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suas próprias criações conceituais. É o caso do procès de signifiance (processo de signi-
ficância), recorrente no pensamento de Kristeva, que surge ao lado de um verbo que
chama a atenção para uma possível construção de Bataille – ainda que essa apareça
sob forma verbal (En dépensant). A palavra experiência (l’expérience), ao se referir à
experiência textual, toma por referência os textos dos poetas que ganham destaque
de capa do livro – Lautréamont e Mallarmé –, entretanto é possível retomá-la no fe-
chamento do fragmento recortado. A experiência textual a que a psicanalista se refere
é próxima da experiência interior (l’expérience intérieure), ou seja, título de uma obra
de Bataille. Existe, portanto, uma sutil alusão ao texto e às idéias centrais desse pen-
sador sem mencioná-los diretamente:
Toda a experiência de vanguarda, desde o fim do século XX, do poe-
ta maldito à esquizofrenia, demonstra, ao contrário, a possibilidade
de um processo de significância diferente daquele do pensamento
conceitual unificador. (...) a experiência textual deixa entrar a morte
no dispositivo significante. Entretanto ela não se imobiliza numa i-
nércia do pensamento, mas ilumina a unidade conceitual em ritmos,
distorções lógicas (Lautréamont), paragramas e inversões sintáticas
(Mallarmé), que registram, através do significante, a ultrapassagem
do seu limite. (...) Pode-se dizer que o texto de vanguarda, desde o
fim do século XIX, estava essencialmente ligado a deixar passar, num
não-pensamento, pelo processo de linguagem, a violência da rejeição
que aparece como uma morte ao sujeito unário, como uma castração
ao analista (...). Gastando o pensamento pelo processo de significân-
cia, o texto inscreve a negatividade que a sociedade (capitalista) e
sua ideologia oficial recalcam. Se ele entra, no entanto, em contradi-
ção com o sistema econômico e ideológico dominante, o texto parti-
cipa do jogo; através dele, o sistema se dá o que lhe falta: a rejeição,
mas a conserva num domínio à parte, circunscrito ao “eu”, à “experi-
ência interior” de uma elite e ao esoterismo. O texto se torna o agen-
te de uma nova religião que não será mais universal, mas elitista e
esotérica (A revolução da linguagem poética, 1974: 166)
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“Toute l’expérience de l’avant garde, depuis la fin du XXe. siècle, du poète maudit à la
schizophrènie, démontre au contraire la possibilité d’un procès de la signifiance différent
de celui de la pensée conceptuelle unifiante. (...) l’expérience textuelle fait entrer la mort
dans le dispositif signifiant. Elle ne s’immobilise pas pour autant dans une inertie de la
pensée, mais fait éclater l’unité conceptuelle en rythmes, distorsions logiques (Lautréa-
mont), paragrammes et inventions syntaxiques (Mallarmé), qui enrigestrent, à travers le
signifiant, l’outrepassement de sa limite. (....) On pourrait dire que le texte d’avant-garde
depuis la fin du XIXe. siècle s’est essentiellement attaché à faire passer, dans une non-
pensée, par le procès du langage, la violence du rejet qui apparaît comme une mort au
sujet unaire, comme une castration à l’analyste (...). En dépensant la pensée par le procès
de la signifiance, le texte inscrit la négativité que la société (capitaliste) et son idéologie
officielle refoulent. Pourtant, s’il entre ainsi en contradiction avec le système économique
et idéologique dominant, en texte en joue le jeu; à travers lui, le système se donne ce qui
lui manque: le rejet, mais le conserve dans une domaine à part, circonscrit au ‘moi’, à l’