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Orlandi (1996) diz ainda que o sentido está (sempre) em curso, seja pelo
deslizamento que ele pode sofrer, seja pela ambigüidade causada por um termo, um
enunciado, uma imagem. Como os sentidos não são indiferentes à matéria significante, a
relação do homem com os sentidos pode se dar a partir de materialidades variadas: pintura,
imagem, música, escultura, escrita, etc. A matéria significante – e/ou sua percepção – afeta o
gesto de interpretação, dá-lhe uma forma, e é em busca da forma do gesto de interpretação do
discurso cinematográfico que nossa pesquisa avança.
Para trabalhar com a materialidade imagética temos que considerar as
especificidades que a constituem. Segundo Monique Sicard (2000) a interpretação da imagem
não é unívoca e isso nos leva a percebê-la de diferentes formas:
A imagem, na origem, é o reflexo da realidade sobre uma superfície
refletora. Ela é também, ao mesmo tempo, o que parece (mimesis), o que se
vê (phanein), o conhecimento que dá acesso à realidade (eidos), mas também
o que forma a visão, a ilusão (phantasma) que leva a crer na existência de
uma realidade. (SICARD, 2000, p.26)
Percebemos, com base nessa citação, que em nenhum momento é possível relacionar
de forma unívoca a realidade e sua representação imagética, pois a imagem dá acesso ao real,
cria a ilusão de realidade, por isso, nunca podemos confundir imagem com realidade.
Segundo Sicard “O que é imagem para um pode não ser imagem para outro. Assim, a
estética da recepção define a imagem” (SICARD, 2000, p.27), ou seja, a interpretação
produzida sobre a materialidade não-verbal também conta com as condições de produção,
assim como depende do sujeito que a formula. Neste trabalho, buscamos perceber como se dá
o processo de interpretação do discurso cinematográfico, para isso, haveremos de considerar a
pluralidade do funcionamento dessa estética da recepção, sem deixar de lembrar que “É
utópico pensar (...) imagens como se elas fossem sem subjetividade” (Ibid., p.28), seja por
parte de quem as elabora, seja por parte de quem as interpreta.
No caso específico de nossa pesquisa, é a representação do trabalho humano que está
sendo elaborada em forma de imagens, o que já é, em si, uma determinação da analista que
produziu o recorte fílmico, ou seja, o próprio material simbólico carrega, em si, uma marca de
subjetividade. Apesar de que esta determinação das imagens que compõem o nosso recorte
fílmico já faz parte de um processo maior de relações ideológicas, pois, voltando à reflexão de
Sicard: “Todas as imagens de ciência, quaisquer que sejam, são (...) fortemente marcadas
por escolhas culturais, históricas, individuais” (SICARD, 2000, p.28). O que interessa,
sobretudo, no dizer de Sicard é a constituição das imagens por elementos constitutivos do
texto e, conseqüentemente, do discurso. Podemos dizer que essas escolhas às quais a autora