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UNIVERSIDADEFEDERALDORIODEJANEIRO
FACULDADEDEARQUITETURAEURBANISMO
PROGRAMADEPÓSGRADUAÇÃO EMARQUITETURAE
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ii
CONTEÚDOSDOENSINODEINTRODUÇÃO
ÀCONCEPÇÃOARQUITETÔNICA:UMACARTOGRAFIA
PEDROENGELPENTER
ORIENTADOR:PROF.DR.GUILHERMELASSANCE
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura, linha de pesquisa Ensino de Arquitetura.
Aprovada por:
_______________________________
Orientador, Prof. Dr. Guilherme Lassance
_______________________________
Prof. Dr. José Barki
_______________________________
Prof. Dr. Laís Bronstein
RIODEJANEIRO
FEVEREIRO2008
FICHACATALOGRÁFICA
P419
Penter, Pedro Engel,
Conteúdos do ensino de introdução à concepção arquitetônica:
uma cartografia/ Pedro Engel Penter. – Rio de Janeiro: UFRJ/FAU,
2008.
xi, 211 f. : il. 30 cm.
Orientador: Guilherme Lassance.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/PROARQ/Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura, 2008.
Referências bibliográficas: p.195-201.
1. Arquitetura Estudo e ensino. I. Lassance, Guilherme. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura. III. Título.
CDD 720
iv
AGRADECIMENTOS
A Liane, pelo amor, pela alegria, pela paciência e por ser como é.
Aos meus pais e meu irmão, por tudo, que é tanto...
Ao meu orientador, Guilherme Lassance, por acreditar neste trabalho e na minha capacidade para
desenvolvê-lo, mas também pela lucidez, pela tranqüilidade, especialmente, por ensinar que há outros
modos, sempre.
Aos professores Beatriz Oliveira, José Kós, Flávia de Faria por confiarem no meu trabalho como professor e
não por trocarem a aventura e a dúvida pela segurança da certeza. Aos demais docentes da FAU UFRJ,
especialmente no Departamento de Análise e Representação da Forma, pelo acolhimento durante a minha
passagem pela escola.
A Barki e Laís, pelo incentivo e pelas contribuições valiosas.
Aos professores entrevistados durante a pesquisa de campo que, invariavelmente, estiveram dispostos a
contribuir com o trabalho, demonstrando sua preocupação com tema da formação do arquiteto e dando
exemplos da generosidade típica daqueles que nutrem uma paixão por ensinar.
Aos amigos Lulu, Felipe, Cris Ribas, Pedro, Cris Knijnik, Iazana, André, Danichi, Alice e Raquel, pelo
companheirismo, por tudo o que me ensinam talvez sem saber e por não terem medo de cruzar a rua
mesmo sabendo do atropelo que é a vida.
A todos os mestres, com carinho.
v
RESUMO
CONTEÚDOSDOENSINODEINTRODUÇÃO
ÀCONCEPÇÃOARQUITETÔNICA:UMACARTOGRAFIA
PEDROENGELPENTER
ORIENTADOR:PROF.DR.GUILHERMELASSANCE
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura.
Esta dissertação trata da escolha dos conteúdos que figuram no ensino de introdução à concepção
arquitetônica tendo como horizonte empírico um conjunto de oito escolas brasileiras. A abordagem proposta
para trabalhar o tema percorre duas vias paralelas. De um lado, traz uma pesquisa bibliográfica que aborda
o conhecimento na prática da concepção arquitetônica, apresenta algumas tradições forjadas na
problemática tarefa do ensino de arquitetura e examina, a grandes rasgos, a trajetória institucional do
ensino de arquitetura no Brasil. Do outro lado, o trabalho apresenta um levantamento empírico – sem
pretensões ser exaustivo ou estatisticamente representativo do quadro nacional – no qual identifica e atribui
nomes aos conteúdos trazidos em diferentes exercícios didáticos propostos em ateliês de primeiro ano em
certo conjunto de escolas brasileiras. Ao fim, são feitas algumas considerações com o objetivo de levantar
questões sobre as escolhas pedagógicas no âmbito do ensino de introdução da concepção arquitetônica.
Palavras Chave: ensino de arquitetura, ensino de projeto, metodologia do projeto
RIODEJANEIRO
FEVEREIRO2008
vi
ABSTRACT
KNOWLEDGESUBJECTSININTRODUCTORY
ARCHITECTURALDESIGNTEACHING:ACARTOGRAPHY
PEDROENGELPENTER
SUPERVISOR:PROF.DR.GUILHERMELASSANCE
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura.
This dissertation addresses the selection of knowledge regarding the subjects to be taught in first year
studios of architecture schools having as empirical ground a group of eight Brazilian institutions. The
approach used to build this work follows two parallel paths. On one side, it draws on bibliographical research
in order to discuss the knowledge used by architects in the design process, but also to present a few
teaching traditions forged upon the critical field of architectural design education and to widely examine the
institutional trajectory of architectural teaching in Brazil. On the other side, this dissertation presents an
empirical research – without intending to be exhaustive or statistically representative of the architectural
education in Brazil – that identifies and names a wide variety of knowledge topics intended by different
design exercises proposed in first studios within a certain group of Brazilian architectural schools. Lastly, a
few considerations will be presented aiming to raise questions about the pedagogical choices concerning
introductory architectural design teaching.
Key-words: architecture teaching, architectural design teaching, design methodology
RIODEJANEIRO
FEVEREIRO2008
vii
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ............................................................................................................................. X
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1
1.1 PROBLEMA ........................................................................................................................................ 1
1.2 SOBRE O OBJETO DE ESTUDO ...................................................................................................... 2
1.3 OBJETIVOS ........................................................................................................................................ 4
1.4 JUSTIFICATIVA .................................................................................................................................. 5
1.5 FERRAMENTAS E MÉTODOS .......................................................................................................... 7
2 CONHECIMENTO NA CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA ................................................................. 9
2.1 ARQUITETURA COMO CAMPO DE CONHECIMENTO .................................................................. 11
2.1.1 Disciplina da Arquitetura ................................................................................................................... 11
2.1.2 Projeto e concepção arquitetônica .................................................................................................... 13
2.1.3 Sobre o estudo da prática de concepção .......................................................................................... 14
2.2 CONHECIMENTO NA PRÁTICA DA CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA .......................................... 15
2.2.1 Ação e reflexão ................................................................................................................................. 17
2.2.2 Concepção arquitetônica como estruturação e solução de problemas ............................................. 18
2.2.3 Leitura do problema .......................................................................................................................... 20
2.2.4 Representação, desenho e pensamento visual ................................................................................ 22
2.2.5 Verbalização ..................................................................................................................................... 27
2.2.6 Experiência, referências e precedentes ............................................................................................ 31
2.2.7 Abordagens conceptivas, princípios norteadores e teorias normativas ............................................ 37
3 TRADIÇÕES NO ENSINO DE ARQUITETURA ............................................................................... 39
3.1 ECOLE DES BEAUX-ARTS .............................................................................................................. 39
3.1.1 Fundação e Contexto Histórico ......................................................................................................... 39
3.1.2 Sistema de Ensino na Beaux-Arts .................................................................................................... 40
3.1.3 Abordagem Conceptiva na Beaux-Arts ............................................................................................. 42
3.1.4 Projeto como Composição ................................................................................................................ 44
3.1.5 Concepção como Definição do Caráter ............................................................................................ 48
3.2 DURAND E A ECOLE IMPERIALE POLYTECHNIQUE ................................................................... 51
3.3 BAUHAUS ......................................................................................................................................... 54
3.3.1 Formação .......................................................................................................................................... 54
3.3.2 O Curso Preliminar da Bauhaus ....................................................................................................... 56
3.3.3 Concepção e Fabricação .................................................................................................................. 61
3.3.4 Arquitetura e Construção .................................................................................................................. 63
3.3.5 Convergências e Linhas de Força .................................................................................................... 64
3.4 MOVIMENTO MODERNO ................................................................................................................ 67
3.4.1 Abordagens Conceptivas .................................................................................................................. 67
3.4.2 Ensino ............................................................................................................................................... 69
3.5 UNIVERSIDADE DO TEXAS E COOPER UNION ............................................................................ 71
3.5.1 Novas Bases para o Ensino de Concepção Arquitetônica no Texas ................................................ 72
viii
3.5.2
Ensino de introdução à concepção arquitetônica na Universidade do Texas ................................... 75
3.5.3 O Exercício dos Nove-Quadrados .................................................................................................... 79
3.5.4 Cooper Union: Education of an Architect 1 ....................................................................................... 82
3.5.5 Cooper Union: Education of an Architect 2 ....................................................................................... 85
3.5.6 A ficção e o universo das analogias .................................................................................................. 86
3.5.7 Primeiro Ano ..................................................................................................................................... 88
4 SOBRE A HISTÓRIA DO ENSINO DE ARQUITETURA NO BRASIL ............................................. 92
4.1 ANTES DA INVENÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL ........................................................ 92
4.2 ENSINO OFICIAL ............................................................................................................................. 93
4.2.1 Missão Artística Francesa e Arquitetura como uma das Belas Artes ................................................ 93
4.2.2 Reforma Araújo Porto Alegre e o Sentido Utilitário da Formação Profissional ................................. 96
4.2.3 Ensino Politécnico ............................................................................................................................. 97
4.2.4 Regulamentação da Profissão e a Perícia Técnica .......................................................................... 98
4.2.5 Surgimento do Moderno e Reforma da Escola Nacional de Belas Artes .......................................... 99
4.2.6 Fortalecimento do Moderno e Autonomia das Escolas de Arquitetura ........................................... 101
4.2.7 Infiltração do Moderno .................................................................................................................... 103
4.2.8 Lutas por uma Reforma do Ensino e Currículo Mínimo .................................................................. 106
4.2.9 Reforma Universitária de 1969 e Novo Currículo Mínimo ............................................................... 107
4.2.10 Modelagem, Plástica e Arquitetura Analítica ................................................................................... 108
4.2.11 ABEA, CEAU e Novas Tentativas de Revisão no Ensino de Arquitetura ........................................ 110
4.2.12 Crítica .............................................................................................................................................. 112
4.2.13 Pós-Graduação: Encontro de Ensino de Projeto ............................................................................ 113
4.2.14 Diretrizes Curriculares 1994 e 2ª Lei de Diretrizes e Bases de 1996 .............................................. 115
5 UMA CARTOGRAFIA DO ENSINO DE INTRODUÇÃO À CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA ...... 118
5.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA .................................................................................................. 118
5.1.1 Cartografia como pesquisa ............................................................................................................. 119
5.1.2 Adotando Ferramentas e Métodos .................................................................................................. 121
5.1.3 Análise ............................................................................................................................................ 123
5.1.4 Definição do recorte ........................................................................................................................ 124
5.1.5 Apresentação da produção ............................................................................................................. 125
5.1.6 Experiência em campo .................................................................................................................... 126
5.1.7 Alerta ao leitor ................................................................................................................................. 127
5.2 PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA ...................................................................................................... 128
5.2.1 Medida, Tamanho e Escala ............................................................................................................ 128
5.2.2 Percepção ....................................................................................................................................... 133
5.2.3 Forma .............................................................................................................................................. 142
5.2.4 Concepção ...................................................................................................................................... 149
5.2.5 Fabricação ...................................................................................................................................... 154
5.2.6 Precedentes .................................................................................................................................... 157
5.2.7 Cidade ............................................................................................................................................. 165
5.2.8 Verbalização ................................................................................................................................... 172
5.2.9 Experiência ..................................................................................................................................... 178
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................ 183
6.1 SOBRE A PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA ..................................................................................... 183
6.2 SOBRE A GENEALOGIA DAS PRÁTICAS DIDÁTICAS ................................................................ 186
6.3 SOBRE CONTAMINAÇÕES REGIONAIS ...................................................................................... 187
ix
6.4
SOBRE ENSINO E PESQUISA ACADÊMICA ................................................................................ 188
6.5 SOBRE TENDÊNCIAS EM DIREÇÃO À ESPECIFICIDADE ARQUITETÔNICA ........................... 190
6.6 SOBRE LIMITES DISCPLINARES ................................................................................................. 192
6.7 SOBRE CAMINHOS NÃO EXPLORADOS ..................................................................................... 193
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 195
ANEXO A - CURRÍCULO MÍNIMO DE 1962 ............................................................................................... 202
ANEXO B - CURRÍCULO MÍNIMO 1969 ..................................................................................................... 203
ANEXO C - CARTA DE OURO PRETO, 1977 ............................................................................................ 207
ANEXO D - DIRETRIZES CURRICULARES, 1994 ..................................................................................... 210
x
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 1 - VISÃO SERIAL PRODUZINDO UMA LEITURA DO PROBLEMA .................................... 22
ILUSTRAÇÃO 2 - CROQUIS ESQUEMÁTICOS ............................................................................................ 24
ILUSTRAÇÃO 3 - SINTAXE E PENSAMENTO VISUAL EM UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA ...................... 26
ILUSTRAÇÃO 4 - VERBALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE POSTURAS DE PROJETO. .............................. 30
ILUSTRAÇÃO 5 - COMPROMETIMENTO COMO RECURSO DIDÁTICO .................................................... 33
ILUSTRAÇÃO 6 - MODELOS DE OBRAS EXEMPLARES ............................................................................ 35
ILUSTRAÇÃO 7 - PARTI PRIS ...................................................................................................................... 46
ILUSTRAÇÃO 8 - ESQUISSE ........................................................................................................................ 47
ILUSTRAÇÃO 9 - RENDU .............................................................................................................................. 50
ILUSTRAÇÃO 10 - MARCHE À SUIVRE ....................................................................................................... 53
ILUSTRAÇÃO 11 - “MAISON DOMINO” E “SPACE-TIME CONSTRUCTION NO. 3” .................................... 74
ILUSTRAÇÃO 12 - EXERCÍCIO DO CUBO ................................................................................................... 78
ILUSTRAÇÃO 13 - EXERCÍCIO DOS NOVE-QUADRADOS ......................................................................... 79
ILUSTRAÇÃO 14 - EXERCÍCIO DOS NOVE QUADRADOS NA COOPER UNION ...................................... 81
ILUSTRAÇÃO 15 - EXERCÍCIO DO CUBO. .................................................................................................. 84
ILUSTRAÇÃO 16 - “HOUSE FOR A RETIRED QUARRYMAN” E “MICROSCOPE/TELESCOPE” ............... 87
ILUSTRAÇÃO 17 - EXERCÍCIO “CARTESIAN HOUSE” ............................................................................... 89
ILUSTRAÇÃO 18 - EXERCÍCIO DE EQUILÍBRIO ......................................................................................... 90
ILUSTRAÇÃO 19 - EXERCÍCIO DA PONTE ................................................................................................. 90
ILUSTRAÇÃO 20 - AUTO-ELEVAÇÃO. ....................................................................................................... 130
ILUSTRAÇÃO 21 - UFRJ – FIGURA HUMANA COMO REFERÊNCIA DE ESCALA .................................. 133
ILUSTRAÇÃO 22 - COMPOSIÇÃO SOBRE BASE QUADRADA ................................................................ 134
ILUSTRAÇÃO 23 - INTERPRETANDO O ESPAÇO: PROSPECÇÕES. DIAGRAMA CORPORAL. ........... 138
ILUSTRAÇÃO 24 - INTERPRETANDO O ESPAÇO: PROSPECÇÕES. INTERPRETAÇÃO CORPORAL. 139
ILUSTRAÇÃO 25 - MATERIALIZANDO A AÇÃO: BIOMECANISMOS. ....................................................... 140
ILUSTRAÇÃO 26 - MATERIALIZANDO A AÇÃO: BIOMECANISMOS. ....................................................... 141
ILUSTRAÇÃO 27 - TANGENCIANDO O ESPAÇO PROJETADO. .............................................................. 142
ILUSTRAÇÃO 28 - ANÁLISE DOS CONCEITOS DE COMPOSIÇÃO EM PLANTA BAIXA. ....................... 144
ILUSTRAÇÃO 29 - EXERCÍCIO DE MANIPULAÇÃO DA FORMA .............................................................. 146
ILUSTRAÇÃO 30 - EXERCÍCIO DE REPRESENTAÇÃO. ........................................................................... 146
ILUSTRAÇÃO 31 - EXERCÍCIO DE COMPOSIÇÃO DA FORMA ARQUITETÔNICA ................................. 147
ILUSTRAÇÃO 32 - TRAÇADO REGULADOR. ............................................................................................ 148
ILUSTRAÇÃO 33 - TRAÇADO REGULADOR. ............................................................................................ 150
xi
ILUSTRAÇÃO 34 - PAVILHÃO DAS FLORES. ............................................................................................ 152
ILUSTRAÇÃO 35 - PROJETO DE UMA CAPELA ....................................................................................... 153
ILUSTRAÇÃO 36 - ACABAMENTO. ............................................................................................................ 155
ILUSTRAÇÃO 37 - MODELO CONCEITUAL DE ANÁLISE. ........................................................................ 156
ILUSTRAÇÃO 38 - INTERPRETANDO O ESPAÇO: PROSPECÇÕES. APRESENTAÇÃO. ...................... 157
ILUSTRAÇÃO 39 - ANÁLISE DE CONCEITOS DE COMPOSIÇÃO............................................................ 160
ILUSTRAÇÃO 40 - ANÁLISE DE UMA RESIDÊNCIA .................................................................................. 161
ILUSTRAÇÃO 41 - ANÁLISE DE UMA RESIDÊNCIA. ESPAÇOS EM USO. .............................................. 162
ILUSTRAÇÃO 42 - RESIDÊNCIA R.R. ARQUITETOS ANDRADE MORETTIN. ......................................... 162
ILUSTRAÇÃO 43 - CASA AZUMA. ARQUITETO TADAO ANDO. ............................................................... 163
ILUSTRAÇÃO 44 - ANÁLISE DA RESIDÊNCIA R.R., DE ANDRADE MORETTIN. .................................... 164
ILUSTRAÇÃO 45 - ANÁLISE DA CASA AZUMA DE TADAO ANDO........................................................... 164
ILUSTRAÇÃO 46 - ANÁLISES EM NÍVEL MACRO-ESPACIAL. ................................................................. 166
ILUSTRAÇÃO 47 - ANÁLISES EM NÍVEL MICRO-ESPACIAL. ................................................................... 167
ILUSTRAÇÃO 48 - VETORES DA CIDADE ................................................................................................. 170
ILUSTRAÇÃO 49 - CONSUMO: BENS E REFRESCOS. ............................................................................ 173
ILUSTRAÇÃO 50 - ESPAÇO DE ESTUDO EM OUTROS LUGARES. ........................................................ 173
ILUSTRAÇÃO 51 - MEMÓRIA. .................................................................................................................... 174
ILUSTRAÇÃO 52 - CONCEITO: INFILTRAÇÃO. ......................................................................................... 176
ILUSTRAÇÃO 53 - PALAVRA-CONCEITO: APROPRIAÇÃO. ..................................................................... 177
ILUSTRAÇÃO 54 - PALAVRAS-CONCEITO: ORDEM, PERFEIÇÃO, ENCAIXE E EXATIDÃO. ................ 178
ILUSTRAÇÃO 55 - ANÁLISE DE UMA RESIDÊNCIA. CONFORTO. .......................................................... 179
ILUSTRAÇÃO 56 - ANÁLISE DE UMA RESIDÊNCIA. ESPAÇOS EM USO. .............................................. 180
ILUSTRAÇÃO 57 - PROJETO PARA A CASA DE UM FILÓSOFO. CONCEITO: CONCENTRAÇÃO. ....... 181
ILUSTRAÇÃO 58 - INTERPRETANDO O ESPAÇO: PROSPECÇÕES. EXPERIÊNCIA ............................. 181
1 INTRODUÇÃO
1.1 PROBLEMA
Situação hipotética. Um professor tem a incumbência de propor atividades didáticas em um ateliê de
primeiro ano de uma escola de arquitetura. Ele sabe, por experiência, que, ao contrário do que ocorre em
turmas mais adiantadas, os estudantes recém-ingressos não são capazes de enfrentar problemas de
projeto com autonomia. Faltam habilidades e conhecimentos básicos para que eles possam dar os
primeiros passos. Ele também sabe que qualquer tipo de manual de introdução ao projeto não resolveria o
problema. Os saberes fundamentais para a prática da concepção arquitetônica não são conquistados sem
seu exercício. Digamos ainda que o professor de fato conheça diferentes meios para criar situações de
aprendizagem e, mais do que isso, possua recursos para levar seus alunos a refletir sobre elas e sobre o
conhecimento que permitem engendrar.
Ainda assim, a situação é problemática. Seu curso tem apenas dois semestres e há mais fundamentos para
serem aprendidos do que tempo para aprendê-los. Tais circunstâncias exigem que ele dê preferência a
alguns saberes enquanto opta pela exclusão de outros. Pergunta-se, deveriam os estudantes iniciar sua
formação aprendendo a lidar com a inevitável prática da composição e manipulação da forma, dominando
meios de representar e gerar suas soluções? Ou, antes, deveriam conhecer as implicações das
configurações espaciais no comportamento e nas atividades exercidas pelas pessoas que utilizam o
espaço? Deveriam primeiro adquirir repertório, ser capazes de aprender as lições oferecidas pela cultura
arquitetônica mediante a observação e análise de precedentes, familiarizar-se com a linguagem de
arquitetos exemplares e conhecer as soluções para problemas que serão recorrentes na sua prática?
Deveriam ver-se capazes de conceber e fabricar artefatos, exercer contato direto com a matéria e aprender
meios para poder transformá-la? Deveriam conhecer os fundamentos técnicos do edificar e as forças que
atuam sobre as estruturas resistentes? Deveriam eles reconhecer as pré-existências ambientais que serão
transformadas com o seu trabalho, compreender sua história, morfologia, elementos e dinâmicas sociais,
saber os modos de representá-las, analisá-las e diagnosticar seus problemas para poder propor
intervenções? Ou deveriam, em primeiro lugar, ser capazes de lançar olhares sobre a experiência que as
pessoas comuns têm da arquitetura e da cidade, indagar-se sobre os acontecimentos e as subjetividades
2
que se vêem produzir na relação dos indivíduos com o ambiente construído, conhecer o alcance e os limites
do trabalho do arquiteto no mundo em que vive?
Ao contrário do que ocorrera em outras épocas, em que a força da tradição, ou da legislação, teria imposto
um determinado caminho, agora o professor vê em cada um desses percursos trajetórias pertinentes para
fundamentar a prática da concepção arquitetônica. Está posto o problema: fazer escolhas.
Tal situação é hipotética, porém verossímil. É neste cenário que emerge o problema central do trabalho,
indagando-se sobre as escolhas de conteúdos no ensino propedêutico da concepção arquitetônica. O
percurso traçado para embrenhar-se no problema, sem ter a pretensão de solucioná-lo, envolve duas vias
paralelas. De um lado está uma pesquisa bibliográfica que trata do conhecimento implicado na concepção
arquitetônica e das tradições forjadas no enfrentamento do problema de se ensinar a projetar. Do outro lado
há uma pesquisa empírica, denominada cartográfica, que envolvendo o exame dos conteúdos presentes
em exercícios didáticos propostos em um conjunto de disciplinas de introdução ao projeto no Brasil. A
produção resultante, sem ter pretensões exaustivas ou conclusivas, propõe apresentar uma visada
panorâmica com o intuito de contribuir para reflexões acerca da escolhas de conteúdos no ensino
propedêutico da concepção arquitetônica.
1.2 SOBRE O OBJETO DE ESTUDO
Exposto o problema do trabalho, cabe proceder a algumas definições acerca do seu objeto de estudo: os
conteúdos das práticas didáticas no ensino de introdução à concepção arquitetônica em escolas brasileiras.
Inicialmente, faz-se necessário deixar claro o que se entende por conteúdo de ensino no âmbito da
concepção arquitetônica. Parte-se do pressuposto de que em uma prática didática os conteúdos não
remetem apenas a informações ou dados que devem ser transmitidos aos estudantes e por eles retidos.
Embora esta possa ser uma de suas feições, ela não contempla o que há de mais relevante na concepção
arquitetônica: o conhecimento como prática. Adotando-se a perspectiva construtivista, os conteúdos serão
aqui entendidos como sinônimos dos conhecimentos – potencialmente – construídos pelo estudante por
meio das práticas didáticas, ou seja, aquilo que se poderá ver produzido
1
pelo estudante em certo exercício.
Isto implica esclarecer o que se entende por conhecimento e como ele se manifesta na prática da
concepção arquitetônica. Este tema será abordado no primeiro capítulo com o auxílio de teorias sobre o
processo de concepção em arquitetura. Cabe, por ora, adiantar que a noção de conhecimento aparecerá
1
A noção de produção não remete aqui ao produto material de um dado exercício, como desenhos ou modelos, mas de algo que
está na esfera dos acontecimentos. No caso deste trabalho, a preocupação se concentra nos acontecimentos cognitivos que
poderiam ser entendidos como momentos de aprendizagem, ou seja, da produção de conhecimento por parte do estudante.
3
tanto como conhecimento em ato – ligado à ação do projetista, uma espécie de saber-fazer – quanto como
conhecimento explícito – ligado aos saberes enunciáveis, declarativos, que formam o corpo de
conhecimento da disciplina, uma espécie de “saber que”. Assim, o conteúdo de uma disciplina de
concepção arquitetônica poderá ser tanto o conhecimento sobre o projeto quanto o próprio projetar, tanto as
ferramentas e categorias de análise quanto o próprio analisar, tanto as regras de composição quanto o
próprio compor.
Outro aspecto da definição do objeto de estudo que demanda esclarecimento é o ensino de introdução à
concepção arquitetônica. Talvez o modo mais simples de descrevê-lo é dizer que se trata do ensino nas
disciplinas de primeiro ano que inauguram a seqüência de ateliês de projeto nos cursos de arquitetura. Não
raras vezes, os primeiros ateliês optam por não promover exercícios de projeto propriamente ditos,
propondo em seu lugar atividades didáticas que visam ensinar fundamentos propedêuticos considerados
necessários para as práticas dos períodos seguintes. Nas escolas brasileiras, estas disciplinas aparecem
de modo recorrente sob nomes como Introdução ao Projeto Arquitetônico, Projetos 1 e 2, Concepção ou
Estudo da Forma Arquitetônica. Parte-se do pressuposto de que os currículos das escolas de fato contam
com um grupo de disciplinas ministradas em ambiente de ateliê percorrendo todo o curso, iniciado já no
primeiro semestre, ou seja, parte-se do princípio de que as escolas naturalizaram uma tradição no ensino
de arquitetura fundada na Escola de Belas Artes francesa, onde a formação do arquiteto calcava-se na
prática da concepção, concentrando-se primordialmente nos ateliês assistidos por disciplinas
“complementares”. Tal modelo, embora seja genericamente adotado na elaboração das estruturas
curriculares na maior parte das escolas, não é um pressuposto universal e necessário. Autores como Mark
Stanton,
2
por exemplo, questionam polemicamente o primado dado à concepção arquitetônica como
modelo único da formação do arquiteto lembrando-nos que se trata de uma herança cultural. Este trabalho,
embora reconheça a condição culturalmente situada do ateliê de projeto, não se ocupará de questioná-la,
posto que se insere, de partida, no seu interior.
Finalmente, afirmar que o objeto de estudo se situa no âmbito das escolas brasileiras não significa que se
pretende abordar a totalidade dos cursos de arquitetura ou formar um retrato com valor estatístico ou
representativo do quadro nacional das práticas de ensino de introdução à concepção arquitetônica. A
discussão sobre o recorte proposto a pesquisa empírica será abordada junto com as definições
metodológicas apresentadas no quinto capítulo, que trará também os relatos sobre a pesquisa de campo.
Por ora é pertinente ressaltar que a referência ao território brasileiro deve-se à intenção de explorar o
2
O arquiteto e professor Michael Stanton (2000), por exemplo, lança uma provocação ao cogitar que grandes transformações
poderiam ocorrer na formação arquitetônica se alguns pressupostos tradicionais fossem abandonados, entre eles a idéia de uma
formação voltada primordialmente para a concepção arquitetônica. O autor sugere que a figura do ateliê é tão arraigada na
formação profissional que, apesar de todas as transformações por que passou a disciplina e seu ensino ao longo dos últimos
duzentos anos, ele ainda assim mantém-se intacto nos moldes da sua estrutura original.
4
problema do trabalho ante um horizonte histórico, cultural e legislativo que seja, em linhas gerais, comum a
todas as práticas pesquisadas. Este horizonte é o tema do quarto capítulo, que discutirá as tradições do
ensino de arquitetura no Brasil, com suas heranças e suas peculiaridades institucionais.
1.3 OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é, por intermédio do exame de uma série de exercícios didáticos, identificar
regularidades entre seus conteúdos permitindo o lançamento de questões a respeito das escolhas que
constituem a propedêutica da concepção arquitetônica.
Além deste objetivo principal, estabeleceram-se alguns objetivos parciais que orientaram a construção e o
desenvolvimento de cada um dos capítulos que constituem o trabalho. O segundo, intitulado Conhecimento
na Concepção Arquitetônica, tem por objetivo forjar uma base teórica que permita abordar o tema do
conhecimento na prática do projeto e seu ensino introdutório. A parte inicial, Arquitetura como Campo de
Conhecimento, aborda a questão de como se constitui o universo disciplinar da arquitetura trazendo a
imagem de um campo híbrido no qual a prática da concepção arquitetônica ocupa um lugar privilegiado. A
segunda parte, por sua vez, tratará do tema do conhecimento implicado na própria prática da Concepção
Arquitetônica. Frente à inexistência de um sistema teórico que seja suficientemente completo e amplamente
aceito para abordar este tema, propõe-se conjugar um aporte teórico – baseado nos estudos de
metodologia do projeto e em conceitos provenientes das teorias da cognição – com a descrição de algumas
práticas de ensino. A aproximação deste aparato teórico pretende ser útil, posteriormente, no tratamento
das práticas didáticas durante a pesquisa cartográfica auxiliando na identificação dos seus conteúdos.
No terceiro capítulo serão apresentadas algumas tradições do ensino de arquitetura que contribuíram para
a formação de inúmeras escolas ao longo dos dois últimos séculos – entre elas a tradição da Escola de
Belas Artes e Politécnica, na França, e da Bauhaus, na Alemanha – assim como experiências que se
tornaram célebres e vieram a desdobrar-se como novas tradições de ensino após consolidada a infiltração
do movimento moderno na formação acadêmica do arquiteto – entre elas as experiências da Universidade
do Texas, em Austin, e da Cooper Union, de Nova Iorque. As práticas didáticas vinculadas a cada tradição
serão consideradas em conjunto com posições teóricas e abordagens conceptivas a elas vinculadas. Em
cada uma destas tradições uma ênfase especial será dada ao ensino de introdução à concepção
arquitetônica.
O quarto capítulo é intitulado Sobre a História do Ensino de Arquitetura no Brasil e apresentará um breve
panorama histórico e cultural da formação do arquiteto no Brasil. Além de fazer referência ao contexto
político e profissional, esta trajetória será narrada à luz da incorporação, pelas escolas brasileiras, de
5
diferentes tradições de ensino de arquitetura ao longo dos anos. Serão sublinhadas, em especial, as
disputas em torno das determinações legais que controlavam os currículos, destacando seu reflexo no
ensino. O objetivo deste capítulo, além de fornecer um horizonte histórico para o objeto da pesquisa, é
também apresentar o cenário institucional e cultural que permitiu as transformações ocorridas no ensino de
introdução à concepção arquitetônica nas duas últimas décadas, elucidando assim algumas condições de
formação das práticas atuais.
O quinto capítulo, Uma Cartografia do Ensino de Introdução à Concepção Arquitetônica, tratará da pesquisa
de campo, feita em diferentes escolas brasileiras, examinando as práticas de ensino de introdução à
concepção arquitetônica. A primeira parte tratará da abordagem metodológica. Além de desenvolver
brevemente a noção de cartografia como método de pesquisa, serão apresentados os critérios utilizados
para definição do recorte da pesquisa e os métodos e ferramentas empregados nas saídas de campo e nas
análises dos exercícios. A segunda parte tem por objetivo exibir a produção gerada na cartografia, trazendo
descrições dos exercícios examinados agrupadas em nove “territórios”, correspondendo aos tipos de
conteúdos que permitem produzir.
1.4 JUSTIFICATIVA
A proposta de investigar práticas didáticas no ensino de introdução à concepção arquitetônica e identificar
seus conteúdos tem especial relevância dentro do ambiente acadêmico. Em primeiro lugar, o trabalho
permitirá apresentar descrições de exercícios e estratégias didáticas que provavelmente não seriam
conhecidas fora dos limites da escola ou mesmo do departamento a que estão vinculadas. Com isso,
pretende-se contribuir, por intermédio da circulação de informação, para a produção de conhecimento e
reflexão acerca de práticas de ensino. O objetivo da dissertação, porém, não é fornecer subsídios para a
reprodução ou o emprego de estratégias didáticas. Embora este possa ser um efeito colateral possível, não
se pretende justificar a relevância do trabalho com uma promessa de operacionalidade no ambiente de
ensino, mas sim mediante sua contribuição para a problematização das escolhas didáticas.
A importância de uma reflexão crítica sobre as práticas de ensino se justificaria pelo entendimento de que
as escolhas didáticas constituem rebatimentos, nas escolas de arquitetura, de diferentes posições
presentes no campo disciplinar da arquitetura. Partindo desse pressuposto, que pode ser amparado pela
tese de Michel Foucault de que existe uma conexão imanente entre saber e poder (DELEUZE, 1986) – se
estará apontando para o terreno das ações políticas no âmbito do ensino. A urgência de uma discussão
neste campo é apontada pelo arquiteto e professor Michael Stanton, que defende um olhar mais crítico em
relação às práticas didáticas propostas em sala de aula e lembra que as “tentativas de controlar o
6
conhecimento e as formas arquitetônicas a que este alude, direcionam os nossos currículos na escola e os
nossos objetivos na prática profissional.” (STANTON, 2000, p. 15). Neste sentido a contribuição do trabalho
estaria em fornecer alguns elementos que incrementem a discussão sobre as escolhas dos conteúdos
propostos nos primeiros ateliês, podendo interessar àqueles a quem cabem decisões de ordem pedagógi0.8(cf(s)0.1( )]TJ6TD0.0044 Tc0.1tan( )-5 con2(em f5.1(o)-1.am f5.1( d)70.8íi0.7(ve3(o).4(dam f5.s(de1( )55(ip(at)56(nam f5.s((o)-1.qm f5.um f5.anti0.7(o n( )-5a( d)70.em f5.scon)4f(n)-195a( d)70.dam f5.((o)-1.( )55(oon)-195dem f5.nam f5.çãm f5.11(s)--0.9(t)70.em f5.n9(t)70sat)56(nem f5.1(o)-1.em f5.1(o)-1.d( )-5a( d)70s )55(1(o)-1.on)-195ien( )-5 con2(am f5.çcon)4õs)--0.9(t)70s )55(1(o)-1.( )55(u9(t)70rri)-0.8(65a( d)70res )55(1(o)-1.ecf(s)0.1( )]T08 70.00124 Tc0.1p e)0.8(ít1(g4-1.o)-2(-pedagógi )5.2(( edas((o)-1.es 4-1.c e)0.8(a)-2(s.n)-0.81(o)4.1(re)3960 61.4219 TD0.00205Tc0.1Por out,)5.6(ícul)6. viée)-0.8( e)4(u)4.4(a apr(e)-0.8( e)4ecim)7.5(e)4.4u)4.4scol)6.çe )5.ã11(s)-)5.2(n)4.44(os)5..2(n)4.8(s)5. con44ecim)7ú al)6.2(n)4.o)-0.8(rma)4.dôni)6.5((a)-u)4.4i(os)5.( ed(e)-0.dá(s)5. i(os)5.(2(n)4.44(os)5..2(n)4.rren.4(s)0.5(o)-1.– apr)5.6( (e )5.en.4(s)0ôni)6.da os )5.2(n)4.(o)-1.Cônis crrículo
7
conjunto de conteúdos apresentado no Capítulo 5, tratado sem uma hierarquização de valor, pretende
colocar-se em uma via contrária a quaisquer modos de especialização que tenham por efeito o
esquecimento da complexidade que caracteriza o pensamento na concepção arquitetônica.
Finalmente, cumpre destacar que o ambiente acadêmico pode ser entendido como um dos espaços
privilegiados de interface entre pensamento arquitetônico – elaborado e discutido nas esferas intelectuais –
e a prática da concepção arquitetônica – levada a cabo pelos estudantes e arquitetos egressos da escola.
Pode-se sugerir que, por essas vias tortuosas, as instituições escolares formadoras das novas gerações de
arquitetos constituem uma das esferas onde as práticas discursivas terminam por afetar as práticas de
concepção arquitetônica. Assim, as reflexões propostas aqui, embora se dirijam ao ensino em nível
introdutório, talvez possam contribuir provocando questionamentos na direção de se contrapor a práticas
acríticas de repasse de conhecimentos às novas gerações de arquitetos, terminando por afetar as práticas
de concepção que visam o mundo dos edifícios da cidade.
1.5 FERRAMENTAS E MÉTODOS
O percurso metodológico proposto pelo trabalho teve como ponto de partida uma pesquisa empírica
realizada entre um conjunto de escolas brasileiras, mas contou, paralelamente, com uma pesquisa em
âmbito teórico e histórico.
As considerações metodológicas acerca desta pesquisa de campo serão apresentadas numa seção
específica no início do quinto capítulo, na qual será apresentada a noção de pesquisa cartográfica e
discutidos alguns dos limites desta abordagem metodológica. Além disso, é relevante apontar que esta
etapa de aproximação com as práticas didáticas foi de fato a primeira parte a ser realizada, tendo ocorrido
durante os dois anos da pesquisa de mestrado, embora de modo intermitente.
Quanto à porção teórica e histórica, pode-se apontar que o segundo capítulo, relativo aos conhecimentos
investidos na concepção arquitetônica, teve como principal referência o campo da metodologia do projeto –
de onde provém a maior parte da bibliografia consultada – mas contou com o aporte de estudos sobre
cognição e ensino de projeto, além de debates epistemológicos relativos ao campo disciplinar da
arquitetura. Complementarmente, algumas experiências didáticas foram utilizadas para ilustrar e mesmo
explorar pistas sobre os tipos de conhecimento que seriam pertinentes à prática da concepção
arquitetônica. A construção do terceiro capítulo, que traz relatos de diferentes tradições do ensino e suas
respectivas abordagens conceptivas, foi baseada, por sua vez, exclusivamente em bibliografia específica
sobre as práticas didáticas nas instituições abordadas. Finalmente o quarto capítulo, que descreve a
trajetória do ensino no Brasil, foi fundamentado principalmente em referências bibliográficas que narram
8
diferentes períodos da formação superior do arquiteto. Além disso, buscou-se amparo em entrevistas
realizadas com professores cujos testemunhos referentes aos processos de transformação do ensino
pareciam contribuir criticamente para a compreensão, ainda que a grandes rasgos, das forças presentes no
ensino de introdução à concepção arquitetônica nas últimas décadas.
2 CONHECIMENTO NA CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA
Acercar-se do tema ensino a partir dos conhecimentos indica a adoção de um ponto de vista que dá
preferência para o exame de o que se deseja ensinar antes de se abordar a questão de como fazê-lo. Mas
abordar o tema dos conhecimentos presentes na concepção arquitetônica é, por si só, uma tarefa
desafiadora. Não há na disciplina Arquitetura, como será apontado adiante, uma base epistemológica
definida ou um sistema teórico que explique por completo a prática da concepção ou esgote os
conhecimentos nela implicados. Por tais razões, o capítulo que segue tratará o tema do conhecimento na
concepção arquitetônica conjugando a apresentação de formulações teóricas com a descrição de exemplos
na forma de exercícios didáticos.
Nesse sentido, propõe-se aqui investigar que tipo de saberes estão investidos na própria prática da
concepção arquitetônica em ambiente acadêmico, especialmente aqueles que poderiam ser considerados
fundamentais ou básicos. Como será sugerido a seguir, esta investigação não leva a respostas fáceis. Os
conhecimentos utilizados pelo arquiteto enquanto projeta são múltiplos, mantendo relações complexas entre
si e revelando-se freqüentemente pouco tangíveis. O ensino da concepção arquitetônica, por sua vez, ainda
é um tema de debate dentro do ambiente educacional, mesmo sendo considerado a espinha dorsal da
maioria das escolas de arquitetura e apesar de fazer parte de uma tradição desenvolvida há mais de
duzentos anos na Escola de Belas Artes francesa. Um rápido exame das tradições de ensino permite dizer
que ao longo do tempo não só a arquitetura e o discurso sobre ela se transformaram, mas também boa
parte das práticas didáticas empregadas na formação dos arquitetos.
Neste cenário, os períodos introdutórios são exemplos típicos da suscetibilidade do ambiente de ensino às
forças disciplinares. Olhando brevemente para a trajetória da formação superior do arquiteto no Brasil, é
possível observar que não há um rol específico de conteúdos básicos da concepção arquitetônica que seja
consensual ou que tenha resistido imune ao tempo. Na tradição Beaux-Arts, hegemônica no país até
meados do século XX, iniciava-se o período de formação com o ensino de modelagem de ornamentos em
gesso e barro, com o domínio das técnicas de representação gráfica e com a cópia de exemplares
10
arquitetônicos de diferentes estilos e épocas da história
3
. Mais tarde, mas especialmente após a década de
1970
4
, a incorporação da arquitetura moderna pelo ambiente acadêmico brasileiro fez com que noções
ligadas à manipulação da forma abstrata e a seus princípios de composição fossem privilegiadas na
introdução dos estudantes à concepção arquitetônica. Apontando ainda para uma outra via, em 1945, o
arquiteto Lúcio Costa, em suas Considerações Sobre o Ensino de Arquitetura (1962), defendia que era
”indispensável ao aluno possuir, quando aborda a composição
5
, conhecimentos bastante desenvolvidos de
técnica de construção, a fim de não correr os riscos de uma iniciação fantasiosa e viciosa” (p.115).
Todos estes posicionamentos têm por base o retardamento no currículo do início do ensino da concepção
arquitetônica e que este seja precedido por uma fase propedêutica, ou seja, uma etapa de aprendizagem
preliminar cujo propósito é justamente dar fundamentos para a prática subseqüente. Lúcio Costa (1962), por
exemplo, afirmava explicitamente que seria necessário recuar o início efetivo da prática de “composição”
para o terceiro ano do curso. Embora comuns, tais noções não constituem o único caminho possível, já que
se pode identificar abordagens que advogam que os estudantes devem enfrentar problemas de concepção
arquitetônica completos já no início da sua formação, desde que haja uma complexidade compatível com
sua condição de iniciante, como ocorre atualmente na Escola da Cidade em São Paulo.
Trata-se, ao que parece, de uma questão de escolha, em que é provável que existam mais elementos
especulativos do que normativos. E mesmo estes, quando surgem, parecem estar assentados sobre bases
que não têm valor de verdade e que estão elas próprias sujeitas a questionamentos. Assim, o ensino de
introdução à concepção arquitetônica é um tema que, além de vasto, dá a impressão de estar em constante
movimento. Como talvez qualquer tema de ensino, parece estar sujeito a diferentes forças que têm a
capacidade de afetar as práticas didáticas e re-configurar os modos como os diferentes saberes são
agenciados em sala de aula. Por esta razão, este capítulo propõe examinar os conhecimentos que
constituem em potencial o conteúdo do ensino de concepção arquitetônica, e não as configurações em si.
Dito de outro modo, pretende-se examinar a matéria do ensino para que se possa compreender, mais tarde,
as formas que ela tomará.
3
Esta afirmação é baseada em relatos sobre as práticas brasileiras alinhadas com esta tradição. Quanto ao início da formação na
Ecole des Beaux-Arts em Paris, não foram encontradas na bibliografia consultada descrições a respeito das práticas no início da
formação.
4
Com o Currículo Mínimo aprovado pelo MEC em 1969, a matéria Plástica era obrigatória no chamado ciclo básico (Ver Anexo B).
As questões relativas às tradições presentes no ensino brasileiro serão examinadas no terceiro capítulo.
5
A concepção arquitetônica era designada na época pelo termo ‘composição’, herdado de uma noção vigente na tradição Beaux-
Arts que se manteve penetrando durante muitas décadas no século XX.
11
2.1 ARQUITETURA COMO CAMPO DE CONHECIMENTO
A disciplina Arquitetura e a prática da concepção arquitetônica constituem campos cujas bases teóricas são
híbridas, esquivam-se de definições precisas e fogem de contornos epistemológicos bem definidos. Os
diferentes autores trabalhados para abordar o tema do capítulo assumem posições diversas, mas
enfatizam, de modo unânime, o caráter heterogêneo e múltiplo da disciplina e da sua relação com o
conhecimento. O mais antigo texto de que se tem conhecimento sobre a prática da arquitetura, o conjunto
de dez livros escritos no século I a.C. por Marcus Vitruvius Pollio, traz no início uma passagem que dá a
dimensão da questão. Vitruvius enumera, em seu Encyclios Disciplina (1960, p. 12), quais seriam os
conhecimentos necessários ao arquiteto: “deve saber escrever e desenhar, possuir a geometria, não ignorar
as regras de óptica, ser versado em aritmética e conhecer a história; ser aplicado em filosofia, saber música
e possuir algumas tintas de medicina, jurisprudência e astronomia que ensinem a conhecer os movimentos
dos céus e quais as suas causas.” Sem entrar no mérito das circunstâncias em que Vitruvius produzira o
texto ou das possíveis razões que o fizeram incluir cada um dos saberes enumerados, a idéia de que ao
arquiteto possam ser úteis conhecimentos de origens diversas não soa completamente absurda. Há que se
reconhecer que saberes oriundos dos mais diferentes campos afetam o modo como o ambiente construído
pode ser concebido, construído, descrito, imaginado, analisado, discutido, comercializado ou avaliado. De
fato a condição de ampla interface da arquitetura com diferentes campos do conhecimento se reflete no
modo como a disciplina vem se configurando ao longo dos anos e oferece pistas significativas para abordá-
la no contexto contemporâneo.
2.1.1 Disciplina da Arquitetura
Refletindo sobre as circunstâncias atuais da disciplina arquitetônica, a professora e pesquisadora Julia
Robinson (2000) aponta que, desde a segunda metade do século XX, seu corpo de conhecimento vem se
ampliando e se tornando cada vez mais complexo. Sem buscar esgotar as razões para a ocorrência deste
fenômeno, a autora afirma que isso se deve, em grande parte, ao desenvolvimento da pesquisa no âmbito
acadêmico – em que há uma acentuada aproximação de diversas disciplinas adjacentes – mas também às
crescentes exigências na esfera da produção arquitetônica – na qual proliferam as exigências por
estratégias de posicionamento no mercado, atendimento a padrões de racionalização, respeito a índices de
consumo de energia, excelência em análise de custos etc. Atualmente, o corpo de conhecimento explícito e
sistematizado no campo da arquitetura envolve desde regulamentações e códigos de edificação, noções de
12
conforto ambiental, tecnologia da edificação, até escritos sobre comportamento humano, metodologia do
projeto, noções de planejamento e desenho urbano, abordagens filosóficas e lingüísticas, teorias da forma e
todo tipo de reconsideração sobre história, teoria e crítica da arquitetura. Robinson ainda destaca que boa
parte deste conhecimento enfrenta dificuldades de acomodação no contexto das teorias tradicionais da
arquitetura contribuindo para a heterogeneidade do campo disciplinar.
As teorias a que se refere estariam circunscritas por conhecimentos atrelados ao caráter físico desejado da
forma e do espaço arquitetônicos, aos procedimentos para obtê-los e a seus significados imanentes. Estão
presentes, por exemplo, nos discursos defendidos em meados dos anos 1960 pelos arquitetos ligados ao
círculo italiano Tendenza, marcados pelo desejo de desenhar os limites da disciplina arquitetônica como um
campo de conhecimento autônomo, baseado em um corpo teórico que lhe fosse próprio – a tratadística e a
manualística. Esta linha de pensamento encontra ressonância na prática e nas formulações teóricas
produzidas no cenário americano na mesma época em torno de nomes como Colin Rowe e dos arquitetos
ligados à exposição Five Architects, onde se explorava a possibilidade de manter a arquitetura circunscrita a
um jogo de regras internas e comprometido com figuras formais herdadas do modernismo, embora
purgadas de seu lastro ideológico (SOLÁ-MORALES, 2003). Apesar destas petições pelo retorno da
arquitetura à sua autonomia disciplinar, podemos concluir, a partir do que coloca Robinson, que eles não
foram suficientes para frear a aproximação cada vez maior de saberes tradicionalmente exóticos às teorias
tradicionais da arquitetura.
A condição de conflito permanente gerada a partir desta incorporação algo incômoda é notável nas disputas
ocorridas em esferas institucionais da disciplina – como na definição das áreas de concentração da
pesquisa científica ou na organização curricular dos cursos de graduação – transparecendo na nomeação
dos saberes e na segmentação dos campos. A tensão decorre da dificuldade em encontrar pontos de
contato ou zonas de concordância. Mesmo com a sistematização dos saberes por parte da academia, a
arquitetura não conta com uma base epistemológica que permita mediar os conflitos imanentes a esta
convergência peculiar de conhecimentos intrinsecamente divergentes entre si. Curiosamente, esta situação
aparentemente problemática no âmbito do conhecimento disciplinar é enfrentada de modo um tanto natural
no processo da concepção arquitetônica e seu ensino, no qual cabe à figura do arquiteto/estudante, com
seu julgamento, operar uma negociação que integre (ou exclua) os diferentes saberes e suas implicações
no projeto. Embora nem todo tipo de conhecimento pertinente à arquitetura diga respeito à sua concepção,
é possível afirmar que se trata de um terreno de adensamento e convergência de diversos saberes entre
aqueles a que se tem feito referência, revelando-se um platô privilegiado para se discutir algumas disputas
entre diferentes territórios do conhecimento em arquitetura.
13
2.1.2 Projeto e concepção arquitetônica
A concepção arquitetônica é uma atividade marcada por uma peculiar complexidade, envolvendo não
apenas diversos tipos de conhecimentos, mas também uma série de habilidades, instrumentos e modos de
pensar que lhe são característicos. A dificuldade de lhe cunhar uma definição exata ou de lhe estabelecer
limites põe em evidência o fato de que sua existência independe de uma significação precisa. Aproximar-se
do seu sentido mediante palavras torna necessário cercá-la de designações que lhe sejam cabíveis e
comumente atribuídas. A palavra concepção está ligada à ação de criar, gerar, dar vida. Implica uma
transformação de estados que é radical. Pode-se dizer que é uma prática relacionada com a gestação e a
definição de uma idéia, cujo propósito é a realização de algo. Em inglês, utiliza-se a palavra design,
aparentada de desígnio. Pode significar denominar ou dar sentido, estabelecer o destino. No âmbito estrito
da arquitetura diz respeito à criação, à idealização de um projeto ou plano cuja intenção é antecipar e
prescrever uma transformação que deverá ocorrer no ambiente construído, podendo envolver desde a
construção de um artefato arquitetônico até a implantação de um assentamento urbano.
Cabe sublinhar que a atividade de conceber o projeto arquitetônico não diz respeito a todos os passos do
seu desenvolvimento. O arquiteto envolvido na tarefa emprega conhecimentos e exerce atividades cujos
traços particulares a diferenciam de outras ações ligadas ao desenvolvimento, ao aprimoramento e à
preparação de um projeto arquitetônico para a construção. Este tipo de distinção tem sido enfatizado no
campo da “gestão do processo de projeto arquitetônico” [building design management] (GREY & HUGHES,
2001), no qual se destaca que o papel do arquiteto no processo de elaboração do projeto como um todo
sofreu significativas transformações nas últimas décadas, deixando o posto de coordenação e gerência do
projeto, para assumir a coordenação da equipe de concepção [design team]. A redefinição funcional deste
profissional dentro do complexo processo de projeto – tomado aqui em sua amplitude máxima no que diz
respeito à construção civil – decorre do crescimento de exigências de qualidade e desempenho que
requerem o aporte de conhecimentos e competências altamente especializadas. Contudo, ela também
indica que há uma série de saberes e aptidões específicas da etapa de concepção arquitetônica, fazendo
com que esta atividade seja reivindicada como o campo de competência dos arquitetos dentro do processo.
A despeito da discussão sobre a capacidade dos arquitetos para atuar, em determinadas circunstâncias, em
diferentes porções do projeto, este trabalho propõe discutir os conhecimentos investidos justamente na
concepção arquitetônica, entendida aqui como um largo território de saberes cujas características
peculiares poderão ser compreendidas em função do tipo de pensamento que demandam e das ações em
que estes podem ver-se investidos.
14
2.1.3 Sobre o estudo da prática de concepção
As noções que serão apresentadas sobre a prática da concepção arquitetônica – com a intenção de
investigar os conhecimentos nela implicados – se originam em grande parte do campo de pesquisa que se
denomina genericamente “metodologia do projeto”. Afastando-se das teorias que procuram prescrever
métodos e daquelas que buscam definir critérios de excelência ou traçar normas e princípios para a
geração projetual, os estudos de metodologia aos quais se fará referência tendem a uma abordagem mais
descritiva, investigando a concepção arquitetônica a partir das práticas exercidas pelos arquitetos e outros
profissionais da área do design.
As pesquisas que deram origem a este campo, originalmente denominado design methods, se
caracterizavam pela tentativa de construir teorias que permitissem normatizar e padronizar o processo de
concepção. Alegando que a predominância da intuição característica dos procedimentos tradicionais
tornava-se cada vez mais inadequada para lidar com a crescente complexidade dos problemas enfrentados,
pode-se dizer, a grandes rasgos, que eles propunham organizar o processo de projeto em duas etapas
distintas. Elas eram genericamente chamadas de análise e síntese e se destinavam à definição e à
resolução do problema, respectivamente. De acordo com tal modelo, seria possível deduzir a solução
projetual (síntese) da compreensão objetiva do problema segundo suas partes fundamentais associadas a
critérios correspondentes (análise). Um célebre exemplo deste tipo de abordagem é o trabalho seminal de
Christopher Alexander, Notes on a Synthesis of Form (1964), que propõe um método baseado em sistemas
matemáticos em que uma situação de projeto bastante complexa poderia ser decomposta em partes
menores cujas soluções parciais seriam posteriormente sintetizadas na solução geral do problema. Porém,
esta e outras propostas que tomavam a direção dos modelos matemáticos tiveram pouca ou nenhuma
repercussão prática, sendo revistas pelos próprios autores pouco tempo após sua publicação. Os novos
estudos passaram a reconhecer que os problemas de concepção apresentavam traços de complexidade e
indeterminação que lhes eram intrínsecos, dificultando um enquadramento em sistemas tão nítidos e
fechados quanto os matemáticos.
Embora se possa afirmar que a concepção não constitua um processo linear, composto por etapas claras e
distintas, considera-se possível identificar e dar sentido a alguns traços e funcionamentos típicos e
recorrentes. Desde meados da década de 1970, os estudos da metodologia do projeto vêm se orientando
nesta direção, valendo-se tanto de investigações teóricas quanto de pesquisas empíricas, utilizando as mais
diversas estratégias para tornar visíveis e designáveis, mesmo que parcialmente, alguns aspectos da
prática efetiva do arquiteto enquanto projeta. Neste sentido, é comum o aporte de métodos e conceitos
oriundos de campos tão diversos como a psicologia cognitiva, a lingüística, as ciências da informação, a
filosofia e a antropologia.
15
Aproximar-se do tema do conhecimento no processo de concepção utilizando a via da metodologia de
projeto permitirá atenção especial às ações e ao pensamento do projetista, possibilitando entender o
conhecimento como prática. Complementarmente, será apontada a importância de se considerar que uma
determinada prática conceptiva é também sujeita aos atravessamentos da cultura em que ocorre. Assim, o
conhecimento na prática conceptiva ganhará, por vezes, a feição de uma formulação teórica ou de uma
agenda ideológica de caráter normativo, práticas discursivas que tiveram o poder de afetar a prática efetiva
de diferentes arquitetos durante a concepção. Deste modo, pretende-se deixar claro que a produção do
conhecimento na concepção arquitetônica diz respeito ao indivíduo que projeta tanto quanto ao que está
fora dele, mas que, de algum modo, está corporificado em sua prática. Entende-se, portanto, que as duas
esferas, a do indivíduo e do seu fora, atuam simultaneamente para produzir diferentes abordagens
conceptivas em relação ao projeto de arquitetura.
A apresentação que segue terá como fio condutor um par de livros escritos pelo pesquisador Bryan Lawson
How Designers Think (2000) e What Designers Know (2004) – que compilam, de maneira didática,
diversos conceitos e formulações sobre o tema da concepção do projeto e do conhecimento que tal prática
demanda.
2.2 CONHECIMENTO NA PRÁTICA DA CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA
A questão do conhecimento envolvido na concepção arquitetônica não se contenta com respostas simples.
Ao abordá-la, tem-se a impressão de se tratar de algo que estará sempre em aberto. De fato, uma série de
características inerentes à concepção arquitetônica e ao pensamento empregado pelos arquitetos durante
sua prática fazem com que seja difícil encontrar meios precisos de descrever o processo. A seqüência dos
acontecimentos durante a concepção, por exemplo, não costuma seguir um padrão linear. Ao contrário, é
comum que se descreva o processo a partir de diferentes eventos ou episódios que têm características
distintas e que se relacionam entre si de maneiras muitas vezes imprevistas (LAWSON, 2004).
Aparentemente, a apreensão que os projetistas têm da situação que enfrentam oscila entre abordagens
mais nebulosas ou difusas, e outras mais específicas e bem definidas (BARKI, 2003), alternando entre
especulações propositivas e observações avaliativas, mas sem desenvolver um padrão preciso. Realmente,
em boa parte do tempo eles operam com pensamentos a respeito dos quais não são conscientes,
dificultando a compreensão, para os outros e para si mesmos, de como procedem. Do mesmo modo, o
conhecimento que empregam não forma um corpo homogêneo, mas normalmente é descrito como um
conjunto fragmentário, composto por saberes e habilidades de todo tipo, provenientes de fontes paradoxais
e conflitantes. É comum, por exemplo, que os arquitetos façam uso de soluções pré-concebidas, respeitem
diferentes “princípios norteadores[guiding principles] presentes na cultura e também empreguem diversos
16
tipos de concepções pessoais que tendem a afetar o modo como enfrentam e enquadram a situação com a
qual estão envolvidos (LAWSON, 2004).
Uma maneira de começar a enfrentar a tarefa de falar sobre o conhecimento é apresentar dois modos
distintos de se descrever o conhecimento. O primeiro, que pode ser chamado de “conhecimento em ato”, é
inseparável da ação, seja ela expressiva, contemplativa, avaliativa etc. Ele comporta em parte aquilo que
Michael Polanyi definiu como conhecimento tácito (SCHÖN, 1983), que é de difícil explicação e que de fato
não precisa ser articulado e nem mesmo ser consciente para ser exercido – como saber andar de bicicleta
ou saber reconhecer um rosto de uma pessoa no meio de uma multidão. Além disso, o “conhecimento em
ato” envolve uma série de rotinas e procedimentos que são mais facilmente articulados e explicáveis,
podendo ser descritos e repetidos segundo uma seqüência de ações – como preparar uma refeição ou
trocar um pneu de carro.
O segundo tipo é chamado de “conhecimento explícito” e está ligado à possibilidade de ser codificado,
organizado e sistematizado por meio de conceitos, formas ou funções científicas. Ele é, portanto, mais
estático, passível de enunciação, reprodução, transferência
6
, correspondendo, por exemplo, ao que se
costuma reconhecer como a produção intelectual de uma determinada cultura ou o corpo de conhecimento
de uma disciplina.
Pode-se dizer que estes dois tipos de conhecimento estão investidos de maneira praticamente simultânea
na concepção arquitetônica. Se ela é uma atividade exercida por um indivíduo ao longo de uma
determinada duração isso implica afirmar que os conhecimentos ali investidos serão sempre “em ato”. Ainda
assim, é necessário reconhecer o aporte de diversos conhecimentos explícitos, presentes na memória ou
acessados como informações externas, cuja infiltração no processo estará sempre relacionada às ações do
projetista. É o caso, por exemplo, do emprego das regras de dimensionamento de escadas ou de certo
princípio de organização formal que resultou em soluções satisfatórias, segundo critérios e princípios
conhecidos ou defendidos por ele.
Cabe destacar, no entanto, que tais ações atribuídas a um sujeito não são completamente independentes
das circunstâncias em que acontecem. Como aponta Foucault (1977; DELEUZE, 1986; MACHADO, 1982),
as práticas não discursivas de determinada época – práticas sociais, institucionais, culturais – são afetadas
por aquilo que ele denomina o nível do saber e que, por sua vez, engendra relações de poder. Sob a
6
A transferência do conhecimento não é aqui tratada do ponto de vista cognitivo, mas cultural. Diversos autores relacionados à
educação e à psicologia cognitiva se opõem à idéia de transferência de conhecimento. Paulo Freire comenta que “ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua construção ou a sua produção” (2001, p. 25). A transferência, que
traz implícita a possibilidade de transmissão direta e da cabeça de uma pessoa diretamente à outra, é contraposta com a idéia de
produção de conhecimento, que é imanente à construção de mundo de cada indivíduo. Embora a noção de construção ou
produção do conhecimento seja endossada por este trabalho, o termo ‘transferência’ será utilizado conforme aparece em boa
parte da bibliografia consultada, designando a continuidade e a partilha de determinado conceito dentro de uma cultura, disciplina
ou ambiente educacional.
17
concretude de uma prática como a concepção arquitetônica, estão implícitas forças que modulam o
aparecimento ou a retração de determinados elementos. É por isso que o autor lembra que em uma
determinada época nem tudo é dado a ver (DELEUZE, 1986). Portanto, retomando o exemplo, se poderia
dizer que um princípio de organização utilizado no século XIX seria diferente de um empregado na década
de 1940 não apenas porque o gosto pessoal dos arquitetos era diferente. A noção de que os
conhecimentos empregados em cada caso particular de concepção arquitetônica são afetados por forças
provenientes de diferentes esferas é vital para entender que há uma forte ligação entre as práticas
desenvolvidas por um determinado estudante em sua formação e o contexto cultural ou institucional em que
ele está presente.
2.2.1 Ação e reflexão
Tratar o conhecimento na concepção a partir das ações do arquiteto implica ter que lidar com o seu caráter
tácito e reconhecer os diversos processos cognitivos internos com os quais está envolvido. É importante
lembrar que o simples fato do conhecimento tácito não depender de enunciação ou consciência plena não
significa que seja um modo de pensar pouco sofisticado. O pedagogo e filósofo Donald Schön usa uma
citação do filósofo Gilbert Ryle que ilustra muito bem esta situação: “’Inteligente’ não pode ser definido em
termos de ’intelectual’, ou saber como’” [knowing how] em termos de ’saber que’” [knowing that]. ’Pensar o
que estou fazendo’ não conota ambos os termos pensar o que fazer e fazê-lo. Quando faço alguma coisa
de modo inteligente... estou fazendo uma coisa,o duas.” (RYLE apud SCHÖN, 1983, p. 51).
O conhecimento tácito tem ainda uma característica importante: ser aprendido apenas pela prática ou ação
direta. Assim como não há livros que ensinem crianças a andar de bicicleta simplesmente descrevendo os
movimentos empregados pelo ciclista, não há livros que ensinem de fato a prática do projeto indicando suas
rotinas típicas ou discursando sobre elas (LAWSON, 2004). É esse o sentido da típica afirmação de que o
projeto não pode ser ensinado, apenas aprendido.
No entanto, além da porção tácita do conhecimento no ato de conceber o projeto, há também certa prática
reflexiva que envolve a observação do próprio trabalho enquanto ele é desenvolvido. Donald Schön
denomina esta atividade como reflexão-na-ação [reflection-in-action], destacando que ela deve ser, pelo
menos, minimamente consciente, posto que tem uma função crítica – que questiona e avalia a situação
presente – e uma função re-estruturadora – que possibilitaria re-enquadrar o problema enfrentado e
encontrar estratégias de ação que permitam dar prosseguimento ao projeto. Tais funções, que estão
permeadas por conhecimentos teóricos e diferentes “princípios norteadores” [guiding principles], muitas
18
vezes dependem da adoção deliberada de um ponto de vista reflexivo, um reposicionamento que
normalmente consegue ser agenciado com maior clareza por projetistas mais experientes. É o que sugere
Schön ao relatar uma situação de ensino de projeto ocorrida no ateliê de uma escola de arquitetura onde o
professor descreve para uma aluna, falando enquanto risca no papel, o tipo de olhar reflexivo que emprega
enquanto está projetando (SCHÖN, 1983). A simultaneidade das ações descritas pelo autor sugere que a
reflexão e a ação ocorrem na situação presente, na própria duração do ato de conceber pelo desenho. A
oscilação entre o agir e o refletir constitui uma experiência de pensamento que remete a uma espécie de
experimentação. Schön a descreve como uma “conversa reflexiva com a situação”, na qual o projetista faz
um “movimento” na situação de projeto – um desenho propositivo, por exemplo – e ela “responde” [talk
back] a ele, suscitando o re-enquadramento da situação presente e o encaminhamento do processo.
2.2.2 Concepção arquitetônica como estruturação e solução de problemas
A noção de que o processo de concepção arquitetônica configura uma situação de resolução de problemas
[problem solving] foi proposta por Herbert Simon (BARKI, 2003) e está alinhada, em sua origem, com um
modelo lógico-dedutivo, em que a solução de determinado problema poderia ser derivada diretamente dos
elementos nele contidos. Trata-se da mesma lógica implícita no modelo de análise-síntese descrito
anteriormente. No entanto, dando seqüência a formulações propostas pelo próprio autor, adotou-se no
campo da metodologia do projeto o entendimento de que um esquema teórico tão determinista não parecia
contemplar a complexidade dos acontecimentos no campo da concepção. O binômio ‘solução-problema’
não é mais utilizado em seu sentido matemático, dedutivo, mas no sentido heurístico, mais amplo (BARKI,
2003). Ele reflete uma importante teleologia, intrínseca ao processo de concepção arquitetônica: partindo-se
de uma situação indeterminada (o problema) elabora-se uma proposição projetual (a solução), percorrendo
um percurso que engloba uma série de atividades relacionadas com a proposição de soluções e com a
estruturação do problema inicial. Como o caminho entre estes dois pontos é percorrido, e de que modo se
opera a estruturação do problema e a configuração de uma solução de projeto, é o que será discutido a
seguir.
Uma primeira e fundamental noção a respeito da concepção como solução de problemas é o caráter
essencialmente indeterminado de um problema de projeto. Em um artigo intitulado Estrutura dos Problemas
Mal-estruturados [Structure of Ill-structured Problems], o pesquisador Simon (1973) aponta para o fato de a
concepção arquitetônica lidar sempre com “problemas mal-estruturados” [ill-structured problems]. A falta de
clareza dos seus limites, os inúmeros fatores que contribuem para sua formulação, o caráter incerto e
conflitante dos critérios envolvidos e a infinidade de soluções possíveis fazem com que o problema de
19
projeto não consiga ser representado integralmente no início do processo. Tal condição indica que o
arquiteto se vê obrigado a defini-lo de algum modo para que este se torne passível de solução. Isto levou
Simon a definir a concepção projetual como um processo de “estruturação de problemas”, entendendo que
qualquer afirmação que venha a limitar o número de soluções possíveis, ou tornar o problema de algum
modo mais definido ou mesmo pronunciável, já é um “movimento” na direção de sua solução.
Mas a estruturação do problema não é uma etapa que se dá de forma isolada, antecedendo o momento das
proposições de soluções projetuais. Atualmente é amplamente aceita no âmbito das teorias da concepção a
noção de que o problema e a solução projetual emergem juntos, ao longo da concepção. Em parte ela é
sustentada por evidências de que a estruturação se dá a partir do lançamento de hipóteses. A concepção
pode ser descrita como uma seqüência de círculos heurísticos, onde as hipóteses são lançadas e
reavaliadas continuamente, até o encerramento do processo de concepção. Em um experimento realizado
por Bryan Lawson (1979), comparou-se a prática de solução de problemas entre estudantes de engenharia
e arquitetura, verificando-se que os primeiros procediam por meio de análises das condicionantes, enquanto
os últimos operavam por tentativa e erro. Denominou-se a abordagem dos engenheiros como focada-no-
problema [problem-focused], e a dos arquitetos como focada-na-solução [solution-focused]. As hipóteses
lançadas na concepção podem ser chamadas de soluções, ou soluções parciais, de projeto. São
“movimentos” feitos pelo arquiteto, em que alguns aspectos do problema de projeto são “temporariamente
solucionados” para que se avaliem as implicações de tal proposição.
A concepção como lançamento de hipóteses, nesse sentido, reflete o conceito de reflexão-na-ação de
Schön: um processo contínuo que envolve ação do projetista na situação e seu olhar crítico e reflexivo
sobre a transformação gerada na situação por sua própria ação. O filósofo John Dewey (1936), de um modo
semelhante, sugere que, na experiência do ato expressivo, o sujeito afeta a matéria sensível com a qual
está trabalhando e é, ao mesmo tempo, afetado por ela, num jogo de experimentação contínuo. De modo
análogo à criação na arte, na atividade de concepção arquitetônica, na qual a situação de projeto se
desenrola como em uma “conversa”, o papel da matéria sensível, que corresponde aos diversos meios de
representar o projeto, revela-se fundamental, configurando o próprio substrato que funda o campo de
experimentação da concepção arquitetônica.
Esta espécie de transitoriedade evolutiva do processo de concepção revela-se também em uma pesquisa
feita por Lawson (2000) sobre o modo como os arquitetos lidam com briefings de projeto. A maioria dos
profissionais envolvidos disse que optaria por um processo de conversação contínua com o cliente e que
iniciaria por uma listagem simples dos objetivos fundamentais, refutando a opção de uma extensa etapa de
coleta de informações precedendo a concepção. Segundo Lawson, os depoimentos revelam que, após a
experimentação e investigação de possibilidade de projeto, a situação se reestrutura de tal forma que
engendra novos parâmetros para a discussão sobre o problema. Tal noção implica reavaliar a convicção
20
corrente de que o processo de concepção deve se iniciar com uma pesquisa exaustiva da situação de
projeto. Para o autor, “a idéia de que a coleta de dados é uma etapa preliminar do processo de concepção
e que consiste de uma via de mão-única que vai da situação ao projetista pode ser enganadora. A coleta de
dados é um processo que pode ser visto como contínuo e interativo.” (2000, p. 29).
A explicação que define a etapa de estruturação de problemas como uma fase distinta e separada do
processo de concepção parece alinhar-se com o modelo da análise e síntese, que, embora revisto pelos
autores do campo da metodologia de projeto, permanece sendo comumente aceito. Basta mencionar a
prática didática corrente de solicitar a elaboração de extensas pesquisas referentes ao tema de um
determinado projeto em uma etapa que antecede integralmente o lançamento de hipóteses de projeto.
7
Tais noções estão também relacionadas à suposição simplista de que o processo de concepção é
fracionado em etapas bem definidas e estanques. Esta posição entende que o projeto é elaborado do geral
ao particular, iniciando-se pela estruturação do problema, passando por fases de estudos preliminares e
ascendendo em definição para terminar no projeto executivo. É aceitável que, conforme o problema de
projeto vai sendo elaborado e as soluções definidas, a situação se torna menos vaga, passando a exigir
respostas mais precisas em relação aos diversos pormenores envolvidos no projeto. No entanto, evidências
indicam que o projetista não opera em uma direção única, que vai do geral para o particular. Ao contrário,
ele oscila entre diversos pontos de vista, sendo aceitável que, desde o início da concepção, experimente
com detalhes construtivos, responda a demandas dimensionais bastante específicas ou trabalhe com a
hipótese de determinado material de acabamento, alternando este tipo de pensamento mais preciso com
experimentações mais gerais, ambíguas, vagas.
2.2.3 Leitura do problema
Do mesmo modo que a noção de estruturação de problemas não diz respeito a uma fase distinta e isolada
da concepção, o embate do projetista com o problema não pode ser tratado como uma representação
exclusivamente objetiva e imparcial da situação de projeto. O arquiteto ou designer está sempre na posição
de fazer uma “leitura do problema”, que será sempre parcial, atravessada por suas pré-concepções.
Embora tal leitura possa contar com uma série de informações objetivas, a própria maneira de tratar os
7
Este tipo de abordagem está presente, por exemplo, em uma prática didática observada na pesquisa de campo deste trabalho e
ligada ao território temático Cidade (Cap. 5.2.7). No exercício proposto, o embate com o contexto de intervenção de projeto tinha
como um dos objetivos o levantamento e a identificação de condicionantes de projeto, em uma etapa que precedia o lançamento
de qualquer hipótese de projeto.
21
dados, cruzando-os com outras informações, atribuindo valores e definindo critérios – se é que estas ações
ocorrem de modo tão organizado quanto sua descrição faz parecer – corresponderá a uma tomada de
posição por parte do arquiteto. Dito em outras palavras, ao arquiteto será sempre necessário fazer escolhas
a respeito de que problema de projeto irá resolver.
A leitura do problema e sua estruturação por meio de hipóteses demandam do arquiteto uma espécie de
pensamento integrativo, que ele tende a desenvolver já durante sua formação e cujas características
principais não são o rigor, o foco ou a análise. Ao contrário, este pensamento envolve, por um lado, a
absorção de inúmeros tipos de critérios avaliativos (princípios norteadores, condicionantes, recursos
técnicos, demandas do programa) e, por outro, a ampliação dos termos de referência relacionados a
soluções projetuais precedentes. Isso faz com que o arquiteto ou estudante tenha em mente muitos fatores
díspares que, aparentemente, não têm relação alguma entre si quando observados no problema, mas que,
eventualmente, serão ‘solucionados’ pela mesma idéia no resultado do projeto. Este fenômeno se refere ao
que Lawson denomina soluções holísticas ou integrativas, nas quais um aspecto da solução de projeto se
revela capaz de responder a um grande número de aspectos do problema. Evidentemente, isso implica uma
solicitação cognitiva muito grande, fazendo com que tudo pareça ter que ser pensado ao mesmo tempo.
Parte do trabalho do arquiteto é lidar com este malabarismo (LAWSON, 2004).
Uma habilidade relevante para operar este pensamento integrativo está em poder estabelecer uma
hierarquia entre diferentes aspectos da situação de projeto. Neste cenário repleto de fatores conflitantes é
natural que alguns elementos se destaquem em relação a outros, por vezes tornando-se imperativos e
determinando de modo definitivo a feição do problema. O arquiteto costuma avaliar o problema fazendo
escolhas sobre quais os aspectos terão prioridade na resolução do problema. Tal tipo de avaliação costuma
refletir a abordagem conceptiva de determinado arquiteto, por vezes revelando posições políticas dentro do
campo disciplinar. Uma abordagem contextualista, por exemplo, tende a priorizar na leitura do problema
aspectos morfológicos e iconográficos do entorno edificado do contexto de intervenção, já uma abordagem
funcionalista privilegiaria os aspectos relativos ao programa e à eficiência das atividades humanas.
22
Ilustração 1 - Visão serial produzindo uma leitura do problema
O registro da visão serial sugere que um dos aspectos privilegiados na leitura do problema de projeto é a relação da arquitetura com o
contexto edificado em termos do seu impacto na paisagem urbana. Exercício de projeto realizado na disciplina de Projeto Arquitetônico 1,
na UFRJ. Alunos Leda Kobayashi, S. Araújo e Tatiana Barreto. Fonte: RHEINGANTZ, RHEINGANTZ e PINHEIRO, 2003.
2.2.4 Representação, desenho e pensamento visual
O fato de que os arquitetos costumam trabalhar com representações do que concebem e não diretamente
com o objeto da sua concepção é uma noção corrente e comumente aceita, embora se saiba que nem
sempre foi assim. Na tradição das corporações de ofício, herdadas da Idade Média, os arquitetos eram
artífices que trabalhavam dentro de um modo de produção em que a construção era baseada na cópia ou
adaptação do que havia sido feito anteriormente, dispensando em grande medida a antecipação por meio
de desenho ou outros modelos. Pelo menos desde o Renascimento, os instrumentos de representação
passaram a ter um papel chave na arquitetura, levando o arquiteto a se concentrar na concepção do projeto
e a se afastar da coordenação do canteiro de obras. Hoje, dificilmente os arquitetos conseguiriam realizar
os objetos que desenham, devido tanto ao modo como evoluiu a profissão quanto ao aumento das
dificuldades técnicas envolvidas na produção arquitetônica. Assim, a representação está intimamente ligada
à prática cotidiana da concepção e do desenvolvimento do projeto.
O termo representação, segundo as acepções que mais interessam à prática da arquitetura, diz respeito à
elaboração de modelos simplificados, diagramas ou esquemas que se colocam “no lugar” de determinado
23
objeto ou situação. Seu valor consiste em permitir que se trabalhe com recriações esquemáticas do real,
existente ou porvir, o que, de outro modo, seria demasiadamente complexo para que fosse compreendido
ou manipulado pelo ser humano. Por intermédio da sua representação, torna-se possível compreender,
visualizar, medir, controlar, explorar, manipular, transformar, modelar, ordenar, antecipar uma determinada
porção da realidade sem que seja necessário atuar diretamente nela.
Não por acaso, na formação do arquiteto há uma boa quantidade de tempo tradicionalmente destinada ao
ensino dos meios de representação – abordando diferentes meios e propósitos – invariavelmente
concentrando-se nos períodos iniciais do curso (LAWSON, 2004). Este ensino envolve o desenvolvimento
das habilidades manuais necessárias e da capacidade de expressão, passando pelo aprendizado de certas
rotinas e procedimentos relacionados ao uso de instrumentos e a determinadas convenções ou códigos de
representação. É o caso, por exemplo, dos sistemas de projeções planares da geometria descritiva
utilizados na manipulação das formas da geometria euclidiana, ou dos desenhos codificados empregados
na descrição técnica e instrução para construção de edificações.
Embora existam diversos meios de representação utilizados por arquitetos, boa parte das pesquisas da
metodologia de projeto se refere ao desenho como o meio de expressão mais usual e tradicional. Os tipos
de desenhos utilizados por arquitetos são diversos e suas características variam conforme os propósitos, os
instrumentos disponíveis e os momentos do trabalho em que são elaborados. Como mencionado
anteriormente, as apreensões que o arquiteto tem quanto ao problema de projeto durante o processo de
concepção oscilam entre diferentes pontos de vista, o que muitas vezes se reflete no tipo de desenho
empregado. Embora invariavelmente a concepção se finalize em um grau de definição bastante preciso, em
geral envolvendo a produção de desenhos não ambíguos, no decorrer do processo as representações
gráficas tendem a variar enormemente, dando a ver diferentes aspectos do problema segundo distintos
pontos de vista e com variados graus de precisão. Eles vão desde desenhos técnicos destinados a instruir
os profissionais encarregados da construção – elaborados quando o processo de concepção já está
concluído – até desenhos de exploração bastante difusos e ambíguos, passando por diagramas e outras
notações gráficas esquemáticas.
Sua importância no processo de lançamento de hipótese é fundamental. Lawson (2004) sugere ainda que o
desenho funcionaria como uma espécie de memória externa, em que os “movimentos” do projetista durante
a concepção podem ser observados e avaliados por ele mesmo. Por meio do desenho, o projetista pode
“fixar” determinados aspectos do problema enquanto explora e reflete sobre suas implicações. Do mesmo
modo, em virtude do seu potencial esquemático, o desenho permite manipular e experimentar o projeto
segundo ângulos específicos, colocando outros aspectos “entre parênteses”. É o que ocorre na elaboração
de diagramas, em que apenas aquilo que é “essencial” em determinada situação é representado.
Inversamente, a representação diagramática permite destacar determinados aspectos de um projeto
24
arquitetônico que está sendo estudado ou tomado como referência, provando-se um recurso de grande
valor quando o uso de precedentes transcende a imitação das aparências e se volta para aspectos
estruturais – no sentido de uma organização esquemática.
Ilustração 2 - Croquis esquemáticos
Croquis utilizados em uma orientação acadêmica em um processo de concepção arquitetônica documentado por Donald Schön. Em cada
caso o professor procurava destacar apenas determinados aspectos do projeto enquanto mantinha outros “entre parênteses”, de modo
que o diálogo com o estudante pudesse estar assentado em questões precisas. Fonte: Schön, 1983.
Outra virtude importante do desenho como memória externa diz respeito à possibilidade de apreender no
próprio desenho qualidades da hipótese lançada que não haviam sido pensadas no momento de sua
elaboração. Esta característica é marcante nos esboços ambíguos, pouco precisos, normalmente realizados
pelos arquitetos, principalmente nas etapas iniciais da concepção. A idéia de que o desenho “dá a ver”
certas coisas após ser elaborado sugere que a representação não é uma cópia ou decalque de uma
imagem pré-concebida na mente do arquiteto, algo que corresponderia a uma abordagem cartesiana
(MERLEAU-PONTY, 2003). Ao contrário, pesquisas que examinam o papel do esboço à mão livre na
concepção arquitetônica indicam que o desenho emerge de modo simultâneo ou mesmo precede a
existência das imagens mentais, revelando uma intricada relação entre mão, olho e mente. Lawson destaca
que alguns arquitetos que entrevistou alegam que “precisam desenhar para pensar” e que, dependendo do
instrumento com o qual se agenciam para desenhar – caneta ou lapiseira, grafite mole ou duro –
potencializam diferentes tipos de pensamento. O arquiteto italiano Carlo Scarpa tem uma célebre passagem
a respeito da necessidade de desenhar para ver. “Eu quero ver as coisas. Eu não confio em nada mais. Eu
as colo na minha frente sobre o papel para que possa vê-las. Eu desenho para que possa ver.” (MURPHY,
1990 apud LAWSON, 2004, p. 53). Ao riscar sobre o papel, o projetista exibe para si mesmo um
25
determinado contexto do mundo sensível e as possibilidades de intervenção ou transformação, muitas
vezes dando passagem ao inesperado e permitindo ver no próprio desenho o que não foi imaginado ao
desenhar (BARKI, 2003).
A relação entre desenho, olhar e pensamento traz implícita a idéia de um “pensamento visual”, tal qual
defendida por Rudolph Arnheim (apud BARKI, 2003), em que não haveria dicotomia alguma entre as
atividades de ver/perceber e pensar. De fato é a percepção – entendida como um processo simultâneo
envolvendo o estímulo sensorial e a configuração da imagem mental – que habilita a possibilidade de um
pensamento visual, ainda que acompanhada por processos como a memória, o raciocínio e o aprendizado.
Na concepção arquitetônica, a relação do desenho com a memória de longo prazo e com articulações
conceituais é fundamental para que este “pensar visualmente” permita articular o diálogo reflexivo do
projetista com a situação de projeto. A pesquisadora Barbara Tverski (apud PURCELL; GERO, 1998)
destaca que, mediante o reconhecimento de imagens presentes na memória, o arquiteto é capaz de ver no
desenho figuras inesperadas, encontrando caminhos potenciais de desenvolvimento do projeto que não
haviam sido intencionalmente articulados pelo projetista, porém estavam implícitos no próprio esboço. Estas
noções parecem indicar que o valor do desenho e outros modos de representação não se restringem a seu
potencial de representar e comunicar as soluções projetuais, mas estão também ligados ao papel de
articulador visual no processo de concepção.
26
Ilustração 3 - Sintaxe e pensamento visual em uma experiência didática
Estas imagens fazem parte de uma experiência didática levada a cabo na disciplina de Projeto 3 da Faculdade de Arquitetura da UFRGS,
na qual os estudantes procuram gerar diferentes configurações formais a partir de formas “descobertas” em objetos do cotidiano,
buscando exercitar um processo cognitivo visual que será freqüentemente empregado no processo de concepção arquitetônica. Fonte:
Beck Stumpp & Turkienicz, 2005; Westphal Cavalheiro & Turkienicz, 2005 e Mayer & Turkienicz, 2005.
No entanto, é importante enfatizar o caráter diagramático, redutivo, simplificador do desenho em relação ao
fenômeno que busca representar. Como aponta Alberto Pérez-Gómez (2006), o modelo espacial abstrato
com o qual a arquitetura opera, pelo menos, desde o século XIX – cuja base são os princípios da geometria
euclidiana e cujos recursos de manipulação são os sistemas da geometria descritiva – compartilha da
mesma linhagem que aquele utilizado pela ciência e pela tradição tecnológica. Por esta perspectiva, a
representação tem a tarefa de forjar uma cópia ou um duplo da realidade, dando a ver sua verdade física e
geométrica com o objetivo de melhor compreendê-la e manipulá-la. Sob este ponto de vista, a
representação é uma espécie de duplo da realidade, visando a identificação direta entre o mundo real e os
modelos dele construídos. Na arquitetura, tal tipo de relação, que se pretende inequívoca, é típica de
desenhos e representações técnicas, revelando-se extremamente útil para a produção do artefato
concebido. No entanto, há considerações relevantes a seu respeito.
27
A contraposição feita pelo pensamento fenomenológico à visão cientificista auxilia na compreensão de
alguns limites da representação no processo de concepção arquitetônica. Merleau Ponty (2003) aponta que
“[a] ciência manipula as coisas e renuncia habitá-las. Fabrica para si modelos internos delas e, operando
sobre estes índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição, só de longe em longe se
defronta com o mundo atual”. Se a ciência e seus modelos estão preocupados em compreender certos
aspectos do real para que possam explicá-los, a arquitetura, contudo, visa, em última instância,
transformações que ocorrerão diretamente no real. Este “mundo atual” a que se refere Merleau Ponty, o seu
“solo bruto do mundo sensível”, é o campo de atuação da arquitetura, e não as representações em si. Por
este motivo, na concepção arquitetônica é importante conhecer as implicações e limites dos diferentes
modos de apreensão e representação do real, levando em conta seu caráter esquemático e tendo
consciência de suas limitações em relação à apreensão sensível do mundo.
8
Para que tal reconhecimento seja possível o arquiteto deve ser capaz de fazer a “leitura” adequada das
representações, reconhecendo a que tipo de situação ou artefato arquitetônico real, existente ou por vir, ela
se refere. Nesse sentido, é fundamental, por exemplo, a noção de que os objetos representados têm, para o
arquiteto, um tamanho determinado, relacionados com a realidade física por uma determinada escala, que,
correspondendo a uma referência dimensional externa, indique seu tamanho na realidade a que se refere.
Inversamente, torna-se necessário conhecer as características da arquitetura e dos espaços construídos
por meio de um embate direto, deixando-se afetar por sua apreensão sensível, fazendo com que o correlato
“real” dos esquemas representacionais em arquitetura conte igualmente com um estofo de precedentes
facilmente disponíveis na memória do projetista.
2.2.5 Verbalização
Se o desenho, ao lado das maquetes e outros meios de representação que utilizam modelos materiais, é
um instrumento crucial para o processo de concepção arquitetônica, a expressão verbal revela-se também
um potente recurso.
9
O poder de designação das palavras permite expressar sentidos que a arquitetura
deve engendrar, porém sua correlação com uma configuração física ou visual determinada não é, a
8
Algumas práticas didáticas com as quais se travou contato na pesquisa de campo propunham, mediante diferentes conteúdos, a
construção de conhecimentos que permitissem aos estudantes compreender as peculiaridades da relação entre a arquitetura e
sua representação. Estas experiências estão presentes nos territórios temáticos Corpo Dimensional (Cap. 5.2.1), Corpo Sensível
(Cap. 5.2.2) e Cidade (Cap. 5.2.7).
9
A utilização da verbalização e dos recursos descritos a seguir fazem parte de algumas experiências didáticas encontradas na
pesquisa de campo, terminando por justificar a existência de um território de conteúdos denominado Verbalização (Cap. 5.2.8)
28
principio, evidente. Esta correlação não óbvia entre enunciados verbais e arquitetura constitui um dos
pontos chaves do processo de concepção. É mais do que comum um projeto ser iniciado pela descrição
das atividades a serem abrigadas pelo objeto construído, pela enunciação verbal do caráter de um
determinado espaço, pela verbalização dos modos de vida a serem produzidos na relação com o lugar ou
pela alusão a sensações e efeitos desejados no embate sensível com o ambiente. Em grande medida –
embora não apenas – tais solicitações dizem respeito à interação dos seres humanos com a arquitetura.
Elas sugerem a existência de uma espécie de reciprocidade ou relação de mão dupla entre as pessoas e o
ambiente construído que se dá nas esferas da linguagem, da percepção (tida como ação intencional), dos
significados, do uso.
Klaus Kippendorff (2006) faz referência à “virada semântica” [semantic turn] para designar uma mudança de
paradigma que, segundo ele, afeta o universo do design, abarcando desde a produção gráfica até a
arquitetura. Para o autor, os artefatos produzidos pela cultura não podem ser vistos como objetos
independentes da sua interação com o homem, o que significaria persistir na idéia de uma distinção
cartesiana entre sujeito e objeto. Ao contrário, no embate com o mundo e seus objetos, o homem vive a
relação recíproca de doar sentido às coisas e de acolher sobre si o seu sentido. Kippendorff recorre à
etimologia da palavra “design” [do lat. designáre: 'marcar, indicar'] para apontar que sua origem é
compartilhada pelas palavras signo e designar, sugerindo que “conceber é dar sentido às coisas” [design is
to make sense of things]. Seguindo seu raciocínio, é possível sugerir que as descrições e as narrativas
feitas a respeito de uma arquitetura durante a sua concepção, contribuem de certa maneira para enunciar o
sentido que se quer incutir ou se deseja ver produzido por um determinado artefato arquitetônico que ainda
não existe. A verbalização é um dos meios que permite, com os limites de uma linguagem que é análoga à
arquitetura, designar, ou, melhor dizendo, operar a articulação destes sentidos.
As solicitações verbais que aludem aos sentidos desejados para uma arquitetura contribuem para a
indeterminação que caracteriza o problema de projeto. Além de serem elas próprias indeterminadas, não
trazendo intrinsecamente correlatos físicos ou visuais que permitam derivar diretamente de si configurações
arquitetônicas, muitas vezes são conflitantes, pouco claras, imprecisas. Com freqüência o arquiteto se vê
em posição de ter que “dizer” o problema de modo que permita acessar o sentido de uma arquitetura, ou
mesmo inventá-lo. Esta enunciação que faz para si mesmo ou para sua equipe é parte da própria leitura da
situação de projeto e faz com que o problema ganhe consistência, se torne um pouco mais estruturado. É
por esta via que opera o “conceito” – tomado como um dispositivo de projeto – permitindo ao arquiteto
pronunciar o problema, conferindo-lhe um sentido que orientará o processo de concepção. A utilização de
metáforas e analogias é comum para designar determinado tipo de arquitetura, ou certa configuração
espacial cujas características são conhecidas por um arquiteto ou equipe, ou, no caso do ensino, pelos
estudantes do ateliê. Schön (1988 apud LAWSON; LOKE, 1997; LAWSON, 2000) aponta que no ateliê é
29
comum que palavras sejam escolhidas com atenção para evocar e comunicar sutilezas das hipóteses ou
problemas de projeto. Lawson descreve o trabalho de arquitetos cujas equipes são munidas de léxicos
próprios, utilizados com freqüência nos diálogos para exprimir certas qualidades abstratas referentes a um
exemplar arquitetônico, porção de um projeto ou uma intenção desejada na concepção. O poder evocativo
da linguagem verbal agrega atributos e sentidos que demandariam muitas outras palavras ou desenhos
para serem enunciados.
10
Tal característica está ligada ao potencial de virtualidade das palavras. A diversidade de desdobramentos
que elas comportam remete ao potencial de invenção dos desenhos ambíguos anteriormente citados. Nigel
Cross (apud LAWSON, 2000) sugere que as palavras podem desempenhar o papel de “pontes” entre uma
idéia e outra no desenvolvimento da concepção, viabilizando transições ou saltos que pareceriam abruptos
se olharmos apenas os desenhos. Devido ao processo associativo que podem deflagrar, as palavras fazem
emergir os mundos aos quais pertencem, trazendo com elas coisas não ditas, “dando a ver” mundos e
sentidos que não haviam sido pensados quando primeiro pronunciadas. De fato, todos os desdobramentos
de uma palavra encontram-se, por assim dizer, pairando ao redor dela, a poucas frases de distância da sua
atualização. O arquiteto pode interrogar as palavras que usa ou o “conceito” de que dispõe para que assim
se desvendem novos caminhos para o desenvolvimento e, quem sabe, o desvio de curso da concepção. Os
mundos contidos na virtualidade das palavras permitem cogitar tangências com a arquitetura, desdobrá-las
em configurações físicas pertinentes ao mundo das coisas concretas que o arquiteto visa em última
instância. A esse processo, orientado para fora e baseado na associação, é possível propor um outro,
apontado para dentro. Com semelhantes interrogações, direcionadas às palavras e ao “conceito”, é possível
empreender uma investigação que busque descobrir o que faz dele o que ele é. O que constrói seu
sentido? Que correspondências tem com coisas no mundo da arquitetura que levarão a sentidos
semelhantes?
Investigações deste tipo são possíveis e necessárias para que o sentido de um conceito seja desdobrado
na concepção de uma arquitetura. Como apontado anteriormente, as enunciações que conformam um
problema de projeto não têm correlatos visuais ou físicos claros: uma palavra, por si só, não faz uma
arquitetura. A alusão a tais limites é importante, e cabe indagar a idéia de sentido para compreender
aspectos do conhecimento necessários aos arquitetos para que a verbalização seja uma ferramenta
realmente útil.
10
A busca por sentidos articulados verbalmente é uma prática que retornou às abordagens conceptivas na arquitetura após os
esforços de crítica ao movimento moderno e especialmente à sua aversão em relação à evocação de significados ulteriores à
arquitetura (Forty, 2000). Práticas que investem na exploração de sentido por meio da verbalização e investigam sua ativação pela
arquitetura foram retomadas em experiências de ensino de concepção arquitetônica nas últimas décadas do século vinte e serão
apresentadas na última parte da dissertação.
30
Ilustração 4 - Verbalização e construção de posturas de projeto.
Na experiência didática proposta na disciplina de Projeto Arquitetônico 4 na UFRJ em 2003, o conceito era utilizado como um dispositivo
de concepção. As propostas de projeto aqui ilustradas utilizam as palavras “isola-mento” (esquerda) e “clareira” (direita) como metáforas
para acessar um mundo de idéias pertencentes ao universo semântico da palavra, mas que forneça por analogia caminhos pertinentes á
concepção de um projeto arquitetônico. Fonte: Lassance, 2003.
Em A Lógica do Sentido (1998), o filósofo Gilles Deleuze comenta que o sentido de algo está sempre
pressuposto, mas nunca é de fato pronunciado. Citando o filósofo Henry Bérgson, diz que “nunca vamos
dos sons às imagens e das imagens ao sentido: instalamo-nos logo ‘de saída’ em pleno sentido.” Ou dito de
outra forma: “Nunca digo o sentido daquilo que digo”. O sentido seria uma esfera em que se está instalado,
onde se podem operar as designações possíveis e mesmo pensar as suas condições, mas jamais dizê-lo
em si. Pensar a arquitetura a partir destas noções implica ater-se com o fato de que não é possível
pronunciar o sentido de uma arquitetura, que ele só se dá no embate com a própria obra, através da
experiência direta, em que estão implicados processos como a memória, a linguagem e a percepção. Assim
como com as palavras, o sentido de uma arquitetura não pode ser dito, ele está no próprio acontecimento.
Cabe ao arquiteto, no momento da concepção, realizar as ligações entre a verbalização que propõe o
sentido de uma arquitetura e as suas definições físicas e visuais. No entanto, o arquiteto Carlos Antônio
Leite Brandão lembra que o projeto arquitetônico elaborado por meio de representações visuais não deve
ser entendido como um duplo do conceito, uma tradução direta da mesma coisa, porém em outra
linguagem. Brandão defende que o projeto não traduz, mas “atualiza a potência significante do conceito
para o mundo dos edifícios da cidade” (BRANDÃO, 2000). Ainda segundo o autor, o “conceito” não deve ser
elaborado e concluído fora do processo de concepção, seja antes do seu início ou após sua finalização,
porém construído ao longo do processo, buscando compartilhar com a arquitetura concebida os sentidos
que ela, arquitetura, quer e permite produzir e acolher.
Segundo Brandão, o que permite ao arquiteto transitar neste tipo de compartilhamento é a própria
experiência de falar a língua e de viver e conhecer arquitetura. O autor lembra que os “conceitos”
elaborados durante a concepção surgem “da reflexão sobre a nossa própria experiência dos espaços e
daquilo que nos fornece a tradição que lhes concerne” (BRANDÃO, 2000). Repetindo o que havia sido
sugerido anteriormente, pode-se dizer que, ao conceber um projeto arquitetônico a partir de determinado
conceito, o arquiteto deverá encontrar zonas de tangência entre os mundos contidos no poder significante
da palavra e o repertório de precedentes e possibilidades arquitetônicas, completos ou parciais, que
31
compartilhem do seu sentido. “Assim, por exemplo, diante da solicitação de projetarmos um templo cumpre
elaborar a reflexão sobre nossa experiência desses espaços, sobre a imagem, os significados e sentidos
que a tradição nos transmite e que se depositou como repertório da cultura” (BRANDÃO, 2000).
2.2.6 Experiência, referências e precedentes
11
As afirmações de Brandão apresentadas indicam a importância de se poder contar com um repertório de
referências baseado em precedentes arquitetônicos disponíveis na memória ou acessíveis na cultura. Em
uma direção semelhante, pesquisas produzidas com freqüência no campo da metodologia do projeto
comparam o desempenho de projetistas novatos com outros mais experientes, visando investigar as
diferenças decorrentes da experiência acumulada. Parece evidente que a concepção arquitetônica depende
da produção de soluções possíveis para que possam alimentar o processo de lançamento de hipóteses. No
entanto, diferentemente do jogo de encaixe utilizado no experimento que definiu a abordagem dos
arquitetos como focada-na-solução [solution-focused], os problemas de projeto em arquitetura não
carregam dentro de si um rol de soluções possíveis com as quais o arquiteto poderia iniciar o processo de
exploração heurística. É necessário, portanto, que elas sejam trazidas de fora do problema. Nesse sentido,
uma importante contribuição é atribuída aos precedentes arquitetônicos disponíveis na memória do
arquiteto, um recurso que está intimamente relacionado com sua experiência acumulada. Porém, o aporte
de informações externas que podem ser compreendidas como referências arquitetônicas se dá de muitas
maneiras. Cabe examinar algumas características das soluções de que dispõem e como são utilizadas e
acessadas.
O termo “precedente” freqüentemente é preterido em favor de “referência”, indicando que as soluções
pregressas utilizadas no processo de concepção não costumam ser aplicadas de modo integral, mas
apenas segundo certas características específicas, deixando-se outras de lado. Mesmo seu
armazenamento e evocação da memória parecem estar relacionados com esquemas que ligam ou agrupam
as soluções segundo determinados aspectos ou visões parciais, dificilmente operando com recordações
totais e completas de um dado exemplar (LAWSON, 2000). A noção de precedente ou referência que será
utilizada aqui (tratados com o mesmo sentido) poderá, assim, dizer respeito tanto a uma determinada obra
arquitetônica quanto à evocação de certo grupo de formas, organizações compositivas, estruturas
11
Na pesquisa de campo foram encontradas algumas abordagens didáticas que investiam esforços na construção de
conhecimentos relativos a referências e precedentes arquitetônicos. Algumas serão apresentadas no território temático
denominado Precedentes (Cap. 5.2.6).
32
tipológicas, experiências espaciais, soluções estruturais, detalhes construtivos, significados implícitos,
materiais, imagens etc.
Um dos modos talvez mais banais do aparecimento de precedentes arquitetônicos no processo de
concepção se dá por intermédio do aporte de informações objetivas que normalmente respondem a
aspectos recorrentes em problemas de projeto que tendem a ser bastante específicos e determinados,
como questões técnicas, funcionais e ergonômicas. Sua determinação tem por efeito permitir que sejam
sistematicamente organizadas. É comum poder encontrar este tipo de informação – se em livros de
referência, catalogadas de acordo com o tipo de problema que atendem. Normalmente, aparecem na forma
de soluções prototípicas, destacadas do contexto de aplicação e apresentadas apenas em seus aspectos
essenciais. Um exemplo típico é o célebre livro Arte de Projetar em Arquitetura, de Ernst Neufert (1988).
No entanto, se tais referências são aproximadas com o propósito de atender a questões tão específicas,
significa que elas atenderiam porções já “estruturadas” do problema de projeto. Porém, pode-se pensar na
referência como um meio de se estruturar o problema. Estabelecer um compromisso com certa gama de
referências, sob qualquer uma das formas mencionadas, é uma maneira comum de abordar a concepção
arquitetônica. São limites auto-impostos pelo arquiteto, de modo mais ou menos consciente, cuja
decorrência é limitar o número de soluções possíveis para o projeto que enfrenta. Cumpre lembrar que
Simon (1973) aponta que um dos fatores responsáveis pela indefinição intrínseca dos problemas de projeto
é o número infinito de possibilidades cabíveis para sua resolução. A adoção de referências seria um passo
na estruturação do problema. Relatando práticas que apresentam um sentido semelhante, Schön (apud
LAWSON, 2004) sugere que os projetistas sabem habitar certos “mundos”, em que as referências
arquitetônicas são limitadas, constituindo um repertório pessoal de soluções cujas qualidades e
potencialidades são conhecidas. De fato, o exame da obra de alguns arquitetos aponta para a recorrência
de certos elementos plásticos, estratégias de organização, materiais etc., sugerindo que eles trabalham
dentro de um universo de soluções possíveis que, embora flexível, é de certa maneira restrito. Por esta
razão, não são raras as estratégias de ensino que utilizam como recurso didático solicitar aos estudantes
que trabalhem em compromisso com a linguagem de um determinado arquiteto. Com isso se reduz o
número de elementos possíveis para o projeto que irão conceber, ao mesmo tempo em que se fornece um
rol de soluções prévias em que o estudante pode basear sua busca por referências.
33
Ilustração 5 - Comprometimento como recurso didático
Este exercício de projeto, por exemplo, foi realizado em comprometimento com a linguagem arquitetônica de Le Corbusier, como parte de
um exercício denominado à la mode [à maneira de], proposto na escola de arquitetura da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.
Fonte: Caragonne, 1994.
Tal tipo de prática sugere que uma característica que distingue os arquitetos mais experientes dos novatos
não é apenas saber “habitar um mundo” de referências, mas de fato possuí-lo, tê-lo acessível na memória.
Boa parte do conhecimento incorporado à concepção não é explícito, nem costuma ser organizado em
documentos ou livros. Embora este tipo de recurso seja fundamental em determinadas circunstâncias, com
o acúmulo de experiência, as referências tendem a ser provenientes da memória, onde sedimentam com os
anos de prática. Lawson sugere que o aporte de informações durante o processo de concepção costuma
atender a demandas imediatas, geradas por hipóteses de projeto que são parciais e cujas implicações
precisam ser exploradas no ato. Daí a importância de poder contar com uma “reserva de conhecimento”
disponível na mente.
No entanto, é necessário reconhecer que o conhecimento relacionado aos precedentes não diz respeito
apenas à assimilação e à retenção de informações. Há também certa aptidão relativa ao modos de
utilização deste repertório de soluções possíveis que se manifesta como uma capacidade de estabelecer
relações pertinentes entre a situação de projeto e o horizonte de precedentes externos a ela. Examinando a
atuação de projetistas experientes é possível referir-se ao emprego de ‘truques’ ou ‘movimentos típicos’
[design gambits] quando se apresenta uma situação de projeto já conhecida. (LAWSON, 2004). Estas
34
soluções-tipo costumam ter certas características ou capacidades que são desejadas de antemão pelo
arquiteto, normalmente relacionadas com problemas já enfrentados e resolvidos com sucesso. Estes
“truques” podem se dar sob a forma de soluções específicas para determinado tipo de problema – como
detalhes construtivos ou configurações funcionais típicas – mas também como sistemas de organização
bastante gerais – como partidos lineares ou centralizados – cujos desdobramentos possíveis são
conhecidos pelo arquiteto. Além disso, as soluções-tipo podem ser utilizadas na investigação de uma nova
situação de projeto cujas implicações ainda são nebulosas. Confrontando a solução conhecida com o
contexto de trabalho ainda indeterminado, o arquiteto é capaz de forjar um ponto de vista inicial em função
do modo como a situação reage à hipótese lançada (HILLIER, 1972; EASTMAN, 1970 apud LASSANCE,
2003). O emprego de soluções-tipo, no entanto, requer sempre certa habilidade para “ler” a situação de
projeto, uma espécie de conhecimento em ato que tornará possível estabelecer ligações entre as situações
enfrentadas e os precedentes conhecidos.
Ao abordar a questão de como este reconhecimento se dá, Lawson propõe uma aproximação com a
psicologia cognitiva para sugerir que a reserva de precedentes arquitetônicos é arranjada por meio de
esquemas ou estruturas cognitivas que permitem que o conhecimento seja “organizado” na memória. A
noção de esquema pressupõe uma espécie de categorização. As situações e estímulos recorrentes com os
quais travamos encontro no dia-a-dia seriam assimiladas com facilidade por se encaixarem em esquemas
existentes, ou seja, se estabeleceriam ligações entre aquilo que se percebe e as experiências passadas. Os
esquemas, porém, não configuram apenas uma camada, mas estão inter-relacionados de diversas
maneiras e se aplicam de modo múltiplo, e mesmo conflituoso, a uma mesma informação. Quando um tipo
de estímulo ou uma dada situação apreendida não se encaixa em um esquema existente, não conseguindo
ser assimilada diretamente, pode acabar sendo ignorada e esquecida ou, então, levar à construção de
novos esquemas que permitam sua acomodação. Lawson sugere que arquitetos com alguma experiência
possuem não apenas uma reserva maior de conhecimentos, mas contam com uma rede de esquemas
ajustada para assimilar precedentes arquitetônicos mais facilmente e de modo mais rico e, também, de uma
maneira que permita vincular sua apreensão à prática da concepção arquitetônica.
35
Ilustração 6 - Modelos de obras exemplares
Uma prática didática comum em escolas de arquitetura é a elaboração de modelos de obras exemplares. Na escola de arquitetura de
Versailles, na França, os estudantes iniciantes elaboram maquetes onde os elementos da construção são representados com certa
fidelidade em relação a seus propósitos tectônicos e construtivos reais, permitindo que os estudantes possam nomeá-los e reconhecê-los,
contribuindo para a formação de esquemas mentais relativos à arquitetura e suas partes. Fonte: Catálogo da escola, 2005-06.
A ligação entre os problemas “lidos” na situação de projeto e o universo de soluções conhecidas pelo
projetista dependeria, portanto, de uma ação de reconhecimento, possibilitada pela existência de uma rede
rica de “esquemas” vinculados à prática de conceber de projetos arquitetônicos. No entanto, baseando-se
em depoimentos de arquitetos experientes, Lawson (2004) sugere que os precedentes utilizados não
costumam apresentar as mesmas características superficiais. Embora o autor afirme que não
explicações suficientemente convincentes de como este processo se dá, aparentemente existe certa
habilidade em identificar relações que estão além das aparências imediatas, como se elas fossem
construídas durante o processo de concepção. Desse modo, torna-se possível que o repertório de
precedentes com o qual contam os arquitetos experientes não seja apenas aplicado a situações
conhecidas, mas também possa ser adaptado a situações completamente novas. É nesta direção que
Donald Schön (1983) destaca a notável capacidade dos arquitetos em enfrentar situações problemáticas
que são únicas, com as quais nunca se depararam, e que demandam a habilidade de propor problemas
[problem-setting], mais do que a de simplesmente resolvê-los.
Nesse sentido, é possível supor que os arquitetos experientes, quando lidam com um problema de projeto
com o qual não estão plenamente acostumados, não operam apenas com o “reconhecimento” de relações
36
pertinentes entre aspectos do problema e possíveis soluções, mas também com a “invenção” de novas
relações. Talvez seja cabível falar no emprego de uma espécie de olhar inventivo, que permite ligar pontos
existentes no universo de referências do arquiteto que eram aparentemente impertinentes entre si. A
invenção não é tratada aqui, portanto, como invenção ex-nihil, onde se cria o novo a partir do nada. Ao
contrário, utiliza-se o termo invenção recorrendo a sua etimologia latina – invenire – que significa compor
com restos arqueológicos. Inventar seria então buscar o que restava escondido, oculto, mas que, ao serem
removidas as camadas históricas que o encobriam, revela-se como já estando lá. (KASTRUP, 2004)
A noção de um funcionamento cognitivo que não se restringe ao reconhecimento é explorada por uma
posição dentro da psicologia cognitiva, segundo apresenta a psicóloga Virgínia Kastrup (1999), que sugere
a existência de diferentes políticas cognitivas: “política da recognição” e “política de invenção”. A primeira
abordagem estaria ligada ao estudo de processos cognitivos a partir da noção de recognição, em que os
fenômenos percebidos no mundo seriam assimilados exclusivamente segundo os esquemas pré-existentes
na memória, tendendo a obliterar qualquer percepção inventiva. O primado dado ao reconhecimento está
ligado à eficiência na realização de tarefas e a solução de problemas, num sentido estrito. A segunda
política – que se diz ligada à invenção de problemas – trata a invenção não como um processo em si,
somado aos outros processos cognitivos, mas como uma potência de diferenciação, uma qualidade. A
cognição inventiva sustenta a idéia de que há uma percepção inventiva, uma memória inventiva, uma
linguagem inventiva e uma aprendizagem inventiva. Partindo de formulações propostas por Francisco
Varela e Pierre Vermersch, Kastrup ainda sugere que a invenção se vale de um funcionamento da atenção
que é ao mesmo tempo concentrada e aberta, destituída de foco e intencionalidade, não ligada, portanto, à
eficiência na realização de tarefas. Este tipo de atenção, mais parecida com uma distração, potencializa,
por exemplo, a emergência de formas inusitadas a partir da apreensão visual de uma figura ou, então, uma
associação imprevista de imagens contidas na memória.
Retomando a idéia de que no processo de concepção arquitetônica o pensamento do arquiteto oscila entre
abordagens mais analíticas e outras mais difusas, talvez seja possível sugerir que diferentes posturas
cognitivas são empregadas pelo arquiteto na duração de sua prática. Sem entrar em mais detalhes sobre
seu funcionamento, a cognição inventiva parece uma posição interessante para se pensar momentos da
concepção como a apreensão de representações com um grande potencial de ambigüidade ou a busca na
memória por hipóteses arquitetônicas cabíveis a dada situação de projeto cujo sentido é ainda vago ou
indeterminado. Contudo, as práticas recognitivas que operam com identificações diretas podem ser
bastante úteis em momentos como a identificação de situações típicas de projeto, como o embate com
condicionantes dimensionais bastante restritas ou, ainda, a avaliação do cumprimento de determinado
requerimento funcional. Qualquer que seja o caso, no entanto, parece ser fundamental não apenas a
existência de um repertório de referências abundante em precedentes, mas também a existência de
37
esquemas mentais ricos e flexíveis, capazes de permitir articulações que viabilizem o pensamento
integrativo requerido pelo arquiteto durante o processo de concepção arquitetônica.
2.2.7 Abordagens conceptivas, princípios norteadores e teorias normativas
Foi comentado anteriormente que a concepção arquitetônica conta com o aporte de diversos
conhecimentos cuja infiltração no processo não é totalmente independente das contingências externas e
das inúmeras pré-concepções carregadas pelo arquiteto. A esse respeito, Lawson descreve o que chama
de “princípios norteadores” [guiding principles] como um conjunto de idéias, crenças e valores que
permeiam a prática de um arquiteto. Eles representam uma espécie de programa intelectual que orienta não
apenas o manejo da invenção de soluções de projeto, mas também a maneira de enquadrar o problema. Do
modo como é colocado pelo autor, configuram uma base de saberes explícitos que cada arquiteto adquire e
desenvolve ao longo de sua vida profissional, sendo uma decorrência da experiência acumulada. Ao
mesmo tempo, é importante mencionar que a formação destes princípios está ligada ao âmbito dos
discursos teóricos que permeiam a disciplina e cujo caráter é, em geral, normativo ou prescritivo (BARKI,
2003). Deste ponto de vista, talvez possa se dizer que tais princípios norteadores não assumiriam um
caráter tão pessoal quanto a proposta de Lawson sugere. Ao que parece, eles seriam em parte formados e
deformados pelo atravessamento mudo e implícito que a cultura e a ideologia arquitetônica vigente têm no
trabalho dos arquitetos. Do mesmo modo, a prática de concepção arquitetônica exercitada no ambiente de
ensino está sujeita a tais forças. Por esta razão, talvez seja possível afirmar que os arquitetos, e em maior
grau os estudantes, não são completamente conscientes dos princípios que moldam suas práticas
conceptivas. Nesse sentido, ao invés de usar o termo “princípios norteadores” talvez seja possível falar em
diferentes “abordagens conceptivas”, sugerindo modos de proceder que, embora empreguem
freqüentemente conhecimentos teóricos explícitos, não são necessariamente conscientes de si mesmos a
todo tempo e em todos os aspectos.
Diferentes autores, no entanto, defendem que as abordagens empregadas na concepção do projeto devem
questionar a origem dos conhecimentos teóricos que lhe permeiam. John Zeizel (apud LAWSON, 2000), por
exemplo, defende que a aproximação de conhecimentos está ligada a “como as coisas funcionam”. Estes
saberes, ao invés de constituir teorias normativas existentes a priori e herdadas de antigas tradições,
estariam baseados em testes empíricos e resultariam em conhecimentos explícitos e facilmente
compartilháveis entre os arquitetos que viessem a enfrentar problemas semelhantes. A incorporação de
conhecimentos derivados de avaliações de uso alimentaria o olhar crítico do projetista ao analisar as
implicações dos seus movimentos durante o processo de concepção, garantindo maior qualidade ao
38
resultado final. É nesta mesma direção que Julia Robinson (2000) refere-se à necessidade de se acomodar
de modo mais franco uma crescente gama de conhecimentos que vêm sendo produzidos no âmbito da
pesquisa acadêmica.
Num comentário sobre as proposições de John Zeizel, Lawson (2004) registra que este tipo de
conhecimento explícito relacionado com avaliações empíricas não foi incorporado de modo sistemático e
organizado à prática dos arquitetos. O autor também destaca que há diversos tipos de conhecimentos
explícitos disponíveis na disciplina que não afetam a prática da concepção. Uma das razões alegadas é que
o tipo de pensamento empregado pelos arquitetos durante a concepção tende a ser muito mais integrativo e
propositivo do que baseado em análises e descrições. Além disso, o conhecimento explícito requerido na
concepção costuma responder a demandas imediatas e específicas, fazendo com que o arquiteto utilize
muito mais conhecimento disponível na memória do que o conhecimento presente na literatura científica.
Tais noções apontam para a importância de tocar brevemente em como os designers utilizam os tipos de
conhecimentos que trazem da memória. Segundo Lawson, conhecimentos teóricos evanescem com rapidez
se não são utilizados, especialmente quando é necessário conhecer e articular uma quantidade grande de
detalhes. Memórias chamadas episódicas, ao contrário, tendem a ser evocadas com maior facilidade. Elas
estariam ligadas a experiências sofridas diretamente e teriam uma forte relação com a esfera corporal e
perceptiva, e menos com formulações intelectuais. A partir desta noção, talvez se possa afirmar que os
conhecimentos teóricos terão mais chance de afetar o processo de concepção se forem cultivados durante
a prática, ou seja, se incorporados nos momentos de reflexão e nas estratégias proposicionais que fazem
parte do processo. Talvez por essa razão, algumas abordagens didáticas que buscam veicular
conhecimentos teóricos – especialmente aqueles mais arraigados na tradição disciplinar, relativos aos
princípios normativos de concepção – o façam por meio de exercícios práticos de análise e reprodução de
modelos arquitetônicos.
12
12
Este é o caso de algumas experiências didáticas examinadas no levantamento de campo, especialmente aquelas que
veiculavam conteúdos relativos ao território de conhecimentos que se convencionou chamar Precedentes (Cap. 5.2.6).
3 TRADIÇÕES NO ENSINO DE ARQUITETURA
Foi comentado que as práticas de arquitetos e estudantes estariam sempre atravessadas por forças,
implícitas ou explícitas, presentes na cultura e na ideologia arquitetônica vigente. A partir desta noção,
pode-se afirmar que as transformações nas práticas discursivas e não discursivas que permeiam a
disciplina – manifestadas em seus discursos teóricos, meios de produção e posicionamento ideológico –
resultam em alterações nos modos de abordar a concepção arquitetônica. O seu ensino, é fácil supor,
também não ficaria isento desta dinâmica. É de fundamental importância para a discussão sobre o ensino
de concepção arquitetônica o reconhecimento desta relação.
As práticas didáticas que serão examinadas no quinto capítulo deste trabalho devem ser compreendidas,
portanto, como inseparáveis das condições históricas que as tornaram possíveis. Neste cenário, têm um
peso significativo os traços herdados de diferentes tradições de ensino que se sedimentaram no Brasil ao
longo dos dois últimos séculos. A seguir serão apresentadas algumas destas tradições segundo suas
características mais marcantes, tendo como pano de fundo o contexto institucional de origem. Em todos os
casos, as práticas pedagógicas identificadas serão considerados inseparáveis das abordagens conceptivas
que produzem e que transmitem, assim como das posições teóricas que as orientam.
3.1 ECOLE DES BEAUX-ARTS
3.1.1 Fundação e Contexto Histórico
Até o século XVII – aparentemente com exceção da Grécia antiga (ROBINSON, 2000) – não há notícias de
um ensino formal de Arquitetura no Ocidente. A formação dos profissionais se dava na relação direta com
mestres arquitetos ou no próprio canteiro de obra, como aprendizes de mestres construtores que
trabalhavam dentro de uma tradição fundamentada na adaptação e na continuidade do que havia sido feito
40
anteriormente. A fundação da Academie Royale d’Architecture, em 1671, na França, marca o início do
ensino escolarizado no âmbito da arquitetura. Ainda assim, segundo o professor Júlio Katinsky (1999),
pode-se questionar o aprendizado que ocorria na Academie. “Tudo indica que os candidatos a uma vaga
nesta instituição já tinham uma larga prática e conhecimento das várias habilidades necessárias ao
exercício da edificação e dos assentamentos humanos” (p. 8). Segundo Benévolo (2001), a Academia era
uma instituição encarregada de preservar a tradição clássica francesa e o “grand goût”, ainda que se
mantivesse aberta a experiências e ao progresso tecnológico, discutindo teorias racionalistas e participando
da vida cultural da época. Após a Revolução Francesa, as academias, incluindo a de Belas-Artes, passaram
a fazer parte do Institut de France e ao longo do século XIX se estabeleceram como um lugar de debate e
formação profissional, tendo na Ecole de Beaux-Arts o seu braço de ensino. A seção de arquitetura detinha
a prerrogativa da formação dos futuros profissionais do Estado, instituindo um sistema pedagógico que
funcionava como potente catalisador de debates e conflitos de idéias sobre os princípios normativos da
área. Neste cenário, fundou-se uma tradição de ensino cujos desdobramentos podem ser identificados em
escolas de arquitetura até os dias atuais.
3.1.2 Sistema de Ensino na Beaux-Arts
Se a formação dos arquitetos durante os séculos anteriores se dava no próprio canteiro de obras como
aprendizes de mestres construtores, a tradição estabelecida pela Ecole de Beaux-Arts parisiense calcava a
formação profissional na concepção e na discussão de projetos arquitetônicos elaborados graficamente. O
arquiteto estudante não era mais um aprendiz de artesão, embora permanecesse na condição de discípulo
de um mestre. A estrutura fundamental do ensino na Beaux-Arts era baseada no sistema de ateliês. Os
estudantes deveriam fazer parte do estúdio de um patron, um arquiteto experiente e profissionalmente ativo,
que freqüentemente era professor da Escola ou, mais raramente, membro da Academie de Beaux-Arts. Nos
ateliês, os estudantes desenvolviam os projetos que deveriam apresentar. Os patrons davam maior atenção
aos estudantes mais hábeis e talentosos, e estes, por sua vez, orientavam os iniciantes.
13
Assim, formava-
se em cada ateliê uma base comum de conhecimentos que era compartilhada por todos, mas que, em
última instância, era subordinada às posições e abordagens do arquiteto mestre.
13
O favorecimento do aprendizado por meio do contato com os colegas é uma marca dos chamados ateliês verticais. Este tipo de
configuração típica do ensino Beaux-Arts é ainda vigente em diferentes escolas de arquitetura, adaptado às suas condições
institucionais. No Brasil, este arranjo foi eliminado por completo com a instauração dos modelos de créditos nas universidades na
Reforma Universitária de 1969. Ainda assim, uma das escolas observadas na pesquisa de campo do trabalho recentemente
fundou um novo currículo baseado na figura do ateliê vertical. Esta situação será comentada no terceiro capítulo dentro do
território Concepção (5.2.3.).
41
O curso não consistia em uma série de disciplinas que levaria à obtenção de um grau de arquiteto. Embora,
em parte, ele ocorresse através de conferências envolvendo conhecimentos de matemática, perspectiva,
estereotomia, construção e história da arquitetura, a sua porção mais significativa se dava por meio de
competições mensais de projetos de arquitetura. Este sistema era acompanhado por uma estrutura de
ranqueamento e de premiações baseada na avaliação crítica dos projetos por um júri composto pelos
professores da Escola – muitas vezes contendo os próprios patrons. Estudantes de diferentes ateliês
competiam entre si, fazendo com que a disputa de certo modo se transferisse para o âmbito dos
professores. Apesar da arquitetura na Escola ter como base os tratados, não havia um corpo coeso de
critérios absolutos, fazendo com que as competições produzissem um ambiente propenso à crítica e ao
conflito.
Anualmente, eram realizados entre dez e onze concursos. Cada estudante deveria participar pelo menos
duas vezes. Os projetos variavam entre esboços realizados na própria Escola em um curto período, por
exemplo, dez ou doze horas – chamados en loge
14
e projetos de longa duração, que tinham início na
Escola, mas que deveriam ser levados aos ateliês para serem desenvolvidos e refinados, sempre
respeitando a organização estabelecida nos esboços iniciais. Os temas, normalmente ligados a eventos da
atualidade, eram determinados pelo professor de teoria. Sua escolha tinha uma importância significativa,
pois a apresentação do programa parecia ser como se dava o ensino de teoria da arquitetura na Escola
(JAQUES, 1982, p. 59).
Cada estudante seguia seu próprio ritmo durante a formação, podendo passar até quinze anos na Escola.
Desde as primeiras décadas do século XIX, o curso era dividido em duas classes distintas (JAQUES, 1982).
Os estudantes, que, em geral, tinham menos de 20 anos de idade, eram admitidos mediante a aprovação
em um exame, normalmente logo após terminarem o ensino secundário e já fazendo parte de um dos
ateliês. Eles ingressavam na “segunda classe”, na qual os temas dos projetos desenvolvidos eram simples:
escolas primárias, pequenas prefeituras, bibliotecas e teatros municipais.
15
Os estudantes levavam em
média cerca de dois anos para serem promovidos para a “primeira classe”, aparentemente por mérito, onde
realizariam projetos mais complexos, normalmente ligados a capitais provinciais e grandes cidades. Os
vencedores das competições mensais eram premiados com medalhas, servindo a um sistema de
pontuação que tinha por objetivo classificá-los e determinar a sua elegibilidade para a participação no
Grand Prix. Nos anos 1820, havia cinqüenta alunos na “primeira classe”, sempre interessados em participar
14
En Loge era um termo utilizado para a realização de projetos em cabines individuais [loge] em que o estudante não deveria ter
contato externo.
15
Aparentemente, além da escolha de temas de projeto menos complexos, não havia uma agenda específica para o ensino de
concepção na “segunda classe”. Supostamente, os estudantes recém-ingressos recebiam orientação dos estudantes mais
experientes que freqüentavam o mesmo ateliê. É natural supor que haveria conferências direcionadas especificamente aos
estudantes de primeiro ano acerca de temas como história da arquitetura, técnicas de construção e matemática, mas não foram
encontradas referências que confirmassem estas suposições.
42
desta que era a mais importante competição da Escola e que ocorria apenas uma vez ao ano. O vencedor
era premiado com o célebre Prix de Rome, que dava direito a um estágio de estudos de 3 a 5 anos na
Academia Francesa em Roma. Ao contrário dos concursos mensais, o Grand Prix era organizado pela
seção de arquitetura da Academie de Beaux-Arts e trazia programas com uma complexidade
significativamente superior, atendendo a temas atuais sempre ligados à atuação do poder público na Capital
ou em empreendimentos internacionais. Lembrando que a Escola tinha como um dos objetivos a formação
de arquitetos capacitados para atender o Estado na produção de bens simbólicos, é possível identificar um
paralelo entre o nível a que chegava o estudante, a natureza dos programas e as possibilidades de atuação
dos futuros arquitetos junto ao poder público (JAQUES, 1982, p. 65).
A exemplo dos projetos de longa duração realizados entre os concursos mensais, o Grand Prix também era
fracionado em duas etapas distintas. Na primeira, os trinta alunos participantes tinham 24 horas para
conceber um projeto arquitetônico que seria apresentado em forma de esboço [esquisse], que deveria
atender ao programa previamente estabelecido pela Academia e apresentado no início da competição. Os
oito melhores projetos – segundo a escolha do júri composto exclusivamente pela seção de arquitetura e
pelo secretário geral da Academia – teriam quatro meses para desenvolver o seu trabalho en loge
16
segundo as intenções estabelecidas no esquisse (LEVINE, 1982). As características particulares do
trabalho desenvolvido em cada uma destas duas etapas revelam aspectos significativos da abordagem
conceptiva típica da Beaux-Arts e permitirão mais adiante discutir alguns preceitos que a orientavam.
3.1.3 Abordagem Conceptiva na Beaux-Arts
A concepção arquitetônica na tradição Beaux-Arts estava intimamente vinculada a conhecimentos a
respeito de antecedentes históricos, algo que é bastante evidente tanto no emprego de um léxico de
elementos relacionados a estilos do passado quanto na utilização de estruturas organizacionais baseadas
em antecedentes reconhecidos ou em referências tipológicas. Os arquitetos operavam com um repertório
restrito de elementos que era culturalmente aceito e relativamente estável – especialmente se tomarmos a
arquitetura contemporânea como um parâmetro – obedecendo a regras e princípios de organização que
balizavam a sua aplicação, normalmente ligadas à tradição clássica. A prática da concepção, portanto, não
era dependente apenas do conhecimento a respeito de todas estas referências, mas também do seu “uso
apropriado”. Aparentemente, o conhecimento sobre os princípios normativos que regulavam o emprego das
16
Os oito selecionados para a segunda fase do Grand Prix eram chamados logistes e deveriam desenvolver seu trabalho em uma
cabine dentro da Escola sem que fosse permitido o acesso de membros externos nem a retirada do trabalho durante os quatro
meses de desenvolvimento.
43
referências históricas era obtido no ateliê, provavelmente por intermédio de um processo de mimese em
relação a exemplos precedentes.
Os estudantes da Escola costumavam copiar os projetos exemplares e modelos de aplicação por meio de
desenhos. Essa prática existia não apenas como uma maneira de se registrar as referências – frente à
inexistência das tecnologias de reprodução que hoje conhecemos – mas também era um modo de
desenvolver uma habilidade do estudante na prática da representação gráfica e de construir uma base de
conhecimentos acerca de precedentes de uma maneira que fosse ligada à própria elaboração da
representação arquitetônica. Com isso, o estudante passaria a conhecer as proporções, as ordens e estilos
do passado, os princípios de organização clássicos e os sistemas normativos presentes nos autores cuja
obra era referência praticamente obrigatória, como Vitruvius, Alberti e Vignola. Do mesmo modo, tinha-se
acesso a projetos arquitetônicos específicos cuja presença na biblioteca da Ecole devia-se a levantamentos
realizados por viajantes, historiadores e arqueólogos que desde o século XVIII empreendiam excursões
para fora da Europa retratando obras do Mundo Antigo, ou então por ex-alunos ganhadores do Grand Prix,
que muniam a biblioteca com levantamentos de obras célebres feitos durante sua estada na Itália. Havia
também a possibilidade de se consultar projetos de ex-alunos, de colegas de ateliê e projetos vencedores
do Prix de Rome, que ficavam à disposição na Escola enquanto os autores estivessem em Roma. Além
disso, os estudantes contavam com catálogos tipológicos que apresentavam inúmeros exemplos
arquitetônicos organizados conforme o estilo ou a função. Este tipo de registro vinha sendo elaborado por
arquitetos da academia desde a segunda metade do século XVIII, mas foram amplamente adotados a partir
da publicação dos Recueil
17
de Durand, em 1800 (SZAMBIEN, 1982, p. 27). É importante notar que a
utilização de referências tipológicas não estava restrita por um respeito incondicional às categorias
funcionais dos modelos originais, ou seja, permitia-se a adaptação de tipos antigos a novos programas que
iam surgindo ao longo do século XIX .
Frente a este arsenal de precedentes exemplares que eram repletos de carga histórica e respondiam a
diferentes princípios e regras de elaboração, cuja apreensão era sujeita a interpretações, tornava-se
fundamental para os estudantes uma forte base de conhecimentos sobre a história da arquitetura. Isso se
devia não apenas ao imperativo de se compreender as referências, mas também às necessidades importas
pelo sistema de julgamentos e disputas entre as abordagens conceptivas existentes no ambiente da Escola.
A própria noção de que o uso dos precedentes era motivo de debate revela que, apesar da manutenção dos
cânones herdados da tradição tratadística e da existência de um universo de referências relativamente
estável, a concepção arquitetônica na tradição Beaux-Arts se assentava sobre bases que eram por vezes
conflituosas e demandava o julgamento do arquiteto no emprego dos princípios de concepção.
17
Recueil et parallèle des édifices de tout genre, anciens et modernes, publicado em 1800 pelo arquiteto Jean-Nicolas-Louis
Durand (1760 - 1834).
44
Aparentemente, desde o século XVIII, o rompimento com o classicismo ortodoxo abrira espaços para a
discussão sobre as bases da arquitetura. Ao longo do XIX, com o fortalecimento do pensamento científico e
tecnológico, o crescimento de uma mentalidade eficientista e a significativa presença dos engenheiros no
universo da produção arquitetônica, este debate se intensificara. Já na primeira metade do século, a
ortodoxia doutrinária fundamentada no dogma da origem greco-romana da arquitetura vinha sofrendo um
descrédito, desarmando a Escola de um rol de princípios inquestionáveis. No campo profissional, o
fortalecimento do papel dos engenheiros civis era alimentado pela emergência de novos recursos técnicos
adaptados a uma nova realidade na produção arquitetônica e de infra-estrutura, daí decorrendo uma forte
disputa por espaço no mercado de trabalho e na necessidade de reposicionamento dos arquitetos. A
crescente relativização dos valores não apenas reforçava a necessidade do juízo pessoal do arquiteto no
momento da concepção, mas também alimentava a disputa entre as diferentes posições assumidas pelos
arquitetos e estudantes no sistema de ateliês e julgamentos. O debate em torno das escolhas referentes
aos estilos históricos se intensificara ao longo do século XIX em função da desvinculação entre a
organização compositiva de determinado edifício e seu tratamento decorativo. Assim, talvez um modo
relevante de se discutir a abordagem conceptiva na Beaux-Arts seja por intermédio dos conceitos de
composição e caráter, que dizem respeito a diferentes aspectos do problema de projeto e parecem apontar
para algumas questões cruciais no ensino da escola.
3.1.4 Projeto como Composição
A idéia de projeto como composição era um dos aspectos mais importantes do processo de concepção
arquitetônica no contexto da Ecole des Beaux-Arts, tendo persistido na prática e no discurso arquitetônico
mesmo após a supressão da arquitetura academicista pelo movimento moderno. Conforme aponta o crítico
e historiador Alan Colquhoun (2004a), o termo composição “diz respeito à noção de se dispor as partes da
arquitetura como elementos de uma sintaxe de acordo com certas regras a priori, para se formar um todo”
(p. 57). Esta definição garante à composição um caráter suficientemente abstrato para que possa ser
entendida como trans-histórica e a-estilística, assentada sobre regras que poderiam ser independentes de
representações da natureza ou de estilos decorativos. Sabe-se, no entanto, que durante o Renascimento a
composição dizia respeito, em geral, à distribuição de partes em um sistema de proporções (COLQUHOUN,
2004a) que estava ligado a princípios de suposto valor metafísico, calcado na intenção de se buscar
semelhanças com um universo ideal matemático (FEFERMAN, 2003). Apenas depois do século XVIII,
quando se iniciou o rompimento da arquitetura com o classicismo, a lógica da semelhança se vira
enfraquecida e as regras da composição passaram a ser mantidas na cultura apenas como interpretações
simplificadas das teorias do Renascimento. No contexto da Beaux-Arts, noções como simetria e hierarquia,
45
além de regras de proporção e respeito aos alinhamentos, constituíam princípios de desenho que deveriam
ser respeitados qualquer que fosse o estilo histórico adotado. Estabelecia-se, assim, uma crescente
independência entre o arranjo compositivo e o tratamento estilístico ou decorativo, um rompimento que
alimentaria a proliferação do ecletismo e do historicismo no século XIX e permitiria a manutenção da
composição como um importante recurso de concepção arquitetônica durante o movimento moderno.
De fato, a composição era uma parte importante do processo de concepção e do método de ensino na
Beaux-Arts, exigindo que o arquiteto/estudante se empenhasse na distribuição dos elementos de seu
projeto – especialmente das partes do programa – para formar um todo equilibrado, coeso e harmônico.
Como foi comentado, o início dos exercícios de projeto se dava com a apresentação de um programa –
entendido aqui como um amplo conjunto de requerimentos e demandas conceptuais, e não apenas uma
lista de compartimentos – que era definido pelo professor de teoria ou pelos membros da Academia (no
caso do Grand Prix). Segundo aponta Neil Levine, pelo menos nos anos 1820 o programa do Grand Prix
costumava trazer uma breve descrição do tema, um texto contendo uma listagem hierarquicamente
organizada dos espaços que deveriam ser contemplados pelo projeto e uma descrição do tamanho do lote
ou da edificação, além da indicação do número e escala dos desenhos requeridos. Por vezes, se fazia
necessário destacar alguns aspectos relativos ao caráter esperado da edificação, especialmente quando se
tratava de um tema novo ou pouco estudado. Apesar disso, Levine destaca que os professores
normalmente partiam do princípio de que os estudantes tinham conhecimento suficiente dos programas, de
modo que não eram necessárias grandes descrições sobre seus requerimentos funcionais. Nesse sentido,
o arquiteto e professor Alfonso Corona Martinez (1998) faz questão de destacar que as soluções funcionais
na Beaux-Arts podiam ser consideradas esquemáticas e pouco aprofundadas, facilitando a resolução das
questões distributivas e proporcionais, transferindo mais valor para a composição em si do que para a sua
adequação em relação ao funcionamento do edifício.
46
Ilustração 7 - Parti pris
Henry Labrouste. Conjunto de estudos para o parti pris de um projeto não identificado. Fonte: Levine, 1982.
A primeira etapa do processo de concepção consistia na definição de um esquema conceptual, ou partido
compositivo elementar [parti pris], que era desenvolvido principalmente em planta baixa e deveria acomodar
todos os elementos listados no programa. O partido era normalmente baseado em antecedentes tipológicos
tradicionais cabíveis àquele tema, sendo comum o emprego de esquemas compositivos praticamente
47
idênticos por diferentes estudantes enfrentando o mesmo exercício de projeto. Sem ter que enfrentar as
condicionantes de um terreno real, os estudantes deviam concentrar-se em modos de dispor os volumes
indicados pelos requerimentos do programa, respeitando a hierarquia entre as partes e buscando realizar
uma composição equilibrada e harmônica.
Só então se desenvolvia o esboço ou bocejo [esquisse], em que a composição era desenhada com maior
detalhe, apresentando definições quanto às proporções dos elementos e as relações espaciais entre eles.
Além disso, no bocejo eram definidos o estilo histórico, as ordens, o tratamento das fachadas e superfícies
internas, o paisagismo e diversos outros aspectos cujas características deveriam estar em adequação com
o programa solicitado e o caráter que demandava.
Ilustração 8 - Esquisse
Henry Labrouste, Cour de Cassation. Esboço selecionado para desenvolvimento em loge no Grand Prix de 1824, vencido por Labrouste.
Fonte: Levine, 1982.
48
Como foi apontado, este trabalho deveria levar algumas horas (no caso do Grand Prix tinha a duração de
um dia inteiro, passando a dez dias em meados do século) (LEVINE, 1982). O fato de os estudantes
trabalharem reclusos na elaboração do partido e do esboço indica que eles possuíam um repertório
razoavelmente desenvolvido de referência de projeto e eram aparentemente capazes de reconhecer as
relações cabíveis entre os problemas que enfrentavam e as referências empregadas.
3.1.5 Concepção como Definição do Caráter
O desenvolvimento do projeto durante a segunda etapa consistia em esforços de outra ordem, envolvendo
uma fase de “estudo” [étude], ou aprimoramento e ajuste da composição inicial, e uma fase de finalização e
tratamento requintado de desenhos para apresentação [rendu]. O “estudo”, que precedia a “renderização”,
dizia respeito principalmente ao ajuste de proporção das individuais da composição ou da relação entre
elas, buscando-se adicionar coerência ao esquema. Com os exaustivos ajustes era possível também alterar
a relação espacial entre os compartimentos da composição, substituindo paredes por linhas de colunas,
fechando e abrindo passagens ou modificando o pé-direito de uma sala. A planta final, no entanto, deveria
manter a disposição e a distribuição definidas no esboço, um comprometimento que seria verificado durante
o julgamento final.
A elaboração dos desenhos requintados, ou “renderizados”, tinha como um dos objetivos impressionar os
membros do júri, em especial no Grand Prix, onde o resultado final era decidido por membros de todas as
seções da Academie de Beaux-Arts, em sua maioria não arquitetos, cuja capacidade de reconhecer o “bom
gosto” e a obediência aos preceitos da arte eram superiores à aptidão para avaliar um projeto de
arquitetura. O empenho e o tempo investido na realização de tais apresentações eram, sem dúvida,
valorizados. Segundo Levine (1982), Quatremére de Quincy indicara que rendu era sinônimo de finalizado,
completo, e que embora não revelasse por si só o valor intrínseco do projeto, indicava a experiência e o
cuidado que o estudante havia tido em todas as partes do trabalho – uma postura valorizada na vida
profissional.
18
Autores que fazem uma crítica explícita a esta abordagem “academicista” da concepção
arquitetônica sublinham o fato de que os desenhos “renderizados” buscavam uma qualidade superficial,
relativa à própria apresentação e à arquitetura que representavam. A despeito da pertinência destas
criticas, alguns comentadores indicam que o projeto “renderizado” permitia ao estudante explorar diversos
18
A valorização deste tipo de cuidado na produção do trabalho é também identificada em diversas experiências didáticas
examinadas na pesquisa de campo, em especial naquelas em que a elaboração de artefatos constitui uma parte importante dos
conteúdos da disciplina. Este tema será abordado no território Fabricação (Cap. 5.2.5).
49
aspectos da concepção arquitetônica que eram de grande valor no contexto da Ecole e que não poderiam
ser desenvolvidos com o devido cuidado durante o curto intervalo reservado para a elaboração do esquisse.
Além de contar com mais tempo para seu desenvolvimento, os desenhos finais eram ampliados em escala,
especialmente no Grand Prix, em que se chegava a realizar cortes e fachadas com dois metros de
comprimento e ampliar porções inteiras do projeto para escalas que chegavam a 1:20. Deste modo, era
possível explorar certos detalhes a fundo e revelar para o júri o aprimoramento de aspectos do projeto
relativos às soluções construtivas, aos estilos, aos elementos de decoração, ordens e proporções. Além
disso, em função da escala e do tratamento cuidadoso do desenho, era possível trazer novas informações
acerca da qualidade dos espaços, da iluminação, assim como relativas ao tratamento das superfícies e à
presença de elementos simbólicos empregados na arquitetura. Tais desenhos não apenas permitiam que
os estudantes revelassem para o júri seu conhecimento sobre a história e as artes, mas também eram
fundamentais para as discussões acerca do caráter da edificação, um aspecto que tinha grande importância
no círculo da Beaux-Arts.
Segundo o arquiteto e historiador Adrian Forty, a noção de caráter fora introduzida no discurso arquitetônico
durante o século XVIII e tinha um papel de destaque nos esforços de explorar a relação
entre obras de arquitetura e significados ulteriores.
19
No seu Words and Buildings (2004), o autor descreve
alguns sentidos que este termo tomava, dos quais pelo menos dois parecem ser pertinentes aos esforços
de concepção arquitetônica desenvolvidos na Beaux-Arts: a expressão do propósito e do uso de
determinado edifício através da sua aparência; a evocação de estados de espírito específicos através do
embate com a arquitetura. Como apontado, os exercícios de projeto da Ecole des Beaux-Arts traziam em
seu programa de modo implícito a necessidade de se expressar adequadamente o caráter da edificação.
Tudo indica que a expressão do caráter se dava especialmente por meio do emprego de um determinado
léxico simbólico, viabilizado principalmente pela utilização de elementos decorativos icônicos ou
representativos de um determinado estilo histórico que fosse adequado às intenções de projeto. No entanto,
o caráter também poderia ser expresso por intermédio de características espaciais, exploradas no
estabelecimento das proporções e qualidades arquitetônicas de cada compartimento, na progressão do
deslocamento entre os diferentes ambientes e no tipo de iluminação empregada (LEVINE, 1982).
19
Forty (2004, p. 120) também aponta que, nos últimos 20 anos, o interesse no caráter tem aumentado, especialmente com a
proliferação de abordagens semânticas da arquitetura e com a valorização do sentido da experiência arquitetônica com base na
fenomenologia. O uso atual de caráter estaria alinhado com o ponto de vista de que o sentido ou significado deve ser visto como
resultante ocupação ou da relação com um determinado lugar ou espaço físico por um sujeito ativo. Esta abordagem encontra
desdobramentos em algumas propostas didáticas encontradas na pesquisa de campo deste trabalho, reunidas no território
temático denominado Verbalização (Cap. 4.2.8). Ainda que a articulação semântica da arquitetura não se dê exatamente pelos
mesmos meios, pode-se sugerir uma ligação entre os propósitos que orientam tais práticas e a arquitetura produzida na tradição
Beaux-Arts entre os séculos XVIII e XIX.
50
É importante notar que a definição do caráter de um programa durante o processo de concepção era
inseparável da sua expressão verbal, ou seja, dependia de designações como simplicidade, solenidade,
nobreza, severidade, grandiosidade, capricho, vaidade, frivolidade. O arquiteto deveria ser capaz de
estabelecer uma conexão de sentido entre a verbalização do caráter e a sua atualização enquanto
arquitetura. Em muitos casos estas identificações constavam na cultura ou eram indicadas no programa,
20
mas também poderiam ser motivo de debate, fazendo com que a realização dos desenhos “renderizados”
fosse fundamental para apresentar ao júri as decisões de projeto neste âmbito.
Ilustração 9 - Rendu
Henry Labrouste, Cour de Cassation. Seção do tribunal principal contendo soluções construtivas, elementos simbólicos adequados ao
caráter da edificação, indicação dos efeitos de iluminação e qualidades espaciais do projeto vencedor do Grand Prix de 1824. Fonte:
Levine, 1982.
No cenário profissional da época, a expressão do caráter por meio da arquitetura era uma preocupação
quase que exclusiva dos arquitetos, tendo ligações com sua afiliação humanista e com as tradições
históricas que cultivavam. O desenvolvimento técnico da produção arquitetônica durante o século XIX e o
20
Segundo a descrição de Neil Levine (1982) acerca da competição do Grand Prix de 1824, vencida por Henry Labrouste, o
programa apresentado pela Academia trazia uma nota com referência específica ao caráter do tema do projeto, uma Corte de
Cassação. “Se o ‘caráter distintivo’ de uma corte típica era de ‘nobre simplicidade’, o caráter particular do ‘tribunal supremo
deveria ser ‘nobreza combinada com severidade’. A academia sentia que o caráter especial da Corte de Cassação poderia ser
expresso apenas por uma solução verdadeiramente ‘antiga’” [a truly ‘antique’ solution], citando explicitamente os tribunais de
Atenas e Roma como referências pertinentes. [p. 73).
51
crescimento do poder dos engenheiros no âmbito profissional, no entanto, se fazia de forma completamente
alheia a estas questões. A força derivada do domínio da tecnologia e da mentalidade eficientista que
passava a dominar a concepção arquitetônica na segunda metade do século foram acolhidas pelo
movimento moderno no princípio do século XX e terminaram por corroborar para o enfraquecimento das
noções de caráter e significado no campo da arquitetura. Este processo está ligado à emancipação entre os
sistemas compositivos e o tratamento estilístico na concepção arquitetônica, cujo desenvolvimento tem uma
forte dívida com o trabalho do arquiteto Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834) como professor de
arquitetura na Ecole Impériale Polytechnique no início do século XIX..
3.2 DURAND E A ECOLE IMPERIALE POLYTECHNIQUE
A Ecole Impériale Polytechnique, herdeira da Ecole des Ponts et Chaussées [Escola de Pontes e Estradas]
e da Ecole des Ingénieurs [Escola de Engenheiros] de Mézières, tinha seu ensino fundado em bases
científicas, congregando conhecimentos técnicos e especializados que atenderiam ao ‘progresso’ da nação
francesa no século XIX. Se a Escola de Belas Artes tinha a prerrogativa de fazer a manutenção do gosto e
estabelecer os critérios para a produção dos bens simbólicos produzidos pelo Estado, a politécnica era a
instituição responsável por sua viabilização em termos técnicos e também econômicos, aproximando o
conhecimento científico da técnica e da realização.
Os alunos recém-ingressos estudavam em conjunto durante um biênio, seguindo um plano traçado por
Gaspar Monge, fortemente calcado na matemática. Só então passavam às escolas de especialização, onde
desenvolveriam os conhecimentos necessários à sua área específica de atuação. Jean-Nicolas-Loius
Durand atuara como professor na especialização em arquitetura entre os anos de 1795 e 1830,
desenvolvendo uma significativa obra de propósitos didáticos cuja importância terminou por extrapolar o
âmbito pedagógico. É notória e reconhecida sua contribuição para as transformações no pensamento
arquitetônico durante o século XIX, garantindo-lhe um importante papel no desenvolvimento da arquitetura
moderna. (SZAMBIEN, 1982; FRAMPTON, 2003 [1980]; KRUFT, 1994). Durante o tempo em que foi
professor, Durand tratou de compilar e sistematizar um vocabulário simplificado de elementos arquitetônicos
e sistemas de composição, disponibilizando-os como protótipos e esquemas gráficos, organizados como
referências prontamente aplicáveis à concepção arquitetônica. Seu esquematismo simplificador é atribuído
ao fato de lecionar para engenheiros que não apenas dispunham de menos tempo para o aprendizado da
concepção arquitetônica, mas que também abordavam a construção com propósitos muito diferentes dos
arquitetos, ligados à praticidade e à eficácia técnica. (SZAMBIEN, 1982, p. 29).
52
Seu primeiro trabalho, publicado em 1800, e intitulado Recueil et parallèle des édifices de tout genre,
anciens et modernes, era uma espécie de catálogo ou atlas tipológico da arquitetura contendo desenhos de
edifícios de todos os gêneros, estilos e épocas – copiados de publicações de arqueólogos, arquitetos e
viajantes – desenhados esquematicamente na mesma escala e agrupados segundo sua função. Como um
guia prático de referências para a elaboração de plantas e fachadas, o Recueil drenava a importância do
caráter e dos estilos históricos da arquitetura ao apresentar lado a lado referências de estilos históricos
completamente distintos. Em 1802, suas aulas na Ecole Polytechnique foram publicadas sob o título de
Précis des Leçons d’Architecture, tornando-se o tratado mais significativo da arquitetura em todo o século
XIX (KRUFT, 1994). Os princípios racionalistas trazidos ali estavam alinhados com uma abordagem da
arquitetura que se calcava nos conceitos de “economia” [economie] e “adequação” ou “conveniência”
[convenance]. O ornamento era visto como supérfluo e a manutenção das ordens devia-se exclusivamente
às exigências dos hábitos culturais.
Tais princípios implicaram a elaboração de um mecanismo compositivo baseado em um sistema de grade
ortogonal [grid system] que poderia ser aplicado a inúmeros exemplares. A dissecação esquemática
proporcionada por tal sistema permitiu que se elaborasse um mecanismo de codificação aplicável tanto a
edifícios inteiros quanto a partes específicas, oferecendo a possibilidade de se realizar permutações
conforme a necessidade.
Durand não operava um rompimento completo com a tradição, mas garantia uma continuidade ao calcar
seu sistema em precedentes históricos de notória importância. Em uma célebre gravura intitulada Marche à
Suivre dans la Composition d’ un Projet Quelconque [caminho a ser seguido na composição de um projeto
qualquer], publicada em seu Nouveau Précis de 1813, Durand apresenta, por meio de uma codificação
geométrica, os passos na obtenção da forma de um edifício. O exemplo utilizado era uma versão
simplificada de um projeto de Charles Percier, cujas proporções foram modificadas para que fossem
compatíveis com uma grelha quadrada, indicando não apenas que a noção proporção deveria estar
subordinada à racionalidade estrutural e geométrica, mas também sugerindo que seu sistema compositivo
teria um valor trans-histórico, podendo ser projetada retroativamente para toda a história da arquitetura
(SZAMBIEN, 1982, p. 29). O ponto de partida seria sempre a planta e a elevação, cuja combinação
produziria o volume de uma edificação. O sistema de grelha permitiria um número infinito de combinações
que atenderiam aos requerimentos de dispor os espaços do programa e de um racionalismo estrutural,
colocando em segundo plano a idéia de espaço e proporção. Embora os exemplos apresentados em seus
livros não fossem tão radicais quanto o sistema permitiria, as formulações de Durand antecipavam uma
abordagem conceptiva adequada aos sistemas modulares de construção ao pensamento funcionalista que
vigorariam na arquitetura moderna das primeiras décadas do século XX (KRUFT, 1994).
53
Ilustração 10 - Marche à Suivre
Jean-Nicolas-Louis Durand. Nouveau précis des leçons d’architecture : données à l’Ecole Impériale Polytechnique, 1813.
54
3.3 BAUHAUS
Se a Ecole des Beaux-Arts foi responsável pela consolidação de uma determinada tradição de ensino de
arquitetura durante o século XIX, uma posição semelhante costuma ser atribuída à Bauhaus na primeira
metade do século XX. Embora não exista um paralelo tão nítido, é importante reconhecer que a Bauhaus
terminou por abrigar uma série de desejos latentes no período da formação da arquitetura e design
modernos, sendo a instituição que melhor representa a tentativa de aproximação entre as vanguardas
artísticas, a produção de bens de consumo e as tentativas de forjar novas bases para a produção
arquitetônica na primeira metade do século XX. É fato que a Bauhaus não foi a única escola a enfrentar
55
Beaux-Arts – e pretendiam aproximá-la da produção industrial (WICK, 1989). Walter Gropius, fundador e
idealizador da Bauhaus, compartilhava com diversos dos seus contemporâneos uma fervorosa crença na
função social da arte, defendendo a idéia de uma unidade entre todos os gêneros artísticos e artesanais –
concepção que remetia ao Barroco e à Idade Média – visando trazê-la de volta para a esfera da vida
cotidiana (ARGAN, 2005). Este propósito demandava que fosse vencido o abismo existente na já histórica
oposição entre arte e artesanato e, posteriormente, entre arte e indústria. A discussão acerca de como esta
aproximação ocorreria estava ainda em marcha na época da inauguração da Bauhaus, vendo colidir os
interesses de artistas, artesãos, industriais e comerciantes no interior do Deutscher Werkbund, instituição
criada justamente para promover esta convergência de esforços.
21
Nesse contexto, no ano de 1919, a Bauhaus Estatal de Weimar foi fundada como uma combinação entre a
antiga academia de Belas Artes e a Escola de Artes e Ofícios de Weimar, propondo uma síntese entre a
“arte livre” e a “arte aplicada”. Inaugurada com um discurso que anunciava a criação de uma organização
comunitária de trabalho com clara inspiração medieval, a Escola convocava pintores, arquitetos e escultores
para a formação de “uma nova corporação de artesãos” com o objetivo de forjarem, juntos, “a nova
construção do futuro, que será, numa forma única, arquitetura e escultura e pintura [...]” (WINGLER, 1962,
p. 41). Levou cerca de cinco anos até que a orientação para o artesanato fosse preterida em favor de um
redirecionamento em direção à produção industrial – fato que terminaria por garantir à Bauhaus a
designação de fundadora do desenho industrial moderno. Apesar do discurso de Gropius enfatizar o papel
central da arquitetura na criação de uma nova arte aplicada, curiosamente a Bauhaus só viria a ter um
departamento de arquitetura oito anos após sua inauguração, quando ingressou na escola o arquiteto suíço
Hannes Meyer, que terminaria por reorientar em alguns aspectos significativos a concepção pedagógica da
escola.
Uma das principais marcas do ensino da Bauhaus era a relação direta entre a concepção e a fabricação.
Seu principal ambiente de ensino da Escola não era nem a sala de aulas nem o ateliê de um mestre, mas a
oficina e – dentro das possibilidades – o canteiro de obras. Além disso, um traço essencial era a íntima
vinculação promovida entre as concepções plásticas das vanguardas artísticas do início do século,
especialmente aquelas ligadas às correntes construtivas, e a produção de utensílios e objetos de uso
cotidiano. Conhecimentos relativos aos “princípios elementares” da forma e a capacidade de lidar com a
criação plástica em diferentes suportes conformavam uma porção fundamental do ensino na Bauhaus,
configurando o que viria a ser uma das principais facetas de sua influência no ensino de arquitetura em
diferentes partes do mundo.
21
O Deustcher Werkbund foi uma associação que reunia artistas, artesãos, industriais e comerciantes em torno da “arte-industrial”
da Alemanha (WICK, 1989).
56
3.3.2 O Curso Preliminar da Bauhaus
O célebre curso preliminar da Bauhaus, o Vorkurs, era uma etapa propedêutica e probatória que
comportava boa parte dos preceitos e práticas didáticas que seriam assimiladas e desdobradas anos mais
tarde em diferentes escolas de arquitetura, artes e design.
22
Proposto e organizado por Johannes Itten na
época da inauguração da escola, o Vorkurs era uma espécie de instituição dentro da instituição, figurando
no seu regulamento desde 1921 com os seguintes propósitos:
Todo candidato será admitido a título de experiência, por um período de seis meses. Durante este
semestre probatório [...] deve assistir à classe preliminar obrigatória, que consiste no ensino
elementar da forma, além do estudo de materiais (no ateliê experimental artesanal). [...] Uma vez
que tenha sido admitido definitivamente pelo conselho de mestres, o estudante poderá passar a
freqüentar uma oficina de sua escolha [... ] (WINGLER, 1962, p. 59)
Diferentes autores se referem ao Vorkurs não como uma disciplina, mas como um período introdutório –
que logo fora ampliado de seis meses para um ano – composto por uma série de disciplinas e atividades. A
despeito das transformações que sofreu ao longo dos anos, sempre houve com três áreas básicas de
ensino: a prática na oficina, o ensino básico da forma e as disciplinas complementares e científicas.
As disciplinas de caráter técnico e científico costumam atrair pouca atenção dos autores, já que não
apresentam grandes excepcionalidades em relação a práticas usuais de desenho artístico e técnico, além
de classes de física e matemática. Já a oficina tinha um importante papel, demandando dos estudantes a
maior carga horária do Vorkurs. Pretendia-se ensinar técnicas básicas de trabalhar com materiais típicos
dos ofícios artesanais, tais como madeira, metal, vidro, pedra, tecido e tinta. Além disso, cada aluno poderia
desenvolver na oficina do primeiro ano os trabalhos elaborados no Ateliê da Forma, antecipando uma
prática que seria a tônica das oficinas dos anos posteriores, em que a concepção e a fabricação estariam
intimamente vinculadas. Aspectos relativos à fabricação no ensino da Bauhaus serão examinados mais
diante com maior atenção.
A terceira porção do Vorkurs, a área do ensino básico da forma, era a porção que trazia conhecimentos
referentes às atividades conceptivas. No curso que costuma ser referido como Estudo da Forma
[gestaltlungs studien] – a despeito das variações sofridas pelo nome ao longo dos anos –, predominavam as
atividades de criação orientadas sucessivamente pelos mestres Johannes Itten, László Moholy-Nagy e
Joseph Albers. Paralelamente havia disciplinas voltadas principalmente para aspectos teóricos elementares
da criação artística ministradas por Paul Klee e Wassily Kandinsky. Intercalando a exposição dos conteúdos
22
O curso preliminar da Bauhaus apresenta idéias compartilhadas pela tendência moderna no ensino de arquitetura, que garantia
um primado à geometria e à composição com formas “puras” – relacionadas a um suposto senso artístico e criativo – como um
dos fundamentos essenciais da concepção arquitetônica. A presença da matéria chamada plástica no Currículo Mínimo de 1969
(Ver Anexo B), que orientava a organização curricular de todas as escolas de arquitetura brasileiras, é uma evidência do
acolhimento destas tendências vigentes no curso preliminar da Bauhaus.
57
teóricos com exercícios práticos, tais aulas tinham por objetivo fornecer bases inteligentes, embora ligadas
à sensibilidade perceptiva, para o processo de concepção da forma.
Kandinsky era um artista e teórico que se dedicava à problemática das artes plásticas combinando uma
abordagem mística e emotiva com um espírito marcadamente analítico e racional. Já conhecido no meio
acadêmico da Bauhaus, ele fora convocado por Walter Gropius na época em que a Escola começava a se
libertar de sua fase expressionista de fundação e passava a direcionar-se para uma maior sistematização e
elementarização dos fundamentos da criação (WICK, 1989). Seu curso obrigatório no Vorkurs consistia de
duas facetas complementares: uma introdução aos “elementos formais abstratos” e um curso de “desenho
analítico”.
No primeiro, os estudantes eram apresentados de modo exaustivo e sistemático a alguns poucos temas
relativos à teoria da forma e da cor, tendo sempre como ponto de partida uma reflexão analítica para
fundamentar uma prática criativa. As aulas teóricas eram acompanhadas por exercícios práticos que tinham
por objetivo a aplicação e a síntese dos conhecimentos que haviam sido ministrados anteriormente. O curso
de “desenho analítico”, por sua vez, era uma espécie de “propedêutica da ‘visão exata’ e da organização
construtiva da imagem” (WICK, 1989), no qual os estudantes representavam graficamente algumas porções
do mundo visível utilizando apenas formas abstratas e elementares que permitissem traduzir as forças e
tensões regulares da forma.
As aulas de Paul Klee ocorriam paralelamente às de Kandinsky e tratavam da introdução aos fundamentos
da criação, bem como do desenvolvimento do “pensar artístico”, que era marcado por uma valorização de
aspectos intuitivos. O desenvolvimento de uma sensibilidade perceptiva era uma porção fundamental de
seu curso. Assim como em Kandinsky, a vinculação entre criação e percepção era incondicional, fazendo
com que a aprendizagem da sensibilidade fosse inseparável da execução de trabalhos práticos. Apesar de
enfatizar a importância da intuição e dos afetos na criação artística, Klee acreditava que os exemplos
escolares deveriam ser apreendidos racionalmente, levando seu curso a também repousar sobre uma base
teórica construída de forma elementar-analítica.
As abordagens teóricas acerca da criação plástica tinham uma relação íntima com as aulas de Estudo da
Forma, cujo foco principal era o desenvolvimento das capacidades criativas individuais dos estudantes. O
ensino nesta porção do Vorkus estava também baseado na integração de conhecimentos teóricos e
práticos. Havia uma base de discussão dos fenômenos artísticos que era representada pelas teorias
elementares da forma, tais quais apresentadas por Kandinsky e Klee. Além disso, buscava-se desenvolver
nos alunos uma sensibilidade perceptiva na relação com a forma e com os fenômenos sensíveis de toda
ordem, abarcando em especial os sentidos da visão e do tato. Esta aprendizagem da percepção se dava no
contato direto com os materiais, complementada pelo reconhecimento das propriedades sensíveis das
formas e dos materiais por intermédio da exploração de contrastes e de exercícios de representação com
58
meios gráficos. Finalmente, e sobretudo, havia a aprendizagem da criação, que ocorria mediante estudos
com composições bidimensionais e tridimensionais abstratas, que apenas em casos excepcionais se valiam
de recursos figurativos ou intenções utilitárias ulteriores. As composições em geral se caracterizavam pelo
emprego de formas geométricas elementares – círculos, quadrados, triângulos, planos, cilindros, cubos etc.
Não havendo regras estabelecidas
59
aspectos isolados da pedagogia da Bauhaus no ensino de arte nas escolas” (WICK, 1989, p. 8). As
concepções pedagógicas de Itten revelavam sua posição quanto ao propósito da Escola e alimentaram o
conflito entre ele e Gropius. Enquanto Itten acreditava que o objetivo da Bauhaus era ser uma escola
superior da arte fundada em novas bases educativas, Gropius estava interessado pelos trabalhos de
criação no domínio prático, o que hoje chamaríamos de design. Ele via na postura de Itten um retrocesso
em direção a uma arte livre, separada da vida cotidiana. Tais divergências culminaram com o desligamento
de Itten, em 1924, e na contratação de Lazlo Moholy-Nagy para seu cargo.
A presença de Moholy-Nagy na Bauhaus é apontada por diversos autores como decisiva para o
desenvolvimento da Escola como um centro de ensino que uniria arte e produção industrial. Sua crença na
tecnologia e na indústria baseava-se na idéia de que elas deveriam ser dominadas e postas a serviço do
homem e da sociedade. “O nosso século é isso: a tecnologia, a máquina, o socialismo...” (MOHOLY-NAGY
apud WICK, 1989, p. 176). Por outro lado, sua atuação está também ligada à aproximação de concepções
construtivistas da arte, cuja recepção por parte do corpo docente já poderia ser prevista em função do
acolhimento do Neoplasticismo e das idéias de Theo Van Doesburg no início da década de 1920. Estando
alinhada com a discussão promovida pela vanguarda russa acerca do objetivo político-social do
Construtivismo, a adesão de Moholy ao projeto construtivo ia bem além das concepções essencialmente
plásticas do “De Stijl”. O combate à supremacia do subjetivismo e a adoção de uma linguagem artística
supostamente universal marcavam as concepções políticas que permeavam sua prática didática.
A arte de nossa época precisa ser elementar, exata e universal. É a arte do construtivismo. O
construtivismo não é nem proletário nem capitalista [...] Nele encontra sua expressão a forma
pura da natureza – a cor integral, o ritmo do espaço, o equilíbrio da forma [...] Abarca a indústria e
a arquitetura, os objetos e as relações. (MOHOLY-NAGY apud ILLICK, 1989, p. 175).
Se, por um lado, Moholy mantivera os preceitos básicos propostos por Itten no Atelier da Forma, sua
abordagem pedagógica se afastava das práticas de seu antecessor. Ele acreditava no desenvolvimento do
aluno segundo suas capacidades individuais, porém não buscava a expressão dessa individualidade. O
comprometimento com o espírito socialista garantia um primado aos interesses da coletividade, destacando
a necessidade da compreensão e do aprimoramento das funções orgânicas do homem. “Originalmente,
cada homem pode participar de todas as alegrias e vivências sensíveis; significa igualmente que todo
homem saudável também possa exercer a atividade de músico, pintor, escultor, arquiteto etc.” (MOHOLY-
NAGY, 2005, p. 14). Nos exercícios de sensibilização tátil propostos por Moholy, por exemplo, os alunos
trabalhavam de forma sistemática, produzindo tábuas, rodas ou faixas onde os materiais deveriam ser
dispostos segundo “escalas” graduadas que iam do áspero ao suave ou do pontiagudo ao rombudo, por
exemplo. Deste modo, a matéria era apreendida segundo a qualidade de sua textura, permitindo que os
estudantes produzissem “diagramas táteis”, gráficos que deveriam tornar possível uma espécie de
codificação das sensações subjetivas por meio da sua representação objetiva. O mesmo tipo de intenção
60
era notável nos esforços de Moholy ao empregar um léxico específico – “estrutura”, “textura”, “fatura” e
“acúmulo” – para designar diferentes modos de produção – natural ou artificial – das características táteis
na superfície dos materiais e objetos.
24
Esta espécie de “contrapartida inteligível” das sensações na relação direta com os objetos e com a arte era
também notável nos exercícios com a forma tridimensional. Moholy introduzia noções sobre a história da
escultura, apresentando sua versão do que seria “desenvolvimento da escultura a partir do modo de lidar
com o material” (MOHOLY-NAGY, 2005, p. 93). Tratava-se de uma narrativa que apontava como sentido
evolutivo da escultura a redução da massa e o ganho na transparência espacial, revelando o seu
comprometimento com as concepções construtivistas de um espaço analítico que se pretendia totalmente
abarcável pela razão.
25
Os estudos de equilíbrio propostos por Moholy se baseavam na busca pelo equilíbrio ótico e físico de
estruturas instáveis e freqüentemente muito frágeis. O objetivo era despertar nos estudantes a
compreensão das relações entre as forças mecânicas atuantes na estrutura e as formas mais econômicas e
esteticamente adequadas à função de garantir equilíbrio ao conjunto (MOHOLY-NAGY, 2005). Com isso os
estudantes poderiam não apenas conhecer e explorar noções básicas pertinentes às composições visuais –
massa, proporção, equilíbrio, dinamismo, tensão, contraste etc. – mas também entrar em contato com as
propriedades dos materiais em termos físicos – peso específico, elasticidade, resistência – e visuais –
transparência, cor, brilho etc. A valorização de aspectos mecânicos e construtivos da criação refletia a
crescente preocupação com a economia de meios e com os domínios construtivos e mecânicos, uma
transformação que refletia o estreitamento da relação entre a Bauhaus e a produção industrial.
Após o desligamento de Moholy-Nagy, Josef Albers assumiria o curso de Estudos da Forma, dando
continuidade ao trabalho do seu antecessor, porém intensificando a orientação racional e construtiva do
ensino no Vorkurs. Suas contribuições concentraram-se nos exercícios tridimensionais, em que o enfoque
tendia cada vez mais para a economia de meios e para a exploração do potencial construtivo dos materiais
e da forma. Os mais notórios exercícios propostos por Albers a princípio limitavam rigorosamente o uso de
ferramentas e de materiais. Utilizando apenas uma chapa de metal e uma tesoura, ou uma folha de papel
com dobraduras, por exemplo, o estudante deveria produzir uma estrutura estável, minimamente rígida e
esteticamente coerente. Todos os alunos deveriam perseguir o emprego otimizado do material e demais
recursos, buscando sempre o menor número de operações possível e a menor perda.
24
Os conceitos criados por Moholy permitiam que certas qualidades empiricamente apreensíveis dos objetos e materiais fossem
verbalizadas e reconhecidas. É possível especular que com estes recursos os estudantes desenvolvessem uma maior capacidade
de reconhecimento das sensações táteis, ligando-as aos diferentes modos de obtenção no trabalho com os materiais.
25
Os exemplos apresentados por Moholy e mesmo o seu próprio trabalho com escultura estão alinhados com as vertentes mais
intelectualistas do construtivismo russo, representadas principalmente por Naum Gabo e El Lissitsky. Nesse contexto, a escultura
era tomada como uma espécie de instrumento investigativo a serviço do conhecimento, visando tornar possível o domínio da
matéria mediante uma apreensão projetiva e conceitual da forma (KRAUSS, 1998).
61
Para nós não mais existe diferença entre o que sustenta e o que é sustentado, assim como não
distinguimos entre o que serve e o que é servido, o que adorna e o que é adornado. Cada
elemento e componente de construção deve atuar, ao mesmo tempo, como ajudante e como
ajudado, como respaldador e respaldado. (ALBERS apud WICK, 1989. p. 246).
Tais práticas demandavam, por parte do aluno, uma abordagem conceptiva que envolvia raciocínio e
disciplina. A relação entre menor esforço e maior efeito era o parâmetro significativo para avaliar o trabalho.
Embora os resultados estéticos ainda se guiassem por princípios elementares como contraste e equilíbrio,
estes estavam subordinados ao princípio básico da economia.
3.3.3 Concepção e Fabricação
Após a participação no curso preliminar, os estudantes da Bauhaus deveriam optar por uma das diferentes
oficinas que a Escola oferecia, onde aprendiam técnicas de trabalho com os materiais específicos e
produziam com as próprias mãos os objetos que concebiam. Nos primeiros anos da Escola, cada oficina
contava com dois professores: um “mestre artesão” e um “mestre da forma”. O primeiro, em geral, era um
ex-professor da Escola de Artes e Ofícios de Weimar que dominava os métodos de produção artesanal e
que, via de regra, acabara tendo uma função secundária, apenas instrumental, no ensino da oficina. O
“mestre da forma”, por sua vez, era um artista ligado às vanguardas do início do século e deveria trazer
subsídios para a concepção plástica dos objetos e utensílios desenvolvidos nas oficinas.
Este sistema dual permaneceu durante os primeiros anos, enquanto a Escola era sediada em Weimar e o
processo de produção ao qual estava ligada era baseado na fabricação artesanal [craft]. Quando foi
transferida para Dessau, a Bauhaus havia formado uma série de estudantes devidamente capacitados para
assumir o ensino das oficinas como responsáveis únicos. Entre os ex-alunos que se tornaram mestres
estavam Marcel Breuer, Joseph Albers, Joost Schmidt e Herbert Beyer, nomes que viriam a ter importantes
papéis no desenvolvimento do design, da arquitetura e da arte moderna. Contando com a significativa
contribuição de Moholy-Nagy, a Bauhaus assumira nesta nova fase uma relação mais íntima com a
produção industrial. Nas oficinas os estudantes passaram a realizar protótipos orientados pela tipificação,
visando a produção em série. A Escola havia fechado acordos com indústrias locais, permitindo que parte
da produção elaborada pelos professores e estudantes fosse fabricada em escala industrial, revertendo
recursos para a própria instituição, o que permitiu equipar a nova sede projetada pro Gropius com artefatos
concebidos na Escola.
A idéia de promover o ensino da concepção vinculado à fabricação estava alinhada com a posição
defendida por Gropius de que a arte, em conjunto com a ciência e a técnica, estaria a serviço da
organização, do ambiente social e da criação de uma nova realidade estética e política, tendo como base
62
conceitos universais e orientada para o desenvolvimento do homem. A energia criativa da arte deveria
colocar-se a serviço do trabalho e permanecer vinculada à produção, e não mais à descoberta de segredos
cósmicos (ARGAN, 2005). Esta posição estava alinhada com o discurso moderno na arquitetura, em que
era defendida a incorporação da evolução técnica decorrente do desenvolvimento industrial como meio para
atingir os objetivos de transformação social. No sistema de ensino vigente nas oficinas da Bauhaus, essa
aproximação se dava da forma mais direta possível, numa primeira fase por intermédio da própria produção
em nível artesanal, e posteriormente, na elaboração de protótipos utilizando os meios e materiais idênticos
àqueles utilizados na produção industrial. Além disso, conforme as possibilidades, havia também a
participação dos estudantes no próprio canteiro de obras quando se tratava do ensino de arquitetura.
Assim, o processo de concepção e seu ensino ocorriam em conjunto com a produção daquilo que era
concebido. Conforme narra Moholy, “[o] estudante podia ver aqui, no nível tecnicamente simples do
artesanato ainda acessível em detalhes, o crescimento do objeto como um todo, desde os primórdios até a
sua realização final” (MOHOLY-NAGY, 2005, p. 18).
26
Independente desta relação entre concepção e produção, havia, ainda, um importante propósito pedagógico
nesta vinculação. Argan (2005 [1951]) destaca que a proximidade com a fabricação se orientava por uma
determinada concepção de arte, segundo a qual a apreensão do fenômeno artístico não mais levaria a uma
“essência” transcendental ou a significados ulteriores acessados por meio da representação. Ao contrário,
era dado um primado ao contato com a arte como coisa em si, empiricamente acessível em sua totalidade,
colocada em continuidade com as coisas do mundo imediato, com a realidade que podemos pegar com a
mão. Este estreitamento demandava o contato direto com o objeto durante sua fabricação e seria
favorecido pela eliminação dos dispositivos de mediação, como as representações gráficas e a prática de
projetos que não seriam executados.
Além disso, a idéia de fabricar para aprender a fabricar remetia ao conceito de learning by doing, defendido
por John Dewey como um princípio pedagógico fundamental no pensamento pragmático. Segundo Wick
(1989), esta concepção, com a qual, pelo menos Albers travou contato durante seu período como professor
na Bauhaus, propõe que o aprendizado não ocorre por intermédio de conhecimentos abstratos, mas por
meio da própria atuação, da própria experiência de vida. “Assim, o ensino de artesanato deveria ser
considerado na Bauhaus predominantemente como um fator educativo, não como um fim em si mesmo.”
(MOHOLY-NAGY, 2005, p. 18).
26
Essa proximidade do ensino com a produção tornou o sistema da Bauhaus extremamente atrativo a certos círculos que,
especialmente durante o fortalecimento da arquitetura moderna, defendiam uma aproximação entre o ensino de arquitetura e a
esfera da produção, visando tanto o aprendizado das técnicas de construção quanto tentativa de operar transformações efetivas
no ambiente construído e na sociedade.
63
3.3.4 Arquitetura e Construção
No que diz respeito à arquitetura, o plano de ensino original da Bauhaus previa que o último estágio do
currículo, a ser realizado após o término do trabalho nas oficinas, fosse destinado especificamente à
construção civil (WINGLER, 1962). O estudante deveria colaborar no próprio canteiro de obras e no campo
de provas da escola, onde se daria o estudo sobre técnicas de construção. Embora o esquema proposto
por Gropius colocasse a construção como o núcleo central do ensino da Bauhaus, a institucionalização de
um departamento de arquitetura só ocorreria em 1927, oito anos após sua fundação. As oportunidades de
participação na construção, devido às circunstâncias mais complexas e dispendiosas deste tipo de
produção, foram intermitentes durante o percurso da Escola. Diversos alunos trabalharam no escritório
particular de Gropius desenvolvendo ali sua formação específica em arquitetura. No início dos anos 1920,
duas casas-modelo haviam sido construídas e mobiliadas, em grande parte, pelos ateliês da Bauhaus.
Posteriormente, com a transferência para Dessau, o mesmo ocorreria com a construção da sede da Escola
e das casas dos mestres.
Com a demissão de Gropius e a presença de Hannes Meyer na direção, a orientação pedagógica da
Bauhaus viria sofrer alterações significativas. Meyer era um arquiteto suíço ligado ao movimento da Nova
Objetividade [Neue Sachlichtkeit], cuja atuação na década de 1920 na Alemanha, Suíça e Holanda se
caracterizava por um funcionalismo socialmente comprometido. O pensamento vigente no movimento
encontrava um terreno fértil no intensivo programa habitacional promovido pela república de Weimar na
Alemanha e encontrou a simpatia de Gropius – influenciando os projetos do edifício da Bauhaus e das
casas dos mestres em Dessau – terminando ocasionar a indicação de Meyer como novo diretor da
Bauhaus. Com isso, no entanto, as preocupações de ordem estética e artística foram aos poucos sendo
suprimidas ou postas em segundo plano. Os pedidos de demissão de Moholy, Breuer e Bayer foram
imediatos, sendo seguidos por Kandisnky e Klee. Conceitos como economia, relevância social, objetividade,
eficiência, higiene e padronização passaram a ganhar importância. Meyer dividiu a Escola em quatro
departamentos: arquitetura, publicidade, produção em madeira e metal e têxteis, permitindo que os
estudantes passassem diretamente ao curso de arquitetura após terminarem o Vorkurs, sem a necessidade
de cursar as oficinas. O currículo foi enriquecido com a introdução de cursos científicos complementares,
como organização industrial e psicologia, além de incrementar o departamento de arquitetura com
conteúdos como racionalização econômica dos projetos e métodos de cálculo visando a otimização de
aspectos relativos à higiene, perda e ganho de calor e acústica na edificação. Novos profissionais foram
contatados para dar conta de uma orientação técnica tão ambiciosa, entre eles os arquitetos Hans Witter,
Ludwig Hilbeseumer e Mart Stam, todos personagens importantes do funcionalismo da década de 1920.
64
No entanto, em função da vinculação política de Hannes Meyer com o pensamento socialista, o poder
público de Dessau, que tinha patrocinado a vinda da escola para a cidade, terminara por impor determinar a
demissão em 1930. Numa tentativa de dar continuidade à Escola sem ter que enfrentar problemas políticos
sucedeu-se a nomeação de Ludwig Mies van der Rohe para o cargo de diretor. Nessa derradeira fase, boa
parte das transformações propostas por Meyer foram revertidas, dando à Bauhaus o caráter de uma
instituição de cunho artístico-cultural. Tendo a figura de Mies como uma espécie de líder patriarcal com
pouca habilidade pedagógica, a Bauhaus teria uma orientação mais próxima de uma escola de arquitetura
tradicional até o seu fim, como conseqüência da instabilidade política na Alemanha, em 1932.
3.3.5 Convergências e Linhas de Força
A despeito da variedade de práticas didáticas propostas pelos diferentes professores que atuaram na
Bauhaus, cabe frisar algumas linhas de força, nem sempre convergentes, que representarão diferentes
vetores daquilo que se pode chamar de uma tradição Bauhausiana de ensino.
Como já foi visto, é possível destacar a estreita relação entre a fabricação e o ensino de concepção. Como
será apontado mais adiante, a prevalência do contato direto com a matéria e a prática da experimentação
na criação da forma veio a ser uma das principais características do ensino de introdução à concepção
arquitetônica nas escolas brasileiras a partir da franca aceitação do movimento moderno pelo meio
acadêmico. Não é por acaso, por exemplo, que a disciplina de Modelagem, ligada à fabricação e
desenvolvimento da ornamentação na tradição das Belas Artes, seria a origem da disciplina de Plástica
após o redirecionamento “moderno” dos currículos brasileiros.
Outra faceta bastante relevante do ensino na Bauhaus é a adoção de um universo de referências plásticas
baseado nas vanguardas construtivistas, entendidas aqui num sentido amplo, abarcando tanto o
construtivismo russo quanto o neoplasticismo e o cubismo analítico. Estas orientações artísticas, cujas
bases racionais eram convenientes aos impulsos da era moderna, se mostravam também adequadas para
atender aos esforços de aproximar as esferas da arte e da produção. Como sugere Argan (2005), as bases
inteligíveis de tais concepções artísticas eram muito atraentes ao ensino da arte, em especial nos períodos
iniciais dos currículos, pois garantiam um certo controle sobre conteúdo didático, manifesto tanto na forma
de um corpo teórico repleto de conceitos relativamente objetivos quanto na forma de critérios para se
discutir e avaliar a criação (princípios de composição, as bases biológicas da percepção artística, a
otimização de meios na criação, etc.) Seguindo uma pista proposta por Alan Colquhoun, em seu artigo
Racionalismo: um conceito filosófico em Arquitetura (2004), talvez seja possível utilizar os conceitos de
65
funcionalismo, elementarismo e formalismo como meio de compreender as concepções plásticas que
orientavam o ensino na escola, especialmente no Atelier da Forma do curso preliminar.
Quanto ao formalismo, é possível considerar a Bauhaus seqüência direta e um desenvolvimento lógico da
teoria de Fiedler, que, segundo Argan, “já não se apresentando como teoria do belo, mas como teoria da
visão,[...] deveria de fato desembocar naturalmente numa pedagogia ou didática artística.” (ARGAN, 2005,
p. 31). Por estarem baseados na percepção humana, os preceitos que orientavam a postura formalista
pretendiam apontar os meios “atemporais” e “universais” que estariam em jogo na apreciação da arte,
mantendo-se supostamente alheios a valores históricos ou significados culturais. Tais esforços eram
coerentes com a busca da Bauhaus pela aproximação da arte com a contingência da vida, querendo fazê-
los penetrar no microcosmo doméstico do utensílio, do móvel, da página tipográfica (ARGAN, 2005). Esta
arte que iria penetrar no cotidiano do sujeito ordinário deveria calcar-se sobre um fundo que fosse comum a
todos os homens, ou seja, dotada de um universalismo prontamente acessível na experiência. Daí o
acolhimento, anos mais tarde, da psicologia da Gestalt por parte da arte, arquitetura e design modernos. A
comprovação científica, formulada a partir de uma abordagem empirista, daria sustento e garantiria a
continuidade ao pensamento formalista se infiltrando nas instituições de ensino ligadas à arte, design e
arquitetura após o pós-guerra.
A noção de elementariasmo, por sua vez, estava ligada à idéia de que o alicerce inteligível da criação
plástica poderia ser encontrado na redução da forma e da cor aos seus entes elementares. Esta tendência
era bastante clara nas aulas de Itten, Kandinsky e Klee, cujas concepções teóricas operavam com um
conjunto de entidades elementares – cores e formas primárias, por exemplo – que seriam comuns a toda
obra de arte. Indo numa direção semelhante, os procedimentos formais levados a cabo pelo “De Stijl” e pelo
construtivismo russo – que tinham ressonância nos ateliês de Albers e Moholy – incluíam práticas de
decomposição e recomposição das formas artísticas manejadas sempre segundo seus entes elementares.
27
Parece evidente a atração exercida por estes preceitos em um ambiente preocupado com a produção
industrial, onde a construção de artefatos e edificações a partir de partes menores era praticamente uma
exigência técnica.
Já a noção de funcionalismo trazida por Colquhoun, ao contrário do que poderia supor o senso comum, não
está necessariamente ligada ao uso. Aqui o conceito de função se refere ao papel exercido por cada ente
ou singularidade em uma determinada estrutura ou na organização geral de um sistema. É um conceito
que, trazido para o universo da arte ou de arquitetura, pode dizer respeito, por exemplo, à composição
27
Segundo Colquhoun, este pensamento corresponde a uma orientação epistemológica relacionada com o construtivismo lógico
de Bertrand Russell, que propunha que “todas as entidades problemáticas do ponto de vista da experiência empírica e do senso
comum poderiam ser reduzidas a (ou “construídas” a partir de) entidades mais simples e não problemáticas.” (COLQUHOUN,
2004, p.79).
66
plástica, à sua sustentação física ou à organização distributiva dos espaços de um edifício. O que estrutura
a organização é justamente a co-relação interna entre seus entes. Conjugado com o espírito de economia
de meios, o pensamento funcionalista buscaria atender sempre a função estritamente necessária de cada
componente de uma determinada composição.
Moholy-Nagy (2005, p. 69) aponta que “em todos os campos da criação, há hoje em dia um esforço para
encontrar soluções puramente funcionais, de caráter-técnico biológico; para construir cada pedaço da obra
inequivocamente a partir dos elementos que são exigidos pela função.”
Nos exercícios de equilíbrio do Vorkurs, por exemplo, Moholy utilizava conceitos da bio-técnica para orientar
a busca das relações necessárias entre as forças mecânicas atuantes na estrutura e as formas mais
adequadas (MOHOLY-NAGY, 2005). De modo semelhante, os comentários de Albers de que “não mais
existe diferença entre o que sustenta e o que é sustentado” e que “cada elemento e componente de
construção deve atuar, ao mesmo tempo, como ajudante e como ajudado, como respaldador e respaldado”
(ALBERS apud WICK, 1989, p. 246) indicam a importância que era dada à coerência dos sistemas e às co-
relações entre seus elementos. Parecia não haver espaço para elementos sem função ou recursos que não
atendessem ao estrito cumprimento das necessidades funcionais.
Finalmente, pode-se mencionar a valorização da expressividade artística do estudante e o desenvolvimento
do seu impulso criativo como um outro vetor que compõe a tradição Bauhausiana de ensino. Essa posição
é talvez melhor representada pela fase expressionista da Escola e pelas idéias de Johannes Itten acerca de
seus propósitos. Cabe salientar que a importância de aspectos intuitivos ou de quaisquer impulsos
abstratos relacionados à criação plástica também figurava nos discursos e nas práticas didáticas dos
demais mestres que participaram do Vorkurs. Em diferentes momentos, Moholy-Nagy, por exemplo,
defendia a idéia da totalidade do homem e dava abertura à presença intuição no trabalho artístico.
Os propósitos de libertação e desenvolvimento do ímpeto criativo, segundo apontam diferentes autores, se
encontram mal acomodados no conjunto dos discursos da arquitetura moderna por não terem resolvida sua
relação com a defesa de abordagens racionais e deterministas da concepção arquitetônica. Na trajetória da
Bauhaus, a tensão e a ambivalência entre estes dois pólos se manifesta nas disputas entre Itten e Gropius
ou entre Hannes Meyer e os professores-artistas Klee, Kandinsky e Moholy, entre outros. Esta difícil
convivência, que, na Bauhaus, fora resolvida com uma alternativa excludente, resultando quase sempre no
afastamento de membros do corpo docente, persistiria mal negociada no pacote de idéias e práticas
didáticas que se disseminaram sob o signo da Bauhaus e alimentaram transformações nos currículos de
escolas de arquitetura em diversos lugares do mundo.
Uma última linha de força que caracteriza o legado da Bauhaus para o ensino de arquitetura é a supressão
do ensino de história dos currículos. A ojeriza ao academicismo e à arquitetura tradicional das escolas de
Belas-Artes, que no século XX estavam impregnadas de historicismo e revivalismo, contribuía
67
decisivamente para afastar o passado como referência que merecesse atenção. A Bauhaus, cujo propósito
– tipicamente moderno – era fazer história, orientara as bases das suas abordagens conceptivas para
fundamentos que fossem a-históricos ou que respondessem a demandas imanentes ao seu tempo (um
“novo tempo).
3.4 MOVIMENTO MODERNO
Ao contrário do que ocorre nas tradições de ensino de arquitetura ligadas à Beaux-Arts, à Politécnica e à
Bauhaus, não há uma escola específica ou uma doutrina suficientemente concisa que caracterize uma
tradição moderna no ensino de arquitetura. É fato que nenhuma das tradições mencionadas aqui tenha
gerado modelos de ensino capazes de alimentar uma reprodução exata de suas práticas didáticas. Houve
sempre nas escolas uma espécie de acomodação de idéias, emulação de práticas, criação de novos
caminhos com base em pensamentos chegados de fora. O ensino de arquitetura após consolidação do
movimento moderno tem justamente a marca de um hibridismo composto por diferentes posturas
pedagógicas e práticas didáticas que, em grande medida, mas não unicamente, remetem às três tradições
descritas anteriormente. Assim, não há um ensino do movimento moderno que possa ser descrito como
uma tradição em seu próprio direito. O que será apresentado nesta seção, portanto, não é descrição de
práticas didáticas ou vertentes de pensamento que remetem a uma “tradição moderna” de ensino de
arquitetura, mas sim uma série de rompimentos, continuidades e acomodações que se revelaram
recorrentes nas escolas de arquitetura durante a segunda metade do século XX e que se manifestam tanto
nas abordagens conceptivas de arquitetos modernos quanto nas práticas didáticas e orientações
pedagógicas que chamaram a atenção de comentadores preocupados com o tema do ensino.
3.4.1 Abordagens Conceptivas
Uma das marcas recorrentes das abordagens conceptivas exercidas por arquitetos modernos está
relacionada com a manutenção da importância dada à composição no processo de concepção. Já foi
mencionado que o rompimento da arquitetura moderna com o modelo academicista teria ocorrido sobre um
fundo de continuidade. A possibilidade de se empreender uma prática compositiva que ocorresse de modo
independente em relação aos elementos decorativos e estilos históricos da arquitetura – tornada explícita
no trabalho de Durand – foi fundamental para os avanços da arquitetura moderna. Mas se o jogo da
composição persistia, suas regras eram outras. Princípios herdados do classicismo, como a simetria e as
68
regras de proporção, por exemplo, haviam perdido o valor. Os requerimentos de um programa poderiam ser
tomados como um elenco finito de peças a serem distribuídas segundo a conveniência e a economia. Uma
69
3.4.2 Ensino
Corona (1988) aponta que o ensino de arquitetura após o movimento moderno, apesar de assimilar o
rompimento com a arquitetura acadêmica, mantivera a estrutura fundamental do ensino forjado na Beaux-
Arts. O estudante deveria aprender a prática da concepção arquitetônica em ambiente de ateliê, realizando
uma série de projetos acadêmicos, de complexidade normalmente crescente, sem que houvesse uma
relação estreita com as disciplinas auxiliares ou com o ambiente da construção civil. A relação entre mestre
e discípulo persistia, e o ensino tendia a basear-se no prosseguimento das abordagens conceptivas
exercidas pelo professor durante a prática profissional. Esta prática, comumente estava atravessada pelas
pré-suposições teóricas presentes no discurso moderno, como descrito acima, favorecendo um rol de
princípios norteadores e preceitos normativos que terminavam por orientar as abordagens conceptivas
produzidas no ensino.
70
Observando tais teorias sobre o pano de fundo do ensino de concepção, Comas (1986) sugere que ambas
negam a existência de um conhecimento arquitetônico específico. A primeira delas se calcaria tanto em
saberes técnicos, afiliados à engenharia, quanto em saberes relacionados com as ações humanas
explorados por disciplinas como sociologia e antropologia. “O ateliê que lhe corresponde é,
caricaturalmente, aquele onde o tempo alocado para o exercício de projeto passa a ser consumido por
atividades de ‘pesquisa’” (p. 40). Esse modelo estaria ligado aos crescentes interesses no papel de
transformador social da arquitetura, gerando a necessidade de um aporte de conhecimentos sobre o
universo social e antropológico a que está ligada. O aporte dos conhecimentos técnicos, por sua vez, viria
com uma reprodução do conhecimento pessoal do professor de projeto desenvolvido na própria prática
profissional. As disciplinas responsáveis por estes conteúdos no currículo deveriam vencer algumas
barreiras impostas por sua origem na engenharia e de algum modo encontrar espaço para se fazerem
presentes no ateliê de projeto. Pelo menos nas escolas brasileiras, este distanciamento herdado da
ancestral separação entre engenharia e arquitetura encontrava ainda o entrave das exigências da
regulamentação profissional, como será observado no próximo capítulo.
A segunda teoria, por sua vez, ao dar primado para a intuição, “nega a existência de um conhecimento
arquitetônico codificável e transmissível sistematizadamente.“ (p.40). O arquiteto e professor Michael
Stanton (2000) vai mais fundo na crítica. Reconhecendo no ensino contemporâneo práticas que
representariam “um retorno a um paradigma intuitivo”, o autor ataca tanto as práticas pedagógicas –
baseadas na livre expressão, na fabricação direta de artefatos e nos processos de transformação formal –
quanto a posição epistemológica a que tais práticas estão relacionadas, acusando-as de falta de rigor e de
um mau entendimento do que seriam os fundamentos da concepção arquitetônica. Ele sugere que este tipo
de ensino ligado à arquitetura e arte moderna deve sua presença em inúmeras escolas, em parte, à
influência das posturas pedagógicas de Johannes Itten na Bauhaus e à difusão de uma versão do ensino
Bauhausiano feita por Gropius a partir da Graduate School of Design da Universidade de Harvard.
Assim, embora não se possa falar de um modelo moderno do ensino de arquitetura, a convergência das
diferentes tradições de ensino e o atravessamento da postura conceptiva sumariamente descrita neste
trabalho, terminaram por gerar algumas estruturas curriculares genericamente semelhantes para o ensino
de concepção arquitetônica, permitindo apresentar aqui uma caricatura do que teria sido. O
desenvolvimento “artístico”, ligado à intuição criativa no manejo da forma, concentrava-se nos primeiros
anos do curso, assim como ocorria no Vorkurs da Bauhaus. Nos períodos mais avançados, quando o
projeto arquitetônico surgiria com suas feições essenciais, a síntese entre as esferas “artística”,
“programática” e “técnica” eram negociadas dentro do ateliê, onde pesava a experiência pessoal do
professor, em geral um arquiteto com atuação profissional. No entanto, os conflitos apontados por Comas
persistiam e, na ausência de uma base crítica para discuti-los com clareza, prevalecia a prática de imitar o
71
mestre. No próximo capítulo, em que se examinará o ensino nas escolas brasileiras, esta configuração
ganhará maiores detalhes.
3.5 UNIVERSIDADE DO TEXAS E COOPER UNION
Pode-se argumentar que a tradição de ensino de arquitetura ligada à Universidade do Texas, em Austin,
durante a década de 1950 não tenha um caráter tão distinto quanto as tradições da Bauhaus e da Beaux-
Arts, especialmente se tomarmos o cenário brasileiro como um campo de influência. Uma condição que
contribui para este retrato talvez sejam as circunstâncias de sua consolidação e disseminação, que se
deram, de modo um tanto disperso, no ambiente acadêmico americano entre o fim da década de 1960 e
meados de 1990 (LOVE, 2003). Não obstante, essa tradição permitiu que se forjassem posturas e práticas
didáticas ligadas à concepção arquitetônica que tiveram alguma notoriedade e terminaram sendo
assimiladas, pelo menos em parte, pelo discurso de arquitetos brasileiros que, em meados da década de
1980, endereçaram críticas às práticas de ensino de projeto vigentes no país.
29
Independente da existência de uma relação direta entre estes dois ambientes de ensino, o americano e o
brasileiro, parece válido destacar que esta postura pedagógica aparecera como uma alternativa nas
práticas didáticas ligadas ao ensino da concepção arquitetônica nos Estados Unidos, afastando-se tanto da
experimentação formal livre emulada da Bauhaus, quanto de um modernismo funcionalista e anti-
intelectualista normalmente apresentado com técnicas de renderização herdadas da Beaux-Arts
(CARAGONNE, 1994). Diversos autores (CARAGONNE, 1994; LOVE, 2004; FRENZEN, 1999) apontam
para a profícua, embora breve, experiência de ensino levada a cabo na Universidade do Texas, em Austin,
durante a década de 1950, como ponto de partida desta tradição. Também destacam que foi com a
presença de alguns dos seus protagonistas nas escolas de arquitetura da costa leste americana – Cornell,
Cooper Union, Syracuse e Princeton, além da ETH, em Zurique – que se difundiram certas práticas
didáticas fundadas nestas novas bases.
A experiência na Universidade do Texas é narrada em detalhe no livro The Texas Rangers: Notes from the
Architecture Undergound (1994), do arquiteto Alexander Caragonne, que testemunhou parte dos
acontecimentos como estudante na década de 1950. À semelhança do que ocorreu na Bauhaus, a
experiência texana deve o peso do seu legado em grande medida a uma convergência excepcional de
personagens especialmente talentosos em um ambiente de ensino de certo modo capaz de instigar a
29
Um exame no conteúdo dos seminários sobre ensino de arquitetura realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
em 1985 e 1986 permite identificar uma conexão de sentidos entre as duas posturas, especialmente no que diz respeito à
reivindicação pela inserção de um corpo de conhecimentos especificamente arquitetônico nas práticas de ensino de concepção
(COMAS, 1986). O conteúdo desta discussão e seu cenário serão examinados no Capítulo 4.
72
geração de novas concepções. Entre os Texas-Rangers, como veio a ser conhecido o grupo de oito
professores que participaram dos acontecimentos, estavam Bernhard Hoesli, Colin Rowe, John Hejduk e
Robert Slutzky, todos credenciados por uma formação de alto nível e, em alguns casos, já tendo transitado
nos altos círculos da arquitetura internacional.
30
Ao assumir suas posições na escola, os jovens
professores encontraram condições de ensino decepcionantes no curso recém-emancipado da escola de
engenharia. Não havia espécie alguma de coordenação pedagógica além da indicação de temas para a
seqüência de ateliês de projeto, indo do simples ao complexo, sempre buscando reproduzir situações
típicas das atividades profissionais dos arquitetos. Herdado da tradição Beaux-Arts, o ensino contava com
um sistema de júri e premiação que, segundo Caragonne, era notável por sua arbitrariedade e mistério. Era
inexistente a noção de que a avaliação e a crítica poderiam ser parte do ateliê e servir como ferramenta, o
mesmo podendo ser dito sobre as aulas expositivas e as pesquisas históricas. A arquitetura moderna havia
sido incorporada pelo viés de seus fundamentos pragmáticos – no sentido mais raso do termo – justificando
que a concepção arquitetônica se guiasse quase inteiramente por questões de ordem funcional e
construtiva. O ensino de desenho era focado em técnicas de apresentação e o curso de introdução à
concepção, chamado Basic Design, era um arremedo das práticas Bauhausianas trazidas por Gropius a
Harvard e que se disseminaram amplamente pelos Estados Unidos desde a década de 1940
(CARAGONNE, 1994).
73
eram considerados por Hoesli e Rowe fundamentais para a consolidação da arquitetura moderna, mais
precisamente ligados ao modo de se compreender e conceber a forma e o espaço arquitetônico. Aqui
merece destaque – precisamente por fazer frente às práticas didáticas marcadamente Bauhausianas – a
marca da “especificidade arquitetônica”, ou seja, a clara intenção de assentar as práticas de ensino sobre
um campo problemático formado por temas e questões típicas da concepção de projetos de arquitetura
segundo a ótica de um modernismo maduro, já esvaziado de sua carga ideológica e conciliado com a
história da arquitetura. Além disso, os diversos conteúdos contemplados pelo novo projeto pedagógico –
geometria, forma, construção, representação, história, crítica, teoria – pareciam vir acompanhados de
iniciativas didáticas que visavam permitir ao estudante compreender os motivos e as conseqüências dos
seus gestos durante a prática da concepção arquitetônica, denotando claras preocupações de cunho
metodológico e processual.
Estabeleceu-se, na proposta do novo currículo, o comprometimento consciente e declarado com um recorte
histórico ligado a certas rupturas estabelecidas pela arte e arquitetura modernas, consideradas por Rowe e
Hoesli marcos indefectíveis dos territórios conquistados durante a primeira metade do século XX. Tratava-
se especificamente das concepções construtivas das vanguardas dos anos 1910 e 1920 – incluindo o
Cubismo Analítico e o Neoplasticismo de Theo Van Doesburg – e da obra dos grandes mestres da
arquitetura moderna – Le Corbusier, Mies Van der Rohe e Frank Lloyd Wright. A síntese deste
comprometimento era representada pela escolha de duas ilustrações emblemáticas que acompanhavam o
memorando contendo a primeira proposta curricular: um desenho da casa dominó de Le Corbusier,
apresentando apenas sua estrutura independente, e a ilustração de uma construção espacial de Theo Van
Doesburg, constituída unicamente de planos trespassados. Como destaca Caragonne (1994), esta escolha
revela aspectos fundamentais da arquitetura que estaria embasando a pedagogia da escola.
Em essência tratava-se de uma arquitetura que não se caracterizava pela massa nem pela forma,
mas pelo espaço, por vezes definido e inseparável da estrutura (Van Doesburg e Wright), por
vezes organizado dialeticamente em relação à estrutura (Le Corbusier) e por vezes tanto definido
por e gerado a partir da estrutura (Mies em vários momentos da sua carreira). (CARAGONNE,
1994. p. 37).
Hoesli e Rowe afirmavam que as formas da arquitetura de Wright, Mies e Le Corbusier deveriam ser
utilizadas pelos estudantes “com ou sem consciência”, mas destacavam que fazia parte do papel da escola
“tornar o conhecimento consciente” (ROWE; HOESLI apud CARAGONNE, 1994). Com isso parece claro
que se havia, por um lado, o comprometimento com um determinado universo de referências arquitetônicas
que estaria presente de modo tácito na prática dos estudantes, por outro lado havia também a intenção de
fazer emergir questões mais profundas ou sofisticadas que estavam ligadas a essas referências. Nesse
sentido, tornava-se muito importante no novo currículo a incorporação da história da arquitetura, não como
uma reserva de saber enciclopédico, mas como um veículo para a compreensão de aspectos fundamentais
de projetos arquitetônicos e organizações espaciais. Partindo sempre de observações específicas do objeto
74
de estudo, uma prática defendida e realizada por Colin Rowe, o estudo da história apoiava-se na análise
das estruturas formais de precedentes arquitetônicos, ou seja, afastava-se tanto de simples imitações de
aparências superficiais quanto da adoção de teorias abstratas e generalizantes estabelecidas a priori.
Assim, a história passaria a fazer parte do ensino de concepção arquitetônica em Austin, primeiro por meio
de aulas expositivas e, mais tarde, mediante exercícios de análise de composições arquitetônicas modernas
e antigas. Mais do que almejar a simples erudição, esta presença visava instrumentar os estudantes para
uma abordagem conceptiva que fosse consciente das possibilidades e implicações no manejo e na
organização da forma arquitetônica.
Ilustração 11 - “Maison Domino” e “Space-Time Construction No. 3”
Referências essenciais da forma moderna: Maison Domino de Le Corbusier e Space-Time Construction No.
3 de Theo Van Doesburg. Fonte: Caragonne, 1994.
Visando atingir os alunos médios tanto quanto os excepcionalmente talentosos, esse aprendizado tinha
ligação com a intenção de permitir a conquista de uma certa autonomia projetiva por parte do estudante.
Conforme sublinhava Hoesli (apud CARAGONNE, 1994), se bem sucedido, o aluno poderia se desenvolver
“para além daquilo que havia aprendido” (p. 61). Assim, o ensino da concepção arquitetônica não se
limitava a uma prática exclusivamente mimética – faça como eu faço – mas era acompanhado por reflexões
críticas dirigidas aos projetos realizados nos ateliês, além de livres tentativas, por parte dos professores, de
estabelecer esquemas teóricos acerca do processo de concepção arquitetônica e dividi-los com os
estudantes. Conforme destaca Caragonne (1994), havia uma preocupação constante, especialmente por
parte de Hoesli, em formular descrições seqüenciais da prática conceptiva em arquitetura e utilizá-las como
75
fundamento para propor exercícios didáticos destinados ao ensino da concepção arquitetônica. Embora os
esquemas descritos remetam a formulações lineares já superadas pelos estudos mais recentes no campo
da metodologia do projeto,
31
é importante destacar a intenção de buscar o desenvolvimento de uma
consciência do processo de concepção por parte do estudante já nos primeiros ateliês de projeto.
3.5.2 Ensino de introdução à concepção arquitetônica na Universidade do Texas
Inicialmente, o primeiro ano do novo currículo no Texas destinava-se exclusivamente ao ensino do
desenho, abrigando técnicas e práticas didáticas trazidas por Robert Slutzki e Lee Hirsche, que haviam sido
alunos do curso de desenho de Josef Albers na escola de artes em Yale. No programa de ensino, era dado
um claro privilégio ao desenvolvimento da habilidade de ver com clareza e desenhar com precisão. Linhas
únicas e expressivas substituíam os preenchimentos e as “renderizações” de antes, denotando uma
tendência à economia de meios. A representação perdia força como técnica de apresentação enquanto
ganhava um caráter mais instrumental no âmbito da concepção do espaço. Buscava-se permitir que o
estudante desenvolvesse a capacidade de compreender e expressar a profundidade mediante recursos
primordialmente gráficos, como a espessura de linhas e o sutil controle dos seus encontros. O domínio
destas técnicas não dependia da compreensão dos mecanismos de construção da perspectiva ou de uma
lógica abstrata aplicada ao espaço, mas sim de uma aprendizagem do olhar. Segundo Caragonne (1994), o
primado dado à apreensão do espaço enquanto fenômeno visível estava relacionado com a intenção de
desenvolver nos alunos a capacidade de apreender a profundidade existente entre as coisas, ou seja, de
“ver” o espaço e não apenas os objetos, algo que se revelaria de grande valor no novo programa de ensino
da escola, no qual a noção de um espaço positivo, ativado, seria fundamental para a prática da concepção
arquitetônica.
Na implementação do novo currículo o curso básico de concepção originalmente situado no primeiro ano, o
Basic Design, fora completamente suprimido. Embora anos depois a disciplina retornasse sob novas
premissas e com o mesmo nome, é importante destacar o fato de se haver considerado desnecessário e
ineficaz uma unidade de ensino com foco exclusivo no exercício de composições abstratas completamente
destacadas de problemas de concepção arquitetônica. Conforme destaca Caragonne (1994), a disciplina
suprimida tinha nítida afiliação com as técnicas de ensino que haviam sido trazidas por Gropius à Graduate
School of Design de Harvard após sua imigração para os Estados Unidos e tinham se disseminado pelo
país como modelo para o curso introdutório em escolas de arquitetura com planos de ensino compostos por
31
Hoesli descrevera o processo de concepção como uma estrutura linear composta pelas etapas de pesquisa, assimilação de
informações, tradução das informações em termos formais, avaliação e apresentação.
76
um misto de manipulação formal, princípios abstratos de composição, técnicas de modelagem e
desenvolvimento da expressividade individual.
Como professor do segundo ano da escola e, portanto, em posição de lidar com os estudantes egressos do
Basic Design, Bernhard Hoesli destacava que eles eram incapazes de demonstrar a compreensão da
relação entre os princípios de composição abstrata e as formas da arquitetura, além de não haverem
desenvolvido um pensamento integrativo que permitisse lidar com problemas característicos da concepção
arquitetônica. A partir das afirmações de Hoesli, Caragonne destaca que, apesar de saberem lidar com
composições formais, “[uma] vez estando face a face com um problema arquitetônico real, [os estudantes]
se deparavam com uma total confusão, um sinal claro de que tinham apenas uma forma isolada de
conhecimento” (1994, p. 188). Como contrapartida, foram propostos exercícios de concepção que, apesar
da baixa complexidade, mantinham uma multiplicidade de aspectos que deveriam ser observados de modo
integral pelos estudantes, obrigando-os a lidar com diferentes aspectos do problema de projeto
simultaneamente e a conduzir a negociação entre os diversos fatores presentes. É o que se pode notar nos
comentários de Hoesli sobre um exercício que considerara bem sucedido.
[...] um exercício simples, restrito no tamanho mas completo em termos do tipo e do número de
elementos arquitetônicos, o que demonstra que não há razão racional para se enfatizar na
seleção de um único aspecto do problema de concepção tanto em uma disciplina inicial quanto
em qualquer outra disciplina. É possível considerar todos os elementos em todos os momentos
desde o princípio.
32
Apesar de ser fácil suspeitar de exagero na menção de se poder incorporar “todosos aspectos de um
problema de projeto já nos primeiros anos da formação de um arquiteto, pode-se notar que a abordagem
integrativa identificada aqui se afasta das propostas afiliadas à tradição Bauhausiana, em que os primeiros
trabalhos de concepção se baseavam quase que exclusivamente na criação plástica e nas técnicas de
fabricação. Mas, se por um lado, os exercícios propostos por Hoesli se caracterizavam por demandar
pensamento integrativo, por outro, sua complexidade era altamente controlada. Isso se dava tanto pela
supressão de fatores que estariam presentes em problemas arquitetônicos completos quanto pela
imposição de fortes condicionantes no enunciado que estabelecia o problema do exercício.
A restrição formal era imprescindível na concepção de Bernhard Hoesli. Já nos primeiros anos em que
lecionara na escola, ele notara que a cada vez que os estudantes tinham liberdade para a criação plástica,
pequenas “abominações arquitetônicas” começavam a surgir, convencendo-o de que uma menor atenção à
exploração formal seria, paradoxalmente, um benefício em favor da forma. Segundo Hoesli, a mente dos
estudantes, longe de ser uma tábula-rasa, era repleta de referências arquitetônicas de procedência
32
Comentário registrado no diário de Bernhard Hoesli, conforme apresentado por Caragonne (1994, p. 84).
77
“questionável e valor dúbio
33
e que, em primeiro lugar, este conteúdo prejudicial deveria ser ‘descarregado’”
(CARAGONNE, 1994, p. 294). Por esta razão, inicialmente o novo currículo da faculdade de arquitetura da
Universidade do Texas manteria um alto grau de controle em relação à exploração formal até o terceiro ano.
No entanto, pouco tempo após a implementação do novo currículo, em conseqüência da melhoria no ensino
de desenho, as aptidões dos estudantes para a criação plástica se revelaram notáveis, fazendo com que o
Basic Design pudesse figurar no primeiro ano do curso. Os exercícios propostos davam claro privilégio à
sintaxe
34
das formas arquitetônicas e seguiam contando com fortes amarras estabelecidas a priori no
enunciado. Propunha-se, por exemplo, restringir as formas globais da configuração – como cubos ou
prismas – ou exigir a utilização de determinadas regras compositivas – traçados reguladores, organizações
estruturais claras – ou, ainda, forçar a redução do universo de elementos a serem manipulados pelos
estudantes – normalmente reduzidos a formas geométricas básicas ou a representações simplificadas de
elementos construtivos, como planos de vedação e peças estruturais. Todos estes procedimentos
implicavam não apenas a adoção de repertórios formais restritos e procedimentos de manipulação limitados
a poucas operações fundamentais,
35
mas também terminavam por restringir fortemente o número de
soluções possíveis para um determinado problema de projeto, tornando seu desenvolvimento mais fácil e
acessível aos iniciantes. Porém, muitas vezes o exercício didático propunha problemas de concepção que
preservavam apenas os aspectos formais e espaciais e que, embora comprometidos com sintaxes
tipicamente arquitetônicas, deixavam de lado outros fatores também fundamentais da arquitetura, como a
relação entre forma e programa, forma e significado ou forma e técnica construtiva.
33
Este tipo de posicionamento revelava uma seleção hierárquica de quais referências arquitetônicas seriam válidas e quais seriam
indesejáveis. Numa atmosfera fortemente comprometida com os cânones da arquitetura moderna, é fácil suspeitar que tais
escolhas e os critérios que as embasavam estavam pré-entendidos na cultura e não haviam ainda sido questionados. Essa
situação, se transposta para os dias de hoje, talvez encontrasse um entrave no enfraquecimento dos critérios hegemonicamente
aceitos e na ausência de referências estáveis e insuspeitas em termos da realização formal.
34
No campo da lingüística, o conceito de “sintaxe” corresponde à componente do sistema lingüístico que determina as relações
formais que interligam os elementos de uma sentença. É a sintaxe que atribui a ela uma estrutura como, por exemplo, sujeito-
predicado. A sintaxe está relacionada à forma, mas diz respeito especificamente à relação entre elementos e não ao formato dos
elementos especificamente. Quando relacionada à criação plástica, e especialmente à composição, o termo diz respeito à
disposição das partes de um todo. A sintaxe da forma está ligada à idéia de relação entre elementos e não ao formato [no inglês,
shape] ou à aparência de determinado elemento.
35
Naturalmente, a determinação deste universo de formas estava relacionada à problemática arquitetônica fundada nos
referenciais modernos estabelecidos por Hoesli e Rowe em sua proposta curricular inicial.
78
Ilustração 12 - Exercício do Cubo
Práticas didáticas realizadas na Universidade do Texas em Austin no fim da década de 1950. Fonte: Caragonne, 1994.
Comentando a respeito destes exercícios didáticos que vieram a ser conhecidos como Kit-of-Parts
Problems [exercícios de conjunto de partes], o arquiteto e professor Timothy Love (2004) sugere que
constituem um dos principais legados da experiência do Texas para o ensino de arquitetura. Sua presença
foi notável na introdução da concepção arquitetônica nas escolas americanas principalmente entre as
décadas de 1970 e 1990, após a diáspora de arquitetos egressos das escolas de Cornell, Syracuse,
Princeton e Cooper Union em direção a outras instituições do país. Love ainda destaca que este fenômeno
estaria ligado aos esforços pelo retorno da arquitetura a uma autonomia disciplinar, manifestos tanto no
trabalho de Aldo Rossi e do grupo Tendenza, na Itália, quanto no contexto do IAUS (Institute of Architecture
and Urban Studies) na costa leste americana.
79
3.5.3 O Exercício dos Nove-Quadrados
Talvez a mais célebre versão dos exercícios de sintaxe formal seja o problema dos nove-quadrados,
proposto por John Hejduk e Robert Slutzky, em Austin, para o curso de introdução à concepção
arquitetônica no segundo ano do currículo. Surgido a partir de um exercício de composição introduzido na
disciplina de desenho e desenvolvido por John Hejduk como um exercício tridimensional que parecia
adequado às intenções pedagógicas de Hoesli, o exercício, além de um célebre recurso didático, ganhou
desdobramentos tanto no campo do ensino de arquitetura quanto nas investigações pessoais de arquitetos
como Peter Eisenman, Bernard Tschumi e do próprio Hejduk (CARAGONNE, 1994). A premissa
fundamental era simples. Dava-se aos estudantes uma grade bidimensional composta por nove quadrados
onde o “projeto” deveria ser desenvolvido considerando-se dois tipos básicos de elementos: a estrutura fixa
e predeterminada (constituída por pilares e por vigas) e os elementos que deveriam ser adicionados à
estrutura básica (cujas características eram definidas no enunciado). O exercício constituía basicamente em
arranjar os elementos manipuláveis em relação à grade estrutural existente. Este processo permitiria que o
estudante se familiarizasse com a linguagem arquitetônica manipulando seus elementos básicos, que
poderiam ser compreendidos tanto em termos geométricos quanto tectônicos.
Ilustração 13 - Exercício dos Nove-Quadrados
Base para aplicação do exercício desenvolvido por Hejduk na Universidade do Texas. Fonte: Caragonne, 1994.
O sucesso deste exercício, conforme sugere Love, estaria ligado à sua capacidade de abrigar em nível
bastante elementar uma série de aspectos considerados relevantes pelos professores que atuavam na
Universidade do Texas. Um dos aspectos diz respeito à estruturação geométrica propiciada pela planta
quadrada e suas subdivisões. Pode-se dizer que o exercício refletia de modo sintético o esquema
80
geométrico descoberto pelo arquiteto Rudolf Wittkower nos estudos empreendidos na década de 1940
acerca da organização formal básica das Villas de Andrea Palladio. Wittkower argumentava que todas as
onze Villas projetadas pelo arquiteto renascentista seriam variações de uma mesma planta ideal que era
“adaptada” conforme as circunstâncias do projeto. Haveria um sistema matemático subjacente que poderia
ser representado por um diagrama geométrico constituído de nove quadrados dispostos lado a lado (LOVE,
2003). A idéia da planta como veículo de investigação crítica já havia sido explorada por Colin Rowe, aluno
de Wittkover entre 1945 e 1947, em seu célebre artigo Matemáticas da Villa Ideal [Mathematics of the Ideal
Villa], em que fez uma comparação entre a Villa Malcotenta, de Palladio, e a Villa Garches, de Le Corbusier.
Uma das questões apresentadas era a reafirmação das idéias de Wittkower acerca da negociação entre
uma planta ideal representada em um diagrama matemático e sua elaboração enquanto planta efetiva,
respondendo às contingências de um problema arquitetônico e desenvolvida no projeto de fato. Uma leitura
possível coloca o diagrama utilizado por Le Corbusier no contexto moderno menos como um paradigma
ideal – como era no contexto neo-clássico – e mais como um recurso de controle geométrico, um
enquadramento básico dentro do qual elaboração e invenção eram permitidas. Não por acaso, no sistema
dos nove quadrados de Hejduk havia uma dialética semelhante entre uma base abstrata, rígida, fixada pelo
“grid” estrutura, e a possibilidade de invenção mais livre e circunstancial possibilitada pela utilização dos
elementos externos. Com isso, fica clara também a importância que o exercício permitia dar ao diagrama de
planta como um recurso potente para o lançamento do projeto, uma base que serviria como ponto de
partida para explorações espaciais mais ousadas.
Outro aspecto relevante acolhido pelo exercício estaria nas explorações acerca da forma quadrada como
plano de fundo de uma configuração formal e suas implicações em termos de percepção visual. A
existência de “forças perceptivas” inerentes à estrutura do quadrado e todo um mapeamento de suas
posições elementares – periferia e cantos – faziam parte das investigações relacionadas às tendências
formalistas da arte moderna e às pesquisas da psicologia da Gestalt na sua tangência com o campo das
artes visuais. Wassily Kandinsky já havia desenvolvido proposições desta ordem em 1926 em seu Ponto e
Linha sobre o Plano, que reapareceriam com Rudolf Arnheim, embasadas pela psicologia experimental da
Gestalt, em seu Arte e Percepção Visual (2005), de 1954.
36
O formato quadrado da base do exercício
constituía um campo de tensões que era de certo modo conhecido e mapeado, fornecendo um substrato
simples e forte para explorar e debater com os estudantes a atuação das tensões visualmente perceptíveis
na exploração sintática da forma arquitetônica.
36
A proposta inicial dos nove quadrados estava ligada a um exercício compositivo proposto nas aulas de desenho e era baseado
nas pinturas do próprio Robert Sklutzky, professor da disciplina, cuja investigação artística da época era marcada pelo interesse
nas teorias da Gestalt e trazia influência da sua formação em Yale com Josef Albers, colega de Kandinsky na Bauhaus.
(Caragonne, 1994, p. 190).
81
Mas a composição arquitetônica explorada no exercício tinha um caráter que se distinguia daquele que
caracterizava a composição no plano bidimensional. Ao manipular os elementos tridimensionais
relacionando-os com uma estrutura fixa, o estudante poderia deparar-se com as tensões espaciais geradas
neste encontro. Ao invés de considerar os elementos da composição como figuras sobre um fundo, as
questões compositivas diziam respeito a relações espaciais que poderiam ser exploradas em termos de
“figuras espaciais” implícitas. Justamente por possibilitar a manipulação de espaços inferidos e
interpenetrados, o Exercício dos Nove-Quadrados também se tornaria um veículo relevante para explorar
formulações propostas por Rowe e Slutsky em seu artigo Transparency: Literal and Phenomenal
desenvolvido e escrito em 1954 enquanto lecionavam no Texas. Investigando o conceito de transparência,
os autores propunham uma ampliação de sentido. A transparência literal, significado comumente aceito e
que constava no dicionário, significaria a qualidade de uma substância que permite ver algo através de si.
Já a transparência fenomênica diria respeito à capacidade de interpenetração de duas figuras sem que
houvesse destruição de nenhuma. Esta última significação, quando aplicada ao espaço, ou a “figuras
espaciais” – tomando o espaço como um este positivo – permitia análises sofisticadas da arquitetura e sua
capacidade de compor, combinar e interpenetrar espaços distintos.
37
Ilustração 14 - Exercício dos Nove Quadrados na Cooper Union
Exercício dos Nove-Quadrados na Cooper Union, na década de 1960. Fonte: FRANZEN, 1999.
Apesar do potencial para explorações com um alto nível de sofisticação, o Exercício dos Nove-Quadrados
também era um veículo para abordar questões básicas ligadas aos elementos da arquitetura, componentes
da construção e meios de representação. Talvez o melhor relato a este respeito seja a apresentação do
37
A idéia de um espaço positivado, ou seja, tratar uma porção de vazio como uma figura, é uma noção que também encontra
fundamento nas formulações da Gestalt, especificamente na noção de “fechamento” [closure], onde figuras implícitas podem ser
percebidas apenas a partir da existência de algumas partes do seu contorno. A utilização de conceitos da Gestalt de figura e fundo
seria fundamental para as investigações espaciais promovidas no trabalho teórico e didático de Colin Rowe, como, por exemplo, a
comparação entre os tecidos urbanos modernos e tradicionais.
82
exercício por John Hejduk no catálogo da exposição da Cooper Union realizada no Museu de Arte Moderna
em Nova Iorque, em 1972:
O problema dos Nove-Quadrados é utilizado como uma ferramenta pedagógica na introdução da
arquitetura a estudantes novatos. Trabalhando dentro dos limites deste exercício o estudante
começa a descobrir e a compreender os elementos da arquitetura. Grelha [grid], estrutura [frame],
pilar [post], viga, painel, centro, periferia, campo, borda / aresta [edge], linha, plano, volume,
extensão, compressão, tensão, cisalhamento, etc. O estudante começa a entrar em contato e
investigar o sentido de planta, elevação, seção e detalhes. Ele aprende a desenhar. Ele aprende
a compreender a relação entre desenhos bidimensionais e formas (modelo) em três dimensões. O
estudante estuda e desenha o seu esquema em planta e perspectiva axonométrica, e pesquisa as
implicações tridimensionais do modelo. Um entendimento dos elementos é revelado – uma idéia
de fabricação emerge. (HEJDUK apud FRANZEN, 1999).
O exercício, nos moldes descritos, parece encontrar ressonância nas noções trazidas por Bryan Lawson a
respeito da formação de esquemas mentais por parte do estudante principiante de modo que se torne
possível para ele reconhecer as situações e elementos do seu novo universo. Assim como em outros
exercícios de exploração sintática com elementos construtivos da arquitetura, uma das vantagens do
Exercício dos Nove-Quadrados está na capacidade de introduzir o estudante em uma espécie de
alfabetização relativa aos elementos e processos básicos da arquitetura.
Este potencial ganha destaque especialmente no contexto da Cooper Union, onde ele foi utilizado por mais
de 25 anos no ensino de introdução à concepção arquitetônica, antecedendo práticas didáticas
marcadamente exploratórias.
3.5.4 Cooper Union: Education of an Architect 1
Entre as escolas de arquitetura da costa leste americana que deram continuidade à experiência do Texas, a
Cooper Union é a que ganha maior destaque pelo trabalho no período de graduação. A presença de John
Hejduk na escola, primeiro como professor e depois como coordenador, foi de tal modo marcante que os
dois nomes passaram de certo modo a ser tomados como sinônimos (CARAGONNE, 1994). A grandes
rasgos, pode-se dizer que o ensino na escola se caracterizava por um forte compromisso com o ateliê de
arquitetura, não apenas como um ambiente de ensino de concepção arquitetônica, mas também como um
laboratório de investigação. Não obstante, diversas concepções didáticas herdadas do Texas – para além
simplesmente do Exercício dos Nove-Quadrados – permaneceram vigentes na Cooper Union por longos
anos, tendo sido aprofundadas, transformadas até darem passagem a concepções mais exploratórias e
inovadoras. Parte de sua notoriedade deve-se a duas publicações que apresentam uma grande quantidade
de projetos e exercícios realizados pelos alunos. O primeiro livro, denominado Education of an Architect: A
Point of View (1999), relata uma exposição realizada em 1971-1972 no Museu de Arte Moderna de Nova
83
Iorque, um evento que por si só denota o reconhecimento alcançado pela instituição. O conteúdo da
exposição e os comentários retrospectivos que constam na publicação, por sua vez, reafirmam a
continuidade em relação a certas idéias presentes em Austin, especialmente no que diz respeito às práticas
didáticas quanto acerca das referências pedagógicas fundamentais, como se pode notar nas palavras de
Ulrich Franzen na introdução:
A concepção do currículo da Cooper Union no período compreendido entre os anos de 1964 e
1972 tem duas faces. Em primeiro lugar, os anos de formação dos estudantes são dedicados a
uma série de exercícios, com escopo severamente limitado, canalizando o desenvolvimento dos
futuros arquitetos para explorações aprofundadas de problemas fundamentais de estrutura e
manipulação espacial. Em segundo lugar, o formato dos exercícios é baseado nas descobertas
visuais do Cubismo e do Neoplasticismo, as mesmas descobertas a partir das quais Le Corbusier
e outros mestres modernos baseados em Paris calcaram sua linguagem plástica e espacial.
(FRANZEN, 1999, p. 8).
O programa pedagógico se centra em questões especificamente arquitetônicas, exploradas por meio de um
horizonte de referências que era intencionalmente limitado, impelindo o estudante a um trânsito que fosse
vertical, no sentido de um aprofundamento em questões consideradas fundamentais para a constituição da
arquitetura moderna, ao invés de um trânsito horizontal entre uma infinidade de possibilidades formais. A
teoria (ou talvez fosse melhor falar em pensamento) viria mediante a prática. Como destaca Alberto Pérez-
Gómez (1999), havia um “conhecer-pelo-fazer” [knowing through making] que aparecia como resultado de
uma relação íntima, de fato experiencial, com os ensinamentos da vanguarda moderna.
No primeiro ano, o aprendizado se calcava em conhecimentos considerados fundamentais ao arquiteto,
como a habilidade concreta de medir e ajustar, a compreensão e o gosto pelo processo de construir ou,
ainda, a capacidade de representar com precisão e expressividade. Tudo isso estava aliado à
aprendizagem de uma sensibilidade visual apurada, ligada a tentativas e descobertas no campo da criação
plástica e espacial, mas também reforçada pela compreensão do universo de referências proposto pelo
programa de ensino. A base forjada neste período era claramente cultivada nos anos subseqüentes. O
Exercício dos Nove-Quadrados, que servia ao propósito dos primeiros anos, era emparelhado com outros
célebres problemas de projeto – aplicados também por Hejduk na Cooper Union até a década de 1970 –
com propósitos didáticos específicos.
Um dOs exercícios, o problema do cubo, parecia apoiar-se em uma base tão neutra e fértil que se mostrava
verdadeiramente polivalente como um recurso didático. Hejduk destaca que “[o] problema do cubo [cube
problem] não é específico de nenhuma escola de arquitetura; ele é de algum modo universal; sua força de
permanência aparentemente professa que ele será usado ainda por algum tempo no futuro como um
exercício didático.” (HEJDUK apud FRANZEN, 1999, p. 121). Assim como o Exercício dos Nove-
Quadrados, o cubo era tradicionalmente utilizado por trazer algumas ricas características intrínsecas. Seus
ângulos retos, a base quadrada, a sua espacialidade e regularidade imanentes facilitam tanto a apreensão
por estudantes iniciantes quanto a exploração em busca de questões mais sofisticadas relativas à sintaxe
84
da forma e do espaço arquitetônico. Além de servir como um ponto de partida para operações formais e
espaciais básicas – como ocorria no Basic Design, no Texas – o cubo poderia ser utilizado, por exemplo,
com um dispositivo facilitador (por impor fortes limites ao projeto) para posturas problematizantes durante a
concepção arquitetônica, como sugere o enunciado de Hejduk (1999, p. 121):
É típico que o arquiteto receba um programa de onde um objeto emerge; parece ser possível que
o inverso possa acontecer. Ou seja, dado um objeto, talvez um programa possa emergir. Esta é
uma das premissas afirmadas na apresentação do problema do cubo. Normalmente, mas nem
sempre, o exercício é apresentado da seguinte forma: ”Dado: um cubo de trinta por trinta pés
[aproximadamente nove por nove metros] – invente um programa.”
Os notáveis resultados formais evidenciam que o exercício era de certo modo mais uma oportunidade de o
estudante dar continuidade à pesquisa e ao cultivo da linguagem arquitetônica estabelecida como
referência pela escola. Contudo, a própria idéia de inventar um programa parece ser o início de um tipo de
investigação didática e arquitetônica que seria desenvolvida com maior profundidade nos anos seguintes na
escola. A relação entre a forma e o conteúdo programático da arquitetura – um tema considerado
problemático pelos críticos desta tradição de ensino – seria explorada com maior profundidade por
intermédio da invenção em ambos os pólos da relação: forma e programa.
Ilustração 15 - Exercício do cubo.
Exercício realizado na Cooper Union na década de 1970 em períodos mais avançados do currículo. Fonte: Franzen, 1999.
Este tipo de relação e seu potencial para uma abertura em direção a uma exploração mais poética e
“participatória” da arquitetura, no entanto, não são totalmente evidentes na apreensão das imagens. Na
época da exposição, emergiram críticas alegando que o comprometimento da Cooper Union com as
referências da vanguarda moderna eram um retrocesso e acusando as pesquisas plásticas de frivolidade
formal e superficialidade, permanecendo destacadas do mundo real. De fato, segundo Franzen, a escola se
85
distinguia, pelo menos, de duas abordagens educacionais correntes na época. Por um lado havia aquelas
que “voltavam-se para gestos retóricos no campo da relevância social”, buscando afastar a arquitetura de
uma posição reclusa e preocupada com suas próprias questões e direcioná-la de “volta ao mundo,
decorrendo em abordagens multidisciplinares, roçando disciplinas como a sociologia e a antropologia.” Por
outro lado, havia as que empregavam “imagens neo-comerciais de um alegado mundo real” (FRANZEN,
1999, p .8), uma posição talvez melhor representada pelo discurso de Robert Venturi, que voltava os olhos
para a arquitetura mundana reconhecendo o valor das estratégias arquitetônicas utilizadas no comércio e
criticando a ambição de pureza e integridade da arquitetura moderna. Este tipo de conflito descrito por
Franzen aponta para o fato de que o trabalho realizado na Cooper Union não era unanimemente admirado.
Porém, o seu desenvolvimento subseqüente evidencia, em contrapartida, que também não era desprovido
de autocrítica.
3.5.5 Cooper Union: Education of an Architect 2
O segundo livro que relata o trabalho da Cooper Union, Education of an Architect (1989), traz evidências de
transformações nas práticas didáticas e no programa pedagógico da escola. Tendo em vista o
comprometimento com a postura investigativa, seria um contra-senso se novos caminhos não fossem
explorados. Conforme resumem as editoras e professoras da escola, Elizabeth Diller e Diane Lewis, a
posição assumida até o início da década de 1970 – representada pela exploração da forma e do espaço
segundo princípios forjados no início do século – teria sido a fundação do trabalho subseqüente,
evidenciado especialmente pela estabilidade nos conceitos que norteavam os exercícios didáticos do
primeiro ano. Não obstante, é notável também uma série de inflexões ocorridas no modo de abordar os
conhecimentos investidos na concepção arquitetônica na escola, revelando uma ampliação no modo de se
considerar universo problemático da arquitetura.
Claramente a certeza da linha à Nankin deu lugar às complexidades do lápis. A palavra escrita
assumiu um lugar importante como fonte e componente do trabalho arquitetônico. A potência
gerativa do detalhe e da invenção estrutural emergiu. A mudança dos projetos gerados pela
planta para aqueles gerados pelo corte é evidente. Talvez mais importante, a marcada
responsabilidade de buscar, por invenção no programa, uma redefinição no potencial do contrato
social em termos de especulações arquiteturais. (DILLER; LEWIS, 1989, p. 9)
Todas estas inflexões e adições ao programa pedagógico da escola de certo modo podem ser vistas como
respostas ao espírito crítico endêmico ao próprio corpo docente. Sua postura de refletir e questionar a si
próprio aparentemente levou o ensino na Cooper Union a deslocar o ponto de vista a respeito de como a
arquitetura e sua concepção poderiam ser abordadas sem que deixassem de endereçar perguntas
consideradas essenciais à própria disciplina. Cada vez mais – sem perder sua dimensão tectônica – a
86
arquitetura é assumida como um campo de investigação, no qual o projeto não necessariamente visa
tornar-se um edifício construído.
3.5.6 A ficção e o universo das analogias
Talvez paradoxalmente, a escola foi buscar em outros territórios distintos da arquitetura analogias que
pudessem iluminar a pesquisa. Além das artes visuais – especialmente pintura e escultura – literatura,
poesia, cinema, filosofia (e mesmo áreas “impertinentes” como medicina e odontologia) constituíam campos
férteis para a busca de referências cruzadas e analogias que poderiam enriquecer, desterritorializar o
universo de referências arquitetônicas. As explorações poéticas de certo modo protagonizavam boa parte
das investigações em que se lançavam os estudantes, sem necessariamente ter que abandonar o território
específico da arquitetura.
38
Como destaca Alberto Pérez-Gómez (1999), em seu generoso comentário
retrospectivo sobre a escola, a manipulação formal teve de ser levada ao limite para que pudesse ser
aberta para um novo mundo, uma nova sintaxe, que, despregada dos significados originais, se abriria para
novos sentidos. Claramente os esforços empregados na direção de uma aprendizagem do controle e do
manejo da sintática na linguagem arquitetônica abriam espaço para um universo semântico, em que
ganhavam destaque o sentido e a expressividade da forma e da experiência com a arquitetura.
Não por efeito do acaso, as explorações poéticas eram o viés pelo qual a escola assimilou as críticas de
que o programa pedagógico se enclausurava em investigações puramente formais, numa postura taxada de
autista e dissociada do mundo. Havia uma abertura para a noção de que a arquitetura “poderia ser um
receptáculo de significados culturais que abriam o trabalho para a participação daqueles que o habitam,
obviamente muito além de questões de uso e conveniência social; ela poderia endereçar questões que os
mitos, a poesia, e a filosofia sempre haviam enfrentado
39
” (PÉREZ-GÓMEZ, 1999, p. 18). Nesse sentido, é
que o papel da verbalização na concepção arquitetônica passa a emergir como um recurso de suma
importância dentro das estratégias pedagógicas da escola. Pérez-Gómez lembra que “as palavras são de
fato importantes e que a arquitetura deve aprender a articular suas intenções poéticas através da
38
É importante reconhecer que esta noção não era unânime. Pelo menos dois testemunhos apontam para a uma cisão no corpo
docente. Caragonne (1994) descreve a saída de Robert Slutzky da Cooper Union e seu rompimento com Hejduk após anos de
amizade como decorrência da expansão dos limites na exploração dentro do campo da concepção arquitetônica. Seguindo uma
posição semelhante, o professor da Cooper Union, Chester Wisnieswski, defende no próprio Education of an Architect de 1988 um
retorno às questões construtivas da arquitetura como resistência ao “palavrório que infestava a disciplina” (p. 20).
39
Essa bifurcação no modo de se compreender a relação das pessoas com o espaço arquitetônico que habitam denota que a
questão é ampla e complexa e que, de modo algum, é esgotada pelo viés sociológico ou comportamental por meio do qual se
aborda a arquitetura. As propostas didáticas examinadas no Capítulo 5 deste trabalho evidenciarão como esta questão pode ser
tratada no ensino de introdução à concepção arquitetônica segundo diferentes posicionamentos.
87
linguagem, assentada na história [...] O imperativo ético da arquitetura demanda que possamos falar com
propriedade para que possamos agir com propriedade.” (p. 19).
Enfatizado principalmente a partir do segundo ano do currículo, as práticas de articulação promovidas por
meio da verbalização e da analogia visavam o acolhimento e a expressão de sentidos que poderiam
emergir na própria experiência dos indivíduos com a arquitetura. Esse campo do conhecimento
arquitetônico, que já havia sido abordado anteriormente neste trabalho, está implícito em diversos
exercícios didáticos da Cooper Union. Um exemplo é o recurso da invenção de personagens e do emprego
de narrativas como dispositivo criativo durante a concepção arquitetônica. Estes recursos são bastante
evidentes, embora o modo enigmático e silencioso utilizado para apresentar os trabalhos dos alunos no livro
Education of an Architect traga tantos esclarecimentos quanto pontos cegos. Paradoxalmente, os projetos
realizados pelos estudantes são apresentados no livro praticamente desacompanhados de palavras. Ainda
assim eles trazem, perante o exame de um olhar atento, uma vida latente e enigmática que pertence a um
personagem cuja existência demandou uma elaboração tão inventiva quanto o espaço em que vive. Este é
o caso dos exercícios denominados “microscópio/telescópio” [microscope/telescope project] ou “projeto
banheiro” [bathroom project]. Em outros casos, onde a presença do personagem é mais saliente, torna-se
clara a dimensão mítica que este ente carrega, como no caso dos projetos mais avançados da “casa para
um observador de peixes” [house for a fishwatcher] ou da “casa para um escavador aposentado” [house for
a retired quarryman].
Ilustração 16 - House for a retired quarryman” e “microscope/telescope
À esquerda, a “casa para um escavador aposentado” [house for a retired quarryman]. À direita, o exercício “microscópio/telescópio”
[microscope/telescope project]. Fonte: Hejduk, 1999.
88
Com evidente influência das pesquisas pessoais de Hejduk em seu trabalho arquitetônico, a enigmática
vida de cada personagem é muito mais do que um simples ocupante ou usuário do projeto arquitetônico.
Sua existência – sempre ausente dos desenhos – está em constante fricção com o próprio artefato
projetado. Como denotam os desenhos minuciosos que constituem os projetos, as noções de uso e
funcionamento são exaustivamente exploradas, porém segundo determinados aspectos que foram
propositalmente exacerbados. A atmosfera criada pelos projetos é densa e fantástica e extrapola questões
puramente espaciais e plásticas, sem, no entanto, ignorá-las ou suprimi-las. Ao contrário, o espaço e a
forma arquitetônica fazem parte da própria expressão de sentido, misturando-se à iconografia que
porventura é chamada a participar como componente do projeto. Obedecendo à lógica didática de limitar a
complexidade do exercício, as formas são em geral simplificadas, normalmente partindo de plantas
quadradas, questões como conforto ambiental são suprimidas ou postas desviadas da normalidade para se
ajustarem ao sentido pretendido pelo projetista.
Inversamente, o desenvolvimento de detalhes construtivos e a compreensão da dimensão tectônica da
arquitetura ganham ênfase quase obsessiva. Evidencia-se, assim, um outro propósito didático. Os
minuciosos detalhes destinados à coleta de água, ao funcionamento das aberturas ou à relação entre
estrutura resistente e elementos de vedação, por exemplo, são intencionalmente desenvolvidos em
consonância com o sentido poético que norteia o projeto, denotando que a arquitetura de tons fantásticos
utilizada como recurso didático não precisa necessariamente deixar de lado a dimensão construtiva.
3.5.7 Primeiro Ano
Se parte do instrumental didático da Cooper Union se abria para investigações poéticas e ficcionais após o
segundo ano, é importante enfatizar o tipo de conhecimento que era cultivado no primeiro ano da escola.
Como foi apontado, uma parte fundamental dos recursos didáticos forjados a partir da herança texana havia
sido mantida no período de fundamentação, sugerindo que a exploração sofisticada levada a cabo nos
ateliês mais avançados ainda dependia de uma base de conhecimentos comuns fundados em questões
típicas e tradicionais da arquitetura.
Além de ênfase no desenho, agora tratado de forma mais expressiva e ambígua, persistia também a noção
de que era necessário conhecer e nomear os elementos básicos da arquitetura e as relações que eles
mantinham entre si na concepção e na construção. A apresentação do problema dos nove-quadrados no
segundo Education of an Architect, mais de trinta anos após a sua criação no Texas, é ainda mais
89
“elementar” do que no primeiro. Hejduk opta por incluir, com a tipografia original, apenas as definições do
dicionário para algumas palavras-chave: viga [beam], coluna [column], fabricar [fabricate], painel [panel],
parede [wall] (HEJDUK, 1988). Ainda assim, as imagens sugerem que noções relativas à forma e ao espaço
arquitetônico, abordadas tanto no sentido da geometria quanto em termos das tensões espaciais presentes
na relação entre os objetos, também seguiam sendo exploradas.
Ilustração 17 - Exercício “Cartesian House”
Exercício proposto para estudantes de primeiro ano na Cooper Union na década de 1980. Fonte: Hejduk, 1988.
As novidades no primeiro ano estavam na ênfase dada a aspectos ligados genericamente à construção.
Noções estruturais relacionadas a objetos arquitetônicos eram exploradas em conjunto com problemas de
concepção, e não de modo independente. Exercícios de construção de pontes, por exemplo, não eram
desvinculados da atenção à expressividade formal dos objetos. Do mesmo modo, a compreensão das
forças atuantes na estrutura e o tipo de resposta construtiva possível eram também explorados por meio de
tentativas de inventividade estrutural, em que predominava a experimentação direta com os objetos. Além
disso, todos os exercícios eram acompanhados de um intenso investimento na aprendizagem da
90
fabricação. A execução de modelos extrapolava o propósito da representação e assumia o sentido de uma
construção em si. Cada modelo deveria resistir de fato a tensões reais e por vezes eram articulados,
exigindo atenção ao funcionamento e à relação entre as peças que compunham os conjuntos. Do mesmo
modo, a materialidade era explorada de modo direto e não representacional, exigindo atenção às
propriedades fenomênicas intrínsecas de cada material.
40
Ilustração 18 - Exercício de Equilíbrio
Exercício da Cooper Union. Fonte: Hejduk, 1988.
Ilustração 19 - Exercício da Ponte
Exercício de construção da Cooper Union. Fonte: Hejduk, 1988.
40
Tais exercícios remetem aos estudos de materialidade propostos por Albers na Bauhaus, assim como aos exercícios de
equilíbrio propostos por Moholy-Nagy.
91
A noção de aprendizagem de temas considerados fundamentais para a arquitetura, como recurso
necessário a explorações mais sofisticadas, indica não apenas o propósito propedêutico dos primeiros anos
na formação do arquiteto, mas também remete à noção de que a exploração do viés poético da arquitetura
– a expressão e o acolhimento de sentido – é inseparável do manejo da sua linguagem intrínseca tanto
quanto é inseparável da experiência que se tem com ela:
Os problemas de ponto-linha-plano-volume, os fatos do quadrado-círculo-triângulo, os mistérios
do centra-periférico-frontal-oblíquo-concavidade-convexidade, do ângulo-reto, perpendicular,
perspectiva, a compreensão da esfera-cilindro-pirâmide, as questões de estrutura-construção-
organização, as questões de escala, posição, o interesse no pilar-lintel, parede-laje, vertical-
horizontal, os argumentos do espaço tridimensional e bidimensional, a extensão de um campo
limitado, de um campo ilimitado, o significado da planta, corte, da expansão espacial-contração
espacial, compressão espacial-tensão espacial, a direção de linhas reguladoras, das grelhas, o
sentido da tensão implícita, as relações de figura com fundo, de número com proporção, de
medida com escala, de simetria com assimetria, da planta diamante com a diagonal, das forças
latentes, das idéias na configuração, o estático com o dinâmico – tudo isso começa a tomar a
forma de um vocabulário. (HEJDUK apud CARAGONNE, 1994, p. 373)
Talvez a ordem de procedência estabelecida entre os trabalhos do primeiro e do segundo ano na Cooper
Union indiquem que de acordo com a concepção pedagógica da escola existe a necessidade de se
conhecer os termos básicos da linguagem arquitetônica para que então esta seja empregada como o
vocabulário de um discurso poético.
4 SOBRE A HISTÓRIA DO ENSINO DE ARQUITETURA NO BRASIL
O objetivo deste capítulo é apresentar um panorama histórico do ensino de arquitetura no Brasil desde o
início do século XIX, concentrando-se no âmbito das instituições de ensino superior e dando especial
atenção aos períodos introdutórios. Nessa tarefa, cumprida a grandes rasgos, se buscará apontar
movimentos de ruptura, interrupções e traços de diferença que assinalem desvios significativos no modo
como a formação do arquiteto era operada e discutida. Além disso, pretende-se destacar algumas heranças
e continuidades que por vezes permaneceram à sombra, como tradições pressupostas de uma determinada
cultura de ensino. Em grande medida, esses movimentos de ruptura e continuidade estão relacionados com
a acomodação de práticas didáticas ligadas a diferentes tradições do ensino de arquitetura, como as
apresentadas no capítulo anterior. No entanto, as escolhas acerca da direção do ensino estão inseridas em
um complexo jogo de forças imanentes à sua contingência. Desse modo, além das tradições de ensino e
discursos a elas ligados, não será possível omitir na apresentação as relações de poder constituídas nos
cruzamentos entre as instituições de ensino superior, o Estado brasileiro e o campo profissional.
4.1 ANTES DA INVENÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
Até a vinda da corte para o Brasil, no início do século XIX, a formação profissional na colônia incluía
procedimentos que, embora nem sempre contínuos ou regulares, eram suficientes para suprir as
necessidades básicas. No campo da construção e concepção de edifícios, os profissionais eram formados
nas Aulas de Fortificações, no âmbito militar, e nas Corporações de Ofício entre os civis (SANTOS, 2002).
No primeiro caso, a necessidade de defesa do território, que já havia levado Portugal a enviar fortificadores
capacitados da Europa, acabara por levar à criação de algumas Aulas de Fortificações no Brasil, ligadas ao
ensino da artilharia, dentro da estrutura militar. As aulas do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco
preparavam os novos fortificadores – engenheiros militares – com noções de desenho e geometria para
planejar e construir tanto fortificações quanto edificações para fins administrativos. Além de militares, tais
aulas recebiam estudantes civis interessados nos conhecimentos sobre construção. Até o fim do século
93
XVIII, algumas Aulas de Fortificações ganharam incrementos no ensino da álgebra, aritmética, desenho e
geometria, constituindo disciplinas que seriam futuramente a base do ensino politécnico.
No âmbito civil eram as Corporações de Ofícios que tinham a responsabilidade da fiscalização e da
regulamentação dos “ofícios mecânicos”, encarregando-se também da formação dos seus artífices. O
aprendizado dava-se de modo direto, no próprio canteiro de obras, na relação de mestre-oficial para artífice
aprendiz, constituindo um sistema de formação profissional semelhante ao que era vigente em Portugal
desde a época medieval. Os conteúdos eram controlados pelas próprias Corporações e estavam
diretamente ligados às necessidades cotidianas da construção. (CUNHA apud SANTOS, 2002, p. 62).
A vinda da Família Real – e a conseqüente Abertura dos Portos – em 1808 gerou demandas para o
estabelecimento mais franco do ensino de nível superior na colônia. A permissão para a instalação de
fábricas e a mobilização de recursos, até então inédita, geraram demandas por profissionais tecnicamente
habilitados. Além disso, a presença da corte tornava necessária a formação de burocratas que pudessem
atender ao recém-criado Estado brasileiro. Nesse contexto, a criação de academias e cursos superiores de
ensino técnico contribuiu tanto para o início da superação da hegemonia da economia extrativista ou
artesanal quanto para a produção de bens simbólicos que atendesse à sociedade civil e ao Estado.
4.2 ENSINO OFICIAL
Foi deste modo que o ensino superior oficial passou a abrigar também profissionais ligados à arquitetura em
pelo menos duas esferas. Por um lado, a formação de arquitetos estava incorporada, de modo periférico, à
formação dos engenheiros em diferentes capitais do país nas escolas militares e politécnicas, orientadas
para o trabalho na esfera técnica e científica relacionada à produção fabril. Por outro lado, figurava como
uma das Belas Artes – ao lado da pintura, escultura e gravura – na Academia Imperial de Belas Artes que
fora criada no Rio de Janeiro pelos artistas e artesãos da Missão Artística Francesa.
4.2.1 Missão Artística Francesa e Arquitetura como uma das Belas Artes
A chamada Missão Francesa chegou ao Brasil em 1816 trazendo um grupo de artistas e artesãos
bonapartistas de grande reputação que, com a queda de Napoleão, aceitaram o convite para constituir na
colônia portuguesa um núcleo de ensino superior ligado às Belas Artes e aos Ofícios Mecânicos. Chefiado
por Joachin Lebreton, o grupo consistia de um quadro de artes mecânicas, com seis mestres de artes e
94
ofícios – e um quadro superior ou artístico – que incluía seis professores e três assistentes – entre eles, o
professor e arquiteto Grandjean de Montigny e dois assistentes de arquiteto.
No ano de sua chegada, a Missão fundou a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, com a tarefa de
reunir os estudos de ciências (matemática, física, química, biologia e botânica), a instrução dos ofícios
mecânicos (serralheria, carpintaria) e o ensino das artes nobres (pintura, escultura, arquitetura etc.). A
intenção inicial de Lebreton era criar uma escola dupla, com a função de formar tanto artistas quanto
técnicos. As Belas Artes, consideradas superiores, teriam uma atribuição diretiva perante os ofícios
mecânicos. Estes, no entanto, eram considerados necessários para a superação dos modos de produção
vigentes no país, considerados insuficientes ou atrasados. Nesse sentido, além dos mestres das artes
nobres, haveria na escola também um mestre artesão para cada ofício. Os estudantes da escola “entrariam
como aprendizes nessas oficinas, e em poucos anos, [...] se tornariam mestres, fundando e aperfeiçoando a
indústria nacional” (LEBRETON apud BARATA, 1959, p. 291).
41
A Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, no entanto, nunca chegou a ser posta em funcionamento. Uma
versão fora recriada sem os professores franceses em 1820, contemplando o ensino das Belas Artes e da
Arquitetura, mas excluindo os ofícios mecânicos. É apenas em 1826 que os membros da Missão Francesa
assumem as cátedras da recém-inaugurada Academia Imperial de Belas Artes, abandonando por definitivo
a formação específica dos ofícios mecânicos.
Sobre o modelo pedagógico, pode-se ter pistas das intenções iniciais de Lebreton para a Escola Real das
Ciências, Artes e Ofícios, presentes em um manuscrito endereçado ao Conde da Barca em 1816.
O Curso de Arquitetura poderá ser teórico e prático. A parte teórica se dividirá em três seções:
História da Arquitetura e seus princípios, estabelecidos segundo os monumentos antigos e
modernos; Construção e Estereotomia. Esta última parte, assim como a perspectiva, útil também
aos outros artistas, é contida em um número limitado de lições.
O ensino teórico, porém, exigirá alunos já um pouco adiantados. Em conseqüência o professor
[Grandjean de Montigny] começará por formar os primeiros alunos, em exprimir idéias pelo
desenho, em imitar e em tomar conhecimento das dimensões. Só colocará diante deles exemplos
escolhidos entre os mais perfeitos modelos da Antigüidade e entre os mais belos monumentos da
arquitetura Moderna.
Quando os alunos tiverem adquirido bastante conhecimento para passar à composição, haverá
todos os meses um concurso de esboços e de projetos acabados. Esses concursos serão
julgados pelos professores e encaminhados ao ministério competente. Todos os anos em época
determinada [...] poder-se-ia fazer uma exposição pública de todos os trabalhos da escola, tanto
de professores como de alunos, e distribuir prêmios aos que houvessem demonstrado mais
talento ou feito maiores progressos. Quando o tempo permitir a formação de alunos com nível
bastante elevado, para presumir-se que possam tornar-se grandes artistas, será necessário
enviá-los por alguns anos à Itália. (LEBRETON apud BARATA, 1959, p 290-291).
41
Conforme manuscrito enviado por Lebreton ao Conde da Barca em 1816, com referência ao ensino na Escola Real das
Ciências, Artes e Ofícios. Apud BARATA, M. Manuscrito de Lebreton. In: Revista do Patrimônio Histórico Nacional. Rio de Janeiro:
n. 14, 1959. (p. 291)
95
Alguns temas merecem ser destacados nessa declaração de intenções. Em primeiro lugar, nota-se que o
modelo proposto reflete claramente as práticas vigentes na Ecole de Beaux-Arts de Paris, onde o ensino da
concepção arquitetônica era estruturado em torno de competições de projetos arquitetônicos realizados
pelos estudantes, com júri composto por professores da Academia. Grandjean de Montigny – assim como
os outros professores – havia estudado na Ecole de Beaux-Arts parisiense, tendo se formado com distinção
ao vencer o prestigiado Grand Prix de Rome de 1799. O curso era centralizado em torno do chefe do atel
e estava sujeito às suas idéias acerca da arquitetura. Diferentemente do que ocorria na França, onde os
alunos eram em maior número e se dividiam em diversos ateliês orientados por diferentes professores, no
Brasil, Montigny era soberano na seção de arquitetura, garantindo ao neo-clacissismo traços de força
hegemônica dentro da escola.
É importante notar que a concepção arquitetônica, ou composição, seria precedida por uma etapa
propedêutica que visava preparar o estudante com conhecimentos básicos para que então pudesse
enfrentar situações de ensino mais avançadas.
42
Entre os conhecimentos privilegiados, as poucas palavras
de Lebreton são explícitas a respeito dos meios de representação, da aquisição de um repertório de
precedentes relevantes e domínio das noções de tamanho e das dimensões. Cabe ainda destacar a prática
da imitação de modelos exemplares da arquitetura, que sugere uma abordagem da história da arquitetura
não apenas como um saber teórico, mas também como um conhecimento ligado a um fazer. Ao que
parece, o primeiro contato dos estudantes com a história da arquitetura era o seu primeiro encontro com
projetos arquitetônicos semelhantes aos que aprenderiam a conceber. Esse aprendizado se dava, em
grande medida, por meio da reprodução gráfica dos exemplares em questão, ou seja, utilizando-se a
mesma linguagem empregada na concepção arquitetônica. Porém, parece também razoável supor que esta
relação com a história era exatamente uma prática questionadora. Os precedentes reproduzidos, belos e
exemplares, eram apresentados como “os mais perfeitos modelos“ e eram trazidos aos estudantes para
serem imitados.
Apesar das transformações sofridas pela escola ao longo do século, o ensino de concepção arquitetônica
centralizado na relação mestre-aprendiz se manteve como o modus operandi de uma tradição acadêmica
que alcança os dias atuais.
42
Na pesquisa de campo realizada pelo trabalho alguns destes conteúdos apresentam semelhanças com as práticas sugeridas
por Lebreton. Entre eles estão conhecimentos a respeito das dimensões – presentes no território Corpo Dimensional (Cap. 5.2.1) –
e relativos à aquisição e ao reconhecimento de arquiteturas exemplares, presentes no território Precedentes (Cap. 5.2.6).
Evidentemente, as abordagens atuais não refletem diretamente as práticas do início do século XIX.
96
4.2.2 Reforma Araújo Porto Alegre e o Sentido Utilitário da Formação Profissional
Montigny permaneceu à frente da Academia Imperial das Belas Artes até seu falecimento em 1850, tendo
formado cerca de 50 arquitetos (DE LOS RIOS, 1977). Em 1854, Araújo Porto Alegre foi nomeado para a
direção da escola, promovendo transformações que em parte resgatavam o espírito das idéias iniciais de
Lebreton, referentes à necessidade de formar profissionais com maior capacidade técnica. A proposta de
uma reforma com sentido utilitário, que integrasse conteúdos destinados à prática profissional, trazia a
discussão entre a validade das pretensões artísticas ou investigativas do ensino de arquitetura e o seu
propósito profissionalizante. Porto Alegre declarara, na época, que “o nosso país precisa muito de operários
inteligentes e é esse o ponto principal do nosso sistema, embora os espíritos fátuos simulem pretensões
acima da realidade dos fatos e das necessidades atuais” (PORTO ALEGRE apud MOTTA, 1977). Esse
tema, que traz ecos do sentido original da criação das escolas superiores no período Brasil colonial, em
diversas ocasiões voltaria a figurar no debate sobre as escolas de arquitetura no país.
Os conteúdos a que se fazia referência, supostamente relacionados às práticas profissionais, pertenciam ao
âmbito científico e matemático em que estava baseado o ensino politécnico. Cabe observar que, até então,
na Academia Imperial não figurava o ensino das “ciências da observação”, a ponto de “um decreto de 1831
haver obrigado os estudantes a complementar seus estudos, conforme a sua especialidade dentro das
Belas Artes, cursando as geometrias elementar e descritiva e a física (ótica), na Academia Militar.”
(SANTOS, 2002, p. 59).
A reforma implementada por Araújo Porto Alegre, além de incluir conhecimentos científicos na seção de
arquitetura da escola, buscou descentralizar o regime pedagógico implementando o ensino por disciplinas
com conteúdos específicos. Foram criadas as cadeiras de “Desenho de Ornatos, Escultura de Ornatos,
Desenhos Geométricos, História das Artes e Estética, Arqueologia, e de Matemáticas Aplicadas, que
abraçava Aritmética, Geometria Descriptiva, Perspectiva e Sombras, Estereotomia, Trigonometria, Ótica,
Desenho Industrial, etc.” (GALVÃO apud MOTTA, 1977, p. 23). Com essa divisão de disciplinas, a reforma
de 1855 inaugurou uma estrutura organizacional de contdos que se manteria preservada em seus traços
principais até meados do século XX.
97
4.2.3 Ensino Politécnico
Paralelamente ao ensino da arquitetura na Academia Imperial de Belas Artes, o Brasil do século XIX contou
com a formação de engenheiros orientada para a construção civil, primeiramente dentro das escolas
militares, e mais tarde nas escolas politécnicas civis. Foi logo após a chegada da Corte que se fundou, em
1810, a Academia Real Militar, herdeira da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho – antiga
Aula de Fortificações do Rio de Janeiro. De imediato, deu-se incremento aos estudos de desenho,
geometria, geometria descritiva e arquitetura civil, formando a base do que viria a ser o ensino de
engenharia na colônia.
A Academia Real Militar passou às denominações de Escola Militar, em 1858, e de Escola Central. Nessa
época, além de um curso teórico de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais e de um curso de Engenharia
e Ciências Militares, havia um terceiro curso de Engenharia, destinado aos não-militares, que abordava as
técnicas de construção de estradas, pontes, canais e edifícios. A tendência deste curso prevaleceu e, em
1874, a Escola Central passou a chamar-se Escola Politécnica, atendendo apenas a alunos civis. O ensino
específico de arquitetura se limitava a uma única disciplina, cuja orientação seguia os preceitos da
arquitetura historicista das Belas Artes.
A adoção parcial da forma de organização curricular da Polytechnique francesa e do seu método de ensino
instrumental, entretanto, não gerou resultados similares ao francês. As diferenças de circunstâncias entre
as duas escolas implicaram desempenhos muito distintos. O funcionamento da Polytechnique de Paris
estava estreitamente ligado à produção de obras públicas de grande porte, cujos canteiros eram espécies
de laboratórios que realimentavam o ensino na escola. No Brasil, a construção se dava ainda de forma
artesanal, sob o comando de mestres-de-obras, com quem os engenheiros graduados passaram a disputar
o mercado de trabalho. Com a falta da injeção de recursos na construção de obras públicas, o ensino na
Politécnica do Rio de Janeiro permaneceu estagnado em um “academismo reprodutivo.” (SANTOS, 2002,
p. 58).
Na última década do século XIX surgem as escolas Politécnicas de São Paulo e da Bahia e a escola de
engenharia Mackenzie. Se no Rio de Janeiro a Politécnica mantinha apenas uma cadeira de arquitetura civil
e a respectiva aula de desenho como heranças da antiga Escola Militar, as novas escolas já são
inauguradas com cursos específicos de arquitetura (tendo a Mackenzie criado o seu em 1917). O sistema
adotado na Politécnica de São Paulo contava com um período básico de três anos (composto por um ano
de Curso Preliminar e dois anos de um Curso Geral, do qual participavam os aprovados no curso
preliminar). Todos os estudantes da escola, independente da formação final, recebiam a mesma formação
98
fundamental, cuja base era constituída por disciplinas teóricas relacionadas a saberes técnico-científicos
vinculados à engenharia. O prosseguimento dos estudos exigia dos estudantes optarem entre os diversos
Cursos Especiais que tinham ênfases específicas e duração de mais dois anos. Entre eles estava o curso
de arquitetura, cujos egressos recebiam o título de “Engenheiros-Arquitetos”. (MOTTA, 1977).
Assim, o ensino de arquitetura brasileiro chegava ao século XX sob duas vertentes : a da Politécnica e a da
Belas Artes, cada uma orientada segundo o correspondente modelo paradigmático importado da França no
decorrer do século XIX.
4.2.4 Regulamentação da Profissão e a Perícia Técnica
Com o início da Era Vargas, em 1930, instala-se no Brasil um estado centralizador com forte apelo
populista, levando à montagem das estruturas responsáveis pelo controle estatal sobre o ensino e pela
regulamentação das profissões. Os primeiros reflexos dessas ações sobre a profissão e o ensino de
arquitetura foram concomitantes ao surgimento da Arquitetura Moderna no Brasil e ao aparecimento de
esforços no sentido de transformar a atuação profissional do arquiteto.
Em 1931, o Estatuto das Universidades Brasileiras inaugurou o controle federal sobre as instituições de
ensino superior, fundando uma instância legal que até hoje atua controlando o licenciamento e orientação
curricular no ensino brasileiro. Desde o princípio, este controle visava uma suposta garantia de qualidade do
ensino, logo constituindo um instrumento útil para o exercício da regulamentação profissional que passaria
a vigorar no campo da arquitetura e construção civil. De fato, no ano de 1933 foi criado como uma autarquia
do governo federal o sistema que hoje é conhecido como CONFEA/CREA e que passaria a regulamentar as
profissões de Engenheiro, Arquiteto e Agrimensor.
Nesse processo, prevaleceu o ponto de vista dos engenheiros, cuja concepção politécnica terminou por
definir as atribuições dos diferentes profissionais exclusivamente a partir da noção de perícia técnica. A
imagem dinâmica e empreendedora dos engenheiros se alinhava com a política desenvolvimentista de
Getúlio Vargas, levando-os a gozar de prestigio dentro do governo. Os arquitetos bels-artistas, ao contrário,
eram vistos, neste meio, como profissionais supérfluos, espécies de técnicos menores ou meros
desenhistas. (ARTIGAS, 1977). Para fins da regulamentação profissional, a arquitetura era compreendida
como uma das especializações da engenharia e os egressos de todas as escolas de arquitetura passaram
a receber o título de Engenheiro-Arquiteto.
Tal organização, no entanto, não levara em conta aspectos filosóficos e estéticos cultivados na cultura
arquitetônica, resultando em uma incômoda vinculação profissional que foi objeto de diversas tentativas
99
protagonizadas pelos arquitetos – todas frustradas – de se emancipar dos conselhos de engenharia e criar
um conselho profissional autônomo.
A definição das atribuições profissionais pela legislação também estabelecia, implicitamente, um
determinado tipo de ensino. A escola que quisesse formar engenheiros-arquitetos aptos a atuar na
profissão deveria abrigar em seu currículo conteúdos “importados” diretamente das escolas politécnicas
onde se formavam os engenheiros. O controle estatal sobre as instituições de ensino garantia a aplicação
desta medida em todo o território nacional, exigindo, pela força da lei, que todos os cursos de arquitetura
que fossem independentes das escolas de engenharia seguissem o modelo curricular oficial, exatamente o
currículo da Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil, antiga Academia Imperial das Belas
Artes. Este modelo permaneceria vigente até a década de 1960.
4.2.5 Surgimento do Moderno e Reforma da Escola Nacional de Belas Artes
Paralelamente às questões da regulamentação profissional, emergiram, na década de 1930, conflitos
deflagrados pelo surgimento de uma divergência entre o ensino institucionalizado herdado do século XIX e
as novas perspectivas da produção arquitetônica. Tanto as escolas vinculadas ao modelo Beaux-Arts
quanto ao modelo Polytechnique eram comprometidas com a arquitetura dos estilos, ensinando por meio da
cópia de modelos históricos – nesta época dominados pelo neocolonial – e das ordens clássicas. Os
rumores da Arquitetura Moderna que se ouviam desde meados da década de 1920 no cenário arquitetônico
do Rio de Janeiro e, especialmente, em São Paulo aos poucos começaram a infiltrar as escolas de
arquitetura por meio dos estudantes. Aos poucos, se instalava o embate entre a inclusão do repertório da
arquitetura modernista, reivindicada pelos alunos, e a manutenção do paradigma historicista no ensino.
Além disso, emergiam demandas por uma aproximação com a realidade da produção contemporânea por
intermédio da incorporação de temas de projeto mais atuais e especialmente por meio do ensino de novas
técnicas de construção ligadas à produção moderna.
No final do ano de 1930, o Ministério da Educação convoca Lúcio Costa para promover uma reforma na
ENBA, sensibilizado da necessidade de mudança no ensino e, certamente, interessado na possibilidade de
ganho político advindo de sua vinculação à modernidade da “nova arquitetura”. Além de propor algumas
alterações curriculares não muito profundas, a reforma consistia, num primeiro momento, na substituição e
contratação de novos professores alinhados com o pensamento moderno. Para as disciplinas técnicas,
foram chamados professores da Politécnica, que tinham a incumbência de contribuir com noções a respeito
de novas técnicas de edificação, em especial o concreto armado, a que estavam atreladas certas
conquistas da nova arquitetura. Para as disciplinas de Composições de Arquitetura, foram contratados os
100
arquitetos Gregori Warchavchik e Alexander Buddeus, que promoveram alterações significativas na
orientação arquitetônica dentro dos ateliês, incorporando as técnicas e o repertório formal da arquitetura
moderna (SOUZA, 1987).
Buddeus e Warchavchik fizeram na escola uma verdadeira revolução. As fontes de inspiração dos
alunos eram até então os Concours d’École, os Grand Prix de Rome, e os Concours Chénavard,
da escola de Belas Artes de Paris. Buddeus introduziu as revistas Form e Modern Bauformen,
com novo vocabulário plástico de sólidos geométricos elementares e nova técnica de
apresentação: exata, pura, que começou a ser adotada dentro e fora da escola e continua em uso
até hoje. (SANTOS, 1987, p. 33)
Houve também a introdução de temas de projeto mais práticos e atuais, como postos de gasolina, grupos
escolares e “casa mínima”. As regras compositivas clássicas davam lugar a outro tipo de racionalidade. O
dimensionamento dos espaços e os pormenores funcionais passaram a receber maior atenção.
Era a função de cada cômodo; era a utilidade de uma cozinha, observando o seu funcionamento
e disposição de seu equipamento; era a interligação desses cômodos, mais os quartos e salas,
que davam a funcionalidade da planta. Tínhamos uma planta livre, sem os cânones e a simetria
até então obrigatórios. (SOUZA, 1987, p. 71)
A reforma de 1931, no entanto, foi sufocada na origem. Lançando mão de um artifício legal, os professores
afastados obrigaram Lucio Costa a deixar o cargo de diretor, restituindo seu antigo ocupante, José Mariano
Filho. Com isso, a ENBA retornou aos padrões anteriores, a despeito dos protestos dos alunos, cuja adesão
à reforma havia sido imediata e fervorosa.
43
Em sua maioria os estudantes haviam sido afetados pelo
desejo de tomar o caminho da Arquitetura Moderna e abandonar a cópia de estilos do passado. No grupo
estavam alguns nomes que iriam figurar entre os mais célebres do Movimento Moderno brasileiro, como
Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Luiz Nunes, Alcides Rocha Miranda, Ernani
Vasconcellos e Milton e Marcelo Roberto. Embora conseguissem mais tarde legitimar-se no âmbito
profissional afirmando a força e a qualidade da arquitetura moderna brasileira, o mesmo não aconteceria no
ensino, que permaneceria dominado pelos acadêmicos conservadores ainda por mais algumas décadas.
Apesar de toda a comoção que provocara, a reforma de Lúcio Costa não era revolucionária em todos os
sentidos. Pretendia-se dar aos alunos a chance de optar entre o ensino historicista e a nova arquitetura,
“procurando-se [...] estabelecer, na nova escola, uma atmosfera em que todas as correntes da arquitetura,
tradicionalistas ou modernas, tivessem livre curso e franco estímulo” (FIGUEIREDO apud SANTOS, 2002,
p. 97). A presença de uma nova arquitetura nos ateliês não poderia deixar de provocar algumas
transformações na abordagem conceptiva empregada pelos estudantes. No entanto, cabe destacar que
havia sido mantido o mesmo sistema de ensino da concepção arquitetônica vigente desde a fundação da
Academia Imperial de Belas Artes, ou seja, realizavam-se exercícios de concepção arquitetônica simulando
43
Segundo relata Abelardo de Souza, “o Vignola foi solenemente queimado e suas cinzas espalhadas pelas praias do Rio”.
(SOUZA, 1987, p. 61)
101
a prática profissional sob a orientação do professor. A relação mestre-discípulo era mantida numa prática de
“faça como eu faço”, porém agora de outro modo. Assim, talvez seja possível sugerir que no contexto da
reforma de Lúcio Costa na ENBA a alteração pedagógica no ensino de concepção projetual estava atrelada
à ideologia arquitetônica proposta pelos novos mestres e às conseqüentes transformações na abordagem
conceptiva, e não em transformações no modo de se estruturar o ensino. A manutenção da simulação da
prática profissional como método de ensino de concepção ainda seria predominante nas práticas didáticas e
discursivas dos professores por algumas décadas, tornando-se alvo da crítica de autores preocupados com
o tema do ensino de projeto na década de 1980 (COMAS, 1986) e constitui, ainda hoje, um tema de debate
neste campo.
44
4.2.6 Fortalecimento do Moderno e Autonomia das Escolas de Arquitetura
Durante a década de 1940, o prestígio conquistado pela arquitetura moderna foi responsável pela elevação
do status da profissão de arquiteto no Brasil, impulsionando certas iniciativas no sentido de divulgar a tarefa
do arquiteto, promover sua visibilidade social e conquistar espaço no mercado de trabalho. Foi fundado na
década de 1940 o Instituto de Arquitetos do Brasil, precedido pelo Instituto Central dos Architectos e o
Instituto Paulista de Architectos. A este processo estavam atreladas as tentativas de criar um sistema
próprio de regulamentação profissional que distinguisse os arquitetos e urbanistas dos diversos ramos da
Engenharia.
45
Para fazer frente ao discurso dos engenheiros, baseado na perícia técnica, os arquitetos
adotaram o discurso da racionalidade e da funcionalidade, extraindo daí um novo padrão estético. Buscava-
se desvincular o arquiteto de uma concepção vigente na perspectiva politécnica: a de um técnico menor,
profissional supérfluo de caráter elitista e aristocrático, muito diferente do pragmático engenheiro.
(SANTOS, 2002). A imagem pública a ser forjada era de um profissional dinâmico, de saber diversificado,
mas de visão integrada, que articulava conhecimentos técnicos, científicos, filosóficos e artísticos.
Nesse contexto, era natural que emergissem reivindicações por mudanças na formação dos novos
arquitetos. Esta preocupação convergia com as demandas vindas dos estudantes por atualizações nas
concepções plásticas e pela incorporação de conteúdos relacionados a novas técnicas de construção,
44
Diversos artigos publicados em 2003 e 2005 nos encontros Projetar põem em questão a persistência do método de ensino de
concepção projetual baseado exclusivamente na relação mestre-aprendiz e, em especial, na simulação da prática profissional. Ver
LARA, Fernando; MARQUES, Sônia (Org.). Projetar - desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro:
EVC, 2003 e DUARTE, Cristiane; RHEINGANTZ, Paulo Afonso; ARTEIRO, Gisele; BRONSTEIN; Laís (Orgs.) Caderno de
Resumos do Projetar / II Seminário sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura. Rio de Janeiro: FAU/UFRJ, 2005.
45
Esforços neste sentido já haviam ocorrido no início da década de 1930, através de iniciativas do Instituto Paulista de Architectos.
Ver INSTITUTO PAULISTA DE ARCHITECTOS. Anteprojeto de Lei para a Regulamentação da Profissão de Architecto.
Architectura e Construcções, 1931, v. II, n
o
23.
102
desdobrando-se em um debate acerca das condições institucionais dos cursos de arquitetura. Emergiram
assim as lutas pela criação de escolas autônomas, independentes das Belas Artes e das Engenharias.
O segundo pós-guerra encontrou os arquitetos brasileiros suficientemente prestigiados para
começar a planejar a educação e a formação de novos quadros de arquitetos [...] o IAB [Instituto
dos Arquitetos do Brasil] desde o 1° Congresso Nacional de Arquitetos realizado em 1944 em
São Paulo dedicou-se a incentivar o aperfeiçoamento do ensino da Arquitetura e a fundação de
novas faculdades de Arquitetura dentro das universidades, separadas das escolas de
engenharia..(ARTIGAS, 1977, p. 33).
Até então a única exceção era a Escola de Arquitetura de Belo Horizonte que, embora respeitasse a
determinação federal de basear seu currículo no da ENBA, fora fundada em 1930 como um curso
específico de arquitetura. Em 1945, a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA), vinculada à
Universidade do Brasil e herdeira da Escola Nacional de Belas Artes, demarcou simbolicamente o
surgimento dos cursos autônomos. Em seguida, no ano de 1947, a Faculdade de Arquitetura Mackenzie
separa-se do curso de engenharia e em 1948 surge a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
Em Porto Alegre, curiosamente, fundam-se no ano de 1945 duas escolas de arquitetura, uma vinculada ao
Instituto de Belas Artes e outra à Faculdade de Engenharia. Enquanto a primeira seguia o currículo da FNA,
a segunda tomava como referência o modelo da Politécnica de São Paulo. Apenas no ano de 1952 as duas
escolas, que já pertenciam à Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), se juntariam em uma única
Faculdade de Arquitetura, seguindo o padrão da FNA.
Esta curiosa aglutinação – em que dois cursos com orientações díspares passariam a formar uma única
escola de arquitetura – ilustra um problema que emergiu na formação dos centros de ensino autônomos.
Apesar das novas condições institucionais, as escolas recém-emancipadas ainda tinham de lidar com o
lastro das tradições a que estava vinculado o ensino de arquitetura no Brasil, herdado dos modelos
Polytechnique e Beaux-Arts. O testemunho de Artigas sobre a formação da FAUUSP expõe a dificultosa
acomodação destes saberes.
A FAUUSP tem [...] raízes mais profundas no curso de Arquitetura da Escola Politécnica da USP.
Organizou-se adaptando-se ao currículo padrão que era o da Escola Nacional de Belas Artes,
com suas disciplinas de Plástica, Modelagem, Arquitetura de Interiores, Grandes e Pequenas
Composições, etc... Mas também conservou o programa de ensino técnico que caracterizava o
curso de Arquitetura da Escola Politécnica. A formação urbanística, sob a orientação do professor
Anhaia Mello, também tem sua origem neste curso.
O currículo composto foi, inevitavelmente, uma somatória de disciplinas. O modelo de arquiteto
que pretendíamos não podia ser compreendido. O amadurecimento ainda precisava e talvez
precise ainda algum esforço. (ARTIGAS, 1977, p. 33)
A autonomia das escolas de arquitetura era um primeiro passo na transformação do ensino, mas não era
por si só a solução para os problemas identificados na formação do arquiteto. Por um lado, nos cursos
oriundos das politécnicas, a hibridação com o currículo da FNA não se deu de forma orgânica. Se o ensino
103
ligado às Belas Artes vinha sendo criticado por não contemplar as demandas relativas às recentes
necessidades da profissão e da disciplina de Arquitetura e do Urbanismo, a manutenção do currículo da
FNA como o padrão nacional apenas contribuiu para dar continuidade ao problema. Além disso, a
incorporação das disciplinas técnicas não vinha acompanhada da costura pedagógica necessária em
relação às disciplinas de desenho, história da arquitetura ou composição, um problema que ainda hoje é
destacado no debate sobre a formação do arquiteto no Brasil. (SANTOS JÚNIOR, 2001).
4.2.7 Infiltração do Moderno
A consolidação da autonomia conquistada pelas escolas fora acompanhada pela incorporação mais franca
da já prestigiada Arquitetura Moderna pelo ambiente acadêmico, num processo que deveu muito à
renovação geracional nos quadros docentes. Ao contrário do que ocorreu no episódio da reforma da ENBA,
no entanto, a infiltração moderna não se deu de modo súbito e tampouco ocorreu de forma sistemática ou
organizada. Inicialmente, o repertório "modernista era adotado pelas escolas como mais um estilo entre
tantos outros, ou seja, figurando no ensino como uma alternativa formal aos estilos históricos, numa
estrutura de ensino que mantinha o currículo herdado da Beaux-Arts.
No contexto do primeiro ano era a disciplina de modelagem que mais abria espaço para a absorção de
influências modernas. Originalmente destinada ao ensino de esculturas de ornatos, a modelagem permitia a
experimentação direta com a forma por meio da manipulação da forma escultórica. Aos poucos os
ornamentos de barro e gesso abriam espaço para estudos de composições formais abstratas, como
assinala o testemunho de um ex-aluno da Escola de Arquitetura de Belo Horizonte.
Na escola da Universidade de São Paulo, notamos principalmente a eficiência do curso de
modelagem plástica no qual não se aprende a modelar folhas, flores, bustos ou dentaduras, etc...,
mas, dados diversos sólidos os alunos estudam a melhor disposição de volumes. Isto será de
grande ajuda para seus futuros projetos. Hoje não mais necessitamos de esculpir figuras
humanas ou flores em fachadas, para isso existe o curso de Belas Artes. (OLIVEIRA;
PERPÉTUO, 2005).
A disputa entre estes dois universos de formas ilustra de certo modo a transição geracional que estava
ocorrendo. Relatos da Faculdade de Arquitetura do Instituto de Belas Artes de Porto Alegre no início da
década de 1950 apontam também na direção de uma gradual incorporação do repertório moderno na
disciplina de Modelagem:
Após o primeiro mês, de estudo de sólidos em barro, com a observação e composição dos
volumes no espaço, passa-se para temas especificamente arquitetônicos. Estudam-se, então,
formas arquitetônicas do passado [...] Depois o aluno deve fazer uma maquete, em barro, de um
volume, sem detalhes, de um prédio da época que preferir.
104
A seguir passa para o estudo de ‘formas da arquitetura contemporânea’ e estruturas em concreto
armado. Os alunos devem interpretar formas exteriores de edifícios destinados a diferentes
funções [...] O último trabalho do semestre é uma maquete pequena, em barro, de uma residência
de fim-de-semana. No segundo semestre, após uma parte sobre levantamento topográfico, com
maquete de terreno com bloco construído, arruamento e jardim, voltam os estudos sobre formas
contemporâneas com a parte sobre estruturas de concreto armado. São vistas as relações de
forma e espaço entre colunas e lajes, e os alunos devem realizar um trabalho em barro, madeira,
gesso, vidro ou outro material plástico. A última parte são maquetes com detalhes arquitetônicos.
[...] Fica clara a disposição da disciplina em procurar voltar-se para o moderno, alinhando-se à
tendência das disciplinas centrais do curso e encaminhando os alunos já para questões
arquitetônicas e para o interesse pela arquitetura moderna. (FIORE, 1992, p. 224)
46
Por outro lado, o currículo do primeiro ano das escolas contava ainda com a disciplina de Arquitetura
Analítica, cujo conteúdo privilegiava os estilos históricos da arquitetura mundial, tratados de forma
enciclopédica, com especial ênfase nas ordens clássicas.
As aulas são desenvolvidas através de uma série de preleções e trabalhos gráficos analíticos. As
preleções discorrem sobre os elementos arquitetônicos de cada período, os processos e técnicas
de construção, os elementos decorativos, leis de proporção, programas arquitetônicos, habitação,
monumentos importantes, condições históricas. Após estas aulas, os alunos realizam exercícios
gráficos de análise dos estilos e formas arquitetônicas estudadas. Os desenhos devem ser
bastante detalhados, reproduzindo as proporções, os elementos arquitetônicos e decorativos com
fidelidade, como, por exemplo, das ordens clássicas. Trata-se, na realidade, de uma reprodução
gráfica das formas arquitetônicas do passado, de uma cópia dos estilos históricos, sem uma visão
crítica, como colocam Nelson Souza e Charles Hugaud [...] Desenvolvida desse modo, Arquitetura
Analítica é uma "herdeira do academismo” (FIORE, 1992, p. 222)
47
Estas duas disciplinas, Modelagem e Arquitetura Analítica, eram as porções do ensino introdutório que mais
se aproximavam, entre as práticas didáticas propedêuticas, da concepção arquitetônica. Não por acaso, a
primeira seria mantida e fortalecida na transição para o moderno e a segunda extinta nos seus moldes
originais.
De fato, nos anos que se seguiram, com a presença dos novos professores, uma visão mais ampla e
consistente do Movimento Moderno passou a ser assimilada pelo ambiente acadêmico, tornando a
manutenção do modelo tradicional de ensino cada vez mais desconfortável e constituindo, com isso, uma
atmosfera fértil para os debates em torno de reformas mais substanciais no ensino de arquitetura. Além da
ojeriza ao academicismo e a crescente desvalorização da história, o papel social do arquiteto aparecia em
destaque nas falas, cada vez mais atrelado a um impulso por mudar a sociedade. “Na época atual, no
Brasil, os arquitetos tentam conquistar o lugar que por direito lhes cabe como organizadores do ambiente da
vida, em todos os sentidos da palavra.”
48
A exacerbação das esferas técnica e funcional na concepção
arquitetônica demonstrava traços de um determinismo formal que conviveria de modo algo incômodo nos
discursos dos docentes ao lado da imagem do arquiteto como artista da forma. A crença no papel diretivo
46
Segundo programa de modelagem datado de 1950.
47
Entrevista com Nelson Souza, Porto Alegre, 30/04/1991, e Charles René Hugaud, 01/04/1991.
48
Demétrio Ribeiro em uma conferência proferida na ocasião da apresentação das propostas de reforma de ensino em 1960 na
Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande do Sul. (SAN MARTIN; RIBEIRO, s.d., p. 5).
105
do programa e das possibilidades técnicas durante a concepção aparecia vinculada ao desejo de um ensino
cada vez mais direcionado para a produção arquitetônica efetiva, visando “dar ao estudante a experiência
da verdadeira vida profissional [...](SAN MARTIN; RIBEIRO, s.d., p. 6).
Estas posições são notáveis já no contexto das reformas dos anos 1960, quando algumas tentativas
concretas de incorporação de novas estratégias de ensino emergiram em diferentes escolas do país. A
Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Brasília (UnB), por exemplo, com um plano de
ensino e currículo elaborados por Alcides da Rocha Miranda, Oscar Niemeyer e Edgar Graeff, tentava
instalar um curso que era assumidamente influenciado pelas experiências de Gropius na Bauhaus,
prevendo inclusive a criação de um escritório de produção de projetos e planos para a própria universidade.
Na Faculdade de Arquitetura da UFRGS uma reforma proposta em 1960 visava transformar o ateliê de
projeto em um espaço de síntese de saberes relacionados à concepção arquitetônica. O ensino ligado à
técnica construtiva, por exemplo, “compareceria no atelier através de exigências dos programas do projeto”
(SAN MARTIN; RIBEIRO, s.d., p. 13), onde os professores ofereceriam aporte técnico a demandas geradas
pelo projeto de cada estudante. Nota-se que no ateliê do “projeto integral” não figuram a história ou a teoria,
ausências que seriam denunciadas décadas mais tarde, por uma nova geração de arquitetos e professores.
Predominava a noção de que um bom ensino profissionalizante se dá pela simulação da prática profissional
na escola, onde o aprendizado referente a determinado programa de projeto seria adquirido apenas por
intermédio de sua prática direta e específica.
Se tivermos de fazer um trabalho de arquitetura em que se cogita, por exemplo, da habitação
popular, acredito que o conhecimento que precisa o arquiteto para discutir essas questões com
outros especialistas está muito além do conhecimento adquirido atualmente na escola. Esse
conhecimento ele só poderá adquiri-lo se tiver estudado ou trabalhado em um projeto desse tipo,
com o conteúdo indispensável das diversas especialidades. [...] Portanto é necessário viver os
problemas em face de situações concretas.. (SAN MARTIN; RIBEIRO, s.d., p. 8)
Torna-se claro neste momento a consolidação e mesmo a elaboração teórica de uma abordagem
metodológica da concepção arquitetônica que passa a orientar o ensino do projeto em diversas escolas
brasileiras. “Esse projeto sempre deve ser visto pelo aspecto do programa conscientemente analisado, do
meio ambiente, e com soluções variáveis de acordo com conceitos claros da solução construtiva [sic]”
(SAN
MARTIN; RIBEIRO, s.d., p. 14). A posição metodológica implícita aí está vinculada ao pensamento
racional-1.1(n6.16v(l-1.f5.4uracion6.16l)1(í(a)io)4(peci5)-1.1(4.1(., qurace 5(aq)4.1( )-5.n)4.1(a )5.s)5.2p)4.1((g))0.2 aí de q aí í(a)4.1(a )0.1(a )5.1(o(2(l-1.1(n6.16.1(o4nt( aí ))4.1( )5.2(ce d4.1( )4.1( )5.2(ç4.1(a 6.2a)4.1(2)-1.1( )1(o4o)-1( )-4(í(a-2.44)-1.1do)4.2( )]T2.2396.7188 TD16.0012 Tc30.0002 C)4.3 a)-)4.3 a)4.1.3 a)nd)4.3 a mlrd4.3 alr m ” m
106
4.2.8 Lutas por uma Reforma do Ensino e Currículo Mínimo
As inquietações denotadas dentro das escolas foram acompanhadas, e de certo modo possibilitadas, por
movimentos institucionais ligados a novas reformas do ensino de arquitetura no país. Alinhadas com o
movimento nacional pela reforma do ensino superior e da universidade brasileira, as discussões sobre
reformas nos currículos das escolas de arquitetura contaram com o apoio do IAB e, mais uma vez, com a
participação efetiva dos estudantes. Entre 1958 e 1962, promoveu-se uma série de Encontros Nacionais de
Arquitetos, Professores e Estudantes de Arquitetura. Dando continuidade a preocupações presentes na
campanha pela autonomia dos anos 1940, pretendia-se reafirmar o papel do arquiteto perante a sociedade
e abrir espaço para a incorporação de modelos de ensino alinhados com os ideais da Arquitetura Moderna.
Buscou-se o aperfeiçoamento da formação de profissionais, unindo a perspectiva tecnicista à necessidade
da “conscientização” dos novos arquitetos sobre a realidade brasileira. (SANTOS JÚNIOR, 2001). Vinculada
à intenção de operar transformações sociais por intermédio da arquitetura e da organização do ambiente
construído, tal preocupação demonstra que o ideário modernista havia sido absorvido em um sentido mais
amplo do que apenas uma nova forma de conceber e construir edifícios.
107
tratado como uma lista de conteúdos, cuja inclusão ou exclusão era alvo de disputa face à heterogeneidade
do corpo docente das escolas.
4.2.9 Reforma Universitária de 1969 e Novo Currículo Mínimo
O golpe de 1964 e a instalação do governo militar tiveram conseqüências decisivas para o ensino superior
no Brasil, com o Estado assumindo o controle político e ideológico da educação escolar em todos os níveis.
Por um lado, os aparelhos de repressão se encarregaram de sufoa
108
a fragmentação do ensino de arquitetura como um conjunto de saberes específicos e desarticulados
(SANTOS JÚNIOR, 2001).
Na esfera mais ampla do ensino superior nacional, o novo instrumento curricular se ajustava a uma visão
tecnocrática e padronizadora. Suas normas de aplicação constituíram-se num roteiro facilitador para a
criação de novos cursos, criando condições para a ampliação do alcance do ensino superior e dando início
à proliferação de escolas ligadas à iniciativa privada – um fenômeno que persiste até os dias atuais. Em
contrapartida, diversas propostas renovadas de ensino no campo da arquitetura não sucederam ao
reconhecimento oficial por falharem em atender a todas as exigências burocráticas.
4.2.10 Modelagem, Plástica e Arquitetura Analítica
O Currículo Mínimo de 1969
52
reafirmou a separação entre as matérias básicas e as profissionalizantes. As
primeiras se encarregariam da fundamentação propedêutica trazendo conteúdos que endereçavam
(separadamente) diferentes aspectos dos conhecimentos na arquitetura. As matérias Plástica, Estética e
História das Artes correspondiam à base “artística” ou “criativa”; a base “técnica”, na matéria Física; e a
base “programática”, nas matérias Estudos Sociais, Desenvolvimento Econômico, Social e Político do
Brasil. Apenas mais adiante, no ciclo das “Matérias Profissionais”, os saberes “artísticos”, “programáticos” e
“técnicos” deveriam ser sintetizados na prática da concepção arquitetônica promovida nas disciplinas de
Planejamento (leia-se projeto), em que o professor em geral era um arquiteto com atuação profissional.
No ciclo básico o ensino que mais se aproximava da concepção arquitetônica ocorria na matéria “Plástica”,
sendo, em geral, a única que era atendida em uma disciplina ministrada em ambiente de ateliê e que
operava com proposições criativas. A Plástica era sucessora direta da disciplina de Modelagem, que na
escola de Belas Artes se encarregava do ensino do manejo da forma e técnicas de escultura com vistas à
elaboração de ornatos. Nas duas décadas que antecederam a reforma, como já foi mencionado, a disciplina
Modelagem absorvia em diferentes cursos do país, cada um a seu modo, as concepções modernas acerca
da forma arquitetônica e, com isso, abriam brechas para o questionamento acerca dos propósitos de um
ensino que se ocupava das esculturas de ornatos. O currículo mínimo, portanto, veio reconhecer uma
transformação no âmbito do ciclo básico que já estava em curso, criando a oportunidade para revisões e
ajustes no processo.
52
Ver Anexo B.
109
Um relato importante neste sentido foi oferecido pela professora Ana Maria Rambauske
53
, que cursou a
disciplina Modelagem como estudante da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil em
1962 e participou diretamente de sua transmutação em Plástica, ocorrida durante o início da década de
1970, na mesma escola, então rebatizada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Ainda como uma cátedra cujo titular era o professor Carlos Del Negro, a Modelagem
tinha na década de sessenta resquícios do ensino de ornamentos, mas também já havia assimilado
concepções da arquitetura moderna. Em sua bibliografia figuravam lado a lado títulos como “Do
Ornamento”, de autoria do próprio Del Negro, “Saber Ver Arquitetura”, de Bruno Zevi, e “O Modulor”, de Le
Corbusier. Os exercícios de modelagem em barro destinados à cópia de ornatos e à elaboração de moldes
de gesso eram seguidos de exercícios de composição envolvendo a combinação de formas volumétricas
primárias, por vezes obedecendo às regras da seção áurea, mas que eram também informadas pela
apresentação de diferentes “estilos da arquitetura moderna”. Ao que parece, havia uma espécie de
atualização de conteúdos para estratégias de ensino já tradicionais. Além de fornecer subsídios para
abordar questões relativas à representação e à visualização da forma tridimensional, os exercícios se
destinavam a desenvolver nos estudantes a intuição e o sentimento necessários para o trabalho com a
forma. Temas como proporção, equilíbrio e harmonia eram aproximados para lidar com a expressão em
linguagem puramente visual, sugerindo a existência de uma base comum ligada a um pensamento
formalista no âmbito da arte e da arquitetura.
Com a extinção das cátedras e da figura de um coordenador único, abriu-se espaço para uma nova geração
de professores. O grupo de assistentes da cátedra de Modelagem foi responsável pela elaboração da
disciplina Plástica na UFRJ, aproximando novos conteúdos, mas valendo-se também da experiência com as
práticas didáticas que vinham conduzindo nos ateliês. Os modelos em barro e os moldes de gesso
persistiam, mas já não eram cópias e sim composições geométricas em alto relevo criadas pelo próprio
aluno. O universo de formas da disciplina passara a ser essencialmente abstrato, ou seja, se afastava tanto
da figuração quanto de propósitos que fossem explicitamente arquitetônicos. A atenção aos princípios de
composição e aos conceitos de proporção, equilíbrio, tensão e harmonia eram ainda fundamentais.
110
disso, a disciplina Plástica mantinha a atenção devido ao desenvolvimento das habilidades criativas e à
sensibilidade “artística”, ligadas à apreensão visual da forma e à sua construção.
É interessante notar que este movimento fora acompanhado, na Faculdade de Arquitetura da UFRJ,, pela
criação dos seis departamentos da unidade, cuja composição, como aponta Andrés Passaro (2003), traz as
marcas nítidas de um pensamento tipicamente moderno. A disciplina de Plástica, responsável pelo ensino
de introdução à concepção arquitetônica, pertencia ao departamento de Análise e Representação da
Forma, indicando a prevalência dada ao manejo e à compreensão da forma como subsídio propedêutico
para a prática da concepção arquitetônica. Este movimento expõe, pelo seu avesso, marcas que são
características dos desdobramentos modernos no ensino de arquitetura. Se na tradição da escola de Belas
Artes as disciplinas de Modelagem e Arquitetura Analítica eram as que mais se aproximavam da prática da
concepção arquitetônica nos períodos introdutórios, apenas uma delas persistira no novo currículo.
Enquanto a Modelagem avançara em direção à Plástica, a Arquitetura Analítica fora colocada em segundo
plano, perdendo os traços de uma matéria prática e tendo parte de seu conteúdo incorporado pelas
111
A expansão quantitativa do ensino de arquitetura está impondo cada vez mais agudamente a
consideração de sua qualidade. A pedagogia para pequenos grupos não encontrou ainda a sua
articulação com a pedagogia para grandes massas estudantis. O empresariamento privado do
ensino superior abastarda e corrompe a atividade pedagógica ao atrelar a produção do
conhecimento crítico e criativo aos interesses do lucro, aos interesses de grupos dominantes e
aos interesses da razão puramente instrumental.
54
Nesse contexto, emergia a demanda por ações que buscassem garantir, de modo mais eficiente, a
qualidade do ensino de arquitetura. Uma campanha liderada pelo IAB levou o MEC a instituir, em 1973, a
Comissão de Especialistas de Arquitetura e Urbanismo (CEAU) com o objetivo de obter assessoramento na
melhoria da qualidade do ensino da Arquitetura e Urbanismo. No mesmo ano, é criada a Associação
Brasileira de Escolas de Arquitetura (ABEA), uma entidade de caráter político e cultural cuja finalidade
inicial era elaborar um diagnóstico da situação do ensino por meio das “Comissões de Avaliação de
Ensino”. Encontros regionais e nacionais foram promovidos para a divulgação e discussão desses
diagnósticos e dos pareceres da CEAU, tirando proveito do ambiente de abertura política e re-instalando a
atmosfera de debate sobre novas transformações estruturais no ensino de arquitetura. Este quadro
inaugura um deslocamento de centralidade nas instâncias de decisão sobre o ensino de arquitetura, onde
as entidades organizadas passaram a ser referência para tomadas de decisão na esfera do Estado.
Com a divulgação das primeiras avaliações do CEAU em 1974, seguida de uma série de encontros
regionais promovidos pela ABEA, é redigida, em um encontro nacional no ano de 1977, a Carta de Ouro
Preto
55
. O documento buscava trazer subsídios para mais uma reformulação do ensino de arquitetura por
intermédio de novas bases curriculares. Nos anos seguintes, diversos outros Encontros Nacionais de
Ensino de Arquitetura (ENSEA) deram prosseguimento às discussões, reunindo visões conflitantes em
torno de uma pauta diversificada. Por um lado, a extenuação do vigor da arquitetura moderna brasileira e a
emergência de esforços de revisão do pensamento a ela ligada tornavam improvável um discurso
hegemônico (SEGAWA, 2002). Além disso, a crescente diversificação no campo de atuação do arquiteto –
acompanhado pela queda do seu prestígio na sociedade – fazia com que a busca por um novo perfil
profissional tomasse caminhos divergentes, dificultando a definição de um perfil para o egresso das
faculdades de arquitetura.
Finalmente, em 1982, foi produzida uma nova proposta de Currículo Mínimo,
56
baseada nas
recomendações da Carta de Ouro Preto ao mesmo tempo em que buscava recuperar algumas
reivindicações esboçadas no Currículo Mínimo de 1962. O mais notável a respeito desta proposta, além da
forte presença do urbanismo, era o privilégio dado ao ensino de projeto – ao qual destinaria quase metade
54
Depoimento de José Cláudio Gomes no II Inquérito Nacional de Arquitetura promovido pelo IAB em 1982. (INSTITUTO DE
ARQUITETOS DO BRASIL apud SANTOS, 2003, p. 121-122).
55
Ver anexo B.
56
Ver anexo D.
112
do tempo de curso – indicando uma reação à fragmentação de disciplinas dos cursos de arquitetura e a
conseqüente perda de espaço da concepção arquitetônica. Além disso, tinha como referência a estrutura
departamental da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) –
constituída pelos setores de projeto, tecnologia e teoria/história. Porém, o novo currículo persistia na
estratégia de impor conteúdos e cargas horárias, limitando a flexibilidade na organização curricular plena
nas escolas. Ao fim, a proposta não foi aprovada pelo Conselho Federal de Educação, tendo sido reenviada
e novamente recusada em 1986, fazendo com que o Currículo Mínimo de 1969 permanecesse vigente até a
promulgação das Diretrizes Curriculares em 1996.
Enquanto as discussões promovidas pela ABEA tinham curso, nas escolas, a disputa por cargas horárias e
disciplinas entre os docentes de diferentes departamentos, acompanhadas da incorporação de novas
matérias e da restituição de outras suprimidas, resultara em transformações nas grades curriculares. A
fragmentação da organização curricular e a desarticulação dos saberes eram acrescidas de um aumento
expressivo das cargas horárias para além do mínimo demandado pelo currículo (SALVATORI, 2005).
4.2.12 Crítica
Atravessando os debates promovidos pela ABEA na década de 1970 estava a crescente tomada de
consciência sobre a falta de uma prática reflexiva consistente e sistemática acerca da produção
arquitetônica brasileira. Esta posição era defendida por membros engajados da comunidade acadêmica e
denunciava, sob um novo ponto de vista, a falta de vínculo entre a produção arquitetônica e seu ensino na
universidade. Se, anteriormente, prevalecia a opinião de que o ensino deveria ser mais parecido com a
prática arquitetônica, o discurso que surgia apontava a insuficiência do ambiente profissional em germinar o
hábito da reflexão, destacando-o como uma carência tanto da escola quanto da profissão. Já em 1972,
Miguel Pereira afirmava que “toda uma geração de arquitetos se formou sem o hábito da crítica”,
consolidando, na produção arquitetônica, “o espírito auto-didático, prescindindo da escola e dela
desdenhando” (PEREIRA, 1972, p. 3-9).
Com a expansão do ensino e as crescentes dificuldades enfrentadas pelos arquitetos no mercado de
trabalho, tal situação tendia a se agravar. As escolas absorviam arquitetos recém-formados “sem preparo
específico” e sem “experiência profissional concreta”, “talvez devido à baixa oferta de empregos no
mercado”.
57
Além da falta de prática e preparo dos novos professores, o próprio modelo de docente como
57
Segundo depoimento de Paulo de Mello Bastos no II INA. (INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL apud SANTOS, 2003, p.
122)
113
arquiteto profissional passava a ser questionado. Conforme atesta o depoimento de José Cláudio Gomes,
“o amadorismo da atividade pedagógica deve ser superado pela profissionalização dentro de condições
condignas para o seu exercício” (apud SANTOS, 2003, p. 122)
Neste caso, no entanto, não era possível responsabilizar apenas a proliferação dos cursos ou as
dificuldades impostas pelo mercado de trabalho. A transmissão acrítica de conhecimentos já era ancestral
no ensino de arquitetura brasileira, que desde a sua instituição orientava-se exclusivamente para a
formação profissional, prescindindo de uma vinculação com a pesquisa. Como decorrência, além da falta de
um instrumental teórico que permitisse problematizar a própria disciplina arquitetônica, a formação dos
arquitetos era carente de uma reflexão sistemática que orientasse a transposição didática de doutrinas,
métodos e teorias arquitetônicas para o ateliê de projeto. De certo modo, o ensino nas universidades não
era tão diferente daquele produzido no ambiente do escritório, onde predominava a transmissão dos
conhecimentos do arquiteto mestre ao arquiteto discípulo.
Além dos problemas relativos à prática docente, a falta de crítica em relação ao Modernismo Brasileiro
havia instituído um amortecimento da capacidade de renovação na produção e no pensamento
arquitetônico dentro e fora das escolas. Conforme aponta Joaquim Guedes, a elevação do “pensamento
niemeyeriano” a um modelo nas escolas passou a exercer uma “função paralisadora”: “[...] era como se
todos os problemas da arquitetura tivessem sido resolvidos para o Brasil, para o mundo e para sempre e
sua prodigiosa beleza jamais pudesse ser atingida [...] a pesquisa acabou substituída pela competição de
elogiar mais e copiar melhor” (apud SANTOS, 2003, p. 114).
Esta posição, endossada pelo olhar retrospectivo de alguns arquitetos e membros da comunidade
acadêmica, aponta para a germinação, especialmente dentro das universidades públicas, de um ambiente
que fomentasse a reflexão e a crítica da produção arquitetônica e seu ensino.
4.2.13 Pós-Graduação: Encontro de Ensino de Projeto
A partir do início dos anos 1980, observa-se o ingresso nas escolas de arquitetura de uma nova geração de
professores que tinha como diferencial a pós-graduação, muitos deles na área de ciências sociais aplicadas
(VELOSO; ELALI, 2003) ou com passagens por centros de ensino estrangeiros. Essa crescente
intelectualização do corpo docente, principalmente nas escolas públicas, se alinhava com a instituição de
novos padrões para a progressão de carreira em nível superior. A ascendência funcional, antes baseada no
tempo de carreira, passa a ser vinculada ao grau acadêmico. Além disso, a dedicação exclusiva –
modalidade inaugurada pela UnB em 1962 – era mais bem remunerada segundo o novo plano de carreira,
levando ao progressivo abandono da prática profissional por parte dos professores arquitetos.
114
O conseqüente incremento da pesquisa dentro da universidade dá combustível para a adoção de posturas
críticas quanto à produção arquitetônica e seu ensino. Por um lado, conforme apontam Veloso e Elali
(2003), houve um crescimento das preocupações com a realidade social, gestado no contato dos
professores de arquitetura com o campo das ciências sociais. No ateliê de projeto, a prática de “simulação
de escritório” havia sido em parte substituída pela “síndrome do realismo social”, onde prevalecia o
atendimento das necessidades da comunidade e o desenvolvimento de tecnologias alternativas. Este
“realismo”, criticam as autoras, terminaria por enrijecer o processo de concepção em face à dura realidade
sócio-econômica, esvaziando-o de “excessos de imaginação” e deslocando do ambiente de ensino a
“discussão do processo de projeto em si ou de suas componentes conceituais e metodológicas” (p. 100).
Por outro lado, o contato com a pesquisa e a discussão teórica permitiu a absorção dos esforços de revisão
e crítica do Movimento Moderno que já corriam fora do país. Em certa medida, este ambiente convergia
com o questionamento sobre os processos didáticos no campo da concepção arquitetônica, levando a
críticas direcionadas tanto às posturas que davam privilégio para a intuição nos processos de concepção
quanto às teorias deterministas da concepção arquitetônica. Em 1985 e 1986, ocorrem na UFRGS dois
Encontros Nacionais sobre Ensino de Projeto Arquitetônico, acompanhados, em 1986, de uma publicação
específica sobre a disciplina de projeto. Entre as idéias apresentadas está a denúncia de que o brilho das
conquistas do movimento moderno brasileiro ocultaria contradições teóricas inerentes ao ensino de projeto
segundo alguns cânones da arquitetura moderna. Nos artigos apresentados, o ateliê não é mais visto como
um espaço de simulação da prática profissional, mas como um ambiente de síntese de saberes em torno de
um conhecimento arquitetônico específico. A crença na forma derivada do programa e da técnica, a
115
universo de trabalho dos arquitetos. Visitas de campo e pesquisas in loco nas porções estudadas da cidade
eram acompanhadas por práticas didáticas que visavam a compreensão de aspectos morfológicos e
estruturais do ambiente construído.
Segundo Mizoguchi, não havia referências teóricas orientando esta transformação, que era baseada em
convicções pessoais dos professores. No entanto, é possível identificar uma convergência entre as
transformações no Estudo da Forma na UFRGS e as preocupações presentes em autores protagonistas da
crítica ao movimento moderno, como Aldo Rossi e Vitorio Gregotti, por exemplo. Neste sentido é importante
mencionar a presença do professor Carlos Eduardo Dias Comas nas reformas de 1978 na UFRGS,
ocorridas pouco tempo após seu retorno da pós-graduação na Universidade da Pennsylvania, onde
desenvolvera uma pesquisa de mestrado sobre as premissas ideológicas do urbanismo moderno. Não é
difícil supor que ele tenha trazido contribuições com afiliações teóricas obtidas em seu percurso no exterior.
De qualquer modo a inflexão testemunhada na UFRGS aponta para uma descontinuidade na hegemonia da
manipulação da forma como subsídio fundamental para a concepção arquitetônica menos de uma década
após seu acolhimento pelo currículo mínimo do MEC. Embora trate-se de um caso particular, hoje é
evidente que nas décadas seguintes diferentes escolas, cada uma a seu tempo e a seu modo, terminaram
por se afastar da tradição da Plástica em busca de um ensino de introdução à concepção arquitetônica que
lidasse com outros aspectos do projeto. Estes movimentos, que ocorreram de modo um tanto disperso,
foram motivados pelo enfraquecimento do modernismo e terminaram legitimados por todos os esforços de
reformas do ensino de arquitetura que sucederam o Currículo Mínimo de 1969.
4.2.14 Diretrizes Curriculares 1994 e 2ª Lei de Diretrizes e Bases de 1996
No fim da década de 1980, a nova constituição brasileira abre caminho para algumas transformações que
seriam implementadas na década seguinte no ensino superior brasileiro. No campo da arquitetura, após um
amplo debate conduzido pela CEAU, com a participação e apoio da ABEA, entidades de classe e
representantes de cursos, foram estabelecidas, em 1994, as Diretrizes Curriculares para os cursos de
Arquitetura e Urbanismo no Brasil. As novas determinações substituíam, após 25 anos, o Currículo Mínimo
de 1969.
Esta novidade atendia a certas determinações legais que, a partir de meados da década de 1990, se
agregariam em torno da nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação de 1996 (LBD).
58
Além de
58
A Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ou LDB, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, é assinada
pelo Ministro Paulo Renato de Souza. (BRASIL, 1996).
116
atualizar alguns conceitos acerca do ensino de um modo geral, a LDB trouxe medidas que tiveram impacto
direto no ensino de Arquitetura e Urbanismo. Com a criação do Sistema Nacional de Avaliação de Ensino
(SNAES), aumentava o incentivo ao incremento do grau acadêmico dos docentes, consolidando no campo
da arquitetura a crescente “academização” dos professores de projeto. Outra medida relacionada ao
SNAES foi a criação do Exame Nacional de Cursos – o “Provão” – cujos critérios de avaliação estariam
contidos em um rol de conhecimentos e competências supostamente necessários aos arquitetos recém-
formados. A lei também incluía a Arquitetura e Urbanismo entre as “Ciências Sociais Aplicadas”,
reconhecendo sua distinção em relação à engenharia e às belas artes, mas colocando-a ao lado de
disciplinas como Jornalismo, Direito e Ciências Contábeis. Além disso, a instituição de novos cursos passou
a ser isenta da autorização prévia do MEC, ficando sujeita a uma aprovação a posteriori, decorrendo no
aumento da taxa de expansão dos cursos de arquitetura e urbanismo no país.
No âmbito curricular, foi determinado, em 1997, que todas as áreas deveriam propor novas diretrizes
curriculares em substituição aos currículos mínimos vigentes. A área da Arquitetura e Urbanismo, que já
havia implementado suas diretrizes entre 1994 e 1996, ratificou-as e se comprometeu a enviar uma nova
proposta para futura implementação.
O conceito de diretrizes curriculares
(MERLIN, 2007) visava maior flexibilidade na construção dos currículos
plenos, indicando os conteúdos por meio de tópicos ou campos de estudo, evitando-se ao máximo a fixação
de conteúdos com cargas horárias predeterminadas. As Diretrizes Curriculares de 1994 para o curso de
Arquitetura e Urbanismo, no entanto, mantiveram uma estrutura muito semelhante ao Currículo Mínimo de
1969. Persistia a definição da carga horária mínima em 3.600h, exigência de “padrões mínimos de
qualidade” – relativos principalmente à infra-estrutura – e a relativa autonomia dos cursos em organizar as
matérias desdobrando-as em disciplinas.
As matérias eram divididas em três partes: Fundamentais (anteriormente denominadas Básicas),
Profissionais e Trabalho Final de Graduação, que havia sido incorporado pelas Diretrizes após haver se
afirmado como prática em diversas escolas. Quanto ao rol de matérias, houve algumas atualizações na
nomenclatura: por exemplo, a antiga Higiene de Habitação transformara-se em Conforto Ambiental.
Também foram extintas as matérias de Matemática, Física e Plástica (cujos conteúdos seriam incorporados
à matéria de Desenho). Em compensação, incluíram-se Técnicas Retrospectivas (que abordava
conservação, reparo, reestruturação e reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos), Topografia,
Informática Aplicada à Arquitetura, Sistemas Estruturais, Urbanismo e Planejamento Urbano e Regional
(incorporando conteúdos que anteriormente se restringiam à pós-graduação). Além disso, a antiga matéria
de Planejamento desdobrara-se em Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo.
Uma novidade relevante para este trabalho, além da eliminação da obrigatoriedade da matéria de Plástica,
era a extinção de qualquer exigência de precedência entre as matérias de Fundamentação e Profissionais,
117
dando liberdade às escolas para que distribuíssem as disciplinas de forma livre ao longo do curso. Nesse
sentido, abria-se a possibilidade, segundo o currículo, para a livre escolha na inclusão de saberes no
período inicial do curso.
Após a implantação das Diretrizes Curriculares em 1997, o MEC solicitara que todas as áreas acadêmicas
revisassem suas estruturas curriculares. No caso da Arquitetura e Urbanismo, os debates liderados pela
ABEA rapidamente referendaram a essência das Diretrizes de 1996, adaptando-a aos princípios
estabelecidos pela LDB e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) com mínimas alterações, terminando
por ser aprovada apenas em 2005 (MARAGNO, 2007). A concepção da ABEA de que as Diretrizes
Curriculares eram satisfatórias tinha o respaldo nas Cartas da UNESCO em conjunto com a União
Internacional dos Arquitetos (UIA) em 1996, 1999 e 2002, que demonstrava a coincidência entre as
propostas brasileiras e as internacionais. Embora fossem mais detalhadas do que as Diretrizes Curriculares
de 1994, a proposta implementada em 2006 não trazia mudanças substanciais quanto à distribuição de
conteúdos nas Diretrizes Curriculares.
118
5 UMA CARTOGRAFIA DO ENSINO DE INTRODUÇÃO À CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA
Este capítulo tem por objetivo apresentar a produção resultante da pesquisa de campo realizada durante o
trabalho. O breve contato com professores de diferentes escolas do país e o exame atento do material
didático utilizado nas disciplinas foi pautado pela intenção de identificar e, o que é mais importante, nomear
os diferentes conteúdos didáticos trazidos pelos exercícios observados. Durante este percurso – cuja
trajetória se confunde com a construção do capítulo 2 e que trata do conhecimento na concepção
arquitetônica – emergiram alguns dilemas metodológicos e dificuldades operativas que foram ganhando,
cada um a seu tempo, respostas adequadas. A apresentação a seguir, que é constituída de duas partes,
iniciará tratando da abordagem metodológica escolhida e buscará alertar o leitor para os limites e o alcance
desta pesquisa. Na segunda parte será apresentada a produção oriunda da pesquisa de campo, trazendo
uma classificação dos conteúdos identificados nas disciplinas e uma breve descrição dos exercícios
didáticos observados.
5.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA
As definições metodológicas que orientaram a pesquisa de campo tomaram corpo ao longo do
desenvolvimento do trabalho. Tendo-se clara a intenção de identificar os conteúdos propostos nas
disciplinas de introdução à concepção arquitetônica, as primeiras aproximações com o campo empírico
fizeram emergir novas questões. Como identificar os conteúdos de uma prática didática sem saber de
antemão onde procurá-los? Que ferramentas e métodos poderiam ser utilizados para analisar as
informações obtidas no campo? Quais disciplinas, de que escolas, comporiam o recorte? Como apresentar
os resultados produzidos pela pesquisa? A apresentação que segue tem como objetivo descrever a
abordagem metodológica endereçando, entre outras coisas, as questões acima.
119
5.1.1 Cartografia como pesquisa
A primeira dificuldade referente à abordagem metodológica para a pesquisa de campo surgiu do fato de não
haver levantamentos ou trabalhos críticos acerca do ensino de introdução à concepção arquitetônica no
Brasil, dificultando a antecipação de um desenho que fizesse jus ao conjunto efetivo de práticas didáticas
levadas a cabo atualmente. Sabia-se qual era a natureza do objeto da pesquisa, mas não se conheciam
suas feições. Seria necessário penetrar no campo para melhor conhecê-lo e, então, definir com maior
clareza os modos de tratá-lo. Em outras palavras, não havia um mapa que desse as coordenadas. Era
preciso traçá-lo.
Algumas hipóteses de trabalho ajudaram neste percurso. Havia a suposição de que as práticas não eram
hegemônicas como outrora foram e, o que tornava o campo mais pernicioso, entendia-se que elas
provavelmente estariam em plena transformação. Com a efetivação das Diretrizes Curriculares em 1996,
como visto no capítulo anterior, as escolas passaram a ter o aval dos órgãos de controle para propor os
conteúdos do ensino, liberando o caminho para o surgimento de diferentes experiências concretas em sala
de aula. Esta imagem era confirmada pela experiência pessoal do pesquisador, que testemunhara não
apenas a existência de significativas diferenças entre as práticas efetivas das escolas onde estudara e
lecionara, mas também conhecera o contínuo processo de transformação dos exercícios didáticos enquanto
lecionara como professor substituto na UFRJ. Assim, trabalhava-se sob a suposição de que o campo a ser
analisado, além de estar em plena e lenta mutação, era híbrido, contendo práticas singulares que se
encontravam dispersas no território nacional. Seria necessário circular neste terreno e aproximar-se das
práticas efetivas para poder compreender a particularidade de cada caso e, o que é mais importante,
pensar as descontinuidades existentes entre eles.
Estas condições apontaram para a aproximação do conceito de cartografia como método de pesquisa, uma
abordagem que parte das formulações de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) e que é utilizada
principalmente em pesquisas ligadas aos estudos da subjetividade. Tal referência metodológica era
pertinente por tratar do embate com campos de pesquisa que não são estáticos e cujos desenhos não são
conhecidos de antemão. Vai nesse sentido a demarcação sugerida por Suely Rolnik, de que “a cartografia –
diferentemente do mapa, representação de um todo estático – é um desenho que acompanha e se faz ao
mesmo tempo em que os movimentos de transformação da paisagem” (1987, p. 1). Em linhas gerais, é um
método que visa acompanhar um processo de produção, e não representar um objeto.
De saída, a adoção de uma postura cartográfica implica a recusa de se estabelecer previamente um
conjunto de regras abstratas contendo critérios e procedimentos a serem utilizados. Estes serão
120
construídos ao longo do contato com o campo de pesquisa. A cartografia é, portanto, sempre um método ad
hoc. O desenho resultante é inseparável das relações que se estabeleceram no próprio campo. Em sua
imagem está implícito tanto o terreno explorado, quanto o próprio olhar do explorador, fazendo com que a
pesquisa não tenha como reivindicar uma objetividade completamente isenta ou imparcial. Enquanto o
pesquisador observa e escuta, também faz recortes, seleciona, deixa-se afetar pelos encontros de modos
pessoais e imprevisíveis. Certamente outro indivíduo trabalhando neste mesmo campo comporia um
desenho diferente.
Com isso, pode-se argumentar, a cartografia se afasta de uma pesquisa com moldes positivistas assumindo
uma perspectiva construtivista. Assim, um método que se destinaria à porção de uma pesquisa que se
chamaria de “coleta de dados” termina por apontar na direção da formulação paradoxal de uma “produção
de dados”. A psicóloga Virgínia Kastrup (2007), ao tratar da pesquisa cartográfica no campo da produção de
subjetividade, lembra que tal formulação ”visa ressaltar que há uma real produção, mas do que, em alguma
medida, já estava lá de modo virtual” (p. 15). É importante deixar claro que a cartografia não pretende se
alinhar a um simples subjetivismo, no qual a “produção de dados” partiria exclusivamente do pesquisador,
como se fossem trazidos por ele ao campo de pesquisa. Se as informações não estão prontas à espera de
alguém que as venha coletar, por outro lado, alinhando-se com a perspectiva construtivista, a pesquisa
cartográfica não se faz sem um contato estreito com o campo. É por meio do embate direto do pesquisador
com o objeto e de um exame atento do que se produz neste contato que os elementos da pesquisa se
constroem.
A presença do cartógrafo no campo oferece perspectivas peculiares. A proximidade com o objeto e os
deslocamentos do cartógrafo – devedores da sua condição de raridade e dispersão – contribuem para a
produção de diferentes pontos de vista dentro do campo. Assim, na observação das práticas didáticas, a
proximidade com um determinado exercício faz com que outros, por vezes, mostrem o seu avesso. Por
exemplo, naquilo que uma prática propõe é dado a ver o que outra escolheu deixar de fora; nos conteúdos
de exercícios preparatórios aparecem saberes implícitos em práticas mais adiantadas; ou, ainda, nas
justificativas de um exercício aparecem argumentos para a crítica de certas práticas didáticas que diferem
daquela. Estes exemplos pretendem sugerir que em uma pesquisa em que o campo de análise é rarefeito,
a ação de aproximar os pontos distantes não ocorre para preencher vazios indesejáveis – não se deve
confundir as separações geográficas com uma imagem de esvaziamento do campo – mas para tencionar as
distâncias e justamente ver emergir, das diferenças e regularidades que compõem a paisagem, traços que
antes não eram percebidos.
Ao fim, é necessária uma ressalva em função da utilização do termo cartografia em um contexto
arquitetônico. Sua proximidade semântica com a noção de mapa – um instrumento de representação por
demais familiar ao arquiteto – pode suscitar o entendimento equivocado de que o objetivo de uma pesquisa
121
cartográfica é fornecer um mapeamento do seu objeto em termos de coordenadas espaciais ou geográficas.
Porém, não é este o caso. Basta lembrar da oposição mapa-cartograma presente na fala de Suely Rolnik
(1987). Assim, cabe esclarecer que o presente trabalho, como já foi comentado, não pretende forjar um
mapa ou uma suposta representação fiel do ensino de introdução à concepção arquitetônica no Brasil.
5.1.2 Adotando Ferramentas e Métodos
Outro impasse imposto pelo objeto de estudo e pela abordagem metodológica está ligado à necessidade de
estabelecer métodos e ferramentas, especialmente quando a pesquisa cartográfica prevê sua construção
caso a caso, normalmente ganhando traços definidos apenas no contato com o campo. Se o problema
desta pesquisa girava em torno de identificar os conteúdos de uma dada prática didática, o primeiro desafio
consistia em definir onde deveriam ser buscados os conteúdos do ensino. Era claro que haveria inúmeras
fontes de informação sobre cada disciplina a ser pesquisada: ementas, planos de ensino, sugestões
bibliográficas, materiais didáticos e trabalhos de estudantes, além de relatos orais de professores, alunos e
ex-alunos. Após algumas entrevistas com docentes da UFRJ, realizadas a título de teste da metodologia,
tornou-se claro que os exercícios eram as atividades didáticas que trariam o mais rico conjunto de
conteúdos produzidos em sala de aula
59
. Enquanto as aulas expositivas e os materiais didáticos seriam
capazes de trazer informações acerca de conhecimentos explícitos, os exercícios, por sua vez, pareciam
dar acesso a uma gama mais ampla de conhecimentos. Além de poder apresentar ressonâncias dos
conceitos teóricos e conteúdos explícitos, os exercícios poderiam ir além, permitindo a atualização de
conhecimentos cuja existência é inseparável de um fazer.
A definição dos exercícios didáticos como o locus principal onde os conteúdos do ensino seriam procurados
permitiu que uma série questões operativas da pesquisa fossem atendidas. Contando com o auxílio dos
comentários de Deleuze (1986) sobre a arqueologia de Foucault (1977), foi definido que cada exercício
seria considerado uma singularidade, isto é, não deveria ser confundido com outros semelhantes a ele. Do
mesmo modo, entendia-se que cada exercício poderia trazer em si diversos conteúdos, já que era possível
ver convergir, em uma mesma prática, diferentes tipos de conhecimentos. Além disso, cada exercício não
59
Conforme descrito no Capítulo 2, entende-se que tais conhecimentos poderão ser tanto explicitáveis, transmissíveis –
informações, regras, proposições – quanto emergir como uma prática efetiva, um saber-fazer – ou saber compor, saber identificar,
saber analisar. Entende-se que em grande parte dos casos eles teriam existência apenas potencial, posto que não há garantia de
que tais conhecimentos se atualizem durante a prática. No entanto, está fora do escopo do trabalho qualquer iniciativa no sentido
de aferir os resultados do aprendizado ou de verificar o cumprimento das promessas do ensino.
122
deveria ser tomado como independente do seu contexto de aplicação, ou seja, haveria sempre um espaço
contextual que deveria ser levado em consideração, como sua condição institucional, outras práticas que o
precedem ou o seguem, ou, ainda, de outros exercícios que parecem tê-lo influenciado. Considerar este
espaço contextual e, sempre que possível, proceder a sua análise, contribuiu para a identificação dos
conteúdos, mas também impôs algumas dificuldades em relação aos limites da pesquisa, como será
observado adiante.
A pesquisa de campo se orientou, portanto, por uma busca por informações acerca dos exercícios práticos
propostos nas disciplinas visitadas. A ferramenta preferencial foi a entrevista semi-estruturada levada a
cabo com os docentes responsáveis pelas disciplinas a serem examinadas. Nenhum tipo de questionário ou
protocolo rígido foi utilizado. O roteiro consistia em solicitar que fossem descritos os exercícios propostos
aos estudantes no último semestre letivo e mencionados seus objetivos, justificativas e demais informações
consideradas relevantes, tais como primeiras orientações, ferramentas, referências bibliográficas, nomes
das atividades ou eventuais bases teóricas. Era importante que o docente falasse abertamente, que se
permitisse expor preocupação e intenções, freqüentemente dando a ver caminhos não previstos. Além
disso, todo tipo de material didático que pudesse ser disponibilizado era acolhido. Neste sentido adotou-se
a regra geral de não abrir mão previamente de quaisquer informações que parecessem válidas. Na
apresentação da produção cartográfica na segunda metade deste capítulo será explicitado, nas notas de pé
de página, que tipo de informação foi utilizada na análise de cada disciplina.
Complementarmente às entrevistas, buscou-se travar contato com elementos materiais que estivessem à
disposição para observação visual, compondo o nível de análise formado das práticas não discursivas. Com
a visita às escolas foi possível, em determinados casos, conhecer não apenas a produção efetiva dos
estudantes em cada prática didática, mas também os materiais e algumas referências visuais que
porventura fizessem parte das práticas didáticas. Sempre que possível, era solicitado que o docente
utilizasse o material que dispunha à mão para ilustrar sua fala.
Paralelamente às entrevistas e à coleta de material, inúmeras informações foram obtidas de modo acidental
ou “involuntário” durante as visitas nas escolas. Ao invés de descartá-las por não possuírem valor
“científico”, foi adotado o procedimento, à maneira dos cartógrafos, de registrar tais informações e suas
interpretações em um caderno de campo. Este tipo de registro, que já constitui uma instância preliminar de
análise dos exercícios, foi de grande valor para a construção da cartografia, permitindo aproveitar
articulações e interpretações surgidas durante o contato com as práticas analisadas. A experiência de
campo será brevemente descrita adiante.
123
5.1.3 Análise
Além das ferramentas que permitiram a produção dos dados da pesquisa, era necessário saber como
analisar os depoimentos sobre os exercícios, visando identificar os conteúdos de uma prática didática.
Definiu-se que o nível discursivo, que continha as entrevistas e material didático da disciplina, teria privilégio
na análise. Configurando a porção mais tangível e homogênea das informações obtidas na cartografia, as
falas dos professores trouxeram, em todos os casos, enunciados bastante precisos acerca dos objetivos de
cada prática didática. Em muitos casos, embora não sempre, os conteúdos foram explicitados diretamente
pelo professor ao expor os propósitos ou as justificativas de determinada prática didática ou da disciplina
como um todo. Paralelamente, a utilização do caderno de campo foi bastante importante, pois permitiu
desenvolver e registrar interpretações forjadas durante a pesquisa de campo, por vezes possibilitando uma
investigação mais criteriosa de pistas que inicialmente tinham traços um pouco nebulosos.
Complementarmente, o segundo nível observado pela cartografia, o nível das práticas não discursivas, foi
um importante subsídio para as análises em nível discursivo, permitindo que certos conteúdos não
passassem despercebidos pelo simples fato de não figurarem explicitamente nas falas dos docentes.
Observando o material disponível nestes dois níveis, o discursivo e o não discursivo, as análises dos
exercícios se pautaram pela busca de regularidades. Analisando as entrevistas e conversando com os
professores das disciplinas durante a pesquisa cartográfica, foi possível notar a recorrência de certos temas
e, principalmente, a conexão de sentido entre os discursos que justificavam os propósitos de distintas
práticas didáticas. Foi deste modo que se verificou, por exemplo, que em todos os casos em que a questão
das dimensões da arquitetura era o conteúdo principal e distinto de uma prática didática, o corpo humano
surgia ao lado, como a medida que serviria de referência para estabelecer os tamanhos da arquitetura, ou
em casos que propunham exercícios de interpretação do espaço urbano e suas dinâmicas sociais, era
recorrente o adiamento dos exercícios de intervenção e criação arquitetônica. No entanto, a busca de
regularidades não se nutria apenas da repetição das falas, mas também de suas variações. Segundo
Deleuze, esta noção está presente no método arqueológico de Foucault: “O que conta é a regularidade do
enunciado: não a média, mas uma curva” (DELEUZE, 1986, p.16). Por vezes, foi a diferença e a
descontinuidade que permitiram estabelecer as articulações que formariam o perfil curvado ou desviante
das linhas de regularidade, dando a ver inflexões no modo de se compreender determinado conteúdo. É o
caso, por exemplo, de conteúdos ligados à percepção, nos quais a regularidade dos enunciados que davam
um primado à visão é quebrada com falas sobre o corpo e sobre experiências intensivas com o ambiente
construído.
124
Por fim, foi o desenho formado pelas linhas de regularidade – ainda que curvadas ou sugerindo desvios e
ramificações – que tornou possível a apresentação da produção cartográfica exposta na segunda metade
deste capítulo.
5.1.4 Definição do recorte
Paralelamente às questões relativas ao ferramental de pesquisa e aos métodos de análise, foi necessário
definir o recorte que comporia a pesquisa de campo do trabalho. Como já foi mencionado, a escolha por um
horizonte largo era inerente à definição do objeto do trabalho. Embora não houvesse a intenção de se
elaborar um levantamento com pretensões estatísticas, era necessário estabelecer um conjunto que fosse
suficientemente restrito para permitir seu manejo e, ao mesmo tempo, suficientemente amplo para abrigar a
diversidade de práticas que se acreditava poder encontrar nas escolas. Seguindo a intuição de que a
proximidade geográfica entre as instituições poderia resultar em pouca variedade nas abordagens de
ensino, optou-se, desde o início, por viagens a diferentes estados do país, levadas a cabo até onde
permitiam as limitações de ordem prática, relativas a tempo e recursos. A pesquisa restringiu-se, assim, às
regiões Sul e Sudeste.
Em um primeiro momento, foi realizado um levantamento amplo entre as diferentes escolas presentes nas
regiões mais acessíveis, privilegiando-se o contato por meio de correio eletrônico e de pesquisas na
internet. Nessa busca, procurava-se conhecer o teor das propostas pedagógicas da escola e sua
organização curricular, além de identificar que disciplinas se ocupavam do ensino de introdução à
concepção arquitetônica. Tendo-se definido que o tema do trabalho seria restrito ao primeiro ano dos
currículos, examinou-se um grande número de ementas e nomes das disciplinas, além de planos de ensino,
material didático e referências bibliográficas, quando havia. Esta primeira sondagem, complementada por
algumas indicações pessoais, permitiu que se conhecesse um grupo amplo de disciplinas em escolas
brasileiras com potencial para compor o conjunto de casos que atendesse às intenções da pesquisa.
Garantida a diversidade de abordagens didáticas, a definição mais precisa do recorte – o que significaria
excluir algumas das escolas pesquisadas na primeira sondagem – foi possível apenas com a eleição de
outros dois critérios fundamentais: reputação e inovação. Desse modo, entre as instituições pesquisadas
estão aquelas cuja tradição se confunde com a própria história do ensino superior de arquitetura no Brasil,
como a Universidade de São Paulo e as Universidades Federais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e
Minas Gerais. Além disso, buscaram-se experiências mais recentes, inauguradas a menos de uma década,
cujas iniciativas de ensino propõem investigar outros caminhos e garantem a tais escolas uma posição de
125
destaque no cenário nacional, como é o caso da Unileste, em Minas Gerais, e da Escola da Cidade, em
São Paulo. Ao todo, a pesquisa aqui apresentada conta com oito escolas, contemplando variações de
tamanho, condição institucional (públicas e privadas), tempo de atuação, condição geográfica e situação
urbana (grandes centros urbanos e cidades do interior). O conjunto final se caracteriza por uma
heterogeneidade que pareceu suficientemente rica para permitir uma razoável diversidade de conteúdos.
Uma advertência se faz necessária. As experiências aqui relatadas correspondem a uma visão parcial das
práticas didáticas realizadas nas escolas, ou seja, elas não correspondem às intenções pedagógicas das
escolas como um todo nem refletem de modo completo o pensamento dos docentes envolvidos, em
qualquer nível, com a definição da postura de cada instituição. Este e outros limites da pesquisa serão
discutidos adiante.
Por fim, o recorte da pesquisa de campo comporta disciplinas do primeiro ano das seguintes escolas:
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – RJ;
- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) – RJ;
- Estácio de Sá – RJ;
- Universidade de São Paulo (USP) – SP;
- Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP;
- Escola da Cidade – SP;
- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – MG;
- UnilesteMG – MG;
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – RS;
5.1.5 Apresentação da produção
Uma última definição metodológica importante diz respeito à apresentação da pesquisa. Refletindo sobre a
noção de cartografia como método de pesquisa, Denise Mairesse e Tânia Galli Fonseca (MAIRESSE;
FONSECA, 2002) lembram que, assim como os dados não se encontram prontos no campo para serem
coletados, o resultado final da pesquisa também não tem uma existência prévia à sua escrita. Isto é, a
apresentação da pesquisa é mais uma etapa de seu processo de produção. Como foi apontado, a análise
dos exercícios e a identificação dos conteúdos permitiram que se identificassem no campo de pesquisa
certas linhas de regularidade ligando transversalmente as diferentes práticas didáticas. Esta linha, segundo
126
a leitura feita neste trabalho, apresenta curvaturas, desvios, ramificações e sobreposições que por vezes
eram bastante claras, porém difíceis de ser representadas em um registro linear com coordenadas
objetivas. Contudo, em virtude do desejo de tornar este trabalho compartilhável e da necessidade de expor
de modo coerente a produção desta pesquisa de nível acadêmico, optou-se por grafar as linhas de
regularidade que compõem o campo por meio de uma classificação aparentemente estável. Assim, a
apresentação a seguir traz um desenho que, em um nível imediato, agrupa os diferentes conteúdos por
similaridade. Cada grupo, trazendo em seu eixo um alinhamento que percorre diferentes exercícios e liga
seus conteúdos, será denominado um território, ganhando nomes que, pretende-se, serão elucidativos:
“Percepção”, “Cidade”, “Verbalização”.
Tal distribuição, apesar de organizada, opera também por intermédio de cortes, separações, ligações e
remissões que procuram mostrar ao leitor um pouco da complexidade existente no campo de pesquisa. A
escolha do termo território como metáfora para o agrupamento busca justamente lidar com o
comportamento não reticular que caracteriza as linhas de regularidade, isto é, visa indicar que o
agrupamento proposto não deve ser confundido com uma classificação rígida. Territórios não precisam ser
estanques e não necessariamente são estáticos. Eles remetem a certa extensão aberta, podendo ter
fronteiras difusas. Ao mesmo tempo, parecem suficientemente amplos para tolerar as diferenças entre os
elementos que contêm. Além disso, pode-se cogitar sem problemas a existência de sobreposições entre
dois ou mais territórios, assim como se pode pensar em incorporações, englobamentos, capturas de um
território por outro. Se situados em níveis distintos, os territórios formam um conjunto cujo desenho já não é
mais plano, mas espacial. Contudo, a noção de território é condizente com a idéia de um domínio, uma
zona de poder. Pressupõe particularidades e exige a distinção entre aquilo que lhe pertence ou não, entre
aquilo que pode penetrar em seu espaço e o que deve permanecer fora. O caráter de cada grupo
apresentado na segunda parte do capítulo terá este sentido, eles são ao mesmo tempo restritos e abertos,
são distintos entre si e, ainda assim, de algum modo ligados, se sobrepõem, mas não completamente,
estão conectados, sem se reduzirem uns aos outros.
5.1.6 Experiência em campo
Tendo-se esclarecido algumas questões sobre a abordagem metodológica, empreendeu-se, um pouco à
maneira dos cartógrafos que se lançavam em terras desconhecidas com o objetivo de traçar um desenho a
partir daquilo que vissem, uma série de saídas de campo visando realizar entrevistas com os docentes e
conhecer o ambiente de ensino das escolas. Cabe relatar brevemente determinados aspectos da
127
experiência efetiva, procurando expor seu funcionamento ao leitor e, com isso, também alertá-lo para
alguns limites deste trabalho.
As saídas de campo ocorreram durante os meses de março e abril de 2007 e no princípio do ano de 2008,
tendo como principal objetivo realizar entrevistas com os docentes das disciplinas a serem examinadas.
Tais conversas duravam cerca de duas horas. Contudo, o tempo de estadia nas escolas durava em média
de dois a três turnos.
60
As horas excedentes eram investidas no exame dos trabalhos dos estudantes ou
assistindo aulas expositivas, apresentações de trabalhos e atividades de orientação, quando havia
oportunidade. A permanência nas escolas, ainda que curta, permitiu observar o movimento dos estudantes,
escutar comentários de corredor e ter profícuas conversas com os professores, normalmente
acompanhadas por café e almoços, antes e depois das entrevistas. Depoimentos pessoais dos professores
sobre suas frustrações com as escolas, sobre os arquitetos preferidos ou, ainda, sobre a genealogia das
disciplinas em que lecionavam, por exemplo, deixavam entrever pistas valiosas para a interpretação do
cenário do ensino de introdução à concepção arquitetônica. Neste sentido, a utilização do caderno de
campo revelou-se bastante importante por possibilitar não apenas o registro de informações, mas também
por permitir desenvolver algumas interpretações iniciais que revelaram, ainda no campo de pesquisa, traços
singulares das práticas didáticas e seu contexto.
5.1.7 Alerta ao leitor
Finalmente, é essencial alertar o leitor com algumas ressalvas acerca dos limites do trabalho. Em primeiro
lugar, cumpre notar que a escolha por uma apresentação dos conteúdos por meio dos territórios fez com
que os traços particulares das disciplinas e suas circunstâncias institucionais ou regionais fossem
deslocados para um nível secundário. É imprescindível mencionar que a abordagem horizontal escolhida
pelo trabalho tem por efeito provocar um distanciamento em relação a pormenores relevantes de cada
prática didática examinada. Há exercícios que, embora observados, não serão apresentados, assim como
há informações diversas que podem ter sido inadvertidamente negligenciadas. Assim, o leitor deve estar
atento para o fato de que a apresentação a seguir não tem o propósito de gerar retratos que representem o
pensamento dos docentes, as disciplinas ou as escolas que as promovem, em sua totalidade e
complexidade. Uma interpretação neste sentido poderá atribuir imagens demasiadamente simplificadas e
mesmo equivocadas acerca daquilo que ocorre efetivamente dentro da sala de aula durante todo o percurso
de uma disciplina.
60
No caso da UFRJ as informações foram obtidas durante os dois anos em que o autor trabalhou como professor substituto no
Departamento de Análise e Representação da Forma.
128
Do mesmo modo, o professor entrevistado que eventualmente tenha oportunidade de ler este trabalho
precisa ser advertido no sentido de que o esforço de justapor diferentes práticas didáticas poderá produzir
leituras distintas daquelas por ele intencionadas. Se alguma interpretação de suas práticas lhe parecer
equivocada ou imprecisa, ou, ainda, se a disciplina que leciona – tantas vezes estruturada com cuidado e
esmero – lhe parecer dilacerada pela apresentação proposta nesta cartografia, cabe pedir-lhe desculpas e
assumir total responsabilidade, esperando que compreenda o infortúnio como o ônus de um risco corrido
em nome da vontade de saber.
5.2 PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA
A apresentação a seguir é uma produção que resulta da primeira etapa da pesquisa de campo. Trata-se de
uma proposta de agrupamento dos conteúdos identificados nos exercícios, trazendo nove conjuntos que
correspondem às linhas de regularidades encontradas pela pesquisa e que constituiriam o que se
convencionou chamar de territórios do conhecimento na concepção arquitetônica.
5.2.1 Medida, Tamanho e Escala
O primeiro território de conteúdos identificado pela cartografia lida com conhecimentos relativos às
dimensões da arquitetura. Cabe destacar que os exercícios que trazem os conteúdos presentes neste
território têm o corpo humano como referência fundamental, estando ligados tanto à “usabilidade” do
espaço arquitetônico quanto a questões de representação. Isso indica que o entendimento das noções de
Medida, Tamanho e Escala em arquitetura, nestes casos, ultrapassa simples relações entre grandezas ou o
mero conhecimento das dimensões físicas de objetos cuja existência no mundo é autônoma da nossa. Ao
contrário, os exercícios evidenciam uma preocupação de se endereçarem, em primeiro lugar, à relação
existente entre as pessoas e o ambiente que habitam, sugerindo aos estudantes que o corpo, mais do que
o metro, deve ser tomado como a medida primeira da arquitetura.
Um exercício em que o tema das dimensões do corpo aparece com destaque é realizado no Módulo
Introdutório da disciplina de Metodologia do Projeto 1, na Escola da Cidade, em São Paulo
61
. Conforme
61
A pesquisa referente à Escola da Cidade conta com uma entrevista realizada no primeiro semestre de 2006 com o professor
responsável Pablo Hereñu, durante uma viagem de estudos ao Rio de Janeiro, realizada como atividade curricular da disciplina.
Além disso, pode-se contar, complementarmente, com uma entrevista com o arquiteto Álvaro Puntoni, coordenador pedagógico da
Escola da Cidade, realizada em março de 2006 em seu escritório em São Paulo. Além das entrevistas, foram realizadas duas
129
destaca o arquiteto Pablo Hereñu, professor da disciplina e coordenador do primeiro ano da escola, o
exercício é apresentado já no primeiro dia de aula, logo após uma aula denominada O Universo da
Arquitetura, com a qual tem ligação direta. A questão de partida é a seguinte: “o que faz um arquiteto?”
Sugerindo que se trata de um universo amplo, são apresentadas, em seqüência, diversas obras de
arquitetos célebres – como Arne Jacobsen e Lúcio Costa – cuja escala vai desde a da cidade até a do
objeto. Como parte da argumentação desenvolvida na aula, os professores apontam que o corpo é um
elemento constante nos projetos realizados pelo arquiteto. Conforme afirma Hereñu:
[...] nós acreditamos que, desde o garfo até a cidade, a arquitetura deve ser pensada a partir da
relação do homem e o seu corpo com espaço. Por esta razão é necessário dominar este corpo,
poder utilizá-lo como uma ferramenta que dali em diante será para os estudantes um recurso
muito importante, tanto para medir quanto para analisar as relações espaciais da arquitetura. Para
isto é necessário dominar as suas dimensões, ficar confortável com aspectos objetivos do corpo,
com suas medidas.
O exercício proposto é denominado “Auto-elevação”. Solicita-se que os estudantes façam um levantamento
das medidas do próprio corpo produzindo uma representação de si próprios em escala 1:5. Trata-se de uma
elevação frontal com cotas, elaborada utilizando-se linguagem gráfica e instrumentos típicos dos desenhos
técnicos de arquitetura. A atividade exige que o estudante combine o uso da trena e do escalímetro com a
observação visual, com o auxílio de um espelho, buscando compreender medidas, proporções e
articulações que compõem as diferentes partes do corpo. Desde logo, o corpo, velho conhecido, passa a ter
no metro e suas subdivisões uma nova tradução dimensional que, além de objetiva e compartilhável,
balizará as representações utilizadas durante a concepção arquitetônica. Este propósito fica evidente no
segundo exercício prático da disciplina (que será examinado com maior atenção em um outro território
desta cartografia). Neste caso, um pequeno projeto arquitetônico sem programa definido é elaborado pelos
estudantes segundo intenções relativas à progressão espacial. Utilizam-se três elementos básicos: portas,
janelas e escadas. Sua definição dimensional no que tange ao uso é estabelecida em escala métrica, mas
obedece a requerimentos funcionais básicos, tais como passagem e alcance, cujo parâmetro fundamental é
o corpo humano tal qual medido no primeiro exercício.
visitas à sede da escola, no centro da capital paulista, onde foi possível observar a dinâmica do atelier e o desenvolvimento, por
parte dos estudantes, de um dos exercícios iniciais do semestre.
130
Ilustração 20 - Auto-elevação.
Trabalhos dos estudantes Anita Freire (2004), Sofia David (2007) e Marina Morelli (2006). Fotos: Pablo Hereñu.
Na disciplina Introdução à Arquitetura e Urbanismo da UFMG, coordenada pela professora Maria Lucia
Malard, o exercício inaugural também aborda questões relativas às dimensões por meio do corpo, mas
estende seu propósito para além das questões dimensionais.
62
Denominado “O corpo como referência do
espaço”, o exercício tem por objetivo, segundo o programa da disciplina, “desenvolver a habilidade de
perceber os espaços em função das atividades que neles ocorrem, considerando as pessoas, os
equipamentos e o mobiliário envolvidos.” (MALARD, 2004). A atividade propõe que os estudantes meçam o
próprio corpo com uma trena e utilizem tais medidas como parâmetro para desenhar, diretamente no piso
da sala de aula, em escala 1:1, espaços domésticos tais como um quarto ou uma cozinha. Abrindo mão da
representação em escala, o exercício coloca o corpo do estudante em contato direto com as partes do
desenho, cujo tamanho é o mesmo da arquitetura que visa representar. Atividades corriqueiras como
dormir, abrir uma porta, sentar-se no sofá são literalmente encenadas no espaço, buscando sempre atender
às necessidades de uso e circulação. Com isso procura-se produzir no estudante a consciência acerca da
dimensão dos espaços arquitetônicos tendo sua “usabilidade” como um dos fatores relevantes.
Além da UFMG, um exercício semelhante é proposto na disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 1
da UFRJ
63
, coordenada pelo professor José Barki e ministrada por um grupo de professores do
62
Esta disciplina é colegiada entre os departamentos de Projeto e Urbanismo da escola. A pesquisa observou apenas a porção
referente ao departamento de projeto por tratar-se justamente daquela que lida com a problemática específica da concepção
arquitetônica. Contou-se com uma entrevista realizada com a professora Malard no primeiro semestre de 2007, além de material
escrito, disponibilizado no site da disciplina e pela própria professora, consistindo de um texto didático e um plano de ensino que,
embora datado de 2004, se revela atualizado em relação aos fundamentos da disciplina.
63
Em relação à disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 1 da UFRJ foram realizadas entrevistas abertas com três
docentes da disciplina: James Miyamoto, Giselle Arteiro e o coordenador, José Barki. Pode-se contar com um farto material
didático preparado especificamente para a disciplina por ocasião de sua última e substancial reformulação em 1996. Além disso, o
autor deste trabalho atuou como professor da disciplina durante o ano de 2006 ministrando todos os exercícios aqui mencionados.
131
Departamento de Análise e Representação da Forma seguindo um roteiro comum de atividades. Neste
caso, o espaço da sala de aula é medido pelo estudante com o próprio corpo, fazendo com que algumas
medidas básicas dos espaços arquitetônicos possam ser conhecidas, em um primeiro momento, sem a
intermediação de referências métricas. O estudante nota, por exemplo, que a largura de uma porta é um
pouco maior do que a distância entre os seus ombros; ou que as aberturas externas são compatíveis com a
altura dos olhos das pessoas que estão no interior dos edifícios; ou, ainda, que a altura dos peitoris
costuma exceder um pouco a linha da cintura, dificultando que os indivíduos se debrucem sobre uma janela
projetando o tronco para fora. Assim como na UFMG, espaços de uso corriqueiro são desenhados no chão
da sala e discutidos em função de sua “usabilidade”, o que é possibilitado com a encenação, pelos próprios
estudantes, de atividades recorrentes que ocorrem no espaço. O reconhecimento das relações entre o
tamanho físico da arquitetura e o corpo humano é um subsídio para que se estabeleça, entre professores e
alunos, uma base comum de critérios que sirvam para avaliar projetos arquitetônicos no que tange às
dimensões de seus espaços e elementos face ao uso que se faz da arquitetura.
Este comprometimento com a usabilidade dos espaços – que remete imediatamente à Utilitas vitruviana – e
a presença do corpo como referência primeira das suas medidas deixa entrever a escolha por abordar o
tema do Tamanho, Medida e Escala dentro de uma especificidade arquitetônica. Conforme aponta o
professor José Barki:
O objetivo desta prática está relacionado à intenção de que o estudante tenha consciência de que
arquitetura é uma coisa muito grande e que é maior do que ele. [...] Ele não está desenhando um
isqueiro, um telefone, uma garrafa. Ele está desenhando uma coisa maior, em que a grande
questão é o espaço e as pessoas que estão dentro do espaço.
Além disso, é importante notar que, complementarmente aos exercícios mencionados, as disciplinas –
especialmente na UFRJ e UFMG – contam com o aporte de conceitos teóricos que endereçam questões
relativas às medidas dos espaços arquitetônicos e a experiência de vivenciá-los. No caso da UFRJ, os
conceitos de Tamanho, Medida e Escala compõem o tema central de um dos capítulos do caderno didático
Introdução ao Estudo da Forma Arquitetônica,
64
cuja leitura faz parte das atividades didáticas propostas aos
estudantes. Cada conceito é esclarecido individualmente, e discutido com os estudantes após os primeiros
exercícios. Quanto ao tamanho, o caderno sugere que “tudo o que [o homem] fabrica está intimamente
ligado ao tamanho de seu próprio corpo” (OLIVEIRA, 1996, p.7) e que a medida é “uma variável
independente [...] que se relaciona objetiva e concretamente com alguma referência abstrata inventada
pelos homens para não só compreender, mas para melhor dominar o mundo que o cerca”. (p. 5). Assim, se
o tamanho é uma grandeza relativa e subjetiva, tendo como referência o indivíduo, a noção de medida
indica um balizamento objetivo baseado em uma referência externa e constante. Já a noção de escala, em
64
O caderno didático Introdução ao Estudo da Forma Arquitetônica foi elaborado pelos professores Beatriz Santos de Oliveira,
Giselle Arteiro, James Miyamoto, José Barki e Maurício Conde em 1996 e pode ser obtido no seguinte endereço: <
http://www.fau.ufrj.br/apostilas/aforma/home.html>
132
arquitetura, está ligada ao problema de se estabelecer relações “entre as medidas de uma edificação ou
espaço construído com alguma referência dimensional externa àqueles objetos [...],” podendo ser
compreendida como “um recurso que pode nos dar noções razoavelmente precisas de condições
relacionais e comparativas de tamanho [...] e de distância [...].” (OLIVEIRA, 1996, p. 5).
Tais noções apontam para outro propósito dos conteúdos ligados ao Tamanho, Medida e Escala: o da
representação arquitetônica. Sendo o tamanho dos espaços em referência ao corpo um tema tão relevante
para a arquitetura e a representação uma ferramenta tão recorrente no processo de concepção, é
fundamental que a relação de escala entre o tamanho real da arquitetura e sua representação no projeto
seja compreendida pelos estudantes. Para lidar com esta questão é que o corpo aparece como instrumento
de medida da arquitetura também em sua representação em escala, em que a própria figura humana
miniaturizada é o elemento de ligação que permite ao estudante reconhecer, nos desenhos e modelos, o
tamanho da arquitetura à qual se referem.
Na disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 1, na UFRJ, este recurso é utilizado nos primeiros
exercícios de concepção arquitetônica realizados pelos estudantes. Nestas práticas – que serão
examinadas com maior atenção em outros territórios – os estudantes utilizam modelos tridimensionais como
principal ferramenta de representação. Embora a escala dos modelos seja sempre 1:50, a referência
dimensional do espaço não é o escalímetro, mas uma figura em papel que representa o corpo humano.
Trata-se de um boneco de papelão, com um braço aberto e outro estendido para o alto, que tem uma haste
fixada às costas permitindo sua manipulação. A figura reta remete a uma figura prototípica tal como o
Homem Vitruviano, de Leonardo Da Vinci, ou ao Modulor, de Le Corbusier. Os alunos, no entanto,
costumam apelidá-lo com nome de gente comum: Zé, Zezinho. É por meio do boneco que as dimensões do
modelo poderão ser avaliadas e, se necessário, corrigidas. Isto fica evidente durante a orientação crítica
dos trabalhos, quando o professor utiliza o modelo para mostrar que o Zé não transporia comodamente uma
determinada passagem, ou para sugerir que as aberturas são altas demais para o seu corpo, ou, ainda,
para narrar uma progressão espacial protagonizada pelo boneco.
133
Ilustração 21 - Ufrj – Figura Humana como referência de escala
A presença do modelo humano em escala como parte da representação do projeto elaborado ao estudante promove o reconhecimento da
relação de escala existente entre a representação do projeto e o tamanho da arquitetura que este visa. Da esquerda para direita: Tiago
Medeiros Ramos (2007) e Vitor da Silva (2007). Foto do autor.
Uma observação final diz respeito à posição destes exercícios na seqüência de atividades didáticas do
semestre. Em todos os casos eles são realizados pelos estudantes logo no primeiro mês da sua formação
de arquiteto. A corporeidade compartilhada por todos os indivíduos, sem deixar de reconhecer as
singularidades e diferenças entre os corpos, atinge um âmbito na concepção arquitetônica que parece ser
fundamental a ponto de poder ser considerada um dos conhecimentos básicos e indispensáveis para a
prática de concepção arquitetônica.
5.2.2 Percepção
Os conteúdos presentes no segundo território proposto por esta cartografia enfocam, genericamente, o
tema da apreensão sensível do mundo. Mais precisamente, poderia-se dizer que estão ligados tanto ao
desenvolvimento de uma sensibilidade perceptiva por parte do estudante quanto à aprendizagem de
diferentes modos de se falar e compreender o fenômeno da percepção. Foi proposto nesta cartografia
apresentar os conteúdos deste território por intermédio de dois alinhamentos distintos que, embora girem
em torno de questões de ordem fenomenológica, diferem no modo de abordar a questão da percepção na
arquitetura. Enquanto o primeiro diz respeito à apreensão visual da forma, o segundo, mais complexo, lida
com a aprendizagem da sensibilidade corpórea na relação com o espaço construído.
Quanto ao primeiro alinhamento, é importante lembrar que na Bauhaus práticas didáticas visando o
desenvolvimento da sensibilidade perceptiva na esfera da visão e do tato ocupavam uma posição de
destaque no curso preliminar. Os fundamentos para a escolha destes conteúdos têm notória ligação com a
134
tradição formalista da arte moderna que se concentrava nos fenômenos imanentes à forma, apoiando-se
nas teorias da pura visualidade, e que, posteriormente, foi reforçada com a aproximação de formulações
oriundas da psicologia da Gestalt.
65
No âmbito desta cartografia, pode-se argumentar que os conteúdos
ligados à aprendizagem da sensibilidade visual – o primeiro alinhamento de conteúdos deste território –
buscam referência em tal tradição, contando com o suporte de conceitos que conjugam fundamentos
fisiológicos da visão com a apreensão visual da arte e arquitetura. As práticas didáticas nas quais tais
conteúdos aparecem com maior distinção, didaticamente destilados, são exercícios propedêuticos que
visam amparar as atividades subseqüentes de manipulação da forma.
Um exemplo claro é a primeira atividade prática realizada pelos estudantes na disciplina de Concepção da
Forma Arquitetônica 1, na UFRJ. O exercício consiste na elaboração de composições bidimensionais
utilizando figuras geométricas simples. Cada estudante conta com uma base em papel Canson branco
medindo 21 x 21 cm, onde poderá dispor, segundo uma organização formal de sua escolha, diversos
elementos recortados em papel preto (quadrados, triângulos, pontos e linhas). Sem grandes informações
além da leitura de um capítulo do caderno didático da disciplina denominado Equilíbrio
66
, os estudantes
devem elaborar, em casa, composições que apresentem uma organização formal equilibrada. Na aula
seguinte, após discutir o conteúdo do texto, todos os trabalhos são dispostos frente à turma e procede-se a
uma votação na qual cada aluno indica as composições de sua preferência.
Ilustração 22 - Composição sobre base quadrada
À esquerda, composições realizadas para a atividade de eleição das melhores composições. À direita, composições referentes à
implantação da composição tridimensional na base quadrada. Trabalhos dos estudantes Fernanda Moura, Eduardo Soares, Marcelle
Mazzini e Thiago Ramos. Fotos do autor.
Este procedimento tem o propósito didático de assentar toda a reflexão a respeito dos fenômenos da
percepção e organização da forma sobre uma base empírica forjada com a participação ativa do estudante.
A intenção é demonstrar que existe a tendência de se encontrar nas composições mais votadas certos
65
Esta convergência é a base de obras célebres como Arte e Percepção Visual, de Rudolph Arnheim (1954), e Design e
Comunicação Visual, de Bruno Munari (1997).
66
A disciplina em questão conta com cinco tópicos teóricos que permeiam transversalmente as diversas práticas didáticas. São
eles: (1) Tamanho, Medida e Escala, (2) Percepção Visual (3) Equilíbrio, (4) Organização da Forma e do Espaço Arquitetônico e
(5) Proporção.
135
atributos que as tornariam mais agradáveis ao olhar da maioria dos indivíduos, tais como equilíbrio, tensão
e coerência formal. A presença destes atributos nas composições, por sua vez, poderia ser conquistada
com a adoção de princípios de organização da forma, como centralidade, contraste, ritmo etc. As pretensas
evidências empíricas que contribuem para esta argumentação, fornecidas pelos próprios alunos com a
votação, ganham reforço com a apresentação das teorias da Gestalt pelos professores. É importante deixar
claro que a apresentação das teorias da percepção não é, em si, o propósito do exercício. Ao contrário, seu
sentido propedêutico está em fornecer subsídios para as práticas de concepção arquitetônica que serão
enfrentadas pelos estudantes adiante, em que a apreensão visual aparece como um fator de peso, mas não
é o único. Tal questão pode ficar mais evidente com algumas considerações sobre a genealogia da
disciplina. Segundo José Barki:
O curso de Estudo da Forma
67
nasce do desafio de uma reforma curricular [por ocasião das
Diretrizes Curriculares de 1996] que iria acabar com uma disciplina chamada Plástica e outra
chamada Teoria da Percepção. Então se buscou juntar as duas em uma só. Então se fez, mais ou
menos, uma volta ao passado: de olhar para a Bauhaus, olhar para o Moholy-Nagy, olhar para o
Paul Klee, Kandinsky, essa turma toda e nesse cruzamento do que era Plástica com o que era
Percepção. A idéia era tratar a percepção não como uma disciplina da psicologia, teórica, mas
como algo que de fato tivesse implicação na prática do projeto, na prática da concepção, da idéia
do projeto arquitetônico.
Ao que parece, a contribuição para a prática da concepção está na aquisição de conceitos que servirão
para compreender certos atributos das configurações formais tendo em vista sua apreensão pelo olho
humano. Os estudantes vêem-se, possivelmente pela primeira vez na vida, em posição de não apenas
lançar um olhar sobre uma configuração formal, mas também de fazê-lo com um propósito avaliativo e
crítico. Este movimento, que será incorporado à prática do estudante ao longo da sua formação, aponta
para a questão do olhar reflexivo exercido pelo próprio estudante e pelo professor durante os exercícios
didáticos, remetendo à questão da crítica e do gosto, tão delicada nos primeiros anos do ensino de
arquitetura. Na disciplina em questão, este é um dos principais objetivos a serem trabalhados. Segundo
Barki, trata-se de “Deslocar a discussão do gosto, do “eu gosto”, “eu gosto porque eu fiz”, para outro
patamar. O estudante deve começar a construir um olhar, que é um olhar do projetista e um olhar mais
universal, digamos assim.” Neste sentido, a argumentação para a satisfação encontra nas “leis invariantes
da visão” e seus desdobramentos sobre o campo da arte e arquitetura, em sua esfera visual, um solo
suficientemente sólido para traçar alguns parâmetros e estabelecer critérios que tendem a ser
compartilhados pela maioria dos indivíduos. A ênfase destes conteúdos recai, então, sobre os modos pelos
quais a apreensão visual da forma pode afetar a experiência dos indivíduos com a arquitetura. Novamente a
genealogia desta disciplina pode lançar algumas luzes neste sentido. Segundo Barki:
67
Na ocasião da entrevista, no primeiro semestre de 2006, a disciplina era ainda denominada Estudo da Forma Arquitetônica,
tendo seu nome mudado para Concepção da Forma Arquitetônica após a reforma curricular implantada naquele ano.
136
Minha formação do mestrado
68
acabou sendo muito útil, porque aproveitamos conteúdos ligados
à avaliação-pós-uso e questões que são tratadas na psicologia ambiental e fizemos uma mistura
com a percepção, com a Gestalt, numa maneira mais tradicional. Pode ser uma química onde
uma coisa parece não ser solúvel na outra, mas que foi possível harmonizar nesta disciplina.
Esta convergência ocorre também na disciplina Introdução ao Projeto Arquitetônico 2
69
, na UFRGS, nas
turmas ministradas pelos professores Antônio Tarcisio Reis e Helena Petrucci, em que diversos conceitos
ligados à apreensão visual da forma convergem com argumentos provenientes de pesquisas de satisfação
realizadas com usuários da arquitetura.
70
Sem deixar de considerar outros fatores presentes nos processos
de percepção visual, como a memória e a aprendizagem, a disciplina lança mão de argumentos teóricos
que vinculam reações satisfatórias dos usuários à coerência estrutural das configurações plásticas.
Conforme afirma o professor da disciplina, “Nós trabalhamos sobre o pressuposto [...] de que, para haver
uma qualidade estética, tu tens que ter uma organização, tens que ter uma idéia de ordem presente para
que seja visualmente estimulante, para que o indivíduo reaja positivamente à estrutura compositiva
observada.”
Por conseqüência, uma parte substancial dos conteúdos da disciplina está ligada à compreensão e ao uso
de princípios relativos à composição da forma arquitetônica que, “seriam válidos em diferentes contextos
culturais e temporais, com evidências da psicologia da Gestalt, baseada nas características neurológicas
dos indivíduos [...]” (REIS, 2002). Tais princípios são operados pelos estudantes como verdadeiras
ferramentas de análise e concepção de projetos em exercícios subseqüentes. Assim como ocorre na UFRJ,
o tema da percepção visual aparece aqui como um conteúdo subsidiário – portanto de ordem propedêutica
– visando práticas de concepção e avaliação da arquitetura, onde irá convergir com outros fatores que
compõem a complexidade característica da prática da concepção arquitetônica.
O segundo alinhamento proposto para expor os conteúdos pertinentes a este território trata a percepção a
partir da idéia de uma corporeidade sensível, em que deixa de existir o privilégio dado à apreensão visual
da forma, cedendo lugar à exploração da complexidade que caracteriza a relação corpórea dos indivíduos
com o ambiente construído. O tema é destaque no segundo semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo
68
Mestrado em Design Environmental Analysis. Cornell University. Título: Observing the Uses of an Atrium, Ano de Obtenção:
1985. Orientador: William Simms. Palavras-chave: Post-Occupancy Evaluation / Avaliação Pós Uso. Fonte: Plataforma Lattes: <
http://lattes.cnpq.br/7090430620408375>
69
Na pesquisa de campo contou-se com uma entrevista realizada com o docente e com o exame de alguns trabalhos de alunos,
além do livro “Repertório, Análise e Síntese: uma introdução ao projeto arquitetônico”, de autoria do professor, que encerra os
fundamentos da disciplina. Cabe mencionar que o autor desta dissertação foi aluno da disciplina em 1996, quando ela já contava
com a estrutura básica atual.
70
Cabe mencionar que a área de pesquisa acadêmica na qual está envolvido o professor da disciplina trabalha justamente com a
análise do ambiente construído, como indica a linha de pesquisa da qual participa no Propur na UFRGS, “Percepção e Análise do
Espaço Urbano”. Pode-se também citar sua tese de doutoramento no Post Graduate Research School, da Oxford Brookes
University. “Título: Mass Housing Design, User Participation and Satisfaction. Ano de Obtenção: 1992. Orientador: Mike Jenks.
Palavras-chave: Projeto Habitacional; Habitação Popular; Participação e Satisfação do Usuário.” Fonte: Plataforma Lattes: <
http://lattes.cnpq.br>
137
da UnilesteMG
71
no qual todos os exercícios da disciplina Estúdio 2 estão diretamente relacionados com a
questão da corporeidade.
A primeira etapa das atividades do semestre é denominada “Interpretando o Espaço: Prospecções” e visa,
de acordo com o programa, o “desenvolvimento de uma postura crítica diante de diferentes espaços vividos,
tendo como referência as ações e a experiência corporal do lugar, ampliando a noção de corpo e espaço
segundo abordagens corporal, interpretativa, técnica e simbólica através do enfoque nas ações.” O
exercício envolve a vivência e a interpretação de um acontecimento determinado, sempre proposto pelos
próprios estudantes e designado pela combinação de um verbo intransitivo e um advérbio de lugar:
“escovar os dentes pela casa”, “cortar cebola na cozinha”, “comprar pastel na feira”. Trabalhando em duplas
ou grupos pequenos e contando com informações teóricas acerca do funcionamento dos sistemas
perceptivos e das interações entre eles, os estudantes investigam e interpretam a experiência não apenas
no nível perceptivo – relativo às sensações e seus estímulos, mas visando também compreender as
condições materiais e circunstanciais que contribuíram para a sua produção. Ao fim é gerado um
documento que traz diversos diagramas, registros simbólicos, relatos afetivos.
No exercício solicita-se que as interpretações ocorram pelo menos em quatro esferas distintas. A esfera
corporal tem foco nos sentidos e nos estímulos experimentados. A interpretativa lida com os fatos físicos,
limites, estrutura espacial. A esfera técnica observa os meios de construção e condições materiais em geral.
A simbólica, de dimensão coletiva, trata dos significados que são estabelecidos na cultura e que afetam as
relações sociais. Por meio do cruzamento entre estes níveis de análise, o exercício permite transpor a
esfera da pura experiência e, sem suprimi-la ou esquecê-la, levar o estudante a assumir um olhar
prospectivo – como sugere o nome – no sentido de produzir avaliações – sem juízo de valor – acerca de
diferentes forças presentes no ambiente construído e sua capacidade de afetar a experiência dos
indivíduos. É possível notar que este exercício aponta para um alargamento no ensino da percepção,
trazendo conteúdos que são também pertinentes ao último território desta cartografia, denominado
Experiência.
Na interpretação relativa à esfera corporal, que é de interesse específico neste território, o estudante deve
explorar o cruzamento entre as dimensões do mundo sensível, sendo levado a compreender a
multiplicidade de perceptos que atuam em conjunto na experiência cotidiana com a arquitetura. O exercício
exige que ele opere intencionalmente, mediante o manejo de sua atenção, uma espécie de “decupagem”
dos complexos arranjos sensoriais que experimenta, buscando designar que porções do mundo sensível
71
A UnilesteMG é uma pequena escola na cidade de Coronel Fabriciano, leste de Minas Gerais, cuja escola de Arquitetura e
Urbanismo foi fundada há menos de uma década. Nesta cartografia contou-se, para análise no nível discursivo, com entrevistas
realizadas com os docentes das disciplinas Estúdio 1 e 2 por ocasião de uma visita à escola no início de 2007, além de material
didático obtido com os professores, informações presentes no site da escola e consultas a dois artigos publicados em referência
ao trabalho do Estúdio 2, de autoria de MASSARA (2004) e TANURE (2004).
138
estão atuando, e de que modo, na emergência das sensações. Deste modo o estudante consegue distinguir
e singularizar, no emaranhado do mundo percebido, estímulos presentes na experiência com o espaço, tal
como o barulho impertinente dos carros trocando de marcha ao abrir o sinal, o clarão quase ofuscante do
chão de cimento ou a brisa que anula o calor do sol cada vez que acha passagem entre as casas.
Neste sentido, é importante destacar o papel dos registros gráficos que compõem o produto final do
trabalho. A singularização dos perceptos e a “decupagem” da percepção em diferentes dimensões – no
caso correspondendo aos diferentes sistemas sensoriais – é exercitada com a produção de diagramas. Tal
procedimento faz com que o estudante leve a exploração da percepção e das articulações entre os sentidos
a um patamar mais abstrato, utilizando índices de equivalência que não guardam qualquer semelhança
fenomênica com os estímulos presentes na experiência.
Ilustração 23 - Interpretando o Espaço: Prospecções. Diagrama Corporal.
Trabalho dos estudantes Giuliano Caldeira, Michelle Alves e Thiago Laporti registrando a ação “fazer compras no supermercado”.
Complementarmente, as interpretações em nível corporal permitem discussões acerca do funcionamento
dos sistemas perceptivos no cruzamento entre a esfera fisiológica e a experiência vivida com o aporte de
bibliografia que endereça tais questões com especificidade.
139
Ilustração 24 - Interpretando o Espaço: Prospecções. Interpretação Corporal.
No alto, discussão sobre os sentidos articulados. A seguir, bibliografia consultada na produção do trabalho. Fotos do autor.
140
As prospecções realizadas na primeira etapa do semestre ganham desdobramentos, especialmente no que
diz respeito à experiência perceptiva, em um exercício denominado “Materializando a Ação:
Biomecanismos”. Nesta atividade os estudantes devem construir aparelhos que serão acoplados ao próprio
corpo como verdadeiras próteses perceptivas. Como referência, apresentam-se diversos dos célebres
“objetos relacionais” propostos pela artista Lygia Clark com o objetivo de interferir na mediação sensorial
que caracteriza nossa relação com o mundo percebido. Os biomecanismos, à semelhança dos
experimentos da artista, são compostos por dispositivos como tapa-olhos, máscaras, estruturas limitadoras
do movimento, roupas que comprimem a pele, aparelhos de ouvido, câmaras de eco, calçados
perturbadores do equilíbrio etc. Durante a concepção os estudantes perseguem de modo consciente a
intenção de provocar transformações temporárias na percepção que se assemelhem à experiência vivida na
primeira etapa, sempre discutindo o funcionamento dos sistemas sensoriais e experimentando no próprio
corpo os efeitos provocados pelos dispositivos. É interessante notar que o objeto de experimentação do
exercício não é exatamente o artefato construído, mas a própria percepção, que se vê manipulada,
recomposta e transformada pelas diversas ações da matéria sobre o corpo. O processo exige que o
estudante busque meios materiais para provocar sensações distintas daquelas que ele conhece como
cotidianas.
Ilustração 25 - Materializando a Ação: Biomecanismos.
Exemplos de utilização dos dispositivos corporais durante o segundo exercício. Imagens disponíveis no site da escola.
A discussão provocada pelo exercício se concentra nos efeitos da matéria sobre o modo como se dão as
interações operativas e sensitivas com o mundo, abrindo espaço para examinar o papel do ambiente
construído na produção da nossa corporeidade. Assim, a arquitetura pode ser pensada em analogia com
dispositivos de acoplamento produzidos pelos estudantes, isto é, como um agente capaz de produzir
diferenças no modo como o corpo se relaciona com o seu meio. Este fenômeno de hibridação entre o corpo
e arquitetura é explorado pelo professor da disciplina, Jorge Tanure, em um artigo intitulado “O Corpo
Violado”, que trata do tema abordado pela disciplina: “A arquitetura sensibiliza constantemente seus
usuários; ao fruirmos um espaço estamos como que vestindo-o, ela funciona como uma epiderme, uma
verdadeira pele distendida [...]” (TANURE, 2004, p. 28).
141
Ilustração 26 - Materializando a Ação: Biomecanismos.
Apresentação em aula do exercício. Foto de Jorge Tanure.
Esta via é explorada no terceiro exercício realizado no estúdio 2 da UNILESTE MG, “tangenciando o espaço
projetado”, que propõe ao estudante conceber um projeto simplificado de um espaço arquitetônico com foco
no desenvolvimento de experiências sensoriais a partir das especulações prévias. Se antes a investigação
entre as relações entre percepção, matéria e ação se dava por meio de uma interferência do dispositivo no
corpo em um nível epitelial, agora é a arquitetura que assumirá o papel das próteses, isto é, como um
elemento de intermediação que afeta os modos de estar no mundo. Assim, trabalhando com modelos em
escala 1:20, o estudante é lançado na busca por recursos arquitetônicos, arranjos formais e materiais
visando exacerbar, articular, inibir, certos aspectos da percepção espacial em função de uma determinada
atividade a ser exercida no espaço.
142
Ilustração 27 - Tangenciando o Espaço Projetado.
Trabalho do estudante Walter da Silva Costa (2004) sobre o tema “ofuscamento”.
5.2.3 Forma
Os conteúdos cartografados no território Forma compartilham o propósito de instrumentar o estudante para
o manejo da concepção plástica. Em geral tais conteúdos giram em torno de atividades em que predomina
o exercício do pensamento visual, normalmente envolvendo práticas ligadas à composição, manipulação,
organização, interpretação e transformação de configurações formais que, diga-se de passagem, podem ou
não ter vinculação explicita com o projeto arquitetônico. A estas práticas marcadamente “criativas”, se
aliam, por vezes, a apresentação de conteúdos teóricos e atividades de análises de obras arquitetônicas no
que tange à sua dimensão plástica.
De saída é importante esclarecer alguns pontos. A noção de forma é aqui aplicada em um sentido amplo,
referindo-se tanto à sintaxe – entendida como as relações estruturais estabelecidas entre os diversos
elementos de uma determinada configuração – quanto à morfologia dos elementos em si – relativa ao
formato (no inglês, shape) das unidades da composição. Além disso, cabe mencionar que, na grande
maioria das situações observadas, a dimensão semântica ou simbólica das configurações formais tende a
ser suprimida, mesmo em quando se tratam de exemplares ou protótipos arquitetônicos. A ênfase dos
conteúdos didáticos alocados neste território concentra-se, portanto, em fenômenos imanentes à forma e à
prática da sua concepção.
143
As primeiras atividades a serem descritas ocorrem na disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico 2, da
UFRGS, que se distingue pela apresentação de conceitos teóricos ligados principalmente, embora não
unicamente, à estruturação da forma e do espaço arquitetônico no que tange a sua apreensão estética e
sua utilização pelos indivíduos.
As duas primeiras seqüências de conceitos apresentados dizem respeito justamente à composição da
forma arquitetônica e se dá com principalmente imagens fotográficas do exterior das edificações. Os
conceitos apresentados têm por princípio básico garantir ordem e coerência às configurações formais, o
que se justifica pela intenção de provocar, nos indivíduos, experiências esteticamente satisfatórias,
conforme foi mencionado no território anterior. Apresentados sistematicamente
72
e veiculados através de
um vasto repertório de imagens de exemplares arquitetônicos, os conceitos visam dar amparo a práticas
subseqüentes de análise e de concepção arquitetônica.
O primeiro exercício prático do semestre é realizado após a etapa inicial de apresentação de conceitos, que
comporta principalmente fatores que contribuem para a coerência formal da arquitetura no que tange a sua
apreensão a partir do exterior. Estão presentes, por exemplo, conceitos relativos à unificação de elementos
(como grupamento por proximidade ou similaridade, etc.), relativos à regularidade (ritmo, textura, hierarquia,
etc.), à compatibilidade formal entre os elementos (complexidade, simplicidade, contradição, etc.), e
relativos ao equilíbrio (simetria, balanço assimétrico, proporção, etc.). Informados sobre os conceitos, os
estudantes devem utilizá-los na para analisar cinco obras arquitetônicas
73
. Além de quatro exemplares de
dois arquitetos conhecidos, das quais preferencialmente pelo menos um será uma casa, também faz parte
do trabalho uma residência de sua escolha, desde que se tenha franco acesso a ela, já que este exemplar
será intensamente analisado posteriormente. No primeiro exercício, porém, a análise tem foco na
composição formal, tratando dos elementos e dos princípios ordenadores. Segundo o professor, os
estudantes examinam as elevações e imagens fotográficas, buscando identificar “quais conceitos estão
presentes na composição: se tem simetria, se tem ritmo, se é complexo, se é simples, etc”. Por fim,
procedem com uma avaliação, apontando, entre os cinco exemplares, quais são considerados positivos ou
negativos do ponto de vista formal, devendo sempre justificar porque.
No exercício dois, que também é realizado na seqüência de uma etapa de apresentação de conceitos, as
mesmas obras são analisadas e avaliadas segundo outros aspectos. Neste caso se observa fatores ligados
à geração da forma e organização do espaço, utilizando-se conceitos que, segundo o professor, “são
melhor explicitados em planta baixa”. Neste caso são elencados diversos princípios de organização
72
A organização sistemática dos conteúdos aparece no livro “Repertório, Análise e Síntese: Uma introdução ao projeto
Arquitetônico”, de autoria do professor da disciplina, Antônio Tarcisio Reis.
73
Os exercícios de análise desta disciplina têm também uma relação direta com o território Precedentes (Capítulo 5.2.6) e serão
observados novamente na discussão especifica destes conteúdos.
144
espacial, tais como configurações lineares, centralizadas, radiais, além de diferentes modalidades de
articulação e manipulação das partes do edifício, tais como adições, subtrações, rotações, sobreposições,
etc. Embora eventualmente sejam apontadas relações entre a forma e o uso do espaço, nesta etapa a
ênfase recai mais fortemente, por motivos didáticos, sobre a organização formal do espaço arquitetônico.
Ilustração 28 - Análise dos conceitos de Composição em Planta Baixa.
Êxemplos de análise de obras de autoria de Qwathmey & Siegel e Frank Lloyd Wright pelo estudante Gabriel Johanson de Azeredo.
A terceira atividade prática do semestre, realizada logo após a segunda análise, consiste em um exercício
de exploração da forma arquitetônica em que a dimensão funcional da arquitetura é suprimida.
74
.
Trabalhando sobre o mesmo terreno que será utilizado no projeto final, os estudantes utilizam a maquete
como instrumento de projeto, pois, segundo aponta o professor, ela permite a exploração e compreensão
das relações arquitetônicas em nível espacial, contribuindo para o seu desenvolvimento de modo mais
eficaz. É neste exercício em que ocorre a primeira tentativa, por parte do estudante, de sintetizar as idéias
de composição e organização do espaço que foram apresentadas e exercitadas nas atividades anteriores.
Como é possível notar, existe aqui um encadeamento claro entre os procedimentos didáticos que, não por
acaso, é refletida no título do livro originado por esta disciplina: “Repertório, Análise e Síntese: Uma
Introdução ao Projeto Arquitetônico”. Segundo destaca o professor, a importância do fornecimento do
repertório básico e adoção de uma postura mais analítica no que diz respeito a aspectos formais busca
evitar, na prática da concepção, uma postura baseada exclusivamente em procedimentos de tentativa e
erro. Embora este procedimento exploratório livre seja importante no processo de projeto, entende-se que
ele não é suficiente, pois, conforme afirma o professor, “o estudante deve poder contar, sem que entre
numa camisa de força, com elementos que o auxiliem no processo”. Os conceitos têm, portanto, um
74
O projeto final da disciplina é feito sobre o mesmo terreno da casa que é analisada pelos estudantes, com o programa em parte
alterado, e tendo como requisito a melhoria de aspectos considerados insatisfatórios durante a análise do projeto.
145
propósito operativo, pendo ser interpretados como recursos de que dispõe o estudante para enfrentar tanto
no processo de lançamento de hipóteses de projeto quanto no olhar reflexivo e avaliativo que faz parte do
processo de concepção.
Contudo, uma apresentação tão sistemática de conceitos relativos à composição da forma não ocorre em
todas as práticas didáticas que lidam com este tipo de conteúdo. Um exercício realizado na disciplina de
primeiro semestre denominada Projeto 1 na Universidade Presbiteriana Mackenzie
75
propõe aos estudantes
práticas de experimentação com a forma já nas primeiras semanas de aula. Esta prática não é precedida da
apresentação de um ferramental teórico que fundamente seu olhar ou sua prática. Dispondo de uma base
quadrada de papel espesso medindo e 30 centímetros de lado, os alunos devem propor composições
tridimensionais livres. O objeto composto não tem propósito explícito de tornar-se arquitetura, não havendo
definição de escala ou função. O exercício, pode-se argumentar, não corresponde exatamente a uma
prática de projeto, mas sim a uma experiência de concepção em que questões de ordem a formal assumem
um papel de protagonista, ainda que os professores por vezes mencionem a compatibilidade entre certas
composições realizadas por alunos e determinados programas arquitetônicos: “Este trabalho poderia ser
pensado como um monumento em um parque”, ou “este vão poderia abrigar atividades, como ocorre no
Masp”. Neste sentido, a existência da base é o fator que mais aproxima a composição executada de um
problema arquitetônico, impondo ao estudante um plano de forças (de ordem tectônica e formal) com o qual
ele terá de lidar. Todas as outras forças, por assim dizer, serão da ordem fenomenológica concentradas na
esfera da visão, ou seja, são implicações relativas à apreensão visual da composição criada pelo estudante.
Se conceitos relativos à concepção da forma não são apresentados antecipadamente, eles aparecem
durante o processo de orientação crítica e de avaliação coletiva dos trabalhos sob a forma de um
vocabulário ligado à apreensão e concepção das estruturas plásticas, onde aparecem termos como
“equilíbrio”, “ordem”, “tensão”, “ritmo”, “contraste”, “hierarquia”, “simetria”, etc. Pelo que foi possível
observar, não existe, nesta experiência didática específica, a intenção em tratar tais conceitos como um
corpo de conhecimento organizado ou sistemático, mas sim de utilizá-los na própria prática, vinculando-os
diretamente aos fenômenos experimentados pelos estudantes que enfrentam o processo de concepção da
forma.
75
A pesquisa cartográfica contou com uma entrevista realizada com o professor Marcos Carrilho, além de se ter participado de
aulas orientação e apresentação do exercício em questão.
146
Ilustração 29 - Exercício de Manipulação da Forma
Composições realizadas no exercício de manipulação da ofrma na discplina de Projeto 1 do Mackenzie. Fotos do autor.
Se inicialmente as práticas de concepção na disciplina de Projeto 1 do Mackenzie trabalham com ênfase
explícita na forma, é importante mencionar que a seqüência dos exercícios demonstra a intenção de
aproximar conteúdos relativos a outras esferas da arquitetura. Isto fica evidente, no exercício seguinte, onde
uma composição plástica utilizando a mesma base quadrada do primeiro exercício é realizada agora com
uma escala determinada e endereçando questões de distribuição funcional do espaço, ainda que em um
nível bastante elementar, tratando de espaços circulação e permanência. Exercícios subseqüentes, que
lidam com análises de precedentes, também apontam nesta direção.
Retornando ao exercício de manipulação formal, cumpre notar que o produto final compreende não apenas
a composição em si, mas também a sua representação gráfica (Ilustração 32), em que se conta com o
auxílio de disciplinas de desenho e geometria descritiva. A presença do desenho mostra outro aspecto dos
conteúdos relativos à forma: o da sua representação. Embora a criação plástica aqui proposta se dê
diretamente no domínio dos modelos tridimensionais, há uma preocupação visível com o domínio dos meios
de descrevê-la e apreendê-las segundo sua realidade geométrica.
Ilustração 30 - Exercício de Representação.
Desenhos realizados tendo como base a produção do exercício de manipulação da forma na discplina de Projeto 1 do Mackenzie. Fotos
do autor.
147
Por fim, é cabe mencionar exercícios onde a prática da concepção formal surge já inserida em um contexto
problemático que é tipicamente arquitetônico, ainda que sua complexidade seja reduzida por propósitos
didáticos. Este é o caso dos exercícios de concepção realizados na UFRJ – um dos quais já foi mencionado
nos dois territórios anteriores – em que a tarefa do estudante é, primordialmente, realizar uma composição
que obedece a critérios de organização formal e equilíbrio visual. Este tema é trabalhado simultaneamente
na esferas tridimensional e bidimensional, observando-se sempre critérios de usabilidade do espaço e a
exigência de uma lógica tectônica mínima. No caso do primeiro exercício de concepção (ilustração 33),
além de elaborar modelos em papelão o estudante deve observar a “implantação” do seu projeto no seu
“terreno”, observando as tensões inerentes à forma quadrada e buscando assentar ali o edifício de modo
equilibrado. Neste processo, a argumentação utilizada pelo professor durante a orientação crítica encontra
subsídio nos conceitos discutidos na etapa anterior acerca da apreensão visual da forma. Quanto aos
elementos da composição, eles são de certo modo ambivalentes, sendo tratados ao mesmo tempo como
elementos construtivos e formas geométricas. Linhas viram vigas e pilares, planos são lajes e paredes,
volumes são, simultaneamente, objetos vistos exteriormente e espaços penetráveis. A forma, que é
observada através de critérios e princípios de composição, ou avaliada criticamente segundo a proporção
dos seus elementos, também é tratada a partir de significados arquitetônicos básicos: há sempre um dentro
e um fora, um plano elevado que protege, espaços de acesso e uma determinada gradação entre os
espaços mais públicos e os mais privados.
Ilustração 31 - Exercício de Composição da Forma Arquitetônica
Exercício de composição tridimensional na disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 1, da Ufrj. Um dos crítérios utilizados no
processo reflexivo de avaliação crítica do projeto do estudante diz respeitos a fatores de organização da configuração formal, onde as
tensões visuais da forma examinadas na busca por um equilíbrio do composição. Trabalho da aluna Luiza Pereira, 2º semestre de 2006.
Foto do autor
Outro exemplo é o exercício realizado na etapa seguinte, denominado traçado regulador (Ilustração 34), ao
qual está vinculado um tópico teórico da disciplina: proporção. Neste exercício, que será examinado com
maior atenção no próximo território, os alunos utilizam um diagrama baseado no retângulo áureo para
compor a fachada de uma pequena edificação sem função determina e sem a exigência de resolver
questões de circulação entre os diferentes níveis. Por ora, o que se quer destacar é a utilização do
diagrama como recurso para gerar composições formais. Após uma aula expositiva onde é apresentada a
148
lógica de manipulação formal referente ao “número de ouro”, o estudante deve operar com as suas
subdivisões possíveis em um retângulo de 8m por 5m – em escala 1:50 – estando ciente de que este é o
gabarito máximo que deverá ser respeitado, em planta e elevação, na elaboração do exercício. Além de
obedecer aos critérios de usabilidade e coerência tectônica, o aluno deve pautar a elaboração da sua
composição exclusivamente nas linhas que conseguir traçar dentro das regras do retângulo. Com isso ele
se vê obrigado a exercer um olhar projetivo que busca ver emergir, nas formas que traça, novas formas
plausíveis para na configuração do seu projeto, exercitando assim o pensamento visual que, como foi
apontado no Capítulo 2 (2.2.4), é um dos tipos de conhecimento empregados de modo recorrente na prática
da concepção arquitetônica.
Ilustração 32 - Traçado Regulador.
Projeto de uma fachada de uma edificação sem função seguindo a geometria do retângulo áureo. Da esquerda para direita, trabalhos dos
alunos Vanessa Callado, Victor Silva e Marcelle Mazzini, 2007. Fotos do Autor.
149
5.2.4 Concepção
O quarto território de conteúdos cartografados neste trabalho diz respeito à prática da concepção
arquitetônica. De partida é importante justificar este recorte, já que pode-se argumentar que todos os
conteúdos apresentados nesse capítulo dizem respeito à prática da concepção arquitetônica. Ocorre que
em diversas disciplinas pesquisadas durante esta cartografia verificou-se a existência de exercícios de
projeto em nível simplificado, contemplando em conjunto diferentes esferas do projeto com variável
complexidade. Embora seja possível identificar em tais práticas, dependendo do seu propósito,
conhecimentos pertinentes a outros territórios, ainda assim propõe-se aqui compreender o saber-fazer da
concepção arquitetônica como uma espécie de conteúdo específico, podendo estar relacionado ao
pensamento integrativo, ao olhar reflexivo do projetista sobre o projeto, ou ainda a uma abordagem
problematizadora dos propósitos e possibilidades da arquitetura nas etapas iniciais de estruturação do
problema de projeto.
Um dos traços marcantes dos exercícios de projeto realizado no primeiro ano das escolas de arquitetura é a
dificuldade encontrada pelo estudante iniciante para lidar com a complexidade que lhes é inerente. Segundo
o comentário do professor Rafael Perrone, coordenador da disciplina de Fundamentos do Projeto da USP
76
,
“O projeto é complicadíssimo. (...) Quando você passa para elaboração do primeiro projeto, onde [diferentes
conhecimentos] se conjugam e o aluno tem que elaborar uma síntese entre estrutura, construção, contexto,
forma, etc. Aí começa a confusão.” Tal dificuldade testemunhada por diversos professores de ateliês do
primeiro ano, no entanto, não impede que se proponham exercícios desta ordem. A estratégia utilizada
consiste, invariavelmente, em propor problemas que, supostamente, estejam ao alcance dos estudantes
iniciantes, tais como projetos com programas pouco complexos ou exercícios didáticos semi-estruturados,
em que parte do problema se encontra previamente suprimido ou solucionado.
Um exemplo desta última estratégia são os diversos exercícios de concepção propostos na disciplina de
Concepção da Forma Arquitetônica 1 da UFRJ, alguns dos quais estão descritos no território anterior.
Nestes casos, a esfera da forma arquitetônica tende a vir para o primeiro plano enquanto demais facetas do
projeto têm sua complexidade reduzida ou encontram-se ou previamente “resolvidas”. Ainda assim, este
tipo de exercício permite que aspectos específicos dos problemas arquitetônicos sejam destacados e
trabalhados quase que isoladamente sem, no entanto, extinguir o pensamento integrativo necessário na
concepção. No exercício denominado “traçado regulador”, por exemplo, a ausência de um programa e as
restrições dimensionais do conjunto impostas pelo retângulo áureo, coloca os estudantes em posição de
76
Trecho de uma conferência realizada pelo professor Perrone na FAU-USP em maio de 2005 acerca da disciplina de
Fundamentos do Projeto, ministrada no primeiro semestre do curso.
150
enfrentar problemas que são característicos do tratamento das fachadas sem que se vejam soterrados por
uma quantidade de demandas que ainda não têm condição de manejar. Além de exercitar o pensamento
visual na busca por formas emergentes a partir da geometria do retângulo áureo, o estudante irá lidar, pela
primeira vez e de modo concentrado, com o universo problemático típico da fachada. Entre as questões que
estão em jogo pode-se mencionar, por exemplo, a negociação dialética entre planta e elevação que ocorre
a cada movimento do projeto; a questão de compreender a fachada não como um plano elevado, tal qual
aparece na representação ortogonal, mas como um intervalo espacial entre o interior e exterior; o tema de
garantir legibilidade aos acessos; a questão da proteção contra a chuva; ou ainda, o problema de conceber
uma composição formal satisfatória respeitando linhas reguladoras tais como as alturas dos pavimentos,
estrutura e peitoris. O universo problemático relacionado à fachada – que obviamente extrapola as questões
mencionadas acima – oferece para o estudante iniciante um campo suficientemente largo a ponto de exigir
que ele enfrente uma gama relativamente ampla problemas e pontos-de-vista correlacionados e se veja
obrigado a exercer, por si mesmo, o pensamento integrativo que permitirá manejá-los.
Ilustração 33 - Traçado Regulador.
Projeto de uma fachada de uma edificação sem função seguindo a geometria do retângulo áureo. Da esquerda para direita, trabalhos de
Marcelle Mazzini, 2007. Fotos do Autor.
Outro exemplo de exercício que utiliza a estratégia dos problemas semi-estruturados ocorre de modo
bastante similar nas disciplinas de Projeto do Espaço Residencial 1 da PUC-Rio e Metodologia do Projeto
na Escola da Cidade. Em ambos casos se propõe que os estudantes desenvolvam um projeto arquitetônico
tendo como base pré-definida a estrutura da Casa Dominó de Le Corbusier. Deste modo, o estudante, além
de não precisar endereçar a questão da estrutura resistente, conta com um gabarito espacial que reduz o
problema da composição do volume. No caso da Escola da Cidade, o exercício ocupa o primeiro módulo da
disciplina e aparece como a primeira prática de desenho em que deverão ser exercitadas as relações entre
corte, fachada e planta. Além disso, de certo modo dando continuidade ao tema do tamanho do corpo em
151
relação à arquitetura, ganham destaque questões relativas ao deslocamento no espaço e dimensionamento
dos elementos.
77
Já na PUC-Rio a estrutura da Casa Dominó é a base para um exercício realizado no segundo semestre do
curso – portanto com estudantes mais adiantados – em que aparece também como uma prática
propedêutica que antecede um exercício mais completo. Aqui a estrutura da Casa Dominó é a base de um
projeto para o atelier de um arquiteto localizado em um terreno com vista para o mar
78
. Neste caso, além de
se exercitar o desenho e endereçar questões relativas ao dimensionamento e distribuição funcional, é
possível também ater-se à relação entre a estrutura-independente o os sistemas de vedação. Com isso
cria-se a oportunidade para colocar o estudante em contato com um repertório de elementos relacionados
ao tema da “pele” da edificação como mediadora entre o interior e exterior, endereçando questões como
proteção solar, ventilação, preservação das visuais, necessidade de obscurecimento, paginação e micro-
volumetria dos elementos de fachada, etc.
Além dos problemas semi-estruturados, outra estratégia proposta é a adoção de programas bastante
simplificados, em que o problema de projeto é endereçado pelos estudantes, por assim dizer,
simultaneamente em todas as suas esferas. A manifestação mais nítida desse tipo de abordagem entre as
experiências cartografadas ocorre também no atelier do primeiro ano da Escola da Cidade, onde são
propostos três exercícios de projeto enfocando edificações de pequeno porte. Cada projeto corresponde a
um módulo da disciplina, que inicia com a apresentação de repertório tendo sempre como eixo temático
uma obra de referência de um arquiteto considerado fundamental para se iniciar a compreensão da tradição
arquitetônica moderna. Compõem o rol de referências do primeiro ano: Le Corbusier, Mies van der Rohe,
Frank Lloyd Wright, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A opção por apresentar a obra destes arquitetos em
paralelos aos exercícios será examinada com maior atenção adiante, no território Precedentes.
Por ora, se quer destacar a porção relativa ao problema de projeto. Uma interpretação possível, em
consonância com o que já foi afirmado acerca dos exercícios anteriores neste território, é que a estratégia
utilizada pelos professores envolve a criação de uma espécie de universo de problemático específico,
levando o estudante a conhecer diferentes aspectos da prática da concepção arquitetônica através do
problema que enfrenta. O primeiro exercício de projeto – proposto no segundo módulo da disciplina – está
vinculado à apresentação da obra de Mies van der Rohe e tem como tema um pavilhão. Sua baixa
complexidade funcional permite que o estudante se concentre em aspectos ligados à concretude material e
77
Na ocasião da cartografia verificou-se que o exercício vinha se transformando. Atualmente se adota a premissa de se propor um
projeto sem programa definido, mas visando criar situações de progressão espacial tendo como base os elementos porta, janela e
escada, e com isso, exercitar a adoção de claras intenções de projeto. Esta estratégia, ainda em elaboração, substitui o projeto de
uma residência-atelier, com o programa completo, que fora proposto na adição anterior deste exercício.
78
Nesta cartografia contou-se com uma visita à disciplina de Projeto do Espaço Residencial 1, ministrada pelos arquitetos Andrés
Passaro e Ana Paula Pontes, por ocasião da participação do autor em uma banca de avaliação do projeto final da disciplina,
quando foram descritas as práticas didáticas levadas a cabo durante o semestre.
152
visual da prática da concepção arquitetônica, isto é, aspectos relativos à sua representação, suas
dimensões, sua organização formal, sua materialização construtiva. Conforme lembra o professor, “um ano
fizemos o pavilhão das sombras no parque do Ibirapuera, que deveria simplesmente criar uma pausa de
sombra perto do lago. A questão então era criar um espaço de permanência sob uma cobertura.” Embora
exista sempre um tema que visa provocar a empatia dos estudantes pelo projeto – pavilhão das flores,
pavilhão dos livros – o programa é normalmente reduzindo a espaços de circulação e
permanência/exposição, além de um pequeno sanitário, única porção onde a questão das dimensões e do
leiaute funcional pode ser endereçada em maior detalhe A situação de implantação, por sua vez, é
normalmente um espaço público onde a edificação estará solta e a necessidade de vedação é limitada.
A apresentação do tema do projeto ao lado do arquiteto de referência também contribui para a formação do
universo problemático do projeto. Embora não se incentive práticas de emulação formal, os estudantes
entram em contato com os problemas endereçados de modo recorrente na obra de cada arquiteto
destacado e podem espelhar a sua prática nestas mesmas questões. A materialidade presente na obra de
Mies van der Rohe, por exemplo, parece forjar um bom ponto de apoio para o aprendizado da lógica
tectônica da arquitetura. Por outro lado, a discussão acerca do programa permite que se aborde outras
questões, tal como a relação entre os sentidos do espaço arquitetônico e seu uso.
Ilustração 34 - Pavilhão das Flores.
Projeto da aluna Carolina Sacconi, 2007. Fotos: Pablo Nereñu.
Este ponto fica particularmente claro no segundo módulo, onde o tema de projeto é uma capela situada ao
lado de uma edificação com marcante valor histórico – neste caso o Museu de Arte Sacra de São Paulo. As
três aulas que antecedem o exercício tratam, respectivamente, da obra de Oscar Niemeyer (com destaque
153
para a capela da Pampulha), da casca de concreto como estrutura e da arquitetura religiosa. O tema da
capela leva os estudantes a buscar recursos arquitetônicos que permitam lidar com a dimensão simbólica e
experiencial que tão fortemente está presente na arquitetura ligada à religião. Em grande medida estes
recursos encontram-se presentes no repertório apresentado pelos professores nas aulas inaugurais e
envolvem questões como a da luz, da progressão espacial, do lugar de culto, dos ritos cerimoniais, dos
símbolos sagrados, etc. Novamente não se induz à adoção das soluções construtivas ou da linguagem do
arquiteto apresentado nas aulas preliminares, embora este seja um dos caminhos que poderá ser adotado
pelos estudantes. Além da complexidade funcional um pouco mais complexa – há uma sacristia, altar e
bancos – este problema de projeto traz à tona a questão da relação com o contexto, onde a arquitetura
contemporânea irá dialogar, de algum modo, com o edifício histórico.
No último módulo o exercício de projeto traz o programa de um espaço de exposição que abrigará obras de
um artista ou tema determinado – por exemplo, gravuras japonesas, esculturas de Alexander Calder – a ser
construído em um lote urbano com vizinhos lindeiros. Sem entrar em detalhes acerca deste exercício,
compre mencionar que a estratégia persiste na direção de temas com crescente complexidade funcional,
situados em contextos que se tornam igualmente mais complexos.
Ilustração 35 - Projeto de uma Capela
Exer´cicio de projeto da Escola da Cidade. Projeto de uma capela no jardim do Museu de Arte Csacra de São Paulo. Estudante: Natassia
Caldas, 2006. Fotos: Pablo Hereñu.
154
Por fim, cabe mencionar outra faceta dos conteúdos relativos à concepção arquitetônica cartografados por
esta pesquisa, o da reflexão sobre o processo de concepção em si, isto é, o do desenvolvimento, por parte
do estudante, de uma espécie de consciência metodológica acerca da prática do projeto. A disciplina de
Projeto 2
79
, no segundo semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem como fio condutor um
exercícios de projeto nos moldes daqueles citados acima, por exemplo, um pavilhão ou quiosque no
parque. O que garante sua distinção é a preocupação em criar situações onde o estudante se vê obrigado a
lançar um olhar reflexivo não apenas sobre os projetos realizados pela turma, mas também sobre os
caminhos que levaram à sua realização até aquela etapa. Sem querer entrar em maiores detalhes, cabe
destacar que esta prática envolve uma dinâmica que pode ser entendida como dialética. Em um primeiro
momento o estudante enfrenta a tarefa de conceber o projeto a partir dos recursos que dispõe. Em seguida
são conduzidas discussões coletivas envolvendo estudantes e professores em que o objetivo é refletir sobre
os resultados e sobre o percurso seguido até então. Tentativas de verbalizar as dificuldades encontradas na
realização do projeto encontram auxílio nas formulações críticas dos professores no sentido de auxiliar sua
compreensão e superação. Se for necessário também é fornecido um aporte de informações úteis para a
realização do projeto face os entraves encontrados. Por fim, os estudantes retornam para a atividade de
concepção de que vinham exercendo tendo já transformado seu ponto de vista acerca da própria prática.
Evidentemente tal olhar reflexivo perpassa todas as atividades de orientação crítica dos projetos. É
importante notar que o conteúdo do ensino que se está promovendo aqui é mais próximo da reflexão
metodológica como prática do que conceitos acerca de métodos e procedimentos em si. Segundo o
professor Wagner Amoedo, se houvesse a prescrição de um método ou de um modo de proceder no
projeto, o estudante não conseguiria utilizá-lo nem compreendê-lo. Por isso a escolha de se refletir sobre o
já feito visando promover transformações no fazer
5.2.5 Fabricação
Os conteúdos que foram alocados no território fabricação estão relacionados com a capacitação dos
estudantes para elaborar objetos e modelos utilizando as ferramentas e as técnicas adequadas, observando
as medidas, escolhendo os materiais e avaliando a expressão da sua materialidade. Esse tipo de conteúdo
está ligado a saber-fazer em sentido literal. Em grande medida, porém, eles são vinculados a exercícios
cujo propósito não é especificamente o ensino da fabricação, isto é, são conteúdos que costumam aparecer
79
A pesquisa contou com uma entrevista realizada com o professor Wagner Amoedo, um dos docentes responsáveis pela
disciplina.
155
colateralmente ou de modo subsidiário em práticas que visam primordialmente outros tipos de
conhecimentos.
A prática de elaborar modelos em escala é um exemplo onde a fabricação surge como um conteúdo
colateral. O tipo de conhecimento empregado na elaboração mesmo das mais simples maquetes em
papelão, pode-se argumentar, é de certo modo análogo àquele empregado na construção de obras de
arquitetura. As noções de medida, encaixe, articulação, acabamento, revestimento, estrutura e a escolha de
materiais e ferramentas são experimentadas diretamente pelo estudante na tarefa de fabricar modelos,
maquetes ou outros objetos.
Exercícios desta ordem ocorrem, por exemplo, na disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 1 da
UFRJ e de Introdução ao Projeto na PUC-rio, ambas do primeiro semestre, em que as exigências relativas
à apresentação de modelos têm a explícita intenção de gerar situações que levam ao emprego de uma
espécie de “pensamento construtivo”, ainda que em nível bastante elementar. Neste caso trata-se de
estabelecer que os modelos realizados pelos estudantes devam ser construídos em papelão com 1,5mm de
espessura e revestidos com papel menos espesso. O estudante se vê obrigado a ter que planejar os
procedimentos da construção com antecedência, descontando a espessura dos materiais em todos os
encaixes, medindo as superfícies a serem revestidas tendo em vista suas intersecções e perfurações, e
planificando geometricamente eventuais trechos curvos. Tais exercícios, é bom sublinhar, não propõem
uma simulação em escala de um edifício, embora se mencione que o “sanduíche” de papelão pode ser
entendido como análogo à alvenaria revestida. As exigências feitas em relação a um produto “bem
acabado”, por outro lado, remetem à preocupação de que o estudante exerça um olhar crítico em relação à
sua produção material, passando a prestar atenção em pormenores físicos que talvez antes nunca lhes
fosse necessário observar. Neste sentido a produção do estudante passa a ser visto não apenas como uma
ferramenta de representação, isto é, como um objeto que remete a outro objeto que é, por assim dizer, o
“verdadeiro”. O modelo é, neste caso, um artefato com existência concreta e avaliado segundo atributos
que lhe são imanentes.
Ilustração 36 - Acabamento.
Exemplos de acabamento padrão na disciplina de Condepção da Forma Arquitetônica 1 da UFRJ. Estudantes: Luiza Pereira, Thiago
Ramos e Flávia Portilho. Fotos do autor.
156
Este modo de apreender os modelos aponta para outro aspecto da fabricação como conteúdo didático, em
que o artefato produzido tem uma expressividade que lhe é própria e que, mesmo quando este objeto
remeter a outro objeto, conceito ou situação, será imanente à sua configuração material. Um exemplo que
talvez permita esclarecer é o exercício de análise de obras arquitetônicas realizado na disciplina de
Introdução ao Projeto, no primeiro semestre da PUC-Rio, ministrada pelos professores Fernando Betim e
Hermano Freitas. Como parte da produção resultante deste exercício, que será observado mais adiante, os
estudantes produzem modelos que remetem à obra em questão, mas que não necessariamente são
representações suas em escala. O propósito destes artefatos é dar a ver, com a sua própria materialidade,
certos aspectos da arquitetura que está sendo analisada. Nesse tipo de situação, as decisões a respeito do
material, da sua aparência fenomênica e dos sentidos que o objeto pode acolher ou expressar são escolhas
indissociáveis da sua própria concepção.
Ilustração 37 - Modelo conceitual de análise.
Neste exemplo os estudantes analisam uma residência de praia dos arquitetos Andrade e Morettin que se destaca tanto pela
artificialidade do revestimento externo – telhas metálicas – quanto pela sua permeabilidade em relação às áreas verdes contíguas. A
transparência e artificialidade dos materiais utilizados no modelo são atributos importantes para a argumentação feita durante a análise.
Fotos do autor.
Uma situação semelhante pode ser identificada exercício “Interpretando o Espaço: Prospecções”, realizado
na UnilesteMG e já descrito no território Percepção, em que os estudantes apresentam um relatório
trazendo as interpretações produzidas durante o exercício. É solicitado que os estudantes concebam a
apresentação do relatório tendo em vista o teor do seu conteúdo, ou seja, sua expressão material deve de
algum modo estar relacionada com as experiências corporais e prospecções espaciais que endereça. A
preocupação com a concretude da produção dos estudantes é destacada pelos professores, indicando que
faz parte do planejamento dos exercícios prever o aporte técnico de outras disciplinas ou professores que
possam auxiliar os estudantes com a realização do seu trabalho.
157
Ilustração 38 - Interpretando o Espaço: Prospecções. Apresentação.
Os trabalhos efetuados com o objetivo de registrar a apresentar as interpretações são produzidos com a intenção de vincular o conteúdo
à expressividade materia do suporte. Fotos do autor.
5.2.6 Precedentes
O grupo de conteúdos catografados no território Precedentes está ligado à apresentação e o estudo de
referências arquitetônicas. De um lado, pode-se dizer que existe a preocupação de possibilitar que os
estudantes se apropriem de um léxico relativo aos diferentes elementos da arquitetura e suas relações, por
vezes vinculando-os à linguagem de um arquiteto ou tradição histórica que os empregue com determinado
sentido. Este olhar para fora, ou para o passado, visa contribuir não apenas para a formação de repertório,
mas também para que o estudante comece a se situar em relação às heranças da cultura arquitetônica.
Além disso, em determinados casos, o contato com os precedentes se dá através de análises em
profundidade de determinados exemplares, visando permitir o discernimento e a compreensão de diferentes
aspectos que compõem a complexidade que abrigam as obras de arquitetura.
Um exemplo da estratégia de fornecer repertório mediante um olhar para a história ocorre no ateliê de
primeiro ano da Escola da Cidade, em São Paulo, conforme já mencionado no território Concepção. Sua
organização em módulos vincula os exercícios didáticos a nomes que foram fundamentais para na
158
formação da arquitetura moderna brasileira e mundial. De fato esta estratégia didática atravessa toda a
seqüência de disciplinas de metodologia do projeto na escola, indicando haver uma preocupação de se
amparar o ensino de projeto, em parte, na cultura arquitetônica. No caso do primeiro ano, cada um dos
quatro módulos inicia com a apresentação de uma série de aulas expositivas relacionadas com o tema dos
exercícios subseqüentes. No primeiro módulo, além do exercício da Casa Dominó descrito anteriormente,
se faz uma viajem de campo ao Rio de Janeiro com o objetivo de conhecer, entre outras coisas, exemplares
da arquitetura moderna carioca, com destaque para o prédio do Ministério da Educação. As aulas, então,
tratam de apresentar a obra de Le Corbusier até a década de 1930, além apresentarem Lúcio Costa como o
articulador do episódio que culmina na realização do projeto do Ministério. Aproveita-se a ocasião para
apresentar aos estudantes uma leitura arquitetônica do prédio, destacando elementos típicos da arquitetura
e as soluções empregadas no projeto. O segundo módulo conta com aulas sobre a obra de Mies van der
Rohe e sobre o pavilhão de Barcelona, apresentando, entre outras coisas, pormenores relativos à sua
construção. Este módulo termina com uma aula sobre arquitetura de pavilhões, explicitando aspectos o
repertório arquitetônico dos estudantes mediante a apresentação de exemplares de diferentes épocas que
ilustrem diferentes abordagens em relação à arquitetura. O terceiro módulo, por sua vez, traz uma aula
sobre Oscar Niemeyer e o conjunto da Pampulha – em que é dado especial enfoque à igreja –
desdobrando-se em uma aula sobre estruturas de cascas de concreto e outra que examina a relação entre
arquitetura e religião, trazendo um repertório de recursos arquitetônicos utilizados para endereçar questões
relativas a este tema. O quarto módulo, por fim, traz uma aulas sobre Frank Lloyd Wright e sobre o museu
Guggenheim de Nova Iorque, terminando em uma aula específica sobre a arquitetura de museus, em que
diferentes exemplares são apresentados permitindo uma discussão sobre o seu papel atual dos museus e
sobre a problemática de se abordar a construção do programa arquitetônico dos espaços de exposição.
Como já foi apontado, esta apresentação de repertório calcada em personagens fundamentais e em temas
considerados relevantes para a história da arquitetura converge, nesta disciplina, com os exercícios de
projeto propostos aos estudantes. Pode-se argumentar que com isso os professores conseguem
construindo para o estudante, a cada módulo, um universo problemático de projeto trazendo não apenas
um problema que deverá ser enfrentado, mas também referências selecionadas mediante um critério de
pertinência em relação ao tema proposto. Cabe notar que tais referências não se resumem a um repertório
de imagens e soluções precedentes. A arquitetura aparece abordada sob diferentes pontos de vista que
ressaltam, alternadamente, seu contexto histórico e cultural, circunstâncias de sua realização, estratégias
formais, soluções técnicas, contexto espacial e condições de uso. Esta estratégia, pode-se argumentar, traz
os conteúdo relativos aos precedentes como uma espécie de ensino de história para ao projeto.
Este, contudo, não é o único modo pelo qual conteúdos relativos a precedentes arquitetônicos são
apresentados aos alunos. Entre as escolas visitadas foi possível identificar exercícios em que os estudantes
deveriam realizar projetos simplificados ou conceber pequenas configurações formais em compromisso com
159
a linguagem de determinado arquiteto. Este é o caso, por exemplo, de duas turmas da disciplina Introdução
ao Projeto Arquitetônico 1 da UFRGS, ministrada pelas professoras Eliane Constantinou e Silvana Stmpf,
na qual se faz diversas leituras do espaço urbano culminando em um exercício de intervenção em uma
praça pública contendo um equipamento esportivo ou cultural. A seqüência de atividades que culminará na
elaboração de um projeto arquitetônico inicia com o exame da obra de diferentes arquitetos com o propósito
de conhecer estratégias de projeto pertinentes ao tema da disciplina. A seleção dos nomes privilegia
autores que possuam obras em grandes espaços públicos com temáticas semelhantes às que serão
propostas para o projeto. Cada grupo trabalha com um arquiteto específico, apresentando uma pequena
biografia e identificando relações entre diferentes do mesmo autor obras com o propósito de compreender a
sua linguagem arquitetônica e discutir sua abordagem conceptiva. Por fim são analisadas as intervenções
em espaços públicos, destacando-se aspectos que são próprios deste tipo de problema arquitetônico, tais
como a implantação do edifício em espaço aberto, a existência de fachadas visíveis em todo o perímetro, a
qualidade da relação entre espaço interno e externo e os tipos de programa pertinentes a esta situação
urbana. Tal prática, como foi mencionado, faz parte da preparação para um exercício simplificado de
concepção arquitetônica – com programa bastante reduzido e no máximo 80m² –nos moldes do que foi
apresentado no território Concepção.
Neste exercício, além do precedente constituir um meio de compreender o universo problemático com o
qual os estudantes se verão envolvidos – recurso semelhante ao utilizado na Escola da Cidade – ele
também é utilizado pelos professores com um recurso para pré-estruturar o problema de projeto. No caso
da disciplina da UFRGS, além de trabalhar sobre um diagrama pré-definido consistindo de uma grelha
formada por quadrados de 4 metros de lado balizando o lançamento da estrutura resistente, os alunos
devem ater-se à linguagem arquitetônica empregada por Mies van der Rohe em seus edifícios pavilhonares
térreos, tendo a Casa Farnsworth como referência. Ao contrário do que ocorre na Escola da Cidade, onde
não é necessário comprometimento com os precedentes apresentados, aqui ele faz parte da premissa do
exercício. Esta estratégia visa suprimir no exercício de projeto a questão da adoção, por parte do estudante,
de uma linguagem arquitetônica de sua escolha, liberando-os para exercitar demais aspectos do problema
de projeto. Ela também pode ser entendida como um meio de lidar com o problema de falta de repertório,
tão recorrente entre estudantes iniciantes. Por meio do comprometimento com a referência eles passam a
contar com um rol de soluções formais, detalhes construtivos, lógica tectônica e organização funcional que,
além de ser completo – no sentido de abarcar diferentes aspectos do problema arquitetônico – é dotado de
grande clareza e coerência interna, facilitando a sua compreensão.
Conforme já foi indicado, outro modo em que os conteúdos alocados no território precedentes aparecem em
exercícios cartografados por este trabalho é mediante a realização de análises de obras arquitetônicas.
Tendo já analisado obras arquitetônicas na disciplina do primeiro semestre, os estudantes da UFRGS mais
voltarão a fazer exercícios deste tipo na disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico 2, conforme já foi
160
apontado no território Forma. Os dois primeiros exercícios de análise de fato dão ênfase à questão da
forma, sendo amparados pelo amplo elenco de conceitos utilizados para designar fatores de coerência da
composição e princípios de organização formal. Nestes casos pode-se propor que as análises estão
vinculadas à compreensão dos conteúdos na primeira etapa. Trabalhando sobre representações gráficas
das obras a serem analisadas, primeiro sobre fachadas e fotografias do exterior e em seguida sobre plantas
baixas, o estudante deve indicar os conceitos identificados mediante interferências gráficas realizadas sobre
o os desenhos e demais imagens que obteve. Esta experimentação gráfica realizada com o intuito de
identificar os sistemas de organização das configurações formais opera sempre com a construção de
abstrações. Se uma planta baixa já e uma representação abstrata, os diagramas formais produzidos nas
análises levam a abstração a um nível mais elevado que, tal qual o nível dos conceitos, tende a permitir que
o estudante seja capaz de efetuar a transposição da compreensão daquela situação particular para outras
situações em que conceitos e diagramas semelhantes se apliquem.
Ilustração 39 - Análise de conceitos de composição.
Apresentação do exercício de análise de composições espaciais trazendo a identificação dos conceitos presentes nas obras e a sua
indicação na planta através de diagramas. Trabalho do estudante Gabriel Johanson de Azeredo.
Se os primeiros exercícios de análise de precedentes ocorrem com o propósito de exercitar a compreensão
dos conceitos e sistemas de organização formal e de possibilitar a avaliação dos exemplares no que tange
a sua apreensão visual, o quarto exercício do semestre é destinado a uma análise em profundidade de um
161
exemplar arquitetônico segundo outros aspectos. Trata-se de uma avaliação minuciosa referente a uma
residência qualquer, não necessariamente projeta por um arquiteto de renome, à qual o estudante deve ter
franco acesso, incluindo certo grau de intimidade com os usuários.
Neste caso a análise é realizada após a apresentação de uma bateria de conceitos relativos principalmente
ao uso do espaço arquitetônico. Os fatores considerados no exercício são diversos: dimensionamento dos
espaços, clareza de acesso, definição e controle do território, compatibilidade entre atividades e circulação,
privacidade acústica e visual, visibilidade, conforto lumínico e térmico, ventilação, flexibilidade, qualidade
espacial e formal, solução estrutural, materiais empregados, relação com o entorno. Além de se basear no
exame dos desenhos, fotografias e visitas ao local, a análise compreende entrevistas com os usuários em
que é dado fornecido um roteiro básico de quatro questões solicitando que indiquem se a casa é satisfatória
ou não, quais são os aspectos positivos e negativos e quais seriam as melhorias realizadas caso houvesse
oportunidade.
É fundamental mencionar que este procedimento visa subsidiar o último exercício do semestre, que
consiste em conceber um projeto para uma residência no mesmo terreno, com seu programa levemente
modificado, buscando melhorar aspectos considerados insatisfatórias pela análise. Além de gerar este
diagnóstico, o exercício visa permitir que os estudantes se aproximem de uma obra arquitetônica tendo em
vista a sua vivência efetiva pelos usuários cotidianos. Deste modo, existe a intenção declarada de permitir
que o estudante compare as supostas intenções do projeto com o modo que a arquitetura foi de fato
apropriada e utilizada pelos seus habitantes no dia a dia, levando-os a promover um olhar crítico acerca das
conseqüências que têm as ações do projeto em termos da sua atualização como arquitetura.
Ilustração 40 - Análise de uma residência
Prancha de apresentação da análise de uma residência localizada na cidade de Porto alegre, RS. Trabalho do estudante Gabriel
Johanson de Azeredo.
162
Ilustração 41 - Análise de uma residência. Espaços em uso.
Pormenores da apresentação da análise de uma residência. A planta baixa traz o mobiliário de acordo com a sua disposição e uso
efetivos. Trabalho do estudante Gabriel Johanson de Azeredo.
Apontando para ainda outra direção, cabe mencionar o de análise de exemplares arquitetônicos proposto
na disciplina de Introdução ao Projeto da PUC-Rio, já parcialmente descrito no território Fabricação, em que
os alunos deverão examinar duas obras de arquitetura contemporânea indicadas pelos professores. Na
edição examinada por esta cartografia os grupos, contendo de cerca de quatro membros, analisavam
especificamente a residência de praia R. R., dos arquitetos Andrade Morettin, e a Casa Azuma, de autoria
de Tadao Ando.
Ilustração 42 - Residência R.R. Arquitetos Andrade Morettin.
Fotos obtidas no sítio: http://www.andrademorettin.com.br/
O enunciado do exercício não prevê um rol de conceitos que deverão ser identificados, mas propõe
diferentes categorias que poderão ser destacadas nas análises de cada grupo, permitindo que o estudante
atente para os diferentes sistemas e para as diversas regiões problemáticas que se encontram sobrepostos
na arquitetura. São exemplos de categorias de análise: “forças do lugar”, relativa à implantação relação com
o contexto; “forma e espaço”, relativa à morfologia da arquitetura; “estrutura”, relativa aos aspectos
tectônicos e construtivos; “ventilação iluminação”, relativa às trocas entre o ambiente interior e exterior da
edificação. Cada grupo seleciona um ou mais aspectos que deseje enfatizar na sua análise e, utilizando
informações gráficas e textuais fornecidas pelos professores, constrói interpretações acerca de como a obra
163
em questão os aborda. Este procedimento envolve, conforme foi apontado no território Fabricação, a
construção de um artefato – uma espécie de modelo conceitual de análise – que busca não apenas ilustrar
os argumentos da sua interpretação, mas fornecer um campo de discussão que auxilie na construção desta
argumentação. A estratégia utilizada consiste em destacar de modo enfático os traços ou relações que
desejam sublinhar no exemplar estudado, por vezes os exagerando ao absurdo através, por exemplo, de
deformações na morfologia dos modelos ou da exploração das relações semânticas existentes entre os
materiais empregados na sua confecção.
Ilustração 43 - Casa Azuma. Arquiteto Tadao Ando.
Fotos obtidas no sítio: http://www.geocities.com/arquique/ando/andorw.html
Nos exemplos abaixo pode-se ve edse vsterpr.(s)0(8.(s)0(çõ)453(es )5.2.9( e)ao)-0.7(c8.(s)0.ao )5.2(de )5.2Ab.(s)0.9( e)rmdeMmo.miIlust-
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ilu40.1nu -iilizu40.1çode( -)5.2ol,s - attru40.1vdu40.1ssslar - co40.1njue( -)5.2du40.1ámua emlu( -)5.2oumíxlu( )]TJ0 -1.7358 TD0.0056 Tc0.0087 Tw[( vxis)5.4uaois,e ocs4(goo )5.2(detir(a)4.4s levc)5.4.5(e)83(o )5.2(dett)564.5(e)83coidaemovce co40.4m a paisadolarprelo e(e)83ele(e)83. Nu4084(o)-0.8
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164
Ilustração 44 - Análise da residência R.R., de Andrade Morettin.
Na esquerda a análise enfatiza a estratégie de descolar a casca externa da edificação possibilitando grande permeabilidade à redisência.
No direita a escolha dos materiais e da morfologia do modelo enfatiza tanto a permeabilidade en relação ao contexto natural quanto a
artificialidade dos materiais da adificação. Fotos do autor.
No caso da Casa Azuma, a imagem abaixo mostra um modelo que visa sublinhar o tamanho diminuto da
casa e a supostamente delicada relação com a natureza estabelecida mediante a presença das intempéries
no interior do pátio central da edificação. O estojo construído pelos estudantes funciona com uma espécie
de caixa de jóias e o modelo, cujo interior é preenchido por diferentes materiais com referência às
mudanças atmosféricas, permite a experiência de se entrever este pequeno universo em miniatura que é o
pátio da casa.
Ilustração 45 - Análise da Casa Azuma de Tadao Ando.
Na esquerda a análise enfatiza a estratégie de descolar a casca externa da edificação possibilitando grande permeabilidade à redisência.
No direita a escolha dos materiais e da morfologia do modelo enfatiza tanto a permeabilidade en relação ao contexto natural quanto a
artificialidade dos materiais da adificação. Fotos do autor.
165
5.2.7 Cidade
O território denominado Cidade abriga conteúdos que estão ligados, na maior parte, a análises e leituras do
espaço urbano e suas dinâmicas. Os exercícios em que tais conteúdos foram identificados abrigam uma
diversidade significativa de abordagens, passando por leituras morfológicas, pesquisas históricas e
investigações ligadas à relação entre espaço e produção de subjetividade. Em alguns casos, como será
possível observar, as práticas culminam em propostas de intervenção no espaço baseadas nas análises
realizadas.
Um exemplo deste tipo de prática, conforme foi possível entrever na exposição feita no território anterior,
ocorre na disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico 1 da UFRGS, na qual a primeira etapa do
semestre é destinada à produção de uma análise referente a uma porção determinada da cidade de Porto
Alegre. A área selecionada fica sempre ao redor de uma praça ou espaço público aberto que será objeto do
exercício de intervenção no final do período e, segundo as professoras, geralmente conta com algum tipo
de problema em termos do seu uso social como, por exemplo, prostituição, mendigos, crianças de rua, etc.
Além disso, pelo menos parte do seu entorno edificado é normalmente considerado de interesse sócio-
cultural pelo poder público, em geral parcialmente degradado, permitindo abordar a questão da preservação
e da renovação urbana discutindo conflitos e estratégias. Iniciando com a leitura de um texto de Jane
Jacobs extraído do livro Morte e Vida das Grandes Cidades (2000), o exercício propõe a utilização de
diferentes abordagens com o objetivo de investigar as características espaciais e as dinâmicas sociais da
área permitindo a produção de um diagnóstico que reflita suas principais deficiências e potencialidades.
Cientes de que o propósito do exercício é subsidiar a futura intervenção, os estudantes realizarão, em
grupos, análises que enfatizam dois níveis distintos, denominados macro-espacial e micro-espacial. O
primeiro é relativo principalmente à configuração do tecido urbano e tem como principal instrumento mapas
de figura e fundo fornecidos aos alunos. Tendo já realizado visitas à área, eles produzem diversos tipos de
representações apresentando, por exemplo, a estrutura primária do bairro, os diferentes tipos de malha
viária, as principais vias estruturadoras e os grãos de ocupação edificada, tendo sempre em vista o
processo de formação histórica. Além disso, a partir dos estudos de Kevin Lynch (1998) sobre percepção
ambiental, os estudantes produzem mapas mentais e identificam os principais elementos que estruturam a
leitura da paisagem urbana. Também são realizadas análises de sintaxe espacial, ainda que bastante
sintéticas, utilizando mapas axiais e mapas de espaços convexos.
166
Ilustração 46 - Análises em nível macro-espacial.
Análises morfológicas realizadas sobre mapas de figura-fundo. Ao alto, mapas referentes à estrutura primária: “tensões” (esquerda) e
“pólos e centros” (direita). Em baixo, mapa referente à granulação (esquerda) e mapa de axial de análise sintática (direita). Extraídos de
um trabalho realizado na disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico 1, da UFRGS.
No segundo nível, denominado micro-espacial, os estudantes produzem levantamentos mais
pormenorizados. Cada grupo se ocupa de um percurso de aproximação da praça. Nesta caminhada se faz
uma breve análise tipológica por meio da identificação de padrões na morfologia das edificações e se
conduz um estudo da configuração visual da paisagem mediante o uso de fotografias. Além disso, são
realizadas entrevistas com diversos moradores visando obter informações acerca do uso efetivo do espaço
e dos problemas relativos à sua área de intervenção. Estes estudos mais pormenorizados são
apresentados coletivamente visando formar uma imagem relativamente completa da área, um procedimento
que envolve o cruzamento das análises morfológicas com as observações e relatos referentes ao uso social
do espaço. Com isso se busca permitir que sejam identificadas conexões entre a configuração física e
diferentes questões relativas ao uso dos espaços públicos, como segurança, controle, apropriação e
167
acessibilidade. Cabe mencionar que todas estas análises têm seus propósitos discutidos e suas referenciais
teóricos esclarecidos, permitindo que se apresentem aos estudantes as contribuições de autores como
Kevin Lynch, Gordon Cullen e Bill Hillier para a compreensão das configurações espaciais das cidades e
suas implicações na vida urbana.
Ilustração 47 - Análises em nível micro-espacial.
Ao alto levantamento referente ao uso (esquerda) e referente à altura das edificações (direita). Abaixo, montagens fotográficas de trechos
específicos dos percursos levantados. Extraídos de um trabalho realizado na disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico 1, da
UFRGS.
Esta análise resulta em um diagnóstico acerca da área de intervenção – especificamente a praça e seu
entorno imediato – em que se identificam os principais problemas e condicionantes, além de se lançar
hipóteses sobre estratégias de intervenção. Como foi apontado no território anterior, o exame de
precedentes que se relacionem diretamente com este tipo de projeto tende a contribuir para o processo de
estruturação do problema. As intervenções, propostas são baseadas em diretrizes estabelecidas
coletivamente para toda a turma, incluindo a escolha do programa para a edificação que será inserida na
praça e alterações no traçado viário e no sentido das ruas. Cabe aos estudantes, conceber o projeto dos
espaços abertos da praça assim como o da edificação – nos termos descritos no território anterior – além
da indicação de determinados usos e gabaritos tipológicos que poderiam pautar o regime urbanístico que
168
regulamenta o seu entorno edificado. Neste sentido a questão da preservação e renovação é discutida
tendo em vista as pré-existências ambientais e as dinâmicas sociais da área.
De acordo com as professoras, e conforme é possível notar pela descrição, a disciplina propõe uma
seqüência linear de intervenção, iniciando pelo levantamento de dados, descrição, análise, produção de
diagnóstico para que então se chegue à síntese projetual.
Uma experiência que aponta em uma direção semelhante é realizada na disciplina de Introdução a
Arquitetura e Urbanismo da UFMG, na qual os estudantes percorrem uma seqüência de etapas que visam
capacitá-lo para lidar com diferentes aspectos da concepção de um projeto de arquitetura. O primeiro
exercício que será apresentado aqui trata especificamente da primeira aproximação em relação ao contexto
urbano onde se insere o projeto final a ser elaborado no final do semestre. Conforme descrito no programa
da disciplina, o objetivo desta atividade é “desenvolver a habilidade de identificar os elementos físicos
(propriedades) e perceptivos (atributos) que configuram o lugar e que afetam a implantação das
edificações.” Esta análise envolve a elaboração de um "Caderno de campo" onde são registradas as
informações sobre o lugar. Um roteiro fornecido pela professora indica de modo organizado quais os
elementos que deverão ser observados e registrados pelos estudantes. Em linhas gerais podes-se
mencionar que em referência às vias que são acesso, por exemplo, serão observadas as direções
predominantes do tráfego, características do passeio público (incluindo levantamento dos postes,
pavimentação, meio fio e elementos de sinalização), arborização e ajardinamento, mobiliário urbano e
espaços de transição entre público e privado. Traços marcantes da paisagem são registrados por meio de
croquis de observação e incluem aspectos tais como silhuetas predominantes, diferentes perspectivas a
partir do terreno e visada que se têm dele a partir da rua, além da implicando na observação das
características morfológicas e aparências das edificações vizinhas. Os diferentes usos do espaço são
observados tendo em vista os movimentos e seu impacto na ambientação urbana. Além disso, deverão ser
identificadas a posição do sol, a direção dos ventos e as imposições estabelecidas pela legislação que
regula a ocupação edificada da cidade.
Este exercício de reconhecimento do entorno se desdobra em outra atividade, na qual os estudantes devem
produzir, sobre o terreno do projeto, uma representação que indique as diferentes potencialidades e
condicionantes estabelecidas pelas condições identificadas no levantamento. Este estudo será a base para
a distribuição espacial das atividades abrigadas pela edificação, visando instrumentar o estudante no
manejo e compreensão das possíveis correlações existentes entre a distribuição espacial e os atributos e
propriedades do lugar. Nesse sentido, pode-se argumentar que nestas práticas o espaço urbano é
entendido como ambiente de intervenção na medida em que é o lugar onde a arquitetura irá se inserir, isto
é, ele a cidade não é exatamente o objeto de intervenção, tal qual ocorre na UFRGS, mas som o contexto
169
pré-existente que irá impor pressões e agenciar forças com as quais a arquitetura deverá lidar e que,
inversamente, será transformado por sua presença.
Outro exercício que visa promover uma aproximação com a cidade, mas neste caso sem o propósito
específico de subsidiar a concepção de um projeto, é realizado na disciplina de Fundamentos de Projeto da
USP
80
. Um fato a se considerar sobre esta disciplina se refere ao modo como ela busca acolher as cinco
áreas que compõem o departamento de projetos da escola: a arquitetura do edifício, o planejamento físico e
territorial, o paisagismo nas suas escalas urbana e ambiental, o desenho industrial e a programação visual.
O exercício denominado Vetores da Cidade é uma parte, portanto, de uma gama bastante ampla de
conteúdos com os quais os estudantes travam contato no primeiro semestre da sua formação nesta escola.
Pode-se argumentar que esta prática trata de promover uma espécie de alargamento de horizontes no que
diz respeito ao conhecimento dos estudantes sobre a cidade de São Paulo. Sua dinâmica exige que os
estudantes, divididos em grupo de cerca de vinte integrantes, percorram diferentes trajetos dentro da cidade
tendo como ponto de partida a Praça da Sé, no centro, em direção a determinados pontos da periferia.
Durante o percurso, que varia de dez a doze quilômetros, dependendo do trajeto, eles devem observar e
registrar diferentes aspectos do espaço urbano no que tange à história, dinâmicas sociais e morfologia do
ambiente construído e natural. As leituras incluem, por exemplo, a identificação dos elementos significativos
na constituição da paisagem, o registro das diferenças tipológicas em termos da ocupação edificada, o
reconhecimento dos principais acidentes geomorfológicos (apontando leitos de rios canalizados e divisores
de águas), além da identificação dos bairros que atravessam. Mediante a observação dos diferentes
tecidos, exemplares arquitetônicos e estrutura viária – incluindo as antigas vias de transportes coletivos e
atuais linhas do metrô – e contando com o aporte de informações acerca da evolução urbana da cidade, os
estudantes passam a conhecer diferentes episódios da formação da cidade de São Paulo. No trajeto
também é possível entrar em contato com pessoas e testemunhar fatos que revelam traços das dinâmicas
sociais da cidade, incluindo questões como segurança, apropriação do espaço público, atribuição de
significados e transformação do uso ao longo da história. Conforme destaca Perrone:
[O estudante] começa a perceber que a paisagem [...] faz parte de uma organização histórica e
social, que ela tem desenhos muito próprios [...] e que esses desenhos têm um significado. Então
ele se perguntam: Por que esse bairro é assim? Por que essa praça é assim? Por que aqui é
alto? Por que aqui é baixo?
80
Abrigando em uma única turma todos os estudantes ingressos na escola, a disciplina de Fundamentos de Projeto é ministrada
coletivamente por um grupo de cerca de dezesseis docentes, atualmente coordenados pelo professor Rafael Perrone. A
cartografia baseou-se em uma conferência realizada pelo professor Perrone na FAU-USP em maio de 2005 acerca das estratégias
didáticas, além da analise do material didático disponível do site da escola e da observação da produção dos estudantes no que
diz respeito ao exercício Vetores da Cidade.
170
Ilustração 48 - Vetores da Cidade
Apresentação da produção resultante do exercício Vetores da Cidade contendo o imenso corte referente ao trajeto que vaui da Praça da
Sé até o Largo Treze de Maio, no Bairro de Santo Amaro. Foto do autor.
A produção resultante dos percursos é dominada por um grande corte que percorre toda a extensão do
percurso e que é propositalmente deformado para destacar as variações da topografia e verticalização do
ambiente construído. As apresentações em sala de aula têm como fio condutor a seqüência de eventos
contida no trajeto. Assim, ao invés de registrar as diferentes esferas que atuam na formação do espaço
urbano, elas são aparecem mescladas ou sobrepostas ao longo de todo o percurso. Segundo Perrone, uma
das vantagens deste tipo de apresentação é permitir que a cidade não seja vista a partir de fragmentos:
“Percorrendo esses bairros, você percorre setores industriais, setores habitacionais, favelas. Vê partes
verticalizadas, bairros chiques, bairros pobres, vias de grande fluxo, vias de pouco fluxo.” A continuidade do
desenho, portanto, evidencia as descontinuidades da cidade. Durante a apresentação em aula, ^têm ainda
a oportunidade da narrar experiências vividas em campo, durante o levantamento, dando a ver aspectos
que relevantes tratar da sedimentação de significados relativos ao espaço urbano.
A última seqüência de exercícios a ser apresentada neste território refere-se às práticas propostas no
Estúdio 1, disciplina de primeiro período na UnilesteMG
81
, em que se promove a aproximação a cidade
mediante o “entendimento do fenômeno arquitetônico urbano como complexidade de espaços, personagens
81
Esta cartografia contou com uma entrevista realizada em março de 2007 com o professor Alexandre Campos, então responsável
pelo Estúdio 1, além do texto da ementa da disciplina e da observação direta de duas aulas de apresentação de trabalhos.
171
e eventos”
82
. Como parte desta estratégia são propostas práticas didáticas que buscam a construção de
uma sensibilização apurada e crítica dos acontecimentos urbanos.
O primeiro exercício realizado pelos estudantes foi descrito pelo professor Alexandre Campos como “ver e
narrar” e tem justamente o propósito de iniciar o processo de “descondicionamento” do olhar do estudante.
Observando registros fotográficos de obras de arte contemporânea eles fazem descrições minuciosas de
tudo o que há na cena, promovendo a busca por meios de expressar verbalmente aquilo que aparece aos
olhos. Em seguida, cada estudante propõe uma ficção a respeito do que descreveu, isto é, sem
compromisso com a verdade dos fatos, gera-se uma narrativa hipotética que justificaria aquela cena.
Partindo da seleção de trechos ou expressões presentes nos textos, os professores promovem discussões
em aula abordando a questão das narrativas possíveis acerca da realidade visível. Este exercício de
“aquecimento” culmina em uma aula expositiva sobre o tema da fotografia na contemporaneidade, abrindo
espaço para se discutir temas como a proliferação da imagem no mundo atual, a perda do estatuto de
verdade da fotografia e a produção da imagem fotográfica como construção de um olhar sobre o real.
O exercício seguinte propõe a utilização da fotografia como meio para construir olhares sobre a cidade. Os
estudantes devem sair às ruas buscando identificar registrar traços marcantes de intervenções feitas no
espaço urbano. Conforme aponta o professor, sem trabalhar com um roteiro definido, os estudantes devem
buscar perturbações e diferenças, mas não clichês: um saco de lixo fora da lixeira seria um clichê, enquanto
o mesmo saco no meio da rua seria uma perturbação significativa. Por fim, as imagens produzidas são
apresentadas em sala de aula acompanhadas de narrativas que buscam sublinhar seu sentido.
Pode-se entender que este processo busca permitir o exercício, por parte dos estudantes, de uma espécie
de sensibilidade inteligente na apreensão dos eventos e acontecimentos urbanos. Os estudantes estão
cientes de que seu olhar estará produzindo um registro parcial da cidade, constituindo um recorte de certo
do real em que abre mão da objetividade nos modos se ler a cidade. Conforme foi apontado, no Estúdio 2
desta mesma escola os estudante retornarão à cidade para promover as chamadas “prospecções” do
espaço que abrigam determinadas aloés, mesclando então registros objetivos a apreensões fenomênicas e
subjetivas.
Ainda no Estúdio 1 o último exercício do semestre exigirá que os estudante retornem ao espaço urbano
como objetivo de propor uma intervenção efêmera em um estabelecimento comercial de sua escolha.
Contudo esta prática será examinada adiante, no território Experiência.
82
Conforme consta na ementa da disciplina, obtida no endereço <http://www.unilestemg.br/arquitetura/>. Acessado em: Abril de
2007.
172
5.2.8 Verbalização
Os conteúdos relacionados com este território referem-se à utilização da linguagem verbal como meio de
designar diferentes aspectos da arquitetura, podendo estar vinculados a processos de exploração de
sentidos do espaço arquitetônico e urbano, à interpretação crítica de uma obra ou ao processo de
concepção dor projeto.
O primeiro caso a ser mencionado é justamente a atividade didática realizada no Estúdio 1 da UnilesteMG
logo após a apresentação dos registros fotográficos descritos anteriormente. O ponto de partida deste
terceiro exercício é uma palavra escolhida pelos estudantes a partir de uma lista de substantivos abstratos
fornecida pelos professores
83
. Trabalhando em grupo e utilizando um caderno como suporte para as
explorações que virão a seguir, os alunos deverão se engajar na exploração dos sentidos desta palavra
tangenciando – ainda que de modos pouco óbvios – o universo do ambiente construído. O objetivo,
segundo aponta o professor, é “jogar os estudantes para dentro de uma questão”. A exploração proposta
evidentemente depende do auxílio dos professores, que contribuem com a colocação de perguntas e com a
apresentação de referências que poderão suscitar desdobramentos. No final do processo os grupos devem
apresentar uma produção cujo formato não é definido de antemão, remetendo às vertentes políticas da arte
contemporânea do que à arquitetura. Entre os trabalhos de uma mesma turma poderá haver, por exemplo,
uma intervenção urbana, uma performance, um livro, um piquenique sobre o gramado da escola, um
levantamento de dados. Para facilitar a co.3(lit)8dma id dededer c.cia daaci dosicigusrdlho
173
Ilustração 49 - Consumo: Bens e Refrescos.
Imagens do tapete contendo rótulos de bens de consumo e do piquenique sob as árvores.
Outro exemplo é o de um grupo cuja palavra era “espaço”. A exploração de sentidos levou o grupo a
compreender as diferenças conceituais entre espaço e lugar. Se propôs uma experiência em que um
determinado tipo de atividade seria realizada em diferentes lugares da cidade. A ação foi registrada em um
vídeo, denominado “estudando em outros lugares”, no qual o grupo de estudantes aparecia em um primeiro
momento lendo livros sentados em um conjunto de mesas da biblioteca. Em seguida o mesmo grupo de
pessoas aparecia ao lado de uma piscina em um clube vazio, ao redor das mesmas mesas, lendo os
mesmos livros. A cena se repetiria ainda em duas praças públicas da cidade, onde a experiência causava
um visível estranhamento e perturbação nas dinâmicas cotidianas.
Ilustração 50 - Espaço de estudo em outros lugares.
Video registrando ação exercida por um grupo de alunas do Estúdio 1 da Unileste MG.
Por fim pode-se mencionar o exemplo do um grupo que trabalhou com a palavra “memória”. A etapa de
invenção de sentidos levou os estudantes à exploração da estreita relação entre a memória subjetiva de um
determinado indivíduo e a realidade física da arquitetura que abriga os acontecimentos recordados. O
174
trabalho se construiu a partir de uma entrevista realizada com uma senhora que narrava episódios da sua
infância transcorridos em uma casa onde vivera por muitos anos. As situações e afetos relatados permitiam
ao leitor encontrar rebatimentos na sua própria história pessoal. O produto final consistiu em imprimir o texto
desta narrativa e fixá-lo, em uma linha contínua, às paredes externas do prédio da escola. A experiência da
leitura destes relatos enquanto se caminhava ao redor do prédio – que sob certo ponto de vista é um
agregado de materiais de construção – colocava em questão o quanto a memória e as afecções, quando
relacionadas a um determinado ambiente, são capazes de adicionar ricas camadas de sentido à arquitetura.
Ilustração 51 - Memória.
Os estudantes fixaram ao edifício da escola um texto relatando a experiência pessoal de um indivíduo na sua cada de infância.
Outro exercício onde foi possível identificar a utilização da palavra como um recurso que contribui
significativamente para a interpretação de estratégias de projeto é exatamente a prática de análise de
referências arquitetônicas realizada na disciplina de Introdução ao Projeto da PUC-Rio. Como foi
mencionado no território Precedentes, tais análises constituem interpretações sobre como o arquiteto
enfrentou determinado aspecto do problema de projeto, tal como a relação com o contexto, a solução
tectônica ou a sua configuração plástica. O que se pretende destacar aqui é o fato de que, além de
utilizarem o modelo conceitual, os estudantes se valiam do uso da palavra para designar as diferentes
abordagens evidenciadas na análise das obras. Um exemplo que talvez deixe este ponto mais claro é o
termo utilizado por um grupo para descrever a transição entre as fundações de concreto e a estrutura de
madeira da casa de praia dos arquitetos Andrade Morettin: “é como se a casa tivtodtos .3(p)4é4(u)-0.7(s n)4.3(a)-0 aenfrcia3(”9(n)70.3A i-1(m)0.ga d)4.3colda x f54.3(a)-0(rel)6.4(a)-0(uit.3(ã)4. apro)4.3(b)-0.2(s)5.4(u)-0rdaprooctuenfra e a
175
Enquanto o modelo conceitual contribui para o processo de análise por permitir, por exemplo, a deformação
da arquitetura sublinhando os aspectos que se queiram enfatizar, as palavras utilizadas para designar estes
mesmos aspectos se valem das metáforas para designar o seu sentido e suas qualidades.
Contudo a verbalização pode também aparecer como um instrumento de concepção. Como foi sugerido no
segundo capítulo, ela pode constituir um meio de estabelecer relações entre os enunciados que fazem parte
de uma demanda de projeto e as configurações físicas que constituirão a arquitetura. Na disciplina de
Projeto 1 da Universidade Estácio de
84
, o uso da palavra aparece como um recuso para ajudar o
estudante a estruturar o sei problema de projeto. O exercício de concepção arquitetônica proposto nesta
disciplina do primeiro semestre tem como tema, assim como na Escola da Cidade, o projeto de um pavilhão
temático. No semestre em que foi efetuada a pesquisa de campo o pavilhão seria destinado a uma
atividade relacionada com os eventos do Pan 2007, abrigando uma atividade a ser definida por cada
estudante, por exemplo, relativa a um determinado esporte ou à delegação de um país. O tema escolhido
deveria ser expresso pela arquitetura por meio dos atributos plásticos e formais. A designação verbal, neste
caso, era mais do que um dispositivo como o propósito de articular sentidos absorvidos na arquitetura. Ela
fazia parte da construção do problema de projeto, indicando o sentido que deveria ser “comunicado” pela
arquitetura.
Assim o pavilhão dos esportes aquáticos, por exemplo, deveria expressar claramente a sua relação com a
água, podendo orientar o estudante na escolha de matérias, no grau de permeabilidade visual do conjunto
ou na definição das formas mais ou menos rígidas do projeto. Ou, por outro lado, o pavilhão de um
determinado país, por outro lado, poderia orientar-se pela adoção de uma identidade visual compatível com
a identidade cultural daquela nação.
Outro caso onde a verbalização aparece como um recurso de projeto é o da disciplina de Concepção da
Forma Arquitetônica 2, do segundo semestre da UFRJ
85
. O principal exercício do semestre –
compartimentado em várias etapas sucessivas – propõe o desenvolvimento do projeto de uma casa cujo
programa e partido arquitetônicos têm como eixo conceitual uma das sete idéias arquetípicas de
habitação
86
do século XX, segundo propostas por Iñaki Ábalos em seu livro A Boa Vida (2003). Conforme
84
Nesta cartografia se contou com uma entrevista com a professora Adriana Figueiredo acerca dos exercícios propostos na
disciplina.
85
A pesquisa nesta disciplina, lecionada pelos professores José Kós, Flavia de Faria e Beatriz dos Santos Oliveira – além de um
grupo flutuante de professores substitutos – foi possibilitada pela experiência pessoal do autor como professor substituto durante
os anos de 2005 e 2006. Além disso, se pode contar com as referências que constam no site Dinâmica Documental, coordenado
pelos professores Beatriz Santos de Oliveira e Maurício Lima Conde, referente ao setor de Estudo da Forma Arquitetônica do
Departamento de Análise e Representação da Forma da FAU-UFRJ. Disponível em: < http://www.forma.fau.ufrj.br/>
86
Cada uma das casas corresponde a um capítulo do livro e procura alinhar um determinado modo de vida a uma corrente
filosófica e a uma referência arquitetônica. São os capítulos 1. A casa de Zaratustra 2. Heidegger e seu refúgio: a casa
existencialista 3. A máquina de morar de Jaques Tati: a casa positivista 4. Picasso em férias: a casa fenomenológica 5. Warhol at
the factory: das comunidades freudiano-marxistas ao loft novaiorquino 6. Cabanas, parasitas e nômades: a desconstrução da casa
7. “A bigger splash”: a casa do pragmatismo
176
consta na sua descrição, o “exercício solicita, desde o início, a definição de um sentido que vai dirigir as
etapas de projeto posteriores. Desta maneira o projeto desenvolve-se a partir de uma intencionalidade clara
e parâmetros conceituais precisos”. A primeira etapa consiste na leitura de um dos capítulo do livro e a
definição de uma palavra que defina a intenção de projeto. Ela será o ponto de partida para o
desenvolvimento conceitual, que consistem na articulação de sentidos mediante a busca por referências
imagéticas e verbais, contemplando as áreas das artes plásticas, literatura e arquitetura. Nesta etapa a
verbalização é o recurso que permite catalisar este processo de construção de um universo de referencias
não apenas visuais e visuais a formais, mas também relativas ao sentido e o propósito arquitetura face ao
modo de vida que abrigará.
Ilustração 52 - Conceito: Infiltração.
No modelo conceitual (alto, à esquerda) a água é capaz de atravessar facilmente as esponjas devido à sua estrutura física, que lhe
confere capacidade de infiltração. No projeto da casa elementos porosos – peças idênticas criadas a partir de um módulo – são utilizados
controlar a passagem da luz e da visão conforme a necessidade de privacidade e intenção plástica no que tange a experiência espacial.
Trabalho da aluna Flávia Portilho. Professora Beatriz dos Santos Oliveira. Fonte: <http://www.forma.fau.ufrj.br/>
Na segunda etapa do projeto os estudantes desenvolvem um modelo conceitual a partir da idéia síntese
sobre o tema construída na etapa anterior. Neste processo, no qual o modelo pode ser entendido como
mais uma instância da articulação de sentidos, o estudante deve propor configurações formais e executar a
construção do modelo com atenção à escolha dos materiais. As referências imagéticas são auxiliam a
condução deste processo, mas a articulação semântica do conceito adotado pelo aluno é de suma
importância na criação do modelo. A palavra infiltração, por exemplo, leva à busca de materiais cuja
estrutura física possibilita a passagem de outros materiais, permitindo que seu interior se veja infiltrado por
177
eles. Assim o modelo conceitual poderá ser construído, por exemplo, de esponjas e água. Em outro caso a
palavra apropriação é explorada no sentido de tornar próprio, apoderar, mas também de adaptar,
acomodar, desdobrando-se em um modelo conceitual no qual um imã atrai pequenos objetos metálicos,
como que apoderando-se deles, acomodando-os em si. Pode-se mencionar ainda a palavra exatidão,
explorada no sentido do encaixe preciso, perfeito, exato. O modelo conceitual trabalha fisicamente estes
conceitos promovendo um conjunto de peças que podem ser articuladas e encaixadas com perfeição.
Ilustração 53 - Palavra-conceito: Apropriação.
Partindo da palavra Apropriação (referente ao modo de morar do loft novaiorquino) o modelo conceitual utiliza um imã que atrai os objetos
metálicos que estão à sua volta, transformando assim a sua aparência. No projeto da casa a forma inicial de um paralelepípedo se vê
transformada por linhas de força que correspondem a alinhamentos obtidos em referência às edificações vizinhas e pela “apropriação” de
elementos arquitetônicos presentes nas edificações vizinhas que tornam-se parte da composição da fachada. Trabalho do estudante
Cauê Capillé. Professora Dely Bentes. Fonte: <http://www.forma.fau.ufrj.br/>
Os desdobramentos da exploração semântica na concepção da arquitetura, contudo, exigem a observação
criteriosa, por parte do estudante, de quais aspectos do projeto arquitetônico podem ver-se afetados com
maior pertinência pelo sentido explorado no desenvolvimento do conceito. É relevante observar que as
palavras não têm o poder de afetar o projeto em todas as suas dimensões. O modelo que permite a
infiltração da água na esponja, por exemplo, exigirá que se encontre na arquitetura aspectos onde o sentido
de infiltração seja pertinente, podendo ver-se expresso ou acolhido de modo consistente e verossímil. Neste
caso específico, a infiltração da água na esponja levou à utilização de elementos vazados que permitiam a
permeabilidade lumínica, desdobrando-se, no projeto, em jogos de controle da gradação de luz e de
visibilidade na relação entre espaço interno e externo. No caso do modelo que explorou a palavra
“apropriação” por meio da captação de ecas de metal pelo imã, empregou-se a estratégia de traçar linhas
projetadas sobre a edificação a partir do entorno edificado, utilizando-as para trabalhar a deformação da
sua forma inicial. Além disso, a ação do imã sobre o metal induziu a um jogo de apropriação – em sentido
mimético – de elementos arquitetônicos presentes nas edificações vizinhas. Por fim, o modelo com o qual
se explorou a noção de exatidão por meio dos encaixes “perfeitos”, sugeriu a adoção de uma estratégia
semelhante em relação aos elementos arquitetônicos. O produto final foi uma casa onde organização dos
compartimentos poderia ser alterada com divisórias móveis cujo funcionamento era possibilitado por um
sistema de encaixes “perfeitos”.
178
Ilustração 54 - Palavras-conceito: ordem, perfeição, encaixe e exatidão.
O conceito que presidiu este trabalho girava em torno das idéias de ordem, perfeição, encaixe e exatidão. O modelo consiste em 10
tábuas que podem ser ordenadas e encaixadas através de um eixo que as interliga e de uma base que facilita a movimentação das
mesmas, oferecendo diversas opções de encaixe, sempre com igual perfeição e exatidão. No projeto da casa as paredes divisórias se
movem forma a adaptar-se às necessidades dos moradores, ora expandindo a dimensão dos cômodos, ora reduzindo. Estudante: Ana
Carolina Barbosa Gonçalves. Professora: Beatriz Oliveira. Fonte: <http://www.forma.fau.ufrj.br/>
Finalmente, cabe ainda apontar que a verbalização, por permitir a “definição de um sentido que vai dirigir as
etapas de projeto”, aparece como um meio privilegiado para se elaborar e discutir intenções de projeto no
que tange aos aspectos não visuais da arquitetura, isto é, eventos, experiências e ações que não
conseguem ser representados visualmente por tratarem-se de acontecimentos que transcorrem no tempo, e
não apenas no espaço. Neste sentido é fundamental mencionar outro recurso que faz parte do processo de
projeto proposto na disciplina, a elaboração de um personagem conceitual
87
que faz as vezes do usuário da
casa e auxilia o estudante na construção do programa. Esta estratégia será descrita adiante, no território
Experiência.
5.2.9 Experiência
Os conteúdos que foram cartografados no território Experiência alinham-se pelo privilégio dado à vivência
do espaço arquitetônico e urbano. Em linhas gerais pode-se dizer que trata-se de adotar – ainda que
provisoriamente – um ponto de vista: ao invés de manter o foco nos aspectos construtivos ou plásticos da
arquitetura, por exemplo, aqui a atenção se desloca para os acontecimentos que são produzidos na relação
dos indivíduos com o ambiente construído.
Um exemplo deste tipo de conteúdo pode ser observado em exercícios propostos na disciplina Introdução à
Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Tais práticas visam permitir que os estudantes conheçam objetivamente
diferentes modos pelos quais as configurações espaciais interferem no comportamento e nas atividades
exercidas pelas pessoas que utilizam o espaço arquitetônico. Uma das atividades propõe práticas de
87
Embora não conste na descrição do exercício no site mencionado acima, este recurso foi empregado durante o ano de 2005 e
2006.
179
“Leituras Espaciais”, isto é, observações empíricas no ambiente da própria escola em que os estudantes
buscando compreender diferentes tipos de interação entre os indivíduos e a arquitetura. O foco oposto
sobre as atividades realizadas e sobre os modos como comportamento das pessoas é afetado pela
arquitetura. Os estudante procuram identificar conflitos existentes nesta interação que podem ser
considerados problemáticos do ponto de vista da utilização eficiente do edifício. Os conflitos são, por
exemplo, portas que abrem sobre espaços de circulação podendo atingir pessoas que passam, dificuldade
de orientação no edifício em decorrência da organização espacial ou da falta de sinalização adequada, falta
de proteção contra chuva em espaços de permanência ou circulação ou dificuldades de acesso para
portadores de deficiência física.
Ilustração 55 - Análise de uma residência. Conforto.
Segundo a análise realizada pelo estudante com os usuários da casa, o espaço de circulação no segundo pavimento otimiza a relação
entre os espaços adjacentes. Por outro lado, a incidência de insolação direta prejudica o espaço em termos de conforto térmico. Disciplina
de Introdução ao Projeto Arquitetônico 2, UFRGS. Trabalho do estudante Gabriel Johanson de Azeredo.
Foi mencionado, no território Precedentes, que análises com objetivos semelhantes são conduzidas na
disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico na UFRGS, em que as categorias de avaliação abrangem
desde as atividades exercidas pelos usuários até aspectos relativos ao conforto ambiental. Em ambos os
casos, UFRGS e UFMG, pode-se propor que tais exercícios visam contribuir para o processo de concepção
arquitetônica mediante o insumo de conhecimentos explícitos e objetivos cuja base não é um conjunto de
regras pré-estabelecidas, mas a experiência efetiva das pessoas, permitindo levar-se em conta aspectos
sócio-culturais e sua satisfação dos usuários na vivência cotidiana da arquitetura.
180
Ilustração 56 - Análise de uma residência. Espaços em uso.
Segundo a análise, a área de estar da casa é prejudicada pela interferência do espaço de circulação e pelo posicionamento do pilar.
Disciplina de Introdução ao Projeto Arquitetônico 2, UFRGS. Trabalho do estudante Gabriel Johanson de Azeredo.
5.2.9.1 UFRJ: cfa 2 (personagem)
Outra atividade que propõe um olhar sobre a relação entre os espaços arquitetônicos a vida que transcorre
neles aparece na disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 2 da UFRJ como parte do processo de
concepção arquitetônica proposto aos alunos. Como mencionado no território Verbalização, este processo
se inicia com a leitura de um capítulo do livro A Boa-Vida, de Iñaki Ábalos e visa que o aluno compreenda
“(...) a relação entre os modos de viver, as diversas correntes do pensamento contemporâneo, e as formas
da casa: de projetá-la e habitá-la” (ÁBALOS, 2003. p.8). Aqui o tema da experiência não aborda a uso
efetivo da arquitetura por indivíduos reais, mas se concentra na reflexão sobre como a arquitetura pode ser
compatível com os diferentes modos de vida existentes na contemporaneidade. Ao utilizar a literatura e
filosofia como ponto de partida para esta reflexão os professores visam alargar o universo de referências do
estudante apontando para diferentes modos de subjetivação.
Como parte deste processo é sugerido que o estudante defina um personagem conceitual que fará as
vezes do usuário da casa. Podendo ser uma pessoa, família ou grupo de indivíduos, os personagens são
elaborados a partir de descrições ficcionais, incluindo narrativas sobre acontecimentos que ocorrerão no
espaço da casa. Este recurso que visa permitir ao aluno discutir a construção do projeto arquitetônico em
termos do modo de vida que ele irá acolher, desdobrando-se na definição do programa arquitetônico e
afetando decisões sobre dimensionamento dos espaços, relações entre as partes da casa, graus de
privacidade, preferências estéticas e possibilidades de transformação da arquitetura, por exemplo. Os
personagens, em grande medida, refletem o conteúdo do capítulo lido, mas também abrigam ressonâncias
em relação à realidade cultural na qual está inserido o projeto, situado na cidade do Rio de Janeiro, além de
aparentemente também refletir desejos e aspirações do próprio estudante.
181
Ilustração 57 - Projeto para a casa de um filósofo. Conceito: concentração.
A definição de um usuário, um professor universitário de Filosofia que mora sozinho por opção, orienta a definição do partido desta casa-
pátio. O modo de vida reflete o capítulo “A casa de Zaratustra” (ÁBALOS, 2003), que explora aspectos da filosofia de Nietsche o que
tange a liberdade em relação aos modos tradicionais de vida estabelecidos pela sociedade. O partido arquitetônico da casa volta-se para
dentro, estabelecendo com o espaço externo uma relação de permeabilidade reguladas. Trabalho da aluna Karina Comissanha.
Professora Beatriz dos Santos Oliveira. Fonte: http://www.forma.fau.ufrj.br/
Outras práticas didáticas que colocam os acontecimentos em primeiro plano ocorrem na UnilesteMG, nos
dois estúdios de primeiro ano. Já foi comentado que o exercício “Interpretando o Espaço: Prospecções”,
descrito no território Percepção, propõe que o estudante pratique uma ação em um determinado espaço
que será interpretado segundo diferentes aspectos. Esta estratégia aponta para a intenção de permitir a
interpretação do espaço partindo da experiência que se tem dele. Mais do que isso, faz com que o próprio
estudante viva a experiência e conheça na própria pele os efeitos da relação entre corpo e ambiente
construído.
Ilustração 58 - Interpretando o Espaço: Prospecções. Experiência
Estudantes do Estúdio 2 da UnilesteMG vivendo a experiência “Tomar café na grama”. Foto do autor.
182
Os exercícios propostos no Estúdio 1, ateliê do primeiro semestre da mesma escola, apontam em uma
direção semelhante. Conforme foi mencionado no territórios Cidade, as atividades propostas como meio de
conhecer o espaço urbano se afastam de leituras objetivas referentes à morfologia, paisagem ou uso social
do espaço, buscando desenvolver no estudante um olhar sensível e atento para os acontecimentos que
constituem a vida na cidade.
Esta postura fica ainda mais clara no exercício de encerramento da disciplina, que consiste em uma
intervenção efêmera proposta e realizada pelos estudantes em um espaço comercial pequeno porte na
cidade de Coronel Fabriciano. Tendo consciência de que o foco da intervenção é afetar os acontecimentos
produzidos ambiente – e não necessariamente transformar a forma arquitetônica – os estudantes fazem
uma pesquisa prospectiva buscando compreender como é a vida no lugar, conduzindo entrevistas,
participando de eventos e estudando pormenores sobre o ofício ali realizado. Paralelamente, realizam um
levantamento das condições físicas da edificação, contando com o aporte da disciplina de tecnologia, na
qual estudam sobre os meios de construção ali empregados. Sem que se tenha um roteiro pré-definido, os
estudantes deverão estabelecer uma proposta de intervenção buscando identificar um potencial de
transformação do lugar. Este potencial, cabe ressaltar, não está necessariamente ligado à arquitetura do
edifício. Os caminhos para a proposta poderiam passar por problemas de ordem prática identificados na
condução do ofício, como a falta de elementos de sinalização que indiquem que ali funciona uma loja ou a
necessidade de integração espacial entre dois prédios distintos que fazem parte de um mesmo
estabelecimento comercial. Contudo, o tema da intervenção poderá também estar ligado às interações
sociais e relações afetivas das pessoas que utilizam o espaço, como a ligação de um grupo de amigos que
se reúne no bar semanalmente há muitos anos ou a lembrança do antigo dono de uma loja que existira ali
no passado. Nestes casos, a intervenção passa por meios que são mais comumente relacionados com
performances ou intervenções urbanas que ocorrem no campo da arte contemporânea do que com a
arquitetura propriamente dita.
Um exemplo é o trabalho de um grupo de alunas que propôs uma intervenção em uma pequena sapataria.
Durante a entrevista se descobriu que o dono não possuía nenhuma fotografia sua ou da sua família, pois
há anos havia perdido a bolsa onde as mantinha. Observando que na sapataria havia diversas bolsas
abandonadas por clientes que nunca voltaram para buscá-las, as estudantes identificaram nessa ironia do
destino, um potencial para intervir na situação tendo em vista a dimensão afetiva. O trabalho consistiu em
“abandonar” na sapataria um par de bolsas contendo diversas fotografias que registravam momentos das
vidas das próprias alunas.
183
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fechamento, mais do que um espaço para afirmações conclusivas, é aqui um lugar para colocar
questões. Tendo-se proposto uma abordagem metodológica que visa acompanhar um processo, e não
representar um objeto, talvez a única certeza que emerge desta pesquisa seja a confirmação da hipótese
de trabalho, que supunha haver, entre as disciplinas que compuseram o recorte da pesquisa, uma grande
diversidade de conteúdos formando uma paisagem com contornos difusos e cambiante. O olhar do
cartógrafo será o ponto de partida para as indagações a seguir. Elas aparecerão sob a forma de
considerações autocríticas que buscam trazer à tona as tensões presentes na produção cartográficas,
suposições acerca da genealogia das práticas didáticas e questionamentos sobre os propósitos
pedagógicos do ensino de introdução à concepção arquitetônica. Com isso se pretende contribuir para
eventuais reflexões sobre o tema do trabalho, esperando-se que o leitor se veja impelido a fazer também
suas próprias considerações.
6.1 SOBRE A PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA
O primeiro tema a ser abordado diz respeito à própria apresentação da produção cartográfica. De certo
modo trata-se de um esforço reflexivo em que o trabalho se permite por em questão alguns dos seus
resultados. Como havia sido apontado, o agrupamento em territórios foi um recurso empregado para grafar
as linhas de regularidade formadas pelos conteúdos identificados na pesquisa de campo. Esta classificação
por similaridades, contudo, abriga também as inúmeras deformações, desvios, ramificações e
sobreposições que caracterizam o campo de pesquisa. Embora garanta certo grau de legibilidade ao
campo, este recurso produziu também, como uma espécie de efeito colateral, uma tensão que é inerente à
classificação e que parece insistir em provocar deformações no arranjo dos territórios. Entendendo-se que a
produção cartográfica não se propõe uma representação verdadeira da realidade, mas sim uma leitura
possível dos processos observados em campo, as considerações a seguir buscarão trazer a tona, sem
pretender esgotá-las, algumas destas linhas divergentes, ramificações e sobreposições que provocam
tensionamentos no conjunto apresentado.
184
Um dos tipos de deformação em potencial do arranjo proposto provém de conteúdos considerados
colaterais ou subsidiários em diferentes territórios, mas que terminam criando perturbações devido à sua
marcante recorrência ou à sua importância na prática da concepção arquitetônica. Este é o caso, por
exemplo, dos conteúdos relativos à representação. Conforme apontado no segundo capítulo (2.2.4), a
representação pode ser entendida como uma ferramenta de concepção de projeto e não apenas destinada
à sua apresentação. Diferentes exercícios de fato promovem o uso de modelos e desenhos como o
propósito explícito de permitir, entre outras coisas, que o estudante se familiarize com o domínio das
ferramentas de representação. Este é o caso das primeiras práticas conceptivas na Escola da Cidade (Casa
Dominó) e dos primeiros exercícios da USP, que embora não mencionados por esta pesquisa, tratam
especificamente da prática do desenho de observação. Nestes casos, contudo, a justificativa dada pelos
professores acerca destas práticas remete à inexistência de disciplinas específicas de desenho, no caso da
USP
88
, ou ao retardamento do ensino de técnicas de representação nas aulas de desenho existentes, no
caso da Escola da Cidade. De fato é a existência, na maioria das escolas, de responsáveis especificamente
pelo ensino da representação que fez com que se optasse por não destinar a estes conteúdos um território
próprio na cartografia. Além disso, cabe notar que o uso da representação não é exclusivo de determinados
exercícios, mas, ao contrário, é comum a quase todas as práticas didáticas relacionadas com o exercício de
concepção arquitetônica. Ainda assim, fica apontada a tensão gerada pela questão de se destinar ou não
um espaço para a representação na produção cartográfica.
Outro caso de conteúdos cuja recorrência talvez permitisse que fossem abordados separadamente refere-
se ao que se poderia denominar problematização da concepção arquitetônica. Trata-se da ênfase dada, em
certos exercícios, aos momentos iniciais da concepção arquitetônica, em que os estudantes têm a
oportunidade de discutir e elaborar suas intenções de projeto face às demandas estabelecidas pelo
exercício. Este tipo de situação oferece a chance de se questionar os propósitos da intervenção
arquitetônica, assim como as possibilidades, o alcance e os limites da arquitetura. São exemplos deste tipo
de abordagem os exercícios de projeto propostos nas disciplinas de Concepção da Forma arquitetônica 2
da UFRJ, Estúdio 1 da UnilesteMG, e Introdução ao Projeto Arquitetônico 1 da UFRGS. Em linhas gerais
todas estas práticas propõem, nas suas etapas iniciais, aproximações críticas com a situação de
intervenção e seus usuários (ou personagens que façam as vezes de usuários) permitindo a construção de
intenções de projeto e a exploração, por parte de cada estudante ou da turma como um todo, das possíveis
abordagens para endereçar tais intenções. Deve-se admitir que esta leitura ganhou nitidez apenas em
momentos demasiadamente tardios da produção cartográfica, tornando-se inviável a destinação de um
território específico.
88
A disciplina de Fundamentos de Projeto na USP, por exemplo, destina parte do semestre ao ensino do desenho, posto que não
há, neste escola, disciplinas específicas de representação no primeiro ano.
185
Um terceiro caso de conteúdos que aparecem em posições secundárias em diferentes exercícios, mas cuja
recorrência e importância justificariam a dedicação de um território específico, refere-se ao ensino de
técnicas construtivas. Foi mencionado que há, em determinadas práticas, preocupações referentes á lógica
tectônica dos artefatos ou projetos elaborados pelos estudantes, como é o caso dos exercícios de
concepção da Escola da Cidade. Aqui, contudo, um exame mais atento da produção dos estudantes aponta
para um grau de definição técnica que aparentemente é superior ao de outras escolas. Neste caso, porém,
esta interpretação não teria suficiente base empírica para justificar a atribuição de um território específico.
Há, contudo, ainda outra situação em que conteúdos relativos á construção aparecem com significativo
destaque. É o caso da disciplina de Projeto do Espaço Residencial da PUC-Rio, na qual um exercício de
concepção proposto aos estudantes exige que se empregue a técnica construtiva a alvenaria estrutural de
blocos de concreto. Neste caso, a clareza e distinção das informações fornecidas pelos professores fazem
com que este conteúdo apareça em destaque nesta disciplina. Contudo, as referências acerca de tais
práticas foram obtidas demasiadamente tarde para que pudessem ser incluídas no trabalho. Ainda assim,
cabe apontar que este é o único caso em que as técnicas construtivas parecem com tamanha evidência em
um exercício de projeto.
Por fim, cabe mencionar outra espécie de tensão presente na apresentação da produção cartográfica.
Trata-se das sobreposições entre dois ou mais territórios em que as fronteiras tornam-se difusas a ponto de
suscitarem questionamentos quanto à pertinência da separação. Um caso que merece destaque é a
sobreposição dos conteúdos presentes nos territórios Forma e Percepção, especificamente no que tange à
sua dimensão visual. Pode-se entender esta sobreposição a partir da existência de um denominador
comum que une os conhecimentos aí implicados: o pensamento visual. Conforme foi destacado no segundo
capítulo (2.2.4), a noção de pensamento visual compreende como partes de um mesmo processo as ações
de perceber, imaginar, gerar e manipular configurações visuais, seja por meio de modelos ou desenhos. Se
poderia argumentar, que neste sentido, a noção de Forma estaria sendo abordada a partir dos seus
processos manipulatórios e generativos, implicando em uma sutil, mas significativa, mudança de ponto de
vista. Quiçá um território denominado “pensamento visual” poderia ser cogitado como alternativa para tornar
tais conteúdos para mais próximos dos processos cognitivos presentes na prática da concepção.
Outro caso em que é possível mencionar sobreposições desta mesma ordem refere-se aos conteúdos
presentes na vertente experiencial, ou corpórea, do território Percepção e aqueles presentes no território
Experiência. Aqui o denominador comum refere-se à dimensão fenomenológica da experiência, isto é, à
corporeidade que é inerente ao estar no mundo. Cabe apontar, contudo, que a separação proposta entre
estes dois territórios se justifica pelo fato de que os exercícios destacados no território Percepção, na sua
vertente corpórea, garantiam um espaço específico para o estudo dos sistemas sensoriais, enquanto que as
práticas no outro território colocavam a percepção como uma das dimensões da afetabilidade dos
186
indivíduos na experiência atual com o ambiente arquitetônico. Ainda assim, fica aqui sublinhado este
entrelaçamento.
Outro cartógrafo, ou mesmo outro leitor, talvez pudesse identificar ainda outros desvios ou cogitar novos
arranjos para a produção cartográfica. A intenção de trazer à tona as divergências, ramificações e
sobreposições descritas acima é reafirmar que os conhecimentos presentes na prática da concepção
arquitetônica e no seu ensino resistem a uma classificação rígida. Cada tipo de conteúdo parece sempre
poder esquivar-se para mostrar o seu avesso e, com isso, dizer que não está tão distante de outros saberes
dos quais foi apartado na organização proposta.
6.2 SOBRE A GENEALOGIA DAS PRÁTICAS DIDÁTICAS
A genealogia das práticas didática e das disciplinas que as propunham é outro tema ao redor do qual
emergiram inúmeros questionamentos durante a pesquisa de campo. De certo modo este tema encontra
ressonâncias no problema que deu origem ao trabalho, isto é, a questão da diversidade de caminhos que
podem ser propostos como propedêuticas da concepção arquitetônica. O que é que faria um professor
escolher determinados conteúdos e deixar outros de lado? Que forças estariam afetando a escolha e a
transformação das práticas didáticas em uma determinada disciplina?
Evidentemente esta questão escapa ao alcance deste trabalho, e de qualquer modo ela não se satisfaria
com uma resposta menos do que múltipla. Ainda assim ela poderá ser endereçada aqui com uma
suposição que aponta um caminho de investigação potencialmente fértil e pertinente, tendo como base
algumas evidências pontuais produzidas durante a produção cartográfica. O ponto de partida é a noção de
que as escolhas referentes às abordagens didáticas não devem ser atribuídas exclusivamente ao indivíduo
ou grupo de indivíduos que as propõem, mas sim entendidas como parte de um processo mais amplo de
produção. Elas seriam atravessadas – conscientemente ou não – por diferentes forças presentes no campo
disciplinar da arquitetura, estando ligadas, por exemplo, a diferentes posições teóricas, abordagens
conceptivas ou tradições do ensino que as fazem presentes em sala de aula. Apontar este tipo de ligação
não é algo inédito. Edson Mahfuz (1986, p. 1), por exemplo, em determinada ocasião sugeriu que
“historicamente, o ensino de arquitetura tem estado vinculado a uma ou outra ideologia arquitetônica. Em
outras palavras, uma determinada filosofia de projeto sempre tem uma contrapartida didática e
metodológica.”
Contudo, cabe indagar: teriam saberes tão gerais e práticas tão específicas uma ligação assim nítida e
recíproca? Parindo dos comentários de Gilles Deleuze (1986) sobre os empreendimentos arqueológicos e
187
genealógicos de Michel Foucault
89
– em que o filósofo analisa as condições de possibilidade do
aparecimento das ciências humanas e examina a relação entre saber e poder – pode-se dizer que práticas
não discursivas, tal como o ensino de arquitetura, teriam o poder de não reduzir-se completamente aos
discursos, conforme indicaria a citação e Mahfuz. Embora na obra de Foucault seja dado primado às
práticas discursivas, não haveria relação de causa e efeito.
Com uma imagem alternativa se poderia, ainda com Foucault e Deleuze, propor que as práticas didáticas
são permeadas por forças invisíveis, podendo emergir das mais diversas direções para formar e deformar
as ações no mundo, nem sempre coincidindo com a história oficial ou com o discurso hegemônico. Tais
forças seriam vetores capazes de promoverem (e produzirem-se em) encontros imprevisíveis que Foucault
aponta como sendo, sempre, relações de poder. Sob este ponto de vista uma prática didática não será
afetada apenas pelas grandes idéias do seu tempo, mas também pelos múltiplos encontros possibilitados
pelas suas relações, sejam elas ligadas às condições institucionais, às demandas curriculares, aos desejos
dos professores e alunos, à produção arquitetônica internacional ou a formulações teóricas que circulam no
meio acadêmico. São encontros que ocorrem tanto na esfera dos discursos quanto das práticas visíveis
produzindo vetores que podem combinar-se de diferentes modos e contribuir para a formação de uma
determinada estratégia de ensino.
6.3 SOBRE CONTAMINAÇÕES REGIONAIS
Tendo como ponto de partida algumas evidências presentes na produção cartográfica e adotando-se o
ponto de vista exposto acima é possível propor algumas pistas sobre certos vetores que teriam presença
recorrente na formação das práticas didáticas hoje. O primeiro destes vetores refere-se às contaminações
que ocorrem entre as instituições de uma mesma cidade ou região. Algumas evidências pontuais sugerem
que as trocas facilitadas pela proximidade geográfica entre as escolas, incluindo o trânsito de docentes,
terminam por promover um intercâmbio de idéias e de práticas efetivas no âmbito do ensino. Entre as
práticas examinadas pode-se mencionar o exemplo de algumas escolas cariocas, onde é possível notar a
89
A obra de Michel Foucault costuma ser dividida em três partes, “arqueologia”, “genealogia” e “ética” (ou “estética da existência”).
Pode-se dizer, a grandes rasgos, que a metodologia arqueológica, descrita na A arqueologia do Saber (1972), investiga as
condições de possibilidade para a emergência dos diferentes campos do saber que são os objetos do seu estudo: a psiquiatria (A
História da Loucura, 1978), a medicina (O Nascimento da Clinica, 1980) e as ciências humanas de modo geral (As Palavras e as
Coisas, 1981). O percurso ascendente leva Foucault a entender que em cada época as condições para o aparecimento das
práticas discursivas e não discursivas estão no nível daquilo que chamará de “saber”. Em cada época, por exemplo, nem tudo é
dado a ver, pois é o “saber” que fará com que os olhos se digiram para onde e de que modo. Na porção seguinte da sua obra, a
“genealogia”, a pesquisa sobre o saber encaminha-se na direção das relações de poder, levando ao binômio inseparável saber-
poder. É importante frisar que aqui não se trata do poder instituído do estado, mas do poder que emerge em cada relação, em
cada encontro (Machado, 1982). Este trabalho reconhece a relação saber-poder na produção das práticas didáticas ao sugerir que
há “forças” ou “vetores” que atravessam o ensino de arquitetura.
188
repetição de certos exercícios. Na PUC-Rio, na disciplina de Introdução ao Projeto, por exemplo, tanto o
exercício de análise de precedentes (mencionado no território Precedentes) quanto determinadas práticas
de manipulação formal – não examinadas neste trabalho – têm relação direta com exercício propostos na
UFRJ. Embora estas práticas didáticas denotem autonomia e terminem se transformando com a sua
aplicação em contextos distintos, as referências explícitas e a atuação de determinados docente em abas
escolas
90
aponto para a existência de um cultivo de exercícios com bases comuns em instituições
geograficamente próximas.
Outro caso que pode ser mencionado são as escolas de Minas Gerais examinadas na pesquisa
cartográfica, onde é possível notar a nítida preocupação de se abordar a arquitetura e sua concepção
enfocando a experiência efetiva dos indivíduos (usuários) na sua relação com o ambiente construído. È
interessante notar, contudo, que há diferenças no modo de se abordar a questão da experiência. Uma
interpretação possível – ainda que passível de questionamentos – indica que na UFMG a disciplina
coordenada pela professora Maria Lúcia Malard tem por referência formulações oriundas do campo da
avaliação-pós-ocupação, em que se busca o conhecimento objetivo acerca dos impactos da arquitetura nas
atividades e no comportamento dos indivíduos que vivenciam o espaço. Por outro lado, as práticas da
UnilesteMG abordam a experiência com preocupações mais alargadas no que tange ao papel do ambiente
construído na produção de subjetividade, o que se evidencia em falas sobre as relações de poder, afeto, e
memória, por exemplo.
Outro caso relevante interessante diz respeito à UFRGS, em que a proximidade com os países do cone sul
da América Latina, especialmente Uruguai e Argentina, permitiu um profícuo intercâmbio referente à
produção intelectual e ensino de arquitetura. Conforme sugerem as professoras Silvana Stumpf e Eliane
Constantinou, esta teria relação direta com o privilégio dado aos estudos do espaço urbano no ensino de
introdução à concepção arquitetônica em algumas escolas da cidade.
91
Tais relatos, contudo, são evidências pontuais e bastante superficiais acerca da genealogia de cada uma
destas disciplinas. Uma investigação genealógica – tanto sobre as contaminações regionais quanto no que
tange às relações com a produção acadêmica, conforme será exposto a seguir – requer um trabalho de
meticulosa documentação. Portanto, aqui fica uma suposta pista de investigação.
6.4 SOBRE ENSINO E PESQUISA ACADÊMICA
90
Neste caso pode-se citar os arquitetos Marcos Fávero e Andres Passaro, que foram professores na UFRJ e atuam nos primeiros
períodos da PUC-Rio.
91
Embora esta cartografia não tenha incluído as disciplinas de primeiro ano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Uniritter,
em Porto Alegre, compre mencionar que na disciplina de Introdução à Arquitetura 1 também é dado destaque à temática urbana.
189
Outro vetor que parece afetar a constituição das escolhas didáticas no quadro atual está ligado à produção
intelectual dos docentes no âmbito da pesquisa acadêmica e à sua formação em nível de pós-graduação.
Conforme apontado no quarto capítulo, é crescente entre as escolas de arquitetura a presença de
professores com graus de mestre e doutor. Na pesquisa cartográfica foi possível notar, com grande clareza,
diversas situações em que a área de interesse da produção intelectual dos professores aparecia refletida
nas escolhas das suas práticas didáticas, como foi apontado nos casos dos professores José Barki, na
UFRJ e Antônio Tarcísio Reis, na UFRGS.
Além de contribuírem para a escolha dos conteúdos, as pesquisas em nível de pós-graduação parecem
afetar certas práticas didáticas fornecendo-lhe embasamentos teóricos mais consistentes. Esta suposição
parte de algumas evidências pontuais, como no caso da disciplina de Concepção da Forma Arquitetônica 2
da UFRJ, na qual o emprego de uma abordagem fenomenológica da arquitetura indica o acolhimento de
formulações presentes na tese de doutoramento da sua coordenadora, a professora Beatriz Santos de
Oliveira.
92
A condução do processo de concepção mediante a adoção de determinado conceito por parte do
estudante e a elaboração de um modelo conceitual tem por base processos de exploração semântica que
visam uma aproximação poética com a arquitetura, denotando ressonâncias, mais uma vez, em relação à
área de interesse da professora na pesquisa acadêmica.
Outro caso que pode ser mencionado é o da disciplina da Introdução ao Projeto Arquitetônico 1 da UFRGS,
em que as análises do espaço urbano que vinham sendo propostas desde o final da década de 1970 pelo
professor Ivan Mizoguchi ganharam um significativo incremento metodológico com o acolhimento de
abordagens mais atualizadas dos fenômenos da morfologia urbana. Cumpre notar que uma das professoras
da disciplina, Eliane Constantinou, desenvolve atualmente sua tese de doutoramento no PROPUR da
UFRGS, inserida na linha de pesquisa Sistemas Configuracionais Urbanos, que se concentra no estudo da
morfologia urbana buscando “descrever estados e processos configuracionais e suas relações com a
dinâmica social correspondente”,
93
denotando nítidas relações com as propostas didáticas da disciplina.
Outra referência na mesma direção corresponde à disciplina de Introdução à Arquitetura e Urbanismo na
UFMG, em que as práticas didáticas propostas pela professora Maria Lucia Malard com o propósito de
identificar as interações e conflitos entre os usuários e os espaços arquitetônicos tem por referências,
92
Doutorado em Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Título: Arkhé: Uma Abordagem
Fenomenológica da Arquitetura, Ano de Obtenção: 2000. Orientador: Elide Monzeglio. Palavras-chave: Teoria da Arquitetura e do
Urbanismo; metodologia de projeto; Arquitetura - Computação gráfica - Multimídia; Ensino de Arquitetura. Fonte: Plataforma
Lattes: < http://lattes.cnpq.br>
93
Conforme indicado no site do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS. Disponível em
<http://www.ufrgs.br/propur
> Acessado em: Dezembro de 2007.
190
conforme ela própria afirma, procedimentos metodológicos empregados na pesquisa referente à sua tese
de doutoramento.
94
Os atravessamentos das produção intelectual dos docentes no âmbito do ensino de graduação talvez
possam ser interpretados não como uma das vias pelas quais as forças presentes no campo disciplinar da
arquitetura podem afetar a formação das novas gerações de arquitetos. Tais forças corresponderiam às
práticas discursivas que de vêem atualizadas nas diversas linhas de pesquisas que constituem os
programas de pós-graduação e que – pode-se argumentar – tenderiam a um crescente aprofundamento em
direção às suas respectivas áreas de interesse.
Caberia, neste caso, levantar uma questão acerca da – hipotética – proliferação de exercígt9(t)5.5(é)-50885 T4.3(ha)4.3se
191
Os depoimentos de Ana Maria Rambauske e Ivan Mizoguchi, citados no quarto capítulo, indicam
exatamente esta tendência ao sugerirem que as práticas focadas na manipulação de formas abstratas
foram transformadas pela inclusão da escala arquitetônica e de preocupações com a usabilidade do espaço
– como é o caso da UFRJ – ou abandonadas para dar espaço a estudos do ambiente construído – como é
o caso da UFRGS. Tais testemunhos, no entanto, se referem a casos específicos e não constituem
fundamento para se afirmar que há, de fato, uma tendência que se fortalece nas últimas décadas ou para
determinar com precisão quais as direções em que aponta.
Contudo, tendo por base a produção cartográfica apresentada neste trabalho, pode-se sugerir,
especulativamente, a inclinação corrente de se trazer para o ensino propedêutico do projeto temas que
sejam centrais na constituição de saberes especificamente arquitetônicos. Se este for o caso, a questão
que se pode colocar é: no que consistiria esta especificidade? Entre os casos observados, pode-se dizer
que há momentos em que ela aparece na história, utilizada com meio de expor ao estudante certos
conflitos, avanços e rupturas consideradas paradigmáticas na constituição da tradição (denominada
arquitetura moderna) na qual ele se verá inserido. Em outros momentos a especificidade arquitetônica é
encontrada no saber-fazer do projeto, evidenciada pelo esforço de elaborar exercícios simplificados de
concepção que permitam antecipar o enfrentamento desta prática que atravessará toda a formação do
estudante. Há ainda momentos em que a arquitetura é conhecida prioritariamente como uma prática efetiva,
consistindo na produção de edifícios reais por arquitetos reais, experimentada cotidianamente como o
ambiente onde transcorre a vida e examinada tendo em vista as decisões conceptivas do arquiteto.
Em todos estes casos – que podem ser momentos dentro de uma mesma disciplina – parece haver a
preocupação em lançar o estudante naquilo que é central para a constituição de um saber genuinamente
arquitetônico. Seguindo esta pista, talvez o campo de pesquisa explorado neste trabalho talvez ofereça um
ponto de vista privilegiado no sentido de discutir o que constituiria, no entendimento de diferentes docentes,
a centralidade disciplinar da arquitetura ou, para ser mais coerente, quais seriam os diferentes pólos da
multiplicidade disciplinar da arquitetura.
Esta questão, todavia, poderia se desdobrar em outras. Até que ponto o pensamento do arquiteto enquanto
projeta, isto é, o seu conhecimento em ação, é necessariamente vinculado à especificidade disciplinar da
arquitetura? O saber fazer do projeto em arquitetura seria comum a outras disciplinas que abrigam práticas
de concepção, como o design? São perguntas que ficam em aberto.
192
6.6 SOBRE LIMITES DISCPLINARES
Se há um movimento em direção a uma especificidade arquitetônica no ensino de introdução ao projeto, é
possível também especular sobre um vetor que põe em questão a existência de uma centralidade
disciplinar apontando justamente na direção de uma multiplicidade. Trata-se do caso específico da
UnilesteMG, onde as propostas didáticas, marcadamente críticas e experimentais, visam, segundo o projeto
pedagógico da escola, “a formação de um novo profissional de arquitetura”.
O arquiteto e urbanista formado no Unileste-MG terá condições de atuar nas áreas de projeto de
arquitetura de cidades, de edificações e de interiores, assim como, desenvolver trabalhos na área
de artes plásticas, artes cênicas, artes gráficas, design, web art, vídeo, fotografia, moda, filosofia,
história, etc.
95
Embora esta afirmação expresse a intenção estabelecida no projeto pedagógico da escola como um todo –
e não especificamente ao ensino de introdução à concepção arquitetônica – é possível entrever a postura
de se questionar o sentido da formação do arquiteto e, com isso, por em questão a validade da noção de
uma especificidade disciplinar. Embora se possa argumentar que esta é uma resposta para os problemas
de colocação do egresso no mercado de trabalho, ela parece conectadas com preocupações
contemporâneas acerca da atuação do arquiteto no campo disciplinar, descrito no segundo capítulo deste
trabalho como híbrido, múltiplo e aberto.
Talvez seja possível analisar tal postura ante uma das práticas didáticas examinadas por este trabalho. No
exercício de concepção realizado no Estúdio 1, os docentes não se referem a intervenções arquitetônicas,
mas apenas a intervenções, sugerindo que a arquitetura faz parte de um universo de manifestações
culturais marcadas pela característica de provocar transformações no mundo, isto é, intervir na continuidade
do real. O objetivo não parece ser introduzir os estudantes na prática da concepção arquitetônica em si,
mas discutir os diferentes meios pelos quais o real pode ser transformado, colocando a arquitetura como
uma parte constituinte deste cenário mais amplo. Embora se possa questionar esta estratégia de ensino em
termos do modo como as intervenções são concebidas – algo que não aparece muito claramente no
processo analisado – pode-se propor a interpretação de que aqui a intervenção assume o lugar de
centralidade ocupado pela histórica, pelo projeto arquitetônico ou pela avaliação empirica em outros casos.
Contudo, a intervenção não é especificamente arquitetônica. A questão que se pode colocar vai no seguinte
sentido: atender à multiplicidade do campo disciplinar arquitetônico implicaria em encontrar outras
centralidades para o conhecimento do arquiteto?
95
Conforme descrito no site da escola: http://www.unilestemg.br/arquitetura Acessado em Abril de 2007.
193
6.7 SOBRE CAMINHOS NÃO EXPLORADOS
Por fim, a últimas considerações a serem feitas dizem respeito a aspectos do ensino que não foram
explorados pela pesquisa, embora estejam estreitamente ligados ao tema do trabalho. São questões acerca
do processo de aprendizagem por parte dos estudantes e dos propósitos pedagógicos que motivam as
práticas didáticas na introdução à concepção arquitetônica. Foi comentado na exposição das justificativas
para este trabalho que não havia a intenção de fornecer subsídios diretos para a aplicação de exercícios.
Tampouco as práticas examinadas trabalho seriam avaliadas quanto ao seu sucesso em termos
educacionais. Estas ressalvas se devem, em grande medida, ao fato de se considerar fundamental para a
formulação de um bom programa didático o compromisso com uma intenção pedagógica clara e a
compreensão sobre como se dá a aprendizagem por parte do estudante. Nenhum destes temas foi
explorado por este trabalho, no entanto, a produção cartográfica permitiu que se especulasse sobre
algumas pistas de investigação que parecem pertinentes no sentido de compreender melhora o ensino
propedêutico de concepção arquitetônica.
Quanto às questões pedagógicas, pode-se dizer que correspondem a comprometimentos políticos no
âmbito do ensino e que parece pertinente observá-las ante ao horizonte institucional no qual estão
inseridas. No caso desta pesquisa, optou-se por deslocar para o segundo plano o tema das instituições,
seus projetos pedagógicos e suas organizações curriculares. Cabe lembrar que o ensino de introdução à
concepção arquitetônica é uma prática propedêutica e que, portanto, seu propósito é justificado pelas
práticas subseqüentes que serão enfrentadas pelos estudantes. Uma questão que parece central neste
sentido trata de duas orientações distintas que permeiam as práticas observadas. Em linhas gerais pode-se
dizer que de um lado haveria preocupações com a instrumentação do aluno, isto é, a sua capacitação para
endereçar problemas de projeto mais complexos nos períodos subseqüentes. De outro lado, contudo,
haveria abordagens que visam desenvolver uma postura crítica e problematizadora por parte do estudante,
tendendo a comprometer a eficácia na resolução de problemas de projeto. O investimento em cada uma
destas posturas e, mais especificamente, o modo como elas poderiam se relacionar e se complementar é
um uma das questões que parece ser de grande valor para o problema do ensino de introdução à
concepção arquitetônica, mas que não pôde ser endereçada por este trabalho.
Outro caminho que parece recomendável abordar no sentido de melhor compreender o problema da
introdução ao projeto refere-se à compreensão de como se dá o processo de aprendizagem por parte do
estudante no campo específico da arquitetura. Ao que parece, as escolhas de conteúdos propostos nas
disciplinas examinadas por este trabalho raramente refletem concepções fundamentadas sobre os
processos cognitivos do estudante no momento da aprendizagem. Por outro lado, em diversas ocasiões os
194
professores indicavam que as práticas que propunham estariam, de algum modo, relacionadas a diferentes
tradições didáticas. No entanto, embora este tema pareça constituir um universo de conhecimento valioso
para aqueles envolvidos com o problema do ensino, teve de ser deixado ao largo por razões metodológicas.
Por fim, cabe apontar que o tema deste trabalho se concentrava no lado das escolhas de conteúdos pelos
professores. De fato, o poder que lhes é concedido pela condição de mestres justifica que colocar em
questão suas escolhas. Contudo isto não indica que os estudantes devam ser entendidos como meros
assimiladores de saber. Ao contrário, são eles que produzirão o conhecimento que ocupa as preocupações
do professor. Assim, fica apontada aqui a necessidade de se conhecer melhor o estudante, ouvi-lo, saber o
195
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ANEXO A - CURRÍCULO MÍNIMO DE 1962
96
O currículo mínimo atual, nos termos do Parecer nº 336, de 1962, está constituído das seguintes matérias:
Cálculo;
Física Aplicada;
Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções;
Desenho e Plástica;
Geometria descritiva;
Materiais de Construção;
Técnica da construção;
História da Arquitetura e da Arte;
Teoria da Arquitetura;
Estudos Sociais e Econômicos;
Sistemas Estruturais e;
Legislação, Prática Profissional e Deontologia;
Evolução urbana;
Composição Arquitetônica, de Interiores e de Exteriores;
Planejamento.
96
Conforme apresentado em Santos Júnior (2001). Como anexo da sua tese de doutorado.
ANEXO B - CURRÍCULO MÍNIMO 1969
Parecer nº 384/69
Comissão Especial
I - Introdução
1.A Arquitetura cresce em importância, quer por sua projeção social, quer pela crescente ampliação de seu
campo. É, ao mesmo tempo, investigação do meio, planejamento e filosofia de vida. É integração das
comunidades, no desenvolvimento, no bem estar público. É, coroando esses objetivos, arte na mais alta
acepção da palavra: aquela que busca associar a forma no máximo de pureza, à vida, no máximo de fruição.
Representa um dos mais complexos exemplos de reatividade.
2. Ao mesmo tempo que mantém sua condição de atender ao homem em suas exigências de sobrevivência,
trabalho e recreação, tende a tornar-se uma arte para o povo, respondendo às solicitações das comunidades,
mediante soluções coletivas. Tanto se seduz pela beleza de seus projetos, como pela minoração da miséria e
da falta de conforto. Não só o Centro urbano a fascina, como a coordenação dos subúrbios, das cidades
satélites e do meio rural. As favelas constituem o dramático desafio á arquitetura, clamando por fórmulas que
possibilitem residências populares, não pautadas pela fatalidade dos mínimos ou submínimos, mas inspiradas
na ambientação artística que, longe do luxo e do supérfluo, faz de qualquer sítio ou objeto alguma coisa de
significação estética, o que representa calor humano.
3 .Forma não significa – como nos tempos dos “estilos históricos” ou “nacionais” – um ponto de partida, a que se
ajustariam (ou não ajustariam) o material e a função. Ela é antecedente e conseqüente e preside à formulação
em atendimento aos requisitos funcionais e aos elementos construtivos. Tudo se funde na forma, a qual, porém,
continua a ser a preocupação do arquiteto, tão simples e natural como se não existisse em si mesma. Pesquisa
e análise da composição da forma ao longo do caprichoso processo plástico, envolvido no problema espacial,
constituem a Plástica propriamente dita, tão fecunda à Arquitetura e à indústria, conduzindo ao estudo da
fenomenologia da forma, nos domínios afins da psicologia.
4. Os materiais de tal forma se inovaram e passaram a oferecer inéditas aplicações que liberaram as soluções
das fórmulas acadêmicas para a forma livre: o aço, o vidro, o alumínio, o concreto, o estuque, o plástico
emprestam fluidez e leveza até então desconhecidas e convidam o arquiteto ao ímpeto da forma nova, ou seja,
ao estímulo ilimitado da criatividade. Em torno a cada qual, os sistemas estruturais ou construtivos abrem
caminhos plurais à imaginação do artista. Nunca houve tanto estímulo nem tão largo campo de opções. Os
ritmos se desenvolvem ao longe dos materiais e dos sistemas.
5. O programa, apresentado ao arquiteto, tem sua origem numa concepção de vida e de convívio, de função e
de eficiência. No plano de estudos sociais, condiciona aos imperativos do meio a solução dos programas. De
ponto em ponto alarga-se a esfera do arquiteto: a casa, o bairro, a cidade, os arredores, as vias de comunicação
e região, o país. Noutro sentido: o prédio, os interiores, os móveis, os objetos, o parque industrial. Tudo isso
exige a forma e planejamento. Tudo isso pode ser arte. Tudo isso deve ser arte. Tudo isso integrará um sistema
de vida buscado na unidade, na variedade, na harmonia e nos ritmos.
6. Somente dentro dessas considerações é que o arquiteto pode compor e projetar. Não atingindo a verdade
desses argumentos, ele apenas produzirá a impostura de soluções falsas, de repetições superadas, de
pastiches inexpressivos, senão mesmo irritantes. Composição e planejamento resultam da soma de quantos
aspectos foram acima aflorados. Haverá uma teoria geral a serviço de qualquer caso, mas a civilização
contemporânea apresenta programas específicos no anseio de que uma nova Arquitetura corresponda ao
mundo novo que se projeta diante de nós.
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7. Os programas específicos, como escolas e hospitais, estádios e teatros, parques recreativos, feiras e
estantes, hotéis e apartamentos, residências populares, subúrbios, cidades industriais e cidades satélites,
integram o campo de atividades do arquiteto, mas podem também constituir especializações e desenvolverem
em seguimento ao curso de graduação.
II – Currículo
8. O currículo mínimo atual, nos termos do Parecer nº 336, de 1962, está constituído das seguintes matérias:
Cálculo;
Física Aplicada;
Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções;
Desenho e Plástica;
Geometria descritiva;
Materiais de Construção;
Técnica da construção;
História da Arquitetura e da Arte;
Teoria da Arquitetura;
Estudos Sociais e Econômicos;
Sistemas Estruturais;
Legislação, Prática Profissional e Deontologia;
Evolução urbana;
Composição Arquitetônica, de Interiores e de Exteriores;
Planejamento.
9. O currículo, ora oferecido pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, soma 29 disciplinas , das quais as principais em 4 semestres. Outras sugestões da mesma fonte
chegam posteriormente. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizou Seminários para o mesmo fim,
preconizando no ciclo básico: I – estudo do Desenvolvimento Brasileiro. II – Estudos de Arte. III – Estudos
Técnicos. IV – Prática de Atelier. Seguem-se um ciclo profissional para Arquitetura e outro para Urbanismo.
Exigem-se estágio e trabalho de diplomação. Foram ouvidos os Consº. Flávio Suplicy de Lacerda e T.D. de
Souza Santos.
10. O currículo mínimo, cujo desenvolvimento fica a critério das escolas, deve condensar o essencial, em
associações de áreas de estudo, que virão a ser atendidas, globalmente ou desdobradas, segundo a
organização adotada em cada Escola. A critério desta e não como paralelismo das matérias do currículo mínimo
é que serão distribuídos os professores, atendendo-se tão-somente ao critério da concentração, preconizada na
Lei nº 5.540, de 1968.
11. Mais importante que a enumeração do currículo mínimo é o ajustamento das matérias ao espírito
preconizado na introdução deste parecer.
III– Conclusões do Relator
205
Ante as considerações formuladas, o currículo mínimo deve compreender as seguintes áreas de estudos e
atividades, assim agrupadas:
a) Matérias Básicas:
Estética; História das Belas Artes e, especialmente História da Arquitetura; Artes no Brasil
Plástica
Desenho e outros meios de expressão
Matemática;
Física;
Estudos Sociais; Desenvolvimento Econômico, Social e Político do Brasil; problemas correlatos em Arquitetura e
Urbanismo e Comunicação em massa.
b) Matérias profissionais:
1. Teoria da Arquitetura; Arquitetura Brasileira;
2. Resistência dos Materiais;
3. Materiais de construção, detalhes e técnicas de construção;
4. Sistemas Estruturais;
5. Instalações;
6. Higiene de Habitação;
7. Planejamento.
Observações:
I) Estética é a disciplina comum aos currículos de arte. Seu estudo está em conexão com a história da arte do
setor correspondente e dará tratamento especial às manifestações ocorridas no Brasil.
II) O Estudo de Plástica compreenderá a pesquisa, as possibilidades de criação e a psicologia de suas soluções.
III) O estudo do Desenho Artístico e de outros meios de expressão abrangerá todas as modalidades cabíveis e
úteis, inclusive o desenho para arquitetura e projetos industriais.
IV) O Estudo de Matemática e Desenho desdobrar-se-á em cálculo, estática, geometria descritiva e suas
aplicações.
V) Os Estudos Sociais visarão à análise do desenvolvimento brasileiro e aos problemas econômicos, sociais e
políticos relacionados com a Arquitetura e Urbanismo, bem como organização específica. Sob o ponto de vista
ecológico, a análise da Natureza e da comunidade visará à integração dos estudos e projetos no ambiente físico
e cultural.
VI) A teoria da Arquitetura completar-se á com o estudo objetivo da Arquitetura brasileira.
VII) Materiais e Técnicas de Construção conjugarão a análise dos materiais, especialmente as de uso mais
moderno, com as técnicas de sua atualização.
VIII) Instalações envolverão todas as instalações essenciais à Arquitetura como as elétricas, hidráulicas e de
outras modalidades.
IX) Estruturas compreenderão o concreto e as outras modalidades.
X) A Higiene da habitação utilizar-se-á da física e de outras ciências para a solução de problemas como os da
instalação, ventilação, iluminação natural, umidade, isolamento acústico, conforto térmico e outros.
XI) O Planejamento constituirá a atividade criativa aplicada, quer quanto à arquitetura das habitações e edifícios
em geral, quer quanto a projetos de objetos (arquitetura interior), quer quanto às cidades e regiões
(Planejamento urbano e Regional) . Programas específicos objetivarão problemas de maior interesse social:
206
escolas e hospitais, estádios e teatros, clubes e parques recreativos, residências populares, subúrbios, cidades
industriais e cidades satélites, e outros reclamados pela comunidade e pelo desenvolvimento, atendendo-se às
preferências dos alunos e às possibilidades das escolas.
XII) A organização de currículo pleno atribuirá as áreas didáticas de cada professor, admitindo o desdobramento
das matérias do currículo mínimo, bem como os acréscimos que a escola julgar necessários. Os estudos de
urbanismo prosseguirão em curso de pós-graduação.
XIII) Os cursos promoverão estágios de seus alunos em escritórios de Arquitetura credenciados, em serviços
públicos e em indústrias, bem como empreenderão excursões, com a obrigação de relatório crítico, a certas
obras fundamentais, a cidades históricas e às cidades e regiões que ofereçam soluções novas.
XIV) Considerando a natureza das atividades de atelier, que demandam continuidade e disponibilidade generosa
de tempo, a duração mínima não poderá ser inferior a 3.600 horas para atendimento do mínimo curricular
duração a ser ampliada quando novos encargos o justificarem na formulação de currículo pleno. A concentração
não poderá ser alcançada em menos de 4 anos, em virtude da sedimentação de conhecimentos e práticas que a
profissão reclama. Nem a duração deve ser diluída por número excessivo de anos, de vez que se impõe à
formação de uma consciência profissional, alicerçada nos exercícios práticos e nas atividades criativas.
IV– Conclusão do Parecer
É o 4º Grupo de opinião que as conclusões do Relator devem ser consideradas como as conclusões do
Presente Parecer.
Sala das Sessões, 6 de maio de 1969.
Clóvis Salgado – Coordenador
Celso Kelly – Relator
Celso Cunha
José Borges dos Santos
ANEXO C - CARTA DE OURO PRETO, 1977
Em encontro realizado pela ABEA, reuniram-se em Ouro Preto, Minas Gerais, nos dias 7,8 e 9 de setembro de
1977, os representantes das Comissões de Avaliação de Ensino (CAE) das escolas de arquitetura e urbanismo
do país.
A reunião teve por objetivo encontrar uma posição comum a todas as escolas com relação á elaboração de um
novo currículo mínimo.
Os debates, conduzidos segundo os ítens dos “Subsídios para reformulação do ensino de arquitetura”,
formulados pela ABEA, tiveram como ponto de partida o parecer nº 384 da CFE e a Resolução nº 3 do mesmo
Conselho, assim como o “Relatório sobre o Currículo Mínimo”, aprovado pelo Conselho Superior do Instituto de
Arquitetos do Brasil - Direção Nacional em 28/07/77.
A redação das recomendações aprovadas pelos representantes de 24 escolas presentes no Encontro ficou a
cargo da Comissão de Redação, aprovada pelo Plenário, integrada pelos professores Célio Pimenta, da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Brás Cubas” ( Mogi das Cruzes-São Paulo), Jairo Moraes Ludmer, da
Faculdade de Arquitetura Mackenzie e Marcos de Souza Dias da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
- É preciso formar o profissional de arquitetura com suficiente embasamento crítico e adequadamente
instrumentado;
- É preciso definir com nitidez o perfil do profissional que se pretende formar;
- É preciso caracterizar o instrumental mais eficiente para que seja possível atingir esse perfil;
- A reforma do Currículo Mínimo não é garantia, por si só, de melhoria do ensino;
- O Currículo Mínimo pode ser um indutor importante na melhoria do ensino;
- A reformulação do Currículo Mínimo é tarefa necessária e urgente;
- As escolas devem avaliar perfeitamente o ensino que ministram;
- A CAE - Comissão de Avaliação do Ensino - é um dos instrumentos que permitem aferir a qualidade do ensino
em processo nas escolas;
- Os Encontros Regionais e Nacionais de Comissões de Avaliação de Ensino são altamente desejáveis,
considerando a possibilidade de enriquecimento de modos de proceder, pela troca de informes quanto às
experiências porque passam as Comissões;
- Aprovado o envio de telegrama ao CONFEA, com o seguinte texto:
“Tomando conhecimento dos termos da deliberação nº 27/77 da Comissão de Atribuições Profissionais deste
Conselho, aprovada por unanimidade em 24/6/77, os representantes das 24 escolas de arquitetura reunidas em
Ouro Preto, em encontro promovido pela ABEA para debater os problemas referentes ao Currículo Mínimo,
vêm cumprimentá-lo por tão importante e justa decisão para o desenvolvimento da profissão do arquiteto. Ouro
Preto, 5/9/77.”
Foi aprovada moção de apoio e prestígio à iniciativa da Faculdade de Arquitetura de Goiás sobre a integração
dos cursos.
- Que se utilizem os seguintes conceitos:
208
Disciplina, além das denotações que a aproximam de matéria, tem outras específicas: Conjunto de Prescrições
ou Regras destinadas a manter a boa ordem em qualquer organização; observância de normas ou preceitos;
relação de subordinação do aluno ou mestre ou instrutor, ao nível de ensino, coerentes com suas outras
denotações, a idéia de disciplina inclina-se mais para o modo como adquirir ou transmitir conhecimentos, para os
procedimentos a cumprir e, em última análise, para os métodos a serem adotados.
Matéria, além de sinônimo de disciplina, é definida como objeto, assunto, causa, o que serve de objeto ao
pensamento; o que é objeto de estudos escolares, de ensino; “O latim é Matéria difícil”. A idéia de matéria,
portanto, prende-se mais ao conteúdo do estudo, enquanto a disciplina se prende ao método.
RECOMENDAÇÕES:
A. O Currículo Mínimo deve preservar a unidade na formação profissional, em âmbito nacional e atender às
mais amplas atribuições profissionais;
B. Na elaboração do Currículo Mínimo deve ser evitada a tendência à formação de especializações;
C. O Currículo mínimo deve abranger matérias da seguinte àrea de conhecimento:
1. Área de Planejamento e Projeto
2. Área de Tecnologia e Instrumentação;
3. Área de Teoria e História
D. O percentual mínimo da carga horária total do curso para cada área deverá ser:
1.Área de Planejamento e Projeto - 40 %
2. Área de Tecnologia da instrumentação - 20 %
3. Área de Teoria e História - 20%
Os 20 % restantes serão redistribuídos segundo as características de cada escola e a seu critério;
E. O Currículo Mínimo deve ocupar, no mínimo, 75 % da carga do Currículo Pleno;
F. Os cursos de arquitetura devem ser desenvolvidos num mínimo de 5 anos;
G. Deve ser incluída no Currículo Mínimo a matéria “Paisagismo”;
H. A formação do Currículo Pleno deve levar em conta as características de cada escola bem como da região;
I. O Currículo Mínimo deve garantir a formação dos estudantes, tendo em vista o exercício das atribuições legais
da profissão;
J. O Currículo Mínimo não deve incluir matérias dos cursos secundários que deveriam ser do conhecimento dos
candidatos a cursos universitários;
K. Reafirmar a obrigatoriedade de estágio profissional supervisionado, promovido pelas escolas, durante os
cursos de graduação;
L. que se procure destacar a importância da área de tecnologia e instrumentação adequando-a à formação do
arquiteto.
209
M. que seja dada ênfase à formação de cursos de Pós-Graduação em todo o país, visando a formação de
docentes para as escolas de arquitetura;
N. que se procure diluir as fronteiras interpostas entre o projeto do edifício e o desenho urbano, uma vez que a
organização do espaço urbano é atribuição do arquiteto;
O. que nos concursos vestibulares seja dada ênfase à prova de aptidão, que visem determinar as habilidades
específicas essenciais para a boa formação do arquiteto;
P. que seja definida uma estrutura física básica para os cursos de arquitetura visando a dar a importância
adequada à atividade de projetar, entendida em seu sentido mais amplo.
Q. que seja utilizado o documento “Subsídios para reformulação do ensino de arquitetura”, realizado pela
ABEA, como base para a reformulação do novo Currículo Mínimo.
210
ANEXO D - DIRETRIZES CURRICULARES, 1994
Diretrizes Curriculares. Curso de Arquitetura e Urbanismo
PORTARIA Nº 1.770 - MEC , DE 21 DE DEZEMBRO DE 1994
O MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no art.
4º da Medida Provisória n.º 765, de 16 de dezembro de 1994, e considerando as recomendações dos
Seminários Regionais e Nacional dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, e da Comissão de Especialistas de
Ensino de Arquitetura e Urbanismo da Secretaria de Educação Superior deste Ministério, resolve:
Art. 1° - Fixar as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso de graduação em Arquitetura e
Urbanismo.
Art. 2º - O conteúdo mínimo do Curso de Arquitetura e Urbanismo divide-se em três partes interdependentes:
I) Matérias de Fundamentação, constituindo-se em conhecimentos fundamentais e integrativos de áreas
correlatas;
II) Matérias Profissionais, constituindo-se em conhecimentos que caracterizam as atribuições e
responsabilidades profissionais;
III) Trabalho Final de Graduação.
Parágrafo único - As áreas de estudo correspondentes às matérias de fundamentação e às matérias
profissionais não guardam entre si qualquer exigência de precedência.
Art. 3° - São matérias de Fundamentação:
- Estética, História das Artes.
- Estudos Sociais e Ambientais.
- Desenho.
§ 1º - O estudo de Estética está em conexão com o da História das Artes e dará ênfase às manifestações
ocorridas no Brasil.
§ 2º - Os Estudos Sociais e Ambientais objetivam analisar o desenvolvimento econômico, social e político do
País, nos aspectos vinculados à Arquitetura e Urbanismo, e despertar a atenção crítica para as questões
ambientais.
§ 3º - O estudo do Desenho abrange, além das geometrias e suas aplicações, todas as modalidades expressivas
como modelagem, plástica e outros meios de expressão e representação.
Art. 4° - São Matérias Profissionais:
- História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo. - Técnicas Retrospectivas.
- Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo. - Tecnologia da Construção .
- Sistemas Estruturais.
- Conforto Ambiental.
- Topografia.
- Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo.
- Planejamento Urbano e Regional.
§ 1º - O estudo da História e da Teoria da Arquitetura e Urbanismo envolve o contexto histórico da produção da
arquitetura e do urbanismo, abrangendo os aspectos de fundamentação conceitual e metodológica.
211
§ 2º - O estudo das Técnicas Retrospectivas inclui a conservação, restauro, reestruturação e reconstrução de
edifícios e conjuntos urbanos.
§ 3º - O Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo constitui a atividade criadora, referente à
arquitetura das habitações e edifícios em geral, bem como a projetos de objetos, paisagens, cidades e regiões.
Os temas abordarão problemas de maior interesse social, mediante atenção crítica às necessidades sociais.
§ 4º - Na Tecnologia da Construção incluem-se os estudos relativos aos materiais e técnicas construtivas,
instalações e equipamentos prediais e a infra-estrutura urbana.
§ 5º - Os Sistemas Estruturais consideram, além do que lhe é peculiar, o estudo da resistência dos materiais,
estabilidade das construções e do projeto estrutural, utilizando o instrumental da matemática e da física.
§ 6º - Em Conforto Ambiental está compreendido o estudo das condições térmicas, acústicas, lumínicas e
energéticas e os fenômenos físicos a elas associados, como um dos condicionantes da forma e da organização
do espaço.
§ 7º - A matéria Topografia consiste no estudo da topografia propriamente dita, com o uso de recursos de
aerofotogrametria, topologia e foto-interpretação, aplicados à arquitetura e urbanismo.
§ 8º - O estudo da Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo abrange os sistemas de tratamento da
informação e representação do objeto aplicados à arquitetura e urbanismo, implementando a utilização do
instrumental da informática no cotidiano do aprendizado.
§ 9º - O Planejamento Urbano e Regional constitui a atividade de estudos, análises e intervenções no espaço
urbano, metropolitano e regional.
Art. 5º - As matérias profissionais de Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo, Tecnologia da
Construção, Sistemas Estruturais, Conforto Ambiental, Topografia, Informática Aplicada à Arquitetura e
Urbanismo, que requerem espaços e equipamentos especializados, têm como exigência, para sua oferta, a
utilização de laboratórios, maquetarias, salas de projeto, além dos equipamentos correspondentes.
Art. 6° - Será exigido um Trabalho Final de Graduação objetivando avaliar as condições de qualificação do
formando para acesso ao exercício profissional. Constitui-se em trabalho individual, de livre escolha do aluno,
relacionado com as atribuições profissionais, a ser realizado ao final do curso e após a integralização das
matérias do currículo mínimo. Será desenvolvido com o apoio de professor orientador escolhido pelo estudante
entre os professores arquitetos e urbanistas dos departamentos do curso e submetido a uma banca de avaliação
com participação externa à Instituição à qual estudante e orientador pertençam.
Art. 7° - Cada curso manterá um acervo bibliográfico atualizado de, no mínimo, 3.000 títulos de obras de
arquitetura e urbanismo e de referência às matérias do curso, além de periódicos e legislação.
Art. 8° - Os cursos deverão empreender visitas a obras fundamentais, a cidades e conjuntos históricos e a
cidades e regiões que ofereçam soluções novas, com exigência de apresentação de relatório crítico por parte
dos alunos.
Art. 9° - A carga horária do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo será de 3.600 horas,
exclusivamente destinadas ao desenvolvimento do conteúdo fixado no currículo mínimo, devendo ser
integralizada no prazo mínimo de 5 e máximo de 9 anos.
Art. 10° - No prazo de dois anos a contar desta data, os cursos de Arquitetura e Urbanismo já existentes,
proverão os meios necessários ao integral cumprimento desta Portaria.
Art. 11° - Os mínimos de conteúdo e duração fixados por esta Portaria serão obrigatórios para os alunos que
ingressarem em 1996, podendo as instituições que assim o desejarem, aplicá-los imediatamente.
Art. 12° - Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário,
especialmente a Resolução n° 3/69 do extinto Conselho Federal de Educação.
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