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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO, LINGUAGEM E FORMAÇÃO DO LEITOR
DENISE CORTEZ DA SILVA ACCIOLY
A TELEVISÃO REFLETIDA NA ESCOLA:
A COMPREENSÃO DE MÃES/EDUCADORAS
NATAL - RN
2006
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DENISE CORTEZ DA SILVA ACCIOLY
A TELEVISÃO REFLETIDA NA ESCOLA:
A COMPREENSÃO DE MÃES/EDUCADORAS
Dissertação apresentada ao Pro
g
rama de
Pós-Graduação em Educação do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Arnon Alberto
Mascarenhas de Andrade.
NATAL - RN
2006
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DENISE CORTEZ DA SILVA ACCIOLY
A TELEVISÃO REFLETIDA NA ESCOLA:
A COMPREENSÃO DE MÃES/EDUCADORAS
Dissertação apresentada ao Pro
g
rama de
Pós-Graduação em Educação do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre em Educação.
Aprovada em 17 de agosto de 2006
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade – Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
___________________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Ana Maria Sá de Carvalho
Universidade Federal do Ceará - UFCE
___________________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Marly Amarilha
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
___________________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Érika dos Reis Gusmão Andrade
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Dedico este trabalho à minha mãe.
AGRADECIMENTOS
A Deus.
A Margarida de Jesus Cortez, minha mãe, pela vida, pelo amor e pelo exemplo de
educadora que me inspirou. Por acreditar sempre que vale a pena lutar pelos nossos sonhos
e ideais.
A Walney Mendes Accioly, meu marido, meu amor, amigo e cúmplice, pelo apoio,
incentivo e dedicação. Obrigada por tantas vezes ter demonstrado o quanto vale a pena
amar e ser amada.
A Amanda Cortez Accioly, minha filha querida, por ter compreendido minhas ausências
nos momentos em que me dedicava a este trabalho. Pelos momentos difíceis em que me fez
acreditar que vale a pena continuar.
Ao Professor Doutor Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade, pela acolhida, pelo voto de
confiança que depositou em mim e pela orientação nesta pesquisa.
À Professora Doutora Marly Amarilha, pela suavidade, carinho e pela contribuição na
minha formação como pesquisadora.
À Professora Doutora Marta Maria de Araújo, pelo exemplo de seriedade e respeito que
uma pesquisa acadêmica merece.
Ao Amigo Affonso Real Nunes, pela amizade e pelos momentos em que compartilhamos
juntos nossas dúvidas e certezas na construção de nossas pesquisas.
Ao Amigo Mílton José Câmara dos Santos, pelo companheirismo que contribuiu para
tornar a nossa caminhada como pesquisadores mais leve.
Aos Colegas da Base de Pesquisa Educação e Comunicação, pelas trocas de experiências e
pelos momentos agradáveis.
Aos Colegas da Base de Pesquisa Ensino e Linguagem, por me proporcionarem novos
olhares e diferentes perspectivas.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, pela acolhida. À Coordenadora Profa. Dra. Márcia Gurgel Ribeiro, à Vice-
Coordenadora Profa. Dra. Magna França. Ao Secretário Radi Medeiros do Nascimento, e a
todos os Funcionários da Secretaria.
À Bibliotecária Albanita Lins de Oliveira, pela normalização deste trabalho.
A Maria Emília Guedes Gonçalves pela leitura e revisão neste trabalho.
À Banca Examinadora, pelas contribuições a este trabalho.
À CAPES pelos recursos destinados ao financiamento desta pesquisa.
Comecemos por afirmar que somente o homem,
como um ser que trabalha, que tem um pensamento-
linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua própria atividade, que dele se
separa, somente ele, ao alcançar tais níveis, se fez
um ser da práxis. Somente ele vem sendo um ser de
relações num mundo de relações. Sua presença num
tal mundo, presença que é um estar com,
compreende um permanente defrontar-se com ele.
(Paulo Freire).
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar as representações sociais da Televisão, por parte de
mães/educadoras, enquanto telespectadoras, para compreender o significado dessa mídia no
seu cotidiano e que mediações ocorrem entre educador/educando dentro da sala de aula. O
objeto de estudo é o papel da Televisão na Educação, que se apóia na abordagem da
representação social. Procura-se revelar, através da fala de cinco educadoras que exercem
suas atividades pedagógicas no Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino da cidade
de Natal, experiências significativas para um avanço da educação para as mídias. Entender
qual a representação que as educadoras têm sobre a Televisão contribui também para
reflexão e análise crítica sobre a mídia na formação dos professores. Algumas indagações
deram origem à investigação como: O que representa a televisão para as educadoras que
também são telespectadoras? Como isso se reflete dentro da sala de aula? Será que sua
relação com a mídia interfere na prática pedagógica? Sendo a técnica verbal uma das
formas mais comuns de acessar as representações, utiliza-se como estratégia metodológica
a entrevista aberta, orientada por um roteiro amplo e flexível, dando espaço suficiente às
entrevistadas para expor suas idéias, evitando impor preconcepções e categorias, o que
possibilitou acesso a um rico material. Através dessa estratégia, foi possível confirmar ou
rejeitar algumas inferências levantadas no início da investigação e modificar algumas
diretrizes colocadas na fase do planejamento. O estudo tem como pressupostos teóricos a
contribuição do mexicano Guillermo Orozco Gómez, pesquisador latino-americano, que,
influenciado pelas idéias de Paulo Freire e Jesús Martín-Barbero, estabelece um diálogo
entre Educação Popular e as Teorias da Comunicação, sobretudo no que se refere aos
estudos de recepção da Televisão, onde desenvolve o enfoque integral da audiência ou
modelo das múltiplas mediações. A Escola, assim como a Família, é importante mediadora
das informações veiculadas pela mídia. A relação que os docentes estabelecem com a
Televisão e a representação que têm dela em suas vidas refletem de forma marcante na sua
prática profissional e no diálogo da mídia dentro do espaço escolar, podendo contribuir
para a reflexão crítica que os educandos estabelecem com o meio através da mediação das
educadoras.
Palavras-chave: Televisão. Escola. Mães/educadoras. Mediação.
ABSTRACT
This work aims to examine the television social representation by mothers/educators as a
TV viewers, to understand the meaning of this media in their quotidian and which relations
occur between teachers and students in the classroom. The study purpose is the educational
television rule, based on a social representation approach. It look for to reveal, through the
discourses of five educators who are engaged in pedagogic activities in the Public
Elementary School of the Natal city, a significant experience in the media education field
progress. It’s also a way to understand which representations the educators have about the
television can contribute to aid the idea and critic analysis about the media meaning in the
teacher’s formation. Some questions were in the basis of the investigation as: What is the
television for the educators who are also TV viewers? How it reaches the classroom? Their
relation with the media interfere in the pedagogic practice? Assuming that the verbal
technical is one of the formal ways to access the representations, the methodological
strategy employed was the open interview, guided by a wide and flexible schedule, leaving
the interviewees free to expose their ideas, a attitude adopted to avoid the imposition of
interviwer’s points of view, that result in a rich material. Through this strategy it was
possible to confirm or to reject presumptions raised in the beginning of the investigation
and modify some planning direction lines. The study has as the theory presupposition the
contribution of the Mexican researcher Guillermo Orozco Gómez, who, based on the Paulo
Freire e Jesús Martín-Barbero ideas, establishes a dialogue between popular Education and
the communication theories, mainly the television reception, when he develops an integral
view focused on the audience or on the multiple mediations model. The school – and the
family, as well – is an important mediator of the media information. The relationship which
the teachers establish between the television and their representations about it in their lives
reflects effectively and directly on their professional practice and on the media dialogue
within the school, it can contribute to the critic reflection which students establish with the
media trough the educators mediation.
Key words: Television. School. Mothers/educators. Mediation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10
1.1 OBJETO DE ESTUDO ............................................................................................... 11
1.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ................................................... 11
1.3 AS PESQUISAS SOBRE A TELEVISÃO ................................................................. 13
1.4 SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ............................................................. 15
1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO ................................................................................ 26
2 A EDUCAÇÃO, OS EDUCADORES E A TELEVISÃO ......................................... 28
2.1 ALGUNS DESAFIOS PARA OS EDUCADORES NO SÉCULO XXI .................... 28
2.2 EDUCAÇÃO E TRANSDISCIPLINARIDADE ........................................................ 30
2.3 SABERES NECESSÁRIOS PARA A EDUCAÇÃO ................................................. 32
2.4 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE ...................................... 36
2.5 A COMUNICAÇÃO COMO DIÁLOGO PARA PAULO FREIRE .......................... 37
2.6 TELEVISÃO COMO INSTRUMENTO EDUCATIVO ............................................ 39
2.7 EDUCAÇÃO PARA A MÍDIA ................................................................................... 42
3 SOBRE A TELEVISÃO ............................................................................................... 47
3.1 ALGUMAS TEORIAS SOBRE A TELEVISÃO ....................................................... 49
3.2 A TELEVISÃO NO OLHAR DE PAULO FREIRE ................................................... 54
3.3 O LUGAR DO RECEPTOR E O USO SOCIAL DOS MEIOS ................................. 56
3.4 O ENFOQUE INTEGRAL DA AUDIÊNCIA ............................................................ 61
3.4.1 As Múltiplas Mediações ........................................................................................... 64
4 A COMPREENSÃO DAS EDUCADORAS
SOBRE A TELEVISÃO ............................................................................................... 69
4.1 SUJEITOS DA PESQUISA ......................................................................................... 69
4.1.1 Caracterização dos Sujeitos Envolvidos na Pesquisa ............................................... 70
4.2 A CHEGADA DA TELEVISÃO NA VIDA DAS EDUCADORAS ......................... 72
4.3 A TELEVISÃO NO COTIDIANO DAS EDUCADORAS ........................................ 75
4.4 A TELEVISÃO E A EDUCADORA: A COTIDIANIDADE FAMILIAR ................ 84
4.5 A TELEVISÃO REFLETIDA NA ESCOLA ............................................................. 89
4.5.1 Sobre os Desenhos Animados e a Influência no Comportamento das Crianças ...... 92
4.5.2 Programa de Polícia .................................................................................................. 94
4.6 A PRESENÇA DA TELEVISÃO NA PRÁTICA
PEDAGÓGICA DAS EDUCADORAS ...................................................................... 98
4.7 O DIÁLOGO DA ESCOLA COM A TELEVISÃO E A
PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA ............................................................................. 102
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 109
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 113
ANEXO ............................................................................................................................ 123
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar as representações sociais da
Televisão, por parte de mães/educadoras, enquanto telespectadoras, para, a partir da Teoria
das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici, compreender o significado
dessa mídia no seu cotidiano e como isso se reflete na sua prática pedagógica, em relação à
análise crítica e reflexiva da mídia dentro da sala de aula.
Algumas indagações deram origem à investigação, como: o que representa a
Televisão para as educadoras que também são telespectadoras ativas? Como isso se reflete
dentro da sala de aula? Será que sua relação com a mídia interfere na prática pedagógica?
Procuramos entender, através das falas das entrevistadas, que mediações ocorrem em
relação aos conteúdos que os educandos recebem da Televisão, que forma se manifesta
dentro da escola e como essas educadoras se relacionam com tais representações?
Acreditamos que a Escola, assim como a Família, é importante mediadora das informações
veiculadas pela mídia.
Não temos como objetivo discutir se a Televisão é boa ou má, mas consideramos
importante retomar algumas teorias, positivas ou negativas, elaboradas por estudiosos da
Comunicação e da Educação, com vistas a avançar na discussão sobre essa mídia
exaustivamente debatida. A Televisão à qual nos referimos nesta investigação é a pública,
de canal aberto, e sua programação, que as educadoras vão revelando ao longo das suas
falas. As emissoras e programas mencionados também são analisados, na medida que as
educadoras comentam.
A relevância do estudo dá-se pela constatação, através de diversas pesquisas já
realizadas no Brasil e no mundo, de que a Televisão, depois de mais de cinqüenta anos
desde sua invenção, ainda é hoje, início do século XXI, a mídia mais popular e a principal
fonte de informação e entretenimento da maior parte da população brasileira, representando
um poderoso meio de organização social.
A Televisão, que tem sido objeto de vários estudos e pesquisas em diversas áreas de
conhecimento, é considerada por muitos pesquisadores uma das mídias mais presentes na
vida de educadores e educandos, o que torna fundamental a realização de pesquisas e
discussões que possam contribuir para propostas pedagógicas concretas. Concordemos ou
não, a Televisão está presente na Escola de forma significativa, embora sua contribuição
para a Educação ainda seja incerta.
Destacamos a contribuição dos estudos latino-americanos de autores como o
pesquisador espanhol radicado na Colômbia Martín-Barbero e do mexicano Orozco
Gómez. Este último, influenciado pelas idéias de Paulo Freire e de Martín-Barbero,
estabelece um diálogo entre Educação Popular e as Teorias da Comunicação, sobretudo no
que se refere aos estudos de recepção da Televisão, desenvolvendo o enfoque integral da
audiência ou modelo das múltiplas mediações. De acordo com Lopes, Borelli e Resende
(2002), um dos desafios que atravessam hoje os estudos latino-americanos está na tradução
metodológica da Teoria das Mediações, proposta por Martín-Barbero, em projetos de
investigação empírica. Orozco Gómez destaca-se entre os principais pensadores
responsáveis pela renovação dos estudos sobre a mídia na América Latina.
1.1 OBJETO DE ESTUDO
O nosso objeto de estudo é o papel da Televisão na Educação, apoiando-se na
abordagem da representação social. Objetivamos revelar através da fala de cinco
educadoras, que exercem suas atividades pedagógicas no Ensino Fundamental da Rede
Pública de Ensino da cidade de Natal, experiências significativas para o avanço da
educação para as mídias. Entender qual a representação que as educadoras têm sobre a
Televisão contribui para uma reflexão e análise sobre a mídia na formação dos professores.
A relação que os docentes estabelecem com a Televisão e a representação que têm dela em
suas vidas refletem de forma marcante na sua prática profissional e no diálogo da mídia
dentro do espaço escolar, podendo contribuir para a reflexão crítica que os educandos
estabelecem com o meio, através da mediação das educadoras.
1.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
De acordo com Lopes, Borelli e Resende (2002, p. 25), “uma pesquisa é o resultado
de um conjunto de decisões e opções tomadas pelo investigador ao longo do processo de
investigação e que marcam todos os níveis e etapas desse processo”. São decisões e opções
de caráter epistemológico, teórico, metodológico e técnico, e incidem seja sobre a
construção do objeto, seja sobre sua observação ou análise.
São várias as estratégias metodológicas para estudar as representações sociais. Elas
vão desde as entrevistas abertas, semi-estruturadas ou não diretivas, questionários abertos e
fechados, escalas de diferencial semântico, desenhos e representações gráficas. Para nossa
pesquisa, utilizamos a entrevista aberta orientada por um roteiro (ANEXO A) amplo e
flexível, dando espaço suficiente às entrevistadas para expor suas idéias. Nesse tipo de
entrevista, o investigador pode interferir quando achar necessário, esclarecer algum ponto
ou ajudar ao entrevistado na exposição de suas idéias.
Nesta investigação, usamos um roteiro, previamente elaborado, mas deixando
espaço suficiente para a livre expressão das entrevistadas. Através dessa estratégia, foi
possível confirmar ou rejeitar algumas inferências levantadas no início da pesquisa e
modificar algumas diretrizes colocadas na fase do planejamento. De acordo com Spink
(2004), a técnica verbal é a forma mais comum de acessar as representações. Assim, na
entrevista aberta conduzida a partir de um roteiro mínimo, procuramos dar voz às
entrevistadas, tentando evitar impor nossas preconcepções e categorias, o que nos
possibilitou acesso a um rico material.
Segundo Moscovici (apud SPINK, 2004), a conversação encontra-se no epicentro
desse universo consensual, porque ela molda e anima as representações sociais e assim lhes
dá vida própria. Para Moscovici (apud SPINK 2004, p. 99), “as representações são
resultados de um contínuo burburinho e um diálogo permanente entre indivíduos, um
diálogo que é tanto interno quanto externo, e durante o qual as representações individuais
ecoam ou são complementadas”.
A verbalização das educadoras através das entrevistas constituiu uma excelente
oportunidade para troca de experiências entre a pesquisadora e as professoras investigadas.
Pontos relativos às representações das educadoras, quanto ao uso da Televisão como
instrumento auxiliar para a prática pedagógica e questões ligadas aos aspectos críticos que
envolvem o telespectador, foram também checados. Assim, algumas perguntas giraram
exatamente em torno desses assuntos e tiveram um encaminhamento mais direto.
A entrevista contribuiu para apreender que mediações são recorrentes para as
educadoras, frente à necessidade de uma seleção crítica da Televisão de canal aberto, para a
sua utilização no cotidiano escolar. Procuramos localizar, através da formação dessas
educadoras como telespectadoras ativas, das suas falas e das suas posturas diante da mídia,
o lugar onde se concretizam as mediações.
1.3 AS PESQUISAS SOBRE A TELEVISÃO
As crianças e os adolescentes brasileiros são provavelmente os que mais vêem
televisão no mundo. Este foi o resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos
1
,
entre novembro e dezembro de 2003, em dez países: Brasil, Estados Unidos, México,
Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e China. Existem fatores que
influenciam na análise das informações, como, por exemplo, o tempo que as crianças
permanecem dentro da Escola. No Brasil, de acordo com essa pesquisa, as crianças passam,
em média, três horas por dia na Escola, enquanto nos Estados Unidos e na Europa esse
tempo é de sete horas, sobrando então para as brasileiras mais tempo para outras atividades.
Mesmo se tratando de uma pesquisa muito localizada, feita em grandes centros
urbanos
2
, indica que as crianças brasileiras são as mais televisuais de todas as crianças dos
dez países pesquisados, podendo-se inferir também que, além de serem crianças que
passam mais tempo diante da televisão e menos tempo na escola, passam menos tempo
brincando com os amigos e menos tempo lendo, entre outras atividades. Não podemos
afirmar até que ponto essas pesquisas são consistentes, havendo necessidade de se
relativizar, uma vez que são realizadas em bairros de grandes centros urbanos, onde as
crianças têm menos possibilidades de circular pelas ruas, de brincar com os amigos e com a
vizinhança, devido aos problemas sociais das grandes cidades. Tais pesquisas apresentam
resultados que precisam ser analisados e contextualizados, principalmente através de mais
pesquisas de campo, embora possamos constatar, através da nossa experiência e de outras
pesquisas, que o consumo de imagens audiovisuais é muito forte na América Latina,
sobretudo no Brasil.
Segundo Von Feilitzen (2002), como as pesquisas realizadas sobre a relação
criança/mídia são quase sempre feitas em países mais desenvolvidos ou grandes centros
urbanos, onde a mídia está amplamente difundida, não se tem como avaliar a relação em
outros países ou regiões menos desenvolvidas. Sendo assim, é preciso ficar claro que as
pesquisas realizadas não são capazes de fornecer dados completos sobre a realidade do
acesso da mídia, dentro de uma visão global.
1
CASTRO, Daniel. Superligados na TV. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 out. 2004. Folha Ilustrada, p.
E1.
2
No Brasil, a pesquisa foi realizada nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto
Alegre.
Conforme Breton e Proulx (2002), o consumo da Televisão, ao longo dos anos,
segue uma forma tradicional de análise, que consiste em relacionar o número de horas de
audiência e as variáveis sociodemográficas habituais que caracterizam as diversas
categorias de público, como: a idade, o sexo, a profissão, o nível de escolaridade, a
localização geográfica, o status socioeconômico. Isso para os diferentes tipos de emissão e
os diferentes períodos das grades de programação.
São muitas as pesquisas realizadas no Brasil e no mundo sobre televisão/educação e
que também apontam dados em que crianças passam de três a quatro horas por dia na frente
do televisor. Tem-se como exemplo as pesquisas de Fischer (1983), Pacheco (1998), Fusari
(2002), Penteado (1991), Baccega (2003), Carneiro (2003), Citelli (2000), Cogo e Gomes
(2001), Fleuri (2003), Guimarães (2000), Lopes, Borelli e Resende (2002), Porto (2000) e
tantas outras não publicadas, que ficam restritas aos locais onde foram realizadas. É
importante que tais investigações sejam publicadas.
Na pesquisa realizada por Maurício José Siewerdt, orientada por Fleuri (2003, p.
125), em Florianópolis, pela Universidade Federal de Santa Catarina, intitulada: Da cultura
como mediação à mediação como cultura política: um estudo de recepção, com
educadores do MST (Movimento Sem-Terra) frente aos recursos audiovisuais, objetivou-se
entender que mediações são recorrentes para os professores, diante da necessidade de uma
seleção crítica dos recursos da linguagem audiovisual (televisão e vídeo). De acordo com
Fleuri (2003), o estudo procurou localizar, na formação cultural de professores, através de
suas histórias de vida e nas suas posturas diante das mídias, o lugar onde se materializam
essas mediações. Ao investigar os professores através da categoria mediação, foram
constatados os sentidos e os modos como os educadores significam as mídias. O
pesquisador constatou que tais mediações, produto da experiência cultural e política desses
professores, se manifestam na forma do engajamento em torno de um projeto de ruptura
com o discurso hegemônico e na direção da construção de uma cultura profundamente
marcada pelo político.
A pesquisadora Rosa Maria Bueno Fischer, então coordenadora de programas
didáticos na TV Educativa do Rio de Janeiro, em 1979, coordena uma pesquisa de
audiência, com o objetivo de investigar a relação de crianças e adolescentes com a
Televisão, para apreender as críticas, sugestões, preferências e expectativas diante dos
programas aos quais as crianças têm acesso. Segundo Fischer (1993), os dados obtidos
através de entrevistas livres serviram para avaliar a grade de programação direcionada para
crianças e adolescentes da TV Educativa, além de contribuir para elaborar metas para o ano
seguinte. A partir do material coletado foi feita uma análise interpretativa que serviu de
base para uma pesquisa de Mestrado, realizada em 1982 e publicada no livro O mito na
sala de jantar (FISCHER, 1993). Esta teve como objetivo identificar e analisar a presença
do mito na TV, utilizando o depoimento de crianças e adolescentes, como também mostrar
a relevância da operação do telespectador diante das informações que recebe, destacando o
fato de que “[...] o receptor não é meramente uma caixa depositária de mensagens, e sim,
alguém que reprocessa, conforme sua experiência de vida, aquilo que recebe” (FISCHER,
1993, p. 12).
A pesquisa realizada por Baccega (2003), publicada no livro Televisão e Escola,
apresenta o resultado de uma investigação realizada com professores do Ensino Superior e
do Ensino Fundamental e Médio, e com diretores de escola, sobre como eles vêem o papel
que a Televisão desempenha hoje no confronto com a Escola, com base em sua experiência
em sala de aula.
Na investigação coordenada por Cogo e Gomes (2001), publicada no livro
Televisão, Escola e Juventude, foram destacadas as relações entre Televisão, Escola,
Família e Juventude, para revigorar o debate sobre a necessidade de implementação de
projetos de educação para a comunicação em todos os níveis educativos e com
envolvimento das famílias. De acordo com os referidos autores, os educadores
entrevistados “evidenciaram a resistência em assumir e lidar com as transformações que
vão se processando nesse momento e suas repercussões no processo educativo que inclui a
recepção televisiva de crianças e jovens” (COGO; GOMES, 2001, p. 7).
1.4 SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Moscovici (2004), psicólogo social, natural da Romênia, foi o criador dessa
metodologia de trabalho fundamentada, sobretudo, na Psicologia Social, embora suas
primeiras idéias tenham vindo da Sociologia de Durkheim (1978), que estabelece uma
separação radical entre Representações Individuais e Coletivas, sugerindo que as primeiras
pertencem ao campo da Psicologia, enquanto as últimas constituem o objeto de estudo da
Sociologia.
No início da década de 1960, Moscovici reativa o conceito de Representação
Coletiva do sociólogo francês, demonstrando a associação absoluta entre indivíduo, grupo
e sociedade e reconhecendo a dívida que tem para com o trabalho dele: “É óbvio que o
conceito de representações sociais chegou até nós vindo de Durkheim. Mas nós temos uma
visão diferente dele – ou, de qualquer modo, a psicologia social deve considerá-lo de um
ângulo diferente – de como o faz a sociologia” (MOSCOVICI, 2004, p. 45).
Tanto Moscovici quanto outros pesquisadores partiram de uma postura cognitivista,
segundo a qual a Representação Social era tida como um saber desenvolvido no cotidiano
das relações sociais, onde os grupos de referência exerciam fortes influências na construção
individual das representações sociais. Durkheim, por sua vez, estava interessado nas
Representações Coletivas, que tinham uma grande amplitude, indo desde ciência até
religião, mito, modalidades de tempo e espaço etc., e resultando de uma imensa
colaboração realizada no tempo e no espaço, em que vários sujeitos associaram,
misturaram, combinaram suas idéias e sentimentos ao longo de muitas gerações. Assim, de
acordo com Moscovici (2004, p. 46) “qualquer tipo de idéia, emoção ou crença que
circulasse na comunidade era incluído no campo das representações coletivas”, e qualquer
tentativa de explicação psicológica dos fatos sociais constituía um erro grosseiro.
O conceito durkheimiano abrangia uma gama muito vasta e heterogênea de
conhecimentos, tratando de grande parte da história intelectual da Humanidade. Ele via os
fatos de forma estática, não envolvendo a plasticidade, mobilidade e circulação das
representações contemporâneas emergentes. Mais ainda: estas eram consideradas como
dados, como entidades absolutas, irredutíveis a qualquer análise posterior, não eram vistas
como fenômenos que pudessem ser eles mesmos explicados.
O conceito desenvolvido por Moscovici, entretanto, tomou um rumo diferente,
concentrando-se nas Representações Sociais, embora, numa entrevista com Marková
3
(MOSCOVICI; MARKOVÁ, 2004), ele tenha confessado ter certa dificuldade em explicar
a diferença entre coletivo e social, e afirmado preferir usar o termo social, que se refere a
uma noção clara, a uma idéia de diferenciação, de redes de pessoas e suas interações.
Para Moscovici (MOSCOVICI; MARKOVÁ, 2004, p. 348), “no século dezenove, a
palavra ‘coletivo’ era muito comum, sugerindo a imagem de um amontoado de pessoas, um
agregado de indivíduos formando um todo. Daí o termo ‘psicologia coletiva’, que não era
muito distinto da ‘psicologia de massa’”. Com efeito, as Representações Sociais são
fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e
3
No livro de Moscovici (2004, p. 305-387), o último capítulo refere-se a uma entrevista com Ivana Marková,
em que Moscovici, além de rememorar seu próprio itinerário intelectual, também fala sobre seus pontos de
vista acerca de algumas questões-chave da Psicologia Social.
de se comunicar – um modo que cria ao mesmo tempo a realidade e o senso comum. Para
enfatizar essa distinção, Moscovici usa então o termo social, em vez de coletivo.
A Psicologia Social tenta penetrar nas representações para estudar a sua estrutura e
os mecanismos internos responsáveis pela sua formação. A idéia de construção de uma
Psicologia Social do Conhecimento ocupou o centro das preocupações desse autor.
Segundo Moscovici (2004, p. 41), “a tarefa principal da psicologia social é estudar tais
representações, suas propriedades, suas origens e seu impacto. Nenhuma outra disciplina
dedica-se a esta tarefa e nenhuma está mais bem equipada para isso”.
De acordo com Sá (2002, p. 29), “o termo ‘representações sociais’ designa tanto um
conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-
los, identificando um vasto campo de estudos psicossociológicos”. A proposta do psicólogo
social é construir uma Psicologia Social que se afaste da tendência individualista americana
e se coloque na encruzilhada entre a Psicologia e as outras ciências sociais. O conjunto de
conceitos, afirmações e explicações que fazem parte do cotidiano das pessoas e circulam
entre elas constitui o que Moscovici chama de representações sociais. Denise Jodelet,
colaboradora deste há vários anos, vem se propondo sistematizar e precisar o conceito de
Representações Sociais. A Representação Social, para Jodelet (2001, p. 22),
É uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um
objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum
a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou
ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada,
entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto
de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e
à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações
sociais.
A mobilização das representações sociais realmente ocorre em todas as ocasiões e
lugares em que as pessoas se encontram informalmente e se comunicam: no barzinho, nas
filas dos bancos, nas praças, nos clubes, nos próprios lares, nos encontros entre amigos, etc.
Faz parte da vida cotidiana. Ainda segundo Jodelet (2001), representar corresponde a um
ato de pensamento segundo o qual o sujeito se refere a um objeto, tanto pessoa quanto
coisa, um fenômeno, uma idéia, etc. Toda representação supõe um objeto e o substitui de
forma simbólica. O ato de pensamento pelo qual se estabelece a relação entre sujeito e
objeto possui características específicas em relação a outras atividades mentais (perceptiva,
conceitual, mnemônica e etc.).
A representação mental substitui o objeto, fazendo-o presente quando ele está
ausente, e traz a marca do sujeito e de sua atividade. Esta envolve as características de
construção, criatividade e autonomia da representação mental. Isto significa que cada
sujeito constrói sua representação mental de acordo com sua visão de mundo e suas
idiossincrasias, apelando para sua capacidade individual de fazer algo diferente e ajustado à
própria personalidade, daí porque a representação mental é autônoma. Todavia, quando ela
entra em contato com outras representações mentais se objetiva e sofre influência dos
demais participantes do grupo. Nesse intercâmbio mental, todos se modificam e tornam-se
sociais. Não diz respeito a meras opiniões ou atitude, mas, na verdade, a teorias que
permitem a organização da realidade. Atualmente as pesquisas feitas sobre as
Representações Sociais levam em consideração ou enfocam as características do fenômeno
como: particularidade dos objetos, dupla centração – sobre conteúdos e sobre processos - e
atenção à dimensão social, capaz de mudar a atividade representativa e seu produto.
Partindo da riqueza fenomênica observada intuitivamente, as diferentes
abordagens vão recortar objetos que serão colhidos, analisados e
manipulados, graças a procedimentos empíricos comprovados, para
desembocar em constructos científicos sujeitos a tratamento teórico
(JODELET, 2001, p. 23).
Segundo as idéias de Jodelet (2001), para estudar as Representações Sociais, faz-se
necessário articular elementos afetivos, mentais e sociais, integrando-os à cognição, à
linguagem e à comunicação. Mais ainda: faz-se necessário também levar em conta as
relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideal sobre as
quais as representações têm de intervir. Para Jodelet, estas representações são fenômenos
complexos, cujos conteúdos devem ser cuidadosamente estudados, fazendo-se sempre
referência aos vários aspectos do objeto representado, de forma a possibilitar uma
compreensão dos diferentes processos que contribuem para sua elaboração. Com efeito, a
complexidade do fenômeno decorre da associação entre o social e o individual e da
conseqüência daí decorrente, pois não basta enfocá-lo apenas do ponto de vista de como o
sujeito processa a informação, mas também o aspecto social, quer dizer, as ideologias,
mitos e crenças presentes em uma dada sociedade.
De acordo com Spink (2004, p. 89), “é necessário entender, sempre, como o
pensamento individual se enraíza no social (remetendo, portanto, às condições de sua
produção) e como um e outro se modificam mutuamente”. Ainda segundo Spink (2004), tal
perspectiva envolve algumas implicações, quais sejam: compreender o impacto que as
correntes de pensamento presentes em uma sociedade podem ter na elaboração das
representações sociais; compreender o papel das representações na condução do
comportamento e na comunicação dos sujeitos e sua força enquanto sistema cognitivo de
apreensão das informações; e, por fim, entender como as representações sociais
transformam as idéias que circulam no cotidiano dos sujeitos.
O volume de pesquisas sobre as representações sociais é bastante significativo.
Tudo começou quando Moscovici iniciou seus estudos sobre o que pensava a sociedade
parisiense quanto à Teoria de Freud. Na verdade, ele pretendia investigar as idéias
predominantes nessa sociedade sobre a Psicanálise, sobretudo porque a questão da
sexualidade estava no centro da Teoria freudiana e este fato causava um impacto não
apenas na Classe Médica, mas também na Sociedade de modo geral. É a partir desses
estudos que ele vai conceituar as representações sociais como fenômeno. As pesquisas de
Jean Piaget
4
quanto à representação do mundo da criança
5
também chamaram sua atenção.
Várias pesquisas vão surgir empreendidas não apenas por psicólogos sociais, como Jodelet,
mas também por educadores, cientistas sociais e outros.
De acordo com Spink (2004), a pesquisa de Denise Jodelet sobre a representação
social da loucura em uma comunidade rural da França constitui um bom exemplo das
muitas investigações empreendidas por cientistas sociais. Segundo alguns pesquisadores, as
investigações sobre as representações sociais em situações complexas aproximam-se das
pesquisas etnográficas ou da pesquisa participante em Antropologia.
4
Psicólogo e filósofo suíço, Jean Piaget (1896-1980) foi um importante teórico do processo do conhecimento
humano (Epistemologia). Seus estudos renderam avanços na Neurologia, na Psicologia e principalmente na
Pedagogia. Publicou, em 1923, o seu primeiro livro, A Linguagem e o Pensamento da Criança. Em 1956,
Piaget criou, na Faculdade de Ciências de Genebra, o Centro Internacional de Epistemologia Genética, onde
passou a investigar sistematicamente o desenvolvimento do pensamento da criança nos modos de pensar
moral, abstrato, lógico e concreto.
5
Piaget (2005) estuda a maneira pela qual a criança distingue o mundo exterior de um mundo interno ou
subjetivo, e que corte ela estabelece entre o eu e a realidade subjetiva. Para o autor este tema é um dos mais
importantes, porém um dos mais difíceis da psicologia da criança: “quais são as representações do mundo
criadas espontaneamente pelas crianças ao longo dos diferentes estágios de seu desenvolvimento intelectual?
Esse problema apresenta-se sob dois aspectos essenciais. Trata-se de um lado da questão da mobilidade do
pensamento infantil: quais os planos de realidade em que se move esse pensamento? Em outras palavras, tem
a criança, como nós, a crença num mundo real, e distingue ela essa crença das diversas ficções de sua
brincadeira ou de sua imaginação? Em que medida a criança distingue o mundo exterior de um mundo interno
ou subjetivo, e que separações ela faz entre o eu e a realidade objetiva? Todas essas questões constituem um
primeiro problema: o da realidade na criança” (PIAGET, 2005, p. 9).
Atualmente, qualquer estudioso do fenômeno das representações sociais percebe a
presença de três características: vitalidade, transversalidade e complexidade. A vitalidade
nas Ciências Sociais está presente há algumas décadas. Embora seja notório que estas só
vão aparecer com estatuto científico durante o século XIX, em virtude de problemas
estruturais, pouco a pouco, esse campo de saber foi se organizando e tomando corpo
definitivo. Foucault (2002, p. 476), no livro As Palavras e as Coisas, afirma:
Certamente, não resta dúvida de que a emergência histórica de cada uma das
ciências humanas tenha ocorrido por ocasião de um problema, de uma
exigência, de um obstáculo de ordem teórica ou prática; por certo foram
necessárias novas normas impostas pela sociedade industrial aos indivíduos
para que, lentamente, no decurso do século XIX, a psicologia se constituísse
como ciência; também foram necessárias, sem dúvida, as ameaças que,
desde a Revolução, pesaram sobre os equilíbrios sociais e sobre aquele
mesmo que instaurara a burguesia, para que aparecesse uma reflexão de tipo
sociológico.
A questão da vitalidade nas Ciências Humanas tem adquirido destaque a partir dos
trabalhos de Durkheim. A noção de representação social, após ter caído em desuso por
algum tempo, foi retomada por Moscovici entre as décadas de 1960 e 1970. Atesta o fato a
quantidade de publicações e a diversidade de países onde tal noção é empregada.
O declínio do Behaviorismo
6
, na década de 1970, abalou o esquema
estímulo/resposta (S-R), que predominou nos Estados Unidos durante a primeira metade do
século XX. Num primeiro momento, o sujeito denominado organismo é integrado ao
esquema original como instância mediadora entre o estímulo e a resposta, alterando
profundamente o esquema original, que passa a ser entendido como
estímulo/organismo/resposta (S-O-R). Num segundo momento, levando-se em conta as
estruturas cognitivas, as representações mentais, estados psicológicos internos
correspondentes a uma construção cognitiva que interage com o meio (social e individual),
alteram o segundo esquema, porque o ambiente se altera quando o sujeito (organismo)
interage com ele. O novo esquema então se apresenta
organismo/estímulo/organismo/resposta (O-S-O-R). O esquema traduz a idéia de que a
6
O Behaviorismo, ou Psicologia do Comportamento, nasceu com John B. Watson (1878-1958), nos Estados
Unidos. O termo vem do inglês ‘behavior’ e quer dizer comportamento. Hoje está incorporado ao português,
como psicologia, dada a importância da doutrina. A Psicologia como ciência do comportamento é hoje a
definição universalmente aceita (FREIRE, 1997, p. 107).
representação mental determina ao mesmo tempo o estímulo e a resposta. Na verdade, esta
é a posição assumida pela Psicologia Social e defendida por Moscovici.
O novo conceito de Psicologia Social permite a reunificação das Ciências Sociais e
reabilita o conceito de Representação. Assim, a História, a Sociologia e a Antropologia
passam a compreender a questão da representação a partir de um novo ângulo. O
florescimento da Psicologia Social aponta para as outras duas características já
mencionadas: transversalidade e complexidade.
Situada na interface do psicológico e do social, esta noção interessa a todas
as Ciências Humanas: é encontrada em Sociologia, Antropologia e História,
estudada em suas relações com a ideologia, os sistemas simbólicos e as
atitudes sociais refletidas pelas mentalidades (JODELET, 2001, p. 25).
A Psicologia Social mantém também uma relação muito forte com a Psicanálise.
Isto se deve ao fato de que ela própria é objeto de representações sociais e que foi a partir
dela que Moscovici conseguiu delimitar o conceito de Representação Social. Este autor
introduziu tal conceito em seu estudo pioneiro, que enfocaria a maneira como a Psicanálise
penetrou o pensamento popular na França. O estudo é relatado na obra La Psicanalyise:
Son image et son public, publicado na França em 1961. Sem dúvida, essa multiplicidade de
relações com disciplinas afins possibilita um tratamento transverso, porquanto interpela e
articula vários campos de pesquisa.
Pelo exposto, podemos concluir que a noção de Representação Social envolve certa
complexidade, que exige dos pesquisadores bastante maturidade para trabalhar com os
conceitos correlatos, sem perder de vista a centralidade da idéia de Representação Social e
de suas múltiplas conexões com os demais campos de saber das Ciências Sociais. As
Representações Sociais são fenômenos complexos sempre ativados e em ação na vida
social. Como fenômeno, incluem elementos informativos, cognitivos, ideológicos,
normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, etc. Tais elementos são
organizados sempre sob a aparência de um saber que se refere a um grupo social e que diz
algo sobre o estado da realidade para descrevê-la, analisá-la e explicá-la em suas
dimensões, formas, processos e funcionamento.
Serge Moscovici participa da vertente psicossociológica renovadora, de origem
européia, que rejeita a tradição norte-americana, por se ocupar prioritariamente dos
processos psicológicos individuais. Na verdade, tal perspectiva não dá conta das relações
cotidianas da vida humana, em um aspecto mais propriamente social.
As Representações Sociais envolvem conhecimentos, idéias e conceitos.
Perguntamos como teriam sido gerados tais conhecimentos chamados de Representações
Sociais. De acordo com Sá (2004), certamente trata-se da elaboração de conhecimentos
feitos por indivíduos que pensam, mas pensam de forma conjunta, jamais de modo isolado.
Nessa perspectiva, o processo de gênese das representações tem lugar nas
mesmas circunstâncias, e ao mesmo tempo, em que se manifestam. Ou seja,
por meio da mesma ‘arte da conversação’ que abrange tão extensa e
significativamente parte da nossa existência cotidiana (SÁ, 2004, p. 27).
Numa sociedade pensante, os indivíduos não recebem as informações como uma
folha em branco ou uma máquina fotográfica, mas reconstroem as informações dando-lhes
um novo significado de acordo com sua visão de mundo e percepção da realidade. “O ato
de representar não deve ser encarado como um processo passivo, reflexo na consciência de
um objeto ou conjunto de idéias, mas como processo ativo, uma reconstrução do dado em
um contexto de valores, reações, regras e associações” (LEME, 2004, p. 48).
Na verdade, as Representações Sociais situam-se no cruzamento da Psicologia
Social com a Sociologia. Aquela deveria estar preocupada tão-somente com a estrutura e a
dinâmica dessas Representações Sociais, cujos mecanismos internos e dinâmica
interessavam a Moscovici. Em outras palavras, interessava ao pesquisador analisar o
processo de formação das Representações Sociais. Foi Jean Piaget quem iniciou os estudos
nessa direção, quando pesquisou a representação do mundo da criança, orientação que é
seguida até os dias atuais.
Conforme Moscovici (2004), as Representações Sociais são formadas por meio de
dois mecanismos: ancoragem e objetivação. A ancoragem consiste na integração cognitiva
do objeto representado a um sistema de pensamento social preexistente e nas
transformações decorrentes desse fato. Segundo Moscovici (2004, p. 60), “o primeiro
mecanismo tenta ancorar idéias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns,
colocá-las em um contexto familiar”. Em outras palavras, a ancoragem tem a função de
tornar familiar o que é não familiar, ou seja, trata-se de um processo que vai tornar um
objeto antes percebido como novo, como desconhecido, em algo ancorado, amparado,
associado aos conhecimentos e práticas anteriores. De certo modo, o novo objeto a ser
associado ao sistema sociocognitivo anterior perde o caráter de novidade, de desconhecido
e adquire um aspecto de déjà vu, de conhecimento familiar. Assim, no campo da educação,
um professor pode relacionar uma teoria educacional com uma prática educativa usada por
ele. Coisas que não são classificadas, que não possuem nome e que são estranhas podem
até ser ameaçadoras, oferecem resistência. Para quebrar essa resistência, faz-se necessário
colocar o objeto ou a pessoa em uma determinada categoria, dar-lhe um rótulo ou um
nome. Esse fato torna possível imaginá-lo, representá-lo.
Para Moscovici (2004), a Representação é um sistema de classificação e de
denotação de alocação de categorias e nomes. Dessa forma, quando se classifica uma
pessoa entre os professores, os pobres, os estrangeiros, certamente não se está apenas
apresentando um fato, mas avaliando-a e rotulando-a, revelando, assim, uma teoria da
sociedade e da natureza humana. Categorizar alguém ou alguma coisa implica escolher um
dos paradigmas armazenados em nossa memória e estabelecer uma relação negativa ou
positiva com ele ou ela.
Com efeito, a Representação é basicamente um sistema de classificação e de
denotação de categorias e nomes. É impossível classificar sem dar nome, sem identificar.
Nomear uma pessoa ou coisa significa atribuir-lhe certas características que a fazem
diferente de outras pessoas ou coisas. Mais ainda: a pessoa ou coisa passa a fazer parte de
uma convenção entre os que defendem e participam dessa convenção.
Ainda, de acordo com Moscovici (2004), o segundo mecanismo é a objetivação,
que consiste em transferir o que está na mente em algo presente no mundo físico. Mediante
esse mecanismo, a mente transforma algo não comum em coisas ou objetos do cotidiano,
em algo que seja familiar. A ciência era antes baseada no senso comum, mas agora este é a
ciência tornada comum. Na verdade, as ciências geram as representações. Para Moscovici
(2004, p. 60),
Ao contrário do que se acreditava no século passado, longe de serem um
antídoto contra as representações e as ideologias, as ciências na verdade
geram, agora, tais representações. [...] A ciência era antes baseada no senso
comum e fazia o senso comum menos comum; mas agora, senso comum é a
ciência tornada comum.
Teorias pouco conhecidas passam a ser normais e explicadoras da realidade, algum
tempo depois. Podemos mesmo admitir que o que é inconcebível para uma geração, torna-
se familiar e comum para a geração seguinte. Nossas representações tornam o não familiar
em coisas do cotidiano, em algo que faz parte de nossas vivências.
A objetivação é um processo muito mais atuante que a ancoragem. Objetivar
consiste em transformar um conceito em uma imagem. Nosso ambiente é basicamente
composto de imagens e nós estamos constantemente descartando algumas e criando novas.
Sendo assim, para Moscovici (2004), se as palavras não falam sobre nada, somos
obrigados a encontrar equivalente não-verbal para elas. Na verdade, é da soma de
experiências e memórias comuns que extraímos as imagens, linguagens e gestos
necessários para superar o não-familiar.
A ancoragem é o processo de assimilação de novas informações a um conteúdo
cognitivo-emocional pré-existente, e objetivação é a transformação de um conceito abstrato
em algo tangível. De acordo com Moscovici (2004, p. 78),
Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A
primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para
dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos,
que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A
segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí
conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para
fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido.
Conforme Sá (2004), Serge Moscovici admite a coexistência nas sociedades
contemporâneas de duas classes distintas de universos de pensamento: “os universos
consensuais e os universos reificados” (SÁ, 2004, p. 28). As ciências e o pensamento
erudito em geral fazem parte dos últimos, enquanto os universos consensuais envolvem
todas as atividades intelectuais da vida cotidiana, a partir das quais são formadas as
Representações Sociais. Todavia, a matéria-prima para a construção dessas realidades do
cotidiano provém dos universos reificados.
A proposta de Moscovici (2004) é considerar as Representações Sociais não como
um conceito, mas como um fenômeno que só se realiza por meio de um profundo laço
entre cognição e comunicação, entre operações mentais e operações lingüísticas, portanto
entre informação e significação.
Todos nossos discursos, nossas crenças, nossas representações provêm de
muitos outros discursos e muitas outras representações elaboradas antes de
nós e derivadas delas. É uma questão de palavras, mas também de imagens
mentais, crenças, ou ‘pré-concepções’(MOSCOVICI, 2004, p. 242).
Lane (2004, p. 59), psicóloga social e estudiosa da obra de Moscovici, afirma que
“a Representação Social caracteriza-se como um comportamento observável e registrável, e
como um produto, simultaneamente, individual e social, estabelecendo um forte elo
conceitual entre a psicologia social e a sociologia”. Na verdade, a verbalização que os
homens fazem da concepção que têm da realidade em que vivem não é outra coisa senão a
Representação Social. Moscovici e adeptos de sua teoria partiram de uma postura
cognitivista, mas atualmente os pesquisadores e o próprio Moscovici estão preocupados em
integrar à teoria aspectos afetivos e simbólicos do cotidiano das pessoas.
[...] as representações sociais devem ser estudadas articulando elementos
afetivos, mentais e sociais e integrando – ao lado da cognição, da linguagem
e da comunicação – a consideração das relações sociais que afetam as
representações e a realidade material, social e ideativa sobre as quais elas
têm de intervir (JODELET, 2001, p. 26).
Para fugir ao conceito de Representações Coletivas, defendido por Durkheim,
Moscovici (2004, p. 46-47) destaca algumas características essenciais às Representações
Sociais: ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já
sabemos, são sempre complexas e inscritas dentro de um referencial já existente, dependem
sempre de um sistema de crenças baseado em valores, tradições e imagens do mundo e da
existência; as representações são estruturas dinâmicas que operam com um conjunto de
relações e de comportamentos que surgem e desaparecem junto com as representações.
1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO
Nesta Introdução, procuramos situar o leitor sobre o nosso objetivo e objeto de
estudo. Apresentamos os sujeitos da pesquisa e discorremos sobre algumas investigações já
realizadas sobre o tema. Também abordamos os aspectos metodológicos e algumas noções
básicas sobre a Teoria das Representações Sociais, principalmente as idéias de Serge
Moscovici.
No segundo capítulo, apresentamos alguns desafios para os educadores, no século
XXI. Discorremos sobre a questão da formação dos professores, fundamentada, entre
outras, na idéia de professor reflexivo. Abordamos algumas idéias sobre Educação e
Comunicação, baseada principalmente no pensamento de Paulo Freire. No terceiro
capítulo, tentamos apresentar um estudo sobre a Televisão, destacando alguns teóricos
clássicos que elaboraram algumas teorias sobre essa mídia. Recorremos às idéias dos
pesquisadores latino-americanos Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco Gómez.
No quarto capítulo, analisamos as entrevistas de cinco educadoras a respeito da
Televisão. Inicialmente, descrevemos a primeira lembrança que elas guardam na memória
sobre essa mídia. Em seguida, procuramos descobrir no seu cotidiano qual a importância e
qual o espaço que a televisão ocupa nas suas vidas. Identificamos como elas interagem, e
quais as mediações que estabelecem com seus familiares a respeito da Televisão e a
importância desta dentro da sua casa. Posteriormente, apresentamos as representações da
Televisão dentro da Escola, através do olhar das próprias educadoras, das suas experiências
com essa mídia e na relação com seus alunos. Na última parte, colocamos algumas
considerações a respeito do que conseguimos apreender com essa experiência.
E ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é
dizer-se descomprometidamente dialógico; é
vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é
não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é
empenhar-se na transformação constante da
realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o
conteúdo da forma de ser própria à existência
humana, está excluído de toda relação na qual alguns
homens sejam transformados em ‘seres para o outro’
por homens que são falsos ‘seres para si’. É que o
diálogo não pode travar-se numa relação antagônica.
(Paulo Freire)
2 A EDUCAÇÃO, OS EDUCADORES E A TELEVISÃO
2.1 ALGUNS DESAFIOS PARA OS EDUCADORES NO SÉCULO XXI
Os desafios para os educadores são cada vez mais urgentes. Quais exigências são
colocadas para as novas gerações? Que se espera dos novos professores? Como enfrentar
as incertezas sociais, políticas, científicas, éticas e econômicas, presentes em todas as
sociedades? O mundo tornou-se uma pequena aldeia, cercada de mistérios, tempestades e
riscos, não apenas para os professores formadores, mas, sobretudo, para a juventude.
Muito se tem escrito sobre a Educação para o século XXI e novas propostas são
apresentadas e discutidas por autores diversos, dentro os quais podemos citar: D’Ambrosio
(1997; 1999), Morin (1999; 2001; 2004), Morin, Ciurana e Motta (2003), Nicolescu (2000;
2001), Delors (2001), Imbernón (2000), Moraes (1997), Tedesco (1998), entre outros.
Maria Cândida Moraes (1997) discute o paradigma educacional emergente,
fundamentada no avanço das várias ciências que dão suporte à Educação. Estamos nos
afastando de um modelo de ensino baseado na seriação e na fragmentação do
conhecimento, e nos aproximando de um novo paradigma educacional que não traça linhas
tão claras entre a ciência e as artes, ou entre os lados direito e esquerdo do cérebro, que
prioriza a unidade e não a separação do conhecimento e que valoriza o ser humano na sua
totalidade.
O paradigma educacional emergente exige o desenvolvimento da autonomia, da
cooperação e da capacidade crítica, aspectos fundamentais num mundo em constante
evolução, onde a transitoriedade, o incerto e a mudança estão evidentes. Tais características
deverão estar sempre presentes nas situações de aprendizagem envolvendo educador e
educando. Para atender às exigências do novo modelo é importante não sufocar a
criatividade da criança. A proposta é criar ambientes de aprendizagem não dominados
pelas idéias de falso e verdadeiro, para que o educando aprenda a trabalhar com variáveis,
depurar, buscar conhecimento de qualidade superior e perceber a conexão entre os vários
aspectos da realidade.
Categorias como profissionalismo, cidadania, competência, professor reflexivo e
autonomia estão presentes em todo programa de formação de professores que se pauta pelo
paradigma emergente (RAMALHO; NUÑES; GAUTHIER, 2003).
O tema professor reflexivo tem recebido lugar de destaque nos cursos de formação
de professores, nas últimas décadas. Segundo Alarcão (1996), o interesse pelo assunto
deve-se à atualidade da proposta com relação aos seguintes aspectos: necessidade da
eficiência, aproximação entre a teoria e a prática e a proposta de formar para a reflexão. A
idéia de professor reflexivo criada por Schön (2000) contrapõe-se ao conceito de
racionalidade técnica, predominante nos anos 70 do século XX. A recusa a esse conceito,
que defende a idéia de que os profissionais solucionem problemas instrumentais usando os
meios técnicos, evidenciou questões relevantes, como: a valorização e o desenvolvimento
dos saberes dos educadores; a realização de pesquisas para estudar e compreender os tipos
de saberes que eles produzem; a consideração dos docentes como intelectuais capazes de
produzir conhecimentos e de interferir nas decisões e na gestão da escola; e uma visão da
escola como instituição democrática. A investigação sobre os saberes docentes como
epistemologia da prática pedagógica conduziu os professores a uma investigação mais
profunda sobre os conhecimentos que fundamentam a sua ação didática.
A prática docente, de acordo com Freire (1996), pressupõe certas exigências, a
saber: respeito aos saberes dos educandos; reflexão crítica sobre a prática; humildade e
defesa dos direitos dos educadores; liberdade e autoridade; saber escutar e estar disposto a
dialogar com os educandos. A reflexão sobre a prática, conceito desenvolvido também por
Schön (2000), sem dúvida, aponta para o crescimento profissional do professor, uma vez
que a prática docente espontânea produz um saber ingênuo, um saber desarmado, sem o
rigor que o conhecimento epistemológico exige (FREIRE, 1996). Embora seja a mesma
matriz do pensamento ingênuo e do pensamento científico - a curiosidade -, marca
indelével do ser humano, é a partir da reflexão sobre a prática que o saber ingênuo vai se
tornando conhecimento crítico. Baseado nisto é que Schön (2000) propõe um novo modelo
para formação profissional.
Baseada numa epistemologia da prática (grifo do autor), ou seja, na
valorização da prática profissional como momento de construção de
conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o
reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os
profissionais encontram em ato (PIMENTA, 2002, p. 19).
Convém que ressaltemos, porém, que, embora o conhecimento tácito presente na
ação configure-se como um hábito, não é suficiente para o enfrentamento de situações
novas ou imprevistas. Para resolver tais casos, os educadores usando a reflexão na ação
criam novos caminhos para solucioná-los. É sabido que as experiências acumuladas
constituem um repertório de ações práticas sempre evocadas em situações semelhantes,
porém ao deparar-se com novas situações, para as quais esse repertório é insuficiente,
porque tais situações exigem maior compreensão e explicações mais profundas quanto ao
contexto, a origem e a aquisição de teorias que as justifiquem, num movimento mais
ousado, o educador formado nesse modelo proposto por Schön (2000) faz uma reflexão
sobre a reflexão na ação. Para que isto se dê, é preciso reconhecer o valor da teoria na
prática docente, pois é a partir dela que os professores se tornam capazes de analisar,
compreender e criticar os contextos históricos, sociais e culturais em que se dá sua
atividade docente, podendo assim intervir e transformá-los.
Conforme Zeichner (2003), a reflexão como palavra de ordem das atuais reformas
educacionais conduz à idéia de que o desenvolvimento profissional prossegue ao longo de
toda a carreira do educador. Por mais que aperfeiçoemos os programas de educação de
professores, só conseguiremos prepará-los para apenas iniciar sua ação didática. A prática
pedagógica reflexiva pode levar o docente a adquirir autonomia, capacidade crítica e o
desejo de evoluir profissionalmente. A reflexão não é neutra nem individual, ela pressupõe
relações sociais que servem a interesses humanos, sociais, culturais e políticos. Portanto, a
reflexão deve estar a serviço da emancipação da autonomia profissional dos educadores.
2.2 EDUCAÇÃO E TRANSDISCIPLINARIDADE
A necessidade de estabelecer laços entre as várias disciplinas fez surgir, no século
XX, a pluridisciplinaridade, que trata do estudo de um objeto de uma mesma e única
disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo, e a interdisciplinaridade que transfere
métodos de uma disciplina para outra. A transdisciplinaridade
7
, porém, refere-se àquilo que
está, ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das disciplinas e além de qualquer
7
O termo transdisciplinaridade surgiu na primeira metade do século XX, nos trabalhos de pesquisadores
como Jean Piaget, Edgar Morin, Eric Jantsch e muitos outros. Foi inventado para traduzir a necessidade de
transgredir as fronteiras entre as disciplinas, sobretudo no campo do Ensino e de ir além da pluri e da
interdisciplinaridade. Hoje o conceito é utilizado numa velocidade fulminante, como conseqüência da
necessidade de responder aos desafios do novo Milênio (NICOLESCU, 2001).
disciplina. A Carta da Transdisciplinaridade
8
no artigo 11 afirma: “Uma educação autêntica
não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar,
concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da
imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos”
(NICOLESCU, 2000b, p. 180).
Para os coordenadores do CETRANS (Centro de Educação Transdisciplinar da
Escola do Futuro da USP), a transdisciplinaridade é uma teoria do conhecimento, uma
compreensão de processos, também um diálogo entre as diferentes áreas do saber e uma
aventura do espírito. Nicolescu
9
afirma que o mundo está em estado de espera, mas na
verdade não se sabe o que o mundo espera. Prossegue o físico romeno: “Num mundo onde
tudo se equivale, onde a violência é a outra face da solidariedade, onde a exclusão é a outra
face do bem-estar, onde o massacre dos inocentes é a outra face do entendimento entre os
povos, é impensável encontrar a verdadeira razão para nele viver” (NICOLESCU, 2001, p.
151). Nicolescu é um dos defensores da Teoria da Transdisciplinaridade, juntamente com
Edgar Morin, Michel Camus, Michel Random, René Barbier, Patrick Paul e muitos outros
pensadores, dos quais fazem parte físicos, filósofos, poetas, habitantes de várias regiões do
Planeta.
Compreender as atitudes e o contexto do aluno é imprescindível ao educador. É
com base na situação existencial dos indivíduos e dos grupos, no conhecimento de suas
necessidades, de seus desejos e de suas representações que podemos captar o sentido que a
vida tem para eles em condições determinadas. Sem perceber a realidade social e tentar
encontrar meios de trabalhar com ela, a prática educativa reduz-se a uma farsa onde
professores e alunos, cada qual em seu mundo, fingem que trocam informações,
conhecimentos e, quem sabe, até afetos.
A visão transdisciplinar percebe o educando do ponto de vista holístico no qual
todos os aspectos de sua personalidade são atendidos. Privilegia-se não apenas a parte
cognitiva dos sujeitos aprendizes, mas, de igual modo, a sensibilidade, a criatividade, a
sociabilidade e também seus aspectos físicos. Coloca-se como objetivos da
transdisciplinaridade a formação do sujeito planetário, capaz de se comunicar com todo o
8
A Carta da Transdisciplinaridade foi elaborada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade,
realizado no Convento de Arrábida, em Portugal, entre 2-6 de novembro de 1994. Faziam parte do Comitê de
Redação: Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu.
9
Basarab Nicolescu nasceu na Romênia e transferiu-se para a França em 1968. É físico teórico e diretor do
Centro Nacional de Pesquisa Científica em Paris. É presidente do CIRET (Centro Internacional de Pesquisas
Transdisciplinares), consultor da UNESCO e autor de várias obras, dentre as quais, destaca-se: O manifesto
da Transcisciplinaridade, Ciência, Sentido e Evolução.
universo, de conhecer e respeitar as várias culturas, de romper com a mentalidade
positivista que defendia a separação radical entre o sujeito e o objeto de estudo, que isolava
as várias disciplinas e defendia o determinismo absoluto. A transdisciplinaridade declara o
fim das certezas (PRIGOGINE, 1996) e derruba qualquer teoria que se pretenda definitiva,
instaurando, assim, uma nova era na Educação, fundada nos princípios de ordem ética e
nos valores democráticos.
2.3 SABERES NECESSÁRIOS PARA A EDUCAÇÃO
Atualmente a grande questão que se coloca para a Educação não é como obter
conhecimentos, mas o que fazer com o conhecimento adquirido. O compromisso do
conhecimento com a ética tornou-se uma questão central para a Sociedade Contemporânea,
que se tornou extremamente complexa, exigindo uma nova visão de mundo que aponte
para a ligação entre as Ciências da Natureza e as Ciências Sociais e Humanas, conforme o
discurso de Edgar Morin.
Morin (2001) destaca sete saberes necessários à Educação, que já não é do futuro,
mas do atual momento em que vivemos. O autor identifica o erro e a ilusão como cegueiras
do conhecimento, e conclui afirmando que são múltiplas e permanentes as possibilidades
de erro e de ilusão, algumas vindas do exterior cultural e social, que inibem a autonomia da
mente e impedem a busca da verdade; outras, vindas do interior, encerradas, às vezes, no
seio de nossos melhores meios de conhecimento, fazem com que as mentes se equivoquem
de si próprias e sobre si mesmas. De acordo com o autor, a principal tarefa da Educação
consiste em armar cada um para a lucidez.
Outro saber que necessita ser incorporado à Educação é o que se refere aos
princípios do conhecimento pertinente, que abrangem o contexto, o global, o
multidimensional e o complexo. As informações e o conhecimento para fazerem sentido
devem ser primeiramente contextualizados. A palavra só adquire sentido se estiver inserida
no texto, que é o seu próprio contexto, e o texto, por sua vez, necessita do contexto no qual
se enuncia. O global, por seu lado, trata da relação entre o todo e as partes. O todo só pode
ser analisado levando-se em conta as partes e estas só podem ser compreendidas em função
do todo. Sabe-se que este tem propriedades que não são encontradas nas partes e estas
apresentam restrições provenientes do todo. Mais ainda: tanto no homem como nos demais
seres vivos, existe a presença do todo no interior das partes. Unidades complexas, como o
ser humano ou a sociedade, são multidimensionais.
Ensinar a condição humana é o terceiro saber necessário ao educando. Os homens
precisam se reconhecer na sua humanidade comum e ao mesmo tempo tomar consciência
da diversidade cultural própria a todos os humanos. Para conhecer o ser humano é
necessário situá-lo no universo. É função da educação estudar e destacar o destino
multifacetado do homem: o destino da espécie humana, o destino individual, o social, o
histórico, todos entrelaçados e inseparáveis.
Outro saber necessário à Educação diz respeito ao conhecimento da identidade
terrena. Todos os homens são habitantes do mesmo planeta, portanto vivem os mesmos
problemas, sentem as mesmas necessidades e têm aspirações mais ou menos idênticas. A
educação passa necessariamente pela ética da compreensão planetária.
Entre os vários saberes necessários à Educação, Morin (2001) ainda destaca a
capacidade ou sabedoria para enfrentar as incertezas. O futuro do homem atual constitui o
quinto saber que os educadores necessitam ensinar aos educandos. As incertezas passam
pela História, pelo conhecimento das diversas Ciências, pela Filosofia, enfim por todos os
conhecimentos desenvolvidos ao longo da história da Humanidade. A imprevisibilidade
mostrou seus primeiros sinais já no final do século XVIII. Os vários acontecimentos que
ocorreram após a Revolução Francesa, cujas conseqüências foram mundiais, eram
completamente imprevisíveis. Afirma Morin (2001, p. 92): “na história, temos visto com
freqüência, infelizmente, que o possível se torna impossível e podemos pressentir que as
mais ricas possibilidades humanas permanecem ainda impossíveis de se realizar”.
O autor coloca mais um saber que deve ser incorporado à Educação: ensinar a
compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e
moral da humanidade. O século XX ampliou consideravelmente o mundo da comunicação,
de forma a tornar comum por redes, fax, telefones celulares, Internet, embora nada disso
tenha contribuído muito para uma melhora na compreensão entre os homens. Esse saber,
que favorece a solidariedade intelectual e moral da humanidade, envolve duas dimensões: a
compreensão entre os seres humanos nas diferentes culturas e origens e uma dimensão que
envolve relações particulares entre próximos, cada vez mais ameaçadas. Uma grande
verdade pode estar por trás dessas relações: quanto mais próximos estamos menos nos
compreendemos, uma vez que a proximidade envolve ciúmes, mal entendidos,
agressividade, mesmo nos meios mais evoluídos intelectualmente. A compreensão humana
envolve o problema ético que passa necessariamente pelo respeito pelo outro, exige
abertura, simpatia e generosidade.
Por último, o autor coloca a obediência à ética como um saber a ser incorporado ao
educando para que este possa viver num mundo de incertezas, conturbado e em constantes
mudanças. Uma vivência ética envolve respeito pelo outro e por suas idéias, solidariedade
e compreensão da unidade planetária na diversidade cultural dos vários povos. A ética
envolve também obediência aos preceitos democráticos e o diálogo franco e aberto entre
opositores.
O Relatório para a UNESCO, coordenado por Jacques Delors e elaborado, no
período de 1993 a 1996, pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século
XXI, com a participação de especialistas de vários países, apresentou quatro pilares
indispensáveis para a Educação no Terceiro Milênio. A tarefa proposta pelo Diretor Geral
da UNESCO, consistia em um estudo e uma reflexão em torno dos desafios que a
Educação teria de enfrentar nos próximos anos, apresentando sugestões e recomendações
que pudessem oferecer programas de renovação e ação para os responsáveis pela Educação
no mais alto nível. Esse estudo contou com a colaboração do MEC, que prontamente
patrocinou a tradução e publicação do Relatório em forma de livro intitulado Educação:
um tesouro a descobrir. Os seus autores fazem menção aos quatro pilares sobre os quais
deve basear-se a Educação: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos
e finalmente aprender a ser.
Hoje, mais importante que aprender, é aprender a aprender. Conforme salienta
Morin (2004), vale antes uma cabeça bem feita que uma cabeça cheia. Saber relacionar os
novos conhecimentos com os anteriores e selecioná-los constitui uma prioridade. O bom
aprendiz não está preocupado com o volume de conhecimentos adquiridos, mas, sobretudo,
em como aplicar esses conhecimentos de forma criativa. “Aprender a conhecer significa
diferenciar o real do ilusório, o que exige um permanente questionamento daquilo que
resiste aos fatos, às imagens, às representações sociais e ao institucionalizado” (ALONSO,
2005, p. 262). Se os fatos falam por si, todavia não dizem toda a realidade, são parciais.
Conhecer implica estabelecer relações entre as diferentes disciplinas, perceber o que há de
comum e de diferente entre elas. Aprender a aprender significa saber colocar problemas e
procurar soluções para estes, usando os conhecimentos já disponíveis. É um exercício que
se instala a partir da infância, quando a criança inicia os célebres porquês. Cabe à escola
procurar desenvolver o raciocínio da criança e estimulá-la a procurar as respostas para suas
dúvidas.
Aprender a fazer, por sua vez, está ligado à aplicação de um conhecimento ou de
uma aprendizagem anterior. Na verdade, aprender a conhecer e aprender a fazer estão
intimamente associados, embora o segundo tipo de aprendizagem esteja diretamente ligado
a uma profissão. Com a invenção das máquinas que substituíram muitos trabalhos de
natureza física realizados pelo homem, as atividades produtivas tornaram-se cada vez mais
imateriais e de natureza cognitiva. Aprender a fazer, principalmente nas sociedades
industrializadas e naquelas em vias de industrialização, não pode mais reduzir-se ao
preparo do homem para atividades rotineiras. O progresso técnico e a produção de
máquinas cada vez mais sofisticadas modificam as qualificações exigidas pelos
trabalhadores nos diversos setores.
O aprender a fazer não passa apenas por atividades de natureza manual, pois
existem muitas outras atividades que, mesmo exigindo o preparo intelectual, de natureza
cognitiva, requerem também o domínio de certas habilidades. O médico-cirurgião, por
exemplo, precisa dominar os conhecimentos teóricos sobre sua profissão, mas igualmente
deve ter habilidade e competência para manusear as ferramentas necessárias ao
desempenho cirúrgico.
Outro pilar considerado básico pela Comissão refere-se à capacidade do ser humano
para viver juntos. É dever da Escola ensinar a não apenas conviver harmoniosamente em
pequenos grupos, seja na escola, no trabalho, seja na sociedade local, mas desenvolver
atitudes que permitam o convívio pacífico com grupos maiores, respeitando a diversidade
lingüística, a diferença de opiniões, a tolerância religiosa e a tolerância pelos diversos
credos e etnias. Cabe à Educação destacar tanto a diversidade da espécie humana, quanto as
semelhanças e a interdependência entre os seres humanos do planeta. A consciência de que
nenhum grupo social, é capaz de sozinho satisfazer a todas as suas necessidades, torna-se
um forte componente para entender que cada um depende do outro, ou seja, a
interdependência dos povos é uma aprendizagem vital para um modo de vida mais feliz.
Por fim, aprender a ser, mais um saber privilegiado pela Comissão, significa
estabelecer parâmetros e metas para as realizações, fazendo sempre novas conquistas, sem
deixar, porém, de respeitar os limites que são impostos pelas circunstâncias e sem jamais
atropelar o outro para alcançar o sucesso, embora este seja uma busca constante. Existir
suscita um questionamento continuado e às vezes uma turbulência que nos aflige. O ser
mais é um desejo sempre presente no ser humano, até porque o não ser mais significa falta
de objetivos para viver.
Podemos afirmar que esses quatro saberes passam, necessariamente, pela questão
da ética, principalmente os dois últimos. Não é possível viver em conjunto se não se
aprendeu a ser, a respeitar o outro e a se fazer respeitar.
2.4 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE
Freire (1983), na Pedagogia do Oprimido, discute dois tipos de educação: uma que
ele chama de educação bancária e outra de educação libertadora. A primeira está ligada à
pedagogia dos opressores, enquanto a segunda prende-se aos anseios de libertação dos
oprimidos e se identifica com a pedagogia libertadora.
A pedagogia do oprimido, humanista e libertadora que é, compõe-se de dois
momentos: num primeiro, os oprimidos tomam consciência de sua opressão e vão
desvelando o mundo da opressão, comprometendo-se na práxis com a sua transformação;
num segundo momento, quando é transformada a realidade opressora, a pedagogia dos
oprimidos passa a ser a pedagogia dos homens em processo de contínua libertação.
Na concepção da educação dita bancária, o educador faz comunicados e depósitos,
que os educandos recebem de forma passiva, memorizam e repetem. Nesse tipo de
educação, não há criatividade, nem transformação, nem saber. “Na visão ‘bancária’ da
educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber”
(FREIRE, 1983, p. 67). Nessa concepção, o educador é o que educa; os educandos, os que
são educados; o educador é o que sabe e os educandos os que não sabem; o educador é o
que pensa, enquanto os educandos são pensados; o educador é o que diz a palavra e os
educandos os que a escutam docilmente. Segundo Freire (1983, p. 70),
O que não percebem os que executam a educação ‘bancária’,
deliberadamente ou não (porque há um sem-número de educadores de boa
vontade, que apenas não se sabem a serviço da desumanização ao praticarem
o ‘bancarismo’) é que nos próprios ‘depósitos’, se encontram as
contradições, apenas revestidas por uma exterioridade que as oculta. E que
cedo ou tarde, os próprios ‘depósitos’ podem provocar um confronto com a
realidade em devenir e despertar os educandos, até então passivos, contra a
sua ‘domesticação’.
A educação libertadora, problematizadora e criativa, implica a superação da
dicotomia educador/educando, de tal forma que sejam ambos simultaneamente educadores
e educandos, educando em diálogo com o mundo, tornando-se sujeitos do processo
educativo e crescendo juntos. A educação passa a ser uma prática para a liberdade, que
envolve reflexão e crítica, e se faz sempre por meio do diálogo entre educando e educador.
O diálogo entre eles constitui a essência da educação para a liberdade. Para Freire, não há
educação sem diálogo. Reflexão, crítica e diálogo formam a trilogia responsável pela
educação libertadora, que é também problematizadora e oposta à educação bancária.
Para o educador/educando, o conteúdo programático da educação libertadora não é
uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos
–, mas a devolução organizada, sistematizada daqueles elementos que o educando lhe
entregou de forma desorganizada. Na concepção de educação defendida por Paulo Freire,
três idéias perpassam toda sua obra: democracia, liberdade e diálogo. Essas idéias têm
como pano de fundo a questão ética.
Segundo Morin, Ciurana e Motta (2003), a prática educativa deve ser exercida
como uma missão. O ensino tem que se tornar uma tarefa política por excelência, uma
missão de transmissão de estratégias para a vida, que exige naturalmente competência e,
além disso, requer uma técnica e uma arte. Morin (2004) evoca o pensamento de Platão,
segundo o qual o Eros é condição indispensável de todo ensino: “O eros, que é, a um só
tempo, desejo, prazer e amor, desejo e prazer de transmitir, amor pelo conhecimento e
amor pelos alunos” (MORIN, 2004, p. 101-102).
2.5 A COMUNICAÇÃO COMO DIÁLOGO PARA PAULO FREIRE
Paulo Freire foi um dos primeiros educadores a traçar um conceito de Comunicação
e sua ligação com a Educação. No seu livro Extensão ou Comunicação?, Freire (1979)
estabelece uma noção de Comunicação que se insere no agir pedagógico libertador. Para
esse autor, a Comunicação é co-participação dos sujeitos no ato de pensar. “O que
caracteriza a comunicação enquanto este comunicar comunicando-se, é que ela é diálogo,
assim como o diálogo é comunicativo” (FREIRE, 1979, p. 67). Para Freire (1979, p. 69) “a
educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas
um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”.
O conceito de Comunicação como diálogo, pensado por Paulo Freire na década de
1960, quando ele ainda se encontrava no Brasil, posteriormente expandiu-se por vários
países, chegando até à Guiné Bissau, com repercussão nos Estados Unidos, onde sua
principal obra, Pedagogia do Oprimido, foi traduzida e depois divulgada por mais de 15
países.
Desde os anos de 1970, Paulo Freire já era estudado fora do Brasil, todavia o
assunto comunicação como diálogo ainda não havia chamado a atenção dos estudiosos do
seu pensamento, o que só ocorreu a partir do trabalho que desenvolveu como consultor
internacional das Nações Unidas, em projetos de reforma agrária e extensão rural no Chile
na década de 60. Na obra Extensão ou Comunicação?, Freire (1979) discute com mais
pormenores a noção de Comunicação, embora de forma embrionária já estivesse presente
na sua primeira obra, Educação e atualidade brasileira, somente publicada em 2001, após
sua morte.
O conceito de Cultura e a questão do Diálogo estão intimamente ligados ao de
Comunicação como troca de experiência. Tais conceitos estão presentes no método de
alfabetização desenvolvido em Angicos no Rio Grande do Norte, por volta de 1960.
Cultura é um conceito fundamental, pois é em torno dele que gira todo o processo de
aprendizagem como conscientização. Ao relatar suas experiências educacionais com
operários na cidade do Recife, Freire afirma: “Nessa intimidade com grupos de operários e
líderes operários também é que fomos compreendendo coisas tão claras e simples como
esta: a necessidade entre os políticos e o povo, de uma comunicação existencial” (FREIRE,
2002, p. 22).
A integração ao seu contexto, resultante de estar não apenas nele, mas com
ele, e não a simples adaptação, acomodação ou ajustamento, comportamento
próprio da esfera dos contatos, ou sintoma de sua desumanização, implica
que, tanto a visão de si mesmo, como a do mundo, não podem absolutizar-se,
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo que apenas se acha. A sua integração o enraíza (FREIRE, 2003,
p. 50).
A idéia de comunicação dialógica de Paulo Freire baseia-se no respeito pelo outro,
não visa à acomodação ou ajustamento, mas enfatiza a integração que torna o homem
sujeito de suas ações e o afasta da condição de objeto, de dominado, sem vez e sem voz.
Enquanto a adaptação é um conceito passivo, a integração implica engajamento no sentido
de mudar, de transformar a realidade, criticando-a para ser capaz de mudá-la.
2.6 TELEVISÃO COMO INSTRUMENTO EDUCATIVO
A Televisão, no Brasil, assim como o Rádio e outros Meios de Comunicação, é uma
concessão do Estado e, portanto, um serviço público, conforme esclarece Bucci (2000, p.
35),
O Estado, representando a sociedade, concede os canais para que se tornem
objeto da atividade comercial. Uma emissora de televisão ou de rádio só
pode funcionar mediante concessão pública; é preciso que o poder público
conceda a permissão para que aquela determinada freqüência (aquele canal)
seja utilizada por uma empresa para enviar seus sinais aos aparelhos
receptores. Sem essa permissão, nada feito. O que vale dizer: em última
análise, o cidadão é o dono das freqüências exploradas pelas empresas.
Câmeras, antenas, parques eletrônicos instalados para a confecção das
imagens eletrônicas, podem ser propriedade privada – mas a freqüência pela
qual são transmitidas as ondas eletrônicas magnéticas pertence ao povo, e
em nome do povo, é concedida à empresa privada. Portanto, o cidadão tem
legitimidade para exigir que essa exploração comercial não o desrespeite.
Também precisamos ter conhecimento de que na Constituição Federal, no Artigo
221, no primeiro Parágrafo, consta que a produção e a programação das emissoras de rádio
e televisão devem atender aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas,
artísticas e informativas. Portanto todos nós precisamos ter muito claros dois pontos
centrais:
Primeiro, a necessidade que todos os brasileiros e brasileiras saibam que há
um preceito constitucional determinando que se dê ‘preferência a finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas’. Segundo, que somente na
medida em que houver um conhecimento e consciência disso é que poderão
surgir, de forma organizada, grupos articulados que exijam que isso seja
posto em prática (GUARESCHI; BIZ, 2005, p. 93).
De acordo com Pretto (1996), as primeiras tentativas de uso da Televisão como
instrumento educativo no Brasil estão ligadas à idéia de ensino à distância. Conforme
Belloni (apud PRETTO, 1996, p. 121) “seu início ocorre no ano de 1952 com a aprovação
de uma concessão solicitada por um grupo de educadores da rádio Roquete Pinto, emissora
responsável pelo serviço de rádio educativo da prefeitura do Distrito Federal”. O projeto
não se concretizou, mesmo tento sido outorgada a concessão e a compra dos materiais,
devido a questões políticas.
Segundo Carneiro (1999), os primeiros programas educativos pela Televisão foram
ao ar pelas emissoras comerciais em horários cedidos às instituições educacionais. No ano
de 1961, a TV Cultura de São Paulo, que na época ainda pertencia ao Grupo dos Diários
Associados
10
, inicia uma experiência no ensino. Tratava-se de uma emissora comercial que
cedia dois horários dentro da sua programação para a Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo.
No Brasil, algumas experiências foram desenvolvidas por emissoras de televisão
educativa. De acordo com Carneiro (1999), em 1975, eram sete as emissoras educativas:
Fundação Televisão Educativa do Amazonas (Amazonas), Fundação Maranhense de
Televisão Educativa (Maranhão), Televisão Universitária do Rio Grande do Norte (Rio
Grande do Norte), Televisão Educativa do Ceará (Ceará), Televisão Universitária de
Pernambuco (Pernambuco), Fundação Padre Anchieta (TV Cultura de São Paulo) e Centro
de Televisão Educativa do Rio Grande do Sul (Rio Grande do Sul).
Conforme Andrade (2005), no Rio Grande do Norte, no final da década de 1960, a
Televisão Universitária do Estado veiculou um dos programas pioneiros em educação à
distância.
O Rio Grande do Norte sempre teve uma vocação para a ação inovadora, e
em conseqüência, se torna o local do experimento educacional do Projeto
Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares (Saci), um projeto
desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ligado
à Presidência da República, com o objetivo de oferecer, ao governo federal,
subsídios para a implantação de um sistema de teleducação, (como era
chamada a educação a distância naquela época) nos fins dos anos de 1960 e
início dos anos da década de 1970 (ANDRADE, 2005, p. 133).
10
A primeira televisão a entrar em funcionamento no Brasil, a TV Tupi Difusora, pertencia aos Diários de
Emissoras Associados. Seu proprietário, Assis Chateaubriand, era dono de parte do mercado brasileiro de
comunicação, chegando, na sua fase áurea, a 36 emissoras de rádio, 34 jornais e 18 canais de televisão. Logo
após a inauguração do primeiro canal de São Paulo, outros foram abertos: em 1951, a TV Tupi do Rio de
Janeiro; também em 1951, a Rádio Televisão Paulista; e em 1953, a TV Record, no Rio de Janeiro
(CAPPARELLI; LIMA, 2004, p. 63).
Ainda de acordo com Andrade (2005), o Projeto SACI, idealizado pelo Doutor
Fernando Mendonça, Diretor Geral do INPE, buscava experimentar o uso de satélites em
educação, transmitindo programas de rádio e televisão para as Escolas de 1º Grau,
escolhidas aleatoriamente entre todas as Escolas Municipais e Estaduais do Rio Grande do
Norte. Santos (apud PRETTO, 1996, p. 122) destaca que,
O Projeto SACI, de forte inspiração norte-americana, chegou ao Brasil com
o objetivo de ‘colocar os melhores professores à disposição da maioria da
população’. Considerava que a televisão poderia servir como fonte de
informações e ponto focal para o desenvolvimento da comunidade, que
poderia ser introduzida no quadro do ensino existente e que o satélite era o
meios mais barato de se atingirem os objetivos em cinco anos.
Pfromm Netto (2001) nos lembra que, desde 1972, o Projeto Saci passou a realizar
experimentos e transmissões no Rio Grande do Norte, valendo-se de transmissões às
Escolas por meio de VHF e ondas médias de rádio, com a participação de estações de
televisão e rádio do Estado. Cerca de 600 Escolas participaram dessa fase. Até por volta de
1973-1974, dois mil professores leigos tinham recebido as emissões dos Programas de
Ensino no Rio Grande do Norte, graças ao Projeto SACI.
Carneiro (1999) destaca a preocupação inicial dos grupos de produção e realização
desse Projeto em utilizar linguagens próprias da Televisão.
Após pesquisas e tentativas ficou estabelecido que as emissões adotariam ‘a
linguagem estandardizada’, isto é, a linguagem e o sotaque consagrados
pelos meios de comunicação, além de gêneros específicos para informar o
conteúdo das diversas disciplinas. Assim, o ensino da Língua Portuguesa
tomou a forma da novela, o de Matemática inspirava-se numa ficção onde
Epaminondas, ‘o robô versátil, síntese de homem e da máquina, mais
homem que máquina’, ‘abria as portas do maravilhoso mundo da
Matemática’; enquanto as noções de Pedagogia e Educação Moral e Cívica
retomavam as fórmulas de publicidade, o ensino das ciências adotava a
estrutura tradicional onde o discurso de um apresentador-professor era
ilustrado por imagens; quanto aos Estudos Sociais, recorria-se a
dramatizações para o ensino de Historia e a documentos diversos para o
ensino de noções econômicas, políticas e de desenvolvimento comunitário
(SANTOS apud CARNEIRO, 1999, p. 41).
De acordo com Andrade (2005, p. 134-135), “em 1975, as pressões, dentro do
próprio governo federal, para interromper a experiência do INPE eram enormes e, embora
os objetivos e metas do SACI ainda não tivessem sido alcançados, o projeto foi
interrompido”.
“Em 1978 em uma co-produção da Fundação Padre Anchieta e da Fundação
Roberto Marinho teve início os programas de Telecurso 2º Grau (CARNEIRO, 1999, p.
42). Este programa ainda estava no ar, quando estreava, em janeiro de 1995, na TV Globo,
o Telecurso 2000, uma produção da Fundação Roberto Marinho, com apoio da FIESP, e
que continua no ar ate hoje.
Atualmente, uma grande parte das Escolas trabalha com a Televisão, seja através do
uso de vídeo, seja através da programação da TV Escola
11
. Dentro da sala de aula, porém, a
Televisão e o Vídeo ainda são utilizados mais como recursos didáticos do que como
objetos de estudos para a formação crítica dos educandos em relação ao meio.
2.7 EDUCAÇÃO PARA A MÍDIA
12
A educação para a mídia defende uma leitura crítica das mídias: a mídia impressa, a
mídia visual e a sonora eletrônica, bem como as novas mídias interativas. É definida como
uma disciplina científica, interdisciplinar, que se insere entre a pesquisa de comunicação
tradicional e a pesquisa pedagógica. A utilização da mídia dentro do espaço escolar
depende, porém, do conhecimento sobre sua natureza e seu uso atual, bem como da forma
de como, quando e por que utilizá-la. De acordo com Andrade (2006), é preciso
11
A TV Escola é um canal de Televisão, via satélite, destinado exclusivamente à Educação, que entrou no ar,
em todo o Brasil, em 4 de março de 1996, coordenado pela Secretaria de Educação à Distância, do Ministério
da Educação, dirigido à capacitação, atualização e aperfeiçoamento de Professores do Ensino Fundamental e
Médio da Rede Pública. Seus principais objetivos são a capacitação, atualização, aperfeiçoamento e
valorização dos Professores da Rede Pública de Ensino Fundamental e Médio e o enriquecimento do Processo
de Ensino-Aprendizagem.
12
A palavra mídia, utilizada no Brasil, tem origem do termo medium (singular) e media (plural) que
significam meio e meios. Em inglês, os termos são usados para designar um meio (medium) e os meios
(media) de comunicação. A palavra mídia, sem s, antecedida do artigo feminino (a mídia) é mais comumente
empregada, tanto no jornalismo impresso, quanto nos meios eletrônicos em geral, como o rádio e a televisão
(SANTAELLA, 1996, p. 24). O termo educação para a mídia recebe diferentes nomeações que dependem
das diferentes tradições e teorias pedagógicas em diversos países. Tem sido chamada de “educação para a
compreensão da mídia”, “educação para a conscientização da mídia”, “compreensão visual da linguagem” e
“educação para a mídia” (CARLSSON; VON FEILITZEN, 2002, p. 235). Autores brasileiros utilizam o
termo “mídia-educação” ou “educação para as mídias”, que se refere à dimensão “objeto de estudo” e tem
importância crescente no mundo da Educação e da Comunicação. Corresponde a media education em inglês;
éducation aux médias, em francês; educación em los medios, em espanhol; educação e media, em português e
comunicação educacional, referente à dimensão “ferramenta pedagógica” (BELLONI, 2001, p. 9). O termo
midiático se refere à mídia, que significa a grafia aportuguesada da palavra latina media, pronunciada em
inglês (RABAÇA; BARBOSA, 2001, p. 490).
primeiramente compreender como os Meios de Comunicação se organizam no Brasil e
como eles se desenvolveram, até apresentarem a configuração que têm hoje.
Conforme Gonnet (2004), a educação para a mídia remonta a um uso nascido em
torno dos anos 1960 nos meios internacionais que tratam dos problemas da educação,
particularmente na Unesco.
Nesta época, as previsões dos especialistas se concentravam na explosão
visível da comunicação de massa, especialmente da televisão. De modo
totalmente confuso abordava-se (para citar apenas os temas mais freqüentes);
a capacidade desta nova ferramenta mágica de alfabetizar em grande escala
populações privadas de estruturas de ensino e de equipes de pessoal
qualificado; a reticência dos professores em aceitar a televisão como uma
abordagem legítima do saber; a necessidade de abordagens críticas em face
dos riscos de manipulação das mídias em geral... (GONNET, 2004, p. 22-
23).
Segundo Gonnet (2004, p. 23), a “educação crítica para a leitura das mídias” tem
como objetivo facilitar um distanciamento, pela tomada de consciência do funcionamento
das mídias, tanto de seus conteúdos quanto da contextualização dos sistemas nos quais elas
evoluem.
A educação para a mídia implica uma reformulação da atitude dos educadores que
precisam aceitar que não são mais os únicos detentores do saber e que não existe mais uma
única forma de ensinar e aprender. O professor, compreendido como facilitador de
aprendizagens, é um intermediário de saberes, praticando uma pedagogia ativa centrada no
aluno e que tem um papel decisivo na construção do cidadão crítico e ativo. Todavia, para
integrar a Televisão no processo educativo, é preciso atualizar os docentes no desempenho
da sua profissão, oferecendo-lhes uma formação para o desenvolvimento das competências
de percepção, leitura e expressão, nas dimensões técnica, simbólica e cultural, como
também condições para virem a fazer uma reflexão crítica das mensagens que circulam na
mídia.
Segundo Geneviève (2005), pesquisadora francesa, um dos desafios atuais é
confrontar os modos tradicionais de educação e apropriação de conhecimento com a cultura
midiática dos alunos, para que a educação sirva para promover ao mesmo tempo o espírito
crítico do cidadão e a capacidade de análise do educando. Ainda segundo Geneviève
(2005),
[...] todas as crianças não são iguais frente à televisão, porque ‘a maneira de
assistir diferencia muito o que se assiste’: porque a televisão para uns não é
mais do que uma ‘boca furada’, não lhes dando acesso à cultura
‘normatizada’ da escola, enquanto para outros, ela é uma alternativa para
outras formas de acesso a essa cultura normatizada; porque também, pelo
jogo da ‘distinção’ (no sentido de Bourdieu), transmitem muito cedo
modelos de apreciação, atração ou de desinteresse pela gama de produtos
culturais veiculados pela telinha. Daí o papel fundamental, mas delicado, da
escola e dos professores.
De acordo com Ferrés (1996), para integrar a Televisão na Educação, é necessário
transformar esse meio em objeto de estudo, ensinar os mecanismos técnicos e econômicos
de seu funcionamento, oferecer orientação e recursos para a análise crítica dos conteúdos,
realizar uma abordagem do conteúdo televisionado, partindo de todas as perspectivas:
técnica, expressiva, ideológica, social, econômica, ética, cultural, etc. Incluir a Televisão na
sala de aula, em todas as áreas e níveis de ensino, não para aumentar o seu consumo, mas
para melhorar o processo de ensino-aprendizagem.
Conforme Capparelli e Lima (2004, p. 7) “a televisão é um objeto de estudo
complexo que exige mais do que um fio explicativo, pois está na confluência de tensões
entre o mercado e a cultura, entre o político e o econômico, entre o coletivo e o individual”.
Segundo Fischer (2003), tornar a TV objeto de estudo significa adentrar esse
mundo da produção de significações, através do estudo de uma linguagem específica, da
análise de um meio de comunicação que se tornou para todos, de certa forma,
indispensável, em termos de lazer e informação. O importante é “imaginar possibilidades
concretas de análise que dêem conta da TV simultaneamente como linguagem e como fato
social” (FISCHER, 2003, p. 17).
Sendo assim, a Escola precisa “apropriar-se desse meio, estudar suas estratégias de
endereçamento, de criação de imagens e sons, compreender a complexa trama de
significações que aí estão em jogo”, e isto é responsabilidade de todos aqueles que estão
envolvidos com o processo educativo (FISCHER, 2003, p. 51). O trabalho pedagógico com
a Televisão e seus produtos “é de transformá-los em documentos para fruição, investigação
e pensamento, retirando-os por instantes daquele conjunto de objetos que olhamos ‘quase
sem olhar’” (FISCHER, 2003, p.57).
Belloni (2001), por sua vez, enfatiza que é a Escola que tem condições teóricas e
práticas de executar a tarefa de educação para as mídias, pois é responsável pela elaboração
das aprendizagens e pela coerência da informação, além de deter a legitimidade cultural e
as condições práticas de ensinar a lucidez e a criticidade às novas gerações.
A integração da mídia à Escola pode se realizar em dois níveis: como instrumento
pedagógico, fornecendo suporte para a melhoria da qualidade de ensino, e como objeto de
estudo, fornecendo meios para o domínio dessa nova linguagem e a forma de expressão
que eles introduzem no universo infantil, principalmente em relação à Televisão. Cabe,
portanto, a essa instituição capacitar seus alunos a fazerem da TV que eles vêem todos os
dias um uso crítico e ativo.
O que quero dizer com a dicotomia entre ler as
palavras e ler o mundo? Minha impressão é que a
escola está aumentando a distância entre as palavras
que lemos e o mundo em que vivemos. Nessa
dicotomia, o mundo da leitura é só o mundo do
processo de escolarização, um mundo fechado,
isolado do mundo onde vivemos experiências sobre
as quais não lemos. Ao ler palavras, a escola se torna
um lugar especial que nos ensina a ler apenas as
‘palavras da escola’ e não as ‘palavras da realidade’.
[...] Você pode pensar nessa dicotomia como uma
espécie de cultura do silêncio imposta aos
estudantes. A leitura da escola mantém silêncio a
respeito do mundo da experiência, e o mundo da
experiência é silenciado sem seus textos críticos
próprios.
(Paulo Freire)
3 SOBRE A TELEVISÃO
A Comunicação, assim como a Educação, sempre fez parte da vida do homem, que
criou várias formas de comunicar-se, usando recursos diversos, como o gesto, a fala, o
desenho, a pintura, a escrita, a imagem, etc. Cada novo meio de comunicação vem
incorporando a técnica e a linguagem do anterior, melhorando e abrindo, assim, novas
possibilidades de interações.
A história da Televisão
13
está ligada à história da Civilização. A idéia de trabalhar
com imagens remonta aos tempos dos homens primitivos. A Pintura sempre existiu como
uma forma de linguagem não-verbal, uma forma de linguagem analógica de representação
da realidade. No Ocidente, mesmo depois da invenção da linguagem alfabética, a Pintura
continuou a ser usada como forma de comunicação. Com o desenvolvimento das técnicas,
passou a ser um meio de reprodução de imagens da sua época. Nas catedrais medievais, por
exemplo, essas imagens chegaram a uma forma sofisticada de arte e de meio de
comunicação.
Como tecnologia da imagem, surge a Fotografia, como uma das grandes invenções
da época, fazendo com que a realidade, antes retratada através da Pintura, fosse impressa
com maior fidelidade. Os retoques, os ângulos e a luz influenciavam e ainda influenciam
no resultado final. Depois da Fotografia, veio o Cinema, que deu vida aos quadros parados
e mais veracidade à reprodução da realidade. Tempos depois, aparece o Rádio. Conforme
Andrade (2003, p. 306),
[...] Não muito depois do cinema, surge o Rádio, unindo a perpetuação do
som, através das gravações magnéticas, à reprodução, pela distribuição
através das ondas. Transmitindo a voz, voltamos à oralidade e à riqueza da
fala, acrescentamos os sons, a música, a seleção do timbre, volume, altura...
construindo uma fisionomia para a fala e para os sons.
De acordo com Andrade (2003), assim como o desenho e a fala parecem
independentes, embora tenham tido suas origens entrelaçadas, o Cinema parece também
não estar relacionado com o Rádio. Ambos, porém, são produtos do desejo de perpetuar e
reproduzir percepções sensoriais do real, e será ainda o desenvolvimento das gravações
magnéticas que dará voz ao Cinema. Para Andrade (2003, p. 306), “em países de grande
tradição oral e grande massa de analfabetos, o rádio foi uma ferramenta inestimável de
exercício do poder. Mas, se o Rádio estava ligado à fala, ligado estava à escrita, ligado
estava às tradições, à cultura acumulada de seu povo”. Portanto, podemos afirmar que foi o
13
A palavra em inglês television tem como origem a junção do prefixo grego tele, que significa distante, e do
termo vision, e foi traduzido literalmente para o português como televisão. Seu suporte técnico (câmaras,
transmissores e receptores) se baseia na possibilidade de transformar luz em impulsos eletromagnéticos, fazê-
los transpostos em ondas hertzianas e transformá-los novamente em luz.
Rádio, antes mesmo do Telefone, o primeiro meio a que o povo teve acesso. Logo depois
do Rádio, surge a Televisão.
Segundo Andrade (2003, p. 308), “amadurecidos o rádio e o cinema, surge um novo
meio, que se lê como o cinema e se distribui como o rádio. A televisão chega, assim, com
um público semi-alfabetizado na leitura da imagem em movimento e adaptado à recepção
doméstica de mensagens”.
Sem as cores que o cinema já utilizava, com uma imagem de baixa
definição, a televisão buscou no rádio os formatos de programas já aceitos
pela população, popularizou a dublagem no cinema e o televisor se tornou
um móvel da sala, enquanto o rádio ia para o quarto ou para a cozinha.
Embora portadora de uma comunicação integrada de imagem, som e
movimento, foi do som que a televisão mais se serviu para consolidar o seu
espaço (ANDRADE, 2003, p. 308).
A Televisão é considerada por alguns autores como a maior invenção do século XX
e também a mais polêmica e poderosa de todas. Para Santaella (1996, p. 42), “a televisão se
caracteriza como uma mídia das mídias, isto é, tem um caráter antropofágico, ela absorve
todas as formas de cultura, desde as mais artesanais, folclóricas e prosaicas até as formas
mais eruditas: do cinema, jornal, documentário, até o circo, teatro, etc.”.
A TV é a mais híbrida de todas as mídias, que absorve e deglute todas as
outras. Nessa medida por mais que a mensagem transmitida pela TV seja
banal, superficial, e esquemática, sua complexidade semiótica é sempre
grande. Tudo se dá ao mesmo tempo: som, verbo, imagens, que podem
adquirir feições as mais diversas e multifacetadas, além do ritmo dos cortes,
junções, aproximações e distanciamentos que provavelmente se constituem
num dos aspectos mais característicos dessa mídia (SANTAELLA, 1996, p.
47).
O discurso usado na Televisão trabalha com os mitos, com as marcas do imaginário
social, que contribuem para a sua própria instituição e modificação do real. Essa mídia,
através de pesquisas de opinião, combina informações sobre as necessidades de natureza
material e simbólica, os desejos, os sonhos, as crenças e as fantasias. O discurso da
Televisão se materializa a partir de seus roteiros de novela, de sua propaganda, da seleção
de filmes e da organização das notícias, que mexem com o nosso campo simbólico, nossas
idéias, nossos sagrados e nossas utopias. A TV combina de modo coerente, através da
imagem e do uso da linguagem, crenças, mitos e fantasias, para seduzir e criar novos
desejos e formas de satisfazer necessidades elementares, ou seja, cria um supra-real, que
aparece como um real ideal, quebrando as nossas resistências racionais.
Andrade (2003) afirma que a Televisão é mais do que um meio de comunicação
social, a que a maioria da população tem acesso. É um poderoso meio de organização
social, pois, em um país como o Brasil, onde a maior parte da população não tem acesso a
uma educação de qualidade, a Televisão passa a ser uma das instituições mais importante
para dominadores e dominados. Por isso é que se torna extremamente importante o estudo
e o debate da Televisão dentro da Escola.
3.1 ALGUMAS TEORIAS SOBRE A TELEVISÃO
Para Mcluhan
14
(1996, p. 21), “os meios são extensões do homem e seus efeitos
estão relacionados à maneira como estes atuam sobre a percepção humana a partir de suas
especificidades técnicas”. É nesse sentido que o autor divulga o slogan o meio é a
mensagem. De acordo com Mcluhan (1996), o meio é o elemento constituinte da
mensagem, sendo impossível separar os dois. A mensagem seria, portanto, uma mudança
de escala, cadência ou padrão que o meio provoca nos hábitos perceptivos, ampliando e
acelerando processos já existentes. Ainda segundo Mcluhan (1996, p. 22), “o ‘conteúdo’ de
qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou veículo. O conteúdo da escrita é a
fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa e a palavra impressa é o
conteúdo do telégrafo”.
Sabemos que o meio enquanto meio é importante para as mudanças sociais, mas
precisamos considerar que a programação também importa sim. Corroborando com
Andrade (2006), não podemos negar a influência que certos programas têm na audiência e
14
O filósofo canadense Marshall McLuhan (1911-1980) foi um dos autores mais midiáticos do século XX e
chegou a essa condição escrevendo sobre as potencialidades da mídia, transformadas pelas então novas
tecnologias e pela cultura popular. Para ele, a humanidade entrava em um novo estágio, o da ‘aldeia global’,
por meio dos satélites e do aumento da velocidade na troca de informações pelo mundo. Um de seus mais
conhecidos trabalhos, Understanding Media (1964), publicado no Brasil com o título Os meios de
comunicação como extensões do homem, o autor defende ser a forma da mídia mais efetiva na transformação
da sociedade do que a mensagem veiculada por ela.
como suas ações podem ser dirigidas por programas de TV, ou através de outros meios,
como o Rádio ou o Cinema.
O fundamento das teorias de Mcluhan (1996), segundo o qual o meio é a
mensagem, é contrária ao da ocupada pelos que se preocupam com o conteúdo das
mensagens produzidas pela chamada indústria cultural, defendida pela tradição sociológica
da Escola de Frankfurt
15
, que também formulou análises sobre a Televisão ao longo dos
anos de 1960.
Adorno e Horkheimer (1985), partindo do conceito de indústria cultural
16
, analisam
os meios de comunicação e as mercadorias culturais como expressões de certa decadência
cultural, reflexo e produto da expansão do Capitalismo Monopolista nos Países Ocidentais.
À medida que a fórmula substituía a forma, desaparecia a experiência estética e cultural
mais profunda, substituída pelo valor de troca dos produtos culturais. De acordo com a
teoria crítica, um programa de Televisão é uma mercadoria simbólica que reafirma o
telespectador como parte de uma sociabilidade massificada, tornando-o um consumidor
integrado ao sistema capitalista.
De acordo com Freitag (2004, p. 20), “a Dialética do Esclarecimento, escrita na
Califórnia, reflete a atitude crítica com a qual Adorno e Horkheimer encaram a evolução da
cultura nas modernas sociedades de massa, da qual os Estados Unidos seriam a versão
capitalista mais avançada”. A indústria cultural, para Adorno e Horkheimer (1985),
caracteriza-se por dois fatos: a ação dos veículos de comunicação e o resultado desta sobre
o público. A expressão indústria cultural foi criada para diferenciar as manifestações
espontâneas da cultura de massa, manifestações intencionalmente criadas, manipuladas e
conduzidas pelos detentores da ordem econômica e social. Essa indústria caracteriza-se
pela intenção de atingir o gosto médio, a uniformização ou massificação do público, com
vistas ao consumo passivo de suas mercadorias.
15
Segundo Barbara Freitag (2004), a designação “Escola de Frankfurt” refere-se simultaneamente a um grupo
de intelectuais e a uma teoria social. O termo surgiu posteriormente aos trabalhos mais significativos de
Horkheimer, Adorno, Marcuse, Benjamin e Habermas, sugerindo uma unidade geográfica que já então, no
período do pós-guerra, não existia mais, referindo-se inclusive a uma produção desenvolvida, em sua maior
parte, fora de Frankfurt. Ainda de acordo com Freitag (2004, p. 10), “com o termo ‘Escola de Frankfurt
procura-se designar a institucionalização dos trabalhos de um grupo de intelectuais marxistas, não ortodoxos,
que na década dos anos 20 permaneceram à margem de um marxismo-leninismo ‘clássico’, seja em sua
versão teórico-ideológica, seja em sua linha militante e partidária”.
16
A expressão ‘indústria cultural’ é usada por Horkheimer e Adorno pela primeira vez na Dialética do
esclarecimento (texto iniciado em 1942, publicado em 1947): nela é ilustrada a “transformação do progresso
cultural no seu contrário”, com base em análises de fenômenos sociais característicos da sociedade americana
entre os anos 1930 e 1940. Nas observações anteriores à redação definitiva da Dialética do esclarecimento,
usava-se a expressão “cultura de massa”. Esta foi substituída por “indústria cultural, para eliminar desde o
início a interpretação habitual, ou seja, de que se trata de uma cultura que nasce espontaneamente das próprias
massas, de uma forma contemporânea de arte popular” (WOLF, 2003, p. 75).
Eco
17
(2000, p. 350) afirmou, a respeito da Televisão: “a TV parece, portanto, ter
desviado os leitores superficiais de uma série de leituras superficiais”, não podendo ser
culpada pela crise da palavra escrita. Essa crise, em um país em desenvolvimento, como o
Brasil, não pode ser comparada com a de outros países europeus, por exemplo. É preciso
estabelecer uma relação entre a palavra escrita, a Televisão, e a posição que esta ocupa
dentro de determinada sociedade.
Eco (2000, p. 337) levanta a questão: “A quem se dirige a TV e o que o
telespectador frui, realmente, quando se encontra diante de um vídeo?”. Para responder à
pergunta, o autor enfatiza a importância dos estudos psicológicos, a fim de analisar as
situações do espectador diante do vídeo; dos estudos sociológicos, para verificar as
modificações introduzidas pelo exercício contínuo dessa situação nos grupos humanos; e
do tipo de exigências que os grupos fazem ao meio de comunicação, que termina por recair
nos problemas da Psicologia Social, para avaliar as novas atitudes coletivas e as reações
motivadas por um novo tipo de relação psicológica exercida em particular situação
sociológica. Decorrente disto, são evidentes as conseqüências para a Antropologia Cultural,
a Pedagogia e, naturalmente, a Política.
Eco reuniu algumas posições críticas sobre o assunto e propôs alguns limites para
analisar o fenômeno da Televisão, fazendo um cruzamento da visão sociológica com a
visão semiótica. Para ele, importa analisar o que o público recebe em relação à TV, como
fato comunicacional, e destaca três elementos: intenções do remetente (da mensagem); as
estruturas comunicacionais (o meio e o código da mensagem); as reações do receptor (a
situação histórico-social do público receptor e seus repertórios culturais para a
decodificação da mensagem consumida).
A TV pode oferecer efetivas possibilidades de ‘cultura’, entendida esta como
relação crítica com o ambiente. A TV será elemento de cultura para o
cidadão das áreas subdesenvolvidas, levando-o ao conhecimento da
realidade nacional e da dimensão ‘mundo’, e será elemento de cultura para o
homem médio de uma zona industrial, agindo como elemento de
‘provocação’ face a suas tendências passivas. Reconhecer as possibilidades
de cultura ínsitas até mesmo num bom programa de canções ou num desfile
17
O autor italiano Umberto Eco, nascido em 1932, destaca-se na década de 1960, através de seus estudos
sobre a cultura de massa, em especial os ensaios contidos no livro Apocalípticos e Integrados, escrito em
1964. Na obra, o autor defende uma nova orientação nos estudos dos fenômenos da cultura de massa,
criticando a postura apocalíptica daqueles que acreditam que a cultura de massa é a ruína dos altos valores
artísticos, como também a postura dos integrados, para quem a cultura de massa é resultado da integração
democrática das massas na sociedade.
de modas, e compreender a necessidade de completar esses aspectos com
uma função de denúncia e convite à discussão, essa é a tarefa do homem de
cultura diante do novo meio. O primeiro aspecto pode ser realizado
inteligentemente até mesmo no interior da situação existente; o segundo
reclama indubitavelmente uma consciente ação política (ECO, 2000, p. 351).
De acordo com Castells (2003), a presença poderosa e penetrante das mensagens de
sons e imagens subliminarmente provocantes produziu grandes impactos no
comportamento social. No entanto, a maior parte das pesquisas disponíveis aponta para a
conclusão oposta. Castells (2003, p. 419) cita W. Russell Neumam, que, ao rever a
literatura, chegou à seguinte conclusão:
As descobertas acumuladas em cinco décadas de pesquisa sistemática de
ciências sociais revelam que a audiência da mídia de massa, seja ou não
constituída de jovens, não está desamparada, e a mídia não é todo-poderosa.
A teoria em evolução sobre os efeitos modestos e condicionais da mídia
ajuda a relativizar o ciclo histórico do pânico moral a respeito do novo meio
de comunicação.
Conforme Castells (2003), a questão principal é que, enquanto a grande mídia é um
sistema de mão-única, o processo real de comunicação não o é, porquanto depende da
interação entre o emissor e o receptor na interpretação da mensagem. Os pesquisadores
encontram indícios da importância do que chamam de platéia ativa. Castells (2003) destaca
a existência de três maneiras pelas quais as platéias da mídia são consideradas ativas: por
meio da interpretação individual da mídia, por meio da interpretação coletiva e por meio da
ação política.
Segundo Thompson (2004), para entender o impacto social do desenvolvimento das
novas redes de comunicação e do fluxo de informação, é preciso pôr de lado a idéia,
segundo a qual os Meios de Comunicação servem para transmitir informação e conteúdo
simbólico a indivíduos cujas relações com os outros permanecem fundamentalmente
inalteradas. De acordo com Thompson (2004, p. 13), “o uso da mídia implica a criação de
novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e
novas maneiras de relacionamento do individuo com os outros e consigo mesmo”.
Quando os indivíduos usam os Meios de Comunicação, entram em formas de
interação que diferem dos tipos de interação face a face que caracterizam a maioria dos
encontros cotidianos. Eles são capazes de agir em favor dos outros fisicamente ausentes, ou
responder a outros situados em locais distantes. Sendo assim, o uso dos Meios de
Comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida social, criando novas
formas de ação e interação e novas maneiras de exercer o poder, que não este mais ligado
ao compartilhamento local comum. Esses Meios, para Thompson (2004, p. 19), têm uma
dimensão simbólica irredutível,
[...] eles se relacionam com a produção, o armazenamento e a circulação de
materiais que são significativos para os indivíduos que os produzem e os
recebem. O desenvolvimento dos meios de comunicação é, em sentido
fundamental, uma reelaboração do caráter simbólico da vida social, uma
reorganização dos meios pelos quais a informação e o conteúdo simbólico
são produzidos e intercambiados no mundo social e uma reestruturação dos
meios pelos quais os indivíduos se relacionam entre si.
Sendo assim, de acordo com Thompson (2004), a comunicação mediada é sempre
um fenômeno social contextualizado, sempre implantada em contextos sociais que se
estruturam de diversas maneiras e que, por sua vez, produzem impacto na comunicação que
ocorre. Trata-se de uma abordagem que privilegia a comunicação como parte integral e que
somente pode ser entendida em contextos mais amplos da vida social.
3.2 A TELEVISÃO NO OLHAR DE PAULO FREIRE
Paulo Freire também elaborou algumas idéias sobre a Televisão, no seu diálogo
com Sérgio Guimarães, na década de 1980, ele afirma: “[...] sou um homem da televisão,
sou um homem do rádio, também. Assisto a novelas, por exemplo, e aprendo muito
criticando-as” (FREIRE; GUIMARÃES, 2003, p. 24). Segundo Freire (1996), uma das
coisas mais lastimáveis para um ser humano é ele não pertencer ao seu tempo. Em
Educação como Prática de Liberdade, Freire (2003) afirma que um homem integrado no
mundo faz cultura, a partir das relações que estabelece com ela, o que resulta no domínio
da realidade.
Freire (1996, p. 139), em Pedagogia da Autonomia, levanta a questão: “Como
enfrentar o extraordinário poder da mídia, da linguagem da televisão, de sua ‘sintaxe’ que
reduz a um mesmo plano o passado e o presente e sugere que o que ainda não há já está
feito?”. Freire (1996) afirmava não ser contra a Televisão, mas que ela deveria ser pensada
sobre o pano de fundo do poder. Para Freire (1996, p. 139): “o ontem vira agora; o amanhã
já está feito. Tudo muito rápido. Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra
na televisão me parece algo cada vez mais importante”. Segundo ele, como educadores e
educadoras progressistas, não podemos desconhecer a Televisão, mas devemos usá-la e,
sobretudo, discuti-la.
O fundamental está em saber o que poderíamos realizar usando, por
exemplo, a televisão. Mas, vê bem, não usando a televisão só para que ela
fizesse um programa especial ali, para aquela área, e fosse transmitir, para lá,
o recado dela. Não. É usando a televisão no que ela já faz. É um grupo de
crianças ligar a televisão na terça-feira, por exemplo, num programa x na
parte da manhã, ou na parte da tarde, qualquer que seja o canal. E depois
discutir com a meninada, não apenas aquele conteúdo que está sendo e que
foi vivido, mas também o que é a televisão enquanto instrumento de
comunicação, quais as implicações tecnológicas e históricas que aquilo tem,
do tipo ‘como é que apareceu isso?’ (FREIRE; GUIMARÃES, 2003, p. 44).
De acordo com Freire (1996), mais importante do que brigar com a Televisão, seria
conhecê-la para usá-la de maneira consciente, não deixando que o meio domine, mas
conhecer, para dominar, desenvolvendo o pensamento crítico.
Como desocultar verdades escondidas, como desmistificar a farsa
ideológica, espécie de arapuca atraente em que facilmente caímos. [...] Mais
ainda, que diversifica temáticas no noticiário sem que haja tempo para a
reflexão sobre os variados assuntos. De uma notícia sobre Miss Brasil se
passa a um terremoto na China; de um escândalo envolvendo mais um banco
dilapidado por diretores inescrupulosos temos cenas de um trem que
descarrilou em Zurique (FREIRE, 1996, p. 139).
Paulo Freire partiu de uma análise ideológica sobre a mídia, perguntando a quem
serve determinada mídia e a quem interessa. Essa posição é comprovada em um de seus
diálogos com Sérgio Guimarães: “O problema é perguntar a serviço ‘do quê’ e a serviço de
‘quem’ os meios de comunicação se acham. E esta é uma questão que tem a ver com o
poder e é política, portanto” (FREIRE; GUIMARÃES, 2003, p. 25). Esta mesma posição
de Freire, ou seja, a favor de quem e contra quem, é assumida por ele, ao se referir sobre a
relação entre educação e política. Tanto no caso do processo educativo quanto do ato
político, uma das questões fundamentais é a clareza em torno de a favor de quem e do quê,
portanto, contra quem e contra o quê se desenvolve a atividade política. Da mesma forma,
a posição de Freire em relação à mídia em geral é claramente política.
Não temo parecer ingênuo ao insistir não ser possível pensar sequer em
televisão sem ter em mente a questão da consciência crítica. É que pensar em
televisão ou na mídia em geral nos põe o problema da comunicação,
processo impossível de ser neutro. Na verdade, toda comunicação é
comunicação de algo, feita de certa maneira em favor ou na defesa, sutil ou
explícita, de algum ideal contra algo e contra alguém, nem sempre
claramente referido. Daí também o papel apurado que joga a ideologia na
comunicação, ocultando verdades mas também a própria ideologização no
processo comunicativo (FREIRE, 1996, p. 139).
Freire (FREIRE; GUIMARÃES, 2003, p. 120) “costumava criticar muitas vezes a
utilização da mídia não como meio de comunicação, mas como meio que se reduzia à
transmissão de informações a ‘comunicados’, de maneira unidirecional”. A preocupação
deste educador era muito maior com a transferência de dados, do que com a utilização do
canal para o contato entre pessoas, esse ir e vir das informações. Para Freire (FREIRE;
GUIMARÃES, 2003), as pessoas que manipulam esses meios estão mais preocupadas em
enfiar na cabeça do povo determinadas informações.
A crítica de Freire à mídia, apesar de atribuir um papel decisivo e ideológico aos
emissores na construção da mensagem, não se fundamenta nas teorias que delegam
somente ao emissor a responsabilidade pelo sentido da informação transmitida. Pelo
contrário, o educador destaca a importância de o receptor ter uma visão crítica sobre as
notícias que recebe.
3.3 O LUGAR DO RECEPTOR E O USO SOCIAL DOS MEIOS
Nos últimos anos observa-se uma mudança significativa do objeto de estudo na área
da Comunicação e da Educação. Na década de 1970, eram dominantes e hegemônicos os
estudos de efeito, onde a pergunta era: Qual a influência que a mídia tem sobre as crianças,
do ponto de vista da violência, dos valores, da família, da construção da realidade, etc.?
Sempre dentro de uma perspectiva que vinha de um conceito de recepção, como caixa
vazia, onde se depositam mensagens. Entendia-se a estrutura da mensagem independente
do sujeito que estava recebendo. Sousa (1994) destaca que, a partir dos anos de 1980 e
1990, as pesquisas e debates sobre a mídia apresentam novos enfoques e novas posturas:
em vez de perguntar o que é que a mídia faz com as pessoas, passa-se a perguntar o que as
pessoas fazem com a mídia, o que elas fazem com os conteúdos aos quais têm acesso,
como elas lidam com isso, como elas interagem ou não, que uso fazem desse conteúdo, e
como os sujeitos interferem no modo de produção desses meios, a partir da sua ação como
receptores.
Na teoria latino-americana das mediações, a pesquisa de recepção no cenário atual é
tida como uma corrente de renovação dos estudos de comunicação sobre o público,
sobretudo através da teoria das mediações de Martín-Barbero
18
. O pensamento e a obra de
Martín-Barbero (2003) só foram conhecidos e divulgados de modo significativo na
América Latina a partir dos anos de 1980. Dos Meios às Mediações marca uma ruptura
com o passado sociolingüístico do autor, para quem, a comunicação em geral e em
particular na América Latina nada mais é senão um mosaico de representações, onde estão
localizadas as marcas culturais das várias classes em diferentes épocas. Enquanto Lopes,
Borelli e Resende (2002, p. 21) enfatizam “a perspectiva integradora e compreensiva do
estudo da recepção, uma vez que todo processo de comunicação é articulado a partir das
mediações”, Martín-Barbero (2003) destaca a participação do receptor como agente ativo,
capaz de interferir e mudar o significado da mensagem recebida, ressaltando a importância
do cotidiano dos sujeitos na interpretação do conteúdo emitido.
Estudiosos e pesquisadores consideram Martín-Barbero
19
um dos mais importantes
teóricos da comunicação e da cultura na América Latina. Segundo Lopes, Melo e Moreira
18
Martín-Barbero nasceu em Ávila, Espanha, mas, em 1963, muda-se para Colômbia, onde vive até hoje.
Nesse país, desenvolveu sua obra fundamental a respeito de propostas teórico-metodológicas para pensar o
campo da comunicação. Formado em Filosofia, fez seus estudos de Graduação na Espanha e seu Doutorado
na Bélgica. De acordo com Gomes de La Torre (MELO; DIAS, 1999, p. 113), o percurso intelectual de
Martín-Barbero é transdisciplinar e desde seus estudos filosóficos preocupa-se com a problemática da
comunicação. A obra de maior impacto do autor é o livro publicado originalmente em 1987 em Barcelona,
Espanha, e traduzido para o português sob o título Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e
hegemonia, pela editora da UFRJ, em 1997, onde foi muito bem aceito na América Latina, não apenas pelos
vários conceitos que desenvolve, mas sobretudo pela nova visão metodológica que propõe.
19
Roseli Fígaro (MELO; DIAS, 1999, p. 189) destaca que a perspectiva de Martín-Barbero inscreve-se, de
maneira geral, no final dos anos de 1960, quando a comunicação é vista dentro da problemática cultural. De
acordo com Fígaro, tal tradição vem dos Estudos Culturais, ligada a seus fundadores, Raymond Williams,
Hogart, Stuart Hall e Thompson; da Antropologia Cultural, de Michel de Certeau, da História das
Mentalidades e da História Cultural, de Le Golf, Mandrou, Ginsburg e outros. Também recebe influência dos
(2005), a obra do autor circula desde fins dos anos de 1970 e sua importância está marcada
pela análise renovadora dos fenômenos comunicacionais e culturais da
Contemporaneidade. Essa análise caracteriza-se fundamentalmente como transdisciplinar,
por dialogar com autores clássicos e contemporâneos dos mais diversos domínios –
Comunicação, Educação, Filosofia, Epistemologia, Antropologia, Estética, Semiótica e
outros.
Para Lopes, Melo e Moreira (2005, p. 34), “a recepção é uma perspectiva de
investigação e não uma área de pesquisa sobre mais um dos componentes do processo de
comunicação”. No início dos anos de 1980, partindo de uma temática das culturas
populares, começa a ser desenvolvida no Brasil e na América Latina uma teoria complexa e
multifacetada da recepção, tendo como eixos básicos de reflexão o deslocamento dos meios
às mediações, do filósofo Martín-Barbero (2003a), e dos processos de Hibridização
Cultural proposto por Néstor García Canclini (2003).
Martín-Barbero (1994) considera os Países Latino-Americanos pioneiros no tema
da recepção em comunicação. O autor faz um balanço sobre as atuais pesquisas na América
Latina, partindo da premissa de que “a recepção não é apenas uma etapa do processo de
comunicação. É um lugar novo, de onde devemos repensar os estudos e a pesquisa de
comunicação” (MARTÍN-BARBERO, 1994, p. 39). Esse espaço para reflexão sobre o
consumo desloca-se para a área das práticas cotidianas, decorrendo, daí, uma nova
concepção de leitura, que oferece um espaço de negociação de sentidos entre o emissor e o
receptor.
A recepção é um conceito fundamental na obra do Martín-Barbero. Com ele,
inaugura-se uma linha teórica que vai constituir a mais original contribuição latino-
americana para o estudo da Comunicação. O receptor não é um sujeito passivo que recebe
as informações de maneira estática; é dinâmico, questionador e criativo, com uma iniciativa
marcada pela complexidade da vida cotidiana, que vai proporcionar-lhe a produção de
sentidos na relação com os Meios. Enquanto as teorias críticas destacam o caráter
despolitizado e sem significação da vida cotidiana, por não estar inscrito diretamente na
estrutura de produção, Martín-Barbero (2003a) enfatiza a importância do cotidiano, como
possibilidade de uma nova leitura dos Meios. O estudo da recepção busca construir uma
análise integral do consumo, entendido como o conjunto dos processos sociais de
autores clássicos, Marx, Gramsci, Walter Benjamin e de um profundo conhecimento da melhor produção
intelectual latino-americana. Entre os pensadores brasileiros, destacam-se: Paulo Freire, Roberto da Matta,
Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Este quadro referencial faz de sua análise da comunicação um percurso
denso que procura compreender a trajetória dos sujeitos sociais na Sociedade Contemporânea.
apropriação dos produtos, inclusive os simbólicos. Segundo Martín-Barbero (2003a, p.
301),
[...] nem toda forma de consumo é interiorização dos valores das outras
classes. O consumo pode falar e fala nos setores populares de justas
aspirações a uma vida mais digna [...]. Daí a grande necessidade de uma
concepção não-reprodutivista nem culturalista do consumo, capaz de
oferecer um marco para a investigação da comunicação/cultura a partir do
popular, isto é, que nos permita uma compreensão dos diferentes modos de
apropriação cultural, dos diferentes usos sociais da comunicação.
De acordo com Martín-Barbero (1994, p. 40), é preciso “rever e repensar o processo
inteiro de comunicação. Isto significa uma pesquisa de recepção que leve à explosão do
modelo mecânico, que, apesar da era eletrônica, continua sendo hegemônica dos estudos de
comunicação”.
Deslocar a ênfase dos estudos de Comunicação para a recepção, o lugar
privilegiado de negociação e de estruturação do próprio significado, quer dizer que não é a
mensagem em si, não é ela que vai encerrar todo o símbolo, pois este só existe enquanto
tal, ou em sua totalidade, como um processo interativo, em seu momento de decodificação,
isto é, comunicando (SOUSA, 1994).
Para Martín-Barbero (1994, p. 59), “a vida cotidiana tem um papel muito mais
importante na produção incessante do tecido social. A vida cotidiana é o lugar em que os
atores sociais se fazem visíveis do trabalho ao sonho, da ciência ao jogo”. Destaca ainda
Martín-Barbero (1994, p. 60) que,
É no bairro que a pessoa é alguém, tem um nome, tem uma vida, tem uma
história, é filho de fulano, é pai de beltrano; e no trabalho é alguém na
medida em que os companheiros reconhecem nele esse sujeito social, que é
negado pelo trabalho e que é tecido nas relações de bairro, nas relações
sociais curtas, primeiras, domésticas. De maneira que a vida cotidiana,
obviamente, não fica na casa, não fica no bairro, mas, tecido de
reconhecimentos sociais, tem como seu espaço produtivo, como seu espaço
criativo, o espaço do bairro.
Martín-Barbero (2003a), para defender sua proposta, concentra-se no estudo da
história, da cultura, da vida cotidiana e, sobretudo, dos aspectos socioculturais das
sociedades latino-americanas. A cultura ocupa uma posição central, de modo particular a
latino-americana, em seu processo de mestiçagem, resistência e acomodação em relação às
culturas hegemônicas. Ela constitui um terreno favorável de atuação dos mecanismos de
mediação. Sousa (1994) também reconhece o cotidiano como um dos aspectos
fundamentais nos estudos de recepção.
A noção de cotidiano, tanto quanto a de práticas de pessoas e grupos sociais,
é uma primeira aproximação importante para destacar o que vem se
colocando como prioridade no estudo da interação comunicação-cultura.
Tomada não apenas em sua conotação mais ampla, enquanto âmbito de
‘produção, circulação e consumo de significações’, a cultura se situa nos
anos recentes no interior dessas práticas nas quais se dão as significações. E
resulta daí a visão com que o termo vem sendo trabalhado, especialmente em
países da América Latina. A própria tradição brasileira de estudos sobre
comunicação e cultura talvez tenha privilegiado mais suas vinculações com a
sociologia e a política e menos sua ligação com o mundo plural das práticas
culturais cotidianas (SOUSA, 1994, p. 35).
De acordo com Sousa (1994), o receptor está em situações e condições específicas,
por isso deve ser compreendido, e a comunicação deve cada vez mais buscar na cultura as
formas de compreendê-lo, empírica e teoricamente. Esse receptor é melhor compreendido
no mundo da cultura em produção, mais popular, em que a própria comunicação se
encontra.
Martín-Barbero (2003a) na sua obra central coloca seus principais conceitos e a sua
principal tese: desviar-se do objeto (os meios) e enfocar os processos. Os principais
conceitos presentes na obra do autor referem-se à dependência cultural, resistência,
mestiçagem, mediação, identidade cultural e mapa noturno.
“Foi necessário perder o ‘objeto’ para que encontrássemos o caminho do
movimento social na comunicação, a comunicação em processo” (MARTÍN-BARBERO,
2003a, p. 290). Esta frase de Martín-Barbero, de acordo com Melo e Dias (1999, p. 16),
“além de ser sua mais conhecida afirmação, é a que mais tem atraído controvérsias,
especialmente por parte daqueles que defendem a consolidação da comunicação como
campo científico autônomo”. Portanto, ao deslocar a análise dos Meios de Comunicação
para o que chama de mediações sociais, Martín-Barbero perde o objeto comunicação e
passa a estudar a comunicação em processo. A comunicação se torna assim apenas um
espaço, uma encruzilhada onde as diversas disciplinas das Ciências Sociais e Humanas se
encontram e se fundem.
A proposta central na obra deste autor é sair dos meios para concentrar-se nas
mediações. Acompanhar os processos de produção e circulação das mensagens, tendo em
vista que o tecido social é veículo gerador desses processos. Martín-Barbero (2003a)
assume uma posição gnosiológica, na qual a História, os processos de recepção, os
conflitos sociais, as culturas populares, a posse e os usos dos bens culturais, a memória, o
imaginário e as resistências constituem pontos essenciais para explicar a problemática da
comunicação social na América Latina. Conforme Martín-Barbero (2003a, p. 28),
Assim a comunicação se tornou para nós questão de mediações mais que de
meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimento, mas de re-
conhecimento. Um reconhecimento que foi, de início operação de
deslocamento metodológico para re-ver o processo inteiro da comunicação a
partir de seu outro lado, o da recepção, o das resistências que aí têm seu
lugar, o da apropriação a partir de seus usos. [...] Pois na América Latina a
diferença cultural não significa, como talvez na Europa e nos Estados
Unidos, a dissidência contracultural ou o museu, mas a vigência, a densidade
e a pluralidade das culturais populares, o espaço de um conflito profundo e
uma dinâmica cultural incontornável.
Para Martín-Barbero (2003a), a cultura ocupa um lugar de destaque como elemento
fundamental na área da Comunicação. Para discutir o conceito de cultura, ele vai buscar
inspiração nas idéias do italiano Antonio Gramsci, em cuja visão, pode-se falar não em
uma cultura, mas em várias: a cultura hegemônica e as culturas subalternas que
desenvolvem entre si uma relação constante. Na redescoberta do popular, o povo é
assumido não como objeto, mas como sujeito da ação. Desse modo, a hegemonia não é
estática, nem absoluta, mas algo que se faz e refaz tendo em vista as circunstâncias.
Martín-Barbero (2003a) propõe no estudo três lugares de mediação: a cotidianidade
familiar, a temporalidade social e a competência cultural. Estas idéias estão abordadas a
seguir, partindo de uma releitura que o mexicano Guillermo Orozco Gómez
20
faz do
pensamento desse autor.
20
Guillermo Orozco Gómez, da Universidade de Guadalajara, México, é pesquisador latino-americano dos
processos de recepção dos Meios de Comunicação e da inter-relação Comunicação e Educação. É especialista
em Pedagogia da Comunicação pela Universidade de Colônia, Alemanha, onde estudou Pedagogia entre 1975
e 1977 e fez Mestrado. É Doutor em Educação pela Universidade de Harvard, EUA. Influenciado pelas idéias
de Paulo Freire e de Martín-Barbero, Orozco Gómez estabelece um diálogo entre Educação Popular e as
Teorias da Comunicação e desenvolve uma proposta de múltiplas mediações. A relação de Orozco Gómez
com a Educação inspira-se, principalmente, no pensamento de Paulo Freire, particularmente no significado da
obra do educador pernambucano, a partir da proposta de poder intervir para transformar e propor estratégias
que transformem e modifiquem as interações dos sujeitos com os Meios.
3.4 O ENFOQUE INTEGRAL DA AUDIÊNCIA
Para Orozco Gómez (2001) o sentido dicionarizado do termo audiência significa
receber e emitir informações. Assim, entender uma audiência supõe expor e escutar os
argumentos de todas as partes envolvidas e colocar em comum as diferentes perspectivas.
A tendência atual, entretanto, é caracterizar a audiência atribuindo aos sujeitos sociais um
novo status de interlocução, reconhecimento e percepção, a partir do qual a Televisão
recebe influências de vários segmentos sociais.
Orozco Gómez (2001, p. 21), porém, questiona “como fazer do intercâmbio de
subjetividades e emoções um espaço propício para o desvelamento da televisão e dos
próprios sujeitos frente a ela na busca de sua emancipação”? Ele defende um novo conceito
de audiência, a saber: ela é um conjunto segmentado a partir de suas interações mediáticas
de sujeitos sociais, ativos e interativos. A recepção não pode ser entendida com um mero
recebimento, mas como uma interação sempre mediada por diversas fontes e
contextualizada material, cognitiva e emocionalmente, dependendo de estratégias e
negociações do sujeito com os referentes, de que resultam apropriações variadas que vão
desde a mera reprodução até à resistência e à contestação.
Para Orozco Gómez (2001), então, audiência hoje significa: primeiro, uma
transformação substancial de sua estruturação, o que implica que a audiência é estruturada
em virtude dos vários referentes que evoca, como etnia, sexo, idade, classe social, etc.;
segundo, uma modificação do vínculo fundamental entre os sujeitos sociais, com seu
entorno e com os acontecimentos e fontes tradicionais de informações: bairro, amigos,
família ou companheiros de trabalho. Os encontros pessoais se reduzem e aumentam os
contatos virtuais.
A audiência para Orozco Gómez (2001) pode ocorrer de duas maneiras: ela é dita
primária, quando o telespectador está na frente da tela, individualmente ou acompanhado.
Mas a influência da TV acontece também em momentos em que o telespectador, embora
não esteja mais na frente da tela, faz comentários sobre o que viu ou sobre o que vai ver na
TV. Essa audiência é chamada secundária. É o caso de crianças que ao chegar à escola
comentam o que viram na televisão e até brincam com o que viram. Abre-se aí a
possibilidade de uma intervenção pedagógica por meio dos professores para reorientar a
produção de sentidos e redirecionar as apropriações iniciais do que foi visto antes, criar
uma situação de aprendizagem possível e fundamentar os esforços de uma educação das
audiências. De acordo com Orozco Gómez (2001, p. 45, tradução nossa),
O caso das crianças que, ao chegar à escola comentam sobre o que viram na
televisão na tarde anterior e até brincam com o que viram, representa um
contato televisivo num cenário diferente. Supõe, também, a possibilidade de
intervir pedagogicamente na audiência televisiva a partir deste cenário,
reorientando a produção de sentidos e redirecionando as apropriações
iniciais do que foi ‘televivenciado’ antes, ao iniciar uma situação de
aprendizagem possível para atingir os esforços de uma educação das
audiências. Mas do lado de cá da tela, os sujeitos-audiência reproduzem,
renegociam e recriam, ao mesmo tempo em que revivem, os ‘referentes
televisivos’.
Para Orozco Gómez (1996), é preciso intervir no processo de ver televisão, para
atuar nele pedagogicamente. A mensagem deste autor é conhecer para intervir. O ver
televisão deve constituir uma experiência que, sem deixar de ser prazerosa, seja cada vez
mais construtiva, crítica e autônoma para todos, e se converta em um instrumento para o
fortalecimento de sua educação, sua cultura, os direitos da comunicação, a democracia e a
cidadania. Orozco Gómez (1996, p. 19, tradução nossa) destaca duas convicções:
[...] primeiramente as audiências da televisão devem participar cada vez mais
informadas como interlocutores desse meio e não apenas como meros
espectadores. Em segundo lugar, a convicção de que a investigação deve
prover um conhecimento útil, com o fim de conquistar uma melhor
compreensão desta participação real e possível e, ao mesmo tempo, servir
para melhorar tanto a interlocução das audiências com a TV como a
formulação de políticas públicas de comunicação que tendam a estimular a
participação democrática das sociedades.
Orozco Gómez (1996) investiga não apenas a audiência, mas ao mesmo tempo a
TV como uma poderosa mídia. A Televisão não é um meio todo poderoso como se
acreditou durante muito tempo, mas também não é um meio neutro e sem importância. Não
é neutro porque a tevê não é apenas um meio, mas também uma instituição e como tal está
necessariamente presente de maneira específica nas distintas sociedades. A TV tem um
papel que, embora não seja determinante, é importante. Não é por acaso que ela
atualmente, na maioria dos países, está nas mãos do grande capital e existe assim graças às
alianças com o poder político, conformando o bloco do poder.
Na perspectiva de Orozco Gómez (1996), o esforço investigativo se concentra em
entender a televidencia, compreendida como recepção televisiva ou processo de ver
televisão. O esforço do investigador é entender o comportamento da audiência,
considerando ao mesmo tempo o contexto da audiência, bem como a relação que se
estabelece entre esta e a TV.
O esforço de entender ainda que inclua certa interpretação dos
acontecimentos por parte do investigador ou dos sujeitos investigados ou por
ambos, difere do esforço meramente interpretativo, enquanto busca associar
distintos componentes tanto do evento em questão quanto do contexto no
qual se realiza, às vezes introduzindo ou relacionando elementos que não
aparecem interconectados ou não estão necessariamente vinculados ao
evento em si (OROZCO GÓMEZ, 1996, p. 21, tradução nossa).
Em relação à programação da TV, os sujeitos da audiência não assumem
necessariamente um papel de receptor passivo. Na realidade, a atividade da audiência se faz
de várias maneiras. Mentalmente, os membros da audiência frente à televisão se envolvem
em uma seqüência interativa que implica diversos graus: passa pela atenção, a
compreensão, a seleção, a valorização do percebido, seu armazenamento e integração com
informações anteriores, e finalmente acontece uma apropriação e uma produção de
sentidos. Toda esta seqüência depende de um processo sociocultural defendido tanto por
lingüistas, como por psicólogos conceituados.
Orozco Gómez (1996) destaca que, embora os investigadores críticos defendam que
o receptor é ativo e que possui uma capacidade considerável para negociar, resistir e ainda
contrapor significados, ou dar-lhes novos significados, tais qualidades são sempre
limitadas. Isto significa que é um ganho parcial estimular a reflexão da audiência, se nessa
reflexão não se estabelecem as bases para uma transformação real ou para viabilizar a sua
emancipação como sujeito social. Portanto, um dos desafios que se coloca para qualquer
educador é convencer-se da importância de levar a sério a possibilidade de intervir.
3.4.1 As Múltiplas Mediações
Orozco Gómez (1996) afirma que assumir o receptor como sujeito e não apenas
como objeto supõe primeiro entendê-lo como um ente situado, isto é, condicionado
individual e coletivamente. Em segundo lugar, supõe entendê-lo como sujeito que se vai
constituindo de muitas maneiras como resultado das muitas mediações que entram em jogo
no processo de recepção. O reconhecimento de que há várias maneiras de ver televisão é
precisamente o que tem originado batalhas decisivas para conquistar audiências, e, ao
mesmo tempo, o que permite pensar na educação crítica para a comunicação, embora a
própria TV tenha uma influência importante na constituição de sua audiência. Para
entender tal influência, é necessário partir do fato de que a TV é ao mesmo tempo um meio
técnico de produção e transformação de informação, e uma instituição social produtora de
significados e condicionada política, econômica e culturalmente.
A Televisão é um meio institucionalizado, com história, objetivos, definição e
alianças particulares. São poucos os países nos quais as alianças da TV foram feitas com
suas audiências. Sabe-se que as grandes empresas televisivas estão nas mãos do capital
com a conivência dos governos. Assim, a programação em grande parte está subordinada
às leis do mercado.
Segundo Orozco Gómez (2001) a primeira grande mediação que o sujeito
telespectador recebe é de caráter individual, com características próprias, que resultam de
sua herança genética e dizem respeito às suas experiências individuais. Outras mediações
são relacionadas ao modo de vida, à educação, à capacidade criativa, ao relacionamento
profissional, etc. Por isto, a audiência televisiva, por mais individualizada que seja, é
sempre um processo de caráter cultural. Deixando de lado o espontâneo, o atípico de cada
caso, as audiências envolvem altas doses de influências das comunidades nas quais estão
inseridas.
De acordo com Orozco Gómez (2001), são várias as instituições mediadoras, dentre
as quais, destacamos: o ambiente de trabalho, o bairro, a escola, a política, a igreja, entre
outras. A mediação da audiência infantil, por exemplo, transcorre no lar, na escola, no
grupo de companheiros, sendo, portanto, mais limitada. Até antes da entrada da mulher no
mundo do trabalho, as mães exerciam o controle sobre os filhos, o que sofreu uma
profunda mudança quando ela ingressou na força de trabalho, em virtude das mudanças
ocorridas com o avanço do capitalismo.
Orozco Gómez (2001) entende por mediação um processo estruturante que
configura e orienta a interação das audiências e cujo resultado é a atribuição de sentidos
por parte destas (audiências) aos referentes mediáticos com os quais interagem. Uma das
teses principais do pensamento de Orozco Gómez é que a audiência televisiva não é
passiva, ela interage, questiona e até contesta as mensagens recebidas. Apesar de a
audiência ser ativa, ela sofre a influência de várias instituições, como família, igreja,
escola, partidos políticos e outros. Mas não podemos esquecer que essas diversas
instituições fazem parte da Sociedade ou do Estado e, portanto, todas elas, pertencem a um
sistema maior. A Escola, a Família, os Partidos Políticos, os Meios todos são construções e
ao mesmo tempo cenários onde se manifesta a luta entre as classes fundamentais da
Sociedade, e que geralmente seguem em uma mesma direção.
A televidencia para Orozco Gómez (1996) é um processo complexo que inclui
múltiplas interações com a TV em distintos níveis e é objeto de múltiplas mediações. A
múltipla dimensão é uma característica distinta da televidencia, porque abarca um
intercâmbio simbólico, perceptivo, afetivo e agenciativo.
O intercâmbio simbólico tem relação com o conteúdo que entra em jogo, sendo
objeto de negociação entre a oferta programática da TV e a audiência. Os significados são
produtos de tal intercâmbio.
O intercâmbio perceptivo faz referência aos esquemas, destrezas e padrões
cognitivos, implicados tanto em um conteúdo ou gênero televisivo, quanto nas mentes dos
membros da audiência. O fato dos telespectadores do sexo feminino, por exemplo, terem
preferência por novelas e os homens, em várias audiências, preferirem assistir ao futebol,
constitui exemplo desse tipo de mediação. Os professores têm uma percepção sobre a TV.
Muitos afirmam: “A televisão não educa, mas as crianças aprendem com ela” (OROZCO
GÓMEZ, 2001, p. 49). Essa frase sintetiza um tipo dominante de percepção que não
envolve contradição, porquanto implica na idéia de que os professores não atribuem à
Televisão legitimidade para educar, porém nem por isto deixam de reconhecer sua
mediação na aprendizagem dos alunos.
O intercâmbio afetivo se relaciona com as emoções que a TV produz na audiência e
suas expectativas de satisfação. É um intercâmbio emocional que envolve personagens,
situações e o contexto de modo geral.
O intercâmbio agenciativo refere-se às preferências que a audiência tem com
determinados programas ou formas de assistir à TV, como por exemplo, a estratégia de só
escutar em vez de escutar e ver as notícias. Este múltiplo intercâmbio pode ser simultâneo e
nem sempre ser consciente. Um tipo de intercâmbio pode predominar em algumas
audiências televisuais. Por exemplo, as telenovelas em que o jogo das emoções é o que
sobressai.
Compreendemos que a interação entre os sujeitos da audiência e a TV começa antes
de ligar o aparelho e não termina quando é desligada. Isso acontece porque a decisão sobre
a que programa assistir e quando não é um ato isolado dos indivíduos, mas de natureza
cultural, que obedece a certos padrões sociais. Do mesmo modo, o ato de desligar a
Televisão não encerra a audiência. Tanto crianças quanto adultos costumam fazer
comentários sobre determinados programas vistos na televisão, seja na Escola, no caso das
crianças, ou no trabalho, no caso dos adultos. Assim, o processo de recepção sai do lugar
onde está o televisor e circula em outros cenários, onde continua atuando sobre os
membros da audiência.
Diante do exposto, destacamos como referentes de grande importância a Família e a
Escola. Além destes, o gênero constitui outro referente significativo, assim como a etnia, a
idade e a origem social ou geográfica. Portanto, a escolha do programa ou o horário de
assistir a ele, por exemplo, são questões vinculadas ao social, à cultura do grupo e às
instituições sociais, como a Família, a Escola, o grupo de companheiros e vizinhos. Esses
temas ficam mais claros dentro da nossa pesquisa, a partir da fala das educadoras que
veremos no capítulo seguinte.
Nós professoras muitas vezes nos envolvemos em
situações ridículas. Ontem, depois que saí do curso,
fiquei em casa pensando em quanta besteira eu já fiz
na sala de aula. Ainda lecionava lá no interior, a
escola ficava num vilarejo, com duas casas, uma
farmácia e a venda do seu Jadir. E lá estou eu
ensinando sobre meios de comunicação para
crianças que nunca haviam visto um telefone, nunca
haviam recebido uma carta, televisão só a da venda,
ninguém tinha televisão em casa. Para aquelas
crianças os meios de transporte - cavalo, carroça,
bicicleta - eram também meios de comunicação, mas
eu não dei atenção a isto, o que me importava era
dar o conteúdo certo, aquele do livro. E continuo a
falar de telefone, televisão, aí o menino me
interrompe e diz: “Professora, nóis num tem telefone
não, quando nóis qué falá co’ alguém, nóis pega a
bicicleta e vai lá. Televisão, nóis num tem também
não, só a de seu Jadir lá da venda, mas ela num
comunica nada, quando tem feição num proseia,
quando proseia num tem feição”.
Eu nunca me senti tão ridícula como naquele dia.
(Maria do Socorro)
4 A COMPREENSÃO DAS EDUCADORAS SOBRE A TELEVISÃO
4.1 SUJEITOS DA PESQUISA
Nessa parte do texto, analisamos as entrevistas feitas com cinco educadoras
21
da
Rede Pública de educação da cidade de Natal. As professoras que participaram da
investigação, foram selecionadas tendo em vista os seguintes critérios: ser mulher; estar
atuando em sala de aula no Ensino Fundamental; e ter, no mínimo, 10 anos de profissão. A
razão da escolha de educadoras do sexo feminino justifica-se porque na nossa Sociedade é
a mulher
22
que está mais comprometida com a educação dos filhos e também, porque
dentro das escolas, principalmente nas séries inicias, elas são a maioria dentro da sala de
aula. Elas são educadoras de seus filhos e de seus alunos e levam para a sala de aula a
experiência do cotidiano doméstico quanto à audiência da televisão. No decorrer de suas
falas, ficou evidente que elas exercem o papel de educadoras no lar e interferem na
audiência televisiva dos filhos. As professoras nasceram no interior do Estado e vieram
morar em Natal para estudar ou para trabalhar. O motivo das participantes serem do
interior foi casual, mas nos deu elementos significativos para tornar a análise mais
expressiva.
Das cinco educadoras analisadas, quatro se casaram e tiveram filhos. Duas se
separaram e duas permanecem casadas. Essas quatro moram com os filhos. A educadora
(5) é solteira, não têm filhos e mora com a mãe. Mesmo não sendo mãe, das cinco
21
A identidade das entrevistadas foi mantida em sigilo, por pedido das participantes da pesquisa. Isso
contribuiu para que as conversas se tornassem menos formais, com isso elas foram aos poucos se revelando.
Também a partir de uma empatia que se estabeleceu entre pesquisadora/entrevistada, conseguimos perceber
que em vários momentos não era apenas a “educadora” que falava, mas também a mulher, a filha, a mãe,
enfim conseguimos adentrar no seu cotidiano familiar, ponto importante para o tipo de análise a que nos
propomos a respeito da televisão.
22
Sabemos que no Brasil a mulher ocupa hoje um importante papel no sustento financeiro da família, não
sendo raros os casos em que é a única provedora. Hoje muitas mulheres pagam todas as contas do mês e se
tornaram a principal referência dos filhos em casa. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), cerca de 25% dos domicílios são chefiados por mulheres. E o resultado desta transformação no
âmbito profissional decai diretamente na rotina familiar, com as mães acumulando papéis na organização do
lar. Mais do que dupla jornada, elas hoje assumem múltiplos papéis: mãe, provedora, dona de casa,
profissional e mulher.
participantes da pesquisa, essa educadora é a que tem uma relação mais afetiva com seus
alunos, chegando a declarar: “Meus alunos são meus filhos”. Portanto, consideramos que a
relação da educadora (5) com seus alunos representa a forma como uma mãe/educadora se
relaciona com seus filhos e com seus alunos.
Todas as participantes da pesquisa têm uma larga experiência atuando em sala de
aula. Quatro delas tem formação universitária e uma estudou até o Segundo Grau. As
professoras (1), (3) e (4) trabalham dois turnos (manhã e tarde). A entrevistada (5) além
dos dois turnos (manhã e tarde) ainda precisa enfrentar outro turno à noite. A educadora
(2), depois de anos de trabalho, hoje pode optar por trabalhar um turno pela manhã ou à
tarde. Portanto percebe-se que as entrevistadas não dispõem de muito tempo para uma
formação continuada, ou para se atualizarem. Também os momentos de descanso e lazer
são restritos, assim como o tempo para assistir à televisão.
Todas as educadoras possuem televisão em casa e a educadora (5) tem TV com
antena parabólica. As demais ficam restritas aos canais e programas transmitidos pela TV
de canal aberto. Das cinco entrevistadas, quatro possuem dois aparelhos de TV. Na casa da
educadora (1), uma TV fica na sala e outra no quarto do seu filho mais velho. Na casa da
educadora (2), um aparelho também fica na sala e outro no quarto dos filhos. Já na casa da
educadora (3), existe apenas um aparelho que fica na sala de visita. A educadora (4)
mantém uma TV na sala e outra no seu quarto e de seu marido. Na casa da educadora (5),
uma TV fica no seu quarto e outra na sala de jantar, onde também pode ser vista na sala de
visita.
4.1.1 Caracterização dos Sujeitos Envolvidos na Pesquisa
Educadora (1)
Professora com mais de quarenta anos de idade. Nasceu no interior e veio morar em
Natal para estudar. Já foi casada, mas hoje está separada. É mãe de três filhos, que moram
com ela: uma filha com dezoito anos, um garoto com treze e um rapaz com vinte. Católica,
é formada em Pedagogia e trabalha há mais de vinte anos como professora do Ensino
Fundamental. No período matutino trabalha em uma escola estadual situada num bairro de
classe média e à tarde em uma escola do Município. A conversa ocorreu na escola onde a
professora atua pela manhã há quase vinte anos, desde 1987. É responsável pela Sala de
Vídeo e pela programação da TV Escola. À tarde, trabalha com Educação Infantil com
crianças na faixa etária de seis anos.
Educadora (2)
Professora com mais de cinqüenta anos de idade. Nasceu em Serra Caiada, interior
do Rio Grande do Norte, Microrregião do Agreste Potiguar. Católica, casada, têm dois
filhos, um rapaz de 18 anos e uma moça de 21. Mora com o marido e os filhos. Quanto à
formação, tem apenas o curso de Magistério. Começou a atuar como professora com 18
anos de idade na cidade onde nasceu. Hoje, têm mais de trinta anos de profissão. Prefere
atuar em sala de aula, mas, em outras escolas, já trabalhou na Coordenação, na Biblioteca e
na Sala de Leitura. Professora polivalente, sempre trabalhou com alunos da 1ª à 4ª séries.
Mas quando trabalhava no interior também dava aula para o 2º Grau (atual Ensino Médio),
pois, como afirma, “quem tinha Segundo Grau podia dar aula em outras séries, hoje em dia
não pode mais”. Atualmente leciona no período da manhã, em uma escola estadual, onde
trabalha há oito anos e onde foi realizada a entrevista. Trabalha com crianças entre sete e
doze anos.
Educadora (3)
Professora com idade entre 45 e 50 anos. Nasceu no interior do Rio Grande do
Norte, em Jardim do Seridó, Microrregião do Seridó Oriental. Católica, separada, têm dois
filhos, um rapaz de 22 anos e uma moça de 18, que moram com ela. Formada em
Matemática pela UFRN, no ano de 1983, atua como professora há vinte e cinco anos,
sempre em sala de aula, com turmas da 5ª à 8ª séries. Trabalha em dois turnos, matutino e
vespertino, pela manhã em uma escola estadual e à tarde em uma escola particular. Na
escola estadual, onde a entrevista foi realizada, pela manhã, ensina a 8ª série.
Educadora (4)
Professora com idade entre 35 e 40 anos de idade. Nasceu no interior do Rio
Grande do Norte, no município de Frutuoso Gomes, na Microrregião de Umarizal no Oeste
do Rio Grande do Norte. Católica, casada, dois filhos, um menino de 10 anos e outro de 11,
que moram com ela. Formada em Pedagogia, atua como professora do Ensino
Fundamental, nas séries inicias, há mais de 10 anos. Trabalha dois períodos, manhã e tarde,
em duas escolas municipais. Desde o início de sua carreira trabalha com crianças na faixa
etária entre seis e sete anos de idade.
Educadora (5)
Nasceu em Macau, interior do Rio Grande do Norte. Idade entre 45 e 50 anos. É
solteira e mora com a mãe. Católica. Formada em Pedagogia, no ano de 1981, tem 16 anos
de profissão. Além de professora atua também como orientadora pedagógica. Trabalha os
três turnos, de manhã em uma escola municipal, à tarde em uma escola estadual, como
orientadora pedagógica, e à noite no Ensino Superior, onde leciona a disciplina Didática,
na Universidade Estadual do Vale do Acari (UVA). Atuou também na UFRN, como
professora substituta, onde lecionou as disciplinas Planejamento e Psicologia. Na escola
municipal, onde a entrevista foi realizada, de manhã ensina no terceiro ano do Segundo
Ciclo, equivalente à 3ª série. Essa professora não dispõe sequer de tempo para se atualizar e
seu tempo para assistir à televisão é muito restrito.
4.2 A CHEGADA DA TELEVISÃO NA VIDA DAS EDUCADORAS
Vale salientar que, na primeira e na segunda entrevistas realizadas, não constava no
roteiro a questão sobre como as educadoras viram televisão pela primeira vez, ou qual a
primeira lembrança que elas tinham dessa mídia. Mesmo estabelecido o roteiro das
entrevistas, não foi seguida necessariamente uma seqüência, pois muitos pontos levantados
pelas entrevistadas surgiram espontaneamente. É o caso da lembrança da televisão, quando
vista pela primeira vez, que somente a educadora (2) começou sua fala descrevendo a
imagem que tinha retida na memória. Por isso, esse relato não consta no depoimento da
entrevistada (1), que já havia afirmado na sua entrevista não ter lembranças da TV quando
criança, por esse motivo não retornamos à escola para colher seu depoimento novamente.
A partir da entrevista com o sujeito (3) foi incluído no roteiro como uma das primeiras
questões.
Na fala das professoras, um fato comum é que, como todas vieram do interior, a
chegada da Televisão parece ser algo marcante em suas vidas. Esse momento parece ter
sido prazeroso. Eis os depoimentos que revelam o entusiasmo delas:
Educadora (2)
Eu morava no interior, em Serra Caiada. Lá a região é dividida por serras.
Há uma serra muito grande, mas o que deu origem mesmo à cidade foi a
chamada Serra Caiada, aqui perto de Bom Jesus. Fica entre Elói de Souza e
Tangará. Eu morei lá muitos anos. Só possuía televisão quem tinha mais
condições. Então o prefeito resolveu comprar um televisor e fez tipo uma
bancada de alvenaria e colocou ali na praça para todos. Era um divertimento
para os que moravam na cidade. Eu era jovem e no final de semana era o
divertimento comum. Era bom demais porque se juntavam a turma de
adolescentes, os adultos e os velhinhos. Era maravilhoso, porque tinha um
ambiente saudável, tinha uns programas muito bons em relação à televisão
de hoje. Não tinha essas novelas como são hoje, as pessoas sempre
apareciam bem vestidas. Não tinha aquelas cenas que tem no dia de hoje de
sexo, tudo em um horário muito cedo. Eu acho que é por isso que as coisas
estão assim desse jeito. Eu achava muito bom. Antes, a gente sabia das
notícias somente através do rádio. Então quando surgiu a televisão foi muito
bom, na época eu era estudante. Foi maravilhoso! Ave Maria! Foi uma coisa
assim, fantástica como se diz hoje. E era mesmo fantástica.
Educadora (3)
Falo muito da televisão porque sempre gostei. Tomo como referência a
época quando eu comecei a assistir pela primeira vez. A casa parecia um
cinema, isto foi em 1967. Mais ou menos em 1970, eu morava no interior,
Jardim do Seridó, e meu pai comprou uma tevê. Alguns vizinhos que não
tinham televisão vinham assistir na minha casa. Naquela época, a televisão
era em preto e branco e a gente assistia o que passava. Minha mãe desligava
cedo, nove horas não tinha mais tevê. Parece que nesse tempo estava
passando a novela “Os irmãos Coragem”. Bom, se assistia a tevê, mas o que
ia passar minha mãe não tinha nenhuma informação. A partir daí, eu
comecei a gostar. Eu assistia também à programação de esporte.
Educadora (4)
Bom, vou lhe contar uma coisa interessante. Eu morava num sítio, lá não
tinha energia elétrica, então não se podia assistir televisão (pausa). Lá no
interior em Frutuoso Gomes, morei até os quatorze anos. Vim conhecer a
televisão quando fiz uma viagem pra Mossoró e fiquei na casa da minha tia
que tinha TV. A primeira imagem que eu vi na televisão, e que tenho
lembrança foi do “Jornal Nacional”. Recordo-me da voz de “Cid Moreira”,
anunciando o Jornal Nacional. Essa é a primeira lembrança que eu tenho.
Educadora (5)
Lá em Macau, a televisão só chegou em 1973 ou 1974. Só havia um lugar
em Macau que tinha televisão, que era uma espécie de ilha chamada
Lagamar. Pra assistir televisão tinha que seguir para Lagamar, era distante,
então quase a gente não tinha contato com a televisão. Entre 1975 e 1976, foi
que a televisão chegou à cidade de Macau. Eu tinha acho que entre doze e
quatorze anos, era mais ou menos isso. O que eu achava interessante eram
uns desenhos chamados “Hércules”, falava das Olimpíadas da Grécia, era
um desenho assim que eu achava fantástico. Outra coisa eram as novelas.
Como a televisão não era na minha casa, eu só tinha acesso a determinados
horários. A vizinha só recebia as pessoas que podiam assistir no horário de
seis até as nove. Não tinha televisão pública, só se podia assistir na casa do
vizinho que possuísse.
As primeiras imagens da TV encantaram não apenas as professoras que
participaram dessa pesquisa, mas fascinaram a todos e todas quando a viram pela primeira
vez. O deslumbramento causado pela imagem projetada na tela com a junção do som, este
já conhecido através do rádio, deixou marcas em milhares de pessoas.
Maria Aparecida Baccega sobre sua primeira experiência com a televisão, assim se
expressa:
Ainda me lembro do dia em que meu pai disse: ‘começou a funcionar um
‘aparelho’ que permite que a gente veja o que está acontecendo ‘do lado de
lá’ do rádio que estamos ouvindo’. E eu, imediatamente, fanática pela Rádio
Nacional do Rio de Janeiro como qualquer menina do interior de São Paulo,
pensei – que bom! Agora vou poder ver (e conversar) com a Emilinha Borba
(BACCEGA, 2003, p. 44-45).
A educadora Rosa Maria Bueno Fischer, que realiza pesquisas na área de Educação
e Televisão, no seu livro O mito na sala de jantar, descreve o momento em que assistiu à
TV pela primeira vez:
Desde criança, as narrativas de ficção tinham para nós um significado
especial na busca do conhecimento, na viagem a mundos tão distantes mas
que falam tão perto ao ser humano que está dentro de nós mesmos, na
intimidade mais escondida de nosso ser. Contos de fadas e romances de
aventura povoaram nossa imaginação e fantasia, durante muitos anos. E foi
com emoção e surpresa que, aos dez anos de idade, pela primeira vez
assistimos a um programa de televisão. Na sala de estar da casa de uma
família vizinha, o primeiro programa que vimos foram belíssimas
encenações de contos e fadas, apresentado por Shirley Temple, que
conversava com o público nos intervalos de fantásticas histórias como a de
Rapunzel (FISCHER, 1993, p. 10).
O que podemos perceber, através do depoimento das educadoras que participaram
da pesquisa, sobre a primeira lembrança da Televisão nas suas vidas, é que transparece um
encantamento e certo saudosismo. Algumas tendem ainda a comparar a TV de ontem com
a de hoje. O encantamento se deve ao fato de terem primeiro conhecido o Rádio, depois
ouviram falar da Televisão, imaginaram o que seria, e somente depois puderam ver e ouvir.
Muitas pessoas, como no caso das entrevistadas, não possuíam televisão na suas casas na
época de seu surgimento, tinham que se deslocar até um outro lugar. Com isso o desejo de
conhecer podia estar carregado de expectativas e pré-concepções, formadas a partir do que
os outros falavam a respeito dessa mídia. O saudosismo manifestado nas falas das
educadoras refere-se a algo que elas conheceram como fantástico ou maravilhoso, de
acordo com suas palavras, e que hoje já não é tanto assim, já que, conforme afirmam, a TV
naquele tempo era boa e a de hoje não. Por isso a tendência em estar sempre comparando a
TV de ontem com a de hoje. Mas sabemos que a TV, desde seu surgimento, a despeito da
qualidade técnica, não mudou muito de lá para cá. Existem programas que são transmitidos
há mais de trinta anos, como o Jornal Nacional, da Rede Globo. Outros mudam o nome e
pequenos detalhes, mas o formato continua o mesmo. Na verdade o que muda realmente
são as pessoas que assistem à televisão, os sujeitos da audiência, por isso acreditamos que
uma análise da TV se torna mais relevante quando se parte desses sujeitos, do seu contexto
sociopolítico, econômico e individual.
4.3 A TELEVISÃO NO COTIDIANO DAS EDUCADORAS
Na pergunta feita às professoras sobre a Televisão no seu cotidiano, percebemos
que existe um grande receio em afirmar que assistem à TV, assim como a interrogação
daquilo a que assistem. Ao perguntar a uma das educadoras se assiste à televisão e quando
o faz, ela apresenta um relato de todo seu dia de trabalho a fim de justificar a falta de tempo
para isso:
Eu acordo às cinco e meia da manhã. Faz muitos anos que acordo nesse
horário, sempre gostei de trabalhar de manhã. É um horário melhor, porque
você acorda com coragem para enfrentar a luta. Os meus filhos se
habituaram também a estudar pela manhã, eu não botei para estudar à tarde
porque ficam umas crianças preguiçosas. Eles se acostumaram a estudar logo
cedo, e até hoje estudam pela manhã. As horas da manhã passam mais
rápidas é melhor porque eles vão tranqüilos com a cabeça fresquinha, sem
problema nenhum. É acordando, tomando café e indo para o colégio
(EDUCADORA 2).
Ela continua relatando seu dia inteiro até à hora de dormir, não menciona em
nenhum momento que assiste à televisão. A professora continua seu discurso:
[...] quando eu chego em casa, vou fazer o almoço, quando termino o
almoço, após arrumar a cozinha, já é uma hora da tarde. [...] Me deito um
pouquinho, me acordo duas horas ou duas e meia. Depois não vou para a
televisão porque não tenho tempo, não vou ler revista porque não tenho
tempo. Meus filhos já são grandes, mas eu vou para a cozinha fazer o jantar.
Depois já vou encaminhar as coisas para o dia seguinte. Quando termino,
vou planejar minha aula, porque gosto muito de planejar minhas aulas, aí eu
fico sem tempo. À tarde, às vezes, eu vou resolver alguma coisa na rua, vou
a um médico, por exemplo (EDUCADORA 2).
Pergunto então à educadora “Quer dizer então que você não assiste à televisão?”
Ela responde:
Sim. Eu gosto de assistir principalmente os noticiários. Assisto o Jornal
Nacional (Rede Globo), mas ultimamente estou tão [...]. Sei lá, num baixo
astral, não é? Quando vejo aqueles políticos, chega a dar um desânimo. Sei
lá, não dá vontade nem de assistir. Porque no jornal raramente aparece uma
coisa boa, só aparecem notícias sobre políticos corruptos. Há muita
violência, seqüestros, essas coisas que não me agradam, mas a gente tem que
ficar atualizada, não é? Temos que estar a par das coisas boas e das coisas
ruins que estão acontecendo. Então eu assisto o jornal, como já disse. Há
também aqueles programas de missa que eu gosto, tem a hora da benção,
pelo menos tem alguma coisa boa, não é? (EDUCADORA 2).
Mas adiante, a mesma professora faz comentários sobre alguns programas,
principalmente sobre as novelas. Como ela afirmou que não assistia a esse tipo de
programa, percebemos uma contradição no seu discurso. Eis a sua fala:
A novela até prejudica o relacionamento dos casais. A Lourdinha
(personagem da novela) da vida. Ah! Olha a Lourdinha da vida, viu? (risos).
Eu sei que não é a realidade, mas a gente fica encucada. A gente fica porque
ensina. Tanta mulher que precisa aprender. A própria novela ensina as
coisas. Não é que se vai fazer igual, mas quem já tem tendência faz. A Aidê
da novela ficou com aquela paixão com aquele rapaz, aquele homem, o Toni,
que foi o primeiro amor dela. Antes de o esposo saber, ela já era apaixonada
por ele. O marido também há oito anos tem um caso com a Nina, isso
influencia muito, até no relacionamento dos casais. Acontece na vida real, eu
sei, mas a gente vendo ao vivo desperta mais. Eu acho. Eu sei que acontece a
mesma coisa com a gente, pelo amor de Deus! Tem que ficar de olho aberto
(risos) (EDUCADORA 2).
Constatamos que a educadora (2) afirma no início da entrevista que não assiste à
televisão, portanto não acompanha as novelas, pois não tem tempo, mas sabe o que está
acontecendo na novela, sabe o nome dos personagens, sabe o desenrolar da trama e chega a
fazer comentários, demonstrando que, se não assiste, pelo menos se interessa pelo assunto.
Na verdade, ela demonstra um receio em revelar que assiste e a que assiste, mesmo sendo
evidente que o faz.
Algumas pesquisas sobre educação e televisão também constatam que professores
telespectadores omitem afirmar que vêem novela, embora esteja claro que sim. Pesquisa
com 151 professores (CARNEIRO, 2003) em GO, MG e DF revelou que, com exceção de
três, todos declaram que assistem à televisão. A emissora preferida é a TV Globo, no
período noturno. Os programas mais vistos são: 1º, telejornais, 2º, filmes, 3º,
documentários, 4º, entrevistas, 5º, educativos e 6º novelas. Paradoxalmente, à noite, na TV
Globo, sobressai-se a novela: duas antes do telejornal (18h e 19h) e uma depois, às 20h. A
autora deixa a questão: por que citaram novelas em último lugar?
Pesquisa realizada por Citelli (2000) com professores na cidade de São Paulo,
constata que o gênero preferido é o telejornal, mas um dado que chamou atenção dos
pesquisadores é que as telenovelas não constam entre os gêneros e programas de maior
audiência entre professores entrevistados, embora no momento da entrevista a audiência
alcançasse os mais elevados dentre todos os índices de audiência da televisão. Algumas
conclusões foram formuladas pelos pesquisadores para explicar os dados obtidos em
relação a esse ponto:
[...] ou os folhetins eletrônicos caíram no desagrado absoluto dos docentes
pesquisados, ou esses têm dificuldades, em virtude do excesso de trabalho,
de assistir às peripécias dos heróis e vilões que invadem as telas nos períodos
noturnos, ou busca-se não revelar a freqüência a determinados produtos dos
media por temor de comprometimento de imagem. Noutros termos, parece
pouco pertinente a setores com envolvimento ‘cultural’ como os docentes,
aceitar algo cuja validade intelectual é, ainda, contestada. Estaríamos, caso a
última hipótese seja procedente, diante do seguinte: a telenovela, pode até
ser vista ou aceita no campo descompromissado da diversão, mas o
reconhecimento formal dela é negado em momentos de ‘seriedade’ como
aqueles envolvendo uma pesquisa acadêmica e em que a imagem do
entrevistado – a despeito do sigilo – é confrontada (CITELLI, 2000, p. 177).
Outra educadora afirma que assiste à televisão e quando o faz gosta de novela:
“Gosto dessa novela das seis que está passando agora. Gosto de uma novela mais leve. [...]
Que não tenha (pausa). Que a gente se divirta, que tenha alguma coisa cômica. Aquela
novela bem ingênua, sem muita violência” (EDUCADORA 1).
De acordo com Balogh (2002, p. 160) “a novela das seis na Rede Globo, tem
recorrido, com freqüência, ao drama de época ou histórico, adaptado ou não, sendo A
Escrava Isaura o protótipo desse tipo de série”. A temática geralmente se desenvolve em
torno de uma relação amorosa entre um casal de atores protagonistas.
A educadora (1) afirma:
Eu sei que tem maldade em tudo, assim como a vilã, o vilão, eu sei que tem
que ter, mas têm as outras partes mais interessantes, mais engraçadas, então
quando passa a novela eu fico meio dialogando com a televisão, a gente fica
(a mãe com os filhos) comentando (risos). A gente fala: ‘Agora eu quero ver
o que vai acontecer e não sei mais o quê’. E os meninos (filhos) já entram
nesse mesmo ritmo lá em casa. Mas teve aquela última novela das oito, que
eu desligava quando aparecia aquela menina tão chata que eu desligava, não
queria assistir, ficava uma coisa tão ruim que eu não queria assistir
(EDUCADORA 1).
Para essa educadora, a Televisão e a novela em particular fazem parte do seu
cotidiano. Também é uma forma de interação com os filhos. Continua a professora:
“Nessas duas últimas semanas, estou fazendo um curso à noite e não vou assistir. Mas eu já
li (no jornal impresso) a programação todinha da novela da semana, dessa que eu não vou
assistir das seis (horas), mas ontem quando eu cheguei em casa meu menino me contou
todinha” (EDUCADORA 1). Para essa educadora, a Televisão está presente na sua vida,
mesmo quando ela não está na frente da tela. A presença da TV começa quando ela procura
outro meio, nesse caso o jornal impresso, para se informar antes sobre o que vai acontecer
na novela, e depois quando seu filho lhe conta o que aconteceu. Esse tipo de audiência,
como vimos no capítulo anterior, é denominada por Orozco Gómez de secundária
23
.
Uma outra educadora, além de demonstrar, em longas falas, seu interesse por
telejornais e pelos programas esportivos, por considerar ser o que tem de melhor na
televisão para assistir, também afirma que assiste às novelas, mas com muitas ressalvas:
Assisto principalmente os jornais. Se não tenho outros afazeres da escola
assisto à novela, mas não me ligo em acompanhar. Às vezes eu gosto de
assistir à novela só para ver o final, mas não me ligo muito. Até porque eu
gosto muito de ler. A parte que eu gosto mesmo de ver na tevê são os
jornais, eu sempre fico buscando um que é mais cedo em outro canal. Às
vezes eu assisto também o último noticiário da Rede Globo, que é mais
tarde, quando não estou com muito sono. Como trabalho os dois expedientes
e tenho que acordar um pouco mais cedo, aí não dá. Esporte eu sempre
gostei de assistir (EDUCADORA 3).
Percebemos que essa educadora faz uma oposição entre assistir à novela e ler um
livro, ou seja, ela fala que não se liga na TV porque gosta muito de ler. Na verdade seria
muito bom que todos os telespectadores gostassem também de ler. No discurso dessa
educadora, podemos apreender que: a pessoa que gosta de ler, não gosta de assistir à
televisão, ou não tem tempo, ou ainda, quem assiste à televisão não se liga na leitura.
Sabemos que a discussão sobre ler ou não ler, é muito mais complexa, existem diversos
fatores que influem no processo de gostar ou não de ler. Acreditamos que a leitura e a
televisão não são exatamente ações excludentes. Assistir muita televisão pode, sim,
atrapalhar o processo de leitura, mas não é um fator determinante para essa condição.
Assim como pessoas que gostam muito de ler, e que realmente lêem muito, não deixam de
gostar de assistir à televisão.
Prossegue a educadora com seu discurso sobre a Televisão, destacando a
preferência de adolescentes pela novela:
Quando eu trabalhava em uma outra escola descobri que praticamente
noventa e nove por cento dos alunos não assistiam noticiários. Ligavam a
televisão só para assistir a novela e mais nenhuma outra programação.
23
Ver p. 62 deste trabalho.
Alunos na faixa de dezesseis, dezessete anos não se interessavam por
nenhuma outra programação (EDUCADORA 3).
Essa educadora afirma ainda gostar de outros gêneros de programas, mas reclama
da falta de oportunidade para assistir, por causa dos horários:
Eu gosto muito da televisão, agora me sinto às vezes até privada de ver o que
eu gostaria de ver por questões assim de assinatura, ou por causa dos
horários, como é o caso do Jô Soares (programa da Rede Globo), que eu
gosto muito, mas é muito tarde. Eu acordo muito cedo, aí fico nesse corre-
corre o dia todo, à noite quero um pouquinho mais de repouso. As
minisséries da Rede Globo também são muito boas, poderiam passar mais
cedo, porque tem muita coisa boa na televisão, mas quase sempre é muito
tarde (EDUCADORA 3).
O momento de assistir à televisão é controlado através dos horários e não pelos
programas. De acordo com Balogh (2002, p. 159), a Rede Globo construiu seu sucesso com
base na criação de um esquema rígido, principalmente no horário da noite, em grande parte
o chamado horário nobre, responsável pela maior parte da receita das emissoras de TV
aberta. A programação da Rede Globo segue uma grade fixa com ênfase na ficção: novela
das seis, noticiário local e regional, novela das sete, Jornal Nacional, às 20h e novela das
oito.
A educadora (4), em um primeiro momento, também relata a falta de tempo para
assistir à televisão, mas em outro trecho afirma que assiste ao jornal para se informar,
porque é importante. A novela fica por último na sua lista. Eis o seu discurso:
Eu particularmente gosto de assistir o jornal, o Globo Repórter (Rede Globo)
quando o sono deixa. O Fantástico (Rede Globo) e novela. [...] eu gosto de
todas as novelas só que eu só assisto a das seis e às vezes a das oito, mas
raramente eu assisto porque o sono não deixa (EDUCADORA 4).
A educadora precisa se justificar porque assiste à novela. Na verdade, podemos
perceber que os programas que ela menciona primeiramente são o Globo Repórter, um
programa da Rede Globo semanal, ou seja, só passa uma vez na semana, às sextas-feiras à
noite, e o Fantástico, programa também semanal da Rede Globo. Mas ela, embora eleja
como mais importantes dois programas aos quais assiste somente uma vez por semana,
afirma timidamente que gosta de assistir mesmo todas as novelas, mas só assiste a duas,
justificando a escolha por causa dos filhos. No caso, vale lembrar que seus filhos são dois
meninos, um com dez e outro com onze anos:
Assisto porque têm assuntos que meus filhos não entendem. Por exemplo,
teve uma novela na Rede Globo que começava com a Revolução de 30,
aquela novela “Senhora do Destino”. Muitas coisas eles não entendiam,
ficavam perguntando, então esse momento virava uma verdadeira aula de
História. Para eles entenderem a novela, a gente ia fazendo o comentário,
porque meu marido é professor de História, então ele foi comentando
aquelas cenas que apareciam na novela (EDUCADORA 4).
Segundo Lopes, Borelli e Resende (2002, p. 23), a novela é entendida como “um
construto que ativa na audiência uma competência cultural e técnica em função da
construção de um repertório comum, que passa a ser um repertório compartilhado de
representações identitárias, seja sobre a realidade social, seja sobre questões individuais”.
Esse repertório entre a produção e a audiência foi construído ao longo de 35 anos de
telenovela no Brasil e, mais precisamente, de assistência diária às telenovelas da Rede
Globo.
Para Baccega (2003, p. 86), com base em depoimentos de educadoras a respeito da
telenovela, fica claro um desafio:
[...] as telenovelas que aí estão educam, sim: se educam como gostaríamos é
outra conversa. Para tanto, fundamental seria trazer tal produto cultural para
a sala de aula e aí discutir seus caminhos e descaminhos, a concepção de
história que está sendo transmitida, quais outras posturas poderiam ser
mostradas aos alunos, que identidade nacional está construída.
Sendo assim, de acordo com Baccega (2003, p. 90), “alguns educadores manifestam
uma percepção de educação desviada, pois na verdade, a televisão pode ser um instrumento
da educação. Pode-se discutir, isso sim, os valores predominantes nessa educação”. Na
Televisão, assistimos a uma representação da sociedade em que vivemos. Já Orozco
Gómez (2005) afirma que os meios de comunicação não aceitam o fato de terem a
responsabilidade de educar. Acreditam que suas funções são apenas divertir, entreter e
informar, embora alguns meios comecem agora a dar conta de que fazendo isso também
educam, mesmo não tendo este propósito.
Portanto, o que temos que discutir é o conceito de educação, pois ele tem
sido muito relacionado somente ao ensino como um método didático nas
instituições educativas. A educação é muito mais do que ensino. E me parece
que temos, como sociedade, que aprender que educamos de distintas
maneiras. E que, então, os meios de comunicação educam de uma forma
diferente das escolas ou das famílias. É preciso exigir essa responsabilidade
dos meios (OROZCO GÓMEZ, 2005, s/n).
Não podemos esquecer, como foi dito anteriormente, que a Televisão, além de ser
uma concessão
24
do Estado, tem como finalidade primeira contribuir com a educação do
cidadão. Portanto, cabe à Escola, também, conscientizar seus alunos a cobrar dos canais de
TV que seja cumprido o que reza na Constituição.
Outra educadora, em um primeiro momento, nega que assiste à televisão: “Eu não
assisto quase nada porque passo o dia fora” (EDUCADORA 5). Isso é dito de uma forma
bastante incisiva, como se a pesquisadora tivesse feito uma acusação. Talvez sua postura se
justifique pela função que exerce em outra escola como coordenadora pedagógica e
docente em uma instituição de Ensino Superior à noite. Assim como já foi constatado com
outras educadoras anteriores, para essa educadora assistir à televisão também representa
uma negação da sua condição atual, pois a Televisão é vista por alguns educadores, como
uma inimiga da educação.
A mesma educadora, mais adiante afirma:
Lá em casa todo mundo assiste à televisão que é ligada próximo ao meio-dia,
no jornal RN TV (noticiário local). Depois todo mundo sai. Minha mãe que
fica em casa assiste à novela que estão repetindo à tarde. Quando termina,
ela desliga. Aí a TV só é ligada mais ou menos na hora de uma novela que é
Alma Gêmea (novela das seis). Ela fica assistindo e depois assiste o Jornal
Nacional. Minha mãe já tem 80 anos (EDUCADORA 5).
24
Sobre esse assunto ver p. 39 desse trabalho.
Depois de negar que assiste à televisão, acaba afirmando: “Todo mundo assiste
televisão lá na minha casa”. Pergunto: “Você também assiste?” Ela responde quase como
se fosse uma confissão, um desabafo, faz uma lista enorme de vários canais, pois tem TV a
cabo, o que, segundo ela, lhe dá uma visão melhor de tudo:
À noite, quando eu chego assisto “Globo Notícia”, que é na TV a cabo.
Depois assisto o “Jornal da Rede Globo”. Depois assisto o que tiver
passando. Aí eu dou uma rodada, dou uma geral na tevê, vou passando de
canal em canal, olhando o que há de interessante. A TV a cabo tem vários
canais, e muitas vezes não há nada que me interesse (EDUCADORA 5).
Para a educadora (5), que é solteira, não têm filhos e mora com a mãe de oitenta
anos, a Televisão, tanto para ela quanto para sua mãe, representa uma companhia noturna.
Ela vai à procura de algo que não sabe ao certo o que é, nem onde encontrar. A educadora
ficou um tempo enorme falando de canais, sobre sua rotina noturna com a Televisão e do
uso do controle remoto (zapping), ficando assim a conversa bem descontraída.
Perguntamos então sobre o que ela procura tanto, em tantos canais, em que ela realmente
está interessada nesse passeio televisual, ela responde:
[...] é muito relativo, depende das ocasiões. Eu procuro notícias, porque é o
único horário que eu às vezes tenho pra assistir, pra me atualizar. Eu procuro
às vezes na verdade uma diversão o que tiver passando na televisão, alguma
coisa, qualquer coisa, até às vezes de moda, alguma coisa de nutrição, de
culinária, de emagrecimento. Ontem, eu fiquei assistindo até não sei que
horas, porque o programa era de emagrecimento, aí eu fiquei assistindo até
dormir (EDUCADORA 5).
Com a origem do controle remoto no início dos anos 80, quando começa a surgir
uma oferta maior de canais via cabo e via satélite, ocorre uma profunda transformação do
uso da Televisão. Segundo Breton e Proulx (2002), o fenômeno do zapping consiste em
efetuar por meio do controle remoto um vai-e-vem contínuo sobre o conjunto dos canais
disponíveis, adquirindo um valor de símbolo para descrever as transformações atuais das
atividades dos telespectadores no espaço doméstico. Conforme Breton e Proulx (2002, p.
123),
O ‘zapeador’ torna-se co-responsável pela composição de sua própria
programação e coloca em cena uma nova estética que imita a lógica do clipe
e do barroco, sente prazer na repetição, transforma o descontínuo e os
clichês em valor criativo e traduz um gosto pelo exotismo e pela coleção. O
zapping seria fundado em uma ‘relação perversa’, no sentido de que o
zapeador afirma antes de tudo que ‘a tevê é uma porcaria e a gente ainda
assiste’.
De acordo com Sarlo (2004), o controle remoto é uma máquina sintática de
resultados imprevisíveis e instantâneos, uma base de poder simbólico que é exercido
segundo leis que a Televisão ensinou a seus espectadores. Para Sarlo (2004, p. 58) o
controle remoto é “uma arma dos telespectadores, que apertam botões fazendo cortes onde
os diretores de câmara não tinham previsto e montado essa imagem truncada com outra
imagem truncada, produzida por outra câmara, em outro canal ou em outro lugar do
planeta”. Ainda de acordo com Sarlo (2004, p. 59), ao contrario do switcher, que ancora os
diretores de câmara em um determinado ambiente, “o controle remoto não ancora ninguém
em parte alguma, pois é a síntese irreverente e irresponsável do sonho produzido por um
inconsciente pós-moderno que embaralha imagens planetárias”.
Constatamos que todas as professoras assistem à televisão, ainda que façam
restrições disfarçadas a alguma programação, como as telenovelas. Na verdade, todas
assistem às novelas, mas tendem a esconder o fato, justificando a falta de tempo. É curioso
notar que o disfarce com relação às novelas pode significar perda de tempo, falta de
compromisso com os aspectos cultural, social e político.
4.4 A TELEVISÃO E A EDUCADORA: A COTIDIANIDADE FAMILIAR
A Televisão na vida dessas educadoras faz parte do cotidiano da sua família, elas
exercem influência na escolha da programação televisual, principalmente dos filhos, seja
restringindo, seja influenciando nas escolhas. De acordo com Lopes, Borelli e Resende
(2002), o espaço cotidiano da família é o lócus de conexão entre o mundo da escola, da
igreja e do trabalho; ao mesmo tempo, faz interagir as temporalidades desses mundos com
as do consumo dos meios, em particular a Televisão.
De acordo com Martín-Barbero (2003a), na América Latina, a Televisão ainda tem
a Família como unidade básica de audiência, que representa para a maioria das pessoas a
situação de reconhecimento. É preciso entender o modo específico que a tevê emprega para
interpelar a família e interrogar a cotidianidade familiar enquanto lugar social de uma
interpelação fundamental para os setores populares. Conforme Martín-Barbero (2003a), a
partir de um rompimento com as considerações moralistas, segundo as quais, a Televisão é
vista como corruptora das tradições familiares, e com a idéia que atribui à mídia uma
função puramente reflexa, começa a se estabelecer uma concepção que vê na família um
dos espaços fundamentais de leitura e codificação da TV.
Martín-Barbero (2003a) nos lembra ainda que a mediação que a cotidianidade
familiar cumpre na configuração da Televisão não se limita ao que pode ser examinado do
âmbito da recepção, pois essa cotidianidade inscreve suas marcas no próprio discurso
televisivo. Lugar de conflitos e fortes tensões, “a cotidianidade familiar é ao mesmo tempo
um dos poucos lugares onde indivíduos se confrontam como pessoas e onde encontram
alguma possibilidade de manifestar suas ânsias e frustrações” (MARTÍN-BARBERO,
2003a, p. 305).
Também para Orozco Gómez (1996), os sujeitos da audiência televisiva fazem
parte de outras instituições: as crianças, por exemplo, são membros de uma família,
freqüentam uma escola, fazem parte de um grupo de iguais, de um clube, ou de uma igreja,
portanto pertencem a diversos grupos culturais. Um primeiro cenário onde transcorre a
recepção televisiva é o lar, a família constitui uma mediação institucional, principalmente
para a audiência infantil. Essa mediação, até certo ponto, decide e seleciona a programação
infantil.
Ainda segundo Orozco Gómez (1996), a companhia de um sujeito enquanto se
assiste à televisão constitui uma das características que ele chama de mediação situacional.
A companhia pode implicar a possibilidade de uma apropriação mais comentada da
programação e eventualmente a possibilidade de tomar um maior distanciamento do que é
transmitido na tela. Quando se vê TV sem uma companhia, não se tem acesso imediato à
censura do outro quanto ao que se está assistindo. O que no caso das crianças pequenas
pode ser determinante para sua interação com a TV. Os limites físicos do espaço onde se vê
televisão também constituem outro tipo de mediação situacional, uma vez que tornam
possíveis certos tipos de interação.
Segue o depoimento da educadora (4), que relata os momentos em que compartilha
com os filhos as cenas da novela:
Na novela das oito (Rede Globo) tem a Creuza (personagem), que é uma
beata, se diz uma beata, mas só para enganar o povo. Então eles (os filhos)
dizem: Mainha, essa Creuza é a mulher mais safada que tem na televisão
(risos), é pior do que as meninas. Eles já têm esse senso crítico, então eu
trato com neutralidade, mas noto que às vezes eles ficam meio
envergonhados (EDUCADORA 4).
A mesma educadora comenta as cenas de sexo que passam na televisão, na hora da
novela que assiste juntamente com seus filhos. Ela reclama que gostaria de conversar com
as crianças sobre essas cenas, mas segundo ela:
Eles (os filhos) não aceitam esse diálogo, não sei por que se recusam. Eu sou
bem aberta, falo de tudo com eles sobre sexo, mas eu noto que eles não se
sentem muito à vontade. Certo dia, perguntei o que eles sabiam sobre sexo e
um respondeu: ‘Mãe, eu sei de tudo’. Então eu falei: diga aí o que você sabe
e ele respondeu: ‘não vou falar porque é imoral’. Mas eu sei que eles não
sabem de tudo, aí eu pensei: não, eu não vou falar, vou deixar pra lá. Certo
dia, eles trouxeram uma tarefa escolar sobre ciências que falava da
reprodução, então eu vi que eles realmente não sabiam de muita coisa: não
sabiam como eram feitos os bebês; não sabiam o que era menstruação; não
sabiam o que era espermatozóide e muitas outras coisas. Sabiam que há um
ato sexual, mas não sabiam as particularidades, então aproveitei esse
momento para informar a partir dessa tarefa escolar (EDUCADORA 4).
Percebemos a relação que a mãe e educadora tenta fazer com a Escola e a
programação televisiva. Com efeito, é um momento feliz em que a professora tenta
estabelecer uma conexão entre a escola, a família e a televisão. Há várias ocasiões em que
tal relação é possível e até desejável.
Quanto aos limites estabelecidos pela mãe, para os filhos assistirem a determinados
programas, as educadoras se mostram decisivas:
Geralmente o que eles estão vendo eu sei. Outra coisa, eu geralmente vejo
também, porque como eles estudam pela manhã, sempre dormem cedo. Às
dez horas lá em casa eles já estão se aprontando pra dormir. Agora meu filho
mais velho está na Faculdade à tarde, mas de manhã ele já tem outras
atividades: ele vai ao dentista ou vai malhar, enfim, geralmente ele acorda
cedo, por isso ninguém fica acordado até meia-noite (EDUCADORA 1).
Continuando a conversa, pergunto à educadora como era a relação dos seus filhos
com a Televisão quando eram menores, se ela precisava estabelecer regra, principalmente
em relação a horários. Ela responde:
[...] quando eles eram menores dormiam ainda mais cedo. Nunca foram de
ficar o dia todinho assistindo televisão. Como eles tinham com quem brincar,
se envolviam com as brincadeiras. Os dois meninos só davam trabalho para
comer, porque ficavam por ali, jogando bola ali ao redor, brincando,
entravam em casa somente para comer alguma coisa. Eu os controlava ao
redor da casa. Agora com televisão eu nunca tive problema (EDUCADORA
1).
Para outra educadora, a questão de impor limites quanto ao que seus filhos assistem
na tevê sempre foi importante, pois ela possui valores mais rigorosos, seu olhar para a
televisão passa pela sua formação religiosa. Ela afirma:
Até hoje, a questão dos limites está presente na educação dos meus filhos.
Quer dizer, até hoje não, porque já são adultos, mas às vezes eu reclamo com
a minha filha e digo: não assista esse programa da MTV, porque eu não
gosto. Apesar de que, uma vez ou outra eu assisto com ela, mas é um
programa muito liberal, que acontece para adulto, mas até as crianças
assistem e os pais não vêem, não é? Eu sei que minha filha tem que estar por
dentro da realidade, saber o que está acontecendo, como deve ser, como se
prevenir contra as doenças e contra o sexo. Eu estou dizendo assim porque
ela só é ligada nisso (nesse tipo de programa), não traz nada de bom, não é
um programa legal (EDUCADORA 2).
Outra educadora diz que a influência exercida em relação aos filhos quanto ao que
assistir na televisão permanece até hoje. Assim ela se expressa:
Eu adoro assistir programas de esporte. Eu acordo, às vezes, duas, três horas
da manhã para assistir partida de vôlei e fico até a hora de sair para trabalhar.
A minha filha acompanhou a Copa Brasil e Inglaterra (jogo de vôlei em
2005), que foi de madrugada. Eu coloquei o colchão na sala para dormir e
não fazer barulho na hora do jogo, mas aí ela veio assistir comigo. Depois a
gente comemorou, gritou, mas não consegui envolvê-la muito, agora o meu
pai, se ele estivesse aqui, acordaria pra assistir. Se pudesse ia à Copa, daria
tudo para ir à Alemanha, nem que fosse para assistir só os jogos do Brasil
(EDUCADORA 3).
Já a educadora (4) afirma estabelecer algumas regras na sua casa: “Lá em casa o uso
da televisão é muito disciplinado. Como meus filhos estudam à tarde, pela manhã ninguém
vê televisão porque eles estão estudando. Eles assistem somente à noite.” A professora,
além de estabelecer o horário, define também os programas que os filhos devem assistir:
Durante a semana não tem televisão pela manhã. À noite quando meus filhos
chegam assistem aos programas que gostam, mas eu mando assistir ao jornal
também. Eles nem gostavam no começo, mas agora já assistem. Assistem
também a alguns programas infantis e no final de semana assistem o Globo
Ciência e o Globo Rural. Eu falo mais da Rede Globo que é o canal mais
assistido lá em casa (EDUCADORA 4).
Observa-se que as educadoras exercem influência não apenas na programação dos
filhos, mas em toda família, como os pais, principalmente quando estes são idosos e moram
na mesma casa, pois acreditam que a televisão, além de companhia, contribui para o
relacionamento familiar e ajuda na participação e inclusão social dos idosos na Sociedade.
A educadora que gosta de assistir esporte na televisão relata:
Eu gosto tanto de esporte que contaminei toda a minha família. Meu pai que
não gostava, hoje assiste e às vezes ele chega e fala: ‘tem algum esporte para
assistir, hoje?’ Ele sempre gosta de assistir o jornal, após a refeição, apesar
da idade, ele tem oitenta e dois anos, mas, pelo menos, se informa da
situação do país. De vez em quando, eu falo: vamos assistir primeiro o
jornal, depois o senhor dorme. No domingo à tarde se tiver um futebol,
mesmo estando sozinho, ele assiste. Se minha mãe estiver presente também
assiste. Acho que é uma forma de não deixá-los sem fazer nada, porque já
estão numa idade muito avançada (EDUCADORA 3).
Para a educadora, que é solteira, a Televisão serve tanto de companhia para ela
quanto para sua mãe que mora junto com ela.
Minha mãe assiste apenas à novela da tarde. Quando eu vou dar aula à noite,
ela fica esperando até eu chegar. Então o que tiver na programação ela
assiste, mas ela não acompanha a novela, não está ligada direto na tevê; está
fazendo crochê e assistindo novela, ou fazendo um bordado e escutando é
uma interação que ela faz com a televisão, uma companhia pra ela
(EDUCADORA 5).
Segundo Breton e Proulx (2002, p. 122), “a experiência de assistir à televisão é
fisicamente interrompida por vários deslocamentos no espaço doméstico: ver televisão
combina com várias outras atividades, como comer, costurar, conversar, ler, participar de
jogos em grupo etc.” Assistir à televisão aparece, portanto, como uma experiência psíquica
em profunda descontinuidade temporal, marcada por momentos de atenção de qualidade
muito variável. Lembramos que a TV no Brasil é herdeira do Rádio e, como este, facilita a
alternância de figura e fundo (ANDRADE, 2003).
A postura da Família, principalmente das mães, com relação à seleção da
programação televisiva dos filhos, naturalmente é extensiva à Escola. Daí porque as
professoras não comentam determinadas programações em sala de aula, principalmente as
novelas, embora tanto os alunos como as professoras assistam a estas. Sabemos que muitas
novelas envolvem as crianças e os adolescentes que chegam até a comentar os enredos em
sala de aula, no entanto tais assuntos não são tratados por professores e alunos. Precisamos
refletir sobre como a problemática tratada nas novelas, como violências, sexo, droga,
cidadania, direitos humanos e outros, poderia estar presente na sala de aula, a partir do que
os alunos trazem para dentro da Escola, aproveitados esses temas como iniciadores, ou para
serem questionados com relação à forma como a mídia aborda tais assuntos.
4.5 A TELEVISÃO REFLETIDA NA ESCOLA
Segundo Von Feilitzen (2002, p. 20), “uma das questões mais comuns com relação
às crianças e à mídia é sobre o quanto e de que forma elas usam cada tipo de mídia”. Outro
tema muito presente nas pesquisas é como as crianças são influenciadas pela mídia. A
influência da violência na mídia tem sido o foco dos estudos em vários países.
Na fala das educadoras, elas demonstram grande preocupação em relação à
violência dentro das escolas. Para elas, o comportamento agressivo das crianças, em grande
parte, está influenciado pela Televisão. Mas também concordam que o meio social
contribui. Segue a fala da educadora (2), que acusa os desenhos animados.
Alguns desenhos são muito agressivos e muitas vezes as crianças ficam
representando essas cenas agressivas, mesmo brincando. Acho que este é o
lado negativo da televisão, pois estimula a agressividade e a violência. Pode
olhar que a toda hora elas estão se agarrando. Embora as crianças afirmem
que estão brincando, mas essas brincadeiras, muitas vezes acabam em briga
mesmo, porque machuca o outro. Na hora em que um machuca o outro este
revida aí vira uma briga mesmo (EDUCADORA 2).
A mídia tem sido objeto de vários estudos e pesquisas que comprovam que ela pode
influenciar no comportamento das pessoas, mas não é determinante. Ferrés (1996, p.86)
destaca:
A crítica tradicionalmente feita à televisão pelos círculos progressistas tem
insistido, às vezes de forma simplista, nos conceitos de passividade e
manipulação. Consideram o espectador como uma espécie de esponja que
absorve tudo o que lhe é jogado ou como uma cera maleável na qual
qualquer marca ficará impressa automaticamente. Felizmente a realidade é
mais complexa.
Ferrés (1996, p. 89-90) apresenta um resumo de teses diferentes e até contraditórias
que são defendidas quando se tenta avaliar os efeitos da violência nos programas de
Televisão:
Tese da estimulação. Aprende-se a partir dos modelos sociais. Os programas
violentos incitam à imitação, estimulam condutas agressivas e o seu aprendizado;
Tese da habituação. Os programas violentos levam à habituação e ao
embotamento, ao paralisarem a sensibilidade emocional. A violência acaba sendo
considerada como um meio normal para impor os próprios interesses e para resolver os
conflitos;
Tese da inibição. As cenas de violência apresentadas na Televisão têm efeitos
intimidadores sobre o telespectador, inibem a manifestação das emoções e de condutas
agressivas, principalmente se elas forem reprovadas pelo próprio meio;
Tese da catarse. As imagens violentas permitem que o espectador descarregue
as suas tensões e a sua agressividade. Cumprem uma função de substituição, de válvula de
escape. A participação emotiva na conduta agressiva mostrada leva à renúncia da própria
agressividade.
Para Kehl (KEHL, 2004), a televisão interfere em escala planetária nas formas
como se organizam a comunicação e os vínculos sociais nas mais diferentes culturas. A
presença da TV no cotidiano de grande parte da população mundial produziu não apenas
novas formas de sociabilidade como também uma série de efeitos sobre a subjetividade
contemporânea.
Um dos mais graves, a meu ver, é o surgimento de uma nova forma de
violência que afeta todas as modalidades do laço social: a violência do
imaginário. Não me refiro à violência representada pelas imagens (grifo
original) televisivas, nem a uma versão imaginária da violência, mas a um
modo de violência que é próprio do funcionamento imaginário, e que incide
de forma quase hegemônica sobre as culturas em que a televisão tem um
lugar muito predominante (KEHL, 2004, p. 87).
Kehl (KEHL, 2004) acredita que existe um consenso a respeito do fato de que as
modernas sociedades industriais são muito violentas, mas há também um consenso de que
essa violência não se limita à violência da exclusão social, própria da desigualdade entre
classes, cometida por uma parcela dos excluídos que tentam se incluir à força.
Para além dessas formas extremas, há uma violência que faz parte do próprio
laço social. Por fim, há também certo consenso de que a influência da
televisão é forte nisso, de que a televisão, de alguma forma - eu estou
chamando a televisão, mas podemos dizer a produção imaginária da cultura
de massas em geral -, tem uma responsabilidade forte na produção da
violência (KEHL, 2004, p. 87-88).
Em compensação, para Ferrés (1996), o tema da violência na Televisão é polêmico
e controverso, não existindo um consenso entre pedagogos, educadores, psicólogos e
pesquisadores sobre a interpretação do fenômeno. Para o autor, a questão é complexa e não
pode ser resolvida com afirmações simplistas. É necessário mais pesquisa sobre o assunto.
Para uma compreensão aberta da mídia é preciso analisá-la a partir da sua complexidade e
não partindo da simplificação ou do maniqueísmo.
4.5.1 Sobre os Desenhos Animados e a Influência no Comportamento das Crianças
Muito tempo antes da invenção da Televisão, Platão (2006), na República Ideal,
preocupado com a formação das crianças, alertava para o risco a que elas estavam expostas
em relação às histórias que eram contadas na época. Segue um trecho do diálogo:
- Então, havemos de consentir sem mais que crianças escutem fábulas
fabricadas ao ocaso por quem calhar, e recolham na sua alma opiniões na sua
maior parte contrárias às que, quando crescerem, entendemos que deverão
ter?
- Não consentiremos de maneira nenhuma.
- Logo, devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e selecionar as
que forem boas e proscrever as más. As que forem escolhidas,
persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar as suas
almas por meio das fábulas, com muito mais cuidado do que os corpos com
as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se (PLATÃO,
2006, p. 65-66).
Fica claro nos vários relatos das professoras que a Televisão exerce influência no
comportamento dos alunos. No diálogo com as educadoras, elas relatam vários momentos
em que identificam a vontade das crianças em representar o que vêem na TV,
principalmente em relação aos desenhos animados, seja através dos gestos, da fala, das
brincadeiras, seja através dos desenhos feitos no papel com lápis de cor. Observe o
depoimento de uma das educadoras:
Eu trabalho à tarde com educação infantil numa escola do município. Meus
alunos têm aproximadamente 6 anos de idade. Observo que eles passam o
tempo todo imitando histórias de Pokémon, Digimon e não sei mais o quê.
Quando se levantam para beber água já estão fazendo os gestos
(EDUCADORA 1).
Ao questionar a educadora (1) sobre o que ela faz quando as crianças manifestam
desejo de representar através da fala o que viram na Televisão, ela responde: “A única
coisa que eu faço é deixar que elas façam os desenhos da televisão no papel”. Nesse
momento uma professora da Escola abre a porta, sem bater ou pedir licença. Pergunta se
tem um cordão ou uma fita para emprestar. A entrevistada pede para eu desligar o
gravador, demonstra que não gostou da interrupção da colega e fala: “Eu estou sendo
entrevistada”. Pede à professora que volte depois. Isso demonstra que ela estava gostando
da conversa, que lhe parecia importante pensar sobre o que estávamos falando. O que
podemos constatar, também, através das pausas que ela faz durante sua fala, é que a
educadora está refletindo sobre sua prática. A reflexão docente é importante para
transformar os momentos em que os alunos demonstram claramente que estão abertos para
o diálogo, precisando se manifestar, expor seu cotidiano, através da fala, do corpo, dos
gestos ou do desenho no papel.
A educadora (4) considera que alguns desenhos podem contribuir para o diálogo em
sala de aula e ampliar os conhecimentos, pois as crianças gostam de relacionar o assunto da
aula com o que viram na Televisão:
Nem sempre eu tenho tempo de assistir à televisão, mas eu vejo na televisão
um espaço que forma opinião, quando ele é bom, quando o programa é bem
feito é benéfico, porque amplia muito os conhecimentos que a criança já
tem. Às vezes a gente está dando uma aula de ciência e elas falam: Ah, eu já
vi isso no desenho! Então deixo falar porque vejo que elas já viram isso na
televisão. O desenho também traz informações, de ciência, tecnologia ou
outras coisas (EDUCADORA 4).
A educadora (3) acusa os desenhos animados de ocupar a hora que deveria ser
dedicada aos estudos: “Agora, eu já não gosto da parte de desenhos, mas também não vou
dizer que não assistam, mas devem assistir com responsabilidade, não trocar a tevê pela
hora de estudo, o que é comum acontecer” (EDUCADORA 3). A educadora prossegue na
sua crítica mostrando certa aversão aos programas de desenho animado, fazendo uma
generalização de todos esses programas. São suas as seguintes palavras:
Nos desenhos existe muita violência. Acho que eles deveriam ser mais
voltados para a questão da valorização da família, mas os que passam na
televisão têm muita agressão. Isso exerce uma influência negativa no
comportamento da criança que não tem a orientação da família, que deveria
selecionar os desenhos. A criança assiste esses desenhos sem nenhum
acompanhamento dos pais e termina transferindo tais comportamentos para o
seu dia-a-dia. Esses desenhos deveriam ter um conteúdo mais educativo.
Não gosto dos desenhos animados da tevê, mas também não vou dizer que as
crianças não devam assistir (EDUCADORA 3).
Para as educadoras, as representações dos desenhos animados estão muito presentes
no cotidiano das crianças dentro da Escola, mas, segundo elas, isto é uma demonstração da
influência negativa que a Televisão exerce nas crianças. Ressaltamos que, ao mesmo
tempo, as educadoras manifestam vontade de fazer algo no sentido de reverter esse
comportamento.
Quando estou em casa e tenho tempo, assisto a alguns programas infantis
também. Gosto de assistir os desenhos animados, esses que passam na
televisão, não sei nem o nome, pra comentar com os alunos certas atitudes e
comportamentos presentes na sala de aula que são influenciados por tais
desenhos (EDUCADORA 5).
4.5.2 Programa de Polícia
Um dos pontos de afastamento da Escola em relação à Televisão é a tendência ao
sensacionalismo e ao conteúdo de baixo nível ético, estético e cultural, que marcam alguns
programas da TV brasileira. O nível de alguns programas é criticado por muitos
profissionais da Educação que criam uma resistência à Televisão, generalizando, com isso,
o resto da programação televisual. Parece que existe, em grande parte dos educadores, um
receio ou até uma forte desconfiança quanto à relação e à aproximação possível entre a
Televisão e a Educação, principalmente a formal. A origem dessa desconfiança se
manifesta através da crítica que considera a programação da Televisão vazia, sem
conteúdo, ao refletir mecanismos ideológicos.
Outro fator que provoca esse afastamento entre a Escola e a Televisão é que boa
parte dos objetivos e dos papéis tradicionais da Escola – ideológicos, culturais e até
didáticos – se transferiu para a TV, aumentando a crise e o questionamento de sua eficácia
e lugar nas Sociedades Contemporâneas. Desde o século XIX e até o século XX, a Escola
foi preponderante na formação e transmissão de valores, atitudes e conhecimentos básicos
para a socialização das populações urbanas. Parte desse papel vem se transferindo para a
Televisão, influenciada por interesses ideológicos e comerciais dos grandes grupos
econômico-financeiros em associação com os interesses políticos.
Os críticos que abrem um espaço para a Televisão na Escola defendem que ela seja
mediada pelo professor, que deverá estar sempre entre o aluno e a mídia, de modo a
incentivar uma leitura crítica, das suas práticas de linguagem e dos conteúdos por ela
veiculados. O que nos parece uma postura correta.
Quase todas as professoras afirmam que, além dos desenhos animados, um dos
programas mais assistidos pelas crianças é o nomeado por elas como programa de polícia.
Conforme seus depoimentos, as crianças assistem a esse programa porque escutam vários
comentários e discussões sobre eles não apenas nos lares, mas também na sala de aula, o
que chega a causar preocupação e indignação por parte das entrevistadas.
A educadora (4) afirma: “Eu acho que a televisão está em todas as casas, todos os
alunos assistem. Agora, infelizmente as crianças das classes populares gostam mais dos
piores programas que tem na televisão”. Pergunto quais são os piores programas a que ela
se refere e ela cita pelo menos dois: o “Programa do Ratinho” e o “Patrulha Policial”, pois
“exercem grande influência no comportamento das crianças”. Segue o depoimento:
Por exemplo, o Programa do Ratinho é de violência, e eles adoram
programas de violência, se você falar alguma coisa [...]. Eles dizem: ah, eu vi
no Programa do Ratinho; eu vi no Patrulha Policial. Até o jeito como eles
(apresentadores) fazem o jornal já é uma forma apelativa, eles mudam a voz,
fazem o gesto, sei lá o que é aquilo! Sei que as crianças gostam muito desse
tipo de programa de polícia (EDUCADORA 4).
A educadora (3) também faz sua crítica e defende certa censura em relação a tais
programas:
[...] existe um canal que não me interessa porque passa aquele programa
Patrulha Policial. Acho que é muito apelativo, um choque para quem está
assistindo, principalmente para as crianças. Acredito que deveria existir uma
forma de proibir que tais programas fossem transmitidos.
Para a educadora (3), a escolha das crianças por esses programas é conseqüência do
mundo em que vivem: “[...] mas eu sei também que, infelizmente, as coisas que são faladas
e mostradas nesses programas, de certa forma, estão presentes na vida de muitas crianças.
Com certeza, elas se identificam porque estão acostumadas a ver isso no seu dia-a-dia”.
A crítica ou a reflexão sobre o conteúdo da Televisão devem contribuir para a
formação da cidadania. “Esto significa que no sirve de mucho o es un logro parcial
estimular la reflexión de la audiencia, si en esa reflexión no se establecen las bases para
una transformación real o para contribuir a su emancipación como sujeto social
25
(OROZCO GÓMEZ, 1996, p. 30).
A educadora (1) que é responsável pela Sala de Vídeo, em uma das escolas onde
trabalha, comenta sobre o uso dos vídeos disponíveis na TV Escola, procurando estabelecer
uma relação com o conteúdo da televisão aberta, aos quais as crianças assistem em casa e
comentam em sala de aula. Afirma a educadora (1):
Vários programas da TV aberta não atendem aos objetivos educativos da
escola. Existem programas que não exercem a menor função educativa. O
Patrulha Policial, por exemplo, é completamente destituído de valor
educativo. Na verdade, ele pode ter outras funções. Não quero dizer que os
alunos não devam tomar conhecimento dos fatos que ocorrem com as
pessoas menos favorecidas, mas acho que há muita agressividade e violência
para ser visto pelas crianças.
A educadora (2) pede para seus alunos não assistirem a programas que envolvem
violência e agressividade, diz ela: “Quando surgem conversas desse tipo na sala de aula eu
procuro convencê-los que tais programas não são educativos e podem até gerar violência
entre eles. Programas como Datena e Cidade Alerta só mostram cenas de violência”. A
educadora (2) relata:
Na sala de aula digo aos meus alunos para não assistirem esse tipo de
programa da pesada como eles falam (programa de polícia). Alguns ficam
comentando na sala e até mesmo representando as falas dos apresentadores.
Surgem conversas que não deveriam ocorrer em sala de aula, mas a própria
televisão leva essa discussão para a escola.
25
“Isto significa que não serve muito, ou é um conquista parcial, estimular a reflexão da audiência, se nessa
reflexão não se estabelecem as bases para uma transformação real ou para contribuir para sua emancipação
como sujeito social” (0ROZCO GÓMEZ, 1996, p. 30, tradução nossa).
Pergunto à educadora (2) se ela identifica nas crianças alguma resposta, no sentido
de concordarem com ela. A educadora (2) responde:
Não. Mas eu digo: procurem assistir a Xuxa, que ainda é um programa para
criança, o Sitio do Pica-Pau Amarelo, Chaves e outros dessa natureza. Eu
não assisto, mas dou dicas. Na Rede Viva, depois das seis horas, tem um
desenho animado muito interessante sobre historinha da bíblia. Eu digo para
eles que têm de ver o outro lado do mundo, não ver apenas o lado ruim. Eu
conto histórias da Bíblia para eles. Na minha aula, todos os dias, isso é
sagrado, antes de começar eu rezo com eles e faço oração ao Anjo da
Guarda.
Embora saibamos que a Escola Pública Brasileira é laica, percebemos que a
religiosidade é muito forte, de tal modo que as educadoras manifestam essa devoção em
sala de aula. Esse sentimento está presente dentro do espaço escolar também. Na Escola
Pública, onde essa educadora leciona, em um pequeno hall ao lado da secretaria, encontra-
se um cartaz na parede com uma oração, em letras grandes e maiúsculas, que diz:
A ORAÇÃO DA CRIANÇA
QUERIDO PAPAI DO CÉU
HOJE EU QUERO LHE DIZER
“MUITO OBRIGADO”
PELA FAMÍLIA QUE TENHO.
Logo em seguida outra frase:
SENHOR FAÇA-NOS INSTRUMENTOS
DE VOSSA PAZ
As crianças de Escolas Públicas vivem numa degradação da vida familiar pelo
desemprego, falta de moradia adequada e, muitas vezes, fome. A família como conceituada
pela religião talvez nem exista mais. Portanto cabe aos docentes estar atentos para os
problemas sociais presentes em cada sociedade.
A educadora (2) manifesta esse sentimento religioso, pois é algo marcante na sua
vida também, o que fica demonstrado através das mãos que assumem posição de reza e do
tom de voz que muda completamente: surge uma voz suave e o ritmo diminui. Sua posição
frente à televisão está pautada, também, na relação com sua crença, o que constatamos,
também, na escolha pessoal dos programas a que assiste, conforme relato anterior.
4.6 A PRESENÇA DA TELEVISÃO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DAS
EDUCADORAS
A educadora (5) defende que “alguns conteúdos da televisão podem ser trazidos
para a sala de aula no sentido de formar o espírito crítico do telespectador e a formação da
cidadania”. Assim ela aproveitou a propaganda eleitoral para o referendo sobre a
comercialização de armas de fogo e munição
26
para discutir com os alunos a questão da
participação dos cidadãos nas decisões governamentais. Eis as palavras da educadora (5):
Como tarefa de casa, pedi que os alunos se sentassem na frente da tevê para
assistir às propagandas do referendo, porque essa discussão das armas eles
trouxeram pra dentro da sala de aula, muitos conheciam, outros não. Falei:
todo mundo vai assistir porque a gente vai fazer um referendo aqui na sala
de aula. Eu acho que a televisão está contribuindo para a discussão. Aí
muitos assistiram, mas não tiveram uma boa compreensão, é tanto que ainda
não foi possível fazer a eleição, vão assistir mais uma vez para trazer uma
opinião formada. Quero fazer um grupo de debates: um lado a favor do uso
da arma, e outro lado contra. Eles ficaram de assistir novamente e trazer a
discussão para a sala de aula para a gente fazer uma eleição simulada. Como
a televisão traz muitas informações, todo mundo se atualiza e entra na
discussão, no debate da sociedade, o que contribui para a formação da
cidadania.
26
Em outubro de 2005, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a instrução normativa que regulamentou
a propaganda eleitoral para o referendo sobre a comercialização de armas de fogo e munição no Brasil. A
propaganda gratuita no rádio e na televisão aconteceu entre os dias 1º a 20 de outubro de 2005. As emissoras
tiveram ao todo 38 minutos de propaganda diária apresentada ao público em forma de blocos ou inserções
durante a programação, com 30 segundos cada. O tempo de aparição foi igualmente dividido entre as duas
frentes parlamentares nacionais: “Por Brasil sem Armas” e “Pelo Direito da Legítima Defesa”. Os blocos de
propaganda na televisão foram exibidos das 13h às 13h9 e das 20h30 às 20h39. Já no rádio, as transmissões
foram realizadas das 7h às 7h9 e das 12h às 12h9. A votação no referendo do dia 23 de outubro de 2005 foi
obrigatória para todos os eleitores entre 18 e 70 anos. Vale salientar que as emissoras de TV não foram a
autora dos programas. Atrás do veto à lei estavam a indústria e o comércio das armas e atrás do apóio à lei
estavam os grupos sociais e políticos de pequena expressão.
Para a educadora (5), muitos assuntos, como o exemplo acima, abordados na
Televisão poderiam ser objetos de estudo e discussão na sala de aula, embora muitos
programas mostrem coisas erradas, conforme argumenta a educadora (5): “A novela
quando retrata a questão da sala de aula sempre mostra um menino mal educado, um
menino respondão, não enfoca a sala de aula como um lugar de aprendizagem e respeito ao
professor”. Nesse caso, acreditamos que mesmo esses maus exemplos, mencionados pela
professora, também podem ser discutidos em sala de aula, tentando levar o aluno a refletir
sobre o assunto a partir da mediação do educador. Existem os programas violentos, os que
veiculam valores distantes do que os educadores querem passar aos alunos e os que tratam
a realidade de maneira simplista ou equivocada, mas de acordo com Moran (apud
GENTILE, 2006, p. 46), até mesmos esses programas podem ser aproveitados, pois: “Tudo
que passa na televisão é educativo. Basta o professor fazer a intervenção certa e propiciar
momentos de debate e reflexão”.
A educadora (1) explica como são utilizados os vídeos da TV Escola que, conforme
suas palavras, “exercem um papel informativo e tratam dos mais variados assuntos”. Ela
procura estabelecer uma relação com a programação da tevê aberta:
Alguns professores utilizam o vídeo para iniciar um assunto, aí eles preferem
vir logo no começo, outros para reforçar, depois que já explicaram o assunto,
então fazem uma espécie de reforço, outros usam o vídeo durante a
explicação do assunto, como um apóio, ou ajuda. Os alunos vêem alguma
coisa mais detalhada, porque, como a imagem está em movimento, eles se
interessam mais. Por exemplo, agora quando teve esses furacões, eles se
interessaram muito, porque já viram esses fenômenos em vídeo: furacões,
vulcões, terremotos, então eles já pediram à professora: ‘Professora, vamos
ver aquela fita?’ Porque está passando a coisa na realidade. São alunos de 5ª
e 6ª séries, que identificam fatos reais com o que já viram em filme. O uso
da televisão é importante, por isso, você liga o que está acontecendo agora,
com o que a gente já viu na televisão e faz a ponte. [...] Desperta mais
interesse (EDUCADORA 1).
A educadora (3) insiste com seus alunos para assistirem aos telejornais: “[...] vejam
os noticiários, para saber como está a questão dos nossos representantes legais. Qual a
função do vereador? Ele é uma pessoa honesta? Essa situação do país precisa ser discutida
na sala de aula. Acho que a televisão é um veículo ideal para isso.”
A educadora (3) também fala sobre as drogas. Eis o seu depoimento:
Aqui, o comprometimento maior é com relação à droga. Eu tenho observado
que é uma coisa que a gente precisa ter muito cuidado. Este ano não fiz
nenhum trabalho a respeito disso. O ano passado eu fiz, porque trabalhei em
outra escola pública lá em Neópolis, e para completar minha carga horária eu
peguei uma aula de religião. Fiz um trabalho com alunos de 8ª série com
relação às drogas. Esse trabalho foi fantástico!
A educadora (1) relata as oportunidades em que a Escola trabalhou em parceria com
a programação da Televisão aberta, desta vez, durante a exibição da novela O Clone, da
Rede Globo, usando o conteúdo e as mensagens veiculadas para dialogar com os alunos:
Este foi um projeto bem maior. Usamos também uma revista, não me lembro
qual era a capa, mas era assim: várias fotos de pessoas que morreram bem
cedo por causa de drogas. Pegamos as fotos dessas pessoas colocamos em
uma folha e pedimos para cada aluno inventar uma história sobre a pessoa, a
partir da foto. Os alunos escreveram coisas muito bonitas sobre as pessoas.
Cada um criou sua história, apenas o que eles imaginavam que poderia ser.
Depois foram ler, em grupo. Cada grupo fazia a descrição da pessoa, até
deram nome ao personagem. Após esses relatos contamos a história real de
cada sujeito da foto: um jogava basquete, outro estava na seleção brasileira,
outro era estudante universitário e assim por diante. Eles ficaram muito
chocados, sem acreditar: viram que aquele futuro foi interrompido. Depois
fizemos uma exposição e deixamos na quadra para eles verem. Montamos
também uma peça de teatro. Usamos os vídeos: “Vidas Desesperadas” e
“Bicho de Sete Cabeças”. Eles gostaram muito. Foi um projeto muito bom, e
um longo período, todas as turmas, desde a 1ª série, participaram desse
projeto com as devidas adaptações (EDUCADORA 1).
A educadora que leciona Matemática comenta que sempre procura relacionar os
conteúdos da Televisão com os números. Ela pede, por exemplo, que seus alunos
acompanhem nos telejornais a variação do dólar. Afirma a educadora (3):
Por exemplo, quando estou dando a parte de porcentagem, peço que eles
anotem a cotação do dólar de ontem, a cotação de dólar de hoje, para ver
quanto subiu e quanto desceu. Depois peço também para consultar o salário
do pai, quanto em porcentagem significa os gastos com a educação, os
custos com a alimentação e outras despesas.
A professora argumenta que a relação da Escola com a Televisão não é tão simples
quanto parece. Para que esse entrosamento ocorra de forma produtiva, é necessário um
planejamento no sentido de aproveitar os programas e os momentos que possam trazer
benefícios para a aprendizagem dos alunos. Até o uso do TV Escola nos primeiros
momentos pareceu muito complicado, conforme relata a educadora (3),
Aqui na escola teve uma pessoa que logo nos primeiros dias de uso da TV
Escola ficou meio apavorada, porque ela não sabia nem manusear os
equipamentos. Foi necessário montar todo um planejamento. O que vai ser
usado? Como vai ser usado? Que peças vão ser utilizadas? Você sabe
manusear? As dificuldades surgiram tanto com relação aos alunos quanto
por parte dos professores. Então não adianta você chegar com um projeto se
o aluno também não conhece, precisa de um planejamento para esse projeto
ser desenvolvido na escola. Para usar a televisão dentro da escola precisa
montar um esquema de ação.
A mesma educadora fala sobre um projeto de Rádio na Escola:
No ano passado, em outra escola, a gente começou a fazer o projeto do rádio
na escola. Mas nós tínhamos um aluno muito trabalhoso, ele não mora mais
com a mãe, que entregou pra um tio, porque era muito perverso. Foi preciso
muita luta e muito diálogo com esse menino pra que pudesse ser feito
alguma coisa. [...] porque quando era o dia da turma dele ir para o setor,
podia esperar que à tarde os equipamentos estavam quebrados, ele mudava
tudo, por exemplo, esse seu gravador tem a parte que você liga e desliga, é
começar dar alguma coisa que vai entrar em formação, então ele trocava.
Num abrir e fechar de olhos, desmantelava, no outro dia: cadê o rádio
funcionar? Aí a professora de tanto insistir com tudo isso cansou. Aí acabou
o programa, está instalado, mas ele quebrou uma pecinha muito cara e a
escola não tinha como repor, nem o tio e ficou por isso mesmo. Esse foi um
projeto com tudo planejado, até a parte com aqueles alunos que são mais
inibidos, que não conseguiam ir à frente falar, esse projeto favoreceu, alguns
até se identificaram pra uma futura profissão. Quando temos um projeto com
tudo organizado, planejado, funciona (EDUCADORA 3).
Podemos perceber, através desses depoimentos, que nem a Escola nem o sistema
escolar estão preparados para tratar de problemas desse tipo. Também transparece na fala
das educadoras, entre outras coisas, a falta de preparo dos docentes para lidar com uma
situação adversa. Sabemos que uma criança muito ativa, em geral, também pode ser muito
inteligente. A educadora, em vez de aproveitar essa particularidade como algo positivo,
despreza a criança por esta demonstrar atitudes não convencionais para a idade. Crianças
muito ativas, agressivas, teimosas, são comuns dentro de uma escola, mas uma criança que,
mesmo sem saber que sabe, entende de eletricidade e sabe manusear equipamentos
eletrônicos, isso sim é algo extremamente positivo. O que falta é o preparo dos docentes
para entender crianças que sabem lidar com equipamentos eletrônicos, enquanto
educadores têm medo até de ligar ou desligar, mesmo que seja um simples rádio. No caso
de um computador, a dificuldade é maior.
4.7 O DIÁLOGO DA ESCOLA COM A TELEVISÃO E A PARTICIPAÇÃO DA
FAMÍLIA
Para Orozco Gómez (1996), tanto a Família quanto a Escola podem exercer
interferência na recepção televisiva. Há uma urgência quanto à interferência da segunda na
audiência infantil, até porque muitas aprendizagens desenvolvidas na Escola permeiam a
Televisão. Mais ainda: se aquela não exerce uma intervenção pedagógica, perde muito do
seu sentido e missão educativa, já que muitas coisas que as crianças aprendem na TV
tornam-se mais relevantes para sua vida do que aquilo que aprendem na sala de aula.
O diálogo da Escola e da Família com a Televisão envolve temas como sexo,
agressividade, violência, drogas, indisciplina escolar e outros. As professoras, de modo
geral, reclamam da ausência dos pais na educação dos filhos e o pouco envolvimento com
os problemas escolares. Defendem que, nas Escolas Particulares, a presença dos pais na
educação dos filhos é mais efetiva do que na Escola Pública. Acham mais fácil estabelecer
a relação entre a Televisão e a Escola com as crianças das Escolas Particulares, exatamente
por causa do envolvimento dos pais nas questões educativas.
A educadora (3) afirma:
Na escola particular é mais fácil realizar algum tipo de trabalho em parceria
com a família, mas na escola pública não, porque os pais (mãe/pai) das
crianças da escola pública, pelo menos nas escolas em que eu trabalho, não
se envolvem com os problemas educacionais dos filhos. Os adolescentes
entre treze e quinze anos, perdem muito tempo na rua, na televisão e agora
com a Internet. Com relação às escolas particulares os pais estão mais
envolvidos com a educação dos filhos e estão mais presentes. Se há um
envolvimento da família há retorno, porque a referência maior para as
crianças, ainda é a família, e se existe este envolvimento, família/escola, há
um retorno. A escola sozinha não faz e a família sozinha também não
consegue.
A educadora (5) relata: “Hoje nós estamos com um problema muito sério com o
aluno que está viciado nessas casas de jogo que tem a Internet, mas a Televisão ainda
preocupa. Acho que a família também tem que estar envolvida e preocupada com essas
questões”.
As educadoras afirmam que é comum as crianças conversarem entre si sobre o que
viram na Televisão em vários momentos da aula. Perguntei à educadora (1) se nesses
momentos ela conversa com os alunos sobre o que estão conversando, sobre aquilo a que
assistem na televisão e ela respondeu: “Não, na hora eu nunca conversei”. Ela faz uma
pausa, fica pensando e fala: “Eu, na verdade, reclamo porque eles falam muito alto. Como
todos assistem aos mesmos programas querem contar ao mesmo tempo o que assistiram”.
A professora continua refletindo e pede uma pausa na entrevista para beber água. A mesma
educadora, ao retornar, destaca a importância do diálogo da Escola com a Televisão.
Percebemos que a educadora (1), apesar de não praticar, reconhece a importância do
diálogo, conforme relato abaixo:
Eu acho o diálogo sobre a televisão com os alunos muito importante. Tem
muita gente que condena a novela, mas porque não vê também o lado crítico
da novela, ela mostra muita fantasia de relacionamentos, mas por trás
daquilo ali você tem que ter um senso crítico também (EDUCADORA 1).
A educadora (5) enfatiza:
Para influenciar o aluno é necessário que a professora assista aos programas.
Ela tem que primeiro assistir para saber o que vai indicar para os alunos.
Acho que a professora é uma peça fundamental nessa hora, até porque o
diálogo dela com o aluno é algumas vezes, melhor do que com a família.
Na conversa com a educadora (2), após falar sobre os programas a que assiste, ela
considera que a TV tem alguma coisa boa. Questionada sobre se indica algum programa
para seus alunos, ela responde: “Para meus alunos eu digo: gente, televisão é um problema
sério, viu”! E à pergunta “por que ela acha televisão um problema sério?”, ela explica:
Porque você vê que mesmo na casa das pessoas mais humildes, tem
televisão. As crianças assistem aos programas que querem e os pais não
fiscalizam, até porque não estão em casa. Muitas vezes, os pais saem às oito
horas da manhã ou mais cedo e só voltam de oito (horas) da noite, então elas
(as crianças) assistem tudo que têm vontade. Nas famílias mais abastadas
isto está acontecendo também com a Internet (EDUCADORA 2).
A educadora (3) afirma: “Eu tenho conversado com esses meninos para assistirem o
jornal, eu digo: Olha, tem o horário tal. Procurem o horário que tem de meio-dia e meia, os
jornais locais, vejam as notícias e onde a Matemática está presente para encontrar as
informações”. Prossegue a educadora (3):
Eu estou sempre incentivando para quando assistirem à televisão dar
preferência às notícias; porque nas notícias vocês têm muitas escolhas. A
questão da situação econômica do país, o que representa para os pais os
gastos com a educação e outras questões de natureza econômica. Como eu
trabalho com Matemática eles precisam ter essas noções. Sempre achei
estranho aluno que já freqüentava o Segundo Grau, acordar às dez, onze
horas da manhã. A maioria não assiste nada, nada. Eu recomendo: pelo
menos de manhã acorde cedo e assista o Telecurso do Primeiro e do
Segundo Grau e veja onde você está com mais deficiência, mas nem isso
chama atenção deles.
A educadora (3) continua fazendo sua crítica aos alunos, dizendo que pergunta se
eles se informam das notícias através de outra mídia, como jornal impresso ou revistas,
mas, segundo a educadora (3): “A maioria não lê nada, não tem acesso a quase nada.” Essa
educadora demonstra preocupação quanto aos conhecimentos gerais de seus alunos: “Se
esses alunos fossem fazer uma redação sobre conhecimentos gerais, teriam dificuldades
para falar sobre o contexto sociopolítico e econômico do nosso país”. Prossegue a
educadora (3):
Claro, estes alunos não têm nenhuma noção, a não ser o que a professora
comenta em sala de aula. Agora eu tenho uma turma de 5ª série, em outra
escola e tenho alguns alunos, inclusive que torce pelo time lá do Rio de
Janeiro que é o Fluminense, então eles assistem, mas assistem apenas para
ver o esporte. Quando estou trabalhando porcentagem nessa série, mando
eles assistirem o jornal para ver a cotação do dólar, não indico nenhum canal
específico, mas eles muitas vezes me perguntam: ‘Professora, você assiste
qual jornal? Em que canal?’ Acho que eles querem alguma referência. Eu
digo que assisto mais a Rede Globo, porque gosto muito da parte do
noticiário, dos apresentadores, que se expressam muito bem, se identificam
com as notícias.
A educadora (4) comenta sobre o conteúdo da Televisão:
Eu acho que a televisão tem muitas coisas ruins, mas também tem muitas
coisas boas. As propagandas usam muito o sexo, elas são muito apelativas e
como são exibidas em todos os horários e em qualquer momento, criam
problemas. Mas na verdade, existem alguns programas que dão muita
informação boa e isto é positivo.
As professoras enfatizam a importância da participação da Família em relação ao
diálogo com a Televisão. Para algumas educadoras, a falta de diálogo da Escola com a
criança sobre a Televisão se deve ao fato de não haver tempo de assistir aos mesmos
programas, pois é preciso conhecer: “Eu preciso ver os programas para fazer a ligação entre
o conteúdo veiculado na Televisão e os conteúdos de aprendizagem, o que precisa ser
criticado e discutido tendo em vista a formação do telespectador crítico” (EDUCADORA
4). Prossegue essa educadora:
Acho que os alunos recebem muitas informações por meio da Televisão, não
é só coisa ruim. Se a gente tivesse tempo de assistir os programas e discutir
essas informações na sala de aula, seria muito bom, porque na Televisão há
também, muita coisa boa. Agora infelizmente a gente não tem tempo de
assistir junto com eles para fazer esse intercâmbio dentro da sala de aula.
É sabido que alguns alunos apresentam comportamentos agressivos e
desrespeitosos na Escola, não apenas com os colegas, mas também com as professoras. A
educadora (5) destaca uma contribuição positiva da Televisão quanto à formação de certos
hábitos de solidariedade e afetividade. Assim a educadora se expressa:
Na televisão passa uma propaganda sobre o bom exemplo, aquela sobre
um bom Exemplo (Rede Globo); como atravessar um velhinho na passarela;
levantar e dar o lugar para uma pessoa mais velha sentar. Como eles não têm
muito esse tipo de comportamento em casa, também não apresentam na sala
de aula. A partir dessa propaganda, fomos discutindo essa questão do bom
exemplo e fizemos um bom trabalho que ainda está produzindo efeito. A
propaganda acabou melhorando o relacionamento na sala de aula. Muitas
vezes falamos para eles que os outros animais se defendem agredindo uns
aos outros e acabam marcando seu espaço e sendo respeitados; mas o ser
humano pode resolver suas diferenças por meio do diálogo e do
entendimento.
Para a educadora (5), iniciativas como essas são importantes: “[...] saber que
podemos fazer algo para tentar mudar a realidade em que vivemos, mas muitas vezes é
mais fácil ignorar, fechar os olhos para a situação que nos cerca”.
Para as educadoras, o diálogo e a parceria da Escola com a Família poderiam
contribuir para amenizar o problema das drogas, um tema muito presente dentro das
Escolas Públicas. Eis um trecho do discurso da educadora (2):
Os alunos também falam muito em droga na sala. Tem um filho meu, filho
não, aluno, que o pai é um drogado, ele comenta comigo. É um aluno muito
agressivo. Eu falo para ele: meu filho não siga o exemplo de seu pai, procure
sempre ficar perto da sua mãe, não entre em casa desacompanhado. Ele mora
numa favela e lá tem de tudo. Ontem, o meu aluno, Gustavo, estava na sala
de aula, quando chegaram três colegas dele e disseram: Gustavo, eu quero o
meu dinheiro, eu quero meu dinheiro! Eu fiquei escutando aquela história
deles. Eu não tenho hoje, disse Gustavo. Os outros falaram: nós não vamos
mais ser seus seguranças, você é o chefão, mas eu não vou ser segurança,
porque você não me pagou e se você não pagar, vai ver o que vai acontecer.
Aí eu primeiro me aproximei e perguntei: o que é que está havendo aqui?
Eles responderam: não professora, é porque o Gustavo é o chefão da turma, e
nós somos seguranças dele, mas ele tem que pagar cinqüenta centavos por
dia pra gente e quero meu dinheiro.
Para as educadoras, a relação da Escola com a Televisão pode ajudar os alunos
quanto a vários problemas, inclusive a questão das drogas. O depoimento da educadora (3)
é valioso porque parte de uma pesquisa que ela pediu para os alunos fazerem. Segue o
depoimento dessa educadora:
Pedi que meus alunos fizessem uma pesquisa na televisão sobre o tráfico de
drogas. Quem mais se envolve? Será que são apenas os pobres, ou aqueles
de maior poder aquisitivo se envolvem também? Um aluno trouxe uma carta
de um filho para o pai, que ele conseguiu ou num jornal ou numa revista. A
carta descreve que o filho já estava em uma fase terminal, vítima da droga e
pediu socorro ao pai. No final esse filho morre vítima da droga. Depois a
gente fez um grande debate com eles. Discutiu-se bastante em sala de aula o
caminho das drogas. Foi um trabalho fantástico. Mostrei para eles como é
importante assistir as notícias e ter um diálogo com a família. Na sala de aula
há alunos envolvidos com drogas, embora eles neguem. Por que eles negam?
Porque a família não está presente, mas quando eles se vêem no fundo do
poço pedem socorro.
A educadora (2) relata um momento em que a Escola identificou a presença do uso
de drogas e que foi marcada, pelos próprios alunos, através de pichações nas paredes,
embora eles mesmos, através de um trabalho feito em parceria com os familiares e todos
envolvidos com a Escola, tenham contribuído para a limpeza.
Quando eu ensinava uma turma de 3ª série surgiu uma máfia organizada que
envolvia alunos de sete, oito e nove anos. Eles viam na rua, na televisão,
sabiam os símbolos e chegaram até a pichar as paredes da escola com os
símbolos da máfia. Ultimamente fizemos uma limpeza nas paredes e nas
carteiras da escola pra nos livrar desses símbolos. Os próprios alunos e
alguns pais ajudaram. As turmas da tarde e da manhã colaboraram
(EDUCADORA 2).
Ressaltamos que qualquer projeto educativo, quando a família participa, dá
resultados. Educadores, mães, pais, a sociedade, enfim, todos envolvidos com o processo
educativo, precisam estar conectados dentro de uma rede comum. Qualquer forma que
contribua para uma educação efetiva e global precisa estar livre de conceitos formulados no
passado. A Escola, a Família e toda a Sociedade precisa hoje estar envolvida com a
educação de forma global. Esta não pode se restringir somente a ler e escrever. Educar é
um processo complexo, como nos ensina Edgar Morin.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreendermos o papel da Televisão na Educação, propomo-nos a analisar as
representações sociais da Televisão, por parte de mães/educadoras, enquanto
telespectadoras, para percebermos o significado dessa mídia no seu cotidiano. Buscamos
entender como a Televisão é representada por educadoras, que também são telespectadoras,
entendendo como isso se reflete na sua prática pedagógica, em relação à análise crítica e
reflexiva da mídia dentro da sala de aula. Nossa proposta traz implícita a idéia de educar
para a mídia, de educar os sujeitos da audiência televisiva.
Tentamos responder a algumas questões, quais sejam: O que representa a Televisão
para as educadoras que também são telespectadoras ativas? Como isso se reflete dentro da
sala de aula? Será que sua relação com a mídia interfere na prática pedagógica?
Procuramos entender, através das falas das entrevistadas, que mediações ocorrem
em relação aos conteúdos que os educandos recebem da Televisão, que forma se manifesta
dentro da Escola e como essas educadoras se relacionam com tais representações.
As cinco educadoras entrevistadas revelaram em seus discursos que a relação que
estabelecem com a TV reflete sua relação individual com essa mídia, sua vivência pessoal
e a forma como entendem o mundo à sua volta. Constatamos que seus relatos não se
encontram determinados em um local específico e nem a um momento, mas refletem suas
relação com o mundo, suas vivências particulares e profissionais que variam entre dez a
trinta anos da prática pedagógica. São depoimentos que revelam experiências ao longo de
suas vidas.
No andamento da investigação nos perguntamos: Quem vem primeiro? A mulher, a
mãe, a filha, a educadora ou a telespectadora? A educadora que também é telespectadora
ou a mulher? Em alguns momentos, durante as conversas, é a mulher que está falando; em
outros, a mãe ou filha cuidadosa, mas a educadora está sempre presente, seja como mãe
seja como profissional da educação. Muitas vezes todas se manifestam ao mesmo tempo,
mas uma particularidade fundamental permeia a fala de quase todas: o olhar da educadora
para a Televisão é sempre marcado por critérios de seleção, que estão presentes de maneira
decisiva na sua vida, na relação que estabelece com seus familiares, com ela mesma e com
o seu cotidiano. Todas refletem o meio onde nasceram e cresceram, constituindo um
somatório de vários aspectos sociais, sendo a Televisão uma parte significativa na suas
vidas.
A partir da análise realizada no capítulo anterior, compreendemos a maneira como
essas cinco educadoras usam a TV na sua vida familiar e a repercussão desse fato na sala
de aula: a que programas assistem isoladamente ou com os filhos, os limites estabelecidos
com relação aos horários, a censura com relação a determinados programas, a preferência
por alguns canais, geralmente a Rede Globo. Concluímos que as educadoras exercem uma
importante mediação pedagógica em relação à Televisão, mas nem sempre essa mediação
contribui para uma análise crítica reflexiva em relação à TV, pois as professoras não se
aprofundam nas discussões para que os educandos possam atingir uma reflexão necessária
sobre a TV. Constatamos que todas as educadoras levam para a sala de aula a experiência
do cotidiano doméstico, quanto à audiência da Televisão.
A influência que as educadoras exercem sobre a audiência dos seus familiares é
muito forte e inclui não apenas restrições com relação a programas, mas também quanto ao
horário. Como já vimos, a Família é uma instituição social que exerce uma mediação
significativa na audiência televisiva, estabelecendo certos parâmetros que são decisivos
para a análise crítica e reflexiva sobre a televisão.
Na fala das educadoras, em um primeiro momento, elas negam a presença da
Televisão, mas depois admitem que assistem, reconhecendo o lado bom e ruim da mídia.
Essas educadoras manifestam, também, o desejo de saber como melhor utilizar a TV a
favor da Educação e reconhecem que precisam estar preparadas para lidar com as diversas
mídias.
Assistir à Televisão para as educadoras entrevistadas representa algo contrário do
que elas acreditam ser um bom comportamento para uma mulher, dona de casa, mãe,
professora, ou seja, com tantas responsabilidades. Assumir que assiste à TV, à novela, não
seria uma demonstração muito coerente de afirmar sua condição. Afinal, uma mulher, mãe
de família e educadora não pode ficar perdendo tempo com banalidades como a TV. Esta
deve ser a idéia que se encontra por trás da fala de quase todas as professoras: melhor
omitir ou mascarar suas ações e desejos, para não comprometer sua imagem.
Quanto às representações das crianças sobre Televisão na sala de aula, as
professoras fazem várias críticas, principalmente com relação aos desenhos animados,
afirmando que esses desenhos deveriam ter um conteúdo mais educativo. Elas acham que
eles exibem comportamentos agressivos que podem trazer conseqüências negativas para o
comportamento das crianças. Algumas educadoras afirmaram que assistem aos desenhos
animados para comentar com os alunos certas atitudes e comportamentos presentes na sala
de aula e que são influenciados por tais desenhos.
Quase todas as educadoras se queixam porque os alunos gostam de assistir aos
programas policiais, mas justificam essa preferência pelo fato de que muitas cenas exibidas
nesses programas se identificam com o cotidiano de alguns deles. Os preferidos são a
Patrulha Policial e o Programa do Ratinho. A grande questão das educadoras é saber qual
a função educativa desses programas. Observamos aí a preocupação das professoras com o
papel da TV como instituição educativa, que é o grande problema que se coloca para todos
os estudiosos das mídias, principalmente da Televisão nos dias atuais.
Na nossa pesquisa, ficou demonstrado que as educadoras fazem uma ligação direta
entre determinados conteúdos estudados e alguns programas exibidos na TV aberta.
Quando o aluno fala: Professora, eu já vi isso na televisão, a professora deixa que o aluno
fale sobre o que viu. Como podemos constatar no discurso das educadoras, a Televisão está
presente na prática pedagógica de todas.
Como a Família pode participar na integração da Escola com a Televisão foi uma
das últimas questões discutidas com as professoras. No discurso das educadoras,
constatamos que essa participação é muito difícil nas Escolas Públicas, uma vez que a
presença dos pais (mãe/pai) na Escola é muito pequena. Na Escola Privada, segundo elas,
essa possibilidade é viável. Na verdade, sabemos que em muitas escolas públicas as
famílias ficam distantes da Escola, seja porque estão envolvidas em trabalhos para a
sobrevivência, seja porque não atribuem muita importância à aquisição de conhecimentos.
Afirmam as educadoras que as famílias cujos filhos estudam em Escolas Particulares estão
mais comprometidas com a formação pedagógica dos filhos e acompanham de perto o
desenvolvimento escolar de suas crianças.
Problemas como drogas, violência, indisciplina entre outros, permeiam a vida das
crianças, principalmente as das Escolas Públicas. Como disse uma das educadoras: “É uma
batalha diária, uma luta constante; enfim, uma verdadeira guerra, mas nós, mesmo com
todo comprometimento, com todo amor que temos pela nossa profissão, sozinhas a gente
não consegue quase nada” (EDUCADORA 2). As professoras deixam claro que sozinhas
não são capazes de lidar com os problemas presentes na Escola, pois o problema maior é
social e político e não somente pedagógico. Qualquer projeto pedagógico, além do
envolvimento da família, precisa a participação de toda a Sociedade. Já é sabido que a
educação sozinha não consegue transformações.
Reafirmamos como dissemos no início dessa pesquisa, que a Escola, assim como a
Família, é importante mediadora das informações veiculadas pela mídia. A escola é uma
das agências mediadoras da TV, onde ocorre uma série de interações sobre a recepção da
televisão. O ambiente escolar, a atitude do professor frente à TV, o clima pedagógico, que
predomina na sala de aula, a organização escolar, tudo isto constituem elementos que
delimitam o tipo de intercâmbio que realizam os alunos, tanto dentro da sala de aula,
quanto nos espaços de recreação.
Concluímos que a relação que as educadoras estabelecem com a Televisão e a
representação que têm dela em suas vidas reflete de forma marcante na sua prática
profissional e no diálogo da mídia dentro do espaço escolar, podendo contribuir para a
reflexão crítica que os educandos estabelecem com o meio através da mediação
pedagógica.
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ANEXO A
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Identificação pessoal (nome, idade, religião).
Fale um pouco da sua família. Você é casada? Você tem filhos?
Formação profissional.
Identificação do local de trabalho (nome da (as) escola (as) onde leciona, horas
de trabalho, série, disciplina, período).
Fale um pouco da rotina em casa e no trabalho.
Qual sua atividade mais freqüente na hora de lazer?
Qual a primeira lembrança que você tem da Televisão?
Você assiste à Televisão hoje? E seus familiares? Com que freqüência?
Você conversa com sua família sobre a Televisão?
Você estabelece alguma forma de regra (ou limite) para o uso da TV em casa?
Qual o canal mais assistido?
Tem preferência por algum programa?
O que você acha das cenas de violência exibidas na Televisão?
O que você acha das cenas de sexo na TV?
Que tipo de mulher você acha que a Televisão mostra com mais freqüência?
Exemplos: a mulher mãe, a dona de casa, a amante, a mulher como objeto
sexual (padrão de beleza), a profissional, a doméstica, etc.
Você costuma comprar os produtos anunciados nas mensagens publicitárias?
Exemplo: através dos anúncios de promoção de supermercados?
Qual o telejornal a que você assiste com mais freqüência?
Você acha que eles transmitem informações importantes para a população?
Você acredita nessas informações ou procura outros meios para ter certeza da
veracidade das informações? Como o jornal impresso, por exemplo?
Quando acontece um fato importante no Brasil ou no mundo você costuma
acompanhar o andamento dos acontecimentos pela Televisão?
Você procura conversar com seus alunos sobre esses acontecimentos?
Você acha que o conteúdo transmitido pela Televisão tem mais aspectos
positivos ou negativos?
Seus alunos falam da TV em sala de aula?
Você costuma conversar com seus alunos sobre a Televisão? Você sabe o que
eles gostam de assistir? Você indica algum programa?
Você teria alguma sugestão a dar para a sua Escola sobre o uso da Televisão na
sala de aula?
A Televisão contribui ou atrapalha na sua formação como pessoa, como
profissional e como cidadã?
Você acredita que a TV contribui ou atrapalha na educação dos seus filhos? E
dos seus alunos?
Você gostaria que a Escola lhe desse alguma preparação para o uso da TV na
sala de aula? Tem alguma sugestão?
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