente compartilhado por toda a
escola e pelas famílias das crianças, em relação às aprendizagens
dos alunos.
109
• a disponibilidade para discutir a prática de alfabetização
desenvolvida.
Dessa forma, nossa preocupação desde o início foi
evidenciar - como defende Telma Weisz (2000) - que o ensino tem de
dialogar com a aprendizagem. Parece óbvio, porém, escapa da
compreensão e da prática de muitos de nós:
Não existe um processo único de “ensino-aprendizagem”,
como muitas vezes se diz, mas dois processos distintos:
o de aprendizagem, desenvolvido pelo aluno, e o de
ensino, pelo professor. São dois processos que se
comunicam mas não se confundem: o sujeito de ensino é
o professor enquanto o do processo de aprendizagem é o
aluno. É equivocada a expectativa de que o aluno poderá
receber qualquer ensinamento que o professor lhe
transmita exatamente como ele lhe transmite. O
professor é que precisa compreender o caminho da
aprendizagem que o aluno esta percorrendo naquele
momento e, em função disso, identificar as informações e
atividades que permitam a ele avançar do patamar de
conhecimento que já conquistou para outro mais
evoluído. Ou seja, não é o processo de aprendizagem
que deve se adaptar ao de ensino, mas o processo de
ensino é que tem de se adaptar ao de aprendizagem. Ou
melhor: o processo de ensino deve dialogar com o de
aprendizagem. Weisz (2000, p. 65)
Tal ensinamento deve ser considerado válido tanto para as
situações do cotidiano escolar, como para as de formação de
professores. Na experiência de formação que pude compartilhar com
Olga no período de 2001 a 2004, construímos nossas próprias
110
competências de formadoras, extrapolando o que era proposto na
formação de formadores do PROFA.
Entretanto a possibilidade de mexer com maior liberdade e
segurança nas atividades do PROFA para realizar as adequações que
julgávamos necessárias, só ocorreu na segunda experiência de
formação (2003/2004). Durante a primeira fase (2001/2002) em que
estávamos sendo formadas pelo MEC, a coordenação responsável
pelo nosso grupo não nos dava abertura para que pudéssemos recriar
os encontros de formação com os professores cursistas. Esses
encontros eram previamente estruturados pelo Guia do Formador em
unidades de conteúdos e atividades. Esse guia é uma espécie de
manual de instruções, tão detalhado que inicialmente inibia nossa
criatividade e tolhia a nossa liberdade para reestruturar a pauta
previamente sugerida.
Todavia, nosso espírito crítico e criativo falava mais alto e
nos incitou a transgredir. Isto significou estudar constantemente sobre:
didática de formação de professores e didática de alfabetização,
metodologias de ensino através da resolução de problemas,
fundamentos dos processos de leitura e escrita, letramento...
Significou criar e adaptar situações de aprendizagem elaboradas pelo
PROFA, reorganizando as pautas das unidades de conteúdo
111
organizadas no Guia do Formador, para que pudéssemos obter o
máximo proveito. Significou, também, discutir com mais duas outras
formadoras da equipe sobre as dificuldades, os avanços e as
estratégias criadas em cada unidade do curso, a despeito dos
direcionamentos recomendados pela coordenação da rede.
Admito, contudo, que as pautas de trabalho a serem
trabalhadas conforme o Guia do Formador do PROFA são muito bem
planejadas. Através delas os professores cursistas podem vivenciar
situações didáticas de alfabetização, a partir da leitura e estudo de
textos, discussão de vídeos e outras atividades de reflexão sobre a
prática pedagógica.
Em nossa experiência, após cada encontro de formação,
os professores cursistas levavam para casa e escola atividades
pessoais que iriam executar durante a semana até o próximo encontro
de formação. Essas atividades ou Trabalhos Pessoais correspondiam
à carga horária vivencial do PROFA, sendo que os resultados desse
trabalho eram discutidos coletivamente, sempre no início de cada
encontro de formação. Formávamos uma Rede de Idéias que
enfatizava as articulações entre teoria e prática.
As pautas dos encontros eram organizadas de modo que
os professores pudessem identificar as teorias de aprendizagem e
112
suas implicações nas escolhas e condutas docentes. Não se tocava,
porém, nos pressupostos ideológicos embutidos nessas escolhas,
ponto de grande desconforto para mim. Os vídeos continham
pequenas e sutis sugestões, que se fazia crer nas dificuldades de
aprendizagem dos alunos como reflexo quase exclusivo das
dificuldades do professor. Por que sutilmente a cidadania era usada
não como uma conquista social e política, mas como uma conquista
escolar adquirida no processo de alfabetização?
Considerando os aspectos mais pedagógicos, uma das
maiores contribuições dentre as atividades e estratégias
metodológicas utilizadas na formação dos professores
alfabetizadores, foi aprendemos que era fundamental abrir o espaço
para que os professores pudessem se confrontar com problemas reais
e discuti-los entre si, sem medo de estarem se expondo.
Quando da primeira experiência com PROFA, eu e Olga
passamos por um breve período de adaptação mútua à parceria que
formávamos na turma da quinta-feira. Passamos a estudar com muito
afinco sobre as estratégias de formação.
Olga, porém, nunca pareceu valorizar uma compreensão
sobre a formação dos professores para além da técnica e da didática.
Algumas vezes eu tentava dialogar com ela sobre as implicações
113
sociais e políticas dos programas oficiais de formação continuada.
Ela, porém, jamais se dispôs, por exemplo, a ler um pouco mais a
obra de Paulo Freire. Parecia-me que seu interesse era estritamente
pragmático: qualquer teoria sem relação diretamente visível com o
conteúdo da formação era relegada ao segundo plano.
Já na experiência com os professores não havia espaço
propício para ampliar esse tipo de reflexão. Não podia me expor
diante da instituição, e tampouco queria enfatizar os equivocados
discursos sindicais que o professorado da rede pública de Natal tanto
abraça.
Por outro lado, descobrimos com os encontros de
formação de professores que era fundamentalmente importante
estarmos considerando, respeitando e ampliando os diferentes
saberes dos professores. Saberes construídos pela experiência
pessoal, individualidades, convicções, valores. Saberes essenciais à
resolução dos problemas propostos na formação.
Descobrimos que a chave das muitas respostas para os
problemas didáticos propostos no currículo do PROFA se encontrava
nas idéias que surgiam, nas tentativas, erros e acertos, no apoio e
acompanhamento das formadoras ao professor em sala de aula, no
114
intercâmbio de experiências e essencialmente na reflexão sobre a
ação.
Nesse sentido, as estratégias metodológicas que mais
exploramos através PROFA foram:
• O levantamento dos Conhecimentos Prévios dos
professores, considerados como base para as discussões e
ampliação da compreensão do objeto de estudo.
• A Tematização da Prática através da Rede de Idéias e de
outras situações propostas em diferentes atividades de análise e
reflexão. Essa Rede de Idéias era o momento em que se concluía,
ainda que provisoriamente ou parcialmente, um conteúdo trabalhado
em uma unidade. Em geral, era a finalização das discussões sobre
um tema, em que o professor construía novos conhecimentos após
confrontar seus conhecimentos prévios com os estudos de textos e
vídeos, participar das discussões coletivas e realizar as atividades
propostas com seus alunos em sala de aula.
Dessa forma, na discussão da Rede de Idéias os
professores realizavam o intercâmbio de suas novas experiências a
partir do conteúdo estudado nas unidades. Isto é, discutiam as
necessidades, dificuldades e avanços observados com essa nova
proposta de trabalho pedagógico.
115
Eu aprendi muito com esses relatos. Percebi que minhas
angústias e alegrias eram as mesmas de muitas professoras, até com
bastante tempo de experiência.
O testemunho de Maria Leda, da Escola Terezinha
Paulino, ilustra um pouco as discussões e análises da Rede de Idéias:
Gostei muito de trabalhar a produção de texto coletivo
dessa maneira, pois além de permitir um envolvimento
real dos alunos na atividade, eu também pude fazer
uma análise real de quanto meus alunos sabem. A
gente tem que acreditar que eles são capazes de
produzir bons textos. Eu já trabalhava com produção de
texto coletivo, mas desse jeito foi diferente porque eu
sabia o que eu queria deles e eles também, aí eles se
entusiasmaram e todo mundo participou. Eu tava assim
desconfiada no começo que ia dar certo, e quase não
deu, mas eu insisti comigo mesmo e não desisti.
O Contrato Didático com os professores, a exemplo do que
deveriam fazer com seus alunos, foi também uma estratégia
metodológica importante. Visava instaurar na sala de aula um
ambiente mais colaborativo, participativo e produtivo. No Contrato
Didático discutíamos as condutas adequadas ao espaço da formação,
tanto em relação aos professores como às formadoras, para que os
objetivos fossem atingidos. Neste sentido, a cada módulo eram
apresentadas e discutidas as Expectativas de Aprendizagem que o
116
curso propõe. O alcance dessas expectativas era o nosso parâmetro
de avaliação e auto-avaliação.
As Expectativas de Aprendizagem era uma listagem de
objetivos gerais e específicos que se pretendia alcançar com a
formação, traduzidos em competências profissionais para professores
alfabetizadores. As Expectativas de Aprendizagem eram
apresentadas no início de cada um dos três módulos que compõem o
programa. No final desses módulos os professores cursistas
retornavam às Expectativas de Aprendizagem para se auto-avaliarem.
Com os resultados obtidos observávamos quais questões iriam
merecer maior atenção e se haveria necessidade de retomar alguns
conteúdos.
A Leitura Compartilhada era uma atividade de leitura
proposta para todo início de trabalho. Consistia na leitura de
diferentes gêneros literários tendo como objetivos: ampliar o repertório
de leitura do professor com textos de boa qualidade, consolidar o
hábito da leitura, despertar no professor a necessidade de que ele
fosse uma referência de leitor para seus alunos. A Leitura
Compartilhada era uma atividade sugerida para o professor também
realizar com os seus alunos.
117
A professora Geltrudes, da Escola João Paulo II, escreveu
em seu Caderno Pessoal de Registro uma reflexão muito interessante
sobre a leitura compartilhada:
Jamais imaginei que meus alunos pudessem ficar tão
atentos quando li para eles o texto de Maria Angula.
Descobri que eles adoram histórias de assombração,
combinamos de pesquisar várias histórias e eles
trouxeram algumas de casa para que eu lesse para
eles. Agora o momento da leitura compartilhada é o
momento em que mais consigo que todos prestem
atenção.
A Resolução de Problemas era o procedimento metodológico
onde apresentávamos situações criadas a partir do cotidiano escolar e
da prática pedagógica de muitos professores. Inicialmente os
professores eram levados a pensar nessas situações segundo seus
conhecimentos prévios, em seguida propúnhamos a leitura de textos
ou o estudo de vídeos, finalmente retornávamos às situações
inicialmente discutidas e buscávamos solucioná-las adequadamente.
A Resolução de Problemas é um procedimento
metodológico que articula os conhecimentos prévios, à discussão e
reflexão, o estudo de aprofundamento e a busca de solução, dentro
do processo de ensino e aprendizagem.
118
Acostumados com uma concepção de educação onde o
professor detém o conhecimento e o repassa para os alunos, nossos
professores cursistas, e nós formadoras também, enfrentávamos
inicialmente um grande desafio: aprender a aprender e aprender a
ensinar pela Resolução de Problemas.
Isso significa, dentre outras coisas, que o formador não
deve responder a todas as perguntas que lhe são feitas, antes ele
deve propor outras questões ou reflexões que ajudem o professor
cursista a pensar e a encontrar uma solução.
A Resolução de Problemas é conteúdo formativo no
PROFA para o professor cursista colocar em prática com seus alunos.
A resistência inicial que observávamos entre os professores cursistas
era o reflexo de uma concepção de educação que trata o aprendiz
como sujeito passivo da aprendizagem, embora o discurso deles
fosse diferente. A partir de certo momento, os professores iam
progressivamente reconhecendo que não fazia sentido e não era
prazeroso para o aluno quando eles ensinavam sem propor desafios,
sem instigar o aluno a pensar e a encontrar soluções.
Esses professores, na condição de cursistas do PROFA,
aprenderam de fato o sentido de uma aprendizagem significativa.
Vejamos o depoimento da professora Vera Lúcia, da
119
Escola Municipal Laércio Fernandes, que desabafou num momento de
discussão o seguinte:
Eu tinha ódio quando a gente perguntava alguma coisa
pra você (Margarete) e você devolvia com outra
pergunta. Parecia coisa de quem não sabia. Mas eu fui
vendo que as perguntas que você fazia em cima das
minhas dúvidas me faziam achar respostas, nem
sempre as certas, e eu ficava mais irada ainda porque
ai você fazia mais outra pergunta e outra, e outra até
eu ficar mais confusa do que no começo. Mas aí eu via
que quem não sabia mesmo era eu, então eu chegava
em casa e relia os textos durante a semana, ligava pras
colegas, trocava idéias e a coisa ia clareando. Então,
no outro sábado quando você me cobrava qual a
resposta da dúvida que EU havia lhe perguntado, eu
dizia pra mim, agora ela quer aprender comigo! (Risos)
Mas eu agora sei que sou capaz e sei que tudo que
aprendi com muito esforço e com muito sacrifício valeu
mais do que se você tivesse me respondido na hora.
Na metodologia de Resolução de Problemas o formador
ou o professor precisa conhecer bem seus alunos para que os
desafios propostos estejam ajustados as reais condições dos alunos
em enfrentá-los. Também é importante dizer que essa metodologia
não exclui a possibilidade de o professor informar aos alunos, tão
pouco significa deixar que os problemas fiquem sem solução quando
os alunos não conseguirem encontrá-las, nem também, significa
respeitar tanto o pensamento do aluno ao ponto de não se buscar
desfazer os equívocos.
120
As Atividades de Sistematização eram caracterizadas pelos
momentos em que o professor cursista fazia uso da escrita para dar
forma ao conteúdo de sua aprendizagem. O Registro Reflexivo era,
então, uma estratégia metodológica imprescindível na formação das
competências do professor alfabetizador.
Na perspectiva adotada pelo PROFA, o registro escrito
não é uma formalidade, mas uma necessidade de historiar um
percurso, cuja função é possibilitar a reflexão sobre teorias e práticas
pedagógicas dos professores e auxiliar a tomada de decisões nas
situações de planejamento didático, ação e avaliação.
A esse respeito, O Guia de Orientações Metodológicas
Gerais do PROFA/MEC, nas palavras de Walter Takemoto (apud
BRASIL, 2001a, p. 31) nos oferece uma explicação valiosa sobre o
ato de registrar de forma reflexiva:
A leitura, o estudo, a sistematização escrita nos
cadernos de registro dos trabalhos desenvolvidos no
grupo, a apresentação oral dos conteúdos dos registros
e a discussão com os demais participantes, com a
ajuda do formador, contribuem para o desenvolvimento
de competências de uso da linguagem oral e escrita
cuja importância é fundamental, já que não são práticas
comuns no cotidiano de muitos educadores.
121
Ainda no mesmo documento, Telma Weisz acrescenta que
o ato de escrever de forma reflexiva possibilita um nível de análise
mais profunda para quem o faz.
O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um
espaço para que a reflexão sobre a prática ultrapasse a
simples constatação. Escrever alguma coisa faz com
que se construa uma experiência de reflexão
organizada, produzindo, para nós mesmos, um
conhecimento mais aprofundado sobre a prática, sobre
as nossas crenças, sobre o que sabemos e o que não
sabemos. (WEISZ apud BRASIL, 2001a, p 131)
Assim, o uso do Caderno de Registro Coletivo e o
Caderno Pessoal de Registro eram suportes dos conhecimentos
adquiridos, da partilha de experiências e das histórias e percursos de
cada um e de todos. Cabia-nos incentivar e orientar os professores
para a produção desse tipo de escrita, assim como oportunizar
momentos para a circulação dos cadernos de registros em atividades
individuais e coletivas.
Contudo, a tarefa da escrita nunca foi algo fácil, constituía-
se numa das grandes dificuldades encontradas na formação dos
professores e entre quase todas as formadoras da equipe.
Se a escrita narrativa já era bastante difícil pela falta de
habilidade das formadoras e professores cursistas, tanto mais o era
122
aquela forma de registro escrito que estava sendo proposta, onde era
necessário um processo constante de reflexão dialética entre o
conhecimento formalizado nos textos e o vivenciado no cotidiano
escolar.
Mas, ao contrário das minhas colegas, que já esbarravam
nas dificuldades da escrita em si, a minha maior dificuldade era sobre
o teor do que estaria revelando. No início do PROFA eu achava que
esses registros era uma forma de controle, e mesmo tendo superado
essa suspeita, os relatórios que produzi omitiram muitas anotações
pessoais, pois tanto eu quanto o grupo de formadoras da SME, aqui e
acolá, entrávamos em contenda com a coordenação da rede do
programa por divergências de postura.
Os impasses ideológicos com a coordenação da rede em
nosso Estado nunca eram bem resolvidos. Por exemplo: havia um
texto produzido por uma coordenadora da Rede Nacional que induzia
o leitor a acreditar que a cidadania era conquistada pela simples
aquisição da leitura e escrita. Mesmo numa interpretação mais
complacente isso seria no mínimo um deslize imperdoável, tendo em
vista o caráter oficial do programa. Jamais os nossos protestos foram
apreciados com seriedade. Quem éramos nós diante das cabeças
pensantes mentoras do PROFA? Sentia-me nessas horas como uma
123
matéria-prima bruta sendo processada em uma máquina que me
transformaria num produto manufaturado e padronizado nos mais
altos critérios de qualidade!
Não se pode esperar que uma formação de formadores e
professores pautada na obediência doutrinal ilimitada e na reprodução
de fórmulas didáticas, por melhor que elas possam parecer, resulte
numa nova cultura escolar capaz de proporcionar a educação
cidadãos autônomos, críticos, criativos e participativos.
Retornando às estratégias metodológicas que mais
exploramos na formação do PROFA, resta falar sobre a elaboração
dos Quadros Síntese e Mapas Textuais, como parte integrante das
Atividades de Sistematização. O objetivo era ajudar ao professor
organizar suas leituras, selecionando e articulando as idéias, central e
secundárias, trabalhadas nos textos lidos, facilitando a sua
compreensão sobre o assunto e subsidiando seus argumentos nos
momentos de discussão coletiva.
Segue no apêndice deste trabalho um Mapa Textual
produzido coletivamente por uma turma de professores do sábado em
que eu era formadora. Ele foi usado como suporte ao estudo do texto
e como demonstração para outros grupos professores sobre as
formas de se produzir um mapa textual.
124
A indicação de bibliografia complementar no Para Saber
Mais, contido no Guia do Formador do PROFA, era uma recomendação
de leitura relacionada ao assunto estudado, tendo como propósito ampliar
o conhecimento sobre os conteúdos tratados nas unidades. Para os
formadores a leitura complementar era essencial, sendo indicada para
fundamentar e aprofundar o conhecimento dos conteúdos da formação
dos professores alfabetizadores.
A busca pelo Para Saber Mais viabilizou extrapolar as
atividades programadas no PROFA. A partir dessas leituras de
aprofundamento pude esclarecer questões mais delicadas e
controversas. O meu olhar foi se aguçando para as necessidades
reais dos professores e facilitou o pensar em novas estratégias de
formação. Dentre essas estratégias, eu e Olga incluímos as aulas
extras onde planejávamos uma pauta específica focando os pontos
em que o grupo de professores ainda sentia dificuldades.
Ao final do curso, percebemos que as estratégias
utilizadas por nós surtiram um efeito muito bom, pois foram
desenvolvidas em momentos onde o grupo de professores não teria
condições de avançar face às angústias, dúvidas e equívocos.
O nosso olhar sobre as necessidades do grupo e a
sensibilidade para decidir se devíamos prosseguir ou se devíamos
125
fazer uma pausa para trabalhar com os professores uma pauta extra
de estudo, foram as principais características de uma estratégia que
criamos a partir da relativa liberdade que alcançamos quando da
nossa posição como coordenadoras da equipe de formadoras da SME
no período de 2003/2004. Essa estratégia, que permitiu a criação de
encontros extras beneficiou a todos, pois as situações planejadas por
nós atingiam especificidades dantes intocadas. Por exemplo:
discussão mais detalhadas sobre diferentes possibilidades para
trabalhar com agrupamentos produtivos, detalhamento das situações
de diagnóstico, planejamento e análise de boas situações de
aprendizagem, procedimentos de registro e elaboração de relatórios
avaliativos da aprendizagem dos alunos, dentre outros.
Postos diante de desafios e problemas que precisavam ser
resolvidos coletivamente, os professores sentiam a necessidade de
estudar e discutir melhor os textos e de ajudarem-se entre si, produzindo-
se um ambiente colaborativo de aprendizagens significativas.
Na condução das pautas extras também criamos situações
de sistematização, produzimos para e com os professores materiais
didáticos mais acessíveis ou mais explicativos focados em
necessidades específicas.
126
Muitas vezes os professores não conseguiam sozinhos dar
conta de uma leitura, fosse pela complexidade do texto ou pela
extensão de páginas e tempo disponível. Os textos e materiais
produzidos, nestes casos, tinham como intenção pinçar as principais
idéias e conteúdos que os ajudariam a resolver os problemas não
resolvidos com a leitura dos textos do programa.
As idéias de pautas extras eram combinadas previamente
com o grupo de professores e estes decidiam se concordavam com mais
um dia extra de estudo, o que não era computado na carga horária oficial
do PROFA.
Essa construção de conhecimentos vivenciados
intensamente e em parceria com Olga, revelou que o domínio de
conteúdos do professor e o manejo de metodologias não eram
suficientes para o processo de ensino e de aprendizagem. Havia algo
sempre novo que surgia, a cada dia, nas interações da sala de aula. A
posição de mediador que o professor deve assumir implica, como bem
explica Paulo Freire, no reconhecer-se aprendendo com o ato
educativo.
RECOMPONDO CONHECIMENTOS
Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
(Mário Quintana)
Além da compreensão sobre o papel de mediador que o
professor deve exercer em sua prática educativa, o interesse por
alfabetização e formação de professores passou a ser mais intenso
com o trabalho que venho desenvolvendo a partir do PROFA. Acho
que seria mesquinho pensar nesse programa considerando apenas os
seus aspecto negativos ou positivos, polarizando posições.
Certamente o conhecimento sobre alfabetização que o
PROFA organizou não é suficiente para resolver o problema do
analfabetismo no Brasil, especialmente entre a camada da população
com menor renda, como se preconizou nas entrelinhas do discurso
128
oficial do MEC, através da rede nacional de formação e da
coordenação do programa na SME. Seria uma ingenuidade político-
pedagógica concordar com a teoria do capital humano, acreditando
que a educação, através de um método de alfabetização, poderia dar
conta de resolver um problema que não foi gerado no interior da
escola, mas em decorrência de uma estrutura social capitalista que
produz e mantém profundas desigualdades socioeconômicas.
Comumente, a avaliação dos resultados desse programa é
feita através de um questionário sobre o desempenho da
aprendizagem dos alunos, cujos professores passaram pela formação
do PROFA. Parece um indicador razoável, mas esse critério
isoladamente não é satisfatório, uma vez que a própria forma de
avaliar a capacidade de leitura e escrita do aluno, no caso de Natal,
não revelou dados qualitativos dessa aprendizagem, pois a
sistemática de acompanhamento do formador aos professores
cursistas não ocorreu com a regularidade prevista. Uma outra
dificuldade, que se apresentou de forma quase generalizada, foi
compreender o professor cursista no seu processo de aprendizagem,
respeitando seu ritmo, suas experiências e as condições objetivas de
trabalho que as escolas e o sistema de ensino ofereciam.
129
Por outro lado, a pertinência teórica e metodológica sobre
aprendizagem da leitura e escrita, contida no currículo do PROFA e as
orientações metodológicas para os formadores de professores, foram
conteúdos de extrema importância no meu processo de
desenvolvimento profissional, acadêmico e pessoal.
Uma das principais razões da preocupação com a
formação dos nossos professores alfabetizadores é o fato de
sabermos que - como indicam diversos estudos e pesquisas, inclusive
os indicadores do SAEB - os alunos que dominam a leitura e escrita
para além da mera codificação e decodificação são alunos que tem
melhores condições de aprendizagem nas demais áreas de
conhecimento: história, geografia, ciências, matemática...
No Guia de Orientações Metodológicas PROFA/MEC,
existe uma citação pertinente com a reflexão sobre a importância da
leitura no desenvolvimento humano, quando cita Voltaire, em carta
dirigida à condessa Montoro, que a adverte sobre o efeito da leitura
recomendada para o filho dela.
130
Saibas que, uma vez envolvido pela leitura, seu pobre
filho não se deterá diante de nenhuma má ação: se
atreverá a pensar por si mesmo, desobedecerá aos
farsantes embora usem uma roupa até os pés, tentará
descobrir as causas do mundo físico e social que nos
cerca, em lugar de repetir as orações usuais e talvez
chegue a se convencer de que um bom comerciante ou
um bom tecelão são pessoas muito mais úteis para
seus semelhantes que um rufião de sobrenome ilustre
ou um general de cavalaria. Daí a blasfemar contra a
imprescindível tortura ou até pedir a abolição do Santo
Ofício é um só passo. (VOLTAIRE apud BRASIL, 2001,
p. 131)
Uma boa idéia atravessa os tempos e se renova nas
palavras de Rubem Alves (apud BRASIL, 2001, p. 131): “Quem lê tem
muitos milhares de olhos: todos os olhos daqueles que escreveram.
Quem não lê é cego, só vê o que os olhos vêem”. A leitura pode ser a
chave para abrir conhecimentos novos, histórias deslumbrantes de
mundos diferentes: reais ou fantásticos. Os alunos em processo de
alfabetização podem ser levados a descobrir o prazer e a importância
da leitura, e com isso, se afastarem das estatísticas vergonhosas que
apontam para a má qualidade da educação pública brasileira.
Compreendo que a leitura deva ser obrigatoriamente
oferecida no espaço escolar, contemplando os diferentes gêneros
literários e suas diversas finalidades: diversão, reflexão, comoção,
informação, conhecimento e aprendizagem. A leitura por si só não
garante a conquista da cidadania, mas certamente facilita a
participação social necessária em uma cultura política democrática.
131
Por muito tempo se fez acreditar, dentro da escola, que o
domínio da mera decodificação habilitaria a pessoa a ler qualquer tipo
de texto, possibilitaria o amor aos livros e teria o poder de formar bons
leitores ou até mesmo escritores competentes. Mas, como constata
Cândido (apud BRASIL, 2001, p. 119): “Afinal, para se tornar
verdadeiramente leitor é preciso gostar de ler – e infelizmente a
escola não tem seduzido os alunos para a leitura, não seduziu a muito
de nós, professores”.
Segundo o PROFA, para os alunos gostarem de ler é
necessário que os professores sejam exemplo de bons leitores. Não
obstante, é muito comum encontrar professores que lêem pouco. A
explicação sobre a formação da prática de leitura dada parece
behaviorista e contraditória com o teor do seu currículo, fazendo
acreditar os professores e os alunos não lêem porque não foram
estimulados e não tiveram um modelo de bom leitor para seguir. Será
que o gosto por leitura é adquirido pela simples imitação de um leitor
modelo? Será que o gosto pela leitura é apenas uma questão de
estímulo? É preciso relativizar essa idéia que parece simplista, linear
e desconectada de outras variáveis intervenientes na formação do
leitor, dentre elas: a valorização ou desvalorização de uma cultura
literária, as preferências pessoais, as oportunidades, o acervo de
obras e mesmo o tempo disponível.
132
Por acaso se perguntou aos professores quanto tempo
eles dispõem de lazer, para que possam desfrutar de bons momentos
de leitura? Quanto custa no orçamento dessa categoria profissional
comprar jornais, revistas e livros regularmente? As escolas em que
trabalham dispõem de bons acervos literários e outros periódicos? As
leituras que a escola está propondo, e a forma como elas são
encaminhadas estão sendo interessantes para os alunos?
Não acredito que seja apenas a ausência de referência no
professor como leitor que justifique o desinteresse dos alunos por
leitura. Concordo que a leitura, seja ela para atender uma
necessidade ou para deleite, tem sido geralmente sonegada aos
alunos. Mas é igualmente importante lembrar que existem outros
condicionantes na vida dos alunos – fome, doenças, violência - que se
apresentam num primeiro momento como barreira para a formação e
consolidação das práticas de leitura.
Não se trata, porém, de cruzar os braços e sentir-se
impotente, mas de considerar a educação como um processo
complexo, onde a ação educativa do professor e os processos de
aprendizagem dos alunos estão permeados de condicionantes que
ultrapassam os muros da escola.
133
Nesse sentido, as estratégias metodológicas que os
professores podem adotar para contribuir com a formação de leitores
não devem ser convertidas em receitas. Elas são possibilidades e
experiências construídas no exercício profissional do professor toda
vez que, ao buscar propiciar situações de aprendizagem para seus
alunos, faz a reflexão na e sobre a ação planejada e executada,
considerando os erros e incertezas como etapas desse processo que
necessitam ser compreendidas em sua essência.
O processo de aquisição da leitura e de formação de
leitores deve, assim como as demais aprendizagens escolares, estar
ajustado à realidade dos educandos. E é aí que entra em xeque o
currículo e a validade dos conhecimentos escolares que se
posicionam em detrimento aos conhecimentos do senso comum. É
nesse currículo escolar real e oculto que se manifesta a padronização
do conhecimento, se tolhe a autonomia, se enraízam os preconceitos,
se reproduzem as desigualdades e a violência.
O princípio da igualdade social não deve ferir as diferenças
individuais, e estas, por sua vez, não devem se converter em
estigmas para justificar as desigualdades. A obediência a esse grande
princípio desmontaria as bases cartesianas e positivistas no campo
educacional, rompendo com os modelos curriculares padronizados e
134
alienantes. As experiências pedagógicas consideradas exitosas
deixariam de ser usadas como modelos ou receitas, mas teriam lugar
fundamental na tematização das práticas docentes, exitosas ou não, e
no processo de formação inicial e continuada dos professores.
Nessa perspectiva, passei a exercitar uma reflexão mais
acurada sobre as atividades que planejava e executava,
especialmente no tocante ao tema da alfabetização, letramento e
formação de leitores. Nas diferentes situações docentes
experienciadas (Ensino Fundamental, formação continuada de
professores, disciplinas da licenciatura na graduação e pós-
graduação) foi possível discutir e aprender com os meus pares em
reuniões de planejamento e estudo. Porém, em muitas oportunidades
a solidão profissional foi quase inevitável no cotidiano docente.
Nesse trajeto incerto e tortuoso que tenho percorrido,
passei a considerar a leitura compartilhada como uma boa estratégia
para auxiliar a formação do leitor, não da maneira pensada como
imitação de um modelo, mas como atividade que pode despertar o
interesse, curiosidade, prazer e necessidade.
Às vezes, o estranhamento dos alunos ou dos professores
cursistas frente aos momentos da leitura me fazia vacilar. Significava
para eles sair do previsível, fugir aparente do que era aula, para
135
escutar a leitura de um texto “qualquer”, sem relação direta com o
“conteúdo”.
Em 2000, quando entrei para a rede municipal de ensino
de Natal a leitura compartilhada era uma atividade mais espontânea e
não sistemática. Com isso, não pude perceber os possíveis resultados
na formação e consolidação de práticas de leitura entre os alunos em
processo de alfabetização.
Quando em 2004 retornei à sala de alfabetização, após ter
participado da formação do PROFA e de outras experiências
docentes, a leitura compartilhada tomou outras feições. Para essas
crianças o momento da leitura era inicialmente algo estranho. Elas só
ouviam histórias, quase sempre contadas, pela professora da sala de
leitura. Diferentemente, as histórias ouvidas na sala de aula eram
sempre lidas. Eu apresentava para os alunos várias opções de leitura,
com textos de gêneros variados, comentava alguns e eles escolhiam
o que gostariam de ouvir.
No início do ano, alguns alunos perguntavam quando eu ia
“passar o dever”. Eles não entendiam a leitura compartilhada como
aula, mas isso me parecia ótimo. Afinal, a maioria deles ainda estava
na fase inicial do processo de alfabetização, mesmo que muitos já
estivessem no terceiro ano de escolaridade. Portanto, tudo o que a
136
escola já havia feito até aquele momento, ainda não tinha possibilitado
a aprendizagem da leitura e da escrita para aqueles meninos. A
escola lhes parecia um lugar sem sentido, já não acreditavam que
seriam capazes de aprender. Assim, pensar que a leitura
compartilhada não era “aula” poderia deixá-los tranqüilos sobre o que
seriam cobrados. Penso que isso os deixou à vontade para ouvir e
apreciar a leitura, ao ponto de sentirem a necessidade de ouvir cada
vez mais e de quererem ler também. Essa vontade e o sentido que a
leitura passou a ter na vida dos alunos ajudou bastante no processo
de alfabetização deles.
No tocante à formação de professores, percebi que a
leitura compartilhada é uma forma indireta de contribuir para ampliar o
interesse e o compromisso do professor com a leitura de um modo
geral. A expectativa que sempre tenho é de poder sensibilizá-los para
a importância e prazer da leitura, assim como, ajudá-los a
experimentar em suas ações educativas situações equivalentes com
seus alunos.
Penso que a formação de bons leitores está vinculada, em
parte, a uma política de formação de professor que incentive a adoção
de uma variedade de práticas de leitura e estas se estendam aos
alunos alfabetizandos. Nesse sentido, é essencial o planejamento das
137
atividades de leitura compartilhada, uma vez que as formas de se
oferecer essa leitura e de orientar os alunos irão variar conforme os
objetivos específicos e as condições dadas pelo espaço, tempo e
acervo disponíveis.
Durante os últimos cinco anos, venho semeando
estratégias para valorização das práticas de leitura na cultura escolar
através da leitura compartilhada. Ciente de que não se pode pensar a
leitura compartilhada como uma situação de condicionamento, foi
possível verificar que existem contextos mais propícios e facilitadores
que deveriam ser considerados tão importantes quanto a própria
motivação pessoal. Portanto, parece ser tarefa do professor organizar
esse momento, pois numa situação de leitura compartilhada os textos
ganham muitas possibilidades de socialização e de resultados.
As fotos a seguir, apresentam algumas estratégias de
leitura compartilhada desenvolvidas com professores da rede pública
municipal e com alunos do Ensino Fundamental.
138
Foto 1– Leitura compartilhada com uma turma do PROFA – (04/2002).
Na foto 1, eu e Olga criamos um ambiente de relaxamento,
convidativo à leitura. Essa foi uma das várias situações que nós
criamos, pensando em acolher a chegada dos professores cursistas
para o encontro de formação e ao mesmo tempo estimulá-los para a
leitura. Como o horário de início do encontro era às 14 horas, muitos
professores chegavam agitados devido ao calor e a pressa para não
se atrasarem. Daí, que a leitura compartilhada foi realizada nesse dia
como uma forma de acolhê-los. Os livros, colocados à disposição,
eram de histórias de encantamento e fantasia, poesias ou crônicas
bem humoradas.
139
O chão da sala foi forrado com mantas e sobre elas as
almofadas foram atiradas com os livros para permitir o livre manuseio
e a descontração dos professores durante alguns minutos. Ao
chegarem à sala, os professores se surpreendiam com aquela
situação pouco convencional nos cursos de formação continuada da
SME, mas logo aceitavam a idéia com satisfação e se estendiam
sobre o chão forrado para ler e relaxar. Encerrado o tempo previsto,
solicitamos que alguém lesse para todo o grupo algo que havia
gostado.
Na foto seguinte, a leitura compartilhada foi feita a partir da
seleção de um dos textos do varal literário. Os textos do varal eram
constantemente atualizados e ficavam sempre à disposição da turma
para livre manuseio. Costumávamos trabalhar com varais temáticos
em dois aspectos: em torno do gênero literário escolhido ou do
assunto.
140
Foto 2 – Turma do PROFA selecionando texto do varal literário – (09/2001).
Assim, os textos do varal podiam enfatizar apenas um
gênero literário, ou podiam apresentar um mesmo tema abordado em
diferentes gêneros literários (crônicas, poesias, piadas, textos
informativos, receitas culinárias, adivinhas, músicas, cordel, fábulas,
parábolas, textos epistolares, etc).
O programa do PROFA sugeria aos formadores criar
varais literários para os professores cursistas, e estes, por sua vez,
deveriam criar varais para seus alunos. Ampliamos a idéia e
organizamos duas formas de montagem coletiva do varal.
141
Na primeira, pedíamos aos professores cursistas para
trazerem de casa alguns textos de acordo com assunto ou gênero
literário combinado. Recolhíamos e organizávamos os textos para
expor no varal. A segunda forma de montar os varais era organizando
um cronograma rotativo de duplas ou de trios de professores cursistas
que iriam se responsabilizar pela tarefa.
Uma constatação curiosa quando apresentávamos a
proposta da leitura compartilhada entre os grupos de professores em
formação foi a preferência, quase exclusiva, pela leitura de textos,
revistas e livros de auto-ajuda. Textos que em geral não ultrapassam
as idéias do senso comum e que tão controvertidamente ocupam o
currículo escolar.
Entender e respeitar a importância social desse tipo de
texto e ao mesmo tempo ampliar as opções de leitura no espaço
escolar requer uma postura pedagógica sensível, e ao mesmo tempo,
rigorosa.
Pensando em expandir as opções de leitura dos
professores, íamos apontando outras opções literárias. Observamos
com isso que cresceu o desejo e a procura pela leitura de obras de
autores consagrados como: Clarice Lispector, Carlos Drummond de
Andrade, Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Marquez e outros.
142
Também os textos literários incluídos na coletânea de
textos que os professores cursistas receberam durante a formação do
PROFA ajudaram na escolha de diferentes opções de leitura, e estas
acabaram chegando às salas de aula.
Na próxima foto, registramos uma atividade de leitura
compartilhada que as professoras cursistas do PROFA realizaram
com os alunos da Escola Municipal Dalva de Oliveira.
Foto 3 – Alunos da Escola Municipal Dalva de Oliveira.
Atividade de leitura compartilhada - (05/2004).
143
A foto 3 registrou um momento de leitura compartilhada,
em que as professoras Luzinete (abaixada entre os alunos) e a
professora Raimunda (em pé junto à porta) reuniram os alunos de
suas turmas para assistirem a apresentação da peça O vento norte,
cujo texto lido e recitado foi produto de uma versão coletiva baseada
no original, elaborada pelos alunos da professora Luzinete.
A leitura tem sido descoberta na prática de muitos
professores que privilegiam a aprendizagem ativa de seus alunos.
Segundo pude observar em algumas escolas municipais de Natal, os
cantinhos de leitura estão sendo percebidos pelos professores como
uma alternativa viável na construção de práticas pedagógicas mais
estimulantes para os alunos. O depoimento da professora Dalvani
6
,
Escola Municipal Erivan França, ilustra essa idéia:
Os alunos que são mais rápidos, quando terminam
uma atividade se dirigem ao cantinho da leitura para
manusear os livros da sala. Antes de realizar um
trabalho mais sistemático de leitura com os alunos eu
sofria muito com a agitação da sala.
Além de alimento para a alma, a leitura é hoje essencial na
vida cotidiana do homem moderno. Nesse sentido, as práticas de
letramento no ambiente escolar precisam ser multiplicadas com
6
. Apontamento em Registro Reflexivo de atividade realizada pela professora Dalvani.
144
urgência, para que os alunos se tornem usuários competentes dessa
tecnologia de comunicação que é a leitura e a escrita. Ajudar os
alunos a ler com compreensão as diferentes informações contidas nos
mais diversos portadores textuais: livros de histórias, panfletos,
outdoors, manuais de instrução, anúncios, bilhetes, convites, etc., é
uma forma de instrumentalizá-los para uma participação social ativa:
essencial para um exercício mais amplo da cidadania.
Se o modelo de alfabetização com cartilhas e com o
método de silabação foi válido em algum tempo no passado, hoje
esse modelo não dá mais conta das necessidades de aprendizagem
que o alunado apresenta. Estudos sobre a psicogênese da língua
escrita (Emília Ferreiro, Ana Teberosky) revelam que a alfabetização é
um processo de construção lógica do alfabetizando e não apenas a
aquisição da técnica de codificação e decodificação de palavras.
A leitura e a escrita adquirem valor e sentido para o aluno
quando apresentadas em contextos comunicativos sócio-culturais
reais. Assim, os professores precisam que suas práticas escolares de
alfabetização sejam condizentes com as práticas de letramento, isto é,
precisam colocar os alunos diante das demandas sociais de leitura e
escrita, para que eles se tornem capazes de solucionar situações do
tipo:
145
- como preparar um alimento mediante uma receita impressa na
embalagem do produto?
- como operar um caixa eletrônico?
- como obter informações sobre a programação da TV?
- como preencher um formulário?
- como deixar um recado para alguém por escrito?
Mesmo as crianças pequenas terão mais facilidade para
aprender se forem colocadas diante de situações desafiadoras e mais
próximas da vida real. Mas a escola tende a tornar extremamente
artificializados os conteúdos que deseja ensinar, consequentemente os
alunos pouco colaboram, pois não vêem sentido no que fazem.
A maior descoberta para os professores, segundo seus
depoimentos, é a possibilidade de poderem alfabetizar partindo do
texto em sua totalidade. Apesar de que quase todos os professores
usavam o texto na sala de aula, eles o faziam como pretexto para
trabalhar sílabas e palavras isoladas. Através da proposta de
alfabetização com base sócio-construtivista, os professores
compreenderam que o aluno pode aprender a ler sem passar pela
146
memorização de sílabas simples e complexas ou de palavras
pequenas e grandes.
Nesse sentido, os vídeos do PROFA tiveram uma
importante contribuição na medida em que apresentavam situações
de alfabetização com alunos de escola pública. Vários professores
achavam que seria complicado realizar a proposta de alfabetização
com textos, uma vez que consideravam que a escola precisaria de
uma gama de recursos materiais, quase sempre indisponível. Ao
assistirem os vídeos e serem desafiados a repetir algumas das
atividades, que não requeriam muita sofisticação material, os
professores se mostraram maravilhados com os resultados.
Algumas vezes os resultados esperados não eram
alcançados e eles ficam desolados. Essas situações se tornavam
base de discussão na Rede de Idéias, e então eles acabavam
encontrando a resposta para suas aflições e equívocos, ainda que
parcialmente.
A professora Solange, da Escola Municipal Terezinha
Paulino, relatou que em uma atividade sobre produção coletiva de
uma versão de Chapeuzinho Vermelho foi preciso refazer a atividade
três vezes até conseguir seu objetivo. Testemunhou que as
discussões na Rede de Idéias lhe ajudaram a repensar a atividade,
147
ajustando alguns procedimentos e intervenções para os quais ela não
havia considerado.
No caso do professor José, da Escola Municipal Zuleide
Fernandes, ele conta o seguinte:
A leitura de poesias se tornou muito apreciada em
minha turma a partir do projeto de Sarau Poético, pois
na medida em que os alunos iriam ter de se apresentar
para a comunidade, na medida em que a leitura
ganhou uma função, foi mais estimulante para eles.
Assim, o processo de alfabetização que se pretendia
consolidar na formação dos professores estava intimamente
associado ao processo de letramento.
O processo de aquisição da técnica de decodificar e
codificar, restrito a uma parte do processo de alfabetização, se
ampliou e se revestiu de sentido ao ser explorado em contextos de
leitura e escrita, o mais próximo possível das situações socialmente
difundidas, significando um enlace com o processo de letramento.
Alfabetização e letramento foram se tornando
indissociáveis na prática pedagógica do professor alfabetizador,
148
permitindo que os alunos fossem, de fato, leitores e escritores
competentes e habilitados a participarem de diferentes situações
comunicativas.
O discurso sobre a leitura, enquanto conteúdo essencial
na formação do professor e do aluno, precisa se transformar em ação
educativa efetiva. Os conhecimentos metodológicos que adquiri com a
formação continuada de professores através PROFA foram
resgatados nas experiências docentes com a formação inicial de
professores nas Licenciaturas de Ciências Sociais, Educação Física e
Pedagogia, e principalmente para o meu retorno à sala de aula do
Ensino Fundamental.
Em todas essas experiências venho utilizando a
problematização e discussão coletiva, a realização de pesquisas ou
de aulas práticas no cotidiano das escolas públicas, o registro
reflexivo e a leitura compartilhada, incluindo a técnica dos varais
literários.
Em cada turma, a cada dia, essas estratégias ganham
novas possibilidades porque a participação dos alunos ou professores
cursistas estabelece novos contornos para as atividades planejadas.
O fundamental em meu próprio processo de formação
profissional tem sido refletir constantemente sobre o processo de
149
ensino aprendizagem para desenvolver uma didática mais humana,
sensível e por isso incerta. Uma didática mais comprometida com a
igualdade de direitos e de oportunidades sociais, e ao mesmo tempo,
com as diferenças de ritmos e preferências individuais.
Paradoxalmente essa aceitação da incerteza e do incompleto me faz
sentir mais confiante e consciente das minhas limitações e
possibilidades.
UM FINAL PARA RECOMEÇAR
Talvez, procurando aperfeiçoar eu pudesse recomeçar e
fazer diferente, sempre haveria outras formas de fazer.
O que aprendi? Isso me importa. Pra mim, aprender é o
sentido máximo de tudo que a vida tem de bom, como é o amor ou a
satisfação das necessidades mais vitais.
Por isso, acredito que um componente importante do
processo de formação do professor é o desejo pessoal de aprender
mais sobre seu ofício. Desejo que deve estar explicitamente ligado a
convicções e valores humanos e a uma identidade profissional
positiva, que se alicerça na importância dada à educação.
Para assumir uma função educativa é necessário
transcender à compreensão simplista de que educar é transmitir
conhecimentos. O aluno não é porção de barro na mão do oleiro, ou
noutra metáfora, não é matéria-prima em linha de produção. Educar
não deve ser modelar, deve se aproximar da ação de facilitar e mediar
as interações dos alunos com os objetos de conhecimento. Por isso, o
151
professor precisa encontrar o melhor modo de ajudar aos alunos a
pensarem criticamente sobre a sua cultura, sua história, a sociedade
em que vivem e nas relações sociais e econômicas vigentes.
Nessa perspectiva, precisa entender o espaço escolar
como um espaço de luta e de conquista; um local privilegiado, pela
sua especificidade e sistematicidade, de acesso ao saber
socialmente construído, e de convivência com práticas sociais que
orientam o comportamento, a formação de valores e a construção
do conhecimento. Espaço que não é neutro, como observa Giroux
7
:
[...] desvelar como as escolas reproduzem a lógica do
capital através das formas materiais e ideológicas de
privilégio e dominação que estruturam a vida de
estudantes de diversas classes, gêneros e etnias. [...]
No centro dessa posição está a necessidade de
desenvolver modos de investigação que examinem não
apenas como a experiência é moldada, vivida e
tolerada dentro de formas particulares, tais como as
escolas, mas também como certos aparatos de poder
produzem formas de conhecimento que legitimam um
tipo particular de verdade e estilo de vida.
Pensar na formação do professor sem discutir as práticas
pedagógicas do cotidiano escolar articuladas a uma compreensão
social mais ampla é cair numa lógica padronizante do conhecimento,
7
. GIROUX, Henri. Os professores como intelectuais. (Op. Cit) p.
152
que não supre aquilo que é tão precário na escola: o ensino-
aprendizagem.
A formação do professor deve ajudá-lo a pensar
criticamente sobre a sua práxis, levando-o a revisitar teorias
pedagógicas, metodologias e conteúdos de ensino. Mesmo quando
inseridos numa mesma ação educativa, cada indivíduo, desde a
infância, tem uma personalidade ímpar, uma história de vida singular
que o leva a responder diferente de todos os outros.
Buscar compreender o outro e exercitar freqüentemente a
dúvida me permitiu renovar, refazer e desmontar tantas certezas
injustas. Então, eu posso recomeçar. Talvez, procurando aperfeiçoar
eu faça diferente, sempre haverá outras formas de fazer.
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WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática,
2000.
APÊNDICE
APÊNDICE A
RELAÇÃO DAS ESCOLAS MUNICIPAIS
ATENDIDAS PELO PROFA EM 2001
ESCOLA / Instituição Endereço
ADOTE*;
Escola Municipal Almerinda Furtado R. Jerusalém, 258 Guarapes
Cep:59.074 - Fone: 3618.0255 e
3232.4764
Escola Municipal Angélica Moura R. Prof. Gentil Ferreira, s/n - Novo
Horizonte - Cep: 59.050-050 - Fone:
3653.1400 e 3232.4858
Escola Municipal Berilo Wanderley R. dos Paianazes, s/n - Bom Pastor -
Cep: 59.035-350 - Fone: 3653.3945 e
3232.4856
Escola Municipal Chico Santeiro R. da Cruz, s/n - Bairro Nordeste - Cep:
59.070-300 - Fone: 3653.3096 e
3232.4855
Escola Municipal Djalma Maranhão R. "A", s/n - Conj. Promorar II - Felipe
Camarão - Cep: 59.072-150 - Fone:
3205.7667 e 3232.4783
Escola Municipal Emília Ramos Av. Central, s/n - Cidade Nova -
Cep:59.072-500 - Fone: 3605.4100 e
3232.4774
Escola Municipal Ferreira Itajubá R.dos Pêgas, S/N - Quintas - Cep.
59.035-100 - Fone: 3653.2259 e
3232.4859
Escola Municipal Ivonete Maciel Trav. dos Potiguares, S/N – Cidade
Nova - Fone:3232.4782
Escola Municipal Luiz Maranhão Av. Central, S/N - Cidade Nova - Cep:
59.072-500 - Fone:3205.3044 e
3232.4775
Escola Municipal Maria Cristina Av.Rainha do Mar, S/N - Felipe
Camarão - Fone: 3232.4773
Escola Municipal Mário Lira; Av. Antônio Basílio, S/N - Dix-Sept-
Rosado - Cep. 59.054-380 - Fone:
3213.7050 e 3232.4857
Escola Municipal Prof. Zuza Av. Miguel Castro, S/N - B. Nazaré -
Cep 59.062-000 - Fone: 3213.5916 e
3232.4868/232.4869
Escola Municipal Salete Bila; Rua Peixe Boi, 1 – Planalto - Fones:
3232.4760 e 3218.0185
Escola Municipal S. Fco. de Assis Av. Miguel Castro, S/N. - Nazaré -Cep:
59.062-00 - Fone: 3213.2163 e
3232.4867
* Instituição conveniada especializada no atendimento a alunos com
necessidades educativas especiais.
157
HORÁRIO DAS TURMAS DO PROFA EM 2001
TURMA HORÁRIO FORMADORA(S)
A Terças-feiras
8h às 11h
B Quartas-feiras
18h às 21h
C Quartas-feiras
18h às 21h
D Quintas-feiras
14h às 17h
E Quintas-feiras
14h às 17h
Margarete
Olga Regina
F Quintas-feiras
18h ÀS 21h
G Quintas-feiras
18h ÀS 21h
H Sábado
8h às 12h
Olga Regina
I Sábado
8h às 12h
Margarete
158
HORÁRIO DAS TURMAS DO PROFA EM 2001
TURMA HORÁRIO FORMADORA(S)
A Quintas-feiras
18h ÀS 21h
B Quintas-feiras
18h às 21h
C Sábado
8h às 12h
Margarete
D Sábado
8h às 12h
Olga Regina
159
PREFEITURA MUNICIPAL DO NATAL
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE ENSINO
ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO DO PROFA
REGISTRO REFLEXIVO
Formadora: Margarete do Vale
Escola visitada: Emmanuel Bezerra
Data: 25 de setembro de 2002
Horário: Matutino
Após contato inicial com a vice-diretora, fiquei sabendo que o ofício da SME ainda não
havia chegado, dirigi-me à sala de aula da Professora Graça Bezerra que atua numa sala de 11
ciclo. Antes de chegar à sala deparei-me com ex-alunos da época em que fui professora no 11 ciclo
da Salete Bila. Eles literalmente avançaram em minha direção para abraçar-me, isso foi muito
gratificante.
No dia anterior, havia tomado conhecimento através da professora Veranise que a escola
estava em reforma e que por isso as aulas estavam encerando sempre às 9h30min, e já em seguida
iniciava o horário do intermediário. Estudamos a possibilidade de sentarmos para a reunião de
estudos após o encerramento da aula, o que foi prontamente aceito.
Na verdade havia planejado sentar com as professoras por um tempo maior e a pauta
planejada (anexo 1) teve de ser adaptada. Tive que cortar a leitura compartilhada e a reflexão sobre
a prática foi redirecionada para o relato oral, bem como o estudo foi igualmente redirecionado.
No momento em que cheguei na sala a professora estava tentando por ordem entre os
garotos. Ao abrir a porta Graça me apresentou à turma e explicou que eu estaria ali por alguns
minutos e que eu trabalhava na SME. Como não havia cadeira sobrando tive de ir buscar uma
emprestada na sala vizinha. A sala vizinha era a da professora Marta, que também concluiu o
PROFA. Nos falamos rapidamente e ela me comunicou que por motivo de saúde não poderia ficar
para a reunião, mas que depois ela iria se inteirar com as professoras sobre o que haviam estudado.
Retornei a sala de Graça e sentada na carteira observei uma sala de aula pequena, onde se
amontoavam 30 crianças. Duas brincavam de Abafo@ no chão, outra estava pulando a janela, e o
restante, espremidos no pequeno espaço, faziam bastante confusão; salvo algumas poucas crianças
que tentavam, no meio daquele transtorno, prestar atenção na professora.
Senti imediatamente a necessidade de um trabalho de socialização com os alunos, onde a
construção de um contrato didático pudesse tornar aquele ambiente mais educativo. Observei ainda
que a pauta das atividades a serem realizadas no dia não estava presente na lousa. Outro aspecto,
que já está implícito no início do relato é que não há planejamento para os agrupamentos segundo
as atividades a serem realizadas. Inclusive a disposição das carteiras na sala não permite que a
professora circule entre os alunos. E mesmo os alunos, quando necessitam sair da sala para ir ao
banheiro ou tomar água, precisam se espremer entre as carteiras.
Em relação à atividade, Graça passou uns 15 minutos tentando explicar para a turma que
eles iriam realizar a escrita de uma lista de animais, onde teriam de classificar quais os vertebrados
e os invertebrados. Os alunos continuavam fazendo bastante barulho; eu já me sentia aflita e
lembrava da experiência recente que tivera na Salete Bila. Finalmente, Graça entregou uma folha
por dupla. Eles imediatamente detestaram a idéia de repartir a atividade com o colega ao lado. Ela
escreveu no quadro o seguinte:
160
ATIVIDADE DE CIÊNCIAS
Animais que possuem ossos
Animais que não possuem ossos
Em seguida, após mais algum tempo para os alunos copiarem, a professora iniciou o ditado
com a palavra ESCORPIÃO. Olhei para o relógio e já havia se passado 40 minutos! Não podia deixar
de observar a sala das outras professoras, por isso pedi licença e dirigi-me a sala da professora Marta.
Percebi que Graça se sentiu aliviada com minha saída e eu não queria estar ali para causar mais
transtornos, seria necessário retornar a sua sala em outras oportunidades.
Na sala de Marta (11 ciclo), fui carinhosamente recebida pelos alunos com um sonoro
ABom Dia!@. As crianças já haviam sido avisadas da minha visita e pude me sentar rapidamente.
Marta, naquele momento, já havia concluído a atividade que Graça estava iniciando, e agora seus
alunos estavam escolhendo uma canção que sabiam de cor e que falasse sobre os bichos para escrevê-
la no caderno de músicas. Eles haviam votado e escolhido a música dos patinhos cantada no programa
da Xuxa. Cada aluno escrevia do modo como sabia, sendo que podiam consultar o colega do lado e
discutir a forma que achavam ser a correta de escrever. A sala, apesar de cheia (24 alunos), não estava
tão lotada quanto a da professora Graça, e os alunos trabalhavam conversando baixinho, estavam
envolvidos com a atividade.
Marta circulava entre os alunos, mas não fazia muitas intervenções. No quadro havia
somente a consigna da atividade:
Escrita de canção que sabe de memória, falando sobre bichos.
Senti falta da pauta também, e percebi ainda que apesar dos alunos estarem sentados por
duplas, aqueles agrupamentos não havia sido planejado pela professora. Logo em seguida, Marta veio
ao meu encontro e conversou baixinho sobre seus alunos informando que na verdade ela se
preocupava apenas com uns cinco alunos. Disse-me que se tratava de crianças muito mal-tratadas, com
uma saúde precária, que faltavam bastante às aulas e não recebiam cuidados da família.
Os alunos que iam encerrando a escrita pediam para desenhar ou colorir a folha onde
haviam escrito a música. Marta levantou-se conferiu a atividade e consentiu. Voltou em seguida para
onde eu estava sentada e relatou que durante essa reforma da escola os alunos sentiam muito a falta de
opções, pois estavam sem recreação, sala de vídeo e outros espaços que eram regularmente explorados
na rotina escolar. Mudou em seguida o assunto e sugeriu que eu verificasse a folha onde os alunos
estavam escrevendo, percebi que a maioria da sala estava silábico-alfabética, alguns estavam silábicos
com valor sonoro e apenas aquelas crianças já citadas por ela estavam com uma escrita pré-silábica em
transição para silábica. Depois que circulei rapidamente entre os alunos, que, aliás, sentiam prazer em
me mostrar o que estavam fazendo, informei que estaria indo para outra sala. Então os alunos disseram
que queriam cantar para mim a música que escreveram. Observei que alguns alunos estavam seguindo
com o dedo a escrita da música tentando ler.
161
Na sala de Veranise (21 ciclo), encontrei os alunos fazendo uma atividade de ciências
através do livro didático. Na sala, todos já lêem e escrevem. A maioria já está alfabética e alguns
estão silábico-alfabéticos. Eles copiavam atentamente no caderno os exercícios do livro e
pesquisavam a resposta no próprio livro e com o colega. Usavam o dicionário para buscar o
significado das palavras desconhecidas e para conferir a forma certa de escrever algumas palavras
que tinham dúvidas. A sala, apesar de pequena, comportava bem a quantidade de alunos (18).
Veranise circulava entre as mesas dando explicações ou devolvendo a pergunta para que eles
refletissem sobre a resposta, sendo que dava atenção maior a uma dupla de alunos que não faziam a
atividade de ciências naquele momento. Faziam uma atividade de leitura com um caça-palavras de
frutas. Quando os meninos achavam as palavras solicitadas ela pedia para que as lessem e a
comparassem com a da lista. Um dos meninos lia com muita dificuldade e parecia inibido, o outro
já lia mais facilmente. Depois disso, ela recolheu a atividade e pediu para eles construíssem uma
lista com o nome das frutas que eles mais gostavam. Nesse momento, realizou boas intervenções
com os alunos fazendo-os refletir sobre as letras usadas. De vez em quando os deixava envolvidos
na atividade para atender aos outros da sala. Depois de algum tempo, Veranise me informou que os
dois garotos eram os únicos na sala que não estavam conseguindo acompanhar o ritmo. O primeiro
não freqüentava a escola desde abril. A mãe havia dito que iria transferí-lo para outra escola, mas
não o fez. O outro aluno ela informou desconsolada que era mais um dos casos de crianças mal-
cuidadas e com problemas de ajuste social.
Senti que os alunos, apesar de concentrados, estavam achando cansativo realizar aquela
atividade. Suponho que um dos problemas é que não estava explícito para eles a funcionalidade
daqueles conteúdos tão abstratos para eles: microorganismos (bactérias, fungos, protozoários e
vírus).
Encerrada as aulas, sentamos por 30 minutos para o estudo. Iniciei informando sobre o
objetivo daquela reunião e, pulando a leitura compartilhada, solicitei que Graça descrevesse a
atividade realizada, quais os objetivos, etc. conforme o roteiro da pauta (anexo 1).
A professora situou suas dificuldades no campo do relacionamento com os alunos.
Pontuou que os pais não participam da educação dos filhos, que sua sala está superlotada de alunos,
e que ela raramente consegue despertar o interesse da maioria deles. Também, apontou para a falta
de um trabalho mais atuante da coordenação pedagógica da escola.
Após o desabafo, pedi para que elas refletissem por que as atividades não estavam
despertando muito interesse nos alunos. As mesmas foram situando a falta de planejamento
sistemático e eficiente, e a necessidade de estudar mais. Em relação às atividades, reconheceram
que sentem dificuldade para por em prática a questão dos agrupamentos produtivos, pela própria
rejeição dos alunos (Graça) ou pela insegurança do como fazer, já que na sua sala quase todos são
alfabéticos e apenas alguns silábico-alfabéticos (Veranise). Também, explicaram que para deixar
um assunto atraente para os alunos era necessário manter suas características de objeto sócio-
cultural real, mas isto não estava acontecendo sempre, e reclamaram novamente da questão de
tempo para planejar e estudar.
Fiz uma retomada com elas sobre alguns desses pontos discutidos e sugeri a leitura, em
casa, dos itens 12 e 13 do texto M1U3T10 e do texto M1U4T9. O tempo havia se esgotado, pois já
estava tocando para a entrada do turno intermediário e tivemos de parar por ali. Solicitei que
sugerissem o que deveríamos estudar mais para o próximo encontro, e a resposta foi: gostaríamos
de saber mais sobre agrupamentos e sobre atividades que sejam de interesse para o aluno. Sinto-me
preocupada com a falta de estímulo das professoras, apesar de serem bastante comprometidas, e
também com o que posso fazer para ajudá-las.
Margarete Vale
162
ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO DO PROFA
Formadoras: Margarete e Olga
PAUTA DA 10 REUNIÃO JUNTO ÀS ESCOLAS
1. Leitura Compartilhada
2. Relato e reflexão sobre a prática
3. Estudo e revisão das atividades planejadas na rotina
4. Encaminhamento de pontos para a próxima reunião
OBJETIVOS:
- Socializar e refletir sobre a prática, situando os avanços e entraves no desenvolvimento
das atividades de leitura e escrita;
- Revisar os procedimentos metodológicos para trabalhar uma boa situação de
aprendizagem.
Informar a pauta e objetivos, apresentar o caderno volante, solicitar o registro da reunião.
Realizar a leitura compartilhada e em seguida propor que as professoras respondam as
questões abaixo, solicitando ao final que uma delas socialize:
Qual a atividade realizada hoje? Leitura e/ou escrita?
Quais eram os objetivos da atividade?
Quais desafios foram propostos para os alunos?
Quais intervenções foram necessárias?
Quais os resultados obtidos?
Após a escuta das respostas, lançar ao grupo questões com base nos possíveis equívocos.
Retomar a reflexão, solicitando e acatando sugestões. Orientar sobre a necessidade de
releitura de alguns textos do PROFA – especialmente os itens 12 e 13 do texto M1U3T10
(Contribuições a prática pedagógica 1) e o texto M1U4T9 (Contribuições à prática
pedagógica 2).
Encaminhar para a próxima reunião uma revisão das atividades planejadas na rotina.
Solicitar que anotem dúvidas e pontos que gostariam de tratar na próxima reunião.
163
BERILO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Uma vez mais retorno ao Berilo, mas desta vez sob um novo olhar, passo a
observar e refletir sobre a forma como se tecem as relações sociais na escola e a sua
possível interferência na formação político-profissional dos alunos de magistério.
Desde a última vez que havia estado no Berilo, isto é desde 1994, muita coisa
mudou, outras permaneceram mais ou menos como sempre. O prédio, por exemplo,
passou por uma boa reforma e ampliação; e como elemento de continuidade, foi mantida
a tradição dessa escola em apoiar os pesquisadores e estagiários da UFRN que a
elegiam como campo de pesquisa ou de estágio.
Nas experiências anteriores o Berilo foi meu campo de estágio no curso de
Pedagogia, tanto para a prática de ensino do curso de magistério de 2º grau, quanto para
a prática de ensino do 1º grau, que hoje corresponde ao ensino fundamental.
Ainda posso me lembrar da primeira vez que estive no Berilo. Naquela época,
mais precisamente no ano de 93, havia optado pela habilitação magistério e cursava a
prática de ensino em Didática com a Prof. Celina. A escolha da Escola Berilo Wanderley
como campo de estágio, se deu principalmente por causa das boas referências que eram
passadas por diversas professoras da graduação. Freqüentemente se ouvia nas salas de
aulas, corredores e cantina do Setor I do Campus, comentários do tipo: “A despeito de
tantas dificuldades encontradas nas escolas públicas, o trabalho do Berilo é um trabalho
sério”; “As professoras de lá são muito boas e bastante comprometidas com o trabalho
que é realizado lá”; “Tem uma base de pesquisa da universidade dando assessoria
pedagógica no Berilo, e aos poucos isso tem se revertido numa grande melhora da
qualidade do ensino de lá”.
Ouvindo esses comentários eu me sentia muito estimulada em conhecer uma
realidade de escola pública diferente. Não perdi, portanto, a oportunidade de realizar o
meu estágio de prática de ensino no Berilo.
Foi assim que numa tarde me vi diante do Berilo pela primeira vez. A professora
Celina havia marcado comigo e outra aluna-estagiária para nos encontrarmos no Berilo
Wanderley a fim de conhecermos a escola e a professora de didática da turma em que
iríamos dar aulas. Ao chegar à escola, junto com minha colega, a minha primeira
impressão era de que lá não era muito diferente de outras realidades. Havia um grupo de
quatro alunas, que estavam fora da escola, conversando bobagens sobre paqueras e
namorados em pleno horário de aula. Outras duas estavam saindo, atravessando a rua, e
mais um outro grupo de quatro ou cinco estavam “fazendo hora” numa banca de revista
164
que fica na calçada dessa escola. Elas aparentavam ter mais ou menos a mesma idade
que nós, e isso nos deixava inseguras quanto a capacidade de poder enfrentar uma sala
de aula.
Nos poucos minutos em que aguardávamos em frente à escola a chegada de
Celina, observei a aparência externa do prédio. Parecia muito estragado: as paredes
sujas e descascadas no rodapé, o chão de cimento estava muito estragado, cheio de
buracos, o madeiramento do teto, que se via na marquise, parecia podre e era possível
observar telhas quebradas ou fora do lugar. Fazia parte da escola um terreno com mato
crescido e descuidado. Por trás do prédio ficava uma das lagoas do bairro de Pirangi, que
devido ao período de estiagem estava quase seca.
A experiência de estágio nessa época foi muito boa, a professora da escola (da Paz) foi
muito prestativa e amável conosco. Ela e Celina já se conheciam. Chegamos à porta da sala
em pleno horário de aula, após as apresentações entramos e tomamos lugar na sala. Observei
que Da Paz parecia muito organizada, trazia consigo um caderno, que depois foi passado a
mim e a minha colega para planejarmos nossas aulas de estágio. Nesse caderno continha todo
o planejamento da disciplina, divido por unidades, e todas as anotações de suas aulas:
conteúdos, datas de trabalhos, resultados de avaliações, observações sobre alunas, etc. Além
desse caderno, da Paz nos esclareceu várias questões sobre os tipos de atividades que ao
realizar observava um melhor resultado. Assim foi situando o seu trabalho naquela turma.
Após o período de observações chegamos ao momento da aula, momento em que
fomos observadas tanto por Celina quanto por da Paz. As alunas da turma (não havia homens
matriculados) eram bastante compreensivas conosco e nos deixavam muito à vontade. Porém,
era inevitável um certo desconforto, pois sabíamos que éramos avaliadas pelas professoras e
pelas próprias alunas, que mesmo inconscientemente comparavam o nosso desempenho com
o de da Paz. Sabíamos, porém, que não deveria ser diferente, afinal de contas estávamos em
situação de treinamento e de aprendizagem.
Diferentemente desse meu relato pessoal, observei nessa mesma escola, já durante o
ano de 98, no turno matutino, que vários estagiários que ali chegavam não receberam um
atendimento tão atencioso. As coisas pareciam acontecer na base do improviso. Cito o caso do
professor de um aluno-estagiário que sequer apareceu na escola, seu contato com a
professora da escola se resumiu a uma carta de apresentação entregue pelo próprio estagiário
e de um breve contato telefônico. Por outro lado, a professora da disciplina se agradou da
situação de ter um estagiário na classe realizando o seu trabalho. Segundo ela mesma afirmou
foi muito conveniente pois estava precisando de tempo para dar conta de outras tarefas que
assumira naquele mesmo período.
165
Me senti contrariada com o pouco caso da escola em lidar com aquela a situação.
Ninguém parecia se importar em deixar os alunos entregues a um estagiário da UFRN, que
sequer estava sendo acompanhado de perto pelo seu professor.
No semestre seguinte retornei ao Berilo para realizar a Prática de Ensino do 1º grau.
Assim, durante o primeiro semestre de 94, pude satisfazer o desejo de conhecer o Berilo e o
seu trabalho mais de perto, já que a duração do estágio em didática havia sido muito curta.
Diferentemente do primeiro, o estágio do 1º grau teve uma duração mais extensa, e assim,
pude conhecer todas as áreas da escola e ao mesmo tempo manter um contato com a direção,
equipe pedagógica e professoras do ensino fundamental.
Participei das reuniões semanais de assessoramento e planejamento pedagógico
promovidas pela equipe da UFRN
8
, composta de professores e alunos da pós-graduação. A
turma em que estagiei foi uma 4ª série, com 31 alunos na faixa etária de 9 a 14 anos, que
estavam sob os cuidados da professora Enilda. Ela era uma professora novata na escola e não
conhecia o trabalho de lá. Fui colocada nessa turma a fim de ajudá-la a se integrar com o grupo
da UFRN.
Entretanto, ao final do estágio, o meu relatório continha um depoimento pessoal um
tanto quanto decepcionado em relação as minhas expectativas iniciais. Percebi nesse
semestre letivo que a adesão das professoras da escola ao trabalho da UFRN era superficial.
Na verdade as professoras haviam incorporado um discurso pedagógico novo, mas não o
compreendiam verdadeiramente, e portanto, prevalecia a sua antiga prática educativa,
marcada por atitudes autoritárias e preconceituosas e por metodologias que exploravam à
memorização em detrimento da compreensão.
8
. O referido trabalho de assessoramento é na verdade uma atividade da Base de Pesquisa “Uma escola para a escola”
(título do projeto na época), que hoje se insere no NEPEB (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica) do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN.
MARGARETE FERREIRA DO VALE DE SOUSA
RESUMO DO PERCURSO ACADÊMICO E PROFISSIONAL
1987 – Ingresso no curso de pedagogia (UFRN), interrompido em 1998.
1991 – Retomada das atividades acadêmicas interrompidas.
1993 – Ingresso no mestrado de educação (UFRN).
1997 – Ingresso no doutorado (UFRN).
2000 – Ingresso no magistério dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede
municipal de ensino de Natal (E. M. Salete Bila)
2001 – Formadora do PROFA. Prazo expirado para a conclusão do doutorado.
2002 – Novo ingresso no doutorado (UFRN).
Professora do Pró-básica – Pedagogia (UFRN).
2003 – Professora substituta no Curso de Pedagogia (UFRN).
Professora em Curso de Especialização para a Educação de Jovens e
Adultos (SECD/RN UNP).
Coordenadora e formadora do PROFA.
2004 – Novo ingresso no magistério dos anos iniciais do Ensino Fundamental
da rede municipal de ensino de Natal. (E. M. Mareci Gomes)
2005 – Coordenação da Comissão de Currículo para a reelaboração das
Diretrizes Curriculares da Rede Municipal de Ensino de Natal.
ERRATA
Página Linha Em vez de Leia-se
20 7 contra fluxo contrafluxo
26 7 a obtenção o a obtenção do
38 2 acerca principalmente das acerca, principalmente, das
47 última aprendizagem do filhos aprendizagem dos seus filhos
53 19 conclusões, as serem
solicitados
conclusões, ao serem
solicitados
55 16 no processo de educativo no processo educativo
59 19 Wanderley a conhecermos Wanderley a fim de
conhecermos
61 10 momento em que fomos
observadas tanto pelas
momento em que éramos
observadas pelas
63 5 as coisas pareciam as coisas me pareciam
64 penúltima proporcionar os cuidados em proporcionar os cuidados
67 6 ter passado um rigoroso ter passado por um rigoroso
73 3 fantástica, emocionalmente e
desgastante
fantástica, mas
emocionalmente desgastante
73 12 e 13 e escrever nele seu próprio
nome e no verso o nome da
escola, o nome da professora.
escrever seu próprio nome e
no verso o nome da escola e
da professora
76 4 de aqueles alunos eram casos de aqueles alunos serem casos
76 8 que na verdade se tratava de
uma criança mesmo de uma
criança muito mal cuidada;
aliás, era o caso de quase
todos
que na verdade mesmo, era o
caso de uma criança muito
mal cuidada. Aliás, era essa a
situação de quase todos
78 5 e 6 social da educação da
educação pública
social da educação pública
78 11 discurso fosse diferente. discurso fosse diferente,
considerei não haver mais
sentido em concluir a tese.
78 16 (removido para a linha 11) Considerei não haver mais sentido
em concluir a tese.
80 penúltima representava mais ser um
problema
representava mais um
problema
82 4 e 5 foi à ocorrência foi a ocorrência
83 7 como recria-las e adapta-las as como recriá-las e adaptá-las às
84 12 e 13 significativa em vida pessoal significativa em minha vida
pessoal
84 14 e a pesquisa, que manteve o e a pesquisa, na qual mantive
o
84 15 docente) ganhou uma nova docente), mas ganhou uma
nova
91 10 domínio e tranqüilidade domínio teórico e
tranqüilidade
93 8 a 11 140 concluintes. Esse curso,
que tem uma carga horária
total de 180 horas, sendo 75%
de aulas presenciais e 25% de
aulas vivenciais, as nove
turmas iniciaram em abril de
2001 e concluíram em julho
de 2002.
140 concluintes. As aulas
tiveram início em abril de
2001 e foram encerradas em
julho de 2002. Esse curso tem
uma carga horária total de 180
horas, sendo 75% de aulas
presenciais e 25% de aulas
vivenciais.
93 16 e 17 como todos dizem e fazem.
Talvez porque não tiveram a
como todos nós dizemos e
geralmente não fazemos.
Talvez porque não tivemos a
104 7 índices de evasão é bem
menor
índices de evasão tem sido
bem menor
107 14 a formação inicial que como
promotora do meu aparato
a formação inicial como
promotora de um aparato
113 3 que sejam apropriados para os
objetivos
que sejam adequados aos
objetivos
113 12 e 13 quando há variáveis
heterogêneas
quando há heterogeneidade
118 8 e 9 foi que aprendemos que era
fundamental abrir o espaço
para que os professores
pudessem
foi aprendermos que era
fundamental abrir o espaço
para os professores poderem
131 1 outros grupos professores outros grupos de professores
132 1 desenvolvidas em momentos
onde o grupo
desenvolvidas nos momentos
em que o grupo
132 12 discussão mais detalhadas
sobre
discussões mais detalhadas
sobre
143 8 fugir aparente do que era aula fugir aparentemente do que
seria aula
150 5 pedagógica sensível, e ao
mesmo tempo, rigorosa.
pedagógica sensível, porém
rigorosa.
150 7 Pensando em expandir as
opções
Pensando em expandir o
repertório
Falhas de textualidade (coesão/coerência)
p. 29 – parágrafo 2º
Omissão no apêndice de Mapa textual indicado para consulta no corpo do trabalho (p. 130)
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