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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Programa de Pós-graduação em Educação
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação, Ciência e Tecnologia
Grupo de Estudos da Complexidade
A Fogueira do Conhecimento:
religação de saberes e formação
Maria de Fátima Araújo
Natal/RN
2005
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Maria de Fátima Araújo
A Fogueira do Conhecimento:
religação de saberes e formação
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Educação, junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, sob a orientação da
Professora Dra. Maria da Conceição Xavier de
Almeida.
Natal/RN
2005
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Araújo, Maria de Fátima.
A fogueira do conhecimento: religação de saberes e formação. / Maria
de Fátima Araújo. – Natal, 2005.
155 p. il.
Orientadora: Profª. Drª. Maria da Conceição Xavier de Almeida.
Dissertação (Graduação em Pedagogia) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Educação.
1. Educação – Tese. 2. Educador - Tese. 3. Formação – Tese. 4.
Conhecimento – Tese. 5. Professor – Tese. I. Almeida, Maria da Conceição
Xavier de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 371.13 (043.3)
Banca Examinadora
_______________________________________________________
Dra. Maria da Conceição Xavier de Almeida (UFRN)
(Orientadora)
Dr. Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
(Examinador Externo)
Dra.Wani Fernandes Pereira (UFRN)
(Examinador Interno)
_______________________________________________________
Dr. José Willington Germano (UFRN)
(Suplente)
A vovó Júlia, vovô Neco,
e a Lucas, meu pequeno príncipe.
Uma idéia que não é perigosa
não é de todo uma idéia.
Oscar Wilde.
Brincar é condição fundamental
para ser sério.
Arquimedes.
Segurar uma caneta é estar
em guerra.
Voltaire.
Fecho meus olhos para ver.
Paul Gauguin.
Não sou daqueles que têm uma
carreira, mas dos que têm uma vida.
Edgar Morin.
Inventar uma nova forma de
discurso parece, pois, exigido
pela nova reflexão ética.
Henri Atlan.
Cada homem carrega a forma
inteira da condição humana.
Montaigne.
O homem compõe-se do que
tem e do que lhe falta.
Ortega y Gasset
.
O dia de amanhã ninguém
usou. Pode ser seu.
Pagano Sobrinho.
Agradecimentos
A seu Antonio, mestre soberano que com sua simplicidade e
sapiência promoveu a minha inserção no mundo da literatura e do
conhecimento. O resto eu aprendi depois.
A Ceiça, grande borboleta polinizadora de nossas idéias que me
ajudou a trilhar o caminho de volta para mim mesma e enxergar nas
minhas experiências, a matriz de referência para a escrita dessa
dissertação.
A Wani, co-partícipe dessa dissertação, lendo amorosamente meu
texto e contribuindo com suas idéias.
Aos meus avós, Júlia e Manoel que desde cedo me ensinaram
com seus exemplos de vida, o sentido pleno do amor, da felicidade e da
ética.
Aos meus pais Wilson e Maria que nunca descuidaram da tarefa
de nos educar: a mim e a meus sete irmãos.
Aos professores da Pós-graduação em Educação pelas suas
contribuições no campo teórico e prático.
Aos colegas da pós-graduação em educação pelas trocas
enriquecedoras e pelo sentimento de solidariedade e companheirismo
nos momentos de sucesso e de fragilidade.
A Gil, companheira de tantas jornadas, por colocar em minhas
mãos o material de que necessitava para parte dessa pesquisa.
Aos professores-narradores que contribuíram com suas narrativas
de formação.
A Almira Navarro pela revisão cuidadosa. A Luzia, Vera, Rejane e
Ana Lúcia Aragão, pelo apoio e carinho dispensados na hora certa.
A Djakson Rocha, pelo apoio terapêutico contribuindo e
fortalecendo-me nessa jornada de autoconhecimento.
A meus irmãos, meus sobrinhos, meu filho e meus amigos, pela
ausência nem sempre compreendida, mas necessária nesse processo.
A meu primo Genilson, pelo apoio afetivo e técnico na
apresentação final do texto.
Aos que acreditam que a poesia abre janelas para o mundo.
A todos que consideram a educação como um meio que possibilita
a reforma do pensamento e a reforma do sujeito.
Resumo
As narrativas sobre experiências de vida se constituem em
aprendizagens significativas no processo de autoformação dos
educadores. A formação é um fenômeno que extrapola o âmbito
escolar, incluindo as experiências que servem de matriz para a
construção de conhecimento ao longo da vida. Dessa perspectiva, “o
conhecimento de si”, tal como proposto por SOUZA, NÓVOA e JOSSO, é
a noção central em torno da qual de desenvolve esta dissertação. A
pesquisa tem como foco principal transpor para a realidade dos
professores o exercício reflexivo de sua docência, mediante a
redescoberta de suas vivências através de histórias de si que,
potencializadas, pode transformar suas práticas em sala de aula. Tomo
como ponto de partida minhas próprias experiências como educadora,
assumindo a convicção da indissociação entre sujeito e objeto do
conhecimento, como propõe Edgar Morin para falar da ciência da
complexidade. Lanço mão também das narrativas de formação de seis
professores da rede pública de ensino, reveladoras da construção de
conhecimento pautada na coerência do fazer pedagógico com seu modo
de compreender e sentir o mundo. As obras Meus Demônios de Edgar
Morin, O Tempo e EU de Luís da Câmara Cascudo e O Banquete dos
Deuses de Daniel Munduruku, alargam o escopo das narrativas de
experiências que se constituem em matrizes dos processos de
formação. O trabalho com narrativas de formação demonstra que, a
partir da reflexão do sujeito sobre sua própria experiência, é possível
projetar novas configurações do conhecimento com base na religação
entre vida, idéias e práticas pedagógicas. A partir da metáfora da
fogueira é possível compreender a força da combustão das experiências
de vida na formação docente.
Palavras-chave: Educação – Formação – Complexidade.
Resumé
Les récits sur les expériences de vie se constituent en apprentissages
signifiants dans le processus d´ auto-formation des éducateurs. La
formation est un phenomène qui extrapôle l’ambiance scolaire, incluant
les expériences qui servent de matrice pour la construction de la
connaissance au long de la vie. Dans cette perspective, «la
connaissance de soi», telle quelle proposée par SOUZA, NOVOA et
JOSSO, est la notion centrale au tour de laquelle se développe cette
dissertation. La recherche a comme idée principale transposer pour la
realité des professeurs l´exercice reflexif de son enseignement, médiant
la redécouverte de ses expériences de vie, a travers des histoires de soi
que, potentialisés, peuvent transformer ses pratiques dans la classe
scolaire. Je prends comme point de départ mes propres expériences
comme éducatrice assumant la conviction de la indissociation entre
sujet et objet de la connaissance, comme propose Édgar Morin pour
parler de la science de la complexité. Je fais aussi l´usage des récits de
six professeurs du réseau publique de l’enseigment, révélateurs de la
construction de la connaissance appuyée dans la cohérence de la praxis
pédagogique avec son mode de comprendre et sentir le monde. Les
oeuvres «Mes Démons» d’Édgar Morin, «O Tempo e Eu» de Luis da
Câmara Cascudo et «O Banquete dos Deuses» de Daniel Munduruku,
ont élargit le champs des récits d’expériences que se constituent en
matrices des processus de formation. Le travail avec les récits de
formation démontrent qu´à partir de la réflection du sujet sur sa propre
expérience, il est possible de se projéter des nouvelles configurations de
la connaissance tenant comme base, la reliaison entre vie, idées, et
pratiques pédagogiques. À partir de la métaphore du bûcher il est
possible de se comprendre la force de combustion des expériences de
vie dans la formation des enseignants.
Mots-clés : Éducation – Formation – Complexité.
Sumário
Fagulhas e Imagens
Preparando a Fogueira:
O sujeito em combustão 12
Narrar para construir laços
Primeiras Chamas:
Narrar para construir laços 26
Chama Escarlate:
O conhecimento de si 42
Botando lenha na fogueira:
Compartilhando experiências 55
Ressurgindo das cinzas:
O educador como Fênix 140
O Lume da fogueira:
O Lume da fogueira:
iluminadores 148
Fagulhas e Imagens
Imagem 1- Capa- Fogueira. www. olambelambe.com.br.
Imagem 2- Foto.Gerlúzia Azevedo Alves– Fogueira do DEARTE- Natal-RN,
junho/2005.
Imagem 3- Playing with fire.
www.burwell.co.uk/ sally/pfire.htm.
Imagem 4- Render2.www.renton.wednet.edu/.../ BotTbl-Render2.jpg
Imagem 5- Fogueira. www.olambelambe.com.br.
Imagem 6- Caminho.www.poemar.com/Belour.htm.
Imagem 7- Pimentões.www.nouvellesimages.com.
Imagem 8- Bonfire-3..www.zentropolis.com/ log images 2004.
Imagem 9- Fogueira Junina, Vandeberg Medeiros. Natal-RN, 2004.
Imagem 10- Adivinhando Chuva, Vandeberg Medeiros. Natal-RN, 2004.
Imagem 11- Singularity_Cosmos.wwww.sergecar.club.fr/cours/theorie
cours/theorie.
Imagem 12- Brinquedo_brincadeira. www.festivaldebonecos.com.br/
2001/exposicoes.htm.
Imagem 13- Cascudo- outras fotos-31.www.memoriaviva.digi.com.br
Imagem 14- Brincando. Nova escola. Abril uol.com.br/brincando.htm.
Imagem 16- Jangadas NE –Brasil. Kátia Rocha01
www.mundointerior.
com.br/ kátia-rocha.htm
Imagem 17- Fada madrinha. www celtiquefeu.blogs.sapo.pt/ arquivo/2004.
Imagem 18- Preguiça2.www.lyceepasteur-ceb-ccslf.com.br/faune.htm
Imagem 19- Daniel
3.www.omelete.com.br/cinema/artigos/taina2/3jpg
Imagem 20- fenix.jpg .
www.niwidu.org/praca/4791.
Imagem 21- Fenix. www.fractalschlaraffenland.net/ gl10/fenix.htm
Imagem 22-FractalFirewww.fractalschlaraffenland.net/gl10/fênix.Htm.
12
Preparando a Fogueira:
O sujeito em combustão
A fogueira acesa
Pessoas contando histórias.
Madrugada vai.
Neila M. Toledo
13
Estão no centro do debate contemporâneo sobre educação,
questões sobre a Reforma do sistema Educacional, a Reforma da
Educação, a Reforma do Pensamento e, portanto, a reforma do ensino,
na perspectiva de contribuir para a autoformação do sujeito. Neste
sentido a escola se incumbe, segundo Edgar Morin, da função de
“ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver e ensinar a se
tornar cidadão” (Morin, 2001a, p.65). Uma educação que promova a
necessária Reforma do Pensamento deverá ter como pressupostos o fim
da fragmentação do conhecimento e a necessidade de articular e religar
saberes, exigindo uma nova postura do sujeito diante do conhecimento.
Isso implica recusar a cisão entre a cultura cientifica e as humanidades,
entre saber e fazer.
Surge daí a necessidade urgente de educar os educadores, de
investir na formação de intelectuais abertos, capazes de refletir sobre a
cultura em sentido mais amplo; profissionais encorajados a religar suas
disciplinas e investir em reformas curriculares capazes de rejuntar
natureza e cultura, homem e cosmo, construindo uma aprendizagem
que reponha a dignidade da condição humana, hoje esgarçada e
comprometida.
Para responder a pergunta formulada por Karl Marx em suas teses
sobre Feuerbach: “Quem educará os educadores?”, Morin considera que
existe ainda um grande número de professores animados pela crença
na necessária reforma do pensamento e na regeneração do ensino.
Segundo ele, estes são educadores que possuem um forte senso de sua
14
missão, para quem o ensino deve ser encarado como uma tarefa
política por excelência e deve propiciar a formulação de estratégias para
a vida, o desenvolvimento de competências e o domínio de uma técnica
e de uma arte.
A essa mesma pergunta, formulada por Karl Marx, “Quem educará
os educadores?”, Gaston Pineau responde apoiando-se nos três
‘mestres’ de Rousseau: “eu, os outros e as coisas”. E quem forma o
formador? O formador forma-se a si próprio, através de uma reflexão
sobre seus percursos pessoais e profissionais que pode ser denominado
como um processo de auto-formação; o formador forma-se também na
relação com os outros, numa aprendizagem coletiva apelando à
consciência, aos sentimentos e às emoções - a hetero-formação; o
formador forma-se através das coisas, dos saberes técnicos, culturais e
artísticos e da sua compreensão crítica - a eco-formação (Pineau apud
Josso, 2004, p.16).
Educar supõe, portanto, um processo que inclui formação,
autoformação e reintrodução do sujeito no conhecimento. Mas não
basta qualquer conhecimento. Para efeito deste estudo, interessa ‘o
conhecimento pertinente’, aquele que é tecido junto, que não privilegia
a parte em detrimento do todo, que tem uma natureza interativa e
inter-retroativa entre o objeto do conhecimento e seu contexto. O
conhecimento pertinente, segundo Morin é aquele que se realiza tendo
por cenário, o contexto maior do qual é parte.
15
Para Marie-Chrstine Josso, falar de autoformação não significa
dizer que o sujeito aprende por si só. Não é um processo em que se
prescinde do formador. Significa um ‘caminhar com’ o sujeito em
formação e ajudá-lo a reconhecer sua humanidade singular. Em seu
processo de formação, o professor ”desenvolve um novo olhar que
ultrapassa a concepção escolar de formação, pois pode tomar
consciência da enorme quantidade de experiências que cada um vive,
de onde tira lições e aprende coisas” (Josso, 2004, p.9).
É a partir dessa perspectiva que tomamos aqui as narrativas de
formação como operadores cognitivos capazes de reintroduzir o sujeito
no conhecimento, ampliando e retroalimentando seus saberes a partir
da reflexão sobre as experiências que foram fundamentais para seu
processo de formação.
Longe de prefigurar o discurso da certeza e da solução para os
complexos problemas que envolvem a educação, a dissertação aponta
para o caminho da incompletude, do inacabamento e da parcialidade do
conhecimento, uma vez que as idéias aqui apresentadas estão
organizadas a partir da visão de um “sujeito-observador que
compreende o mundo a partir do lugar que ele ocupa, da maneira como
ele percebe e das informações que ele julga pertinentes” (Almeida,
2004, p.3). Essa concepção afirma a natureza subjetiva do ato de
construir conhecimento que emerge da nossa forma de pensar e de
viver, resultando daí, muitas maneiras de traçar o itinerário de uma
16
idéia e de se aproximar dela. É somente a partir das experiências
vividas que o sujeito pode tratar as informações que lhes chegam, uma
vez que estamos, ainda e sempre, no domínio das interpretações, como
assinala Humberto Eco. Toda organização do conhecimento tem, pois,
as marcas (imprintings) e as possibilidades do sujeito. Tomar
consciência da simbiose entre viver e conhecer (Henri Atlan, 2002);
compreender com (Ilya Prigogine, 2001) que a natureza racional e a
paixão habitam as formas de construção das interpretações sobre o
mundo; e, por fim, propugnar pela reintrodução do sujeito no
conhecimento, constituem juntos os princípios epistemológicos que
tecem essa dissertação. Daí porque minha experiência como educadora,
os saberes que fui construindo ao longo dos anos e as marcas de
sentido que foram sendo impressas em mim constituem-se no terreno
primeiro a partir do qual organizo essa compreensão da formação do
educador. Parto, portanto, de minha experiência, porque não poderia
mesmo partir da experiência vivida pelos outros. Falar de mim, da
minha experiência no processamento das informações que me
chegaram desde criança, não se constitui, entretanto, um exercício
autocentrado e narcísico. Mas é a partir de mim que compreendo as
experiências dos outros, mesmo sem as tê-las vivido. Em síntese, por
que falar de mim? Porque não há conhecimento sem a marca do
sujeito. “Por que falar de mim? Não é decente, normal e sério que,
quando se trata de ciência, do conhecimento e do pensamento, o autor
se apague atrás de sua obra e se desvaneça num discurso tornado
17
impessoal. Devemos, pelo contrário, saber que é aí que a comédia
triunfa. O sujeito que desaparece no seu discurso instala-se, de fato, na
torre de controle” (Morin apud Almeida, 2003, p.11-12).
O itinerário aqui traçado, parte das minhas observações e
inquietações como professora da rede pública de ensino, ministrando
aulas para crianças em processo de alfabetização e em cursos de
formação de professores. Nesta atividade, percebo o distanciamento
existente entre os conhecimentos trabalhados e as histórias e
experiências de vida dos sujeitos envolvidos. Como conseqüência, as
escolas e os tão questionados cursos de formação para professores,
vêm formando sujeitos cada vez mais incapazes de compreender e
dialogar com o mundo, uma vez que os conhecimentos trabalhados
estão muito distantes de suas vidas. Pensar a educação hoje é
ultrapassar o ideário de um conhecimento pronto, acabado e
desvinculado da vida do sujeito. Fruto de uma especialização
exacerbada, o conhecimento científico acabou gerando a figura do
especialista. Assim, ao final da formação oficial, cada um domina a sua
parte e desconhece o contexto no qual está inserida a parte que
conhece.
Vivemos um momento histórico no qual é urgente e indispensável
religar saberes, fazer dialogar a cultura científica com a cultura
humanística e, sobretudo, religar o sujeito consigo mesmo. Essa
religação, tão insistentemente proposta por Morin, possibilita ao sujeito
18
em formação, um leque de possibilidades para que este possa
compreender melhor a si mesmo e ao mundo que o cerca.
Acredito que o papel da escola deva ser o de possibilitar uma
cultura que contribua para o indivíduo compreender melhor sua
condição, permitindo-lhe ultrapassar o estado prosaico para viver mais
integralmente, mais poeticamente. O papel da escola deve ser o de
favorecer, como quer Morin, “um modo de pensar aberto e livre”
(2001a, p.11).
Ultrapassar o estado prosaico na educação significa dizer que é
necessário que a poesia também tenha vez na escola. O escritor
francês, Yves Bonnefoy em seu artigo ‘Poesia também se ensina na
escola’ (Bonnefoy apud Almeida, 2003, p.135-139), destaca a
importância que a poesia exerce na formação do sujeito. Bonnefoy
conta que em sua época de estudante, ele e seus colegas tinham que, a
cada ano, decorar um poema para declamá-lo na escola, sendo essa
uma das condições para ser aprovado. Mas ele lembra que decorar uma
poesia não tem como finalidade única, a sua repetição. Muito mais que
isso, quando uma pessoa decora um poema, abre janelas para vida. A
poesia abre as comportas do imaginário e remete o sujeito para outras
dimensões e patamares do conhecimento. Portanto, se eu tivesse que
responder à pergunta feita pelo autor ‘é possível ensinar poesia na
escola?’, a resposta seria: não só é possível quanto é necessário, uma
vez que a poesia amplia horizontes para além das janelas do mundo. É
por acreditar na força que tem a poesia, que escrevo boa parte da
19
dissertação, em versos. Faço isso para demonstrar que é possível, sim,
ensinar poesia na escola, como também se pode escrever um texto
cientifico em versos, dando-lhe mais musicalidade e sentido estético.
A dissertação tem como objetivo propor a reflexão acerca das
experiências vivenciadas pelos sujeitos que são fundamentais para o
processo de construção de seus conhecimentos. Elas se constituem
numa matriz para o processo de formação, permitindo, mais tarde,
ampliar outros conhecimentos. Como se pode observar, na minha
narrativa, tive oportunidade de mesmo antes de ingressar na escola,
vivenciar situações e conviver com pessoas como meus avós e Seu
Antônio, senhor que trabalhava na casa de meus pais e lia versos todas
as noites após o jantar. Essa experiência influenciou muito a minha vida
e meu aprendizado do mundo. A partir das coisas que Seu Antônio me
apresentou em versos, pude estabelecer relações com elementos do
universo e da natureza, bem como com sentimentos maiores que hoje
compreendo serem os sentimentos do amor, da felicidade, e o sentido
da ética e do respeito. Aquelas experiências, vividas no passado, me
ajudam, hoje, a perceber a inter-relação existente entre universo-
homem / natureza-cultura e me fazem reconhecer que é impossível
separá-los.
Assim como Seu Antônio foi uma matriz de referência para minha
compreensão do mundo, certamente, cada pessoa, em suas
experiências cognitivas primeiras, teve umseu antônio em suas vidas.
Busco este ‘seu antônio’ na vida dos narradores que comigo participam
20
da fogueira do conhecimento, como concebo essa dissertação. Na
procura dos ‘seus antônios’, estarei atenta a situações, fatos,
acontecimentos e oportunidades que expressam elementos
reordenadores da visão de mundo dos interlocutores que, comigo,
mantêm a combustão desse trabalho-fogueira.
A pesquisa se ancora, sobretudo, nas narrativas de experiências
de aprendizagens que contribuíram como estruturas primordiais para a
formação dos sujeitos-autores com os quais dialogo e que, aqui,
assumem o lugar de narradores.
Esses narradores são seis professores da Rede Pública de Ensino
(uma educadora nutricional e cinco concluintes do Curso de Pedagogia
em Regime Especial pela Universidade Estadual do Vale do Acaraú-
UVA), cujos trabalhos de conclusão de curso se constituem em seus
Memoriais de Formação. A minha aproximação com esses professores e,
conseqüentemente, com suas narrativas, aconteceu, no caso da
educadora nutricional, pelo acesso a seu texto “Os quatro caminhos:
um itinerário do ínfimo ao infinito”, e, no caso dos outros cinco
educadores, por ocasião do convite feito pela Orientadora do Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC), a professora Juvaneide Gerlayne da
Rocha, para participar da banca de avaliação dos referidos trabalhos. Ao
lê-los, percebi que tinha encontrado solo fértil para realização da
pesquisa e resolvi trabalhar com essas narrativas. A seleção das cinco
narrativas tomadas como instrumentos de estudo da pesquisa, foi feita
21
pela professora orientadora dos referidos trabalhos, de forma aleatória
e conforme as devidas autorizações dos professores.
Com base nas narrativas trabalhadas, é possível anunciar e
antecipar, de forma sutil, os operadores cognitivos de cada um desses
narradores. Temos na narrativa de Vera Lúcia (educadora nutricional), a
presença de experiências voltadas para culturas diversas: a do seu
bairro pobre e marginal, do convívio com seus avós, com duas senhoras
francesas e em especial com a amiga Saturnina, que segundo Vera,
contribuiu para descortinar as janelas de sua vida; em Maria Zilma
vemos a forte influência da figura paterna em seu processo educativo e
das experiências vividas por ela, fora da escola, como as novelas de
rádio com seus heróis, a presença do lúdico nas atividades de jogos e
as histórias em quadrinhos; em Elis Regina, a criação de uma escola
imaginária, o que lhe permitiu a religação entre real e imaginário; nas
narrativas de Francisca Falcão, vemos a forte influência da utilização de
folhetos de cordéis, da aprendizagem pela oralidade, além da influência
de diversos itinerários em sua vida: Lisieux expressa a forte presença
de elementos da natureza, pelo meio em que vivia, elegendo-o como
objetos de aprendizagem: as conchas do mar e a escrita na areia;
Marta Neves tem, na força da fantasia e nos contos de fadas, um
acionador cognitivo importante para o desenvolvimento do imaginário.
Além das experiências desses educadores, amplio o conjunto das
narrativas sobre o processo de formação, com as experiências
educativas de Edgar Morin, autor de uma vasta obra que tem por meta
22
a construção do Pensamento Complexo no mundo. Em ‘Meus Demônios’
Morin narra as experiências mais marcantes e decisivas para sua
formação, reveladoras da importância que teve para o autor, a sua
inserção na cultura das humanidades, resultantes da sua relação com a
morte prematura da mãe, o sentimento de perda, a sua relação com o
cinema e a literatura e com os amigos da Rua Menilmontant. Essa
vivência subjetiva e artística contribuiu para sua inserção na cultura
científica, permitindo-lhe escrever sobre questões e temas de forma
ampliada, contextualizada, complexa.
Tomo ainda uma narrativa do influente pesquisador da cultura, o
norteriograndense Luís da Câmara Cascudo, na qual ele conta como se
processou seus saberes primordiais (livro ‘O Tempo e EU’). Está
evidenciada em Cascudo, a importância que teve a sua primeira
professora e os contos fantásticos a que tinha acesso em sua casa.
Por fim, lanço mão do livro ‘O Banquete dos Deuses’ de Daniel
Munduruku - educador e escritor brasileiro, integrante do povo que tem
o mesmo nome, para utilizar suas experiências, em especial as vividas
com seu avô Apolinário, em suas muitas visitas à aldeia, consideras por
ele como fundadoras para seu processo de formação.
Ao longo da dissertação trago outros narradores e suas
experiências: o poeta português Cesário Verde, o escritor francês
Marcel Proust e a educadora brasileira Maria Isaura Queiroz que
também são referencias importantes.
23
Ainda contaminada pela musicalidade dos versos de Seu Antônio,
uso como artifício a transformação da prosa em poesia, convertendo em
versos, parte das narrativas escritas em prosa.
Com esse trabalho de investigação-formação, espero contribuir
para o debate e a reflexão sobre as aprendizagens dos sujeitos a partir
de suas próprias experiências, e ampliar os estudos sobre a utilização
das narrativas de formação no âmbito da formação dos professores.
Isso será possível, na medida em que consiga transpor para a realidade
dos professores, o exercício reflexivo da docência, mediante a
redescoberta de suas vivências através de histórias de si. Quando
potencializadas essas histórias podem transformar suas práticas em
sala de aula, na medida em que identifiquem as bases primordiais de
suas formações e conseqüentes implicações no exercício da docência.
Possibilitar ao professor a atribuição de novos sentidos ao
trabalho escolar e facilitar a reflexão sobre a sua própria prática, é uma
tarefa importante. Promover elos entre educação e vida, de forma a
torná-las prosaica e mais poética possibilita a formação de sujeitos mais
plenos e capazes de religar saberes diversos e múltiplos.
A dissertação tem como metáfora, a fogueira. Como sabemos,
para construir uma fogueira temos que escolher o local adequado, a
lenha apropriada, perscrutar o sentido do vento que animará suas
chamas e decidir o que vamos fazer em torno dela. É essa seqüência
articulada de passos que constrói o texto. Inspirada em Clarissa Pinkola
Estés, acendo a fogueira e convido pessoas para, em torno dela,
24
presentearem-se com narrativas de experiências de vida e
conhecimento. As primeiras Chamas anunciam o combustível que
alimentará a discussão, ou seja, as idéias que perpassam a sua
construção. A Chama Escarlate reanima-se com minhas narrativas de
infância, primeiras e decisivas experiências de vida. Botando lenha na
fogueira é o tempo e o espaço para reanimar a fogueira e convidar os
narradores para, em torno dela, narrar suas experiências e compartilhar
com os demais presentes. Nesta tarefa, assumo o lugar de narradora /
mediadora entre as narrativas e as interfaces que elas evocam com o
conhecimento. Em Ressurgindo das cinzas, faço uma proposição de
continuidade dessa atividade pelos educadores, por conceber o
inacabamento do conhecimento, em especial no trabalho com o
conhecimento de si, saber que não se esgota nunca, sendo impossível e
arrogante arriscar qualquer tipo de conclusão. Por último, O lume da
fogueira anuncia os iluminadores das idéias a partir das quais se
estrutura a dissertação.
O fogo é um elemento que inspira poetas, cantores,
compositores, físicos, químicos,no
afã de representar sentimentos
como amor, paixão; de realizar e
compreender a combustão de
corpos. Também utilizado como
figura emblemática durante as
festas juninas no nordeste
Imagem 3 - Playing with fire.
25
brasileiro, o fogo alimenta as fogueiras em torno das quais tudo
acontece: batiza-se, dança-se, tira-se a sorte, faz-se adivinhações,
namora-se, vive-se, enfim. No Dicionário de Símbolos (1992), o fogo é
considerado como a metáfora dos ritos de passagens e da sabedoria
humana. Gaston Bachelard destaca “o amor como a primeira hipótese
cientifica para a reprodução objetiva do fogo” (1992, p.442). Antes de
ser filho da madeira, diz ele, o fogo é filho do homem. O autor
considera o método da fricção como um método natural, sendo possível
que o homem chegue a ele pela sua própria natureza. O fogo, diz
Bachelard, “surgiu em nós, inesperadamente, antes de ter sido
arrebatado ao céu” (1992, p. 442).
Como num ato de arrebatamento do céu e da terra, as chamas
que emanam da fogueira que construí, comportam crepitações e
movimentos, desejam despertar, em todos que se encontram ao redor
dela, os sentimentos do amor, da paixão, do encantamento e
enamoramento pelo conteúdo que anuncia, capaz de provocar a
combustão tão necessária ao processo de produção do conhecimento e
formação do sujeito.
26
Primeiras Chamas:
Narrar para construir laços
Também fica uma fogueira
dentro do meu coração.
Lamartine Babo.
27
Contar ou ouvir histórias deriva sua energia de uma
altíssima coluna de seres humanos interligados
através do tempo e do espaço, sofisticadamente
trajados com farrapos, mantos ou com a nudez da
sua época, e repletos a ponto de transbordarem de
vida ainda sendo vivida. Se existe uma única fonte
das histórias e um espírito das histórias, ela está
nessa longa corrente de seres humanos.
Clarissa Pinkola Estés.
A psicanalista jungiana, Clarissa Estés, diz que, entre seus povos,
as perguntas costumavam ser respondidas com histórias. Uma primeira
história sempre evocava outra, na qual elas iam se encaixando como se
fosse bonecas Matrióchkas. O ato de narrar, de que nos fala Estés, não
se limita a responder perguntas. Ao contrário, propõe a continuidade de
uma história que está a se desenrolar, de forma que a experiência
narrada se transforma na experiência daquele que a ouve. Como que
para reforçar esse argumento, Estés, em seu livro “O Dom da História”,
na tentativa de responder o que constitui o suficiente, o faz contando
histórias que ouvira de seus antepassados, “narradores bons e
rústicos”, que as contavam em várias versões, muitas noites junto à
lareira. Essa prática fez com que a história, sobre o que é suficiente
para a vida, se perpetuasse por várias gerações, através da oralidade.
A história é sobre o grande sábio, o Bal Shem Tov com a qual
Clarissa nos presenteia. Conta a história que o amado Bal Shem Tov
estava à morte e mandou chamar seus discípulos...
28
Sempre fui o intermediário de vocês e agora, quando eu me for,
vocês terão de fazer isso sozinhos. Vocês conhecem o lugar na floresta
onde eu invoco a Deus? Fiquem parados naquele lugar e ajam do
mesmo modo. Vocês sabem acender a fogueira e sabem dizer a oração.
Façam tudo isso e Deus virá.
Depois que o Bal Shem Tov morreu, a primeira geração obedeceu
exatamente às suas instruções, e Deus sempre veio. Na segunda
geração, porém, as pessoas já se haviam esquecido de como se acendia
a fogueira do jeito que o Bal Shen Tov lhes ensinara. Mesmo assim, elas
ficaram paradas no local especial na floresta, diziam a oração e Deus
vinha.
Na terceira geração, as pessoas já não se lembravam de como
acender a fogueira, nem do local na floresta. Mas diziam a oração assim
mesmo, e Deus vinha.
Na quarta geração, ninguém se lembrava de como se acendia a
fogueira, ninguém sabia mais em que local exatamente da floresta
deveriam ficar, e, finalmente, não conseguiram se recordar nem da
própria oração. Mas uma pessoa ainda se lembrava da história sobre
tudo aquilo e a relatou em voz alta. E Deus ainda veio (Estés, 1998,
p.7-9).
As histórias, diferentes dos homens, viverão para sempre, diz
Estés:
29
Embora nenhum de nós vá viver para sempre, as
histórias conseguem. Enquanto restar uma criatura
que saiba contar a história e enquanto, com o fato de
ela ser repetida, os poderes maiores do amor, da
misericórdia, da generosidade e da perseverança
forem continuamente invocados a estar no mundo,
eu lhe garanto que será suficiente (Estés, 1998,
p.39).
Dar a palavra aos velhos é, também, uma forte tradição da
cultura indígena. Por acreditarem que nem todo mundo é dono das
palavras, os velhos é que fazem uso delas porque sabem colocá-las em
seu devido lugar. Munduruku, em conferência promovida pelo
Polifônicas Idéias, em Natal-RN, contou-nos que entre seu povo, os
velhos, sendo considerados os mais experientes, têm como tarefa
ensinar aos mais moços, obedecendo sempre uma hierarquia na qual
cabe aos avós ensinar aos netos as coisas do espírito. As coisas práticas
da vida, como a caça, a pesca e outros conhecimentos necessários à
sobrevivência, são ensinadas pelos pais.
As narrativas estão fortemente presentes na tradição indígena.
Através das histórias que ouvem dos mais velhos, as crianças aprendem
como surgiu o universo; o respeito pela natureza, a arte de observar os
movimentos dos animais e qual o significado do canto dos pássaros.
Aprendem também valores éticos e estéticos, tanto quanto o sentido do
sagrado e outros conhecimentos que serão necessários durante a vida.
30
Também por suas experiências e por conhecer profundamente os
efeitos medicinais das plantas, na cultura Munduruku, quando uma
mulher está grávida, deve procurar o Pajé para se aconselhar sobre a
escolha do nome do bebê que vai nascer. De acordo com Munduruku, o
pajé prepara um chá feito da combinação de várias ervas que ele
conhece muito bem e oferece à mãe que deverá tomar pouco antes de
dormir. Em seguida, a mãe mergulha num sono profundo e sonha com
algum elemento sagrado da natureza, como um peixe, um pássaro, um
jacaré, um rio, uma pedra... O elemento que aparece no sonho tem
como tarefa convencer a mãe de que seu filho deverá ter o nome dele,
sempre alegando bons motivos. Mas esse sonho só vale se se repetir
por muitas vezes. Então a mãe tem certeza de que é aquele nome que
deve dar a seu filho e mesmo que ao longo da vida, ele venha receber
outro nome, o que sua mãe lhe deu será o seu guia, devendo ser
compartilhado apenas com pessoas muito especiais. Estes índios
aprendem, desde cedo, que o nome é a única coisa que lhes pertence.
Todas as outras coisas são apenas tomadas de empréstimo, devendo
ser muito bem cuidadas e respeitadas, uma vez que deverão ser
devolvidas à natureza, de onde vieram. Assim nos contou Munduruku.
Todas estas narrativas estão permeadas de situações vivenciadas
ou experienciadas pelos sujeitos, contribuindo para a formação ou
transformação de suas identidades e subjetividades.
31
É ainda Estés quem fala sobre o ato de narrar. Segundo ela,
quando as pessoas se reúnem em volta de uma fogueira para ouvir e
contar histórias selam laços de amizade e de compromisso para
sempre. Esta prática, que aproxima os sujeitos e cria laços de
solidariedade, está fortemente presente nos terreiros, alpendres e
calçadas do homem sertanejo, o que, muitas vezes, se constitui numa
‘escola primeira’, principalmente para as crianças que participam dessas
‘rodas’ e vão, no convívio entre elas e com os adultos, nas trocas de
experiências, construindo conhecimentos que lhes serão úteis e
necessários, durante toda a vida.
Se nas tribos indígenas, como na Munduruku, são os velhos que
têm a palavra por serem mais experientes, na cultura em que viveu
Estes, essa é uma tarefa que se delega também às crianças e jovens.
Na educação isso é muito importante porque o professor lida, não só
com os adultos que narram suas experiências, mas com crianças e
jovens que, igualmente, vivem experiências e podem refletir sobre
muitos aspectos da formação através de suas narrativas.
Estés considera a vida de um guardião de histórias, “uma
combinação de pesquisador, curandeiro, especialista em linguagem
simbólica, narrador de histórias, inspirador, interlocutor de Deus e
viajante do tempo” (1989, p.10). Por isso Estés aconselha a pedir aos
velhos resmungões para que contem suas melhores lembranças, às
32
criancinhas, seus momentos mais felizes e aos adolescentes, o que mais
assusta suas vidas. E aconselha:
(...) dê a palavra aos velhos, passe por toda a roda,
force os introvertidos, pergunte a cada pessoa (...)
Todos serão aquecidos, sustentados pelo círculo de
histórias que criarem juntos (Estés, 1989, p.39).
Historicamente, os humanos sempre sentiram necessidade de
contar histórias, seja para deixar para as gerações futuras, seja pelo
prazer de registrá-las e de alimentar o capital cognitivo do sapiens-
demens, variando conforme o tempo e o espaço: em rochas, cavernas,
pergaminhos, livros, verbetes, ou, ainda, perpetuando-as, através da
oralidade. Seja como for, narrar é uma atividade peculiar à condição
humana. Para fazê-lo, o homem aciona seu imaginário que “comporta a
polifonia das leituras que o sujeito faz dele próprio e do mundo”.
(Almeida, 1996, p.232).
O homem habita a terra envolto numa teia de relações em que
tece, conjuntamente, os elementos mitológicos/ empíricos/ técnicos/
racionais. A condição humana é parasitada, portanto, pela ‘unidualidade
do pensamento’, sendo “o homem um ser mito-lógico, produto e
produtor da dialógica entre duas estratégias, dois modos de
decodificação do mundo” (Almeida, 1998, p.237). Estes dois modos
coexistem, ajudam-se mutuamente. A existência de um necessita,
permanentemente, da do outro, confundindo-se por vezes, mas sempre
provisoriamente, pois “toda renúncia ao conhecimento
33
empírico/técnico/racional conduz os humanos à morte; toda renúncia às
suas crenças fundamentais desintegra a sua sociedade” (Morin apud
Almeida, 1998, p.237). Não há, portanto, um imaginário do homem
arcaico e um imaginário do homem moderno, permanecendo o
paradigma enigmático do homem unidual.
Sendo a experiência vivida e refletida uma forma de reordenar
conhecimentos, essa experiência tem na narrativa a sua condição
operativa e multiplicadora, pois de nada vale uma experiência que se
insulariza no sujeito isolado. Tudo que não é narrado morre com o
sujeito. Ao contrário, tudo que é narrado e partilhado pode se constituir
em elemento potencializador de novas sínteses criativas e em elos que
ligam os sujeitos entre si. Desta perspectiva, experiência e narrativa
são pares indissociáveis do conhecimento e da cultura.
Josso considera os contos e as histórias da nossa infância como os
primeiros elementos de uma aprendizagem que “sinalizam que ser
humano é também criar as histórias que simbolizam a nossa
compreensão das coisas da vida” (2004, p.43).
Neste sentido, contar histórias é desenvolver uma experiência
formadora na medida em que, ao fazê-lo, acionamos o nosso
imaginário, entramos em contato com situações agradáveis ou não, e
estabelecemos relações com inúmeros elementos, que se encontram
dentro e fora de nós mesmos, marcando a nossa presença no mundo e
contribuindo para a construção de novos conhecimentos. Quando
narramos as nossas próprias experiências, acionamos estados de ser
34
que estavam adormecidos, guardados em algum lugar de nossas
memórias e que, ao serem narradas, passam por um processo de
renovação, uma vez que tentamos ressignificá-las no momento em que
narramos. Este fragmento de Marcel Proust reforça bem o argumento.
(...) A maior parte de nossa memória está fora de
nós, numa viração de chuva, num cheiro de quarto
fechado ou no cheiro duma primeira labareda, em
toda parte onde encontramos de nós mesmos o que
nossa inteligência desdenhara, por não lhe achar
utilidade, a última reserva do passado, a melhor,
aquela que, quando todas as nossas lágrimas
parecem estancadas, ainda sabe fazer- nos chorar.
Fora de nós? Em nós, para melhor dizer, mas oculta
a nossos próprios olhares, num esquecimento mais
ou menos prolongado (Proust, 1984, p.172).
As experiências formadoras são tanto as que alimentam a
autoconfiança, quanto as que alimentam as dúvidas, as questões e as
incertezas. Assim como a história dos povos pode ser reescrita com a
felicidade ou desgraça, conforme a conhecemos, a história de nossa
formação e a compreensão de nossos processos de formação e de
construção do conhecimento podem ser transformados por meio da
narrativa.
Com o propósito de trabalhar as narrativas numa perspectiva de
formação do sujeito, começo por referir a tese de doutorado de Elizeu
Clementino de Souza (2004): O conhecimento de si: Narrativas do
itinerário escolar e formação de professores. A tese propõe a utilização
da abordagem biográfica como perspectiva epistemológica sobre a
35
aprendizagem do sujeito a partir de suas próprias experiências, como
uma forma de ampliar os estudos sobre a história de vida, no contexto
da formação inicial de professores. O autor propõe a utilização dessas
narrativas, numa perspectiva de autoformação, no âmbito do estágio
supervisionado, aproveitando a fertilidade e a potencialidade desta
abordagem em projetos de investigação-formação de professores.
Segundo Souza, a escrita da narrativa remete o sujeito para uma
dimensão de ”auto-escuta de si mesmo, como se estivesse contando
para si próprio suas experiências e aprendizagens que construiu ao
longo da vida, através do conhecimento de si” (2004, p.72).
O que está em jogo no conhecimento de si não é apenas
compreender como se deu o nosso processo de formação, ao longo da
nossa vida, através de um conjunto de experiências, mas tomar
consciência dessa forma de nos reconhecermos a nós próprios como
sujeitos mais ou menos ativos, permitindo, daí em diante, encarar o seu
“itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de
uma auto-orientação (...) que articula de uma forma mais consciente,
as nossas lembranças, as nossas experiências formadoras, os nossos
sentimentos de pertença” (Josso, 2002, p.65).
O trabalho com narrativas de formação consiste em compreender
o sentido da utilização desta abordagem, como instrumento formativo,
constituindo um novo olhar sobre a identidade e subjetividade do
profissional de educação, para ultrapassar a concepção escolar de
formação. Tomar consciência do valor das experiências vivenciadas pelo
36
sujeito-professor é o primeiro passo desse processo. As narrativas, de
acordo com Souza, “mobilizam o sujeito através de um olhar
retrospectivo e prospectivo sobre si, possibilidades de compreensão de
processos e fenômenos sócio-educativos” (2004, p.130), em especial
aqueles que estão diretamente voltados para sala de aula e para prática
docente.
Também Matthias Finger (1988) aposta na autobiografia como um
método capaz de promover a formação do sujeito e faz uma crítica à
formação que tradicionalmente se pratica, por estar, cada vez mais,
atrelada à ciência. Segundo o autor, o projeto da modernidade, no nível
técnico-econômico, é a viabilização de uma produção cada vez mais
científica; no nível político, tem-se como foco desenvolver uma gestão
cada vez mais racional e, no nível cultural, difundir, pedagogicamente,
o saber e os conteúdos científicos. No entanto, nenhuma informação
tem significado isoladamente. Para compreendê-la, é necessário que a
pessoa integre e signifique a informação a um outro saber.
Finger denomina a prática que investiga esse outro saber, de
método biográfico, embora saiba que essa metodologia não tem sido
usada na busca de um saber epistemologicamente alternativo. Para o
autor, essa forma de investigação valoriza uma compreensão que se
desenvolve no interior da pessoa, a partir das vivências experimentadas
ao longo de sua vida. Esse conhecimento não é apenas crítico, reflexivo
ou histórico, mas é, fundamentalmente, formador. Finger considera que
deveria ser esse saber, a preocupação primordial da pedagogia, pois,
37
através dele, as pessoas são capazes de elaborar suas identidades. E se
é esse tipo de processo de tomada de consciência que as pessoas
devem ativar para se formarem, necessário se faz uma reorientação dos
processos de formação.
Morin considera como o grande desafio do século XX, a reforma
do pensamento, que visa o desenvolvimento de uma democracia
cognitiva passível de uma reorganização do saber, permitindo a
religação do que está separado. Para Morin, tal proposta traz, em seu
âmago, um paradoxo. A universidade, instituição que forma os
educadores, é conservadora, e tem como função a memorização e
ritualização do patrimônio cognitivo. Além disso, “gera um saber e
cultura que entram nessa herança” (Morin, 1997, p.19). Então é
necessário reformar a instituição (as estruturas universitárias). Porém,
isso é impossível sem a reforma anterior das mentes. Da mesma forma
é impossível reformar as mentes sem antes reformar a instituição.
Para Morin surge aí uma impossibilidade lógica: Quem educa os
educadores? A resposta emerge, em grande parte, do exercício da
reflexividade.
É necessário que eles se auto-eduquem e se
eduquem prestando atenção às gigantescas
necessidades do século, as quais são encarnadas
também pelos estudantes (Morin, 1997, p.19).
Edgard de Assis Carvalho também aposta na necessária educação
dos educadores como fenômeno de mudanças. Para este autor,
38
qualquer teoria da mudança nos aspectos sócio-históricos e na
educação, traz consigo a necessidade da educação dos educadores. O
processo de formação deve acontecer através da fomentação da
identidade entre ciência e arte, ciência e tradição, estimulando a
religação entre razão e sensibilidade. A educação dos educadores
deverá reconhecer que a função escolar, em qualquer nível em que se
exerça, “precisa estabelecer uma conexão forte entre presente e
passado de um lado, e entre sociedade e indivíduo do outro” (Carvalho,
2001, p.102).
Isabel Alarcão reafirma a necessidade do professor ser um sujeito
cada vez mais ávido por se autoconhecer para se autodesenvolver e diz
que “ao estatuto do Professor / narrador / personagem (...) subjazem
conceitos como Aprender e Ensinar, Contar, Refletir, Agir, Criar. Existir
(...) Conscientizar, Julgar, Transformar” (Alarcão, 1995, p.130).
A escrita de autobiografias constitui-se, dessa perspectiva, um
momento singular para desenvolver a competência interpretativa e
reflexiva sobre o sujeito e, no caso do professor, sobre o cotidiano
escolar, promovendo uma auto-reflexão que permita o desenvolvimento
de uma práxis mais livre, com menos amarras. Permite, ainda, segundo
Josso,
Explicitar a singularidade e, com ela vislumbrar o
universal, perceber o caráter processual da formação
e da vida, articulando espaços, tempos e as
diferentes dimensões de nós mesmos, em busca de
uma sabedoria de vida (Josso, 2004, p.9).
39
O trabalho com as histórias de vida configura-se como um
processo de conhecimento. Um ‘conhecimento de si’, das relações que o
sujeito estabelece com o seu processo formativo e com as
aprendizagens que construiu ao longo da vida. É um processo em que o
sujeito se forma a partir da reflexão que faz sobre as experiências
vividas.
Vale ressaltar que nem todas as experiências vivenciadas pelos
sujeitos causam transformações profundas em seus processos de
aprendizagens. Josso propõe uma distinção entre vivência e
experiência. Segundo a autora vivemos uma infinidade de transações e
vivências. Mas estas vivências só atingem o status de experiências a
partir de um certo trabalho reflexivo que fazemos sobre o que passou e
sobre o que foi observado, percebido e sentido. O conceito de
experiência formadora “implica uma articulação entre atividade,
sensibilidade, afetividade e ideação. Articulação que se objetiva numa
representação e numa competência” (Josso, 2004, p.48).
Para que uma experiência seja considerada formadora, é
necessário que ela esteja relacionada com o processo de aprendizagem,
que provoque uma metamorfose no sujeito, ou seja, que essa
experiência represente atitudes, comportamentos, pensamentos, saber-
fazer, sentimentos que caracterizem uma subjetividade e identidades.
As narrativas de formação permitem distinguir experiências
coletivamente partilhadas em nossas convivências socioculturais e
experiências individuais, experiências únicas e experiências em série.
40
Se essa maneira de compreender as experiências não denota uma
perspectiva absolutamente unitária e sem conexão do indivíduo com os
outros, certamente Erwin Schrodinger tem razão quando reflete a
respeito de uma ‘tela’ comum a partir da qual o ser humano conecta
suas singularidades e subjetividades.
Cada um de nós tem a indiscutível impressão de que
a soma total de suas experiências e reminiscências
forma uma unidade muito distinta da de qualquer
outra pessoa. A pessoa se refere a si própria como
“Eu”. O que é esse “Eu”? (...) penso que ele é bem
mais que uma coleção de dados singulares
(experiências e memórias), nomeadamente, a tela
sobre a qual eles estão coletados.
Erwin Shrodinger.
Para pintar um quadro, o artista escolhe, cuidadosamente, todos
os artefatos necessários à arte de criar. Primeiro, uma tela em branco
do tamanho que lhe convém; depois, tintas, pincéis, combinações,
experimentos, e muita, muita imaginação. Tempo pra pensar, pra
sonhar e, enfim, criar. Todos esses ingredientes compõem o cenário
alquímico da sua produção.
Quem nunca pensou ou procurou decifrar as imagens - histórias
tatuadas numa tela, mesmo naquela que aos nossos olhos pareça a
mais subjetiva? Conheço uma que, à vista de um observador
desavisado, pode parecer uma porção de traços desconexos, algumas
palavras sem sentido e uma menina mal pintada de frente para alguma
coisa que não se sabe bem o quê. Eu, que participei do momento de
41
sua criação, não consigo passar diante dessa tela, sem reviver toda a
atmosfera do momento mágico em que o artista plástico natalense,
Pedro Pereira, de posse de seus pincéis e tintas, ao som da voz de
Adriana Calcanhoto cantando “Esquadros” e inspirado em uma página
do “Diário de Frida Kahlo”, transformou narrativas em imagem. A
experiência, a qual me refiro, foi vivenciada durante o evento
”Simposium Pão e Circo”, promovido pelo Grupo de Estudos da
Complexidade-Grecom-UFRN, que se intitulou “Sob o olhar de Frida
Kahlo” e tratava das narrativas de vida da artista mexicana.
Reviver aquele momento me faz despertar para o elo que existe
entre experiência/ narrativas/ imaginação/ criação/ conhecimento,
simultaneamente, um processo individual e coletivo. Segundo Almeida,
“todo sujeito se modifica a partir de uma experiência de conhecimento,
que subentende o tratamento de informações que estão a sua volta ou
chegam até ele” (2003, p.43). Contar histórias seja tatuando-as em
telas, seja através da oralidade ou da escrita, é uma forma tanto de
relatar experiências quanto de provocá-las.
42
Chama Escarlate:
O conhecimento de si
Fogueira no chão
queima a ponta da varinha
da minha infância.
Tomoko Kimura.
Fogueira...
Lembrança longínqua
Crianças gritam alegria.
Hissami.
43
Aquecida pelas labaredas mais vermelhas que emanam da
fogueira, começo a contar minha história. A história de como aprendi a
aprender. Como acontece com todos os sujeitos, as experiências da
infância se constituem em modelos cognitivos primordiais e servem
como base para a construção de uma matriz que me permite ampliar
outros conhecimentos, ao longo da vida.
Vejo-me ainda criança, caminhando de mãos dadas com minha
avó, embaixo das enormes
árvores que enfeitavam o
caminho da casa da fazenda
até a vazante do açude. Ali,
ela cultivava repolhos,
coentro, cebolinha e
pimentões. A minha avó
cultivava pimentões
vermelhos, verdes e
Ima
g
em 6- Caminho.
amarelos, o que me causava muita admiração, pois até então, só
conhecia os pimentões verdes que davam mais sabor aos alimentos na
casa de meus pais. Aqueles vermelhos e amarelos instigavam a minha
vontade de prová-los, e foi assim que passei a comer pimentões crus,
recém-colhidos, ainda molhados de orvalho. Até hoje, se fechar bem os
olhos, consigo sentir aquele cheiro de terra molhada e de pimentões
44
pedindo para ser colhidos e degustados ali mesmo, na horta. Regados,
também, é claro, pelo carinho e afeto da vovó.
Após os cuidados
dispensados à horta,
colhíamos tomates, além
de folhas de alface e
couve, que mais pareciam
grandes leques de
madames, e voltávamos
para casa a fim de
prepararmos as iguarias
para o almoço.
Imagem 7- pimentões.
Vovô chegava do trabalho com a alegria de quem volta da melhor
das festas. Lavava o rosto suado e as mãos calejadas numa bacia de
ágata branca, com a água que minha avó, pacientemente, derramava
sobre suas mãos, de um cântaro igualmente branco. Depois deste
pequeno ritual, sentávamos à mesa e almoçávamos em silêncio.
Silêncio este quebrado apenas quando vovô decidia contar algum
‘causo’ acontecido lá no roçado, como uma cobra enorme ou muito
venenosa que teria atravessado seu caminho, ou lamentado sobre
aquela bela melancia que teria trazido para casa, se o guaxinim não a
tivesse descoberto primeiro; ou, ainda, como as juritis estavam
cantando àquela manhã, sinal de que teríamos chuva ao fim da tarde.
45
Às vezes meu avô chegava com cara de pouca conversa, cenho
franzido... Decerto a praga da lagarta estava devorando a plantação.
Nestas ocasiões, ele não ficava para a cesta, tinha providências a
tomar, ou a família não teria provimentos para o resto do ano.
Eu, menina que era àquela época, aos seis anos de idade, não
sabia que tais experiências e ensinamentos se constituiriam, aos
poucos, nos alicerces da minha formação primeira. Naquela
convivência, eu, como todas as crianças do mundo, mas de modo
particular, estava sendo iniciada nas primeiras noções de ética, de
respeito à natureza; recebia lições de previsões do tempo, através do
relato de experiências dos adultos que me rodeavam e da observação
direta dos fenômenos naturais. Aprendia a gostar e valorizar as pessoas
pelas suas histórias, ao mesmo tempo tão singulares e complexas.
Meu avô era afeito à caça. Caçava tatus, pebas verdadeiros e
aves que passavam a fazer parte do nosso cardápio. Um dia vovó
preparou, cuidadosamente, para o almoço, uma espécie de réptil que
meu avô caçara. Eu havia acompanhado todo o processo de preparação
da caça. Na hora do almoço, todos sentados à mesa, minha avó me
serviu um naco da carne dourada e cheirosa que eu abandonei no canto
do prato, até o final da refeição. Preocupada, vovó perguntou-me a
razão de eu não ter provado a iguaria que me servira. Eu,
envergonhada, respondi que não gostava de comer lagartixa, o que
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rendeu muitos sorrisos à mesa e, até hoje, quando nos reunimos e
relembramos os fatos do passado.
Também na fazenda do meu avô produzia-se queijo de manteiga.
A enorme casa circundada por alpendres, tinha como vizinho próximo, o
curral, onde ficavam as vacas e suas crias, durante o dia. Quando os
últimos raios de sol se despediam do horizonte, deixando no céu uma
faixa amarelo-ouro, que ofuscava meu olhar, era hora de meu avô
voltar do roçado e, antes de entrar em casa, ir cumprir a tarefa de
apartar as vacas dos bezerros. Estes passavam a um outro curral, onde
ficariam noite a fio. Assim, garantia-se que os úberes das vacas se
enchessem de leite e, quando o sol começasse a dar sinal do seu
retorno, vovô e meu tio adentravam o curral para a ordenha. Nesta
atividade, mantinham um tal movimento em suas mãos, de forma que o
leite, ao cair no balde, emitia um som tão ritmado que mais parecia
uma sinfonia. ‘Saia Branca’ era sua vaca de estimação e era
considerada a mais forte e saudável, por isso era dela que vovô enchia
meu copo do leite morninho que eu tomava ali mesmo no curral.
Percebo hoje que encher o meu copo com o leite de Saia Branca era
como uma declaração de amor do meu avô a mim. Ele se divertia com
a auréola branca que se formava em torno dos meus lábios rosados e,
em seu sorriso, havia a generosidade de quem se sabe dando o melhor
de si para a pessoa amada.
Mais tarde, o leite levado para casa era colocado para coalhar. Aí,
seguia-se o processo de decantação. Vovó, junto com minhas tias,
47
enchia enormes ‘trouxas’ brancas feitas de saco alvejado e punha para
‘coar’ até a última gota de soro. No dia seguinte, aquela coalhada se
transformaria numa branca mistura que levada ao fogo, aos poucos, ia
ficando dourada e se transformava em queijo. Terminado o processo,
minha avó deitava-o, ainda quente, em tabuleiros de vários tamanhos.
Uma parte seria consumida pela família, o que restasse seria vendido
na cidade para ajudar nas despesas domésticas. O queijo era cozido
num imenso taxo de metal e quando dele era retirado, sobrava uma
crosta que se formava no fundo. Era hora de atacar, hora de raspar o
taxo. O queijo, ainda quente, fazia fios que iam desde a enorme vasilha
até minha boca, de forma que, às vezes, eu ficava entrelaçada numa
teia de queijo que grudava nos meus cabelos e na minha pele branca.
Eu era uma menina feliz, cheirosa a queijo, a manteiga e a pimentões
vermelhos.
Mal sabia, naquele ritual de vida simples que aquelas experiências
de criança teceriam teias que estariam presentes em muitos outros
momentos de minha vida. Não mais teias feitas de fios de queijo, mas
outras que foram se formando e surgindo como as estruturas e
arquétipos da vida na diversidade das suas relações, restando-me
continuá-las e transformá-las, rasgando-as, retirando-lhes os nós e,
porventura, acrescentando-lhes outros, para tecê-los diferentemente.
Esta teia, portanto, não é uma estrutura fixa e imutável. Ao contrário, a
sua estrutura e natureza íntimas residem na versatilidade e
metamorfose das “articulações e formas que se vão gizando, num
48
movimento que poderíamos designar como uma gênese contínua. E,
assim, enquanto tecemos a teia, ela vai se tecendo e vai nos tecendo
também” (Cabral & Almeida apud Ferreira, 2002, p.41).
Assim é o conhecimento. Ele não é algo que está dado. É na
relação que com ele estabelecemos, nas experiências vivenciadas ao
longo de nossas vidas, que vamos tecendo as nossas teias de
significados, aos poucos modificando-as e sendo nós mesmos
modificados, a ponto de não sabermos mais identificar aonde tudo
começou, assim como não sabemos onde vai dar, num entrelaçamento
constante, tal qual a teia que a aranha tece sem nenhum compromisso
com o tempo.
Como toda criança, gostava de me fantasiar e era no baú de
roupas da minha tia Elita que encontrava solo fértil para minha
imaginação. As saias de cambraia branca com largos bicos ingleses
eram as peças preferidas para me transformar numa noiva. As flores
para a mão eram colhidas no jardim que ficava na lateral da casa.
Também era dentro desse mesmo baú que me escondia, quando fazia
alguma coisa que os adultos consideravam errada, o que,
inevitavelmente, sujava toda a roupa. Minha tia resolveu virar a
fechadura do baú para a parede, acabando com a minha festa. A
inspiração surgia, então, com os lençóis de cama com os quais eu fazia
longos véus, com as camisolas da minha avó, os aventais da cozinha e
até com as peles de animais que ornamentavam as cadeiras da sala.
49
Tudo compunha uma peça para realização dos meus desejos e alimento
do meu imaginário.
Tia Elita, assim como minha mãe, era costureira e,
freqüentemente, as pessoas nos visitavam trazendo pacotes de tecido
que ela transformava em roupas. Eu achava essa atividade muito
mágica. Não entendia como um pedaço inteiro de pano podia ganhar
tantas curvas e formas. Talvez, influenciada por essa curiosidade, muito
cedo comecei a costurar roupas para bonecas e mais tarde tornei-me
costureira também de minhas próprias roupas e de outras pessoas, sem
nunca ter freqüentado um curso ‘formal’ de corte e costura.
Um dia, minha tia anunciou que ia fazer uma boneca de pano pra
mim. Fiquei muito feliz e acompanhei todo o processo de confecção da
boneca. Ela fez cada parte separadamente: o tronco, as pernas, os
braços. À cabeça ela dedicou uma atenção especial. Bordou o rosto da
boneca: boca vermelha, maçãs do rosto rosadas com blush, olhos azuis
para combinar com os meus, sobrancelhas marrons e cabelos loiros,
cheios de cachinhos. Aquela boneca foi a mais bonita que tive em toda
a minha infância. Seus braços e pernas eram móveis, permitindo
qualquer movimento, o que me deixava fascinada. Além do mais, ela
era enorme, parecendo um bebê de verdade e eu podia vestir nela
tantas roupas quanto quisesse.
Os longos períodos vividos na fazenda do meu avô eram
justificados pela minha pouca idade para ir à escola, uma vez que não
havia na região, escolas de educação infantil. Era, também, uma forma
50
de amenizar o trabalho de mamãe que tinha de cuidar dos meus outros
irmãos, todos pequenos. As atenções que me eram dispensadas, além
de todos os atrativos que têm as casas dos avós, faziam do meu
regresso um evento de poucas alegrias. Quando resolviam que era
chegada a minha hora de retornar à casa paterna, era na garupa do
cavalo do meu avô que fazia o longo percurso da volta. Lembro-me de
uma dessas ocasiões em que acordei logo cedo e vesti um vestido
vermelho de bolinhas brancas em alto relevo que mais pareciam
bolinhas de isopor. Eu adorava aquele vestido de corpo princesa e cinto
branco na altura do quadril. Depois me montaram na garupa do cavalo
e seguimos caminho. Vovó havia amarrado um lenço em minha cabeça
para livrar-me dos malefícios do sol. Não tinha um quarto de hora da
nossa saída da fazenda, com o trotar do cavalo, o lenço desceu à minha
testa cobrindo meus olhos e obrigando-me a escolher entre soltar a
cintura do meu avô para ajeitá-lo, correndo o risco de cair do cavalo ou
viajar de cabra cega. Fiz a segunda opção e, pelo menos naquele dia,
eu não vi a paisagem no caminho de volta. Paisagem a mim tão familiar
naquelas idas e vindas à casa dos meus avós.
Penso que, naquela situação, eu escolhi viajar de cabra cega para
poder sentir de outra maneira (aquela que os olhos não vêem, mas o
coração e todos os outros sentidos percebem) as sensações que os
nossos olhos não nos permitem ter ao estarem abertos. Assim, eu
podia me encantar ao distinguir o canto dos pássaros mais suaves,
como o bem-te-vi, o tetéu, o rouxinol, do grito do cancão, que
51
estremecia a estrada. Percebia a aproximação e a travessia das
porteiras quando meu avô se inclinava para frente para abri-las e
passar. Ouvia o riacho, sentia o cheiro do mato e imaginava as figuras
de nuvens claras que se formavam no céu. Também me divertia
ouvindo o trote do cavalo, criando mentalmente canções que
combinavam com a melodia de suas pisadas ao chão. Assim, entre
sons, cheiros, melodias e imagens, captadas e produzidas pela minha
imaginação, chegamos à casa dos meus pais.
Os meus retornos eram sempre marcados por muita festa dos
meus pais e meus irmãos. Eu, no entanto, ficava torcendo para que me
mandassem de volta. Como isso não acontecia, levava dias para me
acostumar à falta de novidades de minha casa.
Vovó tinha uma imensa criação de patos que nadavam conosco no
açude, lado a lado. Eu, nas costas das minhas tias, e eles, livres,
altaneiros, atravessavam longas distâncias aquáticas, sem o menor
esforço. De volta à casa de mamãe, que não criava patos, mas
galinhas, era com estas que treinava as minhas lições e técnicas de
mergulho e nado. As coitadas ficavam num grande alvoroço e se
ninguém as socorressem, provavelmente eu teria matado muitas
galinhas afogadas. Ficava chateada e não entendia porque as aves da
vovó nadavam com tanto prazer e as da minha mãe tinham tanta
aversão à água.
É claro que todas essas lições eu aprendi mais tarde quando, na
escola, a professora explicou que a diferença estava em ter um par de
52
pés com dedos e um par de pés como nadadeiras. Galinhas, nas suas
condições de galinhas, não podem nadar; enquanto que é da natureza
dos patos que eles nadem e possam fazer travessias aquáticas que as
galinhas jamais farão, pois galinhas são filhas da terra, e patos,
igualmente filhos da terra, também possuem a profundeza das águas
em seus corações.
Foi, ainda, nessa época da minha infância que fiz meus primeiros
contatos com uma outra cultura. A dos cidadãos do mundo, os ciganos.
Meu pai herdara do meu avô, que herdara do meu bisavô, o costume de
dar ‘arrancho’ aos ciganos.
Estes apareciam periodicamente lá no sítio, montados em mulas
com seus recém-nascidos metidos dentro de uma tipóia, que as mães
traziam transpassada em seus ombros. As casas-barracas, prontas para
serem montadas e desmontadas com a maior facilidade possível, junto
com vestuários e utensílios, eram igualmente transportados nos lombos
das mulas.
Mas, o que mais me impressionava era o mistério que rondava o
interior das tendas armadas, os longos e coloridos vestidos usados
pelas ciganas, as tatuagens feitas em seus corpos (geralmente o nome
do homem amado), os colares de muitas contas e cores, e suas formas
de falar. Algumas ciganas contavam-nos histórias fantásticas de seu
mundo e de seus saberes.
Uma das histórias que ouvi e que muito me impressionou, dizia
respeito ao surgimento do universo. Contava a cigana que, um dia, os
53
Deuses se revoltaram porque no mundo não existiam pessoas ‘normais’,
apenas deuses que disputavam entre si o poder. Então, um grupo
desses deuses resolveu atear fogo no universo, ocasião em que
morreram todos. O mundo virou uma gigantesca bola de fogo, levando
muito tempo para esfriar novamente. Aí começou a surgir os animais,
dentre eles os homens, as plantas e tudo que conhecemos hoje, dizia
ela, naquela ocasião. Ficávamos muito confusos porque conhecíamos a
história do dilúvio de que fala a Bíblia e não sabíamos em qual história
acreditar. Mas a forma misteriosa que a cigana usava para nos
convencer de que a história era verdadeira, nos fascinava. Ela também
contava sobre a perseguição que sofria seu povo por não ter uma pátria
e contava muitas outras histórias diferentes das que,
convencionalmente, se conta para as crianças.
Esse conjunto de histórias ciganas que se confrontavam com as
histórias da Bíblia cristã, certamente me ajudou a construir uma visão
de mundo na qual valem várias versões. Creio que a dificuldade que
tenho hoje em aceitar uma só verdade, uma só história, é oriunda de
experiências como essa que acabo de narrar.
Passávamos o dia a observar os movimentos daqueles nômades.
Eles riam muito, deixando à mostra seus dentes de ouro; contavam
segredos entre si, em sua língua; conquistavam pessoas para ler a
mão; alegravam-se com o pouco que tinham. E, quando caía a noite,
acendiam uma fogueira, em torno da qual cantavam e dançavam.
Quando eles se iam, deixavam, por longo tempo, suas marcas, nas
54
cinzas que restavam da fogueira, nas trempes em que preparavam seus
alimentos ou em algum objeto que deixavam para trás.
Lembro de como sonhei fugir com os ciganos. Pensava que eles
podiam me mostrar um outro mundo, mas agora acho que o que mais
me atraía era aquele estilo de vida, ao mesmo tempo, incerto e livre.
O que aprendi com os ciganos? Aprendi a respeitar a diversidade;
aprendi a criar meus deuses, a acreditar nos mitos; aprendi sobre
outras formas de explicar a origem do universo. Aprendi muito sobre a
vida.
Essa é uma forma de dizer da minha experiência com o mundo,
no seio da minha família e em contato com a natureza, uma forma de
narrar as minhas experiências de vida, não para me distinguir das
demais pessoas, mas como forma de descoberta e valorização da minha
singularidade, podendo despertar os mesmos sentimentos a tantos
quantos possam pensar sobre experiências que contribuíram,
igualmente, em seus processos de desenvolvimento e formação. Mas a
continuação dessa história pode ser narrada de uma outra forma. Por
meio de versos.
55
Botando lenha na fogueira:
Compartilhando experiências
Nesta brasa de letras
que se esfuma
a poesia
Traga essa chama
que a alma ateia
Nesta fogueira da alma
que ao texto ilumina
Traga o verso e nada mais
Na calada da noite
Ou com o sol ardente.
Noé F. Massango.
56
Agora, com labaredas já bastante escarlates, em meio às fagulhas
que a fogueira cospe, como que alimentada pela história que acabara
de ouvir, percebo o vulto de pessoas que vão se aproximando, pouco a
pouco, e se acomodando em torno da fogueira, todos no mais profundo
silêncio. São os meus convidados que estão chegando, atendendo ao
convite que os fizera para um encontro, no qual iríamos compartilhar
nossas histórias de vida e formação.
Caros colegas profesores,
pesquisadores e cientistas
Convido para um encontro
E ofereço uma pista
Compartilharemos histórias
Será coisa nunca vista.
As histórias são de vidas
Podendo ser de morte também
Fica ao gosto de vocês
Contar o que lhes convém
O importante é que sejam
Vivências que o autor tem.
O local vocês Já sabem
Naquele lugar na floresta
Convidei poucas pessoas
Espero que venham depressa
Com uma fogueira queimando
Juro que vai ser uma festa.
57
Imagem 9- Fogueira Junina.
Ao perceber que todos já estão acomodados nos lugares que
escolheram para sentar junto à fogueira, começo dando as boas vindas
e anunciando o que vamos tratar nesse encontro, cantando em verso
para não perder o ritmo.
Bem-vindos meus convidados
Que vieram alegrar
Essa noite iluminada
E suas histórias contar
Fiquem todos à vontade
Pra podermos começar.
58
Hoje cada um de nós
Juntos num mesmo passo
ao contar nossas histórias
Fortaleceremos laços
De amor e amizade
Unidos num grande abraço.
Que as chamas da fogueira
Aqueça os corações
Pra podermos começar
E contar nossas versões
Narrando nossas histórias
de vidas e formações.
Uma professora me disse
Valha-me Nossa Senhora
Isso é tarefa difícil
Penso que quando for minha hora
Com tanta gente importante
Nenhuma palavra sai fora.
Te disse: - Mas que tolice!
Não me fale essa asneira
Cada um tem uma história
E isso não é besteira
Compõe as nossas vidas
Não importando a maneira.
59
Porém quero sugerir
Nossa aproximação
Façamos uma rodada
E uma apresentação
Para já saber quem somos
Logo de primeira mão.
Obedecendo ao que manda
As regras de boas maneiras
Morin me sugeriu
Que fosse eu a primeira
A me apresentar agora
Já em torno da fogueira.
Eu sou Fátima Araújo
E aqui me sinto bem
Sou professora primária
Tarefa que me convém
Trabalho com formação
De professores também.
Depois de me apresentar
No papel de anfitriã
Passo a palavra a vocês
Pra se apresentar com afã
E pra obedecer à roda
Comecemos por Morin.
60
Me chamo Edgar Morin
Na vida não me confundo
Pelo pensamento complexo
Tenho um respeito profundo
Sinto-me um contrabandista
Dos saberes deste mundo.
E eu sou Maria Zilma
Professora de criança
Terminei graduação
Ainda me resta esperança
De na nossa educação
Promover muita mudança.
Boa noite, sou Cascudo
E me sinto muito honrado
De pra essa ocasião
Ter sido convidado
Espero que eu consiga
Também dá o meu recado.
E eu sou Elis Regina
Por favor não se espante
Não foi o espírito da cantora
Que apareceu neste instante
Eu sou mesmo é professora
Não me peçam pra que eu cante.
61
Eu sou Francisca Falcão
Mas todos me chamam Bia
Faço rima e faço versos
Isso é tudo que eu queria
Está aqui com vocês
Nesse maravilhoso dia.
O meu nome é Lisieux
E venho lá de Perobas
Daquela terra belíssima
Donde o mar se desdobra
Ser professora primária
É o que faço por hora.
Eu sou Marta Neves
Santos do Nascimento
Quero dizer pra vocês
Aqui e nesse momento
Que é um grande privilégio
Participar desse intento.
Boa noite meus senhores
E minhas senhoras também
Eu me chamo Vera Lúcia
E nessa noite aqui venho
Para contar as histórias
E experiências que tenho.
62
Sou um índio brasileiro
E sinto muita alegria
De está aqui com vocês
Nessa noite de magia
Só partilhamos o nome
Com pessoas de valia
Daniel Munduruku
Este é o meu guia.
Terminada a apresentação
A fogueira a queimar
Uma professora apressada
Começou logo a falar
Pediu para começarmos
E tratou de anunciar
Que seria eu a primeira
A minha história contar.
Fiquei um pouco corada
Nervosa, mas concordei
Em começar a narrativa
Aquela era a minha vez
Ajeitei um pouco a voz
E a história comecei.
63
Espere aí minha gente
Preste um pouco de atenção
Peço licença agora
Pra lhes contar de antemão
Um pouco da minha história
E da minha formação.
Nasci de uma família simples
De precária formação
Estiveram na escola
Por curtíssima duração
Mas não queriam que seus filhos
Passassem tal provação.
Morávamos numa fazenda
Lá pras bandas do sertão
As coisas que lá chegavam
Iam de burro ou caminhão
E por não haver escola
Não fiz alfabetização.
Fazenda demanda trabalho
Com bois, vacas, pavão
Pato, galinha, jumento
Oh, que grande confusão
E pra dá conta de tudo
Tinha que ter um peão.
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Fiz todo esse rodeio
Sem querer ser enfadonho
Mas é que quero contar
Como conheci seu Antonio.
A luz do meu candeeiro
O despertador dos meus sonhos.
Imagem 10- Adivinhando Chuva.
Seu Antonio era um senhor
Muito agradável, contente
Foi contratado por meu pai
Pra dá conta do batente
E se isso não bastasse
Ainda alegrava a gente.
65
Você deve tá pensando
Que tem a ver o matuto?
Mas lhe falo sem demora
De como ele era astuto
Comprava cordéis na feira
Pra de noite ter assunto.
E sempre após o jantar
Com lua cheia ou não
Fazíamos roda no alpendre
Sob a luz de um lampião
Pra ouvir longas histórias
De amor e de paixão
De cangaço e ousadia
Da cidade e do sertão.
E eu ainda pequena
Menina muito levada
Depois de ouvir tais histórias
Dormia inebriada
Embalada pelo desejo
De ser alfabetizada
Pra roubar aqueles livros
E lê-los duma tragada.
O desejo foi crescendo
E a curiosidade latente
Quando seu Antonio saia
Ia até seus aposentos
Pegava os tais cordéis
E olhava muito atenta.
66
Prestava atenção nas palavras
Ficava a observar
Queria aprender a ler
Tentando adivinhar
Onde é que tava escrito
O que ouvi ele contar.
E foi assim eu lhes digo
Que passado pouco tempo
Eu conseguia ler os versos
Cheia de contentamento
Não sabia que o destino
Me preparava um tormento.
Alheia a esse processo
Sem saber que eu já sabia
Mamãe me matriculou
Na escola de dona Maria
E numa de ABC
Eu tinha que ler todo dia.
Acontece que a senhora
Tinha apenas um método só
E se os cordéis me animavam
Aquela escola era um nó
Mandando eu repetir
O ba- be -bi- b - o – bo.
67
Sem contar que seu marido
Ficava também na sala
E tinha uma cara tão vermelha
Como sangue na navalha
Fazia caretas pra mim
Me deixando atrapalhada
Eu fazia as tarefas
Debaixo da mesa sentada.
Mesmo assim não reclamava
Se a aula era uma aflição
Pois fazia da viagem
Uma grande diversão
Brincava com gafanhoto
Calango, ninho de azulão
Tomava banho no riacho
Sem sofrer qualquer sansão.
Aquela escola era um engodo
Não dava mais pra agüentar
Com um pouco mais de tempo
Chegou a hora de mostrar
Pros meus pais, com muito tento
Que aprendi o bê- a- bá
E uma noite no alpendre
O cordel eu quis falar.
68
Os meus pais ficaram bobos
De orgulho e gratidão
Por Maria, a professora
Que me ensinara a lição
Não sabiam que muito antes
Eu já prestara atenção
Se só agora eu tava lendo
Foi de mim a decisão.
Esse segredo era só meu
Parece, ninguém notou
Só sei que dali em diante
Seu Antonio abandonou
O hábito de ler cordel
A mim ele delegou
Eu lia elegantemente
Como a fia de um doutor.
Fui então pra outra escola
Mais organizada e exigente
Lá, fazia composição
Sobre bicho e sobre gente
Isso eu fazia bem
Ficava toda contente
E o primeiro lugar da classe
Era meu, meu somente.
69
Mas o meu maior barato
Naquela época da infância
Era escrever à vovó
Que se encontrava à distância
E me mandava elogios
Crescendo minha constância
De escrever sem medo
E com mais perseverança.
Depois eu fiz magistério
Pra estudar como se faz
Para atender a crianças
E fazê-las aprender mais
Mas isso não era tudo
Eu ainda queria mais.
Estudei Pedagogia
Na Universidade Federal
Aprendi novas tendências
Da Educação atual
Mas precisava saber mais
Eu descobri no final.
Participei de congressos
Na área da educação
De estudos e seminários
E cursos de extensão
Tudo para aperfeiçoar
Toda minha formação.
70
Foi então que decidi
Um projeto organizar
Pra concorrer ao mestrado
E pós-graduação cursar
Consegui ser aprovada
E estou a pesquisar.
No grupo da Complexidade
Onde fui acolhida
Me sinto muito feliz
E também agradecida
De estudar as idéias
Que se confundem com a vida.
Tenho como orientadora
Maria da Conceição
Que dedica a todos nós
Bastante dedicação
Com ela desenvolvo a pesquisa
De histórias de formação.
De experiências de vida
Partindo logo das minhas
Porque em nossos estudos
Como costurados com linha
Sujeito e objeto
Unidos, juntos caminham.
71
E nessa minha pesquisa
Confesso que tenho um plano
Nas narrativas dos outros
Insisto, não abandono
Pra ver se na vida deles
Também tem um Seu Antônio.
Estas são experiências que ressignificadas se constituíram na
matriz de construção de outros conhecimentos, processo pelo qual
passa todos os humanos conforme suas singularidades e oportunidades
que tiverem na vida. Tomando o Seu Antônio da minha vida,
transformo-o em metáfora para reconhecê-lo nas histórias
autobiográficas de meus ‘convidados’. Não se trata, portanto, de
procurar uma pessoa que foi importante ou decisiva em suas vidas, mas
de identificar situações ou acontecimentos que os marcaram nas suas
trajetórias de formação, tanto quanto Seu Antônio marcou a minha.
Segundo Souza (2004, p.20), “(...) a dimensão formadora das
experiências deixam marcas e imprime reflexões sobre o vivido”. Neste
sentido, todas essas experiências, frutos do acolhimento e da polifonia
de idéias das pessoas com quem convivi, significativas a ponto de estar
trazendo-as para um trabalho científico, influenciaram a minha forma
de escrever e de ler o mundo num estilo mais estético e mais poético.
Seu Antônio lançava mão de uma poderosa ‘farmacopéia’ de folhetos de
cordéis que ele lia pra nós (eu e meus irmãos), criando um tecido forte
que enlaçava e aquecia nossas noites, espiritual e emocionalmente.
72
Seus cordéis assumiam vida própria quando lido e interpretado, tal qual
borboletas livres que criam asas, voando e povoando a nossa
imaginação, despertando estados de ser, marcando a nossa maneira de
estar no mundo e construindo vínculos definitivos.
Mas, todos estão ávidos por ouvir a história do nosso primeiro
convidado, que com seu rosto já vermelho pelo calor das chamas,
prepara-se para falar. E em forma de versos, passo a palavra a Morin.
Agora que terminei
E já dei o meu recado
Passo a palavra então
A esse nobre convidado
Que vai contar sua história
Com prazer e muito grado.
Você que é cientista,
Conte-nos! O que contribuiu
Para sua formação
O que foi que lhe instruiu
Para escrever essas coisas
Que o mundo inteiro já viu?
Boa noite, meus colegas
Viajantes desse mundo
Penso que em nossas vidas
Todo mundo tem um rumo
Experiências vividas
Pra na vida dar um prumo.
73
Imagem 11- Singularity_cosmos
Eu sou Edgar Morin
Encantado como tal
Não separo a minha vida
Da vida intelectual
Por isso lhes conto agora
Meu saber primordial.
Sou dos que têm uma vida
Não dos que têm uma carreira
Entre ambas não coloco
Divisórias nem barreiras
Elas estão bem coladas
Como se fosse com cera.
74
Na família aprendi
A gostar de iguarias
Do azeite e berinjela
Espinafre, quem diria!
Herança dos ancestrais
Que isso tudo comia.
Meu pai não me ensinou
Uma crença ou tradição
Nenhum princípio político
E nenhuma religião
Talvez por eu ser filho único
No seio de uma geração.
Mas meu pai me transmitiu
Cultura de cançonetas
Com ele também aprendi
A gostar de operetas
Ele cantava e assobiava
Traviata e Rigoletto.
Aos nove anos de idade
Aprendi o que é a morte
Que levou a minha mãe
Por pura falta de sorte
Levada num vagão de trem
Causando na vida um corte.
75
Porém, me esconderam tudo
Disseram que fora viajar
E pra casa de uma tia
Me mandaram pr’eu brincar
Dizendo que o meu pai tinha
Com ela ido encontrar.
Dois dias depois do fato
A morte detectei
Com meu pai em minha frente
Confesso logo saquei
Todo de preto, enlutado...
Uma bomba sufoquei.
Jamais quis manifestar
Aquela infinita dor
Escondia o que sentia
Em segredo e com horror
De meu pai e minha tia
E quase ninguém notou.
Encontramos na narrativa de Morin, como ele mesmo reconhece
em seu livro ‘Meus Demônios’, eventos e situações que o marcaram
para sempre, como a perda prematura de sua mãe, quando ele tinha
apenas nove anos de idade, deixando-lhe um buraco negro no fundo da
alma, fazendo com que ele pudesse refletir sobre o que é a morte,
76
sobre a relação que esta tem com a vida, levando-o a escrever o livro O
Homem e a Morte.
Parti assim para vida
Sem a cultura da verdade
Sofrendo a ausência da morta
Naquela minha pouca idade
A forte presença da morte
Causava-me ansiedade.
A canção El reliquario
Eu ouvia sem parar
Num toca disco fracote
Eu botava pra tocar
Tanto que cedo vi
Sua mola arrebentar
Mas com os meus próprios dedos
eu fazia ele rodar.
Não entendia sua letra
Mas mexia com minh’alma
Sentia um infinito amor
Estranha espécie de calma
Até hoje quando a ouço
Derreto-me todo em lágrimas.
77
O que me ensinou a escola?
Esta me ensinou a França
Tornei-me filho da pátria
Vivi as suas andanças
Nas glórias e perdas históricas
Incorporei sua substância.
Na rua de Ménilmontant,
Passei a amar o cinema
Essa gruta iniciática
Dos mistérios e dilemas
Dos jovens da minha idade
Que não perdia uma cena.
Ele nos projetava
Em épocas antigas e atuais
Do submundo do crime
A amores sentimentais
Dando vida a muitas coisas
A seres hiper-reais.
Pela narrativa de Morin, pode-se perceber a grande influência que
teve o cinema e a literatura em sua vida. Ele se considera um cinéfilo e
admite que o cinema permite estados de semi-hipnotismo e opera a
iniciação das pessoas a uma vida superior, mágica e sublime. Ainda, de
acordo com suas idéias, é pelo uso da linguagem literária, da narrativa
e das imagens que nos distinguimos dos outros animais e que as
78
expressões literárias e poéticas são capazes de anunciar o caráter mais
complexo, onírico e projetivo da condição humana.
Se eu não tivesse participado do interior das duas
culturas, não poderia ter feito meus estudos sobre a
cultura adolescente nem o journal de Californie. Foi a
partir de minha experiência que me fascinei pelo fato
de Chaplin ou de Piaf poderem ser amados por
pessoas de todas as classes sociais e de todas as
nações, coisa inconcebível para o sociólogo que quer
demonstrar que os gostos musicais, literários, etc,
são conseqüências exclusivas de categorias sociais,
classes e aspectos exteriores (Morin, 2002, p.19).
A contribuição da cultura das humanidades para a compreensão
do homem tem sido reiterada como fundamental pelo paradigma da
complexidade. O romance e o cinema propiciam ao sujeito aguçar sua
subjetividade, afetividade, paixões, amores, ódios, delírios, felicidade e
infelicidade, traições, imprevistos, destino, fatalidade, por meio dos
processos de identificação e projeção, “pondo à mostra as relações do
ser humano com o outro, com a sociedade e com o mundo” (Morin,
2003, p.44).
Por meio da projeção, um ‘processo universal multiforme',
deixamos emergir nossas aspirações, necessidades, desejos, obsessões,
receios, não só em sonhos e imaginação, mas, também, através das
coisas materiais e outros seres. As nossas percepções, por mais
elementares que sejam, são, ao mesmo tempo, confundidas e
fabricadas pelas nossas projeções.
79
O processo de projeção pode revelar-se por meio do
automorfismo - no qual atribuímos a alguém as características e
tendências que nos são próprias; do antropomorfismo - em que fixamos
nas coisas materiais e nos seres vivos, traços de caráter ou tendências
propriamente humanas; ou ainda do desdobramento - mecanismo
puramente imaginário onde ocorre a projeção do nosso ser individual
numa visão alucinatória.
Através da identificação, o sujeito incorpora personagens e o meio
ambiente no próprio eu, num convite a mimetização do outro consigo
mesmo, uma vez que o outro se tornou assimilável. "Na identificação, o
sujeito, em vez de se projetar no mundo, absorve-o" (Morin, 2003,
p.108).
Não se deve, portanto, isolar estes dois processos: projeção de
um lado, identificação de outro. É importante considerar igualmente o
complexo projeção-identificação-transferência que comanda os
fenômenos psicológicos, subjetivos, traindo, deformando ou recriando a
realidade das coisas, dos eventos e situações. Esse processo comanda
um complexo dos fenômenos: "o duplo, a analogia, a metamorfose"
(Morin, 2003, p.109), permite ao sujeito incorporar e imitar
personagens, tanto nas suas características físicas, quanto nos
comportamentos e atitudes do outro. Esse é, por exemplo, o
mecanismo humano do qual se valem os filhos em relação aos pais,
seus primeiros personagens de referência. Mas, não só. Os processos
psico-culturais da projeção-identificação se estendem pela vida adulta
80
de qualquer sujeito em situação social. Tais processos fundadores da
cultura são gestados e alimentam um fabuloso imaginário, marca
distintiva da condição do sapiens demens. "O imaginário está latente
nos símbolos e reina na estética" (Morin, 2003, p.180), tornando
possíveis as alucinações, aflorando as emoções e confundindo realidade
com imaginação. O cinema é um dos acionadores privilegiados desse
patamar humano. Opera uma espécie de ‘ressurreição’ da visão
primitiva do mundo. Dessa forma, apela, permite, tolera e inscreve o
fantástico no real. No cinema,
subjetividade e objetividade não só se sobrepõem,
como a todo o momento renascem uma da outra,
numa ronda incessante de subjetividade
objetividade, de objetividade subjetivante. O real é
banhado, cotejado, atravessado, arrastado pelo
irreal. O irreal é moldado, determinado, interiorizado
pelo real (Morin, 2003, p.182).
Essa referência à importância do cinema e da literatura, como
potencializadores dos mecanismos de projeção e identificação, tem,
para efeito dessa pesquisa, dois desdobramentos:
As narrativas são formas de projetar os sujeitos para trás, na
busca de sentidos para o que estão construindo hoje. Para Morin
(2001b, p.77), “é no encontro com seu passado que um (...) humano
encontra energia para enfrentar seu presente e preparar seu futuro”.
Nessa perspectiva, a narrativa não é uma mera descrição, mas uma
81
construção que dá sentido a vida do sujeito, movimento que se constitui
numa auto-organização.
O segundo desdobramento diz respeito aos sujeitos se
relacionando entre si por meio das narrativas. Aqui, também, se dão os
mecanismos de identificação e projeção. Quando alguém narra suas
experiências de aprendizagens, ele narra o si, mas o si só se completa
com a escuta e leitura significante do outro, projetando a
intersubjetividade.
Quando eu narro na fogueira, estou dando oportunidade para que
o outro possa também se identificar/ projetar naquela experiência,
sempre por alguns fragmentos, nunca pela totalidade, uma vez que a
experiência foi vivida na sua plenitude por um sujeito e não pelo outro.
Esse segundo desdobramento tem a ver com o processo de auto-eco-
organização, ou seja, a capacidade que temos de nos organizar a partir
do que vem de fora.
A fogueira continua acesa. Acesas também as narrativas. E Morin
continua sua história...
82
Do ciclismo a aviação
Também me enamorei
Lia tudo a respeito
Sobre aviões estudei
Protótipos de guerra e de turismo
Tudo isso pesquisei.
Com a morte da minha mãe
Lia sem interrupção
Em casa, na rua, na cama,
Sempre com muita paixão
E nem parava de ler
Na hora da refeição.
Também lia na escola
Escondendo bem o livro
Em estojos ou no colo
Tinha medo de castigo
Assim, aprendi literatura
Nos livros que li escondido.
A jornada autodidata
Não tardou a começar
Dos filmes, das cançonetas
Do romance popular
Necessidades profundas
Que se fizeram operar.
83
E nessa minha caminhada
Sem caminho aonde andar
Tive acesso aos eruditos
Mas não posso relegar
A cultura da minha rua
A meu museu particular.
Se eu não tivesse participado
Do interior das duas culturas
Só entenderia as coisas
Provocando rupturas
Não teria escrito livros
E feito essas costuras.
Assim Morin termina a sua história e todos ficam se entreolhando,
talvez tentando entender a dimensão que essa história tem para a vida
desse grande pensador. Afinal, se como eu disse, todos na sua vida têm
um ‘seu antônio’, quem foi o ‘seu antônio’ de Morin?
Quem foi o meu ‘seu antônio’
Como Fátima eu sei bem
Ele foi de carne e osso
E muito poético também
Toda essa sabedoria
Não se compra com vintém.
84
E o do Morin, meu Deus
Quem foi o seu ‘seu antônio’
Eu arrisco um palpite
Num conjunto sem tamanho
Ele foi imagem e filme
Que lhe despertou muitos sonhos.
Mas não fica por aí
O ‘antônio’ do seu texto
Disse ele que a família
Lhe deixava sem cabresto
Por isso ele experimentou
A sorte em vários contextos.
Um pensador sem fronteiras
Como é Edgar Morin
Não teria um ‘seu antônio’
Miúdo como uma rã
Tinha que ser um demônio
Pr’esse homem de mente sã.
Morin nos aponta a importância de uma vida marcada pela
polifonia de oportunidades, relatando o seu trânsito no interior de duas
culturas distintas, porém complementares e importantes para se
compreender o todo sem separar em partes, sem operar as cisões tão
comuns no ato de educar. Se formos refletir sobre essas idéias, no
interior das escolas, na relação que permeia professor - aluno -
85
conteúdo de ensino - aprendizagem, podemos constatar a grande
responsabilidade que tem o professor, no seu papel de mediador entre
o conhecimento que compõe a cultura escolar e as experiências de
seus alunos.
Morin também ressalta a influência da literatura em sua vida,
lendo romances em todos os momentos e lugares, inclusive na escola
na hora das aulas. Admite ter aprendido mais com as coisas que lia nos
romances do que com os próprios professores e afirma: “pelo romance
e pelo livro, cheguei ao mundo” (Morin, 2002, p.20). Esse acesso à
literatura, bem como a cultura adquirida na rua Menilmontant, o inseriu
no interior de duas culturas: a erudita e a cultura do povo, permitindo-
lhe escrever L’Espirit du temps e Les Stars.
Desta vez, voltando à fogueira, trago de volta mais uma
convidada, a professora Maria Zilma de Alcântara que leciona numa
segunda série do ensino fundamental no município de Extremoz-RN.
Eu sou Maria Zilma
Professora de criança
Falo agora pra vocês
Com prazer e confiança
Um pouco da minha história
Selando uma aliança.
86
Não é tarefa tão fácil
Falar da nossa história
Por não está escrita em livros
Mas guardada na memória
É preciso reviver
Toda essa trajetória.
Fui menina alegre e viva
Que gostava de cantar
Adorava a natureza
Também sabia dançar
Chamava atenção de todos
Com meu jeito de falar.
Todos afirmam que eu era
Muito meiga e mimada
Por todos da minha casa
Dos vizinhos era chegada
Minha beleza natural
A muitos contaminava.
Tive um pai duro e rígido
Mas não era de todo mal
Queria que todos estudassem
Isto era um bom sinal
Até minha mãe ele fez
Ela estudar no MOBRAL.
87
Como meu pai não gostava
De gente sem educação
Fez seus filhos aprender
Sofrendo muita pressão
Até ele ia à escola
Depois da obrigação.
Também não fiz pré-escola
Mas não fiquei sem estudar
Porque meu pai sem demora
Começou a me ensinar
Fez-me aprender os números
E as letras soletrar.
Os números eu aprendi
No jogo da amarelinha
E com uma carta de ABC
Na mesa lá da cozinha
Aprendi a juntar as letras
Nesse jogo de escolinha.
Assim, logo muito cedo
Aprendi a dar sentido
As coisas ao meu redor
Tendo lido e relido
Quando na escola ingressei
Muito já tinha aprendido.
88
Porém não posso negar
A dureza desse mérito
Às custas de chineladas
Meu pai era bem direto
Pra gente aprender depressa
Ele tinha este método.
E chineladas à parte
Continuava bem feliz
Sempre disposta a aprender
Como todo aprendiz
Fazendo minhas descobertas
Como a uma criança condiz.
Desenhava e pintava
E com organização
Junto com outras crianças
Fazia exposição
Pra mostrar uns para os outros
Toda a nossa produção.
Aos oito anos de idade
Foi chegada a minha vez
Fui para um Grupo Escolar
No bairro de Santos Reis
E a carta de ABC
Tive que ler outra vez.
89
Fiz todo o meu primário
Naquela escola fagueira
Gostando de aprender
E de fazer brincadeira
Lá eu era considerada
Uma menina Canguleira.
É que existia na cidade
Uma divisão cabreira
Que separava os bairros
Da Cidade e da Ribeira
Xarias, os da cidade,
Os de baixo, Canguleiros.
E assim a diferença
Chegava na educação
Xarias iam pro Atheneu
Canguleiros pr’outro vão
A escola Josefa Sampaio
Era lá o nosso chão.
A escrita das narrativas de vidas desvela não só os processos
individuais dos sujeitos, mas o contexto histórico, social e coletivo do
interior do qual elas emergem. A rivalidade existente entre os dois
bairros, citada pela professora, demarca um momento histórico em que
era acentuada a divisão política, econômica e social entre o bairro da
90
Cidade Alta, onde moravam as pessoas nobres e o da Ribeira,
considerado o bairro dos pobres. Segundo Cascudo, a denominação
Xarias significa comedores de xaréu (peixe nobre) e Canguleiros
comedores de Cangulo (peixe pequeno de qualidade e preço inferiores).
Mas penso que o que mais marcou
De fato meu coração
Foi por ser filha de pobres
E não ter televisão
Encontrava outras formas
Para nossa diversão
Ouvindo rádio conheci
“Jerônimo, O Herói do Sertão”.
Minha paixão por Jerônimo
Esse herói alegre e vivo
Desenvolveu minha leitura
E me trouxe incentivo
O gosto pelos gibis
Até agora cultivo.
Mas este meu conhecimento
Não tinha vez na escola
Se eu falasse em Jerônimo
Era calada na hora
E a professora tirava
Suas lições da cartola.
91
Na rua onde eu morava
Brincávamos de teatrinho
Era um terreno bem fértil
Protagonizava o heróizinho
Dando vida a personagens
De suas histórias em quadrinhos.
Imagem 12- Brinquedo_brincadeira.
Além de fazer teatro
Criava meus próprios brinquedos
Com caixas, tampinhas, tecidos
Fazia com muito esmero
Objetos, bonecas de pano
Para brincar em sossego.
92
Tudo isso me fez ver
Que a nossa escola é cega
Não considera o saber
Que as crianças carregam
Desde cedo em suas mentes
E não precisam de regras.
O papel que tem a escola
É sistematizar a lição
Juntando o que o aluno traz
Prestando muita atenção
Isso compõe a base
De uma boa educação.
O sofrimento revivido
Faz-me sentir altiva
Ao escrever minha história
Deixando a memória ativa
Vivo e revivo os saberes
Que adquiri para a vida.
Nesta fala de Maria Zilma, está evidenciada a necessidade urgente
de se repensar o papel da escola no sentido de religar os saberes da
tradição e os conhecimentos científicos. Tradicionalmente, a escola tem
se reduzido à tarefa de transmitir unicamente os conhecimentos
científicos, colocando de lado os saberes da tradição, "tratado como
93
filho bastardo da aventura do conhecimento e excluído do âmbito da
socialização e transmissão oficial" (Almeida, 2002, p.3).
Ao se privilegiar o conhecimento científico em detrimento dos
saberes da tradição, coloca-se fora de circulação a diversidade de
explicações, especulações e métodos de olhar, classificar e hierarquizar
os fenômenos do mundo, pelos intelectuais da tradição” (Almeida,
2002, p.3). Quando a escola faz alusão a este tipo de saber, geralmente
o considera como ingênuo, um saber menor, desprovido de método e
de rigor, completa a autora.
Também, para Morin (2001b, p.45), “o parcelamento e a
compartimentação dos saberes impedem apreender o que está tecido
junto”, sendo necessário entender este “pensamento que separa e que
reduz, no lugar do pensamento que distingue e une” (Morin, 2001b,
p.46), não se tratando, contudo, de abandonar o conhecimento das
partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese,
sendo necessário conjugá-los. Este é um dos grandes desafios para os
educadores que estão comprometidos com uma educação para a nova
era planetária.
Experiência semelhante a que viveu Maria Zilma com o seu Herói-
Jerônimo, levando para o teatro de brinquedo a representação de seus
personagens, uma vez que não podia falar sobre ele na escola, foi a que
viveu Maria Isaura Queiroz, professora de uma Escola Pública do Rio de
Janeiro, com a revista Tico-tico, igualmente responsável pela sua
94
inserção no mundo da leitura e da escrita, evidenciado neste fragmento
de texto:
Desde pequenina eu era louca por
narrativas, e toda quarta feira chegava em
casa o Tico-tico, revista infantil publicada
no Rio de Janeiro; eu a aguardava ansiosa e
folheava para ver as figuras, até que um
dos adultos tivesse um momento para ler-
me as histórias. Pois um dia, ao olhar, na
última página, os quadrinhos em que se
pavoneavam o loiro Chiquinho, e o pretinho
Benjamim, com o cachorro jagunço, li o que
estava embaixo de cada quadrinho! Muito
espantada, corri para mamãe, que estava
costurando à máquina, para quem fiz a
extraordinária demonstração. Ela não
conseguia acreditar; abriu outra página ao
acaso e lá fui tropeçando nas sílabas, lendo
enroladamente as palavras, mas lendo! E
quando papai chegou do trabalho, à tarde,
nova demonstração em páginas ainda
desconhecidas.
Sabia perfeitamente que esta
descoberta deliciosa, que me livrara da
espera dos adultos para conhecer o que
estava escrito, era proveniente daqueles
momentos longos e enfadonhos na sala de
aula, ouvindo distraidamente ensinamentos
que não me eram diretamente endereçados,
ou então fazendo desajeitados rabiscos que
a mestra olhava com desânimo. Por que
95
magia tal acontecera? Mistério! Os dias
passados na Caetano de Campos adquiriram
então outro sentido, outro atrativo. Talvez
proviesse do saber ler, esse achado
mirabolante, a predileção que desenvolvi a
partir de então pelo brincar de escola, que
eu propunha incansavelmente a irmãos e
primos - os alunos, naturalmente! - que em
geral o repeliam com vigor (Queiroz apud
Min. da Ed. e Cultura, 2001, p.29).
O próximo a narrar suas experiências é Câmara Cascudo que já se
encontra muito impaciente no seu canto, depois de ter tragado vários
charutos, somando mais fumaça à que sai da fogueira. Ele prefere, para
o nosso desencanto, não narrar sua história em verso. Tudo bem,
porque na nossa fogueira cabe várias formas de dizer. E, além do mais,
há certas narrativas em prosa que mantêm a mesma musicalidade dos
versos. Vamos escutar Cascudo:
“Meu primeiro banho foi em água morna
numa bacia de ágata. Água temperada com
vinho do Porto, para eu ficar forte, e um
patacão de prata, do Império, para não
faltar dinheiro. A vida ensinou-me que
esses votos eram supersticiosos e bem
intencionados. Um dos primeiros
brinquedos(...)foi uma gaiola de periquito,
sem o periquito que poderia beliscar-me.
Transformei a gaiola em navio, locomotiva,
Ima
g
em 13- Cascudo menino.
96
casa, e creio que, muito depois, em
periquito.
Fui menino magro, pálido, enfermiço.
Cercado de dietas e restrições clínicas.
Proibiram-me movimentação na lúdica
infância. Não corria, não saltava, não
brigava. Nunca pisei areia nem andei
descalço. Jamais subi em uma árvore.(...)
Brincava com meninas. Aprendi a ler quase
sozinho, aos seis anos, graças ao Tico-Tico,
proesas de Chiquinho e Jagunço, Juquinha e
Gibi, solfejando as cançonetas de Eusórgio
Wanderley, que conheceria no Instituto
Arqueológico Pernambucano, emocionando-
o porque cantava muitas.
Minha primeira professora foi dona
Totônia Cerqueira: magra, imperiosa,
serena, voz seca, adivinhando métodos
intuitivos, mas carinhosa e acolhedora de
convívio. Aprendi com ela os fundamentos
inabaláveis de tudo quanto sei. No fim do
ano, amarrou-me uma fitinha no braço,
declarando-me aprovado no curso
adorável onde fui único aluno. Todas as
comendas e condecorações posteriormente
recebidas não tiveram a significação
jubilosa daquela fitinha azul. Alguns dias
andei com ela no braço, exibindo-a como
um troféu. Minha primeira alegria pública.
Jamais esqueci dona Totônia. Na Faculdade
de Direito fui professor de uma bisneta sua.
97
Olhava-a saudoso. Era uma flor daquela
velha roseira que dissipara um pouco a
espessura da minha doce e incomparável
ignorância.
Com o pavor de que os colegas do
sexo me pusessem a perder, como depois
puseram, minha mãe fez-me estudar no
“Externato Sagrado Coração de Jesus”, das
irmãs Andrade, Guilhermina e Maria Emília.
Externato exclusivamente feminino. Eu era
o único varão sobre a terra da salinha
quente, paredes ornadas de estampas
piedosas e feias. As irmãs Andrade
iniciaram-me na Cartilha Nacional e livros
do imortal Felisberto de Carvalho. Decorei
as quatro espécies de contas, esquecidas
logo que me foi possível. (...) Viveram
unicamente ensinando e orando (...) a vida
passava-lhes ao lado, rumorosa, tentadora,
perturbante. Lembro-as com afeto, pelo
meio respeito com que me tratavam,
afáveis e receosas do contato venenoso de
um futuro Homem.
Em casa, lia, lia, lia, revistas, álbuns
de gravuras, viagens, curiosidades, os
desenhos de Benjamin Rabier,
apresentando os animais cômicos em sua
naturalidade, sem deformá-los em
caricaturas irresistíveis, como faria Walt
Disney. Vieram dezenas de livros de
estórias infantis. As vozes das amas
98
subiam, de força mágica, abrindo as
cavernas miríficas de dragões, princesas,
cavaleiros valentes, animais falando,
findando em casamento e presente de
doces que a narradora perderia,
escorregando e caindo”(Cascudo, 1997, p
49-51).
Ainda sonhando com as figuras mágicas que escapavam dos livros
de Cascudo, Elis Regina, se assusta ao ser tocada de leve no braço. É
chegada a sua hora de falar. Ela que, como os outros, também dá aula
para crianças, começa a sua história com um verso de Cecília Meireles.
E o meu caminho começa,
Nessa franja solitária,
No limite, sem vestígio,
Na translúcida muralha,
Que opõe o sonho vivido
E a vida apenas sonhada
Cecília Meireles.
No dia em que nasci
Os meus pais comemoraram
Bem depressa decidiram
Um nome me presentearam
Este foi Elis Regina
Nenhuma dúvida lograram.
99
Em homenagem a cantora
Com esse nome batizada
Não previam que com isso
Seria muito marcada
Eu, sendo negra vivi
Sendo a ela comparada.
Esse contraste ia marcar
Para sempre a minha vida
Sendo ela muito branca
E eu, preta retinta
Ouvia muitas piadas
E risos por toda a vida.
Redefinimos o presente
Quando olhamos o passado
Afasto de mim a ausência
E o esquecimento prolongado
Não conto só a minha história
Mas dos que caminham ao meu lado.
Na reconquista do vivido
Não vivo só o meu passado
Mas antes busco no mesmo
Em tudo que tá guardado
Pra minha prática docente
Um esforço renovado.
100
E se o desânimo vem
No meu peito se aninhar
Ergo bem minha cabeça
Pra na ponta da língua contar
Minha história bem vivida
Tal qual jangadas ao mar.
“Ê ! Tem jangadas no mar,
Ê ! Hoje tem arrastão
Vem todo mundo pescar
Chega de sombra João...”
Assim cantava Elis
Nos versos de uma canção.
Com uma professora aprendi
Que é preciso pescar
Deixar a desesperança de lado
Pra poder continuar
E não desistir jamais
Para poder avançar.
A professora, a quem Elis Regina se refere, é a professora
Juvaneide, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso, que
estabeleceu como tarefa a escrita do Memorial de Formação. Ao que
parece, Elis Regina, no exercício de escrita da sua narrativa de
101
formação, consegue se auto-organizar e superar as experiências
negativas que viveu.
Minha mãe ficou ausente
Em parte da minha vida
Por ser vereadora
E se dedicar à política
Papai vivia viajando
Era mecânico marítimo.
De modo que à minha irmã
Cabia cuidar da gente
Além dos cuidados comuns
Era muito exigente
Botou uma escola em casa
E dava aula pra gente.
Imagem 14-Brincando.
102
Era escola de mentira
Mas parecia verdade
Junto com outras crianças
De forma que toda tarde
Tínhamos aula com ela
Não importando a idade.
Folhas soltas de cadernos
Era seu material
E um só lápis dividido
Para o público principal
Três crianças revesavam
O seu uso no local.
Pintávamos e escrevíamos
Com ela segurando a mão
O colorido não podia
Passar dos limites não
Minha irmã ficava brava
E nos pregava um sermão.
E na hora do recreio
A merenda era diária
Às vezes era real
E às vezes imaginária
Passávamos muito aperreio
Naquela vida precária.
103
Mais tarde fui pra escola
Grande e oficial
Ela estava situada
Na cidade de Natal
E toda a minha alegria
Teve um destino fatal.
Desabrochei como flor
Que logo se despetalou
E foi minha professora
Que a primeira pétala arrancou
Com aquele seu olhar
Cheio de sisudez e furor.
O silêncio era intrigante
Ninguém podia falar
E se alguém se arriscasse
Ela mandava calar
As lições eram tiradas
Do quadro até cansar.
A base daquele ensino
Era a memorização
A leitura era tratada
A base da silabação
Não conseguia ver sentido
Naquela aberração.
104
Assim segue minha história
Mudando aqui e ali
Tendo que me adaptar
A outros cantos que vivi
Penso que com minha irmã
Foi com quem mais aprendi.
Na experiência narrada e vivida por Elis Regina, está claro que
sua professora pensava e agia segundo a concepção de que um
‘método’ teria que ser ensinado a seus alunos, desconsiderando,
completamente, o fato de ter, diante de si, crianças que há muito já
tinham desenvolvido uma estratégia para pensar, agir, viver e
aprender. Enfim, para compreender o seu entorno, a sua vida, o seu
mundo, pelo visto, com muito mais elementos fantásticos, como o herói
Jerônimo que ganhava vida no palco de teatro de brinquedo do qual
participava Maria Zilma. Aquele método, baseado no autoritarismo, em
que somente tinha a palavra a ‘autoridade’ no assunto, a professora,
centrado na memorização de letras e sons, estava muito distante da
vida da aluna que podia transformar e representar ao vivo e em cores,
as aventuras de seu herói.
No artigo intitulado “Psicanálise do Conhecimento Objetivo”
(1997), Bachelard diz que, no processo educacional, o professor age
com o educando como se ele chegasse à escola desprovido de saber,
sem considerar os seus conhecimentos, as suas experiências empíricas.
105
Segundo ele, o professor precisa ter claro que não se trata de ensinar
um método para o aluno, mas de ensinar um novo método, uma outra
maneira de tratar e sistematizar o conhecimento sem desconsiderar os
saberes do cotidiano na construção do 'novo' conhecimento. Trata-se,
segundo o autor, “não de adquirir uma cultura experimental, mas de
mudar de cultura experimental, de inverter os obstáculos já antepostos
pela vida quotidiana" (Bachelard, 1977, p.150).
Agora, todos aquecidos pelas emoções e o forte calor da fogueira,
ouviremos Severina Falcão, professora, amante da leitura e escrita em
versos, que começa a dar o seu recado.
Para contar minha história
Tomo de empréstimo a metáfora
De uma estação de trem
Que sempre a toda hora
Alguém parte de viagem
E ninguém fica de fora.
O passado é uma fonte
De onde flui o presente
Tal qual as águas de um rio
Levadas pela corrente
As águas vão para o mar
O passado corre pra gente.
106
A vida da gente segue
Como se fosse uma viagem
As etapas são estações
Levamos nossa bagagem
Um percurso obrigatório
Em que não pagamos passagem.
E nesse passado distante
De fragmento em fragmento
Revendo cada estação
Vou seguindo meu intento
Resgatando minha história
Sem tristeza nem lamento.
Nessa estrada não tem boi
E muito menos boiada
As pessoas não se cruzam
Nem tem poeira na estrada
Apenas um trem que segue
Pra cumprir sua jornada.
Também não tem caravelas
Que sai abrindo caminhos
Nessa estrada tem as flores
E também tem seus espinhos
Mas estes não matam a beleza
Nem seu perfume fresquinho.
107
Esta é a estrada da minha vida
Caminho por ela a algum lugar
Na estação da escola
Por fim consegui chegar
E descobri que o que se escreve
É o que se consegue falar.
Também descobri pedras muitas
Pelo caminho da vida
Mas elas podem ser somadas
Como também subtraídas
Podem ser multiplicadas
E porque não divididas?
Numa estação em que parei
Encontrei um educador
Que me ensinou que ensinar
Há de ser com muito amor
Extrapolando teorias
Pra tudo ter mais sabor.
Fui menina do sertão
E junto com minha família
Mudamos pro Mato grosso
Aspirando uma nova vida
Um lugar muito afastado
Como se fosse uma ilha.
108
Não havia uma escola
Por aquelas redondezas
De ensino pré-escolar
Mas o meu pai com firmeza
Que gostava de ler versos
Fazia isso com beleza.
O meu pai colecionava
Os folhetos de cordéis
Como se fossem relíquias
Amava aqueles papéis
Ele os lia para nós
Exibindo os seus troféus.
Imagem 15- Literatura de cordel.
109
Eu ouvia ele ler
Em estado de contemplação
Naquela luz fraca e trêmula
Do nosso velho lampião
Depois ao ficar sozinha
Tentava entender o refrão.
De tanto admirar os folhetos
Andava com eles de lado
De forma que os livrinhos
Ficavam sujos e amassados
O meu pai ficava bravo
Exigindo mais cuidado.
Já estava bem crescida
Aos dez anos de idade
Até aquele momento
Por não morar na cidade
Não tinha ido à escola
Mas tinha necessidade.
Gostava muito de cantar
As músicas de Celi Campelo
Me vestia como ela
E com uma escova de cabelo
Fazendo de microfone
Cantava pra desmantelo.
110
“Fui à praia me bronzear
Me queimei, escureci
Mamãe me bronqueou
Nada de sol
Hoje só quero
A luz do luar
Tomo um banho de lua
Fico branca como a neve...”
Quando saía de casa
Não podia ver um letreiro
Nas casas e no comércio
Queria ler por inteiro
Aquilo que estava escrito
Com prazer e com esmero.
Partindo das minhas palavras
Meu pai me alfabetizou
Lá na sombra do alpendre
Mas um método utilizou
O caderno era o chão
Um lápis meu dedo imitou.
111
Depois voltei ao Recife
Com doze anos de idade
Lá eu pude ir a escola
Com muita felicidade
Encontrei uma professora
Que tinha criatividade.
Eu nunca a esqueci
Como a meu primeiro livro
Cada página uma descoberta
Experiência inesquecível
Gostava ainda mais de ler
Naquele ambiente livre.
Por ver o meu interesse
E gosto pela leitura
A professora me deu
Um livro de literatura
‘Dengoso, o jumento esperto’
não esqueço sua leitura.
E foi esta professora
Juntamente com meu pai
Que me mostraram os caminhos
Por onde essa estrada vai
Dando sentido a minha vida
Fazendo eu aprender muito mais.
112
Nas narrativas de Severina Falcão está evidenciada a influência da
leitura de folhetos de cordel como um acionador cognitivo que lhe
permitiu despertar para os processos de leitura e escrita. Percebe-se
que o grande desencadeador de suas descobertas foi seu pai, ao
favorecer o acesso a esses folhetos, e nas tentativas de alfabetizar a
filha, criando para isso um método próprio e utilizando os recursos de
que dispunha.
Agora nos fala Lisieux Monteiro que também é professora do
ensino fundamental. Nasceu em Perobas, lugar por ela denominado ‘O
Paraíso Terrestre’. A narrativa de Lisieux nos faz sonhar com uma
casinha de pescador numa praia quase deserta, banhada pela lua.
Pergunto a brisa do mar
O que tenho pra dizer
E ela me aconselha
Olhe bem para você
Leia a vida, leia o tempo
Na certa você vai ver.
Eu não vivi a campanha
De Djalma Maranhão
E nem tampouco fiz parte
De seu projeto para educação
Mas posso lhes adiantar
Que aprendi de pé no chão
113
Menina livre que era
Correndo descalça na praia
Catava conchinhas no chão
Fazendo uma trouxa na saia
Contava de 1 até 10
As conchinhas que achava.
Imagem 16- Jangadas NE- Brasil.
Com o dedo tracei letras
Na areia da praia e do rio
Também escrevia o nome
Que tinha o barco do meu tio
As ondas do mar passava
Levando tudo que viu.
Lisieux relata a história de uma menina que cresceu livre à beira
mar, aprendendo com a natureza e com as coisas simples que fazia
parte de sua vida. Aprendeu a contar usando os recursos oferecidos
pelo mar, como as conchas que ela juntava e efetuava contagens;
114
aprendeu a escrever, lendo palavras que estavam em seu contexto,
como o nome do barco do seu tio que ela escrevia no chão e, mais
tarde, a onda do mar levava. Sua narrativa permite a reflexão de que é
possível ensinar e aprender para além dos muros da escola, colocando
as crianças em contato direto com a natureza e tirando proveito das
coisas que ela tem para oferecer.
Após alguns segundos de silêncio, somos despertos pelo estalo
das brasas da fogueira e voltamos à realidade. Agora é a hora de Marta
se apresentar.
Olá, eu me chamo Marta
Venho dá o meu recado
Pra mostrar pra todos nós
Que o homem não é um ser isolado
É um ser em construção
Por isso não tá ilhado.
Ao passo que se realiza
E se avalia criticamente
Através da autobiobrafia
Organiza a sua mente
É um ser em construção
Vivendo socialmente.
115
Ele próprio é produtor
E produto da história
Situa fatos e acontecimentos
Do mundo em que ele mora
E faz leitura das coisas
Através da oratória.
A fantasia faz parte
Da minha vida passada
Do meu mundo infantil
Por ouvir contos de fadas
Fábulas também eu ouvia
Ficava maravilhada.
Na minha sala de aula
Muito ampla e ventilada
Havia o espaço dos contos
Era lindo e decorado
Com figuras infantis
Eu ficava impressionada.
Da primeira professora
Não recordo muito bem
Só dos seus contos de fadas
Que ela como ninguém
Contava pra seus alunos
Transportando-nos para o além.
116
Foi com ela que aprendi
A admirar esses contos
Para amenizar o medo
Tornando-se um contraponto
Dos contos de assombração
Que arrancava meu pranto.
Os contos de assombração
Contados por minhas primas
Deixavam-me arrepiada
Desde o pé até em cima
Os fios do meu cabelo
Subiam como uma crina.
Ao ouvir Marta contar dos seus medos em relação aos contos de
assombração, lembrei-me de uma narrativa de Cesário Verde, na qual
ele diz que seu medo tinha uma outra origem, provocado pelas histórias
que ouvia na infância, narradas por criadas e pessoas humildes que o
cercava. Diz ele:
“Nasci em Lisboa. Passei a infância na
propriedade rural de meu pai, em Linda-a-
Pastora. Fui criado entre muita gente
simples, sempre ouvindo as histórias das
criadas sobre os ladrões que “roubavam
para azeite a carne dos meninos”, ou as
“quadrilhas assaltando as quintas mais
117
bonitas e pondo a gente fina, em postas, de
salmoira”.
Lembro-me que eu e meus irmãos por
lobisomens, por papões, por bruxa, nunca
sofremos o menor receio. Mas fugíamos
assustados daquela gente sem nome, que
andava pelas ruas da província e que
morava nas histórias de terror que nos
contavam na infância. E eu fugia
aterrorizado daqueles que pechinchavam
um dinheiro: dos ceguinhos que chegam
das feiras a tocar guitarras e que rolam os
olhos como dois escarros, dos que mostram
as pernas pútridas, do aleijado com os pés
quadrados, do resmungão! Que barba! Que
sacolas! Cheirava a migas, a bafio, a
arrotos; de mendigazitas, sórdidas,
gorduchas; de um que cortada a mão,
coçava o coto, de um bêbado – o Camões
que fora rico e morreu a mendigar, zarolho.
(...) A infância com gente humilde ensinou-
me a ver a dor humana (...) A vida, com
suas cores e descolorida, foi a minha
matéria. Tudo o que vi, com a velocidade de
quem anda, misturou-se as minhas retinas
(...) Olhei o mundo real e não descurei das
minhas experiências passadas, impressão
doutros tempos, sempre viva, que se
transforma a cada nova vivência”
(Pascoalin, 1982, p.3-4).
118
Mas foi só um lampejo de memória que veio a minha cabeça e
logo voltei a ouvir a narrativa de Marta, como todos os outros.
Minha segunda professora
Chamava-se Maria Helena
Ela era tradicional
E isso era uma pena
Porque a sala de aula
Mais parecia uma arena.
Eu que era muito tímida
Não consegui me adaptar
E quando as minhas tarefas
Não conseguia executar
Ficava com muito medo
E começava a chorar.
Por medo e insegurança
Não queria ir mais a escola
Minha mãe ao perceber
Foi com pressa, sem demora
Falar com a professora
Bem no calor da hora.
119
Mas isso não resolveu
Porque ela não mudou
Seu jeito de trabalhar
Em nada se modificou
O meu medo e insegurança
Aí sim que aumentou.
Durante a minha infância
Nas horas que estava em casa
A companhia das bonecas
Era o que me confortava
A solidão e o silêncio
Um pouco me assustavam.
É que sendo filha única
E tendo que trabalhar todo dia
Meus pais saíam de casa
Antes de raiar o dia
Deixando-me sozinha em casa
O resto era eu que fazia.
Ao retornar da escola
Também estava sozinha
E quando as tarefas de casa
Fazer eu não conseguia
Começava a chorar
Sentindo-me muito vazia.
120
Para as minhas dificuldades
Acharam uma solução
Uma professora particular
Agora me ensinava a lição
Consegui ser aprovada
Sem muita preocupação.
Meu mundo de faz de conta
Aquele que eu possuía
Depressa desmoronou
E sem saber o que fazia
A professora roubou
Meu mundo de fantasia.
Imagem 17 Faz de conta.
121
Hoje tenho consciência
Do peso daquele ato
Contribuindo para o meu perfil
Formando meu auto-retrato
Que trago até hoje comigo
De timidez e recato.
Agora é a hora e a vez de Vera Lúcia contar sua trajetória de vida
e formação, não sem antes dizer que é educadora nutricional e que tem
muita afeição pelas idéias da complexidade, ao que Morin retribuiu com
um sorriso maroto.
O agir de uma pessoa
Não se encontra descolado
Do contexto e de sua vida
Não pode estar separado
Passado, presente e futuro
Parece que estão colados.
Os três verbetes traduzem
Uma gama de sentimentos
Sonhos, desejos e afeto
E também os sofrimentos
Carregados na bagagem
Levados a todo o momento.
122
Refletir a própria vida
É uma atitude essencial
Para a autoformação
Uma ação primordial
Na relação sujeito- mundo
Desvelar-se afinal.
Nasci de família pobre
De um bairro popular
Um barraco de madeira
Era esse o nosso lar
E em torno a violência
Que se possa imaginar.
Sofria as pressões de uma mãe
Que entendia a educação
Como única saída decente
Um tipo de solução
Pra ter bens materiais
E ter na vida ascensão.
Minha mãe acreditava
Que saber dava dinheiro
Era como uma poupança
Estudando tinha-se emprego
Por isso ela insistia
E não me dava sossego.
123
Meus avós analfabetos
Valorizavam a escola
Mas não faziam discurso
A todo tempo e toda hora
Deles eu me recordo bem
De suas mágicas histórias.
De entidades fantásticas
Que eles diziam ver
Lá no interior do estado
Logo ao anoitecer
Eram seres encantados
Como o saci pererê.
O meu avô possuía
Habilidades matemáticas
Fazia contas de cabeça
De uma forma muito prática
Comparava com meu ritmo
Eu não era nada rápida.
Moravam em uma granja
Pertencente a uma francesa
Esta tinha uma filha
Inspiravam realeza
Por toda parte da casa
As coisas tinham beleza.
124
Os objetos da casa
Instigavam a imaginação
Eu tentava descobrir
A sua utilização
E ficava encantada
Com tanta variação.
O contato com outra cultura
Deixava-me muito ativa
Prestava atenção em tudo
De forma provocativa
Isto operou em mim
mudanças significativas.
Lá tinha uma biblioteca
Com livros e revistas francesas
era tudo muito mágico
coisas de rara beleza
também era diferente
o que comia-se à mesa.
Estar ali naquela casa
Foi pra mim um aprendizado
Lá conheci valores
Como a generosidade
Que transbordava da alma
Das mulheres de bom grado.
125
Parti para os primeiros contatos
Da educação escolar
Não na escola formal
Mas com professor particular
Que preparavam crianças
Pra na escola ingressar.
Naquela ’escola’ vivi
Experiência marcante
Na casa da professora
Um animal provocante
Habitava uma árvore
Uma espécie de errante.
Imagem 18 – Preguiça2.
126
Era um bicho preguiça
Que minh’alma entorpecia
Borbulhava em minha cabeça
Aquela tamanha harmonia
Estar com aquele animal
O bê-a-bá transgredia.
Não prestava atenção
As coisas ali faladas
Só nos movimentos do bicho
De forma bem compassada
Eu viajava com ele
Ficava inebriada.
No entanto não tardou
A pintar a rejeição
Netinha foi a minha casa
Segurando-me pela mão
E disse a mamãe que eu era
Inapta a educação.
Aquele seu diagnóstico
Era uma coisa ruim
Ela falou que não podia
Nada fazer por mim
Eu era cabeça tapada
Jamais ia conseguir.
127
Mamãe tratou de encontrar
Outra professora, enfim
Que deu o mesmo diagnóstico
Sem nem olhar para mim
Tudo parecia sem jeito
A minha história é assim.
Mamãe resolveu então
Apelar para seus santos
Fez promessa em longo prazo
Pr’aquele meu desencanto
Pelo ensino da escola
Que não me causava encantos.
E foi assim que coloquei
Os pés na escola formal
Levando todas essas marcas
Da minha vida real
Mas muita coisa ficou
Naquela árvore do quintal.
Que abrigava a Preguiça
De forma harmoniosa
E naquela menina
De atitude curiosa
Que aprendeu a ligar
Saber, poesia e prosa.
128
A igreja em minha vida
Teve um papel formador
Primeiro por ouvir histórias
E os sermões do orador
Que me falavam das guerras
E de toda a sua dor.
A guerra do Vietnã
Compreendi na igreja
Também compreendi ali
A origem da pobreza
A vida é boa pra pensar
Isso aprendi com clareza.
Continuava na escola
Tímida e sem talento
Com dificuldades cognitivas
Mas parecia um tormento
Eu passava ano a ano
Sem muito contentamento.
Recebi muito castigo
E decorei tabuada
De cara para a parede
Estudei ajoelhada
Eu era uma aluna’ fraca’
Na escola e em casa.
129
Com a timidez tamanha
Não me aventurava a falar
Até na hora da chamada
Eu começava a rezar
Pra não chegar logo o “ V”
E ‘presente’ eu pronunciar.
Chegando na 5ª série
Como se fosse minha sina
Num rearranjo de alunos
Eu conheci Saturnina
Menina morena e risonha
Que mudou a minha vida.
Ela era muito alegre
Vivia sorrindo e contando
História pra todo mundo
E de mim se aproximando
Eu ria junto com ela
E as coisas iam mudando.
Estar com Saturnina
Compartilhar sua graça
Foi transformando minha vida
Como num passe de mágica
Já não sentia mais medo
Como uma nuvem que passa.
130
Não sentia mais vergonha
Das coisas que tinha antes
E as tarefas da escola
Já não eram massacrantes
Ganharam outros sentidos
As entendia num instante.
Conseguia estar na escola
Com um pouco mais de calma
Embora a timidez morasse
Nos recônditos de minh’alma
Sabendo que a alegria deve
Morar na sala de aula.
Dava-me conta na época
Mesmo sem ter entendido
Que algo muito profundo
Tinha a mim acontecido
Eu era muito mais feliz
A vida então tinha sentido.
Pensar sobre minha história
Muitas tramas desvendei
Da vida e da aprendizagem
Nos caminhos que tracei
Passei a produzir laços
Com os nós que desatei.
131
Busquei a felicidade
Na vida em todos os passos
Significativas foram as vivências
Que me levaram ao abraço
E me ligaram ao cosmo
Unindo-o a tudo que faço.
Foram quatro os caminhos
Dos saberes da minha vida:
Aprendi a sonhar e refletir
Sobre experiências vividas
Através da literatura
O humano reflete a vida.
Através da leitura dos livros
De macrobiótica zen
Aprendi a entender de comida
Fazendo assim, muito bem
O que nenhum tratado de nutrição
Pode ensinar a alguém.
Tomar contato e viver
As idéias da complexidade
Aprender a exercitar a escrita
E dizer com propriedade
Ao outro, da minha existência
Isso não há nada que pague.
132
Esses quatro elementos
Mudaram meu ser no universo
Ligaram-me a algo tão grande
No meu coração estão impressos
Difícil dimensionar o tamanho
Impossível dizer num verso.
As experiências narradas por Vera Lucia desvelam a importância
que tem a religação de saberes na vida de uma pessoa. Ela afirma ter
descoberto, a partir da reflexão que fez sobre suas experiências de
vida, que aquelas que foram de fato significativas, foram as que
permitiram o abraço. O abraço, noção tão cara ao pensamento
complexo, representa para Vera, a sua ligação com o cosmo e a
identificação de quatro estratégias, que ela denomina de caminhos
indispensáveis para seu processo de formação, funcionando como
estratégias de construção de novos conhecimentos. Estes caminhos,
como vimos, são a sua inserção na Literatura como forma de
compreender a condição humana; o estudo da macrobiótica zen que lhe
permitiu construir saberes que o curso de Nutrição não deu conta;
tomar contato e viver as idéias da Complexidade e poder pensar e
escrever sobre suas experiências de vidas, para dizer dela e de sua
existência, para ela mesma e para os outros.
133
Madrugada adentro, todos inebriados pelas histórias contadas, é a
vez do último convidado se apresentar. É Daniel Munduruku.
Nasci índio. Foi aos poucos, no
entanto, que me aceitei índio.
Relutei muitas vezes em aceitar
essa condição. Tinha vergonha,
pois o fato de ser índio estava
ligado a uma série de chavões que
se cuspiam em mim: índio é
atrasado, é sujo, preguiçoso,
malandro, vadio...
Imagem 19 – Daniel3.
Eu não me identificava com isso, mas nunca
fiz nada para defender minha origem.
Carreguei com muita tristeza todos os
apelidos que recaíam sobre mim: índio,
Juruna, Aritana, Peri... E tive de conviver
com o que a civilização tem de pior, isto é,
ignorar quem traz em si o diferente.
Ainda jovem me vi em crise de
identidade. Aceitar minha origem significava
abandonar uma série de comportamentos
que já tinha introjetado, e eu não tinha
muita coragem de fazer isso. Via que as
meninas da minha idade se afastavam de
mim e, por isso, associei o fato de ser índio
à idéia da falta de beleza. Seria eu feio?
Achava que sim. De outro modo, como
entender que as meninas se afastassem de
134
mim e não tivessem o mínimo interesse em
me namorar?
Nas minhas idas e vindas da aldeia
para a cidade é que pude ir entendendo o
que a cidade tinha para me oferecer. E foi
ouvindo as histórias que meu velho avô
contava que percebi o que os povos
tradicionais podiam oferecer à cidade. Foi
um caminho difícil de fazer, mas o início
dessa história se chamava Apolinário.
Apolinário era o nome do meu avô.
Era, porque já faz muito tempo que ele nos
deixou e foi morar na nascente do Tapajós,
lugar para onde vão as almas iluminadas.
Com ele aprendi a ser índio. É claro que,
naquela época, eu não tinha certeza disso,
mas desconfio que ele sabia exatamente
aonde queria chegar e foi me introduzindo
no universo da sabedoria indígena.
O relato de Munduruku permite uma reflexão sobre os objetivos
que o professor estabelece no trabalho de formação de seus educandos.
Será que, assim como o velho Apolinário, o educador sabe aonde quer
chegar com o seu conteúdo de ensino? Penso que para isso ser
possível, dentre outras coisas, é necessário que o educador conheça
bem seus alunos e tenha claro o caminho que percorrerão juntos. Para
ter clareza de tudo isso no processo educativo, é necessário que o
135
professor se reeduque, que reaprenda a ouvir, a observar e criar
espaços de escutas e trocas na sala de aula.
Hoje sou um saudoso e agradecido
neto. O interessante é que muito desse
conhecimento ele me passou sem dizer
palavra alguma. Ele o fazia no silêncio de
sua vida, na perfeita harmonia com que
vivia, na serenidade do seu rosto e no seu
assentar-se de cócoras, posição em que
permanecia horas a fio meditando
profundamente. Talvez tenha sido esta a
sua primeira grande lição: o silêncio.
Aqui se pode perceber a importância do saber ouvir, saber
observar, enfim, a importância do silêncio no processo de formação do
sujeito. Desde os primórdios da educação diz-se que, para ser um bom
educador, pressupõe dar o exemplo. Ou seja, não basta apenas ensinar
conteúdos prontos e acabados que o professor transmite sem sentir o
seu sabor, sem vivê-lo. Neste relato de Munduruku, observa-se que, em
sua cultura, os ensinamentos não são apenas transmitidos, mas vividos
por aquele que tem como tarefa, educar.
Quando o velho Apolinário morreu,
eu tinha apenas 12 anos de idade e
acompanhei meu pai ao seu velório na
aldeia. Naquela ocasião eu estava em
Belém do Pará, onde morava com meus
136
pais e estudava. Fiquei muito triste com a
notícia e fiz questão de acompanhar meu
pai. Quando cheguei lá, todos estavam
muito tristes. Fiquei olhando o rosto sereno
do meu avô. Ele já estava bem velhinho. Ao
fitar o rosto dele, tive a impressão de que
ele também me olhava, entrava em mim
para contar-me – talvez lembrar-me –
qualquer coisa de que eu já estava me
esquecendo. Foi aí que me lembrei de um
fato curioso.
Sempre que eu vinha da cidade para
a aldeia, chegava muito agitado, confuso,
inquieto. O velho ficava observando meus
movimentos de forma muito discreta, não
deixando que eu percebesse que ele
acompanhava meus modos. Num
determinado momento me convidou para
tomar banho no igarapé que corria perto da
aldeia. Fui sem atentar em nada que fosse
anormal no comportamento do velho. Ao
chegar ao rio, pediu que eu fosse até uma
pequena queda –d água, sentasse numa
pedra e observasse todos os movimentos
que o rio fazia. Não fazia idéia do que
pretendia. Enquanto permaneci ali, ele não
se moveu do lugar. Acocorou-se na parte
baixa do rio e jogou água sobre seu corpo
com as mãos em concha. Vez por outra
olhava para mim e apontava para água
137
como se disesse que eu também deveria
olhar para ela.
Passaram-se muitas horas. No final,
em vez de estar cansado por ter ficado
muito tempo muna posição pouco cômoda,
sentia uma estranha paz percorrer meu
corpo. Então se levantou e me chamou,
dizendo: “Hoje você aprendeu algo novo.
Nunca se deixe levar pelo barulho interior.
A gente tem de ser como o rio. Não há
empecilho no mundo que o faça sair do seu
percurso. Ele caminha lenta, mas
constantemente. Ninguém consegue
apressar o rio. Nunca ninguém vai dizer ao
rio que ele deve andar rápido ou parar.
Nunca apresse o rio interior. A natureza
tem um tempo, e nós devemos seguir o
mesmo tempo dela.”
Era assim o velho Apolinário. Homem
de poucas palavras, mas de sabedoria
infinita.
Em outra ocasião, o velho
surpreendeu-me com uma coisa tão bonita
que fiquei muito impressionado. Na última
vez em que fui à aldeia, ele me chamou de
lado, deitado na rede, sussurrou ao meu
ouvido: “Existem apenas duas coisas
importantes que as pessoas devem saber
para viver bem suas vidas:1) Nunca devem
se preocupar com coisas pequenas; 2)
Todas as coisas são pequenas”.
138
(...) Fiquei ainda mais surpreso
quando, nas minhas leituras sobre outras
culturas, encontrei as mesmas frases sendo
pronunciadas pelos velhos sábios de várias
delas. (...) o velho Apolinário não sabia ler,
nunca tinha viajado para outros lugares e,
no entanto, era possuidor de uma sabedoria
semelhante à dos grandes mestres
tradicionais.
Ali, estendido na rede, estava o
corpo do homem que me ensinou a ser
homem. Com sua morte, ele me fazia
nascer para a minha própria vida.
(...) foi o primeiro passo para
compreender a mim mesmo no universo. E
isso me dá um novo álibi para usar as
narrativas míticas para falar às pessoas
com a mesma paixão com que o velho
falava comigo. Acho que foi assim que
surgiu em mim o interesse de narrar
histórias para ajudar as pessoas a olharem
para dentro de si mesmas, compreenderem
sua própria história e aceitá-la
amorosamente (Munduruku, 2002, p.9-13).
Na verdade, quando Munduruku fala que as histórias contadas por
ele, ajudam as pessoas a olharem para dentro de si mesmas, a
compreenderem sua história e aceitá-la amorosamente, ele está
querendo dizer que, com essas histórias, seus interlocutores vivenciam
139
experiências formadoras, identificando-se com elas e refletindo sobre
suas experiências de vidas. Talvez Munduruku seja um dos educadores
de que fala Morin, comprometido com a reforma do pensamento e do
ensino, um educador que já tem consciência do sentido de sua missão.
Morin remete-se a Platão para falar da importância do Eros,
condição indispensável a todo ensino. O Eros “é a um só tempo, desejo,
prazer e amor; desejo e prazer de transmitir amor pelo conhecimento e
amor pelos alunos” (Morin, 2001a, p.101-102). O Eros permite dominar
a fruição do poder em favor da fruição ligada à doação, podendo
despertar o desejo e o prazer do aluno para aprendizagem. Daí porque
está no centro do debate sobre as teorias educacionais, o papel da
afetividade no processo de construção do conhecimento. Elemento
indispensável na relação dos sujeitos envolvidos no processo de ensino
e aprendizagem.
140
Ressurgindo das Cinzas:
O educador como Fênix
...Conte sua história nesta
fogueira antes que ela
se apague.
Noé F. Massango.
141
"um homem só se pode desenvolver
tecendo-se com outro".
Cyrulnik
A Fênix que ressurge das cinzas é tomada no texto para lembrar a
necessidade urgente que tem o educador de repensar sua prática
pedagógica a partir de sua própria formação; despertar para a
necessidade de uma autoformação e de uma auto-organização que
possam contribuir para o processo de formação dos seus educandos.
Um exemplo de como é possível a auto-organização do sujeito são as
experiências de vida do grande educador Comenius, considerado o
fundador da Didática e, em parte, da pedagogia moderna. Ainda muito
novo, Comenius perdeu toda a família: pai, mãe e irmãs, sendo
entregue a seus tutores que negligenciaram por completo a sua
educação. Somente aos dezesseis anos é que começou a ter aulas de
latim e aprendeu os rudimentos da leitura, escrita, cálculo e catecismo.
Tais circunstâncias despertaram em seu espírito o desejo de saber.
Como se fosse uma preparacão para tornar-se o erudito que viria a ser
no futuro, não parou de esforçar-se para reaver o tempo perdido.
Decepcionado com as escolas que freqüentava, dedicou-se a estudar
sobre os fundamentos da educação de crianças. Escreveu gramática em
latim para diminuir o custo desses cursos. Construiu escolas para
facilitar o acesso às pessoas a um custo mais baixo. Foi muito
perseguido pelas suas idéias e seu credo e, durante as várias guerras
142
de cunho religioso, perdeu por duas vezes sua família: esposas e filhos.
Essas perseguições, porém, não o desencorajava a continuar apostando
em seus ideais e na reconstrução permanente se sua vida.
Assim como na história de
Comenius, a polifonia das
experiências narradas na fogueira
demonstra que, na tessitura de
nossas vidas, percorremos uma
certa jornada incerta, composta por
períodos ora favoráveis ora
desfavoráveis, mas que são
necessários para a construção do
sujeito. O desenvolvimento da vida
Imagem 21- Fênix.
apresenta-se como uma seqüência de tentativas de ‘ajustamentos’ das
nossas condições de existência, o que é próprio do humano, um ser
inacabado, vivendo situações de limites na busca de novos patamares.
Nessa busca permanente de novos patamares, penso eu que a
escrita dessa dissertação me proporcionou uma longa e profunda
viagem a meu universo interior, por meio do resgate de minhas
experiências de vida, da minha história. Com isso aprendi uma outra
forma de me olhar e me perceber como pessoa e, principalmente, como
educadora. Compreendi que a chave para o nosso desenvolvimento e
143
construção de conhecimentos está dentro de nós, de nada adiantando ir
buscar fora. O que nos falta é o exercício do olhar e o desejo do
encontro com nós mesmos. Mas nem sempre essa aprendizagem
acontece espontaneamente. É por isso que, ao final dessa dissertação,
faço um alerta a todos que se lançam na arte de educar e formar
sujeitos. Remetendo-me a Montaigne, reafirmo que de nada adianta
uma cabeça cheia de informações: a melhor proposta é formar ‘cabeças
bem feitas’, cabeças pensantes, cabeças cujos pensamentos estejam
em constante reforma, como propõe Morin.
O educador que se propõe formar ‘cabeças bem feitas’ estará
certamente atento a diluir a supremacia de um saber sobre o outro.
Essa atitude vai de encontro a práticas educativas tradicionais que se
prestam tão bem ao atrofiamento das mentes humanas, em vez de
desenvolvê-las.
Por isso, mais uma vez, inspirada em Estés, convido a todos que
se consideram formadores, a adotar como tarefa primeira, em seus
cursos de formação, a proposta de conhecimento e autoconhecimento
do sujeito em formação, não importando o nível de escolaridade. Que
peçam a seus alunos para contar suas histórias, dêem a palavra, como
propõe Estés, às crianças, aos jovens, aos velhinhos resmungões e
também aos próprios professores em seus processos de formação.
144
Que realizem na prática, o que Josso (2004) propõe sobre a
associação ativa entre a busca da felicidade e a busca de conhecimento,
que leva a uma cosmo-estética transpessoal, permitindo-nos pensar e
agir, associando o belo ao respeito pelo outro e pelo seu ambiente. Para
isto, é necessário que a busca da felicidade esteja associada à busca de
sentido na construção de uma cosmo-ética transpessoal e à construção
de uma cosmogonia, resultante da busca de sentido e da busca de
conhecimento. Ou seja, a construção de um conhecimento capaz de nos
proteger do excesso de informação e da fragmentação, conseqüências
de uma civilização que privilegia o conhecimento técnico. A construção
desse outro conhecimento deverá ter como matriz as experiências do
sujeito em formação.
Devo confessar que acredito no caminho que tracei para esta
pesquisa, enveredando-me pelas minhas próprias narrativas de vida
como forma de refletir sobre o meu processo de formação. Com o fio de
Ariadne teci o encontro de vários autores, fazendo-os dialogar sobre
suas experiências e refletir sobre elas. Valendo-me dos versos do poeta
Antonio Machado que diz que ‘o caminho se faz ao andar’, proponho aos
educadores dessa nova ‘era planetária’ que pensem sobre seus
percursos e experiências de vida. Eles são os fundamentos dos nossos
conhecimentos. Reflitam sobre aquilo que na incerteza do caminhar foi,
aos poucos, constituindo, formando e transformando os sujeitos que
são hoje. Creio que o educador que exercita esse caminhar para si, é
145
um educador que compreende melhor os processos de desenvolvimento
de seus alunos, tratando-os como alguém que tem uma história, que
experimentou e vivenciou situações ao longo da sua vida, e que,
portanto tem algo a dizer, podendo desenvolver seu capital cognitivo a
partir do exercício de repensar a si próprios nessas experiências.
As impressões apresentadas nas narrativas de histórias de vida
dos sujeitos da pesquisa apontam sempre para o descompasso que a
escola mantém em relação às vidas e necessidades de seus alunos.
Morin, por exemplo, lia os livros de literatura escondido dos seus
professores na hora das aulas. Não seria uma das funções principais da
escola estimular o gosto e o prazer pela leitura? Essa é uma das mais
importantes vias de acesso ao conhecimento. No entanto, a escola
determina o que e quando deve ser lido, exercendo um forte controle
sobre o conhecimento que deseja transmitir.
Exemplo semelhante desse descompasso se repete na narrativa
de Maria Zilma em que suas atividades criativas, como confeccionar os
próprios brinquedos e bonecas de pano, não tinham vez na escola; sua
veia para representar, dando vida a seus heróis, ficava, também,
limitada ao palco de suas vivências fora da escola. E o que dizer do
mundo do ‘faz de conta’ de Marta que a professora fez questão de
desmoronar? E da ‘rosa’ Elis Regina, cuja primeira pétala foi a
professora a arrancar?
146
As experiências narradas na sua grande maioria por professores,
esses questionamentos sobre o fazer docente nas escolas por onde
esses sujeitos passaram, são reveladores de aprendizagens e
apropriações acerca do exercício profissional, que fazem com que esses
sujeitos, ao se lançarem para trás, no encontro com os sentimentos
provocados pelas experiências primeiras, ao lembrarem as suas
trajetórias de escolarização, possam refletir sobre sua própria prática
docente, numa perspectiva autoformativa e auto-organizadora.
Essa tomada de consciência sobre nossas trajetórias permite
nossa auto-organização como sujeitos, já que o fenômeno da
consciência pressupõe a existência de um conhecimento. Segundo
Atlan, somos todos “dotados de uma memória que quando se
manifesta, (...) constitui nossa consciência, presença do passado”
(1992, p.119). Através da memória, o passado se presentifica e se
auto-organiza, constituindo possibilidades de devires. Certamente os
professores que puderam refletir sobre suas trajetórias, a partir da
narrativa de suas experiências, compreenderão melhor os alunos que
desviarem seus olhares para apreciar um bicho preguiça, que, por
ventura, ainda possa aparecer numa árvore do quintal; favorecerão
espaços prazerosos de leitura em sala de aula para que não seja
necessário que seus alunos escondam os livros nos meios das pernas
para lê-los; terão curiosidade em conhecer os heróis de seus alunos e
permitirão que eles tenham uma vida inteira também na sala de aula.
147
Enfim, todos nós temos que reconhecer que nossos alunos são
sujeitos se suas próprias histórias e de seus processos de conhecimento
e que essas histórias, ao contrário das virgens do conto ‘As Mil e uma
Noites’, não devem morrer. Nesse início de século XXI, e para tomar
para si, o papel de acender a fogueira de uma nova humanidade, nós
precisamos assumir o papel de Sherazádes do conhecimento, propondo
uma continuidade de histórias em que o suspense seja o auge, o fio que
tecerá as relações no grupo, a construção e renascimento de novos
sujeitos, permitindo, assim, o grande abraço dos sujeitos entre si, e
desses com seus saberes.
Se os educadores pensam que não têm mais nada a fazer, que
não têm mais histórias a contar, que criem um espaço onde todos
possam narrar suas experiências e contar suas próprias histórias.
Assim, seremos todos envolvidos e aquecidos pela atmosfera
aconchegante da fogueira do conhecimento, desenvolvendo os
sentimentos maiores da ética, da solidariedade e do respeito mútuo.
Essa é a história da formação e da autoformação que eu sei
contar. Certamente há tantas outras histórias que complementam essa.
Quem quiser e souber, que conte outra...
148
O Lume da fogueira:
iluminadores
Brilho de fogueira.
Na escuridão da mata,
Olhos de coruja.
Hikami.
149
ALARCÃO, I. (org). Formação Reflexiva de Professores- Estratégias
de supervisão. Portugal: Porto Editora Ltda, 1996.
ALCÂNTARA, M. Z. de. Relato de uma Formação Educacional: uma
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