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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
LANA PATRICIA DE LEMOS ALVES
“A GENTE PRECISA É TRABALHAR”
SER CRIANÇA NAS POLÍTICAS DIRIGIDAS ÀS CRIANÇAS
BELÉM
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
LANA PATRICIA DE LEMOS ALVES
“A GENTE PRECISA É TRABALHAR”
SER CRIANÇA NAS POLÍTICAS DIRIGIDAS ÀS CRIANÇAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Serviço Social, da Universidade
Federal do Pará, Centro Sócio-Econômico,
para obtenção do título de Mestre em Serviço
Social. Área de concentração: “Serviço Social,
Potica Social e Cidadania”. Linha de
pesquisa: Serviço Social, Gestão de Poticas
e Direitos Sociais”.
Orientadora: Professora Doutora Maria Antônia Cardoso do Nascimento.
BELÉM
2007
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____________________________________________________________________
301
A48g ALVES, Lana Patricia de Lemos
“A gente precisa é trabalhar”: ser criança nas poticas dirigidas às crianças/Lana
Patricia de Lemos Alves; orientação Prof. Dra. Maria Antônia Cardoso do Nascimento
Belém, 2007.
Dissertação de Mestrado – Centro Sócio Econômico, Universidade Federal do Pará, 2007.
1. POLÍTICAS PÚBLICAS 2. CRIANÇAS – assistencialismo 3. SOCIALIZAÇÃO
4.EDUCAÇÃO INFANTIL 5. DESIGUALDADE SOCIAL I.TITULO
___________________________________________________________________
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
LANA PATRICIA DE LEMOS ALVES
“A GENTE PRECISA É TRABALHAR”
SER CRIANÇA NAS POLÍTICAS DIRIGIDAS ÀS CRIANÇAS
Banca Examinadora
Profª. Dr. Maria Antônia Cardoso do Nascimento
Às crianças “presentes” nestas tramas, que
emprestaram à autora a possibilidade de
reconhecer que nós adultos, com o passar do
tempo, nos transformamos cruelmente em seres
alienados do mundo da criança.
AGRADECIMENTOS
O agradecimento é maneira que tenho para dizer e demonstrar toda a minha
gratidão por poder contar com uma porção de gente bacana que vive na minha rede de
sociabilidade. Sem vocês, as coisas ficariam muito difíceis de acontecer.
Em especial quero agradecer minha orientadora, professora Maria Antônia
Nascimento, pela confiança e respeito as minhas possibilidades e limitações. A voMaria,
toda a minha reverência e admiração.
Ao professor Alfredo Wagner que foi quem me orientou no curso de
especialização em Pesquisa e Gestão de Políticas Governamentais Dirigidas à Família, à
Criança e ao Adolescente. Suas palavras dizendo que eu deveria parar de escrever naquele
momento e continuar no mestrado foram mágicas e permitiram acreditar na possibilidade de
hoje poder estar aqui.
Aos professores da banca examinadora que, com respeito, carinho e sabedoria
transformaram o momento da angustia em um belo ritual de passagem.
Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.
Aos professores do curso pela socialização de conhecimento e carinho.
Aos colegas do curso que contribuíram imensamente com minha formação.
Principalmente minhas amigas do coração, Eli Texeira, Ivete Ferreira e Rosiane Souza.
A minha filha Thâmis que sempre consegue influenciar na minha forma de ver o
mundo e o outro. Para sempre estarei contigo.
A minha família em especial a minha mãe Oneide, que sempre me apoiou nas
investidas educacionais; aos meus iros e cunhadas; ao Kauã novo membro da família e ao
meu querido pai Argemiro Lemos (in memoriam) que até hoje me emociona por ter lutado
demasiadamente em prol de nossa felicidade.
Ao meu querido Rinaldo Oeiras pela tranqüilidade, cuidado e reflexões acerca das
questões da vida. “Você me dá sorte na vida”.
Para as amigas de alma e de coração, Raimunda Monteiro, Isa Santos e Edy Joy
Nascimento.
A uma porção de gente bacana e especial, Sandra Maués, Maria José Torres, Lenir
Holanda, Regina Nóbrega, Ana Rodrigues, Simone Aflalo, Célia Borges, Ana Herculano,
Jasonn Cardoso, Izabel Souza, Ruth Helena Oliveira, Marlour Corrêa, Amanda Oliveira,
Paulo Cordeiro, Elizabeth Castro, Verônica Marques, Sandra Cruz, Larissa Borges, Ingrid
Van Der Ven, Iêda Luduvina e Marilene Valente
A atitude de recomeçar é todo dia, toda hora.
(Gonzaguinha)
E ao final de nossas longas explorações
chegaremos finalmente ao lugar de onde
partimos e o conheceremos então pela primeira
vez.
(T. S. Eliot)
ALVES, Lana Patricia de Lemos. “A gente precisa é trabalhar”: ser
criança nas poticas dirigidas às crianças
RESUMO
Este estudo trata da Política de Assistência à Criança durante a gestão do “Governo do Povo”,
na cidade de Belém do Pará no período 1997 a 2004, a partir da análise do processo de
socialização das ações direcionadas às crianças atendidas nos equipamentos socioassistenciais
da Fundação Papa João XXIII – FUNPAPA. No intuito de apreender em que medida as ações
sócio-pedagógicas desenvolvidas na instituição se constituíram como potica de
enfrentamento ao paradigma clássico de formação de crianças, baseado no imperativo
reformista da moralidade e da cultura da educação para e pelo trabalho. Paradigma que reflete
os desideratos do modo de produção capitalista, referendando o trabalho como principal
regulador das relações sociais e influenciando a estruturação de políticas públicas voltadas
para formação de agentes alienados e adaptados a um processo de sociabilidade onde a
desigualdade social se estabelece de forma naturalizada.
Palavras-chave: poticasblicas, crianças, socialização, educação para e pelo trabalho e
desigualdade social.
ALVES, Lana Patricia de Lemos. “A gente precisa é trabalhar”: ser
criança nas poticas dirigidas às crianças
ABSTRACT
This study treats about the Politics of Attendance to Children during the administration of the
"Governo do Povo", in the city of Belém of Pará, in the period from 1997 to 2004, starting
from the analysis of the process of socialization of the actions for children assisted in the
equipments social work of the Foundation Papa João XXIII - FUNPAPA. In the intention of
learning, in that measured the social-pedagogic actions developed in this institution were
constituted as confronts politics to the classic paradigm of the children's formation, based on
the imperative reformist of the morality and education culture for and for the work. This
Paradigm reflects the desideratum in the way of capitalist production, that it countersigns the
work as main regulator of the social relationships and it influences the structuring of public
politics returned for alienated agents' formation and adapted a sociability process where social
inequality establish in a naturalized way.
Key words: public politics, child, socialization, education for and for the work and social
inequality.
LISTA DE SIGLAS E ABREVEATURAS
ABONG Associão Brasileira de Organizações Não Governamentais
ABRINQ Associação dos Fabricantes de Brinquedo do Brasil
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior
CEDECA Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
DRT Delegacia Regional do Trabalho
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ENC Escola Nacional de Circo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPAMB Instituto de Previdência e Assistência do Município de Belém
FUNPAPA Fundação Papa João XXIII
FUNBEL Fundação Cultural de Belém
GRAMA Grupo de Apoio ao Meio Ambiente
GEPIA Grupo de Estudo e Pesquisa da Infância e Adolescência
GIT Grupo de Iniciação ao Trabalho
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PESR Projeto Educação Social de Rua
PNAS Plano Nacional de Assistência Social
PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar
PBFE Programa Bolsa Familiar para Educação
SEMEC Secretaria Municipal de Educação
STERBRAS Serviço Institucional da Área de São Brás
SESMA Secretaria Municipal de Saúde
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFPA Universidade Federal do Pará
LISTA DE FOTOS
- Meninos do Projeto Picolezeiro aguardando o abastecimento dos produtos de venda, 76.
- Meninos do Projeto Jornaleiro, aguardando para serem levados aos pontos de venda de
jornal, 78.
- Meninos e meninas em atividade de avaliação, 88.
- Manuel Silva (mano silva), instrutor da oficina de perna de pau, preparando uma criança
para apresentação, 90.
- Meninos da oficina de monociclo em apresentação na Praça da Republica, 91.
- Apresentação da Oficina de Comicidade, 93.Meninos envolvidos na montagem da primeira
lona do projeto, 96.
- Atividade de socialização com a participação das famílias, 109.
- Oficina de Comunicação – Estúdio da Rádio Cultura FM, 110.Crianças e adolescentes em
organização para atividade de visita cultural, 111.Crianças chegando à Granja Modelo, 112.
SUMÁRIO
I. Introdução.......................................................................................................... 11
II – Crianças e contextos: léxicos para o debate........................................21
2.1. O desenho da trama: uma fala desinteressada.......................................................21
2.2. O desiderato: agente precisa é trabalhar ...............................................................23
2.3. Educação para e pelo trabalho...............................................................................26
2.4. A noção de socialização........................................................................................29
2.5. Culturas que balizam a atenção à criança..............................................................31
III – Assistência à criança: recortes de uma sociabilidade negada.......34
3.1. Socialização pelo trabalho infantil doméstico, sujeição e favor........................... 37
3.2. Socialização pelo adestramento cultura.................................................................41
I. INTRODUÇÃO
Um trabalho de investigação inscreve-se sempre
numa história de vida. Podemos-nos interrogar
sobre a profundidade ou sobre a extensão dessa
relação, mas dificilmente podemos afirmar que
ela não existe.
(CHAVES, 2002, p.13)
Os emergentes estudos concernentes à infância disponíveis no campo do serviço
social, demonstram visibilidade à infância enquanto grupo social e às crianças enquanto
agentes sociais, seres capazes de contribuir nos processos de sociabilidade dos quais estão
envolvidos, ultrapassando compreensões conservadoras, nas quais as crianças são percebidas
como seres incompletos, dependentes e incapazes.
Essas novas contribuições científicas ressaltam que as crianças são sujeitos e
agentes na construção de suas histórias de vida, parceiras interventivas nas vidas daqueles
com quem interagem e construtores dos mundos sociais em que se movimentam, sendo estes
processos, materializados na interação entre as crianças e entre as crianças e os adultos,
mormente, na casa, na escola, na rua, e nos outros espaços por elas freqüentados.
Compartilhando dessa compreensão, este estudo trata da Potica de Assistência à
Criança
1
durante a gestão do “Governo do Povo”
2
, na cidade de Belém do Pará, no período
de 1997-2004, a partir da análise do processo de socialização construído junto às crianças
atingidas pelo Projeto Escola Circo e Projeto Sementes do Amanhã. Projetos
socioassistenciais coordenados pela Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA), órgão
governamental responsável pelo incremento da Potica Municipal de Assistência Social nesta
cidade.
1
Política relacionada à Política de Assistência Social do Município de Belém, a qual será tratada considerando
sua especificidade de atendimento à criança, no entanto, sem desconsiderar a dimeno de seu campo relacional.
2
Denominação indicativa da gestão da Coligação Frente Belém Popular composta na gestão de 1997 a 2000 pelo
Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Socialista Brasileiro (PSB), e
Partido Popular Socialista (PPS).
No intuito de apreender, em que medida, os projetos desenvolvidos pela
FUNPAPA, nos espaços onde a arte e o lúdico foram o mote da socialização das crianças
atendidas, fundamentada numa perspectiva progressista de formação por meio da inclusão, da
participação e do controle social, se constituiu como poticas de enfrentamento ao paradigma
clássico de formação de crianças, baseado no imperativo reformista, da moralidade e da
cultura da educação para e pelo trabalho. Padrão este, que desde a constituição da FUNPAPA
foi amplamente disseminado por meio de seus programas, projetos e serviços.
Paradigma que, historicamente, tem se constituído delineador das poticas
desenvolvidas nos espaços de socialização freqüentados por crianças oriundas de famílias
atingidas negativamente pela política ecomica mundial, que vem sendo implementada no
país ao longo de sua história, desconsiderando as diversidades culturais, sociais, étnicas das
populações em suas territorialidades. Políticas que fragilizam as famílias de forma perversa,
dentre as razões pode-se relacionar o antagonismo da relação capital e trabalho e a
naturalização da desigualdade social.
As abordagens que utilizam a socialização como categoria analítica tem servido, em
certa medida, aos estudos cujo julgamento da infância pode aparecer num plano descritivo,
podendo resultar numa forma verticalizada de análise, sem referendar as contribuições que as
crianças, enquanto agentes sociais, podem dimensionar na forma de compreender os espaços por
elas freqüentados. Entretanto, outras abordagens inscrevem-se na posição de diminuir essa forma
de compreensão. “Trata-se de inverter a proposição clássica, não de discutir o que produzem a
escola, a família ou o Estado, mas de indagar sobre o que a criança cria na inserção de suas
instâncias de socialização (SIROTA, 2001, p 32).
Assim, considerando a questão dos reducionismos conservados em diversas
análises, sabe-se que os estudos e as discuses a respeito dos processos de socialização são
imprescindíveis quando se estuda poticas direcionadas às crianças, pois podem ajudar na
apreensão das concepções de infância e de crianças presentes nas poticas, pelos reflexos das
ações, valores, conceitos, saberes, culturas e linguagens.
Nesse sentido, a socialização pode ser definidora de projetos sócio-pedagógicos mais
ou menos conformadores, mais ou menos coercitivos, inclusive em relão à dimensão corporal,
pois “no corpo estão inscritos todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma
sociedade específica, por ele ser o meio de contato primário do indivíduo com o ambiente que o
cerca” (DAOLIO, 1995, p. 39).
Durante as aulas, instigada pelos professores (as) compreendi a necessidade de
não ignorar as questões que se relacionam por vários aspectos com o objeto analisado. Dentre
eles, Nascimento
3
referenciava a dimeno racialtnica como um dos elementos imbricado na
constituição das relações sociais. Assim, mesmo que analisado de forma transversal, poderia
subsidiar a compreensão dos condicionantes que alicerçam a estrutura do pensamento
dominante, delineando a formatação das poticas públicas implementadas nos diferentes
territórios do país. Assim também, para compreender a estrutura de atendimento baseado
na formação para e pelo trabalho, o estudo esquadrinhou a rede de sociabilidade pela qual as
crianças, das camadas populares, foram sendo inseridas ao longo do processo civilizatório do
país. Assim, ficou evidente que seria necessário entender não somente o processo vivenciado
durante a gestão do “Governo do Povo”, mas apreender os fundamentos que norteiam as
práticas dos diversos cenários e espaços formativos freqüentados por crianças.
A historiografia da criança no Brasil forneceu o caminho para conhecer a
realidade constrda em torno da vida de milhares de crianças brasileiras. Da chegada dos
Jesuítas, em 1549, até a Política de Atenção à Criança executada em Belém do Pará, muitas
foram às questões que estiveram alicerçando e margeando a estrutura de poder constrda por
dentro das instituições a partir das abordagens tradicionais, que ainda hoje, tentam naturalizar
3
Cf. Professora Maria Antônia Cardoso do Nascimento que ministrou no curso a disciplina Família, Infância,
Adolescência e Juventude.
a idéia de que crianças são seres desprovidos de desejos, incapazes de serem propositivas,
criaturas frágeis. Condição que parece marcar o limite de sua participação nas decisões sobre
as questões que lhes dizem respeito.
Diante da perspectiva de conciliar os direitos socioassistenciais, direito à arte, ao
lúdico, por meio de uma socialização positivada no fortalecimento de um desenvolvimento
humano harmonioso, e, partindo do princípio de que a arte e o lúdico possuem dimensões
formadoras, que vê o ser humano na sua totalidade, levanta-se a hipótese de que nos processos
de socialização no qual a arte e o lúdico (teatro, dança, artes plásticas, circo, capoeira, música,
fotografia, brincadeiras, passeios) são priorizados, pode ocorrer significativa formação dos
agentes sociais envolvidos, pelo fomento de hábitos e valores com referência à cidadania.
No campo da Potica de Assistência Social, as estratégias de socialização são
desenvolvidas por meio dos programas, projetos, serviços direcionados aos usuários da
potica: crianças, adolescentes, jovens, mulheres, portadores de deficiências e idosos,
identificados geralmente pelas poticas públicas como vulneráveis ou em situação de risco
social, por estarem excluídos de um conjunto de direitos humanos e espoliados das riquezas
acumuladas socialmente. Porém, nas ações direcionadas especificamente às crianças, podem
ser introduzidos desde cedo ritos ideológicos de ajustamento a um sistema de valores, através
da corporificação de regras sociais perversas aos direitos sociais.
Na sociedade ocidental, historicamente, a situação de crianças apresenta
indicadores sociais considerados nefastos, pautados principalmente pelo autoritarismo e
desrespeito aos direitos sociais e às necessidades características desses agentes. Assim, Zaluar
(1994) questiona a dificuldade das poticas sociais não se caracterizarem pelas expressões de
vanguarda, tendo em vista um considerado acúmulo de estudos já disponíveis na área da
inncia.
Contradição vista no Brasil, revelada pelo arsenal de programas, projetos e
serviços imbuídos das concepções que privilegiam as orientações pautadas pela lógica do
mercado, sobretudo, quando enveredam suas práticas na preparação de seus usuários para o
mundo do trabalho.ões que geralmente descuidam de favorecer outras demandas humanas
e sociais, revelando, de tal forma, as práticas fragmentadas que são direcionadas à formação
dos agentes sociais.
Existe consenso entre estudiosos da área da infância, quando compreendido que a
formação humana saudável requer uma composição de elementos que perpassam por diversas
necessidades e áreas do desenvolvimento humano: a afetividade constrda no espaço familiar
e comunitário; o contato com o lúdico, com a arte, com o ócio e o lazer; o processo de
escolarização; a interação com pessoas e ambientes. Marcando desta forma, o provimento de
necessidades peculiares para uma existência harmoniosa, incluindo de forma articulada com
as demais e não prioritária, a formação para o trabalho. Sendo de fundamental importância a
sensibilidade de potencializar a participação destes agentes nos processos de tomadas de
decisões, principalmente sobre os temas que lhes afetam.
A Política de Assistência Social lançada na cidade de Belém, no ano de 1997, que
perdurou até 2004 (duas gestões), pontuava a urgência da inversão de práticas consideradas
danosas à formação de sujeitos críticos. Situada nesta perspectiva, as ações desenvolvidas
diretamente
4
pela FUNPAPA, fundadas pela lógica do trabalho, foram substituídas por
projetos sócio-pedagógicos, pela arte e pelo lúdico.
Antes de prosseguir na discussão, é importante salientar que esse estudo é, ao
mesmo tempo, analítico e testemunhal, e talvez apareçam as marcas características, inerentes
a cada um destes tratamentos. Como análise careceria, com certeza, de um estranhamento
4
Além da execução direta a FUNPAPA tem como função coordenar a Rede Socioassistencial do município de
Belém, que reuni ONG’s (Organizações não Governamentais) que complementam as ações de assistência social
no município. Entre 1997 a 2004 esta Rede foi composta por 90 ONG’s conveniadas, que recebiam recursos
financeiros mensalmente.
maior e da perspectiva temporal que poderia permitir melhor qualidade na interpretação do
processo analisado. Como testemunho, carrega o sinal do não distanciamento, como a de
quem observa “de fora” a trama desenvolvida. Marcas que só puderam ser minoradas a partir
da interlocução com os autores pesquisados e as trocas em sala de aula.
Durante a gestão do “Governo do Povo”, estive coordenando por seis anos uma
das ações de governo, denominada Projeto Escola Circo”. Projeto que tinha como objetivo
contribuir com a formação de crianças, adolescentes e suas famílias, espaço onde as artes
circenses davam o tom das atividades sócio-pedagógicas e referendava uma das ações de
significativa visibilidade da Política de Atenção à Criança na cidade de Belém, além de
também, se constituir como referência em âmbito nacional
5
pelas práticas desenvolvidas com
as crianças.
No entanto, minha trajetória no quadro burocrático-administrativo da Prefeitura de
Belém, iniciou um ano antes de assumir a coordenação do Projeto Escola Circo. Foi em março
de 1996
6
, quando fui nomeada ao cargo efetivo de pedagoga da FUNPAPA, sendo lotada na
Unidade de Atendimento Especializado ao Adolescente Nossa Oficina
7
.
Naquela ocasião não tinha a dimensão do trabalho que iria realizar na instituição,
visto que no curso de pedagogia
8
não tive a oportunidade de estudar o ambiente não escolar, e
aquele, era o meu primeiro trabalho fora do espaço escolar. Todavia, baseada na compreensão
de que a educação é uma contínua construção e reconstrução de saberes, os quais são
experimentados em diversos espaços de socialização, foi bastante tranqüila a minha entrada
no espaço.
5
Este projeto participou de prêmios em âmbito nacional: Prêmio Prefeito Criaa da Fundação Abrinq,
auxiliando junto com outras ações na conquista para Belém do prêmio Prefeito Criança; foi o único projeto
governamental a ser contemplado com recursos financeiros do Programa Criança Esperança, parceria da Rede
Globo e UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância); foi eleito um dos cinco melhores Projetos Sociais
de Escolas de Circo do Brasil, pela Escola Nacional de Circo – ENC/ Ministério da Cultura; dentre outras
premiações.
6
Na gestão do Prefeito Hélio da Mota Gueiros.
7
Espaço extinto durante a gestão do “Governo do Povo”. Atualmente funciona a Fundação Cultural de Belém -
FUNBEL
Por outro lado, algumas atividades, a exemplo das oficinas, eram realizadas com a
similaridade de uma escola: havia educandos, educadores, inquietude na sala, conteúdos
programáticos, avaliações, técnicos que acompanhavam os processos, uma coordenadora,
merenda, intervalo, dentre outras semelhanças, mas, muitas eram as diferenças, chamava a
atenção à forma como as crianças e os adolescentes eram tratados pela potica.
A maioria das oficinas ofertadas era de iniciação ou estímulo ao trabalho. Estas
oficinas eram as que mais tinham recursos, algumas
9
delas pareciam funcionar independentes
da instituição, vendia-se a produção das crianças e adolescentes sem haver uma prestação de
contas, tanto com as crianças e adolescente como junto à coordenação; usuários eram
inseridos e, ou, dispensados sem o controle da equipe técnica; os horários eram definidos de
acordo com a produção das encomendas; e as normas estabelecidas dentro dessas oficinas,
geralmente, não eram conhecidas por todos os agentes que trabalhavam no espaço.
Em contrapartida, as oficinas denominadas de arte-educação ou sócio-
pedagógicas, eram realizadas de forma improvisadas, às vezes com recursos doados pela
comunidade. Algumas vezes, registrou-se a saída dos educadores para o comércio com o
objetivo de solicitar doações de materiais (tecidos, tinta, papel e outros) para que as crianças e
os adolescentes não ficassem sem atividades.
Nesse sentido, a mudança na gestão municipal era esperada por um número
significativo de servidores da FUNPAPA, pois apontavam novas perspectivas na forma de
conduzir as ações direcionadas aos agentes usuários da potica, sobretudo, para as crianças,
que tinham vivenciado ações destoantes dos princípios do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
Vale, nesse momento, também dizer que, como graduada em pedagogia, e atuando
no campo da assistência social, tenho sentido a necessidade de compreender melhor a
8
Curso de Pedagogia da UFPA, de 1992 a 1995.
9
Cf. exemplo da oficina de serigrafia que funcionava sem nenhum controle institucional.
instrumentalidade do serviço social, assim, sempre que posso, participo de cursos nesta área.
No ano de 2003, tive uma grande oportunidade, participei do I Curso de Especialização em
“Pesquisa e Gestão de Poticas Governamentais Dirigidas à Família, à Criança e ao
Adolescente”
10
. Os resultados obtidos, além de favorecer minha relação profissional na
Instituição, contribuíram significativamente para ampliar minha percepção da questão social.
Tive a oportunidade de estudar com professores exemplares, tanto da UFPA, quanto de outros
centros de conhecimento do Brasil.
Nessa nova ocasião, com os ensinamentos socializados no curso, prossigo
ampliando o foco da lente, tentando agora, apreender a Potica de Atenção à Criança,
tentando analisar o processo de socialização vivido pelas crianças durante a Gestão do
Governo do Povo, no intuito de verificar se houve mudanças na forma de condução da
potica, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento da formação de criaas para e
pelo trabalho.
Para análise do objeto escolhido, optei pela Pesquisa Documental e Bibliográfica,
tendo como Método o enfoque Histórico Diatico, no sentido de potencializar neste estudo,
uma reflexão crítica dos processos que norteiam a lógica e as condições de vida das crianças
que sofrem devido à desigualdade de condições sociais.
A condução da pesquisa priorizou as fontes documentais, a partir da análise dos
Documentos estes, que em certa medida, revelam o desenho da socialização formatada por
esta potica, a partir das práticas que nortearam as relações cotidianas na Instituição.
Materiais estes que só foram mais bem observados, a partir da interlocução com a
bibliografia socializada no curso, as quais dimensionavam questões em torno das poticas
direcionadas à criança, e diferentes abordagens desta categoria geracional. O trabalho também
utiliza o depoimento de alguns agentes que participaram dos projetos socioassistenciais
pautados pela arte e pelo lúdico, os quais oferecem suporte significativo ao conhecimento das
representações sociais dos projetos por eles vivenciados.
Todavia, o objetivo fundamental da pesquisa é trazer à tona o enredamento das
práticas dirigidas às crianças por meio das poticas públicas, ao longo da história brasileira.
Espera-se que os elementos e as informações impressas nestas páginas, contribuam para
motivar e avigorar outros agentes sociais no processamento de conhecimento e reflexão sobre
os processos de socialização vividos por crianças. No sentido de propagar a participação delas
como agentes de conhecimento, poder, desejo e direitos, pois as poticas direcionadas à
criança no Brasil, em regra, ainda não conseguiram romper com posturas conservadoras, as
quais não contribuem para que se construa um Estado de direitos à cidadania.
Considero desta forma, que em certa medida, acatando minhas limitações,
apresento questões inerentes às poticas dirigidas às crianças, delineadas no Brasil e em
âmbito local, democratizando as informações possíveis neste momento, as quais estarão
disponíveis a seguir. Além desta introdão, foram elaborados outros quatro catulos, as
considerações finais.
No segundo capítulo, denominado de Crianças e contextos: léxicos para o
debate, situo alguns elementos que moveram a problematização da pesquisa, principalmente a
fala de uma criança que redimensionou o meu olhar para apreender a forma de socialização
perversa, pela qual, muitas crianças são atingidas por meio das poticas que são dirigidas a
elas. Foram escolhidos alguns temas e categorias para potencializar as discussões que
considerou-se necessárias para este momento.
No terceiro catulo, Assistência à criança: recortes de uma sociabilidade
negada, apresento alguns recortes de processos de socialização que delinearam a trajetória de
crianças brasileiras, no qual ficou evidente ter havido uma sociabilidade contornada pela
negação de direitos. A historiografia da criança brasileira deu o suporte fundamental para a
formulação das questões pontuadas.
O quarto capítulo, chamado de Políticas públicas: crianças em pauta, foi
reservado para refletir a formatação e os rumos das poticas públicas no Brasil, no qual
enfatiza-se o rebatimento da formatação nas ações direcionadas às crianças. Destaca-se
também, alguns paradoxos presentes na constituição das poticas para a criança, bem como
algumas estratégias para a reflexão.
O quinto capítulo foi denominado de Política de Atenção à Criança em Belém,
no qual reserva-se para apresentar e analisar o desdobramento da potica no âmbito do
município de Belém, destacando o período concernente à gestão do “Governo do Povo”, entre
1997 a 2004, no intuito de refletir como a gestão se posicionou no atendimento às crianças,
mormente no enfrentamento da formação para e pelo trabalho.
No último capítulo, chamado de Algumas considerações: am pliando o foco ao
olhar de novo, retoma-se, de forma sintética, as reflexões pontuadas ao longo da construção
desta dissertação para alinhavar as considerações finais acerca do objeto analisado.
II. Crianças e contextos: léxicos para o debate
Todas las épocas tienen sus palabras claves, su
leitmotiv característico, que nos ayudan a captar
la esencia del mundo que nos rodeia.
(Esping-Andersen)
2.1. O desenho da trama: uma fala desinteressada
A escuta de uma fala dita, aparentemente de forma “desinteressada”, por uma
criança
11
, que havia participado durante cinco anos do Projeto Escola Circo de Belém, uma
das ações implementada pela FUNPAPA, com a finalidade de compor a rede
12
de
atendimento à criança, ao adolescente e suas famílias em situação de vulnerabilidade e risco
social
13
·, fez-me refletir e ressignificar algumas questões provavelmente sedimentadas em
torno das ações e dos efeitos atinentes ao trabalho socioassistencial realizado naquela
instituição, dirigido especificamente às crianças.
Sarmento e Pinto (1997) pronunciam em seus estudos que as crianças são agentes
conscientes de seus sentimentos, iias, desejos e expectativas, sendo capazes de expressá-los
"desde que haja quem os queira escutar e ter em conta” (p.65). Completam ainda, afirmando
que algumas realidades sociais só podem ser apreendidas a partir do ponto de vista das
11
A criança, hoje adolescente de 17 anos, terá sua identidade preservada. Iniciou no Projeto Escola Circo com
sete anos e saiu aos doze anos quando o projeto finalizou suas ações por ocasião da mudança na direção da
gestão municipal. A fala, que será apresentada posteriormente, ocorreu durante uma rodada de avaliação com a
participação de crianças, adolescentes, famílias e educadores do Projeto Escola Circo, em dezembro de 2004.
Período em que todos os agentes envolvidos no projeto demonstravam suas expectativas para a nova gestão. As
crianças, adolescentes e famílias pontuavam o desejo da manutenção do projeto, no entanto, ele encerrou suas
atividades sem que a vontade dos participantes tivesse sido considerada. No decorrer da produção desse trabalho
recebi a informação que esse adolescente estava cumprindo medida sócio-educativa por envolvimento em
latrocínio.
12
Trata-se do Sistema de Garantia de Direitos, que concerne ao conjunto de instituições articuladas ou em
parceria para efetivar os direitos, conforme expresso no eixo promoção social e que incrementa a Política de
Assistência à Criança no munipio.
13
Cf. a Política Nacional de Assistência Social (2004) “Constitui o usuário da Política de Assistência Social,
cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos sociais, tais como: famílias e
indivíduos com perda ou fragilidade denculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida;
identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências;
exclusão pela pobreza e, ou no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicóticas; diferentes
formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no
mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem
representar risco pessoal e social. (p. 27).
crianças e de seus universos específicos” (Ibid.), facilitando de tal modo, os processos de
análises e de descobertas dos condicionantes e incrementos que permeiam as estruturas destes
universos, de seus desideratos e expectativas.
Dessa forma, a interlocução com àquela criança constituiu mote fundamental e
mobilizador do processo investigativo. Apresentava considerações analíticas sobre os efeitos e
objetivos das ações socioassistenciais vividas por ela num espaço específico. Mas, todavia,
suas considerações estavam circunstanciadas pela intencionalidade e condicionalidade em
torno do implemento das poticas públicas no Brasil, designadamente quando dirigidas para
um público específico – crianças e adolescentes oriundos de famílias pobres.
Famílias essas, classificadas permanentemente pelas políticas como vulneráveis,
desvalidas, desestruturadas, dentre outrostulos estigmatizantes. Os quais se constituem
identidade social e histórica dos segmentos populacionais que vivenciam a negação de seus
direitos fundamentais, pois cada um deles:
é plenamente reconhecido como pessoa, como sujeito, nos grupos primários
que estruturam a vida privada: a família, os parentes, os amigos e vizinhos. Na
esfera pública, tende a ser despersonalizado e figura como vendedor da força
de trabalho, comprador de mercadorias, beneficiário do INPS, usuário do transporte
coletivo, eleitor, homem-massa.
(DURHAM, apud SPOSATI, 2003) [grifo
nosso].
Segundo Souza (2003), tal compreensão revela o resultado da eficácia de
instituições como o Estado e o mercado, que através de processos de socialização homogênea,
delineiam para os grupos e agentes os modos de ser e agir cotidianamente. Socialização que
busca moldar a consciência de cada agente e definir o lugar que devem ocupar em cada
espaço social
14
.
14
Para Bourdieu (2005) o espaço social se constitui como teoria no qual é analisado analogicamente como
espaço físico real considerando as múltiplas dimenes objetivas do mundo social que orientam e incidem nas
2.2. O desiderato da criança: a gente precisa é trabalhar
Não é a consciência dos homens que determina o seu
ser mas, ao contrário, é o seu ser social que determina
sua consciência.
(Marx, 1978 p.130)
Para a criança, que passara parte significativa de sua infância em contato com as
ações implementadas pela Potica de Atenção à Criança desenvolvida por meio do Projeto
Escola Circo, em sua fala “desinteressada”, reivindicava um espaço de socialização no qual
avaliava se constituir adequado, para ele:
Em vez de escola circo, o prefeito Edmilsom deveria ter feito aqui, uma escola pra
gente aprender alguma coisa que servisse pra gente. Fazer móveis, consertar
aparelhos elétricos, fazer informática, alguma coisa que desse pra gente trabalhar e
ganhar dinheiro. Aqui é muito bom, mais a gente só brinca e estuda, a gente
precisa é trabalhar, fazer alguma coisa que sirva pra vida, que a gente possa
ganhar nosso dinheiro. Agora vai acabar a escola circo e a gente vai ficar como?
Sem nada? A gente não aprendeu nada importante aqui. (E. S., dezembro de 2004).
Por muito tempo essa fala ficou pulsando minhas memórias, quase que
diariamente lembrava-me desta história, e o porquê daquele menino defender tão firmemente
a idéia que seria melhor ele ter vivenciado uma formação para o trabalho, do que ter
participado de atividades sócio-pedagógicas, por meio da arte, do lúdico. Atividades estas,
apontadas como fundamentais ao desenvolvimento das crianças que participavam das ações
socioassistenciais.
Todavia, alguns pressupostos básicos da história humana podem ajudar na
compreensão das representações sociais que balizam a vida social. Um deles situa-se nas
representações sobre o trabalho, que certamente alcança nível de absoluto valor, pois
conforme Engels (s.d, p.269), “o trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida
humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio
relações cotidianas: as lutas simbólicas, as diferentes espécies de poder e de capital, as representações do mundo
presentes nos diversos campos sociais.
homem”. Desta forma, é por meio do trabalho que a vida se reproduz, sem ele o se criariam
as mercadorias “necessárias” à sobrevivência humana nos moldes da sociedade capitalista.
É neste sentido que Leal (1989, p.1) assegura que “toda e qualquer outra atividade
social se subordina ao trabalho como atividade social maior”. Isto segundo Maia (2007, p.22)
“não quer dizer que a vida se restrinja ao trabalho, mas, sim, que não pode existir sem ele,
dado o trabalho constituir o elo essencial entre o homem e a natureza e dos homens entre si
A partir dessas considerações, é possível entender que o trabalho está imbricado
na construção de significados para a existência humana, é por meio dele que a vida passa a ter
sentido, e muitas outras ações perdem, ao mesmo tempo, o valor de seu significado, pois é
pelo trabalho que vem a possibilidade de alcance dos desideratos para a realização da vida em
toda a sua dimensão. Dessa forma, a centralidade do desenvolvimento da vida estaria no
trabalho e não nos agentes sociais.
Para a classe trabalhadora, a reprodução da vida como perspectiva de realização e
satisfação, tende a encontrar, a cada tempo, um distanciamento da possibilidade de satisfação,
pois, no modo de produção capitalista tais objetivos são balizados pela acumulação de
riquezas nas mãos do não trabalhador, ou seja, daquele que detém os meios para a produção
do trabalho e dos produtos desse trabalho. Nessa condição, o trabalho ao mesmo tempo em
que promove a reprodução da vida, promove também exploração e alienação.
Assim, Marx enfatiza os limites concretos que determinam as opções humanas nas
condições objetivas previamente existentes em que atuam. Em seus dizeres observa que:
(...) na produção social da própria existência os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção
correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas
materiais. O conjunto dessas relações de prodão constitui a estrutura econômica
da sociedade, a base sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à
qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo social, política e intelectual. Não é
a consciência dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser
social que determina sua consciência. (Marx, Ibid., 129-130).
Como é a busca pelo trabalho, que passa a ser a lógica que guia os agentes das
classes trabalhadoras, é fundamental para o capital que, desde tenra idade as crianças possam
inculcar e entender que o trabalho é o principal mote da existência humana, “pois o trabalho
enobrece e dignifica o homem”.
Outras atividades que deveriam estar presentes nas relações entre homens,
garantindo-lhes satisfação, passam a ter significância secundária, ou desnecessária, pois ao
divergirem do mundo do trabalho, passam a representar o mundo não digno, da vadiagem, da
ociosidade, geralmente inerentes à identidade social dos grupos marginalizados. Assim,
brincar, estudar ou viver processos de socialização diferentes, em termos do mundo do
trabalho, pode despertar sentimentos de culpa ou de medo, por não estar atendendo às
exigências da sociedade do trabalho.
É dessa maneira que Castel (2004, p.39) ao discutir as formas de exclusões
sociais, alerta que “certas categorias da população se vêem obrigadas a um status especial que
lhes permita coexistir na comunidade, mas com privação de certos direitos e da participação
em certas atividades sociais.” [grifos do autor]. E, como o trabalho também não é algo que
esteja disponibilizado a todos, Castel ressalta que “categorias da população que sofrem de um
déficit de integração com relão ao trabalho, à moradia, à educação, à cultura, etc., (...) estão
ameaçadas de exclusão” (p. 43).
Para Dubet (1996) estas questões poderiam ser minoradas com a possibilidade dos
agentes sociais compartilharem universos de referências sociais e identitários diversificados,
pois segundo o autor, à medida que há uma pluralidade de opções e escolhas ao alcance dos
indivíduos, esses teriam, conseqüentemente, cada vez mais oportunidades de deliberar sobre
as questões que lhes dizem respeito. Nesse caso, os agentes não se reduziriam a uma
identificação coerente com papéis sociais identitários e com padrões normativos institucionais
atribuídos a eles, nem interiorizariam linearmente projetos institucionais, mas articulariam
uma gama variada de padrões e valores identitários.
Portanto, por essa premissa seria possível conceber a socialização a partir de
experiências sociais com base em uma combinação de várias lógicas de ação, que estariam
conectadas a uma variedade de espaços institucionais (cf. DUBET, 1996; LAHIRE, 2002,
SETTON 2003). Mais do que isso, seria possível afirmar que a identidade social e individual,
na contemporaneidade, não se realiza mais a partir de uma correspondência contínua entre
agentes e sociedade, entre papéis propostos pelas instituições e sua integral identificação pelos
indivíduos. O que se observa é uma tendência à articulação e à negociação constante entre
valores e referências institucionais diferenciados e às biografias dos sujeitos.
Contudo, o que se observa na realidade é que os espaços de socialização estão
ameaçados pela lógica do capital, principalmente os tradicionais, como a casa e a escola. Uma
lógica que fragiliza as relações sociais e mascara as formas de reprodução de padrões
negativos como a subalternidade, signos de estigmas e a conformação ao modelo de sociedade
desigual.
2.3. Educação para e pelo trabalho
“O trabalho dignifica o homem”
Para as crianças pobres sempre coube o trabalho ou a formação para exercê-lo, de
forma precarizada num futuro que, às vezes, se faz breve. Foram adestradas e escravas
oficializadas na Colônia e no Império; preparadas e exploradas pelo capital no processo de
industrialização do país, permanecendo por até doze horas nas linhas de produção; são bóias-
frias dos latifundiários exercendo, nas carvoarias, canaviais e nos roçados, funções que afetam
o desenvolvimento físico e psíquico; exercem atividades laborais nas unidades domésticas de
produção artesanal ou agrícola; estão nas casas de terceiros, despercebidas e sujeitadas à
vioncia sexual; nas ruas sãovistas” nos pontos de ônibus, seforos e logradouros
realizando vendas, esmolando ou na prática da prostituição infantil.
Quando se entende, conforme Brandão (1986), que a educação é um processo pelo
qual é potencializado em todos ambientes sociais de interação humana, pelos exemplos acima
é possível dimensionar qual tem sido o processo de educação, que muitas crianças brasileiras
estão submetidas. Processos estes, em que a socialização das crianças circunscreve níveis de
interações que ainda hoje são desconhecidos por estudos e pesquisas, além de ser pautada pela
lógica da exclusão, em toda a sua dimensão
15
.
No campo das poticas públicas, principalmente na educação, foram sendo
sistematicamente avigoradas as concepções já constrdas desde os ideários da revolução
francesa. A utopia do ensino universal não era defendida pela grande maioria dos iluministas
do século XVIII, que propunham uma educação diferenciada de acordo com o status social;
condizente com o pensamento tradicional de separação entre o trabalho manual/braçal e o
intelectual; pelo fato do pertencimento a mundos diferentes. Engendrando concepções
poticas dualistas, autoritárias, moralistas e de ajustamento para o atendimento dos agentes
pertencentes à classe trabalhadora.
Assim, no Brasil, a estrutura da educação formal tem sido desenhada de forma
dual, visto que sempre houve espaços delimitados conforme a posição social dos agentes, que
estariam ocupando o ambiente escolar. Para a elite, coube, e ainda cabe, a previsão de poder
ingressar na educação superior, sendo que alguns, podem até lançar mão de estudar fora do
país. Enquanto para os filhos da população pauperizada, é introduzida a idéia de que seus
filhos devem estar aptos desde cedo para o mundo do trabalho. Na década de 1990, dados da
OIT (Organização Internacional do Trabalho) revelaram que no Brasil a população infantil
envolvida no trabalho abrangia 4.547.944 crianças, entre cinco e quatorze anos. Desse total,
15
Segundo Castel (2003) é fundamental entender que a exclusão se processa de diferentes formas. Assim, para
uma primeira observação é preciso dimensioná-la de acordo com o universo dos agentes a serem visualizados.
60% estavam nas áreas rurais e 40% em áreas urbanas. (apud CRUZ; MARQUEZ;
ALBUQUERQUE, 2001, p.28).
Segundo Rizzini (2006, p. 376) “a extinção da escravatura foi um divisor de águas
no que diz respeito ao debate do trabalho infantil”, sendo a partir desse ato o surgimento de
iniciativas públicas e privadas direcionadas ao preparo da criança para o mundo trabalho,
tanto na indústria como na agricultura. O fundamento consistia em sanar os problemas do
“menor” abandonado e dos “delinqüentes”, que passaram a atormentar a sociedade ordeira e
progressista almejada por políticos, médicos higiênistas e juristas, com maior vigor no final
do século XIX.
Os anos de escravidão projetaram para a elite dominante do país a idéia de que as
crianças e os adolescentes eram sujeitos fáceis de dominar e se constitam em mão-de-obra
barata, farta e adaptável. Nessa perspectiva, Rizzini (Ibid.) registra que:
Muitas crianças e jovens eram recrutados nos asilos de caridade, algumas a partir
dos cinco anos de idade, sob a alegação de propiciar-lhes uma ocupação
considerada mais útil, capaz de combater a vagabundagem e a criminalidade.
Trabalhavam 12 horas por dia em ambientes insalubres, sob rígida disciplina.
(p.377)
No final do século XIX e início do XX, nas cidades brasileiras, espaços públicos
como asilos de caridades e órgãos estatais foram reorganizados para atender as necessidades
do mercado, assim transformados em escolas profissionalizantes, Liceus de Artes e Ofícios e
institutos de pequenos aprendizes, onde era oferecido o conhecimento técnico necessário à
produção artesanal e fabril.
Na década de 1920, houve todo um esforço por parte do Estado em aparelhar o
país em condições de receber as empresas multinacionais que se instalavam com a missão de
acelerar o progresso da nação. As crianças e adolescentes dos estratos empobrecidos, mais
uma vez não foram poupadas de serem incluídas na dinâmica do país, quando novas ações
foram deliberadas para a condução das crianças ao mundo do Trabalho.
As famílias identificadas como “pobres”, “vulneráveis” e “desestruturadas” do
país foram induzidas a participar de forma inadequada na dinâmica do mercado, como forma
da manutenção do grupo familiar, sobretudo, para a sobrevincia das mulheres e das
crianças. Condição esta, perversa para as relações entre os membros das famílias. Revelando
o descuido do Estado na “ausência” de políticas públicas, sobretudo, em relação ao público
infanto-juvenil. Condição que, também, engendrou na constituição das representações
simlica sobre: trabalho, escola, lazer, família e infância presentes nas políticas, e nas classes
sociais.
Souza (2003) lembra que no Brasil há uma formação de “gentes”, “sub-gentes” e
“não gentes”, processo de formação naturalizado como reflexo da desigualdade social, que
para ele, se traduz como a mais importante questão da sociedade brasileira. Ressalta que o
sistema escravocrata atingiu diversas áreas das relações sociais. Isso se estendeu para a
situação do agregado e dependente de qualquer cor, cuja única chance de sobrevivência vem
sendo ocupar funções ditas sem valor nas margens do sistema. Segundo ele, no Brasil formou-
se uma “ralé”, que cresceu e vaga, ao longo de quatro séculos: homens a rigordispensáveis”,
desvinculados dos processos essenciais de cidadania.
2.4. A noção de socialização
Consiste no processo atras do qual os
indivíduos apreendem, elaboram e assumem
normas e valores da sociedade em que vivem.
(Sarmento e Pinto)
Bouvier (2005) ressalta em suas análises, que a noção de socialização não deve
mais ser tomada em seu sentido clássico, na esteira das raízes da obra de Emile Durkheim
(1922): “Processo de assimilação dos indivíduos aos grupos sociais” (p.26), mas numa
perspectiva interacionista que salienta a dinâmica das interações, que ressalte a construção de
conhecimento de si e do outro. Nesse sentido, seria impertinente compreender as crianças
como objetos de um processo de socialização no qual acontece a sua revelia, com a
inculcação de valores, normas de comportamentos e de saberes úteis para o exercício futuro
de práticas sociais, consideradas conexas para o olhar do outro. Mesmo entendo que há uma
lógica do capital que fragiliza as relações sociais e tende a homogeneizar as compreensões de
mundo.
Os conceitos de socialização, nas suas múltiplas reinterpretações, ainda podem
conservar elementos da história de uma produção teórica sociológica, que se ocupou das
crianças como objetos manipuláveis, timas passivas ou joguetes culturalmente neutros,
subordinados a modos de dominação ou de controle social. (SARMENTO, 2003). Todavia,
existem formas de abordagens respeitosas na forma de olhar as crianças, as quais vêm se
firmando continuamente no conjunto das disciplinas das ciências sociais, nos últimos vinte
anos.
Nos dizeres de Sirota (2001):
Isso deriva de um movimento geral da sociologia, seja ela de língua inglesa ou
francesa, de resto largamente descrito, que se volta para o ator, e de um novo
interesse pelos processos de socialização. A descoberta da sociologia interacionista,
a dependência da fenomenologia, as abordagens construcionistas vão fornecer os
paradigmas teóricos dessa nova construção do objeto. Essa releitura crítica do
conceito de socialização e de suas definições funcionalistas leva a reconsiderar a
criança como ator. (p.09)
Portanto, a construção do conceito de “socialização”, vista a partir do
reconhecimento da alteridade, é essencial à emancipação da infância como objeto teórico e à
interpretação das crianças como seres sociais plenos, dotados de capacidade de ação e
culturalmente criativos. Socialização que pode revelar mesmo de modo aproximado a
capacidade de cada um participar conscienciosamente na vida coletiva, e, em certas formas
institucionalizadas da vida coletiva.
Contudo, na prática uma perversa forma de socialização pode causar juízos
estigmatizados, por meio de atividades reparadoras que impedem que se considere a
socialização um processo contínuo, embora não linear, de relação constante dos agentes em
seus espaços sociais. De acordo com Bouvier (Ibid.), a socialização come-se de
“dessocializações” e ressocializações” contínuas. Em outros dizeres, seria a meta nunca
alcançada de um equilíbrio, cuja dinâmica garante o dinamismo. Em compensação, essa
concepção interacionista da noção de socialização, implica em afirmar a criança como agente
social, que participa de sua própria socialização, assim como da reprodução e da
transformação da sociedade. Segundo a autora, essa perspectiva é ainda pouco explorada
pelos sociólogos e demais profissionais das ciências sociais. Condição que acaba, também,
por interferir, segundo a autora, nas abordagens concernentes à sociologia da infância.
Para este estudo, ficam também, as referências pontuadas por Sarmento e Pinto
(1997) quando dizem que a compreensão de socialização deve ser abrangente, pois: “A
referência ao contexto cultural e societal torna-se particularmente pertinente na abordagem da
socialização”.
2.5. Culturas que balizam a atenção à criança
As crianças, como agentes ainda considerados pacíficos e alheios aos processos de
sociabilidade, vivenciam tais condições a partir de culturas e práticas substanciadas
pragmáticas, que influenciam desde tenra idade suas trajetórias sociais. Fomentando nelas,
aquilo que pode ser interessante para os desideratos da cultura da sociedade da mercadoria.
Por isso, Marcuse (1997) indica que “a cultura não é crítica, mas integradora: faz parte das
condições sociais que favorecem a perpetuação da sociedade vigente” (p.26).
Cultura que, conforme ressalta Maciel (2007), reflete as necessidades do mundo
capitalista moderno, no qual o cotidiano é mediado por uma socialização que prepara e
adestra as pessoas para acreditarem e reproduzirem os valores e as regras da sociedade em que
vivem” (p. 02). Dessa forma, é revitalizada permanentemente por meio dos “hábitos,
costumes, arte, religião e filosofia” que “em seu entrelaçamento, sempre constituem fatores
dinâmicos na conservação ou ruptura de uma determinada estrutura social” (HORKHEIMER,
1990, p.181). Cultura que, segundo este teórico, ao moldar o indivíduo e sua individualidade
se constitui aparelho psíquico que guia os caminhos por onde os agentes devem se
movimentar para se habilitar ao mundo moderno.
Sobre esse aspecto, especificamente no campo do Serviço Social, Neto (1992)
ressalta que:
A funcionalidade histórico-social do Serviço Social aparece definida precisamente
enquanto uma tecnologia de organização dos componentes heterogênicos da
cotidianidade de grupos sociais determinados para ressituá-los no âmbito desta
mesma estrutura do cotidiano – o disciplinamento da família operária, a ordenação
de orçamento doméstico, a recondução às normas vigentes de comportamentos
transgressores ou potencialmente transgressores, a ocupação de tempos livres,
processos compactos de ressocialização dirigida etc. –, conotando-se tecnologia de
organização do cotidiano como manipulação planejada. (p.92).
Por essas acepções, espaços de socialização como as escolas e os equipamentos
socioassistenciais, podem se constituir espaços privilegiados de avigoramento dos desideratos
da sociedade moderna fundada pelo capital, a partir da formação de modos de vidas ajustados
para reprodução de esquemas positivados no processo de acumulação do capital. Ainda que,
Berger e Luckmann (1995) considerem não ser possível a existência de um indivíduo
totalmente institucionalizado, é cada vez mais nítida a percepção que as instituições servem
cotidianamente como espaço de conflito, reflexão, tomada de decisões e de enfrentamento a
questão social, postas indignas à condição humana. Mas, todavia, podem servir também para
o fortalecimento de mecanismos que desejam controlar os padrões de comportamento e de
poder dos indivíduos e dos grupos.
Observado os vários aspectos da vida cotidiana, fica bem marcada que não há
rupturas significativas no tecido social, estando assim, bem marcadas as posições de ricos e de
pobres, de dominados e dominadores. De tal modo, parece ser feito desde muito cedo os
encaminhamentos necessários as práticas cotidianas alienadas, conforme os ensinamentos de
Marx (1844), quando informa que embora o homem se constitua em ser “genérico” e
universal”, com inúmeras possibilidades de criar e recriar a natureza, suas potencialidades
são permanentemente direcionadas a prover o acúmulo da propriedade privada, uma vez que
ele, enquanto “mercadoria” não se reconhece enquanto sujeito no processo de produção. Daí
porque, Berger e Luckmann (Ibid.) ao mesmo tempo em que defendem a posição dita
anteriormente, reconhecem não existir um ser humano sem qualquer inflncia institucional.
Analisando as várias acepções existentes, considera-se que o enfrentamento de
culturas que buscam modelar a vida dos homens e mulheres para exercerem os desideratos da
lógica do poder dominante, devem ser combatidas permanentemente. Ao mesmo tempo,
serem fortalecidos os “novos movimentos sociais”, com ressaltado por Almeida (2004), que
se estruturam segundo diferentes critérios: de gênero, etnia, de consciência ambiental,
moradia, orientação sexual, geracional, ocupação, emprego, dentre outros movimentos
emergentes, que organizam sua forma de socialização a partir de uma identidade específica,
porém, não homogênea, e por uma mobilização determinada, os quais são capazes de marca
posição e encaminhar lutas e reivindicar direitos.
III. Assistência à criança: recortes de uma sociabilidade negada
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar.
foi nascendo com cara de fome.
E eu não tinha nem nome pra lhe dar.
Como fui levando, não sei explicar.
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava
Olha ai, olha ai, olha ai, ai o meu guri,
olha ai ,olha ai, é o meu guri.
16
(C. Buarque)
Uma olhada atenta sobre os processos de sociabilidade pelos quais as crianças
brasileiras vêm passando, no decorrer do processo civilizatório implantado no país, pode
ajudar na apreensão dos mecanismos que são produzidos e reproduzidos para garantir vida
promissora para algumas, enquanto a violência e o descaso orquestram a trajetória de outras.
Estas “outras”, se assemelham, em comum, pelas características de indivíduos e famílias
pauperizados, que historicamente são vistos nos contextos da exclusão social, demandantes
das políticas de proteção social, definidos pela cor, raça/etnia e classe social dominante no
país.
No atendimento à infância, tais características podem ser comprovadas pelo debate
teórico instalado na sociedade brasileira, bem como pelas observações empíricas nos projetos
sociais, nas ruas, nas periferias das cidades. Ambos, confirmam a existência de um
significativo número de crianças em situação de vulnerabilidade e risco social, demonstrando
que elas podem ser tomadas como símbolo de um país que, não tem como princípio a
constituição de processos de sociabilidades, cuja intenção seja de garantir a dimensão da
cidadania.
Dessa forma, mais longe se está do sentido de sociabilidade defendido por Simmel
(1983, p.168), o qual perpassa pela idéia de que todos devem sentir prazer em exercer suas
16
Trecho da música Meu Guri composta em 1981, por Chico Buarque de Holanda.
relações sociais. Para ele, a sociabilidade deve sempre despertar “o sentimento de satisfação
por estar fazendo sociedade em si. Os sociados sentem que a formação de uma sociedade
como tal é um valor; são impelidos para essa forma de existência”
Por essa acepção a sociabilidade garantiria procedimentos de socializações
pautados pela liberdade, igualdade e felicidade, mesmo que para isso os agentes sociais
devessem armar e participar de um “jogo”, no qual o intuito seria exclusivamente de satisfazer
as necessidades humanas e sociais de cada participante, ou seja, uma espécie de sistema de
garantia de direitos, conforme desejado por aqueles comprometidos com a inclusão social.
Contudo, Simmel (Ibid) no mundo moderno, onde o amulo de capital é o principal
objetivo, um real opositor para que sejam constitdas formas de sociabilidades como um
valor de satisfação comum.
D’incao (1999) entende que, para existir sociabilidade é fundamental que as
diferenças, em qualquer dimensão,o sejam um empecilho para a celebração de relações
sociais, ao contrário, a sociabilidade estará comprometida. Todavia, como sabemos que a
sociedade brasileira, desde sua constituição oficial, tem suas raízes fincadas na desigualdade
social, onde poucos agentes controlam a riqueza produzida, em detrimento da pobreza e suas
conseqüências, que é reservada para milhares de outros agentes sociais. Assim, ela adverte
que “a sociedade fragmenta as relações sociais preexistentes para instaurar um tipo de
relacionamento que se assenta somente na utilização do outro para a consecução de interesse
particular.” (p.25)
Contudo, Souza (2006) diz que a desigualdade social no Brasil vem sendo
constrs3s5( 3)-24.9(7)-18.9uíd7([(co)-28.3(s)( da p1f)30.78)-12.7( )8.9uí7 de a de.9(s2.71f)10.9uísda p1fd7(ac[(co)-28.3(s)1.6(,)7)6.8( co)-21.7(n)18.3(s)7.5(t)-23.9(r)-8.1(uçã,)7ss, da p1fsgund7([(co)-2 3( de a l.9uí)34.9(7)-1 8.3(s)e)15.51.1(8))1.7( )]TJT*-0.0024 T20.0524 T7.6(t)-2a.6(e)5.4(m)12.4(b)1é4( e)-18.6(m)15( age)-18.6(n)17.6(t)-24.6(e)2.4(n)17a poid detrebesoone ageduzitonodonrsimbol-29.4(i)1c46(e)9.4(o)-2”46(e)2.7(P.4(6)-19.uzi)3e4.6(r)-7.6(r)-946(e)2Bde po ra,eeo
onde observa que as causas da desigualdade são percebidas cotidianamente, mas, não chegam
à consciência das vítimas, tampouco dos que operam a violência, pois estariam imersos em
compreensões analíticas, tanto do senso comum, como científicas, que muitas vezes, acabam
reforçando a naturalização da desigualdade.
Nos processos de socialização vistos nos recortes a seguir, serão ressaltadas
algumas formas operantes da desigualdade que negam para as crianças o estabelecimento de
um estado de sociabilidade, a partir dos significados de Simmel e de D’incao. Sociabilidade
comprometida, sobretudo, pela forma precária da participação das crianças em seus contextos
de socialização.
Entretanto, alguns avanços podem ser observados em relação ao tratamento à
criança e à infância brasileira. Na maioria dos estudos contemporâneos vem sendo ressaltada
aversão à concepção tradicional de infância, quando considerada como objeto manipulável e
alheio a sua própria socialização. Porém, essa visão conservadora, ainda se mantém presente
nas instituições e, entre agentes sociais que se apóiam no exercício do poder para prevalecer
na condição de domínio sobre as crianças. Nesse sentido, é importante reconhecer as tramas
que embasam as representações sobre a infância, destacando alguns traços marcantes no
processo de sociabilidade da criança brasileira. Objeto de preocupação e análise de muitos
pesquisadores (as).
As fontes concernentes à historiografia e à sociologia da criança no Brasil indicam
que elas sempre participaram dos diversos cenários sociais, envolvidas em diferentes
processos de socialização, na casa, na senzala, na rua, na escola, na fábrica, nas instituições.
Mas, qualquer que seja o tempo histórico, a ocupação que coube à criança nesses ambientes,
obedeceu à vinculação de sua condição de classe social, que conforme já ressaltado, tem
imbricamento com a condição econômica, étnica/racial e cultural. Predicado que Sales (1994)
aponta como característica que “está na gênese da construção de nossa cidadania”, vincada
nas raízes do poder para poucos e da subserviência para a maioria e, sobretudo, pela cultura
da dádiva, denominada pela autora, que vem perpassando por toda a história dos direitos
sociais no Brasil, ajustada por uma estrutura profundamente desigual.
Outro elemento que deve ser considerado, na observação do processo de
sociabilidade, é a forma de interação entre as crianças e entre as crianças e adultos. Esta
última forma, pode ajudar no conhecimento dos modos como as poticas são pensadas e
implementadas para a infância, uma vez que, são os adultos que estão encarregados
historicamente da elaboração das poticas dirigidas à criança.
Conseqüência esta, dito por muitos tricos, da dinâmica e do conhecimento
produzido na sociedade ocidental, regida pela lógica adultocêntrica
17
das múltiplas formas de
relacionamento social com as crianças. Daí parecer normal que as ações desenvolvidas nos
espaços públicos dirigidos às crianças, possam ser conduzidas de maneira que não seja
oportunizado a elas participarem das decisões e questões que lhes dizem respeito.
3.1. Socializão pelo trabalho infantil doméstico, sujeição e favor
Um dos exemplos significativos, no Brasil, concerne à situação de milhares de
meninas
18
e meninos
19
que diariamente deixam suas casas para morarem junto a terceiros,
vivenciando a prática do trabalho doméstico
20
, geralmente junto de famílias com melhor posse
17
De acordo com Márcia Gobbi: o termo adultontrico aproxima-se aqui de outro termo bastante utilizado na
Antropologia: “o etnocentrismo: uma visão de mundo segundo a qual o grupo ao qual pertencemos é tomado
como centro de tudo e os outros são olhados segundo nossos valores, criando-se um modelo que serve de
parâmetro para qualquer comparão. Nesse caso o modelo é o adulto e tudo passa a ser visto e sentido segundo
a ótica do adulto, ele é o centro" (Gobbi, 1997:26).
18
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na década de 1990, no Pará, cerca de 113 mil
crianças e adolescentes deixaram suas famílias para se tornarem empregadas domésticas, babás, acompanhantes
de idosos ou enfermos em residências de classe média, principalmente, em Belém. A estastica mais recente do
IBGE aponta que, só em 2003, 18 mil crianças e adolescentes fizeram o mesmo caminho.
19
A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar), realizada pelo IBGE em 2001, informa que 7% de
crianças envolvidas no trabalho infantil doméstico eram do sexo masculino, índice que vem se mantendo desde a
década de 1990.
20
Segundo dados da PNAD de 1998 em todo o Brasil havia 402.106 crianças na faixa etária de 5 a 9 anos
envolvidas no mundo do trabalho, desse total 2.830 estavam desenvolvendo atividades no âmbito do espaço
financeira que a de pertencimento. Na maioria dos casos, a criança sai da casa da família
biológica com o propósito de ajudar no cuidado diário das crianças da “nova família”, sendo-
lhe conferida a responsabilidade pelo cuidado com a higiene, alimentação e pelas atividades
lúdicas. Interação que comumente formaliza laços de afetividade entre as crianças, mas que,
entretanto, escamoteia a condição de exploração do adulto, a partir do trabalho institdo de
forma precária e ilegal
21
. Em “troca” das atividades desenvolvidas, a criança recebe a
promessa de que lhe será garantida, casa, comida, roupas e estudo.
As crianças são submetidas a um processo de socialização, vincada na sujeição
aos demais membros da “nova família”, a partir da construção de uma relação fundada
principalmente pela “troca de favores” não correspondida de maneira igual. Para a criança é
muito difícil compreender a dimensão que norteia a sua nova condição de vida, assim há de
considerar:
Outro aspecto e, talvez, o mais invisível e mais prejudicial, refere-se às mudanças
experimentadas no papel social, e consequentemente na construção da identidade
dessas meninas e meninos envolvidos no trabalho doméstico. Estes não são mais
filhos, iros,o empregados, agregados, crias da casa, envolvendo novas
dimensões na relação com o adulto. Primeiro, é uma criança/adolescente que vai
relacionar-se com um adulto queo é o pai/mãe, a linguagem, o tratamento
dispensado sofre alterações substanciais, pelo desnível sócio-cultural; segundo é
uma criança/adolescente sem nenhuma governabilidade sobre si e o trabalho que
desenvolve, passa a relacionar-se com o poder do adulto em outros moldes, que é o
da dominação patronal. Esse lidar com o “novo” adulto gera um sistema de
submissão que dificilmente é rompido, uma vez que os sentimentos de gratidão,
subserviência para com a família empregadora perdura por muito tempo, se não por
toda a vida. (CEDECA-EMAÚS/OIT, 2001, p14).
22
existência de 556.000 trabalhadores domésticos. Deste universo, a região norte registrou 102.822 trabalhadores
infanto-juvenis desenvolvendo trabalho doméstico. A média de horas trabalhadas considerando a faixa etária de
5 a 17 era de 40,60h semanais.
21
O Estatuto da Criança e do Adolescente respaldado pela Constituição Federal estabelece a idade mínima de
dezesseis anos para o ingresso de adolescente no mundo de trabalho, antes dessa idade somente na condição de
aprendiz a partir dos quatorze anos, sendo proibido antes desta idade qualquer vínculo que se configure trabalho.
Conforme os artigos 60 e 65 do ECA.
22
Cf. “Pesquisa Trabalho Infantil Doméstico em Casa de Terceiros em Belém do Pará-Brasil” realizado pelo
CEDECA/EMAUS (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, expressão da República de Emaús) no
período de Novembro a Dezembro/2001 em parceria com instituições internacionais: OIT, Save The Children e
Unicef.
A pesquisa realizada pelo CEDECA-EMAÚS, na cidade de Belém do Pará,
revelou que as criaas mais novas são as preferidas das patroas (empregadoras), pois se torna
mais fácil à convivência, devido à possibilidade de ajustá-las aos seus desejos e necessidades
e “porque é mais fácil de ensinar e se comunicar.”
23
. A análise da pesquisa aponta que:
Tal prática é justificada por uma concepção cristã de solidariedade fortemente
alicerçada em uma cultura do mando. Cultura esta, que adentra no século XXI,
obstacularizando o processo de construção da cidadania, sobretudo da cidadania da
população pobre. (Ibid, p.227).
Segundo a OIT
24
, o âmbito da casa tem se constituído fórum privado e
privilegiado para a naturalização de esquemas de explorações de variadas dimensões, uma vez
que socialmente o trabalho realizado no âmbito da casa não é considerado prejudicial à
formação das crianças que vivenciam tal prática. As representações sociais acerca desta
situação observam vantagens no fato da criança trabalhar, pois “é melhor trabalhar do que
passar fome” ou “melhor trabalhar do que roubar”. Assim, tem-se a compreensão de que
estando a criança na casa de terceiros ela se encontrará protegida de situações adversas.
No estado do Pará, cuja dimensão territorial chega a ser maior que muitos países, a
dificuldade de mobilidade de muitos moradores do interior para a capital torna-se certo. Desta
forma, algumas crianças que saem de suas casas ainda muito pequenas, moradoras geralmente
de cidades interioranas, perdem completamente os vínculos com a família de origem ao
chegar à capital. E, muitas vezes, por falta de opção (políticas públicas) passam a viver na
casa de terceiros o limite de suas relações sociais. Conforme observado no depoimento de
parentes:
23
Trecho de entrevista das mulheres empregadoras pesquisadas pela pesquisa do CEDECA-EMAÚS/OIT.
24
Segundo a OIT em 2003 no Brasil cerca 490.000 crianças foram vítimas do trabalho doméstico.
o imagino o que aconteceu com ela. Penso que ainda esteja viva. É um mistério
que tira nossa paz desde o dia em que essa menina saiu de Soure. Queremos saber se
ela pelo menos está viva. (O LIBERAL, 2007).
25
Essa condição peculiar, que parece natural na vida de inúmeras crianças brasileiras
nos dias atuais, vem sendo cultivada desde períodos mais longínquos. Algumas dessas
impressões podem ser confirmadas a partir de fragmentos de textos históricos literários com
referência à Colônia e ao Império, que registram inclusive, formas perversas de interações
entre crianças:
Para as crianças brancas são adotadas amas africanas, as yayás, (...) ao crescer, o
menino branco recebe como companheiro de brincar um curumim ingena e depois
um muleque negro que para tudo serve: de amigo, de cavalo de montaria, de
burro de liteira, de carro de cavalo em que um barbante serve de rédea e um galho de
goiabeira, de chicote. Eram os “mané-gostoso”, os “leva-pancada”. (Altiman, 2006
p231) [grifo nossos].
Prudêncio, um muleque (sic) de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as
os no chão, recebia um cordel nos queixos, a guisa de freio, eu trepava-lhe ao
dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava-lhe mil voltas a um e outro lado,
e ele obedecia, – algumas vezes gemendo – mas obedecia sem dizer palavra, ou
quando muito, um – ai nhonhô! – ao que eu retorquia: “cala boca, besta!” (Assis
1998, p36)
26
.
O convívio entre crianças de diferentes condições sociais ao longo do processo de
formação da sociedade brasileira tem sido importante para a composição de uma diversidade
cultural significativa, a qual se transforma e ganha novos contornos ao passar do tempo. Nos
dias atuais, corresponde à existência de culturas identitárias tradicionais
27
.
No entanto, as interações presente no cotidiano das crianças, às vezes vistas de
forma pacífica, não intencional, realizadas por meio do trabalho doméstico nos domicílios
25
Cf. matéria do jornal O Liberal, caderno atualidade, coluna responsabilidade social, p.12 de 17/05/2007,
intitulada “Trabalho rouba inncia no Mara. Em referência a entrevista da senhora Oneide Cruz de 74 anos
que mora na cidade Soure, na Ilha do Marajó/PA, de onde viu sua neta aos dez anos de idade partir para a capital
Belém para trabalhar em casa de terceiros. Há dezessete não tem noticias da neta.
26
Cf. no Clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas.
27
Os portugueses introduziram no Brasil as festas tipicamente católicas como: São João, Natal e Páscoa; os
índios firmaram as tradições folclóricas em homenagem aos elementos regionais próprios de seu universo como
o Sairé, o Cateretê, as brincadeiras de pau de sebo, as lendas do Saci, Curupira, Uirapuru e; os negros a
importante diversidade das danças, na música, representada pela Marujada, Vaquejada, Maracatu, Boi bumba,
dentre outras expressões.
pelo Brasil a fora, pelas brincadeiras, nas expressões artísticas e folclóricas, pode contribuir
para que nesses processos de socialização, seja assinalado de forma perversa, o lugar que cada
criança deve ocupar na sociedade, ao contrário do que foi abstraído na tese da “Democracia
Racial” que tem em Gilberto Freyre o principal expositor.
Segundo Bourdieu (2005), as condições de participação social de cada agente na
sociedade, baseiam-se na “herança social” que cada um detém ao longo de sua trajetória
social. Assim, o acúmulo de bens simbólicos e outros estão inscritos nas estruturas do
pensamento (mas também no corpo) e são constitutivos do habitus, através do qual os
indivíduos elaboram seus movimentos, ao mesmo tempo em que asseguram a reprodução
social. Sendo que esta não pode se realizar sem a ação sutil dos agentes e das instituições, que
são responsáveis por avigorar hábitos sistematicamente construídos.
3.2. Socialização pelo adestramento cultural.
Durante a Colônia e o Império as crianças e adultos brancos tiveram ampla
oportunidade de exercerem poder sobre as crianças nativas e as vindas do tráfico negreiro
28
.
Além dos jesuítas
29
, uns dos primeiros agentes ativos, nesse período, foram os órfãos
(crianças e adolescentes) oriundos de Lisboa, que vieram para o Brasil exercer funções
30
estabelecidas pelo Rei de Portugal.
Nas escolas jesuítas
31
, junto com os padres, os órfãos ensinavam as crianças índias
e mestiças o aprendizado de cantos sacros e a utilização de instrumentos musicais, como a
flauta, gaita, requinta e o tamboril, além de socializarem outras atividades artísticas
28
Segundo Del Priore (2006) 4% do montante de homens e mulheres africanos que desembarcavam no mercado
do Valongo no Rio de Janeiro eram criaas menores de dez anos.
29
Os jesuítas recebem aqui destaque pelo fato de serem considerados os principais agentes responsáveis pela
instrução da maioria dos habitantes do Brasil durante mais de duzentos anos. A fundação das primeiras
instituições dirigidas diretamente pelo Estado é datada no século XVIII.
30
Cf. Ramos (2006) as crianças do sexo feminino (as órfãs do Rei) mandadas ao Brasil tinham como destino o
casamento com os súditos da Coroa.
31
Espaços mantidos pela Companhia de Jesus, principal Ordem Religiosa missionária a prestar serviços
educacionais no Brasil conia.
oriundas do universo europeu como peças teatrais e danças. Para Chambouleyron (1996) os
órfãos de Lisboa serviram de estratégia para a dominação e aculturação do indígena, pois
devido à igualdade de idade tornava-se mais fácil o contato e socialização das atividades
planejadas.
Os padres, na sua prática educativa, começaram utilizando na organização do
trabalho pedagógico as expressões artísticas, aproveitando também os cantos indígenas e os
instrumentos musicais produzidos por eles, como o pau de chuva e o atabaque. Situação que
facilitava a aproximação e a constituição de um processo de confiabilidade.
Uma carta do padre Manoel da Nóbrega registra informações de sua percepção em
torno da relação dos indígenas com a arte, segundo ele:
(...) era a cousa que eles mais prezavam. Era na doçura do canto que colocavam a
felicidade humana. Acreditava que o meio era pôr na harmonia do canto às orações e
documentos mais necessários a fé, as cousas do céu entravam em suas almas pela
suavidade do canto. (NÓBREGA apud VASCONCELOS, 1977, p. 237).
O propósito de socializar as crianças, por meio de atividades arsticas, era uma
forma eficiente de manter as crianças sob o domínio dos jesuítas por mais tempo. Am das
atividades de canto, teatro e musicalização, outra estratégia encontrada pelos padres para
envolver as crianças consistia na “permissão”, durante os intervalos das ações desenvolvidas,
das atividades lúdicas em contato direto com os recursos disponíveis no ambiente natural.
Permitiam aos índios o banho nos rios e as brincadeiras nas árvores e brincadeiras com os
animais.
Assim, hábitos que eram comuns no cotidiano das crianças nativas foram
secundarizados e readaptados como atividades metodológicas e dos conteúdos planejados,
concernentes às autorizadas pela igreja àqueles que participassem efetivamente das atividades
pedagógicas e religiosas. Podemos concluir, a partir dessa informação que, a arte e o lúdico
sempre foram utilizados como estratégia de sedução para atrair crianças a vivenciarem
processos de socialização. E, que, nos dias atuais, vem sendo utilizado nas diversas
expressões de formação, tanto no campo da educação, quanto na assistência.
Naquele período o processo de aprendizagem que se instalava no país, mesmo que
diferenciado dos moldes europeus, introduz no Brasil as perspectivas de uma nova resolução
mundial, que se desenhava no continente europeu, em que a instrução já era considerada
como eficaz para a mobilidade social, sendo o homem um objeto manipulável, para o alcance
dos desejos esperados para a sociedade desejada moderna, ou melhor, dizendo, por aqueles
que soubessem e pudessem usufruir de suas oportunidades. Assim, Derbotoli (2002, p.84)
aponta uma das especificidades do ensino:
A escola preocupada em formar indivíduos, úteis, moralmente disciplinados e
tecnicamente preparados para o trabalho buscou esvaziar as tradições, a história
dos povos e for-los para uma nova sociedade científica, tecnológica, industrial.
Brincadeira na escola, só se tivesse uma utilidade clara: domar o caráter,
aprender a competir, compreender que nem todos vencem, desenvolver habilidades
e comportamentos. [ grifo nosso]
Reforçado ainda nos comentários de Guido (2002, p.196):
A certeza da eficácia da educação ancorou-se na convicção de que cada um possui
em essência aquilo que virá a se tornar no futuro. A educação portanto, atualiza
a potencialidade nativa da alma. Esta maneira de ver a criança adentrou a
modernidade, esteve presente ainda nos escritos humanistas e nas referências à
infância encontradas nos primeiros filósofos modernos. [grifo nosso]
Todavia, os jesuítas primavam pelos princípios conservadores de uma educação
voltada ao fortalecimento dos dogmas católicos, instituída por meio de metodologias distintas
às socializadas na aldeia. Nesse sentido, a introdução das atividades lúdicas e artísticas na
formação das crianças brasileiras correspondia tática de manter as crianças sob controle da
igreja e do Estado. Assim enfatizado nos estudos de Chambouleyron (Ibid., p.42):
Canto de missa, de litanias, de ladainhas, procissões, disciplinas: tudo isto fazia
parte da vida das crianças ensinadas pelos padres da Companhia de Jesus na
tentativa de formar uma “nova cristandade”. Escolhiam os meninos porque, como
dizia o padre Rui Pereira, em setembro de 1569, numa carta dirigida aos seus irmãos
de Coimbra, “esta nova criação, que cá se começa, eso aparelhada, para se nela
imprimir tudo o que quisermos (...) como uma cera branda para receber qualquer
figura que lhe imprimirem.
A preparação para os rituais católicos exaltava nas crianças um encantamento
significativo, pois durante as cerimônias recebiam destaques e elogios pela participação.
Conforme registrado por Altman (2006), que identifica habilidade e agudeza, o fato dos
jesuítas conseguirem por meio das atividades artísticas conduzirem uma metodologia
prazerosa e assim alcançarem seus objetivos.
Ensinando-lhes o Padre-Nosso, dão-se conta de se sua inclinação para a música.
Formam então coros de meninos que levam em suas expedições de catequese.
Entram pelas povoações as crianças a frente, entoando as ladainhas e outras
crianças rapidamente se agregam ao séqüito, pulando, cantando e dançando Em
salvador, o padre Manoel dabrega,bil professor, transpõe para a música o
catecismo, o Credo e as orações ordinárias, e tão forte é a tentação de aprender a
cantar, que os tupizinhos fogem, às vezes, dos pais para se entregarem às mãos dos
Jesuítas.
A partir de 1554, Anchieta, em Piratininga, também fazendo uso da música, cria
pequena peças de teatro e, utilizando cânticos e danças, escreve diálogos em versos
que são representados pelos meninos no pátio ou nas aldeias de catequese,
transmitindo a índios, brancos e mestiços, numa mesma comunidade, a mesma fé, a
mesma língua e os mesmos costumes. Embora habituados a uma vida nômade, os
índios vão assimilando os novos costumes, ganhando novos conhecimentos, mas
perdendo muito de sua cultura primitiva. (Ibid, p. 241)
Nesta direção, também estava concebida a lógica de que era através das crianças
que podia se chegar ao adulto. Elas seriam as disseminadoras dos princípios dogmáticos e
poticos planejados para o vasto donio da população nativa habitante do país. Segundo
Chambouleyron (Ibid), em seus registros, os padres informavam o controle que as crianças,
adolescentes e jovens passavam a exercer sobre seus pais, alguns chegavam a denunciá-los
aos padres pela prática de “horríveis” costumes, como o contato com os curandeiros ou pelas
celebrações e rituais próprios da identidade indígena.
Na relação jesuítas e crianças, a disciplina severa dava a tônica para a
evangelização e à instrução, conforme chama atenção Del Priore (2006), baseada na
observação dos sermões escritos e proferidos pelo padre José de Anchieta, que continuamente
ressaltava a importância do castigo àqueles que destoassem do modelo de aprendiz definido
pela Companhia de Jesus, norteada pelos princípios educacionais da Rátio Studiorum
32
.
Segundo a autora, era comum a introdução de castigos físicos no processo de aprendizagem,
para horror dos indígenas que desconheciam o ato de bater em crianças.
Segundo Chambouleyron (Ibid.), com o passar do tempo, o trabalho desenvolvido
pelos jesuítas com as crianças índias foi ficando difícil, pois na puberdade sentiam falta das
relões nas aldeias, bem como sentiam dificuldades nas casas de ensino, onde ficavam junto
com outras crianças e jovens mestiças, os órfãos de Portugal e os filhos de portugueses
nascido no Brasil. O enfrentamento dessa questão foi combatido severamente pela Companhia
de Jesus, que passou a intensificar a “vigilância, a delão e os castigos corporais”. (p.69)
Para os Jesuítas, bater nas crianças era descrito como forma de amor e proteção.
Todavia, chama atenção o fato dos padres não executarem o ato de bater, deixando para
outros agentes essa tarefa. Contudo, é possível observar que, como as características da
educação implementada junto às crianças, objetivavam modelar a alma e a moral, a
inculcação de determinadas idéias poderia ter mais efeito, do que os castigos sicos.
Desta forma, os vícios deveriam ser combatidos desde tenra idade com punições
físicas e formas variadas de trabalhos. Intencionalidade planejada, conforme indica
Chambouleyron (Ibid, p.55):
Além da conversão do “gentio de um modo geral, o ensino das crianças, como se
, fora uma das primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de
Jesus desde o início da sua missão na América portuguesa. Preocupação que, aliás,
também estava expressa no Regimento do governador Tomé de Sousa, no qual o rei
Dom João III determinava que “aos meninos porque neles imprimirá melhor a
doutrina, trabalhareis por dar ordem como se façam cristãos”.
32
Código de procedimentos adotados pelos colégios coordenados pela Companhia de Jesus, que orientavam os
métodos, regras e conteúdos a serem seguidos nos colégios e universidade sob domínio da Companhia. Dentre
os
3.3. Pequenas máquinas de trabalho
Práticas disciplinares foram implementadas severamente pelo Estado e pela igreja
junto à população negra e mestiça. As crianças negras, desde cedo foram envolvidas
diretamente no trabalho escravo, reservando para parcelas imperceptíveis o aprendizado da
escrita e da leitura, o mínimo, com intuito de servir para realizar pequenos negócios a mando
de seus senhores.
Aos quatro anos de idade, já eram consideradas aptas a desenvolver atividades
laborais de diferentes naturezas. Aos dozes anos, o valor de mercadoria da criança negra
chegava ao ápice de seu valor de compra, pois se entendia que essa era a idade limite para o
adestramento físico e moral das crianças, não sendo mais possível o incremento do
aprendizado para novas funções. Condição esta, que marcou categoricamente o lugar destes
agentes na constituição do país.
No início do século XIX, em seus registros de identificação, era comum além do
primeiro nome da criança negra, constar também, a designação do tipo de trabalho que cada
criança melhor desempenhava. Desta forma, em suas redes de sociabilidade, as crianças eram
identificadas como: João da roça, Maria mucama, Jerônimo da horta, Antônio café, Inácia
ama. Assim, “transformados em pequenas e precoces máquinas de trabalho (Del Priore,
2006, p. 12) [grifo nosso].
Para Souza (2004), a constituição das relações, fundada no referencial da
sociedade escravocrata, permeia até hoje a forma preconceituosa e discriminatória como são
tratados a população negra do país. Ressalta ainda que isso também se estenda aos
dependentes”, de qualquer cor.
Nesse contexto, a socialização com a família é completamente negada, segundo
Fernandes (1978) a família negra não chegou a se instituir como unidade hábil a desempenhar
temas tratados estão: o tratamento com os alunos, castigos e punições; as premiações; os conteúdos e métodos de
suas virtualidades essenciais de modelação da personalidade básica e o controle de
comportamentos egoísticos. Situação que também influenciou na organização política dos
negros, e que, para Fernandes se constituiu fator decisivo das mazelas em torno das condições
de existência vistas na atualidade.
3.4. Recortes do abandono.
No início do século XVIII, ainda sob o domínio da igreja, inaugurava no país a
Roda dos Expostos
33
, que permaneceu até os meados do século XX, e tinha como uma das
principais preocupações a intervenção no grande número de infanticídios registrados na
época. Ao mesmo tempo, escamoteava a “ausência” do Estado no programo de poticas
estruturais para suportar as demandas sociais crescentes, sobretudo, pela transformação do
contingente populacional, com formação social imperativa sob os domínios da igreja.
Os diferentes ritmos de crescimento do mundo colonial repercutiam fortemente na
socialização das crianças. No campo, onde as transformações eram mais lentas, o abandono
raramente ocorria e os “enjeitados” eram adotados como afilhados de criação dos donos de
terra (os corois). Em “troca”, deveriam realizar os afazeres domésticos e o cultivo da
terra, uma prática que se perpetua com seus fundamentos, ainda nos dias de hoje, e marca
historicamente a negação de direitos basilares, ao mesmo tempo se constitui forma de
escravidão velada, uma vez que, o dependente acabava preso ao comando do senhor.
Na cidade espaço de aceleradas transformações e desequibrios, não havia lugar
para acolher os pobres e dar assistência ao enorme número de crianças enjeitadas. As
ensino; as atividades artísticas; dentre outros.
33
Roda dos Expostos se refere a um artefato de madeira fixado ao muro ou janela do hospital, no qual era
depositada a criança, sendo que ao girar o artefato a criança era conduzida para dentro das dependências do
mesmo, sem que a identidade de quem ali colocasse o bebê fosse revelada. Sua origem, na Europa, durante a
Idade Média, baseou-se pela necessidade da igreja intervir na situação de um grande número de bebês
encontrados mortos, criando-se um sistema de proteção à criança exposta ou abandonada. No Brasil, a primeira
roda foi instalada na Santa Casa de Misericórdia do Estado da Bahia, em 1726. A Roda dos Exposto teve sua
finalização somente em 1950.
conseqüências graves da maternidade, considerada irregular, eram de ordem sócio-econômica
e não moral como se havia inculcado na sociedade da época. A pobreza e as dificuldades da
vida material uniam de mulheres brancas pobres a escravas, confirmando a necessidade
feminina de estabilidade negada pelo Estado. Para muitas es solteiras, sem família, nem
companheiro, o filho passava a significar “mais uma boca para sustentar”. Tal cenário de
extrema pobreza e luta pela vida foi um dos motivos que obrigava muitas mães a destinar seus
filhos ao abandono ou ao infanticídio, esses dois em maior mero que o aborto. (DEL
PRIORE, 1989, p 172.)
Uma interpretação bastante veiculada consiste em atribuir o abandono a motivos
morais. Entre a população branca, o comportamento feminino dentro dos padrões morais
estabelecidos era permanentemente fiscalizado pela Igreja e pela comunidade. Assim, "um
filho ilegítimo (de mulheres negras e mestiças)o desonrava a mãe no mesmo grau de uma
mulher branca.” (Ibid, p.198.) Dessa forma, a Roda dos Expostos procurava evitar os crimes
morais, protegendo as mulheres brancas e solteiras dos escândalos, ao mesmo tempo em que
oferecia alternativa do infanticídio, como prática “aceitável” para as demais.
Uma segunda interpretação consiste no abandono como resultado da miséria e
indigência das mães. A escravidão e a miséria deixaram como herança séculos de
instabilidade doméstica, o que levou as mães das camadas populares a improvisarem formas
de amor e de criação dos filhos. Uma prática comum entre as mães pobres consistia (e hoje
ainda consiste) na distribuição de seus filhos entre parentes, amigas, comadres e de terceiros
para os criarem. A falta de perspectiva das mães impactava na possibilidade dos filhos
exercerem o direito de ter uma família, proteção e respeito. Muitas famílias negras foram
encerradas pela falta e dificuldades dos pais (ou da mãe) em prover as condições para
manterem seus membros unidos.
Mesmo com a introdução da Roda dos Expostos, os índices de mortalidade dos
classificados com enjeitados eram assustadores e muitos médicos consideravam as condições
das Santas Casas e o descaso das criadeiras como causas da morte em massa das crianças sob
a tutela do Estado.
A negação da maternidade implicava na multiplicação de criadeiras interessadas
pelos recursos oferecidos pelo Estado por cada criança cuidada. Segundo Del Priore (Idem)
registros que as criadeiras empregavam desastrosas técnicas de amamentação artificial,
levando milhares de bebês à morte. Também não eram raros os casos em que as criadeiras
obrigavam as crianças à prestação de serviços domésticos, cuidado de animais de pequeno
porte e trabalho na roça.
Nos fins do século XIX, juristas brasileiros começaram a preocupar-se com a
questão dos abandonados, ampliando o conceito e criando a condão do "moralmente
abandonado", crianças que, mesmo tendo família, viviam na rua. Em 1927, a criação do
primeirodigo de Menores do Brasil recebeu fortes influências de teorias européias que
igualavam as crianças à condição de infratores. Dessa, forma, considerava-se que o
moralmente abandonado, se ainda não era bandido, inevitavelmente ia tornar-se um,
revelando que para resolver o problema a legislação previa internações e punições, enfim, a
intervenção efetiva do Estado como deliberador de tal problemática.
A dualidade entre a criança e o menor, "o pobre e desvalido", só começou a ser
atenuada no Brasil com a criação, pela ONU, dos documentos internacionais de direitos
humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Declaração dos
Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, de 1959, proclamam vários princípios
fundamentais de proteção à criança: proteção integral à criança como sujeito de direitos: de
lazer, alimentação, família, educação, saúde, e como prioridade absoluta da nação.
Esses princípios passaram a valer no Brasil com a Constituição de 1988, mas só
foram reforçados e desenvolvidos em 1990, com a criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Entretanto, o abandono continua sendo uma prática efetivada nas cidades
brasileiras.
Em Belém, no período de 1997 a 2004, foram acolhidas nos espaços de
abrigamentos da FUNPAPA, 857 crianças e 1.588 adolescentes, totalizando 2.445
atendimentos nos três abrigos
34
municipais (FUNPAPA, 2004). Em que pese alguns dos
motivos dos acolhimentos registrados, não ser o abandono familiar, as crianças atingidas por
esse serviço, já vivenciam um processo de abandono que está além do âmbito familiar, é a
concretização da negação de uma sociabilidade, pelas vias dimensionadas pelas concepções
de Simmel. É a prova de que as políticas não estão sendo eficazes para prover as condições
materiais e afetivas, para que muitas famílias e pessoas possam determinar minimamente o
seu agir no mundo.
3.5. Ser inferior e desvalorizado
O período equivalente ao final do século XIX e início do XX, segundo Rizini
(1993), concebeu uma das principais matrizes do pensamento social, que prevalece até os dias
atuais, “marco das raízes históricas das políticas públicas” para a infância, a partir das
representações que foram construídas em torno da pobreza e da criança vinculada à pobreza.
Incidindo na criança uma percepção de um status social específico, inferior e desvalorizado,
que as identifica, em tal contexto, como possíveis delinqüentes, desajustados, marginais.
34
A FUNPAPA coordena três espaços de acolhimento: abrigo feminino Dulce Accioli, que tamm acolhe os
filhos das adolescentes mães; abrigo para adolescentes masculino Ronaldo Araújo e abrigo Euclides Coelho que
atende crianças do sexo masculino. Cada um tem a capacidade de atender mensalmente 20 cr / ad.
Garcia (comunicação verbal, 2006)
35
, tal como Rizzini, e outros, adverte que
além da classe social de pertencimento, a raça/etnia continua sendo elemento importante na
compreensão dos condicionantes históricos e sociais que balizam os espaços que as crianças
ocupam no universo público e privado, assim ressalta que a população negra, ex-escrava é
portadora de estigmas em um contexto de valorização da eugenia”. E, como é possível
observar nos projetos sociais, esse é o público alvo das poticas ditas de proteção.
Garcia (comunicação verbal) considera que o projeto republicano instalou-se tendo
como perspectiva desenvolver uma “gestão higiênica da miséria”, a partir do controle
exercido sobre a mobilidade da população empobrecida; delimitando os espaços infectados
por moléstias; identificando os pobres como risco à sociedade ordeira e progressista almejada.
Cabendo ao Estado, implementar ações para sanear os males “produzidos” por essa
população. Intervindo incisivamente na reorganização da rede de sociabilidade estabelecida
na comunidade, no interior da casa, junto aos membros das famílias. Instalava-se um “padrão
de qualidade” que previa limpeza, desinfecção, desinfestação de doenças e a erradicação de
comportamentos considerados infaustos à sociedade almejada, cuja lógica da existência estava
ligada aos pobres.
Nesse sentido, um complexo sistema de intervenções foi montado, no qual a
criança passou a ser o alvo da atenção do Estado, deixando de ser um objeto de interrese,
preocupação e ação no âmbito privado da família e da igreja para torna-se uma questão de
cunho social” (RIZZINI, Ibid, p.25). Intervenção que, justificava o aparato médico-jurídico-
assistencial, que foi organizado no período com o intuito de controlar e classificar cada
criança, bem como de “colocá-la em seu devido lugar” (p.30), as quais:
Eram definidas pelas funções de prevenção, educação, recuperação e repressão. Em
discurso caracterizado pela dualidade – ora em defesa da criança, ora em defesa da
sociedade – estabelecem-se os objetivos para as funções acima: de prevenção (vigiar
35
Professora Dr. Joana Garcia da UFRJ, na apresentação do Workshop “Entre as políticas universais e focais”.
Atividade promovida pelo Grupo de Estudo e Pesquisa da Infância e Adolescência (GEPIA) em parceria com o
Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará. 2006.
a criança evitando a sua degradação, que contribuiria para a degeneração da
sociedade); de educação (educar o pobre, moldando-o ao hábito do trabalho e
treinando-o para que observe as regras do bem viver); de recuperação (reeducar ou
reabilitar o menor, percebido comovicioso através do trabalho e da instrução,
retirando-o das garras da criminalidade e tornando-o útil à sociedade; de repressão
(conter o menor delinqüente, impedindo que cause outros danos e visando a sua
reabilitação, pelo trabalho).
É a partir dessa forma de assistência que se evidencia a intervenção do Estado,
com o intuito de devolver o indivíduo à sociedade, totalmente regenerado e pronto para se
inserir no mundo do trabalho e na vida social do país. Essa forma de “assistência” reforça a
tese de Rizzini (Ibid), ao afirmar que, o modelo instaurado no final do século XIX se constitui
na principal matriz das poticas dirigidas às crianças (e adolescentes), e que, vem sendo
avigorada nos dias atuais, principalmente quando observada a oferta de projetos, cujo objetivo
concentra-se apenas na formação de crianças e adolescentes para e pelo trabalho, em
detrimento à negação de outras formas de socialização.
3.6. Marcas da “invisibilidade”
Nos dias atuais, as crianças brasileiras vivenciam contextos diferenciados, posto os
condicionantes sociais ecomicos e culturais, que em cada espaço se processa de maneira
singular. E, mesmo que se tenha uma condução jurídica única, certamente que as cinco
regiões do país possuem características específicas no tratamento dispensado às crianças, e
formas diferenciadas de responder aos indicadores sociais que são gerados por sua dinâmica
territorial.
Segundo o IBGE (2004), crianças nascem e morrem diariamente no país, sendo
que muitas permanecem invisíveis para as estatísticas oficiais, a metade dos óbitos de crianças
com menos de um ano de idade o constam em documentos oficiais. Em 2004, estima-se que
as regiões norte e nordeste, juntas, chegaram a atingir 65,9% de óbitos de crianças, sem que
esses fossem registrados nos indicadores da mortalidade infantil do Brasil. Tais índices
revelam que, mesmo com a extinção da Roda dos Expostos, a situação da mortalidade entre
crianças continua sendo uma questão corriqueira para as famílias pauperizadas do país,
sobretudo, das famílias referenciadas nas cidades das regiões que também apresentam outros
índices tão reveladores da “ausência” de poticas públicas, ficando também a austera
compreensão de que, a morte continua sendo uma alternativa do Estado, vide Roda dos
Expostos, para controlar as pessoas e as demandas que seriam geradas com sua existência.
Também, em 2004, foi observado pelo IBGE que, mais de 11% das crianças que
haviam nascido no país, após um ano, ainda o tinha certidão de nascimento, documento
considerado básico para que a criança seja reconhecida jurídica e socialmente, e assim poder
acessar os serviços públicos necessários a sua condição humana. Ocorrência que revela, junto
com outros dados, a compreensão de como a cidadania “nasce e morre” neste país, e como as
crianças dos estratos empobrecidos transitam por suas redes de sociabilidade vivenciando
desde muito cedo a negação de um direito fundamental – a vida.
Em Belém, segundo a Secretaria Municipal de Belém (SESMA, 2004) durante a
gestão municipal do “Governo do Povo”, as taxas de mortalidade infantil foram reduzidas em
1,4% em média, a cada ano. Dentre as causas mais freqüentes dos óbitos consta: as afecções
originadas no período perinatal, infecções generalizadas e falência múltipla dos órgãos,
pneumonia, neoplasia, HIV, meningite, diarréia e gastrintestinal, desnutrição, gravidez (parto
e puerpério) e agressões. Outras vinte e cinco causas aparecem em menor porcentagem.
Os recortes da história de milhares de crianças apresentados neste capítulo, pelos
quais as crianças brasileiras têm sido submetidas secularmente podem ajudar na apreensão de
que o Brasil não tem a tradição de propiciar à sua população, uma rede de sociabilidade que
permita, sobretudo, às crianças a possibilidade de exercerem seus direitos fundamentais.
Muitas delas para se sentirem incluídas nos vários espaços de socialização, na casa, na escola,
no projeto social, na rua, lançam mão de estratégias danosas, tanto para vida delas, quanto
para a vida da sociedade. Disso, deriva-se um conjunto de ações que vão reforçar a idéia de
que a criança é merecedora de punição, num contexto em que ela não vem sendo respeitada
no direito de ser criança.
Para Del Priore (2006, p.8), o contexto de sociabilidade que as crianças
brasileiras deveriam ter é bem diferente daquele ressaltado por algumas organizações e pelas
autoridades, assim, adverte de forma contundente que no Brasil “as crianças são
enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral,
sobrando-lhes pouco tempo para a imagem que normalmente a ela está associada: do riso e da
brincadeira.”.
IV. Políticas públicas: crianças em pauta
4.1 Reflexões sobre as políticas públicas no Brasil
Os primeiros anos do século XXI, reafirmam, na realidade brasileira, o vigor das
análises concernentes às problemáticas associadas à infância. Análises que tiveram, no século
XX, campo fértil na abordagem de questões referentes às políticas dirigidas às crianças.
Processo que teve como auge os debates das décadas de 1980 e 1990, com a participação
significativa dos movimentos sociais, resultando na formulação de leis para a condução de
poticas públicas, de corte socia,l para esse segmento populacional/geracional.
Dentre essas leis, está o Estatuto da Criança e do Adolescente
36
o qual determina
uma cultura potica a fim de instituir um “sistema de garantia de direitos”, para a proteção
integral de crianças e adolescentes e a concepção de sujeitos de direitos, pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta rompendo com o enfoque da doutrina da
situação irregular; a Lei Orgânica da Assistência Social
37
(LOAS) quando reintera ações
positivadas em torno da atenção à criança; e a mais recente Lei de Diretrizes e Bases da
Educação
38
(LDB) quando determina a atenção à educação de crianças de zero a seis anos.
Conceber a criança, como sujeito de direitos exigíveis com base na lei, deixando
de vê-la como mero objeto de intervenção jurídica e social por parte da família, do Estado e
da sociedade, equivale a deixar de tratá-la como meras portadoras de necessidades, sujeitas às
vontades dos outros e alheias da vida circundante.
36
Lei nº. 8.069, de 21 de novembro de 1990.
37
Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993.
38
Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de 1996.
Esse salto das necessidades aos direitos é o fundamento da construção das novas
leis, bem como das políticas públicas e da prática social destinadas a efeti-las. Ao mesmo
tempo, sinaliza novas compreensões sobre a criança, seus conhecimentos, suas vivências e
relações sociais.
Melhor compreendido na citação de Sarmento e Pinto (1997):
A consideração das crianças como actores sociais de pleno direito, e não como
menores ou como componentes acessórios ou meios da sociedade dos adultos,
implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das
crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas
organizados, isto é, em culturas. (p.20).
A análise atinente à infância e à criança no Brasil reflete o que Sarmento e Pinto, a
partir da realidade de Portugal, consideram ser uma tendência mundial, pujante na década de
1980, que vem promovendo avanços importantes nos estudos desse objeto, antes reservado
com maior vigor ao campo da medicina, pedagogia e da psicologia, com ênfase ao enfoque do
desenvolvimento biológico. Passando a ser um objeto com maior amplitude analítica das
ciências sociais, um fenômeno social posvel de ser investigado considerando sua relão
com as estruturas sociais.
Forma de investigação introduzida no cenário acadêmico no início da década de
1970, pelos trabalhos do historiador Philippe Ariès
39
, que segundo Sirota (2001), provocou
uma alteração nas formas tradicionais de abordagem sobre o objeto infância, e incidiu em
mudanças significativas “não só no plano teórico como também no disciplinar ou
metodológico, o que obriga a uma recomposição de campos, tanto entre disciplinas das
ciências sociais quanto entre subdisciplinas” (p.10).
39
A década de 1960 foi um período de consolidação do chamado movimento da "História Nova", corrente que é
apontada como revolucionária, devido ao fato de propor novos objetos, novos métodos e novas linguagens na
escrita da história. Entre essas inovações, está a abertura para o estudo do cotidiano dos "homens comuns" e de
temas reservados a campos específicos. Aproximadamente no final dessa década, a "história nova" ganha uma
pluralidade de tendências, entre as quais está aquela que se denomina história das mentalidades, voltada para
as
sensibilidades e para elucidar diferentes visões de mundo e conceituações presentes em diferentes períodos
hisricos, na qual Philippe Ariès situa sua obra.
Disposição que também mobilizou a agenda potica internacional, e apontou a
emergência do conhecimento e da intervenção sobre as condições sociais que balizam as redes
de sociabilidade das crianças na contemporaneidade, a partir de seus locais de referência e
suas territorialidades. Eventos importantes foram promovidos. A Conferência de Cúpula
Sobre os Direitos da Criança, realizada em Nova Iorque, em setembro de 1990, precedida pela
Conferência Mundial Sobre Educação para Todos, realizada em Jomtiem, Tailândia, em
março desse mesmo ano, na qual, a Educação passou a ser pautada nos eventos internacionais
e nacionais. Em 1992, foi realizada aqui no Brasil a Rio-92, a Conferência de Cúpula sobre o
Meio-Ambiente, que consagrou de forma definitiva o conceito de desenvolvimento
sustentável. Em 1993, foi realizado o Congresso Mundial de Direitos Humanos em Viena. Em
1994, o Ano Internacional da Família e a Conferência Sobre População e Desenvolvimento no
Cairo. O ano de 1995, foi marcado pela Conferência Sobre Desenvolvimento Social em
Copenhague e pela Quarta Conferência Sobre os Direitos da Mulher, em Pequim. Em 1996,
aconteceu a Conferência de Istambul, sobre os Assentamentos Humanos e, em Roma, no ano
de 1997, a FAO
40
organizou evento mundial enfocando a fome. Este rol, ainda que
incompleto, serve para assinalar o fenômeno dos direitos humanos na supercie do direito
internacional, pautando a infância no foco de discussões intersetoriais e interdisciplinares.
Contudo, é importante assinalar que, no bojo dos eventos poticos circularam
interesses diversos. As decisões, além de servirem para nortear as práticas sociais e poticas
nos Estados, igualmente serviram de observatório para as agências internacionais
financiadoras, a exemplo do Banco Mundial, que captou o sentido e as formas das
negociações para monitorar as decisões e investimentos dos governos, ao mesmo tempo em
que introduziu suas demandas pelo ajustamento das políticas locais aos objetivos da potica
neoliberal. Contexto que vinculou as políticas de corte social desenvolvidas nas cidades às
40
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, desenvolve ações de combate à fome e a
pobreza.
orientações das agências financiadoras, a partir dos parâmetros definidos pelo Consenso de
Washington (1989), marco do plano de ajuste econômico iniciado na década de 1990, nos
países da América Latina. (cf. GRACIANI, 2001, p. 63)
No Brasil, as investidas acadêmicas e poticas têm refletido volumoso interesse
ao desenvolver pesquisas e ações interventivas às demandas postas à infância. No campo
acadêmico, segundo Silva (comunicação verbal)
41
, nos Programas des-Graduação em
Serviço Social tem havido a prevalência de investigações em torno do objeto infância, o que
corresponde a acuidade no alargamento da produção de conhecimento sobre este objeto, em
todo o território brasileiro.
Da mesma forma, as temáticas relativas à avaliação de políticas públicas e sociais
têm despertado significativo interesse, o que pode apontar a emergência de confrontar e, ou,
de se conhecer as estratégias e concepções que permeiam o programo de poticas para o
atendimento dos usrios da Política de Assistência Social e, em especial, as crianças.
No âmbito político interventivo, tal contexto pode ser observado no significativo
número de ações que são implementadas pelo poder público e pela sociedade civil. Grande
parte das Organizações Não Governamentais (ONG’S) existentes no Brasil tem como usuário
de suas ações, as crianças. Em Belém, no período de 1997 a 2004, das 90 instituições não
governamentais vinculadas à Rede Socioassistencial Conveniada do município, 79
instituições desenvolviam atividades diretamente com crianças (FUNPAPA, 2004). Tendência
que segundo a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
42
(ABONG) tem
sido observada por todo o território Brasileiro.
41
Cf. Palestra da Profª. Drª. Maria Ozanira da Silva:A s-Graduação e a Produção de Conhecimento em
Serviço Social” realizada durante o Encontro de Avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do
Pará, em janeiro de 2007.
42
Cf. o doc. Subsídio a VI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente: “Participação,
Controle Social e Garantia de Direitos – Por uma Política para a Cr e Ad” (2005).
Contudo, Zaluar (1994) assinala a dificuldade das poticas sociais não se
caracterizarem pelas expressões de vanguarda, tendo em vista o considerado acúmulo de
estudos já disponíveis na área da infância. Ocorrência que a autora avalia como reflexo da
posição do Brasil ao seguir referendando um processo objetivado no qual “montou-se a teoria
da subordinação das políticas sociais ao processo de acumulação de capital” (p. 27).
Para Maués (2000), a crise mundial do capitalismo, iniciada na década de 1970,
impôs à sociedade adequação ao processo de produção, remetendo ao campo social exigências
para superação da crise. Uma crise caracterizada pelas dificuldades apresentadas pelo modelo
taylorista/fordista de responder às necessidades da produção e consumo do mercado, frente às
modificações tecnológicas, bem como à dificuldade do Estado de Bem-Estar financiar o setor
privado e desenvolver poticas sociais de reprodução da força de trabalho. “Assim, os
modelos pedagógicos surgem e se estruturam a partir das mudanças que ocorrem no mundo
do trabalho e das relações sociais”. (p.27).
O Brasil parece ter uma clara agenda para a transformação produtiva, agenda das
reformas estruturais destinadas a promover as condições que possibilitem a sua inserção
competitiva numa economia internacional em irreversível processo de globalização. Assim,
para dar conta deste cenário as poticas setoriais são estruturadas de acordo com as lógicas do
capital.
Na acepção de Offer e Ronge (apud AZEVEDO, 2001, p. 49) o Estado favorece o
processo de acumulação para preservar sua autonomia e seu poder. Neste sentido:
são os agentes do poder estatal que – a fim de assegurar sua própria capacidade de
funcionamento – obedecem, como seu mandamento mais alto, ao imperativo da
constituição e consolidação de um desenvolvimento econômico favorável.
Desse modo, os paradigmas que referendam a formulação de poticas públicas
refletem a compreensão de homem e de mundo pelas referências dos grupos que constituem
os canais de controle e poder, os quais lançam mão de estratégias poticas para orientar as
ações no campo prático, e tendem a reproduzir a ordem de alienação, avigoradas a partir das
leis do mercado. Assim, o estabelecimento de ações com o objetivo de romper com tais
Exemplo visto, quando há culpabilização das crianças e adolescente das camadas
empobrecidas, pelas situações produzidas em torno de suas ações. Para os setores dominantes
e conservadores são elas exclusivamente culpadas por não aprenderem os conteúdos
oferecidos pela escola; quando cometem delitos; por não se adaptarem às regras dos abrigos
ou de casa; por reagirem às amarras de um sistema cultural autoritário impresso nas relações
cotidianas; ou quando perambulam nas ruas da cidade representando “risco” à sociedade.
Cultura política legitimada estrategicamente nas camadas populares, no próprio
espaço de pertencimento das crianças. A discussão em torno da redução à menoridade penal
exemplifica tal afirmação, na medida em que são observados os membros das camadas
populares no apoio de projetos que condenam crianças e adolescentes pobres a partir de seus
atos de violência, sem levar em consideração a história de vida destes agentes, e, sobretudo da
história do país que sempre envolveu a maioria da população em um perverso contorno de
sociabilidade, na qual as tradicionais instâncias de socialização, como a família e a escola
foram paulatinamente fragilizadas.
De acordo com Souza (2003), em sociedades periféricas como a brasileira, onde
conceitua existir um habitus precário”, o que implica na existência de redes invisíveis e
objetivas que desqualificam os indivíduos e grupos sociais precarizados como
“subprodutores” e “subcidadãos”, os princípios estruturantes da sociedade brasileira o são o
personalismo e o patrimonialismo, características das sociedades pré-modernas, no Brasil, o
que ocorre é um processo de “naturalização da desigualdade”, resultado de uma bem sucedida
importação de valores estrangeiros os quais impedem a compreensão dos esquemas
estruturantes fundados no Brasil, desta forma:
A naturalização da desigualdade periféricao chega à consciência de suas vítimas,
precisamente porque construída segundo as formas impessoais e peculiarmente
opacas e intransparentes devido à ação, também no âmbito do capitalismo
periférico, de uma ideologia espontânea do capitalismo' que travesti de universal e
neutro o que é contingente e particular (SOUZA 2003, p. 179).
Nesse sentido, as políticas de inspiração neoliberal possuem léxicos próprios,
introduzidos nas relações sociais valores que apregoam competência máxima aos que
governam, cabendo aos demais apenas referendar suas análises, sem o aporte de uma
fundamentação crítica. Situação fundada no Brasil desde, o século XVI, quando os jesuítas
definiam os homens e mulheres, que aqui habitavam, como sujeitos ignorantes, sem cultura e
sem alma, sendo as crianças caracterizadas de “papel blanco” ou “cera mole”, ou seja,
propícias para serem moldadas ou dirigidas. Compreeno que ainda regula a lógica de
instituições e agentes sociais na contemporaneidade, pois foram redesenhadas e
potencialmente incorporadas, conforme Souza (Ibid), no inicio do século XIX, como
resultado de um efetivo processo de modernização de proporção ampla que favoreceu a
naturalização da desigualdade social no Brasil por meio da eficia de valores e instituições
também modernas.
A rede de sociabilidade pela qual as crianças das camadas pauperizadas foram
submetidas em períodos bem longínquos parece ter sido bem orquestrada, cultivando em
períodos mais recentes princípios semelhantes vistos como naturais e característicos da
essência do povo brasileiro. Mentalidade que influenciou formas de abordagem nas ciências
sociais e norteou as práticas poticas verificadas na atualidade.
Assim, foi tornando-se naturalizada a idéia de que as crianças das famílias das
camadas populares podem morrer no tráfico de drogas, no Rio de Janeiro; mutiladas nas
olarias, de Abaetetuba
43
; protagonizarem o turismo sexual, na orla de Fortaleza; ou serem
subjugadas nas instituições públicas a partir da formação de estigmas que delimitam seus
poderes e suas vidas.
43
Cidade do estado do Pará que tem como principal atividade econômica o fabrico de peças de barro (telhas e
tijolos) para construção de casas. Cidade que tem registrado a violência contra crianças, as quais realizam
trabalho usando um instrumento chamado de maromba, peça em ferro que serve para misturar o barro, mas que
também serve para mutilá-las.
Para Faleiros (1999), a “nova” ordem mundial reduz o papel do Estado através da
desresponsabilização com incremento de políticas públicas eficazes no combate à
desigualdade social, mas fortalece a livre circulação do capital que aprofunda tal
desigualdade, assim como, produz uma cultura fragmentada das relações sociais. Nesse
sentido alerta que:
A cultura, que constrói e articula significados, é uma porta de abertura e um
dos fundamentos para que se possa enfrentar a fragmentação da sociedade,
dimensão que todos os autores consideram fundamental para entender nossa
época: fragmentação do sujeito, fragmentação das políticas, fragmentação
das famílias, fragmentação das religiões, fragmentação das relões de
vizinhança, fragmentação do Estado com a sociedade, para citar alguns
exemplos. É no conjunto de significados que as fragmentações podem ter
visibilidade estratégica para a sua superação na ação. (p.166)
Baseada nessas discuses é preciso enfatizar que, enquanto o Estado estiver
produzindo poticas públicas pautadas na centralidade do mercado, em detrimento dos
sujeitos que vivenciam a ação potica cotidianamente, as relações entre os homens tendem a
enfraquecer e se deteriorar. E nos espaços de socialização, caso os agentes não estejam
seguros de seus posicionamentos, tendem a incorporar a lógica de que, estão nos sujeitos
circundantes as responsabilidades pelas desigualdades produzidas na sociedade. E as crianças
que estão no meio desse jogo, caso sejam socializadas por esses princípios poticos, podem
absorver tais comandos, uma vez que as poticas dirigidas a elas, traçam geralmente como
meta, promover a integração das crianças à sociedade.
4.2. Paradoxo da política para criança
Embora seja possível apontar avanços na quantidade e elaboração de políticas
para a infância no Brasil, em suas execuções podem ser reveladas as contradições presentes
nas concepções das propostas. O mais freqüente e revelador concerne à relação adultocêntrica
alojada nas concepções das políticas, a qual embasa outras referências, tais como:
• A não participação das crianças na elaboração e planejamento das poticas, quando
deveriam ser as principais proponentes das ações.
• As crianças são vistas como agentes sociais incapazes de produzir conhecimentos
válidos para refletir as questões que lhes afligem.
• A meta dos projetos é quase sempre a integração, em vez da construção da autonomia.
Comumente as crianças são enquadradas em projetos que não refletem suas
necessidades e desejos e ainda são culpabilizadas se não se adaptam aos mesmos.
• A ênfase quase sempre é a competitividade, em vez da valorização da auto-estima, da
centralidade no sujeito.
• O problema potico é a exclusão das crianças, enquanto deveria ser a construção da
desigualdade social.
• As crianças não são ouvidas quando há avaliação e monitoramento dos serviços
oferecidos. Assim as poticas tendem a preservar modos arcaicos na condução das
atividades. Nesta perspectiva, estão às ações de formação da criança para e pelo
trabalho.
• São atendidas de forma isoladas por meio de ações que não potencializam a relação
familiar/geracional/social (juventude, família, idoso e comunidade/ territorialidade).
• São inseridas em programas e projetos setoriais fragmentados que, quase sempre não
alcançam os objetivos definidos em seus documentos (plano de ação), principalmente
aqueles que objetivam resolver a situação de pobreza da criança e da família inserindo-
lhes em Programas de Renda Mínima (que duram em torno de um a dois anos), após sua
conclusão, as famílias procuram participar de outros programas para minimizar a perda
do recurso, acabam ficando presas a uma engrenagem perversa e contínua.
Nas políticas dirigidas às famílias, são as crianças que acabam sendo o mote principal
para que as famílias fiquem subjugadas ao programa em que participam, sendo muitas
vezes ameaçadas de corte da prestação do serviço socioassistencial, se não agirem com
suas criaas de acordo como as condicionalidades dos projetos e programas, as quais
foram determinadas de forma unilateral, pelos técnicos elaboradores da política.
Tais constatões impactam na viabilidade da construção de projetos societários e
mudanças poticas no país, uma vez que as famílias ficam sujeitadas às orientações dos
agentes que executam tais poticas. A maioria das famílias passa a agir de acordo com o que
é estabelecido pelo projeto ou programa em que está envolvida, destruindo as possibilidades
de se constituir processos de autonomia, liberdade e potencialidades.
Estas estratégias também orientam a condução das famílias e agentes que ainda
não foram alcançadas pelas poticas. Em Belém, os educadores sociais de rua e técnicos
44
do
Projeto Educação Social de Rua
45
, da FUNPAPA, observaram que algumas crianças que
estavam nas ruas na cidade, principalmente nos sinais, esmolando, tinham sido orientadas pela
própria família a permanecerem no local durante a passagem dos educadores, para que fossem
cadastradas no projeto, e posteriormente acessar ao Programa Bolsa Familiar para a Educação
(Bolsa Escola municipal).
4.3. Algumas estratégias de enfrentamento
Seria fundamental, que as ações dos programas, projetos e serviços públicos
dirigidos às crianças pudessem deflagrar processos de socializações formativos que
favorecessem interações críticas e harmoniosas entre os agentes sociais envolvidos, a fim de
potencializá-los para uma atuação na sociedade de forma consciente e crítica, combatendo-se
os esquemas que produzem estigmas, discriminação e a mortificação social dos grupos
marginalizados.
44
Comunicação realizada durante as Rodadas de Monitoramento do Projeto Educação Social de Rua no ano de
2000 (cf. Relatório de Monitoramento do Projeto Educação Social de Rua PESR, 2000).
45
O PESR funcionava com uma sede fixa situada no bairro do Comércio e atuava diretamente nas ruas da
cidade, além da definição de treze pólos de atuação diária: Ver-o-Peso, Nazaré/Presidente Vargas, Doca de
Nesta perspectiva, existiria possibilidade de se delinear estratégias para a
superação das tramas potico-ideológicas constituídas historicamente pelos organismos de
poder e dominação, bem como, a captação das múltiplas formas de resistências para o
reconhecimento e enfrentamento dos dilemas sociais. Nos dizeres de Iamamoto (1999):
Dar conta dessa dinâmica (...), parece ser um dos grandes desafios do presente, pois
permite dar transparência a valores atinentes ao gênero humano, que se torna cada
vez mais opaco no universo da mercantilização universal e do culto do
individualismo
. (p. 28).
Desafio que deveria ser iniciado a partir de mudanças estruturais, refletindo nos
procedimentos de formulação das poticas públicas e na orientação das relações entre os seres
humanos. Segundo Souza (2003), não é possível compreender a sociedade brasileira sendo
estruturada por princípios pré-modernos como o capital social de relações pessoais, os
princípios estruturantes são os capitais econômicos e culturais. Porém, destaca o autor, as
relações sociais são importantes no processo de ascensão social e para o fortalecimento da
auto-estima.
Nesse sentido, no campo das relações cotidianas poderia se vislumbrar em curto
prazo mudanças significativas, por meio da atuação política consciente daqueles identificados
como coordenadores, diretores, gestores, educadores, técnicos, “especialistas” das questões
sociais, que são responsáveis oficiais pela execução das políticas. A partir da mobilização e
fomento da participação efetiva de todos os agentes sociais envolvidos nos programas,
projetos e serviços, garantindo àqueles historicamente considerados sem condição de propor e
gerir ações, de serem efetivamente sujeitos das políticas que lhes afetam.
Para Almeida (2004), inicialmente, seria fundamental romper com as formas de
identificações estabelecidas nos documentos oficiais das políticas, os quais os agentes
(usuários da potica) são “reconhecidos” como: beneficiários, favorecidos, público-alvo,
carentes, desprovidos, necessitados, desestruturados, desqualificados, delinqüentes e
Sousa Franco, Terra Firme/Guamá, espaço de Ceasa, Barreiro/Sacramenta, Pedreira, Bengui, Val-de-Cans,
incapazes. Situação que o respeita a identidade das pessoas e dos grupos atingidos
principalmente pelas políticas governamentais. Assim ressalta:
Essa é uma ruptura importantíssima, pois é imposvel que continue a serem
tratados tão só como “objeto de políticas sociais”, definidos de fora, sem
consciência e sem identidade que não seja aquela que as próprias políticas lhes
impõem. Insistir nestas classificações externas é correr o risco de estar
“substantivando” aquilo que as políticas de inspiração neoliberal esperam que os
servidores façam, ou seja, somente aumentando a iluo de estar “acabando com a
pobreza” que, na verdade neste contexto não pode ser eliminada, posto que é
intrínseca e funcional a estas políticas. (p. 48).
Fortalecer a identidade dos sujeitos envolvidos na dinâmica dos espaços públicos,
pode auxiliar na incubação de novos hábitos sociais, os quais podem ajudar a compreender o
que delineia a forma de agir do Estado e do mercado. No sentido, de repensar e propor
estratégias de enfrentamento, que superem as questões desumanas vividas no passado, as
quais são permanentemente avigoradas no presente e mediam o comportamento “ético” das
relações sociais.
Pois, conforme ressaltado por Azevedo (Ibid., p.05), a “Importante dimensão que
se deve considerar nas análises é que as poticas públicas são definidas, implementadas,
reformuladas ou desativadas com base na memória da sociedade ou do Estado”. Memória que
certamente a sociedade brasileira tem em demasia, mas em detrimento pouca base teórica para
sua interpretação, ficando o estado das coisas no âmbito da aparência, do senso comum.
Assim as poticas públicas são produzidas como modeladoras da forma de pensar e agir de
homens e mulheres, tornando as relações sociais opacas, a partir da construção da indiferença
com o outro e pela banalização das necessidades intrínsecas da condição de ser humano.
Por essa lógica, pode se considerar que o desdobramento das poticas não
contribui, dentre outras questões, para o fomento da participação consciente dos agentes
sociais na gestão dos serviços, pois acabam em defesa da poão de sua referência,
inviabilizando o fomento de poticas societárias. Contudo, alguns estudiosos apontam à
Entroncamento, Orla de Icoaraci, Orla de Mosqueiro e Orla de Outeiro.
necessidade do incremento de poticas focais, para que sejam recuperadas perdas históricas
de alguns segmentos da população. Por exemplo, a garantia das cotas para o ingresso de
negros no ensino superior, haja vista o tratamento dispensado para esses agentes sociais na
formação do estado brasileiro.
Apesar do registro de metodologias participativas extraídas das experiências
46
de
muitas cidades brasileiras, ainda prevalece o imperativo das práticas autoritárias com um
distanciamento entre elaboração, execução e “participação”. Poucos ficam com o poder de
pensar, outros em maior número de executar, enquanto que a grande parcela da população é
reconhecida como público participante ou “público-alvo”. Participação pensada como
sinônimo de agentes passivos, alheios na construção de suas histórias e não desejantes de
tomar parte das ações que estão em sua volta.
Outra questão a ser ponderada nessa reflexão, diz respeito ao controle e a
democratização das informações na gestão dos serviços públicos. Com a necessidade inicial
de reverter à lógica da percepção do espaço público como espaço de apropriação privado,
onde se regularizam as práticas clientelistas, autoritárias e populistas. Situação que tornam
opacas os contornos da perpetuação de dominação, bem como a construção de formas de
combatê-las.
Nesta perspectiva a participação da população nos espaços em que se desenvolvem
poticas públicas tem de ser um direito real, se constituindo como uma das armas em favor da
classe popular, por meio da mobilização social; da formação permanente para a construção de
conhecimentos; do registro de saberes e experiências produzidos no interior dos espaços; do
controle social pela “própria” sociedade; da investigação dos objetos sociais, e o travamento
46
A exemplo da prática do OP (Orçamento Participativo), um instrumento de viabilização da participação da
população na decisão das políticas a serem implementadas na cidade. Práticas desenvolvidas pelos governos do
Partido dos Trabalhadores (PT) nas cidades como: Porto Alegre (RS), Belém (PA), Recife (PE) e Ribeirão Preto
(SP).
de luta que culmine com a intenção e a ação de se construir uma sociedade estruturada com o
poder de ser fraterna e digna para a vivência de seres humanos.
V. A Política de Atenção à Criança em Belém
Quem leva o papagaio às nuvens não é o menino que o
solta. È o vento. Não é preciso correr. Vindo o vento, é
só soltá-lo e dar linha. Tendo o vento, ele vai até as
nuvens. (...) Para subir às alturas é preciso que o
papagaio tenha alguém que o segure na terra. Sem essa
âncora ele cai.
(Rubem Alves)
A maioria das crianças está perdendo espaços significativos de socialização, os quais
oportunizariam a ampliação da cultura em diversos donios. Condição esta que, tem atingido
todas as classes sociais. Contudo,o as famílias das classes pauperizadas que, além de não
terem as mesmas condições de encaminhar seus filhos para atividades que fortaleceriam as
potencialidades cognitivas, têm visto precocemente suas crianças serem levadas ao mundo do
trabalho, retirando-lhes certamente, “o direito de poder vivenciar processos de socializações
que poderiam ser pautados pelo respeito ao seu desenvolvimentosico, intelectual e afetivo.
Estão negando-lhes o direito de serem reconhecidos como sujeitos.” (FONSECA, 2004,
p.190).
Em Belém, com os reflexos da sociedade moderna que gera, dentre outros fatores a
acelerada ocupação do solo e variados processos de violência, as crianças vêm perdendo os
campinhos de futebol, a frente da casa e a rua. Espaços que outrora serviam para as relações
entre as crianças, e entre elas e os adultos. Para as crianças da classe média e alta, tais espaços
foram substituídos pelo clube, academia, escolas de idiomas. Enquanto que para muitas
crianças pobres, têm sido os projetos sociais, desenvolvidos tanto pela esfera pública quanto
pelas entidades não governamentais.
Neste capítulo, pretendo analisar dois espaços de socialização constituídos pela
Potica de Assistência Social, na gestão do “Governo do Povo”, espaços onde educação e
assistência eram potencializadas pelas atividades artísticas e lúdicas, com a intencionalidade
de contribuir com a formação de crianças e adolescentes. Assim, espero apreender, em que
medida, as práticas desenvolvidas nestes espaços conseguiram romper com o enfoque da
formação para e pelo trabalho.
Considero necessário assinalar primeiramente, como a Potica de Atenção à
Criança foi conduzida na cidade de Belém, através da FUNPAPA, destacando alguns períodos
de gestões anteriores a 1997 - 2004, a partir de recortes que dão visibilidade a sua estreita
relação com o mundo do trabalho, refletida na forma da organização das ações direcionadas às
crianças.
A intenção não é fazer comparações, mas sim dar visibilidade às práticas que são
direcionadas às crianças, possibilitando algumas reflexões em torno de seus efeitos no
cotidiano das famílias, da comunidade e da própria instituição que realiza a potica.
5.1. O desenho da Política de Assistência Social e sua relação com o mundo do
trabalho
A FUNPAPA, desde sua fundação
47
, no ano de 1966, tem registrado o incentivo à
organização e manutenção de atividades para crianças e adolescentes de cunho orientador à
formação para o mundo do trabalho. Apesar de poucos registros documentais das gestões que
passaram pela instituição, concernentes as duas primeiras décadas de sua existência, a
memória dos servidores, os mais antigos, revela ter sido esta a principal tônica da formação
dos agentes sociais atingidos pelas ações socioassistenciais implementadas na instituição,
principalmente aos grupos geracionais composto por crianças, adolescentes e jovens.
Na gestão coordenada por Rosemary Felippe Jorge
48
, no período de 1985 a 1988,
sob coordenação do prefeito Coutinho Jorge, na gestão municipal denominada de “Ação e
Participação de Todos”, aparece destacado no documento “Estrutura das Atividades – Um
47
Fundada em oito de maio, por meio da Lei 6022 na gestão do prefeito Stélio de Mendonça Maroja tendo como
um dos seus objetivos: “estudar os problemas de desajustamento social do município e os serviços assistenciais
correspondentes, bem como planejar e executar a Política de Assistência Social no município, realizando
articulação com setores privados e com eles cooperar”. (Diário Oficial do Município, 1966, p. 4).
48
Presidente da FUNPAPA.
programa social com a participação de todos”, o principal programa para o atendimento da
faixa etária de sete a dezessete anos – o Programa GRAMA (Grupo de Apoio ao Meio
Ambiente), o qual tinha como objetivo:
Oferecer à criança na faixa etária entre 7 a 17 anos formas alternativas, de
desenvolvimento profissional e cultural integrando o menor ao meio ambiente
em que o menor é treinado para preservar a natureza e os espaços sicos e
equipamentos públicos destinados ao lazer da população. As crianças do GRAMA,
em quatro horas diárias desenvolvem ações voltadas à informação turísticas e a
preservação da fauna, flora dos monumentos públicos, etc., existentes em
logradouros de Belém. (FUNPAPA. 1986). [grifo nosso].
Fica explícito, no objetivo do programa, a intenção de “aproveitar” as crianças (e
adolescentes) atendidas para servirem como responsáveis pela manutenção dos espaços
públicos da cidade (Bosque Rodrigues Alves, Mercado de São Braz, Museu Emílio Goeldi,
Pra. da República, Pra. Felipe Patroni, Pra. Batista Campos, Complexo de Val-de-Cans, orlas
de Icoaraci e Mosqueiro), a partir da inclusão destes agentes em frentes de trabalhos
constituídos formalmente, os quais demandavam a presença de um servidor (público) por seis
horas dias, equivalentes há trinta horas semanais. Nota-se que, a formação estava pautada não
para o trabalho, mas sim, pela própria realizão dele.
Apesar do período, ser anterior à instituição do Estatuto da Criança e do
Adolescente se observa que, a gestão não estabeleceu uma distinção de atividades para
crianças e adolescentes, uma vez já haver nesta década, acúmulo teórico e jurídico na
compreensão das peculiaridades a serem observadas no trato com crianças, bem como para a
instituição de políticas públicas direcionadas a elas.
A gestão que coordenou a FUNPAPA, no período de 1989 a 1992, que teve como
principal dirigente Sônia Antunes Renda
49
, manteve o Projeto GRAMA com as mesmas
características definidas pela gestão anterior. Contudo, foi observado no Relatório de
49
Presidente da FUNPAPA, na gestão compartilhada entre Sahid Xerfan (1989-1991) e Augusto Rezendes
(1991-1992). Nesse período também estiveram coordenando a instituição as primeiras-damas Margarida Xerfan
e Ruth Rezendes.
Atividades de 1990 a orientação para que as crianças de zero a seis anos participassem do
Programa Creches Municipais; as de sete a treze anos, das atividades nas Unidades
Operacionais em oficinas de arte-educação; e os adolescentes de quatorze a dezessete anos do
Projeto GRAMA. Ainda assim, a partir dos dozes anos, as crianças eram estimuladas a
participarem das atividades do GRAMA. Isto é possível de ser observado quando neste
mesmo relatório é ressaltado que as criaas que desenvolviam atividades nas Unidades
Operacionais, ao completarem quatorze anos já estariam aptas para ingressar no Projeto
GRAMA.
As crianças de doze anos e os adolescentes de treze anos são inscritos em uma lista
de espera e são orientados como funciona o projeto e como eles devem se
comportar. Quando completam quatorze anos já podem participar do Projeto
GRAMA. (FUNPAPA, 1990, p.05).
Além da manutenção do GRAMA, a gestão implantou, em 1987 o Projeto GIT
(Grupo de Iniciação ao trabalho), o qual tinha como objetivo as seguintes orientações:
(...) desenvolver atividades laborais condizentes com a faixa etária dos adolescentes,
mantendo prevalência do aspecto pedagógico sobre o produtivo, conforme exige o
Estatuto da Criança e do adolescente – Art.68. As atividades executadas estão
relacionadas às diversas áreas de trabalho: hotelaria, supermercado, restaurantes,
bancos e órgãos públicos. A forma de relação entre a instituição e as áreas de
trabalho se deu através de convênios com as empresas, assegurando uma bolsa de
aprendizagem (no valor de ½ salário mínimo), vale transporte, auxílio alimentação e
garantia de uma carga horária de, no máximo, quatro horas de atividade,
permitindo ao adolescente a freqüência escolar. (CAMINHOS DA
ASSISTÊNCIA, nº. 03, 1996, p.30).
Analisando o caminho traçado pela Potica de Assistência Social, na cidade de
Belém, recupera-se algumas imagens referenciadas na compreensão das poticas dirigidas à
infância e à adolescência, fundadas no final do século XIX e inicio do século XX, nas quais a
permanência de crianças e adolescentes emões instituídas pelo aprendizado do trabalho,
faziam parte das estratégias da educação do povo, sobretudo, as crianças e os adolescentes das
camadas pauperizadas. A partir de ações de caráter moralizador e saneador, com o intuito do
controle social, a partir da constituição de um conjunto de ações que, pela força ou através da
inculcação deveriam fazer parte do universo do atendimento das crianças e adolescentes
pobres. (RIZZINI, 1993).
Na gestão, de 1993 a 1996, coordenada por Adelaide Júlia Soares,
50
foram
ampliadas as ações nas quais crianças e adolescentes eram socializadas por meio das
atividades pautadas na formão para e pelo trabalho. Esta gestão desconsidera
significativamente as determinações deflagradas em torno da instituição do ECA (em 1990).
A FUNPAPA, além de manter os Projetos GRAMA e GIT, criou o Projeto Jornaleiro, Projeto
Picolezeiro, Projeto Jardineiro, Projeto Guia dos Viajantes e o Projeto Serviço da Área deo
Brás (SITERBRAS); e os Grupos de Produção de picolé, vassoura, serigrafia, marcenaria e
panificação; e as Oficinas de corte e costura, manicure e pedicure, passadeira doméstica,
auxiliar de mestre cuca, garçom e garçonete, confeiteiros, bijuterias e sandálias, estas
realizadas nas Unidades Operacionais da FUNPAPA, distribuídas em sete bairros periféricos
da cidade de Belém.
No último ano da gestão (1996), foi inaugurado o Liceu de Arte e Ofícios Ruy
Meira, com intuito de consolidar as ações de formação para o trabalho, na FUNPAPA, onde
eram oferecidos cursos para adolescentes, jovens e adultos, denominados como: Factótum I -
Reparos Residenciais (pedreiro, hidráulica, carpintaria, eletricidade e pintura); Factótum II –
costura em geral; e Factótum III – cursos livres para organização de festa.
Os projetos e ações ligados a formação para e pelo trabalho integravam o
Programa de Promoção pelo Trabalho, o qual também abarcava o Projeto Ligue Serviço
FUNPAPA que objetivava “ser canal de intermedião e facilitação dos contatos entre a
procura e as ofertas de mão-de-obra.” (CAMINHOS DA ASSISTÊNCIA 3, 1996, p. 51).
Nesta publicação, vem ressaltada que o Ligue Serviço foi significamente acessado pela
50
Presidente da FUNPAPA durante a gestão municipal denominada “Caminhando com o Povo” sob a dirão do
prefeitolio da Mota Gueiros.
população de Belém, a procura de serviços. No âmbito comercial, a maioria das solicitações
partia de hotéis, restaurantes e churrascarias.
Observa-se que neste período, já havia em âmbito nacional, um cuidado para que
as crianças não participassem de atividades desenvolvidas, principalmente, pelo trabalho,
considerando-se o prejuízo para a formação intelectual desses agentes sociais. Contudo, nas
Unidades Operacionais, onde eram desenvolvidas as atividades denominadas de arte-
educação e cursos e oficinas de formação para o trabalho, era observada a compreensão de
que todas as crianças que estavam nas outras oficinas, as de arte-educação, ficavam ansiosas
para completar a idade para que seu nome fosse registradona lista de espera” para os cursos
de formação para o trabalho. Criando-se, inclusive uma espécie de moeda de troca. As
crianças bem comportados, seriam as primeiras a serem selecionadas, ao completarem a idade
exigida (quatorze anos).
Nos casos em que o comportamento da criança não era aceitável pelos técnicos
responsáveis pela seleção, as mesmas poderiam ter seus nomes excluídos da “lista de espera”.
Atitude que, além de reforçar uma lógica pautada pela hierarquização das atividades
desenvolvidas no espaço, fomentava entre as crianças a competitividade, o medo e a sujeição
à vontade unilateral do adulto.
Todavia, as ações desenvolvidas pela FUNPAPA, neste último período, eram
consideradas valoráveis, por um significativo número de servidores, para a formação das
crianças e adolescentes atendidos pela instituição. Nos relatórios são recorrentes os
indicativos de que as ações eram importantes uma vez que “os projetos oportunizavam às
crianças e adolescentes serem capacitados para desenvolverem alguma atividade laboral, e
assim contribuir para melhoria da qualidade de vida”. (FUNPAPA, 1996).
Convém, no entanto, ressaltar que tais indicativos desconsideravam que as
atividades socializadas com as crianças e adolescentes por meio dos procedimentos pautados
pela formação para e pelo trabalho prejudicavam o desenvolvimento destes agentes em outras
áreas fundamentais, principalmente a escolar. Muito deles, exerciam atividades nas ruas em
condições precárias
51
. Situação que chamou atenção de alguns profissionais e estudiosos da
área, conforme Torres (2004, p.246):
Tais projetos executados pela Funpapao tinham em sua concepção a
superação das condições vividas pelas crianças e adolescentes atendidos e
suas famílias, uma vez que se constituíram em ações isoladas e
desarticuladas, que mantinham adolescentes no espaço das ruas, em
atividades de trabalho. (...) Além de manter os que estavam nas ruas,
agora sustentados pela política institucional, essas ações promoviam a ida de
outras criaas e adolescentes para esses espaços.
Meninos do Projeto Picolezeiro aguardando o abastecimento dos produtos de venda.
51
A exemplo, o Projeto Jornaleiro levava dezenas de crianças às ruas da cidade, alguns tinham que acordar
muito cedo para estarem no prédio da Funpapa localizado na área comercial, às 06h30min, quando recebiam
material (jornal) para venderem nas ruas. Alguns relatos das crianças e adolescentes feitos para os técnicos da
Unidade de Atendimento Nossa Oficina, indicava que a atividades realizadas pelas crianças era excessivamente
cansativa e prejudicava a relação com a escola.
Situação também ressaltada por Matos (2004, p.104 e 105):
No ano de 1997, quando o Governo do Povo assume a gestão municipal, foram
encontradas situações comprometedoras, como a execução dos Projetos Pequenos
Jornaleiros e Grupos Picolés, por envolverem crianças e adolescentes em situação de
trabalho, desrespeitando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como
também não havia sido implantado o Conselho M.1(,)-27.1(,)-2 ipa de A sit(i)-23.2(a)-23.8(SP)-6.8(o)8.5((i)-23.2(a)-23.8el)-23.2( )]TJT*0 Tc008373 Tw[(CMs,doFondoMsunicipal deCAssistnciaSocial(Fomase PanoMsunicibal de
angustia que sentia ao ver o filho sair de casa as 05h30min, ficando exposto aos perigos da
rua.
Meninos do Projeto Jornaleiro, aguardando para serem levados aos pontos de venda de jornal.
(Arquivo FUNPAPA).
Para Castel (2004), alguns procedimentos realizados pelas equipes de projetos
sociais, mesmo de forma questionável, não são merecedores somente de críticas negativas,
pois as atitudes de muitos trabalhadores envolvidos nesses projetos possuem o mérito
incontestável pela atitude de não se deixar:
(...) resignar ao abandono definitivo das novas populações colocadas pela crise em
situação de inutilidade social. Em relação à assistência tradicional, elas apresentam
também o mérito de continuar um trabalho, cujo objetivo é sua integração na
sociedade (p.27).
Castel caracteriza as poticas sociais como estratégias restritas no tempo, que
operam como mediadoras de regulação, para adaptação da população ao novo cenário
econômico, que se altera conforme sua necessidade. Por essa acepção, seria possível aferir
que as equipes que atuavam, e ainda atuam, nos espaços socioassistenciais compreendem,
mesmo que de forma embrionária, o papel que desenvolvem junto aos usuários das poticas,
que mescla o sentido de tentar potencializar a inclusão (integração) desses agentes em ações,
que os ajudem na sua sobrevivência, e a percepção de que o cenário social não é alterado
mediante suas estratégias.
Nesse sentido, a ação política que vem sendo desenvolvida nos espaços
socioassistenciais não possibilita, ou limita a discussão em torno dos direitos sociais, uma vez
que, a preocupação central das poticas sociais têm sido a de suprir a necessidade dos
agentes, no sentido de prover meios para a sua integração à sociedade, mesmo que de forma
precária. Situação que favorece o fortalecimento de uma conjuntura social pautada pela
sujeição, dos agentes considerados vulneráveis, às condicionalidades dos poderes dos grupos
dominantes.
5. 2. A mudança de paradigma: a política do “Governo do Povo”
Em 1997, deu início a nova gestão no governo da cidade de Belém do Pará, tendo
à frente uma coligação de partidos de esquerda
53
. Gestão nomeada de “Governo do Povo”,
que trazia como premissa, a idéia de se constituir na cidade uma gestão política democrática,
pautada para inverter a lógica da formulação e execução de poticas públicas implementadas
pelos governos municipais precedentes. Com o objetivo de possibilitar aos munícipes o acesso
com qualidade aos programas, projetos e serviços ofertados por esta esfera de poder.
Desiderato que refletia e amalgamava as expectativas da população em geral, mas,
sobretudo, dos movimentos sociais, que havia direcionado imprescindível energia para que a
esquerda conquistasse a gestão da cidade. Essa mobilização também foi sentida pelos
trabalhadores da assistência, alguns foram de imediato procurando participar dos processos de
discussões, contribuindo com idéias e, ou avaliando o processo que acabara. Outros, no
53
Na gestão 1997- 2000: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido
Popular Socialista (PPS) e Partido Socialista Brasileiro (PSB). Na gestão 2001-2004 o PPS não integrou o
governo.
entanto, se posicionaram mais no sentido da espera, não participando efetivamente das
atividades iniciais da nova gestão.
Sob a coordenação da Secretaria Municipal de Gestão e Planejamento (SEGEP),
foi realizado o Planejamento Estratégico Situacional
54
(PES), que culminou com a definição
de sete “Marcas de Governo” – Dar Futuro às Crianças, Saúde para Todos, Sanear Belém,
Revitalizar Belém, Transporte Humano, Participação Popular e Valorização do Servidor
Público, marcas que deveriam orientar as ações de cada órgão. Nesta nova organização, coube
a instalação do Orçamento Participativo (OP)
55
. Esta nova forma de governar a cidade era
definida pelo grupo de direção do governo como o princípio da inversão de prioridades.
A inversão de prioridades compreende um projeto de desenvolvimento humano cujo
principal desafio de gestão é a questão social, assim rompendo com históricas
práticas que privilegiavam grupos dominantes locais, numa prática assistencialista,
burocráticas, fisiológicas e autocráticas. (CRUZ, apud TORRES, 2004, p.249).
Para a FUNPAPA coube a coordenação da Marca de Governo “Dar Futuro às
Crianças”
56
, a qual tinha como principal desafio atender as crianças nas poticas
governamentais, fazendo valer o Estatuto da Criança e do Adolescente. Marca que também
reuniu a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), Secretaria Municipal de Saúde
(SESMA), Fundação Cultural de Belém (FUNBEL).
Nesta condição, a FUNPAPA se reafirmava como órgão gestor da Potica de
Assistência Social no âmbito do município. E, contaria conforme pautado pela dinâmica do
novo governo, com outros órgãos municipais para promover ações que garantissem o
atendimento integral” às criaas, conforme previsto pelo Programa de Governo, para a área
54
O Método de Planejamento Estratégico Situacional foi desenvolvido pelo economista chileno Carlos Matus,
coordenador da Fundação Altadir, na Venezuela. Hoje existem no Brasil várias metodologias e técnicas
adaptadas a partir do Planejamento Estratégico desenvolvida por Matus. O mesmo foi eleito como método dos
planejamentos nos governos petistas, referendado em 1992, na ocasião do Encontro Nacional de Prefeitos do
Partido dos Trabalhadores.
55
O Orçamento Participativo correspondia a uma metodologia de planejamento dos gastos dos recursos públicos.
A sociedade era convidada a se integrar nas discussões que eram realizadas nos oitos distritos administrativos da
cidade para definir as prioridades a serem pautadas pela gestão municipal.
56
Na gestão de Sandra Helena Ribeiro Cruz (Presidente da FUNPAPA), no peodo de 1997-2004, sob a
coordenação do prefeito Edmilsom Rodrigues Brito.
da infância, a partir do incremento de ações articuladas com os órgãos governamentais e as
Organizações Não Governamentais.
Seguindo as orientações da SEGEP, a FUNPAPA instalou no segundo mês de
gestão (fevereiro de 1997) o processo de planejamento institucional. A dinâmica do
planejamento estratégico oportunizou que todos os equipamentos socioassistenciais
participassem do processo de planejar as ações da assistência. As proposições apresentadas
pelos trabalhadores delinearam consonância com as avaliações abstraídas pelos novos
gestores, que estavam naquele momento, somando com os trabalhadores efetivos. O processo
de planejamento também foi significativo para a composição das equipes e na definição das
coordenações dos projetos. Dos vinte e três espaços que foram constituídos a partir do
planejamento, dezoito ficaram sob responsabilidade do quadro efetivo da FUNPAPA.
Outro resultado do planejamento foi a identificação da missão da instituição:
“Desenvolver Assistência Social Pública aos excluídos dos direitos sociais básicos,
possibilitando o exercício da cidadania”. Missão cuja tônica pactuada no documento do
Planejamento Estratégico da FUNPAPA era de “imprimir na FUNPAPA os prinpios que
norteavam o Programa de Governo da Frente Belém Popular: a transformação da cultura
local, a democratização do Estado, a inversão de prioridades e a ampla participação
popular”. (Doc. d TD parna6-17.20( o e)-16j( q)a6-17m( q)a6-17.2( )20(tD)22.2 Et237.7((c)3.2(t2)15égi5(n))720(c)3TD par1( da 6-17.8(UNP2)15P9(t)-8(UNP2)15ado,)-11997)2(37[(.)-1 a )]TJ/TT6 1 TTf8.72 0 TDw-1 Tj]TJ/TT2 1 Tc7.16 0 -1 Tj]TJ-77.16 -2.3 TD-0.0177 Tc1.0178 Tw[( 140(É8(.)-)6.9( ( par)17.7(t)-99.3(i)1( par)17.6(.5(s18.5(s)-35..5( co)-78.5(n)37.7(t)-99ex5(n)37.7(t)-99( co)-78.6( de par)17.5(s18pec.7(t)-99.31i)1(v5(n)37a.5(s18.9( e)-)7.9( )-m3(i)1(.7(u)7)16(d2-10.7(a)-)7.5(n)37ç5(a10.7(a)-)7.5(s18.9( que )-.5(s)-35.3(i)1(.7(t)-99.7(u)7)( co)-78.a ex5(n)37de pa29)17.71i)1(ê7(a)-)7.5(n)37c7(a)-)7.71i)1(a.3( do)-72.3( )]TJT*-00.20 Tc70.29 Tw.9(P)75.5(r)1)( co)-96j( )-99et[(“)-5( co)-9620( s)-12.5(s37c( co)-96l5()-99a1(D)0 C( s5-)7.71)-99 par)97c70-99( co)-39.9 .9(P)75.5ar)97( co)-96j(3)-99et[(2“)-5( co)-962S9(P)75e70-99m(3)-99e7(a)-17.5(n)1(.7(t“)-5e.5(s37.3( do)-)7.9m71)-99a7(a)-17.5-nã70-99,( s)-92.3( cu)-96j( )-99a1(D)0 e7(a)-17x5-s37.7(t“)-5ê7(a)-17.5(n)1(c7(a)-17i( )-99a1(D)0 de7(a)-17.5(s37.5(s37a7(a)-17.5(s37 açõ cu)-96e.5(s37..5(s)-75e70-99 pa29)99.3()-99aque )-a de7(a)-17.3( )]TJT-05.20 Tc3275c0 Twro5(e)-17m)4Tc3(o5(e)-17vNP2)35.5(s37r5(t)-4( e(s37.7(19-75e7(s37nNP2)35d5(e)-17i)0r)9.3(0r)9e5(s)-75nNP2)35.7(19-75o5(e)-17 de7(s37.c5(s37r5(t)-4i)4Tc3(a5(s)-75nNP2)35ç5(s)-75a5(s37.5.)-70 e7(a3-78.a5(s37d9(e)2o5(3)-17l)4Tc3(e5(s37.5.)-70c5(s)-75e7(s)-75nNP)35.7(19-75e5(s37.5.)-70,( 7s18.9((s37..5.)-70u5(c)2.5(s37.5.)-70 re5(s37.5.)-70p5(v)2.5(e3-70c5(s37.7(19-75i3(0r)9v.5(s37.5.)-70 ue )-f5(m)15a5(s)-75míli3(0r)9.5(s47.5.)-70,( 7s18.9((s)-75m3(0r)9 u5(e)-17m)0-31.3( )]TJTD-0.0177 Tc1.0178 Tw5( co)-78.j3(i)1(.7(u)-78.5(n)37.7(t)-99( co)-78.6(7(a)17 açõ cu)-7(e.5(s18.9( qc7(a)17( co)-78.5(n)37.7(t)-99 par)17.71i)1(b5(n)37.7(u)-78í71i)1(.5(s18.5(s)-35.7(a)-8-m3(i)1(( ( par)17a)a)17 a ue )-f53Tc3(o5(u)-78 pa29)17m71i)1(a2(a co)-78.6( age.5(n)37.7(t)-99e)a)17.5(s18..5(s18a co)-78c.3(i)1(.7(a)-)7i71i)1(.5(s18 da )-2( co)-78.5(n)37.5(s18c7(a)-)7.71i)1(9( e)-)7.5(n)37.7(t)-99e)a)17.5(s18.6( .5(s18.7(u)7).7(a)-)7.3( )]TJT-199177 Tc00.01 Tw( Pr-99e)2)-75al5(n)37i5(n)37d1(N)19a)2)-75d1(N)19e)2)-75,))-19..229)1(.7(r)1)j(an)37.)3)17.7(n)17.7(tc3(o.229)1( d1(N)19e)2)-75 d.7(n)17( Pr-99e)3)17.7(n)17.7(tc3(o.229)1( e)2)-75 c)43-75o5(r)1n(c)3p1(N)19ac.7(n)17da ArnNn Pr-99an Pr-99 con aN 3( )]TJTD-0.4177 Tc9.4171 Tw.5(s88a co)-48c7(a)-65.3(i)4as88 e da nti ns88 .7(a)-67m51iants88 pa coias88 ue ants88.( s)-4620(8-46,( s)-4625(os)88a co)-48b5(n)67 partnanttias
Tratava-se de pontuar a necessidade de reverter a forma histórica da formação de
crianças (e adolescentes), visto por década, no imperativo da elaboração de políticas públicas
dirigidas a esses segmentos etários. A discussão ponderava a necessidade da formação para o
trabalho, a partir de uma perspectiva de articulação harmoniosa com outras necessidades
humanas, sobretudo, a formão escolar. Considerava-se também, que a formação pelo viés
da arte poderia ser importante para o fortalecimento de homens e mulheres construtores de
histórias sociais. Não se tratava, da sentido de arte fruto da dominação que aliena, hierarquiza
e exclui, mas a arte que conduz à aquisição de práticas libertadoras, síntese de reflexões, erros
e acertos das camadas populares que ainda resistem aos processo de integração a partir dos
interesses da dominação.
Um dos teóricos, presente nas discussões acerca do objeto de cada projeto social
era o educador Duarte Jr. que ressaltava o caráter emancipador da educação e da arte, pelo
sentido de excitar nas pessoas o processo criativo a partir do reconhecimento dos sentimentos
que cada agente social constrói em suas interações com outros sujeitos. Segundo ele:
A arte não possibilita apenas um meio de acesso ao mundo dos sentimentos, mas
também ao seu desenvolvimento, a sua educão, constitui-se num estimulo
permanente para que a imaginação flutue e crie mundos possíveis, novas
possibilidades de ser e sentir-se. (DUARTE JR., 1996, p. 59).
A escolha dos projetos, para servirem de referência neste momento, considerou
além do propósito de sua constituição, a compreensão de que eles tiveram grande visibilidade
durante o peodo referenciado no estudo. Tanto o Projeto Escola Circo, quanto o Projeto
Sementes do Amanhã, foram responsáveis pela socialização de centenas de criaas atingidas
pela Política Assistência Social.
Desta forma, mesmo havendo outras
57
ações, com o mesmo enfoque das atividades
desenvolvidas pela arte e pelo lúdico, os dois projetos podem ser considerados como uma
57
Projeto Aldeia Criança, desenvolvidos, Unidade da Terra Firme e Unidade da Atendimento do Mosqueiro
cujas ações eram referenciadas pela atividades artísticas e lúdicas.
amostra significativa na forma da condução da Política de Atenção à Criança em Belém, que
até então vinha sendo conduzida pela orientação da educação para e pelo trabalho.
É importante ressaltar que, nas gestões anteriores ao período estudado, existiam
ações com o enfoque para as atividades sócio-pedagógicas, pela arte e pelo lúdico. Todavia,
estas práticas não receberam, nos registros documentais das gestões, os mesmos destaques e
simbolismo que foi dado à formão de crianças e de adolescentes pelo enfoque do trabalho.
Enfoque que foi ressaltado nos documentos, como sendo um grande mérito das gestões.
Mérito este que também ganhou respaldo junto às famílias atingidas pela Política de
Assistência Social, bem como pelas famílias não atingidas, ou seja, aquelas que buscavam o
atendimento nos projetos, programas e serviços socioassistenciais.
Segundo Bourdieu (1998), os agentes nomeados para exercerem o poder
institucional são responsáveis pela produção do discurso que garante a qualidade e o valor das
questões que estão sendo disseminadas nas relações institucionais. Tais discursos tendem a
homogeneizar a forma como os agentes apreendem os efeitos das práticas sociais.
Dessa foram, os projetos apresentados pela nova gestão, tendo com enfoque as
atividades desenvolvidas pela arte e o lúdico, causaram, inicialmente, estranhamento às
famílias, que já estavam de certa forma adaptadas ao modelo de política instalado nos
equipamentos socioassistenciais. Pois era comum, a família buscar nestes equipamentos,
atividades para que seus filhos pudessem “aprender alguma coisa que servisse”. As famílias
chegavam procurando pelas “doutoras” (a coordenação ou as técnicas do projeto) que
poderiam resolver os “males” de seus filhos, colocando-os para trabalhar, ou aprender
alguma coisa que sirva pra vida”.
Na Unidade de Atendimento Nossa Oficina, onde estava lotada, a maiorias das
mães que buscavam o atendimento na FUNPAPA, registravam o desejo de que seus filhos
participassem de cursos e, ou, oficinas que os habilitassem a desenvolver “qualquer” função
no mundo do trabalho. Estas mulheres (mães e avós), em grande maioria, eram as únicas
responsáveis pela educação dos filhos. Dessa forma, se preocupavam com um possível
envolvimento deles em ações criminosa. Entendiam que a forma de contê-los seria por meio
do trabalho. Esta compreensão, em certa medida, justificava também a organização das ações
institucionais, pois nos documentos oficiais aparece descrito a consonância das atividades a
partir da procura do usuário pelos serviços socioassistenciais.
Ao ser traçado um mapa, considerando alguns projetos e programas desenvolvidos
na década de 1990 (e inicio de 2000), concernente ao período da gestão 1993 a 1996, e a
primeira gestão do “Governo do Povo”, 1997 a 2000, fica evidente uma transição de enfoque,
dado ao atendimento em cada gestão.
Alguns programas e projetos implementados pela Política de Assistência Social em duas
gestões distintas (quatro anos cada)
PRINCIPAL ENFOQUE
GESTÃO 1993-1996
GESTÃO 1997-2000
1993-1996 1997-2000
Projeto Grama
Projeto Escola Circo Trabalho Arte
Projeto GIT
Proj. Semente do Aman Trabalho Arte
Projeto Picolezeiro
Projeto Aldeia Criança Trabalho Arte
Projeto jornaleiro
Programa Bolsa Escola Trabalho Educação
Projeto Guia dos Viajantes
Projeto Fazendo o Futuro Trabalho Educação
Projetos oficineiros Navais
Projeto Atleta Olímpico Trabalho Esporte
Projeto Siterbrás Projeto Educação, Trabalho
e Cidadania
Trabalho Trabalho
Projeto Menino do Canto Projeto Educação Social de
Rua
Atendimento
Especializado
Atendimento
Especializado
Fonte: FUNPAPA (Caminhos da Assistência n° 3, 1996 e Relatório de Gestão 2000)
Este quadro ratifica, que as principais ações desenvolvidas no período anterior a
1997, estavam focadas na proposta de formação dos usuários da assistência social, para o
trabalho. Segundo Rizzini
58
(comunicação verbal, 2004), esta é uma tradição das poticas de
assistência, a qual tem sido a de integrar seus usuários na dinâmica do mercado e da
sociedade, utilizando-se das ações e metodologias socioassistenciais como estratégia para
possibilitar tal intencionalidade.
No modo de produção capitalista, para as camadas populares, essa integração
tende a ser pela via única do trabalho, através do reforço contundente do valor do trabalho
para a reprodução da vida material. Isto gera, segundo Leal (1989), um tipo de hierarquização
das necessidades humanas, onde o trabalho estaria em primeiro plano e as demais
necessidades submetidas a esfera do trabalho. Desta forma, pra vida acontecer é necessário
que o trabalho aconteça. E, conforme já pontuado por Castel (2004), como o trabalho a cada
tempo tem ficado mais escasso, não está disponível a todos, a tendência é que a vida, em
sentido amplo, não aconteça para a maioria das pessoas.
A compreensão da utilização dos espaços socioassistenciais, como ambientes de
preparo dos agentes de qualquer idade para o mundo do trabalho, revela uma tenncia que
vem se fortalecendo na história brasileira, atrelada à forma de pensamento da formação dual,
na qual se tem reforçada a lógica de que, para os filhos das camadas pauperizadas cabe a
ocupação em frentes de trabalhos consideradas desvalorizadas, para os filhos das classes
abastadas. Desta reflexão, cabe um amplo debate e possibilidade de se extrair variadas
temáticas, contudo, destacaria a ponderação sobre quais as intencionalidades da Potica de
Assistência Social ao intervir na vida dos agentes sociais por ela atingidos, ao propor uma
formação focada no trabalho, e, sobretudo, por meio de uma formação precária.
Agentes sociais estes, que ao buscarem esta política, desejam apoio para srem de
uma condição, que não tem favorecido a uma sociabilidade de encontros com suas
expectativas de vida e de mundo. Meio a essa discussão, sinto a necessidade de retomar a
58
Informação socializada durante as aulas da professora Irene Rizzini no Curso de Especialização em Pesquisa e
Gestão de Políticas Governamentais Dirigidas à Família, à Criança e ao Adolescente.
questão da desigualdade social, que segundo Souza (2006), é o tema que deve ser recorrido
para a compreensão dos condicionantes potico-ideológicos que atuam nas relações
institucionais produzindo e fortalecendo valores e hábitos, que servem para alienação dos
agentes que são atingidos pelas poticas, produzidas meio a esses condicionantes. Segundo
ele, a herança da sociedade escravocrata permeia as relações sociais e converte o pensamento
em torno do “dependente de qualquer cor”. Para o autor o “dependente de qualquer cor” tem
recebido na sociedade moderna status social parecidos com o dos negros no período
escravocrata. Tais compreensões permeiam a lógica das relações sociais e institucionais.
Uma vez observadas tais ponderações, sigo ao encontro dos espaços escolhidos,
tendo a intenção de apreender como a Potica de Atenção à Criança redimensionou suas
ações, e em que medida esta potica contribuiu com para o enfrentamento da cultura que
naturaliza o envolvimento da criança pauperizada em processos de socialização que servem
para a alienação do sujeito com o mundo e com o outro.
5. 3. O Projeto Escola Circo
A idéia de uma Escola Circo surgiu com uma trupe circense formada por Arnóbio
Novaes, Benegilma Sagica, Manoel Silva e Ruy Raiol, os quais desde crianças sabem do
encantamento que o circo exerce sobre as pessoas. Apresentaram à Prefeitura uma proposta –
desenvolver atividades circenses para crianças e adolescentes que faziam da rua seu principal
espaço de vivência e convivência. Preocupados com a forma que as crianças e adolescentes
vinham se relacionando com o espaço das ruas, procuraram a Funpapa e projetaram
possibilidades de ser iniciada uma parceria. A idéia daquela trupe que a outros governos
pareceu sem valor
59
, em 1997, conseguiu seu espaço.
(GEPIA/UFPA/FUNPAPA).
59
A trupe informou que já havia apresentado a proposta a outros governos (municipal e estadual), porém,o
receberam apoio.
O Projeto Escola Circo tinha como principal linguagem artística a arte circense.
Seu objetivo central era contribuir com a formação de crianças e adolescentes na faixa etária
de sete a dezessete anos, pertencentes a famílias de baixa renda, por meio da inserção destes
agentes em ações que possibilitasse o acesso a uma rede de serviço, como forma de
apropriação de seus direitos como cidadãos: acesso à educação, à alimentação; à apreensão e
recriação de saberes; e o fortalecimento dos laços familiares como consolidação desses
direitos (FUNPAPA, 1997).
Ao ser reescrito o documento do projeto no ano de 2000, por toda equipe, o item
objetivo ganhou mais informações:
Utilizar as técnicas circenses, e de outras linguagens artísticas, como teatro, dança,
sica e artes plásticas para propor alternativas de engajamento na sociedade de
forma consciente, referendando as potencialidades dos agentes sociais e a
socialização de conhecimentos produzidos historicamente, para que se possa exercer
cidadania.
As crianças chegavam ao espaço, tanto pela manhã, quanto pela tarde e
participavam de um acolhimento, no qual recebiam um lanche, que poderia ser uma fruta,
biscoito com suco ou leite, ou uma bebida quente (mingau, café com leite ou chocolate). Este
momento se fazia importante para a ambientação de cada um com o grupo, ou com os grupos
presentes no espaço, momento de socializar as experiências vividas em outros espaços, contar
histórias, ensinar e aprender brincadeiras. Os educadores acompanhavam este momento e se
apropriavam de várias informações, relativas aos contextos das crianças.
Após este momento formavam-se as oficinas, ocupando os espaços já definidos
pelos grupos. Havia uma preocupação dos educadores em sentar com os alunos para
sistematizar os acordos para aquele dia. Apropriando o aluno sobre a temática trabalhada e
verificando as contribuições e encaminhamentos do grupo para as discussões pertinentes. Em
seguida partiam para o treino
60
das habilidades circenses ou de outras habilidades artísticas, e
para a organização das demais atividades. No final de cada oficina era novamente organizado
o espaço para a realização da refeição principal (almoço para quem participava pela manhã e
jantar para os que participavam pela tarde), novamente se constituía em momento de
socialização e avaliação dos saberes apreendidos no dia.
Meninos e meninas em atividade de avaliação.
Destaco neste processo, as atividades que representavam a metodologia aplicada
no interior do projeto, nos momentos de interação e construção de saberes. Era entendido que,
para o espaço se transformar em ambiente de interesse para as pessoas que acessavam o
projeto, era necessário, sobretudo, que elas pudessem reconhecer o processo de socialização
ali instalado, como importante para sua trajetória de vida. Identificando possibilidades de
interagir com aquele equipamento social e dando significado a forma de intervir em sua
realidade.
60
A palavra treino neste contexto significa aulas, aprendizado de algo desejado. Faz parte do vocabulário
circense.
A Pedagogia Circense
A partir do que havia sido definido no documento do Projeto Escola Circo, a arte
circense, se constitui como principal linguagem para nortear a pedagogia desenvolvida sob as
duas lonas que serviam de estrutura física do projeto. Assim, a linguagem do circo
intermediava de forma lúdica as discussões de temas relevantes à vida cotidiana. As ações
estavam voltadas para que os usuários da Potica de Assistência Social se reconhecessem não
como agentes de integração,conforme chama atenção Rizzini (comunicação verbal, 2004),
mas como agentes de interações e intervenções na sociedade, sobretudo, em sua própria
realidade .
Dessa forma, a pedagogia circense, deveria fomentar a autonomia do sujeito
como algo indispensável para a produção de saberes e o encontro dele com suas
potencialidades. O projeto investiu em um ambiente de aprendizagem onde a arte, a educação
e a assistência social produziram estratégias para que as crianças, os adolescentes e suas
famílias vislumbrassem projetos de vidas pautados pela inclusão social.
Muitos adolescentes, que participaram do projeto, vivenciam hoje a experiência
de compor trupes de circos em várias cidades brasileiras, a exemplo de Jonatham Silva, que
vive no Estado do Amapá, no Circo Dralion
61
, junto com uma companheira, que também
desenvolve atividades circenses. Ele participou do projeto durante oitos anos, e compreende
que, sua relação com as pessoas que freqüentavam o espaço, foi fundamental para a
construção de valores que hoje admite serem os mais importantes para a sua vida.
61
Estive no Circo Dralion, no período de 20 a 28 de março de 2006, durante as comemorações do Dia
Internacional do Circo (27 de março) e pude entrevistar três jovens circenses, egressos do Projeto Escola Circo
de Belém, que trabalham nesse circo. São eles: Antônio Luiz Amaral (palhaço e malabarista), Jonathan Silva
Santos (equilibrista e balarino) e Charley Silva (palhaço). Segundo eles, a experiência de terem participado do
Escola Circo, foi essencial para a mudança na trajetória de vida de cada um. Um deles, contou-me quehavia
se envolvido com tráfico de drogas e pequenos furtos. O outro me disse que, antes de entra no projeto, pensava
em matar o próprio pai, pois não entendia o porquê das atitudes agressivas que o pai tinha com a família, hoje
compreende o processo vivido pelo pai, e busca ajudá-lo, de diferentes maneiras. Um deles, falou-me que
mantêm relação próxima com a família, mas prefere mora só, se sente mais feliz desta forma. Ele é o único que
não mora no circo, a cada cidade de paragem do circo para realização de temporada, aluga um quarto. Segundo
As Oficinas Sócio-Pedagógicas.
O circo, pela sua própria história, tem se afirmado como espaço de resistência e
convincia cultural. Talvez por isto, muitos circenses consideram o circo como a mãe de
todas as artes, aquela que consegue agregar em um picadeiro as mais diversas expressões
artísticas. Foi através deste pensamento, que o Escola Circo conseguiu compor em seu projeto
potico-pedagógico a aglutinação de diferentes linguagens artísticas e diversas metodologias
de abordagens, socialização de conhecimento e de formas de relações pautadas pela
coletividade.
Oficina de Perna de Pau: esta oficina foi a mais procurada pelas crianças durante os oito
anos do projeto. Consistia no aprendizado da técnica de andar sobre instrumentos (parecidos
com perna de pessoa) de madeira, que tamm poderia ser de alumínio.
Manuel Silva (mano silva), instrutor da oficina de perna de pau, preparando uma criança
para apresentação
ele, o Escola Circo foi importante para o fortalecimento de sua auto-estima e compreensão de seu poder de
autonomia.
Oficina de Malabares: nesta oficina além do desenvolvimento de habilidades com o jogo de
instrumentos (bola, claves, argolas) as crianças desenvolviam concentração, equilíbrio e
disciplina, acuidade visual e raciocínio.
Oficina de Monociclo: a oficina garantia o domínio da técnica de andar no aparelho
semelhante a uma bicicleta, mas composto apenas de uma roda e um selim, no qual as
crianças pedalavam e faziam manobras diversas. Nos treinos eram utilizadas as frentes das
bicicletas para que as crianças pudessem se apoiar, estabelecendo medida e postura.
Meninos da oficina de monociclo em apresentação na Praça da Republica
Oficina de Tranca: esta modalidade consistia em aprender jogar (ou rolar) objetos com os
pés, como se fosse um tipo de malabares. A criança deita-se sobre um aparelho (coxim), no
qual as pernas e os pés ficam em destaque com um apoio para jogar o objeto preparado
especialmente para este jogo, e construído pelos próprios participantes da oficina, meninas e
meninos;
Oficina de Equilíbrio no Arame bambo: consistia no domínio de se equilibrar sobre um
arame (cabo de aço). Para esta habilidade a concentração era fundamental para que as crianças
pudessem andar no cabo de aço fino e ainda realizar outras habilidades como jogar malabares
ou brincar de bambolim. Esta habilidade era procurada com mais intensidade pelos meninos;
Oficina de Circo Teatro: embaixo da lona o teatro funcionava como “circo-teatro”, onde
eram utilizados técnicas e jogos próprios do teatro para serem mescladas com as técnicas
circenses, para o desenvolvimento de pequenas peças com a inclusão de textos e a
interpretação dos temas abordados com as criaas por período (sexualidade, gênero, família,
e outros).
Oficina de Dança: nesta oficina as crianças escolhiam junto com o educador (a) o tipo de
dança que gostariam de aprender para compor o espetáculo circense. Se apresentação estava
datada para o mês de junho, provavelmente a escolha tenderia para o aprendizado de uma
dança regional – carimbó, xote, retumbão, siriá, toada de boi ou lundu. Sendo possibilitada
também a pesquisa das músicas e das danças escolhidas;
Oficina de Acrobacia de Solo: nesta modalidade as crianças desenvolviam a elasticidade do
corpo, possibilitando o exercício de movimentos próprios da gistica: dar saltos, piruetas e
cambalhotas, saber cair. Utilizava-se nesta atividade a cama elástica, mini-trampi, colchões de
aterramento e de proteção.
Oficina de Swing: consistia na aquisição de habilidades de expressões corporais fazendo uso
de instrumentos como bandeiras, fitas de tecido, claves de malabares e outros instrumentos. A
procura por esta oficina era quase sempre por meninas.
Oficina de Figurinos e Adereços (artes plásticas): nesta atividade as crianças ficavam
responsáveis pela elaboração da proposta dos figurinos que seriam utilizados nos espetáculos.
Elas faziam os desenhos, pintavam e apresentavam aos demais grupos para o aprimoramento
das idéias. Após aprovação dos grupos, os modelos eram repassados para as costureiras, que
seriam orientadas pelas crianças.
Oficina de Ballet Aéreo: ensinamento da técnica de circo que utilizava o tecido e a corda
indiana como instrumento de aprendizagem. As criaas aprendiam a realizar movimentos do
ballet em pleno ar. Havia predomincia feminina nesta atividade. Aliado a técnica havia a
preocupação da expressão do corpo, pois durante as exibições, as crianças mostravam suas
habilidades corporais, com força, desenvoltura e beleza.
Oficina de musicalização: as crianças tinham a oportunidade de entrar em contato com o
aprendizado da música de variados estilos, recebendo informações básicas e manuseando
alguns instrumentos musicais.
Oficina de Capoeira: objetivava o desenvolvimento de habilidades corporais através das
técnicas específicas do jogo da capoeira, conhecimento de sons e histórias tradicionais
referentes à prática desse jogo. Esta atividade tinha grande aceitação entre a garotada.
Oficina de Comicidade e Clown: era a oficina que “descobria” os palhaços, utilizando-se
textos de reprises de palhaços tradicionais, sketch, bem como a construção de novos textos,
elaborados pelo grupo junto com os educadores. Os temas geralmente estavam baseados na
temática desenvolvida no período (sexualidade, meio ambiente, relação geracional,
protagonismo juvenil, dentre outras.).
Apresentado da Oficina de Comicidade
Oficinas Temáticas: essa atividade tinha como objetivo promover a discussão de temas
eleitos a partir de pesquisa junto às crianças, famílias e pela equipe do projeto que permitisse
reflexões e engajamento político destes agentes sociais na formulação de conhecimentos para
serem implementados em suas (nossas) trajetórias sociais. Apesar de apresentada aqui
separadamente, sua condução era por dentro de cada oficina de arte. Agregando outros
significados as habilidades apreendidas no desenvolvimento das demais oficinas. Considero
que estes momentos qualificavam os treinos das técnicas circenses, uma vez que a criança
podia aproveitar o donio de sua concentração e sua potencialidade criativa para elaborar
novos olhares a partir de seu contexto histórico e se necessário (re) significá-lo.
Segundo o Relatório de Gestão, no período de 1997 a 2004, em relação à meta o
projeto conseguiu atender diretamente, 3.590 crianças e 2.700 adolescentes, e atingindo um
total de 8.190 famílias
62
. A maioria das crianças que freqüentaram o projeto era do sexo
masculino, 71%. Do número de crianças atendidas, o bairro do Benguí alcaou 617, seguido
da cremação com 414, as demais residiam em outros bairros periféricos da cidade. Também
foi registrada a participação de crianças dos municípios de Ananindeua 59, Marituba 18, e
Benevides 02 crianças.
O Escola Circo foi o primeiro projeto a ser estruturado pela nova gestão, e teve
uma dinâmica
63
bem diferenciada dentre as ações desenvolvidas pela instituição. Começou
suas primeiras ações, no ano de 1997, no espaço do Forte do Castelo (8º Região Militar do
Exército), no bairro da Cidade Velha, onde se atendia crianças e adolescentes que viviam no
espaço da rua.
Pela proximidade territorial do Escola Circo com a Unidade de Atendimento
Nossa Oficina, equipamento da FUNPAPA, que tinha sua sede localizada em frente ao Forte
do Castelo, as ações dos dois espaços foram aos pouco se unificando. Quase todas as crianças
que eram atendidas na Nossa Oficina demonstraram o interesse imediato pelas atividades do
Escola Circo. E, com poucos dias em contato visual com as atividades do circo, solicitaram
transferência para o novo projeto.
Esta situação provocou a mudança na proposta inicial do Escola Circo. As
oficinas de circo que aconteciam no Forte do Castelo, devido a grande migração de crianças,
passaram a funcionar dentro da Unidade Nossa Oficina, permanecendo com o atendimento às
crianças em situação de rua (em torno de quinze crianças e adolescentes). Porém, a unidade
não teve a capacidade de atender as duas demandas no mesmo ambiente, o que culminou com
62
Havia família que tinha mais de um filho (a) inscrito no projeto.
63
Em 1998 o projeto esteve no bairro da Cremação. Em 2000 foi para o bairro do Bengui. Em 2002 esteve na
Praça da Bandeira e em 2003 retorna a Cremação para seu prédio fixo.
o afastamento paulatinamente das crianças e adolescentes em situação de rua. Situação que
colocou para a nova gestão a dúvida sobre o princípio da “inversão de prioridades”, do
atendimento integral” e, sobretudo, da validez da Marca de Governo Dar Futuro às
Crianças”.
Durante toda a gestão da FUNPAPA, no período analisado, houve uma resistência
por parte dos trabalhadores da assistência em atender no mesmo espaço, crianças classificadas
como em situação de vulnerabilidade, e crianças em situação de rua. Os trabalhadores das
unidades de atendimento, localizados em diversos bairros da cidade, diziam não se sentirem
habilitados para lidar com tal situação. A presidente do órgão, Sandra Helena Cruz, sempre
que pautava a discussão da descentralização no atendimento às crianças em situação de rua,
propondo que todos os equipamentos socioassistenciais fossem acessíveis a esta demanda,
recebia como retorno a resistência e o não encaminhamento da solicitação. Apesar da
resistência, a gestão conseguiu avançar de forma incipiente o processo de descentralização no
atendimento, nos dois últimos anos da gestão, quando o educador social passa a desenvolver
suas atividades, não somente tendo como referência o espaço do Projeto Educação Social de
Rua, mas os demais equipamentos sob coordenação da Instituição.
A forma de estruturar a potica, separando as crianças por demandas específicas,
tem, conforme indicado por Rizzini (1993), referências na concepção de moralidade pautada
na virada do século XIX para o XX, no qual as crianças eram classificadas por “viciosas” ou
“virtuosas”, dependendo do grau de moralidade de cada uma. Segundo ela, para a sociedade
Havia, ainda a convicção de que vícios e virtudes eram socialmente adquiridos (...). E, o que
determinava a virtuosidade e a viciosidade de um indivíduo era, não por acaso, o cultivo ou
não dohábito do trabalho” – uma das mais nobres virtudes dentro da “escala de moralidade”.
(p.79, 80).
Em 1998, o Projeto Escola Circo ganha um espaço “próprio”. Com a compra de
uma lona que foi armada no bairro da Cremação, no antigo espaço do forno crematório, hoje
Praça Dalcídio Jurandir, foi possível redimensionar a ação do projeto. Nesta nova fase, o
projeto volta a servir de retaguarda do Projeto Educação Social de Rua, principalmente para
as crianças que desenvolviam trabalho infantil.
Um recorte importante no processo de socialização vivido pelas crianças no início
do projeto, diz respeito à montagem da lona. Todas as crianças se envolveram na ação junto
com seus familiares e os trabalhadores da assistência lotados no projeto. Parecia que todos
queriam “erguer o circo”. Condição que foi registrada por uma trabalhadora da assistência da
seguinte forma: “Foi à primeira vez que eu vi todo mundo participando junto da organização
de uma atividade, tinha criança, tinha mãe e pai, tava a direção, tinha alguns técnicos e os
vizinhos também ajudavam” (Maria das Dores Neves, servidora efetiva da FUNPAPA).
Meninos envolvidos na montagem da primeira lona do projeto
Outro recorte significativo era a produção dos espetáculos, quando eram criadas
várias situações que oportunizaram o engajamento do grupo: o ensaio com a participação de
todos que estavam no local; a produção das indumentárias; a ambientação dos cenários; a
divulgação do espetáculo junto à comunidade; dentre outros recortes. O grupo tinha um
objetivo em comum, todos estavam organizados para realizar a inauguração do espaço. Todas
as atividades de culminância, geralmente realizadas por meio de um espetáculo, passavam a
representava a consolidação de um processo de socialização pautado pelo envolvimento do
grupo.
A forma de interação vista naquele ambiente, confirmava a possibilidade de se
construir espaços ou comunidades pautadas por uma sociabilidade, em que a meta do grupo é
a mais importante do que as particularidades. As crianças se sentiam pertencente a um espaço
que se mostrava acessível as suas formas e possibilidades de interação. Algumas pessoas
chegavam a comentar que o circo passara a ser a casa de muitos, pois se passava mais tempo
envolvidas nas dinâmicas do espaço do que no ambiente familiar.
D’incao (1999) ao falar de sociabilidade, concebe existir uma “sociabilidade
restrita”, a qual estaria direcionada aos grupos da classe média e alta, pois utilizam a rua, com
menos freqüência do que os membros das camadas populares, que por sua vez estão inseridas
no tipo de “sociabilidade ampla”. Para Matos (2002), o Escola Circo por ter sido um espaço
de encontros e de realizações, bem como de produção de conhecimento, oportunizou aos seus
agentes uma “sociabilidade ampla”. Nos espetáculos que eram produzidos periodicamente
pelas criaas e adolescentes, sempre havia a participação um novo membro da família, que
relatava nunca ter participado de atividades realizadas pelo filho ou pela irmã, enfim, por
alguém da família. O espaço do projeto servia também para estar com a família
Nos dizeres de uma mãe, assim expressado:
Meu marido nunca tinha saído de casa pra nada, só pro trabalho, mas como todos os
vizinhos comentavam que o Vanilsom andava no arame e subia no tecido, ele veio
assistir o filho. Percebi que ele ficou emocionado, não falou nada na hora, mas
quando chegou em casa, disse que iria voltar outras vezes. (Depoimento de Maria
Lúcia Sodré, registrado no relatório de avaliação do espetáculo “ Eu quero mais
brincar, eu quero é ser criança”, realizado no bairro do Benguí no dia 22/12/2001)
Hoje, percebo mais nitidamente que o projeto chegou a ser a principal referência
de muitas crianças e famílias. Mesmo com todas as suas contradições, e sua forma
institucionalizada que requeria um padrão de funcionalidade, foi possível nele, serem
realizadas algumas atividades que facilitavam a interação dos agentes no espaço, bem como a
construção do sentimento de pertencimento, e uma maneira de socializar conhecimento, na
qual um aprendia com o outro. Nos dizeres de Matos (Ibid, p. 87):
Pode-se apreender que as práticas sociais vivenciadas nesses espaços geram
representações sociais diversificadas ou ressignificam os espaços, possibilitando
diversidades que vão dando contornos às visões de mundo e particulares estilos de
vida. Esses espaços sociais são inundados de ambigüidades, que impulsionam as
pessoas para uma participação criativa, geradora de trocas e contatos, dentro desse
emaranhado de contradições.
Visões e representações de mundo que são expressas nas falas das crianças e das
famílias:
Quando eu venho pra as coisas ficam mais alegres, eu sei que posso aprender
cada vez mais. Sei que a minha mãe pode falar com as pessoas daqui sobre as
coisas lá de casa. Ela diz que não quer que eu saia daqui, só quando for necessário.
Eu disse pra ela, que aqui eu me sinto feliz, e ela sabe disso. (Andréia Oliveira, 12
anos, depoimento colhido em 03/03/2004).
Eu gosto mais daqui, do que da escola, aqui a gente faz muita coisa bacana. Mas o
que mais gosto de fazer é me apresentar. Gosto de vê todo mundo me olhar, achar
que vou cair do arame de repente, mas eu treino muito, me esforço pra aprender
tudo. Eu vou pra casa e fico treinando lá, eu vou pra escola e só penso na hora de vir
pra cá. (Fábio José, 8 anos, depoimento colhido em 12/03/2004).
o me arrependo deles terem vindo pra cá (...). Hoje consigo ver a diferença da
minha falia, consigo perceber que agora meus filhos são crianças, e não aquilo
que era antes. Espero que eles fiquem aqui mais um pouco, espero que o projeto não
acabe tão cedo. (Lucival dos Santos, pai de Benedito José (10 anos) e de Benedito
augusto (12 anos) em 19/02/2004).
Eu voltei até a estudar para dar exemplo aos meus filhos. Os meus parentes dizem
que estou ficando careta, porque estou me comportando agora assim. Agora fico
atenta com meus filhos, procuro ajudá-los. Combinamos assim, o que eu
aprender, eu ensino pra eles, e o que eles aprenderem me ensina. E onde eu aprendi a
ser assim, foi aqui na Escola Circo (...) tendo a oportunidade de trocar
experiências com outras pessoas. (Marta da Silva, mãe de Fernando Silva (8 anos)
e Marcos Silva (10 anos, depoimento realizado na reunião de família em
14/04/2004)
Os depoimentos, me fizeram lembrar a criança Welingtom, que além do Escola
Circo também era atendida no Abrigo Municipal Ronaldo Araújo. Ao entrar no projeto,
escolheu a oficina de perna de pau, mas por conta da deficiência física que possuía nos pés foi
preciso construir uma perna de pau para que ele pudesse se equilibrar sobre elas. O Mano
Silva, que era responsável pela oficina, ficava impressionado com as habilidades que o
menino mostrava durante as aulas e nas apresentações, pois conseguia desenvolver técnicas
que as outras crianças tinham dificuldades na perna de pau “normal”, o menino vivia o tempo
todo com um sorriso no rosto por saber que chamava atenção pelas piruetas e habilidades. A
partir das intervenções do abrigo e do projeto junto à família da criança, foi possível o
reestabelecimento dos vínculos familiares. Em um dos espetáculos, mostrou-me orgulhoso
sua mãe, tia e irmãos que estavam participando como platéia. Pediu-me que participasse de
uma foto que tiraria junto com a família. Guardo esta cena com muito carinho, pois, de certa
forma, o fato dele ter-me permitido fazer parte da foto, correspondia ao reconhecimento da
nossa participação nas conquistas daquela criança.
No ano de 2000, o projeto passou a funcionar
64
no Bairro do Benguí, um bairro
periférico de Belém, escolhido pela situação de haver um grande número de crianças
envolvidas com trabalho. As meninas, em grande número, no trabalho infantil dostico.
Trabalhos realizados tanto no próprio bairro, como em outros. Uma mãe chegou a nos relatar
que sua filha reparava a criança de uma vizinha, e recebia como pagamento a autorização para
poder utilizar a água do posso desta vizinha.
Neste bairro, o projeto funcionou por dois anos, no entanto, suas marcas ficaram
tanto de forma positivada, como negativa. No primeiro caso diz respeito à mudaa causada
na vida das crianças que freqüentavam o projeto. As crianças envolvidas no trabalho
passaram a integrar ou o Programa Bolsa Familiar para a Educação (PBFE)
65
, ou o Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
66
. Com a participação das crianças nas atividades
do Escola Circo, foram registradas algumas situações que apontava um progresso das crianças
em sua relação com os outros espaços de socialização, a casa e, sobretudo, a escola.
Nos dizeres de Graça Menezes, coordenadora da Expressão Cidade de Emaús:
As crianças e adolescentes que participam da Escola Circo têm maior desempenho
na sala de aula. Todos os professores comentam a diferença delas, dizem que
conseguem se destacar na forma de falar, agir e apresentar trabalhos na sala
(...). Sabe-se logo que o menino ou a menina está participando da Escola Circo pelo
nível de concentração e disciplina. (Relatório do Projeto Escola Circo 2001).
No Benguí, havia grande envolvimento das mães, no que se refere à gestão do
Projeto, isto se dava em parte, pela proximidade geográfica das residências das famílias, com
o espaço do projeto. A presença delas no Escola Circo era o tempo todo, possibilitando à
equipe conhecer todas as famílias atendidas. A equipe sabia de pequenas coisas vividas no
cotidiano familiar, como se organizavam na hora das refeições; quem estava doente na família
ou na vizinhança; como dormiam; se na festa da “sede” do bairro havia acontecido algum
problema brigas, prisões; quais as igrejas que gostavam de freqüentar e os porquês, quem não
estavam cumprindo com os acordos fixados nas reuniões e “deixava” o menino esmolar ou
trabalhar, enfim, havia sido estabelecido com as famílias um processo de confiabilidade.
Mas, por meio de atitude imperiosa, a gestão conseguiu romper com a confiança
e, em certa medida com o próprio trabalho desenvolvido naquela territorialidade. Atendendo
as avaliações feitas por alguns assessores da prefeitura de Belém, baseado na compreensão
64
A FUNPAPA estabeleceu parceria com Ong República de Emaús e montou sua lona no terreno que da
Expressão Cidade de Emaús, onde funcionava a escola de ensino formal do Emaús. Mais de 60% das crianças e
adolescentes que freqüentavam o projeto estudavam nesta escola.
65
Programa identificado popularmente como Bolsa Escola Municipal representou o primeiro ato do prefeito no
momento de posse do prefeito Edmilsom Rodrigues, que autorizou por meio do Decreto Lei nº. 20967/97 o
repassava mensal de um salário mínimo as famílias do município de Belém, como o objetivo de garantir que as
crianças em idade escolar e os adolescentes das famílias cadastradas pelo programa pudessem freqüentar a escola
e não o trabalho.
que seria melhor para a visibilidade do projeto, ele estando funcionando no centro da cidade,
A FUNPAPA concorda com a avaliação e se retira do bairro de forma arbitrária.
Para minorar os efeitos desta ação, a FUNPAPA garantiu às famílias que,
manteria o atendimento das crianças na Praça da Bandeira, novo local de instalação da lona.
De fato, a FUNPAPA cumpriu o prometido, contudo, ficou marcada a ruptura da forma de
socialização que vinha sendo realizada no bairro do Bengui, onde as ações desenvolvidas no
Escola Circo tinham um rebatimento significativo na comunidade.
Na Praça da Bandeira, o espaço era pouco acessado pelas famílias, pela própria
dificuldade financeira, precisava-se de transporte para o deslocamento, e a FUNPAPA só
garantia o transporte das crianças e dos adolescentes. A saída das crianças do bairro de
moradia para o centro da cidade, gerou também, motivo de preocupação tanto das famílias,
quanto para a equipe do projeto. Algumas crianças acabavam ficando expostas à violência do
espaço urbano, pois no centro da cidade os códigos tendem a ser diferentes do bairro de
moradia. A partir das avaliações feitas, tanto pela equipe de trabalhadores, quanto pelas
famílias, o projeto com pouco mais de um ano finalizou sua ações no centro da cidade.
Nesse mesmo período já estava sendo encaminhada a sede fixa do Projeto Escola
Circo, novamente na Praça Dalcídio Jurandir. Por conta de todo esse processo, as crianças
atendidas no Bengui foram as mais prejudicadas, muitas não conseguiram acompanhar a
itinerância
67
do projeto e acabaram ficando sem a referência da potica que se constituía para
atendê-las.
Belém, e no caso específico aqui, das poticas dirigidas à criança, algumas práticas
continuavam imbricadas e enraizadas no cerne do poder estatal, que demonstravam que a
relação no domínio das poticas públicas continuava com seu formato conservador: da não
participação popular, do não controle social na mão da população, da não transformação da
cultural local e da não democratização do Estado.
Os princípios defendidos pela gestão, que deveriam nortear as práticas e fortalecer
cada vez mais a população no sentido de que esta pudesse ter subsídios, para o enfrentamento
dos dilemas balizados pela questão social, não conseguiram se concretizar efetivamente no
âmbito da Potica de Atenção a Crianças. Isto fica bem marcado na fala de uma criança que
havia participado pela parte da manhã de uma reunião no projeto para tratar da mudança da
lona e, e no mesmo dia à tarde fora surpreendido com o espaço sem a lona.
Nos dizeres da criança:
Deu ódio, eu pensei que tinha acabado, ligaram e avisaram que a Escola Circo
estava na Pra da Bandeira. Naquele dia foi muito triste, lá era muito bacana. Tinha
o campo, e também era muito divertido. Tinha a escola de Emaús. Não fui só eu que
fiquei triste, mas outros alunos e os professores de Emaús também ficaram. Eles
perguntaram por que a Escola Circo foi embora, eu respondi que ela não deve ficar
em um só bairro, mas ir para outros bairros ajudar outras crianças e adolescentes.
Tenho saudade quando era no Benguí, fiquei com ódio quando não vi a lona lá, foi
estranho, me senti mal, mas fui entendendo, mas sei que ela precisa ser de outras
crianças. Deu pra perceber que toda a vez que as pessoas, meus parentes passavam
pela Yamada parecia um deserto naquele lugar, sem aquela cor. Eles olhavam e
comentavam, sem saber o que tinha acontecido. Passou uma mulher, a filha
dela perguntou mãe cadê o circo, ela respondeu que tinha ido embora, ela
perguntou para onde, a mãe não respondeu.o vou deixar o projeto acabar. Ele
saiu do Benguí, mas não pode acabar, eu vou lutar pra que isso não aconta,
convenço outras pessoas e luto pra que ninguém tire o circo de nós. (Edvam
Amorim, 12 anos, depoimento colhido durante a avaliação das atividades em
dezembro de 2003, Relatório de Avaliação do Projeto 2003).
Todo o investimento realizado em torno do ambiente de aprendizado, no qual se
enfatizava, sobretudo, o respeito nas relações cotidianas, com apenas um ato da gestão, o
trabalho que vinha sendo realizado foi, de certa forma, comprometido. Nas reuniões da equipe
do projeto ficavam recorrentes os questionamentos de quais eram as reais inteões da gestão
como o Projeto Escola Circo. A visibilidade do projeto seria mais importante do que o
fortalecimento das famílias? O trabalho que vinha sendo feito junto às crianças e os
adolescentes estava coerente com a formação de sujeitos críticos, ou apenas se estava
colaborando para formação de agentes sociais integrados? Estes e outros questionamentos
passaram a ser tratados nas reuniões sistemáticas do grupo.
Fica evidente pelas observações empíricas e pelos recortes documentais, que o
projeto representou para as famílias um espaço de referência para a discussão das
problemáticas cotidianas, que se configuravam das mais diferentes formais. Que também se
concretizou como ambiente de socialização das crianças, espaço para brincar, falar,
questionar, se mostrar na apresentação, de aprender e de errar. Enfim, um ambiente que do
ponto de vista de D’incao (1999) foi um ambiente próprio para a “sociabilidade ampla”.
Todavia, estando o projeto vincado em uma estrutura potica econômica perversa,
onde a desigualdade social tem sido, conforme Souza (2006), o principal vetor das relações
sociais, é inegável que os reflexos da desigualdade também foram sentidos e disseminados
neste ambiente de sociabilidade. Que provavelmente não tenham sido tanto acentuados, pelo
fato do enfoque nas atividades ter sido pela arte e pelo lúdico, representando para os agentes
que vivenciaram esta experiência um diferencial, comparando com outros espaços de
socialização.
Para muitas crianças era melhor estar no projeto, do que na casa ou na escola. Pois
no projeto, além da garantia de ser alimentado o corpo (com o lanche e refeição preparadas
com carinho), também era alimentada a mente e alma, para algumas crianças era o lugar que,
com todos os seus limites e contradições inerentes a sua condição de ser espaço de
socialização institucionalizado, ainda assim, era o lugar onde se podia ser criança. O lugar
onde o corpo não estava limitado a uma carteira escolar. Um lugar que, por estar pautado por
um processo de socialização através dos ensinamentos dos circos famílias
68
, facilitava as
relações e assegurava o caráter da Potica de Assistência Social, garantir proteção social.
Assim, a fala “desinteressa” da criança que avaliou o projeto como uma ação não
válida poro ter-lhe garantido a educação para o trabalho, ressaltando que o projeto não
ensinou nada de importante para sua vida, brincar e estudar, pode ser interpretada de
deferentes maneiras.
Uma estaria centrada na verificação que a ação da Política de Assistência Social,
se torna frágil mediante aos condicionantes da vida cotidiana, que contornado pelo poder da
potica ecomica, que tende a fragilizar as relões sociais e, sobretudo, a própria vida dos
agentes que dependem efetivamente de intervenção das políticas socioassistenciais.
Contudo, há outra forma de interpretar a fala da criança, na qual não se pode
desconsiderar que a Potica de Assistência Social, tem desenvolvido conhecimentos e forma
de se relacionar com os agentes que dependem da proteção social. Dessa forma, é inegável
que os espaços onde a potica se processa e se materializa tem se constituído de refencia
para todos os segmentos geracionais da população. Assim, ao entender que a socialização é
um processo de construção e reconstrução dos sentidos e das interações pessoais, e ainda
pautada nos ensinamentos de Sarmento e Pinto (1997) ao pronunciarem em seus estudos que
as crianças são agentes conscientes de seus sentimentos.
Avalio que a criança, em sua fala, pôde expressar o sentimento que vem sendo a
orientação de vida de muitas crianças, orientações que podem ser assimiladas, quando não
um espaço para a interlocução. Nesse sentido, os efeitos dos condicionantes sociais na vida
cotidiana são sentidos de forma naturalizada, banalizada, em que cabe ao sujeito moderno
apenas se integrar.
68
A formatação que o Projeto Escola Circo foi tomando com o passar do tempo pode ser identificado com os
circo-família, também chamado “circo dos tradicionais”, hoje praticamente inexistentes, que tinha a família
como base de sustentação do circo, e o saber familiar era suficiente para organizar toda a dinâmica do circo.
Para a criança que teve a oportunidade de expressar seu sentimento em torno do
que seria melhor para a sua vida futura, em sua fala pode estar impresso a compreensão de
que ao acabar um projeto, do qual estava participando há cinco anos, também, acabaria um
conjunto de elementos que fazia parte do seu contexto relacional, de amizade, do carinho, do
brincar. Enfim, um espaço que dentro de suas limitações e contradições era uma referência
para as crianças.
5.4. O Projeto Sementes do Amanhã
As mazelas, geradas pelo modo de produção capitalista, parecem não incomodar,
mas os agentes que vivenciam condões mortificantes, pois, muitas vezes acabam se
adaptando às circunstâncias postas, perdem a capacidade de questionar, por saberem que
dificilmente serão ouvidos. Outros agentes que não vivenciam diretamente tais problemáticas,
mas que, poderiam reagir criticamente, frente à produção de situações subumanas, também
tendem a se adaptar ou a banalizar o produto da desigualdade social.
Nesse sentido, vão se reproduzindo diariamente situações que, arruínam a vida de
milhares de homens e mulheres que, não conseguem acessar direitos fundamentais previstos
para a manutenção da vida. Para Carvalho (1997), a legislação vigente reconhece que o
trabalho precoce produz danos, que podem ser físicos, psíquicos, sociais e morais. Contudo, a
legislação é efetiva se a sociedade compartilha deste valor e pressiona pelo seu
cumprimento. Porém, muitas pessoas já perderam a capacidade de se mobilizar com as
mazelas sociais, pois incorporam as desigualdades como um efeito natural em que os homens
e mulheres estão sujeitos pela condição de estarem vivos.
O Projeto Sementes do Amanhã foi uma ação desenvolvida de forma intersetorial
pelo governo municipal que envolveu as poticas de educação, saúde, assistência social,
(SILVA, 1996). Esta configuração, teve contribuição pelo fato dos instrutores das oficinas de circo serem
saneamento, ambiental e cultura, visando prevenir, sobretudo, a exploração do trabalho de
crianças e adolescentes, na faixa etária de sete a dezessete anos, completos, e suas famílias, na
catação de lixo no Aterro Sanitário do Aurá
69
. (FUNPAPA, 2004).
O lixão do Aurá, com é identificado popularmente o aterro sanitário, era o espaço
que, além do lixo, também se constituía no destino de muitas famílias pauperizadas da cidade.
Segundo um levantamento feito pela Secretaria de Saneamento do Município de Bem
(SESAM), no ano de 1997, sobre o público que freqüentava o aterro, foi verificado que 255
crianças e adolescentes participavam cotidianamente daquele local.
Família no Aterro Sanitário do Aurá
O levantamento apontou que, das 240 famílias freqüentadoras do Aterro Sanitário
do Aura, 90%, tirava dali a única fonte de sobrevivência. Nesse sentido, quanto mais pessoas
da família estivessem envolvidas na catação do lixo, “melhor” seria a condição do grupo
familiar. Situação esta, que incidia na permanência das crianças diariamente em contato com
o trabalho no aterro, sendo este o principal espaço de socialização dessas criaas. Para os
adultos, havia sido perdida a capacidade de vislumbrar outras formas de vida pra si e para
oriundos deste modelo de circo.
suas crianças: Tal como, pode ser retratado na fala de um senhor, de 47 anos, que vivia da
catação, junto com o filho.
Eu tô indo pro aterro, porque eu procurei outro trabalho, e com a idade que eu tenho
o consigo outra coisa, tem que apelar lá pro aterro, porque lá pra gente. Não é
um bom trabalho, é ruim, eu sei que é ruim, todo mundo sabe, mas se não tem outra
coisa pra fazer, pra lá é que dá. Todo dia a gente descola dez reais forçado, dez, doze
reais, então eu to indo porque não tem outra alternativa pra mim. (apud
BORGES, et. al, 2004, p 25).
Para algumas crianças que estavam na condição de catadores no aterro, aquela
realidade se fazia naturalizada, seguiam seus pais e, permaneciam o tempo que fosse possível.
Dessa forma, a participação na escola, e mesmo na casa, era balizada pelo tempo de estada no
aterro. E quando as crianças estavam na escola, perdiam a chance de ajudar o pai ou a mãe na
sobrevivência diária.
As crianças que eram submetidas a fazer do “lixão”, o seu principal espaço de
socialização, reforçavam a tese de Souza (2006), de que no Brasil tem sido efetivada a
construção da “subcidadania social”, onde a desigualdade social é processada entre a
população, como forma naturalizada. Desigualdade que é reafirmada principalmente pelas
instituições sociais, ao se posicionarem em sentido da não ruptura com as lógicas pautadas
pelo modo de produção capitalista.
Ainda, em 1997, a FUNPAPA direcionou esforço político no sentido de prover
ações intersetoriais para erradicar os trabalhos desenvolvidos pelas crianças no aterro. Uma
primeira ação da Instituição foi à mobilização de todas as famílias que tinham crianças
envolvidas no espaço. O processo culminou com o acordo das famílias em não deixar as
crianças irem para o aterro, em correspondência a FUNPAPA garantiu o ingresso das famílias
no Programa Bolsa Escola e a promessa da instalão de um projeto que desse conta de
realizar ações sócio-pedagógicas que ajudassem as crianças a vislumbrar outras perspectivas
para elas, e para a suas famílias.
69
Localizado em área limite dos munipios de Belém e Ananindeua, tendo como área circunvizinha os bairros
O atendimento das crianças se dava por meio de oficinas pedagógicas de arte,
cultura, comunicação, esporte e lazer, bem como pelo monitoramento pedagógico junto às
crianças e adolescentes em relação à escola. O Sementes do Amanhã conseguiu atender, no
período de 1997 a 2004, o total de 4.690 crianças. (FUNPAPA, 2004)
Segundo Junes (2004), o Projeto Sementes do Amanhã alterou radicalmente o
cotidiano das crianças que participavam do trabalho no lixão, colocando-as em um contexto
marcado pelo “cotidiano de positividade”, pois as crianças e suas famílias estavam inseridas
em um processo de “socialização que as limitavam enquanto seres humanos”. Segundo a
autora, a alimentação, por exemplo, consistia de restos de alimentos encontrados em estado de
deterioração, e ou, com prazo de validade vencido, regularmente levado para o lixão.
Esse “cotidiano de positividade”, do qual Junes (Ibid) se refere ao tratar a situação
gerada pela entrada das crianças no projeto, é possível ser confirmado pela verificação nos
documentos produzidos pela equipe, que demonstra ter havido no projeto uma estratégia
peculiar às necessidades das crianças que estariam vivenciando-o. A partir de um conjunto de
ações das quais as crianças acessavam diariamente, uma sociabilidade pautada pela dimensão
da cidadania.
Nas oficinas freqüentadas pelas criaas, era percebido o cuidado para que fosse
assegurado um processo de socialização no qual não se perdesse a relação vivenciada no
contexto familiar e comunitário, no sentido de que elas pudessem compreender, mesmo que
embrionariamente, os condicionantes que favoreciam a estrutura da história de vida de cada
agente social e de sua comunidade.
de Santana do Aurá, Nova Jerusalém e Águas lindas, bairros entrecortados pelos dois municípios.
As Oficinas Sócio-Pedagógicas
O eixo temático meio ambiente e a metodologia da educação popular norteavam
as ações do projeto. Nas atividades pedagógicas eram trabalhados conteúdos específicos do
processo de educar e aprender, priorizando-se as atividades de oficina de leitura que
perpassavam por todas as atividades, reforçando alguns aspectos da escola formal,
estimulando desta forma, o interesse pela leitura através do teatro, da musicalização, de
atividades lúdicas como o contador de histórias, mala do livro, jogos de memória e de oficinas
de rádio e cidadania.
O Projeto foi desenvolvido em cooperação com o Projeto Sviluppo, da Central
Geral dos Trabalhadores de Milano (CGIL) e com a UNICEF. Era coordenado pela
FUNPAPA, junto com o colegiado gestor, o qual tinha representação da Cooperativa dos
Trabalhadores do Aurá, da Associação dos Moradores Olga Benário, da Secretária Municipal
de Educação e Secretaria Municipal de Planejamento.
Atividade de socialização com a participação das famílias.
Oficina de Jogos Educativos: processo de socialização que ajudava na concentração, auto-
estima, organização e no processo criativo; compreendia a construção de jogos cênicos,
utilizando o recurso da arte educação, os quais possibilitavam a construção de jogos com
temáticas de interesse das crianças.
Oficina de Desenho: atividades individuais e grupais, que utilizava recursos musicais,
técnicas de respiração, modelagem, leitura, observação, pintura livre que estimulava um
processo de socialização, concentração, organização, auto-estima, respeito e responsabilidade
nas relações cotidianas.
Oficina de Teatro de Fantoche: construção de fantoches a partir de personagens da vida
real, os quais serviam para a realização de peças teatrais socializadas com os demais grupos e
com a comunidade em torno do Aterro Sanitário do Aurá.
Oficina de Confecção de Brinquedos: realizada a partir do aproveitamento de materiais
reciclados, buscava-se o desenvolvimento da capacidade criadora, estabelecendo sempre uma
relação com questões de preservação ambiental e recursos naturais, possibilitando
significamente um processo de desenvolvimento cognitivo.
Oficina de Comunicação e Cidadania: realizada através do exercício da comunicação
social, na produção de programas para uma rádio comunitária. Como método pedagógico
utiliza a pesquisa, a coleta de dados e a entrevista sobre assuntos sociais, poticos, culturais e
educacionais, envolvendo agentes da comunidade, bem como notícias da cidade sobre a
garantia de direitos de crianças e adolescentes. A oficina possibilitava um processo de
desenvolvimento cognitivo e psicossocial, fortalecendo o relacionamento e a organização do
grupo. A sistematização das atividades era divulgada semanalmente em programas de rádios
veiculados através da FM Cabana, em toda a região do Aterro Sanitário do Aurá e
adjacências.
Oficina de Comunicão – Estúdio da Rádio Cultura FM
Oficina de Musicalização: aprendizagem sobre o conhecimento musical, desenvolvido junto
às crianças e aos adolescentes, por meio de atividades de reconhecimento dos sons da
natureza, posteriormente de som de instrumentos musicais, compreendendo-se a confecção de
instrumentos de percussão com elementos da natureza e objetos recicláveis.
Oficina de Artes Plásticas: desenvolvida através de linguagem visual com elementos da
natureza e materiais recicláveis, transformando e reformando o sentido inicial do material
utilizado, apropriado-se ao lúdico, contribuía para que as crianças e os adolescentes
ressignificassem sua participação na sociedade.
Oficina de Capoeira: buscava-se priorizar a integração de atividades individuais e grupais,
potencializando-se debates temáticos sobre questões étnicas/raciais, bem como os exercícios
corporais de capoeira de acordo com as diversas vertentes históricas, socializando-se
atividades teorias e sicas dos movimentos de capoeira.
Oficina de Produção Textual: utilizava como dinâmica pedagógica o processo de leitura,
escrita e reflexões sobre o mundo moderno, por meio de atividades que fomentavam a
imaginação, o encantamento literário e a criatividade. Pesquisavam-se estilos literários como
lendas amazônicas, fábulas, história em quadrinhos.
Crianças e adolescentes em organização para atividade de visita cultural
Atividades Esportivas e jogos: constituía-se na aprendizagem de movimentos específicos e
aprimoramento da qualidade física, potencializando a aprendizagem e construção de regras de
convincia. Produção de gincanas, torneios, atividades recreativas.
Teatro Infantil: utilizava como referência pedagógica e metodológica a vivência da criança,
na família e consequentemente na comunidade, buscando-se refletir o contexto social da vida
cotidiana. Utilizava-se no processo de ensino-aprendizagem, as atividades pedagógicas
individuais e grupais através do lúdico, apropriando-se de recreações e apresentações
musicais e exibição de vídeos.
As atividades do projeto eram realizadas na Granja Modelo
70
, que foi reordenada,
no sentido de poder suprir as necessidades espaciais para a realização de atividades diária com
as crianças, adolescentes e famílias. Local que, favorecia as crianças, o contato com um
ambiente saudável, com variadas espécies de árvores frutíferas, lago, pássaros, malocas,
espaço que ajudava na interação com os demais agentes envolvidos no projeto, bem como da
ressignificação das trajetórias de vida, geralmente marcadas pelo trabalho precoce.
70
local que servia até 1996 de residência oficial dos prefeitos de Belém, onde era possível o contato das crianças
com a natureza, uma vez que há um flora composta de variadas espécies de plantas.
Crianças chegando à Granja Modelo
Todavia, esta realidade não foi impressa de imediato no atendimento às crianças.
Lembro-me da primeira vez que tive contato com as crianças do projeto, foi no terceiro mês
de funcionamento, elas ainda estavam sendo recebidas em um prédio cedido
71
, próximo ao
Aterro Sanitário do Aurá. Cheguei no horário do almoço, a cena inicial causou-me impacto,
elas estavam comendo cobertas por moscas e poeira, e parecia que aquilo não as incomodava.
A proximidade do aterro atraía as moscas, e a constância de caminhões de lixo que passavam
na frente do prédio, deixava-o permanentemente sujo.
O prédio ainda ficou sendo utilizado por um ano, demonstrando assim, um reflexo
da forma de se praticar potica pública para a área da infância no Brasil, por meio de ações
fragmentadas, que não captam em amplitude as necessidades dos demandantes. Para
Sarmento e Pinto (1997), tais questões representam a estrutura da sociedade moderna, que não
tem garantido os direitos das crianças em seus múltiplos aspectos, mormente às famílias
pauperizadas.
Apesar da pontuação das questões que marcavam os aspectos da fragmentação no
atendimento integral às crianças e adolescentes, verificadas ao longo da trajetória do projeto,
ao serem efetivadas ações intersetoriais, foram percebidas significativas mudanças na vida
desses agentes sociais. Nos relatórios produzidos pela equipe técnica do projeto, foi possível
registrar os seguintes indicadores de desempenho:
- Garantida a melhoria do desempenho escolar, 95% das crianças e adolescentes
conseguiram acessar e permanecer na rede de ensino formal.
- Reduzida a prevalência de desnutrição moderada e grave entre os membros das
famílias. O acesso ao Programa Bolsa Familiar para a Educação (Bolsa Escola), que
repassava um salário mínimo às famílias durante dois anos, possibilitava o acesso
mensal à aquisição de materiais de consumo.
- Fortalecidos os vínculos afetivos na família e na comunidade. Os pais (homens) foram
gradativamente participando das atividades desenvolvidas pelos filhos (as).
- Crescimento entre as famílias, do donio de aprendizagens sobre a importância e a
necessidade de preservação do meio ambiente, coleta seletiva e reciclagem de materiais
para serem utilizados nas oficinas sócio-pedagógicas.
- Fomentada o hábito da leitura, interpretação, escrita e pesquisa.
- Fortalecidas as relações entre crianças e adolescentes a partir da construção de valores
atinentes a ética, a raça/etnias, dentre outras temáticas.
- Formação de parcerias internacionais entre a Itália/Brasil/Belém-Pa. A central Geral
de Trabalhadores de Milão (Cgil), repassou à prefeitura de Belém 200.890,90
(duzentos mil e oitocentos e noventa euros), que possibilitou a compra de um ônibus
confortável para as crianças envolvidas nas ações do projeto.
- Fomentada a gestão participativa e democrática das famílias enquanto parceiros do
projeto, os quais marcaram seus posicionamentos nas discussões e planejamento das
ações do projeto.
- Engajamento das famílias nos movimentos urbanos em defesa dos direitos sociais.
- Mudanças na percepção das famílias sobre a Garantia dos Direitos da Criança
ampliando a função protetiva e socializadora do grupo familiar.
- Mudanças culturais e sociais nas atitudes dos grupos familiares no que se refere à
proteção a criança e ao adolescente evitando a exploração do trabalho infantil.
- Alterações de hábitos de higiene e cuidados pessoais nas famílias catadoras atendidas
pelo Projeto.
71
Prédio cedido pela ASCMBEL – Associação dos servidores da Câmara Municipal.
Considero que o Projeto Sementes do Amanhã tenha sido a mais importante ação
interventiva, realizada pela Potica de Assistência à Criança em Belém, durante a gestão do
Governo do Povo”. Dezenas de crianças que eram submetidas a sobreviverem do lixo,
passaram a vivenciar, por meio do projeto, outro possibilidades de vida. Foi potencializado
um processo de socialização que interrompeu trajetórias de vidas que vinha sendo
desenvolvidas de forma desumanas e naturalizadas.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: ampliando o foco ao olhar de novo
É inegável que a pesquisa proporciona outra dimensão supostamente não
compreendida sem a ocorrência da ocupação. Muitas questões me foram reveladoras, mas
muitas dúvidas, ainda neste momento, pairam no ar. De certo, fica a lição de que parte do
caminho para as apreensões colocadas nestas páginas, só puderam ser alcançadas pela grande
oferta de materiais disponibilizados durante o curso. Foi fundamental o acesso a um conjunto
de estudiosos que se dedicam à análise de objetos e temáticas que, quando saem de suas mãos
passam a constituir uma espécie de diálogo, como ressalta Zaluar (1994), o qual permite “uma
interação comunicativa em que os diversos atores envolvidos, inclusive (principalmente)
aqueles geralmente silenciosos, sejam ouvidos” (p.176).
Outra aprendizagem diz respeito à necessidade de não se perder a dimensão de
que as análises devem considerar um conjunto de elementos que em regra, ultrapassam o
âmbito do objeto focado. Nesse sentido, foi fundamental compreender, que uma potica
social pode até ser olhada por algum período, de forma isolada. Todavia, o seu atrelamento
com as dimensões da cultura e da história logo são detectadas, mediante aos achados que
referendam as raízes da construção de conhecimentos, valores, hábitos e relações que
norteiam as práticas na cotidianidade.
De tal modo, é importante destacar Jessé Sousa, que com sua solidez, pondera que
as análises no campo das ciências sociais devem levar em consideração a situação em que o
Brasil esteve durante quatro séculos, com suas raízes fincadas no aparelho escravocrata.
Situação que certamente incide na formulação e tratamento das poticas públicas na
contemporaneidade, sobretudo, as governamentais, que ainda conservam a lógica da tutela, do
paternalismo e a formação apotica de seus usuários. Assim, as poticas dirigidas às camadas
populares preservam os princípios que geram a desigualdade social, em vez de combatê-la.
A percepção da lógica constrda em torno das políticas dirigidas às crianças, ao
longo da história do Brasil, ajuda a entender que há muito tempo vem se distanciando do
cotidiano da criança os espaços onde a sociabilidade, conforme pontuada por Simmel (1983)
poderia cultivar os hábitos, que são fundamentais para todas as crianças, como o brincar,
jogar, estudar, interagir com outros agentes sociais, em que a sociabilidade estaria relacionada
a “um sentimento, entre seus membros, em estarem sociados e pela satisfação derivada disso
(p. 168).
Santos (1996), em seus estudos sobre os principais traços da concepção moderna
de infância e adolescência, ressalta que na cultura ocidental tem prevalecido a ausência de
ritos institucionalizados, que sejam benéficos à formação das crianças. Segundo o autor, estes
agentes são vistos como desprovidos de capacidades para comunicar suas necessidades e de
participarem significativamente do “mundo do adulto”, cabendo-lhes a sujeição as
determinações impostas pelos adultos.
A Potica de Atenção à Criança desenvolvida em Belém, no período de 1997 a
2004, representou um avanço, comparada às poticas implantadas nos anos anteriores. No
entanto, por esta potica ter sido realizada historicamente datada, e contornada pelos
condicionantes do modo de produção capitalista, suas ações não se expressaram com o
mesmo poder das poticas que trabalham no sentido da fragilização das relações sociais.
A troca das ações dirigidas às crianças de cunho formativo para e pelo trabalhado,
por ações pautadas pela dimensão da educação, do lúdico e da arte, não foram suficientes para
o enfrentamento dos imperativos postos pela lógica de um Estado liberal, que movimenta suas
peças poticas de acordo com as necessidades do mercado. No campo da assistência social, o
enfrentamento ganha dimensões expressivas, posto que a questão social demanda diferentes
formas de intervenção na realidade das famílias e das comunidades.
Mesmo que a gestão realizada no período de 1997-2004, tenha sido registrado o
esforço no sentido de inverter as prioridades, visto nos objetivos almejados de cada um dos
projetos, os elementos da cultura, impregnados no aparelho psíquico conforme proferido por
Horkeimer (1990) estão presentes como guias, para orientar como os agentes devem se
movimentar para se habilitarem no mundo moderno. Assim, cada agente busca os meios para
responder às determinações do Estado, através das condutas institucionais.
Assim, sendo o trabalho uma necessidade fundamental para a realização da vida
humana, ele será perseguido principalmente por aqueles que vislumbram acessar os produtos
que geram a satisfação da condição humana. Nas sociedades que possuem precárias poticas
de regularização da relação trabalho x trabalhador, certamente que este último será submetido
às condicionalidades impostas pelo mercado.
Contudo, seria importante que as condições a serem estabelecidas para o ingresso
ao mundo do trabalho, sejam pelas vias da construção de hábitos respeitosos ao processo de
desenvolvimento humano. Para as crianças, deve-se combater ferozmente o exercício do
trabalho precoce, bem como os caminhos que conduzem para a formação alienada para o
exercício deste, combatendo-se práticas disciplinadoras e moralizantes, exercidas diariamente,
na casa, na escola e nos projetos sociais.
Em Belém, não diferente do restante das cidades brasileiras, a cultura estabelecida
pelos grupos de controle e poder local, para a manutenção do status quo, fomenta a dicotomia
na forma de tratamento para as crianças e adolescentes de acordo com a classe social de
pertencimento. Muitas das atividades oferecidas pelas políticas públicas, direcionadas às
crianças da classe popular, reforçam a posição que eles devem ocupar na sociedade. Os
programas e projetos sociais inscrevem as condicionalidades de participação e permanência
das falias nos servos socioassistenciais, de acordo com as concepções construídas pela
lógica do poder dominante. As famílias acabam ingressando em ações políticas que não
valorizam e respeitam os saberes construídos por elas.
A criança que motivou esta pesquisa, a qual entrara no projeto muito cedo, aos
oito anos de idade, trouxe à tona um referencial simbólico que refletia as representações que
ele vinha construindo em torno da Instituição, do trabalho e, sobretudo, de sua própria
condição enquanto agente de múltiplas relações sociais e, portanto, com diversas necessidades
humanas e sociais. Mas que, pela sua condição pré-definida de usuário excluído, terá mais
dificuldade em encontrar meios para supri-las. Situando-se claramente as suas considerações
em relação a avaliação ao projeto que participava, o Projeto Escola Circo.
Em relação à pesquisa, pude perceber o incipiente número de material produzido
pelos gestores da Potica de Assistencial Social no município de Belém, não tornando fácil a
compreensão de alguns elementos que poderiam ser esclarecedores, proporcionando
significativos registros históricos dessa potica. Chama atenção, a ausência, em todas as
gestões de instrumentais de registros elaborados ou manipulados pelos próprios usuários da
potica, mormente pelas crianças, reafirmando assim, a relação de poder estabelecida entre os
diferentes agentes envolvidos nos projetos.
A situação de não registrar as considerações e avaliações postas pelos usuários
não oportunizou o estabelecimento de uma dinâmica que poderia ajudar na compreensão de
diversas questões, que serviriam como baliza para apreensão das representações desses
agentes em torno da dinâmica implementada pela potica local. Situação que ajudaria tanto
aos usuários, quanto aos trabalhadores da assistência e de outras áreas de intervenção, como
suporte às proposições e incrementos de poticas públicas que poderiam ser desenvolvidas no
âmbito do poder local.
Esta situação também reflete o real nível de poder e participação dos usuários da
Potica de Assistência, e a forma de alteridade posta na potica, a de não considerar o outro
como agente de conhecimento, capaz de propor e interferir na dinâmica da instituição e, por
conseguinte, dos rumos poticos da cidade.
Tais percepções apontam também, a existência de uma trama estruturada
secularmente sob um pilar espesso e naturalizado, a qual engendra a ocupação do campo
social de forma pré-determinada. Processo pelo qual Souza (2003) conceitua como
representação da eficácia da “naturalização da desigualdade”, presentes em sociedades
periféricas como a brasileira, constituída por meio do cultivo e esquematização de relações
precárias e de poticas perversas que potencializam a construção de uma “subcidadania
social”.
Contudo, ainda se encontram no mundo contemporâneo, discursos e práticas que
procuram minimizar os efeitos imperiosos do capital e fazer valer os direitos sobre a infância
promulgada pela Declaração dos Direitos da Criança das Nações Unidas e, no caso brasileiro,
também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. No sentido de garantir condições para que
as crianças possam acessar direitos básicos como educação, saúde, proteção, habitação,
alimentação, lazer, integridade física e psicológica. Certamente, tais práticas esbarram em
dificuldades ordenadas pelo descaso do Estado dei comodev11((i)35.6u-8.8(de)-21.8(e)2(s)-20(f)30.1(o)-21.8( d-29.8(m)35.a)1o)-22.1(n)17.35.2(o)-2u17.35.2d-18(l)omodeá(o)-216(c)-1as
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