é a própria entrada – o fato de iniciar-se impõe outra forma de pensar. Também os
significantes que sugerem o caminho do poeta são um pouco diferentes daqueles encontrados
nas estrofes do Canto I, em especial nas iniciais.
A regularidade da aliteração em /t/, três, testar, noutro, sistema, tema, estatuiu,
distribuída pelas estrofes 41 e 42, de modo razoavelmente equilibrado, intercalando-se às
nasais, engendra o sentido dos versos
48
, pois, como afirma Brik, o ritmo é anterior ao verso
(BRIK In: TOLEDO, 1976, p.132): por instituir a repetição e a regularidade, antecipa, no caso
dessa estrofe, o discurso científico que vai ocupar as estrofes seguintes. Isso ocorre porque a
palavra poética é capaz de recriar o mundo: tudo cabe em palavras, embora, talvez, não caiba
na música, ou na pintura, pois:
No que se refere à perceptibilidade e à figuração, a poesia não pode
concorrer com a poesia e com a música. As imagens poéticas são
complementações subjetivas e mutáveis das representações verbais. Se, por
um lado, a palavra e a poesia, no que se refere à perceptibilidade da
representação, são mais pobres do que as artes plásticas, são mais ricas no
seu domínio próprio [porque] [...] O material da poesia não são as imagens
e emoções, mas a palavra (JIRMUNSKY In: LIMA, 1983, p.442).
É atravessado pela palavra poética que o texto haroldiano se estabelece e, por meio
dela, articula-se a sua dinamicidade, como diria Tinianov, “a unidade da obra não é um todo
simétrico e fechado, mas sim é uma integridade dinâmica, com desenvolvimento próprio”
(1983, p. 452). Ou seja, é pela correlação e pela integração que se constrói o poema AMMR, o
que significa que a história, o contexto e a ciência são componentes semânticos e não
determinações exógenas à obra. Naturalmente, essas considerações aplicam-se ao poema todo,
entretanto, no Canto II, ganham um significado ampliado, pois a estaticidade do universo
ptolomaico será substituída pelos modelos da cosmofísica: o dinamismo da poesia combina
com o dinamismo do assunto de que tratará o eu-poético.
Nesse espectro, a forma fixa, aparentemente estática, deve ser vista como fator
dinâmico, já que o ritmo, os hipérbatos e demais “perturbações” daquilo que seria a ordem
poética são fatores constitutivos do verso - este se constitui a partir daqueles. Para dar
continuidade à metáfora do big-bang, que acompanhará o poeta em sua jornada daqui para
frente, poder-se ia dizer que o poema é o universo, o verso, suas galáxias, os fatores
48
Nesse ponto, está-se argumentando contrariamente ao que faz Tomachevski, para quem: “o ritmo, ao contrário
do metro, não é ativo, mas passivo, não engendra o metro, mas é engendrado por ele” (in: TOLEDO, 1976,
p.143). A nosso ver, e repetindo a pergunta drummondiana, são distintos os metros que servem para medir a
forma poética, entretanto, é sua essência que organiza o sentido, já que pode haver texto metrificado sem poesia.
O ritmo oscilante de AMMR tem relação especular com a trajetória do poeta, ou talvez, mais arrojadamente, é a
trajetória do poeta que espelha o ritmo, tão amalgamada é a forma em relação ao conteúdo.