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ERIKA ACIOLI GOMES PIMENTA
CONCEPÇÕES DA EQUIPE DE ENFERMAGEM ACERCA DO
PROCESSO DE TRABALHO NO CUIDADO À CRIANÇA
HOSPITALIZADA E À SUA FAMÍLIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Enfermagem, do Centro de
Ciências da Saúde, da Universidade Federal da
Paraíba, como requisito parcial para a obtenção
de grau de Mestre em Enfermagem.
Linha de Pesquisa: Políticas e Práticas em
Saúde e Enfermagem
Orientadora:
Profª Drª Neusa Collet
JOÃO PESSOA – PB
2007
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P644e Pimenta, Erika Acioli Gomes.
Concepções da equipe de enfermagem acerca do processo
de trabalho no cuidado à criança hospitalizada e à sua
família./Erika Acioli Gomes Pimenta. – João Pessoa, 2007.
153p.
Orientadora: Neusa Collet.
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCS
1. Enfermagem pediátrica. 2. Enfermagem - Asistencia à
crianza hospitalizada.
UFPB/BC CDU: 616-083-053.2(043)
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ERIKA ACIOLI GOMES PIMENTA
CONCEPÇÕES DA EQUIPE DE ENFERMAGEM ACERCA DO
PROCESSO DE TRABALHO NO CUIDADO À CRIANÇA
HOSPITALIZADA E À SUA FAMÍLIA
Aprovada em ___ / ____ / _____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Profª Drª Neusa Collet
(Orientadora)
____________________________________________
Profª Drª Ana Tereza Medeiros Cavalcanti da Silva
(Membro / UFPB)
____________________________________________
Profª Drª Akemi Iwata Monteiro
(Membro / UFRN)
____________________________________________
Profª Drª Maria Djair Dias
(Suplente / UFPB)
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida maravilhosa, saúde e fé, que me dá e renova a cada dia, e, por me
fortalecer nas adversidades.
A Nossa Senhora, a quem recorro por intercessão ao Seu filho Jesus.
Aos meus amados pais, Zezito e Ana, pela educação, carinho e amor com que me
criaram, ensinando-me sempre que tudo na vida tem seu tempo e sua hora.
Aos meus amados irmãos, Júnior e Lucas, pela amizade, carinho e apoio. Em especial
a Lucas pela paciência de ter noites mal dormidas, devido às minhas leituras intermináveis,
sobretudo, agradeço pelo empréstimo do computador (com direito a contrato de
responsabilização pela devolução).
Aos meus sogros-pais, Edgard e Margareth, pelo apoio, confiança e pelos momentos
de partilha sobre este trabalho.
Às minhas colegas de trabalho que partilham comigo esse processo de trabalho, ora
trazido à reflexão.
Às crianças enfermas e suas famílias que, muitas vezes sem opção, entregam suas
necessidades de saúde, aos nossos cuidados.
Às professoras, Akemi Monteiro e Djair Dias, pelas suas contribuições na pré-banca.
À Professora Ana Tereza Medeiros pelas contribuições desde o projeto.
À professora Miriam Nóbrega, pela disponibilidade em tirar inúmeras dúvidas durante
o mestrado, bem como participação e colaborações no projeto.
Às colegas do mestrado pelos momentos de alegria e partilha de tristeza que vivemos
juntas.
Ao grupo da criança por cada maravilhoso encontro.
À minha família (avô, tias (o), primas e primos, sobrinha, parentes), amigos e a todos
que acreditaram nesse momento.
Obrigada
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Rodrigo, durante o mestrado a distância esteve sempre “junto” a
nós. Quantos dias desejei tua presença para me encorajar com tua
célebre frase: “Eu admiro como tu és estudiosa e trabalhadora, só
não gosta de malhar!”. Saibas sempre que, teu sorriso me anima e
faz querer viver cada dia intensamente, como se fosse único, e qual
dia não é? Obrigada, com você aprendi a viver a filosofia do Carpen
Diem (colha o presente). Que Deus nos una até o dia o dia em que
formos um para o outro, como disse seu pai: “o melhor amigo, a
mais forte coluna, o mais amplo escudo, o mais macio travesseiro, a
mais saborosa comida...”
EPÍGRAFE
"Infelizmente, muitas vezes, a gente tem vontade de desistir. Mas, é
exatamente o contrário que devemos fazer. O "sistema" (??) quer que
a gente desista para que tudo fique mais fácil. Aí, a gente não desiste,
briga pelo que acha que é certo, incomoda as pessoas
(principalmente os dirigentes, ou os responsáveis oficiais), corre
atrás das pessoas para ajudar no processo, tenta articular, tenta
juntar... um dia dá certo! Pelo menos a nossa esperança é mantida e
os sonhos continuam sendo acalentados. Quando acordamos pela
manhã e começamos a sonhar, com os nossos objetivos, é sinal de
que estamos vivos, projetando expectativas, gerando perspectivas.
Edgard Pimenta
PIMENTA, E.A.G. Concepções da Equipe de Enfermagem Acerca do Processo de
Trabalho no Cuidado à Criança Hospitalizada e à sua Família. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem). Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-
PB, 2007, p.151.
RESUMO
O modo de organização do processo de trabalho da enfermagem na assistência à criança
hospitalizada tem demandado reflexões acerca da dinâmica desse trabalho, em especial a
partir da inserção da família no ambiente hospitalar. A implantação do alojamento conjunto
pediátrico (ACP) ampliou o objeto do cuidado da enfermagem passando a envolver o binômio
criança-família. A fim de verificar como a assistência de enfermagem tem se organizado no
cotidiano do cuidado à criança hospitalizada no ACP, esta pesquisa tem o objetivo de
compreender como está organizado o trabalho da prática assistencial da enfermagem no
cuidado à criança hospitalizada e à sua família. Optamos pela metodologia qualitativa, tendo
como referencial teórico-metodológico a organização tecnológica do trabalho em saúde. A
pesquisa de campo foi realizada em um hospital escola do estado da Paraíba, após aprovação
pelo CEP da instituição. Os sujeitos da pesquisa foram 12 profissionais da equipe de
enfermagem. A coleta de dados foi realizada por meio da entrevista semi-estruturada. A
análise dos dados seguiu os critérios de análise temática proposta por Minayo (2007),
fundamentados à luz do referencial teórico-metodológico adotado. Os resultados assinalam
que o trabalho realizado pela equipe está centrado em procedimentos de maneira que a
interação com a criança e sua família é tangencial no processo de cuidar no hospital em
estudo. Disso decorre a necessidade de discussão sobre a dimensão cuidadora da enfermagem
no processo de hospitalização no ACP. Concordamos que a família deva ser envolvida nos
cuidados à criança, contudo, é importante rever como a enfermagem tem delineado esse
processo, pois não há no cotidiano assistencial uma dimensão da participação da família no
ACP de modo que as concepções da equipe a respeito das implicações dessa participação
apontam para três aspectos: o reconhecimento de que a participação é boa para o trabalho da
enfermagem quando o acompanhante ajuda nos cuidados; a família como óbice no cuidado
quando intervém em alguma conduta; a perda da dimensão cuidadora em que as profissionais
reconhecem que a participação da família na quase totalidade dos cuidados à criança contribui
para que a enfermagem se desresponsabilize do seu exercício profissional. A equipe
reconhece que o modo como está organizado o processo de trabalho ainda não superou o
modelo tradicional de assistência e, para tanto, aponta a necessidade de refletir acerca desse
trabalho e da implantação da educação permanente no serviço. A falta de articulação e
conexão entre os saberes profissionais tem contribuído para a fragmentação da assistência e
para a falta de encontros entre profissionais-profissionais e profissionais-família. Tais
encontros podem possibilitar a superação do modelo centrado nas tecnologias duras e leve-
duras do cuidado para o alcance do cuidado ampliado. Portanto, entendemos que a partir de
encontros que contemplem essas articulações e conexões, quando pautados pelas tecnologias
leves do cuidado, tendo como pano de fundo a construção do projeto terapêutico coletivo, a
equipe em estudo estará se instrumentalizando para construir uma organização tecnológica do
trabalho na perspectiva da integralidade.
PALAVRAS-CHAVE: Processo de trabalho da enfermagem pediátrica, Enfermagem pediátrica,
PIMENTA, E.A.G. Nursing staff’s conceptions about the caring process to the
hospitalized child and his/her family. Dissertation (Master’s in Nursing) Health Science
Center, Federal University of Paraiba, João Pessoa – PB, 2007, p. 151
ABSTRACT
The organizational method of the nursing work process to the hospitalized child has been
demanding reflections about this work’s dynamics, in special from the insertion of the family
into the hospital environment. The implementation of the Pediatric Ward’s Accommodations
(PWA) has broadened the purpose of the nursing cares involving henceforth the child-family
binomial. In order to verify how the nursing assistance is organizing itself in the caring to the
hospitalized child within the PWA, this research had as objective to understand how the
nursing assistance in caring to a hospitalized child and his/her family is organized. We have
chosen a qualitative methodology, having as theoretical-methodological referential the
technological organization of health work. The field research was held in a school hospital
from the State of Paraiba, after receiving the institution’s ERC approval. 12 professionals
from the nursing staff were the subjects of the research. The data collection was performed
through a semi-structured interview. The data analysis followed the criteria of the theme
analysis proposed by Minayo (2007), based under the light of the theoretical-methodological
referential adopted. The results indicate that the work performed by the staff is centered in
procedures in a way that the interaction between the child and his/her family is tangential to
the process of caring in the hospital of this study. From this result a need to discuss the caring
dimension of the nursing process in the PWA’s hospitalization. We agree that the family must
be involved in the caring of the child. However, it’s important to review how the nursing has
been outlining this process because there isn’t a family participation dimension established in
the daily assistance in the PWA and the staff’s conception about the implications of these
participations point to three aspects: the acknowledgement that the participation is good for
the nursing work when the family companion helps in the health care; the family as an
obstacle in the case when they intervene in some procedure; the loss of caring dimension in
which the professional acknowledges that the family participation in almost all cares to the
child contributes to the withdraw of responsibility of nursing in its professional exercise. The
staff acknowledges that the way that the working process is organized hasn’t overcome the
traditional assistance model yet, and for this, the staff points the need to ponder about this
work and the implementation of permanent education in the service. The lack of links and
connections among the professional knowledge has been contributing for the assistance
fragmentation and for the lack of gatherings between professionals-professionals and
professionals-family. Such gatherings might make possible the overcoming of the model
centered in harsh and light-harsh technologies of caring to reach an amplified care. Therefore,
we understand from gatherings that favor these links and connections, when guide lined by
light technologies of caring, having as background the construction of a collective therapeutic
project, the staff in study will be acquiring the instruments to build a technological
organization of work in a full perspective.
Key-words: Pediatric nursing work process, Pediatric nursing, Pediatric Ward’s
Accommodations, Family-child binomial, Hospitalized child.
PIMENTA,E.A.G. Concepciones del Equipo de Enfermería a respecto del Proceso del
Trabajo en el ciudadano, en el niño hospitalizado y en su familia. Disertación (Maestría en
Enfermería). Centro de Ciencias de la Salud, Universidad Federal de Paraíba, João Pessoa –
PB, 2007, p. 151.
RESUMEN
El modo de la organización del proceso de trabajo de la enfermería en la asistencia a los
niños hospitalizados han demandado reflexiones a respecto de la dinámica de este trabajo, en
especial a partir de la inserción de la familia en el ambiente hospitalario. La implantación del
alojamiento del conjunto pediátrico (APC) amplió como objetivo el cuidado de la enfermería
pasando a envolver el binomio niño-familia. Con el fin de verificar como la asistencia de la
enfermería se ha organizado en el día a día el cuidado al niño hospitalizado en la APC, esta
investigación tiene objeto comprender como está organizado el trabajo en la práctica
asistencial de la enfermería en el cuidado al niño hospitalizado y a su familia. Optamos por la
metodología cualitativa, teniendo como referencial teórico-metodológico la organización
tecnológica del trabajo en la salud. La investigación del campo fue realizada en un hospital
escuela del estado de Paraíba, después de la aprobación por el CEP de la institución. Los
sujetos de la investigación fueron 12 profesionales del equipo de enfermería. La recolección
de los datos fue realizada por medio de la entrevista semiestructurada. El Análisis de los datos
siguió los criterios de análisis temático propuesto por Minavo (2007), fundamentados en la
luz de la referencia teórica-metodológica adoptada. Los resultados señalan que el trabajo
realizado por el equipo está centrado en procedimientos de forma que la interacción con el
niño y su familia es tangencial en el proceso para poder cuidarlos en el hospital en estudio. De
esto transcurre la necesidad de discutir sobre la dimensión cuidadora de la enfermería en el
proceso de hospitalización en la APC. Concordamos que la familia deba ser envuelta en los
cuidados de los niños, con todo es importante volver a ver como la enfermería ha delineado
este proceso, pues no hay en el cotidiano asistencial una dimensión de la participación
familiar en la APC de modo que las concepciones del equipo a respecto de las implicaciones
de esta participación apuntan para tres aspectos: El reconocimiento de que la participación es
buena para el trabajo de la enfermería cuando el acompañante ayuda en los cuidados, la
familia como óbice en el cuidado cuando interviene en alguna forma de conducta, la perdida
de la dimensión cuidadora en que los profesionales reconocen que la participación de la
familia en casi todos los cuidados al niño contribuye para que la enfermería se
desresponsabilize de su ejercicio profesional. El equipo reconoce que el modo como está
organizado el proceso del trabajo aún no supero el modelo tradicional de la asistencia y por
lo tanto apunta la necesidad de reflexionar a respecto de este trabajo y de la implantación de
la educación permanente en el servicio. La falta de la articulación y de conexión entre los
conocimientos profesionales han contribuido para la fragmentación de la asistencia y para la
falta de reuniones entre los profesionales – profesionales y los profesionales – familia. Tales
reuniones pueden posibilitar la superación del modelo en las tecnologías duras y leves-duras
para el alcance del cuidado para el cuidado ampliado. Por lo tanto entendemos que a partir de
estas reuniones que contemplen las articulaciones y conexiones, cuando son pautados por las
tecnologías leves del cuidado, teniendo como base la construcción del proyecto terapéutico
colectivo, el equipo en estudio estará se instrumentalizando para construir una organización
tecnológica del trabajo en la perspectiva de la integridad.
PALABRAS LLAVES: Proceso de trabajo de la enfermería pediátrica, Enfermería
pediátrica, Alojamiento conjunto pediátrico, Binomio niño-familia, niño hospitalizado.
LISTA DE ABREVIATURAS
ACP Alojamento Conjunto Pediátrico
AIDIPI Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância
CEATOX Centro de Toxicologia
CONANDA –
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
DIC Clínica de Doenças Infecto-Contagiosas
GEPSS –
Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Sociedade
HULW Hospital Universitário Lauro Wanderley
PAISMC Programa de Assistência Integral da Mulher e da Criança
PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica
PIVIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica Voluntário
PRONAICA Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente
SAE Serviço de Atendimento Especializado
SPA Serviço de Pronto Atendimento (Adulto)
SPAP Serviço de Pronto Atendimento Pediátrico
SUS Sistema Único de Saúde
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UTI Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
RESUMO v
ABSTRACT vi
RESUMEN vii
APRESENTAÇÃO xi
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 17
CAPÍTULO II
2 REVISÃO DA LITERATURA .........................................................................
23
2.1 A Criança na Sociedade e a Apreensão de suas Necessidades de Saúde ............. 24
2.2 A Criança e a Família no Hospital ....................................................................... 33
CAPÍTULO III
3 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ........................................ 50
3.1 Processo de Trabalho ........................................................................................... 51
3.1.1 Processo de trabalho em saúde ............................................................................ 53
3.1.2 Processo de trabalho em Enfermagem ................................................................. 58
3.1.3 Processo de trabalho em enfermagem pediátrica ................................................. 59
3.2 Estratégias de Investigação .................................................................................. 63
3.2.1 Cenário do estudo ................................................................................................ 64
3.2.2 Coleta de dados empíricos ................................................................................... 67
3.2.3 Análise dos dados empíricos ................................................................................ 69
CAPÍTULO IV
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................................ 73
4.1 A Organização do Processo de Trabalho da Enfermagem em Alojamento
Conjunto Pediátrico ............................................................................................. 74
4.1.1 Concepções dos profissionais da Enfermagem em relação ao trabalho .............. 76
4.1.1.1 Condições de trabalho .......................................................................................... 86
4.2 Significado da Participação da Família para a Equipe de Enfermagem .............. 96
4.2.1 Cuidado realizado pelas profissionais da equipe de enfermagem ....................... 98
4.2.2 Cuidado realizado pela mãe / fiscalização profissional ....................................... 103
4.2.3 Relação equipe-família: o cotidiano de uma submissão velada ........................... 108
4.2.4 As concepções da equipe de enfermagem acerca da participação da família no
cuidado .................................................................................................................
113
4.3 Repercussões / Implicações da Organização do Trabalho para a Profissão ........ 119
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
133
REFERÊNCIAS .................................................................................................
138
APÊNDICES
Apêndice I Roteiro de Entrevista .................................................................... 148
Apêndice II
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..................................
150
ANEXO
Anexo I Certidão ........................................................................................ 152
________APRESENTAÇÃO________
O homem está constantemente decidindo... Toda ação humana tem uma
motivação que o convence a agir ou deixar de agir de certa forma. Quando
estamos diante de uma determinada situação, fazemos um juízo e optamos,
após uma motivação interior, por uma das situações. Isso acontece em quase
todos os atos da nossa vida.
Fabiano Moura de Mora
Apresentação 14
Apresento nesse momento o resultado de minha pesquisa de mestrado, mostrando
inicialmente como se deu minha aproximação com a temática abordada nesta pesquisa, a
saber, o processo de trabalho da equipe de enfermagem pediátrica e a criança hospitalizada.
Esse é um momento de especial reflexão para mim, sobretudo quando me reporto à minha
graduação. Enquanto discente de enfermagem, tive poucas oportunidades de trabalhar em
pediatria, porém desde outrora já sabia o carinho que tinha pelas crianças e a curiosidade em
entender o seu mundo. No entanto, não tinha a noção de quão maravilhoso é partilhar
experiências com as mesmas, ainda que estas estejam enfermas, com algumas privações da
vida, quer momentânea, quer permanentes. Durante os estágios nós, alunos, não tínhamos
momentos de partilha com as crianças e suas famílias, senão para administrar medicamentos
orais, ou observar a mãe fazer tal procedimento. A falta de aproximação com o binômio me
fez na época acreditar que, embora tivesse muito apreço à infância, não estava em meus
planos atuar nessa área. Trabalhar em um hospital pediátrico para mim era uma opção fora de
expectativa. Qual não foi minha surpresa o meu primeiro emprego em hospital, área da
enfermagem em que sempre tive mais aproximação, foi exatamente em um hospital
pediátrico, onde trabalhei por 07 meses consecutivos.
A partir do momento em que me inseri em um hospital pediátrico, percebi o aumento
gradativo do meu interesse em conhecer e entender a infância e as suas freqüentes e variáveis
modificações. O desejo de investigar a hospitalização infantil veio da minha então vivência
enquanto profissional em Clínica Pediátrica, como enfermeira assistencial. Um ano após o
meu ingresso no citado hospital, fui trabalhar em um hospital escola, que atende a diversas
áreas da saúde, e, nesse momento, optei por trabalhar na clínica pediátrica.
Com alguns anos de trabalho pude observar aspectos peculiares à assistência no ACP
que me despertaram interesse pela área. A fim de aprofundar meus estudos na temática da
hospitalização infantil e conhecer como é desenvolvida a prática assistencial em pediatria
hospitalar procurei participar de eventos relacionados a essa área, bem como me capacitar e
estudar a infância em seu contexto individual, familiar e social. Para subsidiar minhas
pesquisas, passei a buscar na literatura nacional, internacional, em trabalhos científicos, em
Apresentação 15
sites indexados, revistas científicas, pesquisas relacionadas à assistência pediátrica no
contexto hospitalar e assuntos relacionados ao tema.
Ao ingressar no Mestrado, o meu desejo de estudar o cotidiano da equipe de
enfermagem no ambiente hospitalar se concretizou. Nesta dissertação, pesquisei, juntamente
com a minha orientadora, acerca do processo de trabalho da enfermagem pediátrica, no
hospital em que trabalhamos. À aproximação com o processo de trabalho em saúde deu-se no
próprio mestrado. Inicialmente, a apreensão da temática não foi fácil, tendo em vista, a sua
complexidade e a minha falta de conhecimento em relação ao tema. Entretanto, as discussões
realizadas no subgrupo da criança, vinculado ao
Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e
Sociedade
– GEPSS, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, inicialmente com
reuniões semanais e posteriormente quinzenais dos participantes do grupo (docentes da
disciplina de enfermagem pediátrica da UFPB, mestrandos, graduandos, alunos de PIBIC e
PIVIC, outros alunos), sob a coordenação da profª. Drª. Neusa Collet, foram por demais
valiosos para a minha aproximação com o referencial do processo de trabalho e desejo de
aprofundar meus conhecimento sobre o tema.
A cada encontro as atividades se desenvolviam no sentido de aprofundamento da
temática, em que discutíamos textos de Karl Marx, Emerson Merhy, Denise Pires, Marina
Peduzzi, Luciane Prado Kantorski, Eduardo Passos Nogueira, Wilson Lunardi, Maria Teresa
Leopardi e, sobretudo Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves, além de outros pesquisadores que
têm estudado o processo de trabalho e processo de trabalho em saúde. Os momentos eram de
intensa partilha e discussão de forma que o tema antes confuso e hermético, para grande parte
dos integrantes do grupo, tornou-se prazeroso e claro.
Portanto, diante do meu desejo de estudar a criança hospitalizada, acrescido do tema
processo de trabalho em saúde, emergido a partir do meu ingresso no mestrado, optamos por
estudar o “Processo de Trabalho da Enfermagem Pediátrica na Assistência à Criança
Hospitalizada”.
Neste relatório final de pesquisa prefaciamos com a introdução problematizadora do
tema em estudo, que nos aponta questões importantes da assistência à criança hospitalizada
que merecem ser aprofundadas em pesquisas que busquem apreender a organização do
processo de trabalho em saúde nos seus amplos aspectos.
No capítulo II, para compreender como se realiza o processo de construção da
assistência de enfermagem à criança hospitalizada, tendo o familiar como um cuidador, foi
Apresentação 16
realizada uma revisão histórica sobre a criança na família e na sociedade, pontuando aspectos
relacionados à hospitalização infantil a fim de que esses elementos subsidiassem a construção
do nosso objeto de investigação. Os temas abordados neste capítulo foram A Criança na
Sociedade e a Apreensão de suas Necessidades de Saúde, A Criança e a Família no Hospital.
No capítulo III apresentamos o referencial teórico-metodológico e as estratégias de
investigação.
No capitulo IV segue a análise e discussão dos dados, cujos resultados assinalam a
necessidade iminente de discussão e reflexão
_________INTRODUÇÃO__________
A capacidade definitiva de um homem não está nos momentos de conforto e
conveniência, mas nos períodos de desafios e controvérsias.
Martin Luther King
Introdução 18
1 INTRODUÇÃO
O processo de trabalho em saúde é complexo por envolver vários profissionais que
trabalham, de certa forma, individualizados, mas que ao mesmo tempo são interdependentes.
Na enfermagem, essa característica torna-se mais nítida em relação aos demais profissionais
da área, em especial ao médico, pois grande parte das ações realizadas nessa profissão
acontece concomitantemente a cuidados prescritos pelos médicos (PEDUZZI, 1998).
Na realidade, a profissão medeia as ações entre os profissionais e os usuários, o que se
configura numa rede de apoio para o conjunto de atividades de diversos profissionais, relata a
mesma autora. Tal fato não deve ser visto como negativo, já que a finalidade do processo de
trabalho em saúde é a prestação de serviços para a promoção da saúde e melhoria na
qualidade de vida. Na pediatria, esse processo se torna mais complexo devido à participação
direta da família no cuidado, bem como ao modo como a família foi e ainda é inserida no
processo de cuidar, durante a hospitalização infantil.
Nesse contexto, a assistência de enfermagem pediátrica tem revelado peculiaridades
relacionadas ao modelo assistencial vigente, no qual a participação de uma pessoa da família
da criança é constante. A assistência à criança hospitalizada é permeada por situações
adversas, advindas do cotidiano, relacionadas à interação e integração entre as partes
envolvidas no cuidado, a saber, a família juntamente com a equipe de saúde.
O reconhecimento da importância da família no processo de cuidar da criança
hospitalizada tem sido um tema discutido nos últimos tempos, por enfermeiros que admitem
ser esta uma realidade invisibilizada, pois a dimensão da participação da família no cuidado
hospitalar constitui um fenômeno não oficialmente reconhecido. A reflexão acerca dessa
situação motivou nosso interesse por uma investigação sobre a prática assistencial do cuidado
realizado pela equipe de enfermagem e pela família no ambiente hospitalar. Pressupomos que
a família inserida no processo de cuidar determina conseqüências ao processo de trabalho da
equipe de enfermagem alterando sua dinâmica no ambiente hospitalar.
No Brasil, no final da década de 1980, teve início um processo de inserção de um
acompanhante durante a hospitalização infantil. Essa prática foi pioneira no Estado de São
Paulo com o Programa Mãe-Participante (SÃO PAULO, 1989). Em 1990, com a
regulamentação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a presença do acompanhante se
torna um direito legal (BRASIL, 1990). A partir de 1995, por meio da Resolução Nº 41 do
Introdução 19
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a família passa a
ter direito de ser diretamente envolvida no processo de cuidar, devendo participar da tomada
de decisões do tratamento da criança e do adolescente, juntamente com a equipe de saúde
(BRASIL, 1995).
Esse processo revela as profundas mudanças ocorridas na assistência à saúde da
criança hospitalizada, no país, que passou de um modelo de separação do vínculo criança-
família para o modelo de Alojamento Conjunto Pediátrico (ACP), no qual a família
permanece durante o período integral junto à criança no hospital e é envolvida no processo de
cuidar, na promoção de saúde e prevenção de doenças (COLLET; OLIVEIRA, 2002).
Na atualidade já é possível identificar os benefícios trazidos à criança hospitalizada,
pela permanência de um acompanhante. A presença de uma pessoa significativa deixa-a mais
segura, confiante, feliz, e até acessível aos procedimentos durante a hospitalização, o que
contribui para uma recuperação mais breve e uma hospitalização menos traumática e sofrida
(MACHADO; MARTINS, 2002). A família no ambiente hospitalar deve prover as
necessidades emocionais da criança. Para Oliveira e Collet (1999) é no familiar significativo
que a criança busca apoio, orientação, proteção para enfrentar o desconhecido e o sofrimento.
Estudos comprovam que a alegria e o ânimo aumentam a produção de anticorpos melhorando,
assim, a imunidade e contribuindo para a recuperação mais breve (MOOR, 1973, apud
CARVALHO; LOMBA, 2006). Desse modo, o ACP é um modelo assistencial que vislumbra
diminuir o sofrimento não apenas da criança, mas do binômio criança-família.
O hospital é para a criança e para a família, um ambiente de privação e medo, e o processo
de hospitalização modifica toda a dinâmica familiar. Durante o período de internamento o
binômio é privado de algumas atividades do cotidiano: a criança é afastada do convívio com
irmãos, parentes, amigos, escola, lazer, brinquedos e brincadeiras pessoais; a família também é
separada do convívio com outros filhos, familiares, trabalho, amigos, lazer, além da perda do
controle da organização do lar. As rotinas hospitalares são, muitas vezes, pouco flexíveis, o
horário de visitas geralmente é fixo e rígido, a permuta de acompanhantes em alguns casos
também tem hora marcada, em determinadas instituições os pais (homens) não podem pernoitar
com as crianças, dificultando a adaptação das rotinas familiares àquelas do hospital. A
organização do processo de trabalho nas instituições hospitalares tem se pautado pelas decisões
individuais dos profissionais em detrimento das necessidades da criança e sua família. Tais
situações exigem da família uma disponibilidade exclusiva de tempo para o processo de
hospitalização (WONG, 1999, MACHADO; MARTINS, 2002).
Introdução 20
Esse contexto requer que a assistência de enfermagem se realize por meio de um
cuidado voltado à criança e à sua família. Isso implica repensar as modificações necessárias
no processo de trabalho profissional, considerando a inserção da família no hospital, e
reconhecendo sua participação no cuidado. Não houve uma capacitação específica para os
profissionais receberem o acompanhante, nem a inserção da família no hospital ocorreu de
forma sistematizada. Essa falta de organização prévia é, possivelmente, uma das razões pelas
quais existem conflitos entre esses sujeitos no cotidiano hospitalar.
Collet e Rocha (2004) alertam para o fato de que a família tampouco foi
instrumentalizada a ficar no hospital tendo sido, tão somente, encorajada a acompanhar a
criança durante a hospitalização. A partir de então, ela tornou-se agente do cuidado, embora
não tivesse sido efetivamente considerado o modo como a família e a enfermagem poderiam
compartilhar essa nova experiência. Diante dessa realidade, defendemos que os profissionais
devem buscar construir uma relação de equilíbrio com a família, com o intuito de prestar uma
assistência integral e humanizada à criança, pela via do processo de trabalho.
A família, na maioria das vezes, deseja participar do cuidado, no entanto, devido ao
desconhecimento ou conhecimento insuficiente da enfermidade ou do tratamento, sente-se
insegura ou mesmo incapaz de ser co-partícipe do cuidado, devendo ser instrumentalizada a
cuidar do filho no hospital. Sobretudo, é importante que a mesma seja reconhecida como
fonte de segurança para a criança durante o processo de hospitalização. Nesse processo, a
equipe, a criança e a família vivem os mais variados sentimentos. São momentos diversos que
variam entre dor, medo, insegurança, dúvida, como também momentos de alegria durante as
brincadeiras, esperança, ânimo e confiança na recuperação da saúde e alta hospitalar. Para
Collet e Rocha (2003) os sentimentos vivenciados pelos familiares são ambivalentes, sofrem
pela hospitalização do filho, mas ficam felizes pela expectativa da melhora. A família se
esforça para não ficar afastada da criança, mesmo quando se sente cansada.
Bowlby (1995) publicou um trabalho enfatizando os efeitos danosos da separação
infantil da sua família em seu desenvolvimento, enquanto permaneciam em instituições. A
partir desses dados, o autor postulou que, para desenvolver-se normalmente, a criança
precisaria ter, durante os primeiros anos de vida, uma relação afetiva e íntima com sua mãe ou
mãe substituta. O autor salienta que essas relações íntimas, afetivas e contínuas entre mãe e
filho são imprescindíveis para a saúde mental do indivíduo adulto, e que, a privação do
cuidado materno, pode estar associada a desordens de caráter em vários aspectos, inclusive
psiquiátrico.
Introdução 21
Considerando as necessidades peculiares de crescimento e desenvolvimento da
infância, bem como os aspectos da hospitalização apontados, destacamos a importância de a
enfermagem buscar realizar uma assistência que apreenda as singularidades dessa fase da
vida. Com o modelo do ACP, reconhecemos que a profissão precisa abarcar o objeto de
cuidado ampliado, visando estender a assistência que realiza no cotidiano assistencial, além
da criança, à família. A institucionalização do acompanhante na hospitalização infantil
instaura um conjunto novo de necessidades que repercute em todo o processo de trabalho. A
necessidade mais imediata é organizar a mudança, pois a enfermagem parece não ter
conseguido ainda se apropriar da dimensão do cuidado ampliado tendo em vista que não está
dando conta de atender às novas demandas desse cuidado. Assim, a organização do processo
de trabalho tem se configurado pela desarticulação dos atos em saúde realizados à criança
pela família e pela equipe durante sua estada hospitalar.
No cotidiano da nossa prática assistencial, observamos que a participação da família
no cuidado é realizada, muitas vezes, de modo desarticulado e à mercê da vontade e interesse
de cada profissional. Grande parte dos profissionais não tem efetivado o seu trabalho em
consonância com os familiares. Essa falta de articulação tem suscitado divergências no
entendimento da importância da permanência familiar no ambiente hospitalar, bem como da
dimensão da sua participação na assistência, enquanto acompanhantes. Nesse sentido, o
cuidado à criança é desempenhado quase em sua totalidade pela família, numa condição de
imposição implícita ou explícita por parte da equipe, pois os cuidados realizados pela família
não são negociados, mas impostos. Nesse contexto, o trabalho da equipe de enfermagem tem
se restringido à administração de medicamentos parenterais e alguns procedimentos mais
invasivos, enquanto o acompanhante tem se responsabilizado pelo conforto, higiene,
alimentação. Desse modo, a família não tem sido objeto de cuidado e sim realizadora de
cuidados. (VERNIER; DALL’AGNOL, 2004).
Pesquisas registram que a família tem realizado cuidados de responsabilidade da
enfermagem (COLLET; ROCHA, 2003; VERNIER; DALL’AGNOL, 2004; SABATÉS;
BORBA, 2005). A partir do momento em que família começou a executar atos em saúde,
atribuídos ao exercício profissional da enfermagem, iniciou-se um processo de reorganização
da prática assistencial. Dessa forma, a utilização de novos instrumentos de trabalho passou a
ser necessário quando da realização do seu processo de trabalho, alterando, também, a
finalidade da assistência.
Introdução 22
Com base ainda na nossa experiência profissional, constatamos que a realidade do
trabalho se assemelha às situações descritas pelos autores que apóiam esse estudo, sobretudo,
Collet e Rocha (2003), razão que encorajou o recorte da dimensão do processo de trabalho da
equipe de enfermagem pediátrica para este estudo.
Reconhecemos que a participação da família no processo de cuidar ainda é uma
situação não regulamentada, mas ela acontece na prática, nomeadamente, porque as crianças
menores, não têm capacidade de entender determinadas situações, como aceitar um
procedimento invasivo para uma recuperação mais rápida. Nesse sentido, a presença de uma
pessoa da sua confiança é essencial. A segurança oferecida por pessoas de sua confiança gera
conforto e melhora em certos casos. Contudo, a enfermagem precisa considerar a
complexificação dos cuidados sob a responsabilidade do acompanhante, mesmo àqueles que
parecem bem simples como os que comumente são efetivados pela família no cotidiano da vida
doméstica, porque no ambiente hospitalar eles assumem outros significados. Disso decorre a
necessidade de instrumentalizar a família para executá-los, o que implica repensar os elementos
do processo de trabalho, especialmente os instrumentos, entre os quais se encontra o saber que
orienta todo o processo.
Em síntese, a dimensão da participação da família no cuidado à criança hospitalizada
instaura a necessidade de a enfermagem rever seu processo de trabalho para adequá-lo ao novo
contexto. Tal situação requer reflexões, análise e discussão para a sistematização do cuidado
integral e humanizado ao binômio no ambiente hospitalar, razões pelas quais nos sentimos
motivados a realizar essa investigação em nosso ambiente de trabalho, buscando respostas para
os seguintes questionamentos: Quais as concepções da equipe de enfermagem acerca do seu
processo de trabalho na assistência à criança hospitalizada e à sua família? Como a
enfermagem tem organizado a prática assistencial no cotidiano do cuidado? Qual o
significado da participação da família no cuidado à criança? Que repercussões/implicações
tem essa participação da família no cuidado na dinâmica do trabalho da enfermagem?
Para tanto, temos como objetivo geral nesta pesquisa: compreender como está
organizado o trabalho da prática assistencial da enfermagem no cuidado à criança hospitalizada
e à sua família. Os objetivos específicos são: compreender como a enfermagem tem organizado
a prática assistencial no cotidiano do cuidado à criança e sua família; apreender o significado
que a enfermagem atribui à participação da família no cuidado à criança; analisar as
repercussões/implicações desse significado para o processo de trabalho em enfermagem.
___________CAPÍTULO II___________
Você é a criança, que um dia vai crescer! É a promessa, que vai se realizar! É a
esperança da humanidade se entender! É a realidade que o adulto precisa ver...
e também aprender a ser...
Lauro Kisielewicz
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 24
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 A Criança na Sociedade e a Apreensão de suas Necessidades de Saúde
A atenção à criança passou por diferentes formas de cuidado ao longo da história da
humanidade, até os dias atuais. De acordo com Jaeger (1989), na Antiguidade, os pais, a ama
e o pedagogo disputavam pela educação das crianças. Em casa, ensinavam-se as mesmas a
diferença entre o certo e o errado e, quando necessário, eram punidas com castigos. Após
certa idade, iam às escolas onde eram ensinados poemas, música e ginástica para fortalecer o
corpo, pois não se admitia que um homem fracassasse por debilidade do corpo. A partir do
final do século XVIII com a constituição da burguesia, a melhor educação era oferecida às
famílias burguesas. Os filhos dos burgueses entravam mais cedo e saiam mais tarde da escola,
comparadas às demais crianças. Mas esse tipo de tratamento se modificou ao longo do tempo.
A literatura aponta que durante muitos séculos a criança foi tratada como ser
insignificante, sendo a infância uma fase efêmera e sem valor, uma fase sem importância, que
não precisava ser lembrada (ARIÈS, 1978). Segundo Orlandi (1985), ao longo de muitas
décadas, a assistência à criança foi realizada por filantropos e organizações religiosas.
Praticamente, só no século XX foi que os poderes oficiais passaram a tomar para si parte
dessa responsabilidade.
Em meados do século XVI, os ensinamentos eram transmitidos pelos adultos nas
residências como se as crianças fossem adultas. De uma maneira geral as mesmas eram
tratadas como adultos em miniaturas (ARIÈS, 1978).
O autor nos explica que no passado, essa fase era tida como tão insignificante, que não
se temia que após a morte as crianças pudessem importunar os vivos, como eles criam que
acontecia com os demais mortos. As pessoas temiam que os mortos os amedrontassem, mas
não temiam as crianças, tamanho era o descaso com as mesmas.
De acordo com Orlandi (1985), a indiferença dos adultos para com as crianças ao
longo dos séculos, pode ter diversas explicações, entre as quais, as relacionadas à alta taxa de
mortalidade. O risco iminente de morte do filho poderia ser um motivo para as famílias não se
apegarem às crianças e, assim, sofrerem menos em casos de morte; a questão socioeconômica,
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 25
tanto a miséria que impedia uma criação que suprisse as necessidades vitais, quanto a riqueza,
pois a criança poderia constituir um óbice na vida da família.
Ariès (1978) faz uma contextualização histórica das crianças em alguns séculos e
relata determinadas situações adversas vivenciadas pelas mesmas. Sob a óptica desse autor
vejamos algumas situações ocorridas entre os séculos XVI e XVIII.
Em relação à identificação infantil e à construção histórica da família, o autor afirma
que até a Idade Média as pessoas eram identificadas por um único nome. A partir de então,
essa forma foi considerada incerta e criou-se o sobrenome, muitas vezes, relacionado à região
habitada pela família, para não haver confusões. Era preciso encontrar um meio de distinguir
uma pessoa da outra. O registro da criança por muito tempo foi realizado pela igreja junto
com o batismo, que na época era obrigatório. Em muitos casos a idade da criança era
incompatível com o registrado, pois a família dependia da programação da igreja para batizar
seus filhos.
Foi a partir do século XVI que a idade das pessoas começou a ser valorizada,
especialmente por aqueles que freqüentavam a escola, pois a idade era uma das formas de
seleção de alunos, além da classe social e do sexo. Um dos meios utilizados para se calcular a
idade era as fotos, nas quais eram registrados quantos anos a pessoa tinha. As fotos também
serviam para contar um pouco sobre a família, esse meio histórico perdura até hoje. Outras
fontes históricas que traduzem o passado das crianças são os diários em que as pessoas, além
de contas, registravam fatos e sentimentos experienciados por elas. Contudo, acredita-se que
naquele século as crianças escolarizadas sabiam a sua idade, porém, por uma questão de boas
maneiras não revelavam.
Entre os séculos XVI e XVII a escola surgiu como lugar de confinamento da infância,
era um meio de isolamento, de separá-las do convívio com os adultos. Com a escolarização
“começou um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres,
das prostitutas)” (ARIÈS, 1978, p. 11). A inserção da criança na escola era um meio utilizado
para distanciá-la da família, uma vez que a criança era tida como um ser insignificante,
portanto, estando na escola dava menos trabalho, como também tirava da família o peso da
realização dos cuidados.
Naquela época, a família, geralmente, era constituída sem apego e o relacionamento
entre pais, mães e filhos era de convivência, não sendo evidenciados sentimentos de amor.
Após o início do processo de escolarização, os pais passaram a se preocupar mais com seus
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 26
filhos e até a limitar seu número, para assim assistir melhor à família. No século XVIII, o
médico começou a exercer papel importante na família, chegando até a superar o papel do
padre que era muito influente até então. Por meio da criança, o médico atuou mais
eficientemente junto às famílias, pois elas apresentavam problemas de saúde mais variados.
Com o objetivo de diminuir a morbi-mortalidade infantil e oferecer melhoria nas
condições de vida dos adultos, naquela época, foram criadas normas educativas voltadas
especialmente para a higiene familiar e da comunidade (ORLANDI, 1985).
O autor nos relata que, no Brasil, historiadores da época colonial falam sobre o culto à
criança morta, que eram denominadas anjinhos. Suas mães alegravam-se com as suas mortes,
pois acreditavam que seus filhos iriam encontrar-se no céu com Deus. Até a Revolução
Burguesa, o pensamento dominante pautava-se pela orientação do enfoque teológico, daí o
culto à morte.
Orlandi (1985) mostra tamanho descaso por meio de dados que revelam uma
mortalidade infantil elevadíssima no Brasil. Em meados de 1882 chegou a 460 por 1000
nascidos vivos, incluindo os nati-mortos, contando até os 07 anos de idade. Uma das
principais causas consideradas para tantas mortes era a ilegitimidade dos filhos, já que a
mortalidade dos filhos adotivos era o dobro dos biológicos, além dos partos feitos por
parteiras inábeis e, ainda, a procura tardia por auxílio médico quando as crianças adoeciam.
Ao abordarmos acerca da história social da criança não podemos deixar de conhecer
uma das mais duradouras instituições de assistência à infância: A Roda dos expostos. O
sistema de rodas foi criado na Europa Medieval, na Itália. De acordo com Valdez (2002 apud
ANDRAUS, 2005), a roda foi criada pela igreja católica, com o intuito de diminuir o
abandono e as mortes dos bebês, naquela época.
No Brasil, essa prática teve início no século XVIII, existindo no período de 1726 até
1950 (FREITAS, 1997). Essas rodas foram criadas com o intuito de cuidar de crianças
abandonadas e proteger a honra das famílias coloniais. Quando filhas de homens nobres
engravidavam e os pais não assumiam as crianças, estas eram, muitas vezes, entregues nas
rodas. Com o tempo essas instituições de apoio passaram a servir de refúgio para pais e mães
irresponsáveis que se sentiam livres para realizar suas transgressões sexuais. Alguns casais
passaram a ter filhos sem preocupar-se com a criação, pois sabiam que podiam colocá-los na
roda para serem criados pelas cuidadoras das instituições. A roda também foi utilizada pelas
escravas, para livrar seus filhos da escravidão (ORLANDI, 1985).
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 27
O mesmo autor salienta que o nome roda está relacionado ao modo como as crianças
eram dadas às instituições. O modelo usado era semelhante aos cilindros medievais de
madeira utilizados para enviar alimentos e mensagens, aos residentes de mosteiros e
conventos. As crianças eram colocadas em um cilindro rotatório sobre um colchão e rodado
para o lado de dentro das instituições, logo após era tocada uma sineta para comunicar a
chegada de mais uma criança. Não era permitido saber quem as colocou na roda.
Mesmo a criança não tendo importância na sociedade, em casos de abandono já no
século XIII, em Roma, o Papa Inocêncio III criou o primeiro hospital destinado a acolher
crianças, devido ao sofrimento que sentia ao vê-las morrendo após serem abandonadas
(FREITAS, 1997).
Esse autor explica que durante muitos anos, ao longo da história, encontramos relatos
das mais diversificadas formas de exclusão, abuso e sofrimento não só das crianças filhas de
escravos ou pobres, mas também aquelas cujos pais não queriam ter trabalho e as entregavam
às amas-de-leite a fim de serem criadas até crescerem suficientemente a ponto de serem úteis
à sociedade. Algumas amas-de-leite eram as próprias mães, uma vez que recebiam pagamento
para amamentar as crianças. Elas cuidavam dos filhos e recebiam um pagamento ao mesmo
tempo. Em casos de a criança morrer, houve vezes em que as amas-de-leite omitiam a morte
para continuar recebendo o seu pagamento de ama, ainda por algum tempo.
No que concerne à importância das mudanças de fases da infância, a literatura
pesquisada mostra que, por vários séculos, foi difícil entender as alterações pelas quais
passavam as crianças até chegarem à idade adulta, certamente relacionada à desvalorização
infantil. Não se sabia ao certo a sua idade, nem havia interesse em entender quais as
necessidades de cada etapa do seu desenvolvimento. Sabia-se de etapas pelas quais passariam
até chegar à idade adulta, no entanto, não importava as peculiaridades de cada uma (ARIÈS,
1978). Por não se saber ao certo se as crianças iriam crescer, pouco se investia nelas.
Em uma tentativa de subdividir a infância por faixa etária, ainda no século XVI
tentou-se traduzir as fases da vida do latim para o francês, mas a diversidade de palavras da
primeira língua era incompatível com a carência da outra. Os adolescentes eram confundidos
com as crianças, devido à falta de um termo específico para a faixa etária. Durante o século
XVII a idéia de infância estava associada à dependência, ou seja, a criança só saía da infância
quando fosse capaz de realizar atividades laborais (ARIÈS, 1978).
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 28
Além da dificuldade de subdividir as fases da vida, a fim de caracterizar as
peculiaridades de cada uma, havia também uma carência de termos para tratar as crianças,
conforme relatamos. Até o início do século XIX não havia designação para menores de um
ano, quando na França tomou-se emprestado o temo inglês baby que designava crianças em
idade escolar. Daí em diante crianças pequenas receberam o nome de bebé, que em português
denomina-se bebê (ARIÈS, 1978). Durante a revisão bibliográfica não foram encontradas
outras opções de termos em outra língua.
Entre os séculos XVI e XVIII, as fases da vida foram conhecidas como “idades da
vida”. Um texto de Ariès (1978) nos exemplifica algumas delas, a saber, a idade dos
brinquedos, em que as crianças brincavam com brinquedos caseiros como cavalos de pau,
bonecas e animais; a idade da escola, em que os meninos aprendiam a ler e as meninas a fiar;
a idade do amor, cujas imagens mostram moças e rapazes em festas e passeios; e a idade da
guerra, na qual a imagem guardada é a de um homem armado.
No século XIX, Florence Nightingale demonstrava preocupação com cuidados
especiais às crianças, como ambiente alegre e seguro, roupas adequadas, ar fresco, condições
sanitárias favoráveis à prevenção de doenças (NIGHTINGALE, 1989).
De acordo com Gomes e Adorno (1990) somente no século XIX a criança passou a
receber assistência sistematizada relacionada à alimentação, vestuário, disciplina e educação,
diferente de como fora no passado, já que em outras épocas os pais e a sociedade não tinham
o devido conhecimento das necessidades peculiares às idades da criança e, ainda que
desejassem, não sabiam bem como auxiliá-las.
No início de século XXI, a ciência preocupa-se em estudar a vida de um modo geral,
com diversas especialidades e especificidades vinculadas a cada fase da vida, bem como
diferenças orgânicas relacionadas ao sexo, busca ainda, entender o equilíbrio entre corpo e
mente, associando o que há de moderno ao que se conheceu ao longo da história da
humanidade, ao senso comum e ao conhecimento empírico desejando cada dia mais a
longevidade.
Na atualidade, percebem-se mudanças na atenção à saúde. Estudos minuciosos são
realizados a respeito de cada fase do desenvolvimento infantil, contribuindo para que os
governos desenvolvam programas de saúde de qualidade mais elevada e com possibilidade de
realizações na prática, de modo a manifestar sua preocupação com a sociedade, a família e os
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 29
demais grupos populacionais, como as crianças e os adolescentes, a partir das necessidades
manifestadas e as reconhecidas.
No que tange à saúde foi somente no século XVIII que o médico, a partir de uma
necessidade social, começou a atender a família em domicílio. Naquele século, os hospitais
ainda se organizavam no sentido da prática individualizada do atendimento a pessoas sem
família, portadoras de doenças contagiosas, proteção dos doentes contra práticas ignorantes,
bem como era um meio de proteger as pessoas saudáveis. As famílias que tinham condições
cuidavam dos seus doentes em casa (FOUCAULT, 1998).
O mesmo autor explica que o hospital só passa a ser apreendido como ambiente
terapêutico no final século XVIII. A consciência de que o hospital pode e deve ser um
instrumento destinado à cura aparece em torno de 1780. Naquela época havia nos hospitais
uma área reservada às crianças (ARIÈS, 1978).
As alterações na forma de assistir acompanham o valor e o significado que a sociedade
dá à criança, sendo esses motivados pelas necessidades políticas e econômicas (ROSEN,
1994). Freitas, Fugulin e Fernandes (2006) salientam a mudança no enfoque do cuidado à
criança a partir da segunda metade do século XVIII. Nesse período, há um fortalecimento do
capitalismo na Europa e maior preocupação com a manutenção da saúde dos trabalhadores
para atender às necessidades do capital. Nesse contexto, a criança passou a ser percebida
como um ser com necessidades que deveriam ser atendidas para que fossem futuramente
capazes de se tornar operadores de máquinas.
Nessa perspectiva, os serviços de saúde se desenvolvem com o intuito de produzir
condições indispensáveis para atender às necessidades políticas e sociais da época, garantido a
manutenção e preservação da força de trabalho (COLLET; OLIVEIRA, 2002).
Inicialmente, a preocupação com a saúde da criança surgiu a partir de cuidados com a
alimentação, a higiene, o ambiente, os cuidados pré e peri-natais, com a possibilidade de a
mãe cuidar da criança nos primeiros meses (ROCHA; ALMEIDA, 1993 apud COLLET;
OLIVEIRA, 2002). Em 1802, em Londres, foi construído o primeiro hospital pediátrico,
seguido do “Hospital for Sick Child”, em Paris. Estes são considerados o marco inicial da
assistência à criança (WAECHTER; BLAKE, 1979 apud COLLET; OLIVEIRA, 2002).
No Brasil, Oliveira (1999 apud RODRIGUES; OLIVEIRA. 2004), descreve que em
1882 foi inaugurada a Policlínica Geral do Rio de Janeiro, um marco na história da pediatria
brasileira, pois possuía um consultório infantil e realizava cursos sobre doenças das crianças.
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 30
Em 1899, foi criado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, cujo
funcionamento efetivo teve início em 1901. Este serviço atendia gestantes desde o pré-natal
ao parto e as crianças do nascimento aos 14 anos.
Somente a partir de 1920, no país, registrava-se o início da preocupação com o
atendimento à criança, voltadas ao serviço de higiene infantil. Nessa época, foi regulamentada
a licença à gestante e puerperal (30 dias para cada uma das situações) e a proibição do
trabalho fabril para menores de doze anos (ZIONI GOMES; ADORNO, 1990).
Os autores citados colocam que se registrava, naquela época, o aparecimento
concomitante da educação sanitária e da higiene infantil, ambas com a mesma orientação
filosófica, que centrava no comportamento do indivíduo as raízes de seus problemas. Tais
orientações não refletiam sobre as condições concretas de existência, sobre o saber popular
elaborado a respeito dos temas de saúde e sobre a estratégia de vida elaborada pelas camadas
populares diante das pressões do cotidiano.
A partir da então década de 1920, a assistência médica individual e hospitalar já era
predominante em relação à assistência médica coletiva e de saúde pública, priorizando,
portanto, o tratamento das doenças em detrimento à prevenção das mesmas. Tal fato
influenciou a prática de internação hospitalar de crianças e o cuidado sistematizado
dispensado a elas. A enfermagem desenvolveu-se num caminho correlacionado com o da
medicina nesse campo da assistência (COLLET; OLIVEIRA, 2002).
O hospital no cuidado à criança, como instituição terapêutica, tirou da família a
responsabilidade integral do cuidar do seu doente. Ademais, devido à carência de antibióticos,
o cuidado com as infecções cruzadas era enorme e a visita era um perigo ao controle dessas
infecções. Segundo Rocha e Almeida (1993 apud COLLET; OLIVEIRA, 2002) as crianças
eram confinadas aos seus leitos e isoladas umas das outras, ficando também afastadas de seus
familiares, certamente dificultando a prestação de cuidados à sua saúde. De acordo com Lima,
Rocha e Scochi (1999), nesse período, o foco do atendimento era a doença não havendo
preocupação com o todo. Conforme afirmado, inicialmente as unidades hospitalares que
começaram a cuidar de crianças tinham a finalidade de evitar a disseminação de doenças, logo
o hospital era puramente curativo e até um meio de isolar os doentes das pessoas sadias.
Desde 1950, a literatura a respeito da hospitalização infantil indica que essa vem
caminhando em direção à humanização e passando por modificações. Um grande marco à
assistência pediátrica foi a publicação do relatório Platt, em 1959, na Inglaterra, que
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 31
despertava a preocupação com o bem-estar da criança hospitalizada e levou pais e
profissionais a discutirem e a analisarem o processo de hospitalização, por meio da
humanização da assistência. O relatório propunha um horário de visitas livre para os pais,
estimulava a participação da mãe nos cuidados hospitalares, tentando minimizar os traumas,
orientava quanto à possibilidade do tratamento ambulatorial, defendia que as crianças
deveriam ter unidades e hospitais específicos para elas, que os cuidadores deveriam ter
treinamento especializado e, ainda, que realizassem atividades de recreação nas enfermarias
(DARBYSHIRE, 1994 apud LIMA, 1996).
Para entendermos as modificações na atenção à saúde da criança no país, é importante
revermos os modelos de atenção vigentes em outras épocas. Ao longo de muitos anos, a
assistência à saúde no país estava centrada no modelo biomédico assistencial, voltado à cura e
com foco na assistência hospitalar. Até os programas que eram definidos como de atenção
primária, na realidade, se concretizava no modelo biologicista e hospitalocêntrico.
Na década de 1970, o Governo Federal criou o Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS) com o objetivo de realizar atendimento ambulatorial e, entre outros programas,
criou o Programa Materno Infantil, em 1975, voltado à atenção primária dessa população. Em
1973 já havia sido instituído o Programa Nacional de Imunização (PNI) visando à prevenção
de doenças imunopreveníveis. Porém, somente em 1977, com a Lei 6437 de 20/08/1977, a
imunização infantil passa a ser obrigatória para menores de 1 ano, tendo sido aprovada a
caderneta nacional vacinal. Em 2001, essa lei foi substituída pela Medida Provisória Nº.
2190-34, de 23 de agosto de 2001, porém não revoga nenhum parágrafo da lei anterior
(BRASIL, 2001).
Na década de 1980, o modelo Médico-Assistencial Privatista foi substituído
gradativamente atendendo a proposta do movimento para a Reforma Sanitária Brasileira. O
novo modelo foi regulamentado pela Constituição de 1988, com base no entendimento da
saúde como direito social, universal, derivado do reconhecimento de uma cidadania plena. As
ações e serviços de saúde são caracterizados como de relevância pública, com a criação de um
Sistema Único de Saúde organizado segundo as diretrizes de descentralização, atendimento
integral e participação da comunidade (BRASIL, 1988).
Após 1983, foram criados no país programas de atenção integral à saúde da criança, a
saber, Programa de Assistência Integral da Mulher e da Criança – (PAISMC), em 1983,
Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente-(PRONAICA), em1993 e
por último, Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância-(AIDIPI), em 1995. Os
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 32
programas, apesar de mudarem de nome, possuíam objetivos comuns contemplando a atenção
à saúde da criança, com o intuito de diminuir as taxas de mortalidade infantil (ANDRAUS,
2005; BRASIL, 2006; DISTRITO FEDERAL, 2006).
Retomando a assistência à criança hospitalizada, ainda na década de 80, antecedendo à
criação do Estatuto da Criança e do Adolescente-(ECA), houve algumas experiências em
relação à permanência de um acompanhante em período integral durante à hospitalização
infantil. Em São Paulo, no ano de 1989, por meio de uma Resolução estadual, a mãe adquiriu
o direito de acompanhar o filho durante a hospitalização, tendo sido adotado o modelo
inicialmente denominado Programa Mãe-Participante em que a mãe ou o acompanhante
permanecia com a criança durante a hospitalização. Essa estratégia torna a criança menos
tensa e mais acessível aos cuidados da equipe de saúde, favorecendo até mesmo a rotatividade
dos leitos por diminuir o período de internação (SÃO PAULO, 1989). Posteriormente, esse
modelo recebeu outras denominações como, por exemplo, Mãe Acompanhante e Alojamento
Conjunto Pediátrico. Em nosso estudo, adotaremos o termo Alojamento Conjunto Pediátrico
por consideramos este o que melhor expressa a concepção que temos acerca da permanência
da família no hospital durante o período de hospitalização de um filho. Analisando os
benefícios dessa prática e a partir de algumas dessas experiências, o Governo Federal
promoveu discussões acerca da necessidade da mudança no processo de assistência à criança
hospitalizada.
A Constituição do Brasil de 1988 incorpora, como prioridade, a proteção dos direitos
da criança e do adolescente e o atendimento das suas necessidades básicas. Assim, em 1990,
foi promulgada a Lei Nº 8069 que regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente –
(ECA), a partir do qual, as instituições hospitalares devem oferecer condições para que um
acompanhante possa permanecer junto à criança durante todo o período de hospitalização
(BRASIL, 1990).
A partir de 1995, além de permanecer no ambiente hospitalar durante todo o período
de internamento infantil, a família passa a ter direito, garantido por lei, de estar envolvida no
cuidado, tomando conhecimento acerca dos procedimentos a serem realizados com a criança e
adolescente, bem como a realização de exames, diagnóstico, prognóstico e tratamento, direito
esse garantido pela Resolução Nº 41 de 17 de outubro de 1995 do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente – (CONANDA) (BRASIL, 1995).
Com a inserção da família no processo de hospitalização, ocorrem mudanças no
processo de trabalho da enfermagem, e determina sua reorganização tendo em vista as novas
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 33
características assumidas. Nesse sentido, Ribeiro (1999 apud PINTO; RIBEIRO; SILVA,
2005) afirma que até 1980 os estudos realizados na área retratavam os efeitos da
hospitalização na saúde física e mental da criança. Após esse período, devido à participação
da família no processo de hospitalização da criança, as publicações passam a enfatizar os
benefícios da participação da família na assistência, bem como os conflitos surgidos entre
essa e a equipe de enfermagem e a tentativa de mediação desses conflitos.
Richardson (1997) e Pinto et al. (2001 apud PINTO; RIBEIRO; SILVA, 2005)
reforçam que na década de 1990 as publicações em enfermagem apresentam novos temas que
abordam a busca da melhoria da assistência à criança hospitalizada, entre eles: a participação
da família no processo terapêutico, as informações fornecidas à família, horários de visita e
revezamento de acompanhantes, aumento de custos financeiros à instituição. Defendemos a
idéia que esses estudos devem ser realizados no cotidiano da hospitalização, pois é por meio
da prática assistencial que é possível identificar a necessidade de mudanças para a construção
de uma atenção integral à criança, em que a família seja envolvida no cuidado.
Se considerarmos as mudanças ocorridas desde a época em que a infância era vista
como insignificante, percebemos que atualmente alguns conceitos têm assumido outros
significados, predominando a noção da criança como um ser em crescimento e
desenvolvimento, cujas fases são caracterizadas por especificidades. Dessa maneira, o
conhecimento produzido sobre eles deve oferecer melhoria na ampliação da qualidade de vida
dessas crianças.
2.2 A Criança e a Família no Hospital
O hospital é uma organização médica e social, de promoção, cura, tratamento e
reabilitação da saúde do indivíduo, que funciona como centro de educação, capacitação de
recursos humanos e de pesquisas em saúde, além de realizar encaminhamento de pacientes.
Cabe ao hospital supervisionar e orientar os estabelecimentos de saúde a ele vinculados
tecnicamente, devendo atender à criança de forma integral e humanizada (BRASIL, 1977).
Para tanto, a equipe administrativa do hospital, bem como os profissionais de saúde, precisam
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 34
refletir constantemente acerca do processo de trabalho, tendo como objetivo a qualidade e a
integralidade da assistência.
Um ambiente dessa natureza, na atenção à criança, pode ser construído com medidas
que atendam às necessidades singulares da infância, incluindo a capacitação profissional e a
criação de uma estrutura física adequada a essa faixa etária, que seja agradável e atraente aos
olhos das crianças e familiares.
Para a criança, o ambiente hospitalar é um local de sofrimento e privação, tanto do seu
mundo infantil, quanto do contato familiar (WONG, 1999) e social. A hospitalização infantil
a afasta da sua vida cotidiana, do ambiente familiar e promove um confronto com a dor, com
a limitação física e a passividade, aflorando sensações de culpa, punição e medo da morte
(MITRE; GOMES, 2004).
A criança hospitalizada, como a maioria dos enfermos, tem necessidades especiais
como pessoa, cidadã e, por estar afastada do seu ambiente social, pode sofrer com a mudança
no estilo de vida, saudades da família, dos amigos ou companheiros, absenteísmo escolar,
restrições em brincar, entre outras limitações (VIEIRA; LIMA, 2002). Diante dessa
concepção, os profissionais devem estar atentos ao cuidar, durante a hospitalização na
infância, dos aspectos emocionais e sociais, incluindo a utilização de técnicas adequadas de
comunicação, escuta qualificada e constituição de um relacionamento que permita identificar
e compreender as reais necessidades de cada criança, bem como da sua família (HUERTA,
1990; CECCIM; CARVALHO, 1997).
Nesse prisma, a assistência realizada pela enfermagem à criança hospitalizada deve
pautar-se em uma prática constituída de cuidados que envolvam a atenção à criança enferma e
à sua família. Desse modo, a atenção envolve cuidados à saúde, procedimentos técnicos,
educação em saúde, realização de atividades lúdicas, que devem ser realizadas de modo que
ajudem a minimizar os traumas decorrentes da hospitalização, bem como favorecer a
aceitação do tratamento, inclusive pela família (HUERTA, 1990, COLLET; OLIVEIRA,
2002).
Spitz (1979) estudando nas décadas de 1940 e 1950 as reações da criança em relação à
separação mãe-filho, identificou o que denominou de hospitalismo, caracterizado por medo,
insegurança, desespero, choro, insônia, decorrentes da hospitalização. Como no processo de
hospitalização que se realizava antes da implantação do alojamento conjunto pediátrico a criança
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 35
permanecia desacompanhada, sem uma pessoa da sua confiança, as reações descritas pelo referido
autor eram identificadas frequentemente.
Para Wong (1999), o processo de hospitalização é um advento que causa mudanças e
sofrimento na vida da criança. A doença é um fato que traz consigo uma diversidade de
sentimentos, não apenas para quem adoece, mas também para a família, sobretudo os pais
(ANDRAUS, 2005).
As considerações dos diversos autores apontados neste estudo indicam a importância
da permanência da família durante a hospitalização infantil, uma vez que a família pode
contribuir para minimizar o sofrimento causado pela hospitalização. A participação da família
no cuidado hospitalar pode se tornar de todo significante e favorável ao restabelecimento da
saúde, ou a prevenção dos traumas gerados pela hospitalização, dependendo da forma como
os profissionais recebem a família e a envolvem no cuidado. Salientamos a importância de os
familiares entenderem o valor da sua permanência ao lado da criança, durante o período de
hospitalização, bem como o significado que a sua participação pode ter no processo de cuidar.
Ainda sobre a infância, é importante lembrar que ela se caracteriza pela inquietude,
energia e curiosidade física e intelectual. A prática pediátrica precisa desenvolver
atividades eficazes para promover melhor qualidade de vida e saúde, e entender que a
hospitalização não deve prejudicar a vida da criança (CECCIM; CARVALHO, 1997;
BARBOSA; RODRIGUES, 2004).
A criança necessita estar ao lado de pessoas que lhe transmitam segurança e apoio,
mesmo aquela ainda bem pequena (LITCHTENEKER; FERRARI, 2005). Ela não precisa
sentir-se em casa, mas em um ambiente confortável e agradável. De acordo com Collet e
Rocha (2003), durante a hospitalização da criança, alguns cuidados são necessários para
promover um ambiente desejado, entre eles inclui-se a presença, durante todo o período, de
um acompanhante, evitando-se assim, os efeitos da privação familiar, tornando a recuperação
da saúde mais rápida e menos dolorosa.
Somando-se a isso, a hospitalização é vivenciada pela família como um momento
cercado de modificações no cotidiano familiar, rotinas pouco flexíveis, situações de medo,
insegurança, hostilidade, crise (WONG, 1999). O fato de estar junto da criança,
permanentemente, pode minimizar o sofrimento e as mudanças vivenciadas também pelos
familiares. Portanto, os efeitos benéficos gerados na criança pela presença do acompanhante
se estendem também à família.
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 36
Na perspectiva de realizar um cuidado voltado a atender às necessidades infantis,
algumas medidas devem ser tomadas, com o intuito de minimizar traumas advindos da
hospitalização, entre os quais, paredes decoradas com temas infantis e troca de uniformes
brancos por coloridos são meios de atrair sorrisos e atenção; cadeiras, mesinhas e banheiros
infantis; brinquedos para as diferentes faixas etárias se fazem necessários; o uso da técnica do
brinquedo terapêutico na realização de procedimentos auxilia no enfrentamento de situações
específicas. Essas são ações que podem ser utilizadas para favorecer um ambiente acolhedor.
As unidades de pediatria, no hospital, devem ter uma brinquedoteca (espaço preparado para as
brincadeiras) onde a criança poderá ser ela mesma (DYTZ; CRISTO, 1995; WONG, 1999). A
recreação hospitalar, além de ser um exercício físico e mental, favorece à criança uma melhor
aceitação da situação vivida, pois a tira do foco da doença (CECCIM; CARVALHO, 1997;
MOTTA; ENUMO, 2004).
Durante as atividades de recreação, percebe-se como as crianças interagem melhor entre
si e até mesmo com a equipe de saúde. Independente da doença ou do local (clínica, cirúrgica,
CTI) onde estejam internadas, se acompanhadas ou mesmo no caso daquelas que
eventualmente estão sozinhas; percebe-se o quanto a recreação ou até um brinquedo faz a
diferença na resposta terapêutica da criança à hospitalização e as descobertas de si mesmo,
dos outros e do mundo que a cerca (HUERTA, 1990; JUNQUEIRA, 2003; FONTES, 2005).
Transformar o ambiente hostil hospitalar em acolhedor requer sensibilidade por
parte da equipe de saúde para o que constitui o mundo da criança, o brincar. Mais do que
distrair a criança e sua família, estará proporcionando-lhes meios para extravasarem suas
ansiedades, seus medos e dúvidas. A brincadeira também se constitui na melhor forma de
comunicação com a criança e, portanto, de aproximação, de estabelecimento de vínculos
para que possamos apreender suas necessidades. O brinquedo permite à criança expressar-
se de modo natural, já que às vezes a comunicação verbal torna-se difícil ou mesmo
impossível (JUNQUEIRA, 2003).
Sempre que desejar, a família deve ser incluída nos cuidados da criança, assim como
deve ser orientada acerca dos procedimentos a serem realizados. Também é necessário ser
explicado à criança, que já tenha um discernimento, de forma compreensível à idade, qual
procedimento será realizado, como será e, principalmente, por qual razão e a importância para
a sua recuperação. Um meio eficaz de explicar os procedimentos à criança é utilizar o
brinquedo terapêutico. Por meio dessa técnica, o enfermeiro pode preparar a criança
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 37
explicando o procedimento e esclarecendo suas dúvidas, de acordo com a faixa etária
(PINHEIRO; LOPES, 1993).
Ribeiro (1998) relata a experiência do uso do brinquedo terapêutico, por uma aluna do
curso de graduação em enfermagem, na qual se percebeu uma resposta positiva e imediata em
relação à aceitação da criança quanto aos cuidados de uma forma até mais feliz. A autora dá
um exemplo em que a aluna fazia uma simulação da inalação com um coelhinho de pelúcia da
criança e, logo após, o término da técnica do brinquedo, a criança também queria realizar a
técnica com o coelhinho e, assim, aceitava melhor o seu próprio tratamento.
Somando-se aos aspectos acima citados, outros recursos podem favorecer a estabilidade
emocional da criança: visitas irrestritas, encorajar a participação dos pais nos cuidados, preparar
psicologicamente a criança para os procedimentos a serem realizados (HUERTA, 1990;
SABATÉS; CHAUD, 1999; JUNQUEIRA, 2003; FONTES, 2005). Pois, assim como a criança
sente a falta da família, o mesmo acontece com quem permanece em casa. Sabemos que fica um
espaço vazio no lugar da criança, em especial nos momentos em que se realizam atividades com a
mesma: como deixar e pegar na escola, durante as refeições e o próprio brincar.
A recreação deve ser uma atividade indispensável durante a hospitalização infantil, e a
participação da equipe multiprofissional nas atividades de recreação é de fundamental
importância, mesmo que por um período curto de tempo ou ainda em dias alternados, para
entender a evolução e identificar necessidades não apreendidas durante a visita diária. Esse é
um momento de liberdade e descontração, em que a criança pode estar mais desprendida do
clima hospitalar e demonstrar sinais ainda não claramente expressos, como carência afetiva,
atitudes de violência, necessidade de liberdade, entre outros. Além de participar observando, o
profissional deve interagir com as crianças realizando atividades de recreação que atendam
aos anseios das crianças. O brinquedo terapêutico é um dos instrumentos de trabalho da
enfermagem pediátrica que pode facilitar esse processo.
Dentre os aspectos que fazem parte do mundo da criança e que precisam ser atendidos
pela equipe durante o processo de hospitalização, especialmente aquela caracterizada por
períodos prolongados, encontra-se o acompanhamento escolar daquelas crianças que estão
nessa faixa etária (FONTES, 2005). Nesse sentido, a instituição hospitalar deve promover um
elo entre a criança e a escola, em especial as crianças portadoras de doenças crônicas e/ou de
longa permanência no hospital, dando continuidade às atividades escolares a fim de que essa
criança não tenha prejuízos no processo ensino-aprendizagem decorrente da hospitalização.
Para isso, os hospitais precisam ter na sua equipe o pedagogo que fará a ligação com a escola
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 38
e acompanhará as atividades escolares da criança. Assim, esta não ficará de um todo longe da
escola e não se sentirá angustiada por ter que interromper seu aprendizado.
Algumas das dificuldades vivenciadas pela criança durante a hospitalização, estão
permeadas pelo medo, insegurança, dificuldades para enfrentar as mudanças geradas pelas
rotinas hospitalares, afastamento dos parentes, dos amigos, da escola. Nesse sentido, é notório
que a assistência à criança hospitalizada deve realizar um projeto terapêutico voltado a
minimizar os traumas trazidos pelo processo de hospitalização, envolvendo diretamente a
família nesse processo, por ser esta a principal mediadora entre as necessidades da criança e a
equipe de saúde. Para tanto, Sabatés e Chaud (1999) explicam que se faz mister reconhecer na
família a fonte de segurança para a criança. Valorizar esse aspecto é um modo de contribuir
para que a sua estada hospitalar se torne menos insegura.
A partir da percepção de que as necessidades da criança hospitalizada vão além da
recuperação física, mas que estas perpassam características peculiares ao desenvolvimento
infantil, a equipe de enfermagem deve buscar, juntamente com outros profissionais, promover
um cuidado que esteja voltado a atender tais necessidades. Nesse sentido, a participação da
família é deveras importante, por essa constituir a fonte primária de relação de confiança da
criança, para além do ambiente hospitalar. Portanto, é imprescindível que a mesma seja
incluída na perspectiva do cuidado no ambiente hospitalar.
A inserção da família, no ambiente hospitalar, durante o período de hospitalização
da criança, tem demandado continuamente mudanças no processo de trabalho da equipe de
enfermagem, e a sua participação nem sempre é vista como positiva. Faz-se necessário
uma reflexão acerca desse aspecto, uma vez que a família foi inserida como acompanhante
da criança, mas a sua participação no cuidado não foi, e ainda não está devidamente
elucidada. Tanto o acompanhante, quanto alguns profissionais, não têm clareza de como a
família pode ser envolvida no cuidado à criança hospitalizada. Tal fato pode desencadear
conflitos no cotidiano hospitalar emergidos a partir do relacionamento entre equipe de
saúde e família-criança.
Desde o início do alojamento conjunto, a criança não fica só na unidade pediátrica,
contudo, é tirada de seu ambiente familiar, submetida a uma diversidade de mudanças no seu
cotidiano, enfrentando procedimentos dolorosos e invasivos que geram dor, medo,
irritabilidade (WONG, 1999). Agora, apesar de ter uma pessoa próxima e que lhe inspira
confiança, ela continua separada do restante que lhe é familiar e necessário a sua saúde
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 39
mental. Portanto, algumas reações relacionadas ao hospitalismo continuam sendo
identificadas no cotidiano da assistência.
Em função da percepção de que algumas mudanças que acontecem durante a
hospitalização atingem também a família, e em uma perspectiva de contribuir para a
reestruturação do núcleo familiar, que muitas vezes sofre alterações durante o internamento do
filho, a equipe de enfermagem deve proporcionar uma estada agradável à família no hospital. Para
Pinto, Ribeiro e Silva (2005), a hospitalização da criança determina a perda de controle de
funcionamento da família, devido ao contato com situações inesperadas e conseqüente
desestruturação familiar em um contexto difícil de conviver, tendo como base sua história de vida.
Pinheiro e Lopes (1993) e Litchteneker e Ferrari (2005) explicam que, considerando
toda a problemática da hospitalização, o enfermeiro deve compreender as dificuldades pelas
quais a criança e a família passam, devendo criar estratégias para ajudá-las a adaptar-se ao
ambiente hospitalar que é geralmente hostil, desconfortável e, muitas vezes, precário.
Para atender a essas novas características da assistência, o projeto terapêutico
realizado pela equipe de saúde deve contemplar, sobretudo, as necessidades da criança,
incluindo o estabelecimento de comunicação efetiva e relacionamento que permitam conhecer
e compreender essas necessidades (HUERTA, 1990). É um processo de conquista permanente
da amizade e da confiança entre equipe, criança e família. Um meio de compreender a criança
hospitalizada é tentar ajudá-la a superar mais facilmente as dificuldades enfrentadas nesse
momento e, para ajudá-la, é preciso interagir com ela e conhecê-la a partir de uma escuta
qualificada, realizando ações agradáveis à infância (HUERTA, 1990; RIBEIRO, 1998;
MOTTA; ENUMO, 2004).
Para Ceccim e Carvalho (1997), boa parte das condutas em saúde são bem sucedidas
quando o paciente pode falar e ser ouvido. Os mesmo autores abordam a escuta em saúde
diferenciando-a de audição. Para eles, a audição permite a apreensão e compreensão de sons
audíveis e a escuta a apreensão e compreensão de expectativas e sentidos, é ir além das
palavras, é ouvir e entender o que é dito por meio dos gestos, condutas, posturas. Escuta é a
busca pela compreensão das necessidades que são, às vezes, omitidas ou até menosprezadas
pelo próprio indivíduo como sendo pouco importantes, porém, se sanadas ou mesmo
minimizadas facilitariam a recuperação e ou restauração da saúde. A escuta é parte
fundamental da assistência integral à saúde do indivíduo, pois sabemos que é preciso ver o
indivíduo como ser com necessidades bio-psico-sociais e espirituais. No entanto, o
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 40
profissional de saúde, em alguns casos, não tem apreendido as necessidades da criança/família
e faz da escuta uma audição.
Crianças, quando admitidas em serviços de saúde, freqüentemente experimentam dor,
medo, ansiedade gerando um tratamento mais complexo, seja pela dificuldade de expressão
da sua dor e de seus sentimentos, seja porque há falha na percepção dos profissionais em
relação às suas necessidades. Tal fato pode prolongar o tempo de internação, surgindo
complicações, aumentando os custos hospitalares, além de diminuir a produtividade dos
acompanhantes no mercado de trabalho (LIMA; ROCHA; SCOCHI, 1999; MARCONDES et
al., 2003).
Essa situação torna-se mais difícil quando a criança está acometida por uma doença
crônica ou ainda sem um diagnóstico definido. Muitas vezes, precisa permanecer dias ou
meses hospitalizada. O acompanhante, por sua vez, tem outras necessidades em casa, ou
mesmo no hospital. Em certos casos, a mãe tem outros filhos dependentes em casa, é arrimo
de família ou divide as despesas com o companheiro, sente medo do ambiente hospitalar, é
insegura para prestar um cuidado ao filho doente, entre outros (HUERTA, 1990; SIQUEIRA;
SIGAUD; RESENDE, 2002; SHIELDS; KRISTENSSON-HALLSTRÖM, 2004).
É perceptível que as necessidades da família vão além da instituição hospitalar. Logo,
temos uma criança hospitalizada, um acompanhante com algum problema e, ainda, todo um
protocolo hospitalar a ser seguido como: visita médica, de enfermeiros ou outros
profissionais, caso sejam necessários, medicamentos, exames para detecção de patologias,
tratamento, reabilitação. Diante de tudo isso, vemos, freqüentemente, situações de alegria por
solução dos problemas e conflitos pela não resolução deles. Embora não seja o único
responsável pela situação supracitada, o enfermeiro exerce um importante papel na melhoria
da qualidade da assistência à criança, desde a admissão até a alta.
Na atenção à criança faz-se necessário construir laços de confiança com a própria
criança e com a família. Um momento favorável para iniciar esse processo é a admissão
(GUELER, 1999). O enfermeiro, durante a admissão, dispõe de tempo e de ferramentas para
incluir a criança e sua família no ambiente hospitalar, que, talvez, a equipe que acompanha no
cotidiano não dispõe. O momento da entrevista é único, sendo o primeiro contato família-
profissional e, geralmente, constituindo-se no mais prolongado. Muitas vezes se utiliza um
formulário específico para favorecer a realização de uma anamnese completa.
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 41
Para Silva (2004), na admissão é importante a utilização de um formulário, que atenda
à especialidade a qual se propõe a assistência, que agilize as ações da equipe de enfermagem
para o desenvolvimento de um cuidado humanizado, individualizado e de qualidade.
A coleta de dados sistematizada no momento da admissão da criança na unidade pode
ser o início de um atendimento integral, voltado às reais necessidades da criança. Gueler
(1999) diz que a coleta de dados para ser completa deve ser organizada, não pode haver
preconceitos, pois poderiam passar dados importantes despercebidos. A técnica deve ficar
registrada, de forma que todos os membros da equipe tenham acesso e possam orientar em
conjunto o tratamento do paciente. De acordo com Gueler (1999) e Vieira e Lima (2002), é
preciso que o enfermeiro realize uma anamnese completa e uma entrevista de qualidade, em
que o profissional possa escutar e tentar atender às necessidades da criança e da família,
auxiliando no processo de adaptação às rotinas hospitalares.
Por meio do diálogo, de uma escuta sensível, é provável que o acompanhante informe
alguns anseios, medos, costumes, ou mesmo desejos da criança, que talvez para um
desconhecido seja mais difícil identificar. Barbosa e Rodrigues (2004) dizem que o diálogo
rompe barreiras e fortalece a interação equipe-família. Nesse prisma, faz-se mister a presença
da família para favorecer a satisfação de necessidades específicas de cada criança,
contribuindo para a diminuição do impacto da internação na vida da criança como também
daqueles que o cercam (LITCHTENEKER; FERRARI, 2005).
Sabemos que algumas crianças têm hábitos caseiros na hora de dormir ou se alimentar.
Muitas vezes apenas o acompanhante é capaz de realizar tais desejos da criança por já
conhecer o modo como agradá-la. A confiança criada entre a criança, a família e a equipe
nessa fase da hospitalização pode ser essencial para a construção de um projeto terapêutico
voltado às singularidades da criança e sua família.
De acordo com Lima, Rocha e Scochi (1999) e Litchteneker e Ferrari (2005), a
permanência da família no hospital trouxe para a enfermagem mudanças em seu processo de
trabalho teórico e prático, pois além de participar das atividades técnicas, a família se torna
uma permanente observadora das atividades realizadas pelos profissionais.
Contudo, é preciso reconhecer que existem dificuldades nesse convívio no ambiente
hospitalar. Pois, apesar de serem grandes as vantagens da permanência da família ao lado da
criança hospitalizada, o relacionamento equipe/família é, em alguns casos, permeado por
conflitos. Muitas vezes, os conflitos estão relacionados à insegurança vivenciada pela família
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 42
no hospital e decorrem da falta de informações suficientes, de normas rígidas instituídas
quanto ao funcionamento da unidade, da falta de clareza em relação ao que cabe à família e ao
que cabe à equipe no cuidado à criança (COLLET; ROCHA, 2003; SABATÉS; BORBA,
2005). A família relata receber poucas informações acerca do tratamento ou mesmo
diagnóstico da criança, se submete às condições impostas pela equipe, não sabendo a quem
recorrer (COLLET, 2001; SABATÉS; BORBA, 2005).
Pesquisas realizadas acerca da temática indicam que no processo de assistência à
criança o cuidado deve ser negociado no cotidiano e em cada situação particular. Segundo
Gaiva e Scochi (2004), a negociação é uma característica social, em que o acordo entre as
partes é o melhor caminho para a organização da situação. Collet (2001) salienta que uma
divisão de tarefas, determinada a priori, não poderá garantir que os conflitos decorrentes da
forma de organização do cuidado não aconteçam. O importante é que a equipe esteja
sensibilizada para negociar com a família, diariamente, as atividades de cuidado à criança, e
seja flexível a possíveis mudanças no cotidiano.
Barbosa e Rodrigues (2004) dizem que a participação dos pais nos cuidados inerentes
à hospitalização é defendida pelos profissionais de saúde, no entanto, não está delimitada a
extensão da participação, nessa perspectiva, os citados autores sugerem uma negociação na
participação da família no cuidado como um meio que poderia reduzir o conflito e prevenir
problemas na prática diária. Porém, o que se tem observado na prática assistencial é que a
divisão de atribuições é realizada de forma imposta e, muitas vezes, implícita de acordo com o
que cada profissional acredita ser atribuição da família (COLLET, 2001).
É importante que o enfermeiro tente avaliar quais são as expectativas e as
condições da família para realizar os cuidados à criança durante a hospitalização. Torná-la
ciente da sua importância no envolvimento, no cuidado realizado no hospital, valorizando-
a e apoiando-a naquilo que necessitar, pode fortalecer a relação equipe-criança-família
estabelecendo-se confiança e minimizando os conflitos existentes (COLLET, 2001,
BARBOSA; RODRIGUES 2004).
A inserção da família, no ambiente hospitalar, trouxe uma inovação na expectativa
para o cuidado, antes centrado apenas na doença. Hoje, ainda que de modo incipiente, a
família está mais presente, participa da assistência dos mais variados modos, desde o auxílio
até a realização de cuidados à criança, demonstra interesse em saber as razões pelas quais
determinados procedimentos são realizados. A família deseja estar envolvida no processo
saúde/doença do filho (QUEIROZ; JORGE, 2004). A presença da família, somada às
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 43
modificações ocorridas no modelo assistencial, que tem se voltado a uma perspectiva de
atenção integral, esta com o intuito de atender as necessidades peculiares do indivíduo, revela
uma nova abordagem na atenção à saúde.
Barbosa e Rodrigues (2004) e Silva e Bocchi (2005) afirmam que essa nova
abordagem fez os enfermeiros perceberem que a família tem suas próprias necessidades, que
precisa ser informada sobre os cuidados importantes para a criança durante a hospitalização,
ser preparada para participar desses cuidados e, após a alta, se necessário, ser atendida em
suas necessidades, sejam físicas ou emocionais.
Sabatés e Borba (2005) relatam que as informações que a família precisa receber
estão relacionadas ao diagnóstico, tratamento, exames, saber a importância da
permanência no hospital, tudo o que é necessário ser realizado e por qual razão. Nesse
contexto, Collet (2001) elucida que mais do que receber informações, a família precisa ser
instrumentalizada para ter condições de tomar parte nas decisões do processo terapêutico e
participar do cuidado ao seu filho.
Para Sabatés e Borba (2005), a presença da família tem como significado a garantia de
participação nos cuidados básicos à criança. As autoras explicam que, para a
operacionalização desses cuidados, faz-se necessário o desenvolvimento de ações pela equipe
de saúde, a fim de favorecer o envolvimento da família.
Embora, na prática assistencial esse aspecto nem sempre seja levado em consideração,
a família e a criança hospitalizada já têm esse direito à participação garantido por lei, há mais
de uma década. Vemos então, que o envolvimento da família é essencial e de direito, durante
todo o período de hospitalização, pois a mesma geralmente é a principal colaboradora na
assistência tendo as ferramentas necessárias para a construção do cuidado integral e singular à
criança. A família tem tomado parte no processo de assistência, pois conhece melhor e é a
fonte de confiança da criança no hospital, constituindo-se no elo, como mediadora, da criança
com o ambiente hospitalar como um todo e quem a ajuda a vivenciar a experiência da
hospitalização (MOTTA, 1998).
Contudo, para que a permanência da família no hospital seja o menos traumática
possível, um dos aspectos a serem levados em consideração é o estabelecimento de processos
de comunicação mais efetivos, relacionados ao diálogo, escuta, atenção, flexibilidade na
dinâmica do trabalho.
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 44
Dentre as dificuldades surgidas no cotidiano hospitalar, que envolve a família da
criança com a equipe de enfermagem, ou com outros profissionais, observa-se que muitas
podem ser sanadas por meio do diálogo. No entanto, alguns casos são mais conflituosos,
necessitando de uma intervenção de chefia do setor, serviço social ou até diretoria da
instituição, talvez devido à falta de uma orientação inicial durante a admissão ou por outras
razões que precisam ser identificadas.
Portanto, é necessário um entendimento contínuo entre a família e a equipe de saúde
como um todo, para que a assistência à criança seja de qualidade e humanizada, atendendo
aos princípios da integralidade. Collet (2001) diz que as nuanças do cuidado no contexto atual
da prática assistencial precisam ser debatidas para que sejam criadas novas estratégias de
atuação que venham a atender as necessidades da criança e sua família.
A literatura pesquisada aponta que a família deve realizar uma participação voltada a
atender às necessidades da criança, mas não podemos esquecer que, diante do envolvimento
familiar no processo saúde-doença da criança, a família também pode apresentar comportamentos
relacionados ao cansaço físico e mental, conseqüentes da permanência hospitalar. Os
comportamentos alterados, relacionados ao sofrimento causado pela hospitalização, associados às
mudanças ocorridas no processo de trabalho da equipe de enfermagem a partir da inserção da
família no ambiente hospitalar, podem desencadear conflitos entre a família e a equipe de
enfermagem. Entretanto, é importante que a equipe reflita acerca dos benefícios à criança
oriundos da presença do acompanhante, durante a hospitalização infantil e se proponha a atender
também às necessidades da família, com o intuito de promover a assistência integral.
Cuidar da mãe, numa perspectiva do cuidado integral, é uma nova e sublime tarefa para a
equipe de saúde, e os profissionais da área precisam perceber sua importância para a promoção da
assistência integral no âmbito hospitalar, valorizando as suas potencialidades nesse processo. Para
que a mãe exerça uma participação esclarecida e adequada no cuidado à criança, é necessário
acolhê-la, fazendo-a entender sua importância para a recuperação da saúde da criança, e que o
principal objetivo de sua permanência no hospital é proporcionar à criança segurança emocional
(BARBOSA; RODRIGUES, 2004).
A família também precisa ser cuidada nesse processo, pois ao cuidar do filho, acaba
descuidando-se, podendo tornar-se um doente em potencial. Portanto, deve haver um
compromisso da equipe de saúde para auxiliar a família, com o intuito de minimizar os
sofrimentos experimentados (BEZERRA; FRAGA, 1996).
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 45
O fatigante ambiente hospitalar pode se tornar agradável, a partir do momento em que
houver uma flexibilização na organização do processo de trabalho por parte da equipe de
enfermagem, no sentido de que a família possa realizar atividades de forma prazerosa, entendendo
os benefícios do seu cuidado para a recuperação da criança (COLLET; OLIVEIRA, 2002).
Na visão de Pires (1998), a rigidez nas regras e rotinas das instituições de saúde são
empecilhos para a promoção de uma assistência humanizada e integral ao indivíduo. Faz-se mister
que exista uma flexibilidade nas práticas em saúde, pois se tratam de relações dialéticas e
totalmente interpessoais.
O diálogo e a escuta qualificada são meios que contribuem para a adaptação da família
ao cotidiano hospitalar, favorecendo a constituição de um ambiente acolhedor para a família.
A criação de um espaço físico confortável, com banheiro, refeitório, atividades, um local para
o repouso noturno e flexibilidade no horário de permuta dos acompanhantes, de modo que a
permanência hospitalar seja um momento viável e possível, e não um fardo para a família, são
também formas acolhedoras (LITCHTENEKER; FERRARI, 2005). Esse aspecto do cuidado
deve ser levado em consideração, pois, ao voltar para casa, a família tem outros afazeres
domésticos à sua espera e que requerem disposição física.
Além dos cuidados físicos, a família precisa de um suporte emocional. Bezerra e Fraga
(1996) trazem relatos de mães que mostram algumas evidências do sofrimento das mesmas
durante a permanência, no hospital, como acompanhantes. São relatados pelas próprias mães
sentimentos de pena da criança, desespero da mãe, medo, depressão, desânimo, inapetência,
sono prejudicado e necessidades de realizar atividades como forma de diminuir a ociosidade
de seu tempo, bem como para tirar-lhe do foco da doença do filho.
Outro problema enfrentado pela família são as mudanças necessárias na dinâmica
familiar para poder acompanhar o filho que adoeceu no hospital. As autoras relatam que as
mães abordam essas mudanças expressando insegurança em relação ao cuidado dos filhos que
ficaram em casa, mesmo contando com a ajuda de parentes ou vizinhos. Para enfrentar esse
problema, buscam conforto na fé, pedindo saúde e força, e confiando em Deus.
A presença da família durante todo o período de hospitalização é de fundamental
importância para a recuperação da saúde da criança, no entanto, Collet (2001), afirma que, ao
inserir a família no ambiente hospitalar, precisa-se definir diretrizes para o cuidado de modo a
evitar possíveis transtornos entre a família e a equipe de saúde por falta ou dificuldade de
comunicação, já que a família não sabe o que é esperado dela.
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 46
Para Andrade, Marconi e Silva (1997 apud SILVA; BOCCHI, 2005), a família deseja
permanecer ao lado da criança devido à insegurança, ao medo, ao sentimento de
responsabilidade, a oportunidade em aprender a realizar alguns cuidados ou mesmo para estar
simplesmente junto ao filho. Além disso, de acordo com Sabatés e Borba (2005), a família
almeja ser mais bem informada acerca dos procedimentos aos quais a criança é submetida,
sobre a terapêutica medicamentosa, informação sobre a previsão de alta ou permanência
hospitalar. A família quer ajudar na assistência ao filho sempre que possível.
Nesse prisma, percebemos que as expectativas da família vão além da recuperação
breve ou alta da criança, permeando todo o contexto do processo saúde-doença do filho. São
aspectos que envolvem a doença da criança, a sua própria permanência no hospital, a
continuidade da rotina extra-hospitalar, as mudanças no processo familiar. Essas questões
reforçam o que já relatamos acerca das modificações no processo de trabalho da enfermagem
a partir da inserção da família na hospitalização, pois, alguns cuidados, antes realizados pela
equipe, passam a ser desenvolvidos pela família que está envolvida em um complexo meio,
intra e extra hospitalar. Assim, percebemos que, a família, muitas vezes, está sensibilizada e
fragilizada em decorrência da hospitalização e, quando não é contemplada na perspectiva do
cuidado, sente-se vulnerável, o que pode contribuir para o surgimento dos citados conflitos.
Essa forma de organizar a assistência tem evidenciado o estabelecimento de relações
de poder entre a equipe de saúde e a família, ficando esta submetida às decisões daquela.
Segundo Carapinheiro (1993), os hospitais são lugares de produção e reprodução de poderes
dos profissionais, a partir de diferentes componentes do saber médico. Concordamos com
Collet (2001, p. 32) quando diz que “a autoridade dos profissionais é uma submissão velada”,
ora implícita, ora explícita de poder, de hierarquia. Nessa relação, o saber dos profissionais,
via de regra, prevalece sobre o saber da família. Segundo Collet e Rocha (2003), quando o
filho adoece e é hospitalizado, a família se submete às condições impostas pelos profissionais.
Tal situação pode ser superada na medida em que a equipe de enfermagem e a família
da criança vão conquistando novos espaços na atuação no hospital (PINTO; RIBEIRO;
SILVA, 2005). Uma reorganização na dinâmica do trabalho, baseado numa relação de
avaliação cotidiana das necessidades da criança e da família, poderá indicar os possíveis
caminhos e a disposição de ambos em lidar com os conflitos decorrentes dessa relação
(COLLET, 2001).
Partindo das dificuldades experienciadas pela família e pela equipe de enfermagem na
assistência à criança hospitalizada, emerge a necessidade de buscar meios para minimizar e
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 47
até resolver algumas dessas dificuldades. Em vários casos, é o enfermeiro quem esclarece
dúvidas da família quanto ao diagnóstico médico, ao uso dos medicamentos associados, à
necessidade de longa permanência hospitalar, ao importante papel familiar (COLLET;
ROCHA 2003). Muitas vezes, os médicos realizam a visita, questionam a família sobre as
possíveis alterações, prescrevem e vão embora sem dar o resultado, ou esclarecimentos do
estado de saúde da criança.
Para Collet (2001), cuidar da família não é uma tarefa fácil. Em uma pesquisa, a autora
identificou que os enfermeiros concordam que têm responsabilidades no cuidado com os pais,
incluindo a explanação de comentários médicos, ensinando o cuidado do filho, promovendo
educação em saúde. Porém, sabemos que esse cuidado estendido traz alguns empecilhos, pois,
no mínimo, seria necessário o aumento de recursos humanos, e este pode ser um entrave para
a instituição.
De acordo com Wong (1999), o enfermeiro deve trabalhar com a família, identificando
necessidades e planejando as intervenções que melhor atendam os problemas identificados. A
confiança entre a família e a equipe deve surgir no cotidiano, no entanto, algumas situações
aceleram esse processo como a empatia, a segurança com que o profissional se apresenta, a
convergência entre pontos de vista.
Segundo Barbosa e Rodrigues (2004), o comprometimento, a presença profissional, o
compartilhamento de experiências relacionadas ao momento vivido pela criança e à sua
família, o envolvimento da família nesse processo e estratégias de aproximação, são atitudes
que permeiam um relacionamento agradável entre a tríade criança/equipe/família.
É provável que não exista de fato um modelo a ser seguido, que nos dê a certeza de
um relacionamento tranqüilo. É uma conquista ininterrupta de confiança. Portanto, um
modelo que pode ser aplicado na divisão de tarefas é a autonomia elástica, que está
relacionada à aptidão do indivíduo de determinar a natureza do problema e resolvê-lo numa
situação de trabalho (COLLET, 2001). É elástica porque pode expandir-se ou contrair-se de
acordo com a necessidade de quem vai controlar seu próprio trabalho (CARAPINHEIRO,
1993). Talvez esse conceito possa ser aplicado na relação família e enfermagem, já que a
proposta da assistência deveria ser a do cuidado negociado cotidianamente com a família.
Referindo-se às orientações que devem ser dadas à família, Leone e Tronchin (1996
apud REICHERT; COSTA, 2000) dizem que devem ser claras, com uma linguagem
apropriada evitando-se o excesso de informações no mesmo momento. Deve-se permitir que a
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 48
família esclareça suas dúvidas, tenha o direito de fazer perguntas e de ser escutada. É preciso
valorizar o seu saber, bem como os seus questionamentos. Precisamos nos sensibilizar para
essa escuta qualificada, incentivando a família a se expressar. Assim, ela estará
instrumentalizada a participar do processo de hospitalização do seu filho.
Para que a equipe de enfermagem possa manter relações estáveis com a família, ela
também precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre os próprios trabalhadores. Muitos
profissionais não foram preparados para atender determinadas situações de sofrimento
envolvidas nesse contexto (BARBOSA; RODRIGUES, 2004). O ponto de equilíbrio
profissional pode contribuir para a realização de um cuidado integral, organizado,
sistematizado. A equipe precisa entender a importância da permanência da família durante
toda a hospitalização e perceber que as necessidades da criança se estendem à família, o
que pode aparentemente ser um problema, mas que são anseios por uma recuperação e
reorganização na estrutura familiar que é alterada durante a permanência hospitalar de um
dos membros da família.
Portanto, é possível também que uma das razões para a desarticulação na acolhida e na
relação com a família esteja relacionada à fragmentação da assistência. Gaiva e Scochi (2004)
relatam que, apesar das discussões acerca do trabalho em equipe serem freqüentes, muitos
profissionais têm dificuldades em executá-las na prática. Para as autoras, o trabalho em saúde
se constitui muitas vezes, de um trabalho coletivo e não em equipe.
Diante dos aspectos abordados acerca da participação da família da criança
hospitalizada, emerge a necessidade da equipe de enfermagem refletir cotidianamente seu
processo de trabalho na assistência à criança hospitalizada e, a partir dessas reflexões,
entender quais as barreiras ou empecilhos que permeiam a realização de um cuidado integral à
criança e à sua família, uma vez que ratificamos o que Barbosa e Rodrigues (2004) dizem
acerca da família da criança hospitalizada. Para essas autoras, desenvolver um cuidar em
pediatria significa envolver não só a criança nesse cuidar como também a pessoa significativa
para ela, atendendo a ambas.
Desse modo, Silva e Bocchi (2005, p. 187) recomendam que os enfermeiros “revejam
suas atitudes de controle, pois podem estar se distanciando do seu papel de cuidador e da
essência da sua profissão, o que definem como o cuidado ao paciente estendido à família”.
A equipe deve envolver a família como co-partícipe no cuidado à criança, quando esta
estiver instrumentalizada a realizar tal tarefa, bem como estar alerta às necessidades da
CAPÍTULO II- Revisão da Literatura 49
mesma durante a hospitalização e assisti-la. É importante salientar que o cuidado à criança,
estendido à família, favorece a adaptação e aceitação aos procedimentos necessários durante o
tratamento pediátrico. Nesse prisma, a equipe de enfermagem realiza uma valiosa participação
nesse processo de cuidar, por serem estes os profissionais que têm mais contato com a família,
e que podem perceber as necessidades que surgem no cotidiano, a cada situação em particular.
__________CAPÍTULO III___________
Os pesquisadores que buscam a compreensão dos significados no contexto da
fala, em gera, negam e criticam a análise da freqüência das falas e palavras
como critério de objetividade e cientificidade e tentam ultrapassar o alcance
meramente descritivo da mensagem, para atingir, mediante a inferênci, uma
interpretação mais profunda.
Maria Cecília de Souza Minayo
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 51
3 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O referencial teórico metodológico desta pesquisa terá como eixo norteador, estudos
centrados no processo de trabalho em saúde, mais especificamente às relações entre as ações e
os sujeitos que envolvem a assistência de enfermagem à criança hospitalizada, a saber, a equipe
de enfermagem (composta por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), a criança e a
família da criança hospitalizada. Para entender a dinâmica do trabalho da enfermagem na
assistência à criança hospitalizada, abordaremos o processo de trabalho em geral, a fim de
obtermos ferramentas que possibilitam apreender a dinâmica do trabalho em saúde e na
enfermagem para, posteriormente, discutirmos o trabalho da enfermagem em pediatria.
3.1 Processo de Trabalho
De acordo com Marx (1994), o trabalho se caracteriza pela mediação entre o homem e
a natureza, operando, transformando, realizando ações a partir de necessidades próprias do
homem. Segundo o mesmo autor, o processo de trabalho pode se tornar cada vez mais
complexo, mais intenso, pois, na medida em que operamos com um objeto que já foi
modificado por outras pessoas na relação homem-natureza e não operamos mais uma matéria-
prima, o trabalho se torna mais intenso.
Uma característica essencial do processo de trabalho realizado pelo homem é a
intencionalidade presente na realização das atividades. Segundo Marx (1994), a capacidade de
idealizar o resultado do trabalho antes de começá-lo é um aspecto essencialmente humano,
pois os animais também exercem seus trabalhos, contudo, de modo irracional. Quando o
homem desempenha uma ação, ele já tem anteriormente organizado, mentalmente, os
propósitos, as expectativas, os instrumentos e até os meios para fazer reajustes ou mudanças,
caso seja necessário, no processo de realização da ação.
Considerando a importância do trabalho na vida do homem, Kantorski (1997), enfatiza
que o mesmo é uma condição inexoravelmente humana, pois há milhões de anos é essa a
característica que diferencia o homem dos animais, é a busca pela transformação da natureza
por meio do trabalho.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 52
Marx (1994) explica que para a realização de um trabalho três elementos são
essenciais: a atividade apropriada para o fim desejado, que ele define como sendo o próprio
trabalho; o objeto, que é a matéria na qual se aplica o trabalho; e o meio de trabalho, que
pode ser um instrumento palpável. Algumas características específicas de determinados
processos de trabalhos podem ter uma definição em parte diferenciadas das descritas, como
no processo de trabalho em saúde, mas ainda que com outras definições, estes elementos estão
presentes na concretização dos processos de trabalho em geral.
Por meio do trabalho o homem se produz e se reproduz em sociedade a partir das
necessidades que, histórica e socialmente, vão sendo criadas e atendidas. Lunardi Filho e
Leopardi (1999) afirmam que os homens já estabeleceram as mais variadas formas de
convívio entre si: em grupos, sozinhos, em bandos ou comunidades, ora convivendo em total
sintonia com a natureza, ora querendo se sobrepujar à mesma, sempre realizando trabalhos em
benefícios próprios para sobrevivência, bem como para a manutenção da estrutura social em
que estava inserido.
Baseado nos relatos dos autores é possível dizer que, na atual conjuntura, o processo
de trabalho do homem tem se modificado a partir de uma série de paradigmas, em especial,
relacionados ao modo de vida capitalista que foi fortemente solidificado após o início da
industrialização no final do século XVIII, e que move a estrutura social até este século XXI.
Apesar das transformações ocorridas no mundo modificarem algumas condições e
situações de vida, as características que constituem os elementos do processo de trabalho
permanecem as mesmas desde a sua identificação por Marx (1994).
De um modo geral, o princípio fundamental da industrialização é a produção material,
em que os mecanismos humanos e naturais são substituídos por equipamentos, que por sua
vez, tem gerado crescimento econômico e recebido o nome de “progresso” (LUNARDI
FILHO; LEOPARDI, 1999).
A partir do momento em que entendemos o progresso como sinônimo de avanço,
percebemos o paradoxo existente entre o “progresso” capitalista e o progresso social, pois esse
mecanismo nada mais é do que um gerador de desemprego e declínio na qualidade de vida.
É interessante como, na sociedade contemporânea, o homem deixa de ser o principal
participante do processo de trabalho, da ação do trabalho, em que dominava na medida do
possível, o seu meio para sobreviver, passando a ser o fundamental consumidor dos bens
produzidos como produto do seu próprio desemprego. Influenciados pelo ambiente em que
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 53
vive, deseja cada vez mais participar ativamente desse processo de consumo, contribuindo
assim, para o fortalecimento do capitalismo, que vai gerar mais compras de máquinas e mais
desempregos ou subempregos.
A partir do entendimento da importância do trabalho para o homem, e tendo em vista a
sua inerência à humanidade, faremos uma explanação acerca do processo de trabalho em saúde.
3.1.1 Processo de trabalho em saúde
No processo de trabalho em saúde, consideramos relevante a definição citada
anteriormente, da complexidade do processo de trabalho, quando se opera com objetos já
modificados na relação homem-natureza, uma vez que o objeto de trabalho em saúde é o
homem, e este, por sua vez, está em constante relação de modificação com o meio e a natureza.
As constantes e diversas transformações que vêm ocorrendo na sociedade incidem
também, de maneira significativa, no campo da saúde, pois esta é parte essencial da sociedade
(ROCHA; ALMEIDA, 2000).
O processo de trabalho em saúde é um modelo de trabalho que se caracteriza como um
trabalho complexo, uma vez que envolve diversos profissionais, direta ou indiretamente, para
a obtenção do seu produto final, que é a promoção de saúde e melhoria na qualidade de vida.
Embora o setor saúde seja considerado um setor de serviços, o que o torna específico,
comparando-o ao setor de serviços em geral, é que as ações realizadas em seu processo de
trabalho se dão a partir de uma relação interpessoal profunda, sendo um modo de trabalho em
que o consumidor contribui diretamente para a realização e a consolidação do produto final do
processo de trabalho (NOGUEIRA, 1997).
Esse modo de trabalho não ocorre isoladamente, mas em um contexto que se alimenta
reciprocamente, em que há o envolvimento de diversos profissionais, cada qual realizando um
trabalho próprio da sua especialidade, mas que deve se entrelaçar devido às necessidades que
precisam ser internalizadas (PEDUZZI, 1998).
Além disso, a autora caracteriza que a especificidade do trabalho em saúde exige
reflexibilidade dos seus agentes, frente ao saber na ação, lembrando que esse trabalho sempre
está voltado para o homem, e que as ações são realizadas em pessoas. O trabalho em saúde
acontece no âmbito da intersubjetividade, frente às necessidades descritas ou demonstradas
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 54
pelo usuário e, a partir da mobilização de vários profissionais em busca do atendimento às
necessidades identificadas, gera-se atenção às necessidades de saúde específicas de cada
indivíduo (PEDUZZI, 1998).
Os objetos dos vários processos de trabalho que constituem o trabalho em
saúde estão sempre referidos ao homem e, portanto sempre terão que ser
apreendidos na objetividade e subjetividade que lhe são inerentes. Assim
como, a aplicação de vários instrumentos (saberes ou materiais) que se
efetiva pelo encontro pessoa a pessoa entre usuário e agente, remete a
intervenções técnicas sempre permeadas por relações interpessoais
(PEDUZZI, 1998, p. 42).
No trabalho em saúde, o objeto, os instrumentos e a finalidade do trabalho se
diferenciam dos demais tipos de trabalho, pois todo o processo está permeado pela
subjetividade humana. Sendo assim, o conhecimento científico é imprescindível, e o uso de
tecnologias se caracteriza de acordo com as necessidades que surgem em cada atendimento.
Mendes-Gonçalves (1994) esclarece que o conhecimento é o principal instrumento
do processo de trabalho em saúde, pois orienta o processo, os objetos de trabalho e a
finalidade. Nesse sentido, Rocha e Almeida (2000) salientam que nem sempre se utiliza
instrumento material para atingir a finalidade do trabalho em saúde. A esse respeito, Merhy
(1997, p. 120-1- grifo do autor) elucida que, “o trabalho em saúde não pode ser expresso
exclusivamente nos equipamentos e saberes tecnológicos bem estruturados, pois o seu
objeto não é plenamente estruturado e suas tecnologias de ação mais estratégicas se
configuram em processos de intenção em ato, operando como tecnologias de relações, de
encontros de subjetividades”. Por isso, o autor classificou as tecnologias envolvidas no
cuidado em saúde como:
Leve (como no caso das tecnologias das relações do tipo produção de
vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como uma forma de
governar processo de trabalho), leve-dura (como no caso dos saberes
bem estruturados que operam no processo de trabalho em saúde, como a
clínica médica, a clínica psicanalítica, a epidemiologias, o taylorismo) e
dura (como no caso dos equipamentos tecnológicos do tipo máquinas,
normas, estruturas organizacionais) (MERHY et al., 1997, p. 121- grifo
do autor).
A utilização de tecnologias diferenciadas dos demais tipos de trabalho caracteriza o
trabalho em saúde. Trata-se de um processo, dialético e único, que se configura em um
contexto amplo e complexo, e que muda a cada situação em particular.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 55
Ademais, outras particularidades são inerentes ao processo de trabalho em saúde. A
fragmentariedade dos atos é uma delas. Muitas vezes, é necessária a intervenção de diversos
profissionais para a realização das etapas que perpassam o processo de trabalho até a sua
finalização (NOGUEIRA, 1997).
A fragmentariedade do trabalho pode ser vista, por um ângulo, como necessária em
alguns momentos em que o trabalho em saúde requer um conhecimento específico acerca de
determinada situação. É o caso de algumas especialidades profissionais, nas quais algumas
necessidades de saúde exigem a atenção de um especialista, e, que são por outro ângulo,
negativas para a efetivação da integralidade. Até nos momentos em que se faz necessária a
atuação de especialistas o trabalho só atinge a sua finalidade quando o profissional realiza
exames e/ou prescreve tratamento específico. Embora, em alguns casos se faça indispensável
a especificidade em saúde, esta conduz a fragmentariedade, podendo tornar-se um óbice na
produção do cuidado, pois com essa prática o trabalho se efetiva parcialmente.
O trabalho em saúde exige, em certos casos, dias ou meses para atingir sua finalidade.
Esse aspecto pode ser confundido com fragmentariedade, mas nem sempre é. Contudo, quando
não há conexão entre os agentes do cuidado, a falta de ações articuladas pode contribuir para a
realização de atos isolados. Devido a tal característica e a dificuldade de acesso a determinados
serviços, os cuidados não se concretizam. Sob essa ótica, é importante refletir a
fragmentariedade, uma vez que os profissionais de saúde não atuam em máquinas de ferro ou
metal, mas em homens, e a exposição do corpo e/ou da mente requer muita sensibilidade e
habilidade manual e intelectual, que se modifica na singularidade de cada situação.
Segundo Peduzzi (2001), os profissionais devem realizar intervenções próprias de
suas respectivas áreas, mas também executarem ações comuns, nas quais estejam
integrados saberes provenientes de distintos campos como: recepção, acolhimento, grupos
educativos, grupos operativos. A fragmentariedade dos atos em saúde repercute
negativamente na realização do trabalho na perspectiva da integralidade e, implica nas
concepções acerca do trabalho em equipe-integração (PEDUZZI, 1998). A autora afirma
que cada profissional isoladamente não consegue atender às necessidades de saúde dos
usuários, mas é preciso criar condições para se evidenciar e processar as articulações entre as
ações dos diferentes agentes.
Para Nogueira (1997), no serviço em saúde, não se aplica uma regra em geral, pois as
ações se individualizam, também, pela influência do usuário, a partir dos seus valores e da sua
participação. Tal particularidade é um outro diferencial desse tipo de trabalho.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 56
No que concerne à abrangência do trabalho em saúde esta é extensa. O setor saúde tem
que responder a uma pluralidade de necessidades, desde a atenção primária, embasadas no
cuidado à saúde, prevenção e recorrência de doenças, até a alta complexidade e especialidade
que se dão nos hospitais de atendimento terciário, de modo a proporcionar uma vida saudável
(ROCHA; ALMEIDA, 2000).
A divisão do processo de trabalho em saúde se distingue de outras profissões, apesar
de dividir-se em categorias, umas mais e outras menos valorizadas, em que as ações
realizadas pelos profissionais são interdependentes, interdisciplinares e essenciais. Peduzzi
(1998) esclarece que na saúde a divisão se dá de forma processual e complexa, cada trabalho
se individualiza devido a uma configuração de saberes e ações que lhe são peculiares, e vão
desde atividades manuais e empíricas ao desenvolvimento técnico-científico.
Mendes-Gonçalves (1979) e Schraiber (1993 apud PEDUZZI 1998) afirmam que, frente
às divisões do trabalho em saúde e que são descritas como interdependentes, está o poder
médico, por essa classe profissional ter se apropriado da atuação no campo saúde-doença e
constituído uma concepção própria de ação curativa. Essa forma de trabalho, fundamentada no
modelo anatomopatológico, constitui um campo de práticas com fundamentação científica e
corroboram a concepção de complexidade e hegemonia da profissão.
A divisão do trabalho precisa ser entendida a partir do reconhecimento de cada
profissional acerca dos seus limites de atuação. Faz-se necessário reconhecer que cada
profissão tem saberes peculiar e, portanto, todos os profissionais são necessários para a
concretização do trabalho em saúde. Essa prática social desenvolve-se numa perspectiva de
interdependência e complementaridade visando, acima de tudo, a melhoria na qualidade de
vida do indivíduo.
Assim, o processo de trabalho em saúde deve ser revisto a cada momento e em cada
situação em particular, pois cada indivíduo tem características e necessidades particulares que
se modificam continuamente e, portanto, precisa ser cuidado na sua singularidade.
O trabalho em saúde, embora se caracterize pela realização de atos cujos resultados
não são palpáveis, envolve quase sempre a utilização de instrumentos concretos, a saber,
aparelhos e equipamentos, medicamentos, exames laboratoriais. É um modelo
tecnoassistencial. Para atingir a finalidade proposta necessita da conexão de instrumentos de
trabalho pautados nas tecnologias duras, leve-duras e leves do cuidado (MERHY, 1997). A
concretização do processo de trabalho em saúde exige, dos profissionais, articulações entre a
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 57
utilização das três tecnologias do cuidado: desde uso de aparelhos, conhecimento estruturado
a respeito das doenças e dos condicionantes ambientais que contribuem para o
desenvolvimento de agravos e riscos e, a aproximação, o diálogo e a criação de vínculos. Para
Merhy e Franco (2003), essa é a Composição Técnica do Trabalho que é definida como a
razão entre Trabalho Morto e Trabalho Vivo, no interior dos processos de trabalho. Segundo
Merhy (1997), o trabalho morto se caracteriza pelos instrumentos concretos do trabalho, e o
trabalho vivo é o ato humano em si. Em muitos momentos, os dois serão necessários para se
realizar atos em saúde.
Diversas profissões da saúde utilizam as tecnologias duras e leve-duras do cuidado
para a concretização de seus atos. No processo de trabalho da enfermagem essa característica
não é muito diferente e, embora as tecnologias duras que são usadas pelos profissionais
pareçam ser menos complexas, se comparadas a grandes e modernas máquinas, devido ao fato
de serem aparelhos pequenos e instrumentos mais manuais, por exemplo, seringas, escalpes,
gelcos, cateteres, soros, medicamentos, nebulizações, são instrumentos do cotidiano
profissional e caracterizam o trabalho morto dessa profissão. O que diferencia o processo de
trabalho em saúde dos demais profissionais, é que a utilização de instrumentos concretos não
é suficiente para dar conta da finalidade desse tipo de trabalho. A sua concretização requer
sobremaneira aproximação, contato, acolhida, vínculo.
Se imaginamos que, na atividade-fim, todo esse sistema (tecnologia dura)
só funciona relacionando-se com o trabalho humano, isto é, em interação
com Trabalho Vivo em ato, outras variáveis passam a compor o cenário
de desenvolvimento (desse trabalho). Essas variáveis estão ligadas à
especificidade que têm os processos de trabalho em saúde, inclusive no
que se refere a uma certa subjetivação necessária para a assimilação de
todo o aparato tecnológico pelos trabalhadores da saúde (FRANCO,
2003, p. 89-90).
Uma das características indispensáveis ao trabalho em saúde é que esse deve ser
constantemente permeado por diálogo, escuta qualificada, criação de vínculos, ou seja, por
tecnologias leves, independentemente da necessidade da utilização de outras tecnologias. Não
é possível se pensar em um trabalho em saúde que não envolva relações interpessoais, ainda
que seja para manusear instrumentos e equipamentos.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 58
3.1.2 Processo de trabalho em Enfermagem
A enfermagem, que ao longo dos anos, foi vista como uma profissão relacionada à
caridade, à benevolência, à expiação dos pecados, passou por várias modificações acerca de
suas atribuições profissionais e por momentos com diferentes características, até chegar ao
atual momento em que busca nos princípios científicos, a fundamentação para a realização do
seu processo de trabalho (ALMEIDA; ROCHA 1989). Na atual conjuntura, trabalha na
perspectiva da realização de uma assistência integral e humanizada, por meio da assistência à
saúde, prevenção de doenças, promoção e reabilitação da saúde, melhoria da qualidade de
vida do indivíduo.
Enquanto ciência, a profissão tem buscado constituir seu conhecimento de modo
contínuo, baseado em técnicas, princípios, teorias, a partir de embasamentos científicos que
fundamentam a prática diária por meio de um processo de trabalho dinâmico.
A partir dos trabalhos desenvolvidos por Florence Nightingale no século XIX, a
enfermagem tomou uma direção para a modernidade. Somando-se a isso, as transformações
que ocorreram na sociedade Ocidental, concomitantemente à introdução do capitalismo, ainda
que a inserção do capitalismo não tenha ocorrido simultaneamente em todos os países,
contribuíram para a modificação nas perspectivas do processo de trabalho (COLLET;
ROCHA, 2001).
Essas transformações colocam novos desafios aos pesquisadores da enfermagem, que
procuram uma articulação entre o progresso técnico e as organizações sociais, que sustentam
a vida cotidiana (ROCHA; ALMEIDA, 2000).
De acordo com Collet e Rocha (2001), o processo de trabalho da enfermagem vai ao
encontro dos princípios da gerência científica proposta por Frederick Taylor, muito em voga
na época, de divisão de responsabilidades entre a gerência e o trabalhador. Desse modo, as
influências tayloristas contribuíram para que muitas tarefas designadas aos médicos fossem
atribuídas à enfermagem, acentuando a divisão entre o trabalho intelectual, este cabendo ao
médico, e o manual, este cabendo à enfermagem. Kantorski (1997) salienta que no interior da
profissão enfermagem também começou a haver uma divisão entre a realização do cuidado
direto ao indivíduo (atualmente realizado pelos auxiliares e técnicos de enfermagem) e as
atividades de supervisão, administração e ensino (realizadas pelas enfermeiras).
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 59
Nesse sentido, a partir da divisão técnica e social do trabalho, embasados na ciência e
no profissionalismo, a enfermagem perde a sua característica puramente caritativa e passa a
buscar o seu reconhecimento profissional enquanto ciência (COLLET; ROCHA, 2001).
Almeida e Rocha (1989) relatam que desde 1950 as enfermeiras norte-americanas
passaram preocupar-se com os princípios científicos, fundamentados a partir de outras
profissões como a psicologia, a antropologia, a química, a anatomia, para que o exercício da
enfermagem obtivesse o caráter de ciência superando a mera realização de atividades
intuitivas e empíricas.
Nesse contexto, os profissionais ainda enfrentam o conflito da relação do seu processo
de trabalho com o seu produto final, uma vez que não têm conhecimento total do desígnio do
seu trabalho (ALMEIDA; ROCHA, 1989). As autoras explicam que essa relação existe
devido à atuação de uma equipe multidisciplinar, realizando procedimentos inerentes às
competências específicas de cada profissão, perdendo-se, assim, a visão do todo. Nogueira
(1997) afirma que esse desconhecimento se dá porque o resultado do processo de trabalho em
saúde não é palpável. Todavia é real.
No plano da organização do trabalho, temos distintos profissionais realizando ações
isoladas cujas conexões geralmente são feitas pelos usuários ao percorrerem os vários
momentos fragmentados de atenção (PEDUZZI, 1998). Para superar esse modo fragmentário
da organização do processo de trabalho, faz-se necessário que os profissionais
responsabilizem-se pelas articulações entre os distintos momentos das ações em saúde e
promovam a construção de um projeto terapêutico integrado que atenda às necessidades
ampliadas em saúde.
Nessa perspectiva, a enfermagem pediátrica tem um grande desafio a ser enfrentado já
que a partir da inserção da família no hospital sua dinâmica de trabalho vem sendo alterada e
demonstrando a necessidade de constante reflexão e redimensinamento de suas práticas no
cuidado à criança e sua família.
3.1.3 Processo de trabalho em enfermagem pediátrica
As transformações e mudanças relacionadas aos acontecimentos sócio-político-
econômicos que aconteceram na sociedade no século XX, atingiram também, a enfermagem
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 60
pediátrica. Os avanços tecnológicos, as novas tendências profissionais, as mudanças sociais e
governamentais, as novas concepções acerca do processo saúde-doença, constituem-se em
aspectos que imprimiram certa dificuldade, aos profissionais, na apreensão no seu objeto de
trabalho (COLLET; ROCHA, 2001).
Para as autoras, as novas tendências geram novas necessidades no âmbito assistencial
e, por conseguinte, modificam a finalidade da assistência. O enfoque do tratamento hospitalar,
antes centrado exclusivamente na doença, tem sido percebido em um contexto mais
abrangente que envolve a família e as necessidades sociais da criança, ainda que de modo
incipiente. O Relatório Platt, conforme relatado anteriormente, foi um colaborador para o
despertar do enfoque das necessidades da criança na perspectiva da participação da família no
processo de cuidar e, embora a enfermagem pediátrica busque acompanhar as modificações
advindas da modernidade e das influências do capitalismo, o objeto de trabalho da profissão
ainda está voltado a oferecer a cura física e a minimização dos traumas advindos da doença.
A assistência de enfermagem à criança hospitalizada vem passando por modificações ao
longo dos séculos. Entretanto, na atualidade, asseveram-se essas mudanças, em especial, a partir
da inserção da família enquanto acompanhante. O advento do Alojamento Conjunto Pediátrico
traz, para a criança e sua família, a possibilidade de um cuidado humanizado, embasado em
suas necessidades peculiares, a partir da percepção da família sobre os desejos e anseios da
criança. Contudo, nesse processo ainda há profissionais que percebem o acompanhante como
um supervisor das suas ações e não como um colaborador no projeto terapêutico.
A efetivação da assistência que envolve a família na participação do cuidado à criança
hospitalizada é dificultada pela escassez de recursos, falta de filosofia institucional, falta de
sensibilização e instrumentalização profissional para atender às necessidades desse novo
processo de trabalho, que se embasa numa perspectiva de transformação do cuidado (GAIVA;
SCOCHI, 2004). Para as autoras supracitadas, o trabalho em saúde é, muitas vezes, um
trabalho coletivo, mas nem sempre em equipe.
Peduzzi (1998) relata experiências de profissionais que definem o trabalho em equipe
como um grupo de pessoas que estão de serviço no mesmo local, mas que trabalham
separadamente, no máximo se encontram para tirar dúvidas sobre algum paciente,
eventualmente, quando não conseguem resolver o problema sozinho. Muitas vezes, esse
profissional que deseja trabalhar só e definir atribuições aos demais profissionais é o médico,
o que reforça o entendimento do poder soberano que não é visto apenas pelos próprios
profissionais da classe, como de outras áreas e, acima de tudo, pelo paciente e sua família.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 61
Se há dificuldade em se concretizar o trabalho em equipe na atenção à saúde, em
pediatria hospitalar assevera-se essa dificuldade tendo em vista a inserção da família no
cuidado à criança.
Atualmente, no processo de trabalho da enfermagem pediátrica, a família tem
efetivado cuidados antes realizados pelos profissionais, o que é percebido por muitos destes
como diminuição na sobrecarga do trabalho e por uma pequena parcela como “supervisão”
das ações realizadas pela equipe. Alguns profissionais entendem o direito de acompanhar a
criança adquirido pela família, como uma obrigação em realizar cuidados, sem que esta tenha
conhecimento da sua importância na reestruturação emocional e física da criança, durante o
processo de hospitalização (PEDROSO, 1996).
Nesse sentido, urge que a enfermagem pediátrica reflita sobre seu processo de
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 62
Estudos demonstram que o ambiente hospitalar pediátrico é menos formal. A
utilização de jalecos coloridos e as paredes pintadas, além de colorirem o ambiente, deixam as
crianças mais tranqüilas, devido às cores alegres e aos temas dos desenhos serem, muitas
vezes, significativos para as mesmas; a presença da família e a sua participação no cuidado
favorecem até mesmo a realização de cuidados pelos profissionais. Além disso, a relação da
equipe com a criança e a família tem ocorrido de forma menos tensa, apesar de existirem
muitos conflitos advindos do cotidiano (WONG, 1999; LIMA, 1990 apud COLLET;
ROCHA, 2001).
A equipe de enfermagem precisa entender o significado de algumas situações que
permeiam o cotidiano pediátrico, entre os quais, a importância de uma assistência na
perspectiva da integralidade e ao desvio do enfoque da doença, a partir da promoção de um
ambiente mais ameno; o valor da presença do acompanhante durante a hospitalização, para
que a família não venha a ser vista como um óbice, no cuidado, mas como co-partícipe
essencial do processo de cuidar. A família não está no ambiente hospitalar para realizar
cuidados à criança, mas poderá fazê-lo, se desejar. O importante é que a ela possa oferecer
conforto e segurança à criança durante sua hospitalização.
Ressaltamos a necessidade premente de uma educação continuada que estimule o
senso crítico da equipe para que o trabalho rotineiro e mecanizado possa ser transformado em
um cuidado singular e competente. Para tanto, significa apreender a família não mais de
forma estereotipada e idealizada, mas na complexidade do seu processo social, de sua
subjetividade, enfim, de suas relações.
A partir da contextualização apresentada acerca da assistência à criança hospitalizada,
passamos a construir nosso pressuposto neste estudo.
Na atenção à saúde da criança hospitalizada, as principais transformações
desencadeadas no processo de trabalho da equipe de enfermagem passam a ser evidenciadas a
partir da inserção da família no hospital durante todo o período de hospitalização, conforme
visto na revisão de literatura apresentada.
A família tem realizado muitos cuidados à criança, antes de responsabilidade da
enfermagem. Ora os profissionais delegam explicitamente esses cuidados à família, ora
deixam implícito que o banho, a alimentação e o conforto, por exemplo, devem ser cuidados
realizados pela família. Nesse contexto, a dinâmica do processo de trabalho da enfermagem
muda de configuração e não tem sido refletida na prática assistencial. Portanto, propomo-nos
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 63
a trazer ao debate esses aspectos a fim de contribuir para a urgente reflexão acerca dos modos
como a enfermagem pediátrica tem realizado seu processo de trabalho no hospital.
A partir dessas considerações e da abordagem anteriormente apresentada, temos como
pressuposto, neste estudo, que a equipe de enfermagem, apesar de ter avançado na apreensão
das transformações do seu objeto de trabalho, não tem refletido acerca das mudanças
ocorridas na dinâmica do seu processo de trabalho e isso tem sido um dos óbices na
construção da integralidade da assistência à criança hospitalizada e à sua família.
3.2 Estratégias de Investigação
O trabalho em saúde e sua organização tecnológica apresentam aspectos dinâmicos
objetivos e subjetivos. Apreender os significados e a relação entre esses elementos requer do
pesquisador aprofundamento sobre o conhecimento científico construído a respeito do
processo de trabalho dos agentes envolvidos, durante um determinado período histórico.
As relações humanas e as concepções dos trabalhadores acerca do seu processo de
trabalho sofrem influências dos determinantes socioeconômicos e culturais de cada momento
histórico. Tendo em vista que os acontecimentos sociais estão fortemente imbricados à
ideologia e à cultura predominantes perpassando as subjetividades desses eventos, optamos
por desenvolver uma pesquisa de abordagem qualitativa, cujas, diretrizes permitem apreender
o significado de atos e do envolvimento dos sujeitos em suas atitudes e ações, buscando sua
implicação social.
Segundo Minayo e Sanches (1993), esse tipo de pesquisa incorpora o significado e a
intencionalidade de questões a ser investigadas como partes inseparáveis dos atos às relações
e às estruturas sociais. Os mesmos autores explicitam que a metodologia qualitativa se
consolida no campo da subjetividade e do simbolismo. Para os autores, sujeito e objeto estão
intimamente próximos e, por serem da mesma natureza, as ações e as relações do objeto
tornam-se significativas aos sujeitos.
A pesquisa de abordagem qualitativa pode ser caracterizada como a busca pelo
entendimento, compreensão minuciosa dos significados e características de determinadas
situações apresentadas pelos sujeitos da pesquisa. É uma forma de entender a natureza de um
fenômeno social (RICHARDSON et al., 1999).
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 64
Esse tipo de pesquisa tem como finalidade desenvolver, esclarecer, modificar
conceitos pré-estabelecidos, com a intenção de formular problemas mais precisos, com o
objetivo de proporcionar uma visão aproximativa de determinado fato (GIL, 2002).
3.2.1 Cenário do estudo
O hospital é uma instituição que se caracteriza por uma complexidade e diversidade de
atividades que são realizadas de forma contínua, em situações de trabalho coletivo, já que nele
ocorre “um intenso processo de divisão de trabalho e apropriação de saberes subjacentes às
intervenções técnicas, assim como se conforma na relação recíproca entre trabalho e prática
comunicacional” (PEDUZZI, 1998, p. 74). O processo de trabalho hospitalar alcança
patamares elevados de complexidade em sua dinâmica. As ações que ela requer são orientadas
por diversos saberes, muitos deles permeados por hierarquias entre categorias profissionais.
Uma das razões pela qual o trabalho em saúde é uma categoria sociológica de análise é
o fato de todas as ações envolverem relações interpessoais. Além disso, segundo Peduzzi
(1998), o profissional de saúde lida com objetos de trabalho de intensa complexidade
dinâmica, à medida que intervêm sobre questões como saúde e doença no contexto social.
A partir dessas considerações passamos à caracterização da instituição em estudo.
Esclarecemos que os resultados encontrados nesta pesquisa estão diretamente relacionados ao
modo de constituição, organização e questionamento da instituição cenário do estudo, ou seja,
ao sentido histórico e social de sua determinação na sociedade paraibana.
O Hospital Universitário Lauro Wanderley - HULW foi fundado em 12 de fevereiro
de 1980 e está situado no Campus I da Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa,
capital do estado da Paraíba. O prédio do HULW é um complexo hospitalar com cerca de
44.000 m
2
, dos quais 9.000 m² não foram concluídos até Junho de 2007. Trata-se de uma
instituição pública federal que atende exclusivamente usuários do SUS.
Sua estrutura física é composta por 07 andares, dos quais 06 estão em funcionamento.
Está dividido em unidades clínicas, cirúrgicas e de terapia intensiva, com a seguinte disposição:
térreo – atendimento ambulatorial de pediatria clínica e cirúrgica, puericultura, saúde do
adolescente, consulta de enfermagem, imunização, neuropediatria, clínica médica geral, cirurgia
geral e em diversas especialidades, otorrinolaringologia, cabeça e pescoço, fissurados,
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 65
neurologia, reumatologia, pneumologia, tisiologia, imunologia, odontologia, gastroenteorologia,
endocrinologia, cardiologia, genética, geriatria, psiquiatria, obstetrícia, ginecologia, nutrição
psicologia, serviço social, laboratórios, salas para exames radiológicos, sala de observação para
pequenos procedimentos; serviço de arquivamento de prontuários, refeitório do hospital, serviço
de manutenção, almoxarifado, farmácia hospitalar e ambulatorial, lavanderia, auditórios, Centro
de Toxicologia (CEATOX), Serviço de Atendimento Médico, destinado à assistir aos
funcionários que adoecerem durante o horário de trabalho; quase toda a parte administrativa e
burocrática do hospital também funciona no térreo.
Nos andares, os serviços estão distribuídos da seguinte forma. No primeiro andar
ficam as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal, Pediátrica e Adulto; o Bloco Cirúrgico e a
Unidade de Recuperação pós-anestésica; a chefia de enfermagem e a sala de educação
continuada; salas de aula do curso de medicina. No segundo andar está instalada a Clínica
Cirúrgica dividida em duas alas A e B. No terceiro andar estão situadas a Clínica Obstétrica, a
sala de Parto Natural, o Berçário Patológico; o Serviço de Pronto Atendimento Pediátrico-
SPAP e a Pediatria, cujas especificações serão apresentadas posteriormente. No quarto andar
estão o Serviço de Pronto Atendimento ao Adulto – SPA e a Clínica de Doenças Infecto-
Contagiosas – DIC. No quinto andar está a Clínica Médica dividida em duas alas A e B. No
sexto andar estão o Serviço de Atendimento Especializado- SAE, com o hospital dia que
atende pacientes soropositivos em tratamento (crianças e adultos) e o atendimento
oftalmológico, onde são realizadas consultas e cirurgias. O sétimo andar no momento
encontra-se desativado, mas outrora funcionava o serviço de atendimento psiquiátrico (hoje só
funciona no térreo a nível ambulatorial), a área em que funcionava a clínica psiquiátrica é
hoje, um local cogitado para ser futuramente um centro hemodinâmico da instituição.
Atualmente, o HULW conta com cerca de 1.100 servidores. Dentre eles profissionais
de nível médio, técnico, superior e pós-graduados, distribuídos nas diversas áreas de trabalho.
O hospital possui 220 leitos ativados, 80 consultórios médicos e 10 laboratórios, tem
capacidade de realizar 50 mil exames por mês e, realiza em média 20 mil atendimentos, 250
cirurgias e 700 internações por mês. É referência para o tratamento de doenças crônicas e/ou
de difícil diagnóstico no Estado. Não realiza atendimento a politraumatizados e casos de
emergência, com exceção das UTI’s, Clínica Pediátrica, DIC e Obstetrícia.
Esta pesquisa foi desenvolvida na Clínica Pediátrica do HULW. A referida unidade
atende crianças de clínica médica e cirúrgica e é composta por 08 enfermarias que variam de
02 a 05 leitos cada, perfazendo um total de 32 leitos, mais uma enfermaria de isolamento para
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 66
crianças imunodeprimidas. Anexo a esta clínica tem o Serviço de Pronto Atendimento
Pediátrico – SPAP, com 06 leitos para crianças em observação, cujos atendimentos são
breves. Nos casos em que as crianças precisam ser internadas, as mesmas são transferidas
para a unidade de internamento.
A estrutura física da unidade é composta por uma sala onde são realizadas punções
venosas e pequenos procedimentos como cateterismos oro/nasogástricos e vesicais, curativos,
retiradas de ponto, dentre outros; um posto de enfermagem; um expurgo; uma rouparia; uma
sala de prescrição; refeitório para as crianças com mesas e cadeiras pequenas e grandes para
atender a diferentes faixas etárias, nessa sala há ainda, uma TV, um vídeo cassete e um DVD
para as crianças e os acompanhantes assistirem. Na entrada da clínica há um ambiente para a
recreação das crianças, cujas atividades consistem em brincadeiras como pintura, trabalho
com argila, desenhos, educação em saúde e religiosa, apresentação de peças teatrais, musicais
e comemoração de datas festivas, tem um pequeno balanço de dois lugares para crianças
menores, jogos diversos e vários brinquedos para ambos os sexos e as diferentes faixas
etárias. Quando há crianças internadas impossibilitadas de irem até a sala de recreação para
participar das atividades, as equipes responsáveis levam o material até o leito das crianças. As
atividades lúdicas na pediatria do HULW são realizadas por funcionários da instituição
responsáveis pela recreação, professores da UFPB com alunos vinculados a projetos de
extensão, educadora física, além de voluntários.
Existe um espaço para acolher a família, ainda que com poucos recursos e precisando
melhorar a acomodação. O mesmo é composto por um ambiente, para acompanhantes do sexo
feminino, contendo banheiro, pia para lavar roupas, estendedor de roupas e armários com
chave para guarda de pertences pessoais. Este ambiente é para acompanhantes do sexo
feminino. Quando as crianças estão acompanhadas pelos pais ou responsáveis do sexo
masculino, estes utilizam o banheiro do Serviço de Pronto Atendimento Pediátrico- SPAP. Os
banheiros das crianças são nas próprias enfermarias, sendo que duas delas possuem apenas
um lavatório para dar banho em crianças pequenas. As enfermarias para bebês possuem
apenas berços. Também estão situados na clínica o repouso da equipe de enfermagem, o
repouso médico e o dos residentes.
A Clínica Pediátrica funciona no sistema de alojamento conjunto, tendo como
acomodação para o repouso noturno, cadeiras do tipo espreguiçadeira, para as mães, embora
não sejam as mais adequadas e confortáveis. Durante o dia, os acompanhantes ficam
acomodados em cadeiras de plástico. A visita às crianças ocorre entre às 15h e 16h, porém, no
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 67
momento em que chegar alguma pessoa para visita fora desse horário, em especial se for de
outra cidade, a mesma é autorizada a realizar a entrar ou a fazer a permuta com o
acompanhante.
3.2.2 Coleta de dados empíricos
A coleta de dados empíricos foi realizada por meio da entrevista semi-estruturada
definida por Richardson et al. (1999) como um meio de obter do entrevistado os aspectos que
ele considera mais importantes de um fenômeno, a partir de uma conversação guiada. Minayo
(2007) define o roteiro de entrevista como um guia, um meio de apreender o ponto de vista
dos envolvidos a respeito dos objetivos previstos na pesquisa, devendo conter poucos
questionamentos. O roteiro desta pesquisa foi constituído por questões fechadas, para
identificação dos sujeitos e questões abertas, relacionadas ao objeto de estudo.
Antecedendo o início do levantamento de dados, realizamos um estudo piloto, com a
finalidade de averiguar se o roteiro elaborado para a entrevista, baseado no referencial teórico
estava adequado aos objetivos da pesquisa. Esse estudo foi realizado em outra instituição
pública que também tem uma unidade pediátrica, com funcionamento semelhante àquela
pesquisada. O critério utilizado para a seleção dos profissionais foi serem funcionários
públicos concursados e terem experiência profissional no local de trabalho superior a 01 ano
na referida clínica pediátrica. Consideramos que em 01 ano de atividade na mesma unidade é
um tempo suficiente para as profissionais apreenderem singularidades da organização do seu
processo de trabalho que são importantes para a construção das suas concepções acerca do
trabalho da equipe, nosso objeto de pesquisa. Os mesmos critérios do estudo piloto foram
aplicados aos sujeitos que participaram desta pesquisa. No estudo piloto entrevistamos apenas
um profissional de cada categoria da enfermagem, convidados verbalmente pela pesquisadora
que explicou todo o processo da pesquisa. Após a análise das informações verificamos a
necessidade de modificação das questões norteadoras, do que resultou a elaboração definitiva
do roteiro da entrevista (APÊNDICE I).
No hospital em estudo, a equipe de enfermagem da clínica pediátrica e do SPAP é
composta por 12 enfermeiras, 33 auxiliares de enfermagem cujos períodos de experiência, no
atendimento à criança hospitalizada, variam entre 02 meses e 29 anos. Dentre as 45
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 68
profissionais lotadas na clínica pediátrica 07 assistem às crianças do SPAP, sendo 01 enfermeira
e 06 auxiliares. Nesse setor o modelo também é ACP, mas como a rotatividade de pacientes é
intensa devido ao tipo de atendimento realizado, a dinâmica do trabalho da equipe de
enfermagem que lá atua é diferente da equipe que permanece no setor de internamento
acompanhando o binômio. Considerando a especificidade do SPAP e por estarmos estudando as
concepções da equipe de enfermagem acerca do seu trabalho na assistência à criança
hospitalizada e à sua família, as profissionais do referido setor não farão parte da nossa amostra.
Após a aplicação dos critérios de seleção dos sujeitos desta pesquisa, identificamos
que contemplavam os mesmos os seguintes profissionais: 11 enfermeiras, 22 auxiliares de
enfermagem, das quais 02 enfermeiras não puderam compor a população, pois 01 está
afastada por tempo indeterminado e a outra é a pesquisadora. Das 22 auxiliares 01 está com
desvio de função e realiza atividades indiretas à criança no cuidado assistencial e 02 estavam
em licença especial. Assim, totalizaram 9 enfermeiras e 19 auxiliares de enfermagem.
Procuramos então cada profissional individualmente e conversamos a respeito da
pesquisa, dos objetivos do estudo, bem como explicamos a importância de as profissionais
repensarem sua prática assistencial a partir de estudos da realidade vivida. Nesse momento,
perguntamos quais delas, tendo ciência do trabalho que se seria realizado, aceitariam ser
incluídas na pesquisa. Após a explicitação dos aspectos citados acima, todas elas se
propuseram a participar. Contudo, tendo em vista o tempo disponível para desenvolvimento
desta pesquisa, optamos por fazer um sorteio conforme explicitado a seguir.
Como na unidade pesquisada o tempo de experiência profissional variou, à época da
coleta dos dados, entre 02 meses e 29 anos e como incluiríamos somente aquelas com atuação
há mais de 01 ano, optamos por estabelecer intervalos de tempo de trabalho, conforme
explicitado no Quadro 1, pois consideramos esse um aspecto importante uma vez que
pressupomos que o tempo de trabalho no mesmo local pode contribuir para a apreensão da
dinâmica do processo de trabalho e suas transformações históricas. Dentre os intervalos de
anos no serviço havia dois em que apenas uma profissional, de cada intervalo, possuía nível
superior. Nesse caso, convidamos essas profissionais à participarem da pesquisa e as mesmas
aceitaram. Assim, o sorteio dentre os sujeitos que atenderam aos critérios de seleção foi
realizado conforme os seguintes intervalos de tempo:
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 69
Quadro 1. Distribuição de enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem por tempo de
experiência (em anos) na clínica pediátrica do HULW
1
.
TEMPO DE EXPERIÊNCIA 01-05 05-10 10-20 20 OU +
ENFERMEIRAS 04 01 01 03
AUXILIARES DE ENFERMAGEM 11 03 04 11
FONTE: Divisão de Enfermagem do HULW. João Pessoa, setembro de 2006.
Dentre os sujeitos acima especificados, sorteamos, a princípio, uma enfermeira e duas
auxiliares de enfermagem de cada intervalo de tempo de experiência. Esse número poderia ser
expandido caso as questões do estudo não fossem respondidas. Contudo, não houve
necessidade de fazer novo sorteio. O critério de encerramento da coleta de dados foi o de
obtenção de respostas às questões do estudo.
Considerando o posicionamento ético dos pesquisadores preconizados na Resolução
Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, todas as participantes tiveram acesso às
informações pertinentes à participação na pesquisa, sendo-lhes garantido o anonimato, o sigilo
das informações, bem como a possibilidade de desistência a qualquer momento de sua
participação caso desejasse, sem ônus algum (BRASIL, 1996). Cada uma delas assinou o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNCICE II).
3.2.3 Análise dos dados empíricos
No processo de análise dos dados, Minayo (2007) salienta que o pesquisador deve
esclarecer para si o contexto das entrevistas ou dos dados coletados, reler ou ouvir diversas
vezes os textos ou as falas a fim de apreender o significado que o seu objeto de estudo
representa para os participantes da investigação e/ou para seu contexto do serviço de
investigação.
A interpretação dos dados seguiu os passos propostos por Minayo (2007). Na fase de
ordenação das informações as entrevistas foram sendo transcritas logo após o seu término
1
Devido ao fato da amostra desta pesquisa ser constituída 100% por profissionais do sexo feminino utilizaremos
o termo “elas”, “as entrevistadas” ou outro termo dessa natureza ao nos referirmos aos sujeitos da pesquisa.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 70
para facilitar a associação das falas com os movimentos e as expressões das entrevistadas;
após a transcrição foram realizadas diversas releituras do material transcrito. Nessa fase foi
possível identificar alguns temas relevantes que se referiram aos objetivos desta pesquisa,
porém foi um agrupamento ainda incipiente diante da profundidade dos aspectos abordados
pelas entrevistadas identificados posteriormente nas releituras.
Esse processo constituiu-se no passo inicial da análise dos dados, para a identificação
dos significados presentes nas falas dos sujeitos. Segundo Minayo (2007), essa é a leitura
horizontal e exaustiva do material empírico, por meio da qual realizamos a síntese de cada
tema, em que o pesquisador realiza um contato inicial com cada entrevista e busca a coerência
interna entre as entrevistas; posteriormente, já aproximados da realidade vivenciada pelos
sujeitos individualmente e após diversas releituras dos depoimentos, realizamos a leitura
transversal, de acordo com a mesma autora, trata-se da leitura de cada subconjunto ou do
conjunto total, buscando fazer um recorte de “unidade de sentido, estruturas de relevância,
tópicos de informação ou temas” (MINAYO, 2007, p. 358). Nesse momento, já foi possível
apreender algumas peculiaridades e características comuns ou que se aproximam, na
concepção dos sujeitos desta pesquisa, do tema em estudo.
Subseqüentemente, realizamos leituras exaustivas dos textos transcritos, buscando
identificar os temas que caracterizam as concepções sobre o processo de trabalho da
enfermagem, à luz do referencial teórico-metodológico adotado, tendo em vista os objetivos
propostos. Assim, a partir do material empírico produzido identificamos que os temas
recorrentes se referiam a três aspectos relacionados ao trabalho da enfermagem:
1) A Organização do Processo de Trabalho da Enfermagem em Alojamento Conjunto
Pediátrico
2) Significado da Participação da Família para a Equipe de Enfermagem
3) Repercussões / Implicações da Organização do Trabalho para a Profissão
Uma característica relevante do grupo em estudo identificada durante a caracterização
da amostra é que grande parte das profissionais entrevistadas possuem grau de escolaridade
atual maior que o que possuía na época em que foi aprovada no concurso que realizou para
ingressar no serviço. Apresentaremos essas mudanças, pois acreditamos que o conhecimento
adquirido nesses novos processos de formação pode contribuir para modificar a compreensão
do profissional acerca do seu trabalho.
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 71
Quadro 2. Caracterização das entrevistadas na época em que prestaram concurso e
atualmente
ENTREVISTADA CATEGORIA (VÍNCULO) CATEGORIA ATUAL
01 Auxiliar de Enfermagem
Técnica de Enfermagem/ Curso
Superior em outra área
02 Auxiliar de Enfermagem
Técnica de Enfermagem /
Enfermeira
03 Enfermeira Pós-graduada
04 Auxiliar de Enfermagem
Técnica de Enfermagem/
Enfermeira/ Pós-graduada
05 Auxiliar de Enfermagem _________________
06 Auxiliar de Enfermagem
Técnica de Enfermagem/ Curso
superior em outra área
07 Enfermeira
Auxiliar de Enfermagem/ Pós-
graduada
08 Enfermeira
Auxiliar de Enfermagem/ Pós-
graduada
09 Auxiliar de Enfermagem Técnica de Enfermagem
10 Auxiliar de Enfermagem Técnica de Enfermagem
11 Auxiliar de Enfermagem Técnica de Enfermagem
12 Enfermeira Pós-graduada
FONTE: Divisão de Enfermagem do HULW. João Pessoa, setembro de 2006.
A fim de manter em anonimato os sujeitos da pesquisa, na apresentação dos
depoimentos das entrevistadas convencionamos duas legendas para identificar as categorias
profissionais, seguindo as seguintes especificações: (AE, Nº.) referindo-nos às Auxiliares de
enfermagem, seguido do número da entrevista pela ordem em que foi feita; e (E, Nº.) –
Enfermeira, seguido do número da entrevista pela ordem que foi feita.
Partindo do princípio de que as pesquisas qualitativas tratam de significados,
traduzidos em valores e posições sociais que revelam a complexidade e a flexibilidade dos
eventos sociais e humanos, chamamos atenção para o fato de que os resultados desse tipo de
pesquisa são provisórios e atinentes a uma determinada realidade. Isso significa que os
resultados ora apresentados são fidedignos para o cenário desta investigação, porque tanto a
CAPÍTULO III - Referencial Teórico-Metodológico 72
investigação quanto os sujeitos sociais envolvidos sofrem influência do contexto sócio-
histórico que produzem as diferentes realidades. Todavia, existe uma relação de semelhança
entre o cotidiano assistencial de uma clínica pediátrica com outra que realize atendimento
com os mesmos objetivos, de maneira que as reflexões realizadas nesta pesquisa, além do
valor que apresentam para a equipe e serviço em questão, podem colaborar para a
compreensão de outras realidades que apresentem finalidades parecidas.
_____________CAPÍTULO IV___________
Não há substituto para, a clareza no diálogo, como instrumento no sucesso de uma
relação [...] em todas as relações.
Edgard Pimenta
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
74
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
75
pediátrica e na dinâmica do serviço desses profissionais. Essas alterações decorrem do fato de
não haver, ainda, na prática assistencial uma delimitação consensual, entre os membros da
equipe de enfermagem, sobre a dimensão da participação da família no cuidado à criança
hospitalizada. A respeito dessa situação, Collet (2001) afirma que, na atualidade, a equipe de
enfermagem do hospital pediátrico vivencia um momento de construção de um novo processo
que reconheça o acompanhante como sujeito envolvido no processo de trabalho da
enfermagem.
A instituição de um novo direito, o direito da criança hospitalizada manter consigo um
acompanhante, repercute em todo o processo de cuidar, especialmente sobre os elementos do
processo de trabalho. Conforme observação de Vernier e Dall’Agnol (2004), em decorrência
desse direito, faz-se necessária a ampliação do objeto de trabalho da enfermagem, devendo
considerar o binômio. Sendo, esse objeto, um dos elementos do processo de trabalho, urge
compreender as concepções sobre o novo recorte, porque tais concepções sobre o objeto de
trabalho iluminam o todo o processo.
Na atualidade esse tem sido um dos principais temas de discussão entre os
pesquisadores da área. Estudos têm revelado que algumas dificuldades, vivenciadas pela
equipe de enfermagem na assistência pediátrica, surgiram desde o início do ACP e que essas
estão voltadas às relações interpessoais entre a equipe e a família, em especial ao modo
como tem sido realizada a participação da família no cuidado (ANDRAUS et al., 2004;
COLLET; ROCHA, 2004; VERNIER; DALL’AGNOL, 2004).
Embora a literatura aponte essa discussão, os dados empíricos desta pesquisa
demonstram que o trabalho realizado pela enfermagem pediátrica, na unidade cenário do
estudo, em geral, configura um modo de trabalho prazeroso e pouco cansativo. A natureza
dessa concepção é umas das questões que buscamos apreender a partir das discussões a
seguir. Uma diversidade de fatores está relacionada a essas características, entre as quais, o
modelo assistencial vigente do ACP, pois o acompanhante participa diretamente dos cuidados
da criança, e os profissionais estão sentindo-se menos atarefados, conforme a declaração que
afirma: “(quando não tinham os acompanhantes) a sobrecarga (de trabalho) era maior ainda”
(E 06, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
76
4.1.1 Concepções das profissionais da enfermagem em relação ao trabalho
As ações realizadas pelos profissionais na prática assistencial dão visibilidade ao
modo como o trabalho da enfermagem está organizado. Assim, a participação da família no
ACP emerge como fundamento na organização desse processo de trabalho. A lógica do
trabalho da enfermagem pediátrica é deveras singular, o que requer dos profissionais da área
conhecimento, empenho, dedicação, capacitação profissional (OLIVEIRA; COLLET, 1999).
Segundo Litchteneker e Ferrari (2005) as peculiaridades desse trabalho requerem reflexões
organizacionais, entre as quais reflexões sobre a presença da família na clínica pediátrica e a
sua participação no cuidado à saúde da criança. Tal situação requer a reorganização do
processo de trabalho da enfermagem em nível teórico e prático, tendo em vista as alterações
em sua dinâmica.
As concepções das profissionais acerca do seu processo de trabalho são apresentadas
como a representação das ações que são realizadas na prática assistencial. Como na unidade
em estudo os atos em saúde não têm um fio condutor e ocorrem segundo a vontade de cada
trabalhador, a organização do processo de trabalho se dá a partir de cada encontro sem uma
articulação entre equipe/família/criança. Alguns aspectos peculiares dessa área não têm sido
levados em consideração pelas profissionais. Portanto, com essa análise pretendemos
caracterizar a organização do trabalho da equipe de enfermagem do HULW, como tem sido
realizado o trabalho no cotidiano e qual tem sido o enfoque da finalidade do trabalho dessas
profissionais.
Um dos eixos orientadores da práxis na área da saúde tem sido a noção de
integralidade e uma das questões que dificultam a realização de um trabalho nessa perspectiva
em nosso país, está relacionada aos recursos humanos. Embora a escassez de pessoal seja um
fato comum em grande parte das instituições hospitalares públicas do país, não se aplica à
unidade em estudo. O regime de trabalho é quase 100% de concursados, a carga horária é de
30 horas semanais que variam em regime de escala e diarista. A escala na clínica em estudo se
constitui de um plantão de 12hs dia, com folga de 24hs e um plantão de 12hs à noite com
folga de 96hs. Já quem trabalha como diarista faz 06hs diariamente, pela manhã ou à tarde, e
folga nos finais de semana e feriados, cumprindo assim uma carga horária de 30hs semanais o
que se aplica a todas as profissionais da clínica. Trabalham diariamente na clínica, de segunda
à sexta-feira no turno da manhã, os seguintes profissionais: 05-06 auxiliares de enfermagem,
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
77
02-03 enfermeiras, 02 operacionais (responsáveis pela marcação de exames e
encaminhamentos das crianças para a sua realização), 01 secretária responsável pelas
admissões e altas (no sistema on-line), 01 médico plantonista e 03-04 médicos residentes; no
turno da tarde: 04-05 auxiliares de enfermagem, 01 enfermeira, 01 operacional, 01 secretária,
01 médico plantonista, 01 médico residente; no turno da noite 04-05 auxiliares de
enfermagem, 01 enfermeira, 01 médico plantonista e 01 médico residente; no final de semana
a escala é semelhante ao plantão noturno. A assistente social trabalha em turnos variados,
quando trabalha pela manhã não trabalha à tarde e vice-versa; o fisioterapeuta trabalha em
regime similar ao da assistente social; não existem psicólogos atendendo na pediatria, quando
há necessidade de um atendimento as crianças são encaminhadas ao serviço ambulatorial; os
médicos cirurgiões pediátricos seguem a escala de sobreaviso (plantão à distância), embora
não sejam realizadas na instituição cirurgias pediátricas de grande porte em caráter de
urgência, apenas as eletivas. A nutricionista é especialista em pediatria e visita diariamente as
enfermarias, no turno da manhã. Nos demais turnos e nos fins de semana, essa visita é feita
por um profissional da categoria para todo o hospital.
A caracterização da unidade em estudo não representa um modelo que está fora dos
parâmetros da administração na relação paciente x profissional da enfermagem, considerando
o grau de complexidade do atendimento realizado. A unidade dispõe de 32 leitos sendo que
em cada turno de trabalho atuam 04 a 05 auxiliares de enfermagem. A essa força de trabalho
soma-se à representada pelos acompanhantes, uma vez que as profissionais reconhecem que:
“Hoje (após o ACP) eu acho que o trabalho é muito mais leve e eu acho que as crianças são
muito mais bem cuidadas” (E 06 AE).
A realização de cuidados pela família na assistência tem repercutido para a enfermagem
como uma forma de diminuição da carga de trabalho. A família tem cuidado da criança no
cotidiano hospitalar, levando as profissionais a reconhecer que seu trabalho não é exaustivo.
Embora as ações realizadas pela enfermagem sejam vistas como leves, algumas falas revelam
aspectos que indicam certa sobrecarga de trabalho às quais estão relacionadas às atividades de
outras categorias profissionais, conforme explicitado a seguir:
[...] o meu desempenho não é um bom desempenho como profissional, às
vezes, certos momentos que eu desenvolvo algumas, como é que se diz
algumas funções que não são da minha inerentes na minha profissão, né?
E, às vezes, eu exerço função de nutricionista, de assistente social de
psicólogo, né? E, assim a gente perde um pouco aquilo que a gente se
propõe a desenvolver dentro dessa, desse no trabalho (E 07, E).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
78
O depoimento em análise retrata a visão de um cuidado fragmentado em que há divisão
de tarefas e limites profissionais rigorosamente determinados. Na ótica da equipe, o trabalho é
compreendido a partir de um somatório de partes, cujo resultado possibilita uma assistência
integral. Se o compartilhamento de atividades e ações que são inerentes a todos os
trabalhadores da saúde, como é o caso da formação de vínculos e responsabilização, gera um
movimento de inquietação, como atender integralmente as necessidades de saúde ora
colocadas para a assistência à criança hospitalizada?
Esse direcionamento ao processo do trabalho em pediatria implica na falta de articulação
entre os diferentes profissionais que trabalham no hospital, impedindo um trabalho que se
aproxime da noção de integralidade da assistência na saúde da criança.
Quando o enfermeiro não encontra espaço para realizar uma ligação telefônica para um
acompanhante, um nutricionista observar e comunicar a presença de um soroma ou um
assistente social identificar uma fragilidade emocional, isto retrata que estes profissionais
estão imprimindo marcas de uma visão parcial e fragmentada aos seus processos de trabalhos
individuais, assim como ao processo de trabalho em equipe multiprofissional. Essa forma de
condução dos atos em saúde no hospital obstaculiza a articulação entre os diversos saberes e
inviabilizam a construção do trabalho coletivo balizado no atendimento das necessidades
ampliadas em saúde. Quiçá essa forma de organização da assistência dê conta de uma clínica
empobrecida (CAMPOS, 2003).
O trabalho em equipe deve ser revisto sob a perspectiva da integração dos trabalhos
especializados, pela articulação nas situações de trabalho em que o agente elabora correlações
e coloca em evidência as conexões entre as diversas intervenções executadas (PEDUZZI,
2001, p. 108).
O trabalho em equipe não pressupõe abolir as especificidades dos
trabalhos, pois as diferenças técnicas expressam a possibilidade de
contribuição da divisão do trabalho para a melhoria dos serviços
prestados, à medida que a especialidade permite aprimoramento do
conhecimento e do desempenho técnico em determinada área de atuação,
bem como maior produção. Os profissionais de saúde destacam a
necessidade de preservar as especificidades de cada trabalho
especializado, o que implica manter as diferenças técnicas correlatas. No
entanto, também expressam a necessidade de flexibilizar a divisão do
trabalho [...] flexibilidade foi entendida como a coexistência de ações
privativas das respectivas áreas profissionais e ações que são executadas,
indistintamente, por agentes de diferentes campos de atuação. Ou seja,
os profissionais realizam intervenções próprias de suas respectivas áreas,
mas também executam ações comuns, nas quais estão integrados saberes
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
79
provenientes de distintos campos como: recepção, acolhimento, grupos
educativos, grupos operativos e outros.
A fragmentação das ações e a divisão de tarefas, o excesso de especificidades, a
desarticulação dos profissionais promovem uma assistência lenta e pouco satisfatória. Gaíva e
Scochi (2004) afirmam que o trabalho na saúde, na maioria das vezes, é um trabalho coletivo,
mas nem sempre ele é um trabalho em equipe. Assim, na realização do trabalho em saúde
pode haver diversos profissionais envolvidos, contudo, realizando uma assistência
desarticulada, repetitiva, com justaposição de tarefas, não atendendo às necessidades da
criança e sua família.
Peduzzi (1998) afirma que o trabalho em equipe multiprofissional consiste numa
modalidade de interação entre os saberes de diferentes áreas profissionais e, por meio da
dialética que permeia essa relação, os trabalhadores poderiam constituir um projeto
assistencial e integral de atenção, voltados para as necessidades dos usuários. Peduzzi (1998;
2001) identificou em suas pesquisas com equipes multiprofissionais na saúde que existem
dois tipos de equipe, a saber, a equipe-agrupamento em que não existe articulação e interação
entre os agentes, mas trabalhos especializados que acontecem lado a lado; e a equipe-
integração em que há uma conexão entre os agentes do trabalho, diferenças técnicas entre
trabalhos especializados, flexibilidade da divisão do trabalho, autonomia técnica de caráter
interdependente e, sobretudo uma articulação consciente das ações que se complementam
para atingir a finalidade do processo de trabalho em saúde, pressuposto num plano comum,
que se configura numa relação dialética.
O trabalho em equipe ocorre no contexto de situações que mantêm relações hierárquicas
entre médicos e não-médicos, e diferentes graus de subordinação, ao lado da flexibilidade da
divisão de trabalho e da autonomia técnica com interdependência, mas no cotidiano
assistencial, há possibilidade de construção da equipe-integração, mesmo nas situações nas
quais se mantêm relações assimétricas entre os distintos profissionais (PEDUZZI, 1998;
2001).
O conceito de equipe, no entendimento das profissionais, sujeitos deste estudo, está
sobremaneira relacionado ao cuidado individualizado, fragmentado e imposto. Mesmo quando
se reportam a um trabalho em conjunto, referem-se ao trabalho em equipe-agrupamento.
[...] se todo mundo trabalhasse em conjunto, cada qual fizesse sua parte,
como o serviço social, reuniões com o serviço social, porque o serviço
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
80
social tinha por obrigação pelo menos 03 vezes por semana fazer reuniões
com essas mães, [...] porque, se o serviço social fizesse a sua parte, a
psicologia fizesse a sua parte, porque tem que ter também né? A
enfermagem a dela, a nutrição a dela [...] se cada qual fizesse o seu, cada
qual cumprisse com a sua parte, tava tranqüilo eu acho (E 06, AE).
Corroborando a concepção da equipe-agrupamento, esse depoimento revela que o
cuidado à criança e à sua família pode ser efetivado pela divisão de ações entre diversos
profissionais, sem considerar uma articulação entre os diferentes saberes das diversas áreas de
conhecimento. Entretanto, o trabalho em saúde é caracteristicamente interdependente e
complementar, exigindo dos profissionais uma atuação ampliada que supere a especificidade
do interior de uma profissão e adentre em áreas de competências comuns as várias profissões.
[...] eu tento fazer tudo dentro do que se pede, mas se for para fazer uma
coisa fora daquilo, eu faço, (como) ajudar uma mãe ou se ela pedir pra eu
telefonar, assim, o serviço de assistente social se eu puder fazer eu faço, de
nutrição eu faço. Então, fora do meu trabalho, eu faço, realizo outras coisas
(E 10, AE).
Embora aponte que a realização de algumas atividades seja de uma ou de outra categoria
profissional, determinadas profissionais reconhecem que não existe problema em
desempenhar temporariamente atividades que na prática são realizadas por outras categorias
profissionais, tendo em vista o bem-estar da criança. Segundo Velloso (2007),
no trabalho em
saúde, existem áreas de competências que são comuns a várias profissões, algumas que são
complementares, algumas que são imbricadas. Peduzzi (1998) explica que
as articulações são
necessárias, pois cada profissional isoladamente não consegue atender às necessidades de
saúde dos usuários, mas é preciso criar condições para se evidenciar e processar as
articulações entre as ações dos diferentes agentes. Merhy e Feuerwerker (2007, p. 19)
corroboram o pensamento da autora afirmando que “não há trabalhador de saúde que consiga
sozinho dar conta do complexo objeto do ato de cuidar: o mundo das necessidades de saúde”.
A interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade entre as trocas e integração das ações
dos diferentes profissionais num mesmo projeto de trabalho (ALMEIDA-FILHO, 1997, apud,
PEDUZZZI, 1998). Araújo e Rocha (2007, p. 457) afirmam que a “ação interdisciplinar
pressupõe a possibilidade da prática de um profissional se reconstruir na prática do outro,
ambos sendo transformados para a intervenção na realidade em que estão inseridos”. Na
enfermagem pediátrica a interdisciplinaridade é uma noção importante para a realização de
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
81
um trabalho que dê conta das novas necessidades da saúde da criança depois do
reconhecimento do direito do acompanhamento para a criança hospitalizada.
Para Peduzzi (2001, p. 108), a integração entre os saberes profissionais sinaliza a
articulação e conexões essenciais para a construção da proposta da integralidade entre as
ações da prática profissional.
[...] trabalho em equipe multiprofissional consiste uma modalidade de
trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas
intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas
profissionais. Por meio da comunicação [...] O trabalho em equipe (exige) a
elaboração conjunta de linguagens comuns, objetivos comuns, propostas
comuns ou, mesmo, cultura comum. Enfim, destacam a elaboração de um
projeto assistencial comum, construído por meio da intricada relação entre
execução de intervenções técnicas e comunicação dos profissionais. Trata-
se da perspectiva do agir-comunicativo no interior da técnica [...] À medida
que o trabalho em equipe é construído, efetivamente, na relação intrínseca
entre trabalho e interação, quanto mais próximo o estatuto de sujeito ético-
social dos agentes, maiores as possibilidades de eles interagirem em
situações livres de coação e de submissão, na busca de consensos acerca da
finalidade e do modo de executar o trabalho.
Essa assistência integrada é um dos desafios da enfermagem na atualidade, que ainda é
pautada no modelo assistencial hegemônico biomédico.
A concepção tradicional acerca do trabalho em equipe está arraigada nas pessoas como
sendo qualquer função que pode ser desempenhada por diversos profissionais:
[...] eu trabalho em equipe e isso é muito (ênfase) importante, o trabalho
em equipe. Eu não gosto de trabalhar sozinha, eu gosto de trabalhar todo
mundo junto, um ajudando o outro, não só a equipe de enfermagem, mas
a equipe médica, a equipe de nutrição que colabora muito aqui (E 11,
AE).
O depoimento em análise evidencia uma discordância em relação às concepções da
equipe de enfermagem até aqui apresentadas. Grande parte das profissionais tem mostrado
que o trabalho entendido como equipe se concretiza em ações isoladas, porém há também
referências a uma aproximação ao conceito de equipe-parceria, na qual os profissionais
articulam seus saberes. Essas diferentes concepções apontam que o cuidado é realizado sem
um eixo orientador, incoerente com os pressupostos da política de saúde proposta na
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
82
atualidade, carecendo de reflexões acerca de uma organização do processo de trabalho que
promova a assistência multidisciplinar integrada à criança hospitalizada.
O desenvolvimento de tarefas apontadas no estudo como sendo atribuídas a
determinados profissionais é apresentado como um incômodo para a equipe de enfermagem,
sobretudo, a responsabilização pela não satisfação da família e de alguns trabalhadores da
equipe.
[...] a enfermagem sempre é o saco de pancada, se o mingau vem grosso
é a enfermagem, se o mingau não veio, tudo é a enfermagem, entendeu?
A gente resolve o serviço de nutrição, de manutenção, se quebrou um
negócio na enfermaria, a enfermagem resolve. Tudo, tudo termina vindo
sempre pra enfermagem, até se o médico demora um pouquinho a culpa é
nossa também. Tudo, tudo é a enfermagem que resolve. Aí, isso assim,
sobrecarrega um pouco o funcionário, deixa o funcionário um pouco
estressado (E 05, AE).
Esse depoimento manifesta desconforto da profissional diante à responsabilização da
categoria por situações mal resolvidas por outros profissionais. Esse desabafo revela também
a sobrecarga de atribuições à equipe de enfermagem que parece ter, em última instância, a
solução ou resposta para as necessidades ou problemas não resolvidos por outras categorias
profissionais da equipe de saúde. Contudo, a assistência à saúde da criança é uma
responsabilidade da equipe de saúde e qualquer situação mal resolvida é de responsabilidade
de todos os seus membros. Desse modo, ao se referir à equipe de enfermagem como tendo
uma responsabilidade limitada por sua competência técnica específica, a concepção das
profissionais se aproxima da referida por Peduzzi (1988; 2001) em relação ao conceito de
equipe-agrupamento, um tipo de equipe caracterizada por não reconhecer as relações entre os
saberes profissionais, sendo pautada pelas ações individualizadas.
Embora sejam evidenciadas características da equipe-agrupamento, os dados
apresentados até o momento, em parte, apontam que a equipe de enfermagem em estudo
almeja desenvolver um trabalho em equipe, coletivo, que envolva outros agentes de saúde,
como a assistente social, a nutricionista, o psicólogo. Entretanto, o trabalho em equipe na
ótica dos sujeitos dessa pesquisa é controverso, se, por um lado, existe um movimento que se
aproxima da concepção do trabalho em equipe-integração, por outro, muitos profissionais
precisam ser instrumentalizados para apreenderem a necessidade dessa conexão entre trabalho
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
83
e trabalhadores para superarem o conceito de equipe-agrupamento. Com o trabalho em equipe, o
conjunto dos profissionais deve estabelecer o fluxo e a inter-relação das ações (VELLOSO, 2007).
Uma das dificuldades para a constituição da equipe-integração parece decorrer das
tensões existentes nas relações entre médicos versus outros profissionais, especialmente os
profissionais da equipe de enfermagem que lidam diuturnamente com a criança,
acompanhante e médico. Tendo em vista, que no modelo tradicional de assistência à saúde, o
enfoque ou objeto de trabalho é a doença, e sendo as patologias, no senso comum, um
universo da responsabilidade técnica dos médicos e, considerando, ainda, que a equipe de
enfermagem é composta por três categorias profissionais com hierarquias definidas, sobretudo
para os auxiliares de enfermagem não é interessante assumir uma responsabilidade a mais,
principalmente de uma área que lhe escapa o domínio técnico.
Eu acho que o acompanhante deveria ser mais orientado nas coisas,
porque têm acompanhantes aqui que deixam a gente, às vezes, em
situações horríveis, no caso, seja pra perguntar o que é que o filho dele
tem. Isso não cabe a nós dizer, isso cabe principalmente, ao médico dizer
o que é que a criança tem e o diagnóstico do filho (E 11, AE).
[...] às vezes a gente chega na enfermaria e elas (as acompanhantes)
dizem: “já saiu o resultado do exame de sangue, exame disso, exame
daquilo?”. Eu digo: olhe, resultado de exame quem sabe é o médico,
primeiro ele que pega mais resultados e ele que entende mais, então é
obrigação dele de explicar qual foi o resultado que deu de exame, de
qualquer coisa. O médico, ele tem obrigação de explicar à senhora, bem
simples como é o resultado, o que foi que deu tudinho. Não é a gente
que tem que dar esse tipo de explicação não. Primeiro que a gente não
entende do jeito que ele entende (E, 10, AE).
Embora esses depoimentos sejam de auxiliares de enfermagem, é importante ressaltar
que a enfermeira precisa ter competência para fornecer informações aos pais a respeito das
condições do filho hospitalizado. Essa é uma ação que deve ser incorporada na prática do
cotidiano da enfermagem (SABATÉS; BORBA, 2005). O entendimento de que esta é uma
atribuição apenas médica deve ser superado, pois a competência profissional dos enfermeiros
vai para além da realização de procedimentos técnicos e atividades burocráticas. Além disso,
os depoimentos deste estudo revelam a fragmentariedade dos atos em saúde que, segundo
Velloso (2007), são óbices para uma assistência que busca se construir pautada na noção de
integralidade.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
84
Ainda sob o aspecto da representatividade do médico, nesse serviço, cujos
profissionais trabalham fundamentados no modelo assistencial hospitalocêntrico, os
depoimentos nos remetem a uma concepção de que o saber e a posição médica são as
últimas instâncias de resolutividade no trabalho em saúde.
[...] a gente explica, diz que a criança está precisando. Se ela veio pra se
internar, pra tomar medicação, aí tem que fazer, porque senão, não vai
ajudar o tratamento. Aí convence, tenta convencer explicando, apesar de
ter muitas que são resistentes: “não num sei o quê”. Mas aí a gente tenta
convencer e quando não tem jeito mesmo, é que a gente fala com o
médico (E 12, E).
Embora a equipe de enfermagem valorize o saber médico, na unidade em estudo
identificamos a valorização de outro profissional, o assistente social, reivindicado em
regime de plantão. Para as entrevistadas esse profissional é um mediador entre a equipe e
a família. Assistente Social atuante, na realidade hospitalar, conhece as dificuldades
vividas pela população com relação ao acesso ao seu direito constitucional de saúde
(WITIUK, 2007). É justamente por reconhecer esse potencial do assistente social, que os
profissionais da enfermagem solicitam a presença mais constante desse profissional.
Eu acho que o serviço social daqui devia funcionar 24hs. Isso é um
hospital escola entendeu? Eu acho que devia funcionar principalmente
final de semana, de noite. A gente vê em todos os hospitais por aí tem
serviço social atuando e aqui a gente não vê (E 05, AE).
[...] a assistente social teria que estar aqui em contato direto com essas
pessoas, [...] então a assistente social, eu acho que seria a pessoa ideal
pra conversar e pra orientar essas mães, com relação a fumar. É muito
chato você chegar pra uma pessoa: “olhe, você não pode fumar” [...] na
verdade eu acho que a pessoa mais preparada pra falar sobre isso é
assistente social. Deixam as crianças aqui (as acompanhantes), vão lá pra
baixo demoram então isso são coisas assim que deviam ser conversadas
e orientadas em relação a isso. Eu acho que, a gente, não é um trabalho
da enfermagem, é o trabalho de assistente social (E 11, AE).
O trabalho em equipe, representado pelas profissionais tem, muitas vezes, o médico,
como detentor de saberes específicos, especialmente, a cura e o tratamento, fatores que
reforçam sua soberania. Os demais profissionais são colaboradores do processo de trabalho
em saúde. O discurso predominante do trabalho em saúde é focado no saber médico, é o
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
85
conhecimento dominante, hegemônico. Contudo, Merhy e Feuerwerker (2007) explicam que
há um potencial de trabalho de todos os profissionais que pode ser aproveitado para cuidados
diretos ao usuário, elevando assim a capacidade resolutiva dos serviços. Merhy (1997)
salienta que o atrelamento entre tais potenciais, pode viabilizar a resolutividade das
necessidades dos usuários, a partir da construção de um cuidado usuário-centrado e na defesa
pela vida, comprometido com uma gestão coletiva nos processos de trabalho em saúde
pautados nos benefícios para os usuários.
É possível que certos profissionais ainda não (re)conheçam a importância de um
trabalho articulado, interdisciplinar, contextualizado, centrado nas necessidades ampliadas em
saúde, voltado às peculiaridades da criança e sua família tanto no âmbito intra como extra
hospitalar. Segundo Oliveira, Collet e Viera (2006) alguns obstáculos para o desenvolvimento
de equipes interdisciplinares são o individualismo, as hierarquias injustas que acontecem na
divisão técnica do trabalho, a superioridade e soberania profissional.
O conceito de equipe de trabalho está relacionado ao processo de trabalho e sujeito a
modificações ao longo do tempo, mas que pode ser entendido como uma estratégia para
melhorTc 0.o com>bdad umalier a
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
86
profissionais da saúde, ainda que não de modo absolutamente articulado. Conforme
discutimos, a falta de alguns profissionais no cotidiano assistencial desmotiva a equipe por
essa responsabilizar-se por tarefas atribuídas a outros trabalhadores. No entanto, outros
aspectos também aparecem como óbices na realização de um trabalho na perspectiva da
integralidade, entre as quais, as condições de trabalho.
4.1.1.1 Condições de trabalho
Nos depoimentos as entrevistadas explicitam óbices no cuidado que estão relacionados
à precarização do processo de trabalho, como, desarticulação entre os atos dos trabalhadores,
atividades burocráticas em demasia e assistemáticas, recursos materiais escassos, profissionais
que não atuam diretamente com o paciente, falta de comprometimento dos agentes envolvidos
na assistência. Por conseguinte, as más condições de trabalho dificultam a construção de um
projeto terapêutico centrado no usuário.
[...] para a gente desenvolver um trabalho bem melhor dentro da
pediatria era necessário que a gente tivesse tudo o que a gente precisava
[...] material, às vezes assim uma parada, deixa a desejar. Há uma parada
a gente quer reanimar não tem todo o material a gente deveria ter assim
todo o material necessário pra uma pequena emergência ou urgência, não
tem, muitas vezes a gente trabalha muito aqui no improviso. Seria ótimo
de a gente ver (um trabalho sem improviso), mas infelizmente depende
muito das condições da administração de verba (E1, AE).
Às vezes o paciente chega, falta até roupa, lençol, aí atrapalha.
Principalmente medicação, eu acho que o que atrapalha mais é medicação
que sempre, sempre falta medicação (E 12, E).
[...] a questão de material e da estrutura física que não contribuem para
que todos os conhecimentos que a gente vem adquirindo, vem
adquirindo e vem estudando eu possa colocar em prática (E 07, E).
A deficiência de material, além de dificultar o trabalho dos profissionais, põe em risco
a saúde e até a vida da criança hospitalizada. A esse respeito os gestores e chefes de unidades
devem estar à frente das necessidades para que a falta de recursos materiais não interfiram no
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
87
desenvolvimento do trabalho ao ponto de comprometer sua qualidade. Faz-se necessário uma
organização prévia de insumos para o trabalho no cotidiano, pois nem sempre a escassez está
relacionada à falta de recursos financeiros, mas ao aparelhamento e previsão para a
manutenção do trabalho realizado em cada unidade da instituição.
Nesta pesquisa, não pretendemos nos aprofundar nas questões de recursos materiais,
apenas enfatizar aspectos que influenciam na organização do processo de trabalho. Contudo,
não podemos ignorar que, os profissionais também sentem os reflexos da precarização do
trabalho e tornam-se desmotivados, quando dizem que: “a pressão (arterial), muitas vezes, não
verifica. A maioria (das profissionais) fica dizendo que o aparelho tá
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
88
O cuidado em saúde requer, além das tecnologias duras, em situações nas quais são
necessários equipamentos, tecnologias leves. Diante de uma evolução de tecnologias duras, a
utilização de tecnologias leves é o grande instrumento de trabalho da enfermagem, embora
muitos trabalhadores ainda não as reconheçam na prática assistencial. Segundo Elias e
Navarro (2006, p. 520).
A incorporação de novas tecnologias não significa, nesse setor
(enfermagem), economia da força de trabalho. Ao contrário, o setor é de
trabalho intensivo. Não foi encontrado ainda nada que substitua o
cuidado humano, imprescindível para a recuperação dos doentes.
Inexistem máquinas que, por exemplo, banhem os pacientes ou troquem
sua roupa de cama; existem equipamentos que, por exemplo, ligados aos
pacientes, monitoram ou substituem funções vitais, mas é necessário
alguém para instalá-los e monitorá-los. Os hospitais públicos
incorporaram tecnologias (duras) em suas instalações, presentes também
na rede hospitalar privada, como camas que levantam e abaixam por
controle remoto que, em última instância, não substituem o trabalho
humano [...] a ciência e a tecnologia não podem substituir o trabalho
vivo.
Na enfermagem, não existem outros meios de assistência que não sejam permeados
pelas tecnologias leves do cuidado. As práticas pautadas em tecnologias duras e leve-duras,
isoladamente, não atendem às necessidades ampliadas em saúde, deixando a finalidade do
cuidado a desejar, uma vez que as mesmas resolvem/minimizam os males do corpo, mas
restringem-se ao cuidado centrado no modelo biomédico. Desse modo, a subjetividade do
indivíduo é despercebida pelas profissionais.
Na assistência pediátrica, o diálogo e a criação de vínculos são instrumentos de
trabalho indispensáveis aos profissionais. As relações interpessoais entre a equipe e a família
precisam acontecer desde o primeiro encontro entre essas, pois a família é a detentora do
saber das necessidades cotidianas da criança e essa é uma condição imprescindível nos
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
89
Em relação às concepções da equipe de enfermagem acerca do seu processo de
trabalho, as falas apontam um aspecto relevante, a saber, as auxiliares, em sua maioria,
afirmam estar realizando um bom trabalho, mesmo diante de algumas adversidades do
cotidiano discutidas anteriormente.
Bom eu acho que a assistência que eu presto ela tá sendo muito válida, eu
faço bem o que é pra ser feito, tenho cuidados pra não prejudicar mais a
criança que já tá doente e, faço tudo com muito cuidado carinho (pausa)
um cuidado bom, gosto (E 04, AE).
[...] eu acho que desenvolvo bem né? Na medida do possível e as
condições que o hospital me dá né? Da clínica tem algumas dificuldades,
mas, tem sido boa, não tem sido excelente, mas acho que tenho
desenvolvido bem (E 05, AE)
Eu penso que eu tou fazendo o certo, que eu tou realizada que era isso o que
queria. Tá trabalhando com criança, eu gosto muito de criança (E 09, AE).
Enquanto as auxiliares referem estar realizando um bom trabalho, os enfermeiros
revelam que, embora já tenham avançado em relação à qualidade do cuidado, ainda há
necessidade de mudanças.
[...] é um trabalho bom, só que na realidade precisa melhorar [...] às vezes a
gente quer fazer um bom trabalho, mas não tem recursos mesmo de fazer, mas
a gente faz na medida do possível, no que está no alcance da gente (E 12, E).
As concepções acerca do trabalho são permeadas por uma diversidade de aspectos que
constituem o processo de trabalho, refletindo no modo de sua organização. Dentre esses,
temos as condições de trabalho as quais envolvem situações que impedem o andamento do
trabalho cotidiano e são explicitadas nos depoimentos como incômodo e desarticulação no
processo de trabalho. A falta de registros é um desses aspectos. Registros diários e concisos
das atividades realizadas, junto à criança e à sua família, contribuem para a continuidade da
assistência junto aos membros da equipe de enfermagem e saúde, contudo, não têm sido
realizados na prática da unidade em estudo.
Uma das coisas que tem me angustiado muito na assistência é o registro do
cuidado que a gente tenta fazer principalmente nas crianças que tem um
quadro mais crítico [...] o registro do cuidado ele faz muita falta. Faz, você
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
90
faz procedimentos, medicação, você passa sonda, você faz tudo e na hora de
registrar quando você vai catar é como se não tivesse feito nada, porque não
tem nada registrado, é como se você tivesse passado a manhã com a criança
fazendo de tudo, mas no momento que você coloca só que ela comeu que
tem uma diurese presente, administrou a medicação, é como se só fosse isso
que tivesse sido feito (E 03, E).
A falta de organização e sistematização do cuidado revela uma assistência fragilizada e
descontínua, centrada em procedimentos. O trabalho articulado evita a repetição de tarefas e a
sensação de que não se fez nada. Quando a equipe trabalha em busca de uma mesma
finalidade, o processo de trabalho se aproxima da sua concretude numa perspectiva mais
ampliada do cuidado. A enfermagem precisa dar visibilidade às ações que realiza, pois seus
registros têm sido focados nas atividades técnicas. De acordo com Washington (2003), a
comunicação escrita na enfermagem tem demonstrado cada vez mais sua importância na
continuidade do trabalho prestado ao paciente, contribuindo para a qualidade da assistência
executada pelos profissionais.
O fato de o hospital ser um ambiente predominantemente curativo, com todo o seu
aparelhamento favorece uma assistência centrada em procedimentos e as equipes de saúde
têm se deixado envolver por essa concepção, perdendo sua dimensão cuidadora em saúde,
aquela que deve ser centrada nas necessidades do usuário. A enfermagem parece desvalorizar
estratégias de trabalho para sua prática profissional como o diálogo, a relação criança-família,
a criação de vínculos no cotidiano hospitalar ao importar-se predominantemente com os
procedimentos técnicos, burocráticos, da tecnologia dura. Assim, observamos uma captura do
trabalho vivo, em ato, pelo trabalho morto na medida em que os profissionais de enfermagem
centram suas ações nos saberes estruturados da profissão e nos materiais e equipamentos para
desenvolver os cuidados no cotidiano da assistência.
Segundo Merhy (1997, p. 84) o trabalho vivo, se “não conseguir exercer nenhuma forma
autônoma, ficando, assim, completamente amarrado pela lógica do trabalho morto expresso
por algumas das dimensões tecnológicas”, será capturado pelo trabalho morto.
Eu acho que a equipe de enfermagem se bitolou muito a só medicação [...]
não é só um banho no leito, a enfermagem tá muito ligada só a isso e tá se
esquecendo o realmente o cuidar, tá esquecendo dos procedimentos
básicos de você ouvir, é muito importante você ouvir (E 11, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
91
A equipe de enfermagem identifica lacunas na assistência e reconhece que a prática
profissional por ações condicionadas a procedimentos, impõem limites às transformações
necessárias para um cuidado integral. A escuta é um instrumento de trabalho indispensável
nos atos em saúde, estando, de acordo com Merhy (1997), diretamente relacionado à
realização do trabalho centrado no usuário cujo compromisso é acolher, responsabilizar,
resolver, autonomizar.
Os profissionais devem estar atentos aos aspectos emocionais e sociais, utilizando
técnicas adequadas de comunicação, escuta qualificada e constituição de um relacionamento
que permita identificar e compreender as reais necessidades de cada criança, bem como da sua
família (HUERTA, 1990; CECCIM; CARVALHO, 1997).
O processo de trabalho da enfermagem caracterizado pela realização de atividades
procedimento centrado comporta um conjunto de aspectos institucionais, envolvendo pessoal,
recursos materiais, infra-estrutura, administrativo, hierarquia, e é fruto do modelo assistencial
hegemônico, ainda vigente, o biomédico. Segundo (MENDES-GONÇALVES, 1992, apud,
CAMPOS; BATAIERO, 2007) o processo de trabalho organizado a partir da proposta do
SUS, deveria atender necessidades ampliadas de saúde, aquelas que se direcionam as
necessidades atinentes à essência humana. Entretanto, o modo como o processo de trabalho
está organizado, conforme temos apontado, não tem dado conta de apreender e assistir aos
indivíduos nessa perspectiva.
Os profissionais são co-responsáveis pela organização do seu processo de trabalho e
devem buscar realizá-lo da melhor maneira possível. De acordo com a fala a seguir, na clínica
em estudo, havia uma divisão, uma determinada organização de tarefas, no entanto, esta não
tem sido realizada na prática.
[...] particularmente acho que nós é que acabamos nos desorganizando [...]
quando eu cheguei a gente estabeleceu estratégias de se fossem duas no
plantão uma ficar com metade da clínica, a outra com a outra metade e
aquelas crianças mais graves a gente se responsabilizava pra evoluir, aí a
coisa começou a cair, um fazia o outro não fazia e aí foi perdendo muito
nessa relação (E 03, E).
Como se percebe houve falta de compromisso entre a equipe em relação às atividades do
cotidiano, de modo que as estratégias estabelecidas no intuito de realizar uma assistência
balizada pela integralidade foram aos poucos deixadas para trás pelos trabalhadores. A equipe
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
92
não parou para repensar o que poderia ser feito para dar continuidade à proposta ou quiçá
encontrar outros meios. O trabalho em saúde deve ser construído na perspectiva da
integralidade, nesse contexto, precisamos refletir acerca da organização do trabalho da equipe
de enfermagem na atualidade.
O repensar da prática assistencial é urgente, pois o trabalho no cotidiano pode ser visto
como a repetição de tarefas e cuidados pré-estabelecidos e reconhecido como de praxe pela
equipe ou mesmo por outros profissionais. Sabe-se que a administração de medicamentos,
punção venosa e cuidados com o soro, curativos, cateterismos, higiene, banho, são atividades
diárias da enfermagem, e, portanto, não podem deixar de acontecer. Contudo, essas ações
devem ser permeadas por atenção, carinho, cuidado, orientação, educação em saúde. No
trabalho em saúde, a cada momento surgem necessidades que requerem conhecimento
técnico, científico e prático. Mesmo sendo caracterizado como um trabalho de repetição, no
cotidiano a equipe de enfermagem vivencia acontecimentos inesperados que carecem de
competências, habilidade e criatividade. Para tanto, os profissionais precisam estar
capacitados para lidar com as especificidades das diversas áreas, sobremaneira a enfermagem
pediátrica, pois, as relações que constituem esse modo de trabalho não permitem a rigidez nas
ações. Nisso se configura o processo de trabalho em saúde, e mais especificamente em
pediatria, pois cada criança e cada acompanhante têm necessidades singulares, ímpares, e que
estão sempre sujeitas a modificações.
No entanto, alguns profissionais ainda vêem o seu trabalho como uma rotina, é um
modo acrítico de ver os fatos, em que os trabalhadores, embora reconheçam suas dificuldades,
continuam a realizar ações pontuais e momentâneas, enquanto o cuidado integral é tangencial
na prática assistencial. A naturalização dos atos em saúde é uma concepção que es
relacionada ao comodismo profissional, em que os trabalhadores se acomodam com a situação
em que se encontram e não buscam outros horizontes (GARIGLIO, 2006). Na prática
assistencial as pessoas têm se acomodado com a situação em que estão e não buscam
melhores condições de trabalho. Os trabalhadores não têm reavaliado suas práxis. De modo
que vai se vivenciando uma naturalização dos atos em saúde que leva ao comodismo dos
agentes do cuidado e reflete numa assistência impessoal que impede a superação da
fragmentação do cuidado.
Os enfermeiros têm se dedicado ao desenvolvimento das atividades administrativas e
burocráticas, indicando tendência para a rotinização e impessoalidade da assistência de
enfermagem, o que a torna mecanizada, distanciada e fragmentada (COSTA; SHIMIZU,
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
93
2005). De acordo com Gariglio (2006), os serviços, podem criar novos modos de organizar o
processo de trabalho, baseando-se em projetos centrados nos usuários e não na produção de
procedimentos, em que se operam basicamente as tecnologias leves, definidas por Merhy
(1997) com produção dirigida ao cuidado. Desse modo, na assistência à criança, a rotinização
das ações contribui para a perda das especificidades da infância por não buscar atender as suas
singularidades em cada encontro do cuidado. Na fala a seguir identificamos como o trabalho
tem sido visto de uma forma engessada, naturalizada e rotinizada, em que a equipe sequer faz
menção aos acontecimentos inesperados que surgem no cotidiano.
[...] o trabalho em enfermagem ele passa a ser uma rotina praticamente
que diária, ele sempre tem assim, a gente sempre chega, os primeiros
cuidados são olhar a criança como ela está, na passagem de um plantão
como a criança está sendo, ai vai preparar a medicação, verificar sinais e
acompanhar a criança durante o dia nas eliminações dela, asseio, na
alimentação, todo o cuidado que a criança precisa (E 04, AE).
É comum vermos explicações simplistas para o nosso fazer. As ações são
automatizadas porque os profissionais parecem realizar-se em cumprir prescrições e
horários de trabalho, inviabilizando a identificação das necessidades ampliadas da criança
e sua família durante a hospitalização. No entanto, o processo de trabalho em saúde é
complexo e de natureza não-acomodativa, sendo importante o estudo da complexidade, da
imprevisibilidade e da incerteza para a melhor compreensão das ações desenvolvidas pela
enfermeira no cuidado direto ou indireto do cuidado de enfermagem (ANDRADE;
VIANA, 2007). A realidade complexa desse trabalho convoca os profissionais a construir
o curso de suas ações, a criar o melhor modo de trabalhar, a maneira mais adequada de
realizar o trabalho de forma a atender os diversos contextos específicos (BRASIL, 2001).
Consideramos que o estabelecimento de rotinas rígidas e inflexíveis do modelo
tradicional de assistência, vai dando uma direcionalidade ao trabalho em que vai se perdendo
as singularidades do momento do cuidar. Nesse sentido, as ações passam por um processo de
automatização, não se fazendo reflexões acerca das necessidades da criança e da sua família.
[...] o enfermeiro passa o dia todinho no plantão é o dia do curativo de M,
ele diz: “eu não quero fazer hoje, eu quero fazer amanhã” [...] O enfermeiro
ele tem que se impor, dizer: “Não. Hoje é o dia de fazer o curativo”, então
eu vou fazer o curativo entendeu? E ele tem que ter consciência de que tá
fazendo o certo (E 06, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
94
A dimensão da relação de poder exercido pelo profissional nessa situação é
praticamente indescritível, nos remete à concepção da manipulação de corpos dóceis referida
por Foucault (1983, p.14).
Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e
alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção
dedicada então ao corpo - ao corpo que se manipula, se modela, se treina,
que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam.
Na atualidade, não cabe mais atitudes dessa natureza, na assistência à criança e sua
família, que caminha em direção de uma política de humanização norteada pela autonomia e o
protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos
solidários, a participação coletiva no processo de gestão e a indissociabilidade entre atenção e
gestão (BRASIL, 2001).
A partir da discussão realizada tendo como pano de fundo os depoimentos da equipe
de enfermagem da unidade em estudo, acreditamos na necessidade da construção de uma
organização do processo de trabalho, que seja coletivo, cujas diretrizes sejam pautadas pelas
peculiaridades da infância e da família no processo de adoecimento de um filho e das
necessidades que surgem no cotidiano. Na assistência à criança hospitalizada e à sua família
os profissionais precisam utilizar as mais variadas estratégias de trabalho, entre as quais,
interação, diálogo, criação de vínculos, aproximações diárias, além daquelas vinculadas às
tecnologias duras e leve-duras, buscando apreender as singularidades deste objeto para atingir
a finalidade do seu trabalho na perspectiva de integralidade.
Embora alguns profissionais apontem, em seus depoimentos, a rotinização da
assistência, outros ampliam as possibilidades de cuidado buscando em seu cotidiano
apreender as necessidades específicas em cada momento de encontro com a criança e sua
família.
[...] cuidado na minha concepção é você estar junto ao paciente, você
prestar assistência ao paciente com uma visão, holística, então você tem
estar junto dessa criança, perceber o que essa criança tá precisando
naquele momento, fazer o exame físico detalhado, tentar, tentar, junto a
isso você detectar tudo o que a criança tá precisando, fazer um
diagnóstico de enfermagem, poder planejar toda a sua assistência e,
principalmente, você colocar em prática (E 07, E).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
95
Apesar de demonstrar a busca de certa especificidade do cuidado ao ampliar a
apreensão das necessidades singulares da criança, a enfermagem ainda não dá conta da
complexidade desse cuidado no contexto hospitalar em ACP, pois a família ainda não é
incluída no cuidado. A família deve ser encorajada a participar do tratamento da criança, não
como uma realizadora de cuidados, mas como mediadora das necessidades da criança
(MOTTA, 1995). Sob essa ótica Fernandes, Andraus e Munari (2006) afirmam que a família
precisa ser vista fundamentalmente como mediadora da criança no hospital, ela é porta-voz
das preocupações e sentimentos daqueles que acompanham, transmitindo à equipe os sinais e
as mensagens enviadas pela criança.
Os profissionais precisam valorizar a presença da família e reconhecê-la como porto
seguro das crianças, especialmente, durante a estada hospitalar e de todo o processo
desconhecido e temeroso, que representa a hospitalização. Rossato-Abéde
,
e Angelo (2002)
afirmam que na valorização da presença da família durante o tratamento da criança, a
enfermeira desempenha um papel singular no cuidado aos pais. A importância para o
reconhecimento dessa singularidade no alojamento conjunto pediátrico é uma das questões
que trazemos à discussão, uma vez que as concepções da equipe de enfermagem são
controversas sob o aspecto da importância da família no cuidado.
A análise das entrevistas revela os diferentes olhares dos profissionais acerca do seu
processo de trabalho. Apesar de se relatarem necessidades que, se resolvidas, poderiam
melhorar o cotidiano assistencial, em um contexto mais geral o trabalho na unidade em estudo
é visto como bom, é um trabalho que não é considerado cansativo, nem pesado, especialmente
após o ACP, pois a equipe de enfermagem entende que as crianças estão sendo mais bem
cuidadas desde a inserção da família no hospital. Buscaremos nas discussões a seguir
identificar como tem sido a realização dos cuidados à criança hospitalizada, tentando
apreender o que tem levado esse trabalho a ter características de ser mais leve. As falas
apresentadas até aqui demonstram divergências nas concepções acerca do trabalho, retratando
que o mesmo está desorganizado em um contexto geral e que acontece a mercê da vontade de
cada profissional.
Ao término desse primeiro momento de discussão apreendemos que algumas questões
relacionadas à organização do trabalho estão diretamente relacionadas à concepção do
trabalho. A precarização institucional, escassez de material, falta de compromisso
profissional, sobrecarga de trabalho atribuída ao desenvolvimento de atividades de outras
categorias profissionais, parecem constituir-se em óbices na realização de um trabalho em
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
96
equipe na unidade em estudo. Corroboramos o pensamento de Pereira e Fávero (2001) quando
explicam que a organização do trabalho em seus aspectos específicos pode ser transformada
por meio de investimentos na área de recursos humanos e de mudanças na política
organizacional. Situação organizacional que poderia ser minimizada com a constituição de um
projeto terapêutico coletivo articulado que contemplasse as singularidades do binômio
criança-família e dos profissionais.
4.2 Significado da Participação da Família para a Equipe de Enfermagem
A participação da família no cuidado à criança hospitalizada tem sido discutida neste
estudo no que concerne à dimensão e o modo como essa participação tem se dado no
cotidiano assistencial. Assinalamos anteriormente que a inserção da família trouxe uma nova
abordagem ao cuidado da enfermagem ampliando o seu objeto de cuidado (COLLET;
ROCHA, 2004; SABATÉS; BORBA, 2005). Nesse enfoque, a enfermagem tem seu objeto de
cuidado ampliado, passando a ser a criança e a família, pois as necessidades desse binômio
são produzidas concomitantemente, em decorrência do processo de hospitalização. Fernandes,
Andraus e Munari (2006) explicam que os profissionais precisam entender que o cuidado à
criança não deve ser desvinculado do cuidado à família considerando suas necessidades.
Desde a implementão do ACP no país, as unidades pediátricas, vêm sofrendo um
processo de reorganização de suas práticas, pois a inserção da família no hospital modifica a
estrutura de organização do processo de trabalho, o que requer dos profissionais uma
compreensão acerca da dinâmica das relações interpessoais (COLLET; ROCHA, 2004).
A respeito dessas relações, a enfermagem é a categoria profissional que vivencia
mais de perto essas modificações no seu cotidiano, pois permanece constantemente junto
do binômio (COLLET, 2001; CORREA, 2005). Não houve na prática um preparo
profissional para lidar com as modificações desse advento e muitos profissionais não
entendem como deve acontecer a participação da família durante a hospitalização, o que tem
gerado conflitos (FERNANDES; ANDRAUS; MUNARI, 2006).
O não preparo profissional para lidar com a presença da família no hospital, tem sido
um tema discutido desde a década de 1990, período em que o ACP foi criado, e, conforme
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
97
temos discutido, os profissionais não sabiam, muitas vezes, como lidar com o acompanhante
(ANDRAUS et al., 2004). Como não se sabia como deveria acontecer a participação da
família, essa foi sendo constituída a mercê da vontade de cada profissional (COLLET, 2001).
Embora tenha se passado quase duas décadas, na atualidade a presença da família é
apresentada, algumas vezes, como um óbice no cuidado. A presença do acompanhante não é
mais um desconforto para os profissionais, como fora no início do ACP, pois ao longo de
dezessete anos houve superação da concepção de que a família era fiscalizadora dos cuidados.
Na atualidade, o ACP apresenta um novo contexto em relação à permanência da família no
ambiente hospitalar, e a preocupação tem se voltado à dimensão da participação da família no
cuidado. Por não existir até o momento um delineamento desse envolvimento, essa construção
tem se dado no cotidiano da prática assistencial.
Embora a participação da família nos cuidados não seja uma situação regulamentada, a
mesma desempenha tarefas e atos em saúde junto à criança durante a hospitalização. A falta
de reconhecimento desse fato, desde a implantação do ACP, fez com que equipe de
enfermagem e família se esquivassem de uma relação aberta e vivessem uma relação
silenciosa e implícita de poder, na qual a família foi assumindo as ações do cuidado à criança,
da responsabilidade da enfermagem. As ações de imposição e poder ainda permeiam as
relações da família e da equipe no âmbito hospitalar (COLLET, 2001; COLLET; ROCHA,
2004), de forma que não existe uma negociação entre essas partes quanto ao cuidado à
criança.
O cuidado infantil deve ser realizado pela equipe de enfermagem com a colaboração
da família, de acordo com as condições do binômio, negociado a cada situação em particular
(COLLET, 2001). O envolvimento familiar precisa ser trazido à discussão para que os
profissionais reconheçam a importância da sua presença durante a hospitalização para a
recuperação da saúde da criança. A família deve ser comunicada acerca do tratamento e
recuperação da criança, conforme apontamos no referencial, o acompanhante tem que ter
conhecimento suficiente acerca do processo de hospitalização para que tenha condições de
enfrentá-lo.
No ACP em estudo, a família tem participado da execução de tarefas e cuidados
entendidos como semelhantes aos domiciliares e mesmo de saúde. Apresentaremos a seguir o
modo como esse cuidado tem se efetivado na unidade em estudo, a partir dos depoimentos
dos sujeitos e buscaremos apreender a dimensão cuidadora da equipe de enfermagem.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
98
4.2.1 Cuidado realizado pelas profissionais da equipe de enfermagem
Conforme vimos anteriormente, as modificações na dinâmica do trabalho da
enfermagem desde o início do ACP trouxeram novas demandas no cuidado. Embora o novo
aspecto do ACP fosse a presença do acompanhante para oferecer segurança à criança, na
prática assistencial a família passou a dividir alguns cuidados com a equipe durante a
hospitalização infantil. Sob essa ótica, a assistência à criança tem sido realizada pela equipe e
pela família, ou quem sabe até ao inverso pela família e pela equipe.
A gente faz os cuidados de administrar a medicação, a enfermagem
administra toda a medicação, punciona as veias, a questão dos soros é com a
enfermagem, nebulizações, curativos (E 05, AE),
[...] cuidados específicos da enfermagem, por exemplo, passar sonda né?
[...] uma escara que a mãe tá precisando de um auxilio você tem que tá lá e
logo em seguida daquele banho você fazer o curativo, por exemplo,
puncionar veia, [...] uma alimentação por sonda [...] o curativo (E 06, AE).
Os depoimentos em análise referem-se aos cuidados realizados pela equipe de
enfermagem revelando uma prática que corrobora o modelo biomédico e medicamentoso,
centrado em procedimentos por ações técnicas. O foco na cura leva os profissionais a terem
uma leitura prática tecnicista e fragmentada.
A equipe de enfermagem tem ficado com procedimentos, com punção,
com administração de medicamentos, passagem de sonda e, muitas
vezes, tem se limitado a essas questões dos procedimentos (E 03, E).
Mesmo quando as questões relacionadas aos aspectos emocionais que permeiam a
hospitalização são apontadas, verifica-se que não são retratadas com a relevância devida:
[...] você cuidar de todos os sinais vitais como você sabe que compete a
gente. Os cuidados corporais [...] dar apoio psicológico aos familiares
[...] a gente sempre procura fazer todas elas (dietas por sonda) dentro dos
horários, feita por nós mesmas (E 01, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
99
As questões relacionadas ao âmbito psicológico e emocional da criança e de sua família
aparecem superficialmente nos depoimentos das profissionais, entre os procedimentos
realizados pela equipe. O aspecto psicológico que envolve a hospitalização infantil tem sido
negligenciado pelos profissionais da enfermagem, os sentimentos e o sofrimento do binômio
são, muitas vezes, despercebidos por esses trabalhadores que têm se restringido a realizar
técnicas.
Assim ajuda a dar um banho num bebezinho, às vezes, a criança tá com
soro a gente também ajuda, manda elas (as mães) segurarem o soro e a
gente vai dar o banho ou ao contrário [...] curativo, dá a alimentação, dá
remédio, medicação, faz nebulização (E 09, AE).
Quando são questionados acerca da freqüência com que fazem determinados
procedimentos os sujeitos da pesquisa não conseguiram explicitar, levando a crer que esses
cuidados não têm sido realizados pela enfermagem no cotidiano, senão esporadicamente:
Entrevistadora: Você lembra a última vez que você realizou esse cuidado
(banho)?
Na verdade foi uma criança que já saiu de alta [...]. Uns dias, uma, duas
semanas (E 09, AE).
Os relatos das atividades no ACP estão condicionados a: “[...] cuidados, higienizão,
que seria o banho, mudaa de decúbito” (E 01, AE). Não obstante, em relação ao tempo
em que realizou:
Entrevistadora: Você lembra a última vez que você fez?
Mais ou menos assim, foi no início, no fim, no início desse mês. Foi
agora há pouco, acho que tá fazendo mais ou menos 15 dias (E 01, AE).
A equipe de enfermagem tem realizado um cuidado centrado em tarefas, enfoque que
compreende ser de sua competência, no entanto, algumas profissionais não conseguiram
relatar uma vivência recente junto ao paciente, nem à sua família. O cuidado a que se
referiram tem como finalidade a cura da doença. Assim, as profissionais estão cada dia mais
distantes do binômio e, portanto, de suas necessidades. O suporte à família é esporádico e
superficial, sobretudo, as profissionais têm ficado tão afastadas da criança, à exceção do
horário da medicação, que mal conseguem se lembrar que passam de duas a três semanas sem
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
100
realizar uma higiene, um banho, uma alimentação. A realização desses atos pelo
acompanhante é um acontecimento institucionalizado na unidade em estudo, tornou-se rotina
e é aceito por todos de forma acrítica e “natural”. Muitas ações antes realizadas pela
enfermagem, hoje são entendidas pela mesma, como sendo de competência da família.
Assim, os cuidados têm sido realizados quase em sua totalidade pela família e a equipe
de enfermagem parece não estar se dando conta da dimensão desse evento. A presença do
acompanhante é insignificante para o trabalho da enfermagem e eventualmente a família é
vista como objeto de cuidado na concepção dessas profissionais. Pontualmente algumas
necessidades da família são referidas nas falas dos sujeitos deste estudo como uma questão
que deve ser reconhecida e atendida no ambiente hospitalar.
Converso com as mães das crianças [...] qualquer coisa: peça à gente, se
quiser alguma coisa, se precisar. Até pra ela mesmo às vezes não tem, falta
alguma coisa, algum remédio, tá com dor de cabeça, não custa nada:
“enfermeira eu tô com dor de cabeça”, “menstruei agora e tô sem dinheiro,
dá pra arrumar um absorvente?” E isso faz parte, é natural de todo mundo
[...] Tratar bem, respeitar, tá doente, vamos levar pra o médico medicar,
conversar, dar uma palavra de conforto, tudo isso é bom (E 10, AE).
Quando o acompanhante está constantemente inserido no ambiente hospitalar, além
das necessidades naturais e fisiológicas, como uma cólica menstrual, uma indisposição
gástrica, ele também fica mais suscetível à adoecer, tendo em vista a falta de condições
oferecidas ao mesmo pela instituição. Assim, a equipe deve buscar solucionar ou minimizar as
dificuldades da família durante a hospitalização infantil. O cuidado realizado pela
enfermagem deve ser um cuidado solidário.
O cuidado solidário é percebido pelo vínculo, interesse, contato, diálogo,
suporte, apoio, ser presença, ouvir, pela empatia, transmissão de confiança e
esperança. O cuidado solidário se estabelece pelo trabalho multiprofissional,
preparo da equipe, conhecimento, disponibilidade, respeito pelo outro
(ALVES et al., p. 12, 2006).
A criação de vínculos entre a equipe e a família pode contribuir para que esse cuidado
se realize na prática assistencial. Quando a família está bem a criança tem mais probabilidade
de recuperar-se melhor ou sofrer menos: “se o acompanhante não tá bem, a criança não tá
bem, se a mãe não tá bem, o filho não vai tá bem, tem que ver muito esse lado assim do
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
101
acompanhante” (E 11, AE). O acompanhante representa segurança para a mesma. Quando o
binômio está sofrendo, a recuperação da criança se torna difícil.
De modo geral, o acompanhante não tem sido objeto de cuidado e é visto como um
realizador de cuidados. A presença da família no hospital tem se restringido a cuidar da
criança, em muitos casos, a criança é internada e sai de alta e os familiares sequer sabem do
seu diagnóstico, mas, durante toda a sua estada, realizaram cuidados à criança. A família não
tem sido co-partícipe do cuidado, mas essencialmente a cuidadora. A equipe de enfermagem
tem delegado ao acompanhante, atividades atribuídas anteriormente à sua prática profissional
(COLLET; ROCHA, 2004). Dessa forma, a família tem sido conduzida a cuidar da criança
enferma e hospitalizada e as suas condições não têm sido levadas em consideração. Aspectos
relevantes nessa forma de participação da família, como, as suas necessidades, o seu desejo, e
seu sofrimento não têm sido valorizados durante o processo de hospitalização da criança
(PINTO; RIBEIRO; SILVA, 2005).
A doença e o processo de hospitalização alteram a dinâmica intrafamiliar, portanto, a
assistência à criança hospitalizada sobremaneira requer dos profissionais ações balizadas pela
atenção, acolhimento, criação de vínculos (MONTEIRO; FERRIANI, 2000). A prática
pautada em técnica é reconhecida como sendo “sempre um trabalho de rotina” (E 04, AE). O
cuidado tecnicista vai se repetindo no dia-a-dia e os profissionais se adaptam a realizar
tarefas, acriticamente. Assim, institucionalizam um processo contraditório das relações entre
os sujeitos envolvidos, que nada tem de “natural”, e, embora realizem o trabalho desse modo,
reconhecem que as ações da enfermagem devem ir para além do que tem sido implementado
na prática assistencial.
[...] É muito importante você ouvir, tem muitas pessoas, às vezes, que estão
ali acompanhando ou mesmo ali no leito que são maiores, que já
conversam, que precisam muito a gente só escutar eles falarem, tem tantas
coisas que eles querem dizer, e, às vezes não tem ninguém que queira
escutar, então a gente esqueceu muito essa parte, até de humanização, a
gente fala tanto de humanização que, mas a gente esquece o que é realmente
humanização. Humanização não é só medicação, não é só um banho no
leito, não é só esse tipo assim de procedimento ligado só a enfermagem, eu
acho que a enfermagem está muito bitolada só a isso. E que está deixando
muito assim, mais, mais essas coisas o tocar também no paciente, mais pro
acompanhante do que pra equipe mesmo de enfermagem. A gente tá
deixando muito, até eu mesma. Porque a gente vê que aquele paciente tá
com acompanhante [...] então a gente tá se bitolando muito só a medicação
(E 11, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
102
Nesse texto há um reconhecimento de que o trabalho da enfermagem está se
distanciando do cuidado integral e humanizado. Os trabalhadores, mesmo sabendo dos seus
potenciais e das suas atribuições, continuam deixando de lado muitas atividades que
constituem a sua práxis. A partir do momento em que os profissionais passam a ter a
concepção de seu trabalho como uma rotina, uma repetição diária, há uma repercussão da não
busca pela subjetividade que permeia o processo de trabalho em saúde, corroborando a
desqualificação da profissão e de seu objeto de trabalho, o cuidado, bem como, o
desenvolvimento acrítico dos atos em saúde que leva os trabalhadores ao comodismo e a se
satisfazerem em cumprir carga horária e não ir além das necessidades físicas aparentes no
processo de saúde-doença. O comodismo vai sendo o fio condutor do trabalho.
[...] às vezes você tá sem fazer nada, você poderia muito bem ir lá e ajudar
a dar um banho numa criança, auxiliar numa limpeza, numa higiene, às
vezes você se acomoda, ou porque tá cansada, ou porque tá com preguiça,
ou porque não quer, isso ocorre muito com a gente, mas que temos a
obrigação de fazer, temos. Isso é uma evidência, né? E tá dentro dos
cuidados de enfermagem. São essas coisas que eu acho que a gente
deveria fazer (E 10, AE).
O fato de a equipe reconhecer algumas fragilidades da sua prática assistencial já é
uma forma de refletir acerca do seu trabalho, contudo, não há um movimento de
mudanças. Não há por parte da enfermagem uma sinalização para a preocupação com a
subjetividade da família, que é o que defendemos na assistência centrada no usuário, no
cuidado solidário.
A falta de um projeto terapêutico assistencial pode favorecer o comodismo dos
trabalhadores, pois não há uma integração entre as necessidades dos grupos. Ações
acontecem de acordo com os saberes de cada integrante da equipe em seu horário de
trabalho. É possível que parte da equipe identifique determinados problemas, mas não há,
em geral, encontros entre toda a equipe, de modo que os problemas não são discutidos,
nem as possíveis soluções são colocadas em práticas.
O olhar tecnicista e hospitalocêntrico condicionam as profissionais a não alcançarem
o que está além da doença física. As questões relacionadas à emoção, às inseguranças, às
dúvidas da criança e da família são passadas praticamente despercebidas. Os atos
profissionais estão absolutamente voltados para a enfermidade desde a admissão até a alta.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
103
Desde a chegada, da admissão, faz a admissão até a hora dele sair, de certa
forma a gente está dando esses cuidados. Indo lá, admitindo, perguntando o
que tem acontecido, verificando a temperatura, fazendo nebulização, essas
coisas todas [...] punção venosa e troca de soro e, às vezes, eu pergunto, eu
passo a visita assim, se está aceitando a dieta, está sentindo alguma coisa, se
está fazendo cocô direitinho, xixi, essas coisas (E 12, E).
A realização de ações humanizadas pautadas pelo diálogo e criação de vínculos são
consideradas de forma superficial, como instrumentos de trabalho da enfermagem “assim
de cuidado mesmo com o paciente é conversar, é um cuidado também” (E 12, E). O cuidado
humanizado precisa ser revisto na prática a partir de discussões dessa natureza.
Conforme temos apontado, o processo de trabalho da enfermagem na assistência à
criança hospitalizada, no ACP, apresenta características singulares o que tem sido para
nós motivo de discussão uma vez que o trabalho tem se organizado no cotidiano a partir
de regras criadas entre a própria equipe, nas quais a família não está envolvida nesse
processo. A presença do acompanhante que outrora foi motivo de inquietação para os
profissionais hoje é assunto superado. A permanência constante do acompanhante durante
a hospitalização infantil e a sua efetiva participação quando da realização de cuidados, é
um dos fatos que contribuíram para tal superação, a partir do momento em a equipe
reconhece que com o ACP a carga de trabalho da enfermagem diminuiu e o trabalho hoje é
leve e prazeroso. Embora não seja envolvida no processo, a família exerce um papel
indispensável: a de cuidadora, pois na ótica dos trabalhadores ela tem uma relação de
proximidade e confiança com a criança, o que os mesmos dizem que: “é até uma forma de
ajudar a gente a realizar o procedimento com a criança” (E 04, AE). Entretanto, a relação de
confiança já estabelecida entre a criança e a família tem sido um argumento usado pelos
profissionais para não realizarem atividades de sua competência profissional, o que tem
levado a equipe a se eximir do seu trabalho e atribuir à mãe muitos desses cuidados.
4.2.2 Cuidado realizado pela mãe / fiscalização profissional
Para os profissionais, os cuidados realizados pela família no cotidiano hospitalar são
semelhantes aos realizados em casa. De acordo com Vernier e Dall’Agnol (2004), os
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
104
profissionais de enfermagem pressupõem que a família deve realizar cuidados semelhantes
aos domiciliares a exemplo de higiene, alimentação e recreação. No entanto, a prática
assistencial assinala que os cuidados realizados pela família têm ido para além desses.
Pesquisas revelam que o acompanhante não tem sido chamado a participar do cuidado de
acordo com as suas condições ou desejo e o que tem ocorrido na prática é uma submissão
velada e implícita de poder, em que o saber do profissional supera o da família (COLLET,
2001; COLLET & ROCHA, 2004; VERNIER & DALL’AGNOL, 2004). Os profissionais não
têm se preocupado com a família tendo em vista as condições adversas que enfrenta diante do
processo de hospitalização de um filho.
A equipe acredita estar realizando um trabalho caracterizado por uma boa assistência,
conforme discutimos no item Concepções das profissionais de enfermagem em relação ao
trabalho. A concepção da equipe acerca da participação da família é de que esta dá segurança
à criança e realiza cuidados. A presença da família no ambiente hospitalar é identificada a
partir de diferentes aspectos, entre os quais realizadora de cuidados
1
(VERNIER,
DALL’AGNOL, 2004).
A higiene corporal a mãe faz, eu oriento a mãe a fazer, a limpeza na boca, a
limpar a mucosa oral, a pomadinha na genitália também deixo ela fazer [...]
a nebulização eu peço pra mãe fazer (E 02, AE).
Minimizadora do sofrimento da criança
2
(PNHAH, 2002).
[...] a mãe junto da criança faz todo esse trabalho (banho, higiene) além
de minimizar o sofrimento dela devido à hospitalização, porque está
presente alguém com confiança do seu ambiente familiar, do seu amor
maior que geralmente é a mãe e, passa pra ela a confiança. Está aqui
nesse ambiente, mas tá de forma segura porque ela (a mãe) está presente
(E 02, AE).
Além da realização de cuidados apreende as necessidades singulares da criança
3
(RIBEIRO, 1998; MENDES; BOUSSO, 2006).
A família, em si, ela tem realizado mais os cuidados com relação à higiene e
à alimentação. Elas sempre se preocupam assim quando a dieta não vem
[...] as mães sempre observam quando as crianças estão piorando, vezes por
1-3
Grifo nosso.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
105
outras com o passar do tempo elas já conseguem relatar quando a criança
passa muito tempo sem urinar, quando está há muito tempo sem defecar;
então, esse era um cuidado que era da gente e com a presença dela elas tão
também conseguindo fazer, o que ajuda o serviço da gente (E 04, AE).
O primeiro cuidado é que o que ela (a criança) sente ela (a mãe) corre logo
pra avisar, pra comunicar a gente, esse é um dos primeiros cuidados que o
acompanhante se preocupa (E 12, E).
Para as profissionais, as ações realizadas pela família são óbvias: “elas (as mães) já
vêm pra cá sabendo que vão cuidar, ter a obrigação de cuidar diretamente da criança; isso
elas já sabem pra que vêm” (E 02, AE). As condições de saúde da criança devem ser levadas
em consideração ao serem delegadas atividades para a família, pois o cuidado realizado no
hospital geralmente difere daquele realizado no domicílio. “A avó não tinha o menor jeito
com a criança e tinha poucos dias que ela tava com a criança, não sabia, a menina tava com
soro, com sonda, com um monte de coisa, complicada que só” (E 11, AE). As profissionais
devem entender que a presença de cateteres, sondas, curativos gera medo e insegurança na
família quando da realização dos cuidados no hospital. Os cuidados que a família presta no
hospital não são semelhantes aos realizados em casa, pois as necessidades de saúde do
contexto hospitalar são diferentes das necessidades do ambiente doméstico. Assim, os atos
realizados no hospital com a criança enferma, por mais simples que possam parecer, se
tornam complexos devido às condições de saúde da criança e exigem um cuidado ampliado
que o acompanhante, por diversas razões, não tem competência para oferecer. A família, antes
de ser uma participante de atos em saúde, precisa ser envolvida no processo e
instrumentalizada a realizar funções em condições de co-partícipe do processo de saúde-
doença da criança.
Os agentes do trabalho na assistência pediátrica pressupõem que o acompanhante está
consciente de que tem que realizar cuidados e, portanto, não oferecem informações ao
mesmo. Desse modo, as relações interpessoais não contemplam a perspectiva da interação. A
equipe de enfermagem só tem tido contato com o binômio ao realizar procedimentos que
exigem a sua presença. Instrumentos de trabalho que envolvam a interação interpessoal não
são utilizados por esses profissionais e, muitas vezes, são os demais acompanhantes as
pessoas responsáveis pelas informações relacionadas à organização do serviço na unidade.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
106
[...] as próprias acompanhantes é que quando chegam já vai dizendo logo.
“Oh, aqui” já vai mostrando aquela 317 A, vai mostrando aonde dá banho,
já dizendo até o banheiro delas. Se bem que a gente diz: oh, o seu banheiro
é lá no final do corredor tal. Muitas acompanhantes que já são mais antigas,
ensinam tudo, passam tudo pra elas (E 12, E).
Como não há uma organização no processo de trabalho que oriente os profissionais a
realizarem uma assistência pautada pela integralidade, as informações importantes, no que
tange ao envolvimento da família no processo de cuidar, são transmitidas aos acompanhantes
por outros mais antigos, os quais podem ter recebido informações não suficientes para o seu
entendimento. Com isso, se aumenta a chance de repassar orientações impróprias para quem
chega, pois cada binômio precisa de aproximações sucessivas com a equipe para que possa
tomar parte do processo terapêutico da sua criança com conhecimento.
A equipe de enfermagem afirma que todas as mães já sabem que a elas cabe realizar
determinados cuidados porque elas não perguntam às mães se querem ou não fazê-lo,
tampouco se precisa de ajuda (COLLET; ROCHA, 2004).
[...] assim quando a criança anda, consegue se movimentar. Ela (a mãe)
sabe que tem que dar banho, que tem o banheiro na enfermaria, ela mesma
só faz pedir a roupa, né? Agora quando é uma criança que um bebezinho,
tem muita mãe que não tem muito, geralmente as primíparas, que não tem
muito cuidado, assim muita prática, muito jeito de ajeitar, aí fica sem saber
aonde é que vai dar banho, como é que vai ser. Já aconteceu de eu pegar
uma mãe na enfermaria que disse: “olhe hoje é o segundo dia que esse bebê
não toma banho!” Aí eu disse: por que não toma banho? “Porque eu não sei
onde é que dá banho.” Eu disse: por que você não perguntou a gente, a
equipe de enfermagem, o pessoal de enfermagem que vem aqui fazer a
medicação, porque aí tem bacia, aí eu expliquei que tem água morna sabe e
ela dava lá no bercinho mesmo (E 12, E).
A falta de informações pode trazer implicações no tratamento da criança, pois os
acompanhantes não têm obrigação de saber conduzir as situações no ambiente hospitalar, nem
mesmo aqueles com sucessivas admissões no hospital. Cada momento vivenciado pelo
binômio é ímpar e requer do profissional conhecimento e dedicação para lhe ajudar em suas
necessidades. Os profissionais não podem deixar de exercer suas atividades por pressupor que
a família sabe que deve realizar um banho, uma alimentação por distinguir a complexidade
desses atos. A comunicação é um instrumento de trabalho indispensável na assistência
pediátrica e deve ser utilizado pelas profissionais da saúde a cada encontro de cuidado com o
binômio, pois o acompanhante pode não reconhecer a condição (de gravidade ou
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
107
complicação) da criança para realizar determinados procedimentos, até mesmo os que
parecem ser mais simples. Por meio do diálogo e da criação de vínculos equipe e família
podem ter momentos de partilhas de conhecimentos que viabilizem o processo de cuidar da
criança enferma no cotidiano assistencial, favorecendo o enfrentamento do binômio.
Outro aspecto relevante é que além das atribuições delegadas à família, consideradas
semelhantes às domiciliares, algumas técnicas mais complexas, em alguns casos, são
realizadas pela família como, por exemplo, a administração de dieta por sonda.
[...] a gente nunca deixa pra mãe administrar (dieta por sonda), a não ser que
ela peça, que tenha costume, quer administrar que sabe como administrar e
ele toma, aceita bem direitinho com ela, melhor [...] (E 01, AE).
[...] não é só alimentação, não é só o banho, mas assim podia ser alguma
medicação tópica que ela poderia assim implementar [...] se for uma esses
menininhos já com problemas neurológicos, então ela já tem muita prática
na dieta por sonda (E 02, AE).
Uma especificidade da unidade em estudo é ser um hospital de referência para o
tratamento de doenças crônicas. Essa característica é reconhecida pelas entrevistadas como
um motivo para a família realizar cuidados mais específicos: “uma criança como a neuropata
que está ali na 315 agora, que a mãe tem muito mais jeito pra alimentar (por sonda) do que
nós né? Nós trabalhamos, mas a gente não tem o mesmo jeito de alimentar do que uma pessoa
que cuida diariamente daquela criança” (E 06, AE).
O fato de a criança continuar necessitando de alguns procedimentos no domicílio, como
a sonda, por exemplo, não diminui a responsabilização da equipe de enfermagem no cuidado
da criança na estada hospitalar, pois concordamos com Campos (2003) quando ele afirma que
a participação da comunidade não desobriga ou diminui o compromisso e a responsabilidade
dos serviços com a defesa da vida. O mesmo se aplica à situação em estudo.
Ao se referir ao trabalho das profissionais da enfermagem no cuidado à criança, as
entrevistadas revelam que a assistência de enfermagem tem se organizado à mercê da vontade
de cada profissional, sendo possível identificar individualmente quem realiza um ou outro
procedimento:
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
108
[...] X é uma pessoa muito competente que dá banho, que se preocupa no
bem-estar, de passar uma pomada, de cortar uma unha, do conforto para
que a criança durma, tudo isso ela faz! Têm outras também, tem umas
meninas que fazem também, tem Y, que gosta muito dessa parte, desses
cuidados e muita gente aqui que faz, tem Z, W, faz, tem muita gente que
usa o lado humano ainda, não só o profissional. Aquele que só faz
medicação, verifica PA e pronto, não. Tem aquele que traz uma coisa pra
criança, traz outra, tem essa parte (E 10, AE).
Na unidade em estudo, a assistência de enfermagem tem se organizado a partir da
autonomia e do interesse de cada profissional, não existindo diretrizes coletivas que norteiem
a prática assistencial, nem tampouco um projeto terapêutico que contemple as singularidades
do trinômio equipe-criança-família. Dessa forma, o processo de trabalho apresentado tem
características de um trabalho fragmentado e sem peculiaridades, no qual o cuidado a ser
realizado pela família é, muitas vezes, imposto.
Essa é uma realidade que parece não ser única. Reeves, Timmons e Dampier (2006)
apontam em uma pesquisa que fatos dessa mesma natureza também acontecem nos EUA e
relatam que em uma unidade assistencial em que os pais foram entrevistados acerca da
participação no cuidado ao filho hospitalizado, os acompanhantes sentiram que seus papéis
como pais foram desvalorizados pelas enfermeiras e tenderam a ser vistos como realizadores
de cuidados. Além disso, o cuidado não era sempre negociado.
A dimensão da participação da família na assistência à criança hospitalizada é uma
condição não regulamentada, mas imprescindível. Deve acontecer não de forma imposta, mas
negociada (COLLET, 2001). A realização de ações interdisciplinares e de responsabilizações
integrais, permeadas pelo diálogo e criação de vínculos, a cada situação em particular, é um
meio que pode ser utilizado na perspectiva de um cuidado ampliado e singular (ANDRAUS et
al., 2004; VERNIER; DALL’AGNOL, 2004). Os profissionais devem buscar identificar as
necessidades da criança e da família no cotidiano e, utilizando instrumentos de trabalho
pautados pela integralidade, atender a essas necessidades individuais.
4.2.3 Relação equipe-familia: o cotidiano de uma submissão velada
A rotina do processo de trabalho aponta que as relações interpessoais no cotidiano
hospitalar entre a equipe e a família da criança hospitalizada têm se constituído, muitas vezes,
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
109
de encontros entre profissionais e acompanhantes durante a realização de procedimentos
(SUGANO; SIGAUD; REZENDE, 2003). Os profissionais têm mantido uma relação de
distância com a família. Não existe uma aproximação interpessoal balizada pelo diálogo,
escuta qualificada e apreensão das necessidades. Um convívio dessa natureza não propicia a
aproximação e a criação de vínculos entre equipe-criança-família, dificultando as relações no
cotidiano. Durante o período de internação, ouvir a família em suas necessidades e tentar
ajudá-la de alguma forma, realizando encaminhamentos, é de fundamental importância para a
realização de um cuidado centrado nas singularidades do binômio (LIMA et al., 2006).
O diálogo é um instrumento de trabalho, por meio do qual se aplica os saberes da
enfermagem para informar a família sobre o cuidado. Essa é uma das ferramentas de trabalho
deve fazer parte de um projeto terapêutico para a enfermagem pediátrica pois, no encontro
entre indivíduos, “deve ser reclamada a centralidade do diálogo no cuidado” (AYRES, 2007,
p. 59). Para o mesmo autor, esse diálogo não se caracteriza apenas em fazer o outro falar
sobre aquilo que o profissional deseja saber. É necessário ouvir o que é indispensável para
aquele que demanda o cuidado e, a partir de então, utilizar os meios de trabalho adequados
para atender às necessidades. De acordo com Barbosa e Rodrigues (2004), o diálogo se faz
importante no cotidiano assistencial, quebrando barreiras, fortalecendo as relações, facilitando
a interação equipe-criança-família.
A falta de comunicação entre a equipe e a família corrobora a prática de um cotidiano
pautado nas ações de poder e submissão. Contudo, as profissionais não têm se dado conta que
os cuidados realizados pela família, discutidos no item 3.1, não são negociados, mas
impostos.
No cotidiano assistencial o diálogo tem sido confundido com orientação: “a questão da
orientação ela é bem aceita [...] geralmente quando é uma pessoa, até que vem estressada, se
você fala direito, você fala direito, você orienta direito é bem aceita” (E 06, AE). A orientação
é entendida, por algumas profissionais, apenas pela verbalização acerca de um procedimento
ou de atitudes a serem tomadas pela família, restringindo-se a informações. Alguns
profissionais relatam que demonstram os procedimentos e depois pedem para a família dar
continuidade.
A gente prepara e leva o material lá e faz e mostra a ela como é que faz e
pergunta se ela pode fazer de outra vez se achar que ela tem condição (E 05,
AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
110
Eu vou ajudo, ensino a limpar, como botar o remédio, pra dar uma dieta por
sonda eu ajudo também, ensino também como fazer [...] primeiro eu faço,
mostro a ela como é que eu vou fazer pra poder ela também na outra dieta
eu vou olhando ela fazer pra ver se está correto. Se ela aprendeu mesmo o
que eu ensinei (E 09, AE).
A equipe relata que prepara o material e faz o procedimento para a família ver e após
avalia as condições da mesma, seja pela repetição dos atos ou pelo questionamento de sua
apreensão, em dar continuidade na realização do procedimento. No entanto, antes de “ser
ensinada” a família não é questionada acerca do seu desejo, interesse ou aptidão em fazer tal
procedimento.
Segundo Peduzzi (1998), no trabalho em saúde o saber técnico instrumentaliza as
ações e distingue os trabalhos especializados, de modo que o conhecimento científico não
acontece de forma direta e imediata. O que subsidia e instrumentaliza o trabalho em saúde é a
especificidade do conhecimento técnico ou tecnológico. Nesse sentido, entendemos que o
cuidado que tem sido delegado aos acompanhantes no âmbito hospitalar deve ir para além de
orientações teóricas.
[...] as questões de cuidado de orientações a essas mães [...] de elas
compreenderem a necessidade de um cuidado mais específico,
principalmente quando se trata [...] do cuidado mais direto, essas
orientações como alimentação que tem muita que criança que vai ficar em
casa fazendo alimentação via sonda, mas no serviço é necessário que a
gente oriente essa mãe como vai fazer, porque, às vezes, as mães chegam
aqui fazendo (dieta por sonda) via jato e aí elas não sabem o risco que um
jato na mucosa gástrica, o que pode desencadear as alterações até o risco de
uma hemorragia dependendo do quadro que esteja essa mucosa dessa
criança ela não sabe como é que vai ficar [...]. (As auxiliares falam): “eu já
orientei, mas aí orienta, elas falam de orientar é a história da didática do que
você ouve, você capta de um jeito, o que você ouve e vê você capta de outra
forma. Então essa questão de dizer como faz e mostrar como que tem que
ser feito” (E 03, E).
O depoimento vislumbra um envolvimento com a família em que a equipe deve não
apenas falar, mas ter atitudes práticas no processo de ensino-aprendizagem às famílias,
especialmente àquelas que darão continuidade ao tratamento no domicílio. A vinculação entre
teoria-prática é apontada como o meio de ensino mais apropriado para a realização de atos tão
específicos, como cuidados em saúde. Entretanto, a concepção geral da equipe consiste de que
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
111
a orientação está relacionada a dizer ou mesmo deixar subentendido que é responsabilidade da
família realizar determinados procedimentos.
Embora a práxis da unidade em estudo mostre que a família tem realizado uma
diversidade de cuidados à criança hospitalizada, as profissionais não sentem qualquer
segurança em entregar a medicação ao acompanhante e deixá-lo administrar sozinho. A
enfermagem responsabiliza a acompanhante para alguns cuidados como higiene, conforto,
alimentação, inclusive a alimentação por sonda; porém, em relação a outros cuidados não a
considera capacitada, mesmo que sejam realizados freqüentemente no domicílio, como é o
caso da medicação oral.
(Dá a medicação) Pra mãe, junto com nós pra que a gente tenha certeza de
que a medicação foi administrada [...] a gente sempre que não administra
fica na presença porque se deixar elas não dão (E 01, AE).
Identificamos, a partir de então, um paradoxo na relação de confiança que permeia o
convívio equipe-família, uma vez que a equipe tem se eximido de algumas responsabilizações
no seu processo de trabalho e conferido à família o encargo pela realização de cuidados
considerados complexos no ambiente hospitalar. Ao mesmo tempo, realiza uma fiscalização
policialesca na hora da administração de medicação por via oral, quando explicita que precisa
certificar-se que a medicação foi de fato administrada. Aparentemente, não existem razões
para que a família não administre a medicação, considerando que essa é uma condição
indispensável para que a criança se recupere e retome suas atividades. Condutas dessa
natureza inviabilizam o cuidado compartilhado, a construção conjunta entre mãe, equipe e
criança (quando a sua idade assim permitir) de uma assistência singular e que atenda às
necessidades identificadas em cada momento específico do processo de hospitalização e
enfrentamento de uma doença.
[...] mesmo quando ela a mãe tá com a medicação eu vou lá e verifico se ta
sendo dado a medicação; sempre verifico (E 02, AE A família)
[...] da medicação até o banho porque a gente dá pra mãe pra que ela dê pra
o filho (a medicação oral). Geralmente a gente faz assim, nem que a gente
fique lá esperando (E 11, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
112
Acompanhar um determinado cuidado com a finalidade de verificar se a família o fará,
desqualifica esse cuidado e a enfermagem, que deveria responsabilizar-se pelo mesmo
transfere essa responsabilidade para a família. Essa condução no trabalho faz com que a
enfermagem assuma um papel de fiscalizadora dos procedimentos desenvolvidos pela família.
Esse modo de organização do processo de trabalho nos leva a refletir sobre a relação entre a
equipe de enfermagem e a família na unidade em estudo. Os cuidados realizados pelos
sujeitos da investigação não têm sido compartilhados. A equipe parece não se preocupar com
a dimensão da participação da família no cuidado para ver o seu trabalho diminuído.
Contraditoriamente, não reconhece no acompanhante uma pessoa de sua confiança em quem
possa conferir a realização total de uma ação terapêutica a ela atribuída. A falta de
aproximação e de relações interpessoais compartilhadas no cotidiano hospitalar entre equipe e
família podem contribuir para uma relação permeada pela desconfiança.
A comunicação, o diálogo, a escuta, a criação de vínculos, não tem sido instrumentos
utilizados pela equipe de enfermagem no cuidado à criança hospitalizada nem tampouco há
apreensão por parte das profissionais da ampliação do seu objeto de cuidado. Além de não ser
envolvida no cuidado, a família tem se submetido muitas vezes a uma permanência hospitalar
abnegada em que não tem tomado parte nas decisões e quando realiza alguma atividade esse
acontecimento se dá por meio de uma relação velada e implícita de poder entre os
profissionais e acompanhantes.
A família tem realizado cuidado à criança, mas não há uma relação de estreita confiança,
uma vez que não são supervisionadas, mas fiscalizadas em alguns procedimentos. A
enfermagem não vê riscos e complexidade no fato de a família dar banho, ou oferecer uma
dieta, para uma criança com soros, drenos, cateteres. Mas não confia na administração da
medicação oral. Podemos pressupor que os cuidados de higiene não são reconhecidos pelos
profissionais como relevantes para a recuperação da saúde da criança, de tal forma que a
equipe tem delegado implícita ou explicitamente sua responsabilidade em realizá-lo. Faz-se
necessário buscar apreender qual a importância dada pelas profissionais, nesse momento, aos
cuidados que constituem necessidades fisiológicas da criança e que superam os procedimentos
técnicos.
A subjetividade dessa relação deve ser retomada, ou quem sabe construída, pois a
enfermagem está de tal forma distante da família que ainda não tomou consciência da
ampliação do seu objeto de trabalho. Embora a presença da família como barreira para a
realização do trabalho da enfermagem tenha sido superada e os conflitos entre a equipe e a
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
113
família não tenham sido manifestados nesta pesquisa, a relação que permeia esse convívio não
é uma relação de parceria. Neste tipo de relação há articulação e discussão entre os saberes
das partes envolvidas. O que constatamos foi uma relação em que, enquanto a família
permanece ao lado da criança e ajuda nos cuidados, ou seja, divide tarefas com a enfermagem,
sua permanência, como acompanhante, é vista como positiva. Caso contrário, representa um
óbice para o cuidado.
Defendemos o argumento de que a família deva ser envolvida no cuidado assistencial à
criança hospitalizada e co-executora do cuidado. Para tanto, precisa ser habilitada a partir das
necessidades produzidas no cotidiano. Vale ressaltar que a execução de cuidados à criança
pela família não deve reduzir a responsabilidade da equipe de seu fazer, mas ser um momento
de aproximação e aprendizagem para os sujeitos envolvidos no cuidado. Para tanto, a
enfermagem precisa reconhecer o seu objeto de trabalho no novo contexto, ampliando-o, para
que a família seja de fato envolvida no cuidado à criança, mas que também seja cuidada.
Nesse processo, a enfermagem precisa também superar a mera expectativa da realização de
cuidados para a diminuição da sua carga de trabalho e consolidar a perspectiva do cuidado
integral, por meio de novos instrumentos de trabalho. A organização do processo de trabalho
nessa direção deve estar fundamentada nas tecnologias leves do cuidado, entre as quais se
encontra a relação de parceria.
4.2.4 As concepções da equipe de enfermagem acerca da participação da
família no cuidado
O ACP é um modelo assistencial que trouxe uma nova demanda de cuidados para a
enfermagem devido ao objeto de trabalho ter sido ampliado, conforme discutimos
anteriormente. Os primeiros anos da década de noventa foram os primórdios da nova
relação que se constituía no âmbito hospitalar entre a equipe de saúde e a família da
criança hospitalizada, sendo que, a partir de então, esse acompanhamento foi
regulamentado. Durante os primeiros anos desse modelo de assistência houve um processo
de negação por parte dos profissionais quanto à permanência da família. Os trabalhadores
se sentiram ameaçados e possivelmente supervisionados legalmente pelos acompanhantes.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
114
A inserção do acompanhante no âmbito hospitalar tinha uma perspectiva de oferecer uma
assistência mais humanizada e uma estada menos sofrida à criança e à sua família, pois a
hospitalização era um momento de separação entre ambas as partes. Os possíveis traumas
à criança advindos dessa separação foram reconhecidos como contributivos para que a
criança tivesse seqüelas por toda a vida. Segundo Bowlby (1993), a presença da mãe e seu
amor na infância são tão importantes para a saúde mental da criança quanto as vitaminas e
proteínas são para a saúde física.
Com a instituição do ACP, a família iniciou um processo de inserção no ambiente
hospitalar. No entanto, não houve um delineamento do âmbito da participação do
acompanhante no cuidado, até então da responsabilidade exclusiva da equipe de saúde. No
novo contexto, nem a instituição nem a enfermagem, particularmente, promoveram uma
reorganização para receber a família. Assim, o advento do ACP causou impacto aos
profissionais, pois os mesmos são sabiam como se comportar na presença do acompanhante,
nem como lidar e atender às novas necessidades de saúde que se produziam. Na atualidade, a
equipe de enfermagem e a família vivem outro momento de sua relação, a dimensão da
participação da família no cuidado.
A falta de um projeto que delineie o envolvimento familiar no processo de
hospitalização tem propiciado o estabelecimento de uma relação superficial e contribui para
uma comunicação enfraquecida entre equipe e família, fato que tem afastado os profissionais
do binômio. Essa característica da organização do processo de trabalho não tem dado
visibilidade às necessidades do binômio nem aos conflitos desencadeados na relação ora
estabelecida entre os agentes que cuidam da criança. É possível que esse fato esteja
relacionado à falta de aproximação entre a equipe e família. Parece que esses estão tão
distantes que os conflitos não têm aparecido mais com a intensidade verificada em pesquisas
semelhantes realizadas em outros anos por outros pesquisadores.
Na atualidade, a concepção da equipe de enfermagem acerca da participação da
família no cuidado revela-se controversa uma vez que os depoimentos reconhecem que a
presença da família é importante para oferecer aconchego e segurança à criança. Por outro
lado, embora os sujeitos desta pesquisa recorram à participação da família na realização de
cuidados e na ajuda ao trabalho da enfermagem, criticam essa mesma família quando ela não
aceita as imposições feitas pela equipe. Assim, desde que os acompanhantes aceitem certas
condições, que dependem de cada profissional individualmente, sua presença é reconhecida
como importante no ACP; caso contrário, torna-se um óbice para o cuidado.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
115
Inicialmente os depoimentos das profissionais relatam que a presença da família é boa
e contribui para uma melhor recuperação da criança, especialmente pelo fato de as crianças
serem postas diante de desconhecidos e submetidas a procedimentos quase sempre dolorosos.
[...] eu acho que a companhia da mãe, do acompanhante em si, deixa a
criança mais segura, deixa a criança como se ela tivesse, ela está num
ambiente totalmente estranho, então pelo menos ter alguém que ela conheça
naquele ambiente é muito importante pra ela, eu acho que ajuda no
desenvolvimento, no prognóstico das crianças (E 11, AE).
A família representa segurança e estabilidade emocional para a criança hospitalizada
e as profissionais entendem a contribuição dessa presença para a sua recuperação. O
suporte emocional para a criança é um aliado nas diversas situações de conflito
vivenciadas por ela na situação de hospitalização (COA; PETTENGILL, 2006). Contudo,
na prática assistencial, os depoimentos apontam que a família representa ajuda nos
cuidados: “a mãe veio pra acompanhar a criança, acompanhar a criança e ajudar nesses
cuidados” (banho, alimentação) (E 02, AE).
A concepção de que a mãe sabe que está no hospital para cuidar da criança, conforme
discutimos no item 3.3, tem feito com que as profissionais se eximam de seus afazeres ao
impor, veladamente, que cuidados como conforto, higiene, alimentação sejam realizados pela
mãe.
[...] Eu acho que as mães aqui são ótimas que fazem, tem aquela mãe que
infelizmente não tem aquela educação de dar banho na criança, aquela
higiene toda, então falta ainda aquela higiene, é preciso você tá dizendo
mãezinha dê um banho na criança, mas eu acho que elas cuidam (E 10, AE).
Quando o acompanhante não executa o cuidado de acordo com as expectativas das
profissionais, estas não tomam para si a responsabilização do seu trabalho, mas insistem e
mandam a mãe fazê-lo. A enfermagem não busca compreender as razões pelas quais o banho
não foi dado adequadamente. Como não há diálogo, a equipe não identifica as condições da
família em participar do cuidado assistencial, mas impõe a realização dessa atividade. Esse
modo de organização do trabalho conduz ao distanciamento das profissionais do binômio e é
um dos principais determinantes de uma relação de responsabilização individual, na qual a
família apenas ajuda, mas não é envolvida no cuidado. Embora os depoimentos afirmem que
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
116
não tem havido diálogo no cotidiano assistencial, a falta de comunicação ainda não foi
percebida pela equipe como um empecilho na relação do cuidado ao binômio.
O reconhecimento da “ajuda oferecida pela mãe” no cotidiano assistencial é colocado
como aspecto fundamental na concepção das profissionais acerca da presença da família no
ambiente hospitalar.
Na maioria das vezes eu acho que é proveitosa (a presença da família), além
da ajuda que elas dão. Que a gente tá com bem menos trabalho, que já ajuda
na parte de higiene do filho, fica olhando o soro e, se faltar qualquer coisa
chama: “o menino tá com uma dor”, chama a gente (E 05, AE).
A diminuição da carga de trabalho da enfermagem desde o início do ACP é outro
aspecto reconhecido pela equipe de enfermagem. Enquanto a família aceita as condições
impostas, implícita ou explicitamente pela equipe, a sua presença é reconhecidamente
valorizada, mas a partir do momento que deseja partilhar algum conhecimento ou tenta
proteger a criança de uma situação dolorosa ou de sofrimento, passa a ser um complicador no
cuidado.
[...] às vezes a mãe atrapalha, não deixa a gente fazer as coisas direito.
Quando vai puncionar uma veia fica com aquela coisa, não punciona num
canto, num punciona noutro, um remédio, fica às vezes duvidando: “que
remédio é esse?” (E 05 , AE)
Assim, a equipe de enfermagem espera que a família só intervenha quando lhe for
conveniente, pois “quando começam (as acompanhantes) a se meter nos procedimentos que
elas não entendem, elas passam a atrapalhar” (E 04, AE).
Esses depoimentos apontam que a relação entre a equipe e a família não tem
acontecido na perspectiva da interação entre os saberes profissional e familiar. A enfermagem
ainda não tem como objeto de seu trabalho o cuidado ampliado e realiza uma assistência
hospitalocêntrica e tecnicista. A família não é envolvida no processo de cuidar de modo
negociado, tampouco objeto de cuidado, de modo que as relações de poder têm permeado o
cotidiano assistencial no ACP e o processo de trabalho não incorpora a dimensão da
subjetividade que esse tipo de trabalho exige e que se traduz no acolhimento, escuta
qualificada, troca de saberes e experiências.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
117
À medida que o poder, a falta de vínculos e de escuta qualificada prevalece nas
relações interpessoais entre a equipe e a família, as necessidades da criança durante a
hospitalização são desconsideradas ou despercebidas.
A gente quer o paciente num banho, é impedido porque ele está dormindo.
Eu acredito que dentro de um leito do hospital isso não pode existir, a gente
quer fazer uma medicação que tá dentro daquele horário, aí é impedido:
“deixe ele acordar, mais tarde (eu dou o banho)”. Só que a gente tem o
horário do medicamento, então os familiares atrapalham neste momento,
que a gente queria o apoio dele independente disso aí, quer dizer quando a
equipe de enfermagem chegasse pra exercer sua função direcionada ao
paciente, eles não atrapalhassem, não impedissem, e a gente tem essa
pequena barreira, essa pequena barreira existe. [...] a gente nunca realiza o
banho na hora em que a gente quer (E 01, AE).
Nesse depoimento, a imposição prevalece sobre a flexibilização das ações, o repouso
da criança não é reconhecido pela equipe como uma necessidade de saúde e a realização de
um banho torna-se superior às condições de saúde da criança, que podem esclarecer o sono
em um horário considerado inapropriado para as profissionais. A desconsideração das reais
necessidades da criança evidencia que a assistência não é centrada no usuário, mas no
cumprimento de horários que nem sempre são justificáveis.
De acordo com Merhy (1997) a assistência centrada no usuário e no conjunto de
subjetividades que o mesmo produz continuamente se caracteriza pela articulação entre os
diversos saberes profissionais e traduz um trabalho pautado pela mediação entre as
tecnologias leves, leve-duras e duras do cuidado. O cuidado usuário centrado é comprometido
com benefícios para os usuários por meio de uma assistência que vislumbre a conexão dos
atos em saúde e atenda a singularidade de cada um no enfrentamento dos problemas de saúde.
No depoimento acima quando o acompanhante solicita: “deixa ele acordar, mais tarde
(eu dou o banho)”, a enfermagem percebe que a família manifesta a sua disponibilidade em
cuidar da criança. Contudo, a equipe justifica a necessidade de cumprir suas tarefas,
explicitando uma controvérsia acerca da realização dos cuidados, pois anteriormente falava
que o banho é realizado pelo acompanhante. A controvérsia está em afirmar que atende as
necessidades da criança e, ao mesmo tempo, organiza seu trabalho a partir do estabelecimento
de rotinas inflexíveis como é o caso do horário do banho. Há uma inversão de prioridades. No
processo de recuperação da saúde o repouso da criança é fundamental e tal aspecto não é
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
118
respeitada, ao ser priorizada a realização de uma tarefa, que também é importante, mas que
pode ser adiada.
A família é capaz de reconhecer as necessidades da criança, enquanto a enfermagem
parece estar passando despercebida da subjetividade infantil. Schmitz (2000 apud
LITCHTENEKER; FERRARI, 2005) explica que os familiares se tornam críticos em relação
à assistência e aos procedimentos, com o passar dos dias, e supervalorizam os pequenos
detalhes do cuidado. Além disso, desejam realmente ser envolvidos no processo assistencial,
não sendo meros realizadores de cuidados.
O saber em saúde aparenta superar quaisquer conhecimentos que a família já tenha
acerca das necessidades da criança. A equipe acredita que realiza uma assistência que atende
às necessidades do binômio quando concretiza atos em saúde com rigor a normas e horários.
[...] seguir a risca o horário que nós temos, se você não seguir o horário que
está estipulado, que a gente tem aí então a gente vai atrapalhar já pra o
próximo (horário) [...] Poderia (ser flexível) se deixasse assim pras 07 horas
(o banho). Mas aí eles vão acostumando porque 07, 07 e 30 chega o café.
Seria ótimo se todo mundo tivesse tomado banho, pesado e lá no seu leito
mesmo sentado, esperando a hora do café, aí muitas vezes a gente deixa, aí
ele tá lá nas condições só Deus é quem sabe, pra tomar café, pra tomar
nebulização, pra pesar, porque a gente tem horário (E 01, AE).
[...] eu acho que hospital tem que ter hora pra isso, hora pra aquilo, até
mesmo pra assistir televisão, às vezes, passa direto. Eu acho assim, o
paciente porque ele tá doente, não tem que estar assim à vontade, ah,
porque o bichinho tá doente (E 06, AE).
O fato de o hospital ter hora certa para a implementação da assistência aos seus usuários,
não significa que oferece uma assistência fundamentada no cuidado ampliado, ao contrário
aponta um trabalho centrado em normas e rotinas rígidas e pouco flexíveis que não visualizam
para além da doença e não atendem ao cuidado ampliado. No cuidado à criança hospitalizada,
corroboramos Collet e Oliveira (2002) quando explicam que devemos considerar a criança
como sujeito de sua história e plena de direitos, dentre os quais o direito à liberdade e à
dignidade. Sob essa ótica, a rigidez de normas e rotinas hospitalares devem ser reavaliadas na
prática e no cotidiano uma vez que muitas necessidades advêm de peculiaridades da criança,
características da fase de desenvolvimento pela qual passa.
A assistência pediátrica requer dos profissionais ações balizadas pela atenção,
acolhimento e criação de vínculos (MONTEIRO; FERRIANI, 2000). Na prática assistencial,
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
119
a família tem realizado cuidados considerados simples e, muitas vezes, comparados aos
domiciliares. Entretanto, não tem sido levado em consideração que o exercício de qualquer
atividade no âmbito hospitalar requer um cuidado ampliado, tendo em vista a complexidade
do processo saúde-doença e as condições do binômio.
O cuidado às necessidades do binômio não têm sido apreciado pelos profissionais. Além
disso, a assistência centrada em procedimentos assinala a não apreensão das peculiaridades do
processo de trabalho da Enfermagem na assistência em ACP. Ao nosso ver, a organização do
trabalho centrado na família amplia nosso objeto de trabalho e requer novos instrumentos para
operacioná-lo.
É importante destacar que o envolvimento da família nos cuidados à criança demanda
da Enfermagem rever como ela tem delineado esse processo. Muitas vezes, é imposto à
família prestar cuidados que nem sempre se sente em condições de realizar. A Enfermagem
precisa assegurar-se se o acompanhante deseja participar diretamente no cuidado da criança
doente, bem como se está instrumentalizado para exercê-lo de forma a atender às
necessidades da criança na situação em que se encontra, quando da realização dos cuidados
(PIMENTA, 2006). Nesse sentido, a Enfermagem deve reorganizar sua prática assistencial a
partir do cuidado negociado e compartilhado a cada situação singular, promovendo, assim, a
autonomia da família e, ao mesmo tempo, respeitando as demandas de cuidado da família.
Sob essa ótica, ressalta-se, ainda, que não podemos perder a dimensão cuidadora da
Enfermagem, pois mesmo quando a família presta o cuidado à criança, a responsabilidade por
esse cuidado é da Enfermagem.
4.3 Repercussões/Implicações da Organização do Trabalho para a Profissão
As repercussões da inserção da família no ambiente hospitalar para a criança é um
tema discutido por profissionais das várias áreas da saúde. Os estudos que buscam apreender a
concepção das crianças acerca da participação da família no cuidado hospitalar apontam, em
sua totalidade, que o ACP é uma forma de organizar a assistência por demais benéfica
(LITCHTENEKER; FBRARIs a preeança a famílie
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
120
O vínculo que as crianças estabelecem com seus parentes não deve ser quebrado
durante o internamento; ao contrário, as mesmas precisam se sentir seguras para que a estada
hospitalar não gere traumas. De modo geral, todos os procedimentos hospitalares aplicados à
criança enferma causam sofrimento e, muitas vezes, dor. Portanto, a família é a melhor
companhia que a mesma pode ter nesse ambiente de cuidado. Na concepção dos profissionais,
a presença da família, de fato, minimiza o sofrimento infantil e contribui para que as crianças
se fortaleçam para enfrentar o processo de hospitalização. De acordo com Oliveira e Collet
(1999) a criança busca apoio, orientação, proteção para o desconhecido e para o sofrimento
em pessoas que lhes são significativas. Portanto, a presença do acompanhante representa para
a mesma a segurança necessária para enfrentar as adversidades da hospitalização. Para Bretãs
et al. (1995) a presença da família tem ação terapêutica na saúde da criança.
Assim, (a família) é uma segurança pra a criança [...]. Somos estranhos pra
aquela criança, então ela acompanha a criança até o procedimento, é uma
ajuda que a gente tem dela com relação à criança olhar e ver uma pessoa
conhecida e tentar se acalmar (E 04, AE).
Um estudo realizado em 1994 já apontava que a presença dos pais no hospital é um
método efetivo para reduzir os traumas psicológicos e emocionais da hospitalização da
criança (GUARESCHI; MARTINS, 1997). À época, o ACP havia sido instituído há,
aproximadamente, quatro anos mas os seus benefícios para a saúde da criança já eram
sinalizados. A equipe de enfermagem acredita que o ACP “só veio a melhorar o tratamento
assistencial entre funcionário e acompanhante” (E 11, AE), pois o binômio criança-família
não vivencia mais a separação do passado. Antigamente, a criança ficava desacompanhada e
recebia visitas diárias, mas ao término das visitas se iniciava um processo de sofrimento.
[...] quando a mãe vinha pra visitar a criança e ia embora, (a criança)
ficava chorando demais, sentindo a falta; às vezes, nem comia. Você
tinha que enganar, muitas vezes, pra ela comer (E 09, AE).
A inserção da família no processo de hospitalização, por meio da presença de um
acompanhante nas unidades pediátricas, contribui para despertar na enfermagem a
necessidade de desempenhar suas atividades assistenciais com mais cautela e atenção.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
121
O interesse de fazer as coisas mais certinhas, as medicações mais certinhas
(aumentou), porque antigamente a gente chegava aqui e ainda fazia
Penicilina direta na veia, Oxacilina direta na veia. Então, foi mudando isso,
foi vendo que fazendo no soro era melhor para a criança, doía menos, hoje
em dia a gente vê o pessoal antigo já tá aprendendo a mexer mais com
gelcro, que é uma coisa que dura mais, que a criança vai sofrer menos
picada, menos traumatismo futuramente. Então, eu acho assim que teve uma
melhorada nesse ponto (E 10, AE).
A partir do ACP, o convívio entre equipe e família passou a ser mais constante, uma
vez que os encontros entre essas partes na atualidade vão para além do horário de visitas,
durando toda a hospitalização infantil. O que chama a atenção no depoimento acima e que
requer reflexão é a abordagem de que a partir da inserção da mãe no hospital surgiu o
“interesse em fazer as coisas mais certinhas”. O fato de a mãe estar com a criança no hospital
e acompanhar todos os momentos de cuidado, incluindo os procedimentos, revela que
desencadeou mudanças no modo como a equipe de enfermagem desempenha suas atividades
no hospital. Atitudes que antes não consideravam a dor e o sofrimento da criança, passam a
ser revistas e mudanças de comportamento vão acontecendo na dinâmica do próprio trabalho.
Dentre as situações pelas quais passa o binômio durante a hospitalização infantil, a dor
é uma das condições que mais gera angústia. Entendemos que a prática da realização de
cuidados humanizados, que minimizem a dor, incentivados especialmente a partir do ACP, se
concretize no cotidiano assistencial, mesmo nos casos em que a criança venha a ficar
desacompanhada. A assistência à criança exige dos profissionais interesse pelo seu trabalho.
Cada criança apresenta características peculiares à fase do desenvolvimento em que se
encontra e a equipe de enfermagem precisa criar estratégias para a construção de uma
assistência centrada nas necessidades do binômio. Segundo Rocha, Nascimento e Lima (2002)
as profissionais que atuam na enfermagem pediátrica devem se aproximar das ciências
humanas e das teorias sobre terapias familiares a fim de estarem preparadas para lidar com o
binômio. Entretanto, na ausência do acompanhante, a equipe não deve eximir-se do cuidado
pautado por tecnologias leves, uma vez que muitas crianças até hoje, pelos motivos mais
variados, permanecem durante toda a sua estada hospitalar sem acompanhante devendo ser
cuidadas com todo zelo pela equipe, não só de enfermagem, mas de saúde.
A concepção da equipe de enfermagem acerca das repercussões da participação da
família na assistência à criança hospitalizada assinala para pólos que vão desde o
reconhecimento da importância da família, quando esta realiza cuidados, até a inquietude,
quando a enfermagem diz que a mãe intervém nas condutas ou faz algum questionamento em
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
122
relação ao tratamento. Esses pólos obstaculizam a identificação das necessidades ampliadas
da criança e sua família e a construção de uma assistência pautada na integralidade. Assim,
identificamos a perda da dimensão cuidadora da enfermagem na assistência ao binômio
criança-família.
Enquanto a família permanecer acompanhando a criança hospitalizada na perspectiva
da realização de cuidados, sem envolvimento no processo saúde-doença, uma das concepções
da enfermagem será a de que a família está no hospital para reduzir sua sobrecarga de
trabalho ao mesmo tempo em que minimiza o sofrimento da criança.
Lucrativo, reconhecido [...] a família também ajuda no tratamento. Então
é um trabalho assim que traz boas perspectivas que continue crescendo
nessa maneira sempre (E 04, AE).
Eu acho importante, eu acho que é uma boa. A participação, além de ajudar
um pouco a enfermagem, tem o lado da criança, que a criança se sente
segura, não fica só e se sente segura ao lado dos pais, ao lado da mãe,
qualquer pessoa da família, ter uma referência, porque ele só vê estranhos
(E 05, AE).
A equipe não tem conseguido ver o acompanhante para além da questão da divisão de
tarefas. A não apropriação do objeto de cuidado ampliado tem constituído uma relação de
distância entre equipe e família, impedindo que as profissionais superem o modo como tem
realizado as ações de cuidado para além das necessidades físicas da criança, limitando-se ao
desenvolvimento de procedimentos.
E o apoio da equipe junto com os familiares do paciente ele é de suma
importância, a gente tá tendo um trabalho assim muito bom. Desde que ele
não atrapalhe a equipe direcionada ao paciente. [...] A gente queria o apoio
dele [...] quer dizer quando a equipe de enfermagem chegasse pra exercer
sua função direcionada ao paciente, eles não atrapalhassem, não impedisse e
a gente tem essa pequena barreira, essa pequena barreira existe (E 01, AE).
Essas concepções acerca do trabalho da enfermagem podem estar associadas à falta de
articulação e responsabilização conjunta entre equipe e família, ou seja, à falta de uma relação
de parceria, de interação. A família não tem obrigação de saber como é a organização do
trabalho no ambiente hospitalar. Antes, precisa ser instrumentalizada no cotidiano para que
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
123
suas ações estejam coerentes com as necessidades de saúde da criança, considerando também
as suas próprias condições de realizá-las. Os familiares podem estar sendo vistos como óbices
no cuidado quando na verdade não estão sendo informados acerca do processo terapêutico e
da organização do processo de trabalho. A carência de vínculos de confiança contribui para
que as ações realizadas pela família e equipe na assistência hospitalar sejam desarticuladas e
fragmentadas. Diante das características do ACP em estudo, identificamos que a forma como
o processo de trabalho da unidade em estudo tem se organizado não tem permitido a
construção de vínculos que possibilitem a interação e evitem a desconexão entre os atos em
saúde realizados pela equipe e pela família à criança. Tal processo de trabalho assinala o
cuidado centrado em procedimentos, consubstanciando uma prática assistencial pautada pela
responsabilização individual da equipe e da família em relação ao projeto terapêutico da
criança de acordo com a divisão funcional de tarefas.
Eventualmente, o trabalho realizado pelas profissionais na clínica em estudo aponta para
o movimento em favor da assistência balizada pela integralidade; mas o poder técnico está
arraigado nas concepções das profissionais obstaculizando o atendimento das necessidades
ampliadas em saúde.
A participação da família no processo terapêutico, na concepção de algumas
profissionais da enfermagem, além da realização de cuidados, envolve o conhecimento do
tratamento, dos horários dos medicamentos usados pela criança.
[...] a mãe ela tem que participar dos cuidados da criança. Como eu digo
a ela: “olhe quando não vier uma medicação, que a senhora sabe que
toda aquela hora, a criança toma a medicação, por exemplo, prednisona,
aldactone, que é uma medicação muito importante para a criança e se, a
gente por algum motivo, ou esquecimento (não trouxer) vá atrás da gente
e lembre”. Olhe fulana tá faltando tal medicação, tal hora. E outra coisa:
procure ver a medicação que o filho da senhora toma porque, às vezes,
pode vir errado no copinho; aí, a senhora sabe e diz: “olhe essa
medicação não é do meu filho”, porque vai acontecer de ter erros e é
uma forma de a senhora ajudar (E 11, AE).
A família que conhece o tratamento da criança pode tomar parte das condutas e
intervir sem ser vista como empecilho no cuidado. Para tanto, faz-se necessária uma
organização no processo de trabalho que direcione todas as profissionais para a mesma
perspectiva assistencial, balizada por um projeto terapêutico coletivo que apreenda às
necessidades do binômio no cotidiano assistencial.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
124
Conforme dissemos inicialmente, os depoimentos da equipe acentuam três aspectos
acerca das implicações da família para o trabalho da enfermagem: o primeiro deles foi o que
ora discutimos quando a participação da família no ACP é reconhecida como positiva no ACP
em estudo.
O segundo está relacionado aos aspectos negativos do ACP para a Enfermagem. A
expectativa da equipe, de modo geral, é que a família realize cuidados à criança hospitalizada
e que a mesma esteja à mercê da vontade dos profissionais, pois esses são detentores do saber
que rege o cuidado. Já entendemos que o benefício do ACP, na concepção da equipe, está
relacionado à subordinação profissional. Mas, há outro aspecto ainda não apontado que
converge para a concepção da equipe de que a presença da família não é benéfica para o
trabalho da Enfermagem, que também está relacionado à subordinação, mas emerge das falas
sob um outro olhar: o sofrimento da família.
O cotidiano da família que tem uma criança enferma se modifica e passa a ser
organizado a partir do que exige o tratamento (OTHERO; CARLO, 2006). Quando a família
encontra-se na condição de acompanhante, enfrenta juntamente com a criança um sofrimento
que, em muitos casos, faz com que os acompanhantes expressem o desejo de impedir a
realização de alguns procedimentos que são dolorosos e que fazem o binômio sofrer mais,
independente de ser uma dor física ou emocional, momentânea ou duradoura. Muitas vezes, a
família até tenta impedir o procedimento.
Já teve assim de equipes mesmo comigo da gente ter que pedir pra mãe se
retirar, algumas vezes teve que chamar outras pessoas assim no caso o
próprio enfermeiro ou o médico pra tentar conversar com a mãe, pra deixar
que a gente faça o trabalho com a criança porque tem umas que impedem
mesmo, não deixa de forma alguma. [...] nos primeiros dias elas aceitam (os
procedimentos) porque são os primeiros dias de internamento, mas com o
passar do tempo elas vão ficando estressadas até mesmo pelo cansaço físico
delas. Tem umas que acham que o que a gente faz não tá ajudando a
criança, porque não vê melhora. Aí, elas começam a ficar chateadas,
começam a dificultar o trabalho da gente (E 04, AE).
O sofrimento vivenciado pela família pode ser entendido como um empecilho no
processo de trabalho da enfermagem. A enfermagem sabe que em alguns momentos durante a
hospitalização a criança passará por procedimentos dolorosos e tenta entender a necessidade
da realização dos mesmos para o restabelecimento ou minimização dos problemas de saúde da
criança, ainda que para elas seja também uma angústia. Já a família, embora também seja
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
125
capaz de entender esse aspecto, a sua relação de amor impede que em todos os momentos ela
esteja preparada para enfrentar o sofrimento infantil.
Porque assim a gente se chateia quando é uma daquelas mães que chegam
aqui já querendo se achar dona do pedaço como se diz, se achar que é
enfermeira [...] no caso assim a criança precisa de soro, aí tem acesso
venoso difícil isso aí quando é daquelas pequeninhas (crianças), às vezes a
gente precisa puncionar na cabeça, aí a mãe já não quer: “não na cabeça
não, pra não raspar”. Aí, esse já é um problema, já atrapalha o serviço da
gente. A família diz: “não eu não quero que pegue em tal canto, tem que ser
aqui e num sei o quê” e, às vezes, também quando não quer botar soro no
menino porque perde com facilidade (o acesso venoso). A família diz: “ah,
se perder de novo eu não deixo mais furar” (E 12, E).
O fato de o acompanhante pedir para a punção venosa ser em um local ou outro, não
necessariamente envolve questões de saber ou não saber. Pode estar relacionado,
simplesmente, ao conforto do paciente. Uma criança pode ser destra e então a família prefere
que o acesso venoso seja no lado esquerdo pra facilitar a sua habilidade. Uma criança que já
deambula, se tem condições de puncionar um acesso venoso nos membros superiores, a
família pode solicitar que não seja nos membros inferiores para não impedir a deambulação,
ou devido ao medo que o local da punção possa oferecer ao acompanhante, a exemplo do
couro cabeludo. Os depoimentos assinalam que quando a família intervém nas condutas, a
enfermagem entende que a mesma está querendo saber igual ou mais que as profissionais.
Entretanto, essa concepção não valoriza o saber da família e impede a criação de espaços de
autonomia, interação e responsabilização mútua entre equipe e binômio, uma vez que a
participação da família deve ir para além da realização de cuidados e alcançar a tomada de
decisões no processo terapêutico assistencial. É necessário que equipe e família busque viver
uma relação com vínculos, uma relação-parceria, para viabilizar a apreensão das
singularidades do binômio, pois acreditamos que não é intenção da família se apropriar do
exercício profissional da Enfermagem, tampouco a equipe deve querer assumir o papel da
mãe na prática assistencial.
Às vezes, há um estresse dos funcionários [...] com os acompanhantes que
rotulam a gente como a ovelha negra da história porque a gente vai furar o
paciente [...] eles não entendem a necessidade que o paciente está tendo de
ser furado e de receber aquela medicação e a gente não tem culpa se o
paciente tá tendo dificuldade de haver essa função e, muitas vezes, eu acho
que isso atrapalha o serviço. Por que a mãe por ela não está preparada pra
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
126
questão da dor, da angústia dela diante do quadro que ela vê. À vezes ela
age de uma forma agressiva, toma a criança da mão da gente, ela não sabe o
prejuízo que tem naquele momento (E 08, E).
O depoimento suscita a falta de comunicação vivenciada no cotidiano assistencial. A
família não recebe informações suficientes que lhe fortaleça para superar o sofrimento e,
portanto, toma atitudes de impedimento. As questões fisiológicas, como a dificuldade de
acesso venoso não pode ser resolvida pela equipe de saúde. No entanto, o enfrentamento da
família diante da dor da criança pode ser minimizado com medidas praticadas no cotidiano,
desde que a família seja instrumentalizada acerca de todos os procedimentos antes da sua
realização. Com isso, o seu envolvimento no processo de cuidar será mais eficiente, podendo-
se fazer uso de brinquedo terapêutico para a criança (quando a idade permitir), uma vez que se
a criança chorar menos o acompanhante sofrerá menos, consequentemente.
Embora reconheça que o acompanhante não está preparado para enfrentar a dor infantil,
a equipe não toma para si a responsabilização desse ato no ambiente hospitalar. Não é
apreendido pela equipe que a família deve ser convidada a participar do processo terapêutico
desde a admissão até a alta hospitalar. O acompanhante deve ser informado acerca do que
precisa ser realizado com a criança hospitalizada com antecedência para que possa se
posicionar a respeito de sua aceitação ou não na conduta (CONANDA- 1995). Para tanto, ele
precisa ser envolvido em todas as questões que permeiam o processo saúde-doença da
criança. De acordo com Côa e Pettengill (2006), o processo de aprendizagem no ambiente
hospitalar deve ser gradual, tendo em vista a vulnerabilidade que envolve a criança no
processo de hospitalização. Acreditamos que essa vulnerabilidade se estende à família, de
modo que se faz necessário dar ao binômio a oportunidade de participar das tomadas de
decisão no cotidiano assistencial, para que o mesmo desenvolva gradativamente sua
autonomia. Essa autonomia deve ser reconhecida pelas profissionais como forma de
envolvimento e não intervenção.
A concepção da negatividade no ACP em relação à participação da família durante a
hospitalização infantil, apontada no estudo, é absolutamente contrária ao modelo assistencial
pautado pela integralidade, que se constitui a partir da criação de vínculos, escuta qualificada,
relação-interação e autonomização, que buscamos construir. Portanto, esse processo precisa
ser repensado no cotidiano assistencial para que a permanência do acompanhante alcance os
objetivos pretendidos quando da instituição do ACP, quais sejam diminuir o sofrimento do
binômio durante sua estada hospitalar.
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
127
Ainda acerca das implicações da participação da família no cuidado à criança
hospitalizada emerge das falas um aspecto novo até o momento nesta pesquisa, o terceiro, a
saber, a perda da dimensão cuidadora da Enfermagem. A permanência do acompanhante no
ambiente hospitalar é uma realidade que se concretiza dia-a-dia. Sob essa ótica, a equipe de
Enfermagem deve buscar meios para realizar um cuidado compartilhado e negociado com a
família. A equipe precisa repensar seu processo de trabalho para que a presença da família
não represente simplesmente a possibilidade de diminuição da carga de trabalho profissional,
mas, de fato, um meio de fortalecer a criança durante a hospitalização. As profissionais
precisam utilizar instrumentos de trabalho que abarquem o binômio e suas necessidades que
surgem em cada situação particular, bem como buscar realizar um trabalho que apreenda o
objeto de cuidado ampliado, dando visibilidade ao desempenho da assistência na perspectiva
da integralidade.
Quando a equipe atribui à família, ainda que de forma implícita, a realização de
cuidados antes inerentes à sua prática profissional, pode estar se desresponsabilizando da
finalidade do seu processo de trabalho.
Uma das coisas que eu vejo a princípio (em relação a realização de cuidados
pela família) é muito a desvalorização do cuidado, [...] fazer o cuidado e aí
esse cuidado sem explicação sem orientação científica [...] ah então
qualquer um pode fazer, “se é pra fazer assim, então basta eu olhar, basta eu
olhar como é que faz, eu aprendo como é que faz e é suficiente” (E 03, E).
Diante do que temos estudado nessa clínica pediátrica, o cuidado não é negociado entre
equipe e família, mas naturalizado na prática assistencial. O acompanhante realiza os
cuidados que a Enfermagem não os faz e, ainda, reproduz a prática de outros acompanhantes,
pois a equipe acredita que a família sabe por que está no hospital e não busca apreender suas
necessidades. O depoimento retrata a necessidade da valorização do trabalho realizado pela
equipe de Enfermagem.
Mesmo quando a família realiza cuidados à criança, ainda que sejam cuidados
considerados simples, embora não acreditemos em atos em saúde simples, tendo em vista a
complexificação do processo saúde-doença conforme discutimos, ela precisa ser
instrumentalizada para enfrentar todo o contexto que permeia o trabalho vivo em saúde. É
importante que haja um delineamento do cuidado assistencial e que esse seja compartilhado
entre a equipe e a família no ambiente hospitalar. A família não pode acreditar que suas ações
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
128
dentro do hospital são simples, pois todos os procedimentos a serem realizados à criança
hospitalizada requerem conhecimento, capacitação, habilidade e flexibilidade de modo que
apreendam as necessidades da criança, bem como as suas próprias necessidades, pois são
também objeto de cuidado.
Se a enfermagem não se apropriar da importância do cuidado que atende às
necessidades singulares de saúde do binômio, pode estar contribuindo para a perda da
dimensão cuidadora que constitui o exercício profissional. Na clínica em estudo, a
permanência da família, na concepção da equipe, é quase sempre benéfica. Contudo, a perda
da dimensão cuidadora da Enfermagem tem sido apontada a partir do ACP.
[...] quando foi aberta a questão das mães terem o direito de acompanhar,
então aí eu acho assim que houve uma falha da nossa parte,
principalmente das coordenações de enfermagem da clínica [...] porque a
coisa foi ficando assim, é como se foi assim, relaxando... vamos dizer, a
mãe está presente, então a mãe é quem tem obrigação de fazer e eu acho
que não é por aí. Ela tem a obrigação de ajudar, mas a responsabilidade é
nossa. Eu acho que a coisa ficou muito assim a critério do acompanhante
e, muitas vezes, a mãe abre a boca e diz: “não porque o pessoal da
enfermagem não liga”, e a gente sabe que elas frisam muito isso: “sou eu
quem faz isso”, então eu acho que a gente da enfermagem deveria se
acordar pra isso, pra que a gente não deixasse a nossa responsabilidade
(no cuidado) (E 08, AE).
É importante repensar as questões que emergem da fala, uma vez que o ACP apareceu
como colaborador para que a enfermagem se eximisse da sua responsabilização profissional
de cuidadora e transferisse para a família tal condição. A presença do acompanhante deixou as
profissionais acomodadas quando da realização de cuidados, especialmente higiene, conforto
e alimentação. Embora a participação da família, como realizadora de cuidados, seja mostrada
como uma obrigatoriedade na clínica em estudo, a responsabilização profissional é destacada
como indispensável. É importante destacar que a família reconhece que a equipe não
compartilha as ações e as confere a ela. A Enfermagem precisa repensar sua concepção a
respeito do cuidado compartilhado, num moviment
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
129
transformações ocorridas no cotidiano da equipe com o ACP. A equipe de enfermagem
precisa entender que a presença da família como co-partícipe do cuidado não diminui a sua
responsabilidade no ambiente de trabalho, senão contribui para a realização do cuidado
ampliado, centrado nas singularidades do binômio.
Quando a equipe consegue identificar que a responsabilização profissional é
iminentemente necessária, emerge das falas o entendimento da importância da intervenção da
família nos cuidados a serem realizados pelas profissionais.
[...] um grande problema aqui é o limite do cuidado da enfermagem e o
limite do cuidado da mãe. Às vezes, as coisas tão se confundindo muito,
porque tá certo a mãe é responsável pela higiene. Mas, até que ponto ela
sozinha é responsável por isso, ela é responsável pelo banho de uma
criança no leito, até que ponto essa mãe sozinha ela é responsável por tá
mobilizando essa criança? E aí as coisas têm se confundido um pouco
[...] tem algumas mães que cobram porque é o direito delas cobrarem,
certos procedimentos, a gente sabe que é direito delas cobrarem, delas
conversarem, delas pedirem que o procedimento seja realizado e, às
vezes o pessoal diz: “ah, mais essa mãe é muito chata, essa mãe ela, ela,
ela cobra demais, ela pede demais, ela quer saber demais” né? Tem
algumas (profissionais) que a gente já ouviu o pessoal “ah, essa mãe
quer saber demais”. Não é que ela quer saber demais, é que é um direito
dela saber tudo o que está sendo feito com a criança o que é que vai ser
feito se tem um horário determinado e aí, porque é que tá sendo feito, e
não custa nada dizer, não custa nada explicar (E 03, E).
A falta de um projeto terapêutico coletivo específico para a clínica pediátrica em estudo
faz com que equipe e família não tenham um delineamento da dimensão dos cuidados que
devem ser compartilhados com a família no cotidiano e o processo de trabalho vai se
configurando a partir da vontade de cada profissional no seu horário de trabalho. Em certos
momentos a família é chamada a compartilhar o cuidado com a equipe e essa forma de cuidar
vislumbra a realização do cuidado-interação, na perspectiva da integralidade.
Com essas pessoas (que se envolvem no cuidado com a família) o que eu
tenho observado é que elas conseguem, talvez por serem mais
comunicativas ou não, elas conseguem estabelecer mais esse cuidado
com a mãe; as mães acabam decorando o nome das pessoas, acabam
tendo mais segurança. Tem algumas crianças que acabam tendo também
mais segurança com essas pessoas e pedem pra que essas pessoas,
quando elas tão no plantão, às vezes nem tão na enfermaria, mas às
vezes solicitam que elas façam procedimentos. Tem algumas mães que
chegam pra gente e perguntam quando é que vai estar no plantão,
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
130
quando é que vai estar e comentam que alguém que tava fez do jeito que
a outra tinha feito e aí a gente sente que quando essas pessoas estão de
plantão as mães sentem mais segurança, quando vai fazer qualquer
procedimento com a criança e aí acho que elas ficam mais à vontade pra
perguntar, pra saber como é que a coisa acontece, pra saber um pouco
mais da doença, mais dos procedimentos que vão ter que fazer alguma
coisa em casa, sempre que tem, se abre uma relação um pouco melhor,
principalmente de conversa, de informação (E 03, E).
Acreditamos que o envolvimento da família no cuidado é um meio de construção da
assistência compartilhada em que a família pode participar do cuidado de forma que se sinta
bem e não sobrecarregada e a equipe possa estar trabalhando consciente de que o seu trabalho
está assistindo ao binômio e buscando contemplar suas singularidades. A assistência que
vislumbra essa perspectiva contempla o objeto de cuidado ampliado e não se
desresponsabiliza da finalidade do seu processo de trabalho.
Ao passo que emerge das falas da equipe em estudo concepções controversas acerca das
implicações da participação da família no cuidado à criança hospitalizada para o trabalho da
Enfermagem, as mesmas atribuem à falta de qualificação, educação continuada e capacitação
profissional como algumas das razões para a desarticulação entre os trabalhadores na unidade
em estudo, junto ao binômio.
Eu acho que a sistematização ela tem que realmente ser implantada na
clínica. [...] se tivesse uma forma organizada (de trabalho) teria condições,
agora pra isso também teria que os auxiliares de enfermagem passassem por
um treinamento rigoroso (E 07, E).
A sistematização da assistência de enfermagem é reconhecida como um meio de
organização o trabalho, mas que ainda precisa ser trabalhada pela equipe, no que tange à
qualificação e capacitação de pessoal.
[...] eu digo desde que eu cheguei aqui: gente, vocês que são professoras
dêem curso pra gente, não custa nada, entendeu? Olha: ”hoje vai ter um
curso disso, vou falar dessa doença, eu gostaria que tivesse mais isso pra
gente, porque a gente não tem condições financeiras de tá fazendo cursos e
cursos [...] aí eu gostaria que vocês, (enfermeiras) que estudam que tem os
conhecimentos começa a dar umas aulinhas a gente, que eu venho tranqüilo.
Olha, hoje vai ser, tal dia vai ter uma aula de num sei o quê (E 10, AE).
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
131
Uma das necessidades da equipe está relacionada à falta de educação permanente, com
enfoque nas características do trabalho da própria clínica. A equipe acredita que com grupos
de estudo com enfoque no processo de trabalho local, a organização do trabalho apontaria
mudanças na assistência. A falta de um fio condutor que direcione a equipe no cotidiano
conduz à fragmentação dos atos, enquanto que a organização e sistematização da assistência,
balizadas pelas singularidades do trinômio equipe-criança-família, assinalam a busca da
integralidade. Para tanto, a capacitação e qualificação profissional devem iniciar desde a
academia, pois não há durante a formação curricular, momentos de reflexão acerca da
complexidade da assistência à criança hospitalizada, sobretudo, a respeito da participação do
acompanhante durante o processo de hospitalização. De acordo com Martinez, Fonseca
e
Scochi (2007), a formação dos profissionais, no geral, centra-se na fisiopatologia. Segundo
Rocha et al. (1999), o enfermeiro deve ter conhecimento aprofundado e específico na
pediatria para desempenhar um trabalho voltado às singularidades da infância, buscando
apreender sua subjetividade e vivenciar relações interpessoais com a família pautada pela
negociação do cuidado equipe-família.
Diversos aspectos a respeito das implicações/conseqüências da participação da família
para o trabalho da Enfermagem foram apontados e discutidos nesse capítulo, quais sejam, a
participação da família é benéfica quando realiza cuidados à criança; é incômoda quando,
apesar de cuidar, questiona a equipe acerca do que as profissionais realizam com a criança
durante o internamento infantil, sobretudo os procedimentos dolorosos; o modo como tem se
efetivada a participação da família contribui para a perda da dimensão cuidadora da
enfermagem. A partir dessa discussão, a falta do delineamento da dimensão da participação da
família emerge como importante elemento na organização tecnológica do processo de
trabalho da enfermagem pediátrica. Entendemos ser importante o envolvimento da família no
processo de cuidar, desde que seja instrumentalizada e sinta-se segura. Para Lunardelo (1998),
essa participação, muitas vezes, é vista pelos enfermeiros a partir de uma perspectiva
funcional e imediatista. Assim, as relações entr
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados
132
O processo de trabalho da clínica em estudo evidencia um modelo assistencial que não
tem dado conta de atender ao binômio criança-família na perspectiva cuidado centrado no
usuário.
A inserção do acompanhante no ACP não representa necessariamente que ele é um
cuidador na instituição, sobretudo porque a família vivencia um momento de rupturas
promovido pelo adoecimento e hospitalização da criança. São momentos de sofrimento,
angústia, além de uma total desorganização do cotidiano, na ótica de Othero e Carlo (2006).
No entanto, pode estar sendo envolvida na prática assistencial como co-partícipe do cuidado,
com prévia negociação com a equipe e até com a própria criança quando sua idade,
desenvolvimento e condições de saúde lhes permitir.
A enfermagem não pode se eximir de seus afazeres e de sua responsabilização
profissional devido à presença do acompanhante. É necessário que a mesma identifique como
a presença da família tem influenciado a especificidade da profissão, para que com o passar
dos anos não perca a compreensão da finalidade do seu processo de trabalho.
_____CONSIDERAÇÕES FINAIS_____
Considerações Finais 134
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão das concepções da equipe de enfermagem na assistência à criança
hospitalizada e à sua família foi o fio condutor dessa pesquisa. Os resultados encontrados
suscitam a necessidade de reflexão acerca do seu processo de trabalho na unidade em estudo.
O modo como está organizado o processo de trabalho da enfermagem em pediatria, na
unidade em estudo, é um fator deveras importante para podermos relacionar os determinantes
sociais e culturais que têm influenciado a equipe de enfermagem a tomar a posição que tem
tomado nas relações interpessoais com o binômio criança-família no ambiente hospitalar.
Pesquisadores têm realizado estudos nas variadas organizações de trabalho em saúde
com intuito de apreender o delineamento desses trabalhos e também contribuir para a
constituição do processo de trabalho organizado na perspectiva da atenção às necessidades
ampliadas de saúde.
Embora pesquisadores desde 1990 tenham aprofundado seus estudos para apreender as
repercussões do ACP para o trinômio equipe-criança-família, buscando fornecer subsídios que
fortaleçam tal prática assistencial, o cotidiano do trabalho vivenciado na prática pela
enfermagem e binômio criança-família é tangencial à proposta do ACP.
No cotidiano assistencial a família tem sido partícipe do cuidado, na condição de
agente do cuidado. De modo geral, tem se responsabilizado por uma diversidade de cuidados,
a saber, banho, higiene, alimentação, conforto, administração de medicação oral, tópica,
mudança de decúbito, organização e arrumação de leito até mesmo procedimentos mais
invasivos como dieta por sonda, ou ainda aqueles, que de acordo com a literatura, são
pertinentes à prática profissional da enfermagem. Entretanto, os procedimentos realizados no
âmbito hospitalar são complexos e exigem conhecimento e habilidade para a sua realização no
cotidiano. Quando não o são, assim se complexificam tendo em vista as condições adversas
que permeiam o processo saúde-doença. Além disso, a condição do familiar como agente do
cuidado não tem sido negociada no cotidiano pela equipe com a família, mas imposta e, nesse
aspecto, a enfermagem não tem levado em consideração as condições ou o desejo da família
em fazer tais procedimentos.
O processo de trabalho da clínica em estudo tem se organizado numa prática em que a
participação da família é entendida pelas profissionais como continuidade dos cuidados
domiciliares. A esse respeito vale ressaltar que as crianças hospitalizadas, estão muitas vezes
Considerações Finais 135
sob o uso de cateteres, sondas, curativos, punções venosas periféricas ou profundas, e esses
aparatos complexificam os cuidados, mesmo os mais simples, realizados rotineiramente no
cotidiano, mas que, no hospital, assumem outra dimensão. Alimentar, banhar, mobilizar, vestir,
arrumar uma cama podem ser tarefas simples desde que a criança não esteja com as
características supracitadas e a família esteja em condições, físicas e emocionais, de realizá-las.
A equipe de enfermagem tem entendido que seu trabalho, sobretudo após o ACP, tem
se resumido à administração de medicamentos parenterais e, em alguns casos, realização de
cateterismos e curativos. A enfermagem não tem se dado conta de assistir ao binômio e atribui
a fragmentação da assistência à falta de recursos materiais, infra-estrutura institucional,
sobrecarga de trabalho inerente, via de regra, a outras categorias profissionais.
Na concepção da enfermagem todas as questões que não são resolvidas no cotidiano
devido à ausência de um profissional não médico, quais sejam, psicólogos, assistentes sociais,
nutricionistas, são atribuídos à sua responsabilidade e esse fato gera sobrecarga para a equipe
de enfermagem. As profissionais acreditam que, responsabilizar-se por ações como controlar
as dietas das crianças, dar apoio psicológico e emocional, resolver problemas que envolvem
questões sociais, falta de documentos, transporte para alta, é uma atitude que vai além das
suas atribuições profissionais. As mesmas não conseguem, ainda, contemplar a necessidade
das articulações e conexões entre os diversos saberes em saúde visando realizar um cuidado
ampliado, para além das ações individualizadas. É importante lembrar que o trabalho em
saúde acontece em meio a uma divisão social e técnica do trabalho, influenciada pela
ideologia predominante em cada período da história, estabelecendo as atribuições por
categorias profissionais, cuja interação na prática cotidiana se faz de forma fragmentada.
Na unidade em estudo, as profissionais entendem que realizam um trabalho coletivo e,
embora seus depoimentos iniciais apontem para um trabalho dessa natureza, revelam que a
prática cotidiana se dá a partir da justaposição de tarefas, característica da equipe do tipo
agrupamento. Portanto, o modelo assistencial continua fragmentado e desarticulado, em que
cada membro da equipe exerce as funções que acredita ser pertinente à criança no horário do
seu plantão. Em seus relatos a equipe reconhece suas carências, mas não apresenta um
movimento de mudanças, senão ações isoladas balizadas no modelo biomédico e centradas na
doença e em procedimentos, quando muito na criança, mas não no binômio.
A família é vista quase sempre como uma realizadora de cuidados. A partir do
momento em que deseja intervir na assistência, tomar parte nas decisões, é vista como um
óbice no cuidado. Na assistência as situações que envolvem o diálogo e emergem das falas
Considerações Finais 136
são pontuais e superficiais, não havendo na práxis profissional relações interpessoais
profundas entre equipe de enfermagem e binômio. Além disso, o diálogo quando apontado se
resume, muitas vezes, à informação de mão única em que a família não tem espaço para
questionar a respeito de suas dúvidas cabendo-lhe aceitar o que lhe é imposto.
Esse modo de organização do processo de trabalho tem feito com que a enfermagem,
venha gradativamente, se eximindo de seus afazeres e impondo de maneira, muitas vezes,
implícita, suas tarefas ao acompanhante. Essa característica do trabalho pode desencadear um
processo de perda da dimensão cuidadora da enfermagem. O processo de trabalho da
enfermagem pediátrica precisa centrar seu cuidado nas necessidades do binômio, por meio da
construção de vínculos e assistência compartilhada.
A concepção da enfermagem acerca do processo de trabalho cuja família é tratada
como agente de cuidado e não como objeto de cuidado, deve ser superada. Nesse sentido,
deve-se buscar construir um delineamento da participação da família no cuidado de forma que
essa seja envolvida no processo de cuidar e também ser tomada como objeto a ser cuidado. A
enfermagem pediátrica precisa se apropriar dos elementos de seu processo de trabalho, na
perspectiva do cuidado ampliado. Apontando para a necessidade de incorporar novos
instrumentos de trabalho no cuidado, esses precisam ser pautados nas tecnologias leves do
cuidado, quais sejam, cuidado centrado no usuário, responsabilização conjunta, criação de
vínculos, escuta qualificada, para dar conta de assistir ao seu objeto ampliado de cuidado, o
binômio criança-família e, assim, atingir a finalidade do seu processo de trabalho, a
assistência às necessidades ampliadas de saúde.
Os empecilhos para o cuidado integral apreendidos nesta pesquisa, estão relacionados
à precarização institucional, escassez de material, sobrecarga de trabalho atribuído ao
desenvolvimento de atividades de outras categorias, bem como ao delineamento da dimensão
da participação da família no cuidado à criança hospitalizada. Estes precisam ser revistos pela
equipe de enfermagem que atua na clínica em estudo, a partir da construção de um projeto
terapêutico coletivo que contemple as necessidades do binômio e da equipe.
Ademais, a família deve ser co-partícipe do cuidado, este negociado em cada situação
em particular, por meio de uma relação de parceria com a equipe, promovendo assim sua
autonomia. Contudo, a enfermagem não pode se desresponsabilizar em nenhum momento do
cuidado, pois, mesmo quando executado pelo acompanhante, a responsabilização é das
profissionais.
Considerações Finais 137
A inserção do acompanhante no ambiente hospitalar trouxe, além de novas demandas
para o cuidado à criança, repercussões para o processo de trabalho da enfermagem pediátrica.
Na clínica em estudo, as concepções da equipe de enfermagem acerca da participação da
família no cuidado à criança e as implicações para a sua prática profissional revelaram três
diferentes aspectos, a saber, o reconhecimento da importância da participação da família para
o trabalho da enfermagem, quando o acompanhante ajuda nos cuidados; a família como óbice
no cuidado em situações nas quais as profissionais se sentem invadidas; a perda da dimensão
cuidadora representada pelo reconhecimento das profissionais de que a participação da
família, na quase totalidade dos cuidados à criança, contribui para que a enfermagem se
desresponsabilize do seu exercício profissional.
A equipe reconhece que o modo como está organizado o processo de trabalho ainda não
superou o modelo tradicional de assistência e, para tanto, aponta a necessidade de refletir acerca
desse trabalho e da implantação da educação permanente no serviço. A falta de articulação e
conexão entre os saberes profissionais tem contribuído para a fragmentação da assistência e para a
falta de encontros entre profissionais-profissionais e profissionais-família. Tais encontros podem
possibilitar a superação do modelo centrado nas tecnologias duras e leve-duras do cuidado para o
alcance do cuidado ampliado. Portanto, entendemos que a partir de encontros que contemplem
essas articulações e conexões, quando pautados pelas tecnologias leves do cuidado, tendo como
pano de fundo a construção do projeto terapêutico coletivo, a equipe em estudo estará se
instrumentalizando para construir uma organização tecnológica do trabalho na perspectiva da
integralidade.
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148
______________APÊNDICE I______________
149
ROTEIRO DA ENTREVISTA
I - Caracterização dos sujeitos da pesquisa:
Categoria profissional:
Tempo de experiência profissional no local em estudo:
Sexo:
Idade:
II – Questão:
O que você “pensa” sobr1 oOr eNsuestênci( )TJ0.00031 Tc -0.00031w -w559.0-621216500 Tda cgornzaa hoes
150
______________APÊNDICE II____________
151
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezada Colega,
Eu, Erika Acioli Gomes Pimenta, mestranda do Programa de Pós-Gradução em Enfermagem,
do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa: Políticas e
Práticas em Saúde e Enfermagem pretendo desenvolver uma pesquisa intitulada: Concepções da
Equipe de Enfermagem Acerca do Processo de Trabalho no Cuidado à Criança Hospitalizada e à sua
Família, cujo objetivo geral é: compreender como está organizado o trabalho da prática assistencial da
enfermagem no cuidado à criança hospitalizada e à sua família, na pediatria do Hospital Universitário
Lauro Wanderley- HULW.
Por este motivo, solicito a sua participação como colaboradora, por meio de uma entrevista
semi-estruturada, bem como a autorização para gravar a entrevista. Informo que, o seu anonimato será
mantido e a sua privacidade assegurada durante todas as fases da pesquisa, bem como lhe é garantido
o direito de desistir a qualquer momento da coleta de dados sem ônus algum. Ressalto que as
informações colhidas, após análise farão parte da minha dissertação de mestrado, podendo ser
divulgadas em eventos científicos, periódicos e outros conclaves a nível nacional e/ou internacional.
Agradeço antecipadamente a sua atenção e colaboração, o que possibilitará a realização desta
pesquisa.
Erika Acioli Gomes Pimenta
Eu, _____________________________________________________, diante do exposto, declaro que
fui devidamente esclarecida acerca da pesquisa, estando ciente dos objetivos, bem como o direito de
desistir a qualquer momento com a liberdade de tirar o consentimento sem que traga qualquer prejuízo
a minha pessoa. Dou o meu consentimento para participar desta pesquisa e para a gravação e a
publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento, assinado por mim e
pelas pesquisadoras.
João Pessoa, ___/___/______
____________________________________
Assinatura
152
________________ANEXO________________
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