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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
NÚCLEO DE ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR - NEAF
EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL
CURSO DE MESTRADO EM AGRICULTURAS FAMILIARES E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL - MAFDS
CRÉDITO AGRÍCOLA FAMILIAR: A VISÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO FNO NO
MUNICÍPIO DE SANTO ANTONIO DO TAUÁ
JOSÉ ANTONIO LIRA
Belém - Pará
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
NÚCLEO DE ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR - NEAF
EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL
CURSO DE MESTRADO EM AGRICULTURAS FAMILIARES E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL - MAFDS
JOSÉ ANTONIO LIRA
CRÉDITO AGRÍCOLA FAMILIAR: A VISÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO FNO NO
MUNICÍPIO DE SANTO ANTONIO DO TAUÁ
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em
Agriculturas Familiares e Desenvolvimento
Sustentável da Universidade Federal do Pará e da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
Amazônia Oriental, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Maria de Nazaré Ângelo-Menezes
Belém – Pará
2005
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Lira, José Antonio.
Crédito Agrícola Familiar: a visão dos beneficiários do FNO no
Município de Santo Antonio do Tauá / José Antonio Lira. – Belém,
PA: UFPA – Centro de Ciências Agrárias: EMBRAPA Amazônia
Oriental, 2005. Orientado por Profª. Drª. Maria de Nazaré Ângelo-
Menezes. 95p.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Pará. Curso
de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento
Sustentável.
1. Agricultura Familiar – Santo Antonio do Tauá - Pará –
Brasil. 2. Crédito Rural. 3. Crédito Agrícola. 4. Financiamento. I
título.
CDD 338.18098115
2
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE CIENCIAS AGRÁRIAS
NUCLEO DE ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR - NEAF
EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL
CURSO DE MESTRADO EM AGRICULTURAS FAMILIARES E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL - MAFDS
JOSÉ ANTONIO LIRA
CRÉDITO AGRÍCOLA FAMILIAR: A VISÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO FNO NO
MUNICÍPIO DE SANTO ANTONIO DO TAUÁ
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em
Agriculturas Familiares e Desenvolvimento
Sustentável da Universidade Federal do Pará e da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
Amazônia Oriental, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.
Data da defesa: 30/08/2005
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Maria de Nazaré Angelo-Menezes (Orientadora)
Prof. Dr. Gutemberg Armando Diniz Guerra (Examinador)
Prof. Dr. Heribert Shimtz (Examinador)
Prof. Dr. Fernando Teixeira Mendes (Examinador)
Belém – Pará
Agosto de 2005
3
4
MAMÃE, Avelino e tia Neli, a vocês dedico este trabalho.
4
5
AGRADECIMENTOS
A minha querida mãe Olívia, que mesmo distante e enfrentando dificuldades, sempre
acreditou que eu seria capaz de trilhar os difíceis caminhos da vida, mesmo sabendo
das dificuldades econômicas e de acesso aos estudos desde cedo;
Ao meu inestimável companheiro Avelino Ganzer, pela paciência que teve em seus
dias atarefados, de me escutar e compartilhar seu conhecimento; e a minha segunda
Mãe, a minha querida tia Neli, que sempre teve uma palavra de conforto para que eu
não desistisse desta difícil tarefa. Vocês são incomparáveis....
A professora Maria de Nazaré, minha orientadora que sempre presente, me alertando
e orientando para que eu pudesse desenvolver com eficiência este trabalho;
Aos agricultores, que de forma amigável sempre me receberam bem e partilharam
seus conhecimentos, anseios e dificuldades enfrentadas em seus árduos trabalhos,
mas que sem dúvidas, proporcionam satisfação;
Ao CNPq, pela bolsa de estudos que recebi;
Aos Amigos da Escola DENSA, da COOPAEXPA, e demais amigos da “Família
Nova Amafrutas” pelo convívio diário e o aprendizado profissional;
E finalmente à Cilane, pelo afeto, carinho e contribuição na revisão da redação final
deste trabalho.
5
6
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.................................................................................................................. 5
RESUMO........................................................................................................................................ 8
ABSTRACT ................................................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10
Metodologia................................................................................................................... 17
Estrutura e organização da dissertação ..................................................................... 19
CAPITULO I - O CRÉDITO RURAL NO BRASIL: A DIFICIL CONQUISTA DOS
PEQUENOS AGRICULTORES....................................................................................... 21
1.1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRÉDITO RURAL NO BRASIL............................ 21
1.2 - A POLÍTICA DE CRIAÇÃO E OBJETIVOS DO CRÉDITO FNO........................... 29
1.2.1 - Os mecanismos de articulação e reivindicação criados pelos agricultores..32
1.3 - O CRÉDITO AGRÍCOLA NO MUNICÍPIO DE SANTO ANTONIO DO TAUÁ. . 34
1.3.1 - Os atores locais envolvidos............................................................................... 35
1.3.2 - A liberação dos recursos................................................................................... 36
1.3.3 - As linhas de crédito ocorridas no município e a diversidade das culturas
financiadas......................................................................................................... 37
CAPITULO II - BREVE DISCUSSÃO SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DA
AGRICULTURA FAMILIAR .......................................................................................... 41
2.1 - CONSIDERAÇÕES PARA CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA
FAMILIAR LOCAL ................................................................................................... 41
2.2 - A AGRICULTURA FAMILIAR E O CRÉDITO AGRÍCOLA.................................. 46
CAPÍTULO III - CREDITO AGRÍCOLA: DE ONDE VEM? PARA QUE?...................... 49
3.1 - A HERANÇA DO CAMPESINATO .......................................................................... 50
3.1.1 - A difícil iniciativa de organização dos agricultores ....................................... 54
3.2 - DESVIOS DE RECURSOS X RESPONSABILIDADE DOS AGRICULTORES ... 68
3.3 - A UTILIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO NA FORMAÇÃO DE OPINIÕES.............. 71
3.3.1 - Origem do crédito FNO Especial..................................................................... 72
3.3.2 - Sobre a existência dos fundos perdidos........................................................... 77
3.3.3 - Sobre a renegociação das dívidas..................................................................... 79
3.4 - AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA LOCALIDADE NA PERCEPÇÃO DOS
AGRICULTORES....................................................................................................... 83
CONCLUSÕES............................................................................................................................ 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 91
6
7
LISTA DE SIGLAS
BASA – Banco da Amazônia
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
CEPLAN – Coordenadoria de Planejamento/BASA
CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros.
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
COOPAEXPA – Cooperativa da Produção Agroextrativista Familiar do Pará
CUT – Central Única dos Trabalhadores
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
FASE – Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional
FETAGRI – Federação dos Trabalhadores na Agricultura
FETAGRI/AP – Federação dos Trabalhadores na Agricultura - AMAPÁ
FETAGRI/PA – Federação dos Trabalhadores na Agricultura – Pará
FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
GERIN – Gerência de Estudos Econômicos e Relações Institucionais/BASA
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
PESA- Programa Especial de Saneamento de Ativos
PROCERA – Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária
PRONAF – Programa de Apoio a Agricultura Familiar
PRORURAL – Programa de Apoio à Pequena Produção Familiar Rural Organizada
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
7
8
RESUMO
É recente a história do crédito agrícola para a agricultura familiar na Amazônia. Esta
conquista é o resultado do esforço realizado pelas instituições que representam à categoria, de
políticos comprometidos com a dinamização do desenvolvimento econômico do meio rural e
principalmente do empenho dos próprios agricultores. Entretanto, problemas como o alto índice
de inadimplência dos agricultores já beneficiados com o crédito agrícola, geram restrições para
acessar novos empréstimos, na medida em que só poderá adquirir outro financiamento após
cumprir com as obrigações contraídas anteriormente. Esta situação põe em risco a credibilidade
da própria agricultura familiar perante as instituições financeiras no sentido de questionar a
viabilidade econômica desta categoria. No entanto, O que pensam os agricultores familiares
sobre o crédito agrícola? O objetivo deste trabalho é identificar junto aos agricultores familiares,
a compreensão que estes têm sobre o crédito, na perspectiva de revelar o porquê da
inadimplência, bem como elucidar os indicadores que norteiam as decisões, com relação ao
acesso aos recursos conseguidos por intermédio do crédito agrícola.
Palavras chave: agricultura familiar, financiamento, organização social.
8
9
ABSTRACT
The history of the agricultural credit for familiar agriculture in the Amazon is recent.
This conquest was fruit of effort carried through of institutions that represent the category as
well as of some politicians, but mainly of the effort of the proper organized agriculturists.
However, problems as the high index of insolvency restrict the proper agriculturists to have
access new credits, in the measure where it will only be able to acquire another loan after to
fulfill with the contracted obligations previously. This situation puts in risk the credibility of
proper familiar agriculture in front of the financial institutions in the direction to question the
economic viability of this category. On the other hand, what the familiar agriculturists think on
the agricultural credit? The objective of this work is to identify together to the familiar
agriculturists, the understanding that these people have on the credit, in the perspective to reveal
the reason of the insolvency of the agriculturists, as well as elucidating the pointers that guide
the decisions, thoughts and opinions, with relation to the access to the resources obtained for
intermediary of the agricultural credit
Key Words: familiar agriculture, financing, social organization
9
10
INTRODUÇÃO
Um dos fatos mais importantes ocorridos no Brasil nestes últimos anos foi o
reconhecimento do estado de desequilíbrio cultural, social, ambiental e principalmente
econômico (Abreu, 1994) existente entre a população, fazendo grandes distinções não somente
entre o urbano e o rural, mas no próprio meio rural entre agricultores mais ou menos
capitalizados, assim como as diferenças que figuram entre grandes regiões, tais como a região
norte em comparação com a região sul do Brasil.
Estas diferenças existentes não são frutos do acaso, mas sim, da valorização ou
priorização pelos próprios governos de uma região em detrimento de outras ao longo dos anos,
no que tange aos investimentos em infra-estrutura nos setores produtivos, gerando condições de
conhecimento e utilização de novas tecnologias, seja no universo urbano seja no rural. Um
exemplo claro disto, e enfocando-se o meio rural, são os grandes investimentos em linhas de
financiamentos, que possibilitaram a alavancagem para uma chamada agricultura moderna e
tecnificada nas regiões sul e sudeste do Brasil, na década de 70, possibilitando a produção em
larga escala de monoculturas com vistas à exportação.
Os caminhos desta modernização ou tecnificação na agricultura nem sempre mostram a
priori sua complexidade, e seus resultados nem sempre são factíveis de serem avaliados em
curto prazo. O êxodo rural e a disputa pela terra são exemplos de situações que afetam os
pequenos agricultores, e raras vezes são reveladas.
Um dos principais elementos que possibilitaram esse distanciamento entre os grandes e
pequenos produtores foi o crédito agrícola, que ao longo dos tempos a tendência foi em
10
11
favorecer os grandes, que teoricamente eram vistos com maiores condições de investimentos e
produção, em detrimento aos pequenos que descapitalizados ficavam a margem do
desenvolvimento.
Buscando-se uma superação destes problemas de diferenciações regionais assim como
estender o crédito também aos pequenos, algumas políticas públicas foram implementadas
nestes últimos tempos. Uma delas refere-se à criação dos fundos constitucionais nas regiões
Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro Oeste (FCO), regulamentados pela lei n° 7.827 no ano
de 1988, que na visão de Ganzer e Mourão, (1999), foi uma iniciativa acertada para promover o
desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. Por intermédio do artigo 159 da Constituição
Federal foi assegurada a destinação de 3% da arrecadação dos impostos de renda e proventos de
qualquer natureza sobre os produtos industrializados para o financiamento do setor produtivo,
constituindo-se em importante fonte de recursos, distribuídos entre as regiões Nordeste - 60%,
Norte – 20% e Centro Oeste com 20% do total dos recursos destinados para a atividade
(GANZER e MOURÃO, 1999).
Mesmo estando instituídos em lei, somente a partir de 1991 os agricultores familiares da
região norte começaram a ser beneficiados por esta linha de crédito, fazendo com que os
recursos pudessem cumprir com os objetivos para os quais foram propostos. Dados levantados
pela FASE/FETAGRI, atualizados em 1996, revelam que a partir de 1991, houve um aumento
freqüente do volume de aplicação dos recursos até o ano de 1994, reduzindo-se novamente nos
anos de 1995 e 1996, como fruto das mudanças das políticas econômicas ocorridas no país.
Se no principio das liberações dos recursos financeiros aos agricultores no ano de 1991
as condições de pagamento destes valores eram vistas como ideais, esta percepção não durou
muito. Tais situações foram alterando-se em função das mudanças, principalmente de ordem
11
12
econômica vivida pelo país tais como aumento da inflação, aumento das taxas de juros,
alterando os índices de correção dos valores bem como os prazos de pagamento. Os bens
financiados pelos agricultores, não puderam acompanhar o ritmo de desvalorização crescente da
moeda, o que segundo a Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional - FASE,
ressaltada no texto de Ganzer e Mourão (1999), foi um dos principais motivos que levou ao
endividamento de um elevado número de agricultores, provocando um viés contrário aos
objetivos da política então criada.
Neste sentido, na medida em que as condições econômicas do país tornavam o
pagamento do crédito inviável, os agricultores organizados em associações e sindicatos de
trabalhadores rurais criaram mecanismos de defesa que, apoiados por parlamentares, foram
tornando legais os processos de negociações e renegociações das dívidas, na perspectiva de que
os prejuízos decorrentes das mudanças econômicas não afetassem demasiadamente os
produtores e oferecessem condições para que fossem efetuados os devidos pagamentos.
Dados fornecidos pelo Banco da Amazônia S/A - BASA revelam que para algumas
regiões, mesmo após todas as alterações propostas por meio das reduções de juros, rebates e
aumento do período de carência para facilitar a liquidação das dívidas, as medidas foram
insuficientes para provocar o estímulo de pagamento dos débitos pelos produtores. Em alguns
municípios, como é o caso de Santo Antonio do Tauá, a taxa de reembolso dos valores é baixa,
sendo que o único valor pago por parte dos agricultores foi os 10% sobre o valor da parcela
vencida no ano de 2003, o que corresponde a menos de 1% sobre o valor total de suas dívidas
1
.
12
1
Os dados fornecidos pelo Banco da Amazônia referem-se unicamente a agencia Belém Pedreira, que nos últimos
tempos foi a principal agencia da região a dedicar-se ao financiamento de agricultores familiares.
13
Um fato a ser observado, é que os recursos recebidos pelos agricultores e não pagos,
automaticamente impedem que estes acessem novas linhas de crédito. A conseqüência é o limite
das chances de mudanças no padrão de vida das famílias, haja vista que os investimentos no
sistema produtivo e especificamente o crédito agrícola, são indispensáveis para o aumento da
produção e da renda familiar.
Neste contexto de desencontro entre o crédito liberado e o não pagamento, os
prejudicados são os próprios agricultores, pois a inadimplência impede o acesso a novos
financiamentos fazendo com que uma parcela considerável de famílias fique excluída dos
benefícios e investimentos propostos pelas linhas de crédito atualmente disponíveis para a
categoria.
São correntes os comentários negativos de pessoas relacionadas aos órgãos de crédito,
sobre os agricultores familiares no sentido da viabilidade da reprodução econômica desta
categoria, isto porque não são consideradas as dificuldades enfrentadas no processo de produção
e principalmente de comercialização, assim como as particularidades inerentes a esta categoria.
Neste caso, a credibilidade dos agricultores e da própria agricultura familiar é questionada sem
que sejam considerados os contextos históricos em que estes fatos acontecem. Normalmente os
comentários sobre a inadimplência da agricultura familiar são reduzidos a afirmações de que os
recursos obtidos pelos agricultores são utilizados em atividades diferentes daquelas indicadas na
proposta inicial do projeto de crédito, e por isso não efetuam os pagamentos.
Diversos autores discutem este universo de questões, entre os quais Peixoto (2002), que
em estudo de caso realizado na região da Transamazônica sobre o Fundo Constitucional de
Financiamento do Norte / Programa de Apoio à Pequena Produção Familiar Rural Organizada -
13
14
FNO PRORURAL constata que os principais fatores que levaram ao não pagamento das dívidas
pelos produtores daquela região foram:
Os atrasos nas liberações dos recursos, atrasando também os plantios das culturas, ou
seja, o crédito liberado não acompanhou o itinerário técnico das culturas financiadas;
Financiamento de culturas inadequadas para aquela região em função das dificuldades
de comercialização daqueles produtos;
Falta de planejamento e adequação das linhas de financiamento de acordo com as
necessidades dos agricultores;
Deficiências ou inexistência de assistência técnica;
Torna-se importante ressaltar que no município de Santo Antonio do Tauá, assim como
em outras regiões, os agricultores, mesmo sabendo que as condições propostas pelos projetos de
financiamento, tal como descrito por Peixoto, em que as culturas projetadas para o
financiamento não fazpelteade seu tatidian as o sdão das dilessidadas pRAL eguirs de
15
houve um crescimento de 288,5% no número de associados, saltando de 96 produtores
organizados no ano de 1995 para 277 associados no ano de 2003, o que corresponde a um
aumento médio de 30,1% ao ano.
Quadro 01 - Comparativo da evolução do número de associados em algumas associações no
município de Santo Antonio do Tauá.
Nome da Associação Ano de acesso
ao crédito
Nº de
associados
iniciais
Associados
dez/2003
1 Ass. Dos Moradores da Com. São Jerônimo 1995 24 24
2 Ass. Dos Moradores da Com. São Tomé 1995 11 48
3 Ass. Dos moradores da Com. de Trombetas 1995 21 75
4 Ass. Dos Moradores Unidos venceremos 1995 27 60
5 Ass. Dos Moradores da Com. de São Luiz. 1995 13 70
TOTAIS 96 277
Fonte: pesquisa de campo junto a associações de produtores - maio/2004
Ao questionarmos estes agricultores sobre os objetivos que estão levando-os a
participarem nas associações, são unânimes em informar que participam em função de ser
através da associação o caminho mais fácil para conseguir os benefícios oferecidos pelo
governo” (agricultor da associação Trombetas, pesquisa de campo maio/2004). Este benefício a
que se referem, na maioria das vezes está ligado às possibilidades de financiamento ou
incentivos creditícios que por ventura venham a ocorrer. A associação, neste caso, torna-se
necessária em função de que as agências financeiras, de acordo com as normas para o
financiamento pela linha de crédito FNO, só financiam agricultores ligados a uma associação.
15
Este trabalho de pesquisa será realizado a partir de uma considerável revisão
bibliográfica, e estará apoiado em informações coletadas em pesquisa de campo realizada junto
a três associações de agricultores familiares selecionadas no Município de Santo Antonio do
16
Tauá, município que está localizado na microrregião de Castanhal situada no Nordeste do
Estado do Pará.
O objetivo geral deste trabalho será analisar e explicitar o porquê da inadimplência dos
agricultores a partir da compreensão que estes têm sobre os sistemas de créditos desenvolvidos e
praticados na região, bem como elucidar os indicadores que norteiam as decisões e opiniões
com relação ao acesso aos recursos do crédito agrícola, na perspectiva de contribuir para o
debate e o avanço do conhecimento sobre o crédito e a agricultura familiar.
Para direcionar o enfoque do trabalho temos a seguinte pergunta de pesquisa: O que
pensam os agricultores familiares do Município de Santo Antonio do Tauá sobre o crédito
agrícola? Esta pergunta apresenta relevada importância para as investigações e elaboração desta
dissertação. Acreditamos que o conhecimento destas situações poderão ser significativas na
perspectiva de revelar os problemas da inadimplência dos agricultores familiares junto as
instituições financeiras, assim como contribuir para o debate ora proposto.
Para a realização da investigação, duas hipóteses iniciais foram levantadas: 1) - Sem
mecanismos de esclarecimento, as regras dos programas de governo (linhas de crédito) são
interpretadas pelos agricultores diferentemente do que propõem os projetos em decorrência das
experiências e dos conhecimentos que acumulam; e 2) - A disposição de pagamento da dívida é
influenciada pelo comportamento ético de outros envolvidos relativos ao dinheiro ou às
obrigações públicas.
16
A primeira hipótese torna-se pertinente em função das dificuldades de comunicação, ou
na veracidade das informações que circulam entre os produtores, bem como as dificuldades
levantadas por estes na compreensão das regras que envolvem o crédito agrícola provocando
distorções no processo de aplicação ou mesmo no gerenciamento dos recursos. A segunda
17
hipótese também poderá ser significativa na medida em que o comportamento dos próprios
agricultores é influenciado pelas ações e comportamentos de outros agentes envolvidos, seja no
que tange ao crédito ou na condução das organizações que o representam, tais como as
associações, sindicatos, EMATER e o poder público local onde merece destaque a prefeitura e
suas secretarias.
Metodologia
A pesquisa de campo que possibilitou o levantamento de dados para embasar este
trabalho foi desenvolvida a partir de entrevistas semi-estruturadas com 18 agricultores sócios de
três associações, além de uma entrevista com o coordenador do escritório local da EMATER, e
outra entrevista com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município,
totalizando 20 entrevistas, as quais foram todas gravadas, transcritas e analisadas.
Para a seleção das associações que deram suporte a pesquisa, levou-se em consideração
as associações voltadas para a agricultura familiar existentes no município, cujos associados
fossem agricultores familiares atendidas pelo FNO especial PRORURAL. De um total de 10
associações levantadas, selecionamos três cujas características são:
Associação dos Moradores da Comunidade São Tomé
Possui 11 associados fundadores e beneficiados com o crédito agrícola. Todos os
investimentos foram direcionados para a implantação de hortaliças, onde além dos insumos
foram financiados todas as máquinas e equipamentos necessários para implantação de irrigação.
Na atualidade, todos os produtores financiados continuam trabalhando nesta atividade.
17
18
Associação dos moradores da Comunidade de Trombetas.
Passados nove anos após sua constituição, até o momento (2005) a principal ação
desenvolvida foi o financiamento ocorrido no ano de 1995, onde foram financiados 21
agricultores sendo 16 com investimentos direcionados para a implantação de hortaliças e 5
voltados para a implantação de culturas permanentes tais como coco e cupuaçu consorciados
com mamão.
De acordo com informações prestadas pelo presidente que atua nos dias atuais (2005),
com exceção de três agricultores, todos os demais optaram pela renegociação das dívidas o que
os coloca como adimplentes perante o Banco da Amazônia. Isto foi possível em função das
facilidades propostas pelo banco para a renegociação, onde cada produtor, para tornar-se
adimplente, deveria pagar apenas 10% sobre o valor da parcela vencida.
Associação dos Moradores da Comunidade Nossa Senhora dos Remédios.
No ano de 1995 a associação conseguiu a aprovação de 13 projetos junto ao BASA para
os sócios fundadores. Estes foram contemplados com investimentos para a implantação de
hortaliças (06) e culturas perenes (07). Atualmente possui um total de 70 associados aguardando
uma possibilidade para conseguirem novos financiamentos.
Para a seleção do conjunto de agricultores associados para a realização das entrevistas
(amostragem), levou-se em consideração dois critérios básicos: a) Agricultores sócios da
associação que já haviam sido beneficiados com o crédito do FNO Especial e b) Agricultores
sócios da associação que não haviam sido beneficiados por nenhuma linha de crédito. Baseado
nestes critérios foi selecionado um total de 06 agricultores por associação sendo três agricultores
que já receberam crédito por intermédio do FNO e três ainda não financiados.
18
19
Esta forma de estratificação onde entrevistamos agricultores que nunca foram
beneficiados por nenhuma linha de crédito torna-se necessária, na medida em que se pretende
identificar quais os elementos motivadores da participação destes agricultores nas associações
daquele município, que conforme já descrito vem aumentando nos últimos tempos.
Para a realização das entrevistas foram elaborados 04 tipos diferentes de roteiros, cada
qual orientado para um público diferenciado: público 01: agricultores financiados; público 02:
agricultores não financiados; público 03: coordenador local da EMATER e público 04:
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais – STR. Todos os roteiros foram elaborados
com vistas a alcançar os objetivos previamente definidos no trabalho.
Todas as entrevistas realizadas foram transcritas e analisadas de forma que possibilitou a
elaboração desta dissertação.
Estrutura e organização da dissertação
A dissertação está organizada a partir de três capítulos, além da introdução e as
conclusões.
O primeiro capítulo trata da questão do crédito agrícola no Brasil, fazendo-se um
levantamento histórico onde se enfoca principalmente a trajetória dos pequenos agricultores
tanto nas organizações de base (associações, cooperativas e sindicatos) como também o apoio
de parlamentares na tentativa de democratizar o acesso ao crédito para a categoria.
19
20
Como parte complementar deste primeiro capítulo, é apresentado uma síntese da
aplicação do crédito agrícola FNO no Município de Santo Antonio do Tauá, revelando as
principais culturas financiadas bem como os principais atores envolvidos.
No segundo capítulo, busca-se apresentar de forma sintética os principais debates
existentes para uma caracterização teórica da agricultura familiar, na tentativa de situar e
aproximar uma caracterização do conjunto de agricultores que serão trabalhados.
O terceiro capítulo constitui-se basicamente da apresentação e análise dos dados
coletados na pesquisa de campo, buscando-se apoio teórico descrito nos dois primeiros
capítulos, verificando as hipóteses para alcançar o objetivo proposto para o trabalho.
20
21
CAPITULO I - O CRÉDITO RURAL NO BRASIL: A DIFICIL CONQUISTA DOS
PEQUENOS AGRICULTORES
Neste capítulo faremos uma descrição geral sobre a evolução do crédito rural no Brasil,
destacando as diferentes origens dos recursos utilizados para o financiamento agrícola ao longo
dos tempos. Após esta abordagem, buscar-se-á desenvolver as discussões sobre o crédito
agrícola a partir da análise detalhada de uma linha especifica de financiamento, denominada
Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO, onde será enfocada a luta dos
agricultores familiares para obterem acesso ao crédito. Julgamos necessário tal procedimento
em função de que tais discussões poderão contribuir para a compreensão do universo que
envolve a formação da matriz do conhecimento dos agricultores a respeito do crédito, que se
constitui no principal objetivo do nosso estudo.
1.1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRÉDITO RURAL NO BRASIL
Contextualizando a história do crédito rural formal no Brasil, verifica-se, de acordo com
Mendonça de Barros (1979, apud Spolador, 2001), que os primeiros investimentos neste setor
datam da década de 30. Entretanto, no período entre 1940 e 1960, inexistiu uma política agrícola
interna ao setor, ou seja, neste período, com o objetivo de promover o aumento da renda e do
emprego pouca importância foi dada aos investimentos em longo prazo, assim como, os
investimentos em infra-estrutura como transportes, comunicações, armazenagens e portos.
Destaca-se ainda, que as principais políticas do período conduziam a transferência de recursos
dos setores agrícolas para os setores não agrícolas (MEYER et. al., 1975 p.153), o que
21
22
correspondia a lógica do desenvolvimento econômico brasileiro da época, de correr em direção
à urbanização e industrialização (SPOLADOR, 2001).
Neste período poucos programas favoráveis à agricultura foram implementados. No
principio da década de 50, em função de grandes perdas de produtos alimentares seguido do
aumento sucessivo de preços, obrigaram a realização de alguns investimentos no setor de infra-
estrutura e de comercialização. Em 1959, assim como no período de 1962 e 1963 com a
ocorrência de crises na provisão e abastecimento do setor de alimentos conduziram a um
interesse maior em mudar a política agrícola do país (MEYER et al., 1975 p.153).
A partir de meados da década de 60, com a edição e instituição da lei 4829/65 a política
de crédito agrícola adquire novos caminhos. Os objetivos desta lei
2
era estimular os
investimentos na agricultura, além de fortalecer a situação financeira bem como a adoção de
tecnologias modernas no setor rural. Para tanto, a legislação estabelecia que dez por cento dos
depósitos bancários comerciais realizados deveriam ser destinados a empréstimos agrícolas,
sendo que em 1973, por meio da resolução 260, este valor passou a ser de quinze por cento dos
depósitos em bancos comerciais. A legislação garantia ainda, que as taxas de juros para
empréstimos rurais não poderiam ser superiores a setenta e cinco por cento das taxas cobradas
em empréstimos comerciais.
22
Outras fontes de financiamento agrícola identificados neste período foram o Instituto do
Açúcar e do Álcool (IAA) e o Instituto Brasileiro do Café (IBC), que contribuíam com recursos
2
De acordo com a lei 4829/65 ficou estabelecido que: Art. 3º - São objetivos específicos do crédito rural:
I - estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e
industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade
rural;
II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;
III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; (grifo
nosso)
IV - incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria
do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo.
23
entregues aos bancos para repasse em incentivos a fim de implantar culturas de cana-de-açúcar e
de café. Neste período, organizações financeiras internacionais também contribuíam com parte
do crédito rural: o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial
(BIRD) que investiam geralmente em projetos de desenvolvimento em propriedades de médio e
grande porte. (ABREU, 1994 p. 52-53).
Segundo Abreu (1994), três tipos de crédito eram concedidos aos agricultores:
a) Credito de Custeio - realizado em curto prazo: utilizado principalmente para o
movimento de capital durante o cultivo, cobrindo os custos variáveis;
b) Crédito de Comercialização - realizado em curto prazo: utilizado para despesas
imediatas após a colheita, particularmente para o beneficiamento e
armazenamento;
c) Crédito de Investimento - realizado em médio e longo prazo: destinado a
investimentos de compra de máquinas e implementos agrícolas, construções, infra-
estrutura para pecuária e formação de pastagens e culturas perenes. O período total
de carência era variável de acordo com a natureza da operação.
No geral, pode-se afirmar que um conjunto de medidas (fiscais e monetárias) adotadas
pelo Ministério da Fazenda e Banco Central, tais como incentivos de preços e crédito, levou a
um estimulo do setor agrícola a partir da década de 60, chegando a quadruplicar o montante de
crédito rural aplicado no período compreendido entre 1960 e 1970.
Em função disto, observa-se um crescimento da economia do país em torno de 10% ao
ano em 1971 e 1972, registrando-se como a taxa de crescimento mais alta do mundo. Observou-
se um aumento acelerado da produção de soja, trigo, laranja e aves, assim como um elevado
23
24
aumento na produtividade das culturas agrícolas principalmente no centro sul do país,
ocasionadas principalmente pelo aumento do uso de novas tecnologias como o adubo químico
3
e mecanização
4
(MEYER et. al., 1975 p.152).
Tendler (1969, apud Spolador 2001), argumenta que como resultado deste acréscimo de
crédito concedido, aumentou também o número de instituições responsáveis pelo fornecimento
dos empréstimos. O Banco do Brasil passa a ser o principal responsável pela concessão de
recursos, o que representou uma rápida tendência de desconcentração do crédito entre pequenos
grupos (em especial do café) proporcionando maior distribuição dos recursos entre os tomadores
de empréstimo.
Mesmo demonstrando aspectos favoráveis para o aumento da produção, o problema da
pobreza no meio rural ainda permanece sem solução em função das deficiências no processo de
distribuição da renda e geração de empregos. Com relação ao Nordeste, nesta chamada década
do desenvolvimento (1960-1970) é bem provável que tal pobreza tenha até aumentado. A
solução deste problema poderia ser conseguida com uma mudança na aplicação do crédito rural
(MEYER et al., 1975 p.156).
No período de 1970/75 os índices, área cultivada/crédito e área por produção declinam
sensivelmente, mesmo quando considerada a elevação dos preços dos insumos e fertilizantes. A
elevação das taxas de inflação (provocada principalmente pela crise internacional do petróleo), e
a liberação das taxas de juros, possivelmente contribuíram para que os bancos do Sistema
Nacional de Crédito Rural (SNCR) passassem a contar com um número maior de clientes e
24
3
Passando de 300.000 toneladas em 1960 para um milhão de toneladas em 1970
4
Foram adquiridos 100.000 novos tratores no período de 1960 a 1970.
25
dessem preferência para aqueles de tamanho e liquidez maior, diminuindo, portanto, a eficácia
do sistema (SAYAD, 1978).
Abreu (1994) destaca que para que se realizassem os contratos de crédito, os bancos
oficiais exigiam diversas garantias
5
tais como o penhor da safra, penhor de maquinários,
avalistas, além de cópia do contrato de arrendamento de terras e/ou carta de anuência do
proprietário. Além destas burocracias, possibilitava aos bancos o condicionamento do crédito a
uma garantia de retorno por parte do agricultor, ou seja, os bancos poderiam selecionar os
clientes de acordo com o nível de risco que estes lhe proporcionavam
6
. Outros critérios
utilizados nesta seleção eram as condições produtivas da propriedade tais como topografia,
fertilidade dos solos, extensão da propriedade e sua localização. Nestas condições, mesmo
constituindo-se em objetivos do crédito agrícola instituídos em lei, conforme retratado em seu
art. 3º inciso III, onde destaca como “prioritários ao acesso ao crédito os pequenos e médios
agricultores visando melhorias de vida dos agricultores e seus familiares”, não restam dúvidas
25
5
De acordo com o Art. 25 da lei 4829/65 - poderão constituir garantia dos empréstimos rurais, de conformidade
com a natureza da operação creditícia em causa:
I - penhor agrícola;
II - penhor pecuário;
III - penhor mercantil;
IV - penhor industrial;
V - bilhete de mercadoria;
VI - "warrants";
VII - caução;
VIII - hipoteca;
IX - fidejussória;
X - outras que o Conselho Monetário venha a admitir.
Art. 26 - A constituição das garantias previstas no artigo anterior, de livre convenção entre financiado e
financiador, observará a legislação própria de cada tipo, bem como as normas complementares que o Conselho
Monetário Nacional estabelecer ou aprovar.
6
Art. 11 da lei 4829/65- Constituem modalidade de operações:
I - Crédito Rural Corrente a produtores rurais de capacidade técnica e substância econômica reconhecidas;
II - Crédito Rural Orientado, como forma de crédito tecnificado, com assistência técnica prestada pelo financiador,
diretamente ou através de entidade especializada em extensão rural, com o objetivo de elevar os níveis de
produtividade e melhorar o padrão de vida do produtor e sua família;
26
de que este acesso, no momento da operacionalização tornava-se praticamente inviável, estando,
portanto os pequenos, excluídos do processo (ABREU, 1994 p. 53).
Sayad (1978) em estudos realizados com base em dados do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA do ano de 1978, e referindo-se ao sistema de crédito
em vigor até então, constata que os maiores tomadores de crédito no período foram os
latifúndios por exploração com 52,8% do crédito total, contra apenas 19,5% do credito
destinado aos minifúndios, conforme demonstrado no quadro a seguir.
Quadro 02 – Distribuição do crédito declarado na amostra segundo classificação das fazendas
pelo critério do INCRA, 1978.
Discriminação Crédito Total (%) Crédito de Curto Prazo (%) Crédito de Longo Prazo (%)
Minifúndios 19,5 15,9 21,2
Empresas Rurais 29,9 45,2 19,9
Latifúndios po
r
exploração
52,8 39,1 59,1
TOTAL 100,0 100,0 100,0
Fonte: Sayad (1978)
Sayad (1982) lembra que o Programa Nacional de Crédito Rural foi duramente criticado
nos princípios dos anos 80. Os principais elementos da crítica eram de que seus efeitos
demonstravam-se poucos significativos sobre o crescimento da produção agrícola bem como
sobre as tecnologias adotadas pelos agricultores, sendo que a elevação da produtividade já não
compensava os subsídios gerados em função da elevação da inflação, ao passo que se
mantinham as mesmas taxas de juros
7
para os financiamentos.
Montoya (2002) analisa que as políticas agrícolas brasileiras, no que tange ao sistema de
financiamento para as atividades do setor, passaram por diversas experiências e mudanças
26
7
A legislação do crédito rural impedia que a taxa de juros nominal fosse superior a 755 da taxa de juros do crédito
comercial. Com a elevação da taxa de inflação a taxa de juros real tornou-se negativa implicando em um subsidio
ao produtor rural.
27
nestes últimos tempos. Para citar exemplos, a partir da década de 1980 constata-se o
esgotamento da política de crédito agrícola abundante e subsidiado predominante no Brasil entre
1965 e final da década de 1970. Em função da retirada significativa do governo do crédito
agrícola
8
, esta linha de financiamento tornou-se uma das principais reivindicações do setor,
abrindo espaço, por um lado a iniciativas de (re) organização de cooperativas de crédito rural
(Credis) e por outro a expansão do crédito agrícola informal.
No ano de 1988, com o objetivo de criar novas fontes de financiamento principalmente
de ordem não inflacionária, por intermédio da lei 7827/89 a constituição federal institui os
Fundos Constitucionais de Financiamento sendo: Fundo Constitucional de Financiamento do
Norte – FNO; do Nordeste – FNE e do Centro Oeste FCO, cujos recursos para tais
financiamentos seriam originados a partir de 3% (três por cento) da arrecadação federal do IPI e
do IR.
A partir de 1994, verifica-se um endividamento crescente por parte dos produtores
rurais. Araújo et al. (1999) e Santiago (2000), citados por Spolador (2001) lembram que este
aumento da divida foi devido em grande parte ao descasamento entre a correção dos preços
mínimos dos produtos e a correção da dívida, pois a partir do plano Collor I, a defasagem entre
a correção dos preços mínimos pelo IPC foi de 41,28% enquanto que a dívida dos agricultores
foi corrigida pelo mesmo indicador, em torno de 84,23%.
27
8
Spolador (2001) baseado em discussões levantadas por Oliveira & Montezano (1982), argumenta que os
mecanismos de geração de recursos para a agricultura foram perdendo eficiência face às transformações da
estrutura financeira do país. Os depósitos a vista em bancos comerciais que representavam parcela importante dos
empréstimos totais foram sistematicamente perdendo importância, chegando a representar uma pequena parcela dos
fundos financeiros totais da economia no começo dos anos 80, especialmente com o agravamento do processo
inflacionário.
28
Este agravante do endividamento dos agricultores, e principalmente de grande parte de
pequenos agricultores que começavam também a fazer parte do conjunto dos tomadores do
crédito a partir de 1992, leva o governo a criar o programa de securitização
9
o qual entra em
vigor a partir de 1996. Este programa beneficiou os agricultores cujas dívidas alcançavam até
R$ 200 mil, com prazo de 7 anos e juros de 3% ao ano e mais a variação do preço mínimo de
um determinado produto amparado pela política de preços mínimos.
Para os grandes agricultores cujas dívidas excediam os limites do programa de
securitização, Spolador (2001), baseado em análises desenvolvidas por Araújo (1999), lembra
que “foram socorridos através do Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA). Neste
programa o agricultor adquire títulos junto ao tesouro nacional (resgatáveis após 20 anos) no
valor correspondente a 10,37% do valor da dívida junto aos bancos comerciais. Para os
contratos acima de 500 mil os juros nominais eram de 8% ao ano sobre o principal, sendo o
valor atualizado anualmente pelo IGP-M”.
Nos últimos anos, diversos programas de crédito também foram implementados no
Brasil. Entre eles destacam-se o Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária –
PROCERA, criado em 1986, com o objetivo de viabilizar os assentamentos de reforma agrária,
tinha como principal fonte de recursos o FINSOCIAL. A partir de 1993 o PROCERA passou a
receber recursos dos Fundos Constitucionais. Neste período também foi criado o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF destinado ao apoio financeiro
das atividades agropecuárias e não-agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força
de trabalho do produtor rural e de sua família.
28
9
O processo de securitização é a transformação de receitas futuras em títulos que, por sua vez, são vendidos ao
mercado de capitais. No caso da Agricultura, o tesouro nacional se compromete a emitir títulos para garantir os
contratos firmados entre os agricultores e bancos. Spolador (2001, baseado em Lima, 1999)
29
1.2 - A POLÍTICA DE CRIAÇÃO E OBJETIVOS DO CRÉDITO FNO
Benetti (1994 apud Peixoto 2002), lembra que a política agrícola implementada ao longo
da história brasileira e mais especificamente a de crédito rural, tem um papel importante para a
definição dos modelos agrícolas adotados pela sociedade rural, centrado principalmente na
tecnificação e no aumento da exportação de produtos agrícolas. Esta política até bem pouco
tempo, conforme demonstrado anteriormente, era em sua grande maioria destinada aos grandes
e médios agricultores em detrimento dos pequenos e, conseqüentemente, da agricultura familiar,
que se encontra evolutivamente à margem deste processo.
O crédito rural, como uma das principais ferramentas desta política e seguindo sua
orientação, promove, além desta distribuição social desigual, também uma distribuição espacial
altamente concentrada nas regiões Sudeste e Sul do Brasil caracterizando elevadas disparidades
sociais entre regiões brasileiras.
A história de consolidação das linhas de crédito (FNO, FNE e FCO), adquire amplitudes
bem diferenciadas quando analisada em seus diversos contextos.
No contexto da lei 7827/89 que instituiu os fundos constitucionais de financiamento do
Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro Oeste (FCO), em seu artigo 2º, apresenta a seguinte
redação
10
:
Art. 2° Os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste têm por objetivo contribuir para o desenvolvimento econômico e social das
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através das instituições financeiras
federais de caráter regional, mediante a execução de programas de financiamento
aos setores produtivos, em consonância com os respectivos planos regionais de
desenvolvimento.
29
10
Este texto transcrito abaixo representa a integra da lei 7.827/89- lei que instituiu a criação das linhas de crédito
FNO, FNE e FCO.
30
§ Na aplicação de seus recursos, os Fundos Constitucionais de
Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste ficarão a salvo das restrições de
controle monetário de natureza conjuntural e deverão destinar crédito diferenciado
dos usualmente adotados pelas instituições financeiras, em função das reais
necessidades das regiões beneficiárias.
No que concerne à aplicação destes recursos, a lei prevê o que segue:
Art. 3° Respeitadas as disposições dos Planos Regionais de Desenvolvimento,
serão observadas as seguintes diretrizes na formulação dos programas de
financiamento de cada um dos Fundos:
I - concessão de financiamentos exclusivamente aos setores produtivos das
regiões beneficiadas;
III - tratamento preferencial às atividades produtivas de pequenos e mini
produtores rurais e pequenas e microempresas, às de uso intensivo de matérias-
primas e mão-de-obra locais e as que produzam alimentos básicos para consumo
da população, bem como aos projetos de irrigação, quando pertencentes aos
citados produtores, suas associações e cooperativas;
V - adoção de prazos e carência, limites de financiamento, juros e outros
encargos diferenciados ou favorecidos, em função dos aspectos sociais,
econômicos, tecnológicos e espaciais dos empreendimentos;
VI - conjugação do crédito com a assistência técnica, no caso de setores
tecnologicamente carentes;
VIII - uso criterioso dos recursos e adequada política de garantias, com
limitação das responsabilidades de crédito por cliente ou grupo econômico, de
forma a atender a um universo maior de beneficiários e assegurar racionalidade,
eficiência, eficácia e retorno às aplicações;
IX - apoio à criação de novos centros, atividades e pólos dinâmicos,
notadamente em áreas interioranas, que estimulem a redução das disparidades
intra-regionais de renda;
X - Proibição de aplicação de recursos a fundo perdido.
Neste sentido, GANZER e MOURÃO (1999), reconhecem que a criação deste fundo foi
uma decisão acertada pelos constituintes no ano de 1988, criando mecanismos para a
alavancagem do desenvolvimento das regiões economicamente mais fragilizadas do país.
30
Por outro lado, Teixeira (2004), discutindo sobre as mudanças políticas possíveis para o
país, e referindo-se ao Banco da Amazônia - BASA e o FNO revelam que os argumentos sobre
as desigualdades sociais existentes entre as regiões sustentadas pelos políticos regionais foram,
sem sombra de dúvida, fundamentais para justificar as necessidades de criação dos fundos.
31
Entretanto, estes argumentos “escudavam os verdadeiros motivos que alimentavam as pressões
políticas pela criação dos Fundos vinculados ao lobby político articulado pelos Bancos regionais
que apostavam nos Fundos como alternativas de salvação do processo de falência
experimentado pelos principais bancos regionais, o BASA e o BNB (TEIXEIRA, 2000).
Este autor revela também, e justificando o argumento acima referenciado, que mesmo
estando instituído em lei o acesso ao crédito pelos setores de pequena produção foi altamente
restringido em função das dificuldades impostas pelos bancos, principalmente com relação a
exigências de documentações e garantia de pagamento pelos produtores, impossíveis de serem
atendidas pelos agricultores familiares. Segundo ele, tais exigências só reforçavam o
atendimento preferencial da clientela tradicional do banco e conseqüentemente de sua própria
capitalização (TEIXEIRA, 2000).
Não descartando o argumento levantado por Teixeira, mas em estudo realizado na região
Sul sobre as novas instituições de crédito que estão sendo viabilizadas
11
, JUNQUEIRA (2003),
citando FERRARY (1999), revela que faz parte do sistema bancário tradicional os inúmeros
mecanismos de informação inerente a toda e qualquer operação de financiamento, onde busca-
se garantias patrimoniais e contrapartidas para que possam ser liberados os recursos, exame
detalhado do projeto para o qual o crédito destina-se, além de dados e objetivos que mostrem a
história individual de cada tomador (JUNQUEIRA, 2003).
O fato principal em questão é que estando preparadas ou não para as operações, as
agências bancárias só flexibilizaram o acesso ao crédito para a pequena produção graças as
manifestações dos trabalhadores organizados, articulados por suas respectivas federações e
31
11
Dissertação de mestrado, cujo estudo de caso foi desenvolvido no âmbito do sistema CRESOL de cooperativas,
enfocando os diversos sistemas de microfinanças desenvolvidas principalmente sobre as cooperativas de crédito
solidário.
32
confederações, utilizando-se de mecanismos de reivindicação criados pelos próprios
trabalhadores, como é o caso dos “Gritos da Terra” onde através de muitas discussões,
adequações e re-adequações foi possível garantir, pelo menos em parte, que os recursos
disponíveis nas agências pudessem ser utilizados para a finalidade tal qual como foram
instituídos.
1.2.1 - Os mecanismos de articulação e reivindicação criados pelos agricultores.
O acesso ao crédito FNO pelos pequenos agricultores, de acordo com GANZER e
MOURÃO (1999), não ocorre livremente tal como indica a lei 7827/89. Para que isto ocorresse,
foram necessárias inúmeras manifestações organizadas, começando em 1991, liderada pela
FETAGRI PA/AP e a Central Única dos Trabalhadores - CUT, contando com o apoio de
diversas entidades, realizam o I Grito do Campo, onde na ocasião estavam reunidos
aproximadamente 3.000 trabalhadores (as). Na pauta de reivindicações estava a luta pelo fim da
violência no campo e também uma proposta para alteração das normas de aplicação do FNO.
Indignados pela falta de respostas do BASA quanto às reivindicações, os trabalhadores
novamente se mobilizam e organizam o II Grito do Campo. Nesta ocasião estavam reunidos no
centro de Belém aproximadamente mil agricultores. Deste processo resulta a conquista de uma
linha de crédito específica para os mini e pequenos agricultores, denominado FNO-Urgente.
Este fato é histórico em função de que, pela primeira vez na história do crédito agrícola, os
trabalhadores conseguem conquistar uma linha de crédito diferenciada para a produção familiar.
GANZER & MOURÃO (1999) acreditam que esta conquista exerceu grande influência para
outras conquistas posteriores, em especial, nas linhas de crédito do PRONAF.
32
33
Após estas conquistas para a categoria, a partir de 1992 tem inicio a participação mais
ativa de outros atores sociais de diversos estados amazônicos, onde realizaram o III Grito do
Campo. No ano de 1993 tal mobilização possibilitou a realização do Grito da Amazônia, quando
conquistou-se a redução dos encargos e o aumento do percentual dos financiamentos a serem
liberados. Neste momento esta linha de crédito diferenciada conquistada pelos agricultores
passa a ser denominada de FNO – Especial.
Esta organização em torno dos Gritos do Campo no âmbito dos estados e da Amazônia,
a partir de 1994 adquiriu uma dimensão nacional, passando a ser denominado de GRITO DA
TERRA BRASIL, por meio do qual dá-se continuidade à luta pela democratização do crédito do
FNO e de outros instrumentos de políticas públicas (GANZER & MOURÃO, 1999).
Na avaliação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, a
realização dos Gritos da Terra justifica-se em função de existir no Brasil a permanência de um
modelo agrícola concentrador de terra e renda, além da falta de compromisso dos governos,
principalmente o federal, em construir políticas públicas voltadas para o desenvolvimento
sustentável para o país. Tais percepções levaram o Movimento Sindical dos Trabalhadores
Rurais (MSTR) a se mobilizar e lançar a partir de 1995, juntamente com outras entidades
organizadas, o Grito da Terra Brasil, movimentando milhares de trabalhadores e trabalhadoras
rurais de norte a sul do país, na defesa de seus interesses e de uma nova lógica de
desenvolvimento (CONTAG, 2000).
Desde então, o Grito da Terra Brasil passou a ser uma ação de mobilização e negociação
desenvolvido anualmente pela CONTAG, Federações Estaduais (FETAG’S) e Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STR’s), contando com o apoio de diversos movimentos sociais tais
como Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento de Luta pela Terra,
33
34
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), dentre outros. Em função desta ação conjunta
possibilita-se a mobilização, encaminhamentos e negociações igualitárias para os trabalhadores
(as) de todo o país (CONTAG, 2000).
Destas ações conjuntas, e referindo-se ao crédito rural FNO operacionalizado pelo
Banco da Amazônia, conquistas importantes foram acumuladas, entre elas, a criação da linha de
crédito PRONAF, o qual agrega em seu interior diversos subprogramas: PRONAF “A”, “B”,
“C” e “D” e recentemente criado outro subprograma denominado “C/D”. Estes programas e
subprogramas teoricamente têm por objetivo atender os agricultores familiares em suas diversas
situações, levando em consideração suas necessidades e condições de trabalho, bem como
oferecer subsídios para facilitar as possibilidades de pagamento dos empréstimos, atendendo
pelo menos em parte o que determina a lei nº 7.827/89.
1.3 - O CRÉDITO AGRÍCOLA NO MUNICÍPIO DE SANTO ANTONIO DO TAUÁ.
Após a conquista dos agricultores familiares em relação à garantia de uma linha de
crédito específica para esta categoria, no caso o FNO, e uma vez definidas as regras para que os
produtores pudessem ter acesso a estas linhas de crédito, dá-se início à corrida para a
mobilização e organização local com vistas à aquisição do empréstimo financeiro
12
.
Uma das mudanças ocorridas naquele momento foi referente ao processo organizacional.
Muitos agricultores nunca haviam participado de associação ou cooperativa, e sem que
houvesse um processo preparatório de formação, surgiram as associações cujo único objetivo
34
12
Para se ter acesso as linhas de crédito do FNO especial, uma das condições era de que os agricultores estivessem
organizados em associações ou cooperativas de produtores.
35
era os benefícios creditícios que estavam pleiteando. Por este motivo, algumas associações
jamais saíram do papel. Outras que acessaram o crédito acabaram logo após a liberação dos
recursos, demonstrando que o processo de organização para dar sustentação às ações dos
agricultores não existia, o que de certa forma, mesmo que indiretamente, poderá ter sido um dos
fatores do insucesso dos investimentos, levando os agricultores ao endividamento.
1.3.1 - Os atores locais envolvidos
Pelo menos dois outros atores locais estiveram presentes além dos Agricultores e Banco
da Amazônia em todas as etapas do processo: o Sindicato dos Trabalhadores Rurais – STR e a
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER.
O STR sempre desempenhou um importante papel na conquista do crédito pelos
agricultores de Santo Antonio do Tauá, uma vez que desde o princípio das negociações
acompanhou e orientou parte dos agricultores no processo de criação das associações,
oferecendo estrutura, tais como máquina de escrever e telefone para que estes pudessem
constituir suas associações e poderem acessar o crédito.
No que concerne à EMATER local, teve um papel fundamental para as liberações do
crédito para aquele município. Além da garantia da assistência técnica aos agricultores, foi a
principal responsável pela elaboração dos projetos que viabilizaram o acesso dos produtores ao
crédito pretendido.
É sabido que na história da Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER no Brasil e
principalmente no Pará, sempre houve controvérsias no que diz respeito à atuação dos técnicos
35
36
com relação à prestação de serviços de assistência direta aos agricultores. Inúmeros são os
autores que discutem a forma de atuação e o papel do técnico perante os agricultores, bem como
o grau de envolvimento deste profissional que atua no processo de desenvolvimento do meio
rural.
Sem perder de vista esta interessante discussão, podemos afirmar que para o caso de
Santo Antonio do Tauá, a EMATER, por ser o único órgão de assistência técnica existente
naquele município, desempenhou um importante papel no que diz respeito à formalização ou
encaminhamento dos agricultores para acessarem o crédito do FNO.
1.3.2 - A liberação dos recursos
Uma vez criados os “mecanismos legais”
13
, a partir do ano de 1993 inicia-se o processo
de liberação dos recursos. Até o ano de 1995 o Banco da Amazônia já havia liberado um
montante de R$ 1.657.284,27
14
(um milhão seiscentos e cinqüenta e sete mil duzentos e oitenta
e quatro reais e vinte e sete centavos), beneficiando 205 Agricultores Familiares naquele
município, dentre os quais estão 11 pescadores artesanais. A média de recursos destinados a
cada pescador foi na ordem de R$ 15.454,55 (quinze mil quatrocentos e cinqüenta e quatro reais
e cinqüenta e cinco centavos). Para os agricultores foram financiados 194 projetos, com um
valor médio de R$ 7.979,20 (sete mil novecentos e setenta e nove reais e vinte centavos) para
cada um.
36
13
Chamamos o processo de organização em torno das associações de “mecanismos legais” em função de que, por
um lado, juridicamente estas lhe rendem ou renderam respaldo a fim de viabilizar o crédito perante a agencia
financeira. Por outro lado, estas associações não estão sendo trabalhadas no sentido de organização dos agricultores
e aproveitando a força que esta forma de organização pode lhes proporcionar.
14
Este valor não corresponde ao volume total investido no município, mas sim, apenas os valores
operacionalizados através da Agência Belém Pedreira. Desconsiderou-se os valores contratados pela Agência
Central, bem como da Agência Belém Reduto, que também realizaram operações.
37
A aplicação dos recursos, de acordo com os projetos técnicos elaborados, para os
agricultores ribeirinhos foi destinada a pequenas embarcações para a atividade da pesca, além de
equipamentos como redes malhadeiras e demais apetrechos utilizados na atividade. Na zona de
terra firme foram beneficiadas 10 associações envolvendo um total de 194 agricultores, com
projetos de implantação de culturas de ciclo curto, semi-perenes e perenes.
1.3.3 - As linhas de crédito ocorridas no município e a diversidade das culturas
financiadas.
Dentro da diversidade de linhas de crédito oferecidas pelo FNO, os agricultores
familiares do Município de Santo Antonio do Tauá foram beneficiados pelo FNO Especial,
através do PRONAF/PRORURAL
15
.
De acordo com as diretrizes operacionais elaboradas pelo Banco da Amazônia para
aplicação dos recursos previstos para o triênio 2003 a 2005, constituem-se objetivos deste
programa
16
:
Possibilitar o acesso dos agricultores familiares ao crédito rural;
Gerar oportunidades de trabalho aos trabalhadores rurais;
Dotar a pequena produção dos meios para acessar os mercados com eficiência;
Estimular a verticalização da pequena produção como meio de dar sustentabilidade às
propriedades familiares;
Apoiar a difusão de tecnologias que incorporem insumos naturais na agricultura familiar;
37
15
Programa Nacional De Fortalecimento Da Agricultura Familiar / Programa De Apoio À Pequena Produção
Familiar Rural Organizada (PRONAF/PRORURAL. Esta linha de crédito foi extinta em 31/12/2003.
16
Documento elaborado pelo GERIM e CPLAN do BASA
38
Incentivar atividades produtivas que potencializem os serviços ambientais na agricultura
familiar;
Racionalizar o uso de recursos florestais de modo a manter a sustentabilidade dos
ecossistemas, através da prática do manejo florestal;
Incentivar e apoiar as iniciativas que visem à reabilitação de áreas degradadas,
especialmente aquelas que incorporem sistemas agroflorestais;
Incentivar a atividade de manejo florestal sustentável em escala comunitária como forma
de reduzir a taxa de desmatamento.
Partindo destes princípios, este programa oferece condições de financiamento para as
seguintes atividades:
Agricultura, inclusive a agricultura orgânica (grãos, fruticultura, tubérculos, produção de
sementes e mudas e outros);
Pecuária (pequenos, médios e grandes animais);
Pesca artesanal;
Sistemas Agroflorestais (SAF);
Manejo florestal sustentável comunitário.
Para o caso do Município de Santo Antonio do Tauá, e levando-se em consideração os
itens financiáveis pelo programa, foram financiados no município, sendo elas consorciadas ou
solteiras, as seguintes culturas:
Na modalidade Custeio
38
39
Coco
Cupuaçu
Limão
Hortaliças
Na modalidade investimentos
Equipamentos de irrigação, compreendendo: motor elétrico, bomba d’água,
encanamentos, caixas d’água, equipamentos de aspersão, entre outros.
O reembolso destes valores, de acordo com as orientações do Banco da Amazônia –
BASA foram estabelecidas as seguintes taxas de juros e condições de pagamento:
a) Encargos financeiros
Taxa de juros efetivos de 4% ao ano, com bônus de adimplência de 25% sobre os
encargos cobrados
17
para os agricultores que pagarem integralmente a parcela da dívida até a
data do respectivo vencimento.
b) Limites de financiamento
Beneficiário Destinação Limite de
Financiamento
Limite de Crédito
Por Cliente - Até (R$)
Agricultores
Familiares
Investimento
Custeio
Total
100%
100%
100%
20.000,00
5.000,00
25.000,00
Associações/
Cooperativas I
Investimento
Custeio
100%
100%
800.000,00
240.000,00
17
Este bônus de Adimplência só será calculado sobre os valores dos juros e não incide sobre o valor principal
39
40
Total 100% 800.000,00
Fonte: Banco da Amazônia - BASA - Plano de Aplicação de Recursos do FNO para o triênio 2003/2005.
Notas: 1) Para pesca artesanal, mesmo incluindo apetrechos de pesca, o limite será de até R$ 25.000,00; no caso
do financiamento ser somente para apetrechos de pesca, o limite será de até R$ 20.000,00.
2) O limite de crédito individual definido para custeio não está vinculado e/ou incluso no limite
definido para investimento.
c) Prazos
Investimento:
- Fixo
- Semi-fixo
Total até 12 anos, incluída a carência de até 6 anos.
Total até 10 anos, incluída a carência de até 3 anos.
Custeio:
- Agrícola
- Pecuário
Total até 18 meses.
Total até 12 meses.
Fonte: Banco da Amazônia - BASA - Plano de Aplicação de Recursos do FNO para o triênio 2003/2005.
40
41
CAPITULO II - BREVE DISCUSSÃO SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DA
AGRICULTURA FAMILIAR
Discutir sobre Agricultura familiar e suas relações com os possíveis investimentos
relacionados ao crédito agrícola, não seria possível sem anteriormente compreendermos
minimamente os conceitos a ela atribuídos, bem como a lógica que envolve reprodução da
economia camponesa. Neste sentido, o objetivo deste capitulo será de elucidar alguns aspectos
que julgamos relevantes para caracterizar a agricultura familiar, visando dar subsídios para as
discussões que serão desenvolvidas posteriormente.
2.1 - CONSIDERAÇÕES PARA CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR
LOCAL
Segundo Neves (2002) a “Agricultura Familiar” deverá ser considerada como “uma
categoria de ação política que nomeia um amplo e diferenciado segmento mobilizado à
construção de novas posições sociais mediante engajamento político” (Neves, 2002. p.137).
Visto como tal, este termo assume noções diferentes quando analisados a partir de
campos distintos tais como o político e o acadêmico. Enquanto político, o termo carrega em si a
posição de comunicador frente a mudanças desejadas; enquanto categoria nominal distingue
segmentos e assinala a contraposição ao empresário rural, ao passo que engloba um grande
41
42
número de outros segmentos já reconhecidos como camponeses, farmers, produtores mercantis,
neo-rurais, entre outros, de forma que facilita a ação, criação ou direcionamento das políticas
públicas. No que concerne ao uso do conceito no contexto acadêmico, a autora lembra que “[...]
os pesquisadores não podem usá-la se esquecendo que o trabalho político de reconhecimento
social implica a eufemização dos significados subjacentes à categoria”. (NEVES, 2002. p.136).
E continua,
A constituição do projeto de consolidação de uma agricultura familiar se legitima pela
construção de novas posições sociais genericamente qualificadas pelo termo político
“agricultor familiar”. Ele pressupõe a superação do insulamento político e cultural e da
precariedade material dos camponeses, dos pequenos agricultores, dos arrendatários,
dos parceiros, dos colonos, dos meeiros, dos assentados rurais, dos trabalhadores sem
terra (“...)” (Neves, 2002. p.137).
Buscando-se uma caracterização acadêmica para o termo, diversos autores mergulharam
neste assunto.
Para Hugues Lamarche (1998), são quatro os modelos de funcionamento das unidades
de produção: a) – empresa; b) - empresa familiar; c) – agricultura camponesa ou de subsistência
e d) - agricultura familiar moderna.
No que concernem as características de exploração do trabalho neste modelo, sugere
que:
Empresas
A família pouco participa (ou não participa) do processo de produção;
A terra é vista como instrumento de trabalho ou de especulação;
Geralmente são muito técnicos; valorizam o conhecimento e estão em freqüentes
aperfeiçoamentos;
Produzem essencialmente para um mercado de massa.
Empresa familiar
42
43
A família participa ativamente do processo produtivo e todos os projetos são
organizados de forma a satisfazer seus interesses;
O interesse da família determina as tomadas de decisões;
A terra é vista como um patrimônio familiar e assegura a continuidade do grupo.
Camponeses ou de subsistência
Suas bases são essencialmente familiares;
Função de sobrevivência ou subsistência presente no modelo camponês, mas não
está reduzido unicamente a isto;
Existe vontade de conservação e de crescimento do patrimônio familiar.
Agricultura familiar moderna
Também estruturada em bases familiares;
Modelo muito presente no Brasil;
Menos intensiva que a empresa agrícola;
Pouco comprometida financeiramente;
Muito retraída com relação ao mercado;
Valoriza e busca desenvolver (ampliar) o patrimônio;
Quanto às atitudes é mais próximo dos empresários;
Fortemente ancorado na sociedade local, porém, geralmente são originários do
processo de migração.
Analisando os quatro modelos descritos por Lamarche (1998), observa-se que apenas no
modelo “empresas” a família não participa ativamente do processo de produção e tomada de
decisões. Se considerarmos que as caracterizações principais da agricultura familiar estão
fundamentadas em situações em que a força de trabalho utilizada no processo de produção, bem
43
44
como as tomadas de decisões partem basicamente da família, então, neste caso, poderíamos
afirmar que todos outros modelos (camponês, empresa familiar e agricultores familiares
modernos) são familiares? Em quê estas considerações implicam?
Para Nazaré Wanderley (1999), as discussões sobre a agricultura familiar sugerem
algumas hipóteses:
a) A agricultura familiar é um conceito genérico que incorpora uma diversidade de
situações específicas e particulares;
b) Ao campesinato, corresponde uma destas formas particulares da agricultura
familiar que se constitui enquanto um modo específico de produzir e de viver em
sociedade;
c) A agricultura familiar que se reproduz em sociedades modernas deve adaptar-se
a um contexto socioeconômico próprio destas sociedades as quais a obrigam a
realizar mudanças importantes em suas formas de produzir e em sua vida social
tradicional;
d) Estas transformações dos chamados ‘agricultores familiares modernos”, no
entanto não produzem uma ruptura total e definitiva com as formas anteriores,
gestando antes um agricultor portador de uma tradição camponesa o que lhe
permite, precisamente, adaptar-se as novas exigências da sociedade.
As situações descritas acima sugerem que a agricultura familiar não é algo estanque,
parada no tempo e no espaço, mas está em constante transformação e evolução, adequando-se às
condições as quais é submetida, sejam elas por situações internas, situações favoráveis ou
restrições na família ou situações externas, no caso mudanças econômicas ou condições sociais
oferecidas por meio de políticas públicas.
44
45
Para caracterizar os agricultores familiares do Município de Santo Antonio do Tauá,
uma das definições mais aproximadas é a sugerida por Blum (2001), onde constata que a
agricultura no Brasil apresenta característica heterogêneas, cujos produtores estão estruturados
em dois modelos gerais: Agricultura patronal e agricultura familiar, que por sua vez poderão
subdividir-se em novos modelos.
Patronais: Latifúndio
Empresa capitalista
— consolidadas
Familiares; — em transição
— periféricas ou de subsistência
Quanto às características dos dois grandes modelos temos:
a) Modelo Patronal: completa separação entre gestão e trabalho; organização
centralizada; ênfase na especialização; ênfase nas práticas agrícolas padronizáveis,
trabalho assalariado predominante;
b) Modelo Familiar: trabalho e gestão intimamente relacionados, direção do processo
produtivo assegurada diretamente pelo agricultor e sua família; ênfase na
diversificação; ênfase na durabilidade dos recursos naturais e na qualidade de vida;
trabalho assalariado complementar; decisões imediatas, adequadas ao alto grau de
imprevisibilidade no processo produtivo.
No que concerne às modalidades da agricultura familiar temos:
45
46
b.1) Familiar consolidada – Propriedades semi-especializadas e diversificadas. O
proprietário mora na propriedade e geralmente possui menos de 200 ha, com
concentração próxima a 50 ha. Usam alta tecnologia (mecanização e insumos modernos)
e geralmente recorrem ao crédito rural para os investimentos.
b.2) Familiar em transição - maior nível de diversificação do que a consolidada. O
proprietário mora na terra cujo tamanho geralmente é inferior a 100 ha, com
concentração próxima de 20 ha. Quanto ao uso de tecnologia é médio, geralmente
apresentando problemas no uso de insumos modernos. A utilização do crédito rural é
menor ou incipiente.
b.3) Propriedade familiar periférica ou de subsistência - propriedades muito diversificadas.
O proprietário mora na propriedade cuja área de terra disponível é inferior a 50 ha com
concentração abaixo de 20 ha, usam baixa tecnologia, apresentam muitos problemas no
uso ou simplesmente não usam os insumos modernos. A utilização do crédito rural é
incipiente ou inexistente, pois não possuem viabilidade econômica para ter acesso a ele.
Para o caso de Santo Antonio do Tauá, e mais especificamente a nossa área de estudo,
em função das características apresentadas, os agricultores provavelmente classificam-se como
familiares em transição.
2.2 - A AGRICULTURA FAMILIAR E O CRÉDITO AGRÍCOLA
O conhecimento do comportamento dos agricultores familiares no que tange aos
investimentos realizados a partir do crédito agrícola poderá ser significativo para viabilizar ou
antecipar possíveis resultados.
46
47
Peixoto (2002), analisando os resultados dos investimentos do crédito na agricultura
familiar, e discutindo sobre o crédito do FNO PRORURAL aplicado junto aos agricultores
familiares na região da Transamazônica, e apoiada na compreensão de que a lógica econômica
da reprodução familiar na unidade camponesa é simultaneamente uma unidade de produção e de
consumo, onde a atividade doméstica é inseparável da atividade produtiva, trabalhou a partir de
três pontos principais: a) o caráter familiar da unidade de produção, b) o acesso aos meios de
produção, entre os quais a terra e, c) a relação com o mercado. A autora enfatiza que os
resultados do fracasso dos investimentos no processo produtivo podem ocorrer em diferentes
situações. Uma delas é quando o volume de produção conseguido pelo agricultor não atinge o
nível esperado, seja ele por fatores climáticos ou interferência de pragas e doenças. Outra
situação que está diretamente ligada ao mercado é quando o volume de produção, muitas vezes
dentro das expectativas da família, não consegue atingir os rendimentos necessários para suprir
as necessidades do consumo familiar. Neste caso a decisão tomada na unidade familiar é evitar
novos investimentos prevendo que “... o pagamento do empréstimo pode conduzir a inanição da
família”.
Entretanto, sabe-se que o crédito rural é uma ferramenta altamente significativa para
desencadear o desenvolvimento socioeconômico de uma família, possibilitando a saída da
situação de subsistência para uma situação de inserção nos mercados. Neste caso, é no sistema
de produção que ocorrem os efeitos imediatos.
Costa (2000. pág 114) amplia a reflexão sobre o caráter do termo camponês afirmando
que “os camponeses são aquelas famílias que tendo acesso a terra e aos recursos naturais que
esta suporta, resolvem seus problemas reprodutivos a partir da produção rural – extrativa,
agrícola e não agrícola, desenvolvida de tal modo que não se diferencia do universo dos que
47
48
decidem sobre a alocação do trabalho dos que sobrevivem com o resultado desta alocação”.
Continuando, o autor apoiado nos clássicos da literatura camponesa, trabalha, a partir de
Chayanov, considerando “[...] a ênfase na centralidade das necessidades reprodutivas da família
no processo decisório da ‘empresa camponesa’ que, assim, constitui uma unidade indissociável
entre a esfera de produção e a esfera de consumo”. Ou seja, são duas ênfases presentes ao se
considerar estudo com camponeses. A primeira é que
[...] a unidade produtiva camponesa tende a ser regulada em seu tamanho e em sua
capacidade de mudar pela capacidade de trabalho que possui enquanto família. Esta
capacidade de trabalho tenderá a ser o limite, tanto para garantir a reprodução, como
para empreender inovações. (COSTA, 2000).
A segunda lembra que:
[...] as forças que emergem das tensões contrárias – umas originadas das necessidades
reprodutivas que impulsionam o trabalho e outras, das tensões derivadas do próprio
exercício do trabalho que apelam ao lazer
18
- estabelecem pela experiência pessoal dos
componentes da família e sua vivência cultural, um padrão reprodutivo, isto é, um
hábito de consumo ajustado a uma rotina de trabalho entendidos – isto é,
subjetivamente avaliados – como adequados. Isso cria um ponto de acomodação que
poderia ser expresso no volume de trabalho [...] que representaria o tempo de trabalho
socialmente necessário para a sua produção. (COSTA, 2000).
Neste caso,
“As unidades de produção camponesas são estruturas distintas dos empreendimentos
capitalistas porque estão centradas na reprodução de seus trabalhadores diretos.
Todavia, enfatiza-se que elas reproduzem suas especificidades na realidade social do
capitalismo, dado que, aqui como alhures, o campesinato supõe mercado. E tais
relações se fazem por múltiplas mediações, estabelecendo a rigor as condições de
realização de volume de trabalho do orçamento de reprodução...” (COSTA, 2000 pag.
114-115).
Estes aspectos da reprodução camponesa remetem-nos a reflexão de que muito mais do
que buscar a compreensão da lógica interna de reprodução camponesa, precisa-se entender que
48
18
“ou substanciam uma subversão à penosidade do trabalho. (COSTA, 2000).
49
esta está inserida em um mundo capitalista. Neste sentido, pensar o crédito agrícola para a
agricultura familiar sem levar em consideração estes fatores, certamente não se criaria
condições para a melhoria da vida das famílias, mas sim, contribuir-se-ia para a permanência em
um sistema de subsistência.
Portanto, um fator que poderá ser decisivo é a evolução das formas de produção, cuja
pressão pode ser imposta principalmente pela pressão demográfica e a exigência pelos
consumidores por novos produtos, criando a necessidade de modernização no sistema de
produção e inserção no mercado, tornando imperativos os investimentos de crédito externo para
garantir a reprodução da família.
O fato a ser observado é que o crédito agrícola exerce um importante papel no contexto
da agricultura familiar. Tal situação poderá ser traduzida justamente pelo interesse da categoria
em criar mecanismos de pressão política e principalmente organizativa, que possibilitasse a
democratização e o acesso aos recursos para os investimentos necessários.
CAPÍTULO III - CREDITO AGRÍCOLA: DE ONDE VEM? PARA QUE?
No capítulo I discutimos sobre o Crédito Agrícola, sua evolução e os caminhos trilhados
pelos agricultores familiares para obterem acesso. No capítulo II, realizamos uma revisão e
discussão sobre o conceito que caracteriza a agricultura familiar buscando apoio teórico para as
análises no terceiro capítulo.
49
50
Neste capítulo serão apresentados os resultados da pesquisa de campo, discutindo e
fazendo as aproximações, objeto desta dissertação.
3.1 - A HERANÇA DO CAMPESINATO
A compreensão do universo que caracteriza o termo “Agricultura Familiar” leva-nos a
admitir que o Campesinato, tal como descreve Wanderley (1999), “vem a ser uma das formas
tradicionais” desta categoria, pois, “ele tem particularidades que a especificam no interior do
conjunto maior da agricultura familiar que dizem respeito aos objetivos da atividade econômica,
as experiências de sociabilidade e a forma de sua inserção na sociedade global”.
A proposição de Wanderley descrita acima não deixa dúvida de que além do
campesinato existem também outras formas (ou caracterizações) que poderão ocorrer dentro da
categoria “Agricultura Familiar”, como por exemplo, os propostos por Lamarche (1998) e Blum
(2001) tal como já descritos no capítulo II.
Compreende-se como camponesa aquela família cuja lógica de produção está voltada
principalmente para atender as necessidades internas da família
19
. Neste caso a aplicação da
força de trabalho em uma ou outra atividade produtiva, dependerá muito mais das necessidades
da família do que da disponibilidade de mão de obra existente, Chayanov (1925/1986: 78 apud
Abramovay, 1998:61), ou seja, é o “balanço entre trabalho e consumo” que justifica a lógica da
existência da agricultura camponesa. Exemplificando, Abramovay (1998:61) descreve que “[...]
50
19
Boa parte das discussões deste tópico estará baseada nas idéias propostas por Abramovay (1998), no capítulo II
de “Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão”.
51
num estabelecimento camponês o critério de maximização da utilidade (da mão de obra) não é a
obtenção da maior lucratividade possível em determinadas condições. O uso do trabalho
camponês é limitado pelo objetivo fundamental de satisfazer as necessidades familiares”. Em
outras palavras, trata-se de compreender que “o que determina o comportamento do camponês
não é o interesse de cada um dos indivíduos que compõem a família, mas sim, as necessidades
decorrentes da reprodução do conjunto familiar”.
Compreender desta forma, não significa dizer que estas famílias não estejam inseridas
no mercado por intermédio da compra ou venda de mercadorias, mas ao contrário, a
determinação de estar ou não inserida depende exclusivamente de suas decisões. Porém, quando
inseridas, suas atitudes estarão voltadas não na perspectiva de corresponder às regras impostas
por este, mas sim, principalmente na busca da satisfação da família. Desta forma,
“A determinação do comportamento camponês por uma dinâmica fundamentalmente
interna à família, não significa que esta se isole socialmente, produzindo para
subsistência sem passar pelo mercado, estranha aos mecanismos de tomada de
financiamento ou avessa ao progresso técnico. [...] Só que é da relação entre a
penosidade do trabalho e a satisfação das necessidades que vai depender a escolha da
família com relação à venda de suas safras, ao uso de financiamentos ou ao uso de
insumos de origem industrial”. (ABRAMOVAY, 1998: 63)
Mas, o campesinato, no contexto de uma economia capitalista, tende a alterar suas
relações com o mercado, principalmente quando ocorre a interligação dos estabelecimentos
agrícolas com as agroindústrias (sejam elas capitalistas ou cooperativadas) onde os comandos
das novas regras produtivas são por estas estabelecidas. Esta, porém, seria a principal forma da
entrada do capitalismo na agricultura. Por outro lado, partindo-se da lógica da reprodução
camponesa, esta
“[...] integração com a agroindústria só era (ou é) possível caso a integração
econômica do estabelecimento camponês deixasse (ou deixe) de corresponder
fundamentalmente às forças internas [...] passando a obedecer aos novos padrões
51
52
impostos pelas agroindústrias, de quantidades produzidas, qualidade, momento de
venda [...]. Esta integração com a agroindústria significa em última análise que o
camponês não é mais o sujeito criador de sua própria existência [...], situando-se não
mais internamente no estabelecimento camponês, mas agora está no mercado [...]”.
(ABRAMOVAY, 1998: 69).
Dito de outra forma, com a evolução do capitalismo no mundo rural, mesmo que os
agricultores familiares, no caso os camponeses, possuam lógica interna de reprodução, torna-se
praticamente impossível o campesinato conservar suas características constitutivas. Neste
sentido é que se confirma a proposição de Wanderley (1999), afirmando que no contexto da
caracterização da Agricultura Familiar existem diferenciações que podem ser percebidas entre
famílias de acordo com suas relações ou grau de inserção no mercado e na sociedade global,
pois os
“[...] laços comerciais que convertem a unidade familiar natural, isolada em uma
pequena produtora de mercadorias, são sempre o primeiro caminho para a penetração
das relações capitalistas no interior do país. Através destas conexões, cada pequeno
empreendimento camponês torna-se parte orgânica da economia mundial, experimenta
os efeitos da vida econômica geral do mundo, dirige-se poderosamente, em sua
organização pela demanda do mundo econômico capitalista, e por sua vez, junto com
milhões de unidades familiares semelhantes, afetam o conjunto do sistema da
economia mundial”. CHAYANOV (1925/1986: 258 Apud ABRAMOVAY, 1998,
pág. 69,)
De acordo com Abramovay, esta é uma constatação antiga já identificada por Chayanov
ainda no princípio do século XX quando estudava a evolução da agricultura na Rússia, cuja
tendência já era percebida fortemente em outros países em que as relações capitalistas já
estavam mais avançadas como na Dinamarca, por exemplo, no final do século XIX.
Se de um lado era inevitável, mesmo que em longo prazo a invasão do capitalismo no
meio rural, por outro, Chayanov, idealizando um mundo socialista, acreditava que a criação de
cooperativas poderia ser uma alternativa eficiente de organização dos agricultores, uma vez que
mesmo inseridos no mercado, poderiam estar unidos em um sistema mais eqüitativo. A
52
53
cooperativa, na busca de eficiência para atender seu lado econômico comercial, inevitavelmente
acabaria por influenciar os agricultores a investir na modernização da produção de forma a
atender as demandas de mercado o que não a descaracterizaria. Esta constatação pode ser
percebida quando Abramovay lembra que a inserção dos agricultores em cooperativas
“obrigam o pequeno produtor a mudar o plano organizacional de suas atividades
produtivas segundo a política de vendas e processamento da cooperativa, para
melhorar suas técnicas e adotar métodos aprimorados de cultivo e criação, garantido
um produto inteiramente estandardizado, sujeito a um cuidadoso trabalho de seleção,
embalagem e engarrafamento segundo a demanda do mercado mundial”.
CHAYANOV (1925/1986: 268 Apud ABRAMOVAY, 1998 pág. 70)
Percebidas estas situações no inicio do século XX, após quase um século de evolução,
conforme descreve Wanderley (1999), “[...] que hoje a agricultura assume uma racionalidade
moderna; o agricultor se profissionaliza; o mundo rural perde seus contornos de sociedade
parcial e se integra plenamente a sociedade nacional [...]”, no entanto, a própria autora
reconhece e formula tal situação identificada como uma hipótese, que “estes novos personagens,
ou pelo menos uma parte significativa desta categoria social, quando comparados aos
camponeses ou outros tipos tradicionais, são também ao mesmo tempo o resultado de uma
continuidade.” (WANDERLEY, 1999).
Se concordarmos com esta hipótese da existência de um “continum”, onde empurrados
pela evolução do sistema capitalista os próprios camponeses tendem a alterar seu
comportamento no que tange a lógica produtiva, desta forma fornece-nos pistas para
compreender a situação dos agricultores envolvidos em nosso caso estudado. Afinal, boa parte
dos agricultores familiares que compõem o meio rural daquele município, continuam a sua
reprodução baseados na lógica camponesa. Vejamos os fatos:
53
54
3.1.1 - A difícil iniciativa de organização dos agricultores
O trabalho desenvolvido por PEIXOTO (2002), no qual analisou a influência do crédito
FNO Especial para Agricultura Familiar na Região da Transamazônica, demonstrou claramente
que a partir de 1992 houve um aumento considerável de associações de agricultores familiares
que possivelmente foram criadas para ter acesso ao crédito, uma vez que era necessário estar
inserido em uma associação para atender às exigências impostas pelas agências financeiras
responsáveis pela liberação dos recursos.
54
Este aspecto reflete também na realidade das associações aqui pesquisadas. Os dados
levantados durante a pesquisa de campo demonstram que o nível de organização e
participação
20
política dos produtores são frágeis, bem como os resultados ou benefícios obtidos
a partir da criação destas, resumem-se apenas em aquisição do crédito agrícola. O que se
observa é que a lógica econômica que move estes agricultores ainda está baseada na simples
reprodução do conjunto familiar, que opera distante da lógica econômica de mercado capitalista.
A iniciativa de criação das associações neste contexto pode apresentar duas faces distintas. De
um lado, na visão das instituições financeiras assim como da própria FETRAGRI, estas são
vistas como instrumento de organização, também econômica, para inserção dos agricultores e de
seus produtos no mercado, uma vez que proporciona um volume maior de produção se
considerar o conjunto de produtos possivelmente produzidos pelos sócios. Do outro, na visão
dos agricultores, esta seria apenas mais uma etapa ou exigência burocrática para obter o acesso
ao crédito. Se o trabalho desenvolvido no conjunto familiar visa principalmente a satisfação
interna da família, ou melhor, a simples reprodução familiar, sem que esteja presente os
20
O termo participação aqui apresentado, poderá ser compreendido tal como sintetizado por Chauí (2000: 431-432
apud Halmenschlager 2003,) em que “os cidadãos sem distinção de formação, sexo, raça ou credo, são sujeitos de
direitos e que, onde estes não estejam assegurados, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los”.
55
objetivos de acumulação de capital, então os recursos disponibilizados pelo Governo por
intermédio de linhas de crédito agrícola podem adquirir outros objetivos nas mãos dos
agricultores, diferentes do proposto para aumento do volume e qualidade da produção. Fica-
nos evidente tal situação quando em entrevista com um agricultor, que também é sócio fundador
da associação, lembrou que:
[...] o presidente da EMATER que até hoje continua sendo, [...] que falou pra um
cunhado meu que estava tendo um crédito para os agricultores, um crédito financiado
pelo Banco BASA, mas tinha um meio mais fácil pra se conseguir esse empréstimo
por intermédio de associações, por que individual, o Banco ia precisar de um avalista e
esse avalista tinha que ser pessoas que tivessem uma importância de dinheiro no
Banco, e pela nossa associação era mais fácil por que não precisava de avalista, a
associação ia ser a avalista e os produtores iam avalizar para outros, então tinha menos
burocracia. Ele falou que pra formar essa associação, a gente convidou os sócios e
fundamos a associação.
(Agricultor da associação Trombetas – Entrevistado
durante a pesquisa de campo- dezembro de 2004).
Na opinião do chefe do escritório local da EMATER, tal situação ocorre de forma
generalizada no município. Foi assim na corrida para o FNO especial, e possivelmente estará
acontecendo agora com a possibilidade de um novo crédito proporcionado pelo Governo
Federal, o PRONAF, conforme observado no relato abaixo:
[...] Porque o que o pessoal está fazendo por aí pra tentar sair da inadimplência do
crédito é criando outra associação na mesma comunidade. Tem lá a Associação de
moradores e tem vinte sócios, tem dez inadimplentes, os outros dez saem e criam outra
associação pra tentar novo financiamento [...].
(entrevista com chefe do escritório
local da EMATER – dezembro de 2004)
Estas situações descritas acima deixam transparecer que o trabalho em prol dos objetivos
comuns estabelecidos no ato da criação da associação, que deveria ser o elemento motivador da
participação e na busca dos resultados, esgota-se com a aquisição do crédito sem ter mais ações
a serem desenvolvidas. Desta forma, torna-se evidente que os objetivos da associação não estão
55
56
claros entre os agricultores ou pelo menos não são discutidos e definidos de acordo com as
necessidades da comunidade.
Esta falta de clareza nas ações e objetivos coletivos que se almeja por intermédio da
associação, transforma a própria organização em um instrumento frágil percebido pelos próprios
agricultores, mas que em seu interior, nada, ou quase nada é feito para reverter a situação, a
exemplo, a própria eleição de um novo presidente torna-se uma atividade tão simples que
aparentemente, de acordo com a visão do chefe do escritório local da EMATER, é visto como
uma “chacota
21
” entre os agricultores, conforme observado no relato abaixo:
[...] infelizmente as nossas associações foram criadas por pessoas que não tem muito
estudo, não tem muita clareza e não tem visão de crescimento econômico para a
associação. Outra questão que eu vejo nas associações é que o pessoal elege o
presidente da associação, na comunidade, parece assim que o produtor elege o mais
bobo, sabe, parece que pra ele aquilo é “chacota”. Um diz assim “ah! vamos colocar o
fulano como presidente” e todo mundo vota [...].
(entrevista com chefe do
escritório local da EMATER- dezembro de 2004).
De acordo com Panzutti (s/d), estas situações poderão ser compreendidas como falta de
objetivos ou falta de uma análise e definição das necessidades, elementos indispensáveis para o
estabelecimento de objetivos e metas, e descreve: “se os objetivos do grupo social são claros
torna-se mais fácil a organização de uma associação ou uma cooperativa [...]”. Neste caso, o que
se questiona é o seguinte: Quais seriam os verdadeiros objetivos (que estão intimamente
relacionados com as necessidades dos agricultores) motivadores para a criação de uma
associação? Seria o crédito um objetivo ou apenas um meio para atingir os objetivos? Partindo
deste questionamento, e tendo em vista as restrições financeiras que envolvem as famílias de
pequenos agricultores no meio rural, deixa-nos claro que se o crédito agrícola for visto como
objetivo seria apenas para remediar um problema em curto prazo para satisfazer as necessidades
56
21
De acordo com o dicionário Aurélio, o termo “chacota” poderá ser compreendido como escárnio, zombaria,
menosprezo
57
imediatas da família, uma vez que a disponibilidade de recursos reduziria a penosidade do
trabalho, e não para cumprir o papel enquanto recursos para investimentos na produção a fim de
gerar receitas com vistas à acumulação de renda para a família, assim como criar as condições a
partir da comercialização da produção gerada, de pagar os valores de credito investidos
acrescidos de seus respectivos juros, tal qual como estabelecido no plano de aplicação dos
recursos anteriormente elaborado.
Se o crédito for visto como um fim, neste caso toda e qualquer participação do
indivíduo, seja na associação ou cooperativa, estará limitada não pelos laços de compromisso
firmado com os demais sócios para conquista dos objetivos de acordo com as necessidades
levantadas coletivamente no ato da criação da organização, mas sim, em satisfazer unicamente
necessidades individuais. O relato do presidente da associação N. Srª do Remédio pode ser
ilustrativo desta questão:
[...] Olha, agora foi um sócio lá em casa pegar uma declaração, que ele quer se
aposentar, ele tem financiamento, ele disse “é você me dá uma declaração, eu estou
atrasado com a mensalidade da associação, mas o principal é pegar logo neste dinheiro
que vem do Governo”. Eu fiquei olhando para ele, a instituição que é primeira que
você tem que assumir com a sua responsabilidade, não, acha que deve pegar logo o
dinheiro. A questão é que depois que ele tiver sido beneficiado ele não está nem aí
mais com ninguém, então as coisas são assim, hoje há pessoas na nossa comunidade
que adotam esta medida, [...].
(entrevista com agricultor, presidente da associação
Nossa Srª dos Remédios – dezembro de 2004)
Outro fator importante a ser observado neste relato acima, é que em função da
inexistência de uma consistência na organização, a diretoria, que muitas vezes é representada
unicamente pela pessoa do presidente, acaba tomando para si a tarefa de “buscar coisas novas
para os associados. Estas “coisas novas” deveriam ser compreendidas como as ações definidas
entre o conjunto de associados, guiados principalmente pelos objetivos e anseios definidos
57
58
anteriormente. Desta forma a diretoria não assumiria para si as tomadas de decisões, o que de
certa forma caracteriza uma ação corporativista.
No geral, o que fica evidenciado é que enquanto as instituições financeiras buscavam nas
estruturas organizativas dos agricultores uma forma de garantias do retorno dos valores
investidos, talvez influenciados pela configuração histórica de organização criada através dos
STR e FETAGRI, CONTAG, para os agricultores familiares (ou pelo menos parte deles), em
função da inexistência de conhecimentos sobre a configuração desta nova forma de organização
exigida, a criação ou participação de associações, que para muitos poderia traduzir-se em apenas
“inserir seus nomes na ficha de cadastro de uma associação”, era apenas mais uma etapa a ser
cumprida para viabilizar o seu acesso ao objetivo principal, que eram os recursos financeiros
almejados através do crédito agrícola.
Reis (2002), analisando a dinâmica do cooperativismo alternativo na região Nordeste do
Estado do Pará, nos dá pistas sobre a possibilidade de que o caráter da organização social atual,
bem como a forma de atuação dos agricultores perante o crédito agrícola poderá estar
intrinsecamente relacionado com a configuração histórica de sua criação e desenvolvimento ao
longo dos anos.
No final da década de 80 os trabalhadores rurais encetam um novo modelo de
organização
22
, apoiados principalmente pela Igreja Católica e ONGs
23
, onde se propunha uma
58
22
Como público atuante nestas organizações estava os Agricultores Familiares, pescadores, moradores de bairro,
grupos de mulheres, que desejavam construir uma proposta alternativa ao modelo fomentado pelo estado. Este CA
tinha como proposta organizar projetos de geração de renda e formação política realizada por meio de diversas
técnicas, principalmente de formação.
23
Os principais agentes promotores do CA foram a Igreja Católica de Confissão Luterana, através das pastorais
como a Cáritas Brasileira, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, as ONGs como a FASE, o Serviço Voluntário
Internacional – SVI; Mãos Estendidas – MANITESE, MLAL e os STRs.
59
nova forma de organização de base, o então denominado Cooperativismo Alternativo – CA
24
.
Este sistema de organização era visto como uma resposta ou contraposição ao modelo de
desenvolvimento imposto pelo governo até aquela época.
Como resultado do trabalho realizado, pode-se observar a criação de inúmeras formas de
organização no âmbito do CA tais como as cantinas comunitárias, as caixas agrícolas, as
revendas comunitárias
25
, os revendões, cantinões
26
ou central de comercialização, o que de
certa forma apresentava-se como emergência e/ou prioridades entre os agricultores,
principalmente para dar respostas às situações econômicas, cuja tendência era um
empobrecimento progressivo, uma vez que, a maioria era dependente de relações
assistencialistas e clientelistas estabelecidas com comerciantes e atravessadores locais.
Estes novos movimentos sociais, acompanhados e/ou assessorados pelas igrejas e ONGs,
voltados principalmente para as demandas econômicas, tais como as revendas, as cantinas etc.
contribuíram para que os agricultores pudessem, a partir de suas ações, buscar soluções para
seus problemas imediatos. Esta ênfase positiva também foi retratada por Scherer-werner (1999
apud Reis 2002), onde assinala que “mesmo considerando a diversidade de interesses
ideológicos que permeiam as ações das ONGs junto à organização do CA, contribuíram para
implantar o caráter organizacional baseado em parcerias, iniciativas cidadãs, além de
59
24
As organizações do CA que se fundam inspirados nas concepções das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e
se propunham a construir uma comunidade tendo presente uma utopia, como esperança de transformações políticas,
interpretando e animando suas lutas na leitura da bíblia, nos cânticos nos tambores e na mística
25
As cantinas e revendas eram pequenos comércios comunitários, cujo objetivo era o de comercializar gêneros de
primeira necessidade para os agricultores, ao passo que as negociações de compra e venda poderia ser feita
também, mediante a entrega da produção pelo agricultor. Estas cantinas eram administradas pelos próprios
agricultores, e a aquisição das mercadorias era feita nos comércios da cidade ou da capital conforme o caso.
26
Os cantinões ou revendões possuíam caráter regional e foram criados no sentido de fornecer os produtos
necessários às cantinas, uma vez que comprando em quantidades maiores poderiam negociar com atacadistas ou
mesmo as fábricas. Esta era uma forma de fazer com que os preços pudessem ser mais acessíveis aos agricultores.
60
articulações mais horizontalizadas, evitando o centralismo e a burocratização organizacional.
(REIS, 2002).
Entretanto, de acordo com Reis (2002), a presença das ONGs junto aos agricultores era
vista por duas faces diferenciadas. A primeira, como assessoria ou acompanhamento de caráter
educativo a fim de tornar os próprios agricultores os sujeitos da mudança. A outra face, era a
percepção de que esta atuação seria a de “mediadora de recursos para implementar projetos
econômicos. Neste caso, trata-se de uma ação controvertida sobre a qual há posicionamentos de
que a ajuda financeira por um lado favorece a atuação dos movimentos populares e, por outro,
se reveste de caráter clientelista, com todos os atributos indesejáveis que esta prática representa”
(REIS, 2002 pag.112).
A estrutura de organização até então definida, mesmo que inconscientemente, poderá
estar revelando outras faces da mesma história, pois, de acordo com Moller (1991 apud Reis
2002), baseado na teoria do clientelismo adverte que “a relação entre ‘cliente’ e ‘patrão’ é uma
relação pessoal entre indivíduos de status sociais desiguais, ditos de outra forma, ambos
reconhecem nesta relação pessoal que um está acima do outro”. Estas situações “poderão ser
caracterizadas como um ‘mercado de doações’, porém, as conseqüências destas, não trazem
soluções para problemas básicos dos setores populares, ao contrário, podem até reproduzir
inseguranças e dependências dos beneficiários ao invés de se consolidarem pelo esforço de suas
lutas” (REIS, 2002 pag. 112 e 113).
Esta mesma autora sugere que
“há casos em que tanto um ator (agencias e ONGs) como outro (grupos populares) se
parecem, com posições destacadas se configurando dentro do sistema de poder local
como um ‘novo patrão’, uma vez que os doadores carregam consigo um ‘projeto’, que
para a maioria das populações naquele município onde atuam tem um significado:
meio para conseguir recursos externos”.
60
61
Continuando o raciocínio, baseada em Moller, argumenta que: “os camponeses podem
escolher se preferem relacionar-se com o caudilho político local, um comerciante intermediário,
um latifundiário ou um representante do organismo doador, cada qual oferecendo um tipo
diferente de bens ou vantagens” (REIS, 2002. pág. 113).
Conforme já descrito no capítulo I, no ano de 1991, os trabalhadores ligados ao
movimento sindical, assim como as entidades do CA, apoiadas no âmbito do estado pela
FETAGRI, dão inicio a uma ampla mobilização de luta contra a violência no campo assim como
pela reivindicação de políticas públicas para a agricultura familiar.
Para Reis (2002), estas ações “despertaram um novo momento de ação política entre os
agricultores”. Enquanto na década de 80, as organizações estavam orientadas na contraposição
ao governo, na década de 90 a compreensão de que a concretização do desenvolvimento no
meio rural só se daria por intermédio da utilização dos espaços públicos, fez com que todas as
estratégias de organização do meio rural fossem revistas e reestruturadas. Neste novo contexto
de reivindicações, o crédito agrícola
27
aparece como uma das principais bandeiras de luta, uma
vez que as poucas iniciativas de crédito produtivo para os agricultores familiares existentes até
então, eram os investimentos realizados pelas ONGs.
Uma vez conquistado o direito ao crédito pelos agricultores, o Banco da Amazônia,
como o principal gestor dos recursos, em acordo, condiciona as operações do FNO Especial,
somente para os agricultores organizados nas associações, o que de certa forma seria um novo
modelo de organização, pouco difundido até então entre os agricultores. Este fato, de acordo
com Reis (2002), “foi decisivo para reorientar o associativismo no Pará, onde se viu uma
61
62
criação desenfreada de associações e cooperativas, motivadas certamente pela oportunidade de
crédito”. Verifica-se também que “As organizações de base do CA que até então funcionava por
critérios definidos entre os participantes, readequaram sua natureza jurídica para associação ou
cooperativa” conforme o caso.
No contexto da pesquisa analisada também esteve permeada pelos mesmos organismos
articuladores, tal qual como analisado por Reis (2002). Também Pereira (2002), em trabalho de
pesquisa realizado na região de Santo Antonio do Tauá, (em especial na comunidade Nossa
Senhora dos Remédios onde também é o nosso caso) destaca que “o grau de organização dos
moradores é representativo e cada agricultor encontra-se vinculado a pelo menos uma
associação, que podem ser: associação de moradores; associação de produtores rurais e
sindicato de trabalhadores rurais ou associações religiosas como clubes de mães e grupos de
mulheres”.
Em análise mais detalhada, esta mesma autora identificou que:
“Observa-se uma tendência ao fortalecimento e até mesmo a revitalização de
associações que estavam paralisadas. Do mesmo modo, nas comunidades em que as
associações não se encontram legalmente constituídas, os agricultores manifestam
interesse em proceder a regularização por acreditarem que, assim, terão acesso ao
financiamento ou outra forma de apoio a produção” (PEREIRA, 2002 pag. 84 e 85).
Os dados e relatos acima nos deixam evidente que existe uma relação marcante entre a
forma como foi conduzida historicamente a organização dos trabalhadores no campo e a
formação das opiniões destes nos dias atuais. Tanto no que tange a criação das associações
assim como sobre o pagamento de débitos contraídos com financiamentos agrícolas. Cumpre-
nos justificar também que no ato da criação das associações, ao invés de retratar os anseios dos
agricultores, na possibilidade de buscar solução para os problemas vivenciados no meio rural,
no caso estudado, inconscientes ou não, a ênfase principal foi dada a obtenção de crédito.
62
63
Outro fato importante a ser observado, é que nas discussões deste tópico, deixa-nos clara
a presença de ONGs tanto externa como internas (no caso a própria Igreja católica) na iniciativa
de inserção, de uma forma ou outra de novos padrões tecnológicos produtivos com vistas à
melhoria da renda das famílias. A dinâmica local de desenvolvimento demonstra que o processo
de agroindustrialização ainda é restrito, assim como o número de cooperativas ou empresas que
atuam neste contexto também é altamente incipiente, e que de acordo com demonstrado por
Abramovay (1998), seria este um dos principais instrumentos ou mecanismos para a criação de
novos padrões no sistema de produção. Afinal, no caso estudado, os principais produtos
produzidos e comercializados são a farinha de mandioca e as hortaliças, cujos mercados mais
significativos que absorvem esta produção são as feiras livres ou a própria CEASA no
Município de Belém, onde pouco lhe é exigido em termos de quantsncip,egularsncna
ent,ega da produção.
O crédito agrícola contraído pelos agricultores por intermédio do FNO foi o principal
elemento motivador de mudanças tecnológicas no sistema de produção onde poucos foram os
agricultores que assimilaram as novas tecnologias, o que pode ser comprovado em análise do
quadro abaixo, onde busca-se uma comparação das ativsesp,ealizadas pelos agricultores antes
e depois da obtenção do crédito e as ativsns desenvolvidas atualmente.
Quadro 03 - Comparativo das ativsns ,ealizadas pelos agricultores antes do FNO e nos dias
atuais
28
.
Nº do
produtor
Em que trabalhava antes do
FNO O que financiou
Com o que trabalha nos dias
atuais
1 Roça Coco Roça
2 Horta manual Horta Horta
63
28
Nesta tabela analisaram-se os os apenas dos 09
64
3 Mandioca + emp. na escola Coco Professor
4 Fabricação de canoa Horta Fabricação de canoa
5 Horta+ pimenta do reino Horta Horta + pimenta do reino
6 Roça Horta Horta + roça
7 Empregado em horta Horta Horta
8 Roça + anuais Horta Vendeu o lote e foi para a cidade
9 Roça Horta Horta no inverno
Fonte: pesquisa de campo realizada no Município de Santo Antonio do Tauá em dezembro de 2004
Dos dois agricultores que obtiveram crédito para investimentos na cultura do coco, não
houve mudanças no sentido de incorporação da nova cultura em seu cotidiano. Um, continua
trabalhando com roça e o outro em função das ligações que possuía com a escola no primeiro
momento, passou a exercer a atividade de professor.
Dos demais produtores que investiram o crédito para a implantação de hortas irrigadas
temos a seguinte situação: para os agricultores que já desenvolviam atividades com horta um
total de três, ainda hoje continuam com suas atividades, o que de certa forma pode-se concluir
que são os agricultores que na atualidade apresentam condições de pagamento do crédito. Para
os agricultores que não conheciam a atividade, um total de quatro agricultores, apenas dois
continuam com a atividade mesmo que de forma incipiente, ou seja, apenas no período de
inverno, pelo fato de neste período o preço do produto tornar-se maior em função das chuvas e
consequentemente a escassez de produto nas feiras, local onde comercializam, entretanto, pode-
se observar que esta não é a atividade principal da família tal qual como as três famílias que
dispunham de maiores conhecimentos técnicos e práticos com a cultura. Quanto aos últimos
dois agricultores, um vendeu sua terra e mudou-se para a cidade, e o outro continua investindo
64
65
na fabricação de canoas, ou cochos
29
como são chamadas no local, demonstrando que a
tentativa de mudanças da forma de trabalho, não foi assimilada, conforme percebida no relato
abaixo.
“[...] mas também outros entraram por influência “poxa vida eu não tenho plantio, mas
tenho mato, e esta chegando este crédito e eu vou pegar”. Não tinham o começo,
entraram para o grupo e muitos se deram bem, outros não tinham experiência e se
acabaram. Os que tinham experiência ainda estão até hoje”.
(Agricultor –
Associação São Tomé – dezembro de 2004).
A compreensão da agricultura como uma evolução, onde aos poucos novas técnicas são
disponibilizadas e com isso as alterações nos padrões de trabalho, sugerem que, ao
compararmos as atividades desenvolvidas pelos agricultores na região pesquisada, o nível de
tecnologia empregado na produção de hortaliças bem como o grau de intensificação da
produção é superior ao utilizado na produção da roça, assim como na fabricação de canoas. As
novas tecnologias apresentadas por ocasião do crédito e consequentemente os equipamentos de
irrigação, intensidade na adubação, rotação de culturas, etc. submeteu os agricultores a uma
alteração no ritmo de trabalho. Este novo ritmo só foi seguido pelos agricultores que, de certa
forma já dispunham de conhecimentos o suficiente para dar continuidade as atividades, o que
não aconteceu com os demais.
Na visão do presidente do STR estas diferenças existentes entre os agricultores são
percebidas da seguinte forma:
“[...] eu fui mostrar pra ele quem é o morador da colônia. Morador da colônia é
aquele companheiro que tem a roça, mas ele não sobrevive só daquela roça, ele mora
lá, trabalha lá na agricultura, mas ele não sobrevive só daquilo, ele não tem
65
29
São denominados cochos pelo fato de serem fabricadas a partir de um tronco de arvores onde são escavados
manualmente até adquirirem o formato de uma canoa.
66
perspectiva de aumento de renda, planta dez pezinhos ali, uma tarefinha de roça, só
isso, ele fica nisso, às vezes batalhando a vida toda, ele nunca procurou melhorar a
vida, e tem o agricultor familiar que é aquele que parte pra luta com a família, que
vai buscar financiamento, ele vai atrás de ver como é que ele paga o comércio, estas
coisas todas, ele já é mais esclarecido [...]”. (entrevista realizada com o presidente do
STR- dezembro de 2004 - grifo nosso).
O relato descrito acima deixa-nos transparecer que existem no mínimo dois tipos de
agricultores presentes no meio rural daquele município: os que realizaram os investimentos e
prosseguem em suas atividades até os dias atuais e hoje teoricamente apresentam maiores
condições de quitarem seus débitos junto ao banco, e os que não investiram e atualmente não
tem condições de pagar o crédito outrora adquirido.
Conforme já descrito no capítulo II, as aproximações de caracterização da agricultura
familiar propostas por Blum (2001), em comparação com os relatos dos agricultores e as
situações expostas poderão ser um ilustrativo para compreendermos a situação atual.
Blum (2001) caracteriza a agricultura familiar subdividindo-a em três grupos: a) –
Agricultores familiares Consolidados, b) - Em transição, e c) - Periféricos ou de subsistência.
Neste caso, se analisarmos as condições de trabalho local, investimentos tecnológicos e grau de
diversificação e acesso ao crédito, em uma tentativa de compreender a estrutura da Agricultura
familiar local, pode-se auferir que tais agricultores, de acordo com o relato do presidente do
sindicato acima descrito, poderão enquadrar-se como: a) - Em transição- que seriam aqueles que
a partir do financiamento, realizaram os investimentos e continuam, com suas atividades,
investiram em tecnologia (materiais de irrigação, etc.), porém, são famílias que ainda não estão
consolidadas; e b) – Periféricas ou de subsistência – que são aquelas famílias que não
assimilaram as tecnologias. Quando realizaram os investimentos (compra de equipamentos e
mudança na forma de trabalho) não possuíam conhecimento técnico e prático o suficiente para
66
67
dar continuidade ao projeto, acarretando em prejuízos para a família em função do
endividamento.
Se considerarmos que a caracterização do campesinato assemelha-se à classificação de
Blum, identificados como periféricos ou de subsistência, então, situação semelhante as nossas
conclusões também foram identificadas por Abramovay (1998), onde em estudos realizados no
Município de Santo Antonio do Tauá, por pesquisadores do convênio FINEP/INAN/FASE
(1978), demonstraram que neste município, naquele período, ainda existiam fortes indícios da
presença do campesinato, identificados principalmente nas relações externas, econômicas no
caso, (sistema de venda da produção na palha, na tomada de crédito para custear adubação das
culturas e empréstimos financeiros para custear necessidades da família, assim como a compra
fiado de produtos de primeira necessidade) junto aos atravessadores e comerciantes locais.
Esta presença ainda marcante do campesinato no âmbito das localidades pesquisadas
induz que o interesse pelo crédito demonstrado pela maioria dos agricultores pode ser
compreendido no sentido de que teria muito mais interesse em reduzir a penosidade do trabalho
da família do que cumprir o papel de elevação da renda familiar através de investimentos em
tecnologias com vista à elevação e melhoria da qualidade e quantidade dos produtos produzidos.
Pois no contexto do campesinato “a
aplicação do capital não depende apenas do fato de que ela pode
reduzir a penosidade do trabalho, mas, sobretudo dos impactos que os gastos com investimentos terão
sobre o consumo familiar e dos usos alternativos do trabalho poupado” (ABRAMOVAY, 1998:63).
67
68
3.2 - DESVIOS DE RECURSOS X RESPONSABILIDADE DOS AGRICULTORES
Outro fator que contribuiu para a formação da opinião avessa ao pagamento do
financiamento foi a forma pela qual foi executado. De acordo com as normas estabelecidas pelo
Banco da Amazônia os recursos foram liberados da seguinte forma:
a) Recursos para aquisição de insumos e materiais – liberados diretamente para a empresa
responsável pelo fornecimento dos produtos, depois de realizadas as negociações com os
produtores ou seus representantes (no caso a diretoria da associação).
b) Recursos destinados ao preparo da área, implantação da cultura e manutenção dos
plantios - liberados para os agricultores por intermédio da associação. A diretoria da
associação, por sua vez, repassava a parte correspondente a cada agricultor beneficiado.
Esta forma de liberação dos recursos gerou desconfiança entre os agricultores uma vez
que os valores repassados a estes, de acordo com os relatos, não correspondiam aos valores
descritos no projeto. Ademais, há indícios de que na região, diversos presidentes de associações
estavam beneficiando-se com a situação por meio de negociações fraudulentas com
fornecedores mediante a compra de produtos superfaturados.
O coordenador local da EMATER reconhece tal situação apesar de apontar outro
município como exemplo, mas relata:
“[...] houve problemas, não aqui, mas em outros municípios, inclusive São Caetano de
Odivelas, onde presidentes de associações andaram desviando dinheiro dos
produtores. Com isso o Banco generalizou, quer dizer, não liberou mais recursos da
associação em nome do presidente, liberou direto para os sócios [...]”.
(entrevista com
chefe do escritório local da EMATER – dezembro de 2004).
68
69
Este fator foi percebido em praticamente todas as entrevistas realizadas com os
agricultores financiados nas três associações. Relatos como os apresentados a seguir são
indicativos desta afirmativa.
“[...] quem fez a compra foi a EMATER e o presidente da associação. Negociaram, aí
já era tarde; é isso que eu digo, nós podíamos ser os culpados? Sermos culpados de
não ter dado certo o projeto? Se nós pegássemos os dez mil e quinhentos reais na mão,
e cada um de nós fosse fazer a compra ou então os produtores desviassem parte dos
recursos para outra coisa, daí sim éramos os culpados. Mas nós não fizemos isso, nós
não tivemos condições de fazer a compra de nada, tudo foi feito por eles [...]”.
(Entrevista com agricultor - Associação São Tomé – dezembro de 2004)
“[...] mas só que não foi liberado assim, para agente pegar o dinheiro e comprar o que
quisesse porque saiu tudo pela metade, o dinheiro foi gasto com motor, encanação,
borracha, adubo químico, adubo orgânico, sementes, tudo a um preço muito alterado.
O dinheiro que saiu para nós foi quinhentos reais. Como a gente tinha a área do plantio
para preparar, o trabalho que eu mandei fazer foi seiscentos reais, não cobriu o que eu
tinha gasto, fora a minha mão-de-obra aplicada lá também. Compraram tanto do adubo
orgânico que estragou muito. Eu fui muito lesado neste negócio, porque os
empresários que estavam interessados, enquanto estava com aquele projeto não saíam
daqui. O empresário da Amazon Diesel chegou aqui em casa para vender motor eram
onze horas da noite [...]”.
(Entrevista com agricultor - Associação Nossa Srª dos
Remédios – dezembro de 2004).
“[...] a gente precisava, por exemplo, tantos metros de adubo orgânico, adubo químico,
aí a EMATER preparava os documentos e ia na IANETAMA. A IANETAMA
liberava aquele adubo e o banco pagava direto para IANETAMA. Assim que era o
negócio. Chegava o adubo aqui e muitas vezes nós nem estávamos sabendo”.
(Entrevista com agricultor - Associação Nossa Srª dos Remédios – dezembro de
2004).
Esta conjuntura de incertezas e desconfianças disseminava entre os agricultores a falta de
responsabilidade e comprometimento com a situação criando um clima altamente favorável a
dispersão de conversas contrária às regras do financiamento que estava sendo implementado.
Desta forma, começava a circular boato entre produtores, oriundos tanto de outros produtores
quanto de comerciantes e atravessadores locais interessados na situação, uma vez que forneciam
insumos e produtos muitas vezes superfaturados e com qualidade inferior, de que tais recursos
eram para investimento a fundo perdido.
69
70
A situação tendeu a agravar-se quando os agricultores, após terem adquirido os
equipamentos e não dispunham de local adequado para armazená-los, e pelo valor agregado que
possuíam, foram vítimas de outros que, se aproveitando da situação, furtaram diversos
equipamentos conforme relatos.
“[...] é, roubaram, lá (na roça) tem o que é do empréstimo, a bomba, essas coisas
mesmo, mas o motor, antes de um ano o ladrão foi lá e roubou [...]”.
(Entrevista com
agricultor - Associação Trombetas – dezembro de 2004).
“[...] Pra quem não tinha nunca pego um motor ou outro material qualquer, até que foi
uma ajuda, mas de alguns agricultores o ladrão levou os motores, [...] o ladrão levou
tudo, só não levou o meu [...]”.
(Entrevista com agricultor - Associação São
Tomé – dezembro de 2004).
A formação da opinião dos agricultores com relação ao pagamento dos recursos
financeiros adquiridos por intermédio do financiamento começava a revelar resultados
desfavoráveis pelos seguintes motivos: a) os agricultores que estavam recebendo crédito, na
opinião de parte deles, os valores que realmente chegavam a suas mãos não condiziam com o
descrito no projeto; b) A maioria dos agricultores nunca haviam tido contato com tamanho
volume de recursos e bens, o que gerou grandes dificuldades na administração; e c) a
possibilidade de ações desonestas, praticadas pelos presidentes de associações, atravessadores e
comerciantes, com os recursos que deveriam ser administrados pelos agricultores, contribuiu
para elevar o grau de desconfiança entre eles e seus representantes, gerando falta de
compromisso com o pagamento do crédito junto ao banco. O relato abaixo se torna um
indicativo da insatisfação sentida pelos agricultores.
“Porque essa forma como é feita foi mal organizada, isso aí é tudo enrolação em cima
da gente. [...] porque se não dessem tanto rodeio, se (o dinheiro) viesse direto do
banco pra mão do agricultor, tudo bem, mas aí fica passando por rodeio, pra negócio
de [...] sabe como é, o cara vai tirando uma pontinha chega à mão do agricultor não
sobra nada mais, é só a dívida pra pagar, foi o que aconteceu com a gente”.
(Entrevista com agricultor – Associação São Tomé - dezembro de 2004).
70
71
Pela observação dos dados acima se pode inferir que houve um conjunto de fatores que
contribuíram para a formação da opinião dos agricultores a respeito dos investimentos e
possíveis pagamentos do crédito agrícola. A falta de clareza nas negociações para a aquisição de
insumos, as indefinições quanto a sua aplicação e a possibilidade de ações desonestas exercidas
pelos seus lideres, são os principais elementos norteadores.
3.3 - A UTILIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO NA FORMAÇÃO DE OPINIÕES
A pesquisa revelou também que no geral as informações quase nunca chegam até os
agricultores. Quando chegam, na maioria das vezes são ineficientes ou contraditórias.
Estas informações interferem de forma decisiva na formação da opinião dos produtores,
que, conforme discutido por Abramo, (2003) em seu texto sobre o “significado político da
manipulação da informação na grande imprensa”, descreve que em muitos casos, na imprensa,
pode ocorrer a “inversão da opinião pela informação”, o que também poderá ser atribuído ao
nosso caso conforme observado, e segue: “a utilização sistemática e abusiva (pela imprensa) de
todos estes padrões de manipulação, leva quase que inevitavelmente a outro padrão: o de
substituir inteira ou parcialmente, a informação pela opinião [...]”. Em nosso caso, tal como
pode ocorrer nos meios de comunicação (televisiva, etc.), “o juízo de valor é utilizado [...] como
se fosse um juízo de realidade”, influenciando na opinião e nas tomadas de decisões das pessoas
que recebem a informação. (ABRAMO, 2003 p.31).
71
72
As discussões destes tópicos abaixo têm por objetivo identificar as principais fontes, ou
origens das informações, bem como a influencia destas para a formação das opiniões sobre o
crédito agrícola, partindo-se principalmente das informações levantadas pelos próprios
agricultores.
3.3.1 - Origem do crédito FNO Especial
Questionamos os agricultores sobre a origem do FNO Especial na tentativa de identificar
se eram conhecedores da linha de crédito bem como os objetivos para o qual foi criado, uma vez
que estão envolvidos nesta modalidade. Algumas entrevistas com agricultores revelaram que:
“[...] nem sei como foi, como era o projeto que o pessoal ia fazer, de onde era que
vinha o dinheiro? Eu sei que é um empréstimo que foi o governo que abriu as portas
do banco pra facilitar para o agricultor. O certo é que o pessoal tinha que pagar, mas
aí havia uma dúvida também, já de outro lado, uns que diziam que isso era fundo
perdido, que o pessoal não iam pagar [...]”.
(Entrevista com agricultor –
Associação Trombetas – dezembro de 2004).
“Isso aí eu não sei informar. Tem um dinheiro no banco pra ajudar os agricultores que
é do FNO do Banco da Amazônia pra ajudar os produtores a trabalhar, isso aí a gente
sabe, agora, da origem, da onde é que vem, como surgiu, isso aí não sei não”.
(
Entrevista com agricultor - Associação Trombetas – dezembro de 2004).
No total das entrevistas realizadas com agricultores financiados, e sistematizando-se os
dados obtêm-se as seguintes situações:
Quem criou a linha de crédito FNO especial Nº de agricultores
Governo 5
BASA 3
Não sabe / sem resposta 1
Fonte: Pesquisa de campo – dezembro de 2004
72
73
Na verdade, a rede de informações que circula entre os agricultores é muito vasta, porém
sua qualidade é duvidosa e poderá ser influenciada de acordo com os interesses do informante.
Com relação ao crédito agrícola, no ato das liberações dos recursos do FNO especial,
informações circulavam nas mais variadas formas originadas das mais diversas fontes contendo
várias versões sobre o mesmo assunto.
“[...] Primeiro foi o presidente da Associação que informou, depois foi o técnico da
EMATER. Eles só falaram que era do FNO, [...] por que eram eles que traziam
mensagens pra gente. Conversavam lá fora e traziam pra gente. Chegavam aqui e
faziam reunião com a gente. Daí foi mais ou menos assim pelo rumo. Eu entrei no
rumo, junto com os outros [...] achamos que íamos se dar bem. O pessoal entraram e
também fui fazer a parte junto com eles [...]”.
(Entrevista com agricultor -
Associação Trombetas – dezembro de 2004).
Por outro lado deixa-nos dúvidas com relação aos interesses dos agricultores na obtenção
da informação, quando o relato de um presidente de associação lembra que:
“Tivemos orientação sim, se tem alguém que diz que não sabia, talvez fosse mal
informado, hoje ele não sabia esclarecer pra você da onde veio, a origem. Tem muita
gente que até hoje diz, o próprio financiado “poxa vida se o banco me apertar eu não
vou pagar por que é fundo perdido” e não é fundo perdido [...]. Ninguém vai entrar
numa coisa sem que a gente tenha informação da coisa certa”.
(Entrevista com
agricultor, presidente da Associação São Tomé – dezembro de 2004).
Este mesmo agricultor complementa:
“Pra mim é ignorância da pessoa, às vezes você esta orientando, você esta
conversando com o pessoal (na reunião), mas eles não tão nem aí, não estão nem
ligando pra aquilo. Numa reunião, eles estão ligados para estar conversando, um
exemplo: numa reunião se a gente trouxer você aqui, você pode observar que tem dez
com sentido no que você ta falando, mas têm quinze que não estão nem aí, esta
conversando com o colega, e é obrigado você estar chamando “ei, companheiro,
vamos assistir, escute” essas pessoas estão totalmente desinformadas, então hoje, se
você perguntar pra determinadas pessoas dizem “não, eu não sabia como era, entrei de
gaiato, hoje eu não sei informar da onde veio nem como veio” é por causa disso, a
pessoa não esta mentalizada com o trabalho [...]”.
(Entrevista com agricultor,
presidente da Associação São Tomé – dezembro de 2004).
73
74
Os fatos relatados deixam claro que enquanto afirmam desconhecer as origens da criação
da linha de crédito não recorrem às instituições para buscar informações. Como por exemplo,
não foi possível identificar a presença do Sindicato no campo como órgão representativo dos
trabalhadores rurais, a não ser no que tange ao encaminhamento das documentações para
aquisição da aposentadoria, que na maioria das vezes aparece entre os agricultores mais como
alvo de críticas em função da taxa que é cobrada, do que fonte para informação e soluções dos
problemas, entretanto, como vimos no capítulo I, a organização dos agricultores por intermédio
dos sindicatos, aglutinados num órgão com maior representatividade, no caso a FETAGRI,
foram peças fundamentais na luta pela democratização do crédito agrícola.
Uma das questões que poderão ser indicativas da ausência do STR entre os agricultores é
que em função da criação das associações, a união em torno do sindicato tendeu a enfraquecer,
uma vez que todas as ações que envolviam o crédito, e este por sua vez era o principal elemento
motivador da participação, estavam voltadas para as associações, descaracterizando o sindicato
como principal instituição organizacional dos trabalhadores tal como era no princípio.
Outra situação que poderá ter contribuído, decorre da ampliação excessiva do número de
agricultores interessados no crédito, impossibilitando a ação mais direcionada e efetiva do
sindicato para prestar esclarecimentos sobre os objetivos e a melhor forma de aplicação dos
recursos junto às associações e agricultores.
Na opinião do presidente do Sindicato, o que aconteceu foi o seguinte:
“[...] quando chega isso, é um puxa pra cá, um puxa pra lá, que quando vê, chega
agricultor aqui que a gente nem conhece, não sabe nem quem é e tem que liberar a
documentação, e enchem isto aqui, duzentas, trezentas pessoas. A gente fica num beco
até sem saída. [...] ó que eu vejo o seguinte, ainda hoje o agricultor está vendo esta
questão do crédito como uma festa, como uma festa de fim de ano, que a gente faz pra
rever os amigos, tomar uma cachacinha e tal, eu vejo por aí, no meio da maioria dos
agricultores. Porque eu digo isto, porque nós temos varias pessoas, eu tenho anotado
74
75
quantos agricultor foram financiados com PRONAF, e eu tenho exemplos do FNO que
foi também mal distribuído e tem agricultor mais miserável hoje do que antes de pegar
o financiamento, ele ficou mais miserável porque ele não sabia o que era, ele não sabia
realmente nem o quê que ele queria plantar (...)”.
(Entrevista com presidente do
STR de Santo Antonio do Tauá – dezembro de 2004)
Na medida em que se criavam novas condições para o acesso ao crédito, crescia a
demanda e a pressão dos agricultores para que ocorresse a liberação dos recursos, sem que
houvesse a preocupação com as garantias e condições de aplicação, elevando assim as
dificuldades de controle e acompanhamento.
Para Reis (2002), estes fatores são frutos da história, em que houve um descontinuo
processo de formação dos agricultores iniciado no âmbito do Cooperativismo Alternativo, tal
como descreve:
O reverso da conquista do crédito foi de restringir o trabalho da organização ao
acompanhamento da aplicação do credito pelos associados financiados com perdas
significativas para o trabalho de formação junto a suas bases, e com isso o
atrofiamento da dimensão associativa minando a concepção política do
Cooperativismo Alternativo (REIS, 2002 pag.102)
No que concerne à aplicação dos recursos para a implantação das culturas voltadas para
o mercado, percebe-se que não houve uma discussão prévia da viabilidade econômica dos
plantios das culturas. Neste aspecto, SOUSA (2002), analisando o crédito FNO no Município de
Cametá, demonstra que:
[...] foi após a garantia de que o crédito seria liberado que se iniciou o processo de
discussão para definir o tipo de cultura seria mais viável para ser implementada na
forma de projeto, confirmando a hipótese de tratar-se de um crédito cuja decisão sobre
a liberação precede o estudo sobre o destino em termos de investimento o que resulta
da falta de demanda efetiva por um produto da chamada agricultura camponesa.
(SOUSA, 2002).
75
76
Da mesma forma, Reis (2002) retrata esta situação demonstrando que o próprio
movimento sindical, até então organizado, embalados pelas liberações de recursos do crédito
parecem não ter clareza da forma de aplicação dos recursos o que contribuiu na percepção e nas
atitudes dos agricultores.
Os sindicatos e entidades de apoio ao movimento do CA atuaram de maneira ambígua
nesta conjuntura. Para atender as exigências burocráticas do BASA que definia o
número restrito de associados a serem beneficiados com o crédito, assim como as
atividades de lavoura e pecuária a serem financiadas. Os sindicatos e entidades sem
apresentar uma proposta para os agricultores familiares alijados do crédito, deixando
muitos deles largados a própria sorte levando muitos deles a abandonarem a
organização, (REIS, 2002 pag.102).
Esta falta de um estudo prévio de viabilidade econômica, assim como a inexistência de
discussões junto aos agricultores para identificar as prioridades das famílias, fazia com que as
culturas financiadas, na maioria das vezes não faziam parte do planejamento de investimentos
da família, e neste caso, o crédito passava a ser visto, mais como uma oferta de recursos do
governo do que como instrumento para execução de atividades planejadas a fim de tornar o
crédito agrícola um instrumento de investimentos para geração de receitas provenientes do
aumento da produção. Um exemplo claro disto, poderá ser observado através do relato do
próprio presidente do sindicato quando afirma:
“[...] essa foi a grande questão, quando eu discuti com o técnico porque que eu queria
horta, ele disse: “mas horta tem demais” eu disse “não, mas eu quero horta” com a
horta eu sei que eu não pago banco, mas com a cultura que eu vou plantar eu pago,
porque a horta é simplesmente pra me preparar, e me dar condições de plantar coco,
mamão, cupuaçu, laranja, limão, tudo irrigado. Isto é que vai me render mais tarde.
Então foi justamente isto, como a nossa área aqui é seca eu preciso de irrigação, e pra
outras culturas não teve financiamento de materiais de irrigação, então foi por isto que
eu fiz [...]”.
(Entrevista com presidente do STR de Santo Antonio do Tauá – dezembro
de 2004)
Talvez seja este um dos motivos pelo qual o presidente do STR faz referências que os
agricultores vêem o crédito agrícola como uma festa de fim de ano, uma vez que, prevendo que
76
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os resultados não serão satisfatórios, destina boa parte dos recursos a atender outras demandas
da família, que muitas vezes não seriam conseguidas utilizando-se somente de sua força de
trabalho.
Constata-se, portanto, que nem somente a falta de informação é o centro do problema,
mas também a ausência de diálogo entre os atores no sentido de direcionar os investimentos
para atender as demandas individuais dos agricultores, caracterizando uma imposição das
ofertas, desestimula-os quanto à credibilidade e a cumplicidade perante o cumprimento das
obrigações contraídas com o crédito perante o Banco.
3.3.2 - Sobre a existência dos fundos perdidos
Para que houvesse a formação de opiniões pelos agricultores de que os recursos oriundos
do crédito FNO Especial estavam enquadrados como fundos perdidos, atores externos tiveram
uma participação significativa dentre os quais se destacam os comerciantes e atravessadores,
assim como outros agricultores e presidentes de associações.
Facilitado pela falta de objetividade, direcionamento do crédito, dificuldades de
acompanhamento dos agricultores para a aquisição dos insumos e materiais e a aplicação dos
valores recebidos, além da ausência do sindicato e demais organizações, a suposição de
existência de créditos a fundos perdidos espalhou-se rapidamente por toda a região, tal como
observado nos relatos de agricultores pesquisados, conforme descrito:
A EMATER que falou “vai sair um projeto assim”. Chegavam com uma conversa que
era fundo perdido, esse foi o caso, diziam: “olha esse projeto que ta saindo, é fundo
perdido, nem se preocupe, não vai pagar”. Quem dizia isto eram os vendedores de
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materiais, eles queriam pegar a grana do pessoal. Vendiam encanação, adubo químico,
essas coisas, a maior parte do químico foi comprado lá na IAMETAMA, de lá que saía
essas conversas e o agricultor acreditava [...]. (Entrevista com agricultor – Associação
Nossa Senhora dos Remédios – dezembro de 2004)
As pessoas falavam assim: “não rapaz esse aqui é projeto de fundo perdido,
(referindo-se ao FNO) daqui mais um tempo o governo vai acabar, o Governo vai
eliminar com isto e pronto. Isto aí é fundo perdido que vem pra vocês [...]”. Uma vez o
próprio presidente da EMATER disse assim: “rapaz, trabalha pra lá, vão trabalhando,
vê o que vocês fazem que isto aqui é fundo perdido”.
(Entrevista com agricultor –
Associação Trombetas – dezembro de 2004)
[...] começaram a falar que era fundo perdido, ninguém teve uma orientação antes do
projeto, se tivesse uma orientação “olha, dinheiro vai sair, o projeto é de doze mil
reais, mas é dinheiro que tem que devolver”. Não, mas pensava que era fundo perdido,
ninguém pagava, o dinheiro vinha, ninguém ia pagar. E quando o negócio correu tava
já na metade, não tinha mais jeito, depois quem foi na idéia de fundo perdido não era
nada, era mentira [...]
(Entrevista com agricultor – Associação Nossa Senhora dos
Remédios – dezembro de 2004)
De acordo com o relato de um agricultor que em conversas com um técnico do Banco da
Amazônia, obteve a seguinte resposta:
[...] aí eu perguntei pra ele assim, mas me diga uma coisa, se for “pegar pra capar”
mesmo, como é que vai ficar esse negócio, a gente vai pagar? A gente vai ter que
entregar a nossa casa, essas coisas? Ele disse “não, isso não vai acontecer. O
presidente da Associação vai ter que analisar. Se a Associação tiver algum bem vai ser
leiloado pra poder pagar o banco”. E se a Associação não tiver bem nenhum? Ele
disse: “é o presidente da associação que financiou o projeto que vai assumir todinho”
é, porque está no nome da Associação e ela é avalista [...].
(Entrevista com agricultor –
Associação Nossa Senhora dos Remédios – dezembro de 2004).
Não conseguimos identificar a veracidade da informação junto ao banco, mas de uma
forma ou outra, esta questão pode ter contribuído para reforçar a opinião inicialmente formada,
uma vez que, de acordo com o agricultor, originava-se em “fonte segura”, e por sua vez, caso
não houvesse pagamento, nenhum prejuízo que viesse comprometer a sua família estava em
jogo, pois os danos designados a associação ou em último caso, para o presidente da associação,
estaria inocentando a sua participação enquanto agricultor.
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79
Esta situação poderá ter sido influenciada com as lições de comportamento apresentadas
por lideranças e ONGs que atuavam na região no que tange a organização do Cooperativismo
Alternativo tal como descrito por Reis (2002), referindo-se aos investimentos realizados por
estas ONGs, relata que:
“A proposta do CA avança e, com ela, as dificuldades de ordem administrativa e em
nível das relações internas nos grupos. Uma situação de insucesso, numa ou noutra
organização, era acobertada para assegurar a competência da ONG atuando no
processo da organização ou, então, os conflitos se justificavam como meios, para os
fins desconhecidos da maioria dos agricultores familiares” (REIS, 2002 pag. 114)
Esta prática, muitas vezes despercebida entre os dirigentes que atuavam no processo de
formação, poderá ter contribuído para a formação da opinião contrária às propostas do crédito
agrícola iniciado pelo FNO Especial, uma vez que este era um elemento novo que se
apresentava para os agricultores.
3.3.3 - Sobre a renegociação das dívidas
No que concerne às renegociações das dívidas, observamos que pouco ou quase nada
sabem os agricultores sobre a luta travada inicialmente por políticos e principalmente pelo
movimento social na tentativa de encontrar caminhos que levassem a redução da inadimplência
dos agricultores familiares junto a agencias financeiras ocasionadas pelo crédito do FNO
especial. Sempre as ações são atribuídas de modo geral ao Governo Federal ou ao próprio
Banco como os principais idealizadores do caso em questão, o que reforça as observações de
que todo o trabalho realizado inicialmente entrou num processo de esquecimento em função da
ausência de dirigentes do movimento social no cotidiano dos agricultores, conforme relatos:
79
80
Tivemos um presidente (da república) muito bom, [...] foi o que nos salvou até hoje
[...] “eu estou mandando só assinar esse papel”, quem assinasse o papel não precisava
pagar a divida. E nós assinamos. Não pagamos ainda nadinha, aí quando chega no fim
do ano vem outro papel de lá, do banco, só prolongando a conta [...].
(Entrevista com
agricultor – Associação Nossa Senhora dos Remédios – dezembro de 2004).
“Veio, mas só que ele vem aqui e manda um papel pra Associação
30
, a gente assina o
papel e prolonga a conta [...] a gente só chega assina o papel e vai pro banco de volta
[...] aí eles, o presidente (da associação) chama pra reunião e diz “olha tem que assinar
esse papel aqui” aí a gente lê e assina. [...], algumas vezes ele explica, só que a gente
lê ali aqueles papeis que vem do banco e não entende bem, é tanta formalidade que
agente não entende o que esta escrito [...], é assim que funciona o negócio.
(Entrevista com agricultor – Associação Nossa Senhora dos Remédios –
dezembro de 2004).
Durante a pesquisa de campo não realizamos um inventário detalhado das atividades
realizadas pelos agricultores financiados na perspectiva de verificar as possíveis condições de
pagamento dos débitos a partir do que resta atualmente nas propriedades do crédito investido.
Entretanto, conforme já demonstrado por meio de relatos de agricultores, presidentes de
associações e demais envolvidos, conclui-se que a maioria dos agricultores não possui
condições econômicas de quitar seus débitos. Desta forma as renegociações são vistas como
necessárias para prolongar os prazos, cuja expectativa final existente entre os produtores será de
que o governo desista da cobrança, perdoando a divida de todos, conforme observado nos
relatos abaixo:
[...] eu acho que a renegociação é importante por que ela vem te trazer mais um pouco
de avanço, tu vai tocar o trabalho mais um pouco por que não dá pra pagar tudo de
uma vez. É bom que dá um tempo pra você poder puxar uma respiração pra poder ver
como é que você vai negociar com o banco, pra ver como é que vai pagar, por que eu
acho que tem agricultor, eu pelo menos, tenho vontade de pagar, agora, não acho
como, nem meio de pagar.
(Entrevista com agricultor – Associação Trombetas –
dezembro de 2004).
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30
Referindo a presença de técnicos do Banco da Amazônia em reuniões para assinaturas de documentos para
regularizar as renegociações dos débitos.
81
[...] mas olha [...], assim como nós estamos levando eu acho que não dá pra pagar
porque o trabalho está pouco, falta mais dinheiro pra movimentar e ter mais lucro. Se
no caso o banco desse mais uma ajuda pra arrumar mais trabalho, pra ver se dá certo,
não é [...].
(Entrevista com agricultor – Associação Trombetas - dezembro de
2004).
[...] esse é o único meio do Governo Federal a fazer através do BASA a renegociação,
por que o trabalhador pensa [...], eu vou pagar minha dívida e o outro não paga a dele,
do mesmo jeito eu to ferrado porque sou avalista. Então pra eu ter mais crédito no
banco é obrigado que eu pague a minha dívida e ele pague a dele. Por que eu sou o
avalista dele ou ele é meu avalista, então é obrigado isso, por que senão você vai ficar
sem crédito todo tempo. Se não paga não vai ter outro crédito, ninguém mais vai ter
crédito a não ser que o governo entrasse e dissesse “não, tu não vai mais pagar a
dívida” Agricultor esta perdoado e pronto. Meu pensamento era esse.
(Entrevista
com agricultor – Associação São Tomé - dezembro de 2004 – grifo nosso).
Conforme já descrito anteriormente, em função do desconhecimento das negociações e
renegociações ocorridas junto ao governo e agências financeiras que antecederam a simples
formalização da documentação, a cada ano, de acordo com a opinião dos agricultores, acabam
tornando-se mais fáceis e tendem a ocorrer de forma natural, como se fosse uma regra a ser
simplesmente cumprida pelas agências financeiras. É o caso do relato de um agricultor descrito
abaixo:
[...] e ultimamente a documentação que nós tivemos que assinar, que ele (o presidente
da associação) disse que ia ser automático, o banco ia fazer essa documentação e não
precisaria ninguém mais assinar [...].
(Entrevista com agricultor – Associação
Trombetas - dezembro de 2004).
Para finalizar as análises deste tópico, pode-se deduzir que a matriz de pensamentos e
atitudes dos agricultores formada a partir do crédito FNO especial, ainda hoje traz
conseqüências marcantes em suas vidas, acarretando prejuízos tanto econômicos quanto morais
para todo o município.
[...] veio o PRONAF para nós, liberamos uns oito projetos. Os caboclos pegaram o
dinheiro pra plantar mandioca. Venceu e como sempre, ninguém pagou. Passaram-se
seis anos e quando foi no ano passado, fomos saber como é que podíamos fazer pra
81
82
poder voltar a ter crédito no município, porque o município estava cortado do crédito
[...]. Nós conversamos com o pessoal e arrumou o dinheiro, cada um deu jeito e pagou
o que devia, porque era dois mil e pouco reais cada um [...], aí nós fizemos o
projetinho pra eles aqui e o banco liberou de novo pra eles e para outros aí, quer dizer
nós voltamos o crédito ao município, [...] os caras pagaram, o banco liberou pra eles
de novo e aí nós fizemos este PRONAF “C” e “D” pra plantar mamão e mandioca que
hoje estão aí, só que infelizmente nós já estamos enfrentando o problema de novo,
quer dizer, começou a vencer as parcelas e agora o pessoal do mamão que é um ano só
de prazo, não tão pagando”.
(Entrevista com chefe do escritório local da
EMATER – dezembro de 2004)
A entrevista descrita acima é reveladora de uma possível formação de uma matriz de
pensamento contraditória aos objetivos estabelecidos pela linha de crédito, ao passo que as
diferenças existentes entre estas (FNO, FNO especial, PRONAF, etc.) são generalizadas,
transformando as atitudes e comportamentos dos agricultores em uma forma única, tanto para os
que obtiveram acesso no principio como para os demais que outrora não foram financiados, mas
que poderão ser contemplados pela linha de crédito do PRONAF.
Estas situações foram comprovadas quando em conversas informais com técnicos do
Banco da Amazônia, referem-se ao Município de Santo Antonio de Tauá como um dos piores
municípios quando o assunto é o “pagamento de crédito agrícola”, seja do FNO especial, ou do
PRONAF que foram as duas linhas de crédito com maior influência na produção agrícola local.
O que fica evidenciado é que boa parte dos comerciantes, intermediários e fornecedores
de insumos e produtos ou por influência de outros agricultores vistos como formadores de
opiniões, modificaram as informações repassando-as de forma distorcida dando ênfase aos
interesses que cada um tinha, seja sobre o projeto ou sobre os recursos dos projetos que estavam
sendo implementados. Estas “falsas” informações influenciaram na formação das opiniões de
grande parte dos agricultores financiados (que eram os receptores das informações) que por não
terem acesso as informações reais sobre a situação, transformavam em realidade o fato novo que
82
83
a eles era apresentado. Mesmo que alguém lhe informasse sobre a existência de outra realidade,
ou seja, que os recursos deveriam ser pagos, como a opinião corrente entre a maioria era a
avessa, estas informações transformavam-se em uma grande dúvida na mente destes agricultores
influenciando-os nas atitudes e decisões como tal.
3.4 - AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA LOCALIDADE NA PERCEPÇÃO DOS
AGRICULTORES
Se por um lado os resultados do crédito investido não têm sido considerados satisfatórios
pelas instituições financeiras em função do alto índice de inadimplência dos agricultores, por
outro, poderá ser considerado aceitável, quando se observa no âmbito da localidade
(comunidade) a elevação do nível da qualidade de vida dos agricultores. Este aspecto pode ser
observado nas três associações pesquisadas onde relatos indicam a evolução econômica
84
evolução deste debate apoiado por questões econômicas e sociais que se apresentavam no
processo de desenvolvimento apresenta na atualidade um conceito que está em constante
discussão tanto no plano acadêmico quanto governamental, que é o chamado “desenvolvimento
Local Sustentável”.
Buscando uma definição mais social para o conceito, Coelho (1996), define como “um
plano de ação coordenada, descentralizada e focalizada, destinado a ativar e melhorar de
maneira sustentável as condições de vida dos habitantes de uma localidade, no qual estimula a
participação de todos os atores”.
É importante ressaltar que o que Coelho chama de “todos os atores” vai além dos
personagens da localidade (habitantes e moradores), mas abrange as estruturas de poder público
municipal (prefeituras, secretarias, etc.) assim como eventuais pequenas e medias empresas
existentes e demais instituições que participam do contexto local (região, município ou
comunidade), dispostas a contribuir para a reestruturação econômica local, e conseqüentemente
o aumento das possibilidades de geração de emprego e renda para aquela população.
Enfocando questões sociais para implementação de qualquer projeto de desenvolvimento
local, Dowbor (1996), ressalta que, apesar das limitações das administrações municipais, é
possível a execução de ações que gerem emprego e renda de forma mais descentralizada. Para o
autor a idéia de desenvolvimento deve ter como ponto central de partida “o ser humano” e “os
interesses coletivos da maioria” e envolve qualidade de vida, socialização do poder, acesso a
serviços públicos e os benefícios da tecnologia.
Outra definição interessante para o termo é a proposta por Loiola e Moura (1995), onde
propõem que as ações concretas de desenvolvimento local partem de “projetos potencializados
de gestão local visando a geração de emprego e renda, a criação e fortalecimento de pequenas e
84
85
médias empresas ou implantação de estratégias de integração competitiva no mercado global.
Inclui-se neste rol, o fortalecimento de atividades econômicas e de serviços de caráter informal
assentados em redes de parentesco, vizinhanças e outras redes submersas.
De uma forma ou outra, os recursos investidos por intermédio do FNO contribuíram para
que as famílias pudessem realizar investimentos na melhoria de suas casas, assim como
adquirirem bens materiais que pudessem lhes proporcionar mais conforto pessoal. Ademais,
para os agricultores que conseguiram dar continuidade com as atividades iniciadas a partir dos
investimentos na horticultura, apesar de não termos realizado uma análise comparativa das
atividades para detectar a evolução econômica das famílias, mas visivelmente estão mais
estruturadas, fato que o comentário do agricultor supra mencionado confirma, uma vez que gera
excedentes possibilitando a contratação de mão de obra para execução de parte das atividades.
O trabalho iniciado em torno da organização das associações locais poderia ter se
configurado como uma peça chave para a inserção dos agricultores em um mercado mais
competitivo a partir do aumento da produção proporcionada pela injeção de recursos no sistema
produtivo. Este mecanismo ainda está latente, pois toda a iniciativa de comercialização existente
atualmente deve-se basicamente aos esforços individuais para a busca de mercado para os
produtos.
Para finalizar, cumpre-nos dizer que embora não tenha sido possível fechar o círculo
com o pagamento do crédito contraído nem prosseguido na organização econômica das
associações visando o mercado, mesmo assim, percebe-se claramente a importância e a
contribuição que tais benefícios creditícios tiveram para aquela população, conforme já ilustrado
pelas opiniões dos agricultores descritas ao longo do texto.
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86
CONCLUSÕES
O que se evidenciou é que no Município de Santo Antonio do Tauá a Agricultura
Familiar está passando por um processo de transformação em relação ao seu comportamento
econômico. Entretanto, ainda existem fortes indícios da presença do campesinato como já
demonstrado anteriormente por Abramovay (1998).
Ao longo da história, esta população, assim como em outras regiões destacadas por Reis
(2002), onde analisando a dinâmica do cooperativismo alternativo no Nordeste do Estado do
Pará, identificou que esta categoria sofreu forte influencia de organismos externos, dentre os
quais merecem destaque as ONG´s que atuaram na perspectiva de provocar a modernização dos
padrões produtivos e econômicos das famílias.
Com a verificação do constante enfraquecimento dos recursos naturais na região que
garantiam a sustentabilidade das famílias baseadas no extrativismo, crescia a necessidade do
desenvolvimento e aprimoramento de um novo padrão de produção. As ONG’s do denominado
Cooperativismo Alternativo tiveram importância significativa para difundir entre os agricultores
estas novas atividades econômicas direcionadas para a agricultura e para o mercado.
Entretanto, a iniciativa destas ONG`s em promover esta mudança de forma organizada
em associações e cooperativas nem sempre foi compreendida pelos agricultores. Prova disto, é
que grande parte destas organizações existentes ainda hoje não tem clareza de seus objetivos,
cujos sócios ou cooperados não sentiram ou pelo menos não demonstram em suas manifestações
a necessidade concreta de se organizar para ser mais competitivo perante o mercado.
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A possibilidade que se tornou concreta de aquisição de recursos do crédito agrícola por
intermédio das associações e cooperativas, foi um elemento impulsionador para entrada dos
agricultores no sistema de organização. Entretanto, este mesmo crédito, na visão de políticos e
instituições de caráter organizativo dos trabalhadores (FETAGRI, CUT, etc.), deveria se
transformar em um importante elemento para impulsionar a evolução econômica das famílias,
no entanto, na opinião de parte dos agricultores serviu como elemento momentâneo para
satisfação interna e imediata de suas famílias, causando um descompasso entre os objetivos,
uma vez que estes deveriam ser utilizados em investimentos produtivos para geração de
riquezas e não para satisfação do bem estar.
Esta situação, que na visão das instituições financeiras é classificado.21 0 Tdrp-oiata de eigD489Tc 0.03w -20.32 -2di343( imo, este melem uti343o de -oi4, seainra -oiafa)3agr imedos encimo, este mele, seincapacpossibd55ticos e ele( sarä3)5()4(au co(dem)9n invev no9(eigD09 Tc 0.T*2.295 Td( , esnvest(o,iment)5(f)4(aÝ1ditontretant)]T8j0.0004 Tc 0.1341 Tw 19.045 agr sepect)5(1tes0 Tuja347a7(a5j0.0009 Tc 0.06.19Tw 19.045nis()4(aiu)6ra(c s siam.tentidasneo para )]TJ0.00183Tc 0.265.24w -3.045 -2pelestb)-1prodúblpoloseprcooe p,[(u(ar e7((c s Td(eo para )]TJ0.0008 Tc 0.063 Tw 18.525 ims, caráter )5(f)4(ancr36sipara geraçinú , esrasneo para )]5j0.0009 Tc 0.-063 Tw-20.005 -365es e coop47sm)8(o(crões de carso po)5(1teov noos trab)3j0.0009 Tc 0.529 4w 18.5(outra34regiituiçãditos0 Tujuti34sos r utisvolução )Tj0.0005 21J0.1529 4w -3.045 -2as ro, este melediignifpoaos pro)4(c s tentnce2nc)8neo para )]TJ0.-se )]TJ0.556 Tw 18.5257exEMsvolu, talo)4(c som)9( analis)4(i355coestar. )]TJETEMC /Span 3</MCID 1 >>BDC BT/Taqui)T2j0.00i)T2j0.1484 Tw 12451.912 711.0n
88
vicioso. De um lado o agricultor não aplica os recursos por que busca atender prioritariamente
as demandas internas, por outro, por não investir na produção impede a geração de receitas
excedentes para a redução da pobreza.
É bem verdade que junto a isto, para os agricultores que atingiram a produção esperada,
tropeçaram na questão da comercialização, onde os preços muitas vezes não sendo satisfatórios
desestimularam parte dos agricultores a persistirem nas atividades iniciadas. Entretanto, este
fator, poderia ser contornado se houvesse a compreensão dos verdadeiros objetivos da criação
das associações e cooperativas, cujo caráter seria o de organizar a produção e a comercialização
dos produtos. Neste caso a falta de organização contribuiu profundamente para o endividamento
dos produtores.
Analisando-se o fato por outra ótica, pode-se concluir que o processo de transformação
social dos indivíduos, ou mais precisamente dos agricultores familiares é longo, o que de certa
forma não acompanha o ritmo acelerado da evolução econômica. Entretanto, se o objetivo
inicial proposto pelas organizações era a criação de mecanismos para melhoria da qualidade de
vida baseado principalmente na evolução da produção e inserção destes agricultores no
mercado, o crédito agrícola, e mais especificamente o FNO PRORURAL, foi um importante elo
para impulsionar esta evolução da Agricultura familiar que ora está em curso.
Esta transformação da agricultura familiar, neste caso, poderá ser compreendida como
um “continuum” tal como ressaltado por Wanderlei (1999), onde em função das mudanças a
que são submetidos, como conseqüência da própria transformação econômica do país e da
região, os próprios camponeses tendem a alterar seu comportamento no que tange a lógica
produtiva. Neste processo, dezenas de situações influenciam diretamente na vida e no
comportamento dos agricultores. Neste caso, as hipóteses iniciais por nós levantadas poderão
88
89
ser confirmadas, no sentido de que a informação que circula entre estes, bem como a prática
demonstrada pelos dirigentes, na condução das instituições que o representam, os quais são
vistos como exemplos de trabalho, exercem forte influência na formação das opiniões e atitudes
a serem tomadas pela família em face da situação ou problema que se apresenta.
De fato existe um grande número de agricultores com dívidas bancárias relativas aos
empréstimos contraídos por intermédio do crédito agrícola. Entretanto, quando observado não
mais no domínio familiar, mas sim na esfera local, onde existe um grande debate em curso tanto
no âmbito acadêmico quanto entre as próprias organizações governamentais e não
governamentais, são visíveis as mudanças, as quais foram observadas também pelos próprios
agricultores, tal como já demonstrado no item 3.4 deste trabalho.
Outro elemento importante a ser questionado, é que o fato observado pelo pesquisador
ou revelado pelos agricultores a respeito da situação, nem sempre é o mais verdadeiro. Assim
como existem os famosos “caixas dois” nas empresas, existe também uma “realidade dois” em
cada caso da pesquisa discorrida. Neste aspecto, na maioria das vezes só o obvio ou o que o
entrevistado acredita ser mais importante é revelado. Para a compreensão da outra situação que
talvez seja a raiz do problema, na maioria das vezes só poderá ser observada ou compreendida
em conversas de rodas de amigos ou conversas informais. Por este motivo, o crédito agrícola,
apesar de, aos olhos das instituições financeiras possam ter logrado pouco êxito, entretanto, a
enorme contribuição que tem dado para a formação do capital social pode ter sido altamente
valiosa, uma vez que o objetivo é gradualmente alterar as relações sociais, políticas e
econômicas dos próprios agricultores.
É neste sentido que, propor uma nova racionalidade para os agricultores, tal como o
realizado e idealizado pelas instituições, não é tarefa fácil. Só poderá ser definitivamente
89
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efetivada com o acúmulo de experiências, sejam elas positivas ou negativas, mas sempre
servirão de base para alcançar o novo momento que se idealiza, porém ainda é desconhecido.
91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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