Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DAISY CLECIA VASCONCELOS DA SILVA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESVENDANDO PRÁTICAS,
CONSTRUINDO POSSIBILIDADES
NATAL
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
DAISY CLECIA VASCONCELOS DA SILVA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESVENDANDO PRÁTICAS,
CONSTRUINDO POSSIBILIDADES
Dissertação apresentada à Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientadora Profª. Drª. Neide Varela
Santiago
NATAL
2005
ads:
DAISY CLECIA VASCONCELOS DA SILVA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESVENDANDO PRÁTICAS,
CONSTRUINDO POSSIBILIDADES
Dissertação apresentada à Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Aprovado em _________________________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Neide Varela Santiago
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Magda Becker Soares
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
BBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBB
Prof. Dr. Walter Pinheiro Barbosa Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Denise Maria de Carvalho Lopes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Silva, Daisy Clecia Vasconcelos da.
Alfabetização de jovens e adultos: desvendando práticas construindo
possibilidades / Daisy Clecia Vasconcelos da Silva. – Nata, 2005.
174p. il.
Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Neide Varela Santiago
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-
Graduação em Educação.
1. Educação – Tese. 2. Jovens e adultos - Tese. 3. Letramento – Tese. 4.
Práticas pedagógicas - Tese. 5. Professor – Tese. I. Santiago, Neide Varela
II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 37.046 (81) (043.3)
Dedicatórias
Às minhas avós Amara Paula da Silva — in memorian — e
Paulina Francisca do Espírito Santo. Mulheres, nordestinas,
não-alfabetizadas...
À minha filha Luisa e minha sobrinha Mel, a nova geração,
frutos de outra realidade.
AGRADECIMENTOS
Porquanto fizeste do Senhor o teu refúgio, e
do Altíssimo a tua habitação,
nenhum mal te sucederá, nem praga alguma
chegará à tua tenda.
Porque aos seus anjos dará ordem a teu
respeito, para te guardarem em todos os
teus caminhos.
Eles te susterão nas suas mãos, para que
não tropeces em alguma pedra.
Salmo 91, 9 -12
Agradecimentos especiais aos anjos que Deus colocou no meu caminho:
a meus pais, Nivaldo e Nazidi que, desde meus primeiros passos me
estendem suas mãos, me apóiam, vibram com minhas conquistas, nunca me deixam
desistir da luta.
a meu irmão Gilvan, meu grande amigo, meu colaborador.
à minha filha Luisa, pelos inúmeros momentos nos quais abriu mão de minha
presença, compreendeu minhas angústias e me estendeu sua mão amiga.
à Profª Neide Varela Santiago, minha orientadora, pela acolhida, por sua
disponibilidade, paciência e apoio total em todos os momentos.
às professoras Sandra Maria Borba Pereira e Rosa Aparecida Pinheiro,
minhas ex-professoras, coordenadoras no Programa GerAção Cidadã, as
responsáveis por minha paixão pela EJA.
à Profª. Janeth Silveira Pinto, a grande responsável por minha mudança de
rumo, por minha entrada na Educação e por despertar em mim o interesse pela
pesquisa.
à professora Andréa da Silva Andrade, minha grande amiga, minha eterna
revisora de textos, companheira de projetos e jornadas por suas inúmeras
contribuições em minha vida profissional.
à grande amiga, filha de coração, Maria Isabel de Medeiros Brito, por sua
indispensável colaboração, sem ela esse trabalho teria sido muito mais árduo.
à direção, equipe técnica, professores e demais servidores da Escola
Municipal Irmã Arcângela pela acolhida e total apoio.
à professora Maria do Carmo Angélia dos Reis, por sua incomparável
disponibilidade e cooperação em todos os momentos dessa pesquisa.
aos alunos da turma do primeiro nível 1-2004 da Escola Municipal Irmã
Arcângela, pela acolhida, carinho, colaboração e incontáveis momentos de
aprendizagem que me proporcionaram.
às amigas Sandra Trigueiro, Adriana Chagas e Karla Roriz, minhas
companheiras do Centro Educacional Maristella, que acompanharam e me apoiaram
em meu percurso pela pós-graduação.
aos companheiros do Centro Educacional Maristella — direção, equipe
técnico-pedagógica e professores, pois cada um, dentro de suas especificidades,
colaborou com minha formação enquanto educadora.
às amigas Maria Betânia, Tadeuza e Ana Paula, minhas companheiras de
disciplinas e seminários na pós-graduação. Durante todo período de curso dividimos
nossas dúvidas, angústias e vitórias.
aos professores do PPGEd, Adir Luiz Ferreira, Denise Carvalho, Francisco de
Assis Pereira, Jefferson Fernandes Alves, João Maria Valença de Andrade, José
Pereira, Lúcia de Araújo R. Martins, Márcia Maria Gurgel Ribeiro e Maria Estela
Campelo, por suas inúmeras contribuições no desenvolvimento deste trabalho.
às companheiras de coordenação no Programa GerAção Cidadã – Reduzindo
o Analfabetismo, Ana Karla Varela, Jalmira Linhares Damasceno, Patrícia Karla
Macedo e Giovana Melo, por suas incontáveis colaborações.
aos amigos Frederico e Elisângela Muthz e ao pequeno Yuri, pois mesmo
estando tão distantes passaram toda sua força e amizade durante este e outros
períodos de minha vida.
E, principalmente, a Deus por ter colocado todas essas pessoas-anjos no
meu caminho.
Nenhuma ação educativa pode prescindir
de uma reflexão sobre o homem e de uma
análise sobre suas condições culturais.
Não há educação fora das sociedades
humanas e não há homens isolados.
(Paulo Freire).
RESUMO
O compromisso dessa pesquisa volta-se para a compreensão das práticas
pedagógicas desenvolvidas na alfabetização de jovens e adultos, bem como se
propõe a construir caminhos na busca de práticas que levem em conta as
especificidades dos alunos dessa modalidade de ensino. Os aportes teóricos que
nos guiaram nessa busca foram os estudos acerca de alfabetização na perspectiva
do letramento, nos quais a escrita é vista como um sistema de representação, dessa
forma o processo de alfabetização tem como objetivo a apropriação da escrita em
toda sua complexidade e usos sociais. Para o desenvolvimento desta pesquisa o
direcionamento metodológico assume as premissas da pesquisa qualitativa do tipo
etnográfico a fim de possibilitar o conhecimento da realidade a partir da sua vivência
cotidiana. Nesse sentido, foram observadas as atividades desenvolvidas pelos
partícipes da pesquisa e também realizadas entrevistas e questionários com o
objetivo de um melhor conhecimento a respeito da realidade que os cerca. Tendo
em vista as características de nossa pesquisa e a construção de nossos dados
através de registros oriundos de observações e também registros verbais,
encontramos na teoria da análise de conteúdo, mais especificamente na análise
temática a fundamentação necessária para realizarmos nossas análises. Os dados
construídos e analisados nos apontam caminhos pelos quais torna-se possível
realizarmos um trabalho de alfabetização que possa efetivamente contribuir na
construção do conhecimento pelo aluno jovem e adulto, respeitando suas
especificidades e anseios.
Palavras-chave: Educação, jovens e adultos, letramento, práticas pedagógicas.
Professor.
ABSTRACT
The compromise of this research intend to the understanding of the pedagogic
practices developed in the literacy of youths and adults, as well as you intends to
build paths in the search of practices that faces the students' assigns of this teaching
modality. The theoretical approach that guided us in this search was the studies
concerning literacy in the perspective of the literate, which ones the writing is seen as
a representative system, in this way the literacy process has as objective the
appropriation of the writing in all your complexity and social usages. For the
development of this research the methodological course assumes the premises of
the qualitative research of the ethnographic type in order to make possible the
knowledge of the reality starting from your daily existence. In this sense, were
observed the activities developed by the participants of the research and also
accomplished interviews and questionnaires with the aim of a better knowledge
concerning the reality that surrounds them. Concerning the characteristics of our
research and the construction of our data through registers originating from
observations and also verbal results, we found in the content analysis theory, but
specifically in the thematic analysis, the necessary recital to accomplish our
analyses. The built and analyzed data point us paths for which ways it becomes
possible realize a literacy labor that indeed can contribute in the construction of the
knowledge for the young and adult student, respecting your specificities and wishes.
Key-words: Education, youths and adults, literacy, pedagogic practices, teacher
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto1- Painel com atividades dos alunos 13
Quadro 1. Os níveis de conceptualização da escrita de
alfabetizandos na perspectiva de Emília Ferreiro
25
Quadro 2. Informações gerais 45
Quadro 3. Experiência escolar anterior 45
Foto 2. Sala de aula em março de 2004 55
Foto 3. Sala de aula em novembro de 2004 55
Foto 4. Trabalhando em equipe 71
Foto 5. Primeiro semestre, início de uma aula, no momento da
explicação de uma atividade 73
Quadro 4. Atividades realizadas no ano letivo de 2003 104
Foto 6. Lendo o jornal 111
Foto 7. Lendo o jornal 111
Foto 8. Trabalho em grupo 112
Foto 9. Construindo um painel 114
Foto 10. Dia das Mães 154
Foto 11. Dia das Mães 154
Foto 12. São João, casamento matuto 155
Foto 13. Comemoração dos aniversários do segundo semestre 155
Foto 14. Dia do Estudante 156
Foto 15. Encerramento do ano letivo, confraternização natalina 156
SUMÁRIO
1 – APRESENTAÇÃO 13
2 - CONSTRUINDO CAMINHOS: METODOLOGIA 35
2.1 - TRILHANDO CAMINHOS: DIRECIONAMENTO METODOLÓGICO 36
2.2 - CAMINHOS CONSTRUÍDOS: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 42
2.3 - NOSSA ESTRADA: ANÁLISE DOS DADOS 66
3 - PERCORRENDO CAMINHOS: A SALA DE AULA 71
3.1 - O COTIDIANO DA SALA DE AULA: O QUE É, COMO ACONTECE 72
3.2 - PROFESSORA E ALUNOS: UMA RELAÇÃO CONSTRUÍDA 96
3.3 - DOCENTES EM AÇÃO: CONSTRUINDO POSSIBILIDADES 101
4 - DESVENDANDO CAMINHOS: (RE)CONHECENDO O EDUCANDO 114
4.1 - O EDUCANDO COMO SUJEITO DE APRENDIZAGEM 115
4.2 - ADULTOS-NÃO ALFABETIZADOS: PARTICULARIDADES DE
COMPREENSÃO 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
133
REFERÊNCIAS
144
ANEXOS
150
13
1- APRESENTAÇÃO
Foto1: Painel com atividades dos alunos
A Educação de Jovens e Adultos é um tema
marginal nas pesquisas, na produção do
material, na concepção de currículos e
programas específicos. Sem envolvimento
efetivo da Universidade, de professores, de
pesquisadores no campo da Educação de
Jovens e Adultos, passaremos a ser aqueles
eternos experimentadores que já somos [...],
obrigados a entrar na sala de aula sem
nenhuma base específica de formação, sem
materiais específicos necessários para isso.
(Sérgio Haddad).
14
O compromisso dessa pesquisa volta-se para a compreensão das práticas
pedagógicas desenvolvidas na alfabetização de jovens e adultos
1
, bem como se
propõe a construir caminhos em busca de práticas pedagógicas que levem em conta
as especificidades dos alunos dessa modalidade de ensino.
A escolha deste tema prende-se com nossa experiência profissional, iniciada
no ano de 2001 quando assumimos a coordenação pedagógica de turmas de
alfabetização de alunos do então Projeto Redução do Analfabetismo, hoje Programa
GerAção Cidadã – Reduzindo o Analfabetismo, uma parceria entre a Prefeitura
Municipal do Natal, através de sua Secretaria de Educação, e a Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Em nossas visitas às turmas percebíamos práticas
pedagógicas infantilizadoras, que tratavam a aprendizagem da leitura e da escrita
como algo mecânico, com um fim em si mesmo. Constatar esses fatos nos levaram
a inquietações diversas.
Nesse contexto, percebemos a necessidade de um maior aprofundamento na
Educação de Jovens e Adultos e suas práticas que, segundo nos mostra Haddad
(2001), representam apenas 3% ou 4% de toda produção de conhecimento na área
educacional. Esse fato nos leva a crer que a Educação de Jovens e Adultos,
doravante denominada E.J.A., demonstra estar sendo relegada a um plano
secundário, tanto no que diz respeito às políticas públicas quanto à produção
científica.
Como conseqüência da pouca produção de conhecimento em E.J.A., ficamos
com várias questões em aberto: Como se dá o processo de aquisição da leitura e
1
Modalidade da educação básica que atende a pessoas acima de 15 anos.
15
da escrita pelo adulto?
É similar ao que ocorre com a criança? Passará o adulto pelas mesmas
etapas? O fato de o aluno jovem e adulto estar inserido em uma sociedade letrada
interfere no processo de aquisição da escrita? Que fatores podem facilitar essa
aquisição, ligados ao mundo juvenil e adulto? Quais práticas pedagógicas serão
adequadas a essa modalidade da educação básica?
Na expectativa de encontrarmos respostas às nossas dúvidas, seguimos
nosso caminho na direção da pesquisa educacional.
A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
Acreditamos que um dos caminhos para compreendermos a razão pela qual
as questões anteriormente citadas ainda permanecem abertas, está na trajetória
histórica da Educação de Jovens e Adultos em nosso país.
No Brasil, a educação para esse segmento tem sido caracterizada como
produto da miséria social (HADDAD, 2001) e, assim o sendo, constitui-se de uma
educação para as camadas populares. Arroyo (2001) comenta que a educação
popular nasce e se alimenta de uma variedade de projetos de EJA, que tem sua
história muito mais dificultada do que a educação básica. Dessa forma, verificamos
que a E.J.A. se constitui historicamente em nosso país por projetos descontínuos,
paralelos ao sistema de ensino elementar implementados pelo governo, projetos
comunitários orientados por órgãos e organizações não-governamentais e uma
16
institucionalização que não atende às reais necessidades do grupo social a que se
destina.
Após a revolução de 1930, tivemos, com as mudanças políticas e
econômicas, o início da consolidação de um sistema público de educação básica no
Brasil. Nos estudos de Moura (1999) é destacado que a década de 40 pode ser
considerada como um período áureo para a educação de adultos, pois durante este
período ocorreram várias iniciativas pedagógicas importantes no setor público,
dentre elas:
x regulamentação do FNEP – Fundo Nacional do Ensino Primário (1942), cujo
objetivo era o de ampliar a educação primária, incluindo o ensino supletivo para
adolescentes e adultos;
x criação do INEP – Fundo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais;
x lançamento da CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
(1947);
x realização do I Congresso Nacional de Educação de Adultos (1947), e do
Seminário Interamericano de Educação de Adultos (1949).
Após um período de êxito nos primeiros anos, a CEAA, que teve grande
importância como fornecedora de infra-estrutura a estados e municípios para a EJA,
entrou em um momento de declínio (SOARES, L., 1996), fato este que incentivou ao
Ministério da Educação a organizar, em 1958, o II Congresso Nacional de Educação
de Adultos. Nesse congresso, que contou com a presença de Paulo Freire (1921-
1997), discutiu-se, além da inadequação dos métodos de ensino e da falta de
qualificação profissional do professor de adultos (SOARES, L., 1996), a
implementação de um programa permanente, que vislumbrasse a EJA a partir de
uma visão das causas do analfabetismo. Consolidando essa idéia, surgiu o Plano
17
Nacional de Alfabetização
2
, dirigido por Paulo Freire e extinto pelo golpe militar em
1964.
Temos em Paulo Freire um divisor de águas na história da E.J.A. em nosso
país. A partir de suas idéias e proposições, as reflexões e as práticas na área
passam a ter um referencial próprio. A concepção de que o analfabeto nada sabe,
devendo o professor preencher este vazio, passa a ser substituída por uma nova
concepção sobre alfabetização, vista “[...] como um ato político e um ato de
conhecimento, por isso mesmo como um ato criador [...]. Enquanto ato de
conhecimento e ato criador, o processo de alfabetização tem, no alfabetizando o seu
sujeito [...]” (FREIRE apud MOURA, 1999, p.58).
Com o golpe militar, princípios norteadores como conscientização e
participação foram abolidos do ideário da E.J.A. que, anteriormente caminhava junto
à educação popular. Durante o regime militar criaram-se novas campanhas de
alfabetização. Dessas podemos destacar a Cruzada do ABC (Ação Básica Cristã) e,
posteriormente, o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) que, longe de
prosseguir o que era realizado anteriormente, centralizou as iniciativas, restringindo
o conceito de alfabetização “como um processo de aquisição de uma técnica de
decodificação oral (para escrever) e de decodificação escrita (para ler)” (MOURA,
1999, p.33).
Com a redemocratização brasileira que instituiu a Nova República, o
MOBRAL foi extinto e, em seu lugar foi criada a Fundação Educar, que tinha como
funções: fomentar o atendimento às séries iniciais do 1º grau (hoje Ensino
2
O Ministério da Educação previu a alfabetização de cinco milhões de adultos num prazo de dois
anos. (PAIVA, 2003, p.284)
18
Fundamental), produzir material e fazer a avaliação de atividades para EJA.
Após a promulgação da nova carta constituinte, em 1988, é apresentado o
novo projeto de lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei nº1.258/88 e, pela
primeira vez na história da educação brasileira a E.J.A. passa a integrar-se ao
sistema regular de ensino.
Apesar de toda essa trajetória, a E.J.A. ainda permanece muito distante do
ideal desejável, pois, além dos problemas relativos às políticas públicas — ausência,
direcionamento inadequado, descontinuidade, entre outras —, temos, como já foi
exposto anteriormente, a pouca produção de material na área e, conseqüentemente,
diversos outros problemas vinculados ao aspecto didático-metodológico.
Inúmeras questões permanecem desafiando sua superação, tais como: a
infantilização dos recursos e atividades, bem como do espaço escolar e o ambiente
alfabetizador. O não aproveitamento da experiência prévia e da cultura do aluno da
E.J.A. como conteúdo de aprendizagem, o desrespeito à especificidade de
aprendizagem do aluno adulto, além da inadequação da linguagem didática utilizada
pelo professor-alfabetizador; da interação professor-aluno e da utilização de
métodos e procedimentos.
Referido por Moura (1999), os estudos sobre a alfabetização de jovens e
adultos começaram a reformular-se de maneira mais crítica no começo da década
de 80. As duas formas existentes até então, o modelo tradicional e as formulações
freireanas, passaram a ser avaliadas e revisadas de tal modo que possibilitaram o
surgimento de novas contribuições que ajudassem a aumentar as perspectivas de
outros métodos teórico-práticos.
Essas contribuições podem ser exemplificadas através das experiências
realizadas sobre o processo de alfabetização de adultos por Ferreiro e
19
colaboradores (1983) — Los adultos no-alfabetizados y sus conceptualizaciones
del sistema de escritura.
Esta investigação foi guiada pelas questões
teóricas mencionadas anteriormente, mas
também por uma inquietação pedagógica:
não será possível considerar uma ação
alfabetizadora que tome como ponto de
partida o que os adultos sabem, ao invés de
partir do que ignoram? Não será, por acaso,
nossa própria ignorância acerca dos sistemas
de concepções destes adultos que nos levam
a tratá-los como se fossem ignorantes? O
respeito para com a pessoa analfabeta não
deixa de ser um enunciado vazio quando não
sabemos o que é que temos que respeitar.
Conhecer o adulto, para que esse respeito
também seja um respeito intelectual, nos
parece essencial para guiar qualquer ação
pedagógica que tenha a intenção de partir do
que o sujeito já tenha construído por si
mesmo, antes dessa ação. (FERREIRO,
1983, p. 2-3)
Conforme é apontado por Ferreiro (1983), essas experiências tiveram como
objetivo possibilitar importantes mudanças pedagógicas. Vemos que, ainda hoje,
servem de base para reflexões, reavaliações e modificações de atitudes em relação
às práticas alfabetizadoras. Os resultados apontados pela referida pesquisa
subsidiaram as observações, intervenções, reflexões e análises realizadas para o
desenvolvimento dessa dissertação.
Nesse sentido, acreditamos que para uma melhor compreensão às análises
3
Livre tradução: Daisy Clecia Vasconcelos da Silva.
20
realizadas das situações de sala de aula observadas ao longo dos dez meses de
trabalho de campo, faz-se necessário clarificar qual conceito de alfabetização
norteou nossa pesquisa.
Escrita, alfabetização e letramento
[...] o objetivo da alfabetização é que o aluno
se aproprie da língua escrita em todos os
seus usos e em todos os seus níveis de
complexidade. (Campelo).
Mas, afinal como conceituar alfabetização? Qual o conceito de letramento? O
que difere alfabetização de letramento? O que devo fazer para alfabetizar? Esses
foram os principais questionamentos apontados pela professora-participante de
nossa pesquisa no momento de nossa conversa inicial.
A alfabetização, a leitura e a produção textual têm sido alvo de grandes
discussões por parte dos estudiosos da Educação, na medida em que há muitos
anos se observam dificuldades de aprendizagem e altos índices de reprovação e
evasão escolar, problemas esses vinculados com o processo de alfabetização inicial.
Nesse texto pretendemos situar quais concepções, resultado de inúmeras
discussões e pesquisas, acerca de alfabetização e letramento tomaremos como
base em nossas análises.
Para tanto, devemos igualmente situar qual concepção de escrita norteará
nossas reflexões. Sobre a importância pedagógica acerca da maneira pela qual
concebermos a escrita, Ferreiro (
2001a, p.10) nos alerta:
21
A escrita pode ser concebida de duas formas muito diferentes e,
conforme o modo de considerá-la, as conseqüências pedagógicas
mudam drasticamente. A escrita pode ser considerada como uma
representação da linguagem ou como um código de transcrição
gráfica das unidades sonoras. [...].
Consideramos a escrita como um sistema de representação, um “produto
cultural por excelência” (TFOUNI, 1988, p.10), um objeto substituto, diferente da
linguagem oral e não a mera transcrição desta. Nesse sentido Ferreiro (2001a, p.12),
nos aponta que “a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de
um sistema de representação, não um processo de codificação”. De acordo com
diversos autores, dentre eles Ferreiro (1983, 1995, 2001a, 2001b, 2001c, 2003),
Freire (1983, 2005), Bajard (2002), Touni (1998, 2002), a aquisição do sistema de
escrita não deve ser restrita apenas a técnicas de codificação/decodificação do
sistema e sim promover a reflexão e o uso da multiplicidade de funções da mesma.
Sob essa perspectiva, o objetivo primordial da alfabetização será a compreensão da
estrutura do sistema alfabético. Diante dessa constatação, encontramos a
concepção freireana acerca da alfabetização:
[...] a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de
técnicas para escrever e ler. Com efeito, ela é o domínio dessas
técnicas em termos conscientes. É entender o que se lê e escrever o
que se entende. É comunicar-se graficamente. É uma incorporação.
Implica não em uma memorização mecânica das sentenças, das
palavras, das sílabas, desvinculadas de um universo existencial —
coisas mortas ou semimortas —, mas uma atitude de criação e
recriação. [...] (FREIRE, 2005, p.72)
22
Com base em nossas leituras, percebemos que, para Ferreiro (1983, 1995,
2001a, 2001b, 2001c, 2003) e Freire (1983, 2005) não há uma clara distinção entre
alfabetização e letramento, pois ambos colocam em evidência o uso social da língua
escrita. Todavia, diversos autores colocam a questão do letramento como um
processo inconcluso, mais amplo que o processo de alfabetização, no qual o sujeito,
por meio de inúmeras agências — dentre elas a escola — e inúmeros eventos, vai
se apropriando do uso social da língua escrita.
Nos estudos de Tfouni (1988) é destacado que alfabetização e letramento
são processos interligados, porém dissociados em relação a sua natureza e
abrangência. Dessa forma poderíamos considerar o letramento como um processo
mais amplo, na medida que valoriza as práticas sociais, da leitura e da escrita.
Em relação ao conceito de letramento, Soares,M. (2003b, p.71) nos alerta
que “é uma variável contínua, e não discreta ou dicotômica” , o que nos faz perceber
quão tênue é a diferença entre os conceitos alfabetização e letramento. Sob o
olhar de Kleiman (1995, p. 19) vemos que letramento é “um conjunto de práticas
sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em
contextos específicos, para objetivos específicos.” Corroborando com Kleiman
(1995), Soares, M. (2003b, p.65-66) indica que “o letramento cobre uma vasta gama
de conhecimentos, habilidades, capacidade, valores, usos e funções sociais[...]”, e
completa afirmando que “é visto como um fenômeno cultural, um conjunto de
atividades sociais que envolvem a língua escrita, e de exigências sociais de uso da
língua escrita [...].”
Podemos observar que, por essas perspectivas a diferença entre os conceitos
de alfabetização e letramento são extremamente sutis. No sentido de clarificar essa
discussão, Durante (1988, p. 25) indica que “a alfabetização (domínio do sistema
23
alfabético) constitui um tipo de prática de letramento. Entendo o letramento como um
conjunto de práticas sociais que se utilizam da escrita,[...]”.
Consideramos que, para o desenvolvimento de uma prática alfabetizadora
que veja no educando o sujeito do processo de aprendizagem, faz-se necessário
que o educador compreenda a alfabetização como processo que vai muito além de
decodificação — aquisição do código lingüístico. Isto significa dizer que estar
alfabetizado é atribuir significado e sentido às funções sociais vinculadas à leitura e
a escrita. No sentido de compreender o processo de construção da escrita e estar
em condições de planejar atividades que possam colaborar para a aquisição da
língua escrita em toda sua complexidade e funções sociais, acreditamos ser de
grande importância que o educador conheça os níveis de construção da escrita
descritos por Ferreiro e Teberosky (1999).
Níveis de construção da escrita
Conhecer a psicogênese da alfabetização
não implica, portanto, permanecer estático, à
espera do aparecimento do próximo nível
(Emília Ferreiro).
Psicogênese da Língua Escrita (1999), foi o resultado do trabalho de Emília
Ferreiro e Ana Teberosky, cujo objeto de pesquisa foi a construção da escrita pela
criança. Nesse livro, as autoras descrevem, a partir das intervenções realizadas, o
processo pelo qual passam as crianças, suas hipóteses e conflitos cognitivos
enfrentados até a apropriação do conhecimento. Ressaltamos que, o termo
24
hipótese é utilizado por Ferreiro num sentido amplo, “para se referir a idéias ou
sistemas de idéias elaborados [...] a fim de explicar a natureza e o modo de
funcionamento de um determinado objeto conhecido”.(FERREIRO, 2001c, p.22)
Motivada pela pesquisa junto às crianças, Ferreiro (1983) desenvolveu
ainda, uma pesquisa, na cidade do México, com pais analfabetos, residentes em
ambiente urbano, buscando identificar também seu processo de aquisição da leitura
e escrita. Ao descrever o processo através do qual a criança e o adulto identificam a
natureza alfabética da escrita, Ferreiro (1983, 1999) contribui para:
x que o alfabetizador identifique o nível no qual se encontra a concepção de
produção escrita pelo aluno, conseqüentemente este terá melhores condições de
escolher atividades de ensino que estimulem a necessária construção de hipóteses
pelo aluno de modo ativo e participativo;
x uma melhor compreensão da mediação desenvolvida pelo alfabetizador entre o
sujeito (aluno) e o objeto (leitura/escrita), superando as contradições e limitações
das posturas de alfabetização, à dinâmica processual no interior da sala de aula.
Uma longa caminhada constitui a construção da escrita pelo educando, cujas
etapas descritas por Ferreiro e Teberosky (1999), serão apresentadas em seguida.
Para tanto, seguiremos a classificação mais atual dos níveis da psicogênese
descritos por Ferreiro (1995), quando a pesquisadora reorganiza as etapas em três
grandes níveis, com seus subseqüentes sub-níveis. Uma visão geral dessa
organização poderá ser visualizada no quadro 1.
25
Quadro 1: Os níveis de conceptualização da escrita de alfabetizandos na perspectiva de
Emília Ferreiro.
- Fonetização da
Escrita
3
E
S
C
R
I
T
A
S
D
O
N
Í
V
E
L
SUB-NÍVEL
FONÉTICO 2
SUB-NÍVEL
FONÉTICO 3
ESCRITA
SILÁBICO-
ALFABÉTICA
ESCRITA
ALFABÉTICA
HIPÓTESE
SILÁBICO-
ALFABÉTICA
HIPÓTESE:
ALFABÉTICA
- Diferenciações
inter-figurais
H
I
P
Ó
T
E
S
E
P
R
É
S
I
L
Á
B
I
C
A
E
S
C
R
I
T
A
S
D
O
N
ÍV
E
L
ESCRITA
DIFERENCIADA
INTER-FIGURAL
Qualitativa
Quantitativa
2
- Distinção entre as representações icônica
e não-icônica
- Diferenciações intra-figurais
1
E
S
C
R
I
T
A
S
D
O
N
ÍV
E
L
ESCRITA
DIFERENCIADA
INTR
-FIGURAL
Qualitativa
Quantitativa
ESCRITA
INDIFERENCIADA
SUB-NÍVEL
FONÉTICO 1
HIPÓTESE
SILÁBICA
ESCRITA
SILÁBICA
Criação: Profª Drª Mª Estela Campelo - UFRN
Apoio Técnico: Andréa Campelo
26
1 - Primeiro Nível — Hipótese Pré-silábica
Nesse nível o alfabetizando faz a distinção entre o modo de representação
icônico e não-icônico, considera as letras como objetos substitutos, faz relação entre
desenho e escrita.
A - Grafismos primitivos - garatujas
Características:
x repetição do mesmo sinal gráfico – escritas unigráficas;
x pseudo-letras, sinais gráficos arbitrários;
x o sujeito não diferencia o desenho da escrita;
x Hipótese do nome: na escrita estão apenas os nomes dos objetos, das pessoas;
x não há critério de quantidade do número de sinais gráficos que uma palavra pode
conter. Uma palavra pode preencher uma linha inteira.
B - Escritas fixas – Quantidade e repertório fixo de grafias
Características:
x uma mesma série de grafias vai compor uma palavra;
x uma mesma escrita serve para diferentes palavras;
27
x uma só letra, geralmente a letra inicial do nome próprio, pode significar o nome
completo;
x poderão ser usados números ou letras para escrever palavras.
C - diferenciação intra-figural
Características:
x Hipótese da quantidade mínima: uma palavra deve ter um número mínimo de
grafias para poder ser lida.
x Hipótese da variedade de grafias: a palavra não tem letras repetidas. Se a escrita
tem o tempo todo a mesma letra, não pode ser lida.
2 – Segundo Nível — Hipótese Pré-silábica
Nesse nível, o educando inicia a compreensão da estabilidade da escrita das
palavras, ou seja, verifica que uma palavra é escrita sempre da mesma maneira
com as mesmas letras e numa mesma ordem.
A - Diferenciação quantitativa inter-relacional não-sistemática
x O sujeito estabelece seus critérios de diferenciação entre as letras para formar
uma palavra
28
x Essas diferenciações acontecerão de acordo com critérios externos escolhidos,
em relação a um ponto externo não-estável pelo alfabetizando, ou seja de maneira
não-sistemática (FERREIRO, 1995).
B - Diferenciação da escrita de uma palavra para outra de significado diferente -
interfigural
x O sujeito pode primeiro tentar modificar uma palavra da outra, mudando a
quantidade de sinais gráficos entre eles, de tal modo que fiquem de tamanhos
diferentes
x Hipótese do realismo nominal: é preciso colocar mais letras para objetos grandes.
O nome das pessoas é proporcional ao tamanho ou idade delas.
C - Diferenciação qualitativa inter-relacional não-sistemática
x O repertório de grafias conhecidas geralmente é limitado nesse nível. São
utilizadas principalmente, as letras das palavras significativas já aprendidas e
memorizadas globalmente, como o nome próprio e outras.
3. Terceiro Nível — Fonetização da Escrita
Nesse nível encontraremos três sub-níveis: silábico, silábico-alfabético e
alfabético.
29
A - Hipótese Silábica
Características:
x Descoberta da relação som-grafia. Não é apenas a letra inicial que tem valor
sonoro, mas a palavra toda.
x A escrita está ligada à linguagem enquanto pauta sonora, com propriedades
específicas, diferentes do objeto referido.
x O sujeito não se atém mais apenas na construção global da palavra, preocupa-se
antes com as partes.
x Qualquer letra pode servir para representar qualquer som.
x Na oração, o sujeito pode escrever uma palavra inteira representada por um sinal
gráfico apenas.
x A segmentação das palavras e das sílabas pode não corresponder ainda à
segmentação convencional.
Observações importantes:
x É preciso acompanhar e observar a ação do aprendiz enquanto constrói o seu
conhecimento sobre a escrita. Observar como escreve e lê sua produção escrita. No
nível silábico, é preciso pedir ao sujeito para ler logo depois que escrever,
apontando com o dedo cada parte da palavra;
x Palavras aprendidas globalmente, ou escritas pelo adulto estão em contradição
com a hipótese silábica: o adulto sempre põe mais letras.
30
x O abandono da hipótese silábica não se faz de imediato. Os conflitos vão
desestabilizando progressivamente a hipótese silábica.
x Nesse nível o aluno pode escrever o que desejar, mas suas produções não
poderão ser lidas pelos outros. Essa impossibilidade de leitura de seus escritos
estabelece também um conflito que o move ao nível alfabético.
x Num estágio mais avançado da hipótese silábica, o sujeito passa a usar valores
sonoros estáveis, sistematicamente, utilizando os valores sonoros convencionais,
fazendo uso de vogais ou consoantes correspondentes, por exemplo, podendo
escrever cavalo de duas maneiras: CVL ou AAO.
B - Hipótese Silábica-Alfabética
Características:
x O sub-nível (hipótese) silábico-alfabético é a transição entre o silábico e o
alfabético, coexistindo as duas formas.
x O sujeito acrescenta mais letras a cada sílaba oral.
x As letras podem ou não ter valor sonoro convencional.
C - Hipótese Alfabética
Características:
x O sujeito escreve foneticamente, ou seja, escreve como fala.
x O aluno vai descobrindo as convenções ortográficas, regras e exceções.
31
x Descoberta que a sílaba pode ter uma, duas, três, quatro, cinco letras.
x Descoberta de que não há uma regularidade absoluta na correspondência som-
grafia.
x Descoberta da segmentação convencional entre as palavras da oração.
Como dito anteriormente, a primeira pesquisa de Emília Ferreiro em relação
à construção da escrita ocorreu com crianças. Alguns anos depois realizou a mesma
pesquisa com adultos não-alfabetizados. Nessa segunda pesquisa também foi feita
uma comparação entre crianças e adultos, da qual Ferreiro (1983) concluiu que:
1. Os adultos manifestam as mesmas hipóteses de quantidade mínima e de
variedade interna que já conhecemos em crianças
2. Manifestam a mesma diferenciação entre o que está escrito e o que se pode ler.
3. Apresentam as mesmas dificuldades para manejar as relações entre o todo e as
partes ao nível da palavra escrita, dentre outras;
4. Também é correto afirmar que nem todos os níveis de conceituação identificados
nas crianças são encontrados nos adultos. Os níveis mais primitivos (pré-silábico)
estão praticamente ausentes.
A autora finaliza alertando-nos que o fato de ter sido realizada uma
comparação entre adultos e crianças não nos autoriza a tirarmos conclusões, a
deduzir que adultos não-alfabetizados têm déficits intelectuais, pouca capacidade de
abstração, deficiências lingüísticas ou de qualquer outro tipo. As dificuldades
epistemológicas que devem ser superadas durante o processo de construção da
escrita eram insuspeitas precisamente porque se visualizava esta aquisição como
um lucro instrumental e não como um autêntico processo de conhecimento.
Podemos perceber que escrever é muito mais do que juntar letras ou
transcrever a linguagem oral para a linguagem escrita. É um processo continuo, uma
32
construção progressiva, o que não significa dizer que essa construção ocorre de
forma linear.
Quando tratamos de conceituar os níveis de construção da escrita, não
queremos que o alfabetizando fique rotulado, classificado, pois de nada nos serve
sabermos que fulano de tal tem escrita pré-silábica se não fizermos nada para
que ele possa avançar rumo à escrita alfabética. Acreditamos que, ao compreender
o caminho (processo) pelo qual o adulto não-alfabetizado percorre na construção de
seu conhecimento, o professor-alfabetizador terá condições de auxiliá-lo, planejando
ações/atividades que possam ajuda-lo a avançar de um nível ao outro.
A dissertação
Com esse aporte teórico, orientamos nossas observações, momentos de
estudo com a professora-participante e posteriormente nossas análises acerca das
atividades observadas.
Para expormos nossas idéias e conclusões, dividimos este trabalho em quatro
capítulos descritos a seguir:
Nesse primeiro capítulo apresentamos de forma sucinta as bases teóricas que
servem de apoio às nossas análises posteriores. Optamos por realizar o
aprofundamento teórico paralelamente às descrições e análises das situações
observadas com o objetivo de tornar a leitura mais simples e prazerosa.
No segundo capítulo trataremos dos caminhos percorridos no
desenvolvimento de nossa pesquisa para a construção dos dados a serem
analisados. Dessa forma, acreditamos proporcionar ao leitor um panorama geral de
nossa caminhada.
33
Destacamos nossa opção metodológica — a pesquisa qualitativa do tipo
etnográfico, que possibilita ao pesquisador um maior envolvimento com o objeto
pesquisado; o espaço físico e os atores envolvidos: professora e alunos. Tal método
também proporciona a pesquisadora uma melhor interação com os procedimentos
utilizados na construção dos dados: entrevista, questionário, observação direta e
participante e os encontros de formação com a professora-participante.
Possibilitamos, outrossim, uma visão acerca do tipo de análise que será
realizada — análise de conteúdo com a técnica da análise temática — e as
categorias de análise definidas por nós para o seu desenvolvimento.
No terceiro capítulo abordaremos o cotidiano da sala de aula: suas rotinas e
suas peculiaridades. Teremos a oportunidade de conhecermos o desenrolar das
aulas e as reações dos alunos e professora às situações ocorridas. No transcorrer
deste capítulo iremos descrever as situações observadas e/ou vivenciadas,
buscando realizar nossas análises fundamentadas nas diversas leituras realizadas
— interlocuções teóricas — realizadas ao longo desde trabalho.
Este capítulo tem como objetivo apontar algumas singularidades de uma
sala de aula da Educação de Jovens e Adultos. Nosso percurso iniciou-se pelo
planejamento e execução das atividades, passando pela relação construída entre
professora e alunos, concluímos apresentando o resultado de nossa ação conjunta
— professora-participante e professora-pesquisadora atuante no campo de
investigação.
No quarto capítulo está o aluno. Como se dá a relação aluno x práticas
pedagógicas? Essa foi a pergunta norteadora do item: o educando enquanto sujeito
da aprendizagem. Vimos que, em relação ao aluno adulto atendido por outras
modalidades de ensino, o adulto atendido pela E.J.A. possui características
34
específicas, dessa forma, o trabalho pedagógico, mesmo sendo norteado pelas
premissas andragógicas deve ser adequado a essa clientela.
Estaremos observando as peculiaridades de alguns de nossos alunos.
Teremos a oportunidade de analisarmos, à luz de autores como Levy (2001), Tfouni
(1988) e outros, que mecanismos cognitivos permeiam a lógica construída por eles
na solução de problemas, compreensão do sistema de escrita e sua relação com
esse objeto de conhecimento.
35
2 - CONSTRUINDO CAMINHOS: METODOLOGIA
A
beleza não está na partida nem na
chegada, mas na travessia
(Guimarães Rosa).
36
2.1 - Trilhando Caminhos: direcionamento metodológico
O conhecimento científico não nasce pronto,
se produz. O sujeito precisa conhecer a
existência do objeto e dominá-lo. Portanto,
para que isso ocorra, o pesquisador necessita
definir o caminho a ser seguido para chegar
ao final da viagem com novas descobertas
científicas (Margarida Balestro).
Durante a construção de nosso objeto, umas de nossas principais
inquietações eram justamente acerca de qual direcionamento metodológico
deveríamos dar a nossa pesquisa; qual o tipo de pesquisa que melhor se adequaria
a nossas proposições; como conseguiríamos alcançar nossos objetivos. A reflexão
fez-se presente nesse momento, e assim, surgiram questões como: Qual o melhor
caminho metodológico de pesquisa, relacionando-o com a sua pergunta de partida,
problemática e outras inquietações? Com essas dúvidas percorremos diversos
autores, sempre com o objetivo de compreendermos qual o melhor caminho a
seguir. Após diversas leituras percebemos que a presente pesquisa utiliza-se dos
métodos das ciências sociais, assume premissas da abordagem qualitativa, mais
especificamente a pesquisa etnográfica, uma vez que a “vivência no campo de
pesquisa constitui-se no próprio método de investigação” (MOITA, 1997, p.66), com
caráter participante e colaborativo.
Nos fenômenos e processos sociais existe um sentido subjetivo, pois o
objeto das ciências sociais é histórico, com configurações muito específicas das
sociedades humanas no passado, presente e futuro. Ressalta-se que nas ciências
37
sociais existe uma identidade entre sujeito e objeto. Nesse sentido, trabalhar com
pessoas implica envolver razões culturais, de classe ou faixa etária que promovem
uma identidade entre investigador e investigado (MINAYO, 1994).
Apesar da investigação qualitativa na educação só ter sido reconhecida
recentemente, esta possui uma longa tradição nas pesquisas sociais. Foi na área
das ciências sociais, no século XIX, que primeiro se questionou a adequação do
modelo vigente de ciência aos propósitos de estudar o ser humano, sua cultura, sua
vida social. Bogdan e Taylor (1994) afirmam que, desde então, há duas perspectivas
teóricas predominando nesse cenário: as positivistas e as fenomenológicas. A
diferença fundamental entre ambas é que, enquanto a primeira busca fatos ou
causas dos fenômenos sociais devotando pouca consideração pelos estados
subjetivos individuais, a segunda busca examinar o mundo como é experienciado:
compreendendo o comportamento humano a partir do que cada pessoa ou pequeno
grupo de pessoas pensam ser a realidade, a verdadeira questão para a
fenomenologia não é o mundo que existe, mas sim o modo como o conhecimento do
mundo ocorre, se realiza.
Optamos pela pesquisa qualitativa por acreditarmos que, em pesquisa
educacional, o papel do pesquisador deverá ser sempre o de “veículo inteligente e
ativo entre esse conhecimento acumulado na área e as novas evidências que serão
estabelecidas a partir da pesquisa”. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.5). Mais uma vez nos
reportando às autoras citadas, vemos que através da abordagem qualitativa busca-
se apreender a dinâmica, a complexidade dos fenômenos sociais em seu contexto
natural, apresentando-se como alternativa para a rigidez, a fragmentação e o
distanciamento entre o pesquisador e os objetos pesquisados. Na pesquisa
qualitativa os significados são construídos através das interações entre os sujeitos,
38
sendo seu foco mais voltado para o processo, sem, contudo, desprezar os
resultados, enfatiza-se a compreensão e a contextualidade de fatos e eventos.
Percebemos que nessa abordagem, os sujeitos de estudo não são reduzidos a
variáveis isoladas ou a meras hipóteses, mas vistos como parte de um todo, em seu
contexto natural. Nesse sentido, Chizzotti (1991, p.80) nos indica que:
[...]a pesquisa não pode ser o produto de um observador postado
fora das significações que os indivíduos atribuem aos seus atos;
deve, pelo contrário, ser o desvelamento do sentido social que os
indivíduos constroem e suas interações cotidianas.
Assim sendo, o pesquisador deve estar envolvido na vida dos sujeitos, visto
que seus procedimentos de pesquisa baseiam-se no contato direto com o cotidiano.
Alguns autores, tais como: Bogdan e Taylor (1994) e Chizzotti (1991), nos alertam
que tal proximidade com os sujeitos exige que o pesquisador esteja constantemente
se auto-avaliando para que não perca de vista o objetivo inicial da pesquisa e para
que consiga conduzir os encontros com os sujeitos pesquisados na direção das
respostas procuradas.
Na pesquisa qualitativa o conhecimento almejado é de como se dá as
experiências cotidianas e quais os significados dessas para os sujeitos; supõe-se
como obra coletiva, na qual todos os atores sociais podem identificar seus
problemas e buscar soluções. Enquanto obra coletiva, o pesquisador apresenta-se
como alguém pronto a dialogar, a interagir com os sujeitos. A relação entre
pesquisador e pesquisados é dinâmica e constante durante todo o período da
pesquisa.
39
Diante do exposto, percebemos ser a pesquisa qualitativa a que melhor se
insere em nossos objetivos, por possibilitar um contato direto do pesquisador com o
objeto de estudo. Em nosso caso específico, a dinâmica de sala de aula, segundo
André (1995, p.42), “[...] não pode se restringir a um mero retrato do que se passa no
seu cotidiano, mas deve envolver um processo de reconstrução dessa prática [...]”.
Dentro das modalidades da pesquisa qualitativa mais freqüentemente
empregadas pelos pesquisadores temos: estudo de caso, história de vida,
pesquisa-ação e pesquisa etnográfica/antropológica e sua forma derivada, a
pesquisa participante. Nessas modalidades é possível perceber sutis diferenças no
que diz respeito ao grau de envolvimento e interferência do pesquisador na
realidade estudada.
A pesquisa etnográfica tem sua origem nas pesquisas antropológicas, na
tentativa de descrever os dados da cultura de um determinado povo, mais tarde
adotadas nas pesquisas sociais e um pouco mais recente nas pesquisas
educacionais. Para André (1995) a educação não segue, nem deve
necessariamente seguir todos os passos da etnografia clássica, propostos pela
antropologia. É por essa razão que André (1995, p.28) prefere falar em “estudos de
tipo etnográfico”.
Essa modalidade de pesquisa não visa a realização de testes para a aferição
de hipóteses, seu objetivo é a “descoberta de novos conceitos, novas relações,
novas formas de entendimento da realidade” (ANDRÉ, 1995, p.30). O procedimento
etnográfico nos leva a aprofundar a significação dada pelos sujeitos pesquisados à
sua prática. Dessa forma, a posição da teoria não é a de quem observa de longe a
fim de verificar o acerto ou erro do que é realizado. Ao contrário, a teoria trilha
caminhos ao lado da observação, apresentando questionamentos e recebendo
40
interpretações no sentido de produzir um quadro interpretativo, que possibilite uma
compreensão mais abrangente e mais próxima da realidade.
A pesquisa do tipo etnográfico favorece o mergulho do pesquisador na
complexa rede de relações que são estabelecidas no cotidiano da prática escolar.
Esse posicionamento busca inicialmente a compreensão da presença dos diferentes
atores nessa trama e, ao mesmo tempo, a significação dada por eles à sua prática.
Trata-se, portanto, de um encaminhamento metodológico que permite o
envolvimento do pesquisador, considerando a multiplicidade de situações nas quais
os atores sociais se encontram.
Nesse sentido, percebemos que a etnografia nos permite chegar mais
próximos à prática escolar, buscando compreender sua realidade e o modo como
seus atores a elaboram. Do ponto de vista de André (1995, p.41), é “colocar uma
lente de aumento na dinâmica das relações e inter-relações que constituem seu dia-
a-dia”.
Essa opção metodológica enquanto caminho a ser percorrido fundamenta-se
na crença de que o conhecimento é elaborado na troca que é promovida entre os
diferentes sujeitos envolvidos ao enfrentarem e representarem suas realidades,
preenchendo-as de significações diversas.
Acreditamos que a opção pela pesquisa do tipo etnográfico nos proporciona o
meio adequado de apropriação de nosso objeto de estudo: a prática pedagógica, em
turmas de alfabetização de pessoas jovens e adultas, entendida tanto na sua
condição literal, como na sua condição de portadora de significação, atribuída a ela
pelos sujeitos envolvidos. A natureza do objeto foi um dos motivos da escolha desse
caminho metodológico. Observar diretamente o que é realizado, como é estruturado,
qual o ritmo atribuído, o que é produzido, é vital para a apreensão do objeto. Dessa
41
forma, para poder compreendê-lo a partir da sua dinâmica própria, necessitávamos
de uma abordagem que não se restringisse à coleta de dados ou da representação
dos atores envolvidos, e sim, que permitisse compreender o processo de formação
em relação às diversas variáveis presentes.
A opção metodológica surge, então, da própria necessidade de entendimento
dessa realidade específica e da construção de significado feita pelos sujeitos
envolvidos.
Quando afirmamos ter nossa pesquisa um caráter participante, não estamos
caracterizando a pesquisa como tal, pois em pesquisa participante, o interesse do
pesquisador, muito mais do que conhecer o processo é o de interferir e modificar as
ações dos sujeitos envolvidos. Vale destacar que essa interferência se dá numa via
de mão dupla, e não por imposição do pesquisador. Percebemos que a pesquisa
participante, caracteriza-se por uma maior intervenção e uma orientação mais
dialética pela interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas
A pesquisa participante tem como premissa pautar pela parceria com todos
que fazem parte do processo, comprometendo-se em descobrir questões de
relevância, levando-as para o grupo, reformulando, desconstruindo, construindo,
revendo e sugerindo de forma gradativa. Todos os sujeitos nesse processo são
coopesquisados, por isso, há envolvimento integral dos participantes, possibilitando,
assim, o desenvolvimento da autonomia, visto que todos têm voz e vez.
Para Brandão (1999), a pesquisa participante visa conhecer a sua própria
realidade. Participar da produção desse conhecimento e tornar-se parte dele.
Aprender a escrever a sua história de classe. Aprender a escrever a História através
de sua história. Ter no agente que pesquisa uma espécie de gente que serve. Uma
gente aliada dos conhecimentos científicos que foram sempre negados ao povo,
42
àqueles para quem a pesquisa participante — onde afinal pesquisadores-e-
pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situações e
tarefas diferentes — pretende ser um instrumento a mais de reconquista popular.
Portanto, na pesquisa participante há ação, mas não pressupõe a trans-formação.
Também ressaltamos que, quando nos referimos à pesquisa colaborativa,
temos a plena consciência que, apesar do imenso desejo, devido às possibilidades,
não podemos determinar ser este o caráter predominante de nossa pesquisa. O
caráter colaborativo da pesquisa valida a construção coletiva de saberes, numa
relação dialética entre pesquisador e sujeitos, no compartilhamento de ações, numa
via de mão dupla, não havendo, dessa forma o pesquisador que pensa e o sujeito
que executa. Esse tipo de pesquisa envolve a reflexão crítica, objetivando a
construção de um conhecimento novo, onde novas formas de ação possam estar
embasadas. Para tanto, faz-se necessário um período maior no campo de pesquisa
e uma maior experiência do pesquisador. Nessa perspectiva acreditamos que nosso
trabalho assume as premissas da pesquisa colaborativa.
2.2 - Os caminhos construídos: Procedimentos Metodológicos
Parceiros na caminhada: os sujeitos envolvidos
A professora e quinze alunos de uma turma de primeiro nível em Educação
de Jovens e Adultos que funciona na Escola Municipal Irmã Arcângela, situada no
43
bairro de Igapó, zona norte do município do Natal. A E.M. Ir. Arcângela é a maior
escola do município, atendendo, em 2004 a um mil e oitocentos (1.800) alunos.
A turma observada iniciou o ano letivo em fevereiro de 2004, com sessenta e
sete alunos matriculados. Destes, dezenove foram encaminhados para o nível dois
por estarem alfabetizados. Outros nunca compareceram ou apenas fizeram-se
presentes na primeira semana de aula. Em março, após transferências e ajustes, a
turma ficou com quarenta e oito alunos freqüentando as aulas nos primeiros meses
do ano. Ao longo do ano letivo, devido a diversos fatores, alguns alunos foram
deixando de comparecer às aulas e, ao final do ano letivo a turma contava com a
presença efetiva de vinte e cinco alunos, dos quais, treze foram promovidos para o
nível dois em 2005.
É importante ressaltar que tão baixo índice de promoção deve-se,
principalmente, à freqüência inconstante dos alunos às aulas. Comparecem a uma
aula e faltam a duas, às vezes faltam por uma semana inteira. Durante a entrevista a
professora-participante afirmou ser este o seu maior problema.
A escolha da professora-participante deu-se a partir de contatos profissionais
existentes anteriores ao início de nossa pesquisa. Trabalhamos juntas em uma
escola particular e, no momento de organização de nosso projeto de dissertação a
referida professora tomou conhecimento e mostrou-se interessada com a temática,
pois se encontrava com questionamentos em relação aos resultados de sua prática
e há tempos almejava por alguma forma de auxílio. Vislumbrou em nossa proposta
de pesquisa a possibilidade do apoio almejado. Dessa forma, após alguns acertos
definimos nosso campo de pesquisa.
A professora-participante é pedagoga, com formação em Orientação
Educacional, com trinta e um anos de magistério, sendo cinco dos quais em turmas
44
de primeiro nível em EJA. Iniciou suas atividades em sala de aula aos dezessete
anos e, afirma que sua escolha profissional foi muito influenciada pelo pai, o que não
significa que haja um arrependimento, pois a mesma afirma “eu não pensei duas
vezes, quando terminei a 8ª série pensei logo em entrar no magistério, que naquela
época a gente chamava pedagógico. Quis mesmo ser professora”
4
.
É extremamente paciente e dedicada a seus alunos. Afirma que, apesar de
não ter optado por trabalhar com turmas de primeiro nível, “Se tivesse de escolher,
eu escolheria 3ª e 4ª séries, pra poder pegar já os alunos já sabendo porque eu
sempre tive essa coisa comigo de achar difícil alfabetizar”
5
, sente-se realizada em
seu trabalho. Afirma gostar muito de trabalhar com alunos adultos em sala de aula.
Tanto que foi convidada pela direção para assumir um cargo de coordenação na
escola e não aceitou, achou melhor continuar “ensinando”
6
.Trabalhamos com um
grupo de quinze alunos, selecionados pela professora a partir de suas observações
acerca do desenvolvimento destes. Ressaltamos que grande parte destes em
número de treze já havia sido aluno de turmas de primeiro nível anteriormente e
apresentaram escritas pré-silábicas.
Durante nossas observações houve uma excelente integração entre
pesquisadora e alunos. Toda a turma mostrou-se extremamente amável e disposta a
colaborar em todos os momentos. Criamos um clima de amizade que perdura até a
presente data. Consideramos que são as estrelas deste trabalho, pois sem seu
brilho nada poderia ter sido observado, analisado e escrito.
4
Transcrição da fala da professora-participante.
5
Transcrição da fala da professora-participante.
6
Transcrição da fala da professora-participante.
45
Nesse sentido, considerando-os como estrelas e, objetivando preservar suas
imagens, seus nomes serão substituídos pelos nomes de algumas constelações.
Com o objetivo de iniciarmos nosso conhecimento acerca da clientela
atendida, no início do trabalho de campo, traçamos, a partir da aplicação de um
questionário (ANEXO B), um perfil social destes alunos, que resultou nos quadros a
seguir:
SEXO ESTADO CÍVIL
NOME NATURALIDADE/UF IDADE
MFSCVO
PROFISSÃO/OCUPAÇÃO
ANDRÔMEDA LAJES – RN 56 X X DO LAR
DOURADO JARDIM DO SERIDÓ - RN 26 X X AJUDANTE DE PEDREIRO
LIRA CEARÁ MIRIM - RN 20 X X DO LAR
LAGARTO NATAL – RN 25 X X AUX. DE SERVIÇOS GERAIS
ALTAR SÃO GONÇALO - RN 32 X X EMPREGADA DOMÉSTICA
DELFÍN ANGICOS – RN 32 X X AJUDANTE DE PEDREIRO
PEIXES NATAL – RN 46 X X DO LAR
CASSIOPÉIA NATAL – RN 40 X X DO LAR
URSA MAIOR NATAL – RN 47 X X DO LAR
SEXTANTE CEARÁ MIRIM - RN 26 X X DO LAR
ERIDANO SANTANA DO MATO - RN 53 X X
OPERADOR DE MÁQUINA
INDUSTRIAL
ÁGUIA POÇO BRANCO - RN 37 X X MANICURE
CISNE NATAL – RN 32 X X DO LAR
POMBA NATAL – RN 23 X X DO LAR
FLEXA ANGICOS – RN 58 X X
A
UXILIAR DE TRATAMENTO
DE PEIXES
Quadro 2: Informações gerais
FREQUENTOU ESCOLA
NOME
SIM NÃO EJA/TEMPO
ANDRÔMEDA X 5 ANOS
DOURADO 2 ANOS
LIRA X 2 ANOS
LAGARTO X 2 ANOS
ALTAR X 2 ANOS
DELFIN X 2 ANOS
PEIXES X 1 ANO
CASSIOPÉIA X NÃO
URSA MAIOR X NÃO
SEXTANTE X 1 ANO
ERIDANO X 2 ANOS
46
ÁGUIA X 1 ANO
CISNE X 1 ANO
POMBA X 2 ANOS
FLEXA X 2 ANOS
Quadro 3: experiência escolar anterior
Como podemos observar, o grupo é formado em sua maioria por mulheres,
donas de casa. Também observamos que o grupo tem uma predominância de
adultos em relação aos jovens, com apenas duas alunas abaixo de 25 anos. Em
relação à experiência escolar, apenas duas alunas não haviam freqüentado turmas
de EJA anteriormente. Os demais já foram alunos da mesma professora e, alegam
ter a cabeça dura para aprender.
Com o auxílio da professora-colaboradora e com base em nosso convívio e
nossas observações, descreveremos, a partir de agora, cada aluno de nosso grupo
inicial de pesquisa
7
.
Andrômeda tem cinqüenta e seis anos, nascida no município de Lajes, não
freqüentou a escola quando criança e já está no primeiro nível há cinco anos, sem
conseguir ser promovida. É casada e mora com o esposo, não trabalha fora. Tem
problemas de saúde — hipertensão arterial — e, em vários momentos se afasta da
escola por não ter condições de freqüentar as aulas.
Durante as aulas, não participa muito, é calada. Senta-se na primeira fila e é
muito esforçada, sempre procurando fazer o que a professora pede.
7
Em capítulo posterior, descreveremos as peculiaridades acerca da atuação de alguns alunos em
sala de aula e sua maneira própria de compreensão.
47
Consegue assinar o próprio nome, mas não possui escrita espontânea,
apenas realiza cópias. Possui escrita pré-silábica
8
, porém consegue fazer distinção
entre algumas letras. Nos textos apresentados em sala de aula consegue ler
palavras soltas, sem, contudo, compreender o sentido do texto.
Dourado tem 26 vinte e seis anos, nascido no município de Jardim do Seridó,
é ajudante de pedreiro, casado, e tem uma filha que sempre leva para a escola junto
com a esposa que estuda na mesma classe.
Devido à atividade profissional, está sempre reclamando de cansaço e pede
para a professora adiantar logo a aula. Participa das atividades com uma certa má
vontade, porém não expressa o porquê, somente que está cansado. Não tem
freqüência muito regular.
Assina o nome e reconhece as letras. Sua escrita varia entre o nível
pré-silábico e o silábico. Em relação a leitura, o aluno apresenta grande dificuldade
na identificação de palavras.
Lira é a mais jovem do grupo, tem vinte anos. Nascida em Ceará Mirim, é
solteira, tem dois filhos e não trabalha fora. Afirma não ter freqüentado a escola
quando criança. É extremamente tímida, senta-se sempre na última carteira,
encostada na parede.
Não participa da aula, a não ser que seja incentivada pela professora, com
isso tem muita dificuldade para aprender, pois não tira as dúvidas e raramente
apresenta alguma atividade ou vai ao quadro. Sua profunda timidez dificulta uma
melhor observação de seu desenvolvimento, pois, além de não participar da aula,
8
Para que pudéssemos avaliar o tipo de escrita de cada aluno, foi realizada uma atividade
incentivando a escrita espontânea.
48
em algumas ocasiões esconde o caderno para que a professora não veja sua
produção.
Escreve palavras simples, porém, no geral, apresenta escrita pré-silábica.
Assina o próprio nome e faz cópias.
Lagarto tem 25 anos, nascido em Natal, trabalha como auxiliar de serviços
gerais e está em seu segundo ano no primeiro nível.
Muito reservado, inicialmente não se relacionava bem com o grupo. Dava a
impressão de sentir-se um peixe fora d’água. Sentava-se sempre na última carteira,
encostado na parede, ao lado da tímida Lira, que é sua prima. Nas festas
organizadas pela professora (Dia das Mães, São João, Dia do Estudante), sempre
colaborava trazendo uma garrafa de refrigerante, porém não participava, alegando
não ser aula. Geralmente reclamava quando a professora iniciava a aula com uma
conversa, pedia que deixasse de conversar e iniciasse logo a aula. Após um
longo período conseguiu integrar-se na turma e ser mais participativo na aula, indo
ao quadro e/ou tirando dúvidas.
Assina o próprio nome, realiza cópias, porém não possui escrita espontânea.
Sua escrita também pode ser classificada como pré-silábica. Nos textos
apresentados não conseguiu realizar leitura, porém é muito bom na resolução de
operações matemáticas. Nesses momentos ele perde a timidez e participa da aula.
Altar tem trinta e um anos, nascida no município de São Gonçalo do
Amarante, quando criança freqüentou a escola por pouco tempo. Trabalha como
empregada doméstica, ganha menos que um salário mínimo, mas está satisfeita
com o trabalho. Solteira, mora sozinha. Está sempre de bom humor, muito simpática,
tem bom relacionamento com a turma.
49
Durante as aulas inicialmente ficava retraída, não participava muito, não ia ao
quadro com medo de errar e pagar mico. Após um tempo de trabalho com o grupo
foi ficando mais segura e passou a participar melhor das aulas.
Consegue assinar o nome, porém não possui escrita espontânea, apenas
realizando cópias, muitas vezes de forma desordenada. De acordo com nossas
análises possui escrita pré-silábica, não fazendo nenhuma distinção entre as letras.
Também não consegue ler.
Delfin, nascido em Angicos, tem trinta e dois anos, é casado e trabalha como
ajudante de pedreiro e pintor. Freqüentou a escola quando criança, mas não soube
definir por quanto tempo. Este é o seu terceiro ano no nível 1.
Tem excelente relacionamento com a turma, é participativo e solidário aos
colegas. Durante as aulas, levanta-se a todo instante, sempre ajudando a um e
outro. Porém, graças a essa característica, acaba por não prestar atenção às
explicações da professora. Freqüenta as aulas assiduamente.
Em relação a sua aprendizagem, é extremamente inseguro, só escrevendo
quando confirma se a grafia está correta, ou seja, não tem escrita espontânea, nem
procura ter. Assina seu nome sem auxílio. Não acredita na sua capacidade de
aprender. Sua escrita pode ser considerada pré-silábica, encaminhando-se para
silábica, pois reconhece todas as letras e, em alguns momentos sabe quando
utilizá-las.
Peixes tem quarenta e seis anos, nascida em Natal, é casada e dona de
casa. Tem problemas pessoais de relacionamento familiar e este fato interfere
diretamente na sua postura em sala de aula.
50
Tem bom relacionamento com os colegas, procura participar da aula, mas, em
muitos momentos interrompe a professora para falar de seus problemas e se queixar
da vida, fato este que deixa alguns alunos irritados.
Sua auto-estima é muito baixa, não acredita na sua capacidade e aprender e,
está sempre buscando chamar a atenção sobre si. Tem medo de errar e, com isso,
não tenta escrever de forma espontânea. Não tem freqüência regular e, às vezes vai
até a sala de aula somente para avisar que irá faltar.
Escreve seu nome com dificuldade e sua escrita é pré-silábica. Tem
dificuldades para realizar cópias e faz pouca distinção entre as letras, porém, em
alguns momentos nos surpreende escrevendo algumas palavras sem auxílio.
Cassiopéia tem quarenta anos, nasceu em Natal, é solteira e não trabalha
fora. Durante o primeiro semestre faltou às aulas por diversas vezes e abandonou a
turma logo no início do segundo semestre.
Afirma não ter freqüentado a escola regular quando criança e esta é sua
primeira experiência na EJA. Muito calada, não participa da aula, a não ser quando
solicitada pela professora.
Assina seu nome, não realiza escrita espontânea, apenas faz cópias. Sua
escrita pode ser considerada pré-silábica. Nos textos trabalhados consegue realizar
a leitura de palavras simples.
Ursa Maior , nascida em Natal, tem quarenta e sete anos, é solteira e não
trabalha fora. Muito amiga de Cassiopéia, só freqüentava as aulas na companhia da
amiga, ou seja, também teve muitas faltas e abandonou a escola no início do
primeiro semestre.
51
Assim como a amiga, também afirma não ter freqüentado a escola quando
criança e essa também é sua primeira experiência com a EJA. Muito reservada, só
participava da aula quando incentivada pela professora.
Assina o nome, não possui escrita espontânea, apenas realiza cópias e não
reconhece as letras. Sua escrita é pré-silábica. Não consegue realizar leitura de
palavras simples.
Sextante tem vinte e seis anos, nasceu em Ceará-Mirim, é solteira e não
trabalha fora. Não tem freqüência regular, fato este que dificulta uma descrição mais
detalhada.
Muito esforçada, procura sempre realizar as atividades. Porém, sua timidez a
prejudica, pois não participa das discussões e não chama a professora para tirar
dúvidas. Fica sempre à espera do momento no qual a professora caminha pela sala.
Realiza cópias de maneira organizada. Assina o nome, porém não possui
escrita espontânea. Sua escrita é pré-silábica. Nos textos trabalhados em aula não
conseguiu realizar a leitura de palavras.
Eridano nascido em Santana do Mato, tem cinqüenta e três anos, é casado
e trabalha como operador de máquinas numa indústria de tecidos. Tem freqüência
irregular, chegando a faltar às aulas por uma semana seguida. Porém, apesar das
constantes ausências é muito esforçado, não desiste.
Tem problemas de dicção, com isso é muito calado, mas muito bom
observador. Apesar da dificuldade na fala, em alguns momentos vence a suas
barreiras e participa das discussões. Tem bom relacionamento com os colegas que,
ao contrário do que se espera, não ficam impacientes quando não compreendem o
que fala, pelo contrário, buscam auxiliá-lo.
52
Assina o nome. Conhece as letras, porém não realiza cópias de forma
organizada. Não consegue realizar leituras e sua escrita é pré-silábica.
Águia tem trinta e sete anos, nasceu em Poço Branco e trabalha como
manicure. É casada, tem dois filhos que, em alguns momentos leva junto com ela
para assistir as aulas e/ou participar de alguma festividade na sala. É assídua, só
faltando por motivo de doença.
Apesar de ser discreta e falar pouco, participa das aulas, não tem vergonha
de fazer perguntas e tem boa freqüência. Possui um bom relacionamento com a
turma.
Assina o nome, realiza cópias e, sua escrita oscila entre pré-silábica e
silábica. Conhece as letras e nos textos apresentados consegue identificar palavras
simples.
Cisne tem trinta e dois anos, nasceu em Natal. É casada e dona de casa.
É assídua, muito comunicativa. Participa ativamente das aulas: faz
perguntas e opina nas discussões. Tem ótimo relacionamento com todos da turma.
Muito amiga de todos, está sempre disposta a ajudar.
Apesar de ser seu segundo ano em turma de primeiro nível, não consegue
realizar leituras, nem de palavras simples. Não realiza escrita espontânea, assina
seu nome, realiza cópias e sua escrita é pré-silábica.
Pomba tem vinte e três anos, nascida em Natal é solteira e não trabalha
fora. Possui uma deficiência física — anda com dificuldade e tem pouco movimento
com a
mão esquerda. Segundo sua mãe adotiva, essa deficiência foi causada por uma
queda do sofá quando bebê. Faz uso do remédio Tegretol
9
desde a infância.
9
Medicamento anticonvulsivante usado para o tratamento da Epilepsia e outras patologias do
Sistema Nervoso.
53
É a aluna mais assídua da turma, só falta quando está em crise de
enxaqueca muito forte, pois se for suportável ela vai à aula. Sua mãe afirma que
quando ela falta acaba por ficar mais doente.
Não tem vergonha de fazer perguntas. Participa ativamente de todas as
atividades, porém sempre precisa de ajuda para realizá-las.
Escreve o nome de forma incompleta. Tem dificuldades para realizar cópias,
não reconhece as letras e não consegue ler. Sua escrita é pré-silábica.
Flexa tem 58 anos, nascida em Angicos, é casada e trabalha como auxiliar
de tratamento de peixes no Canto do Mangue. Tem problemas de saúde, faz uso
constante do remédio Diazepam
10
, além de sofrer com uma Tendinite Crônica —
resultado de sua atividade profissional. É a aluna mais extrovertida e bem informada
da turma. Tem boa desenvoltura na oralidade e, condições de discutir sobre
qualquer assunto.
Tem um ótimo relacionamento com a turma e, assim como Delfin, está
sempre disposta a auxiliar a qualquer colega. Participa ativamente de todas as
atividades, mesmo precisando de ajuda, não desiste. Devido a seus problemas de
saúde, tem freqüência média.
Assina o nome. Realiza cópias com dificuldade e não reconhece as letras.
Também não consegue realizar leitura de palavras simples. Apresenta escrita
pré-silábica.
Como podemos observar, nosso grupo, apesar da multiplicidade de saberes
e características pessoais, comum em turmas de EJA, possui uma certa
uniformidade
10
Medicamento utilizado no tratamento dos transtornos da ansiedade
54
no que diz respeito ao estágio de construção da leitura e da escrita.
A sala de aula como espaço físico
A sala da aula observada situa-se no final dos limites da escola, no último
prédio, contendo quatro salas amplas, bem iluminadas e com boa ventilação. O
terreno da escola é muito grande, assim os prédios são espalhados por todo o
espaço físico, perfazendo um total de cinco, onde estão incluídas a biblioteca e a
sala com TV e vídeo. Em relação à conservação, encontramos sempre a sala limpa,
sem lixo no chão, apenas com algumas poucas pichações nas paredes e nas
carteiras. Como a escola funciona nos três turnos, a sala de aula é utilizada durante
o dia por turmas de crianças, por esta razão, às vezes nos deparamos com
atividades infantis coladas nas paredes, mas este fato parece não perturbar os
alunos.
No início de nossas observações, março de 2004, encontramos a sala muito
cheia, quarenta e oito alunos matriculados, porém cerca de trinta e cinco a quarenta
alunos freqüentando por dia. Em alguns dias era necessário buscar carteiras em
outras salas para que todos ficassem acomodados. Nesses dias ficava muito difícil
para a professora seguir sua rotina de caminhar entre as carteiras, observar as
atividades dos alunos e tirar-lhes as dúvidas.
Com o passar dos meses a turma foi ficando menor, fomos perdendo alguns
alunos, sendo que no segundo semestre a perda foi mais acentuada. Segundo a
secretaria da escola, houve uma evasão de 50%, fato esse que questionamos, pois
55
o que é levado em conta é o número de alunos matriculados e não o número que
efetivamente freqüentou as aulas desde o início do ano letivo. Terminamos o ano
letivo de 2004 com vinte e cinco alunos. Mesmo assim, ressaltamos que esta foi a
turma com o menor índice de evasão da escola. Em outras salas de aula víamos, ao
final do ano letivo, cerca de dez alunos por turma.
Foto 02: Sala de aula em março, 2004
Foto 03: Sala de aula em novembro de 2004
56
Instrumentos Metodológicos
Biklen e Bogdan (1994, p.47) nos alertam que “na investigação qualitativa a
fonte directa de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o
instrumento principal”. Como estamos tratando de uma pesquisa qualitativa, na qual
uma das principais características é ser descritiva, não tratamos simplesmente de
coletar dados para comprovarmos hipóteses, mas, ao invés disso, nossos dados
foram construídos à medida que os subsídios particulares foram se reunindo. Para
Biklen e Bogdan (1994, p.51):
Os investigadores qualitativos estabelecem estratégias e
procedimentos que lhes permitam tomar em consideração as
experiências de ponto de vista do informador. O processo de
condução de investigação qualitativa reflecte uma espécie de diálogo
entre os investigadores e os respectivos sujeitos, dado estes não
serem abordados por aqueles de forma neutra.
Nessa perspectiva, com vistas à construção dos dados de nossa
investigação julgamos necessária a utilização de diversos procedimentos
metodológicos, listados a seguir:
Entrevista
Como nos indica Haguette (2000, p.86) a entrevista (ANEXO A) é “um
processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador,
tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”.
57
Nessa perspectiva, sentimos a necessidade da realização de uma entrevista
semi-estruturada (ANEXO A), já que esta é caracterizada pela participação ativa do
entrevistador que, apesar de observar um roteiro, pode fazer perguntas adicionais
para esclarecer questões para melhor compreender o contexto.
Como julgamos necessário obtermos informações acerca da realidade que
cerca o trabalho da professora-participante em sua sala de aula e suas expectativas
em relação à prática, encontramos na entrevista semi-estruturada o caminho para
alcançarmos este fim.
Para organizarmos as questões de nossa entrevista verificamos nossas
necessidades e nossos objetivos enquanto pesquisadores, portanto, buscamos
formular as perguntas com objetividade e clareza, pois acreditamos que
[...]a entrevista também se torna um momento de organização de
idéias e de construção de um discurso para um interlocutor, o que já
caracteriza o caráter de recorte de experiência e reafirma situação de
interação como geradora de um discurso particularizado.
(SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2002, p 14)
Realizamos nossa entrevista em março de 2004. Nossa conversa foi
bastante agradável, com duração de cerca de 50 minutos. Fizemos o possível para
deixar o clima bem descontraído com a intenção de tornar a conversa mais
aprazível, já que a professora inicialmente mostrou-se pouco à vontade na presença
do gravador. Para tanto nos utilizamos da técnica de aquecimento proposta por
Szymanski, Almeida e Prandini (2000), na qual através de um bate-papo informal ou
como indica Biklen e Bogdan (1994) uma conversa trivial, tomamos conhecimento
acerca do processo de formação das turmas na escola e as atividades
58
desenvolvidas até aquela data; também, através da conversa inicial nos foi possível
conhecer sua história profissional, seus receios e expectativas em relação à nossa
pesquisa. A entrevista foi gravada e posteriormente transcrita para que pudéssemos
melhor avaliar as respostas obtidas.
Buscamos, durante nossa entrevista, construir uma relação de parceria entre
entrevistadora e professora, pois percebemos ser a entrevista o caminho para uma
melhor interação entre pesquisador e pesquisados.
O objetivo principal de nossa entrevista era conhecer, além da realidade que
cerca a prática da professora, a conceituação de alfabetização e letramento que
norteia seu trabalho.
Podemos afirmar que nossa entrevista transcorreu de maneira bastante
agradável para ambas: entrevistadora e entrevistada. Procuramos usar de
flexibilidade nas perguntas e quando julgamos necessário, pedimos clarificação em
algumas respostas. Corroboramos com Biklen e Bogdan (1994, p.137) e, encaramos
“cada palavra como se ela fosse potencialmente desvendar o mistério que é o modo
de cada sujeito olhar para o mundo” . Nesse sentido obtivemos uma riqueza de
informações que posteriormente foram utilizadas no planejamento de nossos
encontros de estudo e reflexão.
Questionário
Avaliamos ser a utilização de um questionário (ANEXO B) necessária para
melhor compor um quadro referente à prática pedagógica da professora-participante
e traçarmos um perfil social de nossos alunos. Percebemos ser o questionário um
59
instrumento auxiliar importante quando necessitamos de informações objetivas,
precisas.e breves, do tipo sim ou não.
Para Suraman (1991 apud CHAGAS, 2005, p.1) afirma que “um questionário
é tão somente um conjunto de questões, feito para gerar os dados necessários para
se atingir os objetivos do projeto”. Na utilização do questionário percebemos
algumas vantagens:
x permite análises claras, que facilitam a identificação dos tópicos relevantes.
x é rápido e fácil de responder, permitindo sua aplicação independente da presença
do pesquisador
x sua análise - quantitativa - produz resultados sintéticos
Não deixamos de levar em consideração que o caráter predominantemente
objetivo do questionário, entretanto, dificulta a compreensão dos elementos
subjetivos que verdadeiramente compõem o clima e a cultura do sujeito: o
sentimento do entrevistado, o porquê de cada resposta, sua motivação, suas
crenças e valores não verbalizadas. Este problema foi solucionado por meio da
utilização da entrevista anteriormente citada.
A aplicação do questionário à professora deu-se no mesmo dia da entrevista,
após a conclusão de nossa conversa. A professora-participante recebeu uma folha
(ANEXO B) contendo as questões a serem respondidas. O retorno desse
questionário ocorreu dois dias após a entrega. Já o questionário aplicado aos alunos
(ANEXO C) foi sendo preenchido a medida em que fomos conhecendo melhor o
ambiente da sala de aula.
60
A utilização conjunta dos dois instrumentos nos proporcionou a obtenção de
informações completas e profundas da prática pedagógica da
professora-participante, ampliando os conhecimentos já adquiridos durante a
entrevista, com a finalidade de descortinar as práticas pedagógicas utilizadas pela
professora em seu trabalho no ano anterior.
Observações
Antes de nossa chegada na escola, a professora esclareceu aos alunos os
motivos da nossa presença em sala de aula. No primeiro dia, houve uma
apresentação formal e uma conversa inicial com a turma, esclarecendo os objetivos
da pesquisa e nossa participação durante as aulas. Como a professora já havia
conversado anteriormente, a recepção foi muito calorosa e rapidamente estávamos
todos — professora-pesquisadora, professora-participante e alunos — interagindo
com muita naturalidade.
Realizávamos nossas observações e nossos registros de campo
semanalmente durante os dois semestres do ano letivo. Inicialmente não
participávamos da aula, cabendo-nos um local reservado onde tínhamos uma visão
ampla da sala de aula — observação direta. Durante os dez meses de trabalho no
campo realizamos vinte e quatro observações, sendo dez diretas e catorze
observações participantes, com duração de duas horas e meia cada.
Em nossas observações tivemos a oportunidade de presenciar a prática
pedagógica da professora-participante, bem como sua relação com os alunos e
como estes desenvolviam sua aprendizagem ao longo do ano letivo proporcionando-
nos um extenso material para análise.
61
Ressaltamos que durante nossas observações foram realizados registros
fotográficos que serão utilizados ao longo da dissertação apenas como ilustração,
não sendo realizada nenhuma referência analítica acerca das fotos.
Observação Direta
Pode ser considerado um ótimo instrumento, desde que agregado à
construção de dados em entrevistas. Porém, a observação direta depende muito
mais da habilidade do pesquisador em captar informação através dos cinco sentidos,
julgá-las sem interferências e registrá-las com fidelidade, do que da capacidade das
pessoas de responder a perguntas ou se posicionar diante de afirmações. Nesse
sentido, consideramos a observação direta como um procedimento que poderá
complementar as respostas das entrevistas.
Essa modalidade de observação nos permite coletar evidências sobre o caso
em estudo, verificar in loco as atividades que estão sendo desenvolvidas, permitindo,
assim, coletar as informações de acordo com o desenrolar das situações e/ou
execução dos processos. Acreditamos que “estas evidências geralmente são úteis
para prover informações adicionais sobre o tópico em estudo” (YIN, 1989, p.91 apud
BRESSAN, 2005).
Após um período de observações diretas, não–participantes, nas quais
tínhamos o papel de “ ’observador passivo’ – aquele que interage com os
observadores o mínimo possível” (HAGUETTE, 2000, p. 73, grifo da autora),
iniciamos nossa participação no universo pesquisado: observação participante.
62
Observação Participante
À luz de Bressan (2005) vemos que este é um tipo especial de observação,
na qual o observador deixa de ser um membro passivo e pode assumir vários papéis
na situação em estudo, podendo, dessa forma, participar e influenciar os eventos em
estudo; “parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação
com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado” (ANDRÉ, 1995, p.28)
. Dessa forma, compreendemos por observação participante:
O processo no qual um investigador estabelece uma multifacetada e
relativizada relação de longo prazo com uma associação humana em
seu cenário natural, tendo o propósito de desenvolver uma
compreensão científica dessa associação”.(LOFLAND,J. e
LOFLAND, L., 1984, p12 apud MAY, 1993)
Percebemos ser este um momento de grande importância em nosso trabalho
de campo, pois “[...] o pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o
papel objetivo de observador, colocando-se numa posição ímpar para compreender
e explicar o comportamento humano” (LÜDKE, 1986, p.15). Assim sendo, durante os
momentos de observação nos foi possível adentrar no universo pesquisado e melhor
compreender a atuação dos atores sociais envolvidos.
[...] a observação participante não se concretiza apenas através da
participação do pesquisador, mas que essa participação deve
significar um envolvimento maior do pesquisador, um compartilhar,
não somente com as atividades externas do grupo, mas com os
processos subjetivos – interesses e afetos – que se desenrolam na
vida diária dos indivíduos e grupos.[...] o compartilhar os aspectos
subjetivos das ações das pessoas pesquisadas parece-nos um
requisito fundamental na compreensão da ação humana.”
(HAGUETTE, 2000, p.72)
63
Nesse sentido, vale ressaltar que, para que nossa intervenção não fosse mal
interpretada aos olhares dos demais atores envolvidos, houve sempre uma
preocupação com o planejamento das aulas. Semanalmente, após os momentos de
estudo e reflexão, realizávamos o planejamento das aulas subseqüentes.
Reunião de estudo com a professora-participante
Esperamos que a nossa pesquisa possa contribuir para um aprimoramento
na prática pedagógica de professores alfabetizadores de jovens e adultos. Para
tanto, acreditamos que são os momentos de estudo e reflexão os responsáveis por
esta contribuição. Dentro da perspectiva da formação continuada em serviço
(CANDAU, 1998) fundamentamos nossos momentos de estudo com a professora-
participante de nossa pesquisa.
Iniciamos o trabalho de formação a partir das análises do questionário
aplicado e de alguns momentos em companhia dessa professora: partimos de uma
conversa inicial, informal, logo após realizamos a entrevista semi-estruturada
anteriormente descrita, onde tivemos a oportunidade de conhecer seus anseios em
relação a sua prática educativa, além de suas concepções acerca do papel do
professor e suas conceituações sobre alfabetização e letramento.
O segundo momento, também descrito anteriormente, consistiu em
observações diretas, não-participantes, nas quais nos foi possível conhecer além da
prática, a realidade que cerca o trabalho dessa professora. Todos esses elementos
foram fundamentais para a escolha da metodologia e dos materiais a serem
trabalhados nos momentos de formação. Seguindo, dessa forma, os três eixos
norteadores da formação continuada em serviço: a escola como lócus da formação,
o ciclo de vida do professor e a valorização do saber docente (CANDAU, 1998).
64
Ainda acerca da formação continuada em serviço, Nóvoa (1991, p.30)
afirma:
A formação continuada deve estar articulada com o desempenho
profissional dos professores, tomando as escolas como lugares de
referência. Trata-se de um objeto que só adquire credibilidade se os
programas de formação se estruturarem em torno de problemas e
projetos de acção e não em torno de conteúdos acadêmicos.
Nessa perspectiva buscamos nortear nossos encontros de estudos,
articulados com a atividade profissional, com as necessidades emergentes de
nossas observações em sala de aula e da necessidade exposta pela professora.
Essa mesma linha de pensamento vai ao encontro da formação com base na
reflexão crítica proposta por Kemmis (1987), que afirma que o sucesso da reflexão
crítica tem conseqüências sociais a partir do momento que irá produzir alterações
nas práticas sociais, em nosso caso, nas práticas pedagógicas.
À luz de Kemmis (1987, p.3) vemos que “a reflexão crítica orienta a ação dos
indivíduos, fazendo-os pensarem intencionalmente, e auxiliando-os na reformulação
de pensamentos e planos, fazendo-os perceberem as conseqüências de suas
ações”.
Nossos momentos de formação ocorreram semanalmente. Partimos das
situações reais, vividas em sala de aula, para a escolha dos temas e textos a serem
estudados e debatidos em nossos encontros. Nossa primeira dificuldade consistiu na
compreensão, por parte da professora-participante de seu papel fundamental,
enquanto sujeito da própria formação. Acreditamos que esse fato deve-se ao tipo de
formação continuada — clássica — que a professora vem participando ao longo dos
seus trinta e um anos de magistério. Já que, segundo Candau (1998), em todas as
65
modalidades de formação continuada clássica o professor é visto como um receptor
para depois se transformar em transmissor do conhecimento e não como ator social
do sistema educacional. Mantém-se a estrutura dos cursos de formação inicial, não
se levando em consideração que cada professor está em um estágio diferente do
qual estava em sua formação inicial. Nesse momento ela já tem outras perspectivas
profissionais, cada qual em seu tempo. Não se pode esperar que um professor
próximo da aposentadoria, como nossa professora-participante, tenha a mesma
visão que um professor em início de carreira.
Diversos assuntos foram abordados em nossos estudos, dentre os quais:
x Formação das representações
x Signo, significante e significado
x EJA no Brasil: Histórico e Caracterização da População Atendida
x Andragogia e características do aluno da EJA
x Alfabetização: histórico e conceituação
x Níveis de construção da escrita
x Letramento
Na perspectiva da reflexão crítica realizávamos discussões acerca dos
acontecimentos e atividades realizadas durante as aulas e, em diversos momentos a
professora-participante foi levada a refletir sobre sua prática. Fato este que levou a
um desequilíbrio em relação aos paradigmas educacionais nos quais a professora-
participante acreditava:
Leio, entendo o que eles querem dizer, mas tenho minhas dúvidas
sobre a prática. Às vezes discordo desses autores que falam de
66
construtivismo. Ora, se eu aprendi pelo método antigo, se deu certo
comigo, por quê não posso usar com meus alunos?
11
Esse desequilíbrio da professora nos proporcionou uma reflexão e uma
necessidade de repensarmos nossos encontros de estudo. A partir daí foram
redefinidas as temáticas, textos e metodologia de trabalho, proporcionando à
professora mais momentos de reflexão e encontro com outros paradigmas.
2.3 - Nossa estrada: análise dos dados
A análise dos dados implica a compreensão
da maneira como o fenômeno se insere no
contexto no qual faz parte. (SZYMANSKI,
ALMEIDA e PRANDINI
)
À luz de Szymanski, Almeida e Prandini (2002, p.71), percebemos que “a
análise é o processo que conduz à explicação da compreensão do fenômeno pelo
pesquisador”. Nos estudos de Lüdke e André (1986), é destacado que, durante as
análises, o pesquisador irá mergulhar em todo material construído durante a
pesquisa de campo: diário de campo, entrevistas, análise documental e as demais
informações disponíveis.
A partir dessa perspectiva, acreditamos ser necessária uma fundamentação
para que pudéssemos escolher qual o melhor caminho a seguir. Considerando as
características de nossa pesquisa e a construção de nossos dados através de
registros verbais e registros oriundos de observações diretas — participantes e não-
11
Transcrição da fala da professora-participante.
67
participantes —, encontramos na teoria da Análise de Conteúdo a fundamentação
necessária para realizarmos nossas análises.
Freitas (2000) aponta que uma parte importante do comportamento, opinião
ou idéias de pessoas é expressa sob a forma verbal ou escrita, dessa forma a
análise de conteúdo tem sido muito utilizada no estudo dessas comunicações nas
ciências humanas e sociais. Minayo (2000) afirma ser o método mais comumente
adotado no tratamento de dados de pesquisas qualitativas. Para Bardin (1988), a
análise de conteúdo abrange as iniciativas de explicação, sistematização e
expressão do conteúdo de mensagens, com o objetivo de efetuarem-se deduções
lógicas e justificadas a respeito da origem dessas mensagens — quem as emitiu, em
que contexto e/ou quais efeitos se pretende causar por meio delas. Segundo a
autora citada a análise de conteúdo pode ser definida como:
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção dessas mensagens. (BARDIN, 1998, p.42)
Bardin (1988) caracteriza a análise de conteúdo como sendo empírica e, por
esse motivo, não pode ser desenvolvida com base num modelo exato. Porém, para
sua operacionalização — processo de explicitação, sistematização e expressão do
conteúdo das mensagens promovido pela análise —, devemos seguir três etapas.
De acordo com Bardin (1988) e Minayo (2000), essas etapas correspondem:
1. a pré-análise: fase de organização e sistematização das idéias, em que ocorre a
escolha dos documentos a serem analisados, a retomada das hipóteses e dos
68
objetivos iniciais da pesquisa em relação ao material construído; e a elaboração de
indicadores que orientarão a interpretação final;
2. a exploração do material: trata-se da fase na qual os dados brutos constituídos ao
longo da pesquisa são codificados para alcançar o núcleo de compreensão do texto;
3. o tratamento e interpretação dos resultados obtidos: os dados brutos são
submetidos a uma análise mais detalhada com a finalidade de tornarem-se
significativos e válidos e de evidenciarem as informações obtidas: confirmação das
hipóteses.
Dentro das diversas técnicas que podem ser desenvolvidas na análise de
conteúdo, elencamos a análise temática ou categorização, que consiste em
“operações de desmembramento do texto em unidades – categorias – segundo
reagrupamentos analógicos” (MINAYO, 2000).
Categorização
Para o desenvolvimento da análise de conteúdo, utilizamos a técnica
descrita por Bardin (1988), sob a designação de análise temática ou categórica, que
consiste na decomposição de textos em unidades e depois classificação por
reagrupamento. Segundo Bardin (1988, p.119), “a categorização tem como primeiro
objectivo (da mesma maneira que a análise documental), fornecer, por
condensação, uma representação simplificada dos dados brutos”.
Prevê duas etapas de execução: (1) inventário, que consiste na
organização do material, operacionalização e sistematização, escolha dos
documentos e isolamento dos elementos; (2) classificação, que consiste em
reorganizar os elementos, impondo uma determinada organização às mensagens.
69
À luz de Bardin (1988), compreendemos que a categorização é o ato
concreto de imersão do pesquisador nos dados construídos ao longo de suas
observações e/ou entrevistas, agrupando-os de acordo com a sua compreensão do
fenômeno. Como estamos tratando de pesquisa qualitativa, onde o olhar do
pesquisador está mais no processo do que no resultado final, podemos afirmar que,
a definição das categorias poderá variar de um pesquisador para outro
(SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2002), a depender de seu olhar sobre o
objeto.
Com esse olhar definimos nossas categorias de análise, procurando seguir
os passos descritos por Bardin (1988):
x Exclusão mútua: estipula que cada elemento não pode existir em mais de uma
categoria;
x Homogeneidade: um único princípio de classificação deve nortear a definição das
categorias.
x Pertinência: cada categoria deve estar adequada ao material de análise e ao
aporte teórico definido pelo pesquisador.
Nesse sentido definimos nossas categorias de análise em:
1. O cotidiano da sala de aula: o que é, como se faz
2. Professora e alunos: uma relação construída
3. Professora-pesquisadora e professora-participante: construindo
possibilidades de ação
4. O educando como sujeito da aprendizagem: um caminho percorrido
5. Adultos não-alfabetizados: particularidades de compreensão
70
Ressaltamos que, assim como nos sugere André (1995, p. 45), a construção
de nossas categorias de análise não foram determinadas anteriormente à pesquisa
de campo, mas foram “construídas ao longo do estudo, com base em um diálogo
muito intenso com a teoria e em um transitar constante dessa para os dados e vice-
versa”.
71
3 - PERCORRENDO CAMINHOS: A SALA DE AULA
Foto 4: Trabalhando em equipe
A reflexão crítica sobre a prática se torna
uma exigência da relação Teoria/Prática
sem a qual a teoria pode ir virando
blábláblá e a prática, ativismo. (PAULO
FREIRE)
72
3.1 - O cotidiano da sala de aula: o que é, como acontece
Nessa categoria, buscamos mergulhar no cotidiano escolar, suas
características e peculiaridades, nas “situações de ensino nas quais se dá o
encontro professor-aluno-conhecimento” (ANDRÉ, 2001, p.43). Situações essas que
irão nos mostrar todo movimento da professora-participante, sua prática e os
entraves encontrados para o desenrolar dessa.
Para realizarmos as análises desses momentos, não podemos deixar de
considerar que:
O estudo da dinâmica de sala de aula precisa levar em conta, pois, a
história pessoal de cada indivíduo que nela participa, assim como as
condições específicas em que se dá a apropriação dos
conhecimentos. Isto significa, por um lado, considerar a situação
concreta dos alunos (processos cognitivos, procedência econômica,
linguagem, imaginário), a situação concreta do professor (condições
de vida e de trabalho, expectativas, valores, concepções) e sua
inter-relação com o ambiente em que se processa o ensino (forças
institucionais, estrutura administrativa, rede de relações inter e
extra-escolar). (ANDRÉ, 2001, p.44)
Nesse sentido, buscaremos relacionar continuamente nossas interlocuções
teóricas com as situações observadas, de maneira que fique claro para o leitor como
se dá o movimento professora-aluno. Para tal desenvolvimento, temos a consciência
que este tipo de análise requer uma maleabilidade do pesquisador, no sentido de
possibilitar a descoberta das formas particulares que o processo em estudo assume
e, a partir daí, realizar a interpretação de um sentido específico em determinado
contexto.
73
Por este caminho acreditamos ser possível percebermos de que maneira se
dá o envolvimento entre professora e alunos, no que se refere ao desenvolvimento
das atividades e a rotina da sala de aula.
a. Rotina e atividades
Sempre, no início da aula, os alunos cobram da professora que coloque no
quadro o cabeçalho do dia: nome da escola, data e nome da disciplina a ser
estudada. Percebo que, para os alunos, esse é um procedimento imutável. Em
muitos momentos, nos meses finais do ano letivo, quando chegávamos a sala já
encontrávamos o cabeçalho pronto, inclusive com nome da disciplina.
Foto 5: Primeiro semestre, início de uma aula, no momento da explicação de uma
atividade
74
Nos meses iniciais, algumas atividades eram retiradas de livros didáticos,
específicos para Educação de Jovens e Adultos, com temáticas escolhidas pela
professora. Porém, no segundo semestre várias atividades foram planejadas de
acordo com a necessidade do grupo, não mais seguindo orientações de livros
didáticos. A seguir iremos descrever e analisar alguns desses momentos
12
Durante todo ano letivo foram realizadas na turma festas em datas especiais:
Dia das Mães, São João, Dia do Folclore, Dia do Estudante, aniversariantes do
semestre e Natal. Estas comemorações, com o objetivo de promover uma maior
socialização entre os alunos, foram organizadas sempre pela professora-participante
em conjunto com a turma. Mesmo sem ter como objetivo analisa-las, achamos
pertinente realizamos registros fotográficos (ANEXO D).
Atividades de leitura e interpretação
Atividade 1: Texto com rimas
A professora iniciou a aula colocando no quadro-de-giz um texto com rimas,
solicitou aos alunos que não realizassem a cópia, somente a leitura durante sua
escrita. Foi perguntando quem estava conseguindo ler e quais palavras foram lidas.
12
As atividades analisadas seguirão uma ordem cronológica e serão divididas de acordo com o tipo
de texto elencado pela professora.
75
Foi realizada uma leitura por toda turma, em voz alta, nesse momento a professora
enfatizou a importância da pontuação para a leitura, destacando os pontos de
exclamação e interrogação que constam no texto.
“Você por acaso conheceu
um contador chamado Romeu?
Toda vez que errava
as contas, gritava:
Erro meu! Erro meu! Erro meu!” (NELSON, 1998, p. 31)
Como no texto em questão fala sobre um sujeito — Romeu — que exerce a
profissão de contador, a partir da leitura iniciou-se uma conversa informal acerca
dessa profissão. Nesse momento os alunos participaram ativamente colocando seus
conhecimentos sobre a profissão de contador, também falaram um pouco sobre
suas próprias profissões.
Logo após essa conversa seguiu-se à interpretação do texto lido. Vale
ressaltar que essa interpretação deu-se através de perguntas realizadas pela
professora tal qual vemos em alguns livros didáticos: Como era o nome do
contador? O que ele faz? etc... Além das perguntas acerca do texto, a professora
enfatizou as rimas das palavras contidas na poesia.
Podemos perceber, avaliando a atividade, que a leitura está sendo
concebida como decodificação da língua escrita. Sem que faça algum sentido para o
aprendiz. Fato este que não chega a surpreender, visto que durante muitos anos foi
76
esta a maneira como a escola tratou a aquisição da leitura: uma técnica de
decodificação da escrita. Veremos a seguir que essa concepção fundamenta-se no
modelo de letramento autônomo (KLEIMAN, 1995) que irá nortear as práticas de
alfabetização mais voltadas para o paradigma mecanicista.
Voltando-nos nesse momento, para as concepções de leitura, vemos que
Smith (1999, p. 12) aponta que existem diversas conceituações para leitura, desde
decodificação da linguagem escrita à interpretação do texto escrito. O mesmo autor
coloca que para a aprendizagem da leitura são necessários ”dois requisitos
básicos[...] (1) a disponibilidade de material interessante que faça sentido para o
aluno e (2) a orientação de um leitor mais experiente e compreensivo como um guia”
(p.12). Na atividade de leitura descrita percebemos que, apesar da extrema
disponibilidade da professora, o material escolhido carece de significação para o
aluno, não levando em conta seus conhecimentos prévios e suas necessidades.
Acreditamos, assim como Smith (1999), Kleiman (2001), Ferreiro (1986), entre
outros que a linguagem escrita deve ter sentido e utilidade para quem está em
processo de aquisição dessa. Sobre este aspecto Ferreiro (1983) questiona: “não
será possível considerar uma ação alfabetizadora que tome como ponto de partida o
que os adultos sabem, ao invés de partir do que ignoram?”
Compreendemos a leitura como um processo no qual o leitor realiza um
trabalho ativo de construção do significado do texto a partir do que está buscando
nele, do conhecimento que já possui a respeito do assunto, do autor e do que sabe
sobre a língua — características do gênero, do portador, do sistema de escrita.
Ninguém pode extrair informações do texto escrito decodificado letra por letra,
palavra por palavra. Percebemos, também, que a leitura como prática social é
77
sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade
real.
Também encontramos em Bajard (2002) que o leitor atual não é apenas um
leitor de textos, mas um leitor da informação, tanto escrita como icônica, assim como
também da combinação das duas. Nosso alfabetizando convive com uma sociedade
letrada, onde em todos os lugares ele se depara com mensagens escritas: no
supermercado, na rua, no trabalho... Dessa forma, acreditamos que ele já possui,
muito antes de regressar à escola a noção da leitura e da escrita como um sistema
de representação.
O que temos em mente, quando nos referimos à leitura é que essa se dê
através da compreensão do sentido do texto, na multiplicidade dos portadores de
textos encontrados — livros, cartazes, placas, jornais, revistas, bulas de remédio,
embalagens, etc. Julgamos que, para alcançarmos essa meta faz-se necessário que
os textos sejam significativos, ligados ao cotidiano do alfabetizando. Nessa
perspectiva encontramos como sustentação de nossas convicções os estudos sobre
letramento, que pode ser conceituado “como um conjunto de práticas sociais que
usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetos específicos” (KLEIMAN, 1995, p.19). Partindo desse
conceito a autora nos indica, ainda, que temos na realidade de nossas escolas dois
modelos de letramento – autônomo e ideológico – e que esses modelos irão
influenciar diretamente nas atividades de alfabetização da escola. Após a descrição
de outra atividade, veremos mais detalhadamente o que a autora coloca acerca dos
dois modelos de letramento.
78
Atividades 2 e 3: Letra de música
Música1: Lamento Sertanejo
A aula foi iniciada com a escrita de duas palavras no quadro-de-giz:
MIGRAÇÃO / MIGRANTE. Foi solicitada aos alunos a leitura dessas. A professora
realizou a leitura das palavras e perguntou a turma qual o significado; ninguém
soube responder. Foi realizada uma explicação sobre o significado das palavras e,
em seguida iniciou-se uma conversa sobre o município de origem dos alunos, nesse
momento o grupo ficou mais descontraído e falou sobre sua terra natal e suas
características. Mais duas palavras foram escritas no quadro: RURAL / URBANA.
A partir daí a conversa foi conduzida com o objetivo de ressaltar as
diferenças entre a vida urbana e a vida rural. Foram levantadas algumas diferenças,
tais como: qualidade do sistema de saúde pública, transporte, segurança, custo de
vida, desemprego. Durante essa conversa informal, alguns alunos participam
ativamente, enquanto outros não aceitam e pedem para que a professora inicie logo
a aula. Existe um grupo que não aceita que a aula inicie através de conversa,
alegando que estão ali para escrever e a professora para ensinar. É quando a
professora esclarece que aquele momento já é a aula e, que mais adiante eles irão
compreender o porque.
O objetivo de toda conversa foi o de contextualizar a atividade de leitura da
letra da música Lamento Sertanejo, de Gilberto Gil e Dominguinhos (1973).
79
Por ser de lá, do Sertão, lá do Serrado
lá do interior do mato
da caatinga do roçado.
Eu quase não saio
eu quase não tenho amigos
eu quase que não consigo
ficar na cidade sem viver contrariado.
Por ser de lá
na certa por isso mesmo
não gosto de cama mole
não sei comer sem torresmo.
Eu quase não falo
eu quase não sei de nada
sou como rês desgarrada
nessa multidão boiada caminhando a esmo.
A letra da música foi escrita pela professora em papel madeira, sem o título,
e colada no quadro-de-giz para que todos pudessem ver. A professora aguardou
alguns minutos para que todos pudessem realizar a leitura silenciosa. Nesse
momento observamos que todos procuravam realizar a leitura, dar significado
àquelas palavras desconhecidas para eles.
80
Logo a seguir iniciou-se a interpretação coletiva do texto, a professora, como
de costume, foi direcionando as perguntas com o objetivo de auxiliar os alunos a
alcançarem o significado no texto. O grupo chegou a conclusão que a música fala
sobre o interior; Destacaram os elementos evidenciados por eles que determinam
esta relação — boiada, goiaba, roçado. Passados esse momentos iniciais, de
conversa e interpretação, foi realizada uma leitura coletiva, em voz alta.
Até então os alunos não sabiam que o referido texto tratava de uma letra de
música. Ficaram curiosos para saber quem cantava. Enquanto a professora buscava
conduzir a conversa para a personagem da música, o sertanejo, os alunos ficaram
curiosos para conhecer o ritmo e saber quem cantava. A professora foi lendo cada
verso, explicando o significado das palavras e os alunos curiosos acerca da autoria
da música.
Propositalmente foi suprimido o título da música. Depois da leitura em voz
alta e da leitura explicativa da professora, foi sugerido que o grupo realizasse a
escolha de um título para o texto. Nesse momento os alunos se calaram, pensamos
que não fossem mais participar, porém, após uns minutos de reflexão surgiram os
seguintes títulos: Sozinho, Triste, Solitário, Deprimido.
A atividade foi concluída quando a professora escreveu no quadro o título da
música, com o qual todos concordaram, afirmando que realmente combinava com a
música; bem como o nome dos autores. Nesse aspecto houve uma certa surpresa,
pois alguns achavam ser uma música de Chitãozinho e Xororó, pois segundo um
deles “Quem canta música falando do sertão são eles!”
13
.
13
Trascrição da fala de um aluno
81
Música 2: Asa Branca
A atividade proposta para esse dia foi a leitura da letra da música Asa
Branca, de Luiz Gonzaga. No início da aula, cada aluno recebeu uma folha com o
texto para ler sem que soubesse de qual música se tratava. Alguns alunos
reclamaram por ser música e não aula. A professora, mais uma vez, explicou que a
leitura da letra de uma música é um tipo de aula diferente, porém não deixa de ser
aula, pois eles estarão lendo e escrevendo.
Esclarecimento feito, foi solicitado que cada aluno realizasse uma leitura
individual. Num segundo momento a professora fez uma explanação, esclarecendo
que toda música é uma poesia. Prosseguiu a explicação expondo a diferença entre
estrofe e verso. Em seguida foi solicitado aos alunos que contassem o número de
versos e, posteriormente foi realizada, por duas vezes, uma leitura coletiva, com o
auxílio da professora. Enquanto liam, percebemos que alguns alunos achavam
graça das palavras grafadas de forma incorreta. Em seguida todos cantaram a
música, momento em que o grupo tornou-se bem animado.
Dando prosseguimento a atividade, a professora encaminhou uma discussão
sobre a música. Discussão esta com as características da interpretação de texto
utilizada convencionalmente por alguns livros didáticos, ou seja, as perguntas foram
formuladas na seqüência do texto. Ouviu-se então a música, cantada por Luiz
Gonzaga e uma nova leitura foi realizada, dessa vez identificando as palavras
amatutadas — termo utilizado pela professora. A cada verso lido os alunos iam
dizendo a forma correta de falar. Nesse momento a professora fez questão de
ressaltar que, na verdade, não é uma escrita errada e sim o modo de falar do
82
sertanejo. Podemos perceber a preocupação da professora em apontar e respeitar a
pluralidade cultural. Falaremos mais a esse respeito no desenvolvimento da análise
das atividades de escrita.
Observando as atividades desenvolvidas, percebemos ser a conceituação do
modelo autônomo de letramento (KLEIMAN, 1995) que prevalece no planejamento
da professora. Nesse modelo a escrita é vista como um produto completo,
independente de contextualização para ser interpretado. Nesse caso, a interpretação
está determinada pelo funcionamento lógico interno do texto escrito. Há uma
distinção entre comunicação escrita e oral, já que esta última está ligada à função
interpessoal da linguagem. Outras características desse modelo de letramento são:
¾ correlação entre a aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo:
Argumenta-se em trabalhos empíricos e etnográficos que têm comparado as
estratégias de resolução de problemas utilizadas por grupos sociais letrados e
não-letrados. Estes estudos partem da resolução de problemas de classificação,
categorização, raciocínio dedutivo lógico entre outros. Nesses estudos os sujeitos
letrados demonstraram maior desempenho na resolução dos problemas propostos.
Acredita-se que a aquisição da escrita será a responsável direta pelo
desenvolvimento cognitivo do indivíduo, pois foram os indivíduos letrados que
conseguiram resolver esses problemas com maior exatidão. Porém esses estudos
são realizados com sujeitos escolarizados, e como a escola, em praticamente todas
as sociedades, é a principal agência de letramento, fica difícil fazer a separação
entre sujeito escolarizado/alfabetizado com sujeito letrado. Dessa forma, o
desenvolvimento cognitivo que esse modelo de letramento atribui à escrita na
verdade é conseqüência da escolarização, pois esta prepara o indivíduo justamente
nesse aspecto do conhecimento.
83
¾ a dicotomização entre oralidade e escrita:
Para a Kleiman (1995) essa característica merece especial atenção, pois
não leva em consideração o aspecto lingüístico como denominador comum dos mais
diversos tipos de texto. A prática de letramento focalizada é a que leva à produção
do texto expositivo ou argumentativo, justamente o que mais se diferencia da
oralidade, principalmente o diálogo, sua forma mais comum. Aponta que alguns
autores, dentre eles Olson e Hildyard (1983 apud KLEIMAN, 1995, p. 28) defendem
esta concepção afirmando que “os enunciados orais convencionais tendem a ser
pouco planejados [...]. Os textos escritos, por outro lado, tendem a ser
cuidadosamente planejados [...]”. Todavia, percebemos que essas diferenças são
relativas, pois o “planejamento” dependerá do tipo de texto, considerando-se que
nem toda escrita é formal e nem toda oralidade é informal.
Porém, de acordo com os estudos de Kleiman (1995), outros autores, entre
eles Tannen (1980), Chafe (1984) e Bakhtin (1990), que trabalharam com a interface
entre a oralidade e a escrita, têm proposto um contínuo, no qual a oralidade partilha
mais traços com a escrita quando o foco está no conteúdo, ao invés de pólos
extremos de diferenciação. Partindo desses estudos podemos defender uma
mudança nessa visão entre oralidade e escrita, “Um olhar que veja a linguagem oral
e a escrita não através das diferenças formais, mas através das semelhanças
construtivas, permite que pensemos a aquisição da escrita como um processo que
dá continuidade ao desenvolvimento lingüístico ...]. (KLEIMAN, 1995, p.30)
¾ a atribuição de “poderes” e qualidades intrínsecas à escrita.
Essa concepção vem reforçar a tese sobre letramento e cognição, afirmando
que é através da aquisição da escrita que o sujeito transforma positivamente sua
84
condição cognitiva. Dentro dessa concepção mais uma vez a oralidade é colocada
como pertencente a uma cultura inferior e a escrita levará o indivíduo a um status
superior. Esta conclusão fundamenta-se numa complexa comparação entre
processos mentais orais e processos mentais característicos da escrita.
O modelo de letramento autônomo, além de favorecer o preconceito ainda
“[...] tem o agravante de atribuir o fracasso ao indivíduo que pertence ao grande
grupo dos pobres e marginalizados nas sociedades tecnológicas” (KLEIMAN, 1995,
p.33).
Uma outra questão que merece ser destacada é a reação negativa de alguns
alunos em relação à conversa informal desenvolvida pela professora no início da
atividade. Acreditamos que esse tipo de reação liga-se intrinsecamente à
representação social que os alunos fazem da escola.
Ressaltamos que esses alunos são “[...] marcados por experiências de
infância na qual não puderam permanecer na escola pela necessidade de trabalhar,
por concepções que os afastaram da escola[...]” (MOLL, 2004, p.11), dessa forma
torna-se natural que busquem resgatar na escola de hoje, a escola passado, de sua
infância. A escola da cópia, do caderno cheio de atividades e o visto da professora,
dos alunos dispostos uns atrás dos outros, do professor que ensina e do aluno que
aprende. Está aí a representação social que os alunos possivelmente têm de
escola.
Compreendemos que representação social é uma forma de conhecimento
coletivamente elaborada e partilhada, tendo um objetivo prático e servindo à
construção de uma realidade comum a um conjunto social. Moscovici (1981 apud
FREITAS E CAS, 2005.) nos aponta que a representação social pode ser
conceituada como:
85
“[...]um conjunto de conhecimentos, originados na vida cotidiana, por
isso senso comum, que tem por objetivo, comunicar, estabelecer
relações entre grupos sociais, embutir sentido ao comportamento, a
fim de tornar essas relações estáveis e eficazes. As representações
sociais ajudam a decodificar a vida cotidiana, tornando possível
atribuir a toda figura um sentido e a todo sentido uma figura.
(MOSCOVICI, 1981 apud FREITAS e CAS, 2005)
À luz de Freitas e Cas (2005, p.1, grifo nosso) vemos que as representações
sociais “nos permitem dar sentido/significado a um objeto, tomando as relações mais
complexas, elas trazem embutidas em si uma história, a história de cada
sujeito, suas particularidades”.
Nesse sentido, percebemos ser esta a expectativa dos alunos: a escola que
eles conheceram, que fracassaram e que querem resgatar. Sob o ponto de vista de
Moll (2004) essa é uma atitude comum em diversas salas de aulas de alfabetização
de jovens e adultos. Também vemos, retratadas por Fuck (2002), reações muito
semelhantes em seu trabalho de pesquisa com turmas de alfabetização de adultos.
Em nossa experiência, enquanto coordenadora pedagógica de diversas turmas de
alfabetização, também tivemos a oportunidade, em nossas visitas semanais, de
presenciarmos as queixas dos alunos a respeito da professora não “dar aula” e não
utilizar as práticas pedagógicas as quais estavam acostumados. Sob estas
perspectivas acreditamos, assim como as autoras anteriormente citadas, ser um
grande desafio do educador de jovens e adultos: desmistificar e romper com a
representação social de escola construída pelos alunos da EJA.
86
Atividades de escrita
14
Atividade 1:
A primeira atividade realizada a partir da leitura do texto com rimas,
anteriormente mencionado, foi escrever novas palavras partindo de uma palavra
dada, realizando apenas a troca de uma letra, determinada pela professora. Abaixo
veremos as palavras da atividade:
Rom
eu – Roma
Ro
ma
Ro
ca
Ro
da
Roga
Ro
la
Ro
sa
Ro
ta
Inicialmente os alunos não compreenderam o que deveria ser realizado, foi
necessária uma segunda explicação da professora para que a atividade fosse
14
As três atividades que serão expostas a seguir foram realizadas partindo das atividades de leituras
anteriormente descritas e possuem basicamente os mesmos princípios teóricos norteadores. Neste
sentido, faremos inicialmente o relato destas para posteriormente prosseguirmos com as análises.
87
realizada. Como de costume, a professora caminhou por entre as carteiras,
observando, pedindo que lessem as palavras para ela e auxiliando na realização da
atividade. No momento da correção todos alunos foram convidados a ir ao quadro,
mas apenas uma aluna se dispôs a fazê-lo. Após a escrita foi realizada uma leitura
em voz alta de todas as palavras.
Outra atividade realizada, na mesma aula, constava em formar palavras a
partir do nome Romário. Um fato interessante ocorreu nesta atividade, enquanto a
professora ia colocando as letras para formar o nome, alguns alunos, imediatamente
leram “romaria” , o que nos parece ser a utilização de uma estratégia de leitura —
antecipação, que consiste em tornar possível prever o que ainda está por vir, com
base em informações explícitas e em suposições. Após o término da escrita, a
professora leu com eles a palavra correta: Romário. A partir daí surgiram outras
palavras: Roma, Maria, ria, ia, amor, Raí.
Atividade 2
Partindo da atividade de leitura da letra da música “Lamento Sertanejo”, foi
iniciada a atividade de escrita. Cada aluno recebeu uma folha de papel ofício, na
qual deveriam ser escritas as características específicas da zona urbana e da zona
rural. A professora percebeu uma certa insegurança por parte dos alunos, pois estes
não manifestaram o desejo de escrever alegando “não saber juntar as letras”.
Deu-se, então, uma mudança na proposta inicial de trabalho individual e foi sugerido
o trabalho em dupla, pois, dessa forma, alegou a professora, “um colega poderia
ajudar o outro a escrever”.
88
Destacamos que a professora-participante sempre incentiva a escrita, pede
que escrevam “do jeito que sabem, pois o importante é escrever”. Como é sua
prática, vai caminhando entre as carteiras, lendo as escritas dos alunos,
incentivando e auxiliando aos que se sentem inseguros. Após um tempo de espera a
professora solicitou aos alunos que fossem ao quadro, para escrever as
características que foram colocadas no papel.
Boa parte da turma participa, quem tem vergonha de ir ao quadro é
respeitado em sua vontade, mas não deixa de ser incentivado a participar. Os que
vão ao quadro, têm sua escrita avaliada naquele momento por todos: terminada a
escrita os alunos são solicitados a ler em voz alta e, se a palavra ficar incompleta,
deverão ajudar no sentido de apontar o que está faltando.
Atividade 3:
Após a leitura da música Asa Branca foi solicitado aos alunos a
discriminação da palavra com grafia “errada” e, posteriormente sua escrita correta.
Para tanto os alunos iam dizendo as letras em conjunto. No início da atividade a
professora fez questão de ressaltar que, na verdade não é uma escrita errada e sim
o modo de falar próprio do sertanejo.
Partindo dessas atividades de escrita podemos perceber diversas
perspectivas que norteavam a prática da professora naquele momento. Assim
sendo, iremos apontar alguns aspectos e buscar um maior esclarecimento acerca
deles.
89
Um primeiro aspecto se refere à concepção de escrita, vista naquele
momento como um produto escolar, um sistema abstrato de signos, independente
de seu aspecto social.
Tendo em vista que o homem é um ser social e a linguagem, o instrumento
das interações sociais que possibilita ao sujeito pertencer a uma cultura, a
linguagem, nessa perspectiva, não é compreendida como sendo um sistema
abstrato de signos e normas ou, apenas, atividade verbal. A linguagem vai muito
além: é toda e qualquer forma de expressão construída historicamente pelo homem.
Como linguagem, a escrita é entendida enquanto fruto da construção social,
ou seja, o aprendiz constrói seus conhecimentos na interação com o mundo,
interação essa permeada pela presença do outro/social. Nesse sentido, Silva e
Souza (1991) nos indicam que Vygotsky (1896 -1934) atribui à escrita um caráter
social, um sistema particular e unificado de símbolos e de signos, bastante
complexo, resultante da interação entre o homem e a realidade social em que o
mesmo está inserido. No mesmo sentido, a pesquisadora Ferreiro (2001a, 2001b,
2001c) afirma que escrita não é somente a produção de marcas gráficas, mas a
interpretação dessas marcas, ou seja, a escrita é vista como um sistema de
representação. Se adentrarmos na história do desenvolvimento da escrita,
perceberemos que existe uma estreita relação entre as características e histórias
dos povos e o uso social de sua escrita.
Nesse sentido, para compreendermos o processo de construção da escrita,
precisamos, antes de qualquer coisa, compreendermos o que é escrita e quais
visões norteiam esse conceito, pois a partir daí poderemos compreender os
diferentes caminhos seguidos na prática pedagógica através dos tempos.
90
Como dito anteriormente, a escrita é um produto social, construído
historicamente pelo homem. Nesse sentido, encontramos, em consonância com
Ferreiro (2001a, 2001b, 2001c.), Bajard (2002), entre outros, duas diferentes
concepções para a língua escrita:
a) código de transcrição: a linguagem é reduzida a uma série de sons, ou seja, a
escrita é a decodificação de fonemas em grafemas. Dessa forma, no processo de
alfabetização os aspectos gráficos são destacados, em detrimento dos aspectos
construtivos.
b) sistema de representação gráfica da língua: nesta concepção sua
aprendizagem significa a construção de um novo objeto de conhecimento, a
estrutura do sistema alfabético enquanto representação da língua. Para Souza e
Silva (1991, p.12, grifo nosso) “Esse enfoque privilegia a escrita como um objeto
substituto, que é diferente da linguagem oral; portanto a escrita não é a simples
transposição gráfica da linguagem oral.”
Para Vygotsky (apud SOUZA E SILVA, 1991, p.12) a escrita pode ser
caracterizada como:
[...] uma linguagem feita apenas de pensamento e imagem, faltando-
lhe as qualidades musicais, expressivas e de entonação,
características da linguagem oral. [...] A escrita é também um
discurso sem interlocutores, dirigido a uma pessoa ausente ou
imaginária ou a ninguém em particular [...]
Bajard (2002) aponta que em função dos diversos usos sociais tanto da
escrita quanto da oralidade em diferentes épocas, uma dessas concepções
prevaleciam sobre a outra. Em nossa tradição escolar, vimos, durante várias
91
décadas, a escrita ser tratada como transcrição do oral, gerando práticas
pedagógicas descontextualizadas, com objetivo de treino de uma técnica, como na
atividade anteriormente descrita.
Outro aspecto que destacamos é a ausência da livre expressão e,
conseqüentemente do texto livre, onde cada um tem a oportunidade de expressar
seus sentimentos e suas opiniões. O educador Celéstin Freinet
15
(1896-1966)
defendia a livre expressão como um princípio pedagógico e, “divulgava o ensino da
leitura [...] a partir de textos livres das crianças.” (VILAPLANA, 2003, p.74).
Na definição de Freinet (1975, p.60) “Um texto livre é, como a sua definição
indica, um texto que a criança escreve livremente, quando tem o desejo de fazer, em
conformidade com o tema que a inspira. Não é aconselhável, por conseguinte, a
imposição de um assunto [...]”
Leite Filho (2005, p.6) nos mostra que “A livre expressão faz eclodir na
classe um clima privilegiado de liberdade, autodisciplina e confiança. Vivência de um
espaço de troca, respeito mútuo e cooperação que constituirão uma escola viva [...]”.
O texto livre, contrapondo-se à redação tradicionalmente usada nas escolas,
é aquele realizado pelo autor a partir de suas idéias, sem tema pré-definido pelo
professor e nem prazo para entrega. Deve ser livre na forma — tipologia textual — e
no tema. É uma das técnicas freinetianas que carrega consigo múltiplos valores, tem
a função de explicitar nossas idéias, sentimentos, pensamentos; também vai
propiciar aos alunos realizarem uma reflexão acerca da realidade em que vivem.
15
Esclarecemos que, apesar de toda obra de Freinet ter como sujeito-cognocente a criança, podemos
aplicar alguns de seus conceitos e técnicas à Educação de Jovens e Adultos. Neste sentido,
destacamos a experiência pioneira do Programa GerAção Cidadã – Reduzindo o Analfabetismo
(SME/UFRN) do qual fazemos parte da equipe técnico-pedagógica desde sua implantação no
segundo semestre de 2001.
92
(BRUGUERRA, 2003).
Para o desenvolvimento dessa técnica Bruguerra (2003) aponta a
necessidade de seguirmos algumas fases:
x Escrita do texto, que se constitui numa atividade criativa e individual;
x Leitura diante de todo o grupo, onde podem ser trabalhadas a entonação e a
dicção, além de possibilitar vencer as barreiras da timidez;
x Comentário do texto de forma coletiva.
Um último aspecto a ser analisado refere-se, especificamente, à terceira
atividade, na qual a professora solicita aos alunos que realizem a identificação das
palavras com grafia errada e, posteriormente, a escrita dessas utilizando a forma
correta, ou seja, a norma culta. Destacamos o cuidado da professora em ressaltar
que estas palavras no texto na verdade não podem ser consideradas como erradas,
apenas marcam a maneira própria de falar do sertanejo.
Nesse momento percebemos que a professora, no seu fazer pedagógico, tem
a preocupação em apontar com receptividade as diferenças culturais da sociedade
brasileira, agindo em consonância com o texto da Proposta Curricular:
segmento [1ª a 4ª série] (BRASIL, 2001, p. 188), no qual registra-se a
necessidade ao respeito pela pluralidade cultural do povo brasileiro: “[...] a
sociedade brasileira comporta uma grande diversidade cultural que deve ser
encarada como um patrimônio a ser preservado e enriquecido.[...]”.
A atual sociedade brasileira é o resultado da afluência de diversos povos
chegados ao território brasileiro com as diversas invasões ocorridas ao longo de
nossa história. Com a influência dessa diversidade de etnias, portadoras de valores,
culturas, vivências e experiências distintas formou-se o povo brasileiro, marcado
pela pluralidade cultural.
93
Essa pluralidade vê-se nas ruas, nos diversos sotaques, expressões, hábitos
alimentares e manifestações culturais ao longo das cinco regiões brasileiras.
Também nas salas de aula de Educação de Jovens e Adultos, graças às migrações
internas, temos uma pequena amostra da diversidade cultural brasileira. Dessa
forma, o professor não pode se furtar a reconhecer, considerar e fazer respeitar os
diversos modos de ser do povo brasileiro.
Nessa mesma perspectiva Freire (1999, p. 46-47) aponta que a “questão da
identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos
educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa
progressista, é problema que não pode ser desprezado.” Vemos então, o quão
significativo se torna nas práticas pedagógicas o cuidado dos professores em
destacar as diversas linguagens da cultura brasileira. A seguir veremos em outra
atividade mais uma vez, o cuidado com nossa pluralidade cultural.
Um fato que merece destaque é a relação feita pela professora entre seus
conhecimentos teóricos e sua prática pedagógica. Quando indagamos a professora-
participante acerca de sua concepção sobre alfabetização, obtivemos como
resposta:
Alfabetização é trabalhar o aluno para que ele seja capaz de
conviver com as situações da vida, em todos os sentidos, saber
resolver seus problemas no dia-a-dia. Talvez não aprender a ler
corretamente, mas pelo menos, saber alguma coisa que possa
se desenrolar na vida. Se sair nas situações, saber pegar um ônibus,
saber ir a um médico e pegar a receita e saber comprar seu
remédio.Ir ao supermercado e levar sua notinha e saber o que fazer.
Alfabetização para mim é isso, é você ajudar ao aluno a chegar a
isso.
94
Podemos avaliar, a partir desta resposta, que a professora tem como
conceituação a alfabetização na perspectiva do letramento, que “pressupõe que as
várias práticas de letramento são sociais e culturalmente determinadas” (DURANTE,
1998, p.26), que se refere ao modelo ideológico de letramento explicitado por
Kleiman (1995). Todavia, o que observamos nas atividades iniciais é, como foi visto
anteriormente, a escrita vista como um fim em si mesma, um objeto escolar, e
contrapondo-se ao conceito de alfabetização descrito por ela.
Atividade 4: Culminância do trabalho da semana com tema gerador
Nesse dia a professora chegou mais cedo para preparar a sala de aula, pois
no planejamento da semana estava previsto um lanche coletivo com o objetivo de
concluir as atividades realizadas durante a Semana do Folclore. Para compor a
decoração foram colados na parede cartazes com os nomes das comidas típicas do
Rio Grande do Norte e figuras representando os personagens mais conhecidos do
folclore brasileiro: saci-pererê, mula-sem-cabeça, curupira, entre outros. Também foi
organizada uma mesa para a disposição dos pratos típicos trazidos pelos alunos.
A aula iniciou como de costume, com uma conversa introdutória, na qual a
professora recordou com os alunos o que haviam estudado durante a semana.
Recordaram alguns provérbios populares, frases de pára-choques de caminhão e
advinhas. A turma participou ativamente desse momento, pois durante toda a
semana esse foi o tema de todas as atividades organizadas pela professora.
Para a atividade de escrita, foram deixadas sobre uma mesa diversas
gravuras: animais, comidas, pessoas, dentre outras; cada aluno deveria escolher
uma imagem e a partir dela escrever um provérbio e criar uma advinha. No início os
95
alunos ficaram relutantes, porém, assim que o primeiro se levantou para escolher
sua gravura os outros foram se movimentando também.
Mesmo já tendo trabalhado com adivinhas e provérbios, alguns alunos
sentiram dificuldades em começar a escrever. Um aluno em especial, Delfin,
solicitou nosso auxílio, alegando não saber escrever. Outra aluna, Peixes, pegou
sua figura, mas também se recusou a escrever por não saber juntar as letras.
Também Altar demonstrou insegurança em relação à atividade. Ficou a olhar para a
figura escolhida sem saber como escrever o que desejava, aguardando auxílio.
Percebendo tamanha fragilidade por parte dos alunos, a professora começou
a ajudá-los de forma coletiva: lendo para eles os provérbios estudados no dia
anterior e dando sugestões para a escrita. Também orientou àqueles que não
sabem realmente escrever que construíssem desenhos, transformando a figura em
um cartaz.
No período em que foi aplicada essa atividade, já estávamos realizando
nossas observações na condição de participante. Dessa forma nossa ação enquanto
observadora-participante foi a de percorrer a sala de aula, ouvir os alunos e
procurar auxiliá-los na realização da atividade.
Após um período de instabilidade a turma foi conseguindo realizar o que foi
proposto: uns desenhando e outros escrevendo. Para concluir o trabalho a
professora convidou-os a apresentarem suas produções ao grande grupo.
Acreditamos que essa atividade pode sintetizar boa parte do trabalho
pedagógico realizado pela professora-participante nos primeiros meses de
observação. Marca o início de uma sutil mudança em seu trabalho pedagógico, já
que ocorreu no segundo semestre do ano letivo, após um período de estudos e
reflexões.
96
Podemos também observar, ao longo dessa atividade diversos valores sendo
contemplados, dentre os quais podemos pontuar:
x tentativa de trabalho com o texto livre, apontado anteriormente, porém, ainda
longe da livre expressão, já que a escrita do texto foi norteada por um tema gerador,
uma das marcas da metodologia freireana;
x valorização do saber do educando, de sua história e de sua identidade
cultural, já descritos em atividade anterior;
x utilização desse saber como ponto de partida para a escolha dos assuntos a
serem trabalhados em sala de aula.
Concluímos este item fazendo referência à utilização de um tema gerador —
Folclore. O termo tema gerador nos remete a idéia de interdisciplinaridade presente
na proposta de alfabetização de Paulo Freire (1921-1997), pois “tem como princípio
metodológico a promoção de uma aprendizagem global, não fragmentada” (COUTO,
2005, p.153). Durante a semana na qual o tema gerador foi trabalhado, foram
organizadas diversas atividades, nas diversas áreas: linguagem escrita e
matemática. Contemplando também as Ciências da saúde e sociais, conhecimento
popular — nas lendas e mitos — em contraponto ao conhecimento científico.
3.2 - Professora e alunos: uma relação construída
[...] Só existe saber na invenção, na
reinvenção, na busca inquieta, impaciente,
97
permanente, que os homens fazem no
mundo, com o mundo e com os outros. Busca
esperançosa também. (Paulo Freire)
Um fato que merece destaque é a maneira como ocorre a relação pedagógica
— mediação da aprendizagem — entre professora e alunos: uma relação de
amizade, respeito e profissionalismo, porém, em alguns momentos, contraditória.
Severino (1994, p.46) nos aponta que “[...] devemos entender por mediação:
elemento de que nos servimos para apreender o sentido de um outro elemento, ao
qual não podemos ter acesso direto. [...]”, nesse caso, as ações da professora em
relação aos alunos e o objeto do conhecimento: a língua escrita em toda sua
complexidade e funções sociais.
Como a ação pedagógica é sempre intencional, compreendemos, que no
embasamento dessa ação, “[...] estaria presente — implícita ou explicitamente, de
forma articulada ou não — um referencial teórico que compreendesse conceitos de
homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento etc”. (MIZUKAMI,1986, p.4).
Nesse sentido pretendemos analisar a ação pedagógica da professora-participante
tendo em vista duas abordagens pedagógicas antagônicas pelas quais seu trabalho
é norteado: a tradicional e a sócio-cultural.
No seu fazer pedagógico, a professora-participante oscila entre uma postura
tradicional de transmissora de conhecimentos e, em outros, a de facilitadora da
aprendizagem. Como dito anteriormente, a professora-participante é extremamente
comprometida com seu trabalho, preocupa-se em dar o melhor de si e é muito
atenciosa com todos os alunos. Durante todo o período no qual estivemos em sala
de aula nos foi possível presenciar momentos bastante agradáveis dessa relação.
98
Sempre inicia suas aulas com uma conversa informal, seguida de uma
explanação do conteúdo e da atividade a ser realizada; nesse momento,
evidencia-se, então, uma postura mais tradicional de ensino. No decorrer da aula, no
momento no qual os alunos estão fazendo as atividades propostas, assume uma
outra postura: caminha pela sala de aula, vai à cada carteira, olha cada atividade, se
for necessário repete a orientação dada e está sempre disposta a ajudar e a
incentivar a todos os educandos.
Em todas as atividades propostas, faz questão de explicitar o motivo que a
levou a realizar o planejamento. Procura fazer com que todos participem das
discussões e correções no quadro, respeitando o desejo deles — só vai ao quadro
quem quer, não existe uma cobrança, somente apoio. Em contradição a essa
postura, a professora, em alguns momentos não acredita na capacidade de
aprendizagem de certos alunos. Nos foi revelado em uma situação de planejamento:
“Você está muito otimista! Eles (alunos) não vão conseguir realizar isso”
16
Em nossas observações percebemos uma dualidade de posturas e/ou
concepções em relação ao processo de ensino e aprendizagem. Ora realiza a
intervenção característica da abordagem tradicional, ora mediação, mais adequada
ao conceito de educação mais progressista, onde o aluno é visto como o sujeito da
aprendizagem. Em nossos momentos de conversa informal a professora-participante
afirma que: “No meu trabalho sou mais pelo tradicional mesmo, não sei fazer
diferente”.
17
Na ação pedagógica norteada pela abordagem de educação tradicional temos
16
Transcrição da fala da professora.
17
Transcrição da fala da professora.
99
como eixo central os conteúdos escolares. É centrada na figura do professor, cuja
principal função é transmitir o conhecimento historicamente construído pelo homem.
É a educação bancária criticada por Freire (1983), ou seja, uma educação que se
caracteriza por depositar, no aluno, conhecimentos. Nessa abordagem o aluno é
visto como um elemento passivo, que recebe e assimila o que lhe é transmitido, sem
que haja uma interação entre este e o conhecimento. A ênfase está na memorização
e na reprodução do conteúdo por meio de exercícios. Temos como exemplo dessa
abordagem, em nossa sala de aula um exercício de substituição de letras, visto
anteriormente.
Freire (1983) afirma que na abordagem tradicional o educador ao invés de
comunicar-se com os alunos faz comunicações. Na mesma afirmação, Freire (1983,
p.67-68) também pontua algumas características dessa abordagem:
a) o educador é o que educa, os educandos, os que são educados ;
b) o educador é o que sabe, os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos os que a
escutam;
e) o educador é o que disciplina; os educandos os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os
que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de
que atuam, na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos,
jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos;
estes devem adaptar-se às determinações daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos,
meros objetos.
Destacamos que, apesar das críticas a esse tipo de educação e aos que dela
se utilizam, Freire (1983) também postula a hipótese de que os mesmos educadores
100
que oprimem, são de certa maneira, oprimidos, já que nem sempre percebem serem
instrumentos de manipulação por parte da classe dominante.
Em contraposto a abordagem tradicional, ou educação bancária (FREIRE,
1983) encontramos a abordagem sócio-cultural — educação libertadora. Segundo
Freire (1983), onde os educandos são percebidos como sujeitos de sua própria
aprendizagem. Mizukami (1986, p.86) nos aponta que “sendo o homem sujeito de
sua própria educação, toda ação educativa deverá promover o próprio indivíduo e
não ser instrumento de ajuste deste à sociedade.” Nessa abordagem a dialogicidade
é o eixo central de todo trabalho pedagógico, o papel do professor consiste em
proporcionar em conjunto com os alunos as condições para que se promova a
aprendizagem, tendo como objetivo o desenvolvimento da consciência crítica.
Dessa forma, professor e alunos são sujeitos de um processo em que
crescem juntos, pois “[...] ninguém educa ninguém, ninguém se educa, os homens
se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, 1983, p.79).
A mediação da aprendizagem, nessa perspectiva, põe em evidência o papel
de sujeito do aluno e fortalece o seu papel ativo nas atividades que lhes permitirão
aprender, bem como renova o papel do professor e permite a entrada de novos
materiais nos ambientes de aprendizagem.
Nesse sentido, acreditamos que o professor deve ser um mediador da
aprendizagem e não um transmissor de informação. Compreendemos que a
mediação pedagógica pode ser considerada como:
“ o tratamento de conteúdos e das formas de expressão dos
diferentes temas, a fim de tornar possível o ato educativo dentro do
horizonte de uma educação concebida como participação,
criatividade, expressividade e relacionalidade. (Gutierrez e Prieto,
1994 apud Soffner, 2005)
101
Constitui-se num movimento de relações que permitem a criação e recriação
de estratégias que possibilitem ao aluno atribuir sentido ao seu objeto do
conhecimento, fortalecendo seu papel enquanto sujeito de sua aprendizagem.
Demanda do professor uma postura reflexiva no sentido de estar constantemente
avaliando e revendo sua prática; bem como criticidade para perceber-se enquanto
agente de mudança em uma abordagem libertadora.
Diante do exposto podemos confirmar o dito inicialmente: a contradição
percebida na prática pedagógica da professora. Contradição essa bem marcada no
seu fazer pedagógico e em suas falas.
Não podemos afirmar ser uma prática pautada apenas pela abordagem
tradicional de educação, já que, na maioria das vezes há uma relação horizontal, de
diálogo entre professora e alunos. Entretanto, também não é possível afirmar ser
uma prática libertadora, construtivista, já que a própria professora afirma ter
dificuldades em trabalhar de maneira diferente. Acreditamos que essa dificuldade
advém da formação inicial recebida pela professora durante o curso de Pedagogia.
Dessa forma, acreditamos que existe um longo caminho a ser percorrido, um
caminho de reflexão acerca de sua prática. Reflexão essa, acreditamos, ter iniciado
a partir do momento que começamos nosso trabalho de pesquisa.
3.3 - Docentes em ação: construindo possibilidades
“Aí no dia em que você estiver lá, você pode
interferir, certo? Porque eu vou dizer a eles
102
(alunos) que você vai estar lá com a gente
uma vez por semana, que vai nos ajudar.
Então você pode entrar para interferir e me
dizer depois: Professora, você aqui pode
melhorar se você fizer assim... Porque você
tem experiência de observação das suas
outras atividades.” (Professora-participante)
Nesse item descreveremos algumas das atividades realizadas a partir do
planejamento conjunto entre professora-pesquisadora e professora-participante. Os
planejamentos ocorreram após um período de estudos, reflexões e discussões, onde
vislumbramos a possibilidade da construção de um fazer pedagógico norteado pelo
referencial teórico de Emília Ferreiro
18
que preconiza a realização de atividades mais
próximas da realidade do aluno adulto, respeitando suas peculiaridades, seus
conhecimentos prévios e seus interesses.
Antes de adentrarmos nas atividades propriamente ditas, conheceremos um
pouco mais do trabalho inicial da professora-participante. Por intermédio dos relatos
retirados de nosso primeiro encontro — a entrevista — fomos tomando
conhecimento de sua realidade. Conversamos acerca dos alunos (oito) que até
aquela data não haviam comparecido a aula. A professora afirmou que ainda
poderiam aparecer:
Não apareceram ainda, às vezes aparecem, estão matriculados.
— Então eles aparecem depois?
— Aparecem depois... Tem gente que aparece depois de um
tempão”.
Como você trabalhou com eles nesse período?
Bem, nesse período, eu com gente que já fez até a 5ª série, eu
trabalhei textos, e fiz ... Dia Internacional da Mulher, fiz trabalho de
colagem, também de texto, produção de texto, né? Enfim, eu não
podia... dar início ao trabalho, a turma misturada... é muito difícil.
18
Los adultos no-alfabetizados y sus conceptualizaciones del sistema de escritura (1983).
103
E os que não conseguem acompanhar, não estavam se
sentindo mal?
Sentiram-se, mas acontece, agora a maioria minha se sentia
mal, mas aí tem que ser assim: colavam, faziam desenho...
Prosseguindo com a entrevista buscamos conhecer qual o conhecimento da
professora acerca da conceituação e das práticas de letramento:
Então letramento seria ele saber identificar a marca de Cola-
cola e alfabetização seria saber escrever e ler? Saber comprar a
marca Brilux, só uso Brilux, ele diz. Não é isso? É justamente pegar
a marca Brilux e ele é alfabetizado se souber escrever Brilux. Ele
identifica o Brilux porque reconhece algumas características, sem
que necessariamente saiba ler. Tem as letrinhas azuis de Brilux, a
Marilena é verdinha...
Você me deu mais um exemplo de um evento de letramento,
mas letramento tem uma conceituação. Então pra você, por esse
exemplo o que seria esse letramento na vida da pessoa? No aluno?
O que seria? Não seria a identificação, da.., das ... Eu
realmente tenho essa dificuldade, de não saber essa diferenciação,
entre alfabetização e letramento.
Com a aplicação do questionário, nos foi possível compor um quadro
referente às atividades realizadas pela professora-participante no ano anterior a
nossa pesquisa:
Freqüência
Atividades
1ºSemestre 2ºSemestre
Leitura de histórias e de outros textos para os
alunos
TD TD
Leitura silenciosa pelos alunos TD TD
Leitura em voz alta pelos alunos TD TD
Interpretação de texto por escrito TD TD
Reprodução oral de textos conhecidos TD TD
Escrita de palavras conhecidas e/ou frases TD TD
Estudo de palavras retiradas de textos TD TD
Treino ortográfico TD TD
104
Atividades de reconhecimento de letras,
especialmente as iniciais
TD TD
Atividades com os nomes dos alunos TD TD
Cópia dirigida 2X TD
Formação de frases com palavras
conhecidas
2X TD
Ditado de palavras ou frases já estudadas 2X TD
Correção coletiva dos textos escritos 2X TD
Reprodução escrita de texto 2X 2X
Produção de texto coletivo 2X 2X
Produção de texto por escrito 2X 2X
Separação de sílabas 2X 2X
Correspondência entre palavras e gravuras 2X 2X
Atividades de gramática 2X 2X
Atividades com vogais e encontros vocálicos 2X 2X
Produção de texto à vista de gravura 1X 2X
Produção de texto a partir de seqüências de
gravura
1X 2X
Ditado de palavras desconhecidas, para
diagnosticar as hipóteses de escrita
1X 1X
Escrita e leitura de famílias silábicas M M
Dramatização de histórias lidas O O
Cópia de lousa, cartilha e/ou livros O O
Coordenação motora O O
Jogos para alfabetizar (dominó de sílabas,
correspondência gravura-palavra, quebra-
cabeça de figura-palavras, etc.)
OO
Quadro 4: Atividades realizadas no ano letivo de 2003.
LEGENDA
TD – Todos os dias 2X – 2 vezes por semana 1X – 1 vez por
semana
Q – 1 vez por quinzena M – 1 vez por mês O – uma
ou outra
no ano
N - nunca
A partir do quadro, podemos ter uma idéia do fazer pedagógico dessa
professora. Evidencia-se uma predominância de atividades cujos objetivos são
instrucionais, como por exemplo o treino ortográfico. A utilização dessas atividades
demonstra, a princípio, uma concepção de alfabetização como um “[...]processo de
aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita. [...] algo que
105
chega a um fim” (TFOUNI, 1988, p. 12). Nesse sentido, a escrita vem sendo tratada
como um objeto escolar e não um objeto social (Ferreiro, 2001a, 2001b, 2001c).
Após um período de estudos e reflexões, passamos a planejar juntas as aulas
realizadas durante os dias de pesquisa de campo. Nos momentos de planejamento,
além das atividades habituais da professora, sugerimos o trabalho com projetos, fato
esse que inicialmente gerou desconfiança por parte da professora-participante:
“Você está sendo muito otimista, os alunos não vão conseguir dar conta disso”
19
, ela
dizia, porém, com o passar do tempo o pessimismo transformou-se em confiança.
Atividade 1: Trabalhando com formulários
Iniciamos o trabalho utilizando uma ficha modelo idealizada por nós, onde
constavam algumas informações básicas, tais como: nome, data e local de
nascimento, entre outras. Para a realização dessa atividade, cada aluno recebeu
uma ficha e, individualmente foi convidado a observá-la e buscar identificar quais
palavras eram conhecidas. Em seguida, cada aluno foi preenchendo o espaço com
seu nome completo. Nossa mediação não se fez necessária, pois todos já sabiam
escrever o próprio nome. Iniciar com o preenchimento do nome próprio fez com que
os alunos tivessem mais confiança em sua capacidade de escrever, pois puderam
perceber-se com algum conhecimento.
O próximo item preenchido foi referente à data de nascimento, nesse
momento em que foi necessária a mediação das professoras. Não havíamos
19
Transcrição da fala da professora-participante.
106
observado anteriormente que boa parte de nossos alunos desconhecia a relação do
nome com o número de ordem do mês e, o espaço reservado foi previsto para a
escrita do número referente ao mês e não a escrita do nome deste.
Conseqüentemente, foi necessário realizarmos uma pausa no preenchimento da
ficha para construirmos, em conjunto, uma lista com os nomes dos meses e seus
respectivos números. Com esse procedimento a questão foi resolvida, cabendo aos
alunos buscar o nome do mês de nascimento e seu número correspondente para
dar prosseguimento ao preenchimento.
Nos outros dias, para darmos continuidade à atividade foi necessário
recorrermos à construção de outras listas. Ressaltamos que o grupo com qual
estávamos trabalhando naquele momento possuía escrita pré-silábica. Dessa forma,
nossa mediação fez-se necessária em cada etapa da atividade.
Com a intenção de deixá-los mais seguros, partimos para a construção de
listas com os nomes das suas cidades de origem e nome das ruas onde moravam.
Para construção dessas listas fomos trabalhando em conjunto, partindo inicialmente
de uma conversa informal. Em seguida procedíamos à escrita do nome das cidades
e, posteriormente, das ruas no quadro de giz para que todos pudessem ler e,
posteriormente buscar as informações necessárias. O envolvimento foi muito
grande, todos queriam participar e descobrir como escrever sem faltar nenhuma
letra.
Nesse movimento, fomos construindo nossa ficha modelo. Todos participando
e procurando cooperar uns com os outros. Esses momentos foram muito ricos para
nós professoras, pois, a partir das dificuldades apresentadas fomos planejando
outras aulas, com temáticas partindo da necessidade e/ou interesse do grupo.
107
Posteriormente deu-se o trabalho de preenchimento do formulário da
Declaração Anual de Isento — DAI (ANEXO E). Como esse formulário é mais
complexo, no dia anterior a aula planejada para esse fim, solicitamos aos alunos que
levassem para a sala de aula seus documentos: carteira de identidade, CPF e título
de eleitor, bem como um comprovante de residência.
Vale ressaltar que esse momento ocorreu com toda a turma, no segundo
semestre, quando os alunos estavam bem mais seguros em relação à leitura e a
escrita.
Iniciamos o trabalho apresentando o formulário, esclarecendo que, naquele
caso, diferente da ficha utilizada no primeiro semestre, cada letra deveria ocupar o
espaço reservado. O fato causou um certo desconforto em alguns alunos, pois estes
acreditavam não conseguir escrever em espaços tão pequenos. Desconforto esse
resolvido devido à intervenção de um aluno que lembrou ao grupo ser esta a forma
que encontramos todos os formulários: “— Se você for fazer isso na rua é assim
mesmo e nem tem a professora pra ajudar, Vamos aproveitar aqui pra não fazer feio
lá fora!”
20
Para darmos prosseguimento ao preenchimento do formulário da DAI, foi
necessária uma maior intervenção/mediação, pois, para tanto, eram exigidas
diversas habilidades: ler os dados do formulário, buscar as respostas em seus
documentos e/comprovantes de residência e escrevê-los nos espaços reservados.
Isto os tornou, em alguns momentos, um tanto inseguros, porém depois de algumas
conversas e, posteriores vitórias foram percebendo sua capacidade para realizar tais
tarefas.
20
Transcrição da fala do aluno.
108
Para darmos conta de todos os formulários, foram necessários três dias de
trabalho, pois estávamos trabalhando com toda a turma e, tínhamos cerca de trinta
alunos em sala de aula. Mesmo assim, a atividade foi muito bem desenvolvida, os
alunos participaram ativamente.
Podemos afirmar, diante do exposto, que os resultados de ambas as
atividades foram bastante significativos para todos: professoras e alunos.
Percebemos um grande envolvimento, por parte de todos. Ressaltamos que
inicialmente nossos alunos eram inseguros da sua própria capacidade em aprender,
fato comum em alunos adultos (OLIVEIRA, M., 1999), porém, após vencerem
algumas etapas foram percebendo-se como sujeitos de sua própria aprendizagem e
(re)construtores de sua história escolar. Alcançamos os objetivos almejados:
desenvolvermos atividades de leitura e escrita significativas, além de contribuirmos
para a melhora da auto-estima do aluno
Destacamos que durante a execução das atividades buscamos utilizar-nos
dos eventos e práticas de letramento, procurando seguir o modelo ideológico,
descrito por Street (1984 apud KLEIMAN, 1995), no qual considera-se que todas as
práticas de letramento são aspectos não só da cultura como também das estruturas
de poder numa sociedade. Tomando como referência a visão de letramento como
uma prática sociocultural multifacetada, dessa forma também consideramos eventos
e práticas de letramento as diversas interações orais realizadas em sala de aula.
Atividade 2: Construção do jornal da turma
Na verdade, mais que uma atividade, a construção do jornal foi um projeto
desenvolvido durante os meses de outubro e novembro de 2004. No momento do
109
planejamento a professora-participante mostrou-se pouco pessimista: “Eles não
estão preparados, é muita coisa!”. Todavia, com o desenvolvimento do projeto, foi
percebendo ser possível ousar e construir com os alunos algo a mais do que
convencionalmente já havíamos realizado posteriormente.
Iniciamos nosso projeto com atividades de leitura de jornais e revistas na
biblioteca da escola. Vale ressaltar que essa foi a primeira visita da turma ao local,
pois em outros momentos não nos foi possível levá-los. Como alguns de nossos
alunos ainda estavam em processo de aquisição da leitura e da escrita, as
atividades iniciais foram de leitura seguida de discussão acerca dos títulos de artigos
de revistas e manchetes da primeira página dos principais jornais de nossa cidade. A
professora-participante foi passeando pela biblioteca, parando em cada grupo,
incentivando a leitura e explicando qual a função do título em um texto, pois, naquele
momento a leitura era voltada para o teor dos títulos e para a importância destes na
compreensão do texto.
Após um período de leitura cada dupla foi convidada a falar sobre o título
escolhido e a professora-participante foi realizando intervenções. Ressaltamos que
nesse momento a turma foi muito participativa. Foram realizadas discussões acerca
dos supostos conteúdos das notícias e todos procuraram emitir sua opinião. A boa
surpresa foi o aluno Lagarto, pois pela primeira vez desde o início do ano, participou
ativamente da aula, auxiliando os colegas e posteriormente opinando nas
discussões.
Percebemos, no momento dos debates, que a interpretação dos títulos estava
diretamente ligada à imagem e ao conhecimento de vida dos alunos.
Os títulos escolhidos foram os seguintes:
x A TV está ruim
x O que falta é afeto
110
x AIDS na Índia: a tragédia do preconceito.
x Um mundo arriscado e hostil
x Educar dá lucro
x No coração do mercado
x A guerra de traficantes na Rocinha
x Deixem Daiane viver
x A piada que assusta
x O terrorismo da pobreza
Ao final das discussões voltamos para a sala de aula. Como todos
manifestavam o desejo de escrever, decidimos escrever os títulos no quadro para
serem copiados
21
. Foi solicitado que cada aluno sublinhasse o título escolhido na
biblioteca.
Em outro momento foi realizada a leitura dos jornais que circulam em nossa
cidade. A turma foi dividida em duplas e cada dupla recebeu um jornal para que
fosse manuseado e lido.
21
Realizar cópias é uma necessidade de nossos alunos. Se não “tiram” do quadro acham que não
houve aula.
111
Foto 6: Lendo o jornal
Foto 7: Lendo o jornal
112
Após esta etapa, partimos para a organização de nosso jornal: divisão das
seções e dos grupos responsáveis por cada seção. Ressaltamos que todas as
etapas e atividades ocorreram a partir de conversas e discussões entre as
professoras e os alunos; tudo foi previamente combinado, sempre respeitando o
ritmo da turma.
Foto 8: Trabalho em grupo
Para construção dos textos realizamos atividades individuais — como a
criação de anúncios classificados e escolha de um nome para o jornal — e em
grupo: construção dos textos referentes a cada seção. Para a definição do nome do
jornal (Jornal da Noite) foi realizado um sorteio entre os nomes sugeridos pelos
alunos.
Após a escrita dos textos ocorreu uma revisão ortográfica, correção e
posterior organização do jornal. Dessa forma buscamos fazer com que o nosso
aluno refletisse acerca de sua produção escrita.
A culminância desse projeto foi a impressão do jornal escrito (ANEXO F).
Após a organização, levamos o original para ser reproduzido e cada aluno recebeu
uma cópia, fato este que os deixou muito orgulhosos de seu trabalho. Também
113
percebemos o empenho dos alunos durante a realização das etapas de construção
do jornal. A preocupação com a qualidade dos textos, tanto no que diz respeito aos
conteúdos, onde os grupos puderam expor suas idéias, como na escrita das
palavras, a preocupação com a caligrafia e a grafia correta das palavras.
Também foi possível perceber o bom desenvolvimento dos alunos no que diz
respeito a produção textual, já que em nossa proposta tivemos a oportunidade de
trabalhar com diversas tipologias textuais — título, anúncio, texto informativo — e,
em todos os casos houve um bom desempenho de todo o grupo.
Concluímos com um fato que acreditamos merecer destaque. A visita de um
jornalista na sala de aula para a realização de entrevistas com os alunos e as
professoras. Uma das alunas trabalha como empregada doméstica na residência de
um jornalista de nossa cidade e relatou com tamanha felicidade que estava
escrevendo um jornal na escola que este decidiu realizar um artigo acerca de nossa
realidade escolar. O que mais nos chamou atenção foi o fato de uma aluna adulta
relatar em seu local de trabalho as atividades realizadas na escola, o que nos leva a
pensar que a atividade foi realmente prazerosa e significativa.
114
4 - DESVENDANDO CAMINHOS: (RE)CONHECENDO O EDUCANDO
Foto 9: Construindo um painel
[...]es fácil caer en la tentación de
confundir un modo extraño de
organización con ausencia de
organización. (Emilia Ferreiro)
115
4.1 - O educando como sujeito da aprendizagem: um caminho percorrido
No que se refere especificamente à aprendizagem do adulto não-alfabetizado,
Ferreiro (1983) defende que é fundamental, quando nos propomos a trabalhar com
ações alfabetizadoras voltadas a eles, buscar respostas para algumas questões:
Quem são esses adultos? Como vivem, o que pensam, o que fazem e, sobretudo, o
que sabem sobre a escrita, que conhecimento eles têm sobre esse objeto?
Para um melhor desenvolvimento de seu trabalho, o educador de jovens e
adultos precisa conhecer e levar em consideração as particularidades dos alunos
dessa modalidade da educação básica, suas características e suas expectativas em
relação à escola.
Quando falamos em educação de jovens e adultos, não nos reportamos a
qualquer jovem ou adulto, indiscriminadamente. Estamos nos referindo a uma
categoria especial de pessoas que, segundo Ribeiro (1997) e Oliveira, M. (1999)
possui características próprias: é, geralmente, o migrante que chega às grandes
cidades, oriundo das zonas rurais empobrecidas, em busca de melhores condições
de vida, filho de trabalhadores rurais não qualificados e também não escolarizados,
geralmente com uma passagem curta e não sistemática pela escola, com histórias
de fracasso escolar; trabalhador urbano em ocupações não qualificadas no setor
industrial, comercial e de serviços, com baixa remuneração.
Assim como Ribeiro (1997) e Oliveira, M. (1999), Moll (2004, p.11) indica que,
quando falamos no aluno jovem e adulto
116
“[...] nos referimos a homens e mulheres marcados por experiências
de infância na qual não puderam permanecer na escola pela
necessidade de trabalhar, por concepções que os afastaram da
escola [...].Também falamos de adultos que tentaram muitas vezes
voltar à escola”.
Nesse aspecto é importante recordarmos o perfil social de nosso grupo de
pesquisa: dos quinze participantes — onze mulheres e quatro homens — o que já
indica a discriminação da mulher em relação à escolarização; nove são migrantes;
sete trabalham em profissões não qualificadas e mal remuneradas e oito são donas
de casa. Estes dados estão em consonância com as características apontadas pelas
autoras em questão.
De maneira geral, o aluno da E.J.A. regressa a escola com a expectativa de
ascensão profissional; com uma representação social bem definida: a escola é um
local onde receberá informações — saber historicamente construído, transmitidas
pelos professores — e, senhores deste saber, normalmente rejeitam práticas
pedagógicas diferentes das tradicionais. Buscam, nesse retorno a escola na qual
fracassaram e que os excluiu no passado (MOLL, 2004).
Para que possamos trabalhar com esse aluno acreditamos ser necessário
internalizarmos três condições básicas apontadas por Oliveira, M. (1999):
1. A condição de não-criança: o fato de ser analfabeto não o torna uma criança
que cresceu demais, dessa forma não devemos utilizar práticas pedagógicas
próprias para crianças.
2. A condição de excluído da escola: boa parte dos alunos que compõem as
turmas de EJA já passou pela escola regular e, através da reprovação e/ou das
condições sociais, foi excluído dela.
117
3. A condição de membro de um determinado grupo cultural: todos esses alunos
trazem consigo uma grande bagagem cultural.
Embora inserido no mesmo contexto escolar, o aluno jovem apresenta
características marcantes, diferentes do aluno adulto. Oliveira, M. (1999) destaca
que, assim como o adulto mencionado descrito, o jovem também possui
características próprias — além da idade cronológica e das mudanças biológicas
pelas quais passam —, um tanto diferente dos jovens assistidos pelo ensino regular.
Estes jovens também foram excluídos da escola, porém com uma escolarização
maior, são mais ligados ao mundo urbano, “envolvidos em atividades de trabalho e
lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e urbana”
(OLIVEIRA, M., 1999).
Nesse aspecto, Ribeiro (1997, p.43) afirma que “[...] estão normalmente
retornando depois de um período recente de sucessivos fracassos na escola regular.
Têm, portanto, uma relação mais conflituosa com as rotinas escolares”. Estes jovens
têm uma tendência a rejeitar os alunos mais velhos. Em nossa experiência enquanto
coordenadora de salas de alfabetização de jovens e adultos e, em nosso grupo de
pesquisa tivemos a oportunidade de vivenciar momentos nos quais essas diferenças
tornavam-se evidentes.
Partindo dessas características, autores como Madeira [1995?], Durante
(1998) e Oliveira, M. (1999), nos apontam que em relação às situações de
aprendizagem, o aluno adulto possui um maior conhecimento acerca de suas
dificuldades, seus avanços e “[...] provavelmente, maior capacidade de reflexão
sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de aprendizagem”
(OLIVEIRA, M., 1999, p. 4).
118
É exatamente nesta perspectiva que construímos essa categoria — o aluno
adulto enquanto sujeito de sua aprendizagem. O que vivenciamos durante os dez
meses de pesquisa de campo contradiz, em alguns aspectos, o que já havíamos
estudado acerca dessa relação aluno/objeto de conhecimento.
Durante o desenvolvimento da pesquisa tivemos a oportunidade de perceber
que o aluno da E.J.A., diferente do jovem e adulto em outras situações de
aprendizagem — o aluno universitário, por exemplo — possui uma certa dificuldade
em desenvolver sua autonomia enquanto aprendiz. Ribeiro (1997) nos aponta que,
em virtude das experiências passadas de fracasso na escola, esse aluno desenvolve
uma baixa auto-estima e esta poderá ser demonstrada através da timidez, de
bloqueios (“Minha cabeça é dura, não aprendo!”)
22
; e insegurança.
Podemos verificar essa insegurança em uma situação vivenciada nos
primeiros dias de observação: durante uma aula, enquanto a professora circulava
pela sala, auxiliando cada aluno individualmente, os demais prestavam atenção a
cada movimento realizado. No momento no qual a professora parou de circular pela
sala e foi até o quadro-de-giz adiantar a escrita do texto para a atividade seguinte,
eles pararam de escrever e, imediatamente alguém perguntou se era para copiar —
sempre que ela escreve no quadro eles querem copiar.
Nessa situação evidencia-se a falta de confiança dos alunos. Ficam sempre à
espera de um sinal, uma ordem da professora para que prossigam com suas
atividades. Mesmo ainda não tendo terminado a atividade proposta, se ela vai ao
quadro, ficam na expectativa da atividade seguinte.
22
Transcrição da fala de um aluno.
119
Outra situação que merece destaque é a baixa auto-confiança, já referida
anteriormente. Boa parte dos alunos só realiza uma escrita após confirmarmos se
suas hipóteses em relação à palavra estão corretas. Torna-se extremamente difícil
trabalharmos com a escrita espontânea, já que o medo de errar os impede de tentar.
Tal situação foi vivenciada em praticamente todos os momentos nos quais estivemos
presentes na sala de aula.
Uma aluna, Sextante, revelou-nos, em conversa informal, que só iria ao
quadro-de-giz quando conseguisse aprender a escrever “direito”, quando sua letra
estivesse bonita. Demonstrando toda sua insegurança e baixa auto-estima. Essa
mesma aluna, sempre afirma não saber escrever quando a professora propõe algum
momento de escrita sem cópia. Só escreve algo quando a professora-participante
fica por perto, confirmando as letras a serem utilizadas.
Em situações nas quais a professora solicita a participação do grupo —
discussões, perguntas referentes a textos lidos, etc. —, a situação era sempre a
mesma: mudez e timidez inicial, somente após alguém tomar coragem para
responder é que os outros se manifestam, conseguindo superar o receio, a vergonha
de errar.
Esses acontecimentos nos revelam que em relação à aprendizagem, os
alunos da E.J.A. têm características muito diferentes em relação aos adultos
descritos pela teoria andragógica.
O termo Andragogia, que surgiu no contexto das sociedades industriais do
século XIX, inicialmente foi utilizado por Kapp — professor primário alemão. Este, na
sua prática pedagógica, sentiu a necessidade de uma concepção
teórico-metodológica especial para dar conta do processo específico da educação
de adultos, que começava a despontar naquela sociedade (MADEIRA, [1995?]). Os
120
estudos mais aprofundados sobre a aprendizagem do adulto tomaram maior impulso
após a Primeira Guerra Mundial. Na Europa e Estados Unidos começa a crescer um
corpo de concepções sobre as características do aprendizado adulto (OLIVEIRA, A.,
2003). Duas décadas após essas concepções desenvolveram-se e, com o suporte
de pensadores como Lindeman, Thorndike, Jacks e Knowles, tomaram o status de
teoria de aprendizagem.
Andragogia, em consonância com a própria origem etimológica da palavra —
do grego andros —, refere-se à educação de adultos, estuda o adulto por completo:
vida, trabalho, sentimentos, habilidades, conceitos, gostos, comportamentos, enfim,
tudo que está relacionado com o seu ser. Atua na especificidade do processo de
construção e apropriação do conhecimento pelo indivíduo adulto (Madeira, [1995?]).
Propõe a reformulação de métodos, técnicas, e todo currículo destinado à educação
integral da população adulta, partindo de suas características, interesses,
motivações, aspirações e condições de vida. Para compreendermos melhor a
singularidade do termo, devemos internalizar a conceituação de adulto.
Oliveira, A. (2003) afirma que o adulto é um indivíduo autônomo, capaz de
procriar, assumir responsabilidades, tomar decisões com plena liberdade. Também
ressalta que as experiências sexuais e sociais do adulto e suas responsabilidades
são de tal magnitude que o separam substancialmente do universo das crianças,
portanto, sua relação com a escola também se dá de maneira diferente.
Dentro dessa perspectiva a Andragogia, tal como ocorre com a Pedagogia,
possui suas próprias premissas e hipóteses.
[...] a educação de adulto será através de situações e não de
disciplinas. Nosso sistema acadêmico cresce na ordem inversa:
121
disciplinas e professores constituem o centro educacional. Na
educação convencional é exigido do estudante ajustar-se ao
currículo estabelecido; na educação de adulto o currículo é
constituído em função da necessidade do estudante. Todo
adulto se vê envolvido com situações específicas de trabalho,
de lazer, de família, da comunidade, etc. – situações essas que
exigem ajustamentos. O adulto começa nesse
ponto”.(LINDMAN, 1926 apud OLIVEIRA, A., 2003)
Oliveira A. (2003) afirma que, em seus estudos e pesquisas, Lindman
identificou, pelo menos, cinco pressupostos-chave para a educação de adultos. Tais
pressupostos atualmente integram os fundamentos da Andragogia. São eles:
1. Adultos são motivados a aprender á medida em que experimentam que suas
necessidades e interesses serão satisfeitos. Por isto estes são os pontos mais
apropriados para se iniciar a organização das atividades de aprendizagem do adulto.
2. A orientação da aprendizagem do adulto está centrada na vida: por isto as
unidades apropriadas para se organizar seu programa de aprendizagem são
situações de vida e não disciplinas.
3. A experiência é a mais rica fonte para o adulto aprender; por isto, o centro da
metodologia da educação do adulto é a análise das experiências.
4. Adultos têm uma profunda necessidade de serem auto-dirigidos; por isto, o
papel do professor é engajar-se no processo de mútua investigação com os alunos e
não apenas transmitir-lhes seu conhecimento e depois avaliá-los.
5. As diferenças individuais entre pessoas crescem com a idade; por isto, a
educação de adultos deve considerar as diferenças de estilo, tempo, lugar e ritmo de
aprendizagem.
Diniz (2002) estabelece que a Andragogia, assim como a Pedagogia, possui
suas hipóteses. São elas:
122
Papel da experiência Os adultos são portadores de uma
experiência que os distingue das
crianças e dos jovens. Em numerosas
situações de formação, são os
próprios adultos com sua experiência
que constituem o recurso mais rico
para as suas próprias aprendizagens.
Vontade de aprender Os adultos estão dispostos a iniciar um
processo de aprendizagem desde que
compreendam a sua utilidade para
melhor afrontar problemas reais da
sua vida pessoal e profissional
Orientação da aprendizagem Nos adultos as aprendizagens são
orientadas para resolução de
problemas e tarefas com que se
confrontam na sua vida quotidiana (o
que desaconselha uma lógica centrada
nos conteúdos).
Motivação Os adultos são sensíveis a estímulos
da natureza externa, mas são os
fatores de ordem interna que motivam
o adulto para a aprendizagem:
satisfação profissional, auto-estima,
qualidade de vida, etc.
Fazendo a relação entre o que foi descrito acerca dos alunos e a teoria
andragógica que acabamos de observar, podemos perceber que, em muitos
aspectos essa teoria não se aplica diretamente à nossa clientela. Para melhor
trabalharmos com o aluno da E.J.A., acreditamos ser necessário a associação da
Andragogia com as características especiais dessa clientela, apontadas
anteriormente.
Em relação à autonomia do aluno, o caminho a ser percorrido é muito longo,
passa por percalços e obriga o educando a superar seus traumas e frustrações em
relação à escola de sua infância.
Diferente é apontado por Diniz (2002), o educador da E.J.A. deve ser mais
que um facilitador da aprendizagem, deve, antes de qualquer coisa, “querer bem aos
123
educandos” (FREIRE, 1999, p.159). Dessa forma, com o conhecimento e
sensibilidade poderemos auxiliar nosso aluno a superar seus anseios e encontrar
seu caminho enquanto construtor de sua história e de seu conhecimento.
4.2 - Adultos não-alfabetizados: particularidades de compreensão
Este item será dedicado às pérolas encontradas em nossas observações ao
longo dos dez meses de trabalho de campo. Na verdade essas pérolas nada mais
são que a visualização, nos momentos de observação direta e participante, do
comportamento dos alunos na tentativa de resolução de problemas em relação à
língua escrita. São tentativas de desvendar o misterioso mundo da leitura e da
escrita e, ousamos dizer, são momentos nos quais o alfabetizando perde a vergonha
de errar, de se expor diante de toda a classe.
De uma certa forma, podemos afirmar que foram os momentos mais ricos de
nossas observações, pois nos fizeram refletir, bem como suscitou-nos o desejo de
pesquisar mais profundamente sobre o emaranhado de ações cognitivas que
ocorrem no momento da sala de aula.
Ferreiro (1983) destaca que quando nos propomos a trabalhar com ações
alfabetizadoras voltadas aos adultos é necessário: renunciar a visão simplista, que
consiste em supor que os não-alfabetizados são ignorantes Nesse domínio
específico e aceitá-los como seres inteligentes e como portadores de conhecimentos
sobre a língua escrita; admitir que os adultos não-alfabetizados necessitam de
conhecimentos acerca do sistema de escrita e sua função; procurar conhecê-los do
124
ponto de vista existencial e social; mostrar a necessidade de conhecê-los em relação
às condições existenciais, às formas de vida e de trabalho, às representações que
constroem sobre a sociedade e a escola e as suas expectativas em relação ao
processo de escolarização e às conseqüências dos resultados da aprendizagem
para suas vidas.
Dessa forma, lembremo-nos que, quando nos referimos ao aluno atendido
pela E.J.A. estamos falando de uma pluralidade de sujeitos, jovens e adultos
não-escolaridados, não-alfabetizados, trabalhadores e não-trabalhadores; das
diversas juventudes; idosos; das populações das regiões metropolitanas e rurais;
afro-descendentes; pessoas que vivem e sobrevivem numa sociedade letrada,
portanto “sujeitos mergulhados em variadas situações de letramento, que, via de
regra, não possuem escolaridade, mas que estão iniciados em processos de
alfabetização”. (MOLL, 2004, p.11). Estas pessoas, em seu cotidiano, desenvolvem
estratégias para que possam conviver nessa sociedade: tomar um ônibus, fazer
compras, descobrir um endereço, etc. Dessa forma, possuem uma lógica de
pensamento diferente dos sujeitos escolarizados. O que não nos autoriza a afirmar
que sejam menos capazes que estes.
Com isso queremos reforçar a condição das estratégias de pensamento,
instrumentos mentais mediadores, utilizadas por estes alunos. Estratégias estas que
diferem em inúmeros aspectos das utilizadas por sujeitos letrados e escolarizados.
Nesse sentido, Lévy (2001) nos alerta para as distintas tecnologias da inteligência,
ligadas sobretudo ao nível de desenvolvimento da sociedade onde vivemos.
Outra característica comum aos jovens e adultos não-alfabetizados é o fato
da oralidade ser o principal canal de informação. Tendo em vista essa perspectiva,
Lévy (2001) considera que a organização do pensamento está profundamente ligada
125
à memória, tal como ocorre com as sociedades sem escrita. Na compreensão Lévy
(2001), temos caminhando paralelamente em nossa sociedade três tempos: da
oralidade primária, da escrita e da informática. Apesar de muitos de nós vivermos no
tempo da informática, podemos considerar que os adultos não alfabetizados estão
mais ligados às características da oralidade primária, sem que este seja um fator de
“déficit intelectual” (FERREIRO, 1983, p. 230), apenas uma condição relacionada
com o fato de não haverem passado por um período de escolarização, responsável
pelo desenvolvimento do comportamento metaprocedimental que, à luz de Tfouni
(1988 p. 79), podemos compreender como sendo
[...]refletir sobre a linguagem. Ser capaz de considerar um
enunciado, ou um conjunto de enunciados, como objeto; como algo
que existe fora do organismo. Colocar um raciocínio expresso
verbalmente em exposição, como se fosse um quadro pendurado na
parede [...] Descobrir quais as marcas estruturais destoam do todo:
corrigi-las, e novamente examinar o produto[...].Estas são algumas
das tarefas que só se tornam possíveis através do uso do
metaconhecimento [...]
Nesse sentido, Salvador (1999, p.191) alerta que devemos considerar que “as
peculiaridades do seu pensamento, de sua forma de enfrentar os problemas não
devem levar a pensar necessariamente em desvantagens intelectuais”; o mais
adequado seria reinterpretar essas peculiaridades, avaliando-as no contexto nas
quais se realizam, num processo de desenvolvimento que difere dos adultos
escolarizados, com ritmos próprios . Com este olhar iremos descrever e buscar
reinterpretar alguns dos acontecimentos ocorridos em nosso cotidiano escolar. Para
realizar essa análise escolhemos três alunas, por acreditarmos que conseguem, com
suas hipóteses, representar de maneira satisfatória nosso cotidiano escolar.
126
Iniciaremos falando sobre a aluna Peixes. Sua auto-estima é muito baixa. É
uma pessoa sofrida, pois, além das dificuldades financeiras, tem sérios problemas
com o marido e sempre leva estes problemas para dentro da sala de aula que, de
certa maneira, se transforma em consultório de terapia de grupo. A turma está
sempre brincando com ela em relação a este fato e, como era de se esperar, seus
problemas interferem profundamente em sua aprendizagem, pois Peixes afirma ser
cabeça dura, não ter capacidade para aprender.
Certa vez, a professora planejou como atividade, a leitura de uma poesia que
falava sobre a mulher. Nessa poesia encontramos as palavras: amor, carinho, entre
outras. Percebemos, durante a leitura da poesia que Peixes estava distante, não
participava da leitura coletiva realizada pela turma. Num determinado momento da
atividade a turma deveria escrever no caderno as palavras da poesia, inclusive as
citadas anteriormente e, no meio da tentativa de escrita, Peixes interrompe dizendo:
“— Professora não gosto nem de ouvir falar nesse negócio de amor, que dirá
escrever! Eu não vou escrever isso não! Não tenho amor, pra quê vou escrever?”
Evidencia-se na fala da aluna a constatação dos pressupostos da
Andragogia, apontados por Lindman (1926 apud OLIVEIRA, A. 1999), nos quais
vemos que a orientação da aprendizagem do adulto está centrada na vida, no seu
cotidiano. Em sentido similar, Oliveira, M. (1999) aponta como sendo uma das
características do aluno da E.J.A. a profunda ligação que fazem entre a
aprendizagem e seu uso no cotidiano, bem como o seu pensamento referido ao
contexto da experiência pessoal imediata. Dessa forma, ousamos interpretar essa
atitude, mesmo que de maneira inconsciente, como uma certa dificuldade para tratar
a aquisição da leitura e da escrita como assunto abstrato.
127
Em outra aula a aluna apresentou comportamento semelhante. Estávamos
realizando o projeto do jornal da turma e, a atividade proposta era a leitura da
primeira página de um jornal da cidade. Esta aula ocorreu no período de campanha
eleitoral municipal (segundo turno) e, no jornal haviam as fotos do prefeito e seu
oponente. Quando recebeu o jornal Peixes ficou com a fisionomia contrariada, não
quis segurá-lo e nem dizia o que estava acontecendo. Após muita conversa, ela
finalmente disparou: “— Não gosto desse homem! Não vou nem pegar nesse jornal!”
Só então nos foi possível compreender que a recusa em realizar a atividade
estava no fato de sentir-se obrigada a ler algo sobre uma pessoa pela qual ela sentia
uma profunda antipatia. Argumentamos que era apenas uma atividade, que ela não
seria convencida a votar em quem não quisesse; que o fato de ler a notícia não
significaria a aceitação do candidato, mas nada a convenceu. Tivemos que trocar o
primeiro caderno do jornal por outro que tratava de assuntos sobre saúde da mulher.
Só assim ela procurou realizar a leitura e ficou mais feliz.
Fica claro na recusa da aluna em ler sobre um assunto que, para ela aluna, a
leitura tem, de fato, uma função social e não apenas uma atividade escolar. Como
dito anteriormente, Ferreiro (2001a, 2001b, 2001c) afirma ser a leitura um produto
social e não um produto escolar. Confirmando essa afirmação temos a atitude da
aluna em recusar a proposta de leitura de qualquer coisa que não lhe agrade, pois
afinal, de que serve uma leitura desinteressante?! Analisando este fato pelo prisma
dos três tempos do espírito descritos por Lévy (2001) podemos perceber que as
estratégias de pensamento dessa aluna trabalham pela lógica do tempo da
oralidade. Afinal, geralmente, evitamos conversar sobre um assunto e/ou pessoa
que nos desagrada.
128
Outra aluna que tem respostas muito peculiares é Andrômeda. Já está no
mesmo nível há cinco anos e a professora acredita que ela freqüenta as aulas mais
como terapia ocupacional do que por vontade de ser alfabetizada. Andrômeda tem
uma lógica própria, que se manifesta em alguns momentos da aula, principalmente
quando estamos só as professoras e o grupo de pesquisa.
Tivemos alguns momentos que merecem destaque; o primeiro ocorreu numa
aula na qual a professora-participante estava trabalhando com eles a escrita dos
meses do ano, pois estávamos estudando o calendário. A atividade consistia nos
alunos irem dizendo quais letras formavam a palavra e a professora ia escrevendo
no quadro-de-giz. Quando chegou o momento da palavra MAIO, o grupo foi dizendo
as letras até formar MAI que, estava de acordo com o nível de construção de escrita
do grupo — oscilando entre o pré-silábico e o silábico —, mas a professora queria
mais e foi instigando a turma, avisando que estava faltando algo na palavra para que
ficasse completa. Depois de um tempo de silêncio, Andrômeda, levantou o dedo e
disse bem baixinho: “— Eu sei o que está faltando.” Nesse momento a professora
ficou entusiasmada e disse para toda classe: “— Minha gente, Andrômeda já sabe o
que está faltando! Fala Andrômeda!” Então respondeu, com toda segurança: “—O
pontinho do i!”.Vale ressaltar que estávamos usando a escrita do tipo bastão
maiúscula, ou seja, nesta escrita a letra “i” não tem pingo, mas foi o que ela
percebeu e, a professora colocou sem pestanejar, dizendo que além do pontinho
ainda faltava mais alguma coisa.
Nesse caso podemos perceber muito claramente a construção da escrita
realizada por Andrômeda, pois no nível de construção no qual está sua escrita, a
construção de sílaba do tipo consoante/vogal/vogal/vogal é muito complexa e, a
formação mai já é suficiente para que se leia maio.
129
Este caso, que posteriormente comentamos num dos momentos de estudo
com a professora-participante foi de fundamental importância para a visualização do
processo de construção da escrita pelo adulto. Para tanto nos remetemos à Ferreiro
(1983). Nas conclusões acerca da pesquisa realizada com adultos não-alfabetizados
a autora afirma que os adultos possuem as mesmas hipóteses infantis (Psicogênese
da Língua Escrita) sobre a quantidade mínima e variedade interna de letras para que
se possa ler algo. Também apresentam dificuldades para relacionar o todo com as
partes de uma palavra escrita, como ocorreu com a palavra maio.
Nesse aspecto podemos considerar que a resposta de Andrômeda está de
acordo com o nível no qual sua escrita está inserida. Nesse contexto, a palavra da
maneira como estava escrita no quadro já seria suficiente para ser lida.
Uma outra cena, ainda com o mesmo tema: calendário. Estávamos vendo a
escrita dos dias da semana, na mesma dinâmica, tentando descobrir como escrever.
Estava tudo muito bem quando Andrômeda escreveu sábado-feira. A professora
explicou que a palavra feira só entrava na escrita de segunda a sexta, que no
sábado não tinha feira. Andrômeda se indignou e respondeu: “— Tem sim! Sábado
tem feira lá no Alecrim!”. Dessa vez não teve jeito, explicamos que é apenas na
palavra que não tinha feira, mas ela se recusou a apagar a palavra feira de seu
caderno, ou seja, no caderno de Andrômeda está registrada a expressão sábado-
feira! (ver metaprocedimental). Graças a isso, fizemos uma pesquisa para
descobrirmos a origem dos nomes dos dias da semana e fizemos uma exposição
oral sobre o tema.
Vale ressaltar que, se dirigirmos nossos olhares para o terreno da oralidade,
perceberemos que em nossa fala coloquial não utilizamos a palavra feira no final dos
nomes dos dias da semana. Geralmente dizemos: nossas aulas vão de segunda a
130
sexta, por exemplo. Somente na escrita utilizamos a palavra completa. Como o
pensamento de Andrômeda tem a lógica do tempo da oralidade (LÉVY, 2001), faz
sentido que ela acredite que na palavra sábado também seja necessário escrever a
palavra feira.
Voltando às características da construção da escrita pelo adulto, temos um
outro exemplo. A aluna Altar, como descrito no segundo capítulo, sempre
demonstrou constrangimento em tirar as suas dúvidas diante de todos. Já no
segundo semestre sentia-se mais segura para realizar suas indagações e esta
ocorreu enquanto estávamos realizando a escrita de cartões de Natal. Altar queria
escrever uma mensagem, mas não tinha o domínio da escrita, porém, como está
inserida em uma sociedade letrada, sabia exatamente o que escrever num cartão de
Natal e solicitou nosso auxílio para a escrita.
No texto de sua mensagem constava a palavra Deus e, ela não queria errar
justamente com Deus. Pedimos que ela escrevesse do jeito que acreditava ser, mas
ela recusou-se a fazê-lo, então, fomos indagando quais letras deveríamos utilizar
para escrever. Para melhor ilustrar o processo iremos transcrever o diálogo:
Professora-pesquisadora (Pp): Vamos lá, me diga como
vamos começar a escrever Deus?
Altar (A): com um “D”?
Pp: Isso mesmo! Muito bom! Mas, ainda falta alguma coisa,
não é? O que falta?
A: Falta sim. Um “U”?
Pp: Tem “U”, mas não agora. Vamos lá, ouve bem a palavra:
Deus...
131
A: Bota um: “E”?
Pp: Isso, está certo! Já temos “DE”. O que mais falta? Veja
bem: Deus...
A: Agora é o “U”?
Pp: Certo... Veja o que está escrito: DEU. Assim está bom?
A: Não! Faltam letras. Agora, coloco um “S”?
Pp: Isso mesmo! Viu só, você escreveu: DEUS! Que bom,
parabéns!
Nesse momento a aluna levou um susto:
A: Já acabou?!
Fixou o olhar na palavra, sem acreditar. Aí,
compreendemos sua dúvida e arrematamos:
Pp: Deus é grande, mas a palavra Deus é bem pequena!
Altar ficou olhando, perplexa diante de uma palavra tão pequena.
Fica claro que, para Altar a quantidade de letras de uma palavra tem relação
direta com o tamanho do objeto e/ou pessoa a qual esta se refere. De acordo com
Ferreiro (1995), esta é a hipótese do realismo nominal, presente nas escritas pré-
silábicas, com diferenciação inter-figural, onde o nome do objeto ou pessoa varia de
acordo com o tamanho da mesma.
Ressaltamos que Altar no início do ano letivo possuía escrita pré-silábica no
nível mais primitivo, fato considerado pouco comum, comprovado nos estudos de
Ferreiro (1983) com adultos. A aluna conseguia fazer a distinção entre números e
letras, porém desconhecia todas as letras, mesmo as do seu nome. Como dito
anteriormente, que Altar sempre demonstrou constrangimento em solicitar auxílio
durante as aulas. Nesse sentido este momento foi considerado por nós como uma
132
grande evolução da aluna, tanto ao nível de construção da escrita quanto em seu
retraimento durante as aulas.
Para nós foi muito interessante observar o esforço que os alunos, em especial
Altar, realizam para compreender nosso sistema de escrita. É percebido pelas
expressões faciais que demonstram todo esforço de pensamento que realizam para
descobrir a escrita de determinadas palavras e a lógica utilizada para explicar
determinadas escritas incorretas, ou seja, seu processo de construção.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] mire, veja: o mais importante e bonito do
mundo é isto; que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam
ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida
me ensinou. (Guimarães Rosa)
Este estudo teve como objetivo fundamental a compreensão das práticas
pedagógicas desenvolvidas no processo de alfabetização de jovens e adultos, bem
como propor a construção de novos caminhos na busca de propostas pedagógicas
que levem em conta as especificidades dos alunos atendidos por esta modalidade
da Educação Básica.
Nesta busca enveredamos pelos caminhos da pesquisa qualitativa, mais
especificamente a pesquisa etnográfica, utilizando como principal procedimento a
observação participante.
Com o compromisso de contribuirmos para a construção de práticas
pedagógicas mais voltadas para o aluno jovem e adulto, realizamos ações conjuntas
com os partícipes da pesquisa, dentre elas destacamos os momentos de estudo e
reflexão e o trabalho em conjunto.
Nesse aspecto gostaríamos de destacar nossas conquistas, e, também,
apontar algumas dificuldades encontradas durante a caminhada. Acreditamos que
nossa maior conquista foi a possibilidade de realização de ações conjuntas. Dentre
134
elas, destacamos os projetos de trabalho anteriormente descritos: o jornal da turma
e o trabalho com formulários. Durante o desenvolvimento dessas atividades foi
possível perceber um maior interesse e envolvimento dos alunos. Fato este que
reforça nossa hipótese acerca da opção em trabalharmos com as necessidades e a
realidade do aluno jovem e adulto.
Ainda nesse aspecto acreditamos, agora, estarmos em condições de
respondermos a uma inquietação que norteou nossa procura por práticas mais
significativas: “[...] não será possível considerar uma ação alfabetizadora que tome
como ponto de partida o que os adultos sabem, ao invés de partir do que ignoram?”
(FERREIRO, 1983, p. 2). Sim, acreditamos ser possível. Vimos, no desenvolvimento
de nossa pesquisa, ser possível, viável e aconselhável, partirmos do conhecimento
prévio de nosso aluno, valorizando sua cultura e seu saber construído. Esta
afirmação decorre de nossas observações e análises, onde percebemos ser a
participação do aluno mais efetiva quando o assunto era considerado de interesse
de todos, ligado a vida diária e/ou partindo de saberes já estabelecidos.
Outro ponto a ser destacado: o aprimoramento da habilidade de reflexão da
professora-participante. Tanto no que diz respeito aos alunos quanto no que se
refere a sua prática. Percebemos, durante o processo, que a professora passou a
observar as respostas, necessidades e anseios de seus alunos com um novo olhar,
mais científico, menos filantrópico.
Inicialmente percebíamos, apesar do imenso carinho, uma certa descrença
acerca da capacidade de aprendizagem dos alunos. Porém, no decorrer de nossos
estudos e desenvolvimento das atividades em conjunto a professora foi acreditando
mais na possibilidade de uma mudança de seu fazer pedagógico. Nesse sentido,
nossa pesquisa suscitou na professora-participante um desejo de ampliar
135
conhecimentos, de compreender como se dá a aprendizagem do aluno jovem e
adulto e, quais são suas maiores dificuldades de aprendizagem.
Como conseqüência de nossas reflexões conjuntas, também notamos, em
especial no segundo semestre, um maior cuidado na escolha e contextualização
dos textos a serem trabalhados. As atividades anteriormente retiradas de livros
didáticos passaram a ser planejadas de acordo com as necessidades observadas
pela professora em sala de aula. Em nossa perspectiva este fato demonstra o
momento de transição no que se refere ao trabalho dessa professora.
Todavia, temos a consciência que grandes mudanças decorrem de um maior
tempo de estudos e reflexão sobre a prática. Nesse aspecto consideramos nossa
maior dificuldade o tempo de pesquisa de campo. Acreditamos que, para que
pudessem ocorrer mudanças significativas necessitaríamos de um maior tempo de
estudo em companhia da professora.
Também em relação a nossos momentos de estudo o fator tempo foi
determinante. A professora-participante, assim como tantas outras de nosso país,
leva uma tripla jornada de trabalho. Dessa forma, nem sempre ela conseguia dar
conta de realizar os estudos e, em alguns momentos foi necessário adiar um ou
outro encontro.
Durante todos os momentos de nossa pesquisa, buscamos resposta para
algumas questões. Ao encontrarmos algumas dessas respostas, acreditamos
podermos contribuir para um aprimoramento dos trabalhos realizados atualmente na
alfabetização de jovens e adultos.
A análise das atividades desenvolvidas indica que o fato de o aluno jovem e
adulto estar inserido numa sociedade letrada é um dos fatores que contribuem em
sua aprendizagem. Mesmo sem ter o domínio do código escrito ou das técnicas para
136
sua utilização, faz uso em sua vida diária. Dessa forma, tem a consciência do valor
social da leitura e da escrita na sociedade em que vivemos.
Os conhecimentos que traz consigo acerca do valor social da leitura e da
escrita vão interferir diretamente no processo de construção. Diante dessa
constatação, acreditamos que alguns fatores irão influenciar no processo. Dentre
eles destacamos: o trabalho com temas atuais, com portadores de texto
significativos, que fazem parte do cotidiano, tais como: anúncios classificados, bulas
de remédio, receitas, panfletos, formulários, entre outros. Outros fatores importantes:
respeitarmos a diversidade cultural trazida por nossos alunos e, principalmente
vermos o aluno jovem e adulto como ele realmente é, inserido no mundo do
trabalho, com experiências e anseios muito diferentes das crianças. Nesse sentido,
não se justifica a utilização de posturas pedagógicas e atividades infantis.
Um outro questionamento se refere ao processo de aquisição da leitura e da
escrita pelo aluno jovem e adulto. Como se desenvolve? É similar ao que ocorre com
a criança? Em nossas observações nos foi possível verificar semelhanças, porém
faz-se necessário um maior aprofundamento nesse aspecto. Como dito
anteriormente o fator tempo dificultou a construção de dados mais substanciais a
esse respeito.
Todavia, temos algumas pistas e novas questões que pretendemos
aprofundar em outro momento. Tomemos como exemplo as atividades
desenvolvidas em torno do preenchimento de formulários. O fato de trabalharmos
com um objeto do cotidiano facilitou a construção da escrita, pois percebíamos os
alunos mais motivados e envolvidos. Houve maior motivação para a realização da
atividade e nas demais derivadas dessa do que em outras cujos objetivos eram
basicamente de treino ortográfico.
137
Percebemos que o aluno jovem e adulto se concentra na busca de uma
compreensão quando o texto possui um significado para ele. No momento em que
trabalhamos com formulários, anúncios classificados, etc. estamos utilizando
portadores de texto que fazem parte da vida diária de nosso aluno, um texto no qual
ele sabe que existe uma utilização social.
Como se desenvolve o pensamento do adulto não-alfabetizado? De que
maneira a ausência do conhecimento escolar irá influenciar nesse desenvolvimento?
Essas são questões que não havíamos vislumbrado no momento da construção de
nosso projeto de pesquisa, surgiram de nossa permanência no campo.
Chegamos ao fim de nosso trabalho com uma informação que deve despertar a
curiosidade do leitor: a situação atual de nosso grupo de pesquisa. Como
estarão, em 2005, professora e alunos? Para respondermos a essa pergunta
voltamos ao campo de pesquisa e, em conversa com a professora, traçamos os
novos perfis que veremos a seguir..
A professora-participante ficou com mais uma turma de primeiro nível durante
o primeiro semestre deste ano. Porém, após diversos convites para assumir uma
coordenação pedagógica, resolveu aceitar e, nesse segundo semestre está atuando
como coordenadora na mesma escola.
Todavia, não está feliz com seu novo cargo. Sente muita falta dos alunos e
de suas atividades como professora. Revelou-nos em conversa, não sentir-se à
vontade na sua nova função. “Não sei o que me deu na cabeça para sair da sala de
aula.”
18
18
Transcrição da fala da professora-participante.
138
Tem um acordo com a nova professora da turma e, todos os dias passa pela
sala para trabalhar um pouco com os alunos. Continua organizando as atividades de
socialização — festas, e mantém seu relacionamento com todos.
No que se refere à sua formação, este ano decidiu matricular-se num curso
de especialização em Psicopedagogia, com o objetivo de melhor compreender os
processos cognitivos dos alunos. Está muito entusiasmada com o curso e com as
aulas. E, quando questionada acerca do porque de voltar a estudar, alegou perceber
que esta nova formação era necessária para sua vida profissional e que sentia-se
com muita disposição para aprender mais, não queria ficar para trás em relação
aos colegas de profissão.
Os alunos
A descrição dos alunos foi realizada a partir das informações recebidas por
intermédio das professoras.
Andrômeda
Continua a demonstrar interesse pelas aulas e a sua força de vontade é o que
lhe dá condições de acompanhar as atividades. Apresenta um melhor
desenvolvimento em relação à leitura, consegue identificar algumas palavras.e, com
muito esforço descobrir o significado de um texto. Devido a seus problemas de
saúde, sua freqüência permanece irregular, as professoras acreditam que este fato
dificulta avanços mais significativos.
139
Dourado
Não concluiu o período de aulas em 2004, por problemas pessoais
abandonou a escola. Este ano, devido aos trabalhos de estímulo e conscientização
realizados em sala de aula, este aluno continua freqüentando e procurando se
esforçar. Permanece com a fisionomia de cansaço, decorrente do trabalho diário.
Continua chegando tarde e saindo cedo. Mesmo assim, consegue ler e, com ajuda,
fazer interpretação de pequenos textos. Segundo as professoras sua freqüência
irregular é o que dificulta sua aprendizagem.
Lira
Esta aluna foi uma grata surpresa. Tem avançado em relação à
aprendizagem, demonstrando mais segurança no que faz, embora ainda precisando
de ajuda em algumas atividades. Em relação ao comportamento, de acanhada e
tímida, encontra-se mais extrovertida e participante das discussões. Ainda apresenta
uma certa resistência em ler em voz alta, em expor seus talentos.
Lagarto
Assim como Lira. tem avançado em relação à socialização. Saiu de sua
postura reservada e vem apresentando um comportamento mais participativo, se
envolvendo com atividades que exigem expressão oral. Continua com o hábito de
sair muito da sala de aula. Tem um bom desenvolvimento em cálculo, em resolver
operações, apresentando com certo orgulho o que realiza. Porém, no que se refere
140
à leitura e escrita, são poucos os avanços, lendo apenas algumas palavras simples e
não realizando escrita espontânea.
Altar
Devido à mudança de residência, esta aluna pediu transferência para outra
escola. Porém, ao final do ano anterior ela nos garantiu que não desistiria de
estudar, pois havia adquirido maior auto-confiança.
Delfin
O aluno encontra-se mais independente ao realizar as atividades. Consegue
produzir escritas com um pouco mais de autonomia. Porém, ainda apresenta uma
certa resistência em ler sozinho.
É muito sociável, tem grande liderança na classe, é prestativo, bem
humorado, e demonstra gostar muito de freqüentar as aulas. Tem um bom
desenvolvimento em cálculos, na realização das operações fundamentais.
Peixes
A aluna permanece com seus problemas de relacionamento. Demonstra, em
alguns momentos dificuldades em realizar as atividades sem auxílio. Porém, em
outros momentos surpreende com produções próprias. Tem dificuldades em
cálculos, no raciocínio lógico. Ora apresenta-se muito insegura, ora independente.
141
Cassiopéia e Ursa Maior
Estas alunas, deixaram a escola no segundo semestre de 2004 e não se
matricularam nesse ano letivo.
Sextante
Devido a problemas de saúde a aluna deixou a escola em 2004, retornando
nesse ano letivo. Tem avançado tanto na aprendizagem, quanto na sociabilidade.
Era muito introvertida e, atualmente participa das conversas, interagindo nos
trabalhos de grupo. Consegue, mesmo com dificuldades, ler palavras e fazer
ligações entre elas, encontrando a idéia do texto. Ainda demonstra medo e
insegurança para colocar suas idéias com mais autonomia.
Erídano
As professoras o consideram muito perseverante, pois, apesar das
dificuldades que apresenta, não deixa de freqüentar as aulas. Sua freqüência
continua irregular por motivos de trabalho ou problemas de saúde. Procura sempre
participar das atividades, porém constantemente precisa de ajuda, especialmente
em leitura e escrita. Consegue realizar cálculos mentalmente, mas tem dificuldades
em organizá-los no papel.
142
Águia
A aluna tem crescido em relação ao entrosamento com os colegas. Está mais
assídua às aulas, participa de todas as tarefas, se propondo a ajudar, principalmente
nas festas realizadas na sala. Quanto às atividades de leitura e escrita, permanece
insegura, dependendo da ajuda dos colegas e da professora. As professoras
afirmam que ela não se expõe o suficiente, o que dificulta uma avaliação mais
precisa.
Cisne
Em relação à turma sua postura continua a mesma, bem relacionada com
todos. Gosta de participar de todas as discussões, demonstra interesse por
atividades em grupo, porém, permanece com dificuldades em produzir textos
sozinha. Sente-se insegura e fica aguardando a ajuda da professora.
Pomba
É muito assídua, gosta muito da turma, é atenciosa e sociável. Possui boa
desenvoltura em trabalhos manuais: pintura, recorte e colagem. Devido a seus
problemas de saúde permanece na mesma situação em relação à aprendizagem.
143
Flexa
Muito comunicativa, tem uma boa expressão oral. Sempre com bons
argumentos para qualquer questionamento na sala. Permanece com problemas de
saúde, tomando remédios regularmente e está afastada do trabalho.
Apesar de ser muito interessada, continua a ter uma grande dificuldade em
realizar atividades sozinha, sem auxílio.
Concluímos nossa escrita com gosto de quero mais. Parafraseando Ferreiro
(1983, 229) são conclusiones inconclusas, pois ao mesmo tempo em que
chegamos ao fim dessa jornada — com o desejo de termos contribuído para uma
reflexão e desenvolvimentos dos professores em relação às práticas pedagógicas
mais voltadas para o processo de alfabetização na perspectiva do letramento de
jovens e adultos —, percebemos que temos um novo caminho pela frente. Com
novas questões a serem esclarecidas, almejando colaborar e ampliar os estudos
acerca da Educação de Jovens e Adultos.
144
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Marli E.D.A. Etnografia na pesquisa escolar. Campinas,SP:Papirus,
1995.
ARROYO, Miguel. A educação de jovens e adultos em tempos de exclusão.
Alfabetização e Cidadania, [S.l.], n. 11, abr, 2001.
BAJARD, Élie. Caminhos da escrita: espaços de aprendizagem. São Paulo: Cortez,
2002.
BALESTRO, Margarida. Pesquisa: caminhos e desafios necessários no processo de
investigação científica. Revista FSG. V. 6. Disponível em
< http://www.fsg.br/revista6texto7.php>. Acesso em: 10 abr. 2005.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Tradução Luís Antero Reto e Augusto
Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1988.
BRASIL, Ministério da Educação. Educação para jovens e adultos: ensino
fundamental: proposta curricular – 1º segmento. São Paulo: Ação Educativa;
Brasília, MEC, 2001.
BRANDÃO, Carlos (Org.). Pesquisa Participante. 8. ed. São Paulo: Brasiliense,
1999.
BRESSAN, Flávio. O método do estudo de caso. Admisnitração on Line. V.1, n.1,
jan./mar., 2000. Disponível em: <http://www.fecap.br/adm_online/art11/flavio.htm>.
Acesso em: 25 jan. 2005.
BRUGUERRA, Josepa Gómez. Expressão Livre. In: SEBARROJA, Jaume Carbanell
et al. (Org.). Pedagogias do Século XX. Tradução Fátima Murad. Porto Alegre:
Artmed, 2003.
BOGDAN, Roberto C.; BIKIEN, San K. Investigação Qualitativa em Educação:
uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução: Maria João Álvares, Sara Bahia
dos Santos e Telmo Mourinho Batista. Porto: Porto Editora: 1994.
145
CANDAU, Vera Maria. Formação continuada de professores: tendências atuais, In:
CANDAU, Vera Maria (Org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes,
1998.
CASSETTARI, Ivone Sabetzki. As organizações de aprendizagem
e a educação dos adultos. 1998. Disponível em: <http://sinepe-
sc.org.br/jornal/set98/geral.htm>. Acesso em: 25 jan. 2005.
CHAGAS, Anivaldo Tadeu Roston. Questionário na Pesquisa Científica.
Administração on line. V. 1, n. 1. jan./mar., 2000. Disponível em:
<http://www.fecap.br/adm_online/art11/anival.htm>. Acesso em: 25 jan. 2005.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo:
Cortez, 1995.
COTELAZZO, Iolanda B. de Camargo. Colaboração, trabalho em equipe e as
tecnologias de comunicação: relações de proximidade em cursos de pós-
graduação. 2000. Tese de Doutorado em Educação – Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
COUTO, Sônia. O Método Paulo Freire. s/d Disponível em
<http://168.96.200.17/ar/libros/freire/couto.pdf> Acesso em: 17 ago. 2005.
DINIZ, Jorge. Andragogia. Porto, Portugal: Universidade Lusíada do Porto.
Disponível em <wwwalu.por.ulusiada.pt/21505796>. Acesso em: 15 mar. 2002
DURANTE, Marta. Alfabetização de adultos: leitura e produção de textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
FERREIRO, Emília. Los adultos no-alfabetizados y sus conceptualizaciones Del
sistema de escritura. Cuadernos de Investigaciones Educativas, México, n.10, p.
10 – 54, abr. 1983. Texto datilografado. Livre tradução: Daisy Clecia Vasconcelos da
Silva.
FERREIRO, Emilia. Desenvolvimento da Alfabetização: psicogênese. In:GOODMAN,
Yetta M. Como as crianças constroem a leitura e a escrita: perspectives
piagetianas. Porto Alegre: Artes Mádicas, 1995.
146
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzáles et
al. 24.ed. São Paulo: Cortez, 2001a.
FERREIRO, Emília. Com todas as letras. Tradução Maria Zilda da Cunha Lopes;
retradução e cotejo Sandra Trabucco Valenzuela. 10.ed. São Paulo: Cortez, 2001b.
FERREIRO, Emília. Alfabetização em Processo. Tradução Sara Cunha Lima e
Mariza do Nascimento Paro. 14.ed. São Paulo: Cortez, 2001c.
FERREIRO, Emília (Org.). Relações de (in)dependência entre a oralidade e a
escrita. Tradução Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2003.
FREINET, Celéstin. As Técnicas Freinet na Escola Moderna. Tradução Silva
Letra. Lisboa: Editora Estampa, 1975
FREITAS, Henrique; JANISSEK, Raquel. Análise léxica e análise de conteúdo:
técnicas complementares, seqüências e recorrentes para exploração de dados
qualitativos. Porto Alegre: Editora Sangra Luzzatto, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 13.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, Paulo Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
Educativa. 12.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Tradução Moacir Gadotti e Líllian Lopes
Martins. 28.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FUCK, Irene Terezinha. Alfabetização de Adultos: relato de uma experiência
construtivista. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
HADDAH, Sérgio. Desafios da educação de jovens e adultos: a perspectiva
brasileira. In: Telecongresso Internacional de Educação de Jovens e Adultos, 1,
2001, Brasília. Painéis... Brasília, SESI, 2001.
HAGUETTE, Teresa M. F. Metodologias Qualitativas na Sociologia. 7.ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
147
KEMMIS, S. Critical Reflection. In: WIDEEN, M. F.; ANDREWS, I. Staff
development for school improvement. Philadelphia: Imaho Publisshing, 1987.
Livre tradução Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina.
KLEIMAN, Ângela B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva
sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995.
LEITE FILHO, Aristeo. Pedagodia Freinet e Direitos Humanos: discutindo o papel
da educação escolar na construção de uma sociedade não violenta. Disponível em
<http://www.ines.org.br/paginas/revista/espaco17/Reflexoes1.pdf>. Acesso em: 21
ago. 2005.
LÉVY, Pierre. As tecnolgias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática. Tradução Carlos Irineu da Costa. 10.ed. Rio de Janeiro: Ed.34, 2001.
LOUREIRO, José Mauro Matheus. Socialização da Informação: nadando contra
corrente. 2002. Disponível em
<http://www.informacaoesociedade.ufpb.br/1220203.pdf> Acesso em: 07 mai. 2005.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.
MAY, Tim. The method of participant observation. In:______. Social Research:
issues, methods and process. Buckingham: Open University Press, 1993. Tradução
livre: Prof. Dr. Adir Ferreira da UFRN
MINAYO, Maria Cecília (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.
Petrópolis: Vozes, 1994.
MINAYO. Maria Cecília. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 2000.
MOITA, Filomena Maria G. da S. Cordeiro. Cotidiano da “Oficina Escola”: educação
alternativa para jovens e adultos em João Pessoa. In: Encontro de Pesquisa
Educacional do Nordeste, 13, 1997, Natal. Anais... Natal: EDUFRN, 2001.
MOLL, Jaqueline (Org.). Educação de Jovens e Adultos. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2004.
148
MOURA, Tânia Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de
jovens e adultos: contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. Maceió: EDUFAL,
1999.
MADEIRA, Vicente. Para falar em Andragogia. São Paulo: SESI, [1995?].
NELSON, Ivaneide Medeiros. Português: alfabetização. Recife: Bagaço, 1998.
NÓVOA, António. Concepções e práticas da formação contínua de professores, In:
NÓVOA, António (Org.). Formação Contínua de professores: realidades e
perspetivas. Portugal: Universidade de Aveiro, 1991.
OLIVEIRA, Ari Batista. Andragogia: facilitando a aprendizagem. SESI, 1999.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e
aprendizagem. In: Reunião Anual da ANPEd, 23. 1999, Caxambu. Anais...
PAIVA, Vanilda. História da Educação Popular no Brasil: educação popular e
educação de adultos. 6. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
RIBEIRO, Vera Masagão. Alfabetismo e atitudes: pesquisa com jovens a adultos.
Campinas: Papirus; São Paulo: Ação Educativa, 1999.
SEVERINO. Antônio Joaquim. Filosofia da Educação. São Paulo: FTD, 1994.
SMITH, Frank. Leitura Significativa. 3.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
SOARES, Leôncio José Gomes. A Educação de Jovens e Adultos: momentos
históricos e desafios atuais. Revista Presença Pedagógica, [S.l.], set/out.1996.
SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo, Contexto, 2003a.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. 6.reimpr. Belo
Horizonte, Autêntica, 2003b.
149
SOFFNER, Rosemary. Aprendizagem Colaborativa e Mediação Pedagógica.
Disponível em:
<http://www.jornatec.com.br/download/6ajornatec/palestras/Aprendizagem.Colaborat
iva.e.Mediacao.Pedagogica.doc> Acesso em: 25 jan. 2005.
SOUZA E SILVA, Maria Alice S. Construindo a leitura e a escrita: reflexões sobre
uma prática alternativa em alfabetização. 3. ed. São Paulo, SP: Ática, 1991.
SZYMANSKI, Heloisa (Org.); ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PRANDINI, Regina
Célia Almeida Rego. A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva.
Brasília: Plano Editora, 2002.
TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever: perspectivas psicológicas e
implicações educacionais. Tradução Cláudia Schilling. 3. ed. São Paulo: Ática, 2002.
TFOUNI, Leda Verdiani. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso.
Campinas, SP: Pontes, 1988.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2002.
VILAPLANA, Enric. A escola Cooperativa. In: SEBARROJA, Jaume Carbanell et al.
(Org.). Pedagogias do Século XX. Tradução. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed,
2003.
150
ANEXOS
151
ANEXO A:
Roteiro da entrevista com a professora-participante
1) Quais os motivos que a motivaram a trabalhar com alfabetização de jovens e
adultos?
2) O que você entende por alfabetização?
3) O que você entende por letramento?
4) Para você, qual a função do professor?
5) Você já teve alguma experiência como professor-alfabetizador?
6) Se a resposta anterior for positiva, responda às seguintes perguntas:
a) Você utilizava algum método para alfabetizar?
b) Você utilizava cartilha?
c) Você trabalhava com diferentes materiais de leitura?
d) Você propunha atividades de leitura e escrita de diferentes tipos de textos?
7) Atualmente você encontra dificuldades para trabalhar com diferentes materiais e
tipos de texto?
8) Qual a maior dificuldade pedagógica que você enfrenta para alfabetizar seus
alunos?
9) Quais foram os últimos livros ou textos que você leu sobre alfabetização?
152
ANEXO B:
Questionário
1) Qual sua formação acadêmica?
a. Ens. Médio – magistério
b. Ens. Superior – curso: _________________, período:_______
c. Pós-graduação
2) Qual o período de atuação em sala de aula? __________________
3) Atenção:
a. A resposta a esta questão é muito importante, pois pretendemos identificar as
principais atividades utilizadas, no ano anterior, pelos professores
entrevistados.
b. Há duas colunas a serem preenchidas: a do primeiro semestre (1) e a do
segundo semestre (2)
c. Utilize a legenda abaixo como referência
d. Não deixe nenhum campo em branco: se você não propunha a atividade
coloque N = nunca.
Legenda:
TD – Todos os dias 2X – 2 vezes por semana 1X – 1 vez por semana
Q – 1 vez por quinzena M – 1 vez por mês O – uma ou
outra no ano
N - nunca
1º S 2º S 1º S 2º S
( ) ( )
Leitura de histórias e outros textos
para os alunos
( ) ( )
Produção de texto à vista de gravura
( ) ( )
Leitura silenciosa pelos alunos
( ) ( )
Produção de texto a partir de
seqüências de gravuras
( ) ( )
Leitura em voz alta pelos alunos
( ) ( )
Correção coletiva dos textos escritos
( ) ( )
Interpretação de texto por escrito
( ) ( )
Estudo de palavras retiradas de
textos
( ) ( )
Reprodução oral de textos
conhecidos
( ) ( )
Escrita e leitura de famílias silábicas
( ) ( )
Dramatização de histórias lidas
( ) ( )
Separação de sílabas
( ) ( )
Cópia na lousa, cartilhas e/ou livros
( ) ( )
Coordenação motora
( ) ( )
Escrita de palavras conhecidas e/ou
frases
( ) ( )
Treino ortográfico
( ) ( )
Formação de frases com palavras
conhecidas
( ) ( )
Correspondência entre palavras e
gravuras
( ) ( )
Reprodução escrita de texto
( ) ( )
Atividades de reconhecimento de
letras, especialmente as iniciais
( ) ( )
Ditado de palavras ou frases já
estudadas
( ) ( )
Atividades de gramática
( ) ( )
Ditado de palavras desconhecidas,
para diagnosticar as hipóteses de
escrita
( ) ( )
Atividades com os nomes dos
alunos
( ) ( )
Produção de texto coletivo
( ) ( )
Atividades com vogais e encontros
vocálicos
( ) ( )
Produção de texto por escrito
( ) ( )
Jogos para alfabetizar,
correspondências gravura-palavra,
quebra-cabeça de figura-palavras,
etc.
153
ANEXO C:
Questionário aplicado aos alunos
154
ANEXO D:
Fotos
Foto 10: Dia das Mães
Foto 11: Dia das Mães
155
Foto 12: São João, casamento matuto
Foto 13: Comemoração dos aniversários do segundo semestre
156
Foto 14: Dia do Estudante
Foto 15: Encerramento do ano letivo, confraternização natalina
157
ANEXO E:
Formulário - Declaração Anual de Isento
158
ANEXO F:
Jornal
159
160
161
162
ANEXO G:
Escrita dos alunos
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174
175
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo