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assim, tem amizade com ele, né. Não é porque ele acha, porque ele não gosta,
sei lá, ele acha que vai estragar, a gente tem amizade...eu acho que tem
diferença da cidade (risos........), mas o que?
MARIA:_ Tem diferença porque na cidade, né, tem assim, vizinho que nem
conhece o outro, né.
MARTA:_ Ah! É verdade. Pra você ter uma idéia o meu vô e vó, eles moravam
no sítio e daí foram pra cidade. E da época que eu lembro que eu ficava lá, ele
não tinha uma amizade com vizinho, não era assim de um vizinho ir na casa do
outro. Tanto é que depois que eles ficaram velhos e ficaram doentes, eles não
tinham visitas assim, Ah vou lá no meu vizinho ver ele. Era um ou dois, e você
mora ali num (com um monte de gente). Agora, eu tenho bastante parente que
mora na cidade, mas eles não são de ir assim, ah eu vou na casa de fulano, ah eu
vou no meu vizinho, cada um cada um, né.
MARIA:_ Na cidade é assim, né, cada um é cada um, né. Não tem isso. Agora
aqui não, não é que você ta lá na casa do vizinho direto, mas de vez em quando
se ta lá fazendo uma visitinha, né. Aqui, ali, né Marta. Nem eles são muito de
vim, nem nós, é assim, todos são assim, né. Por exemplo quando tem uma
missa na casa de um, porque aqui no sítio é assim sabe, tem a igrejinha lá mas
de vez em quando tem missa nas casas, né. Aí enche, vem todo mundo...não é
assim que enche, não, porque tem pouca gente por aqui, mas vem a vizinhança
toda. O contato é bem mais próximo que na cidade.
O passado é, a todo o momento, resgatado como um meio de fortalecer o argumento
de que essa diferença ainda persiste e é significativa. A Marta não sabia que diferença poderia
mencionar, quando sua mãe a fez lembrar-se da época em que o avô ainda era vivo. No passado
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quando havia mais pessoas no campo, a casa ficava cheia, mas agora não mais. Foi esse o motivo
pelo qual dona Maria teve que voltar atrás quando se lembrou que atualmente há poucas pessoas
morando nos arredores do sítio, a maioria foi embora.
Outro ponto retratado, sobre a ajuda mútua que seria mais intensa no campo, também
se modificou. A entrevistada verifica que, atualmente, o comportamento egoísta de alguns
produtores rurais é maior por causa da diferença econômica entre eles.
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Em sua obra sobre Memória e Sociedade, Ecléa Bosi (1999, p.19) afirma que a sociedade capitalista destrói os
“suportes materiais da memória” e assim, bloqueia os caminhos da lembrança. Menciona que as sociedades antigas e
suas memórias se apoiavam na confiança de que as pessoas da comunidade local sempre estariam por perto e na
estabilidade espacial. Os valores se apoiavam na práxis coletiva da vizinhança, na família extensa, no apego a
objetos biográficos e não de consumo. O que era base de apoio para a memória, já não existe mais. [...]uma outra
ação, mais daninha e sinistra, sufoca a lembrança: a história oficial celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do
vencedor a pisotear a tradição dos vencidos.[...]Após terem sido capazes de reconstruir e interpretar os
acontecimentos de que foram participantes ou testemunhas, os recordadores restauram os estereótipos oficiais,
necessários à sobrevivência da ideologia da classe dominante. Dessa maneira as lembranças pessoais e grupais são
invadidas por outra “história”, por uma outra memória que rouba da primeira o sentido, a transparência e a
verdade[...]