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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS E APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANA CRISTINA DE ARAÚJO
CORRER, SALTAR, LANÇAR, DIALOGAR: UMA REFLEXÃO
SOBRE CORPO E APRENDIZAGEM NAS AULAS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA.
NATAL/RN
2005
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ANA CRISTINA DE ARAÚJO
CORRER, SALTAR, LANÇAR, DIALOGAR: UMA REFLEXÃO SOBRE
CORPO E APRENDIZAGEM NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.
Dissertação apresentada ao programa
de Pós-Graduação em Educação, do
Centro de Ciências Sociais e
Aplicadas, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como
requisito para a obtenção do Título de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. José Pereira de Melo
NATAL/RN
2005
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Araújo, Ana Cristina de.
Correr, saltar, lançar, dialogar: uma
reflexão sobre corpo e aprendizagem nas
aulas de Educação Física/ Ana Cristina de
Araújo. __ Natal/RN, 2005.
125 p.
Orientador: José Pereira de Melo.
Dissertação (Programa de Pós-graduação
em Educação. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
1. Educação - Educação Física Escolar. 2.
Aprendizagem – corpo. I. Araújo, Ana Cristina
Catalogação feita na Base de Pesquisa Estratégias de Pensamento e Produção do
Conhecimento.
Bibliotecário Responsável - Pedro Daniel Meirelles CRB-4 Recife/PE.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________
Prof. Dr. José Pereira de Melo (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_______________________________________________________
Profa. Dra. Elaine Melo de Brito Costa Lemos
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
_________________________________________________________
Profa. Dra. Terezinha Petrúcia da Nóbrega
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
________________________________________________________
Profa. Dra. Karenine de Oliveira Porpino (Suplente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
NATAL/RN
2005
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Júlio e Severina, exemplos
de dignidade e força sempre presentes em
minha vida. Ao meu tio, Boanerges (in
memoriam), pelas longas conversas que me
fizeram acreditar que é sempre possível ir
mais além.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, força maior que nos impulsiona em
todos os momentos;
À minha família, sempre me apoiando e me fazendo acreditar no amor,
na união e na fraternidade;
Ao Professor José Pereira, orientador e amigo, obrigada por acreditar e
tornar possível este trabalho;
À Séfora, amiga e companheira, muito obrigada;
À Ligyanne, minha amiga, irmã e companheira. Sua presença é
imprescindível em minha vida;
À Zenilde Souza, pelos vinte anos de amizade sincera;
À Professora Petrúcia, obrigada pela grande colaboração e desejo de ver
este trabalho realizado;
Às Professoras Karenine, Larissa e Wani, pelo carinho e disponibilidade
em colaborar;
A Everaldo, Rosie Marie, Nonato, Marcílio e Sávio, agradeço a
oportunidade de conhecê-los e poder chamá-los de amigos. Nossos momentos
foram inesquecíveis.
Às amigas e companheiras de todas as horas: Cida Dias, Ivana Lúcia e
Neille Mathias
Aos membros do Grupo de Estudo Corpo e Cultura de Movimento.
Aos amigos Didi, pela arte concebida neste trabalho e Pedro Daniel, pela
colaboração técnica.
E, sobretudo, a todos os meus alunos que, nesses 13 anos de profissão,
foram a fonte para minhas inquietações, alegrias e buscas no universo da
Educação Física. A convivência com vocês me faz aprender diariamente.
RESUMO
Tendo como objeto de estudo a Educação Física Escolar, este trabalho
objetivou discutir a relação corpo e aprendizagem a partir de uma experiência
pedagógica realizada em uma escola pública. No tocante aos procedimentos
metodológicos, nosso estudo caracterizou-se como uma pesquisa do tipo
etnográfico, na qual utilizamos como técnicas de pesquisa a observação
participante e a entrevista. O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No
primeiro capítulo, intitulado “Métodos de Ensino e Educação Física: reflexões
sobre o corpo”, procuramos analisar e discutir a concepção de corpo presente
nas abordagens críticas para o ensino da Educação Física. No segundo capítulo,
intitulado “Corpo e Aprendizagem na Educação Física Escolar” procuramos
situar como o corpo vem sendo tratado no processo educacional discutindo as
concepções de corpo presentes na Educação e na Educação Física, a partir das
reflexões de Dias (2002), Nóbrega (2000), Soares (2001), entre outros; como
também, procuramos situar a aprendizagem enquanto um processo corporal e
em constante reconstrução, evidenciando as concepções defendidas por autores
como Hugo Assmann (1996 e 1998), Maturana e Varela (2001), entre outros. No
terceiro capítulo, intitulado “O Corpo em movimento...”, apresentamos a
experiência pedagógica realizada na escola e discutimos a aprendizagem e
desenvolvimento de valores ético-morais, como o ritmo pode ser trabalhado nas
aulas de Educação Física e, evidenciamos importância da descoberta das
possibilidades corporais e o conhecimento do próprio corpo, através da
experiência corporal. O quarto capítulo foi destinado às considerações finais,
concluímos que a aprendizagem enquanto um processo corporal e resultante
das interações construídas historicamente entre o sujeito e o mundo,
possibilitou aos alunos aprenderem bem mais que gestos motores mas,
sobretudo, a trabalhar em grupo, a dialogar, a respeitar as diferenças, a
conviver com o outro. No tocante ao atletismo, além de gestos técnicos, seu
histórico, regras, e provas, os alunos aprenderam que é possível vivenciar um
esporte sem que as regras do sobrepujar e das comparações sejam a tônica
principal.
Palavras-chave: Educação – Educação Física – Corpo - Aprendizagem
SUMÁRIO
Páginas
LISTA DE IMAGENS
INTRODUÇÃO.............................................................................................................10
CAPÍTULO I:
MÉTODOS DE ENSINO E EDUCAÇÃO FÍSICA: REFLEXÕES SOBRE O COR-
PO .................................................................................................................................22
1.1 – Concepção Crítico-superadora...............................................................................25
1.2 - Concepção de Aulas Abertas à Experiência..........................................................32
1.3 - Métodos Criativos nas aulas de Educação Física....................................................36
1.4 - Concepção Crítico-emancipatória..........................................................................40
CAPÍTULO II:
CORPO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR.........................48
CAPÍTULO III:
O CORPO EM MOVIMENTO....................................................................................66
CAPÍTULO IV:
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 122
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01: Experimentando ritmos. Araújo, A. C., 2004 (capa)
Imagem 02: Fachada interna da escola. Araújo, A. C., 2004 (p.14)
Imagem 03: Vista lateral da escola. Araújo, A. C., 2004 (p.15)
Imagem 04: Praça do Conjunto Potengi. Araújo, A. C., 2004 (p.15)
Imagem 05: Dialogando. Araújo, A. C., 2004 (p.24)
Imagem 06: Expeimentando. Araújo, A. C., 2004 (p.48)
Imagem 07: Saltos livres. Araújo, A. C., 2004 (p.66)
Imagem 08: Trecho da pesquisa. 2004 (p.72)
Imagem 09: Trecho da pesquisa. 2004 (p.74)
Imagem 10: Trecho da pesquisa. 2004 (p.75)
Imagem 11: Discutindo possibilidades. Araújo, A. C., 2004 (p. 79)
Imagem 12: Trecho da pesquisa. 2004 (p. 82)
Imagem 13: Velocidade máxima. Araújo, A. C., 2004 (p. 85)
Imagem 14: Velocidade e cooperação. Araújo, A. C., 2004 (p.85)
Imagem 15: Trecho da pesquisa. Araújo, A. C., 2004 (p. 87)
Imagem 16: Corrida masculina. Araújo, A. C., 2004 (p. 89)
Imagem 17: Corrida feminina. Araújo, A. C., 2004 (p. 90)
Imagem 18: Vitória feminina. Araújo, A. C. 2004 (p.90)
Imagem 19: Vitória masculina. Araújo, A. C., 2004 (p. 91)
Imagem 20: Experimentando ritmos. Araújo, A. C., 2004 (p. 92)
Imagem 21: Correndo para vencer. Araújo, A. C., 2004 (p. 93)
Imagem 22: Experimentando ritmos II. Araújo, A. C., 2004 (p. 94)
Imagem 23: Descobrindo possibilidades. Araújo, A. C., 2004 (p. 98)
Imagem 24: Apresentando o roteiro. Araújo, A. C., 2004 (p. 98)
Imagem 25: Apresentando o roteiro II. Araújo, A. C., 2004 (p. 99)
Imagem 26: Executando o roteiro final. Araújo, A. C., 2004 (p. 99)
Imagem 27: Experimentando possibilidades. Araújo, A. C., 2004 (p. 100)
Imagem 28: Corrida com obstáculos. Araújo, A. C., 2004 (p. 102)
Imagem 29: Corrida tartaruga. Araújo, A. C., 2004 (p. 102)
Imagem 30: Velocidade máxima II. Araújo, A. C., 2004 (p. 102)
Imagem 31: Trecho da pesquisa. 2004 (p.103)
Imagem 32: Lançamento de pedra. Araújo, A. C., 2004 (p.104)
Imagem 33: Medição de lançamentos. Araújo, A. C., 2004 (p. 105)
Imagem 34: Tábua ao alvo. Araújo, A. C. 2004 (p.106)
Imagem 35: Trecho da pesquisa. 2004 (p.107)
Imagem 36: Saltos livres. Araújo, A. C., 2004 (p. 108)
Imagem 37: Saltos livres II. Araújo, A. C., 2004 (p. 108)
Imagem 38: Salto em duplas. Araújo, A. C. 2004 (p.110)
Imagem 39: Saltos livres III. Araújo, A. C. 2004 (p.111)
Imagem 40: Trecho da pesquisa. 2004 (p.112)
Imagem 41: Trecho da pesquisa. Araújo, A. C. 2004 (p.112)
Imagem 42: Salto em distância . Araújo, A. C. 2004 (p.113)
Imagem 43: Salto em distância II. Araújo, A. C. 2004 (p.113)
Imagem 44: Salto em distância III. Araújo, A. C. 2004 (p.113)
Imagem 45: Medindo saltos. Araújo, A. C. 2004 (p.114)
Imagem 46: Salto de bronze. Araújo, A. C. 2005 (p. 115)
Imagem 47: Saída da prova dos 100 metros. Araújo, A. C.2005 (p.116)
Imagem 48: Arremesso de peso. Araújo, A. C. 2005 (p.116)
INTRODUÇÃO
No meu percurso como estudante de escola pública, vivenciei uma
educação física voltada para os movimentos ginásticos inspirados no modelo
militarista que, por tanto tempo, predominaram e ainda se fazem presentes, em
alguns contextos, na Educação Física Escolar. Eram aulas predominantemente
pautadas nos exercícios físicos, analíticos e lineares, voltados para a melhoria da
aptidão física, e/ou conteúdos esportivos voltados para a formação das equipes
da escola, configurando-se num processo extremamente seletivo.
O movimento era compreendido como mero deslocamento das partes de
um corpo e executado de forma mecânica e repetitiva, desnudo de significados
ou sentidos, propiciando uma aprendizagem de movimentos pela imitação de
gestos que deveriam ser executados ao mesmo tempo e da mesma forma, ou
seja, uma aprendizagem pautada nas teorias de processamento de informações
nas quais, a execução do movimento obedece ao binômio estímulo-resposta,
sem qualquer componente que estimulasse ou pelo menos permitisse a reflexão
sobre sua realização. Assim, aprende-se a reproduzir os padrões já
estabelecidos, aprende-se a obedecer as regras, aprende-se a ter disciplina e a
não questionar.
Ainda assim, movida pela vontade, pelo desejo e pela necessidade de
estar envolvida em atividades que estimulassem o movimento e a prática
corporal era, talvez, a mais assídua da turma. Comecei a praticar atletismo e
handebol na escola muito mais pelo prazer em participar do esporte, de fazer
parte de um grupo, do que de competir ou representar a escola em eventos
esportivos. Com as competições vieram as cobranças e, admito que nunca
convivi bem com essa nuance do esporte escolar, passando assim por algumas
modalidades, sem, contudo, me ancorar em nenhuma delas. Terminado o
ensino médio (naquela época chamado de 2º grau), optei por fazer vestibular
para Educação Física pois, tinha uma identificação com as práticas corporais.
Chegando à Universidade, no ano de 1990, enquanto aluna do curso de
Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
deparei-me com as mudanças curriculares ocorridas no início da década de 90.
Uma transformação que objetivava a superação do modelo tecnicista vigente no
curso, semeando novos objetivos para a Educação Física, na tentativa de
superar a hegemonia da preparação física e formação de atletas. É certo que
todo processo de mudança é lento e requer esforços de todos os envolvidos
para que ocorra de forma significativa. No caso do Curso de Educação Física da
UFRN não poderia ser diferente: como dar prosseguimento a um processo de
mudança desse porte se grande parte do corpo docente resistia à mudança de
mentalidade, de concepções e convicções necessárias a esse processo? É com
satisfação que hoje vejo os muitos avanços alcançados, como por exemplo, a
formação de grupos de estudo e pesquisa; o interesse, por parte dos
professores, em buscar a titulação de mestre e doutor; a consolidação da oferta
de cursos de especialização no Departamento de Educação Física, entre outros.
Avanços estes, fruto dos esforços de pessoas que, apesar dos obstáculos
encontrados diariamente, não desistem de continuar buscando novos
horizontes para a Educação Física.
É claro que como professora de Educação Física da rede pública de
ensino, ainda me deparo com situações que denunciam a existência das marcas
oriundas da Educação Física pautada nos paradigmas dicotômicos e,
historicamente, muito cristalizados nas intervenções pedagógicas. A
necessidade de discutir essa realidade motivou-me a realizar esse estudo,
partindo do princípio de que a Educação Física, enquanto campo pedagógico
responsável pelo trabalho com o corpo, pode pautar suas ações numa
concepção que não mais seja atrelada ao dualismo cartesiano, evidenciando
suas contribuições para a formação do sujeito e abrindo espaço para o
desenvolvimento de um processo de aprendizagem no qual o corpo seja visto
como um todo que não pode ser dividido em partes, porque é músculo, ossos,
mente, espírito, sensações e emoções, todos entrelaçados e indissociáveis.
Assim, com a convicção que nenhuma prática pedagógica é neutra e sim,
antes de qualquer outro aspecto, é uma atitude política, defendemos para a
Educação Física Escolar uma prática pedagógica transformadora que estimule a
reflexão, a criticidade, o processo de conscientização e emancipação, como
defende Elenor Kunz, na concepção denominada crítico-emancipatória onde,
segundo o autor (1998, p.24-25),
(...) emancipação pode ser entendida, resumidamente, como um processo
interminável de libertação do aluno das condições limitantes de suas
capacidades racionais críticas e, com isso, também, todo o seu agir no
contexto sócio-cultural e esportivo.(...) o conceito crítico, por sua vez,
também de forma resumida, pode ser entendido como a capacidade de
conseguir questionar e analisar as condições, a complexidade de
diferentes realidades de forma fundamentada, permitindo, com isso,
uma constante auto-avaliação racional do envolvimento objetivo e
subjetivo no plano individual/situacional.
Tendo como objeto de estudo a Educação Física Escolar, este trabalho
objetivou discutir a relação corpo e aprendizagem a partir de uma experiência
pedagógica realizada em uma escola pública. A experiência pedagógica foi
realizada juntamente com os alunos da 7
a
e 8
a
séries do ensino fundamental da
Escola Municipal Professor José do Patrocínio, escola da qual sou professora
desde abril de 2004.
A Escola Mu-
nicipal Professor
José do Patrocínio
localiza-se no con-
junto Panorama, na
zona norte de Natal.
É uma escola com
grandes carências es-
truturais e materi-
Ima
g
em -03- Vista lateral interna da escola – Araú
j
o, A.C.
Ima
g
em 02 - Fachada interna da escola – Araú
j
o, A. C.
ais.
rejudicando o desenvolvimento do processo
educacional de nossos alunos.
Devido à carência de escolas na área, funciona em quatro turnos:
matutino, intermediário, vespertino e noturno, visando atender à demanda de
alunos e, acarretando com isso, uma redução do tempo disponível para cada
turno, dificultando e até p
Ima
g
em 04 – Praça do Con
unto Poten
i – Araú
j
o, A.. C.
salas são pequenas e o
no
o conjun-to Potengi, onde existe uma área verde e a quadra de
esportes
A Escola, não
possui espaço
adequado para a
realização das aulas de
Educação Física, as
espaço inter
completamente
desnivelado, o que
nos obriga a bus-
car outros espaços
para a realização
das aulas, no caso,
a praça d
Ima
g
em 03 – Espaço lateral da escola – Araú
j
o, A.. C.
Ima
g
em - 04 – Praça do Con
j
unto Poten
g
i – Araú
j
o, A. C.
.
As aulas de Educação Física do turno vespertino, desde que
chegamos à escola são ministradas em horário oposto, ou seja, no turno
matutino. Condição esta, que estamos tentando modificar, junto à direção da
escola e ao Projeto Político Pedagógico. Na nossa escola contamos com quatro
professores de Educação Física: um trabalha com as turmas de 1º e 2º ciclos,
dois trabalham com as turmas de 5ª à 8ª séries e um com as turmas da EJA
(edu
a o conjunto Panorama, em
na tarefa de nos aproximar do mundo vivido dos
valiadas, os instrumentos, reformulados e os
ndamen
cação para jovens e adultos).
Os alunos envolvidos nesta pesquisa foram de ambos os sexos, sendo 29
do sexo feminino e 17 do sexo masculino, e encontram-se na faixa etária de 13 a
16 anos, fazem parte de uma comunidade carente de bens materiais e de
possibilidades de lazer, salvo algumas exceções. Residem, na sua maioria, nas
proximidades, embora haja em nossa escola, um grande número de alunos
oriundos de outros conjuntos habitacionais que, pela carência de escolas nas
suas comunidades, são obrigados a se deslocar par
busca da Escola Municipal Prof. José do Patrocínio.
No tocante aos procedimentos metodológicos, nosso estudo caracterizou-se como
descritivo tendo-se a abordagem qualitativa na interpretação dos discursos e imagens
registradas nas aulas. Segue, portanto, os pressupostos teóricos que caracterizam a pesquisa do
tipo etnográfico. A metodologia escolhida permite a interação próxima entre o investigador e o
investigado, proporcionando o intercâmbio
indivíduos que compõem a nossa pesquisa.
A pesquisa etnográfica possibilita a descoberta de novos conceitos e relações
existentes entre os fenômenos estudados, de maneira a permitir o entendimento da realidade,
visando ao desenvolvimento de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não simplesmente
experimentações que serviriam para ratificar, ou não, uma visão pré-concebida. Permitindo-nos,
desse modo, traçar um plano de trabalho flexível, no qual os focos da investigação vão sendo
constantemente revistos, as técnicas de coleta, rea
fu tos teóricos, repensados (André, 1995).
Acreditamos que a opção pela abordagem etnográfica nos auxiliou na interpretação
da realidade vivida pelos alunos nas aulas de Educação Física. Também optamos por técnicas
de pesquisas que caracterizam o nosso estudo como do tipo qualitativo. Um modelo de
pesquisa que permite ir além da simples verificação de regularidade, possibilitando ao
pesquisador dedicar-se a uma análise dos significados que as pessoas dão aos seus atos, no
próprio meio em que se desenvolvem suas vidas e suas relações, facilitando a compreensão do
ntido, d
tornou possível
ma desc
consciência corporal como
aspecto
se as ações e das decisões dos indivíduos e suas relações sociais (Chizzotti, 1995).
O referido autor afirma que a pesquisa qualitativa parte do fundamento de que há uma
relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um
vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito (Chizzotti, 1995, p.79).
Acreditamos ser esta troca constante de informações de fundamental importância para o
aprofundamento de nossa discussão. As informações acumuladas através das técnicas de
pesquisa eleitas para no nosso estudo foram compiladas através da utilização de instrumentos,
tais como o registro fotográfico, bem como anotações, através da escrita, da nossa impressão por
ocasião das aulas realizadas e material de pesquisa realizada pelos alunos. Recursos
importantes que possibilitaram o registro, de forma documental, de todo o nosso processo
investigativo, fato que permitiu uma análise posterior aos encontros, bem como,
u rição, a mais próxima possível da realidade, das vivências realizadas.
Utilizamos também os discursos dos alunos, frutos dos nossos encontros, para a
construção do texto, possibilitando um diálogo entre nós; seus discursos e imagens e o
pensamento dos diversos autores que compõem nosso referencial bibliográfico. Elegemos o
ritmo, a velocidade, os valores ético-morais e o conhecimento do próprio corpo, como principais
categorias de análise, tendo-se, ainda, o sexismo, o doping, e a
s complementares que surgiram no decorrer da experiência
A intervenção se deu em 10 encontros, tematizando o atletismo,
subdivididos em tópicos que focalizaram a pesquisa sobre a modalidade
(histórico, regras e provas) e a fase de experimentação e ampliação dos
elementos que a compõem. Tomando como referência o livro “Didática da
Educação Física” vol. 1, organizado pelo professor Elenor Kunz, aplicamos
atividades referentes à unidade dedicada ao atletismo com o objetivo de
discutir as questões relativas à relação corpo e aprendizagem que estão
presentes nas aulas de Educação Física, a partir de um contexto específico, na
suprac
ia “do mais forte, mais veloz e mais alto”,
como
itada escola.
Fizemos opção pela modalidade de atletismo por alguns motivos:
primeiro, por ser o conteúdo proposto a ser trabalhado no terceiro bimestre nas
turmas de 7ª e 8ª séries, na nossa escola; por ser uma modalidade riquíssima em
possibilidades de movimento, em adaptação aos espaços e materiais
disponíveis e que permite uma ampliação destas possibilidades; e, terceiro, por
ser uma modalidade que, ao longo do tempo percebemos, não ter uma grande
aceitação entre os alunos por não ser uma atividade jogada e/ou pelo fato de se
exacerbar a competitividade nessa modalidade, vindo a gerar vivências de
fracasso e frustrações para a maioria dos alunos. Chegamos a essa conclusão,
quando no início do ano letivo, ao questionarmos o que os alunos gostariam de
vivenciar nas aulas, apenas uma minoria citou o atletismo. Tal fato nos
inquietou bastante e passamos a sugerir que trabalhássemos também o
atletismo, o que, de início, enfrentou grandes resistências. Passamos então a
encarar como um desafio, possibilitar uma vivência, do atletismo, dentro de
nossas aulas que não ratificasse a idé
pré-requisito para sua prática.
Esclarecemos aqui que não objetivamos a esportivização da aula de
Educação Física, mas, a possibilidade de dar um outro tratamento pedagógico
ao conteúdo esporte na aula de Educação Física. Priorizamos a aprendizagem
dos movimentos não lineares, não padronizados; o conhecimento do ritmo do
próprio corpo e dos diferentes ritmos de execução dos movimentos; a
aprendizagem de valores ético-morais; e, a descoberta das possibilidades de
ação d
ransforma e é
transfo
o próprio corpo.
Neste trabalho, partimos do princípio que a concepção de aprendizagem
enquanto processo corporal e resultado das interações construídas
historicamente entre o sujeito e o mundo, culturalmente construído, deveria
permear o processo educacional em todos os seus aspectos e, em especial, na
Educação Física. A relevância deste estudo, para a Educação Física, e, por
conseguinte para a educação, encontra-se na possibilidade de desenvolver um
trabalho que venha contribuir para a discussão das questões relativas à
compreensão do corpo e da aprendizagem, na Educação Física Escolar e,
possibilitar uma reflexão sobre a prática pedagógica nesta área, evidenciando
sua contribuição para o desenvolvimento da consciência crítica e reflexiva de
um ser humano inserido historicamente em uma sociedade que o t
rmada por ele, a partir de suas ações, desejos e realizações.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro capítulo,
intitulado “Métodos de Ensino e Educação Física: reflexões sobre o corpo”,
procuramos analisar e discutir a concepção de corpo presente nas abordagens
críticas para o ensino da Educação Física, tais como: a abordagem Crítico-
Superadora defendida no Coletivo de Autores (1992); Concepções Abertas no
Ensino da Educação Física de Hildebrant e Laging (1986); Criatividade nas
Aulas de Educação Física de Taffarel (1985) e a abordagem Crítico-
Emanc
o, evidenciando as
concep
e, evidenciamos a
import
E ainda, ratificamos a aprendizagem, enquanto um processo corporal, ou seja,
ipatória defendida por Kunz, no livro Educação Física: ensino e
mudanças (2001).
No segundo capítulo, intitulado “Corpo e Aprendizagem na Educação
Física Escolar” procuramos situar como o corpo vem sendo tratado no processo
educacional discutindo as concepções de corpo presentes na Educação e na
Educação Física, a partir das reflexões de Dias (2002), Nóbrega (2000), Soares
(2001), entre outros; como também, procuramos situar a aprendizagem
enquanto um processo corporal e em constante reconstruçã
ções defendidas por autores como Hugo Assmann (1996 e 1998),
Maturana e Varela (2001), Pedro Demo (2000), entre outros.
No terceiro capítulo, intitulado “O Corpo em movimento...”,
apresentamos a experiência pedagógica realizada na escola e discutimos a
aprendizagem e desenvolvimento de valores como cooperação, solidariedade,
respeito mútuo e justiça, através do diálogo e participação nas aulas; discutimos
como o ritmo pode ser trabalhado nas aulas de Educação Física, dando ênfase à
descoberta dos diversos ritmos existentes no movimento
ância da descoberta das possibilidades corporais e o conhecimento do
próprio corpo, através da experiência vivenciada na escola.
O quarto capítulo foi destinado às considerações finais, nele, defendemos
uma prática pedagógica que, ao trabalhar diretamente com o corpo, estimule a
reflexão sobre esta prática, sobre este corpo, sobre as relações existentes entre o
sujeito e o mundo que o cerca, sobre as possibilidades de ação do sujeito social.
considerando a existência de uma cognição corporal, que é responsável pela
elaboração de um texto escrito corporalmente por toda nossa vida, afinal é
corporalmente que aprendemos e apreendemos o mundo.
Capítulo I
Métodos de Ensino e Educação Física: reflexões sobre o corpo
os quartéis, mas, no trabalho desumano realizado nas fábricas
da Educação Física atual
com o
Historicamente, a Educação Física tem pautado seus objetivos na
aprendizagem do gesto técnico do movimento. Tem tratado o corpo como
objeto de rendimento e de produção, seja como máquina adestrada para o
trabalho fabril, seja como instrumento utilitário aos ideais esportivos, de
superação de limites e recordes, de conquista de medalhas e méritos. Desde o
século XIX, a então chamada ginástica, surge como um dos mecanismos de
propagação dos ideais da sociedade burguesa que, buscava formar o cidadão
forte e saudável, livre de vícios e doenças, um cidadão pronto para servir à
pátria não só n
(Soares, 2001).
A Educação Física assume, portanto, o papel de adestrar os corpos em
nome de uma educação voltada para a higienização e assepsia social além da
moralização dos hábitos. Ainda hoje, a Educação Física guarda resquícios dessa
influência. A biologização e esportivização das práticas existentes, inclusive nas
escolas, nos permite traçar um perfil de aproximação
s ideais burgueses disseminados no século XIX.
Ainda na atualidade, ao se tratar do conteúdo esporte na escola, ficam
evidentes as marcas da esportivização das aulas de Educação Física, através do
direcionamento desta prática para a preparação de equipes para as competições
escolares. Competições essas, cada vez maiores em número e mais exigentes no
nível técnico, nas quais, chega-se a ponto de promover a competição entre
crianças com menos de cinco anos. Faixa etária na qual os objetivos para a
Educação Física na escola deveriam proporcionar a experimentação e a vivência
diversificada do movimento, como forma de explorar possibilidades do próprio
corpo
formas de aprender e transformar o mundo
cultur
Propõem, assim, um modelo de superação das contradições e
injusti
e do seu entorno.
É preciso considerar os aspectos sócio-culturais das atividades
desenvolvidas nas aulas de Educação Física, resgatar suas origens, seus
significados, contextualizá-las, para que a partir daí seja possível criar e recriar
novos significados, novas
almente construído.
A partir da década de 1980 surgem, as chamadas, abordagens críticas,
que passam a questionar o caráter alienante da Educação Física e buscam
possibilitar a compreensão, por parte do aluno, de que a produção cultural da
humanidade expressa uma determinada fase e que houve mudanças ao longo do tempo
(Brasil,1998,p.25).
ças sociais.
Neste capítulo nos propusemos a analisar e discutir que referência de
corpo tem pautado essas concepções (abordagens críticas) metodológicas de
ensino da Educação Física. Para tanto, elegemos quatro concepções que, ao
nosso ver, são referências significativas para a prática pedagógica da Educação
Física na Escola: A Concepção denominada de Crítico-Superadora e, defendida
no livro “Metodologia do Ensino de Educação Física”, por um coletivo de
autores
1
; a Concepção de Aulas Abertas, defendida por Hildebrant e Laging, no
1
Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zulke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli
Ortega Escobar e Valter Bracht.
livro “Concepções abertas no ensino da educação física”; a obra “Criatividade
nas aulas de Educação Física” de Celi Taffarel e a Concepção Crítico-
Emancipatória defendida por Elenor Kunz, na obra “Educação Física: ensino e
mudanças”.
1.1 – Concepção Crítico-superadora
nto que constitui o conteúdo da Educação Física (Coletivo
de Au
com este
projeto
Iniciaremos nossa discussão com a concepção Crítico-Superadora que,
segundo seus autores, expõe e discute questões teórico-metodológicas da Educação
Física, tomando-a como matéria escolar que trata pedagogicamente, temas da cultura
corporal, ou seja, os jogos, a ginástica, as lutas, as acrobacias, a mímica, o esporte e
outros. Esse é o conhecime
tores, 1992, p.18).
Os autores defendem que a pedagogia denominada de Crítico-
Superadora busca responder a determinados interesses de classe e afirmam que
é preciso que cada educador tenha bem claro: qual o projeto de sociedade e de homem que
persegue? Quais os interesses de classe que defende? Quais os valores, a ética e a moral
que elege para consolidar através de sua prática? Como articula suas aulas
maior de homem e de sociedade? (Coletivo de Autores, 1992, p.26).
Essa concepção tem como objetivo a leitura da realidade, para tanto,
valoriza o conhecimento que o aluno traz de seu cotidiano, confrontando-o com
o conhecimento científico com o objetivo de proporcionar uma reflexão sobre a
realidade social na qual ele está inserido. Segundo o coletivo de autores, a
Educação Física, (...) é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas
de atividades expressivas corporais como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas
que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal
(1992,
incorp
o corpo não fosse, também, natureza. Para o Coletivo
de Autores (1992, p.38):
natureza.
Talvez necessitou retirar os frutos da árvore para se alimentar,
construindo uma atividade corporal nova: “ficar de pé”.
p.50).
Com relação ao conteúdo, na concepção Crítico-Superadora, considera-se
que este deve atender a uma relevância social como possibilidade de explicação
da realidade social concreta e como oferta de subsídios para a compreensão dos
determinantes histórico-sociais do aluno; deve ser contemporâneo; adequado às
possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno; apresentados simultaneamente
com os dados da realidade; tratados a partir do princípio da espiralidade da
oração das referências, considerando a provisoriedade do conhecimento.
Encontramos nesta obra, referências que nos remetem a um conceito
puramente biológico de corpo, que atribui a sua evolução às relações mantidas
com a natureza como se
a espécie humana não tinha, na época do homem primitivo, a
postura corporal do homem contemporâneo. Aquele era quadrúpede e
este é bípede. A transformação ocorreu ao longo da história da
humanidade, como resultado da relação do homem coma a natureza e
com os outros homens. O erguer-se lenta e gradualmente, até a posição
ereta corresponde a uma resposta do homem aos desafios da
Dessa forma, o Coletivo de Autores, considera o corpo como uma
realidade material que se transforma a partir das relações que mantém com a
natureza e com os outros homens, excluindo, desse modo, elementos
significativos para a elaboração da corporeidade humana que são os desejos, as
emoções, as sensações, a intencionalidade. Ao tratar a questão, afirma que a
materialidade corpórea foi construída e, portanto, existe uma cultura corporal, resultado
de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela
humanidade que necessitam ser retraçados e transmitidos para os alunos na escola
(1992,
ercemos relações de
poder. Discutindo esse asp
essão arterial do moço quase
agonizante – coisa que se repetiu à entrada dos pais do acidentado, em
outro horário.
p.39).
Na referida obra, encontramos referências que nos remetem, também, à
concepção de corpo enquanto instrumento a ser utilizado, o que reforça a
concepção dualista do homem, no seguinte trecho: contemporaneamente pode-se
afirmar que a dimensão corpórea do homem se materializa nas três atividades produtivas
da história da humanidade: linguagem, trabalho e poder (1992, p.39). O que dizer
então do corpo que, por determinadas limitações, o coma, por exemplo, não
trabalha, não se comunica e não exerce poder? Será que esse corpo não existe?
Será que sua dimensão corpórea desaparece? Voltamos ao dualismo cartesiano
do corpo e alma? O sujeito enquanto corpo só voltará a existir se despertar do
coma? E enquanto dormimos, deixamos de ser corpo? Afinal, durante o sono
não nos comunicamos, nem trabalhamos, e tampouco, ex
ecto, Morais relata (1993, p.75):
Vi certa vez, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um
grande hospital, um jovem acidentado em coma profundo cujo fio
tênue de vida era mantido ainda pela atual maquinaria médica. Eu
estava naquela UTI quando se aproximou do leito daquele rapaz o seu
melhor amigo, admitido ali – como eu – por extrema deferência dos
médicos; pois bem, nos monitores registraram-se imediatas alterações
nos batimentos cardíacos e na pr
O que dizer, então, da reação do jovem em coma, se o seu corpo
mesmo sem utilizar-se das referidas atividades produtivas da humanidade, a
linguagem, o trabalho e o poder (Coletivo de Autores, 1992), insiste em mostrar-
se presente para as pessoas com as quais mantém estreitas relações de afeto?
Não teria esse corpo, a intenção de comunicar-se mesmo sem condições de fazê-
lo via linguagem?, ou melhor, não estaria, esse corpo, comunicando-se através
dos re
orem
as sua
sempre considerando, segundo o Coletivo de Autores, que o conhecimento da
cursos que, naquele momento dispõe?
Para Melo,... é preciso transpor os limites de uma visão de corpo
instrumental, a qual permeia o debate no âmbito do termo cultura corporal, para
compreendermos o corpo dotado de subjetividades e de intencionalidades..., (2002, p.
15), o corpo não é só aquele que produz, ou estabelece relações de poder mas,
também, aquele que anseia, que sofre, que deseja, e que vive sejam quais f
s possibilidades de interação e intervenção no mundo em que vive.
No tocante à metodologia de ensino, a perspectiva Crítico-superadora ,
defende um processo que acentue, na dinâmica da sala de aula, a intenção prática do
aluno para apreender a realidade. (...) entendemos a aula como um espaço
intencionalmente organizado para possibilitar a direção da apreensão, pelo aluno, do
conhecimento específico da Educação Física e dos diversos aspectos das suas práticas na
realidade social (Coletivo de Autores,1992, p.87). Há uma aproximação, nesse
sentido, do aluno com a percepção da totalidade de suas atividades, ao
possibilitar, na aula, uma articulação entre o que faz, o que pensa e o que sente.
A seguir, veremos um exemplo de aula na qual será tematizada a ginástica,
Educação Física, a seleção e a organização de conteúdos exige coerência com o objetivo
de promover a leitura da realidade (1992, p.88).
Para o Coletivo de autores (1992), os fundamentos da ginástica artística :
saltar, equilibrar, rolar/girar, balançar e trepar, devem ser abordados desde a
primeira série, de uma forma mais geral, para, ao longo das séries seguintes,
serem abordados aspectos e conhecimentos mais particulares e concretos. Isso
implica dizer que formas técnicas aprimoradas e conhecimentos mais sofisticados têm
base nessa abordagem geral. O conhecimento da ginástica artística deve incluir a
abordagem desses fundamentos nos grandes aparelhos, tanto femininos quanto
masculinos. Delineando o conteúdo, trata-se de saber como desenvolvê-lo numa aula ou
conjunto de aulas (Coletivo de Autores,1992, p.89). A aula segundo a concepção
Crítico-superadora, pode ser dividida em três fases, apenas com finalidade
explicativa, sem contudo interferir na sua continuidade, são elas (Coletivo de
autores, 1992,p.89):
Uma primeira, onde conteúdos e objetivos da unidade são
discutidos com os alunos, buscando as melhores formas de estes se
organizarem para a execução das atividades propostas. Uma segunda
fase, que toma o maior tempo disponível, refere-se à apreensão do
conhecimento. Finalmente, uma terceira fase, onde se amarram
conclusões, avalia-se o realizado e levantam-se perspectivas para as
aulas seguintes.
Considerando o equilibrar, como tema da aula numa quarta série de
meninos e meninas, a primeira fase é destinada ao diálogo com os alunos sobre
as formas e possibilidades que cada um possui em executar movimentos
acrobáticos e, à preparação do ambiente para a realização das aulas. Podemos
observar que a participação do aluno e a criatividade em adaptar e improvisar
implementos para o desenrolar das atividades são presentes nesta fase (coletivo
de Autores, 1992, p.90):
preparar junto com os alunos os materiais que provocam o
desequilíbrio e, portanto, exigem a equilibração. A falta de aparelhos
especiais pode ser suprimida com materiais criativos como tábuas
colocadas em diferentes alturas e inclinações, tábuas suspensas com
cordas que, além de oferecer a base de sustentação diminuída,
oferecem situação de equilíbrio instável. Pode ser interessante; também,
a utilização de tijolos, cubos de madeira ou cimento etc., muros de
pouca altura, ou outros materiais que ofereçam possibilidades de
desequilíbrio.
Nosso propósito é analisar e discutir de que forma o corpo está presente
nessa situação de ensino e, de que maneira se dá a relação corpo e
aprendizagem nessas aulas. Logo de início, podemos notar que o ensino é
direcionado de forma a estimular o diálogo e a descoberta de possibilidades e
limites corporais. Também é dada ênfase na criatividade e na participação ativa
dos alunos na preparação da aula, como podemos observar na denominada
“primeira fase”.
Na segunda fase, destinada à apreensão do conhecimento, a exercitação e
experimentação corporal enfatizam a busca de descobertas das possibilidades e
limites do próprio corpo, em relação ao material e ao domínio do equilíbrio.
Segundo o Coletivo de Autores (1992,p.90), nesta fase, busca-se descobrir:
a ) Em quais materiais é possível fazer movimentos com todo o
corpo? Em quais é possível manter o equilíbrio andando e em quais
não é possível essa ação?
b) Quais os movimentos que podem ser feitos em cada uma
destas situações?
c) Quais os movimentos que facilitam “não cair”, quais os que
precipitam a queda?
d) Quais movimentos podem ser rápidos, medianamente
rápidos ou lentos?
e) O que se faz para conseguir manter o equilíbrio: antes de
ficar em equilíbrio, quer dizer, os movimentos preparatórios; durante o
equilíbrio, ou seja, os movimentos principais; e, finalmente, o
movimento final que permite terminar sem cair?
f) Quais as formas de equilíbrio que podem ser feitas com
outro(s) companheiro(s)?
Podemos, nesta segunda fase, destinada a exercitação nos materiais,
observar que os alunos experimentam e apreendem, corporalmente, os
elementos essenciais para a equilibração, o que nos remete à concepção de um
corpo sujeito de sua aprendizagem e não apenas utilizado como instrumento
para apreensão de conceitos sobre equilíbrio.
A terceira fase, destinada às conclusões, comentários e avaliações
das atividades desenvolvidas, possibilita aos alunos, refletir sobre a aula, as
sensações advindas das atividades; suas possibilidades de ação e criação de
movimentos, sozinho, em duplas, em vários aparelhos. Como fazer, em dupla,
uma demonstração de vários movimentos de equilíbrio, usando qualquer um dos
aparelhos ou materiais utilizados? e ainda, expressar-se ao utilizar a escrita ou o
desenho para o relato dos exercícios de equilíbrio que deram a sensação mais gostosa de
segurança (Coletivo de Autores, 1992,p.90). Os alunos são convidados a criar e
experimentar diversos movimentos envolvendo, além de materiais, a relação
com o outro. O que implica em manter um diálogo corporal não apenas com o
ambiente mas, a possibilidade de troca de experiências e cooperação com o
grupo. Na atividade de escrever ou desenhar os exercícios que causaram
sensações agradáveis de segurança, também o aluno é estimulado a perceber, a
sentir, seu próprio corpo. Quais foram as sensações advindas de cada exercício?
medo? segurança? conforto? desconforto? do que gostei mais? do que não
gostei?
No comentário sobre a aula, os autores evidenciam a superação do
domínio do equilíbrio através de movimentos qualitativamente desenvolvidos,
no seguinte trecho (Coletivo de autores,1992, p.91):
As diversas exercitações têm como objetivo promover as
condições do aluno para o “salto qualitativo”, ou seja, o momento da
sistematização mais elaborada do conhecimento, onde se supera o estar
preso à lei da gravidade, com movimentos qualitativamente
desenvolvidos – durante, por exemplo, uma série de ginástica. Pode-se
ver exemplos de salto qualitativo na superação do domínio do
equilíbrio na posição ereta natural, pelo domínio numa posição não
natural, qual seja, a parada de mãos.
Para nós, a situação de aula descrita, desempenha um papel mais
importante do que apenas o salto qualitativo no domínio do equilíbrio. Ao
experimentar corporalmente diversas situações nas quais o equilibrar-se e o
desequilibrar-se estão presentes, o aluno dá saltos qualitativos não apenas no
domínio do equilíbrio, mas na elaboração de sua corporeidade. O aluno supera
limites de sua ação corporal, experimenta sensações, dialoga corporalmente
com o ambiente à sua volta. Elementos que contribuem para a vivência de um
corpo-sujeito (Nóbrega, 2000).
1.2 – Concepção de aulas abertas à experiência
No Livro Concepções Abertas para o Ensino da Educação Física,
Hildebrandt, e Laging (1986), defendem um ensino não-diretivo, a partir de
uma transmissão pautada na co-participção do aluno, visando o
desenvolvimento da autonomia, da criatividade e da co-responsabilidade.
Para os autores,... o ensino da Educação Física é a construção de situações em
que se tornam possíveis experiências específicas para a superação de situações de vida
presentes e futuras (1986, p.6), situações estas em que o aluno participa das
decisões e torna-se sujeito do próprio processo de aprendizagem. Segundo
Hildebrandt e Laging, as concepções de ensino são abertas quando os alunos
participam das decisões em relação aos objetivos, conteúdos e âmbitos de transmissão ou
dentro deste complexo de decisão. O grau de abertura depende do grau de possibilidade
de co-decisão. As possibilidades de decisão dos alunos são determinadas cada vez mais
pela decisão prévia do professor (1986,p.15). Com relação aos conteúdos, na
concepção de aulas abertas, estes podem ser questionados pelos alunos, com o
objetivo de superar sua característica imutável, e necessitam ter caráter
estimulativo e aplicado às situações e experiências.
Os autores referem-se ao “poder fazer” , como a possibilidade de
movimentos, como a capacidade de realizar atividades e vivências corporais,
diferenciadas de cada aluno, eles encenam suas próprias vivências de poder-fazer,
calculam e aumentam individualmente seu risco de movimento (1986, p.27). Contudo,
não encontramos referências mais rebuscadas sobre o corpo, apesar de falar-se
sobre sensações, medo, desejos e subjetividade, nesta obra que enfatiza a
importância do diálogo, da criatividade, da autonomia e da experiência com
materiais diversificados nas aulas de Educação Física.
Analisaremos, a seguir, uma situação de ensino, na Concepção de aulas
abertas à experiência, que tem como tema: “formas de salto no atletismo”. O
objetivo desta aula, segundo seus autores é “reconhecer as possibilidades de
salto do atletismo e criar autonomamente situações de exercício”.
Numa primeira situação de aula, o professor esclarece: “Podemos saltar
não apenas sobre aparelhos de ginástica, mas também sobre sarrafos colocados em
diferentes alturas ou sobre uma determinada distância ou altura. Hoje vamo-nos ocupar
com algumas possibilidades de saltos, nas quais se trata da superação de alturas e
distâncias” (Hildebrandt e Laging,1986 p.125). No decorrer da aula, os alunos
citam e descrevem, de forma espontânea, os saltos em altura e distância, entre
outros, e, partem para a experimentação.
O professor retoma a palavra: formem três grupos. Cada grupo monta uma
estação de salto em distância, ou triplo, ou em altura. Experimentem as possibilidades
das formas de salto anteriormente apontadas, para treinar de acordo com a capacidade de
cada um. Após algum tempo, os grupos trocam de estação, para que todos saltem em
cada estação (1986,p.125). Desenvolve-se uma intensa movimentação com os
alunos experimentando todas as estações, fato que o professor considera
positivo, como podemos observar no trecho seguinte: Desenvolveu-se um intenso
movimento de exercício, com os alunos trocando de estação à vontade. É muito mais
interessante para os alunos treinar com trocas constantes de estação do que ficar muito
tempo numa só. Como aqui não surgiram dificuldades, considero esta troca uma decisão
positiva dos alunos para seus interesses de movimento do momento (1986,p.126).
Os alunos experimentaram as várias estações, explorando livremente for-
mas de salto montadas para cada tipo. Como exemplo das formas de
movimento exploradas na estação do salto em altura, temos, corrida – vôo com
rolamento ; corrida – tesoura; de um plinto, da posição parada, simular o flop sobre a
corda; corrida - flop (1986,p.126).
Na estação do salto em distância, montada com pista de colchonetes,
tampa de plinto e colchão de ginástica como caixa de salto, também foram
realizadas diversas formas de exercício como: corrida – impulsão na tampa do
plinto – salto;
corrida – impulsão antes da tampa do plinto – salto por cima do mesmo,
entre outras. Na estação do salto triplo, montada com uma pista de colchonetes,
colchões de ginástica colocados atravessados e colchão macio, os alunos
experimentaram movimentos explorando, de maneiras diversas, a seqüência de
passadas do salto triplo, tentando chegar à conclusão da forma normatizada de
execução desse salto.
Nesta situação de aula, os alunos têm a oportunidade de
experimentar livremente os movimentos já conhecidos, criar novos
movimentos, experimentar os movimentos criados por outros alunos, combinar
estes movimentos. Na descrição da aula, encontramos formas diversificadas de
explorar o salto. De forma não-diretiva, o aluno é estimulado a expressar-se
corporalmente através do movimento e, chegar, naturalmente, a aproximações
dos saltos normatizados do atletismo, além de diversificar esses padrões de
saltos como base para apreender o padrão normatizado apresentado em
competições. Segundo Hildebrandt e Laging (1986, p.128), sobre a técnica do
salto triplo surge,
entre os alunos, uma discussão acalorada: eles não chegam a
um acordo se é esquerda-esquerda-direita, esquerda-direita-esquerda,
ou ainda se no último impulso usam-se as duas pernas. Estimulados
pelo diálogo, os alunos experimentam as diferentes possibilidades,
onde registram num placar, com “esq.” ou “dir”, a perna de impulsão.
Por fim, vêm me perguntar o que é certo. Eu esclareço que em
competição salta-se dir. - dir. – esq. ou esq. – esq. – dir., mas que na
aula eles também têm a possibilidade de saltar de outros modos. Cada
um deveria experimentar qual a forma de salto que lhe fica melhor. Em
seguida, começam a experimentar com diferentes formas de salto
triplo.
O professor pede que “relatem suas experiências e procurem, de acordo
com suas percepções, destacar os momentos mais importantes em cada forma de salto”.
(Hildebrandt e Laging, 1986, p.129), podemos perceber neste momento, uma
reflexão a partir das experiências corporais fomentadas na aula (Hildebrandt e
Laging, 1986, p.129):
O diálogo começou com a análise das formas de salto. Como
resultado da discussão, são destacadas as características de movimento
comuns a todos os saltos. Existem diferentes interpretações: se a
impulsão deve ser feita com uma ou com as duas pernas e, também, se
é permitido o vôo com rolo no salto em altura e em distância.
Chegamos à conclusão que, nas técnicas de salto competitivas, deve-se
impulsionar somente sobre uma perna, mas que, aqui na aula, também
existe a possibilidade de treinar de outras formas. No final, apesar da
boa fase de treinamento e dos bons resultados na análise das formas de
salto, tomo conhecimento de uma surpreendente discussão. Muitos
alunos externam seu desinteresse por essa aula: “Queremos fazer de
novo outra coisa”. “Salto em altura e distância não causa mais sa-
tisfação a ninguém, eu acho futebol melhor”. “É sempre a mesma coisa,
não se aprende nada direito”. Estas opiniões me atingiram. No decorrer
da discussão, concordamos em jogar futebol na próxima aula e, na aula
subseqüente, aprender separadamente o salto em distância e em altura.
O diálogo permanente entre os alunos e, entre estes e o professor, é
imprescindível para a organização das situações de aula, nas quais os alunos
têm participação ativa e são estimulados à co-decisão, buscando uma maior
autonomia para a realização das atividades propostas. Podemos observar, nesta
situação de aula, que o corpo é o protagonista das aprendizagens advindas da
experiência. O corpo experimenta movimentos, sente suas possibilidades de
ação como também seus limites a cada movimento apresentado; interage com o
material disponível descobrindo-o e se descobrindo a cada movimento.
1.3 – Métodos Criativos nas aulas de Educação Física
No livro intitulado “Criatividade nas aulas de Educação Física”, a autora
Celi Taffarel, enfatiza a importância da criatividade como meio de
desenvolvimento da autonomia. Para tanto, utiliza-se dos chamados métodos
criativos de ensino da Educação Física. A autora elege para trabalhar nas suas
aulas de Educação Física, métodos que possibilitam o desenvolvimento da
criatividade e da autonomia de ação, são eles: perguntas operacionalizadas, o
método da análise, o método da análise-síntese, o método brainstorming
(tempestade de idéias) e o método checklist (lista de checagem).
Todos esses métodos têm como objetivo o desenvolvimento da
criatividade e são métodos que permitem que o trabalho seja realizado numa
perspectiva aberta, na qual seja valorizado o diálogo, a resolução de problemas
em grupo, a cooperação, a utilização de materiais diversos e alternativos, a
modificação e adaptação de regras. Para Taffarel, no planejamento das aulas de
Educação física devem ser valorizadas as condições antropológicas e sócio-
culturais dos alunos, evidenciando aqui, sua importância para o processo de
ensino-aprendizagem.
Com relação ao corpo, só encontramos uma referência direta aos
processos corporais, quando citando Berman (1976), a autora comenta que, a
criatividade envolve a pessoa em sua totalidade. No ato de criar se entrelaçam as
emoções, as capacidades cognitivas e os processos corporais, que são inseparáveis e se
manifestam durante a realização de algo significativo (Taffarel, 1992, p.8). Um pouco
mais adiante, a autora nos remete à concepção do corpo cartesiano, quando ao
citar Dieckert (1983), coloca que (...) criatividade é a habilidade de todo ser humano
de produzir qualquer tipo de resultado mental, ou corporal (grifos nossos), novo e
desconhecido para quem o produziu(...) (Taffarel, 1992, p.9). Dessa forma, parece
existir uma separação entre processos cognitivos e processos corporais. Não
encontramos no referido livro uma discussão mais aprofundada sobre corpo,
sobretudo nas aulas relatadas, o corpo parece não estar em foco na discussão,
havendo uma supervalorização da capacidade criadora, imaginativa, enquanto
um processo de elaboração mental, apesar de sabermos que toda manifestação
do nosso ser é, antes de tudo, um processo corporal.
Veremos, a seguir, um exemplo de aula retirado do livro “Criatividade
nas aulas de Educação Física”, que tem como tema: “Nós combinamos em jogo
e movimentos materiais como bolas, bastões e cordas”. A referida autora coloca
como objetivos específicos que, os alunos deverão ser capazes de combinar suas
experiências anteriores em relação ao material, reconstituindo novas experiências
singulares e originais (Taffarel, 1992, p.39). Nas quais, os alunos terão a
oportunidade de, em grupos, analisar materiais e, a partir dessa análise,
construir um todo coerente, num processo de síntese de expressões pessoais,
explorando as possibilidades de combinação dos materiais para a realização de
múltiplas formas de jogos e movimentos. Com relação à organização da aula, a
autora descreve (Taffarel, 1992,p.39):
Serão colocados os problemas em relação a tema, local e
material no tempo disponível para a aula, e, com o auxílio de um
cartaz, os alunos decidirão rapidamente. Em seguida, serão reunidos
grupos onde cada aluno colocará suas sugestões, que serão
protocoladas e apresentadas ao grande grupo para serem exercitadas.
No final, as sugestões serão discutidas e as opiniões dos alunos a
respeito do andamento da aula serão anotadas.
Com relação aos aspectos metodológicos, Taffarel, nos esclarece que o
método a ser utilizado é o da análise-síntese; o estilo de ensino, o não diretivo; a ênfase
será dada ao esforço coletivo. Os trabalhos, de início realizados individualmente, serão
depois discutidos e experimentados em pequenos grupos e apresentados ao grande grupo
(1992, p.39-40).
A professora, utilizando-se de cartazes anteriormente elaborados,
incentivou os alunos a descobrirem as principais características do bastão e suas
possibilidades de utilização. Em seguida, formaram-se grupos para
experimentar idéias de utilização do material. Segundo a autora, logo a seguir foi
colocado o problema de como poderemos combinar o bastão com outro material já
conhecido, no caso, a bola. Os alunos, em grupo de quatro, pegaram o material,
buscaram e experimentaram novas idéias, combinando os dois materiais na realização de
jogos e movimentos (Taffarel,1992, p. 43).
Buscando estimular a criatividade e a autonomia dos alunos, a situação
de aula descrita, tem no corpo, ao nosso ver, seu elemento mais precioso. É a
partir da experiência corporal que os alunos vão descobrindo as possibilidades
de utilização do bastão e sua combinação com a bola, em movimentos diversos.
O corpo aprende à medida que experimenta e, experimenta novas
possibilidades a partir de aprendizagens anteriores. Para Taffarel (1992,p.49):
Nesta aula, os alunos tiveram a oportunidade de, após a análise
prévia do material (bastão), de suas características e de como utilizá-lo,
encontrar novas idéias combinando-o com outro material (bola).. O
número de idéias sugeridas e experimentadas pelos grupos pode ser
considerado significativo (86 idéias nos sete grupos). Cada forma de
utilização do bastão poderia ser explorada em uma seqüência de aulas,
onde se limitaria a tarefa, por exemplo, somente a jogos de lançar,
ampliando-se a possibilidade de surgirem idéias
diversificadas.Observando-se a seqüência seguida durante a aula, fica
manifestada a utilização, por parte dos alunos, do processo criativo de
resolução de problemas, demonstrando ainda uma participação com
entusiasmo e cooperação.
Os alunos ao experimentarem o bastão como implemento para carregar e
como obstáculo para ultrapassar, descobrem corporalmente suas possibilidades
de interagir com o material, o que ocorre também, no momento de síntese entre
bastão e bola e porque não dizer bastão, bola e corpo? Afinal este se configura
como o elemento mais importante e sem o qual não poderia haver nenhum tipo
de síntese.
1.4 – Concepção Crítico-emancipatória
Na concepção denominada Crítico-Emancipatória, defendida por Kunz,
o autor afirma que a ação pedagógica enquanto ação política deve estar sempre
relacionada com o Contexto Social-Histórico em que atua, e com sua concreta Situação
de ensino (2001, p.161). Para o autor, (2001,p. 19):
A diferença existente entre a proposta da Educação Física hoje
e o que se entende como compromisso educacional escolar só pode ser
resolvida quando a Educação Física conseguir transformar as suas
especificidades práticas em tarefas pedagógicas desejáveis. Ou seja, não
excluir a prática do Esporte, movimentos e jogos, mas através deles
desenvolver a Função Social e Política que é inerente a toda ação
pedagógica. Para que discrepâncias existentes no contexto sócio-
cultural brasileiro possam ser compreendidas nos diferentes níveis
culturais e nas diferentes classes sociais é necessário que, através da
Educação, incluindo aí a Educação Física, se consiga que a Situação
Sócio-política se torne clara, transparente e consciente a todos.
A Concepção Crítico-Emancipatória tem como objetivo a conscientização
do aluno, da sua situação sócio-política como meio de formar sujeitos críticos e
reflexivos, que saibam questionar, não só no que diz respeito às situações de
aula, mas, principalmente, da sua realidade social, buscando a emancipação
como forma de se libertar das condições limitantes de suas capacidades
racionais críticas e, por conseguinte, de todo o seu agir no contexto sócio-
cultural e esportivo.
O ensino do movimento, orientado pelas destrezas esportivas, segundo
Kunz, apóia-se numa intencionalidade cujo verdadeiro Sentido/Significado só o
professor/técnico conhece. As soluções são apresentadas e produzidas em determinadas
tarefas motoras, bem como as próprias vivências e experiências adquiridas pelo Se-
movimentar
2
do aluno devem ser aceitas sem o menor questionamento pelo mesmo
(2001,p.164). Para o autor, o movimento humano é constituído de experiências
significativas e individuais, onde o indivíduo realiza um contato com o mundo
material e social, como também consigo mesmo, através do seu Se-movimentar.
Segue afirmando que a Educação Física Escolar se constitui, na maioria das
vezes, no lócus mais importante para a determinação do sentido do Movimento
Humano, apesar de que esta prática vem contribuindo quase exclusivamente
para o sentido comparativo do movimento humano, através da comparação de
performances existente, por exemplo, nos esportes normatizados.
Contrapondo-se ao Sentido Comparativo do Movimento, O Sentido
Explorativo, segundo Kunz, manifesta-se nos movimentos com a intenção de
conhecer e interpretar objetos materiais pelo seu uso, pelo contato com os mesmos e com
o Mundo material e social. Neste sentido o movimento realizado não tem a intenção de
melhorar especificamente o rendimento esportivo, mas apenas busca explorar novas
formas de movimentos e jogos (2001,p.166). É nesse contexto que o movimento
deve ser compreendido, na nossa concepção, ao se trabalhar o esporte nas aulas
de Educação Física na escola. Buscando novas formas e possibilidades de
realização de movimentos, como forma de ampliar essas possibilidades e não se
2
O Se-movimentar, entendido como diálogo entre Homem e Mundo, envolve o Sujeito deste
acontecimento, sempre na sua intencionalidade. E é através desta intencionalidade que se constitui o
Sentido/significado do Se-movimentar.
limitar à reprodução e ratificação dos padrões hegemônicos, reduzindo a
complexidade do movimento humano.
Ao tratar do corpo, Kunz (2001), recorre às palavras de Merleau-Ponty
(1966), quando este diz que o corpo é uma realidade que é, simultaneamente,
corpo e espírito. Apóia-se em Tamboer, para discutir a imagem do Corpo-
Substancial e do Corpo-Relacional, o primeiro, segundo Kunz, (...) se relaciona
claramente com o dualismo antropológico do pensamento tradicional oriundo da filosofia
grega.(...) a característica principal da “imagem de Corpo-Substancial” do Homem é
também o isolamento de “substâncias”: Corpo e Alma, ou Corpo e Mente, como se fosse
possível realmente delimitar o que pertence a um e o que pertence a outro (2001, p.169).
Para o autor, superando esta imagem de Corpo-Substancial, Tamboer
(1985,1989), propõe a imagem de Corpo-Relacional, e traça um paralelo entre a
“Imagem de Corpo-Substancial” e o “Corpo-Objeto”, e a “Imagem de Corpo
Relacional” e o “Corpo-Sujeito”. Segundo Kunz, (2001,p.171) ,
a concepção da qual provém a “imagem de Corpo-Substancial”
tem , para o próprio TAMBOER (1989), uma grande semelhança com o
que os filósofos da fenomenologia-existencial de MARCEL, SATRE e
MERLEAU-PONTY denominaram de “Corpo-Objeto”, o mesmo
acontecendo com a concepção de “Imagem do Corpo-Relacional” que
se identifica com o conceito de “Corpo-Sujeito” de MERLEAU-PONTY.
Enfatizando que a manifestação da intencionalidade e o surgimento das
relações significativas só podem ser constatadas por ações, pelo próprio agir,
segue o autor, afirmando que, aqui se torna importante a compreensão/interpretação
da subjetividade, como em Merleau-Ponty, onde o “compreender-o-mundo-pela-ação” se
entende muito antes por um “eu posso” do que pelo “eu penso” cartesiano (2001,
p.172). Segundo Kunz, a concepção de “Imagem do Corpo-Relacional” caracteriza-se,
acima de tudo, pela interpretação que fornece à concepção de “corpo-Humano”, uma
“compreensão-de-mundo-pela-ação”, onde uma rede complexa (Netzwerk) de relações
implícitas se manifestam como relações significativas, confirmando o vínculo
inseparável entre Homem e Mundo (2001, p.178).
O referido autor, no livro, “Didática da Educação Física I” (Kunz, 1998),
exemplifica como seria trabalhar o atletismo nas aulas de Educação Física,
numa perspectiva Crítico-emancipatória, a partir da transcendência de limites
(do que o aluno já sabe), pela experimentação para a efetiva aprendizagem de
novos ou diferentes movimentos e gestos. Nas palavras do autor, com a
utilização dos arranjos materiais como minitrampolim, colchões, cordas, vara de saltar,
arcos, caixa de saltos e as condições naturais do ambiente escolar com possibilidades de
realizar saltos(...), é possível desenvolver inúmeras formas atrativas e prazerosas de
saltar (1998,p.40). A seguir, temos um exemplo de atividades e aprendizagens
para os saltos, que apresenta como tarefa/problema: Desprender-se do solo e
Voar por alguns instantes.
Na fase de “Transcendência de limites pela Experimentação” com
Minitrampolins os alunos devem, segundo Kunz, experimentar os saltos em
diferentes direções e formas com o auxílio de um ou mais minitrampolins. Com a livre
experimentação, o aluno não apenas experimenta as formas de saltar com o auxílio de
minitrampolins (para cima, para a frente, para os lados, de costas, etc.) mas,
principalmente, aprende a dominar e a tirar melhor proveito do aparelho (1998, p.41).
Para nós, a experiência de saltos com o minitrampolim, além de
possibilitar o domínio do aparelho, é uma experiência riquíssima no que se
refere ao corpo, pois, a cada salto, há uma reelaboração dos padrões de saltar
considerando-se que, uma vez dado o impulso no minitrampolim, o corpo
perde toda a referência com o solo, projetando-se em direções diversas, gerando
situações de experiências corporais singulares que contribuem para a
ressignificação do movimento.
Na fase de “Transcendência de limites pela aprendizagem”, utilizam-se
algumas descobertas dos alunos e desenvolve-se a possibilidade de todos executarem as
atividades selecionadas de forma prazerosa e com a percepção individual não apenas da
capacidade de domínio sobre o aparelho (minitrampolim), mas da aprendizagem de
novas habilidades e movimentos (Kunz, 1998, p.41).
Para uma nova tarefa/problema: Saltar, com a ajuda do minitrampolim,
o mais distante possível, na fase da “transcendência de limites pela
experimentação”, os alunos procuram, segundo Kunz, encontrar e analisar as
possibilidades individuais, ou seja, a que distância cada um pode chegar com a ajuda do
minitrampolim. Feita essa experimentação, passa-se à fase da “transcendência de
limites”, pela aprendizagem, onde, inicialmente, podem ser formadas duplas de trabalho
que mutuamente se auxiliam na tentativa de melhorar a distância do salto (1998,p.42).
O referido autor nos esclarece (1998) que, essa distância não deve ser enfatizada
enquanto princípio de maximização de distâncias do atletismo mas, como uma
maneira de permanecer mais tempo no ar. O autor sugere que (Kunz,1998,p.42),
para o bom desenvolvimento desse trabalho de ajuda mútua
(dois a dois) do saltar em distância, o professor apresenta a cada aluno,
um “bloco de anotações” que pode simplesmente consistir de duas
folhas de papel com sugestões do que pode ser observado e anotado
nas experiências. Os alunos realizam assim, um “protocolo de
experimentação” com indicações do aluno que experimenta, realiza o
salto, na tentativa de conseguir saltar mais, e um “protocolo de
observação”, onde o aluno observa aquele que realiza a experiência do
salto, anota suas observações conforme sugestão (ou observações que
ele próprio achar interessante) do próprio bloco de anotações recebido.
Nesse trabalho, os alunos se revezam na tarefa de “experimentar-
anotar” e “observar anotar”. Após algumas tentativas de realização e
observação, os alunos discutem as suas anotações e possibilidades de
“melhorarem”os seus saltos e, após novas experiências, levam-se os
resultados do trabalho e das anotações para serem discutidos em
grande grupo e com o professor.
O movimento nessa situação de aula, pode ser compreendido como a ex-
pressão de um corpo que compreende-o-mundo-pela-ação, o que Tamboer
denomina de corpo-relacional. Através de uma rede complexa de relações
significativas entre o homem e o mundo, os sentidos e significados são
reelaborados continuamente. Para Nóbrega, o movimento é a expressão do
corpo, e este não é o meio intermediário entre o mundo exterior e a consciência, mas
possui uma inteligibilidade, uma intenção, um sentido de totalidade que se manifesta no
movimento e no entendimento, simultaneamente, numa palavra, na motricidade (2000,
p.58). Corpo e movimento são inseparáveis, considerando que é através de sua
expressão, o movimento, que o corpo se apropria, produz, transmite e
transforma a cultura.
Encontramos como pontos de convergência entre as Concepções críticas
da Educação Física, a valorização das experiências anteriores, o diálogo, o
incentivo à criatividade e à cooperação, a busca do desenvolvimento da
autonomia e da consciência crítica dos alunos, a consolidação da aprendizagem
a partir da experimentação e reelaboração dos movimentos. Com relação aos
métodos de ensino, evidencia-se uma metodologia aberta e não diretiva de
ensino, com ênfase na resolução de problemas. Esse tipo de metodologia
contribui para a formação de alunos críticos uma vez que, possibilita o exercício
do diálogo, a busca de soluções em grupos e a participação ativa do aluno no
seu processo de aprendizagem.
Ao analisarmos estas concepções pedagógicas da Educação Física, não
encontramos uma discussão mais consolidada sobre o corpo, no sentido de
esclarecer que corpo é esse que freqüenta as aulas de Educação Física. Para
Bracht, a prática da Educação Física brasileira reflete uma concepção dualista na qual o
homem é considerado como composto de duas unidades distintas: corpo e mente(...) Ora,
sendo o Homem uma unidade (unidade da diversidade), portanto sendo impossível a
educação do físico isoladamente, “descuida-se” a Educação Física da repercussão que
inevitavelmente têm suas atividades sobre a formação das “outras” dimensões da
personalidade humana (1992,p.71).
Reconhecemos a importância dessas concepções críticas para o ensino da
Educação Física e o avanço que elas representam, no nosso contexto histórico,
ao valorizar os aspectos histórico-sociais das atividades desenvolvidas em sua
prática. Ressaltamos, porém, a necessidade de discutir as questões corporais
dentro da Educação Física Escolar. Acreditamos numa concepção de corpo que
não pode ser explicada pelas teorias dualistas que postulam um corpo
compartimentalizado, uma mera junção de partes estanques. Um corpo que
sequer pode ser explicado, dada a sua complexidade e que não pode ser
dividido em partes porque ao mesmo tempo em que é corpo é, também,
desejos, sensações e emoções expressas e tatuadas em cada movimento e
experiência vividas. Um corpo que somos e não um corpo que temos. Um corpo
que sonha, deseja, sente, sofre, vive, aprende e apreende o mundo à sua volta a
partir de uma intencionalidade que lhe é inerente.
Nas nossas aulas, procuramos contextualizar e discutir as
questões relativas ao corpo, evidenciando sua inseparabilidade do
movimento. Para nós, corpo e movimento são inseparáveis. O movimento é a
expressão da totalidade do homem e, é no corpo que essa expressão se
manifesta.
CAPÍTULO II
CORPO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Mesmo antes do nascimento, ainda no ventre materno, iniciamos uma
viagem rumo a um processo contínuo e cada vez mais significativo de
apreensão do mundo que vai se intensificar a partir do nascimento, momento
em que o corpo entra em contato com o mundo exterior. Um mundo repleto de
estímulos, informações e situações de aprendizagem proporcionadas pela
experimentação, pela vivência, pela construção a partir da ação e relação do
sujeito com o seu entorno. Assim, a aprendizagem ocorre a partir da relação
dialética entre o sujeito e o mundo, numa dinâmica constante de transformação,
onde o homem que transforma o mundo é também transformado por ele; é
produto e produtor da cultura da sociedade em que vive (Dias,2002;
Nóbrega,2000).
O processo de aprendizagem não consiste apenas na apreensão de
saberes estabelecidos e do conhecimento já produzido, mas, também, na
ampliação destes saberes, na produção de novos conhecimentos, e na
reconstrução dos valores culturais, pois ao mesmo tempo em que o sujeito
aprende, cria condições e abre perspectivas para novas situações de
aprendizagem que se configuram como uma maneira de criar e recriar o mundo
(Demo, 2000; Nóbrega, 2000). A aprendizagem é a apreensão deste mundo
cultural transformado a partir da relação com o homem, através da vivência
corporal deste homem com o mundo de possibilidades que o cerca.
Essa aprendizagem pode ocorrer de diversas maneiras, em ambientes e
situações diferentes, a todo momento, configurando-se como um processo de
aprendência
3
. Dentre estes ambientes, a escola é responsável pela aprendizagem
formal e tem como papel principal promover essa relação dialética de
construção do conhecimento, permitindo e fomentando a apreensão dos saberes
que se apresentam na relação que estabelecemos com o mundo, culturalmente
construído. Para tanto, a comunidade escolar, necessita criar subsídios para
que, através da aprendizagem de conhecimentos específicos, esse processo de
apreensão de mundo seja potencializado e ocorra de forma significativa para o
sujeito.
A aprendizagem formal historicamente foi alicerçada nos padrões
cartesianos, onde o corpo sempre foi relegado. Na escola privilegia-se a mente e
o aprendizado intelectual em detrimento do corpo como um todo, este deve
servir apenas como instrumento para a aquisição de conceitos e conteúdos. Não
pode expressar-se. Tem que ser disciplinado para não 'perturbar' o ambiente,
deve conter-se e manter-se imóvel no espaço que lhe foi destinado. Em nome da
disciplina e da ordem institucional deve-se controlar o corpo, imprimindo-lhe
uma rotina e gerando a incapacidade dos sentidos. Para Nóbrega, a prioridade do
dado da razão pode ser expressa quando se considera a aprendizagem como produto da
inteligência racional, desprezando-se ou minimizando-se o dado sensível. O corpo é
deixado de fora da ação pedagógica, onde, para aprender, as crianças devem ficar
imóveis; quando muito, o corpo é considerado como instrumento para o desenvolvimento
3
3 Trata-se de um neologismo. Processo de experiência de aprendizagem. (...) Segundo Hélène
TROCMÉ-FABRE, O termo “aprendizagem” (“apprentissage”) deve ceder o lugar ao termo
“aprendência” (“apprenance”), que traduz melhor, pela sua própria forma, este estado de estar-em-
processo-de-aprender, esta função do ato de aprender que constrói e se constrói, e seu estatuto de ato
existencial que caracteriza efetivamente o ato de aprender, indissociável da dinâmica do vivo. (Assmann,
1998,p.128)
do intelecto (2000, p.12).
Como o corpo é a nossa maneira de "estar" no mundo e de aprender o
mundo, é imprescindível que, na escola, ele seja visto não apenas como um
instrumento capaz de captar informações de caráter intelectual, mas, como
manifestação do nosso "ser" no mundo. Não podemos esquecer que a primeira
relação humana com o mundo é corporal. O homem aprende corporalmente
antes mesmo de nascer e continua esse processo de aprendizagem durante toda
sua vida.(Dias,2002; Nóbrega,2000)
Evidenciamos o pensamento de Nóbrega, de que o corpo é o lugar de
aprendizagem, de apropriação do entorno por parte do sujeito (2000, p. 60-61). Para a
autora, a aprendizagem proporciona ao ser humano, habitar o espaço e o tempo
de maneira diferente, quando encontra nessa aprendizagem, sentido e
significação para um acontecimento da sua existência. Sendo esse
acontecimento, ao mesmo tempo, motor e perceptivo, não havendo separação
entre o corpo que age e o cogito que organiza a ação (idem, p.60). Por que, então,
insistimos em subjugar o corpo à mente na escola? Por que renegamos o corpo e
o vemos apenas como um instrumento para a aprendizagem sistematizada na
escola, quando na verdade é corporalmente que aprendemos o mundo?
Nóbrega defende uma educação na qual (2000, p.12),
o corpo não seja considerado acessório, subjugado à mente,
mas referência essencial da complexa estrutura humana, a qual não
pode ser reduzida a um dos seus aspectos, seja animal, mecânico,
econômico ou ideológico. Não é possível separar o homem em
departamentos estanques, ignorando a sua complexidade. Dessa
maneira a aprendizagem também não pode ser reduzida em função do
aspecto lógico, relegando a planos inferiores a sensibilidade expressa
no corpo e na motricidade.
Trata-se de uma educação que seja capaz de enxergar o corpo como uma
totalidade do sujeito e não, como uma junção de compartimentos específicos
com funções pré-determinadas, onde a mente seja a única responsável pela
aprendizagem intelectual e, o corpo, apenas um artifício utilizado na captação
de informações. É a partir de nossas vivências corporais que vamos construindo
nossa história de vida, nossa memória pessoal e coletiva, a memória da
sociedade em que vivemos (Dias, 2002). Para Maturana (1999, p. 29), o educar,
se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o
outro e ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de
maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais
congruente com o outro no espaço da convivência. O educar ocorre,
portanto, todo o tempo e de maneira recíproca.
Apropriando-se desse referencial, Hugo Assmann, aposta num outro
olhar para as propostas pedagógicas. Uma educação pautada principalmente na
relação corporal entre os seres humanos e entre estes e o mundo, uma educação
onde o corpóreo seja a base de toda produção do conhecimento pedagógico.
Nas palavras do autor (1998, p. 34),
é preciso pensar a educação a partir dos nexos corporais entre os seres
humanos concretos, ou seja, colocando em foco a corporeidade viva, na
qual necessidades e desejos formam uma unidade. Em outro texto
ousei dizer: "o corpo é, do ponto de vista científico, a instância
fundamental para articular conceitos centrais para uma teoria
pedagógica. Somente uma teoria da corporeidade pode fornecer as
bases para uma teoria pedagógica".
Faz-se necessária uma mudança de pensamento da educação diante do
corpo, pois, vivemos numa sociedade onde fica evidente a busca de um corpo
com significado, apesar de todos os aparatos tecnológicos e de mercado,
tatuados sobre o corpo que vivemos na atualidade (Dias, 2002). Esta mudança
de pensamento significa reconhecer que não temos um corpo, somos um corpo
que está presente em todos os momentos, em todos os lugares, dentro e fora da
escola. Reconhecer que no processo educacional, este corpo está presente não só
nas aulas de Educação Física, mas, também nos momentos reservados para os
outros componentes do currículo escolar.
Na contextualização do corpo não podemos deixar de fazer uma
referência, à maneira como este vem sendo tratado, não só no processo
educacional, mas, em outros aspectos sociais relevantes, onde é subjugado à
mente e assume o papel de um mero executor de ações. Esse é o resultado de
um mundo pautado em dicotomias, onde a oposição dos pares constituintes
destas dicotomias foi cristalizada pelo paradigma cartesiano. As dicotomias
corpo e mente, matéria e espírito têm seu respaldo nos conceitos da física antiga
e clássica e no pensamento platônico e cartesiano, onde são vistos como
elementos opostos que se somam na formação do homem. Ao longo da história,
a sociedade contribuiu para que corpo e mente fossem "separados" como se
fosse possível se pensar num corpo que não seja mente e numa mente que não
seja também corpo. Ambos estão entrelaçados e formam uma coisa única, o
homem, repleto de sonhos, medos, desejos, intenções, etc. Não podemos
continuar pensando num homem que seja uma mera soma de partes, ele é, so-
bretudo, um todo que não pode ser seccionado, pois, o homem e o mundo são
uma coisa una, onde corpo, mente e espírito não formam o homem mas, são o
homem.
Segundo Nóbrega (2000), a educação escolar vem privilegiando o saber
lógico, em detrimento do saber sensível como sustentação do pensamento
educacional desde o século XVII. O corpo não é só corpo e necessita ser olhado
de diversas formas, a partir de várias intenções. Para Soares, sua materialidade
polissêmica pode ser tomada como síntese de sonhos, de realizações de desejos, de
frustrações, de tiranias e de redenção de sociedades inteiras. Seus múltiplos sentidos,
assim, pedem múltiplos olhares, teorias, interação de saberes, para que dele se fale
(2001,p.1).
O corpo é a realização material de nosso ser no mundo e, ao mesmo
tempo, a possibilidade de transcender essa materialidade, através de nossos
desejos, expressões e realizações. É o lugar onde, matéria e espírito se fundem e
se misturam formando um ser dotado de simbolismo e materialidade, aspectos
físicos e subjetivos, ações e emoções. O corpo é formado não só pelas estruturas
químicas, físicas e biológicas, mas, também, pelos aspectos sociais, afetivos e
culturais que predominam na sociedade em que este corpo está inserido. Somos
síntese da materialidade e da espiritualidade, do corpóreo e do mental; da
racionalidade e da sensibilidade, para Soares (2001,p.3),
tanto biológico quanto simbólico, processador de virtualidades
infindáveis, campo de forças que não cessa de inquietar e confortar, o
corpo talvez seja o mais belo traço de memória da vida. Verdadeiro
arquivo vivo, inesgotável fonte de desassossego e de prazeres, o corpo
de um indivíduo pode revelar diversos traços de sua subjetividade e de
sua fisiologia mas, ao mesmo tempo, escondê-los. Pesquisar seus
segredos é perceber o quanto é vão separar a obra da natureza daquela
realizada pelos homens: na verdade, um corpo é sempre "bio-cultural",
tanto em seu nível genético, quanto em sua expressão oral e gestual.
Para falar sobre o corpo é preciso considerar inúmeros aspectos, vários
enfoques e, sobretudo compreender que se trata de um assunto que
desencadeia várias interpretações. Para Dias, em cada momento histórico, em cada
cultura e em cada sociedade, o corpo vai ser pensado e interpretado de formas diferentes,
vivido conforme a necessidade do indivíduo e do grupo ao qual ele pertence (2002,p.73).
Para a autora (2002,p.55), o corpo,
é aquilo que somos e isso nos leva ao processo das experiências vividas.
O homem se manifesta através das suas experiências. O corpo é o
primeiro canalizador destas vivências que, em contrapartida, serão
mediadoras da construção da história desse mesmo homem, numa
construção contínua, reveladora, que irá qualificar a sua relação com o
mundo, sua construção enquanto sujeito e seu processo de
adaptabilidade às situações urgentes com as quais constantemente nos
deparamos.
Mas, esse processo de experiências vividas nem sempre ocorre como
deveria, instituições como a escola e a família, entre outras, muitas vezes,
contribuem para o cerceamento de experiências no decorrer de nossas vidas, em
nome da necessidade de controle do corpo.
Diversos autores, entre eles, Hugo Assmann (1996 e 1998), Maturana e
Varela (2001), ressaltam a importância do componente corporal e das
experiências no processo de aprendizagem. É fazendo de forma consciente que
se aprende, é vivenciando corporalmente e experimentando novas situações
que nossas construções de conhecimento são possíveis. Para Maturana e Varela,
essa circularidade, esse encadeamento entre ação e experiência, essa inseparabilidade
entre ser de uma maneira particular e como o mundo nos parece ser, nos diz que todo
ato de conhecer faz surgir um mundo (...) todo fazer é um conhecer e todo
conhecer é um fazer (2001,p.31-32).
As discussões relativas à aprendizagem apresentam diferentes vertentes.
Historicamente, a aprendizagem foi considerada um processo advindo de fora
do sujeito e constituída por mecanismos de absorção passiva de informações
predominantemente intelectuais, onde o cérebro/mente era considerado o
principal, senão o único, ator responsável pela aquisição de conhecimentos.
Para Assmann, fomos tão acostumados à idéia de que o conhecimento é recebido de fora
que a palavra aprender passou a significar, para o senso comum, quase a mesma coisa
que receber ensinamentos, aprender lições, etc (1996, p.134).
Discutindo essa questão, Maturana e Varela esclarecem que, (...) não se
pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse “fatos” ou objetos lá fora, que
alguém capta e introduz na cabeça. A experiência de qualquer coisa lá fora é validada de
uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível “a coisa” que surge
na descrição (2001,p.31). Não existe aprendizagem que não seja corpórea, todo
processo de conhecimento está entrelaçado de sentidos e emoções, ou seja, é
corporeidade viva. Assmann, nos esclarece que, hoje, (1996, p.87)
o próprio conceito de vida está sendo redefinido como algo que
sucede sempre na fronteira entre ordem e caos, melhor, como
interpenetração de ambos. O cérebro/mente é analisado, numa
perspectiva pós-mecanicista, como um sistema dinâmico, complexo e
adaptativo. Inteligência e memória são reconceituadas igualmente
como processos complexos e dinamicamente auto-organizativos.
Atualmente, com o desenvolvimento de novas pesquisas, há uma
tendência em se considerar a aprendizagem como resultante das interações bio-
sócio-culturais do sujeito com o seu entorno. Para Assmann (1996,p.87):
as epistemologias articuladas a partir dessa ânsia de fixar o real
em formas estáticas de conhecimento estão sendo substituídas por uma
visão epistemológica que tem como referência básica a autopoiése - o
autofazer-se - dos processos vivos, imersos interativamente em
ambientações (ecologias cognitivas), próprias ou adversas. O processo
de conhecimento começou a reconciliar-se com a maneira dinâmica na
qual acontece a vida, redefinida como encadeamento de aprendizagens
pelas biociências de hoje.
Assim, no processo de aprendizagem, não está em jogo apenas o caráter
intelectual do conhecimento, mas, toda uma rede de intenções, motivações,
significados e emoções. Para Assmann, a aprendizagem consiste numa cadeia
complexa de saltos qualitativos da auto-organização neuronal da corporeidade viva, cuja
clausura operacional (leia-se organismo individual) se auto-organiza enquanto se
mantém numa acoplagem estrutural com o seu meio (1998,p.40). Acreditamos que,
ao proporcionar nas nossas aulas a construção do conhecimento enquanto
experiência corporal e ação criativa dos alunos em relação ao meio, estamos
contribuindo para que ocorram saltos qualitativos na auto-organização de sua
corporeidade e do seu processo de aprendizagem.
O referido autor afirma que existe uma cognição corporal através da qual
toda morfogênese do conhecimento se instaura no ser humano, sobretudo na
criança. Segue afirmando que, todo conhecimento é um texto corporal, tem uma
textura corporal (1998,p.143), portanto, podemos considerar que tudo que
aprendemos, necessariamente, é aprendido corporalmente, e mais, uma vez
aprendido permanece inscrito na nossa memória corporal, fazendo parte de um
texto corporalmente elaborado durante toda nossa vida. Para Assmann (1998,
p.33-34):
Toda morfogênese do conhecimento é constituída por níveis
emergentes a partir dos processos auto-organizativos da corporeidade
viva. Por isso todo conhecimento tem uma inscrição corporal e se apóia
numa complexa interação sensorial. O conhecimento humano nunca é
pura operação mental. Toda ativação da inteligência está entretecida de
emoções.
Assim, a aprendizagem configura-se como um processo no qual o
corpóreo assume papel de destaque, pois nenhum conhecimento pode ser
considerado como adquirido por exclusiva atividade intelectual. O corpo está
presente e atuante em todo processo de construção de conhecimento através da
ação e da experiência. Maturana e Varela, ao abordarem a questão da ação e
experiência na construção do conhecimento, esclarecem (2001,p.32):
Quando falamos aqui em ação e experiência, não nos referimos
somente àquilo que acontece em relação ao mundo que nos rodeia no
plano puramente “físico”. Essa característica do fazer humano se aplica
a todas as dimensões do nosso viver.(...) Toda reflexão faz surgir um
mundo. Assim, a reflexão é um fazer humano, realizado por alguém
em particular num determinado lugar.
Os autores defendem que o fenômeno do conhecer está fundamentado
da mesma forma em todos os seus âmbitos pois, é um todo integrado, onde não
existe descontinuidade entre o social, o humano e as raízes biológicas. Afirmam
que todo conhecimento faz surgir um mundo e que esta, é a dimensão palpitante
do conhecimento e está associado às raízes mais fundas do nosso ser cognitivo, por mais
sólida que seja a nossa experiência. E, pelo fato dessas raízes se estenderem até a própria
base biológica,(...), esse fazer surgir se manifesta em todas as nossas ações e em todo
nosso ser (2001,p.33). Os mesmos autores, ao enfatizarem que não existe
descontinuidade do fenômeno do conhecer, afirmam que esse fazer surgir um
mundo, também se manifesta em todas as ações da vida social, como no caso
dos valores e das preferências (Maturana e Varela, 2001).
O papel das experiências e vivências corporais do sujeito para o processo
de aprendizagem vem adquirindo novos significados, onde se evidencia a
importância das experiências vivenciadas pelo sujeito e as relações
estabelecidas nesse processo. Para Assmann, o ambiente pedagógico
(1998,p.29),
tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mas
propiciar, aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida
para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os
sentidos. Reviravolta dos sentidos-significados e potenciamento de
todos os sentidos com os quais sensoriamos corporalmente o mundo.
Porque a aprendizagem é, antes de mais nada, um processo corporal.
Todo conhecimento tem uma inscrição corporal. Que ela venha
acompanhada de sensação de prazer não é, de modo algum, um
aspecto secundário. Precisamos reintroduzir na escola o princípio de
que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a
experiência do prazer. Quando esta dimensão está ausente, a apren-
dizagem vira um processo meramente instrucional. [...] A experiência
de aprendizagem implica, além da instrução informativa, a reinvenção
e construção personalizada do conhecimento. Reencantar a educação
significa colocar a ênfase numa visão da ação educativa como
ensejamento e produção de experiências de aprendizagem.
Considerando a experiência de aprendizagem enquanto uma reinvenção
e construção personalizada do conhecimento, Assmann defende o termo
aprendência, como um estar-em-processo-de-aprender, numa dinâmica onde
constrói e é construído o ato de aprender, indissociável do ser vivo. Para Demo,
a aprendizagem também se configura como um processo contínuo, inacabado e
em constante reconstrução, nas palavras do autor (2000, p. 49),
a idéia mais correta de aprendizagem é aquela coerente com
sua própria lógica, ou seja, aquela que aprende sempre, já que sua
inteligência não está na estocagem reprodutiva, mas na reconstrução
constante. Aprender não pode aludir, nunca, a uma tarefa completa, a
um procedimento acabado ou a uma pretensão totalmente realizada; ao
contrário, indica vivamente a dinâmica da realidade complexa, a
finitude das soluções e a incompletude do conhecimento.
O autor ainda destaca a importância dos desacertos para a
aprendizagem, podemos fazer aqui uma alusão ao papel das experiências, pois
só quem experimenta corre o risco de cometer um desacerto e, a partir deste,
pode retomar, refazer reconstruir e aprender. Para o autor, aprende-se muito a
partir dos desacertos, sobretudo porque nos damos conta de nossa falibilidade. É preciso
analisar melhor, olhar mais longe, aprender mais.(...) o aperfeiçoamento constante da
aprendizagem permanente é diretamente proporcional aos erros cometidos e às suas
retomadas (2000, p.50).
A aprendizagem proporciona mudanças qualitativas nas relações sociais
na medida em que se realiza a partir da interação entre o sujeito e o mundo. Há
que se considerar aqui que o movimento não pode ser entendido como mero
deslocamento de partes de um corpo, desnudo de sentidos ou significados, isso
nos remeteria à idéia, anteriormente exposta, do corpo substancial (Tamboer
apud Kunz, 1992) ou do corpo objeto (Nóbrega, 2000).
A Educação Física, componente curricular que na escola é responsável
pela sistematização do trabalho com o corpo, é um campo pedagógico que trata
determinadas interfaces do movimento humano como objeto de sua prática.
Faz-se necessário entender como se dá a aprendizagem na Educação Física e o
que se aprende nas aulas de Educação Física na escola. Para tratar o
conhecimento da cultura de movimento de maneira crítica, faz-se necessário
que a Educação Física reconheça o acervo de movimentos que o aluno traz para
a escola, resultado de um diálogo corporal com seu entorno cultural. Para Melo
(2002, p.21):
Tratar o conhecimento da cultura de movimento na escola não diz
respeito somente a lidar com as questões de ordem técnica vinculadas
ao saber fazer, mas fomentar nos alunos uma compreensão crítica desse
conhecimento, desde a sua inserção histórica à sua prática
propriamente dita. Se tomarmos o conteúdo esporte como exemplo,
seria não ensinar somente os fundamentos que compõem as diversas
modalidades esportivas, só isso não evidencia uma aprendizagem
profunda desse conhecimento. Torna-se necessário o aluno descobrir
aspectos relativos a sua inserção social, sua história, seus elementos
constitutivos, o "adversário" como parceiro de jogo, a mercantilização,
o fair play, o suborno, o dopping, a ética, entre outros elementos que
podem ser discutidos numa aula de educação física.
Muitos estudiosos têm se empenhado em trazer à tona discussões sobre
as perspectivas pedagógicas possíveis para a Educação Física Escolar, entre
estas encontramos a abordagem Crítico-Emancipatória de Kunz, a abordagem
da Concepção de Aulas Abertas a Experiências de Hildebrandt, a abordagem
Crítico-Superadora defendida no Coletivo de Autores. Segundo Brasil
(1998,p.29),
entende-se a Educação Física como uma área de conhecimento da
cultura corporal de movimento e a Educação Física escolar como uma
disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal de
movimento, formando o cidadão que vai produzí-la, reproduzí-la e
transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos
esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do
exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida.
Para Melo, desde a sua implantação nas escolas brasileiras, a Educação
Física vem assumindo diferentes perspectivas pedagógicas, o que de certa forma,
evidencia as tentativas dos estudiosos em adequá-las às possibilidades educacionais mais
emergentes, bem como em legitimá-la no campo educacional (2002 p. 04). No entanto,
para que a Educação Física alcance essa legitimação no campo educacional, é
necessário que essas discussões não se limitem à vida acadêmica, aos encontros
nas universidades. Segundo Brasil , há (...) um novo ordenamento legal na
proposição da atual Lei de Diretrizes e Bases, que orienta para a integração da Educação
Física na proposta pedagógica da escola (1998, p.26). A LDB no seu artigo 26,
parágrafo 3
o
determina que, a educação física, integrada a proposta pedagógica da
escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se as faixas etárias e as
condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.
Não podemos deixar de registrar que os avanços alcançados na área da
Educação Física, agora reconhecida como componente curricular, são frutos do
empenho de profissionais que em seus estudos e produções científicas se
preocuparam em traçar novos rumos para a Educação Física. Destacamos aqui,
as concepções críticas já referenciadas no capítulo I, bem como a contribuição de
grupos de pesquisa ligados a autores como Celi Nelza Zulke Taffarel, Valter
Bracht, Wagner Wey Moreira, entre outros.
A Educação Física, enquanto componente curricular, tem um co-
nhecimento a ser transmitido e uma responsabilidade político-social com a
prática pedagógica e o desejo do sujeito que a realiza. A Educação Física
escolar, ao nosso ver, pode proporcionar ao aluno a aprendizagem de saberes
que permitam a apreensão deste mundo culturalmente construído que o cerca,
de uma maneira crítica e reflexiva, permitindo não só a aquisição de hábitos
motores, mas, a possibilidade de exercer sua criatividade num processo de
criação e recriação da cultura de movimento. Trata-se de pensar num ensino
mais aberto e menos diretivo.
Ao trabalhar diretamente com o corpo, a Educação Física, interfere
não apenas no corpo do aluno, mas, na sua cultura, no significado e na
representação cultural que esse corpo tem para o aluno e para a sociedade em
que ele está inserido, pois, corporalmente, esse aluno expressa toda sua
subjetividade e significado de suas intenções. Nesse contexto, enquanto prática
pedagógica que trabalha determinadas interfaces do movimento humano, pode
voltar seu olhar para as possibilidades do movimento que se mostre consciente,
criativo, reflexivo, expressivo e pautado na sensibilidade, jamais um
movimento que seja um mero reprodutor de padrões, regras e normas pré-
estabelecidas.
A aprendizagem, na Educação Física Escolar, dar-se-á de forma mais
significativa para o sujeito, ao se considerar essas interações da pessoa , com o
seu entorno, com o seu ambiente cultural, evidenciando as relações interpes-
soais, a reciprocidade, o equilíbrio de poder dessas relações e as influências que
ocorrem de maneira bidirecional, no processo de desenvolvimento. Em outras
palavras, uma aprendizagem pautada numa concepção do corpo que somos,
onde a experiência corporal aponta perspectivas de criatividade, de uma prática
significativa, de respeito às diferenças, de interação com os outros e com o
mundo.
Fazendo referência às idéias de Paulo Freire, de que a sociedade é anti-
democrática e anti-dialógica com a população marginalizada e não permite sua
participação na maioria dos acontecimentos sociais, Kunz, denuncia que uma
aula de Educação Física tradicional é igualmente anti-democrática e anti-dialógica e
restringe a uma minoria a participação bem-sucedida no acontecimento da aula (2001,
p.150). Para o autor (2001), a concepção de ensino-aprendizagem na Educação
Física brasileira tem a tendência de centrar-se no professor, configurando-se
essencialmente diretiva e justifica-se em parte pela prioridade de conteúdos de
esporte de rendimento, onde a metodologia de trabalho tem o caráter
domesticador. Para Nóbrega (2000, p.71),
os métodos tradicionais de ensino, centrados no professor e
onde os alunos repetem movimentos sem compreender o que fazem,
sem serem solicitados na sua capacidade criadora não contribuem para
a reflexão sobre os signos sociais inscritos no corpo, para a identificação
dos valores da cultura dominante e para a possibilidade de superação.
A concepção de aprendizagem enquanto processo corporal e resultado
das interações construídas historicamente entre o sujeito e o mundo,
culturalmente construído, deveria permear o processo educacional em todos os
seus aspectos e, em especial, no âmbito escolar. Segundo Nóbrega (2000), o
professor deve considerar, ao escolher os métodos de ensino, que os alunos não
são objetos, nem corpo-máquina prontos a reagir a solicitações externas com
precisão. Ao contrário, são sujeitos cuja condição corporal marca sua singularidade e
autonomia, pois o corpo é vivo e significante e ao mover-se, o sujeito humano cria e
recria a história e a cultura. (Nóbrega, 2000, p.71).
Assim, defendemos para a Educação Física, uma prática pedagógica,
pautada na concepção do corpo que somos, do corpo sujeito (Nóbrega, 2000)
que atua no mundo estabelecendo relações com o seu entorno e; numa
concepção de aprendizagem que tem no corpóreo a sua base (Assmann, 1996 e
1998) e, se configura como um processo de conscientização e emancipação
(Kunz, 2001).
Com base nos pressupostos supracitados, assumimos para o desenvolvi-
mento das nossas aulas, uma postura crítica e reflexiva, na qual, a participação
ativa do aluno enquanto sujeito de sua aprendizagem se faz evidente.
Investimos na criação de situações de aprendizagem corporal significativas, nas
quais, o corpo aprende à medida que se relaciona com o outro e com o ambiente
à sua volta. Estimulamos o desenvolvimento de valores ético-morais, com o
propósito de contribuir para a formação de cidadãos críticos e participativos,
conscientes de seu papel na sociedade. No capítulo três, relatamos o
desenvolvimento dessas aulas, bem como, discutimos aspectos evidenciados no
decorrer dessa experiência.
CAPÍTULO II
CORPO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Mesmo antes do nascimento, ainda no ventre materno, iniciamos uma
viagem rumo a um processo contínuo e cada vez mais significativo de
apreensão do mundo que vai se intensificar a partir do nascimento, momento
em que o corpo entra em contato com o mundo exterior. Um mundo repleto de
estímulos, informações e situações de aprendizagem proporcionadas pela
experimentação, pela vivência, pela construção a partir da ação e relação do
sujeito com o seu entorno. Assim, a aprendizagem ocorre a partir da relação
dialética entre o sujeito e o mundo, numa dinâmica constante de transformação,
onde o homem que transforma o mundo é também transformado por ele; é
produto e produtor da cultura da sociedade em que vive (Dias,2002;
Nóbrega,2000).
O processo de aprendizagem não consiste apenas na apreensão de
saberes estabelecidos e do conhecimento já produzido, mas, também, na
ampliação destes saberes, na produção de novos conhecimentos, e na
reconstrução dos valores culturais, pois ao mesmo tempo em que o sujeito
aprende, cria condições e abre perspectivas para novas situações de
aprendizagem que se configuram como uma maneira de criar e recriar o mundo
(Demo, 2000; Nóbrega, 2000). A aprendizagem é a apreensão deste mundo
cultural transformado a partir da relação com o homem, através da vivência
corporal deste homem com o mundo de possibilidades que o cerca.
Essa aprendizagem pode ocorrer de diversas maneiras, em ambientes e
situações diferentes, a todo momento, configurando-se como um processo de
aprendência
4
. Dentre estes ambientes, a escola é responsável pela aprendizagem
formal e tem como papel principal promover essa relação dialética de
construção do conhecimento, permitindo e fomentando a apreensão dos saberes
que se apresentam na relação que estabelecemos com o mundo, culturalmente
construído. Para tanto, a comunidade escolar, necessita criar subsídios para
que, através da aprendizagem de conhecimentos específicos, esse processo de
apreensão de mundo seja potencializado e ocorra de forma significativa para o
sujeito.
A aprendizagem formal historicamente foi alicerçada nos padrões
cartesianos, onde o corpo sempre foi relegado. Na escola privilegia-se a mente e
o aprendizado intelectual em detrimento do corpo como um todo, este deve
servir apenas como instrumento para a aquisição de conceitos e conteúdos. Não
pode expressar-se. Tem que ser disciplinado para não 'perturbar' o ambiente,
deve conter-se e manter-se imóvel no espaço que lhe foi destinado. Em nome da
disciplina e da ordem institucional deve-se controlar o corpo, imprimindo-lhe
uma rotina e gerando a incapacidade dos sentidos. Para Nóbrega, a prioridade do
dado da razão pode ser expressa quando se considera a aprendizagem como produto da
inteligência racional, desprezando-se ou minimizando-se o dado sensível. O corpo é
deixado de fora da ação pedagógica, onde, para aprender, as crianças devem ficar
imóveis; quando muito, o corpo é considerado como instrumento para o desenvolvimento
4
3 Trata-se de um neologismo. Processo de experiência de aprendizagem. (...) Segundo Hélène
TROCMÉ-FABRE, O termo “aprendizagem” (“apprentissage”) deve ceder o lugar ao termo
“aprendência” (“apprenance”), que traduz melhor, pela sua própria forma, este estado de estar-em-
processo-de-aprender, esta função do ato de aprender que constrói e se constrói, e seu estatuto de ato
existencial que caracteriza efetivamente o ato de aprender, indissociável da dinâmica do vivo. (Assmann,
1998,p.128)
do intelecto (2000, p.12).
Como o corpo é a nossa maneira de "estar" no mundo e de aprender o
mundo, é imprescindível que, na escola, ele seja visto não apenas como um
instrumento capaz de captar informações de caráter intelectual, mas, como
manifestação do nosso "ser" no mundo. Não podemos esquecer que a primeira
relação humana com o mundo é corporal. O homem aprende corporalmente
antes mesmo de nascer e continua esse processo de aprendizagem durante toda
sua vida.(Dias,2002; Nóbrega,2000)
Evidenciamos o pensamento de Nóbrega, de que o corpo é o lugar de
aprendizagem, de apropriação do entorno por parte do sujeito (2000, p. 60-61). Para a
autora, a aprendizagem proporciona ao ser humano, habitar o espaço e o tempo
de maneira diferente, quando encontra nessa aprendizagem, sentido e
significação para um acontecimento da sua existência. Sendo esse
acontecimento, ao mesmo tempo, motor e perceptivo, não havendo separação
entre o corpo que age e o cogito que organiza a ação (idem, p.60). Por que, então,
insistimos em subjugar o corpo à mente na escola? Por que renegamos o corpo e
o vemos apenas como um instrumento para a aprendizagem sistematizada na
escola, quando na verdade é corporalmente que aprendemos o mundo?
Nóbrega defende uma educação na qual (2000, p.12),
o corpo não seja considerado acessório, subjugado à mente,
mas referência essencial da complexa estrutura humana, a qual não
pode ser reduzida a um dos seus aspectos, seja animal, mecânico,
econômico ou ideológico. Não é possível separar o homem em
departamentos estanques, ignorando a sua complexidade. Dessa
maneira a aprendizagem também não pode ser reduzida em função do
aspecto lógico, relegando a planos inferiores a sensibilidade expressa
no corpo e na motricidade.
Trata-se de uma educação que seja capaz de enxergar o corpo como uma
totalidade do sujeito e não, como uma junção de compartimentos específicos
com funções pré-determinadas, onde a mente seja a única responsável pela
aprendizagem intelectual e, o corpo, apenas um artifício utilizado na captação
de informações. É a partir de nossas vivências corporais que vamos construindo
nossa história de vida, nossa memória pessoal e coletiva, a memória da
sociedade em que vivemos (Dias, 2002). Para Maturana (1999, p. 29), o educar,
se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o
outro e ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de
maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais
congruente com o outro no espaço da convivência. O educar ocorre,
portanto, todo o tempo e de maneira recíproca.
Apropriando-se desse referencial, Hugo Assmann, aposta num outro
olhar para as propostas pedagógicas. Uma educação pautada principalmente na
relação corporal entre os seres humanos e entre estes e o mundo, uma educação
onde o corpóreo seja a base de toda produção do conhecimento pedagógico.
Nas palavras do autor (1998, p. 34),
é preciso pensar a educação a partir dos nexos corporais entre os seres
humanos concretos, ou seja, colocando em foco a corporeidade viva, na
qual necessidades e desejos formam uma unidade. Em outro texto
ousei dizer: "o corpo é, do ponto de vista científico, a instância
fundamental para articular conceitos centrais para uma teoria
pedagógica. Somente uma teoria da corporeidade pode fornecer as
bases para uma teoria pedagógica".
Faz-se necessária uma mudança de pensamento da educação diante do
corpo, pois, vivemos numa sociedade onde fica evidente a busca de um corpo
com significado, apesar de todos os aparatos tecnológicos e de mercado,
tatuados sobre o corpo que vivemos na atualidade (Dias, 2002). Esta mudança
de pensamento significa reconhecer que não temos um corpo, somos um corpo
que está presente em todos os momentos, em todos os lugares, dentro e fora da
escola. Reconhecer que no processo educacional, este corpo está presente não só
nas aulas de Educação Física, mas, também nos momentos reservados para os
outros componentes do currículo escolar.
Na contextualização do corpo não podemos deixar de fazer uma
referência, à maneira como este vem sendo tratado, não só no processo
educacional, mas, em outros aspectos sociais relevantes, onde é subjugado à
mente e assume o papel de um mero executor de ações. Esse é o resultado de
um mundo pautado em dicotomias, onde a oposição dos pares constituintes
destas dicotomias foi cristalizada pelo paradigma cartesiano. As dicotomias
corpo e mente, matéria e espírito têm seu respaldo nos conceitos da física antiga
e clássica e no pensamento platônico e cartesiano, onde são vistos como
elementos opostos que se somam na formação do homem. Ao longo da história,
a sociedade contribuiu para que corpo e mente fossem "separados" como se
fosse possível se pensar num corpo que não seja mente e numa mente que não
seja também corpo. Ambos estão entrelaçados e formam uma coisa única, o
homem, repleto de sonhos, medos, desejos, intenções, etc. Não podemos
continuar pensando num homem que seja uma mera soma de partes, ele é, so-
bretudo, um todo que não pode ser seccionado, pois, o homem e o mundo são
uma coisa una, onde corpo, mente e espírito não formam o homem mas, são o
homem.
Segundo Nóbrega (2000), a educação escolar vem privilegiando o saber
lógico, em detrimento do saber sensível como sustentação do pensamento
educacional desde o século XVII. O corpo não é só corpo e necessita ser olhado
de diversas formas, a partir de várias intenções. Para Soares, sua materialidade
polissêmica pode ser tomada como síntese de sonhos, de realizações de desejos, de
frustrações, de tiranias e de redenção de sociedades inteiras. Seus múltiplos sentidos,
assim, pedem múltiplos olhares, teorias, interação de saberes, para que dele se fale
(2001,p.1).
O corpo é a realização material de nosso ser no mundo e, ao mesmo
tempo, a possibilidade de transcender essa materialidade, através de nossos
desejos, expressões e realizações. É o lugar onde, matéria e espírito se fundem e
se misturam formando um ser dotado de simbolismo e materialidade, aspectos
físicos e subjetivos, ações e emoções. O corpo é formado não só pelas estruturas
químicas, físicas e biológicas, mas, também, pelos aspectos sociais, afetivos e
culturais que predominam na sociedade em que este corpo está inserido. Somos
síntese da materialidade e da espiritualidade, do corpóreo e do mental; da
racionalidade e da sensibilidade, para Soares (2001,p.3),
tanto biológico quanto simbólico, processador de virtualidades
infindáveis, campo de forças que não cessa de inquietar e confortar, o
corpo talvez seja o mais belo traço de memória da vida. Verdadeiro
arquivo vivo, inesgotável fonte de desassossego e de prazeres, o corpo
de um indivíduo pode revelar diversos traços de sua subjetividade e de
sua fisiologia mas, ao mesmo tempo, escondê-los. Pesquisar seus
segredos é perceber o quanto é vão separar a obra da natureza daquela
realizada pelos homens: na verdade, um corpo é sempre "bio-cultural",
tanto em seu nível genético, quanto em sua expressão oral e gestual.
Para falar sobre o corpo é preciso considerar inúmeros aspectos, vários
enfoques e, sobretudo compreender que se trata de um assunto que
desencadeia várias interpretações. Para Dias, em cada momento histórico, em cada
cultura e em cada sociedade, o corpo vai ser pensado e interpretado de formas diferentes,
vivido conforme a necessidade do indivíduo e do grupo ao qual ele pertence (2002,p.73).
Para a autora (2002,p.55), o corpo,
é aquilo que somos e isso nos leva ao processo das experiências vividas.
O homem se manifesta através das suas experiências. O corpo é o
primeiro canalizador destas vivências que, em contrapartida, serão
mediadoras da construção da história desse mesmo homem, numa
construção contínua, reveladora, que irá qualificar a sua relação com o
mundo, sua construção enquanto sujeito e seu processo de
adaptabilidade às situações urgentes com as quais constantemente nos
deparamos.
Mas, esse processo de experiências vividas nem sempre ocorre como
deveria, instituições como a escola e a família, entre outras, muitas vezes,
contribuem para o cerceamento de experiências no decorrer de nossas vidas, em
nome da necessidade de controle do corpo.
Diversos autores, entre eles, Hugo Assmann (1996 e 1998), Maturana e
Varela (2001), ressaltam a importância do componente corporal e das
experiências no processo de aprendizagem. É fazendo de forma consciente que
se aprende, é vivenciando corporalmente e experimentando novas situações
que nossas construções de conhecimento são possíveis. Para Maturana e Varela,
essa circularidade, esse encadeamento entre ação e experiência, essa inseparabilidade
entre ser de uma maneira particular e como o mundo nos parece ser, nos diz que todo
ato de conhecer faz surgir um mundo (...) todo fazer é um conhecer e todo
conhecer é um fazer (2001,p.31-32).
As discussões relativas à aprendizagem apresentam diferentes vertentes.
Historicamente, a aprendizagem foi considerada um processo advindo de fora
do sujeito e constituída por mecanismos de absorção passiva de informações
predominantemente intelectuais, onde o cérebro/mente era considerado o
principal, senão o único, ator responsável pela aquisição de conhecimentos.
Para Assmann, fomos tão acostumados à idéia de que o conhecimento é recebido de fora
que a palavra aprender passou a significar, para o senso comum, quase a mesma coisa
que receber ensinamentos, aprender lições, etc (1996, p.134).
Discutindo essa questão, Maturana e Varela esclarecem que, (...) não se
pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse “fatos” ou objetos lá fora, que
alguém capta e introduz na cabeça. A experiência de qualquer coisa lá fora é validada de
uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível “a coisa” que surge
na descrição (2001,p.31). Não existe aprendizagem que não seja corpórea, todo
processo de conhecimento está entrelaçado de sentidos e emoções, ou seja, é
corporeidade viva. Assmann, nos esclarece que, hoje, (1996, p.87)
o próprio conceito de vida está sendo redefinido como algo que
sucede sempre na fronteira entre ordem e caos, melhor, como
interpenetração de ambos. O cérebro/mente é analisado, numa
perspectiva pós-mecanicista, como um sistema dinâmico, complexo e
adaptativo. Inteligência e memória são reconceituadas igualmente
como processos complexos e dinamicamente auto-organizativos.
Atualmente, com o desenvolvimento de novas pesquisas, há uma
tendência em se considerar a aprendizagem como resultante das interações bio-
sócio-culturais do sujeito com o seu entorno. Para Assmann (1996,p.87):
as epistemologias articuladas a partir dessa ânsia de fixar o real
em formas estáticas de conhecimento estão sendo substituídas por uma
visão epistemológica que tem como referência básica a autopoiése - o
autofazer-se - dos processos vivos, imersos interativamente em
ambientações (ecologias cognitivas), próprias ou adversas. O processo
de conhecimento começou a reconciliar-se com a maneira dinâmica na
qual acontece a vida, redefinida como encadeamento de aprendizagens
pelas biociências de hoje.
Assim, no processo de aprendizagem, não está em jogo apenas o caráter
intelectual do conhecimento, mas, toda uma rede de intenções, motivações,
significados e emoções. Para Assmann, a aprendizagem consiste numa cadeia
complexa de saltos qualitativos da auto-organização neuronal da corporeidade viva, cuja
clausura operacional (leia-se organismo individual) se auto-organiza enquanto se
mantém numa acoplagem estrutural com o seu meio (1998,p.40). Acreditamos que,
ao proporcionar nas nossas aulas a construção do conhecimento enquanto
experiência corporal e ação criativa dos alunos em relação ao meio, estamos
contribuindo para que ocorram saltos qualitativos na auto-organização de sua
corporeidade e do seu processo de aprendizagem.
O referido autor afirma que existe uma cognição corporal através da qual
toda morfogênese do conhecimento se instaura no ser humano, sobretudo na
criança. Segue afirmando que, todo conhecimento é um texto corporal, tem uma
textura corporal (1998,p.143), portanto, podemos considerar que tudo que
aprendemos, necessariamente, é aprendido corporalmente, e mais, uma vez
aprendido permanece inscrito na nossa memória corporal, fazendo parte de um
texto corporalmente elaborado durante toda nossa vida. Para Assmann (1998,
p.33-34):
Toda morfogênese do conhecimento é constituída por níveis
emergentes a partir dos processos auto-organizativos da corporeidade
viva. Por isso todo conhecimento tem uma inscrição corporal e se apóia
numa complexa interação sensorial. O conhecimento humano nunca é
pura operação mental. Toda ativação da inteligência está entretecida de
emoções.
Assim, a aprendizagem configura-se como um processo no qual o
corpóreo assume papel de destaque, pois nenhum conhecimento pode ser
considerado como adquirido por exclusiva atividade intelectual. O corpo está
presente e atuante em todo processo de construção de conhecimento através da
ação e da experiência. Maturana e Varela, ao abordarem a questão da ação e
experiência na construção do conhecimento, esclarecem (2001,p.32):
Quando falamos aqui em ação e experiência, não nos referimos
somente àquilo que acontece em relação ao mundo que nos rodeia no
plano puramente “físico”. Essa característica do fazer humano se aplica
a todas as dimensões do nosso viver.(...) Toda reflexão faz surgir um
mundo. Assim, a reflexão é um fazer humano, realizado por alguém
em particular num determinado lugar.
Os autores defendem que o fenômeno do conhecer está fundamentado
da mesma forma em todos os seus âmbitos pois, é um todo integrado, onde não
existe descontinuidade entre o social, o humano e as raízes biológicas. Afirmam
que todo conhecimento faz surgir um mundo e que esta, é a dimensão palpitante
do conhecimento e está associado às raízes mais fundas do nosso ser cognitivo, por mais
sólida que seja a nossa experiência. E, pelo fato dessas raízes se estenderem até a própria
base biológica,(...), esse fazer surgir se manifesta em todas as nossas ações e em todo
nosso ser (2001,p.33). Os mesmos autores, ao enfatizarem que não existe
descontinuidade do fenômeno do conhecer, afirmam que esse fazer surgir um
mundo, também se manifesta em todas as ações da vida social, como no caso
dos valores e das preferências (Maturana e Varela, 2001).
O papel das experiências e vivências corporais do sujeito para o processo
de aprendizagem vem adquirindo novos significados, onde se evidencia a
importância das experiências vivenciadas pelo sujeito e as relações
estabelecidas nesse processo. Para Assmann, o ambiente pedagógico
(1998,p.29),
tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mas
propiciar, aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida
para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os
sentidos. Reviravolta dos sentidos-significados e potenciamento de
todos os sentidos com os quais sensoriamos corporalmente o mundo.
Porque a aprendizagem é, antes de mais nada, um processo corporal.
Todo conhecimento tem uma inscrição corporal. Que ela venha
acompanhada de sensação de prazer não é, de modo algum, um
aspecto secundário. Precisamos reintroduzir na escola o princípio de
que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a
experiência do prazer. Quando esta dimensão está ausente, a apren-
dizagem vira um processo meramente instrucional. [...] A experiência
de aprendizagem implica, além da instrução informativa, a reinvenção
e construção personalizada do conhecimento. Reencantar a educação
significa colocar a ênfase numa visão da ação educativa como
ensejamento e produção de experiências de aprendizagem.
Considerando a experiência de aprendizagem enquanto uma reinvenção
e construção personalizada do conhecimento, Assmann defende o termo
aprendência, como um estar-em-processo-de-aprender, numa dinâmica onde
constrói e é construído o ato de aprender, indissociável do ser vivo. Para Demo,
a aprendizagem também se configura como um processo contínuo, inacabado e
em constante reconstrução, nas palavras do autor (2000, p. 49),
a idéia mais correta de aprendizagem é aquela coerente com
sua própria lógica, ou seja, aquela que aprende sempre, já que sua
inteligência não está na estocagem reprodutiva, mas na reconstrução
constante. Aprender não pode aludir, nunca, a uma tarefa completa, a
um procedimento acabado ou a uma pretensão totalmente realizada; ao
contrário, indica vivamente a dinâmica da realidade complexa, a
finitude das soluções e a incompletude do conhecimento.
O autor ainda destaca a importância dos desacertos para a
aprendizagem, podemos fazer aqui uma alusão ao papel das experiências, pois
só quem experimenta corre o risco de cometer um desacerto e, a partir deste,
pode retomar, refazer reconstruir e aprender. Para o autor, aprende-se muito a
partir dos desacertos, sobretudo porque nos damos conta de nossa falibilidade. É preciso
analisar melhor, olhar mais longe, aprender mais.(...) o aperfeiçoamento constante da
aprendizagem permanente é diretamente proporcional aos erros cometidos e às suas
retomadas (2000, p.50).
A aprendizagem proporciona mudanças qualitativas nas relações sociais
na medida em que se realiza a partir da interação entre o sujeito e o mundo. Há
que se considerar aqui que o movimento não pode ser entendido como mero
deslocamento de partes de um corpo, desnudo de sentidos ou significados, isso
nos remeteria à idéia, anteriormente exposta, do corpo substancial (Tamboer
apud Kunz, 1992) ou do corpo objeto (Nóbrega, 2000).
A Educação Física, componente curricular que na escola é responsável
pela sistematização do trabalho com o corpo, é um campo pedagógico que trata
determinadas interfaces do movimento humano como objeto de sua prática.
Faz-se necessário entender como se dá a aprendizagem na Educação Física e o
que se aprende nas aulas de Educação Física na escola. Para tratar o
conhecimento da cultura de movimento de maneira crítica, faz-se necessário
que a Educação Física reconheça o acervo de movimentos que o aluno traz para
a escola, resultado de um diálogo corporal com seu entorno cultural. Para Melo
(2002, p.21):
Tratar o conhecimento da cultura de movimento na escola não diz
respeito somente a lidar com as questões de ordem técnica vinculadas
ao saber fazer, mas fomentar nos alunos uma compreensão crítica desse
conhecimento, desde a sua inserção histórica à sua prática
propriamente dita. Se tomarmos o conteúdo esporte como exemplo,
seria não ensinar somente os fundamentos que compõem as diversas
modalidades esportivas, só isso não evidencia uma aprendizagem
profunda desse conhecimento. Torna-se necessário o aluno descobrir
aspectos relativos a sua inserção social, sua história, seus elementos
constitutivos, o "adversário" como parceiro de jogo, a mercantilização,
o fair play, o suborno, o dopping, a ética, entre outros elementos que
podem ser discutidos numa aula de educação física.
Muitos estudiosos têm se empenhado em trazer à tona discussões sobre
as perspectivas pedagógicas possíveis para a Educação Física Escolar, entre
estas encontramos a abordagem Crítico-Emancipatória de Kunz, a abordagem
da Concepção de Aulas Abertas a Experiências de Hildebrandt, a abordagem
Crítico-Superadora defendida no Coletivo de Autores. Segundo Brasil
(1998,p.29),
entende-se a Educação Física como uma área de conhecimento da
cultura corporal de movimento e a Educação Física escolar como uma
disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal de
movimento, formando o cidadão que vai produzí-la, reproduzí-la e
transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos
esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do
exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida.
Para Melo, desde a sua implantação nas escolas brasileiras, a Educação
Física vem assumindo diferentes perspectivas pedagógicas, o que de certa forma,
evidencia as tentativas dos estudiosos em adequá-las às possibilidades educacionais mais
emergentes, bem como em legitimá-la no campo educacional (2002 p. 04). No entanto,
para que a Educação Física alcance essa legitimação no campo educacional, é
necessário que essas discussões não se limitem à vida acadêmica, aos encontros
nas universidades. Segundo Brasil , há (...) um novo ordenamento legal na
proposição da atual Lei de Diretrizes e Bases, que orienta para a integração da Educação
Física na proposta pedagógica da escola (1998, p.26). A LDB no seu artigo 26,
parágrafo 3
o
determina que, a educação física, integrada a proposta pedagógica da
escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se as faixas etárias e as
condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.
Não podemos deixar de registrar que os avanços alcançados na área da
Educação Física, agora reconhecida como componente curricular, são frutos do
empenho de profissionais que em seus estudos e produções científicas se
preocuparam em traçar novos rumos para a Educação Física. Destacamos aqui,
as concepções críticas já referenciadas no capítulo I, bem como a contribuição de
grupos de pesquisa ligados a autores como Celi Nelza Zulke Taffarel, Valter
Bracht, Wagner Wey Moreira, entre outros.
A Educação Física, enquanto componente curricular, tem um co-
nhecimento a ser transmitido e uma responsabilidade político-social com a
prática pedagógica e o desejo do sujeito que a realiza. A Educação Física
escolar, ao nosso ver, pode proporcionar ao aluno a aprendizagem de saberes
que permitam a apreensão deste mundo culturalmente construído que o cerca,
de uma maneira crítica e reflexiva, permitindo não só a aquisição de hábitos
motores, mas, a possibilidade de exercer sua criatividade num processo de
criação e recriação da cultura de movimento. Trata-se de pensar num ensino
mais aberto e menos diretivo.
Ao trabalhar diretamente com o corpo, a Educação Física, interfere
não apenas no corpo do aluno, mas, na sua cultura, no significado e na
representação cultural que esse corpo tem para o aluno e para a sociedade em
que ele está inserido, pois, corporalmente, esse aluno expressa toda sua
subjetividade e significado de suas intenções. Nesse contexto, enquanto prática
pedagógica que trabalha determinadas interfaces do movimento humano, pode
voltar seu olhar para as possibilidades do movimento que se mostre consciente,
criativo, reflexivo, expressivo e pautado na sensibilidade, jamais um
movimento que seja um mero reprodutor de padrões, regras e normas pré-
estabelecidas.
A aprendizagem, na Educação Física Escolar, dar-se-á de forma mais
significativa para o sujeito, ao se considerar essas interações da pessoa , com o
seu entorno, com o seu ambiente cultural, evidenciando as relações interpes-
soais, a reciprocidade, o equilíbrio de poder dessas relações e as influências que
ocorrem de maneira bidirecional, no processo de desenvolvimento. Em outras
palavras, uma aprendizagem pautada numa concepção do corpo que somos,
onde a experiência corporal aponta perspectivas de criatividade, de uma prática
significativa, de respeito às diferenças, de interação com os outros e com o
mundo.
Fazendo referência às idéias de Paulo Freire, de que a sociedade é anti-
democrática e anti-dialógica com a população marginalizada e não permite sua
participação na maioria dos acontecimentos sociais, Kunz, denuncia que uma
aula de Educação Física tradicional é igualmente anti-democrática e anti-dialógica e
restringe a uma minoria a participação bem-sucedida no acontecimento da aula (2001,
p.150). Para o autor (2001), a concepção de ensino-aprendizagem na Educação
Física brasileira tem a tendência de centrar-se no professor, configurando-se
essencialmente diretiva e justifica-se em parte pela prioridade de conteúdos de
esporte de rendimento, onde a metodologia de trabalho tem o caráter
domesticador. Para Nóbrega (2000, p.71),
os métodos tradicionais de ensino, centrados no professor e
onde os alunos repetem movimentos sem compreender o que fazem,
sem serem solicitados na sua capacidade criadora não contribuem para
a reflexão sobre os signos sociais inscritos no corpo, para a identificação
dos valores da cultura dominante e para a possibilidade de superação.
A concepção de aprendizagem enquanto processo corporal e resultado
das interações construídas historicamente entre o sujeito e o mundo,
culturalmente construído, deveria permear o processo educacional em todos os
seus aspectos e, em especial, no âmbito escolar. Segundo Nóbrega (2000), o
professor deve considerar, ao escolher os métodos de ensino, que os alunos não
são objetos, nem corpo-máquina prontos a reagir a solicitações externas com
precisão. Ao contrário, são sujeitos cuja condição corporal marca sua singularidade e
autonomia, pois o corpo é vivo e significante e ao mover-se, o sujeito humano cria e
recria a história e a cultura. (Nóbrega, 2000, p.71).
Assim, defendemos para a Educação Física, uma prática pedagógica,
pautada na concepção do corpo que somos, do corpo sujeito (Nóbrega, 2000)
que atua no mundo estabelecendo relações com o seu entorno e; numa
concepção de aprendizagem que tem no corpóreo a sua base (Assmann, 1996 e
1998) e, se configura como um processo de conscientização e emancipação
(Kunz, 2001).
Com base nos pressupostos supracitados, assumimos para o desenvolvi-
mento das nossas aulas, uma postura crítica e reflexiva, na qual, a participação
ativa do aluno enquanto sujeito de sua aprendizagem se faz evidente.
Investimos na criação de situações de aprendizagem corporal significativas, nas
quais, o corpo aprende à medida que se relaciona com o outro e com o ambiente
à sua volta. Estimulamos o desenvolvimento de valores ético-morais, com o
propósito de contribuir para a formação de cidadãos críticos e participativos,
conscientes de seu papel na sociedade. No capítulo três, relatamos o
desenvolvimento dessas aulas, bem como, discutimos aspectos evidenciados no
decorrer dessa experiência.
CAPÍTULO III
O CORPO EM MOVIMENTO...
Vivemos, na atualidade, uma época de inversão de valores ético-morais
na qual a violência, o desrespeito, a impunidade e a falta de diálogo imperam
na sociedade como um todo. Assistimos a exemplos de violência e desrespeito à
vida, diariamente, nos noticiários de televisão. São assassinatos a sangue frio,
seja pela disputa de pontos de drogas, seja pela disputa de terras, seja por
“queima de arquivo”, desentendimentos no trânsito ou, por outro motivo
qualquer.
No cenário político, assistimos a escândalos financeiros que envolvem
pagamento de propinas, lavagem de dinheiro, desvios de verbas públicas
destinadas à saúde, à educação, etc., evidenciando o descaso com a vida e a
dignidade humanas. Como resultado, criam-se novas CPI’s, a todo momento.
No esporte, são comuns os exemplos de desrespeito ao adversário,
quando da utilização de faltas violentas como recurso para impedir uma jogada
ou marcar um ponto; desrespeito às regras com o uso de doping, a pretexto de
melhorar seu desempenho e sobrepujar o outro; desrespeito ao árbitro
chegando-se a ponto de ameaçar a integridade física e moral do mesmo;
manipulação de resultados de jogos; violência entre torcedores que, além da
depredação de patrimônios públicos e privados, chegam a ponto de causar
ferimentos e até a morte de outras pessoas.
Valores como cooperação, respeito, justiça, diálogo e solidariedade, pare-
cem não ter mais lugar na sociedade, nos dias de hoje. Essas atitudes podem ser
o reflexo da falta de uma educação (formal ou não formal), pautada nos valores
ético-morais. Ao nosso ver, aos educadores, em especial, cabe o papel de
estimular, dentro de sua prática, esses princípios e valores éticos como forma de
contribuir para a formação de cidadãos críticos e reflexivos que tenham a ética
como princípio básico de convivência em sociedade. Entre os objetivos gerais
do trabalho com ética no Ensino Fundamental, encontramos (Brasil, 2001, p.91):
compreender o conceito de justiça baseado na equidade, e
empenhar-se em ações solidárias e cooperativas;
adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas,
repudiando as injustiças e discriminações;
valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer
conflitos e tomar decisões coletivas;
A escola como espaço de socialização, transformação e criação de
conhecimento e valores, tem o papel de estimular de maneira responsável e
comprometida a formação e ampliação das potencialidades das crianças e
adolescentes, para que possam intervir e modificar situações, transformar a
realidade. Trazer a ética para o espaço escolar é adotar uma atitude crítica,
problematizadora, que contribua para a reflexão consciente dos
comportamentos e das regras que nos norteiam. Entendendo que os valores
ético-morais são resultantes do processo histórico-social e construídos a partir
das ações e experiências do sujeito na sociedade, evidenciamos a necessidade de
serem trabalhados na escola e, também, nas aulas de Educação Física. Por esse
motivo, elegemos valores como cooperação, solidariedade, respeito mútuo e
justiça para serem trabalhados na nossa prática na escola.
Na primeira infância, a legitimação de regras e valores se faz do mundo
exterior para o mundo interior da criança. Ela legitima esses valores e regras
por advirem de pessoas que ela considera importantes, com prestígio, como os
pais. Ela não se preocupa com a essência, com o valor intrínseco das regras. É a
fase chamada de heteronomia (Brasil 2001). A partir dos oito anos, a criança
começa a compreender as regras pelo seu valor intrínseco e inicia um processo
pelo qual pode cada vez mais julgar os atos a partir de sua intencionalidade. É o
início da autonomia, processo contínuo e de eterna construção. Segundo Brasil
(2001,p.72-73),
a autonomia moral refere-se à possibilidade de a pessoa pautar suas
condutas predominantemente por valores e regras que assume
conscientemente em função da validade que atribui a elas e de sentir-se
legítima para construir novas regras. A construção da autonomia
começa, em média, por volta dos oito anos, quando a criança inicia um
processo no qual pode cada vez mais julgar os atos, levando em conta
essencialmente a intencionalidade que os motivou.
A entrada na adolescência coincide com um aumento da capacidade de
abstração e com as mudanças básicas decorrentes da puberdade. Essa fase
caracteriza-se pela reestruturação da possibilidade e leva ao desequilíbrio na
relação entre a afetividade (marcante na primeira infância) e a racionalidade
(presente a partir dos oito anos) no desenvolvimento moral, exagerando o
aspecto da emoção.
A adolescência é uma fase de constante busca de identificação, afirmação
e respeito perante o outro. O respeito é um dos componentes fundamentais da
vida ética que, para ser interiorizado, precisa ser vivenciado, sentido no dia-a-
dia e, passa por alguns aspectos como respeitar as situações e a todas as
pessoas, independente de sua origem social, sexo, raça, religião, entre outros.
Todos são merecedores de respeito. Para que o aluno aprenda que o respeito é
importante é necessário que também seja respeitado por todos na comunidade
escolar: professores, funcionários e colegas. Não se concebe que na escola
ocorram atitudes de desrespeito ou discriminação de um aluno seja por sua
raça, por ser baixinho, gordo ou portador de necessidades especiais.
O respeito passa também pela questão do aluno reconhecer, no convívio
escolar, onde termina o seu direito e começa o do outro. Entram aqui, também,
a questão da justiça e do diálogo que, da mesma forma, precisam ser
trabalhados, vivenciados, nas mais diversas situações para que possam ser
conscientemente aceitos e assimilados. Partindo desse princípio, de fomentar e
desenvolver valores, fundamentamos nossa prática, buscando possibilitar o
desenvolvimento de uma consciência crítica e reflexiva, através da participação,
cooperação, solidariedade, do diálogo e do respeito. Condições essas,
imprescindíveis para o desenvolvimento da autonomia e emancipação.
Num primeiro momento, apresentamos aos alunos a temática a ser
desenvolvida, o atletismo e, iniciamos um processo de elaboração de um roteiro
a ser trabalhado, elegendo, conjuntamente, os elementos do atletismo que eles
gostariam de vivenciar nas aulas. Logo de início surgiu uma resistência, por
parte de alguns, que argumentaram: “Eu não gosto de atletismo”; “Eu não
consigo correr muito rápido”; “Não vou participar, pois só vou perder” ou
“fulano vai ganhar sempre, ele corre muito”. Ficam evidentes as marcas do
insucesso presentes na relação desses alunos com o esporte, no caso, o
atletismo. Esse insucesso, decorre do fato de dar-se ao conteúdo esporte (no
caso o atletismo), dentro da escola, o mesmo tratamento que é dado ao esporte
normatizado e reconhecidamente hegemônico, no qual prevalece o sentido
comparativo do movimento.
Para Kunz, a preferência por atividades jogadas não está somente na falta de
ludicidade como se apresentam as chamadas “provas” do atletismo, mas, principalmente
e na maioria dos casos, por lembranças de insucesso ou de uma vivência não bem
sucedida pelos parâmetros “normais” como essas “provas” se apresentam (1998,p.23).
Brasil, coloca como um dos conteúdos atitudinais para o terceiro e quarto ciclos,
a disposição em adaptar regras, materiais e espaço visando à inclusão do outro (1998,
p.92) .
Neste momento, explicamos que a intenção dessas aulas não era a
competição e que não importava se um ou outro corria rápido ou saltava mais
longe, pois o objetivo era experimentar novas formas de realizar tais atividades,
nas quais todos teriam a oportunidade de participar e vivenciar os elementos
que constituem o atletismo.
Iniciamos, então, o nosso processo de “desconstrução de imagens”, ou
seja, a desconstrução daquelas imagens negativas interiorizadas pelo aluno a
partir de uma relação frustrante com o esporte praticado de forma massacrante,
onde o êxito só é atingido por aqueles que têm uma excelente condição natural
de força, velocidade e resistência orgânica (Kunz,1998). Partimos para a
realização de nossa prática apoiando-nos em um dos objetivos da Educação
Física para o terceiro e quarto ciclos (Brasil, 1998,p.89):
Participar de atividades de natureza relacional, reconhecendo e respeitando
suas características físicas e de desempenho motor, bem como a de seus
colegas, sem discriminar por características pessoais, físicas, sexuais ou
sociais. Apropriar-se de processos de aperfeiçoamento das capacidades
físicas, das habilidades motoras próprias das situações relacionais,
aplicando-os com discernimento em situações problema que surjam no
cotidiano.
Propusemos que fosse realizada, pelos alunos, uma pesquisa em livros,
jornais e revistas, sobre a modalidade do atletismo: como surgiu; quais a provas
que a compõem; que atletas têm se destacado no Brasil e no Rio Grande do
Norte; a participação das mulheres brasileiras e norte-rio-grandenses neste
esporte; o atletismo nas olimpíadas, etc. Atendendo assim, a um dos conteúdos
procedimentais e conceituais explicitados nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para a Educação Física de terceiro e quarto ciclos que, propõe que
sejam trabalhados, os aspectos histórico-socias dos jogos e esportes mais atuais e
relevantes (a inclusão e exclusão da mulher em determinados esportes em determinados
momentos históricos; esporte e violência; a história das olimpíadas,etc)
(Brasil,1998,p.95). A partir da pesquisa realizada pelos alunos, selecionamos
determinados trechos para serem discutidos nas aulas. Os trechos, a seguir
(imagem 08 e 09), foram os primeiros a serem discutidos nas nossas aulas, neles
podemos reconhecer o que Hildebrant(2003), evidencia como regras
características do sistema do esporte: a regra do sobrepujar (no sentido de
vencer) e a regra da comparação objetiva.
Ima
g
em – 08 – trecho da pesquisa
A imagem que os alunos, de um modo geral, têm do atletismo, coincide
com o que, de fato, fica evidenciado nas regras acima citadas (a regra do
sobrepujar e a regra da comparação objetiva) . A vivência desse esporte, para
eles, nada teve de diferenciado do esporte enquanto modalidade de competição,
enquanto esporte normatizado no qual, o princípio de rendimento é o eixo
central, e por que não dizer, o único.
O atletismo é considerado o mais nobre dos esportes, nele, ficam mais
evidentes as regras do sobrepujar e da comparação objetiva, considerando que
o vencedor é sempre o mais veloz, o que salta mais alto/ mais longe, ou ainda,
o mais forte, capaz de lançar os objetos o mais longe possível. A vitória, no
atletismo, tende a consagrar o atleta, compará-lo a um “semideus”. Assistimos
assim, tantas vezes, ao coroamento do homem ou da mulher mais rápido(a) do
mundo, enquanto que ao perdedor, apenas restam as lágrimas da derrota.
Segundo Hildebrant, ...para podermos comparar objetivamente os
rendimentos, as condições sob as quais os rendimentos deverão ser conseguidos têm de
ser padronizados (2003,p.26). Essas padronizações se refletem na arquitetura dos
locais onde se realizam as competições (pistas, piscinas, quadras, etc.); nas
regras de cada modalidade esportiva; nos padrões de realização de
movimentos.
Dessa forma, quantifica-se o rendimento reduzindo-se a complexidade
do movimento humano a números que possibilitem a comparação. Para
Hildebrant, o esporte institucionalizado favorece a função comparativa do
movimento(...) todos os esforços são dirigidos ao objetivo de sobrepujar e chegar em
primeiro lugar (2003,p.27). Para tanto, não economizam-se esforços no intuito de
alcançar os louros da vitória. Analisando a modalidade de atletismo, o autor
nos esclarece que (2003,p.29),
a ação de competir é determinada não só pelas regras de local e regras
motoras, como também pela regra básica do sobrepujar sob as condições
básicas de locais e as condições motoras predeterminadas, o correr, o
saltar e o lançar significam percorrer uma distância o mais rápido
possível;saltar o mais alto ou mais longe possível ou, ainda, lançar o mais
longe possível. Dessa forma, para o praticante, o correr implica uma
diminuição do tempo e, respectivamente, no saltar e no lançar, um
aumento da distância (ou altura) a ser alcançada.
O julgamento dos vencedores é possível a partir da comparação dos
rendimentos de cada um que, como fica evidente no trecho de pesquisa a seguir
(imagem 09), são registradas em unidades de tempo, no caso das corridas, e
distância, no caso dos saltos, lançamentos e arremessos.
Ima
g
em – 09 – Trecho da pesquisa
Dessa forma, trava-se uma batalha diária para a diminuição das marcas
cronometradas e, para o aumento das marcas medidas em centímetros e metros,
buscando-se a todo o instante a quebra dos recordes já homologados. Cabe-nos
ressaltar que nem sempre, essa busca pelo rendimento obedece aos padrões de
comparação objetiva (de igualdade de condições) propagados pelo esporte,
uma vez que, alguns atletas utilizam-se de recursos ilícitos para tornarem-se
vencedores e, assim, sobrepujar o outro.
Dando procedimento ao diálogo iniciado sobre a modalidade de
atletismo, e, sobretudo, enfatizando que o rendimento, a comparação de
performances individuais e a questão da competição não seriam os objetivos, no
decorrer de nossas aulas, ou seja, que não seria necessário ser “o mais forte,
nem o mais rápido ou o que salta mais longe”, pois iríamos vivenciar o
atletismo a partir de nossas possibilidades. A partir da pesquisa realizada pelos
alunos (imagem 10), apresentamos as “provas” que constituem a modalidade
de atletismo e, elegemos conjuntamente, as atividades possíveis de serem
exploradas, considerando nossa realidade material e espaço físico disponível.
Ima
g
em 10 - Trecho da Pesquisa
Recorremos às imagens e aos trechos contidos na pesquisa realizada
pelos próprios alunos para exemplificar as provas mais complexas em termos
de execução e equipamentos necessários para a sua realização, como por
exemplo, o salto com vara, o salto em altura, o lançamento de disco, martelo,
etc.
Na medida em que as provas eram apresentadas, discutia-se sobre a
possibilidade de adaptá-la para a nossa realidade. Os alunos participaram
ativamente dessa escolha sugerindo que provas gostariam de realizar.
Ressaltamos que nem todas as sugestões puderam ser atendidas devido à
escassez de materiais e de locais adequados. Buscando essa possibilidade de
adaptação, lancei a pergunta: “Que materiais poderíamos utilizar para o
lançamento de pelota?”, ao que de pronto responderam: “pode ser uma
pedra”, “ou uma laranja”, “também pode ser uma bola de frescobol”,
“professora, lá em casa tem uns pedaços de ferro meio redondo”. Dessa forma
ficou acertado que trabalharíamos os lançamentos experimentando diversos
materiais para podermos escolher o que melhor se adaptasse ao nosso objetivo.
A corrida, pelo espaço físico que dispomos na praça no conjunto Potengi,
foi logo incluída no nosso roteiro de trabalho. “Aqui dá para a gente correr”,
disse uma das alunas, referindo-se a uma reta existente no contorno da praça.
Ao que perguntei: “a que corrida você está se referindo, às corridas de
velocidade, ou às de resistência?”, alguém respondeu: “às duas. A de
resistência a gente pode fazer ao redor da praça”. Decidimos, conjuntamente,
que seriam trabalhados, além da corrida, saltos e lançamentos, dando
continuidade aos conteúdos (procedimentais e conceituais) para a construção
do gesto esportivo: aquisição e aperfeiçoamento das habilidades específicas
relacionadas aos esportes; vivência de situações que gerem a necessidade de ajustar as
respostas individuais à estratégia do grupo (tática coletiva) (Brasil, 1998,p.95).
Para a efetivação do trabalho com esses conteúdos, surge um elemento
imprescindível, o diálogo, que deve ser estimulado na escola, pois esta,
apresenta-se como um local privilegiado para o incentivo à ação
transformadora, que por sua vez só pode consolidar-se através do diálogo e da
participação efetiva na construção de regras e normas que possibilitam o
desenvolvimento do sentimento de pertinência ao coletivo e da
responsabilidade pessoal pela vida comunitária.
Segundo Brasil, em situações de conflito, o diálogo permite garantir o respeito-
mútuo e encontrar soluções mais justas, ou seja, evitar que se imponha a lei do mais
forte, fazendo com que os direitos de cada um sejam respeitados (2001,p.112). Ao dever
de respeitar o outro, corresponde o direito de também ser respeitado: é o
respeito mútuo, imprescindível nas relações sociais. Adotar atitudes de respeito
mútuo dignidade e solidariedade na prática dos jogos, lutas e dos esportes, buscando
encaminhar os conflitos de forma não-violenta, pelo diálogo, e prescindindo da figura do
árbitro (Brasil, 1998,p.89), é também um dos objetivos da Educação Física para o
terceiro e quarto ciclos, que pressupõe como conteúdos atitudinais a serem
trabalhados nestes ciclos a predisposição à cooperação, à solidariedade (ajudar
o outro, ser solidário num momento de dificuldade do colega, dar
segurança,etc.), e ao diálogo (favorecer a troca de conhecimentos, valorizar a
opinião do outro, etc.).
Ressaltamos a importância do diálogo e do respeito à opinião do outro
como elementos básicos para a efetivação de um trabalho que busque
desenvolver a autonomia moral e intelectual dos alunos. Situações em que os
alunos sintam-se respeitados colaboram para que vençam suas inseguranças na
hora de expor suas idéias, opiniões, desejos e receios. Segundo Brasil, em
Educação Física (2001, p.85),
as questões relativas à competição e cooperação, ao conhecimento dos
limites e possibilidade do próprio corpo e sua aceitação, a auto-
disciplina, ao aprendizado e respeito às regras (no caso dos jogos), à
participação na construção em comum acordo de novas regras
(transformação ou adaptação dos jogos), são questões que colocam em
jogo os valores e as noções da sociabilidade que cada um carrega
consigo, revelando-se também um excelente espaço de formação moral.
Reconhecendo e valorizando a Educação Física como um dos espaços
privilegiados para a vivência de valores como cooperação, solidariedade,
respeito, diálogo e justiça, desenvolvemos atividades que pudessem fomentar
esses valores através da resolução de problemas, da busca de soluções em
grupo, da discussão de estratégias, da inter-relação entre os alunos e a tomada
de decisões. Discutindo a resolução de problemas, Demo esclarece que não
seríamos coerentes se imaginássemos que, problematizando, acabamos com os
problemas, assim como, questionando, não é possível acabar com as questões. Ao
contrário, saber questionar significa precisamente saber ver a realidade como sempre
questionável(...) (2000, p.48). Partindo dessa idéia, propomos algumas atividades
que permitissem o questionamento, a busca de soluções em grupo, a
participação na escolha de estratégias, etc.
Tomemos como exemplo, a atividade denominada de revezamento, que
foi realizada em grupos de cinco alunos, onde cada grupo deveria somar o
tempo de 1min no percurso de 300m, cada aluno percorrendo 60m. O trajeto
escolhido para a execução da tarefa foi o contorno da praça do conjunto
Potengi, onde realizamos as atividades propostas.
Alunos de outros grupos se responsabilizavam por cronometrar o tempo
gasto por cada um dos componentes do grupo que estava realizando a tarefa e,
entregavam esses dados ao final da execução do grupo para que estes
pudessem reavaliar sua participação. Após cada execução, os grupos discutiam
e elaboravam estratégias para realizar a tarefa a contento (quem deveria correr
mais rápido ou mais lento). Iniciou-se dessa forma, o início do trabalho com o
ritmo, que discutiremos a posteriori.
Evidencia-se nessa atividade, a busca de soluções em grupo com a
discussão de que estratégias utilizar; a inter-relação entre os alunos e a tomada
de decisões. Para Kunz, as atividades desenvolvidas atendem a três níveis de
competências: à competência objetiva (de melhorar a qualidade física e técnica das
realizações na fase de experimentação), à competência social (da interação no grupo,
tanto nas realizações efetivas como nas decisões e cooperações) e à competência de
autonomia (sentir-se responsável pela aprendizagem e pelos acontecimentos de aula)
(1998,p.33-34).
É importante para os alunos poderem opinar, fazer escolhas, sentirem-se
responsáveis pelas decisões tomadas no grupo. Isso possibilita um sentimento
de pertinência ao grupo e um real engajamento na realização das atividades
propostas. No momento em que o aluno se sente responsável pelas decisões,
pelo “rumo” tomado pelo grupo, ele se julga mais atuante, mais importante
para o grupo. Na imagem a seguir, temos um desses momentos de discussão
em grupo para a elaboração de estratégias, de diálogo em busca de soluções
para a atividade proposta.
Ima
g
em 11 – Discutindo possibilidades – Araú
j
o, A. C.
A importância de se trabalhar valores ético-morais como cooperação,
solidariedade, respeito e justiça nas nossas aulas, justifica-se na medida em que
temos a consciência de que, para não cair em discursos vazios, faz-se necessário
que esses valores sejam vivenciados no cotidiano escolar e extra-escolar
(familiar, círculo de amigos, etc.) do aluno não como uma “coisa imposta de
fora para dentro”, mas, como uma experiência valorizada a partir de suas
relações com o outro e consigo mesmo.
A experiência, a vivência são condições imprescindíveis para a
legitimação dos valores, para a formação ético-moral. Não basta ouvir discursos
sobre valores para que o indivíduo possa compreender sua essência. É preciso
vivenciá-los, experimentá-los no cotidiano, no convívio social. Assim, a
consciência moral não nasce com o indivíduo, nem tampouco se manifesta ao
longo da vida independendo dos fatores históricos e sociais. É, pois, construída
historicamente e, pressupõe, incondicionalmente a consciência e a
responsabilidade.
A consciência e a responsabilidade são condições imprescindíveis da
vida ética; consciência no sentido de saber diferenciar o bem e o mal, o certo e o
errado, o permitido e o proibido, e também, a capacidade de julgar o valor dos
atos e das condutas morais; responsabilidade no sentido de agir em
conformidade com os valores morais de forma consciente e voluntária. Para
Caminha (2003, p.59),
tanto a consciência como a responsabilidade tornam-se indispensáveis
para uma vida ética. Só há responsabilidade quando o sujeito moral se
reconhece como autor da ação, avaliando os efeitos e as conseqüências
de seus atos para si e para os outros. A responsabilidade de um agente
consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente não
pode ser efetivada se ela não for considerada dentro do contexto do
respeito à pessoa humana.
Agir em conformidade com os valores morais de forma consciente e
responsável é o que se pode chamar de autonomia moral. Essa autonomia
moral só poderá ser desenvolvida pelos alunos considerando sua atuação, suas
experiências e buscando uma passagem progressiva de situações em que os
mesmos são dirigidos por outra pessoa, para situações dirigidas por eles
próprios. Encontramos respaldo para a importância de proporcionar vivências
em grupo, que estimulem o diálogo e a participação nas tomadas de decisões
para a construção da autonomia do aluno, em Brasil (2001, p.90),
como no desenvolvimento de outras capacidades, a aprendizagem de
determinados procedimentos e atitudes – tais como planejar a
realização de uma tarefa, identificar formas de resolver um problema,
formular boas perguntas e boas respostas, levantar hipóteses e buscar
meios de verificá-las, validar raciocínios, resolver conflitos, cuidar da
própria saúde e da de outros, colocar-se no lugar do outro para melhor
refletir sobre uma determinada situação, considerar as regras
estabelecidas – é meio para a construção da autonomia.
Participar da elaboração de estratégias para resolver um problema
proposto, buscar soluções em grupo, através do diálogo, respeitando a opinião
do outro, vivenciar situações de solidariedade, são condições para o convívio
democrático e para a construção da autonomia. As relações de respeito e
cooperação entre os alunos precisam ser valorizadas. Os alunos precisam sentir
segurança para opinar, para pedir ajuda ao outro e, saber que também têm
condições de colaborar. O desenvolvimento de trabalhos em grupo, geram boas
oportunidades para a vivência de situações de cooperação e solidariedade. A
noção de justiça também é importante para a construção de um ambiente
favorável à formação ético-moral do aluno, Segundo Brasil (2001, p. 102),
é importante levar em consideração que desde cedo as crianças são
muito sensíveis às manifestações de justiça e injustiça, embora, até
cerca de oito anos de idade em média, não saibam expressar
verbalmente sua aceitação ou seu repúdio. Por volta dessa idade,
começam a questionar as injustiças e a revoltar-se contra elas e, a partir
da adolescência, ampliam a capacidade de analisar situações
complexas, considerar diferentes fatores envolvidos e construir
critérios de justiça.
Ressaltamos então, a importância de se cultivar, nas aulas, um espaço de
fomento à justiça, onde a vivência de situações que sejam pautadas no princípio
da equidade possa colaborar para a formação e valorização da noção de justo e
injusto a ser desenvolvida pelo aluno. Se o aluno vivencia freqüentemente
situações onde se sente injustiçado, não poderá incorporar como legítima a
noção de justiça, ao contrário, irá conferir-lhe uma incredibilidade e um
sentimento de não-pertinência. Recorrendo a um trecho da pesquisa realizada
pelos alunos que abordava a questão do doping no esporte, desenvolvemos a
discussão sobre respeito e justiça na prática esportiva, eis o trecho em questão:
Ima
g
em 12 – Trecho da Pesquisa
Após solicitarmos a um dos alunos que lesse o trecho da reportagem
encontrada no trabalho de pesquisa, questionamos aos alunos se seria certo o
atleta utilizar-se de meios ilícitos para conquistar uma vitória. As opiniões
dividiram-se: “eu acho que é errado. Se é proibido, ninguém deve usar”; “Ah!
Professora, mas se ele não usasse não ganharia...”, perguntamos então: “e você
acha que vale a pena ganhar uma prova de forma desonesta?, teria algum
valor para você ganhar uma medalha sabendo que você não seria capaz de
ganhá-la se não tivesse sido desonesto?”, ele então respondeu: “é...não sei...” –
continuamos com as perguntas: “vocês acham, por exemplo, que teria algum
valor para nós, se ao participarmos de uma competição, nós trapaceássemos e
colocássemos, de forma irregular, alunos que já não têm idade para competir
na categoria mirim e ganhássemos dessa forma?”; um aluno respondeu: “ mas
ninguém iria saber...” e um outro completou: “muitos professores fazem
isso”; então argumentamos: “ é verdade...muitas pessoas fazem isso, mas eu
não sei se essas pessoas podem ser chamadas de professores, afinal o que
aprenderíamos com esse exemplo? aprenderíamos a não sermos justos, a não
sermos honestos nem conosco?, e continuamos: afinal, as outras pessoas
poderiam até não saber que estávamos sendo desonestos mas, nós
saberíamos...”. Aproveitando a questão levantada, continuamos: ”e se fosse ao
contrário? Se nós perdêssemos uma competição, sabendo que a outra equipe
trapaceou? Será que acharíamos justo?”, uma aluna, então, respondeu: ”claro
que não...a gente ia sentir que foi roubado...”, perguntamos então, “ afinal, o
que vocês acham? seria justo ganhar de forma desonesta? ...”
Observamos, nesse diálogo, uma idéia que nos remete à tão famosa “lei
de Gerson”, na qual o importante é levar vantagem em tudo. Para a maioria dos
alunos, seria normal e até justificável utilizar-se de meios ilícitos como o doping,
e falsidade ideológica, para alcançar a vitória. Infelizmente, temos que admitir,
que essa é uma prática bastante presente na realidade esportiva. Recentemente
assistimos o Comitê Olímpico Internacional (COI), premiar o cavaleiro Rodrigo
Pessoa com a medalha de ouro após constatar que, o primeiro colocado na
prova, havia dopado o seu cavalo, nas Olimpíadas. Segundo Caminha
(2003,p.58),
a competição define o esporte porque aquele que o pratica tem como
ideal vencer um outro competidor ou superar seus próprios limites. O
lema aqui é vencer. Mas, não podemos pensar que a vitória deva ser
alcançada a qualquer custo. É neste cenário que pensamos que uma
ética do esporte pode ser pensada a partir de seu espírito agonístico.
Isto que dizer que todas asa nossas ações que se opõem a um outro
competidor ou ainda que se opõem ao nosso próprio corpo como forma
de superar limites devem ser restringidas por uma ética da
competição.(...) Assim, para que haja uma conduta ética no esporte é
preciso que exista uma prática consciente, cujo agente desta prática seja
capaz de julgar o valor moral de seus atos. A conduta daqueles que
estão direta ou indiretamente ligados ao esporte deve ser pautada no
compromisso de agir em conformidade com valores morais.
Aproveitando a questão do doping, abordamos o uso de anabolizantes,
não só por atletas mas, também por inúmeros jovens que, na busca do “corpo
perfeito”, fazem uso de substâncias maléficas à saúde, sob o pretexto de
alcançar resultados a curto prazo. Alertamos para o perigo desta prática
exemplificando casos de jovens que morreram ao utilizar anabolizantes de uso
veterinário, e, recentemente, o caso de um jovem, divulgado na imprensa, que
morreu ao injetar óleo mineral no próprio corpo.
Encerramos então, uma de nossas aulas, com a expectativa de ter
plantado uma semente de reflexão sobre o certo e o errado, o justo e o injusto,
não apenas em termos esportivos, mas, na relação com o outro e consigo
mesmo e, sobretudo, sobre o perigo do uso de substâncias anabolizantes.
Ainda explorando o conteúdo “corrida”, nos dispomos a proporcionar
experiências que possibilitassem diversas formas de vivenciar o movimento nas
corridas de velocidade. Realizar um movimento corporal é expor sua própria
existência, sua história, sua cultura. É expressar-se enquanto ser, com seus
medos, desejos, expectativas e emoções. Contextualizando essa discussão,
remetemo-nos a Nóbrega (2000, p. 60):
Realizar um movimento é realizar os projetos de nossa existência, é
saber-se enquanto ser de potencialidades originais. O hábito motor não
pode ser compreendido apenas pela sua biomecânica, porque o
equipamento biomecânico humano é também simbólico, é produtor e
produto de cultura. [...] Todo o meu ser de relação se envolve nestes
hábitos motores e através deles eu apreendo o mundo, vou
reorganizando o meu esquema corporal, configurando a minha
corporeidade.
Nesse contexto, o movimento é entendido como uma expressão do corpo
que somos e não do corpo que temos. Um corpo que produz e é produzido nas
relações estabelecidas com o mundo de possibilidades que nos rodeia.
Visando vivenciar as diferentes relações do corpo com o meio ambiente,
possíveis de serem exploradas na realização de atividades de corrida,
propusemos que cada aluno experimentasse desenvolver a sua velocidade
máxima em diferentes trajetos, tais como: na subida, na descida, percorrendo
distâncias curtas (50m), distâncias um pouco mais longas (200m), na areia fofa,
na calçada da praça, no
asfalto, sozinhos, em
duplas, trios, etc., como
nos mostra a imagem
13, onde um aluno
desenvolve sua veloci-
dade máxima na cal-
çada da praça (uma
superfície plana).
Ima
g
em 13 – Velocidade máxima – Araú
j
o, A.. C.
Na imagem 14, temos o momento em que duas alunas experimentam
desenvolver a velocidade máxima em duplas. Aqui, o importante era alcançar a
velocidade máxima,
possível para as duas
chegarem ao mesmo
tempo, situação que
envolve a relação de coo-
peração com o outro, pois
de nada adiantaria chegar
Ima
g
em 14 – Velocidade e cooperação – Araú
j
o, A. C..
primeiro, o importante era a adaptação da velocidade da aluna mais rápida à
velo-cidade desenvolvida pela parceira, para chegarem ao mesmo tempo.
A partir dessas experiências, o grupo deveria discutir em quais trajetos
era mais fácil executar a tarefa, em quais era mais difícil, se era possível manter
a máxima velocidade num trajeto maior e o porquê dessas diferenças. Após a
experimentação dos diferentes trechos, iniciou-se uma conversa: “quando a
distância é maior não conseguimos manter a velocidade máxima”; ”na subida
é mais difícil atingir a velocidade máxima, fazemos mais força e mesmo assim
não conseguimos ser mais rápidos”; “na descida dá um pouco de medo,
parece que não vamos conseguir parar”. Indagados sobre o motivo dessas
diferenças, uma aluna respondeu: “acho que tem a ver com a gravidade”, como
assim?, o que o grupo todo acha a respeito disso? “na subida, vamos contra a
força da gravidade, fica mais difícil”, “na descida ela nos empurra para
baixo”.
Para nós o que ficou de mais evidente nesse diálogo, é a presença do
corpo como fator determinante para a aprendizagem. Os alunos aprenderam,
nessas situações, questões pertinentes à relação espaço-temporal, descobriram
corporalmente que não é possível mantermos nossa velocidade máxima por um
tempo maior, tampouco é possível percorrermos uma longa distância numa
velocidade alta e, é o corpo quem nos permite essas aprendizagens, é o corpo
com suas limitações e possibilidades que nos mostra que não é possível. É o
corpo que sente e aprende que, nas provas de atletismo, por exemplo, só é
possível explorar a velocidade máxima em provas curtas e, nas provas mais
longas, como exemplo as provas de fundo e as maratonas, o mais importante é
a qualidade denominada de resistência.
Focalizando essa questão, recorremos aos trabalhos de pesquisa, para
abordar o tema. Encontramos, no trecho a seguir, a seguinte informação:
Ima
g
em – 15 – Recorte da Pesquisa
Com relação à diferença do tipo de solo, lançamos a seguinte pergunta:
“por que as provas de velocidade, no atletismo, não são realizadas na areia
fofa?”, um dos alunos respondeu: “na areia fofa os pés ficam presos”; um
outro completou: “na calçada, podemos dar mais impulso e por isso corremos
mais rápido”, “e também cansamos menos na calçada do que na areia fofa”.
Isso permitiu a reflexão sobre a experiência vivenciada corporalmente e
possibilitou, além da consolidação de conceitos intelectuais, a percepção da
relação do nosso corpo com diferentes situações existentes no mundo exterior.
Sobre a percepção, intimamente ligada à experiência corporal, Gonçalves nos
esclarece(1994,p. 146):
A experiência corporal e do movimento inclui a percepção, anterior a
qualquer formação de conceitos, das possibilidades e dos limites do
corpo físico – “conhecimento” esse fundado em experiências anteriores
e nas características da situação presente – e, ao mesmo tempo, a
percepção do mundo circundante, em sua relação com ele. A
experiência corporal está no cerne da transformação do “corpo-
próprio” no decorrer de nossa transformação de vida e na realização de
cada movimento. Toda transformação traz em si uma modificação na
forma de perceber a si próprio e aos objetos.
Destacamos a colocação de uma das alunas quando afirmou: “na descida
dá um pouco de medo, parece que não vamos conseguir parar”. Com relação
às sensações advindas das vivências nas aulas (medo, dificuldade/ facilidade
para vencer os tipos de solo ou as inclinações do terreno, alegria na realização
das atividades, etc), isso só nos fortalece a idéia de que o componente corporal
está fortemente relacionado às questões da aprendizagem. Que o corpo que
somos nos permite novas construções de conhecimento a partir da vivência e da
experiência. Gonçalves, ao abordar a questão da sensibilidade, afirma que
(1994, p.152),
a relação de unidade do homem com o mundo é uma relação viva e
funda-se na sensibilidade. O sentir é anterior ao pensamento, pois,
como dizia Merleau-Ponty: “Todo o saber se instala nos horizontes
abertos pela percepção”. Na experiência corporal, sensação, percepção
e ação formam uma unidade indissociável. O corpo sente, ao mesmo
tempo que estrutura a percepção e se move. Os sentidos se
intercomunicam, formando uma síntese perceptiva, que é uma
experiência pré-objetiva e pré-consciente. O pensar assenta-se sobre
essa experiência, em que o homem se abre para o mundo.
No decorrer da aula, um dos alunos propôs que fizéssemos uma corrida,
entre os meninos, para ver quem chegava na frente: “professora, por que a
gente não experimenta fazer uma corrida só entre os meninos, para ver quem
chega primeiro?” Nessa situação específica, podemos evidenciar duas questões:
primeiro, a questão do sobrepujar, já discutida anteriormente (onde o
importante é vencer o outro), que se mostra arraigada na forma como o esporte
é tratado, na maioria das vezes, nas aulas de Educação Física; e, segundo uma
questão de gênero, na qual, fica evidente a idéia dos alunos, de supremacia do
masculino sobre o feminino. Acatamos a idéia, já que nos propusemos a realizar
atividades que fossem do interesse dos alunos, porém, deixamos os alunos à
vontade para decidirem, se queriam ou não, participar dessa atividade. A
maioria da turma se interessou em participar, meninos correndo com meninos
e, meninas correndo com meninas.
Com relação ao gênero, Sousa nos esclarece que, a palavra gênero, presente
em algumas línguas indo-européias é utilizada para designar indivíduos de sexos
diferentes ou, ainda, coisas sexuadas; entretanto, tomou outros foros e, enquanto
categoria analítica da histórica, tem o sexo como tema e analisa a construção social que
uma dada cultura estabelece ou elege em relação a homens e mulheres (1997, p. 27). A
autora, coloca o gênero como primeiro campo onde as relações de poder são
articuladas. A relação de poder, de hierarquia de gêneros, fundamenta-se na diferença
entre o masculino e o feminino, construídos historicamente. Como a idéia de gênero está
fundada na diferença entre os sexos, ela aponta para o caráter implicitamente relacional
do feminino e do masculino
(Sousa,1997,p.27). Para a
autora, o gênero
configura-se como uma
categoria relacional na
medida em que leva em
conta o outro sexo, ou seja,
se constitui culturalmente
em relação
ao outro.
Nas imagens 16 e 17, temos o momento em que os alunos disputam uma
corrida de velocida-de. Para fugir do padrão de execução das corridas do
atletismo, que são rea-lizadas em terrenos pla-nos, resolvemos realizá-la na
subida da rua ao lado da praça onde realizamos nossas atividades,
reelaborando assim, a execução do movimento ao introduzir a necessidade de
utilizar mais força para percorrer o trajeto.
Até este
momento, essa
atividade estava sendo
realizada com di-
ferenciação de sexos,
ou seja, alunos do sexo
masculino corriam
separadamente do
sexo feminino, como
nos mostram as imagen
Ima
g
em 17 – Corrida feminina – Araú
j
o, A. C.
s.
mascu
Dada essa situação,
questionamos por que não
realizar essa corrida entre os
dois sexos, ao mesmo tempo.
Na reação dos meninos, ficou
óbvio que consideravam que
venceriam fácil, o que nos
reforça a idéia corrente de
supremacia do sexo
lino.
Perguntamos então, se alguma menina gostaria de correr com um
menino para ver quem chegava primeiro. Uma das alunas concordou e, como
vemos
nhecimentos,
postura
ressões de
toda ordem, até mesmo em atitudes aparentemente democráticas (1997,p.33).
, na imagem 18 , correndo com um menino da mesma idade ela venceu.
Souza (1997), nos chama a atenção que existe, no gênero, um componente
biológico e, que os sujeitos, ao nascerem, sofrem a influência de determinantes
sociais, psicológicos e culturais que podem conduzi-los a constituírem-se em
oposição ou consonância com as características biológicas. Existe, assim, uma
imbricação entre o social e o biológico, um jeito de ser masculino e outro de ser feminino,
com atitudes e movimentos corporais próprios, socialmente entendidos como naturais
em cada sexo (1997,p.28-29). Assim, existem movimentos e posturas corporais
distintos, aceitos como naturais e até adequados e inadequados para cada sexo,
e implica, segundo a autora, o ensino/aprendizagem de valores, co
Ima
g
em 18 – Vitória feminina – Araú
j
o, A.. C.
s e movimentos corporais, “apropriados” a cada sexo (1997, p.30).
Com relação à Educação Física, a autora argumenta que para justificar o
sexismo, esta, em geral, fundamenta seu projeto de separação dos sexos no sentido do
corpo como algo biológico e, ao mesmo tempo, na construção do corpo feminino mais
fraco por “natureza” que o masculino, reforçando o poder dos homens sobre as
mulheres. E assim, subjetiva e objetivamente, revelam-se discriminações e op
Na imagem 19, temos o momento de continuação da corrida de
velocidade em que alunos de ambos os se-xos participaram ao mesmo tempo.
Esse momento foi impor-tante porque possibilitou um diálogo a respeito do
gênero, no momento em que ficou evidente que, não necessariamente, os alunos
do sexo masculino iriam mostrar-se mais velozes que as do sexo feminino. Em
alguns momentos foram os alunos que venceram as corridas, em outros, foram
as alunas.
Como atividade desencadeadora para o trabalho com o ritmo,
propusemos a corrida. Para Artaxo, a palavra ritmo, do grego Rhytmos, designa
aquilo que flui, que se move, movimento regulado (2000, p.7). Assim, tudo que se
move, obedece a um determinado ritmo. Os elementos da natureza como os
ciclos do sol e da lua, o ritmo das marés; os processos orgânicos como
respiração e freqüência cardíaca, entre outros. Seja qual for o ritmo em questão,
rápido ou lento, nele está implícito o fator tempo que é utilizado entre o início e
o fim do evento
realizado. Assim,
existe um tempo
decorrido entre o
Ima
g
em 19 – Vitória masculina – Araú
j
o, A. C.
subir e descer das marés, entre o nascer e o pôr-do-sol, entre o nascer e o pôr-
da-lua , entre um batimento e outro do coração, entre o início e o término de
tivo a ser alcançado era percorrer o trajeto deter-minado em 12
uma corrida, etc.
Os alunos ex-perimentaram correr variando a velocidade de execução
livremen-te (imagem 20), com o objetivo de determi-narmos o tempo ne-
cessário para a reali-zação da nossa tarefa, que era cumprir um trajeto de 60
metros. Após essa fase de experimentação, chegamos à definição do tempo (12
segundos), para a realização da atividade. Esse valor foi estipulado após
constatarmos que todos teriam condições de cumpri-lo. Explicamos aos alunos
que aquela seria uma corrida em busca de um determinado ritmo, e que, para
isso, o obje
új
o, A. C.
segundos.
Na primeira tentativa,
evidenciou-se a competição e o
desejo de vencer e, todos os
alunos, fizeram o percurso bem
abaixo do tempo estipulado.
Reunimos o grupo e indagamos
por que ninguém cumprira a
tarefa. A resposta não nos deixa
dúvidas: “Ninguém queria
perder”. O que certamente nos
remete à questão da sobrepujança
e da vitória tão evidenciadas no trato com o esporte na escola, daí esta
necessidade de se buscar novas formas de trabalhar o esporte nas aulas de
Educação Física, evidenciando seu aspecto educacional, a participação ativa e a
cooperação entre os alunos como forma de criar possibilidades para um
aos alunos (que descobrissem seu próprio ritmo para cumprir o
a velocidade .
entendimento crítico da reali-dade por eles vivida.
Na imagem 21, temos o momento em que, na realização da tarefa,
evidencia-se a importância da vitória sobre o outro, em detrimento do que foi
solicitado
trajeto).
Novament
e enfatizamos
que, o que estava
em jogo não era a
vitória, mas,
percorrer os 60m
em 12 segundos e
cada um deveria achar o ritmo certo para a realização da tarefa. Foi então que
um aluno perguntou: “quer dizer que correr num ritmo, é correr devagar?”,
passamos a pergunta à turma: “o que vocês acham, para vocês, o que é ritmo?”
Uma aluna respondeu: “ não sei explicar o que é ritmo, mas eu acho que o
ritmo pode ser devagar e rápido”, novamente questionei os alunos: “e a turma,
o que acha?”, a maioria concordou que podemos variar
Ima
g
em 21 – Correndo para vencer – Araú
j
o, A. C
Passamos para a experimentação de vários ritmos para, através dessa vivên-cia,
alcançar o obje-tivo proposto. Os alunos passaram a denominar a tarefa de
corrida tartaruga pois, apesar de todos terem condições de realizá-la num
tempo menor, para alcançar o objetivo proposto teriam que correr num ritmo
mais lento.
Trabalhar o ritmo é trabalhar a capacidade de variar a velocidade, a
fluência, a freqüência do movimento. Podemos nas aulas de Educação Física,
desenvolver atividades que possibilitem a aprendizagem de movimentos em
ritmos variados como também a noção de que os movimentos ritmados estão
em toda parte, em tudo que nos cerca e possui movimento. Na verdade, o ritmo
está profundamente presente em nossa vida, apesar de raramente nós o
percebermos. Segundo Berge, a educação rítmica não se deveria limitar a um estudo
da “gramática musical”, mas sim ser uma descoberta do domínio espaço-temporal e, por
conseguinte, uma reorganização do ritmo cotidiano da vida (1986,p.78).
Quando falamos em ritmo, geralmente este vem associado à imagem da
música e da dança como se o ritmo só existisse nessas atividades. Evidenciando
esse pensamento, Kunz, nos esclarece que (...) o ritmo e, em especial, os movimentos
ritmados não são, mas tornaram-se quase que exclusivamente um fenômeno para a
audição apenas, ou seja um fenômeno acústico (2003,p.21). Por isso temos tanta
dificuldade em reconhecer o ritmo dos movimentos que não estejam
acompanhados de musicalidade, como por exemplo, os movimentos esportivos
e os movimentos do cotidiano.
Os ritmos podem ser regulares e irregulares. Nas primeiras tentativas de
atingir o objetivo proposto, (percorrer 60 metros em 12 segundos), observamos
que os alunos oscilavam a velocidade que empregavam na execução da tarefa,
imprimindo um ritmo irregular na execução do trajeto e, apesar de alguns
alunos aproximarem-se do objetivo proposto, a maioria não conseguia o
mesmo. Podemos compreender esta questão, remetendo-nos ao pensamento de
Schafer (1991), que em seus estudos, atribui isto à diferença entre o tempo real e
o tempo virtual. O autor, ao explicar aos seus alunos a dificuldade em
reproduzir o tempo real de um determinado som, afirma: nós diminuímos mais
da metade da duração do som original. No ardor da nossa execução, imaginamos que
estávamos duplicando a duração do som original, mas vocês viram o quanto fomos
imprecisos. Essa é a diferença entre o tempo real, ou o tempo medido no relógio, e o
tempo virtual, ou seja, o tempo como o percebemos (1991, p.111).
A cada tentativa realizada e após o conhecimento do tempo alcançado e
discussão em grupo, esse ritmo passou a ser mais regular. O que reforça a idéia
de que as discussões e reelaborações foram importantes para o sucesso na
realização da tarefa. Para Trebels apud Kunz, existe um duplo momento na
gênese de um movimento ritmado, ou seja (2003, p.29-30):
1) os executantes, em seu se-movimentar, precisam se corresponder
com as condições estruturais objetivas, ou seja, com os dados objetivos
da situação em que se realizam movimentos. Os ajustes desta
correspondência eles precisam encontrar com a experiência, no trato
com os problemas e tarefas da realização dos movimentos.
2) o âmbito do espaço e tempo, para as experiências com os problemas
de movimento apresentados (...), é preciso encontrar o seu próprio
ritmo, bem como os acentos, as ênfases, que se pretende dar a estes
ritmos.
Após algumas tentativas alguns alunos conseguiram realizar a tarefa
proposta (percorrer 60m em 12 segundos), e a maioria, apesar de se aproximar
bastante do tempo solicitado, só conseguiu a realização da tarefa, quando foi
sugerido que se informasse, repetidas vezes, o tempo que estava sendo gasto
durante a sua execução, o que nos remete à correspondência com as condições
estruturais objetivas (Trebels apud Kunz) e os ajustes desta correspondência, a
partir da experiência. Fato que configura uma aprendizagem consolidada a
partir da elaboração mental e experiência corporal de maneira equilibrada
onde, não há a separação destes elementos e sim uma atuação unificada.
Destacamos aqui, o papel das experiências e vivências corporais no
processo de aprendizagem do ritmo. Enfatizamos a importância dos desacertos
para a aprendizagem e, podemos fazer aqui uma alusão ao papel das
experiências, pois só quem experimenta corre o risco de cometer um desacerto
e, a partir deste, pode retomar, refazer reconstruir e aprender. Ficou evidente na
nossa prática que a experiência corporal, a ação e a discussão em grupo, foi
imprescindível para a aprendizagem de questões relacionadas ao ritmo do
próprio corpo. As discussões e a vivência das situações diferenciadas, sobre
ritmo, também foram importantes para a aprendizagem de conceitos.
Indagados sobre o que aprenderam com relação ao ritmo, responderam: “tudo
que se mexe, tem ritmo; o dia, a noite, as ondas...”; “o ritmo pode ser lento ou
rápido, pode ter diferentes velocidades”; “na corrida, o ritmo depende do
tempo que a gente corre”; “se a gente corre num ritmo mais rápido, o tempo é
menor, se corre mais lento, o tempo é maior”; “é muito difícil encontrar um
ritmo certo...quando a gente tava correndo para alcançar os 12 segundos,
tivemos que correr várias vezes para conseguir”.
Esses discursos permitem-nos afirmar que houve aprendizagem sobre
várias questões relacionadas ao ritmo, como por exemplo, a associação entre
ritmo e movimento ; a constatação que relação espaço-tempo está intimamente
ligada ao ritmo (Kunz, 2003); que existe uma diferença entre o tempo real (o do
relógio) e o tempo como nós o percebemos (Schafer, 1991).
Como atividade final para o trabalho com corridas, iniciamos, na aula
seguinte, a corrida com obstáculos, na qual, cada grupo deveria elaborar um
roteiro aproveitando os implementos (parque, árvores, canteiros, bancos, etc.)
presentes na área escolhida para as aulas, a praça do conjunto Potengi. O roteiro
deveria ser montado de tal forma que todos os alunos tivessem condições de
executá-lo. Para tanto, partimos para o reconhecimento da área e
experimentação, em grupo, dos obstáculos a serem utilizados.
Alguns alunos tiveram dificuldades nos obstáculos mais difíceis, pelo
fato de nunca terem experimentado, por exemplo, subir num escorrego pelo
lado contrário e, por isso mesmo ficaram inseguros na realização da tarefa. Com
a ajuda e incentivo de outros colegas, experimentaram a “façanha” e
conseguiram superar a
insegurança. Isso
possibili-tou a descoberta
das possibilidades de
ação do próprio corpo e a
superação de limites de
ação corporal, através da
cooperação no momento
da realização dos trechos mais difíceis, em forma de auxílio para aqueles que
não conseguissem executar, sozinhos, a tarefa proposta. Acreditamos que
valores como a cooperação e a solidariedade devem ser estimulados nas aulas,
assim como, a participação efetiva e a noção de respeito e justiça como forma
de estimular a
formação de
cidadãos éticos e
socialmente res-
ponsáveis.
Apresentados
os roteiros elabora-
Ima
g
em 23 – Descobrindo possibilidades – Araú
j
o, A. C.
dos por cada grupo (imagem
24), partiu-se para as
experimentações e a escolha do
roteiro que seria utilizado por
toda turma na tarefa final.
Nesta fase, os alunos propu-
seram que escolhêssemos al-
guns dos elementos apresenta-
dos por cada um dos grupos e juntássemos esses
Ima
g
em 25 – Apresentando o roteiro II – Araú
j
o, A. C.
elementos num roteiro final.
Feitas essas adequações, e após cada aluno experimentar o trajeto como
um todo, com ou sem auxílio, partimos para a tarefa de executar o roteiro em 3
minutos, ficando cada
componente do grupo
responsável por cumprir
uma etapa do mesmo. A
cada execução do trajeto era
informado o tempo gasto e
os grupos dis-cutiam a
melhor solução para alcançar
o tempo pro-posto; em que etapa do roteiro era mais difícil a execução e, por
isso, pre-cisaria de mais tempo para cumpri-lo; em que etapa o ritmo deveria
ser mais rápido. Ou seja, abria-se espaço para a discussão de estratégias para a
realização da tarefa. Na imagem 26, temos o momento em que os alunos estão
Ima
g
em 26 – Executando o roteiro final – Araú
j
o, A. C.
na fase de execução dos roteiros elaborados por cada grupo. Os elementos dos
roteiros aqui retratados foram utilizados na elaboração do roteiro final. A
atividade proposta proporcionou aos alunos conhecer as possibilidades de ação
do próprio corpo, bem como a participação efetiva na elaboração da tarefa,
além de estimular as situações de cooperação entre os alunos, diálogo e respeito
às diferenças.
Ao explorar a corrida de diferentes maneiras: corrida de revezamento,
velocidade máxima, corrida tartaruga e corrida com obstáculos, além de
possibilitar o conhecimento da prova normatizada do atletismo, pudemos
vivenciar as diferentes situações implícitas no correr, tais como: experimentação
de vários ritmos, exploração do ambiente, superação de inseguranças,
conhecimento das possibilidades de ação do próprio corpo, as sensações
corporais advindas dessas situações.
Na imagem 27, temos o momento em que os alunos exploravam os
implementos da praça. Enquanto alguns passavam pelos obstáculos com mais
dificuldade, sem arriscar muito,
outros, experimentavam outras
possibilidades e “brincavam”
mais durante a realização da
tarefa. Experimentando as
sensações advindas dessa
experiência, bem como tentando
superar seus medos e
Imagem 27 - Experimentando possibilidades –
Araújo, A. C.
dificuldades e, ainda, conhecendo novas possibilidades de interagir corporal-
mente com o seu entorno.
Tais percepções e processos, remetem-nos ao processo de
desenvolvimento da consciência corporal, que segundo Melo, concebida nas
reflexões filosóficas sobre a organização da noção de corpo, a expressão consciência
corporal remete-nos à idéia de refletirmos sobre nossa existência corpórea no mundo e às
relações entre ambos estabelecidas, tendo-se nos trabalhos de Merleau-Ponty uma das
mais relevantes contribuições para esse intento (2005, p.175).
Assim, a experiência corporal configura-se como componente impres-
cindível para a elaboração da relação sujeito/mundo e para o desenvolvimento
da consciência corporal. Para Melo, (...) Consciência corporal, no entanto, teve sua
maior evidência na Educação Física no momento em que incorporou as práticas
corporais alternativas, como a Antiginástica (Therèse de Bertherat), a Eutonia (Gerda
Alexander), Consciência pelo Movimento (Moshe Feldenkrais), entre outras,
principalmente na década de 80 do século XX (2005,p.175). Estruturou-se a partir
destas práticas, um conceito de consciência corporal vinculado às questões
sensitivas. Para o autor, (...) o pressuposto de consciência corporal vinculado
unicamente ao viés sensitivo torna-se limitado quando almejamos um entendimento
mais crítico e amplo da sociedade e seus valores, dos falsos conceitos e preconceitos que
nos nossos corpos ela impregna (2005,p.175).
É preciso considerar que nos nossos corpos estão registrados e tatuados
símbolos de uma sociedade que ditam o nosso modo de viver, o que vestir,
como nos comportar, enfim, ditam nosso modo de ser e de agir em
conformidade com seus
princípios. Indagados sobre
como sentiram o próprio corpo
nas diferentes situações de
corrida, experimentadas
durante as aulas: a corrida com
obstáculos (imagem 28), a
corrida tartaruga (imagem 29) e a velocidade máxima (imagem 30), os alunos
puderam refletir sobre as sensações corporais nas diferentes atividades desen-
volvidas. Eis alguns comen-tários: “na corrida tartaruga nós cansamos menos
“na corrida de velocidade máxima e na corrida com obstáculos, o ritmo das
batidas do coração ficou mais acelerado”; “também ficamos mais ofegantes na
velocidade máxima”. Isso demonstra uma aprendizagem dos conteúdos sobre
o conhecimento do corpo, citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais, tais
como, identificação das capacidades
físicas básicas; identificação das
Ima
g
em 29–Corrida Tartaru
g
a –Araú
j
o,A C
Ima
g
em 28 – Corrida com obstáculos – Araú
j
o, A. C.
funções orgânicas relacionadas com a atividade motora (contração muscular:
tensão e relaxamento); circulação cardiovascular: freqüência cardíaca; captação
de oxigênio: (freqüência respiratória); utilização de algumas relações
(freqüência cardíaca e respiratória) como indicadores da intensidade e do
esforço (Brasil, 1998). Mas, conhecimento do corpo não diz respeito apenas aos
conceitos fisiológicos, à percepção do próprio corpo, das sensações, das
possibilidades/impossibilidades de ação. Para Melo (2005,p.176):
Uma verdadeira consciência corporal deve refletir, em primeira
instância, a aceitação e consolidação do corpo que somos. Isso as aulas
de Educação Física nas escolas poderiam instigar, construindo uma
consciência corporal calcada, também, na reflexão crítica das imagens
que a sociedade tatua no nosso corpo. Essa é uma tentativa para que os
sujeitos passem a analisar de forma crítica as conseqüências do poder
que se exerce sobre seu corpo e tomem posse das suas ações para
desmistificar as ideologias que nele se impregnam.
Como tarefa para a aula seguinte, pedimos aos alunos que trouxessem de
casa objetos que pudessem ser utilizados nas atividades de lançamento. Foram
trazidas bolas de frescobol, pequenos pedaços de ferro de forma meio
arredondada, laranjas, pedaços de tábua bem finos e até CD’s, de áudio, velhos.
Aproveitando a idéia retirada da pesquisa realizada pelos alunos com
relação aos lançamentos e arremessos (imagem 31), pedimos também que
procurassem, na praça, pedras de diferentes pesos e tamanhos.
Ima
g
em 30 – Velocidade máxima II– Araú
j
o, A. C.
Após esse momento
inicial, no qual, cada um
dos alunos experimentou
várias formas de arremessar
os objetos dos quais
dispúnhamos,
apresentamos aos alunos o lançamento de pelota da maneira como este se
apresenta dentro do atletismo, definimos então, a tarefa a ser realizada pelos
grupos: somar nos “lançamentos de pedra”, a distância de 100m.
A imagem 32 retrata o momento em que uma das alunas executa o
lançamento de pedra. Nesse momento, por falta de espaço adequado para
os lançamentos, na praça que utilizamos para as aulas, optamos por realizar as
atividades num campo de areia existente nas proximidades da escola.
Um aluno de cada grupo foi indicado para compor a “comissão”
responsável pela condução da tarefa que passamos a chamar de mini-
competição de lançamentos. Visando contemplar o conteúdo referente à
compreensão, discussão e construção de regras aplicadas aos jogos e esportes (vivência
Ima
g
em 31 – Trecho da pesquisa
Ima
g
em 32 - Lançamento de pedra – Araú
j
o, A. C.
de situações de
aprendizagem
para utilização e
adaptação das
regras ao nível da
capacidade do
grupo, do espaço e
dos materiais
disponíveis)
(Brasil, 1998,p.96), os alunos assumiram a responsabilidade de direcionar as
atividades de lançamento, em forma de uma mini-competição, desempenhando
diversos papéis na realização da atividade: como organizadores, como
executantes e como árbitros (adequando regras, organizando os lançamentos
por aluno e por grupo, verificando a vali-dade do lançamen-to, medindo, ano-
tando e, somando os resultados).
,
A. C.
A cada lançamento executado, elaborando e reelaborando estratégias
para alcançar a distância determinada, buscando soluções para os lançamentos
muito altos e pouco extenso, muito fortes ou muito fracos, os alunos foram se
aproximando do objetivo proposto na tarefa. Uma das equipes se aproximou
bastante e conseguiu alcançar a marca de 99,82m, outra passou um pouco da
medida desejada alcançando 101,50m.
Destacamos aqui a aprendizagem do gesto técnico do lançamento de
pelota como este se apresenta nos padrões do atletismo, a partir da
experimentação de diversos padrões de lançamento. Configurando uma
aprendizagem a partir dos conhecimentos e experiências anteriores.
Na ativida-
de seguinte, deno-
minada pelos alu-
nos de “tábua ao
alvo”, adaptação
do gesto técnico
do lançamento de
disco, foram desenhados círculos concêntricos, no chão, e atribuídos valores de
10 a 50 pontos para cada um desses círculos. A tarefa consistiu em cada grupo
alcançar a marca de 100 pontos, na soma de seus lançamentos. Há que se
considerar aqui que o movimento não pode ser entendido co-mo mero desloca-
mento de partes de um corpo, des-nudo de sentidos ou significados. Pois, ao
possibi-litar essa “releitura” do lançamento de disco (Imagem 34),
proporcionamos o surgimento de outros significados para esta atividade.
Ima
g
em 34 – Tábua ao alvo – Araú
j
o, A. C.
Acreditando na Educação Física Escolar como excelente espaço de desen-
volvimento dos valores ético-morais, pautamos nossas atividades visando
fomentar atitudes de cooperação, solidariedade, diálogo e justiça, abrindo
espaço em nossas aulas para a aprendizagem desses valores através de sua
vivência, considerando que toda aprendizagem tem uma inscrição corporal
(Assmann,1996,1998) e como tal, precisa ser vivenciada, experimentada para,
então, consolidar-se.
Partindo desses pressupostos, propusemos, na aula seguinte, atividades
que buscassem outras formas de explorar o Salto em Distância, um dos
elementos do atletismo, contemplados para serem vivenciados em nossas aulas.
Questionamos se algum aluno já tinha executado o salto em distância. Alguns
responderam que não: “eu nunca fiz um salto em distância”; “eu também
não”, foram algumas das respostas. Perguntamos, então, “alguém já saltou
uma poça de água, num dia de chuva, para não se molhar?”ao que todos
responderam: “sim, eu já” , “claro que já, professora” , continuamos então: “e
quanto às brincadeiras de saltar mais longe que o outro, alguém já brincou? A
resposta foi unânime: “sim, eu já”; então completamos: “então todos vocês já
realizaram um salto em distância”.
Explicamos que o salto em distância nada mais é que um salto que se
realiza com o objetivo de atingir uma certa distância e, que, nas nossas aulas
íamos explorar os diversos padrões de saltar, sem nos preocuparmos, no início,
em executar o salto em distância como ele se apresenta nos padrões formais do
atletismo.
A partir da pesquisa realizada pelos alunos, buscamos mostrar que o
salto faz parte do nosso dia-a-dia e que, nas próprias brincadeiras de infância
nós já exploramos esse tipo de movimento. O trecho a seguir, retirado do
trabalho de pesquisa feito por eles mesmos, evidencia essa questão:
Propusemos
que cada aluno realizasse “saltos em distância” de maneira criativa, formando
desenhos no ar (estrela, grupado, estendido, entre outros), sozinho, em duplas,
tocando os pés com as mãos durante a fase de vôo, batendo palmas ao alto, etc.,
sem levar em consideração a distância alcançada em cada salto. Partindo de
uma elevação de canteiro existente na praça, os alunos procuraram criar muitas
formas de saltar e experimentavam os diferentes movimentos apresentados por
cada colega.
Na imagem ao lado, uma das alunas ex-perimenta sua forma de saltar.
Dependendo da complexidade do movi-mento apresentado, e das experiências
anteriores de cada aluno, cada salto se mostrava um desafio a ser realizado.
Para Demo, a complexidade das coisas desafia-nos a refazer permanentemente
os padrões que imaginamos ver nela, ao mesmo tempo que nos mostra algo no fundo
completamente indevassável, significando um desafio de abertura ilimitada para a
criatividade (2000,p. 53).
Apesar do grande envolvimento na realização da tarefa, por parte da
maioria da turma, pudemos constatar que alguns alunos não queriam se expor
A
. C.
Ima
g
em 35 – Tr
e
corporalmente criando
movimentos e, dessa forma,
limitavam-se a transpor uma
pequena distância com uma grande
passada. Talvez por inibição, ou
quem sabe pelo receio de não rea-
lizar bem um determinado movi-
mento, ou até mesmo, de se ma-
chucar por nunca terem experimentado o corpo em tais movimentos.
Ficou evidente também, a vergonha de expor o corpo, quando algumas
meninas optam por usar uma saia de malha por cima do short. Poderíamos
recorrer aos autores para falar sobre os medos , as inibições, as limitações
corporais e a grande dificuldade que todos nós temos de nos expor cor-
poralmente, mas, preferimos aqui, recorrer às lembranças da infância e da
adolescência. Lembranças essas, que evidenciam uma adolescente muito tímida,
muito magra e, apesar da grande vontade de fazer parte de um grupo, de
sempre estar participando das atividades da escola, escondia-se atrás de uma
postura curvada para frente, dos ombros caídos, retratos de um corpo que sente
vergonha de se expor. Um corpo que se desvelava ao preferir se ocultar. Para
Gonçalves (1994, p. 152-153), o sentir,
Ima
g
em 37 – Saltos livres II – Araú
j
o, A. C.
expressa-se de todas as formas em nosso corpo: no ritmo de nossa
respiração, nos nossos passos, na nossa postura, na contração ou
descontração dos nossos músculos, no tônus muscular, na contração da
pupila, na agitação das mãos, no suor etc. O corpo expressa, mesmo
quando quer ocultar. O corpo expressa não somente nossa história
individual, mas também a história acumulada de uma sociedade, que
nele imprimiu seus códigos. A tendência do homem moderno é
reprimir sua expressividade corporal, criando com isso formas
estereotipadas de comportamento
corporal. Liberar o movimento
espontâneo é liberar o nosso EU
autêntico, é deixá-lo ir ao encontro do
mundo, descobrindo sua verdade.
Procuramos, então,
incentivar esses alunos a
experimentarem os movimentos
apresentados por seus colegas.
De forma a possibilitar que, aos
poucos, pudessem superar seus medos, e limitações. Alguns alunos, ao
perceberem a vergonha que outros tinham de realizar os saltos, sugeriram que
fossem realizados saltos em dupla, de mãos dadas ou não. Ressaltamos que, de
início, os saltos de mãos dadas só eram realizados por duplas mistas (um aluno
e uma aluna), ou por uma dupla feminina. Os meninos ao saltarem juntos,
nunca davam as mãos.
Questionamos o motivo daquela separação: “porque quando vão saltar
dois meninos, não saltam de mãos dadas, como as meninas estão fazendo?”,
um aluno respondeu: “ah! Professora, eu é que não ficar de mãos dadas com
homem”, indagamos, então: “ e por que não? você nunca viu quando a seleção
brasileira de futebol entra em campo? Todos estão de mãos dadas...”,
continuamos: “ vocês sabiam que em outros países, os homens andam de
mãos dadas, e isso é uma coisa absolutamente normal? “, o aluno retrucou: “é
professora mas aqui no Brasil não é assim não...”. Essas atitudes são
evidências de uma educação machista e preconceituosa, na qual, predomina a
j
o, A. C.
concepção de que dois homens não podem se tocar. Enfim, alguns alunos
aderiram aos saltos em duplas masculinas, mas a maioria não. Percebemos que
essa questão da sexualidade necessita ser melhor trabalhada em nossas aulas.
Sobre corpo e sexualidade,
Gonçalves, evidencia que o
homem é um ser corpóreo, e falar
em corpo traz em si implícita a
problemática da sexualidade, pois
o corpo é sempre um corpo
sexuado. Assim como o corpo não
pode ser pensado isoladamente,
também a sexualidade está ligada ao ser humano total: afetivo, cognoscente, e atuante, e
à sua existência como um todo (1994,p. 112).
Seguimos sugerindo que voltássemos às livres execuções de saltos. Os
corpos, dessa forma, não se restringiam à execução de movimentos
padronizados. Nesse momento, eram corpos livres para criar e explorar o
espaço.
Eram corpos livres para fugir das padronizações, das meras execuções
motoras de uma ação corporal e buscar novas formas de relacionar-se com as
situações e o ambiente à sua volta.
A imagem 39, mostra o momento em que a aluna executa diferentes
saltos, explorando suas possibilidades de ação em relação ao ambiente. Nessa
fase de exploração de movimentos, evidenciou-se a criatividade como elemento
essencial para a descoberta de possibilidades e limites corporais. Para
Gonçalves, em cada movimento corporal, o novo é criado. O movimento corporal nunca
se repete, pois uma situação nunca é a mesma como também não o é o homem. Ser capaz
de captar o novo em cada situação, isto é, de atribuir novos significados e de agir criando
o novo em si próprio, parece ser a essência da criatividade (1994,p.153). Dessa forma,
estimular a criação de movimentos, é possibilitar uma releitura do movimento
já realizado, dando-lhe novos significados.
Após essa fase de experimentação livre de saltos, recorrendo à pesquisa
realizada pelos alunos, abordamos os diversos tipos de salto que existem na
modalidade atletismo: o salto com vara, o salto em altura, o salto triplo e o salto
em distância. No trecho a seguir, encontramos exemplos retirados da pesquisa
realizada pelos alunos, nos quais são citados os tipos de salto que compõem a
modalidade do atletismo. Esse material serviu como ponto de partida para
determinarmos qual o enfoque que daríamos às discussões relativas a este
componente (o salto) nas nossas aulas.
Ima
g
em 40 – trecho da pesquisa
Enfatizamos que o Brasil já teve grandes nomes no salto triplo, como
João do Pulo, e Adhemar Ferreira da Silva, grandes representantes nesta prova.
Como mostra o trecho a
seguir:
Após o momento
de diálogo em que
evidenciamos os diversos saltos do atletismo, exploramos o salto em distância
como este se apresenta nos padrões esportivos de rendimento (imagem ao lado)
e, os alunos tiveram a oportunidade de vivenciá-lo, com suas regras, e
particularidades, porém com adaptações no que se refere aos locais de
execução.
Nas imagens 42, 43 e 44, alunos executam o salto em distância, levando
em consideração a técnica apre-sentada nos padrões oficiais e normatizados do
atletis-mo. Configurando-se as-sim, uma aprendizagem a partir de uma
Ima
g
em 41 – Tr
e
reconstrução do conhecimento ad-
quirido anteriormente.
Como pretendíamos
proporcionar a vivência do
salto em distância como este
se apresenta nos padrões
esportivos, optamos por além
do saltar, aferir esses saltos.
Mais uma vez, os alunos
assumiram a responsabili-dade de validar, medir e avaliar cada salto executado
(imagem 45). Com a valorização das experiências anteriores e, buscando a
superação dos limites de ação corporal de cada aluno, proporcionamos com
estas atividades não só a aprendizagem do padrão esportivo do salto em
distância, mas, sobretudo, a solidificação dos diversos padrões do saltar
existentes no acervo de movimentos corporais dos alunos.
Imagem 44 - Salto em distância III – Araújo, A. C.
Para Demo (2000), existe uma dinâmica de modificação de padrões no
processo de aprendizagem. Para o autor, as modernas teorias sobre
aprendizagem não consideram que estes padrões sejam completa-mente pa-
dronizados, pois os padrões revelam modos de mudança e não, de resistência.
Segundo o autor (Demo,2000, p.52),
Ima
g
em 45 – Medindo saltos – Araú
j
o, A. C.
aprende melhor quem descobre mais e mais profundos padrões, de tal
modo que possa compor-se mais facilmente e sobretudo mais
criativamente com a dinâmica dos processos. Neste sentido, a
aprendizagem está principalmente na habilidade de estabelecer
conexões; revê-las, refazê-las. A adaptação deixa de ser algo passivo
para tornar-se uma obra de reconstrução permanente, dinâmica entre
sujeitos que se influenciam mutuamente
Considerar o
movimento enquanto
ação do corpo sujeito é
compreender que esse
movimento não está
imbuído somente de
um ato biomecânico
pa-dronizado. Mas,
sobretudo, de
intencionalidades, de significados para o sujeito que o realiza e, principalmente,
do elemento criador como essência.
No decorrer das aulas, surgiu o interesse dos alunos em participar das
competições de atletismo dos Jogos das Escolas Municipais de Natal (JEM’s).
Atendendo à vontade do grupo, realizamos as inscrições nos referidos Jogos.
Participaram dos jogos todos os alunos que desejaram, sem que,
necessariamente, fossem os mais aptos, mais fortes ou mais velozes.
Nosso objetivo, além de atender ao desejo dos alunos, era que eles
pudessem conhecer a realidade de uma competição. A pista oficial, os campos
de provas, a dinâmica de uma competição. Muitos dos alunos nunca tinham
visto uma pista de atletismo.
A. C..
Assim, inscrevemos alunos nas provas de corrida, salto em distância,
arremesso de peso e lançamento de pelota. Os resultados na competição, apesar
de não serem nosso foco principal, foram bastante positivos. No salto em
distância (imagem
anterior), o aluno
conquistou a
medalha de
bronze. Na
categoria
feminina, também,
a medalha de
bronze foi conquistada por uma de nossas alunas. Também na corrida de 75
metros rasos (prova adaptada para a competição), uma de nossas alunas,
conquistou a medalha de ouro e, mais outras duas participara
m da prova.
Na corrida de 100 metros rasos, dos três alunos que participaram, um se
classificou para a final e conquistou o 4º lugar, os outros dois, ficaram em 4º e 5º
lugares na série classificatória.
Na imagem 48, as alunas, aguardam a vez para o arremesso de peso,
tivemos três alunas inscritas nessa prova.
Indagamos aos alunos que partici-
param dessa competição (12 do
sexo feminino e 13 do sexo
masculino), o que tinham achado,
se tinham gos-tado da experiência,
o que tinha sido mais marcante
para eles. A resposta foi unânime,
Imagem 48 – Arremesso de peso –
Araújo, A. C.
Ima
g
em 47 – Saída da prova de 100 metros rasos – Araú
j
o, A. C.
todos gostaram de par-ticipar, independente de terem ganho alguma prova ou
não. Evidenciaram em suas respostas, o fato de terem conhecido uma pista de
atletismo; de como é diferente executar o salto em distância no lugar adequado;
e, também, acharam interessante conhecer alunas e alunos de outras escolas.
Avaliamos a participação na Competição de atletismo como
extremamente positiva, pois independente dos resultados obtidos ficou a
certeza de ter pro-porcionado, aos alunos, a oportunidade de vivenciar um
momento diferenciado da realidade conhecida por eles.
Considerações Finais
A Educação Física Escolar, ao nosso ver, pode proporcionar ao aluno a
aprendizagem de saberes que permitam a compreensão deste mundo cultural-
mente construído que o cerca, de uma maneira crítica e reflexiva, permitindo
não só a aquisição de hábitos motores, mas a possibilidade de exercer sua
criatividade num processo de criação e recriação da cultura de movimento.
Trata-se de pensar num ensino mais aberto e menos diretivo, voltado para a
estimulação não só de habilidades motoras mas, também, para os aspectos
cognitivos, e sociais como possibilidade de formar cidadãos críticos,
participativos e conscientes.
Porém, isto só será possível se nas aulas de Educação Física a concepção
de aprendizagem estiver voltada para o desafio de reconstruir sempre,
desconstruir e recriar padrões, questionar a realidade e concebê-la como
complexa e problemática. A Educação Física, enquanto componente curricular,
na escola, tem o papel de fomentar também, o desenvolvimento de atitudes e
valores de cooperação, respeito mútuo e solidariedade, trazendo para a sua
prática situações que estimulem a autonomia e a emancipação do sujeito através
da participação efetiva, e da tomada de decisões nas aulas.
Enfim, acreditamos numa prática pedagógica que, ao trabalhar
diretamente com o corpo, estimule a reflexão sobre esta prática, sobre este
corpo, sobre as relações existentes entre o sujeito e o mundo que o cerca, sobre
as possibilidades de ação do sujeito social. Uma prática pedagógica que
considere o sujeito que é corpo e não que este sujeito possua um corpo; que
aposte num corpo que aprende e não num corpo que serve de instrumento para
a aprendizagem intelectual.
Nesse contexto, a aprendizagem, na Educação Física Escolar, dar-se-á de
forma mais significativa para o sujeito, ao se considerar a aprendizagem
enquanto um processo corporal, ou seja, considerar a existência de uma
cognição corporal, que é responsável pela elaboração de um texto escrito
corporalmente por toda nossa vida, afinal é corporalmente que aprendemos e
apreendemos o mundo.
Acreditamos que, nas nossas aulas, os alunos aprenderam bem mais que
gestos motores, aprenderam a trabalhar em grupo, a dialogar, a respeitar as
diferenças, a conviver com o outro. No tocante ao atletismo, além de gestos
técnicos, seu histórico, regras, e provas, aprenderam que é possível vivenciar
um esporte sem que as regras do sobrepujar e das comparações sejam a tônica
principal. Também aprenderam que os padrões hegemonicamente
estabelecidos podem ser recriados e ressiginificados. Conheceram e
aprenderam a superar as próprias dificuldades e limitações corporais.
Aprenderam, principalmente, que é possível vivenciar o esporte sem que,
necessariamente, sejamos mais fortes, mais rápidos ou mais hábeis.
Como em toda experiência que vai de encontro aos padrões hegemônicos
estabelecidos, encontramos dificuldades para realizar esse trabalho.
Dificuldades materiais que, na medida do possível, foram superadas e,
dificuldades, principalmente, com relação aos alunos que, vêm de uma
experiência na Educação Física Escolar, cuja tônica principal é a cultura do
esporte para a competição e, na qual, raramente encontra-se espaço para a
consolidação de valores como cooperação e solidariedade, pois o lema é sempre
vencer. Nem todos permaneceram conosco nesta empreitada, mas , os que
permaneceram, certamente terão algo mais a contar.
Com relação às dificuldades profissionais, evidenciamos os problemas
estruturais, que são a realidade da maioria das escolas no nosso país. A LDB
reconhece a Educação Física como componente curricular mas, a escola ainda
não abriu suas portas para a Educação Física. Nós ainda convivemos com a falta
de espaços adequados, com a falta de material para as aulas, e sobretudo, com a
falta de consciência dos dirigentes educacionais de que a Educação Física é tão
importante no processo educacional quanto qualquer outro componente
curricular. Cabe a nós, professores, no dia-a-dia escolar, desconstruir a imagem
daquela Educação Física voltada apenas para a aptidão física e para o esporte
de rendimento, na qual apenas os mais aptos eram enaltecidos enquanto os
considerados fracos eram deixados de lado.
Acreditamos que, em nosso trabalho, contribuímos para a reflexão da
relação corpo e aprendizagem na Educação Física Escolar, discutindo questões
que lhe são inerentes como os valores ético-morais, a consciência corporal,
questões de gênero, sexismo na Educação Física, entre outras.
Pretendemos, em trabalhos futuros, abrir perspectivas para outras
pesquisas voltadas para a compreensão da intervenção pedagógica da
Educação Física na escola, que discutam questões sobre a cognição corporal,
pois, longe de achar que cumprimos nosso papel, temos a consciência de que
este estudo é só o início de uma investigação sobre este campo tão amplo e tão
rico da Educação Física.
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