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ADÉLIA DALVA DA SILVA OLIVEIRA
ASPECTOS SÓCIO-POLÍTICOS DA IMPLANTAÇÃO DA CENTRAL DE
NOTIFICAÇÃO, CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS DO
PIAUÍ
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
UFPI
TERESINA / 2006
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ADÉLIA DALVA DA SILVA OLIVEIRA
ASPECTOS SÓCIO-POLÍTICOS DA IMPLANTAÇÃO DA CENTRAL DE
NOTIFICAÇÃO, CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS DO
PIAUÍ
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora, da
Universidade Federal do Piauí, como exigência parcial à
obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas, sob
a orientação do Profº Drº Francisco de Oliveira Barros
Júnior.
UFPI
TERESINA / 2006
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ADÉLIA DALVA DA SILVA OLIVEIRA
ASPECTOS SÓCIO-POLÍTICOS DA IMPLANTAÇÃO DA CENTRAL DE
NOTIFICAÇÃO, CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS DO
PIAUÍ
Dissertação de Mestrado submetida à Coordenação do Curso de Mestrado em Políticas
Públicas do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí, na área
de Concentração: Cultura e Identidade.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________
Profº Drº Francisco Barros de Oliveira Júnior - UFPI
Orientador e Presidente
__________________________________________________________
Examinador
__________________________________________________________
Examinador
Teresina / 2006
14
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO 12
1.1 Construção e Delimitação do Objeto de Estudo 12
1.2 Considerações Iniciais sobre o Tema 16
CAPÍTULO 2
ESTADO, SOCIEDADE E SAÚDE 22
2.1 Compreendendo os aspectos sociais e políticos 22
2.2 Política de saúde no Brasil: das origens às propostas atuais 30
CAPÍTULO 3
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TRANSPLANTES 40
3.1 A Origem e a história dos transplantes 40
3.2 Definição e classificação dos transplantes 43
3.3 Morte e morte encefálica: trajetória conceitual 46
3.4 Desenho histórico da legislação dos transplantes 51
3.5 O Sistema Nacional de Transplante, a Central de Transplante e a lista de espera 58
3.6 Construção da Política dos transplantes 63
CAPÍTULO 4
PERCURSO METODOLÓGICO 75
4.1 Caracterização do estudo 75
4.2 Local da pesquisa 76
4.3 Participantes do estudo 82
4.4 Procedimentos para a coleta e registro de dados 84
CAPÍTULO 5
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 88
5.1 Implantação da Central de Transplante como Política de Saúde 88
5.2 Implantação da Central de Transplante como resposta aos anseios da classe médica 92
5.3 Implantação da Central de Transplante sob a perspectiva pessoal 95
5.4 Implantação da Central de Transplante e as questões sociais 96
5.5 A implantação da Central de Transplante e a participação da sociedade civil 99
5.6 As dificuldades da implantação da Central de Transplantes 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS 105
REFERÊNCIAS 107
APÊNDICES
ANEXOS
15
CAPÍTULO 1
16
INTRODUÇÃO
1.1 CONSTRUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA
Quando soube que estava doente fiquei muito triste. Não queria fazer hemodiálise.
Aquelas máquinas funcionando com aquele sangue todo [...] Aí eu pensei, prefiro
morrer, não vou agüentar, me deixa morrer. Mas eu descobri que se aparecesse um
doador pra mim eu poderia fazer o transplante e sair da máquina pra sempre. Agora
eu estou esperando um doador, eu e muitos brasileiros (M.L, 57 anos).
É dentro dessa realidade tão bem expressa através das palavras de M.L., 57 anos,
portadora de insuficiência renal crônica, que se introduz o presente trabalho. Atualmente
há no Brasil setenta mil brasileiros em lista de espera aguardando por um órgão ou tecido
para transplante. Dentro dessa lista o maior número de pessoas, aproximadamente mais da
metade, encontra-se esperando por um rim, em conseqüência da insuficiência renal
crônica (BRASIL, 2006).
A insuficiência renal é uma doença que incapacita os rins de executarem suas
principais funções, que são: a regulação de líquidos e a eliminação de produtos do
metabolismo orgânico. Devido a essa insuficiência, esses produtos metabólicos se
acumulam no corpo, podendo trazer complicações graves, inclusive a morte. Para evitar
essas complicações, o portador de insuficiência renal deve ser submetido à Terapia Renal
Substitutiva (TRS), tratamento que viabiliza a eliminação das toxinas e do excesso de
líquido do organismo, restituindo temporariamente a sua composição.
A TRS se apresenta sob duas modalidades: hemodiálise e diálise peritoneal. Em
ambos os casos o tratamento é contínuo, tendo em vista que imediatamente após a sessão
de qualquer modalidade, recomeça o acúmulo de produtos orgânicos e de líquidos, já que
os rins se encontram incapazes de preservar a manutenção do equilíbrio orgânico.
A diálise peritoneal, para remover metabólicos do corpo, utiliza a membrana
peritoneal, a qual reveste o interior do abdômen. Já a hemodiálise faz uso de uma máquina
17
que bombeia o sangue do doente através de um acesso venoso calibroso, em que este será
filtrado através de um “rim” artificial denominado capilar. Em geral, a hemodiálise deve
ser realizada três vezes por semana, sendo que cada sessão tem uma duração média de
quatro horas.
Para os portadores de insuficiência renal aguda, que consiste na redução súbita e
progressiva da função renal podendo ser reversível, submeter-se à diálise pode durar
semanas ou meses, até que haja restabelecimento da função renal. Enquanto que para os
portadores de insuficiência renal crônica, doença de progressão lenta e irreversível, há
necessidade da diálise indefinidamente ou até que seja realizado um transplante de rim.
A minha aproximação com o tema desta investigação ocorreu durante a minha
formação como Enfermeira, quando tive a oportunidade de realizar um estágio curricular
durante seis meses, em 1992, na clínica nefrológica de um hospital público de Teresina.
Essa clínica, especializada em doenças renais, realiza TRS em portadores de insuficiência
renal aguda e crônica.
Lembro-me que durante o estágio fiquei sensibilizada com a complexidade do
tratamento realizado através da hemodiálise, principalmente no que se refere ao fato de
que aquelas pessoas tinham que freqüentemente se submeterem àquele tipo de tratamento.
Até então, o conhecimento que possuía a respeito das especificidades do portador de
insuficiência renal aguda e crônica era decorrente da abordagem desta temática no curso de
graduação. A partir deste estágio, pude constatar que se essas pessoas tivessem a oportunidade
de serem transplantadas não necessitariam mais realizar a TRS, ou neste caso, a hemodiálise.
Sabia que o portador de insuficiência renal crônica tinha duas opções de vida,
permanecia em tratamento dialítico para sempre ou realizaria um transplante renal. Esse foi o
meu primeiro contato com pessoas que aguardavam por um órgão ou tecido para transplante
para melhorarem a qualidade de suas vidas ou até mesmo para viver.
18
No segundo semestre do ano de 1993 concluí a graduação em enfermagem, passando
a trabalhar em um hospital da rede privada na cidade de Caxias, no Estado do Maranhão.
Nesse período, o Maranhão ainda não realizava transplante e pude participar do 1º transplante
renal com doador vivo, em 1994, um marco na história do estado do Maranhão no que
concerne ao transplante renal. Ainda nesse mesmo ano pude perceber a importância do
transplante para o doente, bem como para a sua família, já que o transplante afastaria o doente
das sessões de hemodiálise ou de diálise peritoneal.
Em 1995 surgiu a oportunidade de retornar à Teresina, e diferentemente do
Maranhão, o Piauí já realizava transplante desde 1987, ano em que aconteceu o 1º transplante
no Hospital Casa Mater, que foi um transplante renal com doador vivo.
Ao retornar para Teresina passei a trabalhar no Hospital Santa Maria, um hospital da
rede privada, que trabalhava com doador vivo e estava preparando uma equipe para realizar
transplante com doador cadáver.
Com o objetivo de me aprimorar e adquirir maior experiência nessa área, no período
de agosto de 1998 a fevereiro de 1999, fui para Lyon, na França, realizar um estágio, no
Hospital Edouard Herriot, na área de transplantes com órgãos doados por cadáver. Durante
esse estágio, participei de retirada e transplantes de órgãos e prestei assistência de
enfermagem a doadores com diagnóstico de morte encefálica
1
e a receptores de órgãos desses
doadores. Contudo, destaco um fato importante quando estive em Lyon, como não poderia
esquecer e deixar de citar, durante a minha estada em Lyon, em 1998, aconteceu o 1º
transplante de mão do mundo
2
, um fato importante e que marcou a sociedade pelo grau de
complexidade do transplante.
1
A morte encefálica é ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou ainda ausência
de perfusão sangüínea cerebral (Resolução CFM nº 1.480/97 Art. 6º. Anexo 3).
2
Esse transplante foi bastante divulgado pela mídia internacional e entrou para o Livro dos Recordes.
19
Ao voltar para Teresina, não havia uma Central de Notificação, Captação e
Distribuição de Órgãos (CNCDO) e os transplantes até então realizados eram com doadores
vivos. Após a implantação da CNCDO no Piauí, em 25 de setembro de 2000, o Estado foi
legalmente credenciado para transplantar órgãos e tecidos de doador cadáver.
Essa implantação foi viabilizada após a regulamentação da Lei 9.434/97, que
instituiu o Sistema Nacional de Transplante (SNT) a nível federal, obrigando os Estados que
desenvolviam atividades na área de transplante a criarem uma central de transplante estadual.
Sabendo que cada região do país é marcada historicamente por questões políticas e
sociais diferenciadas, construí uma hipótese inicial partindo do pressuposto de que essas
questões não existem enquanto entidades absolutas, isoladas e independentes, mas são
entrelaçadas, se interconstituindo como norteadoras das práticas e das relações cotidianas,
as quais podem interferir nos rumos das políticas de saúde de um Estado.
Para tentar validar a hipótese inicial focalizou-se como objeto deste estudo: os
aspectos sócio-políticos da implantação da Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos e Tecidos do Piauí.
Tomando como base o objeto desta pesquisa, foram traçados os seguintes
objetivos a serem alcançados:
1. Conhecer os aspectos sócio-políticos que mediaram a implantação da Central de
Transplante do Piauí;
2. Mostrar os principais sujeitos sociais envolvidos no processo de implantação da Central
de Transplante do Piauí;
3. Analisar a participação da sociedade civil piauiense, através de suas organizações, na
implantação da Central de Transplante do Piauí.
Nesse sentido, este estudo representa a tentativa de contribuir para a ampliação das
discussões que permeiam os aspectos sócio-políticos, identificando as especificidades
20
regionais das demandas dos sujeitos que participam do processo de construção de uma
política de saúde que deve ser implementada para todos.
1.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O TEMA
De acordo com Leite (2000), há vinte anos, doutrinadores renomados já se
preocupavam com o reflexo social dos transplantes de órgãos e tecidos na sociedade
brasileira. Reconhecemos que a escassez sócio-cultural somada ao baixo poder sócio-
econômico são fatores que há muito prejudicam o desenvolvimento do Brasil, e, por vezes,
contribuem para distorcer ou dificultar a compreensão de fenômenos que têm tomado de
sobressalto a sociedade mundial.
A situação não é diferente, quando o assunto é transplante de órgãos e tecidos. O
povo brasileiro tem demonstrado, através de pesquisas já realizadas, o seu posicionamento
acerca desse tema. Podemos citar a pesquisa realizada por Barcellos (2003), intitulada
Intenção de doar órgãos em uma população adulta, em que o autor apresentou que os
indivíduos com Ensino Médio completo apresentaram 84% mais intenção de doar órgãos do
que os analfabetos. Destaca-se também que essa mesma tendência de associação foi
identificada em relação ao nível social e renda familiar.
Conforme Barcellos (2003), a baixa escolaridade e nível sócio-econômico têm sido
os principais fatores associados à menor freqüência de intenção de doar
órgãos. Essa menor
freqüência, em indivíduos com baixo poder sócio-econômico, pode refletir desconfiança no
sistema de saúde como um todo e não especificamente em relação à doação de órgãos ou
transplantes. Além disso, poderia também ser explicado pela desigualdade social, que gera
medos e insegurança.
21
É compreensível que em uma sociedade, marcada por diferenças extremas de
renda, a população, ao tratar sobre retirada e transplantes de órgãos, demonstre medo de
que o programa de transplante brasileiro seja contaminado pelas distorções que permeiam
as relações sociais no Brasil. Alguns estudos têm demonstrado que pelo menos parte dos
brasileiros acredita que a fragmentação social existente no Brasil – seja entre pobres e
ricos, entre grupos raciais ou etários – pode replicar-se no programa de transplante
(BARCELLOS, 2003).
Contudo a discussão sobre doação de órgãos e tecidos para transplantes tem
perpassado os alvéolos científicos, tornando-se um tema amplamente discutido na sociedade.
Podemos citar a Sétima Arte
3
– cinema que freqüentemente vem fazendo alusões envolvendo
transplantes sob diversas formas de abordagens, mas na maioria das vezes focando o
comércio de órgãos.
O filme Coisas belas e Sujas
4
, por exemplo, trata de questões envolvendo o tráfico
de órgãos para transplante, em que os doadores, na maioria africanos, doam um rim em troca
de um passaporte falso. Não há como negar que o cinema além de promover o entretenimento,
teve o caráter, neste caso, de informar e denunciar a prática de mercantilização de partes do
corpo humano para obtenção de benefícios, já que em alguns países esta prática é bastante
comum.
Destaca-se como exemplos de países envolvidos com a rota do tráfico de órgãos:
Índia, Turquia, China, Rússia, África do Sul e Brasil. Em 2004, foi exaustivamente divulgado
na mídia, o caso de quatorze brasileiros que saíram da cidade de Recife, em Pernambuco, para
vender seus rins a americanos e israelenses na África do Sul (ÉPOCA, 2006)
5
.
3
Uma ato de Coragem: EUA:2002, New Line Cinema/Playarte; Dívida de Sangue: EUA:2002, Warner Bross; Sr.
Vingança:Coréia do Sul:2002, CJ Entertainment/Studio Box.
4
Miramax filmes, 2004.Escrito por Steven Knight e dirigido por Stephen Frears.
5
As doze pessoas acusadas de integrar a organização internacional que comercializava órgãos humanos, recrutando pessoas
em bairros da periferia do Recife, foram condenadas pela Justiça Federal de Pernambuco. O grupo está enquadrado no crime
de formação de quadrilha e aliciamento para transplantes ilegais.Os líderes da organização, o major da reserva do Exército
israelense e o capitão reformado da Polícia Militar de Pernambuco, pegaram as maiores condenações: 11 e 10 anos de
22
No I Congresso Internacional de Transplantes em Países em Desenvolvimento,
realizado em outubro de 1992, em Singapura, o representante indiano revelou que em seu país
todo ano cerca de dois mil órgãos são vendidos a estrangeiros. O custo do transplante na Índia
está em torno de US$ 10.000,00, sendo US$ 6.000 a cirurgia, ficando o doador com US$
1.000,00 e o "intermediário" com US$ 3.000,00. Podemos perceber que, nesse caso, o
doador é o menos beneficiado financeiramente (grifo nosso) com a venda do órgão.
Contudo, a venda de órgãos apresenta-se como uma atividade atrativa e lucrativa, tendo
em vista que neste país a renda mensal média do trabalhador é de US$ 11,00 (Portal
Médico, 2006).
Porém existem lugares em que o comércio de órgãos constitui uma operação legal.
Na Índia a negociação de órgãos para transplante é permitida. Podemos citar também,
Filipinas, onde o comércio é permitido sob consentimento do Governo, em que são
anunciadas a venda e a compra de órgãos abertamente, o que lembra, até certo ponto, o
regime de escravidão, com a diferença de que os escravos eram vendidos inteiros e não
fragmentados. Nesses locais as pessoas pobres vendem seus rins para amenizar a situação de
miséria (CAMARA et al, 2001).
Na China os condenados assinam ou são obrigados a assinar um termo de doação
voluntária de óros. A Anistia Internacional denunciou recentemente que esses condenados
passam por um exame médico, antes da execução e imediatamente, após o tiro fatal, seus
corpos são levados a hospitais para a remoção de órgãos, como rins e córneas. Como o
costume funerário chinês é a cremação, geralmente as famílias nem chegam a se inteirar da
mutilação do corpo (VEJA, 2004).
reclusão, além de multas.Os outros envolvidos no comércio ilegal de rins, incluindo o médico que requisitava os exames e
atendia as pessoas aliciadas, irão cumprir de um a oito anos de prisão em regime fechado. Já as vítimas que venderam um dos
órgãos foram liberadas depois de prestar depoimento à Justiça.O esquema, descoberto em dezembro do ano passado pela
Polícia Federal, resultou na movimentação de US$ 4,5 milhões em dois anos, com a compra de 30 rins. As cirurgias eram
realizadas em Durban, na África do Sul, para beneficiar receptores europeus e sul-africanos (ABTO,2006).
23
Devido ao elevado número de executados, o transplante de órgãos tornou-se um
lucrativo negócio para os hospitais chineses, que recebem pessoas do mundo todo.
Recentemente dois chineses foram presos nos Estados Unidos acusados de tráfico
internacional de órgãos. A investigação concluiu que os órgãos haviam sido retirados de
presos executados e que o governo chinês autorizara a venda no exterior.
O comércio de órgãos é uma prática contemporânea, mais intensa que a
mercantilização desenvolvida pela escravidão e prostituição, as quais constituem formas
seculares de exploração do ser humano. O Brasil, por exemplo, nasceu sob a égide da
escravidão, do uso do corpo como um objeto para obtenção de favorecimento.
O corpo humano, no Brasil, foi objetivado e instrumentalizado a serviço do
trabalho forçado e do prazer sexual. Mas essa mercantilização chega à sua máxima
sofisticação, quando se trata do comércio de órgãos para transplante. Acreditamos que
sempre haverá pessoas dispostas a pagar qualquer valor por órgãos e pessoas dispostas a
vendê-los.
Como a idéia da doação remunerada é condenada pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) e pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o Estado
Brasileiro instituiu a Lei 9.434/97 e Emenda 10.211, proibindo a comercialização de órgãos
no país e criando uma Coordenação Nacional no Ministério da Saúde – o Sistema Nacional de
Transplantes (SNT) – com unidades em cada
24
transplantes. No que se refere ao comércio de órgãos, essa lei é considerada, pelos
transplantadores como bastante rigorosa, já que proíbe este tipo de comércio.
25
CAPÍTULO 2
____________________________________________________________
26
ESTADO, SOCIEDADE E SAÚDE
2.1 COMPREENDENDO OS ASPECTOS SÓCIO-POLÍTICOS
O conceito de saúde tem sofrido muitas alterações ao longo dos tempos, desde o
conceito de saúde como ausência de doença, até o atual conceito que considera saúde como “o
completo bem estar físico social e mental e não apenas ausência de doença ou enfermidade”
(OMS, 1983).
As alterações ocorridas relacionadas a esse conceito são decorrentes de um processo
de mudanças sociais e políticas. Após a segunda metade do século XX, com a crescente
aceitação da lógica neoliberal pela maioria dos governos ocidentais, verificou-se uma
tendência ao fortalecimento do mercado e à redução do papel do Estado nas economias, em
contraposição a uma gradativa conscientização das pessoas, quanto aos direitos sociais,
notadamente, aqueles pertencentes às relações de consumo.
O Brasil, na Constituição de 1988, incorporou o conceito de saúde entendido numa
perspectiva de articulação das políticas econômicas e sociais:
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda,
a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis
de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (Lei
8080/90. art 3º).
Os vários fatores determinantes e condicionantes da saúde transformam a saúde em
um campo complexo. Essa complexidade fica evidenciada em face da dificuldade de acesso
da maioria dos brasileiros às condições legalmente consideradas como favoráveis ao modelo
de saúde vigente. Diante disso, a sociedade civil tem procurado se articular, através de
organizações não-governamentais e dos Conselhos e Conferências de saúde, para assegurar a
manutenção de sua saúde, direito esse garantido por lei.
27
O Governo Federal, percebendo a complexidade do setor de saúde e reconhecendo a
crescente participação da sociedade civil, consolidou o Sistema Único de Saúde (SUS), que
objetiva reordenar as ações de saúde no país, com a proposta de novos modos de concebê-la e
dar respostas às questões de saúde no Brasil.
Para dar conta dessa determinação legal, o Poder Legislativo aprovou as Leis
Orgânicas de Saúde (LOS) – 8.080 e 8142, que depois de sancionadas em 1990, tornaram-se
balizadoras da organização do Sistema Nacional de Saúde.
A Lei 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde e ainda regula as ações, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde do
país. De acordo com o art. 4, o novo sistema é formado pelo “conjunto de todas as ações e
serviços de Saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”.
Entretanto, ressalta-se que à iniciativa privada é permitido participar desse sistema de maneira
complementar (BRASIL, 1993. p. 8)
De acordo com a referida Lei, a saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, através de
políticas econômicas e sociais e o estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e serviços de diversas naturezas.
Baseando-se nos preceitos constitucionais e nas LOS, a construção do SUS é
norteada por princípios doutrinários e organizativos, em que os doutrinários são:
universalidade, que formalmente garante ao cidadão o acesso aos serviços e ações de saúde;
equidade que considera todo cidadão igual perante o SUS; integralidade da assistência, o qual
reconhece cada pessoa como integrante de uma comunidade, em que as ações de saúde não
podem ser compartimentalizadas (BRASIL, 1993).
28
Já os princípios organizativos são: regionalização e hierarquização, que estabelecem
a organização dos serviços em área geográfica delimitada e com a definição da população a
ser atendida; resolutividade, que aborda a capacidade que o serviço tem para enfrentar e
resolver, dentro de suas possibilidades, tanto problemas individuais como coletivos sobre a
saúde; e por fim a descentralização, que significa a redistribuição da responsabilidade, quanto
às ações e serviços de saúde, entre os vários níveis de governo.
Não há como negarmos que esses princípios representam um avanço considerável no
campo da saúde e correspondem a uma importante proposta formal de Reforma do Estado
brasileiro.
Todavia, o Governo também regulamenta a participação da comunidade na gestão do
SUS, através da Lei 8142/90, que discorre sobre a estruturação dos Conselhos e Conferências
e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. A Lei
8142/90 consolidou a garantia de um importante espaço público de controle social, mediante a
participação da população nos Conselhos e Conferências de Saúde, em seus diferentes níveis
de organização. Nestes espaços a população tem o direito de participar das ações de gestão
pública em relação à elaboração, ao controle e à fiscalização das políticas de saúde (BRASIL,
1991).
Nesse sentido, a Constituição de 1988 trouxe a garantia formal da participação da
sociedade civil na implementação das políticas de saúde do Estado, assegurando e
promovendo uma descentralização operativa nas políticas públicas, que favorecem a
participação popular.
Segundo Souza (2001), o processo de descentralização gestado pelo SUS transferiu
atribuições e competências para os Estados e municípios, mas não transferiu recursos para que
estes fossem capazes de assegurar a autonomia financeira necessária para arcar com essas
novas atribuições e competências. Com isso, constata-se que o avanço mais significativo
29
desse processo de descentralização foi exatamente a criação dos vários mecanismos que
possibilitam o cidadão comum participar do processo de gestão pública.
Nesse sentido, é necessário realizar uma abordagem sobre aspectos políticos e
sociais, com particular ênfase na definição de Estado e sociedade civil no Brasil. Para tanto,
serão enfatizadas duas formas de abordagem, do ponto de vista do Estado,a governabilidade, e
do ponto de vista da sociedade civil, a participação na esfera pública através dos seus
movimentos sociais.
Como a concepção do Estado envolve uma ampla literatura e profundas divergências
entre as diversas correntes teóricas que se têm ocupado da questão, resolvemos adotar, a
concepção de que o Estado é o espaço maior de ordenamento político, em que se busca a
racionalidade do sistema capitalista, por meio de um conjunto relativamente diversificado de
instituições (BURDEAU, 1970; CARNOY, 1990; ENGELS, 1966).
Para Weber (1964), o Poder Estatal é exercido por instituições administrativas
concebidas e organizadas com base em conceitos de racionalidade burocrática. No caso dos
transplantes, o Estado exerce seu poder através de suas gestões federal e estadual de saúde,
constituindo uma atividade descentralizada não municipalizada
6
, ou seja, os transplantes são
de competência do Governo Estadual e não Municipal
7
.
Essa situação tem causado problemas para a política de transplante, pois se o
município e o estado não comungam do mesmo objetivo acerca de uma política de saúde,
dificilmente essa política será efetiva, pois não há uma convergência de interesses que
favoreçam essa efetividade. Há diversos fatores que dificultam o desenvolvimento dos
transplantes no Brasil, dentre eles pode-se citar a ineficiência de resolutividade dos serviços
6
A municipalização da saúde é o reconhecimento da responsabilidade política do município pelo atendimento das
necessidades e demandas de saúde do seu povo e das exigências de intervenções saneadoras em seu território. O princípio de
municipalização implícito na Constituição Federal de 88 expressa "um movimento internacional de modernização do Estado,
em que a descentralização de poder e de tarefas executivas são diretrizes consensuais" (SPOSATI; FALCÃO, 1990).
7
Conforme a Lei 9.434/97, o Sistema Nacional de Transplante (SNT) é integrado por um Órgão Central, Ministério da
Saúde, e por Órgãos Estaduais, as Secretarias de Saúde dos Estados.
30
públicos. Reconhecendo essa ineficiência o Brasil regulamentou o setor privado como
complementar para as ações de saúde, em que “a iniciativa privada poderá participar do
Sistema único de Saúde – SUS, em caráter complementar” (lei 8080/90. art. 4º. parágrafo 2º)
Como os transplantes necessitam de alta tecnologia e de um sistema de saúde
resolutivo, acabam não tendo cobertura integral na maioria das instituições da rede pública do
Piauí. Nessa situação, o reconhecimento legal da participação do setor privado, tem
favorecido o desaguamento da demanda reprimida dos que necessitam realizar transplantes,
para os serviços privados, que não têm se renunciado a recebê-la, já que os transplantes têm
alto custo.
O Estado moderno tem expandido suas responsabilidades no setor da saúde em três
áreas: na provisão direta de ações e serviços, no financiamento da assistência à saúde quando
prestada por terceiros e na regulação dos setores públicos e privados (BARROS PIOLA;
VIANNA, 1996). No Brasil, no que se refere aos transplantes, o Estado tem assumido a sua
responsabilidade, tendo em vista que 90% dos transplantes realizados no país são financiados
pelo SUS (Jornal do CRM, 2004).
No entanto, mesmo possuindo cobertura financeira quase em sua totalidade, a
realização de transplantes no Brasil tem atingido baixos índices. Hoje existem
aproximadamente 35.000 brasileiros com insuficiência renal crônica em tratamento pela
diálise. Destes, somente três mil conseguem ser transplantados anualmente. A razão dessa
longa fila de espera se deve ao pequeno número anual de transplantes renais, em que somente
10% conseguem ser transplantados.
31
Essa situação revela um quadro que tem favorecido a formação de organizações
sociais. Sabemos que a inclusão formal da garantia dos cidadãos em participar do processo de
formulação das políticas de saúde e controle da sua execução em todos os níveis, seja Federal,
Estadual ou Municipal, torna-o um ator social reinvidicativo daquilo que lhe foi posto como
direito.
Doimo (1995) acredita que assim o Estado cria, nas sociedades civis
contemporâneas, a potencialidade da reivindicação e a inevitabilidade da ação-direta, mesmo
em contextos em que o sistema político é profundamente democrático, como as sociedades
européias. Trata-se, pois, de um novo potencial de conflitos que se manifesta mediante
condutas de interlocução direta com o sistema de decisões, passando ao largo dos tradicionais
formatos de comunicabilidade política.
A conquista formal do cidadão brasileiro como ator participante das políticas de
saúde resulta dos movimentos sociais vivenciados pelo país após a década de 70, no qual o
modelo de desenvolvimento econômico e político excludente, entre outros aspectos,
visualizava um quadro de desfinanciamento das políticas sociais, que agravava o quadro de
carência e dificuldade de acesso aos equipamentos e serviços de consumo coletivo. Esse
contexto favoreceu a articulação e emergência dos chamados "movimentos sociais urbanos"
forjados em oposição ao Estado.
Nesse momento faz-se necessário retomar a discussão sobre sociedade civil, que
como foi citado anteriormente, nos limitaremos a discorrer sobre a sua participação na esfera
pública através dos movimentos sociais. O ressurgimento contemporâneo do conceito de
sociedade civil tem sido interpretado como a expressão teórica da luta dos movimentos sociais
contra o autoritarismo dos regimes comunistas e das ditaduras militares em várias partes do
mundo, especialmente na Europa Oriental e na América Latina.
32
Nesse sentido, conceituar sociedade civil constitui alvo de discussão e necessário se
faz isolar três perspectivas: a teoria marxista, a teoria normativa e a concepção das ciências
sociais. Para a teoria marxista, sociedade civil compreende uma esfera não-estatal de
influência que emerge do capitalismo e da industrialização. Por sua vez, a definição normativa
leva em conta o desenvolvimento de efetiva proteção dos cidadãos contra abusos de direitos.
Já a visão das ciências sociais enfatiza a interação entre grupos voluntários na esfera não-
estatal, que conforme Janoski (1998) representa uma segmento de discurso público dinâmico
e participativo entre o Estado, a esfera pública composta de organizações voluntárias e a
esfera do mercado referente às empresas privadas e sindicatos.
Nesta investigação utilizaremos a concepção de sociedade civil defendida pelas
ciências sociais, tendo em vista que os sujeitos desta pesquisa, aqui reconhecidos como os
representantes da associação de doadores, doentes renais crônicos e transplantados
(DORETRANS) são oriundos da esfera não-estatal e buscam uma interlocução com o Estado
através de uma organização voluntária, engajando-se em debates e participações na busca da
melhoria da assistência. A maior parte das lutas realiza-se por meio dos interesses dos grupos
sociais que pressionam em direção a determinadas opções políticas, produzindo,
conseqüentemente, estruturas institucionais que favorecem a cidadania (VIEIRA, 2001).
O debate sobre a cidadania no mundo ocidental tem como uma das referências
principais a obra de Marshall (1967), um dos pioneiros a discutir os direitos civis, sociais e
políticos, como elementos que compreendem a cidadania, constituindo um status concedido
àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status
são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status (MARSHALL, 1967).
Os direitos civis foram os primeiros a serem formalizados e estão alocados no âmbito
da liberdade individual. São direitos que se referem à liberdade de ir e vir, liberdade de
imprensa, pensamento e fé, direito de propriedade, justiça e de concluir contratos válidos. Os
33
direitos políticos vieram em segundo lugar, os quais devem ser entendidos como o direito de
participar no exercício do poder político, como membro de um organismo investido da
autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. Quanto aos direitos
sociais, estes se dizem respeito a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar
econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida
de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade (MARSHALL,
1967).
Essa concepção de direitos apresentada por Marshall (1967) alimentou as discussões
e a produção teórica da cidadania nas sociedades ocidentais, como um todo, além de exercer
importante participação também no Brasil. Os movimentos sociais, um dos principais
instrumentos da sociedade civil de reivindicação de direitos – sociais, políticos e civis –
marcaram boa parte da trajetória, na luta pela institucionalização, pela concretização, pela
ampliação e pelo acesso a esses direitos por parte da maioria da população brasileira.
Até a década de 80, os movimentos sociais lutavam por questões referentes ao acesso
a serviços coletivos na área da educação, saúde, transporte, lazer e outros. Entretanto, a
cidadania nesse modelo não deu conta da série de mudanças que começaram a surgir na
década de 90, posto que carregavam a noção de novos direitos. A emergência dessa nova
noção de cidadania para Dagnino (1994) não se esgota na aquisição de direitos instituídos
legalmente pela Constituição Federal/88, mas surge como inovador e inclui intensamente a
invenção/criação de novos direitos.
A noção de uma nova cidadania traz elementos importantes, como sua vinculação
com a democracia, com a cultura e sua capacidade de incorporar dimensões da subjetividade,
aspirações e desejos. Sugere, assim, que as relações sociais construídas socialmente, venham
a assumir um novo formato mais igualitário entre os novos sujeitos sociais – os não-cidadãos
34
do passado – e a comunidade que o permeia, originando então a construção de novas relações
sociais entre o Estado e a sociedade civil. (DAGNINO, 1994, p.113).
Sob essa perspectiva, é imprescindível reconstruir um Estado que venha cumprir com
as novas demandas que se apresentam e que seja um fator promotor e facilitador do
desenvolvimento de uma sociedade civil cada vez mais articulada, forte e ativa.
2.2 POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: DAS ORIGENS ÀS PROPOSTAS ATUAIS
A complexidade de que se reveste a relação entre necessidade de saúde versus
política de saúde exige a revisão, ainda que sucinta, relacionada à conformação da trajetória
da política de saúde até os dias atuais, para favorecer a compreensão da natureza do objeto
deste estudo: os aspectos sócio-políticos da implantação da Central de Notificação, Captação
e Distribuição de Órgãos e Tecidos do Piauí. Para tanto, se faz necessário uma breve incursão
retrospectiva às décadas anteriores quando houve a construção da política dos transplantes.
O modelo de saúde no Brasil tem passado por mudanças profundas nos últimos
séculos, o qual transitou do sanitarismo-campanhista para o modelo médico-assistencial
privatista, até chegar, nos anos 80, ao projeto neoliberal, que vem sendo adotado nos países
ocidentais e tem como característica primordial o afastamento do Estado em relação à gestão
de diversos setores da economia (TEIXEIRA, 1995).
Deve-se destacar, porém, que a presença do Estado nas políticas de saúde é uma
característica do Brasil e de outros países. A entrada do Estado nas questões relativas à saúde
da população brasileira é marcada pela Lei Eloy Chaves, na década de 1920, em que nessa
época as ações de saúde se voltaram basicamente para atender às necessidades da economia
brasileira.
Nesse período, a economia era assentada no modelo agro-exportador, que exigia
ações de saúde, no âmbito da saúde pública, “sobretudo uma política de saneamento dos
35
espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle das doenças
que poderiam prejudicar a exportação” (MENDES, 1994, p.20).
Contudo, as péssimas condições de saúde da população levaram ao aumento de
doenças,como a febre amarela, elevando os casos de mortalidade no país. O reflexo negativo
dessa situação no exterior estava prejudicando o comércio agro-exportador, o que por sua vez
originou na institucionalização do modelo de atenção à saúde conhecido como modelo
sanitarismo-campanhista hegemônico como política de saúde. Esse modelo satisfazia à
economia brasileira, pois priorizava a exportação do café.
O processo de industrialização acelerada que ocorreu no Brasil, a partir da década de
50, determinou um deslocamento da economia para os centros urbanos e gerou uma massa
operária que necessitava de atendimento do sistema de saúde. Percebemos que a prioridade
não é mais sanear o espaço das mercadorias, mas manter o trabalhador com sua capacidade
produtiva inalterada.
Foucault (1979) defende que a medicina surge com a industrialização do Brasil,
estrategicamente voltada ao biopolítico, à preservação do corpo para a manutenção da força
de trabalho, consolidando o modelo de saúde médico-assistencial curativo. Com o processo de
industrialização a saúde é valorizada como mais força de trabalho para a manutenção de um
Estado em desenvolvimento.
Essa idéia é compartilhada por Cohn e Elias (2005), assumindo que o combate às
doenças, nesse modelo de saúde, não era visto como um problema humanitário ou científico,
mas como fator econômico do país, em que o objetivo central era desenvolver um sistema de
assistência que fornecesse sustentação à expansão capitalista.
Para Teixeira (1995), esse modelo de saúde assenta-se num tripé. a) O Estado como
o grande financiador do sistema através da Previdência Social; b) O setor privado nacional
como o maior prestador de serviços de atenção médica; c) O setor privado internacional como
36
o mais significativo produtor de insumos, especialmente equipamentos biomédicos e
medicamentos.
Ao final da década de 70, esse sistema de saúde já demonstrava inadequações à
realidade sanitária nacional. Inicialmente devido a prática médica dominante, curativa,
sofisticada e especializada não ser capaz de alterar o perfil de morbi-mortalidade no qual
persistiam doenças facilmente evitáveis com medidas simples de caráter preventivo. Ademais,
os custos crescentes do cuidado médico inviabilizavam a expansão da cobertura. Segundo
porque a ausência de critérios para a compra de serviços aos hospitais privados era
incompatível com as necessidades crescentes de coordenação e planejamento da rede
prestadora de serviços. E por último, se deve ao fato de que o alto grau de centralização e
fragmentação em dois Ministérios responsáveis pela política de saúde criava superposições,
descoordenações, ausência de controle, reduzindo a eficácia e eficiência da ação
governamental. Além de que esse modelo médico-assistencialista privatista excluía parcelas
expressivas da população (TEIXEIRA, 1995).
A partir de então, houve correlação de forças desenvolvida pela sociedade civil
quando esta passou a reivindicar do Estado a universalização dos direitos sociais em um
contexto marcado pela exclusão e iniqüidade (TEIXEIRA, 1995).
Nessa época aconteceu a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de
Saúde na cidade de Alma-Ata, no atual Cazaquistão, patrocinada pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), no ano de 1978, que difundiu o ideário da saúde como um bem universal e
desejável, a ser atingindo no ano 2000 (COHN e ELIAS, 2005).
Com a conferência de Alma-Ata acorda-se uma proposta internacional da
necessidade de desenvolver e expandir uma modalidade assistencial de baixo custo para a
população excluída pelo modelo médico-assistencial privatista, principalmente os que viviam
nas periferias da cidade e nas zonas rurais.
37
Em 1979, foi realizado, no Brasil, o I Simpósio Nacional de Política de Saúde
8
,
executado pela comissão de saúde da Câmara dos Deputados. Na ocasião, o Centro Brasileiro
de Estudos de Saúde (CEBES) era o legítimo representante do movimento sanitário e
apresentou e discutiu publicamente, pela primeira vez, uma proposta de reorganização do
sistema nacional de saúde.
Os movimentos sociais fortaleceram-se nos anos 80, consolidando-se as forças
democráticas e estabelecendo-se uma prioridade democrática e social. Nesse processo de
mobilização e luta civil pela democratização do país, organizou-se um movimento pela
conquista da saúde como direito universal dos cidadãos e dever do Estado, uma vez que nessa
área a política social era ainda muito mais restritiva no estabelecimento de estratégias de ação
limitando, portanto, a possibilidade de acesso à saúde como um direito de apenas uma parcela
dos trabalhadores urbanos, aqueles inseridos no mercado formal de trabalho (TEIXEIRA,
1995).
Assim, o Movimento Sanitário, protagonizado inicialmente por professores
universitários, estudantes de medicina, trabalhadores da área da saúde, sindicalistas e
movimentos populares voltados para a saúde e que congregava posteriormente os setores da
esquerda e os setores progressistas da área de saúde, não só propôs uma reorganização
institucional da atenção à saúde no país, como também foi capaz de produzir conhecimentos
para subsidiar novas práticas, estruturando a Medicina Social Brasileira (COHN, 2005).
As formulações do Movimento Sanitário encontraram espaço de concretização nas
propostas da Reforma Sanitária, explicitadas e sistematizadas na VIII Conferência Nacional
de Saúde, em 1986. Buscando superar as históricas dicotomias entre assistência individual e
ações coletivas de saúde, cura e prevenção, público e privado, o ideário da Reforma
materializou-se, no plano jurídico e institucional, na proposta de um sistema único de saúde,
8
Esse Simpósio é considerado o primeiro marco do movimento pela Reforma Sanitária (RODRIGUES NETO, 1994).
38
fundamentalmente público e, quando preciso, apoiado pela suplementação do setor privado,
descentralizado e sob controle do Estado.
A estratégia de descentralização, além de propor uma maior racionalidade do
sistema, tinha como finalidade precípua “a criação de novos espaços institucionais de
participação, com poder deliberativo dos segmentos organizados da sociedade, constituindo-
se assim como uma estratégia de ampliar, no aspecto social, as oportunidades de acesso ao
poder” (COHN, 2005:233).
As propostas apresentadas pela Reforma Sanitária, foram denominadas de SUS e
contemplavam diversos conceitos oriundos de experiências bem sucedidas em outros países,
como a universalização do direito à saúde, racionalização e integralidade das ações,
democratização e participação popular, bem como algumas experiências de atenção primária e
de extensão de cobertura desenvolvidas no país, como o Programa de Interiorização das
Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) que foram implementadas em áreas rurais do
Nordeste e o Projeto Montes Claros em Minas Gerais (RODRIGUES NETO, 1994).
Em 1985, após a eleição de Tancredo Neves e Sarney, os movimentos sociais se
intensificaram e uma maior discussão foi possível sobre os novos rumos que deveria tomar o
sistema de saúde. Com a previsão da eleição da Assembléia Nacional Constituinte, que se
encarregaria da elaboração da nova Constituição Brasileira, é convocada a VIII Conferência
Nacional de Saúde, em 1986, para discutir a nova proposta de estrutura e de política de saúde
para o país.
Dessa forma, o avanço dos debates sobre a saúde consolida a proposta da
descentralização como única alternativa para a constituição de um sistema de saúde adequado
às reais necessidades da população, viabilizando sua universalização e equidade. É nesse
contexto que emerge a proposta do SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde,
39
que funcionou como principal instrumento de descentralização operacional, administrativa e
financeira dos programas de saúde entre 1987 e 1989.
A partir da criação do SUDS, estabeleceu-se uma clara definição de competências
entre as três esferas de governo. A União ficou encarregada de ações de caráter normativo,
embora centralizasse a execução de alguns serviços, como as atividades de pesquisa,
cooperação técnica e de produção e distribuição de medicamentos e insumos de saúde. Aos
Estados coube a execução de algumas ações e serviços, bem como a coordenação
intermediária de alguns processos de planejamento e programação setorial. E os municípios
ficaram encarregados das tarefas de planejamento local e a execução efetiva dos serviços de
saúde, excetuando-se aqueles ligados à produção de medicamento, contemplados no âmbito
estadual e federal.
Com a aprovação da Constituição em 1988, o SUDS passa a ser denominado de
SUS, iniciando-se efetivamente pela primeira vez, uma seção sobre a Saúde, a qual
incorporou em grande parte, os conceitos e propostas contempladas no Relatório da VIII
Conferência
9
, ou seja, a Constituição consolidou as propostas da Reforma Sanitária. A
Constituição Brasileira passou a ser, então, considerada como uma das mais avançadas do
mundo no que diz respeito à saúde.
A partir da promulgação da CF/88, no Brasil, os princípios da descentralização e da
municipalização foram reafirmados como formas de garantir à sociedade civil maior controle
sobre as políticas públicas. A idéia de descentralização, de uma forma geral, permeia esta
Constituição, diferentemente da anterior, de 1967, e da emenda Constitucional de 1969 que
tinham uma vocação centralizadora própria do regime político em que foram impostas.
9
A VIII Conferência é, hoje, considerada como um divisor de águas no Movimento Sanitário. Com uma ampla
participação, a mesma constituiu-se no maior fórum de debates sobre a situação de saúde do país e seu relatório
serviu de base para a proposta de reestruturação do sistema de saúde brasileiro que deveria se defendida na
constituinte (FLEURY TEIXEIRA, 1989).
40
A nova Constituição representou um avanço significativo no que se refere ao padrão
brasileiro de política de saúde até então vigente, contemplando a saúde como um direito social
e dever do Estado, prevendo a estruturação do SUS no acesso universal, igualitário, no
atendimento assistencial e equânime na distribuição dos recursos.
O princípio da universalidade, que formalmente garante que todo cidadão tem acesso
aos serviços e ações de saúde, é o que se diferencia em relação aos sistemas de saúde
preconizados anteriormente. O novo sistema de saúde garante o acesso igualitário a toda a
população, além da descentralização, enfatizando o atendimento integral com prioridade para
as atividades preventivas e a participação da comunidade.
A X Conferência Nacional de Saúde/96 sob o tema “SUS – Constituindo um modelo
de atenção à saúde para a qualidade de vida”, com intuito de firmar os princípios do SUS,
apresenta como defesa a condição de cidadania plena
10
, ações integrais de saúde e ruptura
com o modelo de assistência individual, fragmentada, curativa do modelo hospitalocêntrico
(BRASIL, 2000).
No que se refere aos transplantes, a CF/88 trouxe a proibição de qualquer tipo de
comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas. A Lei apresentará as condições e
os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humana para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como coleta, processamento e transfusão de sangue e
seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização (Secção II – Da Saúde, Art.199,
parágrafo 4º).
Esse parágrafo representou um grande avanço legal para os transplantadores e para a
sociedade civil. No entanto, foi somente em 1997 que o governo brasileiro criou o SNT que
prioriza evidenciar com transparência todas as ações no campo da política de
10
A cidadania plena (Teixeira, 1995), que substitui a cidadania regulada (SANTOS, 1977), é garantida pelo
princípio da universalidade, que garante acesso aos direitos sociais sem a necessidade de ocupação no mercado
formal de trabalho.
41
doação/transplante, visando primordialmente à confiabilidade do Sistema e a assistência de
qualidade ao cidadão brasileiro.
A institucionalização da gestão do setor saúde no Piauí tem início em 1940, com a
inauguração do Hospital Getúlio Vargas – HGV, entidade pública a cargo do Governo
Estadual, gerenciada pelo Instituto de Assistência Hospitalar – IAH, então ligado diretamente
ao gabinete do Governador.
Em 1962 foi criada a SESAPI, que representou o momento inicial em que o Estado
esboçou uma política voltada para o setor. O Sistema Estadual de Saúde tem a SESAPI como
gestor único de um modelo regionalizado e hierarquizado em seu nível. É responsável pela
implementação da política de saúde estadual, pela emissão de AIH´s – Autorização de
Internação Hospitalar – e possui gerência da maioria dos leitos hospitalares, sendo em
algumas áreas, o único provedor de serviços desta natureza, definindo para o Estado uma
situação de iniqüidade em termos da distribuição e do acesso a leitos em algumas regiões.
Além da gestão dos serviços hospitalares mais complexos, a SESAPI ainda mostra-se
responsável pela produção de ações de saúde, através da manutenção de uma rede de hospitais
e unidades mistas.
42
... e Deus cria Eva a partir de uma costela de Adão.
Ilustração “Creazione de lla Dona” de Caterina Giorgetti
43
CAPÍTULO 3
44
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TRANSPLANTES
3.1 A ORIGEM E A HISTÓRIA DOS TRANSPLANTES
Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu;
tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada
do homem, o SENHOR Deus formou a mulher e apresentou ao homem (Gênesis
2:21,22).
11
Segundo Lamb (2000) a idéia dos transplantes de órgãos e tecidos existe desde os
primeiros registros. De acordo com o livro de Gênesis, Eva, a primeira mulher, neste caso a
receptora, foi criada de uma costela retirada de Adão, o primeiro doador.
Subsistem vários relatos históricos e lendas a respeito de transplante, que povoam o
imaginário da humanidade desde os seus primórdios. Na literatura grega temos a obra de
Ilíada de Homero 900 AC, que descreveu um monstro de nome Quimera (Chimaera), criatura
criada pelos deuses de partes de animais e com três cabeças de leão, cabra e serpente
(BAPTISTA, 2001).
Porém, até o século XX, o sonho de criar uma pessoa inteiramente saudável mediante
transplantes permaneceu no domínio do imaginário mitológico e do milagre. Mitologia à
parte, uma das contribuições mais importantes para os transplantes foi a do médico francês
Aléxis Carrel, no início do século 20, ao desenvolver pesquisas, principalmente relacionadas
com cirurgia experimental e transplantes de órgãos e tecidos.
O primeiro transplante de um órgão vital não regenerativo foi um transplante de rim
efetuado por David Hume, em Boston, em 1951, que usou um doador cadáver na tentativa
infrutífera de salvar a vida de seu paciente. Durante os quatro anos seguintes, Hume e Joseph
11
Bíblia Sagrada/Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2ªed. São Paulo:
Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
45
E. Murray, realizaram mais dez transplantes de rins usando doadores cadáveres, mas a
maioria de seus pacientes morreu após a cirurgia.
No entanto, em 1953 um transplante renal foi realizado em um doente que
sobreviveu por seis meses. Posteriormente, em 1954, Murray e John Merril executaram com
êxito aquele que passou a ser reconhecido como o primeiro transplante do mundo com doador
vivo, entre gêmeos monozigóticos, ou seja, idênticos. Richard Herricck, 22 anos, recebeu um
rim de seu irmão gêmeo idêntico Ronald e sobreviveu por mais de oito anos com boa função
renal até um ataque cardíaco fatal (LAMB, 2000).
Os transplantes continuaram a acontecer, mas o conseqüente malogro destes revelou
o problema da rejeição e descobriu-se em experiências adicionais que transplantes bem-
sucedidos dependem de semelhança genética estrita entre doador e receptor.
A maior luz para se compreender a rejeição se deu com base nos estudos de Peter
Medawar, em 1960, este explica como o sistema imunológico do corpo reconhece corpos
estranhos que o invadem, por meio de marcadores ou antígenos
12
, e depois rejeita a substância
alheia por meio da produção de anticorpos
13
(LAMB, 2000).
Em anos recentes grandes esforços têm sido feitos para superar o problema da
rejeição, sem os quais a técnica cirúrgica seria insuficiente. Durante as décadas de 60 e 70, do
século XX foram desenvolvidos medicamentos que reduziram a capacidade do organismo em
produzir anticorpos, porém, muitos deles têm desastroso efeito de debilitar o sistema
imunológico do receptor.
Outra luz importante na tentativa de superar a rejeição, surgiu em 1983, quando uma
empresa farmacêutica suíça produziu a ciclosporina que inibe seletivamente a recusa de
tecidos estranhos, sem prejudicar a capacidade de combater vírus e bactérias. A capacidade de
12
Agente que é capaz de produzir anticorpos quando introduzido no organismo de uma pessoa suscetível
(BRUNNER/SUDDARTH/1988).
13
Célula de defesa do corpo que é formada como resposta a presença do antígeno (FERREIRA/2004).
46
controlar a rejeição de tecidos marca a transição da era da transplantação como terapêutica de
rotina.
No Brasil, o primeiro transplante renal com doador vivo foi realizado em 1965, no
Hospital das Clínicas em São Paulo, pela equipe do professor J. Geraldo de Campos Freire e
pelo Professor Emil Sabbaga, com a colaboração do Professor Geraldo Verginelli. O paciente
recebeu o rim do irmão e viveu normalmente mais oito anos (IANHEZ, 1994).
Em 1967, foi realizado, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Universidade
de São Paulo, o primeiro transplante renal com doador cadáver pela equipe do Professor
Áureo José Ciconelli. Devemos assinalar que a lei que regulamentava a doação de órgãos
intervivos e de cadáveres só foi promulgada em 10 de agosto de 1968, ou seja, a
regulamentação sobre doação de órgãos veio após a realização dos primeiros transplantes no
Brasil (CICONELLI et al, 1968).
Em 1968 realizou-se pela primeira vez na América do Sul, e a décima sétima do
mundo, um transplante cardíaco por Euclides de Jesus Zerbini, no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O paciente sobreviveu 28 dias e teve
rejeição do órgão (LAMB, 2000).
Conforme entrevista realizada com o médico José Pergentino Lobão de Castro, o
primeiro transplante do Piauí foi realizado por ele em 1983, no hospital Casa Mater. Ele
enfatiza que realizou um auto-transplante renal, retirando o rim de um local e transplantando
em outro na mesma pessoa, porém como não há registros documentais desse transplante, em
decorrência de ter sido queimada acidentalmente grande parte de seus arquivos médicos, o
primeiro transplante no Piauí fica datado de 1987. De acordo com a coordenadora da central
de transplante do Piauí, o primeiro transplante foi consumado em 1987, com doador vivo, no
Hospital Casa Mater.
47
Todavia a trajetória dos transplantes no Piauí ficou na dependência da qualificação
dos profissionais e da implementação de um laboratório especializado em exames que
diagnosticassem a compatibilidade entre doador e receptor, tanto que somente treze anos após
o primeiro transplante com doador vivo, é que se concretizou o transplante com doador
cadáver, conforme depoente:
No dia 11 de setembro de 2001, foi realizado no Piauí o primeiro transplante
cardíaco com doador cadáver. Este transplante aconteceu no Hospital Santa
Maria (Depoente I).
Atualmente o Piauí realiza transplantes de coração, rim e córnea. Há expectativa para
que até 2007, o Estado possa está trabalhando com transplante de pâncreas e de fígado, tendo
em vista que já se encontram médicos realizando treinamento nessas áreas.
3.2 DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES
Segundo Parilli (1980), transplante é a retirada de um órgão ou material anatômico
proveniente de um corpo, vivo, ou morto, e sua utilização com fins terapêuticos em um ser
humano. Já para Koogan & Houaiss (1998), o transplante constitui uma operação cirúrgica
que consiste na implantação, no corpo humano, de um órgão extraído de outro ser humano, ou
de animal.
Para uma melhor compreensão sobre a temática, é importante destacar também a
conceituação da Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos, que define o transplante
como um procedimento cirúrgico que consiste na substituição de um órgão ou tecido,
irremediavelmente doente, que compromete a vida de uma pessoa, que chamamos de receptor,
por outro órgão ou tecido de outra pessoa chamada de doador, com órgãos ou tecidos sadios
(ADOTE, 2004).
48
De acordo com estas definições, verifica-se que os transplantes têm finalidade
terapêutica. Alguns objetivam salvar vidas, no caso dos de coração, fígado, pulmão e medula
óssea; e outros, como, rim, pâncreas e córneas, têm por objetivo melhorar a qualidade de vida
das pessoas com doenças terminais ou crônicas incapacitantes.
O transplante renal, por exemplo, retira o indivíduo da diálise, que é um
procedimento que interfere profundamente em sua vida emocional e produtiva, enquanto os
transplantes de pâncreas ou de rim/pâncreas combinado podem salvar os portadores de
diabetes, da insuficiência renal e ou da cegueira. Acrescente-se a isso os benefícios agregados
com o fim da constante injeção de insulina e do rígido e estressante controle da dieta
alimentar.
A característica principal do transplante e que o distingue de outras cirurgias,
convertendo-o em uma terapêutica única e que alguns consideram como desvantagem, é a
necessidade da utilização de um órgão ou tecido proveniente de um doador vivo ou cadáver.
Na maioria dos transplantes, com exceção de uma parcela dos transplantes renais e de alguns
casos de transplantes hepáticos e pulmonares, os órgãos são obtidos a partir de doadores
cadáveres.
Sabemos que após quarenta anos de existência como terapêutica consagrada, o
transplante deixou de ser, em todo o mundo, uma atividade acadêmica, tornando-se um
procedimento rotineiro dos serviços de nefrologia e de transplante. E tanto do ponto de vista
do indivíduo renal crônico, como dos profissionais envolvidos com o tratamento, este
procedimento visa melhorar a qualidade de vida dos que sofrem com alguma doença que
necessita de um transplante.
Como a Lei aborda a questão do transplante de órgãos e tecidos, torna-se importante
defini-los para que haja uma melhor compreensão do objeto desta pesquisa. De acordo com
Erhart (1969), os órgãos, em sentido genérico, são unidades com forma e função próprias,
49
definidos como instrumentos de função. Partindo de uma definição simplista, o órgão
compreende a unidade ou formação do corpo que executa uma função específica. No sentido
de especialização das células, órgão compreende um grupo de células semelhantes, ou vários
desses grupos, que se especializaram para uma determinada função, ou funções, em benefícios
do organismo. Os órgãos que podem ser transplantados são: coração, pulmão, fígado, rim,
pâncreas e intestino.
Para Junqueira e Carneiro (1999), os tecidos são células que desempenham as
mesmas funções básicas e que têm a mesma morfologia geral que se agrupam, os quais apesar
da complexidade do nosso organismo, apresentam apenas quatro tipos básicos: o epitelial, o
conjuntivo, o muscular e o nervoso. Esses quatro tipos de tecidos não existem isoladamente,
mas juntam-se uns aos outros, em proporções variáveis, para formar os diferentes órgãos e
sistemas do organismo animal. Dos tecidos do corpo humano que podem ser doados para
efeito de transplante são: medula óssea, ossos, válvulas cardíacas, córneas e pele.
Leite (2000) enfatiza que os transplantes de órgãos e tecidos estão submetidos a uma
classificação no âmbito cirúrgico voltada, fundamentalmente, para resguardar a afinidade
biológica entre doador e receptor. Do ponto de vista médico-legal, portanto, os transplantes
podem assumir diversas feições, dessa forma falar-se-ia em:
a) Autotransplante: transplante de órgãos, tecidos ou células de um lugar a outro na mesma
pessoa.
b) Isotransplante ou transplante isogênico: transplante de tecido ou órgão entre e indivíduos
da mesma constituição genética, por exemplo, gêmeos idênticos
c) Alotransplante ou homotransplante: transplante de tecido ou órgão entre indivíduos da
mesma espécie, porém com diferentes caracteres hereditários, como o de um homem para
outro, sendo que este é o transplante mais comum.
50
d) Xenotransplantes ou heterotransplante: transplante de tecido ou órgão entre indivíduos de
espécies diferentes. Em estudos experimentais: órgãos de macacos e suínos transplantados
no homem.
Os órgãos ímpares, tais como, coração, fígado, pâncreas e intestinos, somente são
provenientes de doadores cadáveres. Entretanto, essa regra não persiste para os de fígado e de
pulmão, pois já estão sendo realizados, com resultados muito animadores, transplantes
hepáticos e pulmonares intervivos, nos quais são retiradas apenas pequenas partes do fígado
ou do pulmão de um adulto para o implante em uma criança.
3.3 MORTE E MORTE ENCEFÁLICA: TRAJETÓRIA CONCEITUAL
A retirada de órgãos de doador cadáver é um tema transversalizado no processo de
morte do ser humano. Diante disso, resolvemos desenvolver uma abordagem sobre o processo
de morte no mundo ocidental, enfatizando os aspectos que consideramos mais relevantes.
Para Ariès (1989), no período da idade média, século V ao XV, a morte era
domada pelas pessoas, vista com pouca dramaticidade, fazia parte do cotidiano familiar,
era individualizada e vivida em público. As pessoas solicitavam, em suas preces a Deus e aos
santos, uma morte calma, que ocorresse próxima dos amigos e da família, em casa
14
.
Já nos séculos XV e XVI, o homem começou a acreditar na vida após a morte,
valorizando os bens materiais e os sentimentos egocêntricos. Começou a desejar o adiamento
da morte para que pudesse desfrutar o que a vida proporcionava, passando a concentrá-la
apenas no ambiente familiar, distanciando-se da sociedade. E nessa nova perspectiva, o que
era coletivo vai, gradativamente, se individualizando (SPÍNDOLA; MACEDO, 1994).
14
Estágio analítico correspondente à categoria de morte domesticada de Philippe Ariès (1983).
51
Nos séculos XVII e XVIII, intensificaram-se as alterações nas percepções da morte.
Com o crescimento industrial e o aumento da população, os políticos, preocupados com a
higiene pública, determinaram a transferência de cemitérios para locais distantes dos centros
urbanos, os quais assumiram a característica de um lugar sagrado e de reverência onde
residiam os mortos. Os enterros tornaram-se simples, os testamentos foram simplificados e o
luto perdeu sua originalidade e transformou-se em impessoal (ARIÈS, 1989; MARCÍLIO,
1983).
A partir de então, o homem passou a ter medo da morte. E surgiu a presença
marcante do médico que diagnosticava a pessoa enferma na tentativa de curá-la, porém,
quando isso não era possível escondia-se dela a proximidade daquilo que popularmente se
chama “o dia da chegada”. O moribundo era impedido de realizar o seu ritual de despedida e
sua família rejeitava a possibilidade de se afastar do ente (ARIÈS, 1989).
Do início do século XX até os dias atuais, a morte deixa de fazer parte do cotidiano
das pessoas e passa a ser um fenômeno interditado, que segundo Koury (2003), entende-se
por morte interdita, a morte vista através e sob o controle do saber médico. Nesse processo, a
é vista no embate com a possibilidade de cura, e como um fracasso tecnológico e
momentâneo.
A luta contra a morte passa cada vez mais no interior dos hospitais, reino de um
saber técnico e instrumental, para onde são levados os pacientes. Passa a ser interditada,
encarada como vergonha pessoal ou como fracasso pessoal ou institucional, parece ter-se
tornado um tabu, uma coisa inominável, na qual não se deve falar em público nem tampouco
obrigar os outros a fazê-lo, tendo se tornado o principal interdito do século XX (KOURY,
2003).
Nesse sentido, há cerca de cinqüenta anos, o homem ocidental alterou
significativamente sua visão sobre a morte, considerando que houve uma abrupta ruptura da
52
história e uma rápida mudança em relação aos pensamentos e aos sentimentos inerentes a ela.
Saiu, pois, dos domicílios, rodeada pelos familiares, chegando aos hospitais que estão cada
vez mais preparados com alta tecnologia para tratar o enfermo, passando a ser um tabu e um
fracasso para o profissional de saúde (MARANHÃO, 1992; MARCÍLIO, 1983).
Acabaram-se os rituais de despedida no leito, o momento de acertos de contas com a
vida, a presença do sacerdote para dar a extrema-unção e não mais se ouviu falar em
testamentos. Chiavenato (1998) considera que o doente no hospital não deve saber que vai
morrer, ocultando-se também que seu estado é grave, para os quai o autor considera um ato de
piedade.
A morte oculta, vergonhosa e indesejável, que deve ser evitada. É sob a égide da
morte interdita que nasce a sociedade contemporânea, e nessa sociedade medicalizada e
hospitalocêntrica que se encontram os transplantes, que constitui uma “invenção” (grifo
nosso) do homem para prolongar a vida das pessoas que necessitam de um órgão para
sobreviver, ou seja, o transplante representa a busca do homem contemporâneo em adiar a
morte, em obter meios atingíveis para perpetuar a vida.
Em 1967, por ocasião do início dos transplantes de órgãos com doador cadáver,
houve necessidade de melhor definir o conceito de morte biológica para que os médicos não
fossem acusados de homicidas. Diante dessa necessidade, os médicos da Harvard Medical
School apresentaram uma declaração no Journal of the American Association, em agosto de
1968, que continha os critérios que definiam o coma irrerversível: “não receptividade e não
reação; ausência de movimentos respiratórios; ausência de reflexos e encefalograma plano”
(ZIEGLER, 1977.p. 176).
Como na medicina, cada vez mais, exige-se a disposição de partes do corpo humano
em benefício de terceiros, os transplantes de órgãos humanos têm tornado possível à vida
onde ela tem se mostrado mais frágil. E em tais práticas, não só o corpo vivo tem servido, mas
53
também o corpo morto, dando a este uma função social, antes inusitada, ou seja, a morte
tornando possível ao prolongamento da vida.
A utilização de órgãos de cadáveres tem sido a solução mais promissora para o
problema da demanda excessiva. O problema inicial foi o estabelecimento de critérios para
caracterizar a morte do doador. A lei nº 9434/97 determina em seu artigo 3º que compete ao
Conselho Federal de Medicina (CFM) definir os critérios para o diagnóstico de morte
encefálica (ANEXO B).
De acordo com CFM, a morte encefálica é a parada total e irreversível da atividade
do encéfalo, devendo ser caracterizada através de exames clínicos e complementares durante
intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias (CFM, 1997).
Contudo, é importante registrar a diferença entre coma e morte encefálica. Segundo
Flávio (1984), no coma há uma perda completa ou incompleta, da consciência, da
sensibilidade e da motricidade voluntária, havendo uma conservação das funções vegetativas,
em particular, da respiração e da circulação. Já na morte encefálica, as funções vegetativas,
tais como, circulação e respiração devem ser mantidas através de um comando externo, ou
seja, equipamentos e medicações que deverão manter esse corpo, tendo em vista que o seu
comando central, o encéfalo, encontra-se sem atividade.
A morte encefálica, por lei, deve ser obrigatoriamente notificada à Central de
Transplante. Para isso, o médico que a diagnosticou, deve informar à central da unidade
federada onde ocorreu, sendo que esta deverá comprovar a morte, e orientar a manutenção do
potencial doador. Após o diagnóstico de morte encefálica a família deverá ser consultada e
orientada sobre o processo de doação de órgãos. Com o consentimento da família, procede-se
a retirada dos órgãos doados e realizam-se os transplantes desses órgãos conforme lista única
de espera.
54
Havendo doadores compatíveis são chamadas as equipes de cirurgiões, cada qual
especializada em um determinado órgão, seguindo a seguinte ordem para a extração: coração,
fígado, rim e córnea. O coração suporta pouco tempo sem circulação sangüínea, de quatro a
seis horas; o fígado, de doze a vinte e quatro horas; e o rim, de vinte e quatro a quarenta e oito
horas. A córnea é o único caso em que a retirada pode ser feita até seis horas após a
constatação da morte encefálica, por se tratar de um tecido avascular - que não recebe fluxo
sangüíneo.
A lei também prevê que o diagnóstico de morte encefálica deve ser realizado por
dois médicos não pertencentes às equipes da captação ou transplantes. Com essa medida legal
o governo brasileiro tenta afastar qualquer “favorecimento” (grifo nosso) que haja com a
morte do possível doador.
Destaca-se que grande parte da população ainda não conseguiu assimilar o conceito
de morte encefálica. Para muitos, a morte acontece quando o coração pára de funcionar,
porém se o coração parar de funcionar, conseqüentemente alguns órgãos não poderão ser
utilizados para transplantes, conforme se observa no quadro a seguir.
QUADRO 1: Tempo de retirada e de conservação para órgãos e tecidos
Fonte: ABTO (2001)
Órgão/Tecido Tempo para Retirada Tempo para Conservação
Córneas 6 Horas após a Parada Cardíaca 7 dias
Coração Antes da Parada Cardíaca 4 a 6 horas
Pulmões Antes da Parada Cardíaca 4 a 6 horas
Rins Até 30 minutos após a Parada Cardíaca Até 48 horas
Fígado Antes da Parada Cardíaca 12 a 24 horas
Pâncreas Antes da Parada Cardíaca 12 a 24 horas
Ossos 6 Horas após a Parada Cardíaca Até 5 anos
55
Observa-se que o coração, o pulmão, o fígado e o pâncreas só podem ser retirados
antes da parada cardíaca
15
. Como freqüentemente as pessoas não têm a informação de que
precisam para tomar decisões sobre doar os órgãos dos membros da família ou não têm a
compreensão do processo de doação, a tendência é a recusa no consentimento da doação,
sendo um dos fatores limitantes para disponibilidade de órgãos (ROZA, 2995).
Para Pereira (2003), a desproporção crescente do número de pessoas em lista versus
o número de transplante é um fato inquestionável, para o qual apresenta como fatores
limitantes, a não notificação de pacientes com diagnóstico de morte encefálica as CNCDO´s,
apesar de sua obrigatoriedade prevista em lei, a falta de uma política de educação continuada
aos profissionais de saúde quanto ao processo de doação-transplante, além dos
desdobramentos decorrentes do não conhecimento desse processo e da recusa familiar por
falta formação e de informações precisas sobre a doação de órgãos.
Isso sugere que o delineamento das campanhas deve direcionar-se para ações
educativas da população sobre o processo de doação, o conceito de morte encefálica e a
importância da doação de órgãos, motivando-os a tomar uma decisão consciente, seja a favor
ou contra a doação.
3.4 DESENHO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO DOS TRANSPLANTES
Em 1968, quando Euclides de Jesus Zerbini realizou, em São Paulo, o primeiro
transplante de coração no Brasil, amparado no critério de morte encefálica do doador, não
existia em nosso país nenhuma legislação sobre o tema. O legislador, considerando temas
médicos, é sempre provocado pela evolução da ciência que, transpondo desafios antes
inimagináveis, oferece ao jurista situações carentes de definição legal.
15
Os rins podem ser retirados até trinta minutos após a parada cardíaca, já os ossos e as córneas podem ser retirados até seis
horas após a parada cardíaca.
56
Segundo Pereira (2003), nesse período, os médicos agiram tomando como
parâmetros os aspectos científicos, morais e éticos da profissão. Sendo assim, o primeiro
transplante de coração realizado no Brasil, culminou na elaboração de um suporte legal para a
realização dos futuros transplantes de órgãos.
Essa legislação tinha como objetivos básicos resguardar os direitos das pessoas
envolvidas, principalmente do doador, tanto cadáver quanto vivo, além de assegurar a
gratuidade da cessão dos órgãos e ou tecidos.
Em 10 de agosto de 1968, foi sancionada a lei nº 5.479 pelo então presidente Costa e
Silva, criando dispositivo sobre a “retirada e transplantes de tecidos, órgãos e partes de
cadáver para finalidade terapêutica e científica” e dando outras providências, determinando
em seu artigo 15º que “o poder executivo regulamentará o disposto nesta lei no prazo de 60
(sessenta) dias, a partir da data da sua publicação (FRANÇA, 1994).
A regulamentação preconizada não veio, permanecendo a Lei 5.479 durante 25 anos,
auto–aplicável na maioria de seus dispositivos, por ausência de diplomas legais sobre o tema.
Como a legislação em assuntos médicos é estimulada pela evolução da ciência, a não-
regulamentação da lei de transplantes de 1968 deveu-se, em parte, à diminuição do número de
transplantes realizados, no Brasil, de doador cadáver, notadamente de coração, num primeiro
momento, haja vista os precários resultados devido à rejeição do órgão transplantado
(PEREIRA, 2003).
Longas análises e reflexões discorreram sobre os doadores, receptores e,
principalmente, quanto à definição do diagnóstico da realidade da morte, tendo como deveres
resguardar os direitos do doador e garantir a gratuidade do ato (FRANÇA, 1994).
Nos quase 25 anos de desenvolvimento entre 1968 e 1992, a atividade de transplante
evoluiu em técnica, em resultados, em combate à rejeição, em variedade de órgãos
transplantados e em quantitativo de procedimentos. Com uma nova realidade favorável, os
57
transplantes cada vez mais freqüentes e os resultados satisfatórios, os médicos e os
legisladores retomaram as discussões sobre os aspectos éticos do tema nos anos 80, buscando
assegurar suportes legais para os procedimentos.
Nesse período, denominado de "heróico e romântico", a atividade era pouco
regulamentada e desenvolvida com bastante informalidade no que diz respeito à inscrição de
receptores, ordem de transplante, retirada de órgãos e nos critérios de destinação e
distribuição dos órgãos captados. Esta ordem das coisas então vigente foi, crescentemente,
gerando distorções e até injustiças na destinação dos órgãos.
Berlinguer e Garrafa (2001. p.6) chamam a tenção para o fato de que no contexto
social brasileiro, o mercado de órgãos para serem transplantados é uma pratica desenvolvida
no país, conforme de destaca:
Não há mais como negar: a compra e venda de órgãos humanos para transplantes no
Brasil é, infelizmente, realidade. Ao lado de equipes médicas e instituições idôneas,
alguns profissionais e hospitais inescrupulosos, aliados às famílias de doentes
graves, com poder de compra, estão aproveitando as falhas da legislação para criar
um novo mercado humano (BERLINGUER; GARRAFA, 2001. p.6).
Como não havia uma regulamentação para os transplantes, cresceu na sociedade
brasileira, entre os gestores do SUS, e na própria comunidade transplantadora, o desejo de
regulamentar a atividade, criar uma coordenação nacional para um sistema de transplantes e
definir critérios claros, tecnicamente corretos e socialmente aceitáveis e justos, de destinação
dos órgãos.
Em 1992, a nova Lei nº 5.479 passou a revogar (Lei 8.489, de 18 de novembro de
1992), legislação vigente até 04 de fevereiro, quando revogada, substituída pela lei nº
9.434/97, também conhecida como lei dos transplantes.
Esta lei trata das questões da disposição Post Mortem de tecidos, órgãos e partes do
corpo humano para fins de transplante; dos critérios para transplante com doador vivo e das
sanções penais e administrativas pelo não cumprimento da mesma. Foi regulamentada pelo
58
decreto nº 2.268/97, que estabeleceu também o Sistema Nacional de Transplantes – SNT, os
Órgãos Estaduais e as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos – CNCDOs
(ABTO, 2001).
A lei dos Transplantes, entre outros aspectos, introduziu o consentimento presumido
para a utilização de órgãos de doador cadáver. Neste modelo, todos os indivíduos são
doadores, salvo aqueles que se declararam não doadores de órgãos e tecidos através da
Carteira de Identidade Civil ou da Carteira Nacional de Habilitação, declaração que poderia
ser reformulada a qualquer momento.
A introdução legal da doação presumida no Brasil foi uma resposta às demandas das
associações de doentes, que tinham por objetivo contornar as dificuldades existentes para
abordar uma família em luto recente. Estas associações, ao lado da Sociedade Brasileira de
Nefrologia, defenderam desde o final da década de 70, a doação presumida como estratégia
para aumentar a quantidade de órgãos disponíveis.
A regulamentação da Lei 9.434/97, ocorrida em janeiro de 1998, junto com
significativos avanços, trouxe alguns problemas. Essa lei amplia os critérios da doação em
vida, permitindo a qualquer pessoa juridicamente capaz de doar, para transplante, um de seus
órgãos duplos desde que essa doação não comprometa a saúde do doador e que seja de forma
gratuita. Os dispositivos legais normatizam no Brasil três tipos de doadores renais: o cadáver,
o vivo parente e o vivo não-parente.
Enquanto a antiga legislação brasileira limitava a doação entre vivos parentes
(pais/filhos, marido/mulher, irmãos), interpretações jurídicas da nova lei possibilitavam a
qualquer pessoa doar um de seus órgãos duplos ou parte dos órgãos regeneráveis, medula
óssea ou fígado, para um desconhecido. Cria-se, portanto, a possibilidade legal de pessoas de
condições financeiras mais favoráveis, geralmente movidas por situações clínicas
desesperadoras, oferecerem dinheiro por órgãos de pessoas economicamente necessitadas.
59
Embora expressamente prevista, a doação gratuita coloca-se como questão aberta à
possibilidade da lei, ao autorizar doação em vida por pessoas não-parentes do receptor,
mesmo precedida por autorização judicial, dar margem à ocorrência de venda de órgãos.
Cabe ao individuo, em suas atribuições legais, o direito sobre o próprio corpo, um
complemento do poder sobre si mesmo, que só pode ser exercido no limite da manutenção da
sua integridade. Todo ato que implique atentado contra esta integridade é repelido por
injurídico (PEREIRA, 1995. p. 27).
Com a promulgação da lei com doação presumida afloraram medos suscitados pela
retirada de órgãos, como o temor de um atestado de óbito prematuro, ou do retalhamento e da
desfiguração, assim como o temor de que os órgãos viessem a ser distribuídos injustamente.
Contudo, quando as pessoas procuraram expressar esses medos, declarando-se não doadoras,
se defrontam com enormes filas, o que reforça o sentimento de estarem se opondo a um
sistema fadado ao descontrole.
A lei dos transplantes gerou polêmica, que por um lado, serviu para a sociedade
debater e, sobretudo informar-se sobre a situação de saúde de milhares de brasileiros que
aguardam por um órgão para sobreviver ou melhorar a qualidade de vida. Por outro lado,
serviu, também, para confundir a população, uma vez que se falou em comercialização de
órgãos, discriminação dos menos favorecidos, retirada de órgãos sem diagnóstico confirmado
de morte encefálica, e outras conflitos conceituais, sem que os procedimentos fossem
amplamente debatidos e as dúvidas dirimidas, o que, por conseguinte, levou o Brasil, nessa
época, a se revelar como um país de não-doadores.
O impacto negativo causado por esta nova Lei foi um dos fatores que motivou a
publicação de uma Medida Provisória nº 1.718, proposta em outubro de 1998, que transferia
às famílias a decisão sobre a doação, sem necessidade de haver registro em documentos
pessoais. Essa Medida assumiu o caráter de Lei n
o
10.211, em março de 2001, introduzindo o
60
Registro Nacional de Doadores, no qual as pessoas poderão se declarar doadoras. Além disso,
estabelece que, em caso de morte violenta, os doadores terão prioridade para necropsia.
Essa é uma nova situação que se cria, na qual a família assume a responsabilidade
pelo destino dos órgãos, ou seja, essa proposta retira do indivíduo e da sociedade o processo
de tomada de decisão, situando-o no âmbito da família.
Nessa proposta legal, só a família pode decidir e a vontade do doador, consignada
nos documentos estabelecidos por lei, não tem mais validade. Nesse caso, se o potencial
doador
16
decidiu em vida sobre o destino de seus órgãos, a família pode considerar como
sendo seu último desejo, mas mesmo nessa situação, a retirada dos órgãos só deverá ser feita
com a autorização familiar.
A edição da Lei n. 10.211, deu nova redação ao artigo 9º da Lei 9.434/97:
É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e
partes do corpo vivo para fins terapêuticos ou transplantes em cônjuges ou parentes
consangüíneos até o quarto grau (...), ou em qualquer outra pessoa, mediante
autorização judicial (...) (BRASIL, 2001).
A nova Lei, ainda, estabelece que, para doadores não parentes, a doação deve ser
autorizada pela Justiça. Dessa forma, procurou-se evitar o risco mercadológico e utilitário
desse tratamento anteriormente criado na Lei nº 9.434 ao suprimir, nos casos de transplantes
entre vivos não aparentados, a autorização judicial; aumentado ainda mais as dúvidas ou
desconfianças em relação às doações de pessoas falecidas.
A exigência de autorização judicial para transplantes entre não-parentes deveria criar
mais um obstáculo ao comércio de órgãos, considerado crime no Brasil, mas a intenção de
compra e venda pode ser mascarada por alegações altruístas de ajuda ao próximo. O doador,
em face da premente necessidade financeira, e o receptor, fragilizado pela proximidade da
16
Todo cidadão que não se manifestou contrário em vida e que, após diagnosticada a morte encefálica, a família autorize a
doação (ABTO, 2001).
61
morte se encontram em situação de vulnerabilidade. É questionável se a legislação brasileira é
suficientemente forte no sentido de proteger esses vulneráveis das circunstâncias presentes.
Contudo, deve-se atentar para o fato de que o ethos dominante na sociedade não é o
da solidariedade e sim o da competição e do lucro, convivemos, pois, em um sistema de posse
e não de doação (ANJOS, 1998). Não existem dados que afastem a hipótese de inclusão
camuflada de transplantes intervivos não-parentes, motivados pela falta de uma provisão
adequada de órgãos cadavéricos e incentivados pelos resultados, cada vez melhores, obtidos
com os medicamentos anti-rejeição, reduzindo a importância de efetuar transplantes
fundamentados exclusivamente na semelhança genética (LAMB, 2000).
Veloso et al (2003), chama a tenção para o fato de que, infelizmente, a ABTO e o
MS não apresentam o percentual das doações renais de parentes e não-parentes na casuística
dos doadores vivos, nem os dados referentes ao perfil socioeconômico dos doadores vivos
não-parentes, para que melhor se possa avaliar a hipótese de compra e venda de órgãos a
partir da vulnerabilidade social.
A partir das definições legais, observa-se que o MS vem realizando um intenso
trabalho no sentido de implementar as medidas preconizadas, organizar o SNT, implantar as
listas únicas de receptores, criar as Centrais Estaduais de Transplantes, cadastrar e autorizar
serviços e equipes especializadas, estabelecer critérios de financiamento, impulsionar a
realização dos procedimentos e ainda adotar uma série de medidas necessárias ao pleno
funcionamento do Sistema.
Todas essas atividades, pela sua complexidade e abrangência, tiveram naturais
dificuldades de implementação, pois se passou a vivenciar um período de transição entre a
informalidade anterior e uma intensa regulamentação e implementação de controles presentes.
Dentre as dificuldades encontradas destacam-se a implantação de uma central de transplante
62
em cada estado que realiza transplante, a criação de uma lista única nacional, o consentimento
familiar para doação em casos de morte encefálica e a exclusão de possíveis privilégios.
Seguramente essa lei provocou profundas mudanças na área de transplantes, haja
vista anteriormente, cada estado “criava e efetivava” (grifo nosso), sua própria legislação e
eram as equipes transplantadoras que elaboravam os critérios legais. Nessa situação não se
pode afirmar que não havia privilégios, uma vez que não havia controle, por não haver uma
lei que regulamentasse essa atividade.
A Lei dos Transplantes surgiu da necessidade social de normatizar a atividade de
transplantes no Brasil. Não há como negar que o aumento da declaração de “não-doador” nos
documentos legais, fizeram o legislador modificar a lei para se adequar às exigências sociais,
embora se reconheça que se torna indispensável o aperfeiçoamento da legislação que rege a
doação de órgãos entre pessoas vivas não-parentes, como forma de intervenção do Estado no
interesse maior da coletividade, protegendo a ética
17
, a moral e a saúde.
3.5 O SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTE, A CENTRAL DE TRANSPLANTE
E A LISTA DE ESPERA
O Sistema Nacional de Transplante foi criado pela Lei 9.434/97, organizado para
desenvolver o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retirados do
corpo humano. O SNT é integrado pelo Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou instituições equivalentes, além dos
estabelecimentos hospitalares autorizados e a rede de serviços auxiliares necessários à
17
O termo “ética” equivale a “moral”. Moral deriva do latim "mos" ou "mores", significando “costumes”, “comportamento”,
“conduta de vida”. Moral também é entendida como sendo o conjunto de princípios, valores e normas que regulam a conduta
humana em suas relações sociais, existentes em determinado momento histórico (DURANT 1995; VASQUEZ 1978). Ética
provem do grego "ethos", que também significa caráter, modo de ser, costumes, conduta de vida, comportamento. Todavia,
apesar dos dois termos se identificarem quanto ao conteúdo originário, foram progressivamente adquirindo diferentes
significados (FORTES, 2000).
63
realização de transplantes. Conta ainda com as centrais de notificação, captação e distribuição
de órgãos – CNCDOs, que são as unidades executivas das atividades do SNT, ligadas ao
Poder Público. Com a criação das CNCDO’s, o Estado fica responsável por órgãos e tecidos
retirados para fins de transplante e ao CNCDO, que representa o Estado, cabe a abordagem da
família, assegurando a captação e distribuição dos órgãos. A família faz a doação ao Estado, e
a central de transplante se encarrega de entregar o órgão para ser transplantado ao receptor
que deverá ser beneficiado com este órgão. Como todo o processo é realizado pela central,
reduz-se a possibilidade de privilegiar pessoas dentro ou fora da lista de espera.
Para compreender o papel da CNCDO, comumente denominada Central de
Transplante, julgamos necessário descrever as etapas do processo de captação e distribuição
de órgãos, que se inicia quando se identifica uma pessoa com morte encefálica, que como já
referido anteriormente é irreversível. É crucial captar o doador nesse período e mantê-lo em
condições adequadas para que se efetive a retirada dos órgãos, haja vista a não preservação do
corpo nas condições adequadas leva a deteriorização dos órgãos, inviabilizando os
transplantes.
Diagnosticar a morte encefálica requer treinamento e aparelhagem adequada. Muitos
doadores são perdidos no Brasil por não se dispor de condições adequadas para constatá-la.
Uma vez diagnosticada a morte encefálica, a lei determina sua notificação compulsória,
obrigatória, à Central de Transplante. Nesse momento, a central certifica-se de que já foram
realizados os dois exames obrigatórios para o diagnóstico da morte encefálica (ANEXO B).
Diante da confirmação, a família do potencial doador é informada sobre o
diagnóstico da ME pelo plantonista da UTI. A partir daí a central aborda a família, relatando
sobre as condições do paciente e que, por lei, esse paciente deverá realizar uma arteriografia
dos quatro vasos cerebrais para que haja confirmação da ME, pois no Brasil, além da morte
clínica, há a necessidade de um exame complementar.
64
Após o exame, a família é comunicada sobre o resultado e então pode ser feita a
doação na presença de duas testemunhas em um documento padronizado oficialmente no
Brasil. E quem assina é o esposo ou a esposa, o filho ou filha, não possuindo parente de
primeiro grau, serve o de segundo grau, um primo, por exemplo. Após a autorização por escrito,
o corpo é conduzido para o hospital onde será feita a retirada dos órgãos. No caso da negativa
familiar há também a necessidade de assinar um documento de não doação, que não tem
implicação legal para a família, pois no Brasil a doação é um ato altruísta, sendo utilizado apenas
para dados estatísticos.
O próximo passo de um transplante é a captação dos órgãos do paciente em morte
encefálica. De cada doador, se pode obter um ou mais órgãos e/ou tecidos, como por exemplo,
os rins ou as córneas, ou vários órgãos, como rins, córneas, fígado, pulmão, coração e
pâncreas. Os órgãos captados vão para um pool para serem distribuídos entre as pessoas que
estão em lista de espera.
Os receptores são escolhidos através de testes laboratoriais que confirmam a
compatibilidade entre o doador e o receptor. Quando há mais de um receptor compatível, a
decisão de quem receberá, passa por critérios tais como idade, tempo de espera, e urgência do
procedimento.
Em princípio, nem o doador, nem seus familiares, podem escolher o receptor. A não
ser no caso de órgãos duplos e doação em vida. Caso contrário, o receptor será sempre
indicado pela Central de Transplantes com base em uma série de critérios que tendem a evitar
a comercialização de órgãos, os quais incluem: compatibilidade sangüínea,
histocompatibilidade
18
, peso e tamanho do órgão.
18
Complexo de Histocompatibilidade é um conjunto de genes estreitamente ligados que permitem às células do sistema
imune: A) reconhecer a si próprias entre as demais de um mesmo organismo; B) reconhecer células e moléculas não
pertencentes ao organismo (STTTES & TERR, 1992).
65
Esta é uma das grandes preocupações do Estado, não privilegiar determinadas
pessoas sendo transplantadas primeiro que outras, tendo em vista que o critério atual para a
seleção do receptor é de caráter clínico, o privilégio atual é tempo de espera, com poucas
exceções em casos de urgências.
No momento do transplante, o objetivo da Central de Transplante é compatibilizar os
doadores e receptores, procurando os idênticos ou os mais próximos possíveis, em especial
quanto estes não têm qualquer grau de parentesco. Dessa forma, quanto maior a
compatibilidade, menor será o processo de rejeição e maior será a expectativa de vida do
receptor.
Na escolha do receptor, o transplantador, o candidato a transplante e sua família se
fundamentam nos seguintes aspectos para considerar o transplante: certificam-se de que todas
as terapias foram consideradas ou excluídas e constatam se o candidato a receptor não
sobreviverá sem o transplante. Além disso, analisam se o candidato a receptor não tem outros
problemas de saúde que inviabilizem o transplante e se tem condições para assumir um estilo
de vida que inclui os usos contínuos de medicamentos e freqüentes exames
laboratoriais/hospitalares após o transplante. Após todas essas considerações, inicia-se o
processo de realização de exames e a busca de um doador vivo ou a espera de um doador
cadáver.
A espera por um órgão ou tecido para transplante é dramática. Atualmente no Brasil
há mais de 30 mil pessoas na fila aguardando por um rim. Em 2005 foram realizados apenas
3.362 transplantes, sendo que a maior parte com doador vivo, o que demonstra a precariedade
da captação de órgãos de cadáveres. A espera por um rim pode durar anos, mas os doentes
suportam a espera devido à hemodiálise, que os mantém debilitados, porém vivos (ÉPOCA,
2006).
66
Fonte: CNNCDO/SNT/MS
Não há como ficar indiferente à crescente demanda de milhares de pessoas, inclusive
crianças, que contraem doenças cujo único tratamento é a implantação de um órgão novo. A
espera por um doador, que muitas vezes não aparece, é angustiante e a lista de candidatos a
um transplante de pulmão e de coração, por exemplo, é renovada a cada ano porque,
simplesmente, a maioria dos candidatos morre na fila sem conseguir um doador.
Como podemos verificar na tabela acima, no Piauí, a maior lista é a de córnea e a de
rim. Essa também é uma realidade em todos os outros Estados da federação. De acordo com a
depoente seguinte:
TABELA 1: Lista de espera para transplante – 2006
Estados Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim
Rim
Pâncreas
Total
Alagoas
2 269 0 0 0 704 0 975
Amazonas
0 470 0 0 0 386 0 856
Bahia
0 603 234 0 0 1972 0 2.809
Ceará
8 1.407 159 0 0 398 0
1.972
Distrito Federal
0 1.209 0 0 0 526 0 1.735
Espírito Santo
3 329 10 0 0 844 6 1.192
Goiás
13 1.858 0 0 0 507 0 2.378
Maranhão
0 359 0 0 0 390 0 749
Mato Grosso
0 395 0 0 0 848 0 1.245
Mato Grosso do Sul
16 147 0 0 0 272 0
435
Minas Gerais
12 873 42 21 1 3.809 26
4.784
Pará
5 569 0 0 0 621 0 1.195
Paraíba
3 75 20 0 0 443 0 541
Paraná
70 1.459 506 39 0 2.403 46 4.523
Pernambuco
7 3.215 414 0 0 2.762 0 6.398
Piauí
2 754 0 0 0 455 0 1.211
Rio de Janeiro
7 2.993 1.165 0 2 3.299 21 7.487
Rio Grande do Norte
2 491 0 0 0 749 0 1.242
Rio Grande do Sul
42 1.367 453 8 73 1.618 26 3.587
Santa Catarina
14 1.048 39 1 0 329 3 1.434
São Paulo
98 4.336 3.963 45 32 7.930 230 16.634
Sergipe
4 323 0 0 0 266 0 593
TOTAL 310 24.546 7.005 114 108 31.531 358 63.975
67
Nossa maior lista de espera é a de córnea, chegando a 754 pessoas, e a de
rim que é de 455. As listas de coração e pulmão são sempre pequenas em
decorrência da gravidade da doença, geralmente essas pessoas não aguardam
muito tempo em lista, acabam morrendo antes de obterem o órgão. Nós
temos 36 pessoas aqui no Piauí aguardando fígado na lista de Fortaleza
(Depoente I).
A implantação da CNCDO em Teresina possibilitou a inclusão em lista de espera de
mais de mil pessoas que aguardam por órgãos ou tecidos. Os hospitais, as instituições de
saúde e as equipes que trabalham com transplante no Estado foram credenciados de acordo
com a lei que regulamenta os transplantes.
Atualmente Teresina possui três hospitais credenciados para realizar transplante: o
Hospital Getúlio Vargas, credenciado para córnea; o Hospital Santa Maria, credenciado para
coração e rim; e o Hospital Casa Mater, credenciado para córnea e rim. Esses dois últimos
pertencem ao setor privado. Além desses hospitais, existem também três clínicas do setor
privado, que são credenciadas para córnea.
3.6 CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DOS TRANSPLANTES
Todo sistema de saúde deve possuir duas metas principais. A primeira é otimizar a
saúde da população por meio do emprego do estado mais avançado do conhecimento sobre a
causa das enfermidades, manejo das doenças e maximização da saúde. A segunda meta, e
igualmente importante, consiste em minimizar as disparidades entre subgrupos populacionais,
de modo que determinados grupos não estejam em desvantagem sistemática em relação ao seu
acesso aos serviços de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde (STARFIELD, 2002)
O Brasil, procurando permitir a cobertura universal e o acesso eqüitativo à saúde e
reconhecendo a crescente lista de espera em quase todo o país, vem adotando um conjunto de
medidas para construir o Programa de Transplante como uma política de saúde efetiva. O
Programa de Transplantes de Órgãos do Brasil é baseado no modelo espanhol, considerado
68
um dos mais eficientes do mundo, tendo em vista que a Espanha é líder mundial na obtenção
de órgãos de doadores cadáveres para transplante.
A análise da atividade relacionada à doação, indexada por milhão de habitante
(p.m.p), mostra que atualmente a Espanha é o país com maior índice de doadores no mundo,
aproximando-se da taxa de 30 doadores p.m.p, conforme demonstra o gráfico da Organização
Nacional de Transplante (ONT) da Espanha:
GRÁFICO 1: Doações de órgãos na Espanha (ONT)
http://www.medonline.com.br/med_ed/med2/espanha2.htm
No Brasil a taxa de doadores de órgãos encontra-se em torno de 4 doadores por
milhão de habitantes (p.m.p) na Itália são 13, na Inglaterra são 16, nos Estados Unidos da
América são 21 e na Espanha são 29 doadores por milhão de habitantes. Uma estimativa
aceitável é a de que a taxa de potenciais doadores esteja entre 50 e 60 p.m.p/ano (GARCIA,
2000). Dessa forma podemos compreender porque a Espanha detém a liderança mundial na
obtenção de órgãos para transplante.
Mesmo não tendo o mesmo desempenho do sistema espanhol, já que quando a
família autoriza a doação, 24% desses órgãos são descartados por falta de transporte e
infra-estrutura hospitalar, contra 0,5% na Espanha
19
, a atividade na área dos transplantes
progrediu bastante no Brasil nos últimos quarenta anos. Isso se deve em parte ao
19
Wangles Soler, coordenador da Organização de Procura de Órgãos da Santa Casa, de São Paulo, 2005.
69
incentivo governamental para a criação de novos centros transplantadores e a melhora
dos valores pagos pelo SUS para os transplantes.
O Brasil detém o título de possuir um dos maiores programas público de transplantes
de órgãos e tecidos do mundo, ocupando o 2º lugar no ranking mundial de transplantes, porém
é o 28º colocado em captação de órgãos. No país existem quinhentos e quarenta
estabelecimentos de saúde e um mil e trezentos e trinta e oito equipes médicas autorizadas
pelo SNT para realizar transplante (BRASIL, 2005).
De acordo com o quadro abaixo, das 4.771 notificações de morte encefálica, somente
1.198 tornam-se doadores efetivos, e infelizmente, o número de doadores vivos é quase
proporcional ao número de doadores cadáveres.
QUADRO 2: Transplantes de órgãos no Brasil, dados de janeiro a julho de 2005
Procedimento
otificações de morte encefálica 4.771
Doadores efetivos de órgãos 1.198
N
otificações de doadores somente de tecidos 5.175
Rins captados (doador cadáver) 1.699
Rins implantados (doadores cadáveres) 1.615
Rins implantados (doadores vivos) 1.462
Fígados captados (doador cadáver) 676
Fígados implantados (doadores cadáveres) 637
Fonte: CGSNT/DAE/SAS/MS
Em decorrência da não eficiência na captação de órgãos, o Governo brasileiro
tem incentivado esse segmento, por meio de uma remuneração atrativa, de uma maneira
sem precedentes na história dos transplantes no país. De acordo com Garcia (2000), o
SUS publicou em 24 de junho de 1999 a Portaria n° 270 sobre a realização e o
financiamento dos transplantes. Essa Portaria discorre acerca da cobrança de todos os
70
procedimentos que envolvem o processo de transplantação, sendo financiado pelo Fundo de
Ações Estratégicas e Compensação (FAEC) e não incorporado ao teto financeiro dos Estados.
Essa medida fez com que os procedimentos de transplante fossem pagos diretamente
pelo MS, o que desonerou os tetos financeiros dos Estados e Municípios, resultando no
aumento de transplantes realizados. A partir dessa medida ficou estabelecido que os
transplantes não fazem parte do teto financeiro da instituição transplantadora, não havendo
limite financeiro para a realização desses procedimentos.
Em janeiro de 2001, a Tabela de Procedimentos de Transplantes foi inteiramente
revisada, à qual foram incorporados os valores relativos ao Fator de Incentivo ao
Desenvolvimento do Ensino e Pesquisa (FIDEPS). Esse estímulo era pago aos Hospitais de
Ensino e Universitários e representava um adicional de custeio de 25%, 50% ou 75% pagos
sobre a produção de serviços. Para os hospitais que não recebiam esse incentivo, a medida
representou um aumento de 75% na Tabela de Procedimentos.
Lembro que nesta época houve uma corrida frenética dos hospitais em
querer realizar transplantes. Nos hospitais que já realizavam, a ordem era
transplantar, transplantar e transplantar (...) (Depoente 10).
O objetivo do governo adotando esta medida era incentivar a realização dos
transplantes, ampliar o número de leitos disponíveis e criar novos serviços, procurando dessa
forma, ampliar a oferta de órgãos e reduzir o tempo de espera em fila. É evidente que o
governo brasileiro tem buscado adotar medidas para atrair (grifo nosso) hospitais e clínicas
transplantadoras para realizarem transplantes. Acreditamos que, possivelmente, sem o
incentivo financeiro, a situação dos transplantes no Brasil estaria mais agravada.
Em agosto de 2001, os valores de remuneração dos procedimentos de captação e
retirada de órgãos constantes da Tabela SUS foram triplicados. Além disso, foram incluídos
na Tabela procedimentos de retirada parcial de fígado de doador vivo e de transplante de
fígado intervivos.
71
Diante disso a maioria das equipes transplantadoras considera o repasse financeiro,
em nível de SUS, aceitável. Observemos a Tabela 1.
TABELA 2: Repasse realizado pelo SUS por procedimento para serviços hospitalares,
médicos e para exames.
Procedimento
Serviço
Hospitalar (R$)
Serviço
Médico (R$)
Exames (R$) Total (R$)
Transplante renal receptor doador vivo 8.452,06 3.707,08 2.669,03 14.828,17
Transplante renal receptor doador cadáver 10.988,25 4.819,50 3.465,00 19.272,75
Transplante de coração 14.457,67 2.224,23 5.560,59 22.242,49
Transplante de fígado 33.734,70 5.189,94 12.974,82 51.899,46
Transplante de pulmão 24.096,14 3.707,08 9.267,70 37.070,92
Transplante simultâneo de pâncreas e rim 15.552,24 5.560,60 4.907,22 26.020,06
Fonte: Brasil, 2005.
Como se observa, a remuneração é em valores muito superior ao que o SUS repassa
para outros procedimentos. Por exemplo, a retirada de um rim, que é uma cirurgia de grande
porte, tem um repasse total, incluindo serviços hospitalares, médicos e exames de R$
2.123,60. A diferença em percentual, comparando o transplante e a retirada de um rim, é de
aproximadamente seiscentos por cento. Então para a instituição e para a equipe médica, o
transplante é, financeiramente, atrativo.
Mas há outros fatores, que não os financeiros, que podem influenciar os transplantes.
Por exemplo, a religião Muçulmana que tem dificuldade em aceitar os critérios atuais de
doação em vida (somente a Arábia Saudita realiza transplantes de cadáver em grande
número). Já as religiões Católica e Judaica permitem este tipo de tratamento, por
considerarem moralmente sólido o argumento da morte encefálica, segundo a interpretação da
Lei Judaica e a Pontifícia Academia de Ciências.
72
Diferenças raciais e/ou sociais também podem ter influência nos transplantes. Uma
situação, vinda dos Estados Unidos, pode ser considerada um bom exemplo. Lá, os negros
recebem e doam menos do que as outras raças. O fato de receberem menos doações poderia
ser explicado por preconceito e desequilíbrio social inerentes àquela sociedade, mas as razões
para a modesta doação negra são mais complexas de compreender.
Callender (1987) realizou estudos para analisar os motivos desta situação,
identificando algumas causas potenciais: falta de comunicações adequadas entre a
comunidade médica e os africano-americanos; falta de conhecimento em relação aos
transplantes; superstições religiosas; medo de ser declarado morto, prematuramente, se
possuir "cartão de doador"; ter certeza de que os órgãos doados por africano-americanos
seriam utilizados preferencialmente por receptores africano- americanos.
Embora no Brasil não tenhamos estudos semelhantes, podemos supor que algumas
das razões alegadas no estudo americano poderiam ser aplicáveis às nossas grandes
comunidades desfavorecidas. O reconhecimento e o enfrentamento adequado destas
alegações, pela comunidade científica brasileira, certamente deverá ajudar o equacionamento
de nossos problemas, no campo dos transplantes de órgãos.
Alguns estudos estimam que cerca de dez mil doadores potenciais deixam de ser
utilizados por ano na América, principalmente por negação, pelos familiares, da doação de
órgãos. Este número alarmante traz à tona outro ponto de discussão, de caráter eminentemente
ético: a recompensa, aos familiares, pela doação dos órgãos do falecido. Os americanos já
discutem abertamente, geralmente tendo a classe médica como arauto, esta hipótese que há
alguns anos seria considerada intolerável.
73
indicadas pela família e a facilitação de recebimento de seguros. A principal razão alegada
pelos defensores desta atitude é a negação da doação pelos familiares, ao saberem que não
teriam nenhuma compensação financeira pelo ato.
Certamente este tipo de incentivo não se aplica ao Brasil, onde a penúria de doação
de órgãos de cadáver parece ser muito mais dependente da falta de organização e divulgação
adequadas
20
, já que alguns Estados brasileiros apresentam índices satisfatórios de aceitação
pelos familiares. Aqui, a questão financeira é de outra natureza: o nosso problema reside no
fato de que o sistema de saúde, em muitos casos, não tem como manter a viabilidade do
doador cadáver.
Cohn e Elias (2005. p. 78) afirmam que os hospitais públicos brasileiros demandam
de grande incorporação de tecnologia e, portanto demandam de grandes investimentos de
capital. Como os recursos atuais são insuficientes ante os compromissos com o pagamento de
serviços, esta situação acarreta num quase colapso do setor público. A maioria dos hospitais
públicos no Brasil não possui equipamentos e pessoal qualificado para manter um potencial
doador de órgãos.
Podemos citar a reportagem da revista Veja (2005)
21
, que acompanhou um processo
de doação, como se segue:
Os parentes de F.Z, 18 anos, vítima de acidente automobilístico no Espírito Santo,
tentaram doar seus órgãos. Dada a inabilidade do hospital em que ele fora internado,
os próprios parentes acionaram as autoridades públicas. Como não havia luz no
aeroporto da cidade, eles mobilizaram a população para iluminar com seus carros a
pista de onde decolaria o avião da Força Aérea Brasileira levando os órgãos. Pela
sua idade e condição clínica, F.Z poderia ter a maioria de seus órgãos doados. Mas,
depois de todas as dificuldades, uma boa parte deles foi descartada (VEJA, 2005, p.
23)
20
GARCIA VD. Política de transplantes. Abto News, vol.1, n. 2, p. 6-7, 1998.
21
Veja. edição 1916, de 3 de agosto de 2005, na seção medicina. Perda e angústia
74
Nesse contexto, compreendemos que as transformações legais na saúde, neste caso,
nos transplantes, dependem de uma série de fatores que vão muito além da ação dos
governantes ou da posição e atuação dos movimentos sociais. Não há como definir leis que
favorecem os que estão aguardando por um órgão em lista de espera e não se subsidiar de
meios para efetivá-las.
Valter Duro Garcia, coordenador de transplantes em Porto Alegre, confirma ao
afirmar que “muitos hospitais não dispõem de pessoal especializado para esse tipo de
trabalho, o que é lamentável”.
Conforme o exposto o programa de transplantes apresenta dois entraves principais. O
primeiro representado pela configuração do sistema de saúde brasileiro, especialmente no
tocante a instalações hospitalares que depende de entidades privadas, com ou sem fins
lucrativos. Não adiantando arbitrar preços e custos abaixo da realidade, pois, assim fazendo,
estará o Poder Público conspirando contra o desenvolvimento dos transplantes, pois o sistema
continuará afunilado, por deixar à margem os hospitais privados.
Nessa situação podemos citar como exemplo, oriundo da própria nefrologia, os
centros de diálise distribuídos por todo o país. O modelo, neste caso, baseou-se na permissão
para o estabelecimento de centros privados, com pagamento adequado, que são responsáveis
por mais de 90% dos portadores de insuficiência renal em tratamento no Brasil. Apesar de
alguns entraves, este exemplo mostrou-se muito mais eficaz, permitindo o acesso de milhares
de doentes, até em locais onde o poder público encontra-se ausente.
O segundo entrave refere-se ao fato de as organizações de seguro saúde privadas não
têm se interessado pelo problema, excluindo, na maioria das vezes, o transplante de seus
contratos. Também muitas instituições de seguridade social de grandes empresas estatais
dificultam ou explicitamente o proíbe. Isto obriga a maioria dos doentes a procurar os serviços
públicos para conseguir transplantar, naturalmente afunilando o processo.
75
O Brasil financia todo o processo de transplantação, que vai desde a captação dos
órgãos até a fase pós-transplante. Sabemos que após o sucesso técnico do transplante, inicia-
se a fase pós-transplante que é considerada a mais importante para a manutenção do órgão ou
tecido transplantado. E essa fase depende de cuidados rigorosos com exames e do uso
contínuo de imunossupressores. Acrescenta-se que, em geral, durante o tempo em que o
doente permanecer com o órgão transplantado ele fará uso dessas medicações.
Os imunossupressores são medicações que diminuem as defesas do organismo para
que não haja rejeição do transplante. Essas medicações, na grande maioria, são importadas e
tem alto custo, são fornecidas pela Secretaria da Saúde dos estados ao transplantado, mediante
a solicitação por equipe médica credenciada nestas instituições.
(...) o Brasil financia 99% dos transplantes, tudo é subsidiado pelo SUS, não
só a cirurgia, mas o acompanhamento pós-transplante, que requer um
controle com drogas caríssimas, todas importadas (...) (Depoente I).
Não há dúvida de que os transplantes, que salvam vidas e melhoram a qualidade de
outras, são uma forma terapêutica relativamente cara e que, devido ao uso de novas técnicas e
de medicações mais efetivas, do emprego de doadores limítrofes
22
e da liberação dos critérios
de aceitação de receptores, a tendência é que estes procedimentos tornem-se cada vez mais
onerosos.
De acordo com a Portaria n.270, são destinados para o financiamento do FAEC R$
175.165.149.61, repassados em parcelas mensais. Cada estado recebe o proporcional ao
número de procedimentos realizados.
Os transplantes são procedimentos especializados, e um sistema de saúde que é
orientado para a especialização ameaça os objetivos da equidade, já que a atenção
especializada necessita de mais provimentos financeiros do que atenção primária. Além disso,
22
Têm sido considerados como limítrofes, os doadores com idade igual ou inferior a cinco anos ou superior a 55 anos, com
história de hipertensão ou diabetes mellitus, ou com sorologia positiva para Hepatite C(Garcia, 2000:81).
76
os recursos necessários para a atenção altamente técnica orientada para a enfermidade
competem com aqueles exigidos para oferecer serviços básicos, especialmente para as pessoas
que não podem pagar por eles.
Mas considerando os custos, o Brasil tem investido na realização de transplante para
resolver duas situações: uma é a lista de espera que vem crescendo progressivamente a cada
ano, e a outra é reduzir custos com as clínicas de diálise.
De acordo com Eggers (1992), os resultados obtidos com os transplantes são
superiores aos obtidos com a Terapia Renal Substitutiva. Sabe-se que no primeiro ano a
sobrevida é 15% maior, em cinco anos a diferença é de 44% e, em dez anos, de 32%. Esse
mesmo autor cita que o período de tempo que o transplante renal leva para se tornar mais
barato que a diálise é de 4,1 anos com doador cadáver e de 3,6 anos com doador vivo.
A terapia renal substitutiva, como já foi citado anteriormente, compreende a
hemodiálise, diálise peritoneal e procedimentos necessários à sua execução. O SUS garante a
assistência à cerca de 45 mil pacientes renais crônicos por meio se sessões de
diálise/hemodiálise. Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, de janeiro de 2000,
apontam que 96% dos tratamentos dialíticos feitos no país são custeados pelo SUS (BRASIL,
2003).
Em 1995, foram realizadas 3,4 milhões de sessões de hemodiálise, beneficiando
cerca de 23 mil pessoas. Em 2001, foram 6,6 milhões de sessões, beneficiando cerca de 45
mil pessoas, num crescimento de 95,1% entre 1995 e 2001. Essa majoração não seria
explicada pelo aumento da incidência de insuficiência renal crônica e sim pelo maior acesso,
com a incorporação de, aproximadamente, 18 mil novos doentes no tratamento dialítico,
diminuindo a demanda reprimida. O gasto per capita com a terapia renal substitutiva, no
período, evoluiu 126,2% no Brasil, em que se constata que saiu de R$ 1,87, em 1995, para R$
4,22 habitante/ano em 2000, apresentando gastos de R$ 727.957.940 (BRASIL, 2003).
77
Com relação aos transplantes, entre 1995 e 2001, o número de transplantes renais
realizados anualmente cresceu cerca de 66,7% no país. E os gastos com estes procedimentos
cresceram acima de 185, 6% no período, totalizando R$ 49.261.635.
Segundo Cohn e Elias (2005) é sabida e reiterada a crescente pauperização do MS na
repartição do orçamento geral, com recursos sempre inferiores a 2% da despesa geral da
União, constatando-se que estes recursos permanecem distantes da metade do percentual do
gasto com saúde de diversos países europeus. E Starfield (2002), afirma que nenhuma
sociedade possui recursos ilimitados para fornecer serviços de saúde.
Dessa forma não há como fugir desse recorte: saúde básica versus saúde
especializada. Como calcular quanto custa à saúde? Como avaliar quem precisa mais: um
portador de doença crônica que irremediavelmente necessita ser transplantado ou um portador
de verminose que necessita de ações básicas de saúde? Não há como setorializar a política de
saúde em programas estanques, mas formulá-la articuladamente às demais, para formarem um
todo integrado.
Um país que legalmente garante saúde como um direito universal e dever do Estado,
não pode fazer revisão da equidade. Esse Estado deve sim se subsidiar de políticas públicas
sustentadas de investimento em educação e saúde para evitar a exclusão social injustificável.
78
CAPÍTULO 4
79
PERCURSO METODOLÓGICO
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO
Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos. (KONDER,
1985:78)
É com base nos conhecimentos e dialética dessa epígrafe que caracterizamos o
método desta pesquisa. Como o campo da saúde tem uma atividade complexa que demanda
conhecimentos distintos integrados e que coloca de forma imediata o problema da
intervenção, exige uma metodologia voltada para a dialética, uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito, relação de interatividade indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito.
Para Chizzotti (2005 p. 80), a dialética insiste na relação dinâmica entre o sujeito e o
objeto, no processo de conhecimento. Valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a
atividade criadora do sujeito que observa as oposições contraditórias entre o todo e a parte e
os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens.
Escolher um caminho metodológico mostra a intencionalidade sobre um campo e
demonstra qual o significado da busca do conhecimento. Para Minayo (2005) a metodologia é
o caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade, ocupando lugar central no
interior das teorias sociais, pois ela faz parte intrínseca da visão social do mundo veiculada na
teoria.
A presente investigação é caracterizada por ser uma pesquisa social e as respostas às
suas questões, dadas às características do objeto de pesquisa, deverão pautar-se na abordagem
qualitativa de pesquisa, tendo em vista que esta possibilita a compreensão de fenômenos, fatos
e procedimentos particulares de pequenos grupos. Ainda, a pesquisa qualitativa é importante
80
para compreender as relações que se dão entre os atores sociais deste estudo, tanto no âmbito
das instituições como dos movimentos sociais (MINAYO, 2005).
A abordagem qualitativa tem se mostrado de grande utilidade nas análises das
pesquisas sociais, em particular, no campo da saúde. Os pesquisadores têm encontrado apoio
teórico-metodológico para aquilo que têm problematizado e identificado como objeto de suas
investigações, já que esta pesquisa favorece o desvelamento de questões subjetivas para as
quais a atenção do planejador está focalizada.
Para Minayo (2005), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que compreende um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos. E que, portanto, essa abordagem não se
preocupa em quantificar, mas em explicar os meandros das relações sociais consideradas
essência e resultado da atividade humana criadora, afetiva e racional, que pode ser apreendida
através do cotidiano, da vivência, e da explicação do senso comum.
4.2 LOCAL DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada na cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí, localizado
no noroeste da região Nordeste, com uma população estimada em 2.843.278, de acordo com
senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000. As atividades
econômicas do Estado baseiam-se na indústria química, têxtil e de bebidas, bem como na
agricultura do algodão, arroz, cana-de-açúcar e mandioca, alem de se estender ao campo da
pecuária.
23
Grande parte da pesquisa foi realizada na Central de Notificação, Captação e
Distribuição de órgão e Tecidos do Piauí (CNCDO), comumente denominada Central de
23
http://www.brasilrepublica.hpg.ig.com.br/piaui.htm
81
Transplante, localizada à Rua 1º de maio s/n, Hospital Getúlio Vargas, no Centro de Teresina.
Foi inaugurada em setembro de 2000, na gestão 1999/2002, do Governador Francisco de
Assis Moraes Souza, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
O Ministério da Saúde dividiu o Brasil, para localização das centrais estaduais de
transplante, em cinco regiões: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul. O Piauí está
localizado na região IV, juntamente com os outros oitos estados do nordeste: Bahia, Ceará,
Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Atualmente o
Brasil possui 22 CNCDO’s estaduais distribuídas em 22 Estados, sendo que não existe até o
momento Central de Transplante nos Estados do Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e
Tocantins.
A CNCDO do Piauí encontra-se hierarquicamente subordinada à Diretoria de
Unidade, Controle, Avaliação, Regulação e Auditoria (DUCARA), órgão da Secretaria
Estadual de Saúde (SESAPI), conforme organograma a seguir:
Secretaria Estadual de Saúde
DUCARA
CNCDO
Gerente de Regulação de Transplante
Coordenação Geral
Área Técnica Área Administrativa
Enfermeiro/ Psicológo Motorista
Assistente Social / Técnico administrativo
Auxiliares/Técnico de enfermagem
82
A CNCDO do Piauí possui atualmente no seu quadro de funcionários:
- 01 Gerente de Regulação de Transplante
- 01 Coordenador Geral
- 08 enfermeiros (24 horas de plantão)
- 04 assistentes sociais (Diariamente)
- 02 psicólogos (Diariamente)
- 06 auxiliares/técnicos de enfermagem (24 horas de plantão)
- 03 técnicos administrativos (Diariamente)
- 03 Motoristas (Diariamente, ficando um de sobreaviso para o serviço noturno)
Como a sede da CNCDO encontra-se situada no prédio do Hospital Getúlio Vargas,
então alguns serviços são oferecidos por este hospital, tais como: lavanderia, nutrição,
limpeza e vigilantes. A Central possui três salas operacionais, sendo uma sala para o serviço
de computação, uma sala para a coordenação e uma sala com uma geladeira e armários para
arquivar documentos. Ainda possui uma área destinada à recepção, que funciona para
informações e cadastros de receptores, e um repouso com duas camas. Segundo informações
da coordenadora da central, a estrutura física é adequada ao funcionamento da equipe.
Como funciona o cadastro de receptores na Central de Transplante:
1. O receptor preenche uma ficha e realiza exames para determinar suas características
sangüíneas;
2. Os dados são organizados em um programa de computador. A ordem cronológica é usada
principalmente como critério de desempate;
3. Quando aparece um órgão, ele é submetido a exames e os resultados são enviados para o
computador;
4. O programa realiza o cruzamento entre os dados do doador e receptor e apresenta dez
opções mais compatíveis com o órgão;
83
5. Os dez prováveis receptores não são identificados pelo nome para evitar favorecimento. Só
suas iniciais e números são mostrados. Nesta etapa, todos os profissionais da central têm
acesso ao cadastro;
6. O laboratório refaz vários exames e realiza outros com material armazenado desse
receptor. Nesse momento, o receptor ainda não é comunicado;
7. A nova bateria de exames aponta o receptor mais compatível. Nessa etapa, o acesso ao
cadastro fica restrito a gerência da central de transplante;
8. O médico do receptor é contatado para responder sobre o estado de saúde do receptor. Se
ele estiver em boas condições de saúde, é o candidato a receber o novo órgão. Caso
contrário, o processo recomeça;
9. O receptor é contatado e decide se deseja o transplante e em que hospital fará a cirurgia.
A implantação da central de transplante do Piauí foi adequada de acordo com o
projeto da central de transplante do Estado de Pernambuco, conforme depoimento abaixo:
(...) passei alguns dias para adequar o projeto da central de lá a nossa
realidade, que existem diferenças, mas não são tão grandes por até fazerem
parte da mesma região geográfica. A nossa escola foi a central de
Pernambuco, apesar do Ceará está mais próximo, mas o nosso elo de ligação
foi com a central de Pernambuco (Depoente 3).
Segundo este depoente, a ligação com o Estado de Pernambuco se deu por
referências pessoais com a coordenação daquele Estado, não havendo outro motivo para este
ser eleito como modelo, e que a implantação da central em Teresina foi um processo que
necessitou que alguns profissionais da área da saúde realizassem treinamento em outros
estados para adquirir conhecimentos sobre essa nova política que se apresentava como
favorável para os que aguardam em lista de espera por um órgão ou tecido.
Constituiu ainda cenário deste estudo a Associação Nacional de Doadores, Pacientes
Renais e Transplantados (DORETRANS). Esta Associação encontra-se localizada à Rua
Jônatas Batista nº 1159, no edifício Carlos Castelo Branco, no centro de Teresina (PI). Esta
84
sede é mantida pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Assistência Social e
Cidadania (SASC) em que os associados não têm custo com aluguel, energia elétrica e água.
Os outros custos com alimentação, medicamentos, material para limpeza e higiene dos
doentes, não são sistematizados, e muitas vezes provêm de doações de entidades filantrópicas.
De acordo com o atual presidente da Associação esta foi criada em 1983, conforme
se pronuncia:
(...) Surgiu da necessidade de defender o paciente renal. Porque até então
não tinha quem lhe defendesse, não tinha quem lutasse por ele. A
associação acompanha o paciente, seja renal ou transplantado, lutando por
medicamentos, por exames de alta complexidade, que às vezes o SUS não
quer pagar, dando apoio aos renais que entram no programa de diálise (....)
Conforme depoimento acima, a Doretrans surgiu da necessidade de organização dos
portadores de doenças renais devido à falta constante de medicamentos que são usados por
estes. Pode-se citar o medicamento Renagel
24
, que é indicado para melhorar a qualidade de
vida de pacientes que possuem doença renal e que fazem hemodiálise. Esses medicamentos,
que na grande maioria é importada e têm alto custo, são distribuídos gratuitamente pela
divisão de medicamentos da Secretaria de Saúde do Estado aos portadores de doenças renais.
Segundo o presidente da Doretrans, os medicamentos são a causa de maior luta dos
associados, já que freqüentemente têm faltado. Ele revela ainda, que a Doretrans tem em
média mil pacientes renais, destes, 200 são transplantados e 800 fazem hemodiálise ou
esperam por transplante. Todos precisam tomar diariamente medicamentos especiais e caros,
e a Doretrans representa-os legalmente, em geral tendo a promotoria pública como aliada,
para que o Governo cumpra com a distribuição adequada desses medicamentos para evitar
prejuízos à saúde dos portadores de doenças renais crônicas.
24
é indicado para reduzir as quantidades de fósforo sanguíneo em pacientes que possuem doença renal e que fazem
hemodiálise. Os pacientes que fazem hemodiálise acumulam grande quantidade de fósforo
em seu sangue. Esse aumento da
concentração de fósforo
pode causar precipitação do cálcio sanguíneo, podendo ocasionar calcificação em vários locais do
seu corpo, causando também a elevação dos níveis de um hormônio chamado paratireoidiano, levando a uma doença
óssea
chamada osteíte
fibrosa (ANVISA, 2004).
85
A Doretrans é uma associação nacional, sendo que a sua matriz localiza-se em Belo
Horizonte, Minas Gerais. No Piauí há a regional de Teresina sendo que há outras sedes
situadas em Campo Maior e Picos, locais onde há clínica de diálise
25
. A regional de Teresina
funciona na antiga sede da LBA, que foi cedida pelo Governo para sediar a associação, que
hospeda temporariamente os doentes renais que vêm do interior do Piauí e de outros estados
vizinhos em busca de tratamento e que não possuem recursos financeiros para custear sua
estada. O prédio necessita de reformas, conforme depoimento do conselheiro fiscal da
Doretrans:
Triste o doente renal que vive no Piauí. A Casa do Renal encontra-se
abandonada. O local serve de abrigo para muitos doentes que não têm para
onde ir e agora falta até alimentos.
Como os associados não contribuem financeiramente, já que a doretrans é de
utilidade pública, esta funciona através de doações, seja do governo e/ou de entidades não-
governamentais. Não há um acordo de manutenção formal entre o Governo do Estado e a
associação, mas em alguns governos ela é mantida pela Secretaria de Assistência Social e
Cidadania (SASC). Mas, os associados não têm custo com aluguel, energia elétrica e água.
Os outros custos com alimentação, medicamentos, material para limpeza e higiene dos
pacientes provêm de doações de entidades filantrópicas, e algumas vezes a SASC contribui
enviando cestas básicas.
A diretoria é composta por nove representantes, os quais são escolhidos através de
eleições realizadas a cada 2 anos, sendo: um presidente e um vice, um tesoureiro e um vice-
tesoureiro, um secretário e um vice-secretário, um diretor social e três conselheiros fiscais. A
diretoria realiza reuniões mensalmente, as quais só acontecem se houver a presença de no
mínimo cinco componentes da diretoria. As eleições são realizadas de 2 em 2 anos.
25
O Piauí possui clínica de diálise em: Teresina, Picos, Floriano e Campo Maior e Picos
86
O atual presidente da DORETRANS informa que não há contato com as associações
dos outros estados, já que não há recurso financeiro para realizar esse contato.
4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO
Considerando as exigências formais contidas na Resolução 196/96 da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde
(BRASIL, 1996), este trabalho foi submetido à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa da
Universidade Federal do Piauí e teve parecer “aprovado” sob o número 0077/2005 (ANEXO
C).
Os sujeitos participantes da pesquisa são os que estiveram diretamente envolvidos
com a implantação da Central de Transplantes do Piauí. Para a seleção dos entrevistados,
optou-se pelos representantes da sociedade civil e representantes do Estado que estiveram
envolvidos com essa implantação.
Embora não haja preocupação quanto ao número de participantes da pesquisa na
abordagem qualitativa, delimitamos o número de representantes pela técnica de "bola-de-
neve" (snowball technique), na qual um entrevistado indica outro a ser entrevistado, que
por sua vez indicará o próximo, e assim por diante, até que se tenha montado a amostra da
87
pesquisa. Essa técnica permite a definição de uma amostra através de indicações por pessoas
que compartilham ou conhecem outras que possuem as características de interesse da pesquisa
(BIERNACKI e WALDORF, 2002).
Inicialmente a amostra foi constituída por representantes da Associação de Doadores,
Renais Crônicos e Transplantados do Piauí – DORETRANS, a Coordenação Geral da Central
de Transplante e o Gestor Estadual de Saúde, todos da época da implantação da central. Após
ter iniciado a coleta de dados, a amostra se reconfigurou e tivemos que acrescentar outros
sujeitos na pesquisa que foram sendo citados pela amostra inicial.
Foram incluídos na pesquisa o Coordenador do Serviço de Nefrologia do HGV, o
Diretor do HGV, o Gestor Municipal de Saúde e o Coordenador Técnico da Central de
Transplante, totalizando dez entrevistados.
3.3.1 Caracterização dos sujeitos
Depoente Sexo Escolaridade Profissão Idade (anos)
1 Feminino 3º Grau Médico 45
2 Masculino Grau Professor 48
3 Masculino Grau Médico 57
4 Masculino Grau Médico 56
5 Feminino Grau Enfermeira 41
6 Masculino Grau Médico 48
7 Feminino Grau Administradora 45
8 Masculino Grau Médico 56
9 Masculino Grau Médico 55
10 Masculino 3º Grau Professor 46
Foram também citados como sujeitos que participaram da implantação da Central de
Transplante, um Deputado Estadual e o Presidente da Doretrans da Gestão de 2000, que por
motivo de falecimento de ambos, não puderam fazer parte da pesquisa.
88
4.4 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA E REGISTRO DOS DADOS
Na tentativa de alcançar os objetivos propostos, e considerando a subjetividade do
objeto de estudo optamos, como técnica de coleta de dados, pela entrevista semi-estruturada,
por permitir maior flexibilidade para possíveis intervenções e possibilitar investigação mais
ampla sobre os entrevistados.
A entrevista semi-estruturada combina perguntas fechadas, estruturadas e abertas, em
que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou
condições prefixadas pelo pesquisador. A principal vantagem desse tipo de entrevista é a sua
capacidade de servir como instrumento de aprofundamento qualitativo de investigação
(THIOLLENT, 1992).
Chizzotti (2005) relata que na entrevista semi-estruturada há o pressuposto de que o
informante é competente para exprimir-se com clareza sobre questões da sua experiência e
comunicar representações e análises suas, prestar informações fidedignas, manifestar em seus
atos o significado que têm no contexto em que eles se realizam, revelando tanto a
singularidade quanto à historicidade dos atos, concepções e idéias.
Através das entrevistas, elaboradas especificamente para este estudo, buscamos
compreender os aspectos sócio-políticos que permearam a implantação da Central de
Transplante. Para sistematizar a entrevista, elaboramos um instrumento composto por duas
partes: a primeira com dados de identificação (nome, sexo, idade, escolaridade e
profissão/formação) e a segunda parte com quatro questões norteadoras coerentes com o
objeto de estudo, a finalidade e os objetivos da pesquisa em que se buscava conhecer por que
foi implantada a Central de Transplantes no Piauí, quem participou da implantação da Central
de Transplantes do Piauí, qual a participação do ator social do estudo na implantação da
89
Central de Transplantes no Piauí e por último identificar quais as dificuldades encontradas
para implantar a Central de Transplantes no estado? (APÊNDICE A).
Faz-se necessário explicar que a segunda pergunta foi utilizada para direcionar o
pesquisador, já que não havia delimitação da amostra final da pesquisa. Foram os
entrevistados que definiram, através dos seus depoimentos, essa amostra.
Após estabelecimento dos sujeitos que constituiriam a pesquisa, foram agendados
locais, datas e horários para realização de cada entrevista, bem como solicitada a autorização
e livre expressão de cada participante através da assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido do participante (ANEXO A).
O objetivo da pesquisa foi exposto aos participantes sendo informado que os mesmos
poderiam retirar-se da pesquisa a qualquer momento sem que houvesse qualquer penalidade
ou prejuízo, garantindo-lhe o anonimato de sua identidade e assegurando a sua privacidade.
Não houve dificuldade para realizar a pesquisa de campo, embora se deva
acrescentar que algumas entrevistas tiveram que ser canceladas, e houve dificuldade em
remarcá-las, haja vista que alguns dos sujeitos que participaram deste estudo ocupam cargos
de Direção no Governo, e geralmente suas agendas são fechadas para outras atividades.
Contudo torna-se importante destacar que todos foram receptivos e aceitaram participar da
pesquisa, colocando-se a disposição da pesquisadora na tentativa de ajudá-la a construir e
analisar os aspectos sócio-políticos da implantação da Central de Notificação, Captação e
Distribuição de órgãos e tecidos do Piauí.
As entrevistas tiveram, em média, uma duração de uma hora e vinte minutos e foram
gravadas em fita magnética, após a permissão do entrevistado. Essas entrevistas foram
transcritas após a realização, consideramos que dessa forma, não há perda de detalhes que
podem ser importantes. A transcrição era realizada na íntegra para preservar as expressões de
90
linguagem e gramaticais usadas pelos participantes, fazendo apenas algumas correções que
certamente não alteraram o significado das frases.
Após a transcrição, as entrevistas foram analisadas buscando-se desvendar o
conteúdo das falas, em que se utilizou para a análise e discussão dos dados coletados a
Análise Temática que para Minayo (2004. p. 209):
consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja
presença ou freqüência signifiquem alguma para o objetivo analítico escolhido. Essa
análise considera três etapas como importantes para a sua operacionalização, que
são: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação.
Durante a primeira etapa ou pré-análise, procedemos a organização propriamente
dita. Nesta fase realizamos uma leitura flutuante que consistiu em tomar contato exaustivo
com o material procurando impregnar-se pelo conteúdo. Após a leitura flutuante, constituímos
o que Minayo (2004) descreve como Corpus, procurando em seguida organizar o material
para responder a algumas normas de validade: exaustividade, homogeneidade e pertinência.
Aqui buscamos agrupar os temas cuja freqüência se articulam ao objeto de estudo.
Na segunda etapa, que consiste na exploração do material, realizamos a operação de
codificação, em que os dados brutos foram transformados visando alcançar o núcleo de
compreensão do texto, classificando-os e agregando-os, escolhendo as categorias teóricas ou
empíricas que comandaram a especificação do tema. Esta fase necessitou de idas e vindas às
entrevistas, aos objetivos e à questão norteadora da pesquisa, para que não fosse perdido dado
algum, constituindo ao final os códigos principais com idéias similares.
Na terceira e última etapa, que compreende o tratamento dos resultados obtidos e
interpretação, trabalhamos a classificação e agrupamento dos temas significativos ou unidades
de significação em núcleos temáticos visando à aproximação para o entendimento dos
aspectos sócio-políticos da implantação da central de transplante no Piauí, apontando as falas
mais relevantes expressas nas entrevistas.
91
CAPÍTULO 5
92
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto
analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura
(Bardin, 1979:105).
Ao buscarmos conhecer os aspectos sócio-políticos da implantação da Central de
Transplante do Piauí, aproximamo-nos de um conjunto de significados e significações,
elaborados por diferentes sujeitos que participaram dessa implantação e diante disso
organizamos os discursos em seis categorias temáticas descritas abaixo.
5.1 Implantação da Central de Transplante como Política de Saúde
A construção dessa categoria temática se deve ao fato de que a central foi implantada
devido à criação de uma política de saúde direcionada aos transplantes. Através das falas dos
sujeitos pesquisados verificamos que essa implantação ocorreu em conseqüência da criação da
Lei 9.434/97, que obriga os Estados, que trabalham com transplante, a implantarem uma
Central de Transplante. Podemos ilustrar esta categoria através dos fragmentos das falas a
seguir apresentados:
O Governo Federal através da lei 9.434/97 obrigou os Estados que
trabalhavam com transplante a criarem uma Central de Transplante. Todos
os Estados que estivessem realizando transplante deveriam automaticamente
ser obrigados a terem uma Central de Transplante (Depoente I).
(...) Me disseram que o Ministério da Saúde exigia a implantação da central
no Piauí (Depoente III)
(...) Tendo em vista a criação da Lei Federal, nós não poderíamos ficar
alheio a isso tudo (...) (Depoente IV)
Pela Lei Federal 9.434/97, é obrigatório que todos os Estados tivessem a sua
Central de Transplante (Depoente V)
Esses depoimentos apontam para o atual perfil de serviços de saúde no país, que
segundo Cohn e Elias (2005), continuam apresentando alta centralização, mesmo após a
93
Constituição de 1988, que instituiu o SUS: as definições de diretrizes e prioridades para o
setor saúde (incluindo formas de financiamento) são elaboradas pelo Governo Federal e pelo
Executivo; aos Estados e Municípios resta pouca autonomia, cabendo a eles o papel de
implementadores das diretrizes traçadas pelo nível Federal, restando-lhes pouco para o papel
de formuladores de políticas próprias mais adequadas às reais necessidades de saúde da
população do município (COHN e ELIAS. p. 42-43).
Sendo assim, era de fundamental importância que o Piauí conhecesse a realidade
social e epidemiológica local no que se refere aos transplantes, para que a tomada de decisão
de implantar a central fosse planejada e para que esta viesse a atender as demandas de saúde
do Estado.
Atualmente, ou seja após 5 anos da implantação da central, há apenas um hospital da
rede pública estadual que realiza transplante em Teresina, as demais instituições são da rede
privada. Essa situação é uma especificidade do Piauí, onde há o predomínio da rede privada
na área dos transplantes.
Conforme depoimento da Gerente de Regulação de Transplante do Piauí, quando
ocorre uma doação de órgão ou tecido em um hospital em Teresina, o potencial doador deve
ser removido para realizar exame, obrigatório por lei, em uma instituição privada. Sendo que,
a captação e a maioria dos transplantes, são realizadas por hospitais e clínicas do setor
privado, já que a rede pública não disponibiliza de equipamentos e pessoal adequados para
efetivamente poder participar do processo de transplante.
Contudo o problema se intensifica nos demais municípios do Estado, onde mesmo
que a família autorize a doação os órgãos, estes não poderão ser retirados, já que o exame
comprobatório do diagnóstico de morte encefálica é realizado somente em Teresina.
É importante citar que o Piauí possui três hospitais e três clínicas oftamológicas
credenciadas para realizarem transplantes, sendo que destes, dois são hospitais privados e um
94
é público e as três clínicas são privadas. É evidente o interesse do setor privado em manter
este tipo de procedimento, ao contrário do que acontece em outros níveis de atenção à saúde
em que o repasse financeiro é pouco significativo.
Mas a exigência do Governo Federal na implantação da central de transplante no
Piauí veio atender a uma demanda de pessoas que já aguardavam em lista de espera por órgão
e tecido, mesmo antes da regulamentação da Lei 9.434/97, em Teresina já havia uma lista de
espera para córneas, conforme depoimento que se segue:
Já havia pessoas que estavam cadastradas no banco de olhos desde 1987.
Esse livro ficava no Hospital São Marcos, onde a inscrição era feita por uma
pessoa da recepção que era quem manipulava esse livro batizado como
banco de olhos, então as pessoas que tinham o nome nesse livro se
consideravam cadastradas no banco de olhos. Nessa época haviam duzentas
pessoas inscritas (Depoente V).
É sabido que não havia uma lista formal para receptor de outros órgãos, por exemplo,
o rim, mas podemos inferir que a maioria dos doentes que se encontra em tratamento dialítico
é provável receptor renal. Então, conforme o depoente VII, nesta época havia
aproximadamente trezentos doentes realizando terapia renal substitutiva, para tanto sob o
ponto epidemiológico, a implantação da Central de Transplante era necessária.
Dessa forma, mesmo a medida sendo centralizada, apresentou-se como propícia para
a viabilidade da implantação da Central de Transplante em Teresina, contemplando os que
aguardam em lista de espera e o interesse dos médicos transplantadores. Diante dessa
conclusão surgiu a segunda categoria temática como segue.
5.2 Implantação da Central de Transplante como resposta aos anseios da classe médica
A constituição dessa categoria se deu pela verificação no discurso dos entrevistados,
de que os médicos envolvidos com transplante no Piauí, tiveram participação direta na
95
implantação da Central de Transplante, como podemos ilustrar nos fragmentos a seguir
apresentados:
(...) Os médicos interessados em transplante foram os participantes diretos da
implantação da Central (Depoente I).
(...) Todos os médicos envolvidos com transplante. Foi um processo
eminentemente médico, nós apenas retratamos os anseios dos que fazem a
medicina do Piauí (Depoente III).
Esses fragmentos de fala retratam o poder simbólico da classe médica, que para
Pierre Bourdieu (2001), representa um tipo de poder que se faz reconhecer e obter
reconhecimento não no plano da força física, mas no do sentido e do conhecimento.
Esse poder simbólico, socialmente construído ao longo de um processo histórico,
decorre da ancoragem da classe médica em questões relacionadas à saúde, configurando
assim, um campo com delimitações sociais, no qual o médico tende a assumir posição
dominante, dentro da área de saúde, como detentor dos saberes dessa área.
De acordo com Sampaio (1991), a medicina se estabeleceu, juntamente com a
engenharia, e posteriormente o direito, como a espinha dorsal do sistema de Ensino Superior
no Brasil em 1808, com a vinda da corte portuguesa. Nessa época o ensino era orientado pelo
modelo importado de Portugal, prevalecendo a formação para as profissões liberais. Por isso,
ainda hoje essas profissões são consideradas de grande prestígio no país, ou seja, o poder
simbólico dos médicos é uma construção social e histórica no Brasil, não sendo uma
especificidade do Piauí.
Sendo assim, dependendo da posição que o médico ocupa no campo social, pode
efetivamente contribuir para a consolidação de uma política de saúde, em que se torna mais
evidente quando o mercado privilegia alguns grupos, baseando-se no grau de resolutividade
técnica, legitimando assim, esse poder simbólico.
96
Destaca-se a demanda de pessoas provenientes de outras cidades e até de outros
Estados, em busca de serviços de saúde em Teresina, já que a cidade teresinense concentra
significativa quantidade de unidades hospitalares, onde estão instalados laboratórios e clínicas
que oferecem serviços médicos diversos.
Atualmente o Piauí conta com 1.212 estabelecimentos de saúde, os quais somam
7.842 leitos, das redes oficial e particular. Considerando-se o número de leitos por habitantes,
a relação no Piauí é de 2,9 leitos para cada 1.000 habitantes, índice superior ao aceito pela
OMS/Ministério da Saúde, que é de 2 leitos para cada 1.000 habitantes.
Essa situação coloca o Piauí, principalmente Teresina, com um tropismo para
profissionais especializados na área médica em busca de mercado de trabalho, transformando
esta cidade em uma referência no norte e nordeste para assuntos de saúde. É evidente que essa
situação faz com que os profissionais dessa área sejam socialmente posicionados no vértice da
escala social hierárquica. Essa posição evidencia vantagens na obtenção do atendimento dos
seus interesses dentro das políticas de saúde, já que são interlocutores diferenciados.
Dessa forma, como a implantação da Central de Transplante no Piauí era de interesse
da classe médica, que se mobilizou e procurou acelerar o processo de implantação. Contudo,
para alguns médicos envolvidos com o transplante, a implantação da central era uma forma de
tentar viabilizar o transplante para os que estavam em lista de espera, como se expressa no
seguinte depoimento:
(...) você enquanto nefrologista convive com o sofrimento dos pacientes.
Acho que quando você trabalha com diálise, tem que obrigatoriamente
pensar em transplante, se esforçar politicamente, moralmente para tentar
viabilizar. Havia uma motivação humana maior que a motivação científica
para implantar a central de transplante em Teresina (Depoente VI).
O médico nefrologista, especialista em doenças renais, convive diariamente com
doentes que realizam diálise, tratamento que deve ser realizado pelo doente renal para que
97
este possa sobreviver. Os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, nutricionistas,
psicólogos e outros, que rotineiramente convivem com os que realizam diálise, reconhecem
que esse tratamento interfere na qualidade de vida dos doentes renais, já que a insuficiência
renal crônica não apenas debilita o organismo, mas também, provoca alterações físicas
associadas ao tratamento dialítico, que podem se constituir como fatores limitantes das
atividades diárias e rotineiras.
Martins e Cesarino (2003) acreditam que geralmente os doentes renais crônicos
enfrentam problemas como: isolamento social, perda de emprego, perda da autonomia no
contexto familiar, afastamento dos amigos, impossibilidade de passeios e viagens prolongadas
em razão da periodicidade das sessões de hemodiálise, diminuição da atividade física, entre
outros. Então, é compreensível que os profissionais de saúde que trabalham nesta área tenham
a tendência de procurar resolver a situação desses doentes, para afastá-lo da doença e
conseqüentemente da morte.
Para Koury (2003), o homem luta constantemente contra a morte, e o médico é o
intermediador desse embate, que surge socialmente como aquele que busca, através do saber
científico, preservar a vida e o corpo daquilo que representa uma ameaça, sentenciando o
poder de controlar e adiar a morte. Como a doença renal surge como um inimigo (grifo nosso)
que deve ser estudado, localizado e combatido, o nefrologista entrevistado, refere ter buscado
e defendido a implantação da Central de Transplante no Piauí como uma forma de minimizar
os problemas do doente renal. Todavia deve-se considerar o viés financeiro da questão. Para
confirmar esse viés citaremos o depoimento de um dos entrevistados:
(...) A questão financeira foi muito importante, sem sombra de dúvida, pois
viria dinheiro a mais, e todo mundo gosta de dinheiro, o Estado, a prefeitura,
o hospital e os médicos (Depoente III).
98
Conforme este depoimento a questão financeira foi um atrativo para a implantação
da Central de Transplante no Estado, pois esta se apresentou como uma possibilidade de
aumento na transferência de recursos financeiros não somente para o Estado, mas tamm
para o município, para os hospitais e para os médicos que trabalham com transplante. Sendo
que esse recurso aparece na sua fala como um fator muito importante para a tomada de
decisão de viabilizar essa implantação.
O estabelecimento de mecanismos de financiamento das ações de saúde, em
particular da assistência hospitalar e ambulatorial, e as diretrizes para os investimentos no
setor foram regulamentados pela Norma Operacional Básica (NOB) de 1993, que regulamenta
o processo de descentralização da gestão dos serviços e ações no âmbito do SUS, aprovada
pela Portaria n.545 do Ministério da Saúde (BRASIL, 1993. p. 48).
A estratégia operacional contemplada pela NOB/93 concebe a descentralização pelo
grau de capacitação técnica e gerencial apresentada pelo Município/Estado para assumir, no
âmbito de sua atuação, as atribuições relativas ao financiamento, administração e
gerenciamento do sistema de saúde.
Como o Piauí encontra-se na Gestão Plena do Sistema de Saúde, ele assume
plenamente a gestão do SUS, e os repasses financeiros são realizados de modo direto e
automático, nos termos previstos na Lei 8.142/91
26
.
Como já foi citado anteriormente o pagamento dos serviços prestados ao SUS, não se
distribuem igualmente, penalizando acentuadamente os procedimentos mais simples, sejam
clínicos, cirúrgicos ou laboratoriais. Nas tabelas de pagamento do SUS e da Associação
Médica Brasileira (AMB) os procedimentos mais bem remunerados são as cirurgias cardíacas
e os transplantes, e os procedimentos de menor remuneração são os tratamentos clínicos de
patologias prevalentes na população, tais como insuficiência cardíaca, hipertensão arterial e
26
Esta lei estabelece basicamente uma composição de critérios populacionais e epidemiológicos para o cálculo
das transferências (COHN e ELIAS, 2005. p. 115).
99
diabetes. Fica evidenciado que o provimento de recursos para a implantação de uma política
de saúde, pode transformá-la em rapidamente (grifo nosso) implementável ou não.
5.3 Implantação da Central de Transplante sob a perspectiva pessoal
A construção dessa categoria se deve à constatação de que a implantação da central
aconteceu em decorrência de questões pessoais. Aqui foram incluídas as falas dos sujeitos que
verbalizaram o desejo pessoal de implantar a Central de Transplante, como segue:
(...) Eu julgava que o Piauí deveria ter uma central de transplante, já que
trabalhávamos com transplante, e eu tinha um desejo pessoal de incrementar
os transplantes no HGV (Depoente VIII).
Nesse depoimento podemos destacar que, independente de outros motivos, como
lista de espera e/ou financiamento dos transplantes, havia um desejo pessoal desse depoente
em incrementar os transplantes no HGV. Isso se deve ao fato deste encontrar-se, naquele
momento, inserido na gestão pública, o que o levou a vislumbrar a possibilidade de melhorar
a participação do setor público nas ações de saúde do Estado. Para isso deveria reduzir a
participação do setor privado tendo em vista que o setor privado se mantém hegemônico na
questão dos transplantes no Piauí.
Fica claro nesta fala, que o Gestor se apresenta como se estivesse transcendendo o
contexto social, na medida em que é detentor do poder. Aqui impera a vontade pessoal de
quem estar no poder, conforme ilustração abaixo:
(...) o governador do Estado, tendo em vista que seu irmão foi transplantado
renal em São Paulo, e seu desejo pessoal de acompanhar a evolução da
medicina do Piauí, determinou que agilizássemos com uma maior presteza
possível a implantação da Central de Transplante (Depoente VI).
100
Observa-se nesses fragmentos de falas a forma como as emoções e as condições
pessoais são fatores que podem determinar a conformação de uma política de saúde que
deverá ser implantada para todos.
Conforme o depoente III, era grande o interesse do Gestor Estadual em implantar a
Central de Transplante, para isso a SESAPI enviou na época, com recursos próprios, alguns
profissionais do Hospital São Marcos para realizarem treinamento na área de transplante em
São Paulo, conforme depoimento abaixo:
O irmão do Governador, como transplantado em São Paulo, facilitou o
treinamento do pessoal do Hospital São Marcos naquele Estado (Depoente
III).
Este depoimento aponta para o entendimento do Governo, que consta na CF/88, no
art. nº 199, inciso 1º, de que “as instituições privadas poderão participar de forma
complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de
direito público ou convênio, tendo como preferência as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos”.
Nesse caso, os profissionais do hospital citado, provavelmente, foram eleitos como
merecedores do treinamento na área de transplante, em decorrência deste hospital ser
filantrópico, atendendo a CF/88. Contudo, é necessário enfatizar que a CF/88 seria melhor
contemplada, se o hospital de escolha fosse o HGV, que é público e que já realizava
transplante na época, contrariando a escolha do hospital filantrópico, que não realizava
transplante e até o momento não se envolveu com esta questão.
5.4 Implantação da Central de Transplante e as questões sociais
Esta categoria apresenta os aspectos sociais relacionados à implantação da central. A
partir da análise das falas dos depoentes inseridos nesse processo, constatam-se os principais
101
elementos sociais que interagem diretamente com as disparidades e as desvantagens
sistemáticas relacionadas ao acesso dos serviços de saúde, conforme se evidencia no
depoimento seguinte:
(...) veio da necessidade devido um número muito grande de pacientes,
principalmente renais, na época foi o que mais despertou nossa atenção para
implantar a central (Depoente IV).
Para este depoente a central teve sua implantação objetivada em favor dos que
aguardavam por um órgão. Como já foi citado anteriormente, havia uma lista formal de
pessoas aguardando por córnea, e uma lista hipotética, de pessoas aguardando por outros
órgãos, como podemos verificar no fragmento de fala abaixo:
(...) tinham muitas pessoas precisando realizar transplante e não tinham
doadores, então estes precisavam de um doador cadáver (Depoente VII).
De acordo com Barcellos (2003), a diferença entre o número de doações e o número
de pessoas que necessitam de um transplante é cada vez maior. Como não há doadores vivos
para todos, recorre-se ao doador cadáver. Essa doação de órgãos de cadáver encontra-se
atualmente regulamentada pela lei dos transplantes, que veio tentar resolver a provável
discriminação que existia anteriormente, como fica evidenciado nesta fala:
(...) entendíamos que a central era de suma importância para a vida de quem
precisava de um órgão. Ela veio colocar todos que precisam de um órgão em
pé de igualdade para concorrer ao transplante. Graças a Deus não há
discriminação com o paciente. Hoje o que vale é a compatibilidade, seja rico
ou seja pobre (Depoente II).
Como não havia regulamentação legal, é provável que não existia controle de quem
recebia o órgão doado, haja vista que cada Estado estabelecia suas próprias leis. Nessa
102
situação não se pode afirmar que não havia privilégios dentro da lista de espera, favorecendo
alguns em detrimento de outros.
A nova lei promoveu a normatização dos transplantes, adotando medidas legais que
visam impossibilitar o privilégio de qualquer indivíduo. E a implantação da central de
transplante veio disponibilizar aos piauienses a possibilidade de serem transplantados no
próprio Estado, não necessitando deslocar-se para outros Estados, conforme depoimento
abaixo:
(...) antes só fazia transplante quem tinha dinheiro, pois essas pessoas tinham
que se deslocar para outros centros, como São Paulo e Fortaleza. E muitos
que precisam de um transplante não têm dinheiro nem para o vale transporte,
como iriam poder se deslocar para outros centros? (Depoente I).
O direito de acesso aos serviços de saúde de forma universalizada, integral e
equânime, vem se constituindo em um desafio para o sistema de saúde. Destaca-se que antes
da implantação da Central de Transplante, os piauienses que necessitavam de órgãos de
doador cadáver teriam que se deslocar para outros Estados,pois o Piauí não atendia essa
demanda.
Esse depoente abordou a questão financeira dos que aguardam em lista de espera.
Como a grande maioria dos que está em lista encontra-se impossibilitada de trabalhar (devido
a problemas cardíacos, hepáticos ou renais graves), recorrem à aposentadoria por invalidez ou
ao auxílio-doença. Esses benefícios são fornecidos pela Previdência Social para os
contribuintes do Instituto Nacional da Seguridade Social (Ministério da Previdência Social,
2006).
O auxílio–doença é fornecido ao segurado que ficar incapacitado para o trabalho por
mais de 15 dias consecutivos. Não havendo exigência de contribuição para o segurado
considerado especial, desde que comprove o exercício de atividade rural no período de doze
103
meses imediatamente anteriores à data de início da incapacidade. Esse benefício corresponde
a 91% do salário do segurado.
Já a aposentadoria por invalidez é fornecida quando o segurado for considerado
incapacitado total e definitivamente para o trabalho e não apresentar condições de ser
reabilitado para o exercício de atividade que lhe garanta o seu sustento, este benefício
corresponde a 100% do salário do segurado.
A maioria dos portadores de doenças renais vive desses benefícios, sendo que o valor
recebido mensalmente corresponde ao salário mínimo vigente. Percebemos que a renda
mensal adquirida através do benefício previdenciário dificulta o pagamento de exames ou
viagens que poderia possibilitar a busca de um transplante.
5.5 A implantação da central de transplante e a participação da sociedade civil
Na busca de compreender, analisar e interpretar as dimensões da sociedade civil na
participação de implantação da Central de Transplante originou-se esta categoria. A partir das
falas dos depoentes torna-se possível constatar a interação e a organização social na tentativa
de se criar uma realidade própria, garantindo um processo de descontinuidade na superação de
barreiras e desafios.
A batalha foi encabeçada pela Maria José Pessoa e pelo Osias Lima, ambos
membros da diretoria da Doretrans e todos os que compõem a Doretrans
(Depoente II).
Participei como vice-presidente da Doretrans e depois como presidente, já
que o João Pedro (Presidente) foi a óbito em 1999 e eu tive que assumir o
lugar dele. A Doretrans ia para as reuniões na câmara para participar do
andamento do projeto. Participamos muito da implantação da central
(Depoente VII).
104
Essas falas apontam para uma participação ativa da sociedade civil através de uma
organização social, a DORETRANS. Mas esta participação foi citada somente por
participantes dessa organização, os demais entrevistados não referenciaram os associados
dessa organização como participantes da implantação da Central de Transplante, conforme se
salienta nos depoimentos que se seguem:
Somente eu, como diretor do HGV e o Sílvio Mendes, apesar de que na
inauguração havia muita gente (Depoente VIII).
Diretamente o coordenador do serviço de nefrologia do HGV, o coordenador
da central e a Enfermeira Patrícia. São os que realmente pegaram no pesado.
E indiretamente, o Gestor Estadual e o Diretor do HGV (Depoente VI).
Muita gente, mas o principal apoio que nós tivemos foi do Dr. Sílvio
Mendes, que na época era o Presidente da Fundação Municipal de Saúde, foi
o nosso padrinho, toda a parte de recursos materiais foi fornecida por ele,
fora outros apoios (Depoente V).
Lembro que a enfermeira Patrícia e a Dra Lourdes eram as pessoas mais
envolvidas com a implantação da central (Depoente IV).
Foi um processo eminentemente médico, nós apenas retratamos os anseios
dos que fazem a medicina do Piauí. O irmão do Governador também
participou, como transplantado em SP, ele facilitou o treinamento do pessoal
de Teresina em São Paulo (Depoente III).
Os médicos interessados em transplante e os gestores estadual e municipal
por força da lei federal (Depoente I).
Aqui há o confronto de discurso entre Sociedade Civil x Estado. Enquanto o primeiro
garante a sua participação na implantação da Central de Transplante, o segundo desconhece
essa participação. A Doretrans é uma organização que tem procurado promover o debate
amplo no interior da sociedade civil sobre temas/interesses até então excluídos de uma agenda
pública, como é explicitado no fragmento de fala abaixo:
105
(...) Nós lutamos muito, com ações na justiça estadual, na justiça federal,
promovemos encontros, nós temos também movimentos públicos, sessões
públicas, tentando chamar a atenção da comunidade para a necessidade de
melhorar a vida do paciente renal, que já melhorou muito, mas ainda temos
problemas (Depoente II).
Percebemos que há uma mobilização e organização social em defesa dos portadores
de doenças renais, mas aparentemente, essa mobilização não foi compreendida pelo Estado
como contribuinte para a implantação da central de transplante.
Essa análise fica evidenciada nos discursos da maioria dos representantes do Estado,
que apontam para o entendimento de que a Central de Transplante era uma imposição legal do
governo federal, e que a decisão de criar uma central no Piauí perpassou qualquer participação
social.
5.6 As dificuldades da implantação da Central de Transplantes
Esta categoria foi construída diante da constatação de que houve dificuldade para
implantar a central de transplantes no Piauí, conforme falas abaixo:
(...) precisava de um local, de equipamentos e de recursos humanos. Assim
procuramos parcerias. As parcerias foram o HGV, que cedeu o local onde
deveria ser instalada a central e forneceu as linhas telefônicas, a FMS
fornecendo aparelho de fax e outros materiais e a SESAPI que forneceu os
recursos humanos (Depoente I).
A sede. Foi muito difícil conseguirmos uma sede própria, mas o HGV cedeu
um prédio para nós (Depoente VII).
Houve muita dificuldade em conseguir um local para instalar a central. Mas,
nós tivemos muita dificuldade, pois não tínhamos nada, estávamos
começando do zero. Então a secretaria ajudou, o HGV, ajudou e a Fundação
ajudou muito (Depoente V).
Essas falas apontam como maior dificuldade à adequação do local para situar a sede
da central. Fica evidente que se não houvesse parceria entre Estado e Município,
provavelmente atrasaria a implantação da central de transplante do Piauí. O HGV é citado
106
como importante nessa parceria, já que cedeu um local para instalação da central. Essa
parceria foi citada pela coordenadora da central como bastante significativa, já que a sede es
localizada próximo ao maior hospital público do Piauí, que possui a maior UTI do Estado e de
onde provem grande número de doadores cadáveres.
A FMS aparece também como parceira no processo de implantação da central. Na
maioria dos depoimentos, o Gestor Municipal de Saúde foi citado como um sujeito que
contribuiu e participou dessa implantação.
É importante ressaltar que a central foi imposição do Governo Federal, mas esta
deveria ser criada com recursos do Governo Estadual. Alguns Estados logo após a
regulamentação da Lei 9.434/97, fizeram a implantação de suas centrais, o Piauí ainda teve
que aguardar 3 anos para ver sua central funcionando. Essa espera se deveu em grande parte a
dificuldade financeira do nosso Estado, como é expresso nas seguintes falas:
Acho que a questão financeira foi a que mais pesou (Depoente II).
O Estado passava por problemas financeiros. O município comprava para o
HGV, pois os fornecedores não queriam mais fornecer para o Estado, pois
não recebiam pagamento e nós tínhamos um convênio com o HGV, a gente
fornecia e descontava no teto financeiro no final do mês. Parte dos
equipamentos da central foi fornecido pelo município (Depoente IV).
O Piauí na época da implantação da Central de Transplante, como disse o depoente
IV, passava por dificuldades financeiras no campo da saúde. Como já foi citado, o MS impôs
que os Estados implantassem a central de transplante, mas não transferiu recursos financeiros
para essa finalidade. Então, cabia ao Piauí, caso houvesse interesse em realizar transplante ou
O Piauí icípio lantancentral. Na
107
em fornecer esse material para um Estado que não estava cumprindo com o pagamento de
seus débitos. O gestor municipal acreditava que essa parceria era necessária, como se segue:
Como o Piauí não tinha como operacionalizar essa implantação, nós fizemos
uma parceria com o Estado e viabilizamos essa implantação. Apesar da
central ser de responsabilidade do Estado, eu como gestor municipal não me
afastei dessa implantação. Acredito que o SUS é de todos, ninguém pode se
apropriar do SUS. Acho que a área da saúde é a única área onde se
confundem as ações dos gestores.
É importante lembrar que, Teresina assumiu a gestão plena do SUS em abril de 1996
com teto financeiro mensal de R$ 4.377.972,00 equivalente à metade dos recursos do Estado
do Piauí, nesse tipo de gestão os recursos para a saúde são repassados diretamente pelo
Governo Federal para o município. Ao município fica a responsabilidade de repassar estes
recursos para as instituições de saúde. Destes, uma porcentagem vai para o médico (30%) e a
outra parte para o município (70%), com o qual o município vai gerando suas ações.
Como a FMS gerenciava e gerencia diretamente os recursos da saúde em Teresina, o
gestor municipal adquiria materiais para o HGV e no momento do repasse ele descontava do
teto financeiro desse hospital. Essa parceria parece que se apresentou como interessante para
ambos, Município e Estado. Segundo o gestor municipal da época, o momento político era
favorável a este tipo de parceria, já que o governo era do PMDB e a Prefeitura era do PSDB.
Atualmente, essa parceria foi inviabilizada devido a questões partidárias.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
109
A implantação da central de transplante no Piauí indica que, assim como qualquer
outro processo decisório, a política de saúde é fruto de um complexo jogo de negociações e
confrontação entre a burocracia estatal, profissionais de saúde, grupos de interesse e
associações da sociedade civil.
Logo, no campo saúde, como nos outros espaços do processo de decisão política, os
grupos se organizam e negociam seus interesses, tornando-o uma rede complexa de relações
sociais, que são indissociáveis tanto do conflito como do consenso, em todas as etapas da
formulação e implementação da política de saúde.
Freqüentemente, quando se pensa em política de saúde, somos surpreendidos por
aqueles que acreditam no reducionismo da política partidária das decisões. No entanto, cada
vez percebe-se os fenômenos envolvidos no processo de construção de uma política de saúde
gerada por um campo político-social que vai além do partidarismo das ações.
No início desta investigação tinha-se como hipótese que as questões político-sociais
não existem isoladas e independentes mas, são entrelaçadas, se interconstituindo como
norteadoras das práticas e das relações cotidianas e que essas práticas podem interferir nos
rumos das políticas de saúde de um Estado. As realização desta pesquisa, conclui-se que
essa afirmação é verdadeira, não há como dissociar político de social, estes estão
visceralmente ligados por uma multiplicidade de interesses.
Entretanto, apesar dessa imbricação político-social, o Piauí se apresentou na
implantação da central de transplante, como autocrático nas decisões, não percebendo as
reivindicações sociais como partícipes de um processo de construção de uma política de
saúde.
110
Reconhece-se que a implantação da central foi permeada por um mosaico de
interesses, que se pode citar: pessoais, financeiros, políticos e sociais. Esses interesses,
obviamente, estavam relacionados à posição social de cada sujeito.
Na área específica dos transplantes, pode-se inferir que o Piauí não possuía um
projeto político para ações nessa área. A implantação da central aconteceu de forma
centralizada e sem planejamento. O governo federal impôs e o Estado cumpriu a exigência
sem as devidas adequações necessárias para manter essa exigência.
Pode-se citar que quase 4 anos após a inauguração da central é que foi enviada uma
ambulância para esta unidade, sendo que de acordo com o depoimento da coordenadora, em
vários momentos os funcionários da central tinham que se deslocar em seus automóveis para
resolver questões relacionadas a doação.
A ausência de foco para a implantação da central fica evidenciada nos depoimentos
dos gestores, quando verbalizam que a implantação foi de caráter médico e que estes foram os
responsáveis diretos por essa implantação. Esse distanciamento da responsabilidade da Gestão
Pública caracteriza a importância que foi dada a essa implantação.
A participação social aparece secundariamente, mas não menos importante, já que
esta demonstrou a tentativa da conquista de espaço no Estado. Acredita-se que a luta da
sociedade civil em busca de novos conceitos de cidadania pode ser ofuscada por questões
mais amplas, mas que esta não deve ficar à margem das decisões de saúde do Estado. São
esses sujeitos que vão reinventar o que seja saúde. Mas, isto ainda estar por vir.
111
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115
116
ANEXOS E APÊNDICES
117
APÊNDICE A: ROTEIRO PARA ENTREVISTAS
1. Dados de identificação:
Nome:
Sexo:
Idade:
Escolaridade:
Profissão (formação):
2. Porque foi implantada a central de transplante no Piauí?
3. Quem participou da implantação da central de transplante do Piauí?
4.Fale da sua participação na implantação da central de transplante no Piauí?
5. Quais as dificuldades encontradas para implantar a central de transplante no Piauí?
118
ANEXO A: TERMO DE ESCLARECIMENTO AOS SUJEITOS DA PESQUISA
NOME DA PESQUISA: Aspectos sócio-políticos da implantação da central de notificação,
captação e distribuição de órgãos do Piauí.
Meu nome é Adélia Dalva da Silva Oliveira, sou enfermeira (Coren nº 56281 – PI) e aluna da
pós-graduação e responsável pelo projeto de pesquisa Aspectos sócio-políticos da
implantação da central de notificação, captação e distribuição de órgãos do Piauí.
Necessito da sua colaboração para participar desta pesquisa, que será meu trabalho de
conclusão do curso de Pós-Graduação – Mestrado em Políticas Públicas da Universidade
Federal do Piauí. Comprometo-me em informar-lhe a respeito do projeto e de seus direitos e,
em caso de aceitação, solicito sua assinatura no local determinado ao final do termo. O
orientador do projeto é o Prof. Dr. Francisco de Oliveira Barros Júnior.
1. Justificativa: Compreender como ocorreu a implantação da Central de Captação de
Órgãos em Teresina, destacando os aspectos sócio-políticos, contribuir para a ampliação
do debate sobre a temática, e fornecer elementos que colaborem com as políticas de saúde
na área dos transplantes.
2. Objetivos: Compreender os aspectos sócio-políticos que mediaram a implantação da
Central de Transplante do Piauí; Identificar os principais sujeitos sociais envolvidos no
processo de implantação da Central de Transplante do Piauí; Discutir a participação da
sociedade civil piauiense, através de suas organizações, na implantação da Central de
Transplante do Piauí e analisar os aspectos sócio-políticos da implantação da central de
transplante.
3. Procedimentos: Não haverá procedimentos experimentais. A coleta de dados será
feita através de entrevista com os sujeitos que protagonizaram a implantação da central de
transplante o Piauí, a qual, após autorização dos participantes, será gravada em fita
magnética. Caso você não autorize, farei um registro concomitante e, ao final, você dará
seu parecer
.
4. Riscos e desconfortos: Não estão previstos desconfortos ou riscos físicos. Não será
utilizado nenhum procedimento experimental e as informações serão mantidas em sigilo.
5. Benefícios: Permitir uma compreensão sobre os aspectos sócio-políticos que mediaram a
implantação da central de transplante.
_____________________________
Adélia Dalva da Silva Oliveira
Pós-graduanda junto ao Mestrado em Políticas Públicas
da Universidade Federal do Piauí
119
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Para participar deste estudo, eu estou ciente de que:
1) Minha participação é voluntária e uma recusa não implicará em prejuízos no meu trabalho;
2) As informações que eu fornecer poderão ser utilizadas em trabalhos científicos, mas
minha identidade será sempre preservada;
3) Caso eu aceite, será realizada uma entrevista, isto é, conversarei um pouco em um local
reservado, sobre a minha participação na implantação da central de transplantes do Piauí;
4) Durante a entrevista, será necessária a utilização de um gravador, caso eu não me oponha,
para eu nada do eu disser seja “esquecido”.
5) Não existe nenhum risco significativo em participar desse estudo.
6) Eu sou livre para desistir da participação no trabalho em qualquer momento.
Após ter tomado conhecimento destes fatos, aceito participar da pesquisa, assumindo não ter
sofrido nenhuma pressão para tanto:
Eu, __________________________________________________ aceito participar deste
estudo, ciente de eu minha participação é voluntária e estou livre para qualquer momento,
desistir de colaborar com a pesquisa, sem nenhuma espécie de prejuízo; também concordo eu
a entrevista será gravada.
Eu recebi a cópia deste termo e a responsabilidade de poder lê-lo.
Assinatura:___________________________________________
Data:_____/______/_______
Assinatura do Pesquisador responsável: __________________________________
120
ANEXO B - MORTE ENCEFÁLICA
RESOLUÇÃO CFM nº 1.480/97 (Publicada no D.O.U. de 21.08.97 Página 18.227).
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de
setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,
CONSIDERANDO que a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a retirada de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, determina em seu
artigo 3º que compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para diagnóstico de morte
encefálica;
CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte,
conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;
CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do uso de recursos
extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com parada total e irreversível da
atividade encefálica;
CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do emprego desses recursos;
CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo indiscutível, a
ocorrência de morte;
CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em crianças
menores de 7 dias e prematuros,
RESOLVE:
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e
complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias.
Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização da morte encefálica
deverão ser registrados no "termo de declaração de morte encefálica" anexo a esta Resolução.
Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo, que deverão
ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de
qualquer de seus itens.
Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida.
Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma
aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.
Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da
morte
encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado:
121
a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas
b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas
c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas
d) acima de 2 anos - 6 horas
Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão
demonstrar de forma inequívoca:
a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,
b) ausência de atividade metabólica cerebral ou,
c) ausência de perfusão sangüínea cerebral.
Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado:
a) acima de 2 anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b" e "c";
b) de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º , alíneas "a", "b" e "c". Quando optar-
se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro;
c) de 2 meses a 1 ano incompleto - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro;
d) de 7 dias a 2 meses incompletos - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e
outro.
Art. 8º. O Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e assinado, e os exames
complementares utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser arquivados no próprio
prontuário do paciente.
Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da instituição
hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do paciente, se houver, e
à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos a que estiver vinculada a unidade
hospitalar onde o mesmo se encontrava internado.
Art. 10. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação e revoga a Resolução CFM nº
1.346/91.
Brasília-DF, 08 de agosto de 1997.
WALDIR PAIVA MESQUITA ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO
Presidente Secretário-Geral
122
ANEXO C – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
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