“na passagem de matéria, a interpretação é mediada pelo adaptador, e não deixada à mercê
do destinatário”.
57
Ao mediar a interpretação, o adaptador sempre assume uma posição, que
interfere na representação que o filme faz do livro e exclui as possibilidades de maior
abertura do texto literário.
Na semiótica peirceana, porém, os conceitos de tradução e semiose estão
diretamente relacionados: o interpretante caracteriza-se como uma tradução do signo.
58
Diz
Peirce que “um signo não é um signo a menos que se traduza a si mesmo em outro signo
no qual é mais plenamente desenvolvido”.
59
Esse novo signo em que um signo se traduz é
o seu interpretante, e, sem que isso ocorra, não há semiose. Ao se pensar a tradução
intersemiósica, deve-se reconhecê-la como um processo semiósico, a partir do qual se
estabelecem diferentes relações entre os signos dentro dessa cadeia. Dessa forma, a ação
dos signos na semiose é justamente sua tradução. A tradução intersemiótica de obras
literárias para o cinema deve ser compreendida como um processo peculiar que difere em
muitos aspectos da tradução interlingual, conforme argumenta Eco.
60
Julio Jeha argumenta que as adaptações são parte do contínuo processo de
desenvolvimento de um signo em outros signos.
61
O autor afirma que “as versões fílmicas
de livros, na semiótica peirceana, integram uma série sem fim de representações, das quais
o texto escrito é o objeto”.
62
Uma mesma obra pode, por exemplo, ser adaptada de formas
distintas em diferentes filmes, que, por sua vez, darão seqüência a semioses específicas a
57
ECO, 2007, p. 389.
58
No texto the basis of pragmaticism in the normative sciences, Peirce afirma que interpretação é
meramente outra palavra para tradução. Para Eco (2007), Peirce utiliza o termo “tradução” em
sentido figurado, assumindo tradução como sinédoque de interpretação. Entendemos, conforme
argumenta Eco, que uma tradução sempre é precedida por interpretação. Por outro lado,
sustentamos a idéia de que a adaptação fílmica caracteriza-se como uma tradução intersemiósica
pelo fluxo semiósico que se efetua de um sistema de signos para outro, conforme operações
tradutórias específicas que discutiremos neste capítulo.
59
No original, “a sign is not a sign unless it translates itself into another sign in which it is more
fully developed” (PEIRCE apud KALAGA, 1986, p. 47).
60
ECO, 2007, 388-390.
61
JEHA, 1997, p. 643.
62
No original, “filmic versions of books, in Peircean semiotics, make part of an endless series of
representations, of which the written text is the object” (JEHA, 1997, p. 640).