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Florianópolis, 11 de janeiro de 2007. Edição nº 7579
Editorial
Mercosul ideológico
Em vigor desde 1º de janeiro de 1995, o Mercosul não vem conseguindo alcançar seus
objetivos de converter-se, de fato e plenamente, em uma união aduaneira. A rigor, está cada
vez mais longe de alcançar suas metas de vir a ser um mercado comum, inobstante as
retóricas oficiais e os aparentes esforços por seu robustecimento pela via da inclusão de
novos membros. Em seus primeiros anos de existência, o bloco logrou exponenciar o
intercâmbio comercial entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, mas sucessivos golpes
contra a estrutura e os ideais da entidade, na maioria das vezes desferidos pelo governo de
Buenos Aires, com a impressionante passividade brasileira nos últimos quatro anos,
acabaram por conduzir a uma situação difícil. No próximo dia 18, no Rio de Janeiro, no
encontro dos presidentes dos cinco países membros plenos, o Brasil passará a presidência
da instituição ao Paraguai, depois de tê-la exercido timidamente no segundo semestre de
2006, e o ambiente para tal reunião não deverá ser dos mais amigáveis. Isto porque os
mecanismos de resolução de divergências do Mercosul estão sendo ignorados, e os
contenciosos estão chegando à mesa da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Definitivamente, parece que, no campo político, faz-se um esforço monumental para
comprometer o bloco, embora o setor privado brasileiro venha demonstrando dinamismo e
determinação, ampliando os negócios mesmo em ambiente adverso. Esta semana, a
Argentina acionou a OMC contestando uma medida antidumping adotada pelo Brasil nas
importações de resina para garrafas pet, usadas para refrigerantes, águas minerais e óleos
comestíveis. Isto sem sequer se dar ao trabalho de avisar antecipadamente Brasília, um
procedimento no mínimo desrespeitoso, talvez mesmo afrontoso. Se ao presidente argentino
Néstor Kirchner pode-se imputar larga dose de culpa, em razão de sua política populista que,
em vez de centrar-se na modernização do parque industrial local, prefere adotar medidas
protecionistas, não é possível isentar de responsabilidade o presidente brasileiro pelo atual
estado de coisas.
Há quatro anos a Argentina não faz outra coisa que ameaçar a indústria brasileira com
barreiras tarifárias e cotas de exportação, e Brasília vem em todas as ocasiões cedendo
quase que irresponsavelmente. Tudo por pautar-se por critérios ideológicos, desprezando a
visão econômica do processo. A extemporânea adesão da Venezuela como membro pleno,
no ano passado, coroou a série de equívocos. Não foi a Venezuela que se empenhou em se
adequar ao Mercosul - o que exigiria alguns anos -, mas o Mercosul que flexibilizou suas
normas para aceitá-la. Um erro que ganha dimensões ainda maiores por estar aquele país
sendo dirigido pelo presidente Hugo Chávez, cujas ações caminham em sentido contrário ao
do resto do mundo que se desenvolve. Nacionalização de empresas, suspensão de veículos
de comunicação, ingerência em campanhas políticas de países vizinhos e todo um rol de
absurdos configuram seu proceder.
preciso pois que os países membros reavaliem o
Mercosul, recoloquem-no na senda que levará à plena integração e eliminem o viés
ideológico que hoje o contamina.
O tema é importantíssimo para Santa Catarina, tanto por ser o Mercosul um dos destinos
preferenciais das exportações catarinenses, como pelo fato de a Argentina centrar suas
ações protecionistas justamente sobre artigos que o Estado comercializa, como
refrigeradores, congeladores, têxteis, calçados, carnes e motores.