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GERUZA DE FÁTIMA TOMÉ
O MITO DA “REVOLUÇÃO SILENCIOSA” –
PROGRAMA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS PRÁTICAS DE
AUTOGESTÃO NO BRASIL EM PEQUENOS
EMPRENDIMENTOS POPULARES.
Araraquara
2008
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GERUZA DE FÁTIMA TOMÉ
O MITO DA “REVOLUÇÃO SILENCIOSA” – PROGRAMA NACIONAL DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS PRÁTICAS DE
AUTOGESTÃO NO BRASIL EM PEQUENOS EMPREENDIMENTOS POPULARES.
Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista,
UNESP, Faculdade de Ciências e Letras – campus de
Araraquara – para obtenção do título de doutora em
Sociologia. (área de concentração de estudos:
movimentos sociais)
Doutoranda: Geruza de Fátima Tomé
Orientador: Maria Orlanda Pinassi
Araraquara, 16 de abril, 2008
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GERUZA DE FÁTIMA TOMÉ
O MITO DA “REVOLUÇÃO SILENCIOSA” – PROGRAMA NACIONAL DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS PRÁTICAS DE
AUTOGESTÃO NO BRASIL EM PEQUENOS EMPREENDIMENTOS POPULARES.
COMISSÃO JULGADORA
TESE PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR
Presidente e orientador Prfª Drª. Maria Orlanda Pinassi
1º Examinador Profº Dr. Felipe Luiz Gomes e Silva
2º Examinador Profª Drª. Maria Ribeiro do Vale
3º Examinador Profº Dr. Ariovaldo de Oliveira Santos
4º Examinador Profº Dr. Edilson José Graciolli
Araraquara, 16 abril de 2008
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa aos meus grandes amores, Dona Benedita, minha mãe, Giseli,
Rafael e Isabel Sabino, às minhas amigas-irmãs Tatiana Fonseca e Claudia Berti e, em especial,
ao meu amor e companheiro Noel Sabino Júnior, que tanto soube compreender as minhas
ausências e o meu silêncio.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa só foi possível devido a compreensão e colaboração de pessoas e
profissionais que foram e continuam sendo fundamentais na minha vida.
Assim, agradeço os incentivos incondicionais dos meus eternos professores José
Geraldo Poker e Kaori Miyasato, que mesmo distantes, conseguem ser amigos valiosos com
quem sempre posso contar. São minhas referências eternas de profissionalismo e dedicação ao ser
humano.
Agradeço a minha orientadora, Maria Orlanda Pinassi, pelas intervenções e
orientações que contribuíram para meu amadurecimento intelectual, ainda em processo, e,
sobretudo, pela compreensão. Ao professor Felipe Luiz Gomes e Silva e professora Maria R. do
Vale, pelas minúcias nas correções e contribuições valiosas, aos professores Edilson e Ariovaldo
pela atenção com que leram o trabalho e discutiram conceitos fundamentais que, nos meus
próximos trabalhos, com toda certeza, ainda serão discutidos em exaustão.
Se o que nos consome fosse apenas fome
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene ...
Palavra Acesa (Quinteto violado)
Composição: Fernando Filizola
RESUMO
A finalidade da presente pesquisa é promover uma reflexão sobre as atuais condições de
reprodução da vida em sociedade, determinadas pela lógica de produção e acumulação do capital
em larga escala e os considerados “modelos alternativos” a esta economia. Para tanto, inicia-se o
trabalho pela análise de alguns empreendimentos que adotaram o modelo de democracia direta, a
autogestão, para promover a organização dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se discute
os limites da sua prática no interior do sistema capitalista. O ponto de partida são os pequenos
empreendimentos comunitários e rurais, cooperativas e associações, caracterizados como
autogestionários e solidários pela Economia Solidária, este, um fenômeno social e político que
cresce com muita força no Brasil. Os objetos em análise para a pesquisa foram os pequenos
produtores rurais artesanais da pequena cidade de Tarumã, interior do estado de São Paulo,
membros do Projeto Mercado Paulista Solidário que desde 2005 está cadastrado no banco de
dados da Secretaria Nacional de Economia Solidária. Paul Singer, Secretário Nacional de
Economia Solidário e, um dos principais teóricos sobre o assunto, por meio deste movimento
popular, discute a tão controvertida transição socialista trazendo à tona questões polêmicas que
aqui serão explicitadas e confrontadas.
PALAVRAS-CHAVE: Economia Solidária, autogestão, transição socialista, cidadania
ABSTRACT
The purpose of this research is to provoke a reflection over the current efforts of reproducing life
conditions in a society, determined by the logics inherent of production, large scale capital
amassment and the so called ‘alternative models’ available to this economic system. To this end,
this effort starts by the analysis of some enterprises that did adopt the ‘straight or direct
democracy’, the self management, to promote worker’s organization, while discussing the limits
of its practical use within the capitalistic system. The starting point are the small community and
rural organizations, cooperatives and associations, characterized by self management and
solidarism as defined by the ‘Solidaristic Economy’, itself a social and political phenomenon that
is showing an increasingly growth in Brazil. The particular subjects analyzed in the research were
the small rural producers’ artisans from the small town of Tarumã in the state of Sao Paulo, part
of the ‘Sao Paulo Solidaristic Market’ project, that since 2005 is registered in the Solidaristic
Economy National Office data bank. Paul Singer, Solidaristic Economy National Secretary and
one of the main theoretical experts on this subject, through this popular movement, discusses the
controversial socialist transition, bringing highly arguable themes into light, that shall be
herewith confronted and fully revealed.
KEY WORDS: Solidaristic Economy, Self Management, Socialist Transition, Citizenship
.
Sumário
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................... 1
1 ECONOMIA SOLIDÁRIA E A PRÁXIS AUTOGESTIONÁRIA NA PERSPECTIVA
REVOLUCIONÁRIA DE PAUL SINGER.................................................................................... 6
1.1 A estrutura institucional e o funcionamento do programa Economia Solidária em
Desenvolvimento da SENAES/MTE. ........................................................................................... 23
1.2 Desenvolvimento Local e Redes Sociais: noções que coincidem com as aspirações do projeto
“Economia Solidária” rumo à efetivação de uma “pseudo” transição socialista sem conflitos.... 36
2 AUTOGESTÃO: DA IDEOLOGIA ORIGINALMENTE CONCEBIDA NA HISTÓRIA DO
MOVIMENTO OPERÁRIO ÀS CONTRADIÇÕES NAS PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS.
....................................................................................................................................................... 59
2.1 A autogestão e seus determinantes históricos.......................................................................... 71
2.2 A cisão da vida promovida pelo capital: a crítica da economia política em questão.............. 82
3 O PROJETO MERCADO PAULISTA SOLIDÁRIO: O UNIVERSO DOS PEQUENOS
PRODUTORES RURAIS ARTESANAIS DA CIDADE DE TARUMÃ - SP............................ 98
3.1 O nascimento do Projeto Mercado Paulista Solidário e sua articulação com a Economia
Solidária: autogestão ou livre iniciativa coletiva?......................................................................... 98
3.2 A difícil inserção dos pequenos produtores rurais da cidade de Tarumã-SP na esteira da
produção de riqueza capitalista: uma crítica à Economia Solidária que atua como principal
mecanismo de adequação política e econômica ao capital.......................................................... 112
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 141
ANEXO 1 FOTOS RETIRADAS DURANTE ENTREVISTAS............................................... 147
1.1 Horta do sítio da Água de São Bento cuidado por D. Maria - Tarumã................................. 147
1.2 Doces, embutidos e boneca de palha feitos por Marta e D. Maria........................................ 148
1.3 Licores, embutidos e bonecas de palha de milho feitos por Marta e D. Maria..................... 149
1.4 Bolsas de palha de milho feito por D. Maria......................................................................... 150
1.5 Clélia trabalhando com a fibra de bananeira......................................................................... 151
1.6 Recipiente feito com a fibra de bananeira para guardar e manter a temperatura da latinha de
cerveja.......................................................................................................................................... 152
1.7 Destilaria de Tarumã ............................................................................................................. 153
1.8 Destilaria de Tarumã ............................................................................................................. 154
ANEXO 2 AS ENTREVISTAS.................................................................................................. 155
1
APRESENTAÇÃO
presente pesquisa tem como finalidade realizar uma análise aprofundada
sobre “autogestão”, uma forma historicamente determinada de democracia
direta, e os limites da sua prática no interior do modo de produção
capitalista.
O ponto de partida da análise são os pequenos empreendimentos populares e rurais,
cooperativas e associações, caracterizados como “autogestionários” pela “Economia Solidária”,
este, um fenômeno social e político que cresce com muita força no Brasil.
No caso desta pesquisa, os objetos em análise foram os pequenos produtores rurais
artesanais da pequena cidade de Tarumã, interior do estado de São Paulo, membros do Instituto
de Desenvolvimento Territorial – IDESTE, uma Organização- Não- Governamental dedicada a
gerar renda e trabalho a trabalhadores pobres. Uma das ações deste Instituto é o projeto Mercado
Paulista Solidário que, desde 2005, está cadastrado no banco de dados da Secretaria Nacional de
Economia Solidária - SENAES. As informações sobre o projeto e sobre os pequenos produtores
foram obtidas por meio de entrevistas realizadas em julho de 2006.
Sabino, residente em Assis, presidente do Instituto de Desenvolvimento Territorial
IDESTE, responsável pela elaboração dos projetos apresentados à SENAES, foi um dos grandes
colaboradores desta pesquisa concedendo informações valiosas e facilitando o acesso aos
pequenos produtores em Tarumã, por meio de recomendação prestimosa. Por ser militante na
“Economia Solidária” e articulador regional de vários pólos produtivos considerados
“autogestionários”, suas experiências e impressões foram fundamentais às análises desta
pesquisa.
A forma econômica adotada pelos empreendimentos populares “solidários” é a de
cooperativa ou associação e o “modelo de gestão” mais adequado a este tipo é divulgado como
sendo “autogestionário”.
A Economia Solidária, para a maioria dos seus teóricos
1
, intelectuais e instituições
representativas, é vista como uma “outra economia”, alternativa à economia do capital, mais justa
1
Alguns destes principais representantes ideológicos e organizações são: Paul Singer, Professor titular de Economia
na FEA-USP, coordenador do programa Economia Solidária da Rede Unitrabalho e coordenador acadêmico da
Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares/USP (ITCPs) e secretário nacional de Economia Solidária do
Ministério do Trabalho e Emprego (SENAES/MTE); Francisco Lara, integrante da equipe da CAPINA – Cooperação
A
2
e mais humana. Tanto é assim, que a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES,
parte integrante do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, veicula como sendo slogan desse
fenômeno “Outra economia acontece
2
. Assim, é tratada contemporaneamente como a única
forma viável de transformação social, como única maneira de transpor com eficácia as mazelas
imanentes ao modo de produção e reprodução do capital.
Deste modo, verifica-se que na esfera do discurso ideológico a “Economia Solidária”
equivocadamente vem se apresentando como via possível de transição progressiva ao socialismo,
uma verdadeira “revolução silenciosa” sem embates diretos entre classes objetivamente
antagônicas. E é especificamente este o principal debate que se quer desenvolver nesta pesquisa:
é possível superar a miséria, o abandono, o desemprego e todas as conseqüências subjetivas dessa
condição, permanecendo no interior de uma lógica totalizante, que reduz a todos a mercadorias?
Para o debate, o referencial teórico central é Paul Singer que, no Brasil, é uma das
figuras de maior expressão quando o assunto é “Economia Solidária”. O autor, além de coordenar
estudos e projetos sobre o assunto na Universidade de São Paulo – USP, na qual leciona, e em
outras instituições, também foi convidado, no governo Lula, para ser Secretário Nacional de
Economia Solidária. Com toda certeza, Singer e seus seguidores, ao coordenar um “modelo” de
desenvolvimento sócio-econômico dos trabalhadores pobres no Brasil, influenciaram as diretrizes
essenciais de políticas públicas voltadas a ações desenvolvimentistas
3
, fortalecendo e
promovendo a “Economia Solidária” a projeto de Estado.
e Apoio a projetos de Inspiração Alternativa; Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão –
(ANTEAG); Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares; Agência de Desenvolvimento Solidário
da Central Única dos Trabalhadores- (ADS/CUT); Cáritas Brasileira; Confederação Nacional das Cooperativas de
Reforma Agrária do Brasil/ Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Concrab/MST); Núcleo de Ação e
Pesquisa de Economia de Solidariedade – (Napes); Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho -
(Unitrabalho).
2
Cf. site da Secretaria Nacional de Economia Solidária, hospedada na página do Ministério do Trabalho e Emprego
http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_default.asp
3
Singer (2005, p.10), ao relatar sobre seu atual trabalho como Secretário Nacional de Economia Solidária,
mencionou que quando o convocaram para uma reunião no Ministério do Trabalho, em 2005, cujo tema central era o
fim do trabalho escravo no Brasil, lhe foi solicitada ajuda. O objetivo era a promoção do desenvolvimento
econômico nas regiões pobres em que os trabalhadores são recrutados para este fim. [...]Então ela [Ruth Vilela]
convocou a Secretaria Nacional de Economia Solidária, perguntando no que é que nós poderíamos ajudar na luta
pela erradicação da escravização no Brasil. Sugerimos que esse esforço – aliás, ela já tinha essa idéia – fosse mais
amplo, interministerial: Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Agrário,
Ministério do Meio Ambiente e, sobretudo, o MESA (Ministério de Segurança Alimentar). Eu Sugeri, e outros
concordaram, que o Programa Fome Zero fosse a linha de frente desse processo de desenvolvimento local[...].
Trecho retirado do livro MELLO, S.L.(org.). Economia Solidária e Autogestão: encontros internacionais. São Paulo:
NESOL-USP, ITCP-USP, PW, 2005.
3
Contudo, esta pesquisa parte do pressuposto de que mudanças radicais devem ser
marcadas por rupturas definitivas, também radicais. Sendo assim, só seria possível mudar as
características essências da sociabilidade regida pelo capital por meio de um processo
revolucionário que se instauraria quando desencadeada a luta pelo fim da relação de
assalariamento, da propriedade privada dos meios de produção e do Estado (burguês)
hegemônico e centralizador.
Neste estágio da acumulação do capital marcado pela financeirização, ao contrário do
que seria necessário especialmente em se tratando de Brasil, a “Economia Solidária” se fortalece
tendo como principal parceiro o Estado neoliberal do governo Lula. Sabe-se que historicamente
os governos liberais e neoliberais intensificaram de forma trágica a super-exploração da classe
trabalhadora, relegando parte significativa desta população a mais absoluta miséria. É
incontestável que o Estado, mesmo sendo democrático e de direito, é representante inconteste e
mantenedor absoluto das condições de produção e reprodução do capital em escala sempre
ampliada. São as determinações impostas por esta forma de reprodução social que fundamentam
a miséria, a escravidão moderna, a corrupção e a degradação ambiental.
Sendo assim, como a “Economia Solidária” conseguiria dar conta das contradições
advindas desta relação de dependência?
Este imbróglio não será resolvido definitivamente por este trabalho, mas espera-se
apontar de forma clara as incongruências entre uma transformação radical que tenha o apoio de
formas organizativas de fato “autogestionárias” e a “Economia Solidária”, que atualmente está
sendo ideologicamente “vendida” como única ação revolucionária possível, apartada da dinâmica
mercantilizante e alienante (estranhada) do capital.
O objetivo da “Economia Solidária” é articular os trabalhadores precarizados e
desempregados em uma chamada “rede social solidária”, formada por várias outras iniciativas
econômicas que tenham os mesmos princípios norteadores, a luta pela vida digna, justa, com
igualdade e solidariedade humana. É preciso que encontrem meios objetivos para gerar renda e
trabalho de maneira coletiva, privilegiando saberes e especificidades “locais”, restabelecendo e
fortalecendo o laço valorativo dos trabalhadores pobres e rurais para que, nessa união, tenham a
garantia do necessário para a sobrevivência de forma sustentável.
4
A tese defendida por esta pesquisa é de que houve uma ruptura, uma ressignificação
da “práxis” autogestionária, a fim de que este se adéqüe a uma realidade mercadológica,
competitiva, individualista e violenta.
A origem histórica da autogestão datado do século XIX e promovida pelos socialistas
utópicos está vinculada à luta do trabalho contra o poder crescente, totalizante e dilacerante do
capital. Classicamente as cooperativas operárias adotaram a “autogestão”, entendida como
democracia direta, não somente como instrumento econômico, mas também político-combativo.
Era uma forma de organizar a classe trabalhadora e prepará-la para a colisão contra a lógica e
ordem burguesa de concepção do mundo, o que não ocorre nestes pequenos empreendimentos
populares rurais, objetos desta pesquisa.
Para que o debate sugerido por este trabalho seja mais facilmente compreendido,
dividiram-se as discussões da seguinte maneira:
No primeiro capítulo o debate é iniciado tomando por base as explicações de Paul
Singer sobre o campo de atuação da Economia Solidária, os diversos
empreendimentos considerados autogestionários rurais e urbanos absorvidos por
este movimento popular e, a estrutura de funcionamento da Secretaria Nacional de
Economia Solidária. Além das obras do próprio autor e outras na qual participa
como organizador, utilizam-se também documentos produzidos pela Secretaria de
Economia Solidária - SENAES em conjunto com o Ministério do Trabalho e
Emprego – MTE, incluindo o Plano Nacional de Qualificação – PNQ 2006, O
Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005 e o Sistema de Informação da
Economia Solidária 2006. O próprio site do Ministério do Trabalho e Emprego
disponibiliza documentos e outras publicações, na íntegra, facilitando o acesso às
informações oficiais e atualizadas. Ainda neste capítulo, há uma preocupação em
demonstrar como algumas noções recorrentes em textos e livros de Economia
Solidária, como a de “Desenvolvimento Local, fundamentadas nesta pesquisa,
essencialmente pelos argumentos dos autores Speranza(2006) e Oliveira(2001) e
Redes Sociais”, por Castells(1999) e Costa et.al.(2003), estão articuladas com
este projeto nacional.
No segundo capítulo, resgataram-se autores clássicos como Marx e Engels(1999;
1977), Luxemburgo(2003) e textos organizados pelo Baderna(2002) referente aos
5
Situacionistas, com a finalidade de realizar uma análise histórica da “autogestão”,
que originalmente foi concebida como uma forma de organização da classe
trabalhadora para lutar contra o poder irrefreável do capital. Além disso, a
atualidade desses autores, fundamentada pela forma brilhante como entenderam a
lógica de funcionamento do modo de produção capitalista, fez com que nesta
pesquisa, seus estudos se tornassem base de sustentação das argumentações
críticas às práticas modernas de “autogestão”. Contemporaneamente, estas
práticas, consideradas “autogestionárias” pelos militantes da “Economia
Solidária”, possuem sérias contradições práticas-ideológicas que precisam ser
devidamente esclarecidas. Por isso, considera-se necessário tratar da ofensiva
ideológica que reforça ser a “Economia Solidária” e seus empreendimentos
considerados “autogestionários” o caminho para uma transição socialista sem
conflitos e sem lutas. Para tanto, a pesquisa também se apóia em estudos
produzidos por autores como Lukács(1981), Mészáros(1996) e
Ranieri(2002/2003).
No terceiro capítulo foram feitas as análises das entrevistas com o presidente do
Instituto de Desenvolvimento Territorial - IDESTE e com os pequenos produtores
rurais de Tarumã. Os trechos foram descritos de forma a que o leitor possa
compreender a rotina de trabalho dessas pessoas, a consciência que possuem sobre
a realidade vivida, suas dificuldades, expectativas e frustrações. O objetivo
principal é detectar em suas práticas e vivências, as determinações rígidas e
objetivas do mercado, que os disciplinam para o trabalho, independentemente de
suas vontades e da presença ditatorial de um representante do capital. A
“autogestão” enquanto “práxis”, entendida como democracia direta, meio de
organização da classe trabalhadora para a luta contra essa lógica mercantil e
alienadora (estranhada), está muito longe de acontecer nestes empreendimentos
absorvidos pela “Economia Solidária”.
6
1 ECONOMIA SOLIDÁRIA E A PRÁXIS AUTOGESTIONÁRIA NA PERSPECTIVA
REVOLUCIONÁRIA DE PAUL SINGER
“autogestão”, para este trabalho de pesquisa, é definida como uma forma
específica e histórica determinada de democracia direta vinculada à
história de luta do movimento operário contra o poder irrefreável do
capital. Trata-se de uma ferramenta importante com a qual se faz a crítica à cisão da vida
promovida por este sistema que faz dos homens meros objetos, jamais sujeitos de sua própria
história.
Desde o final dos anos de 1980, vem crescendo no Brasil uma forma de organização
que articula cooperativas, associações e empreendimentos populares, denominada “Economia
Solidária”. Todas estas atividades econômicas adotaram práticas autogestionárias, assim
consideradas por seus organizadores, com o intuito de estabelecer progressivamente um novo
modelo econômico alternativo ao sistema do capital. A finalidade última dessa organização seria
alcançar o socialismo por meio de uma transição pacífica.
As cooperativas consideradas autogestionárias são o braço econômico da “Economia
Solidária” e se caracterizariam, segundo seus ideólogos, pela solidariedade no conjunto das ações
dos trabalhadores, pela democracia direta, pela disseminação do conhecimento técnico de forma
eqüitativa e, principalmente, pela apropriação coletiva dos meios de produção e dos resultados
financeiros do trabalho. Trata-se assim, de instaurar “práticas autogestionárias” inicialmente para
trabalhadores pobres devidamente qualificados para tal, priorizando a geração de renda mínima e,
como evidenciado mais adiante no estudo, sem que esta mobilização esteja atrelada de fato a uma
luta política contra o sistema do capital que promove uma cisão na reprodução da vida humana
objetiva e subjetiva.
Paul Singer, responsável pela Secretária Nacional de Economia Solidária no Brasil –
SENAES -, do governo Lula, não coincidentemente é também um dos mais expressivos teóricos
e defensores da “Economia Solidária”, caracterizada por ele como um genuíno movimento social.
Segundo ele, as características imanentes da “Economia Solidária” constituem uma
alternativa no interior do próprio capitalismo.
A
7
[...] a economia não capitalista se caracteriza basicamente por princípios
socialistas ou cooperativistas; que é exatamente a mesma coisa, pelo menos, ao
ver de Marx e Lênin[...] são empresas igualitárias em que a posse da empresa é
de todos os que trabalham nela, por igual[...] (S
INGER, 2000(a), p.147).
Complementa ainda, relatando qual a ênfase dada a esta economia
[...] Existem diferentes ênfases em Economia Solidária. A minha é a autogestão.
Para mim, o que diferencia a Economia Solidária de outras formas de
organização da produção, do consumo, da distribuição, é a ausência de
distinção de classes entre os que se organizam para essas atividades, a
democracia na unidade de produção, distribuição e assim por
diante.[...](SINGER, 2005, p.12)
Desse modo, as cooperativas e associações funcionariam como empreendimentos
autogestionários nos quais prevaleceriam igualdade financeira e política entre seus membros,
conquistada mediante uma atuação comprometida dos trabalhadores.
O fator igualdade aparece como uma importante característica, quase sempre
pertencente às pequenas cooperativas, constituídas mais ou menos por quarenta (40)
4
pessoas.
Estes se reúnem em assembléias e discutem soluções para problemas administrativos e
financeiros e também planejam o futuro do empreendimento. Informações e responsabilidades
não podem estar centralizadas permanentemente em um grupo de trabalhadores e, por isso, há
uma rotatividade no exercício das funções, de forma que todos atuem por período determinado
em posições diversas.
A ênfase em empreendimentos populares, constituídos pelas cooperativas e
associações consideradas autogestionárias, tem como objetivo maior a promoção ou
desenvolvimento do local, da chamada “comunidade”, do lugar comum, como via indispensável à
prática democrática e cidadã, estimulando espaços econômicos mais justos, que incluam a maior
parte da população condenada à pobreza e miserabilidade desde que foram eliminados de forma
crônica, dos espaços produtivos capitalistas, regulados por legislação trabalhista.
Considera-se nesta fase de produção e acumulação ampliada do capital, que o
problema do desemprego é algo crônico em alguns setores produtivos, especialmente nos que
possuem alto investimento tecnológico. Neste caso, muitos trabalhadores buscam outras
4
Segundo o Código Civil brasileiro e a lei sobre o cooperativismo 5764/71, as cooperativas devem ser constituídas
por no mínimo vinte (20) membros, já as associações, que não possuem fins lucrativos, podem ser constituídas por
no mínimo dois membros .
8
ocupações, consideradas estratégias de sobrevivência, ditas informais ou marginais e ali
permanecem, ficando cada vez mais distantes das ocupações formais que contribuem diretamente
para a ampliação do capital. Embora, esses trabalhadores estejam eliminados cronicamente do
processo de produção e acumulação do capital, ainda podem ser considerados potencialmente
Exército de Reserva, conforme a categoria marxiana de análise. Isto porque, segundo Lukács, o
conceito de dúnamis (potência) de Aristóteles explicaria este ser e não-ser.
[...] não há dúvida que, durante uma crise econômica, muitos operários não têm
nenhuma possibilidade de trabalho; mas é também fora de dúvida – e aqui está a
intuição profunda da verdade contida na concepção Aristotélica da dúnamis
que todo operário tem a capacidade de ser, a qualquer momento, dependendo de
uma conjuntura favorável, retomar o seu velho trabalho. De que outra maneira,
pois, pode ser caracterizada, do ponto de vista de uma ontologia do ser social,
essa sua qualidade a não ser dizendo que ele, por causa da sua educação, da vida
passada, das suas experiências, etc., mesmo estando desocupado, permanece –
devido à sua dúnamis – um trabalhador. Com isso não temos, como teme
Hartmann, uma “existência espectral da possibilidade” uma vez que o
desempregado (dada a impossibilidade real de encontrar trabalho) é um
trabalhador real, potencial, do mesmo modo como o é quando realiza a sua
aspiração a encontrar trabalho.[...](LUKÁCS(b), 1981, p.26)
Em vários trechos em que trata da “Economia Solidária”, Singer, além de
desconsiderar que as pessoas que ali operam são oriundas de classes sociais diferentes
5
, e
conseqüentemente possuem expectativas e interesses sócio-econômicos diferentes, também
equivocadamente iguala este conceito ao de socialismo científico
6
desenvolvido por Marx e
Engels. O que seria um movimento social contemporâneo, também se coloca como um projeto
revolucionário passível de ser mantido no interior do capitalismo.
[...] a idéia de Marx e Engels, de um socialismo científico, ou de uma Economia
Solidária científica, tem muita razão de ser; ou seja, nós não podemos
conceituar a Economia Solidária somente a partir dos nossos desejos e dos
nossos valores. Por outro lado, o socialismo científico é um oxímoro: ele é uma
contradição em si, porque o socialismo é um desejo, um projeto. E a ciência
5
Algumas são da classe média alta, que procuram uma ocupação alternativa e não um meio de subsistência.
6
A característica essencial do Socialismo Científico é o rompimento em definitivo com o sistema do capital e seus
pilares: a propriedade privada, o trabalho assalariado e o Estado. Constata-se que a prática da economia Solidária,
embora considerada revolucionária, permite a existência da propriedade privada, conta com o apoio do Estado
(capitalista) para o seu fortalecimento e mais, também é produtor de mercadoria. Sendo assim, os trabalhadores
solidários permanecem sujeitos às leis impiedosas do mercado, tornando-se reféns da concorrência, o que elimina
qualquer possibilidade de ação verdadeiramente autônoma.
9
trata basicamente do que existe e do que existiu. Ela pode fazer projeções, mas
na realidade, a base é descobrir o que está acontecendo. Então o socialismo
científico é uma combinação contraditória entre um projeto desejável e o
esforço científico para descobrir para onde caminha a sociedade realmente
existente.[...](SINGER, 2005, p.13)
Em Economia dos setores populares – propostas e desafios, Singer (2000(a) p.143)
enfatiza a importância e a urgência de se tratar deste tema, que acredita ser fundamental ao
desenvolvimento de relações mais humanas no capitalismo. As mazelas sociais seriamente
intensificadas pelo movimento incessante e devastador da acumulação do capital em nível
mundial, a conseqüente redução de postos de trabalhos, as falências, a concorrência acirrada entre
as empresas e conseqüentemente entre os trabalhadores torna imprescindível a reflexão acerca de
uma possível economia “socialista, alternativa ou revolucionária”.
Diagnosticar iniciativas e auxiliar na sistematização de uma “economia solidária”
popular ou doméstica, que produza bens e serviços e que seja fortemente atuante especificamente
no Brasil, seria o mesmo que propor uma via possível de desenvolvimento humano-social e
econômico com potencialidades ainda inimagináveis, principalmente quando é fato que a
economia capitalista não mais apresenta uma criação dinâmica de postos de trabalhos
compatíveis com o número de pessoas em idade ativa, que periodicamente concorrem de maneira
desesperada a uma vaga de emprego.
Em suas teses, Singer descreve a existência de uma classe trabalhadora que tem
“meios de produção próprios, mas que não explora o trabalho de outros, porque não tem
assalariados” (2000(a), p. 144). Membros de uma mesma família ou de uma mesma localidade se
reuniriam, estimulados pelos valores em comum, para prestarem algum serviço ou para
produzirem bens manufaturados, com formato substancialmente artesanal. Segundo o autor, seria
um modo simples de produção de mercadoria, que paralelamente conviveria com o modo
capitalista de produção.
[...] A produção simples de mercadoria é efetivamente um modo de produção
inserido na economia capitalista: é uma parte importantíssima da agricultura; é
uma parte muito importante do pequeno comércio; no setor de serviços, ela tem
uma expressão muito grande; tem uma expressão menor na indústria, mas
mesmo aí ela existe. É toda uma economia”[...](S
INGER, 2000(a), p.145).
10
Dados obtidos no primeiro Atlas da Economia Solidária no Brasil
7
, demonstram que
tal prática está sendo cada vez mais monitorada pelo governo federal na tentativa de fortalecê-la e
definitivamente proporcionar às pessoas, meios sustentáveis e dignos de reprodução da vida
objetiva e subjetiva. Segundo o documento, as informações retiradas de quinze mil
empreendimentos considerados solidários, além de demonstrarem a potencialidade destes,
auxiliam o Estado a organizar políticas públicas para que os trabalhadores superem os gargalos e
dificuldades de gestão. As informações recolhidas são mantidas num banco de dados único de
acesso público, o Sistema Nacional de Informações da Economia Solidária (SIES), com o intuito
de que seja um instrumento de planejamento, organização, coordenação e controle para os
próprios empreendimentos solidários (MTE/SENAES, 2006, p.7).
[...] Foram identificados 14. 954 Empreendimentos Econômicos Solidários em
2.274 municípios do Brasil (o que corresponde a 41% dos municípios
brasileiros). Considerando a distribuição territorial, há uma maior concentração
dos EES na região nordeste, com 44%. Os restantes, 56% estão distribuídos nas
demais regiões: 13% na região norte, 14% na região Sudeste, 12% na região
centro oeste e 17% na região sul. (MTE/SENAES, 2006, p.15).
Todavia, a “Economia Solidária” possuidora de características próprias, diferentes do
modo de produção capitalista, seria constituída essencialmente por unidades domésticas que
sobreviveriam do trabalho que ali realizam. Assim, também poderiam ser chamadas de
“economia de trabalho”.
Segundo o Atlas da Economia Solidária no Brasil (MTE/SENAES, 2006, p.12), neste
conjunto de atividades destacam-se 4 características fundamentais:
Cooperação: União de esforços e capacidades para implementar objetivos e
decidir sobre interesses comuns. Propriedade coletiva dos bens de produção,
responsabilidade e resultados compartilhados solidariamente;
Autogestão: Encarada como um exercício de práticas participativas nos
processos de trabalho, nos planejamentos estratégicos e ações cotidianas;
7
Elaborado em 2005 e publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2006, cujo mapeamento foi realizado
pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (MTE/SENAES) em parceria com o Fórum Brasileiro de Economia
Solidária.
11
Atividade econômica: Iniciativa em que ocorre a união de esforços para
viabilizar ações coletivas de produção, serviço, crédito, comercialização e
consumo;
Solidariedade: Justa distribuição dos resultados e melhoria das condições de
vida de participantes. Compromisso com o meio ambiente e com a
comunidade.
Com base nisso os “empreendimentos econômicos solidários” compreenderiam as
seguintes organizações:
[...] coletivas-organizações supra-familiares, singulares e complexas, tais como:
associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção,
clubes de troca, redes e centrais, etc;[...] trabalhadores dos meios urbano e rural
que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos
resultados; [...] com diversos graus de formalização, prevalecendo a existência
real sobre o registro legal e; [...] cooperativas de crédito e os fundos rotativos
populares, compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços, e de
consumo solidário.(MTE/SENAES, 2006, p.13)
Ainda segundo este estudo (MTE/SENAES, 2006, p. 19-45), no Brasil os
“empreendimentos econômicos solidários” estão organizados da seguinte forma: associações
(54%), grupos informais (33%), organizações cooperativas (11%) e outras formas de organização
(2%), variando para mais ou para menos, de acordo com a região. Mais um dado importante
revelado pela pesquisa é de que mais de 1 milhão e 250 mil trabalhadores, nos meios rural e
urbano, estão na “Economia Solidária”. A maior parte das atividades estão concentradas no meio
rural (50%), 33% atuam exclusivamente na área urbana e 17% em ambas as áreas. São
diversificados os tipos de produtos e serviços prestados por esses empreendimentos, variando de
região pra região. Os produtos mais citados são aqueles relativos à agropecuária, à pesca e ao
extrativismo (42%), depois alimentos e bebidas (18,3%) e finalmente, diversos produtos
artesanais (13,9%).
A comercialização destina-se predominantemente ao comércio local, 56%, outros
mencionaram mercados municipais (50%). Apenas 7% dos empreendimentos entrevistados
mencionaram trabalhar em todo território nacional e 2% realizam transações internacionais.
12
A maioria dos empreendimentos, 38%, obtém sobras resultantes das atividades
econômicas, 16% dos empreendimentos declararam que não conseguiram pagar as suas despesas
e estão em déficit, 33% conseguiram pagar os seus débitos embora não conseguissem obter
nenhuma lucratividade a ponto de resultar em sobras para os trabalhadores e 13 % não
informaram sua situação financeira.
Em relação à remuneração tem-se um quadro bastante limitado e de muita
precariedade. Do total dos empreendimentos entrevistados (14.954), somente 41% deixaram de
informar o quanto os seus sócios estão recebendo. Dos que informaram os rendimentos, o
equivalente a 8.870 empreendimentos, 50% apresentam remuneração a seus sócios de até meio
salário mínimo. Em 26,1% dos empreendimentos, a remuneração é compatível a meio salário
mínimo. (MTE/SENAES, 2006, p.43).
Este dado negativo é justificado na pesquisa pelo fato de que grande parte dessas
atividades funcionariam como complemento de renda. Isto seria o principal estimulador inicial
para a atuação em trabalhos de “gestão coletiva”.
Pelas informações colhidas no Atlas, admite-se como inviável incluir estas práticas
como alternativa autônoma à dinâmica capitalista. Elas nascem e permanecem neste sistema
como estratégias de sobrevivência e complemento altamente necessário à condição precária
vivida, instaurada pela forma acentuadamente desigual.
Além dessas informações, aquela pesquisa também identifica qual o nível de
participação direta dos sócios na “gestão” das atividades. Quanto à periodicidade das
assembléias, que revela a importância dada pelos trabalhadores às decisões coletivas, 79% dos
casos ocorrem em até três meses, sendo que 49,2% realizam reuniões ou assembléias mensais,
10,5% semanais ou quinzenais e 11,2% bimestral ou trimestral. 66% dos empreendimentos
afirmam possuir mecanismos de participação democráticas, para solucionar problemas cotidianos
e 62% confirmam existir mecanismos de eleições diretas para a diretoria. 62% afirmam que a
prestação de contas dos empreendimentos são realizadas em assembléias e 60% afirmam que os
registros e informações das atividades estão disponíveis a todos.
Embora a maioria dos empreendimentos apresente de fato uma gestão mais
participativa, pode-se perceber pelos números que, em boa parte destes, não foi possível a
aplicação de princípios “solidários autogestionários”. Verifica-se que no interior da chamada
“Economia Solidária”, atividades das mais variadas podem ser gestadas de forma mais
13
participativa e, em outros casos, permanecem na forma clássica de gestão, ou heterogestão, com
hierarquia, o comando e controle nas mãos de um grupo específico, como em qualquer empresa
capitalista produtora de mercadoria
8
.
Contudo, Singer reconhece o que seria o limite dessa forma de organização da
produção do trabalho cooperativo quando o negócio atinge proporções maiores. Isto porque ao
obter sucesso econômico ao estilo do modelo de gestão de empresas capitalistas, as grandes
cooperativas podem, aos poucos, voltar a organizar o trabalho e a produção também a exemplo
daquelas. Neste caso ocorreria a chamada degenerescência do empreendimento solidário.
Na medida em que lutas anticapitalista dão resultados, as instituições que as
travam passam a se adaptar à sociedade burguesa por uma série de motivos,
inclusive às conquistas obtidas. Com isso, a sociedade burguesa se democratiza
e engloba instituições que promovem o bem estar social e ao mesmo tempo os
sindicatos, os partidos e as cooperativas criadas pelos trabalhadores se
aburguesam [...](SINGER, 2000b, p.16).
Mesmo identificando esta tendência, que ocorre fundamentalmente com o crescimento
do empreendimento “solidário e autogestionário”, o autor continua insistindo na possibilidade de
sucesso deste como uma alternativa econômica mais justa, porque, neste caso, os trabalhadores
podem se auto-explorar com menor intensidade, escolhendo com maior autonomia quando e
como trabalhar para que o produto do seu negócio fique mais competitivo e atraente no mercado
solidário e capitalista (SINGER, 2000b, p.16).
Afirma serem infundadas as argumentações que menosprezam estes empreendimentos
“autogestionários” como forma de luta contra o capital, pois não seriam tão inofensivos assim.
Estas atividades não estariam apenas competindo no mercado por um espaço econômico mais
8
É fato que nas empresas capitalistas, formas de gestão participativas também estão sendo engendradas na tentativa
de obter maior participação dos trabalhadores nos processos de solucionamento de problemas produtivos e
administrativos. Inclusive, em alguns casos, sistemas de recompensas são formulados na tentativa de incentivar ainda
mais a participação comprometida como participação nos lucros, aquisição de parte das ações das empresas, prêmios
e aumento da remuneração por resultado, etc. Silva (2004, p.134), autor do livro A fábrica como agência educativa,
afirma que [...] diante da constante rejeição operária ao intenso ritmo de trabalho imposto pela linha de montagem
fordista, as abordagens gerenciais avançam e incorporam as “contribuições científicas” dos “behavioristas”. As
“teorias humanistas”, que enfatizavam os estímulos psicossociais, são aprimoradas com a gestão da subjetividade
humana por meio da aplicação dos denominados “alicientes mistos” dos incentivos materiais e simbólicos.
Criticando as abordagens antecedentes, os “behavioristas” afirmam que a organização é um sistema cooperativo
racional e acrescentam: é preciso considerar que essa racionalidade é limitada por processos afetivos e cognitivos
[...]. Assim, os operários devem receber parte dos incrementos nas receitas, das economias ou ganhos de
produtividade, e ainda, sob os princípios da “qualidade total”, participar por meio de sugestões de melhorias dos
processos de tomadas de decisões correspondentes a atividade em que atuam.
14
significativo como qualquer outra empresa capitalista, seria um novo modo de vida que estaria se
instaurando.
[...] o capital só pode ser eliminado quando os trabalhadores estiverem aptos a
praticar a autogestão, o que exige um aprendizado que só a prática proporciona.
De outro modo, o que colocar no lugar da gestão capitalista? Certamente não
um planejamento geral que centraliza todas as decisões econômicas nas mãos
dum pequeno número de “especialista”. Segundo, porque a economia solidária
melhora para o cooperador as condições de trabalho, mesmo quando estas
continuam deixando muito a desejar. Afinal de contas, assumir o poder de
participar das decisões e, portanto, de estar informado a respeito do que
acontece e que opções existem é um passo importante para a redenção humana
do trabalhador. Terceiro: o surgimento e o fortalecimento da economia solidária
reforça o poder de luta de todos os trabalhadores assalariados contra a
exploração capitalista, no mínimo porque diminui o exército de reserva
(SINGER, 2000b, p.18).
O autor procura sustentar a sua tese de que a “economia solidária”, na pior das
hipóteses diminui o desemprego, proporciona autonomia para a “auto-exploração”, e que isso, é
melhor que ser explorado por outrem. Assumir o poder de decidir os destinos do empreendimento
significaria humanizar o processo de trabalho e produção antes estranhado. Destaca que, mesmo
que as estratégias “autogestionárias” imediatamente não representem a eliminação do controle do
capital sobre a vida da humanidade em sua plenitude, estas seriam fundamentais para a
sobrevivência das pessoas e para o exercício da cidadania.
Aqui, acredita-se ser possível relacionar o que ele compreende por disciplina para a
auto-exploração nas cooperativas, com a absorção de uma disciplina racionalizadora do capital
pela subjetividade do trabalhador assalariado, terceirizado ou sub-contratado. Assim como a
empresa capitalista precisa dessa obediência subserviente ao mercado, que dita as regras, os
trabalhadores das cooperativas e demais empreendimentos solidários, se quiserem ser
competitivos, também terão que “domar” os seus “espíritos revoltosos” e ceder aos caprichos do
processo de valorização do valor.
Idealizado atualmente como um movimento social originariamente estabelecido pelos
trabalhadores pobres, intelectuais, líderes sindicais e sociedade civil organizada que promovem a
“Economia Solidária”, tem a pretensão de fortalecê-la e valorizá-la, principalmente por ofertar ao
mercado capitalista produtos e serviços advindos de uma atividade pretensamente “mais justa”.
Para Singer, reconhecer o que seriam vantagens destes empreendimentos significa abrir
15
possibilidades futuras para integração e melhoria das condições materiais de vida desta
população. Apoiar estas atividades passa a ser fundamental para que não caiam no ostracismo
nem caminhem para o fechamento. Assegurar a continuidade de empreendimentos
“autogestionários e solidários” seria o mesmo que deixar acesa a esperança de uma nova forma
de sociabilidade mais humana, ainda que praticada em menores proporções.
Singer considera que a degeneração das empresas solidárias não se deve ao fato de
serem administradas de acordo com a lógica capitalista para se tornarem mais lucrativas e
conquistarem mais mercados, mas à “descrença” dos próprios trabalhadores quanto a
competência necessária para poderem administrar com eficiência seus pequenos necios.
O autor acredita ser um erro considerar o exercício da Administração como uma
ciência que só pode ser apreendida em sala de aula, notadamente, em cursos universitários ou
técnicos. O processo da tomada de decisão numa empresa, equivocadamente, é encarado como
sendo extremamente complexo, principalmente quando envolve sistemas de informações
variados e tecnologias de ponta. Neste caso, caberia a alguém com competência, a um
especialista, todas as decisões referentes ao planejamento estratégico da empresa, ou seja, ao
futuro do negócio e do mercado.
A administração de empresas, para Singer é como “uma arte”; uma arte fundamentada
na liderança, ou seja, na confiança, na busca pelo consenso. Assim, não sendo uma ciência exata,
justamente por lidar com pessoas, a administração exigiria habilidades pessoais que advêm da
prática, das experiências, e não dos bancos escolares. As deficiências em relação aos
conhecimentos técnicos e científicos poderiam ser sanadas posteriormente com a qualificação
adequada dos trabalhadores a cada tipo de trabalho e produção. Por isso, a metodologia de ensino
voltada a trabalhadores autogestionários também deve ser devidamente desenvolvida, tendo em
vista a negação do modelo capitalista de gestão.
[...]a administração de empresas não é uma ciência. Do mesmo modo que a
medicina e a engenharia, ela é uma arte, o que significa que ela enfrenta uma
problemática tão variada que suas soluções desafiam qualquer generalização. A
prática de administração de empresas no capitalismo é um exercício de
liderança, legitimado pela delegação de poderes dada pelo
proprietário.[...](SINGER, 2000b, p.19)
16
Esta linha de raciocínio considera que a experiência, neste caso, teria um papel
fundamental para o sucesso do empreendimento. Muitos dos trabalhadores que atualmente se
reúnem em cooperativas são ex-empregados de empresas capitalistas, que por algum motivo
abriram falência. Outros possuem experiências ainda mais enriquecedoras, pois atuavam em
sindicatos, em movimentos estudantis ou populares.
Mas, a melhora da condição econômica não seria o único objetivo destes
empreendimentos. A “Economia Solidária” pretende ser um espaço democrático no qual o
exercício da cidadania poderia ser efetivado e, para tanto, as novas metodologias educacionais
voltadas à “autogestão” apareceriam como estratégias eficazes a esse fim. Em tese, estes
trabalhadores também estariam se preparando para lutar pela defesa dos direitos trabalhistas
historicamente conquistados, bem como pelo direito a ter acesso aos serviços públicos de
qualidade, fiscalizando o Estado, seus aparatos e denunciando o descaso.
Outra preocupação identificada é que se os trabalhadores não conhecem os aspectos
técnicos do negócio em questão, como as leis de mercado, controles de custos, fiscais e
tributários, esse desconhecimento deve ser sanado com treinamentos e qualificações adequadas à
proposta solidária. Isto porque o saber fazer em si, já é existente. Portanto, é fundamental uma
instância consultiva que apóie e fomente inicialmente as cooperativas, e que podem ser “outras
empresas solidárias, incubadoras[...] sindicatos, entidades religiosas, organizações não-
governamentais (ONG) etc.”(SINGER, 2000b, p.21-22)
Outro ponto importante que contribuiria com a degenerescência do empreendimento
solidário é a coexistência de princípios mais humanos e justos com valores tais, como a extrema
competitividade e o individualismo. Imperativos na sociedade capitalista, que são muito difíceis
de serem combatidos. Mesmo o trabalhador tendo a consciência de que sozinho nada consegue
realizar e que a associação é condição básica para a sobrevivência de todos, esta “espiritualidade”
solidária tende a se degenerar muito mais “pela apatia da base do que pela má fé, ou o que seja,
das elites” (SINGER, 2000a, p.158).
Assim, Singer aponta como uma das causas da degenerescência da cooperativa a frágil
“espiritualidade solidária” dos trabalhadores e o que chama de “apatia das bases”, ou seja, a falta
de iniciativa e de uma cultura de participação destes.
O autor entende que aqueles que, anteriormente à atividade cooperativa, já exerciam
atividades de concepção, planejamento e controle do processo produtivo, não teriam qualquer
17
dificuldade em se adequar aos novos valores presentes num empreendimento autogestionário. Já
aqueles trabalhadores, cuja trajetória ocupacional fora exercida no plano operacional, sempre de
maneira subjugada, manifestariam descompromisso e falta de vontade de participar efetivamente
de todas as atividades necessárias à organização, planejamento e controle de um negócio.
Estimular a participação de todos seria então o grande desafio a ser enfrentado.
Contudo, é verificada a tentativa de se travar uma luta árdua em prol da mudança
cultural e comportamental dessas pessoas, para que possam participar e se comprometer
efetivamente com o sucesso do novo empreendimento. O “comportamento solidário” é requisito
básico de sustentação deste projeto social.
Para ilustrar essa constatação, Singer cita uma pesquisa realizada por uma cientista
norte-americana com trabalhadores das empresas do complexo cooperativo em Mondragón, na
qual compara suas atividades com aquelas realizadas em empresas capitalistas. A pesquisadora
teria verificado que entre os operários existe um senso menor de cooperativismo do que entre a
gerência. Metade dos trabalhadores se resignava a dizer que não há diferença entre trabalhar em
uma empresa capitalista ou em uma cooperativa, a não ser pelos salários que nesta costumam ser
maiores (2000a, p.158).
Por isso, a educação para o cooperativismo aparece como fórmula essencial à
sustentação e longevidade dessas práticas no capitalismo. O ensino de valores como
solidariedade, iniciativa, comprometimento e participação são os fundamentos do processo da
tomada de decisão nestes empreendimentos. Além dessas preocupações, também existe a
necessidade de desenvolver junto aos trabalhadores novas metodologias de trabalho que
valorizem a qualidade, enfatizem a gestão tecnológica, a gestão jurídica, a gestão do meio
ambiente, o desenvolvimento de redes e estudos de viabilidade econômica, tudo a partir do
enfoque solidário.
Nestes empreendimentos, as informações seriam produzidas coletivamente e,
portanto, estariam disponíveis a todos os membros que quisessem participar das decisões
estratégicas. As informações devem ser apresentadas de forma clara, derrubando os vários limites
causados pelos diversos “saberes” divergentes e facilitando o entendimento por parte de todos os
trabalhadores.
De acordo com estas teses, fica evidente a necessidade de se adotar novas concepções
de mundo contra os “valores dominantes da competição individual e da primazia do capital
18
contra o trabalho”(SINGER, 2000b, p.21-22). Daí a necessidade dos agentes de apoio externos,
como já mencionado anteriormente.
[...]o processo de aprendizado coletivo que vai viabilizar a empresa começa
antes mesmo que ela venha funcionar. Na sua gestação, os futuros sócios
interagem, fazem cursos de cooperativismo ou similares e de preparação
profissional e se estruturam politicamente ao elaborar o estatuto da empresa.
Quando a empresa começa a funcionar, os sócios já têm certa prática de
autogestão, embora lhes falte possivelmente, toda competência específica para
operar no ramo de negócio escolhido. Esta competência será construída ao
longo da vida prática da empresa, analogamente ao que ocorre com a empresa
capitalista[...](SINGER, 2000b, p.22)
A falta de especialistas qualificados para os empreendimentos solidários,
principalmente nas cooperativas populares mais pobres é um grande problema. Isto porque a
baixa escolaridade até pode habilitá-los a dominarem a técnica de produção, mas não técnicas
sofisticadas de “pesquisa de mercados em busca de novas oportunidades de negócios”. Também
não conhecem meios de desenvolvimento de tecnologias que poderiam alçá-los a posições
competitivas no mercado.
[...]Tais debilidades já têm sido diagnosticadas por incubadoras e outros
apoiadores e só poderão ser remediadas se estas empresas solidárias puderem
recrutar profissionais de nível superior para os seus quadros[...](SINGER,
2000b, p.22)
Mais uma vez o autor enfatiza a importância em se garantir bases de sustentação
sólidas à “economia solidária”, a exemplo do que ocorre com as empresas capitalistas, para que
possa se estender às várias áreas econômicas e se consolidar como estratégia viável, alternativa
ao capitalismo. (SINGER, 2000b, p.23).
Integrar empresas e instituições regidas pelo princípio solidário é condição essencial
para evitar a degeneração ou a falência do empreendimento. Por isso é que, enquanto Secretário
Nacional da Economia Solidária no Brasil, Singer afirma que
[...]A construção da competência nos princípios da solidariedade é
perfeitamente possível desde que cada empreendimento possa se financiar,
abastecer-se, escoar sua produção, aperfeiçoar-se tecnologicamente e educar
seus membros em intercâmbio com outros empreendimento
solidários[...](2000b, p.24)
19
A criação, em 2003, de um órgão federativo como a SENAES - Secretaria Nacional
de Economia Solidária, integrante do Ministério do Trabalho e Emprego, é parte estruturante do
plano contra a degenerescência das cooperativas. Além disso, o Ministério do Trabalho e
Emprego em conjunto com o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador –
CODEFAT, também desenvolveu um Plano Nacional de Qualificação – PNQ 2004/2005, para
que problemas derivados da falta de conhecimento e qualificação técnica ou autogestionária
sejam sanados com maior eficácia.
Embora se discuta a conveniência ou não da interferência governamental neste
processo de fortalecimento do setor, o que se vê no Brasil, com a criação da SENAES no governo
Lula, é um apoio estratégico, principalmente no que diz respeito às articulações das várias
iniciativas econômicas isoladas espalhadas pelo país em Fóruns locais, regionais e nacionais.
Assim, segue-se o exemplo do complexo Cooperativo de Mondragón na Espanha, que conta com
mais de 100 cooperativas de produção, um banco, uma rede de supermercados, uma universidade
e cooperativas de investigação tecnológica que só se fortaleceram com apoio técnico, legal e
financeiro do governo basco.
Para que os empreendimentos solidários sejam gestados de acordo com os preceitos
ideológicos, Singer acredita na necessidade de um longo aprendizado por parte dos trabalhadores
e das agências de apoio relativo aos valores cooperativos “solidários e autogestionários”. Assim,
os cursos e seminários que se desenvolvem por todo o país, principalmente com a ajuda das
Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), são cruciais.
[...]é possível considerar a organização de empreendimentos solidários o início
das revoluções locais que mudam o relacionamento com os cooperadores e
destes com a família, vizinhos, autoridades públicas, religiosas, intelectuais, etc.
Trata-se de revoluções tanto no nível individual como no social. A cooperativa
passa a ser um modelo de organização democrática e igualitária que contrasta
com modelos hierárquicos e autoritários[...](SINGER, 2000b, p.28)
O anseio é que se instaure uma revolução socialista primeiro nas regiões mais pobres
do interior do país e, depois nos grandes centros urbanos a partir das favelas e da consolidação da
autogestão de seus empreendimentos. A ênfase é dada ao local, negando-se a ação revolucionária
enquanto totalidade, como ruptura definitiva da estrutura de poder instaurada pelo capital.
20
A intenção é que, aos poucos, estas iniciativas isoladas, locais, sejam disseminadas
por todo país não de forma subordinada ou como mera estratégia de sobrevivência, mas a título
de exemplos que deram certo, como alternativa possível ao capitalismo, uma escolha sem volta.
No Brasil, o governo Lula aparece como parceiro essencial ao fomento sustentável das
atividades solidárias, articulando-as a outros projetos de dimensão nacional, como Fome Zero, as
políticas públicas de Desenvolvimento Local, Reforma Agrária etc. Tudo isto objetivando não
perder de vista o caráter de movimento social genuinamente autônomo, segundo seus dirigentes,
contra a ordem do capital.
Assim, o autor conclui que essa economia pode vir a ser chamada de comunista,
possuidora de um dinamismo próprio, não subordinada ao sistema capitalista. Ao mesmo tempo
em que dispensam a finalidade de acumular capital, conviveriam muito bem tanto com aqueles
que visam auferir grandes lucros, conquistando incessantemente novos mercados e eliminando
concorrentes, como com quem deve produzir para o mercado dito globalizado e competitivo para
sobreviverem.
[...]Não há uma oposição. Eu acredito que uma economia, vamos dizer,
dominada por cooperativas, há espaço para a economia capitalista. Tem que
haver liberdade para que, se alguém quiser criar empresa capitalista e outro
quiser ser assalariado, isso devia ser um direito humano (SINGER, 2000a,
p.163)
Tendo em vista esta análise, pode-se concluir que, na sociedade capitalista e
neoliberal, ser cidadão é ter direito de escolha: ou ser explorado pelo capital ou sobreviver à
margem, das migalhas concedidas por este modo de produção.
Percebe-se que Singer aposta numa convivência pacífica, equilibrada, consensual
entre o que seriam dois tipos de economia: a capitalista que incentiva valores competitivos e
individualistas e a solidária que nutre valores mais humanos, igualitários e democráticos.
Como secretário nacional de “Economia Solidária”, Singer procura, juntamente com o
auxílio do governo federal e outros ministérios, tratar do desenvolvimento de regiões pobres
segundo este conceito “autogestionário” ou “socialista” do cooperativismo.
Por outro lado, nos textos da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES
ficam evidenciadas as contradições inerentes ao próprio sistema de reprodução social, ao se
mencionar as necessidades diversas que devem ser satisfeitas pelos empreendimentos populares.
21
Em um texto para discussão, publicado e distribuído pelo Ministério do Trabalho e
Emprego no qual comenta algumas diretrizes essenciais ao desenvolvimento de comunidades
pobres, Singer (2004, p.2) explica que investir em atividades que aumentem a renda destes
trabalhadores é a única maneira de integrá-los estrategicamente ao padrão cultural disseminado
pelo “modo de ser” burguês. Discorre que independentemente de ser positivo ou não, é isso o que
essa população deseja: a qualidade de vida expressa nos produtos e serviços utilizados pela classe
burguesa, sinônimo de prestígio social.
Neste ponto, ressalta-se a importância do consumo de mercadorias para o “Ser”, tendo
em vista a aceitação social plena, e não limitada a um grupo econômico específico. Para tanto, é
preciso que as mercadorias solidárias sejam revestidas do mesmo “feitiço”, do mesmo
encantamento produzido pelas marcas, que as tornem tão desejadas e valorizadas como aquelas
oriundas da produção capitalista. É preciso que as trocas dessas mercadorias sejam tão eficientes
como as trocas das mercadorias capitalistas. É preciso um meio para valorizá-las.
Salta à vista o paradoxo presente no discurso de Singer, que se por um lado faz uma
análise compartimentada da realidade social, ao tratar a “Economia Solidária” como um setor
constituído de uma lógica e dinâmica próprias, por outro ressalta a impossibilidade da
sobrevivência dos empreendimentos solidários sem a exploração do mercado em sua totalidade,
sem a obtenção de lucro, sem o fetiche da mercadoria. Sabe-se que o mercado capitalista adota
um padrão de eficiência e desenvolve ferramentas específicas para que o lucro sempre seja
atingido a um menor custo possível. Manter as ações solidárias isoladas deste fenômeno é algo
que só se conseguiu até o momento, no discurso.
Muitos empreendimentos populares exportam seus produtos e serviços para uma elite
estrangeira por um preço muito baixo. Por terem ainda pouco valor agregado – expressão muito
utilizada nas empresas capitalistas – pois são produtos oriundos de extrativismo vegetal ou
animal e artesanato, a oferta sempre é bem maior que a demanda, pressionando ainda mais a
redução dos preços. Desta forma,
[...]a única maneira não casual nem ilegal duma comunidade pobre aumentar o
dinheiro que seus membros ganham é vender para fora mercadorias mais caras,
em quantidades crescentes, sem que seu preço caia (ao menos a curto prazo).
Encontrar tais mercadorias é portanto condição essencial mas não suficiente
para dar partida ao processo de desenvolvimento
(SINGER, 2004, p.2-3)
22
Assim, o autor considera essencial desenvolver todos os membros de uma
“comunidade pobre” de forma conjunta e solidária, na qual serão possuidores coletivos dos meios
de produção, distribuição e participantes efetivos da tomada de decisão.
[...] a procura pela especialização produtiva que eleva o rendimento da
comunidade não pode prescindir desta condição: os novos ramos produtivos
têm de permitir que todos deles participem enquanto produtores e enquanto
gestores do processo produtivo. Os que demonstram mais habilidade e maior
proficiência devem naturalmente – porque é benéfico a todos – ajudar os que
têm menos facilidade de desenvolver estas qualidades [...](SINGER, 2004, p.3)
Com efeito, o único referencial eficaz de modelo de “gestão empresarial” posto em
prática para administração de um empreendimento autogestionário é o modelo capitalista, que por
sua vez também já introduziu elementos “democráticos” em seus processos de tomada de decisão
e políticas de participação nos lucros e remuneração variável.
Mas, Singer ainda aponta um problema que precisa ser resolvido ou adaptado já que,
[...] o modelo tecnológico, o ter que se tornar competitivo, tudo isso é
inevitável, e não poderia ser diferente[...] Como é que se consegue colocar um
fogão e uma geladeira de boa qualidade a preço competitivo, a não ser olhando
o que as empresas capitalistas americanas, japonesas etc, estão fazendo?[...]
(S
INGER, 2000a, p. 157).
Eis aqui uma dificuldade evidente que põe sérios limites ao desenvolvimento dos
empreendimentos populares “autogestionários e solidários”: o ter que trabalhar ou produzir para
um mercado, que transforma a tudo e a todos em mercadoria e que não é nada solidário. Mais do
que isso, um mercado que exige determinados comportamentos e ações mais ou menos
padronizadas, e impõe de forma irrestrita mecanismos de controle de produção, de qualidade, de
preço e distribuição para que a atividade consiga ser sustentável, segundo a lógica do capital.
Negar a perspectiva da totalidade enquanto método essencial à análise da realidade é
desconhecer a complexidade do processo da reprodução social. O fenômeno da chamada
“Economia Solidária” não pode ser entendida em si mesmo, sem as articulações necessárias com
o momento predominante da fase de acumulação capitalista mundial e as especificidades do
capitalismo brasileiro e suas mazelas. As determinações intrínsecas e extrínsecas a essas práticas
“ditas” solidárias devem ser reveladas, pois podem representar o esforço para a manutenção do
23
“status quo” enquanto, ideologicamente, se professa a revolução silenciosa, a mudança radical
das condições objetivas e subjetivas da vida.
1.1 A estrutura institucional e o funcionamento do programa Economia Solidária em
Desenvolvimento da SENAES/MTE.
A Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES foi instituída em junho de
2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE tendo como principal objetivo o
fortalecimento de projetos sociais voltados à geração de trabalho e renda em regiões pobres. Estes
empreendimentos se fundamentariam pela “autogestão” e pela propriedade coletiva dos meios de
produção.
No entanto, só em 2004 esta secretaria pôde contar com dinheiro advindo das verbas
públicas federais para pôr em prática o Programa de Economia Solidária em Desenvolvimento –
PESD, institucionalizando os procedimentos para o uso direcionado dos recursos orçamentários.
De acordo com o documento formulado pelo MTE/SENAES,
Foi um ano de experimentação, onde a partir das demandas apresentadas pela
sociedade civil e pelas políticas do Governo Federal, a SENAES ampliou a
esfera de suas ações e experimentou diferentes instrumentos para o
desenvolvimento
de suas políticas. (MTE/SENAES, 2006, p.01)
Entendida como uma “política transversal” no interior do governo federal, o Programa
de Economia Solidária em Desenvolvimento – PESD visa à eliminação ou diminuição
significativa da pobreza para a promoção da tão mencionada “inclusão social” e assim, contribuir
também para o desenvolvimento econômico local sustentável. Estas ações reduziriam as
desigualdades e fortaleceriam o exercício da cidadania.
Ainda de acordo com o mesmo documento, pode-se verificar a intenção programática
de emancipar política e socialmente a população brasileira historicamente desprivilegiada. Deste
modo, a “Economia Solidária” é encarada como uma relação econômica alternativa às relações
capitalistas de produção, por causa da organização coletiva dos trabalhadores “autogestionários
que geram seus próprios trabalhos e empregos. Assim, sugerem que muitas institucionalidades de
apoio estão sendo criadas, adequadas e desenvolvidas para se ajustarem ao caráter alternativo
24
destes microempreendimentos populares, que se caracterizam especificamente pela carência
inicial de qualificação da força de trabalho, dificuldades de acesso ao crédito, financiamentos,
empréstimos e tecnologia. É o que acontece com as
[...]iniciativas de Organizações Não Governamentais, voltadas para projetos
produtivos coletivos, cooperativas populares, redes de produção-consumo-
comercialização; instituições financeiras voltadas para empreendimentos
populares solidários, empresas recuperadas por trabalhadores organizados em
autogestão, cooperativas de agricultura familiar, cooperativas de prestação de
serviços, dentre outras. (MTE/SENAES, 2006, p.02)
O papel do Ministério do Trabalho e Emprego é abarcar, no interior dos seus
programas de assistência ao trabalhador, outras formas de relações de trabalhos que atualmente
são estratégicas à sobrevivência daqueles que estão desempregados. De acordo com o governo
federal, estes também precisam estar representados legalmente para que possam exercer sua
cidadania.
Além destas questões, o PESD intenciona articular os vários Ministérios em favor
desta relação econômica que se coloca no cenário brasileiro e também mundial, como a mais
justa. Deste modo, os trabalhadores teriam acesso aos programas do Ministério de
Desenvolvimento Agrário e do Ministério de Desenvolvimento Social, dentre os quais se
destacam o Fome Zero, Bolsa Família e as demais formas de política social.
O programa visa a contemplar três segmentos por meio de auxílio financeiro,
qualificação técnica e estrutural:
Empreendimentos diversos de Economia Solidária: cooperativas, associações,
empreendimentos comunitários, redes de projetos comunitários, etc.
Entidades de fomento e assessoria: entidades como a Associação Nacional dos
Trabalhadores e Empresas de Autogestão – ANTEAG –, Agência de
Desenvolvimento Solidário – ADS –, Cooperação e Apoio a Projetos de
Inspiração Alternativa – CAPINA –, Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares – ITCP –, Central Única dos Trabalhadores –
CUT,etc.
Gestores públicos
25
Todos os projetos “autogestionários” implementados ou financiados por estes três
segmentos, seja em instância local, regional ou nacional são articulados nos Fóruns Estaduais de
“Economia Solidária” por meio de feiras e debates nos grupos de trabalho. Estas atividades, por
sua vez, também estão presentes nos Fóruns Brasileiros de “Economia Solidária”, nos quais são
divulgados os trabalhos solidários realizados e as metodologias desenvolvidas para tal.
Outra instância que auxilia na articulação entre as várias iniciativas solidárias
existentes em regiões variadas do Brasil são as Delegacias Regionais ligadas ao Programa
Economia Solidária em Desenvolvimento - PESD, queo instâncias descentralizadas do MTE e
desenvolvem ações de apoio à “Economia Solidária”.
Essas delegacias, por meio de cursos, qualificações e palestras, devem articular,
mobilizar e sensibilizar a sociedade local em relação aos projetos implementados. Além disso,
também são responsáveis pelo auxílio direto da implantação do Sistema de Informações em
Economia Solidária – SIES, cujo resultado das primeiras pesquisas já foi mencionado neste
estudo.
O Sistema de Informação em Economia Solidária - SIES é alimentado pelos
chamados “agentes de desenvolvimento local”, inscritos nas delegacias, que realizam pesquisas
empíricas buscando quantificar e qualificar as práticas solidárias efetivas no país. Após
levantamento minucioso, essas informações servem para a elaboração de um mapa dos
empreendimentos “autogestionários” em todo o Brasil, o que permite maior controle e
fiscalização dessas atividades por parte dos governantes.
Segundo documento da MTE/SENAES, algumas Delegacias Regionais também
[...]vem desenvolvendo outras atividades, tais como: eventos de divulgação e
capacitação, ações de fortalecimento a projetos desta área em comunidade
urbanas periféricas, comunidades quilombolas, cooperativas de trabalho
autênticas, empresas recuperadas[...](MTE/SENAES, 2006, p.05)
O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento – PESD, aposta em um
possível caráter democrático de suas ações, visto que todo o seu planejamento é resultado da
participação efetiva da população inserida em atividades solidárias já existentes no Brasil e que
foram organizadas em Fóruns. Para 2005 e 2006 foram planejadas algumas ações consideradas
26
prioritárias para o fortalecimento dessa relação econômica, como o I Conferência Nacional de
“Economia Solidária
9
.
As atividades econômicas que se auto-definem como “solidárias e autogestionárias”
enfrentam um paradoxo muito difícil de ser resolvido na prática. Precisam se adequar às
exigências do mercado e ao mesmo tempo preservar suas características solidárias. Ser
competitiva, sem se deixar envolver por valores individualistas.
Tendo em vista as dificuldades inerentes à precária qualificação para o trabalho da
população pobre no Brasil, que não possuem habilidades para desenvolver novos produtos e
serviços, com a qualidade padrão desejada pelo mercado, se faz necessária, desde o início destes
empreendimentos, a figura de profissionais e instituições que possam orientar o novo processo de
desenvolvimento. Neste contexto, é preciso também que a “gestão dos negócios” esteja de acordo
com os princípios de uma “Economia Solidária”, mesmo que o destino destes produtos seja o
mercado não solidário. Daí a necessidade de uma nova metodologia de trabalho, adequada ao
ideário socialista-solidário.
O ideal, segundo a Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES, seria que
os próprios “membros das comunidades” participassem efetivamente do processo de tomada de
decisões referente às escolhas dos mercados e dos tipos de produtos e serviços que seriam
desenvolvidos. Por isso, devem ter acesso irrestrito ao conhecimento socialmente produzido e
compreenderem minimamente o modo de funcionamento do mercado, para que o processo de
tomada de decisão seja bem realizado por esses.
A recomendação da SENAES vai no sentido que a população de “comunidades
pobres” não receba informações externas de forma passiva, mas que devem estar preparados para
adequá-las à realidade da atividade produtiva em questão, preservando a autonomia do processo
decisório. Segundo a Secretaria, mesmo que nem todos gostem de tomar decisões ou queiram
assumir uma postura de liderança, é preciso que pelo menos compreendam o processo como um
todo e possam melhor avaliá-lo quando houver necessidade de escolher um representante para
9
Em documentos publicados em 2006 pelo Ministério do Trabalho e Emprego sobre a preparação desta conferência
e sua realização final entre os dias 26 a 29 de junho de 2006, fica explicitada que o objetivo desta é [...] ampliar o
dialogo do movimento da Economia Solidária com a sociedade civil (organizações e movimentos sociais e
populares) e o Estado, subsidiar Políticas Públicas e propor instrumentos de gestão democrática[...] Nosso desafio
é assegurar no limite de tempo que temos, a participação mais ampla das bases, em especial dos empreendimentos,
das organizações e movimentos sociais, gestores públicos nas conferência preparatórias e ampliar a visibilidade
desse setor de atividade, para que mais e mais gente possa afirmar a economia solidária como estratégia e política
de desenvolvimento.[...]
27
efetivar o planejamento estratégico em relação à implementação e ao desenvolvimento do micro-
empreendimento popular.
Cabe aos agentes de desenvolvimento abrir a comunidade o leque de
alternativas de desenvolvimento disponíveis e deixar que a comunidade faça a
sua escolha. Para tanto, é preciso que a comunidade acesse as informações
pertinentes para a escolha, o que provavelmente demanda a assistência dos
agentes externos. Como a comunidade deve escolher uma entre muitas
possibilidades, parece-nos essencial que ela mesma se apodere dos
conhecimentos que lhes permitam escolher de forma mais consciente
possível.[...](SINGER, 2004, p.4)
Os profissionais denominados pelo autor como “agentes de desenvolvimento” seriam
as instituições bancárias e os serviços públicos. As agências de fomento exclusivas da “Economia
Solidária” estão vinculadas aos sindicatos, igrejas, universidades e movimentos sociais. O próprio
trabalhador apoiado por estes agentes no processo da educação econômica e política, deve
desenvolver a consciência de que precisa se auto-organizar para conseguir manter a sua
sobrevivência com autonomia. Isso significa, segundo Singer, que é necessário fortalecer os
princípios democráticos ou “autogestionários e solidários”, para que esta população não se
submeta a quaisquer interesses divergentes ao seu desenvolvimento. Deve, assim, estar preparada
para caminhar com as próprias pernas e a manter uma relação de igual para igual com os “agentes
de desenvolvimento” que também deverão aprender muito com a forma pela qual o trabalhador
precarizado se auto-organiza e especializa sua produção.
Singer indica também que a troca de saberes é fundamental entre os agentes e a
“comunidade” que, por sua vez, não deve ser encarada como massa homogênea, facilmente
manipulável. Pelo contrário, deve ser estimulada a mostrar o que sabe, para que se restabeleça a
auto-estima e o exercício da cidadania entre seus membros.
Assim,
[...]a capacitação [é] adquirida no enfrentamento dos problemas reais, à medida
que eles vão se colocando. No decorrer do processo, instituições vão surgindo
por meio das quais, a comunidade se organiza para promover o seu
desenvolvimento: assembléia de cidadãos, comissões para diferentes tarefas,
empresas individuais, familiares, cooperativas e associações de diferentes
naturezas. O poder público local poderá se associar ao processo e se fazer
representar, quando necessário, em comitês mistos públicos-privados[...]As
experiências das incubadoras universitárias de cooperativas populares atesta
28
que este tipo de processo é real e é essencial para que o desenvolvimento
solidário possa se dar.(SINGER, 2004, p.4-5).
Visto tamanha eficiência que necessariamente os “agentes de desenvolvimento”
precisam ter no trato com estes trabalhadores, é preciso muito cuidado com a formação desses,
que passam pela qualificação em um Centro Nacional de Preparação de Agentes de
Desenvolvimento, vinculado também ao governo federal. Esses centros estariam localizados em
diversas regiões do Brasil e cuidariam de reunir e sistematizar as diversas informações referentes
às várias experiências de empreendimentos populares.
A partir daí, o entrosamento entre estes trabalhadores quebraria o relativo isolamento
entre as várias iniciativas e possibilitaria o fortalecimento dessa nova relação econômica em nível
nacional. O secretário da SENAES acredita que a correta articulação entre teoria e prática
“comunitária” é arma fundamental para o bom desenvolvimento dos agentes e das
“comunidades”.
Singer, a exemplo do modelo capitalista de produção, propõe alguns arranjos
produtivos que beneficiariam a gestão coletiva dos recursos, a diminuição dos custos e a
maximização das receitas.
Uma federação de comunidades com a mesma especialização, seja ela
agricultura, artesanato, turismo ou o que for, configura o que hoje se conhece
como Arranjo Produtivo Local (APL), em que desenvolvimento tecnológico,
compra de insumos e marketing de produtos podem ser feitos em comum. A
proximidade geográfica tem sido decisiva para os APLs clássicos, mas com o
desenvolvimento da Internet talvez seja possível construir Arranjos, com
atividades coordenadas à distância. O centro Nacional poderia colocar as
comunidades, com possibilidades de se federar, em contato e os agentes de
desenvolvimento as assistiriam na construção de APLs.
Também comunidades com especializações complementares – tecidos e
confecções, produtoras de rações e criadoras de animais etc. – teriam boas
razões para se federar e coordenar esforços de desenvolvimento para o
benefício de todas.[...](SINGER, 2004, p.5)
Sai de cena o partido político, como instrumento de luta e articulação para tomada do
poder, e entra o Centro Nacional de Preparação de Agentes, que passa a ser o elo fundamental
entre as várias iniciativas “autogestionárias” isoladas, permanecendo o vínculo estreito com o
Estado, o maior fomentador deste processo.
29
Qualificar para o mercado, adequar os valores “solidários e autogestionários” à um
ambiente concorrencial, articular os saberes com conhecimento técnico, são ações consideradas
fundamentais à sustentação das bases da “Economia Solidária”. Deste modo, a educação para o
trabalho, sob responsabilidade do Estado, deve também estar adequada às demandas deste novo
projeto.
Ao tratar da origem do Plano Nacional de Qualificação - PNQ no governo Lula, que
institui ações voltadas à “Economia Solidária” e diretrizes para a formação dos “agentes de
desenvolvimento” acima mencionado, Teles (2006) descreve um histórico evolutivo das ações
governamentais para cumprir esta meta.
Educar (ou qualificar), tendo em vista o mercado, é demanda antiga do sistema que
contemporaneamente possui mais um desafio: humanizar, suavizar as agruras derivadas do ser-
em-si do capitalismo.
É dever do Estado, segundo a Constituição Federal de 1988, art. 205, prover e garantir
que a educação seja orientada ao desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e
principalmente ao trabalho. Educação e trabalho, sob a roupagem de qualificação, estão
intimamente ligados. A própria LDB, Lei de Diretrizes e Bases, sustenta essa mesma necessidade
em seu art. 2º.(TELES, 2006, p.115)
De acordo com Teles, se a educação deve qualificar o indivíduo para a vida
profissional, claro que, em projetos de Estado voltados ao desenvolvimento social, deve envolver
mecanismos que garantam essa qualificação de acordo com as demandas do mercado de trabalho.
[...] Os investimentos em educação produzem elevação do estoque de
capital humano[...]Aumentos neste tipo de capital significam maior
produtividade do trabalho[...](TELES, 2006, p.116)
Mas, apesar dos impactos positivos do aumento da escolaridade sobre os níveis de
renda, as pessoas não encontram oportunidades no mercado capitalista que não oferece as
mesmas condições de inserção para todos. Daí a necessidade do Estado elaborar mecanismos de
inserção ou “inclusão” que, de alguma forma, garantam renda e trabalho às “minorias”.
Teles (2006, p. 116-117) descreve um cenário mundial no qual as tecnologias de
informações, juntamente com os novos modelos gerenciais e administrativos, impõem uma
30
dinâmica complexa de adaptação ao mercado de trabalho que dificulta a vida daqueles que não
podem acompanhar o ritmo das mudanças.
Na década de 1980, a saída para o desemprego foi investir em atividades pautadas no
chamado empreendedorismo e a inserção de grande parte da população desempregada nos
trabalhos ditos informais.
Atentos a essa nova realidade produtiva, é esperado que o trabalhador adquira
competências laborais, domínio de métodos e técnicas em um contexto controlado por critérios
como produtividade, eficácia e eficiência dos processos. Esta é a lei do mercado capitalista para
quem quer sobreviver à concorrência.
Assim,
[...] A qualificação profissional deve estar inclusa em um processo maior de
formação geral, que associe profissionalização com processos educativos e
relacione conhecimento com prática de trabalho, em um contexto de articulação
orgânica do saber com o processo produtivo.[...](TELES,2006, p.18)
Espera-se que exista uma “renovação integrada do saber pelo fazer”, e a reflexão
crítica sobre as mudanças. A educação profissional torna-se uma estratégia de Estado para o
desenvolvimento nacional e se transforma numa luta político-ideológica em favor da redução da
pobreza.
Neste caso, é importante conhecer as ações específicas do país visando à padronização
da educação para o mercado de trabalho. No Brasil, entre as décadas de 20 e 40 do século XX,
foram introduzidas e fortalecidas as primeiras técnicas de administração científica que se
desenvolveram juntamente com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, e o
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC. Além destas também surgiram outras
escolas técnicas federais e estaduais. (TELES, 2006, p.118)
Naquela época, eram acentuadas as diferenças entre os cursos generalistas, mais
sólidos, complexos e contínuos, e os profissionalizantes, um ensino mais imediatista, restrito à
qualificação do indivíduo para o mercado de trabalho.
Na década de 1970, a educação tecnológica passa a ter maior visibilidade com a
criação de cursos de tecnológos pelo governo federal. Em 1990 é criada a Secretaria Nacional de
Educação Tecnológica pelo Ministério da Educação que em 1992 passou a ser Secretaria de
31
Educação Média e Tecnológica – Semtec. Em 2004 separa-se o Ensino Médio, agora integrado
ao Ensino Fundamental, do Ensino Tecnológico, que hoje possui uma secretaria especifica –
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – Setec. (TELES, 2006, p.119)
No caso da qualificação profissional, o Ministério do Trabalho e Emprego lançou em
1995, o Plano Nacional de Qualificação Profissional – Planfor, que vigorou até 2002. Como parte
de políticas públicas de geração de trabalho e renda, o objetivo era aumentar a oferta de
trabalhadores qualificados para diminuir o desemprego ou subemprego. (TELES, 2006, p.122)
Neste raciocínio linear de causa e efeito verifica-se que a fonte para solução do
desemprego está centrada nas competências e habilidades individuais. O indivíduo deve
desenvolver habilidades específicas requeridas pelo mercado e assim obter uma ocupação ou se
auto-ocupar, angariando e gerenciando a renda para seu sustento e reprodução.
[...]Em termos quantitativos, visava qualificar a cada ano pelo menos 20% da
PEA – representando mais ou menos 15 milhões de pessoas/ano[...]. Segundo
os relatórios de gestão do plano, 97% do total de treinandos e dos investimentos
em 2000 foram voltados para: pessoas desocupadas; pessoas em risco de
desocupação permanente ou conjuntural; empreendedores urbanos e rurais; e,
pessoas autônomas, cooperadas ou autogeridas
10
.[...](TELES, 2006, P.122-
123)
Teles (2006, p.124-125), também relata que, com relação à eficácia destes métodos de
qualificação, em 2000, 1,9 milhões de desocupados foram qualificados e destes, somente 15%
(284 mil) foram recolocados no mercado de trabalho. Esperava-se que esse número crescesse,
mas o acompanhamento dos egressos é relativamente complicado, tendo em vista o tempo médio
de procura de emprego no país que é de 6 a 12 meses.
Quanto ao conteúdo dos cursos oferecidos, é preciso considerar o desenvolvimento de
habilidades básicas, como “conhecimentos, valores e atitudes” que fundamentam o trabalho nesse
momento, de habilidades específicas, que abarcam os conhecimentos técnicos, e os
conhecimentos de gestão que “envolvem competências essenciais para o trabalho autônomo,
cooperativo, associativo, em pequenos negócios”. De qualquer forma, o curso é oferecido de
acordo com as características do público-alvo.
10
Grifo nosso.
32
O foco do treinamento, para 80% dos alunos, tem recaído sobre as habilidades
específicas, ou seja, habilidades voltadas ao conhecimento técnico, nível em que o mercado é
comprador. Apenas 57% dos treinandos fizeram cursos de gestão. A explicação é dada pelo autor
em relação a esta divisão do Ministério, nos seguintes termos:
[...]Tal distribuição demonstra que a qualificação estava integrando, em
maior escala, habilidades básicas e específicas, sendo a oferta de
habilidades de gestão dosada para públicos específicos. O que pode estar
sinalizando para uma certa coerência com alguns padrões exigidos pelo
mercado de trabalho.[...](TELES, 2006, p.125)
Apesar do Planfor emitir relatórios favoráveis às qualificações, o autor denuncia que
algumas avaliações externas ao Ministério demonstraram a fragilidade do plano, a má qualidade
dos cursos e a ineficácia das ações de integração entre os planos de cunho social. Na prática,
aqueles que se qualificavam não conseguiam se integrar ao mercado de trabalho via políticas
públicas de emprego (microcrédito, recolocação no mercado de trabalho, etc), e nem conseguiam
obter auxílio derivado das políticas públicas de educação. O próprio programa de qualificação
não contava com a participação e fiscalização da sociedade civil na condução de suas ações.
Em 2003, o novo governo, redimensiona o setor denominando-o Plano Nacional e
Qualificação – PNQ, criado pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador -
CODEFAT em 10 de julho, na tentativa de exterminar todas aquelas incongruências. Este plano
foi implementado em sua totalidade em 2004.
De acordo com a resolução nº 333, art, 1º do Codefat, verificadas acima
[...]
O PNQ foi instituído no âmbito do Programa de Seguro-Desemprego, para
executar ações de qualificação social e profissional, mediante convênios
plurianuais com instituições promotoras de atividades de ensino ou de
qualificação profissional. Todavia, este só prevê apoio a projetos que
apresentem contrapartidas reais e comprovadas, cujo valor é definido de acordo
com o porte e a capacidade econômica do empreendimento[...](TELES, 2006,
p.126)
O PNQ se pretende mais completo, e inclui em seu bojo questões étnico-raciais e
outras consideradas “minorias”. Julga, por isso, priorizar esta parcela da população mediante
financiamento de projetos que combatam a desigualdade entre mulheres, ao mesmo tempo em
que abre espaços para os jovens que precisam do primeiro emprego.
33
O plano ainda institui ações voltadas à Economia Solidária, à capacitação dos
“agentes de desenvolvimento”, mais acima referido
11
, e dispõe sobre conceitos e medidas
necessárias para que efetivamente este projeto solidário econômico-social seja praticável.
Entre os seus objetivos, o PNQ possui a responsabilidade de coordenar todas as ações
de qualificação social e profissional nas “comunidades pobres”, estimulando e fortalecendo a
“Economia Solidária” e sua integração às demais políticas de trabalho, geração de renda e
desenvolvimento no Brasil. A qualificação pode ser vista como
[...]um conjunto de políticas que se situam na fronteira do trabalho e educação,
intrinsecamente vinculadas a um projeto de desenvolvimento includente,
distribuidor de renda e redutor das desigualdades regionais.( PNQ, 2006, p.4)
Os planos de qualificação foram originalmente traçados para atender os trabalhadores
rurais e aqueles do sistema público de emprego e “Economia Solidária”, os trabalhadores
ocupados ou auto-empregados, domésticos, trabalhadores oriundos da reestruturação produtiva,
em situações especiais e gestores de políticas públicas.
Tendo em vista o forte caráter de “inclusão” do projeto e de sustentabilidade
econômica, todas as ações de qualificação devem fortalecer o potencial da “Economia Solidária”
mantendo sua dimensão emancipatória e incorporando conhecimentos técnicos (PNQ, 2006, p.8)
Segundo o PNQ, integrar as políticas de qualificação e as políticas de fortalecimento
da “Economia Solidária” significa ter como objetivos
Envolver os agentes da economia solidária na elaboração, acompanhamento
e avaliação das ações de qualificação específicas;
Articular as políticas de qualificação e as políticas de fortalecimento da
economia solidária aos processos estratégicos de desenvolvimento (local,
regional, nacional);
Contribuir para o fomento, a constituição de empreendimentos e de
cadeias/arranjos produtivos solidários;
Articular a economia solidária e as demais políticas públicas, em especial,
aquelas relativas à elevação da escolaridade, alfabetização e educação de jovens
e adultos;
11
Op. Cit., p.26
34
Contribuir para promover o debate público sobre Economia Solidária
(seminários, eventos e cursos);
Elaborar metodologias de qualificação e estudos voltados para as
exigências da economia solidária (PNQ, 2006, p.9)
Estas preocupações devem vir acompanhadas de outras recomendações quanto ao
aspecto comportamental e cultural, consideradas também imprescindíveis para o sucesso deste
projeto. A orientação pedagógica e metodológica deve valorizar o trabalhador, seus “saberes”
advindos da experiência, a diversidade cultural, étnica, social, regional e de gênero, bem como
reconhecer sua identidade socialmente construída. O projeto pedagógico para a “Economia
Solidária” também deve articular temas dedicados ao trabalho e ao exercício da cidadania, para
que os trabalhadores se sintam estimulados a participar ativamente da vida sócio-política do país.
Assim, conseguir desenvolver uma estrutura curricular que envolva todas essas dimensões é
essencial ao sucesso do projeto (PNQ, 2006, p.10).
A identidade cultural que precisa ser fortemente trabalhada nos empreendimentos
“autogestionários”, justamente por demandarem um comportamento extremamente diferente do
individualismo encontrado no sistema capitalista, deve ter um enfoque metodológico baseado em
reconhecimento das experiências e dos saberes dos trabalhadores
envolvidos no ato formativo;
articulação entre os conteúdos, a realidade, a população local e os projetos
de desenvolvimento territoriais;
participação do público por meio de práticas inovadoras de conteúdo
solidário e autogestionário;
construção coletiva do conhecimento valendo-se da realização de
trabalhos em grupo, debates em plenário, avaliações e sistematizações de
prática educativa;
valorização dos procedimentos e das mudanças de posturas no campo da
intersubjetividade e do cotidiano, que permitam a construção de uma nova
cultura do trabalho;
utilização de elementos lúdicos que tenham correspondência com a
cultura popular (vídeos, textos, poesias, músicas e teatro etc.);
ações formativas para a Economia Solidária, assim como as outras ações
do PNQ, devem ter carga horária que assegurem a qualidade pedagógica e a
integração entre formação social e técnica. Com intuito de assegurar a
qualidade pedagógica os cursos não poderão ter carga horária inferior a 40
horas, e os seminários e outras modalidades não poderão ter duração inferior a
16 horas (PNQ, 2006, p.11)
35
Especificamente para a “Economia Solidária” alguns conteúdos necessários ao bom
desempenho do trabalho seriam:
constituição, organização e gestão democrática de empreendimentos
solidários;
autogestão;
relações Intersubjetivas no trabalho;
construção de redes, complexos cooperativos, centrais de
comercialização;
participação cidadã e controle social nas políticas públicas;
legislação do cooperativismo, mutualismo e autogestão;
direitos sociais e trabalhistas como direitos humanos;
trabalho emancipatório e a superação do trabalho alienado;
integração dos conteúdos profissionais e sociais, de forma a facilitar a
construção de metodologias relativas apo processo produtivo, coerentes com o
projeto de Economia Solidária (PNQ, 2006, p.12)
Dessa maneira, constrói-se todo um arcabouço teórico-ideológico que, em seu bojo,
estaria primando por uma nova ética, que visa a contemplar o coletivo, o fortalecimento da
cidadania e da democracia no ambiente de trabalho, além de reivindicar uma nova forma de
sociabilidade mais justa e igualitária.
Mas, de fato, é possível pensar em uma associação de trabalhadores para a produção,
que mantenha intacta uma ética verdadeiramente democrática, “autogestionária e solidária”, no
interior de uma ordem totalizadora, concentradora de capital e extremamente competitiva? Quais
os limites dessa liberdade econômica e política ou dessa estratégia de emancipação humana,
também denominada “autogestão”, atualmente alcançada por meio de um pacto tácito com o
capital, declaradamente financiada pelo Estado, o maior representante da ordem burguesa?
É a esta problemática que se pretende dar uma resposta plausível, coerente com a
realidade dos fatos.
As hipóteses que balizam esta pesquisa é a de que, as ações no âmbito da “Economia
Solidária” estejam sendo absorvidas pelo sistema do capital que, ao mesmo tempo, desenvolve a
noção de que a “revolução” historicamente posta pela classe trabalhadora pode ser efetivada de
forma silenciosa, sem embates, e sem perdas, principalmente para o capital. Tamanha
flexibilidade do sistema faz crer que, no seu interior, todas as formas e maneiras de ser podem se
desenvolver em sua plenitude, sem preconceitos e imposições.
36
Dessa maneira, esse universo que se pesquisa parece negar todo e qualquer tipo de
conflito ou relação ditatorial em favor do consenso, e, nele, os grupos que vivem sob condições
materiais, econômicas desiguais e injustas estão envoltos numa redoma ideológica e legal que,
teoricamente e formalmente os reconhecem como iguais. Ou seja, todos, trabalhadores e cidadãos
sem distinção de classe, credo ou cor, lado a lado, devem lutar por uma sociedade mais
igualitária, responsável e sustentável, como se as condições objetivas e subjetivas de reprodução
da vida dos indivíduos particulares fossem as mesmas.
A intenção clara em suplantar o conflito entre os detentores de poder econômico e
político, os trabalhadores “alto padrão”, os operários e os “sem-nada”, por meio da adoção de um
lastro ideológico semelhante, fundamentado no discurso uníssono sobre desenvolvimento,
responsabilidade e sustentabilidade social, econômica e ambiental, é um indicativo claro de que,
em última instância, a acumulação e a concentração de capital em larga expansão não pode sofrer
nenhuma restrição.
Assim, acredita-se que, a estrutura ideológica do projeto de “Economia Solidária”,
suas bases de sustentação como as “redes” de solidariedade e o resgate de práticas históricas
“autogestionárias”, como o associativismo e o cooperativismo, estejam sofrendo um processo de
despolitização, indicando a luta impetrada pelo sistema do capital para maquiar as incoerências
insolúveis existentes no processo de reprodução social.
1.2 Desenvolvimento Local e Redes Sociais: noções que coincidem com as aspirações do
projeto “Economia Solidária” rumo à efetivação de uma “pseudo” transição socialista sem
conflitos.
Conforme já verificado em parágrafos anteriores, o objetivo da “Economia Solidária”
é, enquanto projeto nacional, viabilizar o desenvolvimento econômico e sustentável de
trabalhadores em regiões pobres, que se encontram relegados à extrema pobreza ou em condições
de dificuldades para crescer economicamente. Para tanto, fez-se necessário resgatar o ideário do
trabalho coletivo ou cooperativo e seus princípios norteadores, na intenção de promover uma
prática “autogestionária” destes empreendimentos por meio de educação, qualificação e fomento.
O viés dito socialista, adotado por estas práticas pretensamente “solidárias
autogestionárias”, não rompe com a lógica estrutural do modo de produção capitalista, pelo
37
contrário, se manifesta e se desenvolve em interstícios político-econômicos idealizados,
submergindo o conflito, e se transformando por encanto no caminho mais adequado ao fim das
mazelas sociais que afligem a maior parte da população.
Contudo, a “Economia Solidária”, no Brasil, surge e se multiplica num contexto no
qual, concomitantemente, uma outra noção se dissemina e se fortalece mundialmente: a de
Desenvolvimento Local.
Speranza (2006, p.144) por exemplo, sustenta a tese de que este termo,
Desenvolvimento Local, é ainda apenas uma noção, já que não se sustenta como um conceito por
não ter uma definição clara. Esta dificuldade se aprofunda ainda mais se for observado que o
termo é utilizado pelos mais diversos setores da sociedade que muitas vezes não compartilham as
mesmas ideologias, aparecendo também, em todas as dimensões das relações humanas (política,
social, econômica, ecológica, etc.)
Numa tentativa de organizar melhor as idéias sobre Desenvolvimento Local, Speranza
resgata algumas das interpretações presentes no cenário nacional e internacional.
Inicia afirmando que o termo também pode ser considerado uma abordagem, já que é
adotado como política pública. Esse ponto de vista pressupõe uma metodologia que inclua
processos participativos capazes de gerar intencionalidade política dirigida a um projeto de
desenvolvimento. Nesse caso, o local, que é entendido como “território em construção”, seria o
lócus da chamada “inclusão social”.
Também sustenta que,
[...] assumindo que os conceitos são socialmente construídos e encerram um
processo de disputa simbólica e econômica, entender os diferentes
significados[...] irá revelar que essa expressão é um exemplo concreto no qual a
luta simbólica e econômica do campo das classificações e categorias sociais
tem se dado de forma bastante extremada[...]( SPERANZA, 2006, p.145).
Nesse caso, a autora trata da dimensão cidadã da expressão. Isso porque algumas
categorias de análise como participação social, emancipação social, controle e transparência
social, cidadania, nesta chamada abordagem, têm sido adotadas de várias formas e
ressemantizadas pelas mais diversas classes e instituições sociais. ONGs, movimentos sociais,
agências multilaterais de desenvolvimento, empreendedores capitalistas, todos utilizam a mesma
expressão.
38
A apropriação dessas categorias históricas pelas agências multilaterais e pelas
empresas privadas, que por décadas foram utilizadas pelos movimentos sociais e pela sociedade
civil organizada, pode significar uma tentativa de despolitização das categorias, uma negação do
conflito presente nas relações sociais. Mas, essa disputa prático-ideológica deve ser entendida e
elucidada.
Speranza, também intenciona demonstrar quais os limites dessa abordagem, da qual se
espera muito mais do que, de fato, pode ser feito, sem, no entanto, desqualificá-lo.
[...]espera-se do desenvolvimento local a erradicação da pobreza no país; por
outro lado, tem se a limitação de que o desenvolvimento local é uma categoria
relacional, logo um projeto de desenvolvimento sem conexão com o plano
nacional não é capaz de sozinho diminuir a pobreza brasileira – portanto,
pergunta-se, como a articulação entre o desenvolvimento local e o plano
nacional, ou mesmo global tem se dado?[...](SPERANZA, 2006, p.146)
Introduz a discussão mencionando que a agenda de Desenvolvimento Local
construída no Brasil, como parte integrante de orientação das políticas públicas na década de 90,
tem origem no debate em torno da reelaboração do conceito de desenvolvimento. Nesse contexto
o local e o território ganham importância fundamental.
[...]O território é compreendido como o lócus ideal para iniciativas de combate
à pobreza e à de desigualdade e de construção de processos participativos e
democráticos – território aqui entendido como espaço socialmente construído,
de fronteiras flexíveis, conforme as relações de proximidade e de co-presença
entre os atores.[...](SPERANZA, 2006, p.147)
Também afirma existir intencionalidade política em discutir essa abordagem, tendo
em vista a criação do Programa Comunidade Ativa e do seu Desenvolvimento Local, Integrado
e Sustentável – Dlis, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998.
A intenção, segundo Speranza, fica clara a partir da criação de metodologias voltadas
para a promoção de ações que desencadeiam um certo processo de desenvolvimento, que seriam
definidas como induções ou apoio aos processos que precisam se somar aos elementos endógenos
do território. Essas ações norteadoras, que gerariam modelos de trabalho desenvolvimentista, se
multiplicariam em diversos lugares e regiões a partir dessas experiências desencadeadoras.
Miranda e Magalhães (2004, apud SPERANZA, 2006, p.148), afirmam que um dos
motivos pelos quais essa noção teve grande sucesso no Brasil, foi ter surgido como alternativa à
39
miséria que assola milhares de pessoas, vítimas da concentração de renda e exclusão. Num
ambiente marcado por injustiças sociais tão acentuadas, a idéia de Desenvolvimento Local,
Integrado e Sustentável – Dlis é extremamente oportuna. Da mesma forma, a conveniência desse
projeto, Dlis, é enorme visto que incorpora modelos tradicionais de práticas participativas,
definindo lugar e função para os pobres se inserirem no processo ampliado e globalizado de
acumulação de capital. Significa inclusive a necessidade de capacitação dessas pessoas para
desenvolver habilidades voltadas ao empreendedorismo.
A noção de Desenvolvimento Local tem um forte apelo que alia tecnologia e
economia de mercado a aspectos ideológicos como solidariedade, espírito comunitário, geração
de renda e trabalho, ou seja, a democratização do acesso.
A abrangência dos programas, metodologias e experiências de Dlis no país atinge os
mais variados lugares, favelas, bairros e o campo. Dessa forma, as políticas públicas locais
estariam voltadas a oferecer infra-estrutura e serviços básicos aos trabalhadores precarizados,
promovendo acesso ao crédito, assistência técnica, mecanismos e comercialização etc. Aborda
também a gestão participativa que imprime a necessidade de uma nova construção social,
fundamentada na descentralização do poder político em prol de decisões coletivas. (SPERANZA,
2006, p.149 – 150)
A autora ainda menciona que a intensificação dessa discussão foi estimulada, em
muito, depois da reforma constitucional de 1988, na qual os estados e municípios ganham maior
responsabilidade, mas passam a receber menos recursos federais. Aí as experiências endógenas
de Desenvolvimento Local, inspiradas pelas novas formas de gestão pública e estratégias
privadas de sobrevivência, ganham visibilidade e credibilidade como modelos aplicáveis em
outros lugares.
Tendo em vista essa realidade, surgem questões como: até que ponto o local é capaz
de dar respostas definitivas de combate à pobreza? Essas respostas seriam o caminho para que
esta população atinja o status de cidadão burguês? Isso seria possível? Entende-se que não, já que
o sistema do capital retira do processo de produção de riqueza, milhares de pessoas, na tentativa
de tornar esse processo menos oneroso, mais lucrativo. A lógica é excludente e a própria
tecnologia concorre para isso, daí ser tão difícil a sobrevivência no capitalismo. A luta pela
cidadania, ou para alcançar o status de consumidor pleno em seus direitos e deveres, não pode ser
a única finalidade dos movimentos sociais, pois, formalmente, esta garantia já existe. É preciso
40
avançar nesta luta para que os entraves estruturais (político-econômicos) a efetivação desses
direitos sejam eliminados, o que significa lutar contra a própria lógica excludente da produção e
reprodução do capital.
Sendo assim, a noção de Desenvolvimento Local tem sido usada como diretriz para
políticas públicas no Brasil e objeto de disputas semânticas nos mais variados setores no âmbito
social.
Acompanhando o raciocínio da autora, o debate nacional sobre Desenvolvimento
Local ocorre em sintonia com um processo de ressignificação do conceito de desenvolvimento no
mundo capitalista.
O estado das artes do desenvolvimento busca respostas para o fim do fordismo,
crise do Estado do Bem-Estar-Social, aumento do trabalho imaterial, os
processos de redemocratização na América Latina, o período pós-Consenso de
Washington, as conseqüências da globalização, dentre outras mudanças
importantes[...](SPERANZA, 2006, p.152)
O local é visto como forma ideal de inclusão sustentável, tendo em vista algumas
experiências práticas, nas quais as comunidades se mobilizavam para cobrar seus direitos,
rompendo tradicionais relações de poder local e, segundo a autora, instaurando processos mais
participativos e democráticos de gestão.
As influências para o debate do Desenvolvimento Local vêm das mais diversas áreas:
clusters e distritos industriais internacionais, desenvolvimento humano, globalização e suas
conseqüências, participação e democracia.
Dowbor (2005 apud Speranza, 2006, p.154-155), afirma que o desenvolvimento
predominante e promovido pelo Estado vem, atualmente, se deslocando para um
desenvolvimento pautado na relação entre poder econômico (capitalistas), poder político e
sociedade civil organizada, o chamado tripé social. O estado, segundo esta análise, aparece como
um articulador do novo pacto social, no qual o assistencialismo tem cedido lugar à cidadania.
A autora também acredita em uma fragilização do Estado na globalização em
contraponto a uma maior organização da sociedade civil.
[...] A sociedade civil, a partir das novas tecnologias facilitadoras da
conectividade, passou a se organizar em rede e abriu oportunidades para um
41
espaço de modernização e democratização da gestão pública, econômica e
social.(SPERANZA, 2006, p.155)
Neste caso, as redes seriam as armas mais poderosas para a construção dessa nova
dinâmica sócio-econômica, sem a qual, não poderia se sustentar.
Assim, o grande dilema que se impõe a sociedade capitalista “sustentável”, se resume
na questão de como administrar demandas locais com instrumentos políticos nacionais ou locais,
num ambiente econômico cada vez mais globalizado.
Bourdin, (2001 apud SPERANZA 2006, p.156), coloca que se um dia as ciências
sociais apostaram na complexificação das sociedades, hoje já existem correntes que apontam para
um futuro no qual as sociedades humanas voltam a se organizar de acordo com os grupos
primários (família, vizinhos, comunidade). Assim, cada vez mais as pessoas estariam se voltando
ao local, cristalizando seus vínculos por meio de uma identidade semelhante.
12
O local passa a ser visto como um lugar de resistência ao processo de mundialização,
para onde o indivíduo correria em busca de proteção e apoio a uma subjetividade recusada pelo
global. O grande desafio seria a obtenção de sucesso na gestão local, por meio de uma
democracia de proximidades, com a colaboração direta dos atores locais, públicos e privados,
políticos, econômicos e sociais.
Bourdin ainda afirmaria que
[...]Estado e nação não estariam mais casados. O Estado se torna cada vez mais
exterior aos cidadãos e vice-versa. A associação entre soberania e
territorialidade, cidadania e nacionalidade, que são os fundamentos do Estado
moderno, fica cada vez mais difícil de ser sustentada. O local assume
importância como único nível real possível de se construir as verdadeiras
solidariedades para a construção da vontade coletiva, ou, como também é
interpretado, o nível ideal para uma gestão flexível e realista da intervenção
pública.[...](BOURDIN 2001, APUD SPERANZA, 2006, p.158-159)
Até o momento, a produção e reprodução do capital via concepção neoliberal,
competitiva, aparece como contrária à nova ótica do “Desenvolvimento Local Sustentável”. O
local aparece como o lócus de novas práticas experimentais, articuladas em rede, e que são
solidárias e cooperativas.
12
O retorno à solidariedade mecânica de Durkheim. Este conceito é discutido de forma comparativa a “solidariedade
humana” requerida pela “Economia Solidária” no capítulo 3.
42
Speranza (2006, p.161) também identifica o que seria outra característica do local,
marcada por uma nova construção social do mercado. Este seria dotado de uma nova regulação e
mediação social, no qual há acesso democrático aos meios de produção e à propriedade. Neste
caso, também haveria uma melhor distribuição de renda nivelando as várias regiões e uma nova
organização hierárquica capitalista que estaria renovando de forma mais eqüitativa o comando
econômico e político.
Outra perspectiva mencionada pela autora aborda o tema do Desenvolvimento local
pelo ponto de vista das redes sócio-produtivas. Neste caso, o território, sob a perspectiva do
conflito, é visto como o lugar onde se engendraram novas estratégias ou alternativas de
desenvolvimento. Todo esse movimento seria resultado de uma contra-reação à exclusão
produzida pela globalização, na qual se espera produzir novas saídas políticas à
desterritorialização e à exclusão. (SPERANZA, 2006, p. 161)
Um dos resultados dessa contra-reação, é que a sobrevivência econômica passou a
depender exclusivamente da capacidade dos trabalhadores se auto-organizarem.
[...]Redes de empresas, microempreendimentos, cooperativas e organizações de
autogestão surgem como os padrões de solidariedade e de cooperação produtiva
– baseados na valorização de processos participativos e redistributivos – a
nortear um processo e construção de uma proposta de desenvolvimento
alternativo[...]
A formação das redes político-sociais aparece como a grande vedete que introduz
mecanismos alternativos e positivos de resistência. Haveria um padrão de êxito na resistência
social das populações e estas deveriam ser observadas.
O Local seria o lugar de agenciamento e ordenamento da contra-estratégia, pois sofre
impactos diretos das metamorfoses existentes na divisão internacional do trabalho. Os aspectos
sócio-culturais e ambientais passam a ser considerados para a formação de uma agenda de
prioridades e políticas públicas.
Contudo, Speranza insiste que a intencionalidade para mudança das relações de
poderes locais deveria existir. Seria preciso pensar o local, o território, que é construído
historicamente, como um novo pacto territorial entre redes econômico-sociais em torno do
desenvolvimento e da nova utilização maximizada dos recursos endógenos. Também seria
necessário fortalecer as lideranças locais, sindicais, empresarias e comunitárias, romper com a
43
cultura individualista estimulando a consciência da responsabilidade pública e controle social.
Quebrar o isolamento e a fragmentação territorial, mobilizar e reconhecer os saberes locais em
projetos de desenvolvimento que independam da ação propulsora de agentes externos. (DIAS
COELHO apud SPERANZA, 2006, p.162-163)
Assim a promoção do desenvolvimento começa de baixo para cima, e o desafio para
as comunidades locais é estarem preparadas para se inserirem no ambiente global de forma
competitiva, adequando ao máximo as suas capacidades locais e regionais por meio dessas redes.
As práticas sociais autônomas devem coexistir com as ações Estatais para o estabelecimento da
eqüidade social.
No Brasil, o debate sobre desenvolvimento, mais especificamente sobre
Desenvolvimento Local, se torna mais intenso no início dos anos 1990. Por este motivo acaba
influenciando o rumo das políticas públicas ao construir uma agenda para o Desenvolvimento
Local, por meio de projetos como os apresentados pelos BN/Pnud, atualmente BNDES/Pnud,
projetos do Sebrae, aqueles promovidos por ONGs e entidades do chamado Terceiro Setor, com a
abordagem do Dlis desenvolvida pelo Conselho da Comunidade Solidária. (SPERANZA, 2006,
p. 166, 167)
Um membro do comitê executivo da Comunidade Solidária, Augusto de Franco
(2000, apud SPERANZA, 2006, p.167), conclui que nesta luta por significados e sentidos,
atribuídos ao Desenvolvimento Local, existem basicamente dois pontos de vista que
fundamentam a importância dessa discussão para a atualidade globalizada:
[...] o daqueles que não interrogam o padrão de desenvolvimento atual e o
daqueles que interrogam o padrão. Para o primeiro, cuja dinâmica é
reconhecida primordialmente pela economia, a globalização estaria criando a
necessidade de formação de identidades e, consequentemente, de diferenciação
de setores e também de localidades.[...] Já o segundo campo de interpretação
não subordina todas as dimensões do desenvolvimento à sua dimensão
econômica – há o reconhecimento de dimensões extra-econômicas do
fenômeno da globalização[...]Esse segundo não acredita que a racionalidade do
mercado deva orientar todos os esforços de promoção do
desenvolvimento.(SPERANZA, 2006, p.167)
Ainda assim, está evidente o quão restrito é o questionamento desse padrão de
desenvolvimento, pois em nenhum momento se questiona a forma estrutural de produção e
44
reprodução da totalidade social adotada, o modo de produção capitalista que é predatório,
cumulativo e desigual.
O primeiro ponto de vista tem como principal bandeira a alavancagem econômica do
local, levando em consideração as demandas geográficas de modo que o território ascenda de
maneira estratégica e competitiva. Já o segundo ponto de vista tem origem nas experiências das
comunidades alternativas, ambientais, da ação pela cidadania, da organização da sociedade civil
etc.
Ao mencionar que o Desenvolvimento Local não é apenas crescimento econômico,
significa que, de alguma forma, é preciso “garantir a cidadania” para todos e acesso aos recursos
da vida civilizada.
Com este argumento, evidencia-se um paradoxo complicado de ser solucionado.
“Resgatar” e “garantir” a cidadania são noções que se reafirmam constantemente, mas que
encontram seus limites históricos justamente na base jurídico-política da formação social do
próprio sistema capitalista, que no Brasil é particularmente problemático. Não se garante o que
não existe de fato – apenas em nível formal – e não se resgata o que jamais existiu. Acredita-se
que o status de cidadão, na sociedade burguesa, só poderá ser alcançado por uma maioria
significativa de trabalhadores por meio da luta constante e coletiva. Trata-se sempre de uma
maioria e não de garantir a todos, direitos e deveres plenos como consumidores. O capital é
imanentemente excludente.
O cidadão burguês, esta porção universal, pública, existente em cada um dos
indivíduos, é que deveria se manifestar de forma enfática quando a vida do humano-genérico
estivesse em risco pelas próprias condições objetivas da produção e reprodução social e, isto, es
longe de acontecer. Basta diagnosticar como esta sociedade do consumo e do fetiche se comporta
diante da iminente escassez de recursos naturais que coloca em cheque a existência da vida na
terra: consumindo, depredando e poluindo mais.
Mesmo o cidadão burguês, consciente dos seus direitos e deveres, precisa, por meio
de uma práxis revolucionária, alcançar esta consciência coletiva do “para-si”, universal,
emancipatória e neste sentido, ainda há muito que fazer.
Outro ponto mencionado por Speranza é de que o local, não é sinônimo de um lugar
reduzido e sim de um espaço territorial atendido por um determinado projeto, que pode ser uma
cidade, um país ou uma região qualquer do mundo. Da mesma forma ela diz que seria preciso que
45
este local estivesse preparado para lidar com uma nova relação entre Estado e sociedade cujos
principais componentes seriam descentralização, parceria, transparência, controle social. Nesta
medida, as políticas públicas devem ser concebidas pelo local, mas orientadas por um
planejamento estratégico nacional.
Por mais que se pense em desenvolvimento do trabalho cooperativo e solidário, a
dimensão competitiva não é abolida dessas práticas. É preciso que o local também esteja em
sintonia com a racionalidade ditada pelo mercado capitalista.
A noção ora apresentada, embora vista como um processo contínuo até uma possível
transformação da ordem social é criticada por Oliveira (2001), pela maneira como está sendo
abordada e aplicada.
Essa crítica, segundo o autor, não pretende ser paralisante, pelo contrário. Ele
reconhece os avanços que surgem com as práticas de Desenvolvimento Local, mas questiona o
viés apaziguador e homogeneizador das relações aí travadas, também consubstanciadas pelas
chamadas “redes sociais”.
Inicia sua análise comentando que o uso corrente da palavra desenvolvimento está
diretamente ligado à questão econômica. Este uso esteve em voga por muitas décadas no Brasil,
mas atualmente, tem sido substituído pela palavra crescimento. A disputa no campo semântico
travada por políticos e economistas, é uma tentativa de retirar a carga qualitativa inerente à
palavra desenvolvimento, retomada em certa medida pela ONU na década de 90 com os estudos
referentes ao “índice de desenvolvimento humano”.(OLIVEIRA, 2001, p.11)
Num sentido mais estrito do termo, desenvolvimento local poderia ser correspondente
ao índice de desenvolvimento utilizado pela ONU, que é o mesmo que satisfazer “um conjunto de
requisitos de bem-estar e qualidade de vida”. Mas não é apenas isso. O conceito de
desenvolvimento remete ao conceito de subdesenvolvimento, ligado diretamente a países
considerados de “terceiro mundo” ou periféricos. O não-desenvolvimento local seria uma
condição ligada a regiões que são encontradas na “periferia do capitalismo”.
O autor atenta para o fato de que estes conceitos clássicos, não permitem uma
articulação dinâmica entre a região “desenvolvida” e a região “subdesenvolvida” do mundo e por
isso, suas conseqüências teóricas não enxergam o Desenvolvimento Local como um elo entre
regiões, impossibilitando o desenvolvimento total de forma sistêmica. As conseqüências práticas
são dadas pelo Desenvolvimento Local visto como alternativa pontual à condição econômica
46
atual ou como uma forma de reproduzir o receituário neoliberal de gestão econômica.
(OLIVEIRA, 2001, p.12)
Outra dimensão do Desenvolvimento Local, também citada por Oliveira, é a
cidadania. Assim, tem-se que
[...]Ela [cidadania] é irredutível à quantificação. Embora o bem- estar e uma
alta qualidade de vida devam ser direitos dos cidadãos, não se deve colocar tais
direitos como sinônimos de cidadania pois esse economicismo pagaria o preço
de desconsiderar como cidadãos os que não tem meios materiais de bem-estar e
qualidade de vida.[...](OLIVEIRA, 2001, p.12)
Afirma que é por meio da política que os cidadãos lutam pelos direitos, inclusive por
conquistas materiais que garantam um mínimo de dignidade. Classicamente o que se verifica é
que o status de cidadania foi alcançado durante um percurso que vai das lutas pelos direitos civis,
políticos, sociais e atualmente o chamado direitos específicos, no qual o sujeito coletivo, ou
cidadão, luta por interesses do gênero, como as lutas ambientais.
No Brasil, embora haja semelhanças políticas nessa luta, na qual são efetivadas
algumas cópias de funcionamento do modelo clássico e “desenvolvido”, por se localizar na
periferia do capitalismo, o país possui algumas peculiaridades que devem ser destacadas.
[...]impôs a cópia de certas formas da intervenção estatal para regular um
mercado que não havia, com o que o direito social se adiantou em alguns
aspectos, servindo de sustentação aos direitos civis; estamos falando da
legislação trabalhista e do que Wanderley Guilherme chamou de “cidadania
regulada” no Brasil, como em outros países da América Latina.(OLIVEIRA,
2001, p.12)
Considera que a cidadania, por ser um conceito qualitativo, não pode ser mensurada
pela quantidade de benefícios materiais. Por isso, a noção de Desenvolvimento Local ou se
ampara neste conceito qualitativo ou será sinônimo de acúmulos de recursos materiais que geram
bem-estar e qualidade de vida. Também insiste que a noção de cidadania deve ser adquirida por
meio do conflito e não por meio da harmonia, do consenso, como faz crer o ponto de vista
neoliberal. Neste último caso, o Desenvolvimento Local é vendido como um novo espaço,
alternativo à sociedade dos conflitos, das desigualdades.
Assim,
47
[...]desenvolvimento local é apresentado como um “emplastro” (do romance de
Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas) capaz de curar as
mazelas de uma sociedade pervertida, colocando-se no lugar bucólicas e
harmônicas comunidades.[...](OLIVEIRA, 2001, p.13)
Esta noção, ao buscar resgatar a bucólica solidariedade entre as “comunidades”,
bairros e população rural, como bem mencionado por Speranza (2006), enfatiza a necessidade da
união entre iguais, a busca pela identidade, negando em última instância, as diferenças, o
complexo. Este seria um dos grandes problemas do Desenvolvimento Local. A dinamicidade e
complexidade das relações sociais não podem ser negadas como se pretende e sim reafirmadas.
Este deveria ser o desafio dessa nova proposta. Oliveira também previne para o fato de que tanto
a noção de cidadania como a de Desenvolvimento Local são polissêmicas, ou seja, não podem ser
reduzidas e encarceradas em “modelos paradigmáticos” pois possuem dimensões bastante
amplas. Justamente por isso, a luta seja para impor significados seja para ressignificar é tão
exaustiva e ainda mais complicada, passíveis de distorções históricas e de despolitização de
alguns conceitos fundamentais para a luta do trabalhador.
Ainda segundo Oliveira, são levantados alguns pontos para análises mais cuidadosas.
O primeiro ponto em relação ao Desenvolvimento Local está ligado à participação efetiva das
pessoas no governo local, visto que a forma representativa é ineficaz por não condizer com as
necessidades da maioria da população. (OLIVEIRA, 2001, p.14). A profunda separação hoje
existente entre governados e governantes é vantajosa aos grupos econômicos e políticos
privilegiados e altamente prejudicial ao cidadão comum. Esta separação foi produzida e é
constantemente reproduzida pelas classes dominantes que assim evitam que um governo dito
democrático seja realmente um governo do povo. Assim, o desafio político seria instaurar uma
maior participação popular nos governos locais, a exemplo do que já se faz com parte dos
orçamentos municipais em cidades do sul do Brasil.
Mas, como articular um governo popular, de participação direta, local, com os
projetos neoliberais de desregulamentação econômica, que ocorrem a pleno vapor em todas as
instâncias? O cidadão burguês, este sujeito coletivo, e os direitos gerados pela sua existência,
colidem diretamente com este novo estágio neoliberalizante de acumulação capitalista, que cada
vez mais isola e supervaloriza a dimensão privada em relação à púbica.
48
[...] a dimensão dos direitos sociais da cidadania nos países desenvolvidos está
claramente sob ameaça. No caso brasileiro o problema é mais dramático, posto
que aqui o “desmanche” - como o chamou Robert Schwarz – chegou antes de o
edifício estar de pé: é o desmanche do simulacro do Estado de Bem-estar. Se o
simulacro formalizou as condições para uma acumulação primitiva, sendo a
forma da “revolução passiva” na periferia, o desmanche não põe em seu lugar
formas mais democráticas mas, ao contrário, corre o risco de transformar-se em
totalitarismo num sentido bem preciso: um estado de “exceção permanente
onde nenhum direito é assegurado.[...](OLIVEIRA, 2001, p.16)
Deste modo, constata-se que exemplos de ações liberalizantes, como as privatizações,
constantemente excluem o que é público, ou seja, as participações populares efetivas, o
planejamento, o controle e a avaliação por eles realizada. Se espaços de interesse público são
administrados pela iniciativa privada, a participação dos cidadãos e suas demandas ficam cada
vez mais comprometidas.
O segundo ponto está ligado à confiança depositada na possibilidade do
desenvolvimento local corrigir as tendências de concentração imanente ao modo de produção e
reprodução capitalista, principalmente por meio das redes sócio-econômicas. Estas redes,
formadas por diversos parceiros em todo o mundo (trabalhadores de todos os níveis, agências de
fomento, instituições educacionais, ONGs, etc.), impulsionariam a economia destes lugares
periféricos, gerando riqueza e os colocando na rota do crescimento sustentável.
Costa et al. (2003, p. 16-17), reinterpretando a linha de raciocínio do físico austríaco
Fritjof Capra em “ A teia da vida” (1996), seguida pela obra do mesmo autor “As conexões
ocultas” (2002), define o que seriam características das redes sócio-econômicas e suas
potencialidades. Segundo Costa et. al, a primeira característica das redes em relação a sua
constituição morfológica seria a não linearidade. Neste caso, as informações se moveriam de
forma aleatória e circular contribuindo para a retro-alimentação e auto-organização do sistema. A
segunda característica é que não há hierarquia nas redes, hierarquia é uma projeção humana. Na
verdade, todo sistema vivo é dotado de redes constituídas no interior de outras redes. Assim, a
horizontalidade seria uma das características organizacionais mais essenciais da rede.
Também afirmam que, como sistema aberto, as redes não possuem limites, sua
extensão é imprevisível. Deste modo, por não serem finitas, possuem enorme capacidade de
expansão, espraiamento, desdobramento e multiplicação, por isso são dinâmicas. A morfologia da
49
rede não comporta um centro. Cada ponto da linha pode ser um centro, dependendo do ponto de
vista. As redes por definição são descentralizadas. (COSTA, et al., 2003, p. 25-26)
Sendo o foco das redes as relações, as conexões, e não o ponto de conexão não
haveria como identificar o centro dessas relações. Não havendo centro, também não há periferia,
ou seja, elas se misturam, redes no interior de redes. Assim, a rede é multidimensional, o que
significa que é interpenetrada igualmente por outros muitos sistemas-redes. (Idem, p. 27)
Seguindo esta lógica, os autores acreditam que as pessoas, instituições ou
organizações que atuam como hiperconectores no interior das redes, ligando umas as outras, são
responsáveis pela dinâmica intrínseca desta. Mesmo se o grupo for muito fechado, este ainda
consegue se relacionar com outros grupos, se apenas um dos membros tiver relações mais
extensas. Neste caso, este membro será responsável pela elasticidade da rede a que pertence.
[...]Análises aplicadas sobre redes sociais revelaram que indivíduos com
características de hiperconectores agem como atalhos de comunidades inteiras,
isto é, ligam comunidades inteiras umas às outras. "Um atalho não beneficia
apenas um único indivíduo, mas também todos os que estão ligados a ele e todos
ligados àqueles ligados a ele, e assim por diante." Desse modo, e aqui nos
deparamos com todo o potencial transformador social das redes, "mesmo que
grupos locais sejam altamente agrupados, desde que uma pequena fração (1 por
cento ou menos) dos indivíduos tenha conexões de longo alcance fora do grupo,
as extensões de caminho serão baixas.(COSTA, et al., 2003, p.38)
Assim, definem a rede como sendo
[...]
uma arquitetura plástica, não-linear, aberta, descentralizada, plural,dinâmica,
horizontal e capaz de auto-regulação. É uma forma de organização caracterizada
fundamentalmente pela sua horizontalidade, isto é, pelo modo de inter-relacionar
os elementos sem hierarquia.[...] (IDEM, p.42)
Assim, busca-se formular um conceito de rede que tenha um viés emancipatório,
democrático, não hierárquico que vá de encontro à natureza organizativa tipicamente capitalista,
negando os seus pressupostos e suas características imanentes. Desse ponto de vista, o mesmo
adotado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, em nome do governo federal, as redes
já aparecem como sendo práticas autogestionárias autênticas, pelas características abaixo
assinaladas.
50
1- Participação voluntária: as redes se baseiam nos princípios de
cidadania e vínculos de solidariedade, a exemplo de outras
organizações da sociedade civil sem estruturas hierárquicas;
2- Não se orientam por princípios econômicos;
3- A autonomia também é outra característica desta arquitetura, marcada
pelo voluntariado e solidariedade. Assim, ocorre o respeito pelas
diferenças, pela livre iniciativa que garantem a horizontalidade do
sistema: a isonomia, insubordinação, desconcentração de poder,
multiliderança e democracia;
4- A propriedade não se aplica às redes, esta não é propriedade de
ninguém;
5- O poder é prerrogativa de todos.
Mas as coisas não funcionam bem assim.
É sabido que no mundo contemporâneo o capital financeiro é preponderantemente
virtual e migra de um pólo a outro em segundos por meio dos avanços em microeletrônica e
telecomunicações. O que se verifica são descentralizações das estruturas organizativas
capitalistas, ou seja, investimentos diversos em várias regiões do globo.
É inquestionável a forma como essas tecnologias avançadas integraram as relações
não só financeiras, mas políticas e sociais, abrindo possibilidades para maiores articulações entre
os movimentos sociais nacionais contestatórios, que negam o atual sistema. De fato, um dos
resultados principais do desenvolvimento capitalista é a socialização crescente do processo de
produção e de suas relações, sua descentralização pelo mundo. A eficiência das redes sócio-
econômicas e políticas, a exemplo de algumas nacionais como Associação Brasileira de Ongs –
Abong, Rede Brasileira de Educação Ambiental – REBEA, Rede Nacional Feminista de Saúde e
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, etc e mundiais como o Fórum Social Mundial,
viabilizadas pelos sistemas integrados e informatizados são uma prova da socialização das
relações que se instaura em nível mundial. Mas, isto não significa que o capital financeiro
necessariamente esteja desconcentrado e que por isso não exista mais um pólo dinâmico,
articulador e propulsor do movimento incessante e crescente de acumulação. Não significa que as
51
relações de poder tenham sido eliminadas pela horizontalidade das relações estabelecidas pelas
redes, e que não haja relações de poder entre as redes.
O próprio capital, que é contraditório em essência, ao se desenvolver, estabelece a
socialização do processo de produção, que cria, em potência, o germe do regime social futuro.
Mas, o que existe em potência (em germe), ainda não é, como querem os teóricos da “Economia
Solidária”.
Ainda sobre as redes econômico-sociais, Oliveira (2001, p.17-18) afirma que o
paradigma social passa a ser molecular-digital, o que seria o mesmo que não total. Observa que,
toda rede por definição é seletiva, isomorfa, isoquanta e isoplana e que, nos planos econômico,
cultural, político e social a rede deslocaria as desigualdades ao invés de corrigi-las de fato.
Neste sentido, outra noção de rede formulada por Manuel Castells em “A sociedade
em rede”, primeiro volume do projeto literário “A era da Informação: Economia, Sociedade e
Cultura (1999)”, faz uma análise critica das condições de produção e reprodução das relações
capitalistas que articulam em “rede” os pequenos empreendimentos precarizados com as grandes
multinacionais e transnacionais.
Castells (1999), em sua análise da sociedade, observa que os pequenos
empreendimentos ou empresas, juntos, formam uma força única, capaz de lutar por uma maior
fatia do mercado, de igual para igual, contra os grandes concorrentes capitalista. Mas, também
ressalta que esta mesma rede é deveras explorada pelas grandes empresas capitalistas que foram
obrigadas a mudar sua lógica organizacional para atender às exigências de uma sociedade regida
por novas tecnologias de informação que estreita as relações de forma nunca antes imaginada.
Castells (1999, p.176) explica que, mesmo concentrando capital e mercados, as
empresas de grande porte não são mais responsáveis pela geração dinâmica de postos de trabalho.
Isto porque a demanda imprevisível em um mercado altamente competitivo tornou a estrutura
clássica de produção em massa muito rígida e dispendiosa. Assim, o sistema flexível de produção
seria uma resposta para superar esta rigidez.
Tornou-se imperativa uma mudança das estruturas organizacionais que implicou no
uso de subcontratações de pequenas e médias empresas que geraram por sua vez, ganhos de
produtividade e eficiência em relação às grandes empresas e à economia como um todo.
Então,
52
[...] é verdade que as empresas de pequeno e médio porte parecem ser formas de
organização bem adaptadas ao sistema produtivo flexível da economia
informacional e também é certo que seu renovado dinamismo surge sob o
controle das grandes empresas, as quais permanecem no centro da estrutura do
poder econômico na nova economia global[...](CASTELLS, 1999, p.178)
Assim, de acordo com esta última análise, considera-se que no interior das redes o
poder parece ser difuso e móvel, mas a rede e seus membros estão subsumidos às leis de
mercado, às leis de reprodução do capital. O próprio Estado capitalista se encarrega de definir
diretrizes básicas e fundamentais para o funcionamento adequado destas novas relações.
No entanto, quando estas pequenas empresas não estão sob tutela direta de uma
grande empresa, atuam em interstícios econômicos, frestas abandonadas pelo grande capital por
não gerar o lucro idealizado. São nestas brechas que os pequenos se espremem, se auto-
organizam e competem entre si.
[...]Mais de 85% das exportações de produtos manufaturados de Hong Kong até
o início da década de 80, eram fabricados em empresas familiares, 41% das
quais eram pequenas empresas com menos de cinqüenta trabalhadores. A maior
parte delas não era subcontratada de empresas maiores, mas exportava por
intermédio da rede de empresas importadoras/exportadoras de Hong Kong,
também pequenas, também chinesas e também familiares[...](IDEM, p.182)
A rede tornou-se a chave para a integração flexível das organizações. A
competitividade mundial acirrada dificulta a ação solitária de novos empreendimentos
concorrentes, reduzindo, inclusive, a capacidade de inovação em produtos e processos de
trabalho. Neste sentido, a rede possibilita divisão de custos e riscos e atualizações constantes, em
tempo real, em relação às informações.
Deste modo, verifica-se que não há oposição, nem entraves que se coloquem entre
esta solidariedade dos membros da rede que, acredita-se ser mecânica, como concebida por
Durkheim, e o ideal competitivo e individualista do sistema.
Já foi visto como a “Economia Solidária” prioriza as relações em rede, para que
obtenha sucesso na empreitada econômica diante dos concorrentes tipicamente capitalistas.
Captar dinheiro a um custo baixo para investir na produção ou no serviço é o objetivo. Mas quem
empresta a juros abaixo do praticado pelo mercado, retira a diferença dessas transações em outras
53
regiões, com outras atividades econômicas. De alguma forma, os valores que interessam ao
mercado são sempre pagos.
Segundo publicação da Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas e
Autogestão e participação Acionária – ANTEAG, com o apoio do Ministério do Trabalho e
Emprego, sobre metodologias desenvolvidas para a “autogestão”, o conceito de rede no interior
da “Economia Solidária”, em conformidade com o conceito de rede formulado pelos teóricos do
Desenvolvimento Local, possui uma conotação humanista, cooperativa-solidária, contrária à
ideologia individualista e competitiva capitalista. As redes seriam “sistemas interligados” que
têm como objetivo formar “um tecido, uma malha harmônica que fortaleça cada elemento
individualmente”. (ANTEAG, 2005, p.124)
Neste caso,
[...] A adesão a uma rede de Economia Solidária significa a adesão a uma forma
de relacionamento social e econômico diferente dos moldes convencionais. As
ações da rede se desenvolvem a partir de práticas solidárias e da criação de uma
nova cultura de consumo (inclusive na aquisição de insumos), privilegiando
produtos e serviços que tenham agregado o valor da inclusão social e do respeito
à vida.(ANTEAG, 2005, p.125)
A formação da “rede solidária” atuaria como uma “malha de sustentação” para seus
membros. Além disso, teria como objetivo disseminar os valores solidários que possuem valor
social agregado, porque não seriam frutos de exploração do trabalho e trabalhador, nem de
exploração predatória da natureza. (IDEM, p.126)
O desafio para os empreendimentos desta natureza seria construir uma rede nacional
ou internacional integrada que de fato potencialize suas operações de produção e de
comercialização. Para este fim, seria necessário compartilhar dados, informações para a criação
de um sistema único, comum a todos. O fluxo da informação eficiente, o conhecimento do
mercado em que se pretende atuar, bem como a elaboração de algumas proteções contra a lógica
predatória de exploração capitalista, se colocam, segundo a própria análise do Ministério, como
fatores fundamentais ao sucesso das redes. (IDEM, p.127)
Para os ideólogos da “Economia Solidária”, a rede pode e deve ser usada como
proteção contra os valores competitivos e individualistas, mas, segundo análise do Castells, a
rede nasce para alavancar a competitividade dos pequenos e melhorar a inserção destes num
54
mercado, que possui centros dinâmicos hierarquizados, que desencadeiam e determinam o ritmo
da acumulação capitalista em nível mundial. Por isso, não haveria contradição entre as redes
sociais e a lógica racionalizadora do mercado.
O terceiro ponto sobre a problemática do Desenvolvimento Local apresentado por
Oliveira (2001), estabelece uma contradição entre globalização e Desenvolvimento Local. Mas
de fato, não haveria uma contradição entre esses dois pólos. Segundo o autor, as chamadas
“cidades globais” de Jordi Borja são capazes de formar uma rede integrada no “plano molecular-
digital”. Esse fato aprofunda a desintegração no espaço geográfico, aprofundando as distâncias e
desarticulando classes sociais e semelhanças culturais. Haveria então uma ausência de forma no
sistema. “A ausência de forma é o próprio capital fictício, ou a globalização”.
[...] A maior parte das definições e ensaios de desenvolvimento local a rigor
parecem-se mais com adaptações dos dominados do que alternativa à
dominação: a própria dificuldade de definir o que “é desenvolvimento local” já
é um indicativo suficientemente forte, posto que, se tudo é desenvolvimento
local, então, como ensinava uma velha lição de álgebra, nada é
desenvolvimento local[...](OLIVEIRA, 2001, p.19)
A forma adotada para a produção e reprodução da vida numa coletividade, quando se
trata de Desenvolvimento Local, obedece à mesma lógica do dominador e mais, se apropria da
tecnologia que forja uma integração que só acontece de forma virtual, atrapalhando a articulação
política real desses grupos.
Para o Desenvolvimento Local ser de fato uma contra-tendência, segundo o autor
acima citado, é preciso reinventar maneiras de desformalizar e desregulamentar aspectos
econômicos, políticos e sociais capitalistas e ao mesmo tempo criar novas formas de ações
coletivas que não sejam absorvidas com eficácia pelo sistema dominante.
Nesta medida, o autor denomina o Movimento dos Sem Terra um exemplo de
organização desregulamentadora, pois reivindica a propriedade privada para os dominados. Por
outro lado, afirma ser desformalizador o orçamento participativo, pois substitui democracia
representativa por uma nova forma de participação direta, ancorada no efetivo exercício da
cidadania.
Ambas são indícios positivos de estratégias de luta que, se forem aprofundadas,
poderão de fato causar impactos positivos contra a lógica do capital. Por outro lado, se forem
55
desarticuladas ou realizadas de maneira superficial, serão absorvidas pelo sistema dominante que
se beneficia de uma “pseudo humanização”, um processo de “inclusão” permanente.
[...]A luta pela cidadania é a forma mais moderna, contemporânea, do conflito
de classes. Por que é a luta pelos significados, pelo direito à fala e à política,
que se faz apropriando-se do léxico dos direitos e levando-os, redefinindo-os
num novo patamar de fato transformando o campo semântico ao tempo em que
se apropria dele.[...](OLIVEIRA, 2001, p.21)
Ao lutar pela cidadania, a sociedade civil que é o lócus do “conflito pela hegemonia”
não pode ser reduzida ao Desenvolvimento Local, ou, o que seria o mesmo, a soluções
apaziguadoras em busca de um consenso. A sociedade brasileira que tradicionalmente vincula a
sociedade civil a um lugar de não-conflito, esconde a falsidade deste conceito que, na prática, é
também social e político. Esse discurso reduz a sociedade civil a atores privados e reafirma um
abismo entre o que é público e o que é privado, diferenciando-os, distanciando-os.
No Brasil o “espaço não-privado do privado” ganha status de estatal. O espaço
público de fato, não existe. As organizações antes estatais, depois da reforma de Bresser
Pereira
13
, passam a ser Organizações Sociais, constituídas por membros da sociedade civil e
verbas estatais. Mas onde está o público nestas organizações sociais? Simplesmente desaparecem.
As parcerias para investimentos nessas organizações, agora não-estatais, e que podem ser
realizadas com a sociedade civil, com empresários e com o mercado, excluem o público. Este,
também não poderia cobrar nada de ninguém, pois uma empresa não-estatal não está sujeita a
regra de publicização. Mais uma vez, busca-se abolir o conflito, os interesses divergentes.
(OLIVEIRA, 2001, p.23)
[...]o desenvolvimento local tende a substituir a cidadania, tende a ser utilizado
como sinônimo de cooperação, de negociação, de completa convergência de
13
Segundo documento sobre Organizações Sociais, publicado em 1998 pelo Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado – MARE, cujo então ministro era Luiz Carlos Bresser Pereira, ficou estipulado que o objetivo
dessas organizações era “[...] permitir e incentivar a publicização, ou seja, a produção não lucrativa pela sociedade
de bens ou serviços públicos não exclusivos de Estado. [...] Assim, o propósito central do Projeto Organizações
Sociais é proporcionar um marco institucional de transição de atividades estatais para o terceiro setor e, com isso,
contribuir para o aprimoramento da gestão estatal e não- estatal”. De acordo com o documento, estas Organizações
Sociais, frutos da parceria sociedade e Estado, seriam uma terceira forma de propriedade no capitalismo
contemporâneo a “propriedade pública não-estatal”, fomentada pelo Estado, mas com uma melhor utilização dos
recursos, ênfase nos resultados e “orientados para o cliente-cidadão mediante controle social”. Cf. BRASIL.
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Organizações Sociais. Cadernos Mare da Reforma do
Estado, Brasília, DF, v. 2, p.7-13, 1998.
56
interesses, de apaziguamento do conflito. O desenvolvimento local, em muitas
versões, é o novo nome do público não-estatal[...]
O autor considera que no Brasil
14
, alguns partidos considerados de “esquerda”, e o de
maior expressão nacional é o PT, que modernamente tomou forma social-democrata
extremamente reformista, com suas sucessivas derrotas para presidência da república voltaram-se
ao local como estratégia política para continuar exercendo influência nas bases. O local e a
tentativa de introduzir uma gestão mais popular sem prejudicar o processo de reprodução social
são de alguma forma criação desta “esquerda”.
[...]vale relembrar que existe uma similitude entre a experiência brasileira e a
italiana, pois Gramsci formulou a questão da hegemonia, em alguma medida,
como uma necessidade de mudar pela base, pelo nível local, a hegemonia a
classe dominante italiana, de tal forma que as mudanças locais construíssem
uma democracia arraigada nas bases[...](OLIVEIRA, 2001, p. 25)
Mas é possível pensar num poder redefinido pelas classes populares no local e ao
mesmo tempo impor uma relação global-local eficiente no capitalismo? Não se pode esquecer
que o global não é a soma das partes dos vários poderes locais. Alguns locais podem sediar
megacorporações, por questões estratégicas comerciais, logística, mas o poder político local
permanece irrelevante e em alguns casos, ainda mais submisso, pois dependente do imposto
obtido por essa atividade econômica. Este local passa a ter importância enquanto elo que
dissemina e concretiza de forma customizada o poder dessas organizações econômicas. Estas se
aproveitam desses espaços politicamente enfraquecidos para baixar ainda mais o custo da mão de
obra. O local não elimina a universalidade do capital e sua forma de socialização.
[...]A universalidade que de alguma maneira, nos molda, e que é superior, isto
é, está por cima das peculiaridades locais e que nenhum poder local pode
desfazer, se o combate que dá a hegemonia é apenas no plano da economia. O
máximo que a cidade global faz é reforçar o global e não a cidade. Porque
trabalha no sentido dos universais, da universalidade capitalista. Por isso a
soma e poderes locais com o mesmo sentido não dá como resultado um global
14
Sobre esse assunto, em artigo escrito para a revista Margem Esquerda, Mészáros (2006, p.94) afirma que no Brasil,
o radicalismo de alguns movimentos da classe trabalhadora, sindicatos e partidos, contribuíram para o fim da
ditadura militar, mas que depois que o PT obteve sucesso nas eleições presidenciais, conseguiu marginalizar os
opositores do capital na política, “para grande desapontamento das forças populares”. Ainda haveria um longo
caminho a percorrer.
57
anti-capitalista, nem anti-neoliberal, nem mesmo atenuadamente ante-
hegemônico[...](OLIVEIRA, 2001, p.27)
Segundo o autor, o espaço de luta, a exemplo de Gramsci, é a sociedade civil, a
sociedade política. Estes espaços não se reduzem às cidades, ao local, pois dificilmente este pode
ser isolado de influências estranhas, externas ao seu espaço específico. “A sociedade civil em
sentido amplo exige um padrão de moralidade pública, por exemplo, que desdobra os limites
locais”.(IDEM, p.28)
As limitações tributárias e orçamentárias como a Lei da Responsabilidade Fiscal
incluem as cidades na esteira da lógica do sistema financeiro mundial. Este aparece como o mais
severo limite para uma atuação contra-hegemônica.
[...]Na verdade, a Lei da responsabilidade fiscal é um instrumento tipicamente
neoliberal, pois libera o estado no nível mais alto, no nível federal, de despesas
que são transferidas para os municípios e estados, obrigando-os, por meio da
ameaça penal, à produção e entrega à população de serviços precários,
insuficientes e de baixa qualidade.[...](OLIVEIRA, 2001, p.28).
Mesmo sabendo que existem certos impostos e taxas que são de competência
exclusiva dos municípios, e que poderiam alocar esses valores para esferas que fossem
estratégicas e de maior necessidade para a população, também as cidades estão expostas à
concorrência que as obriga a praticar renúncia fiscal a fim de que recebam instalações
empresariais modernas para alavancar a economia.
Percebe-se que a política de Desenvolvimento Local, neste momento em que os níveis
de exploração dos recursos naturais atinge níveis alarmantes, sem diminuir a miséria, é
compatível com as diretrizes divulgadas por órgãos internacionais neoliberalizantes, que, na
intenção de humanizar o sistema, procuram meios de diminuir as mazelas sociais “incluindo” as
populações pobres no circuito do capital.
Essa política de desenvolvimento nacional prevê a alavancagem de regiões
econômicas desprivilegiadas, e de populações miseráveis por meio de projetos como os
encontrados na chamada “Economia Solidária”, estimulando o cooperativismo e o
associativismo, envoltos pela áurea ideológica da “autogestão”, da busca por uma sociedade
alternativa e da instituição do socialismo sem conflitos, sem revolução. Assim, o projeto de
desenvolvimento capitalista brasileiro, com ênfase no local, encontra o terreno perfeito para
58
fertilização na “Economia Solidária”, estimulando os empreendimentos ditos “autogestionários”,
sendo eles cooperativos e associativos.
Conclui-se que o conceito de “autogestão” adotado, vem sendo ressemantizado se
transformando no mesmo que “livre iniciativa privada”.
Por isso é que no próximo capítulo, antigos escritos sobre revolução e transição
socialista serão revisitados, buscando-se elucidar alguns pontos nebulosos e confusos sobre o que
seria a “autogestão” e sua aplicabilidade.
59
2 AUTOGESTÃO: DA IDEOLOGIA ORIGINALMENTE CONCEBIDA NA HISTÓRIA
DO MOVIMENTO OPERÁRIO ÀS CONTRADIÇÕES NAS PRÁTICAS
CONTEMPORÂNEAS.
utores como Paul Singer, o ideólogo mais expressivo da “Economia
Solidária” no Brasil, afirma ser possível que outra relação mais justa e
democrática, revestida de uma nova ética não egoísta, não individualista e
não consumista aconteça no interior do modo de produção capitalista. Para tanto, é
imprescindível a utilização das cooperativas fundamentadas pela “autogestão”, como ferramenta
econômica fundamental, que aos poucos, segundo o autor, estabelecem uma nova dinâmica de
cooperação social, via redes e engendram, progressivamente e sem a luta pela tomada do poder
político
15
, a transformação social almejada pelos socialistas.
Sabe-se que o conceito histórico da “autogestão” foi concebido a partir de uma prática
ligada à luta do movimento operário que prima pela superação radical do poder totalizador do
capital, rompendo definitivamente com seus determinantes estruturais. Assim, se faz
absolutamente necessário, questionar os limites dessa prática atual, dita autogestionária dos
pequenos empreendimentos cooperativos solidários, na medida em que são patrocinados pelo
Estado, representante inconteste do capital.
As atividades gestadas pela “Economia Solidária”, originalmente consideradas
“autogestionárias” por não terem a figura do capitalista privado, são iniciadas como estratégia de
sobrevivência, pelos trabalhadores precarizados, que quase sempre estabelecem o negócio tendo
como ponto de partida a satisfação de demandas locais, que exigem pouco investimento de
capital. As pequenas localidades, bairros ou cidades pobres se fortaleceriam por meio da
participação efetiva e direta da população que teria como apoio, além do governo local, os
chamados “agentes de desenvolvimento”.
Definitivamente, a radicalidade característica da teoria clássica revolucionária foi
abortada dessa nova concepção.
15
Esta tese nos remete a John Holloway e sua obra – Mudar o mundo sem tomar o poder: o significado da revolução
hoje. São Paulo: Viramundo, 2003. Tendo em vista o fracasso do chamado “socialismo real”, o autor afirma que o
único caminho para a transformação da sociedade, é a luta política baseada no antipoder enunciada pelo exército
Zapatista de Libertação Nacional.
A
60
Neste sistema, articular-se-iam “empreendimentos cooperativos autogestionários”,
que, em rede, impulsionam uma nova dinâmica sócio-econômica e política, na qual os
trabalhadores são protagonistas de suas próprias vidas. Planejar, organizar, executar e controlar
todas as ações referentes à reprodução objetiva da vida, reconhecendo suas expressões
ideológicas, não estranhadas, isto é o que se espera da “autogestão”, isto é o que promete a
“Economia Solidária”.
Esta pesquisa parte do princípio de que é impossível a qualquer grupo social ou classe
se isolar das influências desencadeadas pela dinâmica totalizante do sistema do capital
16
pois,
todas as esferas das relações humanas estão sendo permanente e vigilantemente mediadas por
objetos postos à troca no mercado, inclusive a força de trabalho humana. Por fim, as pessoas,
também acabam sendo transformadas em mercadorias.
O cenário atual compõe uma sociabilidade pautada numa lógica contraditória e
destrutiva, mediante a qual vivencia-se uma crise sem precedentes na qual o capitalismo tem
encontrado muitas dificuldades insolúveis em deslocar de forma eficiente todos os seus
problemas, principalmente no que se refere às condições de reprodução da vida material da classe
trabalhadora.
O sistema do capital, por meio da divisão hierarquizada do trabalho, da acumulação de
riqueza e produção de mercadorias, dita as bases de reprodução material da vida, e como afirma
Mészáros
17
, sendo um sistema totalitário de controle metabólico social e econômico, não é
passível nem de reformismos, nem de controles instaurados internamente.
[...]A razão principal por que este sistema forçosamente escapa a um
significativo grau de controle humano é precisamente o fato de ter, ele próprio,
surgido no curso da história como uma poderosa – na verdade, até o presente,
de longe a mais poderosa – estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o
mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua viabilidade
produtiva, ou perecer, caso não consiga se adaptar[...](M
ÉSZÁROS, 2002, p. 96)
16
Nesta pesquisa adota-se o conceito desenvolvido pelo filósofo húngaro István Mészáros, na sua obra Para além do
capital, no qual o capitalismo se apresenta como um sistema totalitário e sóciometabólico, ou seja, se renova
constantemente sem ter as suas bases essenciais alteradas. Este sistema de “sociometabolismo do capital”, é um
[...]complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital (2001,
p.15-16). Para o autor é o sistema “mais poderoso” e “abrangente” porque é formado por um núcleo constituído pelo
capital, pelo trabalho hierarquizado e pelo Estado. Assim, [...] é impossível superar o capital sem a eliminação do
conjunto dos elementos que compreende esse sistema.(p. 16). Não tendo limites para sua expansão, o sistema
capitalista se torna incontrolável e “essencialmente destrutivo em sua lógica” (2001, p.17)
17
Cf. MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital, p.94-156.
61
Conforme o entendimento do autor acima citado, não é possível controlar de fato, os
problemas sociais derivados desta “relação-capital”, sempre em franca expansão, que subordina a
tudo e a todos a seus “imperativos alienados”(2002, p.1063).
No entanto, o que se vê é uma batalha ideológica marcada por uma série de sugestões
e propostas políticas que definem como esses problemas podem ser contornados, amenizados e
quiçá eliminados dessa estrutura.
Entidades internacionais como as Organizações das Nações Unidas – ONU e o seu
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, são porta-vozes ideológicos do
sistema que direcionam os governos neoliberais nacionais no sentido de estabelecerem metas
quantificáveis para implementar as ações estipuladas nestes acordos multilaterais
18
. Tratam da
diminuição do abismo sócio-econômico entre os países e da utilização dos recursos naturais de
forma sustentável.
Estas metas têm se revelado bases de apoio para plataformas políticas que almejam
chegar ao poder executivo e legislativo, pois, em tese, indicam o caminho para o fim desta grave
incongruência social que, em última instância, dependeria da vontade política, do
aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições e do sistema democrático do país.
Priorizam-se a busca pelo consenso entre as classes de interesses divergentes e os
projetos político-sociais reformadores, ditos de interesse geral, que insiram os cidadãos no debate
sobre como solucionar os problemas comuns.
A ofensiva ideológica
19
constante que reforça uma pseudo-integração e um pseudo-
consenso entre classes sociais objetiva e subjetivamente antagônicas, nega qualquer existência de
18
Na passagem do século XX para o século XXI, tendo em vista os problemas ambientais, econômicos, políticos e
sociais visíveis em todo planeta, a ONU lançou uma série de desafios aos empresários e a totalidade da sociedade
civil organizada a participarem ativamente de ações que diminuam os efeitos negativos no mundo causados pelas
ações humanas predatórias. Noções como a de Desenvolvimento Local e Sustentável, Responsabilidade Social e
Ambiental fazem parte dos acordos como Pacto Global (1999) e Metas para o Desenvolvimento do Milênio – ODM
(2000), sendo inseridas também na agenda internacional de governos e entidades públicas e privadas.
19
Partindo da perspectiva ontológica do conceito de ideologia, a sua origem é fundada pelas carências humanas
estabelecidas pela complexidade da reprodução da vida (objetiva e subjetiva) em sociedade. O homem é um ser
ideológico por natureza, porque dá respostas. Para Lukács (1981) filósofo húngaro, falecido em 1971, que em sua
maturidade intelectual redigiu manuscritos cujo título em italiano é Per uma Ontologia dell’Essere Sociale (ed.
Riuniti, Roma, 1976-81) e Prolegomeni all’Ontologia dell’Essere Sociale – questioni di principio de um’ontologia
divenuta pissibile (Guerini e Associati, Milão, 1990), a primeira intenção do homem – posições teleológicas
primárias ou “Intentio recta” – é dar respostas aos questionamentos gerados pela totalidade das relações sociais,
afastando cada vez mais as barreiras naturais que limitam a sua reprodução objetiva. O afastamento das barreiras
naturais ocorreria por meio do trabalho, atividade fundante do ser social, que impõe uma articulação dialética entre
homem-homem e homem-natureza. Mas para que esta primeira intenção, de transformação objetiva das condições de
reprodução da vida fosse corretamente satisfeita, seria necessário que outros homens fossem convencidos da
62
luta de classes no atual momento histórico e de qualquer contradição entre o desenvolvimento das
forças produtivas e as predominantes relações de produção capitalistas instauradas. Neste caso, a
“ideologia dominante” e socialmente estabelecida se coloca como uma arma poderosa que
garante o controle e a manutenção de relações desumanas. Mészáros define que,
[...] o discurso ideológico domina a tal ponto a determinação de todos os
valores que muito freqüentemente não temos a mais leve suspeita de sermos
levados a aceitar, absolutamente sem questionamento, um determinado
conjunto de valores a que se poderia opor uma perspectiva alternativa muito
bem fundamentada, juntamente com as conseqüências práticas que nele se
encontram mais ou menos implícita[...] (MÉSZÁROS, 1996, p, 13-14)
Qualquer conflito social que sinalize um profundo contraste de interesse entre capital
e trabalho é e deve ser duramente combatido por meio do discurso ideológico. Isto se dá porque a
classe dominante responsável pela adoção dos critérios de legitimidade de análise dos conflitos
sociais controla também as instituições culturais e políticas (IDEM, p.15).
Dessa forma, a ideologia atua como ferramenta altamente funcional ao dar respostas
aos conflitos gerados em sociedade. Não são só respostas às necessidades imediatas, naturais,
mas, aos problemas que afetam a humanidade como um todo. Considera-se a ideologia como o
“momento ideal” da práxis humana.
[...]a ideologia proporciona a tomada de consciência dos problemas que afetam
grupos sociais, assim como a orientação pra a resolução destes conflitos, ainda
que o conjunto ou mesmo o conteúdo das respostas possa ser gnosiologicamente
interpretado como falso. A ideologia é, nessa medida, um elemento regulador,
cujo fim é dirimir conflitos sociais[...](RANIERI, 2002/2003, p.22)
E mesmo que essas respostas possam ser consideradas gnosiologicamente falsas, ou
equivocadas, mesmo assim, podem servir para amenizar ou controlar um conflito, impossível de
ser deslocado com eficácia ou até mesmo eliminado do interior da estrutura social. Assim, o
necessidade e correção da forma estabelecida de transformação. Esta só pode ser efetivada socialmente. Este
processo de convencimento é visto como uma intenção secundária – mas não menos importante – da reprodução da
totalidade social, denominada posições teleológicas secundárias, ou “Intentio Obliqua”. È justamente neste patamar,
classicamente definido como superestrutural, que se encontra a ideologia. Sobre isso, Ranieri(2002/2003, p. 22)
afirma que, [...] a ideologia está colocada na esfera da produção intelectual e reflexiva acerca da própria existência
humana, e estabelecida no plano da resolução de conflitos que não estão resguardados somente pela determinação
natural, mas especialmente resguardados pela interferência precisa de interesses humano-societários que avançam
justamente com a sociabilidade tornada cada vez mais complexa[...]
63
pensamento inadequado, ou considerado incorreto à realidade vivida, pode ser uma expressão
ideológica, porque as condições para a disseminação dessas respostas aos problemas sociais estão
dadas objetivamente (IDEM, p.24).
Qualquer sinal de conflito entre classes no campo social deve ser combatido
ideologicamente. A busca pelo consenso é a busca pela manutenção da ordem, pois em todos os
sentidos privilegia a classe ou grupos sociais que estão no poder e, por isso, possuem o controle
dos meios ideológicos de produção (política, mídia, educação...etc). Por esses motivos, afirma-se
que na sociedade contemporânea não se fala em revolução ou em mudanças radicais, mas em
adaptação, adequação, inclusão. Lukács sobre este ponto afirma que,
[...]O caráter não teleológico do desenvolvimento social global,
(gesamtprozess) a sua necessária desigualdade, em especial o modo no qual as
conseqüências reais do processo global (gesamtprozess) se manifestam no ser
social e no destino dos homens singulares, (einzelnen) terminam, por isso –
mesmo quando não exista ainda um espírito revolucionário de massa, ou
quando a constituição do objeto não esteja no ponto de conduzi-lo a ser fator
subjetivo de uma revolução – por suscitar em muitos casos conflitos que, como
todos os conflitos sociais, podem ser combatidos somente em termos
ideológicos[...](LUKÁCS, 1981, p. 26)
Por mais que os conflitos sejam gerados pela totalidade do processo de
desenvolvimento social altamente contraditório, no cotidiano imediato a solução para tais
conflitos se encontra sempre no campo individual e, portanto, depende sempre das escolhas feitas
por estes indivíduos isolados, que podem se revoltar ou se submeter a determinadas condições e
posições ideológicas sem nada questionarem.
Por serem as tomadas de decisão sempre individuais no imediato, é bastante
complicado esperar que as pessoas tenham consciência, logo de início, que as tomadas de decisão
entre alternativas sejam geradas pela totalidade social e que esta limita a “liberdade” de escolha
individual. Além disso, as alternativas geradas socialmente também variam de acordo com a
posição ocupada na estrutura hierárquica da divisão social do trabalho, ou seja, quanto mais
pobre, menores são as opções para escolhas.
Sem essa consciência, que faz a mediação entre as ações individuais do cotidiano e a
totalidade das relações do gênero num determinado momento histórico, as liberdades individuais
aparecem quase sempre como sendo ilimitadas. A “culpa” pela ação ou não ação, pelas mudanças
64
de condições na qualidade de vida ou não passa a ser exclusivamente desse indivíduo que deve
buscar “entusiasmo” e “vontade” para protagonizar a sua história.
Outro meio ideológico eficaz é a esfera do direito, que, em última instância, elevam
todos os indivíduos ao status de cidadãos, subsume as diferentes condições de sobrevivência
social e determinam que as ações devem estar sempre de acordo com a estrutura legal instituída,
principalmente no que diz respeito à proteção da propriedade privada, garantia de liberdade no
capitalismo.
Desta forma, não seria preciso negar a existência de conflitos entre as classes, apenas
reafirmar a igualdade dos cidadãos perante a lei, apelando a todos que confiem e que lutem pelo
fortalecimento das instituições democráticas (burguesas) para o bem da sociedade como um todo.
Não existiriam interesses divergentes porque o capital e o trabalho estariam caminhando de mãos
dadas ao encontro da prosperidade. Propor, neste contexto, uma nova forma de sociabilidade,
radicalmente alternativa ao capitalismo, pela via pacífica, político-cultural, seria revolucionária,
segundo Singer, e ainda mais eficaz que a via clássica, por meio da luta armada.
[...]Não ocorre absolutamente que o sujeito agente tenha sempre a clareza
teórica de construir – em última análise – uma nova ordem da sociedade,
quando ele pessoalmente se insurge contra os dominantes modos ideológicos de
dirimir determinados conflitos. Mas isso revela propriamente a sociabilidade do
conflito. A oposição entre o desenvolvimento das capacidades singulares
(einzelnen) dos homens e as suas possibilidades de se desenvolverem como
indivíduos provém, como vimos, diretamente da produção, do desenvolvimento
e permanece para o conjunto da sociedade a figura realmente determinante
dessa oposição.[...] (LUKÁCS, 1981, p. 27)
Práticas conflitantes geram formas de consciências conflitantes que só podem ser
resolvidas por meio da luta. As implicações práticas destas consciências possuem limitações
objetivas que transformadas em alternativas podem viabilizar ou não a continuidade de
determinada ordem social.
[...]Assim, as ideologias conflitantes de qualquer período histórico constituem a
consciência prática necessária através da qual as principais classes da sociedade
se relacionam e até, de certa forma, se confrontam abertamente, articulando sua
visão da ordem social correta e apropriada como um todo
abrangente[...](MÉZÁROS, 1996, p.23)
65
As tentativas de reformar a sociedade capitalista, corrigindo as suas imperfeições,
tornando-a menos injusta para parte significativa da população mundial, recorrendo às
cooperativas consideradas “autogestionárias e solidárias”, em contraponto ao egoísmo
competitivo burguês, fazem com que se afaste qualquer possibilidade de debate sobre um novo
projeto de sociabilidade verdadeiramente revolucionário, radical.
Não será por meio da generalização progressiva das cooperativas que o socialismo se
instaurará!!
Revolucionar significa tomar o poder político e legitimar uma nova forma de relação
social, que só se justifica, por determinações materiais necessárias, por uma nova base econômica
produtiva regida por outra lógica e não pela simples vontade de um grupo.
Segundo Luxemburgo (2003, p.95-96), membro do partido socialdemocrata
20
fundado por Engels em 1875, em todas as sociedades de classes, houve lutas pela conquista do
poder político, que é a finalidade de todas as classes em ascensão. Atesta que reforma e revolução
são fatores diferentes no desenvolvimento das sociedades, mas que se completam, ainda que se
excluindo reciprocamente. Qualquer constituição legal reformadora é produto de uma revolução.
[...]a revolução é o ato da criação política da história de classe, a legislação outra
coisa não é que a expressão política da vida e da sociedade. O esforço pelas
reformas não contém força motriz própria, independente da revolução;
prossegue em cada período histórico, somente na direção que lhe foi dado pelo
impulso da última revolução, e enquanto esse impulso se faz sentir, ou mais
concretamente falando, somente nos quadros da forma social criado pela última
revolução.[...](LUXEMBURGO, 2003, p
.96)
A autora ainda menciona que a principal distinção entre transformação social
revolucionária e reforma legal é o conteúdo. A revolução é sempre qualitativa e se apresenta com
nova forma adequada ao período histórico determinado.
Dessa forma, escolher o caminho das reformas, tendo como finalidade a
transformação social revolucionária, como acontece com a via escolhida pela “Economia
20
É possível afirmar que depois da queda do muro de Berlim em 1989, e da conseqüente derrocada da União
Soviética, o Partido Social-Democrata Alemão (PSD), como a maioria dos partidos considerados de esquerda, na
Europa, se moveram gradualmente para a direita. Este fenômeno ocorreu em todos os continentes como um efeito
dominó. No Brasil, a socialdemocracia, para chegar ao poder em 1994 com Fernando Henrique Cardoso, ou a ele
chegando, há muito abandonou suas propostas revolucionárias, transformando-se em partido da ordem burguesa
reproduzindo sob medida as políticas neoliberais. Ainda recentemente, no governo Lula, o que se vê é a continuação
eficaz do receituário neoliberal que procura a todo custo ampliar sem restrições a acumulação do capital.
66
Solidária”, não significa simplesmente fazer uma opção pela paz e consenso, e sim, por uma
finalidade diferente muito mais superficial: “a reforma da ordem capitalista”. (IDEM, p. 97)
Na sociedade regida pela lógica do capital, a dominação de classe se fundamenta em
verdadeiras relações econômicas e não em direitos adquiridos. No sistema jurídico não há
nenhuma fórmula que determine a dominação de uma classe para outra, ou seja, ela não está
expressa nas leis, muito pelo contrário. Assim como extinguí-las por meio da via legal, política?
(IDEM, p.97-98)
[...] Não é o proletariado obrigado por lei alguma a submeter-se ao jugo do
Capital e sim pela miséria, pela falta de meios de produção. Mas, nos quadros da
sociedade burguesa, não haverá no mundo lei que lhe possa proporcionar esses
meios de produção, porque não foi a lei, e sim o desenvolvimento econômico
que lhos arrancou.
Assim também, a exploração no interior do sistema do salariato não repousa
tampouco em leis, pois não são os salários fixados por via legal, e sim por
fatores econômicos. E o fato mesmo de exploração não repousa em disposição
legal, mas no fato puramente econômico de desempenhar a força-trabalho o
papel de mercadoria, que tem, entre outras, a agradável qualidade de produzir
valor, e mesmo mais valor do que consome nos meios de subsistência[...]
(LUXEMBURGO, 2003, p.99)
Por isto, propor o fim desse sistema regido por uma lógica incontrolável e
contraditória significa propor que a humanidade tenha como finalidade última não mais o lucro, a
acumulação e reprodução ampliada do capital e sim a total submissão destes ao desenvolvimento
humano.
A via reformista, política, escolhida pela “Economia Solidária”, não coloca as
cooperativas ditas autogestionárias em contradição direta com a estratégia de acumulação.
A dinamicidade e flexibilidade do capitalismo fazem com que seja perfeitamente
possível – e objetivamente conveniente à estratégia de acumulação – a absorção de pequenos e
precarizados empreendimentos produtivos, nos quais os “sem emprego”, necessariamente se
organizam em cooperativas para produzirem mercadorias que suprem determinados nichos
marginais do mercado
21
. Essas atividades, que gerariam uma renda mínima a esses trabalhadores,
21
Segundo material multimídia produzido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e a SENAES, no qual apresenta o
que é Economia Solidária e suas principais áreas de atuação, atividades como a de metalurgia em empresas
recuperadas, panificação, agricultura familiar de produtos orgânicos, eco-turismo, corte e costura e artesanatos em
geral, possuem um baixo índice de capital investido em relação a mão de obra aplicada. Assim, o preço desta deve
ser menor e o tempo de trabalho empregado precisa ser muito maior para que o custo de produção se reduza a média
67
são patrocinadas pelo Estado, por instituições educacionais, comércio, indústria e organizações
não-governamentais. A tão divulgada ação de Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade
Social pelas elites empresariais nacionais evidenciam essas possibilidades estratégicas, que por
fim, garantem sobrevida ao sistema.
Outro discurso difundido em larga escala pelas elites sociais, diz respeito à
necessidade de a própria sociedade tomar as próprias rédeas da organização e controle social.
Essa arma ideológica possui como fundamento último a formação de uma nova
“cultura política” em favor de novos posicionamentos e comportamentos, todos com o intuito de
colocar sob controle as leis da acumulação e amenizar as contradições entre a necessidade de
valorização de capital e as necessidades impostas pelo desenvolvimento humano. Cada um dos
indivíduos sociais, de maneira particular são conclamados a tomarem para si os problemas
criados socialmente, imanentes à estrutura e à forma de funcionamento do próprio sistema e a
resolverem suas mazelas.
O discurso focado na democracia e no exercício efetivo da cidadania convoca toda a
população a não esperar unicamente pelo Estado.
Sobre este assunto, Luxemburgo (2003,p.100) afirma que, encontrando terreno fértil
nas relações políticas, o desenvolvimento da democracia proporciona a participação dos pobres
na vida política, por meio de um governo burguês parlamentar. Por isto, a perspectiva da
revolução, com a ênfase na tomada do poder político é imprescindível para mudar as condições
reais de vida da classe oprimida.
Discorre que, embora a democracia não seja resultado exclusivo da marcha imposta
pelo desenvolvimento capitalista, é indispensável a classe operária. Ela cria formas políticas
(administração autônoma, direito eleitoral, etc) que são pontos de apoio à luta proletária. Além
disso, é por meio da luta democrática, exercendo de fato seus direitos, que a classe operária
adquire consciência de seus interesses de classe e tarefas históricas.(IDEM, p. 101)
[...]só no curso da crise política que acompanhará a tomada de poder, no curso
de lutas demoradas e tenazes, poder o proletariado chegar ao grau de
maturidade política que lhe permita obter a vitória definitiva da
revolução[..](LUXEMBURGO, 2003, p.105)
do setor em questão e seus produtos consiga uma boa inserção no mercado capitalista. Ver apresentação do filme na
página do Fórum Brasileiro de Economia Solidária- http://www.fbes.org.br
68
Ao tratar do Welfare State positivo, da Terceira Via, formulada por Guiddens, Paniago
(2001) ressalta que a relação entre o indivíduo e o governo se altera, aumentando a participação e
a responsabilidade individual sobre as questões sociais. Afirma também, ser este, um
posicionamento que atualmente pode ser estendido à maior parte dos partidos de esquerda,
salvaguardadas as diferenças específicas que cada um traz consigo.
[...]Contrapõe-se teórica e politicamente a todos aqueles que, diante das
enormes dificuldades de se construir uma ordem socialista, como demonstrou o
fracasso, e a condenação posterior, do socialismo soviético, optaram por
estratégias de reformas no sistema do capital, através de crescentes restrições à
sua lógica reprodutiva imanente, da revalorização da política ou da criação de
novos mecanismos de controle social mais autônomos[...](P
ANIAGO, 2001,
p.19)
Assim sendo, é preciso que toda a sociedade se coloque como
[...]parceira dos prejuízos sociais do capitalismo globalizado ao apontar como
alternativa ao burocratismo do Welfare State da velha social-democracia a
socialização dos custos sociais por meio do terceiro setor, das organizações
comunitárias locais, ONG’s, e a transferência de investimentos sociais, antes
sob responsabilidade do Estado, a “outras instituições, inclusive as
empresas[...](P
ANIAGO, 2001, p. 16)
Com base neste diagnóstico, verifica-se que algumas reformas e ferramentas, eficazes
na luta cotidiana, imediata, contra a exploração e opressão, não levam progressivamente, por si
só, à instauração de uma nova realidade econômica mais ética, justa e solidária. É evidente que
todos esses recursos, da forma como estão sendo articulados, servem como paliativos no interior
do sistema do capital, que tem como principal objetivo, garantir a manutenção da sua lógica,
reprimindo toda e qualquer tentativa prática e teórica de superação desta condição.
Luxemburgo (2003, p.114), também afirma haver de fato, uma hostilidade a teoria da
revolução socialista. Isto porque existe um limite à atividade prática imposta pelo socialismo
científico em relação a sua finalidade, aos meios de que precisa se servir e aos métodos de luta.
Aqueles que buscam resultados práticos imediatos para libertação da opressão, querem separar a
teoria da prática.
69
Assim, uma prática reformista, limítrofe e inadequada como a apresentada pela
“Economia Solidária”, que tem como finalidade alcançar o socialismo, se reveste de uma teoria
pseudo-revolucionária.
[...]Naturalmente, aqueles que aceitam tacitamente a ideologia dominante como
a estrutura objetiva do discurso “racional” e do “erudito” rejeitam como
ilegítimas todas as tentativas de identificar as suposições ocultas e os valores
implícitos com que está comprometida a ordem dominante. Assim, em nome da
“objetividade” e da “ciência”, têm de desqualificar o uso de algumas categorias
essenciais do pensamento crítico [...](MÉZSÁROS, 1996, p.14)
A ideologia que propõe a emancipação humana por meio da política, e que
especificamente no Brasil, tem na “Economia Solidária”, um mecanismo apropriado de
articulação entre Estado e as chamadas “minorias”, não é simplesmente sinônimo da vontade de
uma classe economicamente poderosa que, precisa manter esta estrutura organizativa de
exploração de muitos em favor de poucos. Toda ideologia tem uma base material que a
determina, condições históricas dadas apropriadas a estes tipos de respostas aos problemas
sociais, postos pela totalidade e, que precisam ser modificadas se realmente se deseja que as
pessoas tenham outras formas de conceber e refletir a realidade vivida.
[...]a ideologia não é ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-
orientados, mas uma forma específica de consciência social, materialmente
ancorada e sustentada. Como tal, é insuperável nas sociedades de classe. Sua
persistência obstinada se deve ao fato de ela se constituir objetivamente (e
reconstituir-se constantemente) como consciência prática inevitável das
sociedades de classe, relacionadas com a articulação de conjunto de valores e
estratégias rivais que visam ao controle do metabolismo social sob todos os
seus principais aspectos. Os interesses sociais que se revelam ao longo da
história e se entrelaçam de modo conflituoso manifestam-se no plano da
consciência social, na grande diversidade de discursos ideológicos
relativamente autônomos (mas de forma nenhuma independentes), que exercem
forte influência mesmo sobre os processos materiais mais tangíveis do
metabolismo social[...] (MÉZSÁROS, 1996, p.22-23)
Neste sentido, a “Economia Solidária”, é utilizada como mais um instrumento de
contenção da miséria absoluta, em regiões castigadas pela dinâmica capitalista de reprodução
social, sem que o Estado perca o controle sobre esses grupos econômicos.
70
O princípio de “autogestão” adotado pelos empreendimentos inseridos na “Economia
Solidária” sofreu adaptações pertinentes e consonantes ao discurso ideológico neoliberal, que em
tese, garante as liberdades individuais, o direito de exercer qualquer tipo de atividade, desde que
não fira os princípios básicos constitucionais da propriedade privada.
Ao se autodenominar um movimento social revolucionário, no interior do
capitalismo, que é parte integrante do projeto de desenvolvimento do Estado brasileiro, tendo
suas bases de sustentação focadas em redes sócio-econômicas, e que por meio desta, se articula
ao mercado, a “Economia Solidária”, só faz reafirmar ideologicamente a predominância do
capital nas relações sociais se ajustando aos seus determinantes de mercado. Muito diferente da
proposta realizada por Marx e Engels, que tinham no horizonte a superação definitiva deste
sistema e de suas variáveis essenciais.
De acordo com Marx (apud MESZÁROS,1998, p.519), o Estado, longe de ser um
parceiro ideal ao movimento de emancipação da humanidade, reforçava a exploração articulada
pelo sistema produtivo capitalista “no plano da superestrutura jurídica e política da sociedade”
por meio de uma “alienação dos indivíduos sociais em relação ao poder mais abrangente de
tomada de decisões”. Neste caso, só esta relação com o Estado já impossibilita uma ação
autônoma e subversiva.
[...]o Estado moderno não é tampouco mais que uma organização criada pela
sociedade burguesa para defender as condições exteriores gerais do modo
capitalista contra os atentados, tanto dos operários quanto dos capitalistas
isolados. O estado moderno, qualquer que seja sua forma, é uma máquina
essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, o capitalista coletivo
ideal.[...]A propriedade do Estado sobre as forças produtivas não é a solução do
conflito, mas abriga já em seu seio o meio formal, o instrumento para chegar a
solução.
Essa solução só pode residir em ser reconhecido de um modo efetivo o caráter
social das forças produtivas modernas e, portanto, em harmonizar o modo de
produção, de apropriação e de troca com o caráter social dos meios de
produção. Para isso, não há senão um caminho: que a sociedade, abertamente e
sem rodeios, tome posse dessas forças produtivas, que já não admitem outra
direção a não ser a sua.[...](ENGELS, 1977, p.54-55)
Tendo em vista a natureza do Estado, verifica-se que a “Economia Solidária” que,
segundo Singer, possui caráter revolucionário, permanece refém dessa mesma lógica a partir do
71
momento em que procura apoio estrutural nesse. Assim, a considerada prática “autogestionária” e
emancipatória nasce morta.
2.1 A autogestão e seus determinantes históricos
Já no início do século XX, a onda reformista passou a ser duramente criticada por
alguns marxistas que questionavam se era possível viver uma democracia (burguesa) de fato no
interior de um sistema na qual os cidadãos eram economicamente desiguais. “Esta rejeição da
democracia, que lhes permitiu justificar o terror stalinista, é posta em questão nos anos 50” por
alguns marxistas que acreditavam num sistema democrático, mas não no interior do sistema
capitalista (MOTHÉ, 2005, p.103)
22
. Assim, um “modelo de democracia” total e direta, que reduz
o poder do Estado e empodera os cidadãos foi elaborado por alguns marxistas, que de alguma
forma estavam ligados à revista Socialismo ou Barbárie (1945-1965).
Nesse contexto,
[...] a palavra autogestão é pouco empregada no início, porque ela foi
monopolizada pelo partido Comunista Iugoslavo, que exerceu o poder segundo
o mesmo modelo leninista da URSS. Este modelo democrático que dá um lugar
de preponderância às assembléias de democracia direta, se distancia dos
partidos socialistas reformistas, na medida em que coloca uma condição
imperativa prévia, a da abolição do sistema capitalista[...](MOTHÉ, 2005,
p.103-104)
Ainda segundo o autor, a greve de estudantes e assalariados em maio de 1968 na
França, proporcionou uma maior publicidade ao conceito de “autogestão” sem que essa idéia se
revertesse em mudanças efetivas nas instituições, a não ser na área da educação com “liceus
autogeridos”. Com o fim da revista Socialismo ou Barbárie o conceito de “autogestão” foi
retomado por alguns membros da esquerda marxista contra o reformismo, mas o quesito prévio
que impunha o fim do sistema para aplicar o “modelo autogestionário” perde força nos anos 80.
22
O autor, Daniel Mothé Jacques Gautrat, nascido em 1924, ex-trotskista, trabalhando como mineiro, reuniu-se aos
camaradas para criar a revista Socialismo ou Barbárie que funcionou até 1965. É contratado pela Renault como
ferramenteiro permanecendo na fábrica por 22 anos. Em 1972, depois de cursar a faculdade de ergonomia, é
contratado pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e em 1979 se torna pesquisador em sociologia,
responsável por um centro de pesquisa sobre Democracia e Autonomia (CRIDA). Em visita ao Brasil em junho de
2004, palestrou no II Encontro Internacional de Economia Solidária, promovido pelo Núcleo de Economia Solidária
– NESOL da USP. Confira seu texto Balanço crítico do conceito de autogestão na França, 2005, p.102-118.
72
Isto se deu porque algumas associações que surgiram no setor de serviços, notadamente
capitalistas, foram vistas como iniciativas filiadas ao conceito de “autogestão” (
MOTHÉ, 2005,
p.104).
Diante disto, o debate acerca do novo “modelo de democracia” direta permaneceu
encerrado nas academias, posto que os intelectuais autogestionários não tinham nenhuma
influência junto às políticas sindicais e também aos movimentos sociais. “Este fechamento
impediu [...]a esquerda parlamentar de formular uma saída política que teria correspondido às
aspirações autogestionárias formulada pelo movimento estudantil [em maio de 68] (MOTHÉ,
2005, p.105).
Entre os anos 70 e 80, as próprias empresas capitalistas de gestão taylorista-fordista,
aos poucos, introduzem formas pretensamente “democráticas” em seus procedimentos,
preconizando o modelo participativo da moderna gestão empresarial
23
.
[...]a modernização das empresas se efetua por pequenos toques através da
participação dos assalariados no ajustamento de seus postos de trabalho,
enquanto a esquerda parlamentar começa a utilizar o conceito de autogestão
para promover um complemento de democracia direta em seu programa
eleitoral. A autogestão apresentada pela esquerda parlamentar não coloca o pré-
requisito da esquerda revolucionária, mas sim o do sufrágio universal,
prometendo, se eleita, favorecer a autogestão. A partir daí, o conceito de
autogestão pertence ao patrimônio da esquerda e o de participação ao
patrimônio da direita, enquanto que co-gestão representava uma fórmula
reformista aplicada na Alemanha [...](MOTHÉ, 2005, p.106).
O abandono pela esquerda parlamentar do conceito de “autogestão” no governo de
Miterrand após 1981 na França, culminou com a tentativa de dar uma vestimenta jurídica à utopia
autogestionária, eliminando as palavras participação e “autogestão”, propondo uma lei sobre
formas de “expressão dos assalariados”. Segundo Mothé (2005, p.106) “a lei de expressão é um
compromisso entre o círculo de qualidade que já existe, e uma vontade política de dar um estatuto
de cidadão aos assalariados”.
23
Silva (2004, p.137-138), afirma que essa nova tendência da gestão organizacional, passa a ser como uma crença
disseminada em larga escala pelos “administradores da produção”, pelos gestores da força de trabalho, e até,
cientistas sociais. Acredita-se que a [...] cisão entre o trabalho intelectual e manual pode ser superada no interior do
modo de produção capitalista por meio de reformas organizacionais.[...]. Na verdade, essa nova forma de “gerenciar
a subjetividade humana”, oculta [...] o processo de exploração – aceleração dos gestos repetitivos – [...]e apaga [...]
a divisão de classes ou qualquer tipo de oposição operária á racionalidade organizacional da empresa
capitalista[...]
73
Atualmente, o resgate do conceito “autogestionário”, tanto no Brasil como no mundo,
passa pelo debate, já promovido pela revista Socialismo ou Barbárie, da existência de um germe
de práticas “autogestionárias” nos trabalhos das populações pobres, que constantemente
desenvolvem estratégias de sobrevivência precarizada, mas criativa. Assim, o comportamento
“autogestionário” poderia se desenvolver a partir de
[...]comportamentos perceptíveis nas empresas industriais, sobretudo quanto à
solidariedade dos assalariados a tomar decisões racionais para a eficácia da
produção, desobedecendo às ordens irracionais da hierarquia, mostrando assim,
que a contestação não se realiza partindo de pulsões emocionais diante da
injustiça, mas a partir de uma vontade popular (essencialmente carregada pelos
trabalhadores manuais das grande empresas), onde a razão domina o
comportamento contestatório[...](MOTHÉ, 2005, p.109).
Isso significa que diante de um problema técnico, os trabalhadores coletivamente, por
meio de um consenso, desenvolveram ferramentas informais para solução destes, apoiados em
suas experiências ou saberes ainda não considerados pela empresa ou mesmo pelos sindicatos nos
anos 50. Essa potencialidade sempre demonstrada pelos trabalhadores seria um indício de que a
prática “autogestionária” poderia ser instituída e se fortalecer já no interior do capitalismo.
Teoricamente, o “modelo democrático” autogestionário proposto
contemporaneamente, não faz a crítica apenas à propriedade privada dos meios de produção, mas
também à gestão das instituições burocráticas e ao Estado. Abolir a separação entre quem
concebe e quem executa não pode ocorrer apenas na empresa, mas em todas as instâncias da vida
(MOTHÉ, 2005, p.110).
O Estado, neste “modelo de democracia” direta, seria substituído por assembléias
constituídas pelos cidadãos, a exemplo do que foi proposto em 1968, visto que o modelo
representativo ainda não dá voz à população economicamente desprivilegiada, que acaba se
subordinando a uma classe mais abastada.
Por meio da prática democrática, acredita-se que, à medida que as pessoas vão se
desvencilhando do individualismo imposto pelo mercado extremamente competitivo, e se
preocupando cada vez mais com o bem-comum, ficam mais estimuladas a participarem dos
movimentos sociais e das reflexões políticas (MOTHÉ, 2005, p.111).
Para os “autogestionários” o tempo dedicado ao debate político repousa na “vontade
de cada um”, que quanto mais envolvidos estiverem com os problemas sociais menos
74
individualistas serão. A empatia, impulsionada pela mesma condição sócio-econômica,
justificaria o comportamento solidário entre os trabalhadores, sinônimo de consciência da
necessidade coletiva, de ajuda mútua, altruísmo.
O voluntarismo presente na nova concepção “autogestionária” menospreza as
demandas externas ou objetivas ao elaborar uma nova forma de relação sócio-produtiva. Nesta
metodologia, a educação, a qualificação, o treinamento podem estimular a consciência e o
comportamento solidário, mesmo quando a prática social coloca os cidadãos em posição de
competição constante.
Assim, como seria inconcebível sair “fora” da superestrutura jurídica e política
estabelecida e “abolir” o estado a partir do ponto de vista imaginário do
absoluto voluntarismo[...], do mesmo modo a superação última da ideologia – a
consciência prática inevitável das sociedades de classe – só poderia ser
concebida sob a forma da eliminação progressiva das causas dos conflitos
antagônicos que os indivíduos, membros das classes, tinham de “resolver pela
luta” nas circunstâncias históricas prevalecentes. Em outras palavras, a
compreensão marxista – oposta ao voluntarismo – de que o definhamento do
estado teria de ocorrer através da reestruturação radical de suas instituições e da
transferência progressiva de suas múltiplas funções para os indivíduos sociais:
os “produtores associados”, fez com que a mesma consideração das restrições
objetivas se impusesse também na atitude assumida em relação à ideologia em
geral (MÉSZÁROS, 1998, p.519-520)
Qualquer necessidade de mudança ideológica deve ser previamente acompanhada de
uma mudança nas relações objetivas. Essas devem encerrar praticas coletivas não estranhadas
inseridas na divisão social do trabalho, cujo planejamento, controle da produção e produtos do
trabalho sejam gestados coletivamente.
As condições objetivas dinamizadas pelo capital impõem restrições à consciência
coletiva determinada pela divisão social do trabalho e desencadeiam valores e ideologias difíceis
de serem alteradas pelas vontades.
Assim, para se efetivar uma prática “autogestionária” e um comportamento não
competitivo, seria preciso cuidar também da transformação destas bases objetivas que são
históricas, por meio de uma luta que também é determinada por condições históricas.
Por tudo que já foi apontado, levando em consideração as possibilidades objetivas de
superação dessa realidade, ou seja, considerando os determinantes externos às subjetividades,
como a sociedade poderá realizar a transição para um modo de vida mais justo, na qual as
75
pessoas participem efetivamente da sua construção? Será unicamente por meio da transformação
das consciências e dos comportamentos individuais fundamentados num eficaz método
educacional?
Sem dúvida, o conceito clássico de “autogestão” incorpora também a crítica da
economia política, a suplantação da mercadoria e do trabalho assalariado” (Internacional
Situacionista
24
, 2002, 135), estando a sua prática estendida a todos os aspectos da vida objetiva e
subjetiva. A reprodução da vida em sociedade deve priorizar a transformação qualitativa contínua
das relações homem-homem e homem-natureza que devem ser conscientemente planejadas. O
homem deve ter controle sobre a construção de sua própria história.
Tal organização ou faz a crítica unitária do mundo, ou não é nada. Por crítica
unitária queremos nos referir a uma crítica que abranja todas as regiões
geográficas onde diversas formas de poder socioeconômico distintos existem,
assim como uma crítica que abranja todos os aspectos da vida.[...]( IS, 2002,
p.134)
Também não se podem explicar as relações sociais apenas tendo em vista a dimensão
econômica. Segundo
Georg Lukács
25
, o homem é um ser ideológico por natureza e a consciência
não é um epifenômeno da reprodução humana, uma conseqüência secundária das determinações
materiais. A consciência é o mecanismo previamente necessário à criação incessante do novo,
sem o qual, o trabalho, visto como categoria fundante do ser social, seria impossível.
O processo de convencimento de outras pessoas é essencial para que a vida em
sociedade seja organizada e para que as atividades correspondentes a uma eficiente reprodução
social em larga escala sejam efetivadas. Está presente em todas as esferas da vida cotidiana dos
indivíduos, a intenção de transformar seus pensamentos em realidade. Assim, é por meio do
trabalho que se realizam posições teleológicas, finalidades, que pressupõem uma consciência que
estabeleça um fim (L
UKÁCS, 1981b, p. 6-7).
24
Uma organização fundada em julho de 1957, em Cosio d’Arroscia, na Itália. Em doze anos de existência teve um
total de 70 integrantes, mas devido a constantes exclusões (45 dos 70) a IS teve pouco mais de 10 integrantes ao
mesmo tempo. “A Miséria do Meio Estudantil – Considerado em seus Aspectos Econômicos, Políticos, Psicológicos,
Sexual e, mais Particularmente, Intelectual, e sobre Alguns Meios para Remediá-la” foi, de todos os textos o que
causou maior escândalo e teve grande importância na gestação do maio de 68. Este foi escrito por Mustapha Khayati
e revisado por Guy Debord. Em seus textos, já se discute a importância da autogestão e o fim da sociedade da
mercadoria e do espetáculo. Situacionista: teoria e prática da revolução, 2002.
25
Para conhecer um pouco mais sobre o que ficou conhecido como a Ontologia de Lukács, ler LESSA, S. A
Ontologia de Lukács, 1996. Nesta pesquisa utiliza-se o capítulo do Trabalho, traduzido por Ivo Tonet.
76
Para que as mudanças de comportamentos ou de atitudes sejam efetivadas, é preciso
que as pessoas estejam convencidas de que a atual forma de organização social adotada não é a
melhor para o futuro da humanidade. Os trabalhadores precisam sentir os conflitos e buscar
formas de superação destes por meio da auto-organização para que, de forma consciente – a
consciência da “classe para si” – queiram se libertar deste modo de vida cada vez mais injusto.
Este processo de libertação, que é um ato histórico e não intelectual, deve ser
promovido pelas próprias mãos dos trabalhadores e não transferidos a outra entidade ou pessoa.
As ideologias, ou seja, as respostas concretas que os homens formulam para explicarem e
resolverem a sua condição, são reflexos do estágio de amadurecimento dessa luta que os
impulsionam para o processo de mudança das relações sociais.
Sendo assim, seria um equívoco imaginar que a ideologia de maneira isolada seja o
único motivo pela não autonomia do indivíduo ou pela sua não mudança de comportamento.
Também não se parte do princípio de que haveria uma classe, em especial os intelectuais, que
conhecendo a verdade não deixariam se enredar pela “falsa consciência” e que por isso teriam o
poder de ensinar ou transmitir o conhecimento que leva ao comportamento autônomo e
cooperativo, àqueles que se encontram precarizados e submissos.
É preciso compreender que,
[...]A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início,
diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material
dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o
intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu
comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como
aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica
etc. de um povo. Os homens são produtores de suas representações, de suas
idéias etc[...] A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente,
e o ser dos homens é o seu processo de vida real[...](MARX , K.; ENGELS, F.
1999, p.36, 37
)
Para promover uma mudança de consciência, que fosse muito mais autônoma, seria
preciso uma prática coletiva verdadeiramente autônoma, no sentido de emancipatória,
estimuladora do desenvolvimento consciente das individualidades em todo o seu potencial. O
homem que sabe que faz história e que é responsável por ela. De acordo com esta análise,
77
[...]A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, assim como as
formas de consciência que a elas correspondem, perdem toda a aparência de
autonomia. Não tem história nem desenvolvimento; mas os homens ao
desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam
também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é
a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência.[...](MARX , K.; ENGELS, F. 1999, p.37)
Neste contexto seria impossível existir uma intelectualidade “supra-ideológica” capaz
de convencer os menos afortunados de sua triste condição. A busca pela emancipação humana
não virá, como acreditavam os iluministas, pela via da intelectualidade, da razão. O fim das
formas distorcidas de consciência social só será alcançada tendo em vista as mudanças radicais
nas práticas da organização e da divisão do trabalho e das outras institucionalidades que
atualmente representam os interesses do capital.
[...]enquanto o sistema estabelecido de reprodução social continuar marcado
pelos antagonismos materiais, só um milagre poderia fazer com que as formas
correspondentes de consciência social[...] se libertassem de tal sistema. Ao
mesmo tempo[...]o poder emancipatório da ideologia surge da mesma dialética
de reciprocidade, através da qual a consciência social pode contribuir
significativamente para a transformação das estruturas reprodutivas materiais
básicas em circunstâncias históricas favoráveis”(
MÉSZÁROS, 1998, p.523)
A realidade social, a verdade dos fatos, não pode ser apreendida por meio do
movimento isolado e autônomo de uma consciência treinada, ensinada a realizar tal
empreendimento, o que seria o papel das instituições educacionais ou dos vários projetos de
qualificações criados por várias instituições governamentais. Marx entendia que “se o
pensamento alcança a verdade objetiva não é uma questão teórica, mas uma questão prática. O
homem deve comprovar a verdade [...] na prática”(MÉSZÁROS, 1998, p.508).
Infelizmente, no âmbito das relações humanas, verifica-se ainda a impossibilidade
objetiva de se alcançar uma consciência social alinhada à ruptura definitiva das estruturas de
poder que sustentam e reproduzem o capital. O apelo competitivo, individualista e algumas
figuras tomadas como exemplos padrões de sucesso, altamente difundidos na sociedade por todas
as esferas ideológicas, são paradigmas difíceis de serem vencidos por modelos contrários,
encontrados em grupos econômicos encarados como alternativos. Por mais que ocorram
iniciativas ou tentativas isoladas de grupos econômicos experimentais, a exemplo do que ocorre
78
com as cooperativas estabelecidas na “Economia Solidária”, a impossibilidade de isolamento
definitivo destas da dinâmica econômica e política imposta pelo movimento incessante do capital,
é visivelmente constatável.
Rosa Luxemburgo (2003, p.80), ao fazer uma crítica do socialismo de Bernstein, em
Reforma ou Revolução?, afirma que as cooperativas, sobretudo as cooperativas de produção,
nascem híbridas no capitalismo, já que formam uma “pequena produção socializada dentro de
uma troca capitalista”.
Sabe-se que no capitalismo, marcado pela concorrência selvagem, o mercado controla
o processo produtivo e, consequentemente, também determina o ritmo da exploração do trabalho
que é cada vez mais crescente. Ser competitivo se torna uma das condições de existência de
qualquer empreendimento econômico.
[...]exprime-se isso pela necessidade de intensificar o trabalho o mais possível,
de reduzir ou prolongar as horas de trabalho conforme a situação do mercado, de
empregar a força de trabalho segundo as necessidades do mercado ou de atirá-la
na rua, em suma, de praticar todos os métodos muito conhecidos que permitem a
uma empresa capitalista enfrentar a concorrência das
outras[...](LUXEMBURGO, 2003, p.81)
Sendo assim, é evidente a necessidade de auto-exploração por parte dos cooperados.
No discurso da “Economia Solidária”, esta característica aparece como uma vantagem em relação
às empresas capitalistas, porque não haveria a figura externa, materializada do patrão, que impõe
disciplina, controle e organização para o trabalho. Os próprios trabalhadores se auto-
disciplinam!!
É altamente contraditório, quando se fala em “autogestão”, que os cooperados tenham
que se auto-disciplinar para atender o mercado com a mesma rigidez encontrada na empresa
capitalista, sem a devida reflexão sobre esta condição de submissão, fazendo, eles mesmos o
papel de seu algoz.
É esta contradição que faz com que a cooperativa seja um projeto falido, enquanto
meio para obtenção do socialismo. Assim, ou este empreendimento volta a ser capitalista, a
degenerescência advertida por Paul Singer – ou se dissolve.
Não é a falta de disciplina, ou como afirma Singer, uma indisposição das bases, a
causa do fracasso das cooperativas solidárias e sim, o regime totalitário, natural do capital, que
79
impede que alguns desses trabalhadores cooperados, se voltem de forma atroz, contra si mesmos
Ou seja, que estes não realizem de maneira tão eficaz, a racionalização produtiva e disciplina para
o trabalho, imprescindíveis à concorrência no mercado.
Neste caso,
[...]só contornando a contradição que oculta em si mesma, entre o modo de
produção e o modo de troca, subtraindo-se assim artificialmente às leis da livre
concorrência, pode a cooperativa de produção assegurar sua existência no seio
da economia capitalista. Só tendo um mercado, um círculo constante de
consumidores, garantido de antemão, pode ela atingir esse alvo. Justamente a
cooperativa de consumo lhe fornece esse meio[...](LUXEMBURGO, 2003,
p.82)
Daí reside outro problema. Se as cooperativas de produção tiverem a sua existência
atrelada às cooperativas de consumo, impossíveis de serem generalizadas a todos os ramos de
atividades, aquelas ficarão limitadas a atuarem em um mercado restrito, local, notadamente
aqueles que exigem baixo investimento de capital como os ramos alimentícios. Assim, aqueles
setores ligados a alta tecnologia, pela falta de um mercado consumidor em expansão, serão
inviáveis às características produtivas das cooperativas e estarão excluídos.
Tendo em vista este paradoxo que cerca a existência das cooperativas
contemporâneas, que em si seriam “autogestionárias” no capitalismo, como pensar numa reforma
social geral para a instauração socialista de fato?
O sonho socialista não poderá fazer a roda da história retroceder à condições de
reprodução material relativas a era medieval. Não será possível eliminar as relações de mercado
estabelecidas mundialmente, por meio de tecnologias avançadas da informação, simplesmente
negando este “status quo” e suas conseqüências excludentes, reafirmando por meio de
valorização cultural os trabalhadores de localidades pobres e seus saberes.
[...] reduz-se toda a reforma socialista por meio de cooperativas, de luta contra o
capital de produção, isto é, contra a principal base da economia capitalista, a
uma luta contra o capital comercial e, principalmente, contra o pequeno e médio
capital comercial, isto é, unicamente contra pequenos ramos do tronco
capitalista.[...](LUXEMBRUGO, 2003, p. 83)
O desenvolvimento das forças produtivas, a divisão social hierárquica do trabalho e a
produção de mercadoria no capitalismo promoveram uma cisão histórica e inconciliável entre os
80
interesses do capital e do trabalho, trazendo à tona a contradição fundamental da sociedade
capitalista que, em última instância, cindi a vida humana e todo seu processo de reprodução.
[...]A divisão social do trabalho expressa modos de segmentação da sociedade,
ou seja, desigualdades sociais mais abrangentes como a que decorre da
separação entre trabalho manual e intelectual, ou entre o ‘trabalho industrial e
comercial e o trabalho agrícola’[...]A partir dessas grandes divisões, ocorreram
historicamente outras como, por exemplo, entre os grupos que assumiram as
ocupações religiosas, políticas, administrativas, de controle e repressão,
financeiras etc. A cada um desses grupos cabem tarefas distintas quanto porções
maiores ou menores do produto social[...](OLIVEIRA E QUINTANEIRO,
2003, p.35)
É um embuste propor o resgate da unitariedade da vida por meio de práticas
estranhadas, efetivadas em projetos de incubação, subordinadas às leis do mercado, mas
ideologicamente disseminadas como “autogestionárias”. Acredita-se que a unitariedade da vida
não ocorrerá sem que antes seja eliminado, por meio da luta, o poder absoluto e centralizador do
representante maior desta ordem social, e que é a base estruturante do sistema: o Estado
capitalista.
A totalidade das relações sociais articuladas por esta forma de poder impõe a todos a
mesma obediência cega aos imperativos do mercado. Só uma consciência de classe, que
escancare por meio de uma prática insistentemente combativa, a existência de interesses
antagônicos, derivados das condições objetivas de vida de cada grupo é que poderá encontrar as
alternativas necessárias a uma mudança radical e efetiva. Daí a importância dos conflitos gerados
pela totalidade social, de ressaltá-los e divulgá-los amplamente, para que venham à tona em toda
sua profundidade e possam ser combatidos na raiz. Assim, no combate, na luta, as consciências
alheias serão despertadas. Mascará-los sob a égide de combinações como discursos ideológicos,
mais programas assistencialistas e promocionais, retardam ainda mais a possibilidade de homens
e mulheres controlarem a história de suas vidas. A “Economia Solidária” está neste patamar.
Mas como toda relação dialética, contraditória, a promessa solidária justa e igualitária
poderá ser frustrada com tanta intensidade, que a revolta gerada por esta, poderá levar a uma luta
radical contra o “status quo”. Neste momento, ter-se-á o germe da mudança estrutural efetiva.
81
É por meio da luta de classes e não pela busca do consenso entre interesses
divergentes que as transformações estruturais são impulsionadas. “A classe explorada constitui-se
assim, no mais potente agente de mudança”(OLIVEIRA E QUINTANEIRO, 2003, p.43).
Acredita-se, que os vários grupos econômicos que, de forma isolada, se auto-
organizavam nas diversas localidades pobres espalhadas pelo Brasil, desenvolveram, a seu modo,
estratégias de sobrevivências precarizadas. Estas, não formavam um movimento social em sua
acepção clássica, pois não eram, originariamente, um grupo articulado que se colocavam de
forma organizada e combativa contra determinadas condições sócio-econômica e política. Os
vários trabalhadores destas localidades conseguiram se articular, se organizar em rede, enfim,
tomar corpo e se apresentar à sociedade, após a intervenção de intelectuais vinculados a
instituições educacionais, partidos políticos e do próprio Estado. Assim, nasce a chamada
“Economia Solidária” que se institucionalizou, mas não por iniciativa direta desses trabalhadores.
Ao se autodenominar como movimento social, de acordo com a acepção clássica do
termo, a “Economia Solidária”, faz desencadear conseqüências extremamente nocivas ao próprio
futuro da utopia “autogestionária”.
A parceria com o Estado neoliberal, subordinado ao centro dinâmico do capital,
reproduz a lógica totalizante do sistema em nível microeconômico, reafirmando a sua natureza
mas, ao mesmo tempo, intensificando as contradições vividas por esses trabalhadores pobre.
Vivendo este conflito que inclui excluindo ou submetendo a condições inóspitas de reprodução, é
que se considera ser possível ter consciência dos conflitos insolúveis no interior dessa lógica.
Assim, trabalhadores até então completamente ou cronicamente eliminados do processo de
produção e por vezes assistidos por programas sociais tenderiam a uma reflexão e reação, muitas
vezes violenta, contra esta situação.
Têm-se nestes pequenos projetos de “empreendimentos solidários” dois caminhos
altamente contraditórios: a reprodução imediata do sistema e a tomada de consciência da
exploração. Mas esta, ainda não se concretiza numa consciência de classe. Acredita-se que isto se
deva à reprodução exata da complexa divisão do trabalho que heterogeneiza ao super-especializar
e do modo de organização da produção capitalista, nesta que pretende ser uma economia
alternativa. Além do mais, o Estado, também conta com meios eficientes de repressão que
sufocam e criminalizam qualquer movimento social legítimo que reivindique de forma
organizada e perigosa, igualdade condições e justiça.
82
Assim, parte-se da perspectiva da totalidade, ou seja, da necessidade de realizar uma
crítica unitária do mundo capitalista para compreender como o conceito de “autogestão” e
cooperação, tem sido resgatado e aplicado de forma cindida pela “Economia Solidária”, ao
mesmo tempo em que, reintroduz pessoas até então marginalizadas do processo de produção de
riqueza, à sua lógica. Além disso, articula esses grupos a outras iniciativas associativistas ou
cooperativistas localizadas em vários pontos geográficos do Brasil, pondo-os em contato com
outras realidades extremamente parecidas.
2.2 A cisão da vida promovida pelo capital: a crítica da economia política em questão.
Como já mencionado, a “autogestão” não se reduz apenas ao campo econômico, ao
planejamento, organização e controle do modo de produção material da vida, mas, também,
abarca suas expressões ideológicas, a política, a cultura, leis, valores morais etc. Significa então,
em última instância, o resgate da unitariedade da vida, na qual aquele que faz história, o faz com
consciência.
Na atual forma de sociabilidade, a fundamentação da cisão da vida promovida pelo
capital pode ser explicada a partir da divisão social e hierárquica do trabalho assalariado e da
produção de mercadoria. Acredita-se ser este o ponto de partida para uma análise crítica da
prática “autogestionária” das cooperativas contemporâneas.
[...]É o próprio trabalho hoje que devemos atacar. Longe de ser uma “utopia”,
sua supressão é a primeira condição para a ultrapassagem efetiva da sociedade
mercantil, para a abolição – dentro da vida cotidiana de cada um – da separação
entre o “tempo livre” e o tempo de trabalho, setores complementares de uma
vida alienada, onde se projeta indefinidamente a contradição interna da
mercadoria entre o valor de uso e valor de troca. É somente além dessa
oposição que os homens poderão fazer da sua atividade vital um objeto de sua
vontade e de sua consciência, e contemplar a si mesmos num mundo em que
eles próprios criaram[...](INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2002, p.57)
Em outro momento desse estudo, foi diagnosticado que os empreendimentos dos
trabalhadores pobres precisam agregar valor aos seus produtos para poderem vendê-los a preços
mais adequados à reprodução da vida de cada trabalhador. Para tanto, é preciso que suas
mercadorias estejam no mesmo patamar dos desejos e das necessidades já constituídas
83
socialmente, além de dar um retorno monetário adequado ao custo mínimo de reprodução da vida
em sociedade, cujo parâmetro é capitalista.
É sabido que a mercadoria se constitui por dois valores: o de uso e o de troca. O valor
de uso de cada produto provém do trabalho útil ou concreto, que possui características
específicas, adequadas ao tipo de atividade desenvolvida. Usos qualitativamente diferentes se
devem a trabalhos qualitativamente diferentes e por ser assim, podem ser confrontados como
mercadorias para efeito de troca. Mercadorias que possuem usos comuns não podem ser trocadas.
Desta forma, tem-se uma porção de produtos diferenciados sendo confeccionados de forma
privada pela totalidade social, ou seja, uma verdadeira “divisão social do trabalho”. Segundo
Marx (1983, p.50), a divisão social do trabalho “é condição de existência para a produção de
mercadorias”. Isto porque, os vários produtores que realizam trabalhos distintos precisam obter
de outros, produtos para suprir suas diversas necessidades. Cada um oferece no mercado o
produto do seu próprio trabalho, metamorfoseado na forma de moeda, dinheiro. Nenhuma pessoa
produz tudo aquilo que precisa para viver.
O sistema capitalista é aquele no qual se aboliu da maneira mais completa
possível a produção com vistas à criação de valores de uso imediato, para o
consumo do produtor: a riqueza só existe agora como processo social que se
expressa no entrelaçamento da produção e da circulação (MARX apud
OLIVEIRA E QUINTANEIRO, 2003, p.46)
O autor ainda explica que a mercadoria não é condição de existência para a divisão
social do trabalho em sociedades não capitalistas. As evidências históricas comprovariam essa
tese, ao serem investigadas comunidades tradicionais, as mais antigas da civilização humana.
“[...]Na antiga comunidade hindu o trabalho é socialmente dividido sem que os produtos se
tornem mercadorias[...]”
(MARX, 1983, p.74).
E continua demonstrando por meio de fatos históricos que,
[...] A industria rural patriarcal de uma família camponesa, que produz para seu
próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupas etc., constitui um exemplo
mais próximo. Essas diversas coisas defrontam-se à família como produtos
diferentes de seu trabalho familiar, mas não se relacionam entre si como
mercadorias. Os trabalhos diferentes que criam esses produtos, lavoura,
pecuária, fiação, tecelagem, costura etc., são na sua forma natural funções
sociais, por serem funções da família que possui sua própria divisão de trabalho
naturalmente desenvolvida, assim como a tem a produção de mercadoria.
84
Diferenças de sexo e idade e as condições naturais do trabalho, que mudam com
as estações do ano, regulam sua distribuição dentro da família e o tempo de
trabalho dos membros individuais da família. O dispêndio das forças
individuais de trabalho, medido pela sua duração, aparece aqui, porém, desde
sua origem como determinação social dos próprios trabalhos porque as forças
individuais de trabalho a partir de sua origem só atuam como órgãos da força
comum de trabalho da família (MARX, 1983, p.74-75).
Assim, as especificidades dos trabalhos, que, em sua totalidade são sociais,
determinam o tempo correspondente de dispêndio da força de trabalho individual. Daí decorrem
os valores de uso, que o autor explica dessa forma.
[...]o valor de uso de cada mercadoria encerra determinada atividade produtiva
adequada a um fim, ou trabalho útil. Valores de uso não podem defrontar-se
como mercadoria, caso eles não contenham trabalhos úteis qualitativamente
diferentes. Numa sociedade cujos produtos assumem, genericamente, a forma
de mercadorias, desenvolve-se essa diferença qualitativa dos trabalhos úteis,
executados independentemente uns dos outros, como negócios privados de
produtores autônomos, num sistema complexo, numa divisão social do
trabalho[...](MARX, 1983, p.50)
O trabalho, criador de valores de uso, como mediador indispensável entre as relações
de transformação homem-homem e homem-natureza, é condição de existência deste homem em
qualquer forma de relação social. O que efetivamente se transforma ao longo da história é o modo
de planejamento, organização, controle da produção, suas relações correspondentes e, as trocas
realizadas entre os produtos do trabalho. Entretanto, a própria força de trabalho se transforma em
mercadoria.
Para que a troca entre diferentes produtos se efetive, além da necessidade de se
confrontarem diferentes valores de uso, esses produtos do trabalho também precisam se
caracterizar como valores de troca. É de conhecimento geral as dificuldades encontradas para se
efetuar trocas de mercadorias de diferentes utilidades uma pela outra, sem um nível de
equivalência correspondente. Como trocar trigo por tecido? Neste caso, abstraindo a dimensão
específica de cada atividade, ou seja, mascarando suas características qualitativamente diferentes,
evidencia-se que todas são “dispêndio produtivo de cérebro, músculos, nervos, mãos etc.
humanos, e neste sentido são ambas trabalhos humanos” (MARX, 1983, p.51). Ou seja, o valor
da mercadoria representa dispêndio de força de trabalho humano simples, comum a todas as
pessoas qualificadas ou não, educadas ou não.
85
[...]As diferentes proporções nas quais, as diferentes espécies são reduzidas a
trabalho simples como unidade de medida, são fixadas por meio de um
processo social por trás das costas dos produtores e lhes parecem, por tanto, ser
dadas pela tradição[...](MARX, 1983, p.52)
De acordo com este raciocínio, pode se afirmar que o trabalho concreto, útil,
responsável pela produção do valor de uso se reduz a trabalho abstrato, simplificado,
homogeneizado, essencial à produção do valor de troca. A objetividade do valor da mercadoria se
encontra expressa nesta relação, como um valor puramente social e é representada pela forma
dinheiro, o equivalente que representa todas as mercadorias, inclusive a força de trabalho. O autor
apresenta um exemplo bastante ilustrativo.
[...]Na verdade a alfaiataria que faz o casaco é uma espécie de trabalho concreto
diferente da tecelagem que faz o linho. Porém a equiparação com a tecelagem
reduz a alfaiataria realmente àquilo em que ambos são iguais, a seu caráter
comum de trabalho humano. Indiretamente é então dito que também a
tecelagem, contanto que ela teça valor, não possui nenhuma característica que a
diferencie da alfaiataria, e é, portanto, trabalho humano abstrato[...](MARX,
1983, p.56)
Em qualquer mercadoria reside trabalho humano abstrato acumulado. O valor criado
pelo trabalho é transferido ao produto no momento da sua objetivação ou entificação. A
mercadoria passa ser portadora de valor como se este fosse intrínseco a sua “natureza”. A questão
é que este valor só pode ser expresso em confronto com outra mercadoria, também expressão de
trabalho humano indiferenciado, abstrato. A forma valor é oriunda de uma relação social e não da
objetividade do ser “em si” da mercadoria. Toda atividade humana no capitalismo, por meio da
divisão social do trabalho, produz mercadoria. Nesta divisão, tem-se a impressão de que os
trabalhos são independentes uns dos outros, porque realizados de forma privada, mas, por
princípio, estes devem transformar-se em seu contrário, trabalho social.
[...]Assim, o trabalho objetivado no valor das mercadorias não se representa
apenas de um modo negativo, como trabalho em que todas as formas concretas
e propriedades úteis dos trabalhos reais são abstraídas. Sua própria natureza
positiva é expressamente ressaltada. Ele é a redução de todos os trabalhos reais
à sua característica comum de trabalho humano, ao dispêndio de força de
trabalho do homem.
86
A forma valor geral, que representa os produtos de trabalho como meras
gelatinas de trabalho humano indiferenciado, mostra por meio de sua própria
estrutura que é expressão social do mundo das mercadorias. Assim, ela
evidencia que no interior desse mundo o caráter humano geral do trabalho
constitui seu trabalho especificamente social (MARX, 1983, p.67).
Toda mercadoria por essência, além de satisfazer a uma necessidade social, incorpora
em si a totalidade dos trabalhos invertidos pela sociedade. A mercadoria como valor, é trabalho
social plasmado, cristalizado. O valor de troca é uma função social que nada tem a ver com as
propriedades das coisas em si.
[...]
Consideradas desse modo, só podem distinguir-se uma das outras enquanto
representem quantidades maiores ou menores de trabalho; assim,por exemplo,
num lenço de seda pode encerrar-se uma quantidade maior de trabalho do que
um tijolo. Mas como se medem as quantidades de trabalho? Pelo tempo que
dura o trabalho, medindo este em horas, em dias, etc. Naturalmente, para
aplicar esta medida, todas as espécies de trabalho se reduzem a trabalho médio,
ou simples, como a sua unidade.[...]( MARX, 1977, p. 352)
Neste ponto, destaca-se a impossibilidade de qualquer mercadoria no sistema
capitalista, derivada de trabalhos privados, não ser um produto social. Mesmo àquelas
mercadorias produzidas pela “Economia Solidária”, que se julga estar em outro patamar, isoladas
das “mercadorias capitalistas”, são produtos sociais que utilizam a mesma infra-estrutura para a
produção, se servem da mesma base de conhecimento científico e das mesmas tecnologias
produtivas.
O valor de troca fundamenta-se no trabalho abstrato humano-genérico, trabalho médio
social. A lógica para a produção de mercadorias é única, cujo tempo de trabalho necessário
estabelecido, é determinado pela dinâmica do mercado e não como outrora, pela necessidade
imposta pelo próprio trabalho e necessidades humanas.
Sendo o quantum do trabalho social a medida de equivalência valorativa entre as
mercadorias, pode-se pensar que quanto maior o tempo de trabalho empregado numa determinada
mercadoria, maior o seu valor. Mas o que está em questão é a eficiência produtiva, ou seja, é o
tempo médio da produtividade do trabalho social que determina a eficiência ou não dos
indivíduos em particular.
[...] Quando, na Inglaterra, o tear a vapor começou a competir com o tear
manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de
87
tecido de algodão, ou pano, bastava a metade da duração de trabalho que
anteriormente se invertia. Agora o pobre tecelão manual tinha que trabalhar 17
ou 18 horas diárias, em vez das 9 ou 10 de antes. Não obstante, o produto de
suas 20 horas de trabalho só representava 10 horas de trabalho social; isto é, as
10 horas de trabalho socialmente necessárias para converter uma determinada
quantidade de fio em artigos têxteis. Portanto, seu produto de 20 horas não
tinha valor maior do que aquele que antes elaborava em 10. ( MARX, 1977, p.
354)
A eficiência dos trabalhadores é medida em proporção direta ao progresso
tecnológico, ao desenvolvimento das forças produtivas. Todo aperfeiçoamento correspondente à
organização do trabalho produtivo gera uma economia de escala, que diminui assim,
relativamente, o tempo de elaboração de determinado produto e conseqüentemente o valor da
produção deste. Produz-se muito mais com o mesmo tempo.
Os produtores privados de mercadoria entram em relação direta com outras pessoas ou
trabalhadores sempre por meio da troca desses produtos, no momento da circulação. Portanto, é
no mercado, na circulação que o valor se realiza. Para Marx (1977, p.355), “o preço outra coisa
não é senão a expressão em dinheiro do valor”. Neste caso, o ato de transformar valor em preço é
o processo pelo qual os valores das mercadorias adquirem uma forma “independente e
homogênea”. Os preços estariam exprimindo a quantidade de igual trabalho social invertidos nas
mercadorias.
O valor de determinada espécie de mercadoria ou mesmo os “preços naturais” destas
devem variar de acordo com os preços de mercado, ou seja, de acordo com “a quantidade social
média de trabalho” necessária ao abastecimento do mercado de determinado produto. Portanto,
para o efetivo calculo do preço, deve-se também levar em consideração a quantidade total
presente no mercado de determinado artigo. Assim, no mercado, o preço de determinada
mercadoria pode coincidir com o seu valor, oscilar para cima deste ou permanecer abaixo deste.
Tudo vai depender da relação entre a oferta por esses produtos e a procura pelos mesmos
(MARX, 1977, p.356).
Tendo em vista esses argumentos, já se pode afirmar que a “Economia Solidária”, por
meio do que ela define como “autogestão”, não supera o trabalho abstrato, alienado, produtor de
mercadoria. Não são os usos, nem o tempo de trabalho, determinações sociais dos próprios
trabalhos. Como já verificado, a divisão do trabalho nas cooperativas precisa levar em
consideração as especializações, os saberes técnicos de cada membro, que se não tiverem
88
habilidades adequadas às demandas do mercado, deverão ser treinados para tal. Já o tempo de
trabalho dos cooperados também é estabelecido pelo mercado. O tempo de trabalho, no
capitalismo, é a base fundamental para a formação do custo da produção e conseqüentemente,
define o preço final da mercadoria. Se o tempo da produção dos cooperados de determinado
produto estiverem de acordo com o tempo médio praticado por empresas do mesmo ramo, o
preço poderá ser equivalente. Se o tempo médio dos cooperados para a produção for maior, seus
produtos serão mais caros, ineficientes de acordo com a lógica do mercado e dificilmente serão
consumidos. Mesmo havendo uma cooperativa de consumo, a concorrência com a o mercado
capitalista é latente, ou seja, pode ser mais barato comprar neste, do que naquele.
A consciência de que toda a mercadoria é resultado de trabalho abstrato, médio,
semelhante a qualquer força de trabalho, é extremamente positiva, à medida que não estipula
valores e importâncias diferentes às diversas atividades produtivas existentes, hierarquizando-as.
Toda mercadoria é fruto de igual força de trabalho. Mas as conseqüências disso, seriam um
nivelamento da importância e dos valores monetários dados a essas mercadorias. Neste caso, os
preços excessivos de algumas classes de produtos não se justificariam.
Por isso, no âmbito da circulação, ao invés de se explicitar o caráter social das
mercadorias, o que se tem é a consolidação do seu caráter privado, individual, quase único. Nesta
relação, as mercadorias precisam ser revestidas de valores “espirituais” que extrapolam as suas
características objetivas.
No mercado de consumo, no âmbito da circulação, separa-se o trabalho abstrato do
trabalho útil, concreto, presente nas mercadorias.
Esta separação definitiva entre o trabalho útil, diferenciado, característica ressaltada
na esfera da circulação, e o abstrato, homogêneo, característica que precisa ser sucumbida,
viabiliza a valorização monetária excessiva das particularidades dos produtos que aparecem
sempre como coisas especiais, sobrenaturais. Neste caso, as propriedades humanas que seriam
inerentes às coisas, seriam capazes de resgatar a humanidade perdida ou de satisfazer
necessidades profundas do espírito.
A dinâmica deste mercado de consumo impõe um ritmo à vida que condiciona as
pessoas a viverem sob uma lógica estranhada, com relações reificadas nas quais as pessoas,
meros instrumentos, se relacionam por meio das coisas. “Aqui os produtos do cérebro humano
89
parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantém relações entre si e com os
homens”. (MARX, 1983, p.71)
Esse fenômeno é o que Marx denomina fetiche da mercadoria, que ocorre devido ao
caráter social do trabalho. A totalidade dos trabalhos que são exercidos independentemente uns
dos outros, ou seja, organizados de acordo com a divisão social e hierárquica do trabalho no
capitalismo e que em seu conjunto formam o trabalho social, produzem bens de usos
diferenciados, supervalorizados na sua dimensão privada e que devem ser trocados.
Somente dentro da sua troca, os produtos recebem uma objetividade de valor
socialmente igual, separada da sua objetividade de uso, fisicamente
diferenciada. Essa cisão do produto de trabalho entre coisa de útil e coisa de
valor realiza-se apenas na prática, tão logo a prática tenha adquirido extensão e
importância suficientes para que se produzam coisas úteis para serem trocadas,
de modo que o caráter de valor das coisas já seja considerada ao serem
produzidas (MARX, 1983, p.71)
Para os produtores que precisam trocar mercadoria, o mais importante é o quanto irão
receber no processo de troca, quais serão as proporções que só se consolidarão mediante a
efetivação das grandezas de valor de cada produto. Essas grandezas de valor parecem provir das
próprias mercadorias e, além disso, se tem a impressão de que elas variam sempre,
independentemente da vontade e do planejamento de quem efetua a troca. “Seu próprio
movimento social possui para eles a forma de um movimento de coisas, sob cujo controle se
encontram, em vez de controlá-las”. (MARX, 1983, p.72-73)
Assim, como determinar as grandezas de valores que parecem provir das coisas em si?
Para o autor, o mistério é resolvido tendo em vista um fator fundamental nesta sociedade: o
tempo. O tempo de trabalho socialmente necessário é continuamente reduzido
[
...]à sua medida socialmente proporcional porque, nas relações casuais e
sempre oscilantes de troca dos seus produtos, o tempo de trabalho socialmente
necessário à sua produção se impõe com violência como lei natural reguladora,
do mesmo modo que a lei da gravidade, quando a alguém a casa cai sobre a
cabeça. A determinação da grandeza de valor pelo tempo de trabalho é, por
isso, um segredo oculto sob os movimentos manifestos dos valores relativos da
mercadoria[...](MARX, 1983, p.73)
90
Em uma sociedade comunal na qual os trabalhadores fossem livremente associados e
todos os trabalhos privados fossem vistos como uma única força social, o tempo de trabalho teria
um duplo sentido. Em primeiro lugar as diversas necessidades seriam atendidas em proporções
corretas, de acordo com o tempo necessário despendido por cada atividade, ações estas
planejadas socialmente. Em segundo lugar o tempo também serviria para medir a participação de
cada produtor no trabalho social. Neste caso, as relações sociais são claras porque estabelecidas
entre os homens, seus trabalhos privados e seus produtos. Já em uma sociedade estranhada
produtora de mercadoria, que busca atender as necessidades da valorização do valor e não das
pessoas, as relações sociais são obscuras, se fundamentam numa relação entre as coisas, entre
valores oriundos de trabalhos privados indiferenciados. Esta prática é refletida de forma invertida
nos cérebros dos trabalhadores que se sentem subjugados a esta ordem e não sujeitos
impulsionadores no controle dessa dinâmica.
Assim Marx infere que,
[...]O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as
circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens
relações transparentes e racionais entre si e com a natureza. A figura do
processo social da vida, isto é, do processo da produção material, apenas se
desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produtos de homens
livremente socializados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado. Para
tanto, porém, se requer uma base material da sociedade ou uma série de
condições materiais de existência, que, por sua vez, são o produto natural de
uma evolução histórica longa e penosa [...] (MARX, 1983, p.76)
É importante destacar que para o autor a história se desenvolve de forma dialética e
não progressiva, por isso, não é uma previsão fatalista pensar num desenvolvimento social que
traga em seu bojo possibilidades concretas de superação dessa forma social estranhada.
Constata-se que, no capitalismo, não há vida social fora do mercado, ou seja, todas as
relações humanas foram mercantilizadas, embora muitas vidas estejam marginalizadas do
processo produtivo. O capital não exclui ninguém de sua lógica, que é totalizadora, mas elimina
definitivamente, muitos seres humanos do processo de produção de riqueza. “Como os
produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as
características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa
troca”(MARX, 19783, p.71).
91
Na sociedade contemporânea as pessoas se dividem entre as horas de trabalho cada
vez mais reificadas, estranhadas e o tempo de “lazer passivamente consumido”. Este, se efetiva
mesmo dentro de casa, ao se ascender a luz, ao tomar água, ao assistir televisão, ao usar o
telefone. Esse fato corrobora com a tendência de que cada vez mais o serviço público tem sido
prestado pela iniciativa privada
26
. O incentivo às privatizações é uma das campanhas de maior
eficiência ideológica do capital que atinge o ser social em todas as esferas da vida sem exceção.
O capital transformou a todos em consumidores.
Os trabalhadores precarizados, autônomos, organizados em cooperativas, em última
instância, estão inseridos na cadeia produtiva e, portanto, concorrem no processo, para a
produção de mercadorias
27
e, mais do que isto, lutam para terem o direito a serem consumidores.
Esta seria a única forma de manter e garantir uma sobrevivência “digna” no mundo. O consumo
no capitalismo é pressuposto básico para manutenção da vida e nada nem ninguém consegue se
isolar desta condição. No mercado, além dos produtos essenciais a reprodução material da vida
também está presente àqueles responsáveis por saciar os desejos do espírito. Ou melhor, em uma
determinada mercadoria, estas duas necessidades – materiais e espirituais – podem ser satisfeitas
momentaneamente por causa da natureza essencial desta, constituída por valor de uso e valor de
troca, já mencionado anteriormente.
26
Com as privatizações em áreas como rodovias, energia, telefonia, saúde, saneamento básico e habitação vê-se que
os espaços públicos estão sendo reduzidos juntamente com o exercício da cidadania, os direitos trabalhistas e sociais.
27
Um exemplo da extensão dessa cadeia produtiva, desmembrada geograficamente com muita intensidade, que
concorre para produção de mercadoria com menor custo, é uma das maiores empresas de cosméticos do Brasil, a
Natura. Com um faturamento de 1.9 bilhões de reais em 2003, um dos seus maiores desafios é manter bons
relacionamentos com fornecedores. Segundo reportagem retirada do Guia Exame – 2004 de Boa Cidadania
Corporativa, [...]Seu projeto de relacionamento com fornecedores de matérias-primas de regiões carentes na
Amazônia já foi tema de trabalhos apresentados na escola de negócios da Universidade de Harvard, uma das mais
respeitadas do mundo.[...] o desafio da Natura é disseminar os conceitos dessa estratégia – dentro e fora da
companhia.[...]Um dos pontos mais críticos da estratégia da Natura é o relacionamento com fornecedores
“alternativos”, grupos ligados a moradores de regiões ribeirinhas, seringueiros, produtores de castanhas e índios.
[...]Todos os cosméticos que levam castanha-do-pará em sua composição, por exemplo, devem gerar renda para
fornecedores do interior do Amapá[...](ALMEIDA, 2004, p.42-23). Outro exemplo de como as grandes empresas
absorvem a precariedade das condições de sobrevivência de uma população, até então marginalizada do processo de
produção e lucram com isso é a Albras, estabelecida no município de Barcarena, na Amazônia, fabricante de
alumínio controlada pela Companhia Vale do Rio Doce, atualmente apenas Vale. O projeto “Nosso lixo tem futuro”
[...]nasceu em 1999, quando a Albras investiu cerca de 400 000 reais para montar uma unidade de reciclagem de
lixo urbano. Foi o primeiro passo para que 34 famílias, que antes sobreviviam da cata de alimentos no lixão,
obtivessem renda com a reciclagem e a venda de um adubo feito com lixo orgânico. Os resultados motivaram a
empresa a buscar recursos no BNDES para ampliar o programa. Hoje, a região possui quatro unidades de
reciclagem e compostagem em funcionamento.[...] A Albras também lidera, em parceria com a Embrapa e a
prefeitura, um programa de agricultura familiar em cinco comunidades carentes próxima a sua
Usina.[...](HERZOG, 2004, p.58)
92
Valores, desejos e sonhos são constantemente manipulados pelo modo capitalista de
produção e reprodução da vida em sociedade. Isto significa que o convencimento ou influência de
consciências alheias são fundamentais no interior do processo de reprodução da nossa existência.
Fatos determinados pela nossa forma de organização social, que é contraditória e injusta,
aparecem como sendo “fatos naturais”, irreversíveis, incontestáveis. Os indivíduos sociais, que
deveriam se sentir sujeitos da própria história, sentem-se como se estivessem sendo manipulados
por uma força exterior que determina exatamente a posição de cada um no interior do sistema
hierárquico de reprodução social da vida.
Em um documento escrito pela Internacional Situacionista em julho de 1966 sobre as
definições mínimas de uma organização revolucionária, fica claro que esta deve ter o propósito
de abolir todas as instituições e classes sociais para que se construa uma nova forma de divisão
do trabalho na sociedade. Além disso, seria preciso lutar para concretizar em nível internacional e
não apenas em um único lugar o “poder absoluto dos conselhos operários” e, assim, alcançar a
plena generalização da autogestão.
Acredita-se, como os teóricos da IS, que um verdadeiro movimento revolucionário,
como pretende ser a “Economia Solidária”, deve eliminar, em seu seio, qualquer ação que tenda a
reproduzir a lógica alienante capitalista. O movimento em si, deve ser a “crítica viva e a negação
desse sistema”. Essa negação traz em si o germe de uma nova relação social. Assim, “as
tendências e divergências teóricas devem ser [...] transformadas em questão de organização se
quiserem indicar o caminho de sua realização”. Sem dúvida a organização do movimento reflete
a coerência (prática e teórica) do projeto revolucionário e esta, para ser harmoniosa, deve
priorizar a crítica de tudo que fundamenta o sistema regido pelo capital. (COLETIVO
BADERNA, 2002, p.54)
Como bem afirmou Rosa Luxemburgo (2003), em trecho anteriormente citado, a
cisão entre teoria e prática pode acabar com qualquer prática revolucionária, mesmo que bem
intencionada. Por isso, a própria organização revolucionária deve realizar a crítica da ideologia
que traz consigo.
Não basta ser a favor da “autogestão”, que é, sobretudo, uma forma histórica de se
organizar para a luta revolucionária, é preciso agir de acordo com seu significado original, ou
seja, pressupor a supressão definitiva das bases essenciais que forjam a reprodução expansiva do
capital: o Estado, a produção de mercadoria, a exploração do trabalho assalariado.
93
A racionalidade do mercado e sua reificação é um obstáculo à emancipação. As leis
econômicas atuam como leis “naturais” ou forças externas, independentemente das vontades
conscientes daqueles que participam do processo (COLETIVO BADERNA, 2002, p.56). Dessa
forma, se torna inconcebível e impraticável manter práticas autenticamente “autogestionárias”,
convivendo de forma pacífica na esfera mercantil.
Revolucionar é mexer com as estruturas de poder. É impossível a uma práxis
radicalmente transformadora, como a “autogestão”, ser harmônica e apaziguadora ao sistema
capitalista produtor de mercadoria. O conflito radical advindo da negação profunda desta relação
social, o choque frontal de ideologias divergentes seria inevitável. As feridas seriam expostas de
maneira intensiva, sem tréguas. A luta é violenta em si mesma.
O proletariado só pode se dedicar ao jogo da revolução se o objetivo for ganhar
todo um mundo, caso contrário, não é coisa nenhuma. A forma única de seu
poder, a autogestão generalizada, não pode ser compartilhada com nenhuma
outra força.[...].
[...]A autogestão dever ser simultaneamente o meio e o fim da luta atual. Ela é
não somente aquilo que está em jogo na luta, mas também a sua forma
adequada. Ela é em relação a si mesma, a matéria que ela trabalha assim como
sua própria pressuposição. (COLETIVO BADERNA, 2002, p.55-56)
A crítica à sociedade capitalista, chamada “sociedade do espetáculo” pelos
situacionistas, passa irreversivelmente pela crítica dos meio ideológicos de disseminação dos
valores essenciais a reprodução ampliada do capital. Afirmam, que “a potencia do espetáculo
atual reside no fato de que ele governa não apenas o mundo que ele produz, mas também os
sonhos que as suas vítimas criam para escapar de seu reinado” (COLETIVO BADERNA, 2002,
p.29).
Negar esta condição da reprodução social, sem fazer a crítica ao fetiche da mercadoria
e à cisão da vida humana promovida pelo capital, na qual a consciência se coloca acima e
independentemente das práticas humanas, é o mesmo que trabalhar em prol da manutenção do
“status quo”. Assim, vê-se que os representantes do capital se utilizam dos veículos ideológicos
para promoverem a idéia de um modelo prático de “liberdade” individual, a neoliberal, sem
restrições no interior do capitalismo. Para tanto, o processo educacional, em suas várias formas
(técnico, formal, informal, fabril) e a vontade são subsídios essenciais.
94
A disseminação da “Economia Solidária” promovida e articulada pelo Estado, que
apóia atividades consideradas “autogestionários” no interior do capitalismo, ao mesmo tempo em
que corrobora praticamente com a reprodução cega de um sistema injusto revela à consciência
das pessoas, até então marginalizadas do processo de produção de riqueza do capital, a face
contraditória do mesmo, a partir do momento em que passam a produzir mercadorias. Este fato
ficará evidente nas entrevistas realizadas com trabalhadores associados do projeto “Mercado
Paulista Solidário”.
Atualmente, como ficou demonstrado nos argumentos do secretário de “Economia
Solidária”, o grande desafio desta é qualificar os trabalhadores de localidades ou regiões pobres,
para atuarem de forma eficiente no mercado, fortalecendo, se é que isso é possível, a autonomia e
controle do processo de produção da vida material e o comportamento solidário das ações.
O “trabalhador autogestionário” e solidário, até então alienado desse contexto, deve
pensar na formação do preço de seu produto, portanto, reduzir o que até o momento pra ele era
trabalho concreto, diferenciado, em trabalho abstrato, homogeneizado, humano-social. Esta
consciência que deveria elevar a importância de todos os trabalhos, já que são todos derivados de
igual esforço humano, no capitalismo, serve como mecanismo de desvalorização monetária deste,
portanto meio de precarizá-lo.
Todas as dificuldades oriundas desse processo de criação e execução, considerando a
importância que os trabalhadores dessas localidades dão ao seu trabalho e ao seu produto,
deverão ser superadas no momento em que estes tiverem que ser vendidos. Não é fácil pôr preço
em um produto que até então não era mercadoria.
Já na circulação, os trabalhadores precisam mais do que um preço adequado para
vender os seus produtos. Precisam “encantar” os clientes para serem escolhidos. Aqui o fato
ocorrido no processo de criação se inverte, e se torna imperioso valorizar a caráter privado do
produto do seu trabalho, o que ele tem de peculiar, único e não abstrato.
Também precisam pensar no tempo necessário à produção, já que quanto menor o
tempo, menor o custo deste e maiores as possibilidades de lucro, única forma de sobreviver no
capitalismo. Mas nesse caso, precisam aprender uma nova cultura de organização do tempo do
trabalho, ou aumentando a carga de trabalho, contratando mais trabalhadores ou adquirindo
equipamentos que tornem o seu trabalho mais rápido e eficiente. Assim, como ocorre com toda e
qualquer organização ou atividade econômica capitalista, são as necessidades de valorização do
95
capital, o grau de desenvolvimento tecnológico e investimento em mão-de-obra intensiva e o
nível de competitividade de um setor, que determinam o tempo médio de trabalho,
independentemente das vontades individuais.
O modelo clássico, de organização “autogestionária” para uma vida em sociedade
plena de significado, se dá por meio do trabalho socialmente planejado, organizado e controlado
pelos trabalhadores livremente associados, que lutam para promover a unidade entre a atividade
vital para o desenvolvimento humano e o lazer. Não é o que ocorre no conjunto de atividades
presentes na “Economia Solidária”. Acredita-se que os empreendimentos ditos “autogestionário”
ali organizados, são estratégias de sobrevivência, que recolocam o trabalhador marginalizado
novamente na esteira do processo de criação da riqueza capitalista, e ali, consegue obter um
“soldo” provindo da miséria solidária.
A “Economia Solidária” reproduz a cisão entre teoria e prática, de uma forma ainda
mais cruel, pois em seus treinamentos, dissemina que a melhoria das condições de vida material
virá progressivamente por meio da cooperação solidária pacífica, com muito trabalho e disciplina
(o que depende unicamente da vontade destes trabalhadores) e que esta, promoverá uma nova
realidade social, mais justa e ética, diferente da economia clássica, como se esta fosse um mundo
à parte. A cultura local, os saberes locais são hiperestimados em detrimento do conhecimento
formal e global, como se esses de fato, fossem autônomos, como se o capital já não tivesse
instaurado de forma eficiente uma “cultura do consumo”, que baliza os interesses individuais no
mundo inteiro, instauram necessidades de sobrevivência parecidas e desejos-padrão mínimos.
A “Economia Solidária” que reforça a consciência alienada, que menospreza, pelo
menos no discurso, os mecanismos de mercado e este poder irrefreável que condiciona todas as
instâncias da vida ao consumo, contribui para a negação da exploração e das dificuldades
derivadas de uma vida que só tem sentido no consumo e na religião. Assim, a divisão social
hierárquica do trabalho e a esfera da circulação, no capitalismo, impedem que o trabalhador
individual se veja como participante da engrenagem total do processo de produção e, portanto,
que se reconheça no produto do trabalho total, que é social.
O princípio da produção mercantil é a perda de si dentro da criação caótica e
inconsciente de um mundo que escapa completamente a seus criadores. O
núcleo radicalmente revolucionário de autogestão generalizada é, pelo
contrário, a direção consciente, por todos, do conjunto da vida. A autogestão da
alienação mercantil tornaria todos os homens meros programadores de sua
96
própria sobrevivência: é a quadratura do círculo. A tarefa dos conselhos
operários não será, portanto, a autogestão do mundo existente mas a
transformação qualitativa e ininterrupta deste: a superação concreta da
mercadoria (enquanto gigantesco desvio da produção do homem por ele
mesmo) (COLETIVO BADERNA, 2002, p.56).
Um dos argumentos mais contundentes dos intelectuais ideólogos da “Economia
Solidária” é afirmar a condição não alienada de suas atividades, já que, são os próprios
trabalhadores quem planejam, controlam, organizam e executam todo o processo do
empreendimento em questão. É como se não estivessem sujeitos a um “controle externo”, e por
isso, se reconheceriam plenamente no resultado do seu trabalho imediato.
Este trecho que se refere à experiência de trabalhadores cooperados da BRUSCOR
28
,
ilustra bem o que seria esta autonomia no interior do capitalismo.
Uma coisa é controlar o trabalhador alienado, isto é, a força de trabalho
comprada e vendida; outra, é o controle do trabalhador autogerido, que é dono
do resultado do trabalho. Este último tipo de controle, ou é autocontrole ou é
um controle que vem de fora, mas não é verticalizado, é realizado por um igual,
um colega sócio. Neste sentido, tanto pode correr o risco de ser rejeitado ou de
simplesmente não ser levado em conta, quanto pode ser aceito e, deste modo,
concretizar-se uma nova forma de controle, que contribui para a autogestão.
A autoridade assume então uma nova compreensão. Não há, na autogestão,
autoridade externa ou superior, pois esta é exercida colegiadamente, e os
membros, pela sua postura de responsabilidade e diálogo, vão tornando sua voz
com maior ou menor legitimidade no grupo[...] (PEDRINI, 2000, p.39)
O fato é que estas atividades não são auto-suficientes, ou seja, para serem efetivadas
precisam de mercadorias advindas do mercado não solidário, como energia elétrica, redes de água
e esgoto, etc. e a sua eficiência produtiva, é sempre comparada à eficiência histórica alcançada
pela média social. Os produtos deste mercado solidário continuam articulados à totalidade por
meio da divisão social e hierárquica do trabalho, que em sua dinâmica, lhes fornecem espaços
econômicos para realizarem suas trocas. E o principal articulador dessa lógica continua sendo o
capital.
28
A BRUSCOR - Indústria e Comércio de Cordas e Cadarços Ltda é parte da associação autogestionária – Empresa
Alternativa de Produção Socializada (EAPS) criada em 1986 por cinco jovens ligados à teologia da libertação. Esta
situada no médio vale do rio Itajaí município de Brusque, estado de Santa Catarina. Conf. PEDRINI, D.M. Bruscor:
uma experiência que aponta caminhos, 2000.
97
O trabalhador, indivíduo-social, cooperado, membro da “Economia Solidária”,
continua não se reconhecendo no produto do trabalho humano-genérico. Também é pressionado a
valorizar sua mercadoria segundo a lógica do mercado e a praticar um valor de troca que
possibilite a realização do lucro pessoal. Estimar o preço dos produtos é um desafio a este
produtor, o que é mais uma prova da não autonomia em relação ao mercado capitalista.
De acordo com as entrevistas realizadas, descritas e analisadas no próximo capítulo,
constatou-se que nestes projetos de geração de renda e trabalho, são depositadas esperanças até
então inexistentes. A prática deste projeto revela dificuldades objetivas impossíveis de serem
superadas apenas pela vontade e pela solidariedade cristã ou não. Esse discurso, diante da
necessidade eminente da competição, da concorrência, se revela débil, falacioso.
Por outro lado, também se diagnosticou em alguns momentos vividos por estes
trabalhadores, a consciência do conflito, que veio à tona gerado pela não satisfação de algum
ponto que contradisse o discurso pacífico e “ideal” da “Economia Solidária” e parece impossível
de ser resolvido no interior dessa prática, como o próprio comportamento solidário, não
competitivo.
É possível que, neste caso, a consciência do conflito elevada a sua potencia máxima,
possa levar ao descrédito o ideal solidário no interior do sistema capitalista, relegando os
trabalhadores a uma apatia crônica ou, gerando uma revolta que, coordenada, pode desencadear
alternativas de ação combativas, que de fato rompam com essa lógica.
98
3 O PROJETO MERCADO PAULISTA SOLIDÁRIO: O UNIVERSO DOS PEQUENOS
PRODUTORES RURAIS ARTESANAIS DA CIDADE DE TARUMÃ - SP.
3.1 O nascimento do Projeto Mercado Paulista Solidário e sua articulação com a Economia
Solidária: autogestão ou livre iniciativa coletiva?
m julho de 2006 foram realizadas entrevistas numa pequena cidade do
interior de São Paulo chamada Tarumã, com pequenos produtores rurais,
ditos “autogestionários”, todos membros do projeto Mercado Paulista
Solidário. Este projeto contempla mais de 40 municípios, que juntos, foram responsáveis pela
criação do Instituto de Desenvolvimento Territorial, o IDESTE.
As análises sobre o projeto Mercado Paulista Solidário e sua articulação com a
“Economia Solidária” no Brasil, iniciam-se com a entrevista realizada com o presidente do
Instituto, artesão, psicólogo e ex-seminarista, Sabino, que explica as motivações e as dificuldades
para consolidação dos empreendimentos populares e rurais “autogestionários” e solidários.
Para ilustrar de maneira mais clara o caminho percorrido até os produtores em
Tarumã, será preciso explicar as contingências que impulsionaram o surgimento do projeto que
reuniu vários trabalhadores precarizados das pequenas cidades da região da alta paulista.
Segundo entrevista concedida em 07 de julho de 2006, por Sabino, todo o processo
iniciou quando ele foi designado pela prefeitura da cidade de Assis para trabalhar com os
pequenos artesãos, fortalecendo a qualificação destes produtores por meio de cursos.
[...] eu percebi que essas pessoas saíam, mais ficavam soltas aí fora, né. Elas
faziam artesanato mais, assim, pra vender pro vizinho e tal. Existia um número
de artesãos aqui no município que era sempre comandado pela “primeira
dama”, né. Então ela sempre convidava eles pra uma festa, pra um evento
comemorativo, mas nada de forma organizada, era sempre..e e o que eu percebi
também, é que o poder público, na época, eles usavam esse trabalho dos
artesãos, é como souvenier pra mandar pra outras primeiras damas e tudo mais
e normalmente elas não pagavam e, elas sempre viam, pediam as peças e o
artesão achava que tava fazendo, é, um benefício pra primeira dama ou um
agradecimento talvez e acabava dando de presente. Eu assumi a escola em 94,
quando foi em 95, surgiu a idéia de montarmos uma associação e ficamos então
um ano estudando a questão de estatuto, texto sobre convivência de pessoas, é,
esses temas durante um ano e aí em janeiro de 96 nós criamos a associação de
artesãos
.[...]
E
99
Desta forma, a partir de 1996 começa a funcionar a associação de artesãos da cidade
de Assis, que articularia todas as ações desses trabalhadores, viabilizando de forma conjunta a
produção e a comercialização dos seus produtos, além da qualificação constante, para melhorar a
apresentação e o acabamento dos produtos confeccionados.
Para aumentar a competitividade dos seus produtos no mercado, que é capitalista,
esses cuidados são primordiais, pois o padrão social de consumo atingiu um patamar que, deve
ser absorvido por qualquer empreendimento se este quiser ter vida longa.
Segundo Sabino, toda a discussão em relação à abertura da associação contou com a
participação direta de todos os artesãos. Textos para discussão sobre convivência de pessoas eram
propostos, lidos e discutidos por todos.
[...]a gente falava muito em solidariedade. Inclusive, é um dos pontos chaves,
do objetivo da associação, que era o comportamento solidário. Isso porque a
gente entendia que as pessoas pra formar o grupo tinha que ser solidário porque
senão, é..., não tinha como a gente trabalhar, né. Existia um egoísmo muito
forte da parte deles, também a gente tava trabalhando com uma faixa etária
muito complicada que é o pessoal acima de 50 anos, né, que já tem
praticamente tudo consolidado e, é..., eles brigavam muito também entre eles,
justamente por causa desta visão egóica que eles tinham de si próprios e da
comunidade. Eles achavam que o poder público tinha que dar tudo pra eles
como sempre acontecia[...] é uma questão cultural e, nós vimos que essa
questão da solidariedade era extremamente importante. Foi um dos objetivos
importantes que a gente colocou desde o início.[...]
Solidariedade versus egoísmo eram as preocupações fundamentais do Sabino, já o
conceito de “autogestão”, não foi introduzido como tema fundamental de debate, mesmo sendo
eleita como forma mais adequada de organização dos produtores para o trabalho. Aqui, esta
chamada prática “autogestionária”, está limitada ao campo econômico e, como já afirmado
anteriormente, acaba ganhando status de “livre iniciativa coletiva”. O entrevistado acredita que a
prática do que ele pensa ser “autogestão”, é anterior a compreensão exata do termo, pois, é
intrínseca a qualquer forma organizativa cooperativa ou associativa. Sobre isso comentou
[...]a autogestão ela nos acompanha, desde o início, porque, é... quando nós
formamos a associação a gente sabia, é..., nós tínhamos consciência que a gente
que tinha que tocar o grupo, é muito normal isso. Mas, não é, é..., embora a
gente praticasse, não era o tema que a gente trabalhava, entendeu, na questão do
poder público, o poder público até achou interessante isso, porque
automaticamente os artesãos saiu da responsabilidade do poder público e eles se
100
organizavam. A intenção nossa era exatamente essa, da gente conseguir se
organizar e tocar o projeto da associação pra frente. Então isso era sim uma
prática, mas não era algo que a gente debatia enquanto um tema teórico,
conceituado e tudo mais. Conceituação mesmo nós tivemos de 2004 pra cá.[...]
A “autogestão” para Sabino é uma forma de auto-organização do trabalhador ou dos
produtores autônomos, sem a interferência direta do poder público, embora este precise atuar
como fomentador destas atividades econômicas. A “autogestão”, que originariamente é uma
forma historicamente determinada de democracia direta, instrumento de luta econômica e política
do trabalho contra a lógica totalitária do capital está, neste caso, muito distante de ser uma
mediação necessária à transição do capitalismo para o socialismo. Sabino desconhece que
historicamente, a “autogestão” é uma “práxis” que sustenta, no interior do capitalismo, a
necessidade de uma nova relação social, na qual o homem se emancipe e de fato esteja livre para
viver de maneira não estranhada. As necessidades da reprodução social não seriam mais ditadas
pela dinâmica do mercado e sim pelo próprio homem-mulher que tem a consciência de que
constrói a própria história.
Por ser um meio de luta, o conflito intrínseco às práticas que pretendem ser
“autogestionárias” são inevitáveis, o que não ocorre com os empreendimentos encontrados na
“Economia Solidária”. Para o entrevistado, “autogestão” que se limita à esfera econômica, pode
ser realizada tendo como único objetivo a obtenção de lucro, e por isso enfatiza também a
importância da solidariedade humana e da empatia, para que o projeto de fato seja transformador.
[...]a autogestão é quando você tem algumas pessoas que não tem como, chega
num determinado ponto do trabalho dela, ela não tem como progredir, a única
forma que ela tem é se juntando a outras pessoas, e quando você coloca duas
pessoas juntos, duas, três, dez pessoas, e essas pessoas precisam se organizar,
pra nós esse se organizar esse conviver, esse gerir o próprio negócio, isso pra
nós é autogestão. Então essas pessoas estão gerindo o seu próprio negócio, né. E,
é elas fazendo isso, pra nós aqui, na nossa região, o que tem a ver isso com a
solidariedade, aí é que é o grande nó da situação, porque eu posso tá fazendo
isso sem ser solidário, ter interesse simplesmente em ver meu trabalho. Então o
que a gente foca muito, é você sim fazer tudo isso, você gerir o grupo, gerir o
próprio negócio, mas você conseguir abrir mão de algumas coisas suas para o
bem do grupo. Isto é complicadíssimo, isso é muito difícil as pessoas
entenderem. E é esse lance que a gente trabalha muito na questão das
capacitações, nas dinâmicas de cooperação, é levar as pessoas a ter um olhar pro
outro, pro trabalho do outro, pra necessidade do outro e não simplesmente pras
sua necessidade, porque se eu fico muito preso na minha necessidade, eu não
101
estou conseguindo praticar a solidariedade, na verdade eu consigo praticar sim o
capitalismo, né, eu ainda estou na velha maneira de pensar.[...]
Desde o início, a prática entendida como “autogestionária” na associação, em nenhum
momento faz a crítica à cisão do mundo promovida pelo sistema do capital. Não se coloca como
uma forma de luta (prática e teórica) contra a exploração do trabalho, a mercadoria e o Estado.
Pelo contrário.
Esta “livre iniciativa coletiva” denominada como “autogestão” por Sabino, é de
interesse do governo local que, como bem afirmou anteriormente, “o poder público até achou
interessante isso, porque automaticamente os artesões saiu da responsabilidade do poder
público”. Assim, melhoram-se os índices de Desenvolvimento Local, retirando da miséria crônica
boa parte dos cidadãos.
A única luta travada por este grupo, é a luta contra eles mesmos, contra seus “instintos
egoístas”. Sem a consciência de que este comportamento é expressão das determinações objetivas
da totalidade da reprodução social da vida, da qual ninguém é excluído, estes precisam vencer um
ambiente competitivo e individualista tendo como única arma as mesmas ferramentas ideológicas
promovidas pelos representantes do poder do capital: a livre iniciativa ou o empreendedorismo
travestido de “autogestão”.
Deste modo, também a culpa pelo fracasso do projeto passa a ser dos membros
participantes, que não souberam vencer os ímpetos advindos de uma cultura individualista e não
sabem trabalhar solidariamente.
O IDESTE que pretende ser um agente importante no processo de transformação
social, por meio de seus projetos como o Mercado Paulista Solidário, jamais será capaz de
romper com as demandas competitivas do mercado, pois não se constituiu como um grupo
político combativo, com uma ideologia crítica e de fato alternativa ao sistema do capital. A
associação dos artesãos, não nasce com esta característica, como um movimento social. Os
trabalhadores foram organizados pelo poder público local, que designou um representante para
tal, e assim, tornou o custo de reprodução de suas vidas menos oneroso para a cidade.
O grupo reproduz de forma absoluta a cisão da vida no sistema capitalista, quando
absorveu que a luta pela sobrevivência não tem que ser uma luta política.
Da união de várias associações de artesãos, de vários municípios, nasce o projeto
Mercado Paulista Solidário, que no início de suas atividades, também recebe investimento do
102
SEBRAE, instituição que apóia e divulga pequenas e médias iniciativas econômicas em todo
território nacional. O Mercado Paulista, tem como finalidade, viabilizar o escoamento das
mercadorias produzidas pela totalidade dos produtores que não conseguem ter acesso a mercados
mais dinâmicos e lucrativos. Assim, o objetivo principal deste projeto é dar suporte e promover a
venda justa dos produtos solidários, nos vários encontros, fóruns e feiras regionais e nacionais
solidárias.
[...]O projeto ele tem algumas fases, tem a fase da formação que é a questão da
capacitação e, é..., tem a fase de cadastramento dos indivíduos, cadastramento
dos produtos, e uma quarta fase que a comercialização, tá. Só que, o projeto
Mercado Paulista, ele traz a tona a valorização do produto que você tem no seu
município, ou seja, o produto que vem do município tem que ter a marca do
município. Então, a gente teve que trabalhar valorizando aquilo que o município
tem de melhor, tá. Então é muito interessante isso, porque as pessoas acabam
tendo um olhar diferente pro seu município criando alguns produtos que só esse
município tem e é isso que a gente valoriza dentro do projeto.
Todos os pequenos produtores hoje...a gente não fala mais em artesãos, a
gente fala em pequenos produtores artesanais, que aí nós temos agricultura
familiar, agricultura orgânica, os próprios artesãos, né, então entra uma série de
indivíduos aí, que antes ficavam fora dessa cadeia porque a gente só chamava de
artesãos e que na verdade todos eles são.
O Instituto só organiza as pessoas. Todo o restante fica por conta deles (as
pessoas). Na verdade a gente só capacita as pessoas, a gente organiza as pessoas.
Então o que a gente percebe é assim, se a gente não muda a maneira de pensar,
se a gente mudar a cultura, a gente muda todo o restante. Então por exemplo na
questão do projeto, eles fazem tudo praticamente, na prática eles que fazem
tudo, na questão da comercialização, a gente capacita, eles vão comercializar,
né. Um outro projeto que nós temos que é o Empório Solidário, a gente capacita
eles que mandam as coisas pra São Paulo, se tá entendendo, então nós não
fazemos nada, a gente não, na verdade, a gente só capacita mesmo, a facilitação
nossa é exatamente essa, trabalhar com a consciência das pessoas e elas
automaticamente elas vão mudando essa postura de que alguém sempre tem que
fazer por mim, né. Nisso a gente consegue criar a iniciativa[...]
Capacitação (treinamento) para uma adequada comercialização, este é o objetivo. Daí
a necessidade de “mudar a maneira de pensar”, de “mudar a cultura” dos produtores, utilizando
uma “nova (velha)” metodologia. Esta deverá “criar a iniciativa”, que ao ver desta pesquisa,
significa melhorar a disciplina para o tempo de trabalho e produção, agregando todas as
características necessárias exigidas pelo mercado, sem a presença materializada de um
representante do capital no ambiente de trabalho controlando tudo, ou seja, sem a figura do
patrão.
103
Sendo assim, a culpa pelo fracasso recairá sobre as vontades desajustadas, sobre a
“cultura inadequada” do comodismo que espera que o Estado sempre faça alguma coisa. Nesta
concepção, é preciso trabalhar com as consciências das pessoas, treinando-as, educando-as, e
assim, de maneira “automática”, ela se ajustaria a uma nova (velha) determinação econômica, a
“livre iniciativa coletiva”, aqui travestida de “autogestão solidária”.
Além da ênfase na valorização ideológica do local, da “comunidade”, enfim, da
simplicidade em contraponto ao que é complexo e global, a cooperação solidária seria essencial
ao êxito destes empreendimentos econômicos, que precisariam contar com todas as forças
existentes para melhorar a sua produtividade e conseguir manter-se em espaços econômicos
capitalistas menos concorridos.
Mas para que tudo isso de fato aconteça, não basta um plano perfeito, idealizado por
mentes já treinadas como a dos agentes de desenvolvimento, que se encarregam de treinar outras
consciências. É preciso que as condições materiais sejam adequadas à realização deste projeto.
Assim, para viabilizar a capacitação dos produtores em larga escala e a comercialização dos
produtos de maneira mais eficaz, é preciso encontrar uma forma de receber mais investimento,
principalmente para melhorar questões infra-estruturais, como transporte, meio de comunicação,
barracas adequadas à exposição das mercadorias, treinamentos mais específicos, etc.
Esta é a função do IDESTE, atuar como interlocutor junto ao mercado e ao Estado,
pleiteando verba para a realização de diversos projetos “autogestionários solidários”.
[...]o IDESTE, [...] nós o formamos, tá. O IDESTE, ele nasceu exatamente da
consciência que nós tínhamos, aí sim, da questão da autogestão, da questão do
comportamento solidário, do comércio ético, justo e solidário, a gente vinha de
um projeto que era o projeto Mercado Paulista solidário, né, e nós tínhamos
consciência de que é, se nós tivéssemos uma ONG que abarcasse um número
maior de pessoas, nós também teríamos mais força junto a captação de recurso.
E foi exatamente isso que aconteceu. Antes nós tínhamos uma associação
regional que contemplava aí somente os municípios da região que eram 8, só que
com o projeto Mercado Paulista ele se ampliou pra 15 municípios. Então ela
deixou de ser uma associação regional. E foi além. Foi aí então que terminado o
período em que o SEBRAE tava bancando o projeto financeiramente e a gente
tinha que se virar pra continuar tocando o projeto, foi quando nasceu então essa
necessidade da gente ta criando um instituto. Então o instituto ele foi criado
pelos municípios, né, num encontro que nós tivemos aqui, um encontro grande,
tinha mais de 100 pessoas, que nasceu essa idéia então de se criar um organismo
pra ta juntando todos esses municípios em volta de um objetivo só. [...]
104
O papel do Estado passa a ser fundamental à sobrevivência do instituto e seus
projetos. E assim, o mais alto representante do capital deve patrocinar membros desta “outra
economia”, que seria mais adequada à sobrevivência dos pobres precarizados no interior do
capitalismo. Investir num relativo “fortalecimento” do poder produtivo dos trabalhadores locais e
seus saberes, que em última instância, sofrem impactos diretos e indiretos de fatores
macroeconômicos, como variação do PIB, moeda nacional, balança comercial, sem falar dos
avanços tecnológicos, são fórmulas frágeis e superficiais, mais imediatamente eficazes de gerar
renda, diminuir a miséria e domar os espíritos.
Assim o capital se expande, tendo suas mazelas e conflitos sufocados, reproduzindo
consciências alienadas, estranhadas.
[...]. O que a gente tá fazendo, na verdade, além de mudança de comportamento,
é fomentando a questão do emprego e renda, nós estamos numa crise terrível
mundial na questão do emprego e renda, e o que a ONG está fazendo é
exatamente, tendo este papel, que hoje o poder público já não consegue ter,
entendeu. Então a gente realiza junto com as comunidades essa questão e o
poder público o que ele pode fazer é ser parceiro nosso, né, e esse ser parceiro
significa o que, nos ajudar a fomentar, né, então através de parceria financeira ou
através de contratos que a gente pode estar firmando principalmente na questão
da capacitação, tá trazendo profissionais de dentro do poder público pra nos
ajudar nisso, né, dá uma outra visão, é transformar as nossas intenções em
política pública, né, que é o que tá acontecendo agora com a Economia
Solidária, então pode e deve, porque ele incentiva por exemplo a produção de
carro no país, o BNDES distribui verba pra fazendeiro plantar soja, porque não
pode distribuir verba pra gente trabalhar também, né.[...]
Assim, para Sabino, a Secretaria da Economia Solidária (SENAES) no Brasil, surge
como um órgão público eficaz de fomento ao empreendimento “autogerido e solidário”, que
fortalece e desenvolve o Local em contraponto à globalização selvagem, que acirra a competição
e o individualismo entre as pessoas. O entrevistado acredita que este apoio seja fundamental para
que de fato uma “outra economia aconteça”.
No entanto, acredita-se que essa Secretaria, por meio do sistema nacional de
informação, já mencionado no capítulo I, atue como meio de cooptação das “livres iniciativas
coletivas”, precarizadas, jamais “autogestionárias”, conforme sua acepção clássica, que
funcionam como estratégias econômicas de sobrevivência imediata.
105
Estes trabalhadores, antes subempregados, terceirizados ou desempregados, retornam
ao processo de produção de riqueza, se inserindo como membros de uma cadeia, ou de redes
como a dos teóricos do Desenvolvimento Local, extensa e complexa. Atuam em interstícios
econômicos sub-valorizados pelo capital, mas que, sendo explorados de forma intensa, relegam
ao mesmo à possibilidade de extrair mais valor das atividades por meio da auto-exploração rígida
e disciplinada dos pobres.
Abaixo, Sabino explica a estrutura de funcionamento burocrática do IDESTE que
embora pretensamente não hierárquica, distancia os trabalhadores das principais tomadas de
decisão em relação aos projetos que são apresentados à SENAES.
Enquanto um grupo determinado elabora as articulações, os pequenos produtores,
neste caso, permanecem dando respostas possíveis aos seus problemas imediatos de
sobrevivência, respaldados no plano ideológico, por uma visão distorcida da realidade, que
afirma serem estas ações, um ato de transformação profunda, revolucionária, o caminho para uma
sociedade mais justa, mais humana e digna. Os trabalhadores, como veremos adiante, não
conhecem a origem da “autogestão”, não pensam sobre seu significado e como todo e qualquer
trabalhador capitalista, entende a necessidade de cooperar com outros que estão na mesma
situação para garantir o mínimo de subsistência.
[...]Nós temos uma diretoria que é formada pelo presidente, vice, tesoureiro,
vice, primeiro e segundo secretário e o conselho fiscal, né. Depois no regimento
interno nós criamos a coordenação de projetos que são as pessoas que pensam os
projetos e entram nos ministérios tem a ação nos ministérios pra poder estarem
apresentando os projetos e tudo mais, e essa é uma estrutura básica que toda
ONG tem que ter, né, o que a gente trabalha muito, é que existem as pessoas de
referência, como o presidente, o tesoureiro e os secretários, mais todos nós
estamos muito nivelados por que todos nós somos gestores, né. Então eu posso
ser o presidente da ONG mas eu sou o gestor de Assis, né, então, é, nós temos
um representante em cada município do instituto, que atua como gestor do
município, então ele que vai fomentar dentro do município os objetivos do
instituto, na verdade, cada um destes gestores é o presidente dentro do seu
município, é o presidente do instituto dentro do seu município, a
responsabilidade que a gente dá é essa, e a pessoa tem que ter clareza do que
está fazendo principalmente na questão dos objetivos do instituto. Normalmente
é assim, o associado paga uma taxa pequenininha, 10 reais por ano, é..., e mais
os projetos que a gente consegue enquanto parceria.
Quando perguntado sobre o quê os produtores esperavam de fato ao se associarem ao
Instituto, Sabino logo confirmou que a aproximação ocorreria por causa das vendas, que estes
106
desejavam melhorar. No entanto, menciona que a capacitação mudaria essa prioridade capitalista,
ao ser introduzido o elemento planejamento (de vendas) com a ajuda do IDESTE.
Sabino menciona que o foco nas duas feiras realizadas no segundo semestre pelo
instituto, reforçando o tema da solidariedade humana no trabalho coletivo, planejando a demanda
e ajustando os produtos às características básicas, definidas como padrão de qualidade, faz com
que os produtores mudem suas prioridades, até então concentradas apenas nas vendas. Mas de
fato, não é o que ocorre.
Estas ações só reforçam a importância de um planejamento de venda eficaz, aos
moldes capitalistas, cuja produção deve estar adequada à demanda. Também reforçam o
comportamento competitivo dos membros, ao criar um canal de distribuição eficaz, viável, pois,
de baixo custo, as feiras, evitando os canais tradicionais e ainda mais competitivos, forjando um
mercado consumidor com características específicas para os tipos de produtos confeccionados.
Descobriram um nicho de mercado em que podem atuar.
[...]O que chama a atenção deles é venda, eles querem vender. Isso é que é o
impacto, ele vêem que a gente tem um impacto legal em venda, então eles
querem se associar por causa disso. Só que quando eles chegam, de certa forma,
esse conceito muda, essa expectativa muda, porque na verdade a gente trabalha
muito mais a capacitação do que a comercialização. Então nós passamos aqui
praticamente seis meses capacitando com encontros quase que mensais, pra
gente poder realizar duas feiras no segundo semestre, né. Então a expectativa
deles, que a gente mostra também é que você não precisa vender o ano inteiro,
né, vender em feira o ano inteiro, pra poder vender bem. Você precisa se
qualificar, ter uma boa visibilidade, na questão da feira que você tá montando,
porque se você fizer isso você vai vender muito mais do que se você fosse em
várias feiras sem planejamento. Então você planeja bem algumas ações nestas
algumas ações você vende tudo praticamente o que você tem e o restante do
tempo você só produz[...]
Desde quando participou pela primeira vez do Fórum da Economia Solidária em 2004
em Brasília, Sabino, como presidente do IDESTE, vislumbrou a possibilidade de ter alguns dos
projetos do instituto financiados pela SENAES. Animou-se demasiadamente quando percebeu
que sua luta por um mundo melhor, neste momento, poderia ser compartilhada com outros grupos
que também pensavam da mesma forma. O IDESTE, em sua luta particular pela melhoria das
condições de vida de vários trabalhadores, agora poderia ver suas reivindicações serem
107
transformadas em políticas públicas. Além disso, também passou a ter acesso a todo um
arcabouço teórico que agora fundamentavam com plenitude as práticas do grupo em questão.
Ao mesmo tempo, Sabino ficou a par de uma realidade que impõe sérias restrições à
efetivação desses investimentos.
[...]Nós encaminhamos dois projetos, o ano passado (2005), eu estive em
Brasília conversando lá com o pessoal da SENAES, eles não deram nenhuma
menção de que poderia(....), mas esse ano nós fomos pra feira da economia
solidária e o pessoal conheceu os produtores que estavam na feira e gostaram
muito do que viram, né. Foi aí então, que nasceu deles mesmos a necessidade de
estarem pedindo pra gente nossos projetos, aí nós enviamos dois projetos pra
eles e agora a gente está só aguardando, mas não é uma coisa muito simples não,
hoje em dia a SENAES ela tem uma média de mais de setenta mil projetos
dentro da SENAES e a SENAES não tem recurso próprio, é repasse do governo
então é complicado. O trabalho é importante, né.[...]
Este imbróglio burocrático pode se tornar ainda mais conflitante para Sabino, ao
perceber em outros grupos que participam das feiras solidárias, características capitalistas, que na
sua concepção, não podem estar presentes nesta esfera. Em feiras, percebeu outros grupos
econômicos, que possuiriam um discurso entendido como “autogestionário e solidário”, mas, se
apresentariam como “um grupo que se juntou pra tá trabalhando juntos dividindo lucros
”, ou
seja, uma colaboração puramente por interesse econômico. Estes só possuiriam um discurso
político (ideológico) condizente com a “autogestão solidária”, enquanto que o IDESTE possuiria
a prática, esta de fato, “autogestionária”, “solidária” e justa.
Para Sabino, haveria uma contradição inaceitável porque a “Economia Solidária” não
combinaria com “política”. Esta é vista como suja, corrupta, mentirosa, dona de belos discursos
que jamais são aplicados. Por isso, abre mão da luta política em prol de uma prática que acredita
ser transformadora em si.
Deseja prescindir do Estado, de um partido, deixando a cargo apenas da população o
desenvolvimento da “Economia Solidária”, ao mesmo tempo, que no interior do capitalismo,
precisa daquele pra financiar os projetos de geração de renda e trabalho e dar continuidade ao
projeto econômico-social alternativo.
Questiona os outros grupos, sem saber que estes são os limites das práticas do seu
próprio grupo, que em última instância, reproduz o sistema de criação e acumulação de riqueza
por meio da exploração impiedosa do trabalho.
108
[...]Assim, eu vou falar uma experiência pessoal, minha. Eu não sou de nenhum
partido político. O que eu percebo hoje em dia não só na SENAES, mas nessa
coisa nova que está se formando que é a Economia Solidária, que é um discurso
de governo, que é um discurso político, o que não deveria porque na verdade
existem milhares de pessoas que praticam Economia Solidária e não são
políticos. Então o que eu estranhei muito, por exemplo, quando eu fui para os
Fóruns é exatamente essa questão do discurso. O discurso da Economia
Solidária tá pautada em cima de uma questão política, o que eu estranho muito,
porque, na verdade, aqui na nossa região a gente não tem essa conduta. A gente
trabalha muito a questão de comportamento, a gente trabalha muito essa questão
da viabilização da Economia Solidária nos grupos e nos municípios sem o
discurso político, entendeu. O discurso quando eu falo, é a metodologia, a
linguagem que eles usam, entendeu. Eles têm essa linguagem, nós não temos e
eles estranham quando a gente chega lá, porque a gente, nós não temos a
linguagem, mas nós temos a vida, então a nossa vida enquanto comportamento
solidário e cooperativo ela é muito viva, quando a gente vai, as pessoas
percebem que a gente é diferente, entendeu. Diferentemente de você pegar um
outro grupo que tem o discurso político, e que vive a Economia Solidária, mas
ele vive a Economia Solidária enquanto um grupo que se juntou pra ta
trabalhando juntos dividindo lucros.[...] Então hoje a SENAES da forma como
ela ta montada, da forma como ela se organiza, ela é um discurso político, ela é
hoje, a economia solidária é uma ação do PT, entendeu, ela é uma ação do PT.
Eu acredito que ela só vai crescer, que ela vai se tornar autônoma, a partir do
momento em que ela sair da mão de um partido político e ser uma ação da
sociedade civil como um todo.[...]
Ao se negar a fazer política, também se nega a compreender o que foram
historicamente falando, as tentativas de práticas da “autogestão”, uma forma histórica de
organização do trabalho e da produção e, ao mesmo tempo, uma forma de luta contra o modo de
produção do capital e suas bases estruturantes. A “autogestão” não cinde teoria e prática, não
reduz o campo de atuação apenas à esfera econômica, e não tem como objetivo mudar o
comportamento das pessoas por meio do ensino de uma cultura mais adequada.
As dificuldades encontradas em seu grupo, que emperram a realização idealizada do
que imagina ser “autogestão solidária”, por vezes desmotiva o entrevistado, que não entende os
motivos reais pelos quais estes problemas tendem a ocorrer. Mesmo com toda a capacitação
efetuada por parte do Instituto para iniciar a mudança de comportamento dos indivíduos,
membros do projeto Mercado Paulista, estes teriam recorrentes recaídas individualistas, o que
frustra as suas expectativas quanto há um futuro mais humano e justo de fato.
Assim, decepciona-se ao constatar que
109
[...]por exemplo você vai numa comunidade que tá trabalhando há dois três anos,
e você vê que o pessoal não mudou o comportamento, o comportamento deles
não é solidário, o comportamento deles é pra coisa do empreendedorismo que é
só pro ganha-ganha, só o dinheiro, né, e passa por cima da outra pessoa, se eles
têm uma loja por exemplo, e a venda é conjunta, ele vende o produto dele
enquanto ele ta lá e não vende o produto do outro, então essa forma egoísta de se
comportar isso me desmotiva muito. Essa é uma questão. Quando começa muito
a questão da competição, né entre as pessoas também[...].
O entrevistado, parte do princípio de que todo comportamento é fruto de um processo
ensino-aprendizagem, e que haveria uma metodologia capitalista que impõe um comportamento
egoísta e competitivo, altamente nocivo às relações sociais. Por isso, imagina ser possível
desenvolver uma metodologia adequada aos princípios da “Economia Solidária”, e que esta deva
ser repassada progressivamente para que as pessoas assimilem seus ensinamentos e aos poucos,
mudem o comportamento. É o que ele chama de “trabalho de formiguinha
Ao efetuar as suas análises, não faz qualquer ligação entre as concepções de mundo
que direcionam e orientam comportamentos, ou seja, que dão respostas valorativas aos problemas
da reprodução material e, às condições de reprodução da vida objetiva, às carências ou
dificuldades em satisfazer as necessidades geradas socialmente.
Não percebe que a forma de organização dos produtores pelo Mercado Paulista
Solidário, não é de fato solidária nem no momento da produção, pois cada grupo de trabalho se
encontra em uma região ou propriedade diferente e, muito menos na fase da comercialização.
Neste último momento, a solidariedade é sinônimo de venda coletiva, pois todos os produtos
permanecem expostos num mesmo local para apreciação do público. Mas, a apropriação do valor
obtido com a venda de cada produto, ainda é privada. Cada produtor recebe pelo que vendeu do
seu produto.
Todo procedimento “metodológico” ali instaurado ainda é capitalista. Obter as
matérias-primas e todos os outros recursos que concorrem para a produção a um menor custo
possível, garantir a qualidade do produto, o que significa ser minimamente padronizado em
relação às embalagens, tamanho, quantidade e, finalmente dar lucro é indispensável à
sobrevivência do pequeno negócio.
Acredita-se que, ao enfatizar a prática da chamada “autogestão solidária”, de fato está
executando a “livre iniciativa coletiva”.
110
Mudar comportamentos de um grupo em particular, não pode depender, como supõe
Sabino, apenas da subjetividade, de iniciativas individuais mais sensíveis à realidade opressora e
contraditória. Ninguém pode ensinar a outros, por meio de metodologias avançadas, a como viver
melhor, ou a ter mais consciência da realidade vivida. É a existência que determina a consciência.
O capital por meio de seus representantes, não só reafirmam como devem ser e como
devem se comportar os cidadãos no capitalismo, mecanismo reforçado por todas as instituições
ideológicas (a mídia, escolas, empresas, etc), que elegem e divulgam o estereótipo de sucesso a
ser seguido, mas organiza e solidifica as bases da reprodução da vida e das relações humanas no
mercado, que são mediadas pelo valor dinheiro.
É esta lógica que não conseguem romper, nem ideologicamente.
[...]se nós conseguirmos juntar essa expectativa de conforto, de vida social e de
entender que não é só o dinheiro que move, mas sim, num primeiro momento é a
minha intenção, é a minha vontade, é a minha ação que move as pessoas, com
certeza a gente diminuiria a pobreza, né, nas nossas comunidades, a gente é....,
não teríamos tantos problemas sociais como a gente tem hoje.
É possível ensinar isso, porque da mesma forma como usaram um método pra
nos tornar assim existem outros métodos pra mudar isso. É uma metodologia,
eles usaram uma metodologia e nós estamos usando a nossa metodologia de
forma muito insipiente, pequena, mas é uma metodologia e que de uma certa
forma, não consegue atingir um grande número de pessoas mais de forma micro,
eu acredito que é assim que a gente muda uma sociedade.[...](SABINO)
Como bem posto por Marx e Engels, na obra Ideologia Alemã, na qual mencionam
que é a prática cotidiana que determina a consciência e conseqüentemente a necessidade ou não
de mudança das ações individuais e não o contrário acredita-se, que desvincular a prática
alienante da sociedade capitalista, que subjuga a todos indiscriminadamente, da concepção de
mundo excessivamente individualista e competitiva, ou supor que é possível construir um
“habitat” que não seja influenciado por essas práticas, é ignorar o aspecto totalizante do sistema
que não isola o campo da cidade nem mercados e muito menos nações. Tudo está interligado.
Historicamente, a prática social foi se estabelecendo dessa forma, competitiva,
individualista, consumista, e claro todas as instituições ideológicas no capitalismo contribuem
sistematicamente para o enraizamento e reprodução desses valores que passam a ser universais.
Na sociedade contemporânea, a prática competitiva é intrínseca às relações sociais,
mesmo quando existe a consciência das conseqüências nocivas dessas relações. Ao se pensar na
111
reprodução material da vida, tem-se no mercado de trabalho, o exemplo mais contundente de
como essa relação atinge a todos independentemente das vontades.
O pleno emprego restringiria em absoluto a lucratividade do capital, que por falta de
força de trabalho disponível pressionaria o valor da mão-de-obra para o alto, elevando os custos
de produção. Neste caso, o incremento das forças produtivas por meio do avanço da tecnologia,
que tornou o trabalhador ainda mais produtivo, possibilitou a manutenção adequada dos custos da
força de trabalho com maior lucratividade para o capital.
As vagas de empregos cada vez menores são disputadas com muita animosidade, pois
a sobrevivência digna neste sistema depende da inserção direta das pessoas nestas atividades
formais ou informais, ou da inserção destas em atividades de apoio (setor de serviços,
precarizados ou não) geradas pelo núcleo dinâmico da economia capitalista. Assim, todos os
cidadãos são concorrentes em potencial.
Por meio da “Economia Solidária”, os pequenos trabalhadores urbanos ou rurais, que
atualmente possuem pequenos empreendimentos artesanais, mas que estavam, até então,
completamente marginalizados do processo de produção social de riqueza pelo desemprego
crônico, se inserem novamente ou pela primeira vez de forma ativa no mercado.
É por este motivo que, a “Economia Solidária”, sem a devida consciência dos seus
participantes operacionais, se encarrega de integrar estes produtores à lógica competitiva do
mercado, realimentando na prática, valores que no discurso propõe eliminar.
O campo e a cidade, na visão do Sabino, ainda são encarados como esferas
dicotômicas, opostas. Idealmente, ainda persiste a noção de que os valores no campo são
diferentes daqueles praticados na cidade, são mais humanos e, por isso, seria mais fácil a
mudança de comportamento naquele. O entrevistado afirma que,
[...] a diferença é gritante, até mesmo a postura deles, né. Porque o pessoal do
campo ele pratica isso com muita naturalidade, essa questão da solidariedade pra
eles é... eles praticam com muita freqüência, porque as próprias dificuldades
geradas no campo levam eles a confiar mais no compadre, na comadre, a
depender do vizinho e tudo mais. Então eles estão muito acostumados com isso.
Já o pessoal é...o produtor urbano, ele já é mais, ele tem o comportamento muito
mais agressivo, ele já, ele trabalha muito mais a questão do...a matéria prima
dele já é uma matéria prima industrializada, então o comportamento dele é
completamente diferente.[...]
112
Mas, ao mesmo tempo, a prática revela à consciência algumas situações conflitantes,
difíceis de serem mudadas, das quais o que parece como regressão de comportamento do grupo
na esfera rural, de solidário para competitivo, ora é encarada com naturalidade, mas também, por
ser reincidente, é capaz de causar muita tristeza e desmotivação como já mencionado pelo
entrevistado.
[...] hoje em dia eu já não me abato tanto com o fato do grupo regredir, né. Se
ele chegou num determinado patamar e ele regrediu é porque ele não tava pronto
pra chegar onde ele ta, né, então isso eu vejo com muita tranqüilidade. Então
algumas comunidades que a gente já trabalhou, é que eram comunidades assim
fortes, na questão do comportamento solidário, na comercialização enfim, em
todos os trabalhos que eles faziam, eles estavam num nível muito bom e de
repente sumiu...não há problema nenhum, sabe, hoje em dia eu encaro dessa
forma
.[...](SABINO)
Confirma-se que esta “regressão”, é mais uma prova inconteste da impossibilidade de
isolamento de um grupo econômico, esteja ele no campo ou na cidade.
A partir deste ponto da pesquisa, chega-se aos produtores rurais da pequena cidade de
Tarumã
29
, interior do estado de São Paulo, considerado por Sabino, os membros mais
desenvolvidos do projeto Mercado Paulista Solidário.
É por meio das entrevistas destes produtores que se confirmarão todos os
questionamentos levantados a respeito da “autogestão e solidariedade”.
3.2 A difícil inserção dos pequenos produtores rurais da cidade de Tarumã-SP na esteira da
produção de riqueza capitalista: uma crítica à Economia Solidária que atua como principal
mecanismo de adequação política e econômica ao capital.
29
Segundo informações retiradas do site da Prefeitura de Tarumã, esta se localiza à oeste de São Paulo, na região da
Alta Sorocabana a 460 km da capital, sendo corredor de exportação para o porto de Paranaguá. Faz parte da região
administrativa de Marília e região de governo de Assis. Tarumã, nome de uma espécie vegetal abundante na região,
se destacava, no início do século XX, pela produção de café, que foi substituída pelo milho, soja, trigo, e cana, esta
aproveitada para a produção de aguardente no engenho da Fazenda Nova América. Segundo consta, na década de 40,
o novo proprietário da Fazenda, aos poucos transformou o maquinário ali presente em uma usina, que produzia em
escala industrial açúcar e álcool. Desde então, esta passou a ser a principal fonte de absorção de mão-de-obra da
cidade e região, tendo atuado como suporte para a obtenção da emancipação política de Tarumã, do município de
Assis, ocorrida em 1990. Cf. www.taruma.sp.gov.br
113
Em 20 de julho de 2006, às 9:00 da manhã, a Secretaria da Agricultura desta cidade,
gentilmente cedeu seu técnico agrícola, Moisés, que conhece bem a região e os produtores, para
fazer a apresentação e mediação entre a entrevistadora e os entrevistados.
Durante o percurso entre propriedades, o técnico fez alguns comentários e deu
algumas explicações sobre a importância destes produtores se engajarem em projetos que visam
ao Desenvolvimento Local com geração de renda à população pobre e desqualificada.
Para evitar maiores problemas sociais em gestões futuras, a prefeitura de Tarumã atua
como mediadora desse processo, promovendo condições mínimas de sobrevivência a estes
trabalhadores, tendo em vista o panorama macroeconômico.
Em Tarumã, essencialmente uma cidade rural, pode-se apurar que o grande capital
também penetrou no campo com toda a sua força e condicionou a vida dos pequenos produtores
ali residentes, à dinâmica da cana de açúcar, monocultura altamente lucrativa bem como
predatória e poluente da forma como tem sido explorada.
A maior parte da renda auferida pelos pequenos produtores provém dos
arrendamentos e dos salários oferecidos pela usina e destilaria da região.
Segundo Moisés, Tarumã passou por uma forte desagregação da população rural nos
anos de 1990, crise acentuada nesta década por causa de problemas político-econômicos do setor.
Além das determinantes macroeconômicas, fatores particulares como a morte de um
arrimo de família e a má administração das fazendas contribuíram significativamente para
arruinar a vida de algumas pessoas que tiravam o sustento da terra. Assim as dívidas, a seca e o
abandono político nacional à agricultura, estimularam o arrendamento ou a migração para as
cidades. Esses trabalhadores precisaram lutar por um espaço econômico marginal oferecido nos
pequenos centros urbanos.
O grande problema dessa região como um todo é o desemprego e a falta de
diversificação das lavouras
30
. As usinas e destilarias que mudaram a dinâmica do campo e que
possuem o direito de exploração de quase 90% das terras agricultáveis por cinco anos, ao final do
contrato, deixarão sem renda a maior parte das famílias que ainda sobrevivem no campo.
30
A diversificação das lavouras é claramente uma preocupação da administração pública local, que além da cana de
açúcar, por meio de estudos sobre as aptidões do solo, recomenda aos produtores e empresários que invistam no
milho, soja, trigo, mandioca, feijão e, no segmento frutífero em bananas, abacaxis, abacate e cacau. [...] As
perspectivas de diversificação de lavouras, nos é vista como algo bastante recomendável pois, o direcionamento das
lavouras à monoculturas, podem gerar muitas vezes problemas de alta complexidade, tanto no plano geológico e
climático, quanto de colocação de mercado.Cf. www.taruma.sp.gov.br
114
Portanto, para que a crise social não aumente demasiado, se fez necessário desenvolver uma
estratégia econômica viável de sobrevivência rural, que mantivessem as pessoas neste ambiente e
que atraíssem novamente o contingente populacional que migrou para a cidade.
Este foi o objetivo da prefeitura municipal local ao firmar parcerias com o IDESTE,
por meio do projeto Mercado Paulista Solidário, para qualificação constante desses trabalhadores
e com o programa de “Economia Solidária”.
Sobre a segunda propriedade visitada neste dia, o técnico agrícola afirmou que os
entrevistados, marido e mulher, Alexandre e Clélia, eram uma das famílias mais ricas da região
de Assis. A princípio, devido à seca e a má administração da fazenda, eles perderam tudo e
contraíram muitas dívidas com financiamentos que não puderam saldar.
A usina Nova América, de acordo com Moisés, quitou as dívidas da fazenda em troca
do arrendamento de suas terras. Toda a fazenda agora cultiva cana, como o próprio Alexandre
revelou na entrevista, e como conseqüência, o mesmo ficou sem trabalho. A secretaria da
agricultura de Tarumã convidou marido e mulher, para fazer parte do grupo de produtores que
seriam qualificados, a fim de que tivessem possibilidade de obter outra fonte de renda. Sem
dúvida, o futuro destas famílias depende do fortalecimento da pequena produção artesanal
familiar.
Ainda segundo o técnico, a monocultura da cana, dificultou a vida das pessoas na
região. Com as oscilações dos períodos de safra e de inserção de mercado, muitos perderam seus
trabalhos e foram pra cidade em busca de emprego sem a qualificação necessária para tal,
permanecendo assim, desempregados. Desta forma, pressionaram pra cima os índices de pobreza.
Para a prefeitura, o ideal seria que essas famílias continuassem em suas terras e
investissem em hortifrutigranjeiro ou em outras culturas, mas os critérios para a liberação de
financiamento estão mais rigorosos, como a exigência da supervisão direta em toda propriedade,
de um técnico agrícola. Se cada pequeno produtor tiver que pagar um profissional deste porte
para realizar esta função, o processo de produção ficará mais caro e a atividade se tornará
inviável.
Devido a estas questões, o pequeno produtor rural prefere garantir uma renda fixa
mínima por um determinado período de tempo, por meio de arrendamento que parece ser sua
última saída. Mais uma vez a monocultura da cana os torna reféns.
115
Se nenhuma medida mais drástica for tomada em relação a esta situação, o quadro
futuro é ainda mais desolador. A cana precisa ser queimada para melhor auxiliar os trabalhadores
no corte e, essa ação, prejudica o solo e a atmosfera. Uma lei federal, condizente com os apelos
mundiais pela preservação dos recursos naturais, já proíbe as queimadas e propõe a sua
substituição por máquinas, que em algumas regiões já são utilizadas no corte da cana por um
custo muito menor. A substituição definitiva dos braços humanos pelas máquinas deverá ocorrer
até 2020.
Com isso, muita gente será novamente liberada do campo, sem que as cidades ao
redor possuam infra-estrutura adequada para acolher a todos. Sendo assim, é preciso cuidar para
que essa população permaneça no campo e que outros desempregados em situação de miséria nas
cidades retornem para este.
A intenção, é que o campo seja umlo econômico atrativo, meio para promoção do
Desenvolvimento Local. Daí a importância do fortalecimento da agricultura familiar e da
produção artesanal como fonte de renda alternativa, capaz de fazer com que as pessoas
sobrevivam com mais dignidade. Daí a importância de programas como o da “Economia
Solidária” que, subsidia organizações, institutos, associações que atuam como agentes de
desenvolvimento, fomentando ações econômicas locais de sobrevivência.
No final da tarde, deste mesmo dia, visitou-se o assentamento da Fazenda Água
Bonita, um projeto de agricultura familiar financiada pelo Banco da Terra, um programa do
governo federal em conjunto com o MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Também a
secretaria da agricultura e o Sindicato Nacional de Aprendizagem Rural – o SINAR promoveram
programas de qualificação profissional para as 35 famílias que ali permanecem instaladas.
Moisés, responsável pelo trabalho de campo, explica que o governo do Estado
comprou esta fazenda de setenta (70) alqueires em Tarumã e a secretaria se comprometeu a
dividir e distribuir dez (10) alqueires destes, às trinta e cinco (35) famílias selecionadas de uma
lista de duzentas (200).
O critério para a seleção atende a requisitos mínimos, como ter sido pequeno produtor
ou trabalhador rural. Cada uma das famílias ficou com sete (7) mil metros quadrados de terra para
cultivo de subsistência e comercialização. Essa terra será paga com o dinheiro da renda retirada
desta pequena produção. O lugar já possui água encanada, iluminação e telefone público.
116
Por meio de mutirão, as pessoas construíram suas casas de tijolos. Também possuíam
na época, à sua disposição, um valor de 5.000 mil reais por família advindos do PRONAF, para
investirem no cultivo. Destes, haviam sido liberados pela secretaria da agricultura, apenas R$
1.000 mil reais, já que, segundo o técnico, os pequenos produtores ainda não sabiam o que
plantar. Neste caso, seria preciso auxiliá-los a desenvolverem um projeto único, de cultivo,
produção e comercialização que, de fato fosse viável economicamente.
Para este fim, os assentados, por intermédio da secretaria, criaram uma Associação
dos Moradores da Água Bonita. Essa entidade representativa cuida dos interesses de cada família
participante do projeto e, por meio de assembléias, os moradores tomam decisões estratégicas
sobre o assentamento e suas necessidades. Não é possível a nenhum deles entrarem e saírem do
projeto sem antes passarem pelo crivo dos próprios moradores. Estes devem seguir o estatuto da
associação que foi redigido com a ajuda da secretaria definindo direitos e obrigações de todas as
famílias assentadas.
No início, afirmou Moisés, que existiram tentativas de barganhar a terra com outras
pessoas distantes dos objetivos do projeto, que foram rastreadas pela secretaria da agricultura.
Atualmente, este risco estaria extinto porque os próprios moradores estariam conscientes que esse
projeto deveria ser tocado de forma coletiva, não individualista e que, portanto, seria preciso
confiar uns nos outros.
Mas o que se verifica na prática, é que estas pessoas ainda não estão convencidas de
que seja possível retirar a sobrevivência da terra. São muitos os moradores do projeto que ainda
insistem em não investir no campo, relata o técnico. Ainda querem trabalhar na cidade.
O fato, é que a cultura do cultivo da terra e do homem do campo se perdeu e, que as
dificuldades objetivas de reprodução da vida encontradas neste lugar, distante de escolas,
hospitais, supermercados, etc., reforçam a impressão de atraso, de estagnação, de miséria, das
quais todos querem fugir.
Os outros 60 alqueires da fazenda que incuba o projeto, ainda estão em posse da usina
Nova América que à época, possuía mais dois anos para explorar a terra, fruto de um contrato de
arrendamento de 5 anos, firmado com o antigo dono. Assim, restavam mais duas safras até que as
famílias pudessem tomar posse da terra para o plantio.
Por enquanto, a secretaria da agricultura, o SINAR, os representantes do
assentamento, mais assistentes sociais, desenvolvem projetos de cultivo para que quando a terra
117
estiver disponível, as famílias possam dar início aos trabalhos. As idéias são muitas como:
cultivar banana para se trabalhar com a fibra, montar uma destilaria de essências de ervas
aromáticas e medicinais, o cultivo de cana para a produção de pinga de alambique, etc.
Mas não é apenas a situação econômica que deve ser melhorada com a permanência
no campo desses trabalhadores. Todo discurso presente nos projetos de qualificação e
treinamentos desenvolvidos pelo IDESTE e outros, enfatiza a restauração de uma cultura rural
solidária, cristã, com características próprias que os tornem mais humanizados que aqueles que
moram na cidade. É a cooperação para o trabalho “autogestionário solidário”, fundamentada em
valores semelhantes.
Precisamente sobre o tema solidariedade, é relevante buscar em Durkheim o apoio
necessário ao entendimento da cooperação obrigatória na sociedade capitalista. O autor explica
que a desagregação de valores semelhantes se dá pelo desenvolvimento das forças produtivas e
conseqüentemente pela especialização do trabalho. Em sociedades ditas “arcaicas” prevaleceriam
a “solidariedade mecânica” que, se caracteriza por uma consciência coletiva, conjunto de crenças
e características comuns, que são anteriores à consciência individual. Esta também seria uma
sociedade segmentada, na qual o grupo social onde os membros estivessem integrados estaria
relativamente isolado num local determinado, com vida própria, separados do mundo exterior
(ARON, 1995, p.298).
Neste caso, mesmo em sociedades desenvolvidas nas quais a divisão econômica do
trabalho já estivessem estabelecidas com maiores especializações das funções, poderia existir
parcialmente uma estrutura segmentada. Assim, segundo Durkheim, a diferenciação no trabalho,
nas profissões da sociedade industrial, desintegra a “solidariedade mecânica” e a estrutura
segmentada, isolada. Progressivamente esta se caminharia para a “solidariedade orgânica”, na
qual as ações individuais seriam mais livres, menos sujeitas a sanções do grupo social a que
pertencem (ARON, 1995, p.300).
Entende-se que os idealistas da “Economia Solidária” encaram a dinâmica das
relações sociais da mesma forma, buscando restabelecer e fortalecer um grupo social com uma
dinâmica econômica própria, fundamentada também em valores comuns, mais justos e
igualitários. Insistir no argumento da dependência mútua para a sobrevivência coletiva e ensinar
os princípios da “cooperação solidária” às pessoas para que permaneçam no campo, é visto como
a única saída para a miséria e a fome.
118
Em última instância, a “Economia Solidária” estaria eliminando qualquer resquício da
solidariedade humana, originariamente desencadeada por relações sócio-econômicas de
cumplicidade e necessidade de sobrevivência, em favor de uma “solidariedade mecânica”,
calcada em valores comuns de cooperação obrigatória, necessários a produção e reprodução do
capital em larga escala.
Seguindo a própria análise de Durkheim, dificilmente pelo grau de desenvolvimento
tecnológico alcançado atualmente, incluindo aí a complexidade da divisão do trabalho, seria
possível retornar às condições passadas no campo. O homem e suas necessidades se
metamorfosearam e ficaram muito mais complexas.
Averiguando alguns argumentos obtidos em entrevista realizada na primeira
propriedade visitada, o sítio Água de São Bento, na qual duas produtoras rurais, dona Maria Rita
e sua filha Marta relataram suas experiências, pôde-se confirmar a veracidade dos pontos acima
mencionados. Estes acabam reforçando o argumento da impossibilidade de isolamento entre o
campo e a cidade e também confirmam ser as práticas “autogestionárias solidárias” adotadas,
sinônimos de “livre iniciativa coletiva”.
Ao exprimir suas impressões sobre as relações que possuem com outros moradores
nos arredores e produtores no sítio, comentam que não é difícil ser solidário em “comunidade” e
que há diferença entre a vida no campo e na cidade. No entanto, não conseguem definir com
exatidão quais são essas diferenças. Evidenciam-se assim, em suas exposições, as contradições
sentidas nas atuais relações rurais, estabelecida pela migração da população derivadas da
dificuldade de sobrevivência no campo e por fim da inserção do grande capital nesta esfera, aqui
notadamente as usinas e destilaria de cana.
[...]MARIA:_Temos amizade com a Àgua inteira, né Marta. Graças a Deus.
MARTA: _ No artesanato a costureira fica lá costurando e a gente aqui fica
fazendo as nossas coisas. Agora com relação assim, ao serviço do sítio aí sim
um ajuda o outro.
MARIA:_ Mas lógico não é dado, não. Ele vem trabalhar pra mim eu pago ele,
eu vou trabalhar pra ele, ele me paga, mas não, eu digo, eu não, né. Nós mesmo
não, quem vai é o Tiago, ou ele vem trabalhar pra nós.[...]
MARIA:_ Tem troca também de dias assim, eu trabalho pro cê, você trabalha
pra mim....
MARTA:_ é sempre tem...agora tem um...gente que mora por aqui que são
assim mais... (fez sinal como quem diz:_ que tem mais dinheiro), que aí então,
tipo assim, não gosta de emprestar implemento, não gosta de emprestar alguma
coisa que ele tem no sítio que a gente precise, isso tem...mas a gente, mesmo
119
assim, tem amizade com ele, né. Não é porque ele acha, porque ele não gosta,
sei lá, ele acha que vai estragar, a gente tem amizade...eu acho que tem
diferença da cidade (risos........), mas o que?
MARIA:_ Tem diferença porque na cidade, né, tem assim, vizinho que nem
conhece o outro, né.
MARTA:_ Ah! É verdade. Pra você ter uma idéia o meu vô e vó, eles moravam
no sítio e daí foram pra cidade. E da época que eu lembro que eu ficava lá, ele
não tinha uma amizade com vizinho, não era assim de um vizinho ir na casa do
outro. Tanto é que depois que eles ficaram velhos e ficaram doentes, eles não
tinham visitas assim, Ah vou lá no meu vizinho ver ele. Era um ou dois, e você
mora ali num (com um monte de gente). Agora, eu tenho bastante parente que
mora na cidade, mas eles não são de ir assim, ah eu vou na casa de fulano, ah eu
vou no meu vizinho, cada um cada um, né.
MARIA:_ Na cidade é assim, né, cada um é cada um, né. Não tem isso. Agora
aqui não, não é que você ta lá na casa do vizinho direto, mas de vez em quando
se ta lá fazendo uma visitinha, né. Aqui, ali, né Marta. Nem eles são muito de
vim, nem nós, é assim, todos são assim, né. Por exemplo quando tem uma
missa na casa de um, porque aqui no sítio é assim sabe, tem a igrejinha lá mas
de vez em quando tem missa nas casas, né. Aí enche, vem todo mundo...não é
assim que enche, não, porque tem pouca gente por aqui, mas vem a vizinhança
toda. O contato é bem mais próximo que na cidade.
O passado é, a todo o momento, resgatado como um meio de fortalecer o argumento
de que essa diferença ainda persiste e é significativa. A Marta não sabia que diferença poderia
mencionar, quando sua mãe a fez lembrar-se da época em que o avô ainda era vivo. No passado
31
quando havia mais pessoas no campo, a casa ficava cheia, mas agora não mais. Foi esse o motivo
pelo qual dona Maria teve que voltar atrás quando se lembrou que atualmente há poucas pessoas
morando nos arredores do sítio, a maioria foi embora.
Outro ponto retratado, sobre a ajuda mútua que seria mais intensa no campo, também
se modificou. A entrevistada verifica que, atualmente, o comportamento egoísta de alguns
produtores rurais é maior por causa da diferença econômica entre eles.
31
Em sua obra sobre Memória e Sociedade, Ecléa Bosi (1999, p.19) afirma que a sociedade capitalista destrói os
“suportes materiais da memória” e assim, bloqueia os caminhos da lembrança. Menciona que as sociedades antigas e
suas memórias se apoiavam na confiança de que as pessoas da comunidade local sempre estariam por perto e na
estabilidade espacial. Os valores se apoiavam na práxis coletiva da vizinhança, na família extensa, no apego a
objetos biográficos e não de consumo. O que era base de apoio para a memória, já não existe mais. [...]uma outra
ação, mais daninha e sinistra, sufoca a lembrança: a história oficial celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do
vencedor a pisotear a tradição dos vencidos.[...]Após terem sido capazes de reconstruir e interpretar os
acontecimentos de que foram participantes ou testemunhas, os recordadores restauram os estereótipos oficiais,
necessários à sobrevivência da ideologia da classe dominante. Dessa maneira as lembranças pessoais e grupais são
invadidas por outra “história”, por uma outra memória que rouba da primeira o sentido, a transparência e a
verdade[...]
120
Mas de fato, o passado romântico presente na memória social rural não apaga a
violência histórica vivida pelo trabalhador brasileiro no campo, em busca da sobrevivência digna.
Mesmo depois de 1964, com o Estatuto da Terra, o governo militar com toda a truculência
imposta, não conseguiu eliminar a luta camponesa e de outras organizações populares pela
reforma agrária. Sobre isso, Pinassi afirma
[...]Sua gravidade deita raízes numa elite cuja concepção de enriquecimento –
imediato e, em muitos casos, parasitário – vem pautada, fundamentalmente, na
renda especulativa da terra. Mais recentemente, essa prática longe de se
extinguir, divide a cena – num antigo truque prussiano – com a “racionalidade”
altamente lucrativa do agronegócio.
Assim, o Estado, no fiel da balança, continua e continuará pendendo,
independentemente de sua fachada[...]para as necessidades contingentes do
capital.[...](PINASSI, 2005, p.106)
O fim do isolamento relativo entre campo e cidade, que colocou os produtores rurais
em contato direto com a “racionalidade” do mercado e seus determinantes, transformaram seus
hábitos e necessidades e, agravaram contradições históricas. Estes também, agora com maior
intensidade, precisam concorrer no mercado, com produtos de padrão global, mas primeiro,
concorrem entre si, no campo, já que não encontram possibilidades objetivas, de grandes
variações na produção.
Em se tratando dos pequenos produtores rurais, que tem baixo investimento em capital
produtivo, estes estão limitados à agricultura, e ao artesanato.
A sobrevivência no campo está muito difícil, a despeito de tudo que se diga em
treinamentos, qualificações e em discursos ideológicos à parte. Prova disso, é quando as
entrevistadas relatam sobre seus desejos e expectativas de vida.
[...]MARIA: Risos...ai ai ai. Ah! eu gostaria assim sabe de que, eu conseguir
assim, vencer na vida, ter mais alguma coisa pra mim ajudar alguém que eu ache
que deva ajudar, sabe. Eu tenho vontade de ter mais, sabe, de ter um dinheiro pra
mim ajudar um sobrinho ou outro, ou outro, eu tenho vontade disso, mas to
lutando, mas ainda não consegui, mas eu tenho fé que uma hora eu vou
conseguir.
MARTA: Isso que ela ta falando de um sobrinho ou outro, é porque ela tem um
sobrinho que mora é... há uns 5 km daqui, né. E ele perdeu mãe, depois ele
perdeu o pai, aí ele casou acho que tem dois filhos, e você vê que ele tá lutando
no sítio e, que hoje as coisas estão difíceis, mas ele não consegue, então ajudar
principalmente ele né!.
121
MARTA: mas agricultura hoje tá difícil, é que eu falei pra você não é um
dinheeeeeiro que tá entrando nisso que a gente tá fazendo, mas tamo fazendo
uma coisa que gostamos, tá entrando dinheiro, lógico que tá entrando, se não
tivesse entrando também não ia fazer de graça né, (risos) e vamos tocando o
barco, se amanhã tiver uma procura maior vamos procurar gente pra ajudar,
porque não adianta a gente querer abraçar sozinha.
MARIA: é não adianta querer abraçar sozinha que não vai. Então e é um serviço
que a gente faz que a gente tá vendo que ta ganhando, por exemplo, o sol é
muito quente pra gente ficar trabalhando no sol e fazer uma coisa...então você tá
dentro de casa, né, tá fazendo, ganhando alguma coisa mas tá dentro de casa, né.
Mas mesmo assim, eu tenho serviço lá fora sabe, nós temos os porco, tem porca
de leitão, tem porco engordando tudo, dá trabalho, né, fizemos ração, né, então
é, tem trabalho lá fora, mas só que você pode fazer isso na hora que o sol não é
quente, deve, faz de manhã, a tarde, e nessa metade do dia é a hora que a gente
faz isso (o artesanato), né.[...]
Embora o discurso sobre solidariedade esteja presente está claro à consciência que, no
final das contas, a luta para satisfazer as necessidades básicas, a falta de capital para investir em
técnicas de cultivo mais avançadas que diminuem o esforço físico e a fadiga, a distância
territorial que dificultam o acesso à outros produtores, obrigam a todos a viverem suas vidas de
forma bastante individualizada.
Outro indicador de que as relações sociais no campo se tornaram ainda mais
individualizadas, são as necessidades de especialização da produção para diminuir a concorrência
entre os produtores. No Mercado Paulista Solidário, não há uma proposta de produção coletiva,
conjunta. Cada produtor é responsável pelo seu produto e deve arcar com todos os problemas
derivados do seu processo de fabricação. Além disso, é evidente o cuidado que possuem ao
produzir suas mercadorias, quando Marta menciona a necessidade do trabalho de “qualidade”, ou
seja, a mercadoria deve estar de acordo com o padrão estabelecido pelo mercado.
[...]MARTA: _ Porque não adianta você querer fazer uma coisa assim, só pra
você, e não querer ajudar os outros pensando só em você. Tem que ter união,
né....Não tem mais ninguém que compra vidro, só eu. Essa moça que eu falei
pra você que mexe com embutido, ela faz é conserva. Ela até me pediu o
telefone, mas eu não sei se ela já chegou a ligar lá e pedir vidro. Eu sei só dela,
mas não sei de mais nenhum. Porque quando foi feito esse curso de conserva,
de compota, foram acho que vinte, vinte e cinco pessoas, e só tem nós duas.
Quer dizer, talvez se tivesse mais pessoas, a gente conseguiria até o vidro de um
preço melhor, você vai comprar em grande quantia com certeza o preço dele vai
abaixar. Nessa produção a gente não tem contato com outros produtores...
MARIA: Só nós que faz isso aqui, né Marta.
122
MARTA: Tanto aqui, da Água de Santo Antônio, da Água da Palmeira, tanto da
Água de Dourado, é só, no caso ela que tá fazendo esse trabalho de trançado,
não tem outro, e de doce também não tem
MARIA: E uma porção de pessoas fez na mesma época que eu fiz esse
trançado. O povo lá de Tarumã....
MARTA: Não sei se porque não acredita que vai ter uma saída, ou porque não
gostou do curso, não sei o porque, mas só a gente mesmo. Agora, pode ser que
pra frente eu precise dessas pessoas, só que aí lógico que tem que ter qualidade,
porque não adianta a pessoa lá, a gente vai vender junto, a pessoa lá vai fazer,
ela não vai ter qualidade, ela vai queimar o meu produto, né. Aqui por perto não
tem muita gente não, mas tem. Tem uma aqui que mexe, é...que tem horta,
sempre ta fazendo feira, a outra vizinha aqui perto é costura um pouco, faz
avental, faz costuras...o outro lá faz lavoura, fez o curso do bambu também mas
não foi pra frente, é ele fez o curso de bambu, você já viu aquelas cadeiras
feitas de bambu e tal...lindas né!
[...]MARTA: cada sítio tem o seu, ta fazendo alguma coisa né, e não tem
muitos moradores por aqui. É a Dirce lá, ta mexendo com embutidos, a Dirce
do Sidnei, então não vai mexer com doce e com artesanato de palha. Tem o
Tiquinho, que é onde o Moisés (técnico agrícola da secretaria) me parece que
foi, faz rapadura, então ele também não vai ter o tempo dele pra poder parar e
fazer isso, né. Mas não sei se daqui um mês ou dois se o negócio apertar ué...
MARIA: Nós vamos pegar o Tiago, né, pra ajudar, ele sabe fazer isso aqui
também.
MARTA: Meu irmão também ele aprendeu mas, não faz ainda, mas se precisar
vai ter que fazer, né.
A divisão do trabalho e as especializações da produção entre os sítios seguem a
mesma lógica das especializações na cidade, até pra evitar a concorrência entre os produtores.
Isto acaba por afastar os moradores uns dos outros, que se concentram em seus problemas
específicos. Se houver a necessidade de aumentar a produção e conseqüentemente a necessidade
de contratação, as exigências passam a ser as mesmas daquelas exigidas pelas fábricas na cidade,
ou seja, qualificação e qualidade. Os discursos são idênticos.
Para sobreviverem às demandas objetivas do capital, precisam compreender
minimamente como funcionam os mecanismos de mercado. Por isso, são treinados a pensarem e
agirem conforme a livre iniciativa empreendedora capitalista e neste caso, não há novas
metodologias.
Aprendem a se preocuparem principalmente com a formação do preço de custo do
produto para depois colocarem de maneira correta o preço de venda já, com a margem de lucro
definida. O mercado é o elo que integra a todos de maneira absoluta no modo de produção e
reprodução do capital, ninguém está excluído. O isolamento de um grupo, que atua com uma
dinâmica econômica própria, alternativa, só é possível de se realizar idealmente, em uma esfera
123
teórica na qual as explicações estão desconectadas do real. Dessa forma, um conceito clássico,
como “autogestão”, é ressemantizado, perde sua conotação política de luta contra o sistema e se
adéqua a uma condição de reprodução material também idealizada.
Abaixo, Sabino explica algumas dificuldades iniciais em ensinar as técnicas de gestão
da produção para os produtores rurais.
[...]_Alguns grupos se desenvolvem mais rapidamente, depende muito do nível
de educação que ele traz. Então quanto mais simples ele é, mais dificuldade ele
tem de entender, como funciona esse mecanismo. Então alguns grupos nossos
que já estão exportando, que já estão mandando seu produto pra São Paulo, esse
ele já tem uma visão mais empreendedora. A gente não gosta muito de tá
falando em questão de empreendedor, empreendedorismo, essa coisa é muito
massacrante, mas essas pessoas elas já tem um viés mais claro, né, e quando a
gente aborda esses temas eles absorvem com maior facilidade. O pequeno
produtor que vem de um trabalho mais simples, de uma comunidade mais
simples que tem um nível...esse pequeno produtor tem muita dificuldade de
entender, principalmente a questão da comercialização, como se faz, como que
se dá isso, como se faz isso em escala, né. Quando ele tem que deixar o produto
dele ir pro mercado, ele tem uma certa restrição com isso, ele gosta de estar
junto do trabalho dele, ele gosta de cuidar, tal. É um outro viés que a gente
trabalha que é justamente o fato do apego emocional que o produtor tem com o
seu próprio produto, aí ele tem dificuldade de vender porque ele coloca o preço
lá em cima, porque tem o preço afetivo da peça e tudo mais, né, então ele tem
muita dificuldade nisso. Como o nosso trabalho é com o pequeno produtor
então a grande maioria tem essa dificuldade.
Os próprios produtores mencionam suas dificuldades em colocar os preços nos
produtos.
[...]MARTA: _Ah é difícil, heim. Nós colocamos preço fizemos umas conta aí,
mas eu não sei se ainda tá certo. Tá vendendo, tá vendendo, mas eu não sei
se...se tá caro, se tá barato, eu to ganhando, mas eu não sei se eu to pondo
muito, eu não sei (risos).
MARIA: Bem, mas do jeito que a Cida (da secretaria da agricultora e uma das
gestoras municipais do IDEST) explicou, né Marta, você põe a porcentagem,
né, não é, em cima.
MARTA: É eu coloco a porcentagem em cima, mas é, por exemplo, naqueles
doces assim, naqueles vidrinhos pequenininhos que eu te mostrei, eu sei que
quando é uma grande quantia o preço tem que ser um pouco menor, mas o
quanto menor. Então no começo quando nós começamos a vender foi difícil por
preço, às vezes eu levava o licor, o licor eu levei, porque a garrafinha eu
comprei faz pouco tempo, essa garrafinha aí coloquei o preço, a Cidinha falou
assim: _ Nossa ta muito barato! Aí subi um pouquinho, mas ainda não sei se é
isso. Até a Cida comentou que vai trazer um curso pra gente pra aprender
124
realmente a por preço nas nossas coisas, porque, que nem uma bolsa daquela
ali. Ela gasta uma hora pra dar uma volta na bolsa.
MARIA:_ É minha fia, é... É marcado no relógio, é uma hora pra mim dá a
volta. Sem contar o rasgado da palha que também demora pra você preparar,
porque essa palha é a palha que eu vo fazer aqui (a bolsa em si), e essa palha
fininha, mas ruinzinha tá vendo...então, essa é o recheio. Então aí eu arrumo o
recheio e aí demora sabe por que, você não pode ponha o recheio de qualquer
jeito tem que juntar certinho aqui, devagarzinho, não tem jeito de fazer
correndo. Nós tamo fazendo a conta dá uns três dias, né, diretão, se for pra
pegar gasta três dias, mas não eu pego só agora, sabe.
MARTA: Três dias, aí você faz um cálculo assim, quanto ta o dia de serviço?
Aqui no sítio por exemplo, cê vai trabalhar em algum lugar o dia de serviço ta
20 (R$ 20,00). Então táR$ 20,00, se eu for cobrar R$ 60,00 na bolsa eu não vou
vender.
MARIA: Eles acham caro, não vende, não vende não.
MARTA: Então é complicado, eu ainda acho dificuldade pra colocar preço.
Nesses argumentos pode ser verificada a angústia das produtoras que precisam
transformar o seu produto, no qual até então só havia valor de uso, em valor de troca. Precisam
aprender a pensar conforme a “racionalidade” do mercado que homogeneíza o tempo da força de
trabalho empregada na confecção de algo, eliminando todas as suas peculiaridades ao torná-la
força de trabalho abstrata, média. Tomando como ponto de partida a própria condição de classe,
as produtoras se surpreendem ao pensarem que não comprariam uma bolsa que custasse R$ 60,00
(sessenta reais). O valor é alto para qualquer membro desta classe, mas muito baixo para
mercados maiores como São Paulo ou outros países que possuem consumidores ávidos por
artesanato estrangeiro.
Na segunda entrevista do dia, realizada numa fazenda próxima a uma destilaria em
Tarumã, marido e mulher que agora estão fazendo artesanato, também revelam uma das maiores
dificuldades desta atividade.
ALEXANDRE: _ [...]veja bem, no material, a gente, a gente usa o material
banana, né, então, geralmente, a gente tem o gasto de ir buscar, tá, mas pra
frente a gente vai plantar o nosso, né, o nosso bananal, a gente vai plantar.
Agora a gente tem dificuldade em colocar preço, né, a gente ainda não
conseguimos acertar o preço do produto que a gente faz, né.
R: CLÉLIA: _ mas é uma coisa que a gente já vai começar a calcular, porque a
gente vai fazendo, nunca teve assim aquela necessidade assim de se, precisar
tinha, né, de se saber por preço, mas como era uma eventualidade, só que agora
como ta começando a virar negócio, né, então a gente vai ter que chegar, a
começar a por assim, o tempo que você gasta pra fazer, o quanto você gasta pra
ir buscar, essa coisa toda.
125
R: ALEXANDRE: _ Porque ó, você fazer um, a gente fez um, pra dar de
brinde, mas você fazer quarenta, aí, tempo é uma coisa diferente, né. Então
você fez um e agora cresceu muito, no caso disso aqui (forro de isopor pra
manter a temperatura da latinha de cerveja), cresce bastante.
No primeiro caso, percebe-se a problemática do raciocínio das artesãs, ao realizar a
redução do trabalho concreto, confecção de uma bolsa de palha, ao trabalho abstrato, humano
generalizado. O valor e tempo utilizados para confeccionar este “objeto biográfico”, como
denomina Bosi (1999) e, que agora existe como mercadoria, tem como referência o esforço
empregado em um dia de cultivo da terra, o equivalente a vinte reais. O tempo aqui passa a ser
essencial, embora a D. Maria mencione que não fica 3 dias diretos na confecção, ou seja,
intercala com outras atividades. Quanto vale um produto que até então, não tinha valor de
mercado? Quanto as pessoas estariam dispostas a pagar por ele? O quanto se deseja lucrar? Todas
estas questões, agora fazem parte do cotidiano desses produtores, que como bem mencionou
Clélia, se transformou em um negócio.
Por mais que Sabino não goste da palavra empreendedorismo, pois a considera
“massacrante”, é justamente isso que estes produtores estão buscando realizar, empreender e
gerar renda adequada ao novo estilo de vida, mais simples e mais difícil economicamente
falando. A busca pela sobrevivência digna, por meio do trabalho “autogestionário solidário”, sem
patrão, os tornam discípulos obedientes das leis de mercado e alunos ávidos por maiores
conhecimentos técnicos. Estes pequenos produtores rurais acreditam que a qualificação ou
capacitação constante, melhorarão as suas condições materiais de reprodução da vida.
Em tese, essa transformação só dependeria desses produtores, da livre iniciativa
coletiva, da mudança de comportamento, enfim, da chamada atitude “autogestionária solidária”.
Por isso não entendem por que pessoas que fizeram os mesmos cursos, não estão
produzindo como eles. Em suas análises, ainda não conseguem levar em consideração que a
renda obtida nesta atividade produtiva é muito baixa, tendo obrigatoriamente que ser
complementada por outra fonte. No caso das duas famílias entrevistadas, a renda extra é obtida
por meio de arrendamentos.
Outra dificuldade está em escoar a mercadoria que pela suas características e valor
atual, seria considerada cara e supérflua para o mercado consumidor do qual estes produtores
fazem parte. Está muito além do poder de compra da sua classe. Por isso a necessidade de
intermediação de instituições especializadas que encontrem mercados alternativos e mais
126
lucrativos ao escoamento desses produtos. Daí a importância do IDESTE e das duas grandes
feiras regionais que promovem no segundo semestre, além da participação em outros eventos,
exposições locais, estaduais e nacionais, que contam com a divulgação e participação dos
produtos de todos os associados, mesmo que estes não possam estar presentes.
Em relação à formação do preço do produto final, outra dificuldade encontrada é o
cálculo do custo da matéria-prima e outros custos indiretos da produção. No caso das
bonequinhas de palha e dos isopores envoltos por tranças feitas de fibra de bananeira, as matéria-
primas, palha de milho e fibra de bananeira, obtidas em outras propriedades, não têm valor
algum, pois são adquiridas de graça.
Mas isto será por pouco tempo e os próprios produtores já compreendem isso. Estes
estão criando uma nova demanda pelos materiais referidos, ou seja, abrindo um novo mercado, e
de modo insipiente, obtendo renda com isso. Com toda certeza, àqueles que entregam a matéria-
prima sem custo algum, quando souberem do feito cobrarão, o seu quinhão.
Caso ilustrativo, é revelado pelo entrevistado Alexandre, que afirmou que por
enquanto estão ganhando as bananeiras, mas que daqui a algum tempo, quando o dono delas
souber que estão vendendo bem os seus produtos e ganhando dinheiro, passará a cobrar por
tronco. O que ainda aparece como “solidariedade humana”, passará a ser uma relação “comercial
justa”.
Em outra passagem da entrevista, Marta discute algo parecido ao comentar sobre as
palhas de milho roxas. Conseguiram encontrar uma fazenda que cultiva esse tipo de milho e
entraram em contato com o proprietário para verificar a possibilidade de apanharem as palhas. O
processo de escolha das palhas é cuidadoso, e por isso, elas mesmas precisam escolher. Acham
um absurdo que de repente, o dono da plantação de milho, venha cobrar as palhas, afinal de
contas “queremos a palha e não o milho”.
O fato é que, de acordo com a lógica mercantil, todos os gastos diretos ou indiretos
envolvidos na produção de algo, devem entrar no preço de custo do produto, portanto nada é de
graça, como bem lembrou Dona Maria ao mencionar que até a ligação que ela fez pra São Paulo
tem que entrar na formação do preço do seu produto. A palha é parte do milho que custou um
bom dinheiro pra ser cultivado, assim como o tronco da bananeira que é parte indispensável da
banana.
127
Assim como os produtores estão aprendendo a formar os seus preços para o mercado,
observando todos os gastos diretos e indiretos, cuidando dos mínimos detalhes para não terem
prejuízo, aqueles que fornecem sua matéria prima chegarão à mesma conclusão: nada é de graça.
A forma pela qual os produtores estão sendo organizados e qualificados pelo IDESTE,
faz com que estes sejam introduzidos a uma lógica que até então desconheciam. È claro que todas
as pessoas, sem distinção, reproduzem o modo capitalista de organização da produção e
reprodução da vida em sociedade, mas atualmente, apenas parte da população mundial contribui
ativamente para o processo de produção e acumulação ampliada da riqueza.
Sem dúvida, a “Economia Solidária” presta serviço ao sistema, introduzindo pessoas
que até então estavam à margem dessa dinâmica, na lógica produtiva capitalista, contraditória e
alienante, explorando mercados marginais, cuja cooperação coletiva é indispensável à
sobrevivência do negócio.
Além disso, a noção do benefício da auto-exploração nesses empreendimentos rurais,
o que neste caso seria o mesmo que “autogestão” ou “sem patrão”, torna ainda mais cruel o
processo de absorção por parte dos produtores, das normas disciplinares para o trabalho ditada
pelo mercado. É a ação eficiente da “mão invisível” do capital sobre suas vidas.
[...]CLÉLIA: Olha começou assim, eu entrei né, pro IDESTE lá, e comecei a
fazer as feiras né, através da casa da agricultura mesmo, que é o programa deles.
Daí eu comecei a fazer as feiras, só que aí o pessoal vai conhecendo (os
produtos) e daí começa a aparecer as encomendas fora das feiras. Então
começou a aumentar o negócio assim, eu já tenho encomenda de....uma quantia
grande já pra fazer. Agora nossa dificuldade tá sendo né, da gente fazer essa
encomenda grande, e tá pedindo nesse entremeio dessa encomenda, caixinha, as
coisinhas assim, então, nós estamos aqui tendo que se desdobrar pra dar conta.
ALEXANDRE: Na realidade a gente trabalha em três pessoas, estamos tendo
que trabalhar tem dia até meia noite, trabalhando pra dar conta, então agora nós
vamos ter que abrir um leque de serviço, arrumar pessoas pra vir ajudar a gente
né, que a gente já não tá dando mais conta, né, que a gente tem uma encomenda
grande e pesa né. É mas essa encomenda nós já pegou e é obrigado a dar conta,
depois que se pegou o negócio cê tem que dar conta dele, né, então isso pra
gente ficou bem pesado.
CLÉLIA: Sem contar que nesse processo de se produzir a fibra pra fazer, se tem
que ter uns dias bom de sol pro cê usar né, pra você tirar a fibra, e a hora que
você pegar uma chuvarada aí vai complicar.[...]
Não há o que ser destacado como vantagens do campo em contraponto à cidade. A
dona Maria, por exemplo, não consegue demarcar com precisão onde estão estas diferenças,
128
visitamos os vizinhos, mas não muito”,a casa fica cheia, mas não tão cheia porque tem pouca
gente morando aqui” “um ajuda o outro, mas não é de graça eu pago e ele me paga”. Nas
palavras de Marta “um ajuda o outro, mas quem tem mais dinheiro por aqui não ajuda porque
tem medo que estrague suas coisas” e por fim elas também foram obrigadas a arrendar as terras
pra destilaria, já que também possuem dívidas e precisam de uma renda maior.
A cooperação solidária, humana, que existe no imaginário dessas trabalhadoras, foi
posta em cheque pelo totalitarismo do capital que penetrou seus valores no campo.
Estes produtores vivem um conflito constante entre a busca pela solidariedade
idealizada, romântica e a luta pela sobrevivência no interior da lógica do capital, que
superexplora o trabalho e que é competitiva. Como não há consciência sem uma prática que a
desperte, a “Economia Solidária” cumpre essa função mesmo sem ser esse seu principal objetivo.
Ou seja, nessa “outra economia”, ideologicamente forjada, o limite da “solidariedade humana” é
a luta pela sobrevivência.
O programa nacional da “Economia Solidária” que se auto-intitula um movimento
social contra o capital, na prática, reproduz a lógica do sistema promovendo a manutenção de
uma ordem que oprime pela submissão passiva.
Mulheres como dona Maria, que nunca trabalharam fora de casa e anteriormente
viviam sob o jugo do marido, hoje precisam se disciplinar para satisfazer corretamente as
demandas do mercado, que não é democrático. Novas preocupações as cercam como os estoques
das mercadorias, os preços de venda de seus produtos, as dívidas que fazem pra realizar o seu
trabalho, o tempo de trabalho necessário a sua produção.
Outro exemplo é a Clélia, que também não precisava trabalhar fora de casa e
atualmente entende a importância para o mercado, da qualificação e dos cursos oferecidos pelo
IDESTE e pela secretaria da agricultura, que também funcionam como um canal valoroso de
divulgação e distribuição de suas mercadorias.
Esta dona de casa simples, que atualmente precisa auxiliar o seu marido, Alexandre, a
conseguir outro meio de obter renda para o sustento da família, também entende claramente a
condição do trabalhador agrícola da sua região, tomando como base o que aconteceu com o
companheiro, fazendeiro falido e frustrado que tem muita dificuldade em se conformar com a
nova atividade, a pequena produção artesanal.
129
Alexandre, no início da entrevista, afirma com convicção que a renda obtida nesta
produção é apenas um complemento, e gosta de deixar a impressão de que esta atividade é
supérflua e que, o sustento de fato, é retirado de outros negócios com a terra. O artesanato não é
encarado por ele e, acredita-se que nem pela sociedade em geral, como um trabalho. Daí a
importância dada pelo IDESTE e por Sabino de denominá-los pequenos produtores rurais e
artesanais.
[...]ALEXANDRE: Se a gente vive disso, não, a gente tem a propriedade, na
verdade isso seria pra complementar a renda, mas a gente tem as atividades da
fazenda
CLÉLIA: No caso eu comecei fazendo assim pra mim mesmo
ALEXANDRE: Começou por diversão, sabe aquela coisa assim...e depois foi
aumentando,né
CLÉLIA: Eu queria ganhar meu dinheirinho assim, sabe[...]
Infelizmente, essas “atividades da fazenda” não são mediadas pela força de trabalho
dos proprietários, que poderiam extrair da terra o seu sustento por meio do cultivo ou da criação.
A figura ativa do fazendeiro neste caso, é inexistente, pois sua propriedade está arrendada para o
grande capital por um determinado período de tempo.
De uma forma ou de outra, todos os entrevistados perceberam claramente que a
“cana”, isto é, o grande capital, condenou as suas vidas a esta condição de incerteza absoluta e de
pobreza. Aos poucos, com o desabafo dos entrevistados, é possível notar o verdadeiro sentimento
destes em relação às condições de vida no campo. Acabam demonstrando em seus discursos, que
as diferenças de comportamento e valores que pensavam existir entre campo e cidade foram
atropeladas pelo desemprego, pelo êxodo rural e precariedade das condições de vida, restando
quase nada a destacar como vantagens do campo.
[...]ALEXANDRE: a fazenda sim, a fazenda arrenda a terra pra Usina, pra Usina
Nova América. Agricultura aqui acabou né, o agricultor hoje é cana, na nossa
região aqui, se pode ver que aqui nós temos aqui um pedaço que sobrou e não
tem mais nada. Morreu com a seca. Então hoje o final disso aqui é cana, e daí?
Cana, é a gente teve até 4 pessoas trabalhando pra gente aqui. Plantou cana
acabou, que nem nós que tá em casa não tem mais serviço, então a gente partiu
pra isso aqui, né [artesanato]. Pra não sair pra fora, eu fiquei bastante tempo
fora, trabalhando pra fora, já que aqui não tinha mais nada, tinha que trabalhar
pra fora.
CLÉLIA: é quando eu comecei fazer ele tava pra fora. O que mudou foi isso
porque de repente agora ele veio me ajudar ele já não vai trabalhar pra fora.
130
ALEXANDRE: com a renda que eu tenho pra fora eu to tendo aqui, dentro de
casa. Só que....as pessoas fala: _ isso aqui não cansa!!, não cansa o quê, cê fica
sentado aí até tecer tudo isso aqui (apontou para um varal repleto de fibra)
(risos), nossa é dias, não é horas, é dias.
Ao se sentir diminuído por não estar desempenhando as funções de um fazendeiro,
Alexandre se contradiz por não querer encarar a pequena produção artesanal como sua única
atividade produtiva, a única maneira de ser absorvido atualmente pelo mercado. Esse conflito é
ressaltado a todo o momento em seu discurso, ao tentar explicar que a atividade que hoje é
obrigado a fazer, hora é um complemento que começou como brincadeira e, hora é a única forma
de trabalho possível. Como ele mesmo afirmou “
Plantou cana acabou, que nem nós que tá em casa
não tem mais serviço, então a gente partiu pra isso aqui, né”.
Antes de qualquer coisa, precisa se convencer de que o artesão ou o pequeno produtor
rural, como preferem ser chamados, não possui a “vida mansa”, não é folgado. Este também se
cansa, possui uma rotina de trabalho árdua e estressante. Incomoda muito ao Alexandre que as
pessoas em geral não conheçam essa realidade.
A falta de investimento econômico e político em regiões agrícolas, por não serem
mais estratégicas à lucratividade do capital, tornam a vida do homem rural ainda mais difícil, na
maioria das vezes precária e penosa. Não está em jogo apenas a sobrevivência objetiva destas
pessoas, mas a subjetividade do trabalhador que perde sua identidade e não se reconhece mais em
lugar algum.
[...]ALEXANDRE: Pro agricultor a vida tá cada vez ficando pior, isso é uma
realidade. Primeiro você sabe que os agricultores todos eles se descapitalizaram
se perdeu tudo o que se tinha de renda antes, já foi tudo. Na verdade a
comunidade inteira aqui sofreu, né porque dependia da agricultura e agora não
depende mais, né que agora é cana. Na família a gente tem que caçar um bom
serviço, não adianta a gente ficar só naquilo que planta, não dá mais. Já faz 15
anos a cana não dá mais serviço, que cana é arrendada, cê fica né, sem fazer
nada, então é caçar outro rumo pra fazer, mas que judiou do agricultor bastante.
Alexandre, que possui valores tradicionais e machistas e que sofre com esta situação
irreversível do mundo do trabalho, ainda quer ser reconhecido como provedor da família e,
sobretudo, como trabalhador do campo. Clélia, em sua sabedoria silenciosa, aparentemente
submissa, entende essa situação de uma maneira ainda mais profunda, não atribuindo apenas à
seca, como faz Alexandre, à dura realidade do campo.
131
Quando Alexandre precisou se ausentar por alguns instantes do local da entrevista,
Clélia tece alguns comentários extremamente lúcidos e coerentes sobre suas vidas e
principalmente sobre o seu marido.
[...] CLÉLIA: Eu acho que não é só a seca que prejudicou e acabou com a
agricultura, né, eu acho que a política tem tudo a ver com isso também. Então de
repente, se tá do jeito que tá, é porque não teve apoio, né. Mas não sei
assim...dizem que tão agora ajudando a agricultura familiar, né, vamos ver até
onde vai isso, mas eu acho se tá ajudando porque, porque de repente é o que
sobrou pro agricultor fazer, porque ele não tem mais incentivo, não tem como
você plantar mais soja, milho essas coisas é só, assim, é só prejuízo. De repente
o fator natureza aí é o que menos tá complicando. Quer dizer, tem seca tudo
mais...é pro que se você liga a televisão aí, o que você vê no Brasil é de fora a
fora, cê só vê agricultor desesperado. Então acho que precisava melhorar um
pouco essa política aí, na parte da agricultura,....em todas as partes, né. Porque a
gente não pode se esquecer que a agricultura é a nossa base, né. De repente o
governo tá incentivando a agricultura familiar, mas a agricultura familiar é de
subsistência, só deles ali, né. Agora quem planta um pouco mais que é pra o
pessoal da cidade precisar comer, e aí? Então tem que pensar em tudo isso.
Ninguém vai ficar comendo açúcar ou viver de álcool, nem, né, precisava ter um
jeito de mudar esse panorama aí, pro pessoal começar a ter. Porque se você
perguntar pro agricultor o que ia gostar de plantar, não é cana, eles não vão
responder que é cana[...]
Clélia consegue perceber que existe uma contradição entre os interesses políticos, que
representam o mercado e os interesses sociais ao falar sobre a importância da agricultura, não só
a de subsistência, para a sociedade como um todo. O alimento é a base da reprodução da vida de
quem está no campo e na cidade e reconhece a necessidade de se mudar os valores vigentes, sob
pena de não haver mais comida pra ninguém, pois como ela mesma afirmou, [...]
Ninguém vai ficar
comendo açúcar ou viver de álcool[...]
Mais adiante, a entrevistada faz um paralelo sobre o que acabou de afirmar com a
situação de seu marido.
[...] meu marido ele me ajuda a fazer artesanato, agora pergunta pra ele se a
vontade dele é essa? O negócio dele é tá em cima de um trator aí, cultivando a
terra e colhendo e sendo...é isso que ele gosta de fazer, ele nasceu e cresceu
fazendo isso. Então ele tem uma certa frustração de não é isso que ele tá
fazendo, né. Então é complicado isso daí, tá fazendo pra uma renda, mas no
fundo, no fundo, o agricultor não é isso que ele quer tá fazendo[...]
132
Verifica-se uma angústia em Clélia, quando esta percebe que este é um caminho sem
volta, e que o marido terá que se acostumar com a nova condição. Por isso, torce para que essa
produção artesanal se sustente financeiramente e que se fortaleça enquanto um negócio. Para
aliviar a dor dessa realidade violenta, absorvem o discurso da “autogestão” enquanto “livre
iniciativa coletiva” e da solidária, como único caminho digno de sobrevivência da família no
campo que os tornam mais próximos e unidos. Precisam crer neste discurso.
[...]CLÉLIA: meu sonho, é que a gente consiga se estabelecer com isso, fazendo
artesanato né, consiga assim, montar um negocinho assim, uma produção maior
onde a gente possa ganhar, ter uma renda mesmo disso daqui. É porque tá
unindo mais um pouco a família, né. Que antes era meio assim cada um por si
Deus pra todos, agora já tá uma coisa assim mais, começa a abrir mais o espaço
pra ter uma união, né.[...]
Com toda certeza, é reconfortante admitir uma realidade que pode ser alterada por
meio da união de pessoas, da “solidariedade autogestionária” e da cooperação. A disseminação
desses ideais no interior do capitalismo, além de reafirmar a incrível capacidade de “liberdade” e
autonomia proporcionada pelo sistema, que absorve todas as formas de pensar e agir, é uma
maneira que o grande capital encontrou de sufocar a revolta, apaziguar os conflitos e transferir a
responsabilidade da mudança social para os indivíduos com vontades.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Programa Economia Solidária em Desenvolvimento – PESD, promovido
pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE em conjunto com a
Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES, por tudo o que foi
visto, é uma política social necessária e pertinente aos interesses do capital neste estágio do
processo de acumulação ampliada.
Conforme mencionado no primeiro capítulo, o programa se apóia numa política de
desenvolvimento nacional, com ênfase no local, que viabiliza a inserção de regiões pobres na
esteira do processo de acumulação da riqueza mundial. Os trabalhadores pobres semi-
qualificados ou desqualificados destas localidades, excluídos dos empregos formais nas unidades
de negócios capitalistas, são instruídos por meio de organizações-não-governamentais e “agentes
de desenvolvimento” a adotarem uma nova postura diante do desemprego e da precarização das
condições de trabalho, na qual a cooperação denominada “autogestionária” e “solidaria” são
premissas fundamentais.
Por meio de veículos ideológicos poderosos como Centros Universitários,
Incubadoras Tecnológicas, Organizações Não-Governamentais, Sindicatos e o próprio Estado,
representantes incontestes do capital, a “Economia Solidária” surge como instrumento de
absorção e promoção de práticas econômicas pretensamente alternativas às capitalistas. Sem visar
à reprodução cumulativa do lucro, tem como objetivo articular os trabalhadores “autogestionários
e solidários” em redes. Seu slogan é “outra economia acontece”, pretensamente mais justo e
igualitário, proporcionando aos seus membros relações mais adequadas ao desenvolvimento
humano, menos estranhada, menos mercantilista.
Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária, um dos mais expressivos
teóricos e defensores deste movimento, discutido no primeiro capítulo, atesta que sua ênfase no
que denomina ser “autogestão” é o mesmo que sublinhar a autonomia dos trabalhadores
organizados para a produção, sem que a figura autoritária do capitalista se imponha no interior da
estrutura do empreendimento. Para o autor, essas práticas econômicas no capitalismo são o
caminho possível a eliminação do absolutismo do capital e suas determinações que, em última
instância, subordinam as necessidades do desenvolvimento humano às necessidades do mercado.
O
134
Além disso, considera ser, a “Economia Solidária”, sinônimo do Socialismo
Científico desenvolvido por Marx e Engels, a única forma de fazer com que os trabalhadores
assumam o poder de participar das tomadas de decisão sem se deixarem escravizar por uma elite
pensante. Por isso, o próprio Ministério do Trabalho e Emprego – MTE juntamente com o
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, promoveram o Plano
de Qualificação do Trabalho - PNQ que abarca novas diretrizes para a educação e qualificação
para o cooperativismo e “autogestão”, além de iniciativas como a dos Institutos Tecnológicos de
Cooperativas Populares. Estas novas medidas propõem aos trabalhadores outra cultura produtiva,
fundamentada na iniciativa coletiva e solidária e, no fortalecimento dos saberes locais e regionais.
Para Singer esta deve ser uma luta da população local contra as conseqüências funestas da ação
globalizada do capital.
Essa é a forma de transição proposta para que se instaure uma sociedade alternativa
de maneira progressiva, a partir dos trabalhadores mais precarizados até a generalização possível
das práticas autogestionárias pela via cultural e pacífica. Esta denominada revolução socialista,
que segundo Singer, segue os mesmos moldes desenvolvidos por Marx e Engels, deve ser
iniciada em pequenas localidades pobres para que progressivamente se estenda aos grandes
centros. A ênfase é dada ao local e não a totalidade.
Parte desses produtos resultantes dessas práticas “autogestionárias”, restritos ao setor
agrícola e artesanal, tem como destino final as cooperativas de consumo, sendo o restante, a
grande maioria das mercadorias, direcionadas ao mercado capitalista de consumo. Por isso, para
serem competitivos, estes produtos precisam estar de acordo com o padrão capitalista de custo,
qualidade e consumo, satisfazendo assim, os desejos e fetiches dos consumidores.
Aqui se verifica uma problemática difícil de ser resolvida pela “Economia Solidária”
e já apontada com muita astúcia no início do século XX por Luxemburgo (2003). Ao tratar da via
socialista por meio das cooperativas de produção e de consumo, a autora afirma que estas nascem
híbridas no capitalismo, ou seja, nascem no interior de um processo de troca no qual o mercado,
suas demandas e o custo da produção controlam o processo produtivo. Neste caso, para vencer a
concorrência abundante e se manter no mercado é preciso ser competitivo, característica básica
de qualquer empreendimento que queira ter uma longa existência.
Mas competitividade e a “solidariedade humana” são inversamente proporcionais,
não se sustentam!
135
É evidente que o mercado altamente competitivo, impõe a todos, cooperados ou não,
uma disciplina rígida para o trabalho que independe das vontades individuais. Estes se auto-
exploram com tanta eficiência, que dispensam a vigilância atenta e materializada do capitalista.
Além disso, ficou demonstrado pela própria estrutura da “Economia Solidária” e do
projeto Mercado Paulista Solidário, objeto deste estudo, que nem todos os ramos de negócios
capitalistas são absorvidos pelas cooperativas de produção. Estas são especialmente agrônomas e
artesanais, se ausentando de maneira quase absoluta dos setores baseados em pesquisa, tecnologia
e desenvolvimento. Assim, como uma futura sociedade emancipada e socialista poderia
sobreviver sem garantir a continuidade dos avanços nas áreas de conhecimentos científicos que
elevaram as possibilidades das expectativas de vida e melhoraram substancialmente as condições
de reprodução da vida em sociedade? Não se pode girar a roda da história para traz. A reforma
social geral impõe de maneira absoluta a solução deste problema e o caminho da “Economia
Solidária” não parece ser o ideal.
Toda reflexão a respeito de uma possível transição do capitalismo ao socialismo é
complexa e impõe desafios práticos e teóricos impossíveis de serem previstos com exatidão. Por
isso, considera-se audaciosa e honrosa qualquer tentativa de debate sobre o tema, no século XXI,
que nunca foi tão pertinente quanto agora.
Por maiores que sejam as restrições das relações entre sociedade civil e Estado,
impostas pela lógica totalizante do capital, os projetos implementados pela sociedade civil
organizada, em parte financiada pelo dinheiro público, são iniciativas importantes que, em última
instância, mobilizam um grupo determinado em prol de uma causa coletiva.
O IDESTE, instituição absorvida pela “Economia Solidária”, sendo presidido por
uma pessoa como Sabino, íntegro, altruísta e lutador, sem dúvida nenhuma, retiram homens e
mulheres de uma inércia provocada pelo desalento e desilusão social, e os reintroduzem nessa
“roda viva”, na luta cotidiana pela sobrevivência. Sua força subjetiva é inegável como também o
é sua capacidade de mobilização e articulação, mesmo quando comportamentos egoístas tendem
a reaparecer no grupo solidário.
Mas qual é o alcance dessas estratégias? Por mais que elas sejam necessárias e
valiosas em relação à sobrevivência imediata do trabalhador pobre e miserável, essas práticas
consideradas “autogestionárias e solidárias” não o contrárias à lógica do lucro e acumulação e,
136
portanto, articulam em seu seio a exploração intensiva do trabalho, ainda alienado e estranhado,
pois produtor de mercadoria.
Estaria esta pesquisa menosprezando as iniciativas pessoais e individuais desse
projeto coletivo de sociedade? Não é o que se desejou nesse trabalho, mas estas ações precisam
estar articuladas de fato contra este poder totalitário sem reproduzir a cisão da vida promovida
pelo capital entre ideologia e prática, economia e política, campo e cidade. Como explica Lukács
(1981b) em seu capítulo sobre o Trabalho, uma tomada de decisão individual que é sempre
intencional, desencadeia no âmbito da totalidade social reações individuais causais, cujas
conseqüências totais são difíceis de serem previstas. Essas podem alcançar amplitudes
inimagináveis, mas desarticuladas e, somente ações coletivas orientadas de maneira consciente a
um objetivo comum, é que podem transformar de maneira radical a atual forma de sociabilidade.
Infelizmente, a revolução não virá por acaso.
Acredita-se que é correto afirmar que novas relações são engendradas no interior de
velhas formas de sociabilização, ou seja, que a sociedade capitalista produz as próprias armas
com as quais serão destruídas suas bases de sustentação, mas será preciso que a maioria esteja
preparada para assumir a responsabilidade da mudança, sem barganhas, sem adequações. É
preciso que a consciência social alcance esta maturidade e se mobilize.
Como verificado no segundo capítulo, o conceito clássico de “autogestão” incorpora
a crítica da economia política, que nega as relações mercantis alienantes, a propriedade privada, o
Estado (neoliberal) centralizador e as várias formas de assalariamento do trabalho. Esta forma
historicamente determinada de democracia direta, “autogestão”, organiza os trabalhadores para a
luta econômica e política contra a hegemonia do capital em todas as esferas da vida social.
Acredita-se que esta dimensão política da luta contra o capital está altamente comprometida na
“Economia Solidária” sendo ela fomentada substancialmente pelo Estado que, por seu lado, a
absorveu tendo em vista políticas desenvolvimentistas que priorizam o crescimento econômico
local com geração de renda para diversas famílias pobres.
Tomando–se por base o objeto de pesquisa analisado, vê-se que não é enfatizada
junto aos pequenos produtores rurais artesanais, a necessidade de questionamentos profundos à
lógica complexa e irracional deste sistema metabólico. Estas chamadas práticas
“autogestionárias” nas cooperativas solidárias não negam esta forma de sociabilidade capitalista e
137
sim, reivindicam para si, a necessidade da “inclusão” produtiva de seus trabalhadores no processo
de produção e acumulação de riqueza.
Outro ponto que descaracteriza ainda mais esta “autogestão” da sua acepção clássica
é a necessidade de qualificação e treinamento dos trabalhadores, tendo em vista à
competitividade no mercado que se acirra. Ao tratar das habilidades específicas necessárias a
gestão dos empreendimentos populares, o alicerce “autogestionário e solidário” começa a ruir.
Aqui se desfaz por completo o pretenso isolamento destes empreendimentos considerados
“autogestionários” do mercado, já que o único parâmetro metodológico de gestão empresarial
sugerido é o capitalista, referência de eficiência e eficácia produtiva.
A gestão das cooperativas ou associações, ao tentar se diferenciar da gestão
capitalista reproduz a mesma lógica por sofrer pressões advindas do mercado. Ao contrário do
que veiculam, não há isolamento possível entre “Economia Solidária” e “Economia Capitalista”,
aliás, não existem essas duas dimensões, apenas o modo de produção capitalista.
A falta de habilidade técnica destes trabalhadores para lidar com as demandas do
mercado, diagnosticado pelos “apoiadores” do movimento (Institutos, Incubadoras, organizações
da sociedade civil organizada) só terá fim, segundo Singer, quando for possívelrecrutar
profissionais de nível superior para os seus quadros”. Embora estes trabalhadores possam ser
qualificados, e o governo federal tem dado sua contribuição como já citado acima, não é fácil a
absorção destes ensinamentos pela maioria dos trabalhadores que possuem baixa escolaridade.
Este aspecto fica evidente, por exemplo, nas falas de Marta e Dona Maria ao mencionarem a
dificuldade que encontram em pôr o preço nos produtos.
Não somente o saber fazer técnico, mas também a compreensão exata do mecanismo
de mercado, de promoção e distribuição do produto, da estrutura de custo e de finanças do
negócio passa a ser condição necessária ao sucesso da gestão dos empreendimentos populares.
De outro lado, o sistema metabólico e totalitário do capital, como afirma Mészáros,
submete o desenvolvimento humano à lógica do lucro e não exclui ninguém deste processo
reprodutivo, sempre em expansão. Todos, inclusive pobres, miseráveis e indigentes, são
potencialmente consumidores. Por não eliminar e muito menos combater essa lógica, a via
cultural pacífica e, em alguma medida reformista da “Economia Solidária” não está em
contradição com a estratégia de acumulação ampliada do capital. Isto também se deve ao fato de
que muitas pessoas improdutivas para o capital são novamente reabsorvidas por este circuito por
138
meio de uma nova-velha fórmula: as cooperativas e associações. Os trabalhadores associados,
que também produzem mercadorias, acabam atuando em interstícios marginais do mercado,
abandonados pelo grande capital, o que lhes garante renda para a sobrevivência.
Por meio das entrevistas com os pequenos produtores rurais em Tarumã, foram
constatadas contradições profundas entre a realidade vivida por estes trabalhadores e a ideologia
considerada “autogestionária” e pretensamente emancipadora da “Economia Solidária”.
Na fala da produtora Clélia, esposa de Alexandre, fica explícita o quão constrangido
está seu marido por não se sentir mais tão produtivo como antes quando ajudava a cuidar da terra
na agricultura. O trabalho artesanal embora demande muito esforço por parte de toda família,
ainda assim é visto socialmente, na concepção destes produtores, como “perfumaria”, supérfluo.
Alexandre, como homem do campo, não sente orgulho dos trançados que faz e sofre com a nova
condição que é obrigado a aceitar. Segundo ele, sua antiga função morreu com a “seca” e a
“cana”.
O grande capital, personalizado pelas Usinas de cana de açúcar, penetrou o campo,
devastou hábitos, valores e intensificou a exploração do trabalho do homem rural já
historicamente depreciado. Aquela solidariedade humana que havia entre os vizinhos, que forjava
uma sobrevivência digna, como bem se lembrou dona Maria – a casa cheia em dia de missa,
atualmente bem mais vazia por falta de moradores – minguou com a falta de infra-estrutura
básica para a manutenção da vida. Hoje, de acordo com Marta, o vizinho (a propriedade ao lado)
que tem mais dinheiro, não empresta os seus insumos ou materiais, e cada núcleo familiar se vira
como pode e com o que tem.
O sonho da Dona Maria é melhorar e ganhar mais dinheiro para ajudar um sobrinho
em piores condições, o de Clélia, é que o seu negócio baseado na fibra da bananeira dê lucro e
cresça para que o seu marido não se sinta tão mau e a família possa estar mais unida e sobreviver
com dignidade na nova atividade.
Como falar em autonomia se é verificado entre os entrevistados a tristeza em se
realizar atividades que não fazem sentido para o trabalhador? A situação de fragilidade sócio-
econômica em questão não é fruto de suas escolhas, e os obrigam a se adequarem como podem as
demandas de mercado capitalista neoliberal. Encontraram um meio de lutar pela sobrevivência
utilizando de maneira criativa técnicas artesanais apreendidas no interior da família nuclear, cuja
139
experiência é repassada dos mais velhos aos mais novos, mas que precisaram ser aperfeiçoadas
para o mercado.
Estas estratégias de sobrevivência, organizadas e articuladas no interior da
“Economia Solidária”, são “livres iniciativas coletivas” de cariz capitalista que precisam ser
auxiliadas no início do funcionamento para ganhar fôlego técnico, econômico e auto-suficiência
mercadológica. Por isso as agências de fomento promovidas pelo Estado e pela sociedade civil
organizada são tão importantes neste estágio.
Projetos como o “Mercado Paulista Solidário” do IDESTE, auxiliam esses
trabalhadores a aumentarem suas margens de lucro ao viabilizarem a introdução dos seus
produtos em mercados espalhados pelo país. Especialmente o artesanato de culturas típicas
costuma ser promissor quanto à lucratividade, quando voltados à classe média alta e à
exportação. Com o lucro auferido por poucos destes empreendimentos, o padrão cultural da
família média burguesa se reintegra e, com o consumo, tudo volta a fazer sentido. O restante dos
trabalhadores “solidários e autogestionários” continuam a viver no nível da subsistência,
desejando que um dia o sonho de ser “autônomo” ou “dono bem-sucedido do próprio negócio” se
torne realidade.
Mais uma vez é reafirmado que, o fato da “autogestão”, enquanto forma histórica de
luta emancipadora da classe trabalhadora, não ocorrer na “Economia Solidária”, não significa que
estas práticas devam ser menosprezadas. Paul Singer, prestigiado e respeitado especialmente no
meio acadêmico, possui o mérito de deixar acesa a chama do controvertido debate sobre a
transição socialista. Principalmente agora, em que a renúncia de Fidel Castro está sendo
alardeada pelos maiores meios de comunicação do mundo, como o fim histórico do último
representante de idéias ultrapassadas e retrógradas, que não deram certo em nenhum lugar do
mundo. O comunismo ou qualquer projeto que se pareça com isso, estaria definhando,
agonizando juntamente com a alma e virilidade do ditador. Dessa forma, estaria se completando
de forma definitiva a hegemonia inconteste do capital travestido de autoridade democrática que
promove desenvolvimento e liberdade econômica nos quatros cantos da terra.
Sob este ponto de vista, reconhece-se a importância dessas ações no campo da
“Economia Solidária”, tanto quanto estratégias de sobrevivências, geradoras de renda, voltadas a
soluções dos problemas imediatos de sobrevivência no capitalismo, como quanto discurso
140
ideológico, que sustenta que é necessário outra economia para abarcar os “excluídos” e seus
filhos.
Mas, ainda assim, isto é quase nada porque na prática, não há “outra economia”, não
há alternativa de fato.
Antes de qualquer coisa é preciso lutar para que o sonho de uma sociedade mais
humana, justa e igualitária não seja arrancado dos que ainda acreditam na possibilidade da
emancipação da humanidade por meio do trabalho, enquanto “práxis” social, atividade vital do
“ser”. O trabalho, ação coletiva intencional que transforma e controla os recursos “naturais” e
submete suas leis às demandas sociais, é a única fonte produtora de riqueza, por mais que
atualmente o valor dinheiro pareça nascer e se desenvolver de maneira autônoma em instituições
financeiras.
Se a vida humana é condição irrefutável para a produção de riqueza e nesta forma de
relação social ela esta sendo preterida a ponto de, em algumas regiões do planeta, a vida já estar
condenada, então é preciso mudar radicalmente para o próprio bem da humanidade. Atingindo
este nível de consciência, as pessoas coletivamente poderão reascender com intensidade o debate
clássico sobre o futuro da reprodução social na terra, no qual todas as teorias e práticas serão
reexaminadas e novas propostas deverão surgir, contemplando em primeiro plano a vida.
Este trabalho, que é uma tentativa de refletir de maneira mais aprofundada sobre as
contradições deste momento histórico da reprodução social, pretendeu contribuir de forma muito
singela para esta reflexão em meio às pressões demandadas pela necessidade de sobrevivência da
pesquisadora.
Por mais difícil que pareça a luta e, muitas vezes vã, mesmo que provisoriamente seja
travada apenas no campo teórico, ela é infinitamente necessária, pois reflexo das contradições
sociais vividas e angústias subjetivas, de alguma forma, exorcizadas nestas páginas.
141
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147
ANEXO 1 FOTOS RETIRADAS DURANTE ENTREVISTAS
1.1 Horta do sítio da Água de São Bento cuidado por D. Maria - Tarumã
148
1.2 Doces, embutidos e boneca de palha feitos por Marta e D. Maria
149
1.3 Licores, embutidos e bonecas de palha de milho feitos por Marta e D. Maria
150
1.4 Bolsas de palha de milho feito por D. Maria
151
1.5 Clélia trabalhando com a fibra de bananeira
152
1.6 Recipiente feito com a fibra de bananeira para guardar e manter a
temperatura da latinha de cerveja.
153
1.7 Destilaria de Taru
154
1.8 Destilaria de Taru
155
ANEXO 2 AS ENTREVISTAS
ENTREVISTADO: ADALBERTO SABINO JÚNIOR – 07/07/2006
GERUZA: QUANDO, COMO E POR QUE NASCEU A ASSOCIAÇÃO DE ARTESÃOS
DE ASSIS?
R: Nasceu na verdade em 1996 foi um processo. Quando eu vim pra cá em 1994 não existia
nenhuma associação aqui, né, existia sim uma escola de artesanato que eu fui designado pra
trabalhar nessa escola. Como lá tinha uma demanda muito grande de pessoas que saiam
depois de um curso, eu percebi que essas pessoas saiam mais ficavam soltas, aí fora, né. Elas
faziam artesanato mais, assim, pra vender pro vizinho e tal. Existia um número de artesãos
aqui no município que era sempre comandado pela primeira dama, né. Então ela sempre
convidava eles pra uma festa, pra um evento comemorativo, mas nada de forma organizada,
era sempre ... é e o que eu percebi também, é que o poder público, na época, eles usavam esse
trabalho dos artesãos, é como souvenir pra mandar pra outras primeiras damas e tudo mais e
normalmente elas não pagavam e, elas sempre viam, pediam as peças e o artesão achava que
tava fazendo é um benefício pra primeira dama ou um agradecimento talvez e, acabava dando
de presente. Eu assumi a escola em 94, quando foi em 95 surgiu à idéia de montarmos uma
associação e ficamos então um ano estudando questão de estatuto, texto sobre convivência de
pessoas, é, esses temas durante um ano e aí em janeiro de 96 nós criamos a associação de
artesãos.
GERUZA: E NESSE PROCESSO DE ESTUDO OS ARTESÃOS PARTICIPAVAM?
COMO ERA?
R: era sempre grupos, uma vez por semana a gente se reunia com o grupo dos artesãos e ali
então era colocado um tema, lido o tema e depois debatido este tema. Então foi uma coisa
assim bem trabalhada, justamente pra que a gente conseguisse ter deles a participação efetiva,
né, no grupo, a gente fomenta isso.
GERUZA: NESSES GRUPOS JÁ SE FALAVA EM SOLIDARIEDADE E EM
AUTOGESTÃO?
156
R: Não, a gente falava muito em solidariedade. Inclusive, é um dos pontos chaves do objetivo
da associação, que era o comportamento solidário. Isso porque a gente entendia que as
pessoas pra formar o grupo tinha que ser solidário porque senão, é, não tinha como a gente
trabalhar, né. Existia um egoísmo muito forte da parte deles, também a gente tava trabalhando
com uma faixa etária muito complicada que é o pessoal acima de 50 anos, né, que já tem
praticamente tudo consolidado e, é, eles brigavam muito também entre eles, justamente por
causa desta visão egóica que eles tinham de si próprios e da comunidade. Eles achavam que o
poder público tinha que dar tudo pra eles como sempre acontecia é uma questão cultural e,
nós vimos que essa questão da solidariedade era extremamente importante. Foi um dos
objetivos importantes que a gente colocou desde o início.
GERUZA: E A AUTOGESTÃO SURGIU COMO?
R: Olha, é, praticamente a autogestão ela nos acompanha, desde o início, porque, é quando
nós formamos a associação a gente sabia, é, nós tínhamos consciência que a gente que tinha
que tocar o grupo, é muito normal isso. Mas, não é, é, embora a gente praticasse, não era o
tema que a gente trabalhava, entendeu, na questão do poder público, o poder público até
achou interessante isso, porque automaticamente os artesões saiu da responsabilidade do
poder público e eles se organizavam. A intenção nossa era exatamente essa, da gente
conseguir se organizar e tocar o projeto da associação pra frente. Então isso era sim uma
prática, mas não era algo que a gente debatia enquanto um tema teórico, conceituado e tudo
mais. Conceituação mesmo nós tivemos de 2004 pra cá.
GERUZA: COMO CONHECEU O IDESTE (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL)? QUAL A PROPOSTA DESTA ORGANIZAÇÃO?
R: Na verdade, o IDESTE, não é que nós conhecemos, nós o formamos, tá. O IDESTE, ele
nasceu exatamente da consciência que nós tínhamos, aí sim, da questão da autogestão, da
questão do comportamento solidário, do comércio ético, justo e solidário, a gente vinha de um
projeto que era o projeto Mercado Paulista Solidário, né, e nós tínhamos consciência de que é,
se nós tivéssemos uma ONG que abarcasse um número maior de pessoas, nós também
teríamos mais força junto à capitação de recurso. E foi exatamente isso que aconteceu. Antes
nós tínhamos uma associação regional que contemplava aí somente os municípios da região
157
que eram oito, só que com o projeto Mercado Paulista ele se ampliou pra quinze municípios.
Então ela deixou de ser uma associação regional. E foi além. Foi aí então que terminado o
período em que o SEBRAE tava bancando o projeto financeiramente e a gente tinha que se
virar pra continuar tocando o projeto, foi quando nasceu então essa necessidade da gente tá
criando um instituto. Então o instituto ele foi criado pelos municípios, né, num encontro que
nós tivemos aqui, um encontro grande, tinha mais de 100 pessoas, que nasceu essa idéia então
de se criar um organismo pra tá juntando todos esses municípios em volta de um objetivo só.
GERUZA: FALE DO PROJETO MERCADO PAULISTA
R: Mercado Paulista, ele veio com essa marca, com esse nome, MERCADO PAULISTA,
porque era um projeto do SEBRAE. É, eu fui procurado aqui pelo gerente do SEBRAE
Marília, o Artur, que veio conhecer o nosso trabalho, que ele sabia que existia uma coisa
grande aqui, conheceu a loja, ele veio aqui duas vezes, antes de tocar no assunto ele veio
conversar comigo duas vezes, mas assim, falando da associação, falando do nosso trabalho e
tudo mais. Numa terceira vez, ele veio propor que aqui a gente realizasse o projeto, e como
ele viu que a coisa aqui tava pronta, basicamente a gente tinha os oito municípios em volta,
todos trabalhando da mesma forma, todos já tinha sido capacitados, todos eram geridos da
mesma maneira, ele achou que daria pra realizar o projeto rapidamente. E foi o que
aconteceu. Nós realizamos o projeto em dois meses, sendo que na verdade ele precisa de seis
meses pra ser realizado. Mas a gente tinha organização, né. Nessa organização foi quando
nós, é, percebemos que nenhum outro lugar no qual eles estavam trabalhando, que eles
tinham levado o projeto, tinha dado tão certo, sabe, assim a gente sentiu também, quer dizer,
que a gente tinha força, a gente tava organizado. Aí ele trouxe o pessoal de São Paulo, veio
todo mundo pra cá, pra conhecer e tudo mais. Em questão de dois meses a gente conseguiu
realizar. É um projeto grande, dá muito trabalho, mas que deu super certo. O projeto ele tem
algumas fases, tem a fase da formação que é a questão da capacitação e, é, tem a fase de
cadastramento dos indivíduos, cadastramento dos produtos, e uma quarta fase que a
comercialização, tá. Só que, o projeto Mercado Paulista, ele traz a tona a valorização do
produto que você tem no seu município, ou seja, o produto que vem do município tem que ter
a marca do município. Então, a gente teve que trabalhar valorizando aquilo que o município
tem de melhor, tá. Então é muito interessante isso, porque as pessoas acabam tendo um olhar
158
diferente pro seu município criando alguns produtos que só esse município tem e é isso que a
gente valoriza dentro do projeto.
Todos os pequenos produtores hoje, a gente não fala mais em artesãos, a gente fala em
pequenos produtores artesanais, que aí nós temos agricultura familiar, agricultura orgânica, os
próprios artesãos, né, então entra uma série de indivíduos aí, que antes ficavam fora dessa
cadeia porque a gente só chamava de artesãos e que na verdade todos eles são.
O Instituto só organiza as pessoas. Todo o restante fica por conta deles (as pessoas). Na
verdade a gente só capacita às pessoas, a gente organiza as pessoas. Então o que a gente
percebe é assim, se a gente não muda a maneira de pensar, se a gente mudar a cultura, a gente
muda todo o restante. Então por exemplo na questão do projeto, eles fazem tudo,
praticamente, na prática eles que fazem tudo, na questão da comercialização, a gente capacita,
eles vão comercializar, né. Um outro projeto que nós temos que é o Empório Solidário, a
gente capacita eles que mandam as coisas pra São Paulo, se tá entendendo, então nós não
fazemos nada, a gente não, na verdade, a gente só capacita mesmo, a facilitação nossa é
exatamente essa, trabalhar com a consciência das pessoas e elas automaticamente elas vão
mudando essa postura de que alguém sempre tem que fazer por mim, né. Nisso a gente
consegue criar a iniciativa.
GERUZA: VOCÊ PODERIA, DE MANEIRA GERAL, DESCREVER O PERFIL DESSES
PRODUTORES, O QUE ELES REALMENTE DESEJAM AO SE FILIAREM A VOCÊS
DO IDESTE OU AO MERCADO PAULISTA?
R: O que chama a atenção deles é venda, eles querem vender. Isso é que é o impacto, eles
vêem que a gente tem um impacto legal em venda, então eles querem se associar por causa
disso. Só que quando eles chegam, de certa forma, esse conceito muda, essa expectativa
muda, porque na verdade a gente trabalha muito mais a capacitação do que a comercialização.
Então nós passamos aqui praticamente seis meses capacitando com encontros quase que
mensais, pra gente poder realizar duas feiras no segundo semestre, né. Então a expectativa
deles, que a gente mostra também é que você não precisa vender o ano inteiro, né, vender em
feira o ano inteiro, pra poder vender bem. Você precisa se qualificar, ter uma boa visibilidade,
na questão da feira que você tá montando, porque se você fizer isso você vai vender muito
mais do que se você fosse em várias feiras sem planejamento. Então você planeja bem
159
algumas ações nestas algumas ações você vende tudo praticamente o que você tem e o
restante do tempo você só produz.
Várias pessoas só vivem do artesanato, inclusive que estão montando grupos pra poder
atender a demanda, né. Inclusive pessoas que deixam o emprego, já pra poder cuidar só da
questão da produção, tem vários produtores assim.
GERUZA: QUAL O PAPEL DO GOVERNO FEDERAL NESTA EMPREITADA? ELE
DEVE PARTICIPAR E INVESTIR NESTAS INICIATIVAS? POR QUÊ?
R: Não, eu acho que é o papel de todos os governos, né, é o papel de todos eles. O que a
gente tá fazendo, na verdade, além de mudança de comportamento, é fomentando a questão
do emprego e renda, nós estamos numa crise terrível mundial na questão do emprego e renda,
e o que a ONG está fazendo é exatamente tendo este papel, que hoje o poder público já não
consegue ter, entendeu. Então a gente realiza junto com as comunidades essa questão e o
poder público o que ele pode fazer é ser parceiro nosso, né, e esse ser parceiro significa o que,
nos ajudar a fomentar, né, então através de parceria financeira ou através de contratos que a
gente pode estar firmando principalmente na questão da capacitação, tá trazendo profissionais
de dentro do poder público pra nos ajudar nisso, né, dá uma outra visão, é transformar as
nossas intenções em política pública, né, que é o que tá acontecendo agora com a Economia
Solidária, então pode e deve, porque ele incentiva por exemplo a produção de carro no país, o
BNDES distribui verba pra fazendeiro é plantar soja, porque não pode distribuir verba pra
gente trabalhar também, né.
GERUZA: QUAL É A ESTRUTURA HIERÁRQUICA DO IDESTE?
R: Nós temos uma diretoria que é formada pelo presidente, vice, tesoureiro, vice, primeiro e
segundo secretário e o conselho fiscal, né. Depois no regimento interno nós criamos a
coordenação de projetos que são as pessoas que pensam os projetos e entram nos ministérios
tem a ação nos ministérios pra poder estarem apresentado os projetos e tudo mais, é essa é
uma estrutura básica que toda ONG tem que ter, né, o que a gente trabalha muito, é que
existem as pessoas de referência, como o presidente, o tesoureiro e os secretários, mais todos
nós estamos muito nivelados por que todos nós somos gestores, né. Então eu posso ser o
presidente da ONG, mas eu sou o gestor de Assis, né, então é nós temos um representante em
160
cada município do instituto, que atua como gestor do município, então ele que vai fomentar
dentro do município os objetivos do instituto, na verdade, cada um destes gestores é o
presidente dentro do seu município, é o presidente do instituto dentro do seu município, a
responsabilidade que a gente dá é essa, e a pessoa tem que ter clareza do que está fazendo
principalmente na questão dos objetivos do instituto. Normalmente é assim, o associado paga
uma taxa pequenininha, 10 reais por ano, é, e mais os projetos que a gente consegue enquanto
parceria.
GERUZA: A SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária) JÁ FINANCIA ALGUM
PROJETO DO IDESTE? QUAL? A SECRETARIA TEM SIDO FUNDAMENTAL NESTA
EMPREITADA?
R: Nós encaminhamos dois projetos, o ano passado (2005), eu estive em Brasília conversando
lá com o pessoal da SENAES, eles não deram nenhuma menção de que poderia(....), mas esse
ano nós fomos pra feira da Economia Solidária e o pessoal conheceu os produtores que
estavam na feira e gostaram muito do que viram, né. Foi aí então, que nasceu deles mesmos a
necessidade de estarem pedindo pra gente nossos projetos, aí nós enviamos dois projetos pra
eles e agora a gente está só aguardando, mas não é uma coisa muito simples não, hoje em dia
a SENAES ela tem uma média de mais de setenta mil projetos dentro da SENAES e a
SENAES não tem recurso próprio, é repasse do governo então é complicado.
O trabalho é importante, né. Assim, eu vou falar uma experiência pessoal, minha. Eu não sou
de nenhum partido político. O que eu percebo hoje em dia não só na SENAES, mas nessa
coisa nova que está se formando que é a Economia Solidária, que é um discurso de governo,
que é um discurso político, o que não deveria porque na verdade existem milhares de pessoas
que praticam Economia Solidária e não são políticos. Então o que eu estranhei muito, por
exemplo, quando eu fui para os Fóruns é exatamente essa questão do discurso. O discurso da
Economia Solidária tá pautada em cima de uma questão política, o que eu estranho muito,
porque, na verdade, aqui na nossa região a gente não tem essa conduta. A gente trabalha
muito a questão de comportamento, a gente trabalha muito essa questão da viabilização da
economia solidária nos grupos e nos municípios sem o discurso político, entendeu. O discurso
quando eu falo, é a metodologia, a linguagem que eles usam, entendeu. Eles tem essa
linguagem, nós não temos e eles estranham quando a gente chega lá, porque a gente, nós não
161
temos a linguagem mas nós temos a vida, então a nossa vida enquanto comportamento
solidário e cooperativo ela é muito viva, quando a gente vai, as pessoas percebem que a gente
é diferente, entendeu. Diferentemente de você pegar um outro grupo que tem o discurso
político e que vive a Economia Solidária, mas ele vive a Economia Solidária enquanto um
grupo que se juntou pra tá trabalhando juntos dividindo lucros. Nós vamos um pouco além só
dessa questão de ganhar dinheiro, a gente vai na mudança do comportamento não só no
grupo, mas em casa, na rua, no trabalho, então tudo muda a sua volta, não é só a questão do
ganho e de como ganhar, entendeu, mas tudo muda, esse é o grande diferencial. Então hoje a
SENAES da forma como ela tá montada, da forma como ela se organiza, ela é um discurso
político, ela é hoje, a Economia Solidária é uma ação do PT, entendeu, ela é uma ação do PT.
Eu acredito que ela só vai crescer, que ela vai se tornar autônoma, a partir do momento em
que ela sair da mão de um partido político e ser uma ação da sociedade civil como um todo.
GERUZA: CONCEITUALMENTE, O QUE É AUTOGESTÃO E SOLIDARIEDADE?
R: É muito simples, a autogestão é quando você tem algumas pessoas que não tem como
chegar num determinado ponto do trabalho dela, ela não tem como progredir, a única forma
que ela tem é se juntando a outras pessoas, e quando você coloca duas pessoas juntos, duas,
três, dez pessoas, e essas pessoas precisam se organizar, pra nós esse se organizar, esse
conviver, esse gerir o próprio negócio, isso pra nós é autogestão. Então essas pessoas estão
gerindo o seu próprio negócio, né. E, é elas fazendo isso, pra nós aqui, na nossa região, o que
tem a ver isso com a solidariedade, aí é que é o grande nó da situação, porque eu posso tá
fazendo isso sem ser solidário, ter interesse simplesmente em ver meu trabalho. Então o que a
gente foca muito, é você sim fazer tudo isso, você gerir o grupo, gerir o próprio negócio, mas
você conseguir abrir mão de algumas coisas suas para o bem do grupo. Isto é
complicadíssimo, isso é muito difícil as pessoas entenderem. E é esse lance que a gente
trabalha muito na questão das capacitações, nas dinâmicas de cooperação, é levar as pessoas a
ter um olhar pro outro, pro trabalho do outro, pra necessidade do outro e não simplesmente
pras sua necessidade, porque se eu fico muito preso na minha necessidade, eu não estou
conseguindo praticar a solidariedade, na verdade eu consigo praticar sim o capitalismo, né, eu
ainda estou na velha maneira de pensar.
162
GERUZA: QUAIS OS MAIORES EMPECILHOS À PRÁTICA DESSES CONCEITOS?
R: Tem algumas coisas aí que são muito importantes. Primeiro que a sociedade brasileira
como um todo, ela não tem a prática da convivência de grupo, né. Nós somos estimulados
através do capitalismo a vivermos sozinhos, né, temos o nosso dinheiro, a nossa casa, os
nossos filhos, o nosso marido, a nossa esposa, entendeu, é tudo meu, sempre meu, meu, meu,
meu...Então as pessoas não são estimuladas a trabalharem juntas. Quando elas vão trabalhar
juntas por alguma necessidade, elas têm uma dificuldade enorme de entender o outro e de
dividir a própria vida, as próprias expectativas, então elas acabam sendo muito intolerantes, tá
certo, porque ela tá sempre preocupada em olhar pra ela mesma. Isso é o primeiro nó, você
tem que mostrar pras pessoas que cada um é um universo, que cada um tem as suas
limitações, mas as pessoas têm coisas boas também, então isso é uma primeira coisa que a
gente trabalha muito. Por outro lado quando as pessoas chegam, elas têm essa questão da
dificuldade de trabalhar em conjunto, mas elas tem uma outra questão também, que no grupo,
elas não conseguem se abrir como um todo. Elas ficam muito, elas olham muito pra dentro de
si próprias, tem medo de se mostrar pro outro, um respeito excessivo também pelo outro, ela
não questiona e por outro lado isso acaba gerando também a não iniciativa.As pessoas são
muito passivas diante dos problemas e das resoluções desses problemas, né, isso acontece no
grupo. Saiu do grupo, as pessoas voltam a ser indivíduos, aí sim ela tem força pra falar
daquilo que aconteceu no grupo. Só que aí o tempo já passou, ele perdeu o compasso e aí
trunca aqui (no grupo), aqui ele sai insatisfeito, entende, ele não consegue ter satisfação em
função dessa não iniciativa dele falar, é o medo que ele tem de falar daquilo que ele acha de
um determinado problema. Isso é muito comum, eu faço um alinhamento muito, um paralelo
aí, principalmente com relação a fofoca né, as pessoas gostam muito de falar nas costas do
outro nunca na frente do outro. O ideal o que é, é você falar na frente do outro pra que o outro
tome consciência do seu problema, né, e tente alinhar, esse é o grande lance, porque se você
fala na frente da pessoa, é isto também é uma questão cultural. O ideal é você falar na frente
da pessoa pra que ela tome consciência e mude ou ela busque o outro caminho. E é essa a
forma mais solidária de você ter uma atitude, ser verdadeiro diante do outro, mas isso
culturalmente não é bem visto, né. Até isso a gente tem que trabalhar. O ideal é que, é você
falar por detrás e a pessoa com o tempo vai saber que alguém falou dela, mas você também
não sabe quem falou, entende. Então é todo um meandro cultural que a gente tem que
163
trabalhar justamente pra que a gente tenha...e é muito difícil isso. Isso acontece até mesmo
nas grandes estruturas, imagine nas micro estruturas como as nossas, em que as pessoas
tentam, é, fruto talvez até mesmo da inveja, da fofoca, da falar do outro, do buscar benefício
próprio. Então quando alguém chega pra você e faz Assim: _ Olha fiquei sabendo de uma
coisa assim e assim...olha mas eu não posso falar quem foi, né, entendeu. Então isso tudo
trava muito o grupo, às vezes destrói, completamente, não fica ninguém, entendeu, fruto
desse tipo de comportamento.
GERUZA: O QUE É FEITO NOS TREINAMENTOS PARA QUE ESTES EMPECILHOS
SEJAM DERRUBADOS?
R: Normalmente é assim, é a gente faz um levantamento das necessidades que normalmente a
gente observa nos grupos, e a partir dessa observação que a gente faz as capacitações nos
grupos, né, então nós fizemos...tem aqueles momentos também que a gente só se organiza pra
festa, que a gente chama de encontros e normalmente a gente faz isso no final do ano, que é
mesmo pra festejar e tentar organizar o ano seguinte. Agora durante todo o ano, basicamente
a gente trabalha com temas, então a gente trabalha, nós trabalhamos esse ano com liderança,
nós trabalhamos com comportamento ético, comportamento solidário....enfim são vários
temas que a gente vem trabalhando e nós também realizamos mensalmente uma reunião em
Marília com gestores. Nosso foco sempre de trabalho é o gestor, porque o trabalho principal
dele é, como a gente não consegue juntar todos os profissionais, todos os pequenos
produtores, a gente trabalha em nível de gestão e essa gestão então responsável de chegar em
seu município e trabalhar isso com a sua comunidade depois.
GERUZA: NA PALESTRA DO ZÉ CARLOS DA MATA NO DIA 24/06/2006, NO
ENCONTRO NA CIDADE DE HERCULÂNDIA, FICOU BEM CLARO QUE ESSES
PRODUTORES DEVEM SE TORNAR EMPREENDEDORES: CRIAR UMA LINHA DE
PRODUTOS COM VALOR AGREGADO PARA O MERCADO; DESENVOLVER
NOVOS MERCADOS; ADMINISTRAR BEM OS CUSTOS DE PRODUÇÃO; SABER
FAZER UM PREÇO DE VENDA ADEQUADO; DESENVOLVER EMBALAGEM
ATRAENTE; NÃO TER PRECONCEITOS A NENHUM CANAL DE VENDAS E SE
QUALIFICAR SEMPRE. QUAL É A SUA OPINIÃO EM RELAÇÃO A ESTAS
164
COLOCAÇÕES? QUAIS DESSES PRODUTORES (CIDADES) JÁ CONSEGUEM
TRABALHAR COM ESSA EFICIÊNCIA?
R: Alguns grupos se desenvolvem mais rapidamente, depende muito do nível de educação
que ele traz. Então quanto mais simples ele é mais dificuldade ele tem de entender, como
funciona esse mecanismo. Então alguns grupos nossos que já estão exportando, que já estão
mandando seu produto pra São Paulo, esse ele já tem uma visão mais empreendedora. A
gente não gosta muito de tá falando em questão de empreendedor, empreendedorismo, essa
coisa é muito massacrante, mas essas pessoas elas já tem um viés mais claro, né, e quando a
gente aborda esses temas eles absorvem com maior facilidade. O pequeno produtor que vem
de um trabalho mais simples, de uma comunidade mais simples que tem um nível...esse
pequeno produtor tem muita dificuldade de entender, principalmente a questão da
comercialização, como se faz como que se dá isso, como se faz isso em escala, né. Quando
ele tem que deixar o produto dele ir pro mercado, ele tem uma certa restrição com isso ele
gosta de estar junto do trabalho dele, ele gosta de cuidar, tal. É um outro viés que a gente
trabalha que é justamente o fato do apego emocional que o produtor tem com o seu próprio
produto, aí ele tem dificuldade de vender porque ele coloca o preço lá em cima, porque tem o
preço afetivo da peça e tudo mais, né, então ele tem muita dificuldade nisso. Como o nosso
trabalho é com o pequeno produtor então a grande maioria tem essa dificuldade.
GERUZA: VOCÊ JÁ TEVE ACESSO A ALGUM ASSENTAMENTO RURAL?
R: Temos vários produtores rurais, né, temos Tarumã, produtor rural, nós temos Herculândia,
Campos Novos, Echaporã, tem vários municípios que os produtores são rurais e aí eles além
de trabalhar a questão do trabalho com materiais da natureza que são as fibras, normalmente,
que é a palha de milho, que é a fibra de bananeira, eles também trabalham muito a questão da
agroindústria que são os doces, as compotas, enfim uma série de outros alimentos pinga,
licores que eles trabalham que são trabalhos assim fantásticos.
GERUZA: HÁ ALGUMA DIFERENÇA ENTRE OS PRODUTORES SOLIDÁRIOS DO
CAMPO E OS DA CIDADE?
R: Sim, a diferença é gritante, até mesmo a postura deles, né. Porque o pessoal do campo ele
pratica isso com muita naturalidade, essa questão da solidariedade pra eles é eles praticam
165
com muita freqüência, porque as próprias dificuldades geradas no campo levam eles a confiar
mais no compadre, na comadre, a depender do vizinho e tudo mais. Então eles estão muito
acostumados com isso. Já o pessoal é...o produtor urbano, ele já é mais, ele tem o
comportamento muito mais agressivo, ele já, ele trabalha muito mais a questão do...a matéria
prima dele já é uma matéria prima industrializada, então o comportamento dele é
completamente diferente.
GERUZA: QUAL É A SUA MAIOR DIFICULDADE NESTE TRABALHO? JÁ FICOU
DESMOTIVADO? POR QUÊ?
R: Eu estou vivendo um momento desses, eu to vivendo um momento assim, de
desmotivação. O que me desmotiva é justamente todo o contrário que nós conversamos até
agora. Por exemplo, você vai numa comunidade que tá trabalhando há dois três anos, e você
vê que o pessoal não mudou o comportamento, o comportamento deles não é solidário, o
comportamento deles é pra coisa do empreendedorismo que é só pro ganha-ganha, só o
dinheiro, né, e passa por cima da outra pessoa, se eles têm uma loja, por exemplo, e a venda é
conjunta, ele vende o produto dele enquanto ele tá lá e não vende o produto do outro, então
essa forma egoísta de se comportar isso me desmotiva muito. Essa é uma questão. Quando
começa muito a questão da competição, né entre as pessoas também, é uma forma de me
desmotivar e o não olhar que os governos têm pra essas pessoas, isso também me deixa muito
é muito triste, porque na verdade assim, os governos, eles bancam os grandes mais eles não
bancam os pequenos, entende, e na hora que os governos precisam, falando de uma forma até
mesmo política, eles procuram os pequenos, mas não procuram os grandes. Então é toda uma
situação que eu acho que me tira muito o chão.
GERUZA: EXISTE ALGUMA MOTIVAÇÃO ESPECIAL PARA DESENVOLVER ESTE
TRABALHO? QUAL?
R: Eu sempre tive um comportamento voltado pro desenvolvimento de pessoas, eu sempre
acreditei que é possível as pessoas serem melhores do que elas são, né. Eu sempre acreditei
que é possível as pessoas trabalharem juntas, trabalhar em conjunto e ter uma harmonia nisso.
Inicialmente, quando eu era criança eu achei que essa minha vontade era de servir à Deus,
dentro de uma comunidade de igreja, fazendo e celebrando missa, correndo atrás dos pobres
166
essa coisa, eu achei que era isso. Depois com o tempo eu entrando pro seminário, eu percebi
que não era isso, porque o seminário em si, ele praticamente acabou com todas as minhas
esperanças de poder fazer um trabalho como esse, né. É, o seminário praticamente tirou um
pouco aquela questão da minha ingenuidade, né, no seminário eu percebi que os trabalhos que
eles fazem é um trabalho extremamente político, preconceituoso, cheio de meandros pra
preservar a sociedade capitalista e a sociedade de consumo, foi isso que eu percebi nos quatro
anos que eu fiquei lá. Sai decepcionado, mas consciente pelo menos, né, amadurecido. E fiz
minha faculdade sempre tentando buscar essas respostas que eu tinha, porque como eu vinha
com isso desde criança, quando eu entrei pra faculdade que eu já havia largado o seminário, é,
eu percebi que eu não tinha claro qual era então a minha vocação, qual era os meus objetivos,
né. Isso só se tornou mais claro depois, quando eu comecei a ter um olhar pra essas
comunidades, pra essas pessoas basicamente na época, e foi quando eu percebi....ah sim, e pra
mim foi um desafio também, porque quando eu peguei a primeira comunidade pra formar as
pessoas me diziam assim: _ não pegue, não pegue porque são pessoas muito difíceis de se
lidar, né. São muito brigões, eles não querem saber de nada, só querem saber de bater boca e
isso pra mim foi um grande desafio e eu topei o desafio, né, e acreditando que é possível.
Obviamente que é, cada um que entra pro grupo é um agente de mudança, então você sempre
tá com o grupo em movimento, ele sempre tá mudando, ele sempre tem outras idéias, ele
sempre tem outro comportamento, outra conduta, é, e isso é interessante porque o grupo
também pode evoluir como ele pode regredir, isso é muito natural. E hoje em dia eu já não
me abato tanto com o fato do grupo regredir, né. Se ele chegou num determinado patamar e
ele regrediu é porque ele não tava pronto pra chegar onde ele tá, né, então isso eu vejo com
muita tranqüilidade. Então algumas comunidades que a gente já trabalhou, e que eram
comunidades assim fortes na questão do comportamento solidário, na comercialização enfim,
em todos os trabalhos que eles faziam, eles estavam num nível muito bom e de repente
sumiu...não há problema nenhum, sabe, hoje em dia eu encaro dessa forma. Porque o trabalho
que a gente faz ele não tá pautado somente na convivência coletiva ele também tem os frutos
individuais desse trabalho, as pessoas levam pra eles, depois, mesmo que a comunidade não
exista mais. Então eu não me preocupo tanto com isso, porque se você quer mudar uma
cultura de uma comunidade, a cultura de algumas pessoas, isso vai demandar muito tempo,
né, obviamente a gente não vai ver o fruto disso em vida, é, então você vai semeando, cê vai
167
jogando um pouco aqui um pouco ali, e as pessoas vão se estruturando, vão se renovando e aí
também esse círculo é um círculo de amadurecimento das próprias pessoas.
GERUZA: TODOS NO IDESTE DIVULGAM O MESMO DISCURSO OU EXISTEM
DIVERGÊNCIAS? QUAIS?
R: Cada um é um (risos), cada um é um, embora a grande maioria tenha um objetivo quase
que comum, né, que é conseguir conduzir sua comunidade que é a grande dificuldade de
todos eles, mesmo porque, da mesma forma que eu lido com 40 gestores, eles também lidam
com 20, 30 pessoas das suas comunidades, né. É e lá nas comunidades também, as pessoas,
cada um é um, cada um é um universo, cada um pensa de uma forma. E o que a gente tenta
fazer é fazer com que as pessoas entendam que nós temos um organismo, nós temos uma
organização, dentro dessa organização existe os objetivos, os quais a gente precisa atingir. E
elas se adaptam ou não, né, a esses objetivos...
Não, não ...enquanto gestores, enquanto direção não tem discordância...porque é um dos
objetivos principais dela, do instituto, ele existe por causa dessa ... eles mesmo que criaram,
nem fui eu que criei, uma necessidade de todos da comunidade como um todo, né. E é o tal
negócio se eles criaram dessa forma, nosso estatuto reza assim, então o que eu tenho que
fazer é preservar a estrutura do instituto. A não ser que juntos eles digam:_ Oh nós não
queremos mais dessa forma! Só que aí eu também não vou querer tá dentro de uma estrutura
da qual não vai ao encontro com as minhas expectativas...
Nós tivemos dois casos em 2005 de duas pessoas na mesma cidade e que queriam, a gente
percebeu que queriam tirar proveito. Essas pessoas elas tem o comportamento completamente
diferente daquilo que a gente é, convive dentro da ONG com os gestores ou mesmo nas
comunidades quando a gente vai pro encontro ou quando a gente vai fazer uma visita. São
completamente diferentes porque as perguntas são diferentes, a intenção é diferente, entende,
e como a grande maioria, ela tá engajada nessa, na busca desse.......como o grupo na verdade
ele tem uma coesão no pensar e no agir, quando essas pessoas chegam elas não se sentem
confortáveis, entendeu, aí elas acabam desistindo. Eu tenho dois casos, dois casos de Tupã,
uma é funcionária da prefeitura de Tupã e outro além de ser funcionário ele é presidente da
associação dos artesãos de Varpa, as pequenas produtoras de Varpa. E quando nós fomos
montar a estrutura da diretoria do instituto, eles queriam porque queriam estar na diretoria.
168
Tudo bem até aí sem problema, mas é a gente vem de uma estrutura em que nós temos que ter
pessoas que pensam da mesma maneira ou que no mínimo respeitem os objetivos do instituto.
E eu tenho uma prática de colocar nas mãos das pessoas algumas tarefas pra ver se elas
conseguem cumprir, se elas conseguem cumprir a gente manda pra frente se não a gente para
por ali. E aconteceu que nós tínhamos uma feira em Tupã e eu coloquei algumas tarefas na
mão dessas duas pessoas pra conhecê-las mesmo e elas acabaram não conseguindo atingir os
objetivos dos quais a gente propôs, então por exemplo uma delas ela tava responsável de estar
conseguindo toda parte de hortifruti-granjeiro pra feira que a gente ia fazer lá, pra preparar a
alimentação pros pequenos produtores, e ele me apareceu lá com uma caixa de mandioca
simplesmente, né. Então uma falta de compromisso, uma falta de responsabilidade, uma
falta... um comportamento não solidário de uma caixa de mandioca é que levou a gente a não
colocá-lo dentro da estrutura do instituto. E aí, obviamente que vieram as críticas, ah não to
dentro....porque, porque eles achavam, eles queriam estar dentro porque eles achavam que o
SEBRAE, veja o equívoco, que o SEBRAE iria pagar um salário pra gente criar essa ONG.
Então existia toda uma má intenção por traz disso tudo, aí obviamente eles caíram fora, mas
existe sim , várias ONGs que trabalham nessa linha, eu já desisti de duas em função desse
tipo de comportamento, eu só to ainda à frente do instituto porque os objetivos dele pra mim
estão sendo atingidos, porque no dia que eu vê que não atinge os objetivos dos quais a gente
se propõem eu também não fico.
GERUZA: AGORA UMA IMPRESSÃO: COMO PESSOA, MEMBRO DE UMA FAMÍLIA,
TRABALHADOR E CIDADÃO O QUE ESPERAR DA VIDA NESTA SOCIEDADE?
R: Um pergunta ampla (risos)...Lógico que se você me perguntasse isso há dez anos atrás eu
ia te responder assim de uma forma completamente diferente, né. Olha eu, a minha busca
sempre foi da realização das pessoas, das comunidades, dar uma oportunidade pras pessoas,
né, que elas enxerguem a vida diferente, se fosse há dez anos eu ia dizer pra você, olha que eu
gostaria que eles vendessem muito que tivessem muito dinheiro, que eles consigam comprar
sua geladeira, seu fogão, realizar alguns sonhos...mas hoje em dia eu já não penso dessa
forma, eu acho que o maior sonho é você conseguir conviver bem com as pessoas, né. Você
conseguir entender a dinâmica social da qual a gente tá inserido que já é muito difícil pra
algumas pessoas. Você entender que você é o que você é hoje em função de uma estrutura
169
que foi montada pra você ser da forma como você é, e isso as pessoas não conseguem
absorver. Então se hoje eu gosto de todo mês comprar um sapato, eu quero sempre ter roupa
nova, eu sempre vou ou corro atrás de liquidação, é porque a estrutura fez com que você fosse
dessa forma, né. Se existem os bingos nos quais as pessoas chegam lá e deixam todo o seu
dinheiro, muitas vezes do mês, é a estrutura que fez com que você se tornasse um viciado, é,
então, o meu sonho é fazer com que as pessoas entendam o que é essa sociedade, e viva
livremente nessa sociedade que a gente vive. Cê vê que eu não estou falando de pequenos
produtores de artesãos, eu to falando de, do indivíduo da pessoa como um todo e da pessoa
que é um ser sociável, né, se nós dependemos, se hoje, é...tudo que tem na minha casa não fui
eu que fiz, então, aqui dentro da minha casa eu tenho no mínimo, no mínimo, pra você ter
uma idéia, a mão de trabalho de mais de cem mil pessoas, né, pra ter isso tudo que eu tenho e
eu não percebo isso, não tenho idéia do que seja isso. Na verdade eu dependo de todos pra eu
viver confortavelmente e essa idéia eu não tenho e as pessoas, a sociedade em geral não tem.
Então se nós conseguirmos juntar essa expectativa de conforto, de vida social e de entender
que não é só o dinheiro que move, mas sim, num primeiro momento é a minha intenção, é a
minha vontade, é a minha ação que move as pessoas, com certeza a gente diminuiria a
pobreza, né, nas nossas comunidades, a gente é..., não teríamos tantos problemas sociais
como a gente tem hoje.
É possível ensinar isso, porque da mesma forma como usaram um método pra nos tornar
assim existem outros métodos pra mudar isso. É uma metodologia, eles usaram uma
metodologia e nós estamos usando a nossa metodologia de forma muito insipiente, pequena,
mas é uma metodologia e que de uma certa forma, não consegue atingir um grande número de
pessoas mais de forma micro, eu acredito que é assim que a gente muda uma sociedade.
ENTREVISTA: PEQUENOS PRODUTORES DA CIDADE DE TARUMÃ –
PROPRIEDADE ÁGUA DE SANTO ANTÔNIO - 20/07/2006
GERUZA: DESDE QUE IDADE ESTÁ NO MERCADO DE TRABALHO?
R: MARTA (FILHA DE MARIA RITA): Eu sempre aqui, é terminei colegial depois é, fui
fazer faculdade, eu sou professora mais não exerço, aí eu voltei pro sítio, então eu trabalhei
aqui.
170
MARIA RITA (MÃE): Eu toda vida morei aqui, desde que eu me casei eu moro aqui. Aqui é
água de Santo Antônio.
GERUZA: QUAL FOI A SUA PROMEIRA ATIVIDADE?
R: MARTA: O sítio em que nasci, aonde ela casou e veio morar era do vô, meu avô, aí o meu
pai tocava o sítio, arrendava, né vivia disso. Aí foram se passando os anos o meu pai faleceu
(acidente), aí quem arrendava era meu irmão que ajudava o meu avô e a gente continuou
morando aqui. Depois, o meu vô foi ficando doente e também acabou falecendo aí o sítio foi
dividido e aí passou para os três filhos, no caso um dos filhos era meu pai que já tinha
falecido, ficou pra nós dois (Marta e Tiago), porque aí meu vó tinha feito uma doação e nessa
doação ela (Dona Maria) não fazia parte, né. Mas é nosso, é também dela. Aí como o sítio foi
dividido e os outros dois irmãos resolveram plantar cana, e nós ficamos no meio por causa da
casa e da divisa, plantamos cana também. E é um ano e meio pra receber, é complicado.
GERUZA: COMO INICIOU O SEU PEQUENO EMPREENDIMENTO? CONTOU COM A
AJUDA DE ALGUÉM?
R: MARTA: O curso (na casa da agricultura) a gente foi chamado pra participar. Acho que
um dos primeiros foi de defumados, né?
R: MARIA: Não um dos primeiro foi o doce que ainda tinha o pai.
R: MARTA: Não, mas lá pra traz.
R: MARIA: Pois é, lá pra traz.
R: MARTA: Primeiro foi doce,
R: MARIA: Foi doce, que nós fizemos conserva.
R: MARTA: Então já tem quatro anos, o primeiro então.
R: MARIA: É, conserva de doce, desse jeito aí, embalado, sabe.
R: MARTA: É aí foi tendo, sabe, todo ano tinha vários cursos e tudo que tinha a gente ficava
sabendo.
R: MARIA: Ficava sabendo, não, eles convidavam.
R: MARTA: É na maioria das vezes, eles convidavam e a gente ia participar, acho que
participamos de todos que teve. Panificação, derivados do leite, é, que mais...
R: MARIA: Trançado, a bananeira...
171
R: MARTA: É trançado na palha de milho, é, fibra de bananeira, conserva,
R: MARIA: As flor de palha, que nós fizemos também...defumado também nós fizemos,
desossa frango.
R: MARTA: Todo curso que tinha que a gente tava sabendo, que a gente achava que ...Ah!
vamos fazer, né, vambora. Então eu acho que a gente fez todos.
GERUZA: COMO ORGANIZA A SUA ATIVIDADE: COMPRA DE MATÉIRA-PRIMA;
ESTOQUE; PRODUÇÃO; EMBALAGEM; ARMAZENAMENTO E VENDA?
R: MARIA: é aí que é né....(risos)
R: MARTA: Então, começamos a fazer, que nem os doces, começamos a fazer pra gente, né.
Depois vou dar pra um parente, vou dar pra um tio, pra um primo, pra um conhecido. Aí não
tinha vidro. Pra poder vender tinha que ter um vidro, tudo num padrão, tudo num tamanho só,
e tinha que ter tampa nova e isso eu não tava conseguindo. Aí então foi um parente que me
trouxe, tampa e vidro. Aí eu não tinha o lacre, então foi demorado pra conseguir tudo isso.
Hoje não, hoje eu já consigo comprar isso em São Paulo, ligo lá peço pra eles, pago primeiro
(risos...) de um medo a primeira vez que eu fiz isso (risos), porque e o medo deles não
mandarem, né. Mas aí deu tudo certo, depois, agora já tem umas cinco vezes que eu sempre
ligo lá e eles mandam certinho. Já fui lá conhecer onde é, fui pra São Paulo tem um mês,
dois...com a casa da agricultura que levou a gente num evento lá no....onde que foi...no
Shopping....é no Center Norte. Tava tendo um evento que lá que a gente foi e aproveito e foi
lá vê onde..., na verdade ela foi comprar o vidro, né. Aí também acabei trazendo um pouco,
não muito, né porque (fez um sinal de referente a falta de dinheiro). E foi isso.
R: MARTA: a produção por enquanto ta assim nós vamos fazendo...que nem eu falei pra
você, né, eu vou ter que mandar alguma coisa pra São Paulo hoje e aí vou ficar com pouco
material e então eu vou ter que fazendo porque com certeza amanhã ou depois vão vim
procurar, se eu não tiver, eu não vou ter pra mostrar e não vou ter pra vender então eu tenho
que ir fazendo. Agora acredito que mais pra frente, eu vou ter, nós vamos ter que ter assim,
por exemplo, tal dia eu vou ter que fazer tantos vidros de doce eu já vou ter que ver com o
cara de onde eu compro leite, ah, tal dia eu preciso de tantos litro, e vendo também vidro,
agora eu tava fazendo isso, tava olhando lá eu to com duas caixas só.
R: MARIA: Tem que ter um estoque de vidro.
172
R: MARTA: Porque também pra vir por transportadora, quanto mais eu pedi, mais barato vai
ficar pra mim o frete. E isso na hora de botar o preço eu tenho que colocar tudo, né. Não
adianta eu ligar lá,.... pra pegar o vidro lá é um preço e aí pra ele vim eu tenho que pôr frete,
tenho que buscar, quantas vezes eu liguei, então eu tenho que por tudo esse preço na hora de
vender.
R: MARIA: Porque até as ligação custa, né. A gente não liga de graça (risos)
GERUZA: QUAIS AS SUAS MAIORES DIFICULDADES NESTA ATIVIDADE?
R: MARTA: A dificuldade com certeza tem, tivemos no começo e ainda tem dificuldade,
quer dizer isso não vai...passar, sempre vai aparecer alguma coisa, né. No vidro a gente tava
tendo dificuldade em conseguir ele num preço bom, eu acredito que é um preço bom porque
eu liguei em vários lugares e esse lugar que eu compro hoje é o melhor que tem. Então com
relação a vidro isso já, já ta superado. Palha de milho, com relação a palha de milho ta, a
última safra que teve, ela, minha mãe e o Tiago conseguiram tirar bastante palha, mas agora
aquela palha roxa não tem muito, e ela não é nossa, nós ganhamos ela, nós trocamos, né. E
tem uma saída muito grande as bonequinhas de palhas roxa, tem mais saída do que essa
(palha branca, normal).
R: MARIA: A maior dificuldade ta aí nessa palha roxa.
R: MARTA: Até ontem teve um conhecido do Tiago aqui que diz que vai arrumar pra gente
essa variedade. Porque vai chegar uma hora que vai acabar.
R: MARIA: Não pode deixar acabar, a gente tem que já ir vendo né, porque da branca eu
tenho lá guardado no barracão, uns...dez sacos de palha lá, da branca né, porque da roxa eu
tenho esse. Também pra você colocar no artesanato dela, é bom não por assim com tinta, né
porque, essa aqui você viu é com tinta, você tingi ela pra depois colocar né, por dentro e por
fora. Agora essa aqui, oh, é da palha roxa, então não precisa tingir.
R: MARTA: Tem um sítio lá perto de florínea que outro dia a gente tava indo pra um recanto,
e aí a gente parou pra ver. Tem uma roça lá que é de palha roxa, mas nós não conhecemos o
dono da fazenda, então nós pedimos pro meu tio dizer pro rapaz que quando ele for colher,
avisar antes que a gente vai lá tirar a palha, se ele dá pra gente, porque nós não queremos o
milho, nós queremos a palha.
173
R: MARIA: Mas só que ele tem que deixar a gente catar a maior né, a gente colher a palha,
ele bate na batedeira né, ....não, é colhedeira, falei errado (risos).
R: MARTA: pra vender..., então pra vender a gente tem participado dessas feiras. Fomos
pra....quando teve aquela feira da economia solidária em São Paulo, acho que foram dez dias
se eu não me engano, a primeira vez que a gente participou. Nossa mas vendeu tão bem! A
Cidinha que foi (representante da casa da agricultura) ficou lá os dez dias, o Sabino também
tava, se não me engano (presidente do IDESTE), só que ela foi a primeira vez, a gente
participou. Antes, vendia sim, pra um, um aqui, um ali, depois dessa feira a gente foi pra
Santa Cruz do Rio Pardo, foi pra Assis, teve uma exposição no Shopping Assis, nós ficamos
lá também, Tarumã já teve feira que a gente participou, quando tem assim reunião de gestores
eu podendo eu levo.
R: MARIA: A casa da agricultura ajuda bastante, heim...não fosse eles era bem mais difícil,
né Marta.
R: MARTA: É porque tudo começou lá, né. Se ele não tivesse lá com a parceria com o
Sindicato, e trouxesse o curso, a gente não ia saber como que tem que fazer. Qual o processo
que você tem que tem que esterilizar o vidro, no caso dos doces, o processo certo pra fazer.
Não tinha, não tinha como fazer. E aí em Tarumã também, já tem acho que uns dois meses,
eu to entregando numa padaria. Não é assim, ai como vende, né...é pouquinho, mas ta saindo
de vagarinho, tá saindo sabe. É, nós não tamo dando conta (de entregar os produtos). Na
verdade eu não pensei ainda (em contratar), porque por aqui é meio difícil. Porque cada sítio
tem o seu, tá fazendo alguma coisa né, e não tem muitos moradores por aqui. É a Dirce lá, ta
mexendo com embutidos, a Dirce do Sidnei, então não vai mexer com doce e com artesanato
de palha. Tem o Tiquinho, que é onde o Moisés (técnico agrícola da secretaria) me parece que
foi, faz rapadura, então ele também não vai ter o tempo dele pra poder parar e fazer isso, né.
Mas não sei se daqui um mês ou dois se o negócio apertar ué...
R: MARIA: Nós vamos pegar o Tiago, né, pra ajudar, ele sabe fazer isso aqui também.
R: MARTA: Meu irmão também ele aprendeu mas, não faz ainda, mas se precisar vai ter que
fazer, né.
GERUZA: COMO FUNCIONA O MERCADO PAULISTA SOLIDÁRIO? PORQUE SÃO
IMPORTANTES PARA OS PEQUENOS PRODUTORES?
174
R: MARIA: Eu não sei, a Marta sabe?
R: MARTA: Eu não sei, O dia que foi falado nesses encontros que tem de gestores, mas eu
anoto, eu não guardo (risos)...mas esses encontros são importantes.
GERUZA: QUAL É A OPINIÃO DE VOCÊS SOBRE O MERCADO SOLIDÁRIO?
R: MARTA: (um silêncio por um longo tempo) Ah! eu não sei não, Geruza. Eu não me
lembro porque assim, eu tenho tudo anotado (risos)
GERUZA: É DIFÍCIL SER SOLIDÁRIO NA COMUNIDADE E NO TRABALHO?
R: MARTA: Não. Porque não adianta você querer fazer uma coisa assim, só pra você, e não
querer ajudar os outros pensando só em você. Tem que, ter união, né....Não tem mais
ninguém que compra vidro, só eu. Essa moça que eu falei pra você que mexe com embutido
ela faz é conserva. Ela até me pediu o telefone, mas eu não sei se ela já chegou a ligar lá e
pedir vidro. Eu sei só dela, mas não sei de mais nenhum. Porque quando foi feito esse curso
de conserva, de compota, foram acho que vinte, vinte e cinco pessoas, e só tem nós duas.
Quer dizer, talvez se tivesse mais pessoas, a gente conseguiria até o vidro de um preço
melhor, você vai comprar em grande quantia com certeza o preço dele vai abaixar. Nessa
produção a gente não tem contato com outros produtores...
R: MARIA: Só nós que faz isso aqui, né Marta.
R: MARTA: Tanto aqui, da Água de santo Antônio, da Água da Palmeira, tanto da Água de
Dourado, é só, no caso ela que ta fazendo esse trabalho de trançado, não tem outro, e de doce
também não tem
R: MARIA: E uma porção de pessoas fez na mesma época que eu fiz esse trançado. O povo lá
de Tarumã....
R: MARTA: Não sei se porque não acredita que vai ter uma saída, ou porque não gostou do
curso, não sei o porque mas, só a gente mesmo. Agora, pode ser que pra frente eu precise
dessas pessoas, só que aí lógico que tem que ter qualidade, porque não adianta a pessoa lá, a
gente vai vender junto, a pessoa lá vai fazer, ela não vai ter qualidade, ela vai queimar o meu
produto, né. Aqui por perto não tem muita gente não, mas tem. Tem uma aqui que mexe,
é...que tem horta, sempre ta fazendo feira, a outra vizinha aqui perto é costura um pouco, faz
avental, faz costuras...o outro lá faz lavoura, fez o curso do bambu também mas não foi pra
175
frente, é ele fez o curso de bambu, você já viu aquelas cadeiras feitas de bambu e tal...lindas
né!
R: MARIA: Ele fez o curso, mas não....e ele tem bambu ali no fundo.
R: MARTA: mas...não sei se não acha que não vai sair, ele é parente da minha mãe, e a gente
sempre ta falando pra ele assim, porque ele arrenda uma várzea e nunca dá, só trabalha,
trabalha, trabalha e não sai daquilo. Você já chegou a falar pra ele, porque eu já falei pra ele
várias vezes...larga daquilo e vai fazer isso, você fez o curso Edson, experimenta porque seu
Romildo de Tarumã vende tanto. Então e ele sabe fazer. Mas eu não sei se é porque ele não
acredita, não sei de contar o porque.
GERUZA: COMO FICA O RELACIONAMENTO E A COMUNICAÇÃO ENTRE VOCÊS
NA COMUNIDADE? É DIFÍCIL?
R: MARIA: Temos amizade com a Água inteira, né Marta. Graças a Deus.
R: MARTA: No artesanato a costureira fica lá costurando e a gente aqui fica fazendo as
nossas coisas. Agora com relação assim, ao serviço do sítio aí sim um ajuda o outro.
R: MARIA: Mas lógico não é dado, não. Ele vem trabalhar pra mim eu pago ele, eu vou
trabalhar pra ele paga, mas não, eu digo eu não, né. Nós mesmo não, quem vai é o Tiago, ou
ele vem trabalhar pra nós.
R: MARTA: Então ele sempre também ta vindo, né. Tem troca também...
R: MARIA: Tem troca também de dias assim, eu trabalho pro cê, você trabalha pra mim....
R: MARTA: é sempre tem...agora tem um...gente que mora por aqui que são assim mais...
(fez sinal como quem diz que tem mais dinheiro), que aí então, tipo assim, não gosta de
emprestar implemento, não gosta de emprestar alguma coisa que ele tem no sítio que a gente
precise, isso tem...mas a gente mesmo assim tem amizade com ele, né. Não é porque ele
acha, porque ele não gosta, sei lá ele acha que vai estragar, a gente tem amizade...eu acho que
tem diferença da cidade (risos), mas o que?
R: MARIA: Tem diferença porque na cidade, né, tem assim, vizinho que nem conhece o
outro, né.
R: MARTA: Ah! É verdade. Pra você ter uma idéia o meu vô e vó, eles moravam no sítio e
daí foram pra cidade. E da época que eu lembro que eu ficava lá, ele não tinha uma amizade
com vizinho, não era assim de um vizinho ir na casa do outro. Tanto é que depois que eles
176
ficaram velhos e ficaram doentes, eles não tinham visitas assim, Ah vou lá no meu vizinho
ver ele, era um dou dois, e você mora ali num (com um monte de gente). Agora, eu tenho
bastante parente que mora na cidade mas, eles não são de ir assim, ah eu vou na casa de
fulano, ah eu vou no meu vizinho, cada um cada um né.
R: MARIA: Na cidade é assim, né, cada um é cada um, né. Não tem isso. Agora aqui não, não
é que você ta lá na casa do vizinho direto, mas de vez em quando se ta lá fazendo uma
visitinha, né. Aqui, ali, né Marta. Nem eles são muito de vim, nem nós, é assim, todo são
assim, né. Por exemplo quando tem uma missa na casa de um, porque aqui no sítio é assim
sabe, tem a igrejinha lá mas de vez em quando tem missa nas casas, né. Aí enche vem todo
mundo...não é assim que enche, não, porque tem pouca gente por aqui, mas vem a vizinhança
toda. O contato é bem mais próximo que na cidade.
GERUZA: VOCÊS JÁ OUVIRAM FALAR EM AUTOGESTÃO?
R: Não (as duas)
GERUZA: VIVER É DIFÍCIL? POR QUÊ?
R: MARTA: Não, é difícil conviver. Não é difícil conviver assim, às vezes lógico, no dia a
dia, eu não concordo com o que ela fala, nem com que ela faz, ela também não concorda isso
e acaba, é difícil, a gente tem uma relação....mas às vezes é difícil também.
R: MARIA: Ah! Eu não sei, eu acho que é difícil viver. Principalmente, né, que nem agora
que eu to viúva. Ah tem dia que a gente fica triste porque, ela às vezes quer sair, né. Quase
não sai, um dia de sábado, aí ela fala mãe vamos também, mas aí eu não to com vontade de ir
porque não é o meu lugar de passear no lugar dela, né. Se ela vai lá, é, num lugar que eu não
tenho vontade de ir, então uma hora dessas eu acho difícil, porque daí ela não quer ir porque
eu não vou né, e aí aí fico triste porque ela não foi, porque ela ficou comigo. Então é um
negócio que depois que to viúva eu acho que tá difícil, viu, é mais difícil. Agora antes não,
era nós dois, ela pode sair mais, né, se bem que a Marta nunca foi mesmo de tá saindo. Mas,
no mais a gente vai levando, né. Faz aqui, faz ali e vai passando o tempo.
GERUZA: QUAL O SEU MAIOR SONHO?
177
R: MARIA: Risos...ai ai ai. Ah! eu gostaria assim sabe de que, eu conseguir assim, vencer na
vida, ter mais alguma coisa pra mim ajudar alguém que eu ache que deva ajudar, sabe. Eu
tenho vontade de ter mais, sabe, de ter um dinheiro pra mim ajudar um sobrinho ou outro, ou
outro, eu tenho vontade disso, mas to lutando, mas ainda não consegui, mas eu tenho fé que
uma hora eu vou conseguir.
R: MARTA: Isso que ela tá falando de um sobrinho ou outro, é porque ela tem um sobrinho
que mora é... há uns 5 km daqui, né. E ele perdeu mãe, depois ele perdeu o pai, aí ele casou
acho que tem dois filhos, e você vê que ele tá lutando no sítio que hoje as coisas estão
difíceis, mas ele não consegue, então ajudar principalmente ele né!.
R: MARIA: principalmente ele, eu tenho vontade. E mais algumas pessoas também que a
gente vê que tem
R: MARTA: que tá lutando...
R: MARIA: é igual ela falou que não vai né, não é que não tá com vontade de trabalhar, né,
mexe, mexe e não...
R: MARTA: mas agricultura hoje tá difícil, é que eu falei pra você não é um dinheeeeeiro que
tá entrando isso que a gente tá fazendo, mas tamo fazendo uma coisa que gostamos, tá
entrando dinheiro, lógico que tá entrando, se não tivesse entrando também não ia fazer de
graça né, (risos) e vamos tocando o barco, se amanhã tiver uma procura maior vamos
procurar gente pra ajudar, porque não adianta a gente querer abraçar sozinha.
R: MARIA: é não adianta querer abraçar sozinha que não vai. Então e é um serviço que a
gente faz que a gente tá vendo que ta ganhando, por exemplo, o sol é muito quente pra gente
ficar trabalhando no sol e fazer uma coisa...então você ta dentro de casa, né, ta fazendo,
ganhando alguma coisa mas ta dentro de casa, né. Mas mesmo assim, eu tenho serviço lá fora
sabe, nós temos os porco, tem porca de leitão, tem porco engordando tudo, dá trabalho, né,
fizemos ração, né, então é, tem trabalho lá fora, mas só que você pode fazer isso na hora que
o sol não é quente, deve, faz de manhã, a tarde, e nessa metade do dia é a hora que a gente
faz isso (o artesanato), né. As bonequinha eu começo ela termina, eu não aprendi pintar sabe,
faço até uma altura aí ela pinta, depois ela amarra os bracinhos com laço, então é nós duas,
né, então tá feito que é nós duas.
GERUZA: E COMO FICA A FORMAÇÃO DE PREÇO DOS PRODUTOS QUE FAZEM?
178
R: MARTA: Ah é difícil, heim. Nós colocamos preço fizemos umas conta aí, mas eu não sei
se ainda tá certo. Tá vendendo, tá vendendo, mas eu não sei se...se tá caro, se tá barato, eu to
ganhando, mas eu não sei se eu to pondo muito, eu não sei (risos).
R: MARIA: Bem, mas do jeito que a Cida explicou, né Marta, você põe a porcentagem, né,
não é, em cima.
R: MARTA: É eu coloco a porcentagem em cima, mas é, por exemplo naqueles doces assim,
naqueles vidrinhos pequenininhos que eu te mostrei, eu sei que quando é uma grande quantia
o preço tem que ser um pouco menor, mas o quanto menor. Então no começo quando nós
começamos a vender foi difícil por preço, às vezes eu levava o licor, o licor eu levei, porque a
garrafinha eu comprei faz pouco tempo, essa garrafinha, aí coloquei o preço a Cidinha falou
assim: _ Nossa tá muito barato! Aí subi um pouquinho, mas ainda não sei se é isso. Até a
Cida comentou que vai trazer um curso pra gente pra aprender realmente a por preço nas
nossas coisas, porque que nem uma bolsa daquela ali. Ela gasta uma hora pra dar uma volta
na bolsa.
R: MARIA: É minha fia, é. É marcado no relógio, é uma hora pra mim dá a volta. Sem contar
o rasgado da palha que também demora pra você preparar, porque essa palha é a palha que eu
vou fazer aqui (a bolsa em si), e essa palha fininha, mas ruinzinha tá vendo...então, essa é o
recheio. Então aí eu arrumo o recheio e aí demora sabe porque, você não pode ponha o
recheio de qualquer jeito tem que juntar certinho aqui, devagarzinho, não tem jeito de fazer
correndo. Nós tamo fazendo a conta dá uns três dias, né, diretão, se for pra pegar gasta três
dias, mas não eu pego só agora, sabe.
R: MARTA: Três dias, aí você faz um cálculo assim, quanto tá o dia de serviço?Aqui no sítio
por exemplo, cê vai trabalhar em algum lugar o dia de serviço ta 20 (R$ 20,00). Então ta R$
20,00, se eu for cobrar R$ 60,00 na bolsa eu não vou vender.
R:MARIA: Eles acham caro, não vende, não vende não.
R: MARTA: Então é complicado, eu ainda acho dificuldade pra colocar preço.
GERUZA: QUAIS SÃO AS DIFICULDADES PARA A COMERCIALIZAÇÃO DOS
PRODUTOS?
R:MARTA: Nós só colocamos nossos produtos em feiras. Teve uma, a semana passada veio
um rapaz do Jornal Folha do bairro, aí ele fez uma reportagem com a gente, aí ele veio na
179
quinta a reportagem saiu no sábado, e no sábado mesmo ligaram aqui, querendo saber onde é
que ia achar o produto, qual loja que tinha em Assis. Aí eu disse pra pessoa, não a gente não
colocou ainda em uma loja. Ou você pede me liga eu levo pra você ou você vem buscar, que
eu não tenho nenhuma loja. Aí o menino que veio aqui, como é que ele chama... Mateus, ele
falou assim, mas porque então vocês não se juntam e não aluga lá uma portinha e coloca
todos os seus produtos, tudo que você faz aqui, o outro que faz outro tipo, o outro que tem
rapadura, o outro que faz, que trabalha com a fibra da bananeira, mas ele deu essa idéia, né. É
uma idéia, né. Agora, lógico pra saber se dar certo tem que tentar né.... Nós nunca pensamos
nisso. A partir dessa reportagem de que saiu, essa pessoa ligou lá de Assis, depois ligou mais
duas também de lá querendo saber onde que encontrava, e isso também foi uma maneira de tá
divulgando o produto.
ENTREVISTA: PEQUENOS PRODUTORES – PROPRIEDADE DE CLÉLIA E
ALEXANDRE – 20/07/2006
GERUZA: DESDE QUE IDADE ESTÁ NO MERCADO DE TRABALHO?
R: CLÉLIA: Bom eu morava em Tarumã, daí a gente mudou pro sítio, daí eu sempre trabalhei
em casa mesmo, ficava aqui, não tinha muita coisa pra fazer. Aí a Casa da agricultura através
da Cida começou com os cursos, sempre teve né curso, e como eu morava na cidade eu não
participava, quando eu vim pra cá, daí começo a chamar a gente pra participar dos cursos, que
a minha sogra já ia, e aí eu comecei a ir também. E fui fazendo vários cursos no SINAR,
tentando achar aquele um que eu ia me identificar, né. Daí comecei esse de bananeira, daí eu
gostei eu e minha amiga e começamos a se encontrar e fazer e começou assim, por causa da
gente ter gostado e começar inventar modelinho essas coisas assim e foi dando certo, e o
pessoal foi vendo e foi gostando e aí eu comecei a fazer mesmo, assim, um encomendava dez
cestinhas uma coisa, começou a floricultura ali encomendar aí eu fui fazendo. Aí começou a
inventar assim, caixinha e outras coisinhas assim e ele tava trabalhando fora, e eu que fazia
sozinha aqui né, aí ele chegou e eu comecei a pedir pra ele ajudar a buscar bananeira essas
coisas assim, ele começou ir vendo eu fazendo, ai começou a aparecer umas encomendinhas
maior pra vê se dava pra ajudar eu começar, e fui ensinando ele a fazer, aí eu ensinei ele, ai
180
ensinei minha sogra, minha sogra também começou a ajudar, e assim vai contagiando a
família toda e a gente tá fazendo né.
R: ALEXANDRE: Se a gente vive disso, não, a gente tem a propriedade, na verdade isso seria
pra complementar a renda, mas a gente tem as atividades da fazenda
R: CLÉLIA: No caso eu comecei fazendo assim pra mim mesmo
R: ALEXANDRE: Começou por diversão, sabe aquela coisa assim...e depois foi
aumentando,né
R: CLÉLIA: Eu queria ganhar meu dinheirinho assim, sabe, né, então agora que as
encomendinhas estão aumentando, aí já tá começando a crescer né, aumentar um pouco mais a
renda.
GERUZA: QUAIS AS SUAS MAIORES DIFICULDADES NESTA ATIVIDADE?
R: ALEXANDRE: Não, porque veja bem, no material, a gente, a gente usa o material banana,
né, então, geralmente, a gente tem o gasto de ir buscar, tá, mas pra frente a gente vai plantar o
nosso, né, o nosso bananal, a gente vai plantar. Agora a gente tem dificuldade em colocar
preço, né, a gente ainda não conseguimos acertar o preço do produto que a gente faz, né.
R: CLÉLIA: mas é uma coisa que a gente já vai começar a calcular, porque a gente vai
fazendo, nunca teve assim... aquela necessidade assim de se, precisar tinha né, de se saber por
preço, mas como era uma eventualidade, só que agora como tá começando a virar negócio, né,
então a gente vai ter que chegar, a começar a por assim, o tempo que você gasta pra fazer, o
quanto você gasta pra ir buscar, essa coisa toda.
R: ALEXANDRE: Porque ó, você fazer um, a gente fez um, pra dar de brinde, mas você fazer
quarenta, aí tempo é uma coisa diferente né. Então você fez um e agora cresceu muito, no caso
disso aqui (forro de isopor pra manter a temperatura da latinha de cerveja), cresce bastante.
GERUZA: COMO E ONDE SÃO FEITAS AS COMERCIALIZAÇÕES DOS PRODUTOS?
R: CLÉLIA: Olha começou assim, eu entrei né, pro IDESTE lá e comecei a fazer as feiras né,
através da casa da agricultura mesmo, que é o programa deles, daí eu comecei a fazer as feiras,
só que aí o pessoal vai conhecendo aí começa a aparecer as encomendas fora das feiras. Então
começou a aumentar o negócio assim, eu já tenho encomenda de....uma quantia grande já pra
fazer. Agora nossa dificuldade tá sendo né, de a gente fazer essa encomenda grande, e tá
181
pedindo nesse entremeio dessa encomenda, caixinha, as coisinhas assim, então, nós estamos
aqui tendo que se desdobrar pra dar conta.
R: ALEXANDRE: Na realidade a gente trabalha em três pessoas, estamos tendo que trabalhar
tem dia até meia noite, trabalhando pra dar conta, então agora nós vamos ter que abrir um
leque de serviço, arrumar pessoas pra vir ajudar a gente né, que a gente já não tá dando mais
conta, né, que a gente tem uma encomenda grande e pesa né. É mas essa encomenda, nós já
pegou e é obrigado a dar conta, depois que se pegou o negócio cê tem que dar conta dele, né,
então isso pra gente ficou bem pesado.
R: CLÉLIA: Sem contar que nesse processo de se produzir a fibra pra fazer, cê tem que ter uns
dias bom de sol pro cê usar né, pra você tirar a fibra, e a hora que você pegar uma chuvarada
aí vai complicar.
R: ALEXANDRE: Olha por enquanto é a casa da agricultura que tá dando todo apoio pra
gente, né. Começou com isso aí, né, há cursos que saiu dela, a própria venda, tem a Cida lá
que você conheceu ela. Ela é uma pessoa que dá maior força pra gente em termos de vender,
em termos de colocar isso no mercado, né. Por enquanto a gente depende, acho que a maior
parte, só do apoio da casa da agricultura. Apesar, que nem, isso aqui já saiu, às vezes assim, eu
vendo pra um lugar e aí o cara diz gostei tem jeito de você fazer três, aí no outro, tem jeito de
fazer quatro, e assim foi indo, agora já tem....bastante gente tá pedindo.
GERUZA: COMO FICA O RELACIONAMENTO E A COMUNICAÇÃO COM OUTROS
PRODUTORES DA CIDADE OU REGIÃO?
R: CLÉLIA: Ah sim, por enquanto, vender eles não tão vendendo, mas a gente tá pegando
bananeira, eles oferecem as bananeiras pra gente. Então a nossa relação com eles é essa, a vai
lá em casa, tem umas bananeiras vocês podem pegar.
R: ALEXANDRE: por enquanto é isso, mas aí vendo que o negócio começa a dar certo, daqui
alguns dias as pessoas começam a querer vender tronco de bananeira (risos).
R: CLÉLIA: Com o tempo isso vai acabar virando um negócio pra eles também, né.
GERUZA: É POSSÍVEL A COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DE VOCÊS COM
PRODUTOS DE OUTROS PEQUENOS PRODUTORES?
182
R: ALEXANDRE: Aqui na nossa região, veja bem, a gente tem um grupo, tem um grupo
legal, um grupo que juntou bem, e acho que aqui os agricultores né, que são, que fazem
trabalhos, tá legal isso aí, só que no produto que a gente faz cada um faz o seu tipo de produto,
né. Aqui os produtos tão bem separados.
R: CLÉLIA: Aqui, que nem, fibra de bananeira que é o nosso caso, tem só mais uma né, que
faz, agora os outros assim, do grupo uma faz doce, uma faz bonequinha de palha, né, a outra
faz bolsa da palha de milho, o outro faz queijo o outro faz rapadura, então cada um tem seu
produto e a gente se junta.
GERUZA: É DIFÍCIL SER SOLIDÁRIO NA COMUNIDADE ?
R: ALEXANDRE: O trabalho de equipe no grupo que a gente tá, até que tá bom. É um grupo
bem unido o nosso, um ajuda outro. Aqui por exemplo se a gente vai vender isso aqui
(mostrou seu produto um cestinho de fibra) de repente a gente vende com um doce da Marta
pra encarecer mais, então sempre a gente tá, aonde um vai vender o outro também vai.
R:CLÉLIA: No nosso caso, que nem embalagem, a gente já fez assim, embalagem pro doces
dela,
R: ALEXANDRE: ela já vendeu as coisas da gente , então é, tá legal, por enquanto.
R:CLÉLIA: As vezes ela pega as coisas da gente também e leva pra vender, quando ela vai
vender os doces ela leva junto, os produtos nosso. Então tem um certo assim, intercâmbio do
negócio.
R: ALEXANDRE: A concorrência no próprio grupo...acontece...
R:CLÉLIA: Não eu acho que no nosso, ainda não aconteceu isso ainda não, de ter uma
concorrência, por enquanto a gente tá, pelo menos nas pessoas que tá nesse grupo, eu não seu
se de repente mais pra frente, entra outras com outra cabeças né, mas por enquanto, agente
não tá achando dificuldade assim.
GERUZA: QUAL O SEU MAIOR SONHO?
R: ALEXANDRE: Eu não sei o que conquistar, a gente já tá bem. A gente trabalha em
família, a gente trabalha sossegado, é, um espaço maior talvez quem sabe pra fibra de
bananeira né, que eu acho que ainda é pouco divulgado a fibra de bananeira, o pessoal vê
isso aqui e fala nossa que serviço de palha mais bonito..., quer dizer , não sabe que é uma
183
palha de bananeira. O pessoal não conhece o artesanato como artesanato. Fala artesanato,
mas artesanato a turma acha que é bordado, tricô, crochê, então o artesanato não é
valorizado, pelo menos na nossa região não, tá, porque se você vai fazer uma feira, fala feira
de artesanato, mas se vai na feira de artesanato só tem guardanapo, crochê, tricô e aí? Isso
não pode.
R:CLÉLIA: Agora eu acho que as pessoas tão criando mais consciência de separar né o que é
um artesanato do que são trabalhos manuais. Mas assim, eu acho, do meu ponto de vista,
meu sonho, é que a gente consiga se estabelecer com isso, fazendo artesanato né, consiga
assim, montar um negocinho assim, uma produção maior onde a gente possa ganhar, ter uma
renda mesmo disso daqui. É porque tá unindo mais um pouco a família, né. Que antes era
meio assim cada um por si Deus pra todos, agora já tá uma coisa assim mais, começa a abrir
mais o espaço pra ter uma união,né.
GERUZA: VOCÊS TÊM ALGUMA RELAÇÃO COM A USINA?
R: ALEXANDRE: a fazenda sim, a fazenda arrenda a terra pra Usina, pra Usina Nova
América. Agricultura aqui acabou né, o agricultor hoje é cana, na nossa região aqui, se pode
ver que aqui nós temos aqui um pedaço que sobrou e não tem mais nada. Morreu com a seca.
Então hoje o final disso aqui é cana, e daí? Cana, é a gente teve até 4 pessoas trabalhando pra
gente aqui. Plantou cana acabou, nem nós que tá em casa não tem mais serviço, então a gente
partiu pra isso aqui, né. Pra não sair pra fora, eu fiquei bastante tempo fora, trabalhando pra
fora, já que aqui não tinha mais nada, tinha que trabalhar pra fora.
R:CLÉLIA: é quando eu comecei fazer ele tava pra fora. O que mudou foi isso porque de
repente agora ele veio me ajudar ele já não vai trabalhar pra fora.
R: ALEXANDRE: com a renda que eu tenho pra fora eu to tendo aqui, dentro de casa. Só
que....nego fala: _ isso aqui não cansa!!, não cansa o quê, cê fica sentado aí até tecer tudo
isso aqui (apontou para um varal repleto de fibra) (risos), nossa é dias, não é horas, é dias.
R:CLÉLIA: é porque pra você cortar a bananeira até chegar nisso daqui aqui, é um processo
grande.
GERUZA: VOCÊS JÁ OUVIRAM FALAR EM AUTOGESTÃO?
184
R: CLÉLIA: não, igual né, você fala da reunião desse grupo, a gente começou agora a
participar, final do ano que eu participei de duas três reuniões só.
GERUZA: O QUE VOCÊ ACHOU DOS ENCONTROS PROMOVIDOS PELO IDESTE?
R: CLÉLIA: A eu acho super importante, porque você chega lá se troca idéia, se vê técnica
nova, as vezes alguma dúvida que cê tem cê tira com outro artesão, ce pega alguma coisa que
ele usa pra você usar no seu também...
R: ALEXANDRE: e outra já é uma porta a mais onde você divulga o seu produto também
nesses cursos aí.
R: CLÉLIA: E outra você aprende você falou aí se agente conhece, ainda não mas, de
repente lá no grupo é falado já sabemos do que se trata.
R: ALEXANDRE: A gente que participa desse grupo se leva um produto pra mostrar, e com
isso você vai certamente aumentando mais, né, cê vai, mostrando e o pessoal vai
conhecendo.
GERUZA: VIVER É DIFÍCIL? POR QUÊ?
R: ALEXANDRE: Pro agricultor a vida tá cada vez ficando pior, isso é uma realidade.
Primeiro você sabe que os agricultores todos eles se descapitalizaram, cê perdeu tudo o que
cê tinha de renda antes, já foi tudo. Na verdade a comunidade inteira aqui sofreu, né porque
dependia da agricultura e agora não depende mais, né que agora é cana. Na família a gente
tem que caçar um bom serviço, não adianta a gente ficar só naquilo que planta, não dá mais.
Já faz 15 ano a cana não dá mais serviço que cana é arrendada, se fica, né sem fazer nada,
então é caçar outro rumo pra fazer. Mas que judiou do agricultor bastante.
{neste momento o Alexandre pede licença e se retira, pois vai atender uma visita que acaba
de chegar. Sua esposa continua a dar entrevista.}
GERUZA: QUAL O PAPEL DOS GOVERNANTES NESTE PROCESSO?
R: CLÉLIA: Eu acho que não é só a seca que prejudicou e acabou com a agricultura, né, eu
acho que a política tem tudo a ver com isso também. Então de repente se tá do jeito que tá é
porque não teve apoio, né. Mas não sei assim...dizem que tão agora ajudando a agricultura
185
familiar, né, vamos ver até onde vai isso, mas eu acho se ta ajudando porque, porque de
repente é o que sobrou pro agricultor fazer, porque ele não tam mais incentivo, não tem
como você plantar mais soja, milho essas coisas é só, assim, é só prejuízo. De repente o fator
natureza aí é o que menos ta complicando. Quer dizer tem seca tudo mais...é pro que se você
liga a televisão aí, o que você vê no Brasil é de fora a fora, cê só vê agricultor desesperado.
Então acho que precisava melhorar um pouco essa política aí, na parte da agricultura,....em
todas as partes, né. Porque a gente não pode se esquecer que a agricultura é a nossa base, né.
De repente o governo ta incentivando a agricultura familiar, mas a agricultura familiar é de
subsistência, só deles ali, né. Agora quem planta um pouco mais que é pra....o pessoal da
cidade precisa comer, e aí? Então tem que pensar em tudo isso. Ninguém vai ficar comendo
açúcar ou viver de álcool, nem, né, precisava ter um jeito de mudar esse panorama aí, pro
pessoal começar a ter. Porque se você perguntar pro agricultor o que ia gostar de plantar, não
é cana, eles não vão responder que é cana, eles gostam de....que nem meu marido ele me
ajuda a fazer artesanato, agora pergunta pra ele se a vontade dele é essa? O negócio dele é tá
em cima de um trator aí, cultivando a terra e colhendo e sendo...é isso que ele gosta de fazer,
ele nasceu e cresceu fazendo isso. Então ele tem uma certa frustração de não é isso que ele ta
fazendo, né. Então é complicado isso daí, tá fazendo pra uma renda mas, no fundo, no fundo,
o agricultor não é isso que ele quer tá fazendo.
No caso da agricultura familiar, não só no caso daqui, porque não sei, eu não to muito por
dentro do negócio, mas no geral, quando você pega e divide e dá a terra pra alguém, não é só
da a terra e por a pessoa lá e deixar ela se virar sozinha, tem que dar um incentivo pra ela,
tem que dar um estudo uma base pra ela fazer aquilo. Um técnico vai lá ensinar ela e fala
assim, não pra você produzir mais tem que fazer isso e isso...fazer um trabalho em conjunto
com eles, né. Ter uma pessoa pra ensinar eles, como eles vão fazer aquele lugar produzir
alguma coisa? Não é simplesmente chegar e por lá e acontece como ta acontecendo aí. Se
chega lá aquela miséria...a pessoa não tem nem água pra ela beber, quer dizer se põe numa
terra que não tem nem um poço. Então cê vai fazer o quê? Sem dinheiro o que você vai fazer,
se faz uma taperinha pra você morar dentro e fica lá. Então tem que ter toda uma estrutura
antes de você pegar, então é bom então não dá, não é verdade?...A pessoa chega lá, nossa
consegui minha terra tudo, volta dali um ano pra ver? Se ela, muitos vendem a terra depois
que passa o prazo, porque não sabe o que fazer com aquilo. É mais porque, ela vai fazer o
186
quê daquilo ali? Então tem gente que se tem um dinheirinho alguma coisa assim que ela
possa fazer uma, alguma coisa pra ela montar ali tudo bem, mas se não tiver....Eu vi na
televisão esses dias o cara era mecânico na cidade e pegou a terra, apesar que tem muita
gente que vai pra ganhar um pedaço de terra que ele não sabe nem o quê que faz mesmo com
ele, né. Eu acho que tinha que ver certinho quem já tem um histórico de terra, que sabe
cuidar dela, põe uma pessoa que não sabe o quê que faz na terra, ele chegou não tinha
dinheiro, não sabia o quê fazer, o quê que ele faz ele vai pra cidade e pega serviço de
mecânico leva lá pro sítio e faz. Adianta dá terra pra uma pessoa desse jeito, não adianta. Ele
tem que ter um treinamento antes dele receber essa terra....então eu acho que o Brasil ta
muito atrasado neste ponto. Já que é um país basicamente agrícola então ele tem que ser forte
então no que ele é, investir mesmo.
FIM
Neste instante, Moisés, retorna da visita que fez em outra propriedade e nos
preparamos para partir. No caminho de volta a cidade, revela que a família que acabei de
entrevistar era uma das mais ricas da região de Assis. Devido a seca, somada a uma
administração da fazenda, eles perderam tudo e contraíram muitas dívidas com financiamentos
que não puderam saldar. A usina Nova América, segundo o técnico agrícola, quitou as dívidas da
fazenda em troca do arrendamento de suas terras. Toda a fazenda agora cultiva cana, como o
próprio Alexandre revelou na entrevista, e como conseqüência, ele ficou sem trabalho. A casa da
agricultura de Tarumã os convidou a fazer parte do grupo de artesões para que tivessem
possibilidade de obter outra fonte de renda. Segundo Moisés, o futuro destas famílias depende do
fortalecimento da pequena produção familiar.
Ainda segundo o técnico, a monocultura da cana, dificultou a vida das pessoas na
região. Muitos perderam seus trabalhos e foram pra cidade em busca de emprego sem a
qualificação necessária para tal, permanecendo assim, desempregados. Desta forma,
pressionaram pra cima os índices de pobreza. Para a prefeitura, o ideal seria que essas famílias
continuassem em suas terras e investissem em hortifrutigranjeiro, em agricultura, mas os critérios
para a liberação de financiamento estão mais rigorosos. Um desses critérios é a exigência da
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presença ou supervisão direta no cultivo de um técnico agrícola em cada propriedade. Isto
encarece o processo de produção tornando-o inviável a muitos pequenos produtores.
Devido a esta instabilidade, o agricultor prefere arrendar a terra para as Usinas ou
destilarias da região, garantindo uma renda fixa mínima por um determinado período de tempo. A
cana está presente em cada centímetro de terra, não há como fugir.
Mas o quadro futuro é ainda mais desolador. A cana precisa ser queimada para
melhor auxiliar os trabalhadores no corte e, essa ação, prejudica o solo e a atmosfera. Uma lei
federal já proíbe as queimadas e propõe a sua substituição por máquinas, que já fazem isso por
um custo muito menor. A substituição definitiva dos braços humanos pelas máquinas no corte de
cana deverá ocorrer até 2020. Com isso, muita gente será novamente liberada do campo, sem que
as cidades ao redor possuam infra-estrutura adequada para acolher a todos. Sendo assim, é
preciso cuidar para que essa população permaneça no campo e que outros desempregados em
situação de miséria nas cidades retornem para ele. O campo deve ser novamente um pólo
econômico atrativo, meio para promoção do desenvolvimento local. Daí a importância do
fortalecimento da agricultura familiar e da produção artesanal, como fonte de renda alternativa,
capaz de fazer com que as pessoas vivam com mais dignidade, fugindo da indigência. Daí a
importância de programas em nível federal como o da “Economia Solidária”, que subsidia
organizações, institutos, associações que atuam como agentes de desenvolvimento fomentando
ações econômicas locais de sobrevivência.
Saímos da fazenda e fomos visitar o assentamento de Água Bonita, um projeto de
agricultura familiar financiada pelo Banco da Terra, um programa do governo federal em
conjunto com o MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário. A casa da agricultura e o
Sindicato Nacional de Aprendizagem Rural – SINAR – desenvolvem ou trazem programas de
qualificação para as 35 famílias que ali estão instaladas.
Moisés, responsável pelo trabalho de campo, explica que o governo do Estado
comprou uma fazenda de 70 alqueires em Tarumã e a secretaria se comprometeu a dividir e
distribuir 10 alqueires destes, às 35 famílias selecionadas de uma lista de 200. O critério para a
seleção atende a requisitos mínimos, como ter sido pequeno produtor ou trabalhador rural. Cada
uma das famílias ficaram com 7 mil metros quadros de terra para cultivo de subsistência e
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comercialização. Essa terra será paga com o dinheiro da renda retirada desta pequena produção.
O lugar já possui água encanada, iluminação e telefone público.
Por meio de mutirão construíram casas de tijolos e possuem à sua disposição, um
valor de 5.000 mil reais por família, advindas do PRONAF para investirem em sua produção.
Destes, foram liberados pela casa da agricultura apenas R$ 1.000 mil reais, já que, segundo
Moisés, os pequenos produtores ainda não sabem o que plantar. Neste caso, é preciso auxiliá-los
a desenvolverem um projeto em conjunto que, de fato, seja viável economicamente.
Para este fim, os moradores criaram uma Associação dos Moradores de Água Bonita.
Essa entidade representativa cuida dos interesses de cada família participante do projeto e, por
meio de assembléias, os moradores tomam decisões estratégicas sobre o assentamento e suas
necessidades. Não é possível entrar nem sair do projeto sem antes passar pelo crivo dos próprios
moradores, que neste caso, possuem um estatuto redigido com a ajuda da secretaria, que definem
direitos e obrigações de todas as famílias assentadas.
Segundo Moisés, no início existiram tentativas de barganhar a terra com outras
pessoas distantes dos objetivos do projeto, que foram rastreadas pela casa da agricultura. Segundo
o técnico esse risco não mais existe, porque os próprios moradores estão conscientes que esse é
um projeto que deve ser tocado de forma coletiva, não individualista e que, portanto é preciso
confiar uns nos outros. Mas ainda há muito o quê fazer em termos de conscientização. Muitos
ainda não acreditam que possam viver da terra e insistem em não investir no campo. Ainda
querem trabalhar na cidade.
Os outros 60 alqueires, ainda estão em posse da usina Nova América que
anteriormente havia firmado um contrato de 5 anos com o antigo dono da fazenda. Ainda restam
mais dois anos, ou seja, mais duas safras até que as famílias possam tomar posse da terra para o
plantio. Até lá, a secretaria em conjunto com o SINAR e os representantes do assentamento, mais
os assistentes sociais, desenvolvem projetos de cultivo para que quando a terra estiver disponível
possam começar imediatamente o trabalho. As idéias são muitas como: cultivar banana para se
trabalhar com a fibra, montar uma destilaria de essências de ervas aromáticas e medicinais, o
cultivo de cana para a produção de pinga de alambique, etc.
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