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Universidade Federal do Amazonas
Instituto de Ciências Humanas e Letras
Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia
“ Se essa rua fosse minha...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Rodrigo Capelato
Manaus
2008
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Universidade Federal do Amazonas
Instituto de Ciências Humanas e Letras
Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia
Rodrigo Capelato
“ Se essa rua fosse minha...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal
do Amazonas, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, área
de concentração Processos Socioculturais na Amazônia.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo José Batista Nogueira
Manaus
2008
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Rodrigo Capelato
“ Se essa rua fosse minha...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal
do Amazonas, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, área
de concentração Processos Socioculturais na Amazônia.
Aprovado em 07 de maio de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ricardo José Batista Nogueira, Presidente
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Profª. Drª. Marisa Varanda Teixeira Carpintéro, Membro
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Prof. Dr. Sérgio Ivan Gil Braga, Membro
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Universidade Federal do Amazonas
ICHL – Instituto de Ciências Humanas e Letras
Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia
“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
À Manaus,
que aqui me acolheu, e,
ao percebê-la enquanto cidade,
tenho tido a oportunidade de crescer
a cada dia enquanto Arquiteto e Urbanista.
Universidade Federal do Amazonas
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Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia
“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Agradecimentos:
Apesar da natureza individual de um trabalho de dissertação, ele só torna-se possível
graças a contribuições de uma série de personagens cuja relevância revela-se em vários
momentos do meu caminhar, a quem sou eternamente grato.
Primeiramente, a Deus, pela força invisível, confirmando a certeza de que em nenhum
momento estive só nesta caminhada.
A minha família, em especial aos meus pais, que sempre compreenderam a minha
ausência e, acima de tudo, jamais hesitaram em me apoiar.
Aos amigos que – mesmo querendo ir – às vezes os deixei esperando, por achar que
era preciso terminar este trabalho.
Aos “colegas de trabalho”, pelas incansáveis discussões e reflexões, confirmando
sempre que era preciso continuar.
Aos meus professores e colegas do mestrado, pelos momentos ricos compartilhados
nos encontros promovidos por esse Programa de Pós-Graduação.
Aos meus orientadores: Prof. José Aldemir de Oliveira, pela paciência no início dessa
trajetória, e da mesma forma, ao Prof. Ricardo José Batista Nogueira, pela coragem em
mergulhar no meio do processo e por acreditar no desafio deste trabalho.
Enfim, a todos que de alguma forma marcaram este trabalho...
Muito Obrigado!
Universidade Federal do Amazonas
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“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Viver é desenhar sem borracha.
Millôr Fernandes
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“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Resumo:
As apropriações ou (re)criações do espaço público – por meio do comércio informal – têm
registrado sua atividade em praticamente todas as cidades brasileiras como uma modalidade
de comércio e uma reação aos limites da urbanização, utilizando formas alternativas na
criação de novas possibilidades de inserção social. Seus protagonistas são chamados de
ambulantes ou camelôs, e sua forma de comercialização direta acaba oferecendo ao
consumidor um produto sem especulação usual, sem taxas, impostos ou licenças a pagar.
Enquanto cenário, acontece no espaço público – geralmente no cotidiano das áreas centrais -
ultrapassando as barreiras do planejamento urbano, surgindo em meio às frestas da própria
cidade, transformando e reorganizando os espaços por conta de seus anseios, tomando uma
dimensão que passa a ameaçar as instâncias legais do ambiente citadino, afinal, não
compartilha seus lucros com o aparelho do Estado. Este mesmo Estado – na intenção de
controlar o espaço - manipulado pelo processo de acumulação do capital por meio das
demandas das classes dominantes, passa a enxergar neste tipo de comércio a formação de um
espaço conflituoso e, acima de tudo, caótico. O resultado desse comércio contempla um
conjunto de atividades econômicas e heterogêneas, onde não existe o predomínio de relações
assalariadas, mas sim de profissionais autônomos. Funciona, portanto, como uma atividade de
baixa capitalização e produtividade, pois, geralmente, tem uma baixa ou nenhuma capacidade
de geração de excedentes, sendo considerado como uma “válvula de escape” para aqueles que
não conseguem um posto de trabalho na economia formal; ou como um “mal necessário”, na
medida em que em situação de desemprego esta atividade substitui a criminalidade. Com o
intuito de descortinar a atividade informal do Centro de Manaus - buscando suas
peculiaridades - foram somadas apreciações teórico/empíricas a uma pesquisa realizada pelo
SEBRAE/AM, objetivando definir o “típico camelô de Manaus”. Os dados tiveram a
preocupação em conjugar questões econômicas, urbanas e sociais atentando para não
exclusividade de determinada área específica. Além disso, dos 1.996 camelôs entrevistados
pelo SEBRAE/AM, foi possível também identificar quem deseja tomar parte em um
empreendimento, como micro-empresário; quem deixaria de ser camelô, caso tivesse uma
oportunidade; e quem não deixaria de ser camelô em hipótese alguma. O estudo revelou ainda
que o Estado, enquanto gestor da cidade, precisa considerar - em se tratando do problema da
informalidade - soluções a longo prazo, com verdadeiro comprometimento social, atentando
para a dinâmica do homem no espaço, buscando uma cidade para todos, deixando de lado as
preocupações em solucionar apenas os conflitos explosivos pontuais.
Palavras-Chave: Comércio Informal, Planejamento Urbano, Manaus.
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“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Abstract:
Appropriations or (re)creations of public space through informal commerce has marked its
presence and activity in practically all Brazilian cities as a special form of commerce and as a
reaction to urbanization limits, utilizing alternative forms for creation of new possibilities of
social insertion. As protagonists of the described process, so-called camelôs or street sellers,
and their peculiar way of straight commercialization end up offering to the final consumer a
product without the usual speculations, free of taxes or license fees. As for the scenario of the
process we find it takes place in the public space, generally on the everyday of central areas
bypassing the barriers of urban planning, emerging in the midst of the city’s gaps,
transforming and reorganizing spaces on behalf of their cravings and wishes, turning to a
dimension that poses itself as a threat to legal instances of civic ambiences since, after all,
their profit is not shared with State government. Willing to control spaces, this same State,
manipulated by the capital accumulation process driven by demands of dominating social
strata, sees in this kind of commerce the formation of a conflictive space and above all
chaotic. The result of this commerce contemplates a set of economic and heterogeneous
activities where there is no predominancy of salaried relationships but of autonomous
professionals. Therefore it works as a low production and low capitalization activity, as it
generally has a low or even no capacity of surplus generation, being considered as an “escape
valve” for those who cannot get a job under the rules of the formal economy; or as a
“necessary evil” as long as in an unemployment situation this activity substitutes criminality.
With the aim of unveiling informal activities in the city center of Manaus, looking for its
peculiarities, theoretic and empiric appreciations were gathered and presented in this work.
Moreover, a research performed by SEBRAE/AM is also presented, aiming to define the
typical so-called “camelô” of Manaus. During data gathering the conjugation of economical,
urban e social matters were a preoccupation, paying attention to the non-exclusivity of a
specific area. Furthermore, based on the 1.996 interviewed “camelôs” it was also possible to
identify those who wish to take part in an entrepreneurship adventure as a small businessman;
those who wish to give up being a “camelô” in case an opportunity arises and those who
would not give up being a “camelô” on no account. The study here presented yet revealed that
the State, as city manager, considering the problem of informality, needs to ponder about
long-term solutions with strong social commitment, focusing on the dynamics of man in space
searching a city for all without to consider the worries to solve only specific explosive
conflicts.
Keywords: Informal Commerce, Urban Planning, Manaus.
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“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Lista de Figuras:
Figura: Título: Página
Figura 01: Apropriações: sem-teto. São Paulo / SP. 48
Figura 02: Apropriações: artista de rua. Manaus / AM. 48
Figura 03: Apropriações: catador de papel. São Paulo / SP. 48
Figura 04: Apropriações: Igreja da Matriz. Manaus / AM. 48
Figura 05: Apropriações: permissionários. Manaus / AM. 49
Figura 06: Apropriações: estátua viva. Parque do Ibirapuera. São Paulo / SP. 50
Figura 07: Apropriações: Parada GLBT. Manaus / AM. 51
Figura 08: Apropriações: Círio de Nazaré. Belém / PA. 51
Figura 09: Comércio Informal: ambulantes dispersos. Manaus / AM. 51
Figura 10: Comércio Informal: ambulantes dispersos. Manaus / AM. 51
Figura 11: Comércio: o informal e o formal. Manaus / AM. 52
Figura 12: Comércio Informal: vendedor de CD’s. Manaus / AM. 54
Figura 13: Comércio Informal: vendedor de CD’s. Manaus / AM. 54
Figura 14: Comércio Informal: apropriação nômade. Manaus / AM. 55
Figura 15: Comércio Informal: apropriação fixa. Manaus / AM. 55
Figura 16: Comércio Informal: Centro de Manaus. Manaus / AM. 56
Figura 17: Comércio Informal: ocupação rarefeita. Manaus / AM. 56
Figura 18: Comércio Informal: ocupação rarefeita. Manaus / AM. 56
Figura 19: Comércio Informal: carrinho de merenda. Manaus / AM. 57
Figura 20: Comércio Informal: tripé fotográfico. Manaus / AM. 57
Figura 21: Centro de Manaus. Atlas Municipal. Manaus / AM. 74
Figura 22: Centro de Manaus: fluxos e pontos de dispersão. Manaus / AM. 83
Figura 23: Centro de Manaus: uso e ocupação do solo. Manaus / AM. 84
Figura 24: Comércio Informal:
Rua Marquês de Santa Cruz. Manaus / AM. 84
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A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Lista de Gráficos:
Gráfico: Título: Página
Gráfico 01: Escolaridade dos camelôs. 78
Gráfico 02: Camelôs / Tipo de moradia. 79
Gráfico 03: Profissões antes de se tornarem camelôs. 80
Gráfico 04: Pontos de maior concentração. 82
Gráfico 05: Aquisição de mercadorias / Fornecedores. 85
Gráfico 06: Dificuldades para aquisição de empréstimos. 88
Gráfico 07: Expectativas quanto ao negócio / Expectativas mais citadas. 90
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A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Lista de Quadros:
Quadro: Título: Página
Quadro 01: Rota Migratória / Maiores Estados. 76
Quadro 02: Rota Migratória / Estados de origem dos camelôs. 76
Quadro 03: Escolaridade dos camelôs. 78
Quadro 04: Profissões antes de se tornarem camelôs. 80
Quadro 05: Pontos de maior concentração. 82
Quadro 06: Aquisição de mercadorias / Fornecedores. 85
Quadro 07: Produtos comercializados pelos camelôs. 86
Quadro 08: Expectativas quanto ao negócio / Expectativas mais citadas. 90
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“ Se essa rua fosse minha ...”
A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
Sumário:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS: ................................................................................................................ 01
INTRODUÇÃO: .......................................................................................................................................... 04
Desenho Urbano: uma proposta metodológica.
As contradições sócio-espaciais do espaço público. ......................................................................... 07
CAPITULO I: A CIDADE COMO LUGAR DO POSSÍVEL! .............................................................. 09
Entendendo o processo de apropriação do espaço público.
O Espaço Público. ........................................................................................................................... 09
As interferências do Setor Terciário no ambiente citadino. ............................................................ 12
O comércio de rua: camelôs, ambulantes, mascates, biscateiros. ................................................... 16
Democracia social urbana?! ............................................................................................................ 20
A lei do desenvolvimento desigual e a emergência do comércio ambulante.
Metamorfoses Urbanas: a história espacial seletiva. ........................................................................ 27
O Espaço Recriado. ......................................................................................................................... 33
Espaço e Lugar: duas dimensões da cidade. ..................................................................................... 38
CAPITULO II: A CASA DA MÃE JOANA! ........................................................................................... 39
Cidade, sociedade e (re)criação do espaço público.
A cidade como lugar da reprodução da vida. .................................................................................. 39
O que é Acontecimento?! ............................................................................................................... 42
Acontecimento Urbano. .................................................................................................................. 45
O Escapismo. .................................................................................................................................. 59
CAPITULO III: BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR! ............................................................ 63
As máquinas de guerra contra os aparelhos de captura. ................................................................. 66
“A César o que é de César!” ........................................................................................................... 71
CAPÍTULO IV: O MUNDO DAS CALÇADAS! .................................................................................... 73
Conhecendo o comércio informal do Centro de Manaus.
Origem dos camelôs e migrações. .................................................................................................. 76
Nível de escolaridade dos camelôs. ................................................................................................ 78
Camelôs: tipo de moradia. .............................................................................................................. 79
Profissões: antes de se tornarem camelôs. ...................................................................................... 80
Centro de Manaus: pontos de maior concentração. ........................................................................ 81
Aquisição de mercadorias: fornecedores. ....................................................................................... 85
Produtos comercializados pelos camelôs. ....................................................................................... 86
Empréstimos: dificuldades para obtenção. ..................................................................................... 88
Expectativas quanto ao negócio. ..................................................................................................... 90
Sínteses. .......................................................................................................................................... 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS: E AGORA? QUE CAMINHO SEGUIR? ............................................ 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ..................................................................................................... 97
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1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
Quando discutimos nosso próprio trabalho, temos de nos perguntar o que
adquirimos de quem. Pois tudo o que descobrimos vem de algum lugar. A fonte não
foi nossa própria mente, mas a cultura a que pertencemos (Hertzberger, 1999, p.5).
Um trabalho de dissertação, embora seja um exercício individual, só torna-se possível
devido às contribuições fornecidas por aqueles que tratam diretamente e indiretamente da
temática considerada pelo pesquisador. Tais contribuições são de extrema relevância na
estruturação e na sistematização deste trabalho
1
.
O desenvolvimento desta pesquisa pode ser comparado à confecção de uma colcha de
retalhos, atividade executada por um artesão que, ao recortar e emendar pedaços de pano com
dimensões e cores diferenciadas, vai dando uma forma colorida e geométrica àquilo que
parecia, anteriormente, impossível de juntar
2
.
Embora esta tentativa não seja pioneira – dado que a temática relativa à ocupação da
cidade pelo comércio ambulante foi e é tratada por outros pesquisadores – torna-se rica por
promover um “mergulho de fôlego” em algumas contribuições existentes e importantes na
elucidação da temática a partir da dimensão espacial e do planejamento urbano.
Dessa forma, a vontade de desvendar a apropriação, ou melhor, a (re)criação do
espaço público no centro da cidade de Manaus se apóia em três aspectos inter-relacionados: o
da escolha do objeto de estudo, o desvendamento do objeto de estudo e, por fim, o do
delineamento e a descoberta da interseção objeto de estudo / pesquisador.
O primeiro momento, o da escolha do objeto de estudo, consiste na aproximação
1
O ponto de interseção entre o objeto de estudo e o pesquisador, percebe-se com o tempo. Embora de início, a
escolha do tema de análise possa parecer ocasional, é devido, todavia, a uma vivência espacial e temporal que
leva o pesquisador a optar pelo estudo deste ou daquele aspecto da realidade.
2
A metáfora, acima apresentada, aponta à articulação trabalho individual / conhecimento coletivo, quando
apresenta as diversas “possibilidades” teórico-metodológicas existentes e que estão representadas nos retalhos
coloridos e multiformes, e o pesquisador – no caso o artesão – passa a considerar essas “possibilidades” na
delineação de deu trabalho. Este esforço, representa pois, a possibilidade de, a partir de uma reflexão em torno
de como vem sendo tratada a temática em questão e como se pode construir, a partir daí, um entendimento sobre
o tema proposto.
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A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
2
inicial e sem compromisso do pesquisador com o objeto a ser pesquisado. Compara-se ao
momento da escolha de um nome para um filho que, inicialmente, pode aparentar
ocasionalidade, embora tal escolha signifique a negação de todos os outros nomes e a adoção
daquele nome específico.
A escolha deste tema foi feita em meados de 2004, quando percebida a lógica deste
tipo de comércio, a atuação desses atores sociais e, principalmente, o redesenho urbano
proporcionado pelos mesmos.
Com a escolha do objeto de estudo, foi resolvida a primeira problemática do
pesquisador, emergindo para o segundo momento: o desvendamento do objeto de estudo. A
distinção em relação ao momento anterior é que nele se buscou transcender a aproximação, ao
iniciar-se o aprofundamento da temática considerada.
Caracterizador desse momento é um indicativo lançado na minha formação de
arquiteto e urbanista, onde percebia a ênfase de alguns professores, no ato de se perder na
cidade como sinônimo de enriquecimento, por significar a superação do aparente, do palpável,
da realidade dada e que mascara o processo que a move. Perder-se seria sinônimo de
aprofundamento, busca, necessidade de conhecimento, capazes de desvendar os simulacros
existentes e que distinguiriam o senso comum do saber cientifico.
Esse perder-se culminou na descoberta do Planejamento Urbano como mecanismo de
entendimento dos conflitos e conjugações que se armam e desarmam sem parar em muitos
níveis dentro da cidade e, finalmente na sistematização do projeto de pesquisa apresentado no
Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal
do Amazonas, no primeiro semestre de 2005.
Na pós-graduação surgiu a oportunidade de aprofundamento das reflexões sobre o
objeto de estudo, dado que aponta para o terceiro momento: o delineamento e descoberta do
ponto de interseção do objeto de estudo com o pesquisador, o que apontou (e ainda tem
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3
apontado) para a necessidade de entendimento do processo de constituição da sociedade
urbana, a cidade, bem como a relação Estado-espaço e finalmente a relação espaço-tempo.
Continuo me perdendo...
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4
INTRODUÇÃO:
Desenho Urbano: uma proposta metodológica.
A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer coisas belas – nem em fazer
coisas úteis, mas em fazer ambas ao mesmo tempo – como um alfaiate que faz
roupas bonitas e que servem. E, se possível, roupas que todos possam usar, não só o
imperador (Hertzberger, 1999, p.174).
Existem diversas teorias e propostas metodológicas para analisar a cidade, ou melhor,
o desenho urbano da cidade. Nenhuma delas é completa e suficiente por si própria e todas
vêm acompanhadas as metodologias de planejamento urbano e arquitetura já conhecidas, que
continuam sendo necessárias para a análise e o desenho do urbano.
Diversas metodologias de desenho urbano, no entanto, nos levam as diferentes
dimensões de análise da cidade e consequentemente a compreensões diferenciadas. Esse fato
evidencia a complexidade do fato urbano e elencar uma única metodologia qualquer, seria um
equívoco, afinal, a ciência ainda não encontrou uma teoria suficientemente holística para nos
permitir uma compreensão completa do urbano.
Assim, concluí-se que para o desenho urbano (em termos de análise e execução)
necessita-se do conhecimento de diversas delas, utilizando-se de cada uma conforme a
especificidade do problema, e podendo fazer uso de diversas visando sua complementaridade.
Na tentativa de compreensão do fato urbano os radicalismos teóricos são extremamente
prejudiciais, por não possuir – às vezes – uma teoria e um procedimento metodológico
embasado para atuação
3
.
Ao tomar conhecimento disso, este trabalho têm buscado, enquanto enfoque
metodológico, a mesclagem de teorias e procedimentos de análise do espaço, na intenção de
um aprofundamento frente às apropriações sociais do espaço público, concentrando suas
reflexões a seguinte tríade de conceitos:
3
A metodologia deste trabalho se fundamenta na construção de um modelo, um objeto teórico possível, a partir
de informações teóricas que incidem sobre a realidade, através da realimentação incessante entre o contexto
conceitual utilizado e as observações empíricas.
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5
O Espaço Concreto: corresponde à materialização do espaço através das edificações, dos
planos urbanísticos, das áreas de lazer, agregando as formalidades do urbanismo universal, da
sociedade ocidental, do capitalismo, do poder do Estado e as contradições estabelecidas nessa
tentativa de sobreposição entre o ordenado e o desordenado, o caos e a harmonia, o certo e o
errado, o legal e o ilegal
4
. Manifesta-se através de uma intenção plástica caracterizada por um
“olhar externo” onde se materializa carregada de estigmas urbanos que às vezes não se
aproxima de nenhuma forma do usuário, porém, também pode registrar espacialidades
democráticas geridas a partir de um pré-diagnóstico onde o indivíduo tem voz e é respeitado,
apresentando uma proposta pertinente e bastante próxima das demandas sociais vigentes,
materializando assim uma expressão plástica a partir da vontade dos atores sociais.
O Espaço Vivido: corresponde à percepção dos agentes sociais, adequando o Espaço
Concreto a partir de suas necessidades em uma relação direta com a prática social instaurada
5
.
Dessa forma, confirma o indivíduo como agente social ativo no processo de produção do
espaço, que se manifesta - nunca de forma neutra ou pura - refletindo, na sua totalidade, as
contradições da sociedade.
É importante destacar que essas duas categorias não ocorrem de forma separada,
demarcando uma relação onde uma depende da outra para acontecer, afinal o espaço vivido
somente se manifesta a partir da percepção crítica ao espaço materializado, consolidado, ou
melhor, construído.
... no espaço se encontram a brecha objetiva (sócio-econômica) e a brecha subjetiva
(poética). No espaço se inscrevem, e ainda mais, se realizam as diferenças, da
menor à extrema. (...) Obra e produto da espécie humana, o espaço sai da sombra,
como um planeta de um eclipse (Lefebvre, 1976).
4
Para Henri Lefebvre: “Se existe uma lógica do espaço, é através do espaço construído que ela se manifesta”.
5
Para Henri Lefebvre: “A chamada prática social depende da constatação empírica”.
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6
Espaço Recriado: corresponde a somatória entre o Concreto e o Vivido, suas contradições e
suas estratégias de sobrevivência (neste caso, as (re)criações do espaço público pelo comércio
de rua).
Essa tríade resulta numa soma aritmética - no mínimo ousada - para o entendimento do
espaço urbano, em especial, do espaço público e suas apropriações. Em outras palavras:
Espaço Concreto + Espaço Vivido = (Re)criação Social do Espaço
- desenho. - Agentes Sociais: - Produto das contradições da sociedade.
- morfologia. percebendo e adequando
- tipologia urbana. o espaço a partir das suas
necessidades: cotidianidade.
O principal facilitador da interpretação do indivíduo mediante o espaço construído
concentra seus esforços na chamada teoria tempo-espaço, que passa a assumir o fio condutor
de todo processo de produção e de (re)criação do espaço citadino, buscando sempre possíveis
adequações para a concreticidade que se instala.
A Geografia Têmporo-espacial procura analisar as atividades dos indivíduos e das
sociedades em função das variáveis tempo e espaço, visando traçar as trajetórias
dos ritmos de vida (diários, anuais e da própria duração da vida) assinalando a
alocação de tempo despendido nas diversas atividades e nos vários lugares. O
contexto abrangido pelo território ao alcance do indivíduo, ou da sociedade,
corresponde ao seu meio ambiente, dentro do qual ele executa suas atividades,
considerando as escalas temporais do dia, do ano ou da própria vida (Christofoletti,
1985, p.29).
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7
As contradições sócio-espaciais do espaço público.
Quanto mais uma pessoa está envolvida com a forma e o conteúdo de seu ambiente,
mais esse ambiente será apropriado por ela e, assim como toma posse de seu
ambiente, o ambiente se apossa dela (Hertzberger, 1999, p.170).
A cidade é um conjunto de lugares que interagem entre si com maior ou menor
intensidade. A unicidade do meio urbano resulta da diversidade, da heterogeneidade e não da
homogeneidade. A identidade urbana é alcançada pela concepção de cada lugar como sendo
único, e cumpre ao planejador urbano projetar e construir o lugar e não projetar e construir no
lugar.
Entender a cidade pelo viés das apropriações do espaço público, consiste, em analisar
as articulações sociais coletivas entendendo o indivíduo como um ator social que atua num
cenário macro de inúmeros acontecimentos.
Neste sentido o comerciante de rua (foco principal desse trabalho), passa a ser um ator
nessa ópera urbana – somado a inúmeros outros sujeitos sociais - e o seu papel demarca o
espaço de forma bastante significativa, interferindo substancialmente na vida das cidades.
A prática do comércio de rua – caracterizando o que chamaremos de setor informal -
se desenvolve quase sempre nos locais públicos de maior circulação ou de grande valorização
comercial e se estabelece como meio de explorar certa atividade sobre uma área que, a
princípio, deveria ser de livre acesso a todos.
O livre acesso pressupõe a não-exclusividade de ninguém ou de nenhum uso diferente
daqueles que são os de interesses comuns. Na prática, no entanto, o que ocorre é uma
apropriação desses espaços.
Os ambulantes literalmente ocupam as ruas e estendem de forma contínua sua malha
de barracas ou bancas nas principais vias de circulação de pedestres. Há toda uma estratégia
de ocupação que começa sempre por uma apropriação mínima – pequenas malas abertas sobre
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A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
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o solo – e depois, gradativamente, vão incorporando estruturas mais fixas, podendo se
transformar em verdadeiros assentamentos permanentes. Os pontos (como uma espécie de
terreno) são muito disputados, e sobre o espaço público vão sendo consolidados verdadeiros
loteamentos controlados por pessoas, inúmeras vezes vistas como verdadeiros “proprietários”.
Praças transformam-se assim em grandes mercados e as principais ruas da cidade
tornam-se estreitas, pois restam apenas pequenas passagens para os transeuntes. Os lugares de
vida pública, do passeio, do espetáculo da coabitação, da idéia da vida urbana, que
constituíram os grandes projetos urbanísticos do final do século XIX e começo do XX,
desaparecem, dando lugar a um emaranhado de balcões de mercadorias. A dimensão do
homem público se estreita, restringindo-se a de um mero passante ou no máximo se limitando
à de um eventual consumidor.
Assim, o presente trabalho tem a intenção de analisar a lógica sócio-espacial do
comércio de rua na área central da cidade de Manaus e formatar em seguida - numa escala
macro – diretrizes que superem o descrédito e a falta de cultura de planejamento da cidade de
Manaus enfrentando o desafio de fazer a cidade para todos, sobrepondo-se à dualidade entre
cidade formal e cidade informal, urbanizada e precária, incluída e excluída dos plenos direitos
de cidadania e, acima de tudo, considerando o homem como protagonista deste espetáculo
urbano, reforçando assim que os espaços não vêm acompanhados de folhetos contendo
instruções para sua utilização.
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CAPITULO I: A CIDADE COMO LUGAR DO POSSÍVEL!
Entendendo o processo de apropriação do espaço público.
É difícil dizer o que é impossível, pois a fantasia de
ontem é a esperança de hoje e a realidade de amanhã.
Robert H. Goddard
O Espaço Público.
O espaço público, entendido como dimensão social constitutiva da vida moderna, teve
sua constituição intimamente associada à emergência das cidades, à centralização e a
institucionalização do poder construído pelos absolutismos, ao alastramento do mercado e à
conseqüente autonomia material das camadas de livres proprietários, à cristalização da família
nuclear (burguesa) como modelo familiar, à emergência de uma subjetividade centrada no eu
e, portanto, à aparição da intimidade ou à privatização da vida familiar como oposta à vida
pública.
A complexidade dessa dimensão social tem sido equacionada, na sua grande maioria, a
partir da simplificação permitida por diversas perspectivas disciplinares, das quais podemos
destacar (Revista Espaço & Debates, 2005):
No campo jurídico, como direito ou, mais precisamente, mediante a determinação
analítica dos critérios para fundamentar a distinção básica entre direito público e
direito privado;
Na ótica da economia, como bem público, ou no debate em torno da elucidação
conceitual dos atributos a justificarem o caráter “desmercantilizado” de determinados
bens, assim como dos mecanismos mais eficientes para produzí-los e administrá-los.
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No plano da ciência política, o espaço público foi incluído na problemática do Estado
e da capacidade de institucionalizar a vida pública – aquilo que se torna público pelo
Estado e graças, contra e mediante o conflito de interesses;
Na perspectiva da sociologia, como sociedade civil, ação social autônoma
sedimentada em associações incumbidas de tematizar questões relevantes para o
conjunto da sociedade;
Nos estudos de comunicação, para além da abordagem mais tradicional da opinião
pública, vêm desenvolvendo leituras do espaço público enquanto espaço virtual ou
espaço midiático indispensável para o funcionamento da comunicação política nas
sociedades de massas;
No âmbito da arquitetura e do urbanismo, para processar a complexidade dessa
dimensão, fizeram-no a partir do estatuto público ou privado dos usos do solo e de sua
propriedade, assim como um modelo analógico de espaço físico.
Este elenco de recortes disciplinares sinaliza a fragmentação do debate e a pouca
produção – seja teórica ou prática – interdisciplinar que, até a pouco, caracterizou as
abordagens do espaço público.
Nos últimos anos tornou-se consensual, em literaturas das mais diversas, a ocorrência
de profundas transformações nessa dimensão social moderna. Em diferentes registros e sob
valorações ora positivas ora negativas, multiplicaram-se diagnósticos apontando para
deslocamentos profundos entre o âmbito do público e do privado – privatização, virtualização,
feudalização, retração, fragmentação, exclusão, por exemplo, são termos utilizados para
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caracterizar os processos que reforçam esse deslocamento. Assim, os desafios colocados pela
reconfiguração contemporânea do espaço público são propícios para revisões e alargamentos
de concepções estreitas ou unilaterais.
O presente trabalho se insere nessa tendência de revisão, abertura, diálogo e diretriz,
visando estimular o debate interdisciplinar e transdiciplinar sobre a configuração
multidimensional do espaço público e suas transformações, tendo como foco os principais
aspectos de inserção do comércio de rua, suas apropriações e, consequentemente, suas
(re)criações espaciais. Interdisciplinar porque procura contemplar olhares que, da perspectiva
do urbanismo, da sociologia e da filosofia, contribuem à compreensão de diversas dimensões
do espaço público. Transdisciplinar porque, na tentativa de um “mergulho profundo”, se apóia
em olhares que transitam com certa fluidez pelas tradições e recursos analíticos das
humanidades, na busca de uma apreensão e reconstrução ampla desses espaços.
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As interferências do Setor Terciário no ambiente citadino.
A vitalidade do setor terciário, principalmente dos comércios e dos serviços varejistas,
pode refletir o estágio de desenvolvimento de uma região, espelhando assim a qualidade do
ambiente urbano.
Sua força significa ampla distribuição de bens e serviços à população e a própria
economia, levando ao usuário a produção de determinada região, atraindo fluxos de pessoas,
de materiais e de produtos acabados inter-cidades, inter-regiões, e ainda, gerando novos
dividendos para serem reinvestidos.
O terciário pode ser visto, porém, como um sinal de alerta e de problemas no
equilíbrio do ecossistema urbano – quando o ambiente construído passa a apresentar sinais de
decadência. Neste sentido, a revitalização do meio urbano, seja pela mudança do uso do solo
(acentuando a falta de manutenção e o envelhecimento das edificações), ou ainda pelo
crescimento anormal das atividades informais (com seus vendedores ambulantes,
oferecendo desde artesanatos rudimentares, flores, frutas da estação ou serviços de limpadores
de pára-brisas dos automóveis) são ótimos termômetros para a análise, leitura e diagnóstico da
paisagem instaurada
6
.
Assim, se em um primeiro momento certo agrupamento de consumidores, negociantes,
acesso de veículos é pertinente porque reflete um dinamismo e uma vitalidade criando o
chamado ponto comercial; num segundo momento, quando esse movimento se transforma em
congestionamento e seguimos de uma mudança de atividades para outros locais mais nobres,
formam-se pontos problemáticos na estrutura urbana, podendo dar origem, em certos casos, a
decadência do cenário urbano/ambiental.
Esse mecanismo de formação de centros comerciais pode ser observado nas
6
O sucesso e a decadência de centros comerciais, acusando distintas qualidades do meio urbano, podem ser
encontrados tanto em áreas centrais – mais densamente ocupadas – como nas áreas mais periféricas.
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aglomerações urbanas em que se estruturam centros de comércios e serviços configurando
centros de mercados que imprimem um determinado caráter ao meio urbano e regional com
maior ou menor confluência de população.
Classificando-se esses centros em função de diversos aspectos, observa-se sua
importância refletida numa hierarquia de distribuição de bens e serviços à população, como se
pode focalizar em áreas como, por exemplo, na região central da cidade de Manaus –
caracterizada como um centro de primeiro grau nessa hierarquia - onde sua influência se
estende a toda cidade
7
.
Um centro dessa importância, além de oferecer um grande número de empregos no
setor terciário, atraí um grande número de pessoas, tanto por motivo de compras como de
serviços dada a qualidade e ao grande volume de bens e serviços que oferece ao consumidor,
permitindo-lhe maiores possibilidades de comparação e escolha e, com isso, motivando o
cliente a organizar viagens de multifinalidades.
Descendo na hierarquia encontram-se áreas por vezes reconhecidas como centros
secundários formados por importantes bairros de Manaus (que devido a sua localização e
demanda desenvolve atividades e serviços paralelos ao centro de primeiro grau) como
Vieiralves, Alvorada, Parque Dez de Novembro, Educandos, Compensa, São José e Cidade
Nova, e mais abaixo, encontram-se ainda centros de importância menor por sua influência
exclusivamente local, como São Francisco, Petrópolis, Ajuricaba, Lírio do Vale, etc
8
.
Caracteristicamente os centros de menor grau nessa hierarquia contam com um
número menor de estabelecimentos, oferecendo somente alguns tipos de bens e serviços e,
7
Em cidades como São Paulo, a área central é reforçada ainda pelos distritos Sé, Consolação, Santa Cecília e
Santa Efigênia, e sua influência se estende a toda região metropolitana, ao Estado e, também, a outros Estados do
país.
8
Em São Paulo, os centros secundários são formados pelos centros das sedes de certos municípios da região
metropolitana como Santo André, Osasco ou Guarulhos, ou mesmo importantes bairros do município de São
Paulo como Santo Amaro ou Pinheiros. Já os centros de importância menor encontram-se no Distrito de São
Miguel Paulista (na zona leste do município de São Paulo), Cotia, Franco da Rocha, Arujá, entre outros.
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portanto, menos oportunidade de escolha para uma área de influência comercial de seu
entorno.
Contudo, é importante ressaltar que a formação de centros urbanos é um processo que
está em contínua transformação e, eventualmente, essa hierarquia hoje constatada, amanhã
poderá ser bem diferente conforme se configura a movimentação e o assentamento de pessoas
e de atividades no território e em função do potencial de desenvolvimento das regiões e locais
para onde se dirigem.
Em outras palavras: se essa hierarquia de centros, hoje pesquisados, reflete
determinada geração de fluxos de pessoas atraídos não só pela programação de compras, mas
também, por motivos de trabalhos e serviços disponíveis; amanhã poderá vir a ser
completamente alterada em função de novas formas de estruturação da população e das
atividades no território, de novas formas mercadológicas e de novas tecnologias.
O comércio e os serviços varejistas acompanham a população em suas transações no
território, deslocando-se, por exemplo, das áreas centrais para as intermediárias e depois em
direção a áreas mais periféricas das regiões centrais, orientando-se pelos principais eixos
viários. Diante dessa lógica, e das facilidades de mobilidade, o mercado informal se desloca
e se concentra de acordo com a concentração de fluxos de pessoas, configurando suas
estruturas desmontáveis a partir dos percursos dos pedestres – principal foco de consumo dos
seus produtos.
Como se pode observar, no caso de Manaus, em que o comércio das áreas centrais
veio se extravasando pelas Avenidas Getúlio Vargas, Constantino Nery, Djalma Batista,
dentre outros exemplos, ocupando ainda as principais vias transversais a estas arteriais como a
Rua Pará, em Vieiralves, e a Rua Rio Negro, no bairro do Eldorado.
O impacto do assentamento das atividades terciárias no ambiente construído, por sua
vez, pode ser detectada pelo padrão urbano com que essas áreas vão se estruturando e nessa
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estruturação incorporando um maior ou menor grau as novas técnicas de comercialização
como auto-serviço, as lojas departamentais..., exigindo assim novos padrões de organização
do território.
As atividades terciárias se fazem notar na convivência diária com esses problemas
(infra-estrutura), em que estabelecimentos comerciais são improvisados na forma de balcões
nas janelas das casas olhando para a rua, nos conflitos entre o mercado formal e informal
explodindo com inúmeros ambulantes, na luta pela circulação estrangulada por ônibus e
caminhões de cargas.
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O comércio de rua: camelôs, ambulantes, mascates, biscateiros...
A reflexão em torno das razões e do papel do comércio de rua se inicia com o resgate
do trabalho de Braudel (1985), quando analisa a venda ambulante na Europa dos séculos XIV
ao século XVIII, onde nota-se claramente, graças à riqueza de detalhes, a consolidação do
comércio de rua – ou ambulante – como sobrevivência da atividade relacionada ao mercador
medieval, inclusive, as visões descrentes que consideram tal atividade fadada ao fim.
No que se refere à tentativa de comparação entre o comércio de rua e mercador
medieval, convém lembrar que o desenvolvimento da atividade dos mercadores da sociedade
medieval, embora exercendo uma venda marcadamente ambulante na época, significou –
conforme o autor comentado – um “alargamento pioneiro, a conquista de um mercado”
(Braudel, 1985, p.61). Portanto, pode-se afirmar que no âmago da sua prática estava posto o
início de uma transformação na história da humanidade, consolidado num processo que
culminaria na transformação da sociedade feudal e sua estrutura. Dessa forma, tratava-se de
um elemento importante nesse período de revolução, ao viabilizar a conquista dos mercados:
dados importantíssimos na consolidação da sociedade capitalista européia.
(...) os ambulantes ou bufarinheiros, são mercadores, geralmente miseráveis, que
“transportam no pescoço” ou simplesmente às costas, mercadorias modestíssimas.
No entanto, não deixam de constituir relativamente às trocas uma massa de
manobra apreciável. Preenchem nas próprias cidades, e mais ainda, nas vilas e nas
aldeias, os vazios das redes vulgares de abastecimentos (Braudel, 1985, p.61).
Para o autor, é neste momento que reside a diferença entre a venda ambulante atual e a
atividade desenvolvida pelos mercadores da Idade Média. A segunda é pioneira, enquanto a
primeira sobrevive graças a existência de vazios nas redes de abastecimentos.
O equívoco do autor é reforçado por Costa (1989) ao fazer uma analogia entre o
comércio ambulante atual e os mercadores da Idade Média, sem apreender suas diferenças.
Tal comparação é feita por acreditar ser tanto o vendedor ambulante, quanto os mercadores
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medievais, estigmatizados de adjetivos como corrupto, ladrão, e contrabandista e embora
funcione como “válvula de escape” ao desemprego, ainda conserva a imagem de ilegalidade e
da apropriação de algo alheio, além da característica de deslocar-se à procura de locais de
concentração de possíveis compradores possa levar à obtenção de ganhos.
Para a autora, “o espírito farejante desses mercadores permanece presente nos dias de
hoje, determinando a implantação do comércio ambulante nas áreas urbanas de maior
intensidade. Além disso, o sentido autônomo valoriza as ‘habilidades’ individuais, por sua
vez, uma qualidade essencial no mercador medieval” (Costa, 1989, p.31), bem como, a busca
da liberdade na cidade, “do fazer a sorte e ser dono do seu próprio destino” (Costa, 1989,
p.32), a exemplo do feito pelos mercadores medievais.
Contudo, são repetições com diferenças, mercador medieval e vendedor ambulante se
parecem apenas na prática e não nos papéis que desempenham. Diferente do mercador
medieval, o vendedor ambulante assume o papel de resistência, de luta por um espaço na
cidade. O mercador medieval vai buscar novos produtos em outras regiões, trazendo uma
nova modalidade de consumo, antes restrita aos produtos locais, dessa forma, sua atividade
não demora a ser aceita e sua ascensão é rápida, ao contrário do que acontece com o vendedor
ambulante.
Já no que se refere às visões descrentes da prática do comércio de rua, Braudel,
baseando-se na característica que a venda ambulante aproveita-se e beneficia-se dos “vazios”
das “redes vulgares de abastecimento”, adverte a respeito da tentativa de afirmar-se
geralmente, que “a vida exuberante da venda ambulante desaparece por si própria, logo que
um país atinge certo grau de desenvolvimento” (Braudel, 1985, p.64).
(...) Inglaterra, teria desaparecido no século XVIII, e em França, no século XIX.
Todavia, a venda ambulante inglesa conheceu um recrudescimento no século XIX,
pelo menos nos arredores das cidades industriais mal abastecidas pelos circuitos
normais de distribuição (Braudel, 1985, p.64).
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Embora se tratando de um estudo baseado na realidade européia, suas proposições e
argumentações se enganam quando deslocadas para os paises subdesenvolvidos, afinal, essa
perspectiva analítica, baseada no grau de desenvolvimento econômico dos países,
desencadeará toda uma discussão em torno da diferenciação existente entre o setor terciário
dos países desenvolvidos e dos países subdesenvolvidos. Tal diferenciação se materializa com
a existência de um terciário moderno nos países desenvolvidos e de um terciário arcaico nos
países subdesenvolvidos, considerados, respectivamente, como resultado direto da
modernização tecnológica e ligado às formas de relações herdadas do passado.
Neste sentido, considera-se o setor terciário denominado arcaico como empecilho ao
desenvolvimento. A superação deste entrave se consolidaria quando o dito terciário moderno
suplantasse o terciário arcaico, ao ponto do que se convencionou chamar de teoria do
dualismo estrutural, conforme Santos (1978), para impressionar “(...) os espíritos sábios, que
encontravam na fórmula uma explicação confortável e atraente do desenvolvimento e da
pobreza” (Santos, 1978, p.18).
Essas considerações tornam-se importantes, enquanto tentativa de demonstrar a
coerência dos estudos comparativos e descrentes, entretanto, fica uma indagação: a análise de
Braudel, elaborada para entender a realidade européia pode adequar-se à realidade de países
subdesenvolvidos e, especialmente, à brasileira?
No que se refere à tentativa de relacionar a venda ambulante ao mercador medieval,
torna-se importante salientar que no caso do Brasil, tal tentativa ainda é mais absurda, pois
sua articulação à economia capitalista dá de encontro ao período correspondente ao
capitalismo comercial e toda e qualquer atividade criada, na então colônia, era atrelada aos
anseios do capital, não tendo o feudalismo sido difundido mundialmente como o capitalismo,
após o advento das grandes navegações.
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Portanto, torna-se inconcebível falar de uma transição ou da existência de um
feudalismo e ainda por cima da herança deixada pelo mercador medieval
9
. Esse dado, relativo
às especificidades da consolidação do capitalismo nos países subdesenvolvidos,
especialmente no Brasil, aponta tanto para a necessidade de tratamento do processo de
inserção dos países subdesenvolvidos na economia mundial, quanto para o entendimento das
características que o desenvolvimento do capital vai tomar, destruindo, criando e recriando
relações não tipicamente capitalistas. Consequentemente torna-se necessário considerar esse
processo a partir do que se convencionou chamar de lei do desenvolvimento desigual, que
tornará possível entender por que da reprodução da atividade do comércio ambulante nos
países subdesenvolvidos.
9
Bem mais interessante e coerente teria sido fazer essa analogia baseando-se, no caso do Brasil, na figura do
mascate e dos escravos. Os mascates eram os responsáveis pelo fornecimento dos tecidos, linhas e lençóis e etc.
a fazendas no interior, e os escravos – retratados de forma majestosa pelo artista Debret em meados do século
XIX no Rio de Janeiro – eram os responsáveis pela maior parte do comércio de comestíveis feito na porta das
casas.
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Democracia social urbana?!
A lei do desenvolvimento desigual e a emergência do comércio ambulante.
Não se pode assumir o pressuposto da explicação do comércio ambulante nos países
subdesenvolvidos a partir dos “vazios nas redes vulgares de abastecimento”, pois a
consolidação e ampliação do capitalismo, nestes países, acontece de uma forma diferenciada.
Não considerar as especificidades do desenvolvimento do capitalismo, nos países
subdesenvolvidos, significa assumir uma análise comparativa entre realidades diferenciadas,
que mascara o processo de desenvolvimento desigual do capital em nível mundial. É nesses
termos, que Kowarick (1972), pautando-se na lei do desenvolvimento desigual do capital e
combinado fala da articulação entre “(...) várias modalidades produtivas que correspondem a
tempos históricos desiguais” e Oliveira (1977), quando critica o que chama de razão dualista
da economia brasileira, fala da existência do trabalho autônomo como mecanismo particular
de acumulação.
Assim, ao analisar o comércio ambulante da cidade de Manaus, na intenção de
compreendermos o desenvolvimento deste tipo de atividade, segundo essa especificidade do
desenvolvimento do capital, chegamos à explicação que o capital para produzir mercadorias
não necessita exclusivamente do trabalho assalariado, afinal, na história do capitalismo,
encontramos um capital que ora recria e ora estimula a produção de trabalhos não
assalariados, como recurso para sua ampliação
10
.
Portanto, baseado nessa perspectiva, o trabalho autônomo passa a ser considerado
complementar da economia:
ao participar da produção de valores de troca: no artesanato;
da incorporação de valores de uso a certos produtos: nos serviços de reparo;
10
O objetivo principal do capitalismo é a produção de mercadorias e não, necessariamente, a reprodução do
trabalho assalariado, embora seja uma relação de trabalho ideal.
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da circulação de valores: nos transportes e comércios;
da prestação de serviços especializados: nas profissões liberais.
Importante salientar que inúmeros autores apontam para o entendimento do processo
de assimilação e recriação de relações tipicamente capitalistas, com fins de reprodução do
capital através da necessidade da produção e circulação de mercadorias, confirmando assim, o
processo de expansão do capital.
Embora a análise do processo de criação e recriação de relações não tipicamente
capitalistas seja um pressuposto para o entendimento do processo de reprodução do comércio
ambulante, não se pode esquecer do lembrete de Milton Santos (1978), quando afirma que
essas atividades contêm especificidades que englobam “diferentes tipos de comércio e da
produção de bens manufaturados de capital não intensivo, constituída em grande parte de
artesanato e também de uma gama de serviços não modernos”.
Pode-se afirmar que na cidade de Manaus, ou melhor, que no caso do Brasil e por
extensão dos países subdesenvolvidos, tal atividade está ligada à tentativa de criação de uma
demanda de acesso econômico e a tentativa de estabilização social. Assim, o papel do
comércio ambulante, na economia, se apreende ao seguinte significado:
criar uma demanda de acesso econômico, quando oferece produtos por menores
preços tornando-os acessíveis a uma camada maior de consumidores – com maior
intensidade os consumidores das classes menos abastadas e que não teriam condições
de consumir esses produtos no comércio estabelecido ou formal – e insere aqueles que
desenvolvem a atividade do comércio ambulante na sociedade de consumo.
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funcionar como fator de estabilização social, quando a inserção na atividade do
comércio ambulante é reforçada pela ideologia da ascensão social pelo consumo e pela
ideologia de ascensão social pelo trabalho autônomo.
Tal interpretação tornou-se possível pautando-se nas reflexões e nos pressupostos de
Lipietz (1988). Porém, seus dados leva a necessidade de uma reinterpretação de suas reflexões
- no caso do comércio ambulante nos países subdesenvolvidos e especificamente no Brasil -
afinal, sua ótica de análise está pautada exclusivamente a questões relativas às atividades do
chamado “terciário moderno”.
No caso dos paises desenvolvidos, a criação da demanda de acessibilidade econômica
dá-se com a adoção de políticas de geração de empregos e destinação de bons salários à classe
trabalhadora do terciário moderno, políticas essas que são capazes de absorver a produção em
massa.
Já no caso dos países subdesenvolvidos, ao ser adotado o fordismo periférico, busca-se
a realização da mercadoria com o aproveitamento de uma demanda de acessibilidade
econômica existentes nos países desenvolvidos e, portanto, fora do país. Este processo de
modernização adotado baseia-se na utilização de mão-de-obra barata, que vai determinar o
baixo poder aquisitivo da população brasileira. Daí a importância do comércio ambulante no
fornecimento de produtos às classes de menor poder aquisitivo, que não podem consumir no
comércio estabelecido dados os preços altos, bem como, o da inserção dos que trabalham no
comércio ambulante na sociedade de consumo.
No que se refere ao fator de estabilização social pode-se distinguir duas formas
características: uma inerente aos países desenvolvidos e uma outra inerente aos países
subdesenvolvidos. Nos países desenvolvidos, tal fator está atrelado ao estatuto do trabalho
não-manual, externando alcançar oportunidades sociais e de consumo a partir da criação de
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empregos no “terciário moderno”. Nos países subdesenvolvidos, antes de falar do alcançar
oportunidades, a inserção do comércio ambulante materializa nada mais que a falta de
oportunidades em outras atividades, devido ao processo de modernização implementada na
indústria ser poupador de mão-de-obra e, consequentemente, gerador do subemprego e do
desemprego.
Segundo Milton Santos, esses vendedores de rua constituem “o nível inferior da
pulverização do comércio, o último elo de intermediários entre os importadores, industriais,
atacadistas e o consumidor” (Santos, 1979, p.171). Seria, por um lado, resposta e produto da
pobreza e, por outro lado, resposta à necessidade de reprodução do comércio e da fabricação
do circuito superior da economia.
Assim, entende-se o comércio ambulante como viabilizador da realização da
mercadoria, por garantir a possibilidade de consumo de determinados produtos,
principalmente às classes de menor poder aquisitivo, e inserir aqueles que trabalham nessa
atividade de consumo, criando, consequentemente, uma demanda de acessibilidade
econômica.
O poder realizar-se enquanto consumidor pode levar a uma situação aparente de
satisfação, e é justamente a partir desse dado que pode ser cristalizado o fator de estabilização
social.
O realizar-se enquanto consumidor fez com que o ideal de realização do ser humano
deixasse de se ligar ao trabalho e se voltasse para o ato de consumir. Quem vai personificar
este ideal é a classe média, dado que se coloca com um “status social” superior em relação à
classe trabalhadora (assalariada), pois, segundo Lefebvre (1991), a transformação da ideologia
da produção e do sentido da atividade criadora em ideologia do consumo, fez com que o
proletariado deixasse de crer intensamente na dignidade do trabalho e do trabalhador.
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Consequentemente acredita-se que no caso do comércio ambulante não é somente o
estatuto do trabalho não-manual, o delineador do fator de estabilização social. A ideologia da
ascensão social tem um peso razoável, por tratar-se da condição de ser do trabalhador
autônomo. Esta tese é expressa por Prandi, que a identifica e define “pelo alcançar de
oportunidades sociais e por níveis razoáveis de consumo” (Prandi, 1977, p.17).
Comparado aos salários pagos à classe trabalhadora (aqueles que exercem atividades
manuais), o comércio ambulante pode expressar esse “alcançar oportunidade”, pois ao exercer
essa atividade consegue-se, em determinados casos, ganhar-se mais que os trabalhadores
assalariados
11
.
Além de buscar ascender socialmente como forma de garantir níveis razoáveis de
consumo, os comerciantes ambulantes inserem-se nessa atividade na expectativa de tornarem-
se pequenos, médios ou até grandes comerciantes.
A busca da ascensão social através do exercício da atividade do comércio ambulante,
ou seja, pelo trabalho, está posta como um longo caminho rumo à empresa e à propriedade
privada.
Portanto, ao adotar como referencial pequenos comerciantes que ascenderam
socialmente, a ideologia da ascensão social pelo consumo e a ideologia da ascensão social
pelo trabalho (através do exercício da atividade do comércio ambulante), passa a funcionar
como um fator de estabilização, a partir do momento que aponta ideologicamente à
possibilidade de ascensão social.
Em termos ideológicos está claro o alcançar oportunidades através do comércio
ambulante como fator de estabilização social. Entretanto, não se pode deixar de apreender
outro fator que leva à busca de empregos nesta atividade. Antes mesmo de alcançar
11
Os motivos dados pelos comerciantes ambulantes que pretendem continuar exercendo a atividade do comércio
de rua, encontram-se, na sua maioria, a afirmação que pretendem continuar como comerciantes ambulantes, pois
em outros ramos ganhariam menos (fonte: SEBRAE/AM, 2005).
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oportunidades é o não ter oportunidades em outras atividades que leva parcela da população
economicamente ativa, a se inserir em atividades como a do comércio ambulante, indústrias
de fundo de quintal e serviços não-modernos.
Assim, a atividade do pequeno comércio se torna uma alternativa de reprodução
trazida pelas populações trabalhadoras e que se transforma num novo contexto espacial da
cidade.
Portanto, é uma ótica muito tímida tratar o comércio ambulante enquanto simples
instrumento de acumulação do capital, pois considera ocorrer no processo migratório das
populações trabalhadoras a condução de formas de reprodução que, consequentemente,
devem recriar um novo contexto espacial.
Essa prática ocorre como uma identificação de um valor cultural trazido pelo migrante
e readaptado à cidade sob a forma de inclinação para o pequeno comércio. Lopes (1960),
reforça substancialmente essa teoria na tentativa de analisar o ajustamento do migrante rural
nordestino à condição operária-urbana da cidade de São Paulo.
(...) a inclinação para as atividades comerciais, que se nota tanto nos que vêm da
lavoura como nos que moravam em pequenas cidades (...), sendo (...) parte de um
padrão de independência econômica difundido no Brasil (...), principalmente no
Nordeste, esse valor cultural de trabalhar por conta própria, ser independente, valer-
se da própria iniciativa e não se subordinar diretamente a ninguém ( Lopes, 1960,
p.375-376).
Entretanto, não se pode deixar de explicitar o caráter de modernização implantado nos
países subdesenvolvidos, cujo processo é “por natureza” poupador da mão-de-obra, onde se
pode observar, no caso do Brasil, essa característica ao comparar a participação do emprego
no setor secundário e constatar que a economia brasileira apresenta menor número na
participação da indústria de geração de empregos.
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Manaus não é uma exceção a essa regra, afinal, pode-se perceber a importância que o
setor terciário da economia possui na geração de empregos, suplantando tanto o secundário
quanto o primário.
O apontamento à tendência de ampliação do emprego no setor terciário se dá como
expressão do processo de modernização do setor secundário nos países subdesenvolvidos que,
por ser poupador da mão-de-obra, gera o subemprego e o desemprego. Esses dados podem ser
claramente confirmados se acompanharmos tanto os índices de desemprego da cidade de
Manaus, como também a rotatividade – por conta de empregos temporários – junto às
empresas do Distrito Industrial.
Aponta-se assim, além do alto índice de desemprego, a importância do setor informal
da economia no processo de reprodução social do trabalho na cidade de Manaus.
Portanto, pode-se afirmar que o comércio ambulante é o resultado do processo
desigual da reprodução do capital, capital esse que vai incorporar esta atividade ao processo
de acumulação, devido a mesma viabilizar a realização da mercadoria ao criar condições para
a inserção de dado segmento da sociedade a sociedade de consumo e ainda, servir como fator
de estabilização social.
Toda essa análise, acima explorada, se faz imprescindível no processo de
entendimento das determinantes econômicas, ideológicas e culturais do comércio ambulante.
Entretanto convém lembrar que esta atividade não vai desenvolver-se simplesmente e
passivamente sobre o espaço. Ela é determinante desse espaço e por ele é determinada. Assim,
torna-se também imprescindível dissertar sobre o espaço, como uma condição para entender o
desenvolvimento, a apropriação, os conflitos e a convivência dessa atividade junto ao
ambiente urbano-social registrado neste tempo-espaço.
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Metamorfoses Urbanas: a história espacial seletiva.
A teoria do espaço e da urbanização nos países subdesenvolvidos fundamenta-se,
segundo Milton Santos, na chamada história espacial seletiva, onde afirma que
os espaços dos países subdesenvolvidos caracterizam-se primeiramente pelo fato de
se organizarem e se reorganizarem em função de interesses distantes e mais
frequentemente em escala mundial. Mas não são atingidos de modo maciço pelas
forças de transformação, cujo impacto, ao contrário, é muito localizado e encontra
uma inércia considerável à sua difusão (Santos, 1979, p.15).
É justamente essa característica de transformação não-maciça, devido à história
espacial seletiva, que leva o autor a trabalhar com a tese da existência de dois subsistemas –
denominados de circuito superior e circuito inferior – que são resultantes da difusão de
inovações (informação e consumo) em diferentes níveis quantitativos e qualitativos.
Significaria dizer que a revolução no domínio do consumo geraria novas formas de produção
e de comércio pautadas numa deformação da estrutura do consumo nos países
subdesenvolvidos, a ponto de ter-se a constituição do circuito superior que “é o resultado
direto da modernização tecnológica. Consiste nas atividades criadas em função dos progressos
tecnológicos e das pessoas que se beneficiam dele” e do circuito inferior que “é igualmente
um resultado da mesma modernização, mas um resultado indireto que se dirige aos indivíduos
que só se beneficiam parcialmente ou não se beneficiam dos progressos técnicos recentes e
das atividades a eles ligadas” (Santos, op. cit., p.29).
Com o apontamento da existência e da articulação entre os dois circuitos da economia
- sendo o circuito inferior dependente do circuito superior-, Milton Santos supera as
perspectivas descrentes do desenvolvimento ao explicitar que o processo de modernização nos
países subdesenvolvidos torna-se responsável direto pela incorporação das pessoas no
mercado de trabalho efetivo e exclusão de parcela significativa que irá compor os inseridos no
subemprego e os desempregados.
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Para Milton Santos, a existência de dois circuitos da economia inviabiliza a utilização
de noções como a teoria dos lugares centrais, pois não é possível identificar um único limiar
ao admitir que
a economia da cidade é formada por dois subsistemas estreitamente associados a
dois setores da população. Isto parece tanto mais difícil, pois que, de um lado, os
dois subsistemas se comunicam por intermédio das classes médias, ou seja, da parte
da população capaz de consumir frequentemente ou ocasionalmente nos dois e, de
outro lado, os dois circuitos econômicos têm interações (Santos, op. cit., p279).
Vale ressaltar que essa teoria reforça a idéia da mobilidade e transformação no
processo de formação de centros urbanos em função do potencial de desenvolvimento de
certas regiões junto à expansão da malha urbana e do desenvolvimento sócio-espacial.
Dados como o da assimilação e recriação de relações não tipicamente capitalistas, que
são regidas principalmente pelo fato de se organizarem segundo interesses externos e de sua
materialização na estrutura urbana – expressa na articulação dos dois circuitos da economia
urbana dos países subdesenvolvidos - são imprescindíveis no entendimento da reprodução, no
espaço, de atividades como a do comércio ambulante.
Essa necessidade de entendimento e consideração da cidade e, consequentemente, do
espaço e suas funções – sejam elas econômicas, sociais ou urbanísticas – convergem a aquilo
que Milton Santos intitulou de “flexibilidade tropical” onde a cidade é composta por
temporalidades diferenciadas – como local onde se dá a materialização, por um lado, das
novas formas de economia e, por outro lado, a continuidade das velhas formas da economia -,
viabilizará, segundo o autor, a apreensão da consolidação de atividades hegemônicas e
hegemonizadas como resultante do próprio meio ambiente construído que “se diferencia pela
carga maior de ciência, tecnologia e informação” (Santos, 1991, p.45).
A partir desse desdobramento, Milton Santos deixa de trabalhar com a articulação
entre dois circuitos da economia e sua espacialidade e vai aprofundar sua análise na tentativa
de entendimento da cidade dos países subdesenvolvidos, as quais
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são, por um lado, rígidas na sua vocação internacional e, por outro, são dotadas de
flexibilidade, graças ao meio ambiente construído que permite a atuação de todos
os tipos de capital, e, desse modo, admite a presença de todos os tipos de trabalho
(Santos, 1994, p.73).
Ainda quanto ao tratamento da cidade como expressão de temporalidades
diferenciadas, mas enfatizando a cidade que é apropriada pelo usuário, Costa (1989), quando
estuda o comércio ambulante em São Paulo, esboça a categoria de “espaço bolha” para
revelar, a partir de determinados eventos que ocorrem na cidade, a geração de um espaço que
é recriado momentaneamente e “onde se instalam formas específicas de comércio ambulante
(...), apoiado em equipamentos não projetados de produção artesanal ou semi-industrializada,
fornecendo objetos, comidas e bebidas que determinam um novo espaço e um novo uso,
expresso em linguagem característica e organizado segundo regras próprias” (Costa, op. cit.,
p.28).
Para a autora, a criação dessa linguagem característica é um dado do desenvolvimento
desigual e fragmentado da cidade. Ao se manifestar de várias maneiras “(...) repassando
mercadorias refugadas das indústrias ou fabricadas em oficinas de ‘fundo de quintal’, oferece
artigos produzidos artesanalmente ou simplesmente constitui uma rede de distribuição de
produtos industrializados”, o comércio ambulante atua como tradutor entre repertórios e
universos ideológicos diferenciados, trazendo, “(...) a partir da própria mercadoria veiculada,
a informação ideológica do consumo dominante inacessível a determinada fração da
sociedade” (Costa, op. cit, p.28), que transforma momentaneamente as características físicas e
as possibilidades de uso do espaço.
A necessidade de uma reflexão sobre a cidade no período atual, como forma de
compreender a implantação e a persistência de determinados tipos de uso da cidade – seja via
“flexibilidade tropical” ou seja via compreensão da cidade a partir de percepções espaciais – é
de fundamental importância. Entretanto, embora consigam explicar porque dadas atividades
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conseguem reproduzir-se em determinados lugares, para a compreensão do desenvolvimento
do comércio ambulante - enquanto atividade econômica – na área central, torna-se necessário
o entendimento do processo de constituição da cidade no contexto urbano – através da história
do espaço – permeada pelo entendimento do processo de transformação das sociabilidades
citadinas em lócus de consumo e, por último no consumo do próprio local como imagem.
Tal procedimento baseia-se na compreensão da constituição da sociedade urbana, que
se generaliza, em parte real e parte virtual e “designa uma realidade em formação, em parte
real e em parte virtual” (Lefebvre, 1976, p.65). Essa contribuição expressará uma nova
caracterização da cidade, a qual segundo o autor, deixa de ser obra, uma criação humana que
tem a ver com as exigências éticas e estéticas de determinado grupo, para tornar-se produto,
resultado da materialização do trabalho humano que se insere na lógica da acumulação do
capital e cujo crescimento quantitativo – pautado na industrialização, que produz a
generalização das relações mediadas pela mercadoria – leva a um fenômeno qualitativo que se
traduz na problemática urbana, adquirindo, portanto, a urbanização como maior importância
que sua causa inicial: a industrialização.
Todo esse movimento, tendo o urbano enquanto modo de vida, está inserido no
processo de definição e redefinição da centralidade no tempo, a qual vai ter como produto o
processo de explosão-implosão da cidade. Explosão-implosão que no caso da cidade de
Manaus, vai implicar na hierarquização entre vários bairros da cidade, dando-se a
especialização formal/funcional do Centro, através de sua transformação predominantemente
comercial, espaço de consumo e, em dadas circunstancias, do encontro das classes de menor
poder aquisitivo da sociedade amazonense.
Manuel Castells apresenta uma relevante reflexão em torno do Centro Urbano,
abordando a questão da centralidade presente em qualquer cidade. Para o autor, o centro
expressa “um certo tipo de ocupação do espaço, um conjunto de atividades, de funções e
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grupos sociais localizado num lugar de características mais ou menos específicas” (Castells,
s/d, p.181-182) e resulta da sobreposição como o conjunto da estrutura urbana e de um
modelo de relação cidade/sociedade, regido pela economia de mercado. Em outras palavras:
“expressão manifesta das formas sociais em ação e da estrutura de sua dinâmica interna”
(Castells, op.cit., p.186).
Não é sem propósito que Castells enfatiza o Centro enquanto elemento presente na
estrutura urbana o que assegurará o “intercâmbio entre os diversos elementos funcionais que
integram a cidade”, a partir da demarcação dos usos na cidade que podem ser apreendidos
através das “significações do espaço segundo a sua forma de utilização, tipo de apropriação e
característica da expansão urbana” (Castells, op. cit., p.188-189). Segundo Henri Lefebvre,
não são só significações que delineiam o centro.
(...) no texto urbano ocorrem processos globais e relações gerais única e
exclusivamente através das ideologias, interpretadas por tendências e estratégias
políticas (...) a cidade se lê porque se escreve, porque foi escrita. Não obstante, não
é suficiente examinar este texto sem recorrer ao contexto (Lefebvre, 1978, p.74).
Segundo o autor, o entendimento de tal problemática, passa pela compreensão da
utilização do espaço, principalmente o espaço público, enquanto instrumento privilegiado das
ações do Estado, que o interpreta de forma homogeneizada, por ser, erguido do mundo da
mercadoria onde tudo é equivalente, e erguido também do estatal onde tudo é controlado e,
sua quebra, representada pela fragmentação e pulverização do espaço pelos interesses dos
usuários, dos comerciantes, especuladores imobiliários, entre outros.
É justamente neste espaço homogêneo fragmentado que o autor aponta para a
tendência do Estado em sobrepor-se ao caráter caótico dos espaços produzidos pelos
interesses privados, segundo uma racionalidade do idêntico, do repetitivo que permite
introduzir nos cantos mais remotos, a presença estatal, controle e fiscalização.
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Os projetos de urbanização adotados – independente da identidade morfológica do
espaço – explicitaram e continuam explicitando esta razão ordenadora do Estado na tentativa
de normalização da paisagem, conforme um modelo de cidade que, segundo Henri Lefebvre,
procura levar a uma vida cotidiana programada e idealizada pelo consumo manipulado.
Dessa forma, pode-se entender a articulação entre os projetos de urbanização adotados
e o processo de ocupação da área central de Manaus pelo comércio ambulante, como
resultado da oposição do Estado – interesses privados.
Tal afirmação pode concentrar-se apenas no entendimento das apropriações feitas pelo
comércio ambulante fixado, porém, de acordo com os objetivos deste trabalho, não será
descartado também as práticas deslocáveis/desmontáveis do comércio ambulante, afinal, as
diferenças físicas de apropriações e as temporalidades demarcadas, no caso da cidade de
Manaus, não alteram as contradições e as colisões público-privado do espaço citadino
(principal foco dessa dissertação).
A presente argumentação teórica aponta à necessidade de compreender a localização
do comércio ambulante na área central de Manaus, para além das perspectivas meramente
econômicas. A relação tempo-espaço demarcada ao longo dos tempos “descortina” o
processo de (re)criação ou (re)definição do uso do espaço público, capaz de explicitar a
inserção do comércio ambulante na área central da capital amazonense, bem como, as
modificações nas suas características - mobilidade e ilegalidade – e a ampliação e/ou
redução da área por eles ocupadas.
A cidade, portanto, se torna palco de múltiplas funções, e o espaço forma uma
totalidade aberta, afinal, os comportamentos se descrevem e os desejos se expressam.
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O Espaço Recriado.
O desenvolvimento do pensamento social rege-se a partir de uma única idéia: a
necessidade. Assim, todos os indivíduos que de alguma forma participam do jogo social lutam
para satisfazer suas necessidades. Modernamente, pensar a sociedade vem sendo pensar as
necessidades, hierarquizá-las e propor meios para satisfazê-las. O que caracteriza a sociedade
e o pensamento moderno é o peso dado ao aspecto material da necessidade. Isso implica não
somente enfatizar as necessidades estritamente materiais, mas também materializar
progressivamente as necessidades de outras ordens: o espaço, e consequentemente, o
planejamento urbano, por exemplo.
A sociedade ocidental moderna trabalha sobre uma certeza pessoal que constitui a
hipótese básica de toda essa reflexão: a necessidade primordial do ser humano é ter valor. O
movimento da sociedade e do pensamento moderno reduz a necessidade de ter valor à
necessidade de possuir valores de uso e, ainda mais, valores que possuam a propriedade de ser
também valores de troca
12
.
O planejamento urbano, materializado no espaço da cidade, não inclui em suas bases
unicamente valores de troca, portanto não deve pautar-se com os parâmetros eleitos pela
economia, afinal, a economia continua a se definir como a administração dos recursos
escassos para fins alternativos, enquanto o planejamento define-se como a administração dos
recursos da natureza e as capacidades humanas, o que não nos parecem caracterizar-se pela
escassez e sim pela abundância.
Como se produz a metamorfose dessa abundância na escassez de recursos que registra
a economia? Essa transformação é conseqüência da progressiva materialização das
necessidades humanas e, sobretudo da redução dos valores em valores de troca operada pela
economia. Em outras palavras, essa redução operada pela economia passa a ocorrer
12
A economia, por exemplo, desde que concebeu a ela mesma o estatuto de ciência, tem por objetivo exclusivo
os valores de troca.
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progressivamente na sociedade pelo influxo da própria economia.
Desse modo, o objetivo do planejamento será o reconhecimento, a ordenação, a
regulamentação da abundância e a correção do excesso. Portanto, frente ao planejamento
defensivo ou terapêutico que considera apenas os valores de troca, terá de afirmar-se um
planejamento criativo. Esse planejamento criativo pode ser visto como uma verdadeira
economia, literalmente “construção” e “administração”, dos organismos naturais: o mundo e o
ser humano. Isso significa que o planejamento pode possibilitar o conhecimento, o
reconhecimento e, sobretudo, a administração e recriação não apenas dos valores de troca,
mas da abundância natural do mundo do ser humano, transformando-a em valor essencial,
uma vez que ela é de fato constitutiva de sua essência.
O espaço nunca poderá ser identificado unicamente com o espaço dos valores de troca.
Ele transcende o universo desses valores e permite ao ser humano que se reflete nele perceber
sua própria transcendência em relação ao mundo dos valores de troca. Esse auto-
reconhecimento do indivíduo social como um ser que transcende os limites definidos pela
troca implica uma valorização do outro e uma autovalorizaçao mais profunda e, acima de
tudo, de outra natureza. Possibilita também uma valorização do espaço muito além de seu
valor de troca.
Essa ampliação dos valores do ser humano e do espaço equivale a uma ampliação do
espaço do valor. Então, o ser humano amplia suas possibilidades de satisfazer a sua
necessidade primordial de ter valor, impossível de ser preenchida pela simples posse de
valores de troca. Cria-se, também, a possibilidade de satisfazer outra necessidade que agora se
vê intimamente associada a necessidade de ter valor: ter espaço. Para isso, não é preciso
transformá-lo em valor de troca, e sim, basta estar nele, valorizando o fato de estar
conscientemente nele.
Porém, a presença do espaço como valor de troca coloca o indivíduo reduzido nas suas
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funções, tornando o espaço insatisfatório onde as capacidades humanas são de certa forma,
“limitadas”, obstruindo a criação, a imaginação, a produção, a sensação, etc. Assim, o espaço
social se torna dissociado, fragmentado, e, consequentemente o indivíduo passa a despertar
um sentimento de falta.
Essa falta desenvolve a necessidade de um preenchimento dessas limitações, e quando
se materializa não se traduz em uma conquista do espaço, mas sim uma espécie de alienação
quanto a esse espaço.
O espaço vem delimitado pela estrutura morfológica que é atualizado e ao mesmo
tempo atualiza o indivíduo. Como o valor provém do indivíduo, a atualização deste pela
morfologia resulta na atualização do valor no indivíduo. Assim definimos a categoria ter
valor.
A economia, o pensamento social moderno e mesmo o planejamento tem se ocupado
de questões referentes à produção e à distribuição dos valores, mas muito menos da estrutura
destes valores e de sua adequação ao ser humano. Isso implica ter esquecido que a
insatisfação não parte unicamente da impossibilidade de consumir, mas também do consumo
de valores insatisfatórios.
(...) basta pensar em um sapato apertado; mesmo que se possam comprar dez pares
de sapatos, se eles forem apertados, o comprador continua insatisfeito. Poderia, no
entanto, obter a satisfação desejada com apenas um ou alguns pares de sapatos
adequados á estrutura de seus pés (Boada, 1991, p.19).
Ao transpor para a análise do espaço, percebe-se a relevância de uma atenção maior à
estrutura das necessidades, tanto para economia como para o planejamento.
De algum modo, toda materialização no espaço consiste na natureza transformada. No
entanto, fica descartada de consideração à natureza ou a paisagem - simples e unicamente -
convertida em valor de troca pelos processos de valorização decorrentes do caráter social do
trabalho, afinal, o objeto materializado no espaço não existe de forma isolada. Ele interage
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com a paisagem e com o indivíduo concomitantemente e assim, interessa considerar a
materialidade do espaço a partir das relações que os seres humanos mantêm com ele.
Como natureza transformada, o objeto se caracteriza por sua dimensão física e,
portanto, para se obter a satisfação desejada pelos indivíduos é preciso que a transformação da
paisagem em objeto seja regida pela harmonia.
Tudo isso mostra que o objeto tem um papel relacional de caráter transeconômico
(Boada, 1991). Ele transcende para o homem seu simples valor de troca e se transforma em
complemento para a relação do homem com ele mesmo, com os outros homens e com a
paisagem.
O espaço, objeto do planejamento, é um intermediador das relações humanas. Os
objetos e o próprio espaço mediatizam e condicionam as relações entre as pessoas e das
pessoas com elas mesmas. A medida que o planejamento for capaz de cumprir sua finalidade
espacial, ele estará contribuindo para a valorização do homem. Mas para que o planejamento
encontre uma solução “ordenada” para o espaço, é necessário que se tenha conhecimento do
maior número possível de temas harmônicos para a construção do espaço.
Essa harmonia espacial, ou melhor, esse espaço democrático, além de estimular a
freqüência àqueles lugares ou ambientes, deve propor um aprofundamento do exercício da
cidadania e de seus valores característicos, resultando no elemento fundamental da relação
entre o espaço e a valorização do homem.
O conceito que melhor define a visão deste trabalho no tratamento do espaço é o de
Espaço Recriado, abrangendo tanto o ambiente construído como a paisagem natural
modificada pela atividade humana. Assim, toda ocupação de território atualiza o espaço
através de recriações. Essas intervenções constituem uma leitura nova na relação espaço-
tempo frente à durabilidade do espaço materializado.
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Esse novo ritmo renova e recria o espaço em confronto as estruturas “duras” tanto do
espaço quanto da sociedade. Esse embate reflete um cenário conflituoso que ora se acomoda a
paisagem, e ora necessita de atitudes que decidem em adotar o novo ou reforçar o anterior.
O que importa é o que o homem recriado transforma, por sua total presença, um
espaço em um espaço humanizado, diferenciado.
Atualmente, o espaço tem sido materializado por processos produtivos restritivos a
prática da liberdade humana por meio de lógicas implacáveis excludentes, e a liberdade sócio-
espacial têm se limitado a usos e gestões que não favorecem o espaço físico democrático,
refletindo uma paisagem “ilegal” frente aos mecanismos de regulação e ordenamento do
cenário da cidade.
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Espaço e Lugar: duas dimensões da cidade.
Toda localidade, por mais pobre que seja, tem um caminho próprio de
desenvolvimento. Mesmo as cidades mais necessitadas do país podem encontrar alternativas
locais que melhorem as condições de vida da população, promovendo o desenvolvimento
social e econômico desejado.
Na escala urbana é importante distinguir espaço e lugar. O primeiro se define por suas
dimensões, seus parâmetros, sua circulação e inserção no resto da cidade e pelas funções que
deve responder. Para que um espaço seja considerado um lugar, no entanto, deverá ele ter
condições de ser escolhido por alguém como espaço preferencial. Quem o adota e usa pode
ser um indivíduo, um casal, um grupo afim, uma tribo ou comunidade, uma torcida, uma
multidão. É o usuário quem define um espaço como lugar, e as formações sociais do lugar se
manifestam nas escalas mais variadas – do bairro, da rua, do quarteirão, da casa, de gente de
verdade – praticando, a nível material e simbólico, as suas possibilidades efetivas da vida
cotidiana.
Cidade “boa” é aquela que oferece suficiente número e qualidade de espaços para que
todos os cidadãos possam escolher os lugares em que se encontrem.
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CAPÍTULO II: A CASA DA MÃE JOANA!
Cidade, sociedade e (re)criação do espaço público.
Planejar a cidade é ao mesmo tempo pensar a própria
pluralidade do real e dar efetividade a este pensamento do
plural: é saber e poder articular. (Certau, 1994, p.172).
A cidade como lugar da reprodução da vida.
Cidades não são objetos idealizáveis abstratamente e nunca se comportam de acordo
com as fantasias de quem as trata dessa forma. São concretizações de modelos culturais,
materializam momentos históricos e se desempenham como podem, tendo de comportar
conflitos e conjugações que se armam e desarmam sem parar em muitos níveis.
Em geral os resultados da atividade do arquiteto, do cientista, do planejador, do
administrador, do técnico, do político sobre as cidades começam quando toda essa gente sai
de cena. Quando seus projetos deixam de ser mapas, memoriais, orçamentos, leis, decretos ou
planos financeiros e se transformam numa linguagem física/concreta decodificáveis no dia-a-
dia.
Infelizmente é nesse momento crítico de início e de estréia que os trabalhos são dados
por terminados. Na verdade estão só começando, passando das abstrações estáticas às práticas
sociais contaminadoras que caracterizam o que é urbano.
Essa reflexão, acima apresentada, reforça todo conteúdo comentado na primeira parte
dessa dissertação onde nenhuma das diversas teorias e propostas metodológicas são completas
e suficientes por si próprias, afinal, fundamentar a cidade, o espaço urbano e, principalmente,
a apropriação do espaço público em uma reflexão com atenção única e exclusiva na lógica
econômica e suas conseqüências sociais restringe e simplifica a complexidade instaurada nas
cidades atuais. É preciso analisar o espaço urbano fora dos moldes convencionais pré-
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estabelecidos pelo planejamento, para que possamos, diante do espaço concreto, encontrar o
espaço vivido, uma espécie de fresta, de fissura em meio às formas de controle da cidade.
Para isso, é preciso atentar para uma outra lógica de produção das cidades. Lógica esta
que não seja impositiva de manifestações subjetivas e de espacialização de desejos,
ressaltando a importância de ultrapassar as questões puramente estruturais e funcionais do
ambiente urbano, fazendo rever as formas de se pensar a cidade. E isso pode ser possível
através da observação dos modos pelos quais os indivíduos se apropriam dos espaços da
cidade, uma vez que existe uma população sem lugar, ou que ficou em um lugar não desejado,
sendo levada a readequar o território às suas necessidades
13
.
Diante dessa situação torna-se fácil perceber a incapacidade do urbanismo de tratar
sozinho de todos os problemas que envolvem o meio urbano e, falar da necessidade do
trabalho interdisciplinar (já citado anteriormente) com relação às questões urbanas, já não
parece um caso a ser discutido.
A cidade envolve questões complexas que permeiam o campo da sociologia, da
economia, do direito, da antropologia, da ecologia, de diversas outras áreas de
conhecimento, não podendo seu estudo ser de responsabilidade exclusiva dos
urbanistas. (Silva, 2007, p.07).
A questão pode estar muito além das atribuições e das atividades no ato de intervir nas
questões urbanas, afinal, mais do que planejamento, é preciso de sensibilidade para ver aquilo
que não nos é explícito ou colocado gratuitamente, permitindo perceber nos interstícios da
cidade o que realmente está acontecendo com os espaços urbanos e também, entender o modo
como as pessoas se apropriam da cidade, como elas invertem, trocam, transformam e
adjetivam os espaços planejados, os espaços residuais, ou mesmo os espaços vazios.
13
A realidade das cidades brasileiras, inclusive de Manaus, nos apresenta um espaço excludente, palco de
disputas, seja para moradia ou para o trabalho.
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Essa produção de espaço, materializada na apropriação, se acomoda de forma bastante
lógica diante da chamada contemporaneidade, e assim, explica-se construída pela necessidade
de (re)criação contínua do território pelos seus habitantes, em que os cenários da cidade se
transformam a cada novo desejo que precisa ser espacializado, a cada ordem que precisa ser
subvertida e onde a concretude arquitetônica parece ser substituída, em parte, pela
efemeridade de algumas apropriações.
Entender as apropriações urbanas significa entender a efemeridade do espaço onde o
tempo precisa ser incorporado de outra forma na construção da cidade, pensando uma
arquitetura fluida, que não engessa o espaço no tempo. Em outras palavras, é preciso levar em
consideração a atual dinâmica das cidades e das pessoas que nela habitam, situando a
arquitetura e o urbanismo no tempo do agora, com a velocidade dos acontecimentos, com as
novas relações afetivas, com os novos desejos e necessidades humanas.
Realizar uma outra leitura da cidade, à procura de enxergar além das imagens, além do
edificado e, principalmente, além das coisas que a principio nos parecem gratuitas, consiste
em observar os acontecimentos urbanos como alternativa no entendimento dessa relação entre
espaço público e seus agentes cotidianos (habitantes, trabalhadores e transeuntes)
14
.
Mas afinal, o que é acontecimento?
14
Talvez, estejamos acostumados a perceber apenas a impressão imediata e fácil daquilo que acontece ao nosso
redor, e acabamos por deixar de ver o que realmente acontece para além do que nos é dado como imediato.
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O que é Acontecimento?!
O que provoca mudança de comportamento vai além do esperado, contraria padrões,
rompe, provoca efeitos, ações e reações, situando-se sempre no presente, e percorrer os seus
mistérios pode se tornar prazeroso, desde que ao analisá-lo não se tente prendê-lo as
normativas de pesquisas que limitem seu entendimento ao campo das estruturas.
Segundo Gilles Deleuze
15
e Michel Foucault a noção de acontecimento possui um
sentido próprio, ele é ao mesmo tempo a causa e o efeito, ele não dá sentido as coisas, ele é o
próprio sentido
16
.
O que eles apontam como sendo acontecimento, pode ajudar a perceber as dinâmicas
que envolvem as cidades, e para entender essas dinâmicas, talvez, seja preciso evitar a análise
separada de objetos ou corpos e partir para uma análise conjunta.
Deleuze chega através do caminho do “não-sentido” a uma lógica do sentido, e vincula
o acontecimento ao sentido. Segundo ele, os estóicos diziam que havia duas séries distintas: a
dos seres (dos corpos) e dos acontecimentos (dos incorpos), sendo esta última a dos efeitos e
dos resultados. O que eles fazem é distinguir radicalmente dois planos de ser: de um lado o
ser profundo real, a força; do outro, o plano dos fatos, que se produzem na superfície do ser.
Para Deleuze o acontecimento é um evento mágico que vem da “mistura dos corpos” e lhes
atribui sentido. O acontecimento é incorporal, mas ele dá sentido à mistura dos corpos e,
dessa maneira, o sentido forma-se a partir dos acontecimentos, o que não significa que o
acontecimento tenha sentido, ele é o sentido.
15
Deleuze desenvolve a idéia de acontecimento principalmente em seu livro Lógica do Sentido (1969), editado
no Brasil pela primeira vez em 1974. Nesse livro Deleuze questiona a teoria do sentido, utilizando para tanto a
obra de Lewis Carroll – escritor e matemático britânico que “brinca” com os sentidos utilizando paradoxos,
como na sua obra mais famosa “As aventuras de Alice no País das Maravilhas” (1845), e o pensamento Estóico
(300 a.C. a 200 d.C.) – indicador de uma nova imagem do filósofo, em ruptura com os pré-socráticos, o
socratismo e o platonismo e, portanto também ligado à constituição paradoxal da teoria dos sentidos.
16
Os referidos autores constroem seus argumentos baseados, respectivamente, a noção de acontecimento e
poder. Os acontecimentos urbanos estudados nesse trabalho estão ligados a relações de poder que ocorrem no
espaço urbano.
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O que há nos corpos, na profundidade dos corpos, são misturas: um corpo penetra
outro e coexiste com ele em todas as suas partes, como a gota de vinho no mar ou o
fogo no ferro. (...) As misturas em geral determinam estados de coisas quantitativos
e qualitativos: as dimensões de um conjunto ou o vermelho do ferro, o verde de
uma árvore. Mas o que queremos dizer por “crescer”, “diminuir”, “avermelhar”,
“verdejar”, “cortar”, “ser cortado” etc, é de uma outra natureza: não mais estados
de coisas ou misturas no fundo dos corpos, mas acontecimentos incorporais na
superfície, que resultam de misturas. (Deleuze, 1974, p. 6-7).
Michel Foucault – aproveitando as leituras que realiza sobre acontecimento em
Deleuze – entende o acontecimento como a irrupção de uma singularidade única e aguda, no
lugar e no momento de sua produção (Cardoso, 1995). Afirma que por muito tempo havia
uma dicotomia clara entre as estruturas (aquilo que é pensável) e o acontecimento (o
irracional, o impensável). Segundo ele, existem diversos tipos de acontecimentos com
alcances e amplitudes cronológicas diferentes, e com capacidades diferentes de produzir
efeitos (Foucault, 1979). O mais importante, e também o mais difícil, é distinguir esses
acontecimentos e diferenciar suas redes, tentando reconstruir a linha que os ligam e que os
engendram, um a partir do outro.
Diante disso, a cidade – neste caso, Manaus – passa a ser analisada a partir das
variações espaciais e temporais do acontecimento urbano e das dimensões dos seus efeitos,
enxergando-a como uma manifestação subjetiva que reage à ação impositiva da cidade,
havendo assim produção do sujeito e produção da cidade, simultaneamente e de forma
singular. Na tentativa de observar o acontecimento, pode-se perceber o que ocorre para além
das imagens gratuitas e, dessa forma, escapar de interpretações tendenciosas. Afinal o
acontecimento é dado pela mistura dos corpos e, como resultado dessa mistura, o que nos
interessa, não é apenas a sua imagem, mas, sobretudo o seu sentido.
Deleuze juntamente com Felix Guattari desenvolvem dois conceitos que dimensionam
este trabalho e, acima de tudo, materializa por meio do acontecimento e das relações de poder
– tendo a cidade como cenário – a (re)criação dos espaços públicos: a máquina de guerra e o
aparelho de captura.
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A máquina de guerra é exterior ao aparelho de Estado e goza de uma ampla
autonomia em relação a ele. Ela pode ser formada tanto por grandes organizações comerciais
ou industriais, ou formações religiosas, como também por bandos que são minorias que ficam
às margens e formam mecanismo para afirmar os direitos de sociedade contra os órgãos de
poder do aparelho de Estado. Essas minorias implicam formas a este aparelho tanto quanto
as grandes organizações, e assim também se apresentam como uma máquina de guerra,
poliforma e difusa. A máquina de guerra constitui-se pelo deslocamento, por trajetos que
distribuem indivíduos e coisas num espaço aberto, preservando a possibilidade de surgir em
qualquer ponto. O Estado é soberania, e a soberania só reina sobre aquilo que ela é capaz de
apropriar-se localmente. Deleuze e Guattari afirmam que o Estado tem como uma de suas
tarefas fundamentais estriar o espaço sobre o qual reina, empreendendo sempre que possível,
um processo de captura sobre os fluxos e por isso funciona como um aparelho de captura que
pretende controlar o espaço. Aquilo que o atravessa, ou seja, que escapa ao seu comando,
adquire o aspecto de uma máquina de guerra dirigida contra ele, desenrolada num espaço
liso, sem fronteiras, hostil ou rebelde. Os aparelhos de captura são constituídos para se
apropriar das máquinas de guerra, e impor trajetos fixos, em direções bem determinadas e
com velocidades constantes, para poder capturar os detalhes dos movimentos.
Portanto, o acontecimento é aquilo que escapa e contraria padrões, não se preocupando
com o lugar onde ele se situa, e muito menos em saber desde quando ele existe (Deleuze e
Guatarri, 2001, p.203). É aquilo que não se pode prever, não possibilitando determinar seu
início e seu fim, ele é o sentido daquilo que rompe e escapa pelas fissuras.
O acontecimento escapa não para fugir, mas sim para afirmar sua existência, porque
escapar não significa fuga e sim afirmação.
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Acontecimento Urbano.
De acordo com o pensamento de Deleuze e Guattari a cidade é lugar de produção de
subjetividade, e por esse motivo não se pode analisá-la como uma estrutura rígida, mas sim
em constante transformação, como lugar do movimento e não da fixação, tentando entendê-la
não apenas pela sua estrutura física, mas sim pelos processos de transformação que nela
ocorrem.
Felix Guattari conceitua as cidades como “máquinas enunciadoras”, afirmando que se
tratam de “máquinas de sentido e de sensação”, que podem tanto trabalhar no sentido de um
esmagamento uniformizador quanto no de re-singularização liberadora da subjetividade
individual e coletiva. Por isso o autor atribui grande importância aos processos de produção
de subjetividade, sabendo que as mutações subjetivas são importantes para as mudanças no
mundo.
Considerar a subjetividade sob o ângulo da sua produção não implica
absolutamente, voltar aos sistemas tradicionais de determinação do tipo infra-
estrutura material – superestrutura ideológica. Os diferentes registros semióticos
que ocorrem para o engendramento da subjetividade não mantêm relações
hierárquicas obrigatórias, fixadas definitivamente. (Guattari, 1992, p.11).
Guattari localiza a produção de subjetividades em instâncias individuais, coletivas e
institucionais, portanto é preciso ressaltar que os espaços produzem uma subjetividade parcial,
que em conjunto com outros agenciamentos de enunciação
17
vão produzir a subjetividade
como um todo.
Segundo o autor, o modo pelo qual os indivíduos vivem sua subjetividade oscila em
dois extremos, sendo
uma relação de alienação e opressão, na qual o individuo se submete à
subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e de criação, na qual
o individuo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um
processo de singularização. (Guattari e Rolnik, 1986, p.33).
17
Segundo Janice Caiafa, os agenciamentos de enunciação são essas conexões ou arranjos concretos de
elementos heterogêneos (linguagem, de poder, formas sociais, etc) que se inscrevem e se estabilizam num meio,
mas que mergulham numa zona incerta que os pode desestabilizar. (2000, p.62).
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Os processos de singularização são os modos de recusar e reagir às formas de
manipulação.
O obstáculo nunca é absoluto, nunca veda sem fresta. Porque os processos sempre
incluem as vias de guinada, têm sempre no horizonte o começo de uma outra coisa.
É a idéia de “pontas de desterritorialização” que aparece na descrição de Deleuze e
Guattari. (Caiafa, 2000, p. 61-62).
Se a cidade é o lugar de produção da subjetividade, ela também é o lugar de
acontecimentos urbanos, porque, os acontecimentos urbanos são também uma reação à cidade
projetada de forma impositiva e sem o reconhecimento das diferenças, e por serem
engendrados pela própria atitude do indivíduo urbano e repercutirem nesses mesmos
indivíduos e na cidade, é possível considerá-los como um agenciamento de enunciação que
ajuda a produzir subjetividade.
Assim, acontecimento urbano pode ser definido como as manifestações e/ou
apropriações singulares e efêmeras que ocorrem no espaço público de modo inesperado e que
surgem através de frestas ou fissuras do tecido urbano. Essas apropriações estão à margem do
planejamento urbano, caracterizando-se como transgressões urbanas que surgem com a
finalidade de afirmar a existência de uma situação (social, política, econômica, etc.) e que
pretendem resistir diante das adversidades que lhes são impostas.
Funcionam como verdadeiras máquinas de guerra e não se deixam apropriar pelo
aparelho de Estado, escapando ou arquitetando contra ele. Vale ressaltar, que esses dois
elementos coexistem e concorrem num mesmo campo, que é a cidade.
Os acontecimentos urbanos são como apropriações imprevisíveis que acontecem em
lugares ordenados pelas técnicas organizativas do aparelho de Estado. São movimentos livres
de estratificações utilizando-se de elementos pré-existentes do território. E, embora carreguem
consigo algumas normas subjetivamente adquiridas, e até mesmo se apropriem de alguns
modos já instituídos no lugar, elas permanecem heterogêneas ao espaço onde se inserem
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porque, gradativamente, transgridem as regras e as normas locais e, dificilmente, chegam a se
fixar definitivamente.
Os acontecimentos urbanos, muitas vezes, aparecem como improvisação, de caráter
temporário e em alguns casos tornam-se definitivos, consolidam-se e se inserem no cotidiano
das cidades, mas não perdem sua efemeridade. Podem se transformar a qualquer momento,
não tendo nenhuma responsabilidade de se fixar - muito pelo contrário - são versáteis e, na
maioria das vezes, não congelam no tempo e se adaptam a cada nova necessidade ou desejo
frente à reação lógica imposta pela dinâmica da economia urbana, que acaba por determinar,
para alguns, uma situação de “improviso” enquanto forma de sobrevivência.
Na cidade de Manaus, esses acontecimentos podem ser exemplificados através das
apropriações que ocorrem no espaço público, como por exemplo: a apropriação do espaço
público como área de comércio pelos vendedores ambulantes; como casa pelos sem-teto;
como área de festas e encontros pelos bares que, muitas vezes, ampliam sua área privativa e
apropriam-se de calçadas e ruas. Este mesmo comportamento pode ser observado entre
vendedores de churrasquinho, cachorro-quente, pastel, e frutas, que transitam pela cidade e
muitas vezes se estabelecem em determinados pontos, em um determinado momento ou com
uma freqüência constante, tornando aquele espaço um ponto de encontro. Além desses, os
artistas que atuam nas ruas, em praças ou em frente a semáforos também merecem destaque,
assim como manifestações reivindicativas como as passeatas que alteram a rotina das cidades.
Ou ainda, os catadores de materiais recicláveis que transitam por toda a cidade puxando seus
“carrinhos” entre os carros e ônibus.
Segundo Michel Foucault, os acontecimentos têm forma de espacialização, amplitude
cronológica e capacidade de produzir efeitos diferentes. Assim, convertendo-os ao espaço
urbano, podemos observar as seguintes categorias de analise, já apontadas por Silva (2007),
quando avaliava o comércio informal na cidade de São Paulo:
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I - Forma de Espacialização: pretende observar as formas como os acontecimentos se
inserem e se adequam ao espaço que apropriam. O acontecimento pode se espacializar através
do próprio corpo do agente, ou de outros elementos criados ou adaptados conforme o
acontecimento.
Exemplo: Formas de Espacialização - sem-teto (Fig.1), artistas de rua (Fig.2), homens-propaganda, que se
espacializam pelo próprio corpo, ou seja, não necessitam de um suporte externo para acontecer. Vendedores
ambulantes (camelôs) e catadores de material (Fig.3) utilizam outros suportes espaciais como bancas, barracas e
carrinhos, ou se utilizam de elementos já existentes no lugar como grades, bancos e muros (Fig.4).
Fig. 2 – Artista de rua. Manaus
Fig. 1 - Sem-teto: utilização do próprio corpo como forma de espacialização. São Paulo.
Fig. 4 – Comércio informal: utilização de elementos já existentes no lugar. Manaus.
Fig. 3 - Catador de papel. São Paulo.
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II - Variação Temporal: pretende analisar a temporalidade do acontecimento no espaço, ou
seja, qual o tempo de permanência em um determinado local, podendo ser considerados como
regulares ou variáveis. Os regulares são aqueles onde o acontecimento atua sobre a cidade por
um tempo maior. Eles surgem através das fissuras urbanas, mas por algum motivo assumem
freqüência constante no espaço, constituindo-se na maioria das vezes como pontos
18
.
Exemplo: Temporalidade Regular - o camelô que passa a atuar diariamente em uma determinada esquina,
montando e desmontando seu equipamento - em um mesmo lugar e no mesmo horário - para vender suas
mercadorias, pode assumir um tempo de permanência regular nesse ponto se as frestas ou fissuras urbanas
permitirem (Fig.5).
Fig. 5 – Permissionários: assumindo freqüência constante no espaço. Manaus.
18
Um ponto vem a ser um espaço, nas calçadas, nas esquinas ou no leito da rua, que é apropriado por
determinadas práticas e pelas pessoas que a elas se dedicam (camelôs, taxistas, prostitutas, etc.). A barraca do
camelô é um bom exemplo dessa forma de apropriação do espaço coletivo. Apropriar-se de um local através de
uma atividade, implica, de certa forma, em particularizá-lo não só pela “especialização” que lhe passa a ser
atribuída em termos de uso, mas também pela conseqüente vinculação a pessoas, grupos e turmas. O ponto pode
estar ligado ao trabalho ou ao lazer e é caracterizado pelo exercício regular de uma atividade. Tal atividade terá
de ser necessariamente de domínio público, sem o que seria incapaz de criar o ponto. Este, por sua vez, poderá
ser formalmente reconhecido como no caso do ponto de ônibus, ponto de táxi. O processo, no entanto, não é o
mesmo observado no caso da barraca do camelô. Aqui será a própria atividade que, ao dotá-la de significação,
torna-se passível de identificação.
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Os variáveis – em se tratando de tempo de permanência – aparecem e desaparecem do
espaço com maior velocidade, tendo sua freqüência anulada completamente.
Exemplo: Temporalidade Variada - um artista que cada dia atua em um espaço diferente, justifica seu tempo de
permanência variável (Fig.6).
Fig. 6 - Estátua Viva. Parque do Ibirapuera. São Paulo.
III - Dimensão: pretende analisar o acontecimento enquanto capacidade de produzir efeitos
no seu entorno, e não a partir do tamanho que ocupa no espaço. Os acontecimentos urbanos,
na maioria das vezes, provocam o espaço ao seu redor, seja pela alteração do fluxo de pessoas
ou automóveis, pela aglomeração gerada ou simplesmente pela presença de um corpo
estranho àquele espaço, que acaba por gerar um novo espaço singular que é (re)criado
momentaneamente.
Assim, podem ser considerados como macro ou micro acontecimentos, de acordo com
os efeitos produzidos no espaço em que se inserem. O acontecimento macro é aquele que
devido a grande capacidade de produzir efeitos, repercute de tal forma que permite que outros
acontecimentos menores ocorram a partir dele, além de alterar o cotidiano do seu entorno.
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Exemplo: Macro Acontecimento - uma passeata pode gerar o aparecimento de vendedores ambulantes e/ou
outras manifestações inesperadas (Fig.7 e 8).
Fig. 7 - Parada GLBT. Manaus. Fig. 8 - Círio de Nazaré. Belém.
O micro acontecimento não necessariamente surge do macro, ele pode ser autônomo,
mas têm seu campo de repercussão limitado, interfere menos no seu entorno.
Exemplo: Micro Acontecimento – uma apropriação dispersa ou isolada pouco intervêm no espaço citadino.
Podem passar despercebidos, como também podem tornar-se alvo do aparelho de captura (Fig.9 e 10).
Fig. 9 - Ambulante. Manaus.
Fig. 10 - Ambulantes dispersos. Manaus.
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IV - Modos de Ação: pretende observar as formas utilizadas para escapar e realizar o
acontecimento, ou seja, quais são as táticas para acontecer? Segundo Michel de Certeau, as
táticas jogam com o terreno que lhe é imposto, é o movimento dentro do campo de visão do
inimigo, no espaço por ele controlado, não tem lugar senão o do outro. Com a tática se opera
golpe por golpe, lance por lance, aproveitando as ocasiões, as falhas do inimigo, é diferente da
estratégia.
Alguns acontecimentos escapam com táticas mais elaboradas, seu agente fica a
procura de frestas para se manifestar, enquanto outros simplesmente escapam e acontecem:
são mais impensados.
Exemplo: Modos de Ação – a simultaneidade entre o espaço do camelô e o comércio formal gera também uma
simultaneidade de ofertas de produtos e, consequentemente, de consumidores (Fig.11).
Fig. 11 – Atuação do comércio ambulante: proximidade ao comércio formal, usufruindo assim dos consumidores. Manaus.
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Apesar de um panorama bastante heterogêneo – com relação às apropriações no
espaço público – aqui apontado, este trabalho tem a intenção de analisar o comércio
ambulante, registrado principalmente no centro de Manaus, não cabendo observar as outras
categorias de apropriação acima descritas (sem-teto, festas, bares, artistas de rua,
manifestações reivindicativas, etc.).
Vale também ressaltar, que essas categorias aqui utilizadas são interpretações
empíricas identificadas no cotidiano dos espaços públicos de Manaus, e em nenhum momento
deve ser considerada engessada enquanto análise, afinal, o território é fluído e a cada dia
novas categorias surgem para explicar as relações sociais travadas no espaço público.
Dessa forma, as atividades informais – praticadas por ambulantes ou camelôs - que
acontecem no centro da cidade de Manaus se apropriam do espaço público sem o
reconhecimento do aparelho do Estado e por isso transgridem as normas instituídas para
poderem atuar. Em alguns momentos, podem até seguir algumas normas locais, respeitando o
limite das calçadas, não ocupando as ruas, não se fixando às portas de lojas, não divulgando
seu produto em alto tom de voz, não bloqueando a passagem de pedestres nos passeios.
Entretanto, gradativamente, podem aumentar em número e transgredir todas essas normas.
Segundo dados da SEMAGA - Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento –
há cerca de 2.600 vendedores ambulantes nos espaços públicos da região central da cidade de
Manaus (2007)
19
, e destes, apenas 2.200 tem permissão da prefeitura
20
. Dessa forma, cerca de
15,4% dos ambulantes trabalham como nômades nas ruas da cidade e tentam, a todo
momento, escapar das fiscalizações que buscam impedir a sua atuação.
Por esse motivo esse acontecimento faz do espaço, um espaço de apropriação
19
Segundo a Prefeitura, o polígono que demarca a região central da cidade de Manaus está compreendido ao
longo da Rua Sete de Setembro até as margens do Rio Negro.
20
Segundo dados da SEMAGA – Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento – em 2005, a região
central da cidade de Manaus, apresentava em seus espaços públicos, cerca de 1.800 permissionários. Com o
recadastramento, no mesmo ano, o número cresceu para 2.600 ambulantes. Atualmente, após alguns
cancelamentos, o número foi reduzido para 2.200 camelôs.
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rizomática, ou seja, ele escapa pelas fissuras das cidades, entre becos, ruas e esquinas, se
esquivando e se espalhando por todos os lados. Deleuze e Guattari definem o processo
rizomático de apropriação como aquele que não tem centro, nem periferia e nem saída, porque
é potencialmente infinito.
Esse acontecimento urbano, dado pela ocupação espacial do centro de Manaus por
vendedores ambulantes – segundo as categorias de análise acima apresentadas – nos oferece o
seguinte diagnóstico:
I - Forma de Espacialização: se dá na maioria das vezes, por meio de suportes físicos
móveis ou desmontáveis, podendo acontecer também através do próprio corpo. Podem utilizar
barracas, carrinhos, lonas, automóveis, entre muitas outras invenções para marcar seu
território na rua e realizar seu trabalho, além daqueles que utilizam como suporte elementos já
existentes no espaço: gradis, meios-fios, paredes, muros, etc.
Os vendedores que possuem barracas, geralmente possuem permissão da prefeitura –
daí o nome de permissionários – para atuarem, ao contrário dos demais que, por não
possuírem tal permissão, utilizam suportes móveis ou facilmente removíveis como tática
(Fig.12 e 13). É o caso dos que possuem pequenas bancas dobráveis, que na presença de um
fiscal são facilmente fechadas e aparentemente transformadas em maletas ou algo parecido.
Fig. 12 - Ambulante não cadastrado. Manaus.
Fi
g
. 13 - Trans
p
orte de mercadoria facilmente removível. Manaus.
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Ou daqueles que se utilizando apenas de uma lona estendida no chão como apoio para
as mercadorias, fecham-na sob a forma de um saco e as carregam nas costas diante de
situação de risco.
II - Variação Temporal: a temporalidade pode ser constante ou variável, existindo
apropriações que estabelecem uma determinada freqüência num mesmo lugar, outras que
atuam de forma nômade, estando cada dia em lugar diferente. Essa temporalidade esta
diretamente relacionada ao aparelho do Estado em relação à atuação desse grupo. Existem
lugares – geralmente os mais disputados pelos ambulantes – que possuem maior fiscalização
e, por esse motivo, a tática utilizada é a freqüente mudança de lugar, tornando a apropriação
nômade (Fig.14) e, assim, escapando das tentativas de normatização ou proibição. Alguns
ambulantes se fixam num mesmo local por um longo tempo, se apropriando dele com
freqüência constante, quase sempre nos mesmos dias e horários, esses geralmente possuem
licença para atuar (Fig. 15). Em quase todos os casos, o tempo de atuação - seja mudando de
lugar com freqüência ou não – acompanha o horário de funcionamento do comércio local ou
mesmo os horários de fluxos de transporte público, mas não ultrapassam a permanência de um
dia. Isso significa dizer que alguns acontecimentos podem se adequar a determinados modos
instituídos no local, mas nem por isso deixam de ser acontecimentos, porque ocupam o espaço
sem fazer dele uma propriedade privada.
Fig. 14 - Apropriação nômade. Manaus.
Fig. 15 - Apropriações com freqüência constante. Manaus.
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III - Dimensão: a presença do vendedor ambulante pode gerar pequenos ou grandes impactos
no seu entorno, dependendo da sua forma de atuação. Pode ser macro acontecimento quando
sua atuação provoca aglomeração de pessoas ao seu redor e abala o tráfego de pessoas e
automóveis no seu entorno, isso geralmente acontece quando se inserem em maior numero em
um mesmo local, como acontece no entorno da Praça da Matriz (Fig. 16).
Fig. 16 - Movimentação no Centro: macro acontecimento. Manaus.
Já a presença de um único ambulante em uma esquina, por exemplo, pode causar
quase nenhum impacto na maioria das ruas das cidades (Fig.17 e 18), salvo se ele for uma
exceção no meio onde se inseriu.
Fig. 18 - Ocupação rarefeita: micro acontecimento. Manaus.
Fig. 17 – Ocupação rarefeita: micro acontecimento. Manaus.
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IV - Modos de Ação: das diferentes táticas registradas uma delas é a de procurar atuar em
ruas, avenidas ou praças de grande movimento de pessoas e/ou onde já existe um comércio
formal atuante, podendo assim usufruir da presença de consumidores. Outra tática é visualizar
as demandas, atuando, preferencialmente onde existe uma carência de algum tipo de serviço
ou produto (Fig.19). Além dessas, vale ressaltar as táticas utilizadas para escapar facilmente
das apreensões de mercadorias pelos fiscais da prefeitura, como por exemplo, as bancas
desmontáveis e as lonas facilmente carregadas nas costas (Fig.20).
Fig. 19 - Merenda como tática. Manaus.
Fi
g
. 20 - Tri
p
é foto
g
ráfico como tática. Manaus.
A síntese acima descrita evidencia a ameaça do aparelho de Estado, porém, esses
acontecimentos urbanos assumem tamanha dimensão que esse “aparelho” passa, em alguns
casos, a reconhecê-los e legalizá-los numa tentativa de os capturar e os adequar às regras e
leis padronizantes. Seria o que Deleuze denomina de aparelho de captura do Estado contra as
máquinas de guerra que operam fora do aparelho do Estado e da economia corporativa. A
máquina de guerra é a invenção de uma organização nômade original que se volta contra o
Estado (Deleuze e Guattari, 1997, p.144). Um exemplo, neste sentido, são os vendedores
ambulantes nas ruas, os quais o Estado “tenta organizar” para mantê-los sob controle, porém,
estão sempre escapando como podem para acontecer. É a própria normatização do Estado que
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torna possível e suscita esses acontecimentos que lhes escapam
21
.
O Estado como aparelho de captura tem uma potência de apropriação; mas
justamente, essa potência não consiste somente em que ele capture tudo o que pode,
tudo o que é possível (...). Do mesmo modo, as máquinas de guerra tem uma
potência de metamorfose, pela qual elas certamente se fazem capturar pelos
Estados, mas pela qual também resistem a essa captura e renascem sob outras
formas, com outros “objetos”que não a guerra (a revolução?). Cada potência é uma
força de desterritorialização que concorre com as outras e contra as outras (mesmo
sociedades primitivas têm seus vetores de desterritorialização). Cada processo pode
passar sob outras potências, mas também subordinar processos à sua própria
potência. (Deleuze e Guattari, 1997, p.129)
21
O acontecimento urbano não é considerado pelo aparelho de Estado como atividade formal, e mesmo sendo
considerado informal, muitas vezes possui o aval do Estado para acontecer.
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59
O Escapismo.
Escape:
1. Ação ou efeito de escapar (-se); escapamento, salvação.
2. Saída, fuga, escapadela, escapula, escapulida.
Dicionário Eletrônico Aurélio – versão 5.0
3. Do latim excappare: sair de situação embaraçosa, livrar-se de
um estorvo.
Dicionário Eletrônico Houaiss
“Bem-vindo ao centro da cidade!”. Não importa qual, afinal, em se tratando de
paisagem, tudo que observamos no cotidiano desse fragmento tende a ser considerado comum
e corriqueiro, e que acontecem há muito tempo em muitos lugares: pessoas pedindo esmolas,
vendendo objetos, ou o próprio corpo, tocando música, lendo o futuro dos outros, puxando
carroças em plena era do automóvel,..., enfim, pessoas vivendo – ou melhor – sobrevivendo,
fazendo o que podem para ganhar um sustento, e que encontra no espaço público um escape
para continuar “aparecendo” dentro do sistema social que está sempre os empurrando para a
margem de seus centros.
Escapar é uma das formas de reação da população à cidade limitada, ou seja, à cidade
que pode não corresponder à sua demanda, que muitas vezes acaba sendo planejada sem
pensar nas diferenças, e que pode freqüentemente tentar padronizá-las. Essa reação não
consiste em negar ou destruir, mas sim contestar o caráter bem fundado do que é dado como
regra.
Tuan (1998) aponta que vivemos uma cultura do escapismo, onde este é visto como
saída para o risco, o fim da linha onde muitas pessoas se encontram, quando não existem mais
recursos e “todas as muralhas já foram estilhaçadas”, encontrando-se face-a-face com o
perigo.
Em se tratando de apropriação espaço público - relacionando as leituras de Deleuze e
as teorias de Yi-Fu Tuan – o escapismo é o modo pelo qual se realiza o acontecimento
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urbano. O escapista desenvolve formas de apropriar-se da cidade dentro de uma lógica
própria, que não é imposta por normas ou políticas urbanas. Funciona como uma fresta, uma
fissura que permite a fuga na primeira oportunidade.
Escapar significa fazer fugir, e fazer fugir não significa renunciar às ações, ao
contrário, fazer fugir é tomar atitude, é permitir a astúcia de estar onde ninguém espera, de
traçar trajetórias indeterminadas que parecem não ter sentido, porque não são comuns ao
espaço construído onde prevalecem as formas pré-fabricadas e a técnica.
Através do escape pode ser possível realizar o desejo de conquista do território. Os
desejos produzem um aglomerado de processos que acabam por gerar, em um determinado
momento, um “território existencial”
22
. Para Deleuze o desejo produz o real, ele não é a
representação de um objeto ausente ou faltante, mas uma atividade de produção, uma
experimentação incessante, uma montagem experimental.
O escapismo urbano pode acorrer através das linhas de fuga de que fala Deleuze, elas
são formadas por movimentos que apontam saídas, e esses, por sua vez, alisam o espaço que
percorrem, ou seja, abrem para outras possibilidades ainda não imaginadas. O espaço liso não
quer dizer homogêneo, mas sim um espaço amorfo, informal (Deleuze e Guattari, 1997). É
também múltiplo e instável e tem como referencia o próprio movimento das linhas de fuga,
lutando contra a estratificação do território e contra qualquer tentativa que tente torná-lo um
espaço estriado.
O espaço estriado possui a rígida definição espacial produzida através de estrias que
são incrustadas no território a fim de deter todo e qualquer fenômeno que possa escapar do
que é dado, do pré-concebido, do planejamento territorial. O espaço estriado é sedentário,
homogêneo (espaço dos muros, das cercas e dos caminhos pré-determinados), ao contrário o
22
Rolnik, 1989, p.27.
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61
espaço liso, heterogêneo, é o espaço das multiplicidades rizomáticas que ocupam o espaço
sem medi-lo.
Dessa forma os escapes através das linhas de fuga conseguem alisar os espaços mesmo
em territórios originalmente estriados. Para tanto, bastam movimentos de apropriação que
transgridam as estratificações impostas.
(...) os espaços lisos por si só não são libertadores. Mas é neles que a luta muda, se
desloca, e que a vida reconstitui seus desafios, afronta novos obstáculos, inventa
novos andamentos, modifica os adversários. (Deleuze e Guattari, 1997, p.214).
De fato esses dois espaços só existem devido às misturas entre si, o liso é
constantemente estriado e o estriado é constantemente revertido a um espaço liso e isso só
acontece graças a movimentos inteiramente diferentes que acontecem nos espaços.
Dessa forma os acontecimentos urbanos tangenciam os espaços lisos e estriados da
cidade - estão no limiar - e são a princípio lisos, mas possuem pontas de estriamento, porque
esses espaços não acontecem separadamente, eles se alternam e se confundem com
freqüência. Alguns acontecimentos urbanos surgem como espaços lisos, mas sofrem pontas
de estriamento porque podem ter certo desejo de fixação, tanto que alguns acontecimentos
deixam se ser variáveis e passam a se consolidar, mesmo que dentro de uma outra lógica de
apropriação. Por isso, possuem pontas de estriamento, mas dificilmente tornam-se espaços
estriados.
Um exemplo claro desse processo são os vendedores ambulantes que conseguem
“permissão” do poder público para poder atuar, eles também produzem o acontecimento
urbano, mas muitos acabam por assumir uma temporalidade constante no espaço, e são
obrigados a se encaixar em certos padrões, porém, jamais assumem o caráter estriado de
fixação com estruturas imutáveis e definidas; são sempre múltiplos, abertos, lisos para outros
movimentos, não deixam de buscar escapes que possibilitem novos movimentos.
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Em Manaus, as apropriações do espaço público – seja por falta de opções junto à
esfera do trabalho formal ou mesmo por opção de vida – demonstram a eterna busca do seu
direito à cidade, através de lutas contra o aparelho de Estado.
São vidas que não estão ali por acaso e que procuram seu espaço dentro das políticas
de planejamento urbano compactuadas muito mais com interesses privados de uma minoria,
do que com interesses públicos da maioria. São vidas que provocam acontecimentos e
acontecimentos que provocam a vida.
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63
CAPÍTULO III: BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR!
23
A identidade entre as pessoas é construída no cotidiano, o que
supera as particularidades. Seria impossível pensar, por
exemplo, os movimentos sociais urbanos sem construção da
identidade entre indivíduos, isto é, sem a possibilidade de
criação do indivíduo coletivo a partir de condições e modos de
vida determinados. Todavia, a metrópole espelha a diversidade
que se constitui a partir de hábitos, costumes, culturas
particulares que criam bairros diferenciados, modos de
expressão e formas diferenciadas de apropriação do espaço
urbano.
(
Carlos, 1997,
p
. 8
)
“Vejo os homens se diferenciarem pelas classes sociais e sei que nada as justifica a
não ser a violência”, escreve Einstein.
São gritantes as diferenciações impostas à paisagem pelo processo de produção
espacial determinada pelas necessidades e objetivos da lógica capitalista. “Tal lógica é
imposta pela violência” (Carlos, 1997, p.82).
Ao longo dessa dissertação chamamos a atenção para o fato de que a vertente espacial
nos coloca diante de várias dimensões de análise da realidade urbana. A partir das formas de
apropriação tentamos produzir um entendimento do espaço público em seus vários aspectos, e
a produção do espaço passa a ser a expressão das contradições da sociedade que aparece na
paisagem pela sobreposição de riqueza e pobreza, beleza e feiúra.
É uma segregação espacial decorrente do desenvolvimento desigual das relações
capitalistas cuja natureza está no modo de exploração do trabalho pelo capital, fundamentado
na apropriação pelo ter, isto é, pela condição de proprietários de bens.
O espaço traz a marca da sociedade que o produz (no Brasil, uma sociedade
hierarquizada, dividida em classes).
As espacialidades do comércio são capazes de explicitar, categoricamente, a marca de
23
O filme “Brincando nos campos do Senhor” dirigido por Hector Babenco (1991) se passa na floresta
Amazônica. Os personagens principais são dois aventureiros norte-americanos, quatro missionários
fundamentalistas e os índios niarunas. A história se desenrola a partir de conflitos fanáticos entre os personagens
principais sobre o destino dos niarunas. Nesta dissertação, o título acima atenta para relação travada entre o
aparelho do Estado – como normatizador – e comércio informal como uma organização que se volta contra o
Estado, operando fora dele.
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uma sociedade, afinal, em se tratando de acumulação, o homem civilizado torna-se uma
máquina para o processo produtivo e é como máquina que ele precisa viver apenas suprindo
suas necessidades de sobrevivência enquanto força de trabalho abundante. Dessa forma,
diante das desigualdades de acumulação e, consequentemente, da hierarquia por ela criada, o
comércio passa ser a possibilidade de “civilidade” para todos citadinos.
Em outras palavras, a acumulação de capital de cada um permite o acesso a este ou
aquele tipo de comércio. É uma lógica bastante simples, e que justifica a presença – e a
permanência - de determinados segmentos
24
:
Espaço de Consumo:
Espaço de Consumo: Espaço de Consumo:
Shopping Centers
Comércio Formal Comércio Informal
Grau de Acumulação:
Grau de Acumulação: Grau de Acumulação:
Alto
Médio Baixo
Na verdade, é constatável que o que há de mais característico no capitalismo é o seu
processo de acumulação ocorrer às custas do trabalhador e da sociedade como um todo,
principalmente nos países subdesenvolvidos.
Assim, o homem produz um mundo com o qual parece não se identificar. O espaço
que ele produz, no processo de reprodução de sua vida, aparece como algo externo a ele. O
espaço é produzido cada vez mais enquanto condição geral da produção e o Estado têm um
papel fundamental para a reprodução do sistema e interfere produzindo infra-estrutura e todo
24
O esquema procura justificar a existência das três formas de acumulação. A hierarquia de consumo posiciona
o indivíduo junto as suas possibilidades de acumulação. Assim:
- indivíduos de alto grau de acumulação: de acordo com suas necessidades, podem transitar pelos outros dois
estratos de acumulação (médio e baixo);
- indivíduos de baixo grau de acumulação: somente consomem produtos de seu estrato (baixo).
Se no capitalismo podemos identificar discrepantes desigualdades, em todos os aspectos, o grau de acumulação
atrelado ao conceito de “civilidade” passa a justificar a existência das três possibilidades de consumo acima
descritas, afinal, a sociedade ocidental vive em função da necessidade de possuir valores de uso.
Espacialidade:
Espacialidade: Espacialidade:
“Templos de Consumo”
Centros Comerciais Espaço Público
Calçadões
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aparato necessário à reprodução ininterrupta do processo de acumulação do capital.
A vida em si parece ter pouca importância para o capital e para o Estado.
As desigualdades não podem mais ser ignoradas, não se pode mais governar
forjando uma unanimidade. O acirramento das contradições urbanas, fruto do
crescimento rápido, no qual o Estado se coloca a serviço da reprodução ampliada
do capital, é um fato incontestável. O espaço urbano se reproduz, reproduzindo a
segregação, fruto do privilégio conferido a uma parcela da sociedade brasileira.
(Carlos, 1997, p.83).
Dentro dessa perspectiva, a análise espacial passa apresentar outra dimensão: o espaço
da luta, e neste sentido, o espaço não é apenas produzido em função das condições de
reprodução do capital, mas também, em função da reprodução da vida humana.
Portanto, o espaço se reproduz a partir das lutas sociais entre o que é necessário ao
processo de reprodução do capital e o que a sociedade como um todo necessita.
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As máquinas de guerra contra os aparelhos de captura.
A lógica sócio-espacial acima apresentada cria um cenário para os acontecimentos
urbanos (já comentados anteriormente) registrados nas cidades brasileiras, em especial no
Centro da cidade de Manaus.
A apropriação do espaço público pelo comércio ambulante, enquanto formas de vida
que ali atuam - seja por falta de opção junto ao mercado formal ou por opção de vida –
materializa a luta contra o aparelho do Estado em busca do seu direito à cidade.
São indivíduos que procuram seu espaço dentro das políticas de planejamento urbano
compactuadas muito mais com interesses privados de acumulação, do que com interesses
públicos da maioria
25
.
Os camelôs, que atuam em calçadas e ruas de todas as cidades brasileiras – em
Manaus, atuam em todo tecido urbano, mas sua expressão máxima pode ser identificada no
Centro da cidade – são considerados trabalhadores da economia informal, mas tem seu lugar
na cadeia produtiva, atuando no escoamento de produtos de todos os tipos, e embora essa
inserção aconteça, ela não é garantida de direitos sociais e trabalhistas básicos e de uma fonte
de renda estável.
Segundo a arquiteta e urbanista Letícia Tabachi Silva (2007), como o Estado não
consegue os capturar, ele então passa a reconhecê-los como uma deformidade, uma
delinqüência, colocando-os a margem da legalidade, denominando-os como informais.
As relações entre as máquinas de guerra (comércio informal) com o aparelho de
captura coexistem e ocorrem num mesmo campo, funcionam em dupla, contrários e
complementares. O aparelho de Estado só existe enquanto aparelho de captura, porque
25
Neste trabalho, o olhar para as apropriações do espaço público não parte de nenhum julgamento quanto a sua
legalidade. O que interessa aqui é mostrar que existem táticas que escapam ao que foi planejado, e que de
alguma forma conseguem acontecer e se incorporar à cidade.
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existem elementos a serem capturados, e o acontecimento urbano só se conforma como uma
máquina de guerra porque existe um Estado com quem precisa lutar.
A natureza complexa do setor informal torna seu conceito motivo de grande
controvérsia técnica e acadêmica
26
. Segundo a Organização Mundial do Trabalho, o trabalho
informal é caracterizado pela produção em baixa escala, pelo baixo nível de organização e
pela quase inexistente separação entre capital e trabalho. Segundo a OMT, a maior parte dos
trabalhadores está na informalidade devido ao desemprego e a maioria tem como demanda
comum a regulamentação da atividade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em pesquisa realizada em 2003 definiu como empresas informais todas com no
máximo cinco funcionários e com contabilidade empresarial não distinta da familiar,
independente de registros regulares de CNPJ e outros documentos. Dessa forma, aquilo que
não segue os padrões instituídos pelo Estado, que encontra outras formas de organização para
se constituir, são chamados de informais, mesmo que consigam subsistir dessa forma.
No setor informal há uma separação reduzida ou nenhuma separação entre trabalho e
propriedade dos meios de produção, e o trabalho assalariado não constitui a base do
funcionamento dessas unidades. As unidades produtivas informais não são plenamente
capitalistas porque o lucro não é variável-chave de seu funcionamento e sim o rendimento
total de seu dono. A prioridade é a manutenção da família, e só depois vem à manutenção do
negócio ou a preocupação com “retornos de investimento”. O principal objetivo é criar
emprego e renda para os envolvidos e, via de regra, não há acumulação. Quando isso
acontece, ele pode deixar de ser informal.
No Brasil, segundo o IBGE, estima-se que esse setor considerado como informal
movimenta cerca de duzentos bilhões de reais por ano, e dessa forma, é pouco provável que
26
Simplificando as coisas, é possível identificar duas formas básicas e distintas de conceituar o setor informal:
- a informalidade como um conjunto de atividades produtivas realizadas fora da lei (critério da ilegalidade);
- a informalidade como o conjunto de unidades de produção não tipicamente capitalistas (critério da forma de
organização da produção).
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68
esse desejo pela regulamentação da atividade seja unânime. Para alguns, como o pesquisador
Paul Singer
27
- Secretário de Economia Solidária do Ministério de Trabalho e Emprego - essa
economia prejudica o Estado que deixa de arrecadar uma quantidade considerável de
impostos, perdendo, portanto, receita que contribuiria para o equilíbrio das contas públicas e
reverteria em benefícios para os trabalhadores. Segundo ele “cria-se um quadro de pobre
vendendo para pobre”. Em outros casos, a informalidade é uma alternativa que possibilita
trabalho para milhões de brasileiros com natureza empreendedora, e isso pode ser o ponto de
partida para mudanças sociais. “São milhões de brasileiros que tiram leite de pedra”, afirma o
professor Ladislaw Dowbor da PUC/SP
28
.
O importante é ressaltar que se trata de uma disputa de poder. No caso do vendedor
ambulante, sua atuação tomou uma dimensão que passou a ameaçar as instâncias legais da
cidade. Apesar de todas as adversidades que ele encontra para conseguir se apropriar de um
espaço, ele consegue concorrer e disputar consumidores com o comércio formal, sem
contudo, compartilhar seus lucros com o aparelho de Estado. Esse é o verdadeiro motivo que
faz com que ele seja considerado um mal a ser combatido.
O Estado utiliza como argumento para o combate aos ambulantes os transtornos que a
sua presença causa à cidade, atrapalhando a circulação de pedestres, tornando a cidade feia e
desorganizando os espaços. É uma espécie de estigma onde o comércio informal carrega
estreita ligação com problemas de diversas ordens:
do ponto de vista urbano: privatização indevida do espaço urbano, em razão da
quantidade de ambulantes espalhados nas principais vias do Centro; infração das leis
que regulam o espaço urbano, tais como: Plano Diretor, Código de Obras do
27
Revista Fórum”, edição 42, set. 2006.
28
Revista Fórum”, edição 42, set. 2006.
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Município e outras legislações de proteção e patrimônio; poluição visual e degradação
de praças e prédios históricos do entorno; redução do espaço de circulação destinado
ao pedestre, bem como de espaço para carga e descarga dos lojistas e comerciantes
formais; ausência de infra-estrutura para recepção e retirada de detritos, propiciando
endemias diversas, entre outros.
do ponto de vista social: desumanização do trabalho; crescimento da marginalidade e
consequentemente da insegurança do cidadão; negação do exercício direto da
cidadania, o que impossibilita, na informalidade, o acesso a serviços de financiamento
e outros.
do ponto de vista econômico: sonegação fiscal; redução de arrecadação de impostos;
concorrência desleal; barreira ao comércio formal.
Existem, porém, muitos outros empreendimentos privados, regulares ou formais que
trazem sérias conseqüências para a cidade e nem por isso deixam de ter o aval do aparelho de
Estado para acontecer. Um exemplo claro disso é a aprovação de certos empreendimentos de
grande porte em locais já adensados, os quais geram grandes impactos ambientais e também
nas vias de circulação, no índice de poluição local, no sombreamento do entorno, etc. Esses
tipos de apropriações do espaço não são impedidos porque em muitos casos arrecada grandes
quantias para os cofres públicos.
Portanto, na disputa pelo espaço da cidade, quase sempre ganham os que têm maior
poder financeiro. E assim o ambulante tenta escapar dessa situação real que lhe é imposta e
descobre no espaço público uma possibilidade de atuação. “Desenquadrado” do sistema, o
ambulante descobre nas ruas outras possibilidades de se inserir, com linguagens e regras
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próprias, em um espaço que ele tem por direito, o espaço público. Além de ser um escape que
permite burlar o pagamento de impostos, as leis trabalhistas e todas as regras aos quais estão
submetidos o comerciante formal: é uma reação da máquina de guerra através da apropriação
do espaço para fins diferentes do planejado pelo urbanismo
29
.
Trata-se, por isso, de um acontecimento urbano, porque surge de forma inesperada,
como uma forma de resistência diante da situação imposta. Pode-se dizer que são vários
acontecimentos em conjunto, se misturando e fazendo surgir o acontecimento urbano, sem
regras fixas, sem pressupostos, sendo a todo o momento reinventado, acontecendo de diversas
maneiras: seja com a venda de mercadorias fabricadas em “fundos de quintal” ou feitas
artesanalmente, mercadorias refugadas pela indústria, ou através de mercadorias de
contrabando.
Nessa atividade a relação comerciante-cliente se dá de forma mais estreita, simples e
direta, o que evita atravessadores e permite o menor preço de venda do produto. Dessa forma,
essa atividade é legitimada pelas classes de menor renda que, através dos ambulantes,
conseguem ter poder de compra e passam a consumir mercadorias menos essenciais, as quais
não teriam acesso no mercado formal. Essa classe de menor renda também pode ser
considerada uma máquina de guerra, porque ela encontra no comércio ambulante um escape
para adquirir bens de consumo.
Essa forma de comércio atua, como tradutora entre repertórios e universos
ideológicos distintos; ela traz, a partir da própria mercadoria veiculada, a
informação ideológica do consumo dominante, inacessível à determinada fração da
sociedade. (Costa, 1989, p.28).
29
Na informalidade, é a economia que escapa aos limites da urbanização – voltada para o sistema capitalista – e
utiliza-se de outros meios para se inserir no mercado de trabalho, e a própria rigidez de regras no mercado formal
que faz surgir esse mercado paralelo capaz de transpor as frestas. Embora não seja computável, ele também cria
e faz computar riquezas.
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“A César o que é de César!”
Não existe um consenso entre os pesquisadores do assunto com relação às
terminologias utilizadas para classificar a atividade do comércio de rua
30
.
Porém, a definição que mais se aproxima da utilizada pelos próprios trabalhadores
coloca o ambulante como o comerciante de rua que não tem ponto fixo, cada dia vende sua
mercadoria em um lugar diferente e vive a procura de um escape para acontecer; enquanto o
camelô é o comerciante que já conseguiu um ponto fixo para trabalhar na rua, com ou sem
suporte fixo, reforça sua presença e sua demarcação pelo imaginário coletivo dos demais
trabalhadores.
Trabalhador da economia informal é a denominação utilizada pelo Sindicato dos
Trabalhadores da Economia Informal para os comerciantes de rua, não fazendo distinção entre
ambulantes e camelôs.
A expressão “comércio informal” designa o trabalhador normalmente auto-
empregado, que vende diretamente ao consumidor (varejo) produtos diversos (normalmente
miudezas e mercadorias de baixo valor) ou que presta serviços (normalmente de alimentação)
em vias e logradouros públicos (ruas, calçadas, praças, jardins, etc.), com ou sem permissão
oficial.
Esses trabalhadores possuem os mais diversos equipamentos para realizar seu trabalho
(barracas removíveis, ou não, trailers, veículos automotivos e à propulsão humana, tabuleiros
ou simplesmente um tecido ou plástico estendido no chão). Eles comercializam produtos
também de diversas origens (de atacadistas legalmente estabelecidos ou não, de fabricantes
formais e informais, de fabricação própria, de fruto do roubo ou contrabando, de fruto da
pirataria e de varejistas legalmente estabelecidos). A atividade pode ser feita com autorização
ou não do poder público, como já vimos, e pode contar com o auxilio de ajudantes,
30
Camelô, vendedor ambulante, marreteiro e trabalhador da economia informal são os termos mais utilizados.
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empregados ou familiares, muito embora a situação mais comum seja a atividade por conta
própria. A atividade também é exercida em ambiente de acirrada concorrência – devido ao
intenso fluxo de potenciais compradores – e em condições precárias de infra-estrutura (sem
água, sem energia, banheiros, etc.).
Os trabalhadores da economia informal (ou auto-empregado) têm relação direta com
seu negócio, fornecem a si próprios seus equipamentos, controlam seu processo de trabalho,
sua renda não é previamente definida e seu objetivo principal é promover o seu próprio
sustento e não acumular seu capital.
Vale ressaltar que este trabalho tanto utiliza o termo ambulante como o de camelô,
para se referir aos vendedores que trabalham nas ruas das cidades – em especial do Centro de
Manaus – uma vez que todos eles, fixos ou não, possuem táticas de atuações diferentes dos
vendedores legalmente reconhecidos pelo poder público.
O que interessa, neste estudo, é analisar os acontecimentos urbanos e a lógica
materializada na apropriação do espaço público de forma súbita, diferente da que foi
idealizada pelo planejamento urbano.
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CAPÍTULO IV: O MUNDO DAS CALÇADAS!
31
Conhecendo o comércio informal do Centro de Manaus.
Se a cidade pode ser entendida como a base material do desenvolvimento da vida
humana, pode-se dizer que na Amazônia, essa base firmou-se às margens dos rios e que estes
assumiam o papel de centro de desenvolvimento das atividades econômicas, culturais e
humanas.
No caso de Manaus/AM, constituída na “beira” do Rio Negro e entrecortada por
inúmeros igarapés, as relações iniciais entre homem e ambiente apontavam para uma
dependência, na qual os elementos naturais funcionaram também como agentes na produção
do espaço urbano.
Porém, o desenvolvimento e a “modernização” da capital amazônica desarticulou e
desestruturou essa base natural que sustentava as relações do homem com o meio,
substituindo-a por uma outra, importada, e que em nada se assemelha à realidade física e
cultural da região, acarretando conflitos espaciais bastante característicos das capitais
brasileiras: região central inóspita, trânsito caótico, espaços de exclusão, periferia pobre, etc.
Atualmente
32
, com 338 anos, Manaus apresenta uma morfologia dividida em 56
bairros, quatorze distritos e seis zonas (Leste, Norte, Oeste, Centro-Oeste, Zona Sul, Centro-
Sul, além da Zona Rural), sendo as zonas leste, norte e oeste responsáveis pela maior
concentração populacional de toda cidade.
31
A expressão “O mundo das calçadas!” foi apresentada enquanto título da obra do geógrafo Eduardo Yázigi
em um exercício profundo a respeito das calçadas de São Paulo desde 1560 até 1988. Segundo o autor, a calçada
é uma categoria de análise, e para além do muro lindeiro, é o espaço que interliga vizinhos, amigos e
conflitantes, em usos e ocupações. Além disso, apresenta os múltiplos figurantes das calçadas paulistas: camelôs
e ambulantes, jornaleiros e bancas de jornal, artesãos, engraxates, carteiros, crianças, lixeiras, árvores, floreiras,
violência, prostitutas, feirantes, floristas, pichadores, estacionamentos, pedestres, bolsões, policiais, guardadores
de carros, michês e travestis, povo da rua, antiquários, amoladores, reparadores de panelas, de cadeiras, ledores
de sorte, medidores de pressão, entregadores, repórteres, homens-sanduíche, bicheiros, etc.
32
Segundo dados do IBGE / 2006, Manaus apresenta os seguintes indicadores:
- População: 1.644.690 habitantes (94% em área urbana);
- Densidade demográfica em área urbana: 3.914 hab/km²;
- Renda per capita: R$ 20.965,82.
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74
O Centro geográfico, histórico e comercial de Manaus apresenta uma infinidade de
edificações que contam a história de seu povo e suas ruas – algumas transformadas em
calçadões – concentra quase que exclusivamente as atividades comerciais das mais variadas
(ver Fig. 21).
Fig. 21 – Centro geográfico, histórico e comercial de Manaus. Atlas Municipal / volume I. Manaus / AM.
O fragmento acima apresentado concentra também a maior representatividade do
comércio informal de toda cidade, e suas causas - ao longo do tempo - tem acumulado
inúmeras explicações que sobrepostas justificam a quantidade e a variedade de produtos
informais agregados também à degradação da paisagem do Centro e suas conseqüências; e o
Estado, responsável pela qualidade do espaço público, prefere assumir políticas públicas
sociais, quase sempre direcionadas para solucionar conflitos explosivos pontuais.
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A (re)criação do espaço público no centro de Manaus.
75
Visando compreender o perfil sócio-econômico do comércio informal da cidade de
Manaus, o SEBRAE/AM, realizou uma pesquisa que foi aplicada pela Action Marketing
Pesquisa de Mercado, em março de 2005, abrangendo 1.996 ambulantes, no intuito de
fornecer dados para futuras intervenções junto ao Centro.
Os dados coletados são os mais atualizados e ainda utilizados por todo segmento que
tem a intenção de realizar qualquer intervenção junto aos ambulantes do Centro
33
. Dessa
forma, serão utilizados nesta dissertação seguidos de reflexões teórico-empíricas na tentativa
de explicitar o cenário do comércio informal em Manaus.
A referida pesquisa foi dividida em quatro blocos, sendo eles
34
:
Bloco 01 - Informações Gerais: subsídios que fundamentam o delineamento do perfil
do camelô típico do Centro de Manaus e o Diagnóstico Situacional.
Bloco 02 - O camelô típico do Centro de Manaus: perfil do vendedor ambulante que
trabalha no Centro de Manaus, conforme amostra pesquisada.
Bloco 03 - Diagnóstico Situacional: hipóteses de trabalho, a partir de cenários
analisados.
Bloco 04 - Linhas de Ação: sugestões de diretrizes.
33
As tentativas de atualização dos dados dessa pesquisa têm apresentado as respectivas dificuldades: a) as
pessoas entrevistadas não respondem as questões; b) as respostas são desmentidas pela realidade do estoque e/ou
as condições da barraca; c) vários proprietários que alugam suas barracas estão ausentes no cotidiano, ficando
responsável o inquilino ou o gerente que não oferecem dados consistentes; d) alguns ambulantes se recusam a
responder, e outros distorcem as respostas desviando foco; e) algumas barracas encontram-se fechadas.
34
Os Blocos 03 e 04 não serão abordados neste trabalho.
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76
Origem dos camelôs e migrações.
A existência do setor informal está associada a uma insuficiente - ainda que dinâmica -
geração de emprego no setor formal. Além disso, sua existência está atrelada ao incremento
da população em idade ativa, resultante do crescimento vegetativo e das migrações (ver
quadros 01 e 02). Com a acentuada redução do dinamismo econômico do setor formal em
termos de geração de empregos, especialmente do emprego industrial, a informalidade passa
ser uma alternativa, às vezes duradoura, para muitos trabalhadores, sejam eles assalariados
desempregados do setor formal ou trabalhadores que fizeram sua inserção ocupacional no
setor informal. Em outras palavras, diante da manutenção das taxas de desemprego e da
permanente escassez de boas ofertas de emprego, os trabalhadores demitidos e/ou novos
integrantes no mercado de trabalho tendem a se acomodar de forma mais definitiva em
pequenas empresas ou como conta-própria, normalmente no setor terciário (comércio e
ESTADOS
FREQUÊNCIA
ABSOLUTA
FREQUÊNCIA
RELATIVA
AMAZONAS 1.258 63,03%
PAR
Á
280 14,03%
CEAR
Á
183 9,17%
MARANH
Ã
O 106 5,31%
ACRE 38 1,90%
PIAU
Í
27 1,35%
OUTROS 104 5,21%
TOTAL 1.996 100
,
00%
ESTADO DE ORIGEM - AMOSTRA PESQUISADA
ESTADOS DE ORIGEM
FRE
Q
U
Ê
NCIA
ABSOLUTA
FRE
Q
U
Ê
NCIA
RELATIVA
PAR
Á
151.155
50,39%
MARANH
Ã
O
29.304
9,77%
CEAR
Á
26.399
8,80%
ACRE
16.541
5,51%
OUTROS
76.586
25,53%
Total 299.985 100
,
00%
ROTA MIGRAT
Ó
RIA - MAIORES ESTADOS
Quadro 1 . Rota Migratória – Maiores Estados
Quadro 2. Estados de origem dos camelôs
Fonte: SEBRAE/ 2005
Fonte: IBGE/ 2000
Quadros 01 e 02 - Os respectivos quadros mostram a relação direta entre o
fluxo migratório e a quantidade de camelôs na cidade de Manaus. Vale
ressaltar que os Estados do Pará, Maranhão, Ceará e Acre lideram os números
diante de tal relação.
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serviços). A baixa renda da maioria da população e, portanto, sua pouca riqueza acumulada,
além de programas de seguro-desemprego tímidos e políticas sociais insuficientes, fazem com
que a situação de desemprego por muito tempo seja uma alternativa pouco viável para grande
parte da força de trabalho. Assim, estes trabalhadores rapidamente trocam a situação de
desemprego por uma ocupação no setor informal.
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78
Nível de escolaridade dos camelôs.
ANALFABETO
5,81%
SUPERIOR
1,30%
A economia informal não é um eufemismo para a pobreza (embora a maioria dos
engajados nela tenda a ser pobre). O informal pode ser tanto “espaço de sobrevivência”
quanto de “ascensão social”. Na verdade, uma imensa heterogeneidade marca o informal. As
pessoas que participam da economia informal não tem igual acesso aos mercados nem as
mesmas dotações de capital técnico e humano. Existem diferenças de renda, de nível de
escolaridade (ver gráfico 01 e quadro 03), de perfil ocupacional e de condições de trabalho.
ESCOLARIDADE
FREQU
Ê
NCIA
ABSOLUTA
FREQU
Ê
NCIA
RELATIVA
FREQU
Ê
NCIA
ACUMULADA
ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO 818 40,98% 40,98%
ENSINO M
É
DIO 562 28,16% 69,14%
ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO 474 23,75% 92,89%
ANALFABETO 116 5,81% 98,70%
SUPERIOR 26 1,30% 100,00%
TOTAL 1.996 100,00%
ENSINO
FUNDAMENTAL
COMPLETO
23,75%
ENSINO MÉDIO
28,16%
ENSINO
FUNDAMENTAL
INCOMPLETO
40,98%
Gráfico 1. Escolaridade dos camelôs
Quadro 3. Escolaridade dos camelôs
nte: SEBRAE/ 2005Fo
Gráfico 01 e Quadro 03 – Os referidos indicadores apresentam o nível de escolaridade dos camelôs entrevistados. Apesar de agregar
representantes de vários níveis de escolaridade, vale ressaltar que os trabalhadores com ensino fundamental incompleto são mais
relevantes.
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79
Camelôs: Tipo de moradia.
A moradia, casa ou residência corresponde ao arquétipo da habitação termo que
normalmente é empregado por especialistas para ser referir genericamente ao ato de morar e
às suas várias possibilidades e configurações. O termo lar, por outro lado, ainda que possa ser
considerado um sinônimo da casa, apresenta uma conotação afetiva e pessoal: é a casa vista
como o lugar próprio de um indivíduo – sua propriedade – onde este tem a sua privacidade e
onde a parte mais significativa da sua vida pessoal se desenrola. Se a família, para alguns, é a
unidade fundamental da sociedade, podemos dizer que a casa corresponde à unidade
fundamental da cidade.
Socialmente falando, ter uma casa significa, acima de tudo, ter um endereço, o que
coloca o indivíduo no jogo social da cidade. Ter um endereço é o início da cidadania.
No comércio informal, a relação entre estruturas formais e informais é indissociável e,
a casa própria consiste na materialidade do formal frente à instabilidade da informalidade.
Assim, a casa, além de abrigo, passa a ser o “porto seguro”, caso a informalidade não possa
mais oferecer àquele indivíduo condições para exercer sua cidadania (ver gráfico 02).
TIPO DE IMÓVEL
FREQUÊNCIA
ABSOLUTA
FREQUÊNCIA
RELATIVA
FREQUÊNCIA
ACUMULADA
Próprio 1.419 71,09% 71,09%
Alugado 369 18,49% 89,58%
Cedido 169 8,47% 98,05%
Outros 39 1,95% 100,00%
TOTAL 1.996 100,00%
Próprio
71,09%
Alugado
18,49%
Cedido
8,47%
Outros
1,95%
Fonte: SEBRAE/ 2005
Gráfico 2. Tipo de moradia.
Gráfico 02 – Apesar do baixo grau de acumulação, os dados reforçam as prioridades dos camelôs.
A casa própria é símbolo de estabilidade e de segurança, caso volte à condição de desempregado.
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80
Profissões: antes de se tornarem camelôs.
Gráfico 3. Profissões antes de se tornarem camelôs.
O mercado de trabalho na cidade de Manaus tem sofrido nos últimos anos forte
impacto negativo decorrente do baixo crescimento da economia brasileira e da reestruturação
produtiva (ver gráfico 03 e quadro 04). A taxa de desemprego aumentou e se mantém em
níveis elevados, a ocupação industrial diminuiu, os empregos de boa qualidade foram
reduzidos, as exigências para a contratação de assalariados cresceram, o salário real médio se
contraiu e a auto-ocupação tem mostrado uma trajetória ascendente.
Entre os auto-ocupados estão os trabalhadores do comércio de rua, que em 2007
registrou, somente no Centro da cidade de Manaus, um número próximo dos 2.600
ambulantes trabalhando nas ruas. Vale ressaltar que esse número foge do controle nas
chamadas “épocas festivas” (principalmente no Natal).
Fonte: SEBRAE / 2005
0,05%
0,20%
0,65%
1,75%
4,06%
4,21%
5,31%
20,59%
25,20%
37,98%
AUX. ADMINISTRATIVO
VIVIA DE RENDAS
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
EMPREGADO (A) DOMÉSTICO (A)
DONA DE CASA
NÃO RESPONDEU
ESTUDANTE
FUNCIONÁRIO DE EMPRESA
PRIVADA
DESEMPREGADO
AUTÔNOMO
Quadro 4. Profissões antes de se tornarem camelôs.
TRABALHO
FREQUÊNCIA
ABSOLUTA
FREQUÊNCIA
RELATIVA
FREQUÊNCIA
ACUMULADA
AUT
Ô
NOMO 758 37,98% 37,98%
DESEMPREGADO 503 25,20% 63,18%
FUNCION
Á
RIO DE EMPRESA PRIVADA 411 20,59% 83,77%
ESTUDANTE 106 5,31% 89,08%
N
Ã
O RESPONDEU 84 4,21% 93,29%
DONA DE CASA 81 4,06% 97,34%
EMPREGADO (A) DOM
É
STICO (A) 35 1,75% 99,10%
FUNCION
Á
RIO P
Ú
BLICO 13 0,65% 99,75%
VIVIA DE RENDAS 4 0,20% 99,95%
AUX. ADMINISTRATIVO 1 0,05% 100,00%
TOTAL 1.996 100
,
00%
Gráfico 03 e Quadro 04 – Autônomo, desempregado e funcionário de empresa privada formam o perfil que indica a procedência dos
atuais camelôs da região central. Junto às outras categorias podemos notar a instabilidade de trabalho por conta do mercado, afinal,
atualmente, as atribuições citadas têm registrado contratações temporais que não permitem nenhum tipo de estabilidade.
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81
Centro de Manaus: pontos de maior concentração.
Os Centros das cidades brasileiras são locais altamente atrativos para o comércio
ambulante, afinal, estão localizados em lugares estratégicos, onde se concentram vias de
trânsito, serviços públicos, instituições diversas e o setor financeiro (ver Fig. 23). Tudo isso
atrai uma ampla faixa de pessoas (ver Fig. 24), em especial as de média e baixa renda, as
quais formam a demanda principal do comércio de rua
35
.
No caso de Manaus, a acessibilidade resultante das intervenções públicas (calçadões, o
shopping “bate-palmas” na Rua Marechal Deodoro, por exemplo) teve um papel primordial
em fortalecer a transformação em um local especialmente vantajoso à atividade ambulante.
Além disso, o abandono do Centro pelas camadas de mais alta renda tem favorecido a
ocupação pelo comércio direcionado à população de baixa renda. No entanto, esta
popularização da região central não pode ser reduzida a um evento de ocupação espontânea, já
que ela também se origina de políticas e intervenções públicas direcionadas a favorecer o
acesso à região por meio do transporte coletivo e a obrigatoriedade viária de alguns percursos.
Além de estimular a presença de segmentos de baixa e média renda e de desestimular a
presença de segmentos de alta renda no Centro, essas intervenções criaram um intenso fluxo
de pessoas nesta área da cidade, afinal, o sistema viário do Centro de Manaus
36
é formado por
uma espécie de anel que circunda o tecido urbano, o que exige transbordos a pé, criando
intenso fluxo de pessoas que partem principalmente das paradas de ônibus da Igreja da
Matriz, da Praça Tenreiro Aranha, da Rua Epaminondas, da Avenida Getúlio Vargas e do
Terminal 01 (na Constantino Nery), além do Porto Privatizado e do Edifício Garagem.
35
O Centro possui inúmeros bancos, restaurantes e hotéis. Possui também praças, universidades, cartórios, o
Tribunal de Justiça, o Teatro Amazonas, o Mercado Adolpho Lisboa e o porto privatizado, por onde circulam,
diariamente, cerca de 6.000 pessoas, entre outros focos de atração para os moradores do município.
36
O Centro da cidade de Manaus possui 141 linhas de ônibus em dias úteis, e 138 linhas nos finais de semana e
feriados, e por ele passam 860 veículos coletivos nos dias úteis e 270 nos finais de semana e feriados. Além
disso, circulam diariamente - na região central - cerca de 150.000 veículos particulares, além de 50 pontos de
táxi. (fonte: EMTU).
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82
Em outras palavras, a estruturação do sistema de transporte e do sistema viário no
Centro de Manaus, ao favorecer o intenso fluxo de pedestres, induz à ocupação do espaço
público por ambulantes (ver Fig. 22).
Na intenção de diminuir custos de transporte, os ambulantes precisam estar próximos
de seus fornecedores, e as grandes importadoras, distribuidoras e atacadistas estão localizadas
em todo perímetro da região central da cidade. São cerca de 109 (Fonte: SEMAGA –
Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento) estabelecimentos que abastecem os
ambulantes no Centro.
Fica, assim, mais fácil entender a resistência dos ambulantes em deixar as ruas do
Centro de Manaus (ver gráfico 04 e quadro 05).
Gráfico 4. Pontos de maior concentração.
14,78%
0,95%
1,15%
1,20%
1,35%
1,40%
2,00%
2,25%
2,35%
3,81%
4,16%
4,21%
4,31%
4,51%
5,56%
5,86%
6,16%
9,32%
11,82%
BARÃO DE SÃO DOMINGOS
SALDANHA MARINHO
BARÉS
INSTALAÇÃO
FLORIANO PEIXOTO
TERMINAL DA MATRIZ
PÇ. DA SAUDADE
GETÚLIO VARGAS
QUINTINO BOCAIÚVA
SETE DE SETEMBRO
EPAMINONDAS
MARECHAL DEODORO
THEODORETO SOUTO
GUILHERME MOREIRA
HENRIQUE MARTINS
MARCÍLIO DIAS
MARQUÊS DE SANTA CRUZ
NÃO RESPONDEU
EDUARDO RIBEIRO
PÇ. DA MATRIZ
12,83%
Quadro 5. Pontos de maior concentração.
LOCAL DE TRABALHO
FREQUÊNCIA
ABSOLUTA
FREQUÊNCIA
RELATIVA
FREQUÊNCIA
ACUMULADA
PÇ. DA MATRIZ 295 14,78% 14,78%
EDUARDO RIBEIRO 256 12,83% 27,61%
NÃO RESPONDEU
236 11,82% 39,43%
MARQU
Ê
S DE SANTA CRUZ 186 9,32% 48,75%
MARC
Í
LIO DIAS 123 6,16% 54,91%
HENRIQUE MARTINS 117 5,86% 60,77%
GUILHERME MOREIRA 111 5,56% 66,33%
T
HEODORETO SOUTO 90 4,51% 70,84%
MARECHAL DEODORO 86 4,31% 75,15%
EPAMINONDAS 84 4,21% 79,36%
SETE DE SETEMBRO 83 4,16% 83,52%
QUINTINO BOCAI
Ú
VA 76 3,81% 87,32%
GET
Ú
LIO VARGAS 47 2,35% 89,68%
PÇ. DA SAUDADE 45 2,25% 91,93%
T
ERMINAL DA MATRIZ 40 2,00% 93,94%
FLORIANO PEIXOTO 28 1,40% 95,34%
INSTALAÇ
Ã
O 27 1,35% 96,69%
BAR
É
S 24 1,20% 97,90%
SALDANHA MARINHO 23 1,15% 99,05%
BAR
Ã
O DE S
Ã
O DOMINGOS 19 0,95% 100,00%
1.996 100
,
00%
TOTAL
Fonte: SEBRAE / 2005
Gráfico 04 e Quadro 05 – A localização é um elemento que justifica a fixação do camelô no Centro de Manaus. A circulação de potenciais
consumidores é muito grande, bem maior do que nos bairros. No Terminal 01 circulam mais de 6 milhões de pessoas por mês (as mesmas
pessoas circulam várias vezes). Cerca de 52% dos veículos existentes em Manaus passam, em dias úteis, pelo Centro (fonte: EMTU), e a
maior parte dos atacadistas estão na área central da cidade. Não existe no Centro grande concentração populacional, no entanto, o fluxo de
pessoas de outros bairros é muito grande, e é esse público que interessa ao camelô. O camelô está inserido em uma rede que envolve
fornecedores, distribuidores, importadoras e consumidores.
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Fig. 22 – Fluxos viários e pontos de dispersão (Fonte: Gerência de Informação / IMPLURB – 2008).
- as flechas vermelhas indicam o principal fluxo viário no Centro da cidade. Vale ressaltar que as barreiras naturais - como, por
exemplo, o Rio Negro – somadas a localização geográfica deste fragmento, configura na região central uma espécie de “anel viário”
que convergem as viagens ao Centro e seus arredores, causando um afunilamento na circulação de automóveis, pessoas, ônibus,
ciclistas, turistas, etc.
- os pontos amarelos demarcam os pontos de concentração (automóveis, ônibus, pedestres, etc.) e as flechas amarelas indicam o
fluxo de dispersão junto ao tecido urbano do Centro de Manaus. São eles:
1- Parada de ônibus / Rua Epaminondas, entre o Colégio Militar e o Colégio Dom Bosco;
2- Parada de ônibus / Praça da Matriz;
3- Parada de ônibus / Praça Tenreiro Aranha;
4- Edifício Garagem;
5- Parada de ônibus / Avenida Getúlio Var
g
as.
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Fig. 23 – Uso e ocupação do solo (Fonte: Gerência de Diagnóstico Territorial / IMPLURB – 2008).
O mapeamento acima reforça a atividade comercial no Centro de Manaus, o que consequentemente afirma a apropriação do
comércio ambulante.
Fig. 24 – Uso e ocupação do solo. Rua Marquês de Santa Cruz. Manaus.
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Aquisição de mercadorias: fornecedores.
Gráfico 5. Fornecedores.
REVENDA DE
LOJISTAS
2,51%
NÃO RESPONDEU
0,35%
COMPRA DE
TERCEIROS
15,58%
IMPORTADORAS
18,79%
DISTRIBUIDORES DE
PRODUTOS
62,78%
Quadro 6. Fornecedores.
LOCAL DE COMPRA DAS MERCADORIAS
FREQU
Ê
NCIA
ABSOLUTA
FREQU
Ê
NCIA
RELATIVA
FREQU
Ê
NCIA
ACUMULADA
DISTRIBUIDORES DE PRODUTOS 1.253 62,78% 62,78%
IMPORTADORAS 375 18,79% 81,56%
COMPRA DE TERCEIROS 311 15,58% 97,14%
REVENDA DE LOJISTAS 50 2,51% 99,65%
NÃO RESPONDEU 7 0,35% 100,00%
TOTAL 1.996
100,00%
Fonte: SEBRAE / 2005
Gráfico 05 e Quadro 06 – Os índices acima admitem as fontes de abastecimento do comércio informal. Suas fontes
mudam de acordo com o produto comercializado, com capital investido e com as relações conquistadas entre
fornecedor e o vendedor.
As relações econômicas entre o comércio formal e informal (ver gráfico 05 e quadro
06) esclarecem a localização e a permanência dos ambulantes no tecido urbano do Centro da
cidade de Manaus (já comentadas anteriormente). Porém, se cruzarmos os percentuais de
acumulação (baixa), somados a dificuldade de aquisição de empréstimos (ver gráfico 06),
encontramos uma inconsistência de dados, que só foram esclarecidos, segundo SEBRAE, no
final da pesquisa.
O contato direto com os camelôs acabou revelando um número significativo de
relações consignadas com as grandes distribuidoras, que fornecem seus produtos para os
ambulantes a “preço de custo” e somente são pagos depois de vendidos no comércio informal
– já com valor agregado pelo camelô. Além disso, encontramos também “acordos” entre
lojistas e camelôs que vendem produtos inferiores da própria loja – pontas de estoque, por
exemplo – em troca de um “pedaço da calçada” do lojista, que também, após o expediente,
fornece abrigo para as mercadorias e para os expositores do camelô.
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Produtos comercializados pelos camelôs.
Quadro 7. Produtos Comercializados.
PRODUTOS
COMERCIALIZADOS
FRE
Q
UENCIA
ABSOLUTA
FRE
Q
UENCIA
RELATIVA
MIUDEZAS E VARIEDADES 601 30,11%
ROUPAS E ACESSÓRIOS 383 19,19%
LANCHES E BEBIDAS 233 11,67%
DOCES E BOMBONS 159 7,97%
RELÓGIOS 106 5,31%
IMPORTADOS E ELETRÔNICOS 76 3,81%
BOLSAS E CINTOS 71 3,56%
FRUTAS 52 2,61%
CAFÉ REGIONAL 46 2,30%
FERRAGENS 45 2,25%
ARTESANATO 32 1,60%
PRODUTOS PARA CELULAR 27 1,35%
REDES 26 1,30%
ÓCULOS 24 1,20%
MATERIAL DE EXPEDIENTE 20 1,00%
CD´S E DVD'S 18 0,90%
MATERIAL DE PESCA 14 0,70%
FRITURAS 12 0,60%
OUTROS 51 2,56%
OTAL 1.996 100,00%
T
Fonte: SEBRAE / 2005
Nota Metodológica:
As miudezas referem-se a fivelas, naftalinas, linha de costura, pentes, espelhos, isqueiros, etc.
Quadro 07 – Os ambulantes de Manaus comercializam roupas, produtos eletrônicos, alimentos, passes de ônibus, calçados, cigarros,
produtos de higiene, CD`s, óculos, relógios, artigos de papelaria, artesanato, mercadorias sazonais, como enfeites natalinos,
brinquedos, etc. Entre os ambulantes no Centro, o SEBRAE constatou que os principais produtos eram: miudezas e variedades
(30,11%), roupas e acessórios (19,11%) e lanches e bebidas (11,67%).
Na tentativa de entender a natureza da atividade do comércio ambulante, é importante
salientar a sua heterogeneidade no que diz respeito às mercadorias comercializadas (ver
quadro 07), aos rendimentos, as diferentes formas de operação da atividade e os desiguais
níveis de aceitação social para os diferentes tipos de comércio ambulante.
Também é relevante ter presente que nem toda atividade do comércio de rua é
necessariamente fruto da crise econômica conjuntural ou da pobreza e da desigualdade.
Existem pelo menos três grupos bastante distintos que marcam a heterogeneidade presente no
comércio de rua:
1. grupo de situação precária (sem recursos);
2. grupo de situação sustentável (com recursos);
3. grupo com atividade socialmente condenável.
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Uma parte expressiva dos ambulantes está no primeiro grupo. São normalmente aqueles
trabalhadores que procuram o comércio de rua para escapar da pobreza crônica ou das
adversidades da conjuntura econômica.
No segundo grupo, está uma parte dos ambulantes que detém recursos (capital,
habilidades, qualificações) que lhes conferem possibilidades reais de que sua vida possa ser
bem sucedida e socialmente aceita.
Há ainda um terceiro grupo que claramente sobrevive, muitas vezes, com rendimentos
considerados elevados, em decorrência de atividades ilegais (contrabando, pirataria, venda de
produtos roubados, etc.).
É evidente, portanto, que as estratégias para lidar com esses três grupos devem ser
diferenciadas. O primeiro grupo muito provavelmente terá seu problema de sobrevivência
resolvido saindo da atividade ambulante, seja através de vagas geradas pela retomada do
crescimento econômico, seja pelos efeitos de políticas de emprego. O terceiro grupo é
evidentemente um caso que transcende a esfera do poder público municipal. Deve sair da
atividade ambulante e, nesse caso, a ação policial é indispensável. Já o segundo grupo deve
contar com o apoio e a regulamentação pública para que a atividade possa ser exercida de
forma aceitável tanto para os ambulantes quanto para os outros segmentos da população.
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Empréstimos: dificuldades para obtenção.
Gráfico 6. Dificuldades
p
ara a
q
uisi
ç
ão de em
p
réstimos.
0,45%
1,45%
2,35%
4,86%
7,36%
7,72%
9,17%
9,37%
27,56%
29,71%
Mesmo diante das dificuldades de obtenção de crédito acima relatadas, o
SEBRAE/AM identificou em suas pesquisas um percentual significativo de empréstimos
realizados para os mais diversos fins (24,45%). Dentre as razões podemos destacar:
ampliação / melhoria das instalações: 9,22%;
formação / ampliação de estoque: 8,12%;
aquisição de ponto local: 2,81%;
formação de capital de giro: 1,90%;
aquisição de máquinas e equipamentos: 1,05%;
aquisição de veículos: 0,25%;
construção da casa: 0,05%;
outros: 1,05%.
0,45%
1,45%
2,35%
4,86%
7,36%
7,72%
9,17%
9,37%
27,56%
29,71%
NÃO RESPONDEU BUROCRACIA
FALTA DE GARANTIAS REAIS O SABE
OUTRA DIFICULDADE NO PREENCHIMENTO DA PROPOSTA
EXIGÊNCIAS DE MOVIMENTAÇÃO DE CONTA CORRENTE NENHUMA DIFICULDADE
JUROS ELEVADOS ATUAÇÃO NA ECONOMIA INFORMAL
NÃO RESPONDEU BUROCRACIA
FALTA DE GARANTIAS REAIS O SABE
OUTRA DIFICULDADE NO PREENCHIMENTO DA PROPOSTA
EXIGÊNCIAS DE MOVIMENTAÇÃO DE CONTA CORRENTE NENHUMA DIFICULDADE
JUROS ELEVADOS ATUAÇÃO NA ECONOMIA INFORMAL
Fonte: SEBRAE / 2005
Gráfico 06 – A dificuldade para obtenção de financiamentos está diretamente ligada à atividade informal e suas conseqüências sico-
financeiras, e também sociais. A informalidade bloqueia o acesso as chamadas instituições financeiras que não reconhecem o came
como público de suas transações, afinal, existe uma distância bastante grande entre o cotidiano do camelô e as exigências dos bancos e
financeiras.
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Segundo o SEBRAE/AM, os ambulantes que não adquiriram empréstimo nos últimos
12 meses (75,15%), naquela ocasião (março de 2005), alegam como principais fatores:
não necessitou (51,80%);
dificuldades em obtenção de empréstimo (6,71%);
trabalha com capital próprio (5,66%);
já estava endividados (1,60%);
juros altos (0,55%);
outros (8,82%).
Vale ressaltar que do total de ambulantes entrevistados, cerca de 45,54% têm a
pretensão em obter empréstimos nos próximos 12 meses, e as fontes de origens mais citadas
são:
bancos e instituições financeiras (43,79%);
amigos e parentes (0,75%);
particular ou agiota (0,45%);
outras origens (0,45%).
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Expectativas quanto ao negócio.
Gráfico 7. Expectativas mais citadas.
FECHAR OU VENDER E
PROCURAR EMPREGO
0,60%
VENDER OUTRO TIPO DE
MERCADORIA
1,25%
OUTRA
0,25%
A capital manauara não tem apresentado soluções capazes de ocupar em trabalhos
fixos a população desempregada que acaba se engajando no comércio ambulante (ver gráfico
07 e quadro 08), aliviando a sociedade do mal-estar causado pelo grande número de
desocupados, sem recursos para sobrevivência.
Segundo o SEBRAE/AM, em 2005, existiam cerca de 1.996 ambulantes espalhados
pelo Centro de Manaus, enquanto em 2007 – segundo a SEMAGA (Secretaria Municipal de
Agricultura e Abastecimento) – o número aumentou para 2.600, sendo 2.200 cadastrados.
Esse aumento - de aproximadamente 10,2% - fortalece a hipótese da falta de oportunidades
junto ao mercado formal, que não absorve este segmento, e quando recolocado, fica
submetido a salários inferiores ao da informalidade, por conta da baixa escolaridade, da pouca
qualificação, etc.
FUTURO PRÓXIMO
FREQU
Ê
NCIA
ABSOLUTA
FREQU
Ê
NCIA
RELATIVA
FREQU
Ê
NCIA
ACUMULADA
INVESTIR NO SEU NEGÓCIO
1.621 81,21% 81,21%
PERMANECER COMO ESTÁ
285 14,28% 95,49%
SEM PERSPECTIVAS
39 1,95% 97,44%
VENDER OUTRO TIPO DE MERCADORIA
25 1,25% 98,70%
FECHAR OU VENDER E PROCURAR EMPREGO
12 0,60% 99,30%
OUTRA 5 0,25% 99,55%
NÃO RESPONDEU
9
0,45% 100,00%
TOTAL 1.996
100,00%
SEM PERSPECTIVAS
1,95%
NÃO RESPONDEU
0,45%
PERMANECER COMO
ESTÁ
14,28%
INVESTIR NO SEU
NEGÓCIO
81,21%
Quadro 8. Expectativas mais citadas.
Fonte: SEBRAE / 2005
Gráfico 07 e Quadro 08 – As expectativas quanto ao negócio demonstram uma forte resistência do comerciante
informal em permanecer nesta atividade.
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Sínteses.
A finalização – enquanto metodologia aplicada pelo SEBRAE/AM – partiu de uma
sistematização onde foram utilizados os resultados obtidos na intenção de criar um perfil
“idealizado” do camelô do Centro de Manaus. A própria pesquisa alerta para um melhor
detalhamento, porém, segue abaixo para análise.
O camelô típico do Centro de Manaus:
Este é o camelô “típico”, porém, há variações conforme o segmento que se aborde.
Ele é ligado à atividade informal e está há cerca de cinco anos neste trabalho. Já era
autônomo antes de abrir sua banca, ou seja, já vivia na informalidade antes de se
fixar em um ponto.Não tem interesse em fazer treinamento, pois já se acostumou
com a informalidade. Tem renda familiar baixa, ou seja, apresenta baixo grau de
acumulação, pois vende, basicamente, miudezas de baixo valor. Não participa de
planos de crédito e não tem acesso a bancos ou financeiras. Seus fornecedores são
locais e vende produtos comprados à vista em distribuidoras próximas. Não planeja
seu negócio, vivendo no curto prazo, sem filiações políticas ou funcionais e, no
máximo, pretende permanecer onde está
. (SEBRAE/AM, 2005).
Quem deseja tomar parte em um empreendimento, como micro-empresário:
Representam mais da metade dos ambulantes. Pretendem obter crédito e não temem
entrar no universo dos financiamentos, pois inclusive já contraiu empréstimos em
outra ocasião. Almejam ser comerciantes, tornaram-se ambulantes por estarem
desempregados. É um grupo com vontade de empreender e crescer. Gostariam de
ter seu próprio negócio, entrando na legalidade. Muitos já estão acostumados com
bancos e financeiras. Apesar de gostarem da vida na informalidade, não são
resistentes à idéia de entrarem no universo “formal”.
(SEBRAE/AM, 2005).
Quem deixaria de ser camelô, caso tivesse uma oportunidade:
Representam quase um terço dos camelôs do Centro. Possui maior escolaridade do
que a média. Pensa em obter crédito nos bancos e financeiras. Não é avesso a
economia formal. Tinham algum capital quando viraram camelôs, especialmente
por indenizações do FGTS. Muitos já foram da economia formal e ainda desejam
manter seus vínculos com ela. Não são refratários às mudanças, fazem compras a
prazo em importadoras e estão adaptados as regras do mercado formal. São
empreendedores e almejam mudar de vida, fazer investimentos e crescer.
(SEBRAE/AM, 2005).
Quem não deixaria de ser camelô, caso tivesse uma oportunidade:
Possui baixa escolaridade, uma família grande e que depende basicamente dele.
Não tem outra ocupação nem visualiza outro tipo de emprego. Não quer arriscar
outro empreendimento. Virou ambulante porque estava desempregado e não tinha
capital disponível. Interessante destacar que os migrantes do Pará e do Ceará
formam elevado contingente deste grupo, especialmente aqueles que vieram
aventurar a vida. São pessoas que acabaram arriscando a vida em Manaus, não
obtiveram sucesso e estão sem perspectivas, agarrando-se à ocupação de camelô.
Ganha pouco, vende produtos de baixo valor, não tem acesso a crédito ou
financiamento. Pretende continuar nesta atividade porque não enxerga outro
horizonte. Tem dificuldade em se ver participando de outro tipo de ocupação. Não
quer arriscar sua situação. É um grupo com alta resistência a mudanças.
(SEBRAE/AM, 2005).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS: E AGORA? QUE CAMINHO SEGUIR?
“Por favor, o senhor poderia me dizer que caminho devo tomar
para ir embora daqui?”, disse Alice.
“Isso depende, em grande parte, do lugar em que você quer ir”,
responde o Gato.
“Eu não ligo muito para o lugar”, disse Alice.
“Neste caso, pouco importa o caminho que você tomar”, declarou
o Gato.
“Contando que eu chegue em algum lugar”, explicou Alice.
“Oh, disse o Gato, você pode estar certa de chegar lá, só que vai
andar muito tempo”.
(Lewis Carrol, em As Aventuras de Alice no País das Maravilhas)
O entendimento da cidade deve ser feito tendo como pano de fundo a sociedade
urbana em processo de constituição, portanto, em movimento. Significa pensar a cidade a
partir da espacialidade e das relações sociais em sua natureza social e histórica. É uma
realidade humana, produto e obra, por isso têm a dimensão da vida humana, e através do
trabalho humano, transforma-se constantemente.
Como conseqüência, modifica a vida do cidadão, seu cotidiano, suas perspectivas,
desejos e necessidades, transforma as relações com o outro e suas relações com a cidade
(re)criando as formas de apropriação e o modo de reprodução do espaço.
A vida urbana se acentua e se reforça através de múltiplas contradições e aponta para
um espaço em constante realização. Segundo Carlos (1997) os guindastes, motosseras, as
britadeiras, os caminhões de concreto são metáforas da criação de formas fluídas e efêmeras.
É importante salientar que o espaço urbano se reproduz na contradição e na luta: de
um lado estão as necessidades do processo de valorização do capital – enquanto condição
geral de produção – em que o indivíduo se perde, criando o estranhamento, o distanciamento,
e o desencanto do mundo; de outro, ocorre a reprodução da vida humana em todas as suas
dimensões, enquanto retomada dos lugares, (re)criação de pontos de encontro, e da busca de
identidade com o outro.
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... a maioria da população que não tem tido outra alternativa senão aceitar as
imposições, acaba por criar mecanismos de defesa e superação, revertendo os
significados dos espaços que lhe são impingidos. Criam às vezes com muita
dificuldade e desgaste, ordens próprias que ultrapassam as ordens simplistas e
abstratas dos planejadores. Então se estes planejadores sabem pouco sobre os
usuários que pretendem atingir, passam a saber menos ainda sobre os efeitos
“distorcidos”de suas intervenções. (Santos, 1985, p.12).
Os acontecimentos urbanos – aqui registrados através das apropriações do espaço
público pelo comércio informal – nos mostram que a sociedade acaba por achar alternativas
para atender as suas necessidades e desejos, e ao encontrar as frestas, somados a sua vivência,
elaboram táticas, que dificilmente seriam imaginadas pelos planejadores.
Problematizar e analisar o comércio informal não significa dizer que ele seja um
problema. Pelo contrário, é exatamente o fato de ele se manifestar como uma ruptura ao que
nos é colocado como convencional que desperta o interesse, possibilitando assim, um outro
olhar sobre o espaço público, suas interações e suas relações com os modos de vida.
Essa manifestação implica entender a paisagem urbana para além da aparência,
revelando uma outra dimensão na produção do espaço.
Para Carlos (1997), a paisagem urbana é carregada de tempos históricos e não vive
sem conflitos (conflitos resultantes dos tipos de usos relativos às formas: “o movimento
escondido na forma”), afirmando o espaço a partir de dois elementos fundamentais: o
primeiro diz respeito ao Espaço Construído, imobilizado nas construções; e o segundo diz
respeito ao Espaço Vivido, através do movimento da vida.
Assim, parece necessário pensar o espaço urbano de forma diferente. Não como uma
nova fórmula de projetar, e sim com uma nova forma de olhar a cidade.
Observar a dinâmica de seus acontecimentos parece um bom começo, mapeando os
espaços e cartografando seus fluxos e suas subjetividades, objetivando chegar a um pensar
urbanístico afinado com as dinâmicas atuais.
Portanto, a sociedade passa a fazer parte do processo de conformação dos espaços e,
nós, arquitetos e urbanistas - responsáveis pela construção do ambiente citadino – ficamos
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responsáveis por sistematizar as produções afetivas da cidade e o comportamento social das
pessoas que nela habitam.
Neste “mergulho de fôlego”, ficou claro que as (re)criações do espaço público,
materializadas nas apropriações do comércio informal, lutam contra o aparelho do Estado
como verdadeiras máquinas de guerra em busca do direito à cidade, e que questões como
retirar ou não, proibir ou não, remanejar ou não – muito praticada pelo poder público –
carecem de reflexões mais profundas.
Quando se pensa na solução do problema do comércio ambulante em Manaus, é
preciso considerar que os governos municipais estão há anos utilizando das mais diversas
estratégias para lidar com o problema, porém, da mesma forma, pretensiosamente continuam
achando que soluções a curto prazo, serão encontradas e darão conta do problema instaurado.
Visões únicas e definitivas como varrer os ambulantes do Centro da cidade (política higienista
e excludente) já falharam.
São necessárias políticas públicas com verdadeiro comprometimento social, pensando
em uma cidade onde todos possam desfrutar de seus espaços, e para que seus resultados sejam
alcançados, é fundamental que essas medidas tenham sua continuidade assegurada, já que os
períodos de negociação, aprendizagem e avaliação podem exigir mais de uma gestão.
Diante da crítica ao planejamento, não se pode deixar de levar em consideração a
percepção da população com relação comércio informal, que evidencia a ambivalência do
camelô: ora ela aceita o comércio de rua, argumentando que ele oferece preços mais baratos,
fácil acesso às mercadorias e é exercido por chefes de família que realmente precisam, e que a
política econômica não deu outra alternativa de sobrevivência; ora ela rejeita o comércio de
rua, apontando a sujeira na cidade, os danos estéticos, os prejuízos ao comércio formal, os
obstáculos à circulação, a falta de garantia nas mercadorias vendidas, a presença de
aproveitadores e indivíduos desonestos entre os ambulantes. A população, de forma geral, não
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tem uma posição claramente contrária ou claramente a favor do comércio de rua.
O povo é como rádio, é como político, vai na onda. Compra barato hoje, amanhã
reclama da confusão. Comove-se com o velhinho vendedor de bonecas, mas se
incomoda com a falta de espaço para andar na calçada. Ora deglute um cachorro-
quente ambulante, ora se arrepia com a idéia de engolir um pastel de carne de gato.
(Costa, 1989, p.121).
Enfim, diante de tudo isso, que caminho seguir?
Diferente da pressa de Alice no País das Maravilhas, a cidade precisa do tempo para
materializar o espaço. E em se tratando das relações sócio-espaciais estabelecidas entre os
comerciantes de rua e o Estado, o tempo precisa ser longo o bastante para que as
sistematizações, as intenções e os objetivos fiquem bem claros para todas as partes:
transeuntes, camelôs, poder público, comerciantes, o condutor do automóvel, etc.
Não existem regras, nem receitas, e a partir das situações que escapam ao que está
planejado, precisamos olhar atenciosamente para outras formas de intervenção.
Talvez seja preciso não concentrar tudo na mão do Estado, que acaba sendo o único
responsável por essa atividade. É preciso prestar atenção nas formas de apropriação, de
(re)criação e de intervenção com que a própria sociedade vem atuando.
Torna-se necessário, para tanto, não somente a participação da sociedade na
construção das cidades, mas seu comprometimento como agente responsável, envolvido na
criação e na busca de soluções para melhoria da paisagem. Não se trata de um planejamento
participativo, onde a sociedade é convidada a participar das discussões. Ela deve ser um
elemento que atua junto ao Estado e vai ser responsável pelo espaço em que vive. Já dizia
Jane Jacobs (2000): “a cidade tem algo a oferecer a todos, desde que seja criada por todos”.
O desafio é equacionar a cidade como possibilidade de concretização de sociabilidades
ativas e cotidianidades politizadas: um complexo de lugares cheios de sentidos.
Seja lá onde for, é preciso discutir em conjunto o futuro do camelô e de todo comércio
informal presente nas cidades brasileiras.
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Terminando...
Se essa rua fosse sua? O que você faria com ela?
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