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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
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Belo Horizonte
2008
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Érika de Cássia Oliveira Caetano
NO CALOR DO INFERNO: TRABALHO E TRABALHADORES DAS
CARVOARIAS NO ENTORNO DA CIDADE DE CURVELO/MG
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais: Gestão de Cidades, linha de
pesquisa Trabalho e Cidade da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.
Orientadora: Profa. Dra. Magda de Almeida Neves
Belo Horizonte
2008
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NO CALOR DO INFERNO: TRABALHO E TRABALHADORES DAS
CARVOARIAS NO ENTORNO DA CIDADE DE CURVELO/MG
Érika de Cássia Oliveira Caetano
Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.
Belo Horizonte, 25 de fevereiro de 2008.
Profa. Dra. Magda de Almeida Neves
Orientadora - PUC Minas
Profa. Dra. Vanessa Andrade de Barros
UFMG
Profa. Dra. Lucília de Almeida Neves Delgado
PUC Minas
Para meus pais, Adilson e Maria das Graças pela confiança,
conselhos diários, pelos sacrifícios imensuráveis
e incentivos a minha vida acadêmica.
Para João Carlos, meu irmão, pelo apoio incondicional.
Para Vó Marieta pelo carinho e orações.
Para Tia Vany e Ivanor, grandes incentivadores desse projeto.
AGRADECIMENTOS
Agradeço sinceramente a todos aqueles que contribuíram para a realização desse trabalho:
À Prof. Magda de Almeida Neves, pela firmeza e competência com que guiou-me nessa
incursão pelo mundo do trabalho dos carvoeiros. Por acreditar nesse projeto e contribuir para
torná-lo realidade.
Ao Prof. Ronaldo Rajão Pro-Reitor Adjunto do Campos Serro e Prof. Simone Queiroz
Coordenadora do Curso de Administração pelo incentivo e apoio nessa jornada.
Aos companheiros da SRE Curvelo, em especial à Diretora Dilcéa Dayrell Sampaio, por
contribuírem compreendendo minhas dificuldades e ajudando a superar esse desafio.
Ao prof. Willy de Oliveira, meu amigo, pelo incentivo e por depositar em mim sua confiança.
A todos os diretores e funcionários da reflorestadora, pela solicitude com que me receberam e
colaboração nesse trabalho.
Aos primos Tunico e Núbia por colaborarem com esse trabalho colocando seus dons a
serviço.
À Aline pelo companheirismo, dedicação e acolhida em Belo Horizonte.
Ao Fernando, pela amizade. Por me proporcionar momentos de lazer e descanso que ajudaram
a “recarregar as baterias” para seguir a jornada.
Aos tios, primos e afilhados que compreenderam minhas ausências e incentivaram, cada um a
seu modo, minha opção.
Aos carvoeiros entrevistados, por abrirem para mim suas portas e meus olhos para sua
realidade. Pela sinceridade das palavras, pelas lições de vida e humildade. Pela sinergia que
deu corpo e vida a esse trabalho.
RESUMO
A produção do carvão vegetal está presente no cenário histórico e sócio-econômico
da cidade de Curvelo, forjando formas peculiares de relações de trabalho, condições de
trabalho e de vida dos seus trabalhadores. Essa atividade foi introduzida no município a partir
do incentivo do governo mineiro à siderurgia, causando sérios impactos sociais para os atores
diretamente envolvidos no processo: os carvoeiros.
A pesquisa tem como objetivo analisar as condições e as relações de trabalho
estabelecidas nas carvoarias no entorno da cidade de Curvelo/MG e suas implicações para a
vida dos trabalhadores.
No município de Curvelo, a pecuária foi a atividade econômica predominante até a
década de 1990. Com a redução dos incentivos fiscais para o setor e o crescimento da
demanda para a produção do carvão vegetal, essa realidade tem mudado bruscamente. As
vantagens competitivas do município como localização, matéria-prima abundante e mão-de-
obra disponível foram decisivas para o crescimento da atividade de carvoejamento e formação
de florestas homogêneas de eucalipto.
As relações que se estabelecem através dessa atividade promovem a precarização
do trabalho e do trabalhador. A exploração de carvão vegetal tem sido praticada nas
carvoarias volantes (de mata nativa) ou de reflorestadoras, levando os trabalhadores a
contratos de trabalho precarizados. As conseqüências disso são a utilização da mão-de-obra
infantil e a escravidão ou servidão por dívida. A produção do carvão vegetal está regulada
pelas transformações estruturais do moderno sistema capitalista e as práticas tradicionais do
modelo taylorista-fordista combinado com um processo produtivo arcaico.
Nesse contexto a saúde torna-se o elemento definidor da capacidade produtiva do
trabalhador. Mas as condições de trabalho acabam por promover adoecimentos e o desgaste
físico e mental do carvoeiro. Além disso, consolida-se a dominação objetiva e subjetiva do
trabalho e do trabalhador. As condições de trabalho transformam-se em fonte de perigo para o
corpo e a mente do trabalhador, causando-lhes: adoecimento, insatisfação, ansiedade, perda de
sentido e o “estranhamento” tanto pela apropriação do seu aspecto cognitivo, quanto pelo
distanciamento causado entre esse e o produto de seu trabalho e até de si mesmo.
Palavras-chave: produção do carvão vegetal, trabalho, trabalhador, relações de trabalho,
condições de trabalho, carvoeiro.
ABSTRACT
The production of charcoal is present in the historical and socioeconomic setting of the
city of Curvelo, forging peculiar ways of working relations, employees’ working and living
conditions. This activity was introduced in the town from the encouragement of the
government of Minas Gerais to steel, causing serious social impacts to the ones directly
involved in the process: the charcoal burners.
This research aims to analyze the conditions and relations of employment established
in the coal pit around the city of Curvelo / MG and its implications for the workers’ lives.
In Curvelo, cattle-raising was the predominant economic activity up to the 1990´s.
With the reduction of tax incentives for that section and the growth of demand for the
production of charcoal, the reality of Curvelo has changed abruptly. The competitive
advantages of the city such as location, abundant supplies and hand labor were crucial to the
growth of activity of producing charcoal and formation of homogenous forests of eucalyptus.
The relations established with this activity promote insecurity of work and the worker.
The exploitation of charcoal has been practiced in coal pits of native forest or reforested ones,
leading the workers to contracts of employment in bad conditions. The consequences are
children working and slavery or servitude for debt. The production of charcoal is governed by
the structural changes of the modern capitalist system and the traditional practices of the
taylorist-fordist model combined with an archaic production process.
In this context health becomes the defining element of the productive capacity of the
worker. But those conditions of working promote sickness and physical and mental disorder.
Besides, objective and subjective domination of working and the worker is consolidated. The
working conditions become a source of danger to the worker’s body and mind, causing them:
illness, dissatisfaction, anxiety, loss of meaning and the "strangeness" by both his cognitive
aspect, as the distance between him and the product of their work and even himself.
Key-words: production of charcoal, working, worker, relationships of working, working
conditions, charcoal burner
LISTA DE TABELAS
Tabela 1-Quantidade produzida e participações relativa e acumulada de carvão da
silvicultura, dos dez maiores municípios produtores, em ordem decrescente – 2005..............33
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Preenchimento do forno............................................................................................38
Figura 2: Bateria de fornos.......................................................................................................39
Figura 3: Foto por satélite da Grande Reflorestadora em Curvelo...........................................42
Figura 4: casa de vegetação......................................................................................................42
Figura 5: Limpeza do talhão.....................................................................................................45
Figura 6: carvoaria reflorestadora.............................................................................................47
Figura 7: terreno sendo preparado para destoca, as árvores de porte maior foram removidas
com motosserra. Ao fundo terreno pronto para plantio de eucalipto. ......................................63
Figura 8: Vista aérea Floresta Homogênea de Eucalipto ........................................................70
Figura 9: carvoaria volante.......................................................................................................83
Figura 10: Rancho da carvoaria volante...................................................................................92
Figura 11: Girau na carvoaria volante......................................................................................94
Figura 12: Trabalhador de carvoaria volante............................................................................96
Figura 13: O prato do dia: feijão com arroz .............................................................................96
Figura 14: Trabalhador de carvoaria volante..........................................................................109
LISTA DE ABREVIATURAS
Associação Mineira de Silvicultura (AMS)
Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE)
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE)
Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Instituto Estadual de Florestas (IEF)
Organização das Nações Unidas (ONU)
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Selo Ambiental Autorizado (SAA)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................12
1 – Vantagens Competitivas do Município ...........................................................................14
2 – Carvoeiros e c0.147792(C)-3.39556(a)3.74(r)2.8.39551(.)-0.146....c141c0.1446.p.ç6.icunicu.acu... cu312146571(.)-0.êomeccuc0.1446.eec........
3.2.1 – As condições de trabalho na carvoaria como fonte de perigo para o corpo...............91
3.2.2 – A realização do trabalho nas carvoarias volantes.......................................................95
3.2.3 – A realização do trabalho na reflorestadora.................................................................98
3.2.4 – Abordagem ergonômica do Trabalho nas carvoarias................................................100
3.3 Relação homem-trabalho na carvoaria: conteúdo “significativo” do trabalho e
estranhamento.........................................................................................................................105
3.3.1 – No calor do inferno: Trabalho e Estranhamento.......................................................109
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................114
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................121
ANEXO A - LISTA DE ENTREVISTADOS........................................................................128
ANEXO B – LOCALIZAÇÃO DO MUNICIPIO DE...........................................................129
12
INTRODUÇÃO
O tema “trabalho e trabalhadores das carvoarias no entorno da cidade de Curvelo”
parte de uma preocupação em relação ao impacto social da atividade de carvoejamento nesta
cidade a partir da década de 1970, principalmente no que se refere às condições de vida a que
estão condicionados os atores sociais envolvidos.
O tulo escolhido refere-se às descobertas pelo esforço da pesquisa de desvendar aos
olhos e pelas palavras do carvoeiro o mundo de suor, fumaça e munha
1
no qual ele desenvolve
esta atividade.
A produção do carvão vegetal esteve presente no cenário histórico e sócio-econômico
da cidade de Curvelo, forjando formas peculiares de relações de trabalho, condições de
trabalho e de vida dos seus trabalhadores. Nesse sentido, o tema “trabalho e trabalhadores das
carvoarias no entorno da cidade de Curvelo” tornou-se uma preocupação, dada a importância
dessa atividade para a economia do município e sua projeção nacional.
A exploração da atividade de carvoejamento no município intensificou-se na década
de 70 com o aumento das indústrias siderúrgicas da cidade de Sete Lagoas, situada a apenas
110 Km de Curvelo, além da localização privilegiada para o escoamento da produção. Este
cenário começou a ser construído quando o governo mineiro passou a incentivar a queima do
eucalipto para alimentar os fornos de siderúrgicas desse estado.
Com isso tem-se, em conseqüência, a multiplicação do trabalho no setor, levando-nos
a uma preocupação com as reais condições de trabalho e vida dos homens e mulheres que dele
retiram seu sustento. Temos claro que a atividade, assim como as relações através dela
estabelecidas e as condições de trabalho e vida daí decorrentes se divergem por se tratar de
duas possibilidades distintas de carvoejamento: de mata nativa ou de reflorestadoras. Por sua
vez, as carvoarias de mata nativa cerrado são exploradas com autorização dos órgãos
competentes ou de forma ilegal, dando-nos dimensões diferentes dos aspectos que lhe são
inerentes.
Assim sendo, nosso estudo quer desvendar, sob o olhar do carvoeiro e de seus relatos,
as reais condições de trabalho e de vida que daí decorrem. O que se propõe é um
acompanhamento do percurso durante o período da pesquisa, ou seja, de 2005 a 2007, na
busca de se tentar compreender as estruturas formadas a partir dessa realidade.
1
Munha: c
arvão moído, triturado, poeira de carvão.
13
O objetivo principal desse trabalho é analisar as condições e as relações de trabalho
estabelecidas nas carvoarias no entorno da cidade de Curvelo/MG e suas implicações para a
vida dos trabalhadores. Pretendemos ainda, definir o perfil dos trabalhadores que atuam nas
carvoarias localizadas no entorno da área pesquisada bem como, conhecer o conteúdo do
trabalho que desenvolvem nestes espaços.
Para tanto, será necessário ainda verificar as condições de trabalho dos trabalhadores
no entorno da cidade de Curvelo, o ambiente das carvoarias, a periculosidade do trabalho,
jornada de trabalho e o desgaste do trabalhador.
Buscamos investigar as relações de trabalho estabelecidas na atividade de
carvoejamento, suas formas de contrato de trabalho, as formas de remuneração do trabalhador
e como se dão as formas de exploração do trabalho.
As implicações das condições e das relações de trabalho estabelecidas na atividade de
carvoejamento também foram investigadas no sentido de desvendar as reais condições de
vida do trabalhador no que se refere à sua saúde e a sua percepção do trabalho e de si mesmo
enquanto carvoeiro.
Como hipótese principal consideramos que as condições de trabalho, bem como as
relações de trabalho na atividade de carvoejamento influenciam diretamente as condições de
vida dos carvoejadores. As condições de trabalho dos carvoeiros são degradantes, levando-os
a se submeterem a um ambiente insalubre, a trabalhos de alta periculosidade e nocivos à sua
saúde, bem como, a extenuantes jornadas de trabalho. Consideramos que suas condições de
trabalho são degradantes, levando-os a se submeterem a um ambiente insalubre, a trabalhos de
alta periculosidade e nocivos à sua saúde, bem como, a extenuantes jornadas de trabalho. As
relações de trabalho estabelecidas na atividade de carvoejamento, tanto nas grandes
reflorestadoras, quanto nas carvoarias volantes, concorrem para uma exploração da força de
trabalho por meio de contratos que os submetem a uma atividade precarizada e ao
descumprimento dos direitos sociais e trabalhistas do carvoeiro. As relações de trabalho
estabelecidas na atividade de carvoejamento, tanto nas grandes reflorestadoras, quanto nas
carvoarias volantes, concorrem para uma exploração da força de trabalho por meio de
contratos que submetem os carvoeiros a uma atividade precarizada e ao descumprimento dos
seus direitos sociais e trabalhistas.
14
1 – Vantagens Competitivas do Município
Dentre as características necessárias para o reflorestamento, a possibilidade de
crescimento quantitativo das espécies florestais utilizadas pelas indústrias, a vegetação
existente, os solos, o relevo e a topografia, o preço da terra e a infra-estrutura disponível
foram relevantes para se empreender essa atividade no município de Curvelo. É importante
destacar que, além das áreas de reflorestamento, o carvão também é produzido em redutos de
vegetação nativa geralmente de forma ilegal.
Fator relevante que favorece tal empreendimento é a presença de mão-de-obra
disponível para a atividade. A tradição rural do município formou uma massa de
trabalhadores desqualificados ou semiqualificados que apresentam o perfil ideal para o
trabalho no setor. São homens que desde sempre dedicaram-se à atividade na lavoura e na
pecuária e não encontrando outras ocupações, dedicam-se ao carvoejamento.
Nesta perspectiva, podemos observar que a atividade de carvoejamento gera diversos
problemas ambientais tais como: diminuição da fauna, erosão do solo e o assoreamento dos
rios, entre outros. Mas, o problema de ordem social é tão alarmante quanto a degradação
ambiental, pois se refere a exploração do homem e suas condições degradantes de trabalho e
vida no processo de carvoejamento.
Nesse cenário urbano, convivem diferentes atores sociais, isto é, agricultores,
lavradores, ruralistas, garimpeiros, que trabalham na extração do cristal, e carvoeiros, entre
outros, que nos fazem perceber a conexão existente entre o meio urbano e rural. Portanto,
devemos investigar o contexto em que se instalaram as carvoarias no entorno da cidade de
Curvelo.
Segundo Wirth (1997, p. 96), “uma cidade pode ser definida como um núcleo
relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos”. Vemos a
heterogeneidade expressada na cidade de Curvelo, não pelos diferentes atores sociais
citados, mas também pelo espaço ocupado pelos mesmos. As carvoarias volantes,
clandestinas ou autorizadas, em meio ao cerrado, geralmente estão formadas com base em
uma unidade de produção familiar, muitas com filhos menores de dez anos (de idade) que
também trabalham no carvoejamento. Nestas, as condições de vida costumam ser as piores
possíveis. Muitas ficavam alojadas em barracas cobertas de lona preta, sem instalação
sanitária e água potável, sem o mínimo para sobreviverem. As crianças são obrigadas a andar
quilômetros por dia até o ponto de ônibus para chegarem à escola.
15
Na reflorestadora, mesmo com todo o aparato da legislação vigente, o que se encontra
são trabalhadores superexplorados, envelhecidos pelo trabalho penoso e com pouca ou
nenhuma perspectiva de melhora de vida.
Assim, percebemos que a produção de ferro-gusa e carvão vegetal foram capazes de
gerar não apenas a degradação ambiental, mas efeitos nocivos para a população envolvida
com a atividade econômica.
2 – Carvoeiros e carvoarias: a ocupação do tema nas Ciências Sociais
Como exposto, essa pesquisa analisa as condições e as relações de trabalho
estabelecidas na produção do carvão vegetal no entorno do município de Curvelo/MG,
revelando suas implicações para a vida do trabalhador. Para balizar a pesquisa buscamos fazer
uma revisão da literatura disponível, levando-se em consideração as atuais discussões sobre
relações e condições de trabalho e o material disponível sobre a atividade de carvoejamento.
A literatura disponível sobre a atividade de carvoejamento ainda é escassa e, na
maioria das vezes, limita-se a analisar o processo produtivo do carvão vegetal sem evidenciar
as condições de trabalho às quais seus trabalhadores estão submetidos. Será a esta tarefa que
iremos nos dedicar.
A Revista Ciência Hoje publicou uma matéria inspirada em dissertação de mestrado de
Bárbara Magalhães Bethônico, que investigou os impactos sócio-ambientais provocados pela
produção de carvão na cidade de Montezuma MG, um dos municípios mais pobres do
estado. Diz Bethônico (2002, p. 51): “mais que um problema trabalhista, tem-se ali um
problema de natureza social”. Ressalta ainda, que a situação de Montezuma espelha em certa
medida a realidade de outras áreas do norte de Minas Gerais, envolvidas na produção e no
comércio de carvão vegetal. Vemos em Curvelo uma situação semelhante, dadas as
singularidades desta cidade. Mesmo sendo um grande centro de comércio e concentrando boa
parte das repartições públicas federais e estaduais da região, a produção e o comércio do
carvão vegetal consomem um significativo percentual da mão de obra disponível no
município.
Quanto às relações de trabalho, torna-se imprescindível nos referirmos à obra de
Castel (1998, p. 24). “As metamorfoses da questão social”, que aborda o trabalho não como
uma relação técnica de produção “mas como um suporte privilegiado de inscrição na estrutura
16
social”. Com isso, o autor nos faz refletir sobre a posição do carvoejador na cadeia produtiva
e sua participação na dinâmica social, o que incide diretamente sobre suas condições de vida.
Para Castel, (1998, p. 250), a Revolução Industrial, (séc. XVIII), marcou as novas
relações de produção porque transformou o trabalho em uma mercadoria “vendida em um
mercado que obedece à lei da oferta e da procura”. Essa reflexão será de grande valia para a
discussão acerca das relações de trabalho entre carvoejador e gestores de reflorestadoras e
também entre os primeiros e os donos de carvoarias ou contratantes.
Assim, buscaremos desvendar as bases do trabalho na atividade de carvoejamento,
tanto nas carvoarias volantes quanto de reflorestadora. Devemos, no entanto, estar atentos às
peculiaridades de cada uma dessas, que a produção do carvão no cerrado é artesanal e, na
reflorestadora encontramos etapas da cadeia produtiva altamente mecanizadas. Poderemos
ainda, considerar em que medida o trabalho nas carvoarias se aproxima ou se distancia das
novas práticas de organização do trabalho.
Nas carvoarias, a mecanização convive com a exploração do trabalho braçal.
Conforme assevera Pereira:
os fios que formam a trama do processo de reprodução do capital estão revestidos
de contradições. O capital não utiliza apenas de relações sociais povoadas de
inovações tecnológicas incorporadas ao trabalho, ele também mantém relações de
trabalho arcaicas que se tornam úteis à sua reprodução. (PEREIRA, 2006, p.05).
Os carvoejadores, desafortunados do “ouro negro”, em sua grande maioria,
encontram-se na era do novo padrão flexível de acumulação em situação de subempregos. De
acordo com Harvey (1998, p. 145), dentre as conseqüências perversas da acumulação flexível
sobre os trabalhadores estão as formas de subemprego, como a subcontratação organizada e
os pequenos negócios. De acordo com este autor, isso acarretou a volta de antigos sistemas de
trabalho artesanal, doméstico e familiar, agora como “peças centrais, e não apêndices do
sistema produtivo”. Na década de 1980 expandiram-se economias informais que, para Harvey
(1998), “às vezes indicam o surgimento de novas estratégias de sobrevivência para os
desempregados ou pessoas totalmente discriminadas.”
Apesar disso, não podemos deixar de considerar que a atividade de carvoejamento
sempre existiu como uma alternativa rentável para os problemas financeiros dos pequenos
sitiantes e dos grandes fazendeiros do município de Curvelo. É com o aumento das indústrias
siderúrgicas em Minas Gerais, na década de 1970 que a fabricação do carvão vegetal se
17
intensifica, deixando um rastro de miséria e exploração entre os trabalhadores camponeses
que até hoje se perpetua.
Em consonância com as conclusões de Harvey, podemos observar que a situação dos
carvoejadores tem se agravado diante da nova forma de exploração do capital. Quanto a isso,
Pochmann afirma que:
não apenas os trabalhadores nas economias centrais se encontram em situação adversa. Nas
regiões periféricas, acentuam-se os sinais de desestruturação do mercado de trabalho, com
crescente desemprego, desassalariamento e geração de postos de trabalho não-assalariados,
geralmente precários. ( POCHMANN,1999, p.193)
Assim, mesmo que o carvoejador da reflorestadora tenha acesso aos salários e à
seguridade social, devemos desvendar suas reais condições de trabalho e o conteúdo do
trabalho que desenvolvem, assim como as relações aí estabelecidas.
Para uma comissão especial que investiga o trabalho escravo nas carvoarias de Mato
Grosso do Sul, a exploração do trabalho de carvoeiros de mata nativa é possível porque, além
da experiência na produção do carvão, são necessárias outras condições econômicas para que
haja esse tipo de exploração, tais como:
(...) disponibilidade de gente em estado de miserabilidade, sem alternativas e sem
muita consciência de seus direitos; demanda de trabalho: proprietários / empreiteiros
com dinheiro suficiente para colocar o empreendimento em ação; o custo dos
trabalhadores deve ser menor que os exigidos pelas normas trabalhistas legais;
demanda do produto (...). (COMISSÃO PERMANENETE DE INVESTIGAÇÃO E
FISCALIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM MATO GROSSO DO
SUL, 1999, p. 27).
Podemos perceber, conforme pontuado acima, que a realidade desses trabalhadores se
reproduz em campos férteis à produção do carvão, como no caso do município de
Curvelo/MG. A proposta de bons salários e a falta de perspectiva, somadas à tradição na
atividade de carvoejamento, levam muitos trabalhadores a se submeterem a degradantes
situações de trabalho, como nos mostra Pereira:
(...) chegando aos locais de trabalho (difícil acesso, geralmente no interior das
fazendas), os trabalhadores são submetidos a extenuantes e longas jornadas de
trabalho, motivados pela promessa de que, produzindo mais, recebem mais, também
se vêem sem descanso semanal e férias, sem mencionar os direitos trabalhistas
praticamente abolidos pelos empregadores, além das condições de trabalho
totalmente precárias, sem a utilização de EPIs ( equipamento de proteção
18
individual), provocando constantes acidentes de trabalho, num abusivo
descompromisso com os trabalhadores. (PEREIRA, 2006, p. 02).
Ao estudar o processo de trabalho na produção artesanal de carvão vegetal e sua
articulação com as condições de vida e saúde dos trabalhadores carvoeiros em um município
do Vale do Jequitinhonha, uma equipe do departamento de medicina preventiva e social da
UFMG concluiu que a atual situação cultural e laboral relacionada à produção de carvão é
muito precária. Segundo esta pesquisa:
.“na cadeia produtiva do aço, estão presentes condições de trabalho distintas: de um
lado as siderúrgicas certificadas segundo as normas internacionais; de outro, a
precariedade das carvoarias artesanais, com utilização extensiva e predatórias dos
recursos florestais, exploração do trabalho em condições subumanas, incluindo
crianças e adolescentes, empregando tecnologia rudimentar..” (DIAS; et. al., 2002,
p. 02).
Neste extremo da cadeia produtiva do aço vemos explicitamente as formas que Dupas
(1999) considera como meio para maximizar a condição de competição das grandes
corporações – no nosso caso as siderúrgicas. Adaptando-se a um sistema flexível, as pequenas
e médias empresas, as carvoarias de cerrado e reflorestadoras assumem um novo papel. Isso
se deve à capacidade desenvolvida pelo mercado de flexibilidade geográfica que lhe
proporciona o controle de sua atividade em diversos locais simultaneamente e, ainda, tirar
vantagem dos seus diferentes fatores de produção. Dupas (1999) nos proporciona a
oportunidade de pensarmos a produção do carvão vegetal no interior do sertão mineiro como
uma vantagem competitiva para a produção do aço:
Na economia global, as pequenas e médias empresas manterão ainda um espaço
importante, especialmente via terceirizações, franquias e subcontratações, porém
basicamente subordinadas às decisões estratégicas das empresas transnacionais e
integradas às suas cadeias produtivas. (DUPAS, 1999, p. 46).
Martins (1999), considera que a superexploração do trabalho, principalmente nas
regiões de carvoarias de Minas Gerais e nos canaviais de Mato Grosso do Sul, é um
desdobramento da terceirização que se manifesta no trabalho urbano:
(...) É curioso que o problema da terceirização tenha aparecido nos trabalhos
acadêmicos recentes, primeiramente como problema de uma classe operária urbana
19
que estaria sendo desempregada para ser reempregada como trabalhadoras por conta
própria, ganhando menos do que ganhava antes, quando, na verdade, o novo modelo
econômico começou a anunciar-se já durante a ditadura militar, com suas primeiras,
mais graves e mais intensas manifestações no meio rural, inclusive a terceirização
das relações de trabalho, que a peonagem ou escravidão é um desdobramento.
(MARTINS, 1999, p.131).
Este mesmo autor denuncia ainda que: “é nessa nova realidade econômica que a
superexploração tende, em circunstâncias específicas, a se tornar trabalho escravo.” Com essa
afirmação, devemos observar a relação das novas configurações do trabalho com as condições
e as relações de trabalho presentes em nossas carvoarias nativas autorizadas ou não. Mesmo
nas reflorestadoras onde todas as atividades laborais diretamente ligadas ao produto fim o
carvão não podem ser executadas por terceiros, devemos observar as formas de controle da
produção e do trabalhador.
Quanto à presença de crianças nas carvoarias, mesmo que não seja o foco de nossa
pesquisa, é prudente mencionar que conforme destacam Cacciamali e Braga (2003), são a
situação de pobreza, a deficiência do setor educacional e as restrições impostas pela tradição
as principais responsáveis pela oferta precoce do trabalho. Ainda conforme as autoras:
o trabalho infantil, para além das necessidades econômicas, responde também aos
padrões e expectativas de comportamento culturalmente estabelecidos, integrantes
de uma ética do trabalho, destacando o caráter pedagógico (disciplina,
responsabilidade, etc.) que seria atribuído ao trabalho precoce por distintas camadas
sociais. (CACCIAMALI; BRAGA, 2003, p.400-401).
Silva, (2002, p. 20), ao analisar a produção do carvão vegetal em Mato Grosso do Sul,
observa que, além da precariedade das condições de trabalho, o ambiente da carvoaria e a
moradia dos carvoeiros concorrem para agravar ainda mais essa situação:
o ambiente da carvoaria de modo geral, é desorganizado, esfumaçado e com poucas
árvores na proximidade das baterias dos fornos. As carvoarias são encontradas
sempre próximas a rios, córregos, riachos e minas d’água, entretanto, suas águas
nem sempre estão aptas ao uso pessoal(...). (SILVA, 2002, p. 20).
Conforme demonstra a pesquisadora, as condições de moradia nas carvoarias trazem
perversas conseqüências para a vida dos carvoeiros e de suas famílias: doenças e falta de
acesso aos bens de consumo coletivo tais como: postos de saúde, educação e saneamento
básico. Bethônico, (2002, p.161), ainda afirma que as moradias existentes nas carvoarias não
20
oferecem “o mínimo de conforto para os trabalhadores que ali permanecem durante a semana
de trabalho ou moram com suas famílias.”
Se o ambiente das carvoarias provoca tantos males, não menos nocivo é o próprio
trabalho lá desenvolvido. Silva, (2002, p. 123), detectou entre seus entrevistados diversos
sintomas causados pela intensa exposição ao calor e à fumaça. Entre eles estão: “dor e
ardência nos olhos, dores de cabeça, problemas respiratórios, dormência no corpo e aumento
da temperatura copórea (sensação extrema de calor)”.
O trabalho da equipe do departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG nos
permitirá observar em que medida o trabalho nas carvoarias volantes ou de reflorestadora se
aproxima da realidade por eles descrita:
As condições de trabalho são inadequadas, sem o mínimo conforto, os equipamentos
e instrumentos de trabalho são arcaicos e/ou sem proteção, o trabalho é monótono e
sob tensão, sobremaneira, na fase de "vigiar" o forno. As exigências de grande
esforço físico, a exposição ao ruído e vibração pelo uso da moto-serra, à radiação
solar excessiva, ao calor emitido pelos fornos, às substâncias químicas produzidas
na combustão da madeira e à picada por animais peçonhentos são algumas das
condições de risco para a saúde identificadas no estudo. (DIAS, et. al. 2002 . ).
Todos os autores pesquisados são unânimes em considerar degradantes as condições
de trabalho dos carvoeiros. Desde a produção das mudas de eucalipto até o empacotamento,
no caso da reflorestadora; e desde o corte da lenha até o empraçamento, no caso das
carvoarias volantes, podemos presenciar um trabalho repetitivo e que, muitas vezes, exige um
grande esforço físico. Mendes, (1995, p.190), demonstra que: “há muito tempo se sabe que o
trabalho, quando executado sob determinadas condições, pode causar doenças, encurtar a
vida, ou mesmo matar os trabalhadores. É histórico o nexo entre trabalho e sofrimento
explícito.”
Bethônico, (2002, p. 162), confirma a experiência de Mendes quando demonstra que
mais da metade dos carvoeiros entrevistados declaram que se sentem mal com a fumaça dos
fornos, além de sentirem dores nas costas, dores de cabeça e gripes. Estas ainda são apontadas
como as principais doenças decorrentes da atividade que realizam.
Ainda é Bethônico (2002, p. 116) quem nos as principais pistas para desvendarmos
as reais condições de vida dos carvoeiros. A geógrafa demonstra que a principal preocupação
que os assombra é o futuro: “percebem que o emprego é temporário e está a cada ano com
menos oportunidades, uma vez algumas áreas de eucalipto estão desativadas; outra está
21
relacionada ao futuro dos filhos, pois não possuem perspectivas de melhora na profissão que
praticam.”.
3 – Metodologia de Pesquisa: palavras de vida entre o suor e a fumaça
O real não está na saída nem na chegada,
ele se dispõe para a gente
é no meio da travessia. (ROSA, 1988, p. 52).
A epígrafe do escritor mineiro dos sertões das gerais, nos inspira à pesquisa sobre o
tema: “trabalho e trabalhadores das carvoarias do entorno da cidade de Curvelo”, lembrando-
nos que o estudo deverá privilegiar as falas e os pontos de vista dos atores sociais envolvidos
na atividade de carvoejamento.
O estudo da atividade de carvoejamento, embasado na necessidade de apreender os
processos de trabalho e as implicações para a vida do trabalhador, apoiou-se numa
metodologia que conjuga a reflexão teórica e a observação empírica, de maneira integrada,
para a compreensão do fenômeno estudado.
Como nos lembra Fazenda, (2003, p. 48 - 49), a interdisciplinaridade, como “busca do
saber unificado para preservar a integridade do pensamento e o estabelecimento de uma
ordem perdida” deve ser a base para se encontrar a reciprocidade presente na interação entre
os conteúdos. Buscamos fazer uso dessa noção para promovermos a interação do sujeito desta
pesquisa o carvoeiro e as questões teóricas a que nos propusemos discutir. Desta forma,
estamos propondo, como nos lembra a autora identificar o vivido e o estudado; capaz de
construir conhecimento a partir da relação de múltiplas e variadas experiências”. Queremos,
portanto, promover um encontro da teoria com a vivência do trabalhador, dando voz à sua
experiência no trabalho, aos seus anseios e perspectivas.
Para tanto, foram utilizadas técnicas qualitativas como a observação sistemática com
visitas aos locais de trabalho e entrevistas temáticas. A observação é um elemento
fundamental para a pesquisa de campo e foi utilizada para compreendermos a situação em que
se encontram os carvoeiros: o conteúdo do trabalho, as condições de trabalho e seus modos de
vida.
De acordo com Marconi e Lakatos, (1986, p. 68-69), na observação não participante,
o pesquisador toma contato com a comunidade, grupo ou realidade estudada, mas não se
22
integra a ela, permanecendo fora dos contextos e ações. No entanto, em seu papel de
espectador, a observação será consciente e dirigida para um fim determinado. Foi esse o nosso
esforço nos encontros com os carvoeiros: buscar nas entrelinhas de suas palavras o conteúdo e
o significado do trabalho e, por meio da observação, apropriar-nos dos aspectos subjetivos
escondidos entre a fumaça, o suor e a munha.
Em se tratando de uma realidade complexa, nossa intenção inicial era visitar 05
carvoarias volantes e uma carvoaria de uma grande reflorestadora , empresa moderna situada
na região de Curvelo. Nas carvoarias volantes, entramos em contato com os contratantes, para
viabilizar as visitas, mas pela grande mobilidade das áreas de produção, visitamos apenas
quatro carvoarias. As entrevistas foram feitas na casa dos carvoeiros. Esses acabavam por nos
indicar para entrevista seus amigos, parentes ou vizinhos. Levando-se em consideração que
cada carvoeiro atuou em local diferente, acabamos por enumerar cerca de sete carvoarias
volantes onde eles atuaram.
Com o desenrolar das entrevistas foi possível perceber o receio de muitos
trabalhadores nas respostas. A experiência demonstrou a necessidade de estabelecermos uma
relação de maior confiança com alguns desses homens. No entanto, isso só seria possível se as
visitas às carvoarias e o contato com os carvoeiros fossem mais freqüentes. Como as
carvoarias volantes estão em constante mudança as visitas ocorreram apenas uma vez em cada
uma delas, o que impossibilitou-nos estabelecer novos contatos com os trabalhadores que
também se mudam com muita freqüência. Assim sendo selecionamos dentre as entrevistas
feitas as falas de 05 carvoeiros, 02 entrevistas com encarregados da reflorestadora e 02
entrevistas com empreiteiros.
As entrevistas com os demais carvoeiros estão inseridas no texto na descrição do
processo de produção e nas observações descritas. Buscamos preservar os nomes dos
personagens envolvidos, exceto do Sr. Leonardo, empregado de carvoaria volante que
demonstrou grande interesse em fazer parte desse trabalho.
O trabalho com pesquisa de campo é instigante porque se realiza no palco da vida
cotidiana. Nesse esforço científico de desvendar as experiências dos carvoeiros, deparamo-
nos com a dificuldade de identificar as carvoarias, localizá-las e estabelecer o contato com os
carvoejadores. Foi necessária uma incursão pela zona rural de Curvelo, sem roteiro prévio,
para identificar e localizar alguma carvoaria. O próximo passo seria descobrir o empreiteiro
responsável e persuadi-lo a nos conceder a visita. Não foram poucas as vezes que recebemos
um não como resposta. Por isso a pequena quantidade de carvoarias visitadas. È
imprescindível relatar ainda que uma segunda visita se tornava quase impossível, que as
23
carvoarias volantes apresentam alta mobilidade. O segundo contato foi possível com apenas
quatro dos entrevistados, que se propuseram a nos receber em sua casa na cidade.
Na reflorestadora, fomos autorizados a efetuar a pesquisa pela administração, mas a
abordagem dos carvoeiros foi executada fora do ambiente da carvoaria, já que mesmo nas
carvoarias volantes o trabalho costuma ser observado por um mediador, o que pode
comprometer as falas dos trabalhadores.
As informações coletadas foram fundamentadas pelas principais contribuições teóricas
existentes na literatura sobre o tema trabalho e trabalhadores. É importante ressaltar que, no
que se refere à temática das carvoarias, há uma escassez de produções teóricas, com enfoque
sociológico. Nesse caso selecionamos os trabalhos de Bethonico (2002), dissertação de
mestrado resultado de uma pesquisa efetuada em Montezuma (MG); Silva (2002), tese de
doutorado, que estuda o processo produtivo do carvão vegetal em Mato Grosso do Sul;
Altamira Pereira que recentemente defendeu sua dissertação de Mestrado intitulada “Os
desafios para o trabalho nas carvoarias em Ribas do Rio Pardo MS(PEREIRA, 2006, p.
2006); Juliana Sena Calixto, dissertação de mestrado: “Reflorestamento, terra e trabalho:
análise da ocupação fundiária e da força de trabalho no Alto Jequitinhonha”. (CALIXTO,
2006).
A entrevista é uma técnica muito utilizada nas áreas das Ciências Humanas e Sociais
na busca de informações tanto subjetivas como objetivas, realizadas diretamente junto aos
atores sociais enquanto sujeitos-objetos da pesquisa. Nessa pesquisa, a entrevista é o principal
instrumento que subsidiará as análises do tema proposto. Esta técnica foi utilizada também
junto aos contratantes das carvoarias volantes, empresários e administradores das
reflorestadoras, buscando a complementação de informações.
A entrevista é um instrumento de grande importância para a investigação social. A sua
relevância está intimamente relacionada à necessidade da flexibilidade e na objetividade das
questões e no respeito pelo entrevistado. Assim sendo, as entrevistas ocorreram fora do
ambiente das carvoarias, buscando preservar a relação do carvoeiro com o contratante ou
empregador.
Para Thompson (1992, p. 254), o entrevistador bem sucedido deve possuir qualidades
essenciais tais como: “interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas
reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião
deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar”. Tendo em vista este alerta, as
entrevistas seguiram um roteiro previamente elaborado, sem no entanto se configurar em
uma enquete fechada, permitindo ao entrevistado fazer suas próprias incursões, tomando
24
característica de uma conversa informal. Assim realizadas, as entrevistas nos forneceram
dados concretos sobre as condições de trabalho, moradia e vida dos carvoeiros.
Como relatamos, o trabalho e os trabalhadores das carvoarias no entorno da cidade
de Curvelo passam quase despercebidos aos olhos da maioria dos cidadãos. Portanto, a
entrevista se apresentou como uma técnica que nos permitiu revelar as expectativas, desejos e
valores dos carvoeiros.
As informações obtidas com a observação sistemática, a coleta de dados e as
entrevistas qualitativas foram elementos fundamentais para a sistematização do trabalho. No
exercício interpretativo das fontes, nos propusemos a articular as informações obtidas para o
entendimento das relações de trabalho, as condições de trabalho e as implicações desses
aspectos para a vida dos carvoeiros.
A dissertação se estrutura em três capítulos. No primeiro nossa tarefa será
contextualizar o tema, construindo um breve histórico do município de Curvelo, evidenciando
sua tradição na pecuária e o avanço da atividade de carvoejamento. Apresentar o cenário da
atividade: vantagens competitivas para a exploração da mata nativa e do reflorestamento,
localização geográfica e histórico do incentivo à atividade de carvoejamento em Minas
Gerais. Será necessário ainda caracterizar a atividade de carvoejamento apresentando o perfil
da empresa reflorestadora, as características das carvoarias de mata nativa e o ambiente das
carvoarias. Apresentar a cadeia produtiva do carvão, promovendo a diferenciação entre as
carvoarias volantes e de reflorestadora.
No segundo capítulo, discutimos os principais elementos do trabalho nas carvoarias: as
relações de trabalho, os tipos de contrato predominantes, o conteúdo do trabalho, o perfil dos
trabalhadores, e as características da atividade. Para tanto, selecionamos algumas das
discussões mais recentes sobre trabalho em carvoaria como trabalho escravo e trabalho
infantil.
O terceiro capítulo apresentará o ambiente de trabalho e as condições de trabalho a que
estão submetidos os carvoeiros. Apresentaremos aqui as formas de dominação e controle dos
trabalhadores, o conceito de trabalho desqualificado a ser aplicado na pesquisa, as relações
entre saúde física e mental e condições de trabalho.
Nas considerações finais, retomamos o objetivo geral e a hipótese geral do projeto de
pesquisa, estabelecendo as diferenciações do trabalho executado entre os dois tipos de
carvoarias investigados de reflorestadora e volante, bem como, uma reflexão acerca da
influência das condições e relações de trabalho para a vida dos carvoejadores.
25
1. CURVELO: DE PORTAL DO SERTÃO A BERÇO DO CARVÃO
A atividade de pecuária, historicamente predominante no município de Curvelo, vem
dando espaço ao crescimento da atividade de carvoejamento. A modernização do campo e o
crescimento da siderurgia vieram de encontro a essa nova realidade, influenciando nos
investimentos na indústria reflorestadora e no conseqüente desmatamento e exploração do
cerrado para o mesmo propósito. Isso tudo trouxe conseqüências para o meio ambiente e a
vida dos trabalhadores, além de mudar o cenário social e físico-geográfico do município de
Curvelo.
Nesse capítulo, a partir de um breve histórico do município de Curvelo, evidenciando
sua inserção no cenário do projeto desenvolvimentista de criação das áreas de
reflorestamento, tomaremos a tarefa de caracterizar a atividade de carvoejamento,
promovendo uma análise comparativa da cadeia produtiva nas carvoarias volantes (arcaicas)
e de reflorestadoras (moderna).
1.1 – Curvelo: um breve histórico
Situada na mesorregião central de Minas Gerais a 160Km (ver mapa, Anexo A) da
capital mineira e com uma população estimada superior a 75.000 habitantes, Curvelo se
destaca como grande fornecedora de carvão às siderúrgicas produtoras de ferro guza da
região.
A vegetação curvelana é original do cerrado, modificada pela expansão das pastagens
e plantação de eucalipto. As espécies vegetais predominantes são o pequizeiro, sibipuruna e
oiti. Vale ressaltar que sua paisagem original rendeu à cidade os títulos poéticos de “Portal do
Sertão” e “Princesinha do Sertão”.
A história de Curvelo formou-se no entorno dos currais de grandes latifúndios, antes
dedicados exclusivamente à atividade pastoril. Por volta do séc. XVII, como relatam nossos
historiadores, paulistas subiam e baianos desciam pelas margens dos rios São Francisco e
Guaicuí, movimentados pela busca do ouro e cana de açúcar, incentivando com isto, em suas
paragens a criação de gado.
26
E foi às margens do Ribeirão Santo Antônio, que deságua no Rio das Velhas que
surgiu o povoado de Santo Antônio da Estrada, hoje Curvelo. Com uma localização
privilegiada, ligando Minas ao sul da Bahia, servia de pouso àqueles que se propunham à
aventura do ouro ou às atividades da indústria da cana. Isso demonstrava a vocação do
povoado para o desenvolvimento de uma economia complementar às atividades das minas e
das lavouras de açúcar. A tradição curvelana de pecuária foi uma prática de seus fundadores
que lhe designou essa característica ao longo de sua história. A percepção dessa cidade como
um ambiente propício à pecuária, será um dos itens mais correntes na literatura disponível.
Assim, vemos que a atividade de pecuária marcou a cidade não economicamente, mas foi
capaz de definir um perfil singular às suas estruturas sociais.
Como registra o historiador Antônio Gabriel Diniz:
(...) É sabido que o curvelano nunca foi dado à agricultura, ou melhor, à lavoura.
preferimos a pecuária, que segundo os entendidos, mais se adapta ao nosso meio
ecológico e agrostiolótico. Nossos campos são apropriados aos criatórios. (DINIZ
1989, p.160).
A criação de gado seria uma prática comum nas terras de solo pouco fértil e que não se
prestavam à cultura da cana. De acordo com Pitanguy (1999, p. 75 )“a relação homem-cavalo-
boi fundaria a especificidade mesma da cidade Curvelo”. Como reflete essa autora, ao focar a
atividade econômica na criação de gado, a mobilidade social se enrijece, trazendo consigo a
idéia de que a terra é um bem essencial à sobrevivência e deverá ser destinada aos
descendentes. A criação de gado e os grandes latifúndios determinaram desde sempre o status
quo na sociedade curvelana. Seu alcance está além do meramente econômico e social, reflete-
se na formação dos partidos políticos e nas redes de poder.
Em meados da década de 1990, com a redução dos incentivos governamentais, a
atividade de pecuária sofre um forte recrudescimento. Em pouco tempo, a Cooperativa
Agropecuária de Curvelo sofre os impactos da queda do preço do leite e seus derivados e
decreta sua falência. Para Mattei (1998, p. 29), apesar de a agropecuária ter sido a principal
fonte de aumento da produção nacional no inicio da década de 1980, em oposição a outros
setores da economia que sofreram profundas restrições em função de um conjunto de fatores
como a crise do petróleo e da dívida externa, bem como, a interrupção dos fluxos
internacionais de capitais, na cada de 1990 mudanças nas políticas macroeconômicas
marcam significativamente o setor.
27
A modernização na agropecuária foi incorporada ao processo produtivo, alijando os
pequenos proprietários e os sitiantes que não conseguiram se adaptar à velocidade das
mudanças. Dos grandes fazendeiros aos pequenos sitiantes, todos se vêem à mercê das
indústrias de laticínios, que além da exigência da ordenha mecanizada, impõem seus irrisórios
preços ao litro de leite.
Del Grossi e Silva afirmam:
Ao longo dos anos 90 ampliou-se a distância entre o segmento familiar e o patronal
da nossa agricultura. Ou seja, a distância entre os proprietários familiares e os
grandes empregadores da nossa agricultura é cada vez maior, e no meio deles, um
contingente de pequenas e médias empresas familiares que empregam poucos
trabalhadores permanentes, mas muitos temporários, que vinham se fortalecendo nas
décadas anteriores, vêm perdendo espaço especialmente após o Plano Real.
A queda da rentabilidade se deve, em nossa opinião, a três elementos fundamentais:
a queda dos preços dos produtos agropecuários, a elevação dos custos do trabalho e
do crédito rural e a redução do ritmo de inovação no setor agropecuário. (DEL
GROSSI; SILVA, 2002, p.10-11).
Quanto à redução do ritmo de inovação no setor agropecuário, os autores alertam que
se trata de uma falta de investimentos do setor público tanto nas pesquisas agropecuárias,
quanto na assistência técnica e extensão rural, impossibilitando aos pequenos proprietários o
acesso à modernização do campo por meios privados.
Superexplorados e endividados, os pecuaristas buscam na atividade de carvoejamento
uma alternativa rentável para os problemas financeiros, forjando novas formas de uso para o
solo e os recursos naturais, bem como, novas formas de trabalho.
1.2 – A produção do carvão vegetal: processo histórico
A produção do carvão é uma atividade comum na região. Cresceu ainda mais no início
da década de 1970 com o aumento das indústrias siderúrgicas da cidade de Sete Lagoas,
situada a apenas 110Km de Curvelo, com acesso facilitado pela BR 135.
Inicialmente, o carvão foi uma atividade paralela à pecuária, já que, para se formar
pastagens é necessário roçar o cerrado e promover o corte de muitas árvores. A madeira,
resultado do corte, seria transformada em carvão e vendida às siderúrgicas. Como
percebemos, a atividade principal continua sendo a pecuária e o carvão, uma forma de tirar
proveito dos resíduos deixados pela abertura de pastos. É bem certo que, mesmo sem a
28
necessidade de formação de pastagens, a madeira poderia ser carbonizada em períodos de alta
no preço do carvão, representando um lucro extra ao fazendeiro.
Na segunda metade da década de 70, instalou-se em Curvelo, próximo à localidade
Canabrava uma grande reflorestadora que atuava no litoral da Bahia. Sua atividade inicial
foi a criação do gado zebu. Muitos sitiantes desta região, incentivados pela pouca
rentabilidade da pecuária, acabaram por vender suas terras a reflorestadora que hoje possui
uma área de 14.000 ha de extensão e 9.800 ha de floresta. Este cenário começou a ser forjado
na década de 70, por incentivo do governo de Minas Gerais com o objetivo de alimentar os
fornos de siderúrgicas mineiras. Inicialmente destinadas às regiões norte e noroeste do Estado
e à bacia do Médio Jequitinhonha, as carvoarias logo alcançaram boa parte do cerrado
mineiro.
Esta atividade está claramente dividida em duas: uma arcaica que corresponde à
produção artesanal de carvão vegetal próprio do cerrado e outra moderna, composta por uma
minuciosa divisão do trabalho e acréscimo de novas tecnologias à produção.
Para Diniz (1981), a formação da indústria mineira apresenta características próprias
em relação aos demais estados brasileiros, devido à convicção do Estado de que a
industrialização seria a única saída para superar o seu atraso econômico. No final dos anos
1930, o Estado monta um sistema energético de propriedade governamental. Em 1940, Minas
Gerais se torna pioneiro na construção de uma cidade industrial construindo Contagem. Na
década de 1950, o governo mineiro investe na construção da infra-estrutura necessária à
expansão econômica, enquanto esta se especializa no ramo metalúrgico e de minerais não-
metálicos.
O Estado teve papel preponderante no incentivo ao reflorestamento em Minas Gerais.
O crescimento econômico foi o principal objetivo do modelo de desenvolvimento adotado
pelo regime militar (1964-1985). Em consequência disso, os setores da economia
considerados mais aptos ao crescimento receberam fortes incentivos. De acordo com Calixto e
Ribeiro (2006), foi nesse contexto que cresceram as políticas de incentivo ao reflorestamento:
As políticas de incentivo ao reflorestamento para a produção de carvão vegetal para
a siderurgia, do final dos anos 1960 ao início dos 1980, estão intimamente
relacionadas com o projeto de desenvolvimento para o país na época. O modelo
nacional - desenvolvimentista dos militares tinha a expansão industrial como um de
seus principais objetivos, para a qual o fortalecimento da indústria siderúrgica,
fornecedora de matéria-prima para indústrias de bens de consumo duráveis, era
imprescindível. (CALIXTO; RIBEIRO, 2006, p. 02).
29
O setor siderúrgico mineiro se desenvolve com o grande fluxo de capitais
internacionais que se deslocaram para o Brasil, para os setores de tecnologia de ponta como a
produção de bens duráveis, de capital, farmacêuticos e na mineração. Para Diniz (1981, p. 21)
“Minas se converteu numa caricatura do capitalismo brasileiro atual: moderno, selvagem,
público e estrangeiro”.
O crescimento industrial provocado por esta política, promove um considerável
aumento da demanda por aço. Conseqüentemente, tem-se uma necessidade maior de produção
matéria prima para abastecer a produção de ferro gusa. Bethônico (2002) afirma que no
final da década de 60 e início da década de 70, por ser o carvão vegetal insumo para a
produção do ferro gusa, há uma expansão da produção e utilização de biomassa como fonte de
energia. Sendo assim:
A associação entre produção de ferro gusa e carvão vegetal gerou, em um primeiro
momento, a degradação da Mata Atlântica na região do Vale do Rio Doce e Mucuri.
A idéia de existência da possibilidade de falta de fonte energética fez surgir, na
década de 50, o discurso dos recursos florestais finitos. Tal discussão não se pautava
na necessidade de preservação de nossas matas, mas na impossibilidade de
regeneração capaz de acompanhar a demanda das siderúrgicas. Inicia-se então, o
processo de substituição de áreas devastadas por plantio de eucalipto, vinculando-se
essa espécie vegetal indústria de celulose e siderurgia. (BETHÔNICO, 2002, p. 63).
O governo militar brasileiro criou incentivos fiscais responsáveis por sustentar as
bases do desenvolvimento florestal em Minas Gerais, determinando às empresas que
optassem por investir no reflorestamento uma dedução de até 50% do imposto de renda. Para
os investidores físicos os incentivos se baseavam em empréstimos do governo para a
execução do empreendimento.
O eucalipto, como solução técnica para o reflorestamento energético, apresentou-se
como o caminho mais adequado a um problema prático: 1 hectare de cerrado apresenta quatro
vezes menos produtividade do que 1 hectare de eucalipto. Além disso, a mata de cerrado pode
demorar de 15 a 20 anos para tomar porte para o corte enquanto que o eucalipto alcança este
nível em apenas 7 anos.
Os planos de incentivo ao reflorestamento com espécies exóticas de rápido
crescimento (eucalipto e pinus, principalmente) para a produção de carvão e outros produtos
madeireiros para abastecer a indústria foram pensados sobre os seguintes argumentos
técnicos, empresariais e governamentais:
30
- as reservas de matas nativas não seriam suficientes para atender à demanda de
matéria-prima da indústria siderúrgica;
- o carvão de eucalipto se mostrava de melhor rendimento que o nativo;
- o eucalipto fornecia lenha com menor período de tempo; e
- as espécies exóticas se regeneravam até três vezes mais rápido que o cerrado
(majoritariamente utilizado para carvoejamento, após a extinção das reservas de mata
atlântica).
A difusão das áreas de reflorestamento com a utilização do eucalipto, deixaram Minas
Gerais em situação de destaque no cenário nacional. O aparato montado pelo governo do
Estado para difundir o eucalipto como um dos instrumentos de recuperação econômica,
juntamente ao fato de existirem grandes empresas consumidoras de carvão vegetal e de
celulose em Minas Gerais, levaram à necessidade de se delimitar áreas prioritárias para a
implantação do reflorestamento. Nesse estado, a abundância em recursos naturais,
principalmente o minério de ferro e a cobertura vegetal de cerrado, criam as condições
propícias para o desenvolvimento das florestas industriais
Para Calixto (2006), o desenvolvimentismo do regime militar na década de 70,
promoveu a ocupação intensiva do bioma Cerrado, considerado na época como um grande
“vazio”, balizada pela denominada Revolução Verde:
Avanços nas ciências agrárias, difusão de técnicas de preparo do solo, fertilização e
controle de pragas permitiram o cultivo em terras até então consideradas inférteis e
improdutivas, que serviam apenas para aumentar distâncias; era uma fronteira a ser
desbravada. (CALIXTO, 2006, p. 05).
Como demonstra Tameirão (2007, p. 66) em 1965, deu-se a criação do digo
Florestal no Brasil que regulamentava o uso e a ocupação de florestas, indicando uma
mudança em relação ao trato com os recursos naturais. Nesse código, as florestas passam a se
tornar bens de interesse comum à população, apesar de serem mantidos os direitos de
propriedade das florestas aos proprietários das terras. Para evitar a exploração nociva dos
recursos florestais, este código prevê a criação das áreas de preservação permanente em que
serão deixadas intactas as áreas de florestas ao longo de cursos de rios ou de reserva
ecológica, dentre outras situações.
Ainda segundo Tameirão (2007), a regulamentação das florestas para uso industrial
florestas industriais, também permitiu aos proprietários de terras com matas nativas a
derrubada de áreas para a formação de florestas homogêneas. Assim sendo, percebemos uma
31
imensa preocupação do governo em criar condições favoráveis ao processo de
industrialização.
Quanto à derrubada de áreas de matas nativas para a formação de florestas
homogêneas, o discurso corrente levava em consideração que o cerrado, por apresentar uma
cobertura vegetal rala e muito desgastada pela ocupação pecuária, poderia ser melhor
aproveitado pelo reflorestamento. Bethônico enfatiza que:
A difusão dessas idéias pode representar o que Moura (1988) definiu como ‘pobreza
ideológica da terra’, expressa pelo discurso das políticas estatais, em que o solo é
visto como pouco produtivo, a fim de explicar a dependência dos pequenos
lavradores com agricultura de subsistência, frente aos latifundiários e reflorestadoras
na direção de proletarizar essa população rural. (MOURA apud BETHÔNICO,
2002, p.71).
Esse é o cenário da ocupação de florestas homogêneas no entorno do município de
Curvelo: uma redefinição da paisagem natural pelo uso do capital. A implantação dos
reflorestamentos foi justificada pela diminuição da mata nativa, mas vemos que a necessidade
do fornecimento de carvão para a produção do ferro gusa somada às condições climáticas
favoreceram o plantio do eucalipto na região.
Levando-se em consideração a ocupação do cerrado curvelano pela floresta
homogênea, podemos nos remeter às idéias de Lefebvre segundo Gottdiener (1993, p. 129).
O autor assevera que as idéias de Lefebvre acrescentaram um elemento novo ao estudo da
cidade enquanto sede do capital, considerando o espaço como uma das forças de produção e
ainda, como resultante das relações de produção capitalistas:
Graças a seu status de força de produção, o espaço possui o mesmo relacionamento
contraditório com a propriedade privada (as relações de produção) que em com a
posse de máquinas: isto é, as relações sociais que regem as atividades associadas ao
espaço precisam adequar-se à forma pela qual o espaço é usado para adquirir
riqueza. Esse relacionamento é contraditório, desde que os usos do espaço para fazer
estão em permanente conflito com a propriedade privada. (GOTTDIENER, 1993, p.
129).
Partindo desse pressuposto, podemos observar que o espaço ocupado pela produção de
biomassa é um instrumento que, para Lefebvre citado por Gottdiener (1993, 130) também
gera mais-valia, ou seja, o próprio design espacial gera riqueza. Para este autor, o espaço
representa uma hierarquia de poder, onde o design espacial é um instrumento político de
controle social que o Estado usa para promover seus interesses administrativos
32
(GOTTDIENER, 1993, 130). Os conflitos sócio-espaciais têm na interferência do Estado, na
ocupação, a sua causa justificada. Não estamos nos referindo aqui ao espaço urbano em si,
mas na utilização do espaço territorial do município de maneira ampla como um instrumento
de geração de riquezas e, ao modo do modelo desenvolvimentista, de garantir o crescimento
econômico pela criação de uma infra-estrutura propícia ao desenvolvimento industrial do
sertão mineiro.
Prova disso é o Plano Diretor do Município, divulgado em setembro 2007, que prevê
em seu artigo 16, inciso I, a necessidade da administração municipal de:
Assegurar critérios de multiplicidade de usos do território do município, visando a
instalação de atividades econômicas de pequeno e médio porte, reduzir a capacidade
ociosa da infra-estrutura urbana e contribuir para a diminuição da necessidade de
deslocamentos. (MINAS GERAIS,2007, artigo 16, inciso I).
Comumente encontramos pelas estradas que nos trazem ao município indícios de
desmatamento para ocupação com a plantação de eucalipto. O discurso desenvolvimentista
ainda é uma máxima no cenário econômico de Curvelo, tanto que no decorrer da pesquisa
observamos a chegada de mais uma nova reflorestadora e a promessa de uma siderúrgica
sustentada pela biomassa aqui produzida. Todos os incentivos têm sido deslocados no sentido
de garantir a execução desse projeto. O Plano Diretor Urbano tem o perfil adequado para isso
e prevê a elaboração de um Plano Diretor Rural que conta dos espaços destinados à
exploração agrícola, pecuária e de silvicultura.
Atualmente as atividades de reflorestamento e carvoejamento têm sido página de
noticiários que relatam as condições degradantes de trabalho nas carvoarias, bem como os
danos causados ao meio ambiente. Em recente série de reportagem sobre o consumo de
carvão vegetal de mata nativa pelas siderúrgicas de Minas Gerais, o jornal Estado de Minas
tem chamado a atenção para o desastre ambiental que a atividade tem causado. As denúncias
relatam o uso de correntões - correntes que pesam cerca de 50 kg presas a dois tratores - que
arrastam arvores e arbustos sem distinção de tamanho ou espécie nativa. Após a destoca, a
lenha é amontoada para secar e ser encaminhada aos fornos. O carvão vegetal de matas
nativas de Minas representou 3.306.539 m
3
do valor consumido pelas siderúrgicas do estado
em 2006. Esses dados são alarmantes se considerarmos que nos últimos dez anos
desapareceram 17,3 mil quilômetros quadrados de matas nativas brasileiras, o equivalente a
52 municípios do tamanho de Belo Horizonte.
33
Aqui se encontra a nossa preocupação: o desastre ambiental tem sido muito explorado,
comentado, estudado. Pouco espaço, no entanto, tem sido dado à discussão sobre a exploração
do trabalhador no contexto da exploração dos recursos naturais. Nessa reportagem do jornal
Estado de Minas denunciam ainda que “o carvão de mata nativa em Minas é sinônimo de
exploração de mão-de-obra em condições insalubres, remuneração indigente e sem carteira”.
(FURTADO, 2007, p. 7). Não podemos, entretanto, fechar os olhos às intenções ocultas das
denúncias ao carvoejamento de mata nativa, seja qual for a sua origem. Sabemos que as
grandes reflorestadoras, por serem mais fiscalizadas, são prejudicadas com os baixos preços
do carvão de mata nativa, principalmente as ilegais. Seria, portanto, mais prático, combater a
utilização de carvão de mata nativa garantindo o consumo e o preço do carvão oriundo de
maciços florestais. Isso se confirma na entrevista realizada com o presidente da Associação
Mineira de Silvicultura (MAS) Sr. Dacio Calais, que afirmou terem sido doados pelos
empresários do setor, dois helicópteros ao Instituto Estadual de Florestas para que se
procedesse à fiscalização das áreas de mata nativa em Minas Gerais.
Outro aspecto desse fato é o destaque dado ao município de Curvelo na publicação do
IBGE (2005, p. 14), referente aos resultados da Pesquisa sobre Produção de Extração Vegetal
e da Silvicultura, referentes ao ano de 2005, em que o município aparece em lugar dentre
os dez maiores municípios produtores de carvão do período, como mostra a tabela 1.
Tabela 1
Quantidade produzida e participações relativa e acumulada de carvão da silvicultura,
dos dez maiores municípios produtores, em ordem decrescente – 2005
Dez maiores municípios produtores
Carvão da silvicultura
Quantidade produzida (t) Participações
Relativa Acumulada
Brasil 2 526 237
100
_
Buritizeiro MG 125 814
5,0
5,0
João Pinheiro MG 105 435
4,2
9,2
Caravelas BA 76 337
3,0
12,2
Açailândia MA 74 160
2,9
15,1
Itamarandiba MG 71 911
2,8
18,0
Curvelo MG 70 893
2,8
20,8
Alcobaça BA 67 936
2,7
23,5
Centro Novo do Maranhão MA 62 075
2,5
25,9
Três Marias MG 61 192
2,4
28,3
Três Lagoas MS 60 066
2,4
30,7
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Agropecuária, Produção da Extração
Vegetal e da Silvicultura, 2005
34
O referido documento relata que o principal produtor de carvão obtido de material
lenhoso do país é o Estado de Minas Gerais, que por sua vez também concentra, como vemos
na tabela, cinco dos dez maiores produtores de carvão vegetal do país. Curvelo, assumiu a sua
posição como produtor de 70.893 toneladas de carvão vegetal no ano de 2005.
1.3 – As Carvoarias Volantes: capital moderno, trabalho arcaico.
As carvoarias volantes são aquelas que utilizam matéria-prima própria do cerrado e
que, por isso, apresentam alta mobilidade de localização. São encontradas nas áreas de zona
rural, destinadas às pastagens em meio à mata. Essa forma de carvoejamento apresenta baixa
produtividade e geralmente é executada por pequenos proprietários rurais que necessitam
complementar sua renda. Ao se esgotar a exploração de uma determinada área de vegetação
nativa, os carvoeiros “buscam áreas ainda preservadas para obter carvão ou se tornam
empregados das carvoarias já implantadas, sujeitando-se a condições de trabalho degradantes”
(CARVALHO, 2002, p.51).
O ambiente das carvoarias não se diferencia: o construídas em locais planos, em
meio à mata, próximas a córregos ou riachos, visíveis à distância pela fumaça que sai das
chaminés dos fornos. O modelo mais simples de forno é o de alvenaria, construído em forma
semelhante a iglus, possuem cerca de 3m de diâmetro, com orifícios para controle de entrada
de ar. Encontramos em média, cerca de dezoito fornos, distribuídos em duas fileiras. Ao lado
de cada fileira, encontra-se a “praça” onde é depositado o carvão, ainda fumegante. Chama a
atenção o fato de quase não haver árvores em volta das carvoarias, o que aumenta ainda mais
a sensação de calor próximo ao forno, sob o sol escaldante.
As moradias encontradas são barracos construídos em sua maioria, de madeira e lonas
pretas, cobertas com telhas de alvenaria, geralmente aproveitadas de restos de construções
antigas. ainda, a possibilidade do carvoeiro morar próximo à carvoaria, usando estes
barracos apenas para alimentar, proteger da chuva ou passar a noite quando for de sua
responsabilidade cuidar dos fornos, que o processo de carbonização deve ser acompanhado
durante as 24 horas, evitando-se assim a perda da lenha.
Ao nos receberem, os carvoeiros estão sempre cobertos de fuligem; deles, vemos
apenas os olhos. Geralmente estão sem camisa e, assim, o suor produzido pelo calor do forno
35
e do sol acaba por lhes impregnar a fumaça e o de carvão. Quando percebem a chegada da
visitante se cobrem com o trapo que estiver mais à mão. Em sua maioria são homens magros e
notadamente envelhecidos pela penúria do trabalho. O olhar sempre expressa o cansaço do
trabalho e muitas vezes a vergonha, por os encontrarmos sujos.
Encontramos nessas carvoarias, a presença de crianças que desde cedo aprendem o
ofício do carvoejamento, tema que abordaremos mais adiante. De acordo com estudo do
Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da UFMG, as
“carvoarias volantes” são um “sistema de empreitada familiar, com a participação de crianças
e adolescentes”.
Em conversa informal com os auditores ficais do trabalho, da Delegacia Regional de
Trabalho de Curvelo, foi afirmado pelos mesmos que o trabalho infantil, apesar de
encontrarem famílias inteiras, com crianças e adolescentes em idade escolar, morando nas
carvoarias. Segundo eles, não chegam a aplicar penalidades porque as atividades das crianças,
como carregar água ou buscar lenha, principalmente na zona rural e por uma questão cultural,
não é considerado trabalho infantil. Deixam claro ainda, que a imprensa denota tais atividades
como trabalho infantil porque não conhece a realidade e a miséria das famílias que
sobrevivem nesses locais.
2
As mulheres são encontradas em menor número, mas mesmo sendo poupadas das
atividades mais pesadas como encher ou esvaziar o forno são importantes para a manutenção
da carvoaria, preparando os alimentos e lavando as roupas dos homens. A produção do carvão
vegetal em florestas de mata nativa como o cerrado, configura-se em uma atividade de baixo
custo operacional, tanto no que se refere à força de trabalho, quanto à matéria prima. Mesmo
se tratando de um processo rudimentar, encontramos carvoarias que possuem autorização
legal do Instituto Estadual de Florestas (IEF), sendo, portanto, passíveis de fiscalização por
este órgão e também pela Delegacia Regional do Trabalho. Autuações por irregularidades são
freqüentes durante as fiscalizações.
As carvoarias que possuem um processo de trabalho ainda mais rudimentar,
geralmente são as clandestinas que não possuem autorização legal do IEF para a exploração
do cerrado. Nessas, além da ausência de controle ambiental e da sonegação fiscal, vemos
forma mais nítida da superexploração do trabalho.
2
Duas semanas após esta conversa, em visita a uma carvoaria autorizada, fomos informados de que os ficais autuaram o
dono por não possuir contratos oficiais com os trabalhadores e fecharam a carvoaria porque encontraram crianças envolvidas
no trabalho.
36
Brito (1990, p. 225), no seu estudo “Carvão Vegetal no Brasil: gestões econômicas e
ambientais”, demonstra que o grande problema que envolve a produção do carvão vegetal no
Brasil é a questão da tecnologia de produção Segundo ele:
o nosso carvão vegetal é hoje produzido, em sua maior proporção, da mesma forma
como era há um século. A tecnologia é primitiva, o controle é operacional dos
fornos de carbonização é pequeno e não se pratica o controle qualitativo e
quantitativo da produção. (BRITO, 1990, p. 225).
A informação de Brito (1990), concorre de forma direta para corroborar a fala de
Pereira (2006) que nas primeiras linhas do seu trabalho relata que a produção do carvão
vegetal:
está submetida às novas estratégias do capital e das economias globalizadas, em que
o carvão vegetal, produzido de forma arcaica, nas carvoarias, posteriormente será
empregado nas siderúrgicas, o maior segmento industrial consumidor de carvão
vegetal do pais, para o processo de fabricação do aço, que terá vários fins, sendo
consumido externamente ou importado. (PEREIRA, 2006, p. 14).
O carvão vegetal de mata nativa, visto apenas pela ótica da produção, demonstra ser
uma atividade praticada de forma rudimentar, sem um rigoroso controle produtivo apesar de
estar na ponta da cadeia produtiva do ferro gusa, um dos grandes símbolos de riqueza do
nosso país. Por outro lado, se o processo produtivo que gera riqueza está relegado ao limbo,
muito mais estão as questões ambientais e trabalhistas inseridas na dinâmica do processo
produtivo do carvão vegetal de mata nativa.
Sob o rígido controle do IEF, as carvoarias autorizadas são obrigadas a manter uma
reserva ecológica de 20% da área explorada intocada, além das matas de topo de morro e das
matas ciliares (às margens dos rios e córregos). Nem sempre tal controle conta das formas
de subversão dar regras. Não raro, os empreiteiros avançam sobre as áreas de reserva e
promovem o desmatamento para a queima do carvão. A manipulação das áreas a serem
devastadas é complexa e, segundo um de nossos entrevistados, burlar a autorização do IEF é
um risco que vale o retorno financeiro.
Para o Ministério do Trabalho é obrigatório ainda o uso dos EPIs:máscaras e capacete.
Além disso, os contratos de trabalho devem ser efetuados oficialmente, seja por registro com
carteira de trabalho ou por contratos que determinem as condições de trabalho e a forma de
pagamento. Ao longo dos três anos de pesquisa, observamos que mesmo nas carvoarias
37
autorizadas que estão sob a vigilância da Delegacia Regional do trabalho, os contratos muitas
vezes não seguem as normas prescritas.
Mesmo assim, o aspecto legal é o que difere as carvoarias autorizadas das carvoarias
clandestinas, o que não impede que as primeiras cometam a exploração do trabalho e
submetam o trabalhador a criminosas restrições. Como foi observado, o processo de produção
nas duas formas de carvoarias volantes apresentam as mesmas características, muitas vezes
levando os carvoeiros a extenuantes jornadas de trabalho. Em relação aos contratos de
trabalho, mesmo nas carvoarias autorizadas é comum encontrarmos arranjos diferenciados
entre empregador e empregado. As relações de trabalho estabelecidas nessas carvoarias serão
melhor detalhadas no próximo capitulo.
A tarefa do carvoeiro no processo é proceder à carbonização da madeira. Ao
contratante cabe a entrega dos fornos prontos, a limpeza da área e a entrega da madeira
empilhada na “boca do forno”. O que lhe justifica a porcentagem de 85% do lucro líquido
com a venda da carga de carvão.
Quanto ao processo de produção, o desenrolar das atividades carvoeiras também não
se diferencia. Após a escolha do local, o próximo passo é o corte da madeira. No cerrado, o
corte pode ser feito com motoserra. Muitos fazendeiros, sitiantes ou empreiteiros que
investem na atividade preferem contratar um motoserrista que possua a motoserra e faz o
pagamento por dia de trabalho. Outros, no entanto, principalmente quando recebem
autorização do IEF, seja para produzir carvão ou supostamente para o plantio da brachiaria,
contratam o serviço de tratoristas para efetuarem a destoca. Quando não recursos
suficientes para esta despesa, o trabalho é feito com foice e machado por lavradores
contratados nas redondezas.
Depois de cortada, a lenha é “lerada”, ou seja, tiram-se os galhos para facilitar a
disposição no forno, ficando no local para secar por um período de 15 a 30 dias. Em seguida,
a lenha é empilhada ou “embraçada”, formando feixes que serão transportados até o forno
por carroças ou trator, conforme o porte da carvoaria.
O forno é construído, como ressaltamos anteriormente, de alvenaria por um forneiro
previamente contratado. Cada forno possui 3m de diâmetro e comporta 9m
3
de madeira. Para
a operação de enchimento do forno, o carvoeiro deve transportar a lenha até a “boca” do forno
e numa segunda fase, de lá para o seu interior. A madeira é organizada minuciosamente;
dispostas de forma centrípeta, ou seja, o espaço próximo à paredes é preenchido
primeiro, avançando para o centro do forno. Uma vez no centro, a disposição
38
39
40
O “ponto certo” para abrir o forno é quando a parede externa está menos aquecida. Isto
não significa que não se encontre carvão aceso dentro do forno. O próximo passo é abrir a
porta do forno. O carvão é retirado com um garfo e colocado na “gaiola”, um carrinho de
ferro com cerca de dois metros, cujas grades são trançadas de arame. Quase sempre
apresentam grosseiros reparos, provavelmente feitos pelos carvoeiros. Essa gaiola é
transportada até a “praça”, onde o carvão termina o processo de resfriamento para ser
ensacado.
Após o resfriamento, o carvão é ensacado e/ou colocado no caminhão para o
transporte. É possível que o carvão entre em combustão no ato do transporte, portanto, faz-se
necessário um cuidado especial com o resfriamento. Os carvoeiros afirmam que o importante
é evitar molhar o carvão, para que este não perca seu valor de mercado.
De modo geral, todo o processo de produção do carvão vegetal é feito de forma
manual, com baixa adequação às regulamentações trabalhistas, evidenciando-se, assim, uma
superexploração do trabalhador. O processo é rudimentar e exige do trabalhador os
conhecimentos adquiridos com a experiência na atividade. Sendo assim, percebemos um alto
índice de analfabetismo nas carvoarias visitadas. Notamos também que não uma
perspectiva nem em longo prazo de melhoria na qualidade de vida daqueles que sobrevivem
deste trabalho.
1.4 O carvão de reflorestadora: divisão do trabalho e formas arcaicas e modernas de
produção.
O setor siderúrgico é o principal consumidor do carvão vegetal produzido no país, o
que relaciona as perspectivas para a indústria do carvão vegetal às perspectivas para o
mercado mundial de aço:
o carvão vegetal pode ser considerado um vetor energético de uso amplo, tanto que
após o primeiro choque do preço do petróleo (1973) foi estimulada, pelo governo
federal, a substituição do óleo combustível por carvão em vários setores da produção
industrial, cabendo ao carvão vegetal uma participação expressiva nesse esforço.
Entretanto, é na metalurgia que ele encontra seu melhor nicho de mercado por
41
favorecer a produção de ferro-gusa praticamente isento de enxofre, fósforo e outros
elementos indesejáveis.”
4
. (FERREIRA, 2000, p. 03).
Árvores nobres como o jacarandá, o angico e a árvore-símbolo do sertão o
pequizeiro, também foram carbonizadas pelo processo mais rústico, apresentando baixo
rendimento na produção do carvão. Com isso, Ferreira alerta que a produção do carvão
vegetal de mata nativa do cerrado apresenta “certa flutuação nas propriedades físico-químicas
e mecânica, indesejável no processo de produção do ferro gusa”. (FERREIRA, 2000).
Portanto, com o crescimento da demanda por carvão vegetal na indústria siderúrgica, a
solução mais viável passou a ser o reflorestamento. Foi nesse contexto que a indústria
produtora de carvão vegetal avançou pelo sertão mineiro alcançando o município de Curvelo.
Como demonstramos anteriormente, mesmo sendo a pecuária a principal atividade
econômica do município, sempre houve uma tradição econômica na produção de carvão
vegetal. Impulsionada por esse fator e ainda, pelas características geográficas e a localização
estratégica do município de Curvelo a 110Km da cidade de Sete Lagoas, pólo siderúrgico
no Estado, com acesso pela BR 135 a grande reflorestadora, citada anteriormente, investiu
aqui na indústria do carvão vegetal.
Com uma área de 14.000 ha e 9.800 ha de floresta de eucalipto, essa empresa
introduziu várias inovações no setor , desde o preparo do solo até o aproveitamento do CO
2
. O
desenvolvimento das técnicas florestais, dos métodos de produção e a introdução de
inovações no processo de produção do carvão, alavancaram a produtividade e possibilitaram a
ampliação do horizonte de utilização da própria madeira – celulose, móveis entre outros, além
do aproveitamento dos subprodutos do carvão.
4
http://ecen.com/eee20/emiscarv.htm#vegetal pesquisa realizada em 30/06/2006 Economia & Energia, No 20 -
Maio - Junho 2000
42
43
De acordo com os auditores fiscais do trabalho, o caso mais comum de doenças no
viveiro clonal é a Lesão por Esforço Repetitivo (LER), dada a intensidade do trabalho
contínuo e repetitivo.
O processo de silvicultura utiliza muito trabalho mecanizado, mas o chamado serviço
braçal é executado por homens. Na produção do carvão vegetal, vemos que a mão de obra
utilizada é predominantemente masculina. Observamos ainda que a faixa etária está entre os
19 e 50 anos e grande parte dos trabalhadores, principalmente os mais velhos, apresentam
baixo grau de escolaridade.
O supervisor responsável pela área foi questionado sobre novas áreas de plantação.
Quanto a isso, nos informou que novas áreas são anexadas quando um sitiante ou fazendeiro
vizinho tem interesse em vender suas terras. Afirmou ainda, que os valores oferecidos pela
empresa pela compra do terreno chegam a ser superiores ao valor de mercado dos mesmos.
Assim, muitos vizinhos se interessam pela venda. Observamos ainda que muitos sítios
cercados pela fazenda, o que nos dá a impressão da iminente venda a reflorestadora.
Segundo os dados fornecidos pelo responsável, antes de 2000 eram necessárias 30
pessoas para plantar um talhão de 04 ha; hoje, com a mecanização do plantio, são necessárias
apenas 11 pessoas.
O processo de carbonização da madeira de eucalipto assemelha-se ao das carvoarias
volantes. Como relatamos anteriormente, o processo é extremamente dividido, contando
ainda com a utilização de procedimentos mecanizados.
Do corte ao transporte da madeira, destaca-se a criação de uma estrutura física para
abrigar o equipamento e acomodar os trabalhadores durante as refeições. Esta estrutura é
composta de uma barraca coberta com lona amarela, localizada em meio ao talhão a ser
trabalhado.
Em todas as etapas, o uso de EPIs é obrigatório. Para evitar acidentes entre as árvores,
os trabalhadores devem usar camisetas de cor azul, vermelha ou amarela, além de polaina,
capacete, bota com bico de aço e, no caso do corte, óculos, protetor auricular e luvas. Os
visitantes também são obrigados a utilizar os EPIs para entrar no talhão.
O trabalho nessa fase começa as 6:30 da manhã estendendo-se até as 15:30 h com
intervalo de uma hora para almoço. Segundo o supervisor responsável, o horário foi definido
pelos próprios trabalhadores que preferem o clima ameno da manhã para o trabalho mais
pesado.
Para o corte do eucalipto, é necessário antes proceder à limpeza da área. Nessa fase,
uma equipe corta com foice as galhas menores das árvores ou traz espécies que tenham
44
nascido nas fileiras do eucalipto. Na seqüência, entra a equipe de corte formada por 38
pessoas, sendo que para cada motosserrista existem 02 ajudantes responsáveis por fazer a
desgalha da copa da árvore depois da derrubada e medir seu corte. O corte varia de acordo
com o tamanho do forno que vai receber a lenha, podendo medir 1,5m ou 2,20m.
O trabalho no encabeçamento é braçal. Os homens entram no talhão derrubado e
carregam a madeira formando pilhas de aproximadamente 2,5 m de altura. Após 15 ou 30 dias
o eucalipto é transportado até a porta do forno.
Para o transporte o trabalho é mecanizado. Uma máquina “braçadeira” junta as pilhas
de madeira e coloca no caminhão para proceder ao transporte. A madeira que não é agarrada
pela máquina, é colocada no caminhão de forma manual. O caminhoneiro desce
constantemente para verificar o acesso pelo talhão; se necessário, movimenta um pedaço ou
mais de madeira para que o caminhão possa passar nas lombadas ou buracos do percurso.
Observamos que o transporte é feito de forma precária, causando rios riscos de acidente.
Não há proteção nas laterais dos caminhões, exceto por uma espécie de postes de madeira que
ficam a uma distância de 1,5 m de para garantir o equilíbrio da pilha de madeira. O desgaste
do caminhoneiro pelo constante movimento de prevenir os solavancos é nítido, bem como o
desgaste do próprio veículo.
Os caminhões e as máquinas utilizadas nessa fase são terceirizados. Pode-se perceber
que no caso das máquinas, esses equipamentos são fornecidos por grandes empresas de
aluguel que vêm até mesmo do Rio Grande do Sul. Os caminhões, no entanto, são de
trabalhadores que possuem apenas um ou dois veículos integrados ao trabalho. O responsável
pelo setor comentou sobre a possibilidade de troca de alguns caminhões porque estavam
muito velhos ou desgastados. Mas isso não implica que os mesmos terceirizados de hoje
sejam mantidos na prestação de serviço.
45
Figura 5: Limpeza do talhão
Fonte: Arquivo reflorestadora
Após o corte é feita a limpeza do talhão, que consiste no rebaixamento dos tocos das
árvores e na disposição dos galhos entre as linhas de plantio. Isso ocorre quando do segundo
corte, porque uma plantação de eucalipto oferece duas colheitas. O rebaixamento é feito por
uma máquina que cerra o toco e a disposição dos galhos é feita manualmente por uma equipe
de trabalhadores.
O processo de carbonização na reflorestadora assemelha-se ao das carvoarias volantes.
Nesse caso, a semelhança está no procedimento de cozimento da madeira, mas o trabalho
apresenta uma rigorosa divisão.
O ambiente das carvoarias se difere muito das volantes. Entre um forno e outro, o
espaço encontra-se limpo e vazio. Enquanto o forno está em processo de carbonização não
lenha próxima. Os alojamentos o de alvenaria, com banheiro e chuveiro de serpentina,
cantina e escritório.
Existem na empresa nove unidades de carbonização que chegam a possuir até 60
fornos. Estão localizadas geralmente em lugares altos e planos. Ao contrário das carvoarias
volantes, a fumaça produzida pelos fornos não paira no ar, o que nos dá a impressão de que a
escolha pelos lugares altos tem a intenção de promover a dispersão da fumaça pelo vento.
Como afirmamos, o trabalho nas carvoarias de eucalipto implica uma rigorosa
divisão. Ao carvoeiro cabe a função de encher e esvaziar o forno. O forno é preenchido com a
madeira a partir do fundo até a porta ou “boca”. Isso se deve ao fato de a madeira de
eucalipto ser mais regular que a madeira do cerrado, acomodando-se com facilidade ao
formato do forno. A copa do forno vai sendo preenchida, colocando-se uma camada de
46
madeira deitada sobre a madeira que está em pé. O carvoeiro, na seqüência veda o forno e o
deixa pronto para a carbonização.
O carbonizador acompanha todo o processo de carbonização, desde a queima da
madeira até o resfriamento. Cada carbonizador trabalha 12 horas e folga 24 horas, revezando-
se no trabalho noturno. O acompanhamento também é feito pelo aspecto da fumaça, apesar da
utilização de alguns instrumentos para medir o calor do forno.
Encontramos na reflorestadora um carbonizador e um encarregado que foram
formados por cursos técnicos em agropecuária e que conhecem os aspectos teóricos dos
procedimentos. O encarregado de uma das unidades de carbonização modificou a abertura de
alguns dos fornos, aumentando assim a produtividade dos mesmos.
Os fornos são barrelados de forma semimecanizada. Um caminhão foi adaptado com
um tanque com uma mistura de água e terra para transitar entre os fornos, enquanto um
trabalhador manuseia uma mangueira, aspergindo essa mistura, garantindo a vedação e o
resfriamento do forno.
Os carvoeiros também são responsáveis pelo esvaziamento do forno. No caso dos
fornos com capacidade para 1,5m de lenha, há apenas um trabalhador para preencher e
esvaziar 2 fornos. Nos fornos de 2.20 o trabalhador é responsável por um forno.
O trabalho para preencher o forno exige muito esforço físico já que a lenha de
eucalipto é mais compacta e pesada do que a lenha do cerrado. Devemos lembrar ainda que a
copa do forno é preenchida com uma camada extra de lenha que é depositada deitada sobre a
lenha que está em no chão do forno, o que requer um esforço extra do carvoeiro. Os
trabalhadores utilizam bota e capacete para preencherem o forno. No esvaziamento, o uso de
máscaras é obrigatório, mas percebemos que os trabalhadores as colocavam apenas quando
nos aproximávamos.
Nas carvoarias de eucalipto os trabalhadores também estão expostos a um trabalho
pesado e, mesmo que a jornada de trabalho seja menor, a produção do carvoeiro é
minuciosamente controlada pelos encarregados. O trabalho torna-se, portanto, extenuante e
degradante, que ainda estão expostos aos gases nocivos à saúde e a altas temperaturas
dentro dos fornos.
47
Figura 6: carvoaria reflorestadora
Arquivo Pessoal
Devemos levar em consideração que, mesmo diante de um fino e moderno aparato
produtivo, a produção do carvão vegetal na reflorestadora segue a mesma dinâmica da
carvoaria volante: o processo é feito sob o comando do conhecimento adquirido pelo
carvoeiro. João Paulo, um de nossos entrevistados, diz que “não é qualquer um que vem aqui
e conta do recado, não. Tem muito moço novo que eu vi amarelando. Já trabaiou na
roça, mas nunca fez carvão” (Depoimento Verbal)
5
.
Segundo Braverman (1980, p. 49) quando o homem altera o estado natural de
determinado objeto, lhe dá novo sentido portanto, é o trabalho que se exerce sobre este objeto
que lhe dá um valor específico. Assim, o homem se difere dos animais irracionais, idealizando
e produzindo o resultado: “o homem imprime ao material o projeto que tinha conscientemente
em mira”. Numa realidade que polariza cada vez mais as esferas da concepção e da execução
do trabalho, fica complexo compreender uma atividade que ao mesmo tempo apresenta uma
minuciosa divisão do trabalho e dependa de um aspecto cognitivo, como é o conhecimento do
trabalho pela experiência. Essa poderá ser a chave para compreendermos no terceiro capítulo,
a dimensão subjetiva do trabalho, escondida pela fragmentação das carvoarias de
reflorestadora.
O fato de muitos homens se submeterem a esse tipo de trabalho deve surpreender a
quem espera uma produção racionalmente organizada apenas nas grandes indústrias. Gilberto
5
Entrevista concedia em 17/06/2007
48
Dupas, 1999 p. 46), demonstra que o fracionamento das cadeias produtivas tem sido
influenciado pela busca de preços relativos e pela qualidade de produtos. Por isso :
na economia global, as pequenas e médias empresas manterão ainda um espaço
importante, especialmente via terceirizações, franquias e subcontratações, porém
basicamente subordinadas às decisões estratégicas das empresas transnacionais e
integradas a suas cadeias produtivas. (DUPAS, 1999, p. 46).
Na cadeia produtiva do carvão, as siderúrgicas atendem a uma demanda do mercado
internacional forçando a dinâmica das carvoarias tanto volantes quanto de reflorestadora. O
preço médio do carvão acompanha as oscilações determinando a cadência da produção e,
portanto, os ganhos dos carvoeiros. Essa divisão do trabalho busca atender às exigências das
siderúrgicas que determinam a cada reflorestadora manter certo número de caminhões
carregados de carvão à sua porta, garantindo o abastecimento just-in-time.
Presenciamos em determinado momento um funcionário sendo repreendido por ter
liberado dois caminhões com carga superior ao exigido. Naquele momento a fala do
supervisor foi incisiva: seria melhor mandar carga a menos do que carga a mais. Em se
tratando de tempo de seca, quando está em alta a produção do carvão, a regra deveria ser
estocar o produto, mas como se trata de um item de alta combustão sem ambiente adequado
para o armazenamento, todo o excedente produzido é encaminhado para ser ensacado e
comercializado como carvão para churrasco.
Após conhecermos a cadeia produtiva do carvão e as pecualiaridades do processo
produtivo, devemos nos ater ao estudo das relações de trabalho e às condições de trabalho
decorrentes.
49
2. O TRABALHO NAS CARVOARIAS: RELAÇÕES DE TRABALHO,
DIVISÃO DO TRABALHO E SUJEIÇÃO DO TRABALHADOR
A questão do trabalho e do trabalhador enquanto possibilidade de análise tem sido
amplamente explorada no campo das ciências sociais. Muitos grupos sociais são investigados
sob esta ótica na busca de compreender o conteúdo do trabalho, as relações de trabalho
decorrentes, as práticas de vivências, as condições de trabalho, entre outros fenômenos
manifestados nesse contexto. Nosso esforço na pesquisa proposta é desvendar tais fenômenos
no trabalho executado pelos carvoejadores das carvoarias volantes e de reflorestadora.
Nas carvoarias volantes, o trabalho é basicamente temporário, abrindo precedente
apenas para os empreiteiros que, como veremos posteriormente, contratam trabalhadores
fixos. Faz-se necessário compreender como se no campo essa forma de trabalho. Para
tanto, procuramos analisar as suas bases históricas, evidenciando a transformação do trabalho
familiar para trabalho temporário.
A atividade de carvoejamento recruta trabalhadores fixos ou temporários, variando de
acordo com o tipo de carvoaria. Nas carvoarias de reflorestadora podemos encontrar tanto
carvoeiros fixos quanto temporários. Algumas empresas do ramo terceirizam a atividade de
carvoejamento entregando essa tarefa a empreiteiros que por sua vez, subcontratam os
carvoeiros de acordo com a demanda do serviço. Nesse caso, a maioria dos carvoeiros é
temporária. Na grande reflorestadora, em Curvelo, empresa que faz parte de nossa
investigação, a produção do carvão não é terceirizada porque responde a uma exigência do
Banco Mundial para a venda de CO
2
. No caso, a empresa terceiriza as tarefas até a chegada
da madeira na boca do forno, mas todos os carvoeiros são colaboradores do seu quadro fixo.
Nesse caso, nossa leitura estará embasada na perspectiva da revolução agrícola que promoveu
uma industrialização no campo.
O universo do trabalho dos carvoeiros está mapeado em suas falas e no rosto de cada
um dos entrevistados. Cada palavra, ruga, calo e cicatriz representam o sofrimento da lida e a
identidade construída a partir deste trabalho. Portanto, a análise teórica será norteada pelas
declarações dos agentes sociais envolvidos, relatadas nas entrevistas realizadas.
50
2.1 – A dualidade do trabalho nas carvoarias: a confrontação do arcaico com o moderno
Como afirmam Mattoso e Pochmann (1998, p. 213) “há muitos anos admite-se que o
crescimento econômico capitalista seja um processo de destruição criadora, no qual
conviveriam continuamente desestruturações e reestruturações produtivas”. Esse processo de
crescimento que toma dimensões diversas em todos os paises do mundo pode ser sentido em
uma unidade menor: o trabalho rural no Brasil. Como ressaltam os mesmos autores as
condições macroeconômicas, sociais e institucionais em que se baseia o processo, são
decisivas para nortear a destruição criadora do atual capitalismo. Percebemos ao longo de
nosso estudo que no campo ela se revela tanto na inovação quanto na manutenção de formas
arcaicas de produção.
Para iniciarmos nossa reflexão, devemos esclarecer que a escolha da análise do
trabalho rural à luz do trabalho agrícola se deve à escassez de estudos que analisem o trabalho
na silvicultura ou no carvoejamento. No entanto, se desejamos elucidar as condicionantes
arcaicas e modernas do processo produtivo do trabalho no carvoejamento, consideramos a
escolha satisfatória para o intento.
Ao discutirmos a divisão do trabalho, as relações de trabalho e a sujeição do
trabalhador será necessário analisar a dualidade do trabalho nas carvoarias representado pela
confrontação do trabalho arcaico com o moderno. Para tanto, buscaremos traçar um pouco da
polêmica noção de rural e urbano que tem invadido as Ciências Sociais.
Del Grossi e Silva (2002, p. 05) apontam que a partir dos anos 80 assistimos a uma
nova conformação do mundo rural composta de uma agricultura moderna intimamente ligada
à agroindústria e a um conjunto de novas atividades agropecuárias que atendem a um nicho
especial de mercado. A silvicultura, como constatamos, adentrou o espaço rural se fazendo
valer da modernização dos processos produtivos visando o desenvolvimento e a reprodução
de florestas para o abastecimento das siderúrgicas.
O carvoejamento é uma atividade tipicamente rural porque se realiza nesse ambiente e
conta com a mão-de-obra daí proveniente. Seja pela expansão de áreas agricultáveis ou
pastoris o cerrado é desmatado e a lenha retirada torna-se carvão. Pela modificação da
paisagem, no caso do plantio do eucalipto, ou da produção de grãos, o campo se torna uma
área privilegiada de ação das atividades agroindustriais. Esse seria o ponto chave da dualidade
entre o rural e o urbano que identificamos nesse trabalho.
51
Nas Ciências Sociais a definição de rural se tornou um desafio das últimas décadas.
Para Reis (2006, p.02) as dificuldades conceituais e metodológicas que se impõem aos
estudiosos, levam à “necessidade de recortes espaciais mais condizentes com as recentes
configurações econômicas e sócio-espaciais brasileiras”. Mas, o que causa tal polissemia?
Como definir rural e urbano?
O que nos importa em tal definição é desvendar o que sejam formas arcaicas ou
modernas de produção. Como temos visto até aqui o moderno e o arcaico se misturam nas
carvoarias, enevoando os olhos do pesquisador e do leitor. Precisamos, portanto, esclarecer
tais pressupostos, demonsRf12(s)-1.2312(e)3.741T3558 39(t)-2.164ões
52
A compreensão da questão implica entender que o urbano é aquilo que se opõe ao
rural. A ocupação pela agropecuária no campo se opõe à ocupação pelas atividades
tipicamente industriais no meio urbano. Assim, o espaço urbano seria o artificial e o rural, o
espaço que conserva as características naturais do ambiente. Caiado e Santos (2003, p. 119),
afirmam que dessa forma “a população rural está sendo definida por exclusão: aquela que não
habita as áreas urbanas”. Os mesmos autores demonstram que os moradores rurais estão em
relação mais direta com a natureza enquanto “o morador da cidade é separado de tudo isso
pelas grossas paredes das gigantescas construções urbanas e pelo ambiente artificial da cidade
de pedra e ferro”. (CAIADO; SANTOS, 2003, p. 201).
Uma análise isolada do conceito de Sorokin, Zimmerman e Galpin (1986) nos leva a
crer numa oposição entre o moderno (cidade) e o arcaico/atrasado (campo). Não perdemos de
vista as outras conjugações propostas pelos autores, mesmo diante do esforço de construir
conceitos compostos de rural; a noção de oposição entre campo e cidade nos parece vaga,
diante da realidade que presenciamos nas carvoarias. Nas volantes, mesmo que a atividade
seja exercida de forma rudimentar, como há 50 anos, o urbano está presente, ainda que
consideremos apenas as inovações tecnológicas como a antena de TV suspensa no barraco de
lona ou telefone celular do carvoeiro amarrado ao tronco de uma árvore. Outro elemento
intrigante é saber que muitos desses homens possuem casa na cidade, mas se deslocam para o
trabalho no campo, fazendo um movimento migratório inverso. O trabalho no campo também
possui uma dinâmica própria dos centros urbanos porque atende às exigências de
produtividade das siderúrgicas com características que são peculiares à produção industrial.
Ao discutirem alguns processos socioespaciais existentes em municípios do Estado de
São Paulo, Caiado e Santos (2003) demonstram que a dicotomia existente entre cidade e
campo (moderno e atrasado), não mais explica os diversos processos de integração produtiva,
funcional e física decorrentes da interiorização do desenvolvimento no estado de Minas
Gerais, o que pressupomos ser um movimento “natural” de outras regiões do país.
Nas primeiras metades do séc. XX, a sociedade brasileira se configurava como
amplamente rural. Nas últimas décadas, o expressivo crescimento populacional, o
conseqüente “esvaziamento das áreas rurais, o crescimento desordenado de grandes cidades e
a formação de centros metropolitanos são reflexos evidentes que sinalizam um país de novo
tempo” (REIS, 2006, p. 02). Para alguns teóricos, essas transformações, como reflexos da
expansão do capital industrial nas configurações espaciais, tendem a separar o campo da
cidade, como no conceito apresentado anteriormente. Essa abordagem trata de um rural
53
totalmente voltado para a agropecuária, onde outras atividades econômicas não apresentam
regularidade significativa, promovendo, assim, uma divisão entre rural e urbano.
No entanto, por ter sido o processo de industrialização o responsável pela expansão
das cidades advindas do êxodo rural, será necessário, ainda, recordar que foi esse mesmo
movimento o responsável pela industrialização do campo. É ainda Reis que afirma:
(...) em vários países, simultaneamente a profundas alterações sócio-espaciais,
observou-se, durante o século XX, a modificação da característica primária que
constitui o embasamento dessa visão: o campo passa a abrigar de forma expressiva
as atividades do tipo não-agrícolas. (REIS, 2006, p. 05).
Por esse motivo, Reis (2006) considera que a polarização entre rural e urbano deve ser
substituída por uma idéia de continuum, onde os espaços se entrecruzam pela
“industrialização da agricultura e o transbordamento do urbano nas áreas rurais”. A definição
de rural e urbano torna-se complexa demais para se considerar tal polarização como
paradigma.
O novo rural se define por critérios mais abrangentes que incluem além da
espacialidade e dos aspectos demográficos - entre outros aspectos considerados clássicos -, a
incorporação de outras variáveis rurais não-agrícolas como a demanda por terras pelas
agroindústrias, para o lazer e várias atividades industriais e de prestação de serviços (DEL
GROSSI; SILVA, 2002, p.05).
O trabalho e o trabalhador ocupam que lugares nessa discussão? Veiga (2004) admite
que a dinâmica da economia rural dos países desenvolvidos durante o século XX passou por
três grandes etapas:
na primeira ela era determinada por riquezas naturais como solo fértil, madeira ou
minérios. Essas vantagens comparativas não desapareceram, mas foram sendo
substituídas por outros fatores de produção, como mão-de-obra barata, frouxa
regulamentação e debilidade sindical. Foi assim, que, entre 1960 e 1980 a fatia rural
do emprego fabril passou, nos Estados Unidos, de um quinto para mais de um
quarto. Todavia, nas últimas duas décadas do século XX as principais vantagens
comparativas voltaram a ser riquezas naturais, mas de outro tipo. São os encantos do
contexto rural beleza paisagística, tranqüilidade, silêncio, água limpa, ar puro
todas ligadas à qualidade do ambiente natural. (VEIGA, 2004, p. 63).
É assim que Veiga (2004) entende não um renascimento do rural, mas o surgimento de
um Novo Rural que caminha para uma valorização da relação da sociedade com a natureza.
Mas, acreditamos, a nossa realidade ainda se encontra na segunda geração que conjuga os
54
fatores de produção mais favoráveis ao capital: mão-de-obra barata, frouxa regulamentação e
debilidade sindical.
55
A razão disto é que a extensão do padrão fordista à agricultura possibilitou um
elevado índice de acumulação capitalista, expresso pelo alto grau de integração
agroindustrial em curso. Essa verticalização dos sistemas produtivos levou à
padronização e massificação da produção agroalimentar, causando forte impacto ao
mundo do trabalho agrícola. Como resultado desse processo, a agricultura passa a
ser cada vez menos um setor com o seu próprio mercado de trabalho e cada vez mais
um segmento produtivo que lentamente vai se incorporando ao sistema
agroindustrial. (MATTEI, 1998, p. 16).
As áreas rurais têm se integrado à dinâmica da economia, retendo e atraindo
trabalhadores que se ocupam, além das atividades agrícolas, de outras relacionadas à
prestação de serviço do tipo urbano. A abertura das áreas rurais para um processo produtivo
do tipo industrial produziu esse fenômeno, mas não foi capaz de suprimir o trabalho “braçal”
e desqualificado aí predominante.
Essa é uma das questões mais discutidas por Silva (1977), ou seja, como o avanço do
capitalismo no campo ainda pode manter relações de produção predominantemente pré-
capitalistas ou as chamadas formas camponesas de produção.
Silva (1977) entende que esse fato pode ser explicado se considerarmos as
“contradições próprias ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil que, no nosso modo de
ver, podem ser explicadas pelo desenvolvimento do capitalismo na agricultura”. Assim sendo,
para o autor, o tipo de dominação que o capital exerce na agricultura é indireto porque não
depende exatamente da acumulação de capital na agricultura, mas na expansão do capital no
conjunto da economia. A dominação do Capitalismo na agricultura seria responsável pela
manutenção das formas pré-capitalistas de produção:
Assim, a contradição formal resultante da existência de formas pré-capitalistas como
formas de dominação do capital encobre contradições do próprio desenvolvimento
do capitalismo no Brasil; desenvolvimento que implica a reprodução das relações
pré-capitalistas sob a égide do capital e a reprodução do capital baseada em relações
pré-capitalistas” (SILVA, 1977, p. 10).
É bem certo que isto explique o que foi enfatizado por Singer (1977, p.01), ainda na
introdução da mesma obra: “era inevitável, portanto, que a penetração do capitalismo na
agricultura brasileira despojasse o camponês no seu acesso direto à terra, transformando-o de
produtor independente em assalariado”. A reprodução do capital no campo implica a
dominação do trabalho e do trabalhador, bem como, dos recursos naturais ou matéria-prima.
A transformação do produtor independente em assalariado pode ser considerada um reflexo
do avanço das culturas comerciais sobre as áreas de produtos alimentares, com uma
56
agricultura fortemente mecanizada (MATTEI, 1998, p. 53-54). A exploração de trabalhadores
livres como volantes ou temporários e a escravidão ou servidão por dívida, podem ser as
conseqüências mais graves do processo, como veremos no decorrer desse capitulo.
Silva (1977) conclui à luz das teorias de José de Souza Martins e Francisco de Oliveira
que:
a principal contribuição da agricultura para a acumulação deve ser encontrada no
nível de vida extremamente baixo dos trabalhadores agrícolas, que permite baixos
custos para a produção industrial (baixo custo dos bens necessários à reprodução da
força de trabalho, baixos custos dos bens intermediários de origem agrícola).
(SILVA, 1977, p. 12).
A escravidão ou servidão por divida, o trabalho volante e a utilização de mão-de-obra
infantil contribuem sobremaneira para elevar a taxa de acumulação. Isso ainda se acentua
quando, como enfatizado anteriormente, a dominação do capital se exerce sobre os recursos
naturais e a terra. No caso específico da atividade de carvoejamento, a produção agropecuária
tem sido paulatinamente substituída pelos maciços florestais, forçando a destruição dos
cerrados. Os pequenos produtores e os trabalhadores rurais têm sido absorvidos como
contratantes e volantes na atividade de carvoejamento e, consequentemente, suas famílias
também têm sido subjugadas por esta lógica.
Del Grossi e Silva, enfatizam que:
no plano estritamente técnico ou agronômico, o uso das inovações tecnológicas tem
promovido o aumento da produtividade física do trabalho e o desengajamento de
pessoas no processo de produção agrícola, tanto pelo uso de maquinaria reduzindo o
número de operações agrícolas, quanto pela simplificação das tarefas agrícolas.
(DEL GROSSI; SILVA, 2002, p. 14).
Atualmente, as transformações na agricultura criaram novas coordenadas para a
ocupação no setor, promovendo a flexibilização e acentuação da informalização do emprego
agrícola. Isso, ainda como um reflexo da Revolução Verde que implantou um pacote
tecnológico com a melhoria genética de sementes, introdução de adubos químicos,
agrotóxicos e maquinaria agrícola. Com isso, a agricultura integrou-se à dinâmica da
produção industrial, transformando “a produção artesanal do camponês à base da enxada, em
uma nova maneira de produzir” (MATTEI, 1998, p. 23). A indústria agrícola passa então a
produzir não apenas bens de consumo final, mas também matérias-primas para indústrias de
57
transformação, integrando-se “ao restante da economia a ponto de não poder mais ser
separada dos setores que lhe fornecerem insumos e/ou compram seus produtos” (MATTEI,
1998, p.27).
Os modelos de organização do trabalho nos sistemas de produção no inicio dos anos
1980 que engendraram uma “nova ordem” foram sentidos na organização do trabalho no
campo. Ferreira (1997, p.198) demonstra que os diferentes setores da economia crescem de
forma desigual ampliando ou reduzindo sua participação no emprego. O ramo dos bens de
consumo não-duráveis diminuiu sua participação no emprego formal, exatamente pela
incorporação do progresso técnico ao processo produtivo. Isso implica numa tendência ao
desemprego no meio rural e em conseqüência à desestruturação das próprias relações de
trabalho. (MATTEI, 1998, p. 54-56).
O desemprego no campo pode justificar a submissão dos trabalhadores à situação de
subemprego e de formas de dominação baseadas no endividamento. Pela falta de alternativa
para sua subsistência, o trabalhador, que muitas vezes já tentou ocupação nos centros urbanos,
volta ao trabalho rural para garantir o seu sustento e de sua família. Wesley, nosso
entrevistado, nascido e criado em Belo Horizonte, num bairro de periferia do qual afirma não
se recordar do nome, ao ser indagado sobre outras ocupações afirmou que havia trabalhado
durante sete anos em outras atividades. Mesmo na Reflorestadora local começou no baldeio,
levando a lenha cortada até o caminhão para ser transportada até a carvoaria. Quanto a ser
carvoeiro responde: “por falta de opção, como a gente precisa trabalhar, eu peguei esse”
(Depoimento Verbal)
6
. A decisão pela troca de função na empresa teve um incentivo a mais:
Pergunta: Você trabalhava na reflorestadora com outra atividade. como você
passou para carvoaria?
Wesley : O encarregado me perguntou se eu não queria passar para carvoaria. Como
o salário é maior um pouco eu aceitei passar para a carvoaria. (Depoimento Verbal)
7
.
A organização do processo de trabalho no campo incorporou as técnicas de
administração de recursos humanos das teorias taylorista e fordista no caso da indústria
açucareira retratado por Fleury e Fischer (1985), em sua obra. O emprego das inovações
técnicas e a intensificação da atividade humana por meio do controle da produtividade e
6
Entrevista concedida em 15/08/2006
7
Entrevista concedida em 15/08/2006
58
outras estratégias de motivação para o trabalho, somados aos esforços do Estado para o
crescimento da economia canavieira, proporcionaram sua rápida expansão.
Essa reflexão nos remete à situação encontrada na empresa reflorestadora: um rígido
controle da produção em todas as etapas com a utilização de tecnologia e do controle da
produção de cada trabalhador. A organização do trabalho atende a um ritmo determinado pela
necessidade de abastecimento da indústria siderúrgica. Essa última, por sua vez, apresenta
uma organização do trabalho e da produção próprias do modelo flexível, contando com a
diminuição da hierarquia em nível da organização do trabalho, a criação de uma gestão
horizontal e a formulação de equipes polivalentes “voltadas para a melhoria da produtividade,
da qualidade da produção e da segurança no trabalho”. (MINAYO, 2004, p. 322). Mesmo que
a organização sindical do setor siderúrgico tenha perdido força pela flexibilização do trabalho
e de sua legislação reguladora, é bem certo que ainda uma representação de classe para o
setor, ao contrário do que ocorre com os carvoeiros e demais trabalhadores do carvão.
Neves (2006, p. 151) afirma que a crise do paradigma taylorista-fordista da década de
70, somada à intensa utilização de tecnologia da informação aplicada à microeletrônica,
implica uma “reestruturação do setor produtivo e modificação nas relações sociais de
produção”. Conforme a socióloga, “a organização tanto do processo de produção como do
processo de trabalho de forma enxuta e sistêmica redimensiona as relações de trabalho e as
exigências para o trabalhador”. O quadro apresentado atende às exigências de competitividade
das empresas que para alcançar seus objetivos promovem descentralização das atividades
produtivas, buscando pela redução de custos e o enxugamento. A busca incessante da
qualidade promove a flexibilização da atividade produtiva, mas concorre sistematicamente
para a precarização do trabalho.
Concomitante a uma padronização do trabalho sob as regras do modelo taylorista-
fordista, é possível perceber fortes traços do novo modelo de organização do trabalho,
baseado na acumulação flexível na empresa reflorestadora. Se não é possível abrir mão da
rigidez do processo produtivo como no modelo taylorista-fordista uma tendência a se
estabelecer metas individuais e coletivas de produção como nas empresas flexibilizadas.
Busca-se incansavelmente a mecanização dos processos visando ao enxugamento na empresa
e á redução do trabalho vivo envolvido na produção. Presencia-se uma indução à terceirização
dos serviços que exigem maquinário pesado e dispendioso. São utilizados instrumentos,
como veremos adiante, que promovem a dominação da subjetividade do trabalhador para
conseguir sua adesão às metas da empresa.
59
Para Gonzáles e Bastos (1977), o processo de produção capitalista como um meio de
obtenção de mais capital, impulsiona na agricultura brasileira novas modalidades de trabalho,
como o volante, caracterizado pelos autores como:
uma modalidade de trabalho assalariado por tarefa, ou seja, uma forma concreta de
relação social e produção capitalista. A natureza desta relação pressupõe, por um
lado (não como condição necessária mas como resultado) um mínimo e sempre
crescente volume de capital nas mãos dos empresários agrícolas e, por outro, um
contingente de trabalhadores despojados dos meios de produção. (GONZÁLES;
BASTOS, 1977, p.25).
Possuidores de sua força-de-trabalho, mas achatados pelo crescente desemprego no
campo, os camponeses se entregam a esse regime de trabalho instável, mas que gera um
salário capaz de garantir a subsistência, mesmo que o leve à reprodução de suas atuais
condições de vida. A precarização desse trabalho também está no salário percebido que
“representa, sempre, um pagamento de parte da força de trabalho dispendida, seja essa parte
medida em horas de trabalho, ou em quantidade de tarefas executadas” (GONZÁLES;
BASTOS, 1977, p. 31). O regime de trabalho volante implica o aumento da jornada de
trabalho ou a intensificação do mesmo, no caso do trabalhador desejar aumentar sua renda.
Em contrapartida, tais atitudes podem levar à exaustão do trabalhador e à progressiva
diminuição do seu desempenho, além de outras conseqüências para sua vida e sua saúde como
veremos no próximo capitulo.
Se o trabalho da reflorestadora está pautado pelas novas regras do mercado, o trabalho
volante, mesmo que apresente uma natureza diversa, não deixa de ser uma faceta das formas
de acumulação do capital como enfatizado na citação de Silva (1977, p.08). Esse poderá ser
um indicador da situação de precarização vivida pelos trabalhadores volantes
Constatamos que o capitalismo mantém as formas arcaicas de produção sob a
condição de promover a sua própria reprodução. Esse fato materializou-se no caso do nosso
objeto, por engendrar formas peculiares de organização da produção e do trabalho na
atividade de carvoejamento. Como insumo indispensável à fabricação do aço, o carvão acaba
por sustentar, a um caro preço, o conforto da modernidade. Preço esse pago pelos carvoeiros,
motosserristas, estaqueadores, entre outros trabalhadores do setor, com seu suor e sua saúde.
Os irrisórios salários pagos não chegam a representar um ínfimo da riqueza que produzem no
extremo da cadeia produtiva do aço e disso muitos não têm nem conhecimento (ver anexo D).
60
2.2 - Relações de trabalho nas carvoarias volantes: modernização da atividade,
precarização do trabalho
Na literatura disponível sobre a atividade de carvoejamento, encontramos
correntemente menções sobre as relações de trabalho que remetem o carvoeiro á
superexploração de seu próprio trabalho e até mesmo do trabalho de sua família. São esses
atores sociais, escondidos sob uma camada de suor e munha, os produtores de uma
significativa parcela da riqueza de nosso país.
O processo produtivo do carvão vegetal em carvoarias volantes e de reflorestadora tem
múltiplos aspectos, o que torna complexas as relações de trabalho que se formam. É nessa
complexidade que se constituem as redes de dominação e exploração do trabalhador que,
além de expropriado dos meios de produção, é expropriado ainda de condições dignas de
trabalho e das garantias de seus direitos constitucionais.
De acordo com Girão:
As relações entre as diferentes instâncias que compõem a estrutura de produção e
comercialização do carvão vegetal são permeadas por vários sujeitos e espaços que
caracterizam a atividade carvoeira e seu conjunto de relações, dando certa
especificidade a essa organização.
O trabalhador carvoeiro está presente, efetivamente, nas primeiras etapas do
processo produtivo, ressaltando o seu papel fundamental para a totalidade das
relações de trabalho e de produção (...). (GIRÃO, 2003, p. 69).
Para uma melhor compreensão dessas relações, devemos esclarecer que a fabricação
de carvão sempre foi uma prática complementar à atividade de pecuária na região. Deu-se
pela necessidade de limpar o campo para a plantação de brachiaria com a finalidade de formar
novas pastagens para a pecuária. As carvoarias que se formavam eram organizadas em
pequenas unidades produtivas, caracterizando-se por uma produção familiar e de baixa escala.
A partir da década de 1970 a extração vegetal assumiu um perfil mais
profissionalizado com a chegada de uma grande reflorestadora no município. Muitos
produtores rurais, incentivados pelo retorno lucrativo do eucalipto, passaram a investir no
plantio das florestas homogêneas: os investimentos são relativamente baixos e o eucalipto
requer menos cuidados que o gado leiteiro ou de corte. A floresta cresce por si mesma e a
produção e venda do carvão são certezas incontestáveis.
61
Foi possível verificar com nossa pesquisa que nas iniciativas mais remotas de
carvoejamento, principalmente até o início da década de 1970, prevaleciam relações de
produção e de trabalho entre o carvoeiro e o proprietário da terra baseadas em um acordo
verbal estabelecido pelas partes envolvidas. Tal prática perdura ainda hoje em carvoarias
volantes, principalmente nas não autorizadas ou ilegais.
Com tal acordo, o carvoeiro deverá deixar o terreno limpo para o plantio da brachiaria
ou do eucalipto. Em troca, poderá carbonizar a madeira colhida no processo de limpeza do
pasto. A comercialização do carvão é de responsabilidade do carvoeiro. Assim, pequenos
produtores mais tarde se tornam empreiteiros sem, no entanto, deixarem de ser carvoeiros
participando ativamente do processo produtivo do carvão.
Nesse período o volume de mão-de-obra disponível para a produção do carvão vegetal
era muito grande. Martins (1988) atribui esse excedente de mão-de-obra disponível ao
enfraquecimento da luta pela reforma agrária que se deu pela extensão dos direitos
trabalhistas ao campo, separando a questão trabalhista da questão agrária. Segundo ele:
O surgimento da legislação trabalhista no campo está associado a uma ampla
expulsão de trabalhadores residentes e a sua conversão em trabalhadores
assalariados temporários. Tais trabalhadores passaram a ser remunerados
exclusivamente pelo tempo de trabalho e não mais pelo tempo de produção (incluído
aí o tempo em que o trabalhador não está diretamente envolvido na produção
propriamente capitalista e que não pode ser definido como tempo de não-trabalho).
O tempo de trabalho empregado na produção direta dos meios de vida e, portanto,
empregado na ocupação da terra em atividade camponesa de subsistência,
representava de fato, até então, interdição da renda territorial pelo trabalhador. A
expulsão do trabalhador residente representou a liberação da terra para os
fazendeiros e a extração de renda territorial, além de lucro, onde havia antes cultivo
do próprio trabalhador. Os direitos trabalhistas libertaram a terra e a renda territorial
naqueles setores e naquelas parcelas em que estavam sendo divididos com os
trabalhadores. (MARTINS, 1988, p. 83-84).
Martins denuncia que o trabalhador, expropriado dos meios necessários à sua
sobrevivência, se curva às necessidades de capitalização do campo, vendendo sua mão-de-
obra livre a preços irrisórios. Os direitos trabalhistas não garantiram ao homem o direito à
terra. Isso se deve à necessidade da empresa moderna de reorganizar as relações de trabalho
no campo com bases caracteristicamente capitalistas. Nesse contexto, a função do campo seria
a de oferecer matéria prima necessária ao desenvolvimento industrial.
Sendo assim, o trabalho nas carvoarias era executado por famílias que se alojavam
próximas às áreas a serem desmatadas. Todos os membros da família se responsabilizavam
pelo trabalho, o que lhe garante a característica de um trabalho familiar. Lamarche (1993),
62
citado por Silva (2002, p.81) define: “a exploração familiar corresponde a uma unidade de
produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família”. O
conceito de Lamarche pode não se aplicar a esta realidade porque a terra explorada nem
sempre era de propriedade do carvoeiro.
Peixoto (1998), avalia que a partir da modernização do campo, muitos trabalhadores
que não conseguiram se alinhar a esse movimento tiveram que vender suas terras e sua força
de trabalho:
(...) podemos notar a existência de variadas formas de produção agrícola organizadas
em torno do trabalho familiar, originadas em contextos históricos e sociais distintos.
Tais formas de produção persistem na atualidade, em maior ou menor grau, em
todas as regiões do país, em que pese o amplo processo de modernização
tecnológica a que foi submetido a agricultura brasileira e a ocorrência dos intensos
fluxos de migração rural-urbana desde a década de 30. Os agricultores familiares,
mesmo que, em sua maioria, ainda vivam em condições de pobreza, senão de
pauperismo, continuam responsáveis por expressiva parcela da produção de
alimentos e matérias-primas, sobretudo em regiões como o Nordeste. A eles se
somam inúmeras famílias que perderam suas terras ou seus empregos em atividades
agrícolas e lutam para retornar a elas. (PEIXOTO, 1998, p. 53).
A parceria dos familiares torna-se o instrumento necessário à garantia de sua
subsistência. As atividades dos pequenos proprietários são reorganizadas dando lugar a novas
relações de trabalho como a parceria, o arrendamento, a empreitada, dentre outras. Segundo o
mesmo autor “o produtor familiar, apesar de deter parte dos meios de produção, não mais
conservava sua autonomia sobre o processo produtivo”, ficando à mercê das necessidades do
grande latifundiário. (PEIXOTO, 1998, p.54).
Como não estão ligados à terra pela propriedade, quando as famílias carvoeiras
finalizam a carbonização da área desmatada, logo se dirigem a outra área que possua madeira
seca para a carbonização ou se ocupam de outras atividades no meio rural até que se inicio
a um novo ciclo de produção do carvão. Silva (2002), ao estudar a realidade dos carvoeiros de
Mato Grosso do Sul, reforça que essa atividade pode representar a única fonte de
sobrevivência de muitos, que a capitalização e modernização das propriedades
agropecuárias provocaram a expropriação do pequeno proprietário, transformando-o em
trabalhador diarista, empreiteiro ou outro tipo. Demonstra ainda que essa forma de produção é
limitada pela própria necessidade das famílias de garantirem seu sustento, o que não é
compatível com a produção em larga escala do tipo industrial.
Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (2001,
p. 227), com a reestruturação no campo, “apesar da geração de vários postos de trabalho, a
63
ocupação agrícola se caracteriza pela precariedade e pela má qualidade dos postos de
trabalho”. Daí, a emergência de contratos temporários e precarizados. As tarefas do campo
sofrem a pressão das mudanças na relação capital-trabalho, incentivadas pelas necessidades
de produção de insumos necessários à produção industrial. O carvão, que alimenta o forno e é
utilizado na fabricação do ferro gusa, torna-se o motor do trabalho insalubre e mal
remunerado.
Atualmente, nas carvoarias volantes, ainda persiste o trabalho temporário, mas o
aumento das áreas devastadas para o plantio do eucalipto tem modificado muito esse aspecto.
Nesse caso, empreiteiros que pegam as áreas destinadas à floresta homogênea
encarregando-se do corte das árvores do cerrado. O lucro empreiteiro é obtido com a
fabricação e venda do carvão. No caso, o fazendeiro recebe o terreno limpo para o plantio
isentando-se dessas despesas. Normalmente, esses empreiteiros selecionam um grupo de
carvoeiros fixos que acompanham a equipe na limpeza de terreno e fabricação do carvão.
Figura 7: terreno sendo preparado para destoca, as árvores de porte maior
foram removidas com motosserra. Ao fundo terreno pronto para plantio de eucalipto.
Fonte: arquivo pessoal
64
Conforme a declaração de um empreiteiro, a destoca ocorre por pedido do fazendeiro
que utilizará o terreno limpo para a pecuária ou para o plantio de eucalipto:
Fica assim pelo seguinte: fica muito caro as despesas com o carvão final, né? Para
você produzir o carvão tem todo um processo que é feito no IEF, que fica caro, tem
as horas de trator que é muito caro, tem o custeio dos operadores, dos empregados
das carvoarias. Então esse montante fica muito caro para o fazendeiro. E hoje
realmente ta fraco. Então a gente por possuir o trator já fica um custo mais barato. E
a gente então troca esse serviço o terreno limpo a troco da lenha derrubada.
(Depoimento Verbal)
8
.
Fica a cargo do empreiteiro o pagamento dos trabalhadores envolvidos na produção. A
remuneração poderá ser por dia ou produção. Os contratos estabelecidos são informais, o que
impede o acesso do trabalhador aos mecanismos de seguridade social como licenças, abonos,
aposentadoria ou outros previstos em lei. Esse mesmo empreiteiro ao ser indagado sobre os
contratos informais, responde que: “Tem pessoas que fazem o acordo escrito, mas como tem
pessoas analfabetas, pouco adiantaria o contrato escrito”. Assim o trabalhador fica desprovido
de direitos trabalhistas e à mercê da exploração de seu trabalho pelo empreiteiro.
Conforme Noronha (2003, p. 112) “no Brasil, o entendimento popular de ‘trabalho
formal’ ou ‘informal’ deriva da ordem jurídica. São informais os empregados que o
possuem carteira de trabalho assinada”. O referido autor considera esse conceito muito
genérico e pouco explicativo para um fenômeno que tem várias facetas. No entanto, admite
ser um conceito aplicado apenas no Brasil. Cientes da limitação do conceito baseado no senso
comum, vamos nos ater a ele nesse debate. Levaremos ainda em consideração outro conselho
de Noronha (2003, p.118) “que as relações de dependência e subordinação são variáveis
chave para distinguir os tipos de trabalhos ‘informais’”. No nosso caso, consideramos que
informalidade, além de admitir a ausência de um contrato formal de carteira assinada, refere-
se ainda ao nível de vulnerabilidade social a que estão subordinados os carvoeiros. Como bem
lembrado pelo empreiteiro citado acima, esses homens geralmente não são alfabetizados
restando-lhes apenas o trabalho marginal da sociedade.
Neves (2006, p. 22), evidencia que a “Organização Internacional do Trabalho toma a
unidade econômica como ponto de partida” para formar o conceito de trabalho informal: “tal
unidade é caracterizada pela produção em pequena escala, pelo baixo nível e organização e
pela quase inexistente separação entre capital e trabalho, consubstanciada nos pequenos
empreendimentos de caráter familiar”. Sem deixarmos de lado a grande heterogeneidade do
8
Entrevista concedida em 13/05/2006
65
tema, como ressalta a socióloga, podemos observar que esse conceito se aplica à realidade das
carvoarias volantes que convivem com a redução dos ganhos do trabalhador e o aumento da
sua jornada de trabalho. Tais fatores implicam ainda uma “cultura favorável” ao trabalho
infantil.
Pela característica de um trabalho na maioria das vezes informal, a remuneração do
trabalhador implica salários baixos que não garantem o bem estar do carvoeiro e sua família.
O salário não garante uma moradia digna, alimentação adequada e lazer para o trabalhador e
os seus. Isso porque nessa atividade geralmente o trabalho é pago por produção e o carvoeiro
não conta com nenhuma outra forma de ajuda ou remuneração. Guerra (1995, p. 73), ao
estudar o mundo do eucalipto na bacia do Rio Piracicaba, declara que “como o trabalho é
levado na base da empreitada’ não repouso aos sábados e nem o pagamento de horas
extras”. Assim, a remuneração inadequada contribui para a falta de perspectiva do trabalhador
de melhora na profissão e garantia de um futuro melhor para seus filhos (BETHÔNICO,
2002, p.163).
Na literatura disponível são relatadas sempre situações que descrevem o agravo da
manutenção dos trabalhadores. Os salários, além de baixos, são também irregulares. A grande
maioria dos carvoeiros não possui um contrato de trabalho permanente, precisando assim sair
em busca de trabalho em meio ao cerrado. Essas informações mostram o grau de insegurança
dos trabalhadores que, em sua maioria, têm jornada de trabalho superior a dez horas. Nesse
caso tendem a estender a jornada ou aumentar o ritmo de trabalho, pois ao ser pago por
produção/tarefa, o trabalhador intensifica o seu ritmo no sentido de garantir o aumento de seu
ganho. O desgaste da força de trabalho e a pauperização dos carvoeiros são problemas
relacionados à má remuneração e à superexploração do trabalhador pelo capitalista.
As relações sociais de produção estão à mercê da vontade do capitalista. Por um
processo de mercantilização do trabalho, o trabalhador fica obrigado a vender sua força de
trabalho por qualquer salário e péssimas condições de trabalho. Antunes, afirma que:
(...) uma noção ampliada, abrangente e contemporânea de classe trabalhadora hoje, a
classe-que-vive-do-trabalho, deve incorporar também aqueles e aquelas que vendem
sua força de trabalho em forma de salário, como o enorme leque de trabalhadores
precarizados, terceirizados, fabril e de serviços, part-time, que se caracteriza pelo
vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho, em expansão na totalidade do mundo
produtivo. Deve incluir também o proletariado rural, os chamados bóias-frias das
regiões agroindustriais, além, naturalmente, da totalidade dos trabalhadores
desempregados que se constituem nesse monumental exército industrial de reserva
(ANTUNES, 2005, p. 11).
66
Isso deixa claro que as relações de trabalho da atividade de carvoejamento ilustram as
novas tendências da reestruturação produtiva que se alastram pelo mundo do trabalho. Se
levarmos em consideração que as exigências do mercado buscam a otimização do tempo, a
diversidade e rapidez na circulação de mercadorias e materiais, veremos que as
transformações que relatamos anteriormente têm respondido a esta expectativa. A produção
do carvão em baixa escala, com base familiar vem sendo substituída por uma produção
industrial do carvão, como veremos nos próximos capítulos.
2..2.1 – Trabalho infantil na carvoaria volante.
Nos relatos colhidos, alguns carvoeiros, como o Sr. Afonso, nos contam que
aprenderam a fazer carvão no convívio familiar:
Pergunta: Como o senhor aprendeu a trabalhar na carvoaria?
Afonso: Aprendi sozinho vendo as pessoas mexer. Dando explicação mais ou
menos, aí nos aprendemos.
Pergunta: O senhor aprendeu onde?
Afonso: Aprendi foi na roça onde morava. Meus pais mexiam e os meus irmãos.
Pergunta: Com que idade o senhor começou a trabalhar na carvoaria?
Afonso: Ah! nois começa é cedo. Com cinco, oito ano de idade. Nós ta
mesmo, aí nós já entramo na lida. (Depoimento Verbal)
9
.
A iniciação na atividade ainda na infância é encarada como uma brincadeira. No início
dessa pesquisa, enquanto fazíamos o reconhecimento do objeto, em uma das carvoarias
visitadas, um senhor que aparentava uns quarenta anos, relatou-nos que ele e seus irmãos
brincavam quando pequenos, fazendo forno de barro e carbonizando lenha a exemplo do pai
que era um carvoeiro. Nesse ambiente, as relações familiares e o trabalho se entrecruzam
tornando invisíveis os limites que deveriam separá-las.
Em uma das carvoarias volantes onde acompanhamos os trabalhos, encontramos a
presença de crianças. Curiosamente apenas nessa as entrevistas nos foram negadas. Nas
conversas informais, o pai das crianças, também carvoeiro contratado por um empreiteiro,
demonstra essa visão de que o trabalho na infância é uma ocupação para os meninos que não
têm muita opção na roça. Relata ainda uma grande preocupação com as freqüência das
crianças na escola que fica a cerca de 2Km de distância da carvoaria. Ao ser indagado sobre
9
Entrevista concedida em 26/05/2007.
67
as tarefas escolares, o pai diz que há tempo destinado a isso e que a função fixa das crianças é
manter os tambores cheios de água
10
. No mais, os pequeninos ficam por ali, juntando os
tocos, levando água para os carvoeiros e ajudando a mãe nas atividades domésticas.
Para Neves (2006, p. 24-25), o trabalho infantil tem como causas não apenas a baixa
renda familiar, mas aspectos como as tradições e padrões sociais e econômicos. Essa autora
relata ser “fundamental desnaturalizar a idéia de que o trabalho infantil é cultural e que seria
uma forma de etnocentrismo tentar erradicá-lo” já que, “o trabalho doméstico é mais invisível
e de difícil regulamentação”, principalmente no campo.
Toda a literatura que trata sobre processo produtivo ou impactos sócio-ambientais de
carvoarias relata condições degradantes de trabalho infantil. Como foi possível constatarmos,
o trabalho infantil existe em menos proporção nessa região, mas não poderíamos deixar de
mencioná-lo que a Delegacia Regional do Trabalho reconhece a existência de crianças em
carvoarias, mas confere uma característica cultural à sua participação no trabalho.
Schwartzman (2004) reforça que o trabalho infantil é proibido para menores de 16
anos. A exceção é para os maiores de 14 anos que podem ser admitidos na condição de
aprendizes, no entanto
Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalhos em
atividades insalubres, perigosas ou penosas, o trabalho noturno, os trabalhos que
envolvam cargas pesadas, jornadas longas, e, ainda, os trabalhos em locais ou
serviços que lhes prejudiquem o bom desenvolvimento psíquico, moral e social.
(SCHWARTZMAN, 2004, p. 04).
Esse pesquisador, embasado por dados estatísticos, conclui que se o pai e a mãe
68
Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a
exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser
perigoso ou interferir em sua educação ou seja nocivo para a sua saúde e para o seu
desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. (BRASIL, 1990, Art. 32,
parágrafos 1º e 2º).
Esse princípio somado às penalidades previstas demonstra a urgente necessidade de se
efetivar tal proposta. É por isso que não podemos negar a participação das crianças no mundo
do carvão seja como força de trabalho para complementar a renda familiar, seja como parte do
cenário do ambiente das carvoarias. Lá estão elas para nos provarem a sua existência e
confirmar as condições degradantes de vida nesses locais. Demonstram ainda que o
cumprimento das normas vigentes ainda não as alcançou, inclusive pela difícil localização e
acesso às carvoarias e pela indiferença em relação às suas necessidades e anseios.
Os estudiosos do tema têm concordado com o discurso de que o trabalho é essencial
para a formação da criança, afastando-os da marginalidade ou que o trabalho precoce é uma
forma digna de garantir o sustento da família apenas reforça tal mito. Na realidade, o trabalho
precoce cria um círculo vicioso em que a criança que não tem oportunidade de viver a
infância, compromete seu desempenho escolar, seu desenvolvimento físico e mental,
colaborando para a formação de um adulto que irá engrossar a camada do subemprego ou do
desemprego crônico.
Como vimos na fala do Sr. Afonso, a pobreza antes vivenciada por ele na carvoaria
junto à sua família, vem sendo recriada na medida em que outras crianças estão atadas a esse
ambiente. Mesmo que os pais demonstrem preocupação em manter os filhos na escola, como
afirmamos anteriormente, será impossível evitar que eles se envolvam com o processo
produtivo do carvão de carvoarias volantes. Nesse ambiente um trabalho ininterrupto que
exige muito empenho e toda mão de obra disponível. Ainda que as crianças que ali
encontramos não tenham tarefas a serem cumpridas rotineira ou sistematicamente, estarão
sendo absorvidas pela penúria, pobreza e insalubridade da carvoaria. Isso por si já os
impede de adquirirem as condições mínimas para crescerem como qualquer criança ou
adolescente.
69
2.3 A Divisão do Trabalho: novas relações na produção de carvão vegetal na indústria
reflorestadora.
Eu vejo que aqui hoje nós temos é uma indústria do carvão. Eu trabalhei na
Mineira em Três Marias e é tudo assim. O trabalho é todo dividido e tem controle
da produção. Mesmo aqui na reflorestadora nós temos um controle forte na
produção do carvão. (Depoimento Verbal)
11
.
Nas palavras de Everton, um dos encarregados da reflorestadora, vemos essa
passagem que ilustra as novas regras que se alastram no mundo do carvão. O incentivo a uma
produção industrial do carvão vegetal para o abastecimento das siderúrgicas, transforma tanto
o processo produtivo quanto as relações de produção decorrentes. Não que o uso do carvão
vegetal nativo tenha sido abolido ou suprimido, mas demonstrou-se economicamente inviável
para uma indústria siderúrgica em franca expansão. Calixto (2006, p. 28) demonstra que as
florestas foram uma solução aceita como garantia permanente de produção e lucratividade.
Com a necessidade de expansão da atividade, deu-se um aprimoramento da cadeia produtiva
do carvão vegetal, com uso dos princípios capitalistas de aumento da produtividade.
Ainda em referência às palavras de Everton, observamos que na indústria
reflorestadora uma intensa preocupação em introduzir mudanças no sistema de produção e
na organização do trabalho. Isso inclui, desde o aumento do ritmo de trabalho com a adoção
de técnicas de produção e controle até a mecanização da produção. Tais estratégias convivem
com a utilização intensiva de mão-de-obra de baixa qualificação, realizando um trabalho
parcelizado e rotineiro.
Ao analisar a situação do trabalho no Brasil, o DIEESE, conclui que:
Com a reestruturação ocorrida na agricultura brasileira, o mundo rural deixou de ser
um espaço exclusivamente agrícola. Algumas atividades ligadas à instalação de
indústrias, serviços na área de transporte, infra-estrutura, lazer, comunicação etc.,
desenvolvidas na área rural ou em áreas próximas, passaram a ter uma relação
estreita com a atividade agrícola. Assim, um contingente significativo de pessoas
que, mesmo vivendo na zona rural, exerce atividades que não são tipicamente
agrícolas. (DIEESE, 2001, p. 218).
Esse estudo demonstra que a população rural não agrícola exerce atividades que
exigem baixos níveis de qualificação como é o caso dos trabalhos de serviços gerais,
11
Entrevista concedida por Everton, encarregado da empresa reflorestadora, em 13/01/2006 .
70
domésticos, entre outros. Segundo o DIEESE, isso se deve à queda do nível de emprego nas
atividades agrícolas. Acreditamos que o desenvolvimento da atividade de carvoejamento com
uma intensa divisão do trabalho representa esta reestruturação do campo, que transformou o
pequeno agricultor ou pecuarista em trabalhador assalariado ou volante.
A expansão das florestas homogêneas em Curvelo, a partir dos anos 1970, resultou,
por um lado, numa elevada concentração fundiária e, por outro, na redução do número de
postos de trabalho no campo. A monocultura do eucalipto é realizada em grandes explorações
com utilização intensa de máquinas e insumos químicos, o que reduz a necessidade da
incorporação do trabalho vivo ao processo produtivo. A mão-de-obra utilizada, como já
afirmamos, é basicamente desqualificada e formada por uma significativa parcela de
pequenos produtores que buscaram alternativa no trabalho assalariado. Outro fator que
diferencia esse novo trabalho do familiar é a minuciosa divisão do trabalho empregada na
indústria reflorestadora.
Figura 8: Vista aérea Floresta Homogênea de Eucalipto
Fonte: arquivo reflorestadora
Nesse segmento o trabalho está dividido em diversas etapas que, resumidamente,
podemos apresentar como: cultivo de mudas, plantio e manutenção das florestas, corte,
fabricação do carvão e, finalmente, distribuição do produto. Em nossas visitas na empresa
reflorestadora, observamos que há uma maior concentração de trabalhadores na primeira
etapa da produção que é a produção de mudas. Inclusive, é a etapa que emprega mais mão-de-
obra feminina. No carvoejamento, que é o nosso foco, uma intensa utilização de mão-de-
obra masculina.
71
Conforme ressalta Gama, Paula e Lima (2003, p. 05), “nesse processo de
proletarização do campo, fica a cargo dos trabalhadores várias atividades insalubres, como
pulverização de defensivos agrícolas” entre outras tantas tarefas braçais que fazem parte do
ambiente da carvoaria. Essas atividades, no entanto, não fogem a um controle dos
trabalhadores e do processo produtivo. Em todas as etapas são determinadas metas a serem
alcançadas pelos trabalhadores. No caso do carvoejamento, o carvoejador é responsável por
encher e esvaziar um ou dois fornos por dia, de acordo com a bitola da madeira (2,20m ou
1,10 m). Isso, como veremos adiante, promove uma intensificação do trabalho. O carvoejador,
para se livrar do trabalho mais penoso no período da tarde, intensifica o ritmo da atividade na
parte da manhã, suprimindo os horários dedicados às refeições e, muitas vezes, evitando até
mesmo o consumo de água para evitar a perda de disposição para o trabalho.
Todo o controle da produção está atrelado à necessidade de abastecimento do pólo
guseiro que opera sob a técnica do just-in-time. Segundo essa fórmula, o carvão deve ser
entregue na porta da siderúrgica em um tempo determinado. A quantidade a ser consumida
também é levada em consideração. Portanto, a carvoaria não deve produzir além do
necessário para o abastecimento da siderúrgica. O produto acumulado na praça pode perder o
seu valor comercial, que está exposto à chuva e ao sol. O carvão molhado perde suas
propriedades de combustível para o alto-forno e de redutor para a fundição do ferro. Além
disso, o carvão entra facilmente em combustão, quando exposto a elevadas temperaturas.
Dessa forma, o trabalho do carvoeiro também se dobra ás exigências da siderúrgica,
intensificando ou desacelerando a produção.
Neves (2006) demonstra que as empresas têm buscado uma nova forma de
organização da produção e do trabalho, e, para tanto, têm formado uma cadeia produtiva que
une, por relações de compra e venda, uma seqüência de setores econômicos produtivos. Nessa
cadeia cada um desses setores executa uma etapa do processo de produção. Como afirmamos,
as reflorestadoras são responsáveis por uma etapa do processo de produção do ferro gusa que
se encontra na ponta inicial dessa cadeia produtiva. No entanto, como ressalta a autora:
o que vem predominando é a estruturação de cadeias caracterizadas por uma forte
assimetria de poder entre as empresas e, pela constituição de cadeias de
subcontratação, a partir de uma lógica de redução de custos com fortes
conseqüências em termos de precarização do trabalho”. (NEVES, 2006, p. 06).
72
A maioria das siderúrgicas possui sua reserva de floresta homogênea, mas pelo menos
70% do carvão consumido é comprado de reflorestadoras ou de carvoarias nativas. A
atividade de carvoejamento, como um elo da cadeia produtiva do ferro gusa, atua
pressionando ainda mais as formas de precarização do trabalho e subcontratação dos
trabalhadores. Mesmo que na reflorestadora em questão, o carvoeiro seja um trabalhador do
seu quadro fixo, os incentivos pela qualidade do trabalho e aumento da produtividade levam o
trabalhador a um estresse físico e psicológico, como veremos no próximo capítulo.
O Sr. Afonso afirma:
Pergunta: Quanto vocês têm que reproduzir por dia na carvoaria de reflorestadora?
Afonso: A tarefa que eles dão pra nós é um forno que pega 25 à 26 metros de lenha.
Descarregar ele e encher por dia, um forno bem cheio, ele na faixa de 11 à 12
metros quadrado. Se a lenha tiver muito verde ela da muita quebra tem muita água
nela. Se tiver uma lenha seca é melhor de trabalhar com ela. (Depoimento Verbal)
12
.
Em relação a esta afirmativa e fazendo nova menção à fala destacada na epígrafe,
vemos uma tendência da reflorestadora no uso do novo padrão de gestão, baseado na
qualidade total. Trata-se de uma versão adaptada das propostas teóricas clássicas para o
trabalho no campo com cunho industrial. O trabalho é racionalizado através da imposição de
metas de produtividade, da adoção de técnicas de produção, da mecanização de alguns
processos de trabalho e da cooptação do trabalhador por meio de prêmios e incentivos como a
cesta básica. Nesse ambiente, ocorre uma intensa vigilância sobre o trabalhador, além do fato
deste se caracterizar em mão-de-obra sem qualificação e em um emprego estável.
Quanto à remuneração, nas carvoarias de reflorestadora, a legislação trabalhista é
seguida de acordo com as regras. Os carvoeiros recebem em média R$520,00, além de uma
cesta básica no final do mês. Vale ressaltar que a cesta básica só é concedida a quem não tiver
faltado ao trabalho durante o período. Todos os trabalhadores possuem carteira assinada e
recebem os EPIs. São pagas as horas-extras de trabalho e lhes é garantido o descanso semanal.
No entanto, o cumprimento das normas de trabalho não implica a eliminação dos problemas
12
Entrevista concedida em 26/05/2007.
73
decorrentes do trabalho, como a questão da segurança, da saúde do trabalhador e da melhoria
de suas condições de vida. Isso é o que veremos na próxima seção.
2.4 – Trabalho forçado: escravidão ou servidão por dívida
Analisar as relações de trabalho na atividade de carvoejamento exige do pesquisador
um esforço no sentido de compreender todas as formas de trabalho que são praticadas na
atividade. Nesse caso, faz-se necessário analisarmos as abordagens atuais sobre o trabalho
forçado.
Recentemente várias Organizações Não Governamentais (ONGs) e órgãos de
fiscalização
13
têm investigado denúncias de trabalho escravo ou servidão por dívida na
produção de carvão para as siderúrgicas que exportam ferro gusa. De acordo com dados da
Comissão Pastoral da Terra, o número de trabalhadores escravizados no Brasil, varia entre 25
e 40 mil pessoas. Grande parte desses trabalhadores encontra-se nas atividades agrícolas como
na lavoura de cana-de-açucar, extração de madeira e produção de carvão
14
.
Apesar da Abolição da Escravidão ter sido decretada pela Lei Áurea de 1888, o
trabalho escravo se mantém no Brasil mesmo que sob outros formatos. De acordo com Vieira
(2003) o trabalho escravo:
Modernamente, é processo de exploração violento de seres humanos cativos por
dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência e forçados a trabalhar porque
não m opção. Recrutados em bolsões de miséria, são levados para locais de difícil
acesso, sem possibilidade de fuga, às vezes vigiados por homens armados, atraídos
através de falsas promessas. (VIEIRA, 2003, p. 04).
A servidão ou peonagem por dívida é a forma de trabalho escravo mais comum no
Brasil, encontrado principalmente na região nordeste. Segundo esse magistrado, o escravo
moderno é o trabalhador, aprisionado por uma dívida. Para saldar seu débito, o trabalhador
empenha a sua mão-de-obra e não raramente a de pessoas próximas como esposa e filhos. A
finalidade é que o serviço prestado seja aplicado no abatimento da conta. Como o trabalhador
acumula tal dívida?
13
Organização Internacional do Trabalho, Governo Federal, Comissão Pastoral da Terra, ONG Repórter Brasil, dentre
outros.
14
Introdução: Observatório Social em Revista, 2004, p. 05.
74
Sem encontrar trabalho em sua cidade ou região, o trabalhador busca ocupação em
outras regiões. Aí, seduzidos por aliciadores ou “gatos” são levados a trabalhar nas terras
daqueles que se utilizam do trabalho escravo – os “grileiros”. Nas fazendas de cana-de-açúcar
ou nas regiões de exploração (geralmente ilegal) de madeira são forçados a comprar a comida,
os itens de higiene pessoal e os instrumentos de trabalho (que deveriam ser fornecidos
gratuitamente) por preços muito acima do razoável. Assim, acabam por se prender a dívidas
intermináveis. A Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE)
(2004, p.02) nos lembra que na tentativa de fugir ou de ir embora, o trabalhador pode ser
vítima de surras ou até mesmo perder a vida.
Muitos teóricos têm se preocupado em definir o que leva a ressurgir tal fenômeno e o
que diferencia a escravidão moderna das antigas formas de escravidão.
No consenso geral, a escravidão ou servidão por dívida surge em decorrência da
miséria espalhada pelo território brasileiro. Também é consenso que essa não é a única causa,
haja vista a existência de trabalho escravo mesmo em paises desenvolvidos. A coordenadora
Nacional de Combate ao Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
no Brasil, Patrícia Audi, em entrevista à Revista Observatório Social, analisa que a principal
causa do trabalho escravo no Brasil é a impunidade. Segundo Patrícia Audi:
Nós não podemos justificar a existência de Trabalho Escravo pela miséria, uma vez
que existem, ao redor do mundo, trabalhadores escravos nos mais diversos paises,
inclusive nos desenvolvidos. O que diferencia um país do outro é o tratamento em
relação a esse crime horroroso, que viola os direitos humanos e por isso deve ser
combatido por todos os que defendem a liberdade e o estado democrático de direito.
(OSR, 2004, p. 26).
São inúmeras as denúncias da negligência do Estado diante de tal situação. Os
questionamentos da atuação do Estado vão desde a falta de preparo da Polícia Federal e dos
profissionais dos demais órgãos competentes para a investigação do trabalho escravo até as
críticas aos legisladores que não se sensibilizam com a supressão da liberdade das vítimas,
criando legislações mais rígidas e monitorando sua aplicação. Para os estudiosos (que atuam
diretamente na erradicação do trabalho escravo), a impunidade pode ser o grande mal que leva
ao crescimento do trabalho escravo.
O trabalho forçado contemporâneo se encontra centralizado em áreas rurais remotas,
em economias informais ou degradadas, principalmente quando “o empregador não tem
controle ou não se importa em ter controle sobre a cadeia produtiva” (AUDI, 2004, p. 45).
75
Isso demonstra que os trabalhadores explorados são pessoas relegadas à vulnerabilidade social
como analfabetos ou semi-analfabetos “que desconhecem seus direitos e não têm acesso aos
meios legais e políticos, sendo facilmente enganadas e forçadas a resignar-se” (ALEXIM,
1999, p. 44).
Outro fator que contribui para o ressurgimento da escravidão é a precarização do
trabalho, um fenômeno crescente no mundo capitalista. Os postos de emprego para a mão-de-
obra desqualificada são em grande parte temporários, sazonais e informais. Isso acentua ainda
mais a situação de vulnerabilidade do trabalhador, contribuindo para a atuação dos “gatos”.
Na página da ONG Repórter Brasil
15
encontramos um paralelo elaborado pela equipe
de redação que estabelece uma comparação entre os sistemas de escravidão do Brasil colônia
e do Brasil contemporâneo. No estudo, concluem que a “nova escravidão é mais vantajosa
para os empresários que a da época do Brasil colônia e do Império, pelo menos do ponto de
vista financeiro e operacional”. Isso porque a aquisição da mão-de-obra naquela época era
cara. Os escravos eram transportados em navios negreiros e representavam uma mão-de-obra
que exigia certos cuidados e preocupações com a saúde e a alimentação. Tais cuidados, por
sua vez, tendem a justificar-se pela necessidade de retorno do investimento. No caso dos
novos escravos, quase não existe investimento em sua aquisição, não existe também uma
preocupação em sua manutenção. Esse tipo de mão-de-obra é descartada quando o trabalhador
adoece ou morre por exaustão ou outro tipo de doença. O escravo moderno não precisa ser
sustentado quando não há trabalho. Nesse caso, ele é mandado embora sem direito a nada. O
escravo no Brasil Colônia representava uma despesa extra nos tempos de baixa colheita ou
entressafra.
Entre outras características essa ONG destaca que as diferenças étnicas não são mais
fundamentais para escolher a mão-de-obra. A seleção se pela capacidade da força física de
trabalho e não pela cor. Qualquer pessoa more em regiões de grande incidência de
aliciamento para a escravidão pode cair na rede da escravidão.
As vítimas escolhidas se encontram em regiões onde predomina a miséria, a violência
e a fome. Assim, a restrição à liberdade ocorre onde não há oportunidade de emprego e as leis
foram esquecidas.
Nesse espaço, estamos explorando apenas a escravidão na esfera do trabalho do adulto
carvoeiro, mas seria imprudente não mencionarmos suas novas formas. A escravidão
moderna, como forma de cerceamento da liberdade e coação física e moral, também apresenta
outras modalidades como o tráfico de pessoas, a escravidão sexual, o comércio de órgãos e a
15
http://www.reporterbrasil.com.br/conteudo.php?id=7
76
exploração sexual (inclusive com fins turísticos) e do trabalho de crianças. As novas formas
de escravidão abrem espaço para novas discussões que motivaram a compreensão do
problema no Brasil sob nova ótica, nova dimensão. (DODGE, 2002, p. 15-16).
Esclarecidas as causas, seus efeitos e as novas condições da escravidão, devemos
analisar um pouco do debate jurídico e sociológico aberto sobre o conceito de escravidão
contemporânea.
A OIT, em sua convenção 29, conceitua trabalho forçado como “todo trabalho ou
serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de alguma punição e para o qual o dito
indivíduo não se apresentou voluntariamente”. As duas características mais marcantes para o
trabalho escravo, na dimensão adotada pela OIT é a da coação e privação da liberdade do
indivíduo.
O Código Penal Brasileiro, no seu artigo 149, define como pena a reclusão de dois a
oito anos a quem
reduzir alguém a condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de
trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto (BRASIL,1940).
O Procurador do Ministério Público, Maurício Pessoa Lima, em oficina jurídica no
Fórum Social Mundial de 2002, demonstra que o trabalho em condições análogas ao do
escravo “não deve ser confundido com o trabalho degradante, ou com a superexploração do
trabalhador” (LIMA, 2002, p. 2). O trabalho forçado que configura uma situação análoga ao
do trabalho escravo, entendida juridicamente, é aquela em que além de promover o trabalho
degradante e a superexploração do trabalhador “há de se constatar o cerceamento da liberdade
de locomoção do trabalhador, seja por meio de fraude ou violência” (LIMA, 2002, p. 04).
A Sociologia com enfoque no trabalho tem demonstrado que o sistema capitalista cria
contradições que se refletem na mão-de-obra camponesa de forma perversa. O quadro criado
pelo novo capitalismo agudiza a situação do trabalhador e leva ao trabalho forçado. Com a
expansão do capitalismo, assentado na inovação técnica e ampliação dos mercados inicia-se
uma ampliação dos mercados promovendo arranjos e influências recíprocas nos âmbitos
econômico e cultural. Dessa forma, os Estados passam a intervir cada vez menos na economia
e abrem espaço para uma acentuação dos conflitos capital-trabalho. As proteções ao
trabalhador vão se afrouxando na medida em que a indústria substitui o trabalho vivo pelas
77
inovações tecnológicas, garantindo o aumento da produtividade e a diminuição dos encargos
trabalhistas. É dessa forma que se concretiza a fala de Martins:
o advento do trabalho livre, no entanto, separou a pessoa da sua capacidade de
trabalho, da sua força de trabalho. Os mecanismos ideológicos que legitimavam a
sujeição da pessoa e a desigualdade da qual ele provinha perderam a sua eficácia. A
sujeição da pessoa foi substituída pela sujeição do trabalho ao capital.
(MARTINS,1981, p.146).
Em outro trabalho demonstra que o trabalhador para ser efetivamente vendedor de sua
força de trabalho, precisou ser juridicamente livre da escravidão. Isso deu-se com a Lei Áurea
de 1888. Mas enquanto o trabalhador se tornou livre para vender sua força de trabalho, ele
também foi “divorciadodos meios necessários a sua sobrevivência (MARTINS, 1999, p.
160-163). Para o autor, o trabalho livre passa a ser violado nesse mesmo contexto, quando
as alternativas que se abrem para essa população já situada à margem do
desenvolvimento capitalista são alternativas igualmente no limite empregos
temporários, de mais baixos salários e onde mais facilmente ocorre a
superexploração. (MARTINS, 1999, p. 160-163).
O cerco se fecha quando dificuldade de se encontrar mão-de-obra disponível como
nos casos em que os camponeses estão ocupados com suas plantações ou colheitas. Nessas
brechas atuam os “gatos” que aliciam trabalhadores temporários em regiões ou estados mais
distantes para suprirem as lavouras ou extração de madeira com mão-de-obra temporária e
compulsória. Esse tipo de atuação, mais comum na região nordeste e na exploração de
madeira da Amazônia, soma a exploração ilegal dos recursos naturais com a superexploração
ilegal, forçada e subumana da força de trabalho.
José de Souza Martins, reconhecidamente um especialista no assunto, alerta para as
ciladas da interpretação sobre trabalho escravo. O sociólogo orienta a não confundirmos
superexploração do trabalhador com trabalho escravo:
No caso brasileiro, a escravidão não se manifesta direta e principalmente em más
condições de vida ou em salários baixos ou insuficientes. O núcleo dessa relação
escravista está na violência em que se baseia, nos mecanismos de coerção física e às
vezes nos mecanismos de coerção moral utilizados por fazendeiros e capatazes para
subjugar o trabalhador. Adicionalmente, ela surge quando o trabalhador, por não
receber o salário que lhe é devido e por estar trabalhando em local que representa
confinamento (caso da mata nas extensas fazendas da Amazônia), fica
materialmente subjugado ao patrão e impossibilitado de exercer seu direito de
78
homem livre e igual, que está no direito de ir e vir, direito de sair de um emprego e
ir para outro. Isso não que dizer, obviamente que todos os casos em que o
trabalhador não recebe seu salário sejam casos de escravidão. O pesquisador deve
estar atento ao seu ingrediente principal que é a coerção física e moral que cerceia a
livre opção e a livre ação do trabalhador. (MARTINS, 1999, p. 162).
Entre os juristas pesquisados, um consenso com o alerta de Martins (1999). Tanto
para se evitar os “denuncismos” que permeiam o tema - praticados pela mídia e outros canais
- quanto para se evitar a banalização. O trabalho degradante, não-remunerado, as condições
subumanas de trabalho existem e devem ser tratadas com os rigores da legislação trabalhista.
No entanto, se diferenciam do trabalho forçado porque não impedem o trabalhador de ir em
busca de outro emprego (mesmo que este se encontre nas mesmas condições). O trabalho
forçado vem sempre acompanhado do cerceamento à liberdade de ir e vir e da coerção moral
ou física. Os juristas buscam garantir a repressão do trabalho escravo nas áreas cível, criminal
e trabalhista, impedindo penas reduzidas ou alternativas. Para tanto, as equipes de
investigação estão atentas a todos os fatos, relatando os outros delitos que acompanham a
escravização como a exploração ilegal de recursos naturais, cárcere privado entre outros.
Em Curvelo, nas carvoarias visitadas, tanto de reflorestadoras quanto volantes, vemos
uma preocupação dos carvoeiros em preservar sua relação com os empregadores. Todos
afirmam ter carteira assinada e os direitos garantidos por lei. No entanto, nas carvoarias
volantes, vemos o descaso com os EPI’s e sabemos não ser verdade o vínculo empregatício
que eles garantem. Carlos, um dos entrevistados, afirma que “tava trabaiano na roça como
empregado de carteira assinada. Mas aqui ainda é melhor. A gente recebe pelo tanto que
trabaia. nós tira mais, né?”. Ao insistir no contrato formal, de carteira assinada, ele me
responde: “assim ta bom também. O dono da carvoeira trata a gente bem”.(Depoimento
Verbal)
16
.
Nas carvoarias clandestinas o proprietário da terra contrata um empreiteiro que fica
encarregado de proceder à contratação dos carvoeiros e acompanhar o processo de
carbonização. Neste caso, também é responsabilidade do contratador entregar os fornos, o
local limpo e a madeira na porta do forno. Este tipo de contrato é a “meia”, ou seja, a renda
líquida – descontados os gastos com o corte da lenha, horas de serviço de trator, entre outros –
é dividida igualmente entre contratador e empreiteiro. Por sua vez, desses 50% destinados a
ele, o empreiteiro paga ao carvoeiro por dia de serviço ou produção, conforme o combinado.
16
Entrevista concedida em 24/09/2005.
79
Os carvoeiros, além de se submeterem a precárias condições de trabalho, são
cooptados a um tipo de relação seja com o proprietário da carvoaria ou com o empreiteiro,
que torna ainda mais restrita a vida desses trabalhadores. Ao tipo de relação de trabalho no
qual estão inseridos corresponde o trabalho “livre” ou “cativo”. O trabalho “livre” implica que
serão de responsabilidade do trabalhador as ferramentas, a construção da moradia próxima aos
fornos (o rancho) e a alimentação. No trabalho “cativo” serão descontados do salário do
trabalhador as despesas com alimentação e a manutenção ou compra de ferramentas.
O trabalho “livre” se torna mais comum nas carvoarias onde o contrato é feito pela
“oitava”, dando ao trabalhador o controle e a responsabilidade sobre suas despesas. Nas
carvoarias clandestinas predomina o trabalho “cativo”; neste caso, em inúmeras vezes o
salário não é suficiente para cobrir as despesas do trabalhador. As dívidas daí decorrentes
tornam-se a justificativa para a subordinação e imobilização do trabalhador junto às
carvoarias.
Comumente os trabalhadores se submetem a contratos de participação na produção,
fazendo com que pese sobre eles as responsabilidades sobre o ritmo do trabalho e o aumento
da produtividade. Com esta forma de contrato por participação nos lucros a “oitava” -, o
trabalhador recebe como salário, 12,5% dos lucros líquidos obtidos com a carga do carvão,
descontados os gastos com o transporte. Como o trabalho pode ser executado por um
trabalhador ou em duplas, o valor recebido, muitas vezes, ainda será dividido com o ajudante
ou o sócio do carvoeiro.
Outras formas de trabalho são celebradas entre o carvoeiro e o contratante, como o
trabalho por dia de serviço ou o trabalho por produção. No caso do trabalho por produção, o
trabalhador recebe um valor fixo por forno carbonizado, o que poderá deixá-lo sem renda no
caso de perdas no processo.
Apesar de os trabalhadores terem negado, muitos estão sendo explorados por dívidas
adquiridas pelo trabalho “cativo” ou pelas perdas no processo produtivo. De acordo com os
fiscais do trabalho, não registros oficiais de escravidão ou servidão por dívida nas
carvoarias de Curvelo. Nossa dúvida se baseia na miséria presenciada nas carvoarias visitadas
e na insegurança de alguns em responder se haviam contraído ou não dívidas com os seus
empregadores no tempo em que ali trabalhavam.
Observamos ao longo dessa pesquisa que os trabalhadores são explorados pela busca
incansável de aumentar a produção e com isso os ganhos. As condições de trabalho e de
moradia são precárias e os direitos sociais não são garantidos. Mesmo na reflorestadora onde
os salários estão acima do mínimo e são oferecidos EPI’s, os trabalhadores são
80
superexplorados com uma carga de trabalho excessiva e uma atividade insalubre. Esses
assuntos serão debatidos na próxima seção.
81
3. CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS CARVOARIAS: A RELAÇÃO
HOMEM-TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES NA SAÚDE FISICA E
MENTAL DO TRABALHADOR
A investigação sobre processo de trabalho na produção do carvão vegetal em
Curvelo/MG tem se apresentado como um grande desafio. Por compreender duas formas
básicas - de carvoarias volantes e reflorestadoras e entre essas outras manifestações de
exploração do trabalho, as condições de trabalho decorrentes são igualmente complexas de se
interpretar.
Como afirmamos anteriormente, a superexploração do trabalhador carvoeiro é uma
característica própria dessa atividade. As condições de trabalho, por sua vez, reproduzem tal
característica ao longo do tempo. Mesmo na exploração mais moderna do carvão vegetal, com
toda a instrumentalização garantida pela legislação trabalhista em vigor, encontramos uma
atividade que admite a exploração arcaica do trabalho, sem garantir as condições mínimas de
segurança e saúde do trabalhador.
Para a OIT:
Trabalho Decente é aquele exercido de forma digna, sem discriminação de qualquer
espécie, em condições de segurança, remunerado de forma adequada, em ambiente
seguro, com liberdade, resguardando os laços de sociabilidade e diálogo social,
fomentando a eqüidade e valorizando os direitos fundamentais do trabalho.
(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2006 p. 05).
Cumpre-nos a missão de desvendar as condições de trabalho nas carvoarias à luz do
conceito de trabalho decente da OIT. Seria o trabalho decente, exercido sem discriminação,
uma tarefa desempenhada por homens que se “escondem” no cerrado, em lugares de difícil
acesso, por não terem outro meio de sustentar suas famílias? Seria decente ainda um trabalho
que envolve não somente a força física, mas mesmo que subjetivamente, o corpo do
trabalhador? Um ambiente de alta periculosidade, com propensão a acidentes, como
queimaduras, intoxicação por gases nocivos, seria decente? Alojamentos inadequados, mesmo
que de alvenaria, com pouca ventilação, abrigando várias pessoas em um minúsculo espaço,
podem ser contemplados por tal conceito?
A resposta para todas as questões é não. O que ainda impressiona é saber que esta
situação tem se perpetuado ainda que com o conhecimento do Ministério Público e de outros
82
órgãos competentes. A situação degradante do trabalho em carvoarias tem sido palco de
discussão desses órgãos. Existem comissões que investigam tais fatos, mas as atitudes
concretas ainda não alcançaram todos os trabalhadores.
As formas modernas de exploração do trabalho carecem de regras que regulamentem a
exploração da mão-de-obra. No caso dos carvoeiros, o problema toma uma dimensão mais
arrasadora: os trabalhadores não apenas vivem a situação, mas no caso das carvoarias
volantes, eles vivem na situação de trabalho degradante. Suas moradias estão próximas aos
fornos quentes, cobertas de lonas pretas com paredes de pau a pique
17
, não oferecem nenhum
conforto ao trabalhador além de esconderem os perigos do mato como escorpiões, cobras e
outros insetos e animais peçonhentos.
As carvoarias estão no inicio da cadeia produtiva do ferro gusa, mas parecem
esconder-se sob o véu da fumaça que produzem quando se trata de regulamentação do
trabalho:
Na cadeia produtiva do aço, estão presentes condições de trabalho muito distintas:
de um lado, as siderúrgicas certificadas segundo as normas internacionais; de outro,
a precariedade das carvoarias artesanais, com utilização intensiva e predatória dos
recursos florestais, exploração do trabalho em condições subumanas, incluindo
crianças e adolescentes, empregando tecnologia rudimentar (...) (DIAS; et al., 2002,
p. 02).
O trabalho repetitivo e exaustivo da carvoaria expõe os trabalhadores a constantes
riscos e a doenças que têm origem nessa atividade ocupacional. A produção do ferro gusa
conta com a regulamentação celebrada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e com
a constante vigilância dos sindicatos dos metalúrgicos (mesmo que precária). Os carvoeiros
por sua vez, não contam com sindicatos organizados capazes de garantir seus direitos e
condições de trabalho.
17
O nome utilizado pelos trabalhadores é rancho de pau a pique: paredes construídas com uma mistura de barro
e estrume de boi, numa estrutura de bambu e madeira rústica.
83
Figura 9: carvoaria volante
Fonte: Arquivo Pessoal
Outro fator de silêncio em relação a tais condições de trabalho é o desemprego que
ameaça os trabalhadores e faz com que esses se submetam a qualquer tipo de atividade,
mesmo que afete sua saúde física e mental. Nesse caso, o que importa é o seu sustento e o de
sua família.
Não podemos perder de vista que fatores como o controle e a dominação do trabalho
são eficazes quanto ao aumento da produtividade, mas promovem o desgaste físico e mental
do trabalhador. As condições em que se executa o trabalho determinam a observância da
segurança oferecida ao trabalhador e suas conseqüências para a sua saúde mental e social. A
relação homem-trabalho incide diretamente sobre os fatores cognitivos, seus desejos,
ansiedades e sua apreensão sobre o trabalho e seu conteúdo. Esses indicativos das condições
de trabalho dos carvoeiros serão desenvolvidos nas próximas seções.
3.1 – Controle e dominação: estratégias de exploração do trabalho
O trabalho nas carvoarias, como vimos, além de degradante é desumano, apesar das
inovações tecnológicas do capitalismo contemporâneo. As relações estabelecidas no ambiente
da carvoaria são representadas por formas de dominação tanto explicitas quanto implícitas.
84
Muitos ergonomistas
18
reconhecem as influências da dominação sobre o corpo e a mente do
trabalhador, demonstrando que o controle e a repressão externos passam a ser internalizados,
causando fadiga, estresse e diversos outros sintomas de tensão laboral. (SELIGMANN-
SILVA, 1994).
A busca pela maximização da produção intensifica o ritmo do trabalho de modo a
atender às demandas do mercado. Por se tratar de uma atividade repetitiva que exige esforço,
o carvoejamento gera um grande estresse físico e psicológico nos trabalhadores. No período
de seca, quando a carbonização ocorre sem maiores transtornos, o ritmo da produção é mais
cadenciado, porque atende à demanda. No entanto, ao se aproximar o período chuvoso, o
ritmo aumenta para garantir estoque de carvão
19
no momento de alta de preço. Nessa
oportunidade, o carvoeiro, principalmente o volante, pode aumentar seus ganhos. Para isso
será necessário intensificar o trabalho e, não raro, contar com a ajuda da esposa e dos filhos
menores nas tarefas de preencher e esvaziar o forno.
A adesão da reflorestadora a algumas estratégias de cooptação do trabalhador, próprias
do modelo de acumulação flexível para adesão às suas metas, como vimos no capitulo
anterior, visam ao aumento da produtividade e consequentemente do lucro. Mas essas
estratégias representam uma forma de dominação que age dissecando o esforço físico do
trabalhador, utilizando para isso um discurso que o ascende da qualidade de empregado para
colaborador, de trabalhador para componente da empresa. Esse discurso pode ser ouvido a
qualquer momento na empresa repetido tanto pelos encarregados e supervisores, quanto pelos
próprios trabalhadores que já introjetaram a idéia. Os refeitórios bem posicionados longe da
fumaça do forno -, o almoço e o lanche servidos em tempo regular e balanceados, o chuveiro
aquecido por serpentina
20
, são provas irrefutáveis daquilo que os trabalhadores entendem
como benefícios que a empresa oferece. Aqueles que trabalham na empresa há alguns anos ou
tiveram parentes, presenciaram um tempo em que essas “regalias” o eram oferecidas.
Mas não são capazes de reconhecer isso como uma conquista dos trabalhadores de diversos
setores que sempre lutaram por melhores condições de trabalho, exatamente porque não se
reconhecem como classe e porque dela não têm conhecimento.
18
A ergonomia é um conjunto de regras e estudos que visa a organização saudável e produtiva do trabalho. ela
trata das relações entre a máquina e o homem dentro de determinado ambiente de trabalho, tendo como
finalidade o bem-estar, a saúde e o bom rendimento do trabalhador. Em ergonomia o binômio conforto-
produtividade andam juntos. (MICHEL, 2001, p. 91).
19
Durante o período chuvoso é possível garantir um estoque mínimo de carvão porque quase não há risco de
combustão por causa da umidade.
20
Equipamento utilizado para aquecer água, acoplado por meio de um encanamento a um fogão à lenha, ou
como no caso, ao forno de carvão.
85
Fatores psicológicos também são utilizados para garantir o aumento da produtividade
como a relação que se faz entre a masculinidade e o trabalho: “só agüenta mesmo quem for
muito homem” (Depoimento Verbal)
21
. Quanto a isso, Grossi, citado por Seligmann-Silva
(1994, p.110) demonstra “como a partir do reconhecimento da força do machismo, o escárnio
e o desprezo dos companheiros podem se tornar armas especialmente poderosas, manipuladas
a serviço da intensificação da produtividade”.
Essa noção difundida entre os carvoeiros torna-se combustível para a intensificação do
trabalho. O Sr. Leonardo ao afirmar que “muito menino novo não faz o que eu faço”
22
,
reafirma sua força e masculinidade. Uma relação entre masculinidade e produtividade, traz
em si uma carga que fere a dignidade humana, mas, ingenuamente, é carregada por esses
homens com orgulho. Em contrapartida promove a submissão desses trabalhadores em favor
da garantia de produção.
Essa forma velada de dominação toma ainda mais força quando operada em
trabalhadores volantes que, acostumados à lida na roça, não se curvam aos resultados físicos
do esforço, mas tratam a tarefa árdua e estressante como um cumprimento da “obrigação”. O
trabalho, portanto, deixa de ser um meio de realização pessoal e passa a ser um instrumento
de alienação e mortificação de seus desejos e sua individualidade.
Para Selligmann-Silva:
As instrumentalizações de dominação que se fazem através da desinformação, da
utilização de sentimentos e da estimulação pelo orgulho do trabalho bem feito são
algumas das técnicas adotadas pelo poder que recebem fortalecimento considerável
da disciplinarização, favorecendo a eficácia da mesma, preparando o terreno pra
garantir a aceitação das exigências disciplinares. (SELLIGMANN-SILVA, 1994, p.
97).
A análise da autora, inspirada na teoria de Michel Foucoault sobre os “corpos dóceis”,
pode ser contextualizada à luz da realidade dos carvoeiros que estão alienados por meio de
instrumentos velados como os sentimentos; o estimulo ao trabalho bem feito; a concessão de
“benefícios”; ou remunerações extras, para quem, vez ou outra, dispensa o descanso semanal
para o trabalho, entre outros.
Numa das entrevistas realizadas na casa de um carvoeiro da reflorestadora, notamos o
extremo interesse da esposa, um pouco mais letrada, em verificar as perguntas e as respostas
do entrevistado. A princípio pareceu-nos apenas curiosidade, mas com o avanço e o
21
Entrevista concedida por empreiteiro de carvoaria volante em 31/07/2007.
22
Entrevista concedida em 25/07/2007.
86
detalhamento das questões o interesse demonstrou ser uma preocupação óbvia pela
manutenção do emprego do marido e do relativo conforto que ele representa para a família.
Em uma de suas incursões na entrevista , quando o marido, orgulhoso, afirmou receber a cesta
básica todo mês (esta é concedida apenas para quem não falta ao trabalho), a esposa apressou-
se em confirmar dizendo que a cesta representava uma ajuda extra para as despesas
domésticas.
Essa passagem nos alertou para a extensão das estratégias de dominação para o lar e a
família. Não bastasse ficar o trabalhador vulnerável à dominação no trabalho, também está
exposto à pressão da esposa que considera a doação da cesta e o pagamento do salário em dia,
como uma concessão que a empresa faz ao trabalhador.
De acordo com um dos supervisores da carvoaria, a doação da cesta básica promoveu
uma redução do absenteísmo próxima de zero, porque é concedida apenas para quem não tem
nenhuma falta ao trabalho. Ao ser indagado se a cesta seria concedida a quem apresentasse
atestado médico, mudou, claramente, o rumo da conversa.
A dominação explicita se apresenta na determinação de metas a serem alcançadas. O
trabalho na carvoaria de reflorestadora é organizado, como relatado, garantindo que cada
carvoeiro abasteça e esvazie um ou dois fornos por dia, conforme o corte da madeira
23
. De
acordo com o técnico em segurança do trabalho da reflorestadora esse calculo é feito tendo
em vista as condições físicas dos trabalhadores. No entanto, não é percebido ou computado o
fato de que os trabalhadores buscam acelerar o ritmo do trabalho para aproveitar o período
mais fresco da manhã. A observação sempre repetida pelos encarregados é a de que os
trabalhadores estão desocupados antes mesmo do almoço.
Pergunta: Vocês faziam quantas refeições por dia?
Afonso: Duas. O lanche e o almoço.
Pergunta: Tinha intervalo para isso?
Afonso: Tem, mas eu fazia o serviço todo primeiro depois eu ir almoçar. Porque é
muito pesado. Se eu parasse e depois fosse almoçar era capaz de passar mal porque
o forno esquentava. Eu prefiro me alimentar depois que eu não mexer com o serviço.
Mas aconteceu comigo muitas das vezes eu parar o serviço e ir almoçar e depois
continuar. Eu não me sentia bem ficava com mal estar.
Pergunta: Porque você acha que vinha esse mal estar?
23
Para o corte de 1m 10cm, são dois fornos por dia para cada carvoeiro. O corte de 2m 20cm é um forno por dia
para cada carvoeiro. No ultimo caso, um corte de madeira pode pesar até 150k.
87
Afonso: É por causa do serviço que é muito pesado. Assim também rende mais o
serviço porque na parte da manhã o tempo mais fresco e tem menos caloria do
forno. (Depoimento Verbal)
24
.
O tempo de refeição dedicado ao trabalho é encarado pela organização da empresa
como uma opção do trabalhador. O calor do forno, somado às condições climáticas próprias
da região noroeste de Minas Gerais onde o calor pode ultrapassar os 40°, faz com que o
carvoeiro administre o horário das refeições de modo a garantir sua produtividade. Como
relatou o Sr. Afonso, o trabalho no forno após a refeição causa mal-estar por causa do calor
intenso e, consequentemente, podemos aferir, reduz a produtividade.
Mesmo que aos olhos do encarregado o período que se segue ao almoço (por volta de
12h) o trabalhador fique “ocioso”, o sobretrabalho já se operou com uma incrível intensidade
na parte da manhã. Isso representa o que Marx entende como Mais-Valia, ou seja, o valor
excedente produzido pelo trabalhador e apropriado pelo empresário capitalista. A mais-valia é
capaz de promover o aumento da produtividade seja pelo prolongamento da jornada de
trabalho, ou pela mecanização das atividades produtivas no objetivo de produzir cada vez
mais riqueza. Nesse caso, a apropriação da riqueza gerada pelo carvoeiro já se efetivou pela
empresa que, por sua vez, mascara o processo, “permitindo” que o carvoeiro usufrua do
“tempo livre” com um jogo de cartas ou um cochilo. No entanto, mesmo que a tarefa tenha
sido executada a contento, os trabalhadores são mantidos no local até que se completem as 08
horas diárias de trabalho.
Vasapollo (2003) alerta que o trabalho não pago à classe trabalhadora se efetiva pela
dominação do trabalho vivo pelo capital. Conforme ressalta o autor, Marx mostra que:
a apropriação por parte dos capitalistas do trabalho não pago aos operários ocorria
de acordo com as leis internas do capitalismo. Isso é ainda mais verdade hoje, no
momento em que subsistem elementos típicos dos processos fordistas; ou melhor, o
assim chamado modelo pós-fordista, típico da área central dos países de capitalismo
avançado, convive com um modelo ainda tipicamente fordista na periferia e
certamente, como modelos escravistas nos países da extrema periferia (por extrema
periferia entenda-se, também, algumas áreas marginais do centro). Isso porque hoje
convivem as diversas caras de um mesmo modo de produção capitalista baseado
sempre na extorsão da mais-valia e do sobretrabalho de uma classe trabalhadora
submetida à exploração capitalista, subordinada ao mando capitalista.
(VASAPOLLO, 2003, p. 48).
24
Entrevista concedida em 06/05/2007
88
Na citada convivência das várias faces do capital, o processo de trabalho é organizado
de modo a garantir “um certo tipo de controle necessário às expectativas e à racionalidade da
produção” (ABRAMIDES; CABRAL, 2003, p. 06 ). Mas as expectativas e a racionalidade da
produção não são capazes de promover a satisfação do trabalhador; pelo contrário, limitam a
liberdade do sujeito, alienando-o do produto de seu trabalho, de si mesmo e de sua realização
no e pelo trabalho.
Cabe-nos ressaltar que a constância dessa situação, ou seja, a submissão do
trabalhador traduz-se pela queda dos empregos estáveis e crescente contratação de
89
Como vimos, a origem da escravidão ou servidão moderna está pautada na
imobilização da força de trabalho por meio de um processo de endividamento. Os
empreiteiros ou aliciadores, conhecidos como “gatos” buscam estabelecer relações de trabalho
que causam uma dependência no trabalhador. O trabalho “cativo” é um dos meios mais
utilizados para esse fim. Nessa modalidade de relação de produção, o trabalhador fica à mercê
do contratante que lhe vende a preços exorbitantes instrumentos de trabalho, itens de higiene
pessoal, alimentos, cigarros, bebidas e outros. Com isso, o trabalhador se torna um devedor do
patrão, pagando com o trabalho por uma dívida sempre crescente.
Nas carvoarias volantes visitadas, não pudemos confirmar a existência da escravidão
ou servidão por divida, mas mesmo a ausência ou o vacilo dos entrevistados na resposta,
quando indagados sobre o assunto, pode indicar que a relação com o patrão não é tão tranqüila
quanto aparenta. Isso ocorreu com mais freqüência entre os trabalhadores de uma carvoaria
onde a entrevista gravada e as fotos nos foram negadas.
O Sr. Carlos, um dos carvoeiros que aceitou conversar conosco, demonstrou-se
preocupado em reforçar a boa relação com o patrão, afirmando que ele abastece a carvoaria e
“traz até remédio quando precisa”. As atitudes e as reações dos trabalhadores não deixam
dúvida que algum tipo de relação de dependência entre patrão e empregado nessa
carvoaria. Esse mesmo trabalhador afirmou ainda que trabalhava 05 anos com esse
empreiteiro, tendo executado trabalhos nas cidades mineiras de Felixlândia, Janaúba,
Januária e outras do norte do estado.
Isso despertou-nos a atenção já que uma das características do trabalho volante é o alto
índice de rotatividade entre os carvoeiros. Precisamos considerar ainda que sua família mora
em Pirapora e, apesar de se declarar separado, fala com saudade da esposa e dos filhos.
Quanto ao salário afirma que “dá pra viver”.
Se por um lado não possuímos indícios suficientes para afirmar que trata-se da
existência de trabalho escravo ou servidão por vida, podemos refletir sobre a declaração da
procuradora Dra. Ruth Beatriz Vasconcelos Vilela
26
:
O trabalho escravo não se apresenta, ele se esconde, somente existe à medida que
não foco sobre ele. Todas as pessoas têm conhecimento sobre o trabalho forçado,
mas ele não pode aparecer no dia a dia. Então, ele tem de se esconder sob outras
formas. (VILELA, 1999, p. 08).
26
Do serviço de Fiscalização do Ministério do Trabalho e do Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado em
entrevista à Revista Estudos Avançado 14 (38), 2000.
90
Esse seria o papel da dominação por endividamento mascarar o trabalho escravo,
principalmente onde as forças produtivas não são organizadas. Esse é o caso dos carvoeiros na
região de Curvelo. Como se não bastasse o trabalho degradante, exatamente pela grande
mobilidade dos trabalhadores pela distância, baixa escolaridade e falta de informação, não
conseguem se organizar de modo a garantir a melhoria das condições de trabalho e um salário
mais justo e digno.
Podemos constatar ainda que a condição de dominação por endividamento do
trabalhador pode passar despercebida por ele mesmo. Quando o Sr. Carlos afirma que possui
boa relação com o patrão, ele parece acreditar no que diz. Isso nos faz pensar se esta relação
de dominação não está sendo vista pelo carvoeiro como uma condição normal. A situação de
isolamento em relação à família com a qual perdeu o contato, em relação ao meio urbano e
suas vastas oportunidade de lazer, entretenimento e informação pode levar o trabalhador a
uma vida limitada ao ambiente da carvoaria. Situação semelhante à do Sr. Leonardo que,
devido às constantes mudanças, perdeu o contato com a mulher e os filhos, constituindo outra
família na região de Curvelo.
Tal constatação não pretende esgotar o tema aqui desenvolvido, mas fornecer
elementos para buscarmos desvendar essa face oculta da realidade do carvoeiro. As condições
coercitivas de trabalho têm maior incidência como demonstrado por diversos autores e
comissões de investigação, onde maior vulnerabilidade social e pouca opção de emprego
formal. Diante desses elementos seria importante uma fiscalização mais proficiente das
autoridades competentes, no sentido de elucidar as condições de trabalho dos carvoeiros,
propondo ajustes e efetuando punições quando necessário.
O trabalho forçado por endividamento, podemos concluir, apesar de contrastar com as bases
estéticas, éticas e políticas do neoliberalismo e da globalização é, com certeza, uma opção
para se aumentar a lucratividade. Assim, essa modalidade de dominação se apresenta como
uma face arcaica do moderno sistema capitalista, encarregada de facilitar a acumulação e o
seu processo de expansão às custas da penúria e da liberdade do carvoeiro.
3.2 – Condições de trabalho e suas implicações para a saúde física e mental do carvoeiro
A análise do impacto das condições de trabalho na atividade de carvoejamento na
saúde física e mental do carvoeiro pressupõe a compreensão da realidade social na qual estão
91
inseridos, bem como, um esforço no sentido de fazer uma leitura interpretativa de suas falas,
do seu silêncio e de seus comportamentos durante o trabalho com o forno e na entrevista.
O processo de trabalho na carvoaria diz muito a respeito da saúde do trabalhador
porque se refere especialmente à sua capacidade produtiva. Quanto a isso, Verthein (2002, p.
22) alerta que historicamente a medicina social e a psiquiatria médica são instrumentos de
uma profilaxia social encarregadas de aferir e manter a utilidade do corpo e sua capacidade
produtiva. Assim a sociedade fundamenta as práticas de valorização da produtividade,
atendendo à racionalidade capitalista que, por sua vez, como afirma a autora está
“capitalizando o homem”. A relação intrínseca entre saúde e produtividade terá um lugar de
destaque nessa discussão.
A equipe de Medicina Preventiva e Social da UFMG (DIAS; et. al., 1999, p. 117)
executou uma analise ergonômica sobre o processo de trabalho da atividade carvoeira,
acompanhando as fases de abastecimento e retirada do carvão dos fornos. Faremos uma
retomada dessa pesquisa, evidenciando as práticas na carvoaria volante e de reflorestadora.
Buscaremos na empreitada abrir um diálogo com a perspectiva de Foucoalt sobre os “corpos
dóceis”, onde o autor relata “uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder”.
Christophe Dejours também contribui para nossa análise nas relações que estabelece entre
doença e trabalho, quando discute a psicopatologia do trabalho e a apropriação do saber do
operário como veremos no decorrer do capitulo. Para o psicanalista e especialista em
Medicina do Trabalho a nocividade do trabalho para a saúde mental está relacionada à
organização do trabalho; a sua nocividade para a sobrevivência relaciona-se à duração
excessiva do trabalho; para a saúde do corpo, as condições de trabalho são mais nocivas.
Na seqüência trataremos os temas contextualizados à realidade dos carvoeiros.
3.2.1 – As condições de trabalho na carvoaria como fonte de perigo para o corpo
Assim Dejours define condições de trabalho:
por condições de trabalho é preciso entender, antes de tudo, ambiente físico
(temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.), ambiente
químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.),
ambiente biológico (vírus, parasitas, bactérias, fungos), as condições de higiene, de
segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho. (DEJOURS,
1992, p. 25).
92
93
Além disso, as coberturas dos ranchos não garantem total proteção no período
chuvoso. Como foi possível observar, os telhados sempre vazam deixando o rancho úmido e o
chão lamacento. No período de seca, principalmente quando cobertos de lona, tanto pior,
porque funcionam como uma estufa, onde, mesmo no frescor da manhã ou no clima mais
ameno do final da tarde, o calor é sufocante.
Numa das carvoarias visitadas onde o alojamento era de alvenaria, o conforto não
chegava a ser tão melhor. Em dois cômodos de no máximo 3m² se acomodavam 09 pessoas.
O ambiente parecia sujo, desorganizado e fétido. Conforme Pereira:
Como as carvoarias não permanecem por muito tempo em um mesmo local, não
a preocupação, por parte dos empregadores, em construírem casas de melhor
qualidade, uma vez que, como possuem um caráter provisório, o improviso sempre
prevalece. Essa característica das moradias fica evidente, quando comparamos as
casas dos trabalhadores das carvoarias com as casas de trabalhadores das
propriedades rurais, que se dedicam a outras atividades, em especial à pecuária (...).
Estes possuem casas de alvenaria, bem estruturadas, quando analisamos o consumo
básico da sociedade dentro dos hábitos capitalistas. (PEREIRA, 2004, p. 89).
O improviso está presente também na manutenção da higiene. Nos ranchos
encontramos uma privada conhecida como banheiro ecológico. Constitui-se de uma fossa
cercada de lona, nivelada ao fundo com uma camada de cal. Segundo um carvoeiro, ao
abandonar o local, uma nova camada de cal é jogada sobre os dejetos e a fossa tampada com
terra.
A vulnerabilidade a todo tipo de ocorrência e adoecimentos por falta de higiene está
explicita aos olhos do pesquisador. Nos lugares onde não córregos por perto, a água é
buscada no carro de boi e armazenada em tambores que, muitas vezes sem cobertura, ficam
expostos ao tempo. A água muitas vezes salobra, além do consumo, é destinada para o
preparo de alimentos, higiene pessoal e para matar a sede dos animais. Por isso, fica evidente
a suscetibilidade desses trabalhadores à verminose e outras doenças decorrentes das péssimas
condições de higiene e do armazenamento e consumo impróprios da água.
O descanso do trabalhador não parece fugir à regra. Nos ranchos, as camas,
conhecidas como girau, são improvisadas com grades de madeira amarradas com cipós a
quatro forquilhas presas ao chão. Sobre essa armação é colocada uma camada de espuma que
serve como colchão. Mesmo quando os carvoeiros moram na região, o alojamento é utilizado
como área de repouso para aquele que fica encarregado da carbonização à noite.
94
95
desvalorização do mundo humano aumenta em relação direta com a valorização do mundo
das coisas..." (MARX, 1983, p. 324). Nem seu próprio trabalho lhe pertence, quanto mais as
condições nas quais ele é executado. O homem doente, descartado e substituído corresponde
à mesma lógica que o capital aplica à sua mercadoria: Mas o preço de uma mercadoria,
portanto também do trabalho, é igual aos seus custos de produção. N aenta aenit8.2312( )-6araarn,
96
97
estresse, fadiga, cansaço, estão relacionados à ocorrência de LER/DORT (Lesões por Esforço
Repetitivo/Distúrbios Oteomusculares Relacionados ao Trabalho) entre outros.
De acordo com os carvoeiros, a lenha do cerrado é menos densa, portanto mais leve
que o eucalipto. No entanto, no cerrado, um carvoeiro pode encher e esvaziar até 03 fornos
por dia. O esforço dispensado causa óbvia exaustão.
Para Silva e Silva:
Nas carvoarias sul-mato-gressenses além da precariedade do ambiente da moradia, o
trabalhador atua exaustivamente sob altas temperaturas, intensa fumaça, sem o uso
dos EPI’s, é acometido por Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbios
Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), cujas causas são físico-
postural e sócio-politico-econômico (SILVA; SILVA, 2004.).
As condições de trabalho dos carvoeiros representam um problema social grave.
Problema social porque está espalhado no território nacional, escondido pelas florestas de
eucalipto, em meio ao cerrado e pela fumaça dos fornos. A pesquisa bibliográfica trouxe à
tona a cruel realidade tanto dos carvoeiros curvelanos, quanto pareaenses, sul-matogrossenses,
goianos, maranhenses e outros.
As carvoarias totalmente inseridas na atividade das siderúrgicas estão muito aquém
das condições mínimas de trabalho exigidas pela legislação em vigor. Por isso mesmo,
ONG’s como o Repórter Cidadão, consideram as siderúrgica beneficiárias indiretas, devendo
ser co-responsabilizadas pelas obrigações trabalhistas nas carvoarias, no sentido de assegurar
a vida e a dignidade dos trabalhadores.
No entanto, nas carvoarias volantes a legislação é totalmente burlada. Para a emissão
de nota fiscal da carga de carvão é exigido um documento denominado Selo Ambiental
Autorizado (SAA) emitido pelo IEF. A emissão de notas fiscais é controlada por meio de um
cálculo que considera a área as ser desmatada e o quanto de carvão se pode retirar do terreno.
Além de avançar sobre as áreas a serem preservadas, os empreiteiros, quando conseguem o
selo, vendem parte de sua cota na emissão de notas para carvoarias clandestinas. Assim, o
carvão ilegal é comercializado entre as siderúrgicas. No sentido direto, ainda contribui para a
precarização do trabalho e a superexploração do trabalhador.
98
3.2.3 – A realização do trabalho na reflorestadora
A título de comparação, podemos iniciar essa descrição enfatizando que a
reflorestadora, por estar em contato direto e destinar 70% de sua produção à siderúrgica, está
sob constante vigilância tanto dos órgãos de fiscalização quanto das próprias siderúrgicas.
Isso dificulta a transgressão da legislação e garante melhores condições de trabalho ao
carvoeiro. As reflorestadoras atualmente estão de olho na venda de CO
2
para paises
industrializados que aderiram ao protocolo de Kyoto
27
. Com isso, o Banco Mundial certifica
as reflorestadoras socialmente e ambientalmente conscientes, disponibilizando cotas de CO
2
que serão comercializadas no mercado externo. Para tanto, o Banco Mundial também fiscaliza
as reflorestadoras, garantindo o cumprimento das normas.
Todo o aparato de fiscalização tem contribuído para a melhoria das condições de
trabalho nas carvoarias de reflorestadora. O uso dos EPI são obrigatórios, todo o equipamento
é oferecido pela empresa, mas sua conservação e uso são de responsabilidade do funcionário.
Segundo declaração do supervisor, o não uso do equipamento leva à repreensão e notificação
do funcionário e, quando disponibilidade, outro equipamento é cedido para a execução dos
trabalhos do dia. Se houver incidência, o funcionário, além de repreendido e notificado, é
suspenso do trabalho. No entanto, presenciamos a inobservância de muitos carvoeiros quanto
ao uso de capacetes, máscaras e roupas apropriadas, principalmente no momento da limpeza
do forno quando é necessário recolher a munha para abastecê-lo novamente. Além disso,
conforme relatado anteriormente, os horários de refeição e o consumo de líquidos durante a
tarefa são negligenciados.
Mesmo que toda esta fiscalização tenha surtido efei
99
Conforme Abramides e Cabral (2003, p. 08) “outro elemento a ser considerado na
saúde do trabalhador é a relação da força de trabalho com as diversas ocupações requeridas
pela divisão sócio-técnica do trabalho nos diferentes âmbitos da atividade econômica”. A
exemplo disso, podemos citar que na atividade de carvoejamento uma divisão do trabalho
que causa risco ou dano à saúde proporcionalmente à sua periculosidade. Na reflorestadora o
carvoeiro é responsável por encher e esvaziar o forno Quem acompanha o processo de queima
do carvão é o carbonizador e a manutenção do forno é de responsabilidade do barrelador.
O trabalho mais pesado fica a cargo do carvoeiro que, além de encher o forno com o
eucalipto mais compacto e pesado que a madeira de cerrado -, o esvazia com o carvão
extremamente quente e, às vezes, em brasa. O forno, mesmo vazio, tem uma temperatura
muito elevada para os padrões humanos. O carbonizador trabalha num regime conhecido por
eles como 12 por 24, ou seja, 12h de trabalho por 24 de folga.
Como o forno precisa ser vigiado constantemente o carbonizador enfrenta jornadas
noturnas de trabalho, afetando seu ritmo de descanso e de alimentação. Na ocasião da
pesquisa de campo, um carbonizador que cuidava da bateria de fornos disse que ainda
conseguia trabalhar nesse ritmo, mas sabia que cedo ou tarde o corpo poderia reclamar. Meses
depois, ao entrevistá-lo, confirmou ter “pedido conta” (demissão) porque: “não estava
agüentando mais. Aquele serviço parece fácil, mas acaba com a gente.”
O barrelamento é uma tarefa semi-mecanizada. Um caminhão transporta num tanque
uma mistura de água com terra que é borrifada nos fornos evitando as rachaduras. O trabalho
mais exaustivo nessa etapa é o manuseio da mangueira com um jato de barro com uma
pressão que pode ocasionar o desequilíbrio do barrelador e, consequentemente um acidente
grave. Além de força, esse trabalho exige perícia e destreza.
Apesar de o carvoeiro ser o personagem principal dessa pesquisa, cabe-nos o dever de
demonstrar a racionalidade do processo, transportando o leitor ao mundo da carvoaria. Essa
perfeita divisão de tarefas tem a intenção de garantir a produtividade e a excelência na
qualidade do produto. Considerando-se o arrojo do processo e a sistemática fiscalização na
carvoaria de reflorestadora, devemos considerar que o carvoeiro ainda se encontra penalizado
pelo processo. Os efeitos disso sobre seu corpo serão descritos a seguir.
100
3.2.4 – Abordagem ergonômica do Trabalho nas carvoarias
O processo de trabalho nas carvoarias é definido pelos trabalhadores como “pesado” e
“duro”. Isso implica dizer que o esforço físico dispensado exige muito da energia do
trabalhador. Quanto a isso João Paulo, afirma que “tem que ter muita saúde para trabalhar
com o carvão”. O desgaste físico e o calor do forno, somados a outras condições depreciativas
de trabalho e moradia, fundem-se, promovendo o desgaste mental do trabalhador.
Quanto aos aspectos físicos, Dias; et. al. (2002) analisa o processo de trabalho na
produção do carvão vegetal e sua articulação com as condições de saúde e vida do trabalhador
carvoeiro, indicando a urgente necessidade de uma intervenção para transformar a atual
realidade. Conforme a pesquisadora, a atividade de carvoejamento é desconfortável e perigosa
para a saúde, causando sérios sofrimentos para aqueles que a praticam.
Abramides e Cabral (2003, p. 07) entendem que “a força de trabalho considerada
mercadoria primeira e central no processo de produção capitalista é requerida pelo mercado,
mas sob a condição de que essa força de trabalho tenha a saúde necessária para inserir-se em
um processo de trabalho”. A capacidade produtiva do individuo seria, portanto, o elemento
definidor de sua importância e valor para o mercado. Como a maquina que estraga ou uma
peça que se desgasta, o trabalhador sem saúde pode ser substituído pelo mercado. Como João
Paulo, todo trabalhador tem consciência de sua capacidade técnica e da importância de sua
saúde para exercê-la.
Vertheim (2002, p. 24) conclui que “se o julgamento é dado pela produtividade, a
saúde terá um referencial econômico e a normalidade que lhe é atribuída uma utilidade para o
custo do corpo”. A postura do trabalhador durante o preenchimento do forno e o uso da força
para transportar a madeira ilustram bem a afirmativa. Além da capacidade técnica, são esses
os aspectos físicos mais importantes para a execução da tarefa e também os maiores
responsáveis pela ocorrência de adoecimentos.
Para Silva e Silva (2004, p. 89), a carvoaria apresenta um ambiente propicio à
ocorrência de LER/DORT além de outras doenças como “artrite, artrose, doenças
relacionadas com postura da coluna cervical, como lordose e lombalgia e fadiga crônica”.
Isso, em decorrência do excesso de peso e da postura durante o trabalho com o forno. Na
carvoaria volante, outras tarefas muitas vezes têm que ser executadas pelo carvoeiro como a
construção e manutenção dos fornos, a construção do rancho, o abastecimento da carvoaria
com a água buscada no córrego, entre outras tarefas que promovem o desgaste do corpo.
101
Dias; et. al. observa:
Nas fases de preparo e enchimento do forno, foram relatados acidentes envolvendo a
quedadas toras, atingindo os trabalhadores e provocando lesões de gravidade
variável, de simples escoriações a traumatismos graves e fraturas. O esforço físico
excessivo e o trabalho em posições forçadas, bem caracterizados pela análise
ergonômica, estão presentes em todas as etapas do processo de trabalho. (DIAS; et.
al, 2002).
Nesse sentido foi João Paulo quem mais nos forneceu elementos para a análise. Para
esse carvoeiro: “tem que prestar atenção. Na carvoeira a gente tem que ter atenção. Se não
tiver, as madeira pode cair e a gente machuca”. Nessa declaração além da preocupação com a
segurança havia uma nítida valorização de seu conhecimento frente ao processo. O constante
alerta para evitar acidente faz parte da política de segurança do trabalho adotada na
reflorestadora. Além dos EPI’s e das normas de segurança sempre lembradas aos
trabalhadores pelos encarregados, cartazes são espalhados indicando quanto tempo não
ocorrem acidentes na unidade de carbonização. Fato comemorado e amplamente divulgado
pela empresa como uma das atividades da CIPA (Comissão Interna para Prevenção de
Acidentes).
A definição das operações e a intensa vigilância na prevenção de acidentes são
divulgadas como uma preocupação com a saúde do trabalhador. No entanto, acidente e
adoecimentos em decorrência do trabalho representam perda de tempo e produtividade.
Quanto a essa disciplinarização da tarefa, Foucault (1999, p. 119) enfatiza que essas
regras sobre o corpo demonstram uma forma de adestramento e dominação, transformando-o
em algo que pode ser utilizado e aperfeiçoado. A distribuição da bateria de fornos e a solitária
execução da tarefa no preenchimento e esvaziamento do forno lembram a disciplina das
fábricas do séc. XVIII, citadas pelo autor. Nelas a distribuição espacial do aparelho de
produção respeita as etapas do processo, facilitando um controle da força de trabalho que
pode ser analisada em unidades individuais, detectando as falhas e qualidade do trabalho do
operário. A determinação do número de fornos a serem trabalhados facilita o controle da
qualidade e do tempo gasto na produção. Como afirma o autor: “a disciplina fabrica assim
corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’”.
Disciplina e saúde são dois aspectos importantes na atividade de carvoejamento. O
trabalhador disciplinado e saudável produz mais e melhor. Na carvoaria volante onde não há o
rigor técnico da reflorestadora, uma forma de disciplina internalizada pelo carvoeiro que
102
dita a cadência e o cuidado com o trabalho. O adoecimento deve, nesse caso, ser evitado. Para
isso os trabalhadores usam a experiência e a percepção de seu próprio corpo como indicadores
de riscos para a saúde e a segurança no trabalho. O adoecimento, quando ocorre, geralmente é
negado e nunca se admite que a causa esteja relacionada ao trabalho.
A exposição a altas temperaturas, de acordo com Dias; et. al., contribui para o
desconforto do trabalhador:
O calor emitido para o meio ambiente de trabalho pelos fornos, no processo de
carbonização da madeira, interage com o calor natural, importante na região e o
calor corporal interno, ou seja, os deslocamentos numerosos e fatigantes levam ao
aumento do metabolismo corporal e, como decorrência, ao aumento da produção
interna de calor, explicando a intensa sudorese observada nos trabalhadores, durante
a realização do trabalho. (DIAS et. al. 2002).
A esse fato podemos acrescentar o baixo consumo de líquidos e uma dieta desregrada
à base de gordura e carboidratos como arroz, feijão e macarrão. Outros males são citados
como: gripes, resfriados, ferimentos e traumatismos de intensidade variável, hipertensão
arterial, distúrbios de sono, lombalgias, entre outros. Além disso, os gases emitidos no
processo de carbonização do carvão podem provocar lesões nas vias aéreas e intoxicação. Isso
confirma nossa hipótese de que as condições de trabalho são inadequadas para os carvoeiros
e, segundo o estudo ergonômico citado, podem causar danos irreversíveis à saúde do
trabalhador.
103
104
Para a autora, a jornada de trabalho também afeta a qualidade do relacionamento do
trabalhador com seus familiares; a irritabilidade e o desânimo prejudicam os contatos
interpessoais, principalmente quando o trabalho é noturno. Nesse caso, a necessidade de
dormir durante o dia altera a rotina doméstica, causando desentendimentos. Assim, “muitas
vezes, o cotidiano doméstico é como que contaminado por certas regras e estereótipos da
situação de trabalho, quer nas rotinas, quer na própria linguagem com que o trabalhador passa
a se comunicar” ((SELIGMANN – SILVA, 1994, p. 207).
Os carvoeiros estão suscetíveis a esses efeitos nocivos da atividade tanto porque se
submetem ao trabalho noturno, como também poder ficarem longos períodos afastados da
família. O desgaste mental se instala nessas condições, levando o trabalhador a encontrar fuga
no isolamento da carvoaria ou no entorpecimento pelo álcool.
A negação do adoecimento é um elemento subjetivo da saúde do trabalhador que merece
destaque. Dentre os entrevistados, dois admitiram ter sintomas de LER/DORT e
lombalgias, mas creditaram o fato a atividades exercidas anteriormente:
Pergunta: Você já adoeceu em decorrência do trabalho?
Wesley: Eu tive problema de coluna. Fiquei 15 dias de atestado mas acho que é
porque eu trabaiava de servente (servente de pedreiro)
Pergunta: Mas quando você adoeceu estava na carvoaria?
Wesley: Tava. O serviço é pesado, mas não foi por isso não. Eu sentia mesmo
quando era servente. Lá já tem mais de três ano que eu trabaio mas só senti uma vez.
Pergunta: e quando você adoeceu quem te atendeu foi o medico da firma?
Wesley: O médico da firma me olhou, mas quem deu o atestado foi o médico do
posto. Hoje eu não sinto nada não. (Depoimento Informal)
28
.
Para Verthein (2002, p. 26), a incapacidade para o trabalho significa, no processo de
capitalização do homem, improdutividade. Assim, “o trabalhador é considerado responsável
pelo processo de seu adoecimento no trabalho, sendo, muitas vezes, levado a lidar com a
situação de forma individual e isolada”. Não bastasse ter de lidar com a impossibilidade de
produzir, o trabalhador vive “uma situação de insegurança em relação a sua permanência na
empresa”. O ônus da doença causada pelo trabalho acaba sendo uma responsabilidade
exclusiva do trabalhador.
O adoecimento quebra com a “docilidade” do trabalho, com a organização que
garante a máxima eficácia no processo de produção e máxima sujeição possível do
trabalhador. A negação da doença, ou melhor, da doença causada pelo trabalho, demonstra
que o trabalhador introjetou a dominação que lhe foi imposta, exigindo de si esse máximo de
28
Entrevista concedida em 26/05/2007.
105
produtividade imposta tanto pela empresa quanto pelo empreiteiro (SELIGMANN SILVA,
1994).
Como vemos, no que se refere aos aspectos ergonômicos do trabalho, algo além da relação
homem-produtividade deve ser considerado. Os efeitos do trabalho, das regras de segurança e
das extenuantes jornadas de trabalho não podem ser vistas apenas pelo aspecto físico. Outros
aspectos específicos como suas conseqüências para a mente e o convívio familiar são de
fundamental importância para a compreensão dos efeitos do trabalho na saúde do carvoeiro.
3.3 – Relação homem-trabalho na carvoaria: conteúdo “significativo” do trabalho e
estranhamento
A realização pelo trabalho complementa a existência do ser social conforme concluem
diversos estudiosos. Um dos itens essenciais para compreendermos a situação do carvoeiro é
entender o significado que atribuem ao trabalho e à sua relação com o mesmo. O trabalho na
carvoaria parte de um conhecimento passado de pai para filho como o segredo de uma receita
de família. Nessa receita” o tempero principal é o domínio da técnica capaz de garantir o
melhor produto e a melhor qualidade.
Conforme Dias et. al. (2002, p. 273), as exigências cognitivas para a operação do
forno são apropriadas pelos carvoeiros através de “sinais perceptivos em que os índices e os
parâmetros utilizados pertencem à propriedade da matéria como aspecto, forma, odor, etc”. O
Sr. Afonso confirma tal proposição fazendo a seguinte reflexão:
Pergunta: Como é essa atividade? Qual é a diferença do carvão nativo para o
carvão de eucalipto?
Afonso: Deve ser essa diferença porque de nativo a gente consegue carbonizar e o
eucalipto é mais complicado. Se tiver uma pessoa para orientar é bom, por exemplo
eu trabalhei 3 anos de carvoejador , eu posso até carbonizar mas as vezes não vai
sair muito bom. O nativo se for pra mim carbonizar eu carbonizo, se for de
eucalipto eu não carbonizo.
Pergunta:Lá na reflorestadora o senhor era carvoejador. Qual era sua tarefa?
Afonso: O carvoejador é tirar o carvão e encher o forno.
Pergunta: Na carvoaria de cerrado o senhor fazia o quê na atividade?
Afonso:Primeiro é picar a lenha. Quando ela tiver 60 dias de cortada leva elas para o
forno, enforna ela, carboniza e depois tira o carvão.
Pergunta: Então o senhor fica responsável pelas filas do tatu e por barrelar?
Afonso: No nativo, porque está fazendo por conta própria a gente tem que fazer
tudo. Quando é na firma de eucalipto ai cada um tem sua função pra fazer. Tem os
106
operador de motoserra que corta a lenha, tem os enfornadores que é o carvoejador
que tira o carvão e enche o forno e tem o carbonizador que vai carbonizar. É ele que
cuida da carvoeira.
Pergunta: Quantas horas por dia vocês utilizam pra fazer essa atividade?
Afonso: Isso vai sobre o treino, quem não é treinado é dia todo, quem é treinado é
meia diária.
A percepção desse personagem acerca da carbonização é fruto da experiência
adquirida desde a infância. Nas entrelinhas percebemos que esse conhecimento é entendido
como algo que lhe pertence, colocado a serviço da sua construção enquanto homem. É nesse
sentido que Barreto (2003, p. 129) afirma: “a identificação do trabalho com a própria vida
desvela uma dimensão vivida por homens e mulheres que o mostra como produtor não
somente de mercadorias, mas do próprio homem” .
O trabalho como fundamento da vida e de sua percepção como homem é fonte de
alegria e sustento para si e para os seus. Um homem que não possui nenhum estudo podendo
tirar o sustento de um trabalho que depende exclusivamente de um conhecimento adquirido
com a experiência, é motivo de orgulho e também sinal de força, responsabilidade e
dignidade. Para Antunes (1995, p. 123), “o trabalho mostra-se como momento fundante de
realização do ser social e o motor decisivo do processo de humanização do homem”.
As adversidades no processo de produção do carvão vegetal proporcionam ao
carvoeiro a oportunidade de aprender-fazendo. Dispor corretamente a madeira no forno,
reconhecer o momento certo de “cortar” o fogo, identificar pela cor e umidade da fumaça a
etapa em que se encontra a carbonização dizem respeito a uma apropriação cognitiva do
processo. Esse conhecimento produzido, que não é formal nem sistematizado, é indispensável
à atividade de carvoejamento.
Mesmo na reflorestadora, onde o carbonizador conta com a ajuda de um aparato
tecnológico como medidores de temperatura e umidade, é a experiência que determina os
procedimentos na produção do carvão. Na pesquisa de campo, um carbonizador esclarece que
os aparelhos podem dizer muito, mas esses mecanismos não são suficientes para determinar o
“ponto” do carvão. O odor e a cor da fumaça que sai da chaminé são os indicadores mais
eficientes para isso e podem ser percebidos por quem entende de carbonização. Enquanto
nos esclarece, sobe na escada, besunta os dedos com um líquido escuro que umedece as
pareces da chaminé: “é isso que faz muito mal”. Como confirma o supervisor, o liquido é
resquício dos ácidos, produzidos pela pirólise, que também são nocivos à saúde, conforme
afirmamos anteriormente.
107
A importância dada ao saber-fazer na atividade de carvoejamento traduz a afirmação
de Antuntes (1995, p. 121): “o ser humano tem ideado, em sua consciência, a configuração
que quer imprimir ao objeto do trabalho, antes de sua realização”. A realização do ser ocorre
na realização, na perfeição e na excelência do trabalho.
O trabalho também é o responsável por imprimir nesses carvoeiros uma identidade.
Tal referência não é construída coletivamente porque não existe uma organização entre esses
profissionais. A identidade a que nos referimos é uma construção individual, responsável por
abrir um espaço na sociedade para esses homens. Conforme relata Pereira em relação aos
carvoeiros de Ribas do Rio Pardo - MS:
Tal situação de individualismo, juntamente com o sentido de despertencimento de
classe, está muito presente entre os trabalhadores das carvoarias, tornando as formas
de resistência coletiva praticamente inexistentes, situação que se agrava, quando
somamos a esses fatores a questão do isolamento físico dos trabalhadores e a falta de
um sindicato atuante. (PEREIRA, 2007, p.39).
A falta de integração não permite que os carvoeiros se reconheçam como uma
categoria profissional. Sentem-se trabalhadores, mas não profissionais. A opção pelo
carvoejamento, como nos lembra Wesley, acontece por falta de emprego em outras áreas: “até
de servente ta difícil, né? Hoje o que a gente precisa é trabaiá”. Ser carvoeiro é ser
trabalhador. É acordar pela manhã e garantir o sustento.
Não percebemos nesses homens a consciência de uma atividade que contribui para o
crescimento da sociedade. No entanto, como afirma Dejours (1992, p. 51): “mesmo se o
engajamento pessoal no objetivo social da produção não é possível, não jamais
neutralidade dos trabalhadores em relação ao que produzem”. Não é pela descrença em se
conseguir algo melhor que se deixam levar pela apatia. A feitura do trabalho com capricho e
empenho é empunhada por esses homens como uma questão de honra. O trabalho é levado
adiante mesmo que guiado pela dor e encoberto pela munha e lhe custe a saúde e a vida.
Para Dejours (1992, p. 49), a relação do homem com o conteúdo significativo do
trabalho possui dois componentes: “o conteúdo significativo em relação ao sujeito e o
conteúdo significativo em relação ao objeto.”. Segundo o autor, esses elementos demonstram
a
imagem que o homem tem de si mesmo – o narcisismo.
O conteúdo significativo do trabalho em relação ao sujeito demonstra a significação
da tarefa acabada em relação a uma profissão (noção que contém ao mesmo tempo a
108
idéia de evolução pessoal e aperfeiçoamento) e o estatuto social implicitamente
ligado ao posto de trabalho determinado. (DEJOURS, 1992, p. 50).
O reconhecimento como categoria profissional para esses homens significa uma
relação de trabalho formalizada pelo registro na carteira. Isso ocorre na reflorestadora onde
o carvoeiro tem uma posição “privilegiada” em relação aos demais envolvidos no processo
como barrelador, os trabalhadores do baldeio e outros auxiliares. O salário um pouco maior é
o que lhes confere tal status.
O carvoeiro volante não tem a mesma sorte. Além de se responsabilizar por todo o
processo, a relação informal estabelecida com o empreiteiro o impede de se reconhecer como
profissional. Se grande parte desses homens tira apenas do carvão seu sustento, outros se
dedicam a essa atividade quando lhes falta trabalho na cidade. Esses últimos, conhecidos
como “peão do trecho”, não têm profissão definida, mas aceitam qualquer trabalho para
sobreviver. A distância entre as carvoarias e a sua alta rotatividade impedem a formação dessa
identidade coletiva.
Vanderlúcio, pai de 2 filhos adolescentes e uma recém – nascida, diz que a última veio
por acaso. É muito querida, mas não foi planejada. Sempre quis poucos filhos, no máximo 2,
porque sonha para eles um futuro melhor que o seu: “Eu quero pros meus filhos uma
profissão. Eu não quero que sai da escola. Eles estuda muito. A menina é mais, acho que é
porque é menina mesmo. Aqui em casa não vai ter mais carvoeiro, não. Isso não é profissão.”
Quanto ao conteúdo significativo do trabalho em relação ao objeto, Dejours nos
lembra que não pode ser dissociado do sujeito “ao mesmo tempo que essa atividade de
trabalho comporta uma significação narcísica, ela pode suportar investimentos simbólicos e
materiais destinados a outro, isto é, ao objeto”. Compreender tal relação, segundo o autor, é
definir a função social, econômica e política da produção pelo trabalhador. No contexto do
carvoeiro, a produção de carvão vegetal significa sua inclusão no mundo do trabalho, seu
reconhecimento como trabalhador e cidadão. O salário que lhe garante o sustento é
responsável ainda pela manutenção de sonhos como o de Vanderlúcio: de uma profissão que
garanta uma vida melhor para os filhos. E assim percebemos que a fumaça e a munha
escondem também os sonhos e anseios dos carvoeiros.
109
3.3.1 – No calor do inferno: Trabalho e Estranhamento
O desconforto térmico na carvoaria chama a atenção do visitante. O sol do centro-
norte de Minas, ao meio dia, e as ondas de calor visíveis em volta do forno levam os
carvoeiros a procurar abrigo à sombra de uma árvore enquanto monitoram os “tatus” do forno.
O título desse trabalho foi proferido por um carvoeiro nesse contexto, em uma de
nossas primeiras visitas de observação: “Moça, o que você veio fazer aqui nesse calor do
inferno?”. O título e o objetivo do trabalho logo me foram apresentados: descobrir o
trabalho na carvoaria aos olhos do carvoeiro.
Figura 14:Trabalhador de carvoaria volante
Fonte: acervo pessoal
Desejando que os olhos desvendassem a imagem, quando a foto acima foi entregue ao
Sr. Leonardo para que ele relatasse o que estava vendo, respondeu: “tô vendo um homem
muito sujo e rasgado que mais parece um bicho.” A surpresa com a resposta do entrevistado
110
trouxe outra indagação: porque essa seria a imagem que o trabalhador fazia de si mesmo? O
trabalho, como dissemos, é o fundamento da condição humana, encarado pelos carvoeiros
como o passaporte para a vida cidadã. Por que e como é possível negá-lo?
O caso do Sr. Leonardo foi um desafio para a compreensão do sentido dado ao
trabalho na atividade de carvoejamento. Essa dualidade pode ser compreendida nas palavras
de Antunes:
se na formulação marxiana o trabalho é o ponto de partida do processo de
humanização do ser social, também é verdade que, tal como se objetiva na sociedade
capitalista, o trabalho é degradado e aviltado.Torna-se estranhado. O que deveria
se constituir na finalidade básica do ser social – a sua realização no e pelo trabalho
é pervertido e depauperado. O processo de trabalho converte-se em meio de
subsistência. A força de trabalho torna-se, como tudo, uma mercadoria cuja
finalidade vem a ser a produção de mercadorias (ANTUNES, 1995, p. 123-124)
A redução do homem a uma simples mercadoria transforma a imagem que ele tem de
si mesmo. A sua oportunidade de realização foi substituída pela necessidade de garantir o
sustento. No caso do Sr. Leonardo, não identificar-se como trabalhador reflete a distância que
se estabeleceu entre ele e o produto de seu trabalho. Tal distância demonstra que:
o resultado do processo de trabalho, o produto, aparece junto ao trabalhador como
um ser alheio, como algo alheio e estranho ao produtor e que se tornou coisa. Tem-
se então, que essa realização efetiva do trabalho aparece como desefetivação do
trabalhador (ANTUNES, 1995, p.124-125).
O sentido do trabalho se perde na mesma medida em que cresce a necessidade da
produção. O que se passa no seu espírito e a representação do trabalho para o homem são
elementos suprimidos pela intensidade da jornada de trabalho que vai de 12 a 16 horas diárias.
O trabalho deixa de constituir sua realização, para efetivar no carvoeiro a dominação. Nas
palavras de Karl Marx:
a força de trabalho como mercadoria pode aparecer no mercado à medida que e
porque ela é oferecida à venda ou é vendida como mercadoria por seu próprio
possuidor, pela pessoa da qual ela é a força de trabalho. Para que seu possuidor
venda-a como mercadoria, ele deve poder dispor dela, ser, portanto, livre
proprietário de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa. Ele e o possuidor de
dinheiro se encontram no mercado e entram em relação um com o outro como
possuidores de mercadorias iguais por origem, só se diferenciando por um ser
comprador e o outro, vendedor, sendo portanto ambos pessoas juridicamente iguais.
O prosseguimento dessa relação exige que o proprietário da força de trabalho a
111
venda por determinado tempo, pois, se a vende em bloco, de uma vez por todas,
então ele vende a si mesmo, transforma-se de homem livre em um escravo, de
possuidor de mercadoria em uma mercadoria. Como pessoa, ele tem de se relacionar
com sua força de trabalho como sua propriedade e, portanto, sua própria mercadoria,
e isso ele pode à medida que ele a coloca à disposição do comprador apenas
provisoriamente, por um prazo de tempo determinado, deixando-a ao consumo,
portanto, sem renunciar à sua propriedade sobre ela por meio de sua alienação
(MARX, 1983a, p. 139, ).
A nova divisão social do trabalho é responsável pelo estranhamento que é o não
reconhecimento daquilo que se produz pelo trabalhador. No novo modelo, a produção é
planejada pelo capitalista que, afastando o trabalhador do processo de concepção,
transforma-o em mero executor de tarefas. O carvoeiro, que também trabalha sob a lógica do
novo capitalismo, é o detentor do conhecimento do processo produtivo do carvão vegetal.
Nem por isso deixou de operar-se o estranhamento do trabalho. Antunes reforça que na
nova fase do capital, da qual o toyotismo é a melhor expressão, re-transfere o
savoir-faire para o trabalho, mas o faz visando apropriar-se crescentemente da sua
dimensão intelectual, das suas capacidades cognitivas, procurando envolver mais
forte e intensamente a subjetividade operaria (ANTUNES , 1999, p. 131).
Sendo assim, o objetivo inicial do trabalho, que o fez transformar a matéria em
produto através da suas capacidades cognitivas, transforma-se em valor de troca. O
trabalhador, como na perspectiva de Marx, torna-se uma mercadoria, distanciando-se dos
meios de produção, do produto e de si mesmo. Essa condição promove a reificação, a
coisificação das relações de trabalho humanas. O produto é independente e indiferente ao
produtor, o que promove a degradação e a desvalorização do homem. Assim, o conhecimento
adquirido com o tempo e aplicado na atividade de carvoejamento, ou seja, o pensamento e as
capacidades cognitivas do carvoeiro são mercadorias quantificáveis e postas à venda – por um
preço irrisório – no mercado capitalista.
A visão mutilada que o Sr. Leonardo tem de si mesmo decorre do distanciamento em
relação ao produto de seu trabalho. Esse caráter fetichista das relações de trabalho no sistema
capitalista resulta do modo como se operam as relações humanas de produção e distribuição
da riqueza. O que resta ao trabalhador é transformar a sua força de trabalho aquela mesma
que deveria humaniza-lo em um meio de subsistência. A venda dessa força de trabalho
aliena o trabalhador, tornando-o estranho a si mesmo, ao próprio trabalho e ao produto. A
atividade como meio de subsistência massifica, deprime, exaure as forças do trabalhador e
acaba por não contribuir para a sua realização como homem.
112
A capacidade produtiva, portanto, opera no indivíduo um distanciamento mesmo que
se proponha a reproduzir a sua vida. Como no caso
113
É necessário lembrar que a história do Sr. Leonardo simboliza a história dos homens
que todos os dias, sob o “calor do inferno”, cobrem o corpo com suor e munha na busca
incessante da sua sobrevivência. Esses se negam como o personagem, à condição de ser
social, de homem. Sofrem, contudo, as conseqüências do capital produtor do homem aviltado,
explorado, pauperizado e estranhado.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade de carvoejamento no município de Curvelo/MG foi investigada no período
de 2005 a 2007, buscando desvendar pelas falas e percepções dos carvoeiros, suas reais
condições de trabalho e as conseqüências para a vida do trabalhador a partir da observação
sistemática e das entrevistas realizadas.
A primeira parte tratou da contextualização do tema partindo do levantamento do
histórico do município de Curvelo/MG, demonstrando sua tradição na atividade de pecuária e
o avanço da atividade de carvoejamento. A principal atividade econômica do município,
desde sua formação, foi a pecuária. Em meados da cada de 1990, com a redução dos
incentivos para o setor a atividade sofre um forte recrudescimento, endividando os médios e
pequenos pecuaristas. Ao mesmo tempo, incorporam-se mudanças tecnológicas ao processo
produtivo, dificultando a recuperação financeira desse segmento.
A atividade de carvoejamento surge como uma alternativa aos problemas financeiros
oferecendo um novo uso para o solo e relações de trabalho menos onerosas para o produtor.
Na década de 1970, o governo mineiro criou incentivos fiscais para a produção do
carvão vegetal, dando seqüência ao projeto nacional-desenvolvimentista do período, convicto
de que a industrialização seria uma solução para o atraso econômico de Minas Gerais.
Alimentar os fornos das siderúrgicas seria, portanto, o seu desafio.
Observamos que a localização geográfica do município e a infra-estrutura adequada
para o escoamento da produção de carvão vegetal, foram fatores decisivos para sua inserção
no ramo. Tais vantagens competitivas trazem para Curvelo uma grande reflorestadora que, à
exemplo de experiências anteriores, investe em tecnologia de ponta para a formação de
florestas homogêneas. Em contrapartida, cresce a exploração do cerrado pelos pequenos
produtores e empreiteiros. Em 2005 Curvelo torna-se o sexto maior produtor de carvão
vegetal do Brasil. De acordo com informações recentes da reflorestadora, em 2007 esse
município é o maior produtor de mudas de eucalipto do país.
Para melhor compreensão do objeto desse trabalho foi necessário diferenciar as
carvoarias volantes das carvoarias de reflorestadora. Foi possível constatar que as carvoarias
volantes incubem-se de explorar a matéria-prima disponível no cerrado, apresentando grande
mobilidade de localização. Essas ainda dividem-se em clandestinas e autorizadas, mas o que
as difere é o aspecto legal. Em todas as carvoarias visitadas, sejam elas clandestinas ou
autorizadas, surpreendeu-nos as condições de moradia: barracos de madeira e lona que não
115
oferecem o mínimo de conforto e higiene para que os trabalhadores possam recobrar suas
forças, além das condições indignas de trabalho.
Na reflorestadora, o manejo florestal a partir da formação de florestas homogêneas,
introduz um arrojado processo de divisão do trabalho. Do viveiro clonal ao empacotamento e
expedição do carvão encontramos várias etapas mecanizadas. Observamos ainda uma intensa
preocupação com o atendimento à legislação vigente e na prevenção de acidentes. Mesmo no
processo de carbonização, quando o processo se de forma rudimentar como na carvoaria
volante, existe uma divisão de tarefas. No carvoejamento da reflorestadora o carvoeiro é o
responsável por dispor a madeira no forno e retirar o carvão e o carbonizador acompanha o
processo de produção de carvão.
A segunda parte dessa pesquisa trata das relações de trabalho que se estabelecem na
carvoaria volante e de reflorestadora discutindo a divisão do trabalho e a sujeição do
trabalhador. Para tanto, fizemos uma análise do trabalho na carvoaria confrontando seus
aspectos “arcaicos” e modernos. Avaliamos que o capitalismo é capaz de promover inovações
tecnológicas, mantendo formas arcaicas de produção. Observamos que o desenvolvimento de
atividades agroindustriais trouxe inúmeras inovações para o ambiente rural modernizando
seus processos produtivos. Esse fato acabou se tornando um impasse para uma definição de
rural e urbano e, em conseqüência, de arcaico e moderno no que tange às relações de trabalho
predominantes no campo.
As teorias clássicas definem o rural como uma oposição ao urbano. Com o processo
de industrialização e adoção de inovações tecnológicas no campo, cria-se uma convergência
entre os espaços rural e urbano dando uma idéia não de polarização, mas de continuum.
Apuramos que as atividades agrícolas são impulsionadas pela lógica do capitalismo
industrial, marcam o campo com traços caracteristicamente urbanos.
O processo de trabalho no campo está condicionado às articulações da economia
abrangente como demonstraram Fleury e Fischer (1985). Isso incide diretamente sobre o
emprego agrícola (escolhido aqui como paradigma de análise para o emprego no extrativismo
vegetal, devido à escassez de bibliografia sobre o tema) estendendo o padrão taylorista-
fordista à agricultura o que em conseqüência, eleva o índice de acumulação capitalista. No
entanto, como verificamos, a expansão do capitalismo industrial na agricultura também é
responsável pela manutenção de formas pré-capitalistas de produção.
As transformações na agricultura tanto promoveram a flexibilização e a
informalização do emprego agrícola, quanto contribuíram para fazer ressurgir a escravidão ou
servidão por dívida. Também o trabalho volante e a mão-de-obra infantil são utilizados como
116
mecanismos para aumentar a taxa de acumulação de capital. O processo de produção
capitalista com isso, concorre, sistematicamente, para a precarização do trabalho e do
trabalhador.
A mistura entre uma organização do trabalho baseada no modelo taylorista-fordista
com práticas próprias da acumulação flexível e o trabalho rudimentar, forma uma estrutura de
produção muito peculiar nas carvoarias, principalmente na reflorestadora. A rigidez do
processo produtivo, o estabelecimento de metas individuais de produção, a mecanização de
diversas etapas, a terceirização de serviços e outros instrumentos que promovem a dominação
da subjetividade do trabalhador somado a um trabalho extremamente rudimentar, penoso e
degradante ilustram a afirmativa.
Tais fatos refletem-se nas relações de produção estabelecidas. Na reflorestadora, o
aprimoramento da cadeia produtiva do carvão vegetal introduz arrojadas mudanças no
processo produtivo e na organização do trabalho. Muitos autores referem-se a esse processo
como a reestruturação no campo. A minuciosa divisão do trabalho utilizada na reflorestadora
tem como principal objetivo garantir uma produtividade adequada ao abastecimento just-in-
time das empresas siderúrgicas.
Os trabalhadores ficam à mercê desse arranjo porque, assolados pelo desemprego,
buscam alternativa no trabalho assalariado e formal oferecido pela reflorestadora. A
racionalização do trabalho se pela imposição de metas individuais de produtividade e da
cooptação do trabalhador por diversos meios como prêmios e cestas básicas. A legislação
trabalhista é seguida à risca: os carvoeiros têm carteira assinada, EPI’s, horas-extras e
descanso semanal.
Como observamos, as relações de trabalho nas carvoarias volantes são especialmente
desumanas. Apesar do principio ser o mesmo da reflorestadora o abastecimento dos fornos
das siderúrgicas – as relações de trabalho remetem a estruturas muito arcaicas como o
contrato verbal entre carvoeiro e proprietário da terra e o trabalho temporário. A
informalidade assinalada por essas formas de contrato, tem origem na vulnerabilidade social
desses trabalhadores que acabam por assumir esse trabalho marginal da sociedade.
As formas de contrato na carvoaria volante não oferecem garantias de remuneração
justas ao trabalhador. O trabalho geralmente é pago por produção ou dia de serviço o que
incentiva a superexploração do trabalho com ausência de descanso semanal e com a extinção
da jornada de trabalho. O trabalho com participação na produção, outra forma comum de
relação de trabalho na carvoaria volante, faz com que fique sob a responsabilidade do
trabalhador o ritmo do trabalho e o aumento da produtividade, que para ele são
117
encaminhados 12,5% de todo o lucro líquido da produção de carvão. Esse pagamento ainda
será dividido entre os ajudantes, geralmente contratados pelo próprio carvoeiro, para ajudar na
tarefa.
Dessas formas de contratos decorrem a participação de mulheres e crianças no
trabalho da carvoaria. O serviço doméstico como cozinhar e lavar a roupa é uma
responsabilidade das mulheres. As crianças que por ali se encontram são encarregadas de
buscar água ou puxar madeira para a porta do forno. Nas carvoarias visitadas, os carvoeiros e
empreiteiros negam a participação de crianças no trabalho da carvoaria, apesar das evidências.
Os fiscais do trabalho consultados, também negam que haja trabalho infantil nas carvoarias
da região, mas que as “pequenas” tarefas a elas delegadas é uma questão cultural. Foi possível
concluir, dentre os teóricos pesquisados, a urgente necessidade de se extinguir a idéia de que o
trabalho de crianças é uma questão cultural, mas sim um crime contra a infância.
O trabalho forçado, escravidão ou servidão por dívida, também tem origem nessas
formas de contrato. O trabalho livre” determina que o carvoeiro seja o responsável pela
moradia, alimentação e manutenção de ferramentas. A dominação está presente no trabalho
“cativo”,onde todos elementos citados anteriormente são descontados do salário do carvoeiro.
Os preços cobrados pelas ferramentas e alimentos são tão altos que acabam por subordinar e
imobilizar o carvoeiro junto a um empreiteiro ou contratante, gerando um tipo de servidão
moderna.
Apesar de não termos encontrado nenhuma evidência material de que isso ocorra nas
carvoarias desse município, concluímos ser necessário uma investigação minuciosa das
relações de trabalho nelas predominante.
No terceiro capítulo dessa pesquisa buscamos investigar as condições de trabalho e
suas repercussões na saúde física do trabalhador. Partimos da conceituação de trabalho
decente defendida pela OIT Brasil e concluímos que o trabalho repetitivo e exaustivo das
carvoarias causam sérios danos à saúde do carvoeiro e riscos para sua vida.
O controle do trabalho leva à dominação do trabalhador, quer seja pelas estratégias
cooptação do trabalhador ou pela intensificação do ritmo do trabalho. Fatores psicológicos
como a relação trabalho – masculinidade também são utilizados como instrumento para
aumentar a produtividade.
A determinação de metas a serem alcançadas representa a dominação explícita à qual
está subordinado o trabalhador. Para o alcance dessas metas o carvoeiro sacrifica sua saúde,
buscando intensificar o trabalho no período da manhã, quando a temperatura é mais amena e o
corpo responde melhor ao peso da tarefa.
118
O trabalho na carvoaria sob essas formas de pressão e controle, deixa de ser um
instrumento de realização do homem, para se tornar sua mordaça, seu sacrifico, sua
mortificação. A alienação do trabalhador se pela precarização de suas condições de
trabalho e vida. A dominação exercida sobre o carvoeiro distancia o homem do produto de
seu trabalho e de si mesmo.
Quanto à saúde do trabalhador, a pesquisa levou-nos a constatar que está intimamente
relacionada à sua capacidade produtiva. Nessa perspectiva, muitos autores concluem que a
racionalidade capitalista tem levado a uma medicina do trabalho encarregada de manter a
utilidade do corpo e sua capacidade produtiva.
As condições de trabalho na carvoaria volante são nocivas para a saúde do trabalhador.
Os alojamentos improvisados próximos à bateria de fornos, não apresentam nenhuma higiene
ou conforto que garanta ao carvoeiro a oportunidade de recobrar suas forças para prosseguir
com o trabalho. Sem água tratada, os alimentos são preparados e a sede saciada com a água do
córrego. Além disso, os perigos por picadas de animais peçonhentos como cobras e escorpiões
são constantes por causa da inadequação dos alongamentos. Sem condições mínimas de
higiene e conforto, o trabalhador fica vulnerável a doenças.
A realização do trabalho também traz suas conseqüências para a saúde do trabalhador.
Principalmente nas carvoarias onde os EPI’s são negligenciados, os trabalhadores ficam
expostos aos perigos do trabalho. As condições de trabalho degradantes às quais estão
submetidos os expõem a riscos como queimaduras, intoxicação, LER/DORT, entre outras
ocorrências relacionadas ao desgaste físico e mental.
Na reflorestadora, uma intensa vigilância dos órgãos de fiscalização e das siderúrgicas,
dificulta a transgressão da legislação vigente. Portanto, o uso dos EPI’s é obrigatório e há uma
equipe responsável pela prevenção de acidentes. Isso, infelizmente, não implica na suspensão
dos riscos. A exposição ao calor intenso, aos gases tóxicos e a desconfortáveis posições no
preenchimento e esvaziamento do forno causam adoecimentos e até lesões irreversíveis.
A capacidade produtiva do trabalhador determina seu valor para o mercado. O
adoecimento implica, portanto na sua exclusão e a perda do seu sustento. Assim, a disciplina
na execução do trabalho toma grande importância. Se na reflorestadora é a equipe de
prevenção a acidentes de trabalho que regula o processo, na carvoaria volante é a percepção
do corpo que busca evitar os perigos e os adoecimentos.
A fadiga crônica, como outras doenças, está relacionada ao conteúdo do trabalho do
carvoeiro e ao seu relativo isolamento. Além disso, a insegurança causada pela crescente taxa
119
de desemprego, torna os carvoeiros suscetíveis efeitos nocivos da atividade como o estresse e
a fadiga crônica.
Somada a essa situação, a própria negação do adoecimento leva o trabalhador a arcar
sozinho com todas as suas conseqüências. Toda forma de dominação introjetada o leva a crer
que seja ele mesmo o responsável por seu adoecimento, consequentemente, por sua
improdutividade. A incapacidade para o trabalho o priva dos meios necessários à sua
subsistência e dos seus familiares.
O trabalho é entendido como fundamento da vida, portanto, a capacidade produtiva é o
elemento-chave desse processo. No caso do carvoejamento a atividade, apesar de contar com
vários aparatos tecnológicos, ainda depende de um conhecimento adquirido exclusivamente
através da experiência. Portanto, é a capacidade cognitiva do carvoeiro que determina a
qualidade do produto sendo indispensável ao processo de trabalho. No entanto, apesar de se
reconhecerem como trabalhadores, os carvoeiros não se identificam como uma categoria
profissional. A falta de organização social dada pela distância e isolamento e pela baixa
escolaridade pode explicar esse fato. O que em conseqüência justifica a extrema
vulnerabilidade desses trabalhadores.
O “estranhamento” é um fenômeno que aparece entre os carvoeiros também em
decorrência dessa vulnerabilidade. Como concluímos o mesmo trabalho que confere
dignidade e status de cidadão ao trabalhador, contribui para sua degradação e pauperização. A
intensidade da jornada de trabalho, as condições subumanas nas quais ocorrem o trabalho e a
mercantilização do trabalhador, tornam-no estranho a si mesmo. Como no caso do Sr.
Leonardo, os carvoeiros têm suas capacidades cognitivas apropriadas pelo capital,
distanciando-os do produto do seu trabalho e de si mesmo. O trabalho que deveria ser capaz
de humanizar tornou-se apenas um meio de subsistência. A degradação e a desvalorização do
homem e a apropriação de suas capacidades cognitivas pelo capital, não permitem que ele
reconheça o produto de seu trabalho e nem a si mesmo.
Enfim, o que se percebe, é que a exploração dos recursos naturais pelo capital tem
operado a exploração do homem. E os carvoeiros, homens de carne e osso, mas escondidos
por uma camada de munha sobre o suor, atrás de uma cortina de fumaça têm se tornado
vítimas dessa realidade.
Na conclusão desse trabalho, cumpre-nos o dever de chamar a atenção para a
necessidade de se reconstruir a cidadania e a identidade desses homens. Diante da
indignidade do trabalho e das condições subumanas nas quais ele se realiza, as conseqüências
nocivas para suas vidas não podem ser negadas.
120
As maneiras como esses homens percebem seus trabalhos, suas lições de vida e
humildade não podem ser relegadas ao esquecimento. Por isso, finalizamos com a fala do Sr.
Carlos: “é bom que alguém venha sempre aqui. Assim a gente não se sente sozinho, nem fica
esquecido...”.
121
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128
ANEXO A - LISTA DE ENTREVISTADOS
1 Gilson: supervisor de carbonização da reflorestadora pesquisada. 28 anos, solteiro, curso
superior incompleto. Entrevista realizada em: 20/01/2006
2 – Everton: encarregado do baldeio na reflorestadora, 29 anos, solteiro, ensino médio
completo. Entrevista realizada em: 13/01/2006
3 Afonso: 37 anos, casado, 02 filhos, ensino fundamental incompleto (série), carvoeiro
de carvoaria volante com experiência em reflorestadora. Entrevista realizada em: 26/05/2007
4 - João Paulo: 50 anos, casado, 9 filhos, ensino fundamental incompleto (2ª série), carvoeiro
da reflorestadora com experiência em carvoaria volante. Entrevista realizada em: 17/06/2007
5 Wesley: 30 anos, casado, 5 filhos, natural de Belo Horizonte, ensino fundamental
incompleto (5ª série) carvoeiro da reflorestadora com experiência em carvoaria volante.
Entrevista realizada em: 15/08/2006
6 Carlos: 37 anos, casado, 3 filhos, ensino fundamental incompleto (4ª série), carvoeiro de
carvoaria volante. Entrevista realizada em: 24/09/2005
7 Vanderlúcio: 37 anos, casado, 3 filhos, ensino fundamental incompleto (4ª série),
carvoeiro de reflorestadora com experiência em carvoaria volante. Entrevista realizada em:
22/06/2007
8 - Empreiteiro 1: 46 anos, solteiro, 3 filhos, curso superior completo Direito e Química,
empreiteiro de carvoaria volante. Entrevista realizada em: 13/05/2006
9 Empreiteiro 2: 52 anos, casado, 2 filhos, ensino fundamental incompleto (6ª série),
empreiteiro de carvoaria volante. Entrevista realizada em: 31/07/2007
129
ANEXO B – LOCALIZAÇÃO DO MUNICIPIO DE
Preços médios de ferro gusa, FOB estivado R$/t
0
200
400
600
800
1000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Ano
Valor/médio
Aciaria
Fundição
ANEXO D – ORIGEM E PREÇO MÉDIO DO CARVÃO VEGETAL E PREÇO MÉDIO DO FERRO GUSA
Fonte: SINDIFER
Nota-se que apesar de uma queda recente, o preço do ferro gusa vem aumentando com o passar do tempo, devido à demanda crescente nos
mercados interno e externo. Porém, devemos salientar que a margem de lucro das siderúrgicas oscila de acordo com o preço da matéria-prima
envolvida no processo. O ferro gusa é produto da fundição do minério de ferro com carvão vegetal e calcário. A aciaria é responsável por
transformar o ferro gusa em diferentes tipos de aço. O Brasil é o maior produtor mundial de ferro gusa a partir do carvão vegetal. Minas Gerais é
responsável por grande parte da produção nacional, tendo como destaques as cidades de Sete Lagoas e Divinópolis.
131
PREÇOS MÉDIOS DO CARVÃO VEGETAL ORIGINÁRIO DE FLORESTAS PLANTADAS
2007
R$ -
R$ 20,00
R$ 40,00
R$ 60,00
R$ 80,00
R$ 100,00
R$ 120,00
2005 2006 2007
Ano
Preço R$mdc
S. Lagoas
Divinópolis
Norte Minas
Vertentes
Grande BH
Metalúrgica
Fonte: AMS
O aumento crescente do preço do carvão pode ser atribuído ao fato de que as siderúrgicas estão aumentando sua produtividade e, conseqüentemente, a
demanda de carvão vegetal. Observa-se que não há grande diferenciação nos preços entre as regiões mineiras
.
132
ORIGEM NATURAL DO CARVÃO VEGETAL
CONSUMIDO NO BRASIL
0
5000
10000
15000
20000
25000
2003 2004 2005 2006
Ano
Unidade: 1.000 mdc
Origem nativa
Origem Floresta
Plantada
Fonte: AMS
Neste gráfico, um dos fatores que se leva em consideração para a análise é que para cada tonelada de ferro gusa produzida, US$ 3 serão destinados ao Fundo
Florestal Esse valor será resgatado desde que a empresa guseira consiga atingir sua meta de plantio de floresta homogênea. Outro fator é que uma busca
incessante na auto-suficiência do carvão vegetal em consonância com as políticas públicas que visam proteger as matas nativas.
133
134
ANEXO E - ROTEIRO BÁSICO DE ENTREVISTAS
SUPERVISOR DA ÁREA DE CARBONIZAÇÃO
1. Como é a divisão do trabalho no setor?
2. Há necessidade de algum tipo de capacitação para desempenhar tais tarefas?
3. Quantos empregados / colaboradores são carvoeiros?
4. Qual a média de idade dos empregados no setor?
5. Em que consiste o trabalho do carvoeiro?
6. Quantas horas de trabalho semanais?
7. Há horas extras de trabalho?
8. Qual é a meta de produção a ser atingida por um carvoeiro?
9. Há mulheres que trabalham neste setor? Quais atividades desempenham?
10. Qual é a média salarial dos empregados do setor?
11. Os salários se diferenciam por tipos de contratos?
12. Qual é o índice de acidentes de trabalho no setor? Como a empresa busca solucionar o
problema?
13. muitos afastamentos por acidentes de trabalho e/ou doenças decorrentes da
atividade?
14. Quais são os cuidados com segurança que a empresa toma com o carvoeiro?
CONTRATANTES DE CARVOARIAS VOLANTES
1. Há quanto tempo trabalha no ramo?
2. Como seleciona as áreas de atuação?
3. Como contrata os trabalhadores?
4. Como é o acordo / contrato de trabalho? É formalizado? Informal?
5. Como é negociado o pagamento do carvoeiro? Dia? Produção? Porcentagem?
6. Quais atividades o carvoeiro desempenha?
7. Quantas horas o carvoeiro trabalha por dia?
8. Quanto de carvão é necessário produzir para sair uma carga?
9. Quantos dias de trabalho são necessários para sair uma carga?
135
10. Como é o alojamento do carvoeiro?
11. Esposa e filhos podem alojar-se?
12. As mulheres desempenham quais tarefas?
13. Há escola próxima para que as crianças possam freqüentar? Como vão para a escola?
CARVOEIRO
QUESTÕES BÁSICAS PARA TODOS OS CARVOEIROS
1. Perfil:
a) Nome:
b) Idade:
c) Estado civil:
d) Número de Filhos
e) Endereço:
f) Grau de escolaridade:
2. Há quantos anos trabalha neste ramo de atividade?
3. Já teve outros empregos? Quais?
4. Por que optou pela atividade de carvoejamento?
5. Como aprendeu o ofício? Qual tarefa desempenha?
6. Como é o trabalho do carvoeiro?
7. Quantas horas de trabalho diárias?
8. Quanto um carvoeiro precisa produzir por dia ou semana?
9. Já se acidentou no trabalho?
10. Adquiriu alguma doença em decorrência do trabalho?
11. Precisou afastar-se das atividades em decorrência disso?
12. Contou com algum tipo de auxílio-doença?
13. Como é o alojamento do carvoeiro? Cozinha? Banheiro? Vestiário?
14. Existe intervalo para as refeições?
15. Existe descanso semanal? Quantos e em quais dias?
16. Possui carteira assinada?
17. Qual é a média de salário de um carvoeiro?
136
CARVOEIROS DE CARVOARIAS VOLANTES
1. Quantos homens trabalham nesta carvoaria?
2. Quanto é necessário produzir para uma carga de carvão?
3. Possui carteira assinada?
4. Como se estabelece o contrato de trabalho?
5. Como é o pagamento do carvoeiro? Por produção? Dia? Porcentagem?
6. Como é o alojamento do carvoeiro? Banheiro? Cozinha? Quartos? Alvenaria ou rancho
improvisado? Como é feito?
7. Quem fornece a alimentação?
8. Outras pessoas estão alojadas aí? Esposa? Filhos? Quantas pessoas?
9. Que tarefas as mulheres desempenham na carvoaria?
10. As crianças ajudam nas tarefas?
11. O que elas fazem?
12. Qual é a idade das crianças? Estudam? Onde?
13. Como vão para a escola?
14. Possui casa na cidade? Onde?
15. A mulher/companheira trabalha ou o acompanha na carvoaria?
16. Qual tipo de atividade desempenha?
17. Ela contribui para a renda familiar?
18. Estudou? Até que série?
Livros Grátis
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